Universidade Anhembi Morumbi
Magda Cristina Souza Martins
REFLEXÕES ACERCA DO
DESIGN DE INTERFACE DE
APLICATIVOS (TVPARA
A
TVDi
DIGITAL INTERATIVA):
A HIBRIDIZAÇÃO DAS LINGUAGENS
AUDIOVISUAL E DIGITAL INTERATIVA
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Design – Mestrado,
da Universidade Anhembi
Morumbi, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Design.
OrientadorA: Profª Drª Rachel Zuanon
Dissertação de Mestrado
Mestrado em Design
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
São Paulo, Fevereiro / 2013
2
Banca Examinadora
Profª Drª Rachel Zuanon Dias
Orientadora e Presidenta da Banca
Universidade Anhembi Morumbi
Profª Drª Luisa Paraguai Donati
Examinadora Interna
Universidade Anhembi Morumbi
Profº Dr Almir Almas
Examinador Externo
Universidade de São Paulo, ECA-USP
São Paulo, Fevereiro/2013
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da
universidade, da autora e da orientadora.
Magda Martins
Bacharel em Design Digital pela Universidade Anhembi Morumbi e Técnica em Design Gráfico pela ETE
Carlos de Campos (KK). É designer de mídias digitais nos canais televisivos The History Channel e A&E
Network. Atuou como designer digital na TV Cultura (Fundação Padre Anchieta) e em diversos projetos
de portais governamentais e WEBTV na Umana Comunicação.
Ficha Catalográfica
M344r Martins, Magda Cristina Souza.
Reflexões acerca do design de interface de aplicativos
para a TVDi (TV Digital Interativa): a hibridização das linguagens
audiovisual e digital interativa / Magda Cristina Souza Martins. –
2013.
84 f.: il.
Orientador: Rachel Zuanon Dias.
Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade
Anhembi Morumbi, São Paulo, 2013.
Bibliografia: f. 82.
1. Design. 2. TVDi. 3. Design de interface. 4. Hibridismo.
5. Linguagem do vídeo. I. Título.
CDD 741.6
Ao querido Emerson, que seguirá para
sempre comigo, even without wings...
À mentora Rachel Zuanon, fonte
infindável de força, sabedoria e conforto.
5
Agradecimentos
Aos meus pais, Edvar e Vicentina, pelo apoio incondicional e por todos os sacrifícios feitos em prol das
minhas escolhas nos estudos.
Aos queridos chefes e amigos da Umana Comunicação Inteligente, Julio Gurgel, Layla Guerra e Ricardo
Mucci, por todos os momentos de cuidado, incentivo, confiança e, principalmente, compreensão, ao
longo desta jornada.
Ao Caio Fochetto, por ser a mão estendida quando mais precisei... por mais de uma vez.
Ao Hanilton Scolfield, por fornecer o equilíbrio e a leveza de espírito nos momentos difíceis.
À Elaine Faria, pelo ouvido sempre disponível, e pela ajuda na aquisição de tantos livros durante e após
a graduação, sem os quais não teria de onde tirar grande parte do meu conhecimento.
À Phoebe, pela companhia incansável durante as noites de leitura e escrita.
Aos amigos e colegas de mestrado e universidade, especialmente: Marcelo Falco, Tereza “Tetê” Rebello,
Anna Vöros, Marco Túlio Bosch, Helloisa Candello, Mariana Rocoletta, Mayra Mártires, Sidney Rufca, Viviane
Moraes, Jorge Paiva e Lara Vaz, pelos bons momentos juntos e pelas trocas tão ricas de experiências,
conselhos, materiais acadêmicos e informações.
À Antonia Costa, pela inabalável simpatia e disposição em ajudar no que for preciso.
À CAPES e ao Setor de Pesquisa da UAM pela bolsa de estudos concedida à esta pesquisa.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design da Universidade Anhembi
Morumbi, especialmente: Profa. Dra. Ana Mae Barbosa, Profa. Dra. Gisela Beluzzo, Prof. Dr. Jofre Silva,
Profa. Dra. Cristiane Mesquita, Profa. Dra. Marcia Merlo e Profa. Dra. Luisa Paraguai, pelo carinho e
contribuição no processo de aprendizado.
Aos professores Dra. Luisa Paraguai e Dr. Almir Almas, por terem gentilmente aceitado o papel de
avaliadores desta pesquisa e por todos os apontamentos e orientações realizados durante a banca de
qualificação.
E, por último e mais importante, à minha orientadora, Profa. Dra. Rachel Zuanon: pelos ensinamentos
ao longo dos anos; pela mente aberta, dedicação, disponibilidade, profissionalismo, cuidado, sabedoria,
respeito e paciência durante todo o desenvolvimento desta pesquisa; pelo carinho e conforto sempre
que precisei; pelos puxões de orelha, firmeza e honestidade sempre que necessários; pelas conquistas que
me ajudou e pelas conquistas que me fez alcançar; e, principalmente, pela honra concedida ao confiar
e acreditar em mim.
6
Resumo
A TV Digital Interativa (TVDi) permite com que aplicativos digitais interativos sejam
enviados simultaneamente aos programas televisivos transmitidos pelas emissoras. Esta
condição aponta para a possibilidade de hibridização de dois meios com linguagens distintas:
audiovisual e digital interativo. Contudo, o cenário atual da produção para a TVDi apresenta
uma desarticulação entre as linguagens envolvidas neste processo, tendo em vista que o design
dos aplicativos mimetiza padrões adotados para o design de web, ao mesmo tempo em que os
programas para a TV continuam sendo produzidos dentro dos padrões para a televisão nãointerativa. Neste contexto, o objetivo desta pesquisa consiste em realizar uma reflexão sobre
o cenário atual do design de interfaces dos aplicativos de TVDi, a fim de identificar como a
integração de recursos digitais interativos tem impactado na composição da imagem do vídeo
televisivo.
Palavras-chave: design de interface, TVDi, hibridismo, linguagem do vídeo
7
Abstract
The Interactive Digital TV enables broadcasters transmit digital interactive applications
simultaneously to television programs. This condition indicates the possibility of hybridization
of two media which have different languages​​: audiovisual and interactive digital. However, the
current scenario of iDTV production presents a mismatch between the languages ​​involved
in this process, given that the design of applications for TV mimics the standards adopted
for the design of web. At the same time TV programs are still being produced guided by
the standards of television noninteractive. In this context, the objective of this research is to
develop a reflection on the current scenario of the design of interfaces of iDTV applications
in order to identify how the integration of interactive digital features has impacted at the
composition of the television video image.
Keywords: interface design, iDTV, hybridism, video language
8
Sumário
Lista de figuras | 9
Introdução | 16
1. Hibridismo de linguagens na imagem do vídeo televisivo | 18
1.1. A linguagem do vídeo e a composição da imagem em camadas | 23
1.1.1. Sobreposição de elementos e fluxos diferentes: imagem espessa | 24
1.1.2. A fragmentação da tela: janelas de fluxos distintos de imagem | 27
1.1.3. Incrustação: hibridização de imagens e linguagens | 29
1.2. A penetrabilidade da imagem digital na integração de linguagens | 30
2. A imagem televisiva no contexto da televisão digital interativa (TVDi) | 45
2.1. TVDi e a transposição da linguagem digital interativa à TV | 45
2.1.1. Elementos projetuais da linguagem digital interativa | 49
2.2 Design de interface na TVDi | 54
2.2.1 O contexto atual do design de interface dos aplicativos para a TVDi | 55
3. Aspectos do design de interface na coexistência das linguagens audiovisual e
digital interativa | 64
3.1. A desintegração entre aplicativo e vídeo na TVDi e o impacto na linguagem
audiovisual televisiva | 64
3.2. A mimetização dos padrões de design de interface da web na TVDi | 70
Considerações finais | 76
Referências | 82
9
Lista de figuras
Figura 1 | 24
Imagem sem título, do álbum de Sackville-West, 1867-1973
Figura 2 | 24
Femmes a Leur Toilette, Pablo Picasso, 1989
Figura 3 | 24
Cartaz La lutte continue,Jan Van Toorn, 1989, 1989.
Figura 4 | 25
Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971
Figura 5 | 25
Impressions d’Afrique, 1977
Figura 6 | 25
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Figura 7 | 25
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Figura 8 | 26
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Figura 9 | 26
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Figura 10 |26
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Figura 11 |26
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Figura 12 |26
Melody, Jean-Christophe Averty, 1971
10
Figura 13 |27
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Figura 14 |27
Melody, Jean-Christophe Averty, 1971
Figura 15 |28
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Figura 16 |28
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Figura 17 |28
Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971
Figura 18 |28
Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971
Figura 19 |28
Montand Chante, Jean-Christophe Averty, 1968.
Figura 20 |29
Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971
Figura 21 |29
Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971
Figura 22 |31
Captação de personagens em studio, com fundo verde no qual serão incrustadas as imagens do ambiente onde
se passa uma sequência da série 24 Horas.
Figura 23 |31
Imagem dos atores na escada capturada em estúdio unida à imagem com o restante do cenário.
Figura 24 |32
Sequência do episódio Senhora.
Figura 25 |32
Sequência do episódio Piloto de Fringe
Figura 26 |33
The X Files, Tipografia em 1993
Figura 27 |33
The X Files, Tipografia em 2002
Figura 28 |34
Sequência do episódio Piloto de Fringe
Figura 29 |34
Sequência do episódio Piloto de Fringe
11
Figura 30 |34
Sequência do episódio Piloto de Fringe
Figura 31 |34
Sequência do episódio Piloto de Fringe
Figura 32 |34
Sequência do episódio Piloto de Fringe
Figura 33 |34
Sequência do episódio Piloto de Fringe
Figura 34 |35
Sequência do episódio Piloto de Fringe
Figura 35 |35
Sequência do episódio Piloto de Fringe
Figura 36 |36
Sequência de Os Lusíadas
Figura 37 |36
Sequência de Os Lusíadas
Figura 38 | 36
Sequência de Os Lusíadas
Figura 39 |37
Sequência do espisódio Pilot, Numb3ers. Irrigador no jardim espalhando gotas para todos os lados.
Figura 40 |37
Entrada do grafismo para ilustrar o pensamento do personagem.
Figura 41 |37
Gota d`água em Plano Detalhe em zoom amplificado. Números sobrepondo ao lado esquerdo.
Figura 42 |37
Gota d`água em Plano Detalhe em zoom amplificado. Números sobrepondo ao lado esquerdo.
Figura 43 |37
As gotas se transformam em grafismos...
Figura 44 |37
... e fórmulas matemáticas
Figura 45 |38
Números retornando ao irrigador como se fossem gotas d’água
Figura 46 |38
Números retornando ao irrigador como se fossem gotas d’água
12
Figura 47 |38
Sequência do espisódio Vector, Numb3ers. Personagem desenha no quadro. As formas desenhadas por ele se
transformam em grafismos e as imagens captadas mesclam-se aos desenhos.
Figura 48 |38
Sequência do espisódio Vector, Numb3ers.
Figura 49 |38
Sequência do espisódio Vector, Numb3ers.
Figura 50 |38
Sequência do espisódio Vector, Numb3ers.
Figura 51 |38
Sequência do espisódio Vector, Numb3ers.
Figura 52 |38
Sequência do espisódio Vector, Numb3ers.
Figura 53 |39
Sequência de abertura da 4a temporada da série Everybody Hates Chris.
Figura 54 |40
Sequência de abertura da série Carnivàle.
Figura 55 |40
Sequência de abertura da série Carnivàle.
Figura 56 |40
Sequência de abertura da série Carnivàle.
Figura 57 |40
Sequência de abertura da série Carnivàle.
Figura 58 |41
Sequência de abertura da série Carnivàle.
Figura 59 |41
Sequência de abertura da série Carnivàle.
Figura 60 |41
Sequência de abertura da série Carnivàle.
Figura 61 |41
Sequência de abertura da série Carnivàle.
Figura 62 |41
Sequência de abertura da série Carnivàle.
Figura 63 |42
Sequência de abertura da mini-série The Pacific.
13
Figura 64 |42
Sequência de abertura da mini-série The Pacific.
Figura 65 |42
Sequência de abertura da mini-série The Pacific.
Figura 66 |42
Sequência de abertura da mini-série The Pacific.
Figura 67 |42
Sequência de abertura da mini-série The Pacific.
Figura 68 |42
Sequência de abertura da mini-série The Pacific.
Figura 69 |42
Sequência de abertura da mini-série The Pacific.
Figura 70 |43
Sequência de abertura da mini-série The Pacific.
Figura 71 |43
Sequência de abertura da mini-série The Pacific.
Figura 72 |43
Sequência de abertura da mini-série The Pacific.
Figura 73 |44
Sequência de abertura da mini-série The Pacific.
Figura 74 |44
Sequência de abertura da mini-série The Pacific.
Figura 75 |45
Padrão de TV Digital Interativa em camadas e sub-camadas.
Figura 76 |49
Modelo de estrutura informacional e navegacional de um website.
Figura 77 |51
Exemplo de como a interface reage às possibilidades de interação em um website.
Figura 78 |51
Exemplo de mudança de interface de acordo com a navegação do interator.
Figura 79 |52
Winky-Dink and You, CBS, 1953.
Figura 80 |53
Garganta e Torcicolo, MTV Brasil.
14
Figura 81 |56
Vinheta de abertura da novela Morde e Assopra, Rede Globo, 2011.
Figura 82 |56
Aplicativo da novela Morde e Assopra, da Rede Globo.
Figura 83 |56
Vinheta de abertura do reality show A Fazenda, Rede Record, 2011.
Figura 84 |56
Aplicativo do reality show A Fazenda, Rede Record, 2011.
Figura 85 |56
Estrutura informacional do aplicativo de TVDi do programa A Fazenda 2011, Rede Record.
Figura 86 |57
Exemplo de fluxo de navegação e elementos de interfaces do aplicativo reality show A Fazenda, Rede
Record, 2011.
Figura 87 |59
Interface do Aplicativo daas Olímpiadas de Londres, 2012, da Rede Record.
Figura 88 |59
Interface do aplicativo do Caldeirão do Huck, Rede Globo.
Figura 89 |59
Interface do aplicativo do programa Hoje em Dia, Rede Record.
Figura 90 |60
Interface do aplicativo da novela Rei Davi, Rede Record.
Figura 91 |60
Interface do aplicativo Portal Interativo, SBT.
Figura 92 |61
Interfaces do documentário interativo Walking With Beasts, BBC.
Figura 93 |62
Interface do programa Pyramide Challenge, BBCi.
Figura 94 |62
Interface do programa Pyramide Challenge, BBCi.
Figura 95 |65
Interface do aplicativo do programa Vida de Estagiário, TV Brasil.
Figura 96 |65
Interface do aplicativo da novela Rebelde, Rede Record.
Figura 97 |66
Nuances na legibilidade dos textos na interface do aplicativo de acordo com a linha de tempo do vídeo.
15
Figura 98 |67
Interface do aplicativo do Portal Interativo durante a transmissão doa série Fringe, no SBT.
Figura 99 |68
Interface do aplicativo do Jornal da Band, Rede Bandeirantes.
Figura 100 | 68
Sequências da série 24 Horas, nas quais o recurso das janelas de vídeo é utilizado para mostrar ações em
locais distindos ocorrendo ao mesmo tempo.
Figura 101 | 69
Interfaces do documentário interativo Walking With Beasts, BBC e do programa Pyramide Challenge,
BBCi.
Figura 102 | 71
Interface do aplicativo para TVDi programa Shark Weekend, sobre tubarões, do Discovey Channel.
Figura 103 | 71
Estrutura da interface representada pela Figura 102.
Figura 104 | 72
Interface de videos dos programas sobre Tubarões do site do Discovery Channel.
Figura 105 | 72
Estrutura da interface representada pela Figura 104.
16
Introdução
A televisão encontra-se mundialmente em processo de transição de sua tecnologia
analógica de transmissão para a digital sendo que, em muitos países, esta migração já foi
plenamente realizada. No Brasil, espera-se que em poucos anos o sinal digital alcance todas as
residências. Além das imagens e sons em alta definição, um dos principais avanços promovidos
por esta tecnologia é o da transmissão de conteúdo digital interativo por meio do sinal televisivo.
Considerando esta possibilidade, grande parte das emissoras de TV transmitem aplicativos
para serem acessados por meio do aparelho televisor simultaneamente aos seus programas de
conteúdo audiovisual. Desta maneira, configura-se um cenário que aponta para a hibridização
das linguagens televisiva e digital interativa.
Essa condição, além de caracterizar a TV como Digital Interativa (TVDi), instaura um
novo paradigma, no qual a imagem do vídeo televisivo transforma-se em uma interface para
viabilizar as ações do público junto ao conteúdo. Neste momento, o design amplia sua atuação
no meio televisivo para além da computação gráfica, ao ter de estabelecer como o conteúdo
interativo se revelará ao público por meio das interfaces dos aplicativos. Além disso, o design
de interface terá de considerar as linguagens de naturezas distintas envolvidas neste contexto –
audiovisual televisiva e digital interativa – de modo a contemplar suas principais especificidades.
Contudo, no cenário atual percebe-se que os aplicativos mimetizam padrões de design da web,
em um contexto no qual programas televisivos continuam sendo produzidos considerando
apenas as especificidades da televisão não-interativa. Desta maneira, o objetivo desta pesquisa
consiste em realizar uma reflexão acerca do contexto atual do design de interfaces de aplicativos
para a TVDi, de modo a identificar como a integração de recursos do meio digital interativo à
televisão tem impactado na linguagem de sua imagem.
Para tanto, o primeiro capítulo, Hibridismo de linguagens na imagem do vídeo televisivo,
propõe-se a apresentar a linguagem visual do vídeo televisivo em um contexto não-interativo, e
17
como este buscou meios para a hibridização e a heterogeneidade de linguagens ao compor sua
imagem por meio de camadas de elementos visuais de diferentes naturezas. Primeiramente,
por meio dos trabalhos do videasta Jean-Christophe Averty, serão apresentados os caminhos
iniciais que apontaram para a integração de linguagens e procedimentos de naturezas distintas
ao meio televisivo, em um contexto onde as possibilidades de manipulação das imagens eram
limitadas pelo tipo de tecnologia disponível. Depois, já no contexto da tecnologia digital, será
apresentado por meio de séries de TV distintas, como o vídeo televisivo alcançou a hibridização
efetiva de linguagens dada a alta manipulabilidade das imagens digitais.
Em seguida, no capítulo A imagem televisiva no contexto da Televisão Digital Interativa
(TVDi), serão apresentados os aspectos intrínsecos do meio digital interativo que a TVDi
acrescenta à linguagem e ao público televisivos. Neste sentido, os aplicativos existentes nesse
meio serão analisados sob a perspectiva do design de interface, e como os elementos desta nova
camada de linguagem tem se articulado com os elementos do vídeo.
Já no capítulo seguinte, Aspectos do design de interface na coexistência das linguagens
audiovisual e digital interativa, serão apontados os problemas causados pela produção
desintegrada dos conteúdos, tendo em vista que os conteúdos audiovisual e digital interativo
são produzidos de maneira independente um do outro. Por fim, discutir-se-á como o design
de interface tem sido aplicado na TVDi replicando padrões da web, sem considerar as
especificidades do vídeo televisivo.
18
1. HIBRIDISMO DE LINGUAGEnS NA IMAGEM DO VÍDEO
TELEVISIVO
Este capítulo irá abordar a linguagem híbrida intrínseca ao vídeo televisivo e como as
diferentes camadas de elementos provenientes de mídias distintas se articulam na composição
de suas imagens. Esta compreensão se faz necessária uma vez que a Televisão Digital
trouxe ao meio televisivo a possibilidade de transmissão de aplicativos digitais interativos
simultaneamente ao vídeo televisivo. Neste sentido configura-se a integração de dois meios
com linguagens distintas: audiovisual e digital interativa. Partindo dos conceitos defendidos
por autores como Anne-Marie Duguet (1991), Arlindo Machado (1995, 2009, 2011), Lev
Manovich (2001a, 2007a, 2007b, 2007c), Lucia Santaella (1996 e 2007) e Phillippe Dubois
(2004), de que o vídeo televisivo constitui-se como uma mídia fundamentalmente híbrida, que
absorve códigos de diferentes mídias na constituição de sua linguagem, serão identificados
os elementos intrínsecos de sua linguagem visual para que as especificidades de seu modo
expressivo sejam atendidas na integração dos meios audiovisual e digital interativo. Para tanto
serão apresentados os diferentes procedimentos que possibilitam ao vídeo hibridizar imagens
de diferentes naturezas em sua composição. Esta abordagem será dividida em contextos
tecnológicos distintos: o primeiro, na seção 1.1 A linguagem do vídeo e a composição da imagem
em camadas, quando, nas primeiras décadas da televisão, foram desenvolvidos os principais
procedimentos para a mistura de linguagens em um cenário tecnologicamente limitado; e, o
segundo, na seção 1.2 A penetrabilidade da imagem digital na integração de linguagens, quando o
computador permite a criação de imagens videográficas híbridas dada a alta manipulabilidade
da imagem propiciada pela tecnologia digital.
O conceito de que a televisão é uma mídia naturalmente híbrida, reside no fato de que
seus modos expressivos são desenvolvidos a partir da mistura de aspectos de outros meios,
tais como: o cinema, o rádio, o teatro e o circo, bem como das constantes recombinações de
19
seus próprios elementos gerando novos produtos. O termo híbrido1 estabeleceu-se como um
conceito amplo a partir do emprego frequente pela área das ciências biológicas, para definir os
seres vivos gerados a partir do cruzamento inter-racial. O mesmo conceito passou a ser utilizado
por outras áreas do conhecimento, para definir algo ou alguém gerado a partir do cruzamento
ou união, de elementos ou seres de diferentes naturezas, resultando, portanto, em um novo
tipo de ser que carrega características das diferentes entidades que o originaram. No âmbito
dos meios de comunicação, um dos primeiros autores a tratar das hibridizações foi Marshal
McLuhan (1964) em sua obra Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem, na qual ele
define o híbrido como: “o encontro de dois meios [que] constitui um momento de verdade e
revelação, do qual nasce a nova forma” (p. 74). Os casos utilizados por McLuhan (2000) para
exemplificar as hibridizações nos meios de comunicação, culturas e sociedade, restringemse ao cruzamento entre apenas dois agentes. Como o cinema e a literatura, o período pósguerra e a cultura, entre outros. A televisão, no entanto, não consiste em um meio que nasce a
partir da união de apenas duas mídias, ou das tecnologias eletrônica e mecânica, como propõe
McLuhan (2000), mas sim de um processo complexo de hibridismo, no qual ela absorve uma
quantidade significativa de elementos de diferentes meios e os combina de maneira a construir
sua própria linguagem. Em 1964, quando McLuhan (2000) escreveu que a televisão nasceu do
casamento entre a eletrônica e a mecânica, uma linguagem própria deste meio ainda estava em
emergência, assim, compreende-se a perspectiva restritamente tecnológica do autor para tratar
do hibridismo neste meio. Neste período, a televisão operava quase que exclusivamente como
um retransmissor de atrações produzidas dentro das especificidades de outros meios, tais como:
filmes, peças teatrais, espetáculos musicais e de dança, novelas (transmitidas ao vivo), bem como
eventos esportivos e públicos de grande importância. Conforme aponta Delavaud (2005), a
imagem resultante da prática destes tipos de transmissões provocou a investigação acerca de
quais seriam as especificidades da linguagem televisiva, bem como, à produção de programas
que elevassem a televisão de mero veículo transmissor a um meio de criação e expressão tal
qual são o cinema, o rádio e o teatro. Desta forma, ao operar como uma retransmissora de
conteúdos de diferentes naturezas, a televisão passou a absorver códigos destes meios e integrálos às suas especificidades, caracterizando-se como uma mídia fundamentalmente híbrida. Para
Santaella (1996), todas as mídias podem ser determinadas como híbridas, pois suas mensagens
são compostas a partir da mistura de códigos e processos sígnicos pertencentes a diferentes
A raíz etimológica da palavra híbrido está no grego hybris, que originou o termo em latim, hybrida, quando era
utilizado para definir os filhotes do cruzamento entre um javali e um porco, sendo posteriormente adotada em
Roma para definir os filhos gerados entre um indivíduo romano e outro estrangeiro ou escravo. (ZIMERMAN,
2012)
1
20
linguagens, sendo que a televisão é considerada pela autora como “a mais híbrida de todas as
mídias, que absorve e deglute todas as outras” (SANTAELLA, 1996, p.47). É de consenso
entre a maioria dos autores (MACHADO, 2009 e 2011; JOST, 2007; CANNITO, 2010;
MELLO, 2008; PLAZA, 2000; DUGUET, 1991), o entendimento de que a televisão realiza
a conjugação de elementos da maioria dos meios de comunicação e expressão que já existiam
antes dela e prossegue incorporando de outros que tem surgido no decorrer de sua existência.
Do cinema, ela absorve todos os procedimentos de captura de som e imagens em movimento,
inerentes à linguagem audiovisual; do circo, a estética do espetáculo; e assim por diante. Neste
sentido, a televisão incorpora e transforma todas estas características em elementos intrínsecos
à sua constituição, conforme aponta Plaza:
[...] o processo de hibridização nos permite fazer os meios dialogarem. A
combinação de dois ou mais canais a partir de uma matriz de invenção,
ou a montagem de vários meios pode fazer surgir um outro, que é a
soma qualitativa daqueles que o constituem. (2000, p. 65)
Já Machado (2011) entende a televisão e o vídeo como mídias impuras, dada a ampla
variedade de códigos de outros meios que são incorporados e transformados em modos
expressivos próprios:
Esse talvez seja justamente o ponto-chave da questão. O discurso
videográfico é impuro por natureza, ele reprocessa formas de expressão
colocadas em circulação por outros meios atribuindo-lhes novos
valores, e a sua “especificidade”, se houver, está sobretudo na solução
peculiar que ele dá ao problema da síntese de todas essas contribuições
(MACHADO, 2011, p. 174-175).
Neste ponto, vale apontar que, uma vez que o recorte desta pesquisa concentra-se na
linguagem visual do vídeo televisivo, o termo vídeo será utilizado sempre como o produto
transmitido pela televisão, apoiando-se na abordagem de Manovich (2001a) de que a única
justificativa para trata-los como meios distintos reside nos aspectos sociais e econômicos
(audiência, mecanismos de distribuição etc.), pois seus modos expressivos são os mesmos.
Tendo em vista que a linguagem audiovisual tem no cinema a origem de suas principais
técnicas para a composição de imagens em movimento, como: planos, enquadramentos,
movimentos de câmera etc., é natural que a televisão tenha desenvolvido sua linguagem
ao incorporar as mesmas técnicas e ao adequá-las às suas especificidades conforme estas
surgiram. Neste sentido, Delavaud (2005) relata como já na década de 1950, percebeu-se que
21
a televisão demandaria uma mise en scène2 diferente daquelas praticadas na maioria dos filmes
cinematográficos e no teatro, mesmo que o conteúdo transmitido fosse um filme ou uma peça
teatral:
[...] a imagem televisiva exige simplificação e redução de elementos.
Os cenários, bem como os figurinos, devem ser estilizados. Os detalhes,
que formam a riqueza de uma imagem cinematográfica, desaparecem
ou se neutralizam na televisão. Em contrapartida, o produtor de
televisão pode tirar proveito de certos procedimentos do cinema dos
anos vinte que foram esquecidos: o encadeamento de imagens, o
isolamento deliberado de um gesto ou objeto, e, naturalmente, o plano
fechado que, na tela pequena, torna-se uma nova força expressiva
(DELAVAUD, 2005 p. 52)3.
Esse contexto, o qual se buscou no próprio cinema soluções que permitissem a produção
de imagens adequadas à televisão, evidencia a prática televisiva de absorver e rearticular códigos
de outras mídias para formar uma linguagem própria. Ao citar o cinema dos anos de 1920,
Delavaud (2005) está se referindo à estética de filmes das vanguardas russa e francesa,
especialmente de diretores como René Clair, Dziga Vertov e Jean Epstein. No surrealista
francês Entr’acte, de 1924, dirigido por René Clair, por exemplo, a maior parte das sequencias
apresentam imagens enquadradas em planos fechados, em que gestos e objetos são enfatizados
e tomam quase todo o espaço disponível no quadro. Outros exemplos, como The Man With
a Movie Camera, de 1929, dirigido por Dziga Vertov, e Finis Terrae, de 1925, dirigido por
Jean Epstein ilustram como o rosto humano e objetos em detalhe são os principais elementos
enquadrados. Ambos fazem parte do cinema construtivista russo, que tem como um de seus
princípios a recusa à estética da mimese realista conforme aponta Saraiva (2006). Outro anseio
destes cineastas que encontra espaço na televisão é a contaminação das imagens comprometidas
com a representação realista e restrita ao que a câmera pode capturar no mundo físico. Estes
desejos foram expressos no manifesto Cinema Futurista, de 1916. Tal manifesto, norteador
do cinema expressionista russo e surrealista francês, reivindicava a expansão do cinema
enquanto forma de expressão artística, para além das representações figurativas do mundo
(MARINETTI, CORRA, et al., 1973).
Além dos enquadramentos fechados e da simplificação da imagem, a televisão inicia
Mise-en-scène é o termo utilizado para definir todo o conjunto de elementos que compõe uma imagem no meio
audiovisual: luz, decoração, arquitetura, distribuição das figuras e sua organização em cena (MASCARELLO, 2006).
2
Ao apontar o resgate de procedimentos utilizados no cinema da década de 1920, Delavaud (2005) parte
de textos publicados durante a década de 1950, que procuravam encontrar soluções para a composição das
imagens televisivas.
3
22
uma relação próxima com os princípios destas correntes do cinema da década de 1920
a medida em que alguns de seus profissionais passam a desprender-se do que Arlindo
Machado (2009) denomina como estética do ao vivo. Para o autor, o fato de a televisão ter
nascido como um veículo de transmissões diretas (ao vivo) fez com que o desenvolvimento
de seus recursos expressivos fossem pautados nas circunstâncias deste tipo de transmissão.
Desta forma, muitos dos programas pré-gravados, “são produzidos e editados nas mesmas
circunstâncias que os programas ao vivo (portanto, em tempo presente), ou em condições muito
próximas deles” (MACHADO, 2009, p. 126). Estas características inerentes às transmissões
diretas resultaram em uma linguagem predominantemente comprometida com a relação de
verossimilhança entre as imagens televisivas e o que é capturado no mundo físico por meio das
câmeras - objetos, situações e seres vivos. Um padrão de registro mimético, portanto, tal como
ocorre na fotografia e algumas pinturas renascentistas, sem intervenções que contaminem a
imagem e subtraiam dela a ideia de que o conteúdo exibido é “tal como o homem pode vê-lo”
(DUBOIS, 2004, p. 50). Devido ao realismo plástico intrínseco à estética do ao vivo, neste tipo
de imagem a hibridização de linguagens tem dificuldade em alcançar o campo da visualidade.
Outro fator que determina a predominância do mimetismo imagético televisivo reside na
disponibilidade tecnológica para a produção de vídeos que permitam a integração de imagens
originadas em diferentes fontes. Até o barateamento e o desenvolvimento da computação
gráfica e da digitalização das imagens em movimento, o processo para compor imagens em
mais de uma camada de informação era bastante rudimentar e trabalhoso. Somente a partir
de meados dos anos 1990, quando houve uma grande expansão das técnicas digitais, é que
a linguagem visual híbrida videográfica deixou o campo experimental de produtores mais
ousados para se tornar parte do cotidiano dos profissionais de TV. Como resultado desta
mistura de linguagens surge o que Dubois (2004) considera como uma das principais forças
expressivas do vídeo: a mixagem4 de imagens. Para o autor, esta característica genuinamente
videográfica está para o vídeo o que a montagem de planos está para o cinema. Neste sentido, se
com o cinema a linguagem audiovisual desenvolveu a montagem de planos para que diferentes
imagens pudessem compor a mesma obra de maneira sucessiva, com o vídeo desenvolveu-se
a mistura de imagens para possibilitar com que sequências diferentes integrassem o vídeo de
maneira simultânea, ou seja, dividindo o mesmo quadro. Ao promover a mistura de imagens, o
vídeo abriu espaço para que elementos e processos de outras linguagens fossem incorporados à
linguagem visual televisiva permitindo, assim, a hibridização de linguagens também no âmbito
da visualidade, bem como, modos de representação descomprometidos com a estrita relação
de mimese com o mundo físico. Conforme será discutido adiante, estes trabalhos dividem-
4
O termo mixagem origina-se da palavra mix que, em inglês, significa mistura.
23
se em dois períodos distintos: o primeiro, do final da década de 1960 até o meados dos anos
1980, quando as possibilidades de criação e execução eram limitadas pela tecnologia existente
e, o segundo período, a partir de meados dos anos 1990 quando a computação gráfica e a
digitalização das imagens videográficas permitiu um engendramento maior dos elementos de
linguagens distintas.
1.1. A linguagem do vídeo e a composição da imagem em camadas
Muitos dos recursos expressivos do vídeo televisivo foram desenvolvidos antes da
possibilidade de digitalização e manipulação das imagens no computador. Até o final da década
de 1980 o processo de edição de imagens é a chamada Edição Linear. Este sistema possibilita
apenas cortes lineares de sequências. Para combinar imagens provenientes de fontes diferentes,
cada sequência deveria ser cortada e ordenada em uma nova fita eletromagnética. Somente a
partir da década de 1990 é que os softwares e o processo digital chegaram ao vídeo, trazendo
a edição não linear e uma maior manipulabilidade das imagens, conforme será abordado no
capítulo 1.2. A penetrabilidade da imagem digital na integração de linguagens. Além da edição,
a mistura de imagens ao mesmo tempo no quadro também era limitada e condicionada à
disponibilidade de aparelhos específicos para realizar a sobreposição de camadas de imagem.
Neste contexto, os trabalhos que introduziram a mistura de linguagens visuais à TV
estão mais próximos da coexistência do que da hibridização de elementos de linguagens
distintas. Observa-se que duas características são adicionadas ao vídeo nestas circunstâncias: a
composição da imagem em camadas e a divisão do quadro para a presença simultânea de fluxos
diferentes de imagem. Marinetti et. al (1916), preconizam os procedimentos que levariam a
linguagem audiovisual a alcançar a poli-expressividade das imagens em movimento.
Simultaneidade cinemática e interpenetração de diferentes tempos e
lugares. Nós devemos projetar dois ou três episódios visuais ao mesmo
tempo, um próximo do outro; [...] Mostrar janelas de ideias filmadas,
eventos, textos, objetos etc. [...] Equivalências lineares, plásticas,
cromáticas etc. de homens, mulheres, eventos, pensamentos, música,
sentimentos, pesos, cheiros, barulhos (com linhas brancas no preto nós
devemos mostrar o interior, ritmo físico de um marido que descobre o
adultério de sua esposa e persegue o amante – ritmo da alma e ritmo
das pernas). [...] Palavras em liberdade filmadas em movimento (tabelas
sinóticas de valores textuais) – dramatizações de letras humanizadas ou
animadas – dramatizações ortográficos – dramatizações tipográficas
– dramatizações geométricas – sensibilidade numérica etc.).
(MARINETTI, CORRA, et al., 1973)
Nesta relação de técnicas e modos expressivos previstos para as linguagem audiovisual
– restrita ao cinema à época em que os manifestos futuristas foram escritos, nas primeiras
24
décadas do Séc. XX – encontram-se basicamente todos os tipos de contaminações e
interferências estéticas praticados no meio videográfico. A proposta de se ter duas ou mais
sequências diferentes ao mesmo tempo na tela resultou na fragmentação do espaço do quadro,
em que fluxos diferentes de vídeos são exibidos simultaneamente. Já o anseio por ampliar
os modos de representação para além do que é capturado pelas câmeras no mundo físico,
culminou na integração de imagens de fontes e linguagens diversas, como a sobreposição de
elementos gráficos e tipográficos, entre outros, ao fluxo de vídeo. Para se alcançar estes efeitos,
três procedimentos principais são utilizados com frequência, conforme sintetiza Dubois
(2004): a sobreposição de camadas; o jogo de janelas (divisão do quadro); e a incrustação. Tais
procedimentos nem sempre são unívocos pois, conforme será abordado a seguir, em muitos
casos articulam-se para produzir o efeito desejado.
Figura 1
Imagem sem título, do álbum de
Sackville-West, 1867-1973.
Fonte: http://bit.ly/WoCyMh
1.1.1. Sobreposição de elementos e fluxos diferentes: imagem espessa
A sobreposição de camadas consiste em um dos recursos mais antigos utilizados quando
intende-se associar níveis diferentes de informação ao mesmo tempo. No que concerne à
hibridização de linguagens, a sobreposição de imagens permite que cada camada de informação
contribua com o todo ao mesmo tempo em que preserva suas características próprias
(LUPTON e PHILLIPS, 2008). Neste sentido, Santaella (2002) aponta que a superposição de
camadas torna as criações humanas cada vez mais complexas. Nesta sobreposição de elementos
provenientes de fontes diferentes de captação ou criação, a imagem tende a se aproximar do
aspecto de uma colagem. Esta técnica tem sua origem nas chamadas foto-colagens vitorianas
(Figura 1), de meados do Séc. XIX, em que quadros eram compostos a partir da sobreposição
de pedaços de fotografias recortados e colados sobre pinturas (SIEGEL, BELLO, et al., 2009).
Consolida-se, no entanto, com o cubismo (Figura 2), quando Braque e Picasso promoveram
a mistura de materiais heterogêneos em seus quadros, como tecidos, papéis diversos, madeira,
entre outros (MASON, 1998). Mais tarde, a colagem foi amplamente absorvida pelos meios
impressos, sobretudo pelos cartazes, para combinar principalmente fragmentos de textos
impressos sobre recortes de ilustrações e fotografias (Figura 3).
Figura 3
Cartaz La lutte continue,
Jan Van Toorn, 1989.
Fonte: LUPTON e PHILLIPS, 2008, p.128
Figura 2
Femmes a Leur Toilette, Pablo Picasso, 1938.
Fonte: http://bit.ly/VDXOze
O mesmo conceito aparece no vídeo como forma de inserir elementos de linguagens
distintas na mesma sequência. Para Dubois (2004), este tipo de composição evidencia
uma das principais características do meio audiovisual eletrônico que é a oposição à noção
cinematográfica da profundidade de campo. Desta maneira, ao invés de profundidade, dentro
dos conceitos renascentistas de perspectiva e realismo, a imagem adquire espessura ao ser
composta por camadas. Além disso, a imagem perde a homogeneidade de linguagem e as
camadas compostas por elementos de diferentes naturezas articulam-se formando um todo
heterogêneo (DUBOIS, 2004), como é possível observar nos trabalhos do videasta JeanChristophe Averty. Nas obras Ubu Enchaîné, de 1971, Impressions D’Afrique, de 1977, e
25
Ubu Roi ou Les Polonais, de 1965, ele trabalha com as imagens do vídeo como se cada sequência
fosse o suporte para compor uma colagem, sobrepondo recortes de imagens em movimento,
fotografias, tipografias e outros elementos gráficos (Figuras 4, 5, 6 e 7). Conforme aponta
Duguet (1991), nestes trabalhos para a televisão, a colagem consiste em “um instrumento
privilegiado de rompimento com o realismo. Feitas por todos os pedaços, as imagens são o
próprio sistema de organização” (p. 62).
Na Figura 6, duas camadas de imagens diferentes compõem a sequência: na camada
mais baixa, uma imagem pictórica, capturada pela câmera e, na camada superior, um grafismo
animado sobrepondo determinados espaços da superfície anterior e revelando outros. Já na
Figura 7 quatro camadas de imagens diferentes compõem a sequência: na camada mais baixa,
a figura de uma mulher, capturada pela câmera se afasta, atravessando um portal, representado
por meio de ilustração em uma camada acima. Já na terceira camada, está o desenho de uma
caveira que sobrepõe parte do elemento da camada dois. Por último, na quarta camada, um
balão de diálogo e a tipografia materializando as palavras ditas pelo personagem da caveira.
Figura 5
Impressions d’Afrique, 1977
Fonte:. DUGUET, 1991, p.117
Além da heterogeneidade visual promovida pelos elementos de diferentes naturezas,
nestes tipos de composição ocorre também o processo de hibridização de modos expressivos
provenientes de outros meios como é possível observar na Figura 7, com a apropriação do
balão de diálogo, proveniente do meio das histórias em quadrinhos. No padrão das HQs, o
contorno serrilhado indica ao leitor que as palavras estão sendo ditas em um sussurro, tal qual
nesta sequência, em que as palavras Jamais Mere Ubu! (Nunca, Mãe Ubu!) são sussurradas pela
caveira quando a Mãe Ubu se afasta.
Figura 6
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty,
21-09-1965
Fonte: Radio et Télévision Française
Figura 4
Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971
Fonte: INA France http://bit.ly/XGNil8
Figura 7
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty,
21-09-1965
Fonte: Radio et Télévision Française
26
O mesmo recurso é utilizado em outro momento quando, para representar uma briga,
onomatopeias de socos e tiros são inseridas sobre a pintura de uma batalha ao mesmo tempo
em que uma sequência de dois personagens duelando transcorre na camada superior (Figura
8). Nesta representação, o cenário de uma batalha composto por atores e objetos de guerra,
foi substituído pela ilustração. Da mesma maneira que em outra sequência, a ilustração de
um castelo é utilizada como plano de fundo sob a camada de dois atores conversando para
indicar que a situação ocorre em um castelo (Figura 9). Nesta imagem observa-se também
uma introdução à integração de imagens de diferentes meios, no caso a fotografia ao vídeo.
Contudo, estas linguagens não estão plenamente integradas. Elas coexistem no mesmo quadro
e se articulam para gerar o significado de cada situação, neste caso a fotografia cumprindo a
função de cenário para ambientar a sequência no castelo do rei.
Figura 10
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Fonte: Radio et Télévision Française
A ruptura com os princípios clássicos de representação realista, como as apresentadas
até o momento, cede espaço para que muitos dos componentes clássicos de uma sequência
Figura 11
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Fonte: Radio et Télévision Française
Figura 12
Melody, Jean-Christophe Averty, 1971
Fonte: http://vimeo.com/30678737
Figura 8
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty,
21-09-1965
Fonte: Radio et Télévision Française
videográfica, sejam substituídos por camadas de imagem de diferentes naturezas. Assim como
ocorre com a cenografia nos exemplos anteriores (Figuras 8 e 9), quando ao invés de se construir
um cenário de castelo ou capturar imagens de um já edificado, optou-se por representa-lo por
meio de uma ilustração. As palavras também deixam de estar restritas ao som da fala dos
personagens para se materializarem por meio da inserção de camadas tipográficas à imagem
videográfica.
Uma das maneiras de inserir uma camada tipográfica ao vídeo era por meio do Gerador
de Caracteres5 que, segundo Machado (2011) permitiu que os textos participassem da imagem
como elementos plásticos ao mesmo tempo em que ainda gozavam de suas propriedades
verbais. Outra maneira de inserir textos, era produzindo-os como se fossem ilustrações e
trata-los como mais uma camada de imagem, da mesma maneira que era feito com outros
elementos, como nas imagens acima (Figuras 10, 11 e 12).
Figura 9
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty,
21-09-1965
Fonte: Radio et Télévision Française
Equipamento que gera eletronicamente no vídeo, letras, números e símbolos gráficos de vários tamanhos,
formatos e cores. (PIZZOTTI, 2003, p.134)
5
27
Por fim, uma das principais questões envolvidas no procedimento de sobreposição de
camadas está relacionada à visibilidade dos elementos que compõem a imagem e como esta
fica condicionada aos níveis de transparência em cada camada envolvida na composição.
Quanto menor o nível de opacidade de uma camada, maior será a visibilidade daquela que
está abaixo dela. Nas imagens anteriores, as camadas são 100% opacas, ou seja, cada elemento
cobre totalmente a área justaposta abaixo dele. Como se tratam de recortes e camadas com
espaços vazados (100% transparentes), é possível visualizar partes de cada uma das camadas
que compõem a imagem. Conforme apontam Lupton e Phillips (2008, p. 148), “transparência
e camadas, são fenômenos correlatos.” Neste sentido, sempre que houver a sobreposição de
camadas, a questão envolvendo os níveis de transparência e opacidade estará envolvida. Para
Dubois (2004) a sobreposição de camadas promove o efeito de transparência relativa, no qual
“cada imagem sobreposta é como uma superfície translúcida através da qual podemos perceber
outra imagem” (p.78). Além da percepção simultânea de todas as camadas, quando imagens
são mescladas por meio da transparência, a mistura de seus elementos altera seus atributos
encaminhando para a transformação de duas entidades distintas em uma nova. Aspectos como
cores, formas e texturas, fundem-se e seus valores somam-se gerando novos. Na Figura 13,
as camadas se misturam de tal forma que a distinção entre os elementos sobrepostos é quase
impossível . Já na Figura 14 as camadas de imagens não perdem suas formas, mas a cor de cada
uma altera-se quando se mescla com outra camada.
Figura 13
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Fonte: Radio et Télévision Française
1.1.2. A fragmentação da tela: janelas de fluxos distintos de imagem
Outra possibilidade para a simultaneidade de imagens diferentes na tela, é a divisão do
espaço do quadro em duas ou mais partes para destinar cada espaço a um fluxo diferente. Dubois
(2004), adotando o mesmo termo proposto pelos futuristas (MARINETTI, CORRA, et al.,
1973), denomina este procedimento como janelas de vídeo. Estes módulos de vídeo podem
estar dispostos tanto em uma relação de proximidade espacial como de sobreposição. Para
Dubois (2004), as janelas se diferenciam das camadas por promoverem mais a fragmentação
do que a fusão de imagens. No entanto, sobretudo no âmbito da mistura de linguagens que lida
quase sempre com a sobreposição de camadas de imagens, estes procedimentos combinam-se.
A modularização do espaço, conforme indicam Lupton e Phillips (2008), remete à organização
e à restrição bem definida do espaço. A fragmentação decompõe os elementos da imagem “em
partes separadas, que se relacionam entre si mas conservam seu caráter individual” (DANDI,
1997, p. 145). Neste sentido, a janela de vídeo relaciona-se mais à coexistência de linguagens
Figura 14
Melody, Jean-Christophe Averty, 1971
Fonte: http://vimeo.com/30678737
28
do que à hibridização, uma vez que as limitações impostas pelo contorno da forma que delimita
o espaço não permitem uma total integração dos elementos na imagem. A complexidade da
imagem irá variar de acordo com a quantidade de janelas e as formas escolhidas para delimitar
seu espaço. Nas imagens a seguir (Figuras 15, 16 e 17) por exemplo, há uma composição
simples de janelas.
Em todos os casos, os módulos retangulares acomodam diferentes fluxos de imagens
Figura 15
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Fonte: Radio et Télévision Française
de maneira organizada e obedecendo a uma grade de organização do espaço. Mesmo na
Figura 16, em que outros elementos estão dispostos na imagem sem estarem delimitados
por uma janela. Este tipo de organização, indica uma relação muito próxima com a maneira
como os elementos são diagramados nos meios impressos. No caso dos trabalhos de JeanChristophe Averty, é interessante notar como ele próprio indicava o hibridismo em suas obras
ao chamar suas composições de mise en page (leiout em francês) no lugar de mise en scène, em
uma referência clara à maneira como os elementos são diagramados nos meios impressos
(AVERTY apud. SICLIER, 1976). Desta maneira, este tipo de trabalho indica uma integração
entre elementos e procedimentos televisivos aos do meio impresso e das artes plásticas sem,
contudo, descaracterizar a obra enquanto um objeto do meio audiovisual. Esta característica
se evidencia em diversas composições de Averty, em que os elementos são dispostos como se
obedecessem à uma grade geométrica (Figura 18) da mesma maneira que os elementos são
diagramados para os meios impressos.
Vale apontar que, embora na maioria das vezes as janelas de vídeo sejam retangulares,
em muitos momentos este recurso é utilizado para inserir um fluxo de vídeo dentro de uma
forma de maior complexidade, como por exemplo, para materializar o pensamento de um
personagem na tela simultaneamente a outros elementos (Figura 19). Neste caso, o fluxo de
imagens que transcorre na área em forma de balão de HQ, acrescenta à imagem o aspecto de
colagem mais do que de modularização do espaço.
Figura 18
Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty, 02/10/1971
Fonte: INA France http://bit.ly/XGNil8
Figura 16
Ubu Roi, Jean-Christophe Averty, 21-09-1965
Fonte: Radio et Télévision Française
Figura 17
Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty,
02/10/1971
Fonte: INA France http://bit.ly/XGNil8
Figura 19
Montand Chante, Jean-Christophe Averty, 1968
Fonte: DUGUET, 1999, p.64
29
1.1.3. Incrustação: hibridização de imagens e linguagens
Dos três procedimentos para a mescla de imagens, a incrustação é provavelmente aquele
que possibilita os maiores níveis de hibridização entre as diferentes linguagens. Existem
diversos procedimentos para realizar a incrustação de imagens, mas o mais conhecido é o
chroma key, que consiste em substituir uma área preenchida uniformemente com uma cor (azul
ou verde na maioria dos casos) por outra imagem. Conforme explica Arlindo Machado:
O efeito gerado pelo dispositivo chroma-key baseia-se no fato de que,
em vídeo, os contornos ou linhas de demarcação entre as figuras se
definem segundo as variações dos sinais de luminância e crominância.
Assim, ao copiar ou lançar ao ar uma imagem, é possível suprimir
eletronicamente um dos componentes cromáticos e substituir o
espaço que ele ocupa por fragmentos de uma segunda imagem
mixada à primeira: esta segunda imagem só será reproduzida nos
espaços correspondentes à cor suprimida da primeira. (1995, p. 127)
A incrustação oferece precisão ao vídeo para combinar camadas de linguagens distintas
resultando em uma integração efetiva entre os diferentes elementos. A principal diferença
é que, enquanto na sobreposição de camadas e nas janelas de vídeo a substituição de um
cenário por uma ilustração exige que a sequência de personagens seja delimitada por uma
área geométrica fixa na tela, na incrustação é possível quebrar as delimitações de espaço entre
imagens distintas, conforme nota-se na Figura 20, em que o personagem andando de bicicleta
foi capturado pela câmera e o cenário é uma ilustração, ou na Figura 21, em que a personagem
e o cenário seguem o mesmo padrão: imagem capturada integrada à ilustração.
Para Dubois (2004), o principal aspecto da incrustação está justamente na autonomia
que ela oferece à própria imagem para a integração dos elementos e fluxos de vídeo
distintos. Pois, da mesma maneira que é possível capturar imagens em movimento sobre
um fundo de cor chapada para incrustar ali uma ilustração ou qualquer outro tipo de
imagem posteriormente, é possível também pintar uma área em movimento, como um
braço de um personagem, por exemplo, para que ali uma imagem de qualquer natureza seja
integrada depois. Neste sentido, a incrustação oferece maior liberdade de criação e mais
alternativas de integração entre as diferentes linguagens. Para Machado (1995) as técnicas
de incrustação permitem a sintetização de qualquer componente de uma imagem. Sendo
assim, um rosto humano, por exemplo, pode ser composto por uma boca de uma origem, um
nariz de outra, os olhos de outra e assim sucessivamente. Conforme aponta Dubois (2004,
p. 83) esta “figura da linguagem videográfica é a que melhor consegue se equilibrar entre
o tecnológico e o real, entre a dimensão maquínica e a humana”. Sobretudo na integração
entre cenários artificiais e imagens pictóricas, a incrustação é provavelmente o principal
recurso de libertação da linguagem televisiva de seu comprometimento com a imagem pura
do registro mimético do mundo físico. Em contrapartida, conforme será abordado na seção
Figura 20
Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty,
02/10/1971
Fonte: INA France http://bit.ly/XGNil8
Figura 21
Ubu Enchaîné, Jean-Christophe Averty,
02/10/1971
Fonte: INA France http://bit.ly/XGNil8
30
1.2. A penetrabilidade da imagem digital na integração de linguagens, esta técnica foi apropriada
pelos meios audiovisuais também quando o propósito é a homogeneidade de linguagens e a
relação de verossimilhança entre a imagem do vídeo e o mundo físico. Ou seja, justamente o
contrário da mescla de imagens e hibridização de linguagens.
1.2. A penetrabilidade da imagem digital na integração de
linguagens
Com a chegada dos softwares de edição de vídeo no início da década de 1990, as imagens
videográficas entraram em uma nova fase do processo de hibridização de linguagens. No
meio digital, a manipulação de imagens avança de um contexto em que as possibilidades
são limitadas pelos processos mecânicos e artesanais, para o amplo controle sobre todos os
elementos que a constituem. Conforme aponta Couchot (1987), todos os tipos de imagem
ao serem convertidos ou criados no formato digital (numérico) permitem que toda sorte de
alterações sejam realizadas em sua matriz, bem como a integração e a metamorfose entre
imagens de diferentes naturezas. Cada pixel6 que constitui uma imagem é “localizável,
controlável, modificável” (COUCHOT, 1987, p. 89), fazendo da imagem digital uma matriz
penetrável e metamorfoseável. Esta penetrabilidade da imagem digital permitiu ao vídeo
televisivo alcançar o ponto-de-equilíbrio entre o seu modo mimético de representar o mundo
e os modos expressivos de outras linguagens. Além disso, conforme aponta Manovich (2007a)
o computador tem o poder de simular todas as mídias, não apenas em sua aparência como
também em seus processos e técnicas. Neste sentido, para alcançar uma linguagem híbrida, o
vídeo não precisa ser composto por camadas de imagens provenientes de diferentes mídias,
ele pode ser integralmente produzido no computador. As relações entre as camadas de
diferentes linguagens ampliaram-se e grande parte das imagens em movimento tornaram-se
híbridas tendo em vista que todos os tipos de mídias visuais existentes podem ser combinadas
(MANOVICH, 2007b).
Cabe aqui um parêntese. Os procedimentos apresentados até o momento não são
utilizados com o único propósito de promover a mistura de imagens em uma linguagem
visual híbrida. Grande parte das imagens transmitidas pela televisão são o resultado da
mistura de elementos e técnicas pertencentes a mídias de diferentes naturezas, e todos estes
procedimentos podem ser utilizados como forma de obter tanto imagens de linguagem visual
híbrida como homogênea. A incrustação, por exemplo, nem sempre é utilizada para obter uma
imagem visualmente híbrida. Ao contrário, na maioria das vezes este procedimento é adotado
Abreviação de picture cell. A menor unidade constitutiva da imagem de um monitor. O número de pixels
determina o grau de nitidez da imagem (PIZZOTTI, 2003, p. 202).
6
31
para acrescentar ainda mais realismo e homogeneidade de linguagens à imagem. Como, por
exemplo, em uma sequência na qual cenário e atores foram capturados em momentos distintos
para serem fundidos na mesma imagem posteriormente por meio da incrustação. Mesmo
que o cenário não seja capturado pelas lentes de uma câmera diretamente no mundo físico,
mas sim gerado no computador, as camadas de diferentes mídias não são, ou ao menos não
intendem ser, identificáveis aos olhos do público. Neste sentido, a hibridização ocorre apenas
no âmbito da técnica e não da linguagem visual, como é possível perceber nas imagens a seguir
(Figuras 22 e 23).
Figura 22
Captação de personagens em studio, com fundo verde no qual
serão incrustadas as imagens do ambiente onde se passa uma
sequência da série 24 Horas.
Fonte: www.stargatestudios.net/Virtual-Backlot
Figura 23
Imagem dos atores na escada capturada em estúdio
unida à imagem com o restante do cenário.
Fonte: Day 7: 5:00 PM – 6:00 PM, 24, FOX, 23-02-2009.
32
Desta maneira, tendo em vista que esta pesquisa aborda o hibridismo presente na
linguagem visual e não especificamente das tecnologias, a hibridização e a constituição de
camadas será tratada no âmbito de seu impacto na linguagem visual do vídeo televisivo.
Dado ao poder do computador, de sintetizar todas as mídias, é comum reduzir qualquer
interferência à imagem videográfica ao grafismo televisual que, conforme Arlindo Machado,
pode ser definido como: “design gráfico, lettering, logotipos [...] e toda a sorte de elementos
visuais que se sobrepõe às imagens figurativas capturadas pelas câmeras”(2009, p. 199). Manovich
(2007b) apresenta a mesma definição, mas utiliza o termo motion graphics (grafismo animado)
no lugar de grafismo televisual (television graphics) e os define como: “todas as sequencias de
imagens em movimento que são dominadas por tipografia e/ou design embutidos em amplas
maneiras” (p.128). No entanto, o que é preciso observar são os elementos que cada tipo de
grafismo acrescenta às imagens capturadas pelas câmeras - ou sintetizadas pelo computador
em uma relação de verossimilhança com o mundo físico. Bem como, o procedimento utilizado
para que as imagens destes grafismos mesclem-se ao fluxo principal de vídeo. Há momentos
em que formam uma camada distinta de imagem (Figura 24), aproximando-se mais da
coexistência de linguagens do que do hibridismo e, outros momentos, em que penetram o
todo de tal forma que se tornam indissociáveis da imagem (Figura 25).
Figura 24
Sequência do episódio Senhora.
Fonte: Tudo o que é sólido pode
derreter | 1ª Temporada | DVD 2
Na Figura 24, a ilustração da nota de dote e moedas distingue-se do fluxo principal
de vídeo pois apresenta uma linguagem distinta do registro das imagens capturadas pelas
câmeras. Embora seja definida tecnicamente como grafismo televisual ou motion graphic, em
termos de linguagem visual, ela reproduz os aspectos de uma nota impressa em papel e moedas
de dinheiro. Neste sentido, associa-se ao aspecto de colagem que a sobreposição de camadas de
mídias diferentes introduziu ao vídeo. O mesmo não ocorre na Figura 25, umas vez que nela
a camada tipográfica integrou-se à imagem figurativa aderindo o mesmo aspecto da superfície
abaixo dela. No contexto como foi inserida, ela pode ser identificada tanto como legenda
de localização, como se passar pela placa/letreiro do edifício abaixo dela. Além disso, este
exemplo ilustra como a imagem numérica permitiu que as diferentes camadas de linguagens
não tenham que necessariamente subtrair do vídeo a noção de profundidade, como ocorre no
contexto da edição linear. No computador, a profundidade de campo e a tridimensionalidade
podem ser simuladas tal qual ocorre nas imagens capturadas pelas câmeras.
Ainda no contexto introduzido pela Figura 25, vale apontar também como a integração
de elementos tipográficos ao vídeo ampliou-se e permitiu que até mesmo as tradicionais
legendas indicando a localidade das ações em uma narrativa integrem efetivamente o conteúdo
do vídeo. Convencionalmente este tipo de legenda limita-se à ocupar um pequeno espaço na
área inferior do quadro e fica visualmente segregada do restante das imagens para a rápida e
fácil leitura.
Figura 25
Sequência do episódio Piloto de Fringe
Fonte: FOX, 09-09-2008
33
Na série The X Files (1993 - 2002), por exemplo, a informação referente às diferentes
localidades de cada sequência eram indicadas por meio de uma camada de tipografia sobre o
fluxo principal de imagens (Figuras 26 e 27).
Figura 26
Tipografia em 1993
Fonte: Pilot, The X Files | 1ª Temporada | DVD 1
Figura 27
Tipografia em 2002
Fonte: The Truth, The X Files | 9ª Temporada | DVD 5
34
Já na série Fringe (2008 - 2012), as legendas foram transformadas em componentes
do próprio cenário (Figuras 28 à 35). Elas são identificáveis enquanto texto para indicar a
localização ao mesmo tempo em que integram-se ao restante do cenário, como se fossem mais
um entre os objetos do mundo físico que compõem as sequências.
Figura 31
Fonte: FOX, 09-09-2008
Figura 28
Sequência do episódio
Piloto de Fringe
Fonte: FOX, 09-09-2008
Figura 32
Fonte: FOX, 09-09-2008
Figura 29
Fonte: FOX, 09-09-2008
Figura 30
Fonte: FOX, 09-09-2008
Figura 33
Fonte: FOX, 09-09-2008
35
Figura 34
Sequência do episódio Piloto de Fringe
Fonte: FOX, 09-09-2008
Figura 35
Fonte: FOX, 09-09-2008
Conforme aponta Manovich (2007c), a manipulabilidade de qualquer parte da imagem,
conferida ao designer pela imagem digital, lhe oferece “fluidez e versatilidade não disponíveis
anteriormente. Assim, sua conexão com o mundo físico é ambígua ao máximo.” (p. 10). Este
controle sobre a imagem é fundamental para a integração de linguagens ao se considerar que,
no vídeo as imagens tendem a estar em movimento e a inserção de grafismos precisa estar bem
articulada com a composição dos elementos da cena. Neste sentido, são poucos os programas que
conseguem manter uma estrutura na qual grafismos e outros elementos sejam incorporados às
imagens capturadas de forma a manter ambos em movimento e sincronizados. Especialmente
em conteúdos dramáticos nos quais o conteúdo principal geralmente está concentrado na
ação dos atores. No entanto, em alguns casos, é possível adicionar camadas de imagens em
36
movimento de linguagens diferentes sobre outra camada de imagem em movimento sem,
contudo, romper com o padrão de composição das imagens capturadas pelas câmeras em uma
mise en scène clássica.
Na sequência a seguir, por exemplo, (Figura 36 à Figura 38) o grafismo chega a sobrepor um
dos elementos importantes da cena, no caso a personagem da garota. Neste caso, a importância
da menina na cena é minimizada pelas informações a respeito da obra Os Lusíadas, que estão
sendo narradas enquanto surgem o grafismo e o personagem de Luís Vaz de Camões de costas.
Assim, é possível concluir que a sobreposição foi intencional com o propósito de trazer a
atenção do público para um elemento de maior relevância naquele momento do que a imagem
da personagem se afastando da câmera. Além das questões relativas ao posicionamento dos
elementos na cena, há de se considerar também a articulação entre os grafismos e outros
componentes visuais como formas, tonalidade e cores, bem como, tudo o que envolve o contexto
do que está sendo apresentado pelo vídeo. Em outras palavras, a identidade visual proposta
para os grafismos costuma estar coerente com a proposta do vídeo e com os componentes
adotados na cena. Nestas imagens, o grafismo do mapa em papel envelhecido, remetendo aos
mapas de navegação antigos, está coeso com a direção de arte adotada para o personagem, que
aparece à direita da imagem, vestido com roupas de época.
Assim, ao invés de ser tratado como uma sequência de quadros dispostos no
tempo, uma “imagem em movimento” é agora pensada como uma composição
bidimensional que consiste em um número de objetos que podem ser manipulados
independentemente. (MANOVICH, 2007b, p. 128)
Figura 37
Sequência de Os Lusíadas
Fonte: Tudo o que é sólido pode derreter
1ª Temporada | DVD 1
Figura 36
Sequência de Os Lusíadas
Fonte: Tudo o que é sólido pode derreter
1ª Temporada | DVD 1
Figura 38
Sequência de Os Lusíadas
Fonte: Tudo o que é sólido pode derreter | 1ª Temporada | DVD 1
37
Assim como a figura do mapa no exemplo anterior complementou as informações
que estavam sendo narradas na voz do personagem, muitas vezes a inserção de grafismos é
a solução para materializar informações que, de outra forma, estariam restritas à descrição
textual sobre o fluxo de vídeo ou em áudio na fala de um personagem. Nas duas sequencias
a seguir (Figura 39 à Figura 46 e Figura 47 à Figura 52), da série NUMB3RS (CBS, 20052010), as imagens capturadas pelas câmeras recebem a interferência de elementos de outra
linguagem e transformam-se nos grafismos que são adicionados à imagem, primeiro como
sobreposição e que, aos poucos, alteram os níveis de transparência de cada uma das camadas
até que ambas as linguagens misturem-se completamente. A diferença deste caso para os
exemplos anteriores apresentados na seção 1.1. A linguagem do vídeo e a composição da imagem
em camadas é que agora a imagem sobreposta penetra a imagem da camada de vídeo corrente.
Neste processo as imagens de linguagens diferentes coexistem em um primeiro momento por
meio da sobreposição de camadas para, em seguida, integrarem-se e metamorfosearem-se uma
na outra.
Figura 41
Gota d’água em Plano Detalhe em
zoom amplificado. Números sobrepondo
ao lado esquerdo.
Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS
Television Network, 23-01-2005
Figura 42
Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS
Television Network, 23-01-2005
Figura 39
Sequência do espisódio Pilot,
Numb3ers. Irrigador no jardim
espalhando gotas para todos os lados.
Fonte: CBS Television Network,
23-01-2005
Figura 43
As gotas se transformam em grafismos...
Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS
Television Network, 23-01-2005
Figura 40
Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS
Television Network, 23-01-2005
Figura 44
...e fórmulas matemáticas
Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS
Television Network, 23-01-2005
38
Figura 45
Números retornando ao irrigador como
se fossem gotas d’água
Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS
Television Network, 23-01-2005
Figura 46
Fonte: Pilot, Numb3ers, CBS
Television Network, 23-01-2005
Figura 49
Fonte: Vector, Numb3ers, CBS
Television Network, 04-02-2005
Figura 50
Fonte: Vector, Numb3ers, CBS
Television Network, 04-02-2005
Figura 47
Sequência do espisódio Vector,
Numb3ers. Personagem desenha no
quadro. As formas desenhadas por
ele se transformam em grafismos e
as imagens captadas mesclam-se aos
desenhos.
Fonte: CBS Television Network,
04-02-2005
Figura 48
Fonte: Vector, Numb3ers, CBS
Television Network, 04-02-2005
Figura 51
Fonte: Vector, Numb3ers, CBS
Television Network, 04-02-2005
Figura 52
Fonte: Vector, Numb3ers, CBS
Television Network, 04-02-2005
39
Na sequência anterior (Figura 47 à Figura 52), além da interferência de linguagem, o vídeo
também apresenta ao mesmo tempo fluxos de imagens capturadas em diferentes momentos.
Na Figura 49, o fluxo de vídeo com o personagem principal, em um procedimento similar
ao das janelas de vídeo, aparece no lado direito do quadro sobreposto ao fluxo de imagens
que demonstram o que está sendo dito por ele. Embora atualmente as janelas de vídeo sejam
utilizadas mais comumente nos telejornais para mostrar imagens de diferentes localidades ao
mesmo tempo - de um repórter em estúdio e de outro na rua, entre outras aplicações - do que
na mistura de linguagens, por vezes o mesmo procedimento é adotado com o propósito de se
misturar linguagens. Como ocorre em uma sequência da abertura do seriado Everybody Hates
Chris (CW, 2005-2009), quando dois fluxos de vídeo são exibidos simultaneamente como
forma de materializar o pensamento do personagem (Figura 53). De maneira muito similar
à exibida anteriormente nos trabalhos de Jean-Christophe Averty, um elemento típico das
histórias em quadrinhos é apropriado pelo vídeo como modo expressivo.
Para Manovich (2007c), essa mistura de linguagens tão intensamente imbricadas coloca
vídeo televisivo em um estado de remixagem profunda. O autor faz um paralelo com o conceito
de remix, que consiste em combinar elementos de uma mesma mídia ou mídias distintas, como
ocorre, por exemplo, em faixas musicais que combinam elementos de músicas de diferentes
artistas. No entanto, a hibridização de linguagens nestes vídeos vai além da combinação de
elementos e amplia-se para as técnicas e modos expressivos de diferentes linguagens atingindo,
assim, uma remixagem profunda.
Figura 53
Sequência de abertura da 4a temporada da série Everybody Hates Chris.
Fonte: The CW Television Network, 2008-2009.
40
Outro aspecto que a composição do vídeo em camadas ganha com a manipulação digital
das imagens é a de atuar também como recurso imersivo e de transição entre as diferentes
camadas de linguagens sobrepostas. Na abertura da série Carnivàle (HBO, 2003-2005), por
exemplo, as ilustrações impressas em cartas de tarô transformam-se em imagens de múltiplas
camadas (Figura 54 à Figura 62). A câmera mergulha nas ilustrações das cartas e aos pouco, a
ilustração bidimensional impressa divide-se em camadas, e vai passando por todos os níveis até
chegar ao último nível em que um fluxo de imagens capturadas transcorre. O mesmo ocorre
depois em um movimento reverso.
Figura 55
Fonte: Carnivàle,
HBO, 2003-2005
Figura 56
Fonte: Carnivàle,
HBO, 2003-2005
Figura 54
Sequência de abertura da série Carnivàle
Fonte: HBO, 2003-2005
Figura 57
Fonte: Carnivàle,
HBO, 2003-2005
41
Figura 58
Fonte: Carnivàle, HBO, 2003-2005
Figura 59
Fonte: Carnivàle, HBO, 2003-2005
Figura 60
Fonte: Carnivàle, HBO, 2003-2005
Figura 61
Fonte: Carnivàle, HBO, 2003-2005
Figura 62
Fonte: Carnivàle, HBO, 2003-2005
42
Diferentemente dos casos abordados anteriormente em que as camadas sobrepostas
resultam em um aspecto de colagem, neste tipo de composição o aprofundamento nas
diferentes camadas promove a metamorfose de uma linguagem para a outra. O mesmo tipo de
transformação gradual da imagem ocorre quando camadas misturam-se alternando seus níveis
de transparência. A precisão de justaposição e sincronia entre as diferentes camadas e fluxos de
imagem que o computador oferece, permite que a hibridização ocorra, onde os limites entre as
diferentes linguagens deixam de existir. Na abertura da mini-série The Pacific (HBO, 2010), por
exemplo, imagens de soldados em guerra capturadas no mundo físico misturam-se aos desenhos
em carvão das mesmas situações (Figuras 63 à 74). A integração entre as duas camadas de
linguagens distintas é tamanha que em muitas das sequencias não é possível distinguir o que é
imagem capturada do que é imagem desenhada. Ainda na mesma sequência, pedaços de carvão,
que se espalham pelo papel no ato do desenho, transformam-se em estilhaços das bombas que
explodem nas imagens capturadas.
Figura 66
Fonte: The Pacific, HBO, 2010
Figura 63
Sequência de abertura da mini-série
The Pacific.
Fonte: HBO, 2010
Figura 67
Fonte: The Pacific, HBO, 2010
Figura 64
Fonte: The Pacific, HBO, 2010
Figura 68
Fonte: The Pacific, HBO, 2010
Figura 65
Fonte: The Pacific, HBO, 2010
Figura 69
Fonte: The Pacific, HBO, 2010
43
Figura 70
Fonte: The Pacific, HBO, 2010
Figura 72
Fonte: The Pacific, HBO, 2010
Figura 71
Fonte: The Pacific, HBO, 2010
44
Figura 73
Fonte: The Pacific, HBO, 2010
Figura 74
Fonte: The Pacific, HBO, 2010
A partir do que foi exposto até o momento, fica evidente a complexidade do processo que
resulta nas imagens que podem ser vistas por meio da televisão. Em síntese, conforme atesta
Santaella (2002), nenhuma matriz de linguagem é pura, sobretudo a visual. Em se tratando
especificamente da linguagem visual televisiva, além de pressupor todos os componentes do
âmbito audiovisual inerentes à sua natureza, esta ainda carrega, imbricado em sua estrutura, o
resultado da interação com outras linguagens, muitas vezes de naturezas distintas. Contudo,
esta análise ainda não contempla todas camadas de linguagem que podem estar envolvidas
na composição da imagem televisiva, visto que os programas por ora analisados não adotam
qualquer recurso de interatividade digital integrado ao fluxo de vídeo transmitido pela emissora.
Tendo em vista que o objetivo desta pesquisa é realizar uma reflexão acerca do contexto atual
do design de interfaces de aplicativos para a TVDi, no capítulo seguinte, serão analisados os
programas que são transmitidos juntamente a um aplicativo. Serão identificados quais soluções
projetuais de design de interface vem sendo adotadas e se estas dialogam com a linguagem
visual do vídeo televisivo, bem como, a maneira como a integração de recursos do meio digital
interativo à televisão tem impactado nas especificidades da linguagem audiovisual televisiva.
45
2. A IMAGEM TELEVISIVA NO CONTEXTO DA TELEVISÃO DIGITAL
INTERATIVA (TVDi)
No capítulo anterior, foram apresentados os tipos de articulações entre camadas de
linguagens distintas para a formação de imagens híbridas no processo de constituição do vídeo
na televisão. Neste cenário, considerou-se como a visualidade das imagens capturadas pelas
câmeras no mundo físico pode se integrar a elementos visuais de outros modos expressivos
durante o processo de edição do vídeo. O recorte realizado neste contexto contemplou
especificamente as imagens em movimento transmitidas pela televisão no âmbito da linguagem
audiovisual, ou seja, o vídeo televisivo. No entanto, com o avanço das tecnologias digitais de
transmissão do sinal de TV, desenvolveu-se a possibilidade do envio de mais um fluxo de
conteúdo, simultâneo ao vídeo: os aplicativos de TVDi (Televisão Digital Interativa). Para
compreender as transformações que este novo contexto traz à imagem televisiva, na seção
2.1 TVDi e a transposição da linguagem digital interativa à TV serão apresentados os aspectos
da linguagem digital na estruturação de seu conteúdo e em sua relação com o público. Em
seguida, na seção 2.2 Design de interface na TVDi, os aplicativos existentes nesse meio serão
analisados sob a perspectiva do design de interface, e como os elementos desta nova camada
de linguagem tem se articulado com os elementos do vídeo.
2.1. TVDi e a transposição da linguagem digital interativa à TV
A televisão encontra-se mundialmente em processo de transição de sua tecnologia
analógica de transmissão para a digital sendo que, em alguns países, o sinal analógico já foi
desligado (SQUIRRA, 2009). No que diz respeito à estética do vídeo, o primeiro impacto que
esta mudança provoca é na qualidade de som e imagem recebidos pelo público. No padrão
analógico de transmissão, mesmo quando um vídeo é capturado e editado digitalmente e em
alta definição, ele é convertido para o valor máximo de resolução que a televisão analógica
46
consegue transmitir, entre 525 e 625 linhas (BECKER e SQUIRRA, 2009). Já no padrão
digital os dados transmitidos podem ser processados por computador e sua resolução chega à
1080 linhas de resolução8. Outro aspecto, e de maior interesse para a discussão a respeito da
hibridização de linguagens, reside na possibilidade de desenvolvimento de plataformas para a
execução de aplicativos integrados ou simultâneos ao conteúdo audiovisual, que acrescenta a
interatividade à TV Digital e faz dela a TV Digital Interativa (TVDi).
Existem diferentes padrões de TV Digital no mundo9, cada qual com seus conjuntos
de definições e especificações técnicas para compressão, transporte e decodificação dos dados
transmitidos (ZUFFO, 2002). Como estes dados sofrem compressão para serem enviados, em
todos os padrões, é necessário que cada aparelho televisor possua um equipamento, integrado
ou externo, que processe e decodifique os sinais de áudio, vídeo e aplicativos transmitidos pelas
emissoras, o chamado Set-top-box (FERNANDES, LEMOS e ELIAS, 2004). Neste aparelho
é que pode ser encontrado o middleware, uma camada de software intermediária, responsável
por gerenciar e interpretar os diferentes aplicativos transmitidos. Conforme sintetiza Rosa
(2005), a transmissão de TV Digital pode ser entendida como um sistema composto por
camadas e sub-camadas, cada qual responsável por processar e transferir a informação para a
camada superior até atingir a última camada, que se relaciona com o público. Como base nas
ilustrações do autor, todo o processo pode ser compreendido da seguinte forma:
Mesmo com a transmissão de vídeos em 1080 linhas, a resolução final vista pelo publico irá depender de seu
aparelho de TV, uma vez que alguns aparelhos de TV Digital chegam no máximo à 720 linhas e outros ainda
são de tubo e recebem os dados por meio de decodificador externo (set-top-box), mas continuam exibindo no
máximo 625 linhas de resolução.
8
Atualmente, existem cinco padrões de TV Digital: o DVB-T (Digital Video Broadcasting), padrão europeu
desenvolvido em 1996; o ATSC (Advanced Television System Comitee), padrão norte-americano em
funcionamento desde 1998; o ISDB-T (Integrated System Digital Broadcasting), padrão japonês em operação
desde 2003; o ISDB-Tb desenvolvido no Brasil a partir do modelo japonês, mas com algumas especificações
técnicas diferentes e características do padrão europeu; e o DTMB (Digital Terrestrial Multimedia Broadcast)
criado e adotado pela China mas ainda em fase de desenvolvimento.
8
47
Figura 75
Padrão de TV Digital Interativa em camadas e sub-camadas
Fonte: ROSA, 2005, p.69 modificado pela autora
Vale ressaltar que para se ter uma televisão com conteúdo plenamente interativo, é
preciso que o sinal da TV seja associado a um canal de retorno, para que informações possam
ser trocadas entre público e emissora. Conforme apontam Fernandes, Lemos e Elias (2004),
almeja-se que a rede difusora de TV Digital se associe a outras redes de transporte de
informações para que se forme uma inter-rede nos mesmos moldes da internet. Enquanto isso
não acontece, o que se tem disponível na maior parte dos aplicativos de TVDi é a chamada
interatividade local, restrita aos dados armazenados no set-top-box, uma vez que neste caso o
sinal da TV é unidirecional: da emissora para a casa do público, sem a possibilidade de retorno
da casa do público à emissora10.
Desta maneira, mesmo na interatividade local, introduz-se à televisão um modo de
distribuição de conteúdo que carrega aspectos da tecnologia digital computacional. Neste
sentido, faz-se necessário recuperar aqui o contexto de transmissão da televisão não interativa.
Segundo Manovich (2005), embora os conteúdos para essa televisão possam ser produzidos
pelo computador, o seu modo de distribuição ocorre de forma oposta à lógica computacional:
ela transmite seu conteúdo por meio de um fluxo unidirecional e ininterrupto. Neste sentido,
as únicas opções de ação do público com as imagens transmitidas pelo televisor são a troca de
canais e o ato de ligar ou desligar o aparelho. Exceto quando o telespectador faz uso de alguma
tecnologia para gravação do conteúdo – como o vídeo cassete em fitas eletromagnéticas ou a
partir da conexão com qualquer dispositivo para gravação digital, a exemplo dos gravadores de
DVD, Blue-Ray, câmeras de vídeo digitais, entre outros –, não é possível acessar os diferentes
Na maioria dos aparelhos de TVDi, tanto televisores com o middleware integrado quanto os set-top-box
externos, existe a possibilidade de se conectar à internet.
10
48
programas na grade da TV fora do horário determinado para sua transmissão. Ou seja, no vídeo
televisivo não interativo, as imagens são transmitidas em um fluxo unidirecional constante –
da emissora televisiva para o público - e seus elementos e núcleos informacionais não podem
ser manipulados pelo telespectador, visto que independem deste (Cannito, 2010). Apenas em
alguns casos de aparelhos e serviços de TV Digital, é oferecido algum controle ao público11,
que alcança no máximo a mesma experiência que se tem ao assistir vídeos a partir de um DVD
ou de arquivo digital no computador, por exemplo, em que se pode avançar e retroceder por
entre as cenas e sequências.
Na distribuição computadorizada, contudo, as informações são arquivadas em servidores
e podem ser acessadas de acordo com a demanda individual de cada interator12. Um exemplo
típico deste modelo são os sites da web, uma vez que estes permitem aos interatores, em
localidades distintas, acessarem diferentes núcleos de informação ao mesmo tempo. Dentro
deste contexto, Cannito (2010) propõe a caracterização de dois tipos de mídia: mídia de fluxo
e mídia de arquivo, sendo a primeira uma especificidade do meio televisivo não interativo, e a
segunda do meio digital interativo.
Neste sentido, a TVDi reúne os dois tipos de mídia mencionados, tendo em vista
que, embora os conteúdos audiovisuais continuem sendo transmitidos em fluxo pelo sinal
televisivo, os aplicativos apresentam-se arquivados localmente nos aparelhos e disponíveis para
serem acessados individualmente pelo público durante o período de sua transmissão. Com
isso, a TVDi, ao transmitir informações também no formato de aplicativos, passa a incorporar
elementos projetuais da linguagem digital interativa.
Uma das características das plataformas digitais interativas, ou mídias de arquivo, é a
possibilidade de organizar as informações em núcleos autônomos e interconectados. Neste
sentido, a relação entre os dois polos envolvidos no processo de comunicação difere daquela
praticada na televisão não interativa, pois o público tem que exercer determinadas ações
para ter acesso aos dados distribuídos em diferentes camadas de informação. Enquanto na
televisão analógica ou digital não interativa basta ligar o aparelho, sintonizar um canal e
acompanhar o fluxo de vídeo transmitido, em um aplicativo digital, espera-se que o processo
de comunicação seja hipertextual, no qual todas as informações estão interconectadas e o
interator é livre para se mover por entre elas. Conforme define Lévy (1995), as informações em
Serviços como: filmes e series na internet, a exemplo do Netflix; aparelhos televisores, set-top-boxes e
serviços que permitem a gravação digital dos programas, entre outros.
11
As plataformas digitais também podem viabilizar a distribuição por fluxo, uma vez que por meio da internet é
possível realizer a transmissão de um evento ao vivo, por exemplo, sem necessariamente arquivá-lo no servidor.
12
49
uma estrutura hipertextual organizam-se de forma fractal, ou seja, os núcleos de informações
são interconectados sendo que cada um deles pode ser o ponto de origem para vários outros
núcleos, e assim por diante. Desta maneira, o interator, em um contexto de hipertexto,
“atravessa por uma base de dados, seguindo links [...] conforme estabelecido pelo seu criador”
(MANOVICH, 2001, p. 227). Há ainda que se considerar que, assim como defende Santaella
(2004), no universo digital interativo as informações são ao mesmo tempo evanescentes e
eternamente disponíveis. Implicando, portanto, em um ambiente no qual o sujeito tenha
liberdade para se mover por entre os núcleos informacionais e passar pelo mesmo local mais
de uma vez, se assim o desejar.
MENU DE NAVEGAÇÃO COM LINKS PARA
NÚCLEOS DE CONTEÚDO NO
INTERIOR DA ESTRUTURA
NAVEGAÇÃO: O
INTERATOR ACIONA UM
LINK E É
TRANSPORTADO PARA
OUTRO NÚCLEO
INFORMACIONAL
NÚCLEO INFORMACIONAL
LEXIA: HOME
K
LIN
Este contexto culmina em aspectos que Braga (2005) define como necessários e
fundamentais das mídias digitais interativas: as informações interconectadas, a navegação, a
interação e a interface. A seguir, será apresentada uma breve conceituação a respeito dos três
primeiros elementos projetuais – informação, navegação e interação – até se chegar à interface,
que norteará a análise dos aplicativos de TVDi disponíveis atualmente.
CONTEÚDOS NO
FORMATO DE TEXTOS,
FOTOGRAFIAS,
VÍDEOS,
ILUSTRAÇÕES, ENTRE
OUTROS.
2.1.1. Elementos projetuais da linguagem digzital interativa
Uma das principais especificidades que a informação adquire no meio digital interativo
é a possibilidade de ser distribuída em diferentes núcleos interconectados, chamados de lexias.
Conforme explica Leão (1999), o termo lexia tem origem na definição adotada por Roland
Barthes “para designar os blocos importantes de texto” (p. 27) em uma narrativa. Ao ser
apropriado para definir os núcleos informacionais no meio digital interativo, o termo passa
a compreender não apenas blocos de texto, mas sim núcleos complexos, formados por todos
os tipos de modos expressivos possíveis de existirem em um sistema digital, tais como: textos,
imagens, sons, entre outros. Desta maneira, uma estrutura informacional composta por lexias
demanda a existência de caminhos e conexões entre os diferentes núcleos. O movimento
realizado pelo interator entre estes núcleos é chamado de navegação. Conforme sintetiza
Santaella (2004, p. 184), “[...] navegar significa movimentar-se física e mentalmente em uma
miríade de signos, em ambientes informacionais e simulados”. Os vínculos entre cada uma das
lexias, os chamados links, viabilizam a navegação do interator entre os núcleos de informação.
Um exemplo típico de mecanismo de navegação nos sistemas digitais é o chamado menu de
navegação, que concentra os links para os principais núcleos informacionais distribuídos em
cada estrutura - tanto nos sites da web, como em aplicativos, softwares e outros sistemas. Ao
lado, a Figura 76 apresenta um exemplo de como um website pode estruturar suas informações
e sua navegação:
Figura 76
Modelo de estrutura informacional e navegacional de um website
Fonte: http://fox.com/fringe + gráficos da autora
LINK
NÚCLEO INFORMACIONAL INTERNO
LEXIA: PERFIL DE PERSONAGEM
MODELO DE ESTRUTURA DE CONTEÚDO EM
AMBIENTES DIGITAIS E SUAS CONEXÕES
50
Uma estrutura informacional composta por diferentes núcleos interconectados exige a
ação de uma das partes para que a navegação ocorra. Ou seja, para navegar em um aplicativo,
o interator precisa acionar os links que o levarão às diferentes lexias, no que o sistema irá reagir
revelando os conteúdos escolhidos. Conforme simplificam Löwgreen e Stolterman (2007),
“[ao utilizar] um artefato digital, você faz coisas, o artefato responde, você age de volta, e
assim por diante” (p. 53). Ou seja, para que o interator possa realizar ações junto ao aplicativo,
o sistema precisa disponibilizar meios para que ele possa executar as tarefas necessárias para
se locomover por entre os núcleos informacionais. Os mecanismos responsáveis por viabilizar
este processo de ação-reação entre o interator e o sistema digital são os elementos projetuais
de interação.
Neste ponto é conveniente realizar a distinção entre a interação intrinsecamente presente
nos sistemas digitais e o conceito de interatividade comunicacional que pode ou não existir em
um ambiente digital. Conforme apontado por autores como como Machado (1995), Primo
(2000) e Manovich (2001), um processo comunicacional interativo entre homem-máquina
pressupõe a troca de informações entre as partes e a possibilidade da transformação do conteúdo
a partir da contribuição do interator. Neste sentido, ao fazer uma análise sobre a aplicação
do termo interatividade, Machado (1995) aponta que a maioria dos sistemas classificados
pelo mercado como interativos são, na verdade, reativos. Como no caso dos videogames que
possuem apenas um “conjunto de alternativas preestabelecidas” (MACHADO, 1995, p. 26)
para serem escolhidas pelos jogadores. Ainda neste contexto, Machado acrescenta que um
sistema interativo deveria “romper com a relação de poder do polo emissor sobre o receptor”
(1995, p. 26). A partir das definições de Machado (1995), Primo (2000) propõe que a interação
em ambientes digitais seja classificada como mútua ou reativa. Para o autor ambos os casos
devem ser classificadas como interação uma vez que há a interdependência entre as ações
e respostas dos elementos envolvidos na comunicação tanto na interação mútua como na
interação reativa. A interação classificada por Primo (2000) e Machado (1995) como reativa é
definida por Manovich (2000) como a interação física intrínseca das relações entre o homem
e as mídias digitais como, por exemplo, o ato de pressionar um botão, escolher um link, entre
outras. Já a interação classificada por Primo (2000) como mútua, ocorre apenas quando o fluxo
de informações se dá de maneira bidirecional, tendo em vista que todos os agentes envolvidos
na comunicação podem emitir informações e transformar o conteúdo disponível no ambiente
digital. Ou seja, é preciso diferenciar a possibilidade de comunicação interativa presente em
determinados sistemas digitais, dos elementos de interação inerente a todos os aplicativos,
que consistem nas ações a serem executadas pelo interator e as reações que estas geram no
ambiente digital.
As opções de interação que propiciam a relação entre o interator e o artefato digital são
viabilizadas pela interface, que consiste em uma superfície de contato e articulação entre partes
51
distintas (BONSIEPE, 1997). Nas mídias digitais interativas, a interface pode ser considerada
o elemento tangível, que revela os elementos de informação, navegação e interação habilitando,
assim, a relação entre o interator e o aplicativo. Conforme define Johnson (2001), a interface
corporifica o espaço-informação digital tornando imaginável aquilo que de outra forma seria
apenas uma grande quantidade de códigos binários. Já Garrett (2011) aponta que a interface
é o meio pelo qual os interatores entram em contato com as ações propiciadas pelo aplicativo.
As Figuras 77 e 78 apresentam interfaces de um website e nelas estão apontadas algumas das
possibilidades de interação reativa e as respostas mediante cada ação executada pelo interator.
QUANDO O INTERATOR
ACIONA UM LINK E VAI PARA
OUTRO NÚCLEO
INFORMACIONAL, OS
ELEMENTOS DA INTERFACE
SE ALTERAM DE ACORDO
COM O CONTEÚDO.
AO POSICIONAR O
CURSOR SOBRE ESTES
ELEMENTOS, SUAS
CORES SE ALTERAM EM
RESPOSTA AO
INTERATOR, PARA LHE
INDICAR QUE PODEM
SER ACIONADOS.
AO POSICIONAR O
CURSOR SOBRE O
SÍMBOLO, UMA NOVA
CAMADA DE
CONTEÚDO SURGE
NA INTERFACE
Figura 78
Exemplo de mudança de interface
de acordo com a navegação do interator.
Fonte: http://fox.com/fringe + gráficos da autora
Figura 77
Exemplo de como a interface reage às
possibilidades de interação em um website.
Fonte: http://fox.com/fringe + gráficos da autora
52
Como é possível observar por meio das ilustrações (Figuras 77 e 78), a cada ação executada
pelo interator, a imagem da interface se altera. No caso apresentado, quando o interator se
movimenta da interface intitulada Home para a seção sobre os personagens, a maior parte dos
elementos que compõe a interface são alterados. As interferências podem, ainda, serem mais
sutis como quando, por exemplo, o link do menu é selecionado e, em resposta, a cor de seus
fundo e letras se alteram.
Já na televisão, até este momento, o modelo de comunicação entre a imagem e o público
é unidirecional, pois apenas o televisor emite informações e o telespectador não tem como
interferir na imagem, exceto pela troca de canais. Poucas iniciativas foram realizadas neste
sentido fora do âmbito da TVDi, em programas que preveem a participação do telespectador
em casa, por meio de dispositivos externos ao aparelho televisor. A exemplo da série infantil
Winky-Dink and You, da CBS (1953-1957) (Figura 79), na qual um kit composto por lâminas
de acetado transparente, então denominadas Magic Windows, lápis de cera coloridos e uma
flanela, era vendido para que o telespectador criasse uma camada sobre a qual ele pudesse
desenhar sobre os personagens (GAWLINSKI, 2003).
Figura 79
Winky-Dink and You, CBS, 1953.
Fonte: http://bit.ly/VdLH9A
53
Ou, ainda, como no jogo Garganta e Torcicolo, da MTV Brasil (1997-2000), em que, pelas
teclas do telefone em suas casas, os jogadores controlavam os personagens transmitidos pela
televisão durante o programa homônimo (Figura 80).
Figura 80
Garganta e Torcicolo, MTV Brasil.
Fonte: http://youtu.be/S8TOyizLODc
Neste sentido, a linguagem digital interativa ao ser introduzida à televisão altera o
conceito de tela em para uma interface. Isso ocorre porque, em um contexto não interativo,
seu papel restringe-se à transmissão de imagens ao público que, por sua vez, as assiste sem
a possibilidade de exercer ações sobre elas. Já em um contexto digital interativo, a imagem
televisiva passa a atuar como a superfície que viabiliza a relação entre o público e o aplicativo,
ou seja, ela transforma-se em uma interface. Além disso, a linguagem digital interativa pode
trazer à televisão uma mudança no comportamento de seu público. O telespectador pode
passar a não apenas assistir as imagens transmitidas pelo aparelho, como pode exercer ações
sobre elas, assumindo uma condição ativa e colaborativa, antes restrita aos interatores das
aplicações computacionais.
Assim como as imagens são classificadas por Couchot (1987) em três categorias – préfotográfica, fotográfica e pós-fotográfica -, Santaella (2004) classifica três tipos diferentes de
leitores para as imagens: o leitor contemplativo, das imagens fixas, do período pré-fotográfico,
nascido no período renascentista; o leitor movente, do período fotográfico, produto da
Revolução Industrial e inserido no contexto da explosão de imagens e mídias; e o leitor
imersivo, das imagens pós-fotográficas, que surge com os ambientes digitais interativos e as
informações em rede. O telespectador enquadra-se na segunda categoria, o leitor movente, de
atenção fragmentada, que, conforme define Santaella (2004, p. 24) “é apressado por pertencer
a um mundo de linguagens híbridas e misturadas, com pouco tempo para reter as informações
dado o excesso de estímulos visuais ao seu redor”. Machado (2007) aponta dois fatores que
contribuem significativamente para esta fragmentação da atenção: o zapping – ato de trocar
freneticamente de canal pelo controle remoto - e os aspectos distrativos inerentes ao ambiente
doméstico onde, de modo geral, ocorre a experiência televisiva. Com a Televisão Digital
54
Interativa, características de ambos os perfis, do período pós-fotográfico, o leitor movente,
ou telespectador, e o leitor imersivo, ou interator, combinam-se à medida em que o conteúdo
digital interativo alcança a televisão. O telespectador deixa de relacionar-se passivamente com
as imagens por meio de uma tela, e passa a executar ações sobre uma interface, assumindo a
posição de tele-interator ao poder dialogar com os conteúdos enviados pelas emissoras.
2.2 Design de interface na TVDi
Para viabilizar as relações entre os tele-interatores e os aplicativos, o design avança de
um contexto no qual o conteúdo audiovisual não interativo restringe sua atuação ao campo
dos motion graphics, para um cenário em que a imagem amplia suas funções. Em um ambiente
digital interativo, o papel da imagem deixa de ser somente expressivo para, configurada como
interface, atuar como elemento de mediação entre homem e sistema computacional. Contudo,
além de articular todos os elementos visuais envolvidos na comunicação entre o conteúdo da
TVDi, de forma que façam sentido ao tele-interator, o design de interface tem de considerar
que duas linguagens de naturezas distintas estão envolvidas neste contexto: audiovisual e
digital interativa. Considerando que cada uma destas linguagens estruturam seus conteúdos
de formas diferentes, cresce a complexidade da informação a ser revelada pela interface e,
consequentemente, as atribuições e a importância do design neste processo (BONSIEPE,
2011). Em suma, o design de interface nos aplicativos de TVDi define como se revelará a área
de mediação entre as ações do tele-interator e o conteúdo da TV. Neste sentido:
[...] o design de interface está envolvido na maneira como os
elementos visuais que comunicam ações e informações são tratados
e disponibilizados. Cada elemento numa composição visual tem um
número de propriedades, como forma e cor, que operam juntas para
criar os significados.[...] a maneira como as diferenças e similaridades
destas propriedades são aplicadas a cada elemento se unem para permitir
aos interatores fazerem o sentido de uma interface. (COOPER,
REIMANN e CRONIN, 2007, p. 287)
Neste sentido, é da ordem do design de interface disponibilizar e revelar ao tele-interator
meios para que ele percorra os caminhos por entre os diferentes núcleos informacionais da
estrutura do aplicativo. Cabe, ainda, ao design estabelecer meios para uma relação dialógica
com o tele-interator, na qual a interface terá que expressar as ações disponibilizadas pelo
aplicativo e, consequentemente, as respostas mediante a cada ato executado. Ou seja, os
tipos de interação presentes no artefato digital. Deste modo, todas as atividades propostas
pelo aplicativo precisam ser expostas pela interface ao tele-interator para que ele possa
executá-las, bem como, expressas de maneira que façam sentido afim de que cada sinal seja
interpretado corretamente. Neste contexto, o design de interface é o responsável por encontrar
55
a representação mais apropriada para comunicar cada tipo de ação disponível ao interator
(COOPER, REIMANN e CRONIN, 2007).
Tendo em vista que a interface acrescenta ao vídeo aspectos que vão além dos elementos
estéticos das imagens no meio televisivo, sua linguagem visual, além de atuar como modo
expressivo, tem de prover formas que viabilizem as ações do tele-interator junto ao aplicativo.
Este contexto expande o papel do design no cenário televisivo ao se considerar que, até então,
o design atuava na produção de conteúdo para a TV apenas no âmbito dos grafismos e outros
aspectos da composição de imagens - conforme abordado nas seções 1.1 A linguagem do vídeo
e a composição da imagem em camadas e 1.2 A penetrabilidade da imagem digital na integração de
linguagens. Contudo, tendo em vista as atribuições da interface, novos princípios de ordem
projetual surgem para viabilizar as relações entre tele-interatores e os aplicativos. Conforme
aponta Löbach (2001, p. 14), o design é responsável pelo “processo de adaptação do ambiente
‘artificial’ às necessidades físicas e psíquicas dos homens na sociedade”. Neste sentido, o design
recebe outras incumbências além daquelas relacionadas à composição das imagens, ao ter de
definir as articulações entre os elementos de diferentes linguagens e as possibilidades que os
tele-interatores terão para acessá-los e interagir neste ambiente. Assim, o design de interface
de um aplicativo para a TVDi articulará todos os elementos que dão sentido à informação, bem
como, definirá meios para que ocorra o diálogo entre o tele-interator e a televisão. A seguir,
será apresentada a maneira como o design de interface vem sendo aplicado nos aplicativos
disponíveis para a TVDi.
2.2.1. O contexto atual do design de interface dos aplicativos para a TVDi
A maioria dos aplicativos disponíveis na TVDi hoje fazem parte da categoria Televisão
Expandida (Enhanced TV), definida por Gawlinski (2003) como camadas de textos e grafismos
sobrepostas ao vídeo para que o público interaja com elas enquanto assiste o programa13. De
maneira geral, estes aplicativos apresentam um dos seguintes tipos de conteúdo: informações
adicionais ao programa sendo exibido; e informações de interesse geral – notícias, previsão
do tempo, programação da emissora etc. Parte destes aplicativos transcorrem de forma
independente do fluxo de vídeo. Neste sentido, a linguagem visual dos elementos presentes na
interface não é necessariamente articulada às imagens do vídeo. O que ocorre na maioria dos
casos, é uma aproximação com a identidade visual de cada programa.
Além da Enhanced TV, outras categorias de aplicativos são apontadas por Gawlinski (2003) de acordo com
seu conteúdo. Os principais tipos depois da Enhanced TV são: T-Commerce, para realizar a venda de produtos
pela TV; o T-Banking, que consiste em aplicativos de instituições bancárias para a realização de operações e
consultas, requerendo que o interator possua conexão com a internet em sua TV; T-Gov, para aplicativos com
serviços governamentais de interesse público; e Games, com jogos de perguntas e respostas, entre outros.
13
56
Geralmente os mesmos elementos presentes no logotipo e na vinheta de abertura do
programa direcionam a linguagem visual de cada aplicativo, como é possível observar nas
imagens a seguir (Figura 81 à Figura 84).
Figura 83
Vinheta de abertura do reality show
A Fazenda, Rede Record, 2011.
Fonte:
http://youtu.be/dfa-2ZKy4wU
Figura 81
Vinheta de abertura da novela
Morde e Assopra, Rede Globo,
2011.
Fonte:
http://youtu.be/gfMFd4zc4Mk
Figura 84
Aplicativo do reality show A
Fazenda, Rede Record, 2011.
Fonte:
http://youtu.be/hk5XrL4TaDc
Figura 82
Aplicativo da novela Morde
e Assopra, da Rede Globo.
Fonte:
http://bit.ly/11PSX0D
APLICATIVO
Tomando como exemplo o aplicativo do reality show A Fazenda 2011, da Rede Record,
é possível identificar como os aspectos intrínsecos à linguagem digital interativa - núcleos
informacionais interconectados (Figura 85), navegação e interação reativa – são revelados por
meio da interface de acordo com as ações dos tele-interatores, conforme o diagrama a seguir
(Figura 86).
Figura 85
Estrutura informacional do aplicativo de TVDi
do programa A Fazenda 2011, Rede Record.
Fonte: autora
LEXIAS PRINCIPAIS
Tá na
Roça
Participe
Peões
Notícias
Celebrito
Fotos
Regras
LEXIAS SEÇÃO: PEÕES
Participante
Participante
Participante
Participante
57
INTERFACE INICIAL
MENU DE
NAVEGAÇÃO
APÓS A AÇÃO DE
PRESSIONAR O BOTÃO
OK NO CONTROLE
REMOTO, O APLICATIVO
REVELA A INTERFACE
COM OS LINKS PARA A
NAVEGAÇÃO
PELOS PRINCIPAIS
NÚCLEOS
INFORMACIONAIS.
LEXIAS PRINCIPAIS
NAVEGAÇÃO: AO
PRESSIONAR AS SETAS
DE DIREÇÃO DO
CONTROLE REMOTO, O
TELE-INTERATOR
NAVEGA ENTRE OS
NÚCLEOS
INFORMACIONAIS
INTERNOS DA SEÇÃO.
CONTEÚDO INTERNO
LEXIAS SEÇÃO: PEÕES
SINALIZAÇÃO: TÍTULO
INDICANDO AO
TELE-INTERATOR
SUA LOCALIZAÇÃO
NO ESPAÇO
INFORMACIONAL.
FORMATO:
INFORMAÇÕES
EM TEXTO E
FOTOGRAFIA
Figura 86
Exemplo de fluxo de navegação e elementos de interfaces
do aplicativo reality show A Fazenda, Rede Record, 2011.
Fonte: http://youtu.be/hk5XrL4TaDc + gráficos da autora
58
A primeira interface do aplicativo é composta unicamente por um símbolo do programa
no canto superior esquerdo convidando o tele-interator por meio de um texto a pressionar o
botão OK de seu controle remoto para acessar o conteúdo. Neste momento, a interferência
da interface na imagem do fluxo de vídeo ainda é sutil, pois ocupa uma pequena área no
canto superior esquerdo do quadro. Ao pressionar OK outros elementos de interface surgem
ocupando mais espaços nas laterais esquerda e direita. Na lateral esquerda, concentra-se o menu
de navegação que permitirá ao tele-interator ter acesso às principais lexias do aplicativo. Logo
abaixo do menu, dois links, cada um indicado com uma cor, informam que para obter ajuda
sobre como interagir com o aplicativo o tele-interator deve pressionar o botão amarelo em seu
controle remoto e, para desativar o aplicativo, o botão vermelho. Esta indicação por cores ocorre
porque em sistemas de TVDi, todos os controles-remotos devem apresentar quatro botões nas
cores verde, vermelho, amarelo e azul, para acessar funções específicas nos aplicativos. No caso
deste aplicativo, apenas as cores vermelha e amarela são utilizadas. O restante da navegação
ocorre por meio das setas de direção do controle remoto. Para acionar um dos elementos do
menu de navegação, o tele-interator precisa selecionar um a um, por meio das setas de direção
do controle remoto, obedecendo uma ordem linear até acessar o item desejado. Enquanto
percorre os itens do menu, a figura de uma borboleta se movimenta indicando qual link está
selecionado. Este tipo de indicação durante a navegação é imprescindível para que o teleinterator saiba em qual local do espaço informacional ele se encontra. Para Braga (2005), o
excesso de dados e a pobreza de sinalização nos ambientes digitais dificultam a navegação e
podem conduzir à perda da informação. Ou seja, sem um elemento indicativo, o tele-interator
não teria como saber em qual momento precisa pressionar o botão OK de seu controle para
acessar o núcleo informacional desejado.
Outro aspecto desta ação é o princípio feedback, que, no design de interface, diz respeito à
resposta que o sistema deve fornecer aos interatores para que estes saibam qual a consequência
de cada um de seus atos junto ao aplicativo (PREECE, ROGERS e SHARP, 2005). Neste
sentido, ao pressionar os botões das setas do controle e perceber a figura da borboleta se
movimentando sobre cada um dos itens do menu, o tele-interator recebe da interface a
indicação de que sua ação provocou uma reação do aplicativo. Assim, ao acessar cada um dos
links, o núcleo informacional correspondente aparece na lateral direita do quadro. Cada um
destes núcleos divide-se em outros como, por exemplo, na seção Peões, que apresenta o perfil
de cada um dos participantes do programa. As informações são apresentadas tanto por meio
de textos, como de imagens.
Uma das diferenças que se percebe entre a imagem do vídeo não interativo e a imagem
das interfaces dos aplicativos na TVDi reside na aplicação dos elementos textuais em cada
um destes contextos. No vídeo não interativo, o conteúdo em formato de texto, quando existe,
costuma ocupar um papel complementar na comunicação entre a imagem e o telespectador.
59
Já nos aplicativos para a TVDi, grande parte do conteúdo é disponibilizado nas interfaces
em formato de textos, tanto as informações principais, como os links que possibilitam ao
tele-interator mover-se por entre os núcleos informacionais. Ao contrário do vídeo em que
a tipografia é tratada em grande parte do tempo como elemento plástico da imagem, nestes
aplicativos ela possui caráter principalmente verbal. Desta maneira, a legibilidade dos textos
nestas interfaces torna-se um dos aspectos mais importantes para o sucesso da comunicação
com o tele-interator. Neste sentindo, algumas diretrizes são propostas pela Rede Britânica de
Televisão, BBC (2006) e por Gawlinski (2003) para a utilização de textos em aplicativos para
a TVDi, tais como: o uso de fontes com o tamanho de no mínimo 24 pontos; espaçamento
entrelinhas maior do que o adotado em meios impressos; e textos curtos e objetivos. Contudo,
o tipo de informação que estes aplicativos costumam disponibilizar demanda grandes
quantidades de texto em espaços limitados, dificultando a legibilidade destas informações
sobre a interface, como é possível observar nas figuras 87 e 88.
Outra questão envolvida, tanto na legibilidade dos textos como na percepção dos
elementos visuais como um todo, é a escolha das cores para cada um destes presentes na
interface. Além da relação que estas costumam estabelecer com a identidade visual do programa
(as cores predominantes no logotipo e na vinheta), elas auxiliam ou prejudicam a percepção
dos diferentes objetos na interface. Conforme indica Gawlinski (2003), no caso dos textos, é
recomendável, especialmente em blocos de textos com letras menores, que a cor utilizada para
a fonte promova um alto contraste com a cor ou cores de sua área de fundo. No exemplo do
aplicativo para o programa Hoje em Dia, da Rede Record, (Figura 89), a escolha do tom azul
claro e com um determinado nível de transparência, dificulta a leitura dos textos na lateral
direita, pois o branco da fonte se mistura facilmente aos tons claros das imagens do fluxo de
vídeo na camada inferior. O mesmo não ocorre na lateral esquerda, pois as fontes tipográficas
além de serem ligeiramente maiores, possuem um contorno de cor em tom escuro que o
distingue do fundo.
Figura 87
Interface do Aplicativo daas
Olímpiadas de Londres, 2012, da
Rede Record.
Fonte: http://bit.ly/11PSX0D
Figura 88
Interface do aplicativo do
Caldeirão do Huck, Rede Globo.
Fonte: http://bit.ly/11PSX0D
Figura 89
Interface do aplicativo do
programa Hoje em Dia, Rede
Record.
Fonte: http://bit.ly/11PSX0D
60
Nos aplicativos disponíveis na TVDi brasileira, são adotados dois modelos de composição
de interface: camada sobreposta e redução da área destinada ao fluxo do vídeo. Na estrutura em
que ocorre a sobreposição, os elementos de navegação concentram-se nas laterais do quadro,
de modo a dedicar o maior espaço da interface ao fluxo de vídeo (Figura 90). Já na estrutura
em que ocorre a redução da área de vídeo, a maior parte do quadro é destinada à interface do
aplicativo (Figura 91). Neste caso, o vídeo torna-se um elemento complementar.
Figura 90
Interface do aplicativo da novela Rei Davi, Rede Record.
Fonte: http://bit.ly/11PSX0D modificado pela autora.
Figura 91
Interface do aplicativo Portal Interativo, SBT.
Fonte: http://bit.ly/11PSX0D modificado pela autora.
61
Nos exemplos apresentados até o momento, que se enquadram na categoria Televisão
Expandida (Enhanced TV), vídeo e aplicativo são tratados como elementos distintos. Seus
conteúdos, mesmo quando se complementam, não estão integrados, pois o fluxo do vídeo
transcorre de maneira independente às ações executadas pelos tele-interatores. As imagens
das interfaces dos aplicativos possuem poucos critérios com relação a interferência que
causarão na imagem videográfica, uma vez que a navegação do tele-interator no aplicativo
não estabelece relação com o conteúdo do vídeo. Já em casos pontuais de aplicativos para a
TVDi, produzidos na Inglaterra, vídeo e aplicativo são concebidos para serem tratados como
fluxo único de conteúdo a ser transmitido. Neste caso, algumas das ações do tele-interator
sobre a interface possuem relação direta com o conteúdo em vídeo. O documentário Walking
With Beasts, da BBC, por exemplo, apresenta diversas informações adicionais ao conteúdo de
sua narrativa principal. A diferença deste tipo de programa para os aplicativos da Televisão
Expandida, é que as interfaces adicionais são apresentadas de forma integrada e sincronizada
ao vídeo principal. Assim como nos outros aplicativos, todas as informações podem ser
acessadas a qualquer momento durante a transmissão do programa, contudo, no decorrer do
documentário são disparados avisos nos pontos da narrativa que apresentam dados adicionais
em outro núcleo informacional. Cabe ao tele-interator decidir se trocará ou não de interface.
Ao lado, as interfaces do aplicativo e sua estrutura de conteúdo (Figura 92).
É possível observar que as informações textuais são curtas e objetivas, desta maneira
a sobreposição dos textos sobre o vídeo seguem a mesma linguagem das legendas, que já
fazem parte da linguagem audiovisual não-interativa. Quando o tele-interator acessa o fluxo
de vídeo complementar ao vídeo principal, a imagem se fragmenta em duas janelas para que
sejam veiculados simultaneamente. Para tanto, o vídeo da narrativa principal é reduzido à uma
janela no canto superior direito da interface e transcorre sem o respectivo áudio.
Figura 92
Interfaces do documentário interativo Walking With Beasts, BBC.
Fonte: http://bit.ly/JHyBeU + gráficos da autora
Vídeo Principal
Informações Adicionais
Textuais
Informações Adicionais
Vídeo Especialistas
Informações Adicionais
Vídeo Makin-Of
MENU DE NAVEGAÇÃO PARA TODOS OS
NÚCLEOS INFORMACIONAIS DO APLICATIVO
ACIONADO POR MEIO DOS BOTÕES
COLORIDOS DO CONTROLE REMOTO
DE TVDi
62
Outro exemplo de programa desenvolvido integrado aos recursos interativos é o Pyramid
Challenge, da BBCi (Figura 93 e Figura 94), uma narrativa na qual o tele-interator decide por
quais caminhos quer seguir. A interface com opções de ação – como escolher caminhos, abrir
tumbas secretas, entre outros – só é habilitada para o tele-interator no momento em que é
possível executar uma ação. Grafismos que sintetizam elementos da antiguidade egípcia são
utilizados como elementos de interface e de forma articulada à camada de vídeo, tanto no que
diz respeito à temática do programa como à composição da imagem. Neste caso, o programa
incorporou os recursos de interatividade constituindo-se, portanto, como um aplicativo.
Figura 93
Interface do programa Pyramide Challenge, BBCi.
Fonte: http://bit.ly/15vYWnd
Figura 94
Interface do programa Pyramide Challenge, BBCi.
Fonte: http://bit.ly/15vYWnd
63
É possível observar por meio dos aplicativos desenvolvidos até o momento em TVDi
- exceto por casos pontuais, como os dois últimos apresentados -, que o conceito de interface,
intrínseco aos ambientes digitais interativos, foi inserido no ambiente da linguagem audiovisual
televisiva sem considerar a maneira como as diferentes camadas de linguagens se articulam
neste contexto. Segundo Löwgren e Stolterman (2007), cada projeto de design faz parte de um
contexto específico e o resultado disso fará parte de uma realidade já existente. Contudo, no
contexto da TVDi ainda não se percebe a hibridização entre os elementos das linguagens visual
e digital interativa, mas sim a atuação de dois meios distintos (televisão e digital interativo) de
maneira desintegrada no mesmo espaço, conforme será abordado a seguir.
64
3. ASPECTOS DO DESIGN DE INTERFACE NA COEXISTÊNCIA DAS
LINGUAGENS AUDIOVISUAL E DIGITAL INTERATIVA
A partir da análise sobre o cenário atual do design de interface em aplicativos para a TVDi,
realizada no capítulo anterior, aqui abordar-se-á as consequências trazidas pela maneira como
as linguagens envolvidas – audiovisual televisiva e digital interativa – vem sendo aplicadas
neste contexto. Para tanto, na seção 3.1 A desintegração entre aplicativo e vídeo na TVDi, serão
apontados os problemas causados pela produção desintegrada dos conteúdos, tendo em vista
que os conteúdos audiovisual e digital interativo são produzidos de maneira independente
um do outro. Em seguida, na seção 3.2 A mimetização dos padrões de design de interface da web
na TVDi, discutir-se-á como o design de interface tem sido aplicado na TVDi replicando
padrões da web, sem considerar as especificidades do vídeo televisivo.
3.1. A desintegração entre aplicativo e vídeo na TVDi e o impacto na
linguagem audiovisual televisiva
Desde o início da televisão, o caminho percorrido pelo vídeo na mistura de linguagens
mostrou que o avanço das tecnologias de manipulação de imagens, sobretudo a digital,
propiciou os melhores meios para se chegar à hibridização dos modos expressivos de diferente
mídias, conforme observou-se no decorrer do capítulo 1.Hibridismo de linguagens na imagem
do vídeo televisivo.
65
A introdução dos aplicativos digitais chega ao meio televisivo14 no ápice desse processo,
na primeira década do ano 2000, quando a hibridização de técnicas e estéticas já são intrínsecas
à sua linguagem. Contudo, na direção contrária de ser mais uma parte nesse processo contínuo
de hibridização, o que observa-se por meio da maioria do conteúdo desenvolvido para a TVDi,
é que o caminho adotado foi o da coexistência e da superposição de linguagens.
Os aplicativos da categoria Televisão Expandida, dos quais fazem parte a maioria daqueles
disponíveis atualmente na TVDi brasileira, atuam como camadas independentes do fluxo de
vídeo. Dado este cenário, observa-se a ausência de precisão sobre quais elementos da camada
videográfica serão cobertos pelos componentes da interface, e em qual momento. O teleinterator é quem decide quando acessará o aplicativo e como procederá na alternância entre
as diferentes interfaces. Neste tipo de aplicativo, o máximo de controle sobre a interferência
que a imagem do vídeo receberá, está na delimitação das áreas que os elementos da interface
ocuparão sobre o vídeo. Na imagem do programa Vida de Estagiário, da TV Brasil (Figura
95), por exemplo, dois personagens que compõem a sequência são cobertos pela interface
do aplicativo. Já no exemplo da telenovela Rebelde, da Rede Record (Figura 96), o rosto de
um dos personagens é coberto por fotografias de outros personagens que estão disponíveis
no aplicativo. Neste último caso, a interferência do conteúdo da interface altera a mensagem
proposta pela imagem do vídeo, ao modificar o rosto do personagem.
Figura 95
Interface do aplicativo do programa Vida de Estagiário, TV Brasil.
Fonte: http://bit.ly/11PSX0D
Figura 96
Interface do aplicativo da novela Rebelde, Rede Record.
Fonte: http://bit.ly/11PSX0D
Ao final da década de 1990 iniciou-se o período de transição da tecnologia analógica para a digital na
Europa, impulsionando a criação de aplicativos para as plataformas de interatividade. O primeiro canal a
explorar comercialmente a TVDi foi o francês Télévision Par Satellite, em 1998 (GAWLINSK, 2003). Contudo,
nos primeiros anos da década de 2000, as emissoras BBC, da Inglaterra, e a NHK, do Japão destacaram-se na
quantidade e variedade de aplicativos produzidos para a TVDi. A BBC cunhou o conceito do Red Button (botão
vermelho), no qual ao apertar o botão vermelho do controle remoto o público tem acesso a conteúdos digitais
interativos.
14
66
Outro aspecto decorrente da desintegração entre os conteúdos audiovisual e digital
interativo está na legibilidade das informações disponíveis por estas aplicações. Como o mesmo
aplicativo é carregado durante toda a transmissão do programa, as cores e texturas das imagens
do vídeo, que transcorrem na camada inferior à interface, podem variar significativamente. Neste
sentido, quando elementos textuais são aplicados sobre fundos totalmente ou parcialmente
transparentes, o contraste necessário para a legibilidade torna-se imprevisível, conforme é
possível observar na imagem a seguir (Figura 97).
0 seg
Tipografia branca
Cores de fundo
10 seg
TEMPO DO VÍDEO
Legibilidade
Tipografia branca
Cores de fundo
Legibilidade
Figura 97
Nuances na legibilidade dos textos na interface do aplicativo de
acordo com a linha de tempo do vídeo.
Fonte: http://youtu.be/hk5XrL4TaDc + gráficos da autora
A imagem composta por camadas sobrepostas é intrínseca à linguagem do vídeo, conforme
discutido no decorrer do capítulo 1.Hibridismo de linguagens na imagem do vídeo televisivo.
Muitas vezes elementos visuais provenientes de diferentes mídias e linguagens articulam-se
construindo um todo, ainda que seja possível identificar os limites entre uma linguagem e
outra, como nos processos de colagem. Já no caso dos aplicativos para a TVDi na categoria
Televisão Expandida, quando a camada de interface é sobreposta ao vídeo, seus elementos
67
atuam em dissonância com os componentes do vídeo. Tendo em vista que são estruturas de
conteúdo distintas, as camadas de imagens - vídeo e interface - não se complementam, pelo
contrário, se contrapõem e prejudicam o processo de comunicação em ambas.
Nos aplicativos que recorrem à redução do vídeo, no qual uma janela com o fluxo de
vídeo dedica-se à exibição do programa de TV enquanto o restante do quadro é destinado à
interface do aplicativo, a sobreposição de elementos não ocorre. No entanto, a composição das
imagens no vídeo é realizada sem considerar que poderá ocorrer essa redução no decorrer de
sua transmissão. Neste sentido, não há como garantir que os elementos visuais articulados na
composição de sua imagem não terão sua leitura e percepção prejudicados. No caso a seguir,
por exemplo, a perda de detalhes na imagem em função da redução do vídeo ocorre quando o
aplicativo é acessado durante a exibição da série Fringe (Figura 98), transmitida na TV aberta
brasileira pelo canal SBT. Desta maneira, em uma das sequencias na qual a tipografia integra a
imagem com funções tanto figurativa como textual, esta não se distingue o suficiente do plano
de fundo, de modo a garantir sua plena leiturabilidade, quando o vídeo é reduzido a menos da
metade de seu tamanho original na interface.
Figura 98
Interface do aplicativo do Portal Interativo durante a transmissão
doa série Fringe, no SBT.
Fonte: Piloto, Fringe, SBT, 29-08-2009
68
Já no exemplo a seguir, com a imagem do aplicativo do Jornal da Band (Figura 99), o
próprio vídeo já recorre à divisão do quadro em janelas para exibir a conversa entre apresentador
e repórter, geograficamente distantes. Além disso, uma camada sobreposta apresenta a legenda
da reportagem, com legibilidade comprometida. Em acréscimo, por ser visualmente similar
aos elementos do aplicativo, pode ser compreendida como um componente da interface deste.
Ainda, a cor adotada para a interface é muito similar ao cenário do apresentador no lado
esquerdo do vídeo, dificultando a identificação dos diferentes elementos que compõem as
imagens do vídeo e da interface do aplicativo.
PLANOS FECHADOS E
FORMAS SIMPLES
Figura 99
Interface do aplicativo do Jornal da Band, Rede Bandeirantes.
Fonte: http://bit.ly/11PSX0D
Assim como a sobreposição de camadas, a divisão do quadro em janelas é também
intrínseca à linguagem do vídeo, conforme abordado na seção 1.1.2 A fragmentação da tela:
janelas de fluxos distintos de imagem. Contudo, no vídeo não interativo, fragmentos de imagens
que transcorrem em janelas, tratam-se, na maior parte do tempo, de composições simples, em
planos de câmera fechados, nos quais apenas um personagem ou objeto é enquadrado. Desta
forma, quando fluxos de vídeo são exibidos em janelas pequenas no quadro, possíveis prejuízos
causados pela redução da imagem são minimizados. Na série 24 Horas, por exemplo, as janelas
são um recurso muito utilizado para mostrar acontecimentos que ocorrem ao mesmo tempo
em locais diferentes. Nestes casos, as sequencias videograficas são projetadas especificiamente
para este contexto. Os planos fechados e o isolamento de gestos e objetos são empregados em
contextos nos quais o quadro televisivo estará dividido em duas ou mais partes (Figura 100).
Figura 100
Sequências da série 24 Horas, nas quais o recurso das janelas de vídeo é utilizado para
mostrar ações em locais distindos ocorrendo ao mesmo tempo.
Fonte: Day 7: 6:00 PM – 7:00 PM, 24, FOX, 02-03-2009 + gráficos da autora.
69
Observa-se, contudo, que os problemas apontados em ambos os casos – sobreposição de
interface e redução do vídeo – não ocorrem quando os conteúdos audiovisual e digital interativo
são concebidos de maneira integrada. Nos exemplos dos programas Walking With Beasts e
Pyramid Challenge, os elementos de interface sobrepõem-se ao vídeo da mesma maneira que
grafismos são sobrepostos aos vídeos não interativos. E, em ambos os programas, a redução de
fluxos de vídeo em janelas acontece sem ocasionar a descaracterização das imagens, conforme
é possível observar a seguir (Figura 101):
TEXTOS CURTOS,
OCUPAM UMA PEQUENA
ÁREA, INTERFERINDO
POUCO SOBRE A
IMAGEM DO VÍDEO.
ALÉM DISSO, JÁ É
FAMILIAR AO PÚBLICO
TELEVISIVO POR SER A
ÁREA GERALMENTE
DEDICADA ÀS
LEGENDAS
O VÍDEO PRINCIPAL É
REDUZIDO À UMA
JANELA, PARA QUE O
TELE-INTERATOR NÃO
PRECISE TROCAR DE
SEÇÃO A TODO
INSTANTE PARA
ACOMPANHAR O
DESENVOLVIMENTO DA
NARRATIVA.
ENQUADRAMENTOS
FECHADOS E INTERFACE
INTEGRADA À
COMPOSIÇÃO DA IMAGEM
DO VÍDEO, ADOTANDO A
LINGUAGEM DOS MOTION
GRAPHICS.
Figura 101
Interfaces do documentário interativo Walking With Beasts, BBC
e do programa Pyramide Challenge, BBCi.
Fonte: http://bit.ly/JHyBeU e http://bit.ly/15vYWnd + gráficos da autora
70
Um dos aspectos que está intimamente relacionado à desintegração dos conteúdos
audiovisual e digital interativo reside na reprodução pura de procedimentos e elementos visuais
adotados para outros meios no qual a linguagem digital interativa se constituiu, sobretudo
a web. Ocorre, neste sentido, uma superposição ao invés da hibridização de linguagens.
Conforme será abordado a seguir, em grande parte dos aplicativos, observa-se a mimetização
de padrões estéticos e estruturais adotados em sites, ocasionando a descaracterização de ambas
as linguagens envolvidas neste processo: audiovisual e digital interativa.
3.2. A mimetização dos padrões de design de interface da web na TVDi
Para Plaza (1993) a união de meios distintos proporciona interfaces “capazes de sugerir a
condensação e a associação qualitativa dos meios” (p. 78). No entanto, quando os conflitos entre
as múltiplas linguagens não conseguem ser resolvidos ao menos em uma síntese qualitativa, o
resultado é no máximo uma colagem (PLAZA, 1993). Considerando que na colagem os limites
entre cada uma das linguagens permanecem evidentes mas, ao mesmo tempo, as camadas
articulam-se de modo a formar um todo estéticamente heterogêneo, é possível afirmar que no
caso da maioria dos aplicativos para a TVDi, o processo envolvido sequer chega a ser como o
da colagem. Pois, os dois fluxos de mídia (vídeo e aplicativo) não se articulam, tendo em vista
que operam de modo totalmente independente no espaço da TV, tanto no que diz respeito aos
conteúdos como no design das interfaces.
A linguagem do vídeo ao invés de conduzir o modo expressivo destes aplicativos, é
tratada como elemento secundário todas as vezes em que um aplicativo na TVDi é acessado,
visto que as interfaces destes aplicativos aparecem sobrepondo a camada de vídeo sem critérios
com relação aos elementos visuais que irão ocultar e o tipo de ruído que causarão na imagem
ou, ainda, reduzindo o vídeo à uma área três vezes menor que seu tamanho original. Neste
contexto, o que se nota é uma relação de mímese muito forte com a linguagem adotada no
design de interfaces da web. Tanto na maneira como estas intefaces se estruturam, como nos
elementos adotados para viabilizar as ações do tele-interator junto aos aplicativos. Conforme
aponta Plaza:
No seu desejo de presentificar, tornar real o objeto que pretende
comunicar, o artista exacerba ou torna proeminentes os caracteres do
meio que utiliza, tornando-o auto-referencial. Essa passagem-tensão
entre os meios que querem comunicar mas acabam se auto-referenciando
toca no que ha de mais transgressor e mais sensível na linguagem dos
suportes, ou seja, na sua própria materialidade como elemento detonador
de seu sentido, como pura semelhança. (PLAZA, 2000, p. 66-67)
71
Neste sentido, a relação mimética entre a web e os aplicativos para a TVDi, pode ser
compreendida como uma maneira de afirmação do meio digital interativo em seu novo ambiente,
o televisivo. Deste modo, suas características tendem a ser exacerbadas sobre o vídeo em uma
relação mais próxima da competição do que da cooperação entres os elementos das diferentes
linguagens envolvidas neste processo. Quando, por exemplo, o vídeo do programa é reduzido
para aproximadamente 1/4 de seu tamanho original, este tem sua importância evidentemente
minimizada e passa a dividir o espaço com os outros elementos visuais da interface. Com isso,
o programa passa a ter duas unidades distintas de informação atuando no mesmo espaço:
o vídeo e o conteúdo do aplicativo. Nota-se, assim, uma similaridade considerável com a
estrutura adotada nos sites da web, em que a mesma interface apresenta diferentes tipos de
elementos e grupos de informações que não estão necessariamente relacionados entre si, como
é possível observar nas imagens a seguir, em que a organização dos elementos na interface do
site na web é replicada na interface do aplicativo para a TVDi. Tanto no programa televisivo
do Discovery Channel, Shark Weekend, (Figuras 102 e 103) como no site da emissora dedicado
aos programas sobre tubarões (Figuras 104 e 105), a informação principal está concentrada
no vídeo. Os demais elementos presentes na interface referem-se ao mesmo tema do vídeo –
tubarões –, mas abordam assuntos distintos e coexistem na interface como unidades distintas
de informação.
Figura 102
Interface do aplicativo para TVDi programa Shark
Weekend, sobre tubarões, do Discovey Channel.
Fonte: http://bit.ly/JkCita
Figura 103
Estrutura da interface
representada pela Figura 102.
Fonte: da autora
72
Figura 104
Interface de videos dos programas sobre Tubarões do
site do Discovery Channel.
Fonte: www.discoveryuk.com/web/sharks/videos
Figura 105
Estrutura da interface representada pela Figura 104.
Fonte: da autora
73
O mesmo tipo de reprodução também pode ser percebido a partir da semelhança, quando
não da réplica, de elementos de interface típicas de sites. Uma das problemáticas envolvidas
nesta prática, é que muitas das soluções de design nos elementos destas interfaces não são
adequadas ao modo de uso da TV. Conforme aponta Cannito (2010) o desafio do design de
interface para a TVDi, está em:
[...] desenvolver um mecanismo que não seja somente o da transferência
da internet para o aparelho de TV [...] os conteúdos possuem
características específicas e, portanto, merecem linguagem e interface
igualmente específicas [...] (p. 151)
No entanto, padrões de tipo de conteúdo e elementos de interface são constantemente
replicados nos aplicativos para a TVDi. As imagens a seguir (Figura 106) demonstram
a reprodução das barras de rolagem e menus de navegação em forma de lista. Em outros
aparelhos, como no computador pessoal (PC), as barras de rolagem e menus de navegação em
forma de lista, propiciam uma boa experiência entre o interator e a interface porque o mouse
– bem como touchpads, touchscreens, entre outros – permite o alcance rápido e objetivo de cada
elemento que precisa ser atingido para que a ação ocorra. Ou seja, ao interagir com a interface
de um site no computador, o interator não precisa selecionar cada um dos itens de uma lista até
alcançar o que ele deseja, pois basta arrastar o mouse rapidamente e posicionar o cursor sobre o
elemento. Já na televisão a interação ocorre por meio do controle remoto. Neste sentido, para
alcançar qualquer item na interface, o tele-interator precisa pressionar os botões de direção no
controle e percorrer todos os elementos até chegar ao item que deseja.
Nos sites é muito comum a utilização de ícones associados à títulos que definem o tipo
de conteúdo presente ema cada área, como recurso para reforçar a categoria de cada conteúdo.
Conforme aponta Garrett (2011), utilizar ícones como metáforas auxilia a redução do esforço
mental requerido para interpretar as informações. No entanto, na interface representada pela
Figura 106, o ícone de câmera, que deveria estar associado à uma informação em formato
audiovisual (vídeo), está categorizando uma informação textual. Neste sentido, o padrão
de associar ícones aos títulos está sendo reproduzido a partir dos sites da web de forma
descontextualizada e pode, inclusive, prejudicar o entendimento do tele-interator sobre cada
tipo de conteúdo.
74
TÍTULO COM ÍCONE ASSOCIADO
BARRA DE ROLAGEM REPLICADA DOS PADRÕES
DE INTERFACES DE SOFTWARES E SITES
LISTAS DE IMAGENS E TEXTOS
Figura 106
Interfaces de aplicativos para a TVDi e a mimetização de elementos da web.
Fonte: http://bit.ly/11PSX0D e http://glo.bo/x5d6fB + gráficos da autora
75
Considerando que a integração do meio digital interativo à televisão é relativamente
recente e ocorre em meio a um processo no qual tanto a tecnologia, como as políticas para a
implantação de um modelo de transmissão ainda estão sendo desenvolvidas e parcialmente
implementadas, é natural que a linguagem deste meio passe por um estágio de transição no
qual suas especificidades ainda estejam sendo encontradas. Sobre este aspecto, Machado
(2011) aponta que:
Tudo, no universo das formas audiovisuais, pode ser descrito em
termos de fenômeno cultural, ou seja, como decorrência de um certo
estágio de desenvolvimento das técnicas e dos meios de expressão [...]
(MACHADO, 2011, p. 175)
Neste sentido, entende-se que, estando a TVDi no estágio de desenvolvimento, sua
linguagem também estará. Assim como, também aponta Johnson (2001):
Nenhuma forma cultural significativa brota plenamente realizada. Há
sempre um período de gestação em que as divisões entre os gêneros,
convenções ou tipos de meio são menos definidos ( JOHNSON, 2001,
p. 34).
Contudo, é válido ressaltar que o padrão de linguagem adotado para os aplicativos na
TVDi pouco mudou desde que estes começaram a ser transmitidos pelas principais emissoras,
há mais de três anos. A mesma estrutura vem sendo utilizada trocando apenas a máscara
de cada interface de acordo com a identidade visual de cada programa. Conforme defende
Santaella (2007) no meio digital, as tecnologias que surgem não eliminam as pré-existentes,
pelo contrário, elas se somam e se hibridizam. Mello (2008) corrobora com este entendimento
ao apontar que:
A cultura digital é compreendida como um estado de experiência
híbrida, na medida em que nela há o constante confronto entre realidades
diferentes, fazendo com que haja a mistura de diferentes naturezas de
linguagens. (MELLO, 2008, p. 199)
Neste sentido, o processo de integração do meio digital interativo à televisão por meio
da TVDi está contradizendo as premissas de hibridização tanto do meio audiovisual como do
meio digital. Nos diferentes exemplos apresentados no decorrer do capítulo 1. Hibridismo de
linguagens na imagem do vídeo televisivo observa-se como a linguagem audiovisual televisiva,
desde o seu início, compõe suas imagens a partir da integração de elementos provenientes de
diferentes modos, sobretudo após o desenvolvimento da tecnologia digital para a manipulação de
imagens que permitiu ao vídeo alcançar a hibridização de linguagens. Para que uma linguagem
híbrida entre o meio audiovisual e digital interativo ocorra na TVDi, espera-se que não haja
a imposição de um modo expressivo sobre outro. Para que isso aconteça é preciso, no entanto,
76
que o próprio conteúdo seja estruturado de maneira integrada aos recursos de interatividade.
Na TVDi, um dos principais aspectos que dificultam a hibridização das linguagens audiovisual
e digital interativa, é o da separação entre conteúdo audiovisual e conteúdo digital interativo.
A maior parte dos aplicativos em TVDi transmitidos hoje no Brasil restringem-se apenas
a disponibilizar informações adicionais básicas sobre os programas, como se fossem uma
versão sintética de seus sites na web. Neste sentido, o design de interface tem seguido pelo
mesmo caminho, ao mimetizar os padrões adotados na web e provocar a descaracterização da
linguagem do vídeo quando os aplicativos de TVDi são acessados. No entanto, o design de
interface precisa cooperar com o processo de hibridização das linguagens envolvidas, buscando
outras soluções que não sejam única e exclusivamente a de reduzir o vídeo ou sobrepor uma
camada sobre o conteúdo audiovisual sem estabelecer uma articulação com o seu conteúdo.
77
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal objetivo desta pesquisa consistiu em realizar uma reflexão sobre o contexto
atual do design de interfaces dos aplicativos de TVDi, a fim de identificar como a integração
de recursos digitais interativos tem impactado na composição da imagem do vídeo televisivo.
A motivação para a realização desta pesquisa partiu da percepção de que a linguagem
visual dos aplicativos disponíveis na TVDi estava em dissonância com o modo expressivo
da televisão. Notou-se que as imagens de múltiplas linguagens não possuem critérios para
a articulação entre os diferentes elementos que as compõem. Os aplicativos enviados pelas
emissoras descaracterizam a imagem do vídeo ao sobrepor a linguagem digital interativa sobre
a audiovisual. Este contexto contraria as premissas de ambos os meios envolvidos uma vez que
o hibridismo de linguagens é intrínseco tanto à televisão como ao meio digital interativo.
A televisão, desde o seu princípio, desenvolveu seu modo expressivo apropriando-se
de elementos de linguagens de outros meios, combinando-os e recombinando-os de modo
a adaptá-los às suas especificidades, em um processo constante de hibridismo. O caminho
trilhado no desenvolvimento de sua linguagem revela como a busca pela hibridização de
linguagens esteve presente desde os primórdios de sua existência. Por meio dos trabalhos do
videasta Jean-Christophe Averty, evidenciou-se a integração de linguagens e procedimentos de
naturezas distintas ao meio televisivo em um contexto onde as possibilidades de manipulação
das imagens eram limitadas pelo tipo de tecnologia disponível. Este caminho iniciado na
década de 1950 culmina em uma linguagem visual híbrida quando, a partir de meados dos anos
1990, a tecnologia digital tranforma as imagens em dados numéricos, permitindo assim que
cada pixel seja manipulado e os limites entre as diferentes linguagens envolvidas desapareçam.
Com a chegada da TVDi, mais uma linguagem passa a compor o universo televisivo,
a linguagem digital interativa. Contudo, diferentemente dos aspectos abordados até então,
os elementos desta linguagem não restringem-se ao campo da visualidade, pois as imagens
78
televisivas neste contexto deixam de ser apenas contemplativas para dialogar diretamente com
o público e viabilizar suas ações junto ao aplicativo. Neste momento, a imagem televisiva
transforma-se em interface e todos os aspectos intrínsecos da linguagem digital interativa
passam a fazer parte do universo televisivo. No entanto, a maneira como os aplicativos
interagem com o fluxo de vídeo mostrou-se na contra-mão do processo de hibridização de
linguagens, uma vez que o design de interface dos aplicativos não articula-se à composição
da imagem do vídeo. Mais do que isso, os próprios aplicativos e os programas operam como
unidades distintas dentro da televisão. Desta maneira, mesmo quando o design de interface
busca a integração visual ao adotar elementos de linguagem e da direção de arte do vídeo, a
falta de conexão entre o programa televisivo e o aplicativo acarretam em uma superposição de
linguagens.
Além disso, na maior parte do tempo, os aplicativos de TVDi mimetizam os padrões
adotados para a web. Tanto no que diz respeito aos seus conteúdos como em sua linguagem
visual, percebe-se que, sobretudo no Brasil, a plataforma de interatividade digital televisiva
tem sido tratada como um repositório de versões reduzidas dos sites dos programas na web. A
consequência tem sido a transmissão de dois produtos de linguagens e conteúdos distintos no
mesmo espaço. Neste contexto, ambos os elementos são prejudicados, uma vez que as imagens
do vídeo televisivo são contaminadas por elementos das interfaces dos aplicativos cada vez
que estes são acessados. Esta contaminação ocorre sem critérios de composição da imagem,
na qual não é possível prever quais elementos do vídeo serão sobrepostos ou em que momento
a imagem do vídeo será reduzida para dar espaço ao aplicativo. Este, por sua vez, apresenta
informações que muitas vezes não são adequadas ao modo de uso da televisão e ao espaço
disponível para elas. Grande parte das informações são reveladas pela interface por meio de
blocos extensos de texto, por exemplo. Nestes casos a distância entre o tele-interator e o aprelho
televisor dificultam a leitura. Além disso, os espaços destinados aos textos são pequenos e estes
ficam comprimidos, tornando a leitura difícil. Além da legibilidade comprometida, ao dispor
informações distintas, a atenção do público é fragmentada e ele precisa escolher entre prestar
atenção no conteúdo audiovisual ou no conteúdo do aplicativo.
Dois casos apresentados nessa pesquisa, da emissora BBC, da Inglaterra, revelam como a
produção integrada dos programas de TV com os recursos de interatividade propiciados pelas
plataformas de TVDi é importante para a hibridização dos meios televisivo e digital interativo.
Um destes programas, o Pyramid Challenge mostra como nem sempre é necessário acrescentar
uma camada de interface sobre o vídeo quando os componentes de sua própria imagem podem
ser transformados em elementos de interface. Sobretudo ao se considerar o grafismo televisual
que, além de cumprir sua função plástica junto à imagem do vídeo, pode atuar como elemento
de interface viabilizando a relação do tele-interator com o aplicativo. Desta forma entendese que o design de interface precisa cooperar com o processo de hibridização das linguagens
79
envolvidas, buscando outras soluções que não sejam única e exclusivamente a de reduzir o
vídeo ou sobrepor uma camada sobre o conteúdo audiovisual sem estabelecer uma articulação
com seus elementos.
Faz parte do processo de criação dos designers que lidam com o desenvolvimento de
produtos derivados de programas de TV, apropriar-se de elementos de suas imagens para
projetar interfaces coerentes com a linguagem visual do vídeo. Nos websites e aplicativos para
celulares e tablets, elementos advindos dos grafismos utilizados para as vinhetas e inserções
durantes os programas, por exemplo, são facilmente transformados em elementos de
interface. Outros componentes, como tipografia, cores, formas e linguagem fotográfica são
incroporados às especificidades cada meio criando, assim, um universo de produtos integrados
e complementares.
Desta forma, o mesmo procedimento precisa ser incorporado ao vídeo televisivo em
um contexto de Televisão Digital Interativa para que a natureza híbrida do vídeo associada
às especificidades das interfaces digitais possibilite a criação de uma linguagem híbrida entre
os meios audiovisual e digital interativo. Isso só poderá ocorrer a partir do momento em que
não houver a imposição de uma linguagem sobre a outra, mas sim a transformação de aspectos
de cada uma das linguagens envolvidas para atender às especificidades do contexto no qual
estes trabalhos se inserem. Na TVDi, um dos principais aspectos que dificultam a hibridização
das linguagens audiovisual e digital interativa, é o da separação entre conteúdo audiovisual e
conteúdo digital interativo.
Das cerca de 105 horas diárias15 de transmissão de aplicativos oferecidas pela TVDi
no Brasil, muito pouco se acrescenta ao público em termos de experiência interativa com o
conteúdo. Ao se analisar tais aplicações constata-se que as emissoras de TV compreendem
a TV Digital Interativa como um meio no qual replica-se, de maneira sintética, o conteúdo
produzido para os seus sites na internet. Ao se comparar os aplicativos interativos dos programas
com seus respectivos sites na web, percebe-se que estes últimos atuam de maneira mais coerente
no que diz respeito à veiculação de conteúdos complementares ao programa em vídeo, visto
que neles a possibilidade de detalhamento informacional é maior. Parte deste problema pode
ser atribuído à desintegração de processos e equipes dentro das próprias emissoras, visto
que os aplicativos para a TVDi são criados por um grupo à parte, geralmente composto
por programadores de software e designers, e desintegrada daquele dedicado à produção do
Segundo dados informados por Roberto Franco, presidente do Fórum Brasileiro de Televisão Digital e diretor
de redes e assuntos regulatórios do SBT, durante o durante o Congresso SET de 2012.
15
80
conteúdo televisivo. Conforme aponta Rosa (2005, p. 52), este novo contexto tecnológico
“requer […] transformação dos procedimentos de fazer televisão”. Neste sentido, os envolvidos
na produção de conteúdos de ambas as linguagens, audiovisual e digital interativa, precisam
atuar em conjunto e compreender as especificidades de cada uma delas.
Uma das principais transformações que se almeja na produção televisiva com vistas
à produção de conteúdo para a TVDi está na elaboração do roteiro de cada programa. O
responsável ou responsáveis por sua construção precisam compreender todas as variáveis
envolvidas na concepção de narrativas digitais interativas. Um roteiro desta natureza irá prever
em quais momentos haverá interatividade, se esta interferirá no enredo do programa, quais
relações o público estabelecerá com o conteúdo, e sua respectiva navegabilidade. Da mesma
maneira, todos os procedimentos que reverberam em algo na composição da imagem, desde
o storyboard até a captura e pós-produção das sequencias, precisam conceber o fluxo de vídeo
como uma interface. Assim, a problemática envolvendo a mimetização dos padrões de design
de interface para a web naturalmente desaparecerá, uma vez que a direção de arte e o design
de interface serão concebidos de forma integrada. Em suma, para que as linguagens televisiva
e digital interativa se hibridizem, um programa para a TVDi deve ser interativo desde a sua
concepção.
Contudo, dado o modo como a implantação da TV Digital tem ocorrido no Brasil, podese afirmar que é na esfera política que residem os principais empecilhos para o desenvolvimento
de uma televisão de conteúdo interativo, associados à significativa restrição de informações a
respeito das possibilidades de interatividade oferecidas pela TV Digital, tanto por parte dos
produtores de conteúdo como da população em geral. Ao contrário da Argentina, por exemplo,
onde houve uma forte ação do governo para promover a TV Digital Interativa, incluindo a
distribuição gratuita de set-top-boxes, o Brasil limitou-se à veiculação de alguns comerciais na
TV, por um curto período de tempo, que apresentavam de modo superficial a nova tecnologia
à população. Uma vez que as pessoas desconhecem como funciona a TVDi, grande parte dos
que adquirem televisores com tecnologia digital, compram aparelhos que sequer possuem o
middleware de interatividade. A partir de 2013, os fabricantes de televisores são obrigados
por lei a incluí-lo em todos os aparelhos produzidos no Brasil. Isso pode vir a se tornar um
incentivo para que os recursos de interatividade sejam explorados com verdadeiro interesse
por parte das emissoras. Considerando que os fabricantes terão de investir na produção dos
televisores, é provável que a TVDi entre na lista de itens que são explorados como apelo
de venda dos aparelhos de TV Digital e, consequentemente, pressione as emissoras para
produzirem conteúdos específicos para a TVDi.
Neste sentido, as questões que cerceiam a hibridização das linguagens televisiva e digital
interativa, estão imbricadas em uma problemática muito mais complexa do que aparenta ser
81
quando esta é analisada especificamente pela ótica da estética audiovisual e digital interativa.
Assim, percebe-se que movimentos em diferentes esferas precisam ser realizados, para que as
mudanças necessárias no modo como estes conteúdos são produzidos na TVDi avancem, das
pesquisas e experimentações no âmbito acadêmico, para sua concretização na sociedade.
82
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