E STA D O D E M I N A S ● T E R Ç A - F E I R A , 1 0 D E N O V E M B R O D E 2 0 1 5 15 GERAIS NUMA BUSCA DRAMÁTICA, PAI SE JUNTA AOS BOMBEIROS E VASCULHA ESCOMBROS PARA TENTAR ACHAR O GAROTO. CORPORAÇÃO DIZ SER REMOTA A CHANCE DE SOBREVIVENTES ARQUIVO PESSOAL EULER JÚNIOR/EM/D.A PRESS Grupo de resgate chega de helicóptero ao subdistrito de Bento Rodrigues, devastado pela lama: Robertino Damasceno ajuda na identificação dos locais onde o filho, de 7 anos, poderia ser localizado À PROCURA DE TIAGO FLÁVIA AYER Enviada especial Bento Rodrigues – A vastidão de lama desafia a crença, embora a esperança se mantenha acesa. São quilômetros e quilômetros de destruição e barro escondendo o destino de pessoas que continuam desaparecidas em Bento Rodrigues, devastada pelo rompimento de duas barragens da Samarco (controlada pela Vale e BHP Billiton). Ontem, o foco do Corpo de Bombeiros foi tentar encontrar o menino Tiago Damasceno dos Santos, de 7 anos. Os pais foram convocados para essa dolorosa missão, e o Estado de Minas acompanhou o trabalho, que foi até o pôr-do-sol. A rua já não existe mais, as casas foram abaixo e o exercício do pai, Robertino Damasceno dos Santos, de 38 anos, foi o de refazer o mapa de Bento na cabeça para ajudar na localização do filho. A criança morava com a avó na comunidade. Vizinhos conseguiram tirar a senhora de casa, mas o menino não escapou do tsunami de lama. Ontem,bombeirospassaramacontar com a ajuda de líderes comunitários e moradores para mapear o endereço de residências e comércio para facilitar a identificação de locais onde podem estar os desaparecidos. Inconsolável, o pai de Tiago prefere o silêncio. A mãe, Geovanna Rodrigues, resume as esperanças em uma só palavra: “Deus”. “A possibilidade de encontrar pes- soas vivas é remota, mas os bombeiros têm sempre que acreditar. Há espaços vitais isolados, como dentro de armários, debaixo de lajes, que podem oferecer possibilidade de sobrevida”, afirma o capitão do Corpo de Bombeiros Rafael Consendey, que comanda a operação. Ontem, 40 homens participavam do trabalho. Por mais de seis horas, bombeiros ficaram se revezando para quebrar a laje da casa onde morava o menino Tiago. Acharam um troféu que os pais reconheceram ser da criança, mas sem sinal do corpo. Ora sob o sol escaldante, ora sob a chuva fina, outro grupo se arrasta na lama numa missão extenuante e lenta. Primeiro, se enfia a estaca nas camadas de barro – que chegam a até 15 metros –, depois se lança o corpo sob a superfície movediça e quilométrica. Após vasculharem a casa, Robertino foi novamente convocado pela corporação. O helicóptero se aproxima do mar de lama e o pai pula da aeronave, em mais um salto de esperança. As horas voam na árdua tarefa de localizar os desaparecidos. Do alto da montanha, a impressão é de se avistar formigas numa imensidão de lama. O sol vai embora. Agora, já são cinco dias sem Tiago. ■ O REENCONTRO COM O LOCAL DA TRAGÉDIA O assobio de João Leôncio soa quase como uma sirene de alerta no meio da comunidade devastada pela lama. É a primeira vez que o aposentado retorna a Bento Rodrigues, onde viveu seus 43 anos. Leôncio foi à procura de dois cachorros, suas paixões, e também da escritura do terreno da casa. Moradores puderam ir à comunidade para buscar documentos e pertences. A visita foi acompanhada da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. A área é vigiada por policiais para evitar saques. A cada olhar de Leôncio no retorno à comunidade, uma lembrança de um vilarejo bucólico convertido em um mar de lama. “Criava mais de 300 passarinhos em cima do meu telhado, mas agora não tem mais nada. Aqui na frente tinha um paiol, ali, um bar”, conta. Leôncio conseguiu salvar a família e três de seus cachorros. Dois ficaram no Bento. A boa notícia é que os bombeiros contaram que Fred, um dos cães, foi resgatado e está em Mariana. Outros animais foram salvos em povoados vizinhos, como Paracatu de Baixo. O comerciante Alair Nicolau da Silva, de 50, também voltou ontem a Bento Rodrigues. Ele vivia no vilarejo com a família. “Umas 40, 50 pessoas”, conta. Todos estão vivos. O retorno trouxe tristeza. “Estou me sentindo na guerra do Vietnã. É um cenário de terror”, afirma Silva, que perdeu tudo. “Acabou, acabou tudo, acabou”, repete. DOUGLAS MAGNO/AFP No povoado de Paracatu de Baixo, animais foram resgatados por equipes de socorro ENQUANTO ISSO... ...TERCEIRO MORTO Autoridades confirmaram ontem a terceira morte provocada pela tragédia de Mariana: Valdemar Aparecido Leandro, de 48 anos, funcionário de uma empresa que prestava serviços à Samarco, a Geocontrole. A primeira foi a de Cláudio Fiúza, 40 anos, também trabalhador de uma empresa terceirizada. Ele teve um mal súbito no local em que as represas se romperam, em Bento Rodrigues. O caminhoneiro Sileno de Lima, da Integral Engenharia, que trabalhava na área no momento do acidente, foi sepultado na manhã de ontem, em João Monlevade, Região Central de Minas. Há dois corpos encontrados em Bento Rodrigues que foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML) de Belo Horizonte para passar por exames e processo de identificação. Ambos são de adultos, um deles do sexo masculino. Na tarde de ontem, uma vítima de sexo feminino teria sido localizada no município de Barra Longa, mas nem a Polícia Civil nem os bombeiros se pronunciaram oficialmente quanto à confirmação. JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS RENASCIDOS DUAS VEZES VALQUIRIA LOPES Enviada especial Mariana – Depois da agonia de fugir do mar de lama para salvar a própria vida, pai e filho, moradores do povoado de Bento Rodrigues, distrito de Mariana, comemoraram por duas vezes a vitória de estarem vivos. Joaquim Zifirino Arcanjo, de 72 anos, e Arnaldo Mariano Arcanjo, de 30, fugiram às pressas do distrito devastado pelo rompimento da Barragem do Fundão, da empresa Samarco, e, mesmo hospedados em um dos hotéis reservados para os sobreviventes da tragédia, foram dados como desaparecidos por quase 24 horas. Eles tiveram os nomes incluídos na lista de procurados pelos órgãos da força pública empenhados no socorro. E somente ontem, por volta das 12h, funcionários da Defesa Civil localizaram a dupla no Hotel Faísca, no Centro da cidade. A história que àquele momento au- mentava o número de desaparecidos para 28 – entre moradores e funcionários – não passou de um mal-entendido, como explica Arnaldo, operário desempregado. “Na hora em que a barragem estourou, meu irmão, André, pescava na área porondealamapassou.Comoeunãosabia onde ele estava, dei o nome dele como desaparecido. Confundiram e incluíram o meu nome, e não o dele. E colocaram também o do meu pai”, contou. Ao lado do filho, o lavrador Joaquim comenta o ocorrido. “Se estávamos dados como sumidos, então nascemos duas vezes porque conseguir sair vivo de Bento foi um milagre”. O idoso, que mora há 62 anos no povoado, lamenta a saída tão traumática. “Foi um desastre. Deixamos tudo para trás. Tudo conquistado em uma vida toda. Morava lá com sete dos meus nove filhos. Eram seis casas. Ficou tudo destruído”, lamenta. Mas é ao falar dos herdeiros que Joaquim se emociona e as mãos correm aos olhos para conter as lágrimas. No terreiro de sua propriedade, o lavrador tinha plantações, cavalos, tirava leite de duas dezenas de vacas e criava mais de 100 galinhas. Restrito ao quarto, corredor e sala do hotel, o sobrevivente diz que a vida ali não tem graça. Sobre o momento do acidente, os dois também se emocionam ao lembrar. “Foi uma correria danada. Era todo mundo correndo pra se salvar. Eu consegui salvar sete pessoas, inclusive uma criança que ia ser levada pela lama dentro de um carro que já descia pela correnteza”, contou. O pai disse ter conseguido sair de carro, com a mulher, um dos filhos e um conhecido. Por pouco, o aposentando não perdeu dois filhos. Além de André, que estava pescando e teve de correr com a lama lhe tomando os pés enquanto subia o morro, Antônio José Arcanjo, de 40, foi levado pela enxurrada em seu carro, que boiou na lama por cerca de três quilô- Dados como desaparecidos, Joaquim e Arnaldo estavam em hotel de desabrigados metros. “Voltei em casa para pegar meus documentos e quase perdi a vida. O carro foi arrastado pela água barrenta. Subi no teto enquanto o carro descia desgovernado. Depois, pulei numa geladeira e, em seguida, numa janela, até alcançar um galho e me salvar. Escapei por um milagre”, conta. Pai e filhos dividem hoje quartos do hotel no Centro da cidade e dizem estar ansiosos sobre o que pode estar por vir. “Não quero voltar pra Bento, mas quero ter minha terra de volta, criar meus animais e viver solto”, comenta o lavrador, que espera uma solução rápida.