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Para facilitar o nosso trabalho introduziremos uma periodização que contém, seus elementos de
arbitrariedade, mas que satisfaz plenamente às nossas intenções. A essa periodização correspondem
três modelos específicos da economia brasileira. 1 O primeiro abrange o Período Colonial, o Império e
a I República (1500-1930). Para esse período é característico o modelo agroexportador de nossa
economia. Ao segundo período, que vai de 1930 a 1960 aproximadamente, corresponde o modelo de
substituição das importações. O terceiro vai de 1960 aos anos 70 e foi caracterizado como o período da
“Internacionalização do mercado interno”.2
O Primeiro Período
O modelo agroexportador implantado já na época da colônia, fundamentava a organização da
economia na produção de produtos primários, predominantemente agrários, destinados à exportação
para as metrópoles. Durante séculos essa economia se assentava em um só produto de exportação
(açúcar, ouro, café, borracha), razão pela qual o modelo agroexportador era extremamente vulnerável.
Dependia das oscilações do mercado dos países de economia hegemônica. Esse modelo perdurou até a
crise do café, gerada pela crise econômica mundial em 1929.
Podemos dizer que nesse período uma política educacional estatal é quase que inexistente. Basta
ressaltar que o primeiro Ministério de Educação é criado pelo Governo de Getúlio Vargas em 1930.
Isso não quer dizer, porém, que o sistema educacional correspondente aos diferentes momentos desse
período fosse totalmente inoperante. De fato, durante o Brasil-Colônia, funcionou aqui um sistema
educacional montado pelos jesuítas que cumpria com uma série de funções, também importantes para
a coroa portuguesa (Estado).
O quadro teórico fornecido por Gramsci possibilitaria a seguinte interpretação: a fase colonial
caracterizava-se pela inexistência de instituições autônomas que compusessem a sociedade política.
Essa se reduzia às representações locais do poder da metrópole. A sociedade civil era composta quase
que exclusivamente pela Igreja. A infra-estrutura correspondia ao que acabamos de caracterizar como
economia agroexportadora.
Que importância poderia ter a educação dentro de tal formação social? A monocultura
latifundiária exigia um mínimo de qualificação e diversificação da força de trabalho. Essa se
compunha quase que exclusivamente de escravos trazidos da África. Portanto, não havia nenhuma
função de reprodução da força de trabalho a ser preenchida pela escola. A estrutura social também se
encontrava pouco diferenciada: além dos escravos (classe trabalhadora), a compunham os senhores das
“casas grandes”, ou sejam, os latifundiários e donos de engenho; os administradores portugueses
1
2
Veja especialmente: TAVARES, Maria da Conceição: Da Substituição de Importações ao Capitalismo
Financeiro. 2a ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. Mas também: FURTADO, Celso: Análise do Modelo
Brasileiro. 3a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972,
CARDOSO, Fernando Henrique e FALETTO, Enzo: Dependência y desarrolo en América Latina. 3a ed.
México : Siglo Veintiuno Editores, 1971.
50
representantes da Coroa na Colônia e o clero (na maioria jesuítas). A reprodução dessa estrutura de
classes era garantida pela própria organização da produção. À escola, como mecanismo de re-alocação
dos indivíduos na estrutura de classes, era, portanto, dispensável. Restavam-lhe ainda duas funções: a
de reprodução das relações de dominação e a de reprodução da ideologia dominante. As escolas de
jesuítas, especialmente os colégios e seminários em funcionamento em toda a Colônia, preenchiam
perfeitamente essas funções, ajudando e assegurando dessa maneira a própria reprodução da sociedade
escravocrata. Os jesuítas, além de prepararem os futuros bacharéis em belas artes, direito e medicina,
tanto na Colônia como na Metrópole, fornecendo assim os quadros dirigentes da administração
colonial local, formavam ainda os futuros teólogos, reproduzindo os seus próprios quadros
hierárquicos, bem como os educadores, recrutados quase que exclusivamente do seu meio. Com isso a
Igreja Católica não só assumia a hegemonia na sociedade civil, como penetrava, de certa forma, na
própria sociedade política através dessa arma pacifica, que era a educação. Os colégios e seminários
dos jesuítas foram desde o início da colonização os centros de divulgação e inculcação do cristianismo
e da cultura européia, ou seja, da ideologia dos colonizadores. Declaradamente sua função consistia
em subjugar pacificamente a população indígena e tomar dócil a população escrava. Assim, a Igreja,
utilizando-se também da escola, auxiliou a classe dominante (latifundiários e representantes da coroa
portuguesa), da qual participava, a subjugar de forma pacífica as classes subalternas às relações de
produção implantadas.
Apesar da expulsão transitória dos jesuítas do Brasil no fim do Século XVIII, a Igreja preservou
sua força na sociedade civil ainda nas fases do Império e da I República. É ela que, basicamente,
continuava a controlar as instituições de ensino, encarregando-se ainda por muito tempo da função de
reprodução da ideologia. Aliás, são poucas as mudanças sofridas pela sociedade colonial durante o
Império e a I República. A economia continuava sendo agroexportadora. Da monocultura açucareira
passava-se para a cafeeira. A força de trabalho escrava era substituída parcialmente pela força de
trabalho dos imigrantes, que vêm ainda em maior escala quando, no fim do Império, se passava ao
regime do trabalho livre. Mas a estrutura social de dominadores e dominados permanece, em sua
composição básica, a mesma. Não há necessidade de qualificação da força de trabalho imigrante pela
escola brasileira, pois ela já vem qualificada para o tipo de tarefas que a esperam. A dependência
econômica, agora em relação à Inglaterra, permanece a mesma, apesar da independência política do
Brasil. Surge, porém, a necessidade da formação de quadros técnicos e administrativos novos, razão
pela qual se mantêm e se ampliam as inovações introduzidas por D. João VI por ocasião da
transferência da corte portuguesa ao Brasil em 1808 (fundação de escolas técnicas, academias,
instalação de laboratórios, etc.). Com a independência política, torna-se necessário fortalecer a
sociedade política, o que justifica o surgimento de uma série de escolas militares, de nível superior, ao
longo do território nacional. As instituições de ensino não-confessionais passam, assim, a assumir
parcialmente a função de reprodução dos quadros dirigentes. A função de reprodução ideológica,
necessária à submissão das classes subalternas às relações de dominação e às condições do trabalho
explorado, continua sendo desempenhada, paralelamente, pela Igreja e suas escolas confessionais.
Concluindo, poderíamos dizer que no fim do Império e começo da República se delineiam os
primeiros traços embrionários de uma política educacional estatal. Ela é fruto do próprio fortalecimento do Estado, sob a forma da sociedade política. Até então a política educacional era feita quase
que exclusivamente no âmbito da sociedade civil, por uma instituição todo-poderosa, a Igreja.
O Segundo Período - a fase de 1930-1945
O fortalecimento das instituições da sociedade política decorria, por sua vez, da importância que
os aparelhos jurídico e repressivo do Estado adquiriam como mediadores do processo econômico. Este
se limitava, para a fase em questão, praticamente à produção do café para o mercado internacional. Por
isso, a atuação do Estado vai se dar praticamente entre este mercado e os interesses dos cafeicultores
paulistas. Era o Estado que avalizava os investimentos no setor ferroviário, contratava os empréstimos
para a expansão da produção cafeeira nos países de economia hegemônica e incentivava (financiandoa, parcialmente) a imigração da força de trabalho necessária, em decorrência da expansão das lavouras.
51
Foi, finalmente, este Estado quem se encarregou da “socialização das perdas”3, durante a crise de
superprodução cafeeira no início da década de 20. O Estado passou a comprar o produto excedente
com auxílio de créditos adquiridos no exterior, dentro de sua política de “valorização”4.
Uma das conseqüências dessa política foi o aumento ilimitado da dívida externa, por sua vez já
bastante elevada pela custosa importação de bens de consumo.
A crise mundial de 1929 encaminha as mudanças estruturais que vão caracterizar o modelo de
substituição das importações, correspondente ao segundo período que nos propusemos a analisar nessa
retrospectiva histórica.
Esse modelo foi decorrência imediata da crise cafeeira provocada pela crise mundial. A
conseqüente baixa dos preços do café fez com que capitais de investimento se deslocassem para outros
setores produtivos.
A falta de divisas impôs a restrição da importação de bens de consumo. Todos esses fatores
contribuíram para o fortalecimento da produção industrial no Brasil, primeiramente concentrada na
produção dos bens de consumo anteriormente importados. Essa substituição das importações, além de
produzir uma diversificada da produção, relativizou o poder econômico dos cafeicultores e fortaleceu
outros grupos econômicos, especialmente uma nova burguesia urbano-industrial. Essas mudanças
provocaram uma reestruturação global do poder estatal, tanto na instância da sociedade política como
da sociedade civil.
A classe até então hegemônica dos latifundiários cafeicultores é forçada a dividir o poder com a
nova classe burguesa emergente. Em conseqüência dessa nova situação, há uma reorganização dos
aparelhos repressivos do Estado. Com auxílio de certos grupos militares (tenentes) e apoiado pela
classe burguesa, Vargas assume o poder em 1930, implantando, em 1937, o Estado Novo, com traços
ditatoriais. Isto significa que a sociedade política invade áreas da sociedade civil, subordinando-as ao
seu controle. É o que ocorrerá com as instituições de ensino. Percebe-se uma intensa atividade do
Estado em ambas as instâncias da superestrutura. É criado pela primeira vez,5 em 1930, um Ministério
de Educação e Saúde, ponto de partida, segundo Valnir Chagas,6 para mudanças substanciais na
educação, entre outras, a estruturação de uma universidade. De fato, só então são fundadas no Brasil,
as primeiras universidades, pela fusão de uma série de instituições isoladas de ensino superior.7
Estabelece a nova Constituição de 34 (Art. 150a) a necessidade da elaboração de um Plano
Nacional da Educação que coordene e supervisione as atividades de ensino em todos os níveis. São
regulamentadas (também pela primeira vez) as formas de financiamento da rede oficial de ensino em
quotas fixas para a Federação, os Estados e Municípios (Art. 156), fixando-se ainda as competências
dos respectivos níveis administrativos para os respectivos níveis de ensino (Art. 150).
Implanta-se a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário. O ensino religioso toma-se
facultativo.
Parte substancial dessa legislação do ensino é absorvida pela nova Constituição de 1937. Aqui
aparecerão dois novos parágrafos de extrema importância para a refuncionalização do sistema escolar
em vista das mudanças macro-estruturais ocorridas na infra-estrutura e na organização do poder. É
introduzido o ensino profissionalizante, previsto antes de mais nada para as classes “menos
privilegiadas” (Art.129). Dispõe ainda este artigo de lei que é obrigação das indústrias e dos
sindicatos criarem escolas de aprendizagem na área de sua especialização para os filhos de seus
empregados e membros.
Declaram-se obrigatórias as disciplinas de educação moral e política (Art. 131).
Tanto Getúlio Vargas como seu Ministro da Educação, Gustavo Capanema, reforçam em
discursos e iniciativas essas colocações politicas8 da Constituição.
3
FURTADO, Celso: A Formação Econômica do Brasil, Rio de Janeiro, 1961.
Ibid., p.2l8 e segs.
5
Essa afirmação só é válida se negligenciarmos como tal o “Ministério de Instrução, Correios e Telégrafos”,
criado em 1890 e dissolvido depois de dois anos.
6
CHAGAS, Valnir: A Luta pela Universidade no Brasil, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Vol. 48,
jul.-set. 1967, p. 48.
7
Remontam a essa época a fundação das universidades, do Rio de Janeiro, de São Paulo, Belo Horizonte e Porto
Alegre.
8
Cf. Ministério da Educação e Saúde (cd.): Panorama da Educação Nacional. Rio de Janeiro. 1937, p. 9 e segs.
Veja também: PEREIRA DA SILVA, J. (org.): As Melhores Páginas de Getúlio Vargas, Rio de Janeiro 1940.
4
52
De fato, já um ano após a promulgação da lei, são implantadas, por ordem do governo central,
escolas técnicas profissionalizantes (liceus) em Manaus, São Luis, Vitória, Pelotas, Goiânia, Belo
Horizonte e Rio de Janeiro, destinadas a criar, nas palavras do próprio Ministro Capanema, na
moderna juventude brasileira, um “exército de trabalho”, para o “bem da nação”. 9
Temos, pois, no inicio do período que caracterizava o modelo econômico da substituição de
importações, uma tomada de consciência por parte da sociedade da importância estratégica do sistema
educacional para assegurar e consolidar as mudanças estruturais ocorridas tanto na infra como na
superestrutura. Por essa razão a jurisdição estatal passa a regulamentar a organização e o
funcionamento do sistema educacional, submetendo-o, assim, ao seu controle direto. A Igreja passa a
ter influência cada vez menor sobre ele. Isso se comprova por um lado pela transformação do ensino
confessional em facultativo e por outro pela redução da participação das escolas confessionais no
ensino primário. Assim, em 1933, as escolas primárias contavam com 21.726 estabelecimentos de
ensino oficiais (reunindo os estatais e municipais) e 6.044 particulares (incluindo, portanto, os
confessionais). Em 1945 essas cifras se haviam alterado respectivamente para 33.423 e 5.908. Quanto
à matricula geral, ela assume as seguintes proporções: em 1933 se registraram 1.739.613 matriculas na
rede oficial face a 368.006 na rede particular. Em 1945 esses dados se haviam alterado para 2.740.755
na rede oficial e 498.085 na particular. 10 A partir da década de 60 essa tendência também se faz sentir
no ensino médio, se bem que não de maneira tão radical.11 Esses dados ilustram bastante bem como o
Estado a partir da sociedade política toma conta progressiva do sistema educacional, transformando-o
gradualmente de instituição outrora privada da Igreja em um perfeito “aparelho ideológico do Estado”.
A política educacional do Estado Novo não se limita à simples legislação e sua implantação. Essa
política visa, acima de tudo, transformar o sistema educacional em um instrumento mais eficaz de
manipulação das classes subalternas. Outrora totalmente excluídas do acesso ao sistema educacional,
agora se lhes abre generosamente uma chance. São criadas as escolas técnicas profissionalizantes
(“para as classes menos favorecidas”). A verdadeira razão dessa abertura se encontra, porém, nas
mutações ocorridas na infra-estrutura econômica, com a diversificação da produção. Especialmente o
trabalho nos vários ramos da indústria exige maior qualificação e diversificação da força de trabalho, e
portanto um maior treinamento do que o trabalho na produção açucareira ou do café. O Estado,
procurando ir ao encontro dos interesses e das necessidades das empresas privadas, se propõe a
assumir o treinamento da força de trabalho de que elas necessitam. Essa medida política é tomada no
interesse do desenvolvimento das forças produtivas (veja-se o pronunciamento do então Ministro
Capanema de querer “criar um exército de trabalho para o bem da nação”), mas beneficiando
diretamente os diferentes setores privados da indústria.
A nova força de trabalho precisa ser recrutada dentro da nova configuração da sociedade de
classes. Evidentemente não será fornecida pela classe dominante, na qual continuam figurando,
mesmo com seu poder reduzido, a velha aristocracia rural, a burguesia financeira e a nova burguesia
industrial em ascensão. Preocupada em formar seus quadros dirigentes em escolas de elite (na maioria
ainda particulares) esta classe não revela interesse pelo ensino técnico. A força de trabalho adicional
também não poderá ser buscada nos setores médios e baixos da burguesia e da pequena burguesia
ascendente, preocupada em ocupar as vagas do ensino propedêutico, a fim de alcançar um título
acadêmico (uma das formas de ascensão). Pelo grande déficit educacional nas áreas rurais, também
não será o campesinato que fornecerá os elementos que, qualificados pela escola, promoverão o
desenvolvimento industrial. Resta a reduzida classe operária, formada parcialmente pelos
trabalhadores urbanos e rurais imigrados ao Brasil nas décadas anteriores, bem como populações
nacionais migradas para os centros urbanos, semi e desqualificadas, ou seja, “o exército industrial de
reserva”. Assim, as escolas técnicas vão ser “a escola para os filhos dos outros”, ou melhor, a única via
de ascensão permitida ao operário. Que essa via é falsa e se revela um beco sem saída, está implícito
na especificidade dessa escola. Sendo de nível médio, ela não habilita seus egressos a cursarem escolas
de nível superior. Criou-se a dualidade do sistema educacional que, além de produzir e reproduzir a
9
Ministério de Educação e Saúde MEC/SEEC (cd.): Panorama da Educação Nacional, op. cit., p.30 e segs.
Cf. Sinopse Retrospectiva do Ensino no Brasil. Principais Aspectos Estatísticos, Rio de Janeiro, sem data e
página. Se estamos tomando particular como confessional isto só é licito porque o confessional pelo menos é
uma parte do particular. Assim que reduções neste, também afetam aquele.
11
Veja MEC/IBGE (cd.): Brasil – Séries Retrospectivas, 1970, Rio de Janeiro, pp. 249 e 254.
10
53
força de trabalho para o processo produtivo, garante a consolidação e reprodução de uma sociedade de
classes, mais nitidamente configurada que no período anterior.
O sistema educacional do Estado Novo reproduz em sua dualidade a dicotomia da estrutura de
classes capitalista em consolidação. Tal dicotomia é camuflada atrás de uma ideologia paternalista. As
chances educacionais oferecidas pela escolas técnicas (para “os menos favorecidos”) parecem ter
caráter de prêmio.
De fato, elas criam as condições para assegurar maior produtividade do setor industrial. Em
outras palavras, criam a possibilidade de extrair parcela maior de mais-valia dos trabalhadores mais
bem treinados. As condições para essa exploração são criadas e financiadas pelo Estado.12
A fase de 1945-1964
A economia de substituição de importações iniciada em 1930 e fortalecida pela conjuntura
internacional decorrente da II Guerra Mundial produziu o “deslocamento do centro de decisões de fora
para dentro”.13 Em outras palavras, se antes o desenvolvimento da economia agroexportadora dependia
do mercado mundial e, portanto, de decisões que escapavam aos produtores internos, essas decisões
passaram a ser tomadas internamente, quando o setor produtivo passou a satisfazer as necessidades do
mercado interno, produzindo bens de consumo que antes eram importados.
Vimos que foi a crise econômica internacional que desencadeou todos esses processos de
mudança. Mas este processo foi reforçado e assegurado pela II Guerra Mundial. As economias dos
países beligerantes passaram a produzir material bélico e a limitar a produção de bens de consumo
para a exportação. Dessa forma a indústria nacional teve chances de desenvolver-se sem a competição
de produtos estrangeiros. Sem esse momento puramente conjuntural, a substituição das importações
não teria tido grandes êxitos. Prova disso, é que, finda a Guerra, essa situação mudou
fundamentalmente. Os laços de dependência que durante o período de 30 a 45 foram se afrouxando,
agora se restabelecem.14
A fase que vai de 45 até o início dos anos 60 corresponde à aceleração e diversificação do
processo de substituição de importações. Ao nível político, sua expressão mais perfeita é o Estado
populista-desenvolvimentista, que representa uma aliança mais ou menos instável entre um
empresariado nacional, desejoso de aprofundar o processo de industrialização capitalista, sob o amparo
de barreiras protecionistas, e setores populares cujas aspirações de participação econômica (maior
acesso a bens de consumo) e política (maior acesso aos mecanismos de decisão) são manipuladas
tacitamente pelos primeiros, a fim de granjear seu apoio contra as antigas oligarquias. Surge, nessa
fase, um novo protagonista do processo de substituição de importações: o capital estrangeiro, pelo
menos na fase de euforia desenvolvimentista, não é percebido como um inimigo do projeto nacionaldesenvolvimentista, já que sua penetração não parecia ter nenhum sentido desnacionalizante, ou de
expropriação de áreas já ocupadas pelo capital nacional, mas simplesmente o de abertura de novas
frentes de investimento substitutivo. Com o fim do período fácil de substituição de importações, em
que todos os interesses pareciam conciliáveis, vão aflorando os conflitos que até então só existiam de
forma latente.15 O pacto populista começa a fragmentar-se: as pressões distributivistas das massas se
tornam cada vez mais dificilmente harmonizáveis com a manutenção da lucratividade das empresas e
com as necessidades de acumulação, uma vez esgotada a euforia desenvolvimentista. As classes
médias, profissionais liberais, forças armadas, pauperizadas pela inflação, sentem-se excluídas dos
processos decisórios do Estado populista, que não mais representa os seus interesses, e que parece
encaminhar-se para rumos de crescente radicalização. O capital estrangeiro sente no modelo político
12
Se em 1933 havia somente 133 estabelecimentos de ensino técnico industrial, no fim do Estado Novo (1945)
são registrados 1.368 estabelecimentos. A matricula para esse ramo de ensino perfazia 14.693 alunos em
1933 e 65.485 em 1945. Os dados foram retirados de uma tabela apresentada por Lourenço Filho em: Alguns
Elementos para o Estudo dos Problemas do Ensino Secundário, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,
Vol. XIV, no. 40, set.-out. 1950, p. 80.
13
FURTADO, Celso: A Formação Econômica do Brasil, op. cit., p. 218 e, do mesmo autor: A Dialética do
Desemvolvimento, Rio de Janeiro, 1961, p. 118.
14
CARDOSO, Fernando Henrique e FALETTO, E.: Democracia y Desarrolo..., op. cit., p. 144.
15
Ibid., p. l45 e segs.
54
vigente (democracia liberal mais ou menos clássica, que permite uma crescente participação das
massas) uma barreira ao seu projeto de expansão e de gradual absorção do mercado interno, com o
mínimo de freios institucionais ou de interferências reivindicatórias alheias à racionalidade das
decisões econômicas. Começa a delinear-se, no fim do período, uma nova polarização: de um lado os
setores populares, representados, até certo ponto, pelo Estado, e por alguns intelectuais de classe
média; e de outro, um amálgama heterogêneo que compreendia grandes parcelas da classe média, da
chamada burguesia nacional, do capital estrangeiro monopolista e das antigas oligarquias.
Podemos muito esquematicamente dizer que esse último período se caracterizou pela
coexistência contraditória, e às vezes abertamente conflitiva, de uma tendência populista e de uma
tendência antipopulista.
A política educacional que caracteriza esse período reflete muito bem a ambivalência dos grupos
no poder. Essa política se reduz praticamente à luta em torno da Lei Diretrizes e Bases dá Educação
Nacional e à Campanha da Escola Pública.16
A Constituição de 46 havia fixado num dos seus parágrafos (Art. 5 XV, d) a necessidade da
elaboração de novas leis e diretrizes para o ensino no Brasil que substituíssem aquelas consideradas
ultrapassadas do Governo Vargas.
De fato, com a reorganização da economia brasileira no contexto internacional, as funções dadas
à escola pelo Estado Novo não poderiam permanecer intactas.
Mais uma vez o Estado será o mediador dos novos interesses surgidos com a reorganização da
economia nacional e internacional depois da Guerra. Como ao nível da sociedade política a
configuração do poder ainda não se havia delineado claramente, observando-se também aqui, como na
economia, uma fase de transição, a própria legislação educacional brasileira vai passar por uma série
de indefinições (sem produzir tão cedo uma nova lei) que refletem essa transitoriedade.
O texto definitivo de LDB só será sancionado em 1961, remontando a 1948 o primeiro projetode-lei, encaminhado à Câmara pelo então Ministro da Educação, Clemente Manani. Esse projeto, expressão das preocupações populistas do novo governo, procura corresponder a certas ambições das
classes subalternas. A burguesia nacional, ainda a “fração hegemônica” do ‘bloco no poder”17 abre,
nesse projeto-de-lei, algumas concessões às classes camponesa e operária. Primeiro, propondo a
extensão da rede escolar gratuita (primário e secundário), Segundo, criando a equivalência dos cursos
de nível médio (inclusive o técnico), que, além de equiparados em termos formais, apresentam, nesse
projeto, maior flexibilidade: permitem a transferência do aluno de um ramo de ensino para outro,
mediante prova de adaptação.18
Esse projeto, bastante progressista para a época, é engavetado, sendo retomado somente em
1957. Um novo projeto-de-lei conhecido pelo nome de “substitutivo Lacerda”19 é encaminhado à
Câmara. As inovações desse projeto em relação ao anterior e à legislação educacional vigente
consistem em reduzir ao máximo o controle da sociedade política sobre a escola, restituindo-a como
instituição privada, à sociedade civil. Essa preocupação se traduz nos seguintes tópicos propostos:
recorrendo ao direito e dever dos pais de educarem, seus filhos, o projeto propõe que a educação seja
predominantemente ministrada em instituições particulares e somente de forma complementar pelo
Estado (sociedade política). Assim, os pais teriam a possibilidade de optar livremente pelo tipo de
ensino que seus filhos receberiam.
Essa colocação evidentemente esconde um interesse de classe. A fração da burguesia que fala
através da nova proposta de lei não é mais a nacional que procura cooptar a classe operária. Aqui fala a
fração que justamente quer excluí-la de um possível mecanismo de ascensão (mesmo que
16
MACIEL DE BARROS, Rogue Spencer (org.): Diretrizes e Base. da Educação Nacional, São Paulo, 1960. A
coletânea reúne todas as contribuições de importância feitas em debates na época contendo um anexo com
toda a legislação, inclusive os projetos-de-lei.
17
POULANTZAS, Nicos: Pouvoir Politique et lasses Sociales, Vols. I e II, Petite Collection Maspero, Paris,
1971.
18
Veja Projeto-de-lei sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional – elaborado em 1948 por uma comissão
de especialistas por iniciativa do então Ministro da Educação, Dr. Clemente MARIANI, no anexo de
MACIEL DE BARROS, R. S. (org.): Diretrizes.e Baiases..., op. cit., pp. 479-503.
19
Veja Substitutivo ao Projeto de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – apresentado à Câmara dos
Deputados pelo Deputado Carlos Lacerda a 15 de janeiro de 1959, no anexo de MACIEL DE BARROS, R. S.
(org.): Diretriz.. e Bases...., op. cit., pp. 505-22.
55
simplesmente individual). O ensino particular – como se sabe – é ensino pago. Que liberdade teriam os
pais de um camponês, operário ou habitante de favela para escolher uma escola particular para seus
filhos? Essa proposta, que aliás omitia o parágrafo da gratuidade do ensino no Brasil, era obviamente
excludente. Nem por isso o projeto abdicava da subvenção do Estado, propondo que este financiasse a
rede particular, a fim de assegurar a educação adequada de seus futuros cidadãos. Essa tarefa não lhe
daria, porém, em contraposição, o direito de fiscalizar a rede particular. Alegando a liberdade de
ensino, o projeto propunha que esta ficasse ao encargo dos professores e dos diretores das escolas
particulares. Foram justamente estes aspectos do projeto que levantaram uma onda de protestos entre
intelectuais, pedagogos e liberais em todo o Brasil. Em seu “Manifesto dos Educadores” eles se opõem
ao projeto, alertando o público e o governo sobre as implicações dessa proposta.20 Através desse
manifesto, dão ainda início a uma campanha a favor da escola pública com a intenção de impedir a
aceitação desse projeto como lei pela Câmara, Senado e Presidência da República.21
Dos muitos debates travados, resultou finalmente a Lei 4.024 que estabelece as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Ela é o compromisso entre as duas tendências expressas pelos dois
projetos-de-lei (Mariani e Lacerda). Assim ela estabelece que tanto o setor público quanto o particular
têm o direito de ministrar o ensino no Brasil em todos os níveis (Art. 2). A gratuidade do ensino fixada
na Constituição de 46 fica omissa na nova lei. Em casos claramente definidos, o Estado se propõe a
subvencionar as escolas particulares (Art. 95, § 1, c). Se dessa forma os setores privados viram
assegurados os seus direitos triunfando parcialmente a proposta Lacerda, a lei também absorve
elementos da proposta Mariani, como a equiparação dos cursos de nível médio e a flexibilidade de
intercâmbio entre eles (Art. 51). A LDB reflete assim as contradições e os conflitos que caracterizam
as próprias frações de classe da burguesia brasileira. Apesar de ainda conter certos elementos
populistas, essa lei não deixa de ter um caráter elitista. Ela, ao mesmo tempo que dissolve formalmente
a dualidade anterior do ensino (cursos propedêuticos para as classes dominantes e profissionalizantes
para as classes dominadas) pela equivalência e flexibilidade dos cursos de nível médio, cria nesse
mesmo nível uma barreira quase que intransponível, assegurando ao setor privado a continuidade do
controle do mesmo. Assim, a criança pobre, incapaz de pagar as taxas de escolarização cobradas pela
rede, não pode seguir estudando.
Essa lei, que procura estabelecer um compromisso entre os interesses de uma burguesia nacional e
os interesses das frações de classe mais tradicionais, ligadas ao capital internacional, em verdade já
está ultrapassada, quando entra em vigor. Em dezembro de (1961) já se delineiam claramente as novas
tendências da internacionalização do mercado interno. Com isso se anunciam possíveis mudanças na
organização do poder ao nível da sociedade política o que certamente iria levar a reformulações da
política educacional, visando a sociedade civil. Fato é que essa lei tardia passou a materializar-se na
década seguinte nas instituições de ensino. O sistema formal de ensino passou a ser estruturado e
reformulado segundo suas prescrições; os currículos redefinidos; professores, alunos e profissionais
moldados segundo suas diretrizes.
A tão discutida lei se “materializava”, se “corporificava” portanto, no dia-a-dia das salas de aula,
em estruturas de personalidade e em sistemas de pensamento.
A lei, sancionada na instância da sociedade política, passava a funcionar na sociedade civil.
Como – assim se torna quase que óbvio perguntar – a realidade educacional brasileira resolveu na
prática os conflitos e contradições dessa lei? Que funções manifestas ou latentes a nova estrutura de
ensino preenchia para o sistema global em fase de transição?
Uma resposta a essas perguntas só pode ser encontrada numa análise empírica da realidade
educacional.22
20
Cf. O Manifesto dos Educadores, publicado pela primeira vez em O Estado de S. Paul., de 1.6.1959.
Veja FERNANDES, Florestas,: Os Objetivos da Campanha em Defesa da Escola Pública, em: FERNANDES,
Florestan: Educação e Sociedade me no Brasil. São Paulo, 1965, p. 356 e segs.
22
Aqui temos que considerar o time lag entre promulgação e efetivação de uma lei. Se a lei é expressão dos
interesses de uma classe ou coalizão de classes, esses interesses, materializados nos objetivos e fins de ensino
só podem ser analisados na realidade e avaliados de acordo com o seu maior ou menor desvio das intenções
originais, vários anos depois. Por isso, dados empíricos do período 60-70 refletem a materialização de
interesses articulados no fim da década anterior. Assim, os dados educacionais aqui apresentados que, apesar
de já pertencerem parcialmente ao terceiro período que nos propusemos analisar, refletem a conseqüência
prática dos interesses absorvidos na LDB do período anterior. Constataremos essa mesma defasagem quando
21
56
A Política Educacional de 1964 a 1975
Como vimos, o período da substituição fácil de importações esgotou suas possibilidades nos
primeiros anos da década de 60. A demanda por bens de consumo duráveis e não-duráveis, antes
atendida pelas importações, podia agora, em sua maioria, ser atendida pela produção doméstica. Para
que o processo de acumulação pudesse prosseguir, no ritmo de expansão desejado, era necessário
assegurar um crescimento dinâmico da demanda. Não se tratava mais de ocupar um espaço econômico
pré-existente, mas de criar um novo espaço econômico. Este resultado poderia ser obtido – sem que se
alterasse o modo de produção capitalista – de duas formas. A primeira seria a realização de reformas
estruturais (por exemplo, reforma agrária) que permitissem a inclusão das massas populares num
padrão de consumo democratizado. Era a política mais ou menos explícita do Estado populista, que
se frustrou quando a burguesia nacional sentiu que em sua aliança com as classes populares poderia
perder o controle do processo reformista. Este, nas mãos de setores populares, poderia desembocar em
transformações estruturais incompatíveis com a própria sobrevivência do sistema capitalista. O outro
caminho seria a criação de uma demanda adicional, através de uma reorganização da estrutura do
consumo interno e do aproveitamento das possibilidades do mercado externo. Este caminho implicava,
por um lado, uma aristocratização dos padrões de consumo interno e, por outro lado, exportações
maciças, principalmente de produtos manufaturados e semimanufaturados. Foi assim que se gerou,
internamente, um perfil de consumo baseado na extrema concentração de renda e na criação de uma
faixa de consumidores de alto poder aquisitivo e com capacidade praticamente ilimitada de absorver os
bens de consumo, principalmente duráveis, produzidos pela indústria nacional e pelas empresas
multinacionais aqui instaladas; ao mesmo tempo, externamente, o país praticamente decuplicou o valor
de suas exportações. Os investimentos destinados a substituir importações cederam lugar aos
investimentos destinados a produzir bens de consumo sofisticados para o mercado interno e bens
destinados à exportação.
Os dois processos – a aristocratização do consumo e a expansão das exportações – são
interdependentes, e a mediação é assegurada pelo capital estrangeiro, agora representado pelas grandes
empresas transnacionais. O esforço exportador só podia ser realizado, com êxito, pelas grandes
empresas, que tinham subsidiárias no Brasil e utilizavam toda a sua rede internacional de
comercialização para garantir a colocação dos produtos brasileiros. Por outro lado, essas empresas,
instaladas no Brasil, adotam um tipo de tecnologia excludente (altamente poupadora de mão-de-obra),
que resulta numa crescente concentração de renda e na formação de um mercado consumidor
altamente elitista. “Estas características criam um consumidor exigente que requer padrões de
qualidade dos produtos (isto é, tecnologia avançada) independentemente das considerações sociais
sobre a possibilidade de uso de alternativas tecnológicas que empreguem mais mão-de-obra. Criam-se
estímulos de consumo que obedecem aos padrões do mercado internacional, reforçando-se a tendência
prevalente para que a industrialização adote cada vez mais a forma de um processo
internacionalizado.”23 Assim, o capital estrangeiro cria e serve o seu consumidor. Por sua vez, como
dissemos, os dois processos do afunilamento do perfil da demanda e da expansão exportadora se
condicionam dialeticamente. Para atender a esse perfil de consumo, é necessário um substancial
dispêndio de divisas, inclusive para o pagamento de royalties pelo uso da tecnologia importada, o que
provoca um crescente endividamento externo, sendo, portanto, necessário, para fazer frente a esses
gastos (inerentes ao modelo, e não acidentais), o crescimento exponencial da receita de exportações, a
qual, por sua vez, ajuda a financiar um padrão de consumo cada vez menos igualitário.
Essa nova situação tomou-se sociologicamente possível pela fratura do bloco populista e pelo
novo alinhamento segundo o qual a burguesia nacional preferiu divorciar-se dos seus perigosos aliados
da véspera e aliar-se, como sócio menor, ao capital monopolista internacional.
A nova constelação surgida com o colapso do Estado populista permite que o processo da
“internacionalização do mercado” interno, gerado no período anterior, agora se desdobre em toda sua
plenitude. Fundamental para este novo período é a reorganização da produção industrial a partir das
23
analisarmos a legislação da década de 65 a 75. Muitos parágrafos de lei não poderio ser avaliados em sua
efetividade, pelo fato de ainda não terem se consumado e materializado na vida cotidiana.
CARDOSO, F. H.: Industrialização, Dependência e Poder na América Latina, em: CARDOSO, F. H.: O
Modelo Político Brasileiro, Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1972, p. 43.
57
novas técnicas de produção ao mesmo tempo que se assegura internamente a produção dos setores
dinâmicos da economia moderna: a indústria química, eletrônica e automobilística. Dá-se uma nova
“fase de industrialização com hegemonia dos consórcios internacionais”.24 O aumento da
produtividade agora é assegurado pela introdução de moderna tecnologia e know-how desenvolvido
nas metrópoles e pelo excedente estrutural de força de trabalho que permite manter os salários
extremamente baixos. Essas condições possibilitam uma redefinição dos antigos laços de dependência.
A transferência de filiais de consórcios estrangeiros (as multinacionais) para o Brasil só faz sentido, se
houver um mercado interno suficientemente elástico para absorver os bens sofisticados produzidos.
Portanto, há necessidade de garantir o crescimento do poder de compra dos consumidores. Essa
necessidade aparentemente se choca com a outra, mais fundamental, o congelamento dos salários do
trabalhador que torna atraente para as multinacionais a produção no país, assegurando uma taxa de
lucro maior que em suas metrópoles, onde os salários oscilam constantemente em vista de
reivindicações operárias organizadas.
Para solucionar o impasse torna-se necessária “uma reorganização administrativa, tecnológica e
financeira que, por sua vez, implica uma reordenação das formas de controle social e político”.25 Surge
a necessidade de uma política salarial e de distribuição de renda que ao mesmo tempo congele os
salários da massa trabalhadora e crie, como já dissemos, uma classe intermediária de alta renda apta a
consumir os produtos produzidos. Pois, somente pelo consumo interno das mercadorias produzidas, se
realiza a mais-valia, fechando o círculo que garante a reprodução do capital. Neste caso, toma-se,
porém, necessário controlar os movimentos operários e de massa que procurem obter uma participação
maior do produto, mediante reivindicações salariais periódicas.
A nova situação econômica exige, portanto, a reorganização da sociedade política e da sociedade
civil, a fim de que o Estado se torne novamente mediador dos interesses da reprodução ampliada das
empresas privadas nacionais e multinacionais. O Estado, que no fim do período anterior se havia
tomado mais ou menos o porta-voz dos interesses daquelas frações da classe média e das classes
subalternas que eram adeptas da alternativa da democratização do consumo com a preservação da
autonomia nacional, é forçado a ceder à nova tendência da “internacionalização do mercado interno”.
Ë neste momento que “as forças armadas, como corporação tecnoburocrática, ocupam o Estado para
servir a interesses que crêem ser os da nação. Os setores políticos tradicionais (ou seja, as massas
populares e os intelectuais progressistas da burguesia nacional) – expressão, no seio do Estado, da
dominação de classe do período populista-desenvolvimentista – são aniquilados e se busca transformar
a influência militar permanente como condição necessária para o desenvolvimento e a segurança
nacional...”26
A essa reestruturação e redefinição dos aparelhos do Estado corresponde uma reorganização da
própria estrutura de classes. Não que esta fosse transformada em seus traços fundamentais. Pois é para
manter sua configuração básica que a pseudo-aliança de burguesia nacional e povo (classe operária e
camponesa) é dissolvida. A burguesia nacional em sua maioria vai se incorporar, em uma posição
subordinada, à burguesia internacional, a fim de defender seus interesses de classe, que consistem em
assegurar parcela cada vez maior da mais-valia. Juntamente com ela são cooptados alguns setores da
classe média que se tornam essenciais para a implantação e manutenção do novo modelo: os
intelectuais e os tecnocratas. São estes grupos e frações de classe que passarão a usufruir das
vantagens do modelo. A burguesia nacional,_que vai compartilhar com as multinacionais dos lucros
assegurados com o congelamento dos salários dos trabalhadores 27 e a introdução da moderna
tecnologia, e os setores médios, cooptados para o modelo como assalariados altamente remunerados,
vão constituir grande parcela dos consumidores dos bens produzidos. As classes subalternas, excluídas
de qualquer participação tanto política como econômica28 precisam ser privadas de seus mecanismos
democráticos (votos, greves, movimentos reivindicatórios) o que torna necessário uma reorganização e
24
FURTADO, Celso: Análise do Modelo Brasileiro, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1972, 3a ed., p. 68.
CARDOSO, F. H. e FALETTO, E.: Dependencia..., op. cit., pp. 149-50.
26
Ibid., p. 156.
27
CUNHA, L. A. R.: Educação e Desenvolvimento Social no Brasil, Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1975, p.
86, Tabs. 2-6.
28
Ibid., p. 76 e segs., Tabs. 2-3, 2-4, 2-5.
25
58
mobilização da sociedade civil. Os aparelhos repressivos do Estado assumem o controle dos
mecanismos e aparelhos ideológicos (sindicatos, meios de comunicação de massa e escolas).
Esboçado em seus traços gerais o contexto macroestrutural em que se insere a política
educacional do período de 65 a 75, podemos agora analisar as medidas e iniciativas então tomadas,
não só em sua funcionalidade e ação retroativa sobre as estruturas, mas também em sua continuidade
histórica, tendo-se em mente a análise dos períodos anteriores vistos no capítulo precedente. A política
educacional que analisaremos a seguir será o elo mediador entre os impasses educacionais gerados no
passado e as intenções e objetivos a serem realizados com o auxilio da educação no futuro.
A política educacional, ela mesma expressão da “reordenação das formas de controle social e
político”,29 usará o sistema educacional reestruturado para assegurar este controle. A educação estará
novamente a serviço dos interesses econômicos que fizeram necessária a sua reformulação. Essa
afirmação encontra seu fundamento nos pronunciamentos oficiais, nos planos e leis educacionais e na
própria atuação do novo governo militar.
As primeiras diretrizes formuladas por este governo, norteadora s da futura política educacional,
já foram fixadas no inicio do Governo Castello Branco. Estão contidas nas declarações feitas pelo
Presidente aos Secretários de Educação de todos os Estados, em meados de 64: o objetivo do seu
governo seria restabelecer a ordem e a tranqüilidade entre estudante operários e militares. 30 Excluindo
o grupo dos militares podemos dizer que com a nova legislação, promulgada pelo governo militar,
visa-se de fato criar um instrumento de controle e de disciplina sobre estudantes e operários.
Entre 1963 e 1964, acontecem o I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular e o
Seminário da Cultura Popular respectivamentes. O período político que se avizinha a 1964, o chamado
"Golpe Militar" de 31 de março, atravessaria sobremaneira a atuação desses movimentos.
Segundo Saviani, no que se refere à educação, o governo militar "não intencionou criar uma
nova LDB, mas apenas ajustar a que estava em vigor – Lei nº 4.024/61. Dentro desse enfoque, foram
elaboradas as reformas do ensino superior – Lei nº 5.540/68 – e a dos ensinos primário e médio – Lei
nº 5.692/71. Nesse período, inaugura-se a fase tecnicista da educação no Brasil; baseada na
necessidade de "modelar o comportamento humano" através de técnicas específicas, essa teoria
abordava os conteúdos através do ordenamento lógico e psicológico das informações.
As mudanças efetuadas pela reforma do ensino superior (Lei nº 5.540/68) procuraram atender às
exigências, tanto dos professores e estudantes, quanto as dos empresários ligados ao regime militar,
que viam a educação superior como um comércio; sob forte influência dos acordos MEC/USAID31, o
Brasil adotava o "economicismo educativo" calcado nos pressupostos da chamada "Teoria do Capital
Humano".
Contrapondo-se à concepção tecnicista implantada pelo regime militar, vamos encontrar a
concepção crítico-reprodutivista que, segundo o professor Luiz A. R. da Cunha
(...) Contribuiu no sentido de desfazer as ilusões do liberalismo que fundamenta as
concepções "humanista tradicional" – vertente leiga – e "humanista moderna", assim
como as ilusões do "economicismo"da Teoria do Capital Humano.32
Todavia, não se deve esquecer que grassava o discurso do "Brasil-Potência" e para tanto, faziase mister que o país resolvesse ou pelo menos demonstrasse seu interesse em resolver o problema do
analfabetismo, a fim de entrar para o "clube dos grandes".
Se por um lado a LDBEN (Lei nº 4.024/61) foi considerada de base conservadora-reacionária,
no que diz respeito à posição política nela contida, por outro, as reformas do ensino levadas a cabo no
período de exceção – Lei nº 5.540/68 e 5.692/71 – demonstraram o predomínio "economicista",
estabelecido por intermédio da relação direta entre a produção e a educação.
Nesse ínterim compreendido entre 1968 e 1971, tivemos a promulgação da Constituição de 1967
com a devida emenda de 1969. Nela, vamos encontrar "tudo quanto se relaciona com o problema
29
CARDOSO. F. H. e FALETTO, E.: Dependencia..., op. cit., p. 149.
Veja: Castello Branco Reafirma as Diretrizes de seu Governo aos Secretários de Educação, O Estado de S.
Paulo, 10.6.1964.
31
Ministério da Educação e Cultura / United States Agency International Development
32
Luiz A. R.Cunha – Educação e Desenvolvimento Social no Brasil, 1975.
30
59
educacional e com o ensino". Embora sob os auspícios do regime militar, essa Constituição declarava
que a "educação era um direito de todos e dever do Estado".
Período pós abertura política
A tendência tecnicista marcou a educação durante o período militar, por conta disso, iniciaramse fortes críticas por parte dos educadores que se faziam representar por diversas entidades, como:
ANDE, ANPED, CEDES, etc. Os resultados das pressões exercidas por essas entidades foram as
chamadas Conferências Brasileiras de Educação (CBE), ocorridas entre 1980 e 1991. Toda essa
movimentação dá-se concomitantemente ao processo de abertura democrática que vinha sendo
conquistado pela sociedade brasileira.
Assim é que, durante o mandato do presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo33 –
1979/1985 – deu-se o processo de abertura política, tendo como fatores fundamentais o retorno do
pluripartidarismo e a Lei de Anistia. A principal resistência política encontrada durante o governo João
Figueiredo era feita pelo sindicalismo brasileiro, sobretudo na região do ABC paulista, na qual ganhou
destaque a liderança de Luís Inácio Lula da Silva34, sindicalista e um dos fundadores do Partido dos
Trabalhadores (PT).
A crise econômica se avolumava no país discutia-se a dívida externa e as exorbitantes taxas
inflacionárias. O período de sucessão do presidente Figueiredo é marcado pela apresentação ao
Congresso Nacional, da emenda "Dante de Oliveira"35, cujo teor previa a realização de eleições diretas
para presidente; tal emenda, engendrou uma campanha a nível nacional, dando origem ao movimento
"Diretas Já". No entanto, a emenda "Dante de Oliveira" foi refutada na Câmara.
Uma vez derrotada a citada emenda, o extinto Colégio Eleitoral cumpre aquilo que seria seu
último ato, ou seja, elege o presidente Tancredo Neves - candidato pela Aliança Democrática - que
vem a falecer antes de assumir efetivamente o cargo; em conseqüência, assume a Presidência da
República, seu vice, José de Ribamar Sarney, responsável pela transição do antigo regime à
consolidação da "democracia", através da Constituição de 1988.
Esse recorte do panorama político brasileiro é importante para que se possa entender a
correlação de forças presente no momento em que a comunidade educacional organizava-se para
influir no texto da Carta Magna que estava sendo gestada no Congresso Nacional Constituinte em
fevereiro de 1987. Fruto da IV Conferência Brasileira de Educação, realizada na cidade de Goiânia, no
ano de 1986, surge a chamada "Carta de Goiânia", cuja finalidade era subsidiar a confecção do
capítulo constitucional que trataria da educação.
Essa proposta marcaria um longo debate em torno do novo projeto de LDB que culminaria com
a aprovação da Lei nº 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação – vigente até os dias atuais.
Apesar de não se constituir objeto de aprofundamento da presente reflexão, discorreremos sobre o seu
arcabouço, a fim de caracterizarmos em que medida o Estado brasileiro vem se tornando mínimo no
que se refere às garantias sociais, dentre elas, o direito inalienável à educação pública de qualidade.
Ao referir-se à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9393/96), o professor Demerval Saviani,
assim se expressa
(...) Para se compreender o real significado da legislação não basta ater-se à letra da
lei; é preciso captar o seu espírito. Não é suficiente analisar o texto; é preciso
analisar o contexto. Não basta ler nas linhas; é preciso ler nas entrelinhas.
É, portanto, com esse olhar crítico que devemos encarar o texto e o contexto da LDB que, teve o
seu início tão logo a Constituição de 1988 fora promulgada.
Ao contrário do que ocorreu durante a discussão da Lei nº 4.024/61, em que apenas liberais e
conservadores debateram a questão educacional; o projeto de Lei nº 9394/96, teve ampla
representatividade da sociedade acadêmica do país, traduzida pelos fóruns estaduais e municipais que
se constituíram como desdobramentos do Fórum em Defesa da Escola Pública. Uma vez conseguida a
33
Último presidente do Regime Militar
Atual Presidente do Brasil.
35
Deputado Federal pelo Estado do Mato Grosso.
34
60
aprovação na Câmara dos Deputados (1993), o projeto seguiu para o Senado Federal; entretanto, ao
dar entrada naquela casa - desta feita já em forma de Substitutivo – o Substitutivo Cid Sabóia que
expressava as propostas oriundas dos diversos fóruns realizados, sofreria uma disputa acirrada com o
projeto do Senador Darcy Ribeiro, que por sua vez, expressava a articulação da base governista tanto
no Senado, quanto na Câmara dos Deputados.
Após Fernando Henrique Cardoso assumir a Presidência do país, a matéria passou a ser
apreciada, sendo o seu relator na Comissão de Constituição e Justiça, o próprio Senador Darcy Ribeiro
que, através de manobras regimentais, conseguiu que o projeto de sua autoria substituísse aquele
apresentado na Câmara dos Deputados; passando as propostas originárias dos Fóruns Educacionais a
meras emendas textuais; ainda assim, conseguidas por intermédio de lobistas.
Sem ensejar entrar no mérito da análise contextual da Lei nº 9394/96; podemos observar a
fragmentação da organização educacional no país. Tida como "descentralizada" pelo MEC, ela
preconiza que, caberá a cada instância governamental (União, Estados, Municípios e Distrito Federal)
a organização dos seus respectivos sistemas de ensino, em regime de colaboração. Quanto ao MEC,
cabe-lhe o papel de formulador de políticas e planos educacionais, assessorado pelo Conselho
Nacional de Educação que passa a ter funções "Normativas e de Supervisão".
Fica claro, portanto, que a LDB vigente estruturou-se sob uma concepção democráticorepresentativa, cuja essência limita a participação da sociedade ao momento do voto, dado àqueles que
irão representá-la. Ao proceder à análise pormenorizada do texto da LDB, o professor Saviani elenca
dois objetivos implícitos no referido documento; aos quais passa denominar de "objetivos
proclamados" e "objetivos reais"
"(...) A função de mascarar os objetivos reais através dos objetivos proclamados é exatamente a
marca distintiva da ideologia liberal, dada a sua condição de ideologia típica do modo de produção
capitalista o qual produziu, pela via do "fetichismo da mercadoria" a opacidade nas relações sociais."
Nesse sentido, o eminente educador alude a três contradições – ainda que existam muito mais –
marcantes na Lei nº 9394/96; em primeiro lugar a contradição entre homem e sociedade, em segundo,
entre o homem e o trabalho e por último, a contradição entre o homem e a cultura.
Conclusão
Na impossibilidade de esgotar o assunto, mas apenas cumprindo o percurso temporal ao qual nos
propusemos no início dessa reflexão (1889 a 1989), extrapolando-o no que foi necessário somente para
compreendermos todo o contexto; podemos inferir sobre alguns aspectos que deram sustentação ao
sistema de ensino vigente no país.
O primeiro apontamento, diz respeito à mínima participação real da sociedade no desenrolar do
processo, ficando a decisão sobre os destinos da educação, a cargo de uma minoritária elite política; o
segundo refere-se à tensão provocada pela correlação de forças imiscuída nos embates que, ao
demandarem um longo período de discussão, acabaram por aprovar uma lei senil e por isso mesmo,
descontextualizada no que tange aos anseios da comunidade acadêmica; e por último, mais do que a
sensação, mas a efetiva constatação "minimalista" inclusa no corpo do documento atual que
regulamenta o ensino brasileiro que, em síntese, serve para ratificar a igual política de "Estado
Mínimo" que tem norteado a proposta governamental nos últimos anos.
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Política Educacional: Uma Retrospectiva Histórica ( Bárbara Freitag)