Projeto Fecundação: construção e desconstrução de saberes na captação de água de água da chuva em Coronel José Dias - PI Maria Sueli Rodrigues de Sousa Conjunto Morada Nova I, Quadra 03, Bloco 05, apartamento 204 - Lourival Parente, 64023100 Teresina – PI; e-mail: [email protected] Iran Moraes de Oliveira Resumo - O presente trabalho é o registro dos aspectos políticos, culturais e sócioeconômicos do sistema de captação de água de chuva do Projeto Fecundação que está sendo executado, no Semi-Árido piauiense, município de Coronel José Dias, pela Cáritas Brasileira Regional Piauí. Palavras-chave: captação de água de chuva, cisternas, barragens subterrâneas, convivência com o semi-árido, política, sócio-econömicos. INTRODUÇÃO O Projeto Fecundação é uma experiência piloto da Cáritas Brasileira no Semi-Árido piauiense. Nasceu da decisão política da instituição de desenvolver um conjunto de ações articuladas que possibilitassem a melhoria de condições de vida das famílias de um município do Semi-Árido, que pudesse servir de inspiração para o desenvolvimento de políticas públicas de convivência com o Semi-Árido em outros municípios, como sinal de vida e esperança construídas na partilha e na solidariedade. O processo de definição do município moveu-se pelos seguintes critérios: localização no Semi-Árido, dificuldade de acesso à água e abertura política do poder público municipal, bem como das organizações da sociedade civil, em participar da gestão do projeto. O projeto foi estruturado a partir de quatro eixos: recursos hídricos, iniciativas produtivas, capacitação de agentes da convivência com o Semi-Árido e fortalecimento da participação da sociedade civil nas políticas públicas. Semear em Coronel José Dias Coronel José Dias é um pequeno município do Semi-Árido piauiense, criado em 1992, desmembrado do município de São Raimundo Nonato. Está localizado a 550 km de Teresina, com uma área total de 1.789 km² e uma população de 4.800 pessoas, 81% na área rural. Figura 1 – Mapa Demográfico Depois da definição por Coronel José Dias, foi realizada uma coleta de dados para diagnóstico, em que foram apontadas, como conseqüências das estiagens: falta de água para consumo humano e para os rebanhos, dificuldade de acesso a alimentos para as famílias e para os animais, perda total ou parcial das lavouras. O diagnóstico também revelou como origem da água utilizada pelas famílias nas localidades rurais de Coronel José Dias: cacimbas, cisternas, barragens e poços. Em setembro de 2000, foi realizado um seminário municipal de planejamento, com a participação de 95 pessoas, momento em que foi realizado o diagnóstico a partir da coleta de dados. O diagnóstico constatou que as famílias que tiveram acesso às cisternas apresentam as seguintes melhorias: garantia do acesso e qualidade da água consumida; aumento de tempo disponível para outras atividades (antes ocupado para carregar água de longas distâncias); redução de doenças e diminuição da dependência política das famílias em relação ao fornecimento de água (acesso a reservatórios, carros-pipa). Também, constatou que a quantidade de cisternas existentes na época era insuficiente para atender às demandas locais. O seminário de planejamento definiu como princípios ou diretrizes gerais do projeto: difusão de alternativas (disseminação de ações significativas que se tornem referenciais para a população local e para a formulação de políticas públicas); democratização das políticas públicas; fortalecimentos das parcerias, alianças, articulações e afinidades; atenção específica às questões de gênero e de geração; educação para a convivência com o Semi-Árido e manejo adequado dos recursos naturais (hídricos e produtivos) do Semi-Árido. O seminário de planejamento fez a abertura do processo intenso de animação para o projeto, que continuou com o concurso para a escolha do nome que até então era conhecido como Projeto Piloto. Do concurso, nasceu o nome Projeto Fecundação. Também, foi publicado um cordel falando da importância do Projeto para o município e região, foi escolhido o logotipo do projeto e foram confeccionados camisetas e bonés. Junto ao processo de animação, foram sendo construídas condições para a operacionalização do projeto: constituição da comissão gestora (formada pelo poder público e organizações da sociedade civil) e assinatura de termo de parceria por Poder Público e Organizações. Germinar em Coronel José Dias O Processo de Execução do Projeto conta com equipe técnica executiva (03 pessoas), com a comissão gestora, que se reúne mensalmente, com grupos de trabalho (recursos hídricos, gestão, educação e produção) e coordenação da Cáritas Brasileira – Regional Piauí, pelo Programa de Convivência com o Semi-Árido. Os quatro campos de trabalho do projeto - gestão, educação contextualizada, recursos hídricos e produção - estão em pleno desenvolvimento desde 2001, intensificados em 2002, especialmente educação e recursos hídricos. As escolas municipais foram mobilizadas e encontram-se em fase de sensibilização e capacitação em educação contextualizada no Semi-Árido, por meio das oficinas pedagógicas com temáticas apropriadas, envolvendo todo o quadro do ensino formal do município. Há um prognóstico que, ao final de 2003, todas as famílias da zona rural de Coronel José Dias estejam dotadas de uma cisterna. Fazer brotar: guardar a água que o céu enviou O campo de Trabalho Recursos Hídricos do Projeto Fecundação teve início com um diagnóstico hídrico do município, que localizou todas as fontes de abastecimento e reservatório do município. O diagnóstico informou a importância e a necessidade de captar água de chuva como forma de fazer mediação no sistema de saberes locais, nos seus aspectos políticos, culturais e sócioeconômicos. Captar água de chuva apresentou-se como um elemento com substancial capacidade de mover outras capacidades, desconstruir saberes que negam a vida no Semi-Árido e construir saberes que beneficiem uma relação de convivência com as condições climáticas e ambientais do Semi-Árido e uma atitude de transformação das condições sócio-político e culturais que dão sustentação à famigerada indústria da seca no Semi-Árido brasileiro. As cisternas e a barragem subterrânea em Coronel José Dias não são meros captadores de água de chuva; são captadores de vida. Colher frutos 1. Captação de água de chuva e a política A intervenção do sistema de captação de água de chuva na vida política de Coronel José Dias é incisiva. Encontrar famílias que antes viviam a trocar seu voto por água do carro-pipa em reuniões para decidir onde alocar as cisternas, que famílias devem ser beneficiadas naquele momento é um fato inusitado e animador. Por um outro lado, há um poder público bastante sensibilizado e comprometido com a necessidade e a importância de construir cisternas. Transformou a captação de água da chuva por meio de cisternas em uma forte ação política governamental, ampliando as construções do projeto com outros projetos governamentais. Também, há um saldo muito forte para as associações comunitárias - foram reanimadas e estão fortalecidas. rural. Figura 2 – Participação Comunitária 2. Aspectos Culturais da Captação da água de chuva A cultura é a que recebe maior interferência do sistema de Captação de água de chuva em Coronel José Dias. O sistema, por seu impacto inovador, tem um poder forte de desmitificador da problemática da seca, coloca nas mãos das pessoas a possibilidade de se auto-abastacer, dá um caráter cultural a algo que era tido apenas como natural. Intervém nas relações familiares, fazendo com que relações que eram tidas como naturais também passem a ser vistas como culturais. Melhorou e está melhorando as condições de saúde e higiene pelo uso de água tratada, uso de filtro e limpeza dos telhados. As famílias que fazem parte do sistema demonstram-se mais comprometidas com partilhas solidárias, fazem mais momentos celebrativos. Porém, a intervenção mais forte é na educação escolar: redução do analfabetismo e da evasão; oficinas pedagógicas sobre a questão hídrica e inclusão da temática convivência com o SemiÁrido. Aspectos Sócio-Econômicos da captação de água de chuva O sistema de água de chuva, em Coronel José Dias, intervém diretamente na melhoria da qualidade de vida das famílias. Intervém no aumento da renda familiar, visto que há um ganho de tempo para desenvolver atividades produtivas, reduz gastos com medicamentos e com compra de água do carro-pipa, bem como gera postos de trabalhos no processo de construção. Melhorou a saúde (diminuíram as diarréias, dores nas pernas e coluna e problemas renais), deu mais tranqüilidade às pessoas (as cisternas reduzem as preocupações) e, especialmente, melhorou a vida de mulheres e crianças, as responsáveis pelo abastecimento de água (carrego de água na cabeça). Figura 3 – Cisterna de Placas Outra vez semear O Projeto Fecundação – com o seu motor no sistema de captação de água de chuva – tem no seu brotar um fruto todo especial que é o fazer-se reproduzir. A Cáritas Brasileira – Regional Piauí e o Instituto Regional da Pequena Propriedade Apropriada – IRPAA, Juazeiro–BA, que são parceiros no Projeto Fecundação, conduzem a experiência do Fecundação a mais seis municípios piauienses (Pio IX, Flores do Piauí, São João da Varjota, Lagoa do Barro do Piauí, Bonfim do Piauí e Júlio Borges). É o Fecundação fazendo germinar vida no Sertão Piauiense! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAMPOS, Nilson; STUDART, Ticiana. Gestão de Águas - Princípios e Práticas. Porto Alegre : ABRH, 2001. CÁRITAS BRASILEIRA & COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Água de Chuva - O Segredo da Convivência com o Semi-Árido brasileiro. São Paulo : Paulinas, 2001. CÁRITAS BRASILEIRA - Regional Piauí. Projeto Fecundação. Teresina : Impresso, 2001. CÁRITAS BRASILEIRA - Regional Piauí. Relatórios de atividades. Teresina : impresso, 2001 e 2002.