RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS Edição Nº 100 [ 23/8/2012 a 29/8/2012 ] Sumário CINEMA E TV...............................................................................................................4 La Nacion (Argentina) - Historias que sólo existen al ser recordadas.............................................4 Página 12 (Argentina) – Un pueblo de tiempos muertos.................................................................4 Folha de S. Paulo - Curta é o único representante do país em concurso.......................................6 Folha de S. Paulo - Festival de curtas revê origens do cinema.......................................................6 Folha de S. Paulo - Após seis anos, Heloísa Périssé estreia filme 'O Diário de Tati'......................8 Zero Hora - O Brasil se vê na TV....................................................................................................9 Zero Hora - À procura de roteiristas................................................................................................9 Folha de S. Paulo - Demolições e "enfeiamento" de SP são tema de documentário....................10 O Globo - Um Circo, dois voos......................................................................................................11 Carta Capital - A busca pelo tipo comum......................................................................................12 Folha de S. Paulo - Tecnologia barateia custos de produção.......................................................14 Estado de Minas - Um exercício de Experimentação....................................................................14 Correio Braziliense - Festa dos filmes livres .................................................................................15 Correio Braziliense - Dois olhares e uma história .........................................................................16 Correio Braziliense - Três perguntas / Entrevista / Vicente Amorim..............................................18 Correio Braziliense - Três perguntas / Entrevista / Fernando Morais............................................19 O Estado de S. Paulo - Entre relíquias e novidades......................................................................19 TEATRO E DANÇA....................................................................................................21 Estado de Minas - Diálogo atemporal ...........................................................................................21 Brasil Econômico - Dança contemporânea une artistas experientes e iniciantes .........................22 Zero Hora - Crescendo a passos largos........................................................................................23 Folha de s. Paulo - 'Olimpíada' de música erudita tem coreografia de Ismael Ivo em ópera........24 ARTES PLÁSTICAS...................................................................................................25 Zero Hora - Mostras para o acervo................................................................................................25 Le Monde (França) - Les frères Campana taillés dans le bronze..................................................26 O Estado de S.Paulo - Mudanças próximas em Inhotim...............................................................27 O Estado de S. Paulo - IAC exibe estudos de Willys de Castro....................................................28 O Estado de S. Paulo – Realismo sóbrio......................................................................................29 FOTOGRAFIA............................................................................................................31 O Estado de S. Paulo - Álbuns de família.....................................................................................31 MÚSICA......................................................................................................................32 Estado de Minas - Para lembrar Gonzagão.................................................................................32 Estado de Minas - Dois craques....................................................................................................33 O Estado de S.Paulo - Bendito Juarez!.........................................................................................35 O Estado de S.Paulo - Treme, Dona Onete..................................................................................36 Folha de S. Paulo - Sem voz, Gil resgata canções da prateleira dos 'greatest hits'......................37 Correio Braziliense - Sons do planeta...........................................................................................38 Folha de S. Paulo – Nelson Freire trata brasileiros com respeito em disco delicioso....................40 LIVROS E LITERATURA...........................................................................................41 Correio Braziliense - A simplicidade da erudição .........................................................................41 Folha de S. Paulo - Os novos brasileiros / Painel das Letras .......................................................43 Folha de S. Paulo - Biografia' de João Gilberto segue livre...........................................................43 RTP Notícias / Lusa (Portugal) - Crescente interesse pelo português é "um avanço conjunto" da CPLP.............................................................................................................................................44 ARQUITETURA E DESIGN........................................................................................45 Estado de Minas - Criação permanente .......................................................................................45 GASTRONOMIA.........................................................................................................47 OUTROS.....................................................................................................................48 Folha de S. Paulo - Rouanet é 'página virada', diz criador de lei de incentivo...............................48 Jornal de Angola (Angola) - Valongo como património da humanidade........................................49 2 Correio Braziliense - A estética do índio .......................................................................................50 3 CINEMA E TV La Nacion (Argentina) - Historias que sólo existen al ser recordadas Por Diego Batlle Sonia Guedes, protagonista de la ópera prima de Murat. Foto: Cepa audiovisual (23/8/2012) Historias que sólo existen al ser recordadas (Historias que so existem quando lembradas Brasil-Argentina -Francia / 2011) / Dirección: Julia Murat / Guión: Julia Murat, María Clara Escobar y Felipe Sholl / Fotografía: Lucio Bonelli / Música: Lucas Marcier / Edición: Marina Meliande / Dirección de arte: Marina Kosovsk / Elenco: Sonia Guedes, Lisa Favero, Luiz Serra, Ricardo Merkin y Antonio Dos Santos / Distribuidora : Cepa audiovisual / Duración: 98 minutos / Calificación: apta para todo público en el Gaumont- Espacio INCAA KM0 / Nuestra opinión: Muy buena En su presentación por escrito del film, la joven directora brasileña Julia Murat cita influencias tan variadas que van del realismo mágico de Gabriel García Márquez al exquisito cine del japonés Hirokazu Kore-eda y del chino Jia Zhang Ke, del documental etnográfico a la fotografía y la pintura de Rembrandt y Caravaggio. Esta vez, el resultado artístico está en sintonía con (y podría decirse que a la altura de) semejantes referencias. Melancólica mirada al fin de una época, retrato sobre los choques generacionales pero también sobre el diálogo entre tradición y modernidad, Historias que sólo existen al ser recordadas está ambientada en un pueblo perdido en el medio de la nada y al borde de la extinción. Minimalista, lírica, enigmática, la ópera prima de ficción de Murat nos sumerge en ese mundo que está a punto de desaparecer (y que al mismo tiempo es redescubierto por el cine) de la mano de la relación que se establece entre la veterana Madalena (Sonia Guedes), una de las últimas habitantes de un enclave norteño que realiza cada día una lenta rutina que incluye amasar el pan, caminar por las vías de un tren que hace años ha dejado de pasar, y escribirle cartas a su difunto marido, y Rita (Lisa Favero), una joven y entusiasta fotógrafa que llega al lugar y decide quedarse para registrar a sus personajes y lugares (incluido el cementerio, que permanece casi siempre cerrado). Película de fantasmas, ensayo sobre la memoria y el paso del tiempo, Historias. se nutre del ajustado tempo que le imprime Murat y de la bellísima construcción visual (tanto en tomas diurnas como nocturnas) concretada por la realizadora en sociedad con el director de fotografía argentino Lucio Bonelli. Talento sudamericano para una pequeña joya, de esas que -lamentablemente- llegan muy de vez en cuando a la cartelera comercial. Página 12 (Argentina) – Un pueblo de tiempos muertos CINE › HISTORIAS QUE SOLO EXISTEN AL SER RECORDADAS, DE JULIA MURAT La ópera prima de la directora carioca habla, como sin decirlo, de relaciones entre lo viejo y lo nuevo, entre vida y fotografía. Entre lo que se entiende por atraso y lo que se llama progreso y entre el poder de la religión y sus grietas. 4 Por Horacio Bernades (23/8/2012) Todas las mañanas la misma escena. Tonio, el almacenero, le pide a Madalena, la panadera, que deje el pan en la canasta. Madalena no le hace caso y sin decir nada lo pone en la alacena. Tonio protesta: “Vieja testaruda”. Veinticuatro horas más tarde, lo mismo. Dejado de lado para siempre por el entorno, el tiempo y la economía, parecería que a la vida cotidiana del pueblito no le queda otra cosa que la repetición. La repetición y la muerte: sólo quedan viejos, los jóvenes se habrán ido todos. Un día una joven llega, de paso por la zona. No es que su llegada vaya a torcerle el destino al pueblo, pero tal vez produzca algunos cambios, pequeños en apariencia aunque quizá significativos. De repeticiones y tiempos cristalizados, de muerte y mutaciones pequeñísimas, casi imperceptibles, trata la coproducción brasileño-argentina Historias que sólo existen al ser recordadas. La ópera prima de Julia Murat (Río de Janeiro, 1979) habla también, siempre como sin decirlo, de relaciones entre lo viejo y lo nuevo, entre vida y fotografía. Entre lo que se entiende por atraso y lo que se llama progreso y, también, entre el poder de la religión y su agrietamiento. Ubicado en medio de una naturaleza tan exuberante como suele ser la brasileña, el pueblo, que la ficción mantiene anónimo, cuenta, por lo visto, con diez últimos pobladores, todos ellos de 70 para arriba. Los diez que van a la iglesia, único centro social del lugar, y que frente al sermón del cura se ubican siempre cinco de un lado, cinco del otro. No hay escuela en el pueblo (para qué, si no hay niños ni va a haber), no hay médico ni hospital, no hay bar y lo más parecido a un club es el andén abandonado, donde los varones se juntan a jugar algo semejante a las bochas. El andén está abandonado porque las vías lo están, signo por excelencia de que la aldea quedó a un costado de todo. Lo que hay es iglesia y cementerio. La iglesia está abierta y funciona a pleno. El cementerio, no. Dueño de la única llave, por algún motivo el cura quiere mantenerlo cerrado. Para los pobladores –tan sometidos a la mística y la magia como las tradiciones brasileñas en la materia lo indican– el que cerró el cementerio fue Dios, que “le dio la orden al cura”. La llegada de Rita, chica de ciudad y fotógrafa en blanco y negro, dueña de cámaras viejas, analógicas y caseras, producirá sobre Madalena, y sobre el pueblo en general, algunos cambios muy poco estentóreos, pero tal vez relevantes. Cambios e intercambios: ella fotografía a una Madalena que en sus últimos días parece renacer, mientras la anfitriona le enseña a hacer pan casero. Pausada, callada y carente de todo apuro, Historias que sólo existen... se impregna del clima del lugar. Clima húmedo y brumoso (la vegetación, la montaña), clima quieto, en el que no hace falta nombrar a la muerte para que se haga presente. Presente en el pasado (las cartas que Madalena escribe a su marido, como si todavía estuviera ahí), en el futuro (el pueblo está condenado), por lo tanto en un hoy que siempre parece pasado. Incluso cuando los pobladores se ponen a bailar un viejo tema folklórico, el tema es pura melancolía, los bailarines semejan fantasmas, el baile da la impresión de ser el último. Con una notable fotografía del argentino Lucio Bonelli (“comenzamos estudiando a Rembrandt y terminamos con Caravaggio”, dice, refiriendo a la transición entre brumas y noches cerradas, con luces temblorosas en medio del negro absoluto), podría objetársele al film de Murat algún exceso, que en medio de una propuesta tan minimalista como ésta hace algo más de ruido que lo normal. Exceso de hijos muertos (¿no bastaba con que hubieran partido?), de frases sentenciosas (aunque debe reconocerse, la gente de campo suele serlo), de alguna obviedad en el papel del cura como representante del reaccionarismo más cerril (“Los vicios de las mujeres son llorar, parir, coser y rezar”, afirma sin perder seriedad). Aun así, este film que pasó por los festivales de Venecia, Toronto, San Sebastián y Rotterdam, ganando premios en algunos de ellos, es climático, coherente y estimable, agregando un nuevo nombre –el de Julia Murat– a un panorama como el latinoamericano, al que los nombres a seguir no suelen sobrarle. 7-HISTORIAS QUE SOLO EXISTEN AL SER RECORDADAS Historias que só existem quando sembradas (Brasil/Argentina, 2011) Dirección: Julia Murat. Guión: J. Murat, María Clara Escobar y Felipe Sholl. Fotografía: Lucio Bonelli. Música: Lucas Marcier. Intérpretes: Sonia Guedes, Lisa Favero, Luiz Serra, Ricardo Merkin y Antonio dos Santos. 5 Estreno: en el cine Gaumont-Incaa Km 0. Folha de S. Paulo - Curta é o único representante do país em concurso Rodrigo Salem de São Paulo (23/08/2012) A missão de representar o Brasil na seleção oficial do Festival de Cinema de Veneza está a cargo do curta-metragem "O Afinador", dos diretores paulistas Fernando Camargo e Matheus Parizi. O filme de 15 minutos custou R$ 60 mil de recursos próprios da dupla de diretores e integra a mostra Orizzonti ("Horizontes"), que é composta por novos cineastas. Outro curta brasileiro, "Porn Karaokê", estará em Veneza, mas em uma mostra paralela ao circuito oficial. O filme de Camargo e Parizi conta a história de um afinador de pianos (Lui Seixas) que trabalha na oficina do pai e deseja se tornar um pianista famoso. "É uma profissão antiga passada de pai para filho. Procuramos uma loja no Belenzinho, que é um bairro diferente em São Paulo, onde as pessoas se conhecem", explica Camargo, que teve a ideia do argumento após uma crise com a profissão. Apesar de o curta ter sido "feito na garra", como costuma dizer Parizi, ele tem Sandra Corveloni, melhor atriz no Festival de Cannes de 2008 por "Linha de Passe". "A gente tinha um orçamento pequeno e até ficou com vergonha de falar quanto poderíamos pagar", confessa Camargo. "Mas ela falou que gostou da história e da personagem. Sandra acreditou no projeto." Os brasileiros chegam a Veneza em 2 de setembro e o curta será exibido, pela primeira vez, no dia 6. Os cinéfilos também poderão acompanhar pela Internet. Haverá exibição simultânea on-line -ao custo de cerca R$ 10- dos filmes da mostra "Horizontes" no site do festival (www.labiennale.org). "Estar em Veneza traz uma sensação boa e demonstra se tratar de uma curadoria séria, que reúne filmes que experimentam", diz Parizi. Folha de S. Paulo - Festival de curtas revê origens do cinema Mostra, que começa hoje em São Paulo, relembra o legado de Georges Méliès e apresenta obras inéditas no país 6 Seleção traz filmes de Jorge Furtado e Louis Garrel e reúne mais de 350 títulos em sessões gratuitas até o dia 31/8 Douglas Gavras (23/08/2012) O ano é 1902. Um grupo heterogêneo de curiosos se reúne ao redor de um projetor de filmes para assistir a aventura insólita que seis sábios, membros do Clube dos Astrônomos, empreendem em uma expedição rumo à Lua. Cento e dez anos mais tarde e algumas léguas para o oeste, o público poderá rever as origens do cinema com a exibição de "Viagem à Lua", produção do francês Georges Méliès (1861-1938) considerada pioneira da animação no cinema e parte da programação do 23º Festival de Curtas Metragens de São Paulo. O festival, que abre amanhã para o público, exibe até 31 de agosto mais de 350 filmes em sessões gratuitas. Um dos convidados é o curador Serge Bromberg, que liderou a restauração do filme célebre de Méliès, que, como recorda o francês em entrevista à Folha, "criava mundos fantásticos" aplicando efeitos fotográficos que aprendeu em seus shows de ilusionismo. "Méliès é o herói de Tim Burton, Steven Spielberg e George Lucas. Fez animações em uma época em que a magia da ficção se expressava através dos romances de Júlio Verne", disse Bromberg, que administra um acervo de mais de 40 mil filmes raros. O francês exibirá curtas clássicos em sessões acompanhadas ao piano, ao vivo, pelo grupo instrumental O Grivo, que trabalha na composição de trilhas sonoras. "Um efeito especial atrás do outro não é mais magnífico, mas, quando você assiste a um filme antigo, é tão inocente que se torna impossível não se comover", diz. Entre as raridades, o festival apresenta dois curtas sobre o Brasil, concebidos em 1925 e 1932 e ainda inéditos no país. "Os títulos são surpresa, o espectador brasileiro não irá se arrepender", adianta Bromberg. Questionado sobre o papel do cinema nos dias de hoje, ele é enfático. "Ainda é pelos filmes que se dá uma das formas mais simples, humanas e sinceras de integração." HISTÓRIAS BREVES "Apostamos na diversidade de olhares e discursos do cinema", define Zita Carvalhosa, diretora da mostra. Entre os destaques internacionais está "A Regra de Três". Dirigido e protagonizado pelo ator francês Louis Garrel, acompanha três amigos que dividem sonhos e incoerências em uma terça-feira de primavera em Paris. A programação conta também com "Até a Vista", do gaúcho Jorge Furtado. No filme, um aspirante a cineasta vai até Buenos Aires a fim de tentar comprar os direitos de um livro e encontra o autor, que pede em troca uma viagem ao Brasil, para reencontrar seu passado. O festival apresenta ainda "A Dama do Estácio", em que Eduardo Ades conta o drama de uma prostituta, vivida por Fernanda Montenegro, que antevê a própria morte e decide se preparar para isso. 7 Folha de S. Paulo - Após seis anos, Heloísa Périssé estreia filme 'O Diário de Tati' Longa, que tem Adnet como galã, teve problemas na distribuição Alberto Pereira Jr. de São Paulo (24/08/2012) Em 2006, quando "O Diário de Tati" foi rodado, Heloísa Périssé estava no ar na TV com a série "Sob Nova Direção", da Globo. O público, também, tinha mais fresco na memória a personagem adolescente, que estrelou um quadro no "Fantástico" (2002), passou pelos palcos na peça "Cócegas" e ainda viraria um livro, lançado pela Objetiva em 2003. Marcelo Adnet, que interpreta o galã Maurinho, dava os primeiros passos na TV com pequenas pontas em produções globais. Seis anos depois, com ambos os atores experimentando bastante fama -Heloísa é a Monalisa de "Avenida Brasil", e Adnet, desde 2008, a estrela maior da MTV-, "O Diário de Tati" chega, hoje, finalmente aos cinemas. "Aconteceu com 'O Diário de Tati' algo que, na minha maneira de entender o modelo de produção de cinema no Brasil, pode ocorrer com qualquer filme", disse Mauro Farias ("Não Quero Falar sobre Isso Agora", de 1989). O diretor se refere à demora de dois anos para captar recursos para a finalização do projeto e problemas com estúdios internacionais. "A Paramount passou para a Universal os direitos do filme e a empresa fez muitas exigências até decidir sair do projeto. Na minha opinião, eles não queriam lançá-lo." A Ancine (Agência Nacional do Cinema) precisou entrar na história, que teve um final feliz com a chegada da produção a cem salas de cinema pelo Brasil, por meio da Globo e da Vinny Filmes. "Agora eu sou quase a mãe da Tati", conta, aos risos, Heloísa, 46, que também assina o roteiro, ao lado de Tiza Lobo e Paulo Cursino. "Mas acho que questões de adolescência são universais. Você já foi, está sendo ou será adolescente." HISTÓRIA No filme, Tati vive uma relação complicada com sua mãe (Louise Cardoso) e com seus irmãos em casa. Na escola, a vida não é mais fácil. Apaixonada por Zeca (Thiago Rodrigues), ela o vê se envolver com seu desafeto (Thaís Fersoza). A situação se complica quando fica de recuperação em matemática. Bancada por seu pai (Marcos Caruso), ela contrata Maurinho (Adnet) para aulas particulares. Mesmo com algumas gírias já datadas, o filme tem um apelo bem popular e infantil. "Seria genial atingir 1 milhão de espectadores. É o ponto em que a gente paga as contas", afirma Farias. Heloísa Périssé não descarta uma sequência para a produção. No dia 12 de outubro, a atriz lançará o livro "O Diário de Tati 2". 8 Zero Hora - O Brasil se vê na TV Marcelo Perrone (24/08/2012) Os canais por assinatura passarão a exibir mais atrações produzidas no Brasil a partir de 2 de setembro. Nesta data, entrará em vigor a lei que determina cotas mínimas de conteúdos nacionais na grade de programação da TV paga – e em horário nobre Eem vigor desde 12 setembro de 2011, é só a partir de 2 de setembro que será posta em prática uma das questões mais controversas da Lei 12.485, que enquadra o setor da TV por assinatura no Brasil: a que determina cotas de conteúdo nacional e horários de veiculação na programação dos canais. Se a abertura do setor às empresas de telefonia foi imediata à sanção da lei e permitiu que novas operadoras acirrassem a concorrência, a interferência na programação segue em discussão. No entendimento de canais, operadoras e produtoras, restam pontos nebulosos. A sintonia deverá será ajustada em pleno ar. Trocando em miúdos, o espectador, num primeiro momento, pouco vai notar de diferente. Muitos canais de filmes, seriados, desenhos animados e programas de variedades, os abarcados pela lei, já exibem conteúdo nacional. Mas terão de ajustar suas grades para exibir, numa escalada progressiva, até setembro de 2013, um total de 3 horas e 30 minutos semanais de conteúdo brasileiro no horário nobre. A Agência Nacional do Cinema (Ancine), a quem cabe regular e fiscalizar essa parte da lei, defende que a medida valoriza a cultura brasileira e fomenta a produção audiovisual nacional (veja na página 5), que passa a contar com R$ 400 milhões anuais via mecanismos de financiamento. – É uma lei complexa, que já mudou tantas vezes e ainda está sujeita a interpretações. Trata todos os canais de forma igual quando deveriam ser avaliadas as particularidades de cada um – diz Anthony Doyle, vice-presidente regional e diretor executivo de conteúdo local da Turner International do Brasil, que distribui canais como Cartoon Network, TNT, CNN e TCM. – Para o Cartoon, essa lei chegou tarde. Desde 2000, o canal realiza pitchings (processos de seleção) com animadores brasileiros. Lei é mais rigorosa em outros países O diretor de programação da Discovery Networks, André Rossi, destaca que leis como a brasileira existem em outros países. – No Canadá, por exemplo, as cotas são rigorosas. As emissoras de TV particulares devem transmitir conteúdo canadense em 60% de sua programação total e em 50% do horário nobre. A lei da TV paga envolve também as operadoras que oferecem o serviço a 14,8 milhões de assinantes, número que cresce de forma progressiva e, na previsão da Ancine, deve chegar a 35 milhões em cinco anos. Vice-presidente da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), Oscar Simões explica que haverá uma reformatação nos pacotes das operadoras, visto que canais nacionais deverão figurar em maior número nas diferentes modalidades de assinatura. A Ancine vai divulgar nos próximos dias o perfil de cada um dos mais de 200 canais disponíveis, para as operadoras criarem novos pacotes de acordo com a legislação Zero Hora - À procura de roteiristas (24/08/2012) O aquecimento do setor audiovisual pretendido pelo governo federal com a Lei da TV Paga – são R$ 400 milhões anuais para fomentar a produção e o direito à propriedade sobre o trabalho realizado – já é sentido pelos produtores brasileiros. A busca por conteúdo nacional, tanto dos canais que sempre apostaram nesse perfil de programação quanto daqueles que até agora só falavam português dublado e correm atrás de programação, movimenta sets de gravações. Uma das mais requisitadas produtoras de comerciais do Brasil, a Zeppelin criou, dois anos atrás, o NúcleoZ, braço voltado para projetos de televisão, cinema e internet. Com base em Porto Alegre e 9 escritório instalado em São Paulo, a Zeppelin tem 24 projetos no horizonte e atrações já no ar, como O Programa da Palmirinha, no canal Bem Simples. Em outubro, estreia a série A Vida de Rafinha Bastos, no FX, e está a caminho uma nova parceria com o History Channel. – O mercado está aquecido. Proporcionalmente ao valor investido, o setor audiovisual é um dos que mais gera empregos no país. Em um de nosso projetos para o Bem Simples, mantivemos 60 pessoas contratadas por um ano e meio – diz Ricardo Baptista, diretor executivo da Zeppelin. Parceira recorrente da Rede Globo na TV aberta e produtora de séries exibidas nos canais HBO (Mulher de Fases), Futura (Que Exploração É Essa?), além do curta Até a Vista para o TNT, a Casa de Cinema de Porto Alegre está entre as produtoras mais assediadas pelos canais. – Estamos analisando projetos, que ainda não tenho autorização para revelar, a serem tocados em meio à produção de nossos longas-metragens – afirma Nora Goulart, uma das sócias da Casa de Cinema. – A tendência é o mercado crescer, mas vejo um grande gargalo na questão de roteiros de ficção. Falta qualificar mais profissionais. A observação de Nora é unânime no setor, tanto que muitas produtoras estão investindo na formação de roteiristas. – A TV aberta no Brasil tem mais de 60 anos, e o mercado da TV paga começou a se abrir para a produção nacional há menos de 10 anos – destaca Adriano Civita, sócio da Pródigo Films e conselheiro da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de TV (ABPITV). – Há carência de roteiristas, mas acredito que o incremento da produção cria um círculo de qualificação que se retroalimenta. Um jovem que só encontrava trabalho roteirizando comerciais pode agora se interessar em escrever um seriado. A Pródigo assina a série FDP, que estreia neste domingo no HBO, e também produz atrações para, entre outros canais, Multishow e NatGeo. Folha de S. Paulo - Demolições e "enfeiamento" de SP são tema de documentário "Aluga-se", da diretora Marcela Lordy estreia no Festival Internacional de Curtas-Metragens Filme retrata processo de especulação imobiliária na cidade mesclando ficção e personagens reais JOÃO PAULO CHARLEAUX, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA (25/8/2012) Três anos atrás, a diretora Marcela Lordy teve a singela ideia de fazer um documentário sobre bairros antigos de São Paulo. Chegou atrasada. As primeiras andanças pela Vila Romana, um dos cenários do filme, revelaram que as ruazinhas com "casas de vovó", como ela diz, só existiam na memória. A violência da especulação imobiliária e o "enfeiamento irrefreável de São Paulo" acabaram virando "Aluga-se", que estreia hoje, no 23º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. No filme, dois paulistanos recém-separados veem a geografia da cidade onde cresceram se transformar num cenário de guerra. A história de Antônio (Silvio Restiffe) e Clarice (Martha Nowill) é de mentira. Mas as mudanças no "cenário" são reais. Para filmar "Aluga-se", a equipe passou dois meses entre escombros de demolições em São Paulo. Ironicamente, "Aluga-se" foi premiado pela Secretaria Municipal de Cultura. Marcela conta que construtoras envolvidas nas demolições mostraram interesse em patrocinar a obra. 10 Antônio, protagonista da história, é baseado no cartunista Caco Galhardo, autor de tirinhas na "Ilustrada". "Sou amiga do Caco há anos. Precisava de um personagem que trabalhasse em casa e, ao mesmo tempo, vivesse num universo paralelo, alheio às mudanças do próprio bairro", diz Marcela. De acordo com o "Estado das Cidades da América Latina e Caribe", relatório inédito produzido pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, a taxa de urbanização no Brasil e nos países do Cone Sul chegará a 90% até 2020, replicando sonhos e dramas como os de Antônio e Clarice, mesmo que longe das telas. FESTIVAL DE INTERNACIONAL DE CURTAS-METRAGENS DE SÃO PAULO QUANDO "Aluga-se", hoje, às 17h, no Cine Olido (av. São João, 473); ter., às 21h, no MIS (av. Europa, 158), qui., às 17h, na Cinemateca (lgo. Senador Raul Cardoso, 207); a programação completa vai até 31/8 (informações no site kinoforum.org.br/curtas/2012) QUANTO grátis CLASSIFICAÇÃO 16 anos O Globo - Um Circo, dois voos Diferentes no recorte temático, documentários em produção sobre a lona da Lapa carregam em seus bastidores o peso de uma antiga rixa entre personagens da história do espaço LEONARDO LICHOTE (26/08/2012) A história é uma só: a do Circo Voador, palco que tem presença marcante na cultura carioca e brasileira desde sua criação, em 1982. A partir do tema, porém, dois documentários em produção lançam perspectivas diversas. De um lado, Tainá Menezes finaliza seu “Circo Voador — A nave” (Kanoa Filmes), uma panorâmica sobre a trajetória do espaço e sua permanência como um lugar do novo. De outro, Roberto Berliner (com Pedro Bronz) prepara em sua produtora, a TV Zero, um filme (ainda sem nome) sobre as origens e os primeiros anos, até 1986 (“O Circo que vivi, um retrato da minha geração”, resume ele). Mais que as diferenças dos olhares, recortes e escolhas estéticas dos diretores, porém, os filmes carregam em seus bastidores — voluntária ou involuntariamente — o peso de uma rixa histórica entre Maria Juçá, diretora do espaço, e Perfeito Fortuna, fundador da lona e hoje presidente da Fundição Progresso. Um conflito que, com relação aos projetos, se reflete na controvérsia sobre a autoria de fitas que estão no acervo do Circo e na negação de Perfeito a autorizar sua imagem. As ideias dos documentários cresceram em paralelo. A de Tainá Menezes nasceu há alguns anos, em conversas com a filha de Juçá, Gabi Morenah, com quem morava em Paris. De volta ao Brasil em 2011, ela apresentou o desejo de fazer o filme — seu primeiro longa — à diretora do Circo, que lhe deu seu apoio e o total acesso ao acervo da casa. Integrante da turma que esteve presente nos primeiros momentos da vida do Circo, Berliner começou ali sua trajetória profissional, registrando os espetáculos e a movimentação em torno da lona — primeiro no Arpoador, depois na Lapa e mesmo em incursões em favelas cariocas (Circo Sem Lona) e na Copa do México (Circo Volador). O projeto de fazer um documentário era antigo, mas começou a ganhar forma também no ano passado. Os problemas surgiram, Berliner conta, quando ele decidiu pedir a Juçá o acesso a fitas que ele teria produzido naquele período e que estariam hoje no acervo do Circo. — Sempre tive uma relação boa com a Juçá — diz Berliner. — Falei com ela no início do ano sobre essas fitas, e ela disse: “Não tem problema, me liga.” Cansei de ligar e nada. Não queria cobrar pelo uso das minhas imagens no filme da Tainá, nem proibi-las. Só queria poder usá-las. Filmei quase tudo naquele período entre 1982 e 1985. Todas as fitas que fiz do Rock Voador (série de shows que Juçá produzia e por onde passou quase toda a então nascente cena do rock brasileiro) entregava a ela. Juçá, por sua vez, é categórica: — 11 Não tenho imagens do Robertinho (Berliner), nem teria por que ter. Afinal, eu tinha a história filmada por Sérgio Péo, cineasta e meu marido na época. Robertinho nunca pegou uma fita da sua câmera e me deu. Todas as imagens que tenho são do Sérgio — afirma a produtora, que atualmente digitaliza o acervo para disponibilizá-lo para consulta pública. — Era um acervo meu, não do Circo. O Rock Voador, que eu fazia, tinha uma estrutura independente. Fiquei com esse acervo, mudei milhares de vezes, o Circo ficou oito anos fechado (entre 1996 e 2004) e eu continuei com ele. Agora não tenho que pegar meu trabalho e dar para ninguém. Não faz sentido. Tainá está fazendo um filme conosco, demos para ela a exclusividade do material até ela lançar o filme, o que é muito natural. Berliner alega que convidou Tainá para conversar sobre a possibilidade de tocarem os projetos juntos, para que os filmes fossem complementares: — Ela mesma mencionou as diferenças de estilo facilmente reconhecíveis entre minhas imagens e as do Sérgio. O diretor conta que a reunião que eles fizeram parecia promissora (“Ofereci a ela terminar numa ilha aqui na TV Zero, até para podermos fazer uma história diferente da que aconteceu entre Perfeito e Juçá, ultrapassar isso”), com a possibilidade de se ajudarem: ela intercederia junto a Juçá pelas fitas dele, ele conversaria com Perfeito para que ela conseguisse um depoimento seu para o filme. Mas, segundo Berliner, Tainá passou a não responder seus e-mails e telefonemas. Tainá confirma que falou com Juçá sobre o pedido de Berliner e ouviu que tais fitas não existiam. Como o diretor, ela procura marcar distância entre seu projeto e a rixa de Juçá e Perfeito — nos anos 1990, os dois racharam por divergirem sobre os destinos do espaço. — Sou tão apaixonada pela história de Perfeito quanto pela de Juçá — afirma Tainá. — Os dois são brilhantes, fizeram coisas maravilhosas. Lamento essa briga. A história do Circo transcende isso, e é essa a história que quero contar. Perfeito está no filme, é um grande personagem. Infelizmente não quis dar seu depoimento, mas autorizou o uso de suas imagens de arquivo. Todos os outros personagens do filme aparecem no passado e em entrevistas hoje. O resultado foi que ele acaba aparecendo como uma figura mágica. INDIGNAÇÃO Perfeito explica que não chegou ainda a autorizar o uso de suas imagens — e não está disposto a fazê-lo. — Quando a Tainá apareceu falando de seu filme, eu já sabia do projeto de Robertinho e preferi que essa história fosse contada por ele, que esteve presente na origem — diz Perfeito. — Mas ela insistiu, e eu não queria estragar o filme dela. Falamos para ela mandar o documento de autorização mas, no dia seguinte, encontrei com Robertinho e soube da história das fitas dele. Pensei: então não vou autorizar. Berliner — que conta já ter tentado reaproximar os dois — diz ainda estar disponível para uma solução amigável: — A TV Zero está aberta para a Tainá. E sento para conversar com Juçá na hora em que ela quiser. A diretora do Circo, porém, se mostra indignada com a acusação de que ela estaria escondendo material seu: — Isso poderia ser diferente, não “me dá porque você tem”. Não sou criança. Acabei de entregar nove DVDs para Gilberto Gil com seus momentos no Circo. Gravei também os momentos de Cássia Eller, para dar para Eugênia (sua companheira) e Chico (filho). Estamos tentando organizar o acervo do Celso Blues Boy para dar à família dele. Carta Capital - A busca pelo tipo comum (27/8/2012)Um dia ele já fez de tudo para desaparecer diante da câmera amedrontadora. A atitude contraria a vocação natural de um ator, ainda mais em se tratando de tempos nos quais a exposição é excessiva e a busca pela conquista, instantânea. Mas foi a maneira pela qual o paulistano Marat Descartes, profissional moldado pelo teatro, construiu sua recente e significativa carreira no cinema. A experiência dos palcos lhe concedeu a perspicácia de empregar o mínimo, quase a ponto de anular-se, na contramão da tendência histriônica. Assim, em pelo menos quatro longas-metragens como protagonista, ele fez ressaltar uni tipo comum, falsamente vazio, o anti-herói numa terra de egos errantes. A ideia de anti-heroísmo se encaixa nesta nova contribuição do intérprete a uma galeria de louváveis aparições. Por ironia, chama-se Super Nada o filme de Rubens Rewald e Rossana Foglia apresentado na 40a edição do Festival de Gramado. Embora o título não aluda diretamente ao papel principal de Marat, e sim ao do comediante decadente de tevê interpretado por Jair Rodrigues, pode muito bem ser aplicado a ele. Guto, seu nome, é um ator de talento limitado, dedicado a esquetes cômicos e malabarismos nas ruas de São Paulo. O curioso, por alguns anotado 12 como contradição, é que o personagem revele sofisticadas técnicas artísticas, a exemplo da corporal, não de todo condizente com o objetivo de contracenar com o ídolo decaído. Não parece ter sido um incômodo para o júri oficial, que concedeu a Marat o Kikito de melhor ator. O prêmio assinala a constância de Marat em se refugiar numa personalidade de pequena monta, destituída de encanto e valor, conjugação que desconhece na sua trajetória. “Nunca passei por crises nem precisei buscar trabalhos fora da minha atuação profissional ", atesta, usando a voz grave que lhe garante recursos extras como locutor, num país pouco generoso com seus artistas. Ele acha graça que os filmes lhe tenham emprestado o contorno do homem banal, aos poucos revertido numa figura complexa e conflituosa. "Há mesmo essa ideia em comum de um personagem angustiado, em crise. É a característica do homem moderno e que me interessa desenvolver." Não se torna casual, portanto, que em determinada vertente do cinema na qual Marat atua, uma metrópole como São Paulo se imponha quase como um personagem, a exemplo de Super Nada ou Corpo Presente, filme de Marcelo Toledo e Paulo Gregori ainda inédito. Neste, na trama de três ou quatro moradores da cidade, ele é o agente funerário frustrado com seu cotidiano que rouba remédios de tarja preta para escapar da realidade. Tem sido assim, um choque entre a escala individual e a social, desde o operário e pai de família de classe média baixa atormentado pela vizinhança em Os Inquilinos, o filme de Sérgio Bianchi que em 2010 incluiu o ator na nova safra de expoentes da interpretação cinematográfica. No projeto seguinte. Trabalhar Cansa, o estrato social sobe um degrau, mas continua a flagrar um homem acossado pelo desemprego e pela pressão social e familiar. O gênero marcado pelo tom fantástico e de estranheza da dupla estreante Marco Dutra e Juliana Rojas empresta também exaspero ao mundo das relações trabalhistas, ou corporativas, como se diz, que se finda num sintomático grito primário do protagonista. O brado potente foi ouvido pelo Festival de Cannes e o filme, selecionado na paralela Um Certo Olhar, com direito a tapete vermelho para os realizadores e atores. "Até então, nunca tinha ouvido meu nome ser pronunciado tão corretamente", brinca. Essa união de revolucionário e pensador vem de uma tradição familiar que remonta ao bisavô de Marat, afeito a batizar os filhos com nomes de personalidades francesas. Poderia sugerir uma herança ligada a interesses artísticos, mas Marat, em casa, lembra de uma vaga influência do pai eletrotécnico e da mãe bióloga, pai e tio sintonizados na emoção de ouvir ópera. Foi no Colégio São Luís que primeiro se lançou num grupo amador de teatro e depois de um curso de Direito inacabado partiu para a Escola de Arte Dramática, onde se formou na turma de Gero Camilo, Gustavo Machado e Paula Cohen. Desde então, são um grupo informal. Com texto de Camilo, atuou ao seu lado em Aldeotas, peça de sucesso dirigida por Cristiane Paoli-Quito, outra egressa dos mesmos anos de Escola de Arte Dramática e que preparou Marat para o Guto de Super Nado. Se os prêmios no cinema começam a aparecer, no teatro são freqüentes. Em 2007, ganhou o Shell pela atuação em Primeiro Amor, de Beckett, sob a direção de Roberto Alvim. Mais uma vez um monólogo marcado pelo patético e a banalidade. Naquele mesmo ano, Denise Weinberg o dirigiu em A Refeição, parceria que já havia se dado anteriormente com a atriz no palco e agora se renova em Super Nada, no qual Denise interpreta a mãe de Guto. "Foi coincidência, mas estar sempre próximo das mesmas e talentosas pessoas é muito estimulante para um ator cria uma afinidade, um encantamento." O ciclo se comprova também no cinema, com Marat escalado para o longa--metragem-solo de Marco Dutra, Quando Eu. Era Vivo, baseado no romance de Lourenço Mutarelli A Arte de Produzir Efeito sem Causa. Em cena com António Fagundes e a cantora Sandy, ele interpreta o filho pródigo que volta à casa do pai depois de abandonar a mulher e o emprego. A principio um personagem um tanto fora do feitio á que Marat se acostumou, o castilhista Licurgo de O Tempo e o Vento, adaptação da saga gaúcha de Eriço Veríssimo da qual acabou de participar, encontra pontos afins na galeria de tipos. Nesta rase do épico, o patriarca mantém a família dentro de casa e defende a todo custo o sobrado sitiado pelos federalistas. A direção é de Jayme Monjardim, com quem o ator trabalhou na minissérie Maysa. A essa altura, a câmera que o atemorizava no início agora o encontra tão à vontade quanto no palco. A ponto de conduzi-lo à telenovela. Foi breve e lhe deixou saudades a passagem por A Vida da Gente. "Gostei da experiência, quero repetir." Reclama que a agenda do cinema não lhe deixa mais espaço para o teatro e planeja Um Bonde Chamado Desejo com os amigos egressos da EAD, "É o artesanato da palavra, requer mais preparo, não dá para fazer tudo junto como quando eu era jovem", diz, aos 37 anos. Ressente-se de outra atividade do passado. Era engajado na política de esquerda. 13 Deu exemplo que nem tudo esmoreceu com o tempo quando, no Festival de Tiradentes deste ano, leu uma carta de Juliana Rojas e outros colegas da classe artística em protesto à atitude truculenta da polícia no caso de reintegração de terras no Pinheirinho. Emocionou-se e chorou. Não estava aluando e foi aplaudido de pé. • Folha de S. Paulo - Tecnologia barateia custos de produção DE SÃO PAULO (27/8/2012) Não é só a abordagem de temas próximos a seus cotidianos e a inspiração em diretores internacionais que aproxima os novos cineastas brasileiros. A tecnologia também deu a eles a oportunidade de rompimento com o "cinema de edital" que contamina boa parte da produção nacional. "Essa geração nova está preocupada em fazer filme de verdade, e não apenas longas para colocar discursos políticos. Querem experimentar e têm um processo tecnológico único à disposição", diz William Hinestrosa, do festival de curtas de São Paulo. "Hoje, você pode fazer tanta coisa com a tecnologia. Para que ficar esperando edital?", questiona Gustavo Galvão, que filmou "Nove Crônicas..." por R$ 20 mil e recebeu apoio financeiro de um fundo de cultura do Distrito Federal só para a finalização. "A gente faz cinema com tesão", resume Poyart, que investiu dinheiro da própria produtora para bancar sua estreia nos longas e acabou levando prejuízo. Apesar da universalidade de seus filmes, esses diretores têm dificuldade em vender o "pop global" no país. "Os produtores brasileiros não querem arriscar em comédias que busquem algo novo, apenas no que deu certo com piadas dos anos 1990", descreve Matheus Souza, que foi contratado pela Globo para desenvolver novos programas jovens para a emissora, mas não vai desistir do cinema. A vontade de nadar contra a maré é forte em Pernambuco. Daniel Aragão, que acabou de ter seu "Boa Sorte, Meu Amor" premiado em Locarno, na Suíça, cita uma cena de "O Som ao Redor" -um segurança dá um murro em um menino- para ilustrar a nova rebeldia do cinema jovem. "Se o produtor fosse da geração antiga, não permitiria a cena. Havia uma preocupação com o humanismo e com repetir clichês. A gente está se lixando para isso", define o diretor. "Meu filme é sobre um cara que perde a fazenda. É um faroeste violento. Filmei na fazenda da minha família, usei ex-sem-tetos para atuar. Fomos ao limite." Estado de Minas - Um exercício de Experimentação CAROLINA BRAGA Kiko Mascarenhas e Marina Vianna em A falta que nos move, de Christiane Jatahy (27/8/2012) Primeira incursão da diretora teatral Christiane Jatahy no cinema, A falta que nos move é um filme que passou despercebido pelos cinemas de Belo Horizonte. Em Minas, foi exibido na edição 2010 da Mostra de Cinema de Tiradentes. O lançamento em DVD pelo Canal Brasil dá chance a mais espectadores de conferir essa que é empreitada bastante interessante. Ainda mais em tempos de reality shows. Com Cristina Amadeo, Daniela Fortes, Kiko Mascarenhas, Marina Vianna e Pedro Brício, A falta que nos move investiga os limites da ficção e da realidade.O 14 espectador carregará, durante os 100 minutos, a pergunta: será que isso aconteceu mesmo?. Impossível saber. Trata-se de filme que, por meio do encontro de amigos, fala sobre a incompletude da vida. Na forma, é um exercício de experimentação. Mais que o resultado surpreendente, o processo como foi feito é o que chama a atenção. A falta que nos move foi precedido de 10 regras determinadas pela diretora. Seria um longa com cinco atores, em uma única locação,com12horas contínuasde filmagem. Para isso, seriam usadas três câmeras simultâneas, com um detalhe: os atores seriam dirigidos durante a filmagem por mensagem de celular. No roteiro estava estipulado que os atores esperariam uma pessoa, mas sem a certeza de que ela apareceria. Os atores cozinham, comem e bebem de verdade. Algumas histórias são reais, outras inventadas. E,por fim, ninguém poderia sair da casa, independentemente do que ocorresse. Como o espectador tem conhecimento das regras, À medida que o longa se desenrola o jogo fica cada vez mais envolvente. Christiane Jatahy conta que a maior dificuldade foi a edição. O material bruto contabilizava 36 horas de conteúdo ininterrupto. Por isso, há edição de extras de mais 14 minutos. Correio Braziliense - Festa dos filmes livres Com curtas-metragens de acesso liberado na internet, 10º Festival Taguatinga ocupa o Teatro da Praça com programação diversificada YALE GONTIJO Sonhando passarinhos, de Bruna Carolli, integra a programação do 10º Festival Taguatinga (28/8/2012) A sutil homenagem do 10º Festival Taguatinga de Cinema deste ano ao profeta Gentileza firma a vocação do evento como frente de impacto social e cultural. O senhor de longas barbas brancas pregava justamente a gentileza como uma das principais virtudes para o convívio social e motivo de elevação espiritual. Ao se filiar a filosofia de Gentileza, a 10ª edição do Festival, que será realizado de hoje a 2 de setembro, estimula a coletividade numa época de individualismo extremado. As exibições físicas dão conta do ritual coletivo das projeções de cinema e acontecerão no Teatro da Praça. Porém, a novidade da edição comemorativa é a possibilidade de assistir aos filmes compartilhados no site http://festivaltaguatinga.com.br/. 15 “O festival será feito com curtas-metragens que precisam estar disponibilizados na internet. Os realizadores precisam querer estar na internet. É uma perspectiva mais colaborativa ligada aos movimentos sociais e culturais”, analisa o diretor do festival, William Alves. Dois tipos de premiações serão distribuídas, com entrega de troféus nas categorias melhor documentário, melhor ficção, animação e infantil. O júri popular elegerá o melhor filme pela internet. No total, serão distribuídos R$ 3 mil em prêmios. O festival começou em 1998 como mostra dentro do bar Botiquim Blues, com projeções em 16mm. Foi exibido na Praça do DI a céu aberto, depois migrou para o Teatro do Sesi e, agora, é realizado no Teatro da Praça (localizado dentro da Escola Industrial de Taguatinga -EIT). “O Teatro da Praça foi estabelecido como espaço de referência para a gente, o teatro está em processo de tombamento como patrimônio cultural da cidade depois de um período em que sofreu muita pressão porque queriam desapropriá-lo para construir um shopping”, relembra Alves. O formato também mudou radicalmente. Até a 8ª mostra de Taguatinga, grande parte dos filmes exibidos era realizada em película. “Naquela época, a produção em 16mm era feita por universitários, um espaço de experimentação. O 16mm acabou virando um formato mais obsoleto e o vídeo ocupou esse espaço. De certa forma, o digital deixou a exibição mais democrática, feita na internet”, analisa Alves. Cinema DF O Festival Taguatinga de Cinema selecionou produções de vários estados da federação como Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Paraná. No entanto, o volume de produções do Distrito Federal é maior. Nonato azul (Cleuberth Choi), Sonhando passarinhos (Bruna Carolli), A invasão alienígena em Brasília (Jacques S.), Maio nosso maio (Farid Abdelnour) e Pique-salva (Antonio Balbino) são alguns exemplos. As temáticas de grande parte dos títulos refletem a preocupação com urbanismo e as novas configurações impostas às cidades nos últimos anos. “Uma das características do festival sempre foi apresentar trabalhos de realizadores iniciantes. Com a popularização do audiovisual por causa do digital, a gente pode dizer que o cinema se transformou em uma ferramenta de ativismo social. Nesse aprimoramento, mas mantendo as características da mostra, privilegiou esse tipo de filme ligado aos movimentos sociais, questões de primeira ordem, questões de exclusão social e especulação imobiliária no DF e em cidades do entorno. Houve um aumento de filmes com essa temática”, reparou o curador. Durante os dias de exibição do festival, será realizado o encontro de Pontos de Cultura Teia Livre DF. Profeta de fé O profeta Gentileza nasceu José Datrino em São Paulo em 1917. Após o grande incêndio do Gran Circus Norte-Americano em 15 de dezembro 1961, episódio em que morreram 500 pessoas, inclusive crianças, Datrino passou perambular pelas ruas do Rio de Janeiro distribuindo gentileza. O profeta gravou muitas palavras em murais feitos em viadutos no centro do Rio. Após a sua morte, os murais foram cobertos com tinta cinza. Em 2000, a prefeitura da capital carioca recuperou os murais de Gentileza. 10º FESTIVAL TAGUATINGA DE CINEMA De hoje a 2 de setembro, às 19h30, exibição de curtas-metragens nacionais no Teatro da Praça de Taguatinga (QNB 1, AE 1, Setor Central). Amanha e quinta, às 9h, sessão de filmes infantis. As classificações indicativas das sessões variam todos os dias. Consulte o roteiro do Diversão & Arte. Entrada franca. Correio Braziliense - Dois olhares e uma história 16 Fernando Morais diz que se emocionou com a adaptação de Corações sujos e planeja escrever diretamente para as telas YALE GONTIJO Cena do filme de Vicente Amorim que conta uma história de ficção a partir dos dados históricos apresentados no livroreportagem de Fernando Morais (28/8/2012) Quando empreendeu as pesquisas para o livro Corações sujos, o jornalista e escritor Fernando Morais colocou as mãos em um vespeiro. O livro é uma extensa reportagem sobre a organização Shindo Renmei (Liga do Caminho dos Súditos), formada para vingar imigrantes japoneses que acreditavam na rendição do imperador Hirohito e no desfecho dos conflitos da Segunda Guerra Mundial. Os golpes contra cidadãos nipônicos vivendo no Brasil eram desferidos por outros japoneses incrédulos com a renúncia de caráter divino do imperador. Centenas de pessoas foram feridas ou mortas. Como se trabalhasse a revelação de um negativo fotográfico, o filme de ficção homônimo dirigido por Vicente Amorim preserva todos os elementos guardados nas entrelinhas da história narrada por Morais e escondidos pela história oficial. No Brasil, os estrangeiros orientais foram proibidos de falar o idioma, praticar a escrita ou adorar qualquer símbolo da pátria japonesa, inclusive a bandeira nacional. Xenofobia, ideologias de regimes totalitários e choque de identidades recheavam as proibições do Estado Novo de Vargas em relação aos imigrantes. Para narrar a história brasileira escrita em ideogramas, o diretor de O caminho das nuvens (2003) e Um homem bom (2008) instruiu o elenco formado quase todo por atores japoneses — o destaque é Tsuyoshi Ihara, com participações nos créditos em Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood e, mais recentemente, em 13 assassinos (2010), de Takashi Miike — a seguirem alguns dos elementos de um gênero cinematográfico notabilizado pelo conflito. “Há referências e citações a filmes japoneses clássicos que me marcaram. Mas o estilo de filmagem é mais ocidental. Na verdade, é inspirado em alguns western. A situação do filme, a história que criamos e a geografia da cidadezinha que construímos pediam isso. O curioso é que o gênero é provavelmente o estilo que mais dialogou com os filmes ‘de samurai’”, explica Amorim (que é filho do ministro da Defesa, Celso Amorim). 17 Já o escritor não sabe dizer se os cineastas têm predileção pelas suas histórias porque formam um painel da memória brasileira ou se usam seus livros pela força das narrativas, mas tem um palpite. “Sempre me causa espanto, sobretudo porque não escrevo pensando em cinema. Não escrevo pensando em imagens e penso no leitor, nunca no espectador. Acho que o fato de ter pertencido à escola do Jornal da Tarde, inspirada no que se chama hoje de jornalismo literário, me ajuda a ter uma elegância literária, gerando uma narrativa dramaturgicamente interessante”, aposta Morais, que planeja experimentar escrever diretamente para o cinema, em um próximo projeto em parceria com Vicente Amorim (leia mais na entrevista ao lado). Corações sujos é a segunda adaptação de um livro de Morais a completar o ciclo e alcançar as salas de projeção. Transformado em ficção, Olga, sobre a militante comunista alemã Olga Benário, dirigido por Jayme Monjardim, foi lançado em 2004. A adaptação da biografia de Assis Chateubriand, Chatô, o rei do Brasil — produção que consumiu R$ 8,6 milhões captados por meio de financiamento público, sob direção do ator Guilherme Fontes — nunca foi finalizado. Correio Braziliense - Três perguntas / Entrevista / Vicente Amorim É mais difícil fazer uma adaptação cinematográfica partindo de um documento retirado da vida real ou trabalhar uma ficção já elaborada, com enredo próprio e perfil dos personagens definidos? (28/8/2012) É certamente mais difícil adaptar um livro-reportagem do que um romance. Especialmente num livro como Corações sujos, que trata de centenas de personagens verdadeiros ao longo de décadas. Num caso como este, o livro serve muito mais como contexto do que como fim da adaptação em si. Na adaptação que fizemos do livro do Fernando Morais, o enredo e os personagens são fictícios, mas as condições históricas que põem a trama em movimento são verdadeiras. Tentar trazer para dentro de um thriller todos os dados históricos dos quais o livro trata seria a receita para um docudrama de centenas de capítulos, tarefa para historiadores e documentaristas, não para um filme de ficção de pouco mais de uma hora e meia sobre personagens com suas próprias verdades, emoções e subjetividades. Muito se discute sobre a inclusão de filmes dublados no circuito cinematográfico brasileiro. Corações é um filme brasileiro, falado quase todo em japonês. existe preocupação em relação à acessibilidade da plateia brasileira? Não se deve fazer filme algum com desprezo pelo público, mas também não se deve escolher uma história e violentá-la. Se fosse falado em português, o filme não faria sentido. Além de ficar ridículo e risível (portanto, uma receita para o fracasso), a história que ele conta simplesmente não teria acontecido, pois parte da razão para o conflito foi o isolamento que a colônia vivia por conta do idioma. A língua japonesa é parte da natureza do filme e não acho que vá ser uma barreira maior do que as que nossos filmes já enfrentam normalmente. O que mudou no seu trabalho como diretor desde O caminho das nuvens? Você iniciou a carreira com uma história bem brasileira e agora narra uma história (também brasileira) extremamente ligada à cultura japonesa. Como abordar os dois mundos? Os dois filmes são sobre histórias que só aconteceram no Brasil. As duas são baseadas em fatos reais. Corações nasceu da minha busca por um filme que tratasse de identidade — vi que este filme 18 existia, virtualmente, no livro do Fernando Morais e que seria possível contar uma história emocionante, tendo aqueles fatos como contexto, e chegar a uma reflexão sobre fundamentalismo, racismo e intolerância. A origem dos conflitos narrados no livro e presentes no filme são o Yamatodamashii (o Espírito Japonês), e também condições históricas 100% brasileiras, além de nosso comportamento racista. Para mim, é tão brasileiro quanto Roberto Carlos, Padre Cícero e o Nordeste. Amadureci entre os dois filmes e pude encarar os desafios do segundo com mais segurança. Correio Braziliense - Três perguntas / Entrevista / Fernando Morais Todos os seus livros narram pedaços da história do Brasil, centrados em personagens ou passagens históricas. Você se considera um memorialista? (28/8/2012) A vida vai empurrando a gente. O Darcy Ribeiro dizia que “o Brasil é ótimo, o que falta é gente para contar isso para alguém”. Se você vier me visitar no meu estúdio em São Paulo, vai ver caixas e mais caixas empilhadas até o teto contendo informações sobre pessoas e passagens. Se eu conseguir viver mais 60 anos, conseguirei escrever sobre tudo que tenho vontade. A adaptação cinematográfica de Corações fez jus à história real? O Jorge Amado costumava dizer que toda adaptação é uma violência ao livro e que, se o autor não quer aporrinhação, é melhor nem passar pela porta do cinema. No caso de Corações, eu não concordaria com o Jorge. Vi o filme e não me aporrinhei. Pelo contrário, me emocionei. A escolha do Vicente foi narrar uma história de amor usando como pano de fundo uma história real. Há outra particularidade. A realidade e, portanto, o livro narram uma história misógina. Existem poucas mulheres e elas desempenham papéis subalternos, irrelevantes. No filme, criaram uma mulher que é não só a narradora, mas aparece o tempo todo. As chamadas liberdades dramatúrgicas são absolutamente previsíveis nas adaptações cinematográficas. Não acho que tenham mutilado nada. Toparia escrever diretamente para o cinema? Vou fazer uma experiência com o Vicente (Amorim). Um argumento baseado em uma das histórias narradas em Os últimos soldados da guerra fria, uma história chamada Operação Peter Pan, montado pela CIA nos anos 1960. Logo após o triunfo da revolução em Cuba, os Estados Unidos retiraram meninos e meninas da ilha com a autorização dos pais para “salvá-los” do comunismo. Eles se espalharam por orfanatos e pelo território norte-americano e viraram personagens da vida política dos EUA. Hoje, eles têm em torno de 60 anos. Muitos são meus amigos. Não tenho uma data ainda e só devo mexer com isso depois de terminar o livro sobre o Lula. O Estado de S. Paulo - Entre relíquias e novidades 19 'Não Há Cadeiras', filme de Pedro Di Lorenzo, é raro exemplo de ficção cientifica nacional (28/8/2012) Dos filmes mudos aos escatológicos, esta terça-feira é dia de experimentação no evento Que um dos grandes diferenciais do 23.º Festival Internacional de Curtas de São Paulo é oportunidade de se ver o que de mais novo os jovens talentos têm produzido já é sabido. Mas que também é chance de se conferir raridades do cinema, talvez muitos não saibam. Este ano o evento conta com presença do colecionador francês Serge Bromberg, que traz ao festival amostra de seu acervo de 40 mil rolos, que ele garimpa em todo o mundo. Serge é apaixonado por filmes antigos e já chegou a encontrar nove rolos esquecidos de George Méliès. Como para ele não basta só mostrar filmes, Serge faz questão de tocar para a plateia da Cinemateca, hoje, às 21horas, musicando os filmes mudos. É uma seleção eclética que compõe a sessão Retour de Flamme (Renascido das Cinzas), com tesouros do início do século 20. Desses, dois são surpresa. Surpresa boa são curtas que compõem as mostras competitivas. Na Mostra Brasil 7, o mineiro Não Há Cadeiras (às 15 h, no Cine Olido), de Pedro Di Lorenzo, é raro exemplo de ficção cientifica nacional. Em um mundo distópico e pós-apocalíptico, a população de uma cidade sofre com a falta de cadeiras de rodas, enquanto os mais abastados zombam da má sorte dos 'sem cadeira'. Tudo parece perdido até que um gesto muito simples muda o curso da história. Perturbador e incomodante. Outro que perturba e surpreende é o também mineiro Arrotos e Soluços (hoje, 19 h, no Cine Olido), de Renato Cabral. Em uma casa de classe média, a mãe destrincha uma galinha na cozinha, enquanto o pai assiste à TV e a filha grávida dá vazão aos hormônios no banheiro. Quem superar o asco inicial que a história provoca não vai se arrepender. Montagem ágil e roteiro improvável fazem do curta um dos mais originais da nova safra. Como bem diz a sinopse, é a certeza de que a fome cria monstros. Ainda na seara dos filmes nada convencionais, a sessão Comodoro presta amanhã, às 22 h, no Cinesesc, homenagem ao cineasta Carlos Reichenbach. Carlão, que morreu há pouco, era defensor incondicional do cinema fora do eixo, dos filmes que, ainda que imperfeitos, não deixavam a plateia indiferente. Em 2004, criou a Sessão Comodoro, que criava em São Paulo um espaço para a experimentação cinéfila, para a exploração do cinema experimental em vertentes inesperadas. "De todas as lições aprendidas, a que considero a mais preciosa deixada por Reichenbach é a da prospecção cinéfila sem preconceitos. E é isso que agora tento reproduzir nesta sessão especial: apresentar ao público obras inovadoras e pouco convencionais", comentou o curador da seção, Leopoldo Tauffenbach. Na programação da Comodoro estão Sangue Corsário, Olhar e Sensação, ambos do próprio Reichenbach, Freddy Breck Ballet, de Gurcius Gewdner, Primitivismo Kanibaru na Lama da Tecnologia Catódica, de Petter Baiestorf, Hi-Fi, de Ivan Cardoso, O Guru e os Guris, de Jairo Ferreira, e Aventura, Amor e Transporte Público, de Bruno de André. Já no Panorama Paulista 5, destaque para Aluga-se, de Marcela Lordy (hoje, às 21 h no MIS). O curta retrata a verticalização desenfreada de São Paulo, que vive um processo degradante de especulação imobiliária. Quem nunca abriu a janela e se deparou com uma 'obra' que invadia um espaço antes ocupado por singelas casas de vila? Esta é a situação enfrentada pelos protagonistas Clarice e Antonio. Ele se vê obrigado a vender sua casa para um grande empreendimento. Ela não suporta mais morar ao lado de canteiros de obra e procura uma casa. Nesse caos urbano, acabam se encontrando. 20 Outro que, ainda que indiretamente, documenta as rápidas transformações sofridas pela Pauliceia é Jaçanã e o Adoniran ( Panorama Paulista 5, às 21 h, no MIS). Ao traçar um retrato do local que Adoniran Barbosa tornou célebre, conta também a história de um bairro que perdeu o lendário Trem das Onze para os carros que hoje ocupam as ruas outrora percorridas pelo compositor. FESTIVAL DE CURTAS Salas de exibição: Cinemateca, Cinesesc, Cinusp.Programação: www.kinoforum.org MIS, Espaço Itaú Augusta, Cine Olido, TEATRO E DANÇA Estado de Minas - Diálogo atemporal Grupo Corpo volta ao Palácio das Artes para reapresentar Benguelê e Sem mim, coreografias que estrearam em 1998 e 2011. Raízes africanas e medievais do Brasil inspiraram os dois balés Carolina Braga O balé Benguelê, com música composta por João Bosco, ainda empolga o público 14 anos depois de sua estreia (23/08/2012) Em anos de “entressafra”, já é costume o Grupo Corpo selecionar uma montagem do passado para dividir o programa com a “caçula”. Para a sorte de quem não viu a estreia de Sem mim, ano passado, essa coreografia será apresentada com Benguelê, criada em 1998 e com trilha sonora 21 de João Bosco. Exaltação às raízes africanas da cultura brasileira, não resta dúvida: trata-se de um dos momentos mais vigorosos da companhia mineira. “Benguelê está no repertório que não apresentamos no Brasil há tempos”, diz o coreógrafo Rodrigo Pederneiras. A última apresentação no país se deu há nove anos. “Não sabia muito bem qual seria a reação da plateia. Será que o espetáculo envelheceu? Em São Paulo, fiquei muito impressionado, pois Benguelê foi ovacionado de pé, antes do intervalo. Isso é raríssimo. Ainda é um balé muito vivo e vibrante”, assegura. Para Rodrigo Pederneiras, a maneira como o espetáculo aborda as raízes brasileiras continua arrebatando o público. Não houve modificações na coreografia para a nova temporada, mas cada bailarino teve liberdade para se apropriar dos movimentos. “Há uma construção, mas também certas solturas. Apesar das marcações, a forma como o balé vai ser feito fica por conta do bailarino”, diz. Diferença Não há semelhanças entre Benguelê e Sem mim, acredita Pederneiras. Se o primeiro exalta o Brasil, o outro visita a cultura medieval do povo galego, propondo misturas com as origens brasileiras. Com trilha sonora composta pelo espanhol Carlos Nuñez e José Miguel Wisnik, Sem mim tem o mar como inspiração. O movimento das ondas se reproduz no palco, entre momentos de calmaria e instantes de fúria. Na realidade, o balé fala sobre amor. Em Sem mim, o Grupo Corpo mantém sua marca, com movimentos de tronco repetidos, sinuosos ou abruptos. A surpresa fica por conta do figurino de Freusa Zechmeister: as malhas com inscrições simbólicas do século 8 se parecem tatuagens. “No ano seguinte à estreia, o balé volta muito mais maduro. Os bailarinos já se apoderaram dele, pois foi muito dançado aqui e no exterior. Isso dá uma força tremenda. Outra coisa rara: não fiz modificações em Sem mim. Ficou muito redondo”, analisa Pederneiras. Depois de Belo Horizonte, a agenda terá Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre. No ano que vem, o Corpo levará Sem mim, Imã e Parabelo aos Estados Unidos e ao Canadá. Brasil Econômico - Dança contemporânea une artistas experientes e iniciantes Organizado pela Companhia Corpos Nômades, evento terá a participação de 14 grupos brasileiros Cintia Esteves Cenado espetáculo “C-E-C-I-L-I-A”, criado por CéliaGouvêa (24/08/2012) Uma maratona de dança contemporânea é a promessa da 5ª Mostra Lugar Nômade. Durante dois finais semanas, 14 companhias de diversos estados brasileiros se reunirão na capital paulista para apresentar três espetáculos de dança por noite, além de workshops sobre o tema. Organizada pela Companhia Corpos Nômades, a mostra contará com o trabalho de nomes de destaque na dança contemporânea brasileira como Célia Gouvêa, Sônia Mota e Eliana Carneiro. Cada um dos três espetáculos da noite terá a duração de no máximo 45 22 minutos. “E aos sábados, após a programação principal, o público poderá assistir a coreografias de artistas que estão iniciando na dança contemporânea”, afirma João Andreazzi, curador do evento. Temas livres Os coreógrafos soltaram a imaginação na hora de criar as apresentações. Em Imagens do Sagrado — Blima, Eliana Carneiro se apropriou de textos do Livro da Criação que fundamentam a Kabala. Já Espasmos Urbanos foca em um grupo de personagens anônimos, que expõem ao público características da população urbana. A coreografia, dirigida por Mirtes Calheiros, evoca a dinâmica da vida em uma metrópole. Outro destaque é o espetáculo C-E-C-I-L-I-A. O projeto, criado e dançado por Célia Gouvêa, estreou em Bruxelas no ano do centenário de nascimento da poetisa brasileira Cecília Meireles, em 2001. Um espetáculo a parte é o endereço da mostra, que acontece na sede da Companhia Corpos Nômades, em um casarão construído da década de 1930. O prédio, tombado pela prefeitura, foi reformado em 2007, ocasião em que recebeu um anfiteatro. Zero Hora - Crescendo a passos largos Festivais competitivos ajudam a popularizar a dança no Estado Gabriela Frota Cezarino abre hoje o 4º Brasil em Dança (24/08/2012) Em sua quarta edição, o Festival Brasil em Dança, que começa hoje, em Porto Alegre, sinaliza um cenário auspicioso: com o sucesso de programas e quadros televisivos como Dança dos Famosos, entre outros fatores, os festivais competitivos são, cada vez mais, objeto de interesse do público. O evento conta com uma programação diária até quarta-feira no Teatro CIEE (veja detalhes na Agenda). Concorrem bailarinos em modalidades como balé clássico, jazz, danças urbanas e danças de salão, com ingressos a R$ 20. Fora de competição, se destacam as atrações convidadas, como a bailarina Gabriela Frota Cezarino, do Espaço de Dança e Artes Paulista (EDAP), que apresenta hoje Don Quixote e o solo Brasileirinho, e os bailarinos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro Ronaldo Martins e Giovanna Lamboglia, que dançam amanhã um grand pas de deux do balé O Quebra-Nozes. – Os programas na televisão ajudaram a trazer o público para perto da dança. Muitos espectadores fazem aulas de dança de salão e acabam levando seus filhos para escolas de dança – explica Taís Spichler, coordenadora artística do Brasil em Dança, que espera cerca de 2 mil bailarinos de São Paulo e de diferentes cidades do Rio Grande do Sul. Taís projeta o crescimento do festival, que deverá ser realizado, no ano que vem, em Porto Alegre, São Paulo e Santa Cruz do Sul. 23 A movimentação continua de 1º a 9 de setembro, com o 10º Sul em Dança, em São Leopoldo. O evento, que ocorre no Ginásio Municipal Celso Morbach, terá como convidada de abertura a bailarina paulista Priscilla Yokoi, que foi solista da São Paulo Companhia de Dança. Margit Kolling, diretora e produtora do Sul em Dança, observa: – Hoje, os festivais fomentam a dança no Estado, são uma vitrina para muitos profissionais. Os jurados que participam do julgamento também trabalham como olheiros. Há alguns anos, as escolas de dança tinham seu espetáculo de final de ano e ponto final. Hoje, conseguimos enxergar, nos festivais, as diferentes modalidades. Margit estima que cerca de 3,3 mil bailarinos, principalmente da região Sul, participem do 10º Sul em Dança. Ao passo em que crescem os festivais, segundo ela, aumenta também a importância desse tipo de evento na consolidação do cenário artístico no Estado: – No Rio Grande do Sul, ainda não se consegue viver da dança como em São Paulo ou no Rio. Ainda não temos uma companhia oficial do Estado, por exemplo, mas o trabalho pessoal e o esforço das escolas é muito grande. Da primeira edição para esta, o nível da dança cresceu muito. O calendário segue com eventos longevos como o 18º Festival Santa Maria em Dança, de 6 a 9 de setembro, e o 20º Bento em Dança, de 5 a 13 de outubro, para citar alguns dos festivais que tornam a dança cada vez mais popular no Estado. Folha de s. Paulo - 'Olimpíada' de música erudita tem coreografia de Ismael Ivo em ópera No Festival de Salzburgo, brasileiro cria movimentos para continuação de 'A Flauta Mágica', de Mozart Mostra austríaca dispõe de orçamento de 54 milhões de euros e abriga 240 eventos durante seis semanas IRINEU FRANCO PERPETUO ENVIADO ESPECIAL A SALZBURGO (27/8/2012) Naquele que pode ser visto como o equivalente a uma Olimpíada para a música erudita, as melhores orquestras do planeta escolheram o repertório moderno e contemporâneo para medir forças. Obras de compositores como Béla Bartók (1881-1945), Witold Lutoslawski (1913-1994) e Serguei Prokófiev (1891-1953) comparecem à reta final do Festival de Salzburgo, que vai até domingo. Nessa fase, a mostra alista orquestras de porte, como as filarmônicas de Viena e Berlim, a Sinfônica de Londres, a Gewandhaus de Leipzig e a Concertgebouw de Amsterdã, sob as batutas de Simon Rattle, Valery Gergiev, Mariss Jansons e Riccardo Chailly, entre outros nomes de proa. Criado na cidade natal de Mozart (1756-1791) em 1920 pela trinca formada pelo dramaturgo Max Reinhardt (1873-1943), pelo compositor Richard Strauss (1864-1949) e pelo poeta Hugo von Hoffmansthal (1874-1929), e turbinado no pós-guerra pelo maestro Herbert von Karajan (1908-1989), o festival se tornou o mais badalado do circuito erudito internacional. Com um orçamento de 54 milhões de euros (cerca de R$ 137 milhões), abriga 240 eventos em seis semanas. Nesse ano, começou em 20 de julho, totalizando sete óperas, 90 concertos e 12 peças de teatro, que colocaram à venda 260 mil ingressos. Este ano marca a primeira edição com direção artística de Alexander Pereira, 65, um suíço que comandou a Ópera de Zurique e resolveu reforçar os vínculos do festival com a produção contemporânea: até 2016, pretende encomendar uma ópera nova para cada edição, começando, no ano que vem, por uma criação do húngaro György Kurtág, 86, baseada na peça "Fim de Jogo", do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989). 24 O Brasil participa com Ismael Ivo, responsável pela coreografia de "Das Labyrinth" (1798), ópera pouco conhecida do alemão Peter von Winter (1754-1825) que é uma continuação de "A Flauta Mágica", de Mozart. O jornalista IRINEU FRANCO PERPETUO viajou a Salzburgo a convite da organização do festival ARTES PLÁSTICAS Zero Hora - Mostras para o acervo MAC-RS abre hoje três exposições, reunindo mais de 60 artistas que doarão obras para a instituição Francisco Dalcol “Difícil de entender é o mundo contemporâneo. A arte contemporânea nem tanto.” (23/08/2012) Com a força do slogan publicitário, o Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MAC-RS) divulga sua nova ação. Hoje, às 19h, será aberta, na Casa de Cultura Mario Quintana, uma exposição coletiva considerada a mais representativa do museu em 2012. No ano em que o museu completa duas décadas, a meta é dar visibilidade à instituição, ampliar o acervo e concretizar a mudança para uma futura sede. Poéticas em Paralelo apresenta produções de jovens artistas em diferentes linguagens O projeto Idades Contemporâneas conta com três mostras, reunindo mais de 60 artistas que doarão obras para o acervo do MAC. A partir de hoje, estão planejadas intervenções urbanas, com colagens de cartazes nas ruas contendo a frase que abre este texto. Também haverá ações nas redes sociais, com vídeos inspirados em questões (e interrogações) da arte contemporânea. A realização é da agência GAD’red, que adotou o MAC. Na Casa de Cultura, a galeria Xico Stockinger hospeda a exposição Diante da Matéria, com obras de artistas contemporâneos como Belony Ferreira, Clóvis Martins Costa, Dione Veiga Vieira, Fernanda Valadares, Frantz, Gonzaga, Mariza Carpes e Ubiratã Braga. A curadora Paula Ramos apresenta diferentes procedimentos com materiais, destacando investigações que resultam em linguagens próprias e híbridas. – São trabalhos de artistas que problematizam o contato com a matéria e buscam pesquisar o cruzamento de linguagens – diz Paula. Já a galeria Sotero Cosme recebe duas mostras. Com curadoria de Ana Zavadil, Poéticas em Paralelo reúne novos artistas em diversas linguagens. No anexo, Paulo Gomes e Marcelo Gobatto são curadores da mostra CORPOIMAGEM, com obras em vídeo de mais de 40 artistas. Hoje, também será lançado o livro-catálogo A Medida do Gesto (distribuição gratuita). A publicação apresenta o trabalho de curadoria e expografia dos estudantes da disciplina Laboratório de Museografia, do Instituto de Artes da UFRGS, sob coordenação da professora Ana Maria Albani de Carvalho. O grupo assinou a exposição homônima, entre dezembro e janeiro, na Sotero Cosme. Futura sede 25 Com Idades Contemporâneas, o MAC segue seu plano de ampliação do acervo. Em um ano e meio, ele foi duplicado para mais de 400 obras, graças a projetos da instituição e à sensibilização de artistas. Ainda hoje sem uma sede própria, o museu espera a mudança de endereço para 2013. Por meio de uma parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), o MAC busca se instalar no térreo e no mezanino do antigo prédio da Mesbla, no Centro. – Antes de ter uma sede, um museu é gestor de um acervo. Nos 20 anos de MAC, houve doações e incorporações, mas nunca aquisições sistemáticas. Por isso, estamos empenhados em formar uma coleção – diz o diretor André Venzon. Diante da Matéria reúne obras de artistas que pesquisam diferentes materiais Para a ocupação da futura sede, está sendo realizado o projeto MAC 21, que contempla uma série de ações. Entre elas, estão as aquisições para o acervo com os R$ 300 mil do Prêmio Marcantonio Vilaça, da Funarte. Estão sendo adquiridas obras de 21 artistas contemporâneos brasileiros. Esses trabalhos serão apresentados na inauguração da sede, com a mostra também intitulada MAC 21. – Nosso desejo é estar na nova sede antes da Bienal do Mercosul, evento com o qual teremos uma parceria na edição de 2013 (entre setembro e novembro) – diz Venzon. Le Monde (França) - Les frères Campana taillés dans le bronze Par Marie Godfrain (24/08/2012) Entre Paris et les frères Campana, c'est une histoire d'amour. Après avoir dessiné le Café de l'horloge au Musée d'Orsay, le célèbre duo de designers brésiliens dévoile son univers, "Barroco Rococo", au Musée des arts décoratifs. Le bronze y est à l'honneur. Humberto, l'aîné, explique la genèse de cette exposition et sa fierté de recevoir le prix Colbert, lui qui se définit comme un artisan. Comment est née cette exposition ? Humberto Campana : L'idée nous est venue il y a un an lors d'une exposition à l'ambassade du Brésil à Rome. Là-bas, mon frère et moi sommes tombés amoureux des ateliers de travail du bronze. Nous y avons récupéré des rebuts d'ornements de meubles des XVIe, XVIIe et XVIIIe siècles. Fernando a commencé à jouer avec ces restes et a créé un bougeoir. Il s'agissait alors d'un pur travail de recyclage. Depuis, notre démarche a évolué. Aujourd'hui, nous mélangeons le bronze avec des matériaux rustiques comme le bambou, les pierres semi-précieuses, le bois, nous mêlons des sculptures de crocodiles en bronze avec des ornements traditionnels. Ce qui nous intéressait, c'était le choc des matériaux et des cultures. Je suis un anthropophage : j'ai absorbé la culture européenne et je la digère de manière tropicale, comme à l'époque les Indiens ont digéré le baroque européen pour en créer une version propre à notre pays. Pourquoi n'avez-vous pas opté pour une rétrospective traditionnelle ? Nous ne souhaitons pas rester coincés dans ce type d'événement, nous préférons vivre de nouvelles expériences, ce qui est plus enrichissant pour nous et pour le public. Et puis nous aimons le bronze. 26 Je sens que nous sommes à un tournant de notre carrière ; nous avons acquis une maturité qui nous permet de travailler ce matériau plus élégant. Lors de l'inauguration de l'exposition, vous recevrez le prix Colbert qui récompense les personnes contribuant au développement de la culture dans le monde. C'est très important pour moi, qui me considère comme un artisan. J'aime apprendre de tous les lieux que je visite, découvrir les techniques et les matériaux. J'ai passé un mois à Murano pour apprendre le travail du verre, une semaine à étudier le bambou en Asie ou la porcelaine à Limoges. Je veux intégrer la dimension artisanale au design. Cette façon de faire me paraît une bonne réponse aux problèmes sociaux et écologiques contemporains. Et ce prix me conforte dans cette démarche d'inclure les artisans à la création. Nous les aidons à aller plus loin et eux, avec leur technique, nous ouvrent des portes. Après avoir redessiné le café du Musée d'Orsay et cette exposition aux Arts décoratifs, quel musée parisien aimeriez-vous investir ? Je suis un inconditionnel du Centre Pompidou, où se trouve une de nos pièces, alors peut-être nous feront-ils l'honneur d'une exposition... dans dix ans ou à ma mort ! O Estado de S.Paulo - Mudanças próximas em Inhotim Obras são abertas em 6 de setembro e instituto recebe sua nova diretora Camila Molina, enviada especial, Brumadinho (26/08/12) O Instituto Inhotim, centro de arte contemporânea e jardim botânico em Brumadinho, Minas Gerais, passa por momento de mudança. As inaugurações, no próximo dia 6, de mostras permanentes de obras dos brasileiros Tunga e Lygia Pape, da espanhola Cristina Iglesias e do cubano Carlos Garaicoa, bem como de uma coletiva na Galeria Mata com trabalhos dos artistas Renata Lucas, Mateo López, León Ferrari, Edward Krasinski, João José Costa, Juan Araújo e Luisa Lambri marcam as novidades palpáveis, mas é agora, também, que a instituição recebe a coreana Eungie Joo para ser sua diretora de arte e programação. Com experiência no New Museum de Nova York, Eungie Joo terá como desafio incrementar o segmento de atividades culturais em Inhotim. Ela se mudará para Belo Horizonte a fim de exercer sua função no instituto, antes dirigido pelo alemão Jochen Volz, que se tornou curador-chefe da Serpentine Gallery de Londres. Eungie Joo também indicará aquisições de arte contemporânea para o acervo de Inhotim, mas é necessário, como diz o curador Rodrigo Moura, dar um "caráter mais dinâmico" para a exibição da coleção. Das 600 obras, apenas 80 estão expostas. Um dos projetos em curso, segundo Rodrigo Moura, será a construção da Grande Galeria, prevista para ser inaugurada entre 2014 e 2016. Com espaço de 4 27 mil m² e projetado pelo escritório Arquitetos Associados, o prédio vai se tonar um espaço para mostras coletivas. "Estamos discutindo para que as quatro galerias Mata, Fonte, Lago e Praça fiquem mais monográficas", conta o curador. Seria uma maneira de desacelerar a construção de novos pavilhões dedicados a individuais de artistas? Já são mais de 20 galerias e obras permanentes construídas - e, segundo pesquisa do instituto, as mais visitadas pelo público (157 mil até julho de 2012) são o Sonic Pavillion do norte-americano Doug Aitken; a Galeria Cildo Meireles (com instalações importantes do brasileiro, como Desvio para o Vermelho e Através); o espaço para a obra sonora Forty Part Motet, de Janet Cardiff & & George Bures Miller; e o pavilhão da pintora carioca Adriana Varejão (que já foi casada com o empresário Bernardo Paz). Uma das lacunas do Instituto Inhotim é não ter ainda um pavilhão dedicado à artista brasileira Lygia Clark, por exemplo. "Temos cerca de cinco obras dela em nossa coleção", diz Moura. Outro "desafio", explica o curador, é tratar da arte performativa no acervo da instituição. Enquanto isso, a mostra coletiva na Galeria Mata, com previsão de ficar em cartaz por dois anos, é um "recorte interpretativo da coleção" com obras que fazem diálogo entre arquitetura e artes visuais. A exposição apresenta trabalhos de artistas de diferentes gerações. Dos consagrados, o concretista João José Costa, que foi do Grupo Frente; o argentino León Ferrari, que doou 28 de suas históricas heliografias ao instituto; e o polonês Krasinski, com sua obra de espelhos. O Estado de S. Paulo - IAC exibe estudos de Willys de Castro Inventor. Esboço de objeto ativo (24/8/2012) A obra do artista neoconcreto mineiro Willys de Castro (1926-1988) estava à espera desse redescobrimento há algum tempo. Agora, na cidade, duas mostras prestam tributo a um dos mais coerentes construtivistas que o Brasil conheceu nos anos 1950, época em que essa escola começou a se firmar no País. A primeira exposição está em cartaz até 14 de outubro na Pinacoteca do Estado, sintetizando a carreira do criador do 'objeto ativo', ao reunir peças do começo de carreira e as últimos obras. No sábado, esboços dessa trajetória revelam o processo de trabalho de Willys Castro na exposição Deformações Dinâmicas, que o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) abre em sua sede sob responsabilidade da museóloga Marilúcia Bottallo, curadora do arquivo pessoal do artista sob guarda da instituição. Pintor, escultor, projetista gráfico, músico e poeta concreto, Willys esteve envolvido com praticamente todas as atividades artísticas durante toda sua vida. Químico por formação, conseguiu que a Suvinil desenvolvesse uma cor especial para ele, que não batizou, como o fez Yves Klein ao patentear seu azul, porque era o que hoje se chama um artista 'low profile', avesso à autopromoção, apesar de ser reconhecido como um dos principais integrantes do movimento neoconcreto. Seu perfeccionismo é evidenciado nos esquemas, esboços para objetos ativos, partituras musicais, desenhos para a obra neoconcreta Antonio 28 Gonçalves Filho indústria têxtil, logotipos e datiloscritos reunidos na mostra. São três centenas deles, divididos em três segmentos: o poeta, o músico e o artista gráfico. No primeiro estão reunidos seus poemas concretos. Essa produção literária talvez seja a parte menos conhecida de sua extensa produção (mais de 4 mil trabalhos, segundo o IAC). Willys foi próximo do grupo Noigandres (formado há 60 anos por Décio Pignatari e os irmãos Campos) e criou poemas visuais, além de partituras de verbalização que buscavam traduzir visualmente as experiências sonoras desenvolvidas pelos concretistas. Integrante do grupo musical Ars Nova, nos anos 1950, ele foi aluno do maestro alemão Hans-Joachin Koellreuter. Como artista visual, sua contribuição original pode ser atestada - tanto na mostra da Pinacoteca como na do IAC - pelo conceito do "objeto ativo" (nascido justamente no ano da assinatura do Manifesto Neoconcreto, 1959), que rompe com a superfície bidimensional como suporte para a pintura e convida o espectador a "concluir' a obra, movimentando-se diante dela e observando-a sob diferentes ângulos. A curadora do IAC aponta um diálogo estreito entre ele e Volpi. Embora o pintor italiano não recebesse discípulos em seu ateliê, Willys era um interlocutor presente em sua vida, tendo assinado a curadoria de exposições do mestre, como lembra a curadora. Artista de olhar refinado, além de colecionador, o mineiro tem uma série de estudos na mostra reveladores desse intercâmbio com Volpi, dos quais a obra menor reproduzida nesta página é um exemplo. "Ele poderia ter produzido ainda mais se não tivesse dedicado boa parte do seu tempo ao trabalho dos amigos", observa a curadora Marilúcia Bottallo, que trabalha na catalogação de sua obra. Segundo a marchande Raquel Arnaud, que organizou exposições de Willys em sua galeria, o IAC, criado por ela, planeja editar no futuro o catálogo raisonné do artista, representado nas coleções dos principais museus paulistas (Pinacoteca, MAC, MAM) e internacionais (o MoMA de Nova York). Além das peças já mencionadas, há na mostra desenhos de joias, móveis, objetos de uso cotidiano, além de imagens de padronagem têxtil concebidas pelo estúdio que Willys manteve com o pintor Hércules Barsotti nos anos 1960, onde concebeu logotipos como o do Hospital Oswaldo Cruz (1962), posteriormente substituído. "Ele fez até vitrais e foi editor", diz a curadora. E um editor que queria publicar e.e.cummings. Não deu tempo. O Estado de S. Paulo – Realismo sóbrio Cássio Michalany explora diferentes cores e formatos nas 16 obras criadas para a mostra que será aberta amanhã Rodrigo Naves ESPECIAL PARA O ESTADO (27/8/2012) Nas artes visuais não há atualmente admoestação mais grave do que acusar alguém ou algo de “formalista”. O que é uma pena. Não só porque cansa e ofende ver por aí tantas obras enfáticas e inofensivas sobre opressões, desigualdades e misérias, que infantilizam e enchem de culpa os observadores. Mas,sobretudo,porque esse raciocínio leva a crer que os problemas centrais da vida contemporânea se resolveriam pela denúncia das relações Sutilezas. Obra sem título de 2012: força poética que surge opressivas ou injustas. O que das relações entre cores triviais realmente nos falta é uma compreensão aguda das dinâmicas sociais de hoje, de modo a podermos vislumbrar uma maneira efetiva de mudarmos as coisas. Ou seja, precisamos menos de denúncias e mais de uma capacidade de articular a realidade 29 dissipada dos nossos dias.E aí não há como prescindir da noção de forma. Forma não é fôrma. Boas intenções podem ser sinônimo de caridade. Cássio Michalany pinta faixas há mais de 30 anos. Na Disneylândia de “ esquerda” em que habitam muitos curadores, críticos e instituições de arte contemporânea, o artista já estaria vivendo entre os camponeses, reeducando- se junto àqueles que guardam o segredo da emancipação do mundo. No entanto, acredito que poucos artistas contemporâneos tocaram em questões tão decisivas quanto Cássio. Por volta de 1992, ele incorporou a suas faixas um procedimento que ainda o ocupa: a permutação entre as áreas de cor. Nessas telas, Cássio evitava dar às cores qualquer dimensão expressiva e pessoal. Suas cores são quase anódinas, esmalte sintético comprado em lojas de materiais de construção. E o artista aplicaas sem gestualidade ou fatura. Usa-as como se pintasse uma parede. E a permutação entre elas – digamos, azul, branco e preto – não buscava revelar uma dimensão posicional das faixas de cor, uma situação em que o azul em contato com o preto se mostraria diferentemente da relação estabelecida com o branco. Àquela época, eu tinha a convicção de que a intuição que movia aquelas séries estava ligada a uma avaliação quase otimista do crescente afrouxamento das relações que mais progrediam na sociedade contemporânea: o setor de serviços,um trabalho (se ainda podemos usar essa palavra em relação a ele) em que as identidades individuais já quase não tinham vínculo com aquilo que homens e mulheres faziam, justamente porque já não faziam propriamente nada e sua sociabilidade tinha uma natureza muito diferente do trabalho nas oficinas, nas fábricas ou no campo. A meu ver, as séries permutadas de Cássio Michalany procuravam levar a um grau máximo a disponibilidade desses vínculos contemporâneos, nos quais a ausência de interação em função da produção de algo conduzia ao apego a ilusões comoventes, mas discutíveis: o melhor amigo, a fidelidade à mulher já castigada pelo tempo, férias na praia, o amor ilimitado por um labrador. Nas permutações seria possível experimentar uma identidade frágil que prometia emancipação, embora não se soubesse aonde isso levaria. Josef Albers, em sua série Homenagem ao Quadrado, iniciada em 1949, fazia uma aposta contrária. Segundo as análises de Paloma Oliveira de Carvalho Santos, uma pesquisadora de sua obra, a renúncia às cores em si, a ênfase na interação entre elas –tão transformadora – apontava para uma noção mais realista dos indivíduos e grupos sociais, já que a sua inserção em contextos diversos poderia por em xeque uma definição redutora de José ou Pedro (amarelo ou laranja), pois sua verdade adviria de um complexo de relações fortes, que para Cássio já não seria observável na sociedade contemporânea. A leveza dessas identidades tão fugazes, apontadas pelo artista brasileiro, poderia abrir caminho para uma disponibilidade liberadora, cujo sentido seria difícil de equacionar. Nas duas séries mais importantes da exposição que se abre amanhã no Gabinete de Arte Raquel Arnaud,o artista parece fazer um novo movimento, sem pôr de lado as listras que o acompanham há tanto tempo.Definitivamente, Cássio não se interessa por mudar seu trabalho à base de chicotadas. Nas duas séries, que se diferenciam apenas pelas dimensões, os quatro quadros são compostos por três chassis aparafusados entre si, cada um comum a cor diferente. No conjunto, são usadas quatro cores que se permutam: azul, bordô, tabaco e verde. Como em cada uma das telas são empregadas apenas três cores, 30 a visão de conjunto das séries introduz um ruído na reversibilidade dos trabalhos anteriores. Há sempre uma cor que fica de fora. E essa ausência, ao menos para mim, tem a força de um raio. Há um jogo (muitas vezes um golpe)de prestidigitação conhecido como “achadinho”, em que, sobre uma mesa precária, uma pessoa hábil (uma habilidade em geral aprendida na ociosidade das cadeias) faz uma bolinha se mover entre três tampinhas de garrafa. Deixando de lado as mutretas que envolvem o jogo, o que interessa aí é conseguir manter a atenção na tampinha que oculta a bola, para assim ganhar a aposta. Há algo disso nas séries de Cássio. Só que a cor que falta em cada tela não foi ocultada por um passe de mágica. A estrutura dos trabalhos decidiu deixar sempre uma delas de fora. E então aquela troca de papéis leve e descomprometida de suas permutações adquire um aspecto mais grave. Para que o jogo siga em frente, é preciso deixar sempre um elemento de fora. A plenitude visual da relação entre as quatro áreas de cor se insinua a todo instante. Apenas para nos frustrar em seguida. Essa exclusão pode dizer respeito à incompletude radical das práticas sociais e às possibilidades que elas mantêm no horizonte. Mas podem também não passar de um jogo de cadeiras em que sempre alguém precisará ficar de fora para que a máquina não pare. FOTOGRAFIA O Estado de S. Paulo - Álbuns de família Ímã Galeria expõe os trabalhos de Walter Firmo, o fotógrafo brasileiro condecorado com a Ordem do Mérito Cultural 24 de agosto de 2012 | 3h 11 JOTABÊ MEDEIROS Alagados, Bahia, 2002. Olhar iluminado, singular e refinado do artista que capta a alma brasileira 31 (24/8/2012) É de Walter Firmo a famosa foto de Pixinguinha na cadeira de balanço, assim como a de Pelé numa perna só, como um saci do futebol. Conheceu Ari Barroso, Tom Jobim e outsiders da MPB, como o grupo Paulo Bagunça e a Tropa Maldita. Atravessou três gerações de boemia brasileira, mas é só ele farejar um momento épico para os corintianos no Pacaembu que ele desce do táxi que o traz de Congonhas e sai fotografando a procissão de torcedores. Aos 74 anos, condecorado com a Ordem do Mérito Cultural pelo então ministro Gilberto Gil, Walter Firmo é um dos mais importantes fotógrafos brasileiros do último século - e continua sendo neste. Sua arte mais intimista, mais focada na história pessoal, a família e as paixões, foi objeto de uma seleção do curador Egberto Nogueira reunida na mostra Luz em Corpo e Alma, que será aberta domingo, às 14 h, na Ímã Foto Galeria. Carioca de Irajá, Firmo também foi objeto de um pequeno documentário de Nogueira, com depoimentos sobre a sua trajetória. "Eu sou um mulatinho de Irajá", conta Firmo, para quem há duas maneiras de entrar no Rio de Janeiro, sua terra natal: uma, pelo Galeão, para ir ao Leblon, a Copacabana, a Ipanema. A outra é pelo subúrbio, pelo trem, para encontrar o samba, a música, a alegria. É a esse segundo território que ele credita sua grande motivação artística. Chama a Floresta da Tijuca de "meu Éden". Foi assim que começou, tentando "trabalhar essas engendrações de criança", e assim se tornou um monstro da fotografia nacional. Os pais foram rigorosamente contra sua opção. Mas ele insistiu. "Quero ser político, quero transmitir pensamentos, idealizar, quero politizar", berrou. As 26 imagens dessa coleção mostram Walter inventariando esse universo particular, sambistas embarcando no trem de subúrbio para o carnaval, retratos familiares, negros, brancos, mestiços. "Tem uma pedra, tem uma fantasia, tem um céu azul, eu tenho interesse", diz Firmo, sobre suas motivações estéticas. Viveu ao lado dos pais longamente, até a morte destes, quando tinha perto de 65 anos. "Me senti órfão", diz. Tem uma foto ao lado do pai na qual reconstitui uma cena de um famoso quadro do pintor Guignard. Vive e trabalha em Copacabana. "Ele é amoroso com o Brasil, acredita na beleza da vida e é orgulhoso da própria produção, não tem falsa modéstia. É um dos grandes fotógrafos brasileiros", afirma o colega Juvenal Pereira, amigo de Firmo. Pereira acha particularmente heroica também a forma como Firmo, mesmo veterano na profissão, não para de produzir e transmitir seus conhecimentos. "Vai a Cuba, vai a Paris, vive dando workshops. É um poeta da luz, meu parceiro", afirma. Cada uma das 26 imagens de Firmo expostas na Ímã Galeria (cuja abertura, na Feira da Vila, no domingo, terá uma big band para animar, a Zerró Santos Big Band Project) terá tiragem de 20 cópias impressas na galeria, limitada e exclusiva à venda. MÚSICA Estado de Minas - Para lembrar Gonzagão No centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, a cantora Elba Ramalho também preparou sua homenagem ao Rei doBaião, que ela vaimostrar esta noite, no palcodoSesc Palladium AILTON MAGIOLI (23/8/2012) Depois de um show e dois discos – Canta Luiz (2002) e Elba ao vivo (2003), que também ganhou o formato DVD –, Elba Ramalho não consegue esconder a honra de voltar a homenagear o mestre Luiz Gonzaga (1912–1989). Desta vez no Projeto Compositores BR, hoje, no Sesc Palladium. A abertura da noite ficará por conta das 32 acordeonistas Iara de Andrade e Sarah Assis, apresentando versões instrumentais de sucessos de Gonzagão. Elba conta que conheceu Luiz Gonzaga emum show no interior do Nordeste e logo ficaram amigos (23/8/2012) Acompanhada de banda formada por acordeom, teclados, guitarra, violão, baixo, bateria e percussão, Elba Ramalho entra para defender a própria origem com os clássicos do Rei do Baião. “Seu Luiz é a alma do nordestino, a essência do folguedo e dos personagens do Nordeste. Está tudo na obra dele”, resume a intérprete paraibana que, ao falar do amigo, diz ver toda a história passar diante dela como em uma tela de cinema. CLÁSSICOS “Só mestres fazem coisas definitivas como ele”, avalia Elba Ramalho, chamando a atenção para a sofisticação e o requinte melódicoeharmônico da obra de Luiz Gonzaga. “Hoje não se cria algo como a abertura de O fole roncou”, afirma a cantora, admitindo que a obra de Gonzagão está prontinha para ser apreciada pelo público. “Homem de parceiros maravilhosos (Humberto Teixeira, Zé Dantas e José Marcolino, entre outros)”, como faz questão de lembrar, Luiz Gonzaga legou clássicos como Assum preto, que, acredita Elba, deixou de ter os olhos furados pelo sertanejo depois da composi ção. O próprio acauã, pássaro que era visto como porta-voz de má sorte, teve a imagem transformada depois de batizar uma canção de Zé Dantas gravada por Luiz Gonzaga. “Luiz Gonzaga pegava detalhes para explorar em suas canções”, diz Elba Ramalho, citando Estrada do Canindé, considerada por ela uma das obras-primas do mestre. “Que também fez choros e valsas maravilhosas”, acrescenta a cantora, que gravou, sem saber que era de Gonzagão, Dúvidas, “valsa que meu pai me ensinou quando criança”. Elba lembra também que, assim como o Rio de Janeiro legou à MPB nomes como Noel Rosa, Tom Jobim, Martinho da Vila e Chico Buarque; Minas Gerais deu Ari Barroso e o Clube da Esquina, e a Bahia gerou Gilberto Gil e Caetano Veloso, o Nordeste ainda brindou o país com Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Alceu Valença e Lenine, entre outros. UM PAIZÃO Elba Ramalho que diz nunca ter imaginado se tornar cantora e, muito menos, conhecer Luiz Gonzaga, foi abordada pelo mestre nos anos 1980, em um hotel do interior do Nordeste, onde ambos faziam show. “Ei, loura”, teria dito Gonzagão, que andava muito pelo sertão. “Não achava que ia chegar perto dele e acabamos nos tornando extremamente amigos. Ele chamava eu e Gonzaguinha de filhos”, orgulha-se a cantora paraibana. Segundo Elba, ao ganhar o filho Luan, precoce de oito meses, em Campina Grande (PB), Gonzagão estava a seu lado, cantando, pegando o menino no colo. “Seu Luiz era um homem muito engraçado, bom e forte. Ele era o nosso paizão”, derrete-se Elba, destacando, ainda, a inteligência do mestre, além de sua voz e a sanfona. Fascinada pelo poder transcendental e universal da música, Elba diz descobrir cada dia mais novidades na obra de Gonzagão. E Elba garante jamais ter deixado de incluir Gonzagão em seu repertório, que vai mostrar esta noite ao público belo-horizontino. Recém-chegada dos festejos de São João pelo Nordeste, ela abre o show com a Sanfona branca, que Benito Di Paula compôs em homenagem a Luiz Gonzaga, seguindo com clássicos como Asa branca,A vida de viajante, Sala de reboco e muitos outros, admitindo uma “colher de chá” com Aconchego, no final. Estado de Minas - Dois craques Lanny Gordin, Jards Macalé e Tuti Moreno: influências do funk e jazz rock (24/8/2012) Os cantores e compositores cariocas Jorge Bem e Jards Macalé acabam de ter os respectivos álbuns de estreiar e lançados em vinil pela Polysom, única fábrica do gênero na América Latina. Samba esquema novo (1963), trabalho fundamental do primeiro, e o personalíssimo Jards Macalé (1972) foram remasterizados e ganharam edição limitada em disco de 180g 33 Na eternamente empolgante introdução (e o restante da canção, claro) da clássica Mas que nada, os metais soam como se estivessem num grande salão vazio com a voz de Ben, então com apenas 21 anos. Ela abre o repertório formado por outras 11 canções, incluindo sucessos como Balança pema, Chove chuva e Por causa de você menina. A única faixa não assinada por ele é Tim dom dom, de Codo e João Mello. Esse trabalho já trazia a essência do pop balançado que fez de Jorge um mestre. Uma das diferenças é que, no lugar da guitarra que ele empunha atualmente, estava o violão, tocado sobre a batida de samba com influência da bossa nova que soou diferente na época – o tal esquema novo. No fim das contas, a levada mais empolgante continua a ser a de Mas que nada, o que em nada desmerece as outras do disco. Os vocais são capítulo à parte, A começar pela palavra “você”. Às vezes, ela é cantada normalmente, como em Tim dom dome Rosa, menina rosa, mas em outros versos ouvimos “voxê”. Ficou registrado assim em Quero esquecer você, por exemplo, em que a palavra é repetida seis vezes. É também marca registrada de Por causa de você, menina. Em É só sambar, a dicção fica no meio termo. Aliás, no final Ben canta um “dom dim/ dim dim dim dom” que é exemplo característico dos vocalises e sílabas com os quais adorna várias de suas canções. Do famoso “Ô, ariá, raiô/ Obá, obá, obá”, de Mas que nada, ao “saiupá, saiupá, saiupá, saiupá, saiupá, pá” presente em Quero esquecer você e Por causa de você, menina. TEMPERO Quase 10 anos depois de Ben, Jards Macalé estreou em disco. Não é possível dizer que, como o conterrâneo, ele tenha apresentado inovação em termos de ritmo nesse trabalho, mas seguramente abriu brecha para figurar entre os compositores brasileiros relevantes. Nove inquietantes composições são “tropicalisticamente” temperadas com rock, samba, bossa nova e canção brasileira. Ao contrário deSamba esquema novo, o disco Jards Macalé não desce redondo.Nem foi feito para isso. Depois de participar da gravação do genial (e conceitual) Transa, que Caetano Veloso lançouem1972, Macalé apostou em som cru e letras que fogem do óbvio, acompanhado por Lanny Gordin (baixo e violão de aço) e Tuti Moreno (bateria). Muitas levadas de bateria são claramente influenciadas pelo funk e jazz rock da época, estimulando linhas de baixo exuberantes. As composições, na maioria dos casos, são parcerias do artista com Capinam ou Waly Salomão( ou Sailormoon,comoregistra o encarte original). Macalé ainda relê, juntando numa só faixa, Farrapo humano, deLuiz Melodia, e A morte, de Gilberto Gil. 34 O Estado de S.Paulo - Bendito Juarez! Grande sax tenor ressurge, remasterizado, 50 anos depois Roberto Muggiati (25/08/12) Quando os Estados Unidos descobriam a bossa nova, o Brasil descobria Juarez Araújo. Em 1962 e 1963, o saxofonista - que os próprios músicos consideravam nosso gênio maior da improvisação - gravava seus três primeiros álbuns para o selo Masterplay: Bossa Nova nos States, O Inimitável Juarez e Masterplay Goes to New York. Agora, meio século depois, estes vinis são lançados em CD pelo selo Discobertas, de Marcelo Fróes, em versão remasterizada, com as capas originais. Numa delas, o texto é de Sérgio Porto, que, entre suas múltiplas atividades, era crítico de jazz: "Nos EUA, grandes tenoristas como Sonny Rollins e Stan Getz conseguem expor com maestria sambas da bossa nova, mas perdem longe para Juarez por falta de apoio rítmico". Juarez Assis de Araújo forjou sua arte na grande escola da sua juventude, as orquestras de dança. Nasceu em 1930, em Surubim, Pernambuco e ainda menino tocou clarineta na banda do padre Cleomâncio Leão, saxofone na banda do Colégio Salesiano, e todo tipo de sopros quando serviu no Exército. Tocou em igrejas, praças, feiras e bailes. Depois de brilhar nas orquestras das rádios Poty, de Natal, e do Jornal do Commercio do Recife, foi convidado para tocar na orquestra de danças de Clovis Elly, em São Paulo, em 1954. Num depoimento, ele diz: "Nunca pensei que um pobre nordestino de cabeça chata pudesse ir tão longe". O "longe" fica por conta das incursões internacionais - depois que fez o seu nome no Rio, a partir de 1956 - nos festivais de jazz de Montevidéu e Punta Del Este, no início dos anos 60, quando a revista de jazz Downbeat o apontou como um dos cinco maiores sax tenores do mundo. No Rio, Juarez enturmou-se com o "núcleo duro" da bossa (Tom, Menescal, Newton Mendonça) e tocou com João Gilberto. O Brasil de 1962, com Jango na presidência, após a renúncia de Jânio, vivia grave crise política. Juarez e o jazz não estavam nem aí. Enquanto um punhado de notáveis da bossa defendia nossas cores no Carnegie Hall de NY, ele ralava em inferninhos, orquestras de estúdio, de rádio e TV, bailes e gafieiras, para garantir o leite das crianças. E a música destes CDs? Cada um reproduz o vinil clássico de seis faixas por lado, média de duração da faixa entre dois minutos e meio e três minutos e meio. Os produtores respeitavam o limite de três minutos das antigas bolachas de 78 rotações. Havia uma vantagem nisso: no espaço restrito de cada faixa, o arranjo tinha de dar seu recado em poucos compassos - um desafio à criatividade. Ninguém sintetizava melhor arranjos e solos do que Juarez. O repertório é eclético: standards americanos (Deep Purple, sucesso da banda de Glenn Miller; Marie, celebrizada por Tommy Dorsey), Blue Moon, Tea for Two; hinos do bebop como Lullaby of Birdland, hits da hora (Matilda, Matilda, Al Di Là), clássicos da bossa (Samba de Uma Nota Só, Bim Bom) e até composições originais, como o Tema Pra Dedé, de Nelsinho. Uma palavra sobre os músicos: Nelson dos Santos, o Maestro Nelsinho, entrelaça a voz quente do seu trombone com os voos do tenor de Juarez, arriscando-se a fugas e contracantos em temas como The Lady Is a Tramp e I Could Have Danced All Night. Entre os pianistas estão Fats Elpídio. José Marinho e Tenório Jr, tragicamente desaparecido nos anos de chumbo argentinos. Na guitarra, destaca-se Daldeth de Azevedo, o Neco; no contrabaixo, Tião Marinho; Bituca e Juquinha defendem uma bateria bem bossa. Ruy Castro, autor do livro Chega de Saudade, falando do álbum Jazz Samba, de Stan Getz e Charlie Byrd, observa: "Não achei nada de mais. Sabe por quê? Porque já havia escutado o Bossa Nova nos States, o disco em que Juarez Araújo inverteu a equação para 'samba jazz' e fundou um novo 35 idioma". Ainda iniciante, o saxofonista Mauro Senise tocou com Juarez na Rio Jazz Orchestra: "Era gente finíssima, dava sempre força para os novatos". E o crítico Arnaldo DeSouteiro, que produziu uma das últimas gravações de Juarez (no CD Love Dance, de Ithamara Koorax), retrata o saxofonista: "Respirava e se alimentava de música". Na cultura mercantilista que se instaurou na MPB pós-TV, nem sempre eram bem recebidos os que respiravam e se alimentavam de música. Por uma cruel ironia, Juarez foi "sepultado" vivo em 1988 pela desinformada Enciclopédia da Música Brasileira, que o declarou morto em 15 de setembro de 1986. Ele sobreviveu 17 anos à falsa notícia: tocando até o último sopro, morreu em 2003, dois dias antes de completar 73 anos. Na verdade, Juarez Araújo não morreu. Continua vivo nas notas calorosas do seu tenor nestas vibrantes gravações. O Estado de S.Paulo - Treme, Dona Onete Estrela de Belém aos 73 anos, ela lança o primeiro CD, com vários ritmos regionais Lauro Lisboa Garcia, especial para o Estado, Belém (25/08/12) Há quem compare o fenômeno nem tão recente de redescoberta da velha guarda da música paraense, como os mestres da guitarrada, ao evento cubano Buena Vista Social Club. Nesse cenário, Dona Onete seria correspondente a Omara Portuondo, mas ela prefere ser comparada à grande dama do samba carioca Dona Ivone Lara - porque além de referência cultural do Pará, tendo exercido outra profissão ao longo de décadas, é mais compositora do que cantora. Com produção do compositor Marco André, lança agora o ótimo álbum de estreia, Feitiço Caboclo, pelo selo Na Music, com patrocínio da Conexão Vivo. Aos 73 anos, cheia de malícia e com apenas pouco mais de dez anos de carreira, essa estrela de Belém faz tremer o chão e o público. A expressão, usada tanto com conotação sensual, como pelo efeito anestésico provocado pela hortaliça jambu, típica da culinária local, que dá uma sensação de formigamento e "treme-treme", traduz bem o sentido da performance ao vivo da sacudida canção Jamburana. Dona Onete é também especialista na lida com a erva, da qual faz licor e doce caramelizado. No camarim, ela reserva porções para consumo próprio e para os visitantes durante os shows. "Prove pra você ver como é gostoso", oferece ao repórter. "Pode comer mais. Sentiu o treme?", brinca. Sim, deu para sentir. "Na França, isso vai fazer um grande efeito, porque eles gostam dessas coisas agridoces." 36 Uma das canções do CD todo autoral, Jamburana já é hit local e tem potencial para alcançar outros cantos do País. No início do mês, Dona Onete causou sensação ao cantar essa música em cinco apresentações do espetáculo Terruá Pará, que lotou o Theatro da Paz, em Belém, foi lançado em CD e DVD duplos e desembarca em São Paulo em outubro. A veterana compositora é um dos destaques desse rico mapeamento da música paraense e reúne como convidados no CD boa parte do elenco do show, como Mestre Vieira, Pio Lobato, Manoel Cordeiro, Trio Manari, Gaby Amarantos, Lia Sophia, Luê Soares e Keila Gentil (da Gang do Eletro). Algumas de suas canções também figuram no repertório dos jovens expoentes. Marco André, em discos próprios, já fez a conexão dos ritmos da Amazônia com a alta tecnologia. Porém, embora Feitiço Caboclo tenha sutis intervenções eletrônicas que poderiam associar Dona Onete à nova geração do tecnobrega, o que ela faz é um saboroso banquete de gêneros regionais e afro-caribenhos, como carimbó, guitarrada, lambada, merengue, boi, brega e até samba com inserção de rap. Nas bocas. Com certa dificuldade de se locomover por conta de problemas nos quadris, ela diz que só vai até os próprios limites. "O público sempre quer me ver dançando a Jamburana, mas não posso me esforçar muito, então danço um pouquinho pra agradar." Tremelicando os ombros e os quadris, Dona Onete faz o público sacudir no carimbó chamegado. "Essa música não posso deixar de cantar em nenhuma apresentação, porque é sempre a mais pedida. Quando cheguei em casa, minha neta me falou que viu no show pela televisão até as idosas tremendo comigo na Jamburana", conta, rindo. O problema de saúde a impede de aceitar os crescentes convites para fazer shows porque é complicado viajar, mas virá a São Paulo. E só em 2012 já cantou em eventos importantes fora do Pará, como o Rec-Beat, no Recife, na festa de 25 anos da Orquestra Imperial no Circo Voador, Rio, e no evento Invasão Paraense, em Brasília. Recentemente, ela também apareceu cantando carimbó no filme Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios, de Beto Brant. "Nossa música tem ido bastante pra fora, mas faltava a aceitação do próprio povo paraense. Agora, com todos reunidos, dá tudo certo, um ajuda o outro, tanto os jovens como os mais velhos." Muitos desses jovens, que nem têm ligação direta com música, mas estudam jornalismo e a cultura do Pará, têm procurado a ex-professora para entrevistar. "Conheço muito da cultura daqui, então as pessoas me procuram. Não sei tocar nenhum instrumento, mas conheço todos os ritmos que estão no meu disco." Reverenciada por músicos como Pio Lobato e Felipe Cordeiro, as composições de Dona Onete reverberam por várias bocas, como a de Gaby Amarantos, que lançou CD com participação da autora, Aíla Magalhães, Lia Sophia, entre outros. "Estou vivendo um grande momento e muito feliz com isso. Até pouco tempo atrás achavam que o carimbó era uma bobagem e agora foi pro mundo, até pra Malásia. Quem dera todos os Estados abraçassem sua cultura como Pernambuco fez e o Pará está fazendo agora." Folha de S. Paulo - Sem voz, Gil resgata canções da prateleira dos 'greatest hits' DE SÃO PAULO Gil em 1972,ano em que gravou o álbum (27/8/2012) A voz de Gilberto Gil não veio. E a ausência imprevista transformou a estreia paulistana de "Concerto de Cordas e Máquinas de Ritmo", o novo espetáculo do cantor, em uma batalha -tanto para o artista quanto para a plateia, que não chegou a lotar o teatro Alfa na noite de sexta. Era sofrido vê-lo na luta para se esquivar das notas que não alcançava. "Uma gripe", justificou. O esforço era evidente. Parecia até sentir dor. 37 Mas foi justamente essa situação precária que tornou o show especial, único. Gil teve que redesenhar, de improviso, melodias inteiras. Trocou notas de lugar para poder alcançá-las e deixou tudo diferente, exclusivo, novo. A versão de "Lamento Sertanejo", por exemplo, foi arrebatadora. Dificilmente Gil a cantará de novo dessa maneira, tão trágica e sofrida. Canções mais manjadas, como "Panis et Circencis", "Andar Com Fé" e "Expresso 2222", também ganharam com a situação. O estranhamento as resgatou da prateleira de "greatest hits", onde estavam acomodadas. Mas tudo isso se deu graças à musicalidade espontânea -e espantosa -de Gil. Do outro lado, Bem Gil (violão), Gustavo Di Dalva (percussão), Nicolas Krassik (violino) e a Orquestra Sinfônica da Bahia davam frescor a temas como "Eu Vim da Bahia" e "Domingo no Parque", em arranjos épicos dos maestros Jaques Morelenbaum e Carlos Prazeres. Mas não fizeram tanto por "Saudade da Bahia" (Caymmi) e "Outra Vez" (Jobim). A apresentação carioca foi gravada e vai virar DVD em novembro. Mas show como o de São Paulo ninguém nunca mais vai ver. Correio Braziliense - Sons do planeta Nona edição do festival de música instrumental Mimo investe na diversidade de estilos e em grandes nomes das cenas local e internacional GABRIEL DE SÁ 38 Praça do Carmo, em Olinda, no ano passado: segundo evento mais importante da cidade, depois do carnaval (29/8/2012) Quando surgiu, em 2004, o nome Mimo guardava as letras iniciais de Mostra Internacional de Música em Olinda. Em 2009, a programação do evento foi estendida para as cidades de Recife e João Pessoa. Agora, em 2012, chega também a Ouro Preto (MG). Logo, a designação oficial perdeu o sentido e Mimo passa a ser uma espécie de nome próprio. Mirando promover a integração da boa música com a ocupação dos espaços históricos das cidades-patrimônio citadas, o festival, considerado o maior evento gratuito da vertente instrumental no país, chega a sua 9ª edição a partir de amanhã. Este ano, além dos diversos artistas nacionais, a Mimo traz ao país nomes de peso, como o pianista cubano Chucho Valdés, o baixista camaronês Richard Bona, o guitarrista francês Sylvain Luc, a cantora e o pianista portugueses Maria João e Mario Laginha e o quarteto de cordas americano Borromeo, para apresentações em igrejas seculares, teatros e também ao ar livre. A barroca Ouro Preto será o primeiro lugar a receber a mostra, entre amanhã e domingo. Na cidadezinha mineira, o destaque é para a música brasileira: o público poderá conferir, entre outros, concertos de Sonia Rubinsky, Egberto Gismonti, Tom Zé, Hamilton de Holanda, Juarez Moreira, Carlos Malta e Pife Muderno. O mesmo sonho de romper com o monopólio artístico do eixo Rio-São Paulo que fez a idealizadora da Mimo, Lu Araújo, montar o festival em Olinda há quase uma década, a motivou a levá-lo também para Ouro Preto. “Precisava do aconchego de um festival pequeno, em um outro ambiente”, argumenta, “e Minas também tem grandes nomes na música instrumental”. Nordeste Olinda, Recife e João Pessoa recebem a Mimo simultaneamente, entre os dias 3 e 9 de setembro. Alguns artistas se apresentam em mais de uma cidade. Em outros casos, os shows são únicos: como o do mutante Arnaldo Baptista, no dia 7, em Recife; e o de Chucho Valdés, em Olinda, no dia 8. O pianista cubano, inclusive, é uma das atrações mais aguardadas da mostra neste ano. Ele ficou quase uma década sem tocar no Brasil, veio a São Paulo no ano passado e, agora, deve contar com a participação de Egberto Gismonti no piano a quatro mãos, na Igreja da Sé. “Egberto fez questão quando descobriu que o Chucho ia participar”, adianta Lu. A carnavalesca Olinda e suas 22 igrejas recebem também o Duo Assad (os irmãos Sérgio e Odair), a banda carioca Paranaphernalia, o percussionista Cyro Batista, a Orquestra Contemporânea de Olinda, com participação de Arto Lindsay, Arismar do Espírito Santo e Letieres Leite, entre outros. Erguer a lona da Mimo, segundo a idealizadora, foi a forma que ela encontrou de dar vazão à música instrumental produzida no país, que tem pouco espaço no grande mercado. “É a manifestação musical mais original e rica em conteúdo no Brasil nos dias de hoje”, acredita ela. “Lá fora, o instrumental é muito focado no jazz. Aqui, temos outras assinaturas, essa coisa da fusão. Heitor VillaLobos, por exemplo, incorporou o folclore e trouxe nossas raízes para suas composições. Por isso nossa música tem tanta repercussão internacional — vide Egberto e Hamilton”, destaca. Outras praias A programação da Mimo inclui também palestras, workshops e uma mostra de cinema em Olinda e Ouro Preto. Serão exibidos 25 filmes com referências musicais gratuitamente nas duas cidades, entre ficção, documentários e animações. Os músicos que se apresentam na mostra são convidados a ministrarem oficinas para o público. “Todo mundo que vai tem que dar aula”, garante Lu. “Não que eu ache que um grande músico seja necessariamente um grande professor, mas as coisas andam muito individualistas no campo das artes. Acho que as pessoas estão precisando trocar”, defende. Ao longo dos anos, 15 mil alunos foram agraciados com as aulas dos “professores” ilustres. Um dos destaques é o já tradicional Curso de Regência do maestro brasileiro Isaac Karabtchevsky, que conta com mais de 150 participantes a cada ano. 39 160mil Público esperado para este ano 400 mil Número de espectadores desde 2004 157 Concertos realizados 9ªMimo De 30 de agosto a 2 de setembro, em Ouro Preto (MG). De 3 a 9 de setembro, em Olinda (PE), Recife (PE) e João Pessoa (PB). Entrada franca. Classificação indicativa livre. Folha de S. Paulo – Nelson Freire trata brasileiros com respeito em disco delicioso Crítica música erudita Irineu Franco Perpetuo, colaboração para a Folha (29/08/12) Nelson Freire resolveu se aproximar da música de seu país por meio da miniatura. Com 30 faixas, "Brasileiro", seu mais recente CD, faz um breve panorama da música do país entre o final do século 19 e o começo do século 20. O subtítulo do álbum, "Villa-Lobos & Friends", é meio enganoso. Pois, se Villa-Lobos domina o disco, a rigor não dá para chamar os outros sete compositores que Freire coloca para gravitar em torno dele de seus amigos. O paulista Alexandre Levy (1864-1892), por exemplo, que contribui com um delicioso "Tango Brasileiro", morreu quando o autor das "Bachianas Brasileiras" tinha apenas cinco anos. Na década de 1970, Freire gravou um excelente LP (depois relançado em CD) dedicado exclusivamente a Villa-Lobos, contendo obras agressivas como o "Rudepoema", a "Prole do Bebe nº 1" e "As Três Marias". "Brasileiro" abre com "Carnaval das Crianças", a obra para piano solo que deu origem a "Momoprecoce", para piano e orquestra, que ele recentemente andou tocando com a Osesp. Apresenta ainda oito obras breves de Villa-Lobos, destacando itens célebres como os "Choros nº 5 Alma Brasileira", "Valsa da Dor" e "A Lenda do Caboclo". O pianismo de Villa-Lobos possui diversas facetas. Para além do colorido "nacional", há obras que dialogam com o melodismo de Chopin ou com o romantismo tardio de Rachmaninov. Versado não apenas na linguagem do compositor, mas também em suas influências, Freire se move com desenvoltura pelas diversas camadas de seu discurso musical, revelando de forma iluminadora o estilo de cada uma das obras que decide abordar. COSMOPOLITISMO Tal cosmopolitismo se faz notar igualmente nos outros compositores do disco. E o pianista acaba trazendo àquelas de intenção mais marcadamente nacionalista uma "ginga" que não estamos habituados a associar ao instrumentista. Era fácil imaginar, por exemplo, que sua leitura "Valse Lente" de Henrique Oswald (1852-1931) evocaria à perfeição o universo afrancesado do compositor paulista filho de suíços. Bem menos previsível, contudo, é o jogo de cintura que ele emprega na "Dança Negra", de Camargo Guarnieri (1907-1993), ou na "Congada", de Francisco Mignone (1897-1986), que encerra o novo álbum. Freire trata os autores brasileiros com o mesmo apuro e respeito dos grandes mestres internacionais que está habituado a tocar, e o resultado não é menos que delicioso. 40 LIVROS E LITERATURA Correio Braziliense - A simplicidade da erudição Versos de Mario Quintana ganham nova roupagem com a publicação de toda sua obra Nahima Maciel Liberdade condicional poderás ir até a esquina comprar cigarros e voltar ou mudar-te para a China — só não podes sair de onde tu estás. (Mário Quitana) (24/8/2012) De velhinho doce e angelical, Mario Quintana tinha pouca coisa. O jeitinho, talvez. O caminhar e o rosto cativante, de olhos grandes e sorriso de lagartixa. E só. Porque quando Quintana se apossava da caneta para riscar versos no papel, gostava era do deboche, da ironia inteligente, da postura zombeteira. E antes de ser o velhinho cuja presença constante nas Feiras do Livro de Porto Alegre encantava os gaúchos, era um jovem muito semelhante ao velho poeta morto em 1994, aos 88 anos. “O fato é que nunca evoluí. Sempre fui eu mesmo”, confessou, certa vez, ao ser questionado sobre sua suposta evolução poética da lírica parnasiana ao modernismo (muito contestada, aliás). Talvez fique mais fácil comprovar a afirmação a partir de agora. Sob a coordenação de Ítalo Moriconi, a Alfaguara reedita, até 2014, 17 livros do gaúcho de Alegrete. A empreitada começa com três volumes. Canções reúne os três primeiros livros do poeta: Canções, Sapato florido e A rua dos cataventos. Quintana começou a escrever antes da adolescência, mas só publicou o primeiro livro aos 34 anos. A rua dos cataventos é um conjunto de 35 sonetos contemplativos nos quais o poeta reflete sobre seu próprio ofício. Canções e Sapato florido vieram, respectivamente, em 1946 e 1948. Os outros dois volumes nasceram nos anos 1970. Apontamentos de história sobrenatural, publicado em 1976, e A vaca e o hipogrifo, de 1977, marcam a metade da vida produtiva do poeta, uma escolha deliberada e uma tentativa de enfatizar os versos de um autor mais maduro, porém não menos sedutor. “Eu queria colocar um pouco de foco sobre o Quintana já velho porque ele se manteve num nível. Valorizaram-se muito os primeiros livros dele”, explica Moriconi. O calendário de reedições sempre vai trazer um livro do início da carreira e um pós-anos 1970. “Quintana explodiu mesmo nessa época. Ele já era um grande poeta, consagrado, mas quando Rubem Braga e Paulo Mendes Campos fizeram a antologia dele, o colocaram num patamar alto. Ele estava publicando pouco na época e nos anos 1970 foi muito presente devido a esses lançamentos. Acho que tem algo na poesia daquela década que representou uma retomada de certo lirismo irônico ou sentimental, elegíaco, como era a poesia do Quintana.” Cada livro vem com prefácio assinado por escritores convidados por Moricone. Para A vaca e o hipogrifo, Antonio Carlos Secchin tenta decifrar os personagens do título por meio da análise dos versos. “A poesia de Quintana jamais é afobada”, escreve. O livro — 14º publicado pelo gaúcho — 41 seria uma amostra perfeita do quanto o estilo do gaúcho é “enganosamente fácil”. Apesar das palavras comuns e da informalidade, o poeta experimenta. E faz isso de maneira muito discreta. Personalidade Para Apontamentos de história sobrenatural, a também gaúcha Cintia Moscovich volta aos tempos de faculdade para lembrar um episódio muito significativo da personalidade do autor. Durante um debate, Quintana colocou lado a lado o bom humor e o desprezo pela intelectualização da própria obra. Às perguntas sobre o sentido dos versos, respondeu: “Tenho que confessar que nunca pensei em uma das coisas que vocês falaram aí. Eu só faço uns poemas, nunca quis dizer nada além disso.” A postura debochada ficou na memória de Farbício Carpinejar. Filho do escritor e poeta Carlos Nejar, ele lembra de um Quintana velhinho andando aqui e ali em visitas à família. “Ele era um dos melhores aforistas do Brasil. Tinha uma capacidade imbatível de conciliar os contrários, de provocar. Era um irlandês gaúcho, uma alma extremamente viperina, e gostava de deixar o interlocutor sem palavras. Se alguém pergunta ‘o que tu quis dizer com o poema’, é que um dos dois é burro”, avalia Carpinejar. “É o poeta mais popular do Brasil, o que mais pensou e falou sobre a poesia. Ele se converteu em personagem de si mesmo: não fala do feirante, do balconista, não, é sempre ele. Por isso é tão festejado pelos poetas.” Doce ironia Quintana era muito reservado, mas cultivava boas e sólidas amizades. Frequentava a casa de Érico Veríssimo com alguma liberdade e zombava de Mafalda, mulher do amigo, quando ela desandava a tricotar-lhe pares de meias de lã. Provocava a amiga com comentários do tipo “acho que a Mafalda pensa que eu sou uma centopeia”. O escritor Luis Fernando Veríssimo lembra direitinho de cenas engraçadas que entraram para a lista de anedotas familiares. “Certa vez, ele ia sentar numa poltrona em que alguém deixara um chapéu. Todos gritaram: ‘Mário, olha o chapéu!’ ‘Ah’, disse ele, ‘pensei que fosse um gato’. Outra vez eu lhe dei uma carona e ele teve alguma dificuldade para descer do banco de trás do carro. Disse: ‘Como a gente tem perna, né?’”, conta Veríssimo. “Ele gostava muito do Rio, mas o que mais gostava era de entrar em túneis, onde, segundo ele, ‘a gente descansa um pouco da paisagem’. Sua poesia era simples e lírica, mas tinha alguns mergulhos profundos. E a sua prosa era cheia de sacadas e epigramas. Era um grande humorista.” Poesia simples e lírica, mas nunca fácil. Para Moriconi, o termo é pejorativo e totalmente inadequado para descrever os versos de Mario Quintana. “É muito enganador achar que o Quintana saía por aí inventando poemas a cada 10 minutos. Ele é um poeta que constroi a simplicidade. É uma simplicidade conquistada, conseguida. Não vejo Quintana como um poeta fácil. Vejo como um poeta lírico, essencial, que busca a simplicidade como forma de fazer um contraponto ao que seria a erudição.” A erudição — ou a intelectualização da escrita —, Quintana deixava para as crônicas publicadas em jornais e revistas. E aí, não poupava o leitor. Uma amostra estará em Caderno H, a ser reeditado em 2013. Memória Recluso e lírico Filho de comerciantes, Mario Quintana nasceu em Alegrete e foi para Porto Alegre aos 13 anos. Trabalhou na farmácia da família e na editora gaúcha Globo antes de começar a escrever uma coluna para o Correio do povo. Não casou nem teve filhos. A vida espartana era uma marca do poeta. Durante 12 anos, Quintana morou em um quarto do Hotel Majestic, transformado em Casa de Cultura Mario Quintana em 1983. Quando o Correio do Povo fechou as portas e o poeta ficou sem salário, morou de favor em hotel de propriedade do jogador Paulo Roberto Falcão. Mais tarde, uma amiga conseguiu um quarto definitivo em outro hotel. Quintana cultuou algumas musas, entre elas a atriz Bruna Lombardi. Foi o poeta quem incentivou a atriz a escrever. Foi candidato à Academia Brasileira de Letras por três vezes, mas nunca conseguiu votos suficientes. No início da vida, era muito recluso, mas a partir da década de 1970 seu nome galgou escadas na pirâmide da literatura brasileira e o poeta passou a aparecer mais em eventos. 42 Folha de S. Paulo - Os novos brasileiros / Painel das Letras Raquel Cozer (25/8/2012) Se a literatura brasileira contemporânea ainda é quase desconhecida no exterior, como diz o presidente da Feira de Frankfurt, Juergen Boos, os próximos meses permitirão a leitores de vários países conhecer extratos da produção recente do país. A revista anual "Two Lines", do americano Center for the Art of Translation, terá em setembro dossiê com exemplos dessa "nova literatura", incluindo poemas de Angelica Freitas e Ana Cristina Cesar (1952-83) e a prosa de Vanessa Barbara, Emilio Fraia e João Gilberto Noll. Em outubro, durante a feira, sai a recémanunciada revista semestral "Machado", da Biblioteca Nacional e do Itaú Cultural, e, em novembro, a edição inglesa da Granta com autores brasileiros. Folha de S. Paulo - Biografia' de João Gilberto segue livre (25/8/2012) Contrariando pedido de recolhimento feito pelo cantor, juiz considerou que seu conteúdo "não é depreciativo" Para diretor da Cosac Naify, decisão pode esquentar discussão sobre leis que travam biografias no país MARCUS PRETO, DE SÃO PAULO Ao menos por enquanto, o livro "João Gilberto", organizado pelo professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, Walter Garcia, pode continuar sendo vendido. Contrariando uma solicitação do cantor, a 9ª Vara Cível de São Paulo negou o pedido do de recolhimento dos exemplares que já estão disponíveis nas lojas -algo como Roberto Carlos fez, em 2007, com sua biografia, "Em Detalhes", de Paulo César Araújo. Lançado em julho, o livro de João também vem sendo tratado como uma biografia do músico -apesar de ser composto basicamente de textos, entrevistas e ensaios escritos desde 1959 e já publicados em jornais e revistas. O cantor teria se ofendido com alguns trechos, em que é chamado de "neurótico" e "esquisito". E pediu o recolhimento assim que os exemplares chegaram às livrarias. A solicitação foi negada anteontem pelo juiz Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, da 9ª Vara Cível de São Paulo. Ele considerou que, "nesse setor, o vocábulo [neurótico] não ganha o sentido de doença mental, mas, sim, de excentricidade de músicos e artistas ('esquisitices'), o que não é depreciativo". O juiz rejeitou a tutela antecipada e o mérito da ação ainda vai ser julgado, em data a ser definida. Segundo Bernardo Ajzenberg, diretor executivo da Cosac Naify, que publicou o livro, a editora ainda não recebeu notificação oficial. Ajzenberg também não considera "João Gilberto" uma biografia. Mas avalia que o caso pode abrir espaço para discussões a respeito das leis que atravancam livros desse gênero no país. Isso porque consta da decisão do juiz que "a biografia é uma obra de informação e, como tal, deverá ser admitida, ainda que sem consentimento do biografado". Ruy Castro, autor de livro sobre a história da bossa nova, "Chega de Saudade", diz que não havia motivo para que o livro que coleta o material histórico publicado sobre João fosse apreendido. "A pior coisa de que João Gilberto é chamado em suas 508 páginas é de 'gênio'", diz Ruy, que teve problemas com herdeiros de alguns de seus biografados, como Garrincha e Nelson Rodrigues. 43 "E, mesmo que houvesse motivo para a apreensão, não seria caso de fazê-la, mas, sim, de processar o autor -e o livro que seguisse sua carreira, como deve acontecer com todos os livros em uma democracia", conclui. No mês passado, a Associação Nacional dos Editores de Livros entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal pedindo que seja declarado inconstitucional dois artigos do Código Civil, que exige autorização de personagens ou de seus herdeiros para que sejam publicados livros ou obras audiovisuais nas quais eles são citados. Há ainda em tramitação no Congresso um projeto de lei que também visa modificar o Código Civil. Procurado pela Folha, Walter Garcia preferiu não se manifestar sobre o assunto. Claudia Faissol, mãe da filha caçula de João e braço direito do cantor, também foi procurada, mas não retornou as ligações da reportagem até o fechamento desta edição. RTP Notícias / Lusa (Portugal) - Crescente interesse pelo português é "um avanço conjunto" da CPLP (27/8/2012) A linguista brasileira Edleise Mendes é perentória: "O sucesso económico do Brasil e Angola está a puxar internacionalmente o interesse pelo português", mas o fenómeno traduz também "um avanço conjunto" da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). "Estamos a viver o `boom` do português e a crescer como bloco cultural e linguístico", realçou Edleise Mendes em declarações à agência Lusa em Pequim. "Creio que o português nunca esteve em tão boa forma e a tendência é para crescer e crescer muito", acrescentou. Presidente da Sociedade Internacional de Português-Língua Estrangeira (SIPLE), fundada há vinte anos no Brasil, a professora Edleise Mendes participou na semana passada em Pequim e em Macau num colóquio sobre o ensino do português e do chinês na China e na CPLP. Foi uma iniciativa do Fórum de Macau para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e a CPLP, para "valorizar a expansão do português e as relações económicas e políticas" entre os dois blocos. "O português é uma língua que tem valor económico e temos que aproveitar o momento económico e político para puxar os outros ganhos", defendeu Edleise Mendes. Segundo também destacou, "há mais de 250 milhões de falantes do português no mundo inteiro" e o próximo Mundial de futebol, que decorrerá no Brasil em 2014, e os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, dois anos depois, serão "um pontapé adicional na divulgação da língua portuguesa". "Há centenas de pessoas a aprender português só por causa desses acontecimentos", indicou Edleise Mendes. A especialista insistiu, contudo, que no espaço da lusofonia há "varias línguas em português" e não apenas a "variante" portuguesa ou brasileira. "É muito rico falarmos a mesma língua e pertencermos a diferentes matrizes culturais", afirmou. A CLPL é constituída por oito países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, S.Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Pelas contas das contas das alfândegas chinesas, em 2011, o comércio entre a China e a CPLP cresceu 28,2 por cento, para 117,23 mil milhões de dólares (93,68 mil milhões de euros) - mais de dez vezes do que o valor registado há uma década. 44 A China tornou-se, entretanto, o maior parceiro comercial do Brasil, ultrapassando os Estados Unidos, e Angola já é o segundo fornecedor de petróleo à China, logo a seguir à Arábia Saudita. No plano do ensino verificou-se idêntico `boom`: no final do século XX, em todo o continente chinês, havia apenas duas universidades com licenciaturas em português, em Pequim e Xangai; hoje, há mais de quinze. ARQUITETURA E DESIGN Estado de Minas - Criação permanente Inhotim se prepara para expansão com a abertura, em setembro, de galerias dedicadas aos trabalhos de Lygia Pape e Tunga, entre outros, além de novas mostras temporárias Sérgio Rodrigo Reis Galeria criada pelos arquitetos Thomaz Regatos e Maria Paz para abrigar a obra de Pape parece brotar do chão (23/08/2012) Quando resolveu desviar boa parte de sua energia para a criação de Inhotim, reserva botânica com galerias e obras de arte contemporânea a céu aberto na cidade de Brumadinho, o visionário Bernardo Paz não tinha ideia da proporção que o projeto alcançaria. De território desconhecido, o lugar virou referência internacional e, na mesma proporção, vieram dúvidas em relação ao futuro e ainda ácidas críticas. Prestes a inaugurar uma nova expansão, em 6 de setembro, com duas grandes galerias dedicadas aos trabalhos dos artistas plásticos Lygia Pape e Tunga, o empresário continua incomodado com as vozes dissidentes. “É inadmissível que um negócio desse porte tenha ocorrido aqui e não em Londres ou Nova York. As pessoas não aceitam. Daí as críticas.” A proporção do empreendimento impressiona até o próprio criador. “Quis fazer algo para deixar um legado. Ultrapassou. Os artistas mais famosos do mundo, como o indiano Anish Kapoor e o dinamarquês Olafur Eliasson querem colocar obras aqui, a preço de custo, e não posso deixar de fazer uma galeria deles. Inhotim vai se transformar no maior espaço mundial de arte contemporânea, que educa.” A ordem é: “Não entra nenhuma obra aqui que a criança não possa entender”. Com olhar tenso diante do ritmo frenético dos últimos ajustes das galerias, ele se exalta com a pergunta sobre 45 onde quer chegar: “Eu quero é morrer!”, diz ele, para em seguida emendar: “Não me preocupo se valeu a pena ter feito tudo isso. Tenho a impressão de que valeu a pena para o mundo”. A nova expansão justifica a falta de modéstia do empresário. Situado na depressão de uma encosta de Inhotim está um prédio de 450 metros quadrados, um dos mais interessantes do lugar, criado pelos arquitetos Thomaz Regatos e Maria Paz, sobrinha do empresário. O edifício, que começa a ser envolvido pelas trepadeiras, parece brotar do solo. Lá dentro, já aberta ao público, está Ttéia 1C (2002), espécie de síntese do trabalho da fluminense Lygia Pape (1927-2004), uma das principais representantes do neoconcretismo, movimento surgido no Rio, em fins dos anos 1950, como reação ao concretismo ortodoxo. Indo além do geometrismo puro, os seguidores dessa corrente expressiva defendiam que as produções não eram meros objetos, mas sim algo capaz de provocar também sensibilidade, expressividade e subjetividade. A experiência de ver de perto Ttéia comprova a teoria. Depois de passar pelos corredores escuros o visitante entra numa sala com quase ausência de luz. Lá dentro, como se flutuassem diante dos olhos do espectador, estão 13 colunas de emaranhados de fios geometricamente instalados do teto ao chão. À medida que se circula no espaço, por ilusão de ótica e efeitos de luz, alguns parecem sumir e reaparecer, criando uma experiência de rara beleza. “É impactante e impressionante. Como se estivesse ali e, ao mesmo tempo, não. É o visível e o invisível. Parece uma obra feita de luz”, fala a estudante mexicana Sofia Ramos, de 19 anos. A aposentada peruana Mariana Panizo, que quando jovem estudou arte, se encantou com o que viu. “É uma obra bem particular. Em Lima, não tem nada igual. As composições, os jogos de transparência e os raios de luzes se cruzando são bastante interessantes.” Os 5.542 metros de fios dourados e 1.848 pregos de latão revestidos com material dourado que formam a instalação Ttéia são resultado de pesquisas realizadas pela artista no início de 1977 com alunos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio. Inicialmente, os fios foram esticados na natureza. Nos anos 1990, ela retomou o projeto utilizando malhas lançadas entre prédios espalhados na cidade. O formato atual, com os fios metalizados, apareceu no fim daquela década e, ainda hoje, mantém a mesma força. “Foi um choque quando vimos aqui. Depois de entrar num corredor escuro e, de repente, deparar com um trabalho desses, tive uma reação de espanto. Percebo o mesmo nos visitantes”, conta o monitor Jan Michel, de 17 anos. Inéditos O artista plástico Tunga, este ano, amplia sua atuação em Inhotim. Bernardo Paz credita a ele o feito de tê-lo sensibilizado para a arte contemporânea. Até então, colecionava modernistas. “Não é que o Tunga é meu preferido. Na realidade, foi ele quem me introduziu na arte contemporânea.” A retribuição parece ter vindo à altura. Além de ter ganhado, há oito anos, um pavilhão onde se encontra a instalação True rouge (1997), agora terá um enorme prédio de 2,6 mil metros quadrados de paredes de vidro, de quatro pavimentos que se comunicam visualmente, onde estarão seis grandes instalações e esculturas cobrindo mais de 30 anos de produção. Entre os trabalhos, alguns inéditos na coleção, como a filme-instalação Ão (1980), trabalho matricial na sua carreira, e outras nunca vistas no país, como À la lumière dês deux mondes (2005), apresentada originalmente no Museu do Louvre, na França. Inhotim Inauguração de novos pavilhões e obras ao ar livre. Dia 6, das 9h30 às 17h, na sede do instituto (Rua B, 20, Brumadinho). Entrada: R$ 28 (inteira). Informações: www.inhotim.org.br O que vem por aí Carlos Garaicoa Conhecido por esculturas, desenhos e instalações que analisam de forma poética a experiência do homem nas grandes cidades, o artista cubano ganha instalação em Inhotim. Now let’s play to disappear II (2002), obra inspirada na sua vivência em Havana, consiste em mesa ocupada por miniaturas de edifícios famosos transformados em velas, que serão acesas diariamente, num antigo estábulo de fazenda do lugar. Cristina Iglesias De origem espanhola, trata da interação do espectador com a arquitetura da casa e a natureza. A obra Vegetation room Inhotim (2010-2012) foi concebida especificamente para uma pequena clareira 46 em uma das matas. Lembra um labirinto onde as paredes externas são de aço inoxidável, refletindo as vegetações no entorno e, internamente, são cobertas por baixos-relevos inspirados em plantas. Uma surpresa aguardará o visitante dentro da obra. Galeria Mata Anualmente, Inhotim reinstala numa de suas quatro galerias novas mostras temporárias. O objetivo é oferecer outros recortes e interpretações do acervo, sejam novas aquisições ou obras já apresentadas, em leituras que priorizam o diálogo entre gerações, linguagens e nacionalidades. Este ano, a Galeria Mata receberá mostra com obras de Edward Krasinski, João José Costa, Juan Araujo, León Ferrari, Luisa Lambri e Mateo López. Futuro Inhotim não para. Para os próximos anos, inúmeros projetos deverão sair do papel, como uma pousada e novas galerias. Atualmente, são 20 galerias e 25 obras externas, o que confere a necessidade de pelo menos dois dias para se conhecer o lugar. Para 2014, deverá ser inaugurada a Grande Galeria. Entre as futuras opostas está Lygia Clark. “Gostaríamos de tê-la na coleção, mas não colocamos data. Atualmente, estamos com 20 conversas evoluídas com artistas ou suas famílias e vamos tocando. No fim de cada ano reunimos e definimos as prioridades”, explica o curador Rodrigo Moura. GASTRONOMIA Estado de Minas - Tempero especial TIRADENTES Terceiro dia do festival atraiu visitantes do Brasil e do exterior, interessados na boa mesa Da nova geração de chefs, Alberto Landgraf, de São Paulo, agradou aos paladares com o prato que leva rabada comaçaí, macaxeira e jambu SILVIA LAPORTE (278/2012) A 15ª edição do Festival Cultura e Gastronomia de Tiradentes, que começou na sexta- feira e continua no próximo fim de semana, comprovou a sua importância no cenário gastronômico nacional. E não somente pelos chefs renomados que vêm de vários cantos do Brasil e do mundo para servir os festins que fizeram a fama do evento. Muita gente quer mesmo é assistir aos workshops e palestras realizados na Pousada Escolado SENAC e no estande da instituição montado no Largo do Chef, como Maria Adelaide Noronha e Lizandra Petinari, proprietárias do bufê Yotedy, em Campo Grande. “Chegamos no aeroporto de Confins na quinta-feira e viemos direto para cá”, contam. Com elas vieram a chef Cleonice Aparecida, o cozinheiro Ricardo Marques e a nutricionista Andreia Veiga, que mora em Belo Horizonte e ciceroneava o grupo. “Sempre levamos o pessoal que trabalha conosco em viagens gastronômicas, para que aprendam novas técnicas e descubram novos sabores”, diz Maria Adelaide. Eles não foram a nenhum dos festins, mas participaram de todas as oficinas e foram a vários dos bons restaurantes da cidade. Na tarde de domingo, o grupo voltou para casa com um monte de ideias. “A pesquisa que fizemos aqui certamente vai render novidades para o nosso cardápio”, afirma Lizandra. 47 A cozinha mineira exerce grande influência na culinária do Mato Grosso do Sul. “A gastronomia do estado vem ainda com um tempero especial, que é a cultura”, diz Maria Adelaide, elogiando o empenho demonstrado pelos organizadores do festival ao longo dos ano sem incentivar e difundir o que há de bom em Minas. A valorização dos produtos e dos pequenos produtores, que este ano é o mote do evento, é, segundo ela, “muito importante para resgatar e preservar a tradição da nossa boa mesa e trazê-la para o mundo de hoje com outra leitura. “A gastronomia está em eterna transformação”, acrescenta ela, garantindo que, no ano que vem, virá para o evento novamente. “Outros chefs virão e, com eles, muita coisa nova para aprender”. CONSENSO DIFÍCIL Na manhã de ontem, nas mesas espalhadas pelo Largo do Chef, o assunto eram os festins de sábado. Difícil, porém, era chegar a um consenso. Tanto as pessoas que degustaram o menu preparado por Kátia Barbosa (Restaurante Aconchego Carioca, Rio de Janeiro) e Marco Gil (Restaurante Sah, Fortaleza) na Pousada Brisa da Serra, quanto as que foram à Pousada Villa Paolucci para provar os pratos servidos por Alberto Landgraf (Restaurante Epice, São Paulo) e Thiago e Felipe Castanho (Restaurante Remanso do Bosque, Belém), garantiam que comeram muito bem. O empresário paulistano André Skaf foi ao festim realizado na Brisa da Serra e adorou a sobremesa, um doce de caju “fantástico”. O americano Coleman Andrews, crítico gastronômico da revista The Daily Meal aprovou o cardápio servido na Villa Paolucci e destacou arabadacomaçaí, macaxeira e jambu: “É muito interessante a sensação que essa planta amazônica deixa no paladar”, afirmou. Para quem não sabe, o jambu, ingrediente indispensável no legítimo pato ao tucupi, tem um toque de picância diferenteedeixa os lábios do comensal levemente dormentes. No fim de semana que vem,quem vai preparar os festins são os chefs Matias Palomo, do Restaurante Sukalde, E Tomás Oliveira, do Casa Mar, ambos em Santiago do Chile; os venezuelanos Samito Esteves, do Restaurante Samito; Hector Romero, do Instituto Culinário de Caracas; e Nelson Méndez, do Restaurante Méndez Biarritz; o mineiro Ivo Faria, do Restaurante Vecchio Sogno, e Tadeu Lubambo, do Restaurante Camamo, em Tibau do Sul/RN; e os peruanos Diego Muñoz, do Restaurante Astrid&Gaston, e Virgilio Martinez, do Central Restaurant, ambos em Lima. OUTROS Folha de S. Paulo - Rouanet é 'página virada', diz criador de lei de incentivo Em rara entrevista, Sergio Paulo Rouanet afirma que ter sido secretário da Cultura de Collor foi um 'equívoco' Criado após fim da Lei Sarney, fomento via isenção fiscal injetou R$ 9,1 bilhões na área cultural, de 1991 a 2011 MATHEUS MAGENTA DE SÃO PAULO Conhecido por emprestar o nome à principal lei de incentivo à cultura no país, o diplomata, filósofo e membro da Academia Brasileira de Letras Sergio Paulo Rouanet, 78, diz que o mecanismo é uma "página virada" para ele e que ter sido secretário da Cultura do governo Collor (1990-92), durante o qual formatou a lei, foi um "equívoco". "Do ponto de vista dos meus interesses e da minha personalidade, foi um equívoco. Não era isso que eu queria fazer. Eu aceitei [o convite para o cargo]. Achei que poderia dar uma contribuição, mas não sou um homem da política, e sim um homem da reflexão", afirmou Rouanet à Folha, em rara entrevista, na última sexta-feira. Ele não gosta de ser associado a sua principal criação e, por consequência, rejeita entrevistas sobre o tema. Em janeiro, ao ser procurado pela Folha em razão dos 20 anos da lei, disse que falaria sobre "qualquer coisa, mas sobre a Lei Rouanet não falo, nem adianta insistir". 48 Na última sexta, porém, aceitou conceder uma entrevista de cinco minutos (sem tema definido) após participar do ciclo de palestras "Mutações", no Sesc Vila Mariana (zona sul de São Paulo). Em sua conferência, de quase uma hora, citou autores como Walter Benjamin (1892-1940) e Sigmund Freud (1856-1939) para tratar de temas como o fim das utopias, os conceitos de tempo e, coincidência ou não, o esquecimento do passado. Antes da entrevista, Rouanet foi abordado por duas mulheres que queriam lhe agradecer pela lei que ajuda a manter, há dez anos, um projeto delas sobre memória. "Acho que o grande complexo de inferioridade do intelectual é o de se sentir inútil. Quando um intelectual consegue fazer coisas úteis, e acho que consegui fazê-las, isso dá uma grande alegria. Me sinto muito feliz", disse. Em 2011, as captações via Lei Rouanet alcançaram R$ 1,3 bilhão. Em 20 anos de vigência, foram captados R$ 9,1 bilhões para 31.125 projetos. GOVERNO COLLOR Guiado pela tríade de Estado mínimo, combate à inflação e redução de gastos públicos, o governo Collor promoveu um desmonte na Cultura. O ministério virou uma secretaria ligada à Presidência, órgãos como Funarte e Embrafilme (que incentivava a produção cinematográfica do país) foram extintos, e 35% dos quase 5.000 funcionários da pasta, demitidos. A gestão do ex-presidente Collor, que deixou o poder em 1992, também pôs fim à Lei Sarney, que concedia benefícios fiscais para doadores e patrocinadores de projetos culturais. Rouanet assumiu o cargo numa espécie de pedido de trégua do governo para o setor cultural, que estava revoltado com as mudanças feitas por antecessores dele, como o cineasta Ipojuca Pontes. "Não me arrependo [de ter sido secretário do governo Collor], mas aquilo não correspondeu ao que eu sou. A minha vocação não é fazer política", reitera Rouanet. Sobre a lei de 1991 que leva seu sobrenome, admite que o mecanismo não conseguiu diminuir o peso estatal no fomento à cultura (como se planejava) -em 2011, a cada R$ 100 investidos via Lei Rouanet, apenas R$ 7,52 não saíram de cofres públicos. Atualmente, a Lei Rouanet está em vias de ser substituída pelo Procultura, projeto em tramitação no Congresso que, pelo texto atual, tenta reduzir a concentração regional de recursos (67% foram para o Sudeste em 20 anos de vigência da lei) e aumentar o poder do governo de definir para onde eles vão. Sergio Paulo Rouanet diz acompanhar as discussões do Procultura de vez em quando. "Gerei essa lei, mas o assunto não me interessa mais. É um capítulo encerrado, que foi bom enquanto durou", conclui. Jornal de Angola (Angola) - Valongo como património da humanidade (27/8/2012) A Fundação Cultural Palmares quer tornar o Cais do Valongo, na zona portuária do Rio de Janeiro, património histórico da humanidade. No próximo mês de Setembro, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense, representantes do movimento negro, e técnicos da prefeitura do Rio, do governo estadual e da fundação vão reunir-se para elaborar e apresentar um dossier histórico sobre o sítio para a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). A ideia foi lançada no fim-de-semana pelo presidente da fundação, Elói Araújo, no Seminário Internacional sobre a Gestão de Sítios Históricos ligados ao tráfico negreiro e à escravidão, realizado em Brasília. “O Cais do Valongo é um ambiente que reúne as condições de ser um sítio de memória”, disse Elói Araújo, ao explicar que cerca de um milhão de pessoas levadas de África para serem 49 escravizadas no Brasil desembarcaram no local, que funcionou durante cerca de 70 anos, desde 1758. A estimativa citada por Elói Araújo é que o local tenha recebido até um quinto dos escravos levados ao Brasil. Chegaram pelo Rio de Janeiro para trabalhar na exploração de ouro em Minas Gerais e na plantação de cana-de-açúcar em engenhos da região. Em 380 anos de escravatura, o Brasil absorveu cerca de 40 por cento do total de negros traficados pelo Oceano Atlântico. O país foi o último do continente americano a abolir a escravatura (1888). “Foi um ciclo de horrores, de um sofrimento indizível”, resumiu o presidente da fundação. Segundo Elói Araújo, o reconhecimento do local como património cultural da humanidade tem a importância de “contar a história” e não será “apenas um registo para a população negra, mas para toda a humanidade”. Elói Araújo acredita que o local “será abraçado” como ponto turístico como ocorre com o Pão de Açúcar e o Corcovado. O presidente da Fundação Palmares reage duramente a quem se opõe a transformar o Cais do Valongo em património da humanidade. “Alguns são cínicos, querem esquecer que houve tráfico negreiro? Ninguém nega o Holocausto da Segunda Guerra Mundial ou o lançamento da bomba atómica sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão”. Se o Cais do Valongo for reconhecido como património da humanidade, será o primeiro porto de entrada de escravos com esse status no mundo. Para Ali Moussa Iye, director na UNESCO do projecto ‘A Rota dos Escravos’, “o sítio tem importância universal” e “é um património de valor excepcional”. Sugere que, além do cais, haja espaço à volta para um museu dedicado à memória da escravatura. “O tráfico desumanizou as pessoas, precisamos de contar essa história para reumanizar”, defende. Segundo Moussa Iye, iniciativas como o reconhecimento das rotas da escravatura “rompem o silêncio” e estabelece um diálogo entre “quem sente culpa” (os países esclavagistas) e “quem tem vergonha” (os países africanos de onde saíram os escravos) e abre a possibilidade de “interacção” e “troca cultural”. Segundo Moussa Iye, “é preciso entender o passado para compreender o presente e fazer um futuro melhor para todos”. O seminário internacional sobre a gestão de sítios históricos ligados ao tráfico negreiro e à escravatura, que decorreu em Brasília de 21 a 23 de Agosto, marcou o aniversário de 24 anos da Fundação Palmares. Ontem à noite, no Teatro Nacional Cláudio Santoro, em Brasília, o cantor e compositor Carlinhos Brown deu um espectáculo em homenagem ao aniversário da fundação. Angola e Portugal foram dos cerca de 25 países que tomaram parte no seminário de três dias que debateu em Brasília o tema “Herança, Identidade, Educação e Cultura”. Correio Braziliense - A estética do índio O kuarup transcende a homenagem aos mortos... funde toda a beleza indígena em cores, cantos, lutas e danças MARIANA MOREIRA e IANO ANDRADE (26/8/2012) Parque Nacional do Xingu (MT) — O céu ainda está escuro e uma camada de névoa branca cobre a superfície do lento rio Tuatuari. Nas primeiras horas do dia, os homens chegam silenciosamente à beira da água, retiram os adereços 50 e tomam o banho matinal — costume entre as nações que habitam o Alto Xingu. Pouco depois, o sol surge sobre as grandes ocas dos índios Yawalapiti, a aldeia resplandece numa explosão de claridade. Esses povos acreditam que, em eras distantes e num dia negro como esse, quando apenas os “vagalumes iluminavam o mundo”, uma mulher deu à luz dois filhos: o sol e a lua, gêmeos em forma de gente. Quando a mãe morreu, o sol, então, decidiu homenageá-la com um ritual em que a alegria e o lamento andassem de mãos dadas. Assim nasceu o Kuarup. Desde tempos imemoriais, sempre que um índio célebre morre (e, de vez em quando, um respeitável homem branco), ganha esse ritual fúnebre como homenagem. Por alguns instantes, acredita-se que, enquanto os parentes e amigos “choram até tristeza secar”, a alma do morto retorna e encarna em troncos de madeira kuarup. “Os pintores desenham rostos no tronco e depois a família os enfeita com adereços, para lembrar o parente que se foi. As pinturas de homens e mulheres são diferentes”, relata Anuyá Yawalapíti, liderança jovem da aldeia. A tristeza é anunciada por meio de canto e de dança. Antes de o rito começar, os tocadores de uruá (uma grande flauta de bambu, semelhante a um didgeridoo australiano) começam a circular de oca em oca, tocando e apresentando as virgens, recém-saídas da reclusão. Após a primeira menstruação, as meninas da aldeia passam uma temporada fora da vista da comunidade, aprendendo as lições de ser mulher e se resguardando. Após o Kuarup, já podem casar. Para os homens, a reclusão é parte da preparação do guerreiro. Sempre que há encontros entre etnias e ritos coletivos, luta-se a huka-huka. Nem mesmo a motivação fúnebre, no entanto, rouba a exuberância visual, traço indivisível e estético de cada indígena. Em ocasiões especiais, as pinturas corporais são complementadas pelos cocares, cintos de palha e penas coloridas. Homens e mulheres surgem gloriosos, em sua seminudez emplumada. Os pés, pernas, cinturas e braços vivem cobertos por adornos. Colares de miçangas repousam, sempre, no pescoço das mulheres e na cintura dos homens, orgulhosos de suas indumentárias. Na paleta de cores dos artistas xinguanos, o preto esverdeado do jenipapo e o rubro da semente de urucum se encontram com frequência. O corpo vira tela e, da pele, brotam desenhos alusivos a peixes, aves, cobras e outras referências primeiras da cultura indígena, em uma profusão de grafismos. Mistura étnica Em raras ocasiões, um caraíba, como os índios carinhosamente se referem ao “homem branco”, viram protagonistas da homenagem. Foi assim com os irmãos Villas-Bôas, com o médico Noel Nutels e, este ano, com Darcy Ribeiro (além de duas lideranças indígenas). Homem de várias peles, como ele mesmo costumava dizer, Darcy foi educador, político, ambientalista, mas era verdadeiramente feliz sob a identidade de antropólogo (leia ao lado frases sobre o mestre). Durante 10 anos, morou entre os índios kadiwéu, bororo e urubu-kaapor, mas conviveu com diversas outras etnias. Ao lado de Orlando, Leonardo e Cláudio Villas-Bôas, foi figura essencial para a criação do Parque Nacional do Xingu, onde hoje vivem os yawalapiti e mais 15 etnias. “É a maior homenagem que ele poderia receber, mais importante do que qualquer título honorífico”, conta Paulo Ribeiro, presidente da Fundação Darcy Ribeiro e sobrinho do homenageado. Em meio ao fuzuê da aldeia, superlotada com índios convidados das demais etnias e hordas de espectadores, houve quem dissesse que o espírito de Darcy já rondava o lugar três dias antes da celebração. Na certa, com saudade dos “seus índios”, como dizia a todo momento. “Darcy admirava a relação dos indígenas com o trabalho, que se confunde com o lazer, a não necessidade de acumulação e o espírito livre. São pessoas que vivem pela beleza de viver”, reconhece Paulo Ribeiro. Histórias de Darcy “Ele só andava descalço. Uma das cenas mais engraçadas que já vi foi quando Darcy virou senador e me convidou para ir conhecer seu gabinete, no Congresso Nacional. Entrei e o vi todo arrumado, de terno, com os broches dos parlamentares e… descalço. Ele chegava em um lugar e já tirava o sapato. Protocolo, para ele, era uma coisa muito relativa” 51 Isa Grinspum Ferraz, cineasta, diretora cultural e conselheira da Fundação Darcy Ribeiro “Ele estava triste em uma aldeia e o cacique, notando a situação, perguntou para ele o motivo de Darcy estar tão cabisbaixo: ‘É por que está sozinho?’ Em seguida, tirou um piolho da própria cabeça e botou na cabeça de Darcy. Ele era muito engraçado, deve estar cutucando todo mundo lá em cima e dando gargalhada” Maria Jacy de Oliveira Ribeiro, cunhada de Darcy 1.000 anos - Data aproximada do registro mais antigo de que se tem de um Kuarup 300 - Habitantes fixos da aldeia yawalapiti 16 - Etnias vivem dentro do parque 9 - Realizam kuarups 52