UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE ENFERMAGEM
ALMERINDA MOREIRA
PROFISSIONALIZAÇÃO DA ENFERMAGEM BRASILEIRA:
O PIONEIRISMO DA
ESCOLA DE ENFERMAGEM ALFREDO PINTO
(1890-1920)
SÃO PAULO
2003
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE ENFERMAGEM
ALMERINDA MOREIRA
PROFISSIONALIZAÇÃO DA ENFERMAGEM BRASILEIRA:
O PIONEIRISMO DA
ESCOLA DE ENFERMAGEM ALFREDO PINTO
(1890-1920)
Tese apresentada à Escola de
Enfermagem da Universidade de São
Paulo, para a obtenção do título de
Doutor em Enfermagem.
Orientadora:
Profª. Drª. Taka Oguisso
São Paulo
2003
Catalogação na publicação (CIP)
Serviço de Biblioteca e Documentação da EEUSP
Moreira, Almerinda
Profissionalização da enfermagem brasileira: o pioneirismo da Escola
de Enfermagem Alfredo Pinto (1890-1920) / Almerinda Moreira. - São
Paulo: A. Moreira; 2003.
267p.
Tese (Doutorado) - Escola de Enfermagem da Universidade de São
Paulo.
1. História da enfermagem 2. Enfermagem (educação) 3. Profissões
4. Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. I. Título.
DEDICATÓRIA
A meus pais
Paulo e Thereza
Já em outra dimensão, mas que construíram
o alicerce dos valores e princípios,
que serviram de base para toda
a minha vida.
À minha filha
Ana Lucia
A quem, com muita preocupação, deixei à própria sorte,
na busca de novos conhecimentos,mas
na certeza de que seguiria aqueles valores
que foram repassados de meus pais a mim e de mim a você.
Perdoe-me as ausências
A meus familiares
Meu porto seguro, refúgio,
ouvidos para minhas aflições.
Obrigada por fazerem parte de minha vida.
“ Você pode sonhar, criar e construir a
idéia mais maravilhosa do mundo, mas
são necessárias pessoas para fazer o
sonho virar realidade”
Walt Disney
AGRADECIMENTOS
A DEUS, pela presença constante em minha vida, por iluminar os meus passos e
que me dotou de inteligência e vontade.
A concretização deste trabalho foi também possibilitada pela
colaboração de muitas pessoas, em diferentes etapas, que compreenderam o
laborioso processo de sua elaboração.
Na impossibilidade de citar a todos, gostaria de expressar aqui meus
agradecimentos sinceros a algumas delas:
À Profª. Drª. Taka Oguisso, minha orientadora nesta tese, cujo posicionamento
profissional e seriedade com que encaminhou o processo de orientação constitui
o exemplo que estará sempre comigo. Agradeço-lhe pela confiança que depositou
em mim e pelo incentivo constante durante a realização dos trabalhos. Suas
orientações ultrapassaram os limites da ciência e adentraram a dimensão
pessoal. Obrigada pela acolhida e pelo ombro amigo.
À Profª. Drª. Maria Lúcia de Barros Mott, que me acompanhou nesse estudo
desde o início, sugerindo, apontando, revisando textos e oferecendo valiosíssimas
referências que foram essenciais; sem elas, dificilmente teria alcançado algumas
das metas pretendidas. Obrigada pelo carinho e pela amiga que se tornou.
Aos Colegas Professores e Funcionários da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto
da Universidade do Rio de Janeiro-UNIRIO, que tanto colaboraram, assumindo a
sobrecarga de trabalho, para que eu fosse liberada de minhas funções docentes,
e até oferendo sugestões e ajuda na elaboração do projeto e na busca de
documentos e material para pesquisa, muito obrigada.
Aos Funcionários da Biblioteca da Escola de Enfermagem da Universidade de
São Paulo e às Funcionárias da Secretaria de Pós-Graduação, pelo atendimento
sempre cortês e eficaz.
Ao Prof. Attílio Brunacci pela enriquecedora e meticulosa revisão do texto.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que,
tornando possível o financiamento deste projeto, tornou realidade este processo.
Sumário
Lista de Figuras / Quadro
Lista de Abreviaturas / Siglas
Resumo
Abstract
Capítulo 1 Introdução...........................................................................................
1.1
Considerações Iniciais .............................................................
1.2
1
2
Objetivos ................................................................................... 21
1.2.1 Objetivo Geral ........................................................................... 21
1.2.2 Objetivos Específicos ............................................................... 21
1.3
Questão Norteadora ..............................................................
22
1.4
Percurso Metodológico ..........................................................
23
1.5
Limites Cronológicos ................................................................ 30
1.6
Fontes de Pesquisa ................................................................... 31
1.7
Locais Pesquisados ..............................................................
Capítulo 2
32
A Gênese da Profissionalização da Enfermagem ..................... 36
2.1
A Gênese da profissionalização ............................................... 37
2.2
A Gênese da Profissionalização da Enfermagem no Brasil .... 47
Capítulo 3
Hospital: suas Origens e Influência na Formação dos
Enfermeiros ............................................................................... 52
3.1
Breve Histórico da Instituição Hospitalar ................................. 52
3.2
A Instituição Hospitalar no Brasil ............................................... 59
Capítulo 4
Movimentos de Profissionalização da Enfermagem ................. 69
4.1
Movimentos em prol da Profissionalização da Enfermagem .... 70
4.2
Reino Unido............................................................................... 78
4.3
E U A ......................................................................................... 98
4.4
França...................................................................................... 118
4.4.1 Escola de Salpêtrière ............................................................... 126
4.5
Portugal ................................................................................... 131
4.6
Espanha ................................................................................... 141
4.7
4.8
Argentina ................................................................................. 151
Taiwan ..................................................................................... 155
4.9
Breves Considerações ............................................................. 162
4.10
Quadro demonstrativo de vários movimentos de
profissionalização da enfermagem ........................................ 166
Capítulo 5
A trajetória da Profissionalização da Enfermagem no Brasil ... 167
5.1
Capítulo 6
O Cenário da profissionalização da Enfermagem no Brasil .... 168
O
Ensino
da
Escola
Profissional
de
Enfermeiros
e
Enfermeiras ........................................................................... 184
6.1
O Currículo e Manuais Utilizados ............................................. 185
6.2
Os Alunos ................................................................................. 215
6.3
Os Professores........................................................................ 221
Capítulo 7
Conclusões ............................................................................ 225
Capítulo 8
Considerações Finais ............................................................. 235
Anexo 1 ............................................................................................................ 239
Anexo 2............................................................................................................ 240
Glossário............................................................................................................. 241
Referências Bibliográficas ................................................................................. 242
Lista de Figuras/ Quadro
Figura 1 - Notícia da Revista O Brazil-Medico,1897 ............................................ 9
Figura 2 - Lista de freqüência de alunos de 23/2/1905 ..................................... 18
Figura 3 - Notícia da Revista O Brazil-Medico, 1890 .......................................... 63
Figura 4 - Pátio interno do Hospital Nacional de Alienados ............................... 65
Figura 5 - Primeiras Enfermeiras-chefes do Hospital Bellevue, Nova York ....... 109
Figura 6 - Lista de aluno formados em 1906 .................................................... 176
Figura 7 - Folha de rosto do Manual do Dr. Bourneville, 1903 .......................... 188
Figura 8 - Folha de rosto do livro do Dr. Adolpho Possollo ................................ 199
Figura 9 - Enfermeiros transportando doente para o leito ................................. 207
Figura 10 - Primeiro automóvel-ambulância do Rio de Janeiro ......................... 208
Figura 11 - Documento relativo à Escola Profissional de Enfermeiros e
Enfermeiras, 1905 .......................................................................... 216
Figura 12 - Uniforme de Enfermeira .................................................................. 219
Figura 13 - Lista de Docentes da Escola Profissional de Enfermeiros e
Enfermeiras, 1905 ......................................................................... 224
Quadro 1 - Quadro
demonstrativo
de
Vários
Movimentos
de
Profissionalização da Enfermagem ................................................ 166
Lista de Abreviaturas / Siglas
EPEE
- Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras
EEAP
- Escola de Enfermagem Alfredo Pinto
UNIRIO
- Universidade do Rio de Janeiro
HNA
- Hospital Nacional de Alienados
SNDM
- Serviço Nacional de Doenças Mentais
FEFIEG
- Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado da
Guanabara
FEFIERJ
- Federação das Escolas Federais do Estado do Rio de Janeiro
MEC
- Ministério da Educação e Cultura
CCBS
- Centro de Ciências Biológicas e da Saúde
DNSP
- Departamento Nacional de Saúde Pública
LAPHE
- Laboratório de Pesquisa em História da Enfermagem
USP
- Universidade de São Paulo
UFRJ
- Universidade Federal do Rio de Janeiro
COFEN
- Conselho Federal de Enfermagem
“Daquilo que eu sei,
Nem tudo me foi permitido,
Nem tudo me deu certeza.
Daquilo que eu sei,
Nem tudo me foi proibido,
Nem tudo me foi possível,
Nem tudo foi concebido.
Não fechei os olhos,
Não tapei os ouvidos,
Cheirei, toquei, provei
Ah, eu usei todos os sentidos”.
(...)
Ivan Lins e Victor Martins
Resumo
RESUMO
MOREIRA, A
Profissionalização da enfermagem brasileira: o pioneirismo da
Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (1890–1920). São Paulo, 2003. 267p. Tese
(Doutorado) – Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.
Estudo de natureza histórica com o objetivo de resgatar as origens da
profissionalização da enfermagem no Brasil, sob a ótica da escolarização dos
enfermeiros, a partir da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras (EPEE),
hoje Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP), da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), a pioneira na formação desses profissionais
no país. Durante a pesquisa, foi descoberta uma documentação inédita para a
historiografia da enfermagem. O recorte temporal compreende o período entre
1890 e 1920. A metodologia utilizada foi a análise de documentos, sobretudo
textuais, destacando-se entre eles: atas, relatórios, livros didáticos, lista de
freqüência do curso, periódicos e revistas cientificas. O resultado final evidenciou:
a) a importância da diversificação de fontes de pesquisa pelo pesquisador; b) que
a trajetória da enfermagem nos diversos países estudados apresentou uma
interface similar do ponto de vista histórico-social; c) o cenário onde o
profissionalismo da enfermagem teve início foi a EPEE, instalada no Hospital
Nacional de Alienados, considerada a primeira escola oficial do país; d) que essa
instituição de ensino exerceu uma grande e positiva influência na sociedade
brasileira.
Palavras-chave: Enfermagem; Profissionalização; Ensino; História.
ABSTRACT
Brazilian Nursing Professionalization: the pioneering of the Alfredo Pinto Nursing
School (1890-1920)
Study of historical nature with the objective to rescue the origins of the nursing
professionalization in Brazil, in the light of the nurses´ schooling, starting from the
Professional Nurses School, currently the University of Rio de Janeiro (UNIRIO),
Alfredo Pinto Nursing School, the pioneer for education of these professionals
within the country. Doing this research, an original documentation was found out
for the nursing historiography. The time limit was established from 1890 to 1920.
The utilized methodology was an analysis of documents, above all those textuals,
such as minutes, reports, books, students roll call, newspapers and scientific
journals. The final results showed: a) the importance for researchers to vary the
research sources; b) that the nursing trajectory in several studied countries
presented a similar interface considering the social-historical point of view; c) the
scenario where nursing professionalism has started off was indeed the
Professional Nurses School, considered the very first official school in the country,
set out at the Insane National Hospital; d) that this educational institution had a
great and positive influence within the Brazilian society.
Key words: Nursing professionalization; nursing education; nursing history
Introdução
1
Capítulo
1
INTRODUÇÃO
1.1 Considerações Iniciais
2
1. 1 Considerações Iniciais
A História está longe de ser apenas coisa do passado. Seus capítulos
podem ter sido escritos há décadas ou há séculos, mas quando seus fatos são
estudados e interpretados, mesmo os mais remotos, os nexos que afloram, ainda
reacendem discussões e polêmicas no presente. É o que justifica seu estudo.
A opção em pesquisar os primórdios da História da Enfermagem
Brasileira está ligada diretamente às experiências como discente e docente da
Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade do Rio de Janeiro
(UNIRIO).
Vem à nossa mente, então, o pensamento de Lynaugh (1987) quando
diz que, para se fazer um trabalho histórico, é necessário querer viver em
permanente luta com as ambigüidades conceituais, com a falta de evidências e
pontos de vista conflitantes. Assim sendo, na história, como na da enfermagem,
há um esforço contínuo para trabalhar com dados incompletos e esparsos que
dêem as melhores explanações para os eventos humanos. O prazer intelectual de
pesquisar a história provém da descoberta de conexões de eventos no tempo,
dentro dos quadros interpretativos .
Durante o curso de graduação em Enfermagem, percebemos algumas
lacunas referentes à História da Enfermagem Brasileira, mais especificamente,
referentes à implantação do ensino e ao início da profissionalização da
enfermagem no Brasil. Havia controvérsias nas aulas sobre qual escola teria sido
a primeira a ser criada, e também sobre a participação, ou não, de alunos do
sexo feminino e do masculino, visto que era voz corrente que a enfermagem
1.1 Considerações Iniciais
3
profissional no Brasil era uma profissão exclusivamente feminina, desde a sua
origem.
Nesse sentido, a opção pelo tema desta tese está relacionada com
essas dúvidas e questionamentos que, por anos, permaneceram praticamente
sem contestação, levando à consolidação de haver uma única versão histórica.
Hoje, com o nosso amadurecimento profissional e experiência acumulada, é
possível, através de uma tese, não só analisar controvérsias, como igualmente
levantar hipóteses que possibilitam uma nova reflexão sobre como começou e
caminhou a enfermagem profissional brasileira no final do século XIX e início do
século XX.
No período de elaboração da nossa dissertação de mestrado o tema
estudado foi a criação, a estruturação, o desenvolvimento e a trajetória da Escola
Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras (EPEE) - considerada a primeira do
país (1890) -, hoje Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP), da Universidade
do Rio de Janeiro (UNIRIO), do sistema federal de ensino. Naquela oportunidade,
essa trajetória foi analisada desde os determinantes de sua criação, em 1890, até
a época em que completava cem anos de existência (Moreira,1990).
Naquela ocasião, não foram analisados e discutidos em profundidade
temas que se relacionavam com o início da profissionalização da enfermagem
brasileira, a partir da criação da EPEE, em 27 de setembro de 1890. O período
de 1890 a 1920 continuou, portanto, inexplorado.
Dessa feita, o objeto do presente estudo é perscrutar os primórdios da
profissionalização da Enfermagem no Brasil, desde o ano da criação daquela que,
pode ser considerada a primeira escola de enfermagem em 1890, na cidade do
Rio de Janeiro, até 1920.
1.1 Considerações Iniciais
4
A história da enfermagem no Brasil tem destacado uma trajetória a
partir apenas da sua implantação segundo o modelo norte-americano no ano de
1923, com a chamada enfermagem moderna1, mas deixa de lado significativos
acontecimentos que determinaram o início do ensino e da profissionalização da
enfermagem.
Esse tipo de destaque no estudo da história é um tanto falho porque
exclui uma série de atividades docentes realizadas em período anterior a 1923,
como se não tivesse ocorrido qualquer ensinamento nessa área no país (Moreira,
1990). Alguns exemplos confirmam esta nossa assertiva:
 desde 1890, na Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras no Rio de
Janeiro, antiga capital da República (Moreira,1990);

em 1894, no Hospital Samaritano, na cidade de São Paulo, instituído por
enfermeiras inglesas, onde o ensino era feito nos moldes nigthingaleanos
(Mott, 2000) ;

em 1912, foram fundados “na Cruz Vermelha Brasileira, na cidade de São
Paulo, sob o patrocínio da médica Maria Renotte, cursos para formação de
enfermeiras” (Mott e Tsunechiro, 2002, p.594). Há indicações de que esse
curso tenha funcionado até 1916, e depois de forma intermitente até 1940.

em 1914, criada a Escola para Voluntárias da Cruz Vermelha, na cidade do
Rio de Janeiro (Mott, 2000);

1
em 19162, exatamente no dia 20 de março, na Escola de Enfermeiras –
Enfermagem moderna também conhecida como nightingaleana, ou seja, a direção de serviços e ensino de
enfermagem por enfermeiros, ensino metódico teórico e prático e seleção de candidatas do ponto de vista
fisico, moral, intelectual e de aptidão profissional (Baer,1985).
2
No Estatuto da Escola de Enfermeiras – “Curso Profissional e das Voluntárias”, reza: “Art. 1º ...tem por
objetivo ministrar às sócias da Sociedade o ensino teórico-prático da profissão de enfermeira e de instruir as
que desejarem trabalhar como enfermeiras voluntárias.....Art. 2º O Curso de enfermagem profissional será
feito em dois anos... Art. 4º As aulas teórico–práticas serão dadas durante o dia e a noite, conforme convier
ao ensino”.
1.1 Considerações Iniciais
5
Curso Profissional da Cruz Vermelha, também na cidade do Rio de Janeiro
(COFEN,1985);

em 1917, na Policlínica de Botafogo, o Curso para enfermeiras, igualmente
na cidade do Rio de Janeiro (Mott e Oguisso, 2003).
Além disso, cabe da mesma maneira salientar que a história da
enfermagem vem sendo contada como se somente houvesse existido um modelo
de ensino no país, modelo esse estabelecido a partir da denominada enfermagem
moderna. Tal fato propicia a criação de falsos mitos sobre a sua origem, dando a
entender que essa é, oficialmente a única história, onde não estão incluídas uma
série de fatos e acontecimentos e até mesmo a própria existência de profissionais
que atuaram como enfermeiros no final do século XIX e início do século XX.
Enfim, desde a criação da Escola Profissional de Enfermeiros e
Enfermeiras, há mais de um século, até a sua integração no sistema educacional
brasileiro, transcorreu um longo caminho percorrido por muitos profissionais.
Sobre esse período existem escassos estudos resultando, inclusive, num
conhecimento descontínuo e disperso.
Apesar de a primeira escola de enfermagem no Brasil ter sido criada
apenas nos últimos anos do século XIX, é necessário ressaltar que já existia
anteriormente o cuidado aos doentes hospitalizados. Esses cuidados eram
oferecidos nas Santas Casas de Misericórdia, já na primeira fundada por Braz
Cubas em 1543.
Em fins do século XVII, registra-se o trabalho da viúva Francisca de
Sande, na Bahia, que se dedicou ao tratamento de doentes pobres, chegando a
abrigá-los em sua casa, em virtude da falta de leitos nas Santas Casas, por
ocasião das freqüentes epidemias de febre amarela e peste ( Germano,1983).
1.1 Considerações Iniciais
6
Assim como Paixão (1951) que, em seus escritos descreve:
“Frei Fabiano de Cristo, exerceu quase 40 anos a função de
enfermeiro no convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro,
onde viveu no século XVIII.” (...) , “Havia senhores que
alugavam escravos, peritos em enfermagem, para servirem a
doentes particulares”. (Paixão: 1951, p.68)
Os registros do século XIX mostram Ana Justina Ferreira Néri - esse
era o seu nome original - que atuou como voluntária na Guerra do Paraguai
(1864–1870) cuidando dos soldados feridos (Louzeiro, 2002).
Todavia, tão-somente a partir de 1890 o ensino de enfermagem foi,
oficialmente institucionalizado no Brasil, a exemplo do que então já se fazia em
outros países da Europa e Estados Unidos da América (EUA).
No final do século XIX, segundo o Censo de 1890, a população da
cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, era de 522.651 habitantes;
293.657 eram homens e 228.994, mulheres. Nesse mesmo ano, as pessoas que
sabiam ler e escrever totalizavam 264.926, correspondendo aproximadamente a
50 % da população. Desse total, 165.241 eram constituídos de homens, ou seja,
61%; apenas 99.685, isto é, 39%, correspondiam às mulheres (Soihet,1989).
Nessa época, o país possuía um sistema educacional que atendia
apenas parte da população, priorizando a elite masculina com o estudo
profissional e superior. “Às mulheres estava reservado um certo preparo
acadêmico e muito boa formação para o lar” (Carvalho,1976 p.4).
A primeira iniciativa oficial da República recém-proclamada, no campo
1.1 Considerações Iniciais
7
do ensino da enfermagem, se deu legalmente através do Decreto n.º 7913, de 27
de setembro de 1890, que criava a acima mencionada Escola Profissional de
Enfermeiros e Enfermeiras (EPEE). É inquestionável a relevância histórica dessa
instituição pioneira por se dedicar à formação e à qualificação de recursos
humanos no campo da enfermagem, preparando enfermeiros4 desde o alvorecer
da República, missão essa que continua desenvolvendo até os dias de hoje.
Assim, em 1890, quando implantado, o ensino estava vinculado ao
Ministério da Justiça, cujo ministro era Campos Sales que tinha sido nomeado
pelo marechal Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório (Moreira et al.
2002). Como naquela época não existia ainda o Ministério da Saúde, 5 o Hospício
Nacional de Alienados (HNA) estava sob a tutela do ministro da Justiça porque
abrigava doentes mentais, pelo fato de
alguns deles, em sua insanidade,
poderem ter praticado atos agressivos, ou anti-sociais e terem sido encaminhados
a estabelecimentos custodiais ou ao manicômio judiciário, este sim, órgão do
ministério da Justiça.
Durante longos anos, essa escola continuou subordinada ao Serviço
Nacional de Doenças Mentais, o que pode ter induzido à interpretação
equivocada de que enfermeiros, atuantes na comunidade, que tivessem sido
formados por ela, estavam capacitados para trabalhar apenas em enfermagem
psiquiátrica, o que não correspondia à verdade dos fatos.
Para tanto, basta analisar o conteúdo do ato normativo para que se
3
Decreto nº 791 de 27/9/1890. Crea no Hospício Nacional de Alienados uma Escola Profissional de
Enfermeiros e Enfermeiras. Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública – Enfermagem,
Legislação e assuntos correlatos. RJ:1974, v.1, p.26.
4
Este trabalho utilizou o termo “enfermeiro” no masculino para estar em concordância com a gramática
portuguesa que diz que, quando existe o termo no feminino e no masculino, deve prevalecer o masculino.
Tal regra vem pontuar mais ainda a existência de homens na enfermagem desde seu nascimento.
5
As questões de saúde estavam ligadas ao Ministério dos Negócios do Interior até a década de 20, quando foi
criado o Departamento Nacional de Saúde Pública, posteriormente transformado em Ministério da Saúde.
1.1 Considerações Iniciais
8
constate o equívoco. Com efeito, o Decreto n.º 791/1890 especificava o elenco
das disciplinas e determinava que a escola preparasse enfermeiros, não só para
os hospícios, como também para os hospitais civis e militares. Conclui-se com
facilidade que os profissionais eram preparados para trabalhar nas diversas
clínicas e especialidades.
Na década de 1920, quando foi criado o Departamento Nacional de
Saúde Pública, no âmbito do Ministério dos Negócios do Interior, a EPEE
continuou vinculada diretamente ao Ministério da Justiça, uma vez que o HNA,
onde estava instalada a escola, continuava sendo um estabelecimento desse
Ministério.
Embora fosse a mais antiga escola de enfermagem conhecida do país,
ela permaneceu ignorada durante muito tempo. Se bem que tivesse funcionado
de forma intermitente, é certo que em abril de 1897 a instituição havia sido
inaugurada, conforme notícia veiculada na revista O Brazil-Médico, de abril de
1897 (Fig. 1).
1.1 Considerações Iniciais
9
Fig. 1 Notícia da Revista O Brazil-Medico, de abril de 1897, p. 109.
Fonte: Biblioteca da Faculdade de Medicina da USP/SP
A intermitência pode ser atribuída “ao aumento da população de
pacientes internados, que ultrapassava o número de mil” (O Brazil –Medico, 1900,
p. 306) no Hospício Nacional de Alienados, onde a Escola funcionava. Nessas
circunstâncias. “o pessoal sobrecarregado de trabalho, obrigado à vigilância
permanente de uma grande massa de pacientes, não tinha tempo suficiente para
1.1 Considerações Iniciais
10
freqüentar com regularidade as aulas da Escola”, justificava Juliano Moreira –
médico, diretor-geral da Assistência a Alienados - (Relatório, 1909, p. 4)
6
.
Reiterando no relatório do ano de 1912, comunicou ao ministro da Justiça e
Negócios do Interior, assim se expressando:
“o número exagerado de doentes não nos deixou exigir do
pessoal a devida freqüência às aulas da escola de
enfermeiros. Espero no correr do ano, com a fundação das
Colônias, obter o funcionamento regular da referida escola”
(Relatório,1912, p.2).
Mesmo com interrupções temporárias em seu funcionamento, o fato é
que a EPEE existia oficialmente. Porém, essa existência passou despercebida
para Jane A. Jackson, superintendente (matron) do Hospital da Associação dos
Estrangeiros do Rio de Janeiro. Tal omissão pode ser constatada pelo que
declarou enfaticamente, em 1901, no relatório apresentado ao Iº Congresso
Internacional de Enfermeiras, realizado em Búffalo (EUA):
“não havia Escola para treinamento de Enfermeiros no Brasil
e que o cuidado aos pacientes no Hospital de doentes
mentais estava entregue às francesas” (Jackson,1901, p.393).
Após a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, começou
a ser implantada, no país, a assim denominada “Enfermagem Moderna”, com a
vinda de enfermeiras americanas. A EPEE, que já tinha sido criada há mais de 30
anos, não foi considerada e muito menos aproveitada. Provavelmente, o momento
político conturbado em decorrência da epidemia da febre amarela, o patrocínio da
Fundação Rockefeller e o prestígio emprestado pelos médicos-sanitaristas, que
6
Relatório de ocorrências dos Serviços de Assistência a Alienados do Distrito Federal, 15/2/1909
1.1 Considerações Iniciais
11
ocupavam elevados cargos na administração pública7 e pela imprensa,
corroboraram no sentido de oferecer apoio necessário para implantar de novo o
reinício da enfermagem, apresentado na ocasião em moldes modernos,
ignorando, pois, por completo o tradicional ensino de enfermagem da Escola
Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras com sua experiência de três décadas.
Tal ocorrência fixou um marco institucional e com isso, a história da
enfermagem começou a ser registrada a partir dessa data, isto é, 31 de dezembro
de 1923. Foi nesse dia que o Decreto nº 16.300, ao aprovar o regulamento do
Departamento Nacional de Saúde Pública, no Serviço de Enfermeiras desse
departamento, “regulamentou a Escola de Enfermeiras, criada um ano antes pelo
Decreto nº 15.799, de 10/11/1922, anexa ao Hospital Geral de Assistência
daquele departamento, com a finalidade de instruir e diplomar enfermeiras”
(Carvalho, 1976, p.8)
A Revista Paulista de Hospitais, órgão pioneiro de divulgação de temas
de administração hospitalar, publicou em 1959 o artigo “Enfermagem: pessoal e
suas categorias funcionais”, da mesma forma, passou ao largo da história. Sua
autora, Glete de Alcântara8, ao enfatizar a introdução da enfermagem moderna, a
partir de 1923, afirmava:
“Com a fundação da Escola Ana Neri, no Rio de Janeiro, em
1923, foi introduzida a enfermagem moderna no país. A missão
de enfermeiras americanas que veio para o Rio naquela época,
a convite do governo brasileiro e sob os auspícios da Fundação
Rockefeller, fundou a primeira escola de enfermagem no
Brasil...” (Alcântara, 1959. p.37).
7
No Rio de Janeiro, Carlos Chagas e Oswaldo Cruz. Em São Paulo, Emílio Ribas, Paula Souza e Borges
Vieira.
8
Drª. Glete de Alcântara, enfermeira, foi professora catedrática da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto,
da Universidade de São Paulo.
1.1 Considerações Iniciais
12
No legítimo afã de enfatizar e valorizar a enfermagem moderna que, na
década de 1950, ainda lutava por um melhor status social, é provável que a
autora - uma das líderes da enfermagem na ocasião - tenha omitido
involuntáriamente a existência da EPEE, sem avaliar as repercussões históricas
posteriores.
Um outro registro bibliográfico incorre na mesma omissão. Trata-se de
Cardoso (1996) que, em sua recente dissertação de mestrado apresentada em
1996 à Escola de Enfermagem Anna Nery9, cita: “o estudo da vida de Anna Nery,
sua atuação na guerra do Paraguai e a aproximação de seu nome para a primeira
Escola de Enfermeiras no Brasil” (Cardoso,1996, p.3).
Apesar desses esquecimentos de caráter histórico, a EPEE conseguiu
sobreviver e prosseguir em seu caminhar, e tem uma participação fundamental no
processo de profissionalização da enfermagem. Daí a relevância do presente
estudo para o resgate desse passado cheio de méritos para a afirmação do
exercício da enfermagem no Brasil.
Com efeito, durante 53 anos, a direção da Escola foi exercida por
médicos, como ocorreu em muitas escolas de enfermagem. Aliás, ainda hoje a
parte teórica básica é ministrada por médicos, biólogos, sociólogos, psicólogos e
outros profissionais, não só no Brasil, como na maioria dos países no mundo
inteiro.
No caso específico da EPEE, é preciso concordar com Kirschbaum
(1994) quando afirma:
“entende-se que a opção feita pelos psiquiatras do Hospício
9
Anna Nery – assim escrito como consta nos documentos oficiais da Escola de Enfermagem Anna Nery. No
entanto, o nome original era Ana Justina Ferreira Néri ( Louzeiro, 2002).
1.1 Considerações Iniciais
13
Nacional10, ao criar a Escola, nos moldes das existentes nos
hospitais de Paris, não foi casual, nem tampouco movida por
desconhecimento de outras modalidades educacionais, mas por
ser a forma mais apropriada para a operacionalização de um
modelo de gestão centralizado na figura do médico e adequado
às condições da força de trabalho disponível no país, que teria
que ser empregada no Hospício rapidamente e com o menor
custo financeiro” (Kirschbaum, 1994, p.54).
Esse tipo de escola apontada por Kirschbaum oferecia maior
autoridade aos médicos, diferentemente do modelo nightingaleano. A posição dos
médicos em relação aos enfermeiros e ao pessoal de enfermagem e a excelência
dos serviços prestados pelos alunos da Escola ao Hospício Nacional de Alienados
foram determinantes para que, anos mais tarde, a escola continuasse sob a
égide do Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM), criado em 1941, cujas
diretrizes eram rigorosamente cumpridas.
Em 1942, o Decreto-Lei n.º 4.72511, de 22 de setembro de 1942, ao
reorganizar a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, alterou o nome
da instituição que passou a chamar-se Escola de Enfermeiros Alfredo Pinto
(EEAP), continuando, todavia, subordinada ao Serviço Nacional de Doenças
Mentais, no Distrito Federal (Ministério da Saúde,1974).
No mesmo dia, isto é, 22 de setembro de 1942, o Decreto n.º 10.472 12,
10
Mantida a redação original de Kirchbaum. Com efeito, a instituição foi criada com o nome de Hospício de
Pedro II, em 1852. Entretanto, o Decreto nº 142, de 11/1/1890, mudou o nome para Hospicio Nacional de
Alienados.
11
Decreto-Lei nº 4.725/42 , de 22/9/1942 . Reorganiza a Escola Profissional de Enfermeiros criada pelo
Decreto nº 791, de 27/9/1890, e dá outras providências. Passou a vigorar em janeiro de 1943. Ministério da
Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública – Enfermagem, Legislação e assuntos correlatos. RJ: 1974, v. 1,
p.117.
12
Decreto-Lei nº 10.472, de 22/9/1942. Aprova o regulamento da Escola de Enfermeiros Alfredo Pinto. In
Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública – Enfermagem, Legislação e assuntos correlatos.
RJ: 1974, v. 1, p.120.
1.1 Considerações Iniciais
14
aprovou o novo regulamento da EEAP que manteve a escolha da direção e do
corpo docente pelo diretor do SNDM. Tal fato fortaleceu o corporativismo dos
médicos e a dominação do saber (Ministério da Saúde,1974).
Logo em seguida, entretanto, ou seja, a partir de 1943, a enfermeira
Maria da Castro Pamphiro foi designada para a direção da EEAP13
(Moreira:1990).
Por essa ocasião, os alunos e futuros profissionais tiveram a
oportunidade de estender sua experiência na prática profissional, uma vez que,
anteriormente, toda atividade de estágio prático era desenvolvida no âmbito do
Hospital Nacional e na Colônia de Alienados.
Cabe ressaltar que, nas instituições mantidas para assistência aos
alienados, existiam setores especializados em todas as áreas de atendimento
clínico e cirúrgico, abrangendo desde as doenças contagiosas até a clínica
obstétrica. Isso significa que o ensino de enfermagem era amplo, não ficando
restrito somente à assistência psiquiátrica uma vez que o paciente com problemas
psiquiátricos era também tratado no contexto de suas condições clínicas
preexistentes ou emergentes.
Decorridos quase 25 anos, o Decreto-Lei n.º 20614, de 27 de fevereiro
de 1967, alterou o nome da Escola de Enfermeiros Alfredo Pinto, que passou a
chamar-se Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, e determinou que ela ficasse
subordinada ao diretor-geral do Departamento Nacional de Saúde, do Ministério
13
O Presidente da República através do Decreto s/nº., de 29/12/1942, designa Maria de Castro Pamphiro para
exercer o cargo de diretora da EEAP. D. O., Poder Executivo, Rio de Janeiro, D F, 6/1/1943.
14
Decreto-Lei nº 206 de 27/2/19667. Dispõe sobre a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. In Ministério da
Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública – Enfermagem, Legislação e assuntos correlatos. RJ:1974,v.2.
p.428.
1.1 Considerações Iniciais
15
da Saúde. Esse Decreto-Lei dispunha, ainda, que a instituição tinha por
finalidade: “a) promover estudos e pesquisas concernentes ao preparo de pessoal
de enfermagem; b) realizar cursos de graduação e de auxiliar de enfermagem,
podendo
adotar
currículos
experimentais
além
dos
de
pós-graduação,
aperfeiçoamento e especialização, particularmente do campo de enfermagem
psiquiátrica” (Ministério da Saúde, 1974, p.429). Além disso, o diploma legal
autorizou o Ministério da Saúde a constituir um grupo de trabalho, com a
participação de um representante do Ministério da Educação e Cultura (MEC),
com o objetivo de propor a adoção das medidas complementares a esse DecretoLei.
Ressalte-se, porém, que esse grupo de trabalho não chegou a ser
constituído face ao processo da Reforma Universitária que, na época, encontravase em discussão, mas posteriormente aprovada com a Lei n.º 5.540 15, de 28 de
novembro de 1968, fixando normas de organização e funcionamento do ensino
superior. O artigo 10 dessa lei deu ao MEC a competência para fixar os distritos
geoeducacionais para aglutinar, em universidades ou federação de escolas, os
estabelecimentos isolados de ensino superior existentes no país. Disso resultou
que, em 1969, a EEAP passou a constituir uma das unidades da Federação de
Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara (FEFIEG). Quando o Estado
da Guanabara passou a denominar-se Estado do Rio de Janeiro, a Federação
acompanhou a nomenclatura, chamando-se Federação das Escolas Federais
Isoladas do Estado do Rio de Janeiro (FEFIERJ).
No ano de 1975, em conseqüência da reforma do ensino universitário a
15
Lei nº 5.540 de 28/11/1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua
articulação com a escola média. . In Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública – Enfermagem,
Legislação e assuntos correlatos. RJ:1974,v.2. p.471.
1.1 Considerações Iniciais
16
EEAP, através do Decreto n.º 76.83216, de 12 de setembro de 1975, passa para o
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) da FEFIERJ. Pela Lei n.º
6.65517, de 5 de junho de 1979, transforma-se na Universidade do Rio de Janeiro
(UNIRIO), instituição do sistema federal de ensino superior, vinculada ao MEC.
Em páginas anteriores mencionamos que a escolha do tema do
presente estudo não iria limitar-se a tirar do esquecimento e trazer à tona a
trajetória da profissionalização da enfermagem no Brasil. Nela estava de igual
maneira incluída a possibilidade de analisar e discutir a presença masculina na
prática da enfermagem, particularmente no Hospital Nacional de Alienados. Tal
critério de escolha levou em conta que grande parte da bibliografia existente
refere-se à enfermagem como profissão ontologicamente feminina.
A discussão da feminização18 da profissão vem sendo desenvolvida por
Mott (2000) que se volta para a presença marcante do elemento masculino na
história da enfermagem no Brasil durante o século XIX. Aliás, presença essa que
ficou marcada até na literatura de ficção, através dos escritos de Machado de
Assis (1839-1908) no conto O Enfermeiro. Na Bahia, documentos do final do
século XIX registram a presença de enfermeiros na Santa Casa de Misericórdia,
como já ocorria no Rio de Janeiro com a Escola de Enfermeiros e Enfermeiras
(EPEE) .
No Brasil, a preferência pelo sexo feminino passou a ser preconizada
em 1896, com a implantação do modelo nigthingaleano, na Escola do Hospital
16
Decreto nº 76.832 de 12/9/1975. A Escola de Enfermagem Alfredo Pinto passa a ser uma das unidades do
CCBS da FEFIERJ. DO, Brasília:1975.
17
Lei nº 6.655 de 5/6/1979. A Universidade do Rio de Janeiro passa a pertencer ao Sistema Federal de
Ensino Superior, vinculada ao MEC. DO. Brasília:1979.
18
Feminização, do verbo feminizar ( Ferreira,1975, p.623).
1.1 Considerações Iniciais
17
Samaritano, na cidade de São Paulo, seguida por várias outras escolas, como a
Escola para Voluntárias e Curso Profissional da Cruz Vermelha, respectivamente
em 1912, 1914 e 1916. Esta última, apesar de não seguir o modelo
nightingaleano de ensino, preponderantemente preparava mulheres nos seus
cursos. Tal fato ocorreu em todos os países onde a Cruz Vermelha se instalou.
Isso se explica porque os homens eram recrutados para as frentes de batalha,
enquanto que as mulheres eram preparadas para o cuidado dos feridos em
combate. A consolidação dessa prática no Brasil se deu em 1923 com a vinda das
enfermeiras norte-americanas para o Departamento Nacional de Saúde Pública,
no Rio de Janeiro.
Esse conceito foi novamente modificado em âmbito nacional com a Lei
n.º 775/4919, que, em seu art. 67 refere que “os alunos do sexo masculino...
poderão ser dispensados dos estágios nas clínicas de obstetrícia e pediátrica”.
Apesar dessa preferência, demonstrada nas instituições anteriormente citadas, a
Escola de Enfermagem Alfredo Pinto manteve continuamente alunos do sexo
masculino no seu corpo discente como se pode observar na Fig. 2.
19
Lei nº 775, de 6 de agosto de 1949, que dispõe sobre o ensino de enfermagem no país e dá outras
providências. Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública – Enfermagem, Legislação e assuntos
correlatos. RJ:1974,v.1. p.154.
1.1 Considerações Iniciais
18
Fig. 2 - Relação de alunos da EEAP, turma de 1905.
Fonte: Arquivos da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto - Laboratório de Pesquisa de
História da Enfermagem (LAPHE).
1.1 Considerações Iniciais
19
Essa figura é uma relação de alunos matriculados na turma de 1905,
de acordo com a lista de freqüência da disciplina de Curativos e Pequena
Cirurgia, ministrada pelo Dr. José Chardinal de Alphenas, no dia 23 de fevereiro
de 1905, assinada pelo secretário escolar, Dr. João de Melo Matos.
Por conseguinte, esta pesquisa se propõe a rever a importância do
estudo da história da enfermagem e não só em lograr uma visão crítica da
profissão, como também para a (re)construção da identidade profissional.
Como registra Barreira (1990, p. 90),
“o desvelamento da realidade, mediante o estudo da História
da Enfermagem é libertador e permite um novo olhar sobre a
profissão”
Tal ponto de vista é um estímulo para uma investigação aprofundada e
cuidadosa, através da história da enfermagem. Trata-se de uma busca que
poderá efetivamente contribuir para o conhecimento da história em geral, na
medida em que se observam questões relacionadas com a educação das
mulheres, sua inserção no mercado de trabalho e a expansão do papel da
enfermagem na sociedade.
É o que se pode depreender da justificativa para a criação da Escola
Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, segundo registro do dia 1º/10/1890 no
Jornal do Commercio, na sessão Actos Officiaes, página 1(Ministério do Interior,
1890), citado por Gussi (1987) e Moreira (1990), onde se lê:
“ A Escola de Enfermeiras , pois, que o decreto que vos ofereço
tende a crear, abre, me parece, um campo vastíssimo à
actividade da mulher..quer nos leitos dos enfermos hospitalares,
1.1 Considerações Iniciais
20
quer nas casas
particulares onde serão o complemento do
20
médico” (Moreira, 1990, p. 44)
O presente estudo reabre uma discussão sobre o nascimento de uma
profissão, assim como a importância da origem da enfermagem brasileira, mesmo
através da psiquiatria, levando-se em conta que:
“a necessidade de especializar agentes de enfermagem no cuidado ao
doente mental foi uma condição necessária para o próprio processo de
institucionalização da psiquiatria no Brasil” A mesma autora afirma: “A
profissionalização da enfermagem, através da escolarização, tinha
objetivos mais amplos do que a simples formação de pessoal para os
serviços psiquiátricos, isto é, possibilitava a incorporação ao mercado de
trabalho de um segmento da população até então excluído. Ao mesmo
tempo, empregava mulheres oriundas das classes populares, portanto,
totalmente desprestigiadas numa sociedade em que o sexo feminino não
tinha seus direitos políticos reconhecidos, e que supostamente garantiria
a subordinação destas aos médicos” (Kirschbaum,1994, p. 56 e 58).
Este fato histórico serviu de estímulo maior que nos levou a pesquisar
mais dados e informações em registros disponíveis tais como: nos periódicos,
jornais e revistas médicas, além dos documentos oficiais - que os historiadores da
doutrina positivista consideram como fontes primárias -, para analisar em maior
profundidade toda uma seqüência de acontecimentos e tentar reconstruir a
história do início do ensino e da profissionalização da enfermagem mais coerente
com a realidade dos fatos do passado.
20
Mantida a ortografia da época
1.2 Objetivos
21
1.2 - Objetivos
1. 2. 1- Objetivo Geral:
 Resgatar as origens da enfermagem profissional no Brasil, através da análise
e interpretação de diversos tipos de documentos, em busca das raízes de sua
profissionalização.
1. 2. 2 - Objetivos Específicos
 Desvendar
fatos
e
circunstâncias
da
Escola
Profissional
de
Enfermeiros e Enfermeiras, atual Escola de Enfermagem Alfredo Pinto,
no período de 1890 a 1920, através da análise histórica.
 Avaliar o impacto e a representatividade dessa instituição na
profissionalização da enfermagem brasileira.
 Levantar subsídios sobre os primórdios da história da enfermagem e de
sua profissionalização em diferentes países.
1.3 Questão Norteadora
22
1. 3 - Questão Norteadora
O desenvolvimento das ações que definiram os rumos do presente
estudo se nortearam pelo seguinte princípio:
 Qual o papel social desempenhado pela Escola de Enfermagem
Alfredo Pinto - a pioneira do ensino de enfermagem no país especificamente na formação e na profissionalização dos enfermeiros
no Rio de Janeiro, no período que abrange a última década do século
XIX e as duas primeiras do século XX ou, mais precisamente, de 1890 a
1920?
1.4 Percurso Metodológico
23
1. 4 - Percurso Metodológico
Trata-se de um estudo histórico-social que se serviu da análise de
conteúdo, como técnica de pesquisa, a qual buscou identificar informações nos
registros, a partir de questões ou hipóteses de interesse, possuindo como
vantagens, segundo Lunardi que afirma:
“A análise de conteúdo, como técnica de investigação, constituise numa técnica de leitura e interpretação do conteúdo de toda e
qualquer classe de documentos que, quando adequadamente
realizada, proporciona o conhecimento de aspectos e fenômenos
da vida social, de outro modo inacessível” (Lunardi,1995, p. 86).
Por tratar-se de um estudo voltado para fatos ocorridos há tanto tempo
- em torno de 83 a 113 anos atrás - as fontes de pesquisa consistiram apenas de
registros escritos e iconográficos, uma vez que, infelizmente, hoje, com enorme
probabilidade não existe informante algum que possa testemunhar e dar
entrevistas sobre eventos tão distantes. Se fosse possível, seriam também
riquíssima fonte de dados.
No século XIX, o registro priorizado pelo historiador era o documento
escrito, sobretudo o oficial. “O melhor historiador seria aquele capaz de manter-se
o mais próximo possível dos textos, despojando-se de - idéias preconceituosas em resumo o documento falaria por si só” (Vieira et al., 1989, p.14).
A valorização do documento como garantia de objetividade, tão
presente entre os positivistas, exclui a noção de intencionalidade contida no
objeto estudado pelo historiador. Entretanto, hoje o registro se refere a uma
variedade muito grande de manifestações do ser humano que evidencia e amplia
o foco de atenção do historiador interessado em recuperar a trajetória dos
1.4 Percurso Metodológico
24
homens em várias dimensões sociais (Vieira et al.,1989).
As fontes de pesquisa a que nos referimos foram: leis, decretos, atas,
relação de alunos matriculados na escola, relação de docentes com a respectiva
disciplina que ministravam, relatórios, e outros textos oficiais. De igual modo nos
servimos de revistas científicas e periódicos (Jornal do Commercio) da época,
com registro de informações relativas ao objeto do estudo. Além disso, foram
consultados livros, artigos, dissertações e teses com temas sobre a história do
Brasil, em geral, e da enfermagem, em particular, especialmente quanto ao início
da formação de enfermeiros.
A perspectiva do estudo tornou indispensável consultar periódicos,
assim como diferentes fontes, produzidos por diversas instituições e categorias
profissionais que traziam informes sobre o tema. Tal diretriz oferecia pontos de
vista, versões e interpretações distintas que ajudaram a caracterizar melhor o
objeto de estudo. Essa pesquisa foi realizada no momento em que se
compreendeu que a história da enfermagem precisava diversificar suas fontes,
afastando-se, sobretudo, daquelas produzidas somente pela própria classe de
enfermagem e/ou até mesmo por única fonte de informação. Isso porque certas
pesquisas vêm ao longo do tempo sedimentando conceitos, ou induzindo aos que
as consultam uma visão unilateral dos fatos, sem que outras versões sejam
analisadas. Compreende-se que o entendimento de uma realidade do passado
não se dá a partir de um documento isolado, embora muitas vezes uma reflexão
objetiva possa ter um único documento como ponto de partida.
Não sem razão Lynaugh (1987) diz que história é realmente a
documentação da memória, fortalecida por recursos confiáveis e testada pelas
regras da lógica e da evidência. A tarefa do historiador é achar e avaliar a
1.4 Percurso Metodológico
25
evidência e depois analisá-la e interpretá-la.
Ainda segundo ensina essa mesma autora, não há nem uma fórmula
para pesquisa histórica nem um único método histórico, embora haja regras de
evidências e guias para seguir (Lynaugh, 1987) .
Apesar dessas referências, Lynaugh alerta o pesquisador para que
esteja atento para cinco problemas, ou mitos, mais comuns na prática da história:
1) A pesquisa histórica é a busca de uma verdade única ou única causa. A
história é destilada através do conceito do pesquisador sobre a realidade e as
explicações da evidência escolhida. De fato, explanações concorrentes podem
ser criadas ainda que usando o mesmo conjunto de dados. 2) A história precisa
voltar-se para eventos importantes e povos do passado. Historiadores fazem
escolhas sobre quem e o que estudar. 3) A boa história irá surgir de bons fatos.
Todos os eventos estão cercados de fatos. Mas o historiador tem que verificar se
as evidências disponíveis fazem sentido e relacioná-las com generalidades ou
eventos mais amplos. 4) A história não pode ser escrita com evidência
incompleta. A evidência é sempre parcial e os dados incompletos são o grande
desafio da história. Informantes dos historiadores estão geralmente mortos e seus
registros descartados. 5) A história é a estória da continuidade ou progresso. É
uma tentativa de criar uma contínua linha para conectar eventos passados ao
presente. Encontramos faces familiares, valores e práticas e buscamos as
similaridades com o nosso tempo. Todavia, o historiador precisa, de alguma
maneira, voltar ao passado e tentar compreender eventos, comportamentos e
crenças em seu próprio tempo e contexto. A história não é como um ato teatral
onde as mudanças no palco ocorrem rápida e ordenadamente, num simples
baixar e levantar das cortinas (Lynaugh,1987).
1.4 Percurso Metodológico
26
Até bem recentemente, muitos historiadores consideravam irrelevante,
por exemplo, o estudo sobre as mulheres. Mas todo o campo da história das
mulheres dá margem para se fazer novas inquirições, criar outras fontes de
evidências e fornecer nova visão sobre eventos históricos. O exame de cartas e
diários ajuda a compreender o seu trabalho na vida doméstica, o relacionamento
do espaço familiar com a esfera pública, e o papel do gênero no seu próprio
desenvolvimento.
A
história
abrangente
permite-nos
sair
dos
estreitos
estereótipos de vencedores e perdedores, dicotômicos e maniqueistas. Esse é um
mérito da chamada “História Nova”.
Hoje, parece claro que a enfermagem, por força das contingências da
época, não teve condições de assumir - e não conseguiu - o controle total de seu
futuro, nas circunstâncias do final do século XIX e do começo do século XX.
Entretanto, avaliando melhor as evidências, podemos compreender, sem querer
julgar, o que era possível, ou o que não era, naqueles incipientes anos da autoafirmação da enfermagem. O valor da história consiste em proporcionar-nos uma
forma de lembrar que o progresso é inevitável. Le Goff (1998, p.4) afirma que “a
história das sociedades evolui, o que não deixa de ser uma evidência por si só”.
Quando a necessidade de saber persiste, ela será atendida com a
ajuda da evidência. Caso contrário, as páginas da história permanecerão em
branco. A historiadora Mary Beard, citada por Lynaugh (1987, p.69), afirma que
“sem documento não se faz história, pois os documentos são a verdadeira
matéria-prima do historiador, a partir das quais ele produz o conhecimento
histórico”. A desconhecida e anônima enfermeira do último decênio do século XIX
pode ser descoberta através de pequenos escritos ou discursos das suas alunas,
de dados de matrícula, ou até mesmo da atenta leitura de ficção. O mundo no
1.4 Percurso Metodológico
27
interior de um hospital de campanha em tempos de guerra pode ser vislumbrado
através de relatórios, anotações e diários, assim como velhos jornais e magazines
da época.
Com o surgimento da “História Nova”, na França, a partir de 1929, foi
aberta uma nova perspectiva para os estudos de história. Através dessa
perspectiva, tornou-se possível valorizar os costumes dos povos, dar voz a todos
sem distinção - vencedores ou vencidos, ricos e pobres, fortes e fracos,
opressores e oprimidos -, o que possibilitou uma diferente versão da história, que
passou a ser vista por outro prisma e que ampliou o campo de observação do
historiador, abrindo espaço para um tratamento interdisciplinar dos fatos do
passado e dos seus registros históricos.
Esse novo método, iniciado com a criação da revista Annales d`histoire
économique et sociale, lançada em Estrasburgo (França) por Lucien Febvre e
Marc Bloch, tomou grande impulso nesse país e chegou aos nossos dias através
dos escritos de vários estudiosos, seus seguidores, entre os quais destaca-se
Jacques Le Goff. Segundo este último, havia duas direções inovadoras, que eram
“expressas pelos dois epítetos da revista: a história econômica e a
social. Com o econômico, tratava-se de promover um domínio
quase completamente abandonado pela história tradicional, em
que ingleses e alemães haviam passado à frente dos franceses e
cuja importância na vida das nações e dos povos se acentuava
cada dia mais. Não foi por acaso que os Annales nasceram em
1929, o ano da grande crise mundial” (Le Goff, 1998, p.29 ).
Esse historiador afirma ainda que “em muitos domínios, a história
econômica e social, a história não eurocêntrica, a história das estruturas, a
história da longa duração, a história dos marginais, a história do corpo e da
1.4 Percurso Metodológico
28
sexualidade e, sobretudo, talvez, a história das mentalidades se impuseram”(Le
Goff,1998, p.30)
Santos et al. (2001, p. 639) referem que “a nova história pode e vem
contribuindo muito para a escrita da história da enfermagem brasileira porque dá
voz e visibilidade ao que não faz parte da história oficial...” E acrescentam, ainda,
que “tomar a enfermagem como objeto de estudos históricos significa também
trazer à tona seus conflitos, suas tradições, suas origens verdadeiras, e não
aquelas plantadas pela ideologia dominante”.
Nessa nossa pesquisa foi possível dar voz a muitos atores, uma vez
que, a base do trabalho foi construída através de variadas fontes, tais como:
textos de relatórios, jornais e revistas científicas. Essa variedade possibilitou uma
visão mais ampliada do passado - nem sempre encontrada nos documentos
oficiais - pelo fato de retratar percepção do jornalista, do fotógrafo ou do redator
que, em geral, não eram autoridades legalmente constituídas.
Esperamos, por conseguinte, que este estudo proporcione visibilidade
àqueles que, no jogo de forças políticas do passado, não puderam manifestar-se
por não fazer parte da cúpula decisória do país, no que dizia respeito às
atividades de saúde pública.
Para chegar ao objetivo de ampliar a visão do passado, adotamos o
conceito abrangente de documento, segundo o ponto de vista de Le Goff (1984,
p.104) que diz:
“O novo documento, alargado para além dos textos tradicionais,
transformado - sempre que a história quantitativa é possível e
pertinente
em
dado,
deve
ser
tratado
como
um
documento/monumento. De onde a urgência de elaborar uma
nova erudição capaz de transferir este documento/monumento do
1.4 Percurso Metodológico
29
campo da memória para o da ciência histórica”.
Na esteira dessa opinião, os documentos utilizados foram
aqueles que evidenciaram, na realidade factual, o objeto deste estudo e, na falta
destes, foi dada voz a outras formas de produção da história. Com efeito, para
Lucien Febvre (1949), citado por Le Goff (1984, p.98),
“A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida,
quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem
documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a
habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o
seu mel, na falta de flores habituais... Com tudo o que
pertencendo ao homem, demonstra a presença, a atividade,
os gostos e as maneiras de ser do homem”.
A interpretação de certos aspectos que caracterizam o período não só
foi baseada na análise de documentos, como também na discussão que outros
autores realizarão anteriormente, alguns dentre eles mencionados no decorrer do
desenvolvimento deste estudo.
A dificuldade de redesenhar hoje uma realidade muito distante no
tempo se prende ao fato de fazer parte de um passado que provocou a perda
da
transparência
dessa
realidade.
Seus
registros
voluntários,
ou
involuntários, não podem ser analisados sob a ótica do presente. Isso supõe
todo um trato na análise dos registros disponíveis (Borges,1986).
Esses são alguns pontos que exigiram maiores cuidados e critérios da
pesquisa, pois foi preciso fazer a recuperação das noções implícitas nos registros
interpretando-as no contexto da época em que foram produzidos.
1.5 Limites Cronológicos
30
1. 5 - Limites Cronológicos
O pesquisador que se volta ao passado para garimpar
acontecimentos históricos - seja de que assunto for - corre o risco de ver-se à
frente de uma considerável série de informações difíceis de serem fixadas no
tempo e, às vezes, no espaço geográfico. Trata-se de uma contingência
considerada normal pelos historiadores que levam em conta a distância que
os separa do passado.
No caso de ser possível estabelecer marcos de referência para
balizar com precisão cronológica determinada pesquisa, torna-se, de certo
modo, mais fácil resgatar os acontecimentos do passado, salvando-os para o
conhecimento da geração presente e facilitando a interpretação para os
pesquisadores do futuro.
Foi o que aconteceu na pesquisa deste estudo que considerou o
período de 1890 a 1920 para resgatar dados reveladores do pioneirismo do
ensino e da profissionalização da enfermagem brasileira.
Com efeito, consideramos 1890 o ponto de partida das nossas
análises pelo fato de constituir o ano da assinatura do Decreto n.º 791, de 27
de setembro de 1890, que criou a Escola Profissional de Enfermeiros e
Enfermeiras, instituindo o ensino da enfermagem. O ano de 1920 foi nosso
ponto de chegada porque, nessa ocasião, os documentos a serem
investigados já se encontravam organizados no Arquivo Setorial da Escola de
Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade do Rio de Janeiro, e nesse
mesmo período, também chegava ao Brasil a missão de enfermeiras norteamericanas.
1.6 Fontes da Pesquisa
31
1. 6 - Fontes de Pesquisa
Documentos oficiais da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, hoje
Escola de Enfermagem Alfredo Pinto.
Relatórios da Assistência aos Alienados, encaminhados ao ministro da Justiça e
Negócios Interiores.
 Imprensa médica:
Revista O Brazil – Medico, edições publicadas no período de 1890 a 1920.
Sua periodicidade era semanal e publicava assuntos de interesse científico,
político e aspectos práticos e profissionais da classe médica brasileira. A
revista foi fundada em 1887 e editada até o ano de 1956. No período de 1890
a 1920 foram publicadas em torno de 1.560 exemplares, edições essas que
foram objeto de nossas consultas.
 Periódico diário:
Jornal do Commercio, de 1890 a 1920, pertencente aos órgãos da chamada
grande imprensa, foi fundado em 1º de outubro de 1827 por Pierre Plancher.
Hoje, com 176 anos de existência ininterrupta, continua desde a fundação
trazendo comentários sóbrios, dentro de uma linha de austeridade e de defesa
dos interesses nacionais.
 Manuais de enfermagem :
- Manuel Pratique de la Garde – Malade et de l’ Infirmière, publicado em Paris
no ano de 1903, pelo médico Desiré Magloire Bourneville.
- Curso de Enfermeiros, de autoria do médico Adolpho Possollo, e editado em
1920 pela Livraria e Editora Leite Ribeiro & Maurillo, no Rio de Janeiro.
1.7 Locais Pesquisados
32
1. 7 - Locais Pesquisados
Cumpre salientar que, em alguns dos locais visitados e pesquisados,
encontravam-se livros, papéis e documentos empilhados no chão, em total
descuido e submetidos às intempéries climáticas, sem qualquer tratamento
arquivístico, e, portanto, sujeitos a perdas irreparáveis. Esse descuido acarretou
ainda muita dificuldade para encontrar material de interesse, não só obrigandonos a um verdadeiro trabalho de garimpagem, como também constituindo-se em
sério risco para saúde.
Vários arquivos de diversas instituições foram pesquisados. O Rio de
Janeiro, como é de se supor, foi a cidade que ofereceu maior número de locais
para as buscas. Assim:

Arquivo Nacional;

Arquivo Setorial da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade do
Rio de Janeiro;

Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem da Escola de
Enfermagem Alfredo Pinto - LAPHE;

Arquivo Municipal do Rio de Janeiro;

Arquivo do Estado do Rio de Janeiro;

Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro;

Arquivo da Colônia Juliano Moreira.
Além dessas instituições,
buscas foram feitas em
selecionadas, nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.
bibliotecas
1.7 Locais Pesquisados
33
Na cidade do Rio de Janeiro:

Biblioteca Nacional;

Biblioteca da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto;

Biblioteca Central da Universidade do Rio de Janeiro;

Biblioteca da Academia Nacional de Medicina;

Biblioteca do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nize da Silveira,
antiga Colônia de Engenho de Dentro.
Na cidade de São Paulo:

Biblioteca da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo;

Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo;

Biblioteca da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Os esforços despendidos com a procura de documentos não foram
suficientes para fazer emergir a realidade dos fatos passados. Na verdade, a
pesquisa deixou evidente que as fontes não falam por si mesmas; sua eloqüência
- que lhes dá maior fidedignidade - ficou por conta de certas circunstâncias
vinculadas à existência dos registros daquela ocasião. Com a formulação de
indagações adequadas, tais circunstâncias vieram à tona possibilitando levantar o
interesse de indivíduos e de grupos que produziram esses documentos e, por
conseqüência, ensejando maior compreensão dos fatos pesquisados. Exemplos
de indagações que desvendaram algumas circunstâncias:

O que é o documento?

O que nos diz?

Como diz?

Quem o fez, quando o fez, em nome de quem?

Com que propósito?

Qual a relação do documento com o contexto histórico, político e social da
1.7 Locais Pesquisados
34
época em que foi produzido?
Cabe salientar ainda que, na análise desses documentos, foi
necessário levar em consideração que eles não são o espelho fiel da realidade
examinada, pois constituem uma representação de partes e/ou momentos
particulares dela. É importante não perder de vista também que a realidade é
sempre analisada através do alcance de nosso olhar sobre ela. Para tanto,
elaboramos um instrumento, que nos ajudou na ordenação dos registros
encontrados e que consta como anexo (1) desse estudo.
Nesse sentido, acatamos a opinião de Christy (1975, p. 190) que diz:
“Depois que o pesquisador se certificou de que entende o significado dos escritos,
ele busca estabelecer a confiabilidade...”. Foi então utilizado o referencial dessa
autora para se buscar a interpretação dos documentos.
Segundo Christy (1975) para caracterizar um fato, o pesquisador deve
contar com, pelo menos duas fontes independentes que se corroborem
mutuamente. Mas também, ele pode considerar um registro como fato, quando
embora sendo uma única fonte, esta tenha passado por uma avaliação criteriosa
e que não exista evidências contrárias a ela, caracterizando-a como uma
possibilidade.
Isso não significa, entretanto, que, pela circunstância de ter sido o
primeiro contato, ele seja completamente confiável. Através de uma cuidadosa
análise, o historiador precisa certificar-se de que o escrito é de fato, uma
probabilidade ou uma possibilidade.
A probabilidade de um fato se dá quando existe apenas uma fonte sem
evidências de algo que lhe seja contraria. Na presente pesquisa encontramos
registros que comprovam a existência de um fato, como exemplo: a notícia da
1.7 Locais Pesquisados
35
revista O Brazil-Medico, onde é registrada uma inauguração da Escola
Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras no ano de 1897, única fonte sobre essa
informação. Por outro lado foram encontrados outros registros caracterizados
como prováveis. Exemplo: o livro do Dr. Bourneville é possível que tenha sido
utilizado na EPEE. Essa posição nos leva a caracterizar o fato como uma
possibilidade de ter acontecido, pois como Christy (1975) preconiza a
possibilidade ocorre quando existe evidências de um fato, mas que não temos
como comprovar.
De acordo com esses critérios, foram analisados os documentos
escritos, cruzando-se os dados de documentos oficiais com as notícias veiculadas
nos periódicos e nas revistas médicas que narravam os acontecimentos da
época.
E para concluir a apresentação deste capítulo introdutório, cumpre
registrar que em 2000, o projeto desta tese intitulado “A historicidade da
profissionalização da enfermagem brasileira: o caso da Escola de Enfermagem
Alfredo Pinto (1890-1920)” foi submetido ao Comitê de Ética da Pesquisa em
Enfermagem da Escola de Enfermagem, da Universidade de São Paulo, que o
aprovou (anexo 2) sob o aspecto ético-legal, de acordo com o que determina a
Resolução n.º 196/9621 do Conselho Nacional de Saúde. Tal aprovação permitiu
traçar este percurso que levou a uma viagem de volta através do tempo, quando
descortinamos fatos, evidências e muitas probabilidades sobre o passado que
deu início à profissionalização da enfermagem brasileira.
21
Resolução nº 196 de 10/10/1996. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo
seres humanos. In Bioética, 1996;4(2): 15-25.
Capítulo 2
36
Capítulo 2
A GENESE DA PROFISSIONALIZAÇÃO DA
ENFERMAGEM
2.1 - Gênese da Profissionalização
37
2.1 - Gênese da Profissionalização
Em 1899 o termo profissão era entendido como ofício, dever,
incumbência ou emprego (Figueiredo,1899).
Profissão, segundo Michaelis (1998) é o ato ou efeito de professar.
Tem como sinônimos: ocupação, ofício, meio de vida, emprego, mister ou
atividade que requer conhecimentos especiais e, geralmente, preparação longa e
intensiva. O Aurélio (1975) a define como atividade ou ocupação especializada,
da qual se podem tirar os meios de subsistência. O termo ofício, segundo esses
dicionaristas, pode significar trabalho, ocupação, arte, emprego, função,
incumbência, encargo, dever, papel, obrigação, cargo público ou oficial, serviço
ou modo de vida. O significado da palavra oficio abrange, entre outras definições,
qualquer arte manual ou mecânica. Teoricamente, os termos profissão, ocupação
ou ofício poderiam ser utilizados sem denotar hierarquia ou distinção de
superioridade de uma pessoa com as demais. Tanto assim é que a Constituição
brasileira afirma, no art.5º item XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho,
ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer”.
No entanto, a Lei n.º 6.229/7522, que dispunha sobre o Sistema
Nacional de Saúde, fazia uma distinção entre profissão e ocupação ao referir-se à
“formação e habilitação dos profissionais de nível universitário, assim como do
pessoal técnico e auxiliar necessário ao setor saúde” (art. 2 o, inciso III) e também
sobre “as condições de exercício das profissões e ocupações técnicas e
auxiliares” (art. 1o, inciso I, item 5). Na prática atual, os termos têm sido usados
22
Lei nº 6.229, de 17/7/75, dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Saúde. Senado Federal,
subsecretaria de Informações. http:/wwwt.senado.gov.br
2.1 - Gênese da Profissionalização
38
indistintamente. Observe-se também que, na língua inglesa, a palavra profession
significa ocupação paga, especialmente aquela que requer educação avançada,
como arquitetura, direito ou medicina. (Oxford,1989). Dentro dessa mesma linha,
profissional é a pessoa qualificada ou empregada em uma das profissões,
denotando a existência de alguma hierarquia.
Collière (1989, p. 17) em sua obra sobre a promoção da vida, julga ser
“imprescindível determinar a diferença entre ofício e profissão,
pois considera ofício uma atividade exigida pela vida do grupo
social. “ Um ofício antes de mais nada assegura um serviço à
comunidade. Os grupos constituídos em ofício não têm
funções reguladoras da ordem social, são abastecedores,
fornecendo o serviço de fabricar o que é imprescindível para
sobrevivência de um grupo”.
Essa autora entende, entretanto, como profissão uma atividade
composta de um corpo de pessoas que obtiveram um título, um estatuto, através
de uma formação com vista a exercer uma determinada atividade. Portanto, para
ela profissão deve ser um conjunto de pessoas que exercem a mesma atividade,
com base em um estatuto econômico, organizadas em associações profissionais
dotadas de um código de deontologia e instâncias coletivas para definição de
regras.
Bourdieu (1989, p. 40) refere que:
“profissão é uma palavra comum que entrou de contrabando
na linguagem científica; mas é, sobretudo, uma construção
social, produto de todo o trabalho social de construção de um
grupo e de representação de grupos, no mundo social”.
Hirata (1992), define profissão como uma ocupação que exige
conhecimentos ou habilidades consideradas altamente especializadas e cujo
2.1 - Gênese da Profissionalização
39
desempenho técnico e social demande algum tipo de controle. Toda profissão é
um tipo de ocupação, e quem a exerce recebe alguma remuneração.
O debate teórico em torno do conceito de profissão vem ocorrendo há
longo tempo. O seu ponto central consiste em definir que ocupações deveriam ser
chamadas profissões e baseadas em que critérios profissionais. Não há muito
consenso sobre que elementos deveriam ser relevantes para conceituar
teoricamente o significado de profissão, haja vista as diferentes definições e
controvérsias. Ainda hoje esse debate continua em aberto.
A década de 1970 marcou uma nova fase na produção de
conhecimento, no campo da sociologia das profissões. Até então, a maioria dos
sociólogos vinha enfatizando as funções e conquistas das profissões, a análise
das normas profissionais e das relações de papéis, assim como a interação nos
locais de trabalho.
Freidson (1970) em sua obra Profession of Medicine afirma que a
profissão não é vista como uma disposição individual, mas como uma corporação.
Defende que o surgimento e manutenção das profissões estão relacionados com
os mecanismos de controle e de poder exercidos pelos interesses dominantes da
sociedade mais ampla.
Na década de 1980, vários foram os estudos desenvolvidos na Europa,
numa perspectiva histórica, objetivando analisar o modo pelo qual as profissões
modernas surgiram no continente, no século XIX e XX, sendo que na maioria
delas, o Estado desempenhou papel ativo para iniciar a institucionalização de
algumas e reorganizar outras, tendo funcionado como principal empregador
daqueles que tinham uma profissão (Feroni e Kober,1995 e Freidson,1994).
2.1 - Gênese da Profissionalização
40
Nesse cenário, as profissões estão intimamente ligadas ao processo
político formal, implicando uma constante e contínua atividade política por parte
de todas elas para sua manutenção e evolução.
De acordo com o Dicionário de Ciências Sociais (FGV, 1987), profissão
é uma atividade econômica especializada, permanente e institucionalizada
legalmente, cujos status e papéis sociais de seus agentes podem ser modificados
no tempo e no espaço, mas que conferem nítida superioridade ao profissional em
relação à sua clientela (FGV,1987).
Nesse dicionário da Fundação Getúlio Vargas (1987, p. 993) Norbert
Elias, da década de 1970, apontava novos conceitos sobre profissão, afirmando
que:
“no sentido mais antigo, o termo se refere às profissões de
sacerdócio, advocacia e medicina, as primeiras ocupações que
trouxeram oportunidade de ganhar a vida sem envolver
comércio nem trabalho manual, as pessoas que viviam de
renda oriunda do trabalho. No sentido mais recente, o termo se
refere a todas as pessoas que possuem instrução acadêmica,
diploma
ou
equivalente,
como
cientistas,
professores,
sociólogos, funcionários públicos, arquitetos”.
Esse autor entende profissão na sua aplicação mais geral como sendo
o vocábulo que
“indica as ocupações que exigem conhecimento e habilidade
altamente especializados, adquiridos, pelo menos em parte,
em
cursos
de
natureza
mais
ou
menos
teórica,
e
comprovados em alguma forma de exame numa universidade
ou em outra instituição autorizada. A posse do título conferido,
traz às pessoas autoridade considerável em relação aos
clientes. Essa autoridade é cuidadosamente mantida e,
muitas vezes, deliberadamente aumentada por associações
2.1 - Gênese da Profissionalização
profissionais,
41
que
determinam
regras
de
admissão,
treinamento e comportamento, ou seja, a ética profissional;
providenciam para que o nível de conhecimento e habilidade
dos profissionais não baixe; defendem o nível de sua
remuneração; tentam impedir que grupos competidores
invadam as fronteiras de suas atividades e zelam pela
preservação do status profissional” (FGV,1987, p.993).
É importante ressaltar que, se formos comparar o que se entendia por
profissionalização em 1890, com o conceito empregado pelos sociólogos nos dias
atuais, podemos concluir que seu significado é dinâmico, devendo ser entendido
como um processo em permanente construção semântica, com mudanças
contínuas que evoluem de acordo com as exigências de cada época.
Buscando-se as idéias e/ou concepções a respeito da profissão da
época em estudo, foram encontrados vários termos que se referiam a ela como
sendo ocupação e/ou oficio. Ocupação é a espécie de trabalho desenvolvido por
uma pessoa; esse trabalho é realizado sob as devidas condições, e essas
condições, por sua vez, determinam o grupo específico numa classificação da
ocupação que lhe será atribuída (FGV,1987).
Pode-se afirmar que, constitui consenso geral que, todas as profissões
de saúde são profissões que prestam serviços destinados a promover, manter, ou
recuperar a saúde e prevenir doenças.
Nesse sentido, os serviços são basicamente desenvolvidos através da
prestação de cuidados da saúde. Collière (1989) faz um interessante estudo
sobre a origem dos cuidados, mostrando sua trajetória até chegar a ser o objeto
da profissão de enfermagem. Inicia afirmando que
“os cuidados existiram desde que surgiu a vida, uma vez que
2.1 - Gênese da Profissionalização
42
seres humanos - como todos os seres vivos - sempre
precisaram de cuidados. Cuidar é um ato de vida que tem
como fim, primeiro e antes de tudo,
continue
permitir que a vida
a desenvolver-se e, assim, lutar contra a morte:
morte do indivíduo, morte do grupo , morte da espécie”
(Collière, 1989, p. 27).
Enfatiza essa autora que, durante milhares de anos, os cuidados não
pertenciam a um ofício, menos ainda a uma profissão, pois, diziam respeito a
qualquer pessoa que ajudasse qualquer outra a garantir o que lhe era necessário
para continuar sua vida, em relação com a vida do grupo (Collière, 1989).
Assim sendo, explica a autora que para garantir as funções vitais era
necessário, pelo menos, prover a alimentação, a proteção com o vestuário e o
abrigo contra intempéries. Essas necessidades cotidianas deram origem a um
conjunto de atividades assumidas por homens e mulheres. A organização de tais
tarefas deu lugar à divisão sexuada do trabalho que, de maneira determinante e
de acordo com as culturas e as épocas, marcou o lugar do homem e da mulher na
vida social e econômica (Collière, 1989). A partilha das atribuições era garantia da
existência e da sobrevivência; porém, nem por isso elas deixaram de ser
carregadas de um valor simbólico. “Havia uma mística em torno da caça e do
homem caçador que, com sua inteligência, desafiava a força do animal. Já a
mulher usava sua inteligência para inventariar a distribuição dos produtos
vegetais e para conhecer o momento da maturidade das plantas, o que era uma
tarefa mais calma, mais humilde e menos espetacular que uma caça” (Collière,
1989, p. 28).
Ambos, o homem e a mulher, cuidavam de manter a vida dos seres
vivos com o objetivo de permitir a reprodução e a perpetuação da vida do grupo.
2.1 - Gênese da Profissionalização
43
À medida que os grupos humanos descobriam o que era bom ou o que
era mau para permitir a continuidade da vida dos indivíduos e do grupo, foram
surgindo as práticas de cuidados habituais, compostas de coisas permitidas e
proibidas, posteriormente erigidas em rituais. Esses rituais foram confiados ao
shaman (feiticeiro) e depois ao sacerdote. Como guardião - e como mediador
entre as forças benéficas e maléficas -, ele deveria interpretar e decidir o que era
bom ou mau. Ele deveria também interceder, tentar expulsar o mal velando para
assegurar as forças benéficas através de rituais de oferendas, encantamentos e
sacrifícios (Collière, 1989).
Por
esse
poder
de
mediação,
o
sacerdote
vai
adquirindo
progressivamente o direito de eliminar do grupo qualquer suspeito de ser portador
de mal: ou porque tinha a marca dos sinais tangíveis (o leproso, por exemplo), ou
porque mesmo sem sinais aparentes, alguns se tornavam “bodes expiatórios” de
uma perturbação econômica ou social da ordem estabelecida, atestando um mal
pernicioso oculto (no caso os ciganos, os hereges, os mendigos, os loucos, etc.).
Esse papel de mediador foi se transformando e, lentamente, através de milhares
de anos, deu origem à figura do médico, o mediador dos sinais e sintomas
indicadores de um mal identificado, de que o doente é portador. No entanto, até o
século XIX, os processos de investigação eram precários e, por isso, as
terapêuticas e cuidados médicos eram limitados (Collière,1989).
De certa maneira é bem conhecida a figura do médico grego
Hipócrates, que viveu de 460 a 355 a.C. Hipócrates é tido como Pai da Medicina,
pelo fato de ter separado a ciência médica da religião, da magia e da filosofia e
tenha, assim, iniciado a medicina cientifica. Foulcault (1998), entretanto, afirma
que a medicina moderna fixou sua própria data de nascimento em torno dos
2.1 - Gênese da Profissionalização
44
últimos anos do século XVIII, mais precisamente em 1793, quando a observação
ao leito tornou-se parte essencial da nova medicina, organizada em torno da
clínica que renascia na França.
As grandes descobertas do século XIX, no domínio da física e da
química não teriam podido, por si só, fazer progredir a ciência médica. Como
refere esse mesmo autor o hospital era o lugar dos excluídos da ordem pública,
assim como dos pobres e desamparados, o que tornava possível a observação e
a experimentação dos novos conhecimentos e instrumentos para estudar,
explorar e tratar o corpo humano (Foucaut, 1998).
Collière (1989) salienta que, com isso, o médico viu crescer o seu
papel de mediador.
“Ele
não
somente
pode
constatar
sinais
clínicos
exteriorizados, como também pode ver e interpretar o que
se passa no interior do corpo do doente, sendo que este,
que se queixa do mal e sente seus efeitos, não pode ver o
que se passa no seu próprio corpo, e passa, por isso, a ser
identificado com ele e tornar-se “uma tuberculose”, “um
cancro” ou, na melhor das hipóteses, o órgão atingido, “um
fígado”, “um baço”, etc” (Collière, 1989, p. 31).
Assim, a história dos cuidados, iniciada com a história das espécies
vivas, prosseguiu com a aparição da linhagem Homo e, milhares de anos depois,
do Homo sapiens, quando homens e mulheres lutaram para, fundamentalmente,
assegurar a continuidade da vida. A ação de proteção, no início reflexa e
instintiva, tornou-se objeto de ação do shaman ou feiticeiro, depois do sacerdote
e, mais tarde, do médico. Por conseguinte, face ao problema da vida e da morte,
“cuidar” tornou-se tratar a doença. O paciente objeto dos cuidados, foi isolado,
reduzido a parcelas, fissurado e excluído das dimensões sociais e coletivas.
2.1 - Gênese da Profissionalização
45
Surgiram os diversos especialistas que, sozinhos, não conseguiam tratar os
doentes e passaram a necessitar de outras pessoas que assumissem as
numerosas atividades para assegurar a investigação e tratamento das doenças
(Collière,1989).
Essa trajetória, na verdade, influenciou o futuro da prática de
enfermagem e, segundo Collière (1989),
contribuíram para dificultar a
identificação dos cuidados de enfermagem. Inicialmente, ligada à manutenção e
ao desenvolvimento da vida, foi construída, portanto, ao redor de tudo que dá
vida, especialmente em volta da mulher, - símbolo da fecundidade - em torno da
qual foram elaboradas as práticas rituais. Couberam a elas todos os cuidados e
práticas relativas ao nascimento, os cuidados de crianças e também dos doentes
e moribundos. Essas atenções dadas ao corpo, inclusive a alimentação,
constituíram o fundamento de um conjunto de práticas de cuidados desenvolvido
pelas mulheres no decurso da evolução da história da humanidade e que continua
até hoje (Colliére, 1989).
Entendia-se nessa época que os acontecimentos que não se
enquadrassem nas práticas, consideradas domésticas, já não dizia respeito às
mulheres. Assim é que aos homens – que dispunham de maior força física –
competia uma série de outros cuidados com o corpo: os acidentes com a caça e
pesca, os ferimentos de guerra, traumatismos e fraturas, domínio de pessoas
agitadas, embriagadas ou em estado de delírio, etc. Essas práticas, executadas
pelos homens, deram lugar a outros modos de exercício, diferentes dos que
dependiam das atividades das mulheres (Collière,1989).
Assim é que se constituíram as atividades ligadas à maternidade e
pediatria, principalmente, para as mulheres, e os homens se ligaram mais à
2.1 - Gênese da Profissionalização
46
ortopedia, cirurgia, psiquiatria. No caso específico da psiquiatria, Collière (1989)
afirma que as mulheres começaram a ser incluídas em maior número no quadro
de
pessoal
da
enfermagem
psiquiátrica
somente
quando
apareceu
a
quimioterapia que neutralizava a força física do alienado.
Mesmo com a riqueza de informações sobre a prática dos cuidados às
pessoas, a sua história ainda está para ser reconstituída à luz dos trabalhos de
antropólogos, historiadores, sociólogos e economistas, situando-os na estrutura
do cotidiano, enfatiza Collière (1989).
De fato, mais estudos e pesquisas são necessários não só para
conhecer
melhor
os
processos
que
conduziram
ao
estagio
atual
da
profissionalização da enfermagem, como também buscar explicações sobre o
sentido e a finalidade dos cuidados oferecidos por essa profissão.
Com efeito, as atuais profissões voltadas para a saúde emergiram de
um tronco histórico comum plantado a partir das práticas de cuidados. Nesse
aspecto, não há duvida de que a medicina desempenhou um importante papel na
delimitação do campo de atuação das diversas categorias vinculadas às tarefas
de manter ou promover a saúde (Donangelo, 1975).
A enfermagem foi concebida como parte integrante da prática médica
e, como prática social, porque articulada do conjunto das práticas que compõem a
estrutura das sociedades e, portanto, determinada econômica, política e
ideologicamente. Sendo uma prática social, ela possui seu caráter histórico, pois
se transforma e é determinada socialmente (Donangelo,1975).
A prática e o ensino de enfermagem estão ligados à pratica de saúde
que se estabelece numa determinada época e sociedade.
2.2 – A Gênese da profissionalização da enfermagem no Brasil
47
2. 2 A Gênese da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
No Brasil, a profissionalização da enfermagem surgiu através da
sistematização do ensino da prática do cuidar em enfermagem, antes exercida
por pessoas sem o devido preparo técnico.
O trabalho do enfermeiro ao longo dos tempos tem-se constituído em
objeto de questionamentos e reflexões por parte dos profissionais e estudiosos da
área. Suas ações estão relacionadas com a prática da saúde, determinada pela
totalidade social.
O exercício da enfermagem à moda antiga estava respaldada na
solidariedade humana, no misticismo, no senso comum e também nas crendices.
O aspecto profissional surge a partir de uma prestação de cuidados à pessoa
enferma, realizada nos domicílios, na sua maioria, por mães e escravos que lá
trabalhavam (Silva, 1986).
Nesse particular, os escravos tiveram relevante função ao auxiliarem
as famílias e os religiosos nos cuidados de doentes, quando já haviam sido
fundadas, no país, as Santas Casas de Misericórdia, no período compreendido
entre 1543 a 1880 (Geovanini et al.,1995).
A Lei s/n.º de 3 de outubro de 183223, dá nova organização às “actuaes
Academias Médico-Cirúrgicas das cidades do Rio de Janeiro e Bahia”. No art. 12º,
dispunha que “os que obtivessem o título de Doutor em Medicina, pelas
Faculdades do Brasil, poderiam exercer em todo o Império, indistintamente,
qualquer dos ramos da arte de curar”. No Titulo II, do Ensino, o art. 19º referia que
23
Lei s/ nº de 3/10/1832, dá nova organização ás Academias Médico-Cirúrgicas das cidades do Rio de
Janeiro e Bahia. Ministério da Saúde. Enfermagem, Legislação e assuntos correlatos, RJ: 1974; v 1, p. 11.
2.2 – A Gênese da profissionalização da enfermagem no Brasil
48
“haveria um curso particular para as Parteiras, feito pelo professor de Partos”.
Qual teria sido a razão pela qual os médicos, necessitando de um
auxiliar, criaram um curso de parteiras e não de enfermeiros? Seria, talvez,
porque contassem com a ajuda dos escravos, jesuítas e índios? Sabemos que as
Irmãs de Caridade só chegaram ao Rio de Janeiro, em 1852, portanto vinte anos
depois da publicação dessa lei. Portanto, ainda, não eram elas as suas auxiliares
diretas (Gandelman, 2001).
Em 1850, foi criada a Junta de Higiene Pública que se tornou
responsável pelo início do controle do exercício profissional dos médicos,
cirurgiões, boticários, dentistas e parteiras, que teriam de registrar seus diplomas
no Rio de Janeiro, na Corte. Iniciava-se assim o controle do exercício das
profissões ligadas à saúde, cujo objetivo era eliminar o charlatanismo.
Conforme relata Moreira (2002), a institucionalização do ensino de
enfermagem no país foi resultado de um processo político e por uma necessidade
de pessoas com treinamento e características
adequados para cuidar dos
enfermos mentais.
Nesse sentido, consideramos o período antes de 1890, quando não
havia ainda a institucionalização do ensino da enfermagem, como período préprofissional, passando a profissional a partir de 1890, com a criação oficial da
primeira escola para preparar enfermeiros em nosso país.
Assim é que Silva (1986, p. 40), descreve:
“a história da enfermagem pré-profissional é a história de
uma prática social que nasceu vinculada a atividades
domésticas, à mercê do empirismo das mães de família, de
monjas ou dos escravos, prática esta, detentora de um
2.2 – A Gênese da profissionalização da enfermagem no Brasil
saber
de
senso
comum,
destituída
49
de
qualquer
conhecimento próprio”.
Com efeito Wilenski (1970), citado por Machado (1995, p.18) ao
desenvolver sua argumentação sobre os aspectos constitutivos de uma profissão,
distingue duas características básicas:
“o caráter técnico da tarefa profissional, já que a mesma
baseia-se
num
corpo
de
conhecimento
sistemático
adquirido através de um treinamento escolar; a segunda
característica refere-se às normas e regras profissionais
que orientam a execução das tarefas” (Machado,1995,
p.18).
Desta forma, Kisil (1994) define como profissionais os agentes
especializados na divisão social do trabalho, utilizando os conhecimentos formais
adquiridos, em um mercado de trabalho para exercerem atividades específicas e,
assim, participarem produtivamente da sociedade. Destaca que o processo de
profissionalização, normalmente, se inicia através da identificação de uma
necessidade social não atendida, ou mal atendida, pelas profissões existentes.
A identificação desta necessidade social, não atendida pela divisão do
trabalho prevalecente, pode se dar através de intelectuais que estudam a
sociedade, porém na maioria das vezes são identificadas por outras profissões
afins, que já atuam num determinado setor. “Assim se inicia uma ocupação
específica para atender à necessidade social identificada” (Kisil,1994).
Logicamente, para ocupar o lugar de enfermeiro, àquela época, ou
exercer o ofício/profissão de enfermeiro, o requisito era saber praticar atividades
compreendidas como sendo as da enfermagem profissional.
Na época (1890), o processo de profissionalização incluía vários
2.2 – A Gênese da profissionalização da enfermagem no Brasil
50
aspectos, entre eles o definido no Decreto n.º 791, de 27 de setembro de 1890,
tais como: o preparo para o profissional exercer um cargo público e a aquisição
de um saber especializado, o que lhe garantia a abertura de novo mercado de
trabalho e a aposentadoria após determinado tempo de serviço.
Assim sendo, nesse estudo, consideramos a atividade de formação
adquirida na escola e/ou instituição que pudesse comportar essa atividade, como
referência para o início do processo de profissionalização.
Entendemos por enfermagem profissional aquela atividade exercida
por pessoas que passaram por um processo formal de aprendizado, com base em
um ensino sistematizado, com currículo definido e estabelecido por um ato
normativo, e que ao término do curso recebam um diploma e a titulação
específica.
Lima et al. (1994) descrevem as três fases distintas da evolução da
enfermagem, sendo elas: a empírica ou primitiva, a evolutiva e a de
aprimoramento. Na fase empírica ou primitiva, não havia profissionais e a
assistência aos doentes era prestada por leigos que usavam dos mais diversos
meios de tratamento, mesmo sem recursos ou conhecimentos.
Na fase denominada evolutiva, fundada a Escola de Enfermagem do
Hospital Saint Thomas, por Florence Nightingale, foram lançadas as bases de
ensino com a preparação das primeiras enfermeiras dentro de um novo e
moderno
sistema,
a
chamada
enfermagem
moderna;
e
na
fase
de
aprimoramento, a enfermagem passa a considerar o indivíduo como um centro de
cuidados, com atendimento individualizado, visando salientar a inter-relação dos
aspectos bio-psico-espirituais da pessoa humana.
2.2 – A Gênese da profissionalização da enfermagem no Brasil
51
No entanto, acreditamos, baseados nos escritos de Kisil (1994) que, a
transformação dos programas de treinamento em programas curriculares, no
âmbito das Escolas, representa o passo seguinte rumo à profissionalização da
ocupação, com o estabelecimento dos núcleos de intelectuais que vão alimentar e
promover os conhecimentos requeridos pela nova profissão. Por conseguinte, não
podemos desconsiderar os treinamentos e cursos que existiam antes da
implantação da chamada enfermagem moderna, tais como os dos EUA (1798), da
Espanha (1833) entre outros.
No Brasil, foi a necessidade dos profissionais médicos da psiquiatria,
por total ausência de quem pudesse prestar cuidados de qualidade aos enfermos
mentais, que germinou a idéia da criação da profissão. Ou seja, no dizer de Kisil
(1994), para atender à necessidade social identificada.
No ano de 1878, foram criadas, na França, pelo Dr. Bourneville,
escolas municipais para preparar, ou dar instrução técnica para enfermeiras.
Essas escolas - que funcionavam nos hospitais da França - não seguiam o
modelo nightingaleano de ensino. Foi de uma delas, a de Salpêtrière, que vieram
as enfermeiras para a assistência aos alienados, no Brasil, em 1890, enquanto a
Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, recém criada, preparava seus
primeiros enfermeiros e enfermeiras.
A trajetória dessa escola será traçada em capítulos subseqüentes
desse estudo, por ser o foco central de nossa pesquisa.
Capítulo 3 – O Hospital: suas origens e influência na formação dos enfermeiros
Capitulo 3
O HOSPITAL: SUAS ORIGENS E INFLUÊNCIA NA
FORMAÇÃO DOS ENFERMEIROS
52
3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar
53
3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar
Do ponto de vista histórico, a maioria dos hospitais foi mantida pela
cristandade24. Durante todo o período medieval (476 a 1453)25 templos e hospitais
acolhiam doentes. A única diferença era que as igrejas dispunham de bancos e os
hospitais, de cama. Por isso mesmo, constitui ponto pacífico o fato de monges
terem sido durante muito tempo, os únicos depositários da sabedoria médica
clássica no Ocidente, e de terem aplicado seus conhecimentos em prol dos
doentes que recorriam aos seus préstimos (Sournia,1985).
No transcorrer de toda a Idade Moderna (1453 a 1789), os hospitais
mantiveram seu caráter de entidade promotora de assistência social. Nesse
período, contudo, uma nova função veio somar-se às atribuições benemerentes
daquelas instituições. Isso porque elas foram postas a serviço de contingentes
populacionais, segregados, tidos como perigosos ao convívio comunitário: eram
os mendigos, os vadios, os imigrantes, os portadores de doenças repulsivas ou
de outras moléstias que já estavam identificadas como transmissíveis.
Outrora reconhecida como espaço para a realização das vocações
piedosas, a instituição hospitalar teria caminhado rumo ao destino que, no século
XVIII, se descobriu ser inglório. Vários relatos da época salientam o fato de que
os hospitais, por mais que pretendessem ser utilizados como instrumentos para a
contenção e supressão dos fatores perturbadores da ordem pública, haviam se
convertido em fonte de muitas desordens com efeitos patológicos, com graves
24
Endende-se por cristandade um período da história quando praticamente toda a sociedade ocidental era
constituída de cristãos católicos e por eles administrado. Não se deve confundir com cristianismo, que se
refere à aceitação dos princípios cristãos.
25
Não há consenso entre historiadores a respeito da data exata de início e fim dos vários períodos históricos.
Por isso, adotamos o de Edward G. Burns, já referido.
3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar
54
conseqüências para a vida urbana. Com efeito, as desordens referiam-se aos
perigos dos contágios, dos corpos misturados nas camas coletivas, à difusão da
sarna, à proximidade de feridos e doentes febris, aos altos índices de mortalidade
até no meio dos funcionários dos hospitais (Sournia,1985).
A partir da Idade Contemporânea (de 1789 em diante), a medicina
converge para o hospital e ambos caminham para uma integração praticamente
total. Tal convergência refletiu na figura do médico que foi elevado à posição de
maior destaque técnico e administrativo do estabelecimento sanitário. Com isso,
surge a reorganização dos hospitais da qual resulta novos regulamentos e novas
rotinas de serviço.
Nesse mesmo período, a medicina, por sua vez, também experimentou
reformulações em sua orientação pragmática, o que fez com que ela se
convertesse em atividades eminentemente hospitalares. Nesse sentido, o saber
médico proclamou a necessidade de se estabelecer um rígido controle sobre tudo
que envolvesse o doente internado: a qualidade do ar, a temperatura ambiente, o
regime alimentar, além das aplicações farmacêuticas e cirúrgicas, como forma de
debelar rapidamente a enfermidade. Para isso tornar-se viável, foi necessário que
todos os recursos hospitalares fossem expressamente destinados às finalidades
terapêuticas, ficando esses recursos submetidos ao comando funcional e
administrativo da classe médica.
O correto disciplinamento médico do hospital faz surgir a figura do
“paciente”, ou seja, aquela pessoa doente que necessita tanto dos cuidados
médicos imediatos quanto de um local em ambiente adequado, no momento em
que expressa a doença como fator de agressão de si mesmo, fato que pode
conduzi-lo à morte.
3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar
55
O papel que o hospital e as demais instituições de saúde
desempenham tem como palco o poder médico, sobretudo após os anos de 1920
e a generalização dos sistemas públicos e privados de seguro saúde e seguro
doença. Enfim, a afirmação do poder médico significou, da mesma forma, a
medicalização do hospital (Sournia,1985).
O hospital moderno é, a um só tempo, uma instituição, uma
organização e um subsistema do sistema de saúde. Trata-se de uma instituição
na medida em que desempenha tanto determinadas funções estritamente
técnicas (por ex., tratamento, cura e reabilitação da doença; formação médica e
de outros profissionais de saúde), quanto um papel social, econômico, ideológico,
científico e político. Sob a ótica do hospital moderno a saúde pode ser um
conjunto de idéias, crenças, valores e normas de comportamento propostos ao
indivíduo numa dada sociedade a formação, nas diversas áreas de saúde, pode
ser uma representação mais tecnocêntrica ou mais antropocêntrica da prática
clínica, um modelo mais biomédico ou mais psicossocial da saúde/doença
(Sournia,1985).
Nesse caso, o hospital moderno é uma instituição que tem uma base
jurídica e material que lhe é dada, em última análise, pelo Estado. Ainda como
instituição, ele (e as demais organizações de saúde) é legitimado pelo poder
público e pelo jogo das relações sociais existentes em cada época, que impõem
determinadas missões ou finalidades, valores, regras e normas (Foucault,1980).
No caso por exemplo de um hospital psiquiátrico, ele não pode ser
analisado estritamente pela ótica da psiquiatria, como muito bem demonstrou
Foucault (1978) ,
o mesmo acontece com o hospital geral, que nas suas
estruturas e processos, não pode ser reduzido à medicina e ao poder médico, a
3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar
56
resposta à doença e ao seu tratamento.
Por essa razão Lopes (1970) afirma que nem tudo o que diz respeito à
vida do hospital participa da pretensa sacralidade com que durante muito tempo
cercou-se o ato médico. Essa seria uma visão iatrocêntrica do hospital, ou seja,
limitada ao ato médico, à atividade dos médicos ou simplesmente resultante do
progresso das ciências e técnicas biomédicas.
Para compreender as normas, as regras, os valores e as finalidades do
hospital e as transformações históricas por que têm passado, importa ter em
conta o papel dos seus atores externos, detentores de interesses específicos no
campo da assistência e da saúde.
Hoje, talvez mais do que nunca, a saúde tornou-se um objeto de
decisão do econômico, do político e do social. O hospital, ou talvez, o sistema de
atendimento à saúde tornou-se um espaço privilegiado que reflete com nitidez as
próprias mudanças operadas nas sociedades modernas, e que se apresenta com
uma missão ou finalidade própria, qualquer que seja a sua fonte de sustentação
econômica, ou o seu estatuto jurídico-legal, laico ou religioso, civil ou militar,
público ou privado (Rosen,1980)
Além disso, é cada vez mais o local de trabalho de grupos
socioprofissionais muito particulares, diretamente afetos ao processo de
prestação de cuidados de médicos, tais como: enfermeiros, técnicos de
diagnóstico e de terapêutica. Tem um sistema de poder e de autoridade diferente
de outras organizações, assim como uma estrutura técnica e organizacional de
trabalho e uma cultura muito própria, ligada às questões da vida e de morte, além das diferentes representações sociais de saúde/doença e do papel da
medicina -, aos diferentes modelos etiológicos de saúde/doença e às próprias
3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar
57
ideologias e estratégias profissionais.
Não sem razão Freidson (1984), tomando como paradigma o exercício
da medicina, faz distinção entre uma profissão e uma simples ocupação, um ofício
ou métier26. Para esse autor, seriam atributos de uma profissão: a existência de
um corpo sistematizado de teoria para ajudar o profissional a compreender a sua
própria prática (autonomia técnica); o poder de auto-regulamentação (ou poder
jurisdicional) da profissão; o controle dos profissionais, uns sobre os outros; a
existência de um código de ética ou uma deontologia;
a existência de uma
identidade profissional; o princípio da hierarquia do saber.
O hospital moderno é contemporâneo ao Estado moderno. Na
perspectiva da sociologia pragmática americana, a modernização seria mais um
processo de diferenciação de funções antigas do que do surgimento de novas
funções. De fato, a função hospitalar moderna difere daquela da Antigüidade. O
que é novo é a organização hospitalar, e não propriamente a função hospitalar de
acolhimento e cuidado de doentes, diagnóstico e tratamento da doença, prática e
ensino da medicina, da enfermagem e de outras ciências adquiridas e aplicadas
à cabeceira do doente.
Só que a função do hospital hoje não é estritamente técnica. Na
realidade, o que diferencia o hospital moderno é, sobretudo, a ruptura conceitual
das peculiaridades do hospital do passado com o que caracteriza o hospital do
presente; ruptura essa expressa na passagem do "social" (prestação de
assistência) para o "sanitário" (produção de cuidados de saúde), a evolução do
conceito primordial de hospitalidade e caridade para com "os pobres, como
26
Freidson (1984) escreveu originalmene em francês, em que a palavra métier é definida como ocupação
manual ou obreira (Flammarion, 1989).
3.1 – Breve Histórico da Instituição Hospitalar
58
irmãos em Cristo", para um outro conceito diametralmente oposto, o de prestação
de serviços tanto para os pobres quanto para os ricos. Essa evolução semântica e
conceitual ainda hoje escapa aos dicionaristas para os quais o hospital continua a
ser, em larga medida, sinônimo de indigência e de assistência (Antunes,1991).
O panorama que delineou a trajetória da origem dos hospitais, remetenos ao que foi analisado no capítulo que trata dos primeiros momentos do ensino
e da profissionalização da enfermagem em hospitais de diversos países.
Na verdade, as análises feitas nos levaram a considerar que eles eram
o espaço privilegiado onde foram implantadas as primeiras escolas de
enfermagem. Isto porque o posterior desenvolvimento das ciências das técnicas
aplicadas aos cuidados dos doentes impôs a necessidade de profissionais
qualificados, como colaboradores dos médicos.
3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil
59
3. 2 A Instituição Hospitalar no Brasil
Contextualizando o hospital como o espaço que formava o enfermeiro,
torna-se indispensável um sucinto relato histórico a respeito da origem da
instituição hospitalar no Brasil e da inserção da Escola Profissional de
Enfermeiros e Enfermeiras nessa instituição.
Já no período do Brasil Colônia (1530-1822), alguns religiosos da
Companhia
de
Jesus
haviam
feito
cursos
de
medicina
ou
possuíam
conhecimentos rudimentares da arte de curar. Uma vez aqui eles, criaram
enfermarias e passaram a atender a todos, índios e brancos. Praticavam,
inclusive, cirurgias, segundo os conhecimentos e os costumes da época, como,
por exemplo, barbear, curar feridas, sangrar, etc. (Scliar,1987).
Nas missões27 ou em suas casas, os jesuítas montavam enfermarias
para atender seus pacientes. O irmão enfermeiro era destacado para cuidar da
enfermaria e também da botica, com freqüência situada na própria enfermaria,
que ficavam sob sua responsabilidade. Até então, o hospital contava apenas com
o trabalho voluntário, sendo um autêntico depósito de doentes que eram isolados
da sociedade, com o objetivo de não contagiá-la (Scliar,1987).
Os médicos, denominados físicos, como na Europa, exerciam apenas a
clínica. O exame do paciente consistia em perguntar sobre o mal, fazer a
palpação do órgão doente e contagem dos batimentos cardíacos no pulso. A
cirurgia era praticada por cirurgiões-barbeiros, barbeiros e sangradores; e
27
Missões: eram os assentamentos de índios, promovidos por jesuítas, nos primórdios do descobrimento do
Brasil.
3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil
60
consistiam em amputações, ressecções, desarticulações, redução de fraturas,
ligadura de artérias e veias, lancetamento de abcessos e tumorações. Os atos
cirúrgicos, próprios dos barbeiros, eram sangria e extração de dentes. Nessa
época de colonização, esses físicos e cirurgiões não faziam partos; essa tarefa
era realizada pelas parteiras com os conhecimentos que eram passados de
geração em geração (Silva, 2000).
No Brasil, a sangria foi praticada desde o século XVI, até mesmo pelos
jesuítas, chegando mais tarde à responsabilidade dos enfermeiros, como consta
no conteúdo da disciplina de Pequena Cirurgia, ensinado na Escola Profissional
de Enfermeiros e Enfermeiras, detalhadamente descrita em capítulo posterior
destinado ao currículo utilizado pela referida escola.
Como não podia deixar de acontecer em tais situações, as epidemias
surgiam e dizimavam periodicamente grande número de habitantes. O quadro só
não era tão crítico como na Europa porque, no Brasil, era grande a dispersão da
população nas áreas rurais e os núcleos urbanos, de pequena magnitude.
Como existiam poucos hospitais, os tratamentos caseiros estiveram
presentes na vida brasileira desde o período colonial; e chegaram até as
primeiras décadas do século XX. Além disso, os hospitais eram tidos como lugar
para os pobres e indigentes e os mais abastados recusavam utilizá-lo. Mesmo
assim, já no século XVI começaram a ser criadas as Santas Casas de
Misericórdia das cidades de Santos, de Salvador e do Rio de Janeiro, instituições
essas que, mais tarde, tiveram um importante papel no sistema de saúde
brasileiro (Silva, 2000).
Ao final do século XVIII, essas instituições multiplicaram-se, mas se
restringiram às capitais regionais e às cidades portuárias. Isso porque havia
3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil
61
motivos de ordem militar e de estratégias de proteção da população e do
escoamento da produção, principalmente para proteger contra epidemias. Nesse
período, surgiram então os hospitais militares.
Até o século XVIII, no Brasil - a exemplo da Europa -, os hospitais
tinham como finalidade prestar cuidados aos carentes e indigentes. Serviam
também como instrumento de reclusão para os portadores de doenças infectocontagiosas, dos leprosos e loucos. Tinham ainda um caráter de abrigo, às vezes
compulsório, e de assistência onde a população necessitada poderia encontrar
comida e trabalho. Muitos desses hospitais sequer possuíam médico permanente,
sendo que os cuidados eram prestados diretamente pelos religiosos que,
assistindo aos necessitados, exerciam o ofício de estar salvando ao mesmo
tempo, as almas.
Silva (2000, p. 500) descreve o cenário:
“Nos hospitais não se promovia a saúde, pois estavam
destinados à assistência aos pobres e, em alguns casos, a
acolher
pacientes acometidos por
promovendo
portadores
o
de
afastamento
doenças.
doenças incuráveis,
da
população
Nesse
sentido,
sadia
o
dos
hospital
representava o papel de “fator de proteção” da população
sadia”.
Essa situação perdurou até o final da primeira metade do século XIX
quando, uma convergência de fatores, relacionados com as epidemias de febre
amarela e tifo, favoreceu a criação de novos estabelecimentos hospitalares, assim
como o próprio Estado também começou a intervir diretamente nas questões de
saúde da população.
Nesse sentido, a fundação do Hospício de Pedro II, em 1852, no Rio de
3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil
62
Janeiro, estabeleceu um marco cronológico, tido como paradigma de uma época,
quando o Estado passou a participar definitivamente das atividades de saúde. Na
sua origem, o hospício estava vinculado à Santa Casa de Misericórdia, máxime
no que dizia respeito à sua administração e ao cuidado do doente mental
(Moreira,1990).
Segundo Machado (1978), o tratamento implementado pela instituição
consistia no isolamento do alienado. A separação do doente de sua família e do
meio social era defendida pelos psiquiatras brasileiros. Mas, nos primeiros anos
após a sua inauguração, o isolamento se tornou obrigatório somente para os
doentes carentes.
No entender dos médicos, a concepção física da instituição, era vital
para o tratamento o que exigia a organização do espaço interno e a distribuição
dos indivíduos, a fim de possibilitar a divisão do espaço físico de acordo com o
sexo, a classe social e o comportamento (agitados ou tranqüilos), quando não, o
espaço para abrigar os portadores de doenças contagiosas (Machado, 1978).
No dia 11 de janeiro de 1890 o Hospício de Pedro II por força do
Decreto n.º 14228 , passa a chamar-se Hospício Nacional de Alienados e
desvincula-se da Santa Casa de Misericórdia. No entanto, o cuidado aos doentes
continuava a ser prestado pelas Irmãs de Caridade. Em 11 de agosto do mesmo
ano, elas deixaram o hospício onde haviam prestado assistência desde 1852,
como podemos ler na notícia do O Brazil- Medico, figura 3.
28
Decreto nº 142 de 11/1/ 1890. Desanexa do Hospital Santa Casa da Misericórdia desta Capital o Hospício
de Pedro II, que passa a denominar-se Hospício Nacional de Alienados. Coleção das Leis Brasileiras, jan./
mar., 1890.
3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil
Fig. 3
63
- Notícia da saída das Irmãs da Caridade do HNA
Fonte: Revista O Brazil-Medico, anno IV. Número 30, de 15 de agosto de 1890, p. 244.
A saída das Irmãs de Caridade tinha como pano de fundo uma questão
política que ultrapassava as fronteiras da instituição e que confrontava o poder do
Estado com o poder clerical, situação essa que já havia ocorrido na Europa, no
período da laicização dos hospitais em consonância com a nova ordem social e
política diferente da política utilizada pelas Santas Casas de Misericórdia.
3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil
64
Na verdade, as Irmandades de Misericórdia eram compostas de
membros das sociedades locais e o ocupante do cargo de provedor gozava de
muito prestígio e poder. As associações mantinham os vários serviços à custa de
donativos da população em geral. Muitas pessoas, após a morte, deixavam seus
bens para essa instituição.
A mística cristã que motivava as ações das Irmandades girava em
torno de sete compromissos de caráter espiritual e de sete de índole corporal.
Assim, os compromissos espirituais:
“ensinar os simples, dar bom conselho a quem pede,
castigar os que erram, consolar os desconsolados, perdoar
aos que nos injuriaram, sofrer injúrias com paciência, rezar
pelos vivos e pelos mortos”. Os compromissos corporais
eram: “remir os cativos, visitar os presos, curar os enfermos,
cobrir os nus, dar de comer aos famintos, dar de beber a
quem tem sede, dar pouso aos peregrinos, enterrar os
mortos” (Silva,2000, p. 503).
É óbvio que esses objetivos de conteúdo transcendental não eram
compatíveis com a nova formação dos cientistas, médicos e políticos da época
que, recém-chegados da Europa, traziam novos conhecimentos e maneiras de
agir na assistência aos enfermos, no poder do Estado sobre o clero e na
necessidade de afirmar a autoridade do médico no hospital (Kirschbaum, 1994).
Costa (1990) afirma que as idéias européias importadas pela
corporação médica nas primeiras décadas do século XIX, teve uma importância
fundamental nos movimentos pela constituição dos asilos brasileiros. Além disso,
tais idéias vieram ao encontro dos médicos nacionais - muitos deles formados na
Europa -, uma vez que já sentiam a necessidade de serem os mandatários de
3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil
65
qualquer procedimento terapêutico no interior dos hospitais.
O processo de reformulação do Hospício Nacional de Alienados é tido
como marco do surgimento da psiquiatria no país. E por ter-se originado em seu
interior a primeira escola para formação de profissionais de enfermagem, pode
ser também considerado como o local onde ocorreu a institucionalização do
ensino formal de enfermagem no Brasil.
A reformulação abrangeu igualmente o seu espaço físico, o prédio era
de arquitetura moderna mas havia grades, celas de isolamento e quartos fortes.
Apesar desse aspecto, no entanto, existia um tratamento ocupacional, com
instrumentos de música, oficinas para trabalhos manuais e, sobretudo, claridade e
pátios arborizados (Moreira, 2002), figura 4.
Fig. 4 - Pátio interno do Hospício Nacional de Alienados
Fonte: Calmon; 2002, p. 61
3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil
66
Essa arquitetura seguia a diretriz da psiquiatria francesa ditada por
Esquirol, norteada pelo princípio do Tratamento Moral. No entanto, no Brasil
Machado (1978, p. 22) descreve que esta filosofia não foi corretamente adotada,
ao afirmar que:
“Esse tratamento não passou de isolar o doente mental
da família e de seu meio social, com a justificativa de
que assim a relação do psiquiatra com o doente se
estabeleceria sem influências externas, o que, na
realidade, correspondia à tentativa de tomá-los como
objeto exclusivo da prática médica”.
A saída das Irmãs de Caridade em agosto de 1890, provocou uma
séria crise no Hospício Nacional de Alienados: não havia quem cuidasse dos
doentes mentais. Foi quando os médicos e/ou psiquiatras tiveram a idéia de criar
uma escola para preparar o pessoal para cuidar dos enfermos. No dizer de Kisil
(1994), reconhecido especialista em administração de saúde, a criação de uma
escola, é o ponto de partida para o nascimento de uma profissão, como aliás já
citado anteriormente no estudo do processo de profissionalização.
Os psiquiatras trouxeram para o Brasil o modelo de escola que
preparava o pessoal para cuidar dos doentes mentais. Era um modelo que tinham
visto implantado na Europa, de modo específico em Paris, onde a psiquiatria se
desenvolvia rapidamente com os psiquiatras Pinel e Esquirol. Para dar
continuidade aos trabalhos deixados pelas Irmãs de Caridade que “abandonaram
repentinamente o serviço, foram contratadas enfermeiras francesas, não
religiosas, na Europa pelo Sr. Ministro do Brasil” (Brandão; 1897, p.53). Nesse
ínterim, seriam preparados os primeiros profissionais da enfermagem brasileira.
Com um discurso enaltecendo a melhora da assistência psiquiátrica, buscou-se
3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil
67
então, a solução do problema.
Tendo em vista a dificuldade de infra-estrutura no funcionamento
hospitalar e na assistência exercida pelo pessoal ainda não qualificado - apesar
das medidas tomadas com a vinda das enfermeiras francesas -, surgiu e frutificou
a idéia da criação de uma escola para preparar o pessoal de enfermagem, agora
não só para o Hospício Nacional de Alienados, mas também para os hospitais
civis e militares da República recém-instalada.
Conforme referido anteriormente, essa idéia foi concretizada, pelo
Chefe do Governo Provisório da República, Marechal Deodoro da Fonseca, que,
pelo Decreto n.º 791/1890, criou a Escola Profissional de Enfermeiros e
Enfermeiras, ficando oficialmente instituído o ensino de enfermagem no Brasil.
Gastaldo e Meyer (1989) afirmam que a enfermagem profissional já
nasceu
vinculada
ao
hospital,
o
que,
talvez,
justifique
sua
ênfase
predominantemente curativa, que persiste até os dias de hoje.
Landman (1982), analisando o ambiente hospitalar, defende que as
políticas de saúde no Brasil, notadamente no período pós-64, vieram contribuir
ainda mais para privilegiar as práticas médicas de cunho curativo, individual,
assistencialista, especializado e privativista, em detrimento de medidas de saúde
pública, de caráter preventivo e de interesse coletivo.
A trajetória da profissão do enfermeiro não deixa dúvida que se trata
da história de mais um "trabalhador da doença". Mesmo quando foi criado o curso
de enfermagem no Brasil, ligado ao Departamento Nacional de Saúde Pública,
com enfoques preventivos, visava-se atender às endemias e epidemias. Nesse
sentido, acompanhando a estrutura existente da saúde, os enfermeiros
3.2 – A Instituição Hospitalar no Brasil
68
continuaram exercendo a função de agentes curadores.
Atualmente, acadêmicos e profissionais da enfermagem têm seus
estudos, suas pesquisas e esforços dirigidos para ampliar o espectro de
conhecimentos científicos, tecnológicos e humanísticos e para aprofundar o saber
em campos específicos que melhor fundamentem a enfermagem, quer como
ciência, quer como prática.
O núcleo central da Ciência de Enfermagem sem descuidar das
doenças, é essencialmente cuidar da saúde do ser humano. Constitui, portanto,
uma ciência com campo de conhecimento técnico-científico fundamental cuja
prática se estende num campo que abrange desde o estado de saúde humana
até o estado de doença.
Para Moreira (1996, p. 129), “não há nada mais instigante que retornar
a micropolítica profissional com suas representações e valores, que nos fornecem
as marcas inaugurais da formação da enfermagem profissional brasileira”. Buscar
a história e recorrer a ela como instrumento de pesquisa nos trazem dados, que
recolhidos e correlacionados entre si, permitem uma determinada configuração e
uma possibilidade de leitura das quais resultam uma relação dinâmica entre
sociedade e profissão.
Capítulo 4 – Movimentos de profissionalização da enfermagem
Capítulo 4
MOVIMENTOS DE PROFISSIONALIZAÇÃO DA ENFERMAGEM
Fonte: Schorr TM, Kennedy NS – 100 years of American Nursing, Lippincott, USA, 1999
69
4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem
70
4.1 - Movimentos em prol da Profissionalização da Enfermagem
Sem dúvida, a história mostra que o grande movimento voltado para a
profissionalização da enfermagem surgiu na Inglaterra com Florence Nightingale,
logo após a guerra da Criméia (1853-1856)29 e a fundação da Escola de
Enfermagem no Hospital Saint Thomas, em Londres, no ano de 1860. É assim
que se encontra registrado em todos os livros sobre História da Enfermagem. A
partir desse marco inicial, o movimento atingiu os EUA e os diversos continentes
onde o Império Britânico, à época, exercia seu poder de influência.
No entanto, é preciso registrar que, muito antes, na Espanha, os
noviços30 da Ordem de São João de Deus já eram encontrados exercendo
atividades de enfermagem, como se pode observar no livro El Arte de Enfermería
para la Asistencia Teorico-Practica de los pobres enfermos que se acogen a la de
los Hospitales de la sagrada religión de M. P. S. Juan de Dios , escrito por P. Fr.
José Bueno y Gonzales, em 1833.
Essa obra continha instruções para os noviços daquela Ordem e
descrevia as atividades deles no cuidado do enfermo. O primeiro capítulo era
dedicado a noções de anatomia e fisiologia e, gradualmente, em cada capítulo
subseqüente, oferecia orientações para a observação de sintomas, desinfecção
de aposentos, bandagens, alimentação do doente e do convalescente. Só após
esse aprendizado é que o livro apresentava noções de preparo de poções,
emulsões, infusões e cataplasmas. Além disso, ensinava como graduar a
temperatura, verificar o pulso e a maneira de conduzir a enfermaria, bem como
29
Criméia, península situada ao sul da Ucrânia. Guerra da Criméia: guerra que opôs a Rússia czarista a uma
aliança entre Inglaterra, França, Império Otomano e Piemonte.
30
Noviço - pessoa que passou certo tempo no convento preparando-se para professar os votos religiosos.
4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem
71
cuidar da disposição dos seus móveis e utensílios. Instruía também sobre o modo
de aplicar sanguessugas, ventosas, enemas, banhos, e até sangrias, curativos e
preparo de desinfetantes, entre outras atividades.
Tratava-se, pois, de uma obra com instruções para identificar as
enfermidades, entender os termos técnicos, aplicar os medicamentos e distinguir
os vários sintomas de enfermidades, para poder atender os enfermos na ausência
do médico.
Todo o conteúdo ministrado obedecia a um programa amplo para a
formação geral dos enfermeiros noviços.
Mas os Irmãos da Ordem de São João de Deus tiveram publicações de
livros de texto anteriores. Antes de 1620, por exemplo, a Facultad de
Practicantes, do Centro Anton Martin, de Madrid, e o Breve Compendio de
Cirugia, do Padre Matias de Quintanilla, Ordem Hospitalar, impresso em 1683 e
que se encontra na Biblioteca Nacional da Espanha (Gonzales, 1997).
Entretanto, El Arte de Enfermeria foi a obra mais completa e
estruturada, considerada autenticamente espanhola, com técnicas, recursos,
métodos e princípios de enfermagem da época. O autor do livro, Bueno y
Gonzalez, era prior do Hospital da Santa Misericórdia, na cidade de Porto de
Santa Maria. Já no primeiro parágrafo do Prólogo afirmava que “o exercício da
enfermagem deve constituir-se em uma ciência particular, ensinada por
princípios” (Gonzáles, 1997, p.1). Tal afirmativa soa natural e moderna para
enfermeiros de hoje. Porém, é impressionante como alguém pensasse e
ensinasse assim e deixasse registrado de forma tão concreta no ano de 1833,
quando Florence Nightingale (1820-1910) tinha apenas 13 anos de idade e a
Guerra da Criméia e a publicação do livro Notas da Enfermagem de sua autoria,
4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem
72
somente iriam ocorrer após quase trinta anos (Gonzales, 1997).
Fazem parte também da história do movimento da enfermagem as
guerras expansionistas promovidas, principalmente, pelos países europeus e as
duas guerras mundiais do século XX. Foram essas lutas armadas que levaram os
governos a recrutar enfermeiros para servir nas frentes de combate, como bem
retratam as inúmeras campanhas de recrutamento promovidas nos países,
sobretudo na Europa e nos EUA (International Committee of the Red Cross,
1995).
A influência de Nightingale, entretanto, não se expandiu tão
rapidamente nos países vizinhos do continente europeu. Isso se deveu a certas
barreiras da época, como, por exemplo, as distâncias, os meios de comunicação
precários e os diferentes idiomas. É possível que tais barreiras tenham dificultado
o estudo do movimento de profissionais em outros países. É uma afirmação que
se constata pela escassez da literatura sobre o assunto, assim como pela
dificuldade de acesso aos idiomas e dialetos de cada região.
Além das guerras mencionadas, a profissionalização foi amplamente
impulsionada também quando os enfermeiros, desenvolvendo uma consciência
de classe, se organizaram em associações, em nível local ou nacional, que
ocorreu principalmente no final do século XIX e início do século XX. Unindo as
vozes e os interesses maiores da profissão, enfermeiros puderam ser
reconhecidos e valorizados. Essa união, do mesmo modo, ajudou a criar uma
entidade internacional: o Conselho Internacional de Enfermeiras. Fundado no ano
de 1899, em Londres, tornou-se a organização internacional de profissionais de
saúde mais antiga do mundo, atualmente sediada em Genebra (Suíça).
A década de 1950 é considerada o marco inicial do estudo da história
4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem
73
da enfermagem no Brasil. Nessa época, surgiram os cientistas divulgando os
resultados desses estudos entre nós. Temos como referência o livro Páginas de
História da Enfermagem, de Waleska Paixão, publicado no ano de 1951. No
entanto, “como disciplina já era ministrada desde 1923” (Oguisso, 2000, p. 361).
Todavia, o campo de pesquisa nessa área não encontrou de imediato
muitos seguidores no Brasil, apesar da iniciativa de Glete de Alcântara, que foi a
primeira enfermeira na América Latina a defender uma tese de cátedra, em 1963,
exatamente em História da Enfermagem. Mesmo assim, alguns nomes devem ser
mencionados: Dilce Rizzo Jorge que desenvolveu uma pesquisa histórica para
sua tese intitulada Evolução da legislação federal do ensino e do exercício
profissional da obstetriz (parteira) no Brasil, defendida em 1976.
Merece destaque especial a obra de Anayde Corrêa de Carvalho, o
Documentário sobre a Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976. O
mérito é devido à extensão do conteúdo, à abrangência dos temas estudados e
ao rigor metodológico da pesquisa. A obra foi publicada em 1976, oportunidade
da comemoração dos 50 anos da ABEn. Até hoje é referência obrigatória para
todos aqueles que estudam a história da enfermagem brasileira.
Esse documentário foi atualizado por Amália Corrêa de Carvalho no
artigo intitulado Associação Brasileira de Enfermagem 1926-1986, publicado na
edição de janeiro/março de 1986 na Revista Brasileira de Enfermagem.
A grande referência desse último decênio de 1980 foi a publicação de
dois volumes de um estudo efetuado como sequência do Levantamento de
Recursos e Necessidades de Enfermagem do Brasil, de 1958. O levantamento
ampliou e divulgou dados minuciosos sobre os variados aspectos da prática de
enfermagem no que dizia respeito a pessoal, a condições de trabalho, a produção
4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem
74
científica e a vida associativa, entre outros assuntos (Carvalho,1986). Esses
volumes intitularam-se: Saúde do Brasil – 1982/1983; Força de Trabalho em
Enfermagem, (1º volume) e Enfermagem no Contexto Institucional, (2º volume).
Da mesma forma merece destaque ainda nessa década de 1980 a
aprovação da Lei nº 7.498/8631, que regulamentou o exercício de enfermagem e
do Decreto nº 94.406/8732.
De fato, a história da enfermagem somente começou a adquirir corpo
no final da década de 80 e início da década de 90 do século recém-findo, quando
enfermeiros e enfermeiras voltaram sua atenção para o passado e se puseram a
estudar o assunto, documentando, registrando e publicando os resultados dos
seus estudos, chamando a atenção para essa área do conhecimento ainda pouco
explorada. Enfermeiros e historiadores de várias nacionalidades - americanos e
ingleses, franceses, espanhóis e brasileiros - e até mesmo entidades como a Cruz
Vermelha Internacional33 e hospitais, têm publicado livros sobre o tema.
No campo da bibliografia internacional, com destaque para a literatura
dos países não-anglofônicos, vamos encontrar poucos enfermeiros em condições
de escrever e divulgar obras sobre a história da enfermagem dos seus países em
idioma de maior compreensão universal, como é o caso do inglês. Acrescente-se
à tal lacuna, o fato de os veículos para divulgação também serem mais escassos.
Embora periódicos de enfermagem, em geral, sempre estivessem abertos para a
31
Lei nº 7.498/86. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências.
Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo: Documentos básicos de Enfermagem, SP: 2001, p. 36.
32
Decreto no 94.406 de 8/6/1987. Dispõe sobre o exercício da Enfemagem, e dá outras providências.
.Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo: Documentos básicos de Enfermagem, SP: 2001, p. 43.
32
Musée International de la Croix Rouge et du Croissant-Rouge, International Red Cross and Red Crescent
Museum, 17, avenue de la Paix. CH – 1202 Genève, ISBN 2 – 88336 – 005. Trata-se de uma publicação
ilustrada, como produto da Exposição “Profession Infirmière”, que retrata imagens da história do movimento
da Cruz Vermelha de 1900 a 1930. 179p.
4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem
75
divulgação de história da enfermagem, não havia ainda muitos profissionais
dedicados ao assunto. Aos poucos, revistas especializadas nessa matéria, em
língua inglesa ou espanhola, foram sendo criadas para publicar não só relatos de
profissionais que vivenciaram uma parte da história em seus países, como, do
mesmo modo, resultados de suas pesquisas em história da enfermagem.
Na busca de publicações sobre o início da enfermagem em diferentes
regiões, especialmente dedicadas ao movimento de profissionalização da
enfermagem, foram encontradas algumas publicações com relatos que merecem
ser exemplificados no presente capítulo.
Historicamente, o ato de cuidar, considerado como atributo feminino,
iniciou-se com a difusão do Cristianismo em Roma, fato que levou muitas
mulheres da nobreza romana a se dedicarem aos pobres e enfermos e a
transformarem seus palácios em hospitais (Paixão, 1979).
Dessa maneira, a prática de enfermagem foi sendo desenvolvida quase
que exclusivamente pela Igreja Católica. Assim é que, em algumas regiões do
mundo ocidental, a enfermagem era monopólio das Ordens Religiosas, que
assumiam os serviços considerados mais difíceis ou repugnantes para a
sociedade daqueles tempos.
Aos poucos, as técnicas de enfermagem começavam a se organizar,
abrindo caminho para o uso de instrumentos nos cuidados de enfermagem,
surgindo a preocupação com o ambiente do paciente, com a necessidade de luz,
de ar fresco, de silêncio e, principalmente, a necessidade de higiene, conforme
apregoava Florence Nigthingale (Almeida, 1996).
No século XIX, em decorrência dos princípios da revolução
pasteuriana, a medicina passou por grandes transformações. A luta contra os
4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem
76
micróbios, o contágio, as infecções e o início da prática de cirurgias audaciosas
deram início a uma nova postura no pensar a saúde e seus agentes.
A trajetória histórica da enfermagem em vários países guarda uma
similaridade em muitos aspectos, sobretudo no seu início. Como exemplo, e em
função da maior facilidade na obtenção dessa literatura especializada, são
descritas aqui as trajetórias ocorridas no Reino Unido e nos EUA, na França, em
Portugal, na Espanha, na Argentina e em Taiwan. É verdade que se trata
basicamente da cultura ocidental. Mesmo assim, na área da enfermagem, onde a
bibliografia básica utilizada no Brasil é originária dos EUA e do Reino Unido,
consideramos já ser um ganho agregar nesta análise textos de origem francesa,
espanhola, portuguesa, argentina e taiwanesa, especialmente aqueles que
seguiram diferentes caminhos e não sofreram tanta influência direta de Florence
Nightingale, caracterizada nas obras inglesas e americanas.
A análise também agregou alguma literatura de países de cultura
oriental asiática onde o saber milenar traçou outros caminhos. Mas, na verdade,
não houve influência da cultura oriental na enfermagem brasileira. Isso pode ser
explicado porque a corrente migratória do Oriente teve início apenas nas
primeiras décadas do século XX. Entretanto, é notório observar como os
descendentes desses povos orientais, de modo especial os japoneses,
valorizaram a enfermagem e abraçaram a profissão, notadamente em São Paulo,
estado em que eles se fizeram mais presentes.
Para analisar o início da profissionalização da enfermagem foram
escolhidos países de acordo com a literatura encontrada, como já registrado, e
pela observação de alguns pontos em comum, tais como: o surgimento da
enfermagem como necessidade da classe médica, que precisava de um auxiliar,
4.1 – Movimentos em prol da profissionalização da enfermagem
77
a falta de pessoal treinado nos hospitais para cuidar dos doentes, e a adoção de
um ensino sistematizado para o preparo dos enfermeiros que seguiam, ou não, o
modelo nightingaleano de ensino.
A escolha da Argentina como um dos países examinados foi devido à
sua proximidade com o Brasil e por ter sido o primeiro país da América Latina a
adotar o modelo nightingaleano de formação do enfermeiro.
Constata-se que, no século XIX, algumas mudanças no perfil e trabalho
da enfermagem nesses sete países, foram muito semelhantes. Novas
necessidades e cuidados faziam com que o aperfeiçoamento fosse o pilar das
atividades da enfermagem.
4.2 – Reino Unido
78
4. 2 - Reino Unido
Nesse subitem, a literatura utilizada como referência foi Griffin e Griffin
(1965), Jamieson et al. (1968), Molina (1973) e Chatterton (2000). Isso porque
esses autores relatam com muita propriedade a trajetória da enfermagem na
antiga Grã-Bretanha, atual Reino Unido a partir da Idade Média, discorrendo
ainda sobre as diferenças entre a enfermagem geral e a enfermagem de doenças
mentais.
Segundo Griffin e Griffin (1965, p. 55)
“a enfermagem não é um produto que resultou da
moderna medicina, a exemplo do que ocorreu com o serviço
social, com a dietética e com a terapia ocupacional. Na
verdade, a medicina e enfermagem tiveram origens distintas,
e existiram como tais por muitos séculos, sem muito convívio
entre si, uma vez que a prática da medicina e da cirurgia era
relativamente simples e não requeria muita habilidade
técnica”.
Durante o período da Idade Média (476-1453), a enfermagem era
exercida por grupos religiosos ou por militares. A primeira função não era
propriamente as tarefas hoje conhecidas como enfermagem; as necessidades de
enfermagem eram atendidas por um grupo de mulheres sem educação alguma e
sem preparo ou, ainda, por membros da família. Foi a evolução da medicina, da
cirurgia e da saúde pública que passou a requerer muitos procedimentos que
deveriam ser executados por pessoas diferentes do médico, mas devidamente
treinadas e que tivessem conhecimento dos princípios científicos. Tal evolução
fez com que essas duas profissões - médicos e enfermeiras - se aproximassem e
4.2 – Reino Unido
79
trabalhassem em conjunto. Felizmente, quando essa aproximação tornou-se
evidente, a enfermagem já tinha iniciado a reforma, estimulada pelas mudanças
nas condições sociais do Reino Unido (Griffin e Griffin,1965).
Para compreender a evolução da enfermagem profissional, dessa
região, precisamos Ter uma visão sucinta do passado europeu onde alguns
importantes movimentos condicionaram essa evolução e influíram profundamente
nela. Entre esses movimentos podem ser destacadas as Cruzadas, a
Renascença e a Reforma Protestante que exerceram enorme influência no
pensamento político e social da época em que cada um deles aconteceu.
Destaque maior deve ser dada à reviravolta ocorrida na sociedade britânica
provocada pela Revolta Industrial, fenômeno socioeconômico que aconteceu na
Inglaterra e que mudou os rumos da humanidade toda. Com certeza, o
desenvolvimento da medicina moderna e dos hospitais não teria acontecido sem
essas mudanças.
Um outro ingrediente que também entrou como fator essencial na
trajetória da enfermagem profissional foi o movimento da emancipação feminina.
Lenta e gradativamente, a mulher foi modificando a sociedade em diferentes
aspectos: social, político, econômico e educacional.
Com efeito, esse novo status da mulher deu-lhe possibilidade de
desenvolver atividades sociais, educacionais, política e de interesses da
coletividade. Aliás,
“o simples fato das mulheres poderem demonstrar que elas
eram capazes, por si mesmas, de desenvolver tal profissão,
exerceu significativa influência na sua luta para fortalecer
ainda
mais
a
liberdade
Griffin,1965, p. 58).
que
almejavam”
(Griffin
e
4.2 – Reino Unido
80
Historicamente, pois, a enfermagem como profissão está muito
vinculada ao progresso e à prática da medicina e à evolução dos hospitais,
paralelamente à ocorrência da Revolução Industrial e da emancipação feminina.
Cabe,
entretanto,
estabelecer
aqui
uma
diferença
entre
a
“enfermagem” propriamente dita e a “enfermagem profissional”. A primeira,
entendida no sentido de cuidar de pessoas doentes no seio da família ou no
círculo de amigos, remonta à era da pré-história. Já a segunda, à qual nos
referimos logo acima, reflete a evolução de um grupo que se organizou dentro da
sociedade e que, tendo recebido preparação adequada para o seu exercício,
dedica a maior parte do tempo e esforço aos cuidados dos doentes, pelo que
recebe uma remuneração, a exemplo de qualquer outra profissão.
Praticamente não se encontra menção da enfermagem exercida como
ocupação na Antigüidade. Algumas atividades realizadas, e que se identificam
com a enfermagem eram as que cercavam o nascimento e o cuidado com
crianças. Os templos eram os lugares que serviam não apenas para as orações e
sacrifícios como também para abrigar doentes.
No primeiro milênio do cristianismo não houve tentativa de organizar a
enfermagem. Apenas as cruzadas militares e as ordens religiosas prosperaram
influenciando todas as atividades do período medieval. A enfermagem praticada
nessa época era muito simples. Consistia tão-somente em prover as
necessidades fisiológicas dos doentes, ministrar medicamentos, fazer curativos e
cuidar da higiene. Todavia, tais práticas se baseavam em conceitos bem
diferentes dos que se conhecem hoje. Além disso, o trabalho principal das
religiosas que cuidavam de doentes era motivado por necessidades espirituais, e
4.2 – Reino Unido
81
executado de acordo com a orientação da Igreja (Griffin e Griffin,1965).
Durante a Idade Média, a medicina na Europa era praticada sob duas
influências: a medicina laica, que seguia as tradições herdadas do Império
Romano, e a medicina eclesiástica, que existia nos mosteiros, em torno dos quais
foi construída a maioria dos hospitais. O estabelecimento da escola de medicina
de Salermo, na Itália, no século IX foi um grande evento, pelo fato de ter sido um
centro do ensino médico até o século XIV. No século XV foi organizada a primeira
escola médica na Grã-Bretanha.
Com a invenção da imprensa (1450), foi
possível aumentar o número de livros e de novas escolas.
As diversas reformas sociais ocorridas na Europa, entre o final do
século XVII até meados do século XIX, atingiram também a enfermagem num
período que ficou conhecido como período crítico. Foram tempos que se
caracterizaram por terríveis condições de trabalho e pela decadência da
enfermagem que, em parte se deveu à influência da Reforma Protestante que
não era favorável à educação de mulheres (Griffin e Griffin,1965).
Já no tempo do rei Henrique VIII (1491-1547) da Inglaterra, ao romper
com a Igreja Católica, dissolveu mosteiros e conventos que albergavam doentes e
expulsou religiosos que deles cuidavam. A partir de então
“as mulheres, recrutadas nas ruas e prisões e que passaram
a
cuidar
de
doentes
eram
analfabetas
e
pouco
escrupulosas, conforme foi imortalizado posteriormente pelo
escritor inglês Charles Dickens (1812-1870) ao descrever e
criticar a situação social da época” (Jamieson et al., 1968, p.
158).
Seu legado constituiu em uma arma poderosa para as reformas sociais
do século XIX. Em função de sua habilidade para descrever e retratar os tipos
4.2 – Reino Unido
82
físicos, especialmente aqueles que necessitavam de assistência, proporcionou
uma descrição acurada e detalhada, do que acontecia, inclusive das doenças de
seu tempo. Sua capacidade de observação do ponto de vista social era muito
aguda. Dickens iniciou uma verdadeira cruzada para tornar os cidadãos mais
conscientes das carências sociais no sentido de promover a mudança necessária.
Seu romance Martin Chuzzlewit, escrito em 1844, descreveu a enfermagem
prestada por criminosos que tinham sido perdoados e por mulheres de baixo
padrão moral e sem nenhum interesse pelo paciente. Imortalizou a figura de
Sairey Gamp como o protótipo da enfermeira da época, que representava o mais
baixo nível de insensibilidade, alcoolismo e indiferença (Jamieson et al., 1968).
Nesse
mesmo
período,
a
Europa
testemunhava
a
medicina
desenvolver-se rapidamente como ciência, contando com grandes cientistas tais
como Ignoz Semmelweiss (1818-1865), Joseph Lister (1827-1912), Louis Pasteur
(1822-1895), Robert Koch (1843-1910), Wilhelm Röntgen (1845-1923), o casal
Marie (1867-1934) e Pierre (1859-1906) Curie, Charles Darwin (1809-1882),
Gregor G. Mendel (1822-1884), todos contemporâneos de Florence Nightingale que vivia na Inglaterra - (Jamielson et al.,1968 e Molina, 1973).
Os primeiros esforços para estabelecimento de um sistema de
enfermagem nas Ilhas Britânicas ocorreram na Irlanda, em 1812, com as Irmãs de
Caridade e as Irmãs de Misericórdia, que se anteciparam às diaconisas
anglicanas da escola de Diaconisas de Kaiserwerth (Alemanha). Alguns anos
mais tarde, elas enviaram três dessas irmãs para o Hospital de Pitié, em Paris,
para estudar enfermagem. Após o retorno, elas fundaram um hospital com doze
leitos que, mais tarde, se expandiu e ficou conhecido como Hospital São Vicente,
o que sugere a relação com a ordem francesa das Irmãs de Caridade.
4.2 – Reino Unido
83
Mas esse sistema leigo não incorporava ainda um ensino moderno
para treinamento de enfermeiras. Em 1825, Dr. Robert Gooch sugeriu que fosse
estabelecida uma ordem leiga de enfermagem para mulheres. As candidatas
entrariam como alunas nos grandes hospitais de Londres e Edimburgo e
receberiam livros-texto adaptados às suas necessidades e teriam exames
regulares para verificação da aprendizagem. Após a conclusão do curso, elas
iriam trabalhar nos diversos distritos do país e viver em grupo em pequenas
casas. Esse plano, embora excelente, não se materializou por muitos anos.
Todavia, as idéias que continha foram concretizadas pelo pastor Theodor Fliedner
e sua esposa Frederika, em 1833, em Kaiserwerth, na Alemanha, onde instituíram
uma escola de enfermagem. Em 1822, Fliedner havia viajado para a Holanda e
para a Inglaterra a fim de arrecadar fundos para suas obras sociais, castigadas
pelas guerras napoleônicas. Na Holanda, ele observou o trabalho social das
diaconisas e, na Inglaterra, conheceu Elizabeth Fry (1780-1845), uma dama da
sociedade, amiga do Dr. Robert Gooch, e batalhadora em prol da reforma social
que estava ocorrendo na Inglaterra. Ela trabalhava com prisioneiros e doentes
mentais encarcerados, buscando melhorar suas condições de vida. Fliedner
visitou hospitais, escolas e asilos e acabou interessando-se pela enfermagem e
pela assistência aos doentes. É possível que Fry, por seu relacionamento com
Gooch e com Fliedner, tenha inspirado este último com as idéias de Gooch sobre
a ordem leiga de enfermagem. Ao retornar para Kaiserwerth, Fliedner casou-se
com uma mulher que se dedicava a cuidar de doentes órfãos (Molina, 1973). Com
ela, fundou a escola de enfermagem com o nome de Diaconisas de Kaiserwerth,
comprando uma casa que serviria de abrigo e hospital para doentes. Ele se
encarregou das aulas de ética e princípios religiosos, e ela, dos princípios sobre
4.2 – Reino Unido
84
as práticas de enfermagem. As alunas tinham que prestar cuidados em todos os
serviços, ao mesmo tempo em que, recebiam outras instruções mais especificas
de médicos e farmacêuticos. “As formadas eram chamadas de diaconisas a fim
de evitar errônea interpretação que se dava à palavra enfermeira, profissão
subestimada na época” (Molina,1973, p. 49).
Esse trabalho de Fliedner, na Alemanha, causou grande impressão na
Europa continental, sobretudo na Inglaterra. Em 1840, Elizabeth Fry organizou a
primeira ordem religiosa protestante na Inglaterra, as Irmãs de Misericórdia, ou
Irmãs de Enfermagem, como passaram depois a ser chamadas. Elas recebiam
um pequeno treinamento para cuidar de doentes e depois faziam várias horas de
trabalho nos hospitais onde recebiam instruções de médicos e supervisoras, as
quais não tinham preparo específico. Essas alunas não tinham aulas formais e
nem instrução teórica sistemática; eram treinadas apenas para a prática de
enfermagem domiciliar.
A Igreja Anglicana patrocinou a mais importante organização de
enfermagem na Inglaterra, em 1845, a chamada Comunidade do Park Village, a
primeira ordem de enfermagem anglicana. Como conseqüência natural, essa
organização era dominada por clérigos que entendiam ser a enfermagem, em
primeiro lugar, um ato de misericórdia e de religiosa devoção. Dessa forma,
deveria ser gratuita para o paciente. Levou algum tempo para se aceitar a idéia
de que a enfermagem pudesse ser praticada por mulheres sem esse caráter
devocional e com possibilidade de remuneração por esse serviço (Griffin e
Griffin,1965).
Em 1848 foi criada em Londres a Casa de São João (St. John´s
House), mais tarde associada ao Hospital King´s College pela Igreja da Inglaterra.
4.2 – Reino Unido
85
Seu objetivo era estabelecer o treinamento sistemático de enfermeiras nos
hospitais e atrair jovens moças da classe média para a enfermagem. Nos dois
primeiros anos as alunas eram consideradas em período probatório, e depois,
qualificadas como enfermeiras (nurses) cujo estágio poderiam durar até cinco
anos e receber alojamento, alimentação e salário. Depois de cinco anos como
enfermeiras, passavam a sisters, um estágio que lhes permitia viver com a família
e não mais no alojamento. O treinamento em obstetrícia não era incluído até
1861. A Casa de São João passou a ser identificada como uma instituição para
preparo e ensino de enfermagem pela maioria dos hospitais mais importantes de
Londres.
Outros hospitais usados como campo de prática pelas alunas eram o
de Middlesex, o de Westminster e o Hospital Kings College, que, em 1856,
assumiu todo o serviço de enfermagem e, no ano de 1885, estabeleceu a sua
própria Escola de Enfermagem.
Por oportuno, cabe lembrar que esse sistema hierárquico na
enfermagem inglesa perdura até os dias de hoje, no Reino Unido; ou seja: nurses
as enfermeiras de cabeceira e de unidades, e a sister, a supervisora (Griffin e
Griffin,1965).
Florence Nightingale também recebeu muita inspiração do trabalho de
Fliedner uma vez que por diversas vezes visitou a instituição criada por ele antes
de se decidir por estudar em Kaiserwerth.
Não é de se estranhar, portanto - e com razão - que a maioria das
histórias da enfermagem inicia focalizando Florence Nightingale e sua influência
4.2 – Reino Unido
86
no crescimento e desenvolvimento da enfermagem na era vitoriana34.
“O ano de 1860, com a abertura da Escola Nightingale para
treinamento de enfermeiras no Hospital Saint Thomas, é
freqüentemente citado como o marco inicial e tradicional da
história de enfermagem” (Jamieson et al.,1968, p. 179).
A bibliografia registra que Sarah Elizabeth Wardroper foi a primeira
diretora da Escola Nightingale e ocupava o cargo de matron no Hospital de Saint
Thomas, onde funcionava a escola. Ela permaneceu por 25 anos como diretora
(Jamieson et al.,1968).
Em seus escritos, que tanta influência exerceram, Florence Nightingale
se referia à enfermagem como um chamamento ou vocação, com uma conotação
de tarefa divina. O próprio uso, no sistema inglês, da palavra matron (matrona ou
superiora) para designar a chefe geral ou gerente do serviço de enfermagem e
sister (irmã, da linguagem conventual), para designar as supervisoras de
enfermagem, assim como a touca das enfermeiras, tudo lembrava a hierarquia
nos conventos e os véus usados pelas religiosas, corroborando sua intenção de
dar um caráter de chamado divino, que ajudou a reforçar essa analogia
terminológica.
Embora ela enfatizasse que a enfermagem poderia ser remunerada
como um trabalho aberto para as mulheres de todas as classes, ela deu grande
ênfase ao caráter moral das enfermeiras. Podemos constatar tal ênfase pelas
longas listas de requisitos relacionados, em primeiro lugar, com não com a
personalidade e a fibra moral e não apenas com as habilidades técnicas.
Maggs (1983) justifica que esse preparo em moralidade, que ia além da
34
Era Vitoriana - relativa à rainha Vitória da Inglaterra (1837-1901).
4.2 – Reino Unido
87
total obediência, era baseada na construção de família de classe média com sua
divisão de papéis e esferas, direitos, deveres e uma clara distinção entre os
sexos. Nessas circunstâncias, pois, a enfermagem era vista de modo inequívoco
como trabalho de mulher e no dizer de Oakley, citado por Chatterton, (2000, p.
13) a “história definiu uma boa enfermeira como uma boa mulher” (Chatterton,
2000).
A exemplo das analogias de hábitos e vocábulos conventuais, elas
foram também estabelecidas entre a enfermagem e maternidade. Assim, como
resultado da constante ênfaze dada à ligação com feminilidade, poder-se-ia
argumentar que a enfermagem ocupou um papel subordinado na divisão do
trabalho, replicando o patriarcado da sociedade vitoriana. Citando Gamarnikow
(1978) Chatterton (2000, p.13), compara esse dado com a família burguesa
vitoriana: o médico como o pai e cabeça da família, cujo papel não podia ser
desafiado. A enfermeira seria a figura da mãe exercitando a cada dia o controle
da família, mas subordinado à autoridade do pai. E o paciente seria como a
criança obediente às instruções.
Em 1861, William Rathbone, um rico residente de Liverpool, escreveu à
Florence Nightingale comunicando-lhe o desejo de recrutar enfermeiras de sua
escola para prestar assistência aos pobres de sua cidade. Florence sugeriu-lhe
criar uma escola semelhante à Escola Nightingale, na Enfermaria Real de
Liverpool (Chatterton,2000).
No ano seguinte os edifícios escolares foram construídos e equipados
por Rathbone, com a ajuda de Mary Robinson, pessoa de muita competência
apesar de não ter o devido preparo formal em enfermagem, mas que havia
provado sua capacidade ao cuidar da esposa de Rathbone em sua enfermidade
4.2 – Reino Unido
88
até seu falecimento em 1860. Nessa ocasião, relata Jamieson (1968, p.183), “ele
compreendeu que os doentes tinham necessidade de uma boa enfermagem”. A
seguir foi incorporada à equipe, no cargo de superintendente, Merryweather, uma
graduada pela Escola Nightingale. Entretanto, teve início o preparo de
enfermeiras seguindo o modelo do Hospital St. Thomas, mas as alunas teriam
também que ir praticar nas casas dos pobres de Liverpool (Chatterton, 2000).
A emergência de uma nova ordem, que colocou a enfermeira formada
no nível mais alto das categorias profissionais da enfermagem, começou
praticamente na década de 1880, no Reino Unido. Alguns historiadores ainda
afirmam ter sido a influência direta de Florence Nightingale que resultou no
estabelecimento da profissão e, dentro dela, de uma elite. Isso porque até 40
anos antes dela não havia enfermeiros formados no país, e que desde a guerra
da Criméia, mulheres da elite ingressaram na profissão introduzindo melhoria nos
cuidados aos doentes (Maggs,1983). Outros vêem a emergência da moderna
enfermagem mais ligada à expansão dos hospitais gerais a partir de 1860, após a
guerra da Criméia, sendo que a influência da “revolução” de Florence de deu a
partir de 1880. Qualquer que seja a data, o fato é que todos concordam que a
enfermagem passou por mudanças fundamentais nos últimos anos do século XIX.
Conforme mencionado anteriormente, já havia existido uma forma de treinamento
na Casa de São João, desde 1848. Mas, não restam dúvidas de que a mais
famosa e conhecida escola para formação de enfermeiras, foi a estabelecida por
Florence Nightingale, no Hospital Saint Thomas, em 1860, com os fundos obtidos
pelo seu trabalho na guerra da Criméia.
Maggs (1983), por sua vez, sugere que a primeira geração de
enfermeiras não deve ser vista como um grupo de pioneiras ou missionárias, mas
4.2 – Reino Unido
89
mulheres que ingressaram na enfermagem como opção de trabalho remunerado.
Segundo ele, naquele tempo não havia ainda definição legal de enfermeiro, e
muitos reformadores, ao aforismo de que “toda mulher é enfermeira”, queriam
contrapor dizendo que toda mulher poderia ser ensinada a ser enfermeira
(Maggs,1983).
Paralelamente ao desenvolvimento da enfermagem geral, outro ramo
da enfermagem também se desenvolveu - a enfermagem psiquiátrica -, uma vez
que, ocorriam grandes mudanças no cuidado do doente mental nesse período.
Anteriormente ao século XIX, o cuidado de pessoas consideradas
portadoras de desordens mentais era feito de maneira relativamente informal.
Casas e hospitais para essas pessoas foram construídos, em geral, sem regras
ou bases.
Um grande desenvolvimento de hospícios somente surgiu com uma lei
de 1845, o que resultou num grande recrutamento de pessoal. Apesar do
aumento do número de pessoal, a história desses predecessores dos atuais
enfermeiros de saúde mental continuou quase inalterada. A natureza do trabalho
era muito diferente daquela da enfermagem geral. Busfield, citado por Chatterton
(2000, p.13), refere que
“apesar do otimismo em que foi fundado, ao redor da metade do
século
XIX,
os
hospícios
públicos
eram
como
abrigos,
funcionando cada vez mais como o último abrigo custodial e não
para receber cuidado ou tratamento. Tornaram-se instituições
custodiais sob o comando de complicados códigos legais para
alienados ou excluídos da sociedade, que eram confinados de
forma a menos dispendiosa possível, em locais remotos e
seguros. O pessoal em serviço sofria punições se ajudasse algum
alienado a fugir, de acordo com a lei de 1845”.
4.2 – Reino Unido
90
Enfermeiros compartilhavam das mesmas condições de vida dos
pacientes, pois eram submetidos a idênticas regras e subordinados, à mesma e
inquestionável obediência. No topo da hierarquia estava um todo-poderoso
superintendente médico.
Uma das grandes diferenças entre a enfermagem em saúde mental e
enfermagem geral era a significativa proporção de homens os quais, em razão da
sua força física, serviam dentro dessa categoria de pessoal, situação aliás, que
persiste até os dias de hoje no Reino Unido. Em parte também, isso se devia à
estrita segregação de sexos; tratava-se de uma configuração universal do
hospício segundo o modelo social vitoriano, onde os homens eram empregados
para trabalhar nas alas masculinas e, as mulheres, nas femininas. O pessoal era
estritamente separado por sexo, assim como eram os pacientes.
trabalhador
que
transgredisse
essa
regra
era
sumariamente
Qualquer
despedido
(Chatterton, 2000).
Esses hospícios públicos deveriam ser mantidos com o mais baixo
custo possível, devendo mesmo ser auto-suficientes e por isso os pacientes
deveriam trabalhar, sendo supervisionados pelo pessoal de enfermagem que
passava a maior parte do tempo nesse mister. Como os homens haviam sido
anteriormente militares ou guardas de prisões, em geral eles eram recrutados
pelo critério de tamanho e de força física e tidos como cumpridores de ordens. As
mulheres pacientes eram designadas para trabalhar na lavanderia, na limpeza e
costura.
Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) houve uma drástica
redução de pessoal do sexo masculino, e muitos hospitais começaram a contratar
mulheres para as enfermarias masculinas. Apesar de ser um fato comum em
4.2 – Reino Unido
91
hospitais escoceses, era desconhecido mais ao sul da Grã-Bretanha. Essa
mudança provocou forte reação nos homens das enfermarias inglesas. Assim é
que iniciaram uma campanha liderada pelo Sindicato Nacional de Trabalhadores
de Hospícios Nacionais, pedindo que não adotassem as modificações. Alegavam
eles que o salário inferior das mulheres estava reduzindo o salário dos homens, e
se lançaram ao papel de protetores das mulheres, alertando para o risco de
violência e de outros perigos de caráter sexuais. Tal fato, além de refletir um clima
social generalizado - que se refletia no hospital -, acabou lançando uma luz
interessante sobre a questão do gênero da enfermagem da época (Chatterton,
2000).
Um ponto de vista oposto à oposição do Sindicato Nacional foi
apresentado por Dr. George Robertson, diretor superintendente do Hospício de
Edimburgo, num discurso na Associação Médica-Psicológica, em 1916. Com dois
fortes argumentos ele sustentava que as enfermarias masculinas de qualquer
hospício eram também lugares adequados para as mulheres trabalharem: que
elas exerciam influência calmante sobre pacientes agitados e que eles eram
tratados com maior cortesia e presteza, mais pelas mulheres do que pelos
homens. Reforçou ele, ainda, que esse princípio havia sido aceito como prática na
Escócia, no contexto de um ideal maior de transformar hospícios em verdadeiros
hospitais, que deveriam cuidar dos doentes. E não via restrição ao trabalho das
enfermeiras em hospícios porque, dizia ele, ajudar os que necessitassem de
ajuda,
portadores
de
transtornos mentais,
ou
não,
era uma
vocação
eminentemente feminina. Por conseguinte, os homens deveriam cuidar da parte
custodial, supervisionando o trabalho externo dos pacientes (Chatterton, 2000).
Nessa época, o recrutamento era feito mais entre mulheres do que
4.2 – Reino Unido
92
entre os homens; as que tivessem formação na área de enfermagem geral tinham
preferência para as promoções. Portanto, o ingresso de mulheres nas enfermarias
masculinas dos hospícios ingleses teve sua origem numa situação de guerra,
mais do que em crenças ideológicas sobre a divisão do trabalho por razões de
sexo. Porém, após a guerra, a discriminação continuou a existir.
Na década de 1920, o número de homens continuou alto e começaram
a serem chamados “enfermeiros” e não mais atendentes, como ocorria na era
vitoriana. Entretanto, as mulheres levaram cerca de quarenta ou cinqüenta anos
para serem também assim designadas (Chatterton, 2000).
Existem dados que servem de argumento para mostrar que as
mulheres procuravam esse tipo de trabalho mais por falta de alternativa de
emprego do que pelo sentido de vocação. Carpenter (1985), mais uma vez citado
por Chatterton (2000, p.14 ) afirma que
“não era de se surpreender que o trabalho em hospício não
trazia status nem reconhecimento e que as mulheres eram
recrutadas
entre
aquelas
que
buscavam
trabalhos
domésticos”
Houve época, inclusive, em que se acreditava que a doença mental era
contagiosa, e assim, o estigma marcava todos aqueles que haviam trabalhado
nesse campo.
Além do baixo status, as tarefas junto aos doentes mentais eram
caracterizadas pelos baixos salários, por longas jornadas e por más condições
ambientais. Os hospícios públicos se tornaram super-lotados e havia constantes
pressões para manter os custos o menor possível. Embora recebessem uniforme,
alojamento, alimentação e roupa lavada, o trabalho era mais árduo que o serviço
4.2 – Reino Unido
93
doméstico, os salários mais baixos e os salários das mulheres, menores ainda.
Tal situação continuou até depois da 2a. Guerra Mundial.
Chatterton cita como exemplo, uma empregada de escritório no
Hospital Horton, em 1902, que ganhava o dobro do salário da matron. Ou o
tratador de cavalo que, em 1877, ganhava mais do dobro do salário de um
atendente do sexo masculino e quase quatro vezes mais que uma enfermeira.
Assim, o recrutamento e a permanência no trabalho eram problemas contínuos na
enfermagem, resultando daí, um problema nacional, a carência de pessoal nos
hospitais públicos, que haviam passado por uma fase de expansão (Chatterton,
2000).
O processo acelerado de industrialização, fez com que as fábricas
absorvessem mão-de-obra, assim como oferecer
alternativa de serviços
burocráticos. Concorria, então, com os hospitais cujas condições ambientais
continuavam precárias, com salários baixos e com longas e penosas horas de
jornada de trabalho, situação agravada pelo fato de as mulheres nos hospitais
terem sua liberdade muito controlada, não apenas pela matron como pelo diretor
superintendente. Consideravam eles que a redução da jornada semanal não seria
necessária para as mulheres, pois seria contrário ao interesse delas mesmas que
iriam facilmente desperdiçar dinheiro nesse tempo livre.
Se, de um lado Sir Robert Armstrong Jones (1924), citado por
Chatterton (2000, p.15), descrevia a enfermagem como uma honorável profissão,
por outro lado a Revista Médica Britânica, no ano de 1924, argumentava que a
enfermagem era vista apenas como um meio temporário de ganhar a vida e não
como uma carreira.
Dingwall et al. (1988), por sua vez, afirmavam que muitos trabalhos,
4.2 – Reino Unido
94
cujo recrutamento era feito entre as mulheres da classe trabalhadora,
experimentaram alto nível de desperdício e rotatividade. Queixas sobre
deficiência de pessoal feminino refletiam, segundo os autores, o clamor de que a
Enfermagem era um tipo especial de compromisso, mais do que um trabalho
manual para as mulheres.
Nesse período a questão da profissionalização era muito importante
para todos os campos da enfermagem. Assim é que, no final de 1919, a lei sobre
o registro de enfermeiros na Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda havia
recebido apoio do Reino com a instituição de um Conselho Geral de Enfermagem
(CGE). Sua incumbência era estabelecer o registro geral de todos as enfermeiros
generalistas e seções para enfermeiros de outros setores, inclusive para os de
saúde mental. Isso aconteceu depois de uma longa batalha entre as diversas
facções, uma vez que aqueles que tinham trabalhado em hospícios não eram
reconhecidos pelos outros como enfermeiros (Arton,1981).
De fato, até a década de 1890, a enfermagem em saúde mental não
contava com uma preparação formal, ao passo que a preparação de enfermeiras
generalistas já ocorria desde meados do século XIX. Essa falta de preparo
resultava
no
continuado
baixo
status
do
pessoal
dos
hospícios
e,
concomitantemente, na perda de possibilidade de recrutar candidatas entre as
jovens educadas e solteiras da classe média.
Na verdade o primeiro programa de treinamento de âmbito nacional
para a formação em enfermagem psiquiátrica foi instituído, em 1899, pela
Associação Médica Psicológica, atual Royal College of Psychiatrists. O
treinamento contava com um livro-texto e exigia exames de aproveitamento. O
manual de instruções para cuidar de alienados popularmente conhecido como,
4.2 – Reino Unido
95
Red Handbook, tinha trezentas e setenta páginas, foi publicado pela primeira vez
em 1885, e foi utilizado, com sucessivas revisões, até o ano de 1978
(Arton,1981).
Em maio de 1920, o Conselho Geral de Enfermagem concordou em
reconhecer os portadores do certificado da Associação Médica Psicológica (AMP)
habilitados, para serem admitidos e registrados. Todavia, introduziram um outro
exame em enfermagem psiquiátrica, além das provas da Associação Médica
Psicológica. A pretensão do Conselho era assumir a função de órgão examinador
para o registro oficial. Entretanto, a AMP não aceitou ser substituída e surgiu um
longo conflito entre as duas organizações, conflito esse que perdurou até 1951,
quando o CGE ganhou a causa para tornar-se o único órgão de controle total
sobre enfermeiros psiquiátricos.
Um grande número de enfermeiros preferia submeter-se ao exame da
AMP porque os cursos eram mais práticos, considerados de maior prestigio e o
exame era controlado pelos médicos. Mesmo porque, o exame do CGE era
considerado mais extenso e mais difícil (Arton,1981).
Ainda nessa época, a questão do sindicalismo se apresentava com a
mesma importância da profissionalização do enfermeiro de saúde mental. O
sindicato apoiava o treinamento de seus membros, e no ano de 1919, seu
primeiro Programa Nacional, chamava seus filiados para o registro oficial como
enfermeiros psiquiátricos. Da mesma forma, lutava para melhorar as condições de
trabalho de seus sindicalizados. Mas, nesse aspecto, surgiu a possibilidade de
novo conflito entre a profissionalização proposta pelo Conselho Geral de
Enfermagem e o sindicato, uma vez que o CGE via a enfermagem como sendo
uma vocação, despojada de seu caráter profissional. Estava ainda arraigada a
4.2 – Reino Unido
96
noção de que, no mundo mítico da moderna enfermeira não havia lugar para o
sindicalismo. Isso porque, com a sindicalização da enfermagem, a enfermeira
poderia levantar exigências materiais como salário e condições de trabalho,
aspectos que iriam obscurecer sua função exclusivamente sublime de inclinar-se
para o cuidado do paciente e encontrar nessa sua tarefa a recompensa de ordem
espiritual. Essa era uma das características da enfermeira preconizada por
Florence Nightingale. Fica fácil concluir que essa imagem da enfermagem era
uma antítese do conceito de sindicalismo (Arton,1981).
Desencontros à parte, o desenrolar de fatos posteriores mostrou que o
trabalho nos hospícios foi importante, tanto pela sua contribuição para o
sindicalismo
da
enfermagem,
como
para
a
criação
de
um
modelo
profissionalístico de desenvolvimento ocupacional. Os hospícios viram o mais
substancial crescimento do modelo empresarial de organização e serviram de
cenário para os esforços entre esses modelos rivais de orientação no trabalho.
Em 1910, um grupo de atendentes homens fundou o Sindicato dos
Trabalhadores de Hospícios Nacionais, na cidade de Lancashire. A história
registra que as mulheres aderiram vagarosamente. Apesar disso, ao término da
Primeira Guerra Mundial elas já representavam 46% do sindicato.
Em 1922, o governo tentou reduzir salários e aumentar a carga horária
de trabalho. Nessa circunstância as mulheres sindicalizadas decidiram radicalizar,
demonstrando para os homens uma militância e uma determinação coletiva, ao
liderar uma greve onde se destacou a maioria de mulheres. Isso se explica
porque, talvez, os homens temessem demissões. A história registra que fizeram
até barricadas nas enfermarias, do Hospício de Radcliffe, e a Policia levou quatro
horas para conseguir controlar a situação. Resultado: o pessoal foi preso e
4.2 – Reino Unido
97
demitido logo em seguida. Cumpre salientar que muitos desses demitidos e
demitidas levaram meses, e até anos, para conseguir novo emprego. A imprensa,
em geral, como era costume, condenou a atitude de greve. A revista Nursing
Times, citada por Chatterton (2000, p. 18), “considerou que os grevistas haviam
ferido a profissão de enfermagem, e que não poderiam demonstrar sua simpatia
pelos enfermeiros nas deploráveis ações”.
A greve de Radcliffe foi derrotada e marcou o fim da batalha para
manter a idéia de uma jornada semanal mais curta, assim como também
desmotivou a militância sindical nesse período. Entretanto, apesar da derrota, o
movimento de Radcliffe, considerado por alguns autores como a mais sensacional
greve dos tempos modernos, é raramente citada nos tratados sobre história da
enfermagem. Talvez porque a imagem de enfermeiras grevistas contrastava
demais com a imagem tradicional de anjo, sempre enfatizada por esses autores.
Em suma, a história do papel da mulher no desenvolvimento da
enfermagem de saúde mental levanta uma multiplicidade de questões: a
dissonância entre a imagem angelical da mulher enfermeira e o perfil da natureza
custodial da função, a divisão do trabalho de acordo com o sexo e as tensões,
pela ótica do passado, entre uma profissionalização de caráter sagrado e um
sindicalismo de cunho profano. Como os grandes hospícios da era vitoriana foram
fechados, acreditamos ter sido pertinente traçar esse legado histórico que, no
Reino Unido, até hoje influencia a enfermagem de saúde mental. Somente depois
de 1990, é que a Enfermagem em Saúde Mental tornou-se uma especialidade da
Enfermagem.
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
98
4. 3 - Estados Unidos da América ( EUA)
Na segunda metade do século XVIII, muitas famílias americanas já
contavam com dois livros para orientação em caso de doença. Eram eles o de
Medicina Doméstica, escrita por Wlliam Buchan em 1769, e o Guia da Saúde, por
Thomsonian, que eram passados de geração em geração. Ambos traziam
conhecimentos de medicina para que pais e mães pudessem cuidar de suas
famílias. Nessa época começou a surgir um sentimento de caráter nacionalista na
sociedade colonial, acentuando-se após a Guerra dos Sete Anos (1756-1762) que
a Inglaterra sustentou contra a França. Com efeito, a França perdeu a guerra e
mesmo assim a Inglaterra arcou com enormes prejuízos, que tentou dividir com
suas treze colônias da América do Norte. Essa tentativa gerou uma revolta e um
movimento de emancipação política que, por sua vez, culminou com a
proclamação da independência americana, na Filadélfia, em 1776, sendo acatada
pela Inglaterra através do Tratado de Versalhes, assinado em 1783 (Burns, 1972).
Hospitais já vinham sendo fundados em várias cidades, como por
exemplo, o Hospital Bellevue em Nova York, em 1658 - quando essa cidade tinha
apenas cerca de mil habitantes - e serviu como asilo de pobres e abrigo para
todas as epidemias que ocorriam, tais como: febre amarela, febre tifóide, cólera e
varíola; o Hospital da Caridade, em Nova Orleans, em 1737, e o de Blockley, na
Filadélfia, em 1751. A exemplo do que ocorreu no Reino Unido, os hospitais de
modo geral, também foram o berço da enfermagem e da medicina moderna.
O desenvolvimento da medicina moderna começou de fato por volta do
ano de 1800, ocasião em que havia médicos cientes de que enfermeiras bem
treinadas seriam de grande utilidade e valor. Em 1798, Dr. Valentine Seaman,
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
99
cirurgião do Hospital Bellevue, de Nova York, durante o período de 1796 a 1817,
tomou a iniciativa de dar cursos regulares para enfermeiras sobre anatomia,
fisiologia, obstetrícia e pediatria. Ele não se restringia a palestras de conteúdo
teórico; incluía também demonstrações práticas. Seaman publicou uma sinopse
de suas palestras, a qual, provavelmente, se constituiu numa das primeiras
tentativas de preparar textos para enfermeiras (Griffin e Griffin, 1973). A seu
respeito Nutting e Dock (1935, v2, p.326) diziam que “ele era médico de mente
aberta para a época, pois concebeu e iniciou o primeiro sistema de instrução para
enfermeiras no continente americano”.
A necessidade de instruir e preparar enfermeiras se manifestou, de
igual modo, no ano de 1832 por ocasião de uma epidemia de cólera nos EUA.
Como possível decorrência das condições de trabalho no ambiente da epidemia
atendentes pediram aumento de salário. O aumento foi concedido, mas eles
gastavam em bebidas alcoólicas, causando sérios problemas no hospital. A
desmoralização foi tão grande que o bispo local pediu a vinda de Irmãs de
Caridade. Esse pedido foi prontamente atendido e o trabalho logo iniciado. Depois
de alguns meses, porém, quando a diretoria do hospital pediu a elas que
permanecessem definitivamente no hospital, o superior não concordou e elas
tiveram que abandonar os trabalhos, o que reforçou a necessidade de preparar
enfermeiras (Nutting e Dock, 1935).
No ano de 1839, Dr. Joseph Warrington, um médico quaker35 que
trabalhava no Dispensário da Filadélfia, inspirando-se no trabalho de Elizabeth
Fry, da Inglaterra, fez a tentativa de criar um curso regular, com aulas e
35
Quaker - Membro de uma seita religiosa cristã que se opunha à violência e à guerra (Oxford Advanced
Learner´s Dictionary, 1989, p. 1023).
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
100
demonstrações (Griffin e Griffin, 1965). Publicou um livro chamado Guia das
Enfermeiras (O´Brien,1987), pois estava preocupado com a qualidade do cuidado
com as mulheres pobres durante o parto. Ele via que as parturientes só tinham
duas alternativas: correr o risco de infecção puerperal nas instituições de caridade
da cidade, ou dar à luz pelas mãos de imigrantes sem treinamento algum. Em
vista disso, queria propor uma terceira alternativa, pelo que, nesse mesmo ano,
fundou a Sociedade de Enfermeiras da Filadélfia que mandava “enfermeiras” às
casas para assistirem as mulheres no parto e no pós-parto (O´Brien,1987). Essas
enfermeiras recebiam treinamento sobre a organização de um quarto para o
doente, a alimentação para o convalescente e o cuidado com a mãe e o bebê.
Entre 1839 e 1850, Warrington empregou perto de cinqüenta enfermeiras.
É importante lembrar que a década de 1830 era um tempo em que a
enfermagem era vista como uma responsabilidade nata e caridosa de mulheres e
mães, o que marcou através dos anos, o modo como essas raízes domésticas
configuraram o pensamento contemporâneo (O´Brien, 1987).
A idéia prevalente era de que enfermagem pertencia ao domínio do lar,
influenciada pelos contornos que emergiam do trabalho e permitiam que as
pessoas que praticassem a enfermagem, também por necessidade, usassem o
símbolo e retórica de Florence Nightingale, como um pretexto para legitimar um
outro tipo de trabalho da mulher. Com efeito, o mito de Nightingale, a “Dama da
Lâmpada”, incitava uma vocação ou um chamado para um trabalho voluntário e
não a necessidade de um trabalho assalariado.
Nessa época, a enfermagem estava associada ao lar e à vida
doméstica. Mães, filhas e irmãs cuidavam de suas famílias, talvez com a ajuda de
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
101
vizinhos que, por sua vez, também tinham considerável experiência prática de
cuidar de seus próprios familiares. Não era raro encontrar viúvas que, após terem
cuidado dos maridos em suas doenças finais, usavam suas habilidades para
prover a precária existência financeira.
Em 1850, foram criadas a Sociedade de Enfermeiras do Lar e a Escola
da Filadélfia, nessa cidade e, quiçá, a primeira no país. Warrington era muito claro
quanto ao papel dessas enfermeiras. Enquanto atendiam num ambiente
doméstico, elas eram responsáveis perante o médico que supervisionava cada
caso.
O treinamento organizado por ele visava não tanto criar um trabalho de
enfermagem independente, mas principalmente impressionar as mulheres que se
engajavam nele e fazê-las compreender sua relação com a classe dos médicos
que, segundo ele, haviam devotado muitos anos aos estudos para a aquisição de
uma ciência e para o exercício da atividade.
O papel da enfermeira, visto no contexto histórico tradicional, põe em
evidência quais eram, de fato, as razões que estavam por trás do sistema de
Warrington: manter estrita autoridade e exercer um controle sobre a enfermagem.
A área obstétrica, por exemplo, estava justamente começando sua longa luta para
obter legitimação médica, mas a especialização ainda estava associada a
médicos (O´Brien,1987).
Para fazer partos, as mulheres provindas de áreas confinadas de um
lar eram mais aceitas do que os médicos. Nessas circunstâncias Warrington
tentou criar um elo, ou seja, mulheres continuariam assistindo ao parto, mas elas
não eram mais vinculadas às parteiras, mas sim aos médicos. Seriam treinadas
por eles e a eles deveriam prestar contas. Com isso haveria a extensão de um
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
102
serviço mais “científico” para que fosse levado aos lares da Filadélfia como sendo
um parto científico. A primeira preocupação era a de melhorar a qualidade das
mulheres que cuidavam dos doentes.
Ann Preston foi uma das cinco médicas pioneiras dos EUA, que havia
fundado o Colégio Médico Feminino, da Pensilvânia, em 1850 e, posteriormente,
o Hospital da Mulher, em 1861. Como Warrington, ela se preocupava com a
qualidade das oportunidades clínicas disponíveis para as médicas e para as
mulheres estudantes de medicina, assim como com a questão do treinamento de
enfermeiras (O´Brien,1987).
A partir de 1855, ela se uniu a Warrington e a Hannah Miller para
publicar um folheto conclamando as mulheres a ingressarem na enfermagem.
Enfatizava-se que uma das importantes missões do hospital era melhorar o
campo para o treinamento de uma classe superior de enfermeiras (O´Brien,1987).
Para atrair tais inteligentes, benevolentes e conscienciosas mulheres,
Ann Preston conforme registra O´Brien (1987, p.14), ao contrário da rígida
hierarquia de Warrington, declarava em público que:
“a enfermeira sozinha, que colaborasse com o poder de
cuidar da natureza, era em certos estágios da doença, mais
importante e efetiva que o médico” .
Em particular, porém, Preston e a diretoria do hospital reconheciam
que poderiam dispensar os serviços de camareiras, pois as obrigações das
enfermeiras incluíam muitas tarefas domésticas.
Percebe-se que o caráter doméstico da enfermagem sempre esteve
presente na mente das pessoas quando pensavam na sua prática. Até mesmo
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
103
Florence Nightingale escrevia que:
“toda mulher tem, em algum momento da vida, que se
encarregar de cuidar de alguém, criança ou pessoa inválida,
ou, em outras palavras, que toda mulher é enfermeira”
(Nightingale, 1989, p. 11 ).
Com essa afirmação ela pretendeu dar algumas idéias para reflexão às
mulheres que cuidavam de familiares no lar.
Embora Ann Preston estivesse interessada em educar mulheres para a
medicina, do mesmo modo que as enfermeiras, ela também sabia da necessidade
de alguma instrução para mulheres cuidarem de suas famílias. Seus dois livros:
Cuidando do doente e Treinamento de Enfermeiras, publicados em 1863,
continham instruções do cotidiano de senso comum como, por exemplo, a
necessidade de ar puro e a importância de alimentação correta. Esses livros
tinham dois objetivos: em primeiro lugar, na linha de Nightingale, era dar
conselhos práticos para aqueles que cuidavam de doentes em casa; em segundo,
Preston queria igualmente congregar as mulheres solteiras que lessem o livro ou
assistissem às suas palestras sobre cuidados a doentes, para que viessem como
“noviças” ou estudantes de enfermagem (O´Brien, 1987).
Em 1865, os diretores de hospitais mostravam-se muito preocupados
com o fato de não encontrarem nas aspirantes à enfermagem o conjunto de
qualidades que faziam parte do perfil de uma enfermeira, tais como delicadeza,
tato e eficiência. O número de alunas raramente excedia a uma ou duas por ano
na década de 1860. Por essa razão, para poderem prestar os cuidados, os
hospitais tinham que se valer de anúncios e da cooperação de convalescentes e
estudantes de medicina. Todavia, as conferências faziam enorme sucesso entre
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
104
as damas da Filadélfia.
Quando começou a Guerra Civil americana (1860-1865), foi organizado
um sistema de cuidados ao doente e ao ferido, que nunca havia existido antes.
Cuidados básicos eram dados por viúvas e por outras mulheres voluntárias das
vizinhanças dos campos de batalha. Em poucas semanas, havia mais de cem
mulheres interessadas; a elas foi ministrado um pequeno curso de treinamento
por médicos e cirurgiões de Nova York. Tal como ocorreu na Inglaterra, as
guerras estimularam a necessidade de formação de enfermeiras e aumentaram a
demanda efetiva por uma enfermagem moderna (Griffin e Griffin, 1965).
Dorothea Lynde Dix (1802-1887), uma professora que havia estudado
na Inglaterra, dedicava-se como voluntária a cuidar de doentes mentais e da casa
dos pobres, assim como à reforma das prisões. Ela foi indicada pelo ministro da
Guerra para superintender essas novas enfermeiras e para formar o primeiro
corpo de enfermeiras do Exército. As regulamentações esboçadas por ela haviam
sido sugeridas por Florence Nightingale, a quem conhecia. Florence havia feito
sugestões com base nas dificuldades que ela mesma havia experimentado.
Também religiosas se apresentaram como voluntárias para prestar cuidados.
Com exceção desse grupo, quase nenhuma outra, das cerca de seis mil mulheres
que serviram na guerra como enfermeiras, teve algum tipo de treinamento ou
experiência de hospital. O papel das mulheres fazendo enfermagem na Guerra
Civil, embora sem sofisticação, provavelmente seguiam a fama de Florence
Nightingale. Tal fato chamou a atenção da população para a necessidade de
alguma forma organizada de treinamento para enfermeiras (Jamieson et al.,1966).
Em 1862, enormes hospitais militares foram construídos; alguns com
até 3 mil leitos. Antigos hospitais, igrejas e fábricas também foram adaptados para
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
105
servir como hospitais; até barcos do Mississipi foram ajeitados para naviohospital. Os militares não queriam enfermeiras nesses hospitais e, por isso, os
médicos as tratavam muito mal. A disciplina no hospital era-lhes muito rígida.
Algumas figuras emergiram nos hospitais desse período, como
Georgina Woolsey, Mary Ann Bickerdyke e Clara Barton as quais, posteriormente
colaboraram no movimento para a implantação de escolas de enfermagem.
Mais médicos se interessavam em treinar enfermeiras. Assim é que,
em 1869 na reunião da Associação Médica Americana, uma comissão especial,
que havia já estudado o assunto, assegurou ser tão necessário ter enfermeiras
bem treinadas e instruídas quanto ter médicos inteligentes e habilidosos. Essa
comissão recomendou que escolas de enfermagem fossem instaladas junto às
sociedades médicas, embora sob supervisão de ladies superintendentes dos
hospitais. Recomendou, de igual modo, que todo hospital leigo deveria ter uma
escola de enfermagem, e ainda que as alunas fossem treinadas não apenas para
hospitais como para fazer enfermagem nos domicílios.
Assim, em meados do século XIX, a enfermagem continuava sendo
muito uma arte doméstica. Para praticá-la nas casas, elas deveriam possuir dotes
de verdadeira feminilidade. Para praticá-la em troca de salário, era tida como
atividade da esfera doméstica, um mundo onde a única analogia era com a
camareira (O´Brien,1987).
Em 1860, o Hospital da Nova Inglaterra, fundado em 1810
posteriormente chamado Hospital Geral, de Boston, Massachussetts, já havia
tentado formar enfermeiras, mas não obteve êxito até que introduziu o sistema
das diaconisas de Kaiserswerth, o mesmo onde Florence Nightingale havia
estudado, como já referimos anteriormente. Linda Richards, que se graduou em
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
106
1873, foi considerada como a primeira enfermeira graduada na América, com
curso de um ano, que seguia o sistema de Kaiserswerth (Jamieson, et al.,1966).
No ano de 1876, formou-se Martha Waldron. Ela e Linda Richards,
portanto, não foram formadas no modelo nightingaleano. Todavia, estavam bem
preparadas e foram superintendentes das novas escolas. Outra graduada pela
escola desse hospital foi Mary Mahoney, a primeira enfermeira graduada de raça
negra, em 1879 (Jamieson et al., 1966 e Kelly,1999).
A primeira escola norte-americana a adotar o sistema nightingaleano
foi a Escola de Preparação Profissional, do Hospital Bellevue, de Nova York, em
1873 (Jamieson, et al., 1968). Mas, nesse mesmo ano, outras duas instituições
também adotaram esse sistema: a do Hospital Geral de Boston, em
Massachussets e a de Connecticut. Cabe destacar que o sistema nightingaleano,
ao ser transposto para os EUA, as enfermeiras americanas procuraram imprimirlhe uma forte carga teórica e levar esse ensino para o âmbito das universidades,
ainda que os hospitais continuassem a ser utilizados para o desenvolvimento da
prática. Já o modelo nightingaleano, dito “puro”, manteve o ensino atrelado ao
âmbito hospitalar, enfatizando e valorizando a experiência prática. Assim, há
autores que consideram que o modelo nightingaleano comporta um sub-modelo
anglo-americano ou americano.
A Escola de Preparação Profissional de Enfermeiras de Connecticut
começou por influência de Georgina Woolsey e seu marido, Dr. Francis Bacon, na
cidade de New Haven. Na ocasião, ficou acertado com o hospital que a
superintendente das enfermeiras seria designada sem ter vínculo com a
administração geral e nem teria que responder perante o administrador. Foi, de
igual modo, permitido o ensino fora das enfermarias. Houve muitas dificuldades
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
107
criadas pelo administrador, mas a enfermagem continuou sendo controlada por
enfermeiras. O cuidado ao doente acabou sendo estendido até o domicilio ( Kelly,
1999 ).
Na falta de registros históricos, supõe-se que os cursos regulares para
enfermeiras, no Hospital Bellevue, ministrados pelo Dr. Valentine Seaman desde
1798, tenham funcionado até 1817, quando ele deixou o hospital. Posteriormente,
porém, foi fundada nesse hospital, uma escola de enfermagem por influência de
damas da sociedade que estiveram envolvidas com a enfermagem na Guerra
Civil Americana, entre elas, Georgina Woolsey. Horrorizadas com as condições
dos novecentos pacientes, com três ou quatro pacientes ocupando a mesma
cama, os cuidados sendo feitos por pessoas sem preparo e guardas noturnos que
lhes roubavam comida e os deixavam sujos, elas levantaram fundos e criaram a
escola, cujas alunas deveriam cuidar das enfermarias do hospital. A escola ficava
sob a direção de uma superintendente, e as alunas cuidariam também da
limpeza. Embora a escola tentasse seguir os princípios de Florence e passasse a
atrair jovens educadas, o objetivo era melhorar as condições dos doentes. Mesmo
assim, Bellevue teve a primazia de várias iniciativas, tais como: rondas
interdisciplinárias onde enfermeiras reportavam sobre o plano de cuidados;
prontuário de pacientes, com as prescrições e outras ordens médicas, iniciado por
Linda Richards, que já havia trabalhado no Hospital Geral de Boston. Ela foi a
primeira superintendente da noite, e foi quem criou uniforme para enfermeiras,
desenhado por uma estilista aristocrática chamada Euphemia Van Rensselaer.
Entre as formadas no Bellevue, duas grandes líderes se destacaram: Lavinia
Dock e Isabel Hampton Robb (Jamieson et al.,1966).
A Escola de Boston foi a terceira desse primeiro triunvirato de escolas
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
108
de enfermagem nos EUA. Novamente foram algumas mulheres que, associadas a
outros educadores filântropos, começaram a propor a criação de uma escola para
oferecer uma ocupação para o sustento próprio de mulheres e prover boas
enfermeiras para assistência nos domicílios (Kelly,1999).
Depois de prolongada negociação, foi aceito que o diretor da escola, e
não do hospital, manteria o controle do Hospital Geral de Boston onde estavam os
departamentos médicos e cirúrgicos para treinamento de enfermeiras. Mas,
parece que a liderança não tinha força suficiente, pois as enfermeiras
continuaram a lavar louças e fazer outros serviços menores com pouca atenção
para o treinamento. Quando Linda Richards assumiu a direção como a terceira
diretora, ela reorganizou o trabalho, deu início às aulas do curso de enfermagem
e provou que enfermeiras educadas eram melhores que as não-educadas. Para
dar o exemplo, ela mesma cuidava dos doentes mais graves das enfermarias. Em
1876, ela tinha sob seu encargo toda a enfermagem do hospital (Kelly,1999).
A partir dessa época, outras escolas de enfermagem foram surgindo
em todo o país e, em 1880, já existiam 15; em 1900, 432 e, em 1909, já
funcionavam 1.105 escolas em hospitais concedendo diplomas. Os requisitos
para admissão variavam, entretanto, todas as candidatas eram mulheres. Alguns
hospitais aceitavam homens, mas os cursos para eles eram mais curtos
(O’Brien,1987).
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
109
First head nurses at Bellevue, circa 1900
Fig. 5 - Primeiras enfermeiras chefes no Hospital Bellevue, de Nova York , por volta de 1900.
Fonte: Schorr e Kennedy (1999, p. 9) .
Histórias românticas de heroísmo e o valor de Nightingale e suas
enfermeiras na Guerra da Criméia, alimentava a imaginação do público
americano. Entretanto, longe dessa guerra e no meio da Guerra Civil Americana,
portanto próximo de seus lares, outros livros sobre hospitais, ou sobre o trabalho
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
110
da mulher, seu patriotismo e paciência – que descrevia, os esforços de mães e
irmãos contra a sujeira e a doença, a insensibilidade ou a indiferença de médicos
– mostram a destruição provocada por essa luta fratricida.
Em 1871, o editor do Godey´s ladie´s book, a mais popular revista para
mulheres daquele tempo, escreveu um editorial de notável visão para a época,
sobre Ladies nurses (damas enfermeiras):
“muito tem sido dito sobre os benefícios de conclamar-se
enfermeiras para doentes, para elevá-las ao nível de
profissão, que uma dama educada poderia adotar sem
senso de degradação de sua parte ou da estima dos outros.
Toda escola médica deveria oferecer um curso de
treinamento, especialmente adaptado para damas que
desejassem qualificar-se para a profissão de enfermeira. E
aquelas que fizessem o curso e passassem nos exames
deveriam receber um grau e um diploma que lhe daria
posição na sociedade” (Kelly, 1999, p. 44).
Mulheres ricas, imbuídas de disposição, de amor ao próximo e com
suas experiências da guerra civil ainda vivas na memória, inspecionavam
hospitais da Filadélfia e outras cidades da costa leste. Pauline Henry foi uma
dessas mulheres. Rica e inválida, ela tinha experiência pessoal com enfermeiras
em sua longa doença. Em 1872, ela ofereceu US$1.000,00 para o Hospital Geral
da Filadélfia para que abrisse uma escola de enfermagem. Quando esse hospital
não acolheu a condição estipulada, ela estendeu essa oferta para o Hospital da
Mulher, - também na Filadélfia -, em 1875, aumentando-a para US$3.000,00, e
com a condição de expandir para outros hospitais da Filadélfia os serviços de
enfermeiras formadas. O Hospital da Mulher aceitou imediatamente as condições
impostas e recebeu a doação. Assim, o número de mulheres que se preparava
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
111
para exercer a enfermagem começou a aumentar gradativamente, misturando-se
a imagem romântica de ser enfermeira com a necessidade de ser um trabalho
remunerado (O’Brien,1987).
No inicio de 1876, Fanny Irwin, uma das graduadas do Hospital da
Mulher era supervisora dos cuidados de enfermagem como assistente da matron.
Desse modo, e sucessivamente, várias enfermeiras formadas nesse hospital
trabalharam nele. Uma delas, Anna Bunting, abriu a Escola de Enfermagem do
Hospital da Pensilvânia, em 1884 (Jamieson et al.,1966 e O’Brien,1987).
O ano de 1885 é tradicionalmente associado ao nascimento do ensino
de enfermagem na Filadélfia. Nesse ano, o Hospital da Mulher já tinha organizado
um grupo de enfermeiras formadas que eram ativas e influentes nos hospitais da
cidade. Essas enfermeiras, formadas por médicos como extensão de seus braços
para a ciência médica emergente, já tinham criado um conjunto de práticas e uma
educação especializada antes mesmo do Hospital Bellevue, de Nova York.
Nesse mesmo ano ocorreu outro grande marco porque um legado de
Nightingale foi introduzido na Filadélfia. Isso porque um apelo feito por George
Childs, dono de jornal da cidade e presidente do corpo diretivo do Hospital Geral
da Filadélfia, trouxe Alice Fisher, para trabalhar nesse hospital. Fisher era uma
graduada do St. Thomas, - portanto da Escola Nightingale - e profissional com
impressionante currículo, como superintendente de diversos hospitais ingleses.
Um ano mais tarde, Charlotte Hugo, outra graduada do St. Thomas, instituiu a
escola de enfermagem no Hospital da Universidade da Pensilvânia. Entre as
inúmeras lideres da enfermagem, desde 1890, formadas por essa escola, cita-se
o nome de Mary P. Davis, que fundou a revista The American Journal of Nursing,
com a ajuda de Lavinia Dock, Isabel Hampton Robb, Lillian Wald e várias outras
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
112
(O’Brien,1987). Esse periódico circula até hoje, conta, por conseguinte, com mais
de cem anos de existência.
As enfermeiras do Hospital da Mulher não estabeleceram nenhuma
linha direta com Florence. Suas raízes eram muito fixadas em seu tempo histórico
e seu papel havia sido montado com base na experiência pessoal, bem como era
fruto de uma retórica que misturava ideais domésticos com ciência médica
(O’Brien, 1987).
Sobre a realidade do mundo do trabalho convergiu a poderosa imagem
simbólica de Florence Nightingale, como uma figura profundamente emaranhada
com os valores e necessidades sociais do século XIX. Nessa época, os EUA
eram bastante diferentes da Inglaterra. Porém, havia muitos pontos em comum no
pensamento social e médico que permitiam emprestar não apenas a imagem,
como o seu conteúdo. Uma linha era a necessidade de legitimar o trabalho
remunerado da mulher que aspirava ser uma lady e, ao mesmo tempo, poder
manter-se com seus próprios recursos. A outra era a necessidade de a medicina
ter um quadro de cuidadores competentes e disciplinados para trazer a ordem
doméstica para a cada vez mais complexa instituição hospitalar (O’Brien, 1987).
Em 1888, no Hospital Bellevue, foi estabelecido um curso de dois anos.
Gradualmente, vários hospitais começaram a aceitar homens. A idade mínima
para todos os estudantes era vinte e cinco anos; depois passou a ser vinte e um,
para não perder as jovens moças para outros campos. A escolaridade exigida era
variável e podia ser de poucos anos. Contudo, os pré-requisitos indispensáveis
eram a boa saúde e bom caráter. A obediência durante o treinamento era rigorosa
e a aluna poderia ser dispensada se não cumprisse as ordens, se fosse faladeira,
ou muito “familiar” com os homens e se criticasse enfermeiras ou os médicos.
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
113
Muitas vezes, as casadas não eram aceitas, assim como as que tinham mais de
trinta anos de idade. As negras também eram furtivamente excluídas. Por esse
motivo, foram abertas algumas escolas para candidatas negras, sendo a de
Chicago a primeira a ser fundada, o que ocorreu no ano de 1891.
Na década de 1890, apenas 2% do curso tinha conteúdo teórico, com
aulas de anatomia, fisiologia, química, bacteriologia, higiene e patologia. O
primeiro Manual para Enfermeiras foi produzido por uma comissão de médicos e
enfermeiras, em 1878, na escola de Connecticut. Depois surgiu o manual de
Clara Weeks em 1885, o de Lavinia Dock em 1890 e o de Isabel Hampton Robb
em 1893. Desde o começo, os médicos eram contra o que chamavam de excesso
de educação para enfermeiras.
Todavia, houve também aqueles que apoiavam, como o Dr. Richard
Cabot, citado por Kelly (1999, p. 41) que, em 1901, alertava que enfermeiras
deveriam ser bem preparadas como membros de uma profissão verdadeira. Ele
listou uma série de requisitos, o que incluía:
“1) enfermeiras devem pagar para serem treinadas por
instrutores igualmente pagos; 2) a enfermagem deve ser
ensinada por enfermeiras, assim como medicina por médicos;
3) a educação de enfermeiras não deve ser inteiramente
técnica”.
Para tanto recomendava que a literatura francesa deveria ser incluída,
assim como história, o que daria mais profundidade e simpatia no relacionamento
com o ser humano. Enquanto isso, as alunas continuavam sua existência como
escravas, com excesso de trabalho, vivendo em más condições de habitação, mal
alimentadas e pouco protegidas das doenças que ajudavam a cuidar em doentes
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
114
da média dos hospitais (cerca de 80% das alunas que terminavam o curso de
enfermagem estavam positivas para tuberculose). Se sobrevivessem a toda essa
situação, não era de se admirar que elas fossem respeitosas, obedientes,
submissas, alegres, leais, trabalhadoras, pacíficas e religiosas. Esses princípios
de sacrifício, serviço, obediência ao médico e a orientação ética estavam contidos
no juramento de Florence Nightingale, escrito em 1893 por Lystra E. Gretter,
superintendente da Escola do Harper Hospital, de Detroit, um juramento até hoje
recitado pelas alunas ( Kelly, 1999).
Para os diretores de hospitais e para os médicos, o legado de Florence
Nightingale foi igualmente poderoso, pois um simples apelo para a sua imagem,
seria suficiente para ajudar a recrutar um grupo de cuidadoras disciplinadas e
para suportar o intenso trabalho de uma instituição que estivesse deteriorando.
Nos EUA, a pioneira na cruzada pela reforma no cuidado com o doente
mental foi Dorothea Lynde Dix, (nomeada depois como superintendente do
primeiro corpo de enfermeiras do Exército; como registrado em páginas
anteriores), quando esse tipo de doença era ainda considerado sem cura. Poucas
pessoas percebiam que elas também necessitavam de tratamento humano. Em
muitos lugares, doentes mentais eram exibidos como animais para diversão
pública.
Dorothea Dix, em seu primeiro contato com o doente mental, - que
ocorreu em 1841 -, chocou-se com o ambiente e com as condições em que viviam
os prisioneiros, sendo que muitos deles eram doentes mentais. O único
“tratamento” que eles recebiam passava da indiferença para a negligência,
chegando até a brutalidade. Havia a percepção de que eles eram incapazes de
ter sensações térmicas, não havendo, pois, calefação de ambiente para eles.
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
115
Com persistência lutou para que houvesse calefação em Cambridge, local de
muito frio, especialmente no inverno. Ela levantou outras necessidades dos
doentes mentais, reuniu informações e dados e buscou apoio dos cidadãos. Em
seus contatos, havia encontrado pacientes confinados em jaulas, armários,
banheiros, porões, adegas e sótãos. Muitos estavam nus, acorrentados e tinham
sido açoitados para serem obedientes. Graças aos seus esforços, o primeiro
hospital público foi construído em Trenton, Nova Jersey, onde buscaram melhorar
o padrão dos cuidados aos doentes mentais. Até sua morte, ocorrida em 1887,
mais de trinta hospitais haviam sido estabelecidos nos Estados Unidos (Dolan,
1968).
A gênese da profissionalização da enfermagem nos EUA no que tange
às publicações sobre os cuidados com os doentes e sobre o preparo dos
enfermeiros, pode ser resumida da seguinte forma:
Período pré-nightingaleano:

Medicina doméstica, de 1769, instruções de William Buchan;

Guia da saúde, de Thomsonian;

Sinopse de palestras para enfermeiras sobre anatomia, fisiologia,
obstetrícia e pediatria, feitas pelo Dr. Valentine Seaman, 1798, Nova York;

Guia das Enfermeiras, 1839, do Dr. Joseph Warington, Filadélfia;

Cuidando do doente, 1863, da Dra. Ann Preston, Filadélfia;

Treinamento de enfermeiras, 1863, ministrado pela Dra. Ann Preston,
Filadélfia;
Período após a implantação do modelo nightingaleano, em 1873:

A Handbook of Nursing, em 1878, produzido por uma comissão de médicos
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
116
e enfermeiras, na Escola de Connecticut;

Textos escrito sobre obstetrícia, atenção ao enfermos mentais, ética, e
matérias médicas escritos por Clara Weeks em 1885;

Manual para Enfermeiras, de Lavinia Dock; em 1890;

Em 1893, de Isabel Hampton Robb ( Jamieson et al., 1966).
Entre alguns dos vultos históricos do passado, reconhecidos e
cultuados pela enfermagem americana, podem ser citados:

Dorothea Lynde Dix (1802-1887) – que foi superintendente do primeiro
corpo de enfermeiras do Exército, além de ter cuidado de doentes mentais
e melhorado as condições desses pacientes em hospitais;

Linda Richards – considerada a primeira enfermeira graduada dos EUA.
Formou-se pelo Hospital Geral de Boston, em 1873. Trabalhou nesse
mesmo hospital onde foi a terceira diretora; reorganizou todo o trabalho de
enfermagem
e
deu
inicio
às
aulas
do
curso
de
enfermagem.
Posteriormente foi trabalhar no Hospital Bellevue, de Nova York, onde
implantou vários sistemas, tais como as rondas interdisciplinárias,
prontuários
de
pacientes
com
prescrições
médicas
e
uniformes
padronizados para todas as enfermeiras;

Valentime Seaman - cirurgião do Hospital Bellevue e precursor dos
primeiros cursos regulares de enfermagem, iniciados em 1798;

Joseph Warrington - médico quaker da Filadélfia, que, em 1839, começou
a preparar enfermeiras para dar assistência domiciliar a mulheres no parto
e pós-parto;

Ann Preston - médica da Filadélfia, que fundou o Hospital da Mulher, em
1861, e incentivou jovens para ingressarem no curso de treinamento para
4.3 – Estados Unidos da América (EUA)
117
enfermeiras. Publicou dois livros em 1863;

Lavinia Dock - notabilizou-se não apenas pela publicação do Manual para
Enfermeiras, em 1890, como também por participar em atividades
internacionais, inclusive na fundação do Conselho Internacional de
Enfermeiras (CIE), em 1899. Foi também a sua primeira Secretaria
Honorária por mais de vinte anos.
Ajudou a organizar o primeiro
Congresso Internacional de Enfermeiras, em 1901, na cidade de Buffalo,
EUA (Quinn, 1989).
4.4 - França
118
4. 4 - França
A história da profissionalização da enfermagem nesse país foi
analisada por Y. Knibiehler (1984) no livro Cornettes et blouses blanches emergence de la profession (1984), e K. Schultheiss (2001) em Bodies and Souls
- politics and the professionalization of nursing in France 1880 -1922. A narrativa
da trajetória inclui também as publicações de Marie Françoise Collière (1989),
autora de Promover a vida: da prática das mulheres de virtude aos cuidados de
enfermagem, e de René Magnon (1991), autor de 1873 –1937- Leonie Chaptal –
la cause des infirmières. Foram as principais referências utilizadas no presente
estudo.
A medicina francesa no século XIX, em relação a períodos anteriores,
passou por transformações radicais, tendo como principais fatores o cientista
Pasteur - abrindo caminho para novos métodos de assepsia, e a instituição da
república francesa. Entretanto, essa revolução nos procedimentos da medicina
representou um desafio ao poder absoluto exercido pelas religiosas no cuidado
dos doentes.
Knibiehler (1984, p. 42) descreve o cenário da época salientando que
“em Paris, 485 religiosas comandavam 2.791 vigias ou
guardas de doentes e serviçais nos estabelecimentos
hospitalares. Anualmente crescia o efetivo de religiosas
nos estabelecimentos de cuidados. Elas se multiplicavam
e
havia
uma
congregações
espécie
e
as
de
convenção
comunidades
ou
entre
as
comissões
administrativas dos hospitais que prescreviam os direitos
e obrigações dessas religiosas”.
Algumas das cláusulas prescritas determinavam que as religiosas não
4.4 - França
119
cuidariam de parturientes e nem dos doentes com moléstias venéreas. Nos
hospitais, elas exerciam essencialmente a função de supervisão sobre o pessoal
de tarefas mais simples, mas, na realidade, tinham o controle de tudo.
As congregações religiosas, para se recusar a assumir novas
atribuições exigidas pela nova medicina, alegavam necessidade de cumprir suas
tradições. Nesse período, os hospitais eram utilizados como refúgio dos pobres e
oprimidos que as religiosas acolhiam, assumindo os cuidados dos doentes à sua
maneira, já que não tinham o hábito de obedecer aos médicos (Silva, 1986).
A laicização progressiva de instituições, como a escola e o hospital antes demasiadamente submissas à Igreja Católica - diante da revolução sanitária
promovida por Pasteur (1822-1895), deu um impulso à valorização do saber.
O grande significado das descobertas desse cientista deu um caráter
sagrado a tudo que ele dizia sobre as noções de higiene e a assepsia, assim
como a luta contra os flagelos do alcoolismo, tuberculose e sífilis, que
determinaram novos métodos de anti-sepsia, pois a existência de micróbios e a
possibilidade de contágio determinavam a adoção de uma nova estratégia de
defesa.
Entretanto, essa nova tática encontrou obstáculo no poder e na
autoridade exercida pelas religiosas, pois elas comandavam guardas ou vigias e
serviçais nos estabelecimentos hospitalares.
Cumpre salientar, todavia, que o início do processo de medicalização
começou no século XVIII, e com o nascimento da clínica, o hospital tornou-se um
centro de saber, permitindo a formação do médico. Com isso as religiosas ou
foram afastadas, ou abandonaram os hospitais (Leroux-Hugon,1981).
4.4 - França
120
Com a saída das religiosas, os médicos sentiram a necessidade de ter
auxiliares dóceis, como forma de se impor rapidamente sem nenhum
questionamento e contestação. As religiosas deixaram de atender às novas
necessidades, pois estavam presas a conceitos antigos. Novas práticas, como
uso do termômetro anal, injeções subcutâneas e a anestesia de parturientes
encontravam muita resistência da parte delas. Havia também o fato de terem que
pedir, sistematicamente, autorização ao superior religioso imediato, ignorando as
determinações do médico no hospital.
Para Prevot (1982), citado por Souza (1996, p.66), os médicos
começaram a traçar o perfil da cuidadora, impregnada de princípios de higiene,
submissa a eles, leiga, de origem modesta e que, sem o hábito da freira, tinha
todas as qualidades necessárias para o desempenho da função (Souza,1996).
Com algumas ressalvas, pode-se dizer que os cuidados exercidos por
leigos foi o ato de nascimento da profissão de enfermagem. E não foram apenas
os cientistas que quiseram criar a enfermeira leiga; associações privadas e
senhoras cristãs também faziam esforços de sua parte. Embora menos
agressivas em seus esforços, não foram menos eficazes.
A enfermagem, no principio, não era só exercida por mulheres mas os
médicos tinham preferência por elas, dizendo que seu trabalho deveria exprimir
ou exaltar os caracteres naturais de feminilidade. No alvorecer do século XX,
todos aqueles que debatiam sobre a educação da mulher, ou de seu trabalho,
acentuavam o devotamento e a abnegação que deveriam inspirar toda vocação
feminina. Por isso, não valorizavam os homens que a exerciam, principalmente
nos hospitais psiquiátricos, onde eles eram a maioria (Knibiehler, 1984).
As enfermeiras deveriam ter três qualidades: submissão, competência
4.4 - França
121
na limpeza e devotamento. A competência na limpeza se explica pelo fato de a
maioria dos trabalhos realçar o caráter manual e o manejo da limpeza, que
adquiria o aspecto da higiene e, sobretudo, da assepsia. A assepsia pasteuriana
era exigente e não permitia qualquer infração ou negligência. Tratava-se de uma
maneira de formar um novo tipo de pessoal, de mudar comportamentos, gestos,
atitude. A limpeza deveria ser, por conseguinte, uma cruzada contra os micróbios,
a nova encarnação do mal. O hospital tornara-se um santuário, e mais ainda a
sala de cirurgia onde a assepsia era um rito sagrado, um verdadeiro cerimonial
(Souza,1996).
Se os médicos, autores dos manuais, insistiam na submissão absoluta
e definitiva das enfermeiras, era porque eles tinham medo de correr o risco de
deixá-las agir com técnicas um pouco mais elaboradas. A enfermeira deveria
secundar o médico, mas nunca substituí-lo; e o melhor modo de evitar era limitar
sua instrução às coisas de seu mister. Pura e simples executora de ordens, toda
iniciativa lhe era interditada e apenas o seu valor moral era colocado em primeiro
plano, como se fosse uma “religiosa leiga” (Souza,1996).
O Dr. Desiré Magloire Bourneville “foi uma figura expoente no cenário
do ensino da enfermagem. Ele era um médico parisiense que acumulava as suas
atividades médicas com as de jornalista e de político” (Knibiehler,1984, p. 47).
Com efeito, no Salpêtrière36, com Charcot - médico parisiense -, ele publicava
trabalhos. No Bicêtre, consagrava-se aos cuidados das crianças dementes e
36
Salpêtrière e Bicêtre foram estabelecimentos de internação que, além dos loucos, encerraram os inválidos
pobres, os velhos na miséria, os mendigos, os desempregados, em resumo, todos aqueles que, em relação à
ordem da razão, da moral e da sociedade, davam alteração (Barros, 1996, p.11)
4.4 - França
122
epilépticas. Como político, foi conselheiro municipal em Paris. Como jornalista,
fundou a Revista Progresso Médico. Bourneville incentivou a fundação de escolas
de enfermagem, seguindo os princípios da laicização, e foi diretor de uma delas
por muitos anos. Sua posição anticlerical, julgada excessiva, guiou toda a sua
conduta. Foi militante fervoroso da revolução pasteuriana e das leis de assepsia
que revolucionaram a concepção da organização dos cuidados (Knibiehler,1984,
e Magnon,1991).
O perfil da enfermeira em Paris, nas escolas fundadas por Bourneville,
era traçado pelos requisitos de uma cuidadora impregnada de princípios de
higiene e totalmente submissa aos médicos, uma vez que ela teria de cumprir as
diretrizes por eles estabelecidas, dentro dos limites de seu papel. Leiga, de
origem modesta, e sendo mulher sem a veste religiosa, ela ofereceria todas as
qualidades de doçura e devotamento própria de sua condição feminina. Seria,
pois, admitida num trabalho que lhe prometia a vantagem de promoção social
(Pires,1989).
Em 1905, em um discurso, Bicêtre - médico parisiense, cujo nome foi
dado a uma instituição de saúde - dizia:
“Nós a escolheremos sempre que possível entre as filhas
corajosas do povo que, à força da inteligência e energia, irão
se instruir. Nós lhe asseguraremos uma situação honorável e
materialmente suficiente. Nós as desejamos casadas e mães
de família, porque assim elas terão mais delicadeza de
sentimentos pelos fracos e pelas crianças. Essas enfermeiras,
plebéias de origem, serão desprovidas de arrogância e orgulho
e saberão se fazer respeitar sem ódio” (Knibiehler, 1984,p.45).
Para Knibiehler, (1984, p.46). “a laicização dos hospitais consistiu na
expulsão das religiosas praticamente de todos os hospitais da Assistência
4.4 - França
123
Pública, sendo que 17 hospitais foram laicizados em Paris”. Entretanto, nas
instituições do interior nem todos os médicos queriam a laicização por falta de
pessoal capaz de assumir imediatamente as funções.
Elaborou-se assim o esboço inicial sobre as atividades das enfermeiras
leigas, e com algumas restrições, este ato pioneiro é o primeiro passo que
consagra o nascimento da profissão de enfermagem, como anteriormente
registrado.
Os hospitais passaram a recrutar pessoal mais competente, e as
atividades foram redirecionadas para os serviços de higiene. A essa instrução
técnica deu-se o nome de “nova formação”, dirigida, sobretudo, às mulheres.
Dentro do modo de pensar da época, o corpo médico desejava cercar-se de
pessoal auxiliar feminino, de preferência formado de tal maneira que soubesse
secundar a ação terapêutica, sem jamais usurpar o poder médico.
Em Paris, os programas dos cursos oferecidos eram divididos em
diversas partes e as matérias eram dadas em setenta lições, completados com
setenta exercícios práticos de medicina e cirurgia. Quarenta e três diplomas foram
entregues em 1884 pelas quatro escolas instaladas nos hospitais em Pitiè,
Bicêtre, Salpêtrière (de onde vieram as enfermeiras para o Brasil) e Lariboisière.
Bourneville considerava que toda mulher com sólida educação primária
e profissional e vida correta poderia ser uma boa enfermeira, já que as qualidades
morais existiam em ambiente familiar honesto. Como o recrutamento era
necessário, os médicos concordavam que deveria ser traçado o perfil da
enfermeira ideal e assegurar sua formação, conforme acima destacado.
Sobre a enfermeira leiga, os médicos desenhavam um estereótipo que
4.4 - França
124
suplantava a figura da religiosa. Como escrevia Collière (1989), tratava-se de uma
filiação médica patrilinear se superpondo à filiação religiosa matrilinear.
De acordo com Gomes (1991), citado por Soares (1997), os médicos,
maiores interessados na formação ideal das enfermeiras, contribuíram com a
produção de literatura pedagógica, fato que pode ser comprovado por todos os
manuais da época que foram por eles elaborados. Esses manuais, como o do Dr.
Bourneville, foram utilizados em vários países da Europa, como em Portugal,
referido por Soares (1997), e até mesmo no Brasil, na Escola Profissional de
Enfermeiros e Enfermeiras. Em Portugal, entre 1881 e 1920, a língua francesa era
ensinada no curso para enfermeiras, para habilitá-las a ler os manuais franceses.
Os autores expressavam-se como um chefe de família. Sua autoridade e
responsabilidade durante todo processo, baseava-se no conhecimento. O
comportamento da enfermeira era idêntico ao
de uma ama da casa modelo,
perfeitamente dócil e respeitosa diante do mestre, mas atenta à limpeza e
vigilância dos seres frágeis que lhes eram confiados. Dessa forma, manifestavamse as três qualidades básicas da sua função: submissão, competência em
limpeza e devotamento (Knibiehler,1984 e Collière,1989).
Collière (1989), destaca que os médicos se reservavam o direito de
aplicar nos pacientes bandagens e injeções, porque acreditavam que perderiam
importância se esses materiais fossem também usados por enfermeiras.
Nenhum médico renunciava às qualidades de uma boa religiosa, ou
seja, como bem descreveu Schultheiss (2001), a enfermeira, em Paris, deveria
ser de “subordinação extrema, delicadeza sacra, humildade sem limites, deferência
absoluta e abnegação sem precedentes”.
Seguindo o modelo dos cursos municipais, dados na Assistência
4.4 - França
125
Pública37, Combes, Ministro do Interior, em uma carta circular do ano de 1902,
conclamava
os
prefeitos
e
comissões
hospitalares
(responsáveis
pela
administração dos hospitais) à obrigação de abrir escolas regionais para formação
de pessoal hospitalar. Essa circular foi fundamental porque, pela primeira vez,
definia a concepção oficial do papel da enfermeira. Quais eram os grandes
traços? De acordo com a lei da Assistência Pública, os doentes pobres deveriam
ser bem cuidados e a instrução de enfermeiras não poderia ser menos exigente
com a salubridade dos locais (Knibiehler,1984).
É mais que evidente que se tratava de preparar as alunas para uma
autêntica carreira, pois, de acordo com essa concepção, a enfermeira era
totalmente diferente da servente que se ocupava de trabalhos mais rudes: ela era
a disciplinada e mais inteligente colaboradora do médico e do cirurgião. Além da
dignidade pessoal, que era essencial salvaguardar, ela deveria demonstrar um
legítimo orgulho de um estado que, por sua vez, exaltasse também o caráter
filantrópico e científico.
37
Uma das atividades do governo, Assistência Pública era a manutenção dos cursos de enfermagem que
funcionavam nos hospitais. Dentre eles destacamos: Bicêtre, Salpêtrière, Pitiè e Lariboisière
(Bourneville,1903).
4.4. 1 - Escola de Enfermeiras de Salpêtrière
126
4.4. 1 - Escola de Enfermeiras de Salpêtrière
Nesse momento, cabe um destaque para a Escola de Enfermeiras de
Salpêtrière. Com efeito, foi dessa importante instituição de ensino de enfermagem
que partiram para o Brasil as enfermeiras francesas, contratadas pelo governo em
1890, para a assistência aos doentes mentais no Hospício Nacional de Alienados,
berço que acolheu a primeira escola de enfermagem do país.
Entretanto, além de manter a escola de enfermeiras, essa instituição,
como retrata Souza (1996, p. 64),
“destinava-se ao atendimento dos pobres e necessitados,
sendo conhecida como Hospital dos Pobres de Paris (1656) e
atendia mulheres, prostitutas e condenadas à prisão (1694).
Em 1796, a instituição funcionou como Centro de Tratamento
de Doenças Nervosas e Mentais. Em 1823, serviu como asilo
para mulheres idosas,
sendo incorporado um hospital
cirúrgico, sendo modelo de organização hospitalar para toda
Europa”.
O ensino em Salpétrière foi o marco da profissão de enfermagem na
França e ensejou a abertura de outras escolas de enfermagem no último terço do
século XIX. Embora iniciado o ensino desde janeiro de 1878, a Escola de
Salpêtrière foi oficialmente inaugurada em 1º de abril de 1878, subvencionada
pela cidade de Paris. Segundo a legislação de 1881, conhecida como Lei Camile
Sée, era uma escola laica e gratuita, e funcionava conforme as leis sobre a
educação de moças (Walter,1990).
No dia 20 de maio de 1878 foi inaugurada a Escola de Enfermagem de
Bicêtre, destinada a receber homens (Souza, 1996). A preocupação com o caráter
4.4. 1 - Escola de Enfermeiras de Salpêtrière
127
profissional era encontrada nas escolas da época.
Presente na inauguração da Escola de Salpêtrière, o ministro do
Comércio, Gustave Mesureur, proclamava que “a escola saberá marcar seu lugar
ao lado das outras mais antigas, a escola de física e química, as escolas normais
primárias, a escola de parteiras...” (Knibiehler,1984,.p. 68-69).
A Escola de Salpêtrière recrutava moças de 18 a 25 anos que se
submetessem a exame médico e à comprovação de moralidade. O processo de
recrutamento constava de um exame de admissão e um estágio probatório de
dois meses. Em seguida, elas eram alojadas nos edifícios da escola (construída
especialmente para tal finalidade). Além do alimento, tinham igualmente roupa
lavada e recebiam um pagamento mensal de 10 francos no primeiro ano, e de 20
francos no segundo.
Os programas compreendiam cursos de anatomia, fisiologia, higiene e
farmacologia, aulas teóricas e práticas de cuidados para cada categoria de
doenças, cursos de administração hospitalar, eletroterapia, radiologia, cozinha e
serviços domésticos (Souza, 1996).
As alunas passavam por um rodízio nos diferentes serviços. O rodízio
em cada serviço era feito pela manhã no primeiro ano e o dia todo no ano
seguinte. Elas levavam uma vida de “pensionista”; o regulamento do pessoal lhes
era afeto, pois faziam parte da grande família hospitalar, onde elas tinham horário
controlado, assim como as saídas e o lazer.
Havia um sistema de controle instituído com fichas em cores que
assinalava a passagem e o progresso de cada uma. Atenção especial era dada à
direção moral. A todo momento, os professores não cessavam de colocar sob os
4.4. 1 - Escola de Enfermeiras de Salpêtrière
128
olhos das alunas um quadro com as qualidades morais que eram necessárias
para uma enfermeira.
A cada ano de estudo, as alunas eram submetidas a um exame de
conteúdo teórico e prático. As aprovadas recebiam
um documento que as
certificavam como enfermeira da Assistência Pública (Knibiehler,1984).
Em 1907, ano em que a escola foi reinaugurada, o ministro do Interior
concluía seu discurso enfatizando: “É uma obra de futuro que, em suma, é parte
de um serviço público útil, além de ser uma saída que se abre para as atividades
femininas” (Knibiehler,1984, p. 65).
Nessa trajetória, aos poucos o cuidado de doentes ia sendo reservado
ao corpo de elite. O pessoal que desempenhava essas funções era composto de
elementos que apresentavam garantias morais e títulos profissionais sérios. Havia
também a idéia de substituir o pessoal masculino das enfermarias pelo pessoal
feminino, já que a histórica superioridade das aptidões femininas nos cuidados de
doentes era reconhecida pelos próprios médicos.
Diferente do modelo de enfermagem introduzido por Bourneville e
circunscrito à Assistência Pública, a médica, Ana Hamilton implantou na França o
modelo anglo-saxão de Florence Nightingale. O marco inicial foram as escolas
privadas de Bordeaux, e a implantação ocorreu a partir da tese da Drª. Hamilton
“Considerações sobre as enfermeiras dos hospitais”, defendida na Faculdade de
Medicina de Montpellier, no ano de 1900 ( Knibiehler,1984).
Como é natural em processos evolutivos, pode-se observar que,
também na França, a profissionalização e as características da função de
enfermeira foram transcorrendo e se transformando gradativamente: essa função
4.4. 1 - Escola de Enfermeiras de Salpêtrière
129
não era apenas produto de uma mutação da medicina, refletia também mudanças
profundas na condição feminina. Ser enfermeira era um trabalho de mulher, para
o qual ela deveria formar-se e ser remunerada, o que lhe garantia uma posição na
sociedade.
Nesse contexto, o caráter profissional do exercício da enfermagem se
adquire com a eficiência técnica do trabalho a ser realizado. O trabalho era claro e
preciso. Todavia, já se poderia falar em profissionalização da enfermeira? Qual
era a definição de seu trabalho? Tratava-se de adaptar a exigência de uma
jornada junto ao doente, onde se incluía a execução de tarefas mais humildes?
Na trajetória da distribuição de tarefas e na sua qualificação, permaneceu a
ambivalência que afetou, por longo tempo, a imagem da enfermeira (Souza,1996).
Esse trabalho foi caracterizado em três tipos de tarefas: tarefas com
características domésticas, administrativas e terapêuticas. Mesmo assim, o ideal
de ordem e limpeza do hospital, santuário de higiene, permeava todo o curso das
enfermeiras. Acrescente-se, do mesmo modo, que, além dessas tarefas, elas
deveriam executar outras atividades que abrangiam desde a acolhida do doente e
sua admissão, até a alta, bem como a gerência dos serviços e do material.
Segundo Knibiehler (1984), já naquela época o respeito às regras burocráticas
ocupava mais da metade da jornada de trabalho.
A exemplo da trajetória americana, os atos da enfermeira seguiam
obrigatoriamente o progresso das práticas médicas. Assim sendo, as doenças iam
sendo classificadas e os cuidados eram adaptados a cada categoria de doentes
(doenças
de
crianças,
doenças mentais,
doenças contagiosas).
A um
determinado cuidado ou medicamento, correspondia um ato ou gesto adequado.
Em suma, a profissionalização da enfermeira se manifestava pelas propostas de
4.4. 1 - Escola de Enfermeiras de Salpêtrière
130
novas missões que lhe seriam confiadas.
A título de conclusão, podemos afirmar que o modelo francês foi
concebido social e politicamente através de uma vertente ideológica que
privilegiava a educação democrática, a primazia da ciência e a laicização, que,
através de leis, transformava o ensino e o preparo das candidatas à profissão.
Nessa circunstâncias, as diretrizes do saber substituem a irrestrita submissão à
Igreja. Se o modelo nightingaleano assentou a prática profissional nos valores
morais e religiosos consagrados à mulher, a vocação aos pobres e a progressiva
orientação da medicina, o modelo francês veio revolucionar o exercício da
enfermagem que, acompanhando a revolução iniciada por Pasteur, colaborou na
eliminação dos três flagelos básicos da época: o alcoolismo, a tuberculose e a
sífilis.
4.5 - Portugal
131
4. 5 - Portugal
O ensino de enfermagem nesse país começou nos últimos anos do
século XIX. Foi uma iniciativa de administrações de hospitais ligados à Faculdade
de Medicina de Coimbra, à Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa e à Escola MédicoCirúrgica do Porto.
A trajetória aqui descrita serviu-se do referencial do livro de Maria
Isabel Soares (1997), enfermeira e historiadora, autora de Da Blusa de Brim à
Touca Branca - contributo para a história do ensino de enfermagem em Portugal
(1880 - 1950), além de textos de Marreiros e um livreto chamado Enfermagem, da
Ordem dos Enfermeiros, distribuída em 2003.
A primeira Escola de Enfermagem de Portugal foi criada, em 1881, por
Antônio Augusto da Costa Simões, professor da Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra e administrador dos hospitais da mesma Universidade.
Essa escola tinha como objetivo:
“dar melhor instrução aos enfermeiros e enfermeiras, e
habilitar
as
criadas
do
estabelecimento
a
poderem
concorrer às vagas, que se estavam dando, no quadro das
enfermeiras, à falta de pessoal habilitado na localidade com
as simples noções de instrução primária” (Simões, 1888
citado por Soares, 1997, p. 32).
Em 1886, Tomás de Carvalho38, enfermeiro-mor do Hospital Real de
São José em Lisboa, propôs ao ministro dos Negócios do Reino a criação de um
38
Tomás de Carvalho, além de enfermeiro-mor do Hospital Real de São José foi diretor da Escola MédicoCirúrgica de Lisboa, professor de anatomia da mesma escola. Foi também deputado e provedor da Santa
Casa de Misericórdia de Lisboa.
4.5 - Portugal
132
curso de enfermeiros naquele hospital, proposta que foi efetivada em 1887.
Cabe destacar aqui que o cargo de enfermeiro-mor era ocupado por
médico. Foi criado em 1564, era nomeado pelo rei e exercido por aquele que
desempenhava a função de administrador do hospital.
A iniciativa da criação do curso não logrou frutos até que, em 1901,
Curry Cabral, quando era enfermeiro-mor do mesmo hospital, ou seja, do Hospital
Real de São José em Lisboa, sugeriu a criação da Escola Profissional de
Enfermeiros de Lisboa39, dentre as reformas que empreendeu no hospital
(Soares,1997).
No Estatuto da Escola, aprovado em 1901, constava entre suas
finalidades:
“dar aos indivíduos que se destinam à profissão de
enfermeiros a instrução doutrinária e os conhecimentos de
prática, que as exigências da ciência atual reclamam e que
tenham de cumprir prescrições médicas ou cirúrgicas e de
prestar cuidados de enfermagem” ( Soares,1997, p. 35).
Os cursos que nasceram e funcionaram no período de 1881 e 1920
tiveram características semelhantes em duração e nas matérias oferecidas. Havia
ainda cadeiras ou matérias preparatórias de instrução primária, de português e de
tradução de língua francesa. Esta última servia para habilitar os enfermeiros e
enfermeiras a lerem os manuais de origem francesa. Entretanto, o programa era
também enriquecido com a aprendizagem de noções de anatomia, fisiologia,
higiene, curativos, ligaduras, algumas operações de pequena cirurgia, noções
39
A Escola Profissional de Enfermeiros criada em 1901, em 1919 passou a chamar-se Escola Profissional de
Enfermagem e, em 1930, Escola de Enfermagem Artur Ravara. Hoje é a Escola Superior de Enfermagem
Artur Ravara (Soares, 1997, p. 18).
4.5 - Portugal
133
gerais de matéria médica e de farmácia. Porém, era a administração do hospital e não do ensino - que determinava quantas lições deveriam ser dadas
semanalmente em cada hospital, para cada sexo e categoria de pessoal.
Ao longo do tempo algumas alterações foram sendo incluídas, tais
como: noções gerais de microorganismos, instrumentação cirúrgica, clínica de
pobres e de ricos, economia hospitalar e outras.
Na esteira da evolução do conteúdo programático da enfermagem “na
década de 1920, a Escola Profissional de Enfermagem - antiga Escola
Profissional de Enfermeiros de Lisboa - introduzia a História de Enfermagem em
seus cursos” (Soares,1997, p .62).
Com significativas interrupções e dificuldades, foi esse o início do
ensino de enfermagem em Portugal, até que, em 1919, foi criada, em Coimbra, a
Escola de Enfermeiros, com as mesmas características da Escola Profissional de
Enfermagem de Lisboa, que funcionava na dependência administrativa do
Hospital Real de São José, e que se chamava, anteriormente, Escola Profissional
de Enfermeiros de Lisboa.
Como em diversos países da Europa e das Américas, as primeiras
escolas de enfermagem surgiram nos hospitais em função das suas
necessidades. Nessa fase de atender às necessidades, poucas foram as
mudanças com relação às exigências para o ingresso no curso. Apenas foram
acrescidas as exigências de idoneidade moral nas quais se salientava o perigo do
exercício de enfermagem que não se fundamentasse na prévia aquisição de
conhecimentos adquiridos de forma organizada e institucionalizada (Soares,
1997).
4.5 - Portugal
As
134
funções
de
secretário
escolar
na
Escola
Profissional de
Enfermagem eram exercidas por um professor, tendo como auxiliar um
enfermeiro, com conhecimento de datilografia. Em 1930, a escola mudou
novamente de nome e passou a chamar-se Escola de Enfermagem Artur Ravara,
em homenagem ao seu primeiro professor. A partir de então começou a exigir um
exame de admissão para a matrícula.
Naquela ocasião, segundo Costa Sacadura - médico, assistente de
Obstetrícia e catedrático da Faculdade de Medicina de Coimbra -, citado por
Soares (1997, p.38), “na escola de Lisboa faltavam instalações convenientes e
dotação orçamentária própria”. A “miséria econômica” e a desorganização não
permitiram o desenvolvimento da Escola Profissional de Enfermagem que
funcionava, nessa ocasião, no Hospital São Lázaro, em Coimbra. Não estava,
portanto, em condições de habilitar todo o pessoal destinado aos hospitais da
província, das colônias, ou casas particulares, assim como preparar as pessoas
que desejassem dedicar-se a obras de assistência.
No ano de 1940 foi criada a Escola Técnica de Enfermeiras 40,
subordinada ao Ministério da Educação Nacional, mas vinculada ao Instituto
Português de Oncologia, tendo em vista preparar enfermeiras de nível superior de
ensino. A criação da escola teve o apoio da Fundação Rockefeller dos EUA e
mantinha em sua direção uma enfermeira americana. Nesse ínterim, a Fundação
também concedia bolsas de estudo para as formadas irem aos EUA se
prepararem para o exercício da docência e do cargo de direção. A instituição
inaugurou um novo modelo na formação de enfermeiras, influenciado pelo
40
Diferentemente do Brasil, em Portugal, a Escola Técnica de Enfermagem prepara o profissional de nível
superior, enquanto que o termo enfermeiro era utilizado para o profissional de nível médio.
4.5 - Portugal
135
sistema americano que, por sua vez, no seu início, tinha sido inspirado no modelo
nightingaleano. Da mesma maneira não era permitido o ingresso de homens
nessa escola que funcionava em regime de internato. Exigia para ingresso o
exame do 2º ciclo liceal. Só em 1947, porém, os exames de admissão aos cursos,
assim como o exame de saúde e o atestado de vacinação passaram a ser
requeridos. O bom comportamento moral e civil deveria ser comprovado pelo
pároco, pelo regedor ou por entidade policial, com apresentação de registro
criminal e até declaração de repúdio por idéias subversivas. As alunas eram
provenientes das classes sociais mais desfavorecidas, que almejavam uma
ascensão social, apesar da baixa remuneração que viriam a ter (Soares, 1997).
A partir da década de 1940, o Estado passou a intervir no ensino de
enfermagem com a perspectiva de uniformizar, centralizar e controlar o ensino e
as demais escolas de enfermagem.
Entre 1940 e 1950, a legislação favoreceu a organização dos serviços
sociais e de saúde, incluindo neles as escolas de enfermagem.
Como prova de tal apreço, Soares (1997, p. 44-45) nos mostra um
parecer de 1951 que, entre suas diversas justificativas, ressalta:
“a insuficiência da remuneração durante e após o curso que
baixa o nível educativo da classe onde se faz o recrutamento,
dificulta as possibilidades de escolha; e é o ensino técnico
mal orientado, dirigido e realizado por médicos, quando o
deveria ser por enfermeiras, porque as duas profissões são
diferentes, o que torna insuficiente e ilusória a instrução
profissional e técnica”.
Conclui a justificativa frisando que
4.5 - Portugal
136
“é necessário remodelar profundamente o ensino geral de
enfermagem, seleção e vencimento, de forma a elevar o
seu nível de vida profissional e social, sem o que uma das
bases técnicas e morais da assistência claudica” ( Soares,
1997, p. 45).
No decorrer dessa década, mais exatamente no ano de 1947,
verificamos que por força de lei as escolas e as administrações dos hospitais
deixaram de tomar decisões sobre os programas dos cursos. Com efeito, o
Decreto-Lei n.º 36.219/47 estabeleceu que, os programas e conteúdos unificados
passassem a ser aprovados pela Inspeção de Assistência Social para todas as
escolas que tutelava.
A Enfermagem passou a ser designada Técnica de Enfermagem e
Técnica de Enfermagem Especial, Médica e Cirúrgica. O ensino prático ficou a
cargo dos hospitais, exceto os programas orientados pela Escola de Enfermagem
São Vicente de Paulo e pela Escola Técnica de Enfermeiras de Lisboa. Nessas
escolas, os estágios eram organizados e coordenados com a parte teórica. Eram
realizados em serviços, escolhidos de acordo com as necessidades de
aprendizagem das alunas sob a orientação de enfermeiras professoras
(Soares,1997).
Assim, em 1947, as escolas de enfermagem oficiais adquiriram
autonomia técnica e administrativa. Foi então criado o curso de auxiliares de
enfermagem e de pré-enfermagem na tentativa de resolver dois problemas: suprir
a carência de pessoal e atender parcela de jovens
que, entre o fim da
escolaridade obrigatória, e os 18 anos não tinham ocupação.
Os cursos deveriam funcionar, preferencialmente, em regime de
4.5 - Portugal
137
internato, com prioridade para as pessoas do sexo feminino.
Entretanto, a exclusão das pessoas do sexo masculino tornou-se mais
branda. Isso porque o referido decreto-lei, apesar de manifestar preferência para
o sexo feminino, abria uma exceção para os serviços de certas especialidades,
como a psiquiatria e a urologia. Nesse regime, os alunos tinham uma ficha com
dados biográficos e informações quanto ao aproveitamento e comportamento.
As escolas continuavam integradas aos hospitais e com eles
mantinham uma relação de dependência, sendo que a administração era
entregue a um diretor médico. Os regulamentos das escolas particulares seguiam
o mesmo modelo.
O regime de internato e de residência foi recomendado para todas as
alunas, mesmo para as que residiam na cidade onde as escolas funcionavam.
Pretendia-se com isso que “a residência fosse também local de formação moral e
profissional, além de facilitar a vigilância e a oportunidade para desenvolver e
adquirir as qualidades indispensáveis à profissão” (Soares, 1997, p. 48).
Com a progressiva burocratização dos serviços e a crescente
participação das enfermeiras nos serviços de cirurgia, foram introduzidas as
disciplinas de “Serviços Operatórios, Organização dos Serviços Hospitalares e
Legislação”, nas cidades de Lisboa e Coimbra (Soares, 1997, p.63).
Na Escola Técnica de Enfermeiras o currículo era completamente
diferente do currículo das outras escolas. Organizado em períodos alternados de
teoria e de prática, os primeiros seis meses eram um período probatório que se
prestava para avaliar a capacidade das alunas de continuar o curso, ou não.
Terminada a fase probatória, acontecia a cerimônia pública, quando a aluna
4.5 - Portugal
138
recebia a touca branca de enfermeira, sinal exterior de sua aceitação pela
sociedade.
Até o final dos anos 1930, as escolas de enfermagem, admitiam alunos
do sexo masculino e do sexo feminino. Só a partir dessa época é que surgiram
escolas que excluíam os homens, medida tomada inicialmente pela Escola de
Enfermagem de São Vicente de Paulo e depois, seguida pela Escola Técnica de
Enfermeiras, pelas escolas religiosas e/ou particulares. Tal iniciativa se deveu à
influência de outros países da Europa e EUA. A justificativa tinha por base a
crença da superioridade da enfermagem feminina considerada “mais facilmente
educável, paciente, disciplinada, ordeira e econômica”, porque “o fundo de
resignação e de compaixão da mulher era mais adaptável a uma profissão a que
o caráter insubmisso e egoísta dos homens dificilmente se amolda” (Santos,1916
citado por Soares, 1997,p.83).
Com efeito, Soares (1997, p. 50) afirma que:
“durante muitos anos, em Portugal, o hospital foi o único
local de formação das enfermeiras, pois apesar do discurso
sobre um papel mais amplo e para além dos muros
hospitalares, só na década de 1940 a saúde pública
começou a abrir caminho no ensino de enfermagem”.
Na verdade, nesse país, a enfermagem assumiu importância central ao
desenvolver-se
acompanhando
o
modelo
médico
em
todas
as
suas
especialidades. Foram introduzidas as disciplinas de Saúde Pública, Medicina
Preventiva, Ensino e Administração, Orientação profissional e Técnica de sala de
operações (Soares, 1997).
Este sucinto relato da história da profissão de enfermagem em Portugal
4.5 - Portugal
139
permite algumas considerações finais.
Tomando como ponto de partida a época em que começaram a
funcionar as primeiras escolas de enfermagem em Portugal, elas de início, não
eram majoritariamente, constituídas de alunos do sexo feminino.
A partir dos
anos 1930 começou a aumentar o número de mulheres que as freqüentavam.
Concomitantemente com as mudanças econômicas do país, a necessidade de
uma força de trabalho no setor de serviços tornou possível a transição das
mulheres do ambiente doméstico e privado para a vida pública, contribuindo com
sua presença no mercado de trabalho. Outro fato que marcou o aumento de
mulheres era a sua remuneração, que era tão baixa a ponto de afastar os homens
da profissão de enfermeiros. Curiosamente as mulheres não podiam ser casadas
e nem viúvas com filhos, fato que as levava a optar entre o casamento e o
trabalho hospitalar (Soares,1997).
Na luta pela dignidade da mulher - mas que marcou a trajetória da
enfermagem - um acontecimento inusitado cabe ser destacado. Trata-se da
prisão da enfermeira Isaura Silva Borges Coelho, em 1953. Ficou presa por quase
quatro anos, em isolamento, sujeita a medidas de segurança, ela foi acusada do
“crime grave” de recolher assinaturas para a abolição do decreto que impedia o
casamento de enfermeiras. Em solidariedade contra a expulsão de doze
enfermeiras, do Hospital Júlio de Matos, em Portugal, que haviam se casado,
Isaura recolhia assinaturas para levar ao presidente Oliveira Salazar e ao cardeal
Gonçalves Cerejeira. Sua irmã Hortênsia, estudante de enfermagem, pelo mesmo
motivo ficou presa por um ano e depois absolvida (Marreiros,1989).
Após esses episódios, vários movimentos surgiram e os enfermeiros
foram aos poucos se unindo e se organizando melhor. A partir de 1975, o sistema
4.5 - Portugal
140
de ensino de enfermagem conta com apenas o grau superior de formação, uma
vez que as demais categorias foram extintas. O passo seguinte foi a elevação
dessa única categoria para o nível superior, o que ocorreu em 1988. Desde 1990,
os enfermeiros passaram a ter acesso a programas de pós-graduação no nível de
mestrado e doutorado. O primeiro programa de mestrado em enfermagem teve
inicio em 1992. Finalmente, em 1998, foi criada a Ordem dos Enfermeiros, uma
entidade de direito público, que representa os diplomados em enfermagem em
Portugal, e tem a função de promover a defesa da qualidade dos cuidados de
enfermagem prestados à população, bem como desenvolver, regulamentar e
controlar o exercício da profissão de enfermeiro, assegurando a observância das
regras de ética e deontologia profissional (Ordem dos Enfermeiros, 2003).
4.6 - Espanha
141
4. 6 - Espanha
Dentre a vasta literatura sobre o desenvolvimento da enfermagem na
Espanha, três importantes documentos nos serviram de fontes para traçar a
trajetória que vai ao encontro dos nossos objetivos: Historia de la Enfermería, de
José Siles González (1999), El Arte de Enfermería, de José Bueno y Bueno
Gonzales (1997) e Antecedentes y Evolución Histórica sobre el trabajo, de
Carmen Chamizo Vega (2000).
Assim é que nosso roteiro remonta mais uma vez à Idade Média,
durante os séculos IV e V, quando os monges do convento de São Jerônimo
dedicavam-se a cuidar dos doentes mentais e dos doentes comuns. Segundo
Siles(1999), esses fatos são a base da enfermagem espanhola, uma vez que, o
cuidado aos doentes teve início com
religiosos. Para os historiadores da
medicina espanhola, o Hospital de Colon, fundado em 1375, dedicado a cuidar
das pessoas portadoras de distúrbios mentais, era dirigido por religiosos.
Posteriormente, o Hospital Valenciano dos Inocentes, erguido em 1409, também
prestava cuidados aos doentes mentais.
Os religiosos da Ordem de São João de Deus41, apesar de não
constituírem uma escola de enfermeiros, tinham como missão cuidar dos
enfermos, e com isso, preparavam os noviços através de um ensino
sistematizado, com um manual de instruções sobre os procedimentos de
enfermagem a serem utilizados junto aos enfermos sob seus cuidados.
41
Obra de São João de Deus: São João de Deus - morreu em 1550, em Granada. Fundou a Ordem dos Irmãos
Hospitalares ou Congregação de São João de Deus.
4.6 - Espanha
142
Antes de 1620, na Facultad de Practicantes, na cidade de Madri, os
livros eram em forma manuscrita e corriam de mão em mão entre os alunos que
os copiavam para seu próprio uso. Apenas em 1683, surgiu um impresso com o
nome de Breve Compendio de Cirurgia.
No decorrer do mesmo século XVII foi impresso, um livro a respeito da
formação religiosa dos noviços. Tratava-se do 1º volume de um conjunto de dois
volumes, ambos conhecidos sob o nome de Instruções para Noviços. O 2º
volume, entretanto, somente veio à luz no ano de 1833, portanto nos primeiros
decênios do século XIX. O título dessa outra publicação era El Arte de
Enfermería, que versava sobre o bom cuidado dos enfermos (Gonzales e Bueno,
1997).
Historiadores apontam o século XIX como o marco profissional para a
enfermagem. Contextualizando a atividade do enfermeiro no espaço e no tempo,
constatam eles que sua expansão dentro do território espanhol ocorreu em
períodos históricos que vão do século V ao século XIX, quando o mundo passou a
buscar respostas para as novas e antigas doenças, o que consagrou uma nova
postura de cuidados.
Especificamente em relação às primeiras enfermeiras espanholas, sua
existência data de 1600. Elas correspondem a mulheres com boa reputação, e
que foram enviadas ao Hospital Alcalá de Henares com a missão de formar
“matronas” ou parteiras para a região (Vega, 2000).
Naquela ocasião, o cuidado de enfermos no seio da família, que
obedecia a costumes ancestrais, complementava-se com as visitas médicas.
Entretanto, o primeiro tratamento era todo feito através de remédios caseiros,
utilizados pela família através de gerações. Esses remédios consistiam em
4.6 - Espanha
143
emplastros, chás e caldos, hábitos respaldados pela força da tradição. Quando os
remédios caseiros falhavam, chamava-se o médico e utilizavam-se os remédios
por ele indicados (Siles,1999).
Com base nos relatos históricos da enfermagem na Espanha, vamos
encontrar no século XVI a figura da enfermeira dentro do estilo clássico
assistencial, que prestava atendimento conforme o nível econômico e social,
sendo que os pobres eram cuidados em hospitais beneficentes. Neste cenário, os
enfermeiros eram muito escassos e mínimos os requisitos para a sua seleção.
É importante ressaltar que, no final do século XIX, houve nesse país
uma eclosão de ordens religiosas que desejavam reassumir os hospitais públicos,
privados e religiosos, chamando para si a organização e os cuidados aos
enfermos. Nessa época, aliás, as enfermeiras, apenas tinham conhecimentos
técnicos, embora os seus atos profissionais deixassem muito a desejar.
A Espanha, após a Revolução Francesa, ocorrida em 1789, adotou um
novo código civil, denominado Código Napoleônico (1804). Tal diploma legal
permitia maior liberdade à mulher e abordava questões desde a herança até a
constituição da família. Nesse contexto, a mulher foi a principal beneficiada.
Entretanto, segundo Vega (2000) somente no final do século XIX, ela tomou
consciência de que era um ser humano, como trabalhadora, mãe, esposa e
enfermeira.
Na época, as reformas desencadeadas no país entraram em choque
com a política dominante no setor assistencial e social, que era de origem inglesa.
A assistência hospitalar estava assegurada, desde que fossem mantidas as
ordens religiosas como responsáveis. A enfermaria para alienados, a exemplo do
que ocorreu no Brasil, tinha sua origem nos institutos religiosos. As reformas
4.6 - Espanha
144
iniciadas pelos governos de linha liberal pretendiam, mediante novas medidas,
acabar com o monopólio da Igreja de cuidar do doente tendo em vista a notável
deterioração da assistência hospitalar (Siles,1999).
Graças ao trabalho de Rubio Gali, que havia sido embaixador espanhol
em Londres, foi fundada a Escola de Enfermeiras Santa Isabel de Hungria, no
Hospital da Princesa, em 1896.
Nessa instituição, o sistema de ensino consistia fundamentalmente em
preparar enfermeiras para a assistência hospitalar, com especial atenção para o
trabalho auxiliar nas intervenções e atos cirúrgicos.
A escola começou a funcionar em regime de internato e de externato.
No ano de 1902, porém, só admitia alunas internas. A Escola Santa Isabel da
Hungria foi considerada a primeira escola de enfermeiras civis. Cabe lembrar que,
por ocasião da guerra civil (1936-1939) levada a efeito pelo general Francisco
Franco, o prédio da escola foi destruído, mas a instituição conseguiu resistir com
diversas reestruturações até os dias atuais.
Em 1917 foi fundada a Escola de Enfermeiras de Santa Madrona sob
os auspícios do Montepio de Santa Madrona. O Montepio era uma organização
de caráter reivindicativo que tinha duas metas como diretriz: cuidar do
desenvolvimento de atividades sociais da mulher, mediante a promoção educativa
e de trabalho, e dessa maneira, alcançar a sua emancipação, dando-lhe a
oportunidade de trabalho. Tais metas rompiam as tradições da sociedade
espanhola da época.
Nesse contexto, era de se supor que a enfermagem e o cuidado dos
enfermos passariam das atividades enraizadas no âmbito doméstico ao do
4.6 - Espanha
145
trabalho profissional, já que as alunas procediam de variados níveis de
estratificação social (Vega, 2000).
O regime de funcionamento escolar admitia alunas internas e externas.
Os professores eram médicos, mas as disciplinas de anatomia e de fisiologia
eram ministradas por médicas. Num primeiro momento, os programas estavam
orientados para a formação de dois tipos de enfermeiras: enfermeiras hospitalares
e enfermeiras zeladoras (de formação muito mais elementar).
No ano de 1922, foi introduzido o ciclo de estudos superiores42 para as
internas, o que permitia obter o título de enfermeira geral e em algumas
especialidades (Siles, 1999).
Ainda em 1917, foi criada a Escola de Enfermeiras Auxiliares de
Medicina de Mancomunitat de Catalunya. Seu objetivo principal era elevar o nível
das pessoas encarregadas do cuidado e da assistência à criança e enfermos. O
programa era equiparado com o da Escola de Santa Madrona, com um modelo
elevado de formação, pois que se exigia das aspirantes a alunas um nível cultural
alto.
Essa escola funcionou com algumas interrupções temporárias até 1923
quando passou a ser denominada Escola de Enfermeiras Generalistas. Voltando
a ser fechada com a guerra civil e reaberta posteriormente, funcionou nas
mesmas instalações, anexa ao Hospital de Clinicas de Barcelona (Siles, 1999).
Como pré-requisito para o ingresso, as candidatas ao curso deveriam
ser solteiras, viúvas ou divorciadas, e estar na faixa etária entre 18 e 32 anos de
42
Ciclo de estudos superiores: não corresponde ao nível de ensino superior do Brasil. Na Espanha, como nos
demais países da União Européia, os termos da sistemática de ensino diferem dos do Brasil, de fundamental,
médio e superior.
4.6 - Espanha
146
idade. O conteúdo do programa tinha características teórico-práticas e era
ministrado de seis a oito horas diárias. Incluía ainda cultura geral e ginástica,
complementado com atividades extra-acadêmicas, como visitas a museus e
outros locais de interesse para a cultura das alunas.
Em 1929, foi fundada a Casa de Saúde Valdecilla, em Santander que,
no mesmo ano, criou uma Escola de Enfermeiras, sob o patrocínio da marquesa
de Pelayo.
Essa escola foi dirigida pelo médico Usandizaga que, em 1934,
escreveu um manual que se tornou imprescindível à formação das enfermeiras
espanholas. O estabelecimento de ensino tinha como vice-diretora María Teresa
Junquera. Ela era médica, porém, havia feito o curso de enfermagem e conhecia
o trabalho e o sistema pedagógico da Escola de Enfermeiras do Hospital Saint
Thomas de Londres. Por essa razão, María Tereza, adaptou a escola o mais
próximo possível do modelo inglês (nightingaleano); no entanto o internato da
escola era dirigido por Irmãs de Caridade (Siles, 1999).
Ao lado do incremento das escolas de enfermagem, o ano de 1931
assistiu à consagração dos conceitos de cuidados em âmbito espanhol, trazendo
como resultado a adoção de uma nova postura que abordava saúde, enfermidade
e enfermagem aliada à evolução das técnicas dos cuidados e da relação com o
paciente.
Nesse cenário, a renovação da enfermagem espanhola teve como
expoente Concepción Arenal, que se dedicou a realizar análises da realidade
social e da beneficência com vistas à reforma no atendimento dos hospitais.
Nesse sentido, Arenal fez várias críticas onde ela recriminava as enfermeiras
laicas, defendendo os trabalhos das Irmãs de Caridade. Suas críticas referiam-se
à organização caótica do Hospital Geral de Madri, à alimentação deficiente, à falta
4.6 - Espanha
147
de higiene e à pouca dedicação das enfermeiras (Siles,1999).
Com o passar dos tempos foram surgindo distintas especialidades da
enfermagem, que passaram a integrar as diferentes atividades desses
profissionais.
Um breve retrospecto da história dos doentes nos traz à tona alguns
momentos históricos do processo evolutivo da enfermagem psiquiátrica. No
decorrer do século XIX, por exemplo, a obra de São João de Deus, instituição que
tradicionalmente havia se ocupado dos enfermos mentais, passou por uma
grande crise. Benito Menni, no final desse mesmo século, revitalizou a
enfermagem psiquiátrica, pondo em funcionamento uma série de centros
dedicados a cuidados de enfermos mentais: dois sanatórios em Ciempozuelos
(1880), o Sanatório Psiquiátrico Provincial de Zaragoza (1888), o Instituto Mental
de Santa Cruz, na vila de San Andrés (1889) e o Sanatório Psiquiátrico de Santa
Águeda, em Mondragón.
Cabe salientar que a enfermagem psiquiátrica teve suas raízes
fortemente implantadas no âmbito religioso, mais precisamente no transcorrer dos
primeiros decênios do século XX. A partir desse período, ela foi afastando-se do
campo da Igreja e adquirindo um caráter laico, tanto nos cuidados dos enfermos
mentais, como na prevenção dos processos mentais (Siles, 1999).
Em 1926, foi instituída na Espanha uma comissão para estudo dos
problemas dos alienados. Foi um fato marcante, uma vez que os estudos dessa
comissão se transformaram em requisitos imprescindíveis para promover a
ascensão legal dos profissionais da área. Simultaneamente foi criada a Liga
Espanhola de Higiene Mental (Siles, 1999).
4.6 - Espanha
148
É possível tratar-se de mera coincidência; todavia, nesse mesmo
período em outros países - no Brasil, inclusive - fatos idênticos estavam
ocorrendo e a psiquiatria estava sendo reformulada e os conceitos de eugenia
tentando ser implantada.
Um importante passo na história da enfermagem psiquiátrica foi dado
no ano de 1932. Queremos referir-nos à fundação do Patronato de Assistência
Social Psiquiátrica. Tal fato contribuiu de maneira significativa para a
profissionalização dessa especialidade na Espanha (Siles, 1999).
O Patronato ocupava-se da vigilância pós-manicomial dos enfermos
mentais tratados nos estabelecimentos oficiais e particulares que lhes serviam de
albergue. Para maior eficácia dos trabalhos, os albergues dispunham de um
grupo de enfermeiras psiquiátricas visitadoras, de um local de trabalho e de um
arquivo em unidades integradas com as províncias dependentes da Direção Geral
de Saúde, que era um órgão do governo.
Voltando à trajetória da profissionalização da enfermeira no contexto do
ensino da enfermagem, Siles (1999, p.275), em seus estudos, nos relata que, “na
ordem de profissões que foram surgindo com o tempo, a enfermeira foi a última
das vertentes a ser constituída”. Isso se deveu às dificuldades encontradas para
alcançar o reconhecimento profissional que ocorreu em 1915.
Registra esse autor que, no período de 1916-1917/1935-1936,
matricularam-se um total de 8.864 alunas para o curso de enfermeiras. A
freqüência das matriculas passou por uma irregularidade maior que as outras
carreiras de enfermagem (praticantes e matronas ). Isso ocorreu, em parte, pela
novidade da profissão, porque praticantes e matronas já eram consideradas
profissionais desde a Lei Moyano de 1857 e em parte , a carreira da enfermeira
4.6 - Espanha
149
somente se fazia em uma faculdade de medicina, até 1931-1932 e 1932-1933,
quando se ampliou o ensino de enfermagem nas várias faculdades. Por essa
circunstância durante a II República, as alunas matriculadas eram poucas.
No curso de 1932-1933, “ocorreu o maior índice de alunas
matriculadas, e foi expedido o maior número de títulos de enfermeira” (Siles,
1999, p. 275).
Entre os que exerciam a carreira de praticantes o número maior era de
alunos do sexo masculino e, na carreira de Enfermeira e Matrona era do sexo
feminino.
As
enfermeiras
iniciaram
seu
caminho
legal
como
profissão
regulamentada, oficialmente no começo do período de 1916-1917. “Essa
evolução estava atrelada ao processo de institucionalização e estruturação do
sistema sanitário que se desenvolveu na Espanha durante os primeiros decênios
do século XX, alcançando seu apogeu nos anos da II República” (Siles, 1999,
p.276).
Após a guerra civil assistiu-se a uma volta da enfermagem às
atividades e valores tradicionais, deixando para traz tudo que havia conseguido
durante a República. A enfermagem retornou a uma situação de trabalho
relacionado com a divisão por sexo, recuperando assim condição de profissão
feminina, direcionada pelo ensino.
Em 1942, foi instituído o corpo de enfermeiras da Falange Espanhola
Tradicional43, dividida em quatro seções: Damas Enfermeiras da Falange
Espanhola, Enfermeiras de Organizações, Enfermeiras de Guerra e Visitadoras
43
Falange Espanhola - único partido político legalmente reconhecido no período de ditadura de Francisco
Franco.
4.6 - Espanha
150
Sociais. Nessa organização, o nível de dogmatização ideológica e religiosa era a
ordem do dia.
O início de mudança para um ensino mais inspirado na tecnocracia e o
utilitarismo contido nas idéias religiosas e políticas se produziu, até 1953, quando
Ruiz Giménez chegou ao Ministério da Educação Nacional e criou nesse ano, o
bacharel de dois ciclos (superior e elementar).
O aumento do pessoal de enfermagem esteve muito vinculado ao
desenvolvimento e criação de várias instituições sanitárias, por isso tiveram que
fazer um grande esforço para dotar de pessoal de enfermagem, tecnicamente
preparado, para todos os hospitais.
Em 1970, com Villar Palasí à frente do Ministério da Educação e
Ciência, foi promulgada a Lei Geral de Educação, que previa a inclusão dos
estudos dos primeiros ciclos na Universidade. Nesse contexto, à enfermagem foi
oferecida a possibilidade de escolher, entre integrar-se nos estudos de formação
profissional ( 2º e 3º graus ) ou ascender à universidade. A força exercida pelo
setor de trabalho, principalmente o hospitalar e a pressão dos profissionais
agrupados ao redor das organizações profissionais, conseguiram que a
enfermagem se integrasse à universidade (Siles, 1999).
4.7 - Argentina
151
4. 7 - Argentina
A análise da trajetória da enfermagem na Argentina teve como principal
fonte de pesquisa as informações contidas no livro Historia de la Enfermería, de
Teresa Maria Molina (1973) e complementada com os dados de Jamieson et al.
(1968) em seu livro Historia de la Enfermería.
Registram essas fontes que durante a epidemia de cólera ocorrida nos
anos de 1886 e 1887, o Hospital Rivadavia e o Hospital de Mulheres na cidade de
Buenos Aires, sentiam a necessidade de preparar pessoal capacitado para
exercer as funções de auxiliar de médicos. Nessa ocasião, mais precisamente em
1886, foi fundada a escola de enfermeiras, considerada a primeira da América do
Sul. Sua fundação se deu pelo empenho da médica Cecília Grierson, que
compreendeu que
“o melhor meio de proporcionar alivio aos que sofriam, era
colocar ao seu lado pessoas compreensivas, afáveis e
capacitadas; pessoas eficientes e em condições de junto,
ao médico, colaborar na luta pela saúde” (Molina,1973,
p.101).
Guiada por esse ideal, ela fundou no Círculo Médico Argentino, a
Escola de Enfermeiras, através de uma Comissão presidida pelo médico Samuel
Gache. Após cinco anos de funcionamento, na cidade de Buenos Aires, a escola
foi oficializada, em 1891 passando a chamar-se Escola Municipal de Assistência
Pública (Jamieson et al.,1968 e Molina, 1973).
No início, o curso durava apenas um ano. No final, a aluna recebia o
4.7 - Argentina
152
diploma de conclusão. Posteriormente, a sua duração foi ampliada e foram
estabelecidas as condições de ingresso. Agregado à Escola de Enfermeiras,
funcionava também um curso para massagistas.
Em 1890, portanto quase que simultaneamente, foi criada a Escola de
Enfermeiras, que seguia os padrões de Florence Nightingale, que prestou
especial assessoria às suas alunas. No ano de 1908, decorridos, pois, dezoito
anos, teve início o curso adaptando aos métodos do curso do Hospital Saint
Thomas, de Londres. A escola funcionava anexa ao Hospital Britânico – argentino
- dispunha de ótimas acomodações onde as alunas podiam receber uma
formação integral. A primeira diretora foi Ana Matilde Elmes que fora discípula de
Florence Nightingale e possuía a qualificação de matron. A primeira aluna dessa
instituição chamava-se Gertrudes Hallett ( Molina, 1973).
Os primeiros livros Guia de Enfermeiras e Educação Técnica e
Doméstica da Mulher, foram escritos por Cecília Grierson, e segundo Molina
(1973, p. 102), “tiveram grande aceitação e foram muito úteis para o ensino e a
formação da enfermagem argentina”.
No ano de 1904, durante o 2º Congresso Médico Latino-Americano,
Cecília Grierson conseguiu que fosse votada e aprovada a proposta
recomendando aos governos dos países latino-americanos a criação de escolas
de enfermeiras e tomando como modelo as escolas da Inglaterra e dos EUA
(Molina, 1973).
Tudo levava a crer que o ensino da enfermagem se firmava cada vez
mais. Tanto é assim que, em 1906, a Escola de Enfermeiras e o curso de
Massagistas foram incorporados à Faculdade de Medicina de Buenos Aires.
4.7 - Argentina
153
No ano de 1914, foi criado em Buenos Aires a primeira Escola de
Enfermeiras Católicas. Sua criação veio suprir uma deficiência no número de
enfermeiras no país, que colaboravam com a assistência pública.
No entanto, ao ser concedida autorização para funcionamento do curso
de enfermeiras, foi determinado que, para prestar exames, era indispensável que
as interessadas apresentassem um certificado comprovando uma espécie de
estágio como interna num hospital geral, municipal ou nacional, ou num instituto
de puericultura (Molina, 1973).
No período de 1915 a 1921, as condições para ingresso nessa Escola
foram as seguintes: ter mais de 18 anos e menos de 40; ter cursado os estudos
primários; não ter defeitos físicos; e apresentar atestado de
saúde e vacina.
Nessa mesma ocasião o curso tinha a duração de nove meses. Entretanto, ao ser
aplicado o método nigthingaleano, ficou estabelecido que o curso passaria a ter a
duração de três anos.
O sistema escolar previa o internato no Hospital Parmenio Piñero e
algumas alunas dessa escola recebiam bolsas de estudo.
A Cruz Vermelha Argentina, que já se fazia presente no país, fundou
em 1920 a Escola de Enfermeiras, que foi constituída através de uma Comissão
de Damas da sociedade, presidida por Guilhermina César de Wilde, uma das
voluntárias da Cruz Vermelha.
Em 1929, na Universidade de Córdoba, na região central da Argentina,
foi criada a Escola de Enfermeiras e Visitadoras de Higiene. Essa instituição
funcionou até o ano de 1944 (Molina, 1973).
Com o passar dos anos, outras escolas foram sendo criadas em todo o
4.7 - Argentina
154
país, tais como: a Escola de Enfermagem da Faculdade de Medicina, da
Universidade de Tucumán, Escola de Enfermagem da Universidade Nacional de
Córdoba, Escola de Enfermagem da Faculdade de Medicina da Universidade de
Buenos Aires, Curso de Enfermagem, da Faculdade de Medicina, da
Universidade Nacional do Nordeste, além de inúmeras outras escolas de
universidades particulares, tais como: Escola de Enfermagem da Universidade
Católica de Mar del Plata, Escola de Enfermagem do Sanatório Adventista del
Plata, Escola de Enfermagem María Remedios do Valle, etc. Algumas dessa
escolas funcionam ainda hoje, enquanto que outras não existem mais.
Na atualidade, existem três níveis na enfermagem na República
Argentina: enfermeiras universitárias, ou de nível superior, enfermeiras de nível
médio ou diplomadas, e auxiliares de enfermagem. Esses três níveis foram
estabelecidos pela Lei da Enfermagem, em 1959 ( Jamieson et al., 1968).
4.8 - Taiwan
155
4. 8 - Taiwan
Incluir Taiwan no caminho do presente estudo parece, à primeira vista,
soar um tanto exótico. Trata-se, todavia, de uma oportunidade ímpar de colocarnos em contato com a história da enfermagem - e de enriquecer-nos com ela desse país do Extremo Oriente, uma vez que a carência de bibliografia entre nós,
aliada às limitações próprias do idioma, são empecilhos para o acesso às
informações das atividades que lá são desenvolvidas pelos enfermeiros e
enfermeiras.
Os subsídios utilizados como referência foram extraídos do artigo A
short history of nursing in Taiwan (“Uma pequena história da enfermagem em
Taiwan”) da enfermeira doutora Yu-Mei Chao (2003). O artigo inclui também
algumas peculiaridades da colonização desse país longínquo, as quais achamos
oportuno que fossem incluídas nesta análise.
Conforme relata Yu-Mei (2003), por séculos, Taiwan teve muito
pequeno contato e pouco envolvimento com os países ao seu redor, encontravase, por conseguinte em completo afastamento do mundo ocidental. Taiwan era
visto como a terra de pescadores, comerciantes e indígenas. Antes de 1500,
dizia-se que 90% da sua população eram indígenas. Seu isolamento foi
interrompido abruptamente pelos europeus no período das grandes navegações,
entre os séculos XVI e XVII.
Do primeiro nome de Formosa até Taiwan, o nome atual, essa foi a
trajetória do seu processo de colonização.
Os primeiros a navegarem em águas asiáticas foram os portugueses.
4.8 - Taiwan
156
Tinham eles o objetivo de estabelecer relações comerciais com a China e o
Japão. Em meados do século XVI, quando um dos navios portugueses se dirigia
para Tanegashima, uma ilha ao sul do Japão, os navegantes descobriram uma
ilha à qual deram o nome de Ilha Formosa. Desde essa ocasião, Formosa foi o
nome pelo qual se tornou conhecida no mundo ocidental até meados do século
XX.
As origens do nome Taiwan ainda são controversas. Entretanto, o
significado mais aceito refere-se ao tratamento que os indígenas usavam para
chamar de “taiwan” os chineses, ou qualquer outro intruso. Quando, em torno de
1620, os holandeses ouviram esse nome, eles o associaram com a ilha e deu a
Formosa o nome de Taiwan, nome que passou a ser usado até o presente (YuMei, 2003).
Após 1624, os holandeses ocuparam a região sudoeste de Taiwan,
depois de lutar contra Ming por causa de Penghu, uma ilha no sudoeste de
Taiwan. Em 1616, os espanhóis reclamaram a fração noroeste. A partir dessa
época, Taiwan passou por ocupações por parte de diversos países, motivadas
não apenas pelo comércio, mas também servindo como refúgio político. Em 1662,
os leais a Koxinga e Ming expulsaram os holandeses do território. Apesar dos
manchus, da dinastia Ching e a China terem tomado Taiwan em 1683 e em 1885
declarado a ilha como uma de suas províncias, a posição de Taiwan em relação
ao comércio ocidental e aos países vizinhos nunca foi abalada. Como resultado,
ele abriu as portas aos missionários que começaram a introduzir a doutrina cristã
e a usar os caractéres latinos na tradução da Bíblia para a língua local, para ser
conhecida pelos indígenas e pelos taiwaneses (Yu-Mei, 2003).
Em 1895, Taiwan foi cedido para o Japão pelo tratado de Shimonoseki,
4.8 - Taiwan
157
tornando-se a primeira colônia oficial do Japão. Os japoneses não apenas
implantaram o seu sistema de governo, como também introduziram o sistema de
saúde, em especial voltado para a saúde pública e para o controle de doenças
epidêmicas, envolvendo ainda o sistema de educação médica e de enfermagem,
em sua maioria herdado do modelo europeu.
Outra significativa mudança ocorreu em Taiwan depois da Segunda
Guerra Mundial (1945), quando foi colocado sob a proteção da República da
China com seu status para ser definido. Mas, a guerra civil com os comunistas na
China continuou e os comunistas chineses estabeleceram seu próprio regime
como a República Popular da China em agosto de 1949. Como resultado, todo o
governo da Republica da China, no final desse mesmo ano liderado por Chiang
Kai-Shek e seu exército retirou-se para Taiwan. Essa fuga política acrescentou
cerca de dois milhões de pessoas de diferentes partes da China à população de
seis milhões de taiwaneses. Esse foi o maior fluxo migratório experimentado pela
ilha em sua história. Mais uma vez o povo de Taiwan teve que enfrentar outra
mudança de sistema, inclusive mudança de governo, do sistema de educação
médica e de enfermagem. Tal mudança propiciou ainda a introdução de grande
parte do modelo americano na área da enfermagem (Yu-Mei, 2003).
A enfermagem foi introduzida em Taiwan por missionários europeus.
James L. Maxwell, o primeiro médico-missionário da Igreja Presbiteriana Inglesa
chegou à ilha em 1865 para introduzir a medicina ocidental e o cristianismo. Ele
abriu uma clínica e um abrigo para pacientes receberem tratamento médico
conforme os padrões do ocidente. Os cuidados de enfermagem eram prestados
pelas mulheres missionárias que trabalhavam com Maxwell. Como mais médicos
missionários iam chegando, hospitais missionários foram aos poucos sendo
4.8 - Taiwan
158
estabelecidos em diferentes partes de Taiwan. Cuidados de enfermagem eram
prestados pelas missionárias e assistentes locais que recebiam treinamento em
serviço. Antes de 1895, a literatura não relata e nem registra programa algum de
treinamento formal (Yu-Mei, 2003).
“Os primeiros cursos de enfermagem surgiram a partir de 1897,
tendo sido introduzidos seguindo o sistema japonês e europeu”
(Yu-Mei, 2003, p. 2).
Em 1895, logo após Taiwan ter sido entregue ao Japão o governo
japonês começou a construir o Grande Hospital Japão-Taiwan que no ano de
1897 passou a chamar-se Hospital Taipé, pelo fato de situar-se em Taipé, a
capital do país. Esse foi também o primeiro hospital governamental de Taiwan.
Em julho, o Japão enviou dez médicos, nove farmaceuticos e vinte
enfermeiras para trabalharem nesse novo hospital. Ainda nesse mesmo ano, foi
instalado o primeiro programa de treinamento em enfermagem. O seu conteúdo
era desenvolvido através de aulas teóricas e práticas com duração de dois anos.
A parte teórica incluía: físio-anatomia, métodos básicos de enfermagem, medicina
interna
e
cirúrgica,
pediatria,
obstetrícia,
ginecologia,
oftalmologia,
otorrinolaringologia, odontologia, dermatologia, urologia, psiquiatria, bacteriologia,
bandagens, emergência e doenças infecciosas; língua japonesa; cursos eletivos
de caligrafia, arranjo de flores, cerimonia do chá, música, costura e etiqueta
japonesa; conduta moral e ética.
As aulas práticas do primeiro ano consistiam em um rodízio das alunas
pelas diferentes enfermarias; no segundo ano, as estudantes eram designadas
para praticar em certas enfermarias, previamente selecionadas.
4.8 - Taiwan
159
Nos seus primeiros dois anos de existência, o programa recebeu
apenas jovens japonesas; a partir de 1899, porém, começou a acolher moças
taiwanesas também. Dessa feita, o primeiro grupo de enfermeiras taiwanesas que
passaram por um treinamento formal no hospital graduou-se em 1901 (Yu-Mei,
2003).
Em 1907, o Hospital de Taipé abriu um primeiro programa de
treinamento de parteiras. A partir de então, diferentes programas para
enfermeiras e para parteiras foram estabelecidos em hospitais governamentais e
missionários em diferentes partes de Taiwan. De uma maneira geral os médicos
eram os chefes desses programas; as enfermeiras e as parteiras mais antigas
serviam como professoras assistentes. Esse programa de ensino de enfermeiras
e parteiras durou por quarenta anos e chegou até o final de Segunda Guerra
Mundial (Yu-Mei, 2003).
O primeiro livro de texto, escrito em caracteres latinos e, com a
pronúncia fonética taiwanesa, foi traduzido e publicado em 1917. Sua edição se
deu a partir do livro Os Princípios e Práticas da Enfermagem, de Gushe Taylor.
Dr. Taylor era um médico-missionário que chegou a Taiwan em 1911 para chefiar
um hospital missionário de Taiwan.
Depois que o Japão devolveu Taiwan para a República da China em
1945, o sistema educacional de enfermagem saiu dos limites do hospital; e no
ano de 1947, teve início um novo sistema de educação de enfermagem o qual
passou a seguir o padrão sino-americano (Yu-Mei, 2003).
A primeira escola independente foi implantada no ano de 1947 em
Taipé. Tratava-se de um curso vocacional de nível médio com duração de três
anos. A escola recebia apenas as moças com escolaridade prévia de nove anos
4.8 - Taiwan
160
de estudos.
Essa mesma capital viu nascer em 1954 a primeira faculdade de
enfermagem. Com a duração de três anos, só aceitava candidatas com doze anos
de educação formal prévia. Em Taiwan, esse sistema de educação formal
vocacional continuou como núcleo da força de trabalho feminino, por quase
quarenta anos.
A partir de 2003, a introdução de uma política nacional - já aprovada
pelo Ministério da Educação - possibilitará que aquelas que tenham freqüentado o
curso de nivel médio possam completar o curso superior.
Na segunda metade do século XX foi surgindo um movimento cada vez
mais forte - especialmente por parte dos consultores da Organização Mundial da
Saúde - para que os profissionais da enfermagem tivessem uma formação de
nível superior. Assim é que, em 1956 foi instituído o primeiro programa de
bacharelado vinculado a uma instituição acadêmica - a Universidade Nacional de
Taiwan. Entretanto, durante o regime militar era desenvolvido um programa de
enfermagem que veio da China Continental no ano de 1947. E desde 1953 a
escola militar de enfermagem já conferia o grau de bacharel aos seus graduados.
Ainda sob esse mesmo regime, foi inaugurado no Centro Médico de
Defesa Nacional o primeiro programa de enfermagem que conferia o grau de
mestre.
O primeiro programa de doutorado, por sua vez, foi criado em 1997
pelo Ministério da Educação, na Universidade Nacional de Taiwan. Tudo indica
que, no ano de 2003, essa universidade forme as primeiras doutoras em
enfermagem.
4.8 - Taiwan
161
Yu-Mey Chao, autora do artigo aqui citado como referência, foi a
primeira enfermeira taiwanesa a obter o título de doutora em enfermagem. Seu
título foi obtido nos EUA, de onde retornou à terra natal para dedicar-se
inteiramente às atividades de enfermagem.
Taiwan tem atualmente cento e quarenta enfermeiras com grau de
doutor, sendo a maioria obtido nos EUA.
Se o primeiro programa de treinamento em enfermagem foi implantado
em 1895, isso significa que Taiwan levou um longo século para ter seu primeiro
programa de doutorado.
4.9 - Breves Considerações
162
4. 9 - Breves Considerações
Analisando a trajetória histórica da profissionalização da enfermagem
em diferentes países e, a título de conclusão do presente capítulo, algumas
considerações merecem ser registradas, que se aplicam à maneira de um
denominador comum, a todos os países analisados.
Podemos observar ainda que não só Florence Nightingale exigia
qualidades morais e uma formação básica para o candidato ao curso de
enfermagem, como também aqueles que se dedicavam ao desenvolvimento do
ensino da enfermagem incluíam em seus ideais a exigência desses mesmos
atributos.
Observamos, em seguida, que o ponto de partida para o treinamento e
o ensino da enfermagem foi a necessidade de um profissional qualificado, para
colaborar com o médico que, por si só, não se via em condições de desempenhar
suas tarefas nas instituições hospitalares.
Nesse contexto, verificamos que o nascimento das primeiras escolas
de enfermagem se deu no ambiente hospitalar.
O quadro demonstrativo ilustra um resumo, por país estudado, dos
principais marcos da trajetória dos movimentos de profissionalização da
enfermagem. Tais marcos incluem desde o ano de criação da escola ou curso de
enfermagem, as circunstâncias, vultos envolvidos, critérios para seleção de
candidatos, modelo de ensino, sexo dos alunos e o texto ou manual adotado para
o curso.
Destaque-se que, em praticamente todos os países o modelo de
4.9 - Breves Considerações
163
ensino instituído era o modelo médico, isto é, um modelo baseado em conteúdos
simplificados e adaptados de cursos de medicina para os de enfermagem e
ministrados pelos próprios médicos, destinado a mulheres, sem regime de
internato. Mesmo no Reino Unido, na verdade o primeiro curso de enfermagem foi
estabelecido pela Igreja Anglicana, em 1848, em Londres, na Casa de São João,
identificada, na época, como instituição para treinamento sistemático em
enfermagem.
Havia
uma
hierarquia
com
estágios
probatórios
para
as
ingressantes, que depois passavam à categoria de “nurses” por cerca de cinco
anos. Somente após ultrapassado esse período poderiam ascender à categoria
de “sisters”. Esse sistema de hierarquia existe até hoje.
A exemplo de outros cursos, criados por médicos, o ensino era
eminentemente prático, mas no caso desse curso no Reino Unido, o ensino era
dominado por clérigos. Não seguia, pois, um modelo médico, razão porque no
Quadro, com referência ao Reino Unido, foi adotado como primeiro curso o da
Escola de Enfermeiras do Hospital Saint Thomas, pela enorme relevância que
essa instituição teve no ensino, e principalmente na profissionalização da
enfermagem no mundo. E mesmo nos países que começaram com o modelo
médico, todos acabaram adotando o modelo nightingaleano. Os primeiros a
adotar, dentro do grupo dos países estudados, foram os EUA, e a Argentina ainda
no século XIX, seguidos sucessivamente por todos os países ocidentais nas
primeiras décadas do século XX.
Com relação aos primórdios do perfil desejado para o enfermeiro,
testemunhamos o seguinte quadro: o profissional deveria ser leigo e de
preferência do sexo feminino; sua instrução seria elementar, mas com ensino
teórico-prático ministrado por médicos a quem deveria ser leal, dócil, devotado e
4.9 - Breves Considerações
164
submisso.
A análise trouxe à tona o fato de que a preferência pelo sexo feminino
não excluiu a significativa presença do homem nos cursos e sua atuação
cuidando dos doentes. Cabe ressaltar, entretanto, que, a expansão do modelo
nightingaleano afastou-o do exercício da enfermagem geral, por longo tempo.
Apesar da análise dos movimentos de profissionalização tomar por
base a criação das primeiras escolas de enfermagem que ofereciam um ensino
sistematizado, não podemos esquecer que os enfermeiros-noviços da Ordem de
São João de Deus, eram preparados sistematicamente para o cuidado dos
enfermos, com conteúdos programáticos semelhantes a de outras escolas, que
também em diversos países iniciaram esse processo como, no Hospital de Nova
York (1798). Portanto, podemos considerar o ensino ali ministrado como a
semente da profissionalização da enfermagem, que se iniciava com característica
de cuidado prestado por homens, logicamente porque o ingresso na Ordem só
era permitido a estes.
Especificamente com relação à assistência psiquiátrica constatamos
que em alguns desses países a tradição histórica da enfermagem psiquiátrica foi
uma constante. Estava à parte do sistema de saúde - relegada quase a segundo
plano - pois estava ligada a um órgão custodial ou manicomial, na esfera jurídica
do Poder Executivo, ou mesmo do Poder Judiciário.
No modelo de ensino de Florence Nightingale, na Escola do Hospital
Saint
Thomas,
a enfermagem
psiquiátrica
era
considerada
distinta
da
enfermagem geral. Só mais de 100 anos depois, em 1990, a Enfermagem
Psiquiátrica foi incorporada ao currículo de enfermagem geral no Reino Unido. Já
no Brasil, ela é parte integrante do corpo de conhecimento da enfermagem desde
4.9 - Breves Considerações
165
sua implantação em 1890, como se verá no capítulo subseqüente a este.
Entre nós, o início da profissionalização da enfermagem teve
características distintas, porque a enfermagem profissional nasceu dentro do
espaço da psiquiatria; mas a profissionalização começou, de fato, nos hospitais
como ocorreu em todo os países estudados nessa pesquisa.
Excetuando-se os Estados Unidos da América do Norte, que iniciou
seu processo de profissionalização em 1798, podemos afirmar que a enfermagem
profissional surgiu e se expandiu a partir do século XIX.
A seguir apresentamos um quadro demonstrativo dos diversos
movimentos de profissionalização, que aponta os principais marcos
movimentos.
desses
4. 10 - QUADRO 1
Quadro Demonstrativo de vários Movimentos de Profissionalização
País
Reino Unido
Estados Unidos
França
Portugal
Espanha
Argentina
Taiwan
Marcos
Ano de
criação
1860
Nome da
escola ou
curso
Escola de
Enfermeiras do
Hospital Saint
Thomas
Circunstância
especial
Pós-Guerra
Precursores
Mary Robinson.
Florence
Nightingale.
William Rathbone.
Critérios de
seleção para
ingresso
Moças de classe e
moral elevadas.
Modelo de
ensino
Nightingaleano.
Sexo dos
alunos
Feminino
Manual
utilizado
Notes on Nursing
de Florence
Nightingale
(1859) e
Red Handbook
(1885)
1798
Curso para
Enfermeiras no
Hospital Bellevue,
em Nova York.
Epidemia de
cólera.
Falta de pessoal
qualificado
1878
Escola de
Enfermeiros de
Salpêtrière ,
Bicêtre,Pitiê e
Lariboisière
Medicalização dos
hospitais
Laicização da
enfermagem
1881
Escola Profissional
de Enfermeiros.
Necessidade de
auxiliares para os
médicos
Médico Valentine
Seaman.
Médico Dr.Desiré
Médico Dr.
Magloire Bourneville. Augusto Costa
Simões.
O curso aceitava
qualquer pessoa,
em especial as que
já trabalhavam nos
hospitais, assim
como voluntárias,
mães e viúvas.
Origem modesta,
submissa ao médico,
casada, educação
Noções de
primária,
instrução primária.
devotamento e
limpeza
18 a 25 anos, exame
médico e de
moralidade
Médico.
Médico,
Médico.
Masculino e
feminino
The Nurse Guide
de Dr. Joseph
Warrington (1839).
Masculino e
Feminino de
preferência
Manuel Pratique de
La Garde-Malade et
de L’Infirmière do Dr.
Bourneville (1878).
Masculino e
feminino
Manuel Pratique
de La GardeMalade et de
L’Infirmière do Dr.
Bourneville (1878).
1833 / 1896
Curso de treinamento
para noviços, da Ordem
de São João de Deus
/Escola de Enfermeiras
Santa Isabel de Hungria.
1886 oficializada
em 1891
Escola Municipal
de Assistência
Pública.
Medicalização dos
Epidemia de
hospitais e laicização da cólera.
Enferrmagem
Médico Dr. Rubio Gali.
Saber ler e escrever.
Monástico,
Médico.
Masculino e
feminino
El Arte de Enfermería,
de José Bueno y Bueno
Gonzales (1833).
Médica Drª Cecília
Grierson.
Moças de classe e
moral elevadas.
1897
Curso de
treinamento para
Enfermeiras do
Hospital Taipé
Mudança de
governo por
colonizadores
Médico Dr.
James L.
Maxwell.
Informações não
precisas.
Nightingaleano
Médico-Japones.
Feminino
Feminino
Guia de
Enfermeiras e de
Educação Técnica
e Doméstica de
Cecília Grierson
(s/d).
Os Princípios e
Práticas da
Enfermagem de
Dr. Gushe Taylor
(1917).
166
Capítulo 5 - A trajetória da profissionalização da Enfermagem no Brasil
Capítulo 5
A TRAJETÓRIA DA PROFISSIONALIZAÇÃO DA
ENFERMAGEM NO BRASIL
167
Capítulo 5 - A trajetória da profissionalização da Enfermagem no Brasil
167
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
168
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
No Brasil, desde a criação das primeiras instituições psiquiátricas em
1852, até o final do século XIX, os homens eram os encarregados de cuidar de
doentes mentais. Depois, essa responsabilidade passou a ser das mulheres, as
quais geralmente, desempenhavam a tarefa sem nenhum preparo formal
específico. Isso porque o cuidado de enfermos era baseado em empirismo
pragmático,
cujos
conhecimentos
foram
adquiridos
através
de
hábitos,
transmitidos de geração em geração, principalmente através da tradição oral
(Kirschbaum,1994).
Como anteriormente registrado, a organização de um sistema de
preparação da força de trabalho para os hospitais psiquiátricos, ocorrido em 1890,
trouxe como conseqüência a instituição da primeira escola de enfermagem e, a
partir daquele ano, marcou o início do processo de profissionalização no país. Foi
o caminho adotado pelos psiquiatras para solucionar os problemas de assistência
aos doentes e ampliar e consolidar o saber e o poder médico no interior das
instituições.
Analisando-se mais detidamente a história da enfermagem, no Brasil, e
principalmente na Europa, constata-se que são idênticos os motivos que deram
origem à profissionalização. Isso ocorreu porque os brasileiros, candidatos a
médicos, iam estudar na Europa e, no retorno, traziam para o país, não só o
conceito da pasteurização e da assepsia, como também as idéias laicas dos
serviços de enfermagem (Verderese,1979).
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
169
Os médicos brasileiros, por sua vez, sentiam necessidade de contar
com dóceis auxiliares para que os seus princípios e regras fossem aceitos sem
contestações. Para isso era preciso contar com pessoal mais submisso, para
realizar os trabalhos de atendimento aos doentes.
É importante ressaltar que o início do movimento de profissionalização
ocorreu na área da psiquiatria, ou seja, no Hospício Nacional de Alienados; lá, os
médicos passaram a evitar o controle moral e impositivo sobre seus pacientes,
“método terapêutico” esse, aplicado anteriormente, como se a doença mental
fosse um fator externo ao doente. Com isso, os maus tratos cederam lugar aos
estudos clínicos e à medicalização (Verderese,1979).
O Brasil acompanhava as práticas e modelos assistenciais instituídos
na Europa, uma vez que o ensino formal de enfermagem - introduzido pelo
Decreto n.º 791/1890 - era ministrado por eminentes médicos que haviam
estudado e estagiado nos melhores hospitais franceses. Dentre eles podem ser
citados Juliano Moreira, Oscar Ramos e outros. Essas instituições francesas
eram, na época, as mais avançadas do mundo na área da psiquiatria, e tinham
em seus quadros especialistas renomados, como Pinel, Charcot, Esquirol, entre
outros.
O cenário que envolveu o início da profissão de enfermagem no Brasil
foi a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, instalada no Hospício
Nacional de Alienados, na cidade do Rio de Janeiro, e o seu pano de fundo foi a
laicização da enfermagem nesse nosocômio. O processo de laicização surgiu a
partir do confronto ocorrido, em 1890, por causa de grave crise entre o diretor do
Hospício Nacional dos Alienados e as Irmãs de Caridade, da Congregação de
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
170
São Vicente de Paulo44, que cuidavam de todas as atividades relativas aos
doentes ali internados mas que, não só acobertavam os maus-tratos sofridos
pelos internos por parte dos "guardas" e "enfermeiros", como também acobertava
tais atitudes ( Moreira, 1990).
Em
conseqüência
dos
desentendimentos,
as
religiosas
foram
dispensadas, ficando os pacientes sem cuidados de enfermagem, o que gerou
uma situação de emergência. Tal emergência apressou a concretização da idéia
de formar pessoal habilitado para dar assistência de enfermagem, tanto aos
psicopatas como também aos pacientes dos hospitais civis e militares, igualmente
carentes de infra-estrutura para o bom funcionamento hospitalar.
Foi nessa oportunidade que houve a substituição das Irmãs de
Caridade pelas enfermeiras francesas, de Salpêtrière, uma das escolas
formadoras de enfermeiras de Paris, já referida anteriormente, contratadas pelo
antigo diretor do hospício com o aval do governo brasileiro (Moreira,2002).
O Decreto nº 791/1890, acima referido, foi publicado tanto na imprensa
oficial como nos periódicos da época. Estabeleceu os requisitos básicos exigidos
para o curso quais sejam: forma de ingresso, freqüência, período de duração e
conclusão, assim como descreveu todas as disciplinas a serem ministradas. São
estes os dizeres do Decreto:
Art. 1º. Fica instituída no Hospício Nacional de Alienados uma escola
destinada a preparar enfermeiros e enfermeiras para os hospícios
e hospitaes civis e militares.
Art. 2º . O curso constará:
44
O primeiro grupo de irmãs da Congregação de São Vicente de Paulo, de Paris, que veio para auxiliar os
médicos nas funções de enfermaria e farmácia, chegaram ao Rio de Janeiro em setembro de 1852. A vinda
foi negociada por Clemente Pereira, então Provedor da Santa Casa (Gandelman, 2001).
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
171
1º. de noções praticas de propedeutica clinica;45
2º. de noções geraes de anatomia, physiologia, hygiene hospitalar,
curativos, pequena cirurgia, cuidados especiaes a certas
categorias de enfermos e applicações balneo-therapicas;
3º. de administração interna e escripturação do serviço sanitario e
economico das enfermarias.
Art. 3º. Os cursos theoricos se effectuarão tres vezes por semana em
seguida á visita ás enfermarias, os praticos terão logar
diariamente nas enfermarias e serão dirigidos pelos internos e
inspectoras, sob a fiscalização do medico e superintendencia do
director geral.
Art. 4º. Para ser admitido á matricula o pretendente deverá:
1º. Ter 18 annos, pelo menos, de idade.
2º. Saber ler e escrever correctamente e conhecer arithmetica
elementar.
3º. Apresentar attestações de bons costumes.
Paragrapho único. Poderão ser admitidos ao curso alumnos internos e
externos; os primeiros, que não poderão exceder de 30, além de
aposento e alimentação, terão direito á gratificação, no primeiro
anno de 20$ mensaes, e no segundo, depois da primeira
aprendizagem, de 25$; devendo, porém, coadjuvar os
empregados do estabelecimento no serviço que lhes for
designado.
Art. 5º. Aos alumnos que se distinguirem nos exames, serão conferidos
premios até 50$, e aos enfermeiros diplomados e alumnos que
em qualquer tempo se invalidarem no exercicio da profissão em
hospitaes mantidos pelo Estado, por effeito dos deveres a ella
inherentes , se abonará uma pensão proporcional ao ordenado
que perceberem.
Art. 6º. No fim do curso, que poderá ser feito em dous annos no minimo,
será conferido ao alumno um diploma passado pelo director da
Assistencia Medico-legal de Alienados.
Art. 7º. O diploma dará preferencia para os empregos nos hospitaes a que
se refere o art. 5º, e o exercicio profissional durante 25 annos,
dará direito á aposentadoria na forma das leis vigentes.
Art. 8º. Enquanto permanecerem no estabelecimento, ficarão os alumnos
sujeitos ás penas disciplinares impostas nas instrucções do
serviço interno aos respectivos empregados” (Hospício, 1890).
45
A redação da noticia da revista O Brazil-Médico, foi trancrita como no original, de acordo com a ortografia
da época, 1890.
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
172
A finalidade do curso da Escola Profissional de Enfermeiros e
Enfermeiras era, sem dúvida, preparar o pessoal que já trabalhava no próprio
hospício, e dar oportunidade de trabalho para mulheres e órfãs que não tinham
como sobreviver sem uma profissão que as sustentassem, após 18 anos, quando
saiam dos orfanatos.
A citada revista O Brazil-Médico (1890, p. 300) assim noticiou a
abertura do curso.46
“Hospicio Nacional de Alienados - Por iniciativa do digno
director desse estabelecimento, Dr. Teixeira Brandão, e á
vista dos judiciosos motivos apresentados de accordo com
suas idéas pelo cidadão ministro do interior, foi decretada a
creação no Hospicio Nacional de Alienados de uma escola,
cujo fim é preparar enfermeiros e enfermeiras, aptos para
servirem nos diversos hospicios e hospitaes da Republica.
A idéia é grandiosa tanto pelo lado pratico como pelo moral;
pelo lado pratico, preparando individuos que saibam lidar com
doentes, e que só assim podem ser verdadeiros auxiliares do
medico, pela confiança e certeza que este adquire de que
suas prescripções, serão melhor executadas por quem lhes
comprehende o verdadeiro valor; pelo lado moral, ampliando
os horizontes da actividade feminina, entre nós ainda tão
acanhados, proporcionando á mulher um meio honesto e
altamente humanitario de adquirir os meios de subsistencia.
Se outras muitas não houvessem, bastariam estas duas
vantagens para não se regatear applausos a quem não
poupou esforços para conseguir a realização de idéia tão
generosa quanto util, o ilustrado Dr. Teixeira Brandão”.
Podemos constatar por essa notícia que, naquela época, o objetivo dos
médicos era ter uma auxiliar para executar tarefas que abrangiam uma série de
medidas que iam desde o cumprimento das suas prescrições, a observação e
46
A redação da notícia da revista O Brazil-Médico , foi transcrita como no original, de acordo com a
ortografia da época. Em alguns documentos, lemos Hospício e em outros Hospital, quando se referem ao
Hospício Nacional de Alienados. De acordo com o Decreto n.º 142 de 11/1/1890, o nome era Hospício
Nacional de Alienados. No entanto, em 1911 encontramos atos normativos referindo-se a ele como
Hospital Nacional de Alienados, sem que haja um documento oficial relatando essa troca de nomenclatura.
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
173
transmissão de informações sobre os doentes, a vigilância, os cuidados de
higiene pessoal, até a substituição do próprio médico em sua ausência, em tudo
aquilo que não dependesse de uma tomada de decisão dele.
Enquanto a escola, como referido antes, preparava seus alunos, foram
contratadas enfermeiras francesas, oriundas de Salpêtrière, para assistência aos
alienados no hospício. O contrato fora por três anos, mas acabaram ficando por
mais tempo, até o ano de 1895. Conforme registrado no documento Legation de
France au Brèsil, de 10 de abril de 1895, o Ministro da França solicitava ao
Ministro da Justiça no Brasil, para regularizar a situação de sete enfermeiras,
cujos compromissos com a Assistência Médico-Legal de Alienados teriam
expirado em 1º de fevereiro de 1893 (Moreira, 2002)
Essas enfermeiras francesas eram formadas em Escolas Municipais da
Assistência Pública. De tal fato podemos depreender que estudaram seguindo o
manual do Dr. Bourneville. Assim sendo, devem ter trazido para o Brasil tais
orientações que vieram beneficiar os alunos da Escola Profissional de
Enfermeiros e Enfermeiras, uma vez que, segundo esse manual, os exercícios
práticos seriam ministrados por enfermeiras supervisoras (Bourneville, 1905).
Pela lógica dos acontecimentos, torna-se evidente que, enquanto as
enfermeiras francesas estiveram presentes, prestando cuidados aos alienados e
fazendo a supervisão de eventuais alunos da escola, os psiquiatras não tinham
com que se preocupar. Porém, a saída delas após o término do contrato, fez
surgir novamente a carência de pessoal, porque de um lado, o número de
pacientes havia aumentado muito; de outro, havia
também a dificuldade de
formar novos enfermeiros. Essa poderia ter sido a razão da notícia veiculada na
revista O Brazil-Médico, de abril de 1897 sobre uma inauguração da escola, agora
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
174
sob a direção do Dr. Márcio Nery, médico-Chefe do Hospício, citada
anteriormente.
Essa mesma notícia destacava ainda que já haviam iniciado as aulas
de anatomia descritiva, fisiologia e noções de propedêutica.
Entretanto, esta última informação levanta uma dúvida que permite
questionar: como poderia ter acontecido uma inauguração, se as aulas já haviam
sido iniciadas? Será que essa inauguração não teria sido o início oficial daquele
ano letivo na escola, nos moldes de uma aula inaugural a que os médicos
estavam acostumados na Europa, e não propriamente uma inauguração da
escola? Não foram encontrados outros registros ou fontes que confirmassem esse
evento de inauguração, nem mesmo outros dados sobre a escola em documentos
oficiais, no período de 1890 a 1905.
Destaque-se, no entanto, Ernani Lopes, um eminente professor da
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em seu discurso, na inauguração do
Curso de Enfermeiras da Policlínica de Botafogo, em 1917, onde afirmava que:
“a Escola que funcionava no Hospício de Alienados não se
limitava apenas a formar enfermeiros para alienados, mas
enfermeiros e enfermeiras comuns para os hospícios e
hospitais civis e militares do país. O regime rotatório do ensino
técnico, fazendo que o enfermeiro do estabelecimento trabalhe
sucessivamente durante certo tempo em cada uma das
diversas
seções
anexas,
de
cirurgia,
ginecologia,
maternidade, oftalmologia, etc. com o fim de evitar a
unilateralização conseqüente ao serviço permanente em uma
mesma enfermaria ... Esta escola funcionou com regularidade
durante os primeiros tempos que se seguiram à sua fundação.
Houve depois um longo período de inatividade até 1904, por
ocasião da reorganização da Assistência a alienados levada a
cabo pelo Dr. Juliano Moreira, no governo de
Rodrigues
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
175
Alves, voltou a Escola a entrar em uma fase de trabalho
regular, sendo então diplomados um número apreciável de
enfermeiros de ambos os sexos” (Lopes,1919, p.48).
Apesar de não ter sido encontrada documentação alguma referente a
esse período, quer na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, quer no Arquivo
Nacional ou arquivos da cidade, as palavras de Ernani Lopes, publicadas na
imprensa diária e nos registros da Policlínica de Botafogo, são um significativo
testemunho do funcionamento da escola. Com efeito, afirmava ele em seu
discurso que ela funcionou regularmente ”durante os primeiros tempos que se
seguiram à sua fundação seguida de um período de inatividade até 1904”.
O mesmo discurso foi lembrado pelo Dr. Gustavo Riedel, por ocasião
da formatura da turma de 1921, publicado no Jornal do Commercio de 16 de
dezembro de 1921, páginas 2 e 3 , assim como no Jornal O Paiz na página 5, da
mesma data, reafirmando uma vez mais o funcionamento da escola (Escola,
1921).
A escola, pois, teria voltado ao funcionamento regular em 1905 e 1906,
sobre cujo período foram encontrados vários documentos oficiais, ainda
manuscritos, tais como: ata de instalação da escola em 1905, com assinatura dos
presentes, relação de alunos matriculados, relação de docentes e relação de
funcionários do Hospício Nacional de Alienados matriculados no curso. Além da
relação de formados em 1906, como podemos observar no documento n.º 253 de
18 de abril de 1906 (fig. 6) encaminhado ao ministro da Justiça e Negócios
Interiores, que consta a lista os profissionais que concluíram o curso naquele ano.
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
Fig. 6 -
Documento n.º 253 de 18/4/1906, lista de formados em 1906.
Fonte: Arquivo Nacional, Ministério do Interior/série saúde.
176
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
177
No ano de 1906, o Diário Oficial da União publicou um edital para o
concurso da escola, precisamente nos dias 16, 18 e 20 de janeiro de 1906.
Fernandes Figueira, médico e diretor da escola em 1905, em seu
discurso, exalta a iniciativa do HNA que, utilizando o corpo médico para o preparo
de enfermeiros, mantinha um curso de padrão maior do que os de Paris, à época
(Figueira, 1906).
Esse discurso de Fernandes Figueira foi veiculado na imprensa da
ocasião e está incluído no tema que foi objeto de estudo por Moreira, Porto e
Oguisso (2002, p. 406) onde afirmam :
“com essa notícia de 1906, pode-se vislumbrar que os
alunos, oriundos da EPEE, já eram ponto de referência
para as outras instituições de saúde onde ainda se
praticava a enfermagem sem qualquer preparo de pessoal.
Foram também mencionados no discurso: a profundidade
do conteúdo das disciplinas ministradas no curso e o vasto
campo de atuação para o qual eram preparados os
enfermeiros”.
Apesar das referências apontadas, Moreira et al. (2002) registram que,
no relatório anual, do Hospício Nacional de Alienados encaminhado ao Ministro
da Justiça e Negócios do Interior47, referente ao ano de 1908, assinado por
Juliano Moreira, encontramos o seguinte parágrafo:
“A escola de enfermeiros fundada no estabelecimento com
tão bons resultados não pôde funcionar durante o ano de
1908, porque o pessoal sobrecarregado de trabalho,
obrigado á vigilância permanente de uma grande massa
de pacientes não tinha tempo suficiente para freqüentar
47
Apesar do nome do ministério ser Ministério da Justiça e Negócios do Interior, algumas vezes encontramos
nos textos apenas como Ministério do Interior ou Ministério da Justiça, à época só existia esse ministério.
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
com
regularidade
as
aulas
178
da
mesma
escola”
(Moreira,1909 ).
Em outro documento desse mesmo hospital, datado de 8 de julho de
1913 e encaminhado ao Ministro da Justiça e Negócios do Interior, o próprio
Juliano Moreira comunica a reabertura da Escola Profissional de Enfermeiros,
perante o Corpo Clínico da Assistência a Alienados e do Administrativo do
hospital que, como exposto em relatórios anteriores dizia ele, estava impedida de
funcionar ( Moreira, 1913).
Sobre a comunicação de reabertura, apesar da pesquisa exaustiva
realizada para a elaboração do presente estudo, não foram encontrados registros
de diplomas e nem prontuário de alunos do período compreendido entre 1907 e
1920. Todavia, sobre as turmas subseqüentes, chegando até os dias de hoje,
todos os documentos e registros encontram-se no arquivo setorial da Escola de
Enfermagem Alfredo Pinto, antiga Escola Profissional de Enfermeiros e
Enfermeiras.
Segundo Possollo (1920) Gustavo Riedel, diretor da Colônia de
Alienados, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, criou o ambulatório
Rivadavia Corrêa, anexo à escola. E, com a autorização e os aplausos do ministro
da Justiça e Negócios do Interior, Alfredo Pinto48, instalou também a seção
feminina da instituição, que funcionou com o nome de Escola de Enfermeiras
Alfredo Pinto, na zona suburbana, “oferecendo às moças estudiosas uma carreira
profissional de elevada estima, digna e cada vez mais necessária à vida do pais”
48
Alfredo Pinto Vieira de Mello (1863-1923), natural de Pernambuco onde concluiu o curso de Direito
(1886), foi Juiz municipal no Rio Grande do Sul (1897), catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
179
(Possollo,1920, p.6).
Isso porque, com o Decreto-Lei n.º 17.80549, de 23/5/1927, que aprova
o regulamento para a execução dos serviços da Assistência a Psicopatas no
Distrito Federal, no art. 86, divide a escola em duas seções: mista e feminina. A
seção mista funcionou no Hospital Nacional de Alienados e a seção feminina
deveria funcionar na Colônia Feminina de Psicopatas, no bairro de Engenho de
Dentro.
Com a reforma de 1941, a escola foi vinculada ao Serviço Nacional
de Doenças Mentais (SNDM), já sob a égide do Ministério da Saúde. No dia 22 de
setembro de 1942, pelo Decreto n.º 4.725/4250, passou a denominar-se Escola de
Enfermeiros Alfredo Pinto, fundindo as seções mista e feminina, funcionando
numa única sede, na avenida Pasteur, n.º 292, no mesmo local onde funciona até
os dias atuais. Com o Decreto-Lei n.º 20651, de 27 de fevereiro de 1967, a Escola
recebe o nome de Escola de Enfermagem Alfredo Pinto.
Por oportuno, torna-se necesssário retificar uma informação incluída
em nossa dissertação de mestrado em 1990. Nesse trabalho, versava sobre os
100 anos da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, foi afirmado que a instituição
tinha formado sua primeira turma em 1921. Todavia, com a pesquisa mais
aprofundada do presente estudo, no período de 1890 a 1920, foram encontrados
do Rio de Janeiro, ocupou o cargo de Chefe de Policia (1909), Deputado Federal, Ministro da Justiça e
Negócios Interiores (1919) e Ministro do Supremo Tribunal Federal (1921).
49
Decreto-Lei nº 17.805, de 23/5/1927. Aprova o regulamento dos serviços da Assistência a Psicopatas no
Distrito Federal.Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1927, vol. II, Actos do
Poder Executivo (jan/dez), RJ, Imprensa Nacional, 1928.
50
Dereto-Lei nº 4.725/42, de 22/9/1942. Reorganiza a Escola Profissional de Enfermeiros criada pelo
Decreto nº 791, de 27/9/1890, e dá outras providências. Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde
Pública Enfermagem, Legislação e assuntos correlatos. 3ª ed.,. RJ:1974. v.1. p.117.
51
Decreto-Lei nº 206/67, de 27/2/1967. Dispõe sobrea Escola de Enfermagem Alfredo Pinto e dá outras
providências. Ministério da Saúde, Fundação Serviço de Saúde Pública Enfermagem Legislação e assuntos
correlatos. 3ª ed.,. RJ:1974.v. 2, p. 428.
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
180
nos Relatórios da Assistência a Alienados - encaminhados ao Ministro da Justiça
e dos Negócios do Interior e conservados no Arquivo Nacional - referências a
alunos formados em turmas anteriores e que prestaram serviços no HNA.
Fato incontestável, portanto, é que a escola, criada em 1890, mesmo
funcionando com alguns intervalos no início, manteve-se até hoje com muita
persistência, seja pela necessidade de pessoal qualificado, seja pela primazia
sempre dada ao ensino e à prática do cuidar, considerado como núcleo
fundamental e razão de ser da profissão de enfermagem, o que, na verdade, deu
início à sua profissionalização entre nós.
Reconstituindo o trajeto da profissionalização da enfermagem sob a
ótica da escolarização, Mott (2000), historiadora e especialista no assunto, relata
que diversos cursos preparatórios surgiram no país. Na esteira da criação desses
cursos, Mott (2000) relata os primórdios do conceituado Hospital Samaritano
paulista, cujo primeiro estatuto datado de 1890, já previa a criação de uma Escola
de Enfermagem.
A origem desse nosocômio se deveu a motivos de caráter estritamente
religioso. Na verdade, as Santas Casas de Misericórdia, da época, não aceitavam
de bom grado os doentes não católicos. Desse fato surgiu a necessidade de
preparar enfermeiras para cuidar de pacientes de outras religiões. Para sanar
esse problema, um imigrante protestante, de origem chinesa, legou seus bens
para a construção de um hospital que atendesse pessoas de todos os credos
religiosos. Membro da Igreja Presbiteriana, empenhara-se para que esse hospital
fosse fundado, em 1890, com o nome de Hospital Samaritano, que funciona até
hoje, na cidade de São Paulo. No início, o hospital contava apenas com uma
enfermaria
masculina,
com
dezesseis
leitos.
Porém,
foram
contratadas
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
181
enfermeiras inglesas, formadas pela Escola de Florence Nightingale, para nele
trabalhar. Os médicos criaram um curso de enfermeiras no hospital, em 1896,
contando com essas enfermeiras inglesas para sua implantação. As alunas
entravam como praticantes, moravam no hospital e ficavam sob a supervisão da
diretora, também chamada de matron. Somente eram aceitas como candidatas as
pessoas do sexo feminino (Carvalho,1968 e Mott, 2000).
As referências cronológicas apontadas por Mott (2000) levam a crer
que a escola do Hospital Samaritano para formação de enfermeiras foi a primeira
a implantar o modelo de ensino nightingaleano no Brasil.
Apesar do provável pioneirismo quanto à implantação do modelo
nightingaleano, essa antiga instituição de ensino da enfermagem não conseguiu
notoriedade no Brasil e nem mereceu maiores destaques por parte dos órgãos
públicos. Como resultado, ela manteve-se ignorada por muitas décadas,
permanecendo à margem da historiografia oficial da enfermagem brasileira.
Talvez semelhante descaso possa ser explicado -não, porém justificado - pelo
fato de tratar-se de uma escola criada em hospital privado, com orientação nãocatólica52 (o que contrariava a regra geral do comportamento religioso da época) e
também localizada fora da capital da República, na época. Porém, ainda hoje,
segundo Mott (2000), esse fato histórico continua sendo ignorado e, talvez até
desdenhado, por muitos enfermeiros.
Os dois primeiros decênios viram nascer outras notáveis instituições de
ensino: em 1914, a Escola de Enfermeiras Voluntárias e, em 1916, a Escola de
52
No tempo do Brasil Império (1822-1889), o Catolicismo era a religião oficial (Constituição Política do
Império do Brasil, de 25 de março de 1824). Após a proclamção da República, o Estado brasileiro, por
influência do Positivismo, deixou de ter religião oficial (Constituição da República, de 24/2/1891).
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
182
Enfermeiras Práticas, ambas da Cruz Vermelha Brasileira, e fruto de um
movimento internacional para melhorar as condições de assistência aos feridos
da Primeira Guerra Mundial. Algumas personalidades de destaque na
enfermagem brasileira saíram dos seus bancos escolares, como, por exemplo,
Edith de Magalhães Frankel e Idália Porto Alegre ( Mott, 2002).
Nesse mesmo começo de século, surgiram ainda - e, por justiça aqui
devem ser registrados - o Curso de Enfermeiras da Policlínica de Botafogo (outra
entidade privada e que existe ainda hoje), em 1917 (Mott e Oguisso, 2003), e o
curso intensivo para Enfermeiras Visitadoras, criado no Rio de Janeiro, junto ao
Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1921 (Silva,1986). Este último
surgiu da necessidade de combater a febre amarela, o tifo, a cólera, a
tuberculose, etc., doenças essas que resultaram do acelerado e descontrolado
processo de urbanização que formava aglomerados populacionais em precárias
condições de saneamento básico.
É indiscutível que a necessidade de pessoas qualificadas e treinadas,
foi o principal fato gerador para a criação dos cursos de forma emergente, como
foi no Hospício Nacional de Alienados onde.faltavam enfermeiros para cuidar dos
doentes. Seguiu-se o preparo de pessoal especializado para cuidar dos feridos de
guerra e mais adiante, para cuidar dos enfermos de um modo geral.
Carvalho e Castro (1979) salientam que o profissional enfermeiro
surgiu no Brasil para atender à necessidade de saúde pública e que, após trinta
anos de crescimento institucional desordenado, sua prática foi dimensionada para
a assistência hospitalar, fenômeno, segundo essas autoras, em toda a América
Latina.
5.1 - O Cenário da Profissionalização da Enfermagem no Brasil
183
Todavia, trata-se de uma afirmativa equivocada, como pode ser
comprovado neste estudo. O profissional enfermeiro surgiu, em primeiro lugar,
como decorrência da necessidade de resolver o problema de falta de pessoal
preparado para cuidar dos doentes no Hospício Nacional de Alienados. Portanto,
por uma necessidade da psiquiatria, para assistência hospitalar, e não de saúde
pública.
Um olhar retrospectivo nos remete aos últimos cem anos da trajetória
percorrida pela enfermagem e nos leva a constatar uma tendência de caráter
“hospitalocêntrico” quanto ao exercício da profissão, apesar dos avanços técnicos
e científicos ocorridos em outras áreas de conhecimento da enfermagem, tais
como na saúde coletiva, no ensino e na pesquisa. Com efeito, não há como negar
que tais avanços são de alta significância para o crescimento e desenvolvimento
da enfermagem como profissão.
Capitulo 6 - O Ensino da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras
CAPITULO
6
O ENSINO DA ESCOLA PROFISSIONAL DE
ENFERMEIROS E ENFERMEIRAS
184
6.1 O Currículo e Manuais Utilizados
185
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
A análise deste capítulo versa sobre o sistema de ensino implementado
pela Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, envolvendo os programas
das disciplinas, os manuais utilizados à época, os seus corpos docente e discente
da escola.
Cumpre destacar de início, que o mais relevante documento e a base
do programa adotado é o próprio Decreto n.º 791, de 27 de setembro de 1890,
que criou a escola e que relacionou as matérias a serem oferecidas durante o
curso.
O capítulo anterior - que descreveu o cenário da profissionalização da
enfermagem – analisou e discutiu a criação daquela Escola Profissional no
Hospício Nacional de Alienados. A força legal do Decreto mencionado deu caráter
oficial à escola para formar enfermeiros profissionais, e com isso, iniciar a
profissão da enfermagem no Brasil.
O documento descreve a finalidade, os requisitos para ingresso,
conteúdos do curso e dá outras providências. No entanto, o documento não faz
referência sobre metodologias e carga horária ou sobre a forma de avaliação.
Mesmo que esses elementos tenham sido desconsiderados no decreto, são
essenciais no planejamento de qualquer atividade de ensino.
Nesse sentido, os educadores, em geral, concordam com Goodson
(1991, p. 26) quando refere que
“a construção do currículo pode ser considerada como um
processo de invenção da tradição, sendo a tradição
inventada
e
definida
como
conjunto
de
práticas,
normalmente reguladas por normas aceites, que visam, por
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
repetição,
divulgar
186
certos
valores
e
normas
de
comportamento”.
Goodson (1991. p. 27) ainda reforça afirmando que “o currículo escrito
é o supremo exemplo da invenção da tradição, mas não é algo predeterminado e
adquirido para sempre, é antes, algo que se vai construindo e reconstruindo no
tempo”.
Levando tais conceitos em consideração, surge a pergunta: quem teria
dado a base para a construção do programa da Escola Profissional de
Enfermeiros e Enfermeiras, no decreto que a criou?
Uma hipótese é a de que, um dos médicos do HNA, tendo estudado na
França, conhecia o manual prático do Dr. Bourneville (1878) e o utilizou como
modelo. Esse manual continha um programa minucioso sobre o conteúdo do
curso ministrado naquele país, especificamente nos cursos da Assistência
Pública. Com efeito, percebe-se a grande similaridade entre o conteúdo dos
programas expresso no Decreto e no referido manual.
A mesma similaridade desse texto escolar foi encontrada no livro Curso
de Enfermeiros, de Adolpho Possollo53, que, segundo o próprio autor, inspirou-se
no Decreto n.º 791/1890. A exemplo dos médicos europeus e norte-americanos
interessados na formação do pessoal de enfermagem qualificado, Possollo
elaborou esse livro - editado a primeira vez em 1920 - para os alunos da EPEE.
Parece muito evidente que o manual utilizado inicialmente pelos
médicos, professores da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, foi o
53
Dr. Adolpho Possollo, chefe do Serviço de Cirurgia do Ambulatório `Rivadávia Corrêa, livredocente de Clínica Cirúrgica da Faculdade do Rio, ex-capitão médico do Regimento Policial do
Estado do Rio (1892-1893), ex-cirurgião efetivo da Associação dos Empregados no Comércio do
Rio de Janeiro (1903-1910). Teve vinte seis trabalhos publicados até 1920; porém, vale destacar
que o livro em apreço foi reeditado com atualizações nos anos de 1930, 1936 e 1939.
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
187
do médico Dr. Desiré Magloire Bourneville, intitulado Manuel de la garde-malade
et de l’infirmière54 (Manual do Enfermeiro e da Enfermeira).
Dois exemplares originais dessa obra, Tomo I, Anatomie & physiologie,
e Tomo III, Pansements (curativos).que se encontram na Biblioteca da Escola de
Enfermagem Alfredo Pinto, foram doados pelo médico Dr. Oscar Ramos 55, que foi
professor da antiga EPEE.
O tratado do Dr. Bourneville teve sete edições e os dois volumes acima
mencionados foram encontrados na biblioteca referida, em 2002, e correspondem
à 7a edição da obra, publicado em 1903, o que não significa que edições
anteriores não tenham circulado entre os professores da EPEE ou sido utilizados
por eles. Os dois tomos, que constituem parte da obra de Bourneville, (Moreira et
al., 2002) ainda conservam a capa dura, sem inscrição alguma, a não ser o título
(Manuel de la garde-malade) na lombada e na sua folha de rosto apresentam o
título completo em francês como mostra a fig. 7, do Tomo I, mas o titulo exato na
sua primeira edição pode ter sido um pouco diferente. A partir da 2 a. edição
observa-se o título exato mencionado no prefácio referente à essa edição.
54
A tradução literal do termo francês garde-malade – para o português seria guarda ou protetor de doente,
que é uma expressão pouco conhecida na enfermagem moderna. Significa pessoa que dá cuidados aos
doentes (Flamarion, 1989). Já o substantivo garde inclui ação de guardar, proteger, supervisionar. O
Dicionário francês-português de Azevedo (1918), traduz como enfermeiro. Porém, antigamente, nos
hospícios em geral, inclusive brasileiros, os pacientes alienados ficavam sob a tutela de “guardas”, que
tinham a incumbência de vigiá-los, para que não fugissem ou protegê-los para que não se agredissem ou
agredissem os outros, donde o termo guarda poderia ser apropriado. Para o português a tradução conservou
apenas a palavra guarda nos antigos hospitais psiquiátricos, embora existam palavras como guarda-costas,
guarda-livros (antigo contador), guarda-pó (avental), etc.
55
Dr Oscar Ramos médico, professor da EPEE é citado como autor de um discurso de aula inaugural,
publicado na revista O Brazil-Médico, de 25 de março de 1922. Na ocasião, ele era chefe do Serviço
Cirúrgico e professor de “Pequena Cirurgia” da EPEE.
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
Fig. 7
- Foto da folha de rosto do Tomo I. 7ª. Ed., 1903
Fonte: Acervo de obras raras da Biblioteca da EEAP
188
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
189
O prefácio da 1a. edição tem a data de 14 de julho de 1878 e assinado
simplesmente Bourneville. Na 2a e 3a. edições ele se identifica apenas com um B
maiúsculo; e retorna o sobrenome completo a partir do prefácio à 4 a edição.
O Manual, ora em análise, contém como introdução os sete prefácios
correspondentes às sete edições. O último traz a data de 24 de fevereiro de 1903.
Cada prefácio apresenta uma justificativa do conteúdo e informa sobre as
ampliações feitas. No prefácio da 1ª edição, Bourneville traça um pequeno
histórico de escolas especiais que existiam na Inglaterra, na Suíça e nos EUA que
preparavam enfermeiras para cuidar de doentes. Escrevia ele que essas escolas
de ensino profissional estavam naturalmente anexas aos hospitais e que eram os
médicos e cirurgiões os encarregados de preparar as pessoas. Com lições
teóricas e práticas, elas se tornavam capazes de observar bem os doentes e de
informar corretamente aos médicos, o que ajudaria a aliviar sofrimentos ou a curar
a doença. A partir desses ensinamentos, continua o autor no prefácio, havia
nascido uma literatura composta de manuais, guias e lições, até então
desconhecidos na França, onde enfermeiras ainda não tinham suficiente
instrução.
Após muitas solicitações e reclamos, o diretor da Assistência Pública
havia autorizado a criação de duas escolas, a de Salpêtrière, e a de Bicêtre. Na
primeira, as aulas começaram em janeiro, mas a escola foi oficialmente
inaugurada no dia 1o. de abril de 1878; a segunda, inaugurada no dia 20 de maio
do mesmo ano.
Em seguida, Bourneville refere-se aos três tomos do manual, indicando
que o primeiro tratava de anatomia e fisiologia com os nomes dos seus autores; o
segundo abrangia todos os conhecimentos, especialmente mais úteis às
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
190
enfermeiras; o terceiro estava dividido em duas partes: a administração de
medicamentos e um pequeno dicionário com os termos mais utilizados em
medicina. Isso porque, segundo o autor, tal conhecimento era necessário às
enfermeiras e guarda de doentes. Ao final faz um agradecimento aos
colaboradores que haviam possibilitado o funcionamento regular daquelas duas
escolas.
O prefácio da 2a. edição foi escrito no mesmo ano, isto é, em 1878,
mais precisamente no dia 31 de dezembro. Desta feita, justifica essa edição
afirmando que o manual não poderia ficar confinado ao circulo das duas escolas,
uma vez que, havia sido muito bem acolhido por mães de família que cuidavam
de familiares doentes. Explica a inclusão de figuras, porque tinha a finalidade de
facilitar ainda mais a compreensão das descrições e também maior ênfase era
dada às condições de higiene no ambiente dos doentes.
O prefacio da 3a. edição, de 30 de junho de 1887, cita novos
acréscimos, especialmente na anatomia da pele, nos tratamentos anti-sépticos,
nas fraturas e massagens. O autor passa a dirigir-se, desta vez, a enfermeiras,
guardas de doentes e mães de família, alterando, assim, a ordem precedente.
Cita a criação da Escola de Aperfeiçoamento de Pitié, em maio de 1881, e
informa sobre o acréscimo de outros dois volumes tratando sobre higiene e sobre
administração e contabilidade hospitalar. Lista também os nomes de sete
hospitais que haviam sido laicizados, a começar pelo de Laennec, em 1878,
chegando até o de Trousseau, em 1887.
O prefácio da 4a. edição,
com data de
24 de fevereiro de 1889,
anuncia uma grande revisão nos textos e os acréscimos feitos em todos os cinco
volumes. Assim, o volume I continuava com anatomia e fisiologia; o volume II com
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
191
administração e contabilidade hospitalar; o volume III com curativos, injeções,
emplastros, cataplasmas, infusões, camisa de força, cateterismos, banhos de
vapor, banhos no leito e limpeza de roupas e mãos, entre outros. O volume IV
incluía os cuidados com a parturiente, pequena farmácia e cuidados especiais a
alienados. Finalmente, o volume V que foi dedicado à higiene.
O prefácio da 5a. edição, de 21 de outubro de 1893, anuncia que a obra
continua com cinco volumes, mas acrescenta as aulas sobre como cuidar de
alienados, ministradas pelo prof. Le Bas, diretor do Hospício de Salpêtrière e
professor da escola de enfermeiras. No volume sobre higiene haviam sido
acrescentadas noções sobre modos de contaminação pela água, sobre doenças
contagiosas e condições de salubridade das casas e hospitais.
O prefácio da 6a. edição, do dia 23 de outubro de 1897, indica novas
revisões e atualizações, especialmente na parte de anti-sepsia e assepsia, da
pequena farmácia e do dicionário.
Finalmente, no prefácio da 7a. edição, com data de 24 de fevereiro de
1903, o autor menciona seu trabalho de vinte e cinco anos na preparação de
“enfermeiras devotadas, instruídas, hábeis e que conhecessem seu papel sem
querer substituir os médicos, dos quais deveriam ser auxiliares escrupulosamente
obedientes” (Bourneville,1903. p XXIV).
Após a introdução com os sete prefácios, a obra se inicia com o título
“Escolas Municipais de Enfermeiros e Enfermeiras”, citando como diretor o Dr.
DM Bourneville. Apresenta, em seguida, a lista dessas escolas, mencionando os
cursos oferecidos, denominados: ensino profissional e ensino primário. São as
seguintes as escolas listadas: Bicêtre, Salpêtrière, Pitié e Lariboisière. Não há
maiores explicações sobre o ensino primário, mas alude aos nomes das
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
192
instrutoras, em geral, uma ou duas, o que permite supor que seriam cursos mais
simples e com menor profundidade.
Para cada curso do ensino profissional são indicados os nomes dos
professores, com os cargos que ocupavam na faculdade de medicina ou no
hospital e respectivas matérias ou disciplinas. A maioria das disciplinas contava
com dois ou mais professores. As matérias ou disciplinas listadas nessas escolas
eram: Administração, Anatomia, Fisiologia, Curativos e Pequena Cirurgia,
Higiene, Pequena Farmácia, Cuidados às mulheres que iriam dar à luz e ao
recém-nascido, Massagens e Exercícios práticos. Esta última matéria era
ministrada por quatro ou cinco enfermeiras supervisoras ou chefes nos hospitais.
Para poder avaliar melhor o programa e o conteúdo das matérias ou
disciplinas, é importante descrever aqui exemplos do que era ministrado em uma
lição, conforme esse Manual. O programa não indica quantas horas de aula
correspondia cada lição; entretanto, pelo conteúdo explicitado, deveria ter várias
horas de duração. O programa de ensino profissional, logo após a lista das quatro
escolas e a relação do corpo docente, tinha como título “Curso de administração e
de contabilidade hospitalar”. Era, possivelmente, a primeira disciplina que era
ministrada aos alunos nessas Escolas Municipais.
A primeira lição, sem título, incluía os seguintes tópicos:

Criação das escolas municipais de enfermeiros e enfermeiras - abertura
dessas escolas em Bicêtre, Salpêtrière, Pitié e Lariboisière - razões de
ordem política, médica, administrativa que determinaram essa criação.

Laicizações anteriores sob (o reinado de) Luis XII, Luis XIV, Luis XVIII e
Luis-Felipe. Outros exemplos dados pelos diversos países, repúblicas ou
monarquias. Deveres do Conselho Municipal de Paris. Abortamento de
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
193
uma tentativa de instrução do pessoal hospitalar sob Luis-Felipe. Criação
de uma escola de instrução primária em Bicêtre e em Salpêtrière, com
duração efêmera.

Objetivos das escolas municipais de enfermeiros e enfermeiras: melhor
recrutamento
do
pessoal
secundário
dos
hospitais
e
hospícios.
Levantamento da situação dos enfermeiros e enfermeiras.

Organização das escolas: cursos teóricos, cursos práticos, composições,
diplomas. Somas votadas pelo Conselho Municipal para manutenção das
escolas profissionais.

Razões que levaram à escolha de Bicêtre, Salpêtrière, Pitié e Lariboisière
como sede para essas escolas. As diversas categorias de alunos.
Necessidade de assiduidade aos cursos. Os dois grandes laicizadores.
Lista da laicização dos hospitais e hospícios, asilos, repartições de
beneficência de Paris por ordem cronológica. Escolas de enfermeiras e as
laicizações nas províncias.
A segunda lição, igualmente sem título, tratava dos seguintes tópicos:

O que é a Administração da Assistência Pública? Origem do bem aos
pobres. Doações e legados de dinheiro e propriedades. Imóveis do serviço.
Existência de três instituições de caridade antes da Revolução: o HôtelDieu, o Hospital Geral e a Grande Organização para os Pobres .

Mudanças trazidas pela Revolução que converteram três instituições em
uma: a Administração dos hospitais e hospícios civis de Paris. Conselho
Geral dos hospícios. Comissão Executiva de cinco membros.

Criação da Administração da Assistência Pública pela Lei de 10 de janeiro
de 1849. Texto dessa Lei. Conselho de Supervisão: composição desse
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
194
Conselho.

Haveres dos hospitais antes da Revolução. Orçamento atual da
Assistência Pública.

Total da receita obtida no orçamento do hospital.

O que é um orçamento? Quadro de alguns capítulos das despesas e
receita do orçamento hospitalar. Subvenção considerável votada todos os
anos pelo Conselho Municipal.
A terceira lição continha os seguintes tópicos:

Estabelecimentos dependentes da Assistência Pública. Serviços gerais da
Administração Central.

Divisão de estabelecimentos hospitalares em dois grupos: os hospitais e os
hospícios:
hospitais
gerais,
hospitais
especializados
e
hospícios
propriamente ditos. As casas de repouso, os asilos e as fundações.

História do Hôtel-Dieu. Costumes hospitalares da Antigüidade. A
enfermagem romana. Criação do primeiro hospital em Roma. Criação do
primeiro hospital francês, em Lyon.

A construção do Hôtel-Dieu no século VII. Menção desse Hospital na
Constituição de 829.

Primeira dotação conhecida do Hôtel-Dieu. O que era o dízimo? Segunda
dotação pelos cônegos de Notre-Dame. Outorgas sobre os tonéis de
vinhos e farinha de trigo. Taxa de direito dos pobres.

O grande hospício da humanidade. A Revolução melhorou o tratamento de
doentes, que se encontravam em odiosa promiscuidade. Detalhes
revelados sobre o assunto por um edito de Francisco I, para as memórias
de Tenon em 1786, pelos relatórios de La Rochefoucauld-Liancourt no
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
195
Hôtel-Dieu, pelo testemunho de Cuvier. Visita de Tenon ao Hôtel-Dieu.
Havia cinco, seis, sete doentes em uma só cama. A Revolução deu uma
cama para cada doente.

Histórico dos estabelecimentos-escolas: Bicêtre, Salpêtrière, Pitié e
Lariboisière.
Pelo exposto, podemos ver que, cada lição abordava extensa lista de
assuntos; alguns tópicos listavam os pontos a serem mencionados como
lembretes aos professores que fossem apresentar o assunto. As lições iniciais
eram mais introdutórias, históricas e conceituais. A partir da quarta lição - do total
de sete -, do curso de Administração e Contabilidade Hospitalar, os temas eram
mais específicos; discorriam sobre a admissão do paciente ao hospital, os
requisitos para internação, a legislação a seguir, a circunscrição do hospital,
formulários a serem preenchidos, as perguntas que iriam ser feitas aos doentes,
informações a serem dadas, os cuidados de higiene que deveriam ser prestados,
o inventário dos bens e valores pessoais que o paciente trouxera, empacotamento
e embalagem desses bens. Questões de responsabilidade com relação a esses
bens e encaminhamento correto ao setor competente.
No programa da disciplina de Anatomia, a primeira lição seria
composta do seguinte conteúdo: o que é anatomia; disposição geral do corpo
humano: esqueleto humano, ossos, articulações, músculos, nervos, medula,
principais vísceras: coração, vasos, fígado, rins, etc.; coluna vertebral, vértebras,
as diferentes regiões, coluna cervical, dorsal e lombar.
No programa sobre Curativos, a primeira lição continha: os hospitais e
as enfermarias; ordem e limpeza das salas; necessidade de aeração, ventilação e
aquecimento das salas; os leitos - quais são os melhores leitos para os doentes, a
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
196
maneira de bem arrumar uma cama; que modificações seriam necessárias para
que o leito pudesse receber um doente grave, ferido, febril, amputado ou
alienado; os leitos para doentes com fraturas; as maneiras de mudar as diferentes
peças de roupa de cama; transporte de doentes, veículos e meios improvisados;
maneiras de tocar o doente, de o despir, deitar ou mudar de cama; precauções a
tomar para dar esses cuidados aos feridos.
A disciplina de Pequena Farmácia surpreende pelo seu conteúdo de
farmacologia. Já na primeira lição eram incluídos: definição de farmácia e
medicamentos; medicamentos de uso interno, externo e hipodérmico. Plano geral
do curso, onde se insiste particularmente nos medicamentos cuja preparação era
confiada às enfermeiras. Para os outros medicamentos são indicados apenas o
modo de conservação e de administração.
Lendo e analisando o programa, que descrevia de forma minuciosa o
conteúdo de cada lição, é possível verificar a profundidade com que o ensino era
feito. Cada volume do manual explanava o conteúdo de cada lição listada no
programa. Assim, por exemplo, apenas a primeira lição, referente ao esqueleto
humano e ossos do corpo, era desenvolvido em mais de trinta páginas, incluídos
os desenhos e as ilustrações.
O tomo II, sobre Curativos, tem 538 páginas, em tamanho 18x11 cm,
divididos em vinte capítulos, a saber: as salas do hospital, o quarto do paciente e
o mobiliário da sala de operações; os leitos e seus acessórios; transporte de
feridos; os curativos; os curativos em geral e métodos de anti-sepsia e assepsia;
os medicamentos tópicos (contem 136 páginas); bandagens; fraturas; feridas;
hemorragias e hemostasias; curativos especiais e pequenas operações (aplicação
de sangue-suga, ventosas e escarificações); a temperatura e os termômetros; os
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
pequenos
procedimentos
197
(injeções,
vacinação,
cateterismo,
punções
e
massagens); os banhos; os alienados, epiléticos e histéricos; a alimentação de
doentes; hérnias e bandagens herniárias; o papel da enfermeira durante a visita
médica e o auxilio a ser prestado nos diversos exames especializados;
instrumentos médicos mais comuns, primeiros socorros em caso de sincope,
respiração artificial, cuidados com o corpo após a morte.
Observe-se
que
muitas
das
disciplinas
oferecidas
na
Escola
Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras eram, na verdade, as mesmas
mencionadas nos cursos do Dr. Bourneville, apenas com os títulos traduzidos
para o português. É provável, também, que se baseassem no conteúdo descrito
pelo médico francês, apenas adaptado à situação brasileira. Era o que de mais
moderno existia na França, centro da cultura médica para os psiquiatras
brasileiros da época. É interessante observar a preocupação e a importância dada
aos conhecimentos gerais, à história das instituições, à base legal, enfim, à
historia de seu próprio país e os reflexos da Revolução Francesa na assistência
ao doente.
Para contextualizar o programa da escola, optamos por trabalhar mais
detalhadamente com a obra de Adolpho Possollo, Curso de Enfermeiros,
editado pela Livraria Editora de Leite Ribeiro & Maurillo, no Rio de Janeiro. Tratase de um referencial teórico porque retrata com fidelidade o programa contido no
Decreto n.º 791/1890, apresentando as matérias na mesma seqüência do texto
legal e atendendo a todos os itens do curso. Sendo obra editada no idioma
português, facilita a análise e interpretação.
Apesar desse livro ter sido publicado a primeira vez em 1920, pode-se
inferir que o autor, para escrevê-lo, deve ter tido antes um contato estreito com o
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
198
programa e o funcionamento da EPEE. Assim, é aceitável crer que os professores
das turmas iniciais do curso, antes de 1920, seguramente ministravam suas aulas
com base no livro do Dr. Bourneville.
Em seu estudo, Mott e Tsunechiro (2000) ratificam o acima exposto,
referindo-se a Adolpho Possollo como autor do livro escrito
com
base no
programa desenvolvido na EPEE, que funcionava na Colônia de Psicopatas do
Engenho de Dentro, anexa ao Ambulatório Rivadavia Corrêa. Quanto a essa
informação é preciso esclarecer que em 1921, esse espaço físico na Colônia
Feminina de Psicopatas estava ocupado pela seção feminina da EPEE, que
passou a ser nomeada como Escola Profissional de Enfermeiras Alfredo Pinto,
por se tratar da instauração de um novo regulamento, que dividiu a escola em
duas seções mista e feminina, como já nos referimos anteriormente.
Assim sendo, apresentamos a título de ilustração, a folha de rosto da 1ª
edição da referida obra, encontrada no acervo de obras raras da biblioteca da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, fig. 8.
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
Fig. 8 - Foto da folha de rosto do livro Curso de Enfermeiros, 1920
Fonte: Biblioteca da Faculdade de Medicina da USP.
199
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
200
Assim sendo, o livro destaca a importância desses profissionais
(enfermeiros(as) para o desenvolvimento do país. Logo na introdução, afirmava
que,
“em todos os hospitais as enfermeiras leigas56 constituem
um corpo auxiliar indispensável ao doente e ao médico. Em
toda parte, nos diversos tipos de instituições de saúde, à
época, se cogitava a entrega dos serviços de enfermeiros e
de enfermeiras a profissionais habilitados” (Possollo, 1920
p. 6)
Apesar do grande mérito de Possollo, deve-se consignar também que,
antes de sua obra já existiam outras publicações técnicas de enfermagem,
escritas em português, como, por exemplo, a obra do Dr. J. Haring O Livro da
Enfermeira, publicado em 1916, pela Magalhães e Moniz Ltda. Editores, de Porto,
Portugal, e o do Dr. Getúlio dos Santos, O Livro do enfermeiro e da enfermeira
para uso das que se destinam à profissão e das pessoas que cuidam de
enfermos, publicado também em 1916, que teve outra edição no ano de 1928.57
A obra de Possollo contém 143 páginas. As primeiras páginas
relacionam as publicações do Autor, em outra página, presta uma homenagem à
“Memória de Anna Nery” e, finalmente, faz a apresentação de sua própria obra. O
conteúdo teórico está dividido em doze títulos principais, finalizando com a
bibliografia utilizada.
Logo após a introdução, Possollo, com base no seu relatório sobre
“Viagem à Europa”, afirma que o país precisava formar enfermeiros, e que, desde
1905, havia se manifestado sobre a necessidade da criação de uma escola de
56
57
Enfermeiras leigas , no sentido de não ser ligada a qualquer ordem religiosa.
Tais obras encontram-se no acervo da Biblioteca da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
201
enfermeiras, cita ainda algumas iniciativas tomadas pela Policlínica de Botafogo
e pela Cruz Vermelha Brasileira.
Parece estranha essa manifestação de Possollo sobre a criação da
escola, pois ainda durante o Governo Provisório da Republica, o Decreto
n.º791/1890 já havia atendido essa necessidade. O teor do Decreto deveria ser
bem conhecido do autor, uma vez que o seu livro acompanha fielmente toda a
seqüência do programa contido no texto legal, conforme antes mencionado.
Tendo feito estudos e viagens à Europa, Possollo deve ter sofrido
influência do que viu naquele continente. Assim, ele relata sua preferência por
mulheres no curso de enfermagem, pois acreditava que as pessoas do sexo
feminino eram mais caridosas meigas e tinham espírito de sacrifício.
A preocupação quanto à questão de gênero é marcada no texto de
Possollo. Isso se explica porque ele alegava que os enfermeiros tinham
preferência para cuidar dos loucos (homens) ou eram mais afeitos aos serviços
de saúde na guerra e nas linhas de frente ou nos navios de combate.
Esse ponto de vista nos faz reportar à Florence Nightingale (1989) no
que se referia à sua preferência por mulheres na enfermagem. Ela mesma levou
um grupo de trinta e oito enfermeiras, todas mulheres, para a guerra da Criméia
(Molina, 1973, p. 61). Acreditava ela que eles, apesar de bondosos, não saberiam
atender a todas as necessidades de enfermagem, e afirmava que as enfermeiras
saberiam tomar melhor as decisões sobre o cuidar de pacientes.
Possollo (1920.p. 6) afirmou que “nos hospitais do mundo inteiro as
enfermeiras leigas constituíam um corpo auxiliar indispensável ao doente e ao
médico”.
Por isso, recomendava que os serviços de enfermagem fossem
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
202
entregues a profissionais habilitados, pois um enfermeiro não poderia ser
improvisado; ele deveria se preparar através de aprendizado especial e prática
junto aos doentes, e, por fim, considerava ser importante confiar o ensino
brasileiro da enfermagem à Escola de Enfermeiras da Assistência à Alienados.
Era assim que Possollo retratava a importância da orientação do
programa oficial da Escola de Enfermeiras em sua tentativa de contribuir com o
ensino da enfermagem brasileira.
Debruçando sobre os seus escritos, podemos afirmar que o autor, por
diversos momentos, seguia o que Florence Nightingale já preconizava na
essência e no contexto do seu livro Notas sobre Enfermagem, de 1859, quando
relata sobre os princípios de higiene e alimentação do doente e da enfermeira,
dentre tantos outros pontos. Possollo (1920) não se refere explicitamente a
Florence Nightingale, mas insiste em recomendar aqueles princípios, donde se
pode concluir que o texto utiliza freqüentemente os diversos modos da
operacionalização da Enfermagem Moderna, no Brasil, já em 1920. Tal modelo
viria a ser implementado posteriormente na Escola de Enfermagem Anna Nery,
em 1923, como é narrado na literatura sobre a história da enfermagem brasileira.
Entretanto, esse modelo de ensino já havia sido implantado na Escola do Hospital
Samaritano, na cidade de São Paulo como referimos anteriormente.
Cabe ainda salientar a riqueza de detalhes do texto, no que se refere
aos princípios científicos, o que vem comprovar a preocupação do modelo
adotado no preparo dos enfermeiros para atuarem nos moldes do contexto social
da época.
A obra apresenta doze títulos, seguidos por diversos subtítulos, que
estão sucintamente apresentados como se segue.
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
Primeiro
título:
Noções
203
Gerais
de
Higiene.
Descrevia
o
comportamento da enfermeira e tratava da assistência hospitalar e domiciliar.
Quanto ao comportamento da enfermeira, ensina como deveria ser realizada a
higiene pessoal,
especificamente no período menstrual, hábitos alimentares,
noções sobre o funcionamento intestinal e urinário; a necessidade do repouso,
referindo-se até ao descanso após pernoites e plantões noturnos, destacando a
importância do intervalo entre plantões; dava exemplos de como deveriam ser
ocupados os dias de folga, através de passeios que não cansassem ou
esgotassem, tais como ir às praias ou passear no campo, não recomendando,
porém festas de rua e bailes. Assim, justificava ele esta última recomendação:
“(...) em virtude de sua profissão os enfermeiros estão
muitos expostos a contágios e infecções, tornando-se
necessário que aumentem a resistência do próprio
organismo, observando escrupulosamente as regras da
boa higiene” ( Possollo, 1920, p.13).
Todas essas prescrições seguiam o programa oficial da escola de
enfermeiras, incluindo as qualidades e os preceitos éticos necessários para ser
um bom enfermeiro(a). Continuando no mesmo capítulo, descrevia algumas
formas de transmissão de doenças como tifo, tuberculose, tétano, meningite e
outras, expondo através de fotos, seus agentes transmissores e formas de
prevenção, temas que deveriam ser do conhecimento dos enfermeiros(as),
compondo um total de 03 subtítulos.
Segundo título: Noções Gerais de Anatomia. Incluía a anatomia
descritiva referentes às diversas partes do organismo, estudadas separadamente,
e a anatomia topográfica, que versava sobre o conhecimento das relações entre
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
204
as diversas partes do organismo em cada região do corpo.
Expunha detalhadamente toda a anatomia descritiva, desde o
tegumento que reveste o corpo, até o sistema ósseo em sua constituição, o
sistema articular, os músculos, o aparelho circulatório, as artérias, as veias, o
sistema nervoso, os aparelhos respiratório e digestivo e os aparelhos gênitourinários feminino e masculino.
Na anatomia topográfica estudava as regiões, isto é, as partes
componentes de um certo segmento do corpo, fazendo um estudo conjunto em
cada região, desde a cabeça, pescoço, região clavicular, tórax, ventre, membros
superiores e inferiores, até os pés. Mostrava em detalhes, através de figuras,
todas as partes constitutivas do corpo humano, no total de vinte subtítulos e suas
respectivas figuras ilustrativas.
Terceiro título: Noções Gerais de Fisiologia. Apresentava o
funcionamento do corpo, desde a função dos ossos e das articulações, o sistema
nervoso central e periférico, a digestão, mastigação e eliminação, passando pela
ação das enzimas, as glândulas de secreção interna e externa, o fígado,
pâncreas, tiróide, hipófise, ovário, testículos e glândulas sudoríparas, até os
órgãos dos sentidos, a pequena e grande circulação e a respiração, num total de
seis subtítulos, com figuras que corroboravam a elucidação do texto.
Quarto título: Funções Secretoras. Era dividido em quatro subtítulos
que abordavam a fecundação, a função de excreção, o calor humano e as
sensações dos doentes. Oferecia os ensinamentos necessários para a prestação
dos cuidados de enfermagem.
Quinto título: Noções Práticas de Propedêutica Clínica. Ensinava os
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
205
meios de se estabelecer o diagnóstico, através dos sentidos, tais como inspeção,
palpação, percussão e ausculta e através de instrumentos auxiliares, como
estetoscópio, termômetro, lanterna, aparelhos de raio x e sondas.
Fazia uma descrição detalhada dos métodos e técnicas da utilização
dos equipamentos e do uso a que se destinavam, tendo como estratégia
pedagógica a apresentação de algumas figuras demonstrativas para facilitar o
aprendizado dos alunos. Explicava também como e para que eram feitos os
exames de sangue, urina e fezes, no total de quinze subtítulos.
Sexto título: Curativos e Pequena Cirurgia. Abordava os conceitos
de assepsia e anti-sepsia como base para os curativos e para as pequenas e
grandes cirurgias.
Descrevia a assepsia das mãos, da região a ser operada, do
instrumental, das roupas utilizadas para os curativos, operações e trabalho de
laboratório. Discorria sobre o uso de substâncias químicas empregadas para
esterilização, tais como: sabão, álcool, éter para assepsia da pele e das mãos.
Tecia considerações a respeito dos mecanismos de esterilização pela ebulição,
calor úmido, autoclave, calor seco, calor combinado a substâncias químicas. Em
relação às substâncias químicas, descrevia as fórmulas, diluições e emprego
adequados, como orientações a serem seguidas na implementação da
assistência.
Sétimo título: Esterilizações especiais. Abordava a esterilização da
água pela ebulição, por adição de produtos químicos, de instrumentos (cubas,
bacias, bandejas, etc.), os diversos tipos de luvas, tubos, esterilizações especiais
de drenagem, sondas (Nelaton, goma, etc.) e ataduras. Demonstrava através de
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
206
figuras todos os equipamentos e instrumentos, além da técnica detalhada, passo
a passo, da aplicação de ataduras nos diversos segmentos do corpo.
Especificava os tipos de curativo e o material necessário para a sua
realização, tais como: curativos simples, com irrigação, de queimados, com
tampões, de reto, de olhos, nasal, irrigação uretral, irrigação vesical através da
sonda de Nelaton ou da sonda de dupla corrente de metal ou borracha, e
aplicação de atadura de gesso.
Possollo (1920) descrevia também a técnica de massagens para
restabelecimento da normalidade de órgãos e tecidos comprometidos em sua
função. Eram massagens que abrangiam desde a fricção, compressão, percussão
até a mecanoterapia que é a massagem aplicada por meio de máquinas. Relatou
ainda como deveria ser feito o transporte do paciente que tivesse sofrido qualquer
acidente, a transferência
do leito para a
maca e desta para a
mesa de
operações ou de radiografia, como ilustram as fotos antigas aqui copiadas. (fig.
9).
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
207
Fig. 9 - Enfermeiros transportando o doente para o leito
Fonte: Possollo, 1920, p.119
Descreveu uma ambulância e retratou o primeiro automóvelambulância que veio de Paris para o Rio de Janeiro. Era um modelo adotado na
capital francesa, desde 1905. O veículo (fig. 10) foi doado pela Associação dos
Empregados do Comércio.
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
208
Fig. 10 - automóvel-ambulância para transporte de doentes, vinda de Paris.
Fonte: Possollo, 1920, p. 111.
Encerra ele este sétimo título descrevendo as posições para os
curativos de otorrinolaringologia e ginecologia dentre outras, e posições para
operações,
com as respectivas imagens para que o aluno tivesse maior
compreensão.
Oitavo título: Pequena Cirurgia. Tratava do conteúdo de operações e
técnicas tais como: sangria, que podia ser geral ou local. A sangria local era
conseguida por meio de sanguessugas, que são vermes anelados os quais,
aplicados sobre a pele, picavam e subtraiam o sangue. A aplicação de
sanguessugas podia ser feita em qualquer parte do corpo. Evitando-se apenas as
partes descobertas, por deixarem as picadas cicatrizes indeléveis, e a
proximidade de vasos calibrosos, pois o possível ferimento poderia provocar
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
209
hemorragias graves. Recomendava todos os cuidados de assepsia a serem
tomados e o curativo compressivo após o término da sangria.
A sangria é também descrita através da utilização do escarificador. Era
um aparelho que constava de um pequeno cilindro de metal de 4 a 5 centímetros
de diâmetro. Tinha em seu interior de oito a vinte lâminas implantadas. Era
utilizada a saliência das lâminas, regulada segundo a profundidade que se
desejava dar às escarificações, através de ventosas para sugar o sangue para a
superfície da pele, sem retirá-lo do organismo.
Ensinava também a técnica de injeções hipodérmicas ou subcutâneas
para introdução de líquidos medicamentosos embaixo da pele. A aplicação era
feita com uma seringa de Luer, ou por meio de um dispositivo especial, quando o
líquido a injetar era de maior quantidade. Dessa forma, a pressão atmosférica
atuando sobre o líquido impelia-o para o tecido celular subcutâneo. Assim eram
feitas as injeções de soro fisiológico e soro glicosado dentre outras substâncias..
As injeções intramusculares e endovenosas eram minuciosamente
descritas, desde os cuidados com o paciente e o local a ser aplicado, até as
precauções quanto ao material antes e após o uso.
A técnica de punção raquidiana foi descrita e ensinada como atividade
do
médico;
porém,
em
casos
excepcionais,
poderia
ser
feita
pelos
enfermeiros(as). Não só a punção como também o cateterismo vesical - feminino
e masculino - o cateterismo lacrimal, da trompa de Eustáchio e do colo do útero.
Estavam incluídos nesse capítulo os diversos tipos de sondas e como deveriam
ser fixadas.
Ainda neste título era ensinado o socorro de urgência, com a
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
210
justificativa de que os enfermeiros seriam, muitas vezes obrigados a prestar
socorro de urgência a certos doentes, quer como auxiliares do médico, quer
enquanto aguardavam a sua chegada. Foram, então, descritos os procedimentos
em inúmeras emergências: vertigem e síncope, asfixia por submersão, asfixia por
gazes venenosos, hemorragias pelas vias naturais (nariz, boca, reto, etc.),
hemorragias por ferimentos, envenenamento, queimaduras e nos casos de corpos
estranhos nas vias aéreas.
Nono título: Cuidados Especiais a Certa Categoria de Enfermos e
Balneoterapia. Foram ensinamentos sobre doentes que necessitavam de
cuidados especiais, em virtude das enfermidades que sofriam, ou por condições
muito pessoais.
Possollo (1920) classificou como doentes de cuidados especiais
aqueles que iam ser operados, os que já estavam operados, as mulheres antes,
durante e depois do parto, as crianças, os velhos, os nervosos e os alienados.
Dessa forma, escrevia os vários procedimentos: preparo pré-operatório
para pequenas e grandes cirurgias, que incluía o preparo da pele com a limpeza,
a tricotomia, lavagem intestinal, a limpeza e assepsia da vulva em caso de
cirurgias ginecológicas, preparo da bexiga e do reto para cirurgias anoretais.
No que se refere aos cuidados durante o ato operatório competia ao(a)
enfermeiro(a) colocar o doente na mesa de operações, de acordo com a
intervenção cirúrgica. Abrangia o acompanhamento de todo o ato cirúrgico,
observando as vias aéreas do doente e suas reações, quanto à operação, como
posicioná-lo e o transporte para o leito. Destacava a importância do
esclarecimento do tipo de operação realizada, bem como a anestesia à qual foi
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
211
submetido o doente. Ressaltava a observação das eliminações e drenagens, da
verificação do pulso e da temperatura, e do curativo cirúrgico.
Outro cuidado especial referia-se à parturiente, antes e depois do
parto, até mesmo no domicílio, e com os utensílios e instrumental necessário.
Higiene dos seios antes e após amamentação, estendendo-se aos cuidados com
o recém-nato: os cuidados com coto umbilical, o intervalo das mamadas, os
cuidados de higiene com o corpo e roupas.
Após essas lições, eram ensinados os cuidados especiais referentes às
crianças, aos velhos e aos alienados e, com maiores detalhes aos tetânicos.
Muito comum entre os cuidados especiais, a balneoterapia era técnica de
banhos gerais simplesmente com água ou com água em que se adicionou algum
medicamento.
Os banhos eram realizados de preferência em banheiras esmaltadas,
com termômetros especiais com flutuador para controle da temperatura da água,
temperatura cuja variação era anotada, de acordo com a indicação médica - maior
ou menor que 37ºC. Tais banhos eram empregados largamente nas moléstias
nervosas e mentais; sua duração variava conforme a idade e o caso. Os banhos
poderiam ser de diversos tipos: banho de imersão, banho morno, banho de
assento ou semicúpio, pedilúvio simples ou sinapisado (escalda-pés simples ou
com farinha de mostarda), banhos locais, duchas (fria, em jato vertical, em poeira
ou circular, móvel, fresca e a vapor); banho romano, seguido de aplicação de
água fria, a vapor, envoltórios de compressas, saco frio e quente e capacete de
gelo.
Ainda nesse título, encontra-se o ensinamento das lavagens ou
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
212
irrigação do estômago, do intestino, vaporização, pulverizações, banho de luz,
banhos de sol, aplicação de cataplasma, fricções, pincelagens e polvilhações .
Nesse trecho do seu livro Possollo, descreve a função do enfermeiro
como chefe de enfermaria e/ou serviço, quando referindo que
“(...)nas colônias, os loucos que podem e querem trabalhar,
são divididos em pequenas turmas, cada uma das quais
chefiada por uma enfermeira ou enfermeiro que os dirige em
serviço” (Possollo,1920, p.122)
Na citação abaixo, podemos observar bem como era a função de
supervisão noturna do serviço e o rígido controle dessa atividade.
“Nos hospitais, a enfermeira, ou enfermeiro de ronda é
munido de um relógio especial, por onde corre uma tira
de papel que ele é obrigado a picar de ¼ em ¼ de
hora. Para fazer isso há uma chave diferente para cada
fração de hora, presa aos cantos da enfermaria. Por
essa forma é o trabalho da enfermeira ou enfermeiro
verificado, sendo obrigado a permanecer em ronda
constante e a percorrer todas as enfermarias nas suas
horas de serviço noturno” (Possollo: 1920; p.122).
Décimo título: Administração Interna e Escrituração do Serviço
Sanitário e Econômico das Enfermarias. O título deixa claro quais eram as
competências a serem ensinadas ao enfermeiro(a): a escrituração de todo o
serviço das enfermarias, apresentando os livros de registros e papeletas dos
doentes.
Nos registros do livro, constavam a entrada e saída dos pacientes; na
papeleta - uma folha de papel impressa segundo o modelo da instituição -
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
213
constava o nome do doente, o sexo, a naturalidade, a cor, o estado civil e a data
de sua entrada no hospital. Vale destacar que, nos hospitais de alienados, essa
papeleta trazia a foto do doente.
Além do livro de registros e das papeletas, a enfermaria tinha também,
o livro de dietas, determinadas diariamente pelo médico.
As dietas extraordinárias eram prescritas pelo médico e anotadas na
papeleta. Uma vez transcritas pelo(a) enfermeiro(a) elaborava-se um mapa, por
enfermaria, que era levado à cozinha. Da mesma forma o livro de medicamentos
que, após a transcrição das receitas, era levado pelos enfermeiros à farmácia a
fim de serem aviadas as fórmulas para posterior recebimento.
Não bastassem essas anotações em livros e papeletas, havia ainda o
livro de roupas onde eram anotadas todas as peças devolvidas pela rouparia e as
que saíam para a lavanderia.
As competências descritas por Possollo (1920) incluíam igualmente as
atividades dos enfermeiros nos ambulatórios. Eram tarefas que começavam pela
triagem dos doentes, identificando-os, encaminhando-os para a especialidade
médica indicada e comunicando a doença de que eram portadores. Em seguida,
fornecia-lhes um número de matrícula para seguimento em todas as vezes que
retornasse ao hospital.
Além dessas incumbências, o enfermeiro também era responsável por
todo o pedido de material necessário ao consultório, da roupa aos medicamentos.
Todavia, esse pedido era assinado pelo médico.
Ao enfermeiro cabia, exclusivamente, supervisionar a limpeza das
enfermarias e dos consultórios, realizada pelos serventes.
6.1 O Curriculo e Manuais Utilizados
214
Competia-lhe, de igual modo, acompanhar a visita médica, fornecendo
informações sobre os doentes, inclusive apresentando os mapas de temperatura
e de pulso.
Décimo primeiro título: Material necessário às operações mais
comuns. É a relação de materiais para vinte e três tipos de cirurgias ou
procedimentos. O texto é ilustrado com diversas figuras dos instrumentos e
materiais citados, como, por exemplo, pinças cirúrgicas, fios cirúrgicos, agulhas
dentre outros.
Décimo segundo título: Notas sobre o Serviço Sanitário de
Campanha. Essa última parte do livro se baseia na sua experiência da Primeira
Guerra Mundial, no período de 1914-1918. Relata as condições do posto de
socorro, o transporte de feridos, o modelo de barraca desmontável e realça a
importância dos trens hospitalares e ambulatoriais como meio de transporte que,
a um só tempo, era veloz e percorria grandes distâncias.
Pela descrição sucinta de tantas responsabilidades, não é difícil
imaginar quão vasto e extenso era o programa desenvolvido na Escola de
Enfermeiras Alfredo Pinto. Por outro lado, havia ainda o problema da superlotação do Hospital Nacional de Alienados, que dificultava a saída dos alunos
para freqüentar as aulas. O somatório desses dois fatores - programa extenso e
superlotação – poderia ser o possível motivo pelo qual alguns alunos não
conseguiam concluir o curso.
6.2 – Os Alunos
215
6. 2 - Os Alunos
Os textos de Possollo (1920) mostram que, naquelaépoca, o perfil
profissional do enfermeiro era traçado como, uma pessoa dócil, que soubesse ler
e escrever para compreender as ordens do médico e ser-lhe obediente e leal,
além de demonstrar compaixão pelos enfermos (Possollo, 1920 e 1939).
Esse perfil não se coadunava com o método de ensino nightingaleano
na formação dos profissionais. Na verdade - e é oportuno lembrar - Nightingale
preconizava um ensino de enfermagem a ser ministrado por enfermeiras, que
deveriam ter maior autonomia e ser também dirigentes de suas escolas. No caso
em análise, sendo adotado o modelo francês, que diferia das idéias de Florence,
a escola tinha os médicos como dirigentes e professores, e os alunos deveriam
ser-lhes subservientes.
No seu início, as turmas da escola eram compostas com mais alunos
do sexo masculino que feminino, apesar das idéias trazidas pelos médicos e
psiquiatras vindos da Europa, que preferiam as mulheres. A listagem de alunos
matriculados em 1905, conforme documento oficial da escola (Fig.11) comprova
a veracidade dessa assertiva:
6. 2 - Os Alunos
Fig. 11 - Documento relativo a EPEE, turma de 1905.
Fonte: Arquivo da EEAP, Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem (LAPHE).
216
6. 2 - Os Alunos
217
A maioria dos alunos era constituída pelos próprios funcionários do
HNA, uma vez que nesse hospital funcionava um curso preparatório de
alfabetização para o ingresso no curso, visto que o candidato precisava ser antes
alfabetizado. Nas pesquisas a esse respeito foram encontrados inúmeros
requerimentos de funcionários solicitando a matrícula no curso de enfermagem.
Nesses requerimentos foi verificado que a nacionalidade dos solicitantes à vaga
no curso era variada, pois havia portugueses, espanhóis e brasileiros, tanto entre
homens como entre mulheres.
Além dos funcionários do Hospital Nacional de Alienados, a escola
recebia também, as órfãs que residiam nos orfanatos da cidade. Sem dúvida, era
uma possibilidade de serem profissionalizadas e possuírem condição de sustento
próprio, como se pode observar na notícia abaixo, do Jornal do Commércio, com
a transcrição de um oficio de José Cesário de Faria Alvim58 ao governo:
“Expondo-vos detidamente a actos do governo, que desta
forma procurou levar a collaboração do poder público à obra
meritória, empreendida por essa e outras associações, de
proteção e amparo às meninas desvalidas, é minha
intenção consultar-vos sobre a possibilidade de serem
transferidas desse instituto para a assistência asyladas
maiores de 18 annos, a fim de se habilitarem para o
exercício
da
profissão
de
enfermeira”...
“Durante
o
aprendizado, as asyladas coajuvarão aos empregados da
assistência no serviço que lhes for designado, e, na
qualidade de alunnas internas, terão direito, além do
aposento e alimentação, a gratificação mensal de 20$ no
primeiro
e de 25$ no segundo anno” (Ministério do
Interior,1890, p.1).
58
José Cesário de Faria Alvim (1839-1903), formado em direito e jornalismo. Foi deputado federal,
embaixador, ministro do Interior (1890) e das Relações Exteriores e juiz da Corte Permanente de Haia.
6. 2 - Os Alunos
218
Essa notícia, ao ser confrontada com o relatório da Assistência a
Alienados encaminhado ao Ministro da Justiça e Negócios do Interior de 1899,
mostra que as órfãs eram encaminhadas à escola, pela Pretoria 59. Muitas vezes,
porém, elas demonstravam não ter a educação e a instrução necessárias para o
curso, além de pouco amor pelos doentes. Com isso, logo eram devolvidas ao
Pretor60, fato que provocava o esvaziamento de algumas turmas da escola
(Carneiro,1899).
Alguns requisitos eram exigidos para o ingresso na escola: o candidato
deveria ter 18 anos de idade, saber ler e escrever corretamente e conhecer
aritmética elementar, além de apresentar atestado de bons costumes, conforme
determinava o Decreto de sua criação.
Apesar de manter alunos dos dois sexos, destaca em seu livro sua
preferência pela enfermeira, conforme já mencionado. Julgava ele que o homem
como enfermeiro só lograva preferência quando se tratasse de cuidar de loucos e
de serviços sanitários, de atender feridos de guerra nas linhas de frente ou nos
navios de combate. Tais circunstâncias retratam uma tendência então difundida
mundialmente, seguidora dos preceitos de Florence Nigthingale, que discriminava
e excluía o homem da assistência aos doentes.
Essa preferência de Possollo já é salientada na parte introdutória de
seu livro e até mesmo na apresentação do uniforme, conforme mostra a figura 12.
59
60
Pretoria : jurisdição do pretor.
Pretor corresponde ao magistrado de alçada inferior à de juiz de direito (Ferreira, 1975, p. 1136).
6. 2 - Os Alunos
219
Fig. 12 - Uniforme de enfermeira
Fonte: Possollo, 1920, p. 112.
As alunas deveriam saber que, entre as qualidades e preceitos éticos
necessários para o bom exercício da profissão, constava que a enfermeira
deveria ser criteriosa, modesta, altruísta e falar pouco; precisaria ganhar a
confiança do doente e não cometer indiscrições que pudessem alarmar a ele ou à
6. 2 - Os Alunos
220
família; não deveria comprometer o médico e pautar suas decisões e seus atos
pela rigorosa justiça (Possollo, 1920). A esses atributos acrescente-se ainda o
dever de uma lealdade a toda prova para com o médico. Enfim, o seu zelo pelos
deveres da profissão, o seu comportamento moral e a sua educação deveriam ser
objeto de uma preocupação constante.
Essas qualidades eram encontradas nas alunas da EPEE, como se
pode observar nas palavras do administrador do HNA, no ano de 1912, que cita
os nomes de Ludolpho Neto, enfermeiro da Seção Calmeil, Sebastião Cancio
Silva, primeiro enfermeiro da mesma seção, e Conceição de Carvalho, enfermeira
competente, zelosa e muito carinhosa com os doentes (Relatório do HNA,1912).
É um testemunho que veio a ser corroborado por Dr. Juliano Moreira, por ocasião
do falecimento de uma ex-aluna, conforme registrado no Relatório da Assistência
a Alienados, de 1913:
“No segundo semestre do anno passado perdeu o serviço de
cirurgia a melhor enfermeira do Hospital Nacional de Alienados,
Dona Conceição da Silva Carvalho falecida a 22 de setembro.
Diplomada em 1906 pela nossa Escola de enfermeiros, foi sempre
se esmerando de modo a atingir o máximo grau de perfeição em
seu mister” (Moreira,1913, p.10).
6.3 – Os Professores
221
6. 3 – Os Professores
O corpo docente era constituído de médicos e internos61 do Hospício
Nacional de Alienados. Muitos nomes já foram encontrados e identificados na sua
maioria, sobretudo com relação às disciplinas que ministravam. Porém, muito
mais dados e informações precisam ainda ser pesquisados sobre eles. Nesse
sentido, os pesquisadores do Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem
(LAPHE) da EEAP, têm estimulado os alunos. Com isso, vários artigos estão
sendo produzidos e as lacunas da história da Escola de Enfermagem Alfredo
Pinto preenchida.
A princípio, podemos reconhecer alguns dos professores da EPEE
como pessoas ilustres na capital da República, pois ocupavam cargos
importantes e inclusive o nome de muitos deles foi dado a cidades, a municípios,
ruas e praças, hospitais e escolas. São eles:

Antônio Fernandes Figueira - diretor da escola e professor de Higiene Geral e
Noções de Patologia;

João de Mello Mattos - secretário escolar e professor das disciplina Pequena
Farmácia e Administração de Medicamentos e Prática Administrativa;

Miguel da Silva Pereira - professor de Anatomia e Fisiologia Elementares;

Humberto N. Gotuzzo - professor de Anatomia e Fisiologia Elementares;

Amphmisio Epaminondas de Gouvéa - não foi possível identificar a disciplina
que ministrava, embora, conste na lista de docentes da escola;
61
Internos eram os médicos que correspondem aos residêntes de hoje.
6. 3 – Os Professores

222
Antônio Austregesilo Rodrigues de Lima - professor de Higiene Geral e
Noções de Patologia;

João Paulo de Moura Brito - professor de Curativo e Pequena Cirurgia;

Álvaro de Andrade Ramos - professor de Curativo e Pequena Cirurgia;

José Chardinal de Alphenas - professor de Curativo e Pequena Cirurgia;

Oscar Ramos - professor de Curativo e Pequena Cirurgia;

Gastão de Oliveira Guimarães – não foi possível identificar a disciplina que
ministrava, porém, consta na lista de docentes da escola;

Juliano Moreira - professor de Cuidados e Tratamentos aos Alienados;

Júlio Afrânio Peixoto - professor de Cuidados e Tratamentos aos Alienados;

Adelino da Silva Pinto - professor de Higiene Geral e Noções de Patologia;

Domingos Alberto Nicobey - professor de Pequena Farmácia e Administração
de Medicamentos;

Francisco Ribeiro de Almeida - professor de Pequena Farmácia e
Administração de Medicamentos;

Eusébio de Queiroz Mattoso Maia - depois de nomeado para o corpo docente,
pediu exoneração alegando não ter como cumprir a incumbência na Escola de
Enfermeiros;

Luiz de Rezende Puech - professor de Prática Administrativa;

Francisco Cláudio de Sá Ferreira - não foi possível identificar a disciplina que
ministrava, mas consta na lista de professores da escola;

W. Vianna Filho - professor de Cuidados e Tratamentos aos Alienados;

Lúcio Azevedo Vilela - professor de Anatomia e Fisiologia Elementares;

Paulo Laurel - professor de Massagem.
6. 3 – Os Professores
223
Podemos observar que uma mesma disciplina era ministrada por vários
médicos, que eram internos do hospital. Um exame da listagem do livro de ponto,
que registra a freqüência dos alunos e o dia e os horários das aulas, dá a
entender que o secretário escolar, Dr. João de Mello Mattos, em várias ocasiões,
ministrava aulas no lugar do responsável pela disciplina.
Graças à pesquisa para a elaboração deste estudo, foram encontradas
muitas dessas listas com o horário e dia da aula, com a assinatura dos alunos, do
professor e do secretário escolar. O material encontra-se no acervo do
Laboratório de Pesquisa em História da Enfermagem-LAPHE, da Escola de
Enfermagem Alfredo Pinto.
A figura 13 ilustra uma listagem de docentes, de 1905, que se encontra
no acervo de documentos oficiais da escola.
6. 3 – Os Professores
Fig. 13 - Listagem de Docentes da EPEE, em 1905
Fonte: Arquivo da EEAP, do Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem
(LAPHE)
224
Capítulo 7 - Conclusão
225
Capítulo 7
CONCLUSÃO
Capítulo 7 - Conclusão
226
A história da enfermagem reconstruída neste estudo procurou trazer à
tona fatos de um passado mais ou menos recente que comprovam, hoje, o
nascimento de uma profissão cujo berço estava outrora envolto na obscuridade.
As pesquisas levadas a efeito buscaram não só resgatar a enfermagem
de sua fase obscura como também - e principalmente - deixar patente sua
ascensão na sociedade a ponto de conquistar, em relativo pouco tempo, o
reconhecimento oficial e popular. E mais: mostraram, da mesma forma, como a
enfermagem passou de um estágio de subordinação para um estado de
indiscutível autonomia; de uma atividade meramente informal, para a esfera da
economia formal, dentro do processo de desenvolvimento brasileiro.
São, sem dúvida, atributos inerentes à personalidade feminina postos a
serviço da enfermagem. Eram atributos reconhecidos pelos médicos que, da
mesma forma e com razão, defendiam a necessidade da aquisição de certos
conhecimentos técnicos para melhorar sempre mais os cuidados da enfermagem.
Todavia, seu apoio era ofuscado pelos seus próprios objetivos profissionais
porque o aperfeiçoamento do exercício da enfermagem constituiria uma potencial
ameaça para o monopólio médico. Havia entre eles o receio de que os
enfermeiros pudessem usurpar seu território profissional. Por isso, muitos
obstáculos foram colocados para dificultar a correta regulamentação dessa
profissão, o que aliás, somente ocorreu em 1955, com a Lei 2.604/5562.
Historicamente as raízes da enfermagem são encontradas no ambiente
doméstico das casas. Entretanto, as fontes do status e do prestigio da
enfermagem estão na maneira como os enfermeiros foram capazes de vincular o
62
Lei 2604, de 17 de setembro de 1955. Regula o exercício da enfermagem profissional. D.O de 21/09/1955
Capítulo 7 - Conclusão
227
ambiente da casa e do hospital. Aquelas qualidades típicas da mulher de
alimentar, dar banho, limpar, confortar, orientar são, na assistência de
enfermagem, a fonte da força dos enfermeiros(as). É típico da enfermagem
transformar um hospital em lar, de estabelecer uma relação pessoal em um
ambiente impessoal, dando um tratamento humano aos procedimentos cada vez
mais tecnicistas.
Esta viagem no tempo, proporcionada pela pesquisa e que permite
conhecer os valores do presente, tendo o passado como referência, nos levou a
concordar com Lowental(1985), citado por Silva Junior (2000, p.50) quando
escreve:
“o passado, como o conhecemos, é parcialmente um produto
do presente, uma vez que continuamos reconstruindo e
remoldando memórias, reescrevendo a história, restaurando
relíquias, colocando-as em lugares absolutamente estranhos
às suas origens e funções, produzindo e destronando heróis”
Com essas reflexões, ao concluir este estudo, entendemos ter
resgatado a origem da profissionalização da enfermagem no Brasil. Após muitas
“escavações” foram encontradas suas raízes, que estavam plantadas no Hospício
Nacional de Alienados e que brotou através dos psiquiatras ao fundar, em 27 de
setembro de 1890, a assim considerada primeira escola de enfermagem.
É de se supor que a indagação inicial foi respondida, uma vez que
agora é possível constatar o pioneirismo da Escola Profissional de Enfermeiros e
Enfermeiras, que deu início ao processo de profissionalização da enfermagem
brasileira, com base nos diferentes conceitos de profissão aqui analisados.
Pesquisas exaustivas em diversos arquivos e bibliotecas, tendo como fontes os
Capítulo 7 - Conclusão
228
variados registros, libertaram os fatos históricos de sua mudez e deram voz a
importantes documentos que, se não fossem descobertos, jamais poderiam falar.
Essa nova dimensão “sonora” das fontes ampliou o conceito de documento
transformando-o, na linguagem do grande historiador comtemporâneo Le Goff
(1984), em autêntico monumento a ser valorizado.
Essa dimensão nos levou a encontrar registros noticiosos com
depoimentos que mostraram a repercussão que a escola teve na sociedade
brasileira. Destaque-se o discurso do Dr. Ernani Lopes, já mencionado na página
175 que .não deixa dúvidas “a Escola que funcionava no HNA não se limitava
apenas a formar enfermeiros para alienados, mas enfermeiros e enfermeiras
comuns para os hospícios e hospitais civis e militares ...” (Lopes, 1919, p.48).
Foram registros que evidenciaram a possibilidade da abertura de um campo de
trabalho para a mulher e o estabelecimento de uma nova profissão. Outra
descoberta foi a notícia veiculada no Jornal do Commércio, enaltecendo a
inauguração da escola e reforçando sua importância para a mulher:
“...se para os homens é de vantagens uma tal creação,
muito maiores são ellas em relação às mulheres, a cuja
actividade abre mais horizonte e prepara-lhes um futuro no
qual poderão prestar relevantes serviços. Dando-lhes
instrução conveniente, auxiliando-as peculiarmente durante
o curso”63...(Ministério do interior, 1890).
Entre outros atos de pioneirismo, cumpre destacar que, em 1943, a
EEAP realizou o Curso de Especialização em Enfermagem. Foi o primeiro na
área da Psiquiatria no Brasil. No ano de 1973 também sediou o I° Encontro de
63
A redação da notícia está transcrita como no original, de acordo com a ortografia da época.
Capítulo 7 - Conclusão
229
Enfermagem Psiquiátrica, além de outros eventos.
O objetivo da EEAP, como não poderia deixar de ser, é, e sempre foi
formar profissionais em condições de atender ao mercado de trabalho. Todavia,
muitos de seus graduados não se contentaram em incorporar os conhecimentos
adquiridos, para colocá-los a serviço dos pacientes, quer nas instituições
hospitalares, quer nas instituições de ensino. Sua área de ação vislumbrou
horizontes mais largos e, hoje, inúmeros profissionais exercem - quando não,
exerceram - atividades na liderança da enfermagem brasileira em inúmeros
órgãos públicos ou instituições privadas, como atesta a seguinte relação:
-
Associação Brasileira de Enfermagem;
-
Conselho Federal ou Regional de Enfermagem;
-
Sindicato de Enfermeiros do Município do Rio de Janeiro, não apenas
ocupando a presidência como também
outros cargos de suas diretorias
centrais;
-
Presidência do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Graduação;
-
Pró-Reitoria de Graduação da Universidade do Rio de Janeiro;
-
Coordenação Central de Enfermagem, do antigo Instituto Nacional de
Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS);
-
Assessoria do Secretário de Estado de Saúde do Rio de Janeiro;
-
Coordenação de Avaliação e Auditoria da Secretaria Estadual de Saúde do
Rio de Janeiro;
-
Presidência da Comissão Nacional de Especialistas em Enfermagem;
-
Direção de Escolas de Enfermagem;
Capítulo 7 - Conclusão
-
230
Superintendência de Enfermagem do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle
da UNIRIO.
Demonstraram, de igual modo, significativa presença na implantação
do Hospital de Reabilitação Sara Kubitschek nos Estados da Bahia e Maranhão, e
do Comando Maior do Corpo Feminino do Hospital Central do Exército.
Desde a sua fundação em 1890 até 2003, a EEAP acolheu estudantes
do sexo masculino e do sexo feminino que representaram uma variada gama de
grupos étnicos, de credos religiosos, camadas sociais e de tendências políticas.
Nesse mesmo período, formou 4.710 enfermeiros em nível de graduação.
Na pós-graduação stricto sensu: Mestrado, criado em 1981, titulou 187
mestres;
Na pós-graduação lato sensu: - Residência, criado em 1996, formou
203 especialistas;
- outros cursos de especialização: titulou 68 especialistas em Terapia
Intensiva, em Enfermagem Psiquiátrica, em Metodologia da Assistência de
Enfermagem;
Em outros cursos como o Curso de Licenciatura em Enfermagem 64, o
Curso de Auxiliar de Enfermagem, que funcionou desde 1951 até 1982, formou
630 alunos.
O cenário da escola, ao final do primeiro semestre de 2003 apresenta o
seguinte quadro:
-
64
alunos de graduação: 653;
Licenciatura em Enfermagem: apesar da terminologia não se trata de um curso de graduação. Na UNIRIO
era tido como um curso complementar após a graduação.
Capítulo 7 - Conclusão
231
-
alunos de pós-graduação stricto sensu: 80;
-
alunos de pós-graduação lato sensu: 154;
-
corpo docente: 43 professores, sendo dois especialistas, 28 mestres, nove
doutores, dois livre-docentes, e dois titulares;
-
corpo administrativo: quatro funcionários e dois bibliotecários;
-
serviços gerais: segurança, limpeza e copa, ou são terceirizados, ou
funcionários da UNIRIO, como almoxarifado, manutenção e outros serviços.
Os estudantes ingressam no curso de graduação através de um
concorrido vestibular, organizado pela Fundação CESGRANRIO. Uma amostra
dessa concorrência pode ser constatada em seu último relatório que revelou 13,6
candidatos por vaga, para o curso de graduação em Enfermagem. Cento e vinte
alunos ingressam anualmente na escola (UNIRIO,2001).
A presença de ex-alunos nos diversos campos de atividade da
enfermagem, assim como os dados quantitativos acima registrados permitem-nos
a ousadia de afirmar que a contribuição da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto
foi, e é significativa, não só pelo que fez, mas também pelo que vem realizando.
A escola sempre se pautou pela maior valorização da vida das
pessoas, indo além da ênfase dada aos cuidados de enfermagem. Essa foi, aliás,
a sua principal característica. É uma dimensão de aprendizado que, no exercício
profissional, tem levado a contribuir em instituições de saúde onde docentes e
discentes, a um só tempo, ensinam e aprendem o significado e o valor da vida
humana, descobrem, de fato, o que é enfermagem e qual o papel fundamental da
profissão que abraçaram.
Desde cedo, os alunos são incorporados à prática participando de
programas e de atividades em todos os assuntos que se relacionam com a
Capítulo 7 - Conclusão
232
atenção à saúde. Nesse sentido, a capacitação dos estudantes se faz através de
um trabalho que integra a atuação de toda uma equipe multiprofissional.
Não seria exagero afirmar que, de um modo geral, os enfermeiros que
passaram pelos bancos desta escola têm assumido o compromisso de manter um
trabalho de qualidade, tanto na prevenção de doenças como nas diferentes
etapas do processo de recuperação da saúde. São esses profissionais que
implantam a terapêutica médica e mantêm vigilância permanente nas respostas e
reações dos clientes aos cuidados prestados e às práticas curativas propostas.
De igual modo mostram-se responsáveis pelo desenvolvimento de uma prática
social,
agindo
nas
áreas
de
saúde
pública
ou
saúde
coletiva
e,
conseqüentemente, envolvendo-se com todas as questões econômicas e políticas
que interessam à nação.
Não é demais repetir que a escola é identificada como uma instituição
que prepara seus alunos para o cuidado direto junto ao paciente. Assim é que
tanto eles como os profissionais preparados por ela destacam-se nos campos de
prática e nos hospitais por onde passam e onde atuam. São características
corroboradas pelo reconhecimento em avaliações que traduzem o modo de
proceder de seus alunos, que se empenham em cuidar dos pacientes.
Enfermeiros dos campos de prática que mantêm eficiente integração docenteassistencial, têm testemunhado plena confiança nos cuidados prestados pelos
alunos e relatando que podem, sem qualquer preocupação, deixar o serviço
entregue nas mãos de professores e alunos da EEAP.
Por conseqüência, podemos dizer que a Escola de Enfermagem
Alfredo Pinto, ao caracterizar-se pelo ensino e pela prática do cuidado, encontrase perfeitamente sintonizada com o seguinte pensamento de Boff (1999, p.33),
Capítulo 7 - Conclusão
233
“cuidar é uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de
envolvimento afetivo com o outro”.
Por outro lado, longe do leito de um enfermo, essa mesma
característica pode ser constatada também através da produção científica dos
docentes, discentes e ex-alunos, com vários trabalhos publicados e premiados em
eventos de âmbito nacional e internacional.65
Com efeito, no campo da pesquisa a Escola vem construindo um saber
e determinando suas linhas de interesse, com seus cursos especialização e
mestrado, em nível de pós-graduação. As linhas de pesquisa desenvolvidas são:
Enfermagem e Educação na Sociedade Brasileira; Gênero, Sexualidade e Saúde;
Enfermagem Saúde e Cuidado - O cotidiano do cuidar e de ser cuidado - e
Profissionalização da Enfermagem.
Com relação à produção acadêmica, a Escola de Enfermagem Alfredo
Pinto se expressa em três vertentes: 1) realiza diversas atividades de extensão
com inúmeros projetos de pesquisa e assistência; como está acontecendo a
65
Nascimento, MAL O acadêmico de enfermagem frente à balneoterapia do grande queimado - Congresso
de Enfermagem Médico-Cirúrgica/ Coimbra, 1997.
Nascimento, MAL A síndrome da criança com membro superior imobilizado para infusão venosa – Uma
contribuição da semiologia para o cuidado de enfermagem- 4ª Conferência sobre Pesquisa Qualitativa em
Saúde / Vancouver, 1998.
Nascimento, MAL Os caminhos venosos percorridos pela enfermagem. 1º lugar Prêmio Arte de Cuidar, 6º
Pesquisando – EEAN- UFRJ, 1999.
Nascimento, MAL Descrevendo a tala imobilizadora como veículo de contaminção, 1º Prêmio, 7º
Pesquisando- EEAN –UFRJ, 2000.
Nascimento, MAL. O pacote e a enfermagem: analise crítica de uma cena de morte. Prêmio
Marina Andrade Resende no 52º CBEn,2000.
Nascimento, MAL. Mãos que cuidam e tratam –Os instrumentos de trabalho de enfermagem. 1º
lugar no 2º Investigando Prêmio de Pesquisa da UERJ, 2000.
Figueiredo, NMA. Projeto Fabrica de Cuidados, projeto de pesquisa e extensão sendo
desenvolvido na EEAP - UNIRIO desde 1999.
Tocantins, FR. Phenomenology of Nursing as a Cultural Discipline. The Reach of Reflection:
Issaeis for Phenomenology’s Second Century, 2001; Center for Advanced Research in
Phenomenology.
Capítulo 7 - Conclusão
234
“Fábrica de Cuidados”; 2) preocupa-se com a divulgação do conhecimento por
meio da Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental; 3) empenha-se na
produção de registros históricos, pelo que se serve do Laboratório de Pesquisa de
História da Enfermagem (LAPHE), que já vem trazendo grande contribuição a
essa área de conhecimento.
Ao encerramos este capítulo, cumpre dizer que não se trata de colocar
um ponto final na trajetória que procuramos traçar. Achamos que ainda existe
pela frente um longo caminho a percorrer. Afinal, a história da enfermagem é
muito rica e dinâmica e conta com muitos profissionais competentes para dar-lhe
seqüência. Exatamente por isso o presente estudo estabeleceu um terceiro e
último objetivo específico: levantar subsídios sobre a história da enfermagem em
geral. A análise comparativa efetuada através de um breve histórico dos
primórdios da profissionalização da enfermagem em diversos países permite-nos
afirmar: esse objetivo também foi atendido.
Este estudo, ao resgatar historicamente o contexto social, sob o qual a
Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, foi criada no ano de 1890, confere-lhe o
título de pioneira na profissionalização da enfermagem do Brasil e vai de encontro
aos postulados e assertivas que, em diversos estudos, creditam esta primazia a
outras instituições.
Capítulo 8 – Considerações finais
235
Capitulo 8
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Capitulo 8 - Considerações Finais
236
O vocábulo trabalho, segundo Houaiss (2001) significa um esforço
incomum, uma luta. Define ele, como sendo "um conjunto de atividades,
produtivas ou criativas, que o homem exerce para atingir um objetivo”. Tal
conceito induz à certeza de que qualquer trabalho, quer físico, quer intelectual,
traz inerente um certo grau de dificuldade - maior para uns, menor para outros -,
exigindo esforço de seus agentes.
O presente estudo não poderia ter fugido à regra. Nesse sentido, a
cuidadosa procura de fontes se defrontou com inúmeras barreiras que exigiram
muito empenho para sere ultrapassadas. Foram, algumas vezes, obstáculos de
relativa gravidade que não cabe aqui registrar.
Acreditamos, porém, como Silva Junior(2000, p. 50) que:
“nesse tipo de aventura no passado estamos sujeitos a
riscos:
desapontamentos,
inabilidade de entalhar o
passado e benefícios, como o de aumentar a nossa
capacidade de compreensão do presente e fortalecimento
do nosso senso de identidade”
Se a busca das fontes era tarefa tida como inerente às barreiras que
foram superadas, o lastimável estado de conservação dos documentos
encontrados foi o que exigiu um empenho quase descomunal. Não tanto pelo
esforço em si, mas, principalmente pelo que eles representavam como valor
histórico, uma vez que corriam o risco de serem sepultados para sempre nos
escaninhos das instituições em que estavam “armazenados”.
Um vez ressuscitados e postos a serviço da história da enfermagem,
estamos convencidos de que o presente estudo, servindo também de mais uma
fonte para outras pesquisas, estará cumprindo seu papel junto à comunidade
Capitulo 8 - Considerações Finais
237
acadêmica.
Hoje, a aquisição de maior clareza dos fatos passados, nos dá
condição de mudar as opiniões dos tempos acadêmicos sobre o início da
profissionalização da enfermagem no Brasil. Naquela ocasião, a impressão que
tínhamos era de que quase tudo havia sido colocado no sentido de desviar a
atenção para aprender uma história contada de outro ângulo, e de pontos de vista
equivocados.
Mais importantes que os equívocos - que podem dar margens às
disputas -, é o aprofundamento objetivo dos estudos sobre a origem da profissão
e sobre a trajetória que ela percorreu para chegar no estágio em que se encontra.
Com efeito, podemos dizer quão meritória se torna a profissão hoje,
depois de superar tantos obstáculos e dificuldades, emergindo como profissão
técnica, científica e humana.
Assim, devemos repassar aos que nos sucedem, para que a
construção de nosso futuro seja fundado nas bases sólidas do passado.
A retomada da discussão da história da enfermagem é uma
oportunidade para celebrar de forma criteriosa e consciente a existência de algum
sucesso, mas ainda chamando a atenção para muitos acontecimentos que
precisam ser resgatados e explicados. Enfermeiros com preparo em história e
historiadores, com experiência em história de cuidados da saúde e da
enfermagem, estão traçando uma variedade de vias e vertentes para a
compreensão da magnitude e da complexidade da historiografia brasileira nesse
campo. Tais especialistas e seus sucessores precisam ser apoiados, uma vez
que trabalham para desenterrar e tornar compreensível a complicada e
Capitulo 8 - Considerações Finais
238
significativa história dessa profissão, chamada Enfermagem, que hoje se
apresenta definida e regulamentada mas, ao mesmo tempo, passível de ser ainda
melhor conceituada e conseqüentemente, mais valorizada..
Sempre é bom lembrar que, embora esta pesquisa possa não
responder a todos os questionamentos, ela aponta um caminho para futuras
investigações que preencham as lacunas ainda existentes na trajetória da Escola
de Enfermagem Alfredo Pinto. Com efeito, as informações até agora obtidas, uma
vez analisadas em conjunto com outros dados, a serem levantados no futuro, irão
possibilitar e estimular a pesquisa em outras fontes. Isso porque informações
pertinentes e importantes poderão estar em diferentes locais e em documentos
habitualmente não buscados pelos investigadores. Daí, pois, a importância de
diversificar e ampliar o âmbito das consultas durante o processo de pesquisar,
qualquer que seja o campo.
Temos consciência dos limites desta pesquisa, das suas insuficiências,
dos seus pontos de obscuridade, da dificuldade de traduzir em palavras todo o
conteúdo estudado.
No entanto, esperamos que, apesar de toda as limitações, a
oportunidade de conhecer os resultados obtidos com o presente estudo e de
vivenciar o momento atual da enfermagem permita garantir que os esforços
realizados servirão para os estudantes de hoje poderem compreender o valor dos
acontecimentos do passado que têm conduzido à situação atual, preparando-os
para construir melhor o futuro.
Anexo 1
239
Anexo 1
Instrumento para Identificação de Notícias
Local: ____________________________________________________________
Data:
/
/
Tipo e nome da publicação: ___________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
Características da publicação:
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
Dia / mês / ano
Página/
sessão
Número de edição /
ano de publicação
Registro e/ou notícia
Anexo 2
240
Anexo 2
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE ENFERMAGEM
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - CEP 05403-000
Tel.: (011) 3066-7552/3066-7551
FAX 3066-7561
Glossário
241
GLOSSÁRIO
Enfermagem Pré-Profissional - atividade nata, de caridade, exercida por mães,
escravos e religiosos, com raízes domésticas, tipo de trabalho para mulher,
associada ao lar e à vida doméstica, detentora de um saber de senso comum
(Silva,1986).
Enfermagem Profissional - nesse estudo é compreendida como atividade
exercida após ensino sistematizado, em geral por médicos, em instituição
reconhecida, com um sistema de seleção para o ingresso de alunos, sendo aceitos
homens e/ou mulheres, que forneça diploma ao término do curso, desvinculada do
modelo nightingaleano, por considerar que a formação específica, prática e teórica,
obtida em instituição reconhecida e oficialmente legalizada, independe do modelo
de ensino seguido. (Mott e Oguisso, 2003)
Enfermagem Moderna / Nightingaleana / Anglo-saxônica / Anglo-americana –
são termos usados freqüentemente como sinônimos; mas há pequenas nuances de
diferença. No sistema nightingaleano tipo de ensino de enfermagem iniciada por
Florence Nightingale, era só para mulheres (ladies nurses, ou seja, damas
enfermeiras), com os seguintes princípios fundamentais: escola e serviço de
enfermagem dirigidos por enfermeira (Matron); ensino metódico, teórico e prático;
seleção das candidatas sob o ponto de vista físico, moral, intelectual e de aptidão
profissional ( Baer, 1985). Pode ser acrescentado que o sistema ou modelo
nightingaleano era feito, em geral, em regime de internato das alunas e as escolas
funcionavam dentro dos hospitais. Quando esse sistema foi transposto para os
EUA, as enfermeiras americanas procuraram dissociar o ensino de enfermagem do
ambiente hospitalar e levar o curso ou escola para dentro das universidades,
surgindo daí um modelo que poderia ser chamado de anglo-americano.
Referências Bibliográficas
242
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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