Universidade Anhembi Morumbi Magda Cristina Souza Martins REFLEXÕES ACERCA DO DESIGN DE INTERFACE DE APLICATIVOS (TVPARA A TVDi DIGITAL INTERATIVA): A HIBRIDIZAÇÃO DAS LINGUAGENS AUDIOVISUAL E DIGITAL INTERATIVA Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design. OrientadorA: Profª Drª Rachel Zuanon Dissertação de Mestrado Mestrado em Design Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu São Paulo, Fevereiro / 2013 2 Banca Examinadora Profª Drª Rachel Zuanon Dias Orientadora e Presidenta da Banca Universidade Anhembi Morumbi Profª Drª Luisa Paraguai Donati Examinadora Interna Universidade Anhembi Morumbi Profº Dr Almir Almas Examinador Externo Universidade de São Paulo, ECA-USP São Paulo, Fevereiro/2013 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e da orientadora. Magda Martins Bacharel em Design Digital pela Universidade Anhembi Morumbi e Técnica em Design Gráfico pela ETE Carlos de Campos (KK). É designer de mídias digitais nos canais televisivos The History Channel e A&E Network. Atuou como designer digital na TV Cultura (Fundação Padre Anchieta) e em diversos projetos de portais governamentais e WEBTV na Umana Comunicação. Ficha Catalográfica M344r Martins, Magda Cristina Souza. Reflexões acerca do design de interface de aplicativos para a TVDi (TV Digital Interativa): a hibridização das linguagens audiovisual e digital interativa / Magda Cristina Souza Martins. – 2013. 84 f.: il. Orientador: Rachel Zuanon Dias. Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2013. Bibliografia: f. 82. 1. Design. 2. TVDi. 3. Design de interface. 4. Hibridismo. 5. Linguagem do vídeo. I. Título. CDD 741.6 Ao querido Emerson, que seguirá para sempre comigo, even without wings... À mentora Rachel Zuanon, fonte infindável de força, sabedoria e conforto. 5 Agradecimentos Aos meus pais, Edvar e Vicentina, pelo apoio incondicional e por todos os sacrifícios feitos em prol das minhas escolhas nos estudos. Aos queridos chefes e amigos da Umana Comunicação Inteligente, Julio Gurgel, Layla Guerra e Ricardo Mucci, por todos os momentos de cuidado, incentivo, confiança e, principalmente, compreensão, ao longo desta jornada. Ao Caio Fochetto, por ser a mão estendida quando mais precisei... por mais de uma vez. Ao Hanilton Scolfield, por fornecer o equilíbrio e a leveza de espírito nos momentos difíceis. À Elaine Faria, pelo ouvido sempre disponível, e pela ajuda na aquisição de tantos livros durante e após a graduação, sem os quais não teria de onde tirar grande parte do meu conhecimento. À Phoebe, pela companhia incansável durante as noites de leitura e escrita. Aos amigos e colegas de mestrado e universidade, especialmente: Marcelo Falco, Tereza “Tetê” Rebello, Anna Vöros, Marco Túlio Bosch, Helloisa Candello, Mariana Rocoletta, Mayra Mártires, Sidney Rufca, Viviane Moraes, Jorge Paiva e Lara Vaz, pelos bons momentos juntos e pelas trocas tão ricas de experiências, conselhos, materiais acadêmicos e informações. À Antonia Costa, pela inabalável simpatia e disposição em ajudar no que for preciso. À CAPES e ao Setor de Pesquisa da UAM pela bolsa de estudos concedida à esta pesquisa. Aos professores do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design da Universidade Anhembi Morumbi, especialmente: Profa. Dra. Ana Mae Barbosa, Profa. Dra. Gisela Beluzzo, Prof. Dr. Jofre Silva, Profa. Dra. Cristiane Mesquita, Profa. Dra. Marcia Merlo e Profa. Dra. Luisa Paraguai, pelo carinho e contribuição no processo de aprendizado. Aos professores Dra. Luisa Paraguai e Dr. Almir Almas, por terem gentilmente aceitado o papel de avaliadores desta pesquisa e por todos os apontamentos e orientações realizados durante a banca de qualificação. E, por último e mais importante, à minha orientadora, Profa. Dra. Rachel Zuanon: pelos ensinamentos ao longo dos anos; pela mente aberta, dedicação, disponibilidade, profissionalismo, cuidado, sabedoria, respeito e paciência durante todo o desenvolvimento desta pesquisa; pelo carinho e conforto sempre que precisei; pelos puxões de orelha, firmeza e honestidade sempre que necessários; pelas conquistas que me ajudou e pelas conquistas que me fez alcançar; e, principalmente, pela honra concedida ao confiar e acreditar em mim. 6 Resumo A TV Digital Interativa (TVDi) permite com que aplicativos digitais interativos sejam enviados simultaneamente aos programas televisivos transmitidos pelas emissoras. Esta condição aponta para a possibilidade de hibridização de dois meios com linguagens distintas: audiovisual e digital interativo. Contudo, o cenário atual da produção para a TVDi apresenta uma desarticulação entre as linguagens envolvidas neste processo, tendo em vista que o design dos aplicativos mimetiza padrões adotados para o design de web, ao mesmo tempo em que os programas para a TV continuam sendo produzidos dentro dos padrões para a televisão nãointerativa. Neste contexto, o objetivo desta pesquisa consiste em realizar uma reflexão sobre o cenário atual do design de interfaces dos aplicativos de TVDi, a fim de identificar como a integração de recursos digitais interativos tem impactado na composição da imagem do vídeo televisivo. Palavras-chave: design de interface, TVDi, hibridismo, linguagem do vídeo 7 Abstract The Interactive Digital TV enables broadcasters transmit digital interactive applications simultaneously to television programs. This condition indicates the possibility of hybridization of two media which have different languages: audiovisual and interactive digital. However, the current scenario of iDTV production presents a mismatch between the languages involved in this process, given that the design of applications for TV mimics the standards adopted for the design of web. At the same time TV programs are still being produced guided by the standards of television noninteractive. In this context, the objective of this research is to develop a reflection on the current scenario of the design of interfaces of iDTV applications in order to identify how the integration of interactive digital features has impacted at the composition of the television video image. Keywords: interface design, iDTV, hybridism, video language 8 Sumário Lista de figuras | 9 Introdução | 16 1. Hibridismo de linguagens na imagem do vídeo televisivo | 18 1.1. A linguagem do vídeo e a composição da imagem em camadas | 23 1.1.1. Sobreposição de elementos e fluxos diferentes: imagem espessa | 24 1.1.2. A fragmentação da tela: janelas de fluxos distintos de imagem | 27 1.1.3. Incrustação: hibridização de imagens e linguagens | 29 1.2. A penetrabilidade da imagem digital na integração de linguagens | 30 2. A imagem televisiva no contexto da televisão digital interativa (TVDi) | 45 2.1. TVDi e a transposição da linguagem digital interativa à TV | 45 2.1.1. Elementos projetuais da linguagem digital interativa | 49 2.2 Design de interface na TVDi | 54 2.2.1 O contexto atual do design de interface dos aplicativos para a TVDi | 55 3. Aspectos do design de interface na coexistência das linguagens audiovisual e digital interativa | 64 3.1. A desintegração entre aplicativo e vídeo na TVDi e o impacto na linguagem audiovisual televisiva | 64 3.2. A mimetização dos padrões de design de interface da web na TVDi | 70 Considerações finais | 76 Referências | 82 9 Lista de figuras Figura 1 | 24 Imagem sem título, do álbum de Sackville-West, 1867-1973 Figura 2 | 24 Femmes a Leur Toilette, Pablo Picasso, 1989 Figura 3 | 24 Cartaz La lutte continue,Jan Van Toorn, 1989, 1989. Figura 4 | 25 Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971 Figura 5 | 25 Impressions d’Afrique, 1977 Figura 6 | 25 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Figura 7 | 25 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Figura 8 | 26 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Figura 9 | 26 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Figura 10 |26 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Figura 11 |26 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Figura 12 |26 Melody, Jean-Christophe Averty, 1971 10 Figura 13 |27 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Figura 14 |27 Melody, Jean-Christophe Averty, 1971 Figura 15 |28 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Figura 16 |28 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Figura 17 |28 Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971 Figura 18 |28 Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971 Figura 19 |28 Montand Chante, Jean-Christophe Averty, 1968. Figura 20 |29 Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971 Figura 21 |29 Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971 Figura 22 |31 Captação de personagens em studio, com fundo verde no qual serão incrustadas as imagens do ambiente onde se passa uma sequência da série 24 Horas. Figura 23 |31 Imagem dos atores na escada capturada em estúdio unida à imagem com o restante do cenário. Figura 24 |32 Sequência do episódio Senhora. Figura 25 |32 Sequência do episódio Piloto de Fringe Figura 26 |33 The X Files, Tipografia em 1993 Figura 27 |33 The X Files, Tipografia em 2002 Figura 28 |34 Sequência do episódio Piloto de Fringe Figura 29 |34 Sequência do episódio Piloto de Fringe 11 Figura 30 |34 Sequência do episódio Piloto de Fringe Figura 31 |34 Sequência do episódio Piloto de Fringe Figura 32 |34 Sequência do episódio Piloto de Fringe Figura 33 |34 Sequência do episódio Piloto de Fringe Figura 34 |35 Sequência do episódio Piloto de Fringe Figura 35 |35 Sequência do episódio Piloto de Fringe Figura 36 |36 Sequência de Os Lusíadas Figura 37 |36 Sequência de Os Lusíadas Figura 38 | 36 Sequência de Os Lusíadas Figura 39 |37 Sequência do espisódio Pilot, Numb3ers. Irrigador no jardim espalhando gotas para todos os lados. Figura 40 |37 Entrada do grafismo para ilustrar o pensamento do personagem. Figura 41 |37 Gota d`água em Plano Detalhe em zoom amplificado. Números sobrepondo ao lado esquerdo. Figura 42 |37 Gota d`água em Plano Detalhe em zoom amplificado. Números sobrepondo ao lado esquerdo. Figura 43 |37 As gotas se transformam em grafismos... Figura 44 |37 ... e fórmulas matemáticas Figura 45 |38 Números retornando ao irrigador como se fossem gotas d’água Figura 46 |38 Números retornando ao irrigador como se fossem gotas d’água 12 Figura 47 |38 Sequência do espisódio Vector, Numb3ers. Personagem desenha no quadro. As formas desenhadas por ele se transformam em grafismos e as imagens captadas mesclam-se aos desenhos. Figura 48 |38 Sequência do espisódio Vector, Numb3ers. Figura 49 |38 Sequência do espisódio Vector, Numb3ers. Figura 50 |38 Sequência do espisódio Vector, Numb3ers. Figura 51 |38 Sequência do espisódio Vector, Numb3ers. Figura 52 |38 Sequência do espisódio Vector, Numb3ers. Figura 53 |39 Sequência de abertura da 4a temporada da série Everybody Hates Chris. Figura 54 |40 Sequência de abertura da série Carnivàle. Figura 55 |40 Sequência de abertura da série Carnivàle. Figura 56 |40 Sequência de abertura da série Carnivàle. Figura 57 |40 Sequência de abertura da série Carnivàle. Figura 58 |41 Sequência de abertura da série Carnivàle. Figura 59 |41 Sequência de abertura da série Carnivàle. Figura 60 |41 Sequência de abertura da série Carnivàle. Figura 61 |41 Sequência de abertura da série Carnivàle. Figura 62 |41 Sequência de abertura da série Carnivàle. Figura 63 |42 Sequência de abertura da mini-série The Pacific. 13 Figura 64 |42 Sequência de abertura da mini-série The Pacific. Figura 65 |42 Sequência de abertura da mini-série The Pacific. Figura 66 |42 Sequência de abertura da mini-série The Pacific. Figura 67 |42 Sequência de abertura da mini-série The Pacific. Figura 68 |42 Sequência de abertura da mini-série The Pacific. Figura 69 |42 Sequência de abertura da mini-série The Pacific. Figura 70 |43 Sequência de abertura da mini-série The Pacific. Figura 71 |43 Sequência de abertura da mini-série The Pacific. Figura 72 |43 Sequência de abertura da mini-série The Pacific. Figura 73 |44 Sequência de abertura da mini-série The Pacific. Figura 74 |44 Sequência de abertura da mini-série The Pacific. Figura 75 |45 Padrão de TV Digital Interativa em camadas e sub-camadas. Figura 76 |49 Modelo de estrutura informacional e navegacional de um website. Figura 77 |51 Exemplo de como a interface reage às possibilidades de interação em um website. Figura 78 |51 Exemplo de mudança de interface de acordo com a navegação do interator. Figura 79 |52 Winky-Dink and You, CBS, 1953. Figura 80 |53 Garganta e Torcicolo, MTV Brasil. 14 Figura 81 |56 Vinheta de abertura da novela Morde e Assopra, Rede Globo, 2011. Figura 82 |56 Aplicativo da novela Morde e Assopra, da Rede Globo. Figura 83 |56 Vinheta de abertura do reality show A Fazenda, Rede Record, 2011. Figura 84 |56 Aplicativo do reality show A Fazenda, Rede Record, 2011. Figura 85 |56 Estrutura informacional do aplicativo de TVDi do programa A Fazenda 2011, Rede Record. Figura 86 |57 Exemplo de fluxo de navegação e elementos de interfaces do aplicativo reality show A Fazenda, Rede Record, 2011. Figura 87 |59 Interface do Aplicativo daas Olímpiadas de Londres, 2012, da Rede Record. Figura 88 |59 Interface do aplicativo do Caldeirão do Huck, Rede Globo. Figura 89 |59 Interface do aplicativo do programa Hoje em Dia, Rede Record. Figura 90 |60 Interface do aplicativo da novela Rei Davi, Rede Record. Figura 91 |60 Interface do aplicativo Portal Interativo, SBT. Figura 92 |61 Interfaces do documentário interativo Walking With Beasts, BBC. Figura 93 |62 Interface do programa Pyramide Challenge, BBCi. Figura 94 |62 Interface do programa Pyramide Challenge, BBCi. Figura 95 |65 Interface do aplicativo do programa Vida de Estagiário, TV Brasil. Figura 96 |65 Interface do aplicativo da novela Rebelde, Rede Record. Figura 97 |66 Nuances na legibilidade dos textos na interface do aplicativo de acordo com a linha de tempo do vídeo. 15 Figura 98 |67 Interface do aplicativo do Portal Interativo durante a transmissão doa série Fringe, no SBT. Figura 99 |68 Interface do aplicativo do Jornal da Band, Rede Bandeirantes. Figura 100 | 68 Sequências da série 24 Horas, nas quais o recurso das janelas de vídeo é utilizado para mostrar ações em locais distindos ocorrendo ao mesmo tempo. Figura 101 | 69 Interfaces do documentário interativo Walking With Beasts, BBC e do programa Pyramide Challenge, BBCi. Figura 102 | 71 Interface do aplicativo para TVDi programa Shark Weekend, sobre tubarões, do Discovey Channel. Figura 103 | 71 Estrutura da interface representada pela Figura 102. Figura 104 | 72 Interface de videos dos programas sobre Tubarões do site do Discovery Channel. Figura 105 | 72 Estrutura da interface representada pela Figura 104. 16 Introdução A televisão encontra-se mundialmente em processo de transição de sua tecnologia analógica de transmissão para a digital sendo que, em muitos países, esta migração já foi plenamente realizada. No Brasil, espera-se que em poucos anos o sinal digital alcance todas as residências. Além das imagens e sons em alta definição, um dos principais avanços promovidos por esta tecnologia é o da transmissão de conteúdo digital interativo por meio do sinal televisivo. Considerando esta possibilidade, grande parte das emissoras de TV transmitem aplicativos para serem acessados por meio do aparelho televisor simultaneamente aos seus programas de conteúdo audiovisual. Desta maneira, configura-se um cenário que aponta para a hibridização das linguagens televisiva e digital interativa. Essa condição, além de caracterizar a TV como Digital Interativa (TVDi), instaura um novo paradigma, no qual a imagem do vídeo televisivo transforma-se em uma interface para viabilizar as ações do público junto ao conteúdo. Neste momento, o design amplia sua atuação no meio televisivo para além da computação gráfica, ao ter de estabelecer como o conteúdo interativo se revelará ao público por meio das interfaces dos aplicativos. Além disso, o design de interface terá de considerar as linguagens de naturezas distintas envolvidas neste contexto – audiovisual televisiva e digital interativa – de modo a contemplar suas principais especificidades. Contudo, no cenário atual percebe-se que os aplicativos mimetizam padrões de design da web, em um contexto no qual programas televisivos continuam sendo produzidos considerando apenas as especificidades da televisão não-interativa. Desta maneira, o objetivo desta pesquisa consiste em realizar uma reflexão acerca do contexto atual do design de interfaces de aplicativos para a TVDi, de modo a identificar como a integração de recursos do meio digital interativo à televisão tem impactado na linguagem de sua imagem. Para tanto, o primeiro capítulo, Hibridismo de linguagens na imagem do vídeo televisivo, propõe-se a apresentar a linguagem visual do vídeo televisivo em um contexto não-interativo, e 17 como este buscou meios para a hibridização e a heterogeneidade de linguagens ao compor sua imagem por meio de camadas de elementos visuais de diferentes naturezas. Primeiramente, por meio dos trabalhos do videasta Jean-Christophe Averty, serão apresentados os caminhos iniciais que apontaram para a integração de linguagens e procedimentos de naturezas distintas ao meio televisivo, em um contexto onde as possibilidades de manipulação das imagens eram limitadas pelo tipo de tecnologia disponível. Depois, já no contexto da tecnologia digital, será apresentado por meio de séries de TV distintas, como o vídeo televisivo alcançou a hibridização efetiva de linguagens dada a alta manipulabilidade das imagens digitais. Em seguida, no capítulo A imagem televisiva no contexto da Televisão Digital Interativa (TVDi), serão apresentados os aspectos intrínsecos do meio digital interativo que a TVDi acrescenta à linguagem e ao público televisivos. Neste sentido, os aplicativos existentes nesse meio serão analisados sob a perspectiva do design de interface, e como os elementos desta nova camada de linguagem tem se articulado com os elementos do vídeo. Já no capítulo seguinte, Aspectos do design de interface na coexistência das linguagens audiovisual e digital interativa, serão apontados os problemas causados pela produção desintegrada dos conteúdos, tendo em vista que os conteúdos audiovisual e digital interativo são produzidos de maneira independente um do outro. Por fim, discutir-se-á como o design de interface tem sido aplicado na TVDi replicando padrões da web, sem considerar as especificidades do vídeo televisivo. 18 1. HIBRIDISMO DE LINGUAGEnS NA IMAGEM DO VÍDEO TELEVISIVO Este capítulo irá abordar a linguagem híbrida intrínseca ao vídeo televisivo e como as diferentes camadas de elementos provenientes de mídias distintas se articulam na composição de suas imagens. Esta compreensão se faz necessária uma vez que a Televisão Digital trouxe ao meio televisivo a possibilidade de transmissão de aplicativos digitais interativos simultaneamente ao vídeo televisivo. Neste sentido configura-se a integração de dois meios com linguagens distintas: audiovisual e digital interativa. Partindo dos conceitos defendidos por autores como Anne-Marie Duguet (1991), Arlindo Machado (1995, 2009, 2011), Lev Manovich (2001a, 2007a, 2007b, 2007c), Lucia Santaella (1996 e 2007) e Phillippe Dubois (2004), de que o vídeo televisivo constitui-se como uma mídia fundamentalmente híbrida, que absorve códigos de diferentes mídias na constituição de sua linguagem, serão identificados os elementos intrínsecos de sua linguagem visual para que as especificidades de seu modo expressivo sejam atendidas na integração dos meios audiovisual e digital interativo. Para tanto serão apresentados os diferentes procedimentos que possibilitam ao vídeo hibridizar imagens de diferentes naturezas em sua composição. Esta abordagem será dividida em contextos tecnológicos distintos: o primeiro, na seção 1.1 A linguagem do vídeo e a composição da imagem em camadas, quando, nas primeiras décadas da televisão, foram desenvolvidos os principais procedimentos para a mistura de linguagens em um cenário tecnologicamente limitado; e, o segundo, na seção 1.2 A penetrabilidade da imagem digital na integração de linguagens, quando o computador permite a criação de imagens videográficas híbridas dada a alta manipulabilidade da imagem propiciada pela tecnologia digital. O conceito de que a televisão é uma mídia naturalmente híbrida, reside no fato de que seus modos expressivos são desenvolvidos a partir da mistura de aspectos de outros meios, tais como: o cinema, o rádio, o teatro e o circo, bem como das constantes recombinações de 19 seus próprios elementos gerando novos produtos. O termo híbrido1 estabeleceu-se como um conceito amplo a partir do emprego frequente pela área das ciências biológicas, para definir os seres vivos gerados a partir do cruzamento inter-racial. O mesmo conceito passou a ser utilizado por outras áreas do conhecimento, para definir algo ou alguém gerado a partir do cruzamento ou união, de elementos ou seres de diferentes naturezas, resultando, portanto, em um novo tipo de ser que carrega características das diferentes entidades que o originaram. No âmbito dos meios de comunicação, um dos primeiros autores a tratar das hibridizações foi Marshal McLuhan (1964) em sua obra Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem, na qual ele define o híbrido como: “o encontro de dois meios [que] constitui um momento de verdade e revelação, do qual nasce a nova forma” (p. 74). Os casos utilizados por McLuhan (2000) para exemplificar as hibridizações nos meios de comunicação, culturas e sociedade, restringemse ao cruzamento entre apenas dois agentes. Como o cinema e a literatura, o período pósguerra e a cultura, entre outros. A televisão, no entanto, não consiste em um meio que nasce a partir da união de apenas duas mídias, ou das tecnologias eletrônica e mecânica, como propõe McLuhan (2000), mas sim de um processo complexo de hibridismo, no qual ela absorve uma quantidade significativa de elementos de diferentes meios e os combina de maneira a construir sua própria linguagem. Em 1964, quando McLuhan (2000) escreveu que a televisão nasceu do casamento entre a eletrônica e a mecânica, uma linguagem própria deste meio ainda estava em emergência, assim, compreende-se a perspectiva restritamente tecnológica do autor para tratar do hibridismo neste meio. Neste período, a televisão operava quase que exclusivamente como um retransmissor de atrações produzidas dentro das especificidades de outros meios, tais como: filmes, peças teatrais, espetáculos musicais e de dança, novelas (transmitidas ao vivo), bem como eventos esportivos e públicos de grande importância. Conforme aponta Delavaud (2005), a imagem resultante da prática destes tipos de transmissões provocou a investigação acerca de quais seriam as especificidades da linguagem televisiva, bem como, à produção de programas que elevassem a televisão de mero veículo transmissor a um meio de criação e expressão tal qual são o cinema, o rádio e o teatro. Desta forma, ao operar como uma retransmissora de conteúdos de diferentes naturezas, a televisão passou a absorver códigos destes meios e integrálos às suas especificidades, caracterizando-se como uma mídia fundamentalmente híbrida. Para Santaella (1996), todas as mídias podem ser determinadas como híbridas, pois suas mensagens são compostas a partir da mistura de códigos e processos sígnicos pertencentes a diferentes A raíz etimológica da palavra híbrido está no grego hybris, que originou o termo em latim, hybrida, quando era utilizado para definir os filhotes do cruzamento entre um javali e um porco, sendo posteriormente adotada em Roma para definir os filhos gerados entre um indivíduo romano e outro estrangeiro ou escravo. (ZIMERMAN, 2012) 1 20 linguagens, sendo que a televisão é considerada pela autora como “a mais híbrida de todas as mídias, que absorve e deglute todas as outras” (SANTAELLA, 1996, p.47). É de consenso entre a maioria dos autores (MACHADO, 2009 e 2011; JOST, 2007; CANNITO, 2010; MELLO, 2008; PLAZA, 2000; DUGUET, 1991), o entendimento de que a televisão realiza a conjugação de elementos da maioria dos meios de comunicação e expressão que já existiam antes dela e prossegue incorporando de outros que tem surgido no decorrer de sua existência. Do cinema, ela absorve todos os procedimentos de captura de som e imagens em movimento, inerentes à linguagem audiovisual; do circo, a estética do espetáculo; e assim por diante. Neste sentido, a televisão incorpora e transforma todas estas características em elementos intrínsecos à sua constituição, conforme aponta Plaza: [...] o processo de hibridização nos permite fazer os meios dialogarem. A combinação de dois ou mais canais a partir de uma matriz de invenção, ou a montagem de vários meios pode fazer surgir um outro, que é a soma qualitativa daqueles que o constituem. (2000, p. 65) Já Machado (2011) entende a televisão e o vídeo como mídias impuras, dada a ampla variedade de códigos de outros meios que são incorporados e transformados em modos expressivos próprios: Esse talvez seja justamente o ponto-chave da questão. O discurso videográfico é impuro por natureza, ele reprocessa formas de expressão colocadas em circulação por outros meios atribuindo-lhes novos valores, e a sua “especificidade”, se houver, está sobretudo na solução peculiar que ele dá ao problema da síntese de todas essas contribuições (MACHADO, 2011, p. 174-175). Neste ponto, vale apontar que, uma vez que o recorte desta pesquisa concentra-se na linguagem visual do vídeo televisivo, o termo vídeo será utilizado sempre como o produto transmitido pela televisão, apoiando-se na abordagem de Manovich (2001a) de que a única justificativa para trata-los como meios distintos reside nos aspectos sociais e econômicos (audiência, mecanismos de distribuição etc.), pois seus modos expressivos são os mesmos. Tendo em vista que a linguagem audiovisual tem no cinema a origem de suas principais técnicas para a composição de imagens em movimento, como: planos, enquadramentos, movimentos de câmera etc., é natural que a televisão tenha desenvolvido sua linguagem ao incorporar as mesmas técnicas e ao adequá-las às suas especificidades conforme estas surgiram. Neste sentido, Delavaud (2005) relata como já na década de 1950, percebeu-se que 21 a televisão demandaria uma mise en scène2 diferente daquelas praticadas na maioria dos filmes cinematográficos e no teatro, mesmo que o conteúdo transmitido fosse um filme ou uma peça teatral: [...] a imagem televisiva exige simplificação e redução de elementos. Os cenários, bem como os figurinos, devem ser estilizados. Os detalhes, que formam a riqueza de uma imagem cinematográfica, desaparecem ou se neutralizam na televisão. Em contrapartida, o produtor de televisão pode tirar proveito de certos procedimentos do cinema dos anos vinte que foram esquecidos: o encadeamento de imagens, o isolamento deliberado de um gesto ou objeto, e, naturalmente, o plano fechado que, na tela pequena, torna-se uma nova força expressiva (DELAVAUD, 2005 p. 52)3. Esse contexto, o qual se buscou no próprio cinema soluções que permitissem a produção de imagens adequadas à televisão, evidencia a prática televisiva de absorver e rearticular códigos de outras mídias para formar uma linguagem própria. Ao citar o cinema dos anos de 1920, Delavaud (2005) está se referindo à estética de filmes das vanguardas russa e francesa, especialmente de diretores como René Clair, Dziga Vertov e Jean Epstein. No surrealista francês Entr’acte, de 1924, dirigido por René Clair, por exemplo, a maior parte das sequencias apresentam imagens enquadradas em planos fechados, em que gestos e objetos são enfatizados e tomam quase todo o espaço disponível no quadro. Outros exemplos, como The Man With a Movie Camera, de 1929, dirigido por Dziga Vertov, e Finis Terrae, de 1925, dirigido por Jean Epstein ilustram como o rosto humano e objetos em detalhe são os principais elementos enquadrados. Ambos fazem parte do cinema construtivista russo, que tem como um de seus princípios a recusa à estética da mimese realista conforme aponta Saraiva (2006). Outro anseio destes cineastas que encontra espaço na televisão é a contaminação das imagens comprometidas com a representação realista e restrita ao que a câmera pode capturar no mundo físico. Estes desejos foram expressos no manifesto Cinema Futurista, de 1916. Tal manifesto, norteador do cinema expressionista russo e surrealista francês, reivindicava a expansão do cinema enquanto forma de expressão artística, para além das representações figurativas do mundo (MARINETTI, CORRA, et al., 1973). Além dos enquadramentos fechados e da simplificação da imagem, a televisão inicia Mise-en-scène é o termo utilizado para definir todo o conjunto de elementos que compõe uma imagem no meio audiovisual: luz, decoração, arquitetura, distribuição das figuras e sua organização em cena (MASCARELLO, 2006). 2 Ao apontar o resgate de procedimentos utilizados no cinema da década de 1920, Delavaud (2005) parte de textos publicados durante a década de 1950, que procuravam encontrar soluções para a composição das imagens televisivas. 3 22 uma relação próxima com os princípios destas correntes do cinema da década de 1920 a medida em que alguns de seus profissionais passam a desprender-se do que Arlindo Machado (2009) denomina como estética do ao vivo. Para o autor, o fato de a televisão ter nascido como um veículo de transmissões diretas (ao vivo) fez com que o desenvolvimento de seus recursos expressivos fossem pautados nas circunstâncias deste tipo de transmissão. Desta forma, muitos dos programas pré-gravados, “são produzidos e editados nas mesmas circunstâncias que os programas ao vivo (portanto, em tempo presente), ou em condições muito próximas deles” (MACHADO, 2009, p. 126). Estas características inerentes às transmissões diretas resultaram em uma linguagem predominantemente comprometida com a relação de verossimilhança entre as imagens televisivas e o que é capturado no mundo físico por meio das câmeras - objetos, situações e seres vivos. Um padrão de registro mimético, portanto, tal como ocorre na fotografia e algumas pinturas renascentistas, sem intervenções que contaminem a imagem e subtraiam dela a ideia de que o conteúdo exibido é “tal como o homem pode vê-lo” (DUBOIS, 2004, p. 50). Devido ao realismo plástico intrínseco à estética do ao vivo, neste tipo de imagem a hibridização de linguagens tem dificuldade em alcançar o campo da visualidade. Outro fator que determina a predominância do mimetismo imagético televisivo reside na disponibilidade tecnológica para a produção de vídeos que permitam a integração de imagens originadas em diferentes fontes. Até o barateamento e o desenvolvimento da computação gráfica e da digitalização das imagens em movimento, o processo para compor imagens em mais de uma camada de informação era bastante rudimentar e trabalhoso. Somente a partir de meados dos anos 1990, quando houve uma grande expansão das técnicas digitais, é que a linguagem visual híbrida videográfica deixou o campo experimental de produtores mais ousados para se tornar parte do cotidiano dos profissionais de TV. Como resultado desta mistura de linguagens surge o que Dubois (2004) considera como uma das principais forças expressivas do vídeo: a mixagem4 de imagens. Para o autor, esta característica genuinamente videográfica está para o vídeo o que a montagem de planos está para o cinema. Neste sentido, se com o cinema a linguagem audiovisual desenvolveu a montagem de planos para que diferentes imagens pudessem compor a mesma obra de maneira sucessiva, com o vídeo desenvolveu-se a mistura de imagens para possibilitar com que sequências diferentes integrassem o vídeo de maneira simultânea, ou seja, dividindo o mesmo quadro. Ao promover a mistura de imagens, o vídeo abriu espaço para que elementos e processos de outras linguagens fossem incorporados à linguagem visual televisiva permitindo, assim, a hibridização de linguagens também no âmbito da visualidade, bem como, modos de representação descomprometidos com a estrita relação de mimese com o mundo físico. Conforme será discutido adiante, estes trabalhos dividem- 4 O termo mixagem origina-se da palavra mix que, em inglês, significa mistura. 23 se em dois períodos distintos: o primeiro, do final da década de 1960 até o meados dos anos 1980, quando as possibilidades de criação e execução eram limitadas pela tecnologia existente e, o segundo período, a partir de meados dos anos 1990 quando a computação gráfica e a digitalização das imagens videográficas permitiu um engendramento maior dos elementos de linguagens distintas. 1.1. A linguagem do vídeo e a composição da imagem em camadas Muitos dos recursos expressivos do vídeo televisivo foram desenvolvidos antes da possibilidade de digitalização e manipulação das imagens no computador. Até o final da década de 1980 o processo de edição de imagens é a chamada Edição Linear. Este sistema possibilita apenas cortes lineares de sequências. Para combinar imagens provenientes de fontes diferentes, cada sequência deveria ser cortada e ordenada em uma nova fita eletromagnética. Somente a partir da década de 1990 é que os softwares e o processo digital chegaram ao vídeo, trazendo a edição não linear e uma maior manipulabilidade das imagens, conforme será abordado no capítulo 1.2. A penetrabilidade da imagem digital na integração de linguagens. Além da edição, a mistura de imagens ao mesmo tempo no quadro também era limitada e condicionada à disponibilidade de aparelhos específicos para realizar a sobreposição de camadas de imagem. Neste contexto, os trabalhos que introduziram a mistura de linguagens visuais à TV estão mais próximos da coexistência do que da hibridização de elementos de linguagens distintas. Observa-se que duas características são adicionadas ao vídeo nestas circunstâncias: a composição da imagem em camadas e a divisão do quadro para a presença simultânea de fluxos diferentes de imagem. Marinetti et. al (1916), preconizam os procedimentos que levariam a linguagem audiovisual a alcançar a poli-expressividade das imagens em movimento. Simultaneidade cinemática e interpenetração de diferentes tempos e lugares. Nós devemos projetar dois ou três episódios visuais ao mesmo tempo, um próximo do outro; [...] Mostrar janelas de ideias filmadas, eventos, textos, objetos etc. [...] Equivalências lineares, plásticas, cromáticas etc. de homens, mulheres, eventos, pensamentos, música, sentimentos, pesos, cheiros, barulhos (com linhas brancas no preto nós devemos mostrar o interior, ritmo físico de um marido que descobre o adultério de sua esposa e persegue o amante – ritmo da alma e ritmo das pernas). [...] Palavras em liberdade filmadas em movimento (tabelas sinóticas de valores textuais) – dramatizações de letras humanizadas ou animadas – dramatizações ortográficos – dramatizações tipográficas – dramatizações geométricas – sensibilidade numérica etc.). (MARINETTI, CORRA, et al., 1973) Nesta relação de técnicas e modos expressivos previstos para as linguagem audiovisual – restrita ao cinema à época em que os manifestos futuristas foram escritos, nas primeiras 24 décadas do Séc. XX – encontram-se basicamente todos os tipos de contaminações e interferências estéticas praticados no meio videográfico. A proposta de se ter duas ou mais sequências diferentes ao mesmo tempo na tela resultou na fragmentação do espaço do quadro, em que fluxos diferentes de vídeos são exibidos simultaneamente. Já o anseio por ampliar os modos de representação para além do que é capturado pelas câmeras no mundo físico, culminou na integração de imagens de fontes e linguagens diversas, como a sobreposição de elementos gráficos e tipográficos, entre outros, ao fluxo de vídeo. Para se alcançar estes efeitos, três procedimentos principais são utilizados com frequência, conforme sintetiza Dubois (2004): a sobreposição de camadas; o jogo de janelas (divisão do quadro); e a incrustação. Tais procedimentos nem sempre são unívocos pois, conforme será abordado a seguir, em muitos casos articulam-se para produzir o efeito desejado. Figura 1 Imagem sem título, do álbum de Sackville-West, 1867-1973. Fonte: http://bit.ly/WoCyMh 1.1.1. Sobreposição de elementos e fluxos diferentes: imagem espessa A sobreposição de camadas consiste em um dos recursos mais antigos utilizados quando intende-se associar níveis diferentes de informação ao mesmo tempo. No que concerne à hibridização de linguagens, a sobreposição de imagens permite que cada camada de informação contribua com o todo ao mesmo tempo em que preserva suas características próprias (LUPTON e PHILLIPS, 2008). Neste sentido, Santaella (2002) aponta que a superposição de camadas torna as criações humanas cada vez mais complexas. Nesta sobreposição de elementos provenientes de fontes diferentes de captação ou criação, a imagem tende a se aproximar do aspecto de uma colagem. Esta técnica tem sua origem nas chamadas foto-colagens vitorianas (Figura 1), de meados do Séc. XIX, em que quadros eram compostos a partir da sobreposição de pedaços de fotografias recortados e colados sobre pinturas (SIEGEL, BELLO, et al., 2009). Consolida-se, no entanto, com o cubismo (Figura 2), quando Braque e Picasso promoveram a mistura de materiais heterogêneos em seus quadros, como tecidos, papéis diversos, madeira, entre outros (MASON, 1998). Mais tarde, a colagem foi amplamente absorvida pelos meios impressos, sobretudo pelos cartazes, para combinar principalmente fragmentos de textos impressos sobre recortes de ilustrações e fotografias (Figura 3). Figura 3 Cartaz La lutte continue, Jan Van Toorn, 1989. Fonte: LUPTON e PHILLIPS, 2008, p.128 Figura 2 Femmes a Leur Toilette, Pablo Picasso, 1938. Fonte: http://bit.ly/VDXOze O mesmo conceito aparece no vídeo como forma de inserir elementos de linguagens distintas na mesma sequência. Para Dubois (2004), este tipo de composição evidencia uma das principais características do meio audiovisual eletrônico que é a oposição à noção cinematográfica da profundidade de campo. Desta maneira, ao invés de profundidade, dentro dos conceitos renascentistas de perspectiva e realismo, a imagem adquire espessura ao ser composta por camadas. Além disso, a imagem perde a homogeneidade de linguagem e as camadas compostas por elementos de diferentes naturezas articulam-se formando um todo heterogêneo (DUBOIS, 2004), como é possível observar nos trabalhos do videasta JeanChristophe Averty. Nas obras Ubu Enchaîné, de 1971, Impressions D’Afrique, de 1977, e 25 Ubu Roi ou Les Polonais, de 1965, ele trabalha com as imagens do vídeo como se cada sequência fosse o suporte para compor uma colagem, sobrepondo recortes de imagens em movimento, fotografias, tipografias e outros elementos gráficos (Figuras 4, 5, 6 e 7). Conforme aponta Duguet (1991), nestes trabalhos para a televisão, a colagem consiste em “um instrumento privilegiado de rompimento com o realismo. Feitas por todos os pedaços, as imagens são o próprio sistema de organização” (p. 62). Na Figura 6, duas camadas de imagens diferentes compõem a sequência: na camada mais baixa, uma imagem pictórica, capturada pela câmera e, na camada superior, um grafismo animado sobrepondo determinados espaços da superfície anterior e revelando outros. Já na Figura 7 quatro camadas de imagens diferentes compõem a sequência: na camada mais baixa, a figura de uma mulher, capturada pela câmera se afasta, atravessando um portal, representado por meio de ilustração em uma camada acima. Já na terceira camada, está o desenho de uma caveira que sobrepõe parte do elemento da camada dois. Por último, na quarta camada, um balão de diálogo e a tipografia materializando as palavras ditas pelo personagem da caveira. Figura 5 Impressions d’Afrique, 1977 Fonte:. DUGUET, 1991, p.117 Além da heterogeneidade visual promovida pelos elementos de diferentes naturezas, nestes tipos de composição ocorre também o processo de hibridização de modos expressivos provenientes de outros meios como é possível observar na Figura 7, com a apropriação do balão de diálogo, proveniente do meio das histórias em quadrinhos. No padrão das HQs, o contorno serrilhado indica ao leitor que as palavras estão sendo ditas em um sussurro, tal qual nesta sequência, em que as palavras Jamais Mere Ubu! (Nunca, Mãe Ubu!) são sussurradas pela caveira quando a Mãe Ubu se afasta. Figura 6 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Fonte: Radio et Télévision Française Figura 4 Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971 Fonte: INA France http://bit.ly/XGNil8 Figura 7 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Fonte: Radio et Télévision Française 26 O mesmo recurso é utilizado em outro momento quando, para representar uma briga, onomatopeias de socos e tiros são inseridas sobre a pintura de uma batalha ao mesmo tempo em que uma sequência de dois personagens duelando transcorre na camada superior (Figura 8). Nesta representação, o cenário de uma batalha composto por atores e objetos de guerra, foi substituído pela ilustração. Da mesma maneira que em outra sequência, a ilustração de um castelo é utilizada como plano de fundo sob a camada de dois atores conversando para indicar que a situação ocorre em um castelo (Figura 9). Nesta imagem observa-se também uma introdução à integração de imagens de diferentes meios, no caso a fotografia ao vídeo. Contudo, estas linguagens não estão plenamente integradas. Elas coexistem no mesmo quadro e se articulam para gerar o significado de cada situação, neste caso a fotografia cumprindo a função de cenário para ambientar a sequência no castelo do rei. Figura 10 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Fonte: Radio et Télévision Française A ruptura com os princípios clássicos de representação realista, como as apresentadas até o momento, cede espaço para que muitos dos componentes clássicos de uma sequência Figura 11 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Fonte: Radio et Télévision Française Figura 12 Melody, Jean-Christophe Averty, 1971 Fonte: http://vimeo.com/30678737 Figura 8 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Fonte: Radio et Télévision Française videográfica, sejam substituídos por camadas de imagem de diferentes naturezas. Assim como ocorre com a cenografia nos exemplos anteriores (Figuras 8 e 9), quando ao invés de se construir um cenário de castelo ou capturar imagens de um já edificado, optou-se por representa-lo por meio de uma ilustração. As palavras também deixam de estar restritas ao som da fala dos personagens para se materializarem por meio da inserção de camadas tipográficas à imagem videográfica. Uma das maneiras de inserir uma camada tipográfica ao vídeo era por meio do Gerador de Caracteres5 que, segundo Machado (2011) permitiu que os textos participassem da imagem como elementos plásticos ao mesmo tempo em que ainda gozavam de suas propriedades verbais. Outra maneira de inserir textos, era produzindo-os como se fossem ilustrações e trata-los como mais uma camada de imagem, da mesma maneira que era feito com outros elementos, como nas imagens acima (Figuras 10, 11 e 12). Figura 9 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Fonte: Radio et Télévision Française Equipamento que gera eletronicamente no vídeo, letras, números e símbolos gráficos de vários tamanhos, formatos e cores. (PIZZOTTI, 2003, p.134) 5 27 Por fim, uma das principais questões envolvidas no procedimento de sobreposição de camadas está relacionada à visibilidade dos elementos que compõem a imagem e como esta fica condicionada aos níveis de transparência em cada camada envolvida na composição. Quanto menor o nível de opacidade de uma camada, maior será a visibilidade daquela que está abaixo dela. Nas imagens anteriores, as camadas são 100% opacas, ou seja, cada elemento cobre totalmente a área justaposta abaixo dele. Como se tratam de recortes e camadas com espaços vazados (100% transparentes), é possível visualizar partes de cada uma das camadas que compõem a imagem. Conforme apontam Lupton e Phillips (2008, p. 148), “transparência e camadas, são fenômenos correlatos.” Neste sentido, sempre que houver a sobreposição de camadas, a questão envolvendo os níveis de transparência e opacidade estará envolvida. Para Dubois (2004) a sobreposição de camadas promove o efeito de transparência relativa, no qual “cada imagem sobreposta é como uma superfície translúcida através da qual podemos perceber outra imagem” (p.78). Além da percepção simultânea de todas as camadas, quando imagens são mescladas por meio da transparência, a mistura de seus elementos altera seus atributos encaminhando para a transformação de duas entidades distintas em uma nova. Aspectos como cores, formas e texturas, fundem-se e seus valores somam-se gerando novos. Na Figura 13, as camadas se misturam de tal forma que a distinção entre os elementos sobrepostos é quase impossível . Já na Figura 14 as camadas de imagens não perdem suas formas, mas a cor de cada uma altera-se quando se mescla com outra camada. Figura 13 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Fonte: Radio et Télévision Française 1.1.2. A fragmentação da tela: janelas de fluxos distintos de imagem Outra possibilidade para a simultaneidade de imagens diferentes na tela, é a divisão do espaço do quadro em duas ou mais partes para destinar cada espaço a um fluxo diferente. Dubois (2004), adotando o mesmo termo proposto pelos futuristas (MARINETTI, CORRA, et al., 1973), denomina este procedimento como janelas de vídeo. Estes módulos de vídeo podem estar dispostos tanto em uma relação de proximidade espacial como de sobreposição. Para Dubois (2004), as janelas se diferenciam das camadas por promoverem mais a fragmentação do que a fusão de imagens. No entanto, sobretudo no âmbito da mistura de linguagens que lida quase sempre com a sobreposição de camadas de imagens, estes procedimentos combinam-se. A modularização do espaço, conforme indicam Lupton e Phillips (2008), remete à organização e à restrição bem definida do espaço. A fragmentação decompõe os elementos da imagem “em partes separadas, que se relacionam entre si mas conservam seu caráter individual” (DANDI, 1997, p. 145). Neste sentido, a janela de vídeo relaciona-se mais à coexistência de linguagens Figura 14 Melody, Jean-Christophe Averty, 1971 Fonte: http://vimeo.com/30678737 28 do que à hibridização, uma vez que as limitações impostas pelo contorno da forma que delimita o espaço não permitem uma total integração dos elementos na imagem. A complexidade da imagem irá variar de acordo com a quantidade de janelas e as formas escolhidas para delimitar seu espaço. Nas imagens a seguir (Figuras 15, 16 e 17) por exemplo, há uma composição simples de janelas. Em todos os casos, os módulos retangulares acomodam diferentes fluxos de imagens Figura 15 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Fonte: Radio et Télévision Française de maneira organizada e obedecendo a uma grade de organização do espaço. Mesmo na Figura 16, em que outros elementos estão dispostos na imagem sem estarem delimitados por uma janela. Este tipo de organização, indica uma relação muito próxima com a maneira como os elementos são diagramados nos meios impressos. No caso dos trabalhos de JeanChristophe Averty, é interessante notar como ele próprio indicava o hibridismo em suas obras ao chamar suas composições de mise en page (leiout em francês) no lugar de mise en scène, em uma referência clara à maneira como os elementos são diagramados nos meios impressos (AVERTY apud. SICLIER, 1976). Desta maneira, este tipo de trabalho indica uma integração entre elementos e procedimentos televisivos aos do meio impresso e das artes plásticas sem, contudo, descaracterizar a obra enquanto um objeto do meio audiovisual. Esta característica se evidencia em diversas composições de Averty, em que os elementos são dispostos como se obedecessem à uma grade geométrica (Figura 18) da mesma maneira que os elementos são diagramados para os meios impressos. Vale apontar que, embora na maioria das vezes as janelas de vídeo sejam retangulares, em muitos momentos este recurso é utilizado para inserir um fluxo de vídeo dentro de uma forma de maior complexidade, como por exemplo, para materializar o pensamento de um personagem na tela simultaneamente a outros elementos (Figura 19). Neste caso, o fluxo de imagens que transcorre na área em forma de balão de HQ, acrescenta à imagem o aspecto de colagem mais do que de modularização do espaço. Figura 18 Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971 Fonte: INA France http://bit.ly/XGNil8 Figura 16 Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965 Fonte: Radio et Télévision Française Figura 17 Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971 Fonte: INA France http://bit.ly/XGNil8 Figura 19 Montand Chante, Jean-Christophe Averty, 1968 Fonte: DUGUET, 1999, p.64 29 1.1.3. Incrustação: hibridização de imagens e linguagens Dos três procedimentos para a mescla de imagens, a incrustação é provavelmente aquele que possibilita os maiores níveis de hibridização entre as diferentes linguagens. Existem diversos procedimentos para realizar a incrustação de imagens, mas o mais conhecido é o chroma key, que consiste em substituir uma área preenchida uniformemente com uma cor (azul ou verde na maioria dos casos) por outra imagem. Conforme explica Arlindo Machado: O efeito gerado pelo dispositivo chroma-key baseia-se no fato de que, em vídeo, os contornos ou linhas de demarcação entre as figuras se definem segundo as variações dos sinais de luminância e crominância. Assim, ao copiar ou lançar ao ar uma imagem, é possível suprimir eletronicamente um dos componentes cromáticos e substituir o espaço que ele ocupa por fragmentos de uma segunda imagem mixada à primeira: esta segunda imagem só será reproduzida nos espaços correspondentes à cor suprimida da primeira. (1995, p. 127) A incrustação oferece precisão ao vídeo para combinar camadas de linguagens distintas resultando em uma integração efetiva entre os diferentes elementos. A principal diferença é que, enquanto na sobreposição de camadas e nas janelas de vídeo a substituição de um cenário por uma ilustração exige que a sequência de personagens seja delimitada por uma área geométrica fixa na tela, na incrustação é possível quebrar as delimitações de espaço entre imagens distintas, conforme nota-se na Figura 20, em que o personagem andando de bicicleta foi capturado pela câmera e o cenário é uma ilustração, ou na Figura 21, em que a personagem e o cenário seguem o mesmo padrão: imagem capturada integrada à ilustração. Para Dubois (2004), o principal aspecto da incrustação está justamente na autonomia que ela oferece à própria imagem para a integração dos elementos e fluxos de vídeo distintos. Pois, da mesma maneira que é possível capturar imagens em movimento sobre um fundo de cor chapada para incrustar ali uma ilustração ou qualquer outro tipo de imagem posteriormente, é possível também pintar uma área em movimento, como um braço de um personagem, por exemplo, para que ali uma imagem de qualquer natureza seja integrada depois. Neste sentido, a incrustação oferece maior liberdade de criação e mais alternativas de integração entre as diferentes linguagens. Para Machado (1995) as técnicas de incrustação permitem a sintetização de qualquer componente de uma imagem. Sendo assim, um rosto humano, por exemplo, pode ser composto por uma boca de uma origem, um nariz de outra, os olhos de outra e assim sucessivamente. Conforme aponta Dubois (2004, p. 83) esta “figura da linguagem videográfica é a que melhor consegue se equilibrar entre o tecnológico e o real, entre a dimensão maquínica e a humana”. Sobretudo na integração entre cenários artificiais e imagens pictóricas, a incrustação é provavelmente o principal recurso de libertação da linguagem televisiva de seu comprometimento com a imagem pura do registro mimético do mundo físico. Em contrapartida, conforme será abordado na seção Figura 20 Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971 Fonte: INA France http://bit.ly/XGNil8 Figura 21 Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971 Fonte: INA France http://bit.ly/XGNil8 30 1.2. A penetrabilidade da imagem digital na integração de linguagens, esta técnica foi apropriada pelos meios audiovisuais também quando o propósito é a homogeneidade de linguagens e a relação de verossimilhança entre a imagem do vídeo e o mundo físico. Ou seja, justamente o contrário da mescla de imagens e hibridização de linguagens. 1.2. A penetrabilidade da imagem digital na integração de linguagens Com a chegada dos softwares de edição de vídeo no início da década de 1990, as imagens videográficas entraram em uma nova fase do processo de hibridização de linguagens. No meio digital, a manipulação de imagens avança de um contexto em que as possibilidades são limitadas pelos processos mecânicos e artesanais, para o amplo controle sobre todos os elementos que a constituem. Conforme aponta Couchot (1987), todos os tipos de imagem ao serem convertidos ou criados no formato digital (numérico) permitem que toda sorte de alterações sejam realizadas em sua matriz, bem como a integração e a metamorfose entre imagens de diferentes naturezas. Cada pixel6 que constitui uma imagem é “localizável, controlável, modificável” (COUCHOT, 1987, p. 89), fazendo da imagem digital uma matriz penetrável e metamorfoseável. Esta penetrabilidade da imagem digital permitiu ao vídeo televisivo alcançar o ponto-de-equilíbrio entre o seu modo mimético de representar o mundo e os modos expressivos de outras linguagens. Além disso, conforme aponta Manovich (2007a) o computador tem o poder de simular todas as mídias, não apenas em sua aparência como também em seus processos e técnicas. Neste sentido, para alcançar uma linguagem híbrida, o vídeo não precisa ser composto por camadas de imagens provenientes de diferentes mídias, ele pode ser integralmente produzido no computador. As relações entre as camadas de diferentes linguagens ampliaram-se e grande parte das imagens em movimento tornaram-se híbridas tendo em vista que todos os tipos de mídias visuais existentes podem ser combinadas (MANOVICH, 2007b). Cabe aqui um parêntese. Os procedimentos apresentados até o momento não são utilizados com o único propósito de promover a mistura de imagens em uma linguagem visual híbrida. Grande parte das imagens transmitidas pela televisão são o resultado da mistura de elementos e técnicas pertencentes a mídias de diferentes naturezas, e todos estes procedimentos podem ser utilizados como forma de obter tanto imagens de linguagem visual híbrida como homogênea. A incrustação, por exemplo, nem sempre é utilizada para obter uma imagem visualmente híbrida. Ao contrário, na maioria das vezes este procedimento é adotado Abreviação de picture cell. A menor unidade constitutiva da imagem de um monitor. O número de pixels determina o grau de nitidez da imagem (PIZZOTTI, 2003, p. 202). 6 31 para acrescentar ainda mais realismo e homogeneidade de linguagens à imagem. Como, por exemplo, em uma sequência na qual cenário e atores foram capturados em momentos distintos para serem fundidos na mesma imagem posteriormente por meio da incrustação. Mesmo que o cenário não seja capturado pelas lentes de uma câmera diretamente no mundo físico, mas sim gerado no computador, as camadas de diferentes mídias não são, ou ao menos não intendem ser, identificáveis aos olhos do público. Neste sentido, a hibridização ocorre apenas no âmbito da técnica e não da linguagem visual, como é possível perceber nas imagens a seguir (Figuras 22 e 23). Figura 22 Captação de personagens em studio, com fundo verde no qual serão incrustadas as imagens do ambiente onde se passa uma sequência da série 24 Horas. Fonte: www.stargatestudios.net/Virtual-Backlot Figura 23 Imagem dos atores na escada capturada em estúdio unida à imagem com o restante do cenário. Fonte: Day 7: 5:00 PM – 6:00 PM, 24, FOX, 23-02-2009. 32 Desta maneira, tendo em vista que esta pesquisa aborda o hibridismo presente na linguagem visual e não especificamente das tecnologias, a hibridização e a constituição de camadas será tratada no âmbito de seu impacto na linguagem visual do vídeo televisivo. Dado ao poder do computador, de sintetizar todas as mídias, é comum reduzir qualquer interferência à imagem videográfica ao grafismo televisual que, conforme Arlindo Machado, pode ser definido como: “design gráfico, lettering, logotipos [...] e toda a sorte de elementos visuais que se sobrepõe às imagens figurativas capturadas pelas câmeras”(2009, p. 199). Manovich (2007b) apresenta a mesma definição, mas utiliza o termo motion graphics (grafismo animado) no lugar de grafismo televisual (television graphics) e os define como: “todas as sequencias de imagens em movimento que são dominadas por tipografia e/ou design embutidos em amplas maneiras” (p.128). No entanto, o que é preciso observar são os elementos que cada tipo de grafismo acrescenta às imagens capturadas pelas câmeras - ou sintetizadas pelo computador em uma relação de verossimilhança com o mundo físico. Bem como, o procedimento utilizado para que as imagens destes grafismos mesclem-se ao fluxo principal de vídeo. Há momentos em que formam uma camada distinta de imagem (Figura 24), aproximando-se mais da coexistência de linguagens do que do hibridismo e, outros momentos, em que penetram o todo de tal forma que se tornam indissociáveis da imagem (Figura 25). Figura 24 Sequência do episódio Senhora. Fonte: Tudo o que é sólido pode derreter | 1ª Temporada | DVD 2 Na Figura 24, a ilustração da nota de dote e moedas distingue-se do fluxo principal de vídeo pois apresenta uma linguagem distinta do registro das imagens capturadas pelas câmeras. Embora seja definida tecnicamente como grafismo televisual ou motion graphic, em termos de linguagem visual, ela reproduz os aspectos de uma nota impressa em papel e moedas de dinheiro. Neste sentido, associa-se ao aspecto de colagem que a sobreposição de camadas de mídias diferentes introduziu ao vídeo. O mesmo não ocorre na Figura 25, umas vez que nela a camada tipográfica integrou-se à imagem figurativa aderindo o mesmo aspecto da superfície abaixo dela. No contexto como foi inserida, ela pode ser identificada tanto como legenda de localização, como se passar pela placa/letreiro do edifício abaixo dela. Além disso, este exemplo ilustra como a imagem numérica permitiu que as diferentes camadas de linguagens não tenham que necessariamente subtrair do vídeo a noção de profundidade, como ocorre no contexto da edição linear. No computador, a profundidade de campo e a tridimensionalidade podem ser simuladas tal qual ocorre nas imagens capturadas pelas câmeras. Ainda no contexto introduzido pela Figura 25, vale apontar também como a integração de elementos tipográficos ao vídeo ampliou-se e permitiu que até mesmo as tradicionais legendas indicando a localidade das ações em uma narrativa integrem efetivamente o conteúdo do vídeo. Convencionalmente este tipo de legenda limita-se à ocupar um pequeno espaço na área inferior do quadro e fica visualmente segregada do restante das imagens para a rápida e fácil leitura. Figura 25 Sequência do episódio Piloto de Fringe Fonte: FOX, 09-09-2008 33 Na série The X Files (1993 - 2002), por exemplo, a informação referente às diferentes localidades de cada sequência eram indicadas por meio de uma camada de tipografia sobre o fluxo principal de imagens (Figuras 26 e 27). Figura 26 Tipografia em 1993 Fonte: Pilot, The X Files | 1ª Temporada | DVD 1 Figura 27 Tipografia em 2002 Fonte: The Truth, The X Files | 9ª Temporada | DVD 5 34 Já na série Fringe (2008 - 2012), as legendas foram transformadas em componentes do próprio cenário (Figuras 28 à 35). Elas são identificáveis enquanto texto para indicar a localização ao mesmo tempo em que integram-se ao restante do cenário, como se fossem mais um entre os objetos do mundo físico que compõem as sequências. Figura 31 Fonte: FOX, 09-09-2008 Figura 28 Sequência do episódio Piloto de Fringe Fonte: FOX, 09-09-2008 Figura 32 Fonte: FOX, 09-09-2008 Figura 29 Fonte: FOX, 09-09-2008 Figura 30 Fonte: FOX, 09-09-2008 Figura 33 Fonte: FOX, 09-09-2008 35 Figura 34 Sequência do episódio Piloto de Fringe Fonte: FOX, 09-09-2008 Figura 35 Fonte: FOX, 09-09-2008 Conforme aponta Manovich (2007c), a manipulabilidade de qualquer parte da imagem, conferida ao designer pela imagem digital, lhe oferece “fluidez e versatilidade não disponíveis anteriormente. Assim, sua conexão com o mundo físico é ambígua ao máximo.” (p. 10). Este controle sobre a imagem é fundamental para a integração de linguagens ao se considerar que, no vídeo as imagens tendem a estar em movimento e a inserção de grafismos precisa estar bem articulada com a composição dos elementos da cena. Neste sentido, são poucos os programas que conseguem manter uma estrutura na qual grafismos e outros elementos sejam incorporados às imagens capturadas de forma a manter ambos em movimento e sincronizados. Especialmente em conteúdos dramáticos nos quais o conteúdo principal geralmente está concentrado na ação dos atores. No entanto, em alguns casos, é possível adicionar camadas de imagens em 36 movimento de linguagens diferentes sobre outra camada de imagem em movimento sem, contudo, romper com o padrão de composição das imagens capturadas pelas câmeras em uma mise en scène clássica. Na sequência a seguir, por exemplo, (Figura 36 à Figura 38) o grafismo chega a sobrepor um dos elementos importantes da cena, no caso a personagem da garota. Neste caso, a importância da menina na cena é minimizada pelas informações a respeito da obra Os Lusíadas, que estão sendo narradas enquanto surgem o grafismo e o personagem de Luís Vaz de Camões de costas. Assim, é possível concluir que a sobreposição foi intencional com o propósito de trazer a atenção do público para um elemento de maior relevância naquele momento do que a imagem da personagem se afastando da câmera. Além das questões relativas ao posicionamento dos elementos na cena, há de se considerar também a articulação entre os grafismos e outros componentes visuais como formas, tonalidade e cores, bem como, tudo o que envolve o contexto do que está sendo apresentado pelo vídeo. Em outras palavras, a identidade visual proposta para os grafismos costuma estar coerente com a proposta do vídeo e com os componentes adotados na cena. Nestas imagens, o grafismo do mapa em papel envelhecido, remetendo aos mapas de navegação antigos, está coeso com a direção de arte adotada para o personagem, que aparece à direita da imagem, vestido com roupas de época. Assim, ao invés de ser tratado como uma sequência de quadros dispostos no tempo, uma “imagem em movimento” é agora pensada como uma composição bidimensional que consiste em um número de objetos que podem ser manipulados independentemente. (MANOVICH, 2007b, p. 128) Figura 37 Sequência de Os Lusíadas Fonte: Tudo o que é sólido pode derreter 1ª Temporada | DVD 1 Figura 36 Sequência de Os Lusíadas Fonte: Tudo o que é sólido pode derreter 1ª Temporada | DVD 1 Figura 38 Sequência de Os Lusíadas Fonte: Tudo o que é sólido pode derreter | 1ª Temporada | DVD 1 37 Assim como a figura do mapa no exemplo anterior complementou as informações que estavam sendo narradas na voz do personagem, muitas vezes a inserção de grafismos é a solução para materializar informações que, de outra forma, estariam restritas à descrição textual sobre o fluxo de vídeo ou em áudio na fala de um personagem. Nas duas sequencias a seguir (Figura 39 à Figura 46 e Figura 47 à Figura 52), da série NUMB3RS (CBS, 20052010), as imagens capturadas pelas câmeras recebem a interferência de elementos de outra linguagem e transformam-se nos grafismos que são adicionados à imagem, primeiro como sobreposição e que, aos poucos, alteram os níveis de transparência de cada uma das camadas até que ambas as linguagens misturem-se completamente. A diferença deste caso para os exemplos anteriores apresentados na seção 1.1. A linguagem do vídeo e a composição da imagem em camadas é que agora a imagem sobreposta penetra a imagem da camada de vídeo corrente. Neste processo as imagens de linguagens diferentes coexistem em um primeiro momento por meio da sobreposição de camadas para, em seguida, integrarem-se e metamorfosearem-se uma na outra. Figura 41 Gota d’água em Plano Detalhe em zoom amplificado. Números sobrepondo ao lado esquerdo. Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS Television Network, 23-01-2005 Figura 42 Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS Television Network, 23-01-2005 Figura 39 Sequência do espisódio Pilot, Numb3ers. Irrigador no jardim espalhando gotas para todos os lados. Fonte: CBS Television Network, 23-01-2005 Figura 43 As gotas se transformam em grafismos... Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS Television Network, 23-01-2005 Figura 40 Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS Television Network, 23-01-2005 Figura 44 ...e fórmulas matemáticas Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS Television Network, 23-01-2005 38 Figura 45 Números retornando ao irrigador como se fossem gotas d’água Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS Television Network, 23-01-2005 Figura 46 Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS Television Network, 23-01-2005 Figura 49 Fonte: Vector, Numb3ers, CBS Television Network, 04-02-2005 Figura 50 Fonte: Vector, Numb3ers, CBS Television Network, 04-02-2005 Figura 47 Sequência do espisódio Vector, Numb3ers. Personagem desenha no quadro. As formas desenhadas por ele se transformam em grafismos e as imagens captadas mesclam-se aos desenhos. Fonte: CBS Television Network, 04-02-2005 Figura 48 Fonte: Vector, Numb3ers, CBS Television Network, 04-02-2005 Figura 51 Fonte: Vector, Numb3ers, CBS Television Network, 04-02-2005 Figura 52 Fonte: Vector, Numb3ers, CBS Television Network, 04-02-2005 39 Na sequência anterior (Figura 47 à Figura 52), além da interferência de linguagem, o vídeo também apresenta ao mesmo tempo fluxos de imagens capturadas em diferentes momentos. Na Figura 49, o fluxo de vídeo com o personagem principal, em um procedimento similar ao das janelas de vídeo, aparece no lado direito do quadro sobreposto ao fluxo de imagens que demonstram o que está sendo dito por ele. Embora atualmente as janelas de vídeo sejam utilizadas mais comumente nos telejornais para mostrar imagens de diferentes localidades ao mesmo tempo - de um repórter em estúdio e de outro na rua, entre outras aplicações - do que na mistura de linguagens, por vezes o mesmo procedimento é adotado com o propósito de se misturar linguagens. Como ocorre em uma sequência da abertura do seriado Everybody Hates Chris (CW, 2005-2009), quando dois fluxos de vídeo são exibidos simultaneamente como forma de materializar o pensamento do personagem (Figura 53). De maneira muito similar à exibida anteriormente nos trabalhos de Jean-Christophe Averty, um elemento típico das histórias em quadrinhos é apropriado pelo vídeo como modo expressivo. Para Manovich (2007c), essa mistura de linguagens tão intensamente imbricadas coloca vídeo televisivo em um estado de remixagem profunda. O autor faz um paralelo com o conceito de remix, que consiste em combinar elementos de uma mesma mídia ou mídias distintas, como ocorre, por exemplo, em faixas musicais que combinam elementos de músicas de diferentes artistas. No entanto, a hibridização de linguagens nestes vídeos vai além da combinação de elementos e amplia-se para as técnicas e modos expressivos de diferentes linguagens atingindo, assim, uma remixagem profunda. Figura 53 Sequência de abertura da 4a temporada da série Everybody Hates Chris. Fonte: The CW Television Network, 2008-2009. 40 Outro aspecto que a composição do vídeo em camadas ganha com a manipulação digital das imagens é a de atuar também como recurso imersivo e de transição entre as diferentes camadas de linguagens sobrepostas. Na abertura da série Carnivàle (HBO, 2003-2005), por exemplo, as ilustrações impressas em cartas de tarô transformam-se em imagens de múltiplas camadas (Figura 54 à Figura 62). A câmera mergulha nas ilustrações das cartas e aos pouco, a ilustração bidimensional impressa divide-se em camadas, e vai passando por todos os níveis até chegar ao último nível em que um fluxo de imagens capturadas transcorre. O mesmo ocorre depois em um movimento reverso. Figura 55 Fonte: Carnivàle, HBO, 2003-2005 Figura 56 Fonte: Carnivàle, HBO, 2003-2005 Figura 54 Sequência de abertura da série Carnivàle Fonte: HBO, 2003-2005 Figura 57 Fonte: Carnivàle, HBO, 2003-2005 41 Figura 58 Fonte: Carnivàle, HBO, 2003-2005 Figura 59 Fonte: Carnivàle, HBO, 2003-2005 Figura 60 Fonte: Carnivàle, HBO, 2003-2005 Figura 61 Fonte: Carnivàle, HBO, 2003-2005 Figura 62 Fonte: Carnivàle, HBO, 2003-2005 42 Diferentemente dos casos abordados anteriormente em que as camadas sobrepostas resultam em um aspecto de colagem, neste tipo de composição o aprofundamento nas diferentes camadas promove a metamorfose de uma linguagem para a outra. O mesmo tipo de transformação gradual da imagem ocorre quando camadas misturam-se alternando seus níveis de transparência. A precisão de justaposição e sincronia entre as diferentes camadas e fluxos de imagem que o computador oferece, permite que a hibridização ocorra, onde os limites entre as diferentes linguagens deixam de existir. Na abertura da mini-série The Pacific (HBO, 2010), por exemplo, imagens de soldados em guerra capturadas no mundo físico misturam-se aos desenhos em carvão das mesmas situações (Figuras 63 à 74). A integração entre as duas camadas de linguagens distintas é tamanha que em muitas das sequencias não é possível distinguir o que é imagem capturada do que é imagem desenhada. Ainda na mesma sequência, pedaços de carvão, que se espalham pelo papel no ato do desenho, transformam-se em estilhaços das bombas que explodem nas imagens capturadas. Figura 66 Fonte: The Pacific, HBO, 2010 Figura 63 Sequência de abertura da mini-série The Pacific. Fonte: HBO, 2010 Figura 67 Fonte: The Pacific, HBO, 2010 Figura 64 Fonte: The Pacific, HBO, 2010 Figura 68 Fonte: The Pacific, HBO, 2010 Figura 65 Fonte: The Pacific, HBO, 2010 Figura 69 Fonte: The Pacific, HBO, 2010 43 Figura 70 Fonte: The Pacific, HBO, 2010 Figura 72 Fonte: The Pacific, HBO, 2010 Figura 71 Fonte: The Pacific, HBO, 2010 44 Figura 73 Fonte: The Pacific, HBO, 2010 Figura 74 Fonte: The Pacific, HBO, 2010 A partir do que foi exposto até o momento, fica evidente a complexidade do processo que resulta nas imagens que podem ser vistas por meio da televisão. Em síntese, conforme atesta Santaella (2002), nenhuma matriz de linguagem é pura, sobretudo a visual. Em se tratando especificamente da linguagem visual televisiva, além de pressupor todos os componentes do âmbito audiovisual inerentes à sua natureza, esta ainda carrega, imbricado em sua estrutura, o resultado da interação com outras linguagens, muitas vezes de naturezas distintas. Contudo, esta análise ainda não contempla todas camadas de linguagem que podem estar envolvidas na composição da imagem televisiva, visto que os programas por ora analisados não adotam qualquer recurso de interatividade digital integrado ao fluxo de vídeo transmitido pela emissora. Tendo em vista que o objetivo desta pesquisa é realizar uma reflexão acerca do contexto atual do design de interfaces de aplicativos para a TVDi, no capítulo seguinte, serão analisados os programas que são transmitidos juntamente a um aplicativo. Serão identificados quais soluções projetuais de design de interface vem sendo adotadas e se estas dialogam com a linguagem visual do vídeo televisivo, bem como, a maneira como a integração de recursos do meio digital interativo à televisão tem impactado nas especificidades da linguagem audiovisual televisiva. 45 2. A IMAGEM TELEVISIVA NO CONTEXTO DA TELEVISÃO DIGITAL INTERATIVA (TVDi) No capítulo anterior, foram apresentados os tipos de articulações entre camadas de linguagens distintas para a formação de imagens híbridas no processo de constituição do vídeo na televisão. Neste cenário, considerou-se como a visualidade das imagens capturadas pelas câmeras no mundo físico pode se integrar a elementos visuais de outros modos expressivos durante o processo de edição do vídeo. O recorte realizado neste contexto contemplou especificamente as imagens em movimento transmitidas pela televisão no âmbito da linguagem audiovisual, ou seja, o vídeo televisivo. No entanto, com o avanço das tecnologias digitais de transmissão do sinal de TV, desenvolveu-se a possibilidade do envio de mais um fluxo de conteúdo, simultâneo ao vídeo: os aplicativos de TVDi (Televisão Digital Interativa). Para compreender as transformações que este novo contexto traz à imagem televisiva, na seção 2.1 TVDi e a transposição da linguagem digital interativa à TV serão apresentados os aspectos da linguagem digital na estruturação de seu conteúdo e em sua relação com o público. Em seguida, na seção 2.2 Design de interface na TVDi, os aplicativos existentes nesse meio serão analisados sob a perspectiva do design de interface, e como os elementos desta nova camada de linguagem tem se articulado com os elementos do vídeo. 2.1. TVDi e a transposição da linguagem digital interativa à TV A televisão encontra-se mundialmente em processo de transição de sua tecnologia analógica de transmissão para a digital sendo que, em alguns países, o sinal analógico já foi desligado (SQUIRRA, 2009). No que diz respeito à estética do vídeo, o primeiro impacto que esta mudança provoca é na qualidade de som e imagem recebidos pelo público. No padrão analógico de transmissão, mesmo quando um vídeo é capturado e editado digitalmente e em alta definição, ele é convertido para o valor máximo de resolução que a televisão analógica 46 consegue transmitir, entre 525 e 625 linhas (BECKER e SQUIRRA, 2009). Já no padrão digital os dados transmitidos podem ser processados por computador e sua resolução chega à 1080 linhas de resolução8. Outro aspecto, e de maior interesse para a discussão a respeito da hibridização de linguagens, reside na possibilidade de desenvolvimento de plataformas para a execução de aplicativos integrados ou simultâneos ao conteúdo audiovisual, que acrescenta a interatividade à TV Digital e faz dela a TV Digital Interativa (TVDi). Existem diferentes padrões de TV Digital no mundo9, cada qual com seus conjuntos de definições e especificações técnicas para compressão, transporte e decodificação dos dados transmitidos (ZUFFO, 2002). Como estes dados sofrem compressão para serem enviados, em todos os padrões, é necessário que cada aparelho televisor possua um equipamento, integrado ou externo, que processe e decodifique os sinais de áudio, vídeo e aplicativos transmitidos pelas emissoras, o chamado Set-top-box (FERNANDES, LEMOS e ELIAS, 2004). Neste aparelho é que pode ser encontrado o middleware, uma camada de software intermediária, responsável por gerenciar e interpretar os diferentes aplicativos transmitidos. Conforme sintetiza Rosa (2005), a transmissão de TV Digital pode ser entendida como um sistema composto por camadas e sub-camadas, cada qual responsável por processar e transferir a informação para a camada superior até atingir a última camada, que se relaciona com o público. Como base nas ilustrações do autor, todo o processo pode ser compreendido da seguinte forma: Mesmo com a transmissão de vídeos em 1080 linhas, a resolução final vista pelo publico irá depender de seu aparelho de TV, uma vez que alguns aparelhos de TV Digital chegam no máximo à 720 linhas e outros ainda são de tubo e recebem os dados por meio de decodificador externo (set-top-box), mas continuam exibindo no máximo 625 linhas de resolução. 8 Atualmente, existem cinco padrões de TV Digital: o DVB-T (Digital Video Broadcasting), padrão europeu desenvolvido em 1996; o ATSC (Advanced Television System Comitee), padrão norte-americano em funcionamento desde 1998; o ISDB-T (Integrated System Digital Broadcasting), padrão japonês em operação desde 2003; o ISDB-Tb desenvolvido no Brasil a partir do modelo japonês, mas com algumas especificações técnicas diferentes e características do padrão europeu; e o DTMB (Digital Terrestrial Multimedia Broadcast) criado e adotado pela China mas ainda em fase de desenvolvimento. 8 47 Figura 75 Padrão de TV Digital Interativa em camadas e sub-camadas Fonte: ROSA, 2005, p.69 modificado pela autora Vale ressaltar que para se ter uma televisão com conteúdo plenamente interativo, é preciso que o sinal da TV seja associado a um canal de retorno, para que informações possam ser trocadas entre público e emissora. Conforme apontam Fernandes, Lemos e Elias (2004), almeja-se que a rede difusora de TV Digital se associe a outras redes de transporte de informações para que se forme uma inter-rede nos mesmos moldes da internet. Enquanto isso não acontece, o que se tem disponível na maior parte dos aplicativos de TVDi é a chamada interatividade local, restrita aos dados armazenados no set-top-box, uma vez que neste caso o sinal da TV é unidirecional: da emissora para a casa do público, sem a possibilidade de retorno da casa do público à emissora10. Desta maneira, mesmo na interatividade local, introduz-se à televisão um modo de distribuição de conteúdo que carrega aspectos da tecnologia digital computacional. Neste sentido, faz-se necessário recuperar aqui o contexto de transmissão da televisão não interativa. Segundo Manovich (2005), embora os conteúdos para essa televisão possam ser produzidos pelo computador, o seu modo de distribuição ocorre de forma oposta à lógica computacional: ela transmite seu conteúdo por meio de um fluxo unidirecional e ininterrupto. Neste sentido, as únicas opções de ação do público com as imagens transmitidas pelo televisor são a troca de canais e o ato de ligar ou desligar o aparelho. Exceto quando o telespectador faz uso de alguma tecnologia para gravação do conteúdo – como o vídeo cassete em fitas eletromagnéticas ou a partir da conexão com qualquer dispositivo para gravação digital, a exemplo dos gravadores de DVD, Blue-Ray, câmeras de vídeo digitais, entre outros –, não é possível acessar os diferentes Na maioria dos aparelhos de TVDi, tanto televisores com o middleware integrado quanto os set-top-box externos, existe a possibilidade de se conectar à internet. 10 48 programas na grade da TV fora do horário determinado para sua transmissão. Ou seja, no vídeo televisivo não interativo, as imagens são transmitidas em um fluxo unidirecional constante – da emissora televisiva para o público - e seus elementos e núcleos informacionais não podem ser manipulados pelo telespectador, visto que independem deste (Cannito, 2010). Apenas em alguns casos de aparelhos e serviços de TV Digital, é oferecido algum controle ao público11, que alcança no máximo a mesma experiência que se tem ao assistir vídeos a partir de um DVD ou de arquivo digital no computador, por exemplo, em que se pode avançar e retroceder por entre as cenas e sequências. Na distribuição computadorizada, contudo, as informações são arquivadas em servidores e podem ser acessadas de acordo com a demanda individual de cada interator12. Um exemplo típico deste modelo são os sites da web, uma vez que estes permitem aos interatores, em localidades distintas, acessarem diferentes núcleos de informação ao mesmo tempo. Dentro deste contexto, Cannito (2010) propõe a caracterização de dois tipos de mídia: mídia de fluxo e mídia de arquivo, sendo a primeira uma especificidade do meio televisivo não interativo, e a segunda do meio digital interativo. Neste sentido, a TVDi reúne os dois tipos de mídia mencionados, tendo em vista que, embora os conteúdos audiovisuais continuem sendo transmitidos em fluxo pelo sinal televisivo, os aplicativos apresentam-se arquivados localmente nos aparelhos e disponíveis para serem acessados individualmente pelo público durante o período de sua transmissão. Com isso, a TVDi, ao transmitir informações também no formato de aplicativos, passa a incorporar elementos projetuais da linguagem digital interativa. Uma das características das plataformas digitais interativas, ou mídias de arquivo, é a possibilidade de organizar as informações em núcleos autônomos e interconectados. Neste sentido, a relação entre os dois polos envolvidos no processo de comunicação difere daquela praticada na televisão não interativa, pois o público tem que exercer determinadas ações para ter acesso aos dados distribuídos em diferentes camadas de informação. Enquanto na televisão analógica ou digital não interativa basta ligar o aparelho, sintonizar um canal e acompanhar o fluxo de vídeo transmitido, em um aplicativo digital, espera-se que o processo de comunicação seja hipertextual, no qual todas as informações estão interconectadas e o interator é livre para se mover por entre elas. Conforme define Lévy (1995), as informações em Serviços como: filmes e series na internet, a exemplo do Netflix; aparelhos televisores, set-top-boxes e serviços que permitem a gravação digital dos programas, entre outros. 11 As plataformas digitais também podem viabilizar a distribuição por fluxo, uma vez que por meio da internet é possível realizer a transmissão de um evento ao vivo, por exemplo, sem necessariamente arquivá-lo no servidor. 12 49 uma estrutura hipertextual organizam-se de forma fractal, ou seja, os núcleos de informações são interconectados sendo que cada um deles pode ser o ponto de origem para vários outros núcleos, e assim por diante. Desta maneira, o interator, em um contexto de hipertexto, “atravessa por uma base de dados, seguindo links [...] conforme estabelecido pelo seu criador” (MANOVICH, 2001, p. 227). Há ainda que se considerar que, assim como defende Santaella (2004), no universo digital interativo as informações são ao mesmo tempo evanescentes e eternamente disponíveis. Implicando, portanto, em um ambiente no qual o sujeito tenha liberdade para se mover por entre os núcleos informacionais e passar pelo mesmo local mais de uma vez, se assim o desejar. MENU DE NAVEGAÇÃO COM LINKS PARA NÚCLEOS DE CONTEÚDO NO INTERIOR DA ESTRUTURA NAVEGAÇÃO: O INTERATOR ACIONA UM LINK E É TRANSPORTADO PARA OUTRO NÚCLEO INFORMACIONAL NÚCLEO INFORMACIONAL LEXIA: HOME K LIN Este contexto culmina em aspectos que Braga (2005) define como necessários e fundamentais das mídias digitais interativas: as informações interconectadas, a navegação, a interação e a interface. A seguir, será apresentada uma breve conceituação a respeito dos três primeiros elementos projetuais – informação, navegação e interação – até se chegar à interface, que norteará a análise dos aplicativos de TVDi disponíveis atualmente. CONTEÚDOS NO FORMATO DE TEXTOS, FOTOGRAFIAS, VÍDEOS, ILUSTRAÇÕES, ENTRE OUTROS. 2.1.1. Elementos projetuais da linguagem digzital interativa Uma das principais especificidades que a informação adquire no meio digital interativo é a possibilidade de ser distribuída em diferentes núcleos interconectados, chamados de lexias. Conforme explica Leão (1999), o termo lexia tem origem na definição adotada por Roland Barthes “para designar os blocos importantes de texto” (p. 27) em uma narrativa. Ao ser apropriado para definir os núcleos informacionais no meio digital interativo, o termo passa a compreender não apenas blocos de texto, mas sim núcleos complexos, formados por todos os tipos de modos expressivos possíveis de existirem em um sistema digital, tais como: textos, imagens, sons, entre outros. Desta maneira, uma estrutura informacional composta por lexias demanda a existência de caminhos e conexões entre os diferentes núcleos. O movimento realizado pelo interator entre estes núcleos é chamado de navegação. Conforme sintetiza Santaella (2004, p. 184), “[...] navegar significa movimentar-se física e mentalmente em uma miríade de signos, em ambientes informacionais e simulados”. Os vínculos entre cada uma das lexias, os chamados links, viabilizam a navegação do interator entre os núcleos de informação. Um exemplo típico de mecanismo de navegação nos sistemas digitais é o chamado menu de navegação, que concentra os links para os principais núcleos informacionais distribuídos em cada estrutura - tanto nos sites da web, como em aplicativos, softwares e outros sistemas. Ao lado, a Figura 76 apresenta um exemplo de como um website pode estruturar suas informações e sua navegação: Figura 76 Modelo de estrutura informacional e navegacional de um website Fonte: http://fox.com/fringe + gráficos da autora LINK NÚCLEO INFORMACIONAL INTERNO LEXIA: PERFIL DE PERSONAGEM MODELO DE ESTRUTURA DE CONTEÚDO EM AMBIENTES DIGITAIS E SUAS CONEXÕES 50 Uma estrutura informacional composta por diferentes núcleos interconectados exige a ação de uma das partes para que a navegação ocorra. Ou seja, para navegar em um aplicativo, o interator precisa acionar os links que o levarão às diferentes lexias, no que o sistema irá reagir revelando os conteúdos escolhidos. Conforme simplificam Löwgreen e Stolterman (2007), “[ao utilizar] um artefato digital, você faz coisas, o artefato responde, você age de volta, e assim por diante” (p. 53). Ou seja, para que o interator possa realizar ações junto ao aplicativo, o sistema precisa disponibilizar meios para que ele possa executar as tarefas necessárias para se locomover por entre os núcleos informacionais. Os mecanismos responsáveis por viabilizar este processo de ação-reação entre o interator e o sistema digital são os elementos projetuais de interação. Neste ponto é conveniente realizar a distinção entre a interação intrinsecamente presente nos sistemas digitais e o conceito de interatividade comunicacional que pode ou não existir em um ambiente digital. Conforme apontado por autores como como Machado (1995), Primo (2000) e Manovich (2001), um processo comunicacional interativo entre homem-máquina pressupõe a troca de informações entre as partes e a possibilidade da transformação do conteúdo a partir da contribuição do interator. Neste sentido, ao fazer uma análise sobre a aplicação do termo interatividade, Machado (1995) aponta que a maioria dos sistemas classificados pelo mercado como interativos são, na verdade, reativos. Como no caso dos videogames que possuem apenas um “conjunto de alternativas preestabelecidas” (MACHADO, 1995, p. 26) para serem escolhidas pelos jogadores. Ainda neste contexto, Machado acrescenta que um sistema interativo deveria “romper com a relação de poder do polo emissor sobre o receptor” (1995, p. 26). A partir das definições de Machado (1995), Primo (2000) propõe que a interação em ambientes digitais seja classificada como mútua ou reativa. Para o autor ambos os casos devem ser classificadas como interação uma vez que há a interdependência entre as ações e respostas dos elementos envolvidos na comunicação tanto na interação mútua como na interação reativa. A interação classificada por Primo (2000) e Machado (1995) como reativa é definida por Manovich (2000) como a interação física intrínseca das relações entre o homem e as mídias digitais como, por exemplo, o ato de pressionar um botão, escolher um link, entre outras. Já a interação classificada por Primo (2000) como mútua, ocorre apenas quando o fluxo de informações se dá de maneira bidirecional, tendo em vista que todos os agentes envolvidos na comunicação podem emitir informações e transformar o conteúdo disponível no ambiente digital. Ou seja, é preciso diferenciar a possibilidade de comunicação interativa presente em determinados sistemas digitais, dos elementos de interação inerente a todos os aplicativos, que consistem nas ações a serem executadas pelo interator e as reações que estas geram no ambiente digital. As opções de interação que propiciam a relação entre o interator e o artefato digital são viabilizadas pela interface, que consiste em uma superfície de contato e articulação entre partes 51 distintas (BONSIEPE, 1997). Nas mídias digitais interativas, a interface pode ser considerada o elemento tangível, que revela os elementos de informação, navegação e interação habilitando, assim, a relação entre o interator e o aplicativo. Conforme define Johnson (2001), a interface corporifica o espaço-informação digital tornando imaginável aquilo que de outra forma seria apenas uma grande quantidade de códigos binários. Já Garrett (2011) aponta que a interface é o meio pelo qual os interatores entram em contato com as ações propiciadas pelo aplicativo. As Figuras 77 e 78 apresentam interfaces de um website e nelas estão apontadas algumas das possibilidades de interação reativa e as respostas mediante cada ação executada pelo interator. QUANDO O INTERATOR ACIONA UM LINK E VAI PARA OUTRO NÚCLEO INFORMACIONAL, OS ELEMENTOS DA INTERFACE SE ALTERAM DE ACORDO COM O CONTEÚDO. AO POSICIONAR O CURSOR SOBRE ESTES ELEMENTOS, SUAS CORES SE ALTERAM EM RESPOSTA AO INTERATOR, PARA LHE INDICAR QUE PODEM SER ACIONADOS. AO POSICIONAR O CURSOR SOBRE O SÍMBOLO, UMA NOVA CAMADA DE CONTEÚDO SURGE NA INTERFACE Figura 78 Exemplo de mudança de interface de acordo com a navegação do interator. Fonte: http://fox.com/fringe + gráficos da autora Figura 77 Exemplo de como a interface reage às possibilidades de interação em um website. Fonte: http://fox.com/fringe + gráficos da autora 52 Como é possível observar por meio das ilustrações (Figuras 77 e 78), a cada ação executada pelo interator, a imagem da interface se altera. No caso apresentado, quando o interator se movimenta da interface intitulada Home para a seção sobre os personagens, a maior parte dos elementos que compõe a interface são alterados. As interferências podem, ainda, serem mais sutis como quando, por exemplo, o link do menu é selecionado e, em resposta, a cor de seus fundo e letras se alteram. Já na televisão, até este momento, o modelo de comunicação entre a imagem e o público é unidirecional, pois apenas o televisor emite informações e o telespectador não tem como interferir na imagem, exceto pela troca de canais. Poucas iniciativas foram realizadas neste sentido fora do âmbito da TVDi, em programas que preveem a participação do telespectador em casa, por meio de dispositivos externos ao aparelho televisor. A exemplo da série infantil Winky-Dink and You, da CBS (1953-1957) (Figura 79), na qual um kit composto por lâminas de acetado transparente, então denominadas Magic Windows, lápis de cera coloridos e uma flanela, era vendido para que o telespectador criasse uma camada sobre a qual ele pudesse desenhar sobre os personagens (GAWLINSKI, 2003). Figura 79 Winky-Dink and You, CBS, 1953. Fonte: http://bit.ly/VdLH9A 53 Ou, ainda, como no jogo Garganta e Torcicolo, da MTV Brasil (1997-2000), em que, pelas teclas do telefone em suas casas, os jogadores controlavam os personagens transmitidos pela televisão durante o programa homônimo (Figura 80). Figura 80 Garganta e Torcicolo, MTV Brasil. Fonte: http://youtu.be/S8TOyizLODc Neste sentido, a linguagem digital interativa ao ser introduzida à televisão altera o conceito de tela em para uma interface. Isso ocorre porque, em um contexto não interativo, seu papel restringe-se à transmissão de imagens ao público que, por sua vez, as assiste sem a possibilidade de exercer ações sobre elas. Já em um contexto digital interativo, a imagem televisiva passa a atuar como a superfície que viabiliza a relação entre o público e o aplicativo, ou seja, ela transforma-se em uma interface. Além disso, a linguagem digital interativa pode trazer à televisão uma mudança no comportamento de seu público. O telespectador pode passar a não apenas assistir as imagens transmitidas pelo aparelho, como pode exercer ações sobre elas, assumindo uma condição ativa e colaborativa, antes restrita aos interatores das aplicações computacionais. Assim como as imagens são classificadas por Couchot (1987) em três categorias – préfotográfica, fotográfica e pós-fotográfica -, Santaella (2004) classifica três tipos diferentes de leitores para as imagens: o leitor contemplativo, das imagens fixas, do período pré-fotográfico, nascido no período renascentista; o leitor movente, do período fotográfico, produto da Revolução Industrial e inserido no contexto da explosão de imagens e mídias; e o leitor imersivo, das imagens pós-fotográficas, que surge com os ambientes digitais interativos e as informações em rede. O telespectador enquadra-se na segunda categoria, o leitor movente, de atenção fragmentada, que, conforme define Santaella (2004, p. 24) “é apressado por pertencer a um mundo de linguagens híbridas e misturadas, com pouco tempo para reter as informações dado o excesso de estímulos visuais ao seu redor”. Machado (2007) aponta dois fatores que contribuem significativamente para esta fragmentação da atenção: o zapping – ato de trocar freneticamente de canal pelo controle remoto - e os aspectos distrativos inerentes ao ambiente doméstico onde, de modo geral, ocorre a experiência televisiva. Com a Televisão Digital 54 Interativa, características de ambos os perfis, do período pós-fotográfico, o leitor movente, ou telespectador, e o leitor imersivo, ou interator, combinam-se à medida em que o conteúdo digital interativo alcança a televisão. O telespectador deixa de relacionar-se passivamente com as imagens por meio de uma tela, e passa a executar ações sobre uma interface, assumindo a posição de tele-interator ao poder dialogar com os conteúdos enviados pelas emissoras. 2.2 Design de interface na TVDi Para viabilizar as relações entre os tele-interatores e os aplicativos, o design avança de um contexto no qual o conteúdo audiovisual não interativo restringe sua atuação ao campo dos motion graphics, para um cenário em que a imagem amplia suas funções. Em um ambiente digital interativo, o papel da imagem deixa de ser somente expressivo para, configurada como interface, atuar como elemento de mediação entre homem e sistema computacional. Contudo, além de articular todos os elementos visuais envolvidos na comunicação entre o conteúdo da TVDi, de forma que façam sentido ao tele-interator, o design de interface tem de considerar que duas linguagens de naturezas distintas estão envolvidas neste contexto: audiovisual e digital interativa. Considerando que cada uma destas linguagens estruturam seus conteúdos de formas diferentes, cresce a complexidade da informação a ser revelada pela interface e, consequentemente, as atribuições e a importância do design neste processo (BONSIEPE, 2011). Em suma, o design de interface nos aplicativos de TVDi define como se revelará a área de mediação entre as ações do tele-interator e o conteúdo da TV. Neste sentido: [...] o design de interface está envolvido na maneira como os elementos visuais que comunicam ações e informações são tratados e disponibilizados. Cada elemento numa composição visual tem um número de propriedades, como forma e cor, que operam juntas para criar os significados.[...] a maneira como as diferenças e similaridades destas propriedades são aplicadas a cada elemento se unem para permitir aos interatores fazerem o sentido de uma interface. (COOPER, REIMANN e CRONIN, 2007, p. 287) Neste sentido, é da ordem do design de interface disponibilizar e revelar ao tele-interator meios para que ele percorra os caminhos por entre os diferentes núcleos informacionais da estrutura do aplicativo. Cabe, ainda, ao design estabelecer meios para uma relação dialógica com o tele-interator, na qual a interface terá que expressar as ações disponibilizadas pelo aplicativo e, consequentemente, as respostas mediante a cada ato executado. Ou seja, os tipos de interação presentes no artefato digital. Deste modo, todas as atividades propostas pelo aplicativo precisam ser expostas pela interface ao tele-interator para que ele possa executá-las, bem como, expressas de maneira que façam sentido afim de que cada sinal seja interpretado corretamente. Neste contexto, o design de interface é o responsável por encontrar 55 a representação mais apropriada para comunicar cada tipo de ação disponível ao interator (COOPER, REIMANN e CRONIN, 2007). Tendo em vista que a interface acrescenta ao vídeo aspectos que vão além dos elementos estéticos das imagens no meio televisivo, sua linguagem visual, além de atuar como modo expressivo, tem de prover formas que viabilizem as ações do tele-interator junto ao aplicativo. Este contexto expande o papel do design no cenário televisivo ao se considerar que, até então, o design atuava na produção de conteúdo para a TV apenas no âmbito dos grafismos e outros aspectos da composição de imagens - conforme abordado nas seções 1.1 A linguagem do vídeo e a composição da imagem em camadas e 1.2 A penetrabilidade da imagem digital na integração de linguagens. Contudo, tendo em vista as atribuições da interface, novos princípios de ordem projetual surgem para viabilizar as relações entre tele-interatores e os aplicativos. Conforme aponta Löbach (2001, p. 14), o design é responsável pelo “processo de adaptação do ambiente ‘artificial’ às necessidades físicas e psíquicas dos homens na sociedade”. Neste sentido, o design recebe outras incumbências além daquelas relacionadas à composição das imagens, ao ter de definir as articulações entre os elementos de diferentes linguagens e as possibilidades que os tele-interatores terão para acessá-los e interagir neste ambiente. Assim, o design de interface de um aplicativo para a TVDi articulará todos os elementos que dão sentido à informação, bem como, definirá meios para que ocorra o diálogo entre o tele-interator e a televisão. A seguir, será apresentada a maneira como o design de interface vem sendo aplicado nos aplicativos disponíveis para a TVDi. 2.2.1. O contexto atual do design de interface dos aplicativos para a TVDi A maioria dos aplicativos disponíveis na TVDi hoje fazem parte da categoria Televisão Expandida (Enhanced TV), definida por Gawlinski (2003) como camadas de textos e grafismos sobrepostas ao vídeo para que o público interaja com elas enquanto assiste o programa13. De maneira geral, estes aplicativos apresentam um dos seguintes tipos de conteúdo: informações adicionais ao programa sendo exibido; e informações de interesse geral – notícias, previsão do tempo, programação da emissora etc. Parte destes aplicativos transcorrem de forma independente do fluxo de vídeo. Neste sentido, a linguagem visual dos elementos presentes na interface não é necessariamente articulada às imagens do vídeo. O que ocorre na maioria dos casos, é uma aproximação com a identidade visual de cada programa. Além da Enhanced TV, outras categorias de aplicativos são apontadas por Gawlinski (2003) de acordo com seu conteúdo. Os principais tipos depois da Enhanced TV são: T-Commerce, para realizar a venda de produtos pela TV; o T-Banking, que consiste em aplicativos de instituições bancárias para a realização de operações e consultas, requerendo que o interator possua conexão com a internet em sua TV; T-Gov, para aplicativos com serviços governamentais de interesse público; e Games, com jogos de perguntas e respostas, entre outros. 13 56 Geralmente os mesmos elementos presentes no logotipo e na vinheta de abertura do programa direcionam a linguagem visual de cada aplicativo, como é possível observar nas imagens a seguir (Figura 81 à Figura 84). Figura 83 Vinheta de abertura do reality show A Fazenda, Rede Record, 2011. Fonte: http://youtu.be/dfa-2ZKy4wU Figura 81 Vinheta de abertura da novela Morde e Assopra, Rede Globo, 2011. Fonte: http://youtu.be/gfMFd4zc4Mk Figura 84 Aplicativo do reality show A Fazenda, Rede Record, 2011. Fonte: http://youtu.be/hk5XrL4TaDc Figura 82 Aplicativo da novela Morde e Assopra, da Rede Globo. Fonte: http://bit.ly/11PSX0D APLICATIVO Tomando como exemplo o aplicativo do reality show A Fazenda 2011, da Rede Record, é possível identificar como os aspectos intrínsecos à linguagem digital interativa - núcleos informacionais interconectados (Figura 85), navegação e interação reativa – são revelados por meio da interface de acordo com as ações dos tele-interatores, conforme o diagrama a seguir (Figura 86). Figura 85 Estrutura informacional do aplicativo de TVDi do programa A Fazenda 2011, Rede Record. Fonte: autora LEXIAS PRINCIPAIS Tá na Roça Participe Peões Notícias Celebrito Fotos Regras LEXIAS SEÇÃO: PEÕES Participante Participante Participante Participante 57 INTERFACE INICIAL MENU DE NAVEGAÇÃO APÓS A AÇÃO DE PRESSIONAR O BOTÃO OK NO CONTROLE REMOTO, O APLICATIVO REVELA A INTERFACE COM OS LINKS PARA A NAVEGAÇÃO PELOS PRINCIPAIS NÚCLEOS INFORMACIONAIS. LEXIAS PRINCIPAIS NAVEGAÇÃO: AO PRESSIONAR AS SETAS DE DIREÇÃO DO CONTROLE REMOTO, O TELE-INTERATOR NAVEGA ENTRE OS NÚCLEOS INFORMACIONAIS INTERNOS DA SEÇÃO. CONTEÚDO INTERNO LEXIAS SEÇÃO: PEÕES SINALIZAÇÃO: TÍTULO INDICANDO AO TELE-INTERATOR SUA LOCALIZAÇÃO NO ESPAÇO INFORMACIONAL. FORMATO: INFORMAÇÕES EM TEXTO E FOTOGRAFIA Figura 86 Exemplo de fluxo de navegação e elementos de interfaces do aplicativo reality show A Fazenda, Rede Record, 2011. Fonte: http://youtu.be/hk5XrL4TaDc + gráficos da autora 58 A primeira interface do aplicativo é composta unicamente por um símbolo do programa no canto superior esquerdo convidando o tele-interator por meio de um texto a pressionar o botão OK de seu controle remoto para acessar o conteúdo. Neste momento, a interferência da interface na imagem do fluxo de vídeo ainda é sutil, pois ocupa uma pequena área no canto superior esquerdo do quadro. Ao pressionar OK outros elementos de interface surgem ocupando mais espaços nas laterais esquerda e direita. Na lateral esquerda, concentra-se o menu de navegação que permitirá ao tele-interator ter acesso às principais lexias do aplicativo. Logo abaixo do menu, dois links, cada um indicado com uma cor, informam que para obter ajuda sobre como interagir com o aplicativo o tele-interator deve pressionar o botão amarelo em seu controle remoto e, para desativar o aplicativo, o botão vermelho. Esta indicação por cores ocorre porque em sistemas de TVDi, todos os controles-remotos devem apresentar quatro botões nas cores verde, vermelho, amarelo e azul, para acessar funções específicas nos aplicativos. No caso deste aplicativo, apenas as cores vermelha e amarela são utilizadas. O restante da navegação ocorre por meio das setas de direção do controle remoto. Para acionar um dos elementos do menu de navegação, o tele-interator precisa selecionar um a um, por meio das setas de direção do controle remoto, obedecendo uma ordem linear até acessar o item desejado. Enquanto percorre os itens do menu, a figura de uma borboleta se movimenta indicando qual link está selecionado. Este tipo de indicação durante a navegação é imprescindível para que o teleinterator saiba em qual local do espaço informacional ele se encontra. Para Braga (2005), o excesso de dados e a pobreza de sinalização nos ambientes digitais dificultam a navegação e podem conduzir à perda da informação. Ou seja, sem um elemento indicativo, o tele-interator não teria como saber em qual momento precisa pressionar o botão OK de seu controle para acessar o núcleo informacional desejado. Outro aspecto desta ação é o princípio feedback, que, no design de interface, diz respeito à resposta que o sistema deve fornecer aos interatores para que estes saibam qual a consequência de cada um de seus atos junto ao aplicativo (PREECE, ROGERS e SHARP, 2005). Neste sentido, ao pressionar os botões das setas do controle e perceber a figura da borboleta se movimentando sobre cada um dos itens do menu, o tele-interator recebe da interface a indicação de que sua ação provocou uma reação do aplicativo. Assim, ao acessar cada um dos links, o núcleo informacional correspondente aparece na lateral direita do quadro. Cada um destes núcleos divide-se em outros como, por exemplo, na seção Peões, que apresenta o perfil de cada um dos participantes do programa. As informações são apresentadas tanto por meio de textos, como de imagens. Uma das diferenças que se percebe entre a imagem do vídeo não interativo e a imagem das interfaces dos aplicativos na TVDi reside na aplicação dos elementos textuais em cada um destes contextos. No vídeo não interativo, o conteúdo em formato de texto, quando existe, costuma ocupar um papel complementar na comunicação entre a imagem e o telespectador. 59 Já nos aplicativos para a TVDi, grande parte do conteúdo é disponibilizado nas interfaces em formato de textos, tanto as informações principais, como os links que possibilitam ao tele-interator mover-se por entre os núcleos informacionais. Ao contrário do vídeo em que a tipografia é tratada em grande parte do tempo como elemento plástico da imagem, nestes aplicativos ela possui caráter principalmente verbal. Desta maneira, a legibilidade dos textos nestas interfaces torna-se um dos aspectos mais importantes para o sucesso da comunicação com o tele-interator. Neste sentindo, algumas diretrizes são propostas pela Rede Britânica de Televisão, BBC (2006) e por Gawlinski (2003) para a utilização de textos em aplicativos para a TVDi, tais como: o uso de fontes com o tamanho de no mínimo 24 pontos; espaçamento entrelinhas maior do que o adotado em meios impressos; e textos curtos e objetivos. Contudo, o tipo de informação que estes aplicativos costumam disponibilizar demanda grandes quantidades de texto em espaços limitados, dificultando a legibilidade destas informações sobre a interface, como é possível observar nas figuras 87 e 88. Outra questão envolvida, tanto na legibilidade dos textos como na percepção dos elementos visuais como um todo, é a escolha das cores para cada um destes presentes na interface. Além da relação que estas costumam estabelecer com a identidade visual do programa (as cores predominantes no logotipo e na vinheta), elas auxiliam ou prejudicam a percepção dos diferentes objetos na interface. Conforme indica Gawlinski (2003), no caso dos textos, é recomendável, especialmente em blocos de textos com letras menores, que a cor utilizada para a fonte promova um alto contraste com a cor ou cores de sua área de fundo. No exemplo do aplicativo para o programa Hoje em Dia, da Rede Record, (Figura 89), a escolha do tom azul claro e com um determinado nível de transparência, dificulta a leitura dos textos na lateral direita, pois o branco da fonte se mistura facilmente aos tons claros das imagens do fluxo de vídeo na camada inferior. O mesmo não ocorre na lateral esquerda, pois as fontes tipográficas além de serem ligeiramente maiores, possuem um contorno de cor em tom escuro que o distingue do fundo. Figura 87 Interface do Aplicativo daas Olímpiadas de Londres, 2012, da Rede Record. Fonte: http://bit.ly/11PSX0D Figura 88 Interface do aplicativo do Caldeirão do Huck, Rede Globo. Fonte: http://bit.ly/11PSX0D Figura 89 Interface do aplicativo do programa Hoje em Dia, Rede Record. Fonte: http://bit.ly/11PSX0D 60 Nos aplicativos disponíveis na TVDi brasileira, são adotados dois modelos de composição de interface: camada sobreposta e redução da área destinada ao fluxo do vídeo. Na estrutura em que ocorre a sobreposição, os elementos de navegação concentram-se nas laterais do quadro, de modo a dedicar o maior espaço da interface ao fluxo de vídeo (Figura 90). Já na estrutura em que ocorre a redução da área de vídeo, a maior parte do quadro é destinada à interface do aplicativo (Figura 91). Neste caso, o vídeo torna-se um elemento complementar. Figura 90 Interface do aplicativo da novela Rei Davi, Rede Record. Fonte: http://bit.ly/11PSX0D modificado pela autora. Figura 91 Interface do aplicativo Portal Interativo, SBT. Fonte: http://bit.ly/11PSX0D modificado pela autora. 61 Nos exemplos apresentados até o momento, que se enquadram na categoria Televisão Expandida (Enhanced TV), vídeo e aplicativo são tratados como elementos distintos. Seus conteúdos, mesmo quando se complementam, não estão integrados, pois o fluxo do vídeo transcorre de maneira independente às ações executadas pelos tele-interatores. As imagens das interfaces dos aplicativos possuem poucos critérios com relação a interferência que causarão na imagem videográfica, uma vez que a navegação do tele-interator no aplicativo não estabelece relação com o conteúdo do vídeo. Já em casos pontuais de aplicativos para a TVDi, produzidos na Inglaterra, vídeo e aplicativo são concebidos para serem tratados como fluxo único de conteúdo a ser transmitido. Neste caso, algumas das ações do tele-interator sobre a interface possuem relação direta com o conteúdo em vídeo. O documentário Walking With Beasts, da BBC, por exemplo, apresenta diversas informações adicionais ao conteúdo de sua narrativa principal. A diferença deste tipo de programa para os aplicativos da Televisão Expandida, é que as interfaces adicionais são apresentadas de forma integrada e sincronizada ao vídeo principal. Assim como nos outros aplicativos, todas as informações podem ser acessadas a qualquer momento durante a transmissão do programa, contudo, no decorrer do documentário são disparados avisos nos pontos da narrativa que apresentam dados adicionais em outro núcleo informacional. Cabe ao tele-interator decidir se trocará ou não de interface. Ao lado, as interfaces do aplicativo e sua estrutura de conteúdo (Figura 92). É possível observar que as informações textuais são curtas e objetivas, desta maneira a sobreposição dos textos sobre o vídeo seguem a mesma linguagem das legendas, que já fazem parte da linguagem audiovisual não-interativa. Quando o tele-interator acessa o fluxo de vídeo complementar ao vídeo principal, a imagem se fragmenta em duas janelas para que sejam veiculados simultaneamente. Para tanto, o vídeo da narrativa principal é reduzido à uma janela no canto superior direito da interface e transcorre sem o respectivo áudio. Figura 92 Interfaces do documentário interativo Walking With Beasts, BBC. Fonte: http://bit.ly/JHyBeU + gráficos da autora Vídeo Principal Informações Adicionais Textuais Informações Adicionais Vídeo Especialistas Informações Adicionais Vídeo Makin-Of MENU DE NAVEGAÇÃO PARA TODOS OS NÚCLEOS INFORMACIONAIS DO APLICATIVO ACIONADO POR MEIO DOS BOTÕES COLORIDOS DO CONTROLE REMOTO DE TVDi 62 Outro exemplo de programa desenvolvido integrado aos recursos interativos é o Pyramid Challenge, da BBCi (Figura 93 e Figura 94), uma narrativa na qual o tele-interator decide por quais caminhos quer seguir. A interface com opções de ação – como escolher caminhos, abrir tumbas secretas, entre outros – só é habilitada para o tele-interator no momento em que é possível executar uma ação. Grafismos que sintetizam elementos da antiguidade egípcia são utilizados como elementos de interface e de forma articulada à camada de vídeo, tanto no que diz respeito à temática do programa como à composição da imagem. Neste caso, o programa incorporou os recursos de interatividade constituindo-se, portanto, como um aplicativo. Figura 93 Interface do programa Pyramide Challenge, BBCi. Fonte: http://bit.ly/15vYWnd Figura 94 Interface do programa Pyramide Challenge, BBCi. Fonte: http://bit.ly/15vYWnd 63 É possível observar por meio dos aplicativos desenvolvidos até o momento em TVDi - exceto por casos pontuais, como os dois últimos apresentados -, que o conceito de interface, intrínseco aos ambientes digitais interativos, foi inserido no ambiente da linguagem audiovisual televisiva sem considerar a maneira como as diferentes camadas de linguagens se articulam neste contexto. Segundo Löwgren e Stolterman (2007), cada projeto de design faz parte de um contexto específico e o resultado disso fará parte de uma realidade já existente. Contudo, no contexto da TVDi ainda não se percebe a hibridização entre os elementos das linguagens visual e digital interativa, mas sim a atuação de dois meios distintos (televisão e digital interativo) de maneira desintegrada no mesmo espaço, conforme será abordado a seguir. 64 3. ASPECTOS DO DESIGN DE INTERFACE NA COEXISTÊNCIA DAS LINGUAGENS AUDIOVISUAL E DIGITAL INTERATIVA A partir da análise sobre o cenário atual do design de interface em aplicativos para a TVDi, realizada no capítulo anterior, aqui abordar-se-á as consequências trazidas pela maneira como as linguagens envolvidas – audiovisual televisiva e digital interativa – vem sendo aplicadas neste contexto. Para tanto, na seção 3.1 A desintegração entre aplicativo e vídeo na TVDi, serão apontados os problemas causados pela produção desintegrada dos conteúdos, tendo em vista que os conteúdos audiovisual e digital interativo são produzidos de maneira independente um do outro. Em seguida, na seção 3.2 A mimetização dos padrões de design de interface da web na TVDi, discutir-se-á como o design de interface tem sido aplicado na TVDi replicando padrões da web, sem considerar as especificidades do vídeo televisivo. 3.1. A desintegração entre aplicativo e vídeo na TVDi e o impacto na linguagem audiovisual televisiva Desde o início da televisão, o caminho percorrido pelo vídeo na mistura de linguagens mostrou que o avanço das tecnologias de manipulação de imagens, sobretudo a digital, propiciou os melhores meios para se chegar à hibridização dos modos expressivos de diferente mídias, conforme observou-se no decorrer do capítulo 1.Hibridismo de linguagens na imagem do vídeo televisivo. 65 A introdução dos aplicativos digitais chega ao meio televisivo14 no ápice desse processo, na primeira década do ano 2000, quando a hibridização de técnicas e estéticas já são intrínsecas à sua linguagem. Contudo, na direção contrária de ser mais uma parte nesse processo contínuo de hibridização, o que observa-se por meio da maioria do conteúdo desenvolvido para a TVDi, é que o caminho adotado foi o da coexistência e da superposição de linguagens. Os aplicativos da categoria Televisão Expandida, dos quais fazem parte a maioria daqueles disponíveis atualmente na TVDi brasileira, atuam como camadas independentes do fluxo de vídeo. Dado este cenário, observa-se a ausência de precisão sobre quais elementos da camada videográfica serão cobertos pelos componentes da interface, e em qual momento. O teleinterator é quem decide quando acessará o aplicativo e como procederá na alternância entre as diferentes interfaces. Neste tipo de aplicativo, o máximo de controle sobre a interferência que a imagem do vídeo receberá, está na delimitação das áreas que os elementos da interface ocuparão sobre o vídeo. Na imagem do programa Vida de Estagiário, da TV Brasil (Figura 95), por exemplo, dois personagens que compõem a sequência são cobertos pela interface do aplicativo. Já no exemplo da telenovela Rebelde, da Rede Record (Figura 96), o rosto de um dos personagens é coberto por fotografias de outros personagens que estão disponíveis no aplicativo. Neste último caso, a interferência do conteúdo da interface altera a mensagem proposta pela imagem do vídeo, ao modificar o rosto do personagem. Figura 95 Interface do aplicativo do programa Vida de Estagiário, TV Brasil. Fonte: http://bit.ly/11PSX0D Figura 96 Interface do aplicativo da novela Rebelde, Rede Record. Fonte: http://bit.ly/11PSX0D Ao final da década de 1990 iniciou-se o período de transição da tecnologia analógica para a digital na Europa, impulsionando a criação de aplicativos para as plataformas de interatividade. O primeiro canal a explorar comercialmente a TVDi foi o francês Télévision Par Satellite, em 1998 (GAWLINSK, 2003). Contudo, nos primeiros anos da década de 2000, as emissoras BBC, da Inglaterra, e a NHK, do Japão destacaram-se na quantidade e variedade de aplicativos produzidos para a TVDi. A BBC cunhou o conceito do Red Button (botão vermelho), no qual ao apertar o botão vermelho do controle remoto o público tem acesso a conteúdos digitais interativos. 14 66 Outro aspecto decorrente da desintegração entre os conteúdos audiovisual e digital interativo está na legibilidade das informações disponíveis por estas aplicações. Como o mesmo aplicativo é carregado durante toda a transmissão do programa, as cores e texturas das imagens do vídeo, que transcorrem na camada inferior à interface, podem variar significativamente. Neste sentido, quando elementos textuais são aplicados sobre fundos totalmente ou parcialmente transparentes, o contraste necessário para a legibilidade torna-se imprevisível, conforme é possível observar na imagem a seguir (Figura 97). 0 seg Tipografia branca Cores de fundo 10 seg TEMPO DO VÍDEO Legibilidade Tipografia branca Cores de fundo Legibilidade Figura 97 Nuances na legibilidade dos textos na interface do aplicativo de acordo com a linha de tempo do vídeo. Fonte: http://youtu.be/hk5XrL4TaDc + gráficos da autora A imagem composta por camadas sobrepostas é intrínseca à linguagem do vídeo, conforme discutido no decorrer do capítulo 1.Hibridismo de linguagens na imagem do vídeo televisivo. Muitas vezes elementos visuais provenientes de diferentes mídias e linguagens articulam-se construindo um todo, ainda que seja possível identificar os limites entre uma linguagem e outra, como nos processos de colagem. Já no caso dos aplicativos para a TVDi na categoria Televisão Expandida, quando a camada de interface é sobreposta ao vídeo, seus elementos 67 atuam em dissonância com os componentes do vídeo. Tendo em vista que são estruturas de conteúdo distintas, as camadas de imagens - vídeo e interface - não se complementam, pelo contrário, se contrapõem e prejudicam o processo de comunicação em ambas. Nos aplicativos que recorrem à redução do vídeo, no qual uma janela com o fluxo de vídeo dedica-se à exibição do programa de TV enquanto o restante do quadro é destinado à interface do aplicativo, a sobreposição de elementos não ocorre. No entanto, a composição das imagens no vídeo é realizada sem considerar que poderá ocorrer essa redução no decorrer de sua transmissão. Neste sentido, não há como garantir que os elementos visuais articulados na composição de sua imagem não terão sua leitura e percepção prejudicados. No caso a seguir, por exemplo, a perda de detalhes na imagem em função da redução do vídeo ocorre quando o aplicativo é acessado durante a exibição da série Fringe (Figura 98), transmitida na TV aberta brasileira pelo canal SBT. Desta maneira, em uma das sequencias na qual a tipografia integra a imagem com funções tanto figurativa como textual, esta não se distingue o suficiente do plano de fundo, de modo a garantir sua plena leiturabilidade, quando o vídeo é reduzido a menos da metade de seu tamanho original na interface. Figura 98 Interface do aplicativo do Portal Interativo durante a transmissão doa série Fringe, no SBT. Fonte: Piloto, Fringe, SBT, 29-08-2009 68 Já no exemplo a seguir, com a imagem do aplicativo do Jornal da Band (Figura 99), o próprio vídeo já recorre à divisão do quadro em janelas para exibir a conversa entre apresentador e repórter, geograficamente distantes. Além disso, uma camada sobreposta apresenta a legenda da reportagem, com legibilidade comprometida. Em acréscimo, por ser visualmente similar aos elementos do aplicativo, pode ser compreendida como um componente da interface deste. Ainda, a cor adotada para a interface é muito similar ao cenário do apresentador no lado esquerdo do vídeo, dificultando a identificação dos diferentes elementos que compõem as imagens do vídeo e da interface do aplicativo. PLANOS FECHADOS E FORMAS SIMPLES Figura 99 Interface do aplicativo do Jornal da Band, Rede Bandeirantes. Fonte: http://bit.ly/11PSX0D Assim como a sobreposição de camadas, a divisão do quadro em janelas é também intrínseca à linguagem do vídeo, conforme abordado na seção 1.1.2 A fragmentação da tela: janelas de fluxos distintos de imagem. Contudo, no vídeo não interativo, fragmentos de imagens que transcorrem em janelas, tratam-se, na maior parte do tempo, de composições simples, em planos de câmera fechados, nos quais apenas um personagem ou objeto é enquadrado. Desta forma, quando fluxos de vídeo são exibidos em janelas pequenas no quadro, possíveis prejuízos causados pela redução da imagem são minimizados. Na série 24 Horas, por exemplo, as janelas são um recurso muito utilizado para mostrar acontecimentos que ocorrem ao mesmo tempo em locais diferentes. Nestes casos, as sequencias videograficas são projetadas especificiamente para este contexto. Os planos fechados e o isolamento de gestos e objetos são empregados em contextos nos quais o quadro televisivo estará dividido em duas ou mais partes (Figura 100). Figura 100 Sequências da série 24 Horas, nas quais o recurso das janelas de vídeo é utilizado para mostrar ações em locais distindos ocorrendo ao mesmo tempo. Fonte: Day 7: 6:00 PM – 7:00 PM, 24, FOX, 02-03-2009 + gráficos da autora. 69 Observa-se, contudo, que os problemas apontados em ambos os casos – sobreposição de interface e redução do vídeo – não ocorrem quando os conteúdos audiovisual e digital interativo são concebidos de maneira integrada. Nos exemplos dos programas Walking With Beasts e Pyramid Challenge, os elementos de interface sobrepõem-se ao vídeo da mesma maneira que grafismos são sobrepostos aos vídeos não interativos. E, em ambos os programas, a redução de fluxos de vídeo em janelas acontece sem ocasionar a descaracterização das imagens, conforme é possível observar a seguir (Figura 101): TEXTOS CURTOS, OCUPAM UMA PEQUENA ÁREA, INTERFERINDO POUCO SOBRE A IMAGEM DO VÍDEO. ALÉM DISSO, JÁ É FAMILIAR AO PÚBLICO TELEVISIVO POR SER A ÁREA GERALMENTE DEDICADA ÀS LEGENDAS O VÍDEO PRINCIPAL É REDUZIDO À UMA JANELA, PARA QUE O TELE-INTERATOR NÃO PRECISE TROCAR DE SEÇÃO A TODO INSTANTE PARA ACOMPANHAR O DESENVOLVIMENTO DA NARRATIVA. ENQUADRAMENTOS FECHADOS E INTERFACE INTEGRADA À COMPOSIÇÃO DA IMAGEM DO VÍDEO, ADOTANDO A LINGUAGEM DOS MOTION GRAPHICS. Figura 101 Interfaces do documentário interativo Walking With Beasts, BBC e do programa Pyramide Challenge, BBCi. Fonte: http://bit.ly/JHyBeU e http://bit.ly/15vYWnd + gráficos da autora 70 Um dos aspectos que está intimamente relacionado à desintegração dos conteúdos audiovisual e digital interativo reside na reprodução pura de procedimentos e elementos visuais adotados para outros meios no qual a linguagem digital interativa se constituiu, sobretudo a web. Ocorre, neste sentido, uma superposição ao invés da hibridização de linguagens. Conforme será abordado a seguir, em grande parte dos aplicativos, observa-se a mimetização de padrões estéticos e estruturais adotados em sites, ocasionando a descaracterização de ambas as linguagens envolvidas neste processo: audiovisual e digital interativa. 3.2. A mimetização dos padrões de design de interface da web na TVDi Para Plaza (1993) a união de meios distintos proporciona interfaces “capazes de sugerir a condensação e a associação qualitativa dos meios” (p. 78). No entanto, quando os conflitos entre as múltiplas linguagens não conseguem ser resolvidos ao menos em uma síntese qualitativa, o resultado é no máximo uma colagem (PLAZA, 1993). Considerando que na colagem os limites entre cada uma das linguagens permanecem evidentes mas, ao mesmo tempo, as camadas articulam-se de modo a formar um todo estéticamente heterogêneo, é possível afirmar que no caso da maioria dos aplicativos para a TVDi, o processo envolvido sequer chega a ser como o da colagem. Pois, os dois fluxos de mídia (vídeo e aplicativo) não se articulam, tendo em vista que operam de modo totalmente independente no espaço da TV, tanto no que diz respeito aos conteúdos como no design das interfaces. A linguagem do vídeo ao invés de conduzir o modo expressivo destes aplicativos, é tratada como elemento secundário todas as vezes em que um aplicativo na TVDi é acessado, visto que as interfaces destes aplicativos aparecem sobrepondo a camada de vídeo sem critérios com relação aos elementos visuais que irão ocultar e o tipo de ruído que causarão na imagem ou, ainda, reduzindo o vídeo à uma área três vezes menor que seu tamanho original. Neste contexto, o que se nota é uma relação de mímese muito forte com a linguagem adotada no design de interfaces da web. Tanto na maneira como estas intefaces se estruturam, como nos elementos adotados para viabilizar as ações do tele-interator junto aos aplicativos. Conforme aponta Plaza: No seu desejo de presentificar, tornar real o objeto que pretende comunicar, o artista exacerba ou torna proeminentes os caracteres do meio que utiliza, tornando-o auto-referencial. Essa passagem-tensão entre os meios que querem comunicar mas acabam se auto-referenciando toca no que ha de mais transgressor e mais sensível na linguagem dos suportes, ou seja, na sua própria materialidade como elemento detonador de seu sentido, como pura semelhança. (PLAZA, 2000, p. 66-67) 71 Neste sentido, a relação mimética entre a web e os aplicativos para a TVDi, pode ser compreendida como uma maneira de afirmação do meio digital interativo em seu novo ambiente, o televisivo. Deste modo, suas características tendem a ser exacerbadas sobre o vídeo em uma relação mais próxima da competição do que da cooperação entres os elementos das diferentes linguagens envolvidas neste processo. Quando, por exemplo, o vídeo do programa é reduzido para aproximadamente 1/4 de seu tamanho original, este tem sua importância evidentemente minimizada e passa a dividir o espaço com os outros elementos visuais da interface. Com isso, o programa passa a ter duas unidades distintas de informação atuando no mesmo espaço: o vídeo e o conteúdo do aplicativo. Nota-se, assim, uma similaridade considerável com a estrutura adotada nos sites da web, em que a mesma interface apresenta diferentes tipos de elementos e grupos de informações que não estão necessariamente relacionados entre si, como é possível observar nas imagens a seguir, em que a organização dos elementos na interface do site na web é replicada na interface do aplicativo para a TVDi. Tanto no programa televisivo do Discovery Channel, Shark Weekend, (Figuras 102 e 103) como no site da emissora dedicado aos programas sobre tubarões (Figuras 104 e 105), a informação principal está concentrada no vídeo. Os demais elementos presentes na interface referem-se ao mesmo tema do vídeo – tubarões –, mas abordam assuntos distintos e coexistem na interface como unidades distintas de informação. Figura 102 Interface do aplicativo para TVDi programa Shark Weekend, sobre tubarões, do Discovey Channel. Fonte: http://bit.ly/JkCita Figura 103 Estrutura da interface representada pela Figura 102. Fonte: da autora 72 Figura 104 Interface de videos dos programas sobre Tubarões do site do Discovery Channel. Fonte: www.discoveryuk.com/web/sharks/videos Figura 105 Estrutura da interface representada pela Figura 104. Fonte: da autora 73 O mesmo tipo de reprodução também pode ser percebido a partir da semelhança, quando não da réplica, de elementos de interface típicas de sites. Uma das problemáticas envolvidas nesta prática, é que muitas das soluções de design nos elementos destas interfaces não são adequadas ao modo de uso da TV. Conforme aponta Cannito (2010) o desafio do design de interface para a TVDi, está em: [...] desenvolver um mecanismo que não seja somente o da transferência da internet para o aparelho de TV [...] os conteúdos possuem características específicas e, portanto, merecem linguagem e interface igualmente específicas [...] (p. 151) No entanto, padrões de tipo de conteúdo e elementos de interface são constantemente replicados nos aplicativos para a TVDi. As imagens a seguir (Figura 106) demonstram a reprodução das barras de rolagem e menus de navegação em forma de lista. Em outros aparelhos, como no computador pessoal (PC), as barras de rolagem e menus de navegação em forma de lista, propiciam uma boa experiência entre o interator e a interface porque o mouse – bem como touchpads, touchscreens, entre outros – permite o alcance rápido e objetivo de cada elemento que precisa ser atingido para que a ação ocorra. Ou seja, ao interagir com a interface de um site no computador, o interator não precisa selecionar cada um dos itens de uma lista até alcançar o que ele deseja, pois basta arrastar o mouse rapidamente e posicionar o cursor sobre o elemento. Já na televisão a interação ocorre por meio do controle remoto. Neste sentido, para alcançar qualquer item na interface, o tele-interator precisa pressionar os botões de direção no controle e percorrer todos os elementos até chegar ao item que deseja. Nos sites é muito comum a utilização de ícones associados à títulos que definem o tipo de conteúdo presente ema cada área, como recurso para reforçar a categoria de cada conteúdo. Conforme aponta Garrett (2011), utilizar ícones como metáforas auxilia a redução do esforço mental requerido para interpretar as informações. No entanto, na interface representada pela Figura 106, o ícone de câmera, que deveria estar associado à uma informação em formato audiovisual (vídeo), está categorizando uma informação textual. Neste sentido, o padrão de associar ícones aos títulos está sendo reproduzido a partir dos sites da web de forma descontextualizada e pode, inclusive, prejudicar o entendimento do tele-interator sobre cada tipo de conteúdo. 74 TÍTULO COM ÍCONE ASSOCIADO BARRA DE ROLAGEM REPLICADA DOS PADRÕES DE INTERFACES DE SOFTWARES E SITES LISTAS DE IMAGENS E TEXTOS Figura 106 Interfaces de aplicativos para a TVDi e a mimetização de elementos da web. Fonte: http://bit.ly/11PSX0D e http://glo.bo/x5d6fB + gráficos da autora 75 Considerando que a integração do meio digital interativo à televisão é relativamente recente e ocorre em meio a um processo no qual tanto a tecnologia, como as políticas para a implantação de um modelo de transmissão ainda estão sendo desenvolvidas e parcialmente implementadas, é natural que a linguagem deste meio passe por um estágio de transição no qual suas especificidades ainda estejam sendo encontradas. Sobre este aspecto, Machado (2011) aponta que: Tudo, no universo das formas audiovisuais, pode ser descrito em termos de fenômeno cultural, ou seja, como decorrência de um certo estágio de desenvolvimento das técnicas e dos meios de expressão [...] (MACHADO, 2011, p. 175) Neste sentido, entende-se que, estando a TVDi no estágio de desenvolvimento, sua linguagem também estará. Assim como, também aponta Johnson (2001): Nenhuma forma cultural significativa brota plenamente realizada. Há sempre um período de gestação em que as divisões entre os gêneros, convenções ou tipos de meio são menos definidos ( JOHNSON, 2001, p. 34). Contudo, é válido ressaltar que o padrão de linguagem adotado para os aplicativos na TVDi pouco mudou desde que estes começaram a ser transmitidos pelas principais emissoras, há mais de três anos. A mesma estrutura vem sendo utilizada trocando apenas a máscara de cada interface de acordo com a identidade visual de cada programa. Conforme defende Santaella (2007) no meio digital, as tecnologias que surgem não eliminam as pré-existentes, pelo contrário, elas se somam e se hibridizam. Mello (2008) corrobora com este entendimento ao apontar que: A cultura digital é compreendida como um estado de experiência híbrida, na medida em que nela há o constante confronto entre realidades diferentes, fazendo com que haja a mistura de diferentes naturezas de linguagens. (MELLO, 2008, p. 199) Neste sentido, o processo de integração do meio digital interativo à televisão por meio da TVDi está contradizendo as premissas de hibridização tanto do meio audiovisual como do meio digital. Nos diferentes exemplos apresentados no decorrer do capítulo 1. Hibridismo de linguagens na imagem do vídeo televisivo observa-se como a linguagem audiovisual televisiva, desde o seu início, compõe suas imagens a partir da integração de elementos provenientes de diferentes modos, sobretudo após o desenvolvimento da tecnologia digital para a manipulação de imagens que permitiu ao vídeo alcançar a hibridização de linguagens. Para que uma linguagem híbrida entre o meio audiovisual e digital interativo ocorra na TVDi, espera-se que não haja a imposição de um modo expressivo sobre outro. Para que isso aconteça é preciso, no entanto, 76 que o próprio conteúdo seja estruturado de maneira integrada aos recursos de interatividade. Na TVDi, um dos principais aspectos que dificultam a hibridização das linguagens audiovisual e digital interativa, é o da separação entre conteúdo audiovisual e conteúdo digital interativo. A maior parte dos aplicativos em TVDi transmitidos hoje no Brasil restringem-se apenas a disponibilizar informações adicionais básicas sobre os programas, como se fossem uma versão sintética de seus sites na web. Neste sentido, o design de interface tem seguido pelo mesmo caminho, ao mimetizar os padrões adotados na web e provocar a descaracterização da linguagem do vídeo quando os aplicativos de TVDi são acessados. No entanto, o design de interface precisa cooperar com o processo de hibridização das linguagens envolvidas, buscando outras soluções que não sejam única e exclusivamente a de reduzir o vídeo ou sobrepor uma camada sobre o conteúdo audiovisual sem estabelecer uma articulação com o seu conteúdo. 77 CONSIDERAÇÕES FINAIS O principal objetivo desta pesquisa consistiu em realizar uma reflexão sobre o contexto atual do design de interfaces dos aplicativos de TVDi, a fim de identificar como a integração de recursos digitais interativos tem impactado na composição da imagem do vídeo televisivo. A motivação para a realização desta pesquisa partiu da percepção de que a linguagem visual dos aplicativos disponíveis na TVDi estava em dissonância com o modo expressivo da televisão. Notou-se que as imagens de múltiplas linguagens não possuem critérios para a articulação entre os diferentes elementos que as compõem. Os aplicativos enviados pelas emissoras descaracterizam a imagem do vídeo ao sobrepor a linguagem digital interativa sobre a audiovisual. Este contexto contraria as premissas de ambos os meios envolvidos uma vez que o hibridismo de linguagens é intrínseco tanto à televisão como ao meio digital interativo. A televisão, desde o seu princípio, desenvolveu seu modo expressivo apropriando-se de elementos de linguagens de outros meios, combinando-os e recombinando-os de modo a adaptá-los às suas especificidades, em um processo constante de hibridismo. O caminho trilhado no desenvolvimento de sua linguagem revela como a busca pela hibridização de linguagens esteve presente desde os primórdios de sua existência. Por meio dos trabalhos do videasta Jean-Christophe Averty, evidenciou-se a integração de linguagens e procedimentos de naturezas distintas ao meio televisivo em um contexto onde as possibilidades de manipulação das imagens eram limitadas pelo tipo de tecnologia disponível. Este caminho iniciado na década de 1950 culmina em uma linguagem visual híbrida quando, a partir de meados dos anos 1990, a tecnologia digital tranforma as imagens em dados numéricos, permitindo assim que cada pixel seja manipulado e os limites entre as diferentes linguagens envolvidas desapareçam. Com a chegada da TVDi, mais uma linguagem passa a compor o universo televisivo, a linguagem digital interativa. Contudo, diferentemente dos aspectos abordados até então, os elementos desta linguagem não restringem-se ao campo da visualidade, pois as imagens 78 televisivas neste contexto deixam de ser apenas contemplativas para dialogar diretamente com o público e viabilizar suas ações junto ao aplicativo. Neste momento, a imagem televisiva transforma-se em interface e todos os aspectos intrínsecos da linguagem digital interativa passam a fazer parte do universo televisivo. No entanto, a maneira como os aplicativos interagem com o fluxo de vídeo mostrou-se na contra-mão do processo de hibridização de linguagens, uma vez que o design de interface dos aplicativos não articula-se à composição da imagem do vídeo. Mais do que isso, os próprios aplicativos e os programas operam como unidades distintas dentro da televisão. Desta maneira, mesmo quando o design de interface busca a integração visual ao adotar elementos de linguagem e da direção de arte do vídeo, a falta de conexão entre o programa televisivo e o aplicativo acarretam em uma superposição de linguagens. Além disso, na maior parte do tempo, os aplicativos de TVDi mimetizam os padrões adotados para a web. Tanto no que diz respeito aos seus conteúdos como em sua linguagem visual, percebe-se que, sobretudo no Brasil, a plataforma de interatividade digital televisiva tem sido tratada como um repositório de versões reduzidas dos sites dos programas na web. A consequência tem sido a transmissão de dois produtos de linguagens e conteúdos distintos no mesmo espaço. Neste contexto, ambos os elementos são prejudicados, uma vez que as imagens do vídeo televisivo são contaminadas por elementos das interfaces dos aplicativos cada vez que estes são acessados. Esta contaminação ocorre sem critérios de composição da imagem, na qual não é possível prever quais elementos do vídeo serão sobrepostos ou em que momento a imagem do vídeo será reduzida para dar espaço ao aplicativo. Este, por sua vez, apresenta informações que muitas vezes não são adequadas ao modo de uso da televisão e ao espaço disponível para elas. Grande parte das informações são reveladas pela interface por meio de blocos extensos de texto, por exemplo. Nestes casos a distância entre o tele-interator e o aprelho televisor dificultam a leitura. Além disso, os espaços destinados aos textos são pequenos e estes ficam comprimidos, tornando a leitura difícil. Além da legibilidade comprometida, ao dispor informações distintas, a atenção do público é fragmentada e ele precisa escolher entre prestar atenção no conteúdo audiovisual ou no conteúdo do aplicativo. Dois casos apresentados nessa pesquisa, da emissora BBC, da Inglaterra, revelam como a produção integrada dos programas de TV com os recursos de interatividade propiciados pelas plataformas de TVDi é importante para a hibridização dos meios televisivo e digital interativo. Um destes programas, o Pyramid Challenge mostra como nem sempre é necessário acrescentar uma camada de interface sobre o vídeo quando os componentes de sua própria imagem podem ser transformados em elementos de interface. Sobretudo ao se considerar o grafismo televisual que, além de cumprir sua função plástica junto à imagem do vídeo, pode atuar como elemento de interface viabilizando a relação do tele-interator com o aplicativo. Desta forma entendese que o design de interface precisa cooperar com o processo de hibridização das linguagens 79 envolvidas, buscando outras soluções que não sejam única e exclusivamente a de reduzir o vídeo ou sobrepor uma camada sobre o conteúdo audiovisual sem estabelecer uma articulação com seus elementos. Faz parte do processo de criação dos designers que lidam com o desenvolvimento de produtos derivados de programas de TV, apropriar-se de elementos de suas imagens para projetar interfaces coerentes com a linguagem visual do vídeo. Nos websites e aplicativos para celulares e tablets, elementos advindos dos grafismos utilizados para as vinhetas e inserções durantes os programas, por exemplo, são facilmente transformados em elementos de interface. Outros componentes, como tipografia, cores, formas e linguagem fotográfica são incroporados às especificidades cada meio criando, assim, um universo de produtos integrados e complementares. Desta forma, o mesmo procedimento precisa ser incorporado ao vídeo televisivo em um contexto de Televisão Digital Interativa para que a natureza híbrida do vídeo associada às especificidades das interfaces digitais possibilite a criação de uma linguagem híbrida entre os meios audiovisual e digital interativo. Isso só poderá ocorrer a partir do momento em que não houver a imposição de uma linguagem sobre a outra, mas sim a transformação de aspectos de cada uma das linguagens envolvidas para atender às especificidades do contexto no qual estes trabalhos se inserem. Na TVDi, um dos principais aspectos que dificultam a hibridização das linguagens audiovisual e digital interativa, é o da separação entre conteúdo audiovisual e conteúdo digital interativo. Das cerca de 105 horas diárias15 de transmissão de aplicativos oferecidas pela TVDi no Brasil, muito pouco se acrescenta ao público em termos de experiência interativa com o conteúdo. Ao se analisar tais aplicações constata-se que as emissoras de TV compreendem a TV Digital Interativa como um meio no qual replica-se, de maneira sintética, o conteúdo produzido para os seus sites na internet. Ao se comparar os aplicativos interativos dos programas com seus respectivos sites na web, percebe-se que estes últimos atuam de maneira mais coerente no que diz respeito à veiculação de conteúdos complementares ao programa em vídeo, visto que neles a possibilidade de detalhamento informacional é maior. Parte deste problema pode ser atribuído à desintegração de processos e equipes dentro das próprias emissoras, visto que os aplicativos para a TVDi são criados por um grupo à parte, geralmente composto por programadores de software e designers, e desintegrada daquele dedicado à produção do Segundo dados informados por Roberto Franco, presidente do Fórum Brasileiro de Televisão Digital e diretor de redes e assuntos regulatórios do SBT, durante o durante o Congresso SET de 2012. 15 80 conteúdo televisivo. Conforme aponta Rosa (2005, p. 52), este novo contexto tecnológico “requer […] transformação dos procedimentos de fazer televisão”. Neste sentido, os envolvidos na produção de conteúdos de ambas as linguagens, audiovisual e digital interativa, precisam atuar em conjunto e compreender as especificidades de cada uma delas. Uma das principais transformações que se almeja na produção televisiva com vistas à produção de conteúdo para a TVDi está na elaboração do roteiro de cada programa. O responsável ou responsáveis por sua construção precisam compreender todas as variáveis envolvidas na concepção de narrativas digitais interativas. Um roteiro desta natureza irá prever em quais momentos haverá interatividade, se esta interferirá no enredo do programa, quais relações o público estabelecerá com o conteúdo, e sua respectiva navegabilidade. Da mesma maneira, todos os procedimentos que reverberam em algo na composição da imagem, desde o storyboard até a captura e pós-produção das sequencias, precisam conceber o fluxo de vídeo como uma interface. Assim, a problemática envolvendo a mimetização dos padrões de design de interface para a web naturalmente desaparecerá, uma vez que a direção de arte e o design de interface serão concebidos de forma integrada. Em suma, para que as linguagens televisiva e digital interativa se hibridizem, um programa para a TVDi deve ser interativo desde a sua concepção. Contudo, dado o modo como a implantação da TV Digital tem ocorrido no Brasil, podese afirmar que é na esfera política que residem os principais empecilhos para o desenvolvimento de uma televisão de conteúdo interativo, associados à significativa restrição de informações a respeito das possibilidades de interatividade oferecidas pela TV Digital, tanto por parte dos produtores de conteúdo como da população em geral. Ao contrário da Argentina, por exemplo, onde houve uma forte ação do governo para promover a TV Digital Interativa, incluindo a distribuição gratuita de set-top-boxes, o Brasil limitou-se à veiculação de alguns comerciais na TV, por um curto período de tempo, que apresentavam de modo superficial a nova tecnologia à população. Uma vez que as pessoas desconhecem como funciona a TVDi, grande parte dos que adquirem televisores com tecnologia digital, compram aparelhos que sequer possuem o middleware de interatividade. A partir de 2013, os fabricantes de televisores são obrigados por lei a incluí-lo em todos os aparelhos produzidos no Brasil. Isso pode vir a se tornar um incentivo para que os recursos de interatividade sejam explorados com verdadeiro interesse por parte das emissoras. Considerando que os fabricantes terão de investir na produção dos televisores, é provável que a TVDi entre na lista de itens que são explorados como apelo de venda dos aparelhos de TV Digital e, consequentemente, pressione as emissoras para produzirem conteúdos específicos para a TVDi. Neste sentido, as questões que cerceiam a hibridização das linguagens televisiva e digital interativa, estão imbricadas em uma problemática muito mais complexa do que aparenta ser 81 quando esta é analisada especificamente pela ótica da estética audiovisual e digital interativa. Assim, percebe-se que movimentos em diferentes esferas precisam ser realizados, para que as mudanças necessárias no modo como estes conteúdos são produzidos na TVDi avancem, das pesquisas e experimentações no âmbito acadêmico, para sua concretização na sociedade. 82 Referências BBC. Designing for interactive television v 1.0: BBCi & Interactive tv programmes. London: [s.n.], 2006. BECKER, V.; SQUIRRA, S. TV Digital. Br: Conceitos e estudos sobre o ISDB-Tb. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. BONSIEPE, G. Design: do material ao digital. Florianópolis: FIES/IEL, 1997. BONSIEPE, G. Design, Cultura e Sociedade. São Paulo: Blucher, 2011. BRAGA, E. C. A interatividade e a construção do sentido no ciberespaço. In: LEÃO, L. O chip e o caleidoscópio: reflexões sobre as novas mídias. São Paulo: Senac, 2005. p. 123-131 CANNITO, N. G. A televisão na era digital: interatividade, convergência e novos modelos de negócios. São Paulo: Summus, 2010. COOPER, A.; REIMANN, R.; CRONIN, D. 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