UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM ALMERINDA MOREIRA PROFISSIONALIZAÇÃO DA ENFERMAGEM BRASILEIRA: O PIONEIRISMO DA ESCOLA DE ENFERMAGEM ALFREDO PINTO (1890-1920) SÃO PAULO 2003 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM ALMERINDA MOREIRA PROFISSIONALIZAÇÃO DA ENFERMAGEM BRASILEIRA: O PIONEIRISMO DA ESCOLA DE ENFERMAGEM ALFREDO PINTO (1890-1920) Tese apresentada à Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Doutor em Enfermagem. Orientadora: Profª. Drª. Taka Oguisso São Paulo 2003 Catalogação na publicação (CIP) Serviço de Biblioteca e Documentação da EEUSP Moreira, Almerinda Profissionalização da enfermagem brasileira: o pioneirismo da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (1890-1920) / Almerinda Moreira. - São Paulo: A. Moreira; 2003. 267p. Tese (Doutorado) - Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. 1. História da enfermagem 2. Enfermagem (educação) 3. Profissões 4. Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. I. Título. DEDICATÓRIA A meus pais Paulo e Thereza Já em outra dimensão, mas que construíram o alicerce dos valores e princípios, que serviram de base para toda a minha vida. À minha filha Ana Lucia A quem, com muita preocupação, deixei à própria sorte, na busca de novos conhecimentos,mas na certeza de que seguiria aqueles valores que foram repassados de meus pais a mim e de mim a você. Perdoe-me as ausências A meus familiares Meu porto seguro, refúgio, ouvidos para minhas aflições. Obrigada por fazerem parte de minha vida. “ Você pode sonhar, criar e construir a idéia mais maravilhosa do mundo, mas são necessárias pessoas para fazer o sonho virar realidade” Walt Disney AGRADECIMENTOS A DEUS, pela presença constante em minha vida, por iluminar os meus passos e que me dotou de inteligência e vontade. A concretização deste trabalho foi também possibilitada pela colaboração de muitas pessoas, em diferentes etapas, que compreenderam o laborioso processo de sua elaboração. Na impossibilidade de citar a todos, gostaria de expressar aqui meus agradecimentos sinceros a algumas delas: À Profª. Drª. Taka Oguisso, minha orientadora nesta tese, cujo posicionamento profissional e seriedade com que encaminhou o processo de orientação constitui o exemplo que estará sempre comigo. Agradeço-lhe pela confiança que depositou em mim e pelo incentivo constante durante a realização dos trabalhos. Suas orientações ultrapassaram os limites da ciência e adentraram a dimensão pessoal. Obrigada pela acolhida e pelo ombro amigo. À Profª. Drª. Maria Lúcia de Barros Mott, que me acompanhou nesse estudo desde o início, sugerindo, apontando, revisando textos e oferecendo valiosíssimas referências que foram essenciais; sem elas, dificilmente teria alcançado algumas das metas pretendidas. Obrigada pelo carinho e pela amiga que se tornou. Aos Colegas Professores e Funcionários da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade do Rio de Janeiro-UNIRIO, que tanto colaboraram, assumindo a sobrecarga de trabalho, para que eu fosse liberada de minhas funções docentes, e até oferendo sugestões e ajuda na elaboração do projeto e na busca de documentos e material para pesquisa, muito obrigada. Aos Funcionários da Biblioteca da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e às Funcionárias da Secretaria de Pós-Graduação, pelo atendimento sempre cortês e eficaz. Ao Prof. Attílio Brunacci pela enriquecedora e meticulosa revisão do texto. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que, tornando possível o financiamento deste projeto, tornou realidade este processo. Sumário Lista de Figuras / Quadro Lista de Abreviaturas / Siglas Resumo Abstract Capítulo 1 Introdução........................................................................................... 1.1 Considerações Iniciais ............................................................. 1.2 1 2 Objetivos ................................................................................... 21 1.2.1 Objetivo Geral ........................................................................... 21 1.2.2 Objetivos Específicos ............................................................... 21 1.3 Questão Norteadora .............................................................. 22 1.4 Percurso Metodológico .......................................................... 23 1.5 Limites Cronológicos ................................................................ 30 1.6 Fontes de Pesquisa ................................................................... 31 1.7 Locais Pesquisados .............................................................. Capítulo 2 32 A Gênese da Profissionalização da Enfermagem ..................... 36 2.1 A Gênese da profissionalização ............................................... 37 2.2 A Gênese da Profissionalização da Enfermagem no Brasil .... 47 Capítulo 3 Hospital: suas Origens e Influência na Formação dos Enfermeiros ............................................................................... 52 3.1 Breve Histórico da Instituição Hospitalar ................................. 52 3.2 A Instituição Hospitalar no Brasil ............................................... 59 Capítulo 4 Movimentos de Profissionalização da Enfermagem ................. 69 4.1 Movimentos em prol da Profissionalização da Enfermagem .... 70 4.2 Reino Unido............................................................................... 78 4.3 E U A ......................................................................................... 98 4.4 França...................................................................................... 118 4.4.1 Escola de Salpêtrière ............................................................... 126 4.5 Portugal ................................................................................... 131 4.6 Espanha ................................................................................... 141 4.7 4.8 Argentina ................................................................................. 151 Taiwan ..................................................................................... 155 4.9 Breves Considerações ............................................................. 162 4.10 Quadro demonstrativo de vários movimentos de profissionalização da enfermagem ........................................ 166 Capítulo 5 A trajetória da Profissionalização da Enfermagem no Brasil ... 167 5.1 Capítulo 6 O Cenário da profissionalização da Enfermagem no Brasil .... 168 O Ensino da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras ........................................................................... 184 6.1 O Currículo e Manuais Utilizados ............................................. 185 6.2 Os Alunos ................................................................................. 215 6.3 Os Professores........................................................................ 221 Capítulo 7 Conclusões ............................................................................ 225 Capítulo 8 Considerações Finais ............................................................. 235 Anexo 1 ............................................................................................................ 239 Anexo 2............................................................................................................ 240 Glossário............................................................................................................. 241 Referências Bibliográficas ................................................................................. 242 Lista de Figuras/ Quadro Figura 1 - Notícia da Revista O Brazil-Medico,1897 ............................................ 9 Figura 2 - Lista de freqüência de alunos de 23/2/1905 ..................................... 18 Figura 3 - Notícia da Revista O Brazil-Medico, 1890 .......................................... 63 Figura 4 - Pátio interno do Hospital Nacional de Alienados ............................... 65 Figura 5 - Primeiras Enfermeiras-chefes do Hospital Bellevue, Nova York ....... 109 Figura 6 - Lista de aluno formados em 1906 .................................................... 176 Figura 7 - Folha de rosto do Manual do Dr. Bourneville, 1903 .......................... 188 Figura 8 - Folha de rosto do livro do Dr. Adolpho Possollo ................................ 199 Figura 9 - Enfermeiros transportando doente para o leito ................................. 207 Figura 10 - Primeiro automóvel-ambulância do Rio de Janeiro ......................... 208 Figura 11 - Documento relativo à Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, 1905 .......................................................................... 216 Figura 12 - Uniforme de Enfermeira .................................................................. 219 Figura 13 - Lista de Docentes da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, 1905 ......................................................................... 224 Quadro 1 - Quadro demonstrativo de Vários Movimentos de Profissionalização da Enfermagem ................................................ 166 Lista de Abreviaturas / Siglas EPEE - Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras EEAP - Escola de Enfermagem Alfredo Pinto UNIRIO - Universidade do Rio de Janeiro HNA - Hospital Nacional de Alienados SNDM - Serviço Nacional de Doenças Mentais FEFIEG - Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara FEFIERJ - Federação das Escolas Federais do Estado do Rio de Janeiro MEC - Ministério da Educação e Cultura CCBS - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde DNSP - Departamento Nacional de Saúde Pública LAPHE - Laboratório de Pesquisa em História da Enfermagem USP - Universidade de São Paulo UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro COFEN - Conselho Federal de Enfermagem “Daquilo que eu sei, Nem tudo me foi permitido, Nem tudo me deu certeza. Daquilo que eu sei, Nem tudo me foi proibido, Nem tudo me foi possível, Nem tudo foi concebido. Não fechei os olhos, Não tapei os ouvidos, Cheirei, toquei, provei Ah, eu usei todos os sentidos”. (...) Ivan Lins e Victor Martins Resumo RESUMO MOREIRA, A Profissionalização da enfermagem brasileira: o pioneirismo da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (1890–1920). São Paulo, 2003. 267p. Tese (Doutorado) – Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo. Estudo de natureza histórica com o objetivo de resgatar as origens da profissionalização da enfermagem no Brasil, sob a ótica da escolarização dos enfermeiros, a partir da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras (EPEE), hoje Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), a pioneira na formação desses profissionais no país. Durante a pesquisa, foi descoberta uma documentação inédita para a historiografia da enfermagem. O recorte temporal compreende o período entre 1890 e 1920. A metodologia utilizada foi a análise de documentos, sobretudo textuais, destacando-se entre eles: atas, relatórios, livros didáticos, lista de freqüência do curso, periódicos e revistas cientificas. O resultado final evidenciou: a) a importância da diversificação de fontes de pesquisa pelo pesquisador; b) que a trajetória da enfermagem nos diversos países estudados apresentou uma interface similar do ponto de vista histórico-social; c) o cenário onde o profissionalismo da enfermagem teve início foi a EPEE, instalada no Hospital Nacional de Alienados, considerada a primeira escola oficial do país; d) que essa instituição de ensino exerceu uma grande e positiva influência na sociedade brasileira. Palavras-chave: Enfermagem; Profissionalização; Ensino; História. ABSTRACT Brazilian Nursing Professionalization: the pioneering of the Alfredo Pinto Nursing School (1890-1920) Study of historical nature with the objective to rescue the origins of the nursing professionalization in Brazil, in the light of the nurses´ schooling, starting from the Professional Nurses School, currently the University of Rio de Janeiro (UNIRIO), Alfredo Pinto Nursing School, the pioneer for education of these professionals within the country. Doing this research, an original documentation was found out for the nursing historiography. The time limit was established from 1890 to 1920. The utilized methodology was an analysis of documents, above all those textuals, such as minutes, reports, books, students roll call, newspapers and scientific journals. The final results showed: a) the importance for researchers to vary the research sources; b) that the nursing trajectory in several studied countries presented a similar interface considering the social-historical point of view; c) the scenario where nursing professionalism has started off was indeed the Professional Nurses School, considered the very first official school in the country, set out at the Insane National Hospital; d) that this educational institution had a great and positive influence within the Brazilian society. Key words: Nursing professionalization; nursing education; nursing history Introdução 1 Capítulo 1 INTRODUÇÃO 1.1 Considerações Iniciais 2 1. 1 Considerações Iniciais A História está longe de ser apenas coisa do passado. Seus capítulos podem ter sido escritos há décadas ou há séculos, mas quando seus fatos são estudados e interpretados, mesmo os mais remotos, os nexos que afloram, ainda reacendem discussões e polêmicas no presente. É o que justifica seu estudo. A opção em pesquisar os primórdios da História da Enfermagem Brasileira está ligada diretamente às experiências como discente e docente da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO). Vem à nossa mente, então, o pensamento de Lynaugh (1987) quando diz que, para se fazer um trabalho histórico, é necessário querer viver em permanente luta com as ambigüidades conceituais, com a falta de evidências e pontos de vista conflitantes. Assim sendo, na história, como na da enfermagem, há um esforço contínuo para trabalhar com dados incompletos e esparsos que dêem as melhores explanações para os eventos humanos. O prazer intelectual de pesquisar a história provém da descoberta de conexões de eventos no tempo, dentro dos quadros interpretativos . Durante o curso de graduação em Enfermagem, percebemos algumas lacunas referentes à História da Enfermagem Brasileira, mais especificamente, referentes à implantação do ensino e ao início da profissionalização da enfermagem no Brasil. Havia controvérsias nas aulas sobre qual escola teria sido a primeira a ser criada, e também sobre a participação, ou não, de alunos do sexo feminino e do masculino, visto que era voz corrente que a enfermagem 1.1 Considerações Iniciais 3 profissional no Brasil era uma profissão exclusivamente feminina, desde a sua origem. Nesse sentido, a opção pelo tema desta tese está relacionada com essas dúvidas e questionamentos que, por anos, permaneceram praticamente sem contestação, levando à consolidação de haver uma única versão histórica. Hoje, com o nosso amadurecimento profissional e experiência acumulada, é possível, através de uma tese, não só analisar controvérsias, como igualmente levantar hipóteses que possibilitam uma nova reflexão sobre como começou e caminhou a enfermagem profissional brasileira no final do século XIX e início do século XX. No período de elaboração da nossa dissertação de mestrado o tema estudado foi a criação, a estruturação, o desenvolvimento e a trajetória da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras (EPEE) - considerada a primeira do país (1890) -, hoje Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP), da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO), do sistema federal de ensino. Naquela oportunidade, essa trajetória foi analisada desde os determinantes de sua criação, em 1890, até a época em que completava cem anos de existência (Moreira,1990). Naquela ocasião, não foram analisados e discutidos em profundidade temas que se relacionavam com o início da profissionalização da enfermagem brasileira, a partir da criação da EPEE, em 27 de setembro de 1890. O período de 1890 a 1920 continuou, portanto, inexplorado. Dessa feita, o objeto do presente estudo é perscrutar os primórdios da profissionalização da Enfermagem no Brasil, desde o ano da criação daquela que, pode ser considerada a primeira escola de enfermagem em 1890, na cidade do Rio de Janeiro, até 1920. 1.1 Considerações Iniciais 4 A história da enfermagem no Brasil tem destacado uma trajetória a partir apenas da sua implantação segundo o modelo norte-americano no ano de 1923, com a chamada enfermagem moderna1, mas deixa de lado significativos acontecimentos que determinaram o início do ensino e da profissionalização da enfermagem. Esse tipo de destaque no estudo da história é um tanto falho porque exclui uma série de atividades docentes realizadas em período anterior a 1923, como se não tivesse ocorrido qualquer ensinamento nessa área no país (Moreira, 1990). Alguns exemplos confirmam esta nossa assertiva: desde 1890, na Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras no Rio de Janeiro, antiga capital da República (Moreira,1990); em 1894, no Hospital Samaritano, na cidade de São Paulo, instituído por enfermeiras inglesas, onde o ensino era feito nos moldes nigthingaleanos (Mott, 2000) ; em 1912, foram fundados “na Cruz Vermelha Brasileira, na cidade de São Paulo, sob o patrocínio da médica Maria Renotte, cursos para formação de enfermeiras” (Mott e Tsunechiro, 2002, p.594). Há indicações de que esse curso tenha funcionado até 1916, e depois de forma intermitente até 1940. em 1914, criada a Escola para Voluntárias da Cruz Vermelha, na cidade do Rio de Janeiro (Mott, 2000); 1 em 19162, exatamente no dia 20 de março, na Escola de Enfermeiras – Enfermagem moderna também conhecida como nightingaleana, ou seja, a direção de serviços e ensino de enfermagem por enfermeiros, ensino metódico teórico e prático e seleção de candidatas do ponto de vista fisico, moral, intelectual e de aptidão profissional (Baer,1985). 2 No Estatuto da Escola de Enfermeiras – “Curso Profissional e das Voluntárias”, reza: “Art. 1º ...tem por objetivo ministrar às sócias da Sociedade o ensino teórico-prático da profissão de enfermeira e de instruir as que desejarem trabalhar como enfermeiras voluntárias.....Art. 2º O Curso de enfermagem profissional será feito em dois anos... Art. 4º As aulas teórico–práticas serão dadas durante o dia e a noite, conforme convier ao ensino”. 1.1 Considerações Iniciais 5 Curso Profissional da Cruz Vermelha, também na cidade do Rio de Janeiro (COFEN,1985); em 1917, na Policlínica de Botafogo, o Curso para enfermeiras, igualmente na cidade do Rio de Janeiro (Mott e Oguisso, 2003). Além disso, cabe da mesma maneira salientar que a história da enfermagem vem sendo contada como se somente houvesse existido um modelo de ensino no país, modelo esse estabelecido a partir da denominada enfermagem moderna. Tal fato propicia a criação de falsos mitos sobre a sua origem, dando a entender que essa é, oficialmente a única história, onde não estão incluídas uma série de fatos e acontecimentos e até mesmo a própria existência de profissionais que atuaram como enfermeiros no final do século XIX e início do século XX. Enfim, desde a criação da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, há mais de um século, até a sua integração no sistema educacional brasileiro, transcorreu um longo caminho percorrido por muitos profissionais. Sobre esse período existem escassos estudos resultando, inclusive, num conhecimento descontínuo e disperso. Apesar de a primeira escola de enfermagem no Brasil ter sido criada apenas nos últimos anos do século XIX, é necessário ressaltar que já existia anteriormente o cuidado aos doentes hospitalizados. Esses cuidados eram oferecidos nas Santas Casas de Misericórdia, já na primeira fundada por Braz Cubas em 1543. Em fins do século XVII, registra-se o trabalho da viúva Francisca de Sande, na Bahia, que se dedicou ao tratamento de doentes pobres, chegando a abrigá-los em sua casa, em virtude da falta de leitos nas Santas Casas, por ocasião das freqüentes epidemias de febre amarela e peste ( Germano,1983). 1.1 Considerações Iniciais 6 Assim como Paixão (1951) que, em seus escritos descreve: “Frei Fabiano de Cristo, exerceu quase 40 anos a função de enfermeiro no convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, onde viveu no século XVIII.” (...) , “Havia senhores que alugavam escravos, peritos em enfermagem, para servirem a doentes particulares”. (Paixão: 1951, p.68) Os registros do século XIX mostram Ana Justina Ferreira Néri - esse era o seu nome original - que atuou como voluntária na Guerra do Paraguai (1864–1870) cuidando dos soldados feridos (Louzeiro, 2002). Todavia, tão-somente a partir de 1890 o ensino de enfermagem foi, oficialmente institucionalizado no Brasil, a exemplo do que então já se fazia em outros países da Europa e Estados Unidos da América (EUA). No final do século XIX, segundo o Censo de 1890, a população da cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, era de 522.651 habitantes; 293.657 eram homens e 228.994, mulheres. Nesse mesmo ano, as pessoas que sabiam ler e escrever totalizavam 264.926, correspondendo aproximadamente a 50 % da população. Desse total, 165.241 eram constituídos de homens, ou seja, 61%; apenas 99.685, isto é, 39%, correspondiam às mulheres (Soihet,1989). Nessa época, o país possuía um sistema educacional que atendia apenas parte da população, priorizando a elite masculina com o estudo profissional e superior. “Às mulheres estava reservado um certo preparo acadêmico e muito boa formação para o lar” (Carvalho,1976 p.4). A primeira iniciativa oficial da República recém-proclamada, no campo 1.1 Considerações Iniciais 7 do ensino da enfermagem, se deu legalmente através do Decreto n.º 7913, de 27 de setembro de 1890, que criava a acima mencionada Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras (EPEE). É inquestionável a relevância histórica dessa instituição pioneira por se dedicar à formação e à qualificação de recursos humanos no campo da enfermagem, preparando enfermeiros4 desde o alvorecer da República, missão essa que continua desenvolvendo até os dias de hoje. Assim, em 1890, quando implantado, o ensino estava vinculado ao Ministério da Justiça, cujo ministro era Campos Sales que tinha sido nomeado pelo marechal Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório (Moreira et al. 2002). Como naquela época não existia ainda o Ministério da Saúde, 5 o Hospício Nacional de Alienados (HNA) estava sob a tutela do ministro da Justiça porque abrigava doentes mentais, pelo fato de alguns deles, em sua insanidade, poderem ter praticado atos agressivos, ou anti-sociais e terem sido encaminhados a estabelecimentos custodiais ou ao manicômio judiciário, este sim, órgão do ministério da Justiça. Durante longos anos, essa escola continuou subordinada ao Serviço Nacional de Doenças Mentais, o que pode ter induzido à interpretação equivocada de que enfermeiros, atuantes na comunidade, que tivessem sido formados por ela, estavam capacitados para trabalhar apenas em enfermagem psiquiátrica, o que não correspondia à verdade dos fatos. Para tanto, basta analisar o conteúdo do ato normativo para que se 3 Decreto nº 791 de 27/9/1890. Crea no Hospício Nacional de Alienados uma Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras. Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública – Enfermagem, Legislação e assuntos correlatos. RJ:1974, v.1, p.26. 4 Este trabalho utilizou o termo “enfermeiro” no masculino para estar em concordância com a gramática portuguesa que diz que, quando existe o termo no feminino e no masculino, deve prevalecer o masculino. Tal regra vem pontuar mais ainda a existência de homens na enfermagem desde seu nascimento. 5 As questões de saúde estavam ligadas ao Ministério dos Negócios do Interior até a década de 20, quando foi criado o Departamento Nacional de Saúde Pública, posteriormente transformado em Ministério da Saúde. 1.1 Considerações Iniciais 8 constate o equívoco. Com efeito, o Decreto n.º 791/1890 especificava o elenco das disciplinas e determinava que a escola preparasse enfermeiros, não só para os hospícios, como também para os hospitais civis e militares. Conclui-se com facilidade que os profissionais eram preparados para trabalhar nas diversas clínicas e especialidades. Na década de 1920, quando foi criado o Departamento Nacional de Saúde Pública, no âmbito do Ministério dos Negócios do Interior, a EPEE continuou vinculada diretamente ao Ministério da Justiça, uma vez que o HNA, onde estava instalada a escola, continuava sendo um estabelecimento desse Ministério. Embora fosse a mais antiga escola de enfermagem conhecida do país, ela permaneceu ignorada durante muito tempo. Se bem que tivesse funcionado de forma intermitente, é certo que em abril de 1897 a instituição havia sido inaugurada, conforme notícia veiculada na revista O Brazil-Médico, de abril de 1897 (Fig. 1). 1.1 Considerações Iniciais 9 Fig. 1 Notícia da Revista O Brazil-Medico, de abril de 1897, p. 109. Fonte: Biblioteca da Faculdade de Medicina da USP/SP A intermitência pode ser atribuída “ao aumento da população de pacientes internados, que ultrapassava o número de mil” (O Brazil –Medico, 1900, p. 306) no Hospício Nacional de Alienados, onde a Escola funcionava. Nessas circunstâncias. “o pessoal sobrecarregado de trabalho, obrigado à vigilância permanente de uma grande massa de pacientes, não tinha tempo suficiente para 1.1 Considerações Iniciais 10 freqüentar com regularidade as aulas da Escola”, justificava Juliano Moreira – médico, diretor-geral da Assistência a Alienados - (Relatório, 1909, p. 4) 6 . Reiterando no relatório do ano de 1912, comunicou ao ministro da Justiça e Negócios do Interior, assim se expressando: “o número exagerado de doentes não nos deixou exigir do pessoal a devida freqüência às aulas da escola de enfermeiros. Espero no correr do ano, com a fundação das Colônias, obter o funcionamento regular da referida escola” (Relatório,1912, p.2). Mesmo com interrupções temporárias em seu funcionamento, o fato é que a EPEE existia oficialmente. Porém, essa existência passou despercebida para Jane A. Jackson, superintendente (matron) do Hospital da Associação dos Estrangeiros do Rio de Janeiro. Tal omissão pode ser constatada pelo que declarou enfaticamente, em 1901, no relatório apresentado ao Iº Congresso Internacional de Enfermeiras, realizado em Búffalo (EUA): “não havia Escola para treinamento de Enfermeiros no Brasil e que o cuidado aos pacientes no Hospital de doentes mentais estava entregue às francesas” (Jackson,1901, p.393). Após a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, começou a ser implantada, no país, a assim denominada “Enfermagem Moderna”, com a vinda de enfermeiras americanas. A EPEE, que já tinha sido criada há mais de 30 anos, não foi considerada e muito menos aproveitada. Provavelmente, o momento político conturbado em decorrência da epidemia da febre amarela, o patrocínio da Fundação Rockefeller e o prestígio emprestado pelos médicos-sanitaristas, que 6 Relatório de ocorrências dos Serviços de Assistência a Alienados do Distrito Federal, 15/2/1909 1.1 Considerações Iniciais 11 ocupavam elevados cargos na administração pública7 e pela imprensa, corroboraram no sentido de oferecer apoio necessário para implantar de novo o reinício da enfermagem, apresentado na ocasião em moldes modernos, ignorando, pois, por completo o tradicional ensino de enfermagem da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras com sua experiência de três décadas. Tal ocorrência fixou um marco institucional e com isso, a história da enfermagem começou a ser registrada a partir dessa data, isto é, 31 de dezembro de 1923. Foi nesse dia que o Decreto nº 16.300, ao aprovar o regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, no Serviço de Enfermeiras desse departamento, “regulamentou a Escola de Enfermeiras, criada um ano antes pelo Decreto nº 15.799, de 10/11/1922, anexa ao Hospital Geral de Assistência daquele departamento, com a finalidade de instruir e diplomar enfermeiras” (Carvalho, 1976, p.8) A Revista Paulista de Hospitais, órgão pioneiro de divulgação de temas de administração hospitalar, publicou em 1959 o artigo “Enfermagem: pessoal e suas categorias funcionais”, da mesma forma, passou ao largo da história. Sua autora, Glete de Alcântara8, ao enfatizar a introdução da enfermagem moderna, a partir de 1923, afirmava: “Com a fundação da Escola Ana Neri, no Rio de Janeiro, em 1923, foi introduzida a enfermagem moderna no país. A missão de enfermeiras americanas que veio para o Rio naquela época, a convite do governo brasileiro e sob os auspícios da Fundação Rockefeller, fundou a primeira escola de enfermagem no Brasil...” (Alcântara, 1959. p.37). 7 No Rio de Janeiro, Carlos Chagas e Oswaldo Cruz. Em São Paulo, Emílio Ribas, Paula Souza e Borges Vieira. 8 Drª. Glete de Alcântara, enfermeira, foi professora catedrática da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo. 1.1 Considerações Iniciais 12 No legítimo afã de enfatizar e valorizar a enfermagem moderna que, na década de 1950, ainda lutava por um melhor status social, é provável que a autora - uma das líderes da enfermagem na ocasião - tenha omitido involuntáriamente a existência da EPEE, sem avaliar as repercussões históricas posteriores. Um outro registro bibliográfico incorre na mesma omissão. Trata-se de Cardoso (1996) que, em sua recente dissertação de mestrado apresentada em 1996 à Escola de Enfermagem Anna Nery9, cita: “o estudo da vida de Anna Nery, sua atuação na guerra do Paraguai e a aproximação de seu nome para a primeira Escola de Enfermeiras no Brasil” (Cardoso,1996, p.3). Apesar desses esquecimentos de caráter histórico, a EPEE conseguiu sobreviver e prosseguir em seu caminhar, e tem uma participação fundamental no processo de profissionalização da enfermagem. Daí a relevância do presente estudo para o resgate desse passado cheio de méritos para a afirmação do exercício da enfermagem no Brasil. Com efeito, durante 53 anos, a direção da Escola foi exercida por médicos, como ocorreu em muitas escolas de enfermagem. Aliás, ainda hoje a parte teórica básica é ministrada por médicos, biólogos, sociólogos, psicólogos e outros profissionais, não só no Brasil, como na maioria dos países no mundo inteiro. No caso específico da EPEE, é preciso concordar com Kirschbaum (1994) quando afirma: “entende-se que a opção feita pelos psiquiatras do Hospício 9 Anna Nery – assim escrito como consta nos documentos oficiais da Escola de Enfermagem Anna Nery. No entanto, o nome original era Ana Justina Ferreira Néri ( Louzeiro, 2002). 1.1 Considerações Iniciais 13 Nacional10, ao criar a Escola, nos moldes das existentes nos hospitais de Paris, não foi casual, nem tampouco movida por desconhecimento de outras modalidades educacionais, mas por ser a forma mais apropriada para a operacionalização de um modelo de gestão centralizado na figura do médico e adequado às condições da força de trabalho disponível no país, que teria que ser empregada no Hospício rapidamente e com o menor custo financeiro” (Kirschbaum, 1994, p.54). Esse tipo de escola apontada por Kirschbaum oferecia maior autoridade aos médicos, diferentemente do modelo nightingaleano. A posição dos médicos em relação aos enfermeiros e ao pessoal de enfermagem e a excelência dos serviços prestados pelos alunos da Escola ao Hospício Nacional de Alienados foram determinantes para que, anos mais tarde, a escola continuasse sob a égide do Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM), criado em 1941, cujas diretrizes eram rigorosamente cumpridas. Em 1942, o Decreto-Lei n.º 4.72511, de 22 de setembro de 1942, ao reorganizar a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, alterou o nome da instituição que passou a chamar-se Escola de Enfermeiros Alfredo Pinto (EEAP), continuando, todavia, subordinada ao Serviço Nacional de Doenças Mentais, no Distrito Federal (Ministério da Saúde,1974). No mesmo dia, isto é, 22 de setembro de 1942, o Decreto n.º 10.472 12, 10 Mantida a redação original de Kirchbaum. Com efeito, a instituição foi criada com o nome de Hospício de Pedro II, em 1852. Entretanto, o Decreto nº 142, de 11/1/1890, mudou o nome para Hospicio Nacional de Alienados. 11 Decreto-Lei nº 4.725/42 , de 22/9/1942 . Reorganiza a Escola Profissional de Enfermeiros criada pelo Decreto nº 791, de 27/9/1890, e dá outras providências. Passou a vigorar em janeiro de 1943. Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública – Enfermagem, Legislação e assuntos correlatos. RJ: 1974, v. 1, p.117. 12 Decreto-Lei nº 10.472, de 22/9/1942. Aprova o regulamento da Escola de Enfermeiros Alfredo Pinto. In Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública – Enfermagem, Legislação e assuntos correlatos. RJ: 1974, v. 1, p.120. 1.1 Considerações Iniciais 14 aprovou o novo regulamento da EEAP que manteve a escolha da direção e do corpo docente pelo diretor do SNDM. Tal fato fortaleceu o corporativismo dos médicos e a dominação do saber (Ministério da Saúde,1974). Logo em seguida, entretanto, ou seja, a partir de 1943, a enfermeira Maria da Castro Pamphiro foi designada para a direção da EEAP13 (Moreira:1990). Por essa ocasião, os alunos e futuros profissionais tiveram a oportunidade de estender sua experiência na prática profissional, uma vez que, anteriormente, toda atividade de estágio prático era desenvolvida no âmbito do Hospital Nacional e na Colônia de Alienados. Cabe ressaltar que, nas instituições mantidas para assistência aos alienados, existiam setores especializados em todas as áreas de atendimento clínico e cirúrgico, abrangendo desde as doenças contagiosas até a clínica obstétrica. Isso significa que o ensino de enfermagem era amplo, não ficando restrito somente à assistência psiquiátrica uma vez que o paciente com problemas psiquiátricos era também tratado no contexto de suas condições clínicas preexistentes ou emergentes. Decorridos quase 25 anos, o Decreto-Lei n.º 20614, de 27 de fevereiro de 1967, alterou o nome da Escola de Enfermeiros Alfredo Pinto, que passou a chamar-se Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, e determinou que ela ficasse subordinada ao diretor-geral do Departamento Nacional de Saúde, do Ministério 13 O Presidente da República através do Decreto s/nº., de 29/12/1942, designa Maria de Castro Pamphiro para exercer o cargo de diretora da EEAP. D. O., Poder Executivo, Rio de Janeiro, D F, 6/1/1943. 14 Decreto-Lei nº 206 de 27/2/19667. Dispõe sobre a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. In Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública – Enfermagem, Legislação e assuntos correlatos. RJ:1974,v.2. p.428. 1.1 Considerações Iniciais 15 da Saúde. Esse Decreto-Lei dispunha, ainda, que a instituição tinha por finalidade: “a) promover estudos e pesquisas concernentes ao preparo de pessoal de enfermagem; b) realizar cursos de graduação e de auxiliar de enfermagem, podendo adotar currículos experimentais além dos de pós-graduação, aperfeiçoamento e especialização, particularmente do campo de enfermagem psiquiátrica” (Ministério da Saúde, 1974, p.429). Além disso, o diploma legal autorizou o Ministério da Saúde a constituir um grupo de trabalho, com a participação de um representante do Ministério da Educação e Cultura (MEC), com o objetivo de propor a adoção das medidas complementares a esse DecretoLei. Ressalte-se, porém, que esse grupo de trabalho não chegou a ser constituído face ao processo da Reforma Universitária que, na época, encontravase em discussão, mas posteriormente aprovada com a Lei n.º 5.540 15, de 28 de novembro de 1968, fixando normas de organização e funcionamento do ensino superior. O artigo 10 dessa lei deu ao MEC a competência para fixar os distritos geoeducacionais para aglutinar, em universidades ou federação de escolas, os estabelecimentos isolados de ensino superior existentes no país. Disso resultou que, em 1969, a EEAP passou a constituir uma das unidades da Federação de Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara (FEFIEG). Quando o Estado da Guanabara passou a denominar-se Estado do Rio de Janeiro, a Federação acompanhou a nomenclatura, chamando-se Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado do Rio de Janeiro (FEFIERJ). No ano de 1975, em conseqüência da reforma do ensino universitário a 15 Lei nº 5.540 de 28/11/1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média. . In Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública – Enfermagem, Legislação e assuntos correlatos. RJ:1974,v.2. p.471. 1.1 Considerações Iniciais 16 EEAP, através do Decreto n.º 76.83216, de 12 de setembro de 1975, passa para o Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) da FEFIERJ. Pela Lei n.º 6.65517, de 5 de junho de 1979, transforma-se na Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO), instituição do sistema federal de ensino superior, vinculada ao MEC. Em páginas anteriores mencionamos que a escolha do tema do presente estudo não iria limitar-se a tirar do esquecimento e trazer à tona a trajetória da profissionalização da enfermagem no Brasil. Nela estava de igual maneira incluída a possibilidade de analisar e discutir a presença masculina na prática da enfermagem, particularmente no Hospital Nacional de Alienados. Tal critério de escolha levou em conta que grande parte da bibliografia existente refere-se à enfermagem como profissão ontologicamente feminina. A discussão da feminização18 da profissão vem sendo desenvolvida por Mott (2000) que se volta para a presença marcante do elemento masculino na história da enfermagem no Brasil durante o século XIX. Aliás, presença essa que ficou marcada até na literatura de ficção, através dos escritos de Machado de Assis (1839-1908) no conto O Enfermeiro. Na Bahia, documentos do final do século XIX registram a presença de enfermeiros na Santa Casa de Misericórdia, como já ocorria no Rio de Janeiro com a Escola de Enfermeiros e Enfermeiras (EPEE) . No Brasil, a preferência pelo sexo feminino passou a ser preconizada em 1896, com a implantação do modelo nigthingaleano, na Escola do Hospital 16 Decreto nº 76.832 de 12/9/1975. A Escola de Enfermagem Alfredo Pinto passa a ser uma das unidades do CCBS da FEFIERJ. DO, Brasília:1975. 17 Lei nº 6.655 de 5/6/1979. A Universidade do Rio de Janeiro passa a pertencer ao Sistema Federal de Ensino Superior, vinculada ao MEC. DO. Brasília:1979. 18 Feminização, do verbo feminizar ( Ferreira,1975, p.623). 1.1 Considerações Iniciais 17 Samaritano, na cidade de São Paulo, seguida por várias outras escolas, como a Escola para Voluntárias e Curso Profissional da Cruz Vermelha, respectivamente em 1912, 1914 e 1916. Esta última, apesar de não seguir o modelo nightingaleano de ensino, preponderantemente preparava mulheres nos seus cursos. Tal fato ocorreu em todos os países onde a Cruz Vermelha se instalou. Isso se explica porque os homens eram recrutados para as frentes de batalha, enquanto que as mulheres eram preparadas para o cuidado dos feridos em combate. A consolidação dessa prática no Brasil se deu em 1923 com a vinda das enfermeiras norte-americanas para o Departamento Nacional de Saúde Pública, no Rio de Janeiro. Esse conceito foi novamente modificado em âmbito nacional com a Lei n.º 775/4919, que, em seu art. 67 refere que “os alunos do sexo masculino... poderão ser dispensados dos estágios nas clínicas de obstetrícia e pediátrica”. Apesar dessa preferência, demonstrada nas instituições anteriormente citadas, a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto manteve continuamente alunos do sexo masculino no seu corpo discente como se pode observar na Fig. 2. 19 Lei nº 775, de 6 de agosto de 1949, que dispõe sobre o ensino de enfermagem no país e dá outras providências. Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública – Enfermagem, Legislação e assuntos correlatos. RJ:1974,v.1. p.154. 1.1 Considerações Iniciais 18 Fig. 2 - Relação de alunos da EEAP, turma de 1905. Fonte: Arquivos da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto - Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem (LAPHE). 1.1 Considerações Iniciais 19 Essa figura é uma relação de alunos matriculados na turma de 1905, de acordo com a lista de freqüência da disciplina de Curativos e Pequena Cirurgia, ministrada pelo Dr. José Chardinal de Alphenas, no dia 23 de fevereiro de 1905, assinada pelo secretário escolar, Dr. João de Melo Matos. Por conseguinte, esta pesquisa se propõe a rever a importância do estudo da história da enfermagem e não só em lograr uma visão crítica da profissão, como também para a (re)construção da identidade profissional. Como registra Barreira (1990, p. 90), “o desvelamento da realidade, mediante o estudo da História da Enfermagem é libertador e permite um novo olhar sobre a profissão” Tal ponto de vista é um estímulo para uma investigação aprofundada e cuidadosa, através da história da enfermagem. Trata-se de uma busca que poderá efetivamente contribuir para o conhecimento da história em geral, na medida em que se observam questões relacionadas com a educação das mulheres, sua inserção no mercado de trabalho e a expansão do papel da enfermagem na sociedade. É o que se pode depreender da justificativa para a criação da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, segundo registro do dia 1º/10/1890 no Jornal do Commercio, na sessão Actos Officiaes, página 1(Ministério do Interior, 1890), citado por Gussi (1987) e Moreira (1990), onde se lê: “ A Escola de Enfermeiras , pois, que o decreto que vos ofereço tende a crear, abre, me parece, um campo vastíssimo à actividade da mulher..quer nos leitos dos enfermos hospitalares, 1.1 Considerações Iniciais 20 quer nas casas particulares onde serão o complemento do 20 médico” (Moreira, 1990, p. 44) O presente estudo reabre uma discussão sobre o nascimento de uma profissão, assim como a importância da origem da enfermagem brasileira, mesmo através da psiquiatria, levando-se em conta que: “a necessidade de especializar agentes de enfermagem no cuidado ao doente mental foi uma condição necessária para o próprio processo de institucionalização da psiquiatria no Brasil” A mesma autora afirma: “A profissionalização da enfermagem, através da escolarização, tinha objetivos mais amplos do que a simples formação de pessoal para os serviços psiquiátricos, isto é, possibilitava a incorporação ao mercado de trabalho de um segmento da população até então excluído. Ao mesmo tempo, empregava mulheres oriundas das classes populares, portanto, totalmente desprestigiadas numa sociedade em que o sexo feminino não tinha seus direitos políticos reconhecidos, e que supostamente garantiria a subordinação destas aos médicos” (Kirschbaum,1994, p. 56 e 58). Este fato histórico serviu de estímulo maior que nos levou a pesquisar mais dados e informações em registros disponíveis tais como: nos periódicos, jornais e revistas médicas, além dos documentos oficiais - que os historiadores da doutrina positivista consideram como fontes primárias -, para analisar em maior profundidade toda uma seqüência de acontecimentos e tentar reconstruir a história do início do ensino e da profissionalização da enfermagem mais coerente com a realidade dos fatos do passado. 20 Mantida a ortografia da época 1.2 Objetivos 21 1.2 - Objetivos 1. 2. 1- Objetivo Geral: Resgatar as origens da enfermagem profissional no Brasil, através da análise e interpretação de diversos tipos de documentos, em busca das raízes de sua profissionalização. 1. 2. 2 - Objetivos Específicos Desvendar fatos e circunstâncias da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, atual Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, no período de 1890 a 1920, através da análise histórica. Avaliar o impacto e a representatividade dessa instituição na profissionalização da enfermagem brasileira. Levantar subsídios sobre os primórdios da história da enfermagem e de sua profissionalização em diferentes países. 1.3 Questão Norteadora 22 1. 3 - Questão Norteadora O desenvolvimento das ações que definiram os rumos do presente estudo se nortearam pelo seguinte princípio: Qual o papel social desempenhado pela Escola de Enfermagem Alfredo Pinto - a pioneira do ensino de enfermagem no país especificamente na formação e na profissionalização dos enfermeiros no Rio de Janeiro, no período que abrange a última década do século XIX e as duas primeiras do século XX ou, mais precisamente, de 1890 a 1920? 1.4 Percurso Metodológico 23 1. 4 - Percurso Metodológico Trata-se de um estudo histórico-social que se serviu da análise de conteúdo, como técnica de pesquisa, a qual buscou identificar informações nos registros, a partir de questões ou hipóteses de interesse, possuindo como vantagens, segundo Lunardi que afirma: “A análise de conteúdo, como técnica de investigação, constituise numa técnica de leitura e interpretação do conteúdo de toda e qualquer classe de documentos que, quando adequadamente realizada, proporciona o conhecimento de aspectos e fenômenos da vida social, de outro modo inacessível” (Lunardi,1995, p. 86). Por tratar-se de um estudo voltado para fatos ocorridos há tanto tempo - em torno de 83 a 113 anos atrás - as fontes de pesquisa consistiram apenas de registros escritos e iconográficos, uma vez que, infelizmente, hoje, com enorme probabilidade não existe informante algum que possa testemunhar e dar entrevistas sobre eventos tão distantes. Se fosse possível, seriam também riquíssima fonte de dados. No século XIX, o registro priorizado pelo historiador era o documento escrito, sobretudo o oficial. “O melhor historiador seria aquele capaz de manter-se o mais próximo possível dos textos, despojando-se de - idéias preconceituosas em resumo o documento falaria por si só” (Vieira et al., 1989, p.14). A valorização do documento como garantia de objetividade, tão presente entre os positivistas, exclui a noção de intencionalidade contida no objeto estudado pelo historiador. Entretanto, hoje o registro se refere a uma variedade muito grande de manifestações do ser humano que evidencia e amplia o foco de atenção do historiador interessado em recuperar a trajetória dos 1.4 Percurso Metodológico 24 homens em várias dimensões sociais (Vieira et al.,1989). As fontes de pesquisa a que nos referimos foram: leis, decretos, atas, relação de alunos matriculados na escola, relação de docentes com a respectiva disciplina que ministravam, relatórios, e outros textos oficiais. De igual modo nos servimos de revistas científicas e periódicos (Jornal do Commercio) da época, com registro de informações relativas ao objeto do estudo. Além disso, foram consultados livros, artigos, dissertações e teses com temas sobre a história do Brasil, em geral, e da enfermagem, em particular, especialmente quanto ao início da formação de enfermeiros. A perspectiva do estudo tornou indispensável consultar periódicos, assim como diferentes fontes, produzidos por diversas instituições e categorias profissionais que traziam informes sobre o tema. Tal diretriz oferecia pontos de vista, versões e interpretações distintas que ajudaram a caracterizar melhor o objeto de estudo. Essa pesquisa foi realizada no momento em que se compreendeu que a história da enfermagem precisava diversificar suas fontes, afastando-se, sobretudo, daquelas produzidas somente pela própria classe de enfermagem e/ou até mesmo por única fonte de informação. Isso porque certas pesquisas vêm ao longo do tempo sedimentando conceitos, ou induzindo aos que as consultam uma visão unilateral dos fatos, sem que outras versões sejam analisadas. Compreende-se que o entendimento de uma realidade do passado não se dá a partir de um documento isolado, embora muitas vezes uma reflexão objetiva possa ter um único documento como ponto de partida. Não sem razão Lynaugh (1987) diz que história é realmente a documentação da memória, fortalecida por recursos confiáveis e testada pelas regras da lógica e da evidência. A tarefa do historiador é achar e avaliar a 1.4 Percurso Metodológico 25 evidência e depois analisá-la e interpretá-la. Ainda segundo ensina essa mesma autora, não há nem uma fórmula para pesquisa histórica nem um único método histórico, embora haja regras de evidências e guias para seguir (Lynaugh, 1987) . Apesar dessas referências, Lynaugh alerta o pesquisador para que esteja atento para cinco problemas, ou mitos, mais comuns na prática da história: 1) A pesquisa histórica é a busca de uma verdade única ou única causa. A história é destilada através do conceito do pesquisador sobre a realidade e as explicações da evidência escolhida. De fato, explanações concorrentes podem ser criadas ainda que usando o mesmo conjunto de dados. 2) A história precisa voltar-se para eventos importantes e povos do passado. Historiadores fazem escolhas sobre quem e o que estudar. 3) A boa história irá surgir de bons fatos. Todos os eventos estão cercados de fatos. Mas o historiador tem que verificar se as evidências disponíveis fazem sentido e relacioná-las com generalidades ou eventos mais amplos. 4) A história não pode ser escrita com evidência incompleta. A evidência é sempre parcial e os dados incompletos são o grande desafio da história. Informantes dos historiadores estão geralmente mortos e seus registros descartados. 5) A história é a estória da continuidade ou progresso. É uma tentativa de criar uma contínua linha para conectar eventos passados ao presente. Encontramos faces familiares, valores e práticas e buscamos as similaridades com o nosso tempo. Todavia, o historiador precisa, de alguma maneira, voltar ao passado e tentar compreender eventos, comportamentos e crenças em seu próprio tempo e contexto. A história não é como um ato teatral onde as mudanças no palco ocorrem rápida e ordenadamente, num simples baixar e levantar das cortinas (Lynaugh,1987). 1.4 Percurso Metodológico 26 Até bem recentemente, muitos historiadores consideravam irrelevante, por exemplo, o estudo sobre as mulheres. Mas todo o campo da história das mulheres dá margem para se fazer novas inquirições, criar outras fontes de evidências e fornecer nova visão sobre eventos históricos. O exame de cartas e diários ajuda a compreender o seu trabalho na vida doméstica, o relacionamento do espaço familiar com a esfera pública, e o papel do gênero no seu próprio desenvolvimento. A história abrangente permite-nos sair dos estreitos estereótipos de vencedores e perdedores, dicotômicos e maniqueistas. Esse é um mérito da chamada “História Nova”. Hoje, parece claro que a enfermagem, por força das contingências da época, não teve condições de assumir - e não conseguiu - o controle total de seu futuro, nas circunstâncias do final do século XIX e do começo do século XX. Entretanto, avaliando melhor as evidências, podemos compreender, sem querer julgar, o que era possível, ou o que não era, naqueles incipientes anos da autoafirmação da enfermagem. O valor da história consiste em proporcionar-nos uma forma de lembrar que o progresso é inevitável. Le Goff (1998, p.4) afirma que “a história das sociedades evolui, o que não deixa de ser uma evidência por si só”. Quando a necessidade de saber persiste, ela será atendida com a ajuda da evidência. Caso contrário, as páginas da história permanecerão em branco. A historiadora Mary Beard, citada por Lynaugh (1987, p.69), afirma que “sem documento não se faz história, pois os documentos são a verdadeira matéria-prima do historiador, a partir das quais ele produz o conhecimento histórico”. A desconhecida e anônima enfermeira do último decênio do século XIX pode ser descoberta através de pequenos escritos ou discursos das suas alunas, de dados de matrícula, ou até mesmo da atenta leitura de ficção. O mundo no 1.4 Percurso Metodológico 27 interior de um hospital de campanha em tempos de guerra pode ser vislumbrado através de relatórios, anotações e diários, assim como velhos jornais e magazines da época. Com o surgimento da “História Nova”, na França, a partir de 1929, foi aberta uma nova perspectiva para os estudos de história. Através dessa perspectiva, tornou-se possível valorizar os costumes dos povos, dar voz a todos sem distinção - vencedores ou vencidos, ricos e pobres, fortes e fracos, opressores e oprimidos -, o que possibilitou uma diferente versão da história, que passou a ser vista por outro prisma e que ampliou o campo de observação do historiador, abrindo espaço para um tratamento interdisciplinar dos fatos do passado e dos seus registros históricos. Esse novo método, iniciado com a criação da revista Annales d`histoire économique et sociale, lançada em Estrasburgo (França) por Lucien Febvre e Marc Bloch, tomou grande impulso nesse país e chegou aos nossos dias através dos escritos de vários estudiosos, seus seguidores, entre os quais destaca-se Jacques Le Goff. Segundo este último, havia duas direções inovadoras, que eram “expressas pelos dois epítetos da revista: a história econômica e a social. Com o econômico, tratava-se de promover um domínio quase completamente abandonado pela história tradicional, em que ingleses e alemães haviam passado à frente dos franceses e cuja importância na vida das nações e dos povos se acentuava cada dia mais. Não foi por acaso que os Annales nasceram em 1929, o ano da grande crise mundial” (Le Goff, 1998, p.29 ). Esse historiador afirma ainda que “em muitos domínios, a história econômica e social, a história não eurocêntrica, a história das estruturas, a história da longa duração, a história dos marginais, a história do corpo e da 1.4 Percurso Metodológico 28 sexualidade e, sobretudo, talvez, a história das mentalidades se impuseram”(Le Goff,1998, p.30) Santos et al. (2001, p. 639) referem que “a nova história pode e vem contribuindo muito para a escrita da história da enfermagem brasileira porque dá voz e visibilidade ao que não faz parte da história oficial...” E acrescentam, ainda, que “tomar a enfermagem como objeto de estudos históricos significa também trazer à tona seus conflitos, suas tradições, suas origens verdadeiras, e não aquelas plantadas pela ideologia dominante”. Nessa nossa pesquisa foi possível dar voz a muitos atores, uma vez que, a base do trabalho foi construída através de variadas fontes, tais como: textos de relatórios, jornais e revistas científicas. Essa variedade possibilitou uma visão mais ampliada do passado - nem sempre encontrada nos documentos oficiais - pelo fato de retratar percepção do jornalista, do fotógrafo ou do redator que, em geral, não eram autoridades legalmente constituídas. Esperamos, por conseguinte, que este estudo proporcione visibilidade àqueles que, no jogo de forças políticas do passado, não puderam manifestar-se por não fazer parte da cúpula decisória do país, no que dizia respeito às atividades de saúde pública. Para chegar ao objetivo de ampliar a visão do passado, adotamos o conceito abrangente de documento, segundo o ponto de vista de Le Goff (1984, p.104) que diz: “O novo documento, alargado para além dos textos tradicionais, transformado - sempre que a história quantitativa é possível e pertinente em dado, deve ser tratado como um documento/monumento. De onde a urgência de elaborar uma nova erudição capaz de transferir este documento/monumento do 1.4 Percurso Metodológico 29 campo da memória para o da ciência histórica”. Na esteira dessa opinião, os documentos utilizados foram aqueles que evidenciaram, na realidade factual, o objeto deste estudo e, na falta destes, foi dada voz a outras formas de produção da história. Com efeito, para Lucien Febvre (1949), citado por Le Goff (1984, p.98), “A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida, quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta de flores habituais... Com tudo o que pertencendo ao homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem”. A interpretação de certos aspectos que caracterizam o período não só foi baseada na análise de documentos, como também na discussão que outros autores realizarão anteriormente, alguns dentre eles mencionados no decorrer do desenvolvimento deste estudo. A dificuldade de redesenhar hoje uma realidade muito distante no tempo se prende ao fato de fazer parte de um passado que provocou a perda da transparência dessa realidade. Seus registros voluntários, ou involuntários, não podem ser analisados sob a ótica do presente. Isso supõe todo um trato na análise dos registros disponíveis (Borges,1986). Esses são alguns pontos que exigiram maiores cuidados e critérios da pesquisa, pois foi preciso fazer a recuperação das noções implícitas nos registros interpretando-as no contexto da época em que foram produzidos. 1.5 Limites Cronológicos 30 1. 5 - Limites Cronológicos O pesquisador que se volta ao passado para garimpar acontecimentos históricos - seja de que assunto for - corre o risco de ver-se à frente de uma considerável série de informações difíceis de serem fixadas no tempo e, às vezes, no espaço geográfico. Trata-se de uma contingência considerada normal pelos historiadores que levam em conta a distância que os separa do passado. No caso de ser possível estabelecer marcos de referência para balizar com precisão cronológica determinada pesquisa, torna-se, de certo modo, mais fácil resgatar os acontecimentos do passado, salvando-os para o conhecimento da geração presente e facilitando a interpretação para os pesquisadores do futuro. Foi o que aconteceu na pesquisa deste estudo que considerou o período de 1890 a 1920 para resgatar dados reveladores do pioneirismo do ensino e da profissionalização da enfermagem brasileira. Com efeito, consideramos 1890 o ponto de partida das nossas análises pelo fato de constituir o ano da assinatura do Decreto n.º 791, de 27 de setembro de 1890, que criou a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, instituindo o ensino da enfermagem. O ano de 1920 foi nosso ponto de chegada porque, nessa ocasião, os documentos a serem investigados já se encontravam organizados no Arquivo Setorial da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade do Rio de Janeiro, e nesse mesmo período, também chegava ao Brasil a missão de enfermeiras norteamericanas. 1.6 Fontes da Pesquisa 31 1. 6 - Fontes de Pesquisa Documentos oficiais da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, hoje Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. Relatórios da Assistência aos Alienados, encaminhados ao ministro da Justiça e Negócios Interiores. Imprensa médica: Revista O Brazil – Medico, edições publicadas no período de 1890 a 1920. Sua periodicidade era semanal e publicava assuntos de interesse científico, político e aspectos práticos e profissionais da classe médica brasileira. A revista foi fundada em 1887 e editada até o ano de 1956. No período de 1890 a 1920 foram publicadas em torno de 1.560 exemplares, edições essas que foram objeto de nossas consultas. Periódico diário: Jornal do Commercio, de 1890 a 1920, pertencente aos órgãos da chamada grande imprensa, foi fundado em 1º de outubro de 1827 por Pierre Plancher. Hoje, com 176 anos de existência ininterrupta, continua desde a fundação trazendo comentários sóbrios, dentro de uma linha de austeridade e de defesa dos interesses nacionais. Manuais de enfermagem : - Manuel Pratique de la Garde – Malade et de l’ Infirmière, publicado em Paris no ano de 1903, pelo médico Desiré Magloire Bourneville. - Curso de Enfermeiros, de autoria do médico Adolpho Possollo, e editado em 1920 pela Livraria e Editora Leite Ribeiro & Maurillo, no Rio de Janeiro. 1.7 Locais Pesquisados 32 1. 7 - Locais Pesquisados Cumpre salientar que, em alguns dos locais visitados e pesquisados, encontravam-se livros, papéis e documentos empilhados no chão, em total descuido e submetidos às intempéries climáticas, sem qualquer tratamento arquivístico, e, portanto, sujeitos a perdas irreparáveis. Esse descuido acarretou ainda muita dificuldade para encontrar material de interesse, não só obrigandonos a um verdadeiro trabalho de garimpagem, como também constituindo-se em sério risco para saúde. Vários arquivos de diversas instituições foram pesquisados. O Rio de Janeiro, como é de se supor, foi a cidade que ofereceu maior número de locais para as buscas. Assim: Arquivo Nacional; Arquivo Setorial da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade do Rio de Janeiro; Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto - LAPHE; Arquivo Municipal do Rio de Janeiro; Arquivo do Estado do Rio de Janeiro; Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Arquivo da Colônia Juliano Moreira. Além dessas instituições, buscas foram feitas em selecionadas, nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. bibliotecas 1.7 Locais Pesquisados 33 Na cidade do Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional; Biblioteca da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto; Biblioteca Central da Universidade do Rio de Janeiro; Biblioteca da Academia Nacional de Medicina; Biblioteca do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nize da Silveira, antiga Colônia de Engenho de Dentro. Na cidade de São Paulo: Biblioteca da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Biblioteca da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Os esforços despendidos com a procura de documentos não foram suficientes para fazer emergir a realidade dos fatos passados. Na verdade, a pesquisa deixou evidente que as fontes não falam por si mesmas; sua eloqüência - que lhes dá maior fidedignidade - ficou por conta de certas circunstâncias vinculadas à existência dos registros daquela ocasião. Com a formulação de indagações adequadas, tais circunstâncias vieram à tona possibilitando levantar o interesse de indivíduos e de grupos que produziram esses documentos e, por conseqüência, ensejando maior compreensão dos fatos pesquisados. Exemplos de indagações que desvendaram algumas circunstâncias: O que é o documento? O que nos diz? Como diz? Quem o fez, quando o fez, em nome de quem? Com que propósito? Qual a relação do documento com o contexto histórico, político e social da 1.7 Locais Pesquisados 34 época em que foi produzido? Cabe salientar ainda que, na análise desses documentos, foi necessário levar em consideração que eles não são o espelho fiel da realidade examinada, pois constituem uma representação de partes e/ou momentos particulares dela. É importante não perder de vista também que a realidade é sempre analisada através do alcance de nosso olhar sobre ela. Para tanto, elaboramos um instrumento, que nos ajudou na ordenação dos registros encontrados e que consta como anexo (1) desse estudo. Nesse sentido, acatamos a opinião de Christy (1975, p. 190) que diz: “Depois que o pesquisador se certificou de que entende o significado dos escritos, ele busca estabelecer a confiabilidade...”. Foi então utilizado o referencial dessa autora para se buscar a interpretação dos documentos. Segundo Christy (1975) para caracterizar um fato, o pesquisador deve contar com, pelo menos duas fontes independentes que se corroborem mutuamente. Mas também, ele pode considerar um registro como fato, quando embora sendo uma única fonte, esta tenha passado por uma avaliação criteriosa e que não exista evidências contrárias a ela, caracterizando-a como uma possibilidade. Isso não significa, entretanto, que, pela circunstância de ter sido o primeiro contato, ele seja completamente confiável. Através de uma cuidadosa análise, o historiador precisa certificar-se de que o escrito é de fato, uma probabilidade ou uma possibilidade. A probabilidade de um fato se dá quando existe apenas uma fonte sem evidências de algo que lhe seja contraria. Na presente pesquisa encontramos registros que comprovam a existência de um fato, como exemplo: a notícia da 1.7 Locais Pesquisados 35 revista O Brazil-Medico, onde é registrada uma inauguração da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras no ano de 1897, única fonte sobre essa informação. Por outro lado foram encontrados outros registros caracterizados como prováveis. Exemplo: o livro do Dr. Bourneville é possível que tenha sido utilizado na EPEE. Essa posição nos leva a caracterizar o fato como uma possibilidade de ter acontecido, pois como Christy (1975) preconiza a possibilidade ocorre quando existe evidências de um fato, mas que não temos como comprovar. De acordo com esses critérios, foram analisados os documentos escritos, cruzando-se os dados de documentos oficiais com as notícias veiculadas nos periódicos e nas revistas médicas que narravam os acontecimentos da época. E para concluir a apresentação deste capítulo introdutório, cumpre registrar que em 2000, o projeto desta tese intitulado “A historicidade da profissionalização da enfermagem brasileira: o caso da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (1890-1920)” foi submetido ao Comitê de Ética da Pesquisa em Enfermagem da Escola de Enfermagem, da Universidade de São Paulo, que o aprovou (anexo 2) sob o aspecto ético-legal, de acordo com o que determina a Resolução n.º 196/9621 do Conselho Nacional de Saúde. Tal aprovação permitiu traçar este percurso que levou a uma viagem de volta através do tempo, quando descortinamos fatos, evidências e muitas probabilidades sobre o passado que deu início à profissionalização da enfermagem brasileira. 21 Resolução nº 196 de 10/10/1996. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. In Bioética, 1996;4(2): 15-25. Capítulo 2 36 Capítulo 2 A GENESE DA PROFISSIONALIZAÇÃO DA ENFERMAGEM 2.1 - Gênese da Profissionalização 37 2.1 - Gênese da Profissionalização Em 1899 o termo profissão era entendido como ofício, dever, incumbência ou emprego (Figueiredo,1899). Profissão, segundo Michaelis (1998) é o ato ou efeito de professar. Tem como sinônimos: ocupação, ofício, meio de vida, emprego, mister ou atividade que requer conhecimentos especiais e, geralmente, preparação longa e intensiva. O Aurélio (1975) a define como atividade ou ocupação especializada, da qual se podem tirar os meios de subsistência. O termo ofício, segundo esses dicionaristas, pode significar trabalho, ocupação, arte, emprego, função, incumbência, encargo, dever, papel, obrigação, cargo público ou oficial, serviço ou modo de vida. O significado da palavra oficio abrange, entre outras definições, qualquer arte manual ou mecânica. Teoricamente, os termos profissão, ocupação ou ofício poderiam ser utilizados sem denotar hierarquia ou distinção de superioridade de uma pessoa com as demais. Tanto assim é que a Constituição brasileira afirma, no art.5º item XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer”. No entanto, a Lei n.º 6.229/7522, que dispunha sobre o Sistema Nacional de Saúde, fazia uma distinção entre profissão e ocupação ao referir-se à “formação e habilitação dos profissionais de nível universitário, assim como do pessoal técnico e auxiliar necessário ao setor saúde” (art. 2 o, inciso III) e também sobre “as condições de exercício das profissões e ocupações técnicas e auxiliares” (art. 1o, inciso I, item 5). Na prática atual, os termos têm sido usados 22 Lei nº 6.229, de 17/7/75, dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Saúde. Senado Federal, subsecretaria de Informações. http:/wwwt.senado.gov.br 2.1 - Gênese da Profissionalização 38 indistintamente. Observe-se também que, na língua inglesa, a palavra profession significa ocupação paga, especialmente aquela que requer educação avançada, como arquitetura, direito ou medicina. (Oxford,1989). Dentro dessa mesma linha, profissional é a pessoa qualificada ou empregada em uma das profissões, denotando a existência de alguma hierarquia. Collière (1989, p. 17) em sua obra sobre a promoção da vida, julga ser “imprescindível determinar a diferença entre ofício e profissão, pois considera ofício uma atividade exigida pela vida do grupo social. “ Um ofício antes de mais nada assegura um serviço à comunidade. Os grupos constituídos em ofício não têm funções reguladoras da ordem social, são abastecedores, fornecendo o serviço de fabricar o que é imprescindível para sobrevivência de um grupo”. Essa autora entende, entretanto, como profissão uma atividade composta de um corpo de pessoas que obtiveram um título, um estatuto, através de uma formação com vista a exercer uma determinada atividade. Portanto, para ela profissão deve ser um conjunto de pessoas que exercem a mesma atividade, com base em um estatuto econômico, organizadas em associações profissionais dotadas de um código de deontologia e instâncias coletivas para definição de regras. Bourdieu (1989, p. 40) refere que: “profissão é uma palavra comum que entrou de contrabando na linguagem científica; mas é, sobretudo, uma construção social, produto de todo o trabalho social de construção de um grupo e de representação de grupos, no mundo social”. Hirata (1992), define profissão como uma ocupação que exige conhecimentos ou habilidades consideradas altamente especializadas e cujo 2.1 - Gênese da Profissionalização 39 desempenho técnico e social demande algum tipo de controle. Toda profissão é um tipo de ocupação, e quem a exerce recebe alguma remuneração. O debate teórico em torno do conceito de profissão vem ocorrendo há longo tempo. O seu ponto central consiste em definir que ocupações deveriam ser chamadas profissões e baseadas em que critérios profissionais. Não há muito consenso sobre que elementos deveriam ser relevantes para conceituar teoricamente o significado de profissão, haja vista as diferentes definições e controvérsias. Ainda hoje esse debate continua em aberto. A década de 1970 marcou uma nova fase na produção de conhecimento, no campo da sociologia das profissões. Até então, a maioria dos sociólogos vinha enfatizando as funções e conquistas das profissões, a análise das normas profissionais e das relações de papéis, assim como a interação nos locais de trabalho. Freidson (1970) em sua obra Profession of Medicine afirma que a profissão não é vista como uma disposição individual, mas como uma corporação. Defende que o surgimento e manutenção das profissões estão relacionados com os mecanismos de controle e de poder exercidos pelos interesses dominantes da sociedade mais ampla. Na década de 1980, vários foram os estudos desenvolvidos na Europa, numa perspectiva histórica, objetivando analisar o modo pelo qual as profissões modernas surgiram no continente, no século XIX e XX, sendo que na maioria delas, o Estado desempenhou papel ativo para iniciar a institucionalização de algumas e reorganizar outras, tendo funcionado como principal empregador daqueles que tinham uma profissão (Feroni e Kober,1995 e Freidson,1994). 2.1 - Gênese da Profissionalização 40 Nesse cenário, as profissões estão intimamente ligadas ao processo político formal, implicando uma constante e contínua atividade política por parte de todas elas para sua manutenção e evolução. De acordo com o Dicionário de Ciências Sociais (FGV, 1987), profissão é uma atividade econômica especializada, permanente e institucionalizada legalmente, cujos status e papéis sociais de seus agentes podem ser modificados no tempo e no espaço, mas que conferem nítida superioridade ao profissional em relação à sua clientela (FGV,1987). Nesse dicionário da Fundação Getúlio Vargas (1987, p. 993) Norbert Elias, da década de 1970, apontava novos conceitos sobre profissão, afirmando que: “no sentido mais antigo, o termo se refere às profissões de sacerdócio, advocacia e medicina, as primeiras ocupações que trouxeram oportunidade de ganhar a vida sem envolver comércio nem trabalho manual, as pessoas que viviam de renda oriunda do trabalho. No sentido mais recente, o termo se refere a todas as pessoas que possuem instrução acadêmica, diploma ou equivalente, como cientistas, professores, sociólogos, funcionários públicos, arquitetos”. Esse autor entende profissão na sua aplicação mais geral como sendo o vocábulo que “indica as ocupações que exigem conhecimento e habilidade altamente especializados, adquiridos, pelo menos em parte, em cursos de natureza mais ou menos teórica, e comprovados em alguma forma de exame numa universidade ou em outra instituição autorizada. A posse do título conferido, traz às pessoas autoridade considerável em relação aos clientes. Essa autoridade é cuidadosamente mantida e, muitas vezes, deliberadamente aumentada por associações 2.1 - Gênese da Profissionalização profissionais, 41 que determinam regras de admissão, treinamento e comportamento, ou seja, a ética profissional; providenciam para que o nível de conhecimento e habilidade dos profissionais não baixe; defendem o nível de sua remuneração; tentam impedir que grupos competidores invadam as fronteiras de suas atividades e zelam pela preservação do status profissional” (FGV,1987, p.993). É importante ressaltar que, se formos comparar o que se entendia por profissionalização em 1890, com o conceito empregado pelos sociólogos nos dias atuais, podemos concluir que seu significado é dinâmico, devendo ser entendido como um processo em permanente construção semântica, com mudanças contínuas que evoluem de acordo com as exigências de cada época. Buscando-se as idéias e/ou concepções a respeito da profissão da época em estudo, foram encontrados vários termos que se referiam a ela como sendo ocupação e/ou oficio. Ocupação é a espécie de trabalho desenvolvido por uma pessoa; esse trabalho é realizado sob as devidas condições, e essas condições, por sua vez, determinam o grupo específico numa classificação da ocupação que lhe será atribuída (FGV,1987). Pode-se afirmar que, constitui consenso geral que, todas as profissões de saúde são profissões que prestam serviços destinados a promover, manter, ou recuperar a saúde e prevenir doenças. Nesse sentido, os serviços são basicamente desenvolvidos através da prestação de cuidados da saúde. Collière (1989) faz um interessante estudo sobre a origem dos cuidados, mostrando sua trajetória até chegar a ser o objeto da profissão de enfermagem. Inicia afirmando que “os cuidados existiram desde que surgiu a vida, uma vez que 2.1 - Gênese da Profissionalização 42 seres humanos - como todos os seres vivos - sempre precisaram de cuidados. Cuidar é um ato de vida que tem como fim, primeiro e antes de tudo, continue permitir que a vida a desenvolver-se e, assim, lutar contra a morte: morte do indivíduo, morte do grupo , morte da espécie” (Collière, 1989, p. 27). Enfatiza essa autora que, durante milhares de anos, os cuidados não pertenciam a um ofício, menos ainda a uma profissão, pois, diziam respeito a qualquer pessoa que ajudasse qualquer outra a garantir o que lhe era necessário para continuar sua vida, em relação com a vida do grupo (Collière, 1989). Assim sendo, explica a autora que para garantir as funções vitais era necessário, pelo menos, prover a alimentação, a proteção com o vestuário e o abrigo contra intempéries. Essas necessidades cotidianas deram origem a um conjunto de atividades assumidas por homens e mulheres. A organização de tais tarefas deu lugar à divisão sexuada do trabalho que, de maneira determinante e de acordo com as culturas e as épocas, marcou o lugar do homem e da mulher na vida social e econômica (Collière, 1989). A partilha das atribuições era garantia da existência e da sobrevivência; porém, nem por isso elas deixaram de ser carregadas de um valor simbólico. “Havia uma mística em torno da caça e do homem caçador que, com sua inteligência, desafiava a força do animal. Já a mulher usava sua inteligência para inventariar a distribuição dos produtos vegetais e para conhecer o momento da maturidade das plantas, o que era uma tarefa mais calma, mais humilde e menos espetacular que uma caça” (Collière, 1989, p. 28). Ambos, o homem e a mulher, cuidavam de manter a vida dos seres vivos com o objetivo de permitir a reprodução e a perpetuação da vida do grupo. 2.1 - Gênese da Profissionalização 43 À medida que os grupos humanos descobriam o que era bom ou o que era mau para permitir a continuidade da vida dos indivíduos e do grupo, foram surgindo as práticas de cuidados habituais, compostas de coisas permitidas e proibidas, posteriormente erigidas em rituais. Esses rituais foram confiados ao shaman (feiticeiro) e depois ao sacerdote. Como guardião - e como mediador entre as forças benéficas e maléficas -, ele deveria interpretar e decidir o que era bom ou mau. Ele deveria também interceder, tentar expulsar o mal velando para assegurar as forças benéficas através de rituais de oferendas, encantamentos e sacrifícios (Collière, 1989). Por esse poder de mediação, o sacerdote vai adquirindo progressivamente o direito de eliminar do grupo qualquer suspeito de ser portador de mal: ou porque tinha a marca dos sinais tangíveis (o leproso, por exemplo), ou porque mesmo sem sinais aparentes, alguns se tornavam “bodes expiatórios” de uma perturbação econômica ou social da ordem estabelecida, atestando um mal pernicioso oculto (no caso os ciganos, os hereges, os mendigos, os loucos, etc.). Esse papel de mediador foi se transformando e, lentamente, através de milhares de anos, deu origem à figura do médico, o mediador dos sinais e sintomas indicadores de um mal identificado, de que o doente é portador. No entanto, até o século XIX, os processos de investigação eram precários e, por isso, as terapêuticas e cuidados médicos eram limitados (Collière,1989). De certa maneira é bem conhecida a figura do médico grego Hipócrates, que viveu de 460 a 355 a.C. Hipócrates é tido como Pai da Medicina, pelo fato de ter separado a ciência médica da religião, da magia e da filosofia e tenha, assim, iniciado a medicina cientifica. Foulcault (1998), entretanto, afirma que a medicina moderna fixou sua própria data de nascimento em torno dos 2.1 - Gênese da Profissionalização 44 últimos anos do século XVIII, mais precisamente em 1793, quando a observação ao leito tornou-se parte essencial da nova medicina, organizada em torno da clínica que renascia na França. As grandes descobertas do século XIX, no domínio da física e da química não teriam podido, por si só, fazer progredir a ciência médica. Como refere esse mesmo autor o hospital era o lugar dos excluídos da ordem pública, assim como dos pobres e desamparados, o que tornava possível a observação e a experimentação dos novos conhecimentos e instrumentos para estudar, explorar e tratar o corpo humano (Foucaut, 1998). Collière (1989) salienta que, com isso, o médico viu crescer o seu papel de mediador. “Ele não somente pode constatar sinais clínicos exteriorizados, como também pode ver e interpretar o que se passa no interior do corpo do doente, sendo que este, que se queixa do mal e sente seus efeitos, não pode ver o que se passa no seu próprio corpo, e passa, por isso, a ser identificado com ele e tornar-se “uma tuberculose”, “um cancro” ou, na melhor das hipóteses, o órgão atingido, “um fígado”, “um baço”, etc” (Collière, 1989, p. 31). Assim, a história dos cuidados, iniciada com a história das espécies vivas, prosseguiu com a aparição da linhagem Homo e, milhares de anos depois, do Homo sapiens, quando homens e mulheres lutaram para, fundamentalmente, assegurar a continuidade da vida. A ação de proteção, no início reflexa e instintiva, tornou-se objeto de ação do shaman ou feiticeiro, depois do sacerdote e, mais tarde, do médico. Por conseguinte, face ao problema da vida e da morte, “cuidar” tornou-se tratar a doença. O paciente objeto dos cuidados, foi isolado, reduzido a parcelas, fissurado e excluído das dimensões sociais e coletivas. 2.1 - Gênese da Profissionalização 45 Surgiram os diversos especialistas que, sozinhos, não conseguiam tratar os doentes e passaram a necessitar de outras pessoas que assumissem as numerosas atividades para assegurar a investigação e tratamento das doenças (Collière,1989). Essa trajetória, na verdade, influenciou o futuro da prática de enfermagem e, segundo Collière (1989), contribuíram para dificultar a identificação dos cuidados de enfermagem. Inicialmente, ligada à manutenção e ao desenvolvimento da vida, foi construída, portanto, ao redor de tudo que dá vida, especialmente em volta da mulher, - símbolo da fecundidade - em torno da qual foram elaboradas as práticas rituais. Couberam a elas todos os cuidados e práticas relativas ao nascimento, os cuidados de crianças e também dos doentes e moribundos. Essas atenções dadas ao corpo, inclusive a alimentação, constituíram o fundamento de um conjunto de práticas de cuidados desenvolvido pelas mulheres no decurso da evolução da história da humanidade e que continua até hoje (Colliére, 1989). Entendia-se nessa época que os acontecimentos que não se enquadrassem nas práticas, consideradas domésticas, já não dizia respeito às mulheres. Assim é que aos homens – que dispunham de maior força física – competia uma série de outros cuidados com o corpo: os acidentes com a caça e pesca, os ferimentos de guerra, traumatismos e fraturas, domínio de pessoas agitadas, embriagadas ou em estado de delírio, etc. Essas práticas, executadas pelos homens, deram lugar a outros modos de exercício, diferentes dos que dependiam das atividades das mulheres (Collière,1989). Assim é que se constituíram as atividades ligadas à maternidade e pediatria, principalmente, para as mulheres, e os homens se ligaram mais à 2.1 - Gênese da Profissionalização 46 ortopedia, cirurgia, psiquiatria. No caso específico da psiquiatria, Collière (1989) afirma que as mulheres começaram a ser incluídas em maior número no quadro de pessoal da enfermagem psiquiátrica somente quando apareceu a quimioterapia que neutralizava a força física do alienado. Mesmo com a riqueza de informações sobre a prática dos cuidados às pessoas, a sua história ainda está para ser reconstituída à luz dos trabalhos de antropólogos, historiadores, sociólogos e economistas, situando-os na estrutura do cotidiano, enfatiza Collière (1989). De fato, mais estudos e pesquisas são necessários não só para conhecer melhor os processos que conduziram ao estagio atual da profissionalização da enfermagem, como também buscar explicações sobre o sentido e a finalidade dos cuidados oferecidos por essa profissão. Com efeito, as atuais profissões voltadas para a saúde emergiram de um tronco histórico comum plantado a partir das práticas de cuidados. Nesse aspecto, não há duvida de que a medicina desempenhou um importante papel na delimitação do campo de atuação das diversas categorias vinculadas às tarefas de manter ou promover a saúde (Donangelo, 1975). A enfermagem foi concebida como parte integrante da prática médica e, como prática social, porque articulada do conjunto das práticas que compõem a estrutura das sociedades e, portanto, determinada econômica, política e ideologicamente. Sendo uma prática social, ela possui seu caráter histórico, pois se transforma e é determinada socialmente (Donangelo,1975). A prática e o ensino de enfermagem estão ligados à pratica de saúde que se estabelece numa determinada época e sociedade. 2.2 – A Gênese da profissionalização da enfermagem no Brasil 47 2. 2 A Gênese da Profissionalização da Enfermagem no Brasil No Brasil, a profissionalização da enfermagem surgiu através da sistematização do ensino da prática do cuidar em enfermagem, antes exercida por pessoas sem o devido preparo técnico. O trabalho do enfermeiro ao longo dos tempos tem-se constituído em objeto de questionamentos e reflexões por parte dos profissionais e estudiosos da área. Suas ações estão relacionadas com a prática da saúde, determinada pela totalidade social. O exercício da enfermagem à moda antiga estava respaldada na solidariedade humana, no misticismo, no senso comum e também nas crendices. O aspecto profissional surge a partir de uma prestação de cuidados à pessoa enferma, realizada nos domicílios, na sua maioria, por mães e escravos que lá trabalhavam (Silva, 1986). Nesse particular, os escravos tiveram relevante função ao auxiliarem as famílias e os religiosos nos cuidados de doentes, quando já haviam sido fundadas, no país, as Santas Casas de Misericórdia, no período compreendido entre 1543 a 1880 (Geovanini et al.,1995). A Lei s/n.º de 3 de outubro de 183223, dá nova organização às “actuaes Academias Médico-Cirúrgicas das cidades do Rio de Janeiro e Bahia”. No art. 12º, dispunha que “os que obtivessem o título de Doutor em Medicina, pelas Faculdades do Brasil, poderiam exercer em todo o Império, indistintamente, qualquer dos ramos da arte de curar”. No Titulo II, do Ensino, o art. 19º referia que 23 Lei s/ nº de 3/10/1832, dá nova organização ás Academias Médico-Cirúrgicas das cidades do Rio de Janeiro e Bahia. Ministério da Saúde. Enfermagem, Legislação e assuntos correlatos, RJ: 1974; v 1, p. 11. 2.2 – A Gênese da profissionalização da enfermagem no Brasil 48 “haveria um curso particular para as Parteiras, feito pelo professor de Partos”. Qual teria sido a razão pela qual os médicos, necessitando de um auxiliar, criaram um curso de parteiras e não de enfermeiros? Seria, talvez, porque contassem com a ajuda dos escravos, jesuítas e índios? Sabemos que as Irmãs de Caridade só chegaram ao Rio de Janeiro, em 1852, portanto vinte anos depois da publicação dessa lei. Portanto, ainda, não eram elas as suas auxiliares diretas (Gandelman, 2001). Em 1850, foi criada a Junta de Higiene Pública que se tornou responsável pelo início do controle do exercício profissional dos médicos, cirurgiões, boticários, dentistas e parteiras, que teriam de registrar seus diplomas no Rio de Janeiro, na Corte. Iniciava-se assim o controle do exercício das profissões ligadas à saúde, cujo objetivo era eliminar o charlatanismo. Conforme relata Moreira (2002), a institucionalização do ensino de enfermagem no país foi resultado de um processo político e por uma necessidade de pessoas com treinamento e características adequados para cuidar dos enfermos mentais. Nesse sentido, consideramos o período antes de 1890, quando não havia ainda a institucionalização do ensino da enfermagem, como período préprofissional, passando a profissional a partir de 1890, com a criação oficial da primeira escola para preparar enfermeiros em nosso país. Assim é que Silva (1986, p. 40), descreve: “a história da enfermagem pré-profissional é a história de uma prática social que nasceu vinculada a atividades domésticas, à mercê do empirismo das mães de família, de monjas ou dos escravos, prática esta, detentora de um 2.2 – A Gênese da profissionalização da enfermagem no Brasil saber de senso comum, destituída 49 de qualquer conhecimento próprio”. Com efeito Wilenski (1970), citado por Machado (1995, p.18) ao desenvolver sua argumentação sobre os aspectos constitutivos de uma profissão, distingue duas características básicas: “o caráter técnico da tarefa profissional, já que a mesma baseia-se num corpo de conhecimento sistemático adquirido através de um treinamento escolar; a segunda característica refere-se às normas e regras profissionais que orientam a execução das tarefas” (Machado,1995, p.18). Desta forma, Kisil (1994) define como profissionais os agentes especializados na divisão social do trabalho, utilizando os conhecimentos formais adquiridos, em um mercado de trabalho para exercerem atividades específicas e, assim, participarem produtivamente da sociedade. Destaca que o processo de profissionalização, normalmente, se inicia através da identificação de uma necessidade social não atendida, ou mal atendida, pelas profissões existentes. A identificação desta necessidade social, não atendida pela divisão do trabalho prevalecente, pode se dar através de intelectuais que estudam a sociedade, porém na maioria das vezes são identificadas por outras profissões afins, que já atuam num determinado setor. “Assim se inicia uma ocupação específica para atender à necessidade social identificada” (Kisil,1994). Logicamente, para ocupar o lugar de enfermeiro, àquela época, ou exercer o ofício/profissão de enfermeiro, o requisito era saber praticar atividades compreendidas como sendo as da enfermagem profissional. Na época (1890), o processo de profissionalização incluía vários 2.2 – A Gênese da profissionalização da enfermagem no Brasil 50 aspectos, entre eles o definido no Decreto n.º 791, de 27 de setembro de 1890, tais como: o preparo para o profissional exercer um cargo público e a aquisição de um saber especializado, o que lhe garantia a abertura de novo mercado de trabalho e a aposentadoria após determinado tempo de serviço. Assim sendo, nesse estudo, consideramos a atividade de formação adquirida na escola e/ou instituição que pudesse comportar essa atividade, como referência para o início do processo de profissionalização. Entendemos por enfermagem profissional aquela atividade exercida por pessoas que passaram por um processo formal de aprendizado, com base em um ensino sistematizado, com currículo definido e estabelecido por um ato normativo, e que ao término do curso recebam um diploma e a titulação específica. Lima et al. (1994) descrevem as três fases distintas da evolução da enfermagem, sendo elas: a empírica ou primitiva, a evolutiva e a de aprimoramento. Na fase empírica ou primitiva, não havia profissionais e a assistência aos doentes era prestada por leigos que usavam dos mais diversos meios de tratamento, mesmo sem recursos ou conhecimentos. Na fase denominada evolutiva, fundada a Escola de Enfermagem do Hospital Saint Thomas, por Florence Nightingale, foram lançadas as bases de ensino com a preparação das primeiras enfermeiras dentro de um novo e moderno sistema, a chamada enfermagem moderna; e na fase de aprimoramento, a enfermagem passa a considerar o indivíduo como um centro de cuidados, com atendimento individualizado, visando salientar a inter-relação dos aspectos bio-psico-espirituais da pessoa humana. 2.2 – A Gênese da profissionalização da enfermagem no Brasil 51 No entanto, acreditamos, baseados nos escritos de Kisil (1994) que, a transformação dos programas de treinamento em programas curriculares, no âmbito das Escolas, representa o passo seguinte rumo à profissionalização da ocupação, com o estabelecimento dos núcleos de intelectuais que vão alimentar e promover os conhecimentos requeridos pela nova profissão. Por conseguinte, não podemos desconsiderar os treinamentos e cursos que existiam antes da implantação da chamada enfermagem moderna, tais como os dos EUA (1798), da Espanha (1833) entre outros. No Brasil, foi a necessidade dos profissionais médicos da psiquiatria, por total ausência de quem pudesse prestar cuidados de qualidade aos enfermos mentais, que germinou a idéia da criação da profissão. Ou seja, no dizer de Kisil (1994), para atender à necessidade social identificada. No ano de 1878, foram criadas, na França, pelo Dr. Bourneville, escolas municipais para preparar, ou dar instrução técnica para enfermeiras. Essas escolas - que funcionavam nos hospitais da França - não seguiam o modelo nightingaleano de ensino. Foi de uma delas, a de Salpêtrière, que vieram as enfermeiras para a assistência aos alienados, no Brasil, em 1890, enquanto a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, recém criada, preparava seus primeiros enfermeiros e enfermeiras. A trajetória dessa escola será traçada em capítulos subseqüentes desse estudo, por ser o foco central de nossa pesquisa. Capítulo 3 – O Hospital: suas origens e influência na formação dos enfermeiros Capitulo 3 O HOSPITAL: SUAS ORIGENS E INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO DOS ENFERMEIROS 52 3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar 53 3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar Do ponto de vista histórico, a maioria dos hospitais foi mantida pela cristandade24. Durante todo o período medieval (476 a 1453)25 templos e hospitais acolhiam doentes. A única diferença era que as igrejas dispunham de bancos e os hospitais, de cama. Por isso mesmo, constitui ponto pacífico o fato de monges terem sido durante muito tempo, os únicos depositários da sabedoria médica clássica no Ocidente, e de terem aplicado seus conhecimentos em prol dos doentes que recorriam aos seus préstimos (Sournia,1985). No transcorrer de toda a Idade Moderna (1453 a 1789), os hospitais mantiveram seu caráter de entidade promotora de assistência social. Nesse período, contudo, uma nova função veio somar-se às atribuições benemerentes daquelas instituições. Isso porque elas foram postas a serviço de contingentes populacionais, segregados, tidos como perigosos ao convívio comunitário: eram os mendigos, os vadios, os imigrantes, os portadores de doenças repulsivas ou de outras moléstias que já estavam identificadas como transmissíveis. Outrora reconhecida como espaço para a realização das vocações piedosas, a instituição hospitalar teria caminhado rumo ao destino que, no século XVIII, se descobriu ser inglório. Vários relatos da época salientam o fato de que os hospitais, por mais que pretendessem ser utilizados como instrumentos para a contenção e supressão dos fatores perturbadores da ordem pública, haviam se convertido em fonte de muitas desordens com efeitos patológicos, com graves 24 Endende-se por cristandade um período da história quando praticamente toda a sociedade ocidental era constituída de cristãos católicos e por eles administrado. Não se deve confundir com cristianismo, que se refere à aceitação dos princípios cristãos. 25 Não há consenso entre historiadores a respeito da data exata de início e fim dos vários períodos históricos. Por isso, adotamos o de Edward G. Burns, já referido. 3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar 54 conseqüências para a vida urbana. Com efeito, as desordens referiam-se aos perigos dos contágios, dos corpos misturados nas camas coletivas, à difusão da sarna, à proximidade de feridos e doentes febris, aos altos índices de mortalidade até no meio dos funcionários dos hospitais (Sournia,1985). A partir da Idade Contemporânea (de 1789 em diante), a medicina converge para o hospital e ambos caminham para uma integração praticamente total. Tal convergência refletiu na figura do médico que foi elevado à posição de maior destaque técnico e administrativo do estabelecimento sanitário. Com isso, surge a reorganização dos hospitais da qual resulta novos regulamentos e novas rotinas de serviço. Nesse mesmo período, a medicina, por sua vez, também experimentou reformulações em sua orientação pragmática, o que fez com que ela se convertesse em atividades eminentemente hospitalares. Nesse sentido, o saber médico proclamou a necessidade de se estabelecer um rígido controle sobre tudo que envolvesse o doente internado: a qualidade do ar, a temperatura ambiente, o regime alimentar, além das aplicações farmacêuticas e cirúrgicas, como forma de debelar rapidamente a enfermidade. Para isso tornar-se viável, foi necessário que todos os recursos hospitalares fossem expressamente destinados às finalidades terapêuticas, ficando esses recursos submetidos ao comando funcional e administrativo da classe médica. O correto disciplinamento médico do hospital faz surgir a figura do “paciente”, ou seja, aquela pessoa doente que necessita tanto dos cuidados médicos imediatos quanto de um local em ambiente adequado, no momento em que expressa a doença como fator de agressão de si mesmo, fato que pode conduzi-lo à morte. 3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar 55 O papel que o hospital e as demais instituições de saúde desempenham tem como palco o poder médico, sobretudo após os anos de 1920 e a generalização dos sistemas públicos e privados de seguro saúde e seguro doença. Enfim, a afirmação do poder médico significou, da mesma forma, a medicalização do hospital (Sournia,1985). O hospital moderno é, a um só tempo, uma instituição, uma organização e um subsistema do sistema de saúde. Trata-se de uma instituição na medida em que desempenha tanto determinadas funções estritamente técnicas (por ex., tratamento, cura e reabilitação da doença; formação médica e de outros profissionais de saúde), quanto um papel social, econômico, ideológico, científico e político. Sob a ótica do hospital moderno a saúde pode ser um conjunto de idéias, crenças, valores e normas de comportamento propostos ao indivíduo numa dada sociedade a formação, nas diversas áreas de saúde, pode ser uma representação mais tecnocêntrica ou mais antropocêntrica da prática clínica, um modelo mais biomédico ou mais psicossocial da saúde/doença (Sournia,1985). Nesse caso, o hospital moderno é uma instituição que tem uma base jurídica e material que lhe é dada, em última análise, pelo Estado. Ainda como instituição, ele (e as demais organizações de saúde) é legitimado pelo poder público e pelo jogo das relações sociais existentes em cada época, que impõem determinadas missões ou finalidades, valores, regras e normas (Foucault,1980). No caso por exemplo de um hospital psiquiátrico, ele não pode ser analisado estritamente pela ótica da psiquiatria, como muito bem demonstrou Foucault (1978) , o mesmo acontece com o hospital geral, que nas suas estruturas e processos, não pode ser reduzido à medicina e ao poder médico, a 3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar 56 resposta à doença e ao seu tratamento. Por essa razão Lopes (1970) afirma que nem tudo o que diz respeito à vida do hospital participa da pretensa sacralidade com que durante muito tempo cercou-se o ato médico. Essa seria uma visão iatrocêntrica do hospital, ou seja, limitada ao ato médico, à atividade dos médicos ou simplesmente resultante do progresso das ciências e técnicas biomédicas. Para compreender as normas, as regras, os valores e as finalidades do hospital e as transformações históricas por que têm passado, importa ter em conta o papel dos seus atores externos, detentores de interesses específicos no campo da assistência e da saúde. Hoje, talvez mais do que nunca, a saúde tornou-se um objeto de decisão do econômico, do político e do social. O hospital, ou talvez, o sistema de atendimento à saúde tornou-se um espaço privilegiado que reflete com nitidez as próprias mudanças operadas nas sociedades modernas, e que se apresenta com uma missão ou finalidade própria, qualquer que seja a sua fonte de sustentação econômica, ou o seu estatuto jurídico-legal, laico ou religioso, civil ou militar, público ou privado (Rosen,1980) Além disso, é cada vez mais o local de trabalho de grupos socioprofissionais muito particulares, diretamente afetos ao processo de prestação de cuidados de médicos, tais como: enfermeiros, técnicos de diagnóstico e de terapêutica. Tem um sistema de poder e de autoridade diferente de outras organizações, assim como uma estrutura técnica e organizacional de trabalho e uma cultura muito própria, ligada às questões da vida e de morte, além das diferentes representações sociais de saúde/doença e do papel da medicina -, aos diferentes modelos etiológicos de saúde/doença e às próprias 3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar 57 ideologias e estratégias profissionais. Não sem razão Freidson (1984), tomando como paradigma o exercício da medicina, faz distinção entre uma profissão e uma simples ocupação, um ofício ou métier26. Para esse autor, seriam atributos de uma profissão: a existência de um corpo sistematizado de teoria para ajudar o profissional a compreender a sua própria prática (autonomia técnica); o poder de auto-regulamentação (ou poder jurisdicional) da profissão; o controle dos profissionais, uns sobre os outros; a existência de um código de ética ou uma deontologia; a existência de uma identidade profissional; o princípio da hierarquia do saber. O hospital moderno é contemporâneo ao Estado moderno. Na perspectiva da sociologia pragmática americana, a modernização seria mais um processo de diferenciação de funções antigas do que do surgimento de novas funções. De fato, a função hospitalar moderna difere daquela da Antigüidade. O que é novo é a organização hospitalar, e não propriamente a função hospitalar de acolhimento e cuidado de doentes, diagnóstico e tratamento da doença, prática e ensino da medicina, da enfermagem e de outras ciências adquiridas e aplicadas à cabeceira do doente. Só que a função do hospital hoje não é estritamente técnica. Na realidade, o que diferencia o hospital moderno é, sobretudo, a ruptura conceitual das peculiaridades do hospital do passado com o que caracteriza o hospital do presente; ruptura essa expressa na passagem do "social" (prestação de assistência) para o "sanitário" (produção de cuidados de saúde), a evolução do conceito primordial de hospitalidade e caridade para com "os pobres, como 26 Freidson (1984) escreveu originalmene em francês, em que a palavra métier é definida como ocupação manual ou obreira (Flammarion, 1989). 3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar 58 irmãos em Cristo", para um outro conceito diametralmente oposto, o de prestação de serviços tanto para os pobres quanto para os ricos. Essa evolução semântica e conceitual ainda hoje escapa aos dicionaristas para os quais o hospital continua a ser, em larga medida, sinônimo de indigência e de assistência (Antunes,1991). O panorama que delineou a trajetória da origem dos hospitais, remetenos ao que foi analisado no capítulo que trata dos primeiros momentos do ensino e da profissionalização da enfermagem em hospitais de diversos países. Na verdade, as análises feitas nos levaram a considerar que eles eram o espaço privilegiado onde foram implantadas as primeiras escolas de enfermagem. Isto porque o posterior desenvolvimento das ciências das técnicas aplicadas aos cuidados dos doentes impôs a necessidade de profissionais qualificados, como colaboradores dos médicos. 3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil 59 3. 2 A Instituição Hospitalar no Brasil Contextualizando o hospital como o espaço que formava o enfermeiro, torna-se indispensável um sucinto relato histórico a respeito da origem da instituição hospitalar no Brasil e da inserção da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras nessa instituição. Já no período do Brasil Colônia (1530-1822), alguns religiosos da Companhia de Jesus haviam feito cursos de medicina ou possuíam conhecimentos rudimentares da arte de curar. Uma vez aqui eles, criaram enfermarias e passaram a atender a todos, índios e brancos. Praticavam, inclusive, cirurgias, segundo os conhecimentos e os costumes da época, como, por exemplo, barbear, curar feridas, sangrar, etc. (Scliar,1987). Nas missões27 ou em suas casas, os jesuítas montavam enfermarias para atender seus pacientes. O irmão enfermeiro era destacado para cuidar da enfermaria e também da botica, com freqüência situada na própria enfermaria, que ficavam sob sua responsabilidade. Até então, o hospital contava apenas com o trabalho voluntário, sendo um autêntico depósito de doentes que eram isolados da sociedade, com o objetivo de não contagiá-la (Scliar,1987). Os médicos, denominados físicos, como na Europa, exerciam apenas a clínica. O exame do paciente consistia em perguntar sobre o mal, fazer a palpação do órgão doente e contagem dos batimentos cardíacos no pulso. A cirurgia era praticada por cirurgiões-barbeiros, barbeiros e sangradores; e 27 Missões: eram os assentamentos de índios, promovidos por jesuítas, nos primórdios do descobrimento do Brasil. 3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil 60 consistiam em amputações, ressecções, desarticulações, redução de fraturas, ligadura de artérias e veias, lancetamento de abcessos e tumorações. Os atos cirúrgicos, próprios dos barbeiros, eram sangria e extração de dentes. Nessa época de colonização, esses físicos e cirurgiões não faziam partos; essa tarefa era realizada pelas parteiras com os conhecimentos que eram passados de geração em geração (Silva, 2000). No Brasil, a sangria foi praticada desde o século XVI, até mesmo pelos jesuítas, chegando mais tarde à responsabilidade dos enfermeiros, como consta no conteúdo da disciplina de Pequena Cirurgia, ensinado na Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, detalhadamente descrita em capítulo posterior destinado ao currículo utilizado pela referida escola. Como não podia deixar de acontecer em tais situações, as epidemias surgiam e dizimavam periodicamente grande número de habitantes. O quadro só não era tão crítico como na Europa porque, no Brasil, era grande a dispersão da população nas áreas rurais e os núcleos urbanos, de pequena magnitude. Como existiam poucos hospitais, os tratamentos caseiros estiveram presentes na vida brasileira desde o período colonial; e chegaram até as primeiras décadas do século XX. Além disso, os hospitais eram tidos como lugar para os pobres e indigentes e os mais abastados recusavam utilizá-lo. Mesmo assim, já no século XVI começaram a ser criadas as Santas Casas de Misericórdia das cidades de Santos, de Salvador e do Rio de Janeiro, instituições essas que, mais tarde, tiveram um importante papel no sistema de saúde brasileiro (Silva, 2000). Ao final do século XVIII, essas instituições multiplicaram-se, mas se restringiram às capitais regionais e às cidades portuárias. Isso porque havia 3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil 61 motivos de ordem militar e de estratégias de proteção da população e do escoamento da produção, principalmente para proteger contra epidemias. Nesse período, surgiram então os hospitais militares. Até o século XVIII, no Brasil - a exemplo da Europa -, os hospitais tinham como finalidade prestar cuidados aos carentes e indigentes. Serviam também como instrumento de reclusão para os portadores de doenças infectocontagiosas, dos leprosos e loucos. Tinham ainda um caráter de abrigo, às vezes compulsório, e de assistência onde a população necessitada poderia encontrar comida e trabalho. Muitos desses hospitais sequer possuíam médico permanente, sendo que os cuidados eram prestados diretamente pelos religiosos que, assistindo aos necessitados, exerciam o ofício de estar salvando ao mesmo tempo, as almas. Silva (2000, p. 500) descreve o cenário: “Nos hospitais não se promovia a saúde, pois estavam destinados à assistência aos pobres e, em alguns casos, a acolher pacientes acometidos por promovendo portadores o de afastamento doenças. doenças incuráveis, da população Nesse sentido, sadia o dos hospital representava o papel de “fator de proteção” da população sadia”. Essa situação perdurou até o final da primeira metade do século XIX quando, uma convergência de fatores, relacionados com as epidemias de febre amarela e tifo, favoreceu a criação de novos estabelecimentos hospitalares, assim como o próprio Estado também começou a intervir diretamente nas questões de saúde da população. Nesse sentido, a fundação do Hospício de Pedro II, em 1852, no Rio de 3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil 62 Janeiro, estabeleceu um marco cronológico, tido como paradigma de uma época, quando o Estado passou a participar definitivamente das atividades de saúde. Na sua origem, o hospício estava vinculado à Santa Casa de Misericórdia, máxime no que dizia respeito à sua administração e ao cuidado do doente mental (Moreira,1990). Segundo Machado (1978), o tratamento implementado pela instituição consistia no isolamento do alienado. A separação do doente de sua família e do meio social era defendida pelos psiquiatras brasileiros. Mas, nos primeiros anos após a sua inauguração, o isolamento se tornou obrigatório somente para os doentes carentes. No entender dos médicos, a concepção física da instituição, era vital para o tratamento o que exigia a organização do espaço interno e a distribuição dos indivíduos, a fim de possibilitar a divisão do espaço físico de acordo com o sexo, a classe social e o comportamento (agitados ou tranqüilos), quando não, o espaço para abrigar os portadores de doenças contagiosas (Machado, 1978). No dia 11 de janeiro de 1890 o Hospício de Pedro II por força do Decreto n.º 14228 , passa a chamar-se Hospício Nacional de Alienados e desvincula-se da Santa Casa de Misericórdia. No entanto, o cuidado aos doentes continuava a ser prestado pelas Irmãs de Caridade. Em 11 de agosto do mesmo ano, elas deixaram o hospício onde haviam prestado assistência desde 1852, como podemos ler na notícia do O Brazil- Medico, figura 3. 28 Decreto nº 142 de 11/1/ 1890. Desanexa do Hospital Santa Casa da Misericórdia desta Capital o Hospício de Pedro II, que passa a denominar-se Hospício Nacional de Alienados. Coleção das Leis Brasileiras, jan./ mar., 1890. 3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil Fig. 3 63 - Notícia da saída das Irmãs da Caridade do HNA Fonte: Revista O Brazil-Medico, anno IV. Número 30, de 15 de agosto de 1890, p. 244. A saída das Irmãs de Caridade tinha como pano de fundo uma questão política que ultrapassava as fronteiras da instituição e que confrontava o poder do Estado com o poder clerical, situação essa que já havia ocorrido na Europa, no período da laicização dos hospitais em consonância com a nova ordem social e política diferente da política utilizada pelas Santas Casas de Misericórdia. 3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil 64 Na verdade, as Irmandades de Misericórdia eram compostas de membros das sociedades locais e o ocupante do cargo de provedor gozava de muito prestígio e poder. As associações mantinham os vários serviços à custa de donativos da população em geral. Muitas pessoas, após a morte, deixavam seus bens para essa instituição. A mística cristã que motivava as ações das Irmandades girava em torno de sete compromissos de caráter espiritual e de sete de índole corporal. Assim, os compromissos espirituais: “ensinar os simples, dar bom conselho a quem pede, castigar os que erram, consolar os desconsolados, perdoar aos que nos injuriaram, sofrer injúrias com paciência, rezar pelos vivos e pelos mortos”. Os compromissos corporais eram: “remir os cativos, visitar os presos, curar os enfermos, cobrir os nus, dar de comer aos famintos, dar de beber a quem tem sede, dar pouso aos peregrinos, enterrar os mortos” (Silva,2000, p. 503). É óbvio que esses objetivos de conteúdo transcendental não eram compatíveis com a nova formação dos cientistas, médicos e políticos da época que, recém-chegados da Europa, traziam novos conhecimentos e maneiras de agir na assistência aos enfermos, no poder do Estado sobre o clero e na necessidade de afirmar a autoridade do médico no hospital (Kirschbaum, 1994). Costa (1990) afirma que as idéias européias importadas pela corporação médica nas primeiras décadas do século XIX, teve uma importância fundamental nos movimentos pela constituição dos asilos brasileiros. Além disso, tais idéias vieram ao encontro dos médicos nacionais - muitos deles formados na Europa -, uma vez que já sentiam a necessidade de serem os mandatários de 3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil 65 qualquer procedimento terapêutico no interior dos hospitais. O processo de reformulação do Hospício Nacional de Alienados é tido como marco do surgimento da psiquiatria no país. E por ter-se originado em seu interior a primeira escola para formação de profissionais de enfermagem, pode ser também considerado como o local onde ocorreu a institucionalização do ensino formal de enfermagem no Brasil. A reformulação abrangeu igualmente o seu espaço físico, o prédio era de arquitetura moderna mas havia grades, celas de isolamento e quartos fortes. Apesar desse aspecto, no entanto, existia um tratamento ocupacional, com instrumentos de música, oficinas para trabalhos manuais e, sobretudo, claridade e pátios arborizados (Moreira, 2002), figura 4. Fig. 4 - Pátio interno do Hospício Nacional de Alienados Fonte: Calmon; 2002, p. 61 3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil 66 Essa arquitetura seguia a diretriz da psiquiatria francesa ditada por Esquirol, norteada pelo princípio do Tratamento Moral. No entanto, no Brasil Machado (1978, p. 22) descreve que esta filosofia não foi corretamente adotada, ao afirmar que: “Esse tratamento não passou de isolar o doente mental da família e de seu meio social, com a justificativa de que assim a relação do psiquiatra com o doente se estabeleceria sem influências externas, o que, na realidade, correspondia à tentativa de tomá-los como objeto exclusivo da prática médica”. A saída das Irmãs de Caridade em agosto de 1890, provocou uma séria crise no Hospício Nacional de Alienados: não havia quem cuidasse dos doentes mentais. Foi quando os médicos e/ou psiquiatras tiveram a idéia de criar uma escola para preparar o pessoal para cuidar dos enfermos. No dizer de Kisil (1994), reconhecido especialista em administração de saúde, a criação de uma escola, é o ponto de partida para o nascimento de uma profissão, como aliás já citado anteriormente no estudo do processo de profissionalização. Os psiquiatras trouxeram para o Brasil o modelo de escola que preparava o pessoal para cuidar dos doentes mentais. Era um modelo que tinham visto implantado na Europa, de modo específico em Paris, onde a psiquiatria se desenvolvia rapidamente com os psiquiatras Pinel e Esquirol. Para dar continuidade aos trabalhos deixados pelas Irmãs de Caridade que “abandonaram repentinamente o serviço, foram contratadas enfermeiras francesas, não religiosas, na Europa pelo Sr. Ministro do Brasil” (Brandão; 1897, p.53). Nesse ínterim, seriam preparados os primeiros profissionais da enfermagem brasileira. Com um discurso enaltecendo a melhora da assistência psiquiátrica, buscou-se 3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil 67 então, a solução do problema. Tendo em vista a dificuldade de infra-estrutura no funcionamento hospitalar e na assistência exercida pelo pessoal ainda não qualificado - apesar das medidas tomadas com a vinda das enfermeiras francesas -, surgiu e frutificou a idéia da criação de uma escola para preparar o pessoal de enfermagem, agora não só para o Hospício Nacional de Alienados, mas também para os hospitais civis e militares da República recém-instalada. Conforme referido anteriormente, essa idéia foi concretizada, pelo Chefe do Governo Provisório da República, Marechal Deodoro da Fonseca, que, pelo Decreto n.º 791/1890, criou a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, ficando oficialmente instituído o ensino de enfermagem no Brasil. Gastaldo e Meyer (1989) afirmam que a enfermagem profissional já nasceu vinculada ao hospital, o que, talvez, justifique sua ênfase predominantemente curativa, que persiste até os dias de hoje. Landman (1982), analisando o ambiente hospitalar, defende que as políticas de saúde no Brasil, notadamente no período pós-64, vieram contribuir ainda mais para privilegiar as práticas médicas de cunho curativo, individual, assistencialista, especializado e privativista, em detrimento de medidas de saúde pública, de caráter preventivo e de interesse coletivo. A trajetória da profissão do enfermeiro não deixa dúvida que se trata da história de mais um "trabalhador da doença". Mesmo quando foi criado o curso de enfermagem no Brasil, ligado ao Departamento Nacional de Saúde Pública, com enfoques preventivos, visava-se atender às endemias e epidemias. Nesse sentido, acompanhando a estrutura existente da saúde, os enfermeiros 3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil 68 continuaram exercendo a função de agentes curadores. Atualmente, acadêmicos e profissionais da enfermagem têm seus estudos, suas pesquisas e esforços dirigidos para ampliar o espectro de conhecimentos científicos, tecnológicos e humanísticos e para aprofundar o saber em campos específicos que melhor fundamentem a enfermagem, quer como ciência, quer como prática. O núcleo central da Ciência de Enfermagem sem descuidar das doenças, é essencialmente cuidar da saúde do ser humano. Constitui, portanto, uma ciência com campo de conhecimento técnico-científico fundamental cuja prática se estende num campo que abrange desde o estado de saúde humana até o estado de doença. Para Moreira (1996, p. 129), “não há nada mais instigante que retornar a micropolítica profissional com suas representações e valores, que nos fornecem as marcas inaugurais da formação da enfermagem profissional brasileira”. Buscar a história e recorrer a ela como instrumento de pesquisa nos trazem dados, que recolhidos e correlacionados entre si, permitem uma determinada configuração e uma possibilidade de leitura das quais resultam uma relação dinâmica entre sociedade e profissão. Capítulo 4 – Movimentos de profissionalização da enfermagem Capítulo 4 MOVIMENTOS DE PROFISSIONALIZAÇÃO DA ENFERMAGEM Fonte: Schorr TM, Kennedy NS – 100 years of American Nursing, Lippincott, USA, 1999 69 4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem 70 4.1 - Movimentos em prol da Profissionalização da Enfermagem Sem dúvida, a história mostra que o grande movimento voltado para a profissionalização da enfermagem surgiu na Inglaterra com Florence Nightingale, logo após a guerra da Criméia (1853-1856)29 e a fundação da Escola de Enfermagem no Hospital Saint Thomas, em Londres, no ano de 1860. É assim que se encontra registrado em todos os livros sobre História da Enfermagem. A partir desse marco inicial, o movimento atingiu os EUA e os diversos continentes onde o Império Britânico, à época, exercia seu poder de influência. No entanto, é preciso registrar que, muito antes, na Espanha, os noviços30 da Ordem de São João de Deus já eram encontrados exercendo atividades de enfermagem, como se pode observar no livro El Arte de Enfermería para la Asistencia Teorico-Practica de los pobres enfermos que se acogen a la de los Hospitales de la sagrada religión de M. P. S. Juan de Dios , escrito por P. Fr. José Bueno y Gonzales, em 1833. Essa obra continha instruções para os noviços daquela Ordem e descrevia as atividades deles no cuidado do enfermo. O primeiro capítulo era dedicado a noções de anatomia e fisiologia e, gradualmente, em cada capítulo subseqüente, oferecia orientações para a observação de sintomas, desinfecção de aposentos, bandagens, alimentação do doente e do convalescente. Só após esse aprendizado é que o livro apresentava noções de preparo de poções, emulsões, infusões e cataplasmas. Além disso, ensinava como graduar a temperatura, verificar o pulso e a maneira de conduzir a enfermaria, bem como 29 Criméia, península situada ao sul da Ucrânia. Guerra da Criméia: guerra que opôs a Rússia czarista a uma aliança entre Inglaterra, França, Império Otomano e Piemonte. 30 Noviço - pessoa que passou certo tempo no convento preparando-se para professar os votos religiosos. 4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem 71 cuidar da disposição dos seus móveis e utensílios. Instruía também sobre o modo de aplicar sanguessugas, ventosas, enemas, banhos, e até sangrias, curativos e preparo de desinfetantes, entre outras atividades. Tratava-se, pois, de uma obra com instruções para identificar as enfermidades, entender os termos técnicos, aplicar os medicamentos e distinguir os vários sintomas de enfermidades, para poder atender os enfermos na ausência do médico. Todo o conteúdo ministrado obedecia a um programa amplo para a formação geral dos enfermeiros noviços. Mas os Irmãos da Ordem de São João de Deus tiveram publicações de livros de texto anteriores. Antes de 1620, por exemplo, a Facultad de Practicantes, do Centro Anton Martin, de Madrid, e o Breve Compendio de Cirugia, do Padre Matias de Quintanilla, Ordem Hospitalar, impresso em 1683 e que se encontra na Biblioteca Nacional da Espanha (Gonzales, 1997). Entretanto, El Arte de Enfermeria foi a obra mais completa e estruturada, considerada autenticamente espanhola, com técnicas, recursos, métodos e princípios de enfermagem da época. O autor do livro, Bueno y Gonzalez, era prior do Hospital da Santa Misericórdia, na cidade de Porto de Santa Maria. Já no primeiro parágrafo do Prólogo afirmava que “o exercício da enfermagem deve constituir-se em uma ciência particular, ensinada por princípios” (Gonzáles, 1997, p.1). Tal afirmativa soa natural e moderna para enfermeiros de hoje. Porém, é impressionante como alguém pensasse e ensinasse assim e deixasse registrado de forma tão concreta no ano de 1833, quando Florence Nightingale (1820-1910) tinha apenas 13 anos de idade e a Guerra da Criméia e a publicação do livro Notas da Enfermagem de sua autoria, 4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem 72 somente iriam ocorrer após quase trinta anos (Gonzales, 1997). Fazem parte também da história do movimento da enfermagem as guerras expansionistas promovidas, principalmente, pelos países europeus e as duas guerras mundiais do século XX. Foram essas lutas armadas que levaram os governos a recrutar enfermeiros para servir nas frentes de combate, como bem retratam as inúmeras campanhas de recrutamento promovidas nos países, sobretudo na Europa e nos EUA (International Committee of the Red Cross, 1995). A influência de Nightingale, entretanto, não se expandiu tão rapidamente nos países vizinhos do continente europeu. Isso se deveu a certas barreiras da época, como, por exemplo, as distâncias, os meios de comunicação precários e os diferentes idiomas. É possível que tais barreiras tenham dificultado o estudo do movimento de profissionais em outros países. É uma afirmação que se constata pela escassez da literatura sobre o assunto, assim como pela dificuldade de acesso aos idiomas e dialetos de cada região. Além das guerras mencionadas, a profissionalização foi amplamente impulsionada também quando os enfermeiros, desenvolvendo uma consciência de classe, se organizaram em associações, em nível local ou nacional, que ocorreu principalmente no final do século XIX e início do século XX. Unindo as vozes e os interesses maiores da profissão, enfermeiros puderam ser reconhecidos e valorizados. Essa união, do mesmo modo, ajudou a criar uma entidade internacional: o Conselho Internacional de Enfermeiras. Fundado no ano de 1899, em Londres, tornou-se a organização internacional de profissionais de saúde mais antiga do mundo, atualmente sediada em Genebra (Suíça). A década de 1950 é considerada o marco inicial do estudo da história 4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem 73 da enfermagem no Brasil. Nessa época, surgiram os cientistas divulgando os resultados desses estudos entre nós. Temos como referência o livro Páginas de História da Enfermagem, de Waleska Paixão, publicado no ano de 1951. No entanto, “como disciplina já era ministrada desde 1923” (Oguisso, 2000, p. 361). Todavia, o campo de pesquisa nessa área não encontrou de imediato muitos seguidores no Brasil, apesar da iniciativa de Glete de Alcântara, que foi a primeira enfermeira na América Latina a defender uma tese de cátedra, em 1963, exatamente em História da Enfermagem. Mesmo assim, alguns nomes devem ser mencionados: Dilce Rizzo Jorge que desenvolveu uma pesquisa histórica para sua tese intitulada Evolução da legislação federal do ensino e do exercício profissional da obstetriz (parteira) no Brasil, defendida em 1976. Merece destaque especial a obra de Anayde Corrêa de Carvalho, o Documentário sobre a Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976. O mérito é devido à extensão do conteúdo, à abrangência dos temas estudados e ao rigor metodológico da pesquisa. A obra foi publicada em 1976, oportunidade da comemoração dos 50 anos da ABEn. Até hoje é referência obrigatória para todos aqueles que estudam a história da enfermagem brasileira. Esse documentário foi atualizado por Amália Corrêa de Carvalho no artigo intitulado Associação Brasileira de Enfermagem 1926-1986, publicado na edição de janeiro/março de 1986 na Revista Brasileira de Enfermagem. A grande referência desse último decênio de 1980 foi a publicação de dois volumes de um estudo efetuado como sequência do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem do Brasil, de 1958. O levantamento ampliou e divulgou dados minuciosos sobre os variados aspectos da prática de enfermagem no que dizia respeito a pessoal, a condições de trabalho, a produção 4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem 74 científica e a vida associativa, entre outros assuntos (Carvalho,1986). Esses volumes intitularam-se: Saúde do Brasil – 1982/1983; Força de Trabalho em Enfermagem, (1º volume) e Enfermagem no Contexto Institucional, (2º volume). Da mesma forma merece destaque ainda nessa década de 1980 a aprovação da Lei nº 7.498/8631, que regulamentou o exercício de enfermagem e do Decreto nº 94.406/8732. De fato, a história da enfermagem somente começou a adquirir corpo no final da década de 80 e início da década de 90 do século recém-findo, quando enfermeiros e enfermeiras voltaram sua atenção para o passado e se puseram a estudar o assunto, documentando, registrando e publicando os resultados dos seus estudos, chamando a atenção para essa área do conhecimento ainda pouco explorada. Enfermeiros e historiadores de várias nacionalidades - americanos e ingleses, franceses, espanhóis e brasileiros - e até mesmo entidades como a Cruz Vermelha Internacional33 e hospitais, têm publicado livros sobre o tema. No campo da bibliografia internacional, com destaque para a literatura dos países não-anglofônicos, vamos encontrar poucos enfermeiros em condições de escrever e divulgar obras sobre a história da enfermagem dos seus países em idioma de maior compreensão universal, como é o caso do inglês. Acrescente-se à tal lacuna, o fato de os veículos para divulgação também serem mais escassos. Embora periódicos de enfermagem, em geral, sempre estivessem abertos para a 31 Lei nº 7.498/86. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo: Documentos básicos de Enfermagem, SP: 2001, p. 36. 32 Decreto no 94.406 de 8/6/1987. Dispõe sobre o exercício da Enfemagem, e dá outras providências. .Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo: Documentos básicos de Enfermagem, SP: 2001, p. 43. 32 Musée International de la Croix Rouge et du Croissant-Rouge, International Red Cross and Red Crescent Museum, 17, avenue de la Paix. CH – 1202 Genève, ISBN 2 – 88336 – 005. Trata-se de uma publicação ilustrada, como produto da Exposição “Profession Infirmière”, que retrata imagens da história do movimento da Cruz Vermelha de 1900 a 1930. 179p. 4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem 75 divulgação de história da enfermagem, não havia ainda muitos profissionais dedicados ao assunto. Aos poucos, revistas especializadas nessa matéria, em língua inglesa ou espanhola, foram sendo criadas para publicar não só relatos de profissionais que vivenciaram uma parte da história em seus países, como, do mesmo modo, resultados de suas pesquisas em história da enfermagem. Na busca de publicações sobre o início da enfermagem em diferentes regiões, especialmente dedicadas ao movimento de profissionalização da enfermagem, foram encontradas algumas publicações com relatos que merecem ser exemplificados no presente capítulo. Historicamente, o ato de cuidar, considerado como atributo feminino, iniciou-se com a difusão do Cristianismo em Roma, fato que levou muitas mulheres da nobreza romana a se dedicarem aos pobres e enfermos e a transformarem seus palácios em hospitais (Paixão, 1979). Dessa maneira, a prática de enfermagem foi sendo desenvolvida quase que exclusivamente pela Igreja Católica. Assim é que, em algumas regiões do mundo ocidental, a enfermagem era monopólio das Ordens Religiosas, que assumiam os serviços considerados mais difíceis ou repugnantes para a sociedade daqueles tempos. Aos poucos, as técnicas de enfermagem começavam a se organizar, abrindo caminho para o uso de instrumentos nos cuidados de enfermagem, surgindo a preocupação com o ambiente do paciente, com a necessidade de luz, de ar fresco, de silêncio e, principalmente, a necessidade de higiene, conforme apregoava Florence Nigthingale (Almeida, 1996). No século XIX, em decorrência dos princípios da revolução pasteuriana, a medicina passou por grandes transformações. A luta contra os 4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem 76 micróbios, o contágio, as infecções e o início da prática de cirurgias audaciosas deram início a uma nova postura no pensar a saúde e seus agentes. A trajetória histórica da enfermagem em vários países guarda uma similaridade em muitos aspectos, sobretudo no seu início. Como exemplo, e em função da maior facilidade na obtenção dessa literatura especializada, são descritas aqui as trajetórias ocorridas no Reino Unido e nos EUA, na França, em Portugal, na Espanha, na Argentina e em Taiwan. É verdade que se trata basicamente da cultura ocidental. Mesmo assim, na área da enfermagem, onde a bibliografia básica utilizada no Brasil é originária dos EUA e do Reino Unido, consideramos já ser um ganho agregar nesta análise textos de origem francesa, espanhola, portuguesa, argentina e taiwanesa, especialmente aqueles que seguiram diferentes caminhos e não sofreram tanta influência direta de Florence Nightingale, caracterizada nas obras inglesas e americanas. A análise também agregou alguma literatura de países de cultura oriental asiática onde o saber milenar traçou outros caminhos. Mas, na verdade, não houve influência da cultura oriental na enfermagem brasileira. Isso pode ser explicado porque a corrente migratória do Oriente teve início apenas nas primeiras décadas do século XX. Entretanto, é notório observar como os descendentes desses povos orientais, de modo especial os japoneses, valorizaram a enfermagem e abraçaram a profissão, notadamente em São Paulo, estado em que eles se fizeram mais presentes. Para analisar o início da profissionalização da enfermagem foram escolhidos países de acordo com a literatura encontrada, como já registrado, e pela observação de alguns pontos em comum, tais como: o surgimento da enfermagem como necessidade da classe médica, que precisava de um auxiliar, 4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem 77 a falta de pessoal treinado nos hospitais para cuidar dos doentes, e a adoção de um ensino sistematizado para o preparo dos enfermeiros que seguiam, ou não, o modelo nightingaleano de ensino. A escolha da Argentina como um dos países examinados foi devido à sua proximidade com o Brasil e por ter sido o primeiro país da América Latina a adotar o modelo nightingaleano de formação do enfermeiro. Constata-se que, no século XIX, algumas mudanças no perfil e trabalho da enfermagem nesses sete países, foram muito semelhantes. Novas necessidades e cuidados faziam com que o aperfeiçoamento fosse o pilar das atividades da enfermagem. 4.2 – Reino Unido 78 4. 2 - Reino Unido Nesse subitem, a literatura utilizada como referência foi Griffin e Griffin (1965), Jamieson et al. (1968), Molina (1973) e Chatterton (2000). Isso porque esses autores relatam com muita propriedade a trajetória da enfermagem na antiga Grã-Bretanha, atual Reino Unido a partir da Idade Média, discorrendo ainda sobre as diferenças entre a enfermagem geral e a enfermagem de doenças mentais. Segundo Griffin e Griffin (1965, p. 55) “a enfermagem não é um produto que resultou da moderna medicina, a exemplo do que ocorreu com o serviço social, com a dietética e com a terapia ocupacional. Na verdade, a medicina e enfermagem tiveram origens distintas, e existiram como tais por muitos séculos, sem muito convívio entre si, uma vez que a prática da medicina e da cirurgia era relativamente simples e não requeria muita habilidade técnica”. Durante o período da Idade Média (476-1453), a enfermagem era exercida por grupos religiosos ou por militares. A primeira função não era propriamente as tarefas hoje conhecidas como enfermagem; as necessidades de enfermagem eram atendidas por um grupo de mulheres sem educação alguma e sem preparo ou, ainda, por membros da família. Foi a evolução da medicina, da cirurgia e da saúde pública que passou a requerer muitos procedimentos que deveriam ser executados por pessoas diferentes do médico, mas devidamente treinadas e que tivessem conhecimento dos princípios científicos. Tal evolução fez com que essas duas profissões - médicos e enfermeiras - se aproximassem e 4.2 – Reino Unido 79 trabalhassem em conjunto. Felizmente, quando essa aproximação tornou-se evidente, a enfermagem já tinha iniciado a reforma, estimulada pelas mudanças nas condições sociais do Reino Unido (Griffin e Griffin,1965). Para compreender a evolução da enfermagem profissional, dessa região, precisamos Ter uma visão sucinta do passado europeu onde alguns importantes movimentos condicionaram essa evolução e influíram profundamente nela. Entre esses movimentos podem ser destacadas as Cruzadas, a Renascença e a Reforma Protestante que exerceram enorme influência no pensamento político e social da época em que cada um deles aconteceu. Destaque maior deve ser dada à reviravolta ocorrida na sociedade britânica provocada pela Revolta Industrial, fenômeno socioeconômico que aconteceu na Inglaterra e que mudou os rumos da humanidade toda. Com certeza, o desenvolvimento da medicina moderna e dos hospitais não teria acontecido sem essas mudanças. Um outro ingrediente que também entrou como fator essencial na trajetória da enfermagem profissional foi o movimento da emancipação feminina. Lenta e gradativamente, a mulher foi modificando a sociedade em diferentes aspectos: social, político, econômico e educacional. Com efeito, esse novo status da mulher deu-lhe possibilidade de desenvolver atividades sociais, educacionais, política e de interesses da coletividade. Aliás, “o simples fato das mulheres poderem demonstrar que elas eram capazes, por si mesmas, de desenvolver tal profissão, exerceu significativa influência na sua luta para fortalecer ainda mais a liberdade Griffin,1965, p. 58). que almejavam” (Griffin e 4.2 – Reino Unido 80 Historicamente, pois, a enfermagem como profissão está muito vinculada ao progresso e à prática da medicina e à evolução dos hospitais, paralelamente à ocorrência da Revolução Industrial e da emancipação feminina. Cabe, entretanto, estabelecer aqui uma diferença entre a “enfermagem” propriamente dita e a “enfermagem profissional”. A primeira, entendida no sentido de cuidar de pessoas doentes no seio da família ou no círculo de amigos, remonta à era da pré-história. Já a segunda, à qual nos referimos logo acima, reflete a evolução de um grupo que se organizou dentro da sociedade e que, tendo recebido preparação adequada para o seu exercício, dedica a maior parte do tempo e esforço aos cuidados dos doentes, pelo que recebe uma remuneração, a exemplo de qualquer outra profissão. Praticamente não se encontra menção da enfermagem exercida como ocupação na Antigüidade. Algumas atividades realizadas, e que se identificam com a enfermagem eram as que cercavam o nascimento e o cuidado com crianças. Os templos eram os lugares que serviam não apenas para as orações e sacrifícios como também para abrigar doentes. No primeiro milênio do cristianismo não houve tentativa de organizar a enfermagem. Apenas as cruzadas militares e as ordens religiosas prosperaram influenciando todas as atividades do período medieval. A enfermagem praticada nessa época era muito simples. Consistia tão-somente em prover as necessidades fisiológicas dos doentes, ministrar medicamentos, fazer curativos e cuidar da higiene. Todavia, tais práticas se baseavam em conceitos bem diferentes dos que se conhecem hoje. Além disso, o trabalho principal das religiosas que cuidavam de doentes era motivado por necessidades espirituais, e 4.2 – Reino Unido 81 executado de acordo com a orientação da Igreja (Griffin e Griffin,1965). Durante a Idade Média, a medicina na Europa era praticada sob duas influências: a medicina laica, que seguia as tradições herdadas do Império Romano, e a medicina eclesiástica, que existia nos mosteiros, em torno dos quais foi construída a maioria dos hospitais. O estabelecimento da escola de medicina de Salermo, na Itália, no século IX foi um grande evento, pelo fato de ter sido um centro do ensino médico até o século XIV. No século XV foi organizada a primeira escola médica na Grã-Bretanha. Com a invenção da imprensa (1450), foi possível aumentar o número de livros e de novas escolas. As diversas reformas sociais ocorridas na Europa, entre o final do século XVII até meados do século XIX, atingiram também a enfermagem num período que ficou conhecido como período crítico. Foram tempos que se caracterizaram por terríveis condições de trabalho e pela decadência da enfermagem que, em parte se deveu à influência da Reforma Protestante que não era favorável à educação de mulheres (Griffin e Griffin,1965). Já no tempo do rei Henrique VIII (1491-1547) da Inglaterra, ao romper com a Igreja Católica, dissolveu mosteiros e conventos que albergavam doentes e expulsou religiosos que deles cuidavam. A partir de então “as mulheres, recrutadas nas ruas e prisões e que passaram a cuidar de doentes eram analfabetas e pouco escrupulosas, conforme foi imortalizado posteriormente pelo escritor inglês Charles Dickens (1812-1870) ao descrever e criticar a situação social da época” (Jamieson et al., 1968, p. 158). Seu legado constituiu em uma arma poderosa para as reformas sociais do século XIX. Em função de sua habilidade para descrever e retratar os tipos 4.2 – Reino Unido 82 físicos, especialmente aqueles que necessitavam de assistência, proporcionou uma descrição acurada e detalhada, do que acontecia, inclusive das doenças de seu tempo. Sua capacidade de observação do ponto de vista social era muito aguda. Dickens iniciou uma verdadeira cruzada para tornar os cidadãos mais conscientes das carências sociais no sentido de promover a mudança necessária. Seu romance Martin Chuzzlewit, escrito em 1844, descreveu a enfermagem prestada por criminosos que tinham sido perdoados e por mulheres de baixo padrão moral e sem nenhum interesse pelo paciente. Imortalizou a figura de Sairey Gamp como o protótipo da enfermeira da época, que representava o mais baixo nível de insensibilidade, alcoolismo e indiferença (Jamieson et al., 1968). Nesse mesmo período, a Europa testemunhava a medicina desenvolver-se rapidamente como ciência, contando com grandes cientistas tais como Ignoz Semmelweiss (1818-1865), Joseph Lister (1827-1912), Louis Pasteur (1822-1895), Robert Koch (1843-1910), Wilhelm Röntgen (1845-1923), o casal Marie (1867-1934) e Pierre (1859-1906) Curie, Charles Darwin (1809-1882), Gregor G. Mendel (1822-1884), todos contemporâneos de Florence Nightingale que vivia na Inglaterra - (Jamielson et al.,1968 e Molina, 1973). Os primeiros esforços para estabelecimento de um sistema de enfermagem nas Ilhas Britânicas ocorreram na Irlanda, em 1812, com as Irmãs de Caridade e as Irmãs de Misericórdia, que se anteciparam às diaconisas anglicanas da escola de Diaconisas de Kaiserwerth (Alemanha). Alguns anos mais tarde, elas enviaram três dessas irmãs para o Hospital de Pitié, em Paris, para estudar enfermagem. Após o retorno, elas fundaram um hospital com doze leitos que, mais tarde, se expandiu e ficou conhecido como Hospital São Vicente, o que sugere a relação com a ordem francesa das Irmãs de Caridade. 4.2 – Reino Unido 83 Mas esse sistema leigo não incorporava ainda um ensino moderno para treinamento de enfermeiras. Em 1825, Dr. Robert Gooch sugeriu que fosse estabelecida uma ordem leiga de enfermagem para mulheres. As candidatas entrariam como alunas nos grandes hospitais de Londres e Edimburgo e receberiam livros-texto adaptados às suas necessidades e teriam exames regulares para verificação da aprendizagem. Após a conclusão do curso, elas iriam trabalhar nos diversos distritos do país e viver em grupo em pequenas casas. Esse plano, embora excelente, não se materializou por muitos anos. Todavia, as idéias que continha foram concretizadas pelo pastor Theodor Fliedner e sua esposa Frederika, em 1833, em Kaiserwerth, na Alemanha, onde instituíram uma escola de enfermagem. Em 1822, Fliedner havia viajado para a Holanda e para a Inglaterra a fim de arrecadar fundos para suas obras sociais, castigadas pelas guerras napoleônicas. Na Holanda, ele observou o trabalho social das diaconisas e, na Inglaterra, conheceu Elizabeth Fry (1780-1845), uma dama da sociedade, amiga do Dr. Robert Gooch, e batalhadora em prol da reforma social que estava ocorrendo na Inglaterra. Ela trabalhava com prisioneiros e doentes mentais encarcerados, buscando melhorar suas condições de vida. Fliedner visitou hospitais, escolas e asilos e acabou interessando-se pela enfermagem e pela assistência aos doentes. É possível que Fry, por seu relacionamento com Gooch e com Fliedner, tenha inspirado este último com as idéias de Gooch sobre a ordem leiga de enfermagem. Ao retornar para Kaiserwerth, Fliedner casou-se com uma mulher que se dedicava a cuidar de doentes órfãos (Molina, 1973). Com ela, fundou a escola de enfermagem com o nome de Diaconisas de Kaiserwerth, comprando uma casa que serviria de abrigo e hospital para doentes. Ele se encarregou das aulas de ética e princípios religiosos, e ela, dos princípios sobre 4.2 – Reino Unido 84 as práticas de enfermagem. As alunas tinham que prestar cuidados em todos os serviços, ao mesmo tempo em que, recebiam outras instruções mais especificas de médicos e farmacêuticos. “As formadas eram chamadas de diaconisas a fim de evitar errônea interpretação que se dava à palavra enfermeira, profissão subestimada na época” (Molina,1973, p. 49). Esse trabalho de Fliedner, na Alemanha, causou grande impressão na Europa continental, sobretudo na Inglaterra. Em 1840, Elizabeth Fry organizou a primeira ordem religiosa protestante na Inglaterra, as Irmãs de Misericórdia, ou Irmãs de Enfermagem, como passaram depois a ser chamadas. Elas recebiam um pequeno treinamento para cuidar de doentes e depois faziam várias horas de trabalho nos hospitais onde recebiam instruções de médicos e supervisoras, as quais não tinham preparo específico. Essas alunas não tinham aulas formais e nem instrução teórica sistemática; eram treinadas apenas para a prática de enfermagem domiciliar. A Igreja Anglicana patrocinou a mais importante organização de enfermagem na Inglaterra, em 1845, a chamada Comunidade do Park Village, a primeira ordem de enfermagem anglicana. Como conseqüência natural, essa organização era dominada por clérigos que entendiam ser a enfermagem, em primeiro lugar, um ato de misericórdia e de religiosa devoção. Dessa forma, deveria ser gratuita para o paciente. Levou algum tempo para se aceitar a idéia de que a enfermagem pudesse ser praticada por mulheres sem esse caráter devocional e com possibilidade de remuneração por esse serviço (Griffin e Griffin,1965). Em 1848 foi criada em Londres a Casa de São João (St. John´s House), mais tarde associada ao Hospital King´s College pela Igreja da Inglaterra. 4.2 – Reino Unido 85 Seu objetivo era estabelecer o treinamento sistemático de enfermeiras nos hospitais e atrair jovens moças da classe média para a enfermagem. Nos dois primeiros anos as alunas eram consideradas em período probatório, e depois, qualificadas como enfermeiras (nurses) cujo estágio poderiam durar até cinco anos e receber alojamento, alimentação e salário. Depois de cinco anos como enfermeiras, passavam a sisters, um estágio que lhes permitia viver com a família e não mais no alojamento. O treinamento em obstetrícia não era incluído até 1861. A Casa de São João passou a ser identificada como uma instituição para preparo e ensino de enfermagem pela maioria dos hospitais mais importantes de Londres. Outros hospitais usados como campo de prática pelas alunas eram o de Middlesex, o de Westminster e o Hospital Kings College, que, em 1856, assumiu todo o serviço de enfermagem e, no ano de 1885, estabeleceu a sua própria Escola de Enfermagem. Por oportuno, cabe lembrar que esse sistema hierárquico na enfermagem inglesa perdura até os dias de hoje, no Reino Unido; ou seja: nurses as enfermeiras de cabeceira e de unidades, e a sister, a supervisora (Griffin e Griffin,1965). Florence Nightingale também recebeu muita inspiração do trabalho de Fliedner uma vez que por diversas vezes visitou a instituição criada por ele antes de se decidir por estudar em Kaiserwerth. Não é de se estranhar, portanto - e com razão - que a maioria das histórias da enfermagem inicia focalizando Florence Nightingale e sua influência 4.2 – Reino Unido 86 no crescimento e desenvolvimento da enfermagem na era vitoriana34. “O ano de 1860, com a abertura da Escola Nightingale para treinamento de enfermeiras no Hospital Saint Thomas, é freqüentemente citado como o marco inicial e tradicional da história de enfermagem” (Jamieson et al.,1968, p. 179). A bibliografia registra que Sarah Elizabeth Wardroper foi a primeira diretora da Escola Nightingale e ocupava o cargo de matron no Hospital de Saint Thomas, onde funcionava a escola. Ela permaneceu por 25 anos como diretora (Jamieson et al.,1968). Em seus escritos, que tanta influência exerceram, Florence Nightingale se referia à enfermagem como um chamamento ou vocação, com uma conotação de tarefa divina. O próprio uso, no sistema inglês, da palavra matron (matrona ou superiora) para designar a chefe geral ou gerente do serviço de enfermagem e sister (irmã, da linguagem conventual), para designar as supervisoras de enfermagem, assim como a touca das enfermeiras, tudo lembrava a hierarquia nos conventos e os véus usados pelas religiosas, corroborando sua intenção de dar um caráter de chamado divino, que ajudou a reforçar essa analogia terminológica. Embora ela enfatizasse que a enfermagem poderia ser remunerada como um trabalho aberto para as mulheres de todas as classes, ela deu grande ênfase ao caráter moral das enfermeiras. Podemos constatar tal ênfase pelas longas listas de requisitos relacionados, em primeiro lugar, com não com a personalidade e a fibra moral e não apenas com as habilidades técnicas. Maggs (1983) justifica que esse preparo em moralidade, que ia além da 34 Era Vitoriana - relativa à rainha Vitória da Inglaterra (1837-1901). 4.2 – Reino Unido 87 total obediência, era baseada na construção de família de classe média com sua divisão de papéis e esferas, direitos, deveres e uma clara distinção entre os sexos. Nessas circunstâncias, pois, a enfermagem era vista de modo inequívoco como trabalho de mulher e no dizer de Oakley, citado por Chatterton, (2000, p. 13) a “história definiu uma boa enfermeira como uma boa mulher” (Chatterton, 2000). A exemplo das analogias de hábitos e vocábulos conventuais, elas foram também estabelecidas entre a enfermagem e maternidade. Assim, como resultado da constante ênfaze dada à ligação com feminilidade, poder-se-ia argumentar que a enfermagem ocupou um papel subordinado na divisão do trabalho, replicando o patriarcado da sociedade vitoriana. Citando Gamarnikow (1978) Chatterton (2000, p.13), compara esse dado com a família burguesa vitoriana: o médico como o pai e cabeça da família, cujo papel não podia ser desafiado. A enfermeira seria a figura da mãe exercitando a cada dia o controle da família, mas subordinado à autoridade do pai. E o paciente seria como a criança obediente às instruções. Em 1861, William Rathbone, um rico residente de Liverpool, escreveu à Florence Nightingale comunicando-lhe o desejo de recrutar enfermeiras de sua escola para prestar assistência aos pobres de sua cidade. Florence sugeriu-lhe criar uma escola semelhante à Escola Nightingale, na Enfermaria Real de Liverpool (Chatterton,2000). No ano seguinte os edifícios escolares foram construídos e equipados por Rathbone, com a ajuda de Mary Robinson, pessoa de muita competência apesar de não ter o devido preparo formal em enfermagem, mas que havia provado sua capacidade ao cuidar da esposa de Rathbone em sua enfermidade 4.2 – Reino Unido 88 até seu falecimento em 1860. Nessa ocasião, relata Jamieson (1968, p.183), “ele compreendeu que os doentes tinham necessidade de uma boa enfermagem”. A seguir foi incorporada à equipe, no cargo de superintendente, Merryweather, uma graduada pela Escola Nightingale. Entretanto, teve início o preparo de enfermeiras seguindo o modelo do Hospital St. Thomas, mas as alunas teriam também que ir praticar nas casas dos pobres de Liverpool (Chatterton, 2000). A emergência de uma nova ordem, que colocou a enfermeira formada no nível mais alto das categorias profissionais da enfermagem, começou praticamente na década de 1880, no Reino Unido. Alguns historiadores ainda afirmam ter sido a influência direta de Florence Nightingale que resultou no estabelecimento da profissão e, dentro dela, de uma elite. Isso porque até 40 anos antes dela não havia enfermeiros formados no país, e que desde a guerra da Criméia, mulheres da elite ingressaram na profissão introduzindo melhoria nos cuidados aos doentes (Maggs,1983). Outros vêem a emergência da moderna enfermagem mais ligada à expansão dos hospitais gerais a partir de 1860, após a guerra da Criméia, sendo que a influência da “revolução” de Florence de deu a partir de 1880. Qualquer que seja a data, o fato é que todos concordam que a enfermagem passou por mudanças fundamentais nos últimos anos do século XIX. Conforme mencionado anteriormente, já havia existido uma forma de treinamento na Casa de São João, desde 1848. Mas, não restam dúvidas de que a mais famosa e conhecida escola para formação de enfermeiras, foi a estabelecida por Florence Nightingale, no Hospital Saint Thomas, em 1860, com os fundos obtidos pelo seu trabalho na guerra da Criméia. Maggs (1983), por sua vez, sugere que a primeira geração de enfermeiras não deve ser vista como um grupo de pioneiras ou missionárias, mas 4.2 – Reino Unido 89 mulheres que ingressaram na enfermagem como opção de trabalho remunerado. Segundo ele, naquele tempo não havia ainda definição legal de enfermeiro, e muitos reformadores, ao aforismo de que “toda mulher é enfermeira”, queriam contrapor dizendo que toda mulher poderia ser ensinada a ser enfermeira (Maggs,1983). Paralelamente ao desenvolvimento da enfermagem geral, outro ramo da enfermagem também se desenvolveu - a enfermagem psiquiátrica -, uma vez que, ocorriam grandes mudanças no cuidado do doente mental nesse período. Anteriormente ao século XIX, o cuidado de pessoas consideradas portadoras de desordens mentais era feito de maneira relativamente informal. Casas e hospitais para essas pessoas foram construídos, em geral, sem regras ou bases. Um grande desenvolvimento de hospícios somente surgiu com uma lei de 1845, o que resultou num grande recrutamento de pessoal. Apesar do aumento do número de pessoal, a história desses predecessores dos atuais enfermeiros de saúde mental continuou quase inalterada. A natureza do trabalho era muito diferente daquela da enfermagem geral. Busfield, citado por Chatterton (2000, p.13), refere que “apesar do otimismo em que foi fundado, ao redor da metade do século XIX, os hospícios públicos eram como abrigos, funcionando cada vez mais como o último abrigo custodial e não para receber cuidado ou tratamento. Tornaram-se instituições custodiais sob o comando de complicados códigos legais para alienados ou excluídos da sociedade, que eram confinados de forma a menos dispendiosa possível, em locais remotos e seguros. O pessoal em serviço sofria punições se ajudasse algum alienado a fugir, de acordo com a lei de 1845”. 4.2 – Reino Unido 90 Enfermeiros compartilhavam das mesmas condições de vida dos pacientes, pois eram submetidos a idênticas regras e subordinados, à mesma e inquestionável obediência. No topo da hierarquia estava um todo-poderoso superintendente médico. Uma das grandes diferenças entre a enfermagem em saúde mental e enfermagem geral era a significativa proporção de homens os quais, em razão da sua força física, serviam dentro dessa categoria de pessoal, situação aliás, que persiste até os dias de hoje no Reino Unido. Em parte também, isso se devia à estrita segregação de sexos; tratava-se de uma configuração universal do hospício segundo o modelo social vitoriano, onde os homens eram empregados para trabalhar nas alas masculinas e, as mulheres, nas femininas. O pessoal era estritamente separado por sexo, assim como eram os pacientes. trabalhador que transgredisse essa regra era sumariamente Qualquer despedido (Chatterton, 2000). Esses hospícios públicos deveriam ser mantidos com o mais baixo custo possível, devendo mesmo ser auto-suficientes e por isso os pacientes deveriam trabalhar, sendo supervisionados pelo pessoal de enfermagem que passava a maior parte do tempo nesse mister. Como os homens haviam sido anteriormente militares ou guardas de prisões, em geral eles eram recrutados pelo critério de tamanho e de força física e tidos como cumpridores de ordens. As mulheres pacientes eram designadas para trabalhar na lavanderia, na limpeza e costura. Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) houve uma drástica redução de pessoal do sexo masculino, e muitos hospitais começaram a contratar mulheres para as enfermarias masculinas. Apesar de ser um fato comum em 4.2 – Reino Unido 91 hospitais escoceses, era desconhecido mais ao sul da Grã-Bretanha. Essa mudança provocou forte reação nos homens das enfermarias inglesas. Assim é que iniciaram uma campanha liderada pelo Sindicato Nacional de Trabalhadores de Hospícios Nacionais, pedindo que não adotassem as modificações. Alegavam eles que o salário inferior das mulheres estava reduzindo o salário dos homens, e se lançaram ao papel de protetores das mulheres, alertando para o risco de violência e de outros perigos de caráter sexuais. Tal fato, além de refletir um clima social generalizado - que se refletia no hospital -, acabou lançando uma luz interessante sobre a questão do gênero da enfermagem da época (Chatterton, 2000). Um ponto de vista oposto à oposição do Sindicato Nacional foi apresentado por Dr. George Robertson, diretor superintendente do Hospício de Edimburgo, num discurso na Associação Médica-Psicológica, em 1916. Com dois fortes argumentos ele sustentava que as enfermarias masculinas de qualquer hospício eram também lugares adequados para as mulheres trabalharem: que elas exerciam influência calmante sobre pacientes agitados e que eles eram tratados com maior cortesia e presteza, mais pelas mulheres do que pelos homens. Reforçou ele, ainda, que esse princípio havia sido aceito como prática na Escócia, no contexto de um ideal maior de transformar hospícios em verdadeiros hospitais, que deveriam cuidar dos doentes. E não via restrição ao trabalho das enfermeiras em hospícios porque, dizia ele, ajudar os que necessitassem de ajuda, portadores de transtornos mentais, ou não, era uma vocação eminentemente feminina. Por conseguinte, os homens deveriam cuidar da parte custodial, supervisionando o trabalho externo dos pacientes (Chatterton, 2000). Nessa época, o recrutamento era feito mais entre mulheres do que 4.2 – Reino Unido 92 entre os homens; as que tivessem formação na área de enfermagem geral tinham preferência para as promoções. Portanto, o ingresso de mulheres nas enfermarias masculinas dos hospícios ingleses teve sua origem numa situação de guerra, mais do que em crenças ideológicas sobre a divisão do trabalho por razões de sexo. Porém, após a guerra, a discriminação continuou a existir. Na década de 1920, o número de homens continuou alto e começaram a serem chamados “enfermeiros” e não mais atendentes, como ocorria na era vitoriana. Entretanto, as mulheres levaram cerca de quarenta ou cinqüenta anos para serem também assim designadas (Chatterton, 2000). Existem dados que servem de argumento para mostrar que as mulheres procuravam esse tipo de trabalho mais por falta de alternativa de emprego do que pelo sentido de vocação. Carpenter (1985), mais uma vez citado por Chatterton (2000, p.14 ) afirma que “não era de se surpreender que o trabalho em hospício não trazia status nem reconhecimento e que as mulheres eram recrutadas entre aquelas que buscavam trabalhos domésticos” Houve época, inclusive, em que se acreditava que a doença mental era contagiosa, e assim, o estigma marcava todos aqueles que haviam trabalhado nesse campo. Além do baixo status, as tarefas junto aos doentes mentais eram caracterizadas pelos baixos salários, por longas jornadas e por más condições ambientais. Os hospícios públicos se tornaram super-lotados e havia constantes pressões para manter os custos o menor possível. Embora recebessem uniforme, alojamento, alimentação e roupa lavada, o trabalho era mais árduo que o serviço 4.2 – Reino Unido 93 doméstico, os salários mais baixos e os salários das mulheres, menores ainda. Tal situação continuou até depois da 2a. Guerra Mundial. Chatterton cita como exemplo, uma empregada de escritório no Hospital Horton, em 1902, que ganhava o dobro do salário da matron. Ou o tratador de cavalo que, em 1877, ganhava mais do dobro do salário de um atendente do sexo masculino e quase quatro vezes mais que uma enfermeira. Assim, o recrutamento e a permanência no trabalho eram problemas contínuos na enfermagem, resultando daí, um problema nacional, a carência de pessoal nos hospitais públicos, que haviam passado por uma fase de expansão (Chatterton, 2000). O processo acelerado de industrialização, fez com que as fábricas absorvessem mão-de-obra, assim como oferecer alternativa de serviços burocráticos. Concorria, então, com os hospitais cujas condições ambientais continuavam precárias, com salários baixos e com longas e penosas horas de jornada de trabalho, situação agravada pelo fato de as mulheres nos hospitais terem sua liberdade muito controlada, não apenas pela matron como pelo diretor superintendente. Consideravam eles que a redução da jornada semanal não seria necessária para as mulheres, pois seria contrário ao interesse delas mesmas que iriam facilmente desperdiçar dinheiro nesse tempo livre. Se, de um lado Sir Robert Armstrong Jones (1924), citado por Chatterton (2000, p.15), descrevia a enfermagem como uma honorável profissão, por outro lado a Revista Médica Britânica, no ano de 1924, argumentava que a enfermagem era vista apenas como um meio temporário de ganhar a vida e não como uma carreira. Dingwall et al. (1988), por sua vez, afirmavam que muitos trabalhos, 4.2 – Reino Unido 94 cujo recrutamento era feito entre as mulheres da classe trabalhadora, experimentaram alto nível de desperdício e rotatividade. Queixas sobre deficiência de pessoal feminino refletiam, segundo os autores, o clamor de que a Enfermagem era um tipo especial de compromisso, mais do que um trabalho manual para as mulheres. Nesse período a questão da profissionalização era muito importante para todos os campos da enfermagem. Assim é que, no final de 1919, a lei sobre o registro de enfermeiros na Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda havia recebido apoio do Reino com a instituição de um Conselho Geral de Enfermagem (CGE). Sua incumbência era estabelecer o registro geral de todos as enfermeiros generalistas e seções para enfermeiros de outros setores, inclusive para os de saúde mental. Isso aconteceu depois de uma longa batalha entre as diversas facções, uma vez que aqueles que tinham trabalhado em hospícios não eram reconhecidos pelos outros como enfermeiros (Arton,1981). De fato, até a década de 1890, a enfermagem em saúde mental não contava com uma preparação formal, ao passo que a preparação de enfermeiras generalistas já ocorria desde meados do século XIX. Essa falta de preparo resultava no continuado baixo status do pessoal dos hospícios e, concomitantemente, na perda de possibilidade de recrutar candidatas entre as jovens educadas e solteiras da classe média. Na verdade o primeiro programa de treinamento de âmbito nacional para a formação em enfermagem psiquiátrica foi instituído, em 1899, pela Associação Médica Psicológica, atual Royal College of Psychiatrists. O treinamento contava com um livro-texto e exigia exames de aproveitamento. O manual de instruções para cuidar de alienados popularmente conhecido como, 4.2 – Reino Unido 95 Red Handbook, tinha trezentas e setenta páginas, foi publicado pela primeira vez em 1885, e foi utilizado, com sucessivas revisões, até o ano de 1978 (Arton,1981). Em maio de 1920, o Conselho Geral de Enfermagem concordou em reconhecer os portadores do certificado da Associação Médica Psicológica (AMP) habilitados, para serem admitidos e registrados. Todavia, introduziram um outro exame em enfermagem psiquiátrica, além das provas da Associação Médica Psicológica. A pretensão do Conselho era assumir a função de órgão examinador para o registro oficial. Entretanto, a AMP não aceitou ser substituída e surgiu um longo conflito entre as duas organizações, conflito esse que perdurou até 1951, quando o CGE ganhou a causa para tornar-se o único órgão de controle total sobre enfermeiros psiquiátricos. Um grande número de enfermeiros preferia submeter-se ao exame da AMP porque os cursos eram mais práticos, considerados de maior prestigio e o exame era controlado pelos médicos. Mesmo porque, o exame do CGE era considerado mais extenso e mais difícil (Arton,1981). Ainda nessa época, a questão do sindicalismo se apresentava com a mesma importância da profissionalização do enfermeiro de saúde mental. O sindicato apoiava o treinamento de seus membros, e no ano de 1919, seu primeiro Programa Nacional, chamava seus filiados para o registro oficial como enfermeiros psiquiátricos. Da mesma forma, lutava para melhorar as condições de trabalho de seus sindicalizados. Mas, nesse aspecto, surgiu a possibilidade de novo conflito entre a profissionalização proposta pelo Conselho Geral de Enfermagem e o sindicato, uma vez que o CGE via a enfermagem como sendo uma vocação, despojada de seu caráter profissional. Estava ainda arraigada a 4.2 – Reino Unido 96 noção de que, no mundo mítico da moderna enfermeira não havia lugar para o sindicalismo. Isso porque, com a sindicalização da enfermagem, a enfermeira poderia levantar exigências materiais como salário e condições de trabalho, aspectos que iriam obscurecer sua função exclusivamente sublime de inclinar-se para o cuidado do paciente e encontrar nessa sua tarefa a recompensa de ordem espiritual. Essa era uma das características da enfermeira preconizada por Florence Nightingale. Fica fácil concluir que essa imagem da enfermagem era uma antítese do conceito de sindicalismo (Arton,1981). Desencontros à parte, o desenrolar de fatos posteriores mostrou que o trabalho nos hospícios foi importante, tanto pela sua contribuição para o sindicalismo da enfermagem, como para a criação de um modelo profissionalístico de desenvolvimento ocupacional. Os hospícios viram o mais substancial crescimento do modelo empresarial de organização e serviram de cenário para os esforços entre esses modelos rivais de orientação no trabalho. Em 1910, um grupo de atendentes homens fundou o Sindicato dos Trabalhadores de Hospícios Nacionais, na cidade de Lancashire. A história registra que as mulheres aderiram vagarosamente. Apesar disso, ao término da Primeira Guerra Mundial elas já representavam 46% do sindicato. Em 1922, o governo tentou reduzir salários e aumentar a carga horária de trabalho. Nessa circunstância as mulheres sindicalizadas decidiram radicalizar, demonstrando para os homens uma militância e uma determinação coletiva, ao liderar uma greve onde se destacou a maioria de mulheres. Isso se explica porque, talvez, os homens temessem demissões. A história registra que fizeram até barricadas nas enfermarias, do Hospício de Radcliffe, e a Policia levou quatro horas para conseguir controlar a situação. Resultado: o pessoal foi preso e 4.2 – Reino Unido 97 demitido logo em seguida. Cumpre salientar que muitos desses demitidos e demitidas levaram meses, e até anos, para conseguir novo emprego. A imprensa, em geral, como era costume, condenou a atitude de greve. A revista Nursing Times, citada por Chatterton (2000, p. 18), “considerou que os grevistas haviam ferido a profissão de enfermagem, e que não poderiam demonstrar sua simpatia pelos enfermeiros nas deploráveis ações”. A greve de Radcliffe foi derrotada e marcou o fim da batalha para manter a idéia de uma jornada semanal mais curta, assim como também desmotivou a militância sindical nesse período. Entretanto, apesar da derrota, o movimento de Radcliffe, considerado por alguns autores como a mais sensacional greve dos tempos modernos, é raramente citada nos tratados sobre história da enfermagem. Talvez porque a imagem de enfermeiras grevistas contrastava demais com a imagem tradicional de anjo, sempre enfatizada por esses autores. Em suma, a história do papel da mulher no desenvolvimento da enfermagem de saúde mental levanta uma multiplicidade de questões: a dissonância entre a imagem angelical da mulher enfermeira e o perfil da natureza custodial da função, a divisão do trabalho de acordo com o sexo e as tensões, pela ótica do passado, entre uma profissionalização de caráter sagrado e um sindicalismo de cunho profano. Como os grandes hospícios da era vitoriana foram fechados, acreditamos ter sido pertinente traçar esse legado histórico que, no Reino Unido, até hoje influencia a enfermagem de saúde mental. Somente depois de 1990, é que a Enfermagem em Saúde Mental tornou-se uma especialidade da Enfermagem. 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 98 4. 3 - Estados Unidos da América ( EUA) Na segunda metade do século XVIII, muitas famílias americanas já contavam com dois livros para orientação em caso de doença. Eram eles o de Medicina Doméstica, escrita por Wlliam Buchan em 1769, e o Guia da Saúde, por Thomsonian, que eram passados de geração em geração. Ambos traziam conhecimentos de medicina para que pais e mães pudessem cuidar de suas famílias. Nessa época começou a surgir um sentimento de caráter nacionalista na sociedade colonial, acentuando-se após a Guerra dos Sete Anos (1756-1762) que a Inglaterra sustentou contra a França. Com efeito, a França perdeu a guerra e mesmo assim a Inglaterra arcou com enormes prejuízos, que tentou dividir com suas treze colônias da América do Norte. Essa tentativa gerou uma revolta e um movimento de emancipação política que, por sua vez, culminou com a proclamação da independência americana, na Filadélfia, em 1776, sendo acatada pela Inglaterra através do Tratado de Versalhes, assinado em 1783 (Burns, 1972). Hospitais já vinham sendo fundados em várias cidades, como por exemplo, o Hospital Bellevue em Nova York, em 1658 - quando essa cidade tinha apenas cerca de mil habitantes - e serviu como asilo de pobres e abrigo para todas as epidemias que ocorriam, tais como: febre amarela, febre tifóide, cólera e varíola; o Hospital da Caridade, em Nova Orleans, em 1737, e o de Blockley, na Filadélfia, em 1751. A exemplo do que ocorreu no Reino Unido, os hospitais de modo geral, também foram o berço da enfermagem e da medicina moderna. O desenvolvimento da medicina moderna começou de fato por volta do ano de 1800, ocasião em que havia médicos cientes de que enfermeiras bem treinadas seriam de grande utilidade e valor. Em 1798, Dr. Valentine Seaman, 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 99 cirurgião do Hospital Bellevue, de Nova York, durante o período de 1796 a 1817, tomou a iniciativa de dar cursos regulares para enfermeiras sobre anatomia, fisiologia, obstetrícia e pediatria. Ele não se restringia a palestras de conteúdo teórico; incluía também demonstrações práticas. Seaman publicou uma sinopse de suas palestras, a qual, provavelmente, se constituiu numa das primeiras tentativas de preparar textos para enfermeiras (Griffin e Griffin, 1973). A seu respeito Nutting e Dock (1935, v2, p.326) diziam que “ele era médico de mente aberta para a época, pois concebeu e iniciou o primeiro sistema de instrução para enfermeiras no continente americano”. A necessidade de instruir e preparar enfermeiras se manifestou, de igual modo, no ano de 1832 por ocasião de uma epidemia de cólera nos EUA. Como possível decorrência das condições de trabalho no ambiente da epidemia atendentes pediram aumento de salário. O aumento foi concedido, mas eles gastavam em bebidas alcoólicas, causando sérios problemas no hospital. A desmoralização foi tão grande que o bispo local pediu a vinda de Irmãs de Caridade. Esse pedido foi prontamente atendido e o trabalho logo iniciado. Depois de alguns meses, porém, quando a diretoria do hospital pediu a elas que permanecessem definitivamente no hospital, o superior não concordou e elas tiveram que abandonar os trabalhos, o que reforçou a necessidade de preparar enfermeiras (Nutting e Dock, 1935). No ano de 1839, Dr. Joseph Warrington, um médico quaker35 que trabalhava no Dispensário da Filadélfia, inspirando-se no trabalho de Elizabeth Fry, da Inglaterra, fez a tentativa de criar um curso regular, com aulas e 35 Quaker - Membro de uma seita religiosa cristã que se opunha à violência e à guerra (Oxford Advanced Learner´s Dictionary, 1989, p. 1023). 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 100 demonstrações (Griffin e Griffin, 1965). Publicou um livro chamado Guia das Enfermeiras (O´Brien,1987), pois estava preocupado com a qualidade do cuidado com as mulheres pobres durante o parto. Ele via que as parturientes só tinham duas alternativas: correr o risco de infecção puerperal nas instituições de caridade da cidade, ou dar à luz pelas mãos de imigrantes sem treinamento algum. Em vista disso, queria propor uma terceira alternativa, pelo que, nesse mesmo ano, fundou a Sociedade de Enfermeiras da Filadélfia que mandava “enfermeiras” às casas para assistirem as mulheres no parto e no pós-parto (O´Brien,1987). Essas enfermeiras recebiam treinamento sobre a organização de um quarto para o doente, a alimentação para o convalescente e o cuidado com a mãe e o bebê. Entre 1839 e 1850, Warrington empregou perto de cinqüenta enfermeiras. É importante lembrar que a década de 1830 era um tempo em que a enfermagem era vista como uma responsabilidade nata e caridosa de mulheres e mães, o que marcou através dos anos, o modo como essas raízes domésticas configuraram o pensamento contemporâneo (O´Brien, 1987). A idéia prevalente era de que enfermagem pertencia ao domínio do lar, influenciada pelos contornos que emergiam do trabalho e permitiam que as pessoas que praticassem a enfermagem, também por necessidade, usassem o símbolo e retórica de Florence Nightingale, como um pretexto para legitimar um outro tipo de trabalho da mulher. Com efeito, o mito de Nightingale, a “Dama da Lâmpada”, incitava uma vocação ou um chamado para um trabalho voluntário e não a necessidade de um trabalho assalariado. Nessa época, a enfermagem estava associada ao lar e à vida doméstica. Mães, filhas e irmãs cuidavam de suas famílias, talvez com a ajuda de 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 101 vizinhos que, por sua vez, também tinham considerável experiência prática de cuidar de seus próprios familiares. Não era raro encontrar viúvas que, após terem cuidado dos maridos em suas doenças finais, usavam suas habilidades para prover a precária existência financeira. Em 1850, foram criadas a Sociedade de Enfermeiras do Lar e a Escola da Filadélfia, nessa cidade e, quiçá, a primeira no país. Warrington era muito claro quanto ao papel dessas enfermeiras. Enquanto atendiam num ambiente doméstico, elas eram responsáveis perante o médico que supervisionava cada caso. O treinamento organizado por ele visava não tanto criar um trabalho de enfermagem independente, mas principalmente impressionar as mulheres que se engajavam nele e fazê-las compreender sua relação com a classe dos médicos que, segundo ele, haviam devotado muitos anos aos estudos para a aquisição de uma ciência e para o exercício da atividade. O papel da enfermeira, visto no contexto histórico tradicional, põe em evidência quais eram, de fato, as razões que estavam por trás do sistema de Warrington: manter estrita autoridade e exercer um controle sobre a enfermagem. A área obstétrica, por exemplo, estava justamente começando sua longa luta para obter legitimação médica, mas a especialização ainda estava associada a médicos (O´Brien,1987). Para fazer partos, as mulheres provindas de áreas confinadas de um lar eram mais aceitas do que os médicos. Nessas circunstâncias Warrington tentou criar um elo, ou seja, mulheres continuariam assistindo ao parto, mas elas não eram mais vinculadas às parteiras, mas sim aos médicos. Seriam treinadas por eles e a eles deveriam prestar contas. Com isso haveria a extensão de um 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 102 serviço mais “científico” para que fosse levado aos lares da Filadélfia como sendo um parto científico. A primeira preocupação era a de melhorar a qualidade das mulheres que cuidavam dos doentes. Ann Preston foi uma das cinco médicas pioneiras dos EUA, que havia fundado o Colégio Médico Feminino, da Pensilvânia, em 1850 e, posteriormente, o Hospital da Mulher, em 1861. Como Warrington, ela se preocupava com a qualidade das oportunidades clínicas disponíveis para as médicas e para as mulheres estudantes de medicina, assim como com a questão do treinamento de enfermeiras (O´Brien,1987). A partir de 1855, ela se uniu a Warrington e a Hannah Miller para publicar um folheto conclamando as mulheres a ingressarem na enfermagem. Enfatizava-se que uma das importantes missões do hospital era melhorar o campo para o treinamento de uma classe superior de enfermeiras (O´Brien,1987). Para atrair tais inteligentes, benevolentes e conscienciosas mulheres, Ann Preston conforme registra O´Brien (1987, p.14), ao contrário da rígida hierarquia de Warrington, declarava em público que: “a enfermeira sozinha, que colaborasse com o poder de cuidar da natureza, era em certos estágios da doença, mais importante e efetiva que o médico” . Em particular, porém, Preston e a diretoria do hospital reconheciam que poderiam dispensar os serviços de camareiras, pois as obrigações das enfermeiras incluíam muitas tarefas domésticas. Percebe-se que o caráter doméstico da enfermagem sempre esteve presente na mente das pessoas quando pensavam na sua prática. Até mesmo 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 103 Florence Nightingale escrevia que: “toda mulher tem, em algum momento da vida, que se encarregar de cuidar de alguém, criança ou pessoa inválida, ou, em outras palavras, que toda mulher é enfermeira” (Nightingale, 1989, p. 11 ). Com essa afirmação ela pretendeu dar algumas idéias para reflexão às mulheres que cuidavam de familiares no lar. Embora Ann Preston estivesse interessada em educar mulheres para a medicina, do mesmo modo que as enfermeiras, ela também sabia da necessidade de alguma instrução para mulheres cuidarem de suas famílias. Seus dois livros: Cuidando do doente e Treinamento de Enfermeiras, publicados em 1863, continham instruções do cotidiano de senso comum como, por exemplo, a necessidade de ar puro e a importância de alimentação correta. Esses livros tinham dois objetivos: em primeiro lugar, na linha de Nightingale, era dar conselhos práticos para aqueles que cuidavam de doentes em casa; em segundo, Preston queria igualmente congregar as mulheres solteiras que lessem o livro ou assistissem às suas palestras sobre cuidados a doentes, para que viessem como “noviças” ou estudantes de enfermagem (O´Brien, 1987). Em 1865, os diretores de hospitais mostravam-se muito preocupados com o fato de não encontrarem nas aspirantes à enfermagem o conjunto de qualidades que faziam parte do perfil de uma enfermeira, tais como delicadeza, tato e eficiência. O número de alunas raramente excedia a uma ou duas por ano na década de 1860. Por essa razão, para poderem prestar os cuidados, os hospitais tinham que se valer de anúncios e da cooperação de convalescentes e estudantes de medicina. Todavia, as conferências faziam enorme sucesso entre 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 104 as damas da Filadélfia. Quando começou a Guerra Civil americana (1860-1865), foi organizado um sistema de cuidados ao doente e ao ferido, que nunca havia existido antes. Cuidados básicos eram dados por viúvas e por outras mulheres voluntárias das vizinhanças dos campos de batalha. Em poucas semanas, havia mais de cem mulheres interessadas; a elas foi ministrado um pequeno curso de treinamento por médicos e cirurgiões de Nova York. Tal como ocorreu na Inglaterra, as guerras estimularam a necessidade de formação de enfermeiras e aumentaram a demanda efetiva por uma enfermagem moderna (Griffin e Griffin, 1965). Dorothea Lynde Dix (1802-1887), uma professora que havia estudado na Inglaterra, dedicava-se como voluntária a cuidar de doentes mentais e da casa dos pobres, assim como à reforma das prisões. Ela foi indicada pelo ministro da Guerra para superintender essas novas enfermeiras e para formar o primeiro corpo de enfermeiras do Exército. As regulamentações esboçadas por ela haviam sido sugeridas por Florence Nightingale, a quem conhecia. Florence havia feito sugestões com base nas dificuldades que ela mesma havia experimentado. Também religiosas se apresentaram como voluntárias para prestar cuidados. Com exceção desse grupo, quase nenhuma outra, das cerca de seis mil mulheres que serviram na guerra como enfermeiras, teve algum tipo de treinamento ou experiência de hospital. O papel das mulheres fazendo enfermagem na Guerra Civil, embora sem sofisticação, provavelmente seguiam a fama de Florence Nightingale. Tal fato chamou a atenção da população para a necessidade de alguma forma organizada de treinamento para enfermeiras (Jamieson et al.,1966). Em 1862, enormes hospitais militares foram construídos; alguns com até 3 mil leitos. Antigos hospitais, igrejas e fábricas também foram adaptados para 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 105 servir como hospitais; até barcos do Mississipi foram ajeitados para naviohospital. Os militares não queriam enfermeiras nesses hospitais e, por isso, os médicos as tratavam muito mal. A disciplina no hospital era-lhes muito rígida. Algumas figuras emergiram nos hospitais desse período, como Georgina Woolsey, Mary Ann Bickerdyke e Clara Barton as quais, posteriormente colaboraram no movimento para a implantação de escolas de enfermagem. Mais médicos se interessavam em treinar enfermeiras. Assim é que, em 1869 na reunião da Associação Médica Americana, uma comissão especial, que havia já estudado o assunto, assegurou ser tão necessário ter enfermeiras bem treinadas e instruídas quanto ter médicos inteligentes e habilidosos. Essa comissão recomendou que escolas de enfermagem fossem instaladas junto às sociedades médicas, embora sob supervisão de ladies superintendentes dos hospitais. Recomendou, de igual modo, que todo hospital leigo deveria ter uma escola de enfermagem, e ainda que as alunas fossem treinadas não apenas para hospitais como para fazer enfermagem nos domicílios. Assim, em meados do século XIX, a enfermagem continuava sendo muito uma arte doméstica. Para praticá-la nas casas, elas deveriam possuir dotes de verdadeira feminilidade. Para praticá-la em troca de salário, era tida como atividade da esfera doméstica, um mundo onde a única analogia era com a camareira (O´Brien,1987). Em 1860, o Hospital da Nova Inglaterra, fundado em 1810 posteriormente chamado Hospital Geral, de Boston, Massachussetts, já havia tentado formar enfermeiras, mas não obteve êxito até que introduziu o sistema das diaconisas de Kaiserswerth, o mesmo onde Florence Nightingale havia estudado, como já referimos anteriormente. Linda Richards, que se graduou em 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 106 1873, foi considerada como a primeira enfermeira graduada na América, com curso de um ano, que seguia o sistema de Kaiserswerth (Jamieson, et al.,1966). No ano de 1876, formou-se Martha Waldron. Ela e Linda Richards, portanto, não foram formadas no modelo nightingaleano. Todavia, estavam bem preparadas e foram superintendentes das novas escolas. Outra graduada pela escola desse hospital foi Mary Mahoney, a primeira enfermeira graduada de raça negra, em 1879 (Jamieson et al., 1966 e Kelly,1999). A primeira escola norte-americana a adotar o sistema nightingaleano foi a Escola de Preparação Profissional, do Hospital Bellevue, de Nova York, em 1873 (Jamieson, et al., 1968). Mas, nesse mesmo ano, outras duas instituições também adotaram esse sistema: a do Hospital Geral de Boston, em Massachussets e a de Connecticut. Cabe destacar que o sistema nightingaleano, ao ser transposto para os EUA, as enfermeiras americanas procuraram imprimirlhe uma forte carga teórica e levar esse ensino para o âmbito das universidades, ainda que os hospitais continuassem a ser utilizados para o desenvolvimento da prática. Já o modelo nightingaleano, dito “puro”, manteve o ensino atrelado ao âmbito hospitalar, enfatizando e valorizando a experiência prática. Assim, há autores que consideram que o modelo nightingaleano comporta um sub-modelo anglo-americano ou americano. A Escola de Preparação Profissional de Enfermeiras de Connecticut começou por influência de Georgina Woolsey e seu marido, Dr. Francis Bacon, na cidade de New Haven. Na ocasião, ficou acertado com o hospital que a superintendente das enfermeiras seria designada sem ter vínculo com a administração geral e nem teria que responder perante o administrador. Foi, de igual modo, permitido o ensino fora das enfermarias. Houve muitas dificuldades 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 107 criadas pelo administrador, mas a enfermagem continuou sendo controlada por enfermeiras. O cuidado ao doente acabou sendo estendido até o domicilio ( Kelly, 1999 ). Na falta de registros históricos, supõe-se que os cursos regulares para enfermeiras, no Hospital Bellevue, ministrados pelo Dr. Valentine Seaman desde 1798, tenham funcionado até 1817, quando ele deixou o hospital. Posteriormente, porém, foi fundada nesse hospital, uma escola de enfermagem por influência de damas da sociedade que estiveram envolvidas com a enfermagem na Guerra Civil Americana, entre elas, Georgina Woolsey. Horrorizadas com as condições dos novecentos pacientes, com três ou quatro pacientes ocupando a mesma cama, os cuidados sendo feitos por pessoas sem preparo e guardas noturnos que lhes roubavam comida e os deixavam sujos, elas levantaram fundos e criaram a escola, cujas alunas deveriam cuidar das enfermarias do hospital. A escola ficava sob a direção de uma superintendente, e as alunas cuidariam também da limpeza. Embora a escola tentasse seguir os princípios de Florence e passasse a atrair jovens educadas, o objetivo era melhorar as condições dos doentes. Mesmo assim, Bellevue teve a primazia de várias iniciativas, tais como: rondas interdisciplinárias onde enfermeiras reportavam sobre o plano de cuidados; prontuário de pacientes, com as prescrições e outras ordens médicas, iniciado por Linda Richards, que já havia trabalhado no Hospital Geral de Boston. Ela foi a primeira superintendente da noite, e foi quem criou uniforme para enfermeiras, desenhado por uma estilista aristocrática chamada Euphemia Van Rensselaer. Entre as formadas no Bellevue, duas grandes líderes se destacaram: Lavinia Dock e Isabel Hampton Robb (Jamieson et al.,1966). A Escola de Boston foi a terceira desse primeiro triunvirato de escolas 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 108 de enfermagem nos EUA. Novamente foram algumas mulheres que, associadas a outros educadores filântropos, começaram a propor a criação de uma escola para oferecer uma ocupação para o sustento próprio de mulheres e prover boas enfermeiras para assistência nos domicílios (Kelly,1999). Depois de prolongada negociação, foi aceito que o diretor da escola, e não do hospital, manteria o controle do Hospital Geral de Boston onde estavam os departamentos médicos e cirúrgicos para treinamento de enfermeiras. Mas, parece que a liderança não tinha força suficiente, pois as enfermeiras continuaram a lavar louças e fazer outros serviços menores com pouca atenção para o treinamento. Quando Linda Richards assumiu a direção como a terceira diretora, ela reorganizou o trabalho, deu início às aulas do curso de enfermagem e provou que enfermeiras educadas eram melhores que as não-educadas. Para dar o exemplo, ela mesma cuidava dos doentes mais graves das enfermarias. Em 1876, ela tinha sob seu encargo toda a enfermagem do hospital (Kelly,1999). A partir dessa época, outras escolas de enfermagem foram surgindo em todo o país e, em 1880, já existiam 15; em 1900, 432 e, em 1909, já funcionavam 1.105 escolas em hospitais concedendo diplomas. Os requisitos para admissão variavam, entretanto, todas as candidatas eram mulheres. Alguns hospitais aceitavam homens, mas os cursos para eles eram mais curtos (O’Brien,1987). 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 109 First head nurses at Bellevue, circa 1900 Fig. 5 - Primeiras enfermeiras chefes no Hospital Bellevue, de Nova York , por volta de 1900. Fonte: Schorr e Kennedy (1999, p. 9) . Histórias românticas de heroísmo e o valor de Nightingale e suas enfermeiras na Guerra da Criméia, alimentava a imaginação do público americano. Entretanto, longe dessa guerra e no meio da Guerra Civil Americana, portanto próximo de seus lares, outros livros sobre hospitais, ou sobre o trabalho 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 110 da mulher, seu patriotismo e paciência – que descrevia, os esforços de mães e irmãos contra a sujeira e a doença, a insensibilidade ou a indiferença de médicos – mostram a destruição provocada por essa luta fratricida. Em 1871, o editor do Godey´s ladie´s book, a mais popular revista para mulheres daquele tempo, escreveu um editorial de notável visão para a época, sobre Ladies nurses (damas enfermeiras): “muito tem sido dito sobre os benefícios de conclamar-se enfermeiras para doentes, para elevá-las ao nível de profissão, que uma dama educada poderia adotar sem senso de degradação de sua parte ou da estima dos outros. Toda escola médica deveria oferecer um curso de treinamento, especialmente adaptado para damas que desejassem qualificar-se para a profissão de enfermeira. E aquelas que fizessem o curso e passassem nos exames deveriam receber um grau e um diploma que lhe daria posição na sociedade” (Kelly, 1999, p. 44). Mulheres ricas, imbuídas de disposição, de amor ao próximo e com suas experiências da guerra civil ainda vivas na memória, inspecionavam hospitais da Filadélfia e outras cidades da costa leste. Pauline Henry foi uma dessas mulheres. Rica e inválida, ela tinha experiência pessoal com enfermeiras em sua longa doença. Em 1872, ela ofereceu US$1.000,00 para o Hospital Geral da Filadélfia para que abrisse uma escola de enfermagem. Quando esse hospital não acolheu a condição estipulada, ela estendeu essa oferta para o Hospital da Mulher, - também na Filadélfia -, em 1875, aumentando-a para US$3.000,00, e com a condição de expandir para outros hospitais da Filadélfia os serviços de enfermeiras formadas. O Hospital da Mulher aceitou imediatamente as condições impostas e recebeu a doação. Assim, o número de mulheres que se preparava 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 111 para exercer a enfermagem começou a aumentar gradativamente, misturando-se a imagem romântica de ser enfermeira com a necessidade de ser um trabalho remunerado (O’Brien,1987). No inicio de 1876, Fanny Irwin, uma das graduadas do Hospital da Mulher era supervisora dos cuidados de enfermagem como assistente da matron. Desse modo, e sucessivamente, várias enfermeiras formadas nesse hospital trabalharam nele. Uma delas, Anna Bunting, abriu a Escola de Enfermagem do Hospital da Pensilvânia, em 1884 (Jamieson et al.,1966 e O’Brien,1987). O ano de 1885 é tradicionalmente associado ao nascimento do ensino de enfermagem na Filadélfia. Nesse ano, o Hospital da Mulher já tinha organizado um grupo de enfermeiras formadas que eram ativas e influentes nos hospitais da cidade. Essas enfermeiras, formadas por médicos como extensão de seus braços para a ciência médica emergente, já tinham criado um conjunto de práticas e uma educação especializada antes mesmo do Hospital Bellevue, de Nova York. Nesse mesmo ano ocorreu outro grande marco porque um legado de Nightingale foi introduzido na Filadélfia. Isso porque um apelo feito por George Childs, dono de jornal da cidade e presidente do corpo diretivo do Hospital Geral da Filadélfia, trouxe Alice Fisher, para trabalhar nesse hospital. Fisher era uma graduada do St. Thomas, - portanto da Escola Nightingale - e profissional com impressionante currículo, como superintendente de diversos hospitais ingleses. Um ano mais tarde, Charlotte Hugo, outra graduada do St. Thomas, instituiu a escola de enfermagem no Hospital da Universidade da Pensilvânia. Entre as inúmeras lideres da enfermagem, desde 1890, formadas por essa escola, cita-se o nome de Mary P. Davis, que fundou a revista The American Journal of Nursing, com a ajuda de Lavinia Dock, Isabel Hampton Robb, Lillian Wald e várias outras 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 112 (O’Brien,1987). Esse periódico circula até hoje, conta, por conseguinte, com mais de cem anos de existência. As enfermeiras do Hospital da Mulher não estabeleceram nenhuma linha direta com Florence. Suas raízes eram muito fixadas em seu tempo histórico e seu papel havia sido montado com base na experiência pessoal, bem como era fruto de uma retórica que misturava ideais domésticos com ciência médica (O’Brien, 1987). Sobre a realidade do mundo do trabalho convergiu a poderosa imagem simbólica de Florence Nightingale, como uma figura profundamente emaranhada com os valores e necessidades sociais do século XIX. Nessa época, os EUA eram bastante diferentes da Inglaterra. Porém, havia muitos pontos em comum no pensamento social e médico que permitiam emprestar não apenas a imagem, como o seu conteúdo. Uma linha era a necessidade de legitimar o trabalho remunerado da mulher que aspirava ser uma lady e, ao mesmo tempo, poder manter-se com seus próprios recursos. A outra era a necessidade de a medicina ter um quadro de cuidadores competentes e disciplinados para trazer a ordem doméstica para a cada vez mais complexa instituição hospitalar (O’Brien, 1987). Em 1888, no Hospital Bellevue, foi estabelecido um curso de dois anos. Gradualmente, vários hospitais começaram a aceitar homens. A idade mínima para todos os estudantes era vinte e cinco anos; depois passou a ser vinte e um, para não perder as jovens moças para outros campos. A escolaridade exigida era variável e podia ser de poucos anos. Contudo, os pré-requisitos indispensáveis eram a boa saúde e bom caráter. A obediência durante o treinamento era rigorosa e a aluna poderia ser dispensada se não cumprisse as ordens, se fosse faladeira, ou muito “familiar” com os homens e se criticasse enfermeiras ou os médicos. 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 113 Muitas vezes, as casadas não eram aceitas, assim como as que tinham mais de trinta anos de idade. As negras também eram furtivamente excluídas. Por esse motivo, foram abertas algumas escolas para candidatas negras, sendo a de Chicago a primeira a ser fundada, o que ocorreu no ano de 1891. Na década de 1890, apenas 2% do curso tinha conteúdo teórico, com aulas de anatomia, fisiologia, química, bacteriologia, higiene e patologia. O primeiro Manual para Enfermeiras foi produzido por uma comissão de médicos e enfermeiras, em 1878, na escola de Connecticut. Depois surgiu o manual de Clara Weeks em 1885, o de Lavinia Dock em 1890 e o de Isabel Hampton Robb em 1893. Desde o começo, os médicos eram contra o que chamavam de excesso de educação para enfermeiras. Todavia, houve também aqueles que apoiavam, como o Dr. Richard Cabot, citado por Kelly (1999, p. 41) que, em 1901, alertava que enfermeiras deveriam ser bem preparadas como membros de uma profissão verdadeira. Ele listou uma série de requisitos, o que incluía: “1) enfermeiras devem pagar para serem treinadas por instrutores igualmente pagos; 2) a enfermagem deve ser ensinada por enfermeiras, assim como medicina por médicos; 3) a educação de enfermeiras não deve ser inteiramente técnica”. Para tanto recomendava que a literatura francesa deveria ser incluída, assim como história, o que daria mais profundidade e simpatia no relacionamento com o ser humano. Enquanto isso, as alunas continuavam sua existência como escravas, com excesso de trabalho, vivendo em más condições de habitação, mal alimentadas e pouco protegidas das doenças que ajudavam a cuidar em doentes 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 114 da média dos hospitais (cerca de 80% das alunas que terminavam o curso de enfermagem estavam positivas para tuberculose). Se sobrevivessem a toda essa situação, não era de se admirar que elas fossem respeitosas, obedientes, submissas, alegres, leais, trabalhadoras, pacíficas e religiosas. Esses princípios de sacrifício, serviço, obediência ao médico e a orientação ética estavam contidos no juramento de Florence Nightingale, escrito em 1893 por Lystra E. Gretter, superintendente da Escola do Harper Hospital, de Detroit, um juramento até hoje recitado pelas alunas ( Kelly, 1999). Para os diretores de hospitais e para os médicos, o legado de Florence Nightingale foi igualmente poderoso, pois um simples apelo para a sua imagem, seria suficiente para ajudar a recrutar um grupo de cuidadoras disciplinadas e para suportar o intenso trabalho de uma instituição que estivesse deteriorando. Nos EUA, a pioneira na cruzada pela reforma no cuidado com o doente mental foi Dorothea Lynde Dix, (nomeada depois como superintendente do primeiro corpo de enfermeiras do Exército; como registrado em páginas anteriores), quando esse tipo de doença era ainda considerado sem cura. Poucas pessoas percebiam que elas também necessitavam de tratamento humano. Em muitos lugares, doentes mentais eram exibidos como animais para diversão pública. Dorothea Dix, em seu primeiro contato com o doente mental, - que ocorreu em 1841 -, chocou-se com o ambiente e com as condições em que viviam os prisioneiros, sendo que muitos deles eram doentes mentais. O único “tratamento” que eles recebiam passava da indiferença para a negligência, chegando até a brutalidade. Havia a percepção de que eles eram incapazes de ter sensações térmicas, não havendo, pois, calefação de ambiente para eles. 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 115 Com persistência lutou para que houvesse calefação em Cambridge, local de muito frio, especialmente no inverno. Ela levantou outras necessidades dos doentes mentais, reuniu informações e dados e buscou apoio dos cidadãos. Em seus contatos, havia encontrado pacientes confinados em jaulas, armários, banheiros, porões, adegas e sótãos. Muitos estavam nus, acorrentados e tinham sido açoitados para serem obedientes. Graças aos seus esforços, o primeiro hospital público foi construído em Trenton, Nova Jersey, onde buscaram melhorar o padrão dos cuidados aos doentes mentais. Até sua morte, ocorrida em 1887, mais de trinta hospitais haviam sido estabelecidos nos Estados Unidos (Dolan, 1968). A gênese da profissionalização da enfermagem nos EUA no que tange às publicações sobre os cuidados com os doentes e sobre o preparo dos enfermeiros, pode ser resumida da seguinte forma: Período pré-nightingaleano: Medicina doméstica, de 1769, instruções de William Buchan; Guia da saúde, de Thomsonian; Sinopse de palestras para enfermeiras sobre anatomia, fisiologia, obstetrícia e pediatria, feitas pelo Dr. Valentine Seaman, 1798, Nova York; Guia das Enfermeiras, 1839, do Dr. Joseph Warington, Filadélfia; Cuidando do doente, 1863, da Dra. Ann Preston, Filadélfia; Treinamento de enfermeiras, 1863, ministrado pela Dra. Ann Preston, Filadélfia; Período após a implantação do modelo nightingaleano, em 1873: A Handbook of Nursing, em 1878, produzido por uma comissão de médicos 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 116 e enfermeiras, na Escola de Connecticut; Textos escrito sobre obstetrícia, atenção ao enfermos mentais, ética, e matérias médicas escritos por Clara Weeks em 1885; Manual para Enfermeiras, de Lavinia Dock; em 1890; Em 1893, de Isabel Hampton Robb ( Jamieson et al., 1966). Entre alguns dos vultos históricos do passado, reconhecidos e cultuados pela enfermagem americana, podem ser citados: Dorothea Lynde Dix (1802-1887) – que foi superintendente do primeiro corpo de enfermeiras do Exército, além de ter cuidado de doentes mentais e melhorado as condições desses pacientes em hospitais; Linda Richards – considerada a primeira enfermeira graduada dos EUA. Formou-se pelo Hospital Geral de Boston, em 1873. Trabalhou nesse mesmo hospital onde foi a terceira diretora; reorganizou todo o trabalho de enfermagem e deu inicio às aulas do curso de enfermagem. Posteriormente foi trabalhar no Hospital Bellevue, de Nova York, onde implantou vários sistemas, tais como as rondas interdisciplinárias, prontuários de pacientes com prescrições médicas e uniformes padronizados para todas as enfermeiras; Valentime Seaman - cirurgião do Hospital Bellevue e precursor dos primeiros cursos regulares de enfermagem, iniciados em 1798; Joseph Warrington - médico quaker da Filadélfia, que, em 1839, começou a preparar enfermeiras para dar assistência domiciliar a mulheres no parto e pós-parto; Ann Preston - médica da Filadélfia, que fundou o Hospital da Mulher, em 1861, e incentivou jovens para ingressarem no curso de treinamento para 4.3 – Estados Unidos da América (EUA) 117 enfermeiras. Publicou dois livros em 1863; Lavinia Dock - notabilizou-se não apenas pela publicação do Manual para Enfermeiras, em 1890, como também por participar em atividades internacionais, inclusive na fundação do Conselho Internacional de Enfermeiras (CIE), em 1899. Foi também a sua primeira Secretaria Honorária por mais de vinte anos. Ajudou a organizar o primeiro Congresso Internacional de Enfermeiras, em 1901, na cidade de Buffalo, EUA (Quinn, 1989). 4.4 - França 118 4. 4 - França A história da profissionalização da enfermagem nesse país foi analisada por Y. Knibiehler (1984) no livro Cornettes et blouses blanches emergence de la profession (1984), e K. Schultheiss (2001) em Bodies and Souls - politics and the professionalization of nursing in France 1880 -1922. A narrativa da trajetória inclui também as publicações de Marie Françoise Collière (1989), autora de Promover a vida: da prática das mulheres de virtude aos cuidados de enfermagem, e de René Magnon (1991), autor de 1873 –1937- Leonie Chaptal – la cause des infirmières. Foram as principais referências utilizadas no presente estudo. A medicina francesa no século XIX, em relação a períodos anteriores, passou por transformações radicais, tendo como principais fatores o cientista Pasteur - abrindo caminho para novos métodos de assepsia, e a instituição da república francesa. Entretanto, essa revolução nos procedimentos da medicina representou um desafio ao poder absoluto exercido pelas religiosas no cuidado dos doentes. Knibiehler (1984, p. 42) descreve o cenário da época salientando que “em Paris, 485 religiosas comandavam 2.791 vigias ou guardas de doentes e serviçais nos estabelecimentos hospitalares. Anualmente crescia o efetivo de religiosas nos estabelecimentos de cuidados. Elas se multiplicavam e havia uma congregações espécie e as de convenção comunidades ou entre as comissões administrativas dos hospitais que prescreviam os direitos e obrigações dessas religiosas”. Algumas das cláusulas prescritas determinavam que as religiosas não 4.4 - França 119 cuidariam de parturientes e nem dos doentes com moléstias venéreas. Nos hospitais, elas exerciam essencialmente a função de supervisão sobre o pessoal de tarefas mais simples, mas, na realidade, tinham o controle de tudo. As congregações religiosas, para se recusar a assumir novas atribuições exigidas pela nova medicina, alegavam necessidade de cumprir suas tradições. Nesse período, os hospitais eram utilizados como refúgio dos pobres e oprimidos que as religiosas acolhiam, assumindo os cuidados dos doentes à sua maneira, já que não tinham o hábito de obedecer aos médicos (Silva, 1986). A laicização progressiva de instituições, como a escola e o hospital antes demasiadamente submissas à Igreja Católica - diante da revolução sanitária promovida por Pasteur (1822-1895), deu um impulso à valorização do saber. O grande significado das descobertas desse cientista deu um caráter sagrado a tudo que ele dizia sobre as noções de higiene e a assepsia, assim como a luta contra os flagelos do alcoolismo, tuberculose e sífilis, que determinaram novos métodos de anti-sepsia, pois a existência de micróbios e a possibilidade de contágio determinavam a adoção de uma nova estratégia de defesa. Entretanto, essa nova tática encontrou obstáculo no poder e na autoridade exercida pelas religiosas, pois elas comandavam guardas ou vigias e serviçais nos estabelecimentos hospitalares. Cumpre salientar, todavia, que o início do processo de medicalização começou no século XVIII, e com o nascimento da clínica, o hospital tornou-se um centro de saber, permitindo a formação do médico. Com isso as religiosas ou foram afastadas, ou abandonaram os hospitais (Leroux-Hugon,1981). 4.4 - França 120 Com a saída das religiosas, os médicos sentiram a necessidade de ter auxiliares dóceis, como forma de se impor rapidamente sem nenhum questionamento e contestação. As religiosas deixaram de atender às novas necessidades, pois estavam presas a conceitos antigos. Novas práticas, como uso do termômetro anal, injeções subcutâneas e a anestesia de parturientes encontravam muita resistência da parte delas. Havia também o fato de terem que pedir, sistematicamente, autorização ao superior religioso imediato, ignorando as determinações do médico no hospital. Para Prevot (1982), citado por Souza (1996, p.66), os médicos começaram a traçar o perfil da cuidadora, impregnada de princípios de higiene, submissa a eles, leiga, de origem modesta e que, sem o hábito da freira, tinha todas as qualidades necessárias para o desempenho da função (Souza,1996). Com algumas ressalvas, pode-se dizer que os cuidados exercidos por leigos foi o ato de nascimento da profissão de enfermagem. E não foram apenas os cientistas que quiseram criar a enfermeira leiga; associações privadas e senhoras cristãs também faziam esforços de sua parte. Embora menos agressivas em seus esforços, não foram menos eficazes. A enfermagem, no principio, não era só exercida por mulheres mas os médicos tinham preferência por elas, dizendo que seu trabalho deveria exprimir ou exaltar os caracteres naturais de feminilidade. No alvorecer do século XX, todos aqueles que debatiam sobre a educação da mulher, ou de seu trabalho, acentuavam o devotamento e a abnegação que deveriam inspirar toda vocação feminina. Por isso, não valorizavam os homens que a exerciam, principalmente nos hospitais psiquiátricos, onde eles eram a maioria (Knibiehler, 1984). As enfermeiras deveriam ter três qualidades: submissão, competência 4.4 - França 121 na limpeza e devotamento. A competência na limpeza se explica pelo fato de a maioria dos trabalhos realçar o caráter manual e o manejo da limpeza, que adquiria o aspecto da higiene e, sobretudo, da assepsia. A assepsia pasteuriana era exigente e não permitia qualquer infração ou negligência. Tratava-se de uma maneira de formar um novo tipo de pessoal, de mudar comportamentos, gestos, atitude. A limpeza deveria ser, por conseguinte, uma cruzada contra os micróbios, a nova encarnação do mal. O hospital tornara-se um santuário, e mais ainda a sala de cirurgia onde a assepsia era um rito sagrado, um verdadeiro cerimonial (Souza,1996). Se os médicos, autores dos manuais, insistiam na submissão absoluta e definitiva das enfermeiras, era porque eles tinham medo de correr o risco de deixá-las agir com técnicas um pouco mais elaboradas. A enfermeira deveria secundar o médico, mas nunca substituí-lo; e o melhor modo de evitar era limitar sua instrução às coisas de seu mister. Pura e simples executora de ordens, toda iniciativa lhe era interditada e apenas o seu valor moral era colocado em primeiro plano, como se fosse uma “religiosa leiga” (Souza,1996). O Dr. Desiré Magloire Bourneville “foi uma figura expoente no cenário do ensino da enfermagem. Ele era um médico parisiense que acumulava as suas atividades médicas com as de jornalista e de político” (Knibiehler,1984, p. 47). Com efeito, no Salpêtrière36, com Charcot - médico parisiense -, ele publicava trabalhos. No Bicêtre, consagrava-se aos cuidados das crianças dementes e 36 Salpêtrière e Bicêtre foram estabelecimentos de internação que, além dos loucos, encerraram os inválidos pobres, os velhos na miséria, os mendigos, os desempregados, em resumo, todos aqueles que, em relação à ordem da razão, da moral e da sociedade, davam alteração (Barros, 1996, p.11) 4.4 - França 122 epilépticas. Como político, foi conselheiro municipal em Paris. Como jornalista, fundou a Revista Progresso Médico. Bourneville incentivou a fundação de escolas de enfermagem, seguindo os princípios da laicização, e foi diretor de uma delas por muitos anos. Sua posição anticlerical, julgada excessiva, guiou toda a sua conduta. Foi militante fervoroso da revolução pasteuriana e das leis de assepsia que revolucionaram a concepção da organização dos cuidados (Knibiehler,1984, e Magnon,1991). O perfil da enfermeira em Paris, nas escolas fundadas por Bourneville, era traçado pelos requisitos de uma cuidadora impregnada de princípios de higiene e totalmente submissa aos médicos, uma vez que ela teria de cumprir as diretrizes por eles estabelecidas, dentro dos limites de seu papel. Leiga, de origem modesta, e sendo mulher sem a veste religiosa, ela ofereceria todas as qualidades de doçura e devotamento própria de sua condição feminina. Seria, pois, admitida num trabalho que lhe prometia a vantagem de promoção social (Pires,1989). Em 1905, em um discurso, Bicêtre - médico parisiense, cujo nome foi dado a uma instituição de saúde - dizia: “Nós a escolheremos sempre que possível entre as filhas corajosas do povo que, à força da inteligência e energia, irão se instruir. Nós lhe asseguraremos uma situação honorável e materialmente suficiente. Nós as desejamos casadas e mães de família, porque assim elas terão mais delicadeza de sentimentos pelos fracos e pelas crianças. Essas enfermeiras, plebéias de origem, serão desprovidas de arrogância e orgulho e saberão se fazer respeitar sem ódio” (Knibiehler, 1984,p.45). Para Knibiehler, (1984, p.46). “a laicização dos hospitais consistiu na expulsão das religiosas praticamente de todos os hospitais da Assistência 4.4 - França 123 Pública, sendo que 17 hospitais foram laicizados em Paris”. Entretanto, nas instituições do interior nem todos os médicos queriam a laicização por falta de pessoal capaz de assumir imediatamente as funções. Elaborou-se assim o esboço inicial sobre as atividades das enfermeiras leigas, e com algumas restrições, este ato pioneiro é o primeiro passo que consagra o nascimento da profissão de enfermagem, como anteriormente registrado. Os hospitais passaram a recrutar pessoal mais competente, e as atividades foram redirecionadas para os serviços de higiene. A essa instrução técnica deu-se o nome de “nova formação”, dirigida, sobretudo, às mulheres. Dentro do modo de pensar da época, o corpo médico desejava cercar-se de pessoal auxiliar feminino, de preferência formado de tal maneira que soubesse secundar a ação terapêutica, sem jamais usurpar o poder médico. Em Paris, os programas dos cursos oferecidos eram divididos em diversas partes e as matérias eram dadas em setenta lições, completados com setenta exercícios práticos de medicina e cirurgia. Quarenta e três diplomas foram entregues em 1884 pelas quatro escolas instaladas nos hospitais em Pitiè, Bicêtre, Salpêtrière (de onde vieram as enfermeiras para o Brasil) e Lariboisière. Bourneville considerava que toda mulher com sólida educação primária e profissional e vida correta poderia ser uma boa enfermeira, já que as qualidades morais existiam em ambiente familiar honesto. Como o recrutamento era necessário, os médicos concordavam que deveria ser traçado o perfil da enfermeira ideal e assegurar sua formação, conforme acima destacado. Sobre a enfermeira leiga, os médicos desenhavam um estereótipo que 4.4 - França 124 suplantava a figura da religiosa. Como escrevia Collière (1989), tratava-se de uma filiação médica patrilinear se superpondo à filiação religiosa matrilinear. De acordo com Gomes (1991), citado por Soares (1997), os médicos, maiores interessados na formação ideal das enfermeiras, contribuíram com a produção de literatura pedagógica, fato que pode ser comprovado por todos os manuais da época que foram por eles elaborados. Esses manuais, como o do Dr. Bourneville, foram utilizados em vários países da Europa, como em Portugal, referido por Soares (1997), e até mesmo no Brasil, na Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras. Em Portugal, entre 1881 e 1920, a língua francesa era ensinada no curso para enfermeiras, para habilitá-las a ler os manuais franceses. Os autores expressavam-se como um chefe de família. Sua autoridade e responsabilidade durante todo processo, baseava-se no conhecimento. O comportamento da enfermeira era idêntico ao de uma ama da casa modelo, perfeitamente dócil e respeitosa diante do mestre, mas atenta à limpeza e vigilância dos seres frágeis que lhes eram confiados. Dessa forma, manifestavamse as três qualidades básicas da sua função: submissão, competência em limpeza e devotamento (Knibiehler,1984 e Collière,1989). Collière (1989), destaca que os médicos se reservavam o direito de aplicar nos pacientes bandagens e injeções, porque acreditavam que perderiam importância se esses materiais fossem também usados por enfermeiras. Nenhum médico renunciava às qualidades de uma boa religiosa, ou seja, como bem descreveu Schultheiss (2001), a enfermeira, em Paris, deveria ser de “subordinação extrema, delicadeza sacra, humildade sem limites, deferência absoluta e abnegação sem precedentes”. Seguindo o modelo dos cursos municipais, dados na Assistência 4.4 - França 125 Pública37, Combes, Ministro do Interior, em uma carta circular do ano de 1902, conclamava os prefeitos e comissões hospitalares (responsáveis pela administração dos hospitais) à obrigação de abrir escolas regionais para formação de pessoal hospitalar. Essa circular foi fundamental porque, pela primeira vez, definia a concepção oficial do papel da enfermeira. Quais eram os grandes traços? De acordo com a lei da Assistência Pública, os doentes pobres deveriam ser bem cuidados e a instrução de enfermeiras não poderia ser menos exigente com a salubridade dos locais (Knibiehler,1984). É mais que evidente que se tratava de preparar as alunas para uma autêntica carreira, pois, de acordo com essa concepção, a enfermeira era totalmente diferente da servente que se ocupava de trabalhos mais rudes: ela era a disciplinada e mais inteligente colaboradora do médico e do cirurgião. Além da dignidade pessoal, que era essencial salvaguardar, ela deveria demonstrar um legítimo orgulho de um estado que, por sua vez, exaltasse também o caráter filantrópico e científico. 37 Uma das atividades do governo, Assistência Pública era a manutenção dos cursos de enfermagem que funcionavam nos hospitais. Dentre eles destacamos: Bicêtre, Salpêtrière, Pitiè e Lariboisière (Bourneville,1903). 4.4. 1 - Escola de Enfermeiras de Salpêtrière 126 4.4. 1 - Escola de Enfermeiras de Salpêtrière Nesse momento, cabe um destaque para a Escola de Enfermeiras de Salpêtrière. Com efeito, foi dessa importante instituição de ensino de enfermagem que partiram para o Brasil as enfermeiras francesas, contratadas pelo governo em 1890, para a assistência aos doentes mentais no Hospício Nacional de Alienados, berço que acolheu a primeira escola de enfermagem do país. Entretanto, além de manter a escola de enfermeiras, essa instituição, como retrata Souza (1996, p. 64), “destinava-se ao atendimento dos pobres e necessitados, sendo conhecida como Hospital dos Pobres de Paris (1656) e atendia mulheres, prostitutas e condenadas à prisão (1694). Em 1796, a instituição funcionou como Centro de Tratamento de Doenças Nervosas e Mentais. Em 1823, serviu como asilo para mulheres idosas, sendo incorporado um hospital cirúrgico, sendo modelo de organização hospitalar para toda Europa”. O ensino em Salpétrière foi o marco da profissão de enfermagem na França e ensejou a abertura de outras escolas de enfermagem no último terço do século XIX. Embora iniciado o ensino desde janeiro de 1878, a Escola de Salpêtrière foi oficialmente inaugurada em 1º de abril de 1878, subvencionada pela cidade de Paris. Segundo a legislação de 1881, conhecida como Lei Camile Sée, era uma escola laica e gratuita, e funcionava conforme as leis sobre a educação de moças (Walter,1990). No dia 20 de maio de 1878 foi inaugurada a Escola de Enfermagem de Bicêtre, destinada a receber homens (Souza, 1996). A preocupação com o caráter 4.4. 1 - Escola de Enfermeiras de Salpêtrière 127 profissional era encontrada nas escolas da época. Presente na inauguração da Escola de Salpêtrière, o ministro do Comércio, Gustave Mesureur, proclamava que “a escola saberá marcar seu lugar ao lado das outras mais antigas, a escola de física e química, as escolas normais primárias, a escola de parteiras...” (Knibiehler,1984,.p. 68-69). A Escola de Salpêtrière recrutava moças de 18 a 25 anos que se submetessem a exame médico e à comprovação de moralidade. O processo de recrutamento constava de um exame de admissão e um estágio probatório de dois meses. Em seguida, elas eram alojadas nos edifícios da escola (construída especialmente para tal finalidade). Além do alimento, tinham igualmente roupa lavada e recebiam um pagamento mensal de 10 francos no primeiro ano, e de 20 francos no segundo. Os programas compreendiam cursos de anatomia, fisiologia, higiene e farmacologia, aulas teóricas e práticas de cuidados para cada categoria de doenças, cursos de administração hospitalar, eletroterapia, radiologia, cozinha e serviços domésticos (Souza, 1996). As alunas passavam por um rodízio nos diferentes serviços. O rodízio em cada serviço era feito pela manhã no primeiro ano e o dia todo no ano seguinte. Elas levavam uma vida de “pensionista”; o regulamento do pessoal lhes era afeto, pois faziam parte da grande família hospitalar, onde elas tinham horário controlado, assim como as saídas e o lazer. Havia um sistema de controle instituído com fichas em cores que assinalava a passagem e o progresso de cada uma. Atenção especial era dada à direção moral. A todo momento, os professores não cessavam de colocar sob os 4.4. 1 - Escola de Enfermeiras de Salpêtrière 128 olhos das alunas um quadro com as qualidades morais que eram necessárias para uma enfermeira. A cada ano de estudo, as alunas eram submetidas a um exame de conteúdo teórico e prático. As aprovadas recebiam um documento que as certificavam como enfermeira da Assistência Pública (Knibiehler,1984). Em 1907, ano em que a escola foi reinaugurada, o ministro do Interior concluía seu discurso enfatizando: “É uma obra de futuro que, em suma, é parte de um serviço público útil, além de ser uma saída que se abre para as atividades femininas” (Knibiehler,1984, p. 65). Nessa trajetória, aos poucos o cuidado de doentes ia sendo reservado ao corpo de elite. O pessoal que desempenhava essas funções era composto de elementos que apresentavam garantias morais e títulos profissionais sérios. Havia também a idéia de substituir o pessoal masculino das enfermarias pelo pessoal feminino, já que a histórica superioridade das aptidões femininas nos cuidados de doentes era reconhecida pelos próprios médicos. Diferente do modelo de enfermagem introduzido por Bourneville e circunscrito à Assistência Pública, a médica, Ana Hamilton implantou na França o modelo anglo-saxão de Florence Nightingale. O marco inicial foram as escolas privadas de Bordeaux, e a implantação ocorreu a partir da tese da Drª. Hamilton “Considerações sobre as enfermeiras dos hospitais”, defendida na Faculdade de Medicina de Montpellier, no ano de 1900 ( Knibiehler,1984). Como é natural em processos evolutivos, pode-se observar que, também na França, a profissionalização e as características da função de enfermeira foram transcorrendo e se transformando gradativamente: essa função 4.4. 1 - Escola de Enfermeiras de Salpêtrière 129 não era apenas produto de uma mutação da medicina, refletia também mudanças profundas na condição feminina. Ser enfermeira era um trabalho de mulher, para o qual ela deveria formar-se e ser remunerada, o que lhe garantia uma posição na sociedade. Nesse contexto, o caráter profissional do exercício da enfermagem se adquire com a eficiência técnica do trabalho a ser realizado. O trabalho era claro e preciso. Todavia, já se poderia falar em profissionalização da enfermeira? Qual era a definição de seu trabalho? Tratava-se de adaptar a exigência de uma jornada junto ao doente, onde se incluía a execução de tarefas mais humildes? Na trajetória da distribuição de tarefas e na sua qualificação, permaneceu a ambivalência que afetou, por longo tempo, a imagem da enfermeira (Souza,1996). Esse trabalho foi caracterizado em três tipos de tarefas: tarefas com características domésticas, administrativas e terapêuticas. Mesmo assim, o ideal de ordem e limpeza do hospital, santuário de higiene, permeava todo o curso das enfermeiras. Acrescente-se, do mesmo modo, que, além dessas tarefas, elas deveriam executar outras atividades que abrangiam desde a acolhida do doente e sua admissão, até a alta, bem como a gerência dos serviços e do material. Segundo Knibiehler (1984), já naquela época o respeito às regras burocráticas ocupava mais da metade da jornada de trabalho. A exemplo da trajetória americana, os atos da enfermeira seguiam obrigatoriamente o progresso das práticas médicas. Assim sendo, as doenças iam sendo classificadas e os cuidados eram adaptados a cada categoria de doentes (doenças de crianças, doenças mentais, doenças contagiosas). A um determinado cuidado ou medicamento, correspondia um ato ou gesto adequado. Em suma, a profissionalização da enfermeira se manifestava pelas propostas de 4.4. 1 - Escola de Enfermeiras de Salpêtrière 130 novas missões que lhe seriam confiadas. A título de conclusão, podemos afirmar que o modelo francês foi concebido social e politicamente através de uma vertente ideológica que privilegiava a educação democrática, a primazia da ciência e a laicização, que, através de leis, transformava o ensino e o preparo das candidatas à profissão. Nessa circunstâncias, as diretrizes do saber substituem a irrestrita submissão à Igreja. Se o modelo nightingaleano assentou a prática profissional nos valores morais e religiosos consagrados à mulher, a vocação aos pobres e a progressiva orientação da medicina, o modelo francês veio revolucionar o exercício da enfermagem que, acompanhando a revolução iniciada por Pasteur, colaborou na eliminação dos três flagelos básicos da época: o alcoolismo, a tuberculose e a sífilis. 4.5 - Portugal 131 4. 5 - Portugal O ensino de enfermagem nesse país começou nos últimos anos do século XIX. Foi uma iniciativa de administrações de hospitais ligados à Faculdade de Medicina de Coimbra, à Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa e à Escola MédicoCirúrgica do Porto. A trajetória aqui descrita serviu-se do referencial do livro de Maria Isabel Soares (1997), enfermeira e historiadora, autora de Da Blusa de Brim à Touca Branca - contributo para a história do ensino de enfermagem em Portugal (1880 - 1950), além de textos de Marreiros e um livreto chamado Enfermagem, da Ordem dos Enfermeiros, distribuída em 2003. A primeira Escola de Enfermagem de Portugal foi criada, em 1881, por Antônio Augusto da Costa Simões, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e administrador dos hospitais da mesma Universidade. Essa escola tinha como objetivo: “dar melhor instrução aos enfermeiros e enfermeiras, e habilitar as criadas do estabelecimento a poderem concorrer às vagas, que se estavam dando, no quadro das enfermeiras, à falta de pessoal habilitado na localidade com as simples noções de instrução primária” (Simões, 1888 citado por Soares, 1997, p. 32). Em 1886, Tomás de Carvalho38, enfermeiro-mor do Hospital Real de São José em Lisboa, propôs ao ministro dos Negócios do Reino a criação de um 38 Tomás de Carvalho, além de enfermeiro-mor do Hospital Real de São José foi diretor da Escola MédicoCirúrgica de Lisboa, professor de anatomia da mesma escola. Foi também deputado e provedor da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa. 4.5 - Portugal 132 curso de enfermeiros naquele hospital, proposta que foi efetivada em 1887. Cabe destacar aqui que o cargo de enfermeiro-mor era ocupado por médico. Foi criado em 1564, era nomeado pelo rei e exercido por aquele que desempenhava a função de administrador do hospital. A iniciativa da criação do curso não logrou frutos até que, em 1901, Curry Cabral, quando era enfermeiro-mor do mesmo hospital, ou seja, do Hospital Real de São José em Lisboa, sugeriu a criação da Escola Profissional de Enfermeiros de Lisboa39, dentre as reformas que empreendeu no hospital (Soares,1997). No Estatuto da Escola, aprovado em 1901, constava entre suas finalidades: “dar aos indivíduos que se destinam à profissão de enfermeiros a instrução doutrinária e os conhecimentos de prática, que as exigências da ciência atual reclamam e que tenham de cumprir prescrições médicas ou cirúrgicas e de prestar cuidados de enfermagem” ( Soares,1997, p. 35). Os cursos que nasceram e funcionaram no período de 1881 e 1920 tiveram características semelhantes em duração e nas matérias oferecidas. Havia ainda cadeiras ou matérias preparatórias de instrução primária, de português e de tradução de língua francesa. Esta última servia para habilitar os enfermeiros e enfermeiras a lerem os manuais de origem francesa. Entretanto, o programa era também enriquecido com a aprendizagem de noções de anatomia, fisiologia, higiene, curativos, ligaduras, algumas operações de pequena cirurgia, noções 39 A Escola Profissional de Enfermeiros criada em 1901, em 1919 passou a chamar-se Escola Profissional de Enfermagem e, em 1930, Escola de Enfermagem Artur Ravara. Hoje é a Escola Superior de Enfermagem Artur Ravara (Soares, 1997, p. 18). 4.5 - Portugal 133 gerais de matéria médica e de farmácia. Porém, era a administração do hospital e não do ensino - que determinava quantas lições deveriam ser dadas semanalmente em cada hospital, para cada sexo e categoria de pessoal. Ao longo do tempo algumas alterações foram sendo incluídas, tais como: noções gerais de microorganismos, instrumentação cirúrgica, clínica de pobres e de ricos, economia hospitalar e outras. Na esteira da evolução do conteúdo programático da enfermagem “na década de 1920, a Escola Profissional de Enfermagem - antiga Escola Profissional de Enfermeiros de Lisboa - introduzia a História de Enfermagem em seus cursos” (Soares,1997, p .62). Com significativas interrupções e dificuldades, foi esse o início do ensino de enfermagem em Portugal, até que, em 1919, foi criada, em Coimbra, a Escola de Enfermeiros, com as mesmas características da Escola Profissional de Enfermagem de Lisboa, que funcionava na dependência administrativa do Hospital Real de São José, e que se chamava, anteriormente, Escola Profissional de Enfermeiros de Lisboa. Como em diversos países da Europa e das Américas, as primeiras escolas de enfermagem surgiram nos hospitais em função das suas necessidades. Nessa fase de atender às necessidades, poucas foram as mudanças com relação às exigências para o ingresso no curso. Apenas foram acrescidas as exigências de idoneidade moral nas quais se salientava o perigo do exercício de enfermagem que não se fundamentasse na prévia aquisição de conhecimentos adquiridos de forma organizada e institucionalizada (Soares, 1997). 4.5 - Portugal As 134 funções de secretário escolar na Escola Profissional de Enfermagem eram exercidas por um professor, tendo como auxiliar um enfermeiro, com conhecimento de datilografia. Em 1930, a escola mudou novamente de nome e passou a chamar-se Escola de Enfermagem Artur Ravara, em homenagem ao seu primeiro professor. A partir de então começou a exigir um exame de admissão para a matrícula. Naquela ocasião, segundo Costa Sacadura - médico, assistente de Obstetrícia e catedrático da Faculdade de Medicina de Coimbra -, citado por Soares (1997, p.38), “na escola de Lisboa faltavam instalações convenientes e dotação orçamentária própria”. A “miséria econômica” e a desorganização não permitiram o desenvolvimento da Escola Profissional de Enfermagem que funcionava, nessa ocasião, no Hospital São Lázaro, em Coimbra. Não estava, portanto, em condições de habilitar todo o pessoal destinado aos hospitais da província, das colônias, ou casas particulares, assim como preparar as pessoas que desejassem dedicar-se a obras de assistência. No ano de 1940 foi criada a Escola Técnica de Enfermeiras 40, subordinada ao Ministério da Educação Nacional, mas vinculada ao Instituto Português de Oncologia, tendo em vista preparar enfermeiras de nível superior de ensino. A criação da escola teve o apoio da Fundação Rockefeller dos EUA e mantinha em sua direção uma enfermeira americana. Nesse ínterim, a Fundação também concedia bolsas de estudo para as formadas irem aos EUA se prepararem para o exercício da docência e do cargo de direção. A instituição inaugurou um novo modelo na formação de enfermeiras, influenciado pelo 40 Diferentemente do Brasil, em Portugal, a Escola Técnica de Enfermagem prepara o profissional de nível superior, enquanto que o termo enfermeiro era utilizado para o profissional de nível médio. 4.5 - Portugal 135 sistema americano que, por sua vez, no seu início, tinha sido inspirado no modelo nightingaleano. Da mesma maneira não era permitido o ingresso de homens nessa escola que funcionava em regime de internato. Exigia para ingresso o exame do 2º ciclo liceal. Só em 1947, porém, os exames de admissão aos cursos, assim como o exame de saúde e o atestado de vacinação passaram a ser requeridos. O bom comportamento moral e civil deveria ser comprovado pelo pároco, pelo regedor ou por entidade policial, com apresentação de registro criminal e até declaração de repúdio por idéias subversivas. As alunas eram provenientes das classes sociais mais desfavorecidas, que almejavam uma ascensão social, apesar da baixa remuneração que viriam a ter (Soares, 1997). A partir da década de 1940, o Estado passou a intervir no ensino de enfermagem com a perspectiva de uniformizar, centralizar e controlar o ensino e as demais escolas de enfermagem. Entre 1940 e 1950, a legislação favoreceu a organização dos serviços sociais e de saúde, incluindo neles as escolas de enfermagem. Como prova de tal apreço, Soares (1997, p. 44-45) nos mostra um parecer de 1951 que, entre suas diversas justificativas, ressalta: “a insuficiência da remuneração durante e após o curso que baixa o nível educativo da classe onde se faz o recrutamento, dificulta as possibilidades de escolha; e é o ensino técnico mal orientado, dirigido e realizado por médicos, quando o deveria ser por enfermeiras, porque as duas profissões são diferentes, o que torna insuficiente e ilusória a instrução profissional e técnica”. Conclui a justificativa frisando que 4.5 - Portugal 136 “é necessário remodelar profundamente o ensino geral de enfermagem, seleção e vencimento, de forma a elevar o seu nível de vida profissional e social, sem o que uma das bases técnicas e morais da assistência claudica” ( Soares, 1997, p. 45). No decorrer dessa década, mais exatamente no ano de 1947, verificamos que por força de lei as escolas e as administrações dos hospitais deixaram de tomar decisões sobre os programas dos cursos. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 36.219/47 estabeleceu que, os programas e conteúdos unificados passassem a ser aprovados pela Inspeção de Assistência Social para todas as escolas que tutelava. A Enfermagem passou a ser designada Técnica de Enfermagem e Técnica de Enfermagem Especial, Médica e Cirúrgica. O ensino prático ficou a cargo dos hospitais, exceto os programas orientados pela Escola de Enfermagem São Vicente de Paulo e pela Escola Técnica de Enfermeiras de Lisboa. Nessas escolas, os estágios eram organizados e coordenados com a parte teórica. Eram realizados em serviços, escolhidos de acordo com as necessidades de aprendizagem das alunas sob a orientação de enfermeiras professoras (Soares,1997). Assim, em 1947, as escolas de enfermagem oficiais adquiriram autonomia técnica e administrativa. Foi então criado o curso de auxiliares de enfermagem e de pré-enfermagem na tentativa de resolver dois problemas: suprir a carência de pessoal e atender parcela de jovens que, entre o fim da escolaridade obrigatória, e os 18 anos não tinham ocupação. Os cursos deveriam funcionar, preferencialmente, em regime de 4.5 - Portugal 137 internato, com prioridade para as pessoas do sexo feminino. Entretanto, a exclusão das pessoas do sexo masculino tornou-se mais branda. Isso porque o referido decreto-lei, apesar de manifestar preferência para o sexo feminino, abria uma exceção para os serviços de certas especialidades, como a psiquiatria e a urologia. Nesse regime, os alunos tinham uma ficha com dados biográficos e informações quanto ao aproveitamento e comportamento. As escolas continuavam integradas aos hospitais e com eles mantinham uma relação de dependência, sendo que a administração era entregue a um diretor médico. Os regulamentos das escolas particulares seguiam o mesmo modelo. O regime de internato e de residência foi recomendado para todas as alunas, mesmo para as que residiam na cidade onde as escolas funcionavam. Pretendia-se com isso que “a residência fosse também local de formação moral e profissional, além de facilitar a vigilância e a oportunidade para desenvolver e adquirir as qualidades indispensáveis à profissão” (Soares, 1997, p. 48). Com a progressiva burocratização dos serviços e a crescente participação das enfermeiras nos serviços de cirurgia, foram introduzidas as disciplinas de “Serviços Operatórios, Organização dos Serviços Hospitalares e Legislação”, nas cidades de Lisboa e Coimbra (Soares, 1997, p.63). Na Escola Técnica de Enfermeiras o currículo era completamente diferente do currículo das outras escolas. Organizado em períodos alternados de teoria e de prática, os primeiros seis meses eram um período probatório que se prestava para avaliar a capacidade das alunas de continuar o curso, ou não. Terminada a fase probatória, acontecia a cerimônia pública, quando a aluna 4.5 - Portugal 138 recebia a touca branca de enfermeira, sinal exterior de sua aceitação pela sociedade. Até o final dos anos 1930, as escolas de enfermagem, admitiam alunos do sexo masculino e do sexo feminino. Só a partir dessa época é que surgiram escolas que excluíam os homens, medida tomada inicialmente pela Escola de Enfermagem de São Vicente de Paulo e depois, seguida pela Escola Técnica de Enfermeiras, pelas escolas religiosas e/ou particulares. Tal iniciativa se deveu à influência de outros países da Europa e EUA. A justificativa tinha por base a crença da superioridade da enfermagem feminina considerada “mais facilmente educável, paciente, disciplinada, ordeira e econômica”, porque “o fundo de resignação e de compaixão da mulher era mais adaptável a uma profissão a que o caráter insubmisso e egoísta dos homens dificilmente se amolda” (Santos,1916 citado por Soares, 1997,p.83). Com efeito, Soares (1997, p. 50) afirma que: “durante muitos anos, em Portugal, o hospital foi o único local de formação das enfermeiras, pois apesar do discurso sobre um papel mais amplo e para além dos muros hospitalares, só na década de 1940 a saúde pública começou a abrir caminho no ensino de enfermagem”. Na verdade, nesse país, a enfermagem assumiu importância central ao desenvolver-se acompanhando o modelo médico em todas as suas especialidades. Foram introduzidas as disciplinas de Saúde Pública, Medicina Preventiva, Ensino e Administração, Orientação profissional e Técnica de sala de operações (Soares, 1997). Este sucinto relato da história da profissão de enfermagem em Portugal 4.5 - Portugal 139 permite algumas considerações finais. Tomando como ponto de partida a época em que começaram a funcionar as primeiras escolas de enfermagem em Portugal, elas de início, não eram majoritariamente, constituídas de alunos do sexo feminino. A partir dos anos 1930 começou a aumentar o número de mulheres que as freqüentavam. Concomitantemente com as mudanças econômicas do país, a necessidade de uma força de trabalho no setor de serviços tornou possível a transição das mulheres do ambiente doméstico e privado para a vida pública, contribuindo com sua presença no mercado de trabalho. Outro fato que marcou o aumento de mulheres era a sua remuneração, que era tão baixa a ponto de afastar os homens da profissão de enfermeiros. Curiosamente as mulheres não podiam ser casadas e nem viúvas com filhos, fato que as levava a optar entre o casamento e o trabalho hospitalar (Soares,1997). Na luta pela dignidade da mulher - mas que marcou a trajetória da enfermagem - um acontecimento inusitado cabe ser destacado. Trata-se da prisão da enfermeira Isaura Silva Borges Coelho, em 1953. Ficou presa por quase quatro anos, em isolamento, sujeita a medidas de segurança, ela foi acusada do “crime grave” de recolher assinaturas para a abolição do decreto que impedia o casamento de enfermeiras. Em solidariedade contra a expulsão de doze enfermeiras, do Hospital Júlio de Matos, em Portugal, que haviam se casado, Isaura recolhia assinaturas para levar ao presidente Oliveira Salazar e ao cardeal Gonçalves Cerejeira. Sua irmã Hortênsia, estudante de enfermagem, pelo mesmo motivo ficou presa por um ano e depois absolvida (Marreiros,1989). Após esses episódios, vários movimentos surgiram e os enfermeiros foram aos poucos se unindo e se organizando melhor. A partir de 1975, o sistema 4.5 - Portugal 140 de ensino de enfermagem conta com apenas o grau superior de formação, uma vez que as demais categorias foram extintas. O passo seguinte foi a elevação dessa única categoria para o nível superior, o que ocorreu em 1988. Desde 1990, os enfermeiros passaram a ter acesso a programas de pós-graduação no nível de mestrado e doutorado. O primeiro programa de mestrado em enfermagem teve inicio em 1992. Finalmente, em 1998, foi criada a Ordem dos Enfermeiros, uma entidade de direito público, que representa os diplomados em enfermagem em Portugal, e tem a função de promover a defesa da qualidade dos cuidados de enfermagem prestados à população, bem como desenvolver, regulamentar e controlar o exercício da profissão de enfermeiro, assegurando a observância das regras de ética e deontologia profissional (Ordem dos Enfermeiros, 2003). 4.6 - Espanha 141 4. 6 - Espanha Dentre a vasta literatura sobre o desenvolvimento da enfermagem na Espanha, três importantes documentos nos serviram de fontes para traçar a trajetória que vai ao encontro dos nossos objetivos: Historia de la Enfermería, de José Siles González (1999), El Arte de Enfermería, de José Bueno y Bueno Gonzales (1997) e Antecedentes y Evolución Histórica sobre el trabajo, de Carmen Chamizo Vega (2000). Assim é que nosso roteiro remonta mais uma vez à Idade Média, durante os séculos IV e V, quando os monges do convento de São Jerônimo dedicavam-se a cuidar dos doentes mentais e dos doentes comuns. Segundo Siles(1999), esses fatos são a base da enfermagem espanhola, uma vez que, o cuidado aos doentes teve início com religiosos. Para os historiadores da medicina espanhola, o Hospital de Colon, fundado em 1375, dedicado a cuidar das pessoas portadoras de distúrbios mentais, era dirigido por religiosos. Posteriormente, o Hospital Valenciano dos Inocentes, erguido em 1409, também prestava cuidados aos doentes mentais. Os religiosos da Ordem de São João de Deus41, apesar de não constituírem uma escola de enfermeiros, tinham como missão cuidar dos enfermos, e com isso, preparavam os noviços através de um ensino sistematizado, com um manual de instruções sobre os procedimentos de enfermagem a serem utilizados junto aos enfermos sob seus cuidados. 41 Obra de São João de Deus: São João de Deus - morreu em 1550, em Granada. Fundou a Ordem dos Irmãos Hospitalares ou Congregação de São João de Deus. 4.6 - Espanha 142 Antes de 1620, na Facultad de Practicantes, na cidade de Madri, os livros eram em forma manuscrita e corriam de mão em mão entre os alunos que os copiavam para seu próprio uso. Apenas em 1683, surgiu um impresso com o nome de Breve Compendio de Cirurgia. No decorrer do mesmo século XVII foi impresso, um livro a respeito da formação religiosa dos noviços. Tratava-se do 1º volume de um conjunto de dois volumes, ambos conhecidos sob o nome de Instruções para Noviços. O 2º volume, entretanto, somente veio à luz no ano de 1833, portanto nos primeiros decênios do século XIX. O título dessa outra publicação era El Arte de Enfermería, que versava sobre o bom cuidado dos enfermos (Gonzales e Bueno, 1997). Historiadores apontam o século XIX como o marco profissional para a enfermagem. Contextualizando a atividade do enfermeiro no espaço e no tempo, constatam eles que sua expansão dentro do território espanhol ocorreu em períodos históricos que vão do século V ao século XIX, quando o mundo passou a buscar respostas para as novas e antigas doenças, o que consagrou uma nova postura de cuidados. Especificamente em relação às primeiras enfermeiras espanholas, sua existência data de 1600. Elas correspondem a mulheres com boa reputação, e que foram enviadas ao Hospital Alcalá de Henares com a missão de formar “matronas” ou parteiras para a região (Vega, 2000). Naquela ocasião, o cuidado de enfermos no seio da família, que obedecia a costumes ancestrais, complementava-se com as visitas médicas. Entretanto, o primeiro tratamento era todo feito através de remédios caseiros, utilizados pela família através de gerações. Esses remédios consistiam em 4.6 - Espanha 143 emplastros, chás e caldos, hábitos respaldados pela força da tradição. Quando os remédios caseiros falhavam, chamava-se o médico e utilizavam-se os remédios por ele indicados (Siles,1999). Com base nos relatos históricos da enfermagem na Espanha, vamos encontrar no século XVI a figura da enfermeira dentro do estilo clássico assistencial, que prestava atendimento conforme o nível econômico e social, sendo que os pobres eram cuidados em hospitais beneficentes. Neste cenário, os enfermeiros eram muito escassos e mínimos os requisitos para a sua seleção. É importante ressaltar que, no final do século XIX, houve nesse país uma eclosão de ordens religiosas que desejavam reassumir os hospitais públicos, privados e religiosos, chamando para si a organização e os cuidados aos enfermos. Nessa época, aliás, as enfermeiras, apenas tinham conhecimentos técnicos, embora os seus atos profissionais deixassem muito a desejar. A Espanha, após a Revolução Francesa, ocorrida em 1789, adotou um novo código civil, denominado Código Napoleônico (1804). Tal diploma legal permitia maior liberdade à mulher e abordava questões desde a herança até a constituição da família. Nesse contexto, a mulher foi a principal beneficiada. Entretanto, segundo Vega (2000) somente no final do século XIX, ela tomou consciência de que era um ser humano, como trabalhadora, mãe, esposa e enfermeira. Na época, as reformas desencadeadas no país entraram em choque com a política dominante no setor assistencial e social, que era de origem inglesa. A assistência hospitalar estava assegurada, desde que fossem mantidas as ordens religiosas como responsáveis. A enfermaria para alienados, a exemplo do que ocorreu no Brasil, tinha sua origem nos institutos religiosos. As reformas 4.6 - Espanha 144 iniciadas pelos governos de linha liberal pretendiam, mediante novas medidas, acabar com o monopólio da Igreja de cuidar do doente tendo em vista a notável deterioração da assistência hospitalar (Siles,1999). Graças ao trabalho de Rubio Gali, que havia sido embaixador espanhol em Londres, foi fundada a Escola de Enfermeiras Santa Isabel de Hungria, no Hospital da Princesa, em 1896. Nessa instituição, o sistema de ensino consistia fundamentalmente em preparar enfermeiras para a assistência hospitalar, com especial atenção para o trabalho auxiliar nas intervenções e atos cirúrgicos. A escola começou a funcionar em regime de internato e de externato. No ano de 1902, porém, só admitia alunas internas. A Escola Santa Isabel da Hungria foi considerada a primeira escola de enfermeiras civis. Cabe lembrar que, por ocasião da guerra civil (1936-1939) levada a efeito pelo general Francisco Franco, o prédio da escola foi destruído, mas a instituição conseguiu resistir com diversas reestruturações até os dias atuais. Em 1917 foi fundada a Escola de Enfermeiras de Santa Madrona sob os auspícios do Montepio de Santa Madrona. O Montepio era uma organização de caráter reivindicativo que tinha duas metas como diretriz: cuidar do desenvolvimento de atividades sociais da mulher, mediante a promoção educativa e de trabalho, e dessa maneira, alcançar a sua emancipação, dando-lhe a oportunidade de trabalho. Tais metas rompiam as tradições da sociedade espanhola da época. Nesse contexto, era de se supor que a enfermagem e o cuidado dos enfermos passariam das atividades enraizadas no âmbito doméstico ao do 4.6 - Espanha 145 trabalho profissional, já que as alunas procediam de variados níveis de estratificação social (Vega, 2000). O regime de funcionamento escolar admitia alunas internas e externas. Os professores eram médicos, mas as disciplinas de anatomia e de fisiologia eram ministradas por médicas. Num primeiro momento, os programas estavam orientados para a formação de dois tipos de enfermeiras: enfermeiras hospitalares e enfermeiras zeladoras (de formação muito mais elementar). No ano de 1922, foi introduzido o ciclo de estudos superiores42 para as internas, o que permitia obter o título de enfermeira geral e em algumas especialidades (Siles, 1999). Ainda em 1917, foi criada a Escola de Enfermeiras Auxiliares de Medicina de Mancomunitat de Catalunya. Seu objetivo principal era elevar o nível das pessoas encarregadas do cuidado e da assistência à criança e enfermos. O programa era equiparado com o da Escola de Santa Madrona, com um modelo elevado de formação, pois que se exigia das aspirantes a alunas um nível cultural alto. Essa escola funcionou com algumas interrupções temporárias até 1923 quando passou a ser denominada Escola de Enfermeiras Generalistas. Voltando a ser fechada com a guerra civil e reaberta posteriormente, funcionou nas mesmas instalações, anexa ao Hospital de Clinicas de Barcelona (Siles, 1999). Como pré-requisito para o ingresso, as candidatas ao curso deveriam ser solteiras, viúvas ou divorciadas, e estar na faixa etária entre 18 e 32 anos de 42 Ciclo de estudos superiores: não corresponde ao nível de ensino superior do Brasil. Na Espanha, como nos demais países da União Européia, os termos da sistemática de ensino diferem dos do Brasil, de fundamental, médio e superior. 4.6 - Espanha 146 idade. O conteúdo do programa tinha características teórico-práticas e era ministrado de seis a oito horas diárias. Incluía ainda cultura geral e ginástica, complementado com atividades extra-acadêmicas, como visitas a museus e outros locais de interesse para a cultura das alunas. Em 1929, foi fundada a Casa de Saúde Valdecilla, em Santander que, no mesmo ano, criou uma Escola de Enfermeiras, sob o patrocínio da marquesa de Pelayo. Essa escola foi dirigida pelo médico Usandizaga que, em 1934, escreveu um manual que se tornou imprescindível à formação das enfermeiras espanholas. O estabelecimento de ensino tinha como vice-diretora María Teresa Junquera. Ela era médica, porém, havia feito o curso de enfermagem e conhecia o trabalho e o sistema pedagógico da Escola de Enfermeiras do Hospital Saint Thomas de Londres. Por essa razão, María Tereza, adaptou a escola o mais próximo possível do modelo inglês (nightingaleano); no entanto o internato da escola era dirigido por Irmãs de Caridade (Siles, 1999). Ao lado do incremento das escolas de enfermagem, o ano de 1931 assistiu à consagração dos conceitos de cuidados em âmbito espanhol, trazendo como resultado a adoção de uma nova postura que abordava saúde, enfermidade e enfermagem aliada à evolução das técnicas dos cuidados e da relação com o paciente. Nesse cenário, a renovação da enfermagem espanhola teve como expoente Concepción Arenal, que se dedicou a realizar análises da realidade social e da beneficência com vistas à reforma no atendimento dos hospitais. Nesse sentido, Arenal fez várias críticas onde ela recriminava as enfermeiras laicas, defendendo os trabalhos das Irmãs de Caridade. Suas críticas referiam-se à organização caótica do Hospital Geral de Madri, à alimentação deficiente, à falta 4.6 - Espanha 147 de higiene e à pouca dedicação das enfermeiras (Siles,1999). Com o passar dos tempos foram surgindo distintas especialidades da enfermagem, que passaram a integrar as diferentes atividades desses profissionais. Um breve retrospecto da história dos doentes nos traz à tona alguns momentos históricos do processo evolutivo da enfermagem psiquiátrica. No decorrer do século XIX, por exemplo, a obra de São João de Deus, instituição que tradicionalmente havia se ocupado dos enfermos mentais, passou por uma grande crise. Benito Menni, no final desse mesmo século, revitalizou a enfermagem psiquiátrica, pondo em funcionamento uma série de centros dedicados a cuidados de enfermos mentais: dois sanatórios em Ciempozuelos (1880), o Sanatório Psiquiátrico Provincial de Zaragoza (1888), o Instituto Mental de Santa Cruz, na vila de San Andrés (1889) e o Sanatório Psiquiátrico de Santa Águeda, em Mondragón. Cabe salientar que a enfermagem psiquiátrica teve suas raízes fortemente implantadas no âmbito religioso, mais precisamente no transcorrer dos primeiros decênios do século XX. A partir desse período, ela foi afastando-se do campo da Igreja e adquirindo um caráter laico, tanto nos cuidados dos enfermos mentais, como na prevenção dos processos mentais (Siles, 1999). Em 1926, foi instituída na Espanha uma comissão para estudo dos problemas dos alienados. Foi um fato marcante, uma vez que os estudos dessa comissão se transformaram em requisitos imprescindíveis para promover a ascensão legal dos profissionais da área. Simultaneamente foi criada a Liga Espanhola de Higiene Mental (Siles, 1999). 4.6 - Espanha 148 É possível tratar-se de mera coincidência; todavia, nesse mesmo período em outros países - no Brasil, inclusive - fatos idênticos estavam ocorrendo e a psiquiatria estava sendo reformulada e os conceitos de eugenia tentando ser implantada. Um importante passo na história da enfermagem psiquiátrica foi dado no ano de 1932. Queremos referir-nos à fundação do Patronato de Assistência Social Psiquiátrica. Tal fato contribuiu de maneira significativa para a profissionalização dessa especialidade na Espanha (Siles, 1999). O Patronato ocupava-se da vigilância pós-manicomial dos enfermos mentais tratados nos estabelecimentos oficiais e particulares que lhes serviam de albergue. Para maior eficácia dos trabalhos, os albergues dispunham de um grupo de enfermeiras psiquiátricas visitadoras, de um local de trabalho e de um arquivo em unidades integradas com as províncias dependentes da Direção Geral de Saúde, que era um órgão do governo. Voltando à trajetória da profissionalização da enfermeira no contexto do ensino da enfermagem, Siles (1999, p.275), em seus estudos, nos relata que, “na ordem de profissões que foram surgindo com o tempo, a enfermeira foi a última das vertentes a ser constituída”. Isso se deveu às dificuldades encontradas para alcançar o reconhecimento profissional que ocorreu em 1915. Registra esse autor que, no período de 1916-1917/1935-1936, matricularam-se um total de 8.864 alunas para o curso de enfermeiras. A freqüência das matriculas passou por uma irregularidade maior que as outras carreiras de enfermagem (praticantes e matronas ). Isso ocorreu, em parte, pela novidade da profissão, porque praticantes e matronas já eram consideradas profissionais desde a Lei Moyano de 1857 e em parte , a carreira da enfermeira 4.6 - Espanha 149 somente se fazia em uma faculdade de medicina, até 1931-1932 e 1932-1933, quando se ampliou o ensino de enfermagem nas várias faculdades. Por essa circunstância durante a II República, as alunas matriculadas eram poucas. No curso de 1932-1933, “ocorreu o maior índice de alunas matriculadas, e foi expedido o maior número de títulos de enfermeira” (Siles, 1999, p. 275). Entre os que exerciam a carreira de praticantes o número maior era de alunos do sexo masculino e, na carreira de Enfermeira e Matrona era do sexo feminino. As enfermeiras iniciaram seu caminho legal como profissão regulamentada, oficialmente no começo do período de 1916-1917. “Essa evolução estava atrelada ao processo de institucionalização e estruturação do sistema sanitário que se desenvolveu na Espanha durante os primeiros decênios do século XX, alcançando seu apogeu nos anos da II República” (Siles, 1999, p.276). Após a guerra civil assistiu-se a uma volta da enfermagem às atividades e valores tradicionais, deixando para traz tudo que havia conseguido durante a República. A enfermagem retornou a uma situação de trabalho relacionado com a divisão por sexo, recuperando assim condição de profissão feminina, direcionada pelo ensino. Em 1942, foi instituído o corpo de enfermeiras da Falange Espanhola Tradicional43, dividida em quatro seções: Damas Enfermeiras da Falange Espanhola, Enfermeiras de Organizações, Enfermeiras de Guerra e Visitadoras 43 Falange Espanhola - único partido político legalmente reconhecido no período de ditadura de Francisco Franco. 4.6 - Espanha 150 Sociais. Nessa organização, o nível de dogmatização ideológica e religiosa era a ordem do dia. O início de mudança para um ensino mais inspirado na tecnocracia e o utilitarismo contido nas idéias religiosas e políticas se produziu, até 1953, quando Ruiz Giménez chegou ao Ministério da Educação Nacional e criou nesse ano, o bacharel de dois ciclos (superior e elementar). O aumento do pessoal de enfermagem esteve muito vinculado ao desenvolvimento e criação de várias instituições sanitárias, por isso tiveram que fazer um grande esforço para dotar de pessoal de enfermagem, tecnicamente preparado, para todos os hospitais. Em 1970, com Villar Palasí à frente do Ministério da Educação e Ciência, foi promulgada a Lei Geral de Educação, que previa a inclusão dos estudos dos primeiros ciclos na Universidade. Nesse contexto, à enfermagem foi oferecida a possibilidade de escolher, entre integrar-se nos estudos de formação profissional ( 2º e 3º graus ) ou ascender à universidade. A força exercida pelo setor de trabalho, principalmente o hospitalar e a pressão dos profissionais agrupados ao redor das organizações profissionais, conseguiram que a enfermagem se integrasse à universidade (Siles, 1999). 4.7 - Argentina 151 4. 7 - Argentina A análise da trajetória da enfermagem na Argentina teve como principal fonte de pesquisa as informações contidas no livro Historia de la Enfermería, de Teresa Maria Molina (1973) e complementada com os dados de Jamieson et al. (1968) em seu livro Historia de la Enfermería. Registram essas fontes que durante a epidemia de cólera ocorrida nos anos de 1886 e 1887, o Hospital Rivadavia e o Hospital de Mulheres na cidade de Buenos Aires, sentiam a necessidade de preparar pessoal capacitado para exercer as funções de auxiliar de médicos. Nessa ocasião, mais precisamente em 1886, foi fundada a escola de enfermeiras, considerada a primeira da América do Sul. Sua fundação se deu pelo empenho da médica Cecília Grierson, que compreendeu que “o melhor meio de proporcionar alivio aos que sofriam, era colocar ao seu lado pessoas compreensivas, afáveis e capacitadas; pessoas eficientes e em condições de junto, ao médico, colaborar na luta pela saúde” (Molina,1973, p.101). Guiada por esse ideal, ela fundou no Círculo Médico Argentino, a Escola de Enfermeiras, através de uma Comissão presidida pelo médico Samuel Gache. Após cinco anos de funcionamento, na cidade de Buenos Aires, a escola foi oficializada, em 1891 passando a chamar-se Escola Municipal de Assistência Pública (Jamieson et al.,1968 e Molina, 1973). No início, o curso durava apenas um ano. No final, a aluna recebia o 4.7 - Argentina 152 diploma de conclusão. Posteriormente, a sua duração foi ampliada e foram estabelecidas as condições de ingresso. Agregado à Escola de Enfermeiras, funcionava também um curso para massagistas. Em 1890, portanto quase que simultaneamente, foi criada a Escola de Enfermeiras, que seguia os padrões de Florence Nightingale, que prestou especial assessoria às suas alunas. No ano de 1908, decorridos, pois, dezoito anos, teve início o curso adaptando aos métodos do curso do Hospital Saint Thomas, de Londres. A escola funcionava anexa ao Hospital Britânico – argentino - dispunha de ótimas acomodações onde as alunas podiam receber uma formação integral. A primeira diretora foi Ana Matilde Elmes que fora discípula de Florence Nightingale e possuía a qualificação de matron. A primeira aluna dessa instituição chamava-se Gertrudes Hallett ( Molina, 1973). Os primeiros livros Guia de Enfermeiras e Educação Técnica e Doméstica da Mulher, foram escritos por Cecília Grierson, e segundo Molina (1973, p. 102), “tiveram grande aceitação e foram muito úteis para o ensino e a formação da enfermagem argentina”. No ano de 1904, durante o 2º Congresso Médico Latino-Americano, Cecília Grierson conseguiu que fosse votada e aprovada a proposta recomendando aos governos dos países latino-americanos a criação de escolas de enfermeiras e tomando como modelo as escolas da Inglaterra e dos EUA (Molina, 1973). Tudo levava a crer que o ensino da enfermagem se firmava cada vez mais. Tanto é assim que, em 1906, a Escola de Enfermeiras e o curso de Massagistas foram incorporados à Faculdade de Medicina de Buenos Aires. 4.7 - Argentina 153 No ano de 1914, foi criado em Buenos Aires a primeira Escola de Enfermeiras Católicas. Sua criação veio suprir uma deficiência no número de enfermeiras no país, que colaboravam com a assistência pública. No entanto, ao ser concedida autorização para funcionamento do curso de enfermeiras, foi determinado que, para prestar exames, era indispensável que as interessadas apresentassem um certificado comprovando uma espécie de estágio como interna num hospital geral, municipal ou nacional, ou num instituto de puericultura (Molina, 1973). No período de 1915 a 1921, as condições para ingresso nessa Escola foram as seguintes: ter mais de 18 anos e menos de 40; ter cursado os estudos primários; não ter defeitos físicos; e apresentar atestado de saúde e vacina. Nessa mesma ocasião o curso tinha a duração de nove meses. Entretanto, ao ser aplicado o método nigthingaleano, ficou estabelecido que o curso passaria a ter a duração de três anos. O sistema escolar previa o internato no Hospital Parmenio Piñero e algumas alunas dessa escola recebiam bolsas de estudo. A Cruz Vermelha Argentina, que já se fazia presente no país, fundou em 1920 a Escola de Enfermeiras, que foi constituída através de uma Comissão de Damas da sociedade, presidida por Guilhermina César de Wilde, uma das voluntárias da Cruz Vermelha. Em 1929, na Universidade de Córdoba, na região central da Argentina, foi criada a Escola de Enfermeiras e Visitadoras de Higiene. Essa instituição funcionou até o ano de 1944 (Molina, 1973). Com o passar dos anos, outras escolas foram sendo criadas em todo o 4.7 - Argentina 154 país, tais como: a Escola de Enfermagem da Faculdade de Medicina, da Universidade de Tucumán, Escola de Enfermagem da Universidade Nacional de Córdoba, Escola de Enfermagem da Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires, Curso de Enfermagem, da Faculdade de Medicina, da Universidade Nacional do Nordeste, além de inúmeras outras escolas de universidades particulares, tais como: Escola de Enfermagem da Universidade Católica de Mar del Plata, Escola de Enfermagem do Sanatório Adventista del Plata, Escola de Enfermagem María Remedios do Valle, etc. Algumas dessa escolas funcionam ainda hoje, enquanto que outras não existem mais. Na atualidade, existem três níveis na enfermagem na República Argentina: enfermeiras universitárias, ou de nível superior, enfermeiras de nível médio ou diplomadas, e auxiliares de enfermagem. Esses três níveis foram estabelecidos pela Lei da Enfermagem, em 1959 ( Jamieson et al., 1968). 4.8 - Taiwan 155 4. 8 - Taiwan Incluir Taiwan no caminho do presente estudo parece, à primeira vista, soar um tanto exótico. Trata-se, todavia, de uma oportunidade ímpar de colocarnos em contato com a história da enfermagem - e de enriquecer-nos com ela desse país do Extremo Oriente, uma vez que a carência de bibliografia entre nós, aliada às limitações próprias do idioma, são empecilhos para o acesso às informações das atividades que lá são desenvolvidas pelos enfermeiros e enfermeiras. Os subsídios utilizados como referência foram extraídos do artigo A short history of nursing in Taiwan (“Uma pequena história da enfermagem em Taiwan”) da enfermeira doutora Yu-Mei Chao (2003). O artigo inclui também algumas peculiaridades da colonização desse país longínquo, as quais achamos oportuno que fossem incluídas nesta análise. Conforme relata Yu-Mei (2003), por séculos, Taiwan teve muito pequeno contato e pouco envolvimento com os países ao seu redor, encontravase, por conseguinte em completo afastamento do mundo ocidental. Taiwan era visto como a terra de pescadores, comerciantes e indígenas. Antes de 1500, dizia-se que 90% da sua população eram indígenas. Seu isolamento foi interrompido abruptamente pelos europeus no período das grandes navegações, entre os séculos XVI e XVII. Do primeiro nome de Formosa até Taiwan, o nome atual, essa foi a trajetória do seu processo de colonização. Os primeiros a navegarem em águas asiáticas foram os portugueses. 4.8 - Taiwan 156 Tinham eles o objetivo de estabelecer relações comerciais com a China e o Japão. Em meados do século XVI, quando um dos navios portugueses se dirigia para Tanegashima, uma ilha ao sul do Japão, os navegantes descobriram uma ilha à qual deram o nome de Ilha Formosa. Desde essa ocasião, Formosa foi o nome pelo qual se tornou conhecida no mundo ocidental até meados do século XX. As origens do nome Taiwan ainda são controversas. Entretanto, o significado mais aceito refere-se ao tratamento que os indígenas usavam para chamar de “taiwan” os chineses, ou qualquer outro intruso. Quando, em torno de 1620, os holandeses ouviram esse nome, eles o associaram com a ilha e deu a Formosa o nome de Taiwan, nome que passou a ser usado até o presente (YuMei, 2003). Após 1624, os holandeses ocuparam a região sudoeste de Taiwan, depois de lutar contra Ming por causa de Penghu, uma ilha no sudoeste de Taiwan. Em 1616, os espanhóis reclamaram a fração noroeste. A partir dessa época, Taiwan passou por ocupações por parte de diversos países, motivadas não apenas pelo comércio, mas também servindo como refúgio político. Em 1662, os leais a Koxinga e Ming expulsaram os holandeses do território. Apesar dos manchus, da dinastia Ching e a China terem tomado Taiwan em 1683 e em 1885 declarado a ilha como uma de suas províncias, a posição de Taiwan em relação ao comércio ocidental e aos países vizinhos nunca foi abalada. Como resultado, ele abriu as portas aos missionários que começaram a introduzir a doutrina cristã e a usar os caractéres latinos na tradução da Bíblia para a língua local, para ser conhecida pelos indígenas e pelos taiwaneses (Yu-Mei, 2003). Em 1895, Taiwan foi cedido para o Japão pelo tratado de Shimonoseki, 4.8 - Taiwan 157 tornando-se a primeira colônia oficial do Japão. Os japoneses não apenas implantaram o seu sistema de governo, como também introduziram o sistema de saúde, em especial voltado para a saúde pública e para o controle de doenças epidêmicas, envolvendo ainda o sistema de educação médica e de enfermagem, em sua maioria herdado do modelo europeu. Outra significativa mudança ocorreu em Taiwan depois da Segunda Guerra Mundial (1945), quando foi colocado sob a proteção da República da China com seu status para ser definido. Mas, a guerra civil com os comunistas na China continuou e os comunistas chineses estabeleceram seu próprio regime como a República Popular da China em agosto de 1949. Como resultado, todo o governo da Republica da China, no final desse mesmo ano liderado por Chiang Kai-Shek e seu exército retirou-se para Taiwan. Essa fuga política acrescentou cerca de dois milhões de pessoas de diferentes partes da China à população de seis milhões de taiwaneses. Esse foi o maior fluxo migratório experimentado pela ilha em sua história. Mais uma vez o povo de Taiwan teve que enfrentar outra mudança de sistema, inclusive mudança de governo, do sistema de educação médica e de enfermagem. Tal mudança propiciou ainda a introdução de grande parte do modelo americano na área da enfermagem (Yu-Mei, 2003). A enfermagem foi introduzida em Taiwan por missionários europeus. James L. Maxwell, o primeiro médico-missionário da Igreja Presbiteriana Inglesa chegou à ilha em 1865 para introduzir a medicina ocidental e o cristianismo. Ele abriu uma clínica e um abrigo para pacientes receberem tratamento médico conforme os padrões do ocidente. Os cuidados de enfermagem eram prestados pelas mulheres missionárias que trabalhavam com Maxwell. Como mais médicos missionários iam chegando, hospitais missionários foram aos poucos sendo 4.8 - Taiwan 158 estabelecidos em diferentes partes de Taiwan. Cuidados de enfermagem eram prestados pelas missionárias e assistentes locais que recebiam treinamento em serviço. Antes de 1895, a literatura não relata e nem registra programa algum de treinamento formal (Yu-Mei, 2003). “Os primeiros cursos de enfermagem surgiram a partir de 1897, tendo sido introduzidos seguindo o sistema japonês e europeu” (Yu-Mei, 2003, p. 2). Em 1895, logo após Taiwan ter sido entregue ao Japão o governo japonês começou a construir o Grande Hospital Japão-Taiwan que no ano de 1897 passou a chamar-se Hospital Taipé, pelo fato de situar-se em Taipé, a capital do país. Esse foi também o primeiro hospital governamental de Taiwan. Em julho, o Japão enviou dez médicos, nove farmaceuticos e vinte enfermeiras para trabalharem nesse novo hospital. Ainda nesse mesmo ano, foi instalado o primeiro programa de treinamento em enfermagem. O seu conteúdo era desenvolvido através de aulas teóricas e práticas com duração de dois anos. A parte teórica incluía: físio-anatomia, métodos básicos de enfermagem, medicina interna e cirúrgica, pediatria, obstetrícia, ginecologia, oftalmologia, otorrinolaringologia, odontologia, dermatologia, urologia, psiquiatria, bacteriologia, bandagens, emergência e doenças infecciosas; língua japonesa; cursos eletivos de caligrafia, arranjo de flores, cerimonia do chá, música, costura e etiqueta japonesa; conduta moral e ética. As aulas práticas do primeiro ano consistiam em um rodízio das alunas pelas diferentes enfermarias; no segundo ano, as estudantes eram designadas para praticar em certas enfermarias, previamente selecionadas. 4.8 - Taiwan 159 Nos seus primeiros dois anos de existência, o programa recebeu apenas jovens japonesas; a partir de 1899, porém, começou a acolher moças taiwanesas também. Dessa feita, o primeiro grupo de enfermeiras taiwanesas que passaram por um treinamento formal no hospital graduou-se em 1901 (Yu-Mei, 2003). Em 1907, o Hospital de Taipé abriu um primeiro programa de treinamento de parteiras. A partir de então, diferentes programas para enfermeiras e para parteiras foram estabelecidos em hospitais governamentais e missionários em diferentes partes de Taiwan. De uma maneira geral os médicos eram os chefes desses programas; as enfermeiras e as parteiras mais antigas serviam como professoras assistentes. Esse programa de ensino de enfermeiras e parteiras durou por quarenta anos e chegou até o final de Segunda Guerra Mundial (Yu-Mei, 2003). O primeiro livro de texto, escrito em caracteres latinos e, com a pronúncia fonética taiwanesa, foi traduzido e publicado em 1917. Sua edição se deu a partir do livro Os Princípios e Práticas da Enfermagem, de Gushe Taylor. Dr. Taylor era um médico-missionário que chegou a Taiwan em 1911 para chefiar um hospital missionário de Taiwan. Depois que o Japão devolveu Taiwan para a República da China em 1945, o sistema educacional de enfermagem saiu dos limites do hospital; e no ano de 1947, teve início um novo sistema de educação de enfermagem o qual passou a seguir o padrão sino-americano (Yu-Mei, 2003). A primeira escola independente foi implantada no ano de 1947 em Taipé. Tratava-se de um curso vocacional de nível médio com duração de três anos. A escola recebia apenas as moças com escolaridade prévia de nove anos 4.8 - Taiwan 160 de estudos. Essa mesma capital viu nascer em 1954 a primeira faculdade de enfermagem. Com a duração de três anos, só aceitava candidatas com doze anos de educação formal prévia. Em Taiwan, esse sistema de educação formal vocacional continuou como núcleo da força de trabalho feminino, por quase quarenta anos. A partir de 2003, a introdução de uma política nacional - já aprovada pelo Ministério da Educação - possibilitará que aquelas que tenham freqüentado o curso de nivel médio possam completar o curso superior. Na segunda metade do século XX foi surgindo um movimento cada vez mais forte - especialmente por parte dos consultores da Organização Mundial da Saúde - para que os profissionais da enfermagem tivessem uma formação de nível superior. Assim é que, em 1956 foi instituído o primeiro programa de bacharelado vinculado a uma instituição acadêmica - a Universidade Nacional de Taiwan. Entretanto, durante o regime militar era desenvolvido um programa de enfermagem que veio da China Continental no ano de 1947. E desde 1953 a escola militar de enfermagem já conferia o grau de bacharel aos seus graduados. Ainda sob esse mesmo regime, foi inaugurado no Centro Médico de Defesa Nacional o primeiro programa de enfermagem que conferia o grau de mestre. O primeiro programa de doutorado, por sua vez, foi criado em 1997 pelo Ministério da Educação, na Universidade Nacional de Taiwan. Tudo indica que, no ano de 2003, essa universidade forme as primeiras doutoras em enfermagem. 4.8 - Taiwan 161 Yu-Mey Chao, autora do artigo aqui citado como referência, foi a primeira enfermeira taiwanesa a obter o título de doutora em enfermagem. Seu título foi obtido nos EUA, de onde retornou à terra natal para dedicar-se inteiramente às atividades de enfermagem. Taiwan tem atualmente cento e quarenta enfermeiras com grau de doutor, sendo a maioria obtido nos EUA. Se o primeiro programa de treinamento em enfermagem foi implantado em 1895, isso significa que Taiwan levou um longo século para ter seu primeiro programa de doutorado. 4.9 - Breves Considerações 162 4. 9 - Breves Considerações Analisando a trajetória histórica da profissionalização da enfermagem em diferentes países e, a título de conclusão do presente capítulo, algumas considerações merecem ser registradas, que se aplicam à maneira de um denominador comum, a todos os países analisados. Podemos observar ainda que não só Florence Nightingale exigia qualidades morais e uma formação básica para o candidato ao curso de enfermagem, como também aqueles que se dedicavam ao desenvolvimento do ensino da enfermagem incluíam em seus ideais a exigência desses mesmos atributos. Observamos, em seguida, que o ponto de partida para o treinamento e o ensino da enfermagem foi a necessidade de um profissional qualificado, para colaborar com o médico que, por si só, não se via em condições de desempenhar suas tarefas nas instituições hospitalares. Nesse contexto, verificamos que o nascimento das primeiras escolas de enfermagem se deu no ambiente hospitalar. O quadro demonstrativo ilustra um resumo, por país estudado, dos principais marcos da trajetória dos movimentos de profissionalização da enfermagem. Tais marcos incluem desde o ano de criação da escola ou curso de enfermagem, as circunstâncias, vultos envolvidos, critérios para seleção de candidatos, modelo de ensino, sexo dos alunos e o texto ou manual adotado para o curso. Destaque-se que, em praticamente todos os países o modelo de 4.9 - Breves Considerações 163 ensino instituído era o modelo médico, isto é, um modelo baseado em conteúdos simplificados e adaptados de cursos de medicina para os de enfermagem e ministrados pelos próprios médicos, destinado a mulheres, sem regime de internato. Mesmo no Reino Unido, na verdade o primeiro curso de enfermagem foi estabelecido pela Igreja Anglicana, em 1848, em Londres, na Casa de São João, identificada, na época, como instituição para treinamento sistemático em enfermagem. Havia uma hierarquia com estágios probatórios para as ingressantes, que depois passavam à categoria de “nurses” por cerca de cinco anos. Somente após ultrapassado esse período poderiam ascender à categoria de “sisters”. Esse sistema de hierarquia existe até hoje. A exemplo de outros cursos, criados por médicos, o ensino era eminentemente prático, mas no caso desse curso no Reino Unido, o ensino era dominado por clérigos. Não seguia, pois, um modelo médico, razão porque no Quadro, com referência ao Reino Unido, foi adotado como primeiro curso o da Escola de Enfermeiras do Hospital Saint Thomas, pela enorme relevância que essa instituição teve no ensino, e principalmente na profissionalização da enfermagem no mundo. E mesmo nos países que começaram com o modelo médico, todos acabaram adotando o modelo nightingaleano. Os primeiros a adotar, dentro do grupo dos países estudados, foram os EUA, e a Argentina ainda no século XIX, seguidos sucessivamente por todos os países ocidentais nas primeiras décadas do século XX. Com relação aos primórdios do perfil desejado para o enfermeiro, testemunhamos o seguinte quadro: o profissional deveria ser leigo e de preferência do sexo feminino; sua instrução seria elementar, mas com ensino teórico-prático ministrado por médicos a quem deveria ser leal, dócil, devotado e 4.9 - Breves Considerações 164 submisso. A análise trouxe à tona o fato de que a preferência pelo sexo feminino não excluiu a significativa presença do homem nos cursos e sua atuação cuidando dos doentes. Cabe ressaltar, entretanto, que, a expansão do modelo nightingaleano afastou-o do exercício da enfermagem geral, por longo tempo. Apesar da análise dos movimentos de profissionalização tomar por base a criação das primeiras escolas de enfermagem que ofereciam um ensino sistematizado, não podemos esquecer que os enfermeiros-noviços da Ordem de São João de Deus, eram preparados sistematicamente para o cuidado dos enfermos, com conteúdos programáticos semelhantes a de outras escolas, que também em diversos países iniciaram esse processo como, no Hospital de Nova York (1798). Portanto, podemos considerar o ensino ali ministrado como a semente da profissionalização da enfermagem, que se iniciava com característica de cuidado prestado por homens, logicamente porque o ingresso na Ordem só era permitido a estes. Especificamente com relação à assistência psiquiátrica constatamos que em alguns desses países a tradição histórica da enfermagem psiquiátrica foi uma constante. Estava à parte do sistema de saúde - relegada quase a segundo plano - pois estava ligada a um órgão custodial ou manicomial, na esfera jurídica do Poder Executivo, ou mesmo do Poder Judiciário. No modelo de ensino de Florence Nightingale, na Escola do Hospital Saint Thomas, a enfermagem psiquiátrica era considerada distinta da enfermagem geral. Só mais de 100 anos depois, em 1990, a Enfermagem Psiquiátrica foi incorporada ao currículo de enfermagem geral no Reino Unido. Já no Brasil, ela é parte integrante do corpo de conhecimento da enfermagem desde 4.9 - Breves Considerações 165 sua implantação em 1890, como se verá no capítulo subseqüente a este. Entre nós, o início da profissionalização da enfermagem teve características distintas, porque a enfermagem profissional nasceu dentro do espaço da psiquiatria; mas a profissionalização começou, de fato, nos hospitais como ocorreu em todo os países estudados nessa pesquisa. Excetuando-se os Estados Unidos da América do Norte, que iniciou seu processo de profissionalização em 1798, podemos afirmar que a enfermagem profissional surgiu e se expandiu a partir do século XIX. A seguir apresentamos um quadro demonstrativo dos diversos movimentos de profissionalização, que aponta os principais marcos movimentos. desses 4. 10 - QUADRO 1 Quadro Demonstrativo de vários Movimentos de Profissionalização País Reino Unido Estados Unidos França Portugal Espanha Argentina Taiwan Marcos Ano de criação 1860 Nome da escola ou curso Escola de Enfermeiras do Hospital Saint Thomas Circunstância especial Pós-Guerra Precursores Mary Robinson. Florence Nightingale. William Rathbone. Critérios de seleção para ingresso Moças de classe e moral elevadas. Modelo de ensino Nightingaleano. Sexo dos alunos Feminino Manual utilizado Notes on Nursing de Florence Nightingale (1859) e Red Handbook (1885) 1798 Curso para Enfermeiras no Hospital Bellevue, em Nova York. Epidemia de cólera. Falta de pessoal qualificado 1878 Escola de Enfermeiros de Salpêtrière , Bicêtre,Pitiê e Lariboisière Medicalização dos hospitais Laicização da enfermagem 1881 Escola Profissional de Enfermeiros. Necessidade de auxiliares para os médicos Médico Valentine Seaman. Médico Dr.Desiré Médico Dr. Magloire Bourneville. Augusto Costa Simões. O curso aceitava qualquer pessoa, em especial as que já trabalhavam nos hospitais, assim como voluntárias, mães e viúvas. Origem modesta, submissa ao médico, casada, educação Noções de primária, instrução primária. devotamento e limpeza 18 a 25 anos, exame médico e de moralidade Médico. Médico, Médico. Masculino e feminino The Nurse Guide de Dr. Joseph Warrington (1839). Masculino e Feminino de preferência Manuel Pratique de La Garde-Malade et de L’Infirmière do Dr. Bourneville (1878). Masculino e feminino Manuel Pratique de La GardeMalade et de L’Infirmière do Dr. Bourneville (1878). 1833 / 1896 Curso de treinamento para noviços, da Ordem de São João de Deus /Escola de Enfermeiras Santa Isabel de Hungria. 1886 oficializada em 1891 Escola Municipal de Assistência Pública. Medicalização dos Epidemia de hospitais e laicização da cólera. Enferrmagem Médico Dr. Rubio Gali. Saber ler e escrever. Monástico, Médico. Masculino e feminino El Arte de Enfermería, de José Bueno y Bueno Gonzales (1833). Médica Drª Cecília Grierson. Moças de classe e moral elevadas. 1897 Curso de treinamento para Enfermeiras do Hospital Taipé Mudança de governo por colonizadores Médico Dr. James L. Maxwell. Informações não precisas. Nightingaleano Médico-Japones. Feminino Feminino Guia de Enfermeiras e de Educação Técnica e Doméstica de Cecília Grierson (s/d). Os Princípios e Práticas da Enfermagem de Dr. Gushe Taylor (1917). 166 Capítulo 5 - A trajetória da profissionalização da Enfermagem no Brasil Capítulo 5 A TRAJETÓRIA DA PROFISSIONALIZAÇÃO DA ENFERMAGEM NO BRASIL 167 Capítulo 5 - A trajetória da profissionalização da Enfermagem no Brasil 167 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 168 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil No Brasil, desde a criação das primeiras instituições psiquiátricas em 1852, até o final do século XIX, os homens eram os encarregados de cuidar de doentes mentais. Depois, essa responsabilidade passou a ser das mulheres, as quais geralmente, desempenhavam a tarefa sem nenhum preparo formal específico. Isso porque o cuidado de enfermos era baseado em empirismo pragmático, cujos conhecimentos foram adquiridos através de hábitos, transmitidos de geração em geração, principalmente através da tradição oral (Kirschbaum,1994). Como anteriormente registrado, a organização de um sistema de preparação da força de trabalho para os hospitais psiquiátricos, ocorrido em 1890, trouxe como conseqüência a instituição da primeira escola de enfermagem e, a partir daquele ano, marcou o início do processo de profissionalização no país. Foi o caminho adotado pelos psiquiatras para solucionar os problemas de assistência aos doentes e ampliar e consolidar o saber e o poder médico no interior das instituições. Analisando-se mais detidamente a história da enfermagem, no Brasil, e principalmente na Europa, constata-se que são idênticos os motivos que deram origem à profissionalização. Isso ocorreu porque os brasileiros, candidatos a médicos, iam estudar na Europa e, no retorno, traziam para o país, não só o conceito da pasteurização e da assepsia, como também as idéias laicas dos serviços de enfermagem (Verderese,1979). 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 169 Os médicos brasileiros, por sua vez, sentiam necessidade de contar com dóceis auxiliares para que os seus princípios e regras fossem aceitos sem contestações. Para isso era preciso contar com pessoal mais submisso, para realizar os trabalhos de atendimento aos doentes. É importante ressaltar que o início do movimento de profissionalização ocorreu na área da psiquiatria, ou seja, no Hospício Nacional de Alienados; lá, os médicos passaram a evitar o controle moral e impositivo sobre seus pacientes, “método terapêutico” esse, aplicado anteriormente, como se a doença mental fosse um fator externo ao doente. Com isso, os maus tratos cederam lugar aos estudos clínicos e à medicalização (Verderese,1979). O Brasil acompanhava as práticas e modelos assistenciais instituídos na Europa, uma vez que o ensino formal de enfermagem - introduzido pelo Decreto n.º 791/1890 - era ministrado por eminentes médicos que haviam estudado e estagiado nos melhores hospitais franceses. Dentre eles podem ser citados Juliano Moreira, Oscar Ramos e outros. Essas instituições francesas eram, na época, as mais avançadas do mundo na área da psiquiatria, e tinham em seus quadros especialistas renomados, como Pinel, Charcot, Esquirol, entre outros. O cenário que envolveu o início da profissão de enfermagem no Brasil foi a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, instalada no Hospício Nacional de Alienados, na cidade do Rio de Janeiro, e o seu pano de fundo foi a laicização da enfermagem nesse nosocômio. O processo de laicização surgiu a partir do confronto ocorrido, em 1890, por causa de grave crise entre o diretor do Hospício Nacional dos Alienados e as Irmãs de Caridade, da Congregação de 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 170 São Vicente de Paulo44, que cuidavam de todas as atividades relativas aos doentes ali internados mas que, não só acobertavam os maus-tratos sofridos pelos internos por parte dos "guardas" e "enfermeiros", como também acobertava tais atitudes ( Moreira, 1990). Em conseqüência dos desentendimentos, as religiosas foram dispensadas, ficando os pacientes sem cuidados de enfermagem, o que gerou uma situação de emergência. Tal emergência apressou a concretização da idéia de formar pessoal habilitado para dar assistência de enfermagem, tanto aos psicopatas como também aos pacientes dos hospitais civis e militares, igualmente carentes de infra-estrutura para o bom funcionamento hospitalar. Foi nessa oportunidade que houve a substituição das Irmãs de Caridade pelas enfermeiras francesas, de Salpêtrière, uma das escolas formadoras de enfermeiras de Paris, já referida anteriormente, contratadas pelo antigo diretor do hospício com o aval do governo brasileiro (Moreira,2002). O Decreto nº 791/1890, acima referido, foi publicado tanto na imprensa oficial como nos periódicos da época. Estabeleceu os requisitos básicos exigidos para o curso quais sejam: forma de ingresso, freqüência, período de duração e conclusão, assim como descreveu todas as disciplinas a serem ministradas. São estes os dizeres do Decreto: Art. 1º. Fica instituída no Hospício Nacional de Alienados uma escola destinada a preparar enfermeiros e enfermeiras para os hospícios e hospitaes civis e militares. Art. 2º . O curso constará: 44 O primeiro grupo de irmãs da Congregação de São Vicente de Paulo, de Paris, que veio para auxiliar os médicos nas funções de enfermaria e farmácia, chegaram ao Rio de Janeiro em setembro de 1852. A vinda foi negociada por Clemente Pereira, então Provedor da Santa Casa (Gandelman, 2001). 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 171 1º. de noções praticas de propedeutica clinica;45 2º. de noções geraes de anatomia, physiologia, hygiene hospitalar, curativos, pequena cirurgia, cuidados especiaes a certas categorias de enfermos e applicações balneo-therapicas; 3º. de administração interna e escripturação do serviço sanitario e economico das enfermarias. Art. 3º. Os cursos theoricos se effectuarão tres vezes por semana em seguida á visita ás enfermarias, os praticos terão logar diariamente nas enfermarias e serão dirigidos pelos internos e inspectoras, sob a fiscalização do medico e superintendencia do director geral. Art. 4º. Para ser admitido á matricula o pretendente deverá: 1º. Ter 18 annos, pelo menos, de idade. 2º. Saber ler e escrever correctamente e conhecer arithmetica elementar. 3º. Apresentar attestações de bons costumes. Paragrapho único. Poderão ser admitidos ao curso alumnos internos e externos; os primeiros, que não poderão exceder de 30, além de aposento e alimentação, terão direito á gratificação, no primeiro anno de 20$ mensaes, e no segundo, depois da primeira aprendizagem, de 25$; devendo, porém, coadjuvar os empregados do estabelecimento no serviço que lhes for designado. Art. 5º. Aos alumnos que se distinguirem nos exames, serão conferidos premios até 50$, e aos enfermeiros diplomados e alumnos que em qualquer tempo se invalidarem no exercicio da profissão em hospitaes mantidos pelo Estado, por effeito dos deveres a ella inherentes , se abonará uma pensão proporcional ao ordenado que perceberem. Art. 6º. No fim do curso, que poderá ser feito em dous annos no minimo, será conferido ao alumno um diploma passado pelo director da Assistencia Medico-legal de Alienados. Art. 7º. O diploma dará preferencia para os empregos nos hospitaes a que se refere o art. 5º, e o exercicio profissional durante 25 annos, dará direito á aposentadoria na forma das leis vigentes. Art. 8º. Enquanto permanecerem no estabelecimento, ficarão os alumnos sujeitos ás penas disciplinares impostas nas instrucções do serviço interno aos respectivos empregados” (Hospício, 1890). 45 A redação da noticia da revista O Brazil-Médico, foi trancrita como no original, de acordo com a ortografia da época, 1890. 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 172 A finalidade do curso da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras era, sem dúvida, preparar o pessoal que já trabalhava no próprio hospício, e dar oportunidade de trabalho para mulheres e órfãs que não tinham como sobreviver sem uma profissão que as sustentassem, após 18 anos, quando saiam dos orfanatos. A citada revista O Brazil-Médico (1890, p. 300) assim noticiou a abertura do curso.46 “Hospicio Nacional de Alienados - Por iniciativa do digno director desse estabelecimento, Dr. Teixeira Brandão, e á vista dos judiciosos motivos apresentados de accordo com suas idéas pelo cidadão ministro do interior, foi decretada a creação no Hospicio Nacional de Alienados de uma escola, cujo fim é preparar enfermeiros e enfermeiras, aptos para servirem nos diversos hospicios e hospitaes da Republica. A idéia é grandiosa tanto pelo lado pratico como pelo moral; pelo lado pratico, preparando individuos que saibam lidar com doentes, e que só assim podem ser verdadeiros auxiliares do medico, pela confiança e certeza que este adquire de que suas prescripções, serão melhor executadas por quem lhes comprehende o verdadeiro valor; pelo lado moral, ampliando os horizontes da actividade feminina, entre nós ainda tão acanhados, proporcionando á mulher um meio honesto e altamente humanitario de adquirir os meios de subsistencia. Se outras muitas não houvessem, bastariam estas duas vantagens para não se regatear applausos a quem não poupou esforços para conseguir a realização de idéia tão generosa quanto util, o ilustrado Dr. Teixeira Brandão”. Podemos constatar por essa notícia que, naquela época, o objetivo dos médicos era ter uma auxiliar para executar tarefas que abrangiam uma série de medidas que iam desde o cumprimento das suas prescrições, a observação e 46 A redação da notícia da revista O Brazil-Médico , foi transcrita como no original, de acordo com a ortografia da época. Em alguns documentos, lemos Hospício e em outros Hospital, quando se referem ao Hospício Nacional de Alienados. De acordo com o Decreto n.º 142 de 11/1/1890, o nome era Hospício Nacional de Alienados. No entanto, em 1911 encontramos atos normativos referindo-se a ele como Hospital Nacional de Alienados, sem que haja um documento oficial relatando essa troca de nomenclatura. 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 173 transmissão de informações sobre os doentes, a vigilância, os cuidados de higiene pessoal, até a substituição do próprio médico em sua ausência, em tudo aquilo que não dependesse de uma tomada de decisão dele. Enquanto a escola, como referido antes, preparava seus alunos, foram contratadas enfermeiras francesas, oriundas de Salpêtrière, para assistência aos alienados no hospício. O contrato fora por três anos, mas acabaram ficando por mais tempo, até o ano de 1895. Conforme registrado no documento Legation de France au Brèsil, de 10 de abril de 1895, o Ministro da França solicitava ao Ministro da Justiça no Brasil, para regularizar a situação de sete enfermeiras, cujos compromissos com a Assistência Médico-Legal de Alienados teriam expirado em 1º de fevereiro de 1893 (Moreira, 2002) Essas enfermeiras francesas eram formadas em Escolas Municipais da Assistência Pública. De tal fato podemos depreender que estudaram seguindo o manual do Dr. Bourneville. Assim sendo, devem ter trazido para o Brasil tais orientações que vieram beneficiar os alunos da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, uma vez que, segundo esse manual, os exercícios práticos seriam ministrados por enfermeiras supervisoras (Bourneville, 1905). Pela lógica dos acontecimentos, torna-se evidente que, enquanto as enfermeiras francesas estiveram presentes, prestando cuidados aos alienados e fazendo a supervisão de eventuais alunos da escola, os psiquiatras não tinham com que se preocupar. Porém, a saída delas após o término do contrato, fez surgir novamente a carência de pessoal, porque de um lado, o número de pacientes havia aumentado muito; de outro, havia também a dificuldade de formar novos enfermeiros. Essa poderia ter sido a razão da notícia veiculada na revista O Brazil-Médico, de abril de 1897 sobre uma inauguração da escola, agora 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 174 sob a direção do Dr. Márcio Nery, médico-Chefe do Hospício, citada anteriormente. Essa mesma notícia destacava ainda que já haviam iniciado as aulas de anatomia descritiva, fisiologia e noções de propedêutica. Entretanto, esta última informação levanta uma dúvida que permite questionar: como poderia ter acontecido uma inauguração, se as aulas já haviam sido iniciadas? Será que essa inauguração não teria sido o início oficial daquele ano letivo na escola, nos moldes de uma aula inaugural a que os médicos estavam acostumados na Europa, e não propriamente uma inauguração da escola? Não foram encontrados outros registros ou fontes que confirmassem esse evento de inauguração, nem mesmo outros dados sobre a escola em documentos oficiais, no período de 1890 a 1905. Destaque-se, no entanto, Ernani Lopes, um eminente professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em seu discurso, na inauguração do Curso de Enfermeiras da Policlínica de Botafogo, em 1917, onde afirmava que: “a Escola que funcionava no Hospício de Alienados não se limitava apenas a formar enfermeiros para alienados, mas enfermeiros e enfermeiras comuns para os hospícios e hospitais civis e militares do país. O regime rotatório do ensino técnico, fazendo que o enfermeiro do estabelecimento trabalhe sucessivamente durante certo tempo em cada uma das diversas seções anexas, de cirurgia, ginecologia, maternidade, oftalmologia, etc. com o fim de evitar a unilateralização conseqüente ao serviço permanente em uma mesma enfermaria ... Esta escola funcionou com regularidade durante os primeiros tempos que se seguiram à sua fundação. Houve depois um longo período de inatividade até 1904, por ocasião da reorganização da Assistência a alienados levada a cabo pelo Dr. Juliano Moreira, no governo de Rodrigues 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 175 Alves, voltou a Escola a entrar em uma fase de trabalho regular, sendo então diplomados um número apreciável de enfermeiros de ambos os sexos” (Lopes,1919, p.48). Apesar de não ter sido encontrada documentação alguma referente a esse período, quer na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, quer no Arquivo Nacional ou arquivos da cidade, as palavras de Ernani Lopes, publicadas na imprensa diária e nos registros da Policlínica de Botafogo, são um significativo testemunho do funcionamento da escola. Com efeito, afirmava ele em seu discurso que ela funcionou regularmente ”durante os primeiros tempos que se seguiram à sua fundação seguida de um período de inatividade até 1904”. O mesmo discurso foi lembrado pelo Dr. Gustavo Riedel, por ocasião da formatura da turma de 1921, publicado no Jornal do Commercio de 16 de dezembro de 1921, páginas 2 e 3 , assim como no Jornal O Paiz na página 5, da mesma data, reafirmando uma vez mais o funcionamento da escola (Escola, 1921). A escola, pois, teria voltado ao funcionamento regular em 1905 e 1906, sobre cujo período foram encontrados vários documentos oficiais, ainda manuscritos, tais como: ata de instalação da escola em 1905, com assinatura dos presentes, relação de alunos matriculados, relação de docentes e relação de funcionários do Hospício Nacional de Alienados matriculados no curso. Além da relação de formados em 1906, como podemos observar no documento n.º 253 de 18 de abril de 1906 (fig. 6) encaminhado ao ministro da Justiça e Negócios Interiores, que consta a lista os profissionais que concluíram o curso naquele ano. 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil Fig. 6 - Documento n.º 253 de 18/4/1906, lista de formados em 1906. Fonte: Arquivo Nacional, Ministério do Interior/série saúde. 176 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 177 No ano de 1906, o Diário Oficial da União publicou um edital para o concurso da escola, precisamente nos dias 16, 18 e 20 de janeiro de 1906. Fernandes Figueira, médico e diretor da escola em 1905, em seu discurso, exalta a iniciativa do HNA que, utilizando o corpo médico para o preparo de enfermeiros, mantinha um curso de padrão maior do que os de Paris, à época (Figueira, 1906). Esse discurso de Fernandes Figueira foi veiculado na imprensa da ocasião e está incluído no tema que foi objeto de estudo por Moreira, Porto e Oguisso (2002, p. 406) onde afirmam : “com essa notícia de 1906, pode-se vislumbrar que os alunos, oriundos da EPEE, já eram ponto de referência para as outras instituições de saúde onde ainda se praticava a enfermagem sem qualquer preparo de pessoal. Foram também mencionados no discurso: a profundidade do conteúdo das disciplinas ministradas no curso e o vasto campo de atuação para o qual eram preparados os enfermeiros”. Apesar das referências apontadas, Moreira et al. (2002) registram que, no relatório anual, do Hospício Nacional de Alienados encaminhado ao Ministro da Justiça e Negócios do Interior47, referente ao ano de 1908, assinado por Juliano Moreira, encontramos o seguinte parágrafo: “A escola de enfermeiros fundada no estabelecimento com tão bons resultados não pôde funcionar durante o ano de 1908, porque o pessoal sobrecarregado de trabalho, obrigado á vigilância permanente de uma grande massa de pacientes não tinha tempo suficiente para freqüentar 47 Apesar do nome do ministério ser Ministério da Justiça e Negócios do Interior, algumas vezes encontramos nos textos apenas como Ministério do Interior ou Ministério da Justiça, à época só existia esse ministério. 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil com regularidade as aulas 178 da mesma escola” (Moreira,1909 ). Em outro documento desse mesmo hospital, datado de 8 de julho de 1913 e encaminhado ao Ministro da Justiça e Negócios do Interior, o próprio Juliano Moreira comunica a reabertura da Escola Profissional de Enfermeiros, perante o Corpo Clínico da Assistência a Alienados e do Administrativo do hospital que, como exposto em relatórios anteriores dizia ele, estava impedida de funcionar ( Moreira, 1913). Sobre a comunicação de reabertura, apesar da pesquisa exaustiva realizada para a elaboração do presente estudo, não foram encontrados registros de diplomas e nem prontuário de alunos do período compreendido entre 1907 e 1920. Todavia, sobre as turmas subseqüentes, chegando até os dias de hoje, todos os documentos e registros encontram-se no arquivo setorial da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, antiga Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras. Segundo Possollo (1920) Gustavo Riedel, diretor da Colônia de Alienados, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, criou o ambulatório Rivadavia Corrêa, anexo à escola. E, com a autorização e os aplausos do ministro da Justiça e Negócios do Interior, Alfredo Pinto48, instalou também a seção feminina da instituição, que funcionou com o nome de Escola de Enfermeiras Alfredo Pinto, na zona suburbana, “oferecendo às moças estudiosas uma carreira profissional de elevada estima, digna e cada vez mais necessária à vida do pais” 48 Alfredo Pinto Vieira de Mello (1863-1923), natural de Pernambuco onde concluiu o curso de Direito (1886), foi Juiz municipal no Rio Grande do Sul (1897), catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 179 (Possollo,1920, p.6). Isso porque, com o Decreto-Lei n.º 17.80549, de 23/5/1927, que aprova o regulamento para a execução dos serviços da Assistência a Psicopatas no Distrito Federal, no art. 86, divide a escola em duas seções: mista e feminina. A seção mista funcionou no Hospital Nacional de Alienados e a seção feminina deveria funcionar na Colônia Feminina de Psicopatas, no bairro de Engenho de Dentro. Com a reforma de 1941, a escola foi vinculada ao Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM), já sob a égide do Ministério da Saúde. No dia 22 de setembro de 1942, pelo Decreto n.º 4.725/4250, passou a denominar-se Escola de Enfermeiros Alfredo Pinto, fundindo as seções mista e feminina, funcionando numa única sede, na avenida Pasteur, n.º 292, no mesmo local onde funciona até os dias atuais. Com o Decreto-Lei n.º 20651, de 27 de fevereiro de 1967, a Escola recebe o nome de Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. Por oportuno, torna-se necesssário retificar uma informação incluída em nossa dissertação de mestrado em 1990. Nesse trabalho, versava sobre os 100 anos da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, foi afirmado que a instituição tinha formado sua primeira turma em 1921. Todavia, com a pesquisa mais aprofundada do presente estudo, no período de 1890 a 1920, foram encontrados do Rio de Janeiro, ocupou o cargo de Chefe de Policia (1909), Deputado Federal, Ministro da Justiça e Negócios Interiores (1919) e Ministro do Supremo Tribunal Federal (1921). 49 Decreto-Lei nº 17.805, de 23/5/1927. Aprova o regulamento dos serviços da Assistência a Psicopatas no Distrito Federal.Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1927, vol. II, Actos do Poder Executivo (jan/dez), RJ, Imprensa Nacional, 1928. 50 Dereto-Lei nº 4.725/42, de 22/9/1942. Reorganiza a Escola Profissional de Enfermeiros criada pelo Decreto nº 791, de 27/9/1890, e dá outras providências. Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública Enfermagem, Legislação e assuntos correlatos. 3ª ed.,. RJ:1974. v.1. p.117. 51 Decreto-Lei nº 206/67, de 27/2/1967. Dispõe sobrea Escola de Enfermagem Alfredo Pinto e dá outras providências. Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública Enfermagem Legislação e assuntos correlatos. 3ª ed.,. RJ:1974.v. 2, p. 428. 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 180 nos Relatórios da Assistência a Alienados - encaminhados ao Ministro da Justiça e dos Negócios do Interior e conservados no Arquivo Nacional - referências a alunos formados em turmas anteriores e que prestaram serviços no HNA. Fato incontestável, portanto, é que a escola, criada em 1890, mesmo funcionando com alguns intervalos no início, manteve-se até hoje com muita persistência, seja pela necessidade de pessoal qualificado, seja pela primazia sempre dada ao ensino e à prática do cuidar, considerado como núcleo fundamental e razão de ser da profissão de enfermagem, o que, na verdade, deu início à sua profissionalização entre nós. Reconstituindo o trajeto da profissionalização da enfermagem sob a ótica da escolarização, Mott (2000), historiadora e especialista no assunto, relata que diversos cursos preparatórios surgiram no país. Na esteira da criação desses cursos, Mott (2000) relata os primórdios do conceituado Hospital Samaritano paulista, cujo primeiro estatuto datado de 1890, já previa a criação de uma Escola de Enfermagem. A origem desse nosocômio se deveu a motivos de caráter estritamente religioso. Na verdade, as Santas Casas de Misericórdia, da época, não aceitavam de bom grado os doentes não católicos. Desse fato surgiu a necessidade de preparar enfermeiras para cuidar de pacientes de outras religiões. Para sanar esse problema, um imigrante protestante, de origem chinesa, legou seus bens para a construção de um hospital que atendesse pessoas de todos os credos religiosos. Membro da Igreja Presbiteriana, empenhara-se para que esse hospital fosse fundado, em 1890, com o nome de Hospital Samaritano, que funciona até hoje, na cidade de São Paulo. No início, o hospital contava apenas com uma enfermaria masculina, com dezesseis leitos. Porém, foram contratadas 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 181 enfermeiras inglesas, formadas pela Escola de Florence Nightingale, para nele trabalhar. Os médicos criaram um curso de enfermeiras no hospital, em 1896, contando com essas enfermeiras inglesas para sua implantação. As alunas entravam como praticantes, moravam no hospital e ficavam sob a supervisão da diretora, também chamada de matron. Somente eram aceitas como candidatas as pessoas do sexo feminino (Carvalho,1968 e Mott, 2000). As referências cronológicas apontadas por Mott (2000) levam a crer que a escola do Hospital Samaritano para formação de enfermeiras foi a primeira a implantar o modelo de ensino nightingaleano no Brasil. Apesar do provável pioneirismo quanto à implantação do modelo nightingaleano, essa antiga instituição de ensino da enfermagem não conseguiu notoriedade no Brasil e nem mereceu maiores destaques por parte dos órgãos públicos. Como resultado, ela manteve-se ignorada por muitas décadas, permanecendo à margem da historiografia oficial da enfermagem brasileira. Talvez semelhante descaso possa ser explicado -não, porém justificado - pelo fato de tratar-se de uma escola criada em hospital privado, com orientação nãocatólica52 (o que contrariava a regra geral do comportamento religioso da época) e também localizada fora da capital da República, na época. Porém, ainda hoje, segundo Mott (2000), esse fato histórico continua sendo ignorado e, talvez até desdenhado, por muitos enfermeiros. Os dois primeiros decênios viram nascer outras notáveis instituições de ensino: em 1914, a Escola de Enfermeiras Voluntárias e, em 1916, a Escola de 52 No tempo do Brasil Império (1822-1889), o Catolicismo era a religião oficial (Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824). Após a proclamção da República, o Estado brasileiro, por influência do Positivismo, deixou de ter religião oficial (Constituição da República, de 24/2/1891). 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 182 Enfermeiras Práticas, ambas da Cruz Vermelha Brasileira, e fruto de um movimento internacional para melhorar as condições de assistência aos feridos da Primeira Guerra Mundial. Algumas personalidades de destaque na enfermagem brasileira saíram dos seus bancos escolares, como, por exemplo, Edith de Magalhães Frankel e Idália Porto Alegre ( Mott, 2002). Nesse mesmo começo de século, surgiram ainda - e, por justiça aqui devem ser registrados - o Curso de Enfermeiras da Policlínica de Botafogo (outra entidade privada e que existe ainda hoje), em 1917 (Mott e Oguisso, 2003), e o curso intensivo para Enfermeiras Visitadoras, criado no Rio de Janeiro, junto ao Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1921 (Silva,1986). Este último surgiu da necessidade de combater a febre amarela, o tifo, a cólera, a tuberculose, etc., doenças essas que resultaram do acelerado e descontrolado processo de urbanização que formava aglomerados populacionais em precárias condições de saneamento básico. É indiscutível que a necessidade de pessoas qualificadas e treinadas, foi o principal fato gerador para a criação dos cursos de forma emergente, como foi no Hospício Nacional de Alienados onde.faltavam enfermeiros para cuidar dos doentes. Seguiu-se o preparo de pessoal especializado para cuidar dos feridos de guerra e mais adiante, para cuidar dos enfermos de um modo geral. Carvalho e Castro (1979) salientam que o profissional enfermeiro surgiu no Brasil para atender à necessidade de saúde pública e que, após trinta anos de crescimento institucional desordenado, sua prática foi dimensionada para a assistência hospitalar, fenômeno, segundo essas autoras, em toda a América Latina. 5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil 183 Todavia, trata-se de uma afirmativa equivocada, como pode ser comprovado neste estudo. O profissional enfermeiro surgiu, em primeiro lugar, como decorrência da necessidade de resolver o problema de falta de pessoal preparado para cuidar dos doentes no Hospício Nacional de Alienados. Portanto, por uma necessidade da psiquiatria, para assistência hospitalar, e não de saúde pública. Um olhar retrospectivo nos remete aos últimos cem anos da trajetória percorrida pela enfermagem e nos leva a constatar uma tendência de caráter “hospitalocêntrico” quanto ao exercício da profissão, apesar dos avanços técnicos e científicos ocorridos em outras áreas de conhecimento da enfermagem, tais como na saúde coletiva, no ensino e na pesquisa. Com efeito, não há como negar que tais avanços são de alta significância para o crescimento e desenvolvimento da enfermagem como profissão. Capitulo 6 - O Ensino da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras CAPITULO 6 O ENSINO DA ESCOLA PROFISSIONAL DE ENFERMEIROS E ENFERMEIRAS 184 6.1 O Currículo e Manuais Utilizados 185 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados A análise deste capítulo versa sobre o sistema de ensino implementado pela Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, envolvendo os programas das disciplinas, os manuais utilizados à época, os seus corpos docente e discente da escola. Cumpre destacar de início, que o mais relevante documento e a base do programa adotado é o próprio Decreto n.º 791, de 27 de setembro de 1890, que criou a escola e que relacionou as matérias a serem oferecidas durante o curso. O capítulo anterior - que descreveu o cenário da profissionalização da enfermagem – analisou e discutiu a criação daquela Escola Profissional no Hospício Nacional de Alienados. A força legal do Decreto mencionado deu caráter oficial à escola para formar enfermeiros profissionais, e com isso, iniciar a profissão da enfermagem no Brasil. O documento descreve a finalidade, os requisitos para ingresso, conteúdos do curso e dá outras providências. No entanto, o documento não faz referência sobre metodologias e carga horária ou sobre a forma de avaliação. Mesmo que esses elementos tenham sido desconsiderados no decreto, são essenciais no planejamento de qualquer atividade de ensino. Nesse sentido, os educadores, em geral, concordam com Goodson (1991, p. 26) quando refere que “a construção do currículo pode ser considerada como um processo de invenção da tradição, sendo a tradição inventada e definida como conjunto de práticas, normalmente reguladas por normas aceites, que visam, por 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados repetição, divulgar 186 certos valores e normas de comportamento”. Goodson (1991. p. 27) ainda reforça afirmando que “o currículo escrito é o supremo exemplo da invenção da tradição, mas não é algo predeterminado e adquirido para sempre, é antes, algo que se vai construindo e reconstruindo no tempo”. Levando tais conceitos em consideração, surge a pergunta: quem teria dado a base para a construção do programa da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, no decreto que a criou? Uma hipótese é a de que, um dos médicos do HNA, tendo estudado na França, conhecia o manual prático do Dr. Bourneville (1878) e o utilizou como modelo. Esse manual continha um programa minucioso sobre o conteúdo do curso ministrado naquele país, especificamente nos cursos da Assistência Pública. Com efeito, percebe-se a grande similaridade entre o conteúdo dos programas expresso no Decreto e no referido manual. A mesma similaridade desse texto escolar foi encontrada no livro Curso de Enfermeiros, de Adolpho Possollo53, que, segundo o próprio autor, inspirou-se no Decreto n.º 791/1890. A exemplo dos médicos europeus e norte-americanos interessados na formação do pessoal de enfermagem qualificado, Possollo elaborou esse livro - editado a primeira vez em 1920 - para os alunos da EPEE. Parece muito evidente que o manual utilizado inicialmente pelos médicos, professores da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, foi o 53 Dr. Adolpho Possollo, chefe do Serviço de Cirurgia do Ambulatório `Rivadávia Corrêa, livredocente de Clínica Cirúrgica da Faculdade do Rio, ex-capitão médico do Regimento Policial do Estado do Rio (1892-1893), ex-cirurgião efetivo da Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro (1903-1910). Teve vinte seis trabalhos publicados até 1920; porém, vale destacar que o livro em apreço foi reeditado com atualizações nos anos de 1930, 1936 e 1939. 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 187 do médico Dr. Desiré Magloire Bourneville, intitulado Manuel de la garde-malade et de l’infirmière54 (Manual do Enfermeiro e da Enfermeira). Dois exemplares originais dessa obra, Tomo I, Anatomie & physiologie, e Tomo III, Pansements (curativos).que se encontram na Biblioteca da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, foram doados pelo médico Dr. Oscar Ramos 55, que foi professor da antiga EPEE. O tratado do Dr. Bourneville teve sete edições e os dois volumes acima mencionados foram encontrados na biblioteca referida, em 2002, e correspondem à 7a edição da obra, publicado em 1903, o que não significa que edições anteriores não tenham circulado entre os professores da EPEE ou sido utilizados por eles. Os dois tomos, que constituem parte da obra de Bourneville, (Moreira et al., 2002) ainda conservam a capa dura, sem inscrição alguma, a não ser o título (Manuel de la garde-malade) na lombada e na sua folha de rosto apresentam o título completo em francês como mostra a fig. 7, do Tomo I, mas o titulo exato na sua primeira edição pode ter sido um pouco diferente. A partir da 2 a. edição observa-se o título exato mencionado no prefácio referente à essa edição. 54 A tradução literal do termo francês garde-malade – para o português seria guarda ou protetor de doente, que é uma expressão pouco conhecida na enfermagem moderna. Significa pessoa que dá cuidados aos doentes (Flamarion, 1989). Já o substantivo garde inclui ação de guardar, proteger, supervisionar. O Dicionário francês-português de Azevedo (1918), traduz como enfermeiro. Porém, antigamente, nos hospícios em geral, inclusive brasileiros, os pacientes alienados ficavam sob a tutela de “guardas”, que tinham a incumbência de vigiá-los, para que não fugissem ou protegê-los para que não se agredissem ou agredissem os outros, donde o termo guarda poderia ser apropriado. Para o português a tradução conservou apenas a palavra guarda nos antigos hospitais psiquiátricos, embora existam palavras como guarda-costas, guarda-livros (antigo contador), guarda-pó (avental), etc. 55 Dr Oscar Ramos médico, professor da EPEE é citado como autor de um discurso de aula inaugural, publicado na revista O Brazil-Médico, de 25 de março de 1922. Na ocasião, ele era chefe do Serviço Cirúrgico e professor de “Pequena Cirurgia” da EPEE. 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados Fig. 7 - Foto da folha de rosto do Tomo I. 7ª. Ed., 1903 Fonte: Acervo de obras raras da Biblioteca da EEAP 188 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 189 O prefácio da 1a. edição tem a data de 14 de julho de 1878 e assinado simplesmente Bourneville. Na 2a e 3a. edições ele se identifica apenas com um B maiúsculo; e retorna o sobrenome completo a partir do prefácio à 4 a edição. O Manual, ora em análise, contém como introdução os sete prefácios correspondentes às sete edições. O último traz a data de 24 de fevereiro de 1903. Cada prefácio apresenta uma justificativa do conteúdo e informa sobre as ampliações feitas. No prefácio da 1ª edição, Bourneville traça um pequeno histórico de escolas especiais que existiam na Inglaterra, na Suíça e nos EUA que preparavam enfermeiras para cuidar de doentes. Escrevia ele que essas escolas de ensino profissional estavam naturalmente anexas aos hospitais e que eram os médicos e cirurgiões os encarregados de preparar as pessoas. Com lições teóricas e práticas, elas se tornavam capazes de observar bem os doentes e de informar corretamente aos médicos, o que ajudaria a aliviar sofrimentos ou a curar a doença. A partir desses ensinamentos, continua o autor no prefácio, havia nascido uma literatura composta de manuais, guias e lições, até então desconhecidos na França, onde enfermeiras ainda não tinham suficiente instrução. Após muitas solicitações e reclamos, o diretor da Assistência Pública havia autorizado a criação de duas escolas, a de Salpêtrière, e a de Bicêtre. Na primeira, as aulas começaram em janeiro, mas a escola foi oficialmente inaugurada no dia 1o. de abril de 1878; a segunda, inaugurada no dia 20 de maio do mesmo ano. Em seguida, Bourneville refere-se aos três tomos do manual, indicando que o primeiro tratava de anatomia e fisiologia com os nomes dos seus autores; o segundo abrangia todos os conhecimentos, especialmente mais úteis às 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 190 enfermeiras; o terceiro estava dividido em duas partes: a administração de medicamentos e um pequeno dicionário com os termos mais utilizados em medicina. Isso porque, segundo o autor, tal conhecimento era necessário às enfermeiras e guarda de doentes. Ao final faz um agradecimento aos colaboradores que haviam possibilitado o funcionamento regular daquelas duas escolas. O prefácio da 2a. edição foi escrito no mesmo ano, isto é, em 1878, mais precisamente no dia 31 de dezembro. Desta feita, justifica essa edição afirmando que o manual não poderia ficar confinado ao circulo das duas escolas, uma vez que, havia sido muito bem acolhido por mães de família que cuidavam de familiares doentes. Explica a inclusão de figuras, porque tinha a finalidade de facilitar ainda mais a compreensão das descrições e também maior ênfase era dada às condições de higiene no ambiente dos doentes. O prefacio da 3a. edição, de 30 de junho de 1887, cita novos acréscimos, especialmente na anatomia da pele, nos tratamentos anti-sépticos, nas fraturas e massagens. O autor passa a dirigir-se, desta vez, a enfermeiras, guardas de doentes e mães de família, alterando, assim, a ordem precedente. Cita a criação da Escola de Aperfeiçoamento de Pitié, em maio de 1881, e informa sobre o acréscimo de outros dois volumes tratando sobre higiene e sobre administração e contabilidade hospitalar. Lista também os nomes de sete hospitais que haviam sido laicizados, a começar pelo de Laennec, em 1878, chegando até o de Trousseau, em 1887. O prefácio da 4a. edição, com data de 24 de fevereiro de 1889, anuncia uma grande revisão nos textos e os acréscimos feitos em todos os cinco volumes. Assim, o volume I continuava com anatomia e fisiologia; o volume II com 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 191 administração e contabilidade hospitalar; o volume III com curativos, injeções, emplastros, cataplasmas, infusões, camisa de força, cateterismos, banhos de vapor, banhos no leito e limpeza de roupas e mãos, entre outros. O volume IV incluía os cuidados com a parturiente, pequena farmácia e cuidados especiais a alienados. Finalmente, o volume V que foi dedicado à higiene. O prefácio da 5a. edição, de 21 de outubro de 1893, anuncia que a obra continua com cinco volumes, mas acrescenta as aulas sobre como cuidar de alienados, ministradas pelo prof. Le Bas, diretor do Hospício de Salpêtrière e professor da escola de enfermeiras. No volume sobre higiene haviam sido acrescentadas noções sobre modos de contaminação pela água, sobre doenças contagiosas e condições de salubridade das casas e hospitais. O prefácio da 6a. edição, do dia 23 de outubro de 1897, indica novas revisões e atualizações, especialmente na parte de anti-sepsia e assepsia, da pequena farmácia e do dicionário. Finalmente, no prefácio da 7a. edição, com data de 24 de fevereiro de 1903, o autor menciona seu trabalho de vinte e cinco anos na preparação de “enfermeiras devotadas, instruídas, hábeis e que conhecessem seu papel sem querer substituir os médicos, dos quais deveriam ser auxiliares escrupulosamente obedientes” (Bourneville,1903. p XXIV). Após a introdução com os sete prefácios, a obra se inicia com o título “Escolas Municipais de Enfermeiros e Enfermeiras”, citando como diretor o Dr. DM Bourneville. Apresenta, em seguida, a lista dessas escolas, mencionando os cursos oferecidos, denominados: ensino profissional e ensino primário. São as seguintes as escolas listadas: Bicêtre, Salpêtrière, Pitié e Lariboisière. Não há maiores explicações sobre o ensino primário, mas alude aos nomes das 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 192 instrutoras, em geral, uma ou duas, o que permite supor que seriam cursos mais simples e com menor profundidade. Para cada curso do ensino profissional são indicados os nomes dos professores, com os cargos que ocupavam na faculdade de medicina ou no hospital e respectivas matérias ou disciplinas. A maioria das disciplinas contava com dois ou mais professores. As matérias ou disciplinas listadas nessas escolas eram: Administração, Anatomia, Fisiologia, Curativos e Pequena Cirurgia, Higiene, Pequena Farmácia, Cuidados às mulheres que iriam dar à luz e ao recém-nascido, Massagens e Exercícios práticos. Esta última matéria era ministrada por quatro ou cinco enfermeiras supervisoras ou chefes nos hospitais. Para poder avaliar melhor o programa e o conteúdo das matérias ou disciplinas, é importante descrever aqui exemplos do que era ministrado em uma lição, conforme esse Manual. O programa não indica quantas horas de aula correspondia cada lição; entretanto, pelo conteúdo explicitado, deveria ter várias horas de duração. O programa de ensino profissional, logo após a lista das quatro escolas e a relação do corpo docente, tinha como título “Curso de administração e de contabilidade hospitalar”. Era, possivelmente, a primeira disciplina que era ministrada aos alunos nessas Escolas Municipais. A primeira lição, sem título, incluía os seguintes tópicos: Criação das escolas municipais de enfermeiros e enfermeiras - abertura dessas escolas em Bicêtre, Salpêtrière, Pitié e Lariboisière - razões de ordem política, médica, administrativa que determinaram essa criação. Laicizações anteriores sob (o reinado de) Luis XII, Luis XIV, Luis XVIII e Luis-Felipe. Outros exemplos dados pelos diversos países, repúblicas ou monarquias. Deveres do Conselho Municipal de Paris. Abortamento de 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 193 uma tentativa de instrução do pessoal hospitalar sob Luis-Felipe. Criação de uma escola de instrução primária em Bicêtre e em Salpêtrière, com duração efêmera. Objetivos das escolas municipais de enfermeiros e enfermeiras: melhor recrutamento do pessoal secundário dos hospitais e hospícios. Levantamento da situação dos enfermeiros e enfermeiras. Organização das escolas: cursos teóricos, cursos práticos, composições, diplomas. Somas votadas pelo Conselho Municipal para manutenção das escolas profissionais. Razões que levaram à escolha de Bicêtre, Salpêtrière, Pitié e Lariboisière como sede para essas escolas. As diversas categorias de alunos. Necessidade de assiduidade aos cursos. Os dois grandes laicizadores. Lista da laicização dos hospitais e hospícios, asilos, repartições de beneficência de Paris por ordem cronológica. Escolas de enfermeiras e as laicizações nas províncias. A segunda lição, igualmente sem título, tratava dos seguintes tópicos: O que é a Administração da Assistência Pública? Origem do bem aos pobres. Doações e legados de dinheiro e propriedades. Imóveis do serviço. Existência de três instituições de caridade antes da Revolução: o HôtelDieu, o Hospital Geral e a Grande Organização para os Pobres . Mudanças trazidas pela Revolução que converteram três instituições em uma: a Administração dos hospitais e hospícios civis de Paris. Conselho Geral dos hospícios. Comissão Executiva de cinco membros. Criação da Administração da Assistência Pública pela Lei de 10 de janeiro de 1849. Texto dessa Lei. Conselho de Supervisão: composição desse 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 194 Conselho. Haveres dos hospitais antes da Revolução. Orçamento atual da Assistência Pública. Total da receita obtida no orçamento do hospital. O que é um orçamento? Quadro de alguns capítulos das despesas e receita do orçamento hospitalar. Subvenção considerável votada todos os anos pelo Conselho Municipal. A terceira lição continha os seguintes tópicos: Estabelecimentos dependentes da Assistência Pública. Serviços gerais da Administração Central. Divisão de estabelecimentos hospitalares em dois grupos: os hospitais e os hospícios: hospitais gerais, hospitais especializados e hospícios propriamente ditos. As casas de repouso, os asilos e as fundações. História do Hôtel-Dieu. Costumes hospitalares da Antigüidade. A enfermagem romana. Criação do primeiro hospital em Roma. Criação do primeiro hospital francês, em Lyon. A construção do Hôtel-Dieu no século VII. Menção desse Hospital na Constituição de 829. Primeira dotação conhecida do Hôtel-Dieu. O que era o dízimo? Segunda dotação pelos cônegos de Notre-Dame. Outorgas sobre os tonéis de vinhos e farinha de trigo. Taxa de direito dos pobres. O grande hospício da humanidade. A Revolução melhorou o tratamento de doentes, que se encontravam em odiosa promiscuidade. Detalhes revelados sobre o assunto por um edito de Francisco I, para as memórias de Tenon em 1786, pelos relatórios de La Rochefoucauld-Liancourt no 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 195 Hôtel-Dieu, pelo testemunho de Cuvier. Visita de Tenon ao Hôtel-Dieu. Havia cinco, seis, sete doentes em uma só cama. A Revolução deu uma cama para cada doente. Histórico dos estabelecimentos-escolas: Bicêtre, Salpêtrière, Pitié e Lariboisière. Pelo exposto, podemos ver que, cada lição abordava extensa lista de assuntos; alguns tópicos listavam os pontos a serem mencionados como lembretes aos professores que fossem apresentar o assunto. As lições iniciais eram mais introdutórias, históricas e conceituais. A partir da quarta lição - do total de sete -, do curso de Administração e Contabilidade Hospitalar, os temas eram mais específicos; discorriam sobre a admissão do paciente ao hospital, os requisitos para internação, a legislação a seguir, a circunscrição do hospital, formulários a serem preenchidos, as perguntas que iriam ser feitas aos doentes, informações a serem dadas, os cuidados de higiene que deveriam ser prestados, o inventário dos bens e valores pessoais que o paciente trouxera, empacotamento e embalagem desses bens. Questões de responsabilidade com relação a esses bens e encaminhamento correto ao setor competente. No programa da disciplina de Anatomia, a primeira lição seria composta do seguinte conteúdo: o que é anatomia; disposição geral do corpo humano: esqueleto humano, ossos, articulações, músculos, nervos, medula, principais vísceras: coração, vasos, fígado, rins, etc.; coluna vertebral, vértebras, as diferentes regiões, coluna cervical, dorsal e lombar. No programa sobre Curativos, a primeira lição continha: os hospitais e as enfermarias; ordem e limpeza das salas; necessidade de aeração, ventilação e aquecimento das salas; os leitos - quais são os melhores leitos para os doentes, a 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 196 maneira de bem arrumar uma cama; que modificações seriam necessárias para que o leito pudesse receber um doente grave, ferido, febril, amputado ou alienado; os leitos para doentes com fraturas; as maneiras de mudar as diferentes peças de roupa de cama; transporte de doentes, veículos e meios improvisados; maneiras de tocar o doente, de o despir, deitar ou mudar de cama; precauções a tomar para dar esses cuidados aos feridos. A disciplina de Pequena Farmácia surpreende pelo seu conteúdo de farmacologia. Já na primeira lição eram incluídos: definição de farmácia e medicamentos; medicamentos de uso interno, externo e hipodérmico. Plano geral do curso, onde se insiste particularmente nos medicamentos cuja preparação era confiada às enfermeiras. Para os outros medicamentos são indicados apenas o modo de conservação e de administração. Lendo e analisando o programa, que descrevia de forma minuciosa o conteúdo de cada lição, é possível verificar a profundidade com que o ensino era feito. Cada volume do manual explanava o conteúdo de cada lição listada no programa. Assim, por exemplo, apenas a primeira lição, referente ao esqueleto humano e ossos do corpo, era desenvolvido em mais de trinta páginas, incluídos os desenhos e as ilustrações. O tomo II, sobre Curativos, tem 538 páginas, em tamanho 18x11 cm, divididos em vinte capítulos, a saber: as salas do hospital, o quarto do paciente e o mobiliário da sala de operações; os leitos e seus acessórios; transporte de feridos; os curativos; os curativos em geral e métodos de anti-sepsia e assepsia; os medicamentos tópicos (contem 136 páginas); bandagens; fraturas; feridas; hemorragias e hemostasias; curativos especiais e pequenas operações (aplicação de sangue-suga, ventosas e escarificações); a temperatura e os termômetros; os 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados pequenos procedimentos 197 (injeções, vacinação, cateterismo, punções e massagens); os banhos; os alienados, epiléticos e histéricos; a alimentação de doentes; hérnias e bandagens herniárias; o papel da enfermeira durante a visita médica e o auxilio a ser prestado nos diversos exames especializados; instrumentos médicos mais comuns, primeiros socorros em caso de sincope, respiração artificial, cuidados com o corpo após a morte. Observe-se que muitas das disciplinas oferecidas na Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras eram, na verdade, as mesmas mencionadas nos cursos do Dr. Bourneville, apenas com os títulos traduzidos para o português. É provável, também, que se baseassem no conteúdo descrito pelo médico francês, apenas adaptado à situação brasileira. Era o que de mais moderno existia na França, centro da cultura médica para os psiquiatras brasileiros da época. É interessante observar a preocupação e a importância dada aos conhecimentos gerais, à história das instituições, à base legal, enfim, à historia de seu próprio país e os reflexos da Revolução Francesa na assistência ao doente. Para contextualizar o programa da escola, optamos por trabalhar mais detalhadamente com a obra de Adolpho Possollo, Curso de Enfermeiros, editado pela Livraria Editora de Leite Ribeiro & Maurillo, no Rio de Janeiro. Tratase de um referencial teórico porque retrata com fidelidade o programa contido no Decreto n.º 791/1890, apresentando as matérias na mesma seqüência do texto legal e atendendo a todos os itens do curso. Sendo obra editada no idioma português, facilita a análise e interpretação. Apesar desse livro ter sido publicado a primeira vez em 1920, pode-se inferir que o autor, para escrevê-lo, deve ter tido antes um contato estreito com o 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 198 programa e o funcionamento da EPEE. Assim, é aceitável crer que os professores das turmas iniciais do curso, antes de 1920, seguramente ministravam suas aulas com base no livro do Dr. Bourneville. Em seu estudo, Mott e Tsunechiro (2000) ratificam o acima exposto, referindo-se a Adolpho Possollo como autor do livro escrito com base no programa desenvolvido na EPEE, que funcionava na Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro, anexa ao Ambulatório Rivadavia Corrêa. Quanto a essa informação é preciso esclarecer que em 1921, esse espaço físico na Colônia Feminina de Psicopatas estava ocupado pela seção feminina da EPEE, que passou a ser nomeada como Escola Profissional de Enfermeiras Alfredo Pinto, por se tratar da instauração de um novo regulamento, que dividiu a escola em duas seções mista e feminina, como já nos referimos anteriormente. Assim sendo, apresentamos a título de ilustração, a folha de rosto da 1ª edição da referida obra, encontrada no acervo de obras raras da biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, fig. 8. 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados Fig. 8 - Foto da folha de rosto do livro Curso de Enfermeiros, 1920 Fonte: Biblioteca da Faculdade de Medicina da USP. 199 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 200 Assim sendo, o livro destaca a importância desses profissionais (enfermeiros(as) para o desenvolvimento do país. Logo na introdução, afirmava que, “em todos os hospitais as enfermeiras leigas56 constituem um corpo auxiliar indispensável ao doente e ao médico. Em toda parte, nos diversos tipos de instituições de saúde, à época, se cogitava a entrega dos serviços de enfermeiros e de enfermeiras a profissionais habilitados” (Possollo, 1920 p. 6) Apesar do grande mérito de Possollo, deve-se consignar também que, antes de sua obra já existiam outras publicações técnicas de enfermagem, escritas em português, como, por exemplo, a obra do Dr. J. Haring O Livro da Enfermeira, publicado em 1916, pela Magalhães e Moniz Ltda. Editores, de Porto, Portugal, e o do Dr. Getúlio dos Santos, O Livro do enfermeiro e da enfermeira para uso das que se destinam à profissão e das pessoas que cuidam de enfermos, publicado também em 1916, que teve outra edição no ano de 1928.57 A obra de Possollo contém 143 páginas. As primeiras páginas relacionam as publicações do Autor, em outra página, presta uma homenagem à “Memória de Anna Nery” e, finalmente, faz a apresentação de sua própria obra. O conteúdo teórico está dividido em doze títulos principais, finalizando com a bibliografia utilizada. Logo após a introdução, Possollo, com base no seu relatório sobre “Viagem à Europa”, afirma que o país precisava formar enfermeiros, e que, desde 1905, havia se manifestado sobre a necessidade da criação de uma escola de 56 57 Enfermeiras leigas , no sentido de não ser ligada a qualquer ordem religiosa. Tais obras encontram-se no acervo da Biblioteca da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 201 enfermeiras, cita ainda algumas iniciativas tomadas pela Policlínica de Botafogo e pela Cruz Vermelha Brasileira. Parece estranha essa manifestação de Possollo sobre a criação da escola, pois ainda durante o Governo Provisório da Republica, o Decreto n.º791/1890 já havia atendido essa necessidade. O teor do Decreto deveria ser bem conhecido do autor, uma vez que o seu livro acompanha fielmente toda a seqüência do programa contido no texto legal, conforme antes mencionado. Tendo feito estudos e viagens à Europa, Possollo deve ter sofrido influência do que viu naquele continente. Assim, ele relata sua preferência por mulheres no curso de enfermagem, pois acreditava que as pessoas do sexo feminino eram mais caridosas meigas e tinham espírito de sacrifício. A preocupação quanto à questão de gênero é marcada no texto de Possollo. Isso se explica porque ele alegava que os enfermeiros tinham preferência para cuidar dos loucos (homens) ou eram mais afeitos aos serviços de saúde na guerra e nas linhas de frente ou nos navios de combate. Esse ponto de vista nos faz reportar à Florence Nightingale (1989) no que se referia à sua preferência por mulheres na enfermagem. Ela mesma levou um grupo de trinta e oito enfermeiras, todas mulheres, para a guerra da Criméia (Molina, 1973, p. 61). Acreditava ela que eles, apesar de bondosos, não saberiam atender a todas as necessidades de enfermagem, e afirmava que as enfermeiras saberiam tomar melhor as decisões sobre o cuidar de pacientes. Possollo (1920.p. 6) afirmou que “nos hospitais do mundo inteiro as enfermeiras leigas constituíam um corpo auxiliar indispensável ao doente e ao médico”. Por isso, recomendava que os serviços de enfermagem fossem 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 202 entregues a profissionais habilitados, pois um enfermeiro não poderia ser improvisado; ele deveria se preparar através de aprendizado especial e prática junto aos doentes, e, por fim, considerava ser importante confiar o ensino brasileiro da enfermagem à Escola de Enfermeiras da Assistência à Alienados. Era assim que Possollo retratava a importância da orientação do programa oficial da Escola de Enfermeiras em sua tentativa de contribuir com o ensino da enfermagem brasileira. Debruçando sobre os seus escritos, podemos afirmar que o autor, por diversos momentos, seguia o que Florence Nightingale já preconizava na essência e no contexto do seu livro Notas sobre Enfermagem, de 1859, quando relata sobre os princípios de higiene e alimentação do doente e da enfermeira, dentre tantos outros pontos. Possollo (1920) não se refere explicitamente a Florence Nightingale, mas insiste em recomendar aqueles princípios, donde se pode concluir que o texto utiliza freqüentemente os diversos modos da operacionalização da Enfermagem Moderna, no Brasil, já em 1920. Tal modelo viria a ser implementado posteriormente na Escola de Enfermagem Anna Nery, em 1923, como é narrado na literatura sobre a história da enfermagem brasileira. Entretanto, esse modelo de ensino já havia sido implantado na Escola do Hospital Samaritano, na cidade de São Paulo como referimos anteriormente. Cabe ainda salientar a riqueza de detalhes do texto, no que se refere aos princípios científicos, o que vem comprovar a preocupação do modelo adotado no preparo dos enfermeiros para atuarem nos moldes do contexto social da época. A obra apresenta doze títulos, seguidos por diversos subtítulos, que estão sucintamente apresentados como se segue. 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados Primeiro título: Noções 203 Gerais de Higiene. Descrevia o comportamento da enfermeira e tratava da assistência hospitalar e domiciliar. Quanto ao comportamento da enfermeira, ensina como deveria ser realizada a higiene pessoal, especificamente no período menstrual, hábitos alimentares, noções sobre o funcionamento intestinal e urinário; a necessidade do repouso, referindo-se até ao descanso após pernoites e plantões noturnos, destacando a importância do intervalo entre plantões; dava exemplos de como deveriam ser ocupados os dias de folga, através de passeios que não cansassem ou esgotassem, tais como ir às praias ou passear no campo, não recomendando, porém festas de rua e bailes. Assim, justificava ele esta última recomendação: “(...) em virtude de sua profissão os enfermeiros estão muitos expostos a contágios e infecções, tornando-se necessário que aumentem a resistência do próprio organismo, observando escrupulosamente as regras da boa higiene” ( Possollo, 1920, p.13). Todas essas prescrições seguiam o programa oficial da escola de enfermeiras, incluindo as qualidades e os preceitos éticos necessários para ser um bom enfermeiro(a). Continuando no mesmo capítulo, descrevia algumas formas de transmissão de doenças como tifo, tuberculose, tétano, meningite e outras, expondo através de fotos, seus agentes transmissores e formas de prevenção, temas que deveriam ser do conhecimento dos enfermeiros(as), compondo um total de 03 subtítulos. Segundo título: Noções Gerais de Anatomia. Incluía a anatomia descritiva referentes às diversas partes do organismo, estudadas separadamente, e a anatomia topográfica, que versava sobre o conhecimento das relações entre 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 204 as diversas partes do organismo em cada região do corpo. Expunha detalhadamente toda a anatomia descritiva, desde o tegumento que reveste o corpo, até o sistema ósseo em sua constituição, o sistema articular, os músculos, o aparelho circulatório, as artérias, as veias, o sistema nervoso, os aparelhos respiratório e digestivo e os aparelhos gênitourinários feminino e masculino. Na anatomia topográfica estudava as regiões, isto é, as partes componentes de um certo segmento do corpo, fazendo um estudo conjunto em cada região, desde a cabeça, pescoço, região clavicular, tórax, ventre, membros superiores e inferiores, até os pés. Mostrava em detalhes, através de figuras, todas as partes constitutivas do corpo humano, no total de vinte subtítulos e suas respectivas figuras ilustrativas. Terceiro título: Noções Gerais de Fisiologia. Apresentava o funcionamento do corpo, desde a função dos ossos e das articulações, o sistema nervoso central e periférico, a digestão, mastigação e eliminação, passando pela ação das enzimas, as glândulas de secreção interna e externa, o fígado, pâncreas, tiróide, hipófise, ovário, testículos e glândulas sudoríparas, até os órgãos dos sentidos, a pequena e grande circulação e a respiração, num total de seis subtítulos, com figuras que corroboravam a elucidação do texto. Quarto título: Funções Secretoras. Era dividido em quatro subtítulos que abordavam a fecundação, a função de excreção, o calor humano e as sensações dos doentes. Oferecia os ensinamentos necessários para a prestação dos cuidados de enfermagem. Quinto título: Noções Práticas de Propedêutica Clínica. Ensinava os 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 205 meios de se estabelecer o diagnóstico, através dos sentidos, tais como inspeção, palpação, percussão e ausculta e através de instrumentos auxiliares, como estetoscópio, termômetro, lanterna, aparelhos de raio x e sondas. Fazia uma descrição detalhada dos métodos e técnicas da utilização dos equipamentos e do uso a que se destinavam, tendo como estratégia pedagógica a apresentação de algumas figuras demonstrativas para facilitar o aprendizado dos alunos. Explicava também como e para que eram feitos os exames de sangue, urina e fezes, no total de quinze subtítulos. Sexto título: Curativos e Pequena Cirurgia. Abordava os conceitos de assepsia e anti-sepsia como base para os curativos e para as pequenas e grandes cirurgias. Descrevia a assepsia das mãos, da região a ser operada, do instrumental, das roupas utilizadas para os curativos, operações e trabalho de laboratório. Discorria sobre o uso de substâncias químicas empregadas para esterilização, tais como: sabão, álcool, éter para assepsia da pele e das mãos. Tecia considerações a respeito dos mecanismos de esterilização pela ebulição, calor úmido, autoclave, calor seco, calor combinado a substâncias químicas. Em relação às substâncias químicas, descrevia as fórmulas, diluições e emprego adequados, como orientações a serem seguidas na implementação da assistência. Sétimo título: Esterilizações especiais. Abordava a esterilização da água pela ebulição, por adição de produtos químicos, de instrumentos (cubas, bacias, bandejas, etc.), os diversos tipos de luvas, tubos, esterilizações especiais de drenagem, sondas (Nelaton, goma, etc.) e ataduras. Demonstrava através de 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 206 figuras todos os equipamentos e instrumentos, além da técnica detalhada, passo a passo, da aplicação de ataduras nos diversos segmentos do corpo. Especificava os tipos de curativo e o material necessário para a sua realização, tais como: curativos simples, com irrigação, de queimados, com tampões, de reto, de olhos, nasal, irrigação uretral, irrigação vesical através da sonda de Nelaton ou da sonda de dupla corrente de metal ou borracha, e aplicação de atadura de gesso. Possollo (1920) descrevia também a técnica de massagens para restabelecimento da normalidade de órgãos e tecidos comprometidos em sua função. Eram massagens que abrangiam desde a fricção, compressão, percussão até a mecanoterapia que é a massagem aplicada por meio de máquinas. Relatou ainda como deveria ser feito o transporte do paciente que tivesse sofrido qualquer acidente, a transferência do leito para a maca e desta para a mesa de operações ou de radiografia, como ilustram as fotos antigas aqui copiadas. (fig. 9). 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 207 Fig. 9 - Enfermeiros transportando o doente para o leito Fonte: Possollo, 1920, p.119 Descreveu uma ambulância e retratou o primeiro automóvelambulância que veio de Paris para o Rio de Janeiro. Era um modelo adotado na capital francesa, desde 1905. O veículo (fig. 10) foi doado pela Associação dos Empregados do Comércio. 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 208 Fig. 10 - automóvel-ambulância para transporte de doentes, vinda de Paris. Fonte: Possollo, 1920, p. 111. Encerra ele este sétimo título descrevendo as posições para os curativos de otorrinolaringologia e ginecologia dentre outras, e posições para operações, com as respectivas imagens para que o aluno tivesse maior compreensão. Oitavo título: Pequena Cirurgia. Tratava do conteúdo de operações e técnicas tais como: sangria, que podia ser geral ou local. A sangria local era conseguida por meio de sanguessugas, que são vermes anelados os quais, aplicados sobre a pele, picavam e subtraiam o sangue. A aplicação de sanguessugas podia ser feita em qualquer parte do corpo. Evitando-se apenas as partes descobertas, por deixarem as picadas cicatrizes indeléveis, e a proximidade de vasos calibrosos, pois o possível ferimento poderia provocar 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 209 hemorragias graves. Recomendava todos os cuidados de assepsia a serem tomados e o curativo compressivo após o término da sangria. A sangria é também descrita através da utilização do escarificador. Era um aparelho que constava de um pequeno cilindro de metal de 4 a 5 centímetros de diâmetro. Tinha em seu interior de oito a vinte lâminas implantadas. Era utilizada a saliência das lâminas, regulada segundo a profundidade que se desejava dar às escarificações, através de ventosas para sugar o sangue para a superfície da pele, sem retirá-lo do organismo. Ensinava também a técnica de injeções hipodérmicas ou subcutâneas para introdução de líquidos medicamentosos embaixo da pele. A aplicação era feita com uma seringa de Luer, ou por meio de um dispositivo especial, quando o líquido a injetar era de maior quantidade. Dessa forma, a pressão atmosférica atuando sobre o líquido impelia-o para o tecido celular subcutâneo. Assim eram feitas as injeções de soro fisiológico e soro glicosado dentre outras substâncias.. As injeções intramusculares e endovenosas eram minuciosamente descritas, desde os cuidados com o paciente e o local a ser aplicado, até as precauções quanto ao material antes e após o uso. A técnica de punção raquidiana foi descrita e ensinada como atividade do médico; porém, em casos excepcionais, poderia ser feita pelos enfermeiros(as). Não só a punção como também o cateterismo vesical - feminino e masculino - o cateterismo lacrimal, da trompa de Eustáchio e do colo do útero. Estavam incluídos nesse capítulo os diversos tipos de sondas e como deveriam ser fixadas. Ainda neste título era ensinado o socorro de urgência, com a 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 210 justificativa de que os enfermeiros seriam, muitas vezes obrigados a prestar socorro de urgência a certos doentes, quer como auxiliares do médico, quer enquanto aguardavam a sua chegada. Foram, então, descritos os procedimentos em inúmeras emergências: vertigem e síncope, asfixia por submersão, asfixia por gazes venenosos, hemorragias pelas vias naturais (nariz, boca, reto, etc.), hemorragias por ferimentos, envenenamento, queimaduras e nos casos de corpos estranhos nas vias aéreas. Nono título: Cuidados Especiais a Certa Categoria de Enfermos e Balneoterapia. Foram ensinamentos sobre doentes que necessitavam de cuidados especiais, em virtude das enfermidades que sofriam, ou por condições muito pessoais. Possollo (1920) classificou como doentes de cuidados especiais aqueles que iam ser operados, os que já estavam operados, as mulheres antes, durante e depois do parto, as crianças, os velhos, os nervosos e os alienados. Dessa forma, escrevia os vários procedimentos: preparo pré-operatório para pequenas e grandes cirurgias, que incluía o preparo da pele com a limpeza, a tricotomia, lavagem intestinal, a limpeza e assepsia da vulva em caso de cirurgias ginecológicas, preparo da bexiga e do reto para cirurgias anoretais. No que se refere aos cuidados durante o ato operatório competia ao(a) enfermeiro(a) colocar o doente na mesa de operações, de acordo com a intervenção cirúrgica. Abrangia o acompanhamento de todo o ato cirúrgico, observando as vias aéreas do doente e suas reações, quanto à operação, como posicioná-lo e o transporte para o leito. Destacava a importância do esclarecimento do tipo de operação realizada, bem como a anestesia à qual foi 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 211 submetido o doente. Ressaltava a observação das eliminações e drenagens, da verificação do pulso e da temperatura, e do curativo cirúrgico. Outro cuidado especial referia-se à parturiente, antes e depois do parto, até mesmo no domicílio, e com os utensílios e instrumental necessário. Higiene dos seios antes e após amamentação, estendendo-se aos cuidados com o recém-nato: os cuidados com coto umbilical, o intervalo das mamadas, os cuidados de higiene com o corpo e roupas. Após essas lições, eram ensinados os cuidados especiais referentes às crianças, aos velhos e aos alienados e, com maiores detalhes aos tetânicos. Muito comum entre os cuidados especiais, a balneoterapia era técnica de banhos gerais simplesmente com água ou com água em que se adicionou algum medicamento. Os banhos eram realizados de preferência em banheiras esmaltadas, com termômetros especiais com flutuador para controle da temperatura da água, temperatura cuja variação era anotada, de acordo com a indicação médica - maior ou menor que 37ºC. Tais banhos eram empregados largamente nas moléstias nervosas e mentais; sua duração variava conforme a idade e o caso. Os banhos poderiam ser de diversos tipos: banho de imersão, banho morno, banho de assento ou semicúpio, pedilúvio simples ou sinapisado (escalda-pés simples ou com farinha de mostarda), banhos locais, duchas (fria, em jato vertical, em poeira ou circular, móvel, fresca e a vapor); banho romano, seguido de aplicação de água fria, a vapor, envoltórios de compressas, saco frio e quente e capacete de gelo. Ainda nesse título, encontra-se o ensinamento das lavagens ou 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 212 irrigação do estômago, do intestino, vaporização, pulverizações, banho de luz, banhos de sol, aplicação de cataplasma, fricções, pincelagens e polvilhações . Nesse trecho do seu livro Possollo, descreve a função do enfermeiro como chefe de enfermaria e/ou serviço, quando referindo que “(...)nas colônias, os loucos que podem e querem trabalhar, são divididos em pequenas turmas, cada uma das quais chefiada por uma enfermeira ou enfermeiro que os dirige em serviço” (Possollo,1920, p.122) Na citação abaixo, podemos observar bem como era a função de supervisão noturna do serviço e o rígido controle dessa atividade. “Nos hospitais, a enfermeira, ou enfermeiro de ronda é munido de um relógio especial, por onde corre uma tira de papel que ele é obrigado a picar de ¼ em ¼ de hora. Para fazer isso há uma chave diferente para cada fração de hora, presa aos cantos da enfermaria. Por essa forma é o trabalho da enfermeira ou enfermeiro verificado, sendo obrigado a permanecer em ronda constante e a percorrer todas as enfermarias nas suas horas de serviço noturno” (Possollo: 1920; p.122). Décimo título: Administração Interna e Escrituração do Serviço Sanitário e Econômico das Enfermarias. O título deixa claro quais eram as competências a serem ensinadas ao enfermeiro(a): a escrituração de todo o serviço das enfermarias, apresentando os livros de registros e papeletas dos doentes. Nos registros do livro, constavam a entrada e saída dos pacientes; na papeleta - uma folha de papel impressa segundo o modelo da instituição - 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 213 constava o nome do doente, o sexo, a naturalidade, a cor, o estado civil e a data de sua entrada no hospital. Vale destacar que, nos hospitais de alienados, essa papeleta trazia a foto do doente. Além do livro de registros e das papeletas, a enfermaria tinha também, o livro de dietas, determinadas diariamente pelo médico. As dietas extraordinárias eram prescritas pelo médico e anotadas na papeleta. Uma vez transcritas pelo(a) enfermeiro(a) elaborava-se um mapa, por enfermaria, que era levado à cozinha. Da mesma forma o livro de medicamentos que, após a transcrição das receitas, era levado pelos enfermeiros à farmácia a fim de serem aviadas as fórmulas para posterior recebimento. Não bastassem essas anotações em livros e papeletas, havia ainda o livro de roupas onde eram anotadas todas as peças devolvidas pela rouparia e as que saíam para a lavanderia. As competências descritas por Possollo (1920) incluíam igualmente as atividades dos enfermeiros nos ambulatórios. Eram tarefas que começavam pela triagem dos doentes, identificando-os, encaminhando-os para a especialidade médica indicada e comunicando a doença de que eram portadores. Em seguida, fornecia-lhes um número de matrícula para seguimento em todas as vezes que retornasse ao hospital. Além dessas incumbências, o enfermeiro também era responsável por todo o pedido de material necessário ao consultório, da roupa aos medicamentos. Todavia, esse pedido era assinado pelo médico. Ao enfermeiro cabia, exclusivamente, supervisionar a limpeza das enfermarias e dos consultórios, realizada pelos serventes. 6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados 214 Competia-lhe, de igual modo, acompanhar a visita médica, fornecendo informações sobre os doentes, inclusive apresentando os mapas de temperatura e de pulso. Décimo primeiro título: Material necessário às operações mais comuns. É a relação de materiais para vinte e três tipos de cirurgias ou procedimentos. O texto é ilustrado com diversas figuras dos instrumentos e materiais citados, como, por exemplo, pinças cirúrgicas, fios cirúrgicos, agulhas dentre outros. Décimo segundo título: Notas sobre o Serviço Sanitário de Campanha. Essa última parte do livro se baseia na sua experiência da Primeira Guerra Mundial, no período de 1914-1918. Relata as condições do posto de socorro, o transporte de feridos, o modelo de barraca desmontável e realça a importância dos trens hospitalares e ambulatoriais como meio de transporte que, a um só tempo, era veloz e percorria grandes distâncias. Pela descrição sucinta de tantas responsabilidades, não é difícil imaginar quão vasto e extenso era o programa desenvolvido na Escola de Enfermeiras Alfredo Pinto. Por outro lado, havia ainda o problema da superlotação do Hospital Nacional de Alienados, que dificultava a saída dos alunos para freqüentar as aulas. O somatório desses dois fatores - programa extenso e superlotação – poderia ser o possível motivo pelo qual alguns alunos não conseguiam concluir o curso. 6.2 – Os Alunos 215 6. 2 - Os Alunos Os textos de Possollo (1920) mostram que, naquelaépoca, o perfil profissional do enfermeiro era traçado como, uma pessoa dócil, que soubesse ler e escrever para compreender as ordens do médico e ser-lhe obediente e leal, além de demonstrar compaixão pelos enfermos (Possollo, 1920 e 1939). Esse perfil não se coadunava com o método de ensino nightingaleano na formação dos profissionais. Na verdade - e é oportuno lembrar - Nightingale preconizava um ensino de enfermagem a ser ministrado por enfermeiras, que deveriam ter maior autonomia e ser também dirigentes de suas escolas. No caso em análise, sendo adotado o modelo francês, que diferia das idéias de Florence, a escola tinha os médicos como dirigentes e professores, e os alunos deveriam ser-lhes subservientes. No seu início, as turmas da escola eram compostas com mais alunos do sexo masculino que feminino, apesar das idéias trazidas pelos médicos e psiquiatras vindos da Europa, que preferiam as mulheres. A listagem de alunos matriculados em 1905, conforme documento oficial da escola (Fig.11) comprova a veracidade dessa assertiva: 6. 2 - Os Alunos Fig. 11 - Documento relativo a EPEE, turma de 1905. Fonte: Arquivo da EEAP, Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem (LAPHE). 216 6. 2 - Os Alunos 217 A maioria dos alunos era constituída pelos próprios funcionários do HNA, uma vez que nesse hospital funcionava um curso preparatório de alfabetização para o ingresso no curso, visto que o candidato precisava ser antes alfabetizado. Nas pesquisas a esse respeito foram encontrados inúmeros requerimentos de funcionários solicitando a matrícula no curso de enfermagem. Nesses requerimentos foi verificado que a nacionalidade dos solicitantes à vaga no curso era variada, pois havia portugueses, espanhóis e brasileiros, tanto entre homens como entre mulheres. Além dos funcionários do Hospital Nacional de Alienados, a escola recebia também, as órfãs que residiam nos orfanatos da cidade. Sem dúvida, era uma possibilidade de serem profissionalizadas e possuírem condição de sustento próprio, como se pode observar na notícia abaixo, do Jornal do Commércio, com a transcrição de um oficio de José Cesário de Faria Alvim58 ao governo: “Expondo-vos detidamente a actos do governo, que desta forma procurou levar a collaboração do poder público à obra meritória, empreendida por essa e outras associações, de proteção e amparo às meninas desvalidas, é minha intenção consultar-vos sobre a possibilidade de serem transferidas desse instituto para a assistência asyladas maiores de 18 annos, a fim de se habilitarem para o exercício da profissão de enfermeira”... “Durante o aprendizado, as asyladas coajuvarão aos empregados da assistência no serviço que lhes for designado, e, na qualidade de alunnas internas, terão direito, além do aposento e alimentação, a gratificação mensal de 20$ no primeiro e de 25$ no segundo anno” (Ministério do Interior,1890, p.1). 58 José Cesário de Faria Alvim (1839-1903), formado em direito e jornalismo. Foi deputado federal, embaixador, ministro do Interior (1890) e das Relações Exteriores e juiz da Corte Permanente de Haia. 6. 2 - Os Alunos 218 Essa notícia, ao ser confrontada com o relatório da Assistência a Alienados encaminhado ao Ministro da Justiça e Negócios do Interior de 1899, mostra que as órfãs eram encaminhadas à escola, pela Pretoria 59. Muitas vezes, porém, elas demonstravam não ter a educação e a instrução necessárias para o curso, além de pouco amor pelos doentes. Com isso, logo eram devolvidas ao Pretor60, fato que provocava o esvaziamento de algumas turmas da escola (Carneiro,1899). Alguns requisitos eram exigidos para o ingresso na escola: o candidato deveria ter 18 anos de idade, saber ler e escrever corretamente e conhecer aritmética elementar, além de apresentar atestado de bons costumes, conforme determinava o Decreto de sua criação. Apesar de manter alunos dos dois sexos, destaca em seu livro sua preferência pela enfermeira, conforme já mencionado. Julgava ele que o homem como enfermeiro só lograva preferência quando se tratasse de cuidar de loucos e de serviços sanitários, de atender feridos de guerra nas linhas de frente ou nos navios de combate. Tais circunstâncias retratam uma tendência então difundida mundialmente, seguidora dos preceitos de Florence Nigthingale, que discriminava e excluía o homem da assistência aos doentes. Essa preferência de Possollo já é salientada na parte introdutória de seu livro e até mesmo na apresentação do uniforme, conforme mostra a figura 12. 59 60 Pretoria : jurisdição do pretor. Pretor corresponde ao magistrado de alçada inferior à de juiz de direito (Ferreira, 1975, p. 1136). 6. 2 - Os Alunos 219 Fig. 12 - Uniforme de enfermeira Fonte: Possollo, 1920, p. 112. As alunas deveriam saber que, entre as qualidades e preceitos éticos necessários para o bom exercício da profissão, constava que a enfermeira deveria ser criteriosa, modesta, altruísta e falar pouco; precisaria ganhar a confiança do doente e não cometer indiscrições que pudessem alarmar a ele ou à 6. 2 - Os Alunos 220 família; não deveria comprometer o médico e pautar suas decisões e seus atos pela rigorosa justiça (Possollo, 1920). A esses atributos acrescente-se ainda o dever de uma lealdade a toda prova para com o médico. Enfim, o seu zelo pelos deveres da profissão, o seu comportamento moral e a sua educação deveriam ser objeto de uma preocupação constante. Essas qualidades eram encontradas nas alunas da EPEE, como se pode observar nas palavras do administrador do HNA, no ano de 1912, que cita os nomes de Ludolpho Neto, enfermeiro da Seção Calmeil, Sebastião Cancio Silva, primeiro enfermeiro da mesma seção, e Conceição de Carvalho, enfermeira competente, zelosa e muito carinhosa com os doentes (Relatório do HNA,1912). É um testemunho que veio a ser corroborado por Dr. Juliano Moreira, por ocasião do falecimento de uma ex-aluna, conforme registrado no Relatório da Assistência a Alienados, de 1913: “No segundo semestre do anno passado perdeu o serviço de cirurgia a melhor enfermeira do Hospital Nacional de Alienados, Dona Conceição da Silva Carvalho falecida a 22 de setembro. Diplomada em 1906 pela nossa Escola de enfermeiros, foi sempre se esmerando de modo a atingir o máximo grau de perfeição em seu mister” (Moreira,1913, p.10). 6.3 – Os Professores 221 6. 3 – Os Professores O corpo docente era constituído de médicos e internos61 do Hospício Nacional de Alienados. Muitos nomes já foram encontrados e identificados na sua maioria, sobretudo com relação às disciplinas que ministravam. Porém, muito mais dados e informações precisam ainda ser pesquisados sobre eles. Nesse sentido, os pesquisadores do Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem (LAPHE) da EEAP, têm estimulado os alunos. Com isso, vários artigos estão sendo produzidos e as lacunas da história da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto preenchida. A princípio, podemos reconhecer alguns dos professores da EPEE como pessoas ilustres na capital da República, pois ocupavam cargos importantes e inclusive o nome de muitos deles foi dado a cidades, a municípios, ruas e praças, hospitais e escolas. São eles: Antônio Fernandes Figueira - diretor da escola e professor de Higiene Geral e Noções de Patologia; João de Mello Mattos - secretário escolar e professor das disciplina Pequena Farmácia e Administração de Medicamentos e Prática Administrativa; Miguel da Silva Pereira - professor de Anatomia e Fisiologia Elementares; Humberto N. Gotuzzo - professor de Anatomia e Fisiologia Elementares; Amphmisio Epaminondas de Gouvéa - não foi possível identificar a disciplina que ministrava, embora, conste na lista de docentes da escola; 61 Internos eram os médicos que correspondem aos residêntes de hoje. 6. 3 – Os Professores 222 Antônio Austregesilo Rodrigues de Lima - professor de Higiene Geral e Noções de Patologia; João Paulo de Moura Brito - professor de Curativo e Pequena Cirurgia; Álvaro de Andrade Ramos - professor de Curativo e Pequena Cirurgia; José Chardinal de Alphenas - professor de Curativo e Pequena Cirurgia; Oscar Ramos - professor de Curativo e Pequena Cirurgia; Gastão de Oliveira Guimarães – não foi possível identificar a disciplina que ministrava, porém, consta na lista de docentes da escola; Juliano Moreira - professor de Cuidados e Tratamentos aos Alienados; Júlio Afrânio Peixoto - professor de Cuidados e Tratamentos aos Alienados; Adelino da Silva Pinto - professor de Higiene Geral e Noções de Patologia; Domingos Alberto Nicobey - professor de Pequena Farmácia e Administração de Medicamentos; Francisco Ribeiro de Almeida - professor de Pequena Farmácia e Administração de Medicamentos; Eusébio de Queiroz Mattoso Maia - depois de nomeado para o corpo docente, pediu exoneração alegando não ter como cumprir a incumbência na Escola de Enfermeiros; Luiz de Rezende Puech - professor de Prática Administrativa; Francisco Cláudio de Sá Ferreira - não foi possível identificar a disciplina que ministrava, mas consta na lista de professores da escola; W. Vianna Filho - professor de Cuidados e Tratamentos aos Alienados; Lúcio Azevedo Vilela - professor de Anatomia e Fisiologia Elementares; Paulo Laurel - professor de Massagem. 6. 3 – Os Professores 223 Podemos observar que uma mesma disciplina era ministrada por vários médicos, que eram internos do hospital. Um exame da listagem do livro de ponto, que registra a freqüência dos alunos e o dia e os horários das aulas, dá a entender que o secretário escolar, Dr. João de Mello Mattos, em várias ocasiões, ministrava aulas no lugar do responsável pela disciplina. Graças à pesquisa para a elaboração deste estudo, foram encontradas muitas dessas listas com o horário e dia da aula, com a assinatura dos alunos, do professor e do secretário escolar. O material encontra-se no acervo do Laboratório de Pesquisa em História da Enfermagem-LAPHE, da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. A figura 13 ilustra uma listagem de docentes, de 1905, que se encontra no acervo de documentos oficiais da escola. 6. 3 – Os Professores Fig. 13 - Listagem de Docentes da EPEE, em 1905 Fonte: Arquivo da EEAP, do Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem (LAPHE) 224 Capítulo 7 - Conclusão 225 Capítulo 7 CONCLUSÃO Capítulo 7 - Conclusão 226 A história da enfermagem reconstruída neste estudo procurou trazer à tona fatos de um passado mais ou menos recente que comprovam, hoje, o nascimento de uma profissão cujo berço estava outrora envolto na obscuridade. As pesquisas levadas a efeito buscaram não só resgatar a enfermagem de sua fase obscura como também - e principalmente - deixar patente sua ascensão na sociedade a ponto de conquistar, em relativo pouco tempo, o reconhecimento oficial e popular. E mais: mostraram, da mesma forma, como a enfermagem passou de um estágio de subordinação para um estado de indiscutível autonomia; de uma atividade meramente informal, para a esfera da economia formal, dentro do processo de desenvolvimento brasileiro. São, sem dúvida, atributos inerentes à personalidade feminina postos a serviço da enfermagem. Eram atributos reconhecidos pelos médicos que, da mesma forma e com razão, defendiam a necessidade da aquisição de certos conhecimentos técnicos para melhorar sempre mais os cuidados da enfermagem. Todavia, seu apoio era ofuscado pelos seus próprios objetivos profissionais porque o aperfeiçoamento do exercício da enfermagem constituiria uma potencial ameaça para o monopólio médico. Havia entre eles o receio de que os enfermeiros pudessem usurpar seu território profissional. Por isso, muitos obstáculos foram colocados para dificultar a correta regulamentação dessa profissão, o que aliás, somente ocorreu em 1955, com a Lei 2.604/5562. Historicamente as raízes da enfermagem são encontradas no ambiente doméstico das casas. Entretanto, as fontes do status e do prestigio da enfermagem estão na maneira como os enfermeiros foram capazes de vincular o 62 Lei 2604, de 17 de setembro de 1955. Regula o exercício da enfermagem profissional. D.O de 21/09/1955 Capítulo 7 - Conclusão 227 ambiente da casa e do hospital. Aquelas qualidades típicas da mulher de alimentar, dar banho, limpar, confortar, orientar são, na assistência de enfermagem, a fonte da força dos enfermeiros(as). É típico da enfermagem transformar um hospital em lar, de estabelecer uma relação pessoal em um ambiente impessoal, dando um tratamento humano aos procedimentos cada vez mais tecnicistas. Esta viagem no tempo, proporcionada pela pesquisa e que permite conhecer os valores do presente, tendo o passado como referência, nos levou a concordar com Lowental(1985), citado por Silva Junior (2000, p.50) quando escreve: “o passado, como o conhecemos, é parcialmente um produto do presente, uma vez que continuamos reconstruindo e remoldando memórias, reescrevendo a história, restaurando relíquias, colocando-as em lugares absolutamente estranhos às suas origens e funções, produzindo e destronando heróis” Com essas reflexões, ao concluir este estudo, entendemos ter resgatado a origem da profissionalização da enfermagem no Brasil. Após muitas “escavações” foram encontradas suas raízes, que estavam plantadas no Hospício Nacional de Alienados e que brotou através dos psiquiatras ao fundar, em 27 de setembro de 1890, a assim considerada primeira escola de enfermagem. É de se supor que a indagação inicial foi respondida, uma vez que agora é possível constatar o pioneirismo da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, que deu início ao processo de profissionalização da enfermagem brasileira, com base nos diferentes conceitos de profissão aqui analisados. Pesquisas exaustivas em diversos arquivos e bibliotecas, tendo como fontes os Capítulo 7 - Conclusão 228 variados registros, libertaram os fatos históricos de sua mudez e deram voz a importantes documentos que, se não fossem descobertos, jamais poderiam falar. Essa nova dimensão “sonora” das fontes ampliou o conceito de documento transformando-o, na linguagem do grande historiador comtemporâneo Le Goff (1984), em autêntico monumento a ser valorizado. Essa dimensão nos levou a encontrar registros noticiosos com depoimentos que mostraram a repercussão que a escola teve na sociedade brasileira. Destaque-se o discurso do Dr. Ernani Lopes, já mencionado na página 175 que .não deixa dúvidas “a Escola que funcionava no HNA não se limitava apenas a formar enfermeiros para alienados, mas enfermeiros e enfermeiras comuns para os hospícios e hospitais civis e militares ...” (Lopes, 1919, p.48). Foram registros que evidenciaram a possibilidade da abertura de um campo de trabalho para a mulher e o estabelecimento de uma nova profissão. Outra descoberta foi a notícia veiculada no Jornal do Commércio, enaltecendo a inauguração da escola e reforçando sua importância para a mulher: “...se para os homens é de vantagens uma tal creação, muito maiores são ellas em relação às mulheres, a cuja actividade abre mais horizonte e prepara-lhes um futuro no qual poderão prestar relevantes serviços. Dando-lhes instrução conveniente, auxiliando-as peculiarmente durante o curso”63...(Ministério do interior, 1890). Entre outros atos de pioneirismo, cumpre destacar que, em 1943, a EEAP realizou o Curso de Especialização em Enfermagem. Foi o primeiro na área da Psiquiatria no Brasil. No ano de 1973 também sediou o I° Encontro de 63 A redação da notícia está transcrita como no original, de acordo com a ortografia da época. Capítulo 7 - Conclusão 229 Enfermagem Psiquiátrica, além de outros eventos. O objetivo da EEAP, como não poderia deixar de ser, é, e sempre foi formar profissionais em condições de atender ao mercado de trabalho. Todavia, muitos de seus graduados não se contentaram em incorporar os conhecimentos adquiridos, para colocá-los a serviço dos pacientes, quer nas instituições hospitalares, quer nas instituições de ensino. Sua área de ação vislumbrou horizontes mais largos e, hoje, inúmeros profissionais exercem - quando não, exerceram - atividades na liderança da enfermagem brasileira em inúmeros órgãos públicos ou instituições privadas, como atesta a seguinte relação: - Associação Brasileira de Enfermagem; - Conselho Federal ou Regional de Enfermagem; - Sindicato de Enfermeiros do Município do Rio de Janeiro, não apenas ocupando a presidência como também outros cargos de suas diretorias centrais; - Presidência do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Graduação; - Pró-Reitoria de Graduação da Universidade do Rio de Janeiro; - Coordenação Central de Enfermagem, do antigo Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS); - Assessoria do Secretário de Estado de Saúde do Rio de Janeiro; - Coordenação de Avaliação e Auditoria da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro; - Presidência da Comissão Nacional de Especialistas em Enfermagem; - Direção de Escolas de Enfermagem; Capítulo 7 - Conclusão - 230 Superintendência de Enfermagem do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle da UNIRIO. Demonstraram, de igual modo, significativa presença na implantação do Hospital de Reabilitação Sara Kubitschek nos Estados da Bahia e Maranhão, e do Comando Maior do Corpo Feminino do Hospital Central do Exército. Desde a sua fundação em 1890 até 2003, a EEAP acolheu estudantes do sexo masculino e do sexo feminino que representaram uma variada gama de grupos étnicos, de credos religiosos, camadas sociais e de tendências políticas. Nesse mesmo período, formou 4.710 enfermeiros em nível de graduação. Na pós-graduação stricto sensu: Mestrado, criado em 1981, titulou 187 mestres; Na pós-graduação lato sensu: - Residência, criado em 1996, formou 203 especialistas; - outros cursos de especialização: titulou 68 especialistas em Terapia Intensiva, em Enfermagem Psiquiátrica, em Metodologia da Assistência de Enfermagem; Em outros cursos como o Curso de Licenciatura em Enfermagem 64, o Curso de Auxiliar de Enfermagem, que funcionou desde 1951 até 1982, formou 630 alunos. O cenário da escola, ao final do primeiro semestre de 2003 apresenta o seguinte quadro: - 64 alunos de graduação: 653; Licenciatura em Enfermagem: apesar da terminologia não se trata de um curso de graduação. Na UNIRIO era tido como um curso complementar após a graduação. Capítulo 7 - Conclusão 231 - alunos de pós-graduação stricto sensu: 80; - alunos de pós-graduação lato sensu: 154; - corpo docente: 43 professores, sendo dois especialistas, 28 mestres, nove doutores, dois livre-docentes, e dois titulares; - corpo administrativo: quatro funcionários e dois bibliotecários; - serviços gerais: segurança, limpeza e copa, ou são terceirizados, ou funcionários da UNIRIO, como almoxarifado, manutenção e outros serviços. Os estudantes ingressam no curso de graduação através de um concorrido vestibular, organizado pela Fundação CESGRANRIO. Uma amostra dessa concorrência pode ser constatada em seu último relatório que revelou 13,6 candidatos por vaga, para o curso de graduação em Enfermagem. Cento e vinte alunos ingressam anualmente na escola (UNIRIO,2001). A presença de ex-alunos nos diversos campos de atividade da enfermagem, assim como os dados quantitativos acima registrados permitem-nos a ousadia de afirmar que a contribuição da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto foi, e é significativa, não só pelo que fez, mas também pelo que vem realizando. A escola sempre se pautou pela maior valorização da vida das pessoas, indo além da ênfase dada aos cuidados de enfermagem. Essa foi, aliás, a sua principal característica. É uma dimensão de aprendizado que, no exercício profissional, tem levado a contribuir em instituições de saúde onde docentes e discentes, a um só tempo, ensinam e aprendem o significado e o valor da vida humana, descobrem, de fato, o que é enfermagem e qual o papel fundamental da profissão que abraçaram. Desde cedo, os alunos são incorporados à prática participando de programas e de atividades em todos os assuntos que se relacionam com a Capítulo 7 - Conclusão 232 atenção à saúde. Nesse sentido, a capacitação dos estudantes se faz através de um trabalho que integra a atuação de toda uma equipe multiprofissional. Não seria exagero afirmar que, de um modo geral, os enfermeiros que passaram pelos bancos desta escola têm assumido o compromisso de manter um trabalho de qualidade, tanto na prevenção de doenças como nas diferentes etapas do processo de recuperação da saúde. São esses profissionais que implantam a terapêutica médica e mantêm vigilância permanente nas respostas e reações dos clientes aos cuidados prestados e às práticas curativas propostas. De igual modo mostram-se responsáveis pelo desenvolvimento de uma prática social, agindo nas áreas de saúde pública ou saúde coletiva e, conseqüentemente, envolvendo-se com todas as questões econômicas e políticas que interessam à nação. Não é demais repetir que a escola é identificada como uma instituição que prepara seus alunos para o cuidado direto junto ao paciente. Assim é que tanto eles como os profissionais preparados por ela destacam-se nos campos de prática e nos hospitais por onde passam e onde atuam. São características corroboradas pelo reconhecimento em avaliações que traduzem o modo de proceder de seus alunos, que se empenham em cuidar dos pacientes. Enfermeiros dos campos de prática que mantêm eficiente integração docenteassistencial, têm testemunhado plena confiança nos cuidados prestados pelos alunos e relatando que podem, sem qualquer preocupação, deixar o serviço entregue nas mãos de professores e alunos da EEAP. Por conseqüência, podemos dizer que a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, ao caracterizar-se pelo ensino e pela prática do cuidado, encontrase perfeitamente sintonizada com o seguinte pensamento de Boff (1999, p.33), Capítulo 7 - Conclusão 233 “cuidar é uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro”. Por outro lado, longe do leito de um enfermo, essa mesma característica pode ser constatada também através da produção científica dos docentes, discentes e ex-alunos, com vários trabalhos publicados e premiados em eventos de âmbito nacional e internacional.65 Com efeito, no campo da pesquisa a Escola vem construindo um saber e determinando suas linhas de interesse, com seus cursos especialização e mestrado, em nível de pós-graduação. As linhas de pesquisa desenvolvidas são: Enfermagem e Educação na Sociedade Brasileira; Gênero, Sexualidade e Saúde; Enfermagem Saúde e Cuidado - O cotidiano do cuidar e de ser cuidado - e Profissionalização da Enfermagem. Com relação à produção acadêmica, a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto se expressa em três vertentes: 1) realiza diversas atividades de extensão com inúmeros projetos de pesquisa e assistência; como está acontecendo a 65 Nascimento, MAL O acadêmico de enfermagem frente à balneoterapia do grande queimado - Congresso de Enfermagem Médico-Cirúrgica/ Coimbra, 1997. Nascimento, MAL A síndrome da criança com membro superior imobilizado para infusão venosa – Uma contribuição da semiologia para o cuidado de enfermagem- 4ª Conferência sobre Pesquisa Qualitativa em Saúde / Vancouver, 1998. Nascimento, MAL Os caminhos venosos percorridos pela enfermagem. 1º lugar Prêmio Arte de Cuidar, 6º Pesquisando – EEAN- UFRJ, 1999. Nascimento, MAL Descrevendo a tala imobilizadora como veículo de contaminção, 1º Prêmio, 7º Pesquisando- EEAN –UFRJ, 2000. Nascimento, MAL. O pacote e a enfermagem: analise crítica de uma cena de morte. Prêmio Marina Andrade Resende no 52º CBEn,2000. Nascimento, MAL. Mãos que cuidam e tratam –Os instrumentos de trabalho de enfermagem. 1º lugar no 2º Investigando Prêmio de Pesquisa da UERJ, 2000. Figueiredo, NMA. Projeto Fabrica de Cuidados, projeto de pesquisa e extensão sendo desenvolvido na EEAP - UNIRIO desde 1999. Tocantins, FR. Phenomenology of Nursing as a Cultural Discipline. The Reach of Reflection: Issaeis for Phenomenology’s Second Century, 2001; Center for Advanced Research in Phenomenology. Capítulo 7 - Conclusão 234 “Fábrica de Cuidados”; 2) preocupa-se com a divulgação do conhecimento por meio da Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental; 3) empenha-se na produção de registros históricos, pelo que se serve do Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem (LAPHE), que já vem trazendo grande contribuição a essa área de conhecimento. Ao encerramos este capítulo, cumpre dizer que não se trata de colocar um ponto final na trajetória que procuramos traçar. Achamos que ainda existe pela frente um longo caminho a percorrer. Afinal, a história da enfermagem é muito rica e dinâmica e conta com muitos profissionais competentes para dar-lhe seqüência. Exatamente por isso o presente estudo estabeleceu um terceiro e último objetivo específico: levantar subsídios sobre a história da enfermagem em geral. A análise comparativa efetuada através de um breve histórico dos primórdios da profissionalização da enfermagem em diversos países permite-nos afirmar: esse objetivo também foi atendido. Este estudo, ao resgatar historicamente o contexto social, sob o qual a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, foi criada no ano de 1890, confere-lhe o título de pioneira na profissionalização da enfermagem do Brasil e vai de encontro aos postulados e assertivas que, em diversos estudos, creditam esta primazia a outras instituições. Capítulo 8 – Considerações finais 235 Capitulo 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Capitulo 8 - Considerações Finais 236 O vocábulo trabalho, segundo Houaiss (2001) significa um esforço incomum, uma luta. Define ele, como sendo "um conjunto de atividades, produtivas ou criativas, que o homem exerce para atingir um objetivo”. Tal conceito induz à certeza de que qualquer trabalho, quer físico, quer intelectual, traz inerente um certo grau de dificuldade - maior para uns, menor para outros -, exigindo esforço de seus agentes. O presente estudo não poderia ter fugido à regra. Nesse sentido, a cuidadosa procura de fontes se defrontou com inúmeras barreiras que exigiram muito empenho para sere ultrapassadas. Foram, algumas vezes, obstáculos de relativa gravidade que não cabe aqui registrar. Acreditamos, porém, como Silva Junior(2000, p. 50) que: “nesse tipo de aventura no passado estamos sujeitos a riscos: desapontamentos, inabilidade de entalhar o passado e benefícios, como o de aumentar a nossa capacidade de compreensão do presente e fortalecimento do nosso senso de identidade” Se a busca das fontes era tarefa tida como inerente às barreiras que foram superadas, o lastimável estado de conservação dos documentos encontrados foi o que exigiu um empenho quase descomunal. Não tanto pelo esforço em si, mas, principalmente pelo que eles representavam como valor histórico, uma vez que corriam o risco de serem sepultados para sempre nos escaninhos das instituições em que estavam “armazenados”. Um vez ressuscitados e postos a serviço da história da enfermagem, estamos convencidos de que o presente estudo, servindo também de mais uma fonte para outras pesquisas, estará cumprindo seu papel junto à comunidade Capitulo 8 - Considerações Finais 237 acadêmica. Hoje, a aquisição de maior clareza dos fatos passados, nos dá condição de mudar as opiniões dos tempos acadêmicos sobre o início da profissionalização da enfermagem no Brasil. Naquela ocasião, a impressão que tínhamos era de que quase tudo havia sido colocado no sentido de desviar a atenção para aprender uma história contada de outro ângulo, e de pontos de vista equivocados. Mais importantes que os equívocos - que podem dar margens às disputas -, é o aprofundamento objetivo dos estudos sobre a origem da profissão e sobre a trajetória que ela percorreu para chegar no estágio em que se encontra. Com efeito, podemos dizer quão meritória se torna a profissão hoje, depois de superar tantos obstáculos e dificuldades, emergindo como profissão técnica, científica e humana. Assim, devemos repassar aos que nos sucedem, para que a construção de nosso futuro seja fundado nas bases sólidas do passado. A retomada da discussão da história da enfermagem é uma oportunidade para celebrar de forma criteriosa e consciente a existência de algum sucesso, mas ainda chamando a atenção para muitos acontecimentos que precisam ser resgatados e explicados. Enfermeiros com preparo em história e historiadores, com experiência em história de cuidados da saúde e da enfermagem, estão traçando uma variedade de vias e vertentes para a compreensão da magnitude e da complexidade da historiografia brasileira nesse campo. Tais especialistas e seus sucessores precisam ser apoiados, uma vez que trabalham para desenterrar e tornar compreensível a complicada e Capitulo 8 - Considerações Finais 238 significativa história dessa profissão, chamada Enfermagem, que hoje se apresenta definida e regulamentada mas, ao mesmo tempo, passível de ser ainda melhor conceituada e conseqüentemente, mais valorizada.. Sempre é bom lembrar que, embora esta pesquisa possa não responder a todos os questionamentos, ela aponta um caminho para futuras investigações que preencham as lacunas ainda existentes na trajetória da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. Com efeito, as informações até agora obtidas, uma vez analisadas em conjunto com outros dados, a serem levantados no futuro, irão possibilitar e estimular a pesquisa em outras fontes. Isso porque informações pertinentes e importantes poderão estar em diferentes locais e em documentos habitualmente não buscados pelos investigadores. Daí, pois, a importância de diversificar e ampliar o âmbito das consultas durante o processo de pesquisar, qualquer que seja o campo. Temos consciência dos limites desta pesquisa, das suas insuficiências, dos seus pontos de obscuridade, da dificuldade de traduzir em palavras todo o conteúdo estudado. No entanto, esperamos que, apesar de toda as limitações, a oportunidade de conhecer os resultados obtidos com o presente estudo e de vivenciar o momento atual da enfermagem permita garantir que os esforços realizados servirão para os estudantes de hoje poderem compreender o valor dos acontecimentos do passado que têm conduzido à situação atual, preparando-os para construir melhor o futuro. Anexo 1 239 Anexo 1 Instrumento para Identificação de Notícias Local: ____________________________________________________________ Data: / / Tipo e nome da publicação: ___________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ Características da publicação: _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ Dia / mês / ano Página/ sessão Número de edição / ano de publicação Registro e/ou notícia Anexo 2 240 Anexo 2 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - CEP 05403-000 Tel.: (011) 3066-7552/3066-7551 FAX 3066-7561 Glossário 241 GLOSSÁRIO Enfermagem Pré-Profissional - atividade nata, de caridade, exercida por mães, escravos e religiosos, com raízes domésticas, tipo de trabalho para mulher, associada ao lar e à vida doméstica, detentora de um saber de senso comum (Silva,1986). Enfermagem Profissional - nesse estudo é compreendida como atividade exercida após ensino sistematizado, em geral por médicos, em instituição reconhecida, com um sistema de seleção para o ingresso de alunos, sendo aceitos homens e/ou mulheres, que forneça diploma ao término do curso, desvinculada do modelo nightingaleano, por considerar que a formação específica, prática e teórica, obtida em instituição reconhecida e oficialmente legalizada, independe do modelo de ensino seguido. (Mott e Oguisso, 2003) Enfermagem Moderna / Nightingaleana / Anglo-saxônica / Anglo-americana – são termos usados freqüentemente como sinônimos; mas há pequenas nuances de diferença. No sistema nightingaleano tipo de ensino de enfermagem iniciada por Florence Nightingale, era só para mulheres (ladies nurses, ou seja, damas enfermeiras), com os seguintes princípios fundamentais: escola e serviço de enfermagem dirigidos por enfermeira (Matron); ensino metódico, teórico e prático; seleção das candidatas sob o ponto de vista físico, moral, intelectual e de aptidão profissional ( Baer, 1985). Pode ser acrescentado que o sistema ou modelo nightingaleano era feito, em geral, em regime de internato das alunas e as escolas funcionavam dentro dos hospitais. Quando esse sistema foi transposto para os EUA, as enfermeiras americanas procuraram dissociar o ensino de enfermagem do ambiente hospitalar e levar o curso ou escola para dentro das universidades, surgindo daí um modelo que poderia ser chamado de anglo-americano. Referências Bibliográficas 242 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alcântara G. Enfermagem: pessoal e suas categorias funcionais Rev Paul Hosp 1959; 7(7):36-40. Almeida MCP, Rocha JSY. O saber da enfermagem e sua dimensão prática. São Paulo: Cortez; 1986. Antunes JLF. Hospital: instituição e história social. São Paulo: Letras & Letras; 1991. Arton M. The development of psychiatric nursing education in England and Wales. Nurs Times 1981; 77(3):124-7. Azevedo D. Grande dicionário contemporâneo francês-português. rev. por Filipe Leite. 2ª ed. Lisboa: Ed. Parceria Antonio Maria Perira; 1918. Baer ED. Nursing’s divided house: and historical view. Nurs Res 1985; 34 (1):328. Barreira IA. 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