Homilia na celebração com os jubilares (Leituras da memória litúrgica de São João Maria Vianney) Caríssimo Sr. Arcebispo Dom Geraldo Lyrio Rocha, Diletos irmãos presbíteros e diáconos, Prezados religiosos e religiosas, Estimados seminaristas, vocacionados e vocacionadas, Distintos familiares e paroquianos dos padres homenageados, Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo, Queridos sacerdotes jubilares, “Cantai louvores ao Senhor todas as gentes, povos todos celebrai-O; pois comprovado é seu amor para conosco, para sempre Ele é fiel!” Com as palavras do salmo 116, o mais breve do saltério, mas de grande densidade espiritual, a liturgia nos convida a louvar e celebrar o nosso Deus, neste início do mês das vocações e neste dia de confraternização em que agradecemos ao Senhor da Messe a vida e o ministério dos sacerdotes jubilares da Arquidiocese de Mariana no ano de 2013. O salmo 116 dá a tonalidade de nossa ação de graças, motivando-nos a apresentar a Deus um louvor coral, como presbitério e como Igreja particular de Mariana, pela existência e pelo serviço evangelizador dos irmãos presbíteros que celebram jubileu de ordenação. Dizia Santo Agostinho que a grande obra dos seres humanos é o louvor de Deus (“magnum opus hominum laudare Deum”). Na Eucaristia, de maneira toda singular, realiza-se esta grande obra de louvor, renovando em nossos corações a certeza cantada pelo salmista: o amor de Deus para conosco é comprovado, para sempre Ele é fiel! Sem dúvida, cada um de nossos queridos irmãos jubilares pode testemunhar hoje, de modo ainda mais intenso, diante desta assembleia orante: o amor de Deus para comigo é comprovado (é forte, é superior), sua fidelidade é para sempre! Sabemos que o louvor agradável a Deus é expresso com as palavras, no diálogo da oração: “minha boca anunciará vosso louvor”. Mas para louvar com a boca é preciso que o coração esteja transbordante de gratidão e reconhecimento pela bondade de Deus. O louvor que brota do coração é sinal de humildade e de plena valorização dos benefícios que só Deus pode conceder. Contudo, o louvor torna-se perfeito quando é apresentado ao Senhor de modo bem concreto, a partir da vida e com as boas obras que Ele nos permite realizar. Louvor nos lábios, louvor do coração! Louvor nas obras, louvor da vida! Com a boca, com o coração, com as boas obras realizadas ao longo do ministério – 25 anos, 60 anos de sacerdócio – hoje bendizemos a Deus pelo serviço dedicado e generoso de nossos queridos irmãos jubilares, que neste ano experimentam a alegria de verem ornada em tons de prata ou com o brilho do diamante a sua trajetória histórica como ministros e dispensadores dos mistérios de Deus. Mais do que uma graça particular, recebida por cada um pessoalmente, é um dom para a Igreja de Mariana e um enriquecimento para nosso presbitério a presença fraterna e o testemunho de fidelidade e perseverança de cada sacerdote jubilar. Com vocês, estimados irmãos, queremos viver este tempo singular de graça do jubileu sacerdotal como oportunidade de renovação do nosso relacionamento constitutivo e fundante com o Deus que nos ama, nos chama e nos envia a fazer o bem em seu nome a todas as pessoas. Na presença de Deus e desta assembleia litúrgica, queremos dizerlhes que cada um de vocês é muito importante para nós, com a personalidade, os talentos, a maneira própria de abraçar e exercer o ministério. Parabéns, caros irmãos, Pe. José de Oliveira Valente, Pe. 2 Marcos Macário Mendes, Pe. José Geraldo de Oliveira, Pe. Geraldo Souza Rodrigues, Pe. José Custódio de Assis, Pe. José Maria Coelho da Silva, Pe. Geraldo Martins Dias, Pe. João Batista Barbosa, Pe. Izauro Santana Biazutti, Pe. Vicente de Paula Silva. Deus que os chamou e consagrou lhes dê a alegria de perseverar na doação e que Ele mesmo realize em cada um de vocês o Seu plano de amor. O Papa Francisco, no último sábado, presidindo a Santa Missa na Catedral do Rio de Janeiro, dizia que o sacerdote, o consagrado não pode ser um desmemoriado, não pode perder a referência essencial ao início de seu caminho! O Santo Padre nos convidava a pedir a Deus, por intercessão de Nossa Senhora, a graça de termos essa “boa memória”, guardando a lembrança viva do primeiro chamado, caminhando sempre rumo à fonte perene da nossa vocação, que é essa história de amor que construímos com Deus. Que esta celebração os ajude, caros sacerdotes jubilares, a renovar a beleza dessa trajetória que o amor de Deus faz valer a pena e que Ele deseja continuar construindo com vocês, permitindo que a missão que lhes foi confiada, agora nessa nova fase de maturidade humana e sacerdotal, produza ainda mais frutos em prol da obra evangelizadora da Igreja. “Cantai louvores ao Senhor, todas as gentes, povos todos celebrai-O; pois comprovado é seu amor para conosco, para sempre Ele é fiel!” Caros irmãos e irmãs, este salmo há pouco rezado é inspirador para nossa celebração de ação de graças, pois nos apresenta um maravilhoso resumo da teologia da aliança, lembrando a presença e a ação de Deus na vida do seu povo, em chave de amor (hesed) e de fidelidade (’emet): “comprovado é seu amor para conosco, para sempre Ele é fiel”. O amor de Deus – hesed – é misericórdia, bondade, gratuidade, magnanimidade, largueza de coração, generosidade... Poderíamos continuar buscando outros sinônimos para descrever o sentido mais profundo desse amor maior que sustenta nossa história e nossa vocação. A fidelidade divina – ’emet – significa estabilidade, firmeza, solidez, consistência. Celebrar um jubileu é renovar a consciência desse amor de Deus em nossa vida, amor possibilitante, pura graça, dom gratuito, amor que nos envolve, precede e acompanha e sobre o qual podemos apoiarnos para construir solidamente a existência. Celebrar um jubileu é exaltar a fidelidade do Senhor na qual encontra suporte e sentido a nossa perseverança. Ele para sempre é fiel; só Ele pode garantir e dar estabilidade ao nosso sim; só o seu amor fiel torna possível nossa renovada adesão ao projeto de vida abraçado, não obstante todas as limitações pessoais e os percalços da caminhada. Deus se faz nosso parceiro e companheiro, quando nos oferece seu amor gratuito e misericordioso e dá sustentação à nossa escolha de vida. Essa teologia da aliança condensada no salmo 116 e que hoje nos motiva ao louvor a Deus tem muitos desdobramentos na vocação e na missão de cada um de nós, ministros ordenados, religiosos e religiosas, vocacionados e seminaristas, cristãos leigos e leigas. Como podemos vivenciar essa teologia da aliança e alimentar nossa parceria com o Deus misericordioso e fiel? Gostaria de destacar dois aspectos, ligando com os textos bíblicos desta liturgia: o cuidado com o povo e o serviço por amor. Ezequiel, na primeira leitura, é exortado por Deus a vivenciar sua missão profética com a atitude de um vigia, um guarda ou sentinela. Todos nós compreendemos bem a importância dessa função do vigia – por exemplo, numa repartição pública, numa construção, nos grandes eventos – e sabemos o sacrifício que comporta seu trabalho e os riscos que corre para desempenhar sua tarefa, sobretudo na realidade atual, marcada pela violência e pelo desrespeito ao ser humano. “Eu te coloquei como vigia para a casa de Israel!” – assim disse o Senhor ao profeta. Da mesma forma Ele se dirige a cada um de nós: “Eu te coloquei como vigia para cuidar do meu povo!” O vigia é a pessoa atenta, solícita, pronta para ajudar, capaz de ler os sinais dos tempos, de perceber os perigos, de fazer o possível para evitar contratempos. Ezequiel aprendeu a assumir sua missão com todos os riscos que ela 3 comportava, pagando o preço pela sua fidelidade ao Senhor e pela sua solidariedade com o povo exilado e humilhado. Ele compreendeu que sua história pessoal estava profundamente ligada ao destino de sua gente e sua felicidade dependia da realização dos compatriotas aos quais Deus o enviara. No sucesso ou no fracasso, na conversão ou na infidelidade, na prática do bem ou na alienação da má conduta, Ezequiel não podia ser indiferente ao que se passava com Israel, da mesma forma que vocês, cristãos leigos e leigas, e nós, ministros ordenados, não podemos ser indiferentes ao destino do nosso povo. Cuidar dos irmãos, cuidar do povo santo e fiel de Deus como um vigia atento e solícito é parte fundamental de nossa missão, enquanto membros vivos da Igreja. No mundo da globalização da indiferença, denunciada recentemente pelo Papa Francisco, o Senhor nos chama a ser sentinelas, a colocar o que somos e o que temos para promover a cultura do encontro, a mística do cuidado, para dar voz e vez aos que a sociedade quer descartar ou ignorar: “eu te pedirei contas do sangue do meu povo!” – é a advertência feita por Deus ao profeta e a cada um de nós. Da qualidade da nossa presença, de nossa capacidade de atenção, de nossa clarividência de vigias muito dependem os rumos da sociedade e a efetiva realização da nossa missão de Igreja. Uma Igreja que, na palavra do Papa Francisco aos bispos do Brasil, precisa “voltar a dar calor, ser capaz de inflamar o coração das pessoas”, como fez Jesus com os discípulos de Emaús. Cuidar do povo, servindo por amor! A cena do evangelho nos ajuda a completar essa reflexão quando nos apresenta Jesus que, olhando as multidões cansadas e abatidas, compadeceu-se delas porque eram como ovelhas que não têm pastor. No Ano da Fé, reunidos nesta Basílica do Sagrado Coração de Jesus, pedimos ao Bom Pastor, com humildade e insistência, que nos dê essa fé madura e transformadora que nos permite ver o sofrimento do povo. “Uma fé que vê” (“oculata fides”), como nos lembra a primeira encíclica do Papa Francisco, e, mais do que isso, nos envolve na prática da compaixão e da misericórdia para buscar respostas a tantas necessidades e carências das pessoas que Deus nos confia. Uma fé que enriquece nossa existência de cristãos com a certeza de que Deus se tornou muito próximo de nós com a presença compassiva e solidária de Jesus. Uma fé que não afasta do mundo, que não é alheia às lutas do povo, uma fé que ilumina a arte da construção de relações mais humanas a serviço do bem comum. Uma fé que faz descobrir o grande chamado de Deus – a vocação ao amor, o serviço aos irmãos por amor. Ao olhar o povo com compaixão, Jesus convida seus discípulos a pedir ao Senhor da Messe que mande trabalhadores para a sua colheita. Em seguida, chama os Doze apóstolos e lhes dá autoridade para participar da sua missão. Deste modo, Ele quer nos envolver a todos na dinâmica do seu amor compassivo e no empenho do serviço solidário aos irmãos. Para nós, ministros ordenados, configurados a Cristo Bom Pastor, a compaixão de Jesus pelo povo se traduz na vivência da caridade pastoral, eixo integrador de nossa espiritualidade. Amar e servir ao povo santo e fiel, sendo instrumentos do coração compassivo e misericordioso do próprio Cristo – eis aí é a beleza e o desafio de nossa vocação! Dizia o teólogo Karl Rahner que o padre é o homem do “coração transpassado”. Como Jesus na cruz teve seu coração perfurado pela lança, o sacerdote se identifica com o Mestre, permitindo que a dor e os sofrimentos da humanidade encontrem ressonância em seu coração de pastor. Louvar a Deus! Cuidar do povo! Servir a todos por amor! Este foi o testemunho do Santo Cura d´Ars, o querido São João Maria Vianney, patrono dos sacerdotes, cuja intercessão fraterna hoje imploramos, encorajados pela sua vivência luminosa do ministério presbiteral. Louvar a Deus! Cuidar do povo! Servir a todos por amor! É este o programa de vida que hoje a Palavra de Deus aponta para os nossos queridos sacerdotes jubilares, aos quais desejamos um 4 ministério cada vez mais abençoado e fecundo, em comunhão com o Presbitério de Mariana, que hoje os homenageia com carinho, nesta celebração presidida por nosso estimado Arcebispo. Louvar a Deus! Cuidar do povo! Servir a todos por amor! Seja este o compromisso de todos nós, irmãos e irmãs, ao iniciar este mês vocacional, que relança para nossas comunidades e paróquias o apelo motivador da Jornada Mundial da Juventude: “Ide e fazei discípulos entre todos os povos”. Como trabalhadores da Messe, a exemplo da Virgem Maria, que tenhamos os ouvidos abertos para reconhecer a voz do Senhor e seu chamado, seguir seus passos e produzir frutos na fidelidade e na perseverança. Amém! Mons. Celso Murilo Sousa Reis Cons. Lafaiete, 03⁄08⁄2013