Rev Bras Neurol. 50(3):60-5, 2014 Limitações do uso de órteses tornozelo-pé na doença de CharcotMarie-Tooth: estudo de caso Limitations of ankle-foot-orthosis use in CharcotMarie-Tooth disease: a case study Rouse Barbosa Pereira1, Lílian Ramiro Felício1, Marcos R. G. de Freitas2, Clynton Corrêa3, Silmar Teixeira4, Victor Hugo Bastos4, Valéria Marques5, Wilma Costa6, Jano Alves de Souza2, Arthur Sá Ferreira1, Marco Araujo Leite2, Marco Orsini1,2 RESUMO ABSTRACT A paresia distal crural, muito marcante nos pacientes com doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT), provoca inúmeras alterações nos padrões da marcha. Vários recursos de reabilitação têm sido propostos para gerenciar os problemas de deambulação, entre eles a utilização de órteses tornozelo-pé (OTP). O objetivo deste trabalho foi analisar efeitos imediatos do uso de OTP na cinemática da marcha e nos parâmetros estabilométricos em paciente com CMT. Buscou-se avaliar: o equilíbrio e a marcha, por meio da Escala de Avaliação da Mobilidade Orientada pelo Desempenho (POMA); a cinemática da marcha, com o sistema Qualisys Track Manager (QTM); e a estabilometria, utilizando a plataforma de força. As avaliações foram realizadas antes e durante o uso de OTP. Observou-se declínio na escala POMA durante o uso da OTP de 11%. Na cinemática da marcha, verificou-se decréscimo na velocidade e comprimento da passada, assim como aumento na duração dela. Na estabilometria, observou-se aumento na velocidade médio-lateral e na velocidade média na condição sem restrição visual, e aumento em todos os parâmetros de velocidade e deslocamento na condição com restrição visual durante o uso da OTP. O paciente avaliado não apresentou melhoras imediatas com aplicação de OTP, fato justificado pela presença de contraturas e tempo de evolução da doença. A prescrição de órteses na CMT deve respeitar as particularidades do paciente e a forma de apresentação da patologia. The distal crural weakness, very striking in patients with CharcotMarie-Tooth disease (CMT), causes gait impairment. Several rehabilitation approaches have been proposed to manage the ambulation problems, among them, the use of ankle-foot orthosis (AFO). The objective of this study is to analyze the immediate effects of using AFO in the gait kinematic and stabilometric parameters in a patient with CMT. We evaluated the balance and the gait using Performance Oriented Mobility Assessment (POMA) Scale, gait kinematics using the Qualisys Track Manager (QTM) system and stabilometry, using a force platform. The evaluations were performed before and during the use of AFO. A decreasing of POMA scores was observed when the patient used AFO (11%). In the gait kinematic a decrease was verified in the speed gait and step length, as an increase in the time. In the stabilometry was observed an increase in the mediolateral velocity and average velocity in the condition without visual restriction and an increase in all parameters of velocity and displacement in the condition with visual restriction during the use of the AFO. The assessed patient didn’t present immediate improvement with the AFO due to contractures presented and the time of the disease course. Prescription of orthosis in the CMT should respect the patient’s particularities and the clinical manifestations, and the way the pathology is presented. Palavras-chave: Doença de Charcot-Marie-Tooth, aparelhos ortopédicos, equilíbrio postural, reabilitação. Keywords: Charcot-Marie-Tooth disease, orthotic devices, postural balance, rehabilitation. Estudo desenvolvido no Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam), Programa de Mestrado em Ciências da Reabilitação, Bonsucesso, RJ, Brasil. 1 Mestrado em Ciências da Reabilitação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação (PPGCR) do Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam), Bonsucesso, RJ, Brasil. 2 Serviço de Neurologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil. 3 Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 4 Departamento de Fisioterapia – Laboratório de Mapeamento Cerebral e Funcionalidade (Lamcef) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Parnaíba, PI, Brasil. 5 Centro de Pesquisa da Associação Fluminense de Reabilitação (AFR), Niterói, RJ, Brasil. 6 Programa de Pós-Graduação em Medicina da UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; Centro de Reabilitação do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Endereço para correspondência: Dr. Marco Orsini. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação. Praça das Nações, 34, Bonsucesso – 21041-021 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected] 60 Revista Brasileira de Neurologia » Volume 50 » Nº 3 » jul - ago - set, 2014 Órteses e doença de Charcot-Marie-Tooth Introdução O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Augus- to Motta (Unisuam – parecer nº 119.818, CAAE 06543712.0.0000.5235). Após ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o paciente foi encaminhado ao Laboratório de Análise do Movimento Humano (LAMH) da Unisuam para realização das avaliações biomecânicas e funcionais, sendo estas realizadas em um único dia. A pesquisa caracteriza-se por um estudo de caso, constituindo-se de um paciente do sexo masculino, com idade de 30 anos e diagnóstico de CMT há 18 anos. Primeiramente, realizou-se uma avaliação neurológica inicial, que constatou amiotrofia distal crural, hipoestesia superficial e profunda, reflexos profundos abolidos e paresia nos músculos dorsiflexores, plantiflexores, extensores dos dedos e do hálux simetricamente, com caráter progressivo desde a infância. O paciente também apresentou pé cavo, derreamento do pé e marcha escarvante. Para avaliação da função muscular, utilizou-se o Medical Research Council (MRC), instrumento composto por pontuações que variam de 0 a 5 para cada grupo muscular testado, sendo 0 classificado como não tendo nenhuma contração (paralisia total) e 5 como função normal.19 O equilíbrio e a marcha com e sem o uso de OTP foram avaliados utilizando a Escala de Avaliação do Equilíbrio e da Marcha Orientada pelo Desempenho (POMA), adaptada culturalmente para o português do Brasil e validada por Gomes (2003).20 Trata-se de uma escala de pontuação dividida em duas partes: a primeira avalia o equilíbrio por meio de três níveis de respostas qualitativas e a segunda avalia a marcha com dois níveis de respostas, na qual são realizadas manobras utilizadas durante as atividades de vida diária. Apresenta pontuação máxima de 28, e o escore menor que 19 indica alto risco de quedas.21 A avaliação quantitativa da marcha e do equilíbrio foi realizada com e sem o uso da OTP. Para aquisição dos dados cinemáticos da marcha, utilizou-se o sistema de análise do movimento Qualisys Track Manager (QTM) 1.6.0.x, com frequência de aquisição de 240 Hz, composto por três câmeras infravermelhas Proreflex (parâmetros cinemáticos). Os dados foram captados e processados pelo software QTM. Durante a coleta, utilizaram-se oito marcadores reflexivos, passivos, com 15 mm de diâmetro, acoplados à pele do paciente com fita de dupla face em pontos anatômicos predeterminados, de acordo com o método Revista Brasileira de Neurologia » Volume 50 » Nº 3 » jul - ago - set, 2014 61 A doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT) é a condição neurológica herdada mais comum em nosso meio, apresentando incidência de 1:2.500 indivíduos.1,2 Sua evolução é lenta e progressiva, sendo associada à paresia distal crural, principalmente dos músculos intrínsecos do pé, originando pé cavo e dedos em garra, além de paresia da região fibular, provocando o derreamento do pé e marcha escarvante.3,4 Outros sinais observados em indivíduos com CMT são as alterações sensitivas geralmente relacionadas às parestesias, disestesias, hipoestesias superficial e profunda, além de arreflexia ou hiporreflexia tendínea.5-7 A confluência dessas manifestações leva a prejuízos na execução dos padrões da marcha e nas reações de equilíbrio. Atualmente não existe cura para CMT, porém vários recursos de reabilitação têm sido propostos para gerenciar os problemas de deambulação. Dentre eles, destaca-se a utilização de órteses tornozelo-pé (OTP).8,9 O tratamento com órteses visa maximizar a função, prevenir e/ou minimizar os riscos de deformidades ósseas e musculares, diminuir o risco de quedas e minimizar as sinergias inadequadas de movimento.10,11 A utilização de órteses pode ser prescrita em pacientes com CMT, após criterioso diagnóstico cinético-funcional, seguindo as particularidades da doença e do paciente no que diz respeito ao grau de fraqueza muscular, alterações na sensibilidade e suas repercussões nos aspectos funcionais da marcha e do equilíbrio.3,8 A escolha dessa modalidade de tratamento foi fundamentada na evidência de que alguns estudos científicos de análise da marcha em indivíduos com CMT demonstraram associação entre o uso de OTP e melhorias nos padrões da marcha e repercussões nas reações de equilíbrio e proteção.12-18 Como não é sabido sobre os possíveis efeitos imediatos do uso de OTP, este trabalho teve por objetivo investigar os efeitos imediatos do uso de OTP na cinemática da marcha e nos parâmetros estabilométricos em um paciente com CMT. MÉTODOS Pereira RB et al. Helen Hayes,22 e posicionados no membro inferior dominante do paciente, visto que a doença possui caráter simétrico. Os dados foram coletados durante a velocidade habitual do paciente, o qual foi instruído a caminhar em uma passarela de aproximadamente 3 metros de comprimento, primeiramente com seu calçado de uso diário, sendo realizadas cinco repetições, ou seja, o paciente deambulou cerca de 15 metros. Posteriormente, foi realizado um intervalo de 10 minutos, e então foi repetida a avaliação da marcha com o uso da OTP associada ao seu calçado. O participante realizou cinco tentativas, sendo a primeira considerada como familiarização do ambiente experimental e a última como acomodação. A avaliação teve duração média de 30 minutos e pausas foram fornecidas para evitar a fadiga, caso o paciente relatasse cansaço ou incapacidade em realizar o teste e solicitasse um intervalo. O intervalo fornecido nesses casos foi de 5 minutos. A avaliação de cinemetria da marcha realizou-se de acordo com as seguintes variáveis: velocidade, comprimento e tempo da passada, e os dados angulares de quadril, joelho e tornozelo para os movimentos de flexão/extensão. O equilíbrio estático foi avaliado por meio de estabilometria, utilizando-se para tal a plataforma de força AMTI Accus Sway PLUS (Watertown, MA/ USA), composta por um conversor A/D de 16 bits. A frequência de aquisição foi de 100 Hz, e as variáveis analisadas foram: velocidade média (cm/s), pico de velocidade anteroposterior (cm/s), pico de velocidade médio-lateral (cm/s), deslocamento anteroposterior (cm), deslocamento médio-lateral (cm), deslocamento médio (cm) e a área da elipse de confiança (cm2).23,24 O participante foi orientado a subir na plataforma e a permanecer em posição ereta confortável, com os braços relaxados ao longo do corpo e com a cabeça em posição neutra. Um alvo visual foi fixado a 1 metro de distância e posicionado na altura da região glabelar do paciente, o qual foi orientado a manter o olhar fixo no alvo durante a realização do exame. Durante o teste, o paciente recebeu o comando para permanecer o mais imóvel possível. A avaliação estabilométrica foi realizada em dois posicionamentos com apoio bipodal: (1) base aberta – com distância entre os pés equivalente à distância entre os acrômios25 – e (2) base fechada – com menor distância entre os pés. Os braços permaneceram ao longo do corpo durante todos os testes. Em ambos os posicionamentos, realizaram-se medidas com e sem OTP e com e sem restrição visual. Foram realizadas três repetições para cada posicionamento, sendo o tempo de permanência em cada posição de 20 segundos, com período de descanso de 1 minuto entre cada repetição. Para o processamento e a coleta dos dados, utilizou-se o programa Suite EBG, versão 1.0.0.1, escrito em linguagem LabVIEW (National Instruments, Texas/USA), com filtro passa-baixa (Butterworth de segunda ordem) com frequência de corte de 2,5 Hz, aplicado na direção direta e reversa. As análises dos dados de cinemetria e estabilometria foram agrupadas em forma de média e desvio-padrão e foi realizada análise descritiva dessas medidas. 62 Revista Brasileira de Neurologia » Volume 50 » Nº 3 » jul - ago - set, 2014 Resultados Na avaliação da função muscular, o participante apresentou pontuação 0 para os músculos dorsiflexores, extensor longo dos dedos e extensor longo do hálux e 1 para os plantiflexores bilateralmente. Na escala POMA, observou-se, na condição sem uso da OTP, um escore total de 18, significando alto risco de quedas. No entanto, quando o paciente fez uso da OTP, o escore foi de 16, não obtendo melhora no quadro funcional, correspondendo à piora de 11% no desempenho da marcha e das reações de equilíbrio com o uso da OTP. Em relação à análise cinemática da marcha, as medidas lineares apresentaram diminuição nos valores para velocidade e comprimento da passada e aumento no tempo de duração com o uso da OTP (Tabela 1). Em relação às medidas angulares, não foram encontradas alterações significativas com e sem o uso da OTP na articulação do quadril, entretanto a OTP foi capaz de minimizar as alterações encontradas nas articulações do joelho e do tornozelo (Tabela 2). Tabela 1. Média ± desvio-padrão das medidas lineares durante a marcha com e sem o uso de órteses Variável Sem OTP Com OTP Duração da passada (s) 0,93 ± 0,08 1,04 ± 0,13 Comprimento da passada (m) 1,31 ± 0,39 0,91 ± 0,25 Velocidade da passada (m/s) 1,44 ± 0,55 0,87 ± 1,16 OTP: órteses tornozelo-pé. Órteses e doença de Charcot-Marie-Tooth Tabela 2. Média ± desvio-padrão das medidas angulares (máxima-mínima) de quadril, joelho e tornozelo durante a marcha com e sem o uso de órteses Variável Sem OTP Com OTP ADM quadril (º) 37,8 ± 1,25 37,2 ± 3,8 ADM joelho (º) 20,4 ± 0,3 15,43 ± 3,7 ADM tornozelo (º) 30,8 ± 1,13 21,26 ± 4,26 ADM: amplitude de movimento; OTP: órteses tornozelo-pé. Levando em consideração a avaliação de oscilação postural, pôde-se observar, nas posições sem restrição visual, aumento na velocidade médio-lateral nas posições base aberta e base fechada com a órtese, além de aumento na velocidade média com base fechada; e para todos os outros parâmetros não foi observada diferença (Tabela 3). Em relação às posições com restrição visual, pôde-se observar aumento em todos os parâmetros de velocidade e deslocamento na posição base fechada quando associada ao uso da OTP (Tabela 3). Discussão A paresia distal crural em pacientes com CMT ocasiona alterações biomecânicas e prejuízos funcionais no equilíbrio e nos padrões da marcha, tais como: diminuição da velocidade e do comprimento da passada, aumento na duração da passada, aumento da flexão do quadril e do joelho, além de derreamento do pé e marcha escarvante.2-4 A OTP é frequentemente prescrita para minimizar essas alterações. Estudos anteriores12-18 têm demonstrado diferenças significativas nos padrões da marcha e nas reações de equilíbrio em indivíduos portadores de CMT com e sem o uso de OTP. Del Bianco e Fatone12 avaliaram as funções de um modelo pré-fabricado de OTP constituída por silicone e de outro composto por feixes de molas posteriores, assim como seus efeitos na cinemática da marcha de um indivíduo com CMT. Os autores relataram que ambos os equipamentos melhoraram os padrões de marcha, aumentando a velocidade e o comprimento do passo e corrigindo os desvios durante a fase de apoio e de balanço, quando comparados à condição de usar apenas o calçado. O caso descrito no presente artigo não observou melhora com o uso da OTP no equilíbrio e nas variáveis lineares da marcha, sendo observados aumento na velocidade de oscilação, diminuição da velocidade e do comprimento da passada e aumento do tempo de duração da passada, evidenciando uma marcha mais lenta. Entretanto, foi avaliado o uso imediato da órtese. Outro aspecto observado na avaliação funcional desse paciente está relacionado à presença de fraqueza muscular em membros inferiores. Dessa Tabela 3. Média ± desvio-padrão dos valores estabilométricos com e sem o uso de órteses Olhos abertos Variáveis estabilométricas Base aberta Base fechada Sem OTP Com OTP Sem OTP Com OTP Velocidade média (m/s) 1,42 ± 0,21 1,45 ± 0,16 1,93 ± 0,60 2,18 ± 0,11 Pico de velocidade anteroposterior (m/s) 3,96 ± 0,25 3,15 ± 0,16 5,89 ± 0,52 5,42 ± 0,48 Pico de velocidade médio-lateral (m/s) 2,79 ± 0,65 4,29 ± 0,62 4,13 ± 0,52 5,01 ± 1,00 Deslocamento anteroposterior (m) 0,32 ± 0,05 0,22 ± 0,01 0,30 ± 0,13 0,32 ± 0,03 Deslocamento médio-lateral (m/s) 0,21 ± 0,04 0,25 ± 0,07 0,30 ± 0,00 0,26 ± 0,05 Deslocamento médio 28,40 ± 4,16 28,84 ± 3,30 38,46 ± 12,00 43,61 ± 2,29 Área (m2) 1,06 ± 0,13 1,09 ± 0,30 1,65 ± 0,83 1,43 ± 0,03 Olhos fechados Velocidade média (m/s) 3,52 ± 0,37 2,42 ± 0,41 3,81 ± 0,83 4,01 ± 0,30 Pico de velocidade anteroposterior (m/s) 18,35 ± 5,14 7,58 ± 1,01 11,78 ± 0,22 15,64 ± 2,52 Pico de velocidade médio-lateral (m/s) 5,40 ± 1,47 3,54 ± 0,44 7,44 ± 1,72 7,29 ± 2,12 Deslocamento anteroposterior (m) 0,66 ± 0,08 0,57 ± 0,12 0,88 ± 0,16 0,97 ± 0,04 Deslocamento médio-lateral (m/s) 0,27 ± 0,02 0,22 ± 0,01 0,57 ± 0,06 0,56 ± 0,05 Deslocamento médio 70,26 ± 7,46 48,41 ± 8,17 76,11 ± 16,66 80,27 ± 6,03 Área (m2) 3,28 ± 0,74 2,22 ± 0,48 9,15 ± 1,03 8,25 ± 0,39 OTP: órtese tornozelo-pé. Revista Brasileira de Neurologia » Volume 50 » Nº 3 » jul - ago - set, 2014 63 Pereira RB et al. forma, acredita-se que o uso imediato da órtese não foi suficiente para correção dos padrões cinemáticos da marcha, provavelmente em decorrência do tempo de evolução da doença e das características funcionais que o paciente apresentava. Os resultados do presente trabalho concordam com os observados por Ramdharry et al.13 Esses autores verificaram que pacientes com CMT que utilizaram OTP deambulavam de forma mais lenta e com maior esforço percebido, e justificaram tais resultados pela maior gravidade da doença no grupo OTP, levando a uma pior percepção na capacidade na execução da marcha. Entretanto, nossos achados não concordam com os observados por Guillebastre et al.,14 que incluíram 26 pacientes com CMT e encontraram melhoras no controle postural e marcha com o uso de dois diferentes tipos de órteses. Os autores observaram diminuição significativa na área do centro de pressão e aumento do comprimento do passo quando os pacientes usavam OTP, quando comparado somente com o uso de seus calçados. O presente trabalho aponta alterações na oscilação postural relacionadas à velocidade de oscilação, de acordo com Duarte e Freitas,25 o principal parâmetro para relato de oscilação postural. Ainda, a associação da restrição visual na posição base fechada aumentou todos os parâmetros de oscilação postural, com exceção da área de oscilação, apontando o grande déficit proprioceptivo desses pacientes.25 Acredita-se que, em função do uso da OTP, o paciente altere sua estratégia motora, aumentando a oscilação postural, o que poderia influenciar atividades funcionais como como a marcha, além de aumentar o gasto energético para realizar a atividade funcional com o melhor equilíbrio possível, evitando, dessa forma, quedas. Em nosso estudo de caso, foram identificadas, por meio da análise cinemática da marcha, modificações imediatas na amplitude angular para articulação do joelho com o uso da OTP, fato que pode ser justificado pela estabilização promovida pela órtese no tornozelo e pela redução na velocidade da marcha. Porém, a OTP não foi capaz de minimizar as alterações encontradas na amplitude de movimento (ADM) do quadril. Esses resultados concordam parcialmente com os observados por Burdett e Hassell,18 que analisaram o efeito após um mês do uso de três tipos de OTP em paciente com CMT e concluíram que o uso de ambas as órteses durante a caminhada diminuiu a excessiva flexão do joelho. Esses autores observaram também a redução da ADM de quadril, aspecto não observado em nosso estudo. Vale ressaltar que o grave quadro clínico do paciente em estudo pode ter influenciado diretamente nos resultados obtidos nesta pesquisa. Buscando otimizar os efeitos da OTP, faz-se necessário um acurado diagnóstico cinético-funcional em estágios iniciais da doença. O presente estudo possui limitações quanto ao tempo de uso da órtese, pois o paciente não apresentou o período de adaptação. Burdett e Hassell18 avaliaram o uso da OTP continuamente, por um período de um mês, e seus pacientes apresentaram melhora no padrão da marcha em relação às medidas angulares das articulações de quadril e joelho, fato ocorrido após o período de adaptação. Contudo, no nosso estudo, pelo fato de o paciente apresentar alto grau de comprometimento funcional, o uso da órtese tornouse desconfortável, levando à piora dos parâmetros cinemáticos e de equilíbrio. Dessa forma, cabe ressaltar a importância da indicação após avaliação funcional e análise de aspectos imediatos ao uso da órtese. 64 Revista Brasileira de Neurologia » Volume 50 » Nº 3 » jul - ago - set, 2014 Conclusão Os resultados obtidos neste trabalho apontam que o uso de OTP não proporcionou melhoras imediatas nos padrões da marcha e nas reações de equilíbrio no paciente em estudo. Acredita-se que a presença de contraturas e o tempo de evolução da doença, assim como as sinergias inadequadas de movimento que já fazem parte do enagrama motor do paciente, possam ter contribuído para esses resultados. Salienta-se a importância de uma avaliação processual desde o uso inicial de órteses para verificar as possíveis modificações nas variáveis relacionadas à marcha. Sugerimos que a prescrição de órteses na CMT deva respeitar as particularidades do paciente e a forma de apresentação clínica da patologia, e que novas pesquisas com maior número de pacientes sejam estimuladas. Conflito de interesses Os autores declaram não haver conflitos de interesses de nenhuma natureza. Eles declaram também que todos os autores contribuíram igualmente na elaboração deste manuscrito. Fonte de financiamento: nenhuma. Órteses e doença de Charcot-Marie-Tooth Referências 1. Szigeti K, Lupski JR. Charcot-Marie-Tooth disease. Eur J Hum Genet. 2009;17(6):703-10. 2. Costacurta MLG, Sousa PPC, Zuccon A, et al. Impacto da correção cirúrgica dos membros inferiores na qualidade de vida de pacientes com a doença de Charcot-Marie-Tooth. Acta Fisiátrica. 2011;18(1):1-5. 3. Vilaça CO, Orsini M, Carrapatoso BC, et al. Reabilitação funcional na doença de Charcot-Marie-Tooth. In: Orsini M. Reabilitação nas doenças neuromusculares: abordagem interdisciplinar. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2012. p. 173-7. 4. Maldaner M, Oliveira SW, Sachetti A, Schiavinato JCC, Gemelli SO. Fisioterapia aquática na doença de Charcot-Marie-Tooth. Rev Ciênc Méd Biol. 2011;10(2):121-5. 5. 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