O ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO:
UMA PESQUISA EM DISSERTAÇÕES E TESES
Kely Cristina Enisweler1
Claudia Regina Machado Kliemann2
Dulce Maria Strieder3
Resumo:O presente artigo apresenta a análise de dados obtidos por meio de um mapeamento de
pesquisas sobre o Ensino de Ciências na modalidade de Educação do Campo, divulgadas em
dissertações e teses entre 2011 e 2012. Os dados foram coletados por meio do sistema de busca do
Banco de Teses da CAPES. As reflexões são pautadas em dados levantados por meio de pesquisa
qualitativa, do tipo meta-estudo. Foram analisadas 90 dissertações e 21 teses, sendo que a busca
realizada utilizou como recurso palavras-chave, relacionadas ao tópico de investigação, e o recorte
ocorreu por área de conhecimento e programas vinculados a Educação. É importante ressaltar que
trabalhos sobre o Ensino de Ciências especificamente na Educação do Campo, ainda são incipientes e
por isso merecem um olhar mais atento da comunidade acadêmica sobre a temática, inclui-se aqui o
incentivo a pesquisas na área.
Palavras-chave: Ensino de Ciências; Educação do Campo; Análise de publicações.
Introdução
A Educação do Campo é uma modalidade de ensino em construção e reconstrução e
pode ser caracterizada pela existência de políticas públicas conquistadas pelos movimentos da
população do campo principalmente, para terem seus direitos garantidos, entre eles o direito a
educação de qualidade no lugar onde vivem e trabalham. Entretanto, essas políticas públicas
nem sempre são efetivadas.
O Ensino de Ciências na Educação do Campo é uma temática recente e, pouco se sabe
sobre o que se tem produzido sobre o assunto nas últimas décadas. Diante dessa lacuna,
realizamos um estudo exploratório, que nos possibilitou identificar publicações sobre o tema
nos Programas de Pós-Graduação, em nível de Mestrado e Doutorado.
1
Aluna do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná/UNIOESTE. E-mail: [email protected]
2
Aluna do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná/UNIOESTE. E-mail: [email protected]
3
Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná/UNIOESTE. E-mail: [email protected]
764
O estudo realizado nesse artigo está pautado no mapeamento de 111 publicações,
sendo 90 dissertações e 21 teses buscadas pela temática o Ensino de Ciências na Educação do
Campo. Para o desenvolvimento desse trabalho, primeiramente fizemos um breve histórico da
Educação do Campo, salientando desde a sua origem nas escolas rurais até a elaboração das
políticas públicas específicas. Posteriormente, a partir da leitura dos resumos das dissertações
e teses, estabelecemos categorias com o intuito de responder a seguinte questão: Quais são os
temas de investigação nas dissertações e teses produzidas sobre o Ensino de Ciências
especificamente na modalidade Educação do Campo? A análise dos dados e os resultados
almejam um fortalecimento dessas reflexões nos Programas de Pós-Graduação.
Breve histórico da origem da Educação do Campo
A origem da Educação do Campo está atrelada a Educação Rural, que no Brasil
emerge da necessidade de distintos grupos sociais em acessar a educação. “As “escolinhas”
criadas no meio rural, geralmente multisseriadas e isoladas, eram poucas e questionadas pelas
forças hegemônicas da sociedade quanto a sua eficácia no ensino” (ANTONIO; LUCINI;
2007, p. 179). Em sua maioria, eram escolas vinculadas a ações assistenciais originadas pela
própria comunidade. No âmbito público, um olhar diferenciado sobre a formação escolar
oferecida no meio rural teve início somente com o processo de urbanização no país.
A concepção pedagógica que orienta a Educação do Campo remete, portanto, ao início
do século XIX quando o poder público passou ao provimento de escolas no meio rural. Para
Calazans (1993), a educação rural é vista de maneira romantizada, pois, entende-se como uma
vocação agrária onde o homem retira da terra a sua felicidade. O entendimento da concepção
de educação rural parece estar sedimentado, com a concepção de aprender a escrever, a ler e
contar, sendo que as técnicas agrícolas aproximaram o homem do campo.
É válido lembrar que transformações importantes ocorreram pouco antes da
Proclamação da República quando operários passaram a solicitar a criação de bibliotecas
populares e escolas operárias, com o objetivo de refletir sobre o que e o como ensinar crianças
e adultos a partir “[...] da educação como atividade inserida nas lutas” (ANTONIO; LUCINI,
2007, p. 150). Esse movimento formado da ação dos operários ficou conhecido como
Educação Popular no Brasil e remete a uma prática que norteia os movimentos sociais pela
educação, em diferentes períodos da história da educação brasileira (PALUDO, 2001).
765
Entre os movimentos ligados a concepção de Educação popular é possível mencionar
entre 1950 e 1960, os Movimentos de Cultura Popular (MCP), do qual fazia parte Paulo
Freire, o Movimento de Educação de Base (MEB), criado pela Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), e os Centros Populares de Cultura (CPC), criados pela União
Nacional dos Estudantes (UNE). Em 1960, a partir de Paulo Freire, as classes populares
passam a ter uma pedagogia que contempla esses grupos sociais.
Em 1980, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) passa a ter mais força,
tendo como seu principal foco a educação, resultando em políticas públicas para a Educação
do Campo como modalidade de ensino. O MST estabelece uma estreita relação com a
educação popular e o pensamento de Paulo Freire. Essas linhas teóricas “[...] nascem colados
à terra e foram cultivados em contato estreito com os camponeses, com suas redes de
socialização, de reinvenção da vida e da cultura” (ARROYO, 2000, p. 14). Diante das ações
desumanizadoras vividas pelos camponeses, a Educação Libertadora sugerida por Paulo
Freire torna-se um meio de libertação e organização do movimento (ANTONIO; LUCINI,
2007).
A nomenclatura Educação Rural foi reformulada e surge a denominação Educação do
Campo, que passa a ser compreendida a partir de uma concepção de produção da vida em
diferentes esferas, sendo estas culturais, econômicas, políticas e sociais. Também as
diferenças entre os povos passam a ser salientadas e os direitos afirmados:
[...] quando discutimos a Educação do Campo estamos tratando da
educação que se volta ao conjunto dos trabalhadores e das
trabalhadoras do campo, sejam os camponeses, incluindo os
quilombolas, sejam as nações indígenas, sejam os diversos tipos de
assalariados vinculados à vida e ao trabalho no meio rural (ARROYO,
2000, p. 14).
É na Pedagogia Libertadora que os sujeitos do campo encontram subsídios para
discutir os aspectos didáticos e organizadores do currículo da escola. “A educação popular é,
portanto, uma prática política, constituindo-se num tencionamento, para que a realidade se
transforme a partir de propostas populares em educação” (ANTONIO; LUCINI, 2007, p.
184).A educação dos trabalhadores urbanos e do campo se configura por estar colocada em
contextos diferentes da formação social, em contradição a necessidade econômica e social.
(PAIVA, 1987).
766
Alguns encaminhamentos foram legitimados, inicialmente, como artigo 28 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9394/96, que garante a Educação Básica
para a população rural, sendo que os conteúdos curriculares e metodológicos devem ser
apropriados a realidade dos alunos da zona rural, entre outras conquistas (BRASIL, 1996).
Posteriormente, em 2001, foram aprovadas as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica
nas Escolas do Campo, as quais destacam que o campo “[...] mais do que um perímetro nãourbano, é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a
própria produção das condições da existência social e com as realizações de sociedade
humana” (BRASIL, 2001, p. 1). Além disso, o Parecer 3/2008 do Conselho Nacional de
Educação que define orientações para atender a Educação do Campo e aperfeiçoar o conceito
de Educação do Campo acrescentou políticas públicas à Educação do Campo (BRASIL,
2008).
No âmbito do Estado do Paraná, foi criada a Coordenação da Educação do Campo,
departamento específico para atendimento ao setor, na Secretaria de Estado da Educação
(SEED), em 2002. Mas, somente em 2006, dez após a publicação da atual LDB, foram
publicadas as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo (PARANÁ, 2006).
Assim, a Educação do Campo se configura no cenário da educação brasileira como um
processo em constante transformação, de forma a considerar as particularidades presentes no
campo e, consequentemente, esta deve permear o processo de ensino e aprendizagem dos
sujeitos do campo. Na Educação do Campo o Ensino de Ciências tem suas especificidades em
relação a outras modalidades de ensino. É importante que “[...] os futuros educadores do
campo aprendam a ensinar ciências da vida e da natureza baseando-se em contextos de
vivência e de significados para os estudantes das comunidades em que vivem e educam
(LIMA et al. no prelo). Fato é que, não apenas no campo, mas também na cidade, o ensino
contextualizado é uma premissa na prática educativa. Entretanto, a cultura e a própria relação
que estes sujeitos estabelecem com a terra, requer que estes significados e significantes sejam
incorporados no planejamento de aulas.
Assim, neste trabalho, nosso objetivo principal é identificar se no campo da pesquisa
estão ocorrendo estudos sobre o Ensino de Ciências, disciplina básica do ensino fundamental,
especificamente na Educação do Campo e tentar identificar nessas pesquisas quais as
temáticas que se encaixam nesse tema.
767
Metodologia
A presente investigação tem por objetivo identificar o que revelamos resumos das
teses e dissertações publicadas nos anos de 2011 e 2012, sobre o Ensino de Ciências na
Educação do Campo. O recorte temporal é justificado por estar disponível no portal da Capes
somente os trabalhos destes anos, pois o site encontra-se em atualização de dados.
O mapeamento realizado no Banco de Teses da Capes, utilizou como instrumento de
coleta de dados o recurso de “busca avançada” disponibilizado no provedor de serviços. Nos
itens intitulados “todos os campos” foi selecionada a opção de busca “é exato”. E para o
recorte temático recorreu-se as seguintes palavras-chave: “Ensino de Ciências” e “Educação
do Campo”, especificando a opção “todas as palavras” para efetivar a busca. A base de dados
apresentou como resultado 163 publicações produzidas no Brasil. Como o arquivo permite a
delimitação por “Área do Conhecimento”, selecionamos a opção: “Educação”, e o
“Programa”, também na área “Educação” restringindo a pesquisa ao nosso campo de atuação
profissional, o resultado obtido foi de 111 publicações, sendo 90 dissertações e 21 teses.
Após a realização do mapeamento dos resumos, passamos para a etapa da codificação,
sendo que as teses foram nomeadas de “T” seguidas pela sequência numérica e as dissertações
de “D”. Para a ordem da sequência numérica consideramos o sobrenome dos autores por
ordem alfabética. O quadro abaixo exemplifica essa codificação.
Quadro 1: Exemplo de codificação
D.1 AFONSO, A. M. A educação de jovens e adultos nas escolas públicas municipais do meio
rodoviário de Manaus.2012. s/p. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Amazonas. 2012
D.2 ALTO, R. L. M. Saberes e fazeres quilombolas: diálogos com a educação do campo. 2012.
136f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade de Uberada, 2012.
T.1 ALBUQUERQUE, J. de O. "Crítica à produção do conhecimento sobre a educação do
campo no Brasil: teses e antíteses sobre a educação dos trabalhadores no campo no início do
século XXI". 2011. s/p. Tese (Doutorado). Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
Educação. Campinas/SP, 2011.
T.2 BARBOSA, A. I. C.A organização do trabalho pedagógico na licenciatura em educação
do campo/UnB: do projeto às emergências e tramas do caminhar. 2012. 351f. Tese
(Doutorado). Faculdade de Educação. Universidade de Brasília. 2012.
Fonte: Pesquisa Própria
Após a codificação, procedeu-se a leitura dos resumos e os temas foram categorizados
com o intuito de responder a seguinte questão: Quais são os temas de investigação nas teses e
768
dissertações produzidas sobre o Ensino de Ciências especificamente na modalidade Educação
do Campo? Foram elaboradas 9 categorias, sendo elas: Metodologias ou práticas de ensino,
Formação inicial, Formação continuada, Recursos didáticos, Pesquisas em documentos e leis,
Meta-estudo, Análise conceitual, Efetivação da Educação do Campo e Outras temáticas,
conforme apresentado no quadro a seguir:
Quadro 2: Do Ensino de Ciências e na Educação do Campo
Categorias
Códigos
Metodologias D.6; D.16; D.18; D.19; D.26; D.27;
ou práticas D.34, D.32; D.35; D.38; D.39; D.42;
de ensino
D.46; D.47; D.51; D.53; D.57; D.62;
D.63; D.70; D.73; D.78; D.83; D.84;
D.85; D.87; D.89; D.90; T.2; T.4;
T.5; T.11; T.14; T.17; T.19.
Formação
D.12; D.13; D.15; D.43; D.44; D.50;
inicial
D.564; D.71; D.72; D.79; D.81;
D.86; D.88; T.6; T.10; T.12; T.16;
T.18; T.20; T.21.
Formação
D.49; D.58; D.67.
continuada
Recursos
D.33; D.82.
didáticos
Pesquisas em D.28; D.29; D.36; D.40; D.41; D.45;
documentos
D.48; D.52; D.59; D.61; D.64; D.65;
e leis
D74; D.75; D.77; D.80; T.8.
Meta-estudo D.54; D.66, D.69; D.76; T.1.
Discussões
Empreendidas
Análises sobre metodologias e práticas
educativas desenvolvidas e sobre a
Pedagogia da Alternância na Educação do
Campo.
Investigações sobre a formação pedagógica
dos professores, os desafios na sua
formação para a educação básica nas
escolas do campo e a identidade docente.
Formação continuada de adultos do campo
e de professores em serviço.
Atividades práticas e litúrgicas, e
elaboração de materiais pedagógicos.
Investigações em documentos e leis
referentes á Educação do Campo.
Análises sobre a proposta educacional das
escolas e perspectivas dos docentes em
torno do currículo.
Análise
D.11; D.23; D.24; T.3; T.7; T.9.
Análises sobre as políticas públicas e os
conceitual
conceitos da Educação do Campo, e o MST
na luta pelo direito à escola.
Efetivação da D.1; D.2; D.4; D.8; D.17; D.20; D.22; Investigações sobre a efetivação das
Educação do D.30.
políticas públicas da Educação do Campo e
Campo
o processo de nucleação das escolas rurais.
Outras
D.3, D.5, D. 7, D. 9, D.10, D.14, Investigações sobre temáticas distintas da
temáticas5
D.25, D.31; D.37; D.55; D.60; D.68; temática em estudo.
T.13 e T.15
Fonte: Pesquisa Própria
Análise de Dados
4
A busca do Portal da Capes possibilitou o mapeamento do Ensino de Ciências e da Educação do Campo,
entretanto, a temática foi explorada distintamente nas dissertações e teses, sendo que somente em D.56 a
formação de professores para docência do ensino de Ciências na Educação do Campo foram efetivamente
problematizadas em conjunto.
5
Das categorias analisadas 10 delas não se encaixaram na temática, sendo 8 dissertações e 2 teses
769
A primeira categoria inclui os trabalhos que investigaram as „metodologias ou práticas
de ensino‟ utilizadas na Educação do Campo, as concepções e práticas dos professores das
escolas do campo, em classes multisseriadas, em assentamentos e na Educação de Jovens e
Adultos (EJA). Como por exemplo, a utilização de proposta temática como alternativa no
desenvolvimento de um conteúdo na tentativa de aproximá-lo da realidade dos educandos,
além de apresentar alguns desafios enfrentados na utilização de práticas de ensino. Além
disso, esta categoria compreende análises sobre a Pedagogia da Alternância, os seus limites e
as suas contradições como modelo para a educação no meio rural e reflexões sobre a
utilização de metodologia formal e urbana na escola do campo. Essas pesquisas apontaram
para necessidade de momentos de reflexão e de análise sobre o fazer pedagógico e que as
práticas educativas e, principalmente, as concepções dos professores devem estar relacionadas
com o currículo pensando condições para a efetivação de propostas para Educação do Campo.
Foi observado, ainda, que a Educação do Campo enfrenta muitas dificuldades de
financiamento e estrutura e, na maioria das vezes, o sistema de escola multisseriada é tratado
como sendo uma organização que prejudica a metodologia do professor e aprendizagem dos
alunos.
Na segunda categoria estão listadas as publicações que abordam a „formação inicial‟
de professores, analisando e, em alguns resumos, problematizando (os limites, as dificuldades,
as possibilidades e as contradições) sobre o conhecimento proporcionado no processo
formativo do curso. Aos professores também foi possibilitada a constituição da identidade
docente para atuar na educação básica em escola do campo, de maneira que o campo seja
pensado como espaço de vida e seus educandos como sujeitos do campo.
Os resultados obtidos nestas pesquisas indicam que a formação do educador do campo
deve estar aliada aos princípios da Educação do Campo, contribuindo na construção de uma
identidade docente. Apesar da importância da graduação, os cursos apresentam dificuldades e
limites de ordem pedagógica e estrutural que compromete, em parte, a qualidade da educação.
Porém, sua implementação representa a possibilidade de reconhecimento dos sujeitos do
campo. Apesar disso, segundo os autores dos trabalhos analisados ainda existe um vasto
caminho a ser percorrido para atingir uma educação autônoma e que cumpra com os
pressupostos da Educação do Campo.
De acordo com Foerste (2013, p. 16) a fragilidade de “[...] políticas públicas em
relação à carreira dos profissionais do ensino é considerada uma questão problemática, que
770
dificulta o trabalho docente na Educação do Campo”, sendo que a ausência dessa preocupação
com a formação do professor é um dos motivos da desvalorização da educação.
Na terceira categoria intitulada „formação continuada‟ identificamos pesquisas que
estão relacionados às práticas na perspectiva dos movimentos sociais no curso de Pedagogia,
além de formar educadores do campo da Educação Infantil como agentes de saúde com
compreensão de primeiros socorros. De modo geral, as pesquisas apresentam a formação
continuada como uma concepção, que está em descompasso com a formação esperada pelos
educadores do campo, e a necessidade de políticas públicas voltadas para formação de
educadores do campo. Segundo Gatti e Barreto (2009) a formação continuada deve vir para
acrescentar ao educador e não algo compensatório. Nesse caso, a reflexão sobre as
concepções de ensino e de aprendizagem, entre os professores, “[...] acabam ficando para um
segundo plano e seu aprimoramento profissional, via cursos aperfeiçoamento e pósgraduação, nem sempre estão entre as suas prioridades” (MALACARNE, 2007, p. 38).
A quarta categoria refere-se a trabalhos sobre os „recursos didáticos‟, mais
especificamente recursos a partir de ideias ecológicas, com materiais que empreendam o
lúdico e a aprendizagem. Segundo os autores das pesquisas analisadas a partir da elaboração
de materiais didáticos é possível o reaproveitamento de resíduos sólidos, em geral descartados
no próprio meio escolar. Os materiais criados são desde jogos, brinquedos e brincadeiras o
que possibilita o educador transformar a sua prática pedagógica, sendo mais lúdica e criativa e
“[...] com a utilização de recursos didático-pedagógicos pensa-se em preencher as lacunas que
o ensino tradicional geralmente deixa, e com isso, além de expor o conteúdo de uma forma
diferenciada, faz os alunos participantes do processo de aprendizagem” (CASTOLDI;
POLINARSKI, 2009, p. 985).
A quinta categoria trata de „pesquisas em documentos e leis‟ para a Educação do
Campo, tais como as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo e
o Decreto nº 7.352/2010, planos municipais de educação, documentos da SEMED, políticas
para Educação Especial no Campo, orientações legais das condições de trabalho do pedagogo
do campo, entre outras. As pesquisas mencionam a necessidade firmar convênios, com
universidades, entidades sociais e/ou órgãos públicos, visando a implementação de ações
educativas na área dos assentamentos da reforma agrária, para que o jovem possa voltar a
estudar, considerando as leis que garantem o acesso a universidade da população do campo.
771
A discussão de uma educação de qualidade para todos, segundo Alves e Santos (2012,
p. 5) é um desafio, o autor avalia que para “[...]“superação” dos problemas sociais, exige
quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a viver juntos, aprender a fazer e aprender a ser,
onde acredita que eles darão subsidio a uma educação de qualidade”.
Na categoria „meta-estudo‟ estão classificadas as teses e dissertações em que são
empreendidas discussões a partir do mapeamento de instituições escolares do campo com
objetivo de verificar o projeto pedagógico, o plano de ensino e o diário de classe, para
compreender as perspectivas docentes em torno do currículo. As pesquisas referem-se ao
desejo de compreender qual a situação da Educação do Campo e dos professores, salientando
a necessidade de maior atenção de políticas públicas condizentes com a realidade da escola do
campo. A importância do meta-estudo é salientada por Rossani (2006, p.21), pois tem como
característica “[...] comparar vários elementos presentes nos artigos como, por exemplo,
metodologia, referencial teórico, base epistemológica, levantando algumas conclusões sobre
determinado campo do conhecimento ou disciplina”.
A categoria sobre a „análise conceitual‟ apresenta investigações sobre as políticas
públicas da Educação do Campo buscando a sua efetivação na Educação Básica e na EJA, os
conceitos da Educação do Campo como a concepção de campo e de povos do campo presente
na escola hoje. Assim como, o resgate do contexto histórico do campo e a atuação do MST na
luta pelo acesso à educação escolar para os trabalhadores rurais. Dessa forma, é possível
identificar nos resumos analisados, que a Educação do Campo ainda está sendo incorporada
ao cenário da educação brasileira, nestes trabalhos assume grande importância na tentativa de
modificar os preconceitos estabelecidos na sociedade, para a construção da identidade e da
cultura camponesa no Brasil. Quanto a EJA, Bär, Pires e Malacarne (2012, p. 3)
problematizam a formação de professores, esta ainda carece a seu ver da inserção de “[...]
conhecimentos e saberes necessários para uma boa atuação nessa área. Compreende-se que
melhorias na formação inicial e continuada, destes [professores] são indispensáveis para se
obter resultados positivos”.
A oitava categoria, „efetivação da Educação do Campo‟ apresenta investigações, que
incorporam reflexões sobre como a Educação do Campo. Vem se efetivando entre os povos
do campo (quilombolas, assentados, pequenos proprietários). Avalia também a efetivação do
Programa Escola Ativa e o projeto Escola em Tempo Integral na Educação do Campo. Além
de apresentar reflexões sobre o fechamento das escolas rurais e o processo de nucleação
772
escolar, relativas ao processo educativo desenvolvido nas escolas rurais multisseriadas e à
efetivação de políticas públicas para alunos do campo com necessidades especiais.
Nos estudos analisados, foi possível observar a ocorrência de contradições entre teoria
e prática, os conteúdos explorados, os princípios da Educação do Campo e, em algumas
situações, o início da transição da concepção de educação rural tradicional à concepção de
Educação do Campo. Entretanto, a Educação do Campo, o Programa Escola Ativa e a Escola
de Tempo Integral na Educação do Campo tem a aprovação dos envolvidos, pois o saber
científico adquirido embasa os valores no trabalho, família, território e educação, e ainda se
configura como uma tentativa na valorização dos sujeitos do campo.
Dessa forma, de acordo com os resumos analisados, observamos que a política de
nucleação é equivocada para a formulação de uma proposta de Educação do Campo, pois não
há como compreender o processo educativo desenvolvido nas escolas rurais multisseriadas
por meio de metodologia, avaliação e controle escolar formal e urbano. Para Santos e Silva
(2007), a relevância de programas e projetos na Educação do Campo possibilitou a formação
de uma identidade para a Educação do Campo e para a formação de educadores.
Fazem parte da última categoria intitulada „outras temáticas‟, as publicações que,
segundo a análise dos resumos, não se enquadraram na temática investigada, com temas
relacionados a estudos sobre o homossexualismo no contexto de uma educação cidadã, sobre
a crença religiosa para a conservação do ambiente, as diversas concepções éticas que
envolvem a Ecologia Humana, entre outros.
Analisando o trabalho desenvolvido, referente aos resumos das publicações analisadas,
é possível observar que a Educação do Campo é um tema bastante relevante e tem vários
estudos envolvendo-a, fato que demonstra a importância da sua implantação pelas diversas
leis que envolvem o tema, mas a sua implementação, ou seja, a consolidação da Educação do
Campo ainda vem acontecendo, de forma lenta. Entretanto, para o binário Ensino de Ciências
e Educação do Campo, as pesquisas revelaram-se incipientes, no período investigado.
Considerações finais
A Educação do Campo tem suscitado diferentes temáticas de investigação, desde as
relativas as políticas públicas, passando pela formação docente, processos de ensino e
aprendizagem, até as outras modalidades da Educação Básica, ente elas a EJA, entre outros
773
temas de pesquisa. Entretanto, em relação ao ensino de Ciências na Educação do Campo, não
se constituiu ainda um amplo acervo bibliográfico de pesquisa na pós-graduação, dentro do
período analisado, evidenciando a necessidade de aprofundamento e o fortalecimento dos
grupos de pesquisa sobre o tema.
Considerando os dados apresentados e as interpretações realizadas, podemos afirmar
que a Educação do Campo é uma política pública presente no território nacional e está
inserida na Educação Básica sob a forma de modalidade de ensino, sendo na maioria das
vezes, implantada, entretanto, poucas vezes efetivada. Da mesma forma, as discretas
experiências de pesquisa publicadas que envolveram o ensino de Ciências revelaram que
ainda há muito para contribuir objetivando um ensino de Ciências na Educação do Campo de
qualidade, com base nas suas especificidades.
Fazem-se necessárias, ainda, várias medidas para consolidar a Educação do Campo
como prática, dentre elas, adequar as metodologias utilizadas no processo de ensino e
aprendizagem, pois a Educação do Campo não existe fora de seu contexto, e qualquer prática
deve vincular os saberes próprios de cada estudante, inerentes à sua realidade, e os conceitos
aprendidos, na elaboração do conhecimento científico com o intuito de viabilizar o ensino de
forma a ter sentido e significado para o estudante do campo, caracterizando-os como sujeitos
do campo, mas não os limitando a este espaço.
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O ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO