Revista Trimestral de Jurisprudência
volume 200 – número 3
abril a junho de 2007
páginas 1037 a 1496
Diretoria-Geral
Sérgio José Américo Pedreira
Secretaria de Documentação
Altair Maria Damiani Costa
Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência
Nayse Hillesheim
Seção de Preparo de Publicações
Leide Maria Soares Corrêa Cesar
Seção de Padronização e Revisão
Rochelle Quito
Seção de Distribuição de Edições
Leila Corrêa Rodrigues
Diagramação: Cláudia M. de Oliveira, Joyce Ferreira e Manoel V. Santana
Capa: Núcleo de Programação Visual
(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)
Revista trimestral de jurisprudência / Supremo Tribunal
Federal, Coordenadoria de Divulgação de
Jurisprudência. – Ano 1, n. 1 (abr./jun. 1957)- . –
Brasília: Imprensa Nacional, 1957-.
v. 200-3; 22 cm.
Três números a cada trimestre.
Editores: Editora Brasília Jurídica, 2002-2006; Supremo
Tribunal Federal 2007- .
ISSN 0035-0540
1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Brasil. Supremo
Tribunal Federal (STF).
CDD 340.6
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Ministra
Ministro
Ministro
Ministro
Ministro
Ministro
Ministro
Ministro
Ministro
Ministro
Ministra
ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000), Presidente
GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Vice-Presidente
José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE (17-5-1989)
José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)
MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)
Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003)
CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)
JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)
EROS Roberto GRAU (30-6-2004)
Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)
CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)
COMPOSIÇÃO DAS TURMAS
PRIMEIRA TURMA
Ministro
Ministro
Ministro
Ministro
Ministra
José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE, Presidente
MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello
CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO
Enrique RICARDO LEWANDOWSKI
CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha
SEGUNDA TURMA
Ministro
Ministro
Ministro
Ministro
Ministro
José CELSO DE MELLO Filho, Presidente
GILMAR Ferreira MENDES
Antonio CEZAR PELUSO
JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes
EROS Roberto GRAU
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA
COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES
COMISSÃO DE REGIMENTO
Ministro
Ministro
Ministra
Ministro
SEPÚLVEDA PERTENCE
GILMAR MENDES
CÁRMEN LÚCIA
EROS GRAU – Suplente
COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Ministro MARCO AURÉLIO
Ministro CEZAR PELUSO
Ministro JOAQUIM BARBOSA
COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO
Ministro CELSO DE MELLO
Ministro CARLOS BRITTO
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI
COMISSÃO DE COORDENAÇÃO
Ministro GILMAR MENDES
Ministro CEZAR PELUSO
Ministro EROS GRAU
SUMÁRIO
Pág.
ACÓRDÃOS ............................................................................................. 1037
DECISÕES MONOCRÁTICAS .............................................................. 1397
ÍNDICE ALFABÉTICO ........................................................................... 1423
ÍNDICE NUMÉRICO ............................................................................... 1491
ACÓRDÃOS
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO CAUTELAR 505 — RS
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Embargante: União — Embargado: DHB Componentes Automotivos S.A.
Embargos de declaração em ação cautelar. 2. Efeito suspensivo a recurso extraordinário. 3. Matéria específica decidida pelo Plenário no RE
346.084/SP. 4. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, tão-somente
para o fim de que seja aclarado que a decisão referendada limita-se à suspensão da aplicação do art. 3º da Lei 9.718/98.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie (RISTF, art. 37, II),
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de
votos, acolher os embargos de declaração, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Gilmar Mendes, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A União opõe embargos declaratórios em face do
acórdão de fls. 273-278 pelo qual esta Turma referendou a liminar que, à fls. 243-244, deferi
nos autos.
Alega a Embargante, em síntese, que o deferimento teve como fundamento a então
pendência de julgamento final no Plenário da Corte do RE 346.084/PR (COFINS – Conceito
de Faturamento – art. 3º da Lei 9.718/98), mas atribuiu efeito suspensivo à totalidade de
recurso extraordinário cujo objeto seria mais amplo que o veiculado naquele leading case,
por incluir também a argüição da inconstitucionalidade do art. 8º daquele mesmo diploma
legal.
É o relatório.
1040
R.T.J. — 200
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Reconhecendo que o recurso extraordinário
correspondente à presente ação cautelar, a ele atualmente apensado, efetivamente versa
sobre os arts. 3º e 8º da Lei 9.718/98 (fls. 3, 4º parágrafo, e 4, 2º parágrafo) e que nesta ação o
pedido de concessão de efeito suspensivo é extensivo a ambos os dispositivos (fls. 32-33,
item “III”), cabe, nos limites objetivos destes embargos de declaração e independentemente de outras considerações que se pudessem formular acerca da interpretação articulada entre o dispositivo e os fundamentos da decisão liminar, acolher os embargos
opostos pela União tão-somente para aclarar que a decisão referendada se limita à suspensão da aplicação, à Requerente, do art. 3º da Lei 9.718/98.
EXTRATO DA ATA
AC 505-ED/RS — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Embargante: União (Advogado:
PFN – Romulo Ponticelli Giorgi Júnior). Embargado: DHB Componentes Automotivos
S.A. (Advogados: Fabio Luis de Luca e outro).
Decisão: A Turma, por unanimidade, acolheu os embargos de declaração, nos termos
do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de
Mello. Presidiu este julgamento a Ministra Ellen Gracie.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Gilmar Mendes
e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.
Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
R.T.J. — 200
1041
AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO CAUTELAR 892 — SP
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso
Agravantes: Casa Participações e Serviços Imobiliários Ltda. e outro — Agravada:
União
Ação cautelar. Tributo. Contribuição social. Cofins. Majoração da alíquota. Art. 8º da Lei 9.718/98. Pretensão de outorga de efeito suspensivo a
recurso extraordinário. Inadmissibilidade. Norma declarada constitucional
pelo Supremo. Agravo improvido. Não se admite tutela cautelar de atribuição
de efeito suspensivo a recurso extraordinário que argúi inconstitucionalidade
de norma que o Supremo reputou constitucional.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental na ação cautelar. Não participou deste julgamento
o Ministro Carlos Britto.
Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Cuida-se de agravo regimental interposto contra
decisão que, proferida nos autos de ação cautelar, concedeu efeito suspensivo a recurso
extraordinário, exclusivamente em relação ao aumento da base de cálculo do PIS e da
Cofins promovido pela Lei 9.718, de 27-11-98.
Transcrevo, a seguir, as passagens essenciais, para fins de julgamento do regimental,
da decisão agravada:
1. Trata-se de medida cautelar incidental, tendente a emprestar efeito suspensivo a recurso
extraordinário admitido na origem (fls. 678/679) e relativo à majoração da base de cálculo do PIS
e da Cofins e da alíquota desta última contribuição, pela Lei 9.718/98 (...)
2. O caso é de liminar parcial.
2.1 Quanto à majoração da base de cálculo do PIS e da Cofins perpetrada pelos arts. 2º e 3º
da Lei 9.718/98, o pedido assemelha-se ao da AC 136, na qual decidi: (...).
No dia 18 de maio p.p., o julgamento do RE 346.084/PR foi retomado e, após cinco votos
pela inconstitucionalidade (Ministros Cezar Peluso, Marco Aurélio, Carlos Velloso, Celso
de Mello e Sepúlveda Pertence) e três pela constitucionalidade (Ministros Ilmar Galvão,
Gilmar Mendes e Maurício Corrêa) da majoração, foi novamente suspenso. Daí se tira logo
a razoabilidade jurídica do pedido, para efeito de concessão de liminar.
Embora o RE 346.084/PR tenha por objeto a majoração da base de cálculo da Cofins, o
fato de os dispositivos impugnados, o parâmetro constitucional e os fundamentos serem os
mesmos legitima a aplicação do precedente à hipótese de majoração do PIS.
Em casos idênticos, as Turmas têm referendado as decisões que concedem liminar na
pendência da matéria no Plenário.
1042
R.T.J. — 200
2.2 Já em relação à majoração da alíquota da Cofins operada pelo art. 8º da Lei 9.718/98,
não encontro igual razoabilidade jurídica, porque advinda aquela do exercício de competência da
União, nos termos do art. 195, I, da Constituição da República.
3. Do exposto, concedo, parcialmente, medida liminar, para atribuir efeito
suspensivo ao recurso extraordinário, exclusivamente em relação à majoração da base de cálculo
do PIS e da Cofins, autorizando a ora Requerente a recolher tal contribuição nos termos da Lei
9.718/98, sobre a base de cálculo da legislação anterior (Lei Complementar 70/91).
2. A Agravante pede seja reconsiderada a decisão, pleiteando ampliação do provimento para abranger o capítulo decisório sobre majoração da alíquota da Cofins de 2%
para 3%, determinada pelo art. 8º da Lei 9.718/98.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inconsistente o recurso.
É que, em data recente, o Plenário da Corte declarou a constitucionalidade da majoração da alíquota, objeto do disposto no art. 8º da Lei 9.718/98 (RE 357.950/RS, RE
358.273/RS e RE 390.840/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 9-11-05. Ver
Informativo STF 408, p. 1), de modo que, como é óbvio, já não se pode entrever razoabilidade jurídica alguma à pretensão que justificasse tutela cautelar.
2. Do exposto, nego provimento ao agravo.
EXTRATO DA ATA
AC 892-AgR/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravantes: Casa Participações
e Serviços Imobiliários Ltda. e outro (Advogados: Erika Fernandes Flenik e outro). Agravada: União (Advogados: PFN – Fernando Netto Boiteux e outro).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental na ação cautelar. Unânime.
Não participou deste julgamento o Ministro Carlos Britto.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.
Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 200
1043
EXTRADIÇÃO 928 — REPÚBLICA PORTUGUESA
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso
Requerente: Governo de Portugal — Extraditando: Camilo José Ambrósio Pereira
Coelho
Extradição. Passiva. Instrutória. República Portuguesa. Acusação de
burla qualificada, abuso de confiança agravado, falsificação de documentos
agravada e branqueamento de capitais. Mandado de prisão preventiva. Presença do requisito da dupla tipicidade. Fatos puníveis com pena privativa de
liberdade de duração máxima superior a um ano. Cumprimento do requisito
do Tratado. Manifestação do Supremo sobre o mérito da pretensão do Estado
requerente. Inadmissibilidade. Extradição concedida. Precedentes. Se, preenchidos os demais requisitos e, para efeito de condição do Tratado entre o
Brasil e a República Portuguesa, os fatos imputados ao extraditando são
puníveis com pena privativa de liberdade de duração máxima superior a um
ano, deve ser concedida a extradição, sem que possa o Supremo Tribunal
Federal manifestar-se sobre o mérito da pretensão do Estado requerente ou
sobre o contexto probatório em que ela se apóia.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o
pedido de extradição, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste
julgamento, o Ministro Nelson Jobim (Presidente). Presidiu o julgamento a Ministra Ellen
Gracie (Vice-Presidente).
Brasília, 23 de fevereiro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de pedido de extradição do nacional português Camilo José Ambrósio Pereira Coelho, formalizado pelo Governo de Portugal, com
fundamento em tratado específico firmado em 7-5-91 e promulgado pelo Decreto 1.325, de
2-12-94.
O pleito baseia-se em ordem de prisão preventiva expedida em 10 de dezembro de
2003, pela juíza de direito do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Seia, sob fundamento da prática dos crimes de: i) burla qualificada (art. 217, n. 1, art. 218, n. 1 e 2, alínea a;
e art. 202, alínea b, todos do Código Penal); ii) abuso de confiança agravado (art. 205, n.
1 e 4, alíneas a e b; e art. 202, alínea b, todos do Código Penal); iii) falsificação de
documento agravada (art. 225, alínea a; e 226, n. 1, alíneas a e b, e n. 3, todos do Código
Penal); e iv) branqueamento de capitais (art. 2º, n. 1, alínea a, do Decreto-Lei 325/95, na
redação dada pelo Decreto-Lei 10/02).
1044
R.T.J. — 200
O Extraditando foi indiciado nos autos do Inquérito 152/03.8/TASEI, porque, “na
qualidade de funcionário do Banco Totta & Açores, S.A., desde 4-2-1985, e como gerente da
mesma instituição bancária, desde 2-5-2001, pelo menos desde 1994, ter negociado com
um conjunto de clientes do balcão de Seia, da referida Instituição, a constituição de
depósitos bancários de montantes iguais e superiores a 50 000,00 Euros, mediante remuneração acima do mercado, face ao que conseguiu apropriar-se de montantes na ordem
dos 7 266 407,76 Euros, entregues pelos referidos clientes para efeitos de aplicação financeira e em contas off-shore do Banco Totta e Açores S.A., que o argüido, além do mais,
fazia depositar em contas que era titular” (fl. 8).
Vieram aos autos cópias dos preceitos penais portugueses aplicáveis ao caso (fls.
78-93), bem como cópias dos documentos exigidos pelo Estatuto do Estrangeiro1, com
indicações sobre o local, a data, a natureza e as circunstâncias dos fatos delituosos
imputados ao Extraditando.
Preenchidos os requisitos previstos no art. 82 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980,
foi decretada a prisão preventiva do Extraditando em 2 de agosto de 2004, expedindo-se,
para tanto, o respectivo mandado. Em 11 de agosto de 2004, na cidade de Marica/RJ, o
Extraditando foi preso e encaminhado ao presídio Ary Franco/Seap/RJ.
Mediante o Aviso 1.815/MJ, de 23 de junho de 2004, o Ministro de Estado da Justiça
juntou aos autos a documentação recebida da Embaixada de Portugal por vias diplomáticas e que instruiu a Nota Verbal 146, verbis:
A Embaixada de Portugal apresenta os seus atenciosos cumprimentos ao Ministério das
Relações Exteriores e tem a honra de junto remeter a documentação que constitui o pedido
dirigido pelo Governo Português ao Governo Brasileiro para extradição do cidadão português
Camilo José Ambrósio Pereira Coelho, natural da freguesia de Pinhaços, conselho de Seia,
nascido a 21 de novembro de 1961, filho de Antônio Pereira Coelho e de Irene Vaz Ambrósio.
A pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado, nem detida para o exercício
da ação penal, cumprimento de pena ou outro fim, por factos diversos daqueles que fundamentam
o presente pedido e lhe sejam anteriores ou contemporâneos.
O presente pedido de extradição é apresentado sob compromisso formal, por parte do
Governo Português, de respeito pelo princípio da reciprocidade.
A Embaixada muito agradeceria ao Ministério das Relações Exteriores que se dignasse
encaminhar o referido pedido às competentes autoridades brasileiras.
O Governo Português assume os compromissos formais previstos no Art. 91 da Lei n.
6.815/80, alterada pela lei n. 6.964/81.
A embaixada de Portugal aproveita a oportunidade para reiterar ao Ministério das Relações
Exteriores os protestos da sua elevada consideração (fl. 04).
1 “Art. 80. A extradição será requerida por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do Estado
que a requerer, diretamente de Governo a Governo, devendo ser o pedido instruído com cópia autêntica
ou a certidão da sentença condenatória, da de pronúncia ou da que decretar a prisão preventiva, proferida
por juiz ou autoridade competente. Esse documento ou qualquer outro que se juntar ao pedido conterá
indicações precisas sobre o local, data, natureza e circunstâncias do fato criminoso, identidade do
extraditando, e, ainda, cópia dos textos legais sobre o crime, a pena e sua prescrição.”
R.T.J. — 200
1045
Delegado o ato de interrogatório à Justiça Federal do Rio de Janeiro (art. 211 do
RISTF2), o Extraditando, devidamente assistido por seu procurador, informou que “(...)
tem conhecimento dos fatos que lhe são imputados e que fundamentam o pedido de
extradição e que recebeu cópia dos mesmos pelo seu advogado; que confirma o teor do
depoimento de fls. 46/51 (n. do STF) que é um depoimento prestado sob alguma pressão
e na ocasião havia um acordo interrogando com o banco no sentido de todo o assunto
seria resolvido internamente com o próprio banco; que as informações vazaram para a
opinião pública e, pelo visto, o acordo não foi respeitado pelo banco; que aquele depoimento foi prestado no gabinete de inspeção por um órgão interno do banco; que as
restituições mencionadas naquele depoimento não foram realizadas pelo interrogando
porque a partir do dia 24 de setembro de 2003 os valores ficaram bloqueados nas aplicações e no período de 12 a 23 de setembro /2003 o interrogando poderia ter efetuado saque
nos valores depositados, mas não o fez; que embora o que diz quanto a mecânica das
operações quanto à parte que isenta de responsabilidade os outros colaboradores do
balcão que assinaram conjuntamente consigo os cheques bancários; que seus colegas
estavam alheios às dificuldades; que nunca foi preso nem processado” (fls. 171-172).
A defesa sustenta que: “i) o processo de extradição foi todo formulado no sentido
de incriminar o extraditando e; ii) a prova coligida não merece nenhuma credibilidade, por
não existir parâmetro legal, não nos dá prova irrefutável de que o extraditando tenha
cometido todos os crimes ali expostos (...)” (fls. 190-191).
Requer a improcedência do processo de extradição.
O Ministério Público Federal manifesta-se pela concessão do pedido extradicional
(fls. 196-200).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O pedido de extradição passiva formulado
pela República Portuguesa, fundamentado em tratado específico firmado com a República
Federativa do Brasil e, com a observância das ressalvas impostas pela Lei 6.815/80, está
instruído com os documentos mencionados no art. 80 do Estatuto do Estrangeiro (fls. 3/93).
Observo estar presente uma das duas hipóteses que autorizam a concessão da
extradição segundo a Lei 6.815/90, e que é a decretação da prisão do extraditando por juiz,
por tribunal ou por autoridade competente, no Estado requerente (inciso II do art. 78).
É possível atender a pleito extradicional, não apenas naqueles casos onde já exista
sentença condenatória com pena privativa de liberdade mas também quando a solicitação
tenha por fim julgar o réu perante órgão do Poder Judiciário competente, pela prática do
crime que lhe é imputado. Nesses termos distingue-se extradição para fins executórios e
instrutórios de ação penal estrangeira.
2
“Art. 211. É facultado ao Relator delegar o interrogatório do extraditando a juiz do local onde estiver
preso.
Parágrafo único. Para o fim deste artigo, serão os autos remetidos ao juiz delegado, que os devolverá
uma vez apresentada a defesa ou exaurido o prazo.”
1046
R.T.J. — 200
A competência penal para processar e julgar o extraditando é exclusiva do Estado
requerente, segundo, aliás, princípios de direito penal internacional, tais como o da
territorialidade da lei penal (o delito, em tese, foi cometido na República Portuguesa), da
nacionalidade ativa (o Extraditando é nacional português) e, ainda, o postulado da personalidade passiva (as vítimas são de nacionalidade portuguesa).
O Estatuto do Estrangeiro prevê, no art. 77, as hipóteses em que não se concederá a
extradição do acusado:
I - se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato
que motivar o pedido;
II - o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado
requerente;
III - o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;
IV - a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a um ano;
V - o extraditando estiver a responder processo ou já houver sido condenado ou absolvido
no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;
VI - estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado
requerente;
VII - o fato constituir crime político; e
VIII - o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo
de exceção.
Nenhuma se aplica ao caso.
Os delitos atribuídos ao Extraditando, em tese, tipificam: i) burla qualificada; ii)
abuso de confiança agravado; iii) falsificação de documento agravada; e iv) branqueamento de capitais.
O Estado requerente dispõe de competência jurisdicional para processar e julgar o
Extraditando, que é nacional português, natural de Pinhaços, e em Portugal teria cometido
os ilícitos penais de que é acusado.
É também requisito da extradição que o fato motivador do pedido seja considerado
crime assim no Brasil como no Estado requerente.
Quanto aos crimes de burla qualificada e abuso de confiança, assiste razão ao então
Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, ao diferenciá-los em dois momentos
distintos, para fins de demonstrar a correlação no direito positivo nacional:
a) quando praticados pelo extraditando enquanto mero funcionário do Banco “Totta &
Açores”, período entre 1994 e 02/02/2001, tais ilícitos correspondem no Brasil, respectivamente,
aos delitos de estelionato (art. 171 do Código Penal) e apropriação indébita agravada (art. 168,
caput e §1º, III, do Código Penal).
b) quando praticados pelo extraditando prevalecendo-se da condição de gerente da mencionada Instituição Financeira, período entre 02/05/2001 a 2003, a tipificação correta das ditas
infrações, em atenção ao princípio da especialidade, dar-se-á, respectivamente, nos arts. 4º,
caput, e 5º da Lei 7.492/86 (gestão fraudulenta e apropriação indevida de valores), tudo conforme
o art. 225 do mesmo diploma.
(Fls. 198-199.)
Já o crime de falsificação de documento agravada (art. 256, n. 1, alíneas a e b, do
Código Penal português) ajusta-se ao modelo normativo consolidado nos tipos penais
R.T.J. — 200
1047
descritos nos arts. 298 (falsificação de documento particular) e 299 (falsidade ideológica),
ambos do Código Penal brasileiro. Por fim, o tipo de branqueamento de capitais (art. 2, n. 1,
alínea a, do Decreto-Lei 325/95, com redação dada pelo Decreto-Lei 10/02), ao de lavagem
ou ocultação de bens, direitos e valores (inciso II do § 1º do art. 1º da Lei 9.613/98).
Dou, então, por satisfeito o requisito da dupla tipicidade.
Resta avaliar se as penas em abstrato são de magnitude tal que autorizem a extradição.
É que o Tratado incidente prevê que a extradição só será admissível diante de fatos
puníveis “com pena privativa da liberdade de duração máxima superior a um ano” (art. II,
n. 1).
Dúvida não há de que, na legislação penal de ambas as partes, as penas máximas
abstratamente cominadas aos delitos são superiores a um ano de reclusão. Confira-se a
legislação penal portuguesa: i) burla qualificada (pena de prisão de 2 a 8 anos); ii) abuso
de confiança agravado (pena de prisão de 1 a 8 anos); iii) falsificação de documento agravada (pena de prisão de 6 meses a 5 anos); e iv) branqueamento de capitais (pena de prisão
de 4 a 12 anos).
E não é diferente em relação aos crimes correspondentes no direito positivo nacional:
i) estelionato (reclusão de 1 a 5 anos); ii) apropriação indébita agravada (reclusão de 1 a
4 anos, aumentada de um terço); iii) gestão fraudulenta e apropriação indevida de valores
(reclusão de 3 a 12 anos); iv) falsificação de documento particular (reclusão de 1 a 5
anos); v) falsidade ideológica (reclusão de 1 a 3 anos); e vi) lavagem ou ocultação de bens,
direitos e valores (reclusão de 3 a 10 anos).
Pelos fatos narrados no pleito extradicional, os delitos ter-se-iam consumado entre os
anos de 1994 e 2003, quando o Extraditando, na condição de gerente do Banco Totta &
Açores S.A., se teria apropriado de valores pertencentes a clientes da instituição. Levandose em consideração as penas abstratas acima transcritas, considero satisfeita a exigência do
duplo grau de punibilidade, seja em face da legislação portuguesa, seja da brasileira.
É que, perante a legislação da República Portuguesa (art. 118 do Código Penal), a
prescrição do procedimento criminal dá-se em 10 (dez) anos, quando se trate de crimes
puníveis com pena de prisão cujo limite máximo seja igual ou superior a 5 (cinco) anos,
mas não exceda a 10 (dez) anos, o que se aplica aos crimes de burla qualificada, abuso de
confiança agravado e falsificação de documento agravada e, em 15 (anos), quando se
trate de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 10 anos, o
que se amolda ao crime de branqueamento de capitais.
Já nos termos dos incisos II, III e IV do art. 109 do Código Penal brasileiro, os prazos
da prescrição da pretensão punitiva, contados do dia da consumação do delito, são de: i)
08 (oito) anos para o delito de falsidade ideológica (art. 299 do CP); ii) 12 (doze) anos para
os delitos de apropriação indébita agravada, estelionato, falsificação de documento particular e apropriação indevida de valores e iii) 16 (dezesseis) anos para os crimes de
gestão fraudulenta e lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.
Por fim, a defesa alega que não há prova suficiente nos autos que demonstre a
participação do Extraditando nos delitos imputados e requer a improcedência do pedido
de extradição (fl. 191).
1048
R.T.J. — 200
A jurisprudência da Corte, entretanto, tem reiteradamente assinalado que a ação de
extradição passiva não lhe confere nenhum poder de indagação sobre o mérito da pretensão deduzida pelo Estado requerente ou sobre o contexto probatório em que a postulação
extradicional se apóia (cf.: Ext 669, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 29-3-96; Ext 866, Rel.
Min. Celso de Mello, DJ de 13-2-04; Ext 897, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 18-2-05).
Ressalto, ainda, que o Extraditando se manifestou no sentido de ver deferido o
pedido de extradição, a fim de “se defender no Juízo requerente, em relação aos fatos que
lhe são atribuídos e pelos que responde a processo penal” (fl. 207).
A embaixada de Portugal carreou aos autos, com a Nota Verbal 385, cópias do
requerimento em que o Extraditando, por seu mandatário, teria renunciado ao processo
formal de extradição. Mas não é o que se colhe ao documento (fl. 185).
3. Observados, portanto, os requisitos legais enumerados no Estatuto do Estrangeiro
e em face do Tratado de Extradição firmado entre o Governo da República Portuguesa e o
Governo da República Federativa do Brasil, defiro a extradição do nacional português
Camilo José Ambrósio Pereira Coelho.
EXTRATO DA ATA
Ext 928/República Portuguesa — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente:
Governo de Portugal. Extraditando: Camilo José Ambrósio Pereira Coelho (Advogado:
Marco Antônio Gouvêa de Faria).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, nos termos do voto do Relator, deferiu o
pedido de extradição. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Nelson
Jobim (Presidente). Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio
Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 23 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 200
1049
EXTRADIÇÃO 968 — REPÚBLICA PORTUGUESA
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Requerente: Governo de Portugal — Extraditando: João Manuel Pires Aurélio
Duarte
Extradição. 2. Crimes de falsificação de documento, burla qualificada e
lavagem de dinheiro. 3. Processamento do pedido de acordo com a Lei 6.815/80.
4. Atendimento dos requisitos formais. 5. Crime de falsificação de documento
que se caracteriza como antefato impunível do crime de burla qualificada, não
punível isoladamente em virtude do princípio da consunção. 6. Documentos
falsificados cuja utilidade se exaure no auferimento de valores pecuniários, em
virtude de estelionato, não enseja o deferimento do pedido de extradição. Precedentes. 7. Crime de burla qualificada que atende aos requisitos da dupla
tipicidade e da inocorrência de prescrição. 8. Crime de lavagem de dinheiro não
atende ao requisito da dupla tipicidade em virtude da ausência de previsão, à
época dos fatos, do crime antecedente (estelionato), no rol taxativo do art. 1º da
Lei 9.613/98. 9. O regime jurídico do processo de extradição, no direito brasileiro, não admite a análise sobre a justiça ou injustiça do processo ou da condenação no Estado requerente, cabendo somente o exame dos pressupostos para a
extradição. 10. A condição de brasileiro naturalizado, adquirida posteriormente à data dos fatos criminosos, não é óbice ao deferimento da extradição (art. 5º,
LI, da CF/88). 11. Extradição deferida parcialmente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir, em
parte, o pedido extradicional, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 11 de maio de 2006 — Gilmar Mendes, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de pedido de extradição instrutória formulado
pelo Governo de Portugal, por via diplomática, com base no art. XII do Tratado de Extradição firmado pelos dois países em 7 de maio de 1991 e promulgado pelo Decreto 1.325, de
2 de dezembro de 1994, do nacional português João Manuel Pires Aurélio Duarte, encaminhado na forma do Aviso 206/MJ, de 28 de fevereiro de 2005, do Ministro da Justiça
(fl. 02).
Atendendo pedido formulado pelo Ministro da Justiça, decretou-se a prisão preventiva para fins de extradição em 1º de março de 2005, tendo sido comunicado o seu
cumprimento em 3 de março de 2005 (fl. 191).
Estando o Extraditando recolhido nas dependências da Superintendência da Polícia
Federal do Estado de Pernambuco, delegou-se a competência para o interrogatório ao
Juízo da Seção Judiciária daquele Estado (fl. 199).
1050
R.T.J. — 200
A representante do Ministério Público Federal, Dra. Cláudia Sampaio Marques,
opina pela concessão parcial da extradição (fl. 579).
Em petição avulsa, o Extraditando requereu:
a) suspensão da deliberação de conceder prazo ao Governo português para fim de
suprir deficiente instrução do feito;
b) liberdade provisória, para que possa acompanhar o feito sem o constrangimento
do cárcere, tendo em vista que está preso desde março de 2005; e
c) se não for possível a liberdade provisória, seja permitido ao Réu o regime da
prisão domiciliar ou outra forma menos danosa de custódia, a fim de que possa trabalhar
em suas empresas, diminuindo os graves prejuízos financeiros enfrentados (fls. 592-593).
Registre-se, por fim, que foi concedida liminar no HC 87.139-9/PE, pelo Presidente
desta Corte, Min. Nelson Jobim, com a finalidade de permitir fosse o Extraditando conduzido aos locais dos exames médicos, conforme requerido, e neles permanecer, sob escolta
e fiscalização, até a conclusão dos procedimentos e exames médicos necessários (fl. 637).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator):
1. Descrição da situação
O pedido de extradição é fundado no Processo de Inquérito 1.469/02.4/JFLSB da 3ª
Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, no qual o ora Extraditando João Manuel Pires Aurélio Duarte se encontra indiciado pela suposta prática dos
crimes de burla qualificada, falsificação de documentos e branqueamento de capitais (fls.
5-6).
Trata-se, portanto, de extradição instrutória pelos crimes supramencionados, conforme consta do mandado de detenção internacional (fls. 17 e seguintes):
Indiciam os autos, para além do mais, a prática pelo arguido João Manuel Pires Aurélio
Duarte, e outros, de crimes de burla qualificada, falsificação de documentos, e branqueamento de
capitais.
Os crimes de burla qualificada e falsificação indicados nos autos, foram praticados pelo
menos desde 1998 e até 2003, eo branqueamento de capitais em 2002/2003.
Tais crimes, reportam-se a uma gigantesca fraude à ADSE praticada através de facturação
de actos médicos não realizados, falsificação de assinaturas em prescrições médicas, e
contrafacção de vinhetas espelhada nos milhares de documentos juntos aos autos.
Constam dos autos documentos em que se atesta a realização de actos médicos como se na
verdade tivessem sido prestados, não o tendo porém sido prestados de facto, actos esses que foram
transcritos para fichas individuais de tratamento de beneficiários da ADSE atendidos nos locais a
seguir indicados, sendo certo que os referidos actos médicos fictícios foram facturados e pagos
pela ADSE apesar de não terem prestados aos beneficiários dessa entidade indicados nas referidas
fichas e facturas.
Da facturação apresentada pelo arguido João Manuel Pires Aurélio Duarte à ADSE para
pagamento, constam facturas relativas a consultas de pediatria referentes a beneficiários cuja
idade não se coaduna com tal especialidade, (por exemplo, beneficiários aposentados).
(Fls. 17-18.)
R.T.J. — 200
1051
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Dra. Cláudia Sampaio Marques,
assim se manifesta:
Com efeito, o pedido formulado pelo Governo de Portugal reúne apenas em parte as
condições necessárias ao seu deferimento, nos termos da Lei 6.815/80 e do Tratado de Extradição
específico, pois, no tocante aos crimes de falsificação de documentos e branqueamento de capitais,
o pedido não satisfaz os requisitos legais.
(Fl. 574.)
2. Crime de falsificação de documento
Em relação à falsificação de documentos, a jurisprudência do STF vem consolidando
entendimento no sentido de que, quando se tratar de antefato impunível, tal crime não
enseja o deferimento do pedido de extradição. Na Ext 931, o Min. Cezar Peluso registrou:
Presente o requisito da precisa indicação do fato no que toca aos outros crimes, analiso a
questão da absorção do delito de falsificação pelo de burla qualificada.
(...)
Está claro, pois, que, diversamente do que professa a douta Procuradoria-Geral, teria
havido volição única, a de falsificar os cheques para obter vantagem patrimonial ilícita (art. 171,
CP), ou, com a “intenção de obter para si enriquecimento ilegítmo (art. 217º, 1, CP português),
donde não poder excogitar-se concurso formal homogêneo (cf. fl. 285), senão mero concurso
aparente de normas, que leva à absorção do falsum pelo estelionato, ou burla, neste caso.
A Corte já teve oportunidade de enfrentar casos semelhantes, admitindo a absorção de uma
figura típica por outra, em pedidos de extradição. Assim sucedeu na Ext 543 (Rel. Min. Moreira
Alves), em que o Plenário, na esteira do voto do Relator, resolvendo concurso aparente de
normas pela via do princípio da subsidiariedade tácita, indeferiu a extradição pelo crime de
constrangimento ilegal, porque figurava elemento constitutivo do crime de roubo (RTJ 138/428).
Na Ext 654 (Rel. Min. Néri da Silveira), o Plenário, por maioria, entendeu que as acusações
de um incêndio de primeiro grau e de quatro homicídios de primeiro grau deveriam ser reduzidas
a um só crime, o do art. 250, caput, c/c o art. 258 do CP.
Posto não seja incontroverso o tratamento do tema da absorção do falsum pelo
estelionato na Corte, não há negar, nesse caso, a imperiosidade da aplicação do princípio da
consunção (...)
No caso dos autos, conforme informações constantes do mandado de detenção
internacional, a falsificação de diversos documentos (vinhetas médicas diferentes; prescrições médicas com caligrafias diferentes para o mesmo médico; registro de consultas de
pediatria para pacientes idosos; registro de consultas de pediatria efetuadas em menos de
10 minuntos cada uma) teve como objetivo obter vantagens econômicas indevidas, em
detrimento da ADSE (Estado português).
O antefato impunível ocorre quando um ato menos grave precede um ato mais grave
como meio necessário ou normal de realização da conduta delituosa. Na realidade, não há
pluralidade de condutas, mas uma única conduta que é formada por um conjunto de atos,
não havendo que se falar em pluralidade de fatos, mas em pluralidade de atos e unidade de
ação. A não-punibilidade do ato antecedente se fundamenta na ausência de conduta
punível, porquanto, nesses casos, o meio empregado para a realização do fim é considerado necessário para a própria conduta criminosa, fazendo incidir o princípio da
consunção.
1052
R.T.J. — 200
Nas circunstâncias dos autos, verifica-se que os atos de faturação de atos médicos
não realizados, falsificação de assinaturas em prescrições médicas e contrafação de vinhetas médicas são absorvidos pelo crime de estelionato, não havendo que se falar em concurso de crimes.
A tese do concurso formal não se apresenta adequada para o caso, porque não há
pluralidade de crimes, uma vez que a potencialidade lesiva dos documentos falsificados
se esgota no próprio crime de estelionato. Como são documentos cuja utilidade se exaure
no auferimento dos valores pecuniários correspondentes, não há que se falar em concurso formal. Nesse sentido: Ext. 931, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 28-9-05.
Assim sendo, não procede o pedido de extradição pelo crime de falsificação de
documentos.
3. Crime de burla qualificada
Quanto à burla qualificada (estelionato), está atendida a exigência da dupla tipicidade
(art. 77, II, da Lei 6.815/80), pois o crime tem previsão expressa no ordenamento jurídico
brasileiro (art. 171, caput, c/c o § 3º do Código Penal) e português (art. 217, n. 1; 218, n. 2,
a, do Código Penal português).
No que diz respeito à prescrição, registre-se que os crimes pelos quais o Extraditando está sendo acusado, no tocante às imputações com correspondência no direito
penal brasileiro, prescrevem, no ordenamento português, em 10 anos. Considerando que
os atos delituosos datam de 1998 a 2003, não há falar em ocorrência de lapso prescricional
segundo o direito brasileiro e o direito português. Sobre este ponto, anotou a Procuradoria-Geral da República (fl. 577):
17. Em atendimento ao disposto no art. 77, VI da Lei 6.815/80 e no art. III, § 1º, alínea d
do Tratado, cumpre salientar que não ocorreu a prescrição do procedimento criminal, sob a
análise da legislação de ambos os estados envolvidos.
Nos termos do art. 109, III do Código Penal Brasileiro, o prazo prescricional relacionado
ao presente caso, contado do dia em que se consumou o delito, é de 12(doze) anos. Por sua vez,
fixa o Código Penal português, no seu art. 118, § 1º, alínea b, o prazo prescricional de 10 (dez)
anos para o crime de burla qualificada.
Os fatos imputados ao extraditando teriam ocorrrido entre os anos de 1998 e 2003,
estando em curso o lapso prescricional que, em tese, somente se consumará em 2015, no Brasil,
e, em 2013, na Itália (sic).
Registre-se ainda que também está atendida a exigência do art. 77, IV, da Lei 6.815/80,
no sentido de que somente poderão dar azo à extradição os fatos puníveis, nos dois
países envolvidos, com pena privativa de liberdade cuja duração máxima seja superior a 1
(um) ano. O crime de burla qualificada (art. 218, 2, a, do Código Penal português) é punido,
em abstrato, no ordenamento jurídico com pena de prisão até 2 a 8 anos, se o prejuízo
patrimonial decorrente for de valor consideravelmente elevado (no caso, estima-se em 6
milhões de euros); no Brasil, o estelionato é punido com pena de 1 a 5 anos e multa (nos
termos do art. 171 do Código Penal).
Procede, pois, o pedido de extradição em relação ao crime de burla qualificada/
estelionato.
R.T.J. — 200
1053
4. Crime de lavagem de dinheiro
No que se refere à lavagem de dinheiro, verifica-se que esse crime pressupõe a
existência de um crime antecedente, por meio do qual o agente obtém os valores, bens ou
direitos objetos da posterior ocultação ou dissimulação (nos termos do art. 1º, caput, da
Lei 9.613/98).
A redação dada ao caput do art. 1º da Lei 9.613/98 responde à experiência e à técnica
vitoriosas no Direito Comparado, encontrando-se tipificação semelhante na Alemanha
(§ 261 do Código Penal), na Bélgica (§ 4º do art. 505 do Código Penal), na França (art. 22238 e 324-1 do Código Penal), em Portugal (alínea b do item 1 do art. 2º do Decreto-Lei 325/
1995) e na Suíça (art. 305 bis do Código Penal), entre outros. (Exposição de Motivos 692/MJ,
de 18 de dezembro de 1996, disponível em www.fazenda.gov.br/portugues/lavagem/
exposicao_motivos.htm, acessado em 2-5-06).
Em Portugal, da mesma forma que ocorre no Brasil, as hipóteses de crimes antecedentes estão taxativamente previstas no Decreto-Lei 325/95.
Segundo consta da Exposição de Motivos 692/MJ, de 18-12-96, a taxatividade resulta da necessidade de reduzir ao máximo as hipóteses dos tipos penais abertos, pois,
enquanto o princípio da reserva legal se vincula às fontes do Direito Penal, o princípio da
taxatividade deve presidir a formulação técnica da lei penal. “Indica o dever imposto ao
legislador de proceder, quando elabora a norma, de maneira precisa na determinação dos
tipos legais, a fim de se saber, taxativamente, o que é penalmente ilícito e o que é penalmente admitido (Fernando Mantovani, Diritto penale – Parte generale, ed. Cedam,
Pádua, 1979, p. 93 e seguintes, apud Exposição de Motivos 692/MJ de 18 de dezembro de
1996, disponível em www.fazenda.gov.br/portugues/lavagem/exposicao_motivos.htm,
acessado em 2-5-06).
Na situação específica dos autos, o delito precedente imputado ao Extraditando
(burla qualificada/estelionato) não se encontrava, à época dos fatos, no rol das infrações
penais antecedentes ao crime de lavagem de dinheiro, conforme se pode verificar do art.
1º da Lei 9.613/98:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação
ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II - de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei 10.701, de 9-7-2003)
III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção
IV - de extorsão mediante seqüestro;
V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos
administrativos;
VI - contra o sistema financeiro nacional;
VII - praticado por organização criminosa.
VIII - praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B,
337-C e 337-D do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal). (Inciso
incluído pela Lei 10.467, de 11-6-2002)
Pena: reclusão de três a dez anos e multa.
Conforme assevera a doutrina especializada, caracteriza-se conduta típica do crime
de lavagem se os bens têm origem em um dos delitos antecedentes previstos no art. 1º da
1054
R.T.J. — 200
Lei 9.613/98. Por todos vide Antônio Sérgio Pitombo, que afirma: “E não é qualquer crime
que vai ensejar a proveniência ilícita, posto que, em atenção aos princípios do Direito
Penal, limitou-se o rol de crimes antecedentes à lavagem de dinheiro. No art. 1º da Lei
9.613/1998 existem verdadeiros numerus clausus de delitos anteriores.” (Antonio Sérgio
de Moraes Pitombo, Lavagem de dinheiro: A tipicidade do crime antecedente. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003, p. 112).
Assim, não resta dúvida de que a lavagem de dinheiro no Brasil se trata de crime cuja
subsunção típica depende da existência de um crime antecedente, na hipótese, restrito
àqueles expressamente elencados nos incisos I a VIII do art. 1º da Lei 9.613/98. Conforme
anota Fábio Roberto Dávilla: “(...) segundo a sistemática adotada somente haverá crime
de lavagem, se os bens, direitos ou valores envolvidos forem provenientes, direta ou
indiretamente, de algum dos crimes arrolados nos referidos incisos.” (Fábio Roberto
Dávilla, A certeza do crime antecedente como elementar do tipo nos crimes de lavagem de
capitais. In: Boletim IBCCrim, v. 7, n. 79, junho 1999, p. 4).
Dessa forma, não resta atendido, para fins de extradição, o requisito da dupla
tipicidade, tendo em vista que, no Brasil, ao contrário de Portugal, a lavagem de dinheiro
decorrente de estelionato não constitui ilícito penal (pelo princípio da reserva legal penal).
5. Alegações da defesa
No que se refere à alegada ofensa ao direito de defesa e ao devido processo legal, o
parecer do Ministério Público anota (fls. 578-579):
23. Entretanto, é imperioso ressaltar que os fatos criminosos ora tratados são objeto do
Inquérito Penal n. 1469/02.4JFLSB, instaurado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal
do Ministério Público de Portugal, inexistindo, por isso mesmo, nessa fase, garantias processuais.
Por outro lado, a formalização do pleito extradicional, sem o prévio interrogatório do extraditando por meio de Carta Rogatória, não obstante adotado com relação à sua esposa, longe de
caracterizar-se, por si só, qualquer medida discriminatória em virtude de sexo, baseia-se em
mandado de detenção internacional expedido pela autoridade competente, apto a legitimar a
pretensão deduzida nestes autos.
24. Na mesma linha, não se pode extrair das diretrizes fixadas no art. 2º da Lei 6.815/80
qualquer óbice à extradição. Os interesses sócio-econômicos do Brasil e a proteção do trabalhador
nacional não ficarão prejudicados com a entrega do extraditando ao Governo Português. Mas,
pelo contrário, João Manuel Pires Aurélio Duarte, por intermédio da pessoa jurídica AMED –
Planos de Saúde ltda, vem causando prejuízos materiais e morais a todos os respectivos usuários,
advindo da falta de prestação de serviços médicos hospitalares, conforme noticia o Ministério
Público do Estado de Pernambuco, juntando cópia da decisão proferida pela 29ª Vara Cível da
Comarca de Recife/PE, nos autos da Ação Civil Pública n. 001.2005.007806-3.
25. Além do mais, muito embora conteste o extraditando a solidez do conjunto probatório
produzindo no inquérito 1469/02.4JFLSB, é necessário ressalvar, porém que o modelo
extradicional vigente no Brasil consagra o sistema da contenciosidade limitada, fundado em regra
legal, art. 85, § 1º, da Lei 6.815/80, reputada compatível com a Constituição da República, não se
permitindo a renovação da demanda penal que lhe deu origem, nem o reexame de provas ou a
discussão acerca do mérito da acusação ou da condenação oriundas de órgão competente no
Estado estrangeiro. Nesse sentido, é a jurisprudência pacífica desse Supremo Tribunal Federal
(Ext 947; Ext 936; Ext 811 e Ext 804).
26. Ressalte, por último, que a condição de brasileiro naturalizado ostentada pelo extraditando não é óbice ao deferimento da presente extradição, pois a cidadania brasileira somente foi
adquirida, nos termos da legislação vigente, em 29/04/2005, ou seja após a prática dos delitos a ele
imputados (fls. 322).
(Fls. 578/579.)
R.T.J. — 200
1055
São diversos os precedentes no sentido de que a esta Corte somente cabe o exame
dos pressupostos e condições da extradição; não há, portanto, manifestação sobre o
mérito do pedido, sobre a justiça ou a injustiça da condenação ou do processo no Estado
requerente, v.g. Ext 853/PG, Maurício Corrêa, DJ de 5-9-03; Ext 768/PU, Ilmar Galvão, DJ de
16-6-00; Ext 773/RFA, Octavio Gallotti, DJ de 28-4-00; e Ext 669/EU, Celso de Mello, DJ de
29-3-96, entre outros.
Também não procede a alegação de que a condição de brasileiro naturalizado é
óbice ao deferimento da extradição, tendo em vista que a cidadania brasileira somente foi
adquirida em 29-4-05 (cfr. fl. 322), posteriormente, portanto, à data dos fatos criminosos
(1998 a 2003). Inteligência do art. 5º, LI, da Constituição Federal (“nenhum brasileiro será
extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,
na forma da lei”).
6. Conclusão
Dessa forma, presentes os requisitos legitimadores, o meu voto é no sentido de
deferir parcialmente o pedido de extradição, para que o nacional português responda tãosomente pelo crime de burla qualificada em Portugal.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, tive alguma dúvida quanto à afirmativa de ausência da dupla tipicidade quanto ao crime de lavagem de dinheiro, que, lá em
Portugal, é chamado de “branqueamento de capitais”. Sendo em Portugal ou no Brasil,
esse crime significa: quanto mais se lava dinheiro, mais o país fica sujo.
Não tenho mais dúvida do acerto do voto do eminente Ministro Relator, que, no
particular, reproduz o fundamento exarado no douto parecer da Procuradoria-Geral da
República.
Dispenso-me da leitura do trecho em que a Procuradoria sustenta a presença da
dupla tipicidade e limito-me a acompanhar in totum o eminente Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, considerou-se a absorção,
porque a falsidade se esgotou na prática do estelionato.
Estou de acordo com o voto do Ministro Relator.
EXTRATO DA ATA
Ext 968/República Portuguesa — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Requerente:
Governo de Portugal. Extraditando: João Manuel Pires Aurélio Duarte (Advogado:
Rommel Parreira Corrêa).
Decisão: O Tribunal, à unanimidade, deferiu, em parte, o pedido extradicional, nos
termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.
1056
R.T.J. — 200
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Vice-Procurador-Geral da República,
Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 11 de maio de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 200
1057
EXTRADIÇÃO 1.052 — REINO DOS PAÍSES BAIXOS
Relator: O Sr. Ministro Eros Grau
Requerente: Governo do Reino dos Países Baixos — Extraditando: Johan-Frederik
Stellingwerf ou Johan Stellingwerf
Extradição. Concordância do extraditando. Dado irrelevante. Controle
de legalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Pressupostos. Presença. Deferimento.
A concordância do extraditando com o deferimento do pedido é juridicamente irrelevante, uma vez que não afasta o controle de legalidade conferido
ao Supremo Tribunal Federal. Hipótese em que os requisitos necessários ao
deferimento do pleito extradicional foram atendidos.
Extradição deferida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o
pedido de extradição, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 27 de setembro de 2006 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: A Embaixada do Reino dos Países Baixos requereu, com
promessa de reciprocidade, a prisão preventiva para fins de extradição instrutória do
nacional holandês Johan-Frederic Stellingwerf ou Johan Stellingwerf, contra o qual foi
ordenada, pelo Procurador do Ministério Público em Haia, a detenção para busca e ação
penal em razão da prática de 5 (cinco) crimes contra a liberdade sexual ocorridos, respectivamente, no verão de 2005, em 16-3-06, em 24-3-06 e em 1º-4-06.
2. O Promotor do Ministério Público de Haia assim descreveu os fatos:
No dia 22 de março de 2006, uma mulher holandesa apresentou uma denúncia de um
estupro violento, cometido no dia 16 de março de 2006 em uma área de estacionamento deserta
nos arredores da cidade de Leiden. A denunciante declarou que, a pedido do argüido, que ela
conhecia pelo nome de Johan Stellingwerf, tinha combinado um encontro. Depois de uma visita
a um café, ela entrou no carro do argüido. Depois disto, teve lugar o estupro violento.
No dia 26 de março de 2006, a polícia recebeu uma denúncia de um estupro também
violento de uma mulher em uma área de estacionamento que se encontra entre a cidade de Leiden
e o aeroporto de Schiphol. Tratava-se de uma denúncia sobre o fato de que no dia 24 de março de
2006, uma mulher foi a um restaurante com o argüido que ela conhece como Johan Stellingwerf.
Depois da visita ao restaurante, ela entrou no carro do argüido. Depois disto, o estupro violento
teve lugar na área de estacionamento mencionada anteriormente, que naquele momento estava
deserta.
No dia 3 de abril de 2006, duas mulheres apresentaram uma denúncia do estupro violento
de ambas no dia 1º de abril de 2006. As denunciantes declararam que encontraram o argüido na
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R.T.J. — 200
noite de 31 de março de 2006 ao 1º de abril de 2006. As denunciantes declararam que encontraram
o argüido na noite de 31 de março de 2006 a 1º de abril de 2006 em um estabelecimento de
hotelaria. Depois, o argüido que se apresentou sob outro nome que o seu, foi com ambas as
denunciantes à casa de uma delas em Amsterdã, onde os estupros tiveram lugar. Uma das denunciantes reconheceu o argüido J.F. Stellingwerf, através de uma fotografia.
No dia 13 de abril de 2006, uma mulher apresentou uma denúncia de estupro, cometido no
verão de 2005 em uma área de estacionamento nos arredores da cidade de Almere. A denunciante
declarou que, a iniciativa do argüido, que ela tinha encontrado anteriormente na rua e que
conhecia como Johan, combinou um encontro. Logo encontrou o argüido em um estabelecimento de hotelaria. Depois desta visita ao estabelecimento, entrou no carro do argüido. Depois disto,
teve lugar o estupro. Na sua denúncia, a mulher também indicou que voltou a encontrar o argüido,
a iniciativa dele, no dia 15 de março de 2006, em um estabelecimento de hotelaria. Durante este
encontro, a denunciante sentiu-se confusa e perdeu a consciência. Mais tarde, deu-se conta que
provavelmente tivesse tido contato sexual no período em que esteve consciente.
Resumindo, na investigação contra J.F. Stellingwerf, pode se falar de uma série de delitos
sexuais graves cometidos de maneira violenta, dos quais quatro delitos tiveram lugar em um
período de mais ou menos duas semanas. Algumas das mulheres mencionadas indicaram que
durante e depois da comissão dos fatos se sentiram confusas, e que possivelmente teriam sido
drogadas pelo argüido.
(Fl. 38.)
3. A prisão foi decretada em 8-6-06 (fl. 34), e o mandado foi cumprido no dia 26
subseqüente (fl. 47).
4. Os documentos formalizadores do pedido extradicional vieram aos autos no dia
1º-8-06.
5. Deleguei o interrogatório e o recebimento da defesa prévia a um dos Juízes Federais
da Seção Judiciária de Curitiba (fl. 70).
6. A defesa constituída pelo Extraditando protocolou a peça de fls. 87/89, requerendo
fosse recebida como defesa técnica a fim de ser deferida a transferência do Extraditando
da prisão onde se encontrava para a ala da prisão civil do Centro de Triagem II de
Piraquara/PR, bem como a dispensa de seu interrogatório, concluindo com o pedido de
procedência do pleito extradicional.
7. Deferi a transferência e cancelei o interrogatório (fls. 103/104); em seguida, dei
vista à PGR.
8. O Ministério Público Federal opina no sentido do deferimento da extradição.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O pleito extradicional está instruído com os
documentos necessários ao seu deferimento, como bem observou a SubprocuradoraGeral da República Cláudia Sampaio Marques, em parecer aprovado pelo Chefe do Ministério Público Federal, do qual extraio o seguinte trecho:
3. O extraditando, por meio de seu advogado, requereu a dispensa do interrogatório, bem
como de qualquer prazo para a apresentação de defesa técnica, e declarou concordar com o pedido
de extradição em todos os seus termos (fls. 90).
R.T.J. — 200
1059
4. Ressalte-se, a priori, que, conforme reiteradas manifestações do Supremo Tribunal
Federal, a concordância do extraditando com o deferimento do pedido é dado juridicamente
irrelevante, tendo em vista a necessidade de respeito aos seus direitos básicos, não tendo o condão
de afastar, portanto, o controle de legalidade realizado pelo Ministério Público Federal e por essa
Corte. 1
5. Observe-se, na espécie, o atendimento aos critérios da dupla tipicidade e da dupla
punibilidade.
6. O pedido formal de extradição foi devidamente realizado pelo Estado requerente, atendendo-se ao disposto nos arts. 80 e 82, da Lei 6.815/80, tendo sido instruído com cópia do
mandado de prisão (fls. 31) e os demais documentos exigidos pela Lei 6.815/80, havendo
indicações seguras sobre o local, data, natureza e circunstâncias dos fatos delituosos, como se
verifica a partir da análise dos documentos de fls. 33 e ss.
7. Consta também dos autos cópia dos textos legais pertinentes (fls. 43/45; 53/54 e 63), de
modo a permitir ao Supremo Tribunal Federal o exame seguro da legalidade da pretensão
extradicional.
8. As condutas imputadas ao extraditando, especificadas pela legislação penal alienígena,
têm correspondência no Brasil aos crimes tipificados nos artigos 213; 214 e 224 do CPB.
9. Além disso, também não há que se falar em ocorrência da prescrição. É que consta contra
o extraditando mandado de prisão pela prática de quatro crimes de estupro, de relações sexuais
com uma pessoa em estado de inconsciência ou com perturbação enfermica e atos impudicos,
havidos entre os dias 16 de março e 1º de abril do corrente ano. Consoante a legislação holandesa,
a prescrição ocorrerá em 20 anos, em caso de crimes puníveis com pena de prisão de, no mínimo,
10 anos (fl. 63).
10. Nos termos da lei brasileira, também não há que se falar em prescrição. De acordo com
o artigo 109, II do CPB, a prescrição dar-se-á em dezesseis anos, i.e., em 2022.
Por todo o exposto, manifesta-se o Ministério Público Federal pelo deferimento do
pedido de extradição.
Cumpre fazer breve correção no parecer da PGR no que tange à quantidade de
crimes: são 5 (cinco) e não 4 (quatro). É que os fatos ocorridos no dia 3-4-06 revelam a
existência de 2 (dois) crimes de estupro.
Acolho a manifestação ministerial e defiro o pedido de extradição para que o Extraditando responda no País requerente pelos 5 (cinco) crimes contra a liberdade sexual
descritos à fl. 38.
EXTRATO DA ATA
Ext 1.052/Reino dos Países Baixos. Relator: Ministro Eros Grau. Requerente:
Governo do Reino dos Países Baixos. Extraditando: Johan-Frederik Stellingwerf ou
Johan Stellingwerf (Advogado: Roberto Polydoro Filho).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de extradição, nos termos
do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidiu o
julgamento a Ministra Ellen Gracie.
1
Ext 1.018/Holanda, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 24-2-06; Ext 919/Uruguai, Rel. Min. Carlos Britto,
DJ de 3-2-06; Ext 953/França, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 11-11-05.
1060
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Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa,
Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr.
Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 27 de setembro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
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1061
AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR
NA AÇÃO CAUTELAR 1.107 — SP
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Agravante: São Paulo Alpargatas S.A. — Agravada: União
Agravo regimental em medida cautelar em ação cautelar. 2. Concessão
de efeito suspensivo a recurso extraordinário. 3. Constitucionalidade dos
arts. 42 e 58 da Lei 8.981/95. Matéria pendente de julgamento no Plenário
(RE 344.994/PR). 4. Reconhecimento da plausibilidade jurídica e da urgência
da pretensão cautelar. Precedentes. 5. Agravo regimental provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, dar
provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 14 de março de 2006 — Gilmar Mendes, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Eis o teor da decisão que proferi ao indeferir a ação
cautelar (fls. 453-457):
A Requerente ajuizou ação ordinária “para que seja declarado o direito de a Autora proceder
a compensação integral dos prejuízos fiscais e base negativa da contribuição social sobre o lucro
acumulados até 31.12.97 e aqueles que vierem a ser apurados pela Autora, sem a inconstitucional
limitação quantitativa de 30% do lucro tributável perpetrada pelos artigos 42 e 58 da Lei nº
8.981/95, posteriormente alterados pela Lei nº 9.065/95” (fls. 26-59).
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos:
“(...)
Portanto, hei por bem julgar parcialmente procedente o pedido formulado, autorizando a(s) Autora(s) a deduzir(em) do seu lucro real o prejuízo compensável, desde que
devidamente apurado e registrado no LALUR, acumulado no(s) período(s) – base de 1992
e 1993 – na apuração do Imposto de Renda e da contribuição social sobre o lucro referente
ao período-base encerrado em 1998 e demais subseqüentes, até que ocorra sua total compensação, afastando, por inconstitucional, a limitação a 30% (trinta por cento) retroativa
como acima referido, decorrente dos artigos 42 e 58, da Lei 8.981/95, com vigência
ampliada até 31 de dezembro de 1995, por força do art. 12 da Lei 9.065/95.
Julgo Improcedente o pedido com relação aos períodos-base de 1996 e 1997,
incluídos no pedido inicial, por entender que a Medida Provisória 812/94, publicada no
final de 1994, teve vigência e eficácia para o exercício de 1995, quando foi convertida na
Lei 8.981 em 20-01-95 sendo, portanto, constitucional a limitação de 30% (por cento)
por ela imposta a partir do período base de 1995.”
(Fls. 278-279.)
Interpostas apelações por ambas as partes, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou
provimento ao recurso do contribuinte e deu provimento ao apelo da Fazenda Pública e à remessa
oficial, em decisão assim ementada:
1062
R.T.J. — 200
“Tributário. Compensação/dedução. Imposto de Renda. CSL. Prejuízos fiscais e
base de cálculo negativa. MP 812/94. Lei nº 8.981/95, arts. 42 e 58. Lei nº 9.065, arts. 15
e 16. Limitação de 30%. Constitucionalidade.
1. A medida provisória é instrumento idôneo à veiculação de normas de direito
tributário, sendo possível a reedição com cláusula de convalidação. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (ADIMC nº 1.417, DJU de 22.03.96, p. 8233; ADIMC nº 1.533 e
despacho presidencial na ADIMC nº 1.558-MC, DJU de 4.02.97).
2. A limitação à dedução de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas não violou
qualquer dos princípios constitucionais invocados, sendo imperativa, para a compreensão
do problema sob tal enfoque, a consideração da autonomia dos períodos-base como princípio ordenador do sistema tributário nacional, que se reflete na configuração da dedução,
com transposição do resultado de um período para outro distinto, como benefício fiscal e,
portanto, vinculado à específica regência legal.
3. A alteração da legislação, aplicando-se ao acertamento futuro das bases de cálculo,
não acarreta a vulneração do princípio da irretroatividade, pois a lei aplicável, para a
orientação do procedimento, é a vigente na data da dedução, quando possível é a
implementação do ‘encontro de contas’, e não a existente no momento em que apurados
os prejuízos fiscais e as bases de cálculo negativas.
4. O princípio da anterioridade restou observado, em relação ao imposto de renda,
face à publicação veiculada no Diário Oficial de 31.12.94. 5. Embora esta Turma tenha
reconhecido que, em relação à CSL, a incidência da limitação de 30% fica sujeita à
implementação do prazo previsto no artigo 195, § 6º, da Constituição Federal, computado
da MP nº 812/94, tal interpretação não interfere na solução do caso concreto, pois o
contribuinte pretende a dedução das bases de cálculo negativas, a partir do exercício
posterior em que consta a apuração de lucro tributável, mas em que já superado o prazo
nonagesimal.
6. Reforma da sentença, com a inversão da sucumbência.”
(Fl. 362.)
Houve interposição de recurso especial (fls. 383-395) e recurso extraordinário (fls. 398427). Apenas o recurso extraordinário foi admitido (fls. 442-443).
A Autora ajuíza, então, a presente ação cautelar, com pedido liminar, para ver atribuído
efeito suspensivo ao recurso extraordinário admitido na origem.
A preocupação demonstrada pela Autora está assim posta:
“Com efeito, a matéria objeto de Recurso Extraordinário interposto pela requerente foi submetida ao plenário da E. Suprema Corte no RE n. 344.944, estando o seu
julgamento suspenso em razão do pedido de vista formulada pela Exma. Ministra Ellen
Gracie, o que demonstra de forma inequívoca a plausibilidade do direito invocado, face ao
debate suscitado pela matéria objeto da controvérsia posta nos autos.”
(Fl. 5.)
Passo a decidir.
Preliminarmente, é certo que se encontra sobrestado, no Plenário, o julgamento do RE
344.994 em face do pedido de vista da Min. Ellen Gracie, desde 11-11-04.
No entanto, esse fato não vincula a análise do caso concreto. As medidas cautelares com o
objetivo de dar efeito suspensivo aos recursos extraordinários não devem ser banalizadas, esvaziando a norma jurídica que nega tal efeito. A imprevisibilidade do desfecho do julgamento no
Plenário desta Corte não basta para caracterizar o fumus boni juris. Há precedentes: Pet 2.842AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 2-5-03; Pet 2.645-QO/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de
31-5-02; Pet 2.174-QO/SP, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ de 2-2-01.
Outrossim, esta Corte, por ambas as Turmas, firmou entendimento sobre a matéria tratada
nesses autos, segundo o qual a Medida Provisória 812, de 1994, convertida na Lei 8.981, de 1995,
não violou os princípios da anterioridade, da irretroatividade e do direito adquirido, em relação ao
Imposto de Renda. No que concerne à contribuição social sobre o lucro, decidiu-se que não foi
respeitado o princípio da anterioridade nonagesimal. Nesses termos, a Pet 2.698-AgR, Segunda
Turma, Rel. Carlos Velloso, DJ de 6-9-02; o RE 232.713, Rel. Maurício Corrêa, Segunda Turma,
DJ de 25-4-03, e o RE 256.273, Rel. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ de 16-6-00, entre outros.
R.T.J. — 200
1063
Por fim, registre-se que, no Plenário, o julgamento do recurso extraordinário sobre o tema
está 5 (cinco) votos contra 1 (um), no sentido de negar provimento ao recurso extraordinário e
manter a decisão recorrida que reconheceu constitucionais os arts. 42 e 58 da Lei 8.981/95, os
quais limitaram em 30% a compensação dos prejuízos acumulados nos períodos-base anteriores,
para fins de cálculo do Imposto de Renda e determinação da base de cálculo da contribuição social
sobre o lucro.
Não tenho dúvida, portanto, de que os fundamentos desses precedentes são bastantes para
alicerçar minha decisão.
Assim, ausentes os requisitos autorizadores da medida liminar, indefiro o pedido liminar
de concessão de efeito suspensivo.
(Fls. 453-457.)
que:
Irresignada, a Autora interpõe o presente agravo regimental, sustentando, em síntese,
a) os precedentes mencionados na decisão agravada já se encontram superados no
âmbito desta Suprema Corte, tendo em vista que todos são anteriores à data de 10-11-04,
início do julgamento do RE 344.994 no Plenário desta Corte;
b) o entendimento das duas Turmas do Supremo Tribunal Federal é no sentido de
conferir efeito suspensivo aos recursos extraordinários em casos que envolvem a controvérsia posta nos presentes autos;
c) o fato de o julgamento no Plenário do STF estar 5 x 1 votos contra a tese de fundo
do recurso extraordinário para o qual se pleiteia efeito suspensivo não inibe a concessão
da liminar no presente caso.
Por fim, invocando a segurança jurídica, alicerçada na reiterada jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, requer:
(i) reconsiderar a v. decisão de fls. , para conceder a medida liminar nos termos em que
requerida na inicial de fls.
(ii) Em vista da jurisprudência acima colacionada favorável à pretensão da ora Agravante,
emergem robustas as possibilidades de a Agravante obter, perante a 2 ª Turma deste Supremo
Tribunal Federal, o efeito suspensivo pleiteado nesta Ação Cautelar. Por isso, requer, ainda, ante
o periculum in mora devidamente demonstrado na inicial, caso V. Exa. entenda pela manutenção
da decisão ora agravada, que ao menos – monocraticamente – lhe conceda o efeito suspensivo
pleiteado até o encerramento do julgamento deste Agravo Regimental perante a 2ª Turma, haja
vista que as pautas das sessões semanais vêm sendo sistematicamente ocupadas por matérias tidas
por preferenciais, como inúmeros Habeas Corpus que ingressam diariamente nesta Corte, postergando, assim, por algumas sessões os julgamentos dos regimentais.
(iii) Caso V. Exa. entenda pela manutenção da v. decisão de fls. , indeferindo os pedidos
acima, o que se admite apenas para argumentar, requer-se V. Exa. receba o presente pedido de
reconsideração como agravo regimental, submetendo-o ao respectivo órgão colegiado, para que
este lhe dê provimento, concedendo a medida liminar nos termos em que requerida na inicial de fls.
(Fls. 459-465.)
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Em casos análogos ao dos presentes autos,
esta Corte tem reconhecido a presença dos requisitos necessários para a concessão da
cautelar, tendo em vista a plausibilidade da tese apresentada no sentido da inconstituciona-
1064
R.T.J. — 200
lidade dos dispositivos impugnados e dos prejuízos de difícil reparação que, na hipótese
de declaração de inconstitucionalidade, uma cobrança tributária segundo tal dispositivo
poderia acarretar para os contribuintes envolvidos. Nesse sentido, leia-se a ementa da AC
656-QO, Rel. Min. Carlos Velloso (DJ de 15-4-05; Segunda Turma, unânime):
Ementa: Tributário. Processual Civil. Imposto de Renda e contribuição social. Lei 8.981/
95, arts. 42 e 58. Recurso extraordinário: efeito suspensivo. Cautelar. Pressupostos ocorrentes.
I - Cautelar deferida para o fim de ser concedido efeito suspensivo ao recurso extraordinário,
diante da plausibilidade da tese sustentada pela Requerente.
II - Fumus boni juris e periculum in mora ocorrentes.
III - A cautelar, em tal caso, constitui mero incidente processual concernente ao recurso
extraordinário, não havendo citação nem contestação. Precedentes: AC 203/MT, AC 64/MS, Pet
2.597-QO/PR, inter plures (DJ de 12-5-04, 3-9-03, 22-3-02, respectivamente).
IV - Decisão concessiva da cautelar referendada pela Turma.
Nesse mesmo sentido, arrolo os seguintes precedentes: AC 537-QO, Rel. Min.
Joaquim Barbosa (julgada na Segunda Turma em 14-12-04; unânime); AC 422, Rel. Min.
Eros Grau (decisão monocrática publicada no DJ de 23-9-04); AC 91-QO, de minha
relatoria (DJ de 28-11-03; Segunda Turma, unânime).
Nesses termos, apesar do entendimento pessoal no sentido da constitucionalidade
da limitação à compensação de prejuízos fiscais nos termos referidos, e curvando-me ao
posicionamento reiterado desta Segunda Turma, dou provimento ao agravo regimental
para que se conceda o efeito suspensivo pleiteado ao respectivo recurso extraordinário.
EXTRATO DA ATA
AC 1.107-MC-AgR/SP — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravante: São Paulo
Alpargatas S.A. (Advogados: Rodrigo Leporace Farret e outro). Agravada: União (Advogados: PFN – Humberto Gouveia e outro).
Decisão: A Turma, por votação unânime, deu provimento ao recurso de agravo, nos
termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen
Gracie.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Gilmar
Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 14 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
R.T.J. — 200
1065
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.144 — RS
Relator: O Sr. Ministro Eros Grau
Requerente: Governador do Estado do Rio Grande do Sul — Requerida: Assembléia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 10.238/94 do Estado do Rio
Grande do Sul. Instituição do Programa Estadual de Iluminação Pública, destinado aos Municípios. Criação de conselho para administrar o programa. Lei
de iniciativa parlamentar. Violação do art. 61, § 1º, inciso II, alínea e, da Constituição do Brasil.
1. Vício de iniciativa, uma vez que o projeto de lei foi apresentado por
parlamentar, embora trate de matéria típica de administração.
2. O texto normativo criou novo órgão na administração pública estadual, o Conselho de Administração, composto, entre outros, por dois Secretários de Estado, além de acarretar ônus para o Estado-Membro. Afronta ao
disposto no art. 61, § 1º, inciso II, alínea e, da Constituição do Brasil.
3. O texto normativo, ao cercear a iniciativa para a elaboração da lei
orçamentária, colide com o disposto no artigo 165, inciso III, da Constituição,
de 1988.
4. A declaração de inconstitucionalidade dos arts. 2º e 3º da lei atacada
implica seu esvaziamento. A declaração de inconstitucionalidade dos seus
demais preceitos dá-se por arrastamento.
5. Pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da
Lei 10.238/94 do Estado do Rio Grande do Sul.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 16 de agosto de 2006 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O Governador do Estado do Rio Grande do Sul propõe
ação direta, com pedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionalidade da
Lei estadual 10.238/94:
Art. 1º Fica instituído o Programa Estadual de Iluminação Pública, destinado aos municípios
do Estado do Rio Grande do Sul que se utilizam do fornecimento de energia elétrica para a
iluminação pública, cujos recursos terão por finalidade:
1066
R.T.J. — 200
I - apoiar aos municípios, inclusive aos que vierem a ser constituídos em processo regular
de emancipação, permitindo o pagamento das contas do serviço de iluminação pública à empresa
estatal fornecedora, no tempo certo e no valor especificado nos documentos de cobrança;
II - propiciar aos municípios condições de pagamento de eventuais dívidas pretéritas,
decorrentes do serviço em questão;
III - manter condições favoráveis ao cumprimento das obrigações tributárias dos
intervenientes no Programa de que trata esta lei.
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos municípios que se enquadrarem nas condições de
protocolo de intenções específico, firmado pelo município e pela FAMURS, de um lado, e pela
Secretaria de Energia, Minas e Comunicações, representando o Governo do Estado, e pela Companhia Estadual de Energia Elétrica, de outro.
§ 2º Os protocolos individuais de que trata o parágrafo anterior terão suas condições
detalhadas e individualizadas de acordo com os parâmetros estabelecidos nesta lei e em resolução
do Conselho de Administração referido no artigo 3º desta lei.
Art. 2º O Programa Estadual de Iluminação Pública será constituído por dotações orçamentárias próprias, consignadas no Orçamento Geral do Estado, bem como por contribuições
individualizadas por parte dos municípios, na forma em que estabelecer o respectivo protocolo
individual. As dotações não poderão ser menores do que o previsto pela fornecedora estatal dos
serviços de iluminação pública, como o valor global dos referidos consumos para os municípios
conveniados.
Parágrafo único. O valor total da contribuição de todos os municípios ao Programa, não
poderá exceder a 10% (dez por cento) do valor total global, referente às contas de consumo de
iluminação pública de todos os municípios conveniados, devendo o Governo do Estado contribuir
com, no mínimo, 90% (noventa por cento) deste valor.
Art. 3º O Programa Estadual de Iluminação Pública será administrado por um Conselho de
Administração, constituído pelo Secretário de Estado de Energia, Minas e Comunicações, pelo
Secretário de Estado da Fazenda, pelo Diretor-Presidente da Companhia Estadual de Energia
Elétrica e pelo Presidente da Federação das Associações de Municípios do Estado do Rio Grande
do Sul – FAMURS.
§ 1º A forma de deliberação, o controle e a aplicação dos recursos, bem como a gestão e a
organização do Programa de que trata esta lei serão regulados pelo Conselho de Administração,
em proposta a ser aprovada pelo Governador do Estado, mediante decreto.
§ 2º O Conselho de Administração será presidido pelo Secretário de Estado de Energia,
Minas e Comunicações.
§ 3º Aos membros titulares do Conselho serão indicados suplentes, para os casos de
ausência ou impedimento.
Art. 4º Fica o Poder Executivo autorizado a abrir, a qualquer tempo, no Orçamento Anual
do Estado, créditos adicionais até o montante de CR$ 12.000.000.000,00 (doze bilhões de
cruzeiros reais), para atender as despesas decorrentes desta lei.
Art. 5º O Poder Executivo encaminhará à Assembléia Legislativa relatório detalhado das
aplicações do Programa no mês subseqüente ao da liberação dos recursos, no qual constará a
relação dos municípios beneficiados e a respectiva contrapartida.
Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 7º Revogam-se as disposições em contrário.
2. O Requerente sustenta que o texto normativo hostilizado “é integralmente
inconstitucional, eis que a matéria proposta é ato típico de administração”. Alega haver
afronta ao disposto no art. 61, § 1º, inciso II, alínea e, já que a lei atacada cria novos órgãos
administrativos, implica aumento de despesa e vulnera a harmonia entre os Poderes.
3. A Assembléia Legislativa informa que a Companhia Estadual de Energia Elétrica
presta serviços a todos os Municípios daquele Estado-Membro, porém não se ressarce
do consumo praticado pela maioria deles. Afirma que o texto atacado objetiva equacionar
esse “impasse” (fls. 22/24).
R.T.J. — 200
1067
4. A medida cautelar foi concedida em 23 de fevereiro de 1995 (fls. 34/55).
5. O Advogado-Geral da União manifesta-se pela procedência do pedido, ressaltando
que houve usurpação da iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo (fls. 61/68).
6. O Procurador-Geral da República opina pela procedência do pleito, destacando
que “não há (...) razão para se modificar o entendimento esposado (...) quando do julgamento da medida cautelar” (fls. 70/75).
É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros
(RISTF, art. 172).
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Trata-se de ação direta na qual é objetivada a
declaração de inconstitucionalidade da Lei 10.238/94 do Estado do Rio Grande do Sul, que
institui o Programa Estadual de Iluminação Pública “destinado aos municípios”.
2. A alteração imposta à alínea e do inciso II do § 2º do art. 61 da CB/88 pela EC 32/
01 não tem o condão de afetar, prejudicando-o, o pedido formulado nestes autos. Não
introduziu modificação substancial no texto dessa alínea.
3. A medida cautelar foi concedida sob o argumento de vício de iniciativa, visto que
o projeto de lei foi apresentado por um parlamentar, e o texto normativo criou novo órgão
na administração pública estadual, além de acarretar ônus para o Estado-Membro.
4. A inconstitucionalidade é evidente.
5. A lei atacada, além de instituir o Programa Estadual de Iluminação Pública, cria um
Conselho de Administração – art. 3º – composto, entre outros, por dois Secretários de
Estado, o que afronta o disposto no art. 61, § 1º, inciso II, alínea e1, da Constituição do
Brasil, que reserva ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de lei que crie órgãos da
administração pública.
6. O art. 2º da lei impugnada estabelece que o Programa Estadual de Iluminação
Pública será constituído por dotações orçamentárias próprias, nunca inferiores ao quanto
previsto pela fornecedora estatal dos serviços de iluminação pública como o valor global
dos consumos para os Municípios conveniados. Colide com o disposto no art. 165, inciso
III, da Constituição, de 1988. O preceito determina que os orçamentos anuais sejam esta-
1
“Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da
Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao
Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na
forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
(...)
II - disponham sobre:
(...)
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art.
84, VI;”
1068
R.T.J. — 200
belecidos por lei de iniciativa do Poder Executivo. Ora, o art. 2º da lei estadual questionada, de aplicação mecânica e automática, cerceia a iniciativa para elaboração da lei orçamentária (nesse sentido: ADI 1.689, Relator o Ministro Sydney Sanches, DJ de 2-5-03).
7. Observo, por fim, que, da declaração de inconstitucionalidade dos arts. 2º e 3º da
lei atacada, decorre seu esvaziamento, o que impõe a declaração de inconstitucionalidade
dos seus demais preceitos por arrastamento.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado nesta ação direta e declaro
inconstitucional a Lei 10.238/94, do Estado do Rio Grande do Sul.
EXTRATO DA ATA
ADI 1.144/RS — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Governador do Estado do
Rio Grande do Sul (Advogados: Carlos do Amaral Terres e outro). Requerida: Assembléia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (Advogados: Regis Arnoldo Ferretti e outros).
Decisão: O Tribunal, à unanimidade, julgou procedente a ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da
República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 16 de agosto de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 200
1069
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL
NA AÇÃO RESCISÓRIA 1.686 — BA
Relator: O Sr. Ministro Eros Grau
Embargante: Edison Matioli — Embargada: Caixa Econômica Federal – CEF
Embargos de declaração. Agravo regimental. Ação rescisória. Ausência
de omissão ou contradição no acórdão embargado. Rejulgamento da causa.
Impossibilidade, salvo hipóteses excepcionais. Art. 535, I e II, do Código de
Processo Civil. Via processual inadequada.
1. A contradição que autoriza a interposição de embargos declaratórios
é a existente na estrutura da própria decisão embargada, entre a fundamentação e o dispositivo, e não a que surge do cotejo entre aquela decisão e outras
sobre o mesmo tema. Precedentes (AR 1.535-ED, Relator o Ministro Carlos
Britto, DJ de 18-6-04, e MS 22.899-ED, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de
3-5-06).
2. Os embargos de declaração têm pressupostos certos (art. 535, I e
II, do CPC), de modo que não configuram via processual adequada à
rediscussão do mérito da causa. São admissíveis em caráter infringente
somente em hipóteses, excepcionais, de omissão do julgado ou erro material
manifesto. Precedente (RE 223.904-ED, Relatora a Ministra Ellen Gracie,
DJ de 18-2-05).
3. Embargos de declaração rejeitados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, rejeitar os
embargos de declaração, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 12 de junho de 2006 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de embargos de declaração opostos contra
acórdão que negou provimento a agravo regimental, nos seguintes termos:
Ementa: Agravo regimental. Ação rescisória. Cabimento.
1. Não cabe ação rescisória por violação a literal preceito de lei quando a decisão
rescindenda está fundada em precedente do Plenário do Tribunal. Precedentes (AR 1.761-AgR,
Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6-5-05, e AR 1.756-AgR, Relator o Ministro
Marco Aurélio, DJ de 10-9-04).
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
1070
R.T.J. — 200
2. O Embargante alega que o acórdão padece de contradição, uma vez que o precedente do Plenário em que fundamentada a decisão rescindenda viola o art. 13 da Lei 8.036/
90, além de não consubstanciar o entendimento dominante, porque único em relação à
antiga jurisprudência do Supremo.
3. Afirma que o ressarcimento dos expurgos inflacionários sobre o saldo das contas
vinculadas ao FGTS é de índole infraconstitucional. Sustenta que o paradigma utilizado
para fundamentar a decisão rescindenda, ao não conhecer do recurso apenas quanto aos
Planos Verão e Collor I, acolhendo-o com relação aos demais planos econômicos, sobrepôs-se ao disposto em lei e aos antigos precedentes do Tribunal.
4. Requer o provimento dos embargos, com efeitos modificativos, a fim de que seja
processada e julgada a ação rescisória.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O RE 226.855, Relator o Ministro Moreira Alves,
DJ de 13-10-00, utilizado como paradigma pela Ministra Ellen Gracie na decisão
rescindenda, reflete o atual entendimento desta Corte sobre a matéria. O próprio acórdão
embargado afirma que o aresto “pôs fim à controvérsia sobre os índices de correção
aplicados na atualização dos saldos das contas vinculadas ao FGTS”.
2. O Embargante, no entanto, busca desqualificar o acórdão paradigma, questionando
o fato de o pedido deduzido naquele recurso extraordinário ter sido conhecido apenas
com relação a determinados planos econômicos, quando toda a matéria teria caráter
infraconstitucional.
3. Em lugar de apontar a eventual existência de vício no acórdão embargado, procura
valer-se de suposta contradição entre o acórdão que fundamentou a decisão rescindenda
e os antigos precedentes do Tribunal.
4. A contradição que autoriza a interposição de embargos declaratórios é a existente
na estrutura da própria decisão embargada, entre a fundamentação e o dispositivo, e não
a que surge do cotejo entre aquela decisão e outras sobre o mesmo tema. Nesse sentido,
a jurisprudência desta Corte, conforme os precedentes AR 1.535-ED, Relator o Ministro
Carlos Britto, DJ de 18-6-04, e MS 22.899-ED, de que fui Relator, julgado em 3-5-06.
5. Os embargos de declaração têm pressupostos certos – art. 535, I e II, do CPC –, os
quais não se verificam no caso. Os presentes embargos têm caráter infringente e refletem,
tão-somente, o inconformismo do Embargante com o que foi decidido.
6. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que os embargos de declaração
não configuram via processual adequada à rediscussão do mérito da causa, admitidos em
caráter infringente somente em hipóteses excepcionais de omissão do julgado ou erro
material manifesto:
Recurso extraordinário. Embargos de declaração. Servidor público estadual não estável.
Demissão por conveniência administrativa. Contraditório e ampla defesa. Necessidade. 1. Os
embargos de declaração não constituem meio processual cabível para reforma do julgado, não
R.T.J. — 200
1071
sendo possível atribuir-lhes efeitos infringentes, salvo em situações excepcionais. 2. Supostas
omissão e contrariedade que dissimulam nítida pretensão de rejulgamento da causa. 3. Não se
prestam os embargos declaratórios à uniformização de jurisprudência. 4. Embargos de declaração
rejeitados.
(RE 223.904-ED, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 18-2-05 – Grifei.)
Rejeito os embargos.
EXTRATO DA ATA
AR 1.686-AgR-ED/BA — Relator: Ministro Eros Grau. Embargante: Edison Matioli
(Advogado: Jairo Andrade de Miranda). Embargada: Caixa Econômica Federal – CEF
(Advogados: Rodrigo Sales dos Santos e outros).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, nos
termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Ricardo Lewandowski
e, neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen
Gracie.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros
e Silva de Souza.
Brasília, 12 de junho de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
1072
R.T.J. — 200
AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO RESCISÓRIA 1.698 — BA
Relator: O Sr. Ministro Eros Grau
Agravantes: Valnete Ferreira de Oliveira e outros — Agravada: Caixa Econômica
Federal – CEF
Agravo regimental. Ação rescisória. Cabimento.
1. Não cabe ação rescisória por violação a literal preceito de lei quando
a decisão rescindenda está fundada em precedente do Plenário do Tribunal.
Precedentes (AR 1.761-AgR, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de
6-5-05, e AR 1.756-AgR, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 10-9-04).
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao
agravo.
Brasília, 23 de março de 2006 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão
monocrática que negou seguimento a ação rescisória, cujo teor é o seguinte:
(...)
11. O Autor pretende a rediscussão do acórdão rescindendo, alegando violação literal do
art. 13 da Lei 8.036/90.
12. O aresto atacado, longe de apresentar qualquer vício, coaduna-se perfeitamente com a
jurisprudência desta Corte (RE 226.855, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 13-10-00),
sendo incabível a ação rescisória com base no art. 485, V, do CPC:
1. Ação rescisória: inadmissibilidade. Não cabe a ação rescisória com base em
violação a literal disposição de lei (Código do Processo Civil, art. 485, V), quando a
decisão rescindenda está fundada em precedente do Plenário do Tribunal: precedente
(AR 1.756-1-AgR, Marco Aurélio, DJ de 10-9-04). 2. Agravo regimental: necessidade de
impugnação dos fundamentos da decisão agravada (RISTF, art. 317, § 1º): precedentes.
(AR 1.761-AgR, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6-5-05, Grifou-se.)
Nego seguimento à ação rescisória, com base no art. 21, § 1º, do RISTF. Deixo de condenar
o autor em honorários advocatícios por ser beneficiário da justiça gratuita.
2. O Agravante alega que a decisão rescindenda viola o art. 13 da Lei 8.036/90 e o
art. 3º da Lei 5.107/66. Afirma a existência de direito adquirido ao ressarcimento dos
expurgos inflacionários sobre o saldo das contas vinculadas ao FGTS.
3. Destaca que esta Corte admitiu outras ações rescisórias com o mesmo objeto e a
mesma causa de pedir (AR 1.770, 1.771 e 1.772).
É o relatório.
R.T.J. — 200
1073
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A decisão rescindenda encontra-se em consonância com precedente do Plenário desta Corte (RE 226.855, Relator o Ministro Moreira
Alves, DJ de 13-10-00), que pôs fim à controvérsia sobre os índices de correção aplicados na
atualização dos saldos das contas vinculadas ao FGTS.
2. A pretensão do Agravante é inviável. Não cabe ação rescisória por violação a
literal preceito de lei quando a decisão rescindenda está fundada em precedente do Plenário
do Tribunal (AR 1.761-AgR, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6-5-05, e AR
1.756-AgR, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 10-9-04).
3. Não é verdade que o Tribunal tenha admitido as AR 1.770, 1.771 e 1.772. A AR
1.770 teve seu seguimento negado pelo Relator, Ministro Marco Aurélio, visto que a
decisão rescindenda fundamentava-se em precedente do Plenário desta Corte (DJ de 298-03). As AR 1.771 e 1.772, por sua vez, sequer foram julgadas.
Nego provimento ao agravo regimental.
EXTRATO DA ATA
AR 1.698-AgR/BA — Relator: Ministro Eros Grau. Agravantes: Valnete Ferreira de
Oliveira e outros (Advogado: Jairo Andrade de Miranda). Agravada: Caixa Econômica
Federal – CEF (Advogados: Flávio Silva Rocha e outros).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo, nos termos do
voto do Relator. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie e, neste julgamento,
os Ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson
Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Vice-Procurador-Geral da República,
Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 23 de março de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
1074
R.T.J. — 200
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL
NO INQUÉRITO 1.871 — GO
(Inq 1.871-AgR na RTJ 198/35)
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso
Embargada: Polícia Federal
Recurso. Embargos de declaração. Omissão. Inexistência. Incompetência reconhecida. Impossibilidade conseqüente de qualquer outra decisão.
Embargos rejeitados. Se se dá o tribunal por incompetente em certa causa,
não pode tomar outra decisão que não a de só remessa dos autos ao juízo
competente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, rejeitar os embargos,
nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello
e Eros Grau.
Brasília, 31 de maio de 2006 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de embargos de declaração contra acórdão
proferido em agravo regimental e assim ementado:
Ementa: Competência criminal. Especial. Prerrogativa de função. Não-caracterização. Inquérito judicial penal. Ministro aposentado do STJ e ex-Deputado Federal. Atos
funcionais. Inconstitucionalidade do § 1º e do § 2º do art. 84 do CPP, introduzidos pela
Lei 10.628/02. Pronúncia do Plenário nas ADI 2.797 e 2.860. Incompetência do STF.
Competência reconhecida do Tribunal Regional Federal. Agravos improvidos. O Supremo
Tribunal Federal não tem competência para, após a cessação do exercício da função pública,
processar e julgar pessoa que devia responder perante ele por crime comum ou de responsabilidade.
(Fls. 221/225.)
Alega o Impetrante que “a douta Procuradoria-Geral da República não se manifestou sobre a prova da absoluta inexistência de indícios de prática de crime imputável ao ora
embargante” (fl. 4155).
Requer, então, que se “acolham os presentes embargos de declaração e, de conseqüência, suprimindo a omissão apontada, decida pela abertura de vista do Inquérito
1.871-6 à Procuradoria-Geral da República, para oficiar no exercício de sua competência
constitucional” (fl. 4157).
É o relatório.
R.T.J. — 200
1075
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Impertinente o recurso.
O agravo regimental foi desprovido por acórdão que, de maneira clara e minuciosa,
demonstrou a incompetência desta Corte para, após a cessação do exercício da função
pública, processar e julgar pessoa que devia responder perante ela por crime comum e de
responsabilidade.
A pretensão dos Embargantes é a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República, para colher manifestação acerca da presença, ou não, de indícios de prática de crime
contra a administração pública imputável ao Embargante.
Ora, escusa dizer que a esse objetivo não se prestam os embargos declaratórios,
destinados que são apenas a remediar omissões, obscuridades ou contradições em proposições intrínsecas do ato decisório, como se vê ao art. 535 do CPC (AI 494.890-AgR-ED,
Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 18-11-05; RE 211.390-AgR-ED, Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJ de 4-11-05; AI 543.738-AgR-ED, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14-10-05;
AI 528.469-AgR-ED, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 30-9-05, inter plures). E a nenhuma
dessas hipóteses corresponde o pedido dos Embargantes.
Não se nega, com isso, possam embargos declaratórios provocar alterações no teor
da decisão embargada. Esse resultado só é admissível, no entanto, em caráter excepcional,
nos precisos casos em que a modificação de capítulo decisório figure conseqüência
inarredável da correção omissão, obscuridade, contradição ou erro material contido no
ato embargado. Fora daí, alteração do resultado do julgamento transformaria os embargos
em nova, ampla e indesejável via recursal, não prevista no ordenamento, nem tampouco
condizente com a função que lhe reserva a lei.
De todo modo, o decisivo é que, tendo-se dado a Corte por incompetente, é óbvio
que já não pode decidir coisa alguma neste processo, nem, portanto, determinar retorno
dos autos ao Ministério Público – coisa, aliás, que estava implícita na decisão embargada
e que, por isso, dispensa declaração formal.
2. Do exposto, rejeito os embargos de declaração.
EXTRATO DA ATA
deral.
Inq 1.871-AgR-ED/GO — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargada: Polícia Fe-
Decisão: O Tribunal, à unanimidade, rejeitou os embargos, nos termos do voto do
Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Eros Grau. Presidiu o
julgamento a Ministra Ellen Gracie.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e
Ricardo Lewandowski. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e
Silva de Souza.
Brasília, 31 de maio de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
1076
R.T.J. — 200
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.994 — ES
Relator: O Sr. Ministro Eros Grau
Requerente: Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil –
ATRICON — Requeridos: Governador do Estado do Espírito Santo e Assembléia
Legislativa do Estado do Espírito Santo
Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafo 6º do art. 74 e art. 279
da Constituição do Estado do Espírito Santo, com a redação que lhe foi
conferida pela Emenda Constitucional 17/99. Arts. 25, parágrafos; 26; 27,
caput e parágrafo único; 28, parágrafos, todos da Lei Complementar estadual
32/93, com a redação que lhe foi conferida pela Lei Complementar 142/99.
Tribunal de Contas estadual. Criação do cargo de substituto de Conselheiro.
Discrepância do modelo delineado na Constituição do Brasil. Violação do
disposto nos arts. 73; 75, parágrafo único; 96, inciso II, alínea b, da Constituição do Brasil.
1. Estrutura dos Tribunais de Contas estaduais. Observância necessária
do modelo federal. Precedentes.
2. Não é possível ao Estado-Membro extinguir o cargo de auditor na
Corte de Contas estadual, previsto constitucionalmente, e substituí-lo por
outro cuja forma de provimento igualmente divirja do modelo definido pela
CB/88.
3. Vício formal de iniciativa no processo legislativo que deu origem à
Lei Complementar 142/99. A CB/88 estabelecendo que compete ao próprio
Tribunal de Contas propor a criação ou a extinção dos cargos de seu quadro,
o processo legislativo não pode ser deflagrado por iniciativa parlamentar
(arts. 73 e 96, inciso II, alínea b).
4. Pedido julgado procedente para declarar inconstitucionais o § 6º do
art. 74 e o art. 279, ambos da Constituição do Estado do Espírito Santo, com a
redação que lhes foi atribuída pela Emenda Constitucional 17/99, e toda a Lei
Complementar 142/99, que promoveu alterações na Lei Complementar 32/
93, do mesmo Estado-Membro.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, julgar procedente a ação
direta, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 24 de maio de 2006 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do
Brasil (ATRICON) propôs ação direta em face do § 6º do art. 74 e do art. 279 da Constituição
R.T.J. — 200
1077
do Estado do Espírito Santo, com redação conferida pela Emenda Constitucional 17/99, e
dos arts. 25 e seus parágrafos; 26; 27, caput e seu parágrafo único; 28 e seus parágrafos;
e 29, todos da Lei Complementar estadual 32/93, com redação dada pela Lei Complementar
142/99. Eis o teor dos preceitos impugnados:
Art. 74. (...)
§ 6º Os substitutos de Conselheiros, em número de sete, quando no efetivo exercício da
substituição, terão as mesmas garantias e impedimentos do titular.
Art. 279. A investidura do Substituto de Conselheiro do Tribunal de Contas é para mandato
de dois anos, após a aprovação prévia do Plenário da Assembléia Legislativa, nomeado pela Mesa
da Assembléia Legislativa, podendo ser reconduzido.
Art. 25. O Conselheiro, em suas ausências, impedimentos, férias ou outros afastamentos
legais, será substituído, mediante convocação do Presidente, por substituto de Conselheiro de que
tratam os arts. 26 a 28, desta Lei.
§ 1º Os substitutos de Conselheiros serão convocados pelo Presidente da sessão, para efeito
de quorum, quando se verificar a ausência de titulares.
§ 2º O substituto de Conselheiro, convocado na forma do parágrafo anterior, perceberá
remuneração de Conselheiro, enquanto durar a sua convocação.
Art. 26. Os substitutos de conselheiros, em número de sete, quando no efetivo exercício da
substituição, terão as mesmas garantias, direitos e impedimentos do Conselheiro Titular.
Art. 27. A investidura para a função de substituto de Conselheiro do Tribunal de Contas é
para mandato de 02 (dois) anos, após a aprovação prévia do Plenário da Assembléia Legislativa,
sendo nomeado pela Mesa da Assembléia Legislativa, podendo ser reconduzido, com a fixação dos
seus subsídios equivalentes a 80% (oitenta por cento) do Conselheiro.
Parágrafo único. Em caso de vacância de cargo de Conselheiro, o Presidente convocará
substituto de Conselheiro para exercer as funções do cargo, até novo provimento.
Art. 28. O Tribunal de Contas, de dois em dois anos, enviará à Assembléia Legislativa, no
decorrer da 2ª quinzena de março, lista dos indicados para a função de Substituto de Conselheiro,
que conterá 14 (quatorze) nomes, acompanhada dos respectivos currículos, que atendam os
requisitos exigidos nas alíneas do parágrafo 1º do artigo 74, da Constituição Estadual, para o
exercício do mandato com funções de Substituto de Conselheiro.
§ 1º Dos nomes que integrarão a lista a que se refere este artigo, serão indicados 07 (sete)
pela Assembléia Legislativa, e os outros 07 (sete) pelo Tribunal de Contas.
§ 2º Rejeitados, total ou parcialmente, os nomes da lista, o Tribunal de Contas e a Assembléia Legislativa, dentro de 15 (quinze) dias, complementarão suas indicações, de tantos quantos
sejam necessários, objetivando ao preenchimento da referida vaga.
Art. 29. Os atuais cargos de auditor do Tribunal de Contas, em número de 04 (quatro), serão
extintos na vacância.
2. A Requerente alega que os preceitos da Constituição estadual atacados promovem
a extinção do cargo de auditor junto ao Tribunal de Contas, previsto na Constituição do
Brasil e de observância obrigatória pelos Estados-Membros, criando o inusitado cargo de
substituto de Conselheiro. Ademais, afirma que o art. 279 da Constituição introduz forma
igualmente incomum para provimento do novo cargo, prevendo “mandato de dois anos,
após a aprovação prévia do Plenário da Assembléia Legislativa, nomeado pela Mesa da
Assembléia Legislativa, podendo ser reconduzido”, em violação ao art. 37, inciso II, da
CB/88. Sustenta, outrossim, que, com a criação de sete cargos de substituto de Conselheiro, o Tribunal de Contas estadual passará a contar com quatorze Conselheiros, em flagrante ofensa ao parágrafo único do art. 75 da Constituição do Brasil.
3. No que se refere aos preceitos da Lei Complementar 32/93, com redação dada pela
Lei Complementar 142/99, ressalta que o modelo adotado discrepa dos parâmetros traçados
1078
R.T.J. — 200
pela Constituição, invocando novamente os três argumentos expostos no parágrafo anterior. Aduz a existência de vício formal de iniciativa no processo legislativo que deu origem
à Lei Complementar 142/99, uma vez que, nos termos dos arts. 73 e 96, inciso II, alínea b, da
CB/88, compete ao próprio Tribunal de Contas propor a criação ou a extinção dos cargos
de seu quadro, não podendo o processo legislativo ser deflagrado por iniciativa parlamentar. Por fim, destaca que a fixação dos subsídios dos substitutos de Conselheiro em
oitenta por cento da remuneração dos Conselheiros constitui vinculação vedada pelo
art. 37, inciso XIII, da Constituição do Brasil.
4. A Assembléia Legislativa, às fls. 136/139, afirma que a aprovação dos textos
normativos impugnados, ao estabelecer as condições e os requisitos legais para o acesso
ao cargo de substituto de Conselheiro, deu-se com amparo no art. 37, inciso I, da CB/88.
Destaca que o art. 39, § 3º, da Constituição permite que a lei estabeleça requisitos diferenciados para admissão quando a natureza do cargo o exigir, visando os preceitos atacados
a adequar a legislação estadual a circunstâncias administrativas e políticas que “apontavam
para a inconveniência de se manter o provimento, em caráter efetivo e permanente, o
cargo de Auditor o Tribunal de Contas” (fls. 138/139).
5. Este Tribunal, por sua vez, deferiu o pedido liminar para suspender a eficácia do
§ 6º do art. 74 e do art. 279 da Constituição do Estado do Espírito Santo e de toda a Lei
Complementar 142/99.
6. O Advogado-Geral da União, manifestando-se às fls. 159/171, salienta que a
jurisprudência da Corte é pacífica quanto à necessidade do Tribunal de Contas estadual
seguir o modelo federal nas matérias de organização, composição e atribuições fiscalizadoras. Sustenta que a Corte de Contas capixaba destoa desse modelo, sendo inconstitucional a criação do cargo de substituto de Conselheiro, não previsto na Constituição da República.
7. O Procurador-Geral da República opinou pela procedência do pedido (fls. 173/
177), entendendo ser inconstitucional a criação da figura dos substitutos de Conselheiro,
investidos em cargo público sem aprovação em concurso, para exercer atribuições
conferidas aos auditores.
É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros
(RISTF, art. 172).
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A Associação dos Membros dos Tribunais de
Contas do Brasil (ATRICON) pleiteia a declaração de inconstitucionalidade do § 6º do art. 74
e do art. 279, ambos da Constituição do Estado do Espírito Santo, com a redação que lhes
foi atribuída pela Emenda Constitucional 17/99, e da Lei Complementar 142/99, que promoveu alterações na Lei Complementar 32/93, do mesmo Estado-Membro.
2. A questão a que respeita a ação direta de inconstitucionalidade não é nova neste
Tribunal, que em mais de uma oportunidade manifestou-se pela inconstitucionalidade de
alterações, na estrutura das Cortes de Contas estaduais, que discrepam do modelo
delineado na Constituição do Brasil, de observância obrigatória pelos Estados-Membros:
R.T.J. — 200
1079
Tribunal de Contas estadual – Conselheiros-substitutos – Carta estadual. Padecem dos
vícios de forma e de fundo normas da Constituição do Estado que revelem a criação de cargos de
Conselheiro-Substituto a serem preenchidos sem concurso público, atribuindo-se aos ocupantes
atividade própria dos auditores.
(ADI 184, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 27-8-93.)
3. É indispensável que o Tribunal de Contas estadual siga o modelo federal nas
matérias de organização, composição e atribuições fiscalizadoras, não sendo possível ao
Estado-Membro extinguir o cargo de auditor, previsto constitucionalmente, e substituí-lo
por outro cuja forma de provimento igualmente divirja do modelo definido pela CB/88. O
art. 279 da Constituição estadual, após substituir o cargo de auditor pelo cargo de substituto de Conselheiro, determina que a nomeação destes últimos dê-se por livre escolha da
Mesa da Assembléia Legislativa, para um mandato de dois anos, após a aprovação do
Plenário daquela Assembléia, em nítida violação do disposto no art. 37, inciso XII, da
Constituição do Brasil. Nesse sentido, a ADI 1.067, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ
de 21-11-97.
4. A composição dos Tribunais de Contas estaduais bem como a forma de provimento
de seus cargos constituem matéria de observância compulsória pelos Estados-Membros,
não se submetendo, portanto, à conveniência do poder constituinte derivado decorrente
ou do legislador estadual (ADI 373, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 6-5-94).
5. Em conseqüência da declaração de inconstitucionalidade dos preceitos da Constituição estadual impugnados, não podem subsistir as modificações introduzidas pela Lei
Complementar 142/99 no texto da Lei Complementar 32/93. Além dos argumentos acima
enumerados, são igualmente pertinentes as observações trazidas pela Requerente no que
tange à existência de vício formal de iniciativa, no processo legislativo que deu origem à
Lei Complementar 142/99. Os arts. 73 e 96, inciso II, alínea b, da CB/88 estabelecem que
compete ao próprio Tribunal de Contas propor a criação ou a extinção dos cargos de seu
quadro, o processo legislativo não podendo ser deflagrado por iniciativa parlamentar.
Julgo procedente o pedido para declarar inconstitucionais o § 6º do art. 74 e o art. 279,
ambos da Constituição do Estado do Espírito Santo, com a redação que lhes foi atribuída
pela Emenda Constitucional 17/99, e toda a Lei Complementar 142/99, que promoveu
alterações na Lei Complementar 32/93, do mesmo Estado-Membro.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, louvando muito o voto bem elaborado, que, inclusive agudamente, percebeu que entre as inconstitucionalidades das
normas impugnadas está a usurpação de iniciativa de lei privativa dos tribunais de contas,
pela remissão que a Constituição faz ao art. 96, prevendo que aos tribunais cabem os
poderes, mutatis mutandis, que são próprios dos tribunais judiciários. E, realmente, a
Constituição Federal faz do cargo de auditor um cargo de existência necessária, porque,
quando ela se refere nominalmente a um cargo, está dizendo que faz parte, necessariamente,
da ossatura do Estado, e só por efeito de emenda à Constituição – e olhe lá – é que essa
matéria poderia ser modificada. De outra parte, auditor ainda tem uma particularidade: é
regrado pela Constituição como um elemento de composição do próprio Tribunal; um
1080
R.T.J. — 200
terço das vagas do Tribunal há de ser preenchido por iniciativa do chefe do Poder Executivo, porém, alternadamente, entre auditores e membros do Ministério Público de Contas.
E o fato é que o art. 75 deixa claro que o modelo de composição, exercício e fiscalização que
adota a Constituição Federal é impositivo para os demais entes federativos.
Louvo o voto do Ministro Eros Grau, e o acompanho, para todos os fins e efeitos.
EXTRATO DA ATA
ADI 1.994/ES — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Associação dos Membros
dos Tribunais de Contas do Brasil – ATRICON (Advogados: Carlos Mário da Silva
Velloso Filho e outros). Requeridos: Governador do Estado do Espírito Santo e Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta, nos termos
do voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente,
neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Procurador-Geral da República, Dr.
Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 24 de maio de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 200
1081
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.278 — PE
Relator: O Sr. Ministro Eros Grau
Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa
Requerentes: Partido Humanista da Solidariedade – PHS e Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco — Requerido: Tribunal Regional Eleitoral de
Pernambuco
Propaganda eleitoral. Simulador de urna eletrônica. Resolução 6/00
do TRE, do Estado de Pernambuco. Constitucionalidade. Determinação para
aplicação da sanção penal do art. 347 do Código Eleitoral. Inconstitucionalidade.
Não ofende a Constituição Federal ato normativo do Tribunal Regional
Eleitoral que veda a utilização de simuladores de urna eletrônica como veículo
de propaganda eleitoral.
Contudo, a determinação para a aplicação da penalidade estabelecida no
art. 347 do Código Eleitoral aos infratores do comando normativo em análise
ofende a competência da União para legislar sobre Direito Penal (art. 22, I, da
CF/88).
Ação direta julgada parcialmente procedente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, julgar parcialmente
procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “ficando o infrator
sujeito ao disposto no art. 347 do Código Eleitoral”, contida no art. 2º da Resolução 6, de
6 de junho de 2000, do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Pernambuco, vencidos os
Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, que a julgavam integralmente procedente, e o
Ministro Eros Grau (Relator), que a julgava improcedente.
Brasília, 15 de fevereiro de 2006 — Joaquim Barbosa, Relator para o acórdão.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O Partido Humanista da Solidariedade (PHS) propõe ação
direta, com pedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionalidade do art. 2º
da Resolução 6, de 6 de junho de 2000, do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de
Pernambuco, que tem o seguinte teor:
Art. 2º É vedada a utilização de simuladores eletrônicos como veículo de propaganda
eleitoral, ficando o infrator sujeito ao disposto no art. 347 do Código Eleitoral.
1082
R.T.J. — 200
2. O Requerente sustenta que o texto atacado colide com as disposições dos arts. 2º1;
5º, inciso II2; e 22, inciso I3, da Constituição do Brasil. Argumenta que o TRE de Pernambuco
“arvorou-se em assumir papel de órgão legislador”, que “na legislação vigente inexiste
qualquer dispositivo proibindo (...) o emprego destes instrumentos na propaganda eleitoral” e que compete privativamente à União legislar sobre Direito Eleitoral.
3. Em 11 de setembro de 2000, o Ministro Nelson Jobim, Relator à época, determinou
o apensamento destes autos aos da ADI 2.291, ajuizada pela Mesa da Assembléia
Legislativa do Estado de Pernambuco, por identidade de objetos (termo de apensação de
fl. 36).
4. O Tribunal Regional Eleitoral esclarece que a resolução atacada foi editada no
exercício da competência que lhe atribui o Código Eleitoral4. Afirma que o ato hostilizado
tem por objetivo “evitar que o uso de tais equipamentos pudesse confundir o eleitor em
relação ao manejo da urna eletrônica, o que decerto ocorreria uma vez que o modelo então
conhecido era alimentado por um programa que permitia a cada candidato ‘ensinar a
votar’ no seu próprio nome, número e fotografia, induzindo o eleitor pouco esclarecido à
crença de que a urna verdadeira funcionaria de modo semelhante” (ADI 2.291, fls. 45/47).
5. A medida cautelar foi indeferida em 19 de setembro de 2000. O acórdão daquele
julgamento está assim ementado:
Constitucional. Eleitoral. Resolução administrativa de TRE. Proibição do uso de simulador
da urna eletrônica. O simulador é mecanismo de propaganda e não de instrução ao eleitor. Seu uso
indiscriminado, por vincular-se à capacidade econômica dos candidatos, importa um desnivelamento entre os mesmos. Liminar indeferida.
6. O Advogado-Geral da União, invocando precedentes da Corte, manifesta-se pela
improcedência do pedido (fls. 59/65).
7. O Procurador-Geral da República opina pela improcedência do pleito, destacando
que “cabe aos Tribunais Regionais Eleitorais a imposição de regras e limitações da propaganda eleitoral, a fim de evitar uma possível manipulação de eleitores com menor grau de
instrução, o que de forma fácil ocorreria com a utilização dos simuladores de urna eletrônica na propaganda eleitoral” (fls. 67/69).
É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros
(RISTF, art. 172).
1 “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.”
2
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”
3
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do
trabalho;”
4
“Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:
(...)
XVI - cumprir e fazer cumprir as decisões e instruções do Tribunal Superior.”
R.T.J. — 200
1083
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Trata-se de ação direta na qual se pretende seja
declarada a inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução 6/00, do Tribunal Regional
Eleitoral, do Estado de Pernambuco.
2. Ao indeferir a medida cautelar, o Ministro Nelson Jobim assim enfrentou a questão
(fls. 46/48):
(...)
Não há dúvida de que o mecanismo de instrução ao eleitor é retórico para a circunstância,
o que é, efetivamente, um mecanismo de propaganda.
(...)
Ora, introduzir este mecanismo de propaganda que, em tese, não está regulamentado em lei
como algo de acessibilidade a todos, é introduzir a possibilidade, muito clara, de um desnivelamento
entre candidatos.
(...)
Há duas situações que me parecem importantes: o estabelecimento de uma desigualdade no
processo de campanha eleitoral e, por outro lado, a possibilidade de induzir ao invés de simplesmente confundir o eleitor.
3. Em outras oportunidades, esta Corte assentou a constitucionalidade de resoluções de idêntico conteúdo (ADI 2.267, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 139-02 e ADI 2.275, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 13-9-02).
4. No julgamento da ADI 2.267, no qual se discutiu questão extremamente semelhante
à de que tratam estes autos, o Relator, Ministro Maurício Corrêa, destacou que:
(...)
4. Com efeito, os arts. 1º, parágrafo único, 23, IX e XVIII, e 30, XVI, do Código Eleitoral
outorgam competência ao TSE para expedir normas destinadas à fiel execução do que nele se
contém, e aos Tribunais Regionais para executá-las e fazê-las cumprir. Por outro lado, a alegação
de excesso ou descompasso do ato com a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral implica em
ausência de confronto direto com a Constituição Federal, pressuposto de cabimento desta ação.
5. Importante verificar que os arts. 37, § 2º, e 38 da Lei 9.504, de 30-7-97, estabelecem as
situações, numerus clausus, em que a propaganda eleitoral pode ser realizada independentemente
de autorização. A contrario sensu, as demais formas de divulgação utilizadas pelos partidos
políticos e seus candidatos, dentre elas os simuladores de urnas eletrônicas, somente podem
ocorrer com a chancela da Justiça Especializada. Não há falar, assim, em violação ao princípio da
legalidade, restando incólume o preceito do art. 5º, inciso II, da Constituição Federal.
6. Tem-se, portanto, que o Tribunal requerido, com amparo em lei federal, antecipou-se a eventuais pedidos de autorização, vedando, desde logo, de forma indistinta, o
uso do equipamento. Inexiste, como visto, qualquer violação aos arts. 2º e 22, inciso I, da Carta
de 1988.
7. Registro, por oportuno, a razoabilidade da medida enquanto destinada a evitar a indução fraudulenta de eleitores, em especial daqueles que têm menos acesso à educação, o que infelizmente corresponde a uma grande parcela dos cidadãos brasileiros. Qualquer ação
dedicada, ainda que potencialmente, a confundir o eleitor ou dirigir sua manifestação de vontade,
viciando-a, deve ser coibida durante o processo eleitoral.
(...)
5. Assim, o texto normativo atacado não incorre em qualquer modalidade de
inconstitucionalidade, ao contrário, evidencia meio idôneo para a preservação da higidez
do processo eleitoral.
1084
R.T.J. — 200
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido formulado nesta ação direta, bem
como na ADI 2.291 em apenso.
VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Mantenho o voto que proferi por ocasião do julgamento da ADI 2.283, pela parcial procedência da ação.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidenta, voto pela procedência total,
fazendo o registro de que a legislação eleitoral não é casuística, exaustiva, quanto aos
meios de propaganda. Contém, sim, regras que vedam certos tipos de propaganda.
Reafirmo que o simulador da urna eletrônica visa a preparar o eleitor para bem
exercitar esse direito inerente à cidadania, o de escolher os respectivos representantes.
EXTRATO DA ATA
ADI 2.278/PE — Relator: Ministro Eros Grau. Relator para o acórdão: Ministro
Joaquim Barbosa. Requerentes: Partido Humanista da Solidariedade – PHS (Advogados:
Lauro Ribeiro Pinto de Sá Barreto e outros) e Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do
Estado de Pernambuco (Advogados: Roberta Maria Rangel e outro). Requerido: Tribunal
Regional Eleitoral de Pernambuco.
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para declarar
a inconstitucionalidade da expressão “ficando o infrator sujeito ao disposto no art. 347 do
Código Eleitoral”, contido no art. 2º da Resolução 6, de 6 de junho de 2000, do Tribunal
Regional Eleitoral, do Estado de Pernambuco, vencidos os Ministros Marco Aurélio e
Cezar Peluso, que a julgavam integralmente procedente, e o Ministro Eros Grau (Relator),
que a julgava improcedente. Votou a Presidente. Redigirá o acórdão o Ministro Joaquim
Barbosa. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Britto e, neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim (Presidente). Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros
e Silva de Souza.
Brasília, 15 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 200
1085
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL
NA RECLAMAÇÃO 2.484 — AL
Relator: O Sr. Ministro Eros Grau
Agravante: Pedro Talvane Luis Gama de Albuquerque Neto — Agravado: Presidente
do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas
Agravo regimental no agravo regimental na reclamação. Não-conhecimento. Ausência de impuganção dos fundamentos da decisão agravada.
Inviabilidade da alegação de suspeição dos Magistrados do Tribunal de Justiça
do Estado de Alagoas.
1. A impugnação dos fundamentos da decisão agravada é pressuposto
para o conhecimento do agravo regimental.
2. O deslocamento para a Justiça Federal da competência para o julgamento do processo-crime torna insubsistente a alegação de suspeição dos
magistrados do TJ/AL.
3. Agravo regimental não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, não conhecer
do agravo regimental, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 12 de junho de 2006 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão
que julgou prejudicado o agravo anterior.
2. O Agravante ajuizou reclamação com fundamento no art. 102, inciso I, alínea n1, da
Constituição do Brasil, sustentando que a maioria dos Desembargadores componentes
do TJ/AL seria suspeita para conhecer do recurso em sentido estrito interposto contra
decisão proferida nos autos de ação penal na qual figura como Réu.
1
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e
aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou
indiretamente interessados;”
1086
R.T.J. — 200
3. O Ministro Nelson Jobim, Relator à época, negou seguimento à reclamação ao
argumento de que “a suspeição ou o impedimento de mais da metade dos magistrados do
Tribunal de origem, se devidamente declarada por ato pessoal ou reconhecida exceção
argüida nos autos enseja a remessa do processo a este Tribunal nos termos do art. 102,
inciso I, alínea n, da Constituição Federal, e não reclamação” (fls. 62/66).
4. O Reclamante interpôs agravo regimental no qual afirma que a competência para
processar e julgar “exceção (s) de competência (sic) na qual figurem como exceptos a
maioria dos componentes dos Tribunais de Apelação”. Defende o cabimento da reclamação, destacando que atos do Desembargador Presidente do TJ/AL usurpam a competência
desta Corte (fls. 69/76).
5. Julguei prejudicado o agravo (fl. 114), uma vez que obtive, mediante consulta à
página do TJ/AL na internet, a informação de que aquele Tribunal reconheceu sua incompetência para processar e julgar a ação penal movida contra o Reclamante, determinando
a remessa dos autos à Justiça Federal.
6. O Reclamante interpõe novo agravo, no qual sustenta que a decisão “fora, no
mínimo, precipitada, uma vez que a decisão do TJ/AL em declinar da competência para o
julgamento em favor da justiça federal ainda não se tornou definitiva” (fls. 122/124).
7. O TJ/AL, atendendo a determinação de fl. 139, informa que os autos da ação penal
movida em desfavor do Reclamante foram remetidos à Justiça Federal (fls. 151/183).
8. O Reclamante postula, na petição de fls. 187/189, o envio dos autos do Inquérito
2005.80.00.002776-8 a esta Corte pela Justiça Federal.
9. O Procurador-Geral da República opina pelo desprovimento do agravo e a conseqüente prejudicialidade da Reclamação, dada a perda superveniente do interesse de agir
da parte (fls. 201/202).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O agravo não merece provimento.
2. Em suas razões recursais, o Agravante limita-se a afirmar que a decisão pela qual
o TJ/AL reconheceu sua incompetência para processar e julgar a ação penal – na qual o
Agravante figura como réu – ainda não havia transitado em julgado. Vale destacar que,
como noticia o Presidente daquela Corte estadual, os autos já foram, inclusive, remetidos
para a Justiça Federal.
3. O Agravante não impugnou o fundamento central da decisão. O deslocamento
para a Justiça Federal da competência para o julgamento daquele processo-crime torna
insubsistente a alegação de suspeição dos magistrados do Tribunal de Justiça local.
Evidente também que o TJ/AL tornou-se incompetente para emitir qualquer pronunciamento de mérito naquele feito.
4. Configura princípio básico da disciplina dos recursos o dever, que vincula o
Recorrente, de impugnar as razões da decisão atacada. Deixando de fazê-lo, fica caracterizada a irregularidade formal que determina, nos termos do disposto no § 1º do art. 317 do
R.T.J. — 200
1087
RISTF, o não-conhecimento do recurso interposto (RE 353.294-AgR, Segunda Turma,
Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 3-2-06, e RE 428.675-AgR, Primeira Turma, Relator
o Ministro Cezar Peluso, DJ de 17-2-06).
Não conheço do agravo regimental.
EXTRATO DA ATA
Rcl 2.484-AgR-AgR/AL — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Pedro Talvane
Luis Gama de Albuquerque Neto (Advogado: Pedro Leão de Menezes Filho Neto). Agravado: Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, não conheceu do agravo regimental, nos
termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Ricardo Lewandowski
e, neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen
Gracie.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros
e Silva de Souza.
Brasília, 12 de junho de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
1088
R.T.J. — 200
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.672 — ES
Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie
Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Carlos Britto
Requerente: Governador do Estado do Espírito Santo — Requerida: Assembléia
Legislativa do Estado do Espírito Santo
Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 6.663, de 26
de abril de 2001, do Estado do Espírito Santo.
O diploma normativo em causa, que estabelece isenção do pagamento de
taxa de concurso público, não versa sobre matéria relativa a servidores públicos (§ 1º do art. 61 da CF/88). Dispõe, isto sim, sobre condição para se chegar
à investidura em cargo público, que é um momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor público. Inconstitucionalidade formal não
configurada.
Noutro giro, não ofende a Carta Magna a utilização do salário mínimo
como critério de aferição do nível de pobreza dos aspirantes às carreiras
públicas, para fins de concessão do benefício de que trata a Lei capixaba
6.663/01.
Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal
Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, julgar improcedente a
ação, vencidos a Relatora, Ministra Ellen Gracie (Presidente), e os Ministros Gilmar Mendes
e Celso de Mello, este último, ausente neste julgamento, com voto proferido na assentada
anterior.
Brasília, 22 de junho de 2006 — Carlos Ayres Britto, Relator para o acórdão.
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida
pelo Governador do Estado do Espírito Santo, que visa a impugnar a Lei estadual 6.663, de
25 de abril de 2001, que traz, em seu bojo, as seguintes disposições (fl. 52):
Art. 1º Fica estabelecida a isenção imediata de pagamento da taxa de concurso público para
emprego na Administração Direta e Indireta do Estado do Espírito Santo, aos desempregados e
aos trabalhadores que ganham até 3 (três) salários mínimos por mês.
Parágrafo único. Caso o concursado seja aprovado e contratado na Administração Pública,
será a referida taxa descontada em duas parcelas mensais e consecutivas de seu salário.
Art. 2º O desempregado e o trabalhador que recebe até 3 (três) salários mínimos poderão
participar, usufruindo do direito de isenção imediata, de até 3 (três) concursos por ano.
R.T.J. — 200
1089
Relata o Requerente que esta lei estadual, de empreendimento parlamentar, contém
vício de origem, pois entende que a matéria nela tratada é de iniciativa privativa do Chefe
do Executivo, eis que trata de regra relativa a regime jurídico de servidor, em especial a
provimento de cargos públicos, incidindo na espécie o disposto no art. 61, § 1º, II, c, da
Constituição Federal.
Aduz, também, ofensa aos arts. 5º, caput, e 7º, IV, da Carta Magna, por afrontar,
respectivamente, o princípio da isonomia e a vedação da vinculação ao salário mínimo,
para qualquer fim.
Requereu, por último, a concessão de medida liminar para suspender os efeitos da
norma impugnada e a procedência do pedido para declarar a inconstitucionalidade dos
dispositivos hostilizados, com a conseqüente suspensão dos seus efeitos.
Adotado o rito do art. 12 da Lei 9.868/99, foram solicitadas informações ao Poder
Legislativo do Estado e, sucessivamente, as manifestações da Advocacia-Geral da União
e do Ministério Público Federal.
A Assembléia Legislativa capixaba, nas informações prestadas (fls. 22/28), alega,
em preliminar, que os artigos citados na ação proposta pelo Chefe do Poder Executivo
Estadual não fornecem ou caracterizam sustentação para a alegada inconstitucionalidade
ou ilegitimidade do Legislativo local para legislar sobre o assunto. Menciona, outrossim,
que a lei atacada não dispõe sobre serviços públicos meramente, mas acerca da forma de
alcance e realização destes. No direito, expõe que todos os três Poderes – Executivo,
Legislativo e Judiciário – devem zelar pelo interesse social, em prol da qualidade de vida,
e, nesse contexto, é que foi elaborada a Lei 6.663/01, pretendendo-se garantir o direito de
todo cidadão brasileiro de participar de concursos públicos.
A Advocacia-Geral da União, em sua manifestação (fls. 31/36), destacou precedentes
desta Corte que reconheceram a inconstitucionalidade formal e material de leis estaduais
que foram elaboradas sem observância da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do
Poder Executivo.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do então Procurador-Geral da
República, Prof. Geraldo Brindeiro (fls. 58-60), consignou ter o legislador estadual imprimido
a pecha de inconstitucionalidade na Lei estadual 6.663/01, ao iniciar o processo legislativo
de matéria reservada à iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Colacionando jurisprudência
deste Supremo Tribunal, opinou pela procedência do pedido.
É o relatório, a ser distribuído aos Senhores Ministros.
VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Merece acolhimento a alegação de inconstitucionalidade formal dos dispositivos impugnados.
Dispondo sobre matéria que estabelece isenção imediata de pagamento de taxa de
concurso público para emprego na administração direta e indireta do Estado do Espírito
Santo, aos desempregados e aos trabalhadores que percebem até 3 (três) salários mínimos
por mês, trataram estes preceitos, inegavelmente, de matéria atinente ao regime jurídico,
provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de servidores públicos, cuja elaboração normativa, sem a iniciativa do Governador, afrontou a reserva prevista no art. 61, § 1º,
1090
R.T.J. — 200
II, c, da Constituição Federal, comando que a jurisprudência desta Corte entende ser de
observância obrigatória para os Estados e o Distrito Federal, por encerrar corolário do
princípio da independência dos Poderes.
No julgamento de caso análogo ao presente (ADI 864, DJ de 13-9-96), assim sintetizou a questão o eminente Relator, Min. Moreira Alves, verbis:
Ação direta de inconstitucionalidade. – Já se firmou nesta Corte o entendimento de que, no
tocante a leis que digam respeito a regime jurídico de servidor público, seu projeto é da iniciativa
exclusiva do Governador do Estado-Membro, aplicando-se-lhe, portanto, a norma que se encontra
no art. 61, II, c, da Constituição Federal. – No caso, como salientado na inicial, o projeto que deu
margem à Lei objeto desta ação direta de inconstitucionalidade foi de iniciativa parlamentar,
razão por que incorre ela em inconstitucionalidade formal. Ação julgada procedente, para declarar
a inconstitucionalidade da Lei 9.844, de 24 de março de 1993, do Estado do Rio Grande do Sul.
Outrossim, no tocante à ofensa ao art. 7º, IV, da Constituição Federal, essa Corte já
julgou que é vedada a vinculação ao salário mínimo para qualquer fim. Neste sentido, cito
o precedente firmado na ADI 1.568-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 20-6-97, no qual
decidiu o Tribunal, ser inconstitucional a vinculação ao salário mínimo de taxa de inscrição em concurso público, verbis:
Constitucional. Processo legislativo. Iniciativa legislativa. Lei Complementar 66, de 1º-11-95,
do Estado do Espírito Santo. Taxa de inscrição em concurso público: vinculação ao salário
mínimo: inconstitucionalidade.
I - As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa
reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-Membros. Precedentes do STF.
II - Vinculação de taxa de inscrição em concurso público ao salário mínimo: inconstitucionalidade. CF, art. 7º, IV.
III - Cautelar deferida.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 1º e 2º da Lei 6.663/01, do Estado do Espírito Santo.
VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, acompanho o voto de Vossa
Excelência.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidenta, tenho dificuldade em acompanhar
Vossa Excelência.
Primeiro, entendo que a lei em causa e em xeque não dispõe sobre servidor público,
e sim sobre condição para se chegar à investidura em cargo público; ou seja, é momento
anterior ao da caracterização do candidato como servidor público.
Segundo, entendo que esse tipo de indexação ao salário mínimo não é proibido, por
não ter relação com o processo inflacionário. Nenhuma.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Nada mais razoável para aferir pobreza do que se
utilizar da unidade do salário mínimo.
R.T.J. — 200
1091
O Sr. Ministro Carlos Britto: Por isso, peço vênia para não acompanhar Vossa Excelência e entender que a lei não padece de inconstitucionalidade, nem formal nem material.
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidenta, também fico com a jurisprudência
do Tribunal, a despeito da importância de que o tema se reveste. Tenho a impressão de
que, se começarmos a fazer essas disceptações, distinguishing, em relação às atribuições
e competências, tanto no âmbito da relação União/Estado, quanto no da iniciativa, talvez
acabemos por produzir uma grande insegurança jurídica.
Anoto estar eventualmente aberto a uma possível evolução.
Acompanho o voto de Vossa Excelência.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidenta, trata-se da Lei 6.663/79, na qual
há, realmente, a previsão da isenção. Vai-se além, para dispor que, caso o concursado seja
aprovado – aquele desempregado ou que percebe até três salários mínimos –, haverá o
desconto da taxa, posteriormente, em duas parcelas mensais.
Tenho como satisfatória a lei, em termos humanísticos e também constitucionais,
emprestando um tratamento desigual a desiguais e viabilizando, portanto, a feitura do
concurso por aqueles que não têm condições imediatas de recolherem a taxa cobrada, sem
prejuízo do próprio sustento e do sustento da família.
Peço vênia para subscrever o voto do Ministro Carlos Ayres Britto, julgando improcedente o pedido formulado.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, parece-me que efetivamente
a lei não diz respeito a regime jurídico do servidor público stricto sensu, que pressupõe a
existência da relação funcional, a qual, por óbvio, por disposição constitucional, só se
pode instaurar em função do resultado do concurso público.
De outro lado, impressionou-me, desde logo, que está em causa o concurso público,
que, mais de uma vez, já acentuamos, nesta Casa, ser um corolário do princípio fundamental
da isonomia. E, na medida em que isenta da taxa de concurso o desempregado ou o
trabalhador que perceba até três salários mínimos, a meu ver, a lei tenta realizar, tenta
superar esse pequeno obstáculo – porque outros são mais importantes – do acesso ao
serviço público por meio do concurso.
Também não vejo indexação ao salário mínimo. Cuidando-se de estabelecer uma taxa
de pobreza é inevitável o apelo ao salário mínimo para determiná-lo, e isso não traz aqueles
efeitos perversos de indexação, que evitem o aumento do salário mínimo para evitar aumentar a isenção de taxa de concurso. É levar, a meu ver, longe demais a proibição da vinculação.
Por isso, com todas as vênias, acompanho o Ministro Carlos Britto e os que o seguiram para julgar improcedente a ação.
1092
R.T.J. — 200
VOTO
(Retificação)
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, os argumentos que afloraram
no debate levaram-me à convicção da constitucionalidade da lei.
Por essa razão, reformo meu voto e acompanho a dissidência inaugurada pelo
Ministro Carlos Britto.
EXTRATO DA ATA
ADI 2.672/ES — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Requerente: Governador do Estado
do Espírito Santo (Advogados: PGE/ES – Flávio Augusto Cruz Nogueira e outro). Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo.
Decisão: Após os votos da Ministra Ellen Gracie, Relatora, dos Ministros Gilmar
Mendes e Celso de Mello, julgando procedente a ação, e dos Ministros Carlos Britto,
Cezar Peluso, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, julgando-a improcedente, o julgamento foi suspenso para aguardar os votos dos Ministros ausentes, nos
termos do parágrafo único do art. 173 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Velloso e Eros Grau, e, neste julgamento,
o Ministro Nelson Jobim, Presidente. Presidência da Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos
Fonteles.
Brasília, 13 de outubro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, data venia, julgarei procedente a ação, singelamente, por dois motivos:
Primeiro, vejo um vício de iniciativa, pois a matéria trata de servidor público e, de
outra parte, também de finanças públicas, porque cuida de isenção de taxas de concurso
público.
Em segundo lugar, vejo uma colisão com o dispositivo constitucional que veda a
vinculação de qualquer matéria ao salário mínimo. Isso leva a uma segunda inconstitucionalidade de caráter material, a meu ver, ofensa ao princípio da isonomia, porque trata-se de
uma discriminação, ou seja, não abrange todas as pessoas que estejam em uma situação
de carência e que possam se valer desse benefício.
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, peço vênia a Vossa Excelência. Julgo
a ação improcedente.
R.T.J. — 200
1093
A Ministra Cármem Lúcia trouxe todos os argumentos; aliás, com muito mais vigor
e riqueza do que eu pensava alinhar.
Eu ia me referir ao voto do Ministro Sepúlveda Pertence. Não há outro modo de
definir a taxa de pobreza senão pelo salário mínimo. O mais que eu tinha a dizer, foi dito no
brilhante voto da Ministra Cármem Lúcia.
Peço vênia aos Colegas que votaram pela procedência.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A vedação de vinculações do salário mínimo tem
um único sentido na Constituição: evitar que o aumento do salário mínimo gere outras
despesas.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Inibindo o legislador quanto à manutenção do poder
aquisitivo.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Fator de indexação.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aumentado o salário mínimo, que alguém que
tenha o salário fixado em cinco salário mínimos tenha, automaticamente, o aumento.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Aqui, talvez, não seja o caso do salário mínimo. O que
impressiona é o argumento formal. De fato, ao dispor sobre o serviço público – vício de
iniciativa –, parece-me ser o argumento decisivo na questão, porque, se esse tema puder
ser deliberado, a partir de iniciativa própria da assembléia legislativa, sem que haja participação do Poder Executivo, nós estaremos a burlar o modelo de iniciativa com sérios
reflexos. Essa é a questão, a meu ver, central. Realmente, não há quanto ao salário mínimo,
porque, aqui, existe apenas um critério de aferição do nível socioeconômico.
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Gostaria de esclarecer que, quando me referi
ao salário mínimo, estava vinculando-o à questão da isonomia. Ofende o princípio da
isonomia por ser um discrimen que não é válido, universal.
Concordo, no mais, com o eminente Ministro Sepúlveda Pertence.
DEBATE
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, enfrentei essa questão formal
dizendo em meu voto que a lei posta agora em xeque não dispõe sobre servidor público,
e sim sobre condição a preencher para se chegar a servidor público.
Ou seja, é um momento anterior.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O valor predominante é o da isonomia, mas
isonomia proporcional.
O Sr. Ministro Carlos Britto: É um momento anterior ao da caracterização do candidato
como servidor público.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E tomou-se um valor constitucional para isso.
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Nesse caso, todo regramento relativo a concurso público fugiria à iniciativa do Executivo.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Se esse argumento puder ser aceito, então a disciplina
de concurso público estará submetida à livre iniciativa.
1094
R.T.J. — 200
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ministro Gilmar Mendes, há um dado. Inclusive o art.
1º da Lei 6.663, que está em xeque agora, não fala apenas em Poder Executivo, mas em
concurso público do Estado, portanto pode ser até do Poder Legislativo.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Na verdade, o texto é claro nesse sentido.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O valor predominante, no concurso público, é a
igualdade de acesso aos cargos públicos. E, se essa isenção de taxa realiza esse valor
constitucional da igualdade, acredito que seja válida.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Facilito o acesso para as pessoas pobres. Depois, é
preciso lembrar que a igualdade tem uma característica interessantíssima: não há outro
modo de combater a desigualdade no plano dos fatos senão impondo uma desigualdade
no plano jurídico. Não há como se contrapor a uma desigualdade factual senão mediante
à criação de uma desigualdade jurídica. É da natureza desse valor chamado igualdade.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Desculpe-me, não é essa a questão que está em jogo.
Fundamentalmente, é a regra do art. 61, § 1º, II, c:
Art. 61. (...)
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
I - (...)
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos,
estabilidade e aposentadoria;
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Para estar submetido ao regime de servidor
público, há um pressuposto: ser servidor público.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não, provimento de cargo.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Provimento de cargo pressupõe que a pessoa
esteja aprovada em concurso.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não, regras sobre provimento de cargo.
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Senão todo concurso público estaria excluído
desse regramento.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tenho toda simpatia pelo critério da hipossuficiência
das relações.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Muito aprendi com um professor chamado
Gilmar Mendes sobre o problema de ponderação, da proporcionalidade.
O Sr. Ministro Carlos Britto: A lei foi tão cuidadosa – a Ministra Cármem Lúcia
colocou isso em realce – que chega a tratar no parágrafo único do seu art. 1º, aprovado
que seja o candidato, ele vai pagar.
Então, o que houve foi um diferimento apenas desse pagamento.
Quer dizer, que lei cuidadosa, cautelosa.
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Portanto, já quando o candidato esteja inserido
em serviço público, reforçando a tese de que há vício formal, sim. Ele projeta a execução para
depois de ele estar aprovado e inserido no serviço público. A simpatia da tese é evidente.
Todos nós queremos abrir o mais amplo acesso. Não é isso que está em dúvida, mas, sim,
R.T.J. — 200
1095
o vício formal. A iniciativa da assembléia pode superar a prerrogativa que é do governador
do Estado? É essa a questão somente.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Há dois momentos normativos: o primeiro apanha o
candidato ainda, logicamente, não-servidor público; o segundo, aí, sim, já apanha o candidato aprovado e nomeado.
EXTRATO DA ATA
ADI 2.672/ES — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Relator para o acórdão: Ministro
Carlos Britto. Requerente: Governador do Estado do Espírito Santo (Advogados: PGE/ES –
Flávio Augusto Cruz Nogueira e outro). Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do
Espírito Santo.
Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente
a ação, vencidos a Relatora, Ministra Ellen Gracie (Presidente), e os Ministros Gilmar
Mendes e Celso de Mello, este último, ausente neste julgamento, com voto proferido na
assentada anterior. Redigirá o acórdão o Ministro Carlos Britto.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa,
Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr.
Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 22 de junho de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
1096
R.T.J. — 200
AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE 2.871 — PI
Relator: O Sr. Ministro Eros Grau
Agravante: Governador do Estado do Piauí — Agravados: Governador do Estado
do Piauí e Assembléia Legislativa do Estado do Piauí
Agravo regimental na ação direta de inconstitucionalidade. Não-seguimento da ação direta em função da perda superveninete do interesse de agir.
EC 20/98, que disciplinou a concessão de aposentadoria dos servidores
públicos. Art. 40, § 2º, da Constituição do Brasil. Revogação dos preceitos
que conflitam com a nova redação do texto constitucional.
1. O cabimento da ação direta de inconstitucionalidade está vinculado à
eficácia dos preceitos impugnados.
2. Os artigos impugnados passaram a divergir do texto do art. 40, § 2º,
da Constituição do Brasil, em decorrência da nova redação que lhe foi
conferida pela EC 20/98.
3. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão penária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 9 de agosto de 2006 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão
que negou seguimento a ação direta em função de perda superveniente do interesse de
agir.
2. O Governador do Estado do Piauí ajuizou ação direta, com pedido de medida
cautelar, objetivando a declaração de inconstitucionalidade do art. 254, caput e parágrafos,
em sua redação originária e na disposta pela Emenda 1/91 à Constituição estadual. Pleiteou
ainda a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 56 e do art. 136 da
Lei Complementar estadual 13/94, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei Complementar
23/99.
3. O art. 254 da Constituição piauiense tinha, originariamente, a seguinte redação:
Art. 254. O servidor que contar tempo de serviço igual ou superior ao fixado para aposentadoria passará à inatividade, com a gratificação do cargo de direção, em comissão, de função de
confiança ou da função gratificada que estiver exercendo ou tenha exercido na administração
pública, por cinco anos ininterruptos ou não.
R.T.J. — 200
1097
§ 1º Quando o servidor tiver exercido mais de um cargo ou função, a vantagem do de maior
valor lhe será atribuída.
§ 2º As mesmas vantagens serão estendidas aos pensionistas de servidores que tenham
falecido no exercício de qualquer dos cargos ou funções referidos neste artigo.
4. Com o advento da Emenda Constitucional 1, de 27-6-91, o caput e o § 1º do
aludido artigo passaram a ter nova redação:
Art. 254. O servidor que contar com tempo de serviço igual ou superior ao fixado para
aposentadoria passará à inatividade, com gratificação do cargo de direção, em comissão, de
função de confiança ou de função gratificada que estiver exercendo ou tenha exercido na administração pública, por cinco anos ininterruptos ou dez anos intercalados.
§ 1º Quando o servidor tiver exercido mais de um cargo ou função, a vantagem do de maior
valor lhe será atribuída, desde que exercido por um período mínimo de dois anos.
5. Já os arts. 56 e 136 da Lei Complementar 13/94 dispõem:
Art. 56. Ao servidor investido em cargo em comissão ou função de direção, chefia ou
assessoramento é devida uma gratificação pelo seu exercício.
Parágrafo único. A gratificação a que alude o caput deste artigo, somente será
incorporada aos proventos de aposentadoria, nos termos do art. 254 da Constituição
Estadual e do art. 39, § 4º, da Constituição Federal.
(Parágrafo único com redação da Lei Complementar 23, de 27-12-99.)
Art. 136. O servidor que tiver exercido função de direção, chefia, assessoramento, assistência, cargo em comissão ou função gratificada, por período de 5 (cinco) anos consecutivos, ou
10 (dez) anos interpolados, poderá aposentar-se com a gratificação da função ou da gratificação
do cargo em comissão, de maior valor, desde que exercido por um período mínimo de 2 (dois)
anos.
Parágrafo único. Quando o exercício da função ou cargo em comissão de maior valor não
corresponder ao período de 2 (dois) anos, será incorporada a gratificação ou remuneração da
função ou cargo em comissão imediatamente inferior dentre os exercícios.
6. Tendo em conta a promulgação da Emenda Constitucional 20/98, que, entre outras
disposições, estabelece que os proventos de aposentadoria, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo – o que
veda a incorporação de gratificações aos proventos –, entendi revogados os preceitos
atacados editados antes da aludida emenda – art. 254 da Constituição estadual e art. 136
da Lei Complementar 13/94. Por essa razão não conheci da ação direta em relação a esses
preceitos.
7. No tocante ao parágrafo único do art. 56 da Lei Complementar 13/94, que teve sua
redação alterada pela Lei Complementar 23/99, destaquei a inaplicabilidade do preceito,
uma vez que permite, mas apenas nos termos do art. 254 da CE/PI – preceito revogado – e
do art. 39, § 4º, da CB/88, a incorporação de gratificação aos proventos de aposentadoria.
8. O Requerente, inconformado, interpôs agravo regimental, pleiteando a reforma da
decisão apenas no que tange ao argumento de que a vigência do art. 254 da Constituição
estadual foi reafirmada pelo preceito mencionado.
9. Afirma que “[m]esmo considerando a revogação do art. 254 da Constituição Estadual, não podemos esquecer que a vigência desse dispositivo foi reafirmado pelo parágrafo único do art. 56, quando se referiu aos ‘termos do art. 254 da Constituição Estadual’
1098
R.T.J. — 200
o legislador estadual talvez por economia de atividade legislativa incorporou ao texto do
dispositivo as condições de incorporação previstas no art. 254 da Constituição Estadual”.
Destaca, por fim, que o preceito vem sendo aplicado, inclusive por determinação da
Justiça local (fls. 82/91).
10. O Procurador-Geral da República opinou pelo desprovimento do agravo, pois o
parágrafo único do art. 56 da Lei Complementar 23/94 deixou de ter eficácia (fl. 95).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Agravante sustenta que o legislador estadual
“reafirmou”, por lei complementar, a vigência de preceito veiculado pela Constituição
estadual, anterior à EC 20/98, que permitia a incorporação de gratificação a proventos de
aposentadoria.
2. Não vejo como acolher a tese.
3. Uma lei complementar estadual não poderia restabelecer a vigência de preceito
revogado por emenda à Constituição do Brasil, uma vez que com ela incompatível.
4. O Requerente afirma que o art. 254 da Constituição estadual foi revogado. Assim,
resta desprovida de sentido a redação do parágrafo único do art. 56 da Lei Complementar
estadual 13/94.
5. Também não prospera o argumento de que o legislador estadual “pode definir
requisitos e condições para a fruição de vantagens ou remeter a dispositivo onde tais
requisitos e condições estão previstos. Estando esse dispositivo ao qual se remete revogado, há de se entender que o legislador o repristinou, deu-lhe novamente vigência”.
6. O ato normativo em questão era taxativo: a gratificação somente seria incorporada
aos proventos de aposentadoria nos termos do art. 254 da Constituição estadual e do
art. 39, § 4º, da Constituição de 1988. Como afirmei na decisão atacada, se apenas há
incorporação nos termos do art. 254 da CE/PI, e esse preceito foi revogado, já não poderá
mais haver incorporação.
7. As correções de eventuais interpretações divergentes conferidas ao preceito
devem ser perseguidas no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, não na via
da ação direta.
Nego provimento ao agravo regimental.
EXTRATO DA ATA
ADI 2.871-AgR/PI — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Governador do Estado
do Piauí (Advogados: PGE/PI – Plínio Clerton Filho e outro). Agravados: Governador do
Estado do Piauí e Assembléia Legislativa do Estado do Piauí.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos
termos do voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes.
R.T.J. — 200
1099
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da
República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 9 de agosto de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
1100
R.T.J. — 200
AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO 3.268 — SP
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso
Agravante: Rápido Luxo Campinas Ltda. — Agravado: Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo (AI 192.210-5/4-00) — Interessado: Município de Campinas
1. Reclamação. Impugnação de decisão interlocutória. Ato decisório
que determinou retenção de recurso extraordinário admitido na origem.
Admissibilidade. Jurisprudência vacilante do STF, que admite também ação
cautelar. Princípio da fungibilidade. Medida conhecida. Contra retenção de
recurso extraordinário na origem, com apoio no art. 542, § 3º, do Código de
Processo Civil, é admissível assim reclamação, como ação cautelar.
2. Recurso. Extraordinário. Interposição contra decisão interlocutória. Retenção nos autos. Processamento imediato. Inadmissibilidade. Inviabilidade manifesta do recurso, manejado contra decisão que indeferiu liminar.
Reclamação julgada improcedente. Precedentes. Agravo não provido. É inadmissível processamento imediato de recurso extraordinário retido na forma
do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil, quando manifesta a inviabilidade
jurídica do mesmo extraordinário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental na reclamação. Não participou, justificadamente,
deste julgamento o Ministro Marco Aurélio.
Brasília, 9 de maio de 2006 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de agravo regimental interposto contra
decisão do seguinte teor:
Decisão: 1. Trata-se de reclamação, movida por Rápido Luxo Campinas Ltda., com pedido
de liminar, contra decisão proferida pelo desembargador 4º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo que, sob alegação de ser decisão interlocutória o ato impugnado, reteve, com
base no art. 542, § 3º, do CPC, o processamento de recurso extraordinário interposto pela Reclamante.
Segundo sustenta a Autora, a retenção não se justificaria no caso, à medida que o extraordinário impugna decisão interlocutória em que o juiz da causa rejeitou pedido de antecipação
parcial da tutela. A urgência no julgamento do recurso, portanto, tornaria de rigor sua desobstrução.
Pede, assim, seja determinado ao Tribunal a quo, em caráter liminar, o imediato processamento e a realização do juízo de admissibilidade do recurso retido.
2. Admissível a via eleita.
R.T.J. — 200
1101
Ao propósito, a Corte ainda não firmou posição definitiva, oscilando entre considerar
adequada ora a reclamação, ora medida cautelar, para que a parte prejudicada com a retenção de
recurso extraordinário na origem, com apoio no art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil, lhe
obtenha o processamento imediato (Pet 2.460, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 11-10-01;
AC 410, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 10-9-04; Rcl 2.510, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de
21-5-04).
Perfilho a tese dos dois primeiros precedentes, reputando admissível tanto um quanto
outro remédio. Em primeiro lugar, porque, diante da incerteza da jurisprudência do Tribunal, não
seria lícito prejudicar a parte com o eventual não-conhecimento da via que, entre ambas, se
entenda imprópria. Em segundo lugar, porque a pretensão de que se cuida – o desbloqueio de
recurso extraordinário contra decisão interlocutória, cujo julgamento compete à Corte – parece
caber no raio de admissibilidade de ambas as medidas processuais, que, para esse efeito, devem ter-se
por fungíveis.
3. Inviável, porém, no mérito.
O art. 542, § 3º, do CPC determina que os recursos extraordinário e especial, interpostos
contra decisão interlocutória em processo de conhecimento satisfativo (inclusive embargos à
execução) ou cautelar, fiquem retidos nos autos até que, sobrevinda decisão final da causa, sejam
porventura reiterados pela parte interessada no julgamento. Com isso, o dispositivo subverteu a
regra geral de imediato processamento dos recursos ditos extraordinários (art. 543 do CPC),
estipulando que, em certos casos, permaneçam retidos até eventual reiteração.
Assim agindo, a Lei 9.756/98 pretendeu contribuir para o desafogo dos tribunais superiores, inibindo-lhes o acesso de recursos que, não tendo sido reiterados pela parte no prazo e
condições legais, acabam revelando-se pouco úteis ou sérios.1
É bem verdade que essa norma não pode lida de modo absoluto (cf. Pet 2.260, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ de 28-6-01; AI 345.244-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 2-6-03).
Afinal, há casos em que sua incidência levaria a situações absurdas, causadoras de grave dano à
parte ou à função jurisdicional, o que se lhe não ajusta à ratio iuris.
Mas não é o caso dos autos. Não há razão para se determinar o imediato processamento do
recurso retido, se a análise perfunctória já revela, por si só, sua irremediável inviabilidade. É que
se volta o extraordinário contra decisão que indeferiu pedido de liminar, confirmada no tribunal
a quo. Ora, é sabido que o Supremo Tribunal Federal reputa, de há muito, inadmissíveis os recursos
extraordinários interpostos “contra decisões que concedem ou denegam medidas cautelares ou
provimentos liminares, pelo fato de que tais atos decisórios, precisamente porque apenas fundados
na verossimilhança das alegações (...) ou na mera plausibilidade jurídica da pretensão deduzida –
não veiculam qualquer juízo conclusivo de constitucionalidade, deixando de ajustar-se, em conseqüência, à hipótese consubstanciada no art. 102, III, a, da Constituição” (AC 695, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ de 13-4-05). Tal entendimento foi consolidado na Súmula 735 (“Não
cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar”).
Logo, o recurso da Reclamante é natimorto, razão por que não faria senso fosse
desobstruído. A norma do art. 542, § 3º, incide, portanto, em sua inteireza, como, aliás, já
reconheceu a Corte em caso análogo (Pet 2.222, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 9-12-03).
4. Do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do RISTF, julgo improcedente a
reclamação.
(Fls. 276-278.)
Insiste a Agravante na procedência da reclamação, a fim de que seja determinado o
imediato processamento do recurso extraordinário que se encontra retido com base no art.
542, § 3º, do CPC. Alega que o trancamento do extraordinário voltado contra o indeferimento de liminar a submeteria a risco de dano grave e irreparável (fls. 281-286).
É o relatório.
1
Cf. MOREIRA. José Carlos Barbosa. Reformas do CPC em matéria de recursos. In: Temas de direito
processual, 8ª série. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 147.
1102
R.T.J. — 200
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. A decisão agravada invocou e resumiu os
fundamentos do entendimento invariável da Corte, cujo teor subsiste invulnerável aos
argumentos do recurso, os quais nada acrescentaram à compreensão e ao desate da
quaestio iuris.
É oportuno, aliás, advertir que o disposto no art. 544, § 3º e § 4º, e no art. 557, ambos
do Código de Processo Civil, desvela o grau da autoridade que o ordenamento jurídico
atribui de maneira crescente, em nome da segurança jurídica, às súmulas e, posto que não
sumulada, à jurisprudência dominante, sobretudo desta Corte, as quais não podem desrespeitadas nem controvertidas sem graves razões jurídicas capazes de lhes autorizar revisão
ou reconsideração. De modo que o inconformismo sistemático, manifestado em recursos
carentes de fundamentos novos, deve ser prontamente rechaçado.
O presente agravo, que não traz argumentos sérios para ditar eventual releitura da
orientação assentada pela Corte, não pode ser acolhido. Recursos como este roubam à
Corte, já notoriamente sobrecarregada, tempo precioso para cuidar de assuntos graves.
2. Isso posto, nego provimento ao agravo, mantendo a decisão agravada por seus
próprios fundamentos.
EXTRATO DA ATA
Rcl 3.268-AgR/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Rápido Luxo
Campinas Ltda. (Advogados: José Eduardo Rangel de Alckmin e outro). Agravado:
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AI 192.210-5/4-00). Interessado: Município
de Campinas (Advogado: Gilberto Bizzi Filho).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental na reclamação. Unânime.
Não participou, justificadamente, deste julgamento o Ministro Marco Aurélio.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 9 de maio de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 200
1103
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.306 — DF
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Requerente: Procurador-Geral da República — Requerida: Câmara Legislativa do
Distrito Federal
1. Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. 2. Resoluções da Câmara Legislativa do Distrito Federal que dispõem sobre o reajuste
da remuneração de seus servidores. 3. Violação dos arts. 37, X (princípio da
reserva de lei); 51, IV; e 52, XIII, da Constituição Federal. 4. Superveniência
de lei distrital que convalida as resoluções atacadas. 5. Fato que não caracteriza o prejuízo da presente ação. 6. Medida cautelar deferida, suspendendose, com eficácia ex tunc, os atos normativos impugnados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie (RISTF, art. 37, I),
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
deferir a liminar, com eficácia ex tunc, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 23 de fevereiro de 2006 — Gilmar Mendes, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: O Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio
Fonteles, atendendo a solicitação do Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público
do Distrito Federal e Territórios, Dr. Adilson Rodrigues, ajuíza a presente ação direta de
inconstitucionalidade, com pedido de liminar, contra os seguintes atos da Câmara
Legislativa do Distrito Federal: Resolução 197/03; parágrafo único do art. 2º da Resolução
201/03; arts. 9º, 10, 13, 14, 15 e parte final dos arts. 46, 47, 48, 49 e 50 da Resolução 202/03;
parte final do art. 1º da Resolução 204/03.
As normas impugnadas tratam da remuneração dos servidores da Câmara Legislativa
do Distrito Federal.
Conforme relata a inicial (fls. 2-7), o teor dos dispositivos normativos ora impugnados
é o seguinte:
Íntegra do texto da Resolução nº 197/2003
“Art. 1º A parcela individual fixa, estabelecida pelo art. 2º, da Lei nº 3.172, de 11 de julho
de 2003, será paga aos servidores de livre provimento, sem vínculo com a Administração Pública,
em exercício de cargo em comissão na Câmara Legislativa do Distrito Federal, nos mesmos
valores e nas mesmas condições estabelecidas por essa lei.
Art. 2º As despesas decorrentes desta Resolução correrão à conta de dotações consignadas
no orçamento da Câmara Legislativa do Distrito Federal.
Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.”
1104
R.T.J. — 200
Resolução nº 201/03
“Art. 2º (...)
Parágrafo único. A soma dos valores remuneratórios dos cargos em comissão indicados
nos incisos do caput, se tais cargos forem ocupados por servidores não optantes pelos vencimentos do cargo efetivo, poderá ser, a partir de 1o de março de 2004, distribuída a critério exclusivo
do Deputado Distrital em outros cargos previstos na tabela de remuneração dos cargos em
comissão da CLDF, até o limite de vinte e três, além dos cargos decorrentes da cessão de dois
servidores de outro órgão ou entidade.”
Resolução nº 202/03
“Art. 9º Os vencimentos dos servidores efetivos, ativos ou inativos, da Carreira
Legislativa, são compostos por:
I - vencimento, calculado conforme o cargo e a natureza das atividades desempenhadas
pelo servidor;
II - Gratificação de Atividade Legislativa – GAL, no valor de 30% (trinta por cento) do
vencimento percebido pelo servidor;
III - Gratificação de Incentivo à Permanência – GPE, no valor de 30% (trinta por cento)
do vencimento percebido pelo servidor, inclusive inativos e pensionistas.
§ 1 º As tabelas de vencimentos dos cargos efetivos de Auxiliar Legislativo, Assistente
Legislativo, Técnico Legislativo, Consultor Técnico-Legislativo e Consultor Legislativo são
estruturadas em dezesseis padrões.
§ 2º Os vencimentos dos cargos de provimento efetivo da Câmara Legislativa resultantes
da aplicação do disposto neste artigo passam a ser os constantes da tabela que integra o Anexo
II desta Resolução.
§ 3º A Mesa Diretora, em cada mês de janeiro, ou quando houver qualquer alteração de
remuneração, fará publicar as tabelas de remuneração dos servidores da CLDF, promovendo
as adequações necessárias à completa implantação deste Plano de Carreira.
§ 4 º O servidor não fará jus à percepção das gratificações de que trata o inciso III do
caput apenas nos casos de cessão a órgãos não vinculados à CLDF.
Art. 10. A tabela de vencimentos e de progressão no cargo de Procurador Legislativo será
tratada em Resolução específica.
Art. 13. A tabela de remuneração dos cargos em comissão da Câmara Legislativa passa
a ser a constante do Anexo III desta Resolução.
Art. 14. Os servidores ocupantes de cargo efetivo da Câmara Legislativa ou requisitados
de órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nomeados para o exercício de
cargo em comissão da Câmara Legislativa e que optarem pelos vencimentos do cargo efetivo
farão jus a 55% (cinqüenta e cinco por cento) do vencimento e à representação mensal.
Art. 15. A gratificação das funções de confiança será estabelecida em Resolução.
Art. 46. A Gratificação de Executor de Contrato fica transformada em Função de Confiança
de Executor de Contrato – FC-01, com remuneração no valor constante do Anexo III desta
Resolução.
Art. 47. O Cargo Especial de Motorista fica transformado em Função de Confiança de
Assistência – FC-02, com remuneração no valor constante do Anexo III desta Resolução.
Art. 48. Os cargos em comissão de Assistente da Comissão dos Anais e Memória, Encarregado de Biblioteca, Encarregado de Serviços Gerais, Encarregado de Fotografia, Encarregado de
Administração do Fundo de Assistência à Saúde da Câmara Legislativa – FASCAL, Encarregado de
Atendimento e Cadastro do FASCAL, Encarregado de Auditoria Médica do FASCAL, Encarregado
de Orçamento, Finanças e Contabilidade do FASCAL, Encarregado de Controle de Processos do
FASCAL, Encarregado de Contas a Receber do FASCAL, Encarregado de Contencioso, Encarregado de Licitações e Contratos, Encarregado de Consultoria Administrativa, Encarregado de
Apoio Administrativo, Encarregado de Segurança, Auxiliar de Administração da Corregedoria e a
Função de Confiança de Supervisão ficam transformados em Função de Confiança de Supervisão –
FC-03, com remuneração no valor constante do Anexo III desta Resolução.
R.T.J. — 200
1105
Art. 49. A Função de Confiança de Assessoramento – FC-07 fica transformada em Função
de Confiança de Assessoramento – FC-04, com remuneração no valor constante do Anexo III
desta Resolução.
Art. 50. A Função de Confiança de Assistência – FC-01 e as Gratificações de Desempenho de Atividade ficam incorporadas à tabela de remuneração dos servidores efetivos constante
do Anexo II desta Resolução, passando a integrar sua remuneração.”
Resolução nº 204/03
“Art. 1º Ficam incluídos nos Gabinetes Parlamentares e Lideranças Partidárias os cargos
em comissão de Secretário Parlamentar, em níveis SP-01, SP-02, SP-03, SP-04 e SP-05, com
remuneração de acordo com o constante no Anexo I desta Resolução.”
O fundamento da presente ação direta está assim formulado pelo Procurador-Geral
da República:
4. Na hipótese, flagrante a violação ao inciso X, do art. 37, da Constituição Federal, que,
desde a modificação introduzida pela EC nº 19/98, passou a exigir, para a fixação ou alteração dos
vencimentos dos servidores públicos, lei formal e específica, da seguinte forma:
“Art. 37.
X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente
poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada
caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.’ (sem grifo
no original)
5. Até a edição da referida emenda constitucional, o Poder Legislativo, em qualquer das
esferas de governo, tinha autonomia para fixar livremente o valor dos vencimentos de seus
servidores, mesmo por resolução, considerando que o ato de fixação de tais valores não era sujeito
à veto ou sanção.
6. Posteriormente, todavia, passou a deter tão-somente a iniciativa para a apresentação
do projeto de lei nesse sentido, nos termos determinados pelo preceito constitucional em sua
nova redação, bem como pelos arts. 51, IV, e 52, XIII, do texto constitucional.
7. As resoluções impugnadas, todas elas, fixam, de uma forma ou de outra, valores de
remuneração ou gratificação a serem percebidas por servidores daquela Casa Legislativa, o que
implica aumento sem a devida previsão legal. A Resolução nº 197 estende aos servidores de livre
provimento o valor fixado aos demais servidores à título de parcela individual fixa; a Resolução
nº 202, nos dispositivos impugnados, prevê os valores de vencimentos de diversos cargos da
Câmara Legislativa do DF, porcentagens da gratificação dos ocupantes de cargos comissionados
e, inclusive, a possibilidade de estabelecimento da tabela de vencimentos e gratificações dos
cargos que descreve por resolução; a Resolução nº 204, igualmente, fixa o valor da remuneração
dos cargos em comissão criados.
8. Há confronto direto, como visto, com a exigência constitucional de lei formal e
específica para tratar da matéria.
Assevera, ainda, o Procurador-Geral da República, com base na jurisprudência desta
Corte:
9. O Supremo Tribunal Federal, em mais de uma ocasião, determinou a aplicação da norma
constitucional aqui indicada como violada. Assim, por exemplo, nos autos da ADIn nº 1.782-2,
onde deixa claro, ainda que não de forma direta – porque desnecessário, dada a clareza da modificação constitucional – que, não obstante a recepção como lei das resoluções anteriores à EC nº
19/98 dispositivas da matéria, não será mais admitido o aumento remuneratório por ato interno,
sem a edição de lei formal.
Por fim, requer o Procurador-Geral da República:
10. Demonstrada, de forma inquestionável, a inconstitucionalidade formal dos dispositivos
normativos impugnados, e considerando o prejuízo irreparável ou de difícil reparação que as
normas hostilizadas causam ao erário, restam consubstanciandos o fumus boni iuris e o periculum
1106
R.T.J. — 200
in mora das alegações ora expendidas, razão pela qual pleiteia-se a sua suspensão ad cautelam,
nos termos previstos pelo art. 10, da Lei nº 9.868/99, e pelo art. 170 do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal.
11. Requer-se, por fim, que, colhidas as informações necessárias e ouvido o AdvogadoGeral da União, consoante determinado pelo § 3º, do art. 103, da Constituição da República, seja
determinada a abertura de vista dos autos a esta Procuradoria-Geral da República, para manifestação a respeito do mérito, pedindo que, ao final, seja julgado procedente o pedido de declaração de
inconstitucionalidade dos dispositivos normativos antes elencados, quais sejam: texto integral da
Resolução nº 197/03; parágrafo único do art. 2º da Resolução nº 201/03; arts. 9º, 10, 13, 14, 15,
e a expressão “com remuneração no valor constante do Anexo III desta Resolução” constante
dos arts. 46, 47, 48, 49 e 50, da Resolução nº 202/03; e a expressão “com remuneração de acordo
com o constante no Anexo I desta Resolução” constante do art. 1º da Resolução nº 204/03, todas
da Câmara Legislativa do Distrito Federal.
(Fls. 2-7.)
Solicitadas as informações, a Câmara Legislativa do Distrito Federal alega, inicialmente, que o tema tratado pelo ato impugnado seria matéria interna corporis, imune ao
exame de outro Poder. Após transcrever lição de Hely Lopes, quanto ao que se entende
por matéria interna corporis, invoca a Câmara Legislativa precedentes desta Corte,
verbis:
Para ilustrar o debate, traz-se à lume o posicionamento contido na ementa do Mandado de
Segurança nº 20.471/DF, votado à unanimidade, onde foi relator o Exmo. Sr. Ministro Francisco
Rezek (in Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 112, pag. 1023), litteris:
“Mandado de segurança. Processo legislativo no Congresso Nacional. Interna
Corporis. Matéria relativa à interpretação, pelo Presidente do Congresso Nacional, de
normas de regimento legislativo é imune à crítica judiciária, circunscrevendo-se no domínio interna corporis. Pedido de Segurança não conhecido”.
Neste mesmo sentido, o Mandado de Segurança nº 21.374, também votado à unanimidade
pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, em que foi relator o Eminente Ministro Moreira Alves
(in Revista Trimestral de Jurisprudência, Vol. 144, pag. 488) assim ementado:
“Mandado de segurança que visa a compelir a Presidência da Câmara dos Deputados
a acolher requerimento de urgência urgentíssima para discussão e votação imediata de
projeto de resolução de autoria do impetrante. Em questões análogas à presente, esta Corte
(assim nos MS 20.247 e 20.471) não tem admitido mandado de segurança contra atos do
Presidente das Casas Legislativas, com base em regimento interno delas, na condução do
processo de feitura de leis. Mandado de Segurança indeferido”.
Quanto a essa primeira alegação, conclui a Câmara Legislativa do DF:
Pelo exposto, resta incontroverso que a presente ação mandamental não poderá lograr
êxito, eis que o mesmo refere-se exclusivamente a matéria de cunho eminentemente inserido na
prerrogativa legal da Câmara Legislativa do Distrito Federal, não sujeitas à apreciação do Poder
Judiciário. Tal atitude, ademais, merece repudio pela estrutura estatal adotada no país, que consagrou três poderes constituídos, harmônicos e independentes entre si.
O assunto resta incontroverso ante a previsão constante do art. 60, da Lei Orgânica do
Distrito Federal, que diz competir, privativamente, à Câmara Legislativa do Distrito Federal
criar, transformar ou extinguir cargos de seus serviços, bem como provê-los e fixar ou modificar as respectivas remunerações.
teor:
O restante da defesa do ato elaborada pela Câmara Legislativa possui o seguinte
Outrossim, nota-se que as Resoluções indigitadas de inconstitucionais resultam do processo
legislativo, consoante previsão constitucional, outorgado às Casas Legislativas.
R.T.J. — 200
1107
Com efeito, ao tratar do processo legislativo, dispõe o texto constitucional, “verbis”:
“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
emendas à Constituição;
leis complementares;
leis ordinárias;
leis delegadas;
medidas provisórias;
decretos legislativos;
resoluções. (grifou-se)”
Da análise do dispositivo supratranscrito, verifica-se que há referência à espécie normativa
adequada para o caso concreto.
Em síntese, entende-se a expressão lei específica, contida no art. 37, X, da Constituição
Federal, como aquele instrumento normativo, entre os previstos no art. 59, da Carta Magna, que,
no caso concreto, seja o adequado para dispor sobre fixação ou alteração de remuneração de
servidores públicos, sendo vedado, por força da previsão constitucional que referido diploma
normativo contenha dispositivo estranho à matéria a que especificamente se destina regulamentar.
Continua a Câmara Legislativa:
Assim, a exigência prevista no art. 37, X, da Constituição Federal de lei específica para
fixação ou alteração de remuneração de servidores públicos será atendida com a utilização da
espécie normativa adequada a cada caso concreto.
No que concerne à iniciativa privativa do procedimento para fixação ou alteração de
remuneração do servidor público, ou no caso posto à exame, a criação de função de confiança, na
esfera da Câmara dos Deputados, prescreve o artigo 51, IV, da Constituição Federal, com a
redação dada pela EC nº 191/98, verbis:
“Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:
(...)
IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação
ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços e a iniciativa de lei para
fixação da respectiva remuneração, observando os parâmetros estabelecidos na lei de
diretrizes orçamentárias; (grifamos)”
No mesmo sentido, para os servidores do Senado Federal, dispõe o artigo 52, XIII, da
Constituição Federal, também com a redação dada pela EC nº 19/98, “verbis”:
“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal
(...)
XIII - dispor sobre a organização, funcionamento, polícia, criação, transformação
ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para
fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de
diretrizes orçamentárias; (grifamos)”
Pelo que se pode observar do disposto nos artigos 51, IV, e 52, XIII, do texto constitucional, ambos segundo a redação da EC nº 19/98, reside na competência das referidas Casas
Legislativas a iniciativa privativa para fixação ou alteração, por lei específica, da remuneração de
seus respectivos servidores, em atenção ao comando contido no art. 37, X, da Constituição
Federal.
Com efeito, pode-se conceituar resolução como o ato deliberativo destinado a regular, com
eficácia de lei, assuntos de competência do Poder Legislativo, com efeitos internos, independentemente de sanção ou veto do chefe do Poder Executivo.
No plano do Distrito Federal, atendidas as peculiaridades pertinentes, o sistema se mantém.
Assim, no artigo 60, inciso V, da Lei Orgânica do Distrito Federal, determina o legislador constituinte distrital, “verbis”:
“Art. 60. Compete, privativamente, à Câmara Legislativa do Distrito Federal:
(...)
V - criar, transformar ou extinguir cargos de seus serviços, bem como provê-los e
fixar ou modificar as respectivas remunerações. (grifamos)”
1108
R.T.J. — 200
Ainda no mesmo sentido, o Regimento Interno da CLDF, em seu artigo 141, caput, e
Parágrafo único, determina, “verbis”:
“Art. 141. Os projetos de resolução e de decreto legislativo destinam-se a dispor
sobre matérias da competência privativa da Câmara Legislativa para as quais não se exige
a sanção do Governador.
Parágrafo único. As matérias de interesse interno da Câmara Legislativa serão
reguladas por resolução; as demais, por decreto legislativo”.
Acresça-se, ainda, em prol da impossibilidade daquelas constituições menores disporem de
forma diversa da Maior, o art. 60, § 4º, III, da Constituição Federal, que erige dentre as cláusulas
pétreas a separação dos Poderes e, conseqüentemente, a impossibilidade de modificação, a nível
político diverso da União, das funções constitucionalmente reservadas a cada ente da federação.
Nesse diapasão, no art. 34, IV, também da Carta Magna, permite-se a intervenção da União nos
Estados para garantir a supremacia e independência dos Poderes.
À nitidez, a autonomia assegurada à Câmara Legislativa lhe permite dispor sobre a matéria.
A Câmara Legislativa do DF encerra sua manifestação postulando o indeferimento
do pedido cautelar na presente ação.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Em julgamento recente (ADI 3.369-MC, Rel.
Min. Carlos Velloso, decisão unânime, DJ de 2-2-05), esta Corte concedeu a medida cautelar
em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para suspender, com eficácia
ex tunc, o ato Conjunto 01/04, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados,
que determinou a aplicação de reajuste de 15%, a partir de 1º-11-04, sobre os estipêndios
dos servidores dessas duas Casas Legislativas e do TCU, por entender presentes o fumus
boni iuris, porquanto o ato normativo impugnado, por não ser lei, violaria, a princípio, os
incisos X do art. 37, IV do art. 51 e XIII do art. 52, todos da Constituição Federal, e o
periculum in mora, já que o reajuste concedido seria implementado na folha de pagamento
de dezembro, onerando os cofres públicos.
Trata-se, no caso, de matéria semelhante – concessão de reajuste de remuneração
por norma administrativa –, para a qual a fundamentação acolhida pela Corte na referida
ADI 3.369-MC e na ADI 805-MC (Rel. Min. Carlos Velloso), qual seja, obrigatoriedade de
observância de reserva de lei específica, estaria a justificar a suspensão imediata da
eficácia dos atos normativos impugnados.
Registre-se, por importante, que, em 26-10-05, o Procurador-Geral da Câmara
Legislativa do DF protocolou Petição 127.260, requerendo a extinção da presente ação
direta de inconstitucionalidade, argumentando que a ação está prejudicada em virtude da
vigência de lei específica (Lei distrital 3.671, de 4 de outubro de 2005) e, conseqüentemente, de exaurimento da eficácia jurídico-normativa das resoluções impugnadas.
Entretanto, não houve revogação dos atos impugnados na presente ação direta
de inconstitucionalidade. Muito pelo contrário, o art. 1º da Lei distrital 3.671/05, assim
dispõe:
Art. 1º Ficam convalidados, sendo válidas as relações jurídicas já constituídas ou deles
decorrentes, os seguintes dispositivos:
R.T.J. — 200
1109
I - a Resolução nº 197, de 2003;
II - o parágrafo único do art. 2º da Resolução nº 201, de 2003;
III - o art. 9º, art. 10, art. 13, art. 14, art. 15, art. 46, art. 47, art. 48; art. 49, art. 50 e o
art. 52 da Resolução nº 202/2003;
IV - a Resolução nº 204, de 2003.
Permanece válido, pois, o fundamento da inconstitucionalidade dos atos impugnados, na presente ação direta de inconstitucionalidade, qual seja, a necessidade de, em
matéria de remuneração, todas as alterações serem veiculadas por meio de lei específica
(CF, art. 37, X; art. 51, IV; e art. 52, XIII), respeitando-se, portanto, o princípio da reserva
de lei.
Considerando que os efeitos da Lei distrital 3.671/05 passarão a valer a partir de sua
publicação (cfr. art. 8º da referida Lei distrital) e que não houve revogação expressa dos
atos normativos ora impugnados, mas, ao contrário, a convalidação das relações jurídicas
deles decorrentes, justifica-se o interesse jurídico-constitucional da declaração de sua
inconstitucionalidade.
Assim, meu voto é para que se defira a liminar, suspendendo-se, com eficácia ex
tunc, até decisão final da presente ação, os dispositivos normativos antes elencados,
quais sejam: texto integral da Resolução 197/03; parágrafo único do art. 2º da Resolução
201/03; arts. 9º, 10, 13, 14, 15, e a expressão “com remuneração no valor constante do
Anexo III desta Resolução” constante dos arts. 46, 47, 48, 49 e 50 da Resolução 202/03;
e a expressão “com remuneração de acordo com o constante no Anexo I desta Resolução” constante do art. 1º da Resolução 204/03, todas da Câmara Legislativa do Distrito
Federal.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidenta, peço vênia para, utilizando a
nomenclatura da Corte, não conhecer da ação. A resolução atacada já foi suplantada pela
lei e, na inicial da ação direta de inconstitucionalidade, o pedido não está dirigido contra
a lei.
Se conhecida, peço vênia ao Relator para manter-me fiel aos entendimentos anteriores
e conferir, ao pronunciamento do Tribunal, a eficácia desde o momento do deferimento da
liminar, não a retroativa, chegando-se, até mesmo, à devolução, pelos servidores, de valores
já recebidos.
EXTRATO DA ATA
ADI 3.306-MC/DF — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Requerente: ProcuradorGeral da República. Requerida: Câmara Legislativa do Distrito Federal.
Decisão: O Tribunal, por maioria, deferiu a liminar, com eficácia ex tunc, nos termos
do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que, inicialmente, não conhecia da
ação e que, vencido na preliminar, deferia-a com efeitos ex nunc. Votou a Presidente.
Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Nelson Jobim (Presidente) e
Eros Grau. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
1110
R.T.J. — 200
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio
Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 23 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 200
1111
AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO 3.388 — RR
Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto
Agravante: Augusto Affonso Botelho Neto — Agravada: União
Ação popular. Liminar indeferida. Demarcação da reserva indígena
Raposa Serra do Sol. Homologação. Portaria 534/2005 do Ministério da Justiça. Agravo regimental.
Deve ser mantida a decisão que, para indeferir a liminar, levou em conta
a complexidade da matéria, a possibilidade de acirramento dos ânimos na
região, bem como a necessidade de se completar a relação processual com a
citação da União.
Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar
provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 6 de abril de 2006 — Carlos Ayres Britto, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de agravo regimental contra a decisão de
fls. 212/214, que indeferiu o requerimento de liminar feito em ação popular, ajuizada pelo
Senador da República Augusto Affonso Botelho Neto.
2. Pediu o Autor, na inicial, literalmente: “a suspensão liminar dos efeitos da Portaria
nº 534/2005 e do Decreto Presidencial Homologatório de 15/05/05, e de toda e qualquer
Portaria futura que tenha por finalidade frustrar o andamento judicial das ações que
discutam a demarcação da Raposa/Serra do Sol” (fl. 22).
3. Muito bem. Conclusos os autos, a liminar foi indeferida, ante a verificação de que
a matéria atinente à demarcação da área conhecida como Raposa Serra do Sol é extremamente complexa e atinge fortes interesses de todas as partes envolvidas (indígenas,
fazendeiros e o próprio poder público). Apontei, também, a necessidade de se completar
a relação processual antes de qualquer provimento, visto que, no pólo passivo, se encontra
a União, pessoa jurídica de direito público, a qual atua sob o influxo dos princípios
exteriorizados no art. 37 da Magna Carta. Considerei, por outro lado, que ainda não havia
transitado em julgado a decisão plenária de 14-4-05, referente à Rcl 2.833. Tal decisão
reconheceu a competência originária desta egrégia Corte para examinar o tema e, ao mesmo tempo, julgou prejudicados, por perda de objeto, todos os recursos e ações que dele
cuidavam em outras searas do Poder Judiciário. Ponderei então que, diante desse cenário,
seria desrespeitoso ao princípio da colegialidade um novo decisório, de cunho singular,
que contrariasse total ou parcialmente aquele julgamento colegiado.
1112
R.T.J. — 200
4. Prossigo no relatório para dizer que o Autor agravou regimentalmente, destilando
a sua inconformidade em quarenta e nove laudas, cujo conteúdo pode ser assim resumido:
a) ausência de fundamentação na decisão agravada;
b) previsão legal para a concessão da liminar (art. 5º, § 4º, da Lei 4.717/65);
c) o deferimento da liminar amainaria o clima de belicosidade na região;
d) a Rcl 2.833 só versou questão processual; e
e) ocorrência de vícios no procedimento de demarcação da referida área, com a
quebra dos princípios federativo, da razoabilidade e de devido processo legal.
5. Por último, o Agravante fala “do caos em que se encontra o Estado após a homologação da reserva” e mostra o seu temor de que, se não for revertida tal homologação,
“mortes podem ocorrer”.
6. Devo assinalar, agora, que mantive a decisão atacada, proferida em 2-5-05. Por
isso, em 17-5-05, apresentei os autos em mesa, para julgamento do agravo regimental,
tendo o cuidado de determinar o sobrestamento de outros processos semelhantes, em
que se pede liminar do mesmo teor.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): A parte nuclear da decisão agravada é
do seguinte teor:
10. Ora bem, diante de um quadro tão complexo, que envolve tantos interesses – particulares e públicos; tantas verdades e meias-verdades; tantas escaramuças e negaças; tanto
emocionalismo, enfim, fica extremamente difícil extrair, neste primeiro exame, os requisitos
autorizadores da liminar, aí incluída a aparência do bom direito. Ademais, não se pode esquecer
que a requerida é a União, pessoa jurídica de direito público interno, a qual atua sob o comando
dos princípios insculpidos no art. 37 do Texto Magno. A ela, portanto, não se aplica, a princípio,
a norma do art. 804 do CPC.
11. Mas não é só. É preciso considerar também, conforme lembrado pelo próprio Requerente, que a decisão plenária de 14-4-2005 mal saiu do forno. Ainda não transitou em julgado.
Pelo que é forçoso concluir que outra decisão agora, pela caneta solitária deste Relator, contrariando parcial ou totalmente aquele julgamento, seria afrontosa ao princípio da colegialidade. Além
disso, acarretaria mais insegurança aos litigantes e levaria mais combustível a uma área há tanto
tempo conflagrada, principalmente se se levar em conta a recentíssima homologação dela, noticiada pela imprensa.
(...)
13. Ante esses fundamentos, indefiro o pedido de liminar inaudita altera pars. Em conseqüência, determino a citação da Requerida para oferecer defesa, no prazo legal.
9. Aqui, volto a lembrar que a decisão foi exarada em 2-5-05. Daí que me sinto no
dever de informar aos dignos Pares que o acórdão proferido na citada Rcl 2.833 transitou
em julgado em 21-9-05. Essa circunstância, ao meu sentir, robustece os fundamentos
lançados no decisório combatido. Digo isso, mesmo considerando que vence em meados
de abril de 2006 o prazo para a retirada dos não-índios da mencionada reserva, fato que o
Agravante acentua como potencializador do periculum in mora.
R.T.J. — 200
1113
10. A esse respeito, parece-me oportuno transcrever trecho da decisão que proferi
em 28-3-06, na AC 788, ajuizada pelo Estado de Roraima, in verbis:
12. O outro requisito, todavia (fumus boni iuris), ainda me parece ausente. Trata-se de
uma grande área conflagrada, na disputa da qual se contrapõem duas pessoas jurídicas de direito
público interno (Estado e União), além de índios, agricultores e possíveis ocupantes. Interesses
públicos e particulares se confundem. A própria história do País está em jogo. Não se trata de
simples maniqueísmo. O Bem de um lado e o Mal de outro. Aqui, não é fácil separar o joio do
trigo. Daí o conflito federativo, que atraiu a competência desta colenda Corte. Donde se tornar
necessário o pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, que está
lançada no mencionado agravo regimental.
13. Aliás, essa complexidade foi retratada na própria petição em exame, de que extraio a
seguinte passagem:
“O completo esgotamento da temática, por certo, só se terá com a interposição da
ação principal, no caso Ação Cível Originária, na qual deverá ser realizada produção de
prova pericial, onde ficarão caracterizados elementos suficientes a indicar a procedência
do pleito, tanto no que concerne à regularidade da extensão territorial demarcada, como
para se saber se o processo administrativo a originar a demarcação impugnada seguiu os
regramentos legalmente estabelecidos.”
14. Ora bem, este é um cenário que não recomenda concessão monocrática de liminar, cujo
cumprimento pode gerar mais açodamento na região, bem como alterar o mapa do próprio
Estado. Onze cabeças pensam melhor que uma só, principalmente quando se almeja a paz na
região, conforme acentua o Autor. Mas de que lado está a paz, quando ela perde espaço para
interesses financeiros, territoriais, culturais e sociais? Ninguém vai achá-la num dos sítios em
disputa, como se acha um tesouro escondido. Ninguém vai reparti-la espontaneamente com os
demais, como se reparte, entre os fiéis, a hóstia consagrada. Um movimento mal direcionado vai
espantá-la ainda mais da região. Ela – a paz – há de ser conquistada, palmo a palmo, com renúncia,
mútua compreensão, espírito coletivo e, sobretudo, sem a interferência de apressadas decisões
judiciais, saídas da pena solitária de um só julgador. É preciso, enfim, aguardar o pronunciamento
do Plenário do Supremo Tribunal Federal na Pet. 3.388-AgR.”
11. Ante o exposto, não vejo razão para abdicar de meu ponto de vista. Por isso,
nego provimento ao agravo.
EXTRATO DA ATA
Pet 3.388-AgR/RR — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: Augusto Affonso
Botelho Neto (Advogado: Cláudio Vinícius Nunes Quadros). Agravada: União (Advogado:
Advogado-Geral da União).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos
termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau. Presidiu o
julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente no exercício da Presidência).
Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente no exercício da Presidência).
Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio,
Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski.
Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 6 de abril de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
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R.T.J. — 200
RECLAMAÇÃO 3.463 — SP
Relator: O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski
Reclamante: Estado de São Paulo — Reclamado: Presidente do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo (Processo 108.078.0/2-00) — Interessados: Itaoca S.A. Administração de Bens e outro
Reclamação. Precatório. Disciplina ventilada na ADI 1.098/SP. Novos
indexadores em substituição a índices extintos. Garantia de autoridade da
decisão. Liminar deferida. Agravo regimental interposto. Reconhecimento
da idoneidade da ordem de seqüestro. Inexistência de afronta. Reclamação
julgada improcedente, prejudicado o agravo regimental e cassada a liminar
anteriormente concedida.
I - Não constitui afronta ao decidido na ADI 1.089/SP a complementação
de depósitos insuficientes, com a preservação dos índices utilizados, por meio
da substituição dos índices extintos por novos indexadores oficiais.
II - Inexistência de afronta ao conteúdo da decisão que se busca preservar.
III - Reclamação julgada improcedente, prejudicado o agravo regimental
e cassada a liminar anteriormente concedida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, julgar improcedente a
reclamação e prejudicado o agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Votou a
Presidente. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello, Carlos Britto, Joaquim
Barbosa e, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.
Brasília, 14 de setembro de 2006 — Ricardo Lewandowski, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravo regimental interposto por
Itaoca S.A. Administração de Bens e outros contra decisão (fls. 150-151) que, em reclamação proposta pelo Estado de São Paulo, deferiu pedido de liminar para suspender a
ordem de Seqüestro 108.078.0/2-00, emanada do Presidente do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, concedida para pagamento de precatório.
Sustentam os Agravantes, em síntese, o seguinte:
1) não há falar em precatório quitado ou em crédito do Estado de São Paulo em
relação aos Recorrentes, uma vez que, no “(...) Juízo de origem (Doc. 1), posteriormente
nos autos da Apelação nº 352.318.5/2 (Doc. 2), e finalmente no Resp nº 299.993.5/8 (Doc.
3), o Estado de São Paulo consistentemente admite crédito dos ora reclamados (...)” (fl.
168);
R.T.J. — 200
1115
2) o Estado de São Paulo atua com intenção procrastinatória, ao trazer matéria não
discutida nos embargos à execução com o intuito de ver reaberta discussão, já devidamente concluída no juízo a quo, em torno de matéria de fato, o que não é possível no
âmbito restrito da reclamação;
3) configura-se da competência exclusiva do STF apreciar o pedido de suspensão
da ordem de seqüestro formulado na presente reclamação, devendo ser sumariamente
arquivada a Medida Cautelar 10.320/05 proposta perante o STJ;
4) a ordem de seqüestro questionada decorreu de preterição da ordem de precedência e, em hipóteses similares, a Corte tem decidido não haver contrariedade ao decidido
na ADI 1.098/SP (Rcl 2.308-AgR/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; Rcl 2.763-MC/SP, Rel.
Min. Joaquim Barbosa; Rcl 3.016-MC-AgR/SP e Rcl 3.115-MC/SP, Rel. Min. Celso de
Mello; e Rcl 2.290/SP, Rel. Min. Cezar Peluso);
5) o cálculo do valor seqüestrado foi elaborado em consonância com o decidido na
ADI 1.098/SP, destacando que o Estado de São Paulo não indicou os índices de atualização que teriam sido indevidamente substituídos.
Prestadas as informações que lhe foram requisitadas (fls. 430-433), a autoridade
reclamada afirmou que a ordem de seqüestro impugnada decorreu da quebra da ordem
cronológica do pagamento de precatórios, e que inexiste afronta ao julgamento proferido
na ADI 1.098/SP, visto que os cálculos referentes ao crédito dos ora Agravantes foram
elaborados com base nos mesmos índices aplicados na primeira instância, valendo salientar
que a substituição de índices efetivada deu-se apenas em razão de determinação legal,
que prevê a utilização de indexadores oficiais quando ocorrer extinção de índices anteriormente utilizados.
Às fls. 452-453, os Agravantes noticiaram o indeferimento da petição inicial da
Medida Cautelar 10.320/05/STJ e a extinção do processo sem julgamento de mérito pelo
Superior Tribunal de Justiça.
A douta Procuradoria-Geral da República, por entender inexistente qualquer conexão
entre o julgamento da ADI 1.098/SP e a decisão ora reclamada, opinou pelo provimento do
presente agravo regimental e, no mérito, pela improcedência do pedido (fls. 461-464).
Os Agravantes, às fls. 466-478, juntaram cópia do acórdão proferido na Apelação
352.318-5/2, em que a Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, por votação unânime, negou provimento à apelação e reconheceu a
litigância de má-fé da Fazenda do Estado de São Paulo.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): O eminente Procurador-Geral da
República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, bem examinou a matéria, merecendo transcrição o seguinte trecho do parecer:
(...)
4. Depreende-se da análise dos autos que razão assiste aos agravantes.
1116
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5. A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na oportunidade do julgamento da
ADI nº 1.098-SP, e que o Estado de São Paulo entende ter sido malferida pela decisão reclamada,
tem a seguinte redação:
“(...)
7) procedente, em parte, com relação ao inciso VII do art. 337, para excluir outras
interpretações que não sejam a de que a requisição a título de complementação dos depósitos
insuficientes, a ser feita no prazo de noventa dias, somente deve referir-se a diferenças
resultantes de erros materiais ou aritméticos ou de inexatidões dos cálculos dos precatórios,
não podendo dizer respeito ao critério adotado para a elaboração do cálculo ou a índices de
atualização diversos dos que foram atualizados em primeira instância, salvo na hipótese de
substituição, por força de lei, do índice aplicado (...)”
6. O que importa verificar, pois, é se ao deferir o pedido de seqüestro de verbas públicas para
pagamento dos 6º e 7º oitavos do Precatório EP-2761/87, decorrente de ação de indenização por
apossamento administrativo (desapropriação indireta ambiental), a decisão reclamada vulnerou
ou não a autoridade daquela prolatada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI nº 10981/SP.
7. Neste proceder, a resposta negativa afigura-se a mais consentânea. Este colendo Supremo
Tribunal Federal considerou constitucional a requisição de complementação de depósitos insuficientes, desde que se trate de diferenças resultantes de erros materiais ou aritméticos ou de
inexatidões dos cálculos dos precatórios, não podendo dizer respeito ao critério adotado para a
elaboração de cálculo ou a índices de atualização diversos dos que foram atualizados em primeira
instância, salvo na hipótese de substituição, por força de lei, do índice aplicado.
8. Todavia, tal decisão não se aplica ao caso em epígrafe. Na presente hipótese, não houve
expedição de requisição de complementação de depósitos insuficientes. O deferimento de pedido
de seqüestro reclamado encontra-se fundamentado no desrespeito à ordem cronológica de
apresentação dos precatórios, vale dizer, na constatação de que o crédito paradigma recebeu pagamento antes que se tivesse completado pagamento das parcelas do crédito dos requerentes,
oriundas da moratória instituída pelo artigo 33 do ADCT. Como bem ponderou a autoridade
reclamada em suas informações:
“(...).
Não se desconhece que o Excelso Pretório, para declarar a norma compatível com
a Carta Magna, procedeu à sua exegese, explicitando que ‘a requisição a título de
complementação dos depósitos insuficientes, a ser feita no prazo de noventa
dias, somente deve referir-se a diferenças resultantes de erros materiais ou
aritméticos ou de inexatidões dos cálculos dos precatórios, não podendo dizer
respeito ao critério adotado para a elaboração do cálculo ou a índice de atualização diversos dos que foram utilizados em primeira instância, salvo na hipótese
de substituição, por força de lei, do índice aplicado”. Objetivou-se, em verdade,
evitar o maltrato à coisa julgada.
E assim se fez na hipótese em apreço, consoante esclarecido pelo DEPRE. O
cálculo foi elaborado com a utilização dos mesmos índices aplicados na conta levada a
efeito em primeira instância, sendo que a substituição apenas se deu em razão de determinação legal.
Interessa apenas aqui – não custa enfatizar mais uma vez –, face ao decidido pelo
Egrégio Supremo Tribunal Federal no julgamento da citada Ação Direta de Inconstitucionalidade, identificar se houve ou não violação da coisa julgada, vale dizer, verificar se no
procedimento de apuração da insuficiência de depósito foi usado índice diverso daquele
tomado pelo juízo da execução – numa, se pode dizer, sobreposição de índices –, circunstância que, como se viu, inexistiu. Não há, por conseqüência, qualquer afronta entre os
critérios usados na liquidação e na atualização.
Ressalte-se a existência de duas situações jurídicas distintas e inconfundíveis: uma –
vedada pela ADIn 1.098-SP – de alteração dos índices utilizados no juízo da liquidação, já
cobertos pela coisa julgada; outra, de substituição dos índices extintos utilizados na liquidação, por novos indexadores que tomaram seu lugar, sempre com a cautela de não fazê-los
retroagir no tempo.
R.T.J. — 200
1117
O caso concreto trata da segunda hipótese, de preservação dos índices utilizados na
liquidação, substituindo-os apenas em caso de extinção, por novos indexadores oficiais,
sem um arranhão ao decidido na ADIn 1.098-SP. (...)” – fls. 430/433.
9. Destarte, não se revela lídimo estabelecer qualquer conexão entre o decidido na referida
ação direta e a decisão impugnada a ponto de julgar procedente o pedido formulado na presente
reclamação. Não existe, no presente caso, a necessária identidade material entre o fundo do
direito impugnado e a interpretação consagrada por esta Excelsa Corte nos autos da Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 1098-SP.
Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pelo provimento do presente agravo
regimental e, quanto ao mérito da respectiva reclamação, pela improcedência do pedido nela
formulado.
(...).
(Fls. 462-464.)
Acolho integralmente o parecer.
Isso posto, julgo, desde logo, improcedente a presente reclamação e prejudicado o
agravo regimental interposto, cassando, em consequência, a liminar deferida às fls. 150-151.
É o meu voto.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, como julgamos na Rcl 1.738,
se o ato reclamado se fundou em preterição da ordem dos precatórios, não cabe em
reclamação verificar se ela houve ou não.
Acompanho o Relator.
EXTRATO DA ATA
Rcl 3.463/SP — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Reclamante: Estado de
São Paulo (Advogados: PGE/SP – José do Carmo Mendes Júnior e outro). Reclamado:
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Processo 108.078.0/2-00).
Interessados: Itaoca S.A. Administração de Bens e outro (Advogado: Flávio José de
Souza Brando).
Decisão: O Tribunal, à unanimidade, julgou improcedente a reclamação e prejudicado
o agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen
Gracie. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello, Carlos Britto, Joaquim
Barbosa e, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Eros Grau, Ricardo Lewandowski
e Cármen Lúcia. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 14 de setembro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
1118
R.T.J. — 200
RECLAMAÇÃO 3.745 — CE
Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto
Reclamante: Partido Democrático Trabalhista – PDT — Reclamada: Assembléia
Legislativa do Estado do Ceará (Decretos Legislativos 451 e 452, de 1º de julho de 2005) —
Interessados: Francisco de Paula Rocha Aguiar e Pedro Augusto Timbó Camelo
Reclamação. Constitucional. Alegado desrespeito à decisão tomada,
pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 3.276/CE. Tese que não se sustenta,
porquanto, no julgamento da precitada ação direta de inconstitucionalidade,
nada foi decidido a respeito da ordem de preenchimento das vagas de Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado e do Tribunal de Contas dos Municípios. Reclamação improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
julgar improcedente a reclamação, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 23 de março de 2006 — Carlos Ayres Britto, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto. Cuida-se de reclamação manejada pelo Partido
Democrático Trabalhista (PDT), contra os Decretos Legislativos 451/05 e 452/05 da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, atos esses que indicaram o Deputado Francisco de
Paula Rocha Aguiar para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios
( TCM) e o também Deputado Pedro Augusto Timbó Camelo para o cargo de Conselheiro da
Corte de Contas estadual.
2. Pois bem, o Reclamante sustenta que os atos em xeque violam a decisão tomada
pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3.276, Rel. Min. Eros Grau. Para tanto, alega:
a) a ação direta de inconstitucionalidade foi proposta contra o art. 2º da Emenda
Constitucional estadual 54/03, bem como a alínea c do inciso II do § 2º do art. 79 da Carta
cearense;
b) o juízo de inconstitucionalidade das normas impugnadas alcança tanto o Tribunal
de Contas do Estado quanto o Tribunal de Contas dos Municípios;
c) em face da aposentadoria compulsória do Conselheiro Luciano Barreira, há uma
vaga no Tribunal de Contas do Estado, e, em atendimento à decisão tomada por este STF
na ADI 3.276, ela deve ser preenchida por auditores ou membros do Ministério Público de
Contas;
d) ante a aposentadoria compulsória do Conselheiro Airton Maia, há uma vaga no
Tribunal de Contas dos Municípios a ser ocupada por auditor, escolhido em lista tríplice.
R.T.J. — 200
1119
3. Nessa marcha batida, o Acionante requer, em sede cautelar, a suspensão dos
efeitos dos atos legislativos questionados, a fim de que os Deputados estaduais indicados sejam impedidos de tomar posse nos cargos de Conselheiro das respectivas Cortes
de Contas, ou mesmo afastados, se já empossados. Quanto ao mérito da reclamação,
pugna pela “desconstituição dos atos de nomeação dos 2 Deputados indicados e suas
conseqüentes exonerações” (fl. 13). Por fim, pede que a vaga de Conselheiro do TCM,
decorrente da aposentadoria compulsória do Conselheiro Airton Maia, seja preenchida
por um auditor; e que a vaga de Conselheiro do TCE, decorrente da aposentadoria compulsória do Conselheiro Luciano Barreira, seja ocupada por Procurador do Ministério
Público Especial.
4. Prossigo neste relato para dizer que o Reclamado prestou as informações por mim
solicitadas, por meio das quais diz ser improcedente a alegação de desrespeito ao decidido
na mencionada ação direta de inconstitucionalidade.
5. Às fls. 154/156, indeferi a medida liminar deduzida. De sua parte, o douto Procurador-Geral da República, em parecer de fls. 161/163, opinou pela improcedência do pedido
que se veicula nesta reclamatória.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator). De saída, anoto que, por ocasião do
exame da medida liminar requerida, analisei os fundamentos do pedido e decidi nos termos
seguintes:
(...) não me parece consistente a alegação de que os Decretos Legislativos 451/05 e 452/05
da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará afrontam a autoridade da decisão tomada, por esta
Suprema Corte, no julgamento da ADI 3.276. Isso porque, na assentada plenária de 2 de junho do
ano em curso, este Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime, “julgou procedente a ação
para declarar a inconstitucionalidade por omissão em relação à criação das carreiras de auditores
e de membros do Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas do Estado e também a
inconstitucionalidade da alínea c do inciso II do § 2º do art. 79 da Constituição do Estado do
Ceará”. É dizer: a decisão tida por violada não examinou a questão atinente à ordem de preenchimento das vagas de Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado e do Tribunal de Contas dos
Municípios.
8. Muito bem. A primeira impressão acerca da quaestio juris, manifestada quando da
sumária cognição da medida liminar, confirma-se neste mais detido exame do mérito da
causa, juízo que se robustece com o parecer ofertado pelo douto Procurador-Geral da
República (fls. 161/163), pois o fato é que, no julgamento da ADI 3.276/CE, este Supremo
Tribunal Federal nada decidiu a respeito da ordem de preenchimento das vagas de Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado e do Tribunal de Contas dos Municípios.
9. Veja-se, a propósito, que o pedido da ADI 3.276/CE foi ajuizado pelo Partido
Democrático Brasileiro (PDT), nos termos seguintes (fls. 98/110):
(...)
c) seja declarada a inconstitucionalidade por omissão do art. 2º da Emenda n. 54, de
22 de dezembro de 2003, da Constituição do Estado do Ceará, publicada no Diário Ofi-
1120
R.T.J. — 200
cial do Estado em 23 de dezembro de 2003 e a alínea c do inciso II do § 2º do art. 79, também da Carta Estadual Cearense;
(...)
10. De sua parte, o Tribunal julgou procedente o pedido da referida ação direta para,
repise-se, “declarar a inconstitucionalidade por omissão em relação à criação das carreiras
de auditores e de membros do Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Constas
do Estado e também a inconstitucionalidade da alínea c do inciso II do § 2º do art. 79 da
Constituição do Estado do Ceará”. Logo, nada foi decidido acerca da ordem de preenchimento das vagas de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e do Tribunal de
Contas dos Municípios.
11. Por tudo quanto posto, resta incontroverso que não se tem, no caso, o noticiado
desrespeito à decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3.276/CE, razão por
que julgo improcedente o pedido.
12. É como voto.
VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sr. Presidente, tenho para mim que, na reclamação, a colisão do ato reclamado tem que ser frontal e direta contra o acórdão, o que não
é o caso.
Acompanho o voto do Ministro Relator.
EXTRATO DA ATA
Rcl 3.745/CE — Relator: Ministro Carlos Britto. Reclamante: Partido Democrático
Trabalhista – PDT (Advogados: Cintia Maria Costa Saggin Viegas e outro). Reclamada:
Assembléia Legislativa do Estado do Ceará (Decretos Legislativos 451 e 452, de 1º de
julho de 2005). Interessados: Francisco de Paula Rocha Aguiar e Pedro Augusto Timbó
Camelo.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente a reclamação, nos
termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie e, neste
julgamento, os Ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro
Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Vice-Procurador-Geral da República,
Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 23 de março de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 200
1121
MANDADO DE SEGURANÇA 24.831 — DF
Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello
Impetrantes: Pedro Jorge Simon e outro — Impetrado: Presidente do Senado Federal —
Litisconsortes passivos: Líder do Bloco Parlamentar de Apoio ao Governo no Senado
Federal, Senadora Ideli Salvatti; Líder do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, Senador
Duciomar Gomes da Costa; e Líder do Partido Socialista Brasileiro – PSB, João Alberto
Rodrigues Capiberibe
Comissão parlamentar de inquérito – Direito de oposição – Prerrogativa
das minorias parlamentares – Expressão do postulado democrático – Direito
impregnado de estatura constitucional – Instauração de inquérito parlamentar e composição da respectiva CPI – Tema que extravasa os limites
interna corporis das casas legislativas – Viabilidade do controle jurisdicional – Impossibilidade de a maioria parlamentar frustrar, no âmbito do
Congresso Nacional, o exercício, pelas minorias legislativas, do Direito
Constitucional à investigação parlamentar (CF, art. 58, § 3º) – Mandado de
segurança concedido.
Criação de comissão parlamentar de inquérito: requisitos constitucionais.
- O Parlamento recebeu dos cidadãos, não só o poder de representação
política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes do Estado, respeitados, nesse processo de fiscalização, os limites materiais e as exigências formais estabelecidas pela Constituição Federal.
- O direito de investigar – que a Constituição da República atribuiu ao
Congresso Nacional e às Casas que o compõem (art. 58, § 3º) – tem, no
inquérito parlamentar, o instrumento mais expressivo de concretização desse relevantíssimo encargo constitucional, que traduz atribuição inerente à
própria essência da instituição parlamentar.
- A instauração do inquérito parlamentar, para viabilizar-se no âmbito
das Casas legislativas, está vinculada, unicamente, à satisfação de três (3)
exigências definidas, de modo taxativo, no texto da Carta Política: (1) subscrição do requerimento de constituição da CPI por, no mínimo, 1/3 dos membros
da Casa legislativa, (2) indicação de fato determinado a ser objeto de apuração
e (3) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito.
- Preenchidos os requisitos constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se
a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, que não depende, por isso
mesmo, da vontade aquiescente da maioria legislativa. Atendidas tais exigências (CF, art. 58, § 3º), cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotar os
procedimentos subseqüentes e necessários à efetiva instalação da CPI, não
lhe cabendo qualquer apreciação de mérito sobre o objeto da investigação
parlamentar, que se revela possível, dado o seu caráter autônomo (RTJ 177/
1122
R.T.J. — 200
229 – RTJ 180/191-193), ainda que já instaurados, em torno dos mesmos
fatos, inquéritos policiais ou processos judiciais.
O Estatuto constitucional das minorias parlamentares: a participação
ativa, no Congresso Nacional, dos grupos minoritários, a quem assiste o
direito de fiscalizar o exercício do poder.
- A prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento
(especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos
legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no
Congresso Nacional e que, por efeito de sua intencional recusa em indicar
membros para determinada comissão de inquérito parlamentar (ainda que
fundada em razões de estrita conveniência político-partidária), culmine por
frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo
Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de
fiscalização e de investigação do comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo.
- Existe, no sistema político-jurídico brasileiro, um verdadeiro estatuto
constitucional das minorias parlamentares, cujas prerrogativas – notadamente aquelas pertinentes ao direito de investigar – devem ser preservadas pelo Poder Judiciário, a quem incumbe proclamar o alto significado que
assume, para o regime democrático, a essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada ao direito de oposição, analisado na perspectiva da
prática republicana das instituições parlamentares.
- A norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República destina-se a ensejar a participação ativa das minorias parlamentares no processo
de investigação legislativa, sem que, para tanto, mostre-se necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar.
A concepção democrática do Estado de Direito reflete uma realidade
densa de significação e plena de potencialidade concretizadora dos direitos e
das liberdades públicas.
- O Estado de Direito, concebido e estruturado em bases democráticas,
mais do que simples figura conceitual ou mera proposição doutrinária, reflete, em nosso sistema jurídico, uma realidade constitucional densa de significação e plena de potencialidade concretizadora dos direitos e das liberdades
públicas.
- A opção do legislador constituinte pela concepção democrática do Estado de Direito não pode esgotar-se numa simples proclamação retórica. A
opção pelo Estado Democrático de Direito, por isso mesmo, há de ter conseqüências efetivas no plano de nossa organização política, na esfera das relações institucionais entre os poderes da República e no âmbito da formulação
de uma teoria das liberdades públicas e do próprio regime democrático. Em
uma palavra: ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos
princípios superiores consagrados pela Constituição da República.
R.T.J. — 200
1123
- O direito de oposição, especialmente aquele reconhecido às minorias
legislativas, para que não se transforme numa promessa constitucional
inconseqüente, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que
viabilizem a sua prática efetiva e concreta.
- A maioria legislativa, mediante deliberada inércia de seus líderes na
indicação de membros para compor determinada Comissão Parlamentar de
Inquérito, não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam
no Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado
pelo art. 58, § 3º, da Constituição e que lhes confere a prerrogativa de ver
efetivamente instaurada a investigação parlamentar em torno de fato determinado e por período certo.
O controle jurisdicional dos atos parlamentares: possibilidade, desde
que haja alegação de desrespeito a direitos e/ou garantias de índole constitucional.
- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias
constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe
conferiu a própria Carta da República, ainda que essa atuação institucional
se projete na esfera orgânica do Poder Legislativo.
- Não obstante o caráter político dos atos parlamentares, revela-se legítima a intervenção jurisdicional, sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam as suas atribuições
institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do Congresso
Nacional. Questões políticas. Doutrina. Precedentes.
- A ocorrência de desvios jurídico-constitucionais nos quais incida
uma Comissão Parlamentar de Inquérito justifica, plenamente, o exercício,
pelo Judiciário, da atividade de controle jurisdicional sobre eventuais abusos legislativos (RTJ 173/805-810, 806), sem que isso caracterize situação de ilegítima interferência na esfera orgânica de outro Poder da República.
Legitimidade passiva ad causam do Presidente do Senado Federal –
Autoridade dotada de poderes para viabilizar a composição das comissões
parlamentares de inquérito.
- O mandado de segurança há de ser impetrado em face de órgão ou
agente público investido de competência para praticar o ato cuja implementação se busca.
- Incumbe, em conseqüência, não aos Líderes partidários, mas, sim, ao
Presidente da Casa Legislativa (o Senado Federal, no caso), em sua condição
de órgão dirigente da respectiva Mesa, o poder de viabilizar a composição e a
organização das comissões parlamentares de inquérito.
1124
R.T.J. — 200
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, rejeitar as
questões preliminares suscitadas neste processo, inclusive aquela proposta pelo Ministro Eros Grau. Prosseguindo no julgamento, e também por votação majoritária, conceder o
mandado de segurança, nos termos do voto do Relator, para assegurar, à parte impetrante,
o direito à efetiva composição da Comissão Parlamentar de Inquérito de que trata o
Requerimento 245/04, devendo, o Presidente do Senado, mediante aplicação analógica do
art. 28, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, c/c o art. 85, caput, do
Regimento Interno do Senado Federal, proceder, ele próprio, à designação dos nomes
faltantes dos Senadores que irão compor esse órgão de investigação legislativa, observado, ainda, o disposto no § 1º do art. 58 da Constituição da República, vencido o Ministro
Eros Grau. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie.
Brasília, 22 de junho de 2005 — Celso de Mello, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de mandado de segurança, que, impetrado
por eminentes Senadores da República, insurge-se contra omissão atribuída à Mesa do
Senado Federal, representada por seu ilustre Presidente, e que, por alegadamente lesiva
a direito público subjetivo das minorias parlamentares, teria frustrado, não obstante a
natureza eminentemente constitucional desse instrumento de investigação legislativa, a
instauração de inquérito parlamentar destinado a apurar a utilização das “casas de
bingos” na prática do delito de lavagem de dinheiro, bem assim a esclarecer a possível
conexão dessas mesmas “casas” e das empresas concessionárias de apostas com organizações criminosas.
Estes autos registram que, em 5-3-04, foi encaminhado à Mesa do Senado Federal
requerimento subscrito por 39 (trinta e nove) Senhores Senadores, inclusive os ora
Impetrantes (mais do que 1/3 dos membros do Senado Federal, portanto), com o objetivo
de ver instituída Comissão Parlamentar de Inquérito, para apuração de fato determinado,
como se vê do texto do requerimento em causa, a seguir reproduzido:
REQUERIMENTO Nº 245, DE 2004
(do Senador Magno Malta e outros)
Requeremos, em conformidade com o art. 145 do Regimento Interno, conjugado com o
art. 58, § 3º, da Constituição Federal, a criação de uma comissão parlamentar de inquérito,
composta de 15 membros e igual número de suplentes, com o objetivo de investigar e apurar a
utilização das casas de bingo para a prática de crimes de “lavagem” ou ocultação de bens,
direitos e valores, bem como a relação dessas casas e das empresas concessionárias de apostas
com o crime organizado, com duração de cento e vinte dias, estimando-se em R$ 200.000,00
(duzentos mil reais) os recursos necessários ao desempenho de suas atividades.
R.T.J. — 200
1125
JUSTIFICAÇÃO
Crime organizado e jogos de azar são irmãos siameses. No mundo inteiro, existem fortes
evidências de que cassinos e similares funcionam como um biombo para ocultar os verdadeiros
negócios – muitas vezes ilícitos – de quem os controla.
Por força do Decreto-Lei nº 9.215, de 30 de abril de 1946, não é permitida a prática ou
exploração de jogos de azar no território nacional. Desde então, algumas exceções à regra têm
sido abertas, como os concursos de prognósticos explorados pela Caixa Econômica Federal e,
mais recentemente, os bingos.
Desde o início de suas atividades, em 1993, as casas de bingo têm prestado um desserviço
à Nação. Além de incentivar o terrível vício do jogo, sob o falso manto de contribuir para o
financiamento de clubes e desportistas, algumas dessas entidades vêm sendo utilizadas para dar
ares de legalidade a recursos oriundos de atividades criminosas.
Importante observar que os bingos têm por sócios, por vezes ocultos, pessoas notoriamente relacionadas ao crime e a contravenção, as quais, não raro, representam os interesses de
organizações mafiosas com raízes no exterior.
Nossa firme convicção de que os bingos devem ser extintos está expressa no documento
que cria a Frente Parlamentar contra a legalização da exploração dos jogos de azar no Brasil.
Ressaltamos, contudo, que a Frente Parlamentar possui caráter eminentemente preventivo. Para investigar e apurar os abusos que vêm sendo observados, julgamos que somente uma
comissão parlamentar de inquérito, com poderes de investigação próprios das autoridades
judiciais, terá força para desbaratar as quadrilhas que se valem da exploração das casas de
bingo para lavar dinheiro proveniente de atividades criminosas.
Em face de todo o exposto, conclamamos os ilustres Senadores e Senadoras a assinarem
o presente requerimento, com finalidade de ver instalada uma comissão parlamentar de inquérito para investigar e apurar a utilização das casas de bingo para a prática de crimes de
“lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, bem como a relação dessas casas e das
empresas concessionárias de apostas com o crime organizado.
(Grifei.)
O eminente Senhor Presidente do Senado Federal, em sua condição de órgão dirigente da Mesa dessa Alta Casa do Congresso Nacional, solicitou aos Senhores Líderes
partidários a indicação de Senadores para compor a referida CPI, observada a cláusula de
proporcionalidade partidária peculiar à formação e composição das comissões legislativas (CF, art. 58, § 1º).
Em resposta a tal solicitação, somente os Senadores Jefferson Peres, Líder do PDT,
e Efraim Moraes, Líder da Minoria (PFL/PSDB), procederam à indicação dos membros
destinados a compor as vagas em referida CPI, sendo certo que os Senadores Líderes do
PMDB, do Bloco de Apoio ao Governo (PT/PSB/PTB/PL), do PTB, do PSB e do PPS
abstiveram-se de tal indicação, o que inviabilizou – não obstante a norma inscrita no art.
58, § 3º da Constituição – a instauração da investigação parlamentar em causa.
Com o impasse criado, o eminente Senador Arthur Virgílio suscitou questão de
ordem perante o eminente Senhor Presidente do Senado Federal, destinada a superar o
obstáculo surgido com a omissão dos Senhores Líderes das agremiações majoritárias, em
ordem a permitir a constituição e o regular funcionamento da referida CPI.
O Senhor Presidente do Senado Federal recusou-se a suprir a omissão dos Líderes
partidários do grupo majoritário, por entender não lhe assistir qualquer prerrogativa
nesse tema, em face da circunstância de o Regimento Interno do Senado Federal,
1126
R.T.J. — 200
alegadamente, reservar o exercício desse poder apenas aos Líderes dos Partidos Políticos
(arts. 66 e 78).
Por tais razões, e fundando-se, ainda, na existência de lacuna normativa no texto
regimental, deixou de acolher a questão de ordem mencionada, o que motivou, por parte do
Senador Arthur Virgílio, a interposição de recurso (Recurso 5/04), que resultou improvido
pela E. Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania daquela Casa legislativa.
Daí a presente impetração, cujo fundamento essencial reside na alegação de que
existe, no sistema constitucional brasileiro – e em favor das minorias parlamentares – o
reconhecimento do direito de oposição e da prerrogativa da investigação parlamentar,
especialmente se se considerar, nos termos do art. 58, § 3º da Carta Política, que esse
poder – impregnado de irrecusável significação político-jurídica – revela-se oponível, até
mesmo, às próprias maiorias parlamentares que atuam no âmbito institucional do
Legislativo.
Eis, em síntese, os aspectos que, invocados no MS 24.847/DF e no MS 24.849/DF, dos
quais também sou Relator, dão suporte àquelas impetrações mandamentais, cujos fundamentos, ante a sua inquestionável pertinência (pois versam o exame da mesma matéria ora
em julgamento), revelam-se inteiramente aplicáveis à presente causa:
2.7. O direito assegurado na Constituição não pode ter seu exercício anulado ou impedido pela maioria, mediante o uso de aparente lacuna ou impasse regimental. O texto constitucional dá à minoria qualificada de 1/3 dos parlamentares da Casa o direito de investigar, por
meio de comissão parlamentar de inquérito, fato determinado que considere relevante. Se é
certo que a todo direito corresponde um dever, nesse caso, o dever é claramente imputado ao
Senado Federal, constituindo, portanto, obrigação da Mesa realizar todos os atos necessários
para a criação e instalação da CPI. Se válidos o boicote dos líderes partidários e o comportamento omissivo da Mesa do Senado Federal, estará consolidado o direito da maioria de
impedir, por inércia, o exercício do direito constitucional e legítimo da minoria. Ou seja,
qualquer investigação parlamentar passará a depender da concordância da maioria parlamentar e, conseqüentemente, da vontade do governo.
2.8. Em suma, a conseqüência clara da existência do direito da minoria à CPI é o
nascimento do dever jurídico, imputável à Mesa do Senado Federal, de viabilizar o exercício
desse direito. Já cuidou da questão o Ministro MOREIRA ALVES, ao lecionar que “a todo
direito subjetivo, repita-se, corresponde dever jurídico. Se tenho direito, alguém figurante na
relação jurídica tem o dever de me prestar ato ou omissão. Tem-se direito a ato ou omissão de
outrem” (cf. voto proferido no MS 20.257, in RTJ 99/1035). Conclui-se, destarte, assentandose no direito do Impetrante, a existência do dever da Mesa do Senado Federal de garantir a
constituição e o pleno funcionamento da CPI, tal como demanda o artigo 58, § 3º da Constituição Federal.
2.9. A não indicação das lideranças do governo de seus representantes para a CPI deve
ser interpretada, no máximo, como renúncia ao direito à composição proporcional da comissão, não possuindo, contudo, o condão de inviabilizar os trabalhos de investigação. Descabido,
de outro lado, é o argumento de que a Constituição Federal limita-se a garantir a criação,
relegando o seu conseqüente funcionamento à disciplina puramente regimental e, portanto, a
piruetas e contorcionismos interpretativos eximidos do controle judicial. A sua adoção, na
espécie, implicaria o esvaziamento do conteúdo da norma constitucional, como se a Carta da
República não almejasse exatamente as conseqüências da criação da CPI (possibilidade de
atuação das minorias), mas apenas a sua abstrata previsão e criação.
(Grifei.)
R.T.J. — 200
1127
Cabe referir, ainda, a alegação – ora deduzida na presente causa – consistente na
possibilidade de suprir-se a omissão dos Líderes majoritários, considerado o contexto em
exame, pela aplicação analógica de preceitos inscritos tanto no Regimento Comum do
Congresso Nacional (art. 9º, § 1º) quanto no Regimento Interno da Câmara dos Deputados
(art. 28, § 1º, e art. 45, § 3º), como resulta dos seguintes fundamentos:
Conquanto o Regimento Interno do Senado Federal seja omisso nesse aspecto, a questão
pode ser equacionada pelo significado da regra que prevê a instalação de CPI mediante
requerimento de um terço dos membros da respectiva Casa Legislativa. Ou seja, CPI é instrumento que visa a assegurar os direitos da minoria. (...).
(...)
Tanto o Regimento Comum do Congresso Nacional como o Regimento Interno da Câmara
dos Deputados tratam, explicitamente, da possibilidade em análise.
Determinam o art. 9º e seu § 1º do Regimento Comum:
Art. 9º Os membros das Comissões Mistas do Congresso Nacional serão designados
pelo Presidente do Senado mediante indicação das lideranças.
§ 1º Se os Líderes não fizerem a indicação, a escolha caberá ao Presidente.
(...)
E os arts. 28, § 1º, e 45, § 3º, da Lei Interna da Câmara Baixa:
Art. 28. Estabelecida a representação numérica dos Partidos e dos Blocos Parlamentares
nas Comissões, os Líderes comunicarão ao Presidente da Câmara, no prazo de cinco sessões, os
nomes dos membros das respectivas bancadas que, como titulares e suplentes, irão integrar
cada Comissão.
§ 1º O Presidente fará, de ofício, a designação, se, no prazo fixado, a liderança não
comunicar os nomes de sua representação para compor as Comissões, nos termos do § 3º do
art. 45.
(...)
Art. 45. A vaga em Comissão verificar-se-á em virtude de término do mandato, renúncia,
falecimento ou perda do lugar.
(...)
§ 3º A vaga em Comissão será preenchida por designação do Presidente da Câmara, no
interregno de três sessões, de acordo com a indicação feita pelo Líder do Partido ou de Bloco
Parlamentar a que pertencer o lugar, ou, independentemente dessa comunicação, se não for
feita naquele prazo.
Ou seja, não há, no caso em tela, qualquer dificuldade para que a autoridade indicada
como coatora esteja impedida de suprir a omissão com que se pretende fazer, do art. 58, § 3º,
letra morta.
(...)
(...) resta que a recusa do Senhor Presidente do Senado Federal, em proceder à designação dos integrantes de Comissão Parlamentar de Inquérito, na omissão dos partidos políticos
em fazer a respectiva indicação, lesiona, claramente, direito líquido e certo dos autores.
(Grifei.)
O Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, ao prestar as informações
que lhe foram requisitadas, sustentou, preliminarmente, a incognoscibilidade do presente
“writ” mandamental, alegando, para tanto, que o “tema diz respeito a divergência de
interpretação do RISF, constituindo, assim, ato ‘interna corporis’ da Casa Legislativa,
insuscetível de interferência do Poder Judiciário”.
Asseverou-se, em tais informações, que, caso superada a questão preliminar suscitada (impossibilidade de revisão judicial de atos “interna corporis”), nada poderia justi-
1128
R.T.J. — 200
ficar o acolhimento da pretensão mandamental em causa, consideradas, em síntese, as
seguintes razões, que assim foram resumidas pelo Senhor Presidente do Senado Federal:
Por todo o exposto, concluímos, s.m.j., que o presente mandado de segurança não
poderá ser conhecido, porque o tema envolve discussão regimental no âmbito do Senado,
ostentando assim natureza “interna corporis” do Poder Legislativo.
E, caso conhecido, no mérito, não merece concessão, pois:
a) inexiste direito líquido e certo a ser protegido;
b) não se pode aplicar, por princípio de peculiaridade, a uma Casa Legislativa o regimento interno de outra ou o regimento congressual;
c) a autoridade impetrada não tem competência legal ou regimental para a prática
do ato pretendido pelos D. Impetrantes, e não pode a decisão judicial determinar modificação da competência preestabelecida, uma vez que é assunto reservado à norma em sentido
estrito; e
d) é plenamente constitucional e doutrinariamente acolhida a atividade legislativa de
conformação, desde que criteriosa, a qual aqui foi operacionalizada mediante a instituição de
requisitos regimentais para viabilizar a melhor realização da norma constitucional do art. 58,
§ 3º, e o seu maior grau de efetividade.
Inexiste, assim, a nosso ver, inconstitucionalidade, ilegalidade ou abusividade na interpretação dada (...) às disposições do Regimento Interno da Casa.
(Grifei.)
O eminente Procurador-Geral da República, Dr. CLÁUDIO FONTELES, não obstante
haja reconhecido a impossibilidade de o grupo dominante no Legislativo frustrar o
exercício, pelas minorias parlamentares, do direito à investigação parlamentar, opinou
pela ilegitimidade passiva “ad causam” da Mesa do Senado Federal, pois “não é a Mesa
do Senado que deve figurar no pólo passivo desta relação processual, mas os líderes da
maioria”.
Esse parecer, da lavra do eminente Procurador-Geral da República, está assim
ementado:
1. Normas regimentais das Casas do Parlamento, dotadas todas de estatura legal, sofrem
o controle judicial, até a que se averigüe sua conformação com o traçado constitucional:
considerações.
2. As normas regimentais de cunho instrumental, tal a do artigo 78 – RISF – não podem
inviabilizar, pelo não exercício da atribuição constitutiva de formação das comissões parlamentares, pelos líderes da maioria, a instalação destas comissões, devidamente criadas na
observância do § 3º, do artigo 58, da Constituição Federal: preservação do direito das minorias:
considerações.
3. Ilegitimidade passiva da Mesa do Senado: considerações.
4. Não conhecimento do pleito.”
(Grifei.)
Tendo em vista a preliminar suscitada tanto pela eminente autoridade apontada
como coatora quanto pela douta Procuradoria-Geral da República, e visando a afastar
objeções de ordem formal que pudessem, eventualmente, inviabilizar o conhecimento da
presente ação de mandado de segurança, frustrando-se a definição, pelo Supremo Tribunal Federal, de um tema impregnado da maior importância jurídico-institucional, adotei,
“ad cautelam”, medidas destinadas a permitir que os Senhores Líderes do PMDB, do
Bloco de Apoio ao Governo, do PSB, do PPS, do PTB e do PL, após pessoal cientificação,
R.T.J. — 200
1129
ingressassem, formalmente, na presente relação processual, e, querendo, impugnassem a
pretensão mandamental em causa.
Devo registrar, neste ponto, que, embora todos houvessem sido pessoalmente notificados, apenas alguns desses ilustres líderes partidários intervieram neste processo
mandamental, reiterando a questão preliminar suscitada pelo eminente Senhor Presidente
do Senado Federal e pelo douto Procurador-Geral da República, pronunciando-se, ainda,
quanto ao mérito, pela denegação do mandado de segurança, por inexistir – segundo
sustentam – o direito líquido e certo ora vindicado pela parte impetrante.
O eminente Senhor Procurador-Geral da República, em nova manifestação nestes
autos, reiterou o seu anterior pronunciamento, propugnando pelo não-conhecimento da
presente ação mandamental, por entender, no tema em exame, que “não compete ao
Presidente do Senado Federal, na omissão dos líderes partidários, indicar, de mão
própria, os membros de comissões”.
É o relatório.
VOTO
(Sobre questões prévias)
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O Senhor Presidente do Senado Federal,
ao prestar as informações que lhe foram solicitadas, suscitou questão prejudicial cuja
apreciação se impõe desde logo, pois essa eminente autoridade ora apontada como
coatora sustenta que falece jurisdição constitucional a esta Suprema Corte para apreciar
a pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, eis que a omissão
questionada neste mandado de segurança, segundo alega, traduziria questão de índole
regimental, essencialmente imune – enquanto ato “interna corporis” – ao controle do
Poder Judiciário.
Essa eminente autoridade ora apontada como coatora, ao sustentar a incognoscibilidade deste mandado de segurança, advertiu, a propósito da matéria em debate,
que o “tema diz respeito a divergência de interpretação do RISF, constituindo, assim,
ato ‘interna corporis’ da Casa Legislativa, insuscetível de interferência do Poder Judiciário”.
Rejeito a questão prejudicial em referência, eis que o fundamento em que se apóia a
presente impetração mandamental concerne à alegação de ofensa a direitos impregnados
de estatura constitucional, o que legitima, por si só, afastado o caráter “interna corporis”
do comportamento ora impugnado, o exercício, pelo Supremo Tribunal Federal, da jurisdição que lhe é inerente.
Cumpre ter presente, na espécie, o magistério jurisprudencial, que, firmado por
esta Suprema Corte desde a primeira década de nossa experiência republicana, consagra a
possibilidade jurídico-constitucional de fiscalização de determinados atos emanados do
Poder Legislativo, quando alegadamente eivados do vício da inconstitucionalidade, sem
que, ao assim proceder, o Tribunal vulnere o postulado fundamental da separação de
poderes.
1130
R.T.J. — 200
Impõe-se observar, neste ponto, por necessário, que o exame da postulação
deduzida na presente sede mandamental justifica – na estrita perspectiva do princípio da
separação de poderes – algumas reflexões prévias em torno das relevantíssimas questões pertinentes ao controle jurisdicional do poder político e às implicações jurídicoinstitucionais que necessariamente decorrem do exercício do “judicial review”.
Como sabemos, o regime democrático, analisado na perspectiva das delicadas relações entre o Poder e o Direito, não tem condições de subsistir, quando as instituições
políticas do Estado falharem em seu dever de respeitar a Constituição e as leis, pois, sob
esse sistema de governo, não poderá jamais prevalecer a vontade de uma só pessoa, de
um só estamento, de um só grupo ou, ainda, de uma só instituição.
Na realidade, impõe-se, a todos os Poderes da República (e aos membros que os
integram), o respeito incondicional aos valores que informam a declaração de direitos e
aos princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a própria organização do
Estado.
Delineia-se, nesse contexto, a irrecusável importância jurídico-institucional do
Poder Judiciário, investido do gravíssimo encargo de fazer prevalecer a autoridade da
Constituição e de preservar a força e o império das leis, impedindo, desse modo, que se
subvertam as concepções que dão significado democrático ao Estado de Direito, em
ordem a tornar essencialmente controláveis, por parte de juízes e Tribunais, os atos
estatais que importem em transgressão a direitos, garantias e liberdades fundamentais
assegurados pela Carta da República.
A controvérsia suscitada na presente causa subsume-se, com plena adequação, à
esfera de cognoscibilidade do Poder Judiciário, eis que, no processo sob apreciação
desta Suprema Corte, a parte impetrante sustenta a impossibilidade de a maioria, nas
Casas legislativas, frustrar o exercício, pelas minorias parlamentares, de prerrogativas
político-jurídicas a estas asseguradas pela própria Constituição da República, como sucede com o exercício do poder de instauração de inquéritos parlamentares (CF, art. 58, § 3º).
Vê-se, daí, na perspectiva do caso ora em exame, que a intervenção do Poder
Judiciário, nas hipóteses de suposta lesão a direitos subjetivos amparados pelo
ordenamento jurídico do Estado, reveste-se de plena legitimidade constitucional, ainda
que essa atuação institucional se projete na esfera orgânica do Poder Legislativo, como
se registra naquelas situações em que se atribuem, à instância parlamentar, condutas
alegadamente tipificadoras de abuso de poder, seja por ação, seja por omissão.
Isso significa, portanto – considerada a fórmula política do regime democrático –
que nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição e das leis. Nenhum
órgão do Estado – situe-se ele no Poder Judiciário, ou no Poder Executivo, ou no Poder
Legislativo – é imune à força da Constituição e ao império das leis.
Uma decisão judicial – que restaure a integridade da ordem jurídica e que torne
efetivos os direitos assegurados pelas leis e pela própria Constituição da República – não
pode ser considerada um ato de interferência na esfera do Poder Legislativo, consoante já
proclamou, em unânime decisão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (RTJ 175/253,
Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RTJ 176/718, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.):
R.T.J. — 200
1131
O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
- A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade
de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio
conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos
e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição.
Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir e nem
qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários,
por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal.
- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e
para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.
O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo
respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.
Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais
nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de
controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder
da República. (...).
(RTJ 173/806, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)
Ninguém ignora, Senhor Presidente, que o controle do poder constitui uma exigência de ordem político-jurídica essencial ao regime democrático.
Como sabemos, o sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da
limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação
de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no
plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República (ou daqueles que os integram) sobre os demais órgãos e agentes da
soberania nacional.
Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das prerrogativas estatais possa
conduzir a práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que sufoquem,
pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, inclusive aqueles assegurados
às minorias nas Câmaras legislativas (como o direito de oposição e a prerrogativa de fazer
instaurar comissões parlamentares de inquérito), atribuiu-se, ao Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais,
mesmo aqueles praticados pela Presidência das Casas do Congresso Nacional, quando
tais órgãos ou agentes incidirem em abuso de poder ou em desvios inconstitucionais, no
desempenho de sua competência institucional.
Em suma: a estrita observância dos direitos e garantias, notadamente quando se
alegar, como se sustenta na espécie, transgressão ao estatuto constitucional das minorias
parlamentares, traduz fator de legitimação da atividade estatal. Esse dever de obediência
ao regime da lei e da Constituição se impõe a todos – magistrados, administradores e
legisladores.
É que o poder não se exerce de forma ilimitada. No Estado democrático de Direito,
não há lugar para o poder absoluto.
Ainda que em seu próprio domínio institucional, nenhum órgão estatal, como a
Presidência do Senado da República, pode, legitimamente, pretender-se superior ou
supor-se fora do alcance da autoridade suprema da Constituição Federal.
1132
R.T.J. — 200
A separação de poderes – consideradas as circunstâncias históricas que justificaram a sua concepção no plano da teoria constitucional – não pode ser jamais invocada
como princípio destinado a frustrar a resistência jurídica a qualquer ensaio de opressão
estatal ou a inviabilizar a oposição a qualquer tentativa de comprometer, sem justa causa,
o exercício do direito de investigar, em sede de inquérito parlamentar, abusos que possam
ter sido cometidos pelos agentes do Estado.
Cumpre ressaltar, por isso mesmo, que o comportamento ensejador do presente
“writ” – consistente na omissão do Presidente do Senado Federal de adotar medidas que
dêem efetividade ao seu dever de constituir, instalar e dar regular funcionamento à CPI em
questão, fazendo cumprir o que determina o art. 58, § 3º, da Carta Política – não configura
nem se qualifica como ato “interna corporis”, eis que, como precedentemente já ressaltado, a jurisprudência desta Suprema Corte, desde a primeira década de nossa experiência
republicana, vem consagrando a possibilidade jurídico-constitucional de fiscalização de
determinados atos ou omissões do Poder Legislativo, quando alegadamente eivados do
vício da inconstitucionalidade, sem que o Tribunal, ao assim proceder, vulnere o postulado fundamental da separação de poderes.
A qualificação constitucional do direito público subjetivo invocado pela parte ora
impetrante, enquanto integrante da minoria parlamentar que atua no Senado da República, que alega desrespeito à prerrogativa que lhe é assegurada pelo art. 58, § 3º, da
Constituição, apresenta-se claramente evidenciada no caso ora em exame, em ordem a
viabilizar, por isso mesmo, o conhecimento, por esta Suprema Corte, da presente ação de
mandado de segurança, eis que a controvérsia instaurada nesta sede processual não se
resume, não se reduz nem se degrada à condição de um tema revestido de caráter meramente regimental.
Ao contrário, as alegações deduzidas pela parte impetrante põem em evidência, na
espécie em exame, a inquestionável magnitude constitucional do fundamento jurídico em
que se apóia esta impetração.
Extremamente significativas, Senhor Presidente, a propósito da natureza eminentemente constitucional do direito subjetivo invocado pela parte impetrante, são as observações que o ilustre Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE fez consignar, em douto pronunciamento, quando do exame, por esta Corte, do MS 22.494/DF (RTJ 163/176-209, 209):
Hoje, tem-se um grupo de parlamentares, em número indiscutivelmente bastante, à luz
do art. 58, § 3º da Constituição, para requerer a constituição de Comissão Parlamentar de
Inquérito, a sustentar que violou a Constituição, em primeiro lugar, mas violou também o
próprio Regimento Interno do Senado Federal a deliberação da maioria que, depois de instalada a CPI, veio a extingui-la, provendo recurso contra ato do Presidente da Casa, a pretexto da
ausência de fato determinado a investigar e da indicação do limite de despesas para o seu
funcionamento, como seria exigido por norma regimental (na verdade, habitualmente não
cumprida).
Indaga-se: há direito subjetivo em jogo? A meu ver, sim, e direito fundamental: a CPI é
instrumento básico da minoria; a maioria não precisa de CPI. A constituição de comissões
parlamentares de inquérito para fiscalizar o Governo, sem se converter antes em maioria, é
direito fundamental da minoria e, portanto, dos deputados que, em determinado episódio, a
personalizam, na medida em que firmam requerimento para investigação de fato que consideram relevante.
R.T.J. — 200
1133
Por isso, sem adentrar no mérito, para não violar as fronteiras que a maioria se impôs,
conheço do mandado de segurança.
(Grifei.)
Essa compreensão do tema, que se tem refletido, historicamente, na prática
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, ao longo do período republicano, em torno
da cognoscibilidade das denominadas questões políticas, encontra perfeita tradução em
douto voto proferido, em 1922, pelo saudoso e eminente Ministro GUIMARÃES NATAL, quando do julgamento do HC 8.584/DF, Rel. Min. Muniz Barreto (“Revista do Supremo Tribunal Federal”, volume 42/135-221, 192-194):
Nunca professei a doutrina que considera as questões políticas como absolutamente
impenetráveis aos olhos investigadores da Justiça, que deverá ter sempre por impecáveis, na
sua constitucionalidade e na sua conformidade à Lei, as soluções que lhe houverem dado os
poderes políticos a cuja competência constitucional pertencerem. Nos regimes, como o nosso,
de constituição escrita, os poderes são limitados, e as limitações excluem a discrição e o
arbítrio. Se, no exercício de suas funções, qualquer dos poderes políticos exorbita, lesando
um direito, o direito lesado pela exorbitância poderá reclamar a sua reintegração ao judiciário,
o poder especialmente preposto pela Constituição a tais reintegrações. E a ação do judiciário
não se poderá deter diante de uma questão política, sob o pretexto de que é ela atribuída
privativamente a um poder político, porque privativa do Congresso Nacional é a decretação
das leis e o judiciário declara-as inaplicáveis, quando contrárias à Constituição; privativos
do executivo são atos que o judiciário anula, quando, contrariando a Constituição e as leis,
lesam um direito.
(...)
Nos regimes de Constituição escrita, de poderes limitados, a Lei Fundamental é, na frase
de “Cooley”, a regra absoluta de ação e decisão para todos os poderes públicos e para o povo,
e tudo quanto em oposição a ela se faz é substancialmente nulo.
Mas para que a Constituição mantivesse esta preeminência de regra absoluta de ação e
decisão, que lhe dera o povo, decretando-a, era necessário criar um órgão que fosse dela a
encarnação viva, que a interpretasse soberanamente, irrecorrivelmente, que com ela confrontasse as Leis e os atos dos Poderes Públicos e até do próprio povo e que tivesse o poder de
declarar tais Leis e tais atos insubsistentes quando desconformes aos princípios nela consagrados. Esse órgão no nosso regime, como nos semelhantes ao nosso, é o Poder Judiciário Federal
(...).
(...)
Dada uma violação da Constituição, parta de quem partir, verse sobre que matéria
versar, desde que contra ela se insurja um direito individual lesado e invoque, em processo
regular, o amparo e proteção do Judiciário, é este, sob pena de incorrer em denegação de
Justiça, obrigado a conhecer do caso e julgá-lo. (...).
(Grifei.)
A imperiosa necessidade de fazer prevalecer a supremacia da Constituição, a que se
acha necessariamente subordinada a vontade de todos os órgãos e agentes do Estado
que se revelam depositários das funções político-jurídicas definidas pela teoria da separação de poderes, de um lado, e a inafastável obrigação de tornar efetivas as cláusulas
constitucionais que dispõem, em caráter mandatório e vinculante, sobre os direitos das
minorias parlamentares, de outro, legitimam, plenamente, na espécie ora em julgamento,
a atuação do Poder Judiciário, especialmente se se considerar a situação de que ora se
cuida, em que se alega o caráter lesivo da omissão imputada ao Presidente do Senado
Federal, cuja conduta teria frustrado o direito dos grupos legislativos minoritários à
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R.T.J. — 200
instauração de investigação parlamentar, não obstante requerida, no caso, por 39 Senadores (mais do que o mínimo exigido pelo art. 58, § 3º, da Constituição).
Impõe-se ter presente que o postulado da inafastabilidade do controle jurisdicional
justifica, de modo amplo, nas hipóteses de invocada lesão a direitos constitucionalmente
assegurados (como este cujo fundamento apóia-se no art. 58, § 3º, da Carta Política), a
possibilidade de atuação reparadora do Judiciário, especialmente quando os atos
vulneradores de situações jurídicas promanarem de órgãos ou agentes integrantes do
próprio aparelho de Estado.
A cláusula do “judicial review”, cuja gênese reside no texto da própria Constituição
da República, rompe – ao viabilizar a invocação da tutela jurisdicional do Estado – qualquer círculo de imunidade que vise a afastar, numa comunidade estatal concreta, o predomínio da lei e do direito sobre a arbitrariedade do Poder Público.
Nesse contexto, o princípio da separação de poderes não pode ser invocado para
estabelecer, em torno de um dos órgãos da soberania nacional, um indevassável círculo
de imunidade que torne insuscetível de revisão judicial, atos ou omissões emanados dos
órgãos dirigentes das Casas legislativas, ainda mais naquelas situações em que, das
condutas impugnadas, derive alegada vulneração a direitos titularizados por membros do
Congresso Nacional, mesmo que – tal como sucede na espécie – sejam integrantes dos
grupos parlamentares minoritários.
O reconhecimento de imunidade ao controle jurisdicional, tal como pretendido pelo
Senhor Presidente do Senado Federal, quando sustenta, sem razão, o caráter “interna
corporis” de sua conduta, revela-se conflitante com a própria essência e com os valores
que informam o ordenamento constitucional brasileiro.
Nada impede, pois, em situações como a de que ora se cuida, que o Supremo Tribunal Federal, regularmente provocado por quem dispõe de legitimidade ativa “ad causam” –
como os membros do Congresso Nacional (RDA 193/268, Rel. Min. CELSO DE MELLO –
MS 22.494/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA) – venha a exercer o poder que a própria
Lei Fundamental outorgou a esta Corte, autorizando-a a proclamar, quando for o caso, a
ilegitimidade constitucional de atos ou de omissões que possam transgredir a cláusula da
Constituição que ampara, no âmbito das Casas Legislativas, as minorias parlamentares
que nelas atuam.
O fato, Senhor Presidente, é que representaria estranho paradoxo, se o Congresso
Nacional, em função de critérios desvestidos de qualquer valia jurídica, ou motivado por
interpretações de mera conveniência político-partidária, absolutamente estranhas aos
parâmetros estabelecidos pela Constituição da República, viesse a desrespeitar, ele próprio, as cláusulas, que, qualificadas pela nota da compulsória observância pela instituição parlamentar, definem a garantia que assiste a todos os membros do Legislativo, inclusive àqueles que compõem os grupos políticos minoritários que nele atuam, consistente
no direito à instauração da investigação parlamentar, desde que respeitadas as exigências mínimas do art. 58, § 3º, da Carta Política: subscrição do requerimento por 1/3 dos
membros da Casa legislativa, indicação de fato determinado a ser objeto de apuração e
temporariedade da comissão parlamentar de inquérito.
R.T.J. — 200
1135
Se é certo, portanto, que os atos “interna corporis” e os de índole política são
abrangidos pelos círculos de imunidade que excluem a possibilidade de sua revisão
judicial, não é menos exato que essa particular qualificação das condutas legislativas
(sejam positivas ou negativas) não pode justificar ofensas a direitos públicos subjetivos
que os congressistas titularizam e que lhes conferem a prerrogativa institucional de estrita observância, por parte do órgão a que pertencem, das normas constitucionais pertinentes à organização e ao funcionamento das comissões parlamentares de inquérito.
Não obstante o caráter político dos atos “interna corporis”, é essencial proclamar
que a discrição dos corpos legislativos não pode exercer-se – conforme adverte CASTRO NUNES (“Do Mandado de Segurança”, p. 223, 5. ed.) – nem “(...) fora dos limites
constitucionais (...)”, nem “(...) ultrapassar as raias que condicionem o exercício legítimo do poder”.
Lapidar, sob tal aspecto, o magistério, erudito e irrepreensível, de PEDRO LESSA
(“Do Poder Judiciário”, p. 65/66, 1915, Livraria Francisco Alves):
Em substância: exercendo atribuições políticas, e tomando resoluções políticas, move-se
o Poder Legislativo num vasto domínio, que tem como limites um círculo de extenso diâmetro,
que é a Constituição Federal. Enquanto não transpõe essa periferia, o Congresso elabora
medidas e normas, que escapam à competência do Poder Judiciário. Desde que ultrapassa a
circunferência, os seus atos estão sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, que, declarandoos inaplicáveis por ofensivos a direitos, lhes tira toda eficácia jurídica.
(Grifei.)
É por essa razão que a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal
jamais tolerou que a invocação da natureza “interna corporis” do ato emanado das
Casas legislativas pudesse constituir um ilegítimo manto protetor de comportamentos
abusivos e arbitrários do Poder Legislativo. É que, consoante observa PONTES DE
MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo
III/644, 3. ed., 1987, Forense) – ainda que acentuando a incognoscibilidade judicial das
questões políticas atinentes à oportunidade, conveniência, utilidade ou acerto do ato
emanado do órgão estatal –, “sempre que se discute se é constitucional ou não, o ato do
poder executivo, ou do poder judiciário, ou do poder legislativo, a questão judicial está
formulada, o elemento político foi excedido, e caiu-se no terreno da questão jurídica”
(grifei).
Impõe-se rememorar, bem por isso, lapidar decisão proferida pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar o MS 1.959/DF, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI,
reconheceu, em votação unânime, a existência de jurisdição desta Suprema Corte sobre
controvérsia motivada por deliberação político-administrativa da Câmara dos Deputados, de que resultara – consoante então sustentado pela parte impetrante – injusto
gravame a direito individual por ela titularizado, afastando-se, em conseqüência, a questão prejudicial de incognoscibilidade do “writ” mandamental.
O voto então proferido nesse julgamento pelo Ministro NELSON HUNGRIA assim
analisou o tema, cuja discussão é ora renovada na presente sede mandamental:
(...) alega-se que se trata na espécie de matéria que escapa à censura do Poder Judiciário, por isso que consiste numa “resolução” votada pela Câmara dos Deputados sobre assunto
1136
R.T.J. — 200
político-administrativo, compreendido no âmbito da sua atuação discricionária. É o que se
depreende das informações prestadas pela ilustre Mesa da Câmara dos Deputados.
Entendo que não é exata, assim formulada, a pretensa imunidade do Poder Legislativo.
Como muito bem acentuou o eminente Sr. Ministro Relator, constitui, hoje, ponto morto, que é
irrelevante indagar se se trata, ou não, de ato político, para que seja excluída ou admitida a
intervenção do Poder Judiciário. O que há a indagar é se o ato, político ou não, lesa um direito
individual, um interesse individual legalmente protegido.
Se se apresenta essa lesão direta, esse dano imediato a um direito individual, surge a
possibilidade, a legitimidade constitucional da intervenção do Poder Judiciário. Evidentemente, não pode o Supremo Tribunal Federal arrogar-se a faculdade de praticar ou obstar a
política legislativa, como não pode criticar ou inibir a política do Poder Executivo. Não pode
o Poder Judiciário entender, por exemplo, que determinada medida tomada por qualquer dos
dois outros Poderes não atende ao interesse nacional. Haveria, com isso, uma evidente
usurpação de poder, uma indébita intromissão do Judiciário. Ainda que dessa medida possa
decorrer, por via remota ou indireta, qualquer dano a interesse privado, será defeso ao Judiciário intervir. O indivíduo, atingido em ricochete, não poderia vir bater às portas do Supremo
Tribunal Federal, porque as encontraria fechadas. Mas, desde que se identifique lesão direta e
imediata a direito individual, aí pode interferir o Judiciário, e isto está escrito com todas as
letras na Constituição, em cujo art. 141, § 4º, dispõe que nenhuma lesão a direito individual
escapará à apreciação do Poder Judiciário. Não há que renovar discussão em torno do tema;
não é mais possível estar-se a revolver debates de um passado longínquo, do tempo em que Ruy
Barbosa ensinava o ABC do Direito Constitucional no Brasil. No caso, apresenta-se o seguinte:
um mandado de segurança contra um ato político-administrativo da Câmara dos Deputados,
que terá como conseqüência direta a violação de um interesse individual legalmente tutelado,
qual seja o sigilo bancário. Em tese, não pode haver dúvida sobre a competência do Poder
Judiciário para conhecer do caso e resolvê-lo.
(Grifei.)
Pelas mesmas razões que vêm de ser expostas, revela-se plenamente cognoscível,
pelo Supremo Tribunal Federal, a controvérsia ora suscitada pela parte impetrante.
Na realidade, a exegese abusiva da Constituição e do próprio Regimento Interno –
especialmente naqueles pontos que não permitem qualquer margem de discrição aos
corpos legislativos –, não pode ser tolerada, sob pena de converter-se em inaceitável
instrumento opressivo de dominação política, além de gerar uma inadmissível subversão
do ordenamento positivo fundado e legitimado pela própria noção de Estado Democrático
de Direito, que repele qualquer desrespeito aos direitos públicos subjetivos titularizados
pelos congressistas, mesmo os que compõem, como na espécie, os grupos parlamentares
minoritários.
Revelam-se extremamente pertinentes, neste ponto, as ponderações feitas, com o
brilho de sempre, pelo eminente e saudoso Professor GERALDO ATALIBA (“Judiciário
e Minorias”, “in” Revista de Informação Legislativa, vol. 96/189-194, 190), quando, depois de assinalar que “De nada vale fazer uma Constituição, se ela não for obedecida”,
adverte:
Na democracia, governam as maiorias. Elas fazem as leis, elas escolhem os governantes. Estes são comprometidos com as maiorias que os elegeram e a elas devem agradar. As
minorias não têm força. Não fazem leis, nem designam agentes públicos, políticos ou administrativos.
Sua única proteção está no Judiciário. Este não tem compromisso com a maioria. Não
precisa agradá-la, nem cortejá-la. Os membros do Judiciário não são eleitos pelo povo. Não
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1137
são transitórios, não são periódicos. Sua investidura é vitalícia. Os magistrados não representam a maioria. São a expressão da consciência jurídica nacional.
Seu único compromisso é com o direito, com a Constituição e as leis; com os princípios
jurídicos encampados pela Constituição e os por ela não repelidos (...).
(Grifei.)
Os fundamentos em que se apóia a presente impetração põem em evidência, Senhor
Presidente, consoante sustentado pelos ilustres Senadores impetrantes, prerrogativa político-jurídica resultante do próprio texto da Constituição (art. 58, § 3º), alegadamente
desrespeitada pela omissão do Presidente do Senado Federal, que foi motivada pela inércia dos Líderes dos partidos majoritários em indicar os representantes das suas respectivas bancadas para compor a “CPI dos Bingos”.
Vê-se, desse modo, que a omissão ora questionada neste mandado de segurança
concerne à discussão em torno de um direito que transcende o caráter meramente interno
da conduta omissiva imputada ao Senhor Presidente do Senado Federal, eis que se postula,
nesta sede mandamental, o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de que existe, em nosso ordenamento positivo, com fundamento no princípio democrático, um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, que protege os grupos
minoritários em atuação nos corpos legislativos, assegurando-lhes, dentre outras prerrogativas de índole político-jurídica, aquelas concernentes ao direito de fiscalizar, ao direito
de opor-se ao próprio Governo e ao direito de promover inquéritos parlamentares, quando
essenciais à apuração e à neutralização de abusos praticados pelos agentes estatais.
Ou, em outras palavras, a conduta atribuída ao Senhor Presidente do Senado Federal,
mais do que simples comportamento omissivo pretensamente imune ao controle
jurisdicional, faz instaurar, na espécie ora em exame, discussão relevantíssima em torno
do alto significado constitucional que deve assumir, para o regime democrático, o reconhecimento, por esta Suprema Corte, da proteção a ser efetivamente dispensada ao direito
de oposição, analisado na perspectiva da prática constitucional e republicana das instituições parlamentares.
Lapidar, sob tal aspecto, a advertência de GERALDO ATALIBA (“Judiciário e
Minorias”, “in” Revista de Informação Legislativa, vol. 96/189-194), exposta em preciso
magistério que bem define a qualificação eminentemente constitucional da controvérsia
jurídica instaurada nesta impetração, em ordem a permitir que se rejeite, por incabível, a
questão prejudicial suscitada pelo Senhor Presidente do Senado Federal:
É que só há verdadeira república democrática onde se assegure que as minorias possam
atuar, erigir-se em oposição institucionalizada e tenham garantidos seus direitos de dissensão,
crítica e veiculação de sua pregação. Onde, enfim, as oposições possam usar de todos os meios
democráticos para tentar chegar ao governo. Há república onde, de modo efetivo, a
alternância no poder seja uma possibilidade juridicamente assegurada, condicionada só a
mecanismos políticos dependentes da opinião pública.
(...)
A Constituição verdadeiramente democrática há de garantir todos os direitos das minorias e impedir toda prepotência, todo arbítrio, toda opressão contra elas. Mais que isso – por
mecanismos que assegurem representação proporcional –, deve atribuir um relevante papel
institucional às correntes minoritárias mais expressivas.
(...)
1138
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O principal papel da oposição é o de formular propostas alternativas às idéias e ações do
governo da maioria que o sustenta. Correlatamente, critica, fiscaliza, aponta falhas e censura a
maioria, propondo-se, à opinião pública, como alternativa. Se a maioria governa, entretanto,
não é dona do poder, mas age sob os princípios da relação de administração.
(...)
Daí a necessidade de garantias amplas, no próprio texto constitucional, de existência,
sobrevivência, liberdade de ação e influência da minoria, para que se tenha verdadeira
república.
(...)
Se a maioria souber que – por obstáculo constitucional – não pode prevalecer-se da
força, nem ser arbitrária nem prepotente, mas deve respeitar a minoria, então os compromissos
passam a ser meios de convivência política.
(Grifei.)
Torna-se irrecusável reconhecer, portanto, Senhor Presidente, que a controvérsia
ora submetida à apreciação jurisdicional desta Suprema Corte não se reveste de caráter
meramente regimental. Muito mais do que isso, defronta-se, este Supremo Tribunal, com
um tema impregnado de extração iniludivelmente constitucional, consistente no pretendido reconhecimento, tal como postulado nesta sede de mandado de segurança, de que as
minorias parlamentares possuem, com fundamento no direito de oposição – que traduz
verdadeiro consectário do princípio democrático – a prerrogativa de fazer instaurar, sem
quaisquer obstáculos ou artifícios arbitrariamente criados por grupos políticos majoritários, comissões parlamentares de inquérito, desde que atendidas as exigências mínimas
impostas pelo art. 58, § 3º, da Carta Política.
Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, rejeito a questão prejudicial suscitada pelo Senhor Presidente do Senado Federal.
Cabe analisar, agora, por necessário, outra questão prévia, que foi suscitada pelo
eminente Procurador-Geral da República, pertinente à falta da legitimidade passiva do
Presidente do Senado Federal.
O Senhor Procurador-Geral da República, em parecer que analisou a impetração
deduzida nesta sede mandamental, sustenta falecer legitimação passiva “ad causam” ao
Presidente do Senado Federal, enquanto órgão dirigente da Mesa dessa Casa legislativa,
para figurar como autoridade coatora na presente ação de mandado de segurança.
Segundo o eminente Chefe do Ministério Público da União, compete aos Líderes
partidários a “atribuição constitutiva de formar comissões parlamentares de inquérito”,
cabendo, ao Presidente do Senado Federal, tão-somente, a função de mera designação dos
membros de tais Comissões, desde que precedida de indicação escrita dos respectivos
líderes.
Com esse entendimento, o Senhor Procurador-Geral da República, após rejeitar a
possibilidade de integração analógica do Regimento Interno do Senado Federal, por reputar inaplicáveis o art. 28, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e o art. 9º,
§ 1º, do Regimento Comum do Congresso Nacional – que devolvem, ao Presidente de tais
órgãos legislativos, na omissão dos líderes das agremiações partidárias, o poder de designar os congressistas a elas filiados, para compor as Comissões em geral –, opina no
sentido de excluir, da presente relação processual, o Senhor Presidente do Senado Federal,
enquanto órgão dirigente da Mesa dessa Alta Casa do Parlamento brasileiro, pronuncian-
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do-se, desse modo, em face de tal manifestação, pelo reconhecimento da incompetência
do Supremo Tribunal Federal, eis que – segundo afirma – o mandado de segurança em
questão, porque unicamente impetrável contra “os líderes da maioria”, deveria ter sido
ajuizado perante magistrado federal de primeira instância.
Entendo não assistir razão à douta Procuradoria-Geral da República. É que incumbe,
não aos Líderes partidários, mas, sim, ao Presidente do Senado Federal, em sua condição
de órgão dirigente da Mesa dessa Casa legislativa, e até mesmo em função da própria
estatalidade do ato de constituição das CPIs, o poder de viabilizar a organização e o
funcionamento dessas comissões parlamentares de inquérito, adotando, para tanto, seja
no âmbito administrativo, seja no plano da gestão financeira de recursos públicos destinados a custear as atividades de tais órgãos de investigação legislativa, as medidas
necessárias à efetiva instalação das referidas CPIs.
Isso significa, portanto, ao contrário do sustentado pelo eminente ProcuradorGeral da República, que, ainda que os líderes partidários desempenhem atividade de
colaboração na indicação dos congressistas filiados aos respectivos partidos políticos,
para efeito de composição da CPI, não lhes assiste, contudo, poder de ingerência direta
no plano da gestão administrativa e financeira do Senado Federal, considerada a relevante
circunstância de que a adoção de providências viabilizadoras do funcionamento da CPI
traduz matéria que se inclui, por seu caráter eminentemente oficial, na esfera de estrita (e
exclusiva) competência da própria Mesa dessa Casa legislativa.
Daí a correta impetração do mandado de segurança, não em face da inércia dos
Líderes dos agrupamentos políticos majoritários, mas contra a alegada omissão atribuída
à Mesa do Senado Federal, representada por seu Presidente, eis que somente a esse
órgão estatal – e a ele apenas – compete implementar, nos planos administrativo e
financeiro, a organização e o funcionamento da comissão parlamentar de inquérito.
Eis por que, presente o contexto ora em exame, será sempre imputável, à Mesa do
Senado Federal, qualquer ato ou omissão que comprometa a instalação do órgão de
investigação legislativa em questão, ainda mais se se considerar que o Senhor Presidente
do Senado Federal, constatada a situação de lacuna normativa, poderia valer-se, na espécie em análise, de meios legitimados pela própria prática parlamentar em vigor no âmbito
do Poder Legislativo da União.
Refiro-me à possibilidade de a Mesa do Senado Federal, por intermédio de seu
eminente Presidente, suprir a referida lacuna normativa, mediante processo de integração
analógica, colmatando o “vacuum juris” com a aplicação de preceitos regimentais peculiares aos próprios órgãos componentes do Parlamento brasileiro.
Note-se que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados dispõe, em seu art. 28,
§ 1º, que o Presidente, de ofício, fará a designação de parlamentares para integrar as
Comissões legislativas, se, no prazo fixado, a Liderança não comunicar os nomes de sua
representação partidária para compor as referidas Comissões, quer como titulares, quer
como suplentes.
Essa mesma disciplina acha-se prevista no art. 9º, § 1º, do Regimento Comum do
Congresso Nacional, que devolve, ao Presidente, o poder de escolher os membros das
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Comissões Mistas, se os Líderes partidários não fizerem a indicação que lhes foi solicitada.
Ninguém ignora que o mandado de segurança há de ser impetrado em face de órgão
público investido de poderes para praticar o ato cuja implementação se busca, o que
significa, na perspectiva do caso ora em exame, adotar medidas que viabilizem a efetiva
constituição, organização e funcionamento da CPI em questão.
Na realidade, a impetração mandamental há de ser deduzida em face de quem dispõe
do poder de decidir, o que faz, do Presidente do Senado Federal, em sua condição de órgão
dirigente da Mesa dessa Casa legislativa, a autoridade responsável pela condução dos
trabalhos da Câmara Alta, incumbindo-lhe, por isso mesmo, a adoção, dentre outras, de
providências oficiais tendentes a remover quaisquer obstáculos que se verifiquem em
relação à definitiva formação, organização e constituição da CPI requerida no âmbito do
Senado da República.
É por essa razão que o magistério da doutrina acentua que, no âmbito das Casas
legislativas, assiste, às respectivas Mesas, representadas por seus Presidentes, legitimação passiva em sede de mandado de segurança, qualificando-se tais órgãos como
autoridades responsáveis do Poder Legislativo, para efeito de sofrer a impetração
mandamental, tal como assinala, em douta exposição, o saudoso e eminente Ministro e
Professor ALFREDO BUZAID (“Do Mandado de Segurança”, vol. I/126, item n. 65, 1989,
Saraiva).
Esse aspecto é corroborado em precisa lição expendida por CASTRO NUNES (“Do
Mandado de Segurança”, p. 77, item n. 53, 9. ed., 1988, Forense):
(...). Ter-se-ia então de fixar que, não obstante os termos elásticos da lei, tais autoridades
não poderiam ser outras senão as que, na direção dos trabalhos das Câmaras legislativas,
praticassem atos de natureza administrativa. São esses atos, não-legislativos, mas oriundos de
autoridades legislativas, os que podem autorizar o mandado de segurança.
É que a mesa das Câmaras é o poder executivo dessas corporações. Os atos que elas
praticam na esfera das suas atribuições administrativas são da mesma natureza dos praticados
pelo Poder Executivo. (...).
(Grifei.)
É certo que compete aos líderes partidários a indicação dos representantes das
respectivas agremiações para compor as diversas Comissões legislativas (RISF, art. 66).
Sabe-se, ainda, que os membros das comissões, inclusive das CPIs, “serão designados pelo Presidente, por indicação escrita dos respectivos líderes, assegurada, tanto
quanto possível, a participação proporcional das representações partidárias ou dos
blocos parlamentares com atuação no Senado Federal (...)” (RISF, art. 78).
Essas normas regimentais, na realidade, ajustam-se às prescrições, que, consagradas na Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95), dispõem sobre o funcionamento
parlamentar das agremiações partidárias, como resulta claro do art. 12 desse diploma
legislativo, que estabelece, a esse respeito, que “o partido político funciona nas casas
legislativas, por intermédio de uma bancada, que deve constituir suas lideranças de
acordo com o estatuto do partido, as disposições regimentais das respectivas casas e as
normas desta Lei” (grifei).
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O Regimento Interno do Senado Federal, por isso mesmo, nas regras mencionadas
(arts. 66 e 78), objetiva dar concreção às normas inscritas na Lei Orgânica dos Partidos
Políticos, notadamente no ponto em que esse estatuto legislativo consagra diretrizes
pertinentes ao funcionamento parlamentar e à disciplina das agremiações partidárias.
Isso significa, pois, longe do que preconiza o eminente Procurador-Geral da República, que a indicação de membros da CPI, por iniciativa dos líderes dos partidos políticos,
representa, unicamente, matéria típica e peculiar ao funcionamento parlamentar e à
viabilização da disciplina partidária, enquanto valores consagrados na legislação sobre
partidos políticos.
Essa prerrogativa de indicar membros para a CPI, contudo, enquanto faculdade
reconhecida aos líderes partidários, não se confunde com o próprio regime constitucional
de criação das comissões parlamentares de inquérito, que se submete, no tema, por inteiro,
ao que dispõe a Lei Fundamental, cujas prescrições (art. 58, § 3º) têm por únicos destinatários os órgãos de direção das Casas integrantes do Poder Legislativo, em sua condição
de órgãos de Estado.
Desse modo, eventuais litígios e incidentes surgidos em torno da formação inaugural dessas comissões de investigação instaurar-se-ão em face de deliberações, positivas
ou negativas, emanadas da Mesa da instituição parlamentar, e não em face de resoluções
adotadas por organismos partidários.
Isso significa, portanto, tal como referido em Memorial apresentado pelo ilustre
Advogado, Dr. Léo Ferreira Leoncy, nos autos do MS 24.847/DF e do MS 24.849/DF, de
que também sou Relator (em cujo âmbito se discute matéria idêntica à ora em exame,
motivada pela mesma omissão ora atribuída ao Senhor Presidente do Senado Federal),
que o presente mandado de segurança não poderia ser impetrado em face dos líderes
partidários, mas, isso sim, como efetivamente o foi, em face da Mesa do Senado Federal,
representada por seu eminente Presidente:
O sentido da faculdade concedida aos líderes de bancada, consistente na indicação de
membros do respectivo partido ou bloco parlamentar para compor a representação proporcional
das CPI’s, não pode levar à obstrução do direito da minoria ao inquérito parlamentar. Constitui, na verdade, direito disponível, cujo não exercício ou renúncia, “in casu”, não tem o poder
de inviabilizar a criação da CPI requerida.
A adequada interpretação dos artigos 66 e 78, do RISF, c/c artigo 58, § 1º, da CF, reforça
o entendimento dos impetrantes.
Quanto ao artigo 58, § 1º, da Constituição de 1988, tem-se que a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares em cada comissão é um direito público
(constitucional) subjetivo de suas bancadas, cujo cumprimento pode ser exigido por seus Deputados ou Senadores.
Trata-se de um direito que poderá ser objeto de renúncia concreta, tanto que “a formação
da comissão, sem observância do princípio da co-participação pluripartidária nas comissões,
sem protesto, sana o vício”. Do mesmo modo, é da rotina parlamentar a troca entre bancadas de
vagas em comissões distintas, ainda que em prejuízo da proporcionalidade constitucional.
Por outro lado, a postura dos líderes partidários, no presente caso, deve ser tomada como
uma “autolimitação voluntária ao exercício de um direito num caso concreto”, sem que isso
implique uma renúncia geral ao direito previsto abstratamente na Constituição. Em outras
palavras, os senhores líderes apenas deixaram de exercer o direito, admitindo que as vagas
fossem preenchidas por parlamentares de outras bancadas.
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Quanto aos artigos 66 e 78, do Regimento Interno do Senado Federal, apenas prestigiam
o artigo 12 da Lei dos Partidos Políticos, segundo o qual o funcionamento parlamentar das
agremiações partidárias se dá por meio de bancadas, sujeitas às respectivas lideranças. Com isso,
também prestigia, o Regimento Interno do Senado Federal, o cumprimento da disciplina
partidária, outro valor expresso na Lei dos Partidos Políticos, em seus artigos 24 e 25.
Como se vê, indicação pelos líderes partidários dos membros da CPI é matéria afeta ao
funcionamento parlamentar dos partidos políticos e à disciplina partidária dos integrantes de
bancada. Apenas isso. E nada tem que ver com o regime de criação de CPI, que, por envolver
direito de minoria qualificada, atende apenas a requisitos cujo implemento está ao alcance dos
requerentes do inquérito parlamentar.
(Grifei.)
Daí a correta afirmação dos Impetrantes, no ponto em que, contrapondo-se à questão preliminar suscitada pelo eminente Procurador-Geral da República, assinala que a
discussão, na espécie, cinge-se a uma específica situação de polaridade conflitante que
se instaurou, não entre os requerentes da CPI em causa e os líderes das agremiações
majoritárias, mas entre os ora Impetrantes e a Mesa do Senado Federal, representada por
seu ilustre Presidente, pois a tal órgão estatal – e não aos líderes partidários – incumbia a
obrigação constitucional de criar e de organizar a referida comissão parlamentar de
inquérito, viabilizando-lhe, com a adoção das medidas administrativas e financeiras cabíveis, o seu regular funcionamento.
Tal, porém, não ocorreu na espécie, olvidando-se a Mesa do Senado Federal, por
seu Presidente, que o dever jurídico-institucional de assegurar a integridade do direito ao
exercício da investigação parlamentar, mediante regular instauração do pertinente inquérito legislativo, compete àquele órgão estatal (a Mesa da Casa legislativa), cabendo-lhe,
por tal motivo, conferir efetividade ao requerimento, que, emanado da minoria parlamentar naquela Casa do Congresso Nacional, observou as exigências impostas pelo art. 58,
§ 3º, da Constituição da República.
A omissão contra a qual se insurge a parte impetrante, portanto, além de alegadamente lesiva aos direitos subjetivos por ela titularizados, transgride o próprio ordenamento constitucional, expondo-se, por tal razão, ao controle jurisdicional desta Suprema
Corte.
É por tal motivo que, acolhendo as razões consignadas no Memorial a que anteriormente me referi, reconheço a plena legitimidade passiva “ad causam” da Mesa do Senado
Federal, representada por seu Presidente, considerados, para esse efeito, os fundamentos
que ora reproduzo:
Não assumem relevância, no caso, as disposições regimentais que atribuem aos líderes
partidários a faculdade de indicar os componentes da CPI. Sua eficácia limita-se ao âmbito do
Senado Federal, constituindo sua observância questão “interna corporis”, imune, portanto, ao
controle jurisdicional.
O dever de “criar” a Comissão, ou seja, constituir, instalar e dar-lhe regular funcionamento, é confiado, nos estritos termos constitucionais, à própria Casa Legislativa. Nesse sentido,
o § 3º do art. 58 da Constituição é absolutamente impositivo ao determinar que as CPI’s “serão
criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente,
mediante requerimento de um terço de seus membros”. Logo, cumpre, constitucionalmente, ao
Senado Federal, assegurar o exercício do direito à CPI, enquadrando-se, pois, por sua Mesa, no
conceito de autoridade responsável.
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1143
De outra parte, a jurisprudência desta Elevada Corte admite que a Mesa do Senado
Federal é quem deve figurar no pólo passivo nos casos de mandado de segurança contra o
próprio Senado Federal e os órgãos que o integram. Nessa linha, é o lapidar magistério do
Ministro MAURÍCIO CORRÊA:
“Senhor Presidente, ao abordar questão desta natureza, é mister registrar a jurisprudência que se consolidou nesta Corte, quando decidiu sobre as preliminares argüidas
no MS n. 1.959/DF, Rel. Min. Luiz Gallotti, j. em 23.01.53, entendimento que foi reiterado, logo em seguida, no RHC n. 32.678/DF, Rel. Min. Mário Guimarães, j. em 05.08.53.
Nestes precedentes, e nos que se seguiram, vê-se que o elastério da expressão ‘atos da
Mesa da Câmara ou do Senado’ – para o fim de albergar, também, os demais atos da
Câmara ou do Senado – deu-se por construção pretoriana que homenageou outros
princípios constitucionais, principalmente a garantia contra lesão, ou ameaça de lesão,
a direito individual líquido e certo.”
Desse modo, ainda que outras instâncias internas ao Senado tenham a atribuição regimental de indicar os componentes da Comissão, o dever constitucional de dar cumprimento ao
requerimento da minoria, observados os requisitos constitucionais e regimentais, é da própria
Casa Legislativa, representada “externa corporis” pela respectiva Mesa. Assim, descabe qualquer alegação de que a Mesa do Senado Federal não deve compor o pólo passivo do “mandamus”.
(Grifei.)
Daí a advertência que faz, na matéria, LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES
(“Comissões Parlamentares de Inquérito – Poder de Investigação”, p. 42, item n. 5, 2001,
Juarez de Oliveira), em magistério que bem ressalta – presente o contexto ora em exame –
a plena legitimação passiva “ad causam” da Mesa do Senado Federal:
O papel assinado às Mesas das Casas Congressuais (...) cinge-se à verificação do cumprimento das exigências formais. Elas não possuem poderes para obstar a instauração da comissão se o requerimento desta apresentou o número exigido de assinaturas e indicou o fato sobre
o qual procederá a investigações. Não se trata de temas que, a nosso ver, se sujeitem a deliberações plenárias, pois aí justamente estaria coarctada a proteção do direito das minorias
assinado na Carta Política.
(Grifei.)
Assinalo, finalmente, que, atento à jurisprudência desta Suprema Corte (RTJ 82/618 –
RTJ 94/481 – RTJ 148/724), determinei, “ad cautelam”, embora considerando-a desnecessária na espécie, a convocação formal de todos os Senhores Líderes partidários que se
abstiveram de indicar nomes de Senadores para compor a denominada “CPI dos Bingos”,
fazendo-o com o objetivo de ensejar-lhes a possibilidade de contestar a pretensão
mandamental ora deduzida pela parte impetrante.
Acentuo, neste ponto, Senhor Presidente, que assim procedi, considerada a suscitação
da questão preliminar ora em exame, visando a afastar possíveis objeções de ordem formal
que pudessem, eventualmente, inviabilizar o conhecimento da presente ação de mandado
de segurança.
Na realidade, ao ensejar o ingresso formal, nesta causa mandamental, dos Senhores
Líderes do bloco majoritário, busquei impedir, com a possibilidade dessa intervenção processual, que se frustrasse a definição, pelo Supremo Tribunal Federal, de um tema impregnado da maior importância jurídico-institucional, como este que se traduz na discussão em
torno do pretendido reconhecimento – fundado no princípio democrático – da existência,
em nosso sistema jurídico, do direito das minorias legislativas à investigação parlamentar.
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Cumpre ressaltar, neste ponto, que a intervenção “jussu judicis” – que tem fundamento em norma legal expressa (CPC, art. 47) – compreende-se no poder de direção
processual do magistrado, inclusive do Relator da causa no Tribunal, mesmo tratandose de processo de mandado de segurança, em que se revele indispensável a intervenção
de terceiros, na condição de litisconsortes passivos necessários, cuja presença, na
relação processual, se mostre essencial à própria eficácia da decisão a ser nela proferida.
Esse poder de direção – que permite ao Relator determinar, até mesmo “ex officio”,
o chamamento de terceiros para integrar a relação processual – é reconhecido pelo magistério da doutrina (FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA, “Mandado de Segurança e
Controle Jurisdicional”, p. 98/99, item n. 5.6, 3. ed., 2001, RT; HELY LOPES MEIRELLES,
“Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção,
Habeas Data”, p. 66/67, 26. ed., atualizada por Arnoldo Wald, 2003, Malheiros; CARLOS
ALBERTO MENEZES DIREITO, “Manual do Mandado de Segurança”, p. 111, 4. ed., 2003,
Renovar; ALFREDO BUZAID, “Do Mandado de Segurança”, vol. I/181-184, itens ns. 107/
111, 1989, Saraiva, v.g.), além de proclamado pela jurisprudência dos Tribunais (RSTJ 40/
154 – RSTJ 180/78-80), inclusive a desta Suprema Corte (RTJ 82/618 – RTJ 94/481 –
RTJ 148/724).
Daí por que, Senhor Presidente, atento a essa orientação, embora assim procedesse
por simples cautela, determinei o chamamento processual dos Senhores Líderes dos
partidos majoritários.
Registro que, embora todos os Senhores Líderes do bloco majoritário houvessem
sido formalmente notificados, apenas alguns intervieram na presente relação processual,
reiterando, em suas manifestações, as mesmas questões prévias e reafirmando as mesmas objeções quanto ao fundo da controvérsia ora em análise.
O fato, Senhor Presidente, é que todos os Senhores Líderes dos partidos recalcitrantes tiveram assegurada a sua faculdade de intervir nesta causa mandamental e de, assim,
contestar a pretensão de ordem jurídica nela deduzida.
Desse modo, e tendo presentes as razões expostas, rejeito a questão preliminar
suscitada pelo eminente Procurador-Geral da República, reconhecendo, em conseqüência, na espécie, a plena legitimação passiva “ad causam” da Mesa do Senado Federal,
representada por seu eminente Presidente.
É o meu voto, consideradas as questões prévias examinadas e por mim ora repelidas.
VOTO
(Mérito)
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Passo a apreciar, neste ponto, superadas
as questões prévias, o fundo da controvérsia delineado nesta ação de mandado de
segurança.
Vale relembrar que a presente impetração mandamental, deduzida perante esta
Suprema Corte, insurge-se contra omissão atribuída à Mesa do Senado Federal, repre-
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1145
sentada por seu ilustre Presidente, e que, por alegadamente lesiva a direito público subjetivo das minorias parlamentares, teria frustrado, não obstante a natureza eminentemente
constitucional desse instrumento de investigação legislativa, a instauração de inquérito
parlamentar destinado a apurar a utilização das “casas de bingos” na prática do delito de
lavagem de dinheiro, bem assim a esclarecer a possível conexão dessas mesmas “casas”
e das empresas concessionárias de apostas com organizações criminosas.
Como precedentemente referido, os autos comprovam que, em 5-3-04, foi encaminhado, à Mesa do Senado Federal, requerimento subscrito por 39 (trinta e nove) Senhores Senadores, inclusive pela parte ora impetrante (mais do que 1/3 dos membros do
Senado Federal, portanto), com o objetivo de ver instituída Comissão Parlamentar de
Inquérito para apuração de fato determinado.
Assinalo, neste ponto, que, dos 39 (trinta e nove) Senadores que subscreveram o
Requerimento 245/04, apenas 1 (um) ilustre membro daquela Casa legislativa – o Senador
Hélio Costa – “retirou” a sua assinatura, o que não afeta, no caso, a observância da
exigência numérica mínima que a Constituição estabeleceu no seu art. 58, § 3º, pois tal
requisito – que corresponde, no Senado da República, a 27 Senadores (1/3) – continua
plenamente atendido na espécie ora em exame.
A análise dos elementos produzidos neste processo revela que as exigências de
ordem constitucional (CF, art. 58, § 3º) e os requisitos regimentais (RISF, arts. 66 e 78),
necessários à instalação da CPI, foram plenamente atendidos, no caso, pelo requerimento
em questão (Requerimento 245/04).
Por reputar satisfeitas, na espécie, as exigências constantes do preceito constitucional mencionado (CF, art. 58, § 3º), o eminente Senhor Presidente do Senado Federal, em
sua condição de órgão dirigente da Mesa dessa Alta Casa do Congresso Nacional, solicitou aos Senhores Líderes partidários a indicação de Senadores para compor a referida CPI,
observada a cláusula da proporcionalidade partidária peculiar à formação e composição
das comissões legislativas (CF, art. 58, § 1º).
Em resposta a tal solicitação, somente os Senadores Jefferson Peres, Líder do PDT,
e Efraim Moraes, Líder da Minoria (PFL/PSDB), procederam à indicação dos membros
destinados a compor as vagas em referida CPI, sendo certo que os Senadores Líderes do
PMDB, do Bloco de Apoio ao Governo (PT/PSB/PTB/PL), do PTB, do PSB e do PPS
mantiveram-se inertes, o que inviabilizou – não obstante a norma inscrita no art. 58, § 3º,
da Constituição – a efetiva instauração da investigação parlamentar em causa.
Diante do impasse criado, o ilustre Senador Arthur Virgílio suscitou questão de
ordem, perante o eminente Senhor Presidente do Senado Federal, destinada a superar o
obstáculo surgido com a inércia dos Senhores Líderes das agremiações majoritárias,
para, com tal medida, viabilizar a imediata constituição e o regular funcionamento da
referida CPI.
O Senhor Presidente do Senado Federal, recusando-se a suprir a omissão dos
Líderes partidários, por entender não lhe assistir, nesse tema, qualquer prerrogativa, em
face da circunstância de o Regimento Interno do Senado Federal reservar o exercício
desse poder, unicamente, aos Líderes dos Partidos Políticos (arts. 66 e 78), deixou de
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acolher a questão de ordem mencionada, o que motivou, por parte do Senador Arthur
Virgílio, a interposição de recurso (Recurso 5/04), que resultou improvido pela E. Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania daquela Casa legislativa.
Daí a presente impetração, cujo fundamento essencial reside na alegação de que
existe, no sistema constitucional brasileiro, em favor das minorias parlamentares, o reconhecimento do direito de oposição e da prerrogativa da investigação parlamentar, especialmente se se considerar, nos termos do art. 58, § 3º, da Constituição, que esse poder –
impregnado de irrecusável significação político-jurídica – revela-se oponível, até mesmo,
às próprias maiorias que atuam no âmbito institucional do Legislativo.
O eminente Ministro PAULO BROSSARD, em artigo que escreveu a propósito do
episódio que motivou a presente impetração mandamental (“Zero Hora”, de 8-3-04),
expendeu valiosas considerações nas quais formulou um severo juízo de censura constitucional ao comportamento das agremiações majoritárias no Senado Federal, fazendo-o
em termos que vale reproduzir “in extenso”:
Se bem me lembro, foi a Constituição alemã de 1919, elaborada logo depois da I Grande
Guerra, que tanta coisa mudou na Europa e no mundo, a primeira a cuidar da CPI como
direito da minoria. Desde muito se reconhecia a legitimidade da criação de CPI, como auxiliar
inerente às atribuições parlamentares. Foi a Constituição de Weimar, porém, que assegurou à
minoria a prerrogativa de criá-las.
Querendo ou não a maioria, basta um terço de cada casa para que CPI seja criada na
forma da lei. É um caso de deliberação minoritária. Pode desagradar à maioria, não obstante,
a decisão cabe à minoria, independentemente de votação. O simples requerimento assinado por
um terço dos deputados ou senadores gera a CPI para investigar fato determinado que esteja na
competência do poder federal, estadual ou municipal, conforme a esfera legislativa. Entre nós,
a Constituição de 1934 adotou regra semelhante à de Weimar, ainda hoje inserta na Constituição.
Estas lembranças vêm a propósito do que está ocorrendo aqui. Independentemente dos
fatos que têm mudado as cores do cenário governamental, o que se vê é o Executivo, pela
maioria que o apóia, procurar abafar (esta a palavra usada) a possível investigação parlamentar, deste ou daquele fato. E, desse modo, o que era ou deveria ser prerrogativa da minoria,
passaria a ser disposta segundo o interesse da maioria. No governo passado houve coisa
semelhante, aliás, envolvendo assunto de suma gravidade.
Agora, no entanto, a imprensa fala em novo expediente. Criada a CPI, que não pode ser
obstada por força da Constituição, que assegura a um terço da Câmara ou do Senado o poder
de criá-la, seria ela mumificada pela ausência deliberada dos representantes da maioria. Isto
ocorrendo, a CPI não funcionaria, embora formalmente criada. Este seria o mecanismo desenhado. A hipótese, e falo em hipótese, seria letal para as instituições; o expediente teria o efeito
de derrogar, prática e efetivamente, a cláusula constitucional que confere à oposição ou à
minoria a prerrogativa de realizar determinadas investigações na esfera governamental.
A maioria pode muito e quanto mais numerosa mais facilmente pode ser levada a supor
que pode tudo. É um ledo engano que tem gerado muito desengano. Mas, como dizia Bernard
Shaw, “a experiência revela que o homem nada aprende com a experiência”.
Segundo se diz, a criação de uma CPI teria inconvenientes; pode ser que sim, pois em
geral qualquer medida apresenta vantagens e desvantagens; mas me pergunto, abafar a CPI
não os terá, muitos e altamente perniciosos? Este o singelo dilema que retrata a situação.
Aliás, se prevalecer o estratagema, que tenho como mera hipótese, volto a dizer, tão cedo
não se fará investigação parlamentar no plano federal, por mais grave seja o fato a apurar, e
isso não é bom.
(Grifei.)
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1147
Eis, portanto, Senhor Presidente, a delicada questão constitucional que se põe em
análise na presente impetração: pode a maioria, abstendo-se de indicar representantes de
sua bancada para compor determinada CPI, frustrar, com tal comportamento, o direito da
minoria em ver instaurada uma investigação parlamentar?
É importante ter presente que o Parlamento recebeu dos cidadãos não só o poder de
representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes do Poder, desde que respeitados os limites materiais e as exigências formais estabelecidas pela Constituição Federal.
O Poder Legislativo, ao desempenhar a sua tríplice função – a de representar o
Povo, a de formular a legislação da República e a de controlar as instâncias governamentais de poder – jamais poderá ser acoimado de transgressor da ordem constitucional,
pois, na realidade, estará exercendo, com plena legitimidade, os graves encargos que lhe
conferiu a cidadania.
O exame dessa questão impõe algumas considerações prévias em torno da alta
missão institucional de que se acha investido, em nosso sistema constitucional, o Poder
Legislativo.
Vê-se, portanto, que, dentre as funções constitucionais inerentes ao Poder
Legislativo, enquanto órgão da soberania estatal e delegado da vontade popular, avulta,
por sua significativa importância, a atribuição de fiscalizar os órgãos e agentes do
Estado.
Como se sabe, Senhor Presidente, os meios de que se vale o Poder Legislativo, para
exercer as atribuições de fiscalização que lhe são próprias, correspondem, basicamente,
em nosso ordenamento jurídico, a três instrumentos de extração constitucional: (a) a
interpelação parlamentar, (b) o pedido de informações e (c) o inquérito parlamentar.
A interpelação parlamentar decorre da prerrogativa congressual de provocar o
comparecimento de Ministro de Estado perante as Casas Legislativas ou qualquer de
suas comissões.
Outro meio de investigação, igualmente valioso, apóia-se nos pedidos de informação, dirigidos ao Poder Executivo, sobre fato relacionado com matéria legislativa em trâmite ou sujeito à fiscalização do Congresso Nacional ou de qualquer de suas Casas.
O direito de investigar, por sua vez – que a Constituição da República atribuiu ao
Congresso Nacional e às Casas que o compõem (art. 58, § 3º) – tem, no inquérito parlamentar, o instrumento mais expressivo de concretização desse relevantíssimo encargo
constitucional, consistente no desempenho, pela instância legislativa, do seu essencial
poder de controle.
Sabemos todos que o direito de investigar foi consagrado, explicitamente, pela
primeira vez, no ordenamento constitucional brasileiro, pela Constituição Federal de
1934, que, também nesse tema, sofreu a influência positiva da Constituição da República
de Weimar, de 11 de agosto de 1919, que, ao disciplinar o poder de controle do Parlamento, assim dispôs, em seu art. 34:
“O Reichstag” tem o direito e, se o requer uma quinta parte de seus membros, o dever de
instituir comissões de investigação. Estas comissões examinam em sessão pública as provas que
elas mesmas, ou quem tenha apresentado a acusação, consideram necessárias. (...).
(Grifei.)
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Daí a ênfase com que o eminente e saudoso Senador JOSAPHAT MARINHO, em
primoroso trabalho sobre a matéria (Revista Forense, vol. 151/98-102, 99), referiu-se à
significativa importância do poder de controle parlamentar:
Desse modo, a função de controle, que é essencialmente política, cresce de importância,
não só no regime parlamentar de governo propriamente dito, como em todo sistema de que
participem, investigando e deliberando, Câmaras provindas do voto popular.
Através dela, o Poder Legislativo exerce alta missão de crítica dos atos governamentais e
de defesa do interesse coletivo, tão relevante quanto a tarefa de formular normas jurídicas, a
que fornece, continuamente, valiosos subsídios.
Além disso, essa forma de ação, visando, geralmente, à análise de fatos determinados,
concorre mais do que o trabalho legislativo ordinário, quando exercitada com sobriedade,
para que os órgãos do Parlamento conquistem a estima popular, indispensável ao respeito de
suas atribuições (...).
(Grifei.)
É irrecusável, pois, Senhor Presidente, que o poder de investigar constitui uma das
mais expressivas funções institucionais do Legislativo. A fiscalização dos atos do Poder
Executivo, na realidade, consideradas as múltiplas competências constitucionais
deferidas ao Congresso Nacional, traduz atribuição inerente à própria essência da instituição parlamentar.
Não obstante a precedência histórica da Constituição Federal de 1934, em atribuir, de modo expresso, ao Legislativo, o poder de fiscalizar, cumpre referir, neste
ponto, o magistério – sempre atual – do eminente PIMENTA BUENO, Marquês de
São Vicente, que, em seus clássicos comentários à Carta Política do Império do Brasil
(“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, p. 105/106, itens
ns. 125/127, obra reeditada, em 1958, pelo Ministério da Justiça), já ensinava, em 1858,
que o Poder Legislativo, investido na Assembléia Geral, além da sua atribuição
institucional de fazer as leis do Império, também dispunha de competência para inspecionar os administradores, fiscalizar os serviços públicos e observar o modo como
as leis são executadas, fazendo-o, até mesmo, quando necessário, por meio de comissões ou de inquéritos:
Este direito de inspeção em todo e qualquer tempo, em que o poder legislativo se reúne,
é um dos principais atributos que a soberania nacional lhe delegou; é uma garantia, um exame,
que a sociedade, os administrados exercem sobre seus administradores, um corretivo valioso e
indispensável contra os abusos ministeriais, corretivo que procede da índole e essência do
governo representativo, que, sem ele, não se poderia manter.
(...)
A principal vigilância que a Assembléia Geral deve exercer é que o poder executivo se
encerre em sua órbita, que não invada o território constitucional dos outros poderes, é a
primeira condição da pureza do sistema representativo e que decide das outras; que respeite as
liberdades individuais.
(...)
Além da inspeção sobre a observância das leis, cumpre também à Assembléia Geral
examinar e reconhecer se o governo tem ou não exercido bem, se tem empregado no sentido dos
interesses públicos o poder discricionário que as leis lhe confiam.
Esta fiscalização, que tanto importa aos direitos sociais, não pode ser prejudicial aos
ministros que bem cumprirem seus deveres, antes concorrerá para realçar sua força moral e
fazer bem conhecido o valor de seus úteis serviços.
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1149
O direito de que tratamos pode ser exercido por diversos meios, segundo as circunstâncias e exigências.
(...)
Pode ser também exercido por meio de comissões ou inquéritos, que penetrem nos
detalhes da gestão administrativa, mormente quanto à administração financeira.
(Grifei.)
Na verdade, Senhor Presidente, e como bem assinalou PONTES DE MIRANDA
(“Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo III/51-52, item n.
4, 2. ed., 1970, RT), as comissões de inquérito, independentemente de qualquer previsão
normativa, nasceram no momento em que o Parlamento surgiu na história dos povos livres.
É certo, Senhor Presidente, que o direito à investigação parlamentar, para ser legitimamente exercido, depende da conjugação de três (3) requisitos de índole constitucional, previstos no art. 58, § 3º, da Lei Fundamental da República, que assim dispõe:
As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das
autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão
criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente,
mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e
por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para
que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
(Grifei.)
Vê-se, do preceito constitucional em questão, que a instauração do inquérito parlamentar, para viabilizar-se no âmbito das Casas legislativas, está vinculada, unicamente, à
satisfação de três (03) exigências definidas, de modo taxativo, no texto da Carta Política:
(1) subscrição do requerimento de constituição da CPI por 1/3 dos membros da Casa
legislativa, (2) indicação de fato determinado a ser objeto de apuração e (3) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito.
Esse entendimento – que encontra apoio no magistério da doutrina – foi assim
exposto na autorizada lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 515/516, item n. 4, 24. ed., 2005, Malheiros):
Comissões parlamentares de inquérito são organismos que desempenharam e desempenham papel de grande relevância na fiscalização e controle da Administração (...). Foram
bastante prestigiadas pela Constituição vigente (...). Essa liberdade de criação de comissões
parlamentares de inquérito depende, contudo, do preenchimento de três requisitos: (a) requerimento de pelo menos um terço de membros de cada Casa, para as respectivas comissões, ou
de ambas, para as comissões em conjunto (comissão mista); (b) ter por objeto a apuração de
fato determinado; (c) ter prazo certo de funcionamento. (...).
(Grifei.)
Cabe assinalar, neste ponto, que essa mesma orientação, referente aos 3 (três)
únicos requisitos constitucionais necessários à criação e instalação de uma CPI, foi
igualmente sustentada, com inteiro acerto, por dois eminentes Ministros de Estado do
atual Governo – Ministro Aldo Rebelo e Ministro Agnelo Queiroz –, quando compunham,
então, um grupo minoritário de oposição parlamentar no Congresso Nacional (1999),
ocasião em que, insurgindo-se contra ato da Mesa da Câmara dos Deputados, deduziram,
no MS 23.418/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, os seguintes fundamentos:
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Para a criação de uma CPI, o texto constitucional exige três requisitos:
1. requerimento de um terço dos membros da Casa Legislativa;
2. apuração de fato determinado;
3. prazo certo de funcionamento.
Dessa forma, a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito consiste em um ato
administrativo vinculado ao preenchimento do requisito constitucional da apresentação do
requerimento firmado por um terço dos membros da Casa Parlamentar e à indicação de fato
determinado a ser apurado em prazo delimitado.
Esta circunstância impõe apenas à Mesa da respectiva Casa Legislativa a prática dos
procedimentos formais subseqüentes, ou seja, a publicação do requerimento e a instalação da
respectiva Comissão, não cabendo a ela qualquer apreciação de mérito sobre a matéria.
(...)
Não havendo limitação constitucional, não pode a autoridade coatora invocar norma
infraconstitucional que restringe o alcance de norma hierarquicamente superior, para negar o
exercício de direito líquido e certo dos impetrantes.
(Grifei.)
Registro que o mandado de segurança ora mencionado – que buscava instalar a
denominada CPI da Nike/CBF – foi julgado prejudicado, por efeito de perda superveniente
de seu objeto.
No caso ora em exame, impende assinalar que os 3 (três) requisitos constitucionais
que venho de referir foram plenamente atendidos, na espécie, pela minoria parlamentar
que atua no Senado Federal, inexistindo, a esse respeito, qualquer controvérsia ou contestação.
Isso significa, portanto, Senhor Presidente, que cabe fazer, aqui, uma vez mais, a
indagação que anteriormente formulei no início deste voto: pode a maioria, abstendo-se
de indicar representantes de sua bancada para compor determinada CPI, frustrar, com tal
comportamento, o direito da minoria em ver instaurada uma investigação parlamentar?
Entendo que não, Senhor Presidente.
É que a prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento (especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos), não pode
ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Congresso Nacional e que, por
efeito de sua intencional recusa em indicar membros para determinada comissão de
inquérito parlamentar (ainda que fundada em razões de estrita conveniência políticopartidária), culmine, por esse ato de voluntária inércia, por frustrar e nulificar, de modo
inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas minorias que o integram), do
poder constitucional de fiscalização e de investigação do comportamento dos órgãos,
agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera
orgânica do Poder Executivo.
A matéria ora submetida ao julgamento do Supremo Tribunal Federal, Senhor Presidente, reveste-se de inquestionável relevância. A afirmação que ora faço apóia-se no
reconhecimento de que existe, em nosso sistema político-jurídico, um verdadeiro estatuto
constitucional das minorias parlamentares, o que deve conduzir esta Suprema Corte a
proclamar o alto significado que assume, para o regime democrático, a essencialidade da
proteção jurisdicional a ser dispensada ao direito de oposição, analisado na perspectiva
da prática republicana das instituições parlamentares.
R.T.J. — 200
1151
Essa percepção do tema – que reconhece, no direito à efetiva instauração do inquérito parlamentar, uma garantia instrumental constitucionalmente atribuída às minorias
legislativas, por efeito da imanência do direito de oposição em face do próprio modelo
democrático de Estado que entre nós prevalece – encontra pleno suporte no mais autorizado magistério doutrinário (J. M. SILVA LEITÃO, “Constituição e Direito de Oposição”,
1987, Almedina, Coimbra; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da
Constituição”, p. 309/312, 1998, Almedina, Coimbra; DERLY BARRETO E SILVA FILHO,
“Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário”, p. 131/134, item n. 3.1, 2003,
Malheiros; JOSÉ WANDERLEY BEZERRA ALVES, “Comissões Parlamentares de Inquérito: Poderes e Limites de Atuação”, p. 169/170, item n. 2.1.2, 2004, Fabris; UADI
LAMMÊGO BULOS, “Comissão Parlamentar de Inquérito”, p. 216, item n. 5, 2001, Saraiva; MANOEL MESSIAS PEIXINHO/RICARDO GUANABARA, “Comissões Parlamentares de Inquérito: Princípios, Poderes e Limites”, p. 76/77, item n. 4.2.3, 2001, Lumen
Juris, v.g.).
É por esse motivo que entendo procedente a pretensão mandamental ora deduzida
perante esta Suprema Corte, porque reconheço que o órgão ora apontado como coator
transgrediu o direito titularizado pela parte impetrante, desconsiderando a relevantíssima
circunstância de que se trata de garantia instrumental diretamente atribuída às minorias
parlamentares pela Constituição da República, que, na linha de uma tradição inaugurada
pela Lei Fundamental de 1934, consagrou o direito de oposição e a prerrogativa da investigação parlamentar, especialmente se considerados os termos do art. 58, § 3º, da Carta
Política, que assim dispõe:
Art. 58 (...)
§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios
das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão
criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente,
mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e
por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para
que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
(Grifei.)
Não constitui demasia assinalar, neste ponto, que a norma inscrita no art. 58, § 3º,
da Constituição da República destina-se a ensejar a participação ativa das minorias
parlamentares no processo de investigação legislativa, sem que, para tanto, mostre-se
necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar. Se não
fosse assim, Senhor Presidente, o preceito constitucional em referência, que se satisfaz
com a subscrição do requerimento por apenas 1/3 dos membros da Casa legislativa,
certamente teria estipulado exigência numérica maior do que a mera fração contemplada
no já mencionado art. 58, § 3º, da Lei Fundamental.
Não se pode recusar procedência à afirmação, em tudo compatível com a essência
democrática que qualifica o regime político brasileiro, tal como veio este a ser definido
pelo próprio texto da Constituição da República, de que “O fato de a maioria não necessitar dos votos da minoria para lograr sucesso em todas as suas iniciativas não significa possa ela, só por isso, violentar normas constitucionais e regimentais para abreviar
a consumação de atos de seu interesse. A minoria, face à lei, está colocada em pé de
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igualdade com ela e todos têm a obrigação indeclinável de se subordinar às normas
que se impuseram através de Regimento e às que lhes impôs a Constituição”, tal como
assinalou, em memorável julgamento, o E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
(RT 442/193-210, 196).
Não se revela possível desconsiderar, por isso mesmo, a própria “ratio” subjacente
ao preceito normativo inscrito no art. 58, § 3º, da Constituição, cujo fundamento políticojurídico – que deriva da necessidade de respeito incondicional às minorias parlamentares – atua como verdadeiro pressuposto de legitimação da ordem democrática, tal como
adverte o próprio magistério da jurisprudência dos Tribunais, em particular a magnífica
decisão que emanou do E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (RT 442/193-210, 195):
A atuação dum governo democrático e responsável ante o povo requer, pois, o concurso
de uma oposição que desempenhe a dupla função do princípio motor e de órgão de proteção
da Constituição.
Se um dos vários setores da coletividade está descontente, nada serve melhor, nem com
mais eficácia, para expressão desse descontentamento, que a conduta da oposição parlamentar.
(...)
Não há, na realidade, regime democrático sem oposição e que a esta se assegure o pleno
direito de fiscalizar os atos do grupo majoritário e contribuir para o aperfeiçoamento das
instituições.
(Grifei.)
Também o eminente Professor PINTO FERREIRA (“Princípios Gerais do Direito
Constitucional Moderno”, tomo I/195-196, item n. 8, 5. ed., 1971, RT) demonstra igual
percepção do tema ao enfatizar – com fundamento em irrepreensíveis considerações de
ordem doutrinária – que a essência democrática de qualquer regime de governo apóia-se
na existência de uma imprescindível harmonia entre a “Majority rule” e os “Minority
rights”:
A verdadeira idéia da democracia corresponde, em geral, a uma síntese dialética dos
princípios da liberdade, igualdade e dominação da maioria, com a correlativa proteção às
minorias políticas, sem o que não se compreende a verdadeira democracia constitucional.
A dominação majoritária em si, como o centro de gravidade da democracia, exige esse
respeito às minorias políticas vencidas nas eleições. O princípio majoritário é o pólo positivo da
democracia, e encontra a sua antítese no princípio minoritário, que constitui o seu pólo negativo, ambos estritamente indispensáveis na elucidação do conceito da autêntica democracia.
O princípio democrático não é, pois, a tirania do número, nem a ditadura da opinião
pública, nem tampouco a opressão das minorias, o que seria o mais rude dos despotismos. A
maioria do povo pode decidir o seu próprio destino, mas com o devido respeito aos direitos das
minorias políticas, acatando nas suas decisões os princípios invioláveis da liberdade e da
igualdade, sob pena de se aniquilar a própria democracia.
A livre deliberação da maioria não é suficiente para determinar a natureza da democracia. STUART MILL já reconhecia essa impossibilidade, ainda no século transato: “Se toda a
humanidade, menos um, fosse de uma opinião, não estaria a humanidade mais justificada em
reduzir ao silêncio tal pessoa, do que esta, se tivesse força, em fazer calar o mundo inteiro”. Em
termos não menos positivos, esclarece o sábio inglês, nas suas Considerations on Representative
Government, quando fala da verdadeira e da falsa democracia (of true and false Democracy):
“A falsa democracia é só representação da maioria, a verdadeira é representação de todos,
inclusive das minorias. A sua peculiar e verdadeira essência há de ser, destarte, um compromisso constante entre maioria e minoria.
(Grifei.)
R.T.J. — 200
1153
Vê-se, daí, que a questão ora submetida ao julgamento desta Suprema Corte faz com
que este Tribunal se defronte com um tema de extração iniludivelmente constitucional, eis
que o reconhecimento do direito de oposição, de um lado, e a afirmação da necessidade de
se assegurar, em nosso sistema jurídico, a proteção às minorias parlamentares, de outro,
qualificam-se, na verdade, como fundamentos imprescindíveis à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito.
Lapidar, sob tal aspecto, a advertência do saudoso e eminente Professor GERALDO
ATALIBA (“Judiciário e Minorias”, “in” Revista de Informação Legislativa, vol. 96/189194):
É que só há verdadeira república democrática onde se assegure que as minorias possam
atuar, erigir-se em oposição institucionalizada e tenham garantidos seus direitos de dissensão,
crítica e veiculação de sua pregação. Onde, enfim, as oposições possam usar de todos os meios
democráticos para tentar chegar ao governo. Há república onde, de modo efetivo, a alternância no poder seja uma possibilidade juridicamente assegurada, condicionada só a mecanismos
políticos dependentes da opinião pública.
(...)
A Constituição verdadeiramente democrática há de garantir todos os direitos das minorias e impedir toda prepotência, todo arbítrio, toda opressão contra elas. Mais que isso – por
mecanismos que assegurem representação proporcional –, deve atribuir um relevante papel
institucional às correntes minoritárias mais expressivas.
(...)
Na democracia, governa a maioria, mas – em virtude do postulado constitucional fundamental da igualdade de todos os cidadãos – ao fazê-lo, não pode oprimir a minoria. Esta exerce
também função política importante, decisiva mesmo: a de oposição institucional, a que cabe
relevante papel no funcionamento das instituições republicanas.
O principal papel da oposição é o de formular propostas alternativas às idéias e ações do
governo da maioria que o sustenta. Correlatamente, critica, fiscaliza, aponta falhas e censura a
maioria, propondo-se, à opinião pública, como alternativa. Se a maioria governa, entretanto,
não é dona do poder, mas age sob os princípios da relação de administração.
(...)
Daí a necessidade de garantias amplas, no próprio texto constitucional, de existência,
sobrevivência, liberdade de ação e influência da minoria, para que se tenha verdadeira república.
(...)
Pela proteção e resguardo das minorias e sua necessária participação no processo
político, a república faz da oposição instrumento institucional de governo.
(...)
É imperioso que a Constituição não só garanta a minoria (a oposição), como ainda lhe
reconheça direitos e até funções.
(...)
Se a maioria souber que – por obstáculo constitucional – não pode prevalecer-se da
força, nem ser arbitrária nem prepotente, mas deve respeitar a minoria, então os compromissos
passam a ser meios de convivência política.
(Grifei.)
O Estado de Direito, concebido e estruturado em bases democráticas, mais do que
simples figura conceitual ou mera proposição doutrinária, reflete, em nosso sistema jurídico, uma realidade constitucional densa de significação e plena de potencialidade
concretizadora dos direitos e das liberdades públicas.
A opção do legislador constituinte pela concepção democrática do Estado de Direito
não pode esgotar-se numa simples proclamação retórica. A opção pelo Estado democrático
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de direito, por isso mesmo, há de ter conseqüências efetivas, Senhor Presidente, no plano
de nossa organização política, na esfera das relações institucionais entre os poderes da
República e no âmbito da formulação de uma teoria das liberdades públicas e do próprio
regime democrático. Em uma palavra: ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República.
Para que o regime democrático não se reduza a uma categoria político-jurídica
meramente conceitual, torna-se necessário assegurar, às minorias, mesmo em sede
jurisdicional, quando tal se impuser, a plenitude de meios que lhes permitam exercer, de
modo efetivo, um direito fundamental que vela ao pé das instituições democráticas: o
direito de oposição.
Não basta, desse modo, que se atribua, aos grupos minoritários, o direito de oposição, quer se cuide de oposição parlamentar, quer se trate de oposição extraparlamentar.
Mais do que o mero reconhecimento formal da existência desse direito, torna-se imperioso
garantir-lhe, em plenitude, o seu efetivo exercício, com todas as conseqüências que dele
derivem.
Isso significa, portanto, numa perspectiva pluralística, em tudo compatível com os
fundamentos estruturantes da própria ordem democrática (CF, art. 1º, V), que, ao lado do
direito de oposição, há que haver a garantia de opor-se, para que essa prerrogativa
essencial não se converta em fórmula destituída de significação, o que subtrairia – consoante adverte a doutrina (SÉRGIO SÉRVULO DA CUNHA, “Fundamentos de Direito Constitucional”, p. 161/162, item n. 602.73, 2004, Saraiva) – o necessário coeficiente de legitimidade jurídico-democrática ao regime político vigente em nosso País.
Por isso mesmo, o direito de oposição, Senhor Presidente, especialmente aquele
reconhecido às minorias legislativas, para que não se transforme numa promessa constitucional inconseqüente, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que
viabilizem a sua prática concreta.
Nesse contexto, o inquérito parlamentar desempenha um papel impregnado de
essencial relevo, pois se qualifica – enquanto garantia instrumental do direito de oposição – como meio expressivo de investigação legislativa, ensejando, a quem a promove,
mesmo contra a vontade dos grupos majoritários, a possibilidade de apreciar, de inspecionar e de averiguar, para coibi-los, abusos, excessos e ilicitudes eventualmente cometidos pelos órgãos e agentes do Governo e da Administração.
Essa garantia instrumental – reconhecida (e efetivamente assegurada) às minorias
legislativas (CF, art. 58, § 3º) – representa a fórmula constitucional destinada a amparar
tais grupos minoritários no desempenho – que se deseja eficaz – do direito de investigar
os próprios detentores do Poder, impedindo que estes, por intermédio dos blocos
hegemônicos no Parlamento, obstruam, mediante artifícios regimentais ou manipulações
interpretativas, a instauração e a realização do inquérito parlamentar.
Daí a procedente observação de J. J. GOMES CANOTILHO e de VITAL MOREIRA
(“Constituição da República Portuguesa Anotada”, p. 719/720, item VII, 3. ed., 1993,
Coimbra Editora), em magistério que guarda inteira pertinência com a realidade constitucional vigente no Brasil, notadamente no ponto em que esses ilustres Autores advertem
sobre a impossibilidade constitucional de sujeitar-se, à prévia aquiescência do grupo
R.T.J. — 200
1155
majoritário, o exercício do poder – que assiste à minoria legislativa – de fazer instaurar o
pertinente inquérito parlamentar, tal como sucede em nosso sistema jurídico:
(...) as comissões parlamentares de inquérito são necessariamente constituídas sempre que
tal seja requerido por um certo número de deputados (...). Trata-se, assim, de um verdadeiro
poder potestativo, que torna a constituição das comissões de inquérito independente do controlo
da maioria parlamentar e dá aos deputados dos partidos de oposição o poder de desencadear um
número mínimo de inquéritos parlamentares. Não se afigura, por isso, compatível com o regime
constitucional sujeitar o requerimento de propostas de inquérito a deliberação parlamentar.
(Grifei.)
Em uma palavra: a outorga de meios eficazes – que não deve ser recusada às minorias legislativas, quando promovem investigações parlamentares – rege-se, consoante
observa JORGE MIRANDA (“Sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito”, “in”
Revista da Faculdade de Direito/FAAP, vol. 1/55-60, 56, 2002), pelo “princípio geral de
vigilância, fiscalização ou controlo”, o que lhes confere plena legitimidade para insurgir-se contra medidas, como a ora questionada nesta sede mandamental, que visem a
obstar, de modo claramente arbitrário, a efetiva realização da investigação parlamentar.
Isso significa, portanto, que a maioria legislativa, mediante deliberada inércia de
seus líderes na indicação de membros para compor determinada CPI, não pode frustrar o
exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo art. 58, § 3º, da Constituição, que a eles confere
a prerrogativa de ver efetivamente instaurada a investigação parlamentar em torno de fato
determinado e por período certo.
Vale referir, neste ponto, a precisa observação de DERLY BARRETO E SILVA
FILHO (“Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário”, p. 133/134, item n. 3.1,
2003, Malheiros):
No Brasil, a vontade política da maioria parlamentar, ajustada à do Presidente da
República, pode desnaturar a função constitucional de controle a cargo do Poder Legislativo,
vital ao equilíbrio interorgânico.
Ao grupo hegemônico do Parlamento, aliado ao Chefe do Poder Executivo, caberá,
indubitavelmente, a tarefa de direção política do país. Em virtude disso, pergunta-se: quem
responderá pela tarefa de controle do poder político, tão preciosa no Estado Democrático de
Direito Brasileiro, a ponto de a Constituição salvaguardar a separação dos Poderes até das
arremetidas do poder de reforma constitucional (art. 60, § 4º, III, da CF)?
A minoria parlamentar. É ela que poderá ativar, manejando os institutos previstos nos
regimentos, comandos constitucionais como o do art. 58, § 3º, pelo qual – repetindo – “um
terço” dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal pode, independentemente
da autorização ou do beneplácito da maioria parlamentar, requerer a criação de CPIs.
(Grifei.)
Essa mesma visão do tema, reconhecendo assistir às minorias legislativas o
direito à efetiva instauração da investigação parlamentar, é também perfilhada pelo
saudoso e eminente NELSON DE SOUZA SAMPAIO (“Do Inquérito Parlamentar”, p.
34, 1964, FGV):
A Constituição quis apenas dizer que a investigação parlamentar não ficaria dependente
sempre da vontade da maioria, geralmente o grupo menos interessado em iniciativa dessa
1156
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ordem. O pensamento do Constituinte foi, por conseguinte, o de ampliar os meios de controle do
governo, conferindo à oposição ou a determinada minoria, ainda contra a vontade da maioria,
a faculdade de provocar a investigação parlamentar. Do contrário se limitariam muito o
emprego e alcance dessa arma de fiscalização do Executivo, de informação do Legislativo e de
esclarecimento da opinião pública.
(Grifei.)
Cumpre registrar, na matéria, o valioso magistério de LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES (“Comissões Parlamentares de Inquérito – Poder de Investigação”, p.
41/42, item n. 5, 2001, Juarez de Oliveira), que discorre, de modo consistente, com igual
abordagem, sobre a criação das comissões parlamentares de inquérito e o correlato “direito das minorias congressuais à fiscalização”:
É importante mencionar que, podendo ser criadas mediante requerimento de um terço
dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, as Comissões Parlamentares
de Inquérito se inserem no jogo parlamentar como um instrumento de controle à disposição das
minorias ou blocos parlamentares minoritários (...). É certo que esta característica é mais
acentuada em países nos quais o quorum exigido, por ser menor, é facilitador desta atividade de
controle. É o caso de Portugal, no qual um quinto dos deputados à Assembléia da República
pode determinar a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (Constituição da
República Portuguesa, art. 178, 4). Na Alemanha, basta o requerimento de um quarto dos
membros do Bundestag para que sejam instituídas as comissões de inquérito (Lei Fundamental
de Bonn, art. 44, 1).
Sem embargo, a possibilidade de instauração das Comissões Parlamentares de Inquérito,
em nosso direito, sem necessidade de deliberação plenária, faz delas instrumentos úteis para o
exercício do controle dos atos do Poder Executivo.
Temos que a “fiscalização pela minoria” é nota essencial da atividade das Comissões
Parlamentares de Inquérito, de observância obrigatória também no âmbito estadual, distrital e
municipal. É norma da Constituição Federal que deve ser repetida nas Cartas estaduais e
distritais e nas leis orgânicas municipais quando dispõem sobre a função fiscalizadora dos
parlamentos, sob pena de inconstitucionalidade.
(...)
O papel assinado às Mesas das Casas Congressuais (...) cinge-se à verificação do cumprimento das exigências formais. Elas não possuem poderes para obstar a instauração da comissão se o requerimento desta apresentou o número exigido de assinaturas e indicou o fato sobre
o qual procederá a investigações. Não se trata de temas que, a nosso ver, se sujeitem a deliberações plenárias, pois aí justamente estaria coarctada a proteção do direito das minorias
assinado na Carta Política.
(Grifei.)
Constatado, pois, que o ordenamento constitucional brasileiro reconhece às minorias legislativas, com apoio no direito de oposição – que se qualifica como legítimo
consectário do princípio democrático – o poder de ver instaurado o inquérito parlamentar,
uma vez atendidos os requisitos delineados no art. 58, § 3º, da Lei Fundamental, cabe
verificar se a omissão atribuída ao Senhor Presidente do Senado Federal, em sua condição de órgão dirigente dessa Alta Casa legislativa, é passível de colmatação por esta
Suprema Corte.
A ocorrência de lacuna normativa no texto do Regimento Interno do Senado Federal,
invocada pelo Senhor Presidente dessa Casa legislativa para não adotar providências
destinadas a fazer instaurar o inquérito parlamentar, não constitui obstáculo a que esta
Suprema Corte, valendo-se dos meios de integração viabilizados pelo Direito, supra a
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omissão regimental, mediante aplicação analógica de prescrições existentes no âmbito do
próprio Poder Legislativo da União.
Refiro-me ao fato de que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 28,
§ 1º) e o Regimento Comum do Congresso Nacional (art. 9º, § 1º) prevêem solução
normativa para situações em que, qualquer que seja a razão, os líderes partidários deixem
de indicar representantes de suas próprias agremiações para compor comissões, inclusive CPIs, constituídas no âmbito, seja da Câmara dos Deputados, seja do Congresso
Nacional.
A solução ora preconizada, além de plenamente harmônica com as diretrizes jurídicas que indicam a analogia como meio legítimo de integração das lacunas normativas,
mostra-se compatível com a própria prática parlamentar, na medida em que a omissão
referida é suprida, por esta Corte, mediante aplicação analógica de normas que o próprio
Parlamento reputou cabíveis quando se tratar, como no caso, de falta de indicação, pelos
líderes partidários, de representantes das respectivas agremiações, para efeito de composição das comissões legislativas que devam funcionar no âmbito da Câmara dos Deputados ou do próprio Congresso Nacional.
Ou, em outras palavras, o critério ora aplicado para suprir a omissão regimental
não se revela estranho à pratica parlamentar, eis que se apóia em elementos propiciados
pela própria experiência da Câmara dos Deputados e do Congresso Nacional, cabendo
destacar, ainda, por relevante, que o próprio Regimento Interno do Senado Federal, nas
hipóteses de lacuna existente em seu texto, autoriza, ainda que se cuide de processo
legislativo, a utilização da analogia (RISF, art. 412, VI).
Daí a correta afirmação – feita pelos ora Impetrantes – de que se revela possível, a
esta Suprema Corte, suprir a omissão constatada, mediante recurso à analogia, com
aplicação integrativa de preceitos inscritos tanto no Regimento Comum do Congresso
Nacional (art. 9º, § 1º) quanto no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 28,
§ 1º), como se evidencia da seguinte passagem da impetração mandamental por eles
deduzida perante este Tribunal:
Conquanto o Regimento Interno do Senado Federal seja omisso nesse aspecto, a questão
pode ser equacionada pelo significado da regra que prevê a instalação de CPI mediante
requerimento de um terço dos membros da respectiva Casa Legislativa. Ou seja, CPI é instrumento que visa a assegurar os direitos da minoria. (...).
(...)
Tanto o Regimento Comum do Congresso Nacional como o Regimento Interno da Câmara
dos Deputados tratam, explicitamente, da possibilidade em análise.
Determinam o art. 9º e seu § 1º do Regimento Comum:
Art. 9º Os membros das Comissões Mistas do Congresso Nacional serão designados
pelo Presidente do Senado mediante indicação das lideranças.
§ 1º Se os Líderes não fizerem a indicação, a escolha caberá ao Presidente.
(...)
E os arts. 28, § 1º, e 45, § 3º, da Lei Interna da Câmara Baixa:
Art. 28. Estabelecida a representação numérica dos Partidos e dos Blocos Parlamentares nas Comissões, os Líderes comunicarão ao Presidente da Câmara, no prazo de
cinco sessões, os nomes dos membros das respectivas bancadas que, como titulares e
suplentes, irão integrar cada Comissão.
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§ 1º O Presidente fará, de ofício, a designação, se, no prazo fixado, a liderança não
comunicar os nomes de sua representação para compor as Comissões, nos termos do § 3º
do art. 45.
(...)
Art. 45. A vaga em Comissão verificar-se-á em virtude de término do mandato,
renúncia, falecimento ou perda do lugar.
(...)
§ 3º A vaga em Comissão será preenchida por designação do Presidente da Câmara,
no interregno de três sessões, de acordo com a indicação feita pelo Líder do Partido ou
de Bloco Parlamentar a que pertencer o lugar, ou, independentemente dessa comunicação, se não for feita naquele prazo.
Ou seja, não há, no caso em tela, qualquer dificuldade para que a autoridade indicada
como coatora esteja impedida de suprir a omissão com que se pretende fazer, do art. 58, § 3º,
letra morta.
(...)
(...) resta que a recusa do Senhor Presidente do Senado Federal, em proceder à designação dos integrantes de Comissão Parlamentar de Inquérito, na omissão dos partidos políticos
em fazer a respectiva indicação, lesiona, claramente, direito líquido e certo dos autores.
(Grifei.)
É certo que, em persistindo a recusa dos líderes das agremiações majoritárias, deixar-se-á de observar, ante uma clara hipótese de impossibilidade material, a cláusula
constitucional, que, inscrita no art. 58, § 1º, da Carta Política, consagra a proporcionalidade partidária, nos seguintes termos:
Art. 58(...)
§ 1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível,
a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da
respectiva Casa.
(Grifei.)
Tal circunstância, contudo, não poderá obstar a que se componha, efetivamente, a
denominada “CPI dos Bingos”, pois a voluntária abstenção dos líderes majoritários não
tem, nem pode ter, o condão de inviabilizar a criação, a organização e o funcionamento da
referida comissão parlamentar de inquérito, eis que a vontade da Constituição – que
atribui às minorias legislativas o direito subjetivo à instauração da investigação parlamentar (art. 58, § 3º) – não pode ser neutralizada, não pode ser desrespeitada nem pode ser
esvaziada pela omissão, intencional ou não, daqueles representantes dos partidos majoritários no Senado Federal.
Cabe referir, neste ponto, a precisa lição exposta por EDUARDO FORTUNATO
BIM, em substancioso estudo sobre a matéria (“A composição partidária proporcional
nas comissões parlamentares (CF, art. 58, § 1º) e o pensamento do possível: o direito da
minoria à efetivação da CPI”):
O argumento de que a ausência de proporcionalidade inviabilizaria a comissão parlamentar não procede, porque a locução “tanto quanto possível” não se aplica somente a imperfeições matemáticas da sua composição pela aplicação da fórmula da proporcionalidade,
aplica-se, também, para que a existência de outros obstáculos, impossibilitando a composição
proporcional (como, por exemplo, a recusa, expressa ou tácita, do partido político – inserida no
âmbito de sua autonomia, art. 17, CF – de indicar os integrantes a que tenha direito), não
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maculem a sua validade, desde que, obviamente, ela tenha sido efetivada da melhor maneira
possível.
A cláusula tanto quanto possível de representação proporcional partidária (CF, § 1º do art.
58) é a consagração do pensamento do possível em sede constitucional. O Constituinte, sabendo
das dificuldades de se implementar a proporcionalidade e evitando uma crise de efetividade à
instauração das comissões ou mesas, imprescindíveis à vida parlamentar e à democracia republicana, estabeleceu que a proporcionalidade ocorresse na medida em que isso fosse possível. Tal
solução consagra o pensamento do possível porque cria uma solução acumulativa e compensatória, conduzindo a um desenvolvimento conjunto dos princípios constitucionais da efetivação das
comissões e das mesas (e, no caso da CPI, do direito potestativo das minorias de efetivá-la), da
fiscalização do Executivo pelo Legislativo, e não ao seu declínio conjunto.
(...)
Sendo a instalação da CPI um direito potestativo da minoria, como sinônimo do terço
parlamentar que a requereu, a declinação dos partidos políticos de indicar membros para a sua
composição não impede e nem elimina o dever do órgão responsável na casa legislativa
respectiva de efetivar a CPI. Dever esse suprível pelo Judiciário para possibilitar aos parlamentares que a requereram sua efetivação, uma vez que a sua constituição ocorre “juris et de jure”
com a apresentação do requerimento.
(Grifei.)
Concluo o meu voto, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, reconheço que o Senhor
Presidente do Senado Federal, em sua condição de órgão dirigente da Mesa dessa Alta
Casa do Congresso Nacional, desrespeitou o direito público subjetivo, constitucionalmente assegurado à parte ora impetrante, enquanto integrante da minoria legislativa, à
efetiva instauração do inquérito parlamentar, não obstante integralmente preenchidos, no
caso, os requisitos a que alude o art. 58, § 3º, da Carta Política.
Sendo assim, entendo que se impõe a concessão do presente mandado de segurança, em ordem a determinar que o Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal,
mediante aplicação analógica do art. 28, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, faça, ele próprio, a designação dos nomes faltantes dos Senhores Senadores que
irão compor a denominada “CPI dos Bingos”.
Nestes termos, Senhor Presidente, defiro o presente mandado de segurança, garantindo, em conseqüência, à parte ora impetrante, que compõe a minoria legislativa no
Senado Federal, o direito à efetiva constituição, organização e funcionamento da já referida “CPI dos Bingos”, de que trata o Requerimento 245/04.
É o meu voto.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, apenas uma dúvida que ocorre
tendo em conta as preliminares. O Relator, pelo que percebi, assenta, como fundamentação, que uma coisa é discutir-se um ato político de uma das Casas do Legislativo;
algo diverso é ter-se descompasso que envolva quer a Carta da República, quer um
diploma de natureza ordinária, e aí incluo até mesmo o Regimento Interno, porque senão
seria muito fácil chegar-se à colocação em segundo plano do próprio Regimento Interno,
das regras estabelecidas. Essa é a premissa do voto de Sua Excelência e estou inteiramente de acordo com ela. Há outro detalhe também ligado ao campo das preliminares: questionou-se que o mandado de segurança e os mandados de segurança, no plural, deveriam
estar dirigidos contra os líderes políticos; e Sua Excelência, cercando por todos os lados –
não me refiro ao bingo –, acabou por notificar os próprios líderes.
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Fico a indagar-me, Presidente: tivessem os Impetrantes apontado como autoridades
coatoras os líderes, não se estaria diante de um mandado de segurança dirigido contra
atos omissivos políticos? A resposta para mim é desenganadamente positiva. Evidentemente, não poderíamos entender esses atos dos líderes, deixando de indicar os integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito, senão como atos políticos, algo que é inerente
à atuação no parlamento.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E políticos stricto sensu.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Stricto sensu, e não poderíamos questionar esses
atos. O que se questiona nos mandados de segurança é algo ligado à atividade, em si, da
Casa Legislativa; é algo ligado ao funcionamento, via Comissão, do próprio Senado da
República. Por isso é que eu ponderaria se não seria o caso de, a esta altura e assentada
essa premissa de que realmente o ato omissivo é da Mesa, excluir-se dos mandados de
segurança os próprios líderes.
No mais, Presidente, o nosso Fiscal da Lei, em participação oral, chegou até a se
referir à matéria de fundo como óbvia, sob o ângulo da procedência das impetrações. Foi
assim que percebi a fala de Sua Excelência.
Eu diria, a esta altura, Presidente, parafraseando o Ministro Sepúlveda Pertence,
que a maioria não precisa de Comissão Parlamentar de Inquérito, mas parece que a receia.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso eu não disse. Disse que não precisa de
CPI.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, o registro final é meu. Peço a Vossa Excelência, quebrando até uma tradição – e costumo observar a tradição –, que, em face até
mesmo do que veiculei, registre o meu voto, acompanhando o Relator.
PEDIDO DE VISTA
O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Presidente, eu tenho uma preocupação muito grande
com o funcionamento interna corporis do Poder Legislativo; preocupa-me o fato de o
direito subjetivo das minorias de um terço, não de um quarto, poder suprir a vontade
política das bancadas, mas me impressionaram muito tanto o voto do Ministro Celso de
Mello quanto as sustentações orais, especialmente do Dr. Werner Becker.
Peço vista.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Também eu, Sr. Presidente, com todas as vênias
do Ministro Eros Grau. Claro que se ainda tiver oportunidade de assistir-lhe o brilhante
voto, poderei alterá-lo; mas, por ora, consigno o meu voto, tanto quanto às preliminares
como em relação ao mérito, com o eminente Relator. Se for o caso, virei a fundamentá-lo,
mas me reporto a votos anteriores particularmente no ponto em que sustentei aqui, então
minoritariamente, que, havendo alegação de um direito subjetivo, pouco se me dá que a
norma violada seja constitucional, legal ou regimental.
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1161
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, eu também gostaria, com todas as vênias
do Ministro Eros Grau, de acompanhar o Relator.
Vou aguardar o pedido de vista.
EXTRATO DA ATA
MS 24.831/DF— Relator: Ministro Celso de Mello. Impetrantes: Pedro Jorge Simon
e outro (Advogados: Rodrigo Frantz Becker e outro). Impetrado: Presidente do Senado
Federal. Litisconsortes passivos: Líder do Bloco Parlamentar de Apoio ao Governo no
Senado Federal, Senadora Ideli Salvatti (Advogados: Adriana Mourão Romero e outro);
Líder do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, Senador Duciomar Gomes da Costa; e Líder
do Partido Socialista Brasileiro – PSB, João Alberto Rodrigues Capiberibe (Advogados:
Antonio Tavares Vieira Netto e outros).
Decisão: Depois do voto do Ministro Celso de Mello, Relator, rejeitando as questões preliminares suscitadas e concedendo o mandado de segurança, para garantir à
minoria legislativa a efetiva instauração do inquérito parlamentar (“CPI dos Bingos”), e
dos votos dos Ministros Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Carlos Britto, que também
acompanhavam o Relator, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do
Ministro Eros Grau. Falaram, pelos Impetrantes, o Dr. Werner Becker e, pelo Ministério
Público Federal, o Dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República. Presidência do Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,
Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 4 de maio de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
VOTO
(Vista)
(Sobre preliminar)
O Sr. Ministro Eros Grau: Pedi vista dos autos por adotar como premissa o entendimento de que o Poder Judiciário deve escusar-se ao controle de atos interna corporis do
parlamento. Eis aí uma exigência do princípio da harmonia e interdependência entre os
poderes.
2. A Constituição assegura a um terço dos membros da Câmara dos Deputados e a
um terço dos membros do Senado Federal a criação da comissão parlamentar de inquérito,
deixando, porém, ao próprio parlamento o seu destino. Em outros termos, a Constituição,
no meu entendimento, não assegura que as CPIs criadas nos termos do § 3º do seu art. 58
funcionem segundo os exclusivos desígnios de um terço dos membros da Câmara ou do
Senado. Entendo que ela assegura a um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou
do Senado — não às minorias — o direito à criação de comissões parlamentares de
inquérito, o que supõe a sua instalação, sendo, porém, o seu funcionamento afetado unica.
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mente pelos efeitos do debate parlamentar, no embate entre as forças políticas que atuam
nos parlamentos. Não fosse assim, o Poder Judiciário – esta Corte – passaria a ter de
arbitrar todo e qualquer movimento dessas forças políticas, visando a tornar concreto
direito não apenas à criação, mas ao fluente funcionamento das CPIs. Dir-se-ia que o § 3º
do art. 58 da Constituição asseguraria que as CPIs criadas por um terço dos membros da
Câmara ou do Senado cheguem a resultados concretos na apuração, em prazo certo, de
determinado fato. Vale dizer: a Constituição asseguraria àquele terço de membros do
Senado ou da Câmara o resultado da investigação, ou seja, que as CPIs alcancem o
término dos seus trabalhos em prazo certo, enviando às Mesas, para conhecimento dos
Plenários, seus relatórios e conclusões.
3. O art. 1º e seu parágrafo único da Lei 1.579, de 18 de março de 1952, afirmam, na
vigência da Constituição de 1946, que:
Art. 1º As Comissões Parlamentares de Inquérito, criadas na forma do art. 53 da Constituição Federal, terão ampla ação nas pesquisas destinadas a apurar os fatos determinados que deram
origem à sua formação.
Parágrafo único. A criação de Comissão Parlamentar de Inquérito dependerá de deliberação
plenária, se não for determinada pelo terço da totalidade dos membros da Câmara dos Deputados
ou do Senado.
De outra banda, o art. 145 do Regimento Interno do Senado Federal estabelece que
“[a] criação de comissão parlamentar de inquérito será feita mediante requerimento de um
terço dos membros do Senado Federal”.
O § 1º desse art. 145 diz que “[o] requerimento de criação da comissão parlamentar
de inquérito determinará o fato a ser apurado, o número de membros, o prazo de duração
da comissão e o limite das despesas a serem realizadas”.
Por sua vez, o § 2º afirma que, “[r]ecebido o requerimento, o Presidente ordenará que
seja numerado e publicado”.
4. Tenho, destarte, que a criação da CPI – no caso do requerimento dessa criação por
um terço dos membros do Senado Federal – é determinada no ato mesmo da apresentação
desse requerimento ao Presidente do Senado. Independe de deliberação plenária. Bem
nesta linha, a observação de Pontes de Miranda1: apresentado o requerimento com o
número de assinaturas exigido pela Constituição Federal, tem-se a criação da comissão
parlamentar de inquérito — o que foi reafirmado por esta Corte na Representação 1.183-6,
Pleno, Relator o Ministro Moreira Alves2.
Ao Presidente do Senado, considerando-o formalmente correto, cumpre ordenar
que o requerimento seja numerado e publicado. Mas já neste momento ter-se-á por criada
a CPI. A publicação do requerimento tem efeito meramente declaratório, dando publicidade a ato anterior, constitutivo da criação da comissão. Essa constituição se completa,
para os efeitos da garantia constitucional, na e com a instalação da comissão, o que
supõe a reunião, com qualquer número – digo-o desde logo –, dos seus membros.
1
Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, p. 66.
2
DJ de 7-12-84.
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1163
Desde esse momento penetramos o campo do funcionamento da CPI. No ato da apresentação do requerimento ao Presidente do Senado – hipótese que ora estamos a considerar –, desde que cumpridos os requisitos necessários, surge a comissão, cabendo
aos subscritores do requerimento, após numerado, lido e publicado, reunirem-se, com
qualquer número, para materializar sua instalação.
5. Tenho que, na garantia da criação de comissão parlamentar de inquérito mediante
requerimento de um terço dos membros do Senado ou da Câmara dos Deputados, está
implícita a garantia da sua instalação. Esta depende exclusivamente da iniciativa daqueles
que a requereram. Se determinados partidos políticos não indicarem representantes seus
na comissão, sem a presença deles ela será (= deverá ser) instalada. Note-se bem a cláusula “tanto quanto possível” no § 1º do art. 58 da Constituição do Brasil. Lembro o MS
20.415, Relator o Ministro Aldir Passarinho, quando se afirmou que “[o]s membros da CPI
representam os partidos políticos e, assim, se a estes não mais interessar manter determinado representante seu na Comissão, a questão é interna corporis”. Não será demasiada
a insistência em que a não-representação deste ou daquele partido político na comissão
não impedirá a sua instalação – instalação que, em face da garantia constitucional, há de
ser operada com qualquer número. A garantia constitucional da criação das comissões
porta implícita em si a garantia de sua instalação. Repito: àqueles que requereram a sua
criação cabe reunirem-se com ou sem a presença de representantes da totalidade dos
partidos políticos.
6. O voto do eminente Ministro Celso de Mello expede ordem a ser cumprida pelo
Presidente do Senado Federal. Este deverá, mediante aplicação analógica do art. 28, § 1º
do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, designar os nomes faltantes dos senadores que irão compor a denominada “CPI dos Bingos”.
7. Ocorre que há, nos autos do MS 24.831, um ofício expedido pelo eminente Relator
ao Presidente do Senado Federal (fl. 183), com data de 22 de novembro de 2004, no qual S.
Exa. indaga, “em caráter complementar, se ainda subsiste íntegro o prazo de duração a que
se refere o Requerimento n. 245/04, publicado no Diário do Senado Federal, datado de 6
de março de 2004”. Dois dias após, 24 de novembro de 2004, o Presidente do Senado
Federal encaminhou ao eminente Relator (ofício de fls. 188) uma certidão expedida pela
Secretaria-Geral da Mesa, da qual consta que a Comissão Parlamentar de Inquérito foi
criada “através” do Requerimento 245, de 2004, com prazo de duração de 120 (cento e
vinte) dias, encerrado em 2 de julho de 2004 (fl. 189). O Requerimento 245/04 foi lido na
sessão do Senado Federal do dia 5 de março de 2004 e publicado no Diário do Senado no
dia seguinte (6-3-04).
Ora, o art. 76, II, do Regimento Interno do Senado Federal estabelece que as comissões temporárias, entre as quais as comissões parlamentares de inquérito, extinguem-se
ao término de seu respectivo prazo.
Mais adiante, o § 3º desse mesmo art. 76 define que “[o] prazo das comissões
temporárias é contado a partir da publicação dos atos que as criarem, suspendendo-se
nos períodos de recesso do Congresso Nacional”.
No caso, contado a partir da data da criação da CPI, o prazo de 120 (cento e vinte)
dias encerrou-se no dia 2 de julho de 2004. A impetração foi protocolada nesta Corte no dia
.
1164
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17 de março de 2004, no início do transcurso do prazo (120 dias) para a conclusão dos
trabalhos. Mas já não existe desde o dia 2 de julho de 2004 a CPI criada pelo Requerimento
245/04.
Esta Corte tem decidido pela prejudicialidade do pedido de concessão de segurança
quando encerrados os trabalhos da CPI, independentemente da aprovação ou não de seu
relatório final (MS 23.852-QO, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 28-6-01; MS
23.466, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6-4-01). No caso em exame, criada a
CPI com prazo de duração de cento e vinte dias, que – repito – resultou encerrado em 2 de
julho de 2004, não vejo absolutamente nenhum sentido em determinar-se ao Presidente do
Senado que indique membros para compor comissão que já não mais existe. Outrossim,
não há como se negar, esta Corte, a dar fé a certidão expedida pela Secretaria-Geral da
Mesa do Senado Federal e a prestar acatamento ao disposto no § 3º do art. 76 do Regimento
Interno do Senado Federal.
Julgo prejudicado o mandado de segurança em razão da perda superveniente do seu
objeto.
VOTO
(Vista)
(Mérito)
O Sr. Ministro Eros Grau: Desejo ser coerente. O “requerimento” a que respeita o
§ 3º do art. 58 é, sim, suficiente para criar a comissão parlamentar de inquérito; exatamente
isto é que torna especiais as CPIs criadas por um terço dos membros da Câmara ou do
Senado; sua criação não depende de deliberação plenária. A criação “será feita mediante
requerimento”, como diz o art. 145 do Regimento Interno do Senado.
A interpretação gramatical do § 3º do art. 76 do Regimento, a ele conferida pelo
Ministro Peluso, não é correta, permissa vênia. A alusão a “atos” está relacionada “às
comissões temporárias”, atos a elas atinentes, não a uma pluralidade de atos.
2. Vencido no entendimento de que a “CPI dos bingos” já não mais existe, permitome prosseguir, para votar no mérito da impetração, observando que esta Corte – na linha
do voto de Sua Excelência e dos colegas que após o meu pedido de vista anteciparam os
seus votos – está a avançar sobre momento posterior ao da criação/instalação da CPI.
Consagrado esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal passará a interferir nas atividades de funcionamento das Comissões Parlamentares de Inquérito, determinando quais
atos devam ser praticados pelo Presidente do Senado e seja mais lá quem for, em ordem a
garantir que a investigação alcance um resultado, chegando ao término os seus trabalhos,
de sorte que seja enviado à Mesa, para conhecimento do Plenário, o relatório e as conclusões da CPI.
3. A Corte, ao adotar essa postura, rompe com sua jurisprudência. Vou aludir a
alguns casos, nos quais outros resultados seriam alcançados se admitíssemos a intromissão do Poder Judiciário no funcionamento do Legislativo: (i) no MS 20.471 (DJ de 22-285), v.g., a interpretação, pelo Presidente do Congresso Nacional, de normas de regimento
legislativo não se circunscreveria ao domínio interna corporis, sujeitando-se à crítica
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judiciária; (ii) no MS 20.247 (DJ de 21-11-80), o ato do Presidente do Senado que indeferiu
requerimento de anexação de projeto de emenda constitucional seria apreciado por esta
Corte, apesar de considerado atinente a questão interna corporis. São inúmeros os casos
a relembrar, entre os quais o MS 20.464 (DJ de 7-12-84) e o MS 20.509 (DJ de 14-11-85), bem
assim o MS 21.754 (DJ de 21-2-97), em que conhecido voto do Ministro Francisco Rezek.
Por todos, contudo, reporto-me ao MS 20.415 (DJ de 29-4-85), Relator o Ministro Aldir
Passarinho, quando se decidiu que:
[o]s membros da CPI representam os partidos políticos e, assim, se a estes não mais
interessar manter determinado representante seu na Comissão, a questão é interna corporis, e se
o Regimento não prevê expressamente como resolver a questão, cabe fazê-lo o órgão competente
para interpretar as questões regimentais.
Em razão disso, para manter a jurisprudência que, segundo me parece, é adequada à
harmonia entre os poderes e especialmente para impedir a intromissão do Judiciário no
funcionamento interno do Senado Federal, caminho no sentido de indeferir a segurança.
Mas não apenas em razão do já exposto.
4. É que, inexistindo, no Regimento Interno do Senado Federal, preceito que determine ao Presidente dessa casa designar os nomes faltantes dos Senadores que irão
compor comissões parlamentares de inquérito, não consigo discernir qual o direito
líquido e certo dos Impetrantes. Mais heterodoxo ainda, esse direito decolaria da aplicação por analogia de preceito contido no art. 28, § 1º, do Regimento Interno da Câmara
dos Deputados. Tratar-se-ia de direito não fundado em lei, mas em analogia, o que me
diz que líquido e certo não haveria de ser... Perdão, mas se há liquidez e certeza jurídica
fundada da analogia, por que não a afirmamos também por referência à jurisprudência e
à doutrina?
Ora, não há como compelir a autoridade apontada como coatora a indicar os membros da comissão. O Regimento Interno do Senado Federal efetivamente não estabeleceu
a aplicação dos regimentos internos do Congresso Nacional ou da Câmara Federal aos
casos omissos. Ainda que a um terço dos membros do Senado seja assegurada a criação
de comissão parlamentar de inquérito, desde que o requerimento apresentado preencha
os pressupostos a tanto indispensáveis (CB, art. 58, § 3º, e Lei 1.579/52, art. 1º, parágrafo
único), não vejo como ordenar ao Presidente do Senado Federal que, se os líderes de
partidos políticos não o fizerem, indique os seus integrantes, como pretendido pelo
Impetrante. Não há norma constitucional que lhe atribua essa responsabilidade. De modo
que vejo com espanto a possibilidade de o Poder Judiciário dispor-se a dar ordens ao
Legislativo, atinentes ao funcionamento das comissões parlamentares de inquérito. E
isso mesmo porque o terço dos membros do Senado que as tenha requerido prescinde,
como observei linhas acima, de qualquer atuação do Judiciário para a instalação dessas
comissões.
5. Em caso similar, quando se discutia o direito dos servidores públicos a reajuste
salarial, esta Corte reconheceu a existência de data-base para a revisão dos vencimentos
do funcionalismo no mês de janeiro de cada ano, mas afirmou a impossibilidade de o
Supremo Tribunal Federal expedir “provimento judicial visando concretamente o reajuste”. Isso porque inexiste preceito constitucional que obrigue o Presidente da República
1166
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a deflagrar o processo legislativo pertinente (MS 22.439/DF, Relator o Ministro Maurício
Corrêa, DJ de 11-4-03).
No caso, o pedido formulado na petição do mandado de segurança tem natureza
declaratória/cominatória, eis que, implicitamente, pugna pela afirmação de competência
do Presidente do Senado Federal não prevista no Regimento Interno da Casa e, a seguir –
então de forma expressa –, pela cominação, a ele, do dever de indicar os membros/componentes da Comissão Parlamentar de Inquérito. Repito: não há preceito normativo que o
obrigue a assumir essa iniciativa. Assim, quanto ao primeiro pedido, o Impetrante é
carecedor do direito da ação mandamental.
6. Quanto ao segundo pedido, observo inicialmente que o silêncio do Regimento
Interno do Senado Federal a respeito da matéria não constitui óbice à instalação e ao
funcionamento da CPI. Aliomar Baleeiro (Alguns Andaimes da Constituição, Livraria
Principal, Rio de Janeiro: 1950, p. 135 e 136), ao mencionar emenda à Constituição de 1946
propondo a supressão da regra da criação de comissões parlamentares de inquérito,
anotava:
(...) é inteiramente supérflua a disposição porque, no desempenho de suas funções, ambas
as Câmaras podem recorrer aos inquéritos sobre quaisquer fatos (...), assim como a todo e qualquer
meio idôneo que lhes não seja vedado por cláusula expressa, ou implícita, da Constituição. Tais
Comissões de Inquérito sempre foram criadas pelas Câmaras inglesas e norte-americanas com
poderes tão grandes, que podem trazer compulsoriamente à sua presença, prender e fazer punir
“por desacato” perante a Corte de Justiça de Colúmbia os indivíduos recalcitrantes. Nenhum
dispositivo constitucional, ou de emenda à Constituição, entretanto, se julgou necessário para
esse fim. Apenas uma lei de 1853, deu competência à Corte de Colúmbia para o julgamento dos
particulares, que se rebelassem contra tais medidas ou as dificultassem.
7. Entendo, que na garantia da criação de comissão parlamentar de inquérito mediante requerimento de um terço dos membros do Senado ou da Câmara dos Deputados,
está também implícita a garantia da sua instalação. Esta depende exclusivamente da iniciativa daqueles que a requereram. Se determinados partidos políticos não indicarem representantes seus na comissão, sem a presença deles ela será (= deverá ser) instalada. Notese bem a cláusula “tanto quanto possível” no § 1º do art. 58 da Constituição do Brasil.
Lembro outra vez o MS 20.415, Relator o Ministro Aldir Passarinho, quando se afirmou
que “[o]s membros da CPI representam os partidos políticos e, assim, se a estes não mais
interessar manter determinado representante seu na Comissão, a questão é interna
corporis”. Não será demasiada a insistência em que a não-representação deste ou daquele partido político na comissão não impedirá a sua instalação – instalação que, em face da
garantia constitucional, há de ser operada com qualquer número.
Sendo assim, indefiro o primeiro pedido formulado na inicial, no qual o Impetrante
pretende impor ao Presidente do Senado Federal a indicação dos membros da comissão.
Essa pretensão não encontra amparo legal, inexistindo, no caso, direito líquido e certo. No
que concerne ao pedido alternativo – autorização da instalação e do funcionamento da
CPI com os membros indicados pelos blocos parlamentares –, denego a segurança, visto
que a garantia constitucional da criação das comissões porta implícita em si a garantia de
sua instalação. Àqueles que requereram a sua criação cabe reunirem-se com ou sem a
presença de representantes da totalidade dos partidos políticos.
R.T.J. — 200
1167
DEBATE
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Fazendo a síntese, Vossa Excelência, Ministro Eros Grau, argumentou inicialmente analisando a questão de fundo, e fez uma
observação que gostaria de deixar clara, pelo que entendi: se o Presidente do Senado
Federal não fizesse a indicação, as Comissões poderiam instalar-se com o número existente, ou funcionar com o número existente.
O Sr. Ministro Eros Grau: A Constituição não poderia garantir apenas no papel. A
criação pressupõe a instalação. A criação dá-se pelo requerimento e, em seqüência, virá a
instalação.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Quero fixar bem claramente o problema.
Na parte de mérito apenas, lembro que o Regimento Interno do Senado Federal, no art.
109, diz:
Art. 109. As deliberações terminativas nas comissões serão tomadas pelo processo nominal e maioria de votos, presente a maioria de seus membros.
Temos aqui uma maioria relativa, pois, estando presente a maioria dos membros da
comissão, as matérias terminativas dependem da aprovação da maioria dos presentes.
Significa que, estando o número imediatamente superior à metade dos presentes, a maioria desse número poderá aprovar as matérias.
Vossa Excelência afirma que, não havendo a indicação por parte do Presidente do
Senado Federal, as comissões instalam-se com a maioria designada, pois teríamos a designação dos partidos correspondentes às indicações. Alguns partidos não indicaram, então, a maioria da comissão, para efeito da apuração deste quorum, seria a maioria dos
indicados, não é? Apenas para deixar claro.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: E não da composição?
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Esse é o problema. Para efeito de números:
se a comissão tem 20 membros, houve a indicação de 9 membros, 11 não foram indicados
pelos partidos.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas, Senhor Presidente!
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ainda estou perguntando, não estou
afirmando. Quero ver qual é a posição dele, quero esclarecer a proposição dele. A situação
que Vossa Excelência diz é que, se não houver a indicação pelos membros do partido e o
Presidente do Senado Federal não o indicar, essa comissão instala-se com os membros
indicados. O que significa que, nessas hipóteses, vamos supor o seguinte: são 20 membros da comissão, 11 não foram indicados pelos partidos na composição estabelecida
pelo regimento, somente 9 foram indicados. Nessa hipótese, para aplicar o art. 109, as
decisões terminativas dessa comissão, poderia funcionar ela com 9 membros?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Teria havido o aperfeiçoamento da Comissão? Aí é
que está o problema.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Pela lógica, poderia funcionar com 5 membros.
Vale dizer que, se fossem indicados 5 membros apenas, ela poderia funcionar com 3.
1168
R.T.J. — 200
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Pode funcionar com 3 e 2 decidem.
O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Presidente, é o que eu estou entendendo.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Queria esclarecer isso. Não estou dizendo
que Vossa Excelência tenha ou não razão. Vossa Excelência tem uma preliminar. Só gostaria
de situar bem esse problema.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Teremos uma verdadeira comissão anã.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Quero saber se foi isso que Vossa Excelência fixou: a comissão funcionará com o número dos membros que tiver sido indicado e os
quoruns de aprovação, os de instalação da sessão e os de votação terão como base o
número de membros indicados, é isso?
O Sr. Ministro Eros Grau: Perfeito. Isso não tem a ver com a primeira parte do meu
voto. Porque o prazo, segundo o § 3º do art. 76, não corre de instalação, mas, sim, da
publicação.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O outro ponto levantado pelo Ministro
Eros Grau diz respeito ao seguinte: ele entende que, por força da Constituição e da legislação, as comissões serão criadas mediante requerimento de um terço de seus membros.
Então, a criação dessa comissão seria dada pela publicação. Ou seja, porque a praxe do
Senado é ler os requerimentos no Plenário e depois publicá-los. Então, a criação seria da
publicação. É isso que Vossa Excelência disse?
O Sr. Ministro Eros Grau: Exatamente.
O Sr. Ministro Carlos Britto: É só do requerimento?
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Do requerimento, após a leitura em Plenário, porque o hábito antigo do Plenário é sempre ler todos os requerimentos. Aí, ele vai ao
art. 74 do Regimento Interno, que dispõe que as comissões temporárias são três: internas,
externas e parlamentares de inquérito.
E diz o § 3º do art. 76:
§ 3º O prazo das comissões temporárias é contado a partir da publicação dos atos que as
criarem, suspendendo-se nos períodos de recesso do Congresso Nacional.
Com isso, o que o Ministro está suscitando como questão preliminar – a outra
também é uma questão importante, mas, talvez, essa anteceda a primeira – é esta: ele
entende que está prejudicado o mandado de segurança, porque teria se extinguido o
prazo dessa comissão e esse prazo não foi prorrogado. A criação não se daria da sua
composição, se daria por força do Regimento, da publicação dos atos decorrentes da
criação.
VOTO
(Sobre preliminar)
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Peço vênia para dissentir do eminente
Ministro EROS GRAU, pois o prazo a que se refere o art. 76, § 3º, do Regimento Interno
R.T.J. — 200
1169
do Senado Federal, invocado por Sua Excelência para justificar a extinção anômala
deste processo mandamental, ainda não se exauriu, pela simples razão de que sequer
se iniciou!
Esta minha asserção apóia-se em motivo claro e objetivo. É que somente se justificaria a interpretação dada pelo eminente Ministro EROS GRAU, se não tivesse ocorrido
indevida obstrução – causada, exclusivamente, pelo Senhor Presidente do Senado Federal –
ao exercício, pelas minorias parlamentares, do direito à investigação legislativa.
Na realidade, e não obstante a diligente atuação dos membros integrantes do grupo
minoritário no Senado Federal – que adotaram todas as providências regimentalmente
possíveis e necessárias à efetiva instauração da referida CPI objeto do Requerimento 245 –,
sucederam-se, no caso, diversas manobras ou “estratagemas” (para usar uma expressão
do eminente Ministro PAULO BROSSARD, antigo Senador da República), todos eles
engendrados com um único e só propósito: o de frustrar, arbitrariamente, no plano de sua
realização prática, o direito constitucional das minorias parlamentares à investigação
legislativa.
Ainda que atuando com diligência, como acima ressaltado, os Senadores integrantes do grupo minoritário não conseguiram, por efeito de injusta e arbitrária obstrução
emanada da Presidência do Senado Federal, fazer instalar a CPI em questão, circunstância que os levou a buscar, nos termos da Constituição, o amparo jurisdicional desta
Suprema Corte.
Isso significa, portanto, que se produziu, no âmbito parlamentar, uma situação
anômala, que, provocada, unicamente, pela eminente autoridade ora apontada como
coatora, qualifica-se, presente o contexto em exame, como causa impeditiva da regular
fluência, na espécie, do prazo de vigência da referida CPI.
Assinalo, por necessário, que a única situação que poderia inviabilizar, no caso, a
pretendida investigação legislativa consistiria na superação (inocorrente) do limite temporal máximo, que, por inultrapassável, há de ser rigidamente observado pelas comissões parlamentares de inquérito. Refiro-me ao limite definido no art. 5º, § 2º, da Lei 1.579/
52, que constitui o estatuto disciplinador do funcionamento das comissões parlamentares
de inquérito, sem prejuízo da sua disciplinação em sede regimental. Eis o que dispõe o § 2º
do art. 5º da Lei 1.579/52:
§ 2º A incumbência da Comissão Parlamentar de Inquérito termina com a sessão
legislativa em que tiver sido outorgada, salvo deliberação da respectiva Câmara, prorrogando-a
dentro da Legislatura em curso.
A legislatura em curso, sabemos todos, consideradas as normas da Constituição,
findar-se-á no dia 31 de janeiro de 2007. É importante rememorar, no ponto, o entendimento que este Supremo Tribunal Federal deu à referida cláusula legal, notadamente
quando contrastada, como já o foi, em face de preceitos meramente regimentais.
O Plenário desta Suprema Corte, ao julgar o HC 71.261/RJ, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE (RTJ 160/521-522), proferiu decisão consubstanciada em
acórdão assim ementado:
1170
R.T.J. — 200
(...) 3. A duração do inquérito parlamentar – com o poder coercitivo sobre particulares,
inerentes à sua atividade instrutória e a exposição da honra e da imagem das pessoas a desconfianças e conjecturas injuriosas – é um dos pontos de tensão dialética entre a CPI e os direitos
individuais, cuja solução, pela limitação temporal do funcionamento do órgão, antes se
deve entender matéria apropriada à lei do que aos regimentos: donde, a recepção do art. 5º, § 2º,
da Lei 1.579/52, que situa, no termo final de legislatura em que constituída, o limite intransponível de duração, ao qual, com ou sem prorrogação do prazo inicialmente fixado, se há de
restringir a atividade de qualquer comissão parlamentar de inquérito.
(Grifei.)
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro, essa prorrogação depende de
deliberação ou é automática?
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Vou ler a Vossa Excelência o que diz o
Regimento Interno do Senado Federal...
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O Ministro Sepúlveda Pertence fala em
limite intransponível, prorrogado ou não.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O prazo da CPI – assinala o art. 152 do
Regimento Interno do Senado Federal – “poderá ser prorrogado, automaticamente, a
requerimento de um terço dos membros do Senado, comunicado por escrito à Mesa,
lido em plenário e publicado no ‘Diário do Senado Federal’, observado o disposto no
art. 76, § 4º” (grifei). Esta última norma regimental (art. 76, § 4º), por sua vez, dispõe que,
em qualquer hipótese, o prazo da CPI “não poderá ultrapassar o período da legislatura
em que for criada” (grifei).
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O particular, sujeito a qualquer coação, não pode
invocar esse limite. Esses limites regimentais são de todo irrelevantes para os particulares.
E, coerentemente com isso, aliás, noto que o Regimento do Senado – estamos entrando
muito em matéria regimental, que sempre achei até que poderíamos examinar quando
houvesse direito a proteger, mas que o Tribunal sempre achou que, simplesmente, não
examinamos, não sabemos ler esse livro –, coerentemente com esse único prazo peremptório e invencível, que é o da legislatura, prevê várias hipóteses de prorrogação: prorrogação a pedido da própria comissão, parágrafo do art. 76; prorrogação por um terço da Casa.
Tudo a mostrar que, realmente, esse limite temporal de funcionamento fixado no requerimento é um prazo absolutamente superável.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O que é absolutamente certo, no caso,
Senhor Presidente, é que o prazo em questão, concernente à CPI objeto do Requerimento
245, sequer se iniciou...
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O voto do Ministro Eros Grau nesse ponto é
coerente, dada a sua primeira parte, em que Sua Excelência sustenta que, eventualmente,
a comissão pode instalar-se e funcionar, saiba Deus como, talvez com três membros.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Permita-me insistir, Senhor Presidente. O
fato relevante, na espécie, é que o prazo de cento e vinte dias sequer fluiu no caso em
análise, pois impediu-o situação de injusto obstáculo criada, sem razão, pelo Senhor
Presidente do Senado Federal.
Sequer iniciado, portanto, o curso do lapso temporal de vigência da CPI em questão, em decorrência desse injusto obstáculo criado por comportamento obstrucionista
R.T.J. — 200
1171
assumido pelo Senhor Presidente do Senado Federal, não há como cogitar-se, na espécie,
de fluência desse mesmo prazo, especialmente para o efeito de entender-se extinta uma
CPI que nem mesmo começou...
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O prazo começaria da instalação?
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O prazo, em situação de normalidade (que
lamentavelmente não se registrou na espécie), começa da publicação, no “Diário do
Senado Federal”, do requerimento de constituição da CPI. Como ocorreu, no entanto,
obstrução unicamente imputável ao Senhor Presidente do Senado Federal, cuja conduta
gerou injusto gravame a um direito constitucionalmente assegurado às minorias parlamentares, cabe reconhecer que se verificou, na espécie, causa justificadora da aplicação,
por analogia, do que dispõem os §§ 1º e 2º do art. 183 do CPC, em ordem a afastar-se a
alegação, feita pelo eminente Ministro EROS GRAU, de que já se exauriu o prazo de
vigência da CPI em questão.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas nunca ultrapassando o prazo da
legislatura, é isso?
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Exato, Senhor Presidente, pois o termo final
da legislatura representa – tratando-se de CPI – o limite inultrapassável de suas atividades
investigatórias, como já decidiu esta Suprema Corte (RTJ 160/521-522).
Com estas considerações, Senhor Presidente, peço vênia para rejeitar a questão
prévia suscitada pelo eminente Ministro EROS GRAU.
EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Presidente, gostaria de lembrar que comecei o meu voto
entendendo que o Poder Judiciário, esta Corte deve se escusar ao controle dos atos
interna corporis.
Para mim é muito claro, não é preciso recorrer ao Código de Processo Penal. O que
diz o art. 76 do Regimento é que:
§ 3º O prazo das comissões temporárias é contado a partir da publicação dos atos que as
criarem (...)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isto é que é interna corporis mesmo.
O Sr. Ministro Eros Grau: Não é isso. Quero dizer simplesmente que entendo que
esta Corte, para manter a sua jurisprudência, não deve apreciar cada lance do jogo do
embate parlamentar. Isso é matéria interna corporis. Para mim é muito claro.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O que estamos decidindo é o direito de um terço
dos Senadores criar e, a nosso ver, ver instalada a comissão. As conseqüências desse
prazo regimental e a sua contagem é que me parece caberem, num primeiro momento, ao
Senado Federal; depois, eventualmente, poderemos examiná-lo ou não.
O Sr. Ministro Eros Grau: Só terminando a minha frase... Entendo que a Constituição
não dá simplesmente o direito de criar a comissão e ponto final. Se ela der só o direito de
1172
R.T.J. — 200
criar, não estaria dando direito nenhum. Entendo, e desde o começo do meu voto o afirmei,
é que essa criação significa alguma coisa mais, ou seja, a instalação.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Por isso mesmo é que Vossa Excelência, com a
inteligência que Deus lhe deu, começou pelo mérito para só depois levantar a questão do
prejuízo. Porque só à base da premissa de mérito, que Vossa Excelência antecipou, é que,
eventualmente, dois Senadores se pudessem reunir e declarar: está instalada a comissão,
eu sou o presidente, você é o relator.
O Sr. Ministro Eros Grau: Tem de ser assim, para ser mantido o jogo democrático.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Eu respeito a opinião de Vossa Excelência, agora,
eu não a aceito data venia.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro, a matéria foi situada, lembro que
temos de tomar uma decisão de natureza eficaz. Se a maioria do Tribunal afirmar que há
direito à instalação, terá de constar, porque não poderá, depois de uma interpretação
regimental, dizer que não tem condições de instalar. Então, vamos ter – digamos – uma
perspectiva meramente regimental, considerando que a decisão pode não ter eficácia em
razão do término da legislatura.
Também temos de lembrar que esta eficácia da decisão terá de ser vinculada aos atos
do Presidente do Senado, e não às virtuais obstruções. Porque, se prevalecer a tese do
Ministro Eros, desaparece a obstrução parlamentar, pois a Comissão pode instalar-se
com meia dúzia de pessoas. Agora, mantida a tese de que é necessária a instalação, o
próprio Regimento Interno do Senado dá soluções.
Vejam o que diz o Regimento:
Art. 85. Em caso de impedimento temporário de membro da comissão e não havendo
suplente a convocar, o Presidente desta solicitará à Presidência da Mesa a designação de substituto, devendo a escolha recair em Senador do mesmo partido (...)
Há mecanismos internos que podem levar, evidentemente, ao insucesso da comissão, considerando o exercício do direito de obstrução, que é outra coisa. Então vamos
deixar bem posto o problema.
VOTO
(Sobre preliminar)
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, entendo que o ato de criação da
comissão parlamentar de inquérito se dá, num primeiro momento, com a reunião do número de assinaturas necessárias. Mas esse ato de criação só se aperfeiçoa com a efetiva
instalação da CPI, naturalmente com a escolha de seus órgãos dirigentes, ou seja, o
presidente e o relator.
No caso, o ato de instalação não se realizou por força da suposta omissão dos
líderes. Portanto, não vejo caracterizada a caducidade da CPI em causa, pois sequer se
iniciou a fluência do prazo de funcionamento dela.
Pedindo vênia ao Ministro Eros Grau, afasto a preliminar e acompanho o Relator.
R.T.J. — 200
1173
VOTO
(Sobre preliminar)
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, também vejo a Comissão Parlamentar de
Inquérito no bojo de um processo que traduz seqüência ordenada de atos. O primeiro ato
desse processo, a sua verdadeira chave de ignição, é o requerimento de um terço dos
parlamentares, que não se confunde com o ato de composição ou designação dos membros da comissão. Quem diz isso não é só o Regimento Interno: é a própria Constituição.
Com efeito, a Constituição Federal, nos seus § 1º e § 3º do art. 58, deixa claro que as
comissões parlamentares de inquérito e as comissões em geral serão criadas por ato das
respectivas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O ato é complexo e
próprio. O requerimento, por si, não é suficiente para determinar a criação. Há todo um
processo que se inicia com o requerimento, passa pela indicação dos membros, pelo ato
formal de criação da comissão, pelo ato formal de instalação e, a partir daí, naturalmente,
pelo funcionamento.
Por esse motivo, eu não sigo, com todas as vênias, o voto do autor do voto-vista,
que é pelo prejuízo do mandado de segurança. Pelo contrário, concordo, em gênero,
número e grau, com o voto do eminente Ministro Relator Celso de Mello.
VOTO
(Sobre preliminar)
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, de início, gostaria de dizer que tenho
dúvidas, e apenas dúvidas, nesse conflito entre os interesses do Parlamento e os representados por direitos e garantias individuais, de que possa o Regimento Interno do
Senado estabelecer, além do tema do prazo, que é garantia de direitos fundamentais,
limitações a respeito do funcionamento de Comissão Parlamentar de Inquérito. Minha
dúvida prende-se ao fato de que eventuais restrições do Regimento Interno inviabilizam
prerrogativas constitucionais do próprio Parlamento.
Esse é elemento que me leva a mover a interpretação em tutela de direito que, pelos
votos já antecipados em relação ao mérito, parece ter raiz constitucional. Em função disso,
mas não apenas por isso, recordaria – até usando expressão de que gosta muito o Ministro Gilmar Mendes – que, enquanto as palavras representarem coisas e pensamentos,
requerimento não constitui ato de criação.
Quando a Constituição, no art. 58, e o Regimento Interno, em várias normas, usam a
palavra, o substantivo “requerimento”, aludem a ato cujo objeto está sujeito a ato de
outrem, porque, se não, a palavra por usar deve ser diferente. Quando se requer, requer-se
diante da possibilidade factual de ser ou não deferido o que se pede. Requerimento em si,
a meu ver, não pode ser, pois, confundido com ato de criação.
Daí a distinção já feita, com toda procedência, pelo eminente Relator, entre fases no
processo de criação da CPI. Ou seja, há apresentação de requerimento, que ainda não é
criação, enquanto apenas primeira fase; há segundo ato, de recepção, depois ato de
composição e, por fim, no que me parece ser a interpretação correta, deve haver ato formal
1174
R.T.J. — 200
que, uma vez composta a comissão, a tenha por criada. Por isso mesmo é que o art. 76, § 3º,
estatui que o prazo se conta dos atos que criarem as comissões.
Portanto, é preciso a existência de ato formal de criação. Ora, esse ato formal de
criação tem de pressupor composição da comissão, porque doutro modo seria impossível
fosse instalada. E, aí, dou um segundo passo, para recuperar o sentido das palavras no
campo jurídico. O que é prazo? É um espaço de tempo que a lei pode, dentre outros,
considerar sob dois aspectos fundamentais, distinguindo entre os chamados prazos
dilatórios e os peremptórios. Os prazos dilatórios são os chamados de prazos de freio,
porque se destinam a estabelecer tempo durante o qual não se pratica ato algum, ou seja,
são prazos de paralisação ou frenagem de processo. O segundo tipo de prazo, e é deste
que cuida o caso, são os peremptórios, prazos de aceleração processual, dentro dos
quais devem ser praticados atos, sob pena de preclusão.
Ora, como é possível imaginar a fluência de um prazo peremptório, quando o órgão
que deva praticar o ato previsto esteja impossibilitado, por falta de composição e de
instalação, de poder funcionar? É coisa inconcebível.
Em segundo lugar, a mim me parece que há, ainda, outra dificuldade de ordem
técnica no próprio Regimento Interno do Senado Federal, que – aliás, o Ministro
Sepúlveda Pertence já havia feito referência ao propósito, e eu já o tinha, aqui, anotado –
prevê, pelo menos, duas modalidades de prorrogação de prazo, das quais saliento logo
a prorrogação automática, do art. 152, que enuncia: “O prazo da comissão parlamentar
de inquérito poderá ser prorrogado, automaticamente, a requerimento de um terço dos
membros (...)”
Trata-se, portanto, de prorrogação automática. A formulação do requerimento, nesse
caso, prorroga ipso facto. Mas existe uma segunda hipótese de prorrogação, que está
prevista no art. 76, § 1º, o qual reza: “É lícito à comissão que não tenha concluído a sua
tarefa requerer a prorrogação do respectivo prazo:”
Aqui, seria absurdo imaginar que, se a comissão não pôde reunir-se nem praticar ato
algum, pudesse pedir prorrogação do seu prazo peremptório. Se não existe a comissão
como tal, como é que poderia pedir prorrogação desse prazo? Não se trata da prorrogação
automática, mas de – vamos dizer – prorrogação voluntária, a pedido da própria comissão.
Portanto, tal prazo não corre enquanto a comissão não esteja composta.
Por fim, há outra razão, de ordem prática, mas que também não pode deixar de ser
ponderada. A levar a sério todas as objeções opostas, teremos o seguinte resultado: vai
ser muito difícil que os parlamentares que aspirem a ver reconhecido o direito constitucional de criação de uma CPI negada no Congresso, seja na Câmara, seja no Senado,
obterem do Judiciário o reconhecimento oportuno desse direito, porque, quando o
mandado de segurança a que recorrerem for julgado, provavelmente já se terá expirado
o prazo da sua criação!
Tais são as razões por que, com o devido respeito, acompanho o eminente Relator e
rejeito a preliminar.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, começo fazendo justiça ao Ministro
Eros Grau. Não ouvi, no voto lido por Sua Excelência, a assertiva peremptória de que a
R.T.J. — 200
1175
Comissão pode funcionar com qualquer número. Creio que a matéria não constou do voto
de Sua Excelência.
O Sr. Ministro Eros Grau: Ministro Marco Aurélio, me permita, só para confirmar isso.
Realmente, não poderia ter dito isso, até porque tenho a segurança de que, reunida com os
indicados, imediatamente afluirão os demais representantes. Isso fará parte do próprio jogo
democrático. Não tenha dúvida de que eles não se escusarão de participar. Perdoe-me.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: No mais, considero mesmo o que está no Regimento
do Senado da República.
O § 3º do art. 76 preceitua que:
O prazo das comissões temporárias [e todo prazo tem um objeto, vamos ver daqui a pouco
qual é] é contado a partir da publicação [e aí enfocou bem o Ministro Cezar Peluso, a expressão está
no plural] dos atos que as criarem [não se trata aqui de ato único, a revelar o requerimento que pode
ser veiculado pela minoria], suspendendo-se nos períodos de recesso do Congresso Nacional.
Essa última cláusula demonstra a utilidade e a necessidade do prazo fixado para a
apuração dos fatos, para as investigações a serem implementadas, afastados da contagem, visando à referida utilidade do próprio prazo, que é a de funcionamento, os períodos
de recesso do Congresso Nacional.
Mas, Presidente, ainda que pudéssemos potencializar a interpretação verbal do
Regimento Interno, estabelecendo, como termo inicial do prazo, o ato de requerimento, a
revelar, segundo os ditames da Lei Fundamental e presente a ordem natural das coisas, a
criação da comissão, há necessidade de interpretar o que está disposto no Regimento à
luz da Lei Fundamental. Daí afirmar que o § 3º do art. 58 da Constituição Federal contém
redação pedagógica quanto ao objetivo da comissão parlamentar de inquérito, ao prever
que a comissão terá:
[...] poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos
regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal,
em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros [e aí temos
explicitado o objeto], para a apuração de fato determinado e por prazo certo, [...]
Prazo certo para a apuração de fatos determinados.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Excelência, nesse mesmo dispositivo há uma distinção
clara, nítida, entre requerimento e ato de criação. São coisas inconfundíveis, a teor deste
mesmo § 3º do art. 58.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sem dúvida. A criação é um ato complexo. De início, o
requerimento – dado formal para que surja, no mundo jurídico, a comissão –; depois as
indicações feitas pelas lideranças; em seguida, os demais atos.
No caso, não houve o aperfeiçoamento da comissão, porque alguns líderes resolveram não indicar membros para nela atuarem.
Ora, é possível, por maior que seja a criatividade, entender estabelecido o prazo de
vigência, de duração da comissão? A resposta para mim, Presidente, é negativa. E creio
que estou gastando vela com um péssimo defunto.
Acompanho o Relator.
1176
R.T.J. — 200
VOTO
(Sobre preliminar)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, também já antecipei alguns dos
argumentos que me levam, com todas as vênias do Ministro Eros Grau, a acompanhar o
Relator.
VOTO
(Sobre preliminar)
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O voto do Ministro Eros Grau, quanto à
preliminar, está compatível com o antecedente de mérito. Se fosse aceito antecedente de
mérito no sentido de que para as Comissões em que houvesse obstrução parlamentar de
não instalação, poderia ela funcionar com qualquer número. Seria ela compatível com essa
situação, por quê? Porque não teríamos líderes partidários, ou melhor, os partidos, os
autores providenciariam a instalação. Para aqueles que entendem o contrário, ou seja, que
é necessário para o funcionamento da Comissão a sua instalação, obedecidos os quoruns
regimentais respectivos, a situação é inversa.
Também acompanho a maioria, porque considero que a premissa fixada pelo Ministro Eros Grau, qual seja, o funcionamento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sem
os números regimentais, criaria uma distorção muito grande num direito parlamentar clássico, que é o direito à obstrução, porque, se fosse isso verdadeiro, estaríamos inclusive
viabilizando, eventualmente, aprovação de leis com uma situação completamente equivocada, sem o quorum de votação. Ou seja, fora a legislação com quorum especial, o
quorum normal de votação, não de instalação de sessão. No Senado, instalam-se as
sessões com um vigésimo de membros do grupo. No entanto, para o início do processo de
votação, o quorum é de maioria absoluta. O resultado da votação dá-se, no Senado
brasileiro e na Câmara dos Deputados, pela maioria entre sim e não. Tanto é que, como
acontece na lei eleitoral, para efeito de aprovação ou de rejeição de um projeto de lei no
Congresso, Câmara ou Senado, não se computam os votos de abstenção, que correspondem àquela manifestação parlamentar que deseja dar quorum para os outros votarem,
mas não quer votar a matéria – o que significa, na legislação eleitoral, o voto em branco,
que não é computado para efeito do quociente eleitoral no que diz respeito à composição
das Casas legislativas.
Com essas razões, acompanho a maioria.
DEBATE
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Ministro Eros Grau, não é exatamente “não mais
existe”: nunca existiu.
O Sr. Ministro Eros Grau: Pois é. No meu entendimento, é “não mais existe”, porque
a CPI teria sido criada por requerimento.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Carlos Britto, na praxe parlamentar, quando há requerimentos para instalação de CPI, não há um ato formal de criação.
O requerimento publicado funciona como ato de criação.
R.T.J. — 200
1177
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Há implícito nessa ordem de publicação o ato
vinculado do Presidente do Senado, que cria a comissão. Temos precedentes desta Casa,
reporto-me ao MS 22.494, contra a decisão que extinguira a Comissão logo após a sua
instalação: ela foi tomada em recurso contra o Presidente que publicara o requerimento,
com isso, dando por criada a comissão.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): E há a possibilidade, inclusive, de o presidente indeferir o requerimento. Cabe recurso do requerimento.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Pode ser que o requerimento não preencha os requisitos constitucionais. Pode ser indeferido o requerimento.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O requerimento subscrito por um terço
(1/3) dos membros da Casa legislativa situa-se, constitucionalmente, na gênese de qualquer CPI.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Para publicar fato determinado.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Para isso, que é requerimento.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O precedente é específico.
O Sr. Ministro Eros Grau: Mas não é publicado nessa hipótese.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Um recurso contra o Presidente, porque não
haveria fato determinado.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então, tem razão o Ministro Eros Grau
nesse sentido. O problema todo que está posto e esclarecido pelo Ministro Cezar Peluso, me
parece, é que não podemos nos fixar muito e dizer que a palavra “criação” significa isto ou
aquilo. Temos uma circunstância de que na linha, afastada a premissa do Ministro Eros
Grau, as comissões não são criadas pelo regimento. Há comissões que são criadas pelo
regimento, que é a Comissão de Justiça. Estão criadas as Comissões. O problema é a instalação das Comissões. E o prazo, no caso específico, o Ministro Cezar Peluso está dizendo,
conta-se da sua instalação, que é o início de funcionamento. É isso que ele quer dizer. Agora,
não vamos nos apegar muito dizendo que a “criação” significa isto, porque, em outras
situações, a “criação” pode significar outra coisa.
EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Senhor Presidente, vou fazer um breve
registro.
Ao conhecer deste mandado de segurança, rejeitei, em longo voto, a questão preliminar suscitada pelo eminente Senhor Presidente do Senado Federal. Ao fazê-lo, salientei que a controvérsia em debate na presente causa, por revestir-se de natureza eminentemente constitucional, não podia – como não pode – ser degradada a uma simples questão de natureza meramente regimental.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não significa que as questões regimentais
sejam degradantes.
1178
R.T.J. — 200
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Questões regimentais, Senhor Presidente,
considerada a excepcional magnitude dos temas constitucionais, são questões menores,
se examinada a discussão na perspectiva da matéria ora em debate, que envolve o reconhecimento de que o direito das minorias legislativas, fundado no direito de oposição (que
se revela inerente à natureza mesma do regime democrático), não pode ser desprezado pela
vontade de grupos majoritários que atuam, de forma hegemônica, no Parlamento,
notadamente em tema de investigação parlamentar que tenha por objeto a apuração de
ilegalidades ou de abusos alegadamente cometidos por órgãos e agentes do Poder Executivo.
As minorias parlamentares, em um regime verdadeiramente fundado em bases
democráticas, não podem ser asfixiadas nem suprimidas pelo exercício opressivo ou pela
manipulação arbitrária do poder estatal. Nisso reside, Senhor Presidente, o aspecto essencial da controvérsia jurídico-constitucional que esta Corte é chamada, agora, a dirimir,
como guardiã da Constituição da República.
Não constitui demasia relembrar, Senhor Presidente, que esta Suprema Corte tem
advertido, ao longo da história republicana deste País, que o Poder Judiciário, quando
intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a
supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições
que lhe conferiu a própria Carta da República, ainda que essa atuação institucional se
projete na esfera orgânica do Poder Legislativo.
Esse entendimento traduz, com absoluta fidelidade, a orientação jurisprudencial
que o Supremo Tribunal Federal firmou desde os históricos julgamentos, em 1898, do HC
1.063/RJ, Rel. Min. BERNARDINO FERREIRA DA SILVA (impetrado por Rui Barbosa) e
do HC 1.073/RJ, Rel. Min. RIBEIRO DE ALMEIDA (impetrado, dentre outros, por Joaquim
da Costa Barradas), quando esta Corte bem repeliu, porque presente alegação de ofensa
constitucional, a invocação – sempre perigosa para o regime das liberdades públicas – da
doutrina da questão política, cuja formulação, concebida “ex parte Principis”, objetiva
afastar o controle jurisdicional dos atos supostamente impregnados de caráter “interna
corporis” ou revestidos de natureza política.
De qualquer maneira, no entanto, Senhor Presidente, a analogia foi por mim aplicada, na espécie, como meio necessário para suprir lacuna involuntária (ou inconsciente)
existente no Regimento Interno do Senado Federal, pois, ao contrário deste, a solução
normativa da matéria acha-se expressamente prevista no Regimento Interno da Câmara
dos Deputados e, também, no Regimento Comum do Congresso Nacional.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E, no art. 85 do Regimento do Senado, para outra
circunstância.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Celso de Mello, há uma explicação
histórica: o Regimento do Senado é mais antigo do que todos os outros. Os regimentos
internos das Casas Legislativas demonstram experiência legislativa com as soluções de
problemas que foram ocorrendo. No Senado, não havia ocorrido nenhum desses problemas. Então, no Senado, nunca houve a necessidade dessa regra. Historicamente, o Senado
teve o primeiro regimento e não o alterou; depois do Regimento Comum e do Regimento
da Câmara, surgiram os outros.
.
R.T.J. — 200
1179
VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: A proteção das minorias, sejam elas parlamentares,
sejam as chamadas minorias sociais insulares, constitui uma das mais importantes facetas
do direito constitucional moderno e sem dúvida uma das mais nobres missões da jurisdição constitucional. O nosso direito constitucional, na trilha do direito comparado, oferece
indicativos claros da preocupação do constituinte de 1988 em aparelhar as minorias parlamentares, oferecendo-lhes mecanismos de intervenção e controle aptos a permitir que sua
voz se faça ouvir de forma conseqüente no processo político. A legitimação dos partidos
políticos para a ação direta de inconstitucionalidade é uma clara demonstração dessa
preocupação do constituinte de 1988.
Nesse sentido, a presente impetração revela uma das facetas mais importantes da
jurisdição constitucional, muito bem realçada pelo eminente Relator em seu belíssimo
voto. Longe de se confinar no papel tradicional de proteção a direitos subjetivos, cabe ao
órgão da jurisdição constitucional velar com a máxima atenção pela preservação de certos
equilíbrios institucionais, entre os quais o que se consubstancia na necessidade de
conferir uma espécie de estatuto às minorias parlamentares, que é, a meu ver, um imperativo do regime democrático.
Em seu célebre e essencial artigo “A Garantia Jurisdicional da Constituição”, publicado na RDP francesa de 1928, Hans Kelsen, traçando o elo entre controle de constitucionalidade e as exigências do regime democrático, discorre de forma lapidar acerca do
relacionamento entre maioria e minoria, em passagens pertinentes à jurisdição constitucional que se ajustam perfeitamente ao caso ora em julgamento. Disse Kelsen:
Toute minorité – de classe, nationale ou religieuse – dont les intérêts sont protégés d’une
façon quelconque par la Constitution a donc un intérêt éminent à la constitutionalité des lois.
Cela est vrai en particiulier si l’on suppose un changement de majorité qui laisse à l’ancienne
majorité, devenue minorité, une force encore suffisante pour empêcher la réunion des conditions
nécessaires pour une révision légale de la Constitution. Si l’on voit l’essence de la démocratie,
non dans la toute-puissance de la majorité, mais dans le compromis constant entre les groupes
représentés au Parlement par la majorité et la minorité, et par suite dans la paix sociale, la
justice constitutionnelle apparait comme un moyen particulièrement propre à realiser cette idée.
La simple menace du recours au tribunal constitutionnel peut étre entre les mains de la minorité
un instrument propre à empecher la majorité de violer inconstitutionnellement ses intérêts
juridiquement protégés et à s’opposer par là, en dernière analyse, à la dictatute de la majorité,
qui n’est pas moins dangereuse pour la paix sociale que celle de la minorité.1
De fato, como ressalta Eduardo Fortunato Bim, em interessante artigo sobre o tema:
As CPIs, típicas dos sistemas parlamentaristas, são provenientes das monarquias e repúblicas parlamentaristas européias, mas também passaram a vigorar nas Constituições americanas.
São, por excelência, instrumentos potestativos de investigação da minoria parlamentar. Wolfgang Zeh Bundestag (1994, p. 29-30) aduz:
“a oposição em geral não tem a oportunidade de obter pronunciamentos majoritários do Parlamento contra o Governo, só pode forçar o Governo e a maioria parlamentar
1
KELSEN, Hans. La Garantie Juridictionnelle de la Constitution. RDP, Paris, p. 252, 1928.
1180
R.T.J. — 200
a uma discussão pública e a um debate ordinário nas comissões, sempre que o regulamento
dê a possibilidade de fazê-lo” (tradução nossa).
Nas palavras de Antônio Torres de Moral (1998, p. 199):
“Se alinham, entre as instituições de controle parlamentário do Governo, ou
melhor, da oposição sobre a maioria, posto que normalmente será aquela que instará
sua criação, dado que o Governo não necessita delas para investigar qualquer assunto
nacional”.
(...)
Enfatiza Pontes de Miranda (1960, p. 434) que a CPI é a arma possível da minoria contra
a maioria. Ela não pode ser obstada pela maioria se houver o quorum mínimo exigido
para a sua criação; a maioria deve curvar-se perante à minoria!
No expressivo comentário de José Nilo de Castro (1996, p. 41):
“Porque a Constituição assegura à minoria – e é o único momento na vida
parlamentar em que a minoria tem voto e vez – o privilégio de requerer a criação das
CPIs – o Texto Constitucional diz ‘serão criadas’, e não ‘poderão ser criadas’ –, não seria
admissível que seus trabalhos fossem suspensos e mesmo extintos pela vontade da maioria”.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, logo após a promulgação da Constituição de 1988, em
memorável acórdão, demonstrou a vocação das CPIs como instrumentos das minorias, in
verbis:
“Há, inequivocamente, nesse dispositivo constitucional [§3º, art. 58 da CF/88], a
preocupação de resguardar, como corolário das chamadas democracias, a atuação das
minorias nas casas legislativas quase sempre esmagadas pela ‘onipotência da maioria’ (...)
Esse mecanismo constitucional permite que a minoria, sem depender de outro quorum que
não um terço dos membros da Câmara, tenha condições de investigar e colher provas de
irregularidades na Administração”.
Nesse mesmo sentido, ainda enfatizou o TJSP que, mediante o requerimento de um terço
dos membros da Câmara, as minorias podem “impor ao colegiado a constituição da comissão
especial de inquérito”, concluindo ser “esse princípio que informa as disposições constitucionais
que permitem que um terço da Câmara possa, sem que se oponha a maioria, obter a constituição das comissões especiais de inquérito” (grifos nossos).2
(Grifos originais.)
Examino o caso concreto.
A exemplo do eminente Relator, também rejeito a preliminar de não-conhecimento,
por entender que a questão posta nos autos transcende a mera interpretação do regimento
interno do Senado, situando-se, ao contrário, no cerne mesmo da problemática relativa
aos chamados checks and counterchecks, dos quais o instituto da fiscalização do Executivo pelo Legislativo constitui expressão magna. Nesse sentido, é intuitivo que não há
efetividade na prática do poder de fiscalização sem o impulso desse mecanismo parlamentar por parte das minorias existentes nas Casas Legislativas.
Rejeito igualmente a preliminar de ilegitimidade passiva do presidente do Senado
Federal. Entendendo que cabe ao presidente de cada uma das Casas Legislativas somar
todos os esforços (administrativos, financeiros, logísticos ou outros) necessários à instalação das comissões parlamentares de inquérito, as quais consubstanciam uma função da
2
BIM, Eduardo Fortunato. A função constitucional das Comissões Parlamentares de Inquérito. Instrumentos da minoria parlamentar e informação da sociedade. Revista de Informação Legislativa. Brasília,
n. 165, p. 107-122, jan./mar. 2005.
R.T.J. — 200
1181
maior relevância a ser exercida pelas Casas Parlamentares. Omissos ou recalcitrantes os
líderes, cabe ao presidente da Casa providenciar para que a CPI se instale.
Assim, afastando as preliminares suscitadas pela autoridade impetrada e pelo Procurador-Geral da República, também conheço do mandado de segurança e concedo a
ordem, aderindo aos doutos fundamentos expostos pelo Relator.
VOTO
(Esclarecimento)
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Sr. Ministro Celso de Mello, quero esclarecer que, no pedido do mandado de segurança, leio:
(...) seja deferido o presente mandado de segurança para determinar à autoridade indicada
como coatora que supra a omissão dos líderes partidários em designar os membros do seu partido
para comporem a CPI acima aludida, a fim de dar eficácia (...).
O voto de Vossa Excelência diz ser obrigação do Presidente do Senado assegurar o
funcionamento. O funcionamento depende de situações políticas de obstrução.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Trata-se de algo que ainda vai ocorrer.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Que poderá ocorrer. Então, vamos-nos
restringir, exclusivamente, ao objeto do pedido.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Esclareci bem no meu voto: cabe somar todos os
esforços administrativos, financeiros e logísticos.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O meu voto, presentes os fundamentos que
lhe dão suporte, defere o mandado de segurança, para assegurar, à minoria parlamentar,
o direito à efetiva constituição e organização da CPI em causa.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Prefiro restringir-me ao pedido.
Observem bem: não podemos pretender assegurar o funcionamento se a maioria
dessa comissão resolver criar obstrução. E, então, como se faz? Não se pode obrigar. É a
instalação pela indicação dos membros. Aí eles instalam e depois vai haver problema para
eleger. Isso é problema futuro. Não o estamos examinando agora.
VOTO
(Aditamento)
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, o pranteado constitucionalista Wilson
Accioli costumava dizer o seguinte: democracia é o governo da maioria. Realmente, democracia não é o governo da totalidade. Ele, porém, arrematava: assegurados os direitos da
minoria. Vale dizer, portanto: democracia é o governo da maioria, assegurados os direitos
da minoria.
Assim fez a Constituição com as comissões parlamentares de inquérito, homenageando até este fundamento da República chamado de “pluralismo político”, que outra
coisa não é, em última análise, senão a convivência entre os contrários. Então, as minorias
parlamentares podem viver perfeitamente bem com as maiorias.
.
1182
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Não se trata, aqui, portanto, de intromissão do Poder Judiciário nos negócios internos, nos assuntos domésticos do Poder Legislativo. Trata-se, isso sim, de assegurar o
estatuto dessa minoria qualificada de um terço, para ver instalada, criada uma comissão
parlamentar de inquérito.
Quanto à questão da competência da Mesa, no caso, do Senado para compor a
comissão...
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não é da Mesa, mas do Presidente.
O Sr. Ministro Carlos Britto: No caso do Mandado de Segurança, foi o Presidente da
Mesa.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): É ato do Presidente, não da Mesa.
O Sr. Ministro Carlos Britto: É porque a Constituição fala em Mesa, mas vamos cingir
ao Presidente, objeto do Mandado de Segurança. Nesse caso, o Presidente tem a competência, sim, para fazer a indicação. Por quê? Porque, quando a Carta Magna, art. 58, § 1º,
diz que, na constituição de cada comissão, se assegurará, “tanto quanto possível, a
representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares”, ela não tornou
imperiosa essa participação; disse que essa representação proporcional se daria “tanto
quanto possível”.
Imperiosa é a constituição da comissão. Portanto, se a primeira condição não for
atendida – e, no caso, não foi –, o Presidente do Senado Federal – sujeito passivo do
Mandado de Segurança – promove a composição da CPI.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Imperiosa é a indicação dos membros.
Não vamos usar a expressão “constituição”.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Identifico indicação dos membros com o ato de criação
da comissão. Então, parece-me que se trata mesmo de matéria entranhamente constitucional a legitimar a intervenção formal desta Suprema Corte de Justiça.
Peço vênia ao eminente autor do voto vista, para conhecer do mandado de segurança e a ele dar provimento nos termos do pedido.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, primeiro, quero fazer observação rápida
sobre redação normativa. Quando as leis ou a própria Constituição recorrem à expressão
“para a prática de um ato”, ou condicionam a prática de certo ato de uma autoridade à
apresentação de requerimento, denotam apenas que essa autoridade não pode agir ex
officio, senão que age apenas mediante provocação, representada pelo requerimento do
interessado na prática do ato. Há hipóteses, como mostrou Vossa Excelência, em que
comissões são criadas pelo próprio Regimento, e outras em que podem ser criadas por
atos oficiais do Presidente ou da Mesa do Parlamento. Neste caso, a redação da norma
constitucional indica, simplesmente, a necessidade de provocação dos interessados.
Em segundo lugar, deixo de me alongar sobre o tema, porque o eminente Relator
demonstrou à exaustão que o caso é de direito público subjetivo, de raiz constitucional e
da maior relevância política. Observo apenas que é preciso encarar a minoria parlamentar
.
R.T.J. — 200
1183
como parcela representativa do povo, de segmento significativo do povo, que é o detentor último da soberania, e cuja voz não pode ser obscurecida nem sufocada na economia
do Parlamento. O exercício desse direito não pode, pois, ser frustrado por eventual omissão dos Regimentos Internos, perante a qual se recorre, não precisaria dizê-lo, aos princípios gerais de direito, à analogia, etc., a tudo aquilo, enfim, de que o ordenamento jurídico
se vale para tornar efetivo direito previsto na Constituição.
Numa das obras que considero talvez a mais completa e a mais bem documentada
sobre os inquéritos parlamentares1, Nuno Piçarra, depois de relevar a importância do
instituto, afirma:
Dentro dos limites impostos pela correção institucional e pela justiça procedimental, esta
vertente de instrumento de luta político-partidária iniludível no inquérito parlamentar, muito
longe de ser negativa ou menosprezível, é apanágio de um Parlamento verdadeiramente democrático e pluralista e pode traduzir-se num controlo parlamentar tanto mais efectivo e eficaz
quanto as minorias da oposição – a quem cabe realizar uma parte muito substancial
desse controlo – disponham de meios de acção utilizáveis independentemente do assentimento da maioria (...)
E, recorrendo a Max Weber, cuja concepção foi decisiva na elaboração da Constituição de Weimar, prossegue:
Para Max Weber esta concepção era imposta pela transição da monarquia limitada para a
república democrático-parlamentar. Na primeira, o dualismo de poderes verificava-se entre o
Executivo, que encarnava o princípio monárquico, e o Parlamento, que encarnava rudimentarmente o princípio democrático. O Parlamento, enquanto representante dos interesses da sociedade (ou de uma parte dela), contrapunha-se como um todo ao Executivo, representante dos
interesses do Estado. Em tais condições, o inquérito parlamentar pretendia-se fundamentalmente
um instrumento de reforço da autonomia e da influência do Parlamento em face do Executivo
preponderante.(...).
Em contrapartida, num sistema de governo tendo como característica a responsabilidade
política do Executivo perante o Parlamento, como o que instaurou a Constituição de Weimar, o
dualismo passaria a verificar-se tendencialmente entre, por um lado, o Governo e a maioria parlamentar formada pelo(s) partido(s) apoiante(s) e, por outro lado, a ou as minorias político-partidárias confinadas à oposição. Nestas condições, para que o Governo, através da sua maioria de apoio no Parlamento, não pudesse opor-se a um inquérito, impedindo a publicidade de incidir sobre as suas actuações jurídica ou politicamente censuráveis, o
instituto deveria, segundo Max Weber, ser configurado como um “direito indispensável da minoria” (digamos uns cem deputados) 2
Já na vigência da Lei Fundamental alemã,
a preocupação essencial para os constituintes de, continuando a configurar o inquérito
parlamentar como um direito das minorias, impedir que pequenos partidos extremistas pudessem vir
a utilizar o instituto para fins de agitação política e de calúnia, à semelhança do ocorrido durante a
vigência da Constituição de Weimar, encontrou expressão normativa nas três principais diferenças
do artigo 44º da Lei Fundamental relativamente ao seu antecessor. Em primeiro lugar, o nº 1,
primeira parte, elevou para um quarto dos deputados da Assembléia Federal a minoria a quem é
conferido o direito de requerer a este órgão a criação de uma CPI. Em segundo lugar, a mesma
1
O inquérito parlamentar e os seus modelos constitucionais – o caso português. Coimbra: Almedina,
2004, p. 37. Grifos nossos.
2
Op. cit., p. 337. Grifos nossos.
1184
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disposição não conferiu aos representantes da minoria na CPI constituída a seu requerimento o
direito de ordenarem as diligências probatórias que entendam necessárias. Tais diligências só poderão agora ter lugar uma vez deliberadas pela própria comissão, de acordo com a regra da maioria. Em
terceiro lugar, o nº 1, in fine, subtraiu as derrogações à regra, igualmente mantida, da publicidade do
procedimento de inquérito ao assentimento da minoria, ao afastar a exigência de maioria qualificada
de dois terços dos membros de uma CPI para esta poder reunir à porta fechada.3
Faz, em seguida, uma análise profunda de outras legislações e anota:
Na actualidade, as Constituições brasileira, alemã e grega conferem respectivamente a um
terço, um quarto e um quinto dos deputados com assento nas respectivas assembléias, o direito de
criar comissões parlamentares de inquérito. Mas, ao contrário da Constituição de Weimer, não
conferem às minorias representadas nessas comissões qualquer margem de decisão autónoma, em
derrogação da regra da maioria. A tais minorias não resta senão o direito de iniciativa (...)4
E, cuidando das revisões constitucionais portuguesas, em relação à de 1997, examina
as propostas do Partido Comunista e conclui:
(...) enfim, a proposta de aditamento de um nº 6 ao artigo 178º estabelecendo o “direito
individual (dos membros das CPI’s) de requerer e obter os elementos que considerem úteis ao
exercício das suas funções” já tinha sido avançada e rejeitada por ocasião da aprovação da Lei nº 5/93.
Tal proposta insere-se manifestamente numa lógica de subtracção do funcionamento das CPI’s à
regra da maioria, com vista a torná-las mais eficazes enquanto instrumento de oposição. Na
realidade, como já em pleno século XIX notava Lopes Praça, se tais comissões não puderem
“formar-se, constituir-se, nem funcionar se não sob as aspirações da maioria, isto é do
governo”, “raras vezes será (a sua) fiscalização verdadeiramente eficaz”5.
Acompanho integralmente o voto do eminente Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: No caso em exame, conforme bem elucidou o eminente
Relator, estamos diante de uma questão constitucional sensível, relativa à proteção do direito
das minorias parlamentares.
Esse tema possui previsão constitucional específica no âmbito das comissões parlamentares de inquérito, o § 3º do art. 58 da Constituição Federal. Já na esfera infraconstitucional, a matéria é regulada pelo parágrafo único do art. 1º da Lei 1.579, de 18 de
março de 1952, que assim dispõe:
Parágrafo único. A criação de Comissão Parlamentar de Inquérito dependerá de deliberação plenária, se não for determinada pelo terço da totalidade dos membros da Câmara
dos Deputados ou do Senado.
(Sem o grifo no original.)
A pergunta fundamental que se deve fazer neste caso é a seguinte: o expediente
adotado pela Mesa do Senado, de modo a validar conduta omissiva do Presidente daquela
Casa Legislativa, que não indicou os membros das bancadas omissas para comporem CPI,
3
Op. cit., p. 343.
4
Op. cit., p. 388-389.
5
Op. cit., p. 681-882. Grifos nossos.
R.T.J. — 200
1185
é legítimo diante do requerimento de instalação da Comissão Parlamentar formulado por
1/3 (um terço) dos membros de uma Casa Legislativa, nos termos do referido dispositivo
constitucional?
Tem-se aqui outra dimensão da proposta de Hans Kelsen, que associava a jurisdição constitucional à democracia exatamente na medida em que a atividade jurisdicional
atuasse na defesa ou na proteção das minorias representativas.
Todos sabemos que, além da função de legislar, o Poder Legislativo detém o poderdever de, em situações excepcionais, investigar. Na Constituição brasileira, a par de estar
previsto em outras disposições, esse poder-dever encontra concretização específica no
mencionado § 3º do art. 58 da Constituição, que prevê a instituição das comissões parlamentares de inquérito.
E aqui, no âmbito das CPIs, o dever de investigar vincula-se expressamente à perspectiva de proteção às minorias, tendo em vista a regra que prevê o quorum de 1/3 (um
terço) dos membros para o requerimento de instalação.
Esta Corte, no presente caso, é acionada justamente para garantir eficácia ao direito
da minoria parlamentar.
Como se sabe, devemos a Kelsen a associação sistemática da jurisdição a esse
aspecto importante do conceito de democracia, que é, exatamente, a possibilidade de
sobrevivência e de proteção das minorias. A opção de Kelsen pelo modelo democrático
está vinculada à concepção teórica do relativismo. O sistema democrático não se legitima
pela verdade, mas sim pelo consenso1.
Na famosa conferência proferida perante a Associação dos Professores de Direito
Público alemães, Kelsen deixou claro que a jurisdição constitucional haveria de ter papel
central em um sistema democrático moderno:
Contra as muitas censuras que se fazem ao sistema democrático – muitas delas corretas e
adequadas –, não há melhor defesa senão a da instituição de garantias que assegurem a plena
legitimidade do exercício das funções do Estado. Na medida em que amplia o processo de democratização, deve-se desenvolver também o sistema de controle. É dessa perspectiva que se deve
avaliar aqui a jurisdição constitucional. Se a jurisdição constitucional assegura um processo
escorreito de elaboração legislativa, inclusive no que se refere ao conteúdo da lei, então ela
desempenha uma importante função na proteção da minoria contra os avanços da maioria, cuja
predominância somente há de ser aceita e tolerada se exercida dentro do quadro de legalidade. A
exigência de um quorum qualificado para a mudança da Constituição traduz a idéia de que determinadas questões fundamentais devem ser decididas com a participação da minoria. A maioria
simples não tem o direito de impor a sua vontade – pelo menos em algumas questões – à minoria.
Nesse ponto, apenas mediante a aprovação de uma lei inconstitucional poderia a maioria afetar
os interesses da minoria constitucionalmente protegidos. Por isso, a minoria, qualquer que seja a
sua natureza – de classe, de nacionalidade ou de religião – tem um interesse eminente na
constitucionalidade da lei.
Isto se aplica sobretudo em caso de mudança das relações entre maioria e minoria, se uma
eventual maioria passa a ser minoria, mas ainda suficientemente forte para obstar uma decisão
qualificada relativa à reforma constitucional. Se se considera que a essência da democracia reside
não no império absoluto da maioria, mas exatamente no permanente compromisso entre maioria
e minoria dos grupos populares representados no Parlamento, então representa a jurisdição
1
KELSEN, Hans. Vom Wesen und Wert der Demokratie. 2. ed. 1929, p. 101.
1186
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constitucional um instrumento adequado para a concretização dessa idéia. A simples possibilidade
de impugnação perante a Corte Constitucional parece configurar instrumento adequado para
preservar os interesses da minoria contra lesões, evitando a configuração de uma ditadura da
maioria, que, tanto quanto a ditadura da minoria, se revela perigosa para a paz social2.
Na experiência do direito comparado, Klaus Stüwe3 realiza profunda análise sobre a
jurisprudência do Tribunal alemão desde o seu surgimento (1951) até os dias atuais.
O jurista alemão afirma que, na repartição das funções do Estado de Direito, o
controle das instituições democráticas é exercido, de forma compartilhada, entre a “oposição parlamentar” e a “jurisdição constitucional”.
Acerca dessa “oposição parlamentar”, Canotilho enuncia o “direito de oposição
democrática”, o qual, em suas palavras:
(...) é um direito imediatamente decorrente da liberdade de opinião e da liberdade de
associação partidária. Precisamente por isso, o direito de oposição não se limita à oposição
parlamentar (o art. 114.°/3, conjugado com o número 1.º do mesmo artigo, poderia ser interpretado nesse sentido), antes abrange o direito à oposição extraparlamentar, desde que exercido nos
termos da Constituição (art. 10.º/2). Por outro lado, como salienta o Tribunal Constitucional
Alemão, a oposição exerce-se não apenas face à maioria parlamentar mas também face à maioria
parlamentar e governo. A interpretação restritiva do direito à oposição (no sentido de uma
simples oposição parlamentar ao “governo de sua majestade”), conduziria, desde logo, a que as
forças políticas não representadas no Parlamento vissem a sua liberdade política, o seu direito de
participação na vida pública, o seu direito fundamental de associação e a sua liberdade de expressão, indirectamente restringidos (para além do permitido pelo art. 18.º) por uma “anódina”
interpretação do direito de oposição democrática (cfr. art. l.°/3 da L n.° 24/98, de 26 de Maio –
Estatuto de Direito de Oposição –, onde se refere precisamente o direito de oposição dos partidos
sem representação parlamentar). A ideia de oposição extraparlamentar conexiona-se, de resto,
com outros direitos fundamentais como, por ex., os direitos de reunião e manifestação (art. 45.°),
e com o próprio princípio democrático (cfr. Lei n.° 24/98, art. 3.º/4). O princípio democrático
postulará mesmo a oposição extraparlamentar quando a oposição parlamentar deixar de ter
expressão significativa, como é o caso das “grandes coligações” formadas por todos ou pelos
principais partidos com assento no Parlamento (Allparteienregierung).
Específico da oposição parlamentar é o direito à informação regular e directa sobre o
andamento dos principais assuntos de interesse público (art. 114.º/3), o direito de fiscalização e de
crítica no âmbito da Assembleia da República (arts. 156.°, 180.º/2/c e 194°), o direito de participação na organização e funcionamento do próprio parlamento (arts. 175.°/b, 176.º/3, 178.º/2 e 180.º/
1) e o direito de antena (art. 40.º/2). Particularmente relevante é o direito de consulta prévia (cf. Lei
n.° 24/98, art. 5.º) sobre questões políticas importantes (marcação da data de eleições, orientações
de política externa, políticas de defesa e segurança interna). O conjunto destes direitos designa-se
por direitos de oposição. Constitucionalmente duvidosa é a limitação do direito de réplica
política apenas aos partidos de oposição representados na Assembleia da República (cfr., porém, L
36/86, are. 2.°, de 5/9 – garantia de réplica política dos partidos de oposição).4
2 KELSEN, Hans. Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbarkeit, VVDStRL 5, 1928, p. 80-81; cf.
também tradução italiana de CARMELO, Geraci. La Garanzia giurisdizionale della Constituzione. In:
La giustizia costituzionale. Milão, 1980, p. 144 (201-203).
3
STÜWE, Klaus. Die Opposition im Bundestag und das Bundesverfassungsgericht: Das Verfahren als
Kontrollinstrument der parlamentarischen Minderheit. Nomos Verlagsgesellschaft. Baden-Baden,
1997, 367 p. (Cf. tradução espanhola de José Antonio Montilla Marcos).
4
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed. Lisboa:
Almedina. p. 324-325.
R.T.J. — 200
1187
Nesse particular, o próprio Klaus Stüwe5 realça o papel desempenhado pelos controles derivados dos direitos da minoria, os quais são importantes, sobretudo, nas hipóteses
em que tais prerrogativas sejam “absolutas”, ou seja, independam da vontade da maioria.
Como algumas categorias desses importantes controles, Stüwe elenca dois exemplos da Lei Fundamental alemã. O primeiro é aquele da convocação antecipada do Parlamento (Bundestag) por meio da petição de 1/3 (um terço) de seus membros (art. 39, III). O
segundo exemplo, por sua vez, tem nítida semelhança com o caso concreto sob análise.
Trata-se da obrigação, friso, de constituir uma comissão de investigação diante da solicitação de, pelo menos, 1/4 (um quarto) dos parlamentares (art. 44, I).
Daí afirmar-se coerentemente na doutrina alemã que, se requerido, o Parlamento
(Bundestag) pode instalar a CPI. O órgão parlamentar deve, porém, instituir a comissão se o
requerimento contar com o apoio de pelo menos um quarto dos membros do parlamento.
Cuida-se, pois de um direito da minoria em face da maioria – dies ist ein Recht der Minderheit
gegenüber der Mehrheit (Schmidt-Bleibtreu-Klein, Kommentar zum Grundgesetz, art. 44, 9.
ed., 1999, p. 835).
Tendo em vista essa circunstância particular, indaga-se, no direito alemão, se, no caso
de requerimento da maioria, seria necessária a edição de uma resolução do Parlamento,
especialmente se o tema da investigação apresenta-se devidamente definido. A resposta é
afirmativa. A resolução é também exigida porque o número de membros da comissão há de
ser devidamente fixado (Schmidt-Bleibtreu-Klein, Kommentar zum Grundgesetz, art. 44, 9.
ed., 1999, p. 835/836).
Já com relação ao aspecto do exercício da “jurisdição constitucional”, devo alertar
que as modernas constituições, não obstante consagrarem os direitos fundamentais e o
princípio da soberania popular como princípios básicos do Estado de Direito, dispõem,
em geral, sobre a forma de manifestação da vontade popular e sobre a atuação dos órgãos
representativos dessa vontade.
Nesse contexto, os entes de representação devem agir dentro de limites prescritos,
estando os seus atos vinculados a determinados procedimentos6. Essas constituições
pretendem, portanto, que os atos praticados pelos órgãos representativos possam ser
objeto de crítica e controle7. Trata-se, em verdade, de um modelo de fiscalização democrática dos atos do Poder Público.
Tal como observado por Dieter Grimm, um sistema que admite o conflito de opinião e
a pluralidade de interesses como legítimo somente poderá subsistir se houver consenso
sobre a forma de resolução de conflitos e sobre os próprios limites desses conflitos8. Se a
controvérsia tiver por objeto o próprio método de solução dos conflitos, o sistema democrático não estará livre da ameaça de instabilidades e de tumultos no seu funcionamento.
5
STÜWE, Klaus. Op. cit., p. 40.
6
Cf., a propósito, GRIMM, Dieter. Verfassungserichtsbarkeit – Funktion und Funktionsgrenzen in
demokratischem Staat. In: Jus-Didaktik, Heft 4, Munique, 1977, p. 83 (95).
7
GRIMM, Dieter. Op. cit., p. 83 (95).
8
GRIMM, Dieter. Op. cit., p.83 (96).
1188
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Essa colocação tem a virtude de ressaltar que a jurisdição constitucional não se
mostra incompatível com um sistema democrático que imponha limites aos ímpetos da
maioria e discipline o exercício da vontade majoritária. Ao revés, esse órgão de controle
cumpre uma função importante no sentido de reforçar as condições normativas da democracia e atenuar a possibilidade de conflitos básicos que afetem o próprio sistema9.
Agora, passo a tecer algumas considerações sobre o tema da criação de comissões
parlamentares de inquérito no direito constitucional brasileiro. Pontes de Miranda, em
comentário ao art. 37 da Constituição de 1967 (com a Emenda 1, de 1969), que continha
preceito semelhante ao atual10, assim lecionava:
A criação é requerida. Todo requerimento é o que se chama, em terminologia científica,
ato jurídico strictu sensu. Requere-se a alguém. Defere, ou indefere o requerido, alguém a quem se
requereu. Pode-se, porém, atribuir ao destinatário do requerimento maior ou menor arbítrio,
inclusive reduzi-lo a zero, isto é, fazer simplesmente integrativa de forma a atividade do corpo ou
pessoa a que se dirige o requerimento. Então, cumpre-lhe apenas verificar se os pressupostos de
fundo e de forma foram satisfeitos. Se houve o requerimento com a assinatura de um terço, ou
mais, dos membros da câmara, ou, se a comissão de inquérito é mista, das duas câmaras, e o
plenário, apreciando-o em sua feitura, o confirma, há o dever de criar a comissão de inquérito,
porque o art. 37 foi explícito em estatuir que se há de criar (verbo “criarão”) desde que o requeira
o terço ou mais dos membros da câmara, ou das câmaras.11
Conforme registra a inicial do MS 24.847/DF, o alcance do referido dispositivo da
Constituição de 1967/69 foi objeto de manifestações desta Corte na Rep 1.183/PB, quando
assim se manifestou o eminente Relator, Ministro Moreira Alves:
Essa faculdade que o art. 37 atribui a um terço dos membros de ambas as Câmaras do
Congresso é exceção ao princípio estabelecido no art. 31, para permitir que a minoria, com a
observância de quorum que seja representativo (1/3), não seja impedida pela maioria – que,
muitas vezes, pertence à mesma corrente partidária do Poder Executivo – de exercitar, com
relação a esse Poder, a fiscalização de fatos determinados.
(Voto proferido na Rep 1.183, DJ de 1º-12-84.)
Tal interpretação, que enfatiza justamente a perspectiva substancial da regra que
prevê o quorum de 1/3 (um terço), foi desenvolvida pelo Ministro Pertence, já sob o
regime da Constituição de 1988, no julgamento do MS 22.494/DF:
Indaga-se: há direito subjetivo em jogo? A meu ver, sim, e direito fundamental: a CPI é
instrumento básico da minoria; a maioria não precisa de CPI. A constituição de comissões
parlamentares de inquérito para fiscalizar o Governo, sem se converter antes em maioria, é direito
fundamental da minoria e, portanto, dos deputados que, em determinado episódio a
personalizam, na medida em que firmam requerimento para investigação de fato que
consideram relevante.
(Cf. voto proferido no MS 22.494/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 27-6-97.)
9
Idem, Ibidem.
10
“Art. 39. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, em conjunto ou separadamente, criarão
comissões de inquérito sobre o fato determinado e por prazo certo, mediante requerimento de um terço
de seus membros.” (CF de 1967.)
11 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 (com a Emenda n. 1 de 1969). Tomo
II (Arts. 34-112). 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. p. 64.
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1189
Na mesma linha, manifestou-se o Ministro Paulo Brossard no HC 71.039/RJ:
6. A Constituição de Weimar, de 1919, ao assegurar à minoria (uma quinta parte do
Reichstag, art. 34) o direito de criar comissão de inquérito, abriu nova e rica perspectiva a respeito,
uma vez que, mesmo contra a vontade da maioria, a minoria, vale dizer, à oposição ficava
assegurado o emprego desse instrumento de atuação parlamentar.
No Brasil, foi a Constituição de 34 que consagrou a novidade e como prerrogativa da
minoria, art. 36; desde então, a norma inovadora foi incorporada ao nosso direito constitucional, Constituição de 46, art. 53, Carta de 1967, art 39, Carta de 69, art. 37, Constituição de
1988, art. 58, § 3°; ainda que a Carta de 69, era natural, cuidasse de atrofiar a prerrogativa
parlamentar, art. 30, parágrafo único.
(Cf. voto proferido no HC 71.039/RJ, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 6-12-96.)
Já no julgamento da ADI 1.635/DF, o Min. Maurício Corrêa foi enfático:
Reafirmo: as comissões parlamentares de inquérito consubstanciam instrumental ao alcance da minoria. Qualquer requisito que venha a ser imposto por diploma
ordinário para obstaculizar-lhe a instalação – e não imagino, aí, a fila de requerimentos ou de
deliberações para instalação futura dessas comissões – conflita, pelo menos sob o meu olhar, sob
a leitura que faço da Carta da República, com esse mesmo diploma.
(Cf. voto proferido na ADI 1.635/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 5-3-04.)
Por fim, merece registro o lúcido entendimento do Ministro Celso de Mello, também
na ADI 1.635/DF:
Não posso, desse modo, precisamente porque existe, no caso, um claro fundamento
constitucional sobre o qual se apóia a pretensão dos autores, conferir precedência (que seria inaceitável) a um argumento de caráter meramente regimental, para, a partir dele – e com incompreensível preponderância sobre a grave afirmação de desrespeito ao texto da Constituição da
República frustrar o controle parlamentar sobre atos do governo, em detrimento de uma
prerrogativa constitucional assegurada, em tema de fiscalização legislativa, às minorias existentes
no âmbito das Casas do Congresso Nacional.
É preciso ter presente, ao reconhecer-se a natureza indiscutivelmente constitucional de
que se reveste a controvérsia sub examine, que o preceito normativo inscrito no art. 58, § 3º, da
Carta Federal destina-se a ensejar a ativa participação das minorias parlamentares no processo
de investigação legislativa dos atos do Poder Executivo.
Não se pode recusar procedência à afirmação, em tudo compatível com a essência
democrática que qualifica o regime político brasileiro, tal como veio este a ser definido
pelo próprio texto da Constituição da República, de que a circunstância “de a maioria não
necessitar dos votos da minoria para lograr sucesso em todas as suas iniciativas não significa possa
ela, só por isso, violentar normas constitucionais e regimentais para abreviar a consumação de
atos do seu interesse. A minoria, face à lei, está colocada em pé de igualdade com ela e
todos tem a obrigação indeclinável de se subordinarem às normas que se impuserem através de
Regimento e às que lhes impôs a Constituição.” (RT 442/193).
Não se revela possível desconsiderar, por isso mesmo, a própria ratio subjacente ao preceito
normativo inscrito no art. 58, § 3º, da Constituição, cujo fundamento político-jurídico, derivando da
necessidade de respeito incondicional às minorias parlamentares, atua como verdadeiro
pressuposto de legitimação da ordem democrática.
(...)
O desrespeito às prerrogativas constitucionais dos legisladores, o desprezo, pelo bloco
dominante no Congresso Nacional, ao poder de investigação parlamentar da Oposição, as interpretações que frustrem os direitos essenciais dos grupos parlamentares minoritários e os
comportamentos institucionais que possam concretizar ofensa aos atos destinados à legítima
fiscalização do Poder Executivo, especialmente em tema de inquestionável relevência nacional –
como o é a investigação parlamentar do Sistema Financeiro Nacional –, qualificam-se, quando
.
1190
R.T.J. — 200
efetivamente constatado o abuso, como procedimentos intoleráveis, destituídos de qualquer legitimidade jurídica, ainda que se invoque, para sustentar eventuais desvios arbitrários, o
argumento da prevalência da vontade majoritária, cujo predomínio, no entanto, no âmbito do
Parlamento, somente pode resultar se e quando efetivamente respeitados os direitos e as
prerrogativas dos grupos minoritários.
(Cf. voto proferido na ADI 1.635/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 5-3-04.)
Com relação à disciplina estabelecida pelo Regimento Interno do Senado Federal, é
válido transcrever os seguintes dispositivos:
Art. 74. As comissões temporárias serão:
I - internas – as previstas no Regimento para finalidade específica;
II - externas – destinadas a representar o Senado em congressos, solenidades e outros atos
públicos;
III - parlamentares de inquérito – criadas nos termos do art. 58, § 3º, da Constituição.
(Sem o grifo no original.)
Art. 78. Os membros das comissões serão designados pelo Presidente, por indicação escrita dos respectivos líderes, assegurada, tanto quanto possível, a participação proporcional das representações partidárias ou dos blocos parlamentares com atuação no Senado
Federal (Const., art. 58, § 1º).
(Sem o grifo no original.)
Apenas para efeito de elucidação da argumentação desenvolvida por Pontes de
Miranda relativamente à extensão do art. 37 da Constituição de 1967 (dispositivo análogo
ao art. 58, § 3º, da atual CF), destaco o seguinte excerto:
[Dizia Pontes] Outra questão é a de se saber se o requerimento feito por alguma comissão
e levado a plenário pode ser base para a criação. A resposta é afirmativa, porque o art. 37 não disse
que somente se cria comissão de inquérito se o requer um terço dos membros da câmara, ou das
câmaras, ou que tal requerimento, assinado por um terço, é pressuposto para as deliberações, e sim
que, se for requerida a criação por um terço, se criará. O requerimento, na espécie do art. 37, é
exercício do direito formativo gerador.12
Assim, partindo-se da premissa de que é possível estabelecer, aqui, raciocínio análogo ao disposto pelo Regimento do Senado, pode-se dizer que o art. 78 não preconiza
que a designação de membros das comissões “somente” será realizada mediante “indicação escrita dos respectivos líderes”.
Pelo contrário, na linha apontada pelos diversos precedentes desta Corte, essa
garantia institucional diz respeito a uma interpretação constitucional que esclareça os
seus limites.
Ao mesmo tempo em que se assegure a liberdade de disposição no que concerne a
aspectos de auto-organização, não é possível que o regramento regimental descumpra os
requisitos mínimos estatuídos na Constituição e na legislação de regência.
De fato, o art. 78 do Regimento do Senado não especifica a possibilidade de o
Presidente da Casa Legislativa indicar, no caso de omissão das lideranças partidárias, os
membros da comissão parlamentar de inquérito.
12
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 (com a Emenda n. 1 de 1969). Tomo
II (arts. 34-112). 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. p. 64.
R.T.J. — 200
1191
Todavia, sob o pretexto de que se trataria de uma “questão interna”, não se pode
simplesmente ignorar o disposto no art. 58, § 3º, da CF, bem como no parágrafo único do
art. 1º da Lei 1.579/52.
A condição que se coloca para o exercício dessa garantia institucional é a de que,
para a criação das comissões parlamentares de inquérito, seja obtido o quorum de 1/3 (um
terço) dos representantes da Casa respectiva.
Ademais, ao lançar mão de uma interpretação sistemática do Regimento do Senado,
observa-se que, diante desta curiosa omissão regimental e na hipótese de inércia das
lideranças partidárias, a indicação dos membros das CPIs pela Presidência da Casa não
contraria o disposto no art. 48, XXI, do Regimento do Senado:
Art. 48. Ao Presidente compete:
XXI - designar substitutos de membros das comissões e nomear relator em plenário;
Pode-se dizer, portanto, que a possibilidade de indicação no caso de inércia de tais
lideranças estaria logicamente incluída no rol de “competências implícitas” da Presidência
do Senado. Nesse particular, é pertinente realçar ainda o disposto tanto pelo art. 33, § 1º,
do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, quanto pelo art. 9º, § 1º, do Regimento
Comum do Congresso Nacional:
[No Regimento da Câmara, lê-se que:]
Art. 33. (..)
§ 1º As Comissões Temporárias compor-se-ão do número de membros que for previsto no
ato ou requerimento de sua constituição, designados pelo Presidente por indicação dos Líderes, ou
independentemente desta se, no prazo de quarenta e oito horas após criar-se a Comissão,
não se fizer a escolha.
(Sem o grifo no original.)
[O Regimento Comum do Congresso Nacional, por sua vez, estabelece que:]
Art. 9º Os membros das Comissões Mistas do Congresso Nacional serão designados
pelo Presidente do Senado mediante indicação das lideranças.
§ 1º Se os Líderes não fizerem a indicação, a escolha caberá ao Presidente.
(Sem o grifo no original.)
Quanto à questão do exercício do direito de minoria, denota-se, apenas para fins
exemplificativos, que ele também está consagrado no art. 23 do Regimento Interno da
Câmara dos Deputados e no art. 10 do Regimento Comum do Congresso Nacional:
[No Regimento da Câmara:]
Art. 23. Na constituição das Comissões assegurar-se-á, tanto quanto possível, a representação proporcional dos Partidos e dos Blocos Parlamentares que participem da Casa, incluindose sempre um membro da Minoria, ainda que pela proporcionalidade não lhe caiba lugar.
[Já o Regimento Comum do Congresso, de igual modo, disciplina que:]
Art. 10. As Comissões Mistas, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 21, no art. 90
e no § 2º do art. 104, compor-se-ão de 11 (onze) Senadores e 11 (onze) Deputados, obedecido o
critério da proporcionalidade partidária, incluindo-se sempre um representante da Minoria,
se a proporcionalidade não lhe der representação.
(Sem o grifo no original.)
1192
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Diante do exposto, violou direito líquido e certo o ato da Mesa do Senado que
validou a conduta omissiva do Presidente daquela Casa Legislativa, o qual, por sua vez,
não indicou os membros para a composição da denominada “CPI dos Bingos” sob a
alegação de que parcela da bancada parlamentar ter-se-ia mantido inerte quanto à “indicação escrita pelos respectivos líderes” (Regimento do Senado, art. 78).
Assim, manifesto-me pelo deferimento do writ nos termos do voto Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Senhor Presidente, apenas duas palavras. As CPIs
constituem direito público subjetivo das minorias parlamentares para, com base no poder
de fiscalização e controle do Poder Executivo – Constituição, art. 49, inciso X –, pugnar
pela preservação das competências legislativas e pelo aperfeiçoamento do Estado, que é
Estado de Direito, assim submetido à lei, e, mais do que isso, Estado Democrático de
Direito, assim submetido à lei e ao seu conteúdo, que há de estar voltado ao interesse
público, ao interesse social e ao interesse da Justiça.
Nessa linha, a Constituição da República – § 3º do art. 58 – estabelece que as CPIs:
§ 3º (...) serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou
separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato
determinado e por prazo certo (...)
É dizer, se ocorrentes os requisitos constitucionais, primeiro, requerimento de um
terço dos membros da Câmara ou do Senado, conjunta ou separadamente; segundo,
determinação do fato a se apurar; terceiro, fixação do prazo de duração dos trabalhos de
investigação; preenchidos esses requisitos ou pressupostos, surge para as minorias
parlamentares direito público subjetivo à criação da Comissão Parlamentar de Inquérito.
Indaga-se: preenchidos os requisitos constitucionais à criação da CPI, seria lícito à
maioria, por seus líderes, impedir essa criação, vale dizer, impedir a efetivação do direito
público subjetivo da minoria? É que, no caso, os líderes partidários integrantes da maioria,
por determinação regimental – Regimento Interno do Senado, arts. 66 e 78 –, deveriam
indicar os membros a que têm direito, de acordo com a proporcionalidade parlamentar.
Não o fizeram; simplesmente negaram-se a fazê-lo e, com isso, a Comissão Parlamentar de
Inquérito não foi instalada, não teve, portanto, início.
Os líderes partidários têm um dever. Esse dever é o de indicar os seus representantes que atuarão na Comissão Parlamentar de Inquérito, e o direito de indicarem os seus
representantes com observância da representação proporcional dos seus partidos. Esse
dever e esse direito defluem de norma regimental, conforme vimos.
Ora, se os líderes partidários se recusam a fazer a indicação, estão violando um
dever, uma obrigação e, também, renunciando a um direito; o dever de indicar e o direito
de, nessa indicação, observar a representação proporcional dos seus partidos. O procedimento dos líderes, ao arrepio da norma regimental, deixando de cumprir um dever e renunciando a um direito, não pode, evidentemente, resultar na inviabilização do direito da
minoria, direito público subjetivo, que deflui da Constituição – § 3º do art. 58.
R.T.J. — 200
1193
Ao Presidente do Senado, portanto, a quem incumbe processar o requerimento de
constituição da Comissão Parlamentar de Inquérito, diante da omissão dos líderes partidários, deverá supri-la, fazendo então as indicações dos membros da comissão, observando a proporcionalidade partidária. Raciocinar de outra forma importa em tornar inócuo
o direito constitucional da minoria.
Com essas breves considerações, Senhor Presidente, adiro ao notável voto aqui
proferido pelo Senhor Ministro Celso de Mello, Relator.
VOTO
(Confirmação)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, já havia antecipado o meu
voto. A relevância da questão me permite brevíssimas considerações. Tinha até notas,
acontece que as perdi.
De qualquer modo, o objeto dos mandados de segurança é uma pretensão de dar-se a
eficácia possível ao que todos reconhecemos como um direito das minorias parlamentares.
Schneider teorizava sobre os direitos de informação da minoria; classificava-os em
relativos e absolutos, conforme dependam ou não da aprovação da maioria. E dois
ordenamentos, um de que o Ministro Gilmar Mendes nos dá conta freqüente e outro que,
de vez em quando, lemos, são os paradigmas desses dois modelos: de um lado, a Alemanha, que reconhece a formação da CPI como um direito absoluto da minoria, desde
Weimar; de outro, a Itália, que recusa sistematicamente – e recusou, após longa discussão
na Constituinte – a fórmula alemã e confia às Casas do Parlamento decidir sobre a criação
das comissões parlamentares de inquérito.
Entre nós temos, por exemplo, um direito à informação relativo da minoria na convocação de Ministro de Estado, que, esta sim, depende de deliberação das Casas do Congresso Nacional.
Mas, desde quando o instituto surge no constitucionalismo brasileiro, com a Constituição de 1934 – sabidamente muito inspirada na Constituição de Weimar –, tivemos, no
seu art. 36, a consagração da criação de CPIs como direito absoluto da minoria.
Com a óbvia omissão a respeito da Carta de 1937, segue-se o art. 53 da Constituição
de 1946 na mesma linha; e mesmo as Cartas de 1967 e 1969 prestaram essa homenagem a
um instituto democrático, embora esvaziando-o, de certa forma, com a previsão do número
máximo de Comissões Parlamentares de Inquérito, no art. 30, a vedar que funcionassem
simultaneamente mais de cinco: regra que se incorporou ao Regimento das Casas do
Congresso Nacional, mesmo tendo desaparecido da Constituição.
Votei, vencido, pela inconstitucionalidade dessa limitação, na mesma linha hoje
desenvolvida no voto do Ministro Cezar Peluso: da impossibilidade de normas regimentais limitarem ou esvaziarem esse direito da minoria (cf. ADI 1.635-MC, 25-9-97, Maurício;
MS 24.318, 19-10-00, Gallotti). E sabemos perfeitamente que esse número máximo de CPIs
tem funcionado historicamente como um mecanismo da maioria, criando Comissões de
Inquérito sobre nonadas, de modo a impedir a instalação de CPIs que incomodem.
1194
R.T.J. — 200
O Sr. Ministro Carlos Britto: Por este viés, relativizando o que é absoluto: o direito da
minoria.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Perfeito.
A doutrina brasileira é uníssona no sentido de ser a criação da CPI um direito absoluto
da minoria. Ou melhor, só encontrei um autor, o jovem Alexandre de Morais, nas suas notas
à Constituição Federal Interpretada, que, no entanto, se apóia, a meu ver, num equívoco: a
autoridade do saudoso Raul Machado Horta, em artigo publicado na Revista de Direito
Público, volume 5, que, no entanto, cuidava da questão à luz da Constituição estadual de
Minas, a qual adotara, sim, a fórmula italiana: requerimento de minoria qualificada, submetida, porém, à aprovação pelo Plenário. E, pelo contrário, Machado Horta advertia que isso
não se aplicava à Constituição Federal, em que o requerimento de um terço dos membros da
Câmara ou do Senado vinculavam seus órgãos diretores à criação da CPI.
É verdade que, certamente, Alessandro Pace e, se não me engano, também
Pierandrei, acentuam que esse direito absoluto da minoria, na fórmula alemã, é ilusório,
porque se transmite essa função de controle à minoria, sem lhe oferecer, contudo, os
instrumentos, dado que a maioria detém o poder de inviabilizar, senão a instalação, o
funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito. Mas isso não está em causa.
Ouvi, com a maior atenção, o voto do eminente Ministro Eros Grau: mas confesso,
para tristeza minha, dele, hoje, não me pude convencer. Os precedentes referidos por Sua
Excelência são de uma série – e em vários deles fiquei vencido – em que, nessa delicadíssima demarcação dos limites do controle jurisdicional da atividade parlamentar e, conseqüentemente, do jogo político dos parlamentos, o Tribunal tendia ou tende a estabelecer, como marco divisor, cuidar-se de norma constitucional ou regimental, escusando-se
de intervir quando se cuida de interpretação de norma regimental. Apenas ressalvo que
jamais aderi a essa demarcação rígida, que, aliás, não é tão rígida assim, por exemplo,
quando se cuida de assegurar a defesa de deputados submetidos a processo de cassação
de mandato: sequer se discutiu que tínhamos, para prestar a jurisdição, de nos intrometer
na interpretação, no entendimento de normas regimentais que materializavam, negavam
ou fragilizavam a garantia constitucional da ampla defesa.
O eminente Ministro Eros Grau fez finca-pé na inexistência de fonte normativa
expressa com relação ao Presidente do Senado, que o obrigasse a suprir a omissão das
lideranças partidárias e indicar os membros da CPI. Mas, com todas as vênias, em matéria
de mandado de segurança, é uma doutrina que, após certas vacilações dos primeiros
anos, se firmou: o pressuposto do mandado de segurança, o chamado direito líquido e
certo, está todo na certeza quanto à sua base empírica, quanto aos fatos. A mim não parece
heterodoxo, portanto, que havendo omissão – e já se disse, aqui, hoje, não omissão
eloqüente, mas verdadeira omissão –, da norma regimental, que se recorra à analogia para
supri-la. Afinal de contas, analogia não é nem doutrina nem jurisprudência, é forma de
integração do ordenamento jurídico. Logo, a questão de aplicação de integração
analógica de uma lacuna é absolutamente jurídica, que pode, sim, com todas as vênias, ser
deslindada em mandado de segurança.
Ademais, embora acompanhando integralmente a demonstração feita pelo Ministro
Celso de Mello do cabimento da invocação analógica do Regimento Interno da Câmara
R.T.J. — 200
1195
dos Deputados para situação análoga, se tivesse algum constrangimento de recorrer ao
Regimento Interno da Câmara dos Deputados, tão zelosas são as duas Casas do Congresso Nacional de sua recíproca independência, a mim bastaria o art. 85 do Regimento
Interno do Senado Federal, a que Vossa Excelência, Senhor Presidente, e eu mesmo já
nos referimos.
Diz o dispositivo:
Art. 85. Em caso de impedimento temporário de membro da comissão e não
havendo suplente a convocar, o Presidente desta solicitará à Presidência da Mesa a
designação de substituto [e segue-se uma norma que dá ampla liberdade para o Presidente do
Senado evitar que se inviabilize o funcionamento da Comissão de Inquérito, porque dispõe], devendo a escolha recair em Senador do mesmo partido ou bloco parlamentar do substituído,
salvo se os demais representantes do partido ou bloco não puderem ou não quiserem
aceitar a designação.
Permite-se, assim, e a meu ver corretamente, que até a norma do respeito à
proporcionalidade, quanto possível, pode ser afastada, se necessário.
Por essas razões, ratificando o voto proferido na primeira assentada destes casos,
peço vênia ao eminente Ministro Eros Grau para subscrever o voto, sem favor magistral,
do eminente Relator, Ministro Celso de Mello.
VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Também observo que a regra do § 3º do
art. 58 da Constituição, quando diz que “serão criadas (...) mediante requerimento de um
terço de seus membros”, institui aquilo que poderíamos chamar, em técnica jurídica ou em
teoria geral do Direito, de um direito subjetivo constitucional potestativo, ou, querendo
seguir a linha do Ministro Gilmar Mendes, que referiu Pontes de Miranda, direito
formativo gerador, que são direitos satisfeitos independentemente de prestação, ou seja,
criam um estado de sujeição ao seu destinatário. Aqui há, portanto, a sujeição, independentemente de deferimento – claro que obedecidos os pré-requisitos constitucionais.
Estamos perante um direito potestativo que deve ser admitido. Não avanço, restrinjo-me
exclusivamente ao fato, e o fato que deu origem ao mandado de segurança diz respeito à
circunstância de não ter sido feita a indicação pelo Presidente do Senado.
Exercendo a memória parlamentar, lembro quando houve o requerimento para instalação da comissão mista parlamentar de inquérito, a fim de apurar as denúncias quanto ao
Senhor José Carlos Alves dos Santos, que ficou conhecida como a “CPI do Orçamento”,
o Presidente do Senado, Mauro Benevides, requereu às lideranças partidárias da Câmara
e do Senado a indicação dos membros para a composição da comissão mista e, obedecendo
a praxe da relação Senado/Câmara, cientificou ao Presidente da Câmara, à época, que
fizesse a indicação dos membros da comissão mista que integrariam, por parte da Câmara
dos Deputados. O Presidente da Comissão, à época, não intimou as lideranças partidárias,
estas não fizeram a indicação. O Presidente da Câmara, portanto, deixou de indicar, inclusive publicou, entendeu e arquivou o requerimento de indicação. O que importaria no
arquivamento da Comissão Parlamentar de Inquérito. Mas, ao fim e ao cabo, acabou sendo
instalada exatamente por iniciativa do Presidente do Senado, porque pretenderam acusar
1196
R.T.J. — 200
o Senador Mauro Benevides, na ocasião, de desídia no cumprimento da sua obrigação, e ele
mostrou que isso estava dependendo da situação da Câmara. Então, é a mesma situação.
Agora, eu não gostaria de tirar ilações muito amplas em relação ao fato para que,
neste Mandado de Segurança, eventualmente começássemos a prever situações futuras
que não são objeto de análise, ou seja, o objeto do mandado de segurança é exclusivamente o problema da criação, da designação dos membros faltantes pelo Presidente do
Senado. Inclusive, o Ministro Carlos Velloso fez um acréscimo à conclusão do voto do
Ministro Celso de Mello porque ele se referiu à obediência ao § 1º do art. 58, ou seja, a
obediência à representação proporcional dos partidos. Vossa Excelência fez esse acréscimo que não consta da sua conclusão.
Assim, gostaria de acompanhar o Relator nestes termos, ou seja, o que estamos
decidindo é exclusivamente a designação de seus membros, esse é o objeto, que o Presidente do Senado deverá fazer nos termos referidos pelo voto do Relator, obedecido o § 1º
do art. 58. Agora, quando falarmos em funcionamento, isso é outro problema: o funcionamento, atingir as suas funções, aí estamos entrando em um problema de quorum, maioria,
que não está sendo objeto desta segurança. Então, consultaria o Relator no sentido de
ficarmos com a primeira parte final da sua disposição, no sentido de determinar que o
Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, mediante aplicação analógica do
art. 28, § 1º, do Regimento Interno – faria um gancho em relação à regra do art. 85 do
Regimento Interno do Senado –, faça ele próprio a designação dos membros faltantes dos
senadores que comporão a designada “CPI dos Bingos”, obedecido o § 1º do art. 58 da
Constituição.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Conservando essa representação partidária.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Exato, é o problema da proporcionalidade.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Evita até novo mandado de segurança.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Senhor Presidente, explicito a parte
dispositiva de meu voto, esclarecendo que este mandado de segurança é deferido com o
objetivo de determinar que o Senhor Presidente do Senado Federal, mediante aplicação
analógica do art. 28, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, c/c o art. 85,
“caput”, do Regimento Interno do Senado Federal, faça, ele próprio, a designação dos
nomes faltantes dos Senadores que irão compor a denominada “CPI dos Bingos”, garantindo-se, desse modo, à parte ora Impetrante, que compõe a minoria legislativa no Senado
da República, o direito à efetiva composição da Comissão Parlamentar de Inquérito de que
trata o Requerimento 245/04.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aí fica resolvido.
Para concluir o meu voto, não posso deixar de fazer uma referência ao eminente
Advogado, o procurador dos Senadores Pedro Simon e Jefferson Peres, que, quando da
sustentação oral, tentou fazer uma demonstração algébrica de que um é igual a dois.
Não posso deixar de fazer, em homenagem ao conterrâneo e amigo Werner Becker,
conhecidíssimo no Sul e aqui em Brasília, para dizer que, em termos lógicos, o eminente
procurador cometeu aquilo que, em lógica, se chama falácia de atinência, e essa chamada
falácia de atinência está em que ele promoveu um salto lógico não autorizado, colocou de
R.T.J. — 200
1197
um lado notações variáveis de enunciado lógico, sem conteúdo material, com variáveis de
enunciados matemáticos, que têm conteúdo material e, ao fazer a ligação entre aquilo que
é meramente formal e os conteúdos materiais decorrentes dos números, que têm quantum
material, dá-se aquilo que se chama em lógica – isso é palavra dos medievais – de
atinência.
EXTRATO DA ATA
MS 24.831/DF — Relator: Ministro Celso de Mello. Impetrantes: Pedro Jorge Simon
e outro (Advogados: Rodrigo Frantz Becker e outro). Impetrado: Presidente do Senado
Federal. Litisconsortes passivos: Líder do Bloco Parlamentar de Apoio ao Governo no
Senado Federal, Senadora Ideli Salvatti (Advogados: Adriana Mourão Romero e outro);
Líder do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, Senador Duciomar Gomes da Costa; e Líder
do Partido Socialista Brasileiro – PSB, João Alberto Rodrigues Capiberibe (Advogados:
Antonio Tavares Vieira Netto e outros).
Decisão: O Tribunal, por maioria, rejeitou as questões preliminares suscitadas neste
processo, inclusive aquela proposta pelo Ministro Eros Grau. Prosseguindo no julgamento, e também por votação majoritária, o Tribunal concedeu o mandado de segurança, nos
termos do voto do Relator, para assegurar à parte impetrante o direito à efetiva composição da Comissão Parlamentar de Inquérito de que trata o Requerimento 245/04, devendo
o Presidente do Senado, mediante aplicação analógica do art. 28, § 1º, do Regimento
Interno da Câmara dos Deputados, c/c o art. 85, caput, do Regimento Interno do Senado
Federal, proceder, ele próprio, à designação dos nomes faltantes dos Senadores que irão
compor esse órgão de investigação legislativa, observado, ainda, o disposto no § 1º do
art. 58 da Constituição da República, vencido o Ministro Eros Grau. Votou o Presidente,
Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 22 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
1198
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MANDADO DE SEGURANÇA 24.875 — DF
Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence
Impetrantes: Djaci Alves Falcão e outro — Impetrados: Presidente do Supremo
Tribunal Federal e Supremo Tribunal Federal
I - Ministros aposentados do Supremo Tribunal Federal: proventos
(subsídios): teto remuneratório: pretensão de imunidade à incidência do teto
sobre o adicional por tempo de serviço (ATS), no percentual máximo de 35%
e sobre o acréscimo de 20% a que se refere o art. 184, III, da Lei 1.711/52,
combinado com o art. 250 da Lei 8.112/90: mandado de segurança deferido,
em parte.
II - Controle incidente de constitucionalidade e o papel do Supremo
Tribunal Federal.
Ainda que não seja essencial à decisão da causa ou que a declaração de
ilegitimidade constitucional não aproveite à parte suscitante, não pode o Tribunal – dado o seu papel de “guarda da Constituição” – furtar-se a enfrentar
o problema de constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. SE 5.206AgR, 8-5-97, Pertence, RTJ 190/908; Inq 1.915, 5-8-04, Pertence, DJ de 5-804; RE 102.553, 21-8-86, Rezek, DJ de 13-2-87).
III - Mandado de segurança: possibilidade jurídica do pedido: viabilidade do controle da constitucionalidade formal ou material das emendas à
Constituição.
IV - Magistrados. Subsídios, adicional por tempo de serviço e o teto do
subsídio ou dos proventos, após a EC 41/03: argüição de inconstitucionalidade, por alegada irrazoabilidade da consideração do adicional por tempo de serviço, quer na apuração do teto (EC 41/03, art. 8º), quer na das remunerações a ele sujeitas (art. 37, XI, CF, cf. EC 41/03): rejeição.
1. Com relação a emendas constitucionais, o parâmetro de aferição de
sua constitucionalidade é estreitíssimo, adstrito às limitações materiais,
explícitas ou implícitas, que a Constituição imponha induvidosamente ao
mais eminente dos poderes instituídos, qual seja o órgão de sua própria
reforma.
2. Nem da interpretação mais generosa das chamadas “cláusulas
pétreas” poderia resultar que um juízo de eventuais inconveniências se convertesse em declaração de inconstitucionalidade da emenda constitucional
que submeta certa vantagem funcional ao teto constitucional de vencimentos.
3. No tocante à magistratura – independentemente de cuidar-se de uma
emenda constitucional –, a extinção da vantagem, decorrente da instituição
do subsídio em “parcela única”, a nenhum magistrado pode ter acarretado
prejuízo financeiro indevido.
4. Por força do art. 65, VIII, da Loman (LC 35/79), desde sua edição, o
adicional cogitado estava limitado a 35% calculados sobre o vencimento e a
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.
1199
representação mensal (Loman, art. 65, § 1º), sendo que, em razão do teto
constitucional primitivo estabelecido para todos os membros do Judiciário,
nenhum deles poderia receber, a título de ATS, montante superior ao que
percebido por Ministro do Supremo Tribunal Federal, com o mesmo tempo de
serviço (cf. voto do Ministro Néri da Silveira na ADI 14, RTJ 130/475,483).
5. Se assim é – e dada a determinação do art. 8º da EC 41/03, de que, na
apuração do “valor da maior remuneração atribuída por lei (...) a Ministro
do Supremo Tribunal Federal”, para fixar o teto conforme o novo art. 37, XI,
da Constituição, ao vencimento e à representação do cargo, se somasse a
“parcela recebida em razão do tempo de serviço” –, é patente que, dessa
apuração e da sua aplicação como teto dos subsídios ou proventos de todos
os magistrados, não pode ter resultado prejuízo indevido no tocante ao adicional questionado.
6. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que não pode o agente
público opor, à guisa de direito adquirido, a pretensão de manter determinada
fórmula de composição de sua remuneração total, se, da alteração, não decorre
a redução dela.
7. Se dessa forma se firmou quanto a normas infraconstitucionais, isso
se há de entender, no caso, em relação à emenda constitucional, na qual os
preceitos impugnados, se efetivamente aboliram o adicional por tempo de
serviço na remuneração dos magistrados e servidores pagos mediante subsídio, é que neste – o subsídio – foi absorvido o valor da vantagem.
8. Não procede, quanto ao ATS, a alegada ofensa ao princípio da
isonomia, já que, para ser acolhida, a argüição pressuporia que a Constituição
mesma tivesse erigido o maior ou o menor tempo de serviço em fator compulsório do tratamento remuneratório dos servidores, o que não ocorre, pois o
adicional correspondente não resulta da Constituição, que apenas o admite,
mas, sim, de preceitos infraconstitucionais.
V - Magistrados: acréscimo de 20% sobre os proventos da aposentadoria (art. 184, III, da Lei 1.711/52, c/c o art. 250 da Lei 8.112/90) e o teto
constitucional após a EC 41/03: garantia constitucional de irredutibilidade
de vencimentos: intangibilidade.
1. Não obstante cuidar-se de vantagem que não substantiva direito
adquirido de estatura constitucional, razão por que, após a EC 41/03, não
seria possível assegurar sua percepção indefinida no tempo, fora ou além do
teto a todos submetido, aos impetrantes, porque magistrados, a Constituição
assegurou diretamente o direito à irredutibilidade de vencimentos – modalidade qualificada de direito adquirido, oponível às emendas constitucionais
mesmas.
2. Ainda que, em tese, se considerasse susceptível de sofrer dispensa
específica pelo poder de reforma constitucional, haveria de reclamar para
tanto norma expressa e inequívoca, a que não se presta o art. 9º da EC 41/03,
1200
R.T.J. — 200
pois o art. 17 do ADCT, a que se reporta, é norma referida ao momento inicial
de vigência da Constituição de 1988, no qual incidiu e, neste momento, pelo
fato mesmo de incidir, teve extinta a sua eficácia; de qualquer sorte, é mais
que duvidosa a sua compatibilidade com a “cláusula pétrea” de indenidade
dos direitos e garantias fundamentais outorgados pela Constituição de 1988,
recebida como ato constituinte originário.
3. Os Impetrantes – sob o pálio da garantia da irredutibilidade de vencimentos – têm direito a continuar percebendo o acréscimo de 20% sobre os
proventos, até que seu montante seja absorvido pelo subsídio fixado em lei
para o Ministro do Supremo Tribunal Federal.
VI - Mandado de segurança contra ato do Presidente do Supremo
Tribunal: questões de ordem decididas no sentido de não-incidência, no
caso, do disposto no art. 205, parágrafo único e inciso II, do RISTF, que têm
em vista hipótese de impedimento do Presidente do Supremo Tribunal, não
ocorrente no caso concreto.
1. O disposto no parágrafo único do art. 205 do RISTF só se aplica ao
Ministro Presidente que tenha praticado o ato impugnado e não ao posterior
ocupante da Presidência.
2. De outro lado, o inciso II do parágrafo único do art. 205 do RISTF
prevê hipótese excepcional, qual seja, aquela em que, estando impedido o
presidente do STF, porque autor do ato impugnado, o Tribunal funciona com
número par, não sendo possível solver o empate.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, deferir, em parte, o
mandado de segurança, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 11 de maio de 2006 — Sepúlveda Pertence, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Presidente do Supremo Tribunal Federal –
para fazer cumprir deliberação administrativa do Plenário – determinou a redução dos
proventos da aposentadoria dos Impetrantes ao limite constitucional, de acordo com o
comando da EC 41/03, que deu nova redação ao art. 37, XI, da Constituição.
2. Daí o mandado de segurança1, que alega, em síntese, a inconstitucionalidade das
expressões “pessoais ou” (inciso XI do art. 37 da CF, na redação da EC 41/03) e “e da
parcela recebida em razão de tempo de serviço” (art. 8º da EC 41/03), para garantir aos
1
Como autoridades coatoras, figuram o Presidente e o próprio Supremo Tribunal Federal.
R.T.J. — 200
1201
Impetrantes o direito de continuarem recebendo os valores discriminados como “adicional por tempo de serviço e vantagem artigo 184 – III – inativo”.
3. Indeferi a liminar nestes termos:
Os Impetrantes – Djaci Alves Falcão, Francisco Manoel Xavier de Albuquerque, Luiz
Rafael Mayer e Oscar Dias Corrêa, todos Ministros do Supremo Tribunal Federal aposentados –
impetraram mandado de segurança com pedido liminar contra atos do Presidente da Casa e da
própria Corte, na determinação e na aplicação sobre os seus respectivos proventos de aposentadoria do limite imposto pelo art. 37, XI, da Constituição, à vista da redação ditada pela EC 41, de
19 de dezembro de 2003.
Recordam que compõem os proventos de cada um duas parcelas correspondentes a nítidas
vantagens pessoais – o adicional máximo de 35% por tempo de serviço e o acréscimo de 20%, por
se haverem aposentado no exercício de cargo isolado no qual permaneceram por mais de três anos
(Lei 1.711/52, art. 184, III, e Lei 8.112/90, art. 250).
Tais vantagens de caráter pessoal somam-se aos proventos – iguais aos vencimentos do
cargo, de R$ 3.989,81, e à representação de R$ 8.857,38 – para totalizar em R$ 20.812,44 a
remuneração mensal de inatividade de cada um dos Impetrantes.
Sucede que a EC 41/03 alterou o texto originário do art. 37, XI, da Constituição da
República – que se mantivera eficaz, malgrado a alteração prescrita na EC 19/98, à falta da lei
prevista no art. 48, XV – de modo a dispor, no que interessa, que “os proventos, pensões ou outra
espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou
de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal”.
Contém mais a EC 41/03 disposição transitória, o art. 8º, segundo o qual, “até que seja
fixado o valor do subsídio de que trata o art. 37, XI, da Constituição Federal, será considerado,
para os fins do limite fixado naquele inciso, o valor da maior remuneração atribuída por lei na data
de publicação desta Emenda a Ministro do Supremo Tribunal Federal, a título de vencimento, de
representação mensal e da parcela recebida em razão de tempo de serviço (...)”.
Em sessão administrativa de 5 de fevereiro de 2004, o Tribunal, para os fins desse art. 8º
da EC 41/03, fixou em R$ 19.115,19 a aludida maior remuneração de Ministro seu, correspondente ao vencimento (R$ 3.989,81), à representação mensal (R$ 10.628,86) – nela incluída a
de R$ 1.771,48, paga ao Presidente da Corte – e ao adicional de 35% por tempo de serviço (R$
4.496,52).
Argúem os Impetrantes a inconstitucionalidade da alusão, no art. 37, XI, da CF, às vantagens pessoais e, no art. 8º da EC 41/03, especificamente, à “parcela recebida em razão do
tempo de serviço”, que é, “ontologicamente, vantagem pessoal ou individual”.
Reputam indevida, por isso, a inclusão do adicional por tempo de serviço no teto provisório
declarado na decisão administrativa do Tribunal e a execução que lhe deu o Presidente da Corte,
ao determinar à Secretaria a imediata redução de vencimentos, proventos e pensões incluídos na
folha de pagamento da Casa, na medida em que superassem o questionado limite.
Da decisão administrativa e do ato presidencial executivo, aduzem os Requerentes, resultou, para cada um deles, a perda mensal de quase a metade da vantagem que percebiam com base
no art. 184, III, do antigo Estatuto (Lei 1.711/52), pois, esclarecem, não fora essa parcela, seus
ganhos mensais não ultrapassariam o limite estabelecido.
Invocando precedentes e citando doutores, os peticionários dão por pressuposta a admissibilidade da argüição de inconstitucionalidade de normas ditadas por emendas à Constituição.
E passam à densa sustentação das inconstitucionalidades argüidas, que afinal se reduzem,
acentuam, a uma única questão constitucional, “a da neutralidade, em matéria de teto, das
vantagens pessoais, tanto para quantificá-lo como, para, uma vez quantificado, fazê-lo incidir”.
Recordam a jurisprudência firmada no Tribunal – desde o primeiro ano de vigência da
Constituição – e a partir da ADI 14 –, no sentido da imunidade ao teto das vantagens de caráter
individual.
Certo, aduz a petição, não mais sobrevivem às emendas os textos primitivos dos arts. 37, XI,
e 39, § 1º, da Constituição, à luz dos quais se assentou o entendimento da Corte.
1202
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Nem por isso, replicam, a lição pretoriana perdeu o seu préstimo: é que as novas regras são
obra do constituinte derivado, sujeito a limitações formais e materiais da Constituição, nestas
incluída a reverência devida à razoabilidade ou racionalidade da emenda, ou “à proporcionalidade,
enfim, dos meios e fins nela envolvidos”.
“A nada disso presta reverência” a norma que pretende incluir as vantagens pessoais no
cotejo com o teto – conforme o novo art. 37, XI – nem a que as considera para o cálculo do próprio
teto (EC 41/03, art. 8º).
A inovação, argúem os Requerentes, não é apenas irracional, mas fere também o princípio
da isonomia, “por constituir mecanismo igualador de desiguais”, na medida em que, ao cortá-la da
remuneração de quem a elas tem direito, a remuneração deles se igualaria à dos que não fazem jus,
nem nunca fizeram, ao plus da vantagem.
Insistem na validez do critério da razoabilidade – seja qual for o seu alicerce positivo da Lei
Fundamental (assim, v.g., o Estado de Direito Democrático, o princípio da legalidade ou a
garantia do devido processo) –, tanto que a jurisprudência do STF o tem acolhido como
parâmetro no controle da constitucionalidade de normas.
Invocam Manuel Ferreira Filho para tachar de despautério – portanto, irrazoável –
incluir sob o teto vantagens pro labore facto, pois, como assinala o autor, “são vantagens
pessoais que, por sua índole, variam de servidor para servidor e, resultando de situações objetivas,
como tempo de serviço, não podem ser subtraídas de qualquer um, sem violação do princípio da
igualdade”.
Finalmente – e quando não fossem inconstitucionais as normas questionadas da EC 41/03 –
os Impetrantes opõem à incidência sobre sua própria situação individual a garantia do direito
adquirido.
Recordam decisões do Supremo Tribunal no sentido da inoponibilidade do direito adquirido
à aplicação de normas constitucionais, fossem elas originárias ou derivadas.
São todos, contudo, redargúi a impetração, julgados anteriores à Constituição de 1988,
que incluiu, no rol das chamadas “cláusulas pétreas”, os “direitos e garantias individuais” (art.
60, § 4º, IV), limitação que – sustentam, com ênfase – resguarda, contra a emenda constitucional,
“não apenas a garantia (abstrata) dos direitos adquiridos (...), mas, também, esses próprios
(e concretos) direitos individuais porventura configurados, em casos determinados, como
adquiridos”.
Evocam-se julgados de épocas diversas que reconheceram o direito adquirido do aposentado ou do servidor que já reunira os requisitos para a inatividade, contra a aplicação de teto de
remuneração imposto por lei ulterior.
Dedica-se ainda a petição a afastar, com relação à impugnada decisão administrativa do
Tribunal, o óbice da Súmula 266, que assentou o descabimento do mandado de segurança contra o
ato normativo em tese.
Postulam os Requerentes provimento liminar que “mande suspender os efeitos dos atos que
dão motivo ao pedido veiculado na impetração”.
O fumus boni juris, argumentam, ressai da fundamentação do pedido, cujos pontos nodais
estão todos apoiados por julgados do Tribunal.
Presente também, aduzem, o pressuposto do periculum in mora:
“O servidor público faz juz à percepção, mês a mês, da remuneração que lhe toca,
nos níveis legalmente estabelecidos. Nem mais, nem menos: presume-se que tais níveis
sejam suficientes, mas também essenciais à subsistência – e aqui desponta a conotação
alimentar da prestação – sua e da família. Seria inconcebível – ‘horresco referens’ – que lhe
suspendesse, pura e simplesmente, a administração; mas é também inadmissível que lhe
dispense, irredutível que a faz a Constituição, em níveis inferiores aos devidos. E não há
ignorar que é inferior à devida, a remuneração diminuída por efeito de corte ou retenção
que se lhe imponha em nome da aplicação de teto remuneratório carente, como este de que
aqui se trata, de legitimidade.
(...)
De fato – prosseguem –, a percepção integral da remuneração mensal é essencial –
basta lembrar-se a irredutibilidade constitucional que a protege – à satisfação cotidiana das
necessidades ordinárias do servidor e sua família. A negativa desta integralidade lhe acarreta,
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1203
relativamente à porção sonegada mês a mês, indisponibilidade produtora de privação ou
carência que traduzem lesão definitiva e irreversível. Pode ser temporária, até momentânea, a carência que dela se presume advir ao servidor. Ainda assim, adere-lhe indestacavelmente à existência como momento de vida que se não dissipa pelo tempo afora,
mesmo que afinal sobrevenha, como aqui certamente ocorrerá, a concessão da segurança.
Também não milita contra a proteção liminar aqui suplicada, a circunstância de dita porção
se ir acumulando mensalmente para ser liberada de uma só vez, mas a duras penas, em
futuro distante e incerto. A remuneração do agente público, com efeito, tem vocação de
subsistência e não de capitalização.”
Finalmente, entrega-se a petição a demonstrar não coibir, na espécie, a concessão da liminar
nenhum dos vetos legais ao seu deferimento (Lei 4.348/64, art. 5º; Lei 5.021/66, art. 1º, § 4º): nem
se trata de “reclassificação ou equiparação de servidores”, nem “de aumento ou extensão de vantagens”, nem “de pagamento de vencimento e vantagens pecuniárias”, mas sim “de obstar, nos
pagamentos subseqüentes à concessão da suplicada liminar e, mais tarde, da própria segurança, o
corte ilegítimo ou a retenção descabida, um e outra pretextados pela aplicação de teto espúrio”.
Decido da liminar.
O resumo a que procedi da impetração evidencia a densa plausibilidade dos seus fundamentos.
Seria temerário, contudo, neste primeiro exame de delibação, ir além do juízo de evidente
plausibilidade para antecipar a virtual certeza da pretensão deduzida pelos Impetrantes.
É pedra angular do raciocínio desenvolvido com brilho na impetração a oponibilidade à
própria emenda constitucional de cada direito adquirido concreto, seja qual for a sua fonte – e não
apenas da garantia constitucional dos direitos adquiridos contra a incidência de normas
infraconstitucionais supervenientes.
É tema, contudo, no qual a solução afirmativa – não obstante o peso das adesões doutrinárias conquistadas nos últimos anos – ainda pende de madura reflexão do Supremo Tribunal, dada
sua altíssima ressonância institucional.
Replicam os Impetrantes que, havendo julgados da Corte que lhes favorecem a tese, da
existência de outros, em sentido contrário, não resulta que se possa negar a relevância da fundamentação do pedido.
Esto modus in rebus.
Na delibação da causa para o fim de calçar provimento liminar, o fumus boni juris não se
há de afirmar unilateralmente, da simples consideração da boa estruturação lógico-jurídica do
raciocínio dos Requerentes e com total abstração das objeções que se lhe possam antepor.
De outro lado, sem negar a qualificação alimentar da remuneração do servidor público, é
impossível extrair dela, por si só, o periculum in mora, sem tomar em conta a modéstia da
parcela questionada na soma da remuneração dos Impetrantes e, em caso de decisão favorável, a
garantia de sua percepção sem delongas.
Esse o quadro, indefiro a liminar.
4. É este o teor das informações prestadas:
Em atenção ao Ofício 1.233/R, em que Vossa Excelência requer informações acerca do MS
24.875, tenho a dizer que, em razão da entrada em vigor da Emenda Constitucional 41, de
19-12-03, publicada no DO de 31-12-03, que introduziu profundas alterações no regime de
previdência dos servidores públicos, além de estabelecer novas regras para a fixação do teto
remuneratório, a partir de 1º de janeiro de 2004, foi instaurado o Processo Administrativo
319.269 e posteriormente convocada sessão administrativa para o dia 5-2-04, com o objetivo
específico de deliberar sobre a quantificação da maior remuneração paga a Ministro do Supremo
Tribunal, para efeito de fixação do teto do funcionalismo público, consoante previsão do art. 8º
da referida Emenda Constitucional.
Conforme se vê da Ata da Primeira Sessão Administrativa de 2004, os membros desta
Corte decidiram, por maioria, que o valor da maior remuneração paga a Ministro do Supremo
Tribunal Federal é de R$ 19.115,19 (dezenove mil, cento e quinze reais e dezenove centavos),
.
1204
R.T.J. — 200
vencido o Ministro Marco Aurélio, para quem deveria ser de R$17.343,70 (dezessete mil, trezentos
e quarenta e três reais e setenta centavos), abstraído o adicional de 20% (vinte por cento),
referente à representação mensal devida ao Presidente por força do Decreto-Lei 1.525/77.
Os fundamentos que embasaram a deliberação dos membros desta Corte estão no Processo
Administrativo 319.269, cuja cópia segue anexada.
5. O parecer do em. Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, é pelo deferimento da segurança. Colhe-se do parecer:
20. Respondo que é legal excluir-se do subsídio-teto as vantagens pessoais que significam, que expressam, a consolidação de direito adquirido.
21. E essas, pela óbvia natureza das coisas, são as vantagens pessoais pro labore facto,
ou seja, pelo trabalho feito, pelo trabalho completado, por isso expressão de realidade, que
se faz direito adquirido.
22. Para usarmos o trecho definitivo e elegante da impetração com o contributo igualmente
definitivo e elegante do em. Min. Célio Borja, verbis:
“vantagens que inerem não ao cargo, mas ao servidor, de quem são atributo e
apanágio”. (item 19 – fls. 15)
23. As mais vantagens, as de natureza pro labore faciendo e “as espécies remuneratórias de
qualquer natureza que hajam sido fixadas ilegitimamente”, como adverte Diogo de Figueiredo
Moreira Neto in: Mutações do Direito – p. 278 – item 4/2, grifamos) sobre estas há de incidir
o subsídio-teto.
24. Somos pela concessão da segurança a que se restabeleça o direito dos impetrantes de
não terem compreendidas, no subsídio-teto, as vantagens pessoais de natureza pro labore facto,
assim dando-se interpretação conforme à expressão “as vantagens pessoais ou de qualquer
outra natureza” presente no inciso XV, do artigo 37 (redação da EC 41/2003), declarada a
inconstitucionalidade da expressão “e da parcela recebida em razão de tempo de serviço”,
presente no artigo, da EC. nº 41/03, incidenter tantum.
6. Com a morte do eminente Ministro Oscar Dias Corrêa, ocorrida em 30-11-05,
determinei a manifestação dos seus ilustres procuradores, que, em resposta, requereram a extinção do processo sem julgamento do mérito em relação ao saudoso Ministro
(fl. 147).
É o relatório.
VOTO
I
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): A viabilidade do controle da constitucionalidade formal ou material das emendas à Constituição – que se pode dar por assente
no direito comparado – é, no Brasil, diversamente de muitos países, prática incontroversa
deste Tribunal2 – desde a única reforma à Constituição da Primeira República3, retomada
2
Cf. PERTENCE, J. P. Sepúlveda. O controle de constitucionalidade das emendas constitucionais pelo
STF: Crônica de jurisprudência. In: MODESTO, Paulo; MENDONÇA, Oscar (Orgs.). Direito do Estado.
Max Limonad, 2001, p. 203; SILVEIRA, José Néri da. A reforma constitucional e o controle da sua
constitucionalidade, n. 64/201.
3
HC 18.178, 1º-10-26, Muniz Barreto, Arq. Judiciário, 1931, n. 5/342.
R.T.J. — 200
1205
sob a Carta de 19694 e, com mais freqüência e diversas declarações positivas de
invalidade, sob o regime de 1988, vigente5.
2. De sua vez, dos atos questionados – a decisão administrativa do Tribunal, de
5-2-04, e, particularmente, os atos executórios do seu então Presidente, Ministro Maurício
Corrêa –, decorreu a redução dos proventos dos Ministros aposentados impetrantes.
3. Patentes, desse modo, a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a
legitimação para a causa, conheço do mandado de segurança.
II
4. Dois são os fundamentos estruturais da petição inicial, de primorosa lavra.
5. Diz o primeiro com a inconstitucionalidade parcial de dois preceitos da EC 41/03:
o novo art. 37, XI, da Constituição6 e a disposição transitória do seu art. 8º7: aquele, o art.
37, XI, no tópico que sujeita ao teto de remunerações e subsídios, que estabelece, “as
vantagens pessoais”; e o outro, o art. 8º da própria EC 41/03, no que, para o cálculo do
subsídio de Ministro do Supremo Tribunal Federal – a fim de servir como o teto referido –
manda somar, ao vencimento e à representação mensal, “a parcela recebida em razão do
tempo de serviço”.
4
MS 20.257, 8-10-80, RTJ 99/230.
5
V.g., ADI 830, 14-4-93, Moreira Alves; ADI 926-MC, 1º-3-93, Sydney Sanches, 17-5-96, RTJ 152/
85; ADI 939-MC, 15-12-93, Sydney Sanches, DJ de 17-12-93; ADI 1.420, 15-7-96, Néri da Silveira,
DJ de 19-12-97; ADI 1.497-MC, 9-10-96, Marco Aurélio, vencido, DJ de 13-12-2002; ADI 1.749-MC,
18-12-97, Gallotti, 2-2-98; ADI 2.031-MC, 29-9-99, Gallotti, DJ de 6-10-99; ADI 1.196-MC, 16-295, Pertence, DJ de 24-3-95; ADI 3.105, 18-8-04, Peluso, DJ de 18-2-05; ADI 2.024-MC, 27-10-99,
Pertence, RTJ 176/160, DJ de 1º-12-00.
6
Art. 37, XI: “a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da
administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes
políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não,
incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em
espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o
subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do
Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o
subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco
centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no
âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores
e aos Defensores Públicos.”
7 EC 41/03, art. 8º: “Até que seja fixado o valor do subsídio de que trata o art. 37, XI, da Constituição
Federal, será considerado, para os fins do limite fixado naquele inciso, o valor da maior remuneração
atribuída por lei na data de publicação desta Emenda a Ministro do Supremo Tribunal Federal, a título de
vencimento, de representação mensal e da parcela recebida em razão de tempo de serviço, aplicando-se
como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio
mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no
âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa
inteiros e vinte e cinco centésimos por cento da maior remuneração mensal de Ministro do Supremo
Tribunal Federal a que se refere este artigo, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos
membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.”
1206
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6. Certo, admitem os Requerentes, já não sobrevivem as dicções originais do art. 37,
XI, e do art. 39, § 1º, da Constituição, de cuja interpretação conjugada partiu a jurisprudência do Supremo Tribunal para subtrair as vantagens individuais dos servidores públicos dos tetos constitucionais primitivos.
7. Não obstante, sustentam, pela própria “natureza das coisas”, tal como se asseverou no leading case daquela orientação pretoriana – ADI 14, 28-8-89, Célio Borja, RTJ
130/475 –, as vantagens pessoais “não integram os vencimentos dos cargos” (...), “mas
são atributo e apanágio do servidor”, de tal modo, aduzem, a constituir absurdo e
despautério8 a sua consideração, quer na apuração do teto (EC 41/03, art. 8º), quer na das
remunerações a ele sujeitas (art. 37, XI, cf. EC 41/03): e extraem daí a inconstitucionalidade
dos tópicos impugnados da emenda, por manifesta irrazoabilidade.
8. Integravam os proventos anteriormente percebidos pelos Impetrantes – que são
Ministros do Supremo Tribunal Federal aposentados, após mais de 35 anos de serviço
público – duas inequívocas vantagens pessoais, deferidas pro labore facto: primeiro, o
adicional por tempo de serviço – no limite máximo correspondente a 5% por até sete
qüinqüênios9 – e, segundo, o já extinto acréscimo de 20% sobre os proventos, anteriormente concedidos aos aposentados em cargos isolados que os tivessem ocupado por
mais de três anos10.
9. No tocante à primeira das vantagens pessoais mencionadas – o adicional por
tempo de serviço –, confesso não haver logrado compreender, de início, qual o interesse
dos Impetrantes na argüição da inconstitucionalidade parcial do novo art. 37, XI, da
Constituição, e do art. 8º da emenda que o alterou: é que percebiam todos eles, como
proventos de inatividade – além do mesmo vencimento e de idêntica representação mensal – a mesma parcela de R$ 4.496,51, então devida aos Ministros em atividade que haviam
alcançado o limite legal de sete qüinqüênios, por isso considerada, na conformidade do
art. 8º da EC 41/03, para o cálculo do teto provisório.
10. É certo, porém, que a declaração de inconstitucionalidade pleiteada – que implicaria a redução do teto provisório à soma do vencimento e da representação mensal e
liberaria da sua incidência quaisquer vantagens de ordem pessoal – lhes asseguraria, por
si só, a continuidade da percepção integral do acréscimo de 20% sobre os proventos.
11. Por outro lado, firmou-se a jurisprudência da Casa – a partir do MS 20.503, 30-1085, JSTF Lex 159/90v. – em que, suscitada incidentemente a inconstitucionalidade de um
ato normativo, o Supremo Tribunal – guarda da Constituição – há de resolver a questão,
ainda (a) que não seja necessária à decisão da causa11 ou (b) que a declaração de ilegitimidade constitucional não aproveite à parte suscitante12.
8 Cf. FERREIRA FILHO, Manoel G. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Saraiva, 1990, p.
252-3.
9
LC 35/70 – Loman – art. 65, VIII.
10
Cf. Lei 1.711/52, art. 184, III; Constituição de 1967, art. 177, § 1º; Lei 8.112/90, art. 250.
11
V.g. SE 5.206-AgR, 8-5-97, DJ de 30-4-04, Pertence, RTJ 190/908; Inq 1.915, 5-8-04, Pertence, DJ
de 5-8-04.
12
V.g. RE 102.553, 21-8-86, Rezek, DJ de 13-2-87.
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1207
12. No caso, entretanto, não me convenci das inconstitucionalidades argüidas.
13. Certo, o adicional por tempo de serviço (ATS) substantivou por décadas vantagem pessoal atribuída a todos os agentes públicos da União13 – e foi imitada pela generalidade de Estados e Municípios.
14. Reconheço, de seu turno, as inconveniências, para os agentes públicos organizados em carreira – incluída a da magistratura e a do Ministério Público –, do explícito ou
virtual desaparecimento do ATS no direito brasileiro, sublinhadas pelo estudo referido do
IPRU, oferecido pela AMB à consideração do Tribunal14.
15. Na mesma linha, com relação especialmente à magistratura, anoto as ponderações do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o em. Desembargador
Celso Limongi, em ofício de 7 de março corrente, a mim dirigido15.
13
V.g. Lei 1.711/52, arts. 145, IX, e 146; Lei 4.345/64, art. 10; Lei 8.112/90, arts. 61, III, e 67,
alterado pela Lei 9.527/97; no tocante, especificamente, a magistrados e membros do Ministério
Público Federal ou do Distrito Federal, v.g., Lei 21/47, art. 2º; Lei 116/47, art. 13; Lei 3.414/58, art.
12; Lei 4.439/64, art. 2º; Lei 5.010/66, art. 50; LC 35/79 (Loman), art. 65, VII; DL 2.019/83, art.
1º; Lei 7.721/89, art. 2º; LC 75/93, art. 224, § 1º (pesquisa do trabalho de consultoria fornecido à
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) pelo Instituto Prof. Rainoldo Uessler (IPRU), de
Santa Catarina).
14
“Enquanto na atividade privada as retribuições financeiras atribuídas aos empregados são livres, na
maioria dos cargos e carreiras da Administração Pública o adicional por tempo de serviço é o único
instrumento de progressão financeira do servidor público. Assim, a vantagem em análise se constitui, na
esfera pública, um dos raros instrumentos de gestão de pessoal que, por conta do tempo de serviço
prestado à Administração, confere reconhecimento funcional aos servidores. Reitera-se que tal reconhecimento é devido pela experiência profissional adquirida pelo tempo de serviço prestado, com a
finalidade precípua de que a motivação decorrente da retribuição pecuniária possa determinar melhor
desempenho no exercício das atividades desenvolvidas em cargos ou funções públicas, ou seja, melhores
resultados, maior eficiência.
Destarte, é equivocada e simplista a noção de que a vantagem paga a título de adicional por tempo de
serviço, no âmbito da Administração Pública, é apenas uma parcela da composição remuneratória e que
a qualquer momento pode ser extinta ou substituída, sem qualquer repercussão na eficiência da prestação
dos serviços e na motivação dos servidores. A extinção da gratificação adicional por tempo de serviço,
em especial na Magistratura Federal, pela composição da carreira de dois níveis de ascensão funcional
(juiz e juiz substituto), terá, sem dúvidas, efeitos negativos na motivação e no desempenho destes
agentes públicos.”
15
“Causa-nos apreensão a possibilidade de que sejam abolidos os adicionais por tempo de serviço,
conquista social de todos os trabalhadores no serviço público, que se caracterizam como vantagem
pessoal, variável de servidor a servidor, que não podem ser subtraídos sem violação do princípio do direito
adquirido.
Trata-se de vantagem funcional que tem pressuposto impessoal cronológico, de tal modo a ser
concedida a todos que reúnam seus requisitos.
É de impacto negativo a perspectiva de que a carreira da magistratura possa estar submetida a
disciplina que não prestigie a permanência de seus integrantes e que importe em absoluta falta de
progressão.
Não se pode olvidar que o juiz está submetido a toda sorte de limitações, indispensáveis para garantia
de sua imparcialidade, que restringem o exercício de qualquer outra atividade, salvo uma de magistério
superior, o que o coloca, na vida em sociedade, em situação financeira de inferioridade.
1208
R.T.J. — 200
16. Escusado realçar, no entanto, que, entre afirmação das inconveniências – das
quais, acaso, esteja convencido o juiz – e a declaração de inconstitucionalidade material
de uma emenda constitucional, há uma distância insuperável.
17. É certo que a chapada irrazoabilidade de normas infraconstitucionais já tem
levado o Tribunal – e, no direito comparado, outros órgãos de jurisdição constitucional – à
declaração de sua invalidade, com freqüência mediante invocação do princípio do devido
processo legal substantivo16.
18. Com relação, no entanto, a emendas constitucionais, o parâmetro de aferição
de sua constitucionalidade é estreitíssimo, adstrito às limitações materiais, explícitas ou
implícitas, que a Constituição imponha induvidosamente ao mais eminente dos poderes
instituídos, qual seja o órgão de sua própria reforma.
19. Nem da interpretação mais generosa das chamadas “cláusulas pétreas” poderia
resultar em que um juízo de eventuais inconveniências se convertesse em um juízo de
inconstitucionalidade da emenda constitucional que submete certa vantagem funcional
ao teto constitucional de vencimentos.
20. Afora as limitações materiais ao poder reformador da Constituição, a garantia
institucional da acurada ponderação entre convenientes e inconvenientes de uma proposta
de emenda constitucional – ou, se quiser, da sua razoabilidade – está no quorum qualificado em ambas as Casas do Congresso Nacional e na complexidade do processo legislativo de sua aprovação.
21. Sob outro ângulo, é preciso ter em conta que o adicional por tempo de serviço –
cuja preservação e imunidade ao teto ora virtualmente se pretendem erigir em cerne intangível da Constituição –, posto que tradicional, é uma vantagem remuneratória de fonte
infraconstitucional.
22. Certo, a Constituição, em sua formulação original, admitiu – por força da menção
a “vantagens individuais”17 – que se instituísse o ATS ou se mantivesse a legislação
anterior a respeito: não impôs, porém, que o fizesse a lei.
Pior: a vingar tal entendimento, diferença alguma haverá entre o recém-ingresso e o magistrado que
possua décadas na carreira. Por outro lado, nenhum incentivo haverá à movimentação nos seus diversos
degraus que, a bem da verdade, perde um de seus pressupostos, que é a evolução funcional, principalmente
à vista da reforma da previdência com exigência de que o magistrado permaneça ao menos 35 anos no
serviço público.
Serão 35 anos sem nenhum acréscimo, sem incentivo, com tratamento discriminatório ao juiz, em
absoluta dissonância com todos os demais ocupantes de cargos públicos.”
16
V.g.: ADI 958, 11-5-94, Marco Aurélio (cf. esp. voto Moreira Alves), DJ de 25-8-95; ADI 1.063-MC,
18-5-94, Celso de Mello, RTJ 178/22, DJ de 27-4-01; ADI 1.355, 23-11-95, Ilmar Galvão, DJ de 232-96; ADI 2.019-MC, 1º-7-99, Ilmar Galvão, DJ de 1º-10-99; ADI-MC, 6-10-99, Moreira Alves; ADI
2.667-MC, 19-6-02, Celso de Mello, DJ de 12-3-04; ADI 247, 17-6-02, Ilmar Galvão, DJ de 26-3-04;
ADI 2.990-MC, 18-10-00, Moreira Alves, RTJ 178/200; ADI 1.753-MC, 16-4-98, Pertence, RTJ 172/32.
17
Constituição, redação originária do art. 39, § 1º.
R.T.J. — 200
1209
23. É significativo, aliás, que, com relação a todo o pessoal sujeito ao primitivo
regime jurídico único dos servidores públicos18, o adicional por tempo de serviço –
inicialmente previsto nos arts. 61, III, e 67 da Lei 8.112/90, sob a forma dos chamados
anuênios (rectius, uniênios) – tenha sido abolido pelo art. 15 da MP 2.225, de 4-9-01: não
obstante, ao que se tenha notícia, a constitucionalidade da supressão da tradicional
vantagem jamais foi questionada perante esta Corte.
24. É verdade que a referida medida provisória ressalvou dos efeitos da revogação
“as situações constituídas até 8 de março de 1999”, véspera da primeira edição do seu
texto.
25. A questão de direito intertemporal – assim resolvida no plano infraconstitucional – não se põe, entretanto, no tocante à magistratura, em face da EC 41/03: é que –
independentemente de cuidar-se aqui de uma emenda constitucional – a extinção da
vantagem, decorrente da instituição do subsídio em “parcela única”, a nenhum magistrado pode ter acarretado prejuízo financeiro indevido.
26. É que, sabidamente, por força do art. 65, VIII, da Loman (LC 35/79), desde a sua
edição, o adicional cogitado estava limitado “a cinco por qüinqüênio de tempo de serviço,
até o máximo de sete”, ou seja, a 35% calculados sobre o vencimento e a representação
mensal (Loman, art. 65, § 1º); de outro lado, por imperativo do teto constitucional primitivo
estabelecido para todos os membros do Judiciário, nenhum deles poderia perceber, a
título de ATS, quantia superior à devida a Ministro do Supremo Tribunal Federal, com o
mesmo tempo de serviço: tudo conforme observado, com precisão didática, no voto proferido na ADI 14, pelo em. Ministro Néri da Silveira19.
27. Se assim é – e dada a determinação do art. 8º da EC 41/03, precisamente no ponto
ora questionado, de que, na apuração do “valor da maior remuneração atribuído por lei (...)
a Ministro do Supremo Tribunal Federal”, para fixar o teto conforme o novo art. 37, XI, da
Constituição, ao vencimento e à representação do cargo, se somasse a “parcela recebida
em razão do tempo de serviço” –, é patente que, dessa apuração e da sua aplicação como
teto dos subsídios ou proventos de todos os magistrados, não pode ter resultado prejuízo indevido no tocante ao adicional questionado.
18
19
Constituição, redação originária do art. 39.
ADI 14, 28-8-89, voto do Ministro Presidente, Néri da Silveira, RTJ 130/475, 483: “Na compreensão do sistema, cumpre, é certo, entretanto, anotar, de outra parte, que, se, para os efeitos do art. 37,
XI, combinado com o art. 39, § 1º, ambos da Constituição, não se hão de considerar ‘as vantagens de
caráter individual’ dos membros do Congresso Nacional, dos Ministros de Estado e dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal, outra deve ser a visualização da matéria, quando se cogita de aplicar o art. 93,
V, combinado com o art. 39, § 1º, da Constituição, em se verificando tratar de tema diverso, qual seja,
teto para a remuneração dos magistrados. Com efeito, neste plano, importa ter presente a proibição de
os magistrados perceberem, ‘a título nenhum’, retribuição que exceda a dos Ministros do Supremo
Tribunal Federal. No particular, é de entender que não se conciliaria com a ordem constitucional a
situação de magistrado, nas mesmas condições de tempo de serviço de Ministro do Supremo Tribunal
Federal, que porventura auferisse retribuição mais elevada. Nessa linha, nenhum magistrado, com vinte
e cinco ou trinta e cinco anos de serviço público, poderá perceber remuneração mais elevada que a de
Ministro do STF, respectivamente, com vinte e cinco ou trinta e cinco anos de serviço. Cogita-se, nessa
hipótese, da existência de um teto que, a título nenhum, conforme estipula a Constituição (art. 93, V, in
fine), pode ser excedido, na organização da escala de vencimentos da magistratura.”
1210
R.T.J. — 200
28. De resto, é mais que sedimentada na jurisprudência do Tribunal que nem mesmo
à lei ordinária pode o agente público opor, a título de direito adquirido, a pretensão a que
se preserve dada fórmula de composição de sua remuneração total, se, da alteração, não
decorre a redução dela20; isso também sucede com relação aos proventos da aposentadoria, no tocante aos quais o assento da Súmula 359 não gera direito a parcelas determinadas
do seu montante21.
29. Se assim se firmou quanto a normas infraconstitucionais, o mínimo a admitir-se é
que isso também se há de entender, no caso, em relação à emenda constitucional, na qual
os preceitos impugnados, se efetivamente aboliram o adicional por tempo de serviço na
remuneração dos magistrados e servidores pagos mediante subsídio, é que neste – o
subsídio – absorveu o valor da vantagem.
30. Por fim – e malgrado o brilho com o qual deduzida –, também não me convenço de
que a absorção do ATS pelo subsídio apurado, conforme o art. 8º da Emenda, além de
desarrazoada, ofendesse o princípio constitucional da isonomia, na medida em que –
sustentam os Impetrantes – a todos aproveitou, de modo a tratar igualmente aqueles que,
não tendo alcançado os sete qüinqüênios de serviço, estariam, por isso, desigualados
dos que os cumpriram, como ocorre aos Impetrantes.
31. Para ser acolhida, a argüição de ofensa à isonomia pressuporia que a Constituição mesma tivesse erigido o maior ou menor tempo de serviço público em fator compulsório do tratamento remuneratório dos servidores: não é, porém, o que ocorre, dado que,
como já frisado, o adicional correspondente não resulta necessariamente da Constituição,
que apenas o admite – mas, sim, de preceitos infraconstitucionais.
32. Rejeito, pois, as argüições de inconstitucionalidade parcial dos dois preceitos
questionados da EC 41/03.
III
33. Posto se cuide de questão de alcance residual, de interesse apenas dos que,
como os Requerentes, são beneficiários da ultra-atividade do art. 184 da Lei 1.711/52 – é
mais delicado o pedido subsidiário atinente à imunidade ao teto do acréscimo de 20% aos
proventos da aposentadoria.
34. É que – ao contrário do que sucedeu, como visto, no tocante ao adicional por
tempo de serviço – parte desse acréscimo de proventos dos Requerentes – na importância, para cada um, de R$ 1.697,25 – é que foi objeto da retenção que impugnam, resultante
do teto provisório apurado pela decisão administrativa do Tribunal.
35. Funda-se a impetração, no particular, na oposição à incidência da EC 41/03 do
direito adquirido à vantagem de que os Impetrantes se afirmam titulares.
20
V.g.: MS 21.086, 10-10-90, Moreira Alves, DJ de 30-10-92; RE 116.241, 25-10-91, Ilmar Galvão,
RTJ 138/266; SS 761-AgR, 1º-2-96, Pertence, DJ de 22-3-96; AO 395, 13-6-02, Pertence, DJ de 2-8-02.
21
V.g.: RE 137.777, 29-10-91, Gallotti, RTJ 138/234; RE 134.502, 7-8-92, Velloso, RTJ 143/293.
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1211
36. A alegação traz ao proscênio da discussão da causa a polêmica ainda crepitante
acerca da oponibilidade, ou não, de direito adquirido às emendas constitucionais, à luz da
conjugação do art. 60, § 4º, IV, com o art. 5º, XXXVI, da Constituição da República.
37. A corrente, quiçá majoritária, na doutrina é radical: dada a vedação de emendas à
Constituição tendentes a abolir “os direitos e garantias individuais” (CF, art. 60, § 4º, IV),
não pode a reforma constitucional atingir, à vista do art. 5º, XXXVI, da Lei Fundamental,
qualquer direito adquirido, seja constitucional ou infraconstitucional o fundamento
normativo da sua aquisição.
38. Para não correr o risco de omissões, não me animo a enumerar os muitos
publicistas de relevo que se alinham nessa postura de imunidade de todo e qualquer
direito adquirido à incidência de reformas da Constituição; entre eles, no entanto, pelo
justo renome e a veemência da argumentação, são de realçar o douto José Afonso da
Silva22, e o nosso eminente colega Carlos Britto, em obra solo23 ou no seu valioso
litisconsórcio intelectual com o ilustre Valmir Pontes24.
39. No pólo oposto – na trilha de iterativos posicionamentos incidentes do em.
Ministro Moreira Alves, em julgamentos do Tribunal, tanto antes, quanto já sob a vigência da Constituição de 1988 –, ocorre-me salientar as consistentes objeções do ilustrado
Paulo Modesto, figura subjacente, como é notório, à gestação da EC 19/9825.
40. De minha parte – sem me arriscar na imprudente travessia das águas tão procelosas da discussão doutrinária – tendo a um distinguo, que parte da fonte normativa do
direito adquirido aventado.
41. Se se cuida de erigir todo e qualquer direito subjetivo derivado da incidência de
norma infraconstitucional à aplicação imediata de emenda à Constituição, com todas as
vênias devidas à sedutora postura do Ministro Carlos Britto26, a ela não consigo alinhar-me;
angustia-me a indagação, em contraposição, de um jovem e notável doutrinador pátrio.
22
José Afonso da Silva – Reforma constitucional e direito adquirido. In: Poder Constituinte, Poder
Popular. Malheiros, 2000, p. 221, 233 – responde aos que sustentam que a emenda constitucional só
não pode afetar a garantia do direito adquirido contra a lei ordinária superveniente: “Um tal argumento
e uma tal doutrina valem como uma fraude à Constituição, porque eliminariam a garantia do direito
mediante a supressão do direito garantido. Se isso fosse possível, de nada adiantaria a proteção
normativa de um direito, pois, precisamente quando esse direito se efetiva e se concretiza num titular,
pode ser eliminado. É o mesmo que suprimir, a cada passo, a norma de garantia, por esvaziá-la de seu
conteúdo jurídico: seu efeito prático”.
23
BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Forense, 2003, passim.
24
BRITTO, Carlos Ayres; PONTES FILHO, Valmir. Direito adquirido contra as emendas constitucionais. RDA 202/75, 78: “(...) não estamos negando que as emendas possam prejudicar (por modificação ou
supressão) certos direitos subjetivos que não façam parte da relação dos expressamente nominados
como ‘direitos e garantias individuais’. O que estamos a afirmar é que tais direitos, uma vez adquiridos,
seja qual for a respectiva natureza (direito social, político, funcional etc.), não podem mais ser lesionados por efeito de reforma constitucional. A normatividade das emendas, no caso, já nasce etiquetada
com o timbre do ‘doravante’, e mais com o timbre do ‘desde sempre’”.
25
V.g., MODESTO, Paulo. Reforma Administrativa e Direito Adquirido. Revista Trimestral de Direito
Público 18/165.
26
BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituinte, cit., p. 80 et seq.
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42. “Será, em suma” – interpela Daniel Sarmento27 – “que num Estado que se
pretende democrático e social, e que se caracteriza por seus níveis vergonhosos de
desigualdade material, o poder de deliberação das gerações futuras – que se exprime
através do constituinte derivado –, deve ter como limites intransponíveis todos os
direitos já distribuídos no passado? Buscaremos convencer, enfim, que num país estigmatizado pela injustiça das suas relações sociais, e regido por uma Constituição que
tem a ambição de operar profundas transformações em favor dos excluídos, perenizar a
atual distribuição de direitos, pondo-a completamente fora do alcance até do constituinte derivado, é conspirar para a manutenção de um status quo iníquo, do qual não
temos do que nos orgulhar”.
43. Respondo por mim que, seguramente, uma interpretação sistemática da Constituição, a partir dos “objetivos fundamentais da República” (CF, art. 3º), não lhes pode
antepor toda a sorte de direitos subjetivos advindos da aplicação de normas infraconstitucionais superadas por emendas constitucionais, que busquem realizá-los.
44. Intuo, porém, que um tratamento mais obsequioso há de ser reservado, em linha
de princípio, ao direito fundamental imediatamente derivado do texto originário da Constituição, quando posto em confronto com emendas constitucionais supervenientes: nessa
hipótese, a vedação a reformas tendentes a aboli-lo – baseada no art. 60, § 4º, IV, da Lei
Fundamental – já não se fundará apenas na visão extremada – e, ao cabo, conservadora –
do seu art. 5º, XXXVI, mas também na intangibilidade do núcleo essencial do preceito
constitucional substantivo que o consagrar.
45. Sob tais premissas, alinhavadas de carreira, é que volto ao caso vertente.
46. O questionado acréscimo de 20% sobre os proventos não substantiva um direito
adquirido de estatura constitucional: provém, ao contrário, de matriz normativa infraconstitucional.
47. Por isso, a meu ver – sobrevindo a EC 41/03, que submete a remuneração dos
magistrados, em atividade ou inativos, ao regime do subsídio uniforme – em “parcela
única” –, penso que não lhes poderia assegurar o Tribunal a percepção indefinida no
tempo do benefício, fora ou além do teto que a todos submete.
48. Sucede, entretanto, que, porque magistrados, a Constituição assegura diretamente aos Impetrantes a irredutibilidade dos vencimentos.
49. A garantia da irredutibilidade de vencimentos – ousei afirmá-lo, com o respaldo
da maioria do Tribunal28 – é, sim, modalidade qualificada de direito adquirido e, de qualquer sorte, conteúdo de normas constitucionais específicas, no que toca à magistratura,
repisando textos constitucionais anteriores, que a Lei Fundamental vigente estendeu a
todos os servidores públicos29.
27
SARMENTO, Daniel. Direito adquirido, emenda constitucional, democracia... In: TAVARES, Marcelo Leonardo. A Reforma da Previdência Social. Lumen Juris, 2004, p. 1, 7.
28
RE 298.694, Plenário, 6-8-03, Pertence, DJ de 23-4-04.
29
CF, art. 37, XV.
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1213
50. Desse modo – não obstante o dogma de que o agente público não tem direito
adquirido ao seu anterior regime jurídico de remuneração – há, no particular, um ponto
indiscutível: é intangível a irredutibilidade do montante integral dela.
51. Por isso mesmo, é assento consolidado de nossa jurisprudência – de modo a
dispensar documentação – que, quando se cuida de alteração por lei do regramento
anterior da composição da remuneração do agente público, assegura-se-lhe a irredutibilidade da soma total antes recebida.
52. Estou, portanto, em que a irredutibilidade – hoje universalizada – de vencimentos e salários substantiva garantia constitucional oponível às emendas constitucionais
mesmas.
53. Trata-se de garantia individual erigida pela própria Constituição, que, como tal,
a doutrina amplamente majoritária reputa inilidível por emenda constitucional.
54. Ainda, porém, quem a considerar susceptível de sofrer dispensa específica pelo
poder de reforma constitucional, creio, haveria de reclamar para tanto norma expressa e
inequívoca.
55. Certo, parece tê-lo ensaiado o art. 9º da EC 41/0330.
56. Mesmo quando, em tese, fosse tido por admissível, o ensaio se frustrou: o art. 17
do ADCT31 é norma referida ao momento inicial de vigência da Constituição de 1988 –
“serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes” –, no qual incidiu e, neste
momento, pelo fato mesmo de incidir, teve extinta a sua eficácia, tal como é próprio das
regras transitórias de efeito instantâneo.
57. De qualquer sorte, se se lhe pretende dar interpretação complacente, de modo a
transplantar o momento da sua incidência fulminante para o da promulgação da EC 41/03,
é mais que duvidosa a sua compatibilidade com a “cláusula pétrea” de indenidade dos
direitos e garantias fundamentais outorgados pela própria Constituição de 1988, recebida
como ato constituinte originário.
58. Esse o quadro, tenho como certo o direito dos Impetrantes – sob o pálio da
garantia da irredutibilidade de vencimentos – a continuar percebendo o acréscimo sobre
os proventos – no quanto recebido anteriormente à EC 41/03 – até que o seu montante
seja coberto pelo subsídio fixado em lei para Ministro do Supremo Tribunal Federal.
59. Nesses termos, defiro parcialmente o mandado de segurança: é o meu voto.
30
EC 41/03, art. 9º: “Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da
administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes
políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não,
incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza”.
31
ADCT/88, art. 17: “Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os
proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito
adquirido ou percepção de excesso a qualquer título”.
1214
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VOTO
(Incidências)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):
VOTO
I
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): A viabilidade do controle da constitucionalidade formal ou material das emendas à Constituição – que se pode dar por assente no
direito comparado – é, no Brasil, diversamente de muitos países, prática incontroversa deste
Tribunal1 – desde a única reforma à Constituição da Primeira República2 – recordo o HC 18.178,
de 1926, Muniz Barreto –, retomada sob a Carta de 19693 – recordo o caso Itamar Franco,
Moreira Alves – e, com mais freqüência e diversas declarações positivas de invalidade, sob o
regime de 1988, vigente4.
2. De sua vez, dos atos questionados – a decisão administrativa do Tribunal, de 5-2-04 e,
particularmente, os atos executórios do seu então Presidente, Ministro Maurício Corrêa –
decorreu a redução dos proventos dos Ministros aposentados impetrantes.
3. Patentes, desse modo, a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a
legitimação para a causa, conheço do mandado de segurança.
II
4. Dois são os fundamentos estruturais da petição inicial, de primorosa lavra.
5. Diz o primeiro com a inconstitucionalidade parcial de dois preceitos da EC 41/03: o
novo art. 37, XI, da Constituição5 e a disposição transitória do seu art. 8º6: aquele, o art. 37, XI,
1
Cf. PERTENCE, J. P. Sepúlveda. O controle de constitucionalidade das emendas constitucionais pelo
STF: crônica de jurisprudência. In: MODESTO, Paulo; MENDONÇA, Oscar (Orgs.). Direito do Estado.
Max Limonad, 2001, p. 203; SILVEIRA, José Néri da. A reforma constitucional e o controle da sua
constitucionalidade, n. 64/201.
2
HC 18.178, 1º-10-26, Muniz Barreto, Arq. Judiciário, 1931, n. 5/342.
3
MS 20.257, 8-10-80, RTJ 99/230.
4
V.g., ADI 830, 14-4-93, Moreira Alves; ADI 926-MC, 1º-3-93, Sydney Sanches, 17-5-96, RTJ 152/
85; ADI 939-MC, 15-12-93, Sydney Sanches, DJ de 17-12-93; ADI 1.420, 15-7-96, Néri da Silveira,
DJ de 19-12-97; ADI 1.497-MC, 9-10-96, Marco Aurélio, vencido, DJ de 13-12-02; ADI 1.749-MC,
18-12-97, Gallotti, 2-2-98; ADI 2.031-MC, 29-9-99, Gallotti, DJ de 6-10-99; ADI 1.196-MC, 16-295, Pertence, DJ de 24-3-95; ADI 3.105, 18-8-04, Peluso, DJ de 18-2-05; ADI 2.024-MC, 27-10-99,
Pertence, RTJ 176/160, DJ de 1º-12-00.
5
Art. 37, XI: “a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da
administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes
políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não,
incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em
espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o
subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do
Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o
subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco
centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no
âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores
e aos Defensores Públicos.”
6
EC 41/03, art. 8º: “Até que seja fixado o valor do subsídio de que trata o art. 37, XI, da Constituição
Federal, será considerado, para os fins do limite fixado naquele inciso, o valor da maior remuneração
atribuída por lei na data de publicação desta Emenda a Ministro do Supremo Tribunal Federal, a título de
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1215
no tópico que sujeita ao teto de remunerações e subsídios, que estabelece, “as vantagens pessoais”;
e o outro, o art. 8º da própria EC 41/03, no que, para o cálculo do subsídio de Ministro do Supremo
Tribunal Federal – a fim de servir como o teto referido –, manda somar, ao vencimento e à
representação mensal, “a parcela recebida em razão do tempo de serviço”.
6. Certo, admitem os Requerentes, já não sobrevivem as dicções originais do art. 37, XI, e do
art. 39, § 1º, da Constituição, de cuja interpretação conjugada partiu a jurisprudência do Supremo
Tribunal para subtrair as vantagens individuais dos servidores públicos dos tetos constitucionais
primitivos.
7. Não obstante, sustentam, pela própria “natureza das coisas”, tal como se asseverou no
leading case daquela orientação pretoriana – ADI 14, 28-8-89, Célio Borja, RTJ 130/475 –, as
vantagens pessoais “não integram os vencimentos dos cargos” (...), “mas são atributo e apanágio
do servidor”, de tal modo, aduzem, a constituir absurdo e despautério7 a sua consideração, quer
na apuração do teto (EC 41/03, art. 8º), quer na das remunerações a ele sujeitas (art. 37, XI, cf.
EC 41/03): e extraem daí a inconstitucionalidade dos tópicos impugnados da emenda, por
manifesta irrazoabilidade.
8. Integravam os proventos anteriormente percebidos pelos Impetrantes – Ministros do
Supremo Tribunal Federal aposentados, após mais de 35 anos de serviço público – duas inequívocas
vantagens pessoais, deferidas pro labore facto: primeiro, o adicional por tempo de serviço –
no limite máximo correspondente a 5% por até sete qüinqüênios8 – e, segundo, o já extinto
acréscimo de 20% sobre os proventos, anteriormente concedidos aos aposentados em cargos
isolados que os tivessem ocupado por mais de três anos9.
9. No tocante à primeira das vantagens pessoais mencionadas – o adicional por tempo de
serviço –, confesso não haver logrado compreender qual o interesse dos Impetrantes na argüição da inconstitucionalidade parcial do novo art. 37, XI, da Constituição e do art. 8º da emenda
que o alterou: é que percebiam todos eles, como proventos de inatividade – além do mesmo
vencimento e de idêntica representação mensal – a mesma parcela de R$ 4.496,51, então
devida aos Ministros em atividade que haviam alcançado o limite legal de sete qüinqüênios, por
isso considerada, na conformidade do art. 8º da EC 41/03, para o cálculo do teto provisório.
10. É certo, porém, que a declaração de inconstitucionalidade que pleiteiam – implicando
a redução do teto provisório à soma do vencimento e da representação mensal e liberando da sua
incidência quaisquer vantagens de ordem pessoal – lhes asseguraria, por si só, a continuidade da
percepção integral do acréscimo de 20% sobre os proventos.
11. Por outro lado, firmou-se a jurisprudência da Casa – a partir do MS 20.503, 30-10-85,
JSTF Lex 159/90v. – em que, suscitada incidentemente a inconstitucionalidade de um ato
normativo, o Supremo Tribunal – guarda da Constituição – há de resolver a questão, ainda que não
seja necessária à decisão da causa10 ou quando a declaração de ilegitimidade constitucional não
aproveite à parte suscitante11 .
vencimento, de representação mensal e da parcela recebida em razão de tempo de serviço, aplicando-se
como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio
mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no
âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa
inteiros e vinte e cinco centésimos por cento da maior remuneração mensal de Ministro do Supremo
Tribunal Federal a que se refere este artigo, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos
membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.”
7 Cf. FERREIRA FILHO, Manoel G. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Saraiva, 1990, p.
252-3.
8
LC 35/70 – Loman – art. 65, VIII.
9
Cf. Lei 1.711/52, art. 184, III; Constituição de 1967, art. 177, § 1º; Lei 8.112/90, art. 250.
10
V.g., SE 5.206-AgR, 8-5-97, DJ de 30-4-04, Pertence, RTJ 190/908; Inq 1.915, 5-8-04, Pertence, DJ
de 5-8-04.
11
V.g., RE 102.553, 21-8-86, Rezek, DJ de 13-2-87.
1216
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É doutrina que tem sido reafirmada mais recentemente. Recordo a discussão, a
polêmica travada, nesta Casa, acerca da constitucionalidade de alguns dispositivos da lei
de arbitragem quando, no caso concreto, a homologação da sentença arbitral era incontestável (SE 5.206-AgR).
12. No caso, entretanto, não me convenci das inconstitucionalidades argüidas.
13. Certo, o adicional por tempo de serviço (ATS) substantivou por décadas vantagem
pessoal atribuída a todos os agentes públicos da União12 – recordo magnífica pesquisa do estudo
oferecido pela AMB, o longo histórico legislativo desse adicional – e foi imitada pela generalidade
de Estados e Municípios.
14. Reconheço, por seu turno, prismas de inconveniência para os agentes públicos organizados em carreira – incluída a da magistratura e a do Ministério Público –, do explícito ou virtual
desaparecimento do ATS no direito brasileiro, sublinhados pelo estudo referido do IPRU, oferecido pela AMB à consideração do Tribunal13 .
15. Na mesma linha, com relação especialmente à magistratura, anoto as ponderações do
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o em. Desembargador Celso Limongi,
em ofício de 7 de março corrente, a mim dirigido14.
Sr. Presidente, faço um parêntese para um testemunho, um depoimento e uma observação pessoal sobre a mobilização, nos últimos dias, dos magistrados de todo o País em
defesa de uma fórmula que preserve o tradicional mecanismo do adicional por tempo de
serviço.
12
V.g., Lei 1.711/52, arts. 145, IX, e 146; Lei 4.345/64, art. 10; Lei 8.112/90, art. 61, III, e art. 67,
alterado pela Lei 9.527/97; no tocante, especificamente, a magistrados e membros do Ministério
Público Federal ou do Distrito Federal, v.g., Lei 21/47, art. 2º; Lei 116/47, art. 13; Lei 3.414/58, art.
12; Lei 4.439/64, art. 2º; Lei 5.010/66, art. 50; LC 35/79 (Loman), art. 65, VII; DL 2.019/83, art.
1º; Lei 7.721/89, art. 2º; LC 75/93, art. 224, § 1º (pesquisa do trabalho de consultoria fornecido à
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) pelo Instituto Prof. Rainoldo Uessler (IPRU), de Santa
Catarina).
13
“Enquanto na atividade privada as retribuições financeiras atribuídas aos empregados são livres, na
maioria dos cargos e carreiras da Administração Pública o adicional por tempo de serviço é o único
instrumento de progressão financeira do servidor público. Assim, a vantagem em análise se constitui, na
esfera pública, um dos raros instrumentos de gestão de pessoal que, por conta do tempo de serviço
prestado à Administração, confere reconhecimento funcional aos servidores. Reitera-se que tal reconhecimento é devido pela experiência profissional adquirida pelo tempo de serviço prestado, com a
finalidade precípua de que a motivação decorrente da retribuição pecuniária possa determinar melhor
desempenho no exercício das atividades desenvolvidas em cargos ou funções públicas, ou seja, melhores
resultados, maior eficiência.
Destarte, é equivocada e simplista a noção de que a vantagem paga a título de adicional por tempo
de serviço, no âmbito da Administração Pública, é apenas uma parcela da composição remuneratória e
que a qualquer momento pode ser extinta ou substituída, sem qualquer repercussão na eficiência da
prestação dos serviços e na motivação dos servidores. A extinção da gratificação adicional por tempo de
serviço, em especial na Magistratura Federal, pela composição da carreira de dois níveis de ascensão
funcional (juiz e juiz substituto), terá, sem dúvidas, efeitos negativos na motivação e no desempenho
destes agentes públicos.”
14
“Causa-nos apreensão a possibilidade de que sejam abolidos os adicionais por tempo de serviço,
conquista social de todos os trabalhadores no serviço público, que se caracterizam como vantagem
pessoal, variável de servidor a servidor, que não podem ser subtraídos sem violação do princípio do
direito adquirido.
Trata-se de vantagem funcional que tem pressuposto impessoal cronológico, de tal modo a ser
concedida a todos que reúnam seus requisitos.
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1217
Essas inovações, agora questionadas, sabidamente não são novidades da Emenda
Constitucional 41. Elas são, em substância, idênticas àquelas que já tentara a Emenda
Constitucional 19/98. Na gestação dessa Emenda Constitucional, era eu o Presidente do
Tribunal e mantive longas discussões já com o Relator da proposta, Deputado Wellington
Moreira Franco, já com elementos da cúpula do Governo Federal, incluído o Sr. Presidente
da República, Fernando Henrique Cardoso. A cada passo dessas discussões, fiz-me
acompanhar de dois expoentes da liderança corporativa da magistratura brasileira, o ainda
hoje Presidente do Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça, o eminente
Desembargador José Fernandes Filho, e o então Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, hoje Ministro Paulo Medina, além de várias reuniões ampliadas, com
representações de magistrados de todo o País. Pode a memória, já envelhecida de mais de
uma década, me trair. Mas não me lembro de objeção maior ao sistema de subsídio, por
meio da rebarbativa “parcela única”. Ele veio a vingar na Emenda Constitucional 19 e,
agora, é apenas repetido na Emenda Constitucional 41. A diferença entre ambas é que a
tentativa de implantação do sistema de subsídios da Emenda Constitucional 19 frustrouse pela “quadratura do círculo” que se revelou, o que o Ministro Celso de Mello chamava
de litisconsórcio necessário e quádruplo da iniciativa legislativa da fixação dos subsídios
dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, que serviria como teto nacional da remuneração do serviço público.
Aberto a essas ponderações de conveniências, deixo assinalada a minha surpresa de
que ela volte, agora – menos nos termos estritamente jurídicos, em que a notável petição
inicial deste mandado de segurança colocou o problema –, do que na forma de um realce de
inconveniências de toda a sorte do sistema que se discutiu de 1995 até o final de 1998,
pelo menos, e cuja discussão se repetiu na Emenda Constitucional 41 e, incidentemente, na
própria e longeva tramitação da emenda da chamada “Reforma do Poder Judiciário”.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Sepúlveda Pertence, lembro de
que, quando V. Exa. era Presidente da Corte, em 14 de abril de 1997, discutia-se, no Congresso Nacional, o valor da maior remuneração dos Ministros do Supremo, que seria o
valor do subsídio, e o Supremo, nessa reunião administrativa de 14 de abril de 1997,
provocada por V. Exa., ao calcular a maior remuneração, que seria o subsídio, fez incluir
dentro desse valor os chamados “adicionais por tempo de serviço”.
É de impacto negativo a perspectiva de que a carreira da magistratura possa estar submetida a
disciplina que não prestigie a permanência de seus integrantes e que importe em absoluta falta de
progressão.
Não se pode olvidar que o juiz está submetido a toda sorte de limitações, indispensáveis para garantia
de sua imparcialidade, que restringem o exercício de qualquer outra atividade, salvo uma de magistério
superior, o que o coloca, na vida em sociedade, em situação financeira de inferioridade.
Pior: a vingar tal entendimento, diferença alguma haverá entre o recém-ingresso e o magistrado que
possua décadas na carreira. Por outro lado, nenhum incentivo haverá à movimentação nos seus diversos
degraus que, a bem da verdade perde um de seus pressupostos que é a evolução funcional, principalmente
à vista da reforma da previdência com exigência de que o magistrado permaneça ao menos 35 anos no
serviço público.
Serão 35 anos sem nenhum acréscimo, sem incentivo, com tratamento discriminatório ao juiz, em
absoluta dissonância com todos os demais ocupantes de cargos públicos.”
1218
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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): E, por lealdade, o Tribunal advertiu o
Congresso Nacional e o Governo de que, efetivamente, a maior remuneração a ser calculada com relação a Ministro do Supremo era superior à que se supunha no Congresso. Em
função disso frustrou-se, no Congresso Nacional, a fórmula – talvez em razão disso – similar
à do atual art. 8º da Emenda Constitucional 41 e caiu-se no “buraco sem fundo” do
litisconsórcio quádruplo, que se mostrou inviável.
Mas prossigo:
16. Escusado realçar, no entanto, que entre afirmação das inconveniências – das quais,
acaso, esteja convencido o juiz – e a declaração de inconstitucionalidade material de uma emenda
constitucional há uma distância insuperável.
17. É certo que a chapada irrazoabilidade de normas infraconstitucionais já tem levado o
Tribunal – e, no direito comparado, outros órgãos da jurisdição constitucional – à declaração de
sua invalidade, com freqüência mediante invocação do princípio do devido processo legal substantivo 15 .
18. Com relação, no entanto, a emendas constitucionais, o parâmetro de aferição de sua
constitucionalidade, obviamente, é estreitíssimo, adstrito às limitações materiais, explícitas ou
implícitas, que a Constituição imponha induvidosamente ao mais eminente dos poderes instituídos, qual seja o órgão de sua própria reforma.
19. Estou em que nem a interpretação mais generosa das chamadas “cláusulas pétreas”
poderia dar abrigo a que um juízo de eventuais inconveniências se convertesse num juízo de
inconstitucionalidade da submissão de uma vantagem funcional ao teto constitucional de vencimentos.
20. Afora as limitações materiais ao poder reformador da Constituição, a garantia
institucional da acurada ponderação entre convenientes e inconvenientes de uma proposta de
emenda constitucional – ou, se quiser, da sua razoabilidade – está no quorum qualificado em ambas
as Casas do Congresso Nacional e na complexidade do processo legislativo de sua aprovação – e
para isso se teve tempo de duas emendas constitucionais repetitivas.
21. Sob outro ângulo, é preciso ter em conta que o adicional por tempo de serviço – cuja
preservação e imunidade ao teto ora quase se pretende erigir em cerne intangível da Constituição –, posto que tradicional, é uma vantagem remuneratória de fonte infraconstitucional.
22. Certo, a Constituição, em sua formulação original, admitiu – por força da menção a
“vantagens individuais”16 – que se instituísse o ATS ou se mantivesse a legislação anterior a
respeito: não impôs, porém, que o fizesse a lei.
23. É significativo, aliás, que, com relação a todo o pessoal sujeito ao primitivo regime
jurídico único dos servidores públicos17, o adicional por tempo de serviço – inicialmente previsto
nos arts. 61, III, e 67 da Lei 8.112/90, sob a forma dos chamados anuênios (rectius, uniênios) –
tenha sido abolido pelo art. 15 da MP 2.225, de 4-9-01: não obstante, ao que se tenha notícia, a
constitucionalidade da supressão da tradicional vantagem jamais foi questionada perante esta
Corte.
24. É verdade que a referida medida provisória ressalvou dos efeitos da revogação “as
situações constituídas até 8 de março de 1999”, véspera da primeira edição do seu texto.
25. A questão de direito intertemporal – assim resolvida no plano infraconstitucional – não
se põe, entretanto, no tocante à magistratura em face da EC 41/03: é que – independentemente
15 V.g., ADI 958, 11-5-94, Marco Aurélio (cf. esp. voto Moreira Alves), DJ de 25-8-95; ADI 1.063MC, 18-5-94, Celso de Mello, RTJ 178/22, DJ de 27-4-01; ADI 1.355, 23-11-95, Ilmar Galvão, DJ de
23-2-96; ADI 2.019-MC, 1º-7-99, Ilmar Galvão, DJ de 1º-10-99; ADI-MC 6-10-99, Moreira Alves;
ADI 2.667-MC, 19-6-02, Celso de Mello, DJ de 12-3-04; ADI 247, 17-6-02, Ilmar Galvão, DJ de 263-04; ADI 2.990-MC, 18-10-00, Moreira Alves, RTJ 178/200; ADI 1.753-MC, 16-4-98, Pertence, RTJ
172/32.
16
Constituição, redação originária do art. 39, § 1º.
17
Constituição, redação originária do art. 39.
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1219
de cuidar-se aqui de uma emenda constitucional – a extinção da vantagem, decorrente da instituição do subsídio em “parcela única” – vá lá a rebarbativa impropriedade da redação –, a nenhum
magistrado pode ter acarretado prejuízo financeiro indevido.
26. É que, sabidamente, por força do art. 65, VIII, da Loman (LC 35/79), desde a sua
edição, o adicional cogitado estava limitado “a cinco por qüinqüênio de tempo de serviço, até o
máximo de sete” – ou seja, a 35% calculados sobre o vencimento e a representação mensal
(Loman, art. 65, § 1º); de outro lado, por imperativo do teto constitucional primitivo estabelecido para todos os membros do Judiciário, nenhum deles poderia perceber, a título de ATS, quantia
superior à devida a Ministro do Supremo Tribunal Federal com o mesmo tempo de serviço: tudo
conforme observado, com precisão didática, no voto do em. Ministro Néri da Silveira18 na
ADI 14.
27. Se assim é [e já o afirmava o Tribunal, recorde-se, em 1989, data deste voto proferido
pelo Ministro Néri da Silveira] – e dada a determinação do art. 8º da EC 41/03, precisamente no
ponto ora questionado, de que, na apuração do “valor da maior remuneração atribuído por lei (...)
a Ministro do Supremo Tribunal Federal” – para fixar o teto conforme o novo art. 37, XI, da
Constituição – ao vencimento e à representação do cargo, se somasse a “parcela recebida em
razão do tempo de serviço” – é patente que, dessa apuração e da sua aplicação como teto dos
subsídios ou proventos de todos os magistrados não pode ter resultado prejuízo indevido no
tocante ao adicional questionado.
28. De resto, é mais que sedimentada na jurisprudência do Tribunal que nem mesmo à lei
ordinária pode o agente público opor, a título de direito adquirido, a pretensão a que se preserve
dada fórmula de composição de sua remuneração total, se, da alteração, não decorre a redução
dela19; isso também sucede com relação aos proventos da aposentadoria, no tocante aos quais o
assento da Súmula 359 não gera direito a parcelas determinadas do seu montante20. (A título de
exemplo, 137.777, Octavio Gallotti, e 134.502, Carlos Velloso).
A petição inicial deste mandado de segurança alude a uma discussão havida no
Tribunal logo após a promulgação da Carta decaída de 69, acerca da subsistência de uma
dessas vantagens aqui discutidas, particularmente, do acréscimo de 20% dos proventos,
em relação ao qual se reconheceu o direito adquirido àqueles que, nos termos do que
dispusera – se não me engano – o art. 177 da Carta de 1967, já tivessem reunido ou
viessem a reunir no prazo de um ano os requisitos para a referida vantagem ao passar para
a inatividade.
18 ADI 14, 28-8-89, voto do Min. Presidente Néri da Silveira, RTJ 130/475, 483: “Na compreensão do
sistema, cumpre, é certo, entretanto, anotar, de outra parte, que, se, para os efeitos do art. 37, XI,
combinado com o art. 39, § 1º, ambos da Constituição, não se hão de considerar “as vantagens de caráter
individual” dos membros do Congresso Nacional, dos Ministros de Estado e dos Ministros do Supremo
Tribunal Federal, outra deve ser a visualização da matéria, quando se cogita de aplicar o art. 93, V,
combinado com o art. 39, § 1º, da Constituição, em se verificando tratar de tema diverso, qual seja, teto
para a remuneração dos magistrados. Com efeito, nesse plano, importa ter presente a proibição de os
magistrados perceberem, “a título nenhum”, retribuição que exceda a dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. No particular, é de entender que não se conciliaria com a ordem constitucional a situação de
magistrado, nas mesmas condições de tempo de serviço de Ministro do Supremo Tribunal Federal, que
porventura auferisse retribuição mais elevada. Nessa linha, nenhum magistrado, com vinte e cinco ou
trinta e cinco anos de serviço público, poderá perceber remuneração mais elevada que a de Ministro do
STF, respectivamente, com vinte e cinco ou trinta e cinco anos de serviço. Cogita-se, nessa hipótese, da
existência de um teto que, a título nenhum, conforme estipula a Constituição (art. 93, V, in fine), pode
ser excedido, na organização da escala de vencimentos da magistratura.”
19
V.g., MS 21.086, 10-10-90, Moreira Alves, DJ de 30-10-92; RE 116.241, 25-10-91, Ilmar Galvão,
RTJ 138/266; SS 761-AgR, 1º-2-96, Pertence, DJ de 22-3-96; AO 395, 13-6-02, Pertence, DJ de 2-8-02.
20
V.g., RE 137.777, 29-10-91, Gallotti, RTJ 138/234; RE 134.502, 7-8-92, Velloso, RTJ 143/293.
1220
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Portanto, o que se reconheceu, ali, foi um direito adquirido com base numa norma
expressa, que lhe estabeleceu as condições.
29. Se assim se firmou quanto a normas infraconstitucionais, o mínimo a admitir-se é que
isso também se há de entender, no caso, em relação à emenda constitucional, que, com os
preceitos impugnados, se efetivamente aboliu o adicional por tempo de serviço na remuneração
dos magistrados e servidores pagos mediante subsídio, é que neste lhe absorveu o valor.
30. Por fim – e malgrado o brilho com o qual deduzida –, também não me convenço de que
a absorção do ATS pelo subsídio apurado, conforme o art. 8º da Emenda, além de desarrazoada,
ofenderia o princípio constitucional da isonomia, na medida em que a todos aproveitou, de modo
a tratar igualmente aqueles que, não tendo alcançado os sete qüinqüênios de serviço, estariam,
por isso, desigualados dos que os cumpriram, como ocorre aos Impetrantes.
31. Para ser acolhida, a argüição de ofensa à isonomia pressuporá que a Constituição
mesma tivesse erigido o maior ou o menor tempo de serviço público em fator compulsório do
tratamento remuneratório dos servidores: não é, porém, o que ocorre, dado que, como já frisado,
o adicional correspondente não resulta necessariamente da Constituição, que apenas o admite –
mas, sim, de preceitos infraconstitucionais.
Nem mesmo o imenso Estatuto do Funcionário Público, constitucionalizado no art.
37 da Constituição, aproveitou a oportunidade para erigir, em preceito constitucional, o
adicional por tempo de serviço. A extensa pesquisa do estudo encaminhado pelo MP o
demonstra: foi, sempre, matéria de legislação infraconstitucional; no máximo, com relação
aos magistrados, de legislação complementar.
32. Rejeito, pois, as argüições de inconstitucionalidade parcial dos dois preceitos
questionados da EC 41, de 2003.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência deseja destacar?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Seria interessante ouvirmos todo o voto.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): São dois pontos bem destacados. Já
mostrei, que, com relação ao próprio adicional do tempo de serviço aos Impetrantes não
interessa; o segundo é o problema do acréscimo dos proventos.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: E o teto?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): O teto ficou por aqui. Até aqui eu
examinei, e estou rejeitando a argüição de inconstitucionalidade, quer da consideração
da parcela recebida em razão do tempo de serviço pelo Ministro do Supremo, para
apuração do que chamei de “teto provisório”, quer, em conseqüência, da submissão
dessa mesma vantagem ao teto estabelecido conforme o novo art. 37, XI, da Constituição.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Apenas para compreender a extensão do voto: Vossa
Excelência concebe que vantagem pessoal é instituto harmônico com a Constituição
Federal, admitido pela própria Carta, sem se cogitar de especificidade, da nomenclatura da
parcela.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não há dúvida. A Constituição alude às
vantagens pessoais: hoje, nem sei se há uma alusão explícita, a não ser esta, limitativa.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Há, porque, ao cogitar da integração para observância
do teto, evidentemente se tem a vantagem pessoal como algo que é contemplado pelo
ordenamento jurídico.
.
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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não há dúvida. No plano da União, não
tenho certeza se haverá categoria de agente público que hoje perceba como parcela
destacada o adicional por tempo de serviço. Para o pessoal do chamado Regime Jurídico
Único ela está revogada desde 1991. Quanto aos magistrados, ela foi absorvida pelo teto
provisório fixado. A mim me pareceu evidente – e não sei a situação precisa do Ministério
Público, não me recordo da exata adequação jurídica com relação à carreira do Ministério
Público, porque os “anuênios”, a meu ver, eram calculados por força de um dispositivo da
lei orgânica do Ministério Público da União que manda atribuir-lhe todas as vantagens
genericamente concedidas ao servidor público. Não é uma norma específica que tivesse
sobrevivido à revogação pela Medida Provisória 2.227.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aliás, Ministro Pertence, foi esse o comportamento que teve Vossa Excelência, como Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e eu,
como Presidente do Supremo, e a reunião administrativa do Supremo na qual enviou
projeto de lei para fixação do subsídio R$ 21.500,00 e, depois, R$ 24.500,00, em que integramos, necessariamente, nesse valor, os adicionais de tempo de serviço, o que significa que
os adicionais de tempo de serviço, com a fixação dos subsídios, desaparecem.
Hoje, na Justiça estadual, no Poder Judiciário estadual, há alguns Estados que têm
adicionais, os quais, portanto, estão integrados necessariamente aos subsídios. Os outros
Estados não têm subsídios, estão no regime anterior.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Só não sei se em todos os Estados, mas
suponho que, em todos os Estados, é imitado o tradicional instituto do adicional por
tempo de serviço do plano federal.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência acredita piamente nisso?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não. Se também se generalizou a abolição – não estou falando de magistrados, mas de servidores públicos em geral. Então,
quanto a esses não há dúvida. A menção à submissão das vantagens pessoais ao teto
ainda é útil.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Claro. Agora, quero lembrar a Vossa Excelência que, no levantamento que a Presidência do Supremo fez quando da elaboração do
texto relativo ao subsídio, observei em diversos Estados – e cito um especialmente –, que
os adicionais de tempo de serviço, que a Loman limitou a 35%, estão hoje na base de 73%.
É o Estado de Santa Catarina, que tem uma norma específica a qual estabelece triênios de
6% até o limite de 72%.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Os bons exemplos não se seguem
neste País.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vejam a ilegalidade da própria, contrária à
norma da Loman, que limitava em qüinqüênios de três. E há outros Estados, como o Rio
Grande do Sul, que adota um critério que vai a 60%, atribuindo ilegalmente percentuais
que não estavam autorizados na lei: 15% aos quinze anos de serviço e mais vinte sobre
todo esse conjunto.
Era só para informar a Vossa Excelência o interesse que desperta à magistratura essa
decisão, porque a pretensão existente é exatamente manter os adicionais por tempo de
serviço sobre os valores do subsídio, o que é um disparate no cálculo.
.
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O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, consta – acho que da parte final do seu
voto – que, quanto à afirmação do direito adquirido, se bem entendi, Vossa Excelência
aceitaria a tese do direto adquirido se houvesse previsão expressa na Constituição?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não, apenas o problema da isonomia,
quando os magistrados – aposentados ou em atividade – foram igualados a desiguais,
àqueles que não serviram 35 anos. E isso, dizem os Impetrantes, “ofende o princípio da
isonomia”. Estou dizendo: isso como argüição de inconstitucionalidade seria ponderável
se o adicional por tempo de serviço fosse um instituto de estatura constitucional. Mas
não é.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Porque em relação a direito adquirido essa questão
não se colocaria.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: É que há uma colocação anterior quanto à máxima de
que não há direito adquirido a regime jurídico. Vossa Excelência mitiga para admitir a
proteção ao direito adquirido desde que a modificação do regime alcance situação integrada ao patrimônio do servidor.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Admito, nos termos da jurisprudência,
que o que existe em matéria de vencimentos de servidores públicos, lato sensu, é a
irredutibilidade de vencimentos, que em acórdão do Tribunal – que gerou uma longa
discussão minha com o em. Ministro Moreira Alves – chamei, então, de “modalidade
qualificada de direito adquirido”, porque, é claro, só há direito adquirido a um determinado patamar de vencimentos se a ele foi legalmente alçado o servidor (RE 298.694).
Adquiriu o direito a não ter aquele patamar diminuído.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Nessa medida, como modalidade qualificada de direito
adquirido, cláusula pétrea.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Vamos chegar lá.
Prossigo, então, Senhor Presidente, quanto à segunda alternativa da impetração:
33. É mais delicado – posto que se cuide de questão de alcance residual, de interesse apenas
dos que, como os Requerentes, são beneficiários da ultra-atividade do art. 184 da Lei 1.711/52 –
o pedido subsidiário atinente à imunidade ao teto do acréscimo de 20% aos proventos da aposentadoria.
34. É que – ao contrário do que sucedeu, como visto, no tocante ao adicional por tempo de
serviço – parte desse acréscimo de proventos dos Requerentes – na importância, para cada um, de
R$ 1.697,25 – é que foi objeto da retenção que impugnam, resultante do teto provisório apurado
pela decisão administrativa do Tribunal.
35. Funda-se a impetração, no particular, na oposição à incidência da EC 41/03 sobre
direito adquirido de que os Impetrantes se afirmam titulares.
36. A alegação traz ao proscênio da discussão da causa a polêmica ainda crepitante – à luz
da conjugação do art. 60, § 4º, IV, com o art. 5º, XXXVI, da Constituição da República – acerca
da oponibilidade, ou não, de direito adquirido às emendas constitucionais.
37. A corrente, quiçá majoritária, na doutrina é radical: dada a vedação de emendas à Constituição tendentes a abolir “os direitos e garantias individuais” (CF, art. 60, § 4º, IV), não pode
a reforma constitucional atingir, à vista do art. 5º, XXXVI, da Lei Fundamental, qualquer direito
adquirido, seja constitucional ou infraconstitucional o fundamento normativo da sua aquisição.
.
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38. Para não correr o risco de omissões, não me animo a enumerar os muitos publicistas de
relevo que se alinham nessa postura de imunidade de todo e qualquer direito adquirido à incidência
de reformas da Constituição; entre eles, no entanto, pelo justo renome e a veemência da argumentação, são de realçar o douto José Afonso da Silva21 e o nosso eminente colega Carlos Britto,
em obra solo22 ou no seu valioso litisconsórcio intelectual com o ilustre Valmir Pontes23.
39. No pólo oposto – na trilha de iterativos posicionamentos incidentes do em. Ministro
Moreira Alves, em julgamentos do Tribunal, já sob a vigência da Constituição de 1988 –, ocorreme salientar a consistente objeção do ilustrado Paulo Modesto, subjacente, como é notório, à
gestação da EC 19/9824 .
40. De minha parte – sem me arriscar na imprudente travessia das águas tão procelosas da
discussão doutrinária –, tendo a um distinguo, que parte da fonte normativa do direito adquirido
aventado.
41. Se se cuida de erigir todo e qualquer direito subjetivo derivado da incidência de norma
infraconstitucional à aplicação imediata de emenda à Constituição, com todas as vênias devidas à sedutora postura do Ministro Carlos Britto25 , a ela não consigo alinhar-me; angustia-me
a indagação, em contraposição, de um jovem e notável doutrinador pátrio.
42. “Será, em suma” – interpela Daniel Sarmento26 – “que num Estado que se pretende
democrático e social, e que se caracteriza por seus níveis vergonhosos de desigualdade material, o
poder de deliberação das gerações futuras – que se exprime através do constituinte derivado – deve
ter como limites intransponíveis todos os direitos já distribuídos no passado?” – esse trabalho, do
professor Daniel Sarmento, traz como epígrafe uma bela passagem de Bobio, a dizer que “a
criação de novos direitos passa sempre pelo preço distinguir direitos antigos.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas sempre em visão prospectiva.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Essa foi a discussão no final do Império,
quando da abolição da escravatura.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):
21
José Afonso da Silva – Reforma constitucional e direito adquirido. In: Poder Constituinte, Poder
Popular. Malheiros, 2000, p. 221, 233 – responde aos que sustentam que a emenda constitucional só
não pode afetar a garantia do direito adquirido contra a lei ordinária superveniente: “Um tal argumento e uma tal doutrina valem como uma fraude à Constituição, porque eliminariam a garantia do direito
mediante a supressão do direito garantido. Se isso fosse possível, de nada adiantaria a proteção
normativa de um direito, pois, precisamente quando esse direito se efetiva e se concretiza num titular,
pode ser eliminado. É o mesmo que suprimir, a cada passo, a norma de garantia, por esvaziá-la de seu
conteúdo jurídico: seu efeito prático”.
22
BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Forense, 2003, passim.
23
BRITTO, Carlos Ayres; PONTES FILHO, Valmir. Direito adquirido contra as emendas constitucionais, RDA 202/75, 78: “(...) não estamos negando que as emendas possam prejudicar (por modificação
ou supressão) certos direitos subjetivos que não façam parte da relação dos expressamente nominados
como ‘direitos e garantias individuais’. O que estamos a afirmar é que tais direitos, uma vez adquiridos, seja
qual for a respectiva natureza (direito social, político, funcional etc.), não podem mais ser lesionados
por efeito de reforma constitucional. A normatividade das emendas, no caso, já nasce etiquetada com o
timbre do ‘doravante’, e mais com o timbre do ‘desde sempre’”.
24 V.g., MODESTO, Paulo. Reforma administrativa e direito adquirido. Revista Trimestral de Direito
Público,18/165.
25
26
BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituinte, cit., p. 80 et seq.
SARMENTO, Daniel. Direito adquirido, emenda constitucional, democracia (...). In: TAVARES,
Marcelo Leonardo. A Reforma da Previdência Social. Lumen Juris, 2004, p. 1, 7.
1224
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Buscaremos convencer, enfim, que, num país estigmatizado pela injustiça das suas relações
sociais, e regido por uma Constituição que tem a ambição de operar profundas transformações em
favor dos excluídos, perenizar a atual distribuição de direitos, pondo-a completamente fora do
alcance até do constituinte derivado, é conspirar para a manutenção de um status quo iníquo, do
qual não temos do que nos orgulhar.
Evidente que o Ministro Carlos Britto, para sustentar posição radicalmente oposta,
analisa muito o que têm sido, na história brasileira mais recente, as emendas constitucionais. Temo que, numa época de emendas muitas vezes de retrocesso, fixemos um princípio
que amanhã seja oposto a qualquer reforma.
43. Respondo por mim que, seguramente, uma interpretação sistemática da Constituição,
a partir dos “objetivos fundamentais da República” (CF, art. 3º), não lhes pode antepor toda a
sorte de direitos subjetivos advindos da aplicação de normas infraconstitucionais superadas por
emendas constitucionais que busquem realizá-los.
44. Intuo, porém, que um tratamento mais obsequioso há de ser reservado, em linha de
princípio, ao direito fundamental imediatamente derivado do texto originário da Constituição,
quando posto em confronto com emendas constitucionais supervenientes: nesta hipótese, a
vedação a reformas tendentes a aboli-lo – baseada no art. 60, § 4º, IV, da Lei Fundamental – já não
se fundará apenas na visão extremada – e, ao cabo, conservadora – do seu art. 5º, XXXVI, mas
também na intangibilidade do núcleo essencial do preceito constitucional substantivo que o
consagrar.
45. Sob tais premissas, alinhavadas de carreira, é que volto ao caso vertente.
46. O questionado acréscimo de 20% sobre os proventos não substantiva um direito
adquirido de estatura constitucional: provém, ao contrário, de matriz normativa infraconstitucional.
47. Por isso, ao meu ver – sobrevindo a EC 41/03, que submete a remuneração dos
magistrados, em atividade ou inativos, ao regime do subsídio uniforme – em “parcela única” –,
penso que não lhes poderia assegurar o Tribunal a percepção indefinida no tempo do benefício,
fora ou além do teto que a todos submete.
48. Sucede, entretanto, que, porque magistrados, a Constituição – de resto, no que toca à
magistratura, preservando os textos constitucionais anteriores, que a Lei Fundamental vigente
estendeu a todos os servidores públicos – assegura diretamente aos Impetrantes a irredutibilidade dos vencimentos.
49. A garantia da irredutibilidade de vencimentos – ousei afirmá-lo, com o respaldo da
maioria do Tribunal27 – é, sim, modalidade qualificada de direito adquirido e, de qualquer sorte,
conteúdo de normas constitucionais específicas, estendidas, na ordem constitucional vigente, aos
magistrados e aos servidores públicos em geral28 .
50. Desse modo – não obstante o dogma de que o agente público não tem direito adquirido
ao seu anterior regime jurídico de remuneração – há, no particular, um ponto indiscutível: é
intangível a irredutibilidade do montante integral dela.
51. É, sabidamente, um assento consolidado de nossa jurisprudência – de modo a dispensar
documentação – que, quando se cuida de alteração por lei do regramento anterior da composição
da remuneração do agente público, assegure-se-lhes a irredutibilidade da soma total antes recebida.
52. Estou, portanto, em que a irredutibilidade – hoje, universalizada – de vencimentos e
salários substantiva garantia constitucional oponível às emendas constitucionais mesmas.
53. Trata-se de garantia individual erigida pela própria Constituição, que, como tal, a
doutrina amplamente majoritária reputa inilidível por emenda constitucional.
54. Ainda, porém, quem a considerar susceptível de sofrer dispensa específica pelo poder de
reforma constitucional, creio, haveria de reclamar para tanto norma expressa e inequívoca.
27
RE 298.694, Plenário, 6-8-03, Pertence, DJ de 23-4-04.
28
CF, art. 37, XV.
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1225
55. Certo, parece tê-lo ensaiado o art. 9º da EC 41/0329 .
56. Mesmo quando, em tese, fosse tido por admissível, o ensaio se frustrou: o art. 17 do
ADCT 30 é norma referida ao momento inicial de vigência da Constituição de 1988 – “serão
imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes” –, no qual incidiu e, neste momento, com
o fato mesmo de incidir, teve extinta a sua eficácia, tal como é próprio das regras transitórias de
efeito instantâneo. (Norma transitória que não precisa de ato algum, menos ainda de lei para
incidir instantaneame nte sobre situações anteriores, é por isso mesmo norma transitória que,
incidindo, extingue-se.)
O Sr. Ministro Carlos Britto: Norma de eficácia esvaída.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):
57. De qualquer sorte, se se lhe pretende dar interpretação complacente, de modo a
transplantar o momento da sua incidência fulminante para o da promulgação da EC 41/03, é mais
que duvidosa a sua compatibilidade com a “cláusula pétrea” de indenidade dos direitos e garantias fundamentais outorgados pela própria Constituição de 1988, recebida como ato constituinte
originário.
58. Esse o quadro, tenho como certo o direito dos Impetrantes – sob o pálio da garantia da
irredutibilidade de vencimentos – a continuar percebendo o acréscimo sobre os proventos – no
quanto recebido anteriormente à EC 41/03 – até que o seu montante seja coberto pelo subsídio
fixado em lei para Ministro do Supremo Tribunal Federal.
59. Nesses termos, defiro parcialmente o mandado de segurança: é o meu voto.
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Este é um dos casos nos quais fica evidente a distinção
entre o que gostaria de concluir e o que deve concluir o intérprete no ofício de interpretação/aplicação da Constituição.
2. O intérprete, qual anotou certa vez Oscar Dias Corrêa, “tem de ser absolutamente
livre e não pode estar sujeito a nenhuma outra peia, a não ser a peia da Constituição”. Não
deve ceder nem mesmo à convicção de que o Texto Constitucional mereça aprimoramentos.
3. Deveras, como observa o Desembargador Celso Limongi em ofício a mim encaminhado no dia 7 deste mês, “o sistema de promoção da magistratura, com os critérios de
promoção por antiguidade e merecimento, pressupõe progressão funcional com diferenciação salarial ao longo da carreira. O estímulo ao ingresso nas carreiras públicas, aperfeiçoamento e progressão funcional dos seus integrantes está diretamente relacionado à
manutenção da evolução salarial ao longo da carreira”.
29
EC 41/03, art. 9º: “Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da
administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes
políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não,
incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza”.
30
ADCT/88, art. 17: “Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os
proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão
imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito
adquirido ou percepção de excesso a qualquer título”.
1226
R.T.J. — 200
4. Não cabe a esta Corte, no entanto, a reforma da Constituição, ainda que lhe
incumba o dever de atualizá-la. A distância entre o poder de reforma e o dever de atualização é bem marcada.
Daí por que acompanho o voto do Ministro Pertence. Já amadureci o suficiente, em
quase dois anos de experiência nesta Corte, para afirmar que lastimavelmente tem de ser
assim. Mas tem de ser assim. Eu não decido como gostaria de decidir, porém como a
Constituição determina que eu decida, ainda que isso não me agrade.
VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhor Presidente, os Impetrantes bem
destacam que o texto constitucional posterior à EC 41/03 esvazia a jurisprudência desta
Corte sobre a preservação das vantagens pessoais contra alterações posteriores do regime
remuneratório dos servidores em pelo menos uma dimensão: a da aplicabilidade desses
precedentes a casos futuros.
Não resta dúvida de que a disciplina constitucional sobre o teto remuneratório dos
servidores públicos veio a ser alterada para que hoje vigorasse sistema bem diverso
daquele previsto na redação original da Constituição.
A partir desse fato, seria inoperante utilizar o raciocínio adotado por este Tribunal nos
precedentes citados, pois, neles, o pressuposto fundamental era radicalmente diverso.
Nesse ponto, é de se destacar que a emenda constitucional traduz a possibilidade
de o constituinte derivado alterar a Constituição não para expressamente contradizer a
interpretação do Supremo Tribunal Federal, mas para refundar a ordem jurídica naqueles
pontos não-essenciais para a preservação da ordem constitucional a que se referem as
cláusulas pétreas.
As sucessivas alterações do texto constitucional têm trazido ao STF a tarefa de
identificar os casos-limite de ofensa às cláusulas pétreas, a exemplo do mais marcante da
recente jurisprudência da Corte, em que se examinou a constitucionalidade da EC 41/03 na
parte acerca da instituição da contribuição previdenciária (ADI 3.105, Rel. para o acórdão
Min. Cezar Peluso, Pleno, julgada em 18-8-04).
Naquela oportunidade – ressaltando-se que as premissas daquele caso não valem
para este, são diferentes neste contexto –, o Tribunal considerou relevante apenas a
inobservância da isonomia, para declarar inconstitucional diferenciação desarrazoada
entre servidores em situações similares.
Uma dúvida inicial, no caso ora em exame, diz respeito também à isonomia. A fixação
do teto remuneratório, por um lado, fixa uma regra geral e não-discriminante, pois a remuneração máxima é definida a priori, sem exceções pessoais nem privilégios, nos termos do
art. 37, XI, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 41/03.
Por outro lado, é de se deduzir que a inclusão, no cálculo do teto remuneratório, de
vantagens de quaisquer natureza imporá a determinadas pessoas redução expressiva na
remuneração, se considerada relativamente à totalidade da remuneração global antes da
limitação, ao passo que, a outras, imporá redução pouco expressiva.
Qual desses dois aspectos será relevante para a constitucionalidade da emenda?
.
R.T.J. — 200
1227
A fixação de efetivo teto remuneratório, além de ser antigo anseio geral de difícil
implementação, representa a concretização definitiva da transparência na remuneração
dos servidores públicos.
Essa observação tem relevo sobretudo considerando-se a ausência de uma política
geral remuneratória da função pública, que já deu ensejo a um sem-número de casuísmos
e reivindicações corporativistas.
Nesse ponto, não se pode negar o significado político-institucional da EC 41/03, na
recusa de pretextos para fuga à clara e definitiva fixação de limites para a remuneração da
função pública.
Por esse aspecto é que deve ser rejeitada a tese do direito adquirido ao excesso, do
direito adquirido a remuneração que ultrapasse o limite do que o País considera remuneração justa para a função pública.
Para assim se concluir, é determinante a previsão original, no art. 17 do ADCT, da
então imediata redução de vencimentos em desacordo com o texto constitucional: essa
regra drástica revela e escancara o espírito em que se deu a elaboração da Constituição de
1988, de busca incondicional da concretização dos princípios republicanos que regem a
administração.
Nessa extensão, não quebra a isonomia o fato de a aplicação do teto resultar em
maior redução para alguns servidores e menor para outros. Diferentemente do texto declarado inconstitucional no julgamento da ADI 3.105, a fixação do teto estabelece teto uniforme
e intransponível.
O que garante o respeito à isonomia na aplicação do teto remuneratório é justamente
essa uniformidade de tratamento, respeitando-se abaixo do teto a manutenção de situações individuais.
A partir dessa premissa, não há como deixar de aplicar o teto aos Ministros aposentados, pois, a eles, a Constituição agora vincula o regime do subsídio, porquanto aposentados antes da EC 41/03, a partir da entrada em vigor da Lei 11.143/05. Assim, atualmente, os
Ministros aposentados, além de manterem o título e a honra devidos (art. 16, parágrafo
único, do Regimento Interno do STF), também recebem a maior remuneração da República.
Com essas considerações, e remetendo-me aos argumentos por mim aduzidos no
julgamento da ADI 3.105, especialmente na parte em que cito Daniel Sarmento, também
mencionado hoje pelo eminente Relator, indefiro integralmente a segurança.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, sou convictamente um defensor dos
institutos do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada como as três
estelares situações jurídicas subjetivas em que mais resplende o princípio da segurança
jurídica – um verdadeiro megaprincípio –, porque se constitui a segurança como uma das
razões de ser, histórica e logicamente, das próprias constituições escritas, segundo o
modelo liberal que todos conhecemos. É claro que, quando defendo convictamente essas
três estelares figuras, faço-o, a partir do direito adquirido, no pressuposto da validade da
aquisição desse direito, um direito validamente adquirido, seja à luz da Constituição diretamente, seja à luz da legislação infraconstitucional. Desde que o direito adquirido descanse
no regaço da Constituição, sem nenhuma dúvida eu o oponho à edição de emendas
constitucionais. Entendo que somente uma nova constituição, uma constituição originária,
1228
R.T.J. — 200
é que pode se opor a essas três fulgurantes situações jurídicas subjetivas, porque a
Constituição tudo pode no plano material. Não há tabu material para ela, a originária; é o
início de toda normatividade jurídica; e, assim, não há nenhum compromisso com norma
jurídica anterior a ela, mesmo que essa norma veicule direito adquirido.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas contraria essa primeira premissa de Vossa Excelência.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, vou lançar o fundamento.
Submeter direitos adquiridos como os consubstanciados nas vantagens funcionais
ou parcelas remuneratórias dos servidores, submeter esses acréscimos estipendiários à
regra do teto, para mim, deita raízes na vontade objetiva da Constituição originária, a qual,
no art. 37, XI, previu três tetos a vigorar, cada um deles, no âmbito de cada Poder.
A Constituição foi tão enfática ao tratar desse limite máximo e tão desejosa da
eficácia de cada limite máximo no âmbito de cada Poder que chegou a estabelecer que a lei
fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos
servidores públicos – vejam que a redação é sintomática –, observados, como limites
máximos e no âmbito dos respectivos Poderes, os valores percebidos como remuneração,
em espécie.
Ora, sabemos que remuneração é um instituto jurídico abrangente do vencimento
padrão – vencimento base, vencimento básico – e todas as parcelas a ele permanentemente incorporáveis, de sorte a alcançar toda e qualquer parcela estipendiária, inclusive os
adicionais por tempo de serviço.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Retroativamente, Excelência?
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, Excelência. Veja como a Constituição – pareceme – há de ser interpretada. Ela não está nulificando a percepção dessas vantagens,
mas está dizendo que elas podem sofrer uma poda, um corte, quando batem em um teto
estipendiário legalmente fixado.
Então, por essa razão e todas as outras aportadas pelo Ministro Sepúlveda Pertence,
entendo que o direito adquirido não está sendo conspurcado por efeito da edição da
Emenda Constitucional 41. Sem falar que o eminente Ministro tão bem demonstrou que
o art. 8º dessa Emenda deixou claro que, na fixação do novo teto, todas as parcelas seriam
levadas em consideração, com o que todos nós respeitaríamos a garantia da irredutibilidade de vencimentos.
Ocorre que o Ministro Sepúlveda Pertence, neste caso em concreto, também
demonstrou que houve um efetivo prejuízo, uma redutibilidade pro tempore, e nessa
medida se impõe mesmo, parcialmente, conceder a segurança.
Por isso, acompanho o voto do Ministro Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, mais do que não fazer reparos,
presto minha modesta adesão às ponderações constantes do ofício que o Presidente do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ofereceu ao Excelentíssimo Senhor Relator
para dizer de certos inconvenientes que a resposta desse Mandado de Segurança poderia
representar à magistratura.
R.T.J. — 200
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Com o devido respeito, essas ponderações, suposto válidas, a mim me parecem ter
apenas serventia de constitutione ferenda. Não vejo em que possam interferir nos contornos jurídicos da questão central do mandado de segurança.
A segunda observação é que, mais uma vez, o eminente Relator apresentou, como é
do seu hábito, um voto exaustivo, profundo; reconstituiu, até, as posições da Corte ao
longo da história das vicissitudes constitucionais. Eu não me aparto fundamentalmente
dos argumentos de Sua Excelência.
Em terceiro lugar, a despeito da certa complexidade que inteligências engenhosas e
penas ilustradas trazem a certas questões, talvez por defeito de percepção, não consigo
encontrar grande dificuldade na questão, que pode, a meu ver, ser reduzida a um esquema
mais simples.
O texto original da Constituição vigente estabeleceu três coisas: primeiro, fixou um
limite de remuneração para a magistratura; segundo, incluiu, na apuração desse limite,
qualquer parcela componente da estrutura da remuneração, ou seja, prescreveu textualmente que esse limite consideraria qualquer parcela, a qualquer título, do que fosse percebido por Ministros do Supremo Tribunal Federal. Relembro, observados como limite máximo dos respectivos poderes, os valores percebidos como remuneração em espécie, a
qualquer título, por membro Ministro do Supremo Tribunal Federal. Terceiro, não admitiu,
para efeito de observância deste teto, a subsistência de direitos adquiridos na ordem
jurídico-constitucional anterior.
Estes três pontos, a meu ver, não foram alterados nem pela Emenda 19, nem pela
Emenda 41. Tiro algumas conseqüências: quando a Constituição, no texto primitivo,
inciso XI do art. 37, se referia a valor recebido a qualquer título, isso significava que
abrangia não apenas as parcelas preexistentes, mas também toda parcela que fosse criada
após o advento da Constituição, sob pena de outra interpretação permitir uma fraude, uma
burla ao próprio texto constitucional. O que a Constituição estava querendo tratar, a meu
ver, e com o devido respeito, era que parcelas ou valores, a qualquer título decorrentes da
legislação anterior ou de legislação infraconstitucional subseqüente, estavam incluídos
na apuração do valor do limite constitucionalmente fixado. Tanto estava que, em relação
às vantagens preexistentes, não deixou nenhuma dúvida, e o art. 17, embora exaurido
temporalmente, significava que as remunerações excedentes do teto deveriam ser decotadas imediatamente para se ajustar ao texto constitucional. Evidentemente se tratava de
norma transitória, porque se referia às vantagens preexistentes. E excluiu, por isso mesmo,
a invocação de direito adquirido.
Quanto às vantagens novas, à evidência não era caso de estabelecer nenhum dispositivo de caráter transitório, até porque a própria norma do inciso XI já previa que
qualquer vantagem criada por norma infraconstitucional deveria, nos termos dessa limitação, compor o teto da remuneração.
A mim me parece, com o devido respeito, que a Emenda 19/98 em nada alterou esses
três pontos. Ela, pura e simplesmente, modificou o critério de apuração desse teto e
repetiu a fórmula que já estava na redação original, prevendo: “incluídas as vantagens
pessoais ou de qualquer outra natureza.”
E tampouco a Emenda 41/03 introduziu qualquer alteração, porque tornou a incluir
as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza.
1230
R.T.J. — 200
Ora, o perfil da disciplina constitucional, a despeito da mudança dos critérios da
apuração desse limite, a partir dos quais os subsídios absorveriam todas essas parcelas
que já estavam incluídas na definição e na estrutura desse limite, não alterou, em nenhum
momento, a situação da magistratura. Desde o início, as limitações da magistratura eram as
mesmas. Pouco importa que, na prática, elas não tenham sido alteradas. A verdade é que
o texto constitucional não sofreu alteração substancial em relação à redação primitiva e às
duas emendas que tornaram a regular o assunto.
Ora, diante disso, não vejo como possa ser oposto direito adquirido, nem em termos
de vantagens preexistentes, por força da regra expressa do art. 17 do ADCT, porque
nenhum dos textos constitucionais permitiu que qualquer vantagem, ainda que criada
superveniente pela legislação subalterna, poderia escapar a este teto.
Daí, quando o eminente Relator se escusou de entrar nas águas procelosas da
questão do alcance da garantia do direito adquirido perante emendas constitucionais, eu
diria que – nem chego perto dessas águas, passo longe – a vantagem tratada aqui foi
repristinada por uma Lei de 1990, donde esta vantagem não ficou fora da composição do
teto: estava abrangida pela norma constitucional!
De modo que não há, a meu ver, necessidade de recorrer à discussão de direitos
adquiridos, de fonte infra ou de fonte constitucional, porque essa vantagem, de caráter
pessoal, superveniente, encontrou no próprio texto constitucional então vigente, que era
o primitivo, a limitação de que ela também não escaparia à apuração do teto. Por essa razão
peço vênia ao eminente Ministro Relator para denegar, in totum, a segurança.
ESCLARECIMENTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Apenas para deixar bem definidas as
explanações do voto de Vossa Excelência que, como sói, é de absoluta inteireza lógica.
Sucede que eu me comprometi, conscientemente, com a jurisprudência do Supremo Tribunal,
firmada a partir da combinação entre o art. 37, XI, originário e o primitivo parágrafo 1º do
art. 39, no sentido de que as vantagens pessoais não se submetiam ao teto.
Quero apenas deixar claro, porque, quando firmamos essa jurisprudência, a partir da
ADI 14, não sei se já compunha o Tribunal o Ministro Marco Aurélio. Mas, tão logo
passou a integrá-lo, foi S. Exa. a única voz dissonante durante muitos anos, precisamente
sob o argumento, agora retomado, de que já o art. 37, XI, abrangia qualquer vantagem,
fosse qual fosse a sua natureza. E, deste modo, a menção das Emendas Constitucionais
19 e 41 às vantagens pessoais teria caráter meramente expletivo.
Eu, como os Impetrantes recordam, em discussão com o Ministro Nelson Jobim, na
vigência da Emenda Constitucional 19, disse, efetivamente, que a Emenda veio para alterar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e, em princípio, não haver cláusula
pétrea envolvida. Isso é legítimo: a história dos tribunais constitucionais, particularmente
da Suprema Corte americana, mostra bem, com a força de precedentes das decisões da
Suprema Corte, que elas se submetem à alteração da Constituição e, lá, se for o caso, da lei
ordinária. Isso é do jogo democrático.
R.T.J. — 200
1231
Agora, ressalvo que, ao passar perto dessas águas procelosas, mas não sabendo
nadar, prefiro ladeá-las, para me ancorar na rocha da irredutibilidade de vencimentos: é
que o meu compromisso com a jurisprudência do Tribunal foi tomado sob a versão original da Constituição de 1988.
Pareceu-nos, então, que não obstante a linguagem enfática do art. 37, XI, para
compatibilizá-lo com a regra de isonomia do art. 39, § 1º, que ressalvava as vantagens de
caráter individual, era necessário concluir que estas não se submetiam ao teto, ou, então,
seria impossível estabelecer o escalonamento. Com o brilho de sempre, o Ministro Marco
Aurélio resistiu à jurisprudência e, já no final dela, conquistou adesão do eminente Ministro Octavio Gallotti.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Segundo entendi do voto de Vossa Excelência, o princípio ou a garantia da irredutibilidade foi homenageada em seu voto sem significar que, em
nenhum momento, os postulantes receberam acima do teto?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não. Recebiam acima do teto. Daí a
legitimação para esse mandado de segurança. Com base na nossa decisão colegiada, o
Ministro Maurício Corrêa determinou a redução e, com isso, subtraiu-lhes mais ou menos
a metade do valor daquela vantagem do velho art. 184 do Estatuto.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Aplicando, na prática, aos Impetrantes, então, um
subteto?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não. Aplicando o teto.
O Sr. Ministro Carlos Britto: E com a decisão de Vossa Excelência?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Libera-se o teto. Mas, de acordo com a
jurisprudência do Supremo Tribunal, de que o direito adquirido, no regime de vencimentos do serviço público, reduz-se ao da irredutibilidade dos vencimentos legitimamente
alcançados. Por isso, deferi, em parte, o mandado de segurança, para que lhes fosse paga
esta vantagem subtraída pelo ato coator até que o seu montante venha a ser coberto pelas
posteriores fixações legais do subsídio de Ministro do Supremo Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Carlos Britto: O que de fato já ocorreu?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Suponho que tenha ocorrido. O primeiro
subsídio foi R$ 21.500,00 (vinte e um mil e quinhentos reais).
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O total que percebiam os Impetrantes era
R$ 20.812,44 (vinte mil, oitocentos e doze reais e quarenta e quatro centavos). Quando
fixamos o teto provisório, incluindo ATS, fixamos em R$ 19.115,19 (dezenove mil, cento e
quinze reais e dezenove centavos), ou seja, houve uma redução, determinada pelo Ministro
Maurício Corrêa, de R$ 1.697,25 (mil seiscentos e noventa e sete reais e vinte e cinco
centavos). Em janeiro de 2005, o subsídio passou a ser de R$ 21.500,00 (vinte e um mil e
quinhentos reais). Estamos discutindo o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, que concede, determina à presidência do Supremo Tribunal o pagamento da diferença.
A redução se deu por ofício do Ministro Maurício Corrêa, em 9 de fevereiro de 2004,
retroativo a janeiro.
1232
R.T.J. — 200
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Foi retroativo, englobando, portanto,
todo o ano de 2004.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Todo o ano de 2004 e mandou descontar
a partir de janeiro.
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, gostaria de registrar, de início,
independentemente das dificuldades apresentadas pelo tema, já referidas aqui, nessas
águas procelosas, pelo Ministro Sepúlveda Pertence e repetidas, agora, pelo Ministro
Cezar Peluso, a naturalidade com que o Tribunal arrosta o tema do controle de constitucionalidade das emendas constitucionais.
Tive oportunidade, quando discutimos aqui a constitucionalidade da Emenda 41, de
destacar esse fato e, de resto, isso se tornou quase banal na crônica da jurisprudência do
Tribunal.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Vossa Excelência me permite? Isso é
realmente impressionante. Em palestra que proferi, depois publicada, sob a coordenação
do Professor Paulo Modesto, fiz uma crônica da jurisprudência do Tribunal no controle da
validade de emendas à Constituição e notei exatamente a naturalidade com a qual temos
tratado a matéria. Porque é um lugar comum da teoria das Constituições rígidas, aqui e
alhures, que a emenda constitucional, se se alega ter ferido o processo de reforma ou
eventuais cláusulas de intangibilidade, pode ser submetida a controle. Mas Vossa Excelência não encontra exemplos concretos de declaração de inconstitucionalidade de emendas partida de outras Cortes constitucionais.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É verdade.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): E nós – mostrei eu, então, e hoje
recordei –, em 1926, logo após a reforma de Artur Bernardes, a única à Constituição da
Primeira República, com a maior naturalidade, o Supremo Tribunal examinou a constitucionalidade da reforma, embora então a julgasse válida.
Mas, posteriormente, o Ministro Moreira Alves, acrescentando-lhe aquela audaciosa
construção – a rigor, a única modalidade, entre nós, de controle jurisdicional preventivo
da constitucionalidade de normas –, que foi a legitimação do congressista, em nome
pessoal, para opor-se à tramitação de emendas inconstitucionais, deu outras dimensões
ao poder do Tribunal.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não há dúvida nenhuma de que esse
excesso de discussões é porque a natureza da nossa Constituição é um Código Tributário,
é um Código de Servidores, é um Código Previdenciário, então todo esse conjunto de
disciplinas é que leva a essa situação.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Fora o regulamento do ICMS, que
emociona tanto os Colegas, contido na Constituição.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E as sucessivas emendas constitucionais que dão
ensejo, também, a esse permanente controle.
R.T.J. — 200
1233
Mas, de qualquer sorte, é um fato relevante que deve ser apontado na comunidade
jurídica do Direito Comparado, uma vez que todos os autores se aproximam desse tema
com muitas reverências, tendo em vista a singularidade do exame.
Essas premissas básicas, nos tempos modernos, de controle de constitucionalidade
de emenda constitucional, na verdade, remetem-nos ao grande e polêmico jurista Carl
Shmit, o qual faz, na teoria da Constituição – a conhecida Verfassungslehre –, referência
a esta idéia, a distinção entre o constituinte e o legislador constituinte.
A partir daí, deriva-se série de conseqüências. Por exemplo, a emenda constitucional
que muda de monarquia para república, que modifica um sistema de governo ou de organização de estado, dizia Carl Schmidt, ainda que chamada emenda, não é de emenda que se
cuida, mas de uma nova constituição.
Essa idéia então se desenvolve, especialmente com a Constituição alemã de 1949, a
Lei Fundamental.
Mas, como já observava o Ministro Sepúlveda Pertence, mesmo na Alemanha,
disputa-se a aplicação desse entendimento, pelo menos na prática, e há sérias restrições e ressalvas. Tanto que, no caso célebre de 1969, o qual envolvia a possibilidade de
interceptação telefônica e o controle de correspondência, a Corte Constitucional alemã foi
bastante severa, dizendo, naquele caso, haver um tipo de controle – tirava-se o controle
judicial e instituía-se o controle parlamentar –, mas não havia a derrogação sistêmica do
princípio do estado de direito, levando certo autor até a fazer ironia, a de que isso não
serve para nada, uma vez que, depois de derrogadas todas as garantias, não há mais falar
em controle.
Nesse sentido, a nossa formulação igualmente foi sábia, ao proibir, de maneira
expressa, a emenda tendente a abolir. Logo, abrange aquilo que a doutrina estrangeira
chama de proibição do próprio processo de erosão.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Embora seja curiosa a observação feita
por um jovem jurista brasileiro, o Professor Oscar Vilhena, de que o nosso texto, aparentemente, é menos duro que o alemão, porque veda a emenda “tendente a abolir”; enquanto
a Constituição alemã – Vossa Excelência me corrija – fala em “afetar” garantias fundamentais. Não obstante a jurisprudência nossa, sobre a proibição da emenda “tendente a
abolir”, vai muito além da alemã.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Esse debate, inclusive, levou a duas doutrinas básicas.
Alguns chegam a dizer como essa interpretação, que a Corte alemã acabou por desenvolver,
provocou a proibição da revolução, o que resultou quase inócuo, pois temos, de fato, a
verificação de um estado de revolução. E a doutrina preconiza que se adote espécie de
proibição de ruptura de determinados princípios, a orientação que tem presidido, acredito,
a interpretação do Supremo Tribunal Federal.
Gostaria de fazer esse registro – trago voto escrito sobre isso –, essa síntese do
pensamento, porque, a rigor, temos hoje, nesse amplo controle de constitucionalidade
que desenvolvemos e praticamos, ainda esta singularidade: o amplo controle de constitucionalidade de emendas constitucionais.
1234
R.T.J. — 200
Outro aspecto que eu gostaria de roçar nesta manifestação diz respeito à questão do
direito adquirido no contexto constitucional.
O Ministro Sepúlveda Pertence trouxe todo esse inventário, essa discussão e, de
certa forma, socorrendo-se até de notável estudo de Paulo Modesto, mostrou, também,
que uma parte dessa discussão centra-se, na verdade, ainda que colocada em termos
constitucionais, naquele contexto da não-existência de direito adquirido a determinado
estatuto jurídico.
O Supremo Tribunal Federal, muitas vezes, talvez, por excesso de linguagem, afirmara
que não havia direito adquirido em face da Constituição, mas, na verdade, estava a aplicar,
de fato, o não-reconhecimento do direito adquirido a certo regime jurídico. Isso foi demonstrado, claramente, no complexo e completo estudo de Paulo Modesto, que faz esse
inventário da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Portanto, muitos desses casos que afirmávamos pertinentes à jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal perante a Constituição decaída, na verdade, traduziam exatamente a
orientação dominante, há muito nesta Corte, de que não há direito adquirido a determinado regime jurídico.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Só acrescentaria, Excelência, que efetivamente não há
direito adquirido a um dado regime jurídico, e sim direito adquirido no interior de todo e
qualquer regime jurídico. Não está em jogo, mas para que não se relativize demais essa
idéia do direito adquirido.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Vossa Excelência vai afirmar há muito
não haver direito adquirido na relação funcional, o que é uma realidade.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Exatamente, seja qual for o regime jurídico, nele, a tese
do direito adquirido há de se afirmar.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não obstante, em relação a esse aspecto – e o
Ministro Carlos Britto me socorre com seu aparte –, sabemos hoje que, mesmo em
relação a essa afirmação, a doutrina pátria e especialmente a doutrina comparada também
fazem ressalvas, pelo menos quando ela é colocada de forma rasa, quando estabelece que determinadas situações institucionais ou determinados estatutos não devam ser
observados.
Lembro-me – e sempre o citamos aqui – daquele célebre caso sobre propriedade
industrial, de relatoria do Ministro Moreira Alves, no qual se afirmou que não havia direito
adquirido a certo regime jurídico porque houvera alteração do regime de propriedade
industrial ou regime de decadência quanto a registro no que concerne à propriedade
industrial. Depois de refletir sobre isso, refletir muito, perguntei-me: E – era um recurso
extraordinário, portanto, tínhamos limitação quanto à causa petendi antes da superveniência da “jurisprudência Pertence” (RE 298.694, Pleno, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ de
23-4-04) – se se tivesse discutido não a violação do direito adquirido, mas a violação do
direito de propriedade, de liberdade de associação ou de qualquer outro, será que o
Tribunal poderia dar, pelo menos de forma escorreita, essa mesma resposta? Acredito que
não, porque aí a violação é do direito fundamental, material próprio.
R.T.J. — 200
1235
O Sr. Ministro Carlos Britto: Vossa Excelência me permite? Isso também é devido à
ambigüidade do conceito jurídico de regime jurídico.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Veja que está em todas as nossas citações de jurisprudências esse caso clássico a propósito da propriedade. No caso específico, mostrou-o
bem o Ministro Sepúlveda Pertence, quando resgatou aquele acórdão anterior, a que me
referia, sobre a irredutibilidade de vencimentos, porque é disso que se cuida, ao invés de
enveredar por essas águas procelosas. Temos, também, aqui, essa indefinição a partir das
várias teorias sobre direito adquirido do qual se cuida.
O Ministro é preciso ao dizer que aqui nós estamos a falar do direito à irredutibilidade de vencimentos. Portanto, nós notamos já um âmbito de proteção muito mais
definido e podemos identificar até a idéia de conteúdo ou núcleo essencial. A par de
outros aspectos os quais aqui se ressaltam, não quero me comprometer, a priori, com a
primeira premissa do seu voto nesta parte, no que concerne à questão do direito adquirido
com base em lei. Quanto ao aspecto de irredutibilidade de vencimentos, Sua Excelência
produz uma solução superior em todos os seus termos, porque supera toda essa discussão – o direito específico e não a discussão vaga sobre o que seria o direito adquirido ou
a não-existência de direito adquirido a regime jurídico.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Prescinde da norma protetora do direito
adquirido.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Foi exatamente ao núcleo do direito de que se cuida,
a irredutibilidade de vencimentos.
Com essas breves observações e com as anotações que farei juntar, Senhor Presidente, eu adiro integralmente ao voto de Sua Excelência.
VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, também eu louvo o brilho do voto
do Ministro Sepúlveda Pertence, ressaltando que o constituinte derivado estipulou – e
poderia fazê-lo, assim o Tribunal entende – uma limitação máxima aos vencimentos dos
magistrados. No conteúdo dessa verba, desse quantitativo, estão incluídas, necessariamente, parcelas a qualquer título percebidas. No caso concreto, o eminente Relator, muito
habilmente, resguardou e fez com que se preservassem, até que fossem absorvidas pelo
valor teto, aquelas verbas e vantagens decorrentes do art. 184 da Lei 1.711/52.
Creio que Sua Excelência encontrou a mais acertada solução para a questão, que,
evidentemente, tem repercussões além do caso concreto.
Acompanho-o integralmente para conceder, em parte, a segurança.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, a genética explica a boa dicção, a elegância que constatamos na sustentação da tribuna pelo Dr. Aluísio Xavier Albuquerque.
Repete, Sua Excelência, a trajetória e o procedimento que sempre teve, nesta Corte, um
dos Impetrantes, bem como na atuação profissional, antes de aqui tomar assento.
Não está em jogo, para mim, apenas o pleito dos Impetrantes mas também linhas que
são traçadas pelo Supremo sobre a disciplina decorrente da Emenda Constitucional 41/03,
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e a repercussão deste julgamento – e viro a página, considerado aquele outro sobre a
contribuição dos aposentados, proventos e pensões. Tem ele um alcance maior, porquanto
a nova redação do inciso XI do art. 37 apanha também a percepção cumulativa das diversas
parcelas mencionadas no início do preceito – remuneração, subsídio, proventos, pensões
ou outra espécie remuneratória, presente inclusive a cumulação. O caso em questão
não versa sobre essa cumulatividade e o cotejo com o teto contido nesse mesmo inciso XI
do art. 37, alterado pela Emenda Constitucional 41/03. Entretanto, as linhas mestras do
julgamento nortearão o crivo quanto a uma situação concreta que diga respeito a essa
cumulatividade.
Presidente, percebi bem o voto do Relator, como sempre um voto minucioso, cuidadoso, que se mostrou consentâneo com o que Sua Excelência apontou como a doutrina
do Supremo acerca do princípio da irredutibilidade.
Tive a oportunidade de apartear, para deixar estreme de dúvidas que Sua Excelência
admite que, mesmo diante da nova disciplina constitucional, é possível ter-se o instituto
das vantagens pessoais. E é justamente o reconhecimento de uma vantagem pessoal que
leva Sua Excelência a conceder de forma parcial a ordem, partindo do pressuposto de que
não há de se cogitar de direito adquirido propriamente dito, mas de algo ligado ao que
seria espécie de direito adquirido – e para mim a mesclagem é evidente: a irredutibilidade
de vencimentos.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Que pressupõe – é importante que se frise
sempre isso – a legitimidade do vencimento alcançado.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Então, chega-se a uma conseqüência, que é a vitória
de Pirro: ganha-se, no entanto, não se leva. E eu diria: leva, mas de maneira balizada no
tempo, considerada a absorção subseqüente pelo subsídio-teto.
As premissas do voto de Sua Excelência realmente conduzem a essa conclusão.
Entretanto, penso – perdoe-me o Ministro Carlos Ayres Britto – que as premissas do voto
proferido não conduzem ao mesmo resultado.
Presidente, o que se tem na espécie? O envolvimento da nova forma de remuneração
da magistratura: o subsídio. E já estamos a perceber que a problemática da gratificação por
tempo de serviço é das mais sérias, conforme ressaltou Sua Excelência, o Ministro Relator,
tendo em conta a própria carreira da magistratura. Deixa de haver um verdadeiro estímulo
a ela. Hoje, um juiz federal substituto começa em patamar remuneratório muito próximo ao
de Ministro do Supremo.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Marco Aurélio, são R$ 19.955,40
(dezenove mil, novecentos e cinqüenta e cinco reais e quarenta centavos).
O Sr. Ministro Marco Aurélio: E o que recebe o Ministro do Supremo?
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): R$ 24.500,00 (vinte e quatro mil e quinhentos reais).
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Brutos.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Claro, isso tudo bruto.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Porque com a carga tributária, surge um verdadeiro
sócio, o Estado.
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O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Acho que representa um grande salário
na estrutura brasileira.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não sei!
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Voltando ao meu depoimento pessoal.
Quando se aceitou – sem ranger de dentes, nem estalar de ossos – o sistema do subsídio,
na discussão da EC 19 – a grande reivindicação da magistratura –, cheguei a discutir e
lograr o apoio de Sua Excelência, o então Presidente da República – era a nova redação do
art. 93, V, a qual já levava à substancial elevação da remuneração inicial do juiz de carreira.
Isso, ante uma realidade daquela época: apesar do reconhecimento ou do grande argumento, de que o problema do Judiciário é o número insuficiente de juízes, dos cargos de
juízes criados, uma média de trinta por cento estava desocupado. Então, isso tudo foi
pensado.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sem dúvida alguma houve uma melhoria substancial
para aqueles que ingressam na magistratura, não mais se considerando o tempo de serviço
público. O subsídio foi fixado, com nítida inspiração no que se contém no art. 8º da
Emenda Constitucional 41/03, nas parcelas cogitadas nesse artigo, para ter-se um teto
provisório, levando-se em conta o vencimento, a representação mensal de Ministro e a
parcela recebida em razão do tempo de serviço.
Daí ter sustentado, administrativamente, que não se deveria examinar a outra representação satisfeita pelo exercício da Presidência. Por isso, fiquei num valor aquém dos
dezessete mil e poucos reais, não apenas para revelar – perdoem-me, sem qualquer crítica
aos que concluíram de forma diversa naquela assentada – o apego maior ao que estabelecido nesse documento – para mim muito pouco amado no Brasil –, a Lei Fundamental.
Considerei, de forma estrita, o art. 8º, e o trago à balha para dizer, de forma
insofismável, para não repetir o jargão “a mais não poder” – não quero me parafrasear –,
que o subsídio foi calculado a partir do básico, das duas representações: a dos integrantes
da Corte e a da Presidência, mais o adicional por tempo de serviço (ATS). Surgiu, portanto,
o regime jurídico. O princípio unitário, o princípio da conglobação, afasta a mesclagem do
regime jurídico anterior com o atual, para, com um terceiro regime, ter-se a ressuscitação,
como ocorreu em relação ao art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
observado o art. 9º da Emenda Constitucional 41/03, da gratificação por tempo de serviço.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): A causa está cheia de ressurreições, a
partir do art. 184 do velho Estatuto, que ressuscitou várias vezes.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sem dúvida. Deixou-se de fora por isso mesmo, Presidente, o jeton ou a remuneração percebida pela atuação no ofício eleitoral. E surge, então,
exemplo de uma vantagem pessoal, revelando sintonia do instituto com os novos ares
constitucionais decorrentes da Emenda 41/03.
Tem-se, portanto, que o instituto da vantagem pessoal está consagrado pela Carta
Federal, mesmo porque, caso contrário, não haveria razão para a referência a ela na
Emenda 41/03.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Acho que aí é vantagem da função, não é
pessoal.
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O Sr. Ministro Marco Aurélio: É pessoal em relação àqueles que atuam, porque nem
todos a têm.
Aqui mesmo, por exemplo, somos três os integrantes do Tribunal Superior Eleitoral
e percebemos, de forma pessoal, individualizada, o jeton. Não creio que ex-integrantes do
Tribunal recebam jeton em decorrência de atuação naquela Corte, nem mesmo os expresidentes.
Presidente, para mim é satisfatório e suficiente, considerada a boa procedência da
impetração, que a Constituição Federal alberga o instituto da vantagem pessoal. Não
haveria razão para se ter, inclusive, a cláusula simplesmente pedagógica – e reafirmo aqui
o que sempre sustentei no Plenário quanto ao alcance da expressão “a qualquer título” –
que determina a observação das vantagens pessoais.
Não há possibilidade de, no campo jurisdicional, instituir-se um novo regime, o
regime resultante do acasalamento do anterior, em que presente a gratificação por tempo
de serviço, e o atual, que prevê o subsídio, a sugerir – e ele já está mitigado sob esse
ângulo – parcela única e a gratificação por tempo de serviço, de acordo com o tempo de
cada qual.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas Vossa Excelência está votando no sentido de
excluir do teto as parcelas, as vantagens individuais, ou submeter ao teto as parcelas
individuais.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência, que conhece muito bem a minha
formação técnica e humanística e o amor que tenho pela Constituição Federal, já sabe como
vou concluir o voto.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Só quero dizer que o amor de Vossa Excelência pela
Constituição não pode ser maior que o meu.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por isso espero que Vossa Excelência evolua para me
acompanhar.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vamos descobrir a extensão do amor pelo
resultado.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, tem-se que, quanto a essa causa de pedir,
relativa à percepção da gratificação por tempo de serviço como vantagem pessoal, não há
campo para o deferimento da ordem.
Surge o problema do teto. Constato norma a revelar que, no cotejo, será levada em
conta parcela de qualquer natureza. Entendo suficiente essa previsão e explicativa a referência a vantagens pessoais.
Ora, o poder de reforma da Constituição pode ser encarado como retroativo? É
possível colocar-se na mesma vala situação concreta em que, legitimamente, foi alcançada
certa parcela, não considerada nos cálculos do subsídio, e outra em que o surgimento do
direito à vantagem pessoal veio após a Emenda? A resposta, para mim, é desenganadamente negativa. A não ser que, sob a minha óptica – com “p”, porque o vocábulo é
alusivo a audição –, se feche a Carta da República e se proclame que o poder de reforma
é originário e não derivado.
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O teto é, realmente, absoluto, mas prospectivo, tendo-se a observância de marco
inicial coincidente com a promulgação da Emenda Constitucional 41/03. É o preço que se
paga – costumo dizer – por viver numa democracia: o respeito irrestrito às regras
estabelecidas. Conserte-se o Brasil – com “s” e com “c” –, mas sem retrocesso cultural,
sem retroação, sem gerar-se, quanto a situações jurídicas aperfeiçoadas, porque surgidas
sob a égide de certo arcabouço normativo, insegurança, o sentimento de não se saber o
que poderá ser o amanhã, tendo em vista o que alcançado, anteriormente – repito – em
harmonia com a ordem jurídica em vigor.
Não confundo aplicação imediata com aplicação retroativa, sob pena mesmo, em
que pese ao famigerado art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
ressuscitado no 9º da Emenda – porque, a rigor, esse art. 9º tem o alcance de ressuscitar o
citado art. 17 –, sob pena de grassar a mais absoluta insegurança no tocante a algo já
integrado ao patrimônio do cidadão.
Confiro, portanto, alcance próprio à Emenda, e o faço também numa interpretação
sistemática do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, a preceituar que não pode ser objeto
de tramitação emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Direitos e
garantias individuais inseridos sob o ângulo estritamente formal, não material, no Diploma
Maior? Tem-se, no inciso IV do § 4º do art. 60, essa restrição, essa distinção? Não.
Aprendi ainda nos bancos da Nacional de Direito que, onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir, mas algo mais nos vem da interpretação sistemática: o mencionado inciso IV não pode, ou pelo menos não deve, ser dissociado de algo
que se contém no rol das garantias constitucionais. Aludo à impossibilidade – e, aqui, não
tenho como potencializar o vocábulo em detrimento do conteúdo no que o preceito se
refere à lei – de abranger o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Vejam que o citado art. 17 se mostrou polivalente, porque repetida a expressão
“percepção a qualquer título”. E aí se imaginou até mesmo que a percepção, considerado
título executivo judicial precluso na via da recorribilidade, na via da impugnação autônoma mediante ação rescisória, estaria alcançada pelo art. 17.
Não posso fugir à convicção e à conclusão de que o inciso IV em comento cobre a
situação concreta deste processo. A percepção dos vinte por cento se fez a partir da
legislação em vigor à época e o resultado dessa percentagem, como também ela própria –
cogita-se dos cálculos que levaram aos proventos –, passou a integrar o patrimônio dos
Impetrantes como direito e garantia individuais não passíveis de serem atingidos, quer
pela lei, dita ordinária, no bom sentido, quer pelo poder de reforma da Carta.
O grande problema, no Brasil, está em pretender consertar as coisas retroativamente.
O Relator – sob o ângulo do regime jurídico, para não abraçar uma visão que seria até
mesmo fascista – revela que a máxima de que não há direito adquirido a regime jurídico não
alcança situação concreta em que a mudança implique prejuízo. E há algo interessante: da
leitura da Lei 8.112/90 depreende-se que a relação jurídica União/servidor é contratual.
Não é mais estatutária, porque está no art. 13 dessa Lei – quando da admissão do servidor,
será lavrado um termo do qual constarão direitos e obrigações inalteráveis por qualquer
das partes. Esse é um argumento à margem e podemos, depois, conversar a respeito, mais
sob o ângulo acadêmico, porquanto não tem influência maior, considerado o caso que
estamos analisando e julgando.
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Senhor Presidente, não posso lançar mão, neste julgamento, com a toga sobre os
ombros, de argumentos metajurídicos; não posso imaginar o que teria sido negociado
com o Poder Executivo para ter-se a aprovação do valor do teto do subsídio e a aplicação
imediata desse teto, objetivando, mesmo, abranger situações aperfeiçoadas.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Isso não está no meu voto. Fiz alusão
ao diálogo entre os Poderes na elaboração da EC 19.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não está. Faço justiça a Vossa Excelência, realmente
não está em seu voto. Disse que Vossa Excelência foi coerente com o que sempre sustentou, com a jurisprudência do Tribunal e, até mesmo, com o voto que proferiu no caso dos
aposentados.
Senhor Presidente, não posso desconhecer que os Impetrantes, a partir da legislação à época em vigor, de um ato de aposentadoria encaminhado pelo próprio Supremo,
alcançaram algo a retratar vantagem pessoal. Esse aspecto restou protegido pela Carta
então em vigor e também pela Constituição de 1988. Vinham eles percebendo, normalmente, os valores, porque legítimos, afinados com a ordem jurídica. A Emenda Constitucional 41/03, de aplicação imediata, preservou essa situação jurídica, considerado o instituto da vantagem pessoal. Sob tal ângulo, a referência contida na Emenda concerne
apenas a situações novas surgidas após a promulgação, quando se tem, portanto, para
saber do respeito, ou não, ao teto, a integração da parcela que mereça a nomenclatura de
pessoal ou individualizada.
Por isso, peço vênia – creio que minha sina, enquanto estiver por aqui, será mesmo
divergir – para não acompanhar o Relator no voto proferido, mais ainda aqueles que
indeferem totalmente a ordem, e concedê-la, também parcialmente, para reconhecer, como
vantagem pessoal, não pelo instituto da irredutibilidade de vencimentos, que implica
absorção e reconhecimento do direito de forma temporal, uma situação aperfeiçoada,
conforme foi à época em que ocorrida, e inalterável com a majoração do próprio teto,
devendo ser satisfeita – repito – como vantagem pessoal.
É como voto.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Marco Aurélio, só para esclarecer o seu voto: Vossa Excelência reconhece a manutenção do art. 184, inciso III, da Lei
1.711, acréscimo de 20% do provento?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim, aí dou essa conseqüência como motivadora do
surgimento da vantagem pessoal.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A pergunta que me resta é a seguinte, para
tentar lançar com correção o seu voto: a base de cálculo desses 20% é o subsídio atual ou
os valores anteriores?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, Vossa Excelência vai me permitir
citar Padre Antônio Vieira: Quando o douto – é o seu caso – ou o presunçoso faz indagação, não é para saber, mas para confundir.
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O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas Vossa Excelência precisa esclarecer,
porque o Presidente do Supremo terá de fazer esse pagamento. É 20% sobre o quê?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Para Vossa Excelência consignar como votei, é importante saber como votei.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então, é 20% sobre base de cálculo,
subsídio novo ou valores antigos?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Acabou de confirmar o que disse. Sua Excelência
pretende apenas confundir.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Absolutamente, eu preciso esclarecer.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Disse que, à época da aposentadoria, foram feitos
cálculos e se encontrou um valor real e não simplesmente nominal, e esse valor há de ser
satisfeito. Já não cogito mais dos 20%, os quais proporcionaram chegar a um quantitativo
que deve ser respeitado sem a absorção aventada ante a tese de Vossa Excelência.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Informo a Vossa Excelência que o valor
correspondente é R$ 3.468,74 (três mil quatrocentos e sessenta e oito vírgula setenta e
quatro reais), que estão preservados da absorção.
VOTO
(Retificação)
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, estou relendo a decisão na ADI 14 e,
realmente, pelas premissas do meu voto, devo reajustá-lo para seguir integralmente o
voto do Ministro Cezar Peluso, porque não salvo as vantagens pessoais para admiti-las,
mesmo a pretexto de irredutibilidade e a vigência acima do teto.
VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Todos sabemos que, no plano de nosso sistema
jurídico, o Congresso Nacional, ao lado de suas funções legislativas ordinárias, está
igualmente investido de atribuições extraordinárias destinadas a viabilizar, a partir do seu
concreto exercício, o processo de reforma constitucional.
Esse poder de reforma constitucional, no entanto, cujo desempenho foi deferido ao
Legislativo, não se reveste de força primária ou originária. Pelo contrário, revela-se como
prerrogativa estatal necessariamente sujeita a condicionamentos normativos que lhe restringem, de maneira significativa, o exercício, quer no que concerne ao seu alcance, quer no
que se refere ao seu conteúdo, quer no que diz respeito à forma de sua manifestação.
Reconheço, por isso mesmo, que o Congresso Nacional, no exercício do poder de
reforma (que não se reveste de caráter absoluto), não tem a prerrogativa de transgredir os
limites formais, circunstanciais e materiais estabelecidos no art. 60 da Constituição Federal.
Se o fizer, se desrespeitar tais limites, a emenda à Constituição qualificar-se-á como
ato irrecusavelmente inconstitucional, pois qualquer mudança da Constituição deve realizar-se de acordo com o texto da Lei Fundamental, jamais contra as limitações que
restringem o exercício do poder reformador.
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Ou, em outras palavras – consoante adverte o magistério da doutrina (MANOEL
GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Poder Constituinte e Direito Adquirido”, “in” RDA n.
210, pp. 1/9, 8; VITAL MOREIRA, “Constituição e Revisão Constitucional”, p. 107, 1990,
Editorial Caminho, Lisboa, v.g.) –, a alteração do texto constitucional, para reputar-se
legítima, há de se realizar de acordo com o que dispõe a Constituição, nunca, porém,
contra o que se contém no “corpus” constitucional.
O poder de reforma constitucional, “porque criado pela Constituição e regulado
por ela quanto ao modo de se exercer (...), tem necessariamente de se compreender
dentro dos seus parâmetros; não lhe compete dispor contra as opções fundamentais do
poder constituinte originário” (JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional”,
tomo II/165, 2. ed., 1988, Coimbra Editora), pois – insista-se – a reforma constitucional
“serve para alterar a Constituição, mas não para mudar de Constituição” (J. J. GOMES
CANOTILHO/VITAL MOREIRA, “Fundamentos da Constituição”, p. 289, 1991, Coimbra
Editora).
Daí a possibilidade – admitida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
(RTJ 151/755 – RTJ 156/451) e afirmada pelo magistério da doutrina (OTTO BACHOF,
“Normas Constitucionais Inconstitucionais?”, p. 52/54, 1977, Atlântida Editora, Coimbra;
JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional”, tomo II/287-294, item n. 72, 2.
ed., 1988, Coimbra Editora; MARIA HELENA DINIZ, “Norma Constitucional e Seus
Efeitos”, p. 97, 1989, Saraiva; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional”, p.
756/758, 4ª ed., 1987, Almedina; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 58/60, 5. ed., 1989, RT, v.g.) – de as emendas à Constituição serem,
elas próprias, passíveis de controle jurisdicional quanto à sua constitucionalidade, tal
como esta Corte o reconheceu, pela primeira vez, em 1926, ao julgar o HC 18.178/DF, Rel.
Min. HERMENEGILDO DE BARROS, ocasião em que reputou válida a (única) reforma
que o Congresso Nacional, em 1926, promoveu em relação à Constituição de 1891, vindo
este Tribunal, então, a proclamar que, “Na tramitação parlamentar da Reforma Constitucional não foi violada cláusula alguma da Constituição da República (...)” (Revista
Forense, vol. 47/748 – grifei).
Também reconheço, na linha de longo voto (vencido) que proferi no julgamento da
ADI 3.105/DF, que a garantia do direito adquirido – que não ostenta caráter periférico,
secundário ou acidental – representa insuperável limitação constitucional explícita ao
poder reformador do Estado, não podendo, por isso mesmo, ser desrespeitada pelo
Congresso Nacional, quando no exercício concreto de sua competência reformadora,
pois tal garantia fundamental acha-se protegida por cláusula pétrea que bloqueia o
exercício legítimo da prerrogativa de que dispõe o Legislativo para alterar o texto
constitucional.
Registro, de outro lado, que tenho igualmente presente, no exame desta controvérsia constitucional, o postulado da proibição de retrocesso social, cuja eficácia impede –
considerada a sua própria razão de ser – sejam desconstituídas as conquistas já
alcançadas pelo cidadão, que não pode ser despojado, por isso mesmo, em matéria de
direitos sociais, no plano das liberdades reais, dos níveis positivos de concretização por
ele já atingidos, consoante assinala (e adverte) autorizado magistério doutrinário
(GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO
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GONET BRANCO, “Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais”, p. 127/128,
1. ed./2ª tir., 2002, Brasília Jurídica; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e
Teoria da Constituição”, p. 320/322, item n. 3, 1998, Almedina, Coimbra; ANDREAS
JOACHIM KRELL, “Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha”, p.
40, 2002, Fabris Editor; INGO WOLFGANG SARLET, “A Eficácia dos Direitos Fundamentais”, p. 368/376, item n. 4.6.4.3, 2. ed., 2001, Livraria do Advogado Editora, v.g.).
Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais
de natureza prestacional, impedindo, em conseqüência, que os níveis de concretização
dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto
nas hipóteses – de todo inocorrente na espécie – em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais.
Lapidar, sob todos os aspectos, o magistério de J. J. GOMES CANOTILHO, cuja
lição, a propósito do tema, estimula as seguintes reflexões (“Direito Constitucional e
Teoria da Constituição”, p. 320/321, item n. 3, 1998, Almedina):
O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso
social.
A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de “contra-revolução
social” ou da “evolução reaccionária”. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e
económicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez
obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A “proibição de retrocesso social” nada pode fazer
contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o principio em análise
limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego,
prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança
dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência
mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade, subjetivamente adquiridos, constitui um limite
jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política
congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação
no núcleo essencial efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente
aniquiladoras da chamada justiça social. Assim, por ex., será inconstitucional uma lei que
extinga o direito a subsídio de desemprego ou pretenda alargar desproporcionadamente o
tempo de serviço necessário para a aquisição do direito à reforma (...). De qualquer modo,
mesmo que se afirme sem reservas a liberdade de conformação do legislador nas leis sociais, as
eventuais modificações destas leis devem observar os princípios do Estado de direito
vinculativos da actividade legislativa e o núcleo essencial dos direitos sociais. O princípio da
proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos já realizado e efectivado através de medidas legislativas (“lei da segurança social”, “lei do subsídio de
desemprego”, “lei do serviço de saúde”) deve considerar-se constitucionalmente garantido
sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas
alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa “anulação”, “revogação” ou
“aniquilação” pura a simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador
e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado.
(Grifei.)
Bem por isso, o Tribunal Constitucional português (Acórdão 39/84), ao invocar a
cláusula da proibição de retrocesso, reconheceu a inconstitucionalidade de ato estatal
que revogara garantias já conquistadas em tema de saúde pública, vindo a proferir decisão
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assim resumida pelo ilustre Relator da causa, Conselheiro VITAL MOREIRA, em douto
voto de que extraio o seguinte fragmento (“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol.
3/95-131, 117-118, 1984, Imprensa Nacional, Lisboa):
Que o Estado não dê a devida realização às tarefas constitucionais, concretas e determinadas, que lhe estão cometidas, isso só poderá ser objecto de censura constitucional em sede de
inconstitucionalidade por omissão. Mas quando desfaz o que já havia sido realizado para
cumprir essa tarefa, e com isso atinge uma garantia de um direito fundamental, então a censura
constitucional já se coloca no plano da própria inconstitucionalidade por acção.
Se a Constituição impõe ao Estado a realização de uma determinada tarefa – a criação
de uma certa instituição, uma determinada alteração na ordem jurídica –, então, quando ela
seja levada a cabo, o resultado passa a ter a protecção directa da Constituição. O Estado não
pode voltar atrás, não pode descumprir o que cumpriu, não pode tornar a colocar-se na
situação de devedor. (...) Se o fizesse, incorreria em violação positiva (...) da Constituição.
(...)
Em grande medida, os direitos sociais traduzem-se para o Estado em obrigação de fazer,
sobretudo de criar certas instituições públicas (sistema escolar, sistema de segurança social,
etc.). Enquanto elas não forem criadas, a Constituição só pode fundamentar exigências para
que se criem; mas após terem sido criadas, a Constituição passa a proteger a sua existência,
como se já existissem à data da Constituição. As tarefas constitucionais impostas ao Estado em
sede de direitos fundamentais no sentido de criar certas instituições ou serviços não o obrigam
apenas a criá-los, obrigam-no também a não aboli-los uma vez criados.
Quer isto dizer que a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente)
as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixar de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se
transformar (ou passar também a ser) numa obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar
contra a realização dada ao direito social.
Este enfoque dos direitos sociais faz hoje parte integrante da concepção deles a teoria
constitucional, mesmo lá onde é escasso o elenco constitucional de direitos sociais e onde,
portanto, eles têm de ser extraídos de cláusulas gerais, como a cláusula do “Estado social”.
(Grifei.)
Faço tais observações, Senhor Presidente, em razão dos próprios fundamentos que
deram suporte ao voto vencido que proferi quando do julgamento da ADI 3.105/DF.
Não obstante reafirmando as premissas subjacentes a tal voto, entendo-as inaplicáveis ao caso ora em exame, consideradas as razões que fundamentam, de modo consistente, o primoroso voto proferido pelo eminente Relator, que afastou, de forma adequada,
as alegadas ofensas aos postulados da isonomia, da razoabilidade e da garantia do direito
adquirido, embora reconhecendo, com absoluta correção, a ocorrência, na espécie, de
transgressão à garantia da irredutibilidade de vencimentos (ou de proventos), que
representa, na verdade, no contexto desta causa, o núcleo essencial pertinente ao exame
da presente controvérsia.
Sendo assim, e com estas considerações, peço vênia para acompanhar o douto voto
do eminente Relator.
É o meu voto.
EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, afirmo, mais uma vez, a importância do
debate no Colegiado. Com ele as coisas ficam mais claras.
R.T.J. — 200
1245
Com todas as ressalvas que fiz quando votei, quero apenas estreitar mais o voto
para negar a segurança, nos termos do voto do Ministro Cezar Peluso, com a vênia do
Ministro Sepúlveda Pertence.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Senhores Ministros, temos dois assuntos
tratados, um diz respeito ao problema do adicional do tempo de serviço. É exatamente essa
temática que está sendo aguardada não só pela Magistratura Nacional como também pelo
Conselho Nacional de Justiça, para a edição da resolução relativa ao desenho desta nova
remuneração da Magistratura Nacional.
É bom ter presente que, em 14 de abril de 1997, na sessão administrativa presidida
pelo Ministro Sepúlveda Pertence, já se incluía a chamada remuneração maior dos Ministros do Supremo, o adicional do tempo de serviço. Estavam incluídos, considerando as
circunstâncias naquele momento, o vencimento; a verba de representação, que correspondia a 222% (duzentos e vinte e dois por cento) sobre o vencimento básico, que, à
época, era R$ 237,00 (duzentos e trinta e sete reais); a parcela autônoma de equivalência,
verba que desapareceu, depois, considerando a legislação ali aprovada; o adicional do
tempo de serviço mais os “jetons” dos Ministros do Supremo, correspondentes a oito
sessões relativas aos anos não-eleitorais. Lá, desde então, discutia-se, exatamente, a
composição dessa remuneração dos Ministros do Supremo, a partir dessa característica.
Em 27 de fevereiro de 2000 – preciso prestar esse testemunho –, monocraticamente enfrentei
a questão da remuneração da Magistratura Federal, ao conceder uma liminar na AO 630,
ajuizada pela Associação dos Juízes Federais, em que determinava para o cálculo da
parcela autônoma de equivalência a inclusão daquela parcela que os deputados federais
e senadores recebiam a título de auxílio-moradia. À época, a imprensa noticiou que o
Supremo havia outorgado auxílio-moradia, quando, na verdade, estávamos determinando
o refazimento do cálculo da parcela autônoma. O Ministro Presidente, à época Carlos
Velloso, sucedido pelo Ministro Marco Aurélio, ao dar execução à liminar que concedíamos, estabeleceu que seria recalculada a parcela autônoma de equivalência para efeito de
remuneração da magistratura, incluindo o valor correspondente ao chamado auxílio-moradia, mas que o resultado final de tudo isso não poderia exceder a R$ 12.720,00 (doze mil,
setecentos e vinte reais), resultado da manifestação do Tribunal, em 1997. Ou seja, o
Supremo esteve absolutamente coerente quando disse que, não obstante recalculando-se
essa parcela – o Ministro Presidente Carlos Velloso editou o ato-resolução nesse sentido –,
dever-se-ia preservar e respeitar os R$ 12.720,00 (doze mil, setecentos e vinte reais), correspondentes a essa parcela.
Foi, meu caro Decano, em 27 de junho de 2002, já Presidente o Ministro Marco
Aurélio, que o Supremo, junto aos demais presidentes de tribunais superiores, depois de
longa negociação com o Poder Executivo e com o Legislativo, remeteu o PL 62/02, o qual
deu origem à Lei 10.474, que alterava a remuneração do Ministro do Supremo. Alteramos
o vencimento, mantivemos os 222%, o adicional do tempo de serviço, limitado a 35%, sete
qüinqüênios, determinado pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional – coisa que a
Magistratura Federal sempre respeitou, o que não ocorre com a Magistratura dos Estados, em parte deles – e a esses valores, somados, passaram a receber os Ministros do
Supremo, como verba de representação e vencimento, R$ 12.720 (doze mil, setecentos e
1246
R.T.J. — 200
vinte reais). A isso se agregaram os 35%, os quais determinaram o valor, referido pelo
Ministro Marco Aurélio, de dezessete mil e poucos reais. O Ministro Marco Aurélio, à
época – é relevante e importante que se tenha presente isso –, editou a Resolução 235, de
10 de julho de 2002, que tornou pública a tabela.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não como Marco Aurélio, Ministro em si, mas como
Presidente do Tribunal e porta-voz do Colegiado.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Evidentemente. O Ministro Marco Aurélio
fez anexar a essa Resolução 235, de 10 de julho de 2002, em decorrência da sessão administrativa que participamos, de que os vencimentos dos Ministros do Supremo seriam compostos de duas parcelas iniciais: R$ 3.950,31, como vencimento, R$ 8.769,69 como representação, onde a soma dela resulta-se em R$ 12.720,00 (doze mil, setecentos e vinte reais).
Sobre isso, fez-se incluir para aqueles que tivessem 35 anos de serviço, tempo máximo,
mais R$ 4.452,00 (quatro mil, quatrocentos e cinqüenta e dois reais), passando, então, os
Ministros do Supremo a perceber R$ 17.172,00 (dezessete mil, cento e setenta e dois reais),
e a esse valor se agregaram aqueles 2%, 3% dos reajustes anuais gerais.
Quando discutimos, no Supremo Tribunal, a elaboração do projeto de lei relativo
aos subsídios – lembrem Vossas Excelências a exposição que teve o Ministro do Supremo,
já eu na Presidência do Supremo, em relação à tramitação desse projeto –, fizemos consignar expressamente que teríamos comparações entre a remuneração atual, naquela época,
dos Ministros do Supremo e de toda a Magistratura Federal, com os novos valores; aí
decidimos os R$ 21.500,00 (vinte um mil e quinhentos reais) e os R$ 24.500,00 (vinte e
quatro mil e quinhentos reais), em que, por uma série de cálculos, considerando as previsões que o Supremo havia feito em relação a isso, fizemos incluir um baixo impacto orçamentário de dois milhões de reais, posto que uma situação de abono havia resolvido esse
impacto.
Então, é absolutamente nítido, transparente, como deixou claro o Ministro Relator e
também o Ministro Marco Aurélio, que o Supremo Tribunal está sendo unânime nessa
parte da decisão, de que os adicionais de tempo de serviço desapareceram com a instituição do subsídio, uma vez que ele o incluiu, o absorveu como elemento componente do
seu cálculo. Vejam a conseqüência que teríamos se, por exemplo, declarássemos a
inconstitucionalidade pretendida em relação à expressão “pessoais” do art. 37, XI, e do
art. 8º. Estaríamos determinando a incidência, por sobre o subsídio de R$ 24.500,00 (vinte
e quatro mil e quinhentos reais), de mais 35%.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, não chego a tanto.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Ministro Nelson Jobim, devo ser fiel;
os Impetrantes não postulam isso.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas esse é o interesse da Magistratura
Nacional.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Isso não está explicito no meu relatório.
A posição dos Impetrantes é que as vantagens pessoais seriam insusceptíveis de
cômputo, quer para a fixação do teto, quer para apurar os vencimentos a serem contemplados. Donde o que chamei de “teto provisório” não seria de dezenove mil e quebrados, mas
de quatorze mil e quebrados.
R.T.J. — 200
1247
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O efeito e a conseqüência da declaração
de inconstitucionalidade em relação à expressão “pessoal” determinaria a retomada do
ATS para incidir sobre os R$ 24.500,00. Não é esse o objeto do pedido, mas seria a
conseqüência decorrente da inconstitucionalidade, que foi muito bem percebida pelo
Ministro Marco Aurélio, quando demonstrou a sua inclusão.
Não tenho a mínima dúvida em acompanhar nessa parte, tendo em vista a situação
não só do estudo sistemático da Constituição quando trata que os membros do Poder, os
detentores de mandato eletivo, os ministros de Estado e os secretários estaduais e municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o
acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou
outra espécie remuneratória.
No entanto, é bom ter presente, não diz respeito ao mandado de segurança, mas é
um testemunho, que a instituição do subsídio vis-à-vis ao regime remuneratório anterior
cria situações que devem ser objeto de disciplina; primeiro, várias verbas do regime
anterior são absorvidas pelo subsídio; é o caso de um dos exemplos de ATS. Outras
verbas do regime anterior não são absorvidas pelos subsídios quando fixados, mas estão
sujeitas ao teto.
A remuneração de Ministro do Supremo é subsídio para Ministro do Supremo, mas
é teto nacional.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Na visão da maioria, que não é a minha.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vamos chegar lá.
Existe ainda outro conjunto de verbas – que é o entendimento do Ministro Marco
Aurélio – que não foram abrangidas pelo subsídio e não estão sujeitas ao teto. Então,
teríamos verbas que desaparecem, como ATS, verbas que remanescem e delas um conjunto
está submetido ao teto. É o caso, por exemplo, das substituições, das verbas que
correspondem à dupla função; verbas, por exemplo, com marcas integradas que ocorrem
no Rio Grande do Sul, verba de substituição pelo diferencial, todas essas se somam ao
subsídio, mas estão sujeitas ao teto, à remuneração. Outras não estão sujeitas ao teto
tendo em vista a emenda constitucional paralela, a chamada PEC paralela, a qual deu
origem à Emenda Constitucional 47, que diz respeito às verbas indenizatórias. Existem
outras verbas, Ministro Sepúlveda Pertence, que não estão sujeitas ao teto e também não
são nem indenizatórias, como, por exemplo, a verba recebida pelo magistrado que tiver
completado tempo de aposentadoria e recebe um abono de permanência. Ele paga a
contribuição previdenciária de um lado e recebe o abono de permanência do outro. Essa
verba é algo que não se coteja com o teto porque tem situação distinta.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Cumulação de cargo de professor?
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A cumulação de cargo de professor também está fora, considerando as circunstâncias de que temos um tratamento especial, está
na Constituição, a qual trata que o magistrado poderá exercer uma função de magistério,
mas nesta – e aqui tem que deixar muito claro isso – regra não há a repetição daquilo que
está no art. 37 da Constituição, porque, neste artigo, para os servidores admite a
cumulação com cargo de professor, mas diz que está sujeita ao inciso XI. Do magistrado
1248
R.T.J. — 200
não está sujeito ao art. XI. Logo, essa é uma verba que o magistrado recebe, não contida
no subsídio, evidentemente, e também não sujeita ao teto.
Há verbas, Ministro Cezar Peluso, que estão sujeitas ao teto, mas de cotejo individualizado. Todas aquelas de que estamos falando se somam ao subsídio ou à remuneração para se cotejar com o teto; a soma se coteja com o teto: se ultrapassar, reduz-se o
décimo terceiro salário. É uma verba que você coteja individualmente com o teto. O valor
adiantado de férias, pago na União Federal, você o recebe adiantadamente.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas, em relação a Ministro do Supremo, temos um
plus, porque ele percebe o décimo terceiro não incluído nos doze meses.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O cotejo é individualizado com o teto. O
décimo terceiro não pode ser superior aos R$ 24.500,00 (vinte e quatro mil e quinhentos
reais). Não se soma o subsídio do mês da competência.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Individualmente. É uma mitigação até do subsídio,
porque não teríamos uma décima terceira parcela se o levássemos sob o ângulo ortodoxo,
sendo parcela única.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas não se preocupe. No Estado do
Espírito Santo, há uma ajuda de custo que corresponde ao décimo quarto salário igual à
remuneração.
Aliás, isso poderá ser objeto do Procurador-Geral da República em relação a essa
temática toda.
Em relação ao mais, quero dizer que, considerando todas essas circunstâncias, e
lembrando que isso é um tema que é exatamente a passagem de um modelo absolutamente
obscuro de remuneração total da Magistratura Nacional, estamos a passar para um modelo
novo na Magistratura.
Agora, há um problema. As verbas, Ministro Marco Aurélio, não é o caso concreto,
não compreendidas no subsídio, mas estão sujeitas ao teto, a base de cálculo dessas verbas
era o regime anterior.
Não se pode transmutar a sobrevivência dessas verbas fazendo-as incidir sobre
uma base diversa da fixada em lei. Lembrem-se: todas as bases de cálculo feitas – por
exemplo, a de 25% nas substituições – eram sobre o vencimento da Magistratura, no qual
não se incluía o ATS. No momento em que fixado o subsídio, essas verbas de substituição
deverão permanecer com a base de cálculo anterior, até lei nova vir a disciplinar as novas
margens de cálculo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Entendo que, se se trata de vantagem pessoal, ela está
consolidada.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não; no exemplo que apresento, para
evitar a discussão, é substituição. Ao substituir, ele recebe 20%, um diferencial, e assim
vai.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Senhor Presidente, depois trataremos
dos mandados de segurança contra decisões do Conselho Nacional de Justiça: não é o
caso.
R.T.J. — 200
1249
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Sepúlveda Pertence, quero deixar
esse trabalho claro para ficar na memória do Tribunal. Lembro a Vossa Excelência que, se
houve alguém a enfrentar essa situação da remuneração da magistratura, foi exatamente o
atual Presidente, desde a época do mandado de segurança relativo ao chamado “auxílio
moradia”, como também depois de toda a legislação, inclusive com o substituto. Não
pretendo me afastar do Tribunal sem deixar registrado que quero encerrar o trabalho. Ou
seja, comecei e irei terminar, mesmo com os enfrentamentos e, digamos, as disposições
que possam existir.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência, aposentado, mesmo que o estatuto
permita, não pretende ser Presidente da Associação dos Magistrados do Brasil?
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): De forma alguma. Seguramente eu teria
votos negativos!
Com essas considerações, acompanho o voto do Ministro Joaquim Barbosa, na
divergência.
EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, se Vossa Excelência me permite,
antes de encerrar o julgamento, creio que seria lastimável, depois desse proveitoso debate
e da importância do feito, restar alguma dúvida acerca do voto do eminente Ministro
Relator sobre aquela verba e, amanhã ou depois, servir de pretexto para, a título de irredutibilidade de vencimentos, certas vantagens continuarem a ser pagas por ter havido algum
julgamento, etc.
Gostaria que Vossa Excelência deixasse absolutamente claro o teor da proclamação
do resultado.
EXTRATO DA ATA
MS 24.875/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Impetrantes: Djaci Alves
Falcão e outro (Advogados: Aluísio Xavier de Albuquerque e outro). Impetrados: Presidente do Supremo Tribunal Federal e Supremo Tribunal Federal.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade de votos, rejeitou o pedido de declaração
incidental de inconstitucionalidade do vocábulo “pessoais”, inserido no inciso XI do art. 37
da Constituição, na redação que lhe atribuiu a EC 41/03, e da expressão “e da parcela
recebida em razão de tempo de serviço”, contida no art. 8º da referida Emenda. E, após o
voto do Ministro Sepúlveda Pertence (Relator), deferindo, em parte, o mandado de segurança, para admitir a permanência, no caso concreto, da vantagem do art. 184, até que seja
absorvido pelo subsídio, no que foi acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes, Ellen
Gracie e Celso de Mello; do voto do Ministro Marco Aurélio, deferindo-o em maior extensão, nos termos de seu voto; e dos votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Eros Grau e Presidente (Ministro Nelson Jobim), indeferindo a segurança, o
julgamento foi suspenso para colher-se o voto de desempate, que deverá ser promovido
pelo futuro Ministro Enrique Ricardo Lewandowski. Falaram, pelos Impetrantes, o Dr.
Aluísio Xavier de Albuquerque e, pela Advocacia-Geral da União, o Ministro Álvaro
Augusto Ribeiro Costa, Advogado-Geral da União.
1250
R.T.J. — 200
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.
Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 9 de março de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
ESCLARECIMENTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Senhores Ministros, fiz a proclamação
daquele resultado parcial, considerei o voto do Ministro Marco Aurélio, integrante do
voto do Ministro Sepúlveda Pertence no que diz respeito ao art. 184 – reitero: não houve
divergência sobre o adicional por tempo de serviço –, e, aí, declarei empate. No entanto,
depois da sessão, o Ministro Marco Aurélio fez uma observação sobre a eventual incidência, no caso, do art. 205, parágrafo único, II, do Regimento Interno, que tem a seguinte
redação:
Parágrafo único (...)
I (...)
II - havendo votado todos os Ministros, salvo os impedidos ou licenciados por período
remanescente superior a três meses, prevalecerá o ato impugnado.
Então, mencionou o Ministro Marco Aurélio que poderia ter havido equívoco na
proclamação. Vamos a uma questão de ordem para resolver.
Submeto a matéria ao Ministro Marco Aurélio.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, comuniquei até mesmo a Vossa
Excelência que, nesta assentada, em seqüência ao julgamento, também para dirimir esse
impasse e, talvez, o Plenário concluir pela incidência do inciso II do art. 205 do Regimento
Interno, levantaria questão que precede a essa e que diz respeito, em si, ao ato praticado,
às balizas objetivas e, por que não dizer, às subjetivas do próprio mandado de segurança.
O mandado de segurança foi impetrado contra ato do Presidente do Supremo. Não há
a menor dúvida de que o ato comissivo foi praticado pelo Ministro Maurício Corrêa, e Sua
Excelência, ainda na Presidência – pediria ao Relator que me confirmasse esse dado –,
prestou esclarecimentos. Mas há elemento complicador: o pedido formalizado na inicial
do mandado de segurança cobre período administrativo da gestão de Vossa Excelência. É
que, tecnicamente, o ato do Ministro Maurício Corrêa poderia ter sido revisto por Vossa
Excelência, que viria a concluir até pela insubsistência. Poderia o ato ter merecido
desfazimento para retornar-se à satisfação do que foi pleiteado no próprio mandado de
segurança quanto às vantagens pessoais. Dar-se-ia o envolvimento, então, no caso, de
ato omissivo da atual Presidência.
Indago, sem aqui passar para o campo da impessoalidade quanto à Presidência do
Supremo e quanto à impetração contra ato do Presidente, se essa premissa é correta, se
realmente existe espaço de tempo, versado no mandado de segurança, no tocante a esta
administração, se há como placitar a participação de Vossa Excelência no julgamento.
R.T.J. — 200
1251
Penso que não. Não que duvide da eqüidistância de Vossa Excelência, de seu pronunciamento de acordo com o convencimento formado sobre a matéria; não é isso. Creio que, se
ocorre – de forma direta, considerada a inicial, sem perquirir a procedência ou improcedência do que pleiteado – o envolvimento de decisão da atual Presidência, o Presidente não
deve participar desse julgamento.
É a questão de ordem que suscito.
EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O MS 24.875 teve dois objetivos: o primeiro
foi contra a Presidência do Supremo e contra o Supremo Tribunal Federal. Na sessão
administrativa que tratou da composição da maior remuneração, decidimos que deveria
ser o teto de dezenove mil – de forma colegiada se decidiu por dezenove mil e uns quebrados,
não tenho os números aqui –, e o mandado de segurança teve por objetivo, também –
lembro ao Ministro Sepúlveda Pertence, Relator –, de que teria sido cometido erro na
reunião administrativa, porque se havia incluído, dentro do teto, “os chamados adicionais
por tempo de serviço”. Essa é a primeira parte que foi negada, unanimemente, pelo Tribunal.
A segunda parte foi contra ato do Ministro Maurício Corrêa que, em execução à
decisão do colegiado, determinou o corte daquilo que excedia, uma vez que o colegiado
havia fixado o teto de dezenove mil, cento e cinqüenta e cinco. Logo, a resolução do
Ministro Maurício Corrêa nada mais foi do que dar prosseguimento e execução ao decidido pelo colegiado. De outra parte, o Ministro Maurício Corrêa ditou norma determinando a execução do que decidido pelo colegiado: mandou reduzir em mil e seiscentos e
alguns reais os valores correspondentes ao pagamento feito a esses Ministros – isso
durou de janeiro de 2004 a dezembro de 2004. Começou-se a executar essa decisão em
fevereiro de 2004, foi retroativa à decisão do Ministro Maurício, e depois, quando eu
assumi, prosseguiram-se os descontos administrativamente, até que, em janeiro de 2005,
desapareceram os descontos, porque já se começou a pagar os subsídios de vinte e um
mil e quinhentos, que cobriam, por completo, a decisão. É claro que cobriam no sentido do
voto do Relator, de já ter absorvido, não no voto do Ministro Marco Aurélio, que foi
minoria.
Entendo que, neste caso, considerando essa peculiaridade e lembrando, também, os
casos relativos ao Tribunal Eleitoral em que, efetivamente, tivemos um caso típico no qual
atos do eleitoral, mandado de segurança ou mesmo os outros, participam juízes do eleitoral,
peço vênia ao Ministro Marco Aurélio para sustentar a legitimidade da minha participação
naquela decisão.
VOTO
(Sobre questão de ordem)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Com as vênias do Ministro Marco
Aurélio, também me convenci, advertido até por Sua Excelência logo após a interrupção
do julgamento do mandado de segurança, de que é correta a proclamação parcial feita por
Vossa Excelência.
1252
R.T.J. — 200
Prevê o parágrafo único do art. 205 do Regimento:
Parágrafo único. O julgamento de mandado de segurança contra ato do Presidente do
Supremo Tribunal ou do Conselho Nacional da Magistratura será presidido pelo Vice-Presidente
ou, no caso de ausência ou impedimento, pelo Ministro mais antigo dentre os presentes à sessão.
Se lhe couber votar, nos termos do art. 146, I a III, e seu voto produzir empate, observar-se-á o
seguinte (...)
II - havendo votado todos os Ministros, salvo os impedidos ou licenciados por período
remanescente superior a três meses, prevalecerá o ato impugnado.
Creio que aqui o Regimento tem em vista a hipótese de impedimento do Presidente
do Supremo Tribunal Federal. Esse impedimento, no caso vertente – parece-me –, colheria
apenas o Ministro Maurício Corrêa, que não só baixou o ato impugnado – e, aliás, o
mandado de segurança é dirigido tanto à deliberação administrativa do Tribunal quanto
ao ato executório do Ministro Maurício Corrêa – como foi responsável, se isso caracterizasse omissão, por todo o período que, pelo menos para o meu voto, seria relevante: o ano
de 2004.
Ao prescrever que, no julgamento do mandado de segurança contra ato do Presidente do Supremo Tribunal, a norma em sua literalidade abrangeria qualquer hipótese.
Mas, na verdade, tem em conta apenas aquela hipótese em que, no caso concreto, se
verificar esse impedimento.
Estou em que o impedimento é de quem tenha praticado o ato e não do posterior
ocupante da Presidência.
Só por isso se transpôs para o mandado de segurança a regra do habeas corpus ou
a regra inversa do habeas corpus. É porque, então, o Tribunal, na normalidade dos casos,
funcionaria com dez Ministros e não teria como solver o empate: por isso é que se estabeleceu essa norma de que, havendo empate, cinco votaram pela manutenção do ato e o
próprio autor do ato se pressupõe que o mantivesse.
Nesse sentido interpreto o dispositivo, entendendo que Vossa Excelência não estava impedido e, então, houve empate parcial e que a proclamação do resultado, até aqui,
está correta.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Vejo um fundamento adicional para essa regra. O
mandado de segurança se volta contra ato administrativo, e, em prol dele, milita a presunção de legalidade e legitimidade.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Ministro, por que só duas autoridades
no Brasil teriam esse privilégio?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Todos os atos administrativos gozam dessa presunção.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Isso já se chegou a sustentar. Mas
jamais se observou. Essa regra prevê uma hipótese excepcional: aquela em que, estando
impedido, porque autor do ato, o Presidente do Tribunal, este funcionará com número par
de juízes.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Estou falando sobre o empate.
R.T.J. — 200
1253
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): A acolher isso com fundamento em
presunção de validade dos atos administrativos, essa norma seria geral. Como é geral a
norma relativa à concessão de habeas corpus, em caso de empate.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, Vossa Excelência me permite? Vou suscitar
ao Tribunal uma questão prejudicial.
Se bem entendi, o fundamento da questão de ordem suscitada pelo Ministro Marco
Aurélio é a pressuposição de que o caso cai sob o império do art. 205, parágrafo único,
inciso II.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não. Permita-me, Excelência. É que precede. Chegaremos a ela – tanto é que não me pronunciei quanto a isso – se ultrapassarmos a questão
que suscitei, ou seja, o impedimento do Ministro Nelson Jobim.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Explico meu raciocínio. É o seguinte: se o pressuposto
é de que poderia ser aplicada esta regra, e a menos que esta regra seja afastada, o julgamento está concluído e trata-se pura e simplesmente de retificar a súmula do julgamento,
ou seja, o teor do seu resultado. Ora, se se trata de retificar a súmula do julgamento, é
porque este está encerrado e não pode ser reaberto como uma preliminar que diz respeito
a uma condição subjetiva de um dos participantes do julgamento. Porque, se não, teríamos a possibilidade de rever todos os...
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não houve a proclamação final.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não é que haja proclamação final, Sr.
Ministro.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: É isso que estou dizendo. Se aceitarmos o pressuposto
de que se aplica o art. 205, parágrafo único, II, é porque...
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Estaremos decidindo isso hoje e não houve até aqui
a proclamação. Ela decorrerá se concluirmos incidente o dispositivo regimental.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, exatamente o que estou dizendo.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Creio que o Tribunal, em situações
assimiláveis, tem compreendido – seria essa a oportunidade – a possibilidade de retificálo na aprovação da ata.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente, e não de reabrir o julgamento.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não é nem o caso, porque não houve a proclamação
do resultado.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não, há ata do resultado parcial.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência declarou, sim; proclamou o impasse
pelo empate e projetou-o para a sessão posterior à posse do novo Ministro.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Essa primeira parte proclamada pode ser revista a
qualquer momento.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente, e o que digo é que esta proclamação seria,
com o devido respeito, incorreta, porque, na verdade, o julgamento já está encerrado.
Trata-se pura e simplesmente de verificar, segundo os termos do Regimento, qual é o
1254
R.T.J. — 200
resultado desse julgamento, e não de reabrir questões que poderiam ter sido suscitadas
durante o julgamento, como, por exemplo, impedimento de um dos membros participantes
do julgamento.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Antes da proclamação final do resultado, é possível, a
qualquer momento, a revisão das matérias debatidas e decididas, sem a proclamação final.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Pergunto se o futuro Ministro não
poderia reabrir essa questão.
VOTO
(Sobre questão de ordem)
O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Presidente, entendo que há muito tempo Vossa Excelência não está impedido, até porque, se levarmos o raciocínio a extremo, o próprio Supremo
estaria impedido. O mandado de segurança é também contra o Supremo.
De modo que acompanho o entendimento de Vossa Excelência.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, pretendo estabelecer uma distinção em
matéria de mandado de segurança: se a autoridade coatora agiu singularmente, unipessoalmente, a decisão impugnada foi tomada pelo Presidente sozinho, um ato unilateral,
portanto, e quando o Presidente toma a decisão já cumprindo uma deliberação do
colegiado. Porque, quando o Presidente age sozinho, ele pode revogar o ato, por conveniência ou por ilegalidade, a qualquer momento, se assim o entender. E, quando o Presidente age cumprindo uma deliberação colegiada, ele não tem o poder revocatório.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): O Presidente não poderia revogar a
deliberação do colegiado. Estou agindo na pressuposição de que se manteve fiel ao
conteúdo da decisão, o que, aliás, o Impetrante não põe em dúvida.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, teríamos de pegar a ata da sessão
administrativa. Nessa sessão, não deliberamos sobre a imposição do teto, colocando em
segundo plano as vantagens pessoais. Não houve deliberação quanto a isso.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Deliberação do teto, nos termos da lei.
Tanto é que Vossa Excelência não queria acumular.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não tenho a ata aqui, em mão, mas, pela minha
memória...
O Sr. Ministro Carlos Britto: Como no caso se tratou de uma decisão que o Presidente tomou em cumprimento a uma deliberação colegiada, entendo que não há impedimento de o Presidente participar.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não é o caso, Ministro. É só pegar a ata e ver que,
naquela assentada, não deliberamos sobre a abrangência do teto a ponto de incluir vantagens pessoais. Estabelecemos o valor que seria praticado.
R.T.J. — 200
1255
VOTO
(Sobre questão de ordem)
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, peço vênia ao Ministro Marco Aurélio.
Como já demonstrou o eminente Ministro Relator, não vejo impedimento que, no
caso, seria pessoal do Ministro.
Por isso rejeito.
VOTO
(Sobre questão de ordem)
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, não vejo como pudesse fazer essa
extensão. Já se mencionou, inclusive, que pode haver controvérsia, que a decisão foi
tomada em razão de uma decisão da própria Corte, como sói acontecer nessas matérias
administrativas.
Por outro lado, tem que haver um tipo de critério, digamos, uma regra de organização
em procedimento, que produza uma legitimação pelo procedimento. Do contrário, nós
chegaríamos ao impedimento de toda a Corte.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Noto apenas a V. Exa. que os Impetrantes, na exemplar petição inicial, não põem em dúvida a fidelidade do ato executório do
Ministro Maurício Corrêa ao decidido pelo Tribunal.
Por isso se viram na contingência de sustentar a inconstitucionalidade da emenda
constitucional, quando alude a que o teto cobriria as vantagens pessoais.
VOTO
(Sobre questão de ordem)
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, também entendo que o Ministro Presidente, então Ministro Maurício Corrêa, deu cumprimento à deliberação do plenário administrativo, e o eminente Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, esclareceu que o período
de V. Exa. está alheio a qualquer restrição imposta.
Acompanho.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Pelo menos para o meu voto, não. No
voto do Ministro Marco Aurélio, haveria essa possibilidade.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não estou considerando o meu voto. Estou levando
em conta os parâmetros do mandado de segurança e não o que poderá ser uma corrente
minoritária ou majoritária.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): É verdade. Isso é uma observação
lateral. Para o meu voto seria irrelevante.
VOTO
(Confirmação)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Eu, data venia, reafirmo o que estava
já no meu voto.
1256
R.T.J. — 200
Pressupõe-se aqui que, dado o impedimento do Presidente, o Tribunal tenha funcionado com número par e quando hajam votado todos os seus Ministros. Foi o que ocorreu.
Vossa Excelência – o Tribunal já decidiu – não estava impedido. Por isso creio não aplicarse a regra do empate, porque há outra solução; solução que existe em outras hipóteses de
nossos julgamentos.
Suponhamos, por exemplo, que haja empate no julgamento de uma ação direta de
inconstitucionalidade, na situação em que estamos hoje – dez Ministros. A única solução
é aguardar a ocupação da vaga existente. Não pode haver no nosso julgamento a ortodoxia
de que o juiz que venha a integrar posteriormente a Casa não possa completar um julgamento anteriormente iniciado.
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Vou pedir vênia, mais uma vez, ao Ministro Marco Aurélio,
mas creio que o Ministro Pertence conseguiu sintetizar a situação de modo incisivo.
Acompanho o entendimento do Ministro Pertence no sentido de que o julgamento
tenha prosseguimento com o voto de desempate.
VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Peço vênia ao Ministro Sepúlveda Pertence para
acompanhar o Ministro Marco Aurélio nesta questão.
Entendo que o julgamento está concluído, aplicando-se a regra regimental. A situação enquadra-se perfeitamente no que diz o Regimento Interno: verificado o empate, o ato
impugnado permanece. E permanece em razão não apenas dessa regra regimental, mas
também por aplicação de uma regra de direito público que me parece reforçar esse argumento, no sentido de que os atos administrativos gozam, em princípio, da presunção de
legitimidade.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Só para esclarecer. Então, Vossa Excelência também aplicaria a norma regimental se se cuidasse de mandado de segurança
contra ato do Presidente da República?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Eu não aplicaria em ação direta, como invocado
por V. Exa.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O preceito é específico.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Ação direta, não: eu falei em ato do
Presidente da República.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aí não, porque não existe regra nesse sentido. Há
norma quanto à impugnação no mandado de segurança de ato do Presidente do Supremo,
já que o segundo objeto...
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não pode o regimento do Supremo
Tribunal Federal erigir os atos do seu Presidente a uma “superpresunção” de validade.
R.T.J. — 200
1257
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não sei, mas o preceito vem de uma época em que esta
Corte podia legislar sobre direito processual, considerados os processos da respectiva
competência.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Acontece que o argumento da presunção de legitimidade aí vale não só para os atos do Supremo Tribunal Federal, mas em todos os outros
atos administrativos.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Só uma observação. Observem bem que,
na questão controvertida, agora – porque na primeira não houve controvérsia –, entendeu-se que os adicionais por tempo de serviço (ATS) estão incluídos entre o teto etc.
Agora, aqui a discussão se trava em relação àquele adicional de 20%, já revogado,
do art. 182 do Estatuto de 59. O voto do Ministro Pertence em relação a isto – e isso é
importante ter presente – reconheceu a legitimidade da perspectiva da chamada “irredutibilidade de vencimentos” e entendeu que aguardaria a absorção. Já divergiu o Ministro
Marco Aurélio, mais amplamente, no sentido de que era um direito já adquirido àquele
percentual, que ficaria congelado e isolado do teto.
A decisão está exatamente examinando um problema grave sobre a questão e nós
não teremos uma decisão. Estou mostrando o problema de conveniência, não posso na
linha do Ministro Marco Aurélio, porque não haverá decisão do Tribunal sobre o tema.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não! O Tribunal, ao indeferir, endossa o ato praticado.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Para o caso concreto, sim, mas para a
perspectiva de uma decisão que possa ser paradigma para o futuro, não tem nenhuma
decisão a respeito. Eu só observaria isso.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O mandado de segurança não é, em princípio,
vocacionado a ser paradigma.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência acompanha, então?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Acompanho o Ministro Marco Aurélio.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, também entendo que, como o mandado
de segurança tem regime jurídico regimental próprio, específico, a solução do caso há de
se pautar pelo inciso II do parágrafo único do art. 205. E aqui está dito – a meu sentir
claramente – que, com o empate, prevalece o ato impugnado.
Nós podemos divergir quanto à teleologia, a finalidade dessa norma: qual a razão de
ser, por que prevalece o ato impugnado? Podemos dissentir quanto a isso, mas o conteúdo
me parece claro: prevalece o ato impugnado. Eu mesmo tenho uma explicação um pouco
diferente do Ministro Sepúlveda Pertence, a meu ver prevalece o ato impugnado porque,
se há empate, a liquidez e a certeza do mandado de segurança não se revelaram tão
salientes.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Ministro Carlos Britto, realmente seria
kafkiano. Impetra-se um mandado de segurança contra ato do Presidente do Supremo
entendendo que a lei aplicada por Sua Excelência é inconstitucional, e o empate leva à
1258
R.T.J. — 200
preservação do ato. Mas se, ao contrário, alguma autoridade ou entidade qualificada
propõe uma ação direta de inconstitucionalidade desta mesma lei, aí já não há presunção
de legitimidade: esperaremos até alcançar os seis votos. Veja Vossa Excelência a que leva
a interpretação literal de um dispositivo que, com todas as vênias, não pode ter querido
colocar os atos do Presidente do Supremo com o que chamei de uma “superpresunção”
de legitimidade.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, pela ordem. Ouvi com o maior
interesse o esclarecimento do Ministro Sepúlveda Pertence. Não há paralelo, no entanto,
entre o processo objetivo e o processo subjetivo.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Exatamente, são coisas diferentes.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por quê? Porque, ainda que o Presidente, no ato
impugnado mediante o mandado de segurança, tenha tido um diploma por inconstitucional, o empate não implica a declaração de inconstitucionalidade desse diploma pelo
Plenário. A razão é muito simples: verificado o empate, não se chega à maioria absoluta de
seis votos exigida para essa declaração.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então o Ministro Carlos Britto acompanha
o Ministro Marco Aurélio?
O Sr. Ministro Carlos Britto: Acompanho. Aliás, eu já havia dito isso ao final da
assentada – não ficou registrado –, mas entendi que a causa já estava decidida.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, também peço vênia ao eminente
Relator para acompanhar o Ministro Marco Aurélio.
O meu fundamento não é tentar investigar, perscrutar e fazer arqueologia da
racionalidade dessa norma, mas entendê-la objetivamente enquanto tenta resolver uma
situação na qual houve a votação de todos os Ministros e da qual resultou empate. Desde
que se trate de ato do Presidente do Tribunal, a opção regimental é considerar como
subsistente o ato impugnado. Não me parece, com o devido respeito, que seja o caso de
invocar aplicação analógica do inciso I, porque, na verdade, não está faltando Ministro
algum; nenhum Ministro deixou de votar.
E, ademais, neste caso sabe-se circunstancialmente da nomeação, mas poderia
suceder que a cadeira não fosse preenchida durante um ou dois anos. Pode acontecer. E
aí? Ficaríamos aguardando quanto à sorte de um ato do Presidente do Tribunal?
Neste caso, aplico por analogia o inciso II, considerando que todos os Ministros
votaram e se deu situação de empate. Aliás, trata-se de uma regra tradicional: no Tribunal
de Justiça de São Paulo existe regra idêntica, de caráter geral; não é nem para ato de
Presidente do Tribunal.
Peço vênia, considero terminado o julgamento e mantido o ato impugnado, com
denegação total do pedido de mandado de segurança.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, também estranho, do parágrafo
único do art. 205, que ele tenha âmbito de aplicação bastante específico e restrito. Parece-
R.T.J. — 200
1259
me até que a questão anterior que resolvemos já, de certa forma, prejudica o julgamento
que agora estamos a fazer.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Se fosse o caso, teríamos de aplicar na
sua integralidade o art. 205, RISTF.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Na medida em que afirmamos, por maioria, que Vossa
Excelência não estava impedido, essa disposição já não tem aplicação.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Ministro, a norma é explícita.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, a regra é a solução do empate.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Mas empate em mandado de segurança
cujo julgamento seja presidido pelo Vice-Presidente; dado o pressuposto impedimento do
Presidente.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, mas não há nada que impeça a aplicação analógica
da regra. A regra subsiste, isto é, uma circunstância de aplicação direta da regra falha, mas
a aplicação analógica não.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Veja que é claro:
(...) ato do Presidente do Supremo Tribunal Federal ou do Conselho Nacional da Magistratura [porque, de fato, era presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal] será
presidido pelo Vice-Presidente ou, no caso de ausência ou impedimento, pelo Ministro mais
antigo (...)
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, Ministro, o que a regra tenta solucionar é a
situação objetiva de empate na votação, não o problema de impedimento.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Sim, mas numa hipótese em que o
Presidente está impedido de votar, tanto que o julgamento será presidido pelo Vice-Presidente.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, mas essa é uma das hipóteses em que pode dar
empate no mandado de segurança.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Ora, já decidimos que o Presidente não
estava impedido; votou devidamente. Então, temos de partir dessa solução já assentada.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, mas houve empate, devemos aplicar uma regra;
estou aplicando, analogicamente, essa.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Parece-me que o âmbito de aplicação dessa norma –
como também já tem sido observado pelos Ministros Sepúlveda Pertence e Celso de
Mello – é que o suposto fático aqui não se aplica. Veja:
Parágrafo único. O julgamento de mandado de segurança contra ato do Presidente do
Supremo Tribunal Federal ou do Conselho Nacional da Magistratura será presidido pelo VicePresidente (...)
Não é regra de empate em geral.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): É para aquela hipótese em que impedido o Presidente. E é nessa hipótese em que, tendo votado todos os demais Ministros, se
estabelece que o empate faz prevalecer o ato coator.
1260
R.T.J. — 200
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro Gilmar Mendes, se a situação de fato fosse a
mesma, estaríamos aplicando a regra diretamente.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Claro!
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas o caso não é o mesmo; a situação de fato não é a
mesma; mas a razão da norma é a mesma numa situação análoga, isto é, faltou um elemento.
Por isso a aplicação é analógica. Se não houvesse a circunstância de o Presidente não
estar impedido no caso, estaríamos aplicando a regra direta. No caso, falhou essa circunstância, mas não se desfigurou a situação analógica.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Mas, então, teríamos de dar interpretação completa ao parágrafo para excluir o Presidente da votação e evitar a questão de
como dar solução ao empate.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não necessariamente, porque a regra não é de exclusão
do Presidente; a regra é para resolver a situação de impasse na votação. Essa é a finalidade
da regra.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas como se resolve a questão de empate? Qual a
regência?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Ministro Gilmar Mendes, e se um Ministro se
declarar impedido para julgar um mandado de segurança? Essa regra terá de ser aplicada
analogicamente.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: O que acontece? Por que não se aplica essa regra neste
caso? Não no impedimento do Presidente, mas em impedimento de qualquer outro Ministro.
Aplica analogicamente.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E o texto contempla essa hipótese: “(...) ou, no
caso de ausência ou impedimento, pelo Ministro mais antigo dentre os presentes à
sessão.”
Agora, se resolvermos nesse sentido, estaremos declarando algo mais: que, sempre
que houver esse tipo de situação – e não me abalançaria a chegar a esse ponto –, teremos
de solver a controvérsia na linha da preservação do ato. É essa a regra extraída por Vossa
Excelência do texto, que é extremamente restritivo. O texto não diz que, em caso de empate,
preserva o ato.
O Sr. Ministro Eros Grau: Quando houver impedimento.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, mas só nessa hipótese, diante desse quadro.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Realmente, se não for assim, aí sim, se
teria de esperar algum Ministro morrer ou aposentar-se.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Essa é uma questão, portanto, que me parece – se
partirmos apenas do critério normativo que se extrai do art. 205, parágrafo único – haver
também razões de política judiciária. Não concordo com o argumento de que há diferença
ontológica entre processo objetivo e processo subjetivo. Na verdade, são duas vias e
duas técnicas com perfis diferentes para obter resultados mais ou menos semelhantes.
Tanto é que, se vamos falar de analogia, eu caminharia para a analogia da aplicação da Lei
9.868, e não a outra.
R.T.J. — 200
1261
Temos dado exemplos desses casos, até falando numa interlocução muito forte
entre os modelos objetivos e subjetivos de processo. Portanto, se eu fosse caminhar para
a aplicação analógica, diria: aplica-se a regra da Lei 9.868, porque a causa petendi aqui, na
verdade, era a declaração de inconstitucionalidade da emenda constitucional. Por isso
discutimos tanto. Esse era o objeto. E há aí uma razão de política judiciária: que decisão
estamos dando?
Esta é uma Corte que, na verdade, sinaliza a sua interpretação para todos. O Tribunal
declarou empatada a causa. Não pode ser, do ponto de vista jurídico.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência propõe a declaração de inconstitucionalidade do Regimento Interno?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: A questão da inconstitucionalidade foi decidida à
unanimidade.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Nós temos, no Regimento Interno, norma específica,
norma de regência para mandado de segurança.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Penso que sim, nos exatos termos do
preceito: quando, impedido o Presidente, o Tribunal funcionar com dez Ministros. E,
ocorrido o empate, não tiver outra solução senão esperar a morte.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Ministro Cezar Peluso, o que Vossa Excelência, para
mim, lapidarmente disse foi o seguinte: onde comparece a mesma razão fundamental, deve
prevalecer a mesma regra de direito. Corretíssimo.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Mas há outra regra aí. É que só se
decide mandado de segurança por empate na impossibilidade total de desempate, porque
o Tribunal se compõe de onze juízes, o Presidente está impedido e cinco votaram em cada
lado. Para essa hipótese completa de indissolubilidade do empate é que admito que o
Regimento pode ser aplicado em sua literalidade.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas o Regimento também abre a exceção para quem
estiver afastado há mais de três meses.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Gilmar Mendes, Vossa Excelência
acompanha o Ministro Sepúlveda Pertence?
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Acompanho o Ministro Sepúlveda Pertence.
VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, peço vênia aos Colegas que pensam
de maneira diversa, mas, a meu ver, o inciso II deve ser aplicado sempre que ocorra a
hipótese excepcional extraordinária contida e bem descrita no corpo do parágrafo único,
ou seja, apenas se houvesse – e o Tribunal não reconheceu isso – impedimento de Vossa
Excelência é que aplicaríamos essa norma.
Acompanho o Ministro Sepúlveda Pertence.
VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Senhores Ministros, observo o teor do
parágrafo único do art. 205 do Regimento Interno:
1262
R.T.J. — 200
Parágrafo único. O julgamento de mandado de segurança contra ato do Presidente do
Supremo Tribunal Federal ou do Conselho Nacional da Magistratura será presidido pelo VicePresidente [ já afastamos esse problema] ou, no caso de ausência ou impedimento, pelo Ministro
mais antigo dentre os presentes à sessão.
Então, presidido pelo Vice-Presidente com dez membros. Aí diz o seguinte:
Se lhe couber votar, (...)
Votar quem? Quem está presidindo aquela sessão em que estaria impedido o Presidente.
Se lhe couber votar, nos termos do art. 146, I a III (...)
O art. 146, incisos I a III, diz:
Art. 146. O Presidente do Plenário não proferirá voto, salvo:
I - em matéria constitucional;
II - em matéria administrativa;
III - em matéria regimental;
É o caso específico.
Se lhe couber votar, (...)
Voto de quem? Do Vice-Presidente, que estaria presidindo a sessão, ou do mais
antigo se o Vice-Presidente estivesse impedido.
Se lhe couber votar, nos termos do art. 146, I a III, e seu voto produzir empate, observarse-á o seguinte:
I - não havendo votado algum Ministro, por motivo de ausência ou licença que não deva
durar por mais de três meses, aguardar-se-á o seu voto;
II - havendo votado todos os Ministros, salvo os impedidos ou licenciados por período
remanescente superior a três meses, prevalecerá o ato impugnado.
A hipótese é aquela em que o Presidente estaria impedido, não poderia votar. Pela
peculiaridade do caso, entendo que o Ministro Celso de Mello justificou, claramente, que
esses seriam aqueles casos nos quais teríamos atos monocráticos do Presidente, no
exercício da sua função meramente administrativa e originária, não atos derivados de
decisão do Colegiado, como é a hipótese.
Então – não se preocupem que não vou empatar –, acompanho o voto do Ministro
Sepúlveda Pertence.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, devo dizer, à margem do julgamento,
que fico vencido prazerosamente, porque surge uma luz no fim do túnel.
EXTRATO DA ATA
MS 24.875-QO/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Impetrantes: Djaci
Alves Falcão e outro (Advogados: Aluísio Xavier de Albuquerque e outro). Impetrados:
Presidente do Supremo Tribunal Federal e Supremo Tribunal Federal.
Decisão: 1) O Tribunal, na sessão do dia 9 de março de 2006, decidiu, por unanimidade
de votos, rejeitar o pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade do vocábulo
R.T.J. — 200
1263
“pessoais”, inserido no inciso XI do art. 37 da Constituição, na redação que lhe atribuiu a
Emenda Constitucional 41/03, e da expressão “e da parcela recebida em razão de tempo de
serviço”, contida no art. 8º da referida Emenda; o Ministro Relator e os Ministros Gilmar
Mendes, Ellen Gracie e Celso de Mello deferiram, em parte, o mandado de segurança, para
admitir a permanência, no caso concreto, da vantagem do art. 184, inciso III, da Lei 1.711/
52, até que seja essa parcela absorvida pelo subsídio. O Ministro Marco Aurélio deferiu a
segurança em maior extensão, nos termos de seu voto. Os votos dos Ministros Joaquim
Barbosa, Cezar Peluso, Carlos Britto, Eros Grau e do Presidente indeferiram, in totum, a
segurança. 2) Na sessão de hoje, dia 15 de março de 2006, o Tribunal, apreciando questão
de ordem suscitada pelo Ministro Marco Aurélio, decidiu, por maioria, afastada a incidência, na hipótese, do parágrafo único do art. 205 do Regimento, não estar, nesse julgamento, impedido o Ministro Presidente, vencido o Ministro Marco Aurélio; e, também por
maioria, afastada a aplicação, para o caso, do inciso II do parágrafo único do mesmo art.
205, pelo qual dever-se-ia proclamar encerrada a votação com a prevalência do ato impugnado, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Cezar
Peluso, decidiu o Tribunal aguardar o voto de desempate sobre a matéria relativa ao art.
184 do futuro Ministro Enrique Ricardo Lewandowski. Presidiu o julgamento o Ministro
Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio
Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 15 março de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
VOTO
(Explicação)
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, Senhores Ministros, meu
voto é singelo, objetivo e direto e baseia-se em notas taquigráficas.
É singelo, objetivo e direto como convém a um voto proferido em mandado de
segurança e, também, em atenção à recomendação de Vossa Excelência, feita por ocasião
de sua posse na Presidência deste egrégio Tribunal, no sentido de os juízes brasileiros se
pronunciarem com objetividade para que melhor pudessem ser compreendidos pelos
jurisdicionados de modo geral.
VOTO
(Aditamento)
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, antes de proferir o meu
voto, quero dizer que resisti à tentação de fazer maiores considerações de caráter doutrinário; resisti à tentação de trazer à colação o ensinamento do grande constitucionalista
contemporâneo alemão Robert Alexi, que fala da ponderação dos valores à luz do caso
concreto, quando se encontram em confronto princípios constitucionais. É disso, no
fundo, que se trata, mas deixei de lado essas considerações mais acadêmicas para ir direto
ao ponto e tentar elucidar a questão – do meu ponto de vista, mais consentâneo com a
interpretação constitucional.
1264
R.T.J. — 200
VOTO
(Vista)
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de mandado de segurança, com pedido
de liminar, impetrado por Djaci Alves Falcão, Francisco Manoel Xavier de Albuquerque,
Luiz Rafael Mayer e Oscar Dias Corrêa, Ministros aposentados desta Corte, contra ato
do Presidente do Supremo Tribunal Federal que determinou a redução de seus
proventos de aposentadoria ao limite estabelecido no art. 37, XI, da Constituição Federal,
com a redação dada pela Emenda Constitucional 41/03.
Os Impetrantes, em suma, sustentam a inconstitucionalidade parcial do art. 37, XI,
da Constituição, e do art. 8º da EC 41/03. Alegam, também, que a jurisprudência do STF
firmou-se no sentido de que as vantagens pessoais não se incluem no cômputo da remuneração submetida ao teto e são inerentes “não ao cargo, mas ao servidor, de quem são
atributo e apanágio” (fl. 15). Asseveram, ainda, que a exclusão das vantagens configura
“tratamento antiisonômico, por consistir mecanismo igualador de desiguais” (fl. 16), dizendo, mais, que o ato impugnado não respeitou seu direito adquirido, além de ter afrontado o critério da razoabilidade (fl. 19).
A inicial foi instruída com documentos (fls. 43-84), tendo o Ministro Relator,
Sepúlveda Pertence, indeferido a liminar em 19-4-04 (fls. 89-94).
Nas informações que prestou (fl. 102), o Presidente do Supremo Tribunal Federal
esclareceu, em síntese, que os fundamentos do ato impugnado constam do Processo
Administrativo 319.269 e da Ata da Primeira Sessão Administrativa de 2004, convocada
“com o objetivo específico de deliberar sobre a quantificação da maior remuneração paga
a Ministro do Supremo Tribunal, para efeito de fixação do teto do funcionalismo público,
consoante previsão do art. 8º da referida Emenda Constitucional”.
O então Procurador-Geral da República, Cláudio Fontelles, opinou pela concessão
da segurança para “que se restabeleça o direito dos impetrantes de não terem compreendidas, no subsídio-teto, as vantagens pessoais de natureza pro labore facto, assim
dando-se interpretação conforme à expressão ‘as vantagens pessoais ou de qualquer
outra natureza’ presente no inciso XV, do art. 37 (redação da EC 41/2003), declarada a
inconstitucionalidade da expressão ‘e da parcela recebida em razão de tempo de serviço’,
presente no art. (sic) da EC 41/03, incidenter tantum.” (fl. 141, grifos no original).
Com o falecimento do Ministro Oscar Dias Corrêa, o processo foi extinto sem julgamento de mérito em relação a este (fl. 149).
Na sessão plenária de 9-3-06, o Tribunal, por unanimidade de votos, rejeitou o
pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade do vocábulo “pessoais”, inserido no inciso XI do art. 37 da Constituição, na redação que lhe atribuiu a Emenda Constitucional 41/03, bem como da expressão “e da parcela recebida em razão de tempo de
serviço”, contida no art. 8º da referida Emenda.
A seguir, o Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, deferiu em parte a segurança, para
admitir a permanência, no caso concreto, da vantagem auferida pelos Impetrantes com
base no art. 184, III, da Lei 1.711/52, até que seja absorvida pelo subsídio, no que foi
acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Celso de Mello. O Ministro
.
R.T.J. — 200
1265
Marco Aurélio deferiu a segurança em maior extensão, nos termos de seu voto. Indeferiram a segurança os Ministros Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Carlos Britto, Eros Grau e o
então Presidente, Nelson Jobim. O julgamento foi, na oportunidade, suspenso para que se
colhesse o voto de desempate, a ser por mim proferido.
Em 15-3-06, o Tribunal Pleno, apreciando questão de ordem suscitada pelo Ministro
Marco Aurélio, decidiu, por maioria, afastar a incidência, na hipótese, do disposto no art.
205, parágrafo único e inciso II, do Regimento Interno.
Os autos foram-me encaminhados em 21-3-06, sendo, agora, devolvidos, para a
retomada do julgamento.
É o relatório.
Passo a votar.
Os Ministros Francisco Manoel Xavier de Albuquerque, Djaci Alves Falcão e Luiz
Rafael Mayer, quando se aposentaram, fizeram jus à vantagem prevista no art. 184, III, da
Lei 1.711/52, combinado com o art. 250 da Lei 8.112/90, que conferia ao funcionário público, por ocasião da passagem para a inatividade, um aumento de 20% (vinte por cento)
sobre seus proventos, desde que contasse com 35 (trinta e cinco) anos de serviço e
tivesse permanecido em cargo isolado durante 3 (três) anos.
Embora as normas do diploma legal em questão (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União), posteriormente alterado pela Lei 8.112/90, tivessem como destinatários os servidores públicos stricto sensu, o STF estabeleceu que as vantagens previstas
no art. 184 estendem-se também aos magistrados. Como referência histórica, merece ser
mencionada decisão proferida pelo Tribunal Pleno, em julgamento datado do ano de 1961,
em que foi Relator o Ministro Gonçalves de Oliveira1.
Mais recentemente, em decisão prolatada no ano de 2003, a Corte, por seu Tribunal
Pleno, Relator o Ministro Maurício Corrêa, assentou que “as vantagens previstas no art.
184 da Lei 1.711/52, embora dirigidas formalmente aos servidores públicos em sentido
estrito, vêm sendo aplicadas aos magistrados em face do disposto no art. 32, parágrafo
único, da Loman, que equipara as categorias para fins previdenciários”2.
É certo que a Constituição de 1988, em seu art. 37, XI, instituiu um teto para a
remuneração dos servidores públicos em geral, estabelecendo que ele corresponderia,
para os magistrados, aos “valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer
título, por (...) Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados,
Distrito Federal e nos Territórios (...)” (Grifei).
É interessante notar, porém, que o constituinte originário, no art. 17 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, ao determinar a imediata redução de todos os
valores percebidos em desacordo com a Constituição, sem admitir a possibilidade de
“invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título”, distinguiu
“remuneração” de “vencimentos”, “vantagens”, “adicionais” e “proventos”, como que a
sugerir que sua disciplina obedeceria a regimes próprios.
1
RMS 8.944/DF, DJ de 28-6-61.
2
MS 24.042/DF, DJ de 31-10-03.
1266
R.T.J. — 200
Cerca de uma década depois, em meio à perplexidade generalizada que se instaurou
entre os intérpretes quanto à exata exegese da locução “remuneração, em espécie”, constante do art. 37, XI, o dispositivo teve a sua redação alterada pela EC 19/98, que emprestou
maior disciplina e rigor à matéria, passando a consignar que “a remuneração e o subsídio
(...) dos membros de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal (...)
e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou
não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal” (Grifei).
Passados mais cinco anos, a EC 41/03, embora mantendo a dicção da EC 19/98 no
tocante ao teto remuneratório correspondente ao subsídio percebido em espécie pelos
membros do Supremo Tribunal Federal, mais uma vez alterou o inciso XI do artigo em
comento, desta feita para estabelecer novos limites remuneratórios para os integrantes
dos distintos poderes, nos três níveis político-administrativos da Federação3.
Ademais, estabeleceu, em seu art. 8º, que, enquanto não fosse fixado o valor do
subsídio, “será considerado, para os fins do limite fixado naquele inciso, o valor da maior
remuneração atribuída por lei na data da publicação desta Emenda a Ministro do Supremo
Tribunal Federal, a título de vencimento, representação mensal e da parcela recebida em
razão de tempo de serviço” (Grifei).
Foi com base na EC 41/2003 que o Presidente do Supremo Tribunal Federal determinou a redução dos proventos dos Impetrantes, porquanto o seu valor, com a incidência
do percentual de 20%, previsto no art. 184, III, da Lei 1.711/52, ultrapassou o teto constitucional.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal tem agido com cautela e sensibilidade no
tocante à disciplina do teto remuneratório, desde as primeiras decisões que prolatou a
respeito do tema. Com efeito, embora haja considerado auto-aplicável o art. 37, XI, em sua
redação original, excluiu, inicialmente, as vantagens de caráter pessoal do teto nele estabelecido, que só passaram a constar, de forma expressa, do texto do referido dispositivo,
após a edição da EC 19/984.
3
“XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os
proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as
vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie,
dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se, como limite, nos Municípios, o subsídio do
Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder
Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio
dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por
cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder
Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores
Públicos”.
4
ADI 14/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Célio Borja, DJ de 1º-12-89; RE 185.842/PE, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 2-5-97; RMS 21.840/DF, Segunda Turma, Rel. Min. Marco Aurélio,
DJ de 4-11-94.
R.T.J. — 200
1267
Na seqüência, o Supremo Tribunal Federal, em sessão administrativa datada de 24
de junho de 1998, entendeu não serem auto-aplicáveis as normas dos arts. 37, XI, e 39,
§ 4º5, da Constituição, com a redação que lhes deu a EC 19/98, porque a fixação do
subsídio mensal, em espécie, de Ministro do Supremo Tribunal Federal, que serviria de
teto, dependia da edição de lei formal, de iniciativa conjunta dos Presidentes da República,
da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal. Essa tese,
cumpre notar, foi reafirmada em diversos julgados6.
Tal problema somente foi superado, como visto, pelo art. 8º da EC 41/03, que estabeleceu que o limite definido no art. 37, XI, corresponderia à maior remuneração atribuída por
lei a Ministro do Supremo Tribunal Federal, a título de vencimento, de representação
mensal e da parcela recebida em razão de tempo de serviço, na data da publicação da
Emenda, ou seja, 31 de dezembro de 2003.
Salta à vista, pois, que, a partir das alterações promovidas pelas Emendas Constitucionais 19/98 e 41/03, o texto magno passou a disciplinar com maior rigor e detalhamento
o limite remuneratório dos servidores públicos, seja porque passou a fazer menção expressa aos proventos, dentre as modalidades de remuneração a ele submetidas, seja
porque, a partir delas, incluiu, de forma taxativa, as vantagens pessoais para o efeito de
cálculo do teto.
Assim sendo, os Impetrantes incorporaram legitimamente a vantagem em comento
aos seus proventos, porquanto o fizeram em conformidade com a lei vigente à época das
respectivas aposentadorias e em harmonia com a interpretação que esta Corte conferia ao
limite remuneratório do art. 37, XI, até o advento da EC 41/03.
Cumpre registrar, ademais, que, além de legítima, a manutenção do valor acrescido
aos proventos, por força do art. 184, III, da Lei 1.711/52, combinado com o art. 250 da Lei
8.112/90, afigura-se razoável, visto que em muito pouco ultrapassou o teto constitucional,
não se revelando, sob qualquer aspecto, ofensivo ao princípio da moralidade.
Não é possível, todavia, como querem alguns, data maxima venia, equacionar a
questão à luz da preservação de direitos adquiridos, diante do firme entendimento do
Supremo no sentido de que não há como invocar tal garantia em face de regime jurídico
modificado por legislação superveniente7.
A conciliação das situações dos Impetrantes com a nova ordem constitucional,
então, há de fazer-se sob o prisma da irredutibilidade de vencimentos, tradicional garantia
5 “O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais
e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo
de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI”.
6 ADI 1.898/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Galloti, DJ de 30-4-04; AO 543/PA, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 15-3-02; ADI 2.087/AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, DJ de 19-9-03.
7 RE 92.511/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 7-10-80; RE 228.080/SC, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 21-8-98; RMS 21.789/DF, Primeira Turma, Rel. Min.
Sydney Sanches, DJ de 31-5-96; RE 160.438/CE, Primeira Turma, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de
3-4-98; RE 241.884/ES, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 12-9-03.
1268
R.T.J. — 200
dos magistrados – estendida pelo STF também aos proventos8 –, que repele a idéia de
decesso remuneratório. Nessa linha, o Supremo tem decidido que o valor nominal da
remuneração percebida pelo servidor, sob a égide de determinado plexo normativo, não
pode sofrer diminuição, sob pena de vulnerar situação juridicamente estável, imune à
alteração legislativa posterior.
Convém sublinhar, porém, que a jurisprudência desta Corte apenas assegura a percepção do montante global dos vencimentos ou proventos, e não a manutenção de percentuais que integram o seu cálculo, porque não se pode admitir que uma situação jurídica
derivada de regime remuneratório que não mais subsiste venha a perpetuar-se no tempo,
em permanente contradição com o regramento normativo superveniente9.
A partir dessas reflexões, e sempre no intuito de alcançar a solução que melhor
possa conciliar os princípios da boa-fé e da segurança jurídica com o limite remuneratório
estabelecido na EC 41/03, é que acompanho o Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, para
conceder parcialmente a segurança, assegurando aos Impetrantes o direito de continuar
recebendo o acréscimo sobre os proventos até que seu montante seja coberto pelo subsídio fixado em lei para os Ministros do Supremo Tribunal Federal.
É como voto.
EXTRATO DA ATA
MS 24.875/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Impetrantes: Djaci Alves
Falcão e outro (Advogados: Aluísio Xavier de Albuquerque e outro). Impetrados: Presidente do Supremo Tribunal Federal e Supremo Tribunal Federal.
Decisão: O Tribunal, por maioria, deferiu, em parte, o mandado de segurança, nos
termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Carlos
Britto, Eros Grau e Nelson Jobim, que indeferiam a segurança, e o Ministro Marco Aurélio,
que a deferia em maior extensão, nos termos do seu voto. Presidiu o julgamento a Ministra
Ellen Gracie, que proferira voto na assentada anterior.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 11 de maio de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
8
MS 21.659/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 3-2-06; RE 262.673, Primeira Turma, Rel.
Min. Marco Aurélio, DJ de 24-2-06; RE 468.076-ED, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de
31-3-06; RE 293.578/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 29-11-02; RE 185.255,
Primeira Turma, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 19-9-97.
9 RE 298.694/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 23-4-04; ADI 2.075-MC,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 27-6-03; RE 226.462/SC, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ de 25-5-01; RE 236.239/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de
31-3-00; RE 194.317/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 8-9-00.
R.T.J. — 200
1269
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA 25.293 — SP
Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto
Recorrente: Indústria de Artefatos Plásticos Ltda. – PETROPLASTIC — Recorrido:
Superior Tribunal de Justiça
Recurso ordinário em mandado de segurança. Acórdão que, em embargos de declaração considerados protelatórios, aplicou à Embargante multa de
1% (um por cento) sobre o valor da causa. Parágrafo único do art. 538 do
CPC. Natureza jurisdicional do ato. Cabimento da segurança.
Rejeita-se a alegação de que o ato impugnado, no ponto, teria caráter
administrativo, porque praticado no exercício do poder de polícia do juiz. Por
se tratar de condenação, a alcançar o patrimônio do Embargante, em benefício do Embargado, encerra-se ela na atividade jurisdicional do magistrado.
No caso, a multa foi aplicada no julgamento dos segundos embargos de
declaração, opostos em sede de recurso especial, quando o Superior Tribunal
de Justiça exauria a sua jurisdição. O manejo de outros embargos poderia
elevar a multa a 10% (dez por cento). Inocorrência dos pressupostos necessários à interposição de recurso extraordinário. Daí o cabimento do mandado
de segurança, para defrontar o ato, aplicando-se, com temperamentos, a
Súmula 267/STF.
Recurso ordinário provido, para o efeito de retornarem os autos ao
Superior Tribunal de Justiça.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, dar
provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, nos termos do voto do
Relator; vencido o Ministro Marco Aurélio, que lhe negava provimento.
Brasília, 7 de março de 2006 — Carlos Ayres Britto, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de recurso ordinário contra decisum do
Superior Tribunal de Justiça, que negou seguimento ao mandado de segurança impetrado
por Indústria de Artefatos Plásticos Ltda. (PETROPLASTIC).
2. A seu turno, o writ impugna acórdão da Quarta Turma daquela Corte Superior, na
parte em que, ao julgar os Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Recurso
Especial 331.502, condenou a Recorrente ao pagamento da multa de 1% (um por cento),
calculado sobre o valor da causa originária. Na verdade, uma ação de dissolução de sociedade, proposta por Salomão Gorenzvaig, que envolve “dezenas de milhões de dólares”.
1270
R.T.J. — 200
3. Cabe esclarecer que a multa foi aplicada, na forma do parágrafo único do art. 538
do CPC, porque o órgão julgador entendeu que a persistência da empresa, traduzida na
multiplicidade de recursos, tinha motivação nitidamente protelatória, beirando a litigância
de má-fé.
4. Irresignada, a sucumbente impetrou a segurança, com o exclusivo propósito de
afastar a sanção financeira, sobremodo vultosa. Enquanto isso, o recurso extraordinário,
destinado a manter vivo o debate da questão de fundo, segue rumo próprio.
5. Pois bem. É importante anotar que, para justificar o cabimento da segurança, a
Impetrante defende a tese de que o decisório alvejado se reveste de natureza administrativa, no trecho em que lhe impôs a rigorosa multa. Nesse ponto, o ato teria sido praticado
“no exercício do poder de polícia do juiz”. Ademais, configuraria inadmissível abuso de
poder.
6. Acontece que a investida da Autora foi barrada no nascedouro, em face do entendimento contrário do Relator do mandado de segurança, que sacou da Súmula 121 do
extinto Tribunal Federal de Recursos para negar seguimento ao pedido mandamental
(“Não cabe mandado de segurança contra ato ou decisão de natureza jurisdicional emanado
de Relator ou Presidente de Turma”).
7. Averbo, agora, que a sorte da Impetrante não mudou com a sucessiva interposição
de agravo regimental e embargos declaratórios, ainda no Superior Tribunal de Justiça. Daí o
recurso ordinário – ora submetido aos cuidados desta egrégia Corte –, no qual se defende,
mais uma vez, o manejo da segurança, como ferramenta processual apta à discussão do tema
em foco. Reconhecido o cabimento dessa via, a Recorrente pede o retorno dos autos ao
Tribunal de origem, para que solucione a controvérsia neles veiculada.
8. Nas suas razões, assim como na inicial, a Requerente queixa-se da recusa do
Poder Judiciário em analisar as questões de Direito que suscitou ao longo do processo
principal. Recusa, segundo ela, “sistemática, obstinada, ostensiva, que começou no julgamento da apelação e não parou no julgamento do recurso especial.”
9. Nesse cenário, a imposição de multa, além de injusta e danosa financeiramente,
conspurca a imagem da Recorrente e de seu advogado. Sendo assim, há de se admitir o
mandado de segurança, no caso, para que o ato lesivo não se consolide com o pronunciamento de uma única instância.
10. Finalizo este relato com a informação de que o recurso não foi contra-arrazoado
(certidão de fl. 547), recebendo do Procurador-Geral da República parecer pelo desprovimento (fls. 556/558).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Principio por dizer que, no Superior
Tribunal de Justiça, o voto condutor proferido no julgamento dos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 331.503 tem o seguinte desfecho
(fls. 407/408):
R.T.J. — 200
1271
Neste contexto, não se apresenta o julgado omisso, como pretende a empresa embargante,
uma vez que todas as questões suscitadas foram debatidas e decididas, não sendo o recurso dotado
de outro efeito, que não o de simples integração e não de infringência.
Na verdade, os embargos apresentam-se como manifestamente protelatórios, devendo a
embargante, a título de multa, pagar ao embargado o valor correspondente a 1% (um por cento)
sobre o valor da causa.
13. Muito bem. Inconformada com esse decisório, a empresa sucumbente reagiu em
duas frentes: interpôs recurso extraordinário e, no tocante à sanção pecuniária, impetrou
mandado de segurança perante a mesma Corte Superior. Na inicial, pediu “para eximir a
Impetrante do dever de pagar a multa que lhe foi imposta” (fl. 55).
14. Deu-se que o Relator do writ negou seguimento ao pedido, por entender
imprópria a via utilizada, em razão da índole jurisdicional do ato impugnado. Esse entendimento foi mantido no julgamento, sucessivo, do agravo regimental e dos embargos de
declaração.
15. Interposto o presente recurso ordinário, a palavra, agora, está com o Supremo
Tribunal Federal. Cabe a esta egrégia Corte, pois, pronunciar-se, de início, sobre a natureza
da decisão combatida, no ponto em que aplicou ao caso a primeira parte do parágrafo
único do art. 538 do CPC, assim escrita:
Quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou o tribunal, declarando que o
são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de um por cento sobre
o valor da causa.
16. Confesso que tenho dificuldade em visualizar a natureza administrativa de tal
condenação, que seria defluente do exercício do poder de polícia conferido ao magistrado, na condução e disciplina do processo.
17. Parece-me que a Suprema Corte ainda não examinou detidamente o tema, sob
essa perspectiva. Então, volto os olhos para a doutrina pátria. E começo com o magistério
de Cândido Rangel Dinamarco, vazado nos seguintes termos:
Consiste este – o poder de polícia – em restringir a liberdade das pessoas em vista de um
interesse público relevante e sempre segundo critérios razoáveis de proporcionalidade. O exercício do poder de polícia pelo juiz constitui meio de afastar entraves postos ao exercício da própria
jurisdição, tendo portanto uma relação de instrumentalidade para com esta.
(Instituições de Direito Processual Civil, II, 5. ed., p. 239.)
18. Ao lado de Antônio Carlos de Araújo Cintra e Ada Pellegrini Grinover, o mesmo
Cândido Rangel Dinamarco repete a lição, no livro Teoria Geral do Processo, 21. ed., p.
149, in verbis:
O juiz dispõe, no exercício de suas funções, do poder jurisdicional e do poder de polícia; este
último lhe é conferido, em última análise, para que possa exercer com autoridade e eficiência o
primeiro.
19. O poder de polícia – ajunto eu – diz com a preservação da ordem, da segurança
e dos costumes, implicando, como não podia deixar de ser, a imposição de condicionamentos ao exercício do direito de propriedade e de liberdade alheias, segundo se
depreende do art. 78 do Código Tributário Nacional. No âmbito do Judiciário, esse poder
1272
R.T.J. — 200
serve mais de perto à direção e à disciplina do processo. Daí a polícia das audiências (art.
794 do CPP). A restrição atinge, quase sempre, o gozo da liberdade das partes ou dos
advogados.
20. No caso dos autos, o que emerge é um preceito condenatório, a alcançar o
patrimônio da Recorrente. O beneficiado é o Recorrido, não o Erário. Mais: a multa estipulada não constitui, necessariamente, óbice aos movimentos ou a outros recursos da parte
sucumbente.
21. Concluo, portanto, que a imposição da multa em exame decorre do poder
jurisdicional do magistrado. Por isso, a princípio, o ato revela-se inatacável por meio de
ação mandamental, a teor da Lei 1.533/51 (inciso II do art. 5º) e da Súmula 267/STF, assim
legendada: “Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou
correição”.
22. Isso não obstante, devo continuar o raciocínio para dizer que a norma acima
referida fecha uma porta, mas abre outra. Isso porque estamos diante de um caso
incomum, em que, a rigor, o ato adverso não podia ser combatido de forma diferente, à
míngua de recurso compatível com a fase processual da ação originária.
23. Vou explicar melhor, e, para isso, volto dois passos, a fim de relembrar que a multa
foi imposta no julgamento dos segundos embargos de declaração, opostos em sede de
recurso especial. O manejo de outros embargos motivaria, por certo, a elevação da multa
para 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, “ficando condicionada a interposição de
qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo”, na forma da última parte do
parágrafo único do art. 538 do CPC.
24. De outra banda, o Recorrente, surpreendido com a aplicação da multa em um
momento em que o Superior Tribunal de Justiça exauria a sua jurisdição, não dispunha
dos pressupostos necessários à interposição do apelo extremo, nesse ponto. Sobrou-lhe,
portanto, o writ of mandamus, para evitar que a condenação se consumasse com um
único julgamento.
25. Assim, acredito que a garantia do acesso à jurisdição (inciso XXXV do art. 5º da
Magna Carta) socorre à Impetrante.
26. Ante o exposto, dou provimento ao recurso, a fim de reformar a decisão atacada,
que negou seguimento ao pedido na origem. Em conseqüência, os autos deverão retornar
ao Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar o mandado de segurança, conforme entender de Direito, nos termos da alínea b do inciso I do art. 105 da Lei das Leis.
27. É como voto.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, peço vênia ao Relator para divergir.
Nesta quadra que atravessamos, estou muito preocupado com a perda de parâmetros. Tenho presente, sempre, que processo é liberdade em seu sentido maior. No caso, o
Superior Tribunal de Justiça, de forma correta, ou não, concluiu que os embargos declaratórios – não sei se isso foi verificado nos primeiros, nos segundos ou nos terceiros –
seriam protelatórios e aplicou certa multa, fazendo-o a partir do Código de Processo Civil
R.T.J. — 200
1273
e em processo jurisdicional e não simplesmente administrativo. Essa imposição da multa,
frente aos embargos declaratórios, não deságua no surgimento de um processo administrativo. Quanto a isso não há a menor dúvida. Assim, sob tal ângulo, não procede a causa de
pedir da Recorrente, tal como consignado pelo Relator. Ora, contra essa decisão é pertinente a impetração de mandado de segurança? A meu ver, não, porque, se a decisão se fez
acoplada a uma outra, de duas, uma: ou ela é impugnável mediante a ação autônoma de
impugnação, a rescisória, ou não é, já que pacífico não caber, no caso, recurso extraordinário.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Ação rescisória? Mas a questão também não é de mérito.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim, mas, aí, surge o problema. Então, em última
análise, a decisão do Superior Tribunal de Justiça, impondo a multa, porque não mais
impugnável mediante qualquer recurso, transitou em julgado, e, então, o mandado de
segurança ganha contornos de ação rescisória, contornos mais alargados porque, como
ressaltou Vossa Excelência, a ação rescisória não seria cabível por não se contar, no caso,
com decisão de mérito.
Senhor Presidente, sem ser um legalista ao extremo, apego-me a princípios. Entendo
que não se pode abrir exceção, considerados os princípios, tendo em conta o conteúdo
econômico da decisão proferida, que não está, sequer, explicitado ou afirmado, diria eu,
pelo Relator, já que este apenas aludiu a ele a partir do que sustentado pela parte recorrente neste ordinário.
Peço vênia para manter, portanto, íntegra a decisão do Superior Tribunal de Justiça,
reafirmando, mais uma vez e em vala comum, que, enquanto o Direito for uma ciência, o
meio justifica o fim, mas não o fim o meio.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Vou pedir vênia ao Ministro Marco
Aurélio para acompanhar o voto do eminente Ministro Relator.
Creio que há um ato judicial, mas não uma decisão de mérito, o que afasta a ação
rescisória. E, cuidando-se de último passo de jurisdição de um tribunal superior, também, dada a natureza da aplicação da multa ou dos seus pressupostos, a decisão não se
expõe ao recurso extraordinário. Se será viável ou não demonstrar direito líquido e certo
no mandado de segurança, já é outro problema. Mas me parece que considerar essa
decisão absolutamente inatacável violenta, efetivamente, a garantia da universalidade
da jurisdição.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, acompanho o Relator por dois
motivos. O primeiro, porque não estamos estabelecendo nenhum juízo a respeito do
resultado do mandado de segurança. Pode ser que fosse concedido o mandado de segurança.
O segundo é que considero este caso singularíssimo e, daí, não lhe vou tirar nenhuma
tese.
1274
R.T.J. — 200
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, gostaria de fazer uma observação,
porque considero um caso singularíssimo, mas também porque, quem sabe, no futuro,
nossos debates serão lidos.
Com a vênia do Ministro Marco Aurélio, queria dizer que, seguramente, o Direito
não é uma ciência e também que os meios não justificam os fins. Isso é só para minha
defesa no futuro.
EXTRATO DA ATA
RMS 25.293/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Recorrente: Indústria de Artefatos Plásticos Ltda. – PETROPLASTIC (Advogado: José Ignacio Botelho de Mesquita).
Recorrido: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma deu provimento ao recurso ordinário em
mandado de segurança, nos termos do voto do Relator; vencido o Ministro Marco Aurélio,
que lhe negava provimento.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Cláudia Sampaio Marques.
Brasília, 7 de março de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA 25.367 — DF
Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto
Recorrente: Adroaldo Lima de Carvalho — Recorrida: União
Recurso ordinário em mandado de segurança. Servidor público. Processo administrativo disciplinar. Pena de demissão. Alegação de incompetência da autoridade coatora. Decreto 3.035/99.
Nos termos do parágrafo único do art. 84 da Magna Carta, o Presidente
da República pode delegar aos Ministros de Estado a competência para julgar
processos administrativos e aplicar pena de demissão aos servidores públicos federais. Para esse fim é que foi editado o Decreto 3.035/99.
Facultado ao servidor o exercício da ampla defesa, e inexistente qualquer irregularidade na condução do respectivo processo administrativo disciplinar, convalida-se o ato que demitiu o acusado por conduta incompatível
com a moralidade administrativa.
Recurso ordinário desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança.
Brasília, 4 de outubro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de recurso ordinário contra acórdão do
Superior Tribunal de Justiça, que denegou a segurança impetrada pelo servidor Adroaldo
Lima de Carvalho.
2. Colhe-se dos autos que o Impetrante era fiscal da Agência Nacional do Petróleo e,
em fevereiro de 2003, foi preso preventivamente, por ordem do MM. Juiz da Quarta Vara
Federal do Estado do Amazonas (Ação Penal 2003.32.00.001896-0).
3. Ciente do fato, a autarquia abriu sindicância interna, tendo em vista que os fatos
narrados na denúncia constituiriam atos de improbidade administrativa, capitulados na
Lei 8.429/92. De outro lado, revelariam comportamento do servidor incompatível com as
diretrizes do Regime Jurídico Único, notadamente o inciso IX do art. 117 (“valer-se do
cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função
pública”).
4. Da sindicância emergiu o processo administrativo disciplinar, culminando com a
demissão do Impetrante, em decorrência de portaria assinada pela então Ministra de
Minas e Energia. De acordo com esse ato, o servidor pecou “por falta de zelo e dedicação
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às atribuições do cargo, por falta de lealdade à instituição a que serve, por inobservância
das normas legais e regulamentares, por conduta incompatível com a moralidade administrativa e por improbidade administrativa” (fl. 237).
5. Trocando em miúdos, no processo disciplinar pesaram contra o Impetrante as
seguintes imputações (fls. 224/225):
a) valer-se do cargo para lograr proveito pessoal e de seu filho Edson Manuel Bandeira de
Carvalho, o qual mantinha um escritório onde eram escriturados livros e elaboradas defesas de
postos de revenda de combustível autuados pelo Sindicado;
b) atuar junto à ANP como intermediário dos donos de postos de combustíveis autuados por
infrações às normas em vigor;
c) praticar improbidade administrativa;
d) praticar concussão e corrupção passiva;
e) possuir um patrimônio incompatível com a renda decorrente de seus vencimentos.
6. Muito bem. Inconformado com a penalidade sofrida, o “barnabé” impetrou a
segurança. Alegou, inicialmente, incompetência da autoridade coatora para lavrar o ato
demissório, que, segundo ele, só poderia sair da caneta do Presidente da República. No
mais, apontou uma série de irregularidades no processo administrativo, a começar pela
portaria instauradora. Teria havido, em resumo, excesso de prazo e inobservância dos
princípios ligados ao contraditório e à ampla defesa.
7. Prossigo no relatório para dizer que, denegada a ordem e rejeitados os subseqüentes embargos declaratórios, o Impetrante recorreu ordinariamente. Nas razões, insistiu nos fundamentos constantes da inicial e, ao fim, pediu sua reintegração aos quadros
da autarquia. Alternativamente, invocou o princípio da proporcionalidade para requerer a
aplicação de pena mais branda, na medida de seus eventuais deslizes.
8. O recurso foi contra-arrazoado e, na ótica do Ministério Público Federal, deverá
ser desprovido.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): É do seguinte teor a ementa do acórdão
recorrido (fl. 258):
Mandado de segurança. Ministro de Estado de Minas e Energia. Servidor. Demissão.
Competência da autoridade impetrada por delegação. Sindicância e processo administrativo.
Regularidade no procedimento. Contraditório e ampla defesa observados. Excesso de prazo
afastado.
Aos Ministros de Estado, por delegação – Decreto 3.035/99 –, compete, no âmbito dos
órgãos da Administração Pública que lhes são subordinados ou vinculados, julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades. Competência verificada.
Não se verificam as apontadas irregularidades, tanto na sindicância quanto no processo
administrativo, principalmente no que diz respeito à obediência aos princípios do contraditório
e da ampla defesa.
Excesso de prazo não configurado.
Ausência do alegado direito líquido e certo.
Ordem denegada.
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11. Pois bem, após examinar detidamente os autos, cheguei à mesma conclusão
estampada no acórdão combatido.
12. Em primeiro lugar, a autoridade impetrada é competente para a prática do ato
impugnado. Di-lo o art. 1º do Decreto 3.035/99, do seguinte teor (fl. 252):
Art 1º Fica delegada competência aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União,
vedada a subdelegação, para, no âmbito dos órgãos da Administração Pública Federal direta,
autárquica e fundacional que lhes são subordinados ou vinculados, observadas as disposições
legais e regulamentares, especialmente a manifestação prévia e indispensável do órgão de assessoramento jurídico, praticar os seguintes atos:
I - julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas hipóteses de
demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores (...)
(Grifei.)
13. Convém frisar que tal delegação é permitida pelo parágrafo único do art. 84 da
Magna Carta. E sua constitucionalidade já foi reconhecida por esta egrégia Corte, conforme precedentes adiante transcritos.
14. Por outro lado, o processo disciplinar que redundou na demissão do Recorrente
transcorreu sem qualquer irregularidade que pudesse comprometer a sua conclusão. O
Indiciado teve ampla oportunidade de defesa e foi intimado para assistir a todos os atos
instrutórios. Ao final, foram ouvidas dezesseis pessoas (algumas delas, mais de uma vez).
Realizaram-se três exames periciais: dois documentoscópicos e um de avaliação de imóvel. O servidor foi interrogado duas vezes e, entre os vários documentos apresentados,
juntaram-se transcrições fonográficas das interceptações que a Polícia Federal, por ordem
judicial, procedeu nos diálogos telefônicos que ele manteve com alguns donos de postos
de combustível.
15. Neste ponto, é elucidativa a seguinte passagem do parecer de fls. 224/230;
passagem cuja fidelidade aos autos eu tive o cuidado de conferir e que põe em realce
apenas uma das imputações a que respondeu o indiciado. Diz o trecho (fls. 227/228):
(...)
Efetivamente, os autos estão a demonstrar, de uma forma copiosa, que Edson Manuel,
filho do Acusado, mantinha, no recinto da residência de ambos, um escritório denominado
“MANU – Serviços Eletrônicos Contábeis e Manutenção em Geral”, onde ele confessadamente
prestava serviços a trinta e dois donos de postos de revenda de combustíveis que haviam sido
objeto de ações de fiscalização promovidas tanto pelo Acusado como por outros fiscais da ANP.
Esses serviços consistiam basicamente na escrituração dos livros de movimentação de
combustíveis – conhecidos pela sigla de LMC – e na elaboração de defesas administrativas em
processos decorrentes de autos de infração previamente lavrados pelo Acusado.
Embora tanto pai como filho não tenham negado essa atividade desenvolvida naquele
escritório, procuraram obstinadamente defender a tese de que os trabalhos do filho eram inteiramente independentes das atividades funcionais do pai e que este nunca teria aliciado donos de
postos para se tornar clientes do filho e nem jamais teria ajudado este último na elaboração ou
confecção de peças de defesa.
Obviamente, ambos também negaram que o Acusado tivesse qualquer participação nos
ganhos advindos daquela pretensamente inocente atividade do filho.
Essas negativas da dupla iriam desmoronar diante do documento cuja cópia reprográfica
está contida a fls. 134 (e repetida a fls. 521), uma espécie de planilha de controle dos ganhos do
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escritório decorrentes da escrituração de livros dos postos de combustíveis que eram seus clientes,
a qual fora apreendida pela Polícia Federal, durante busca que realizou naquele local.
O referido documento ostenta claramente as assinaturas do pai e do filho, numa comprovação irrefutável do contubérnio que havia entre eles naquela malsinada empreitada.
Se as atividades de ambos eram separadas, por que cargas d’águas iria o Acusado assinar um
documento de controle expedido pelo escritório do filho?
No seu interrogatório, a fls. 61/62, o Acusado inicialmente põe em dúvida – e mais adiante
nega – que uma das assinaturas daquele documento comprometedor seja sua.
Entretanto, os dois exames grafotécnicos realizados naquela planilha indicaram que a
assinatura questionada realmente partira do punho do Acusado, conforme atestam os laudos
periciais de fls. 130/131 e de fls. 522/523.
Diante dessa prova irrefutável, ficou a acusação comprovada e com isso evidenciou-se que
o Acusado transgrediu o artigo 117, inciso IX, da Lei nº 8.112/90, com o que se tornou passível
de receber a pena de demissão, em face do que dispõe o artigo 132, inciso XIII, do mencionado
diploma legal, conforme bem indicou a Comissão no final de seu relatório, a fls. 673.
16. Portanto, feita essa radiografia do processo, a conclusão é de que não merece
censura o acórdão recorrido. Suas linhas mestras estão em sintonia com o que vem decidindo esta Suprema Corte, em casos semelhantes. Exemplos disso são as ementas abaixo
transcritas, atinentes, respectivamente, ao RMS 24.128 (Relator Ministro Sepúlveda Pertence), ao RMS 24.079 (Relatora Ministra Ellen Gracie) e ao MS 23.401 (Relator Ministro
Carlos Velloso):
1. Demissão: ocupante do cargo de Policial Rodoviário Federal: processo administrativo
disciplinar que se desenvolveu validamente, assegurados ao Acusado o devido processo legal, o
contraditório e a ampla defesa.
2. Presidente da República: competência para prover cargos públicos (CF, art. 84, XXV,
primeira parte), que abrange a de desprovê-los, a qual, portanto, é susceptível de delegação a
Ministro de Estado (CF, art. 84, parágrafo único): validade da Portaria do Ministro de Estado que –
à luz do Decreto 3.035/99, cuja constitucionalidade se declara – demitiu o Recorrente.
Mandado de segurança. Servidor público. Processo administrativo. Pena disciplinar de
demissão. Alegação de incompetência da autoridade coatora rejeitada, porquanto regular o exercício da atribuição delegada. Nulidade do ato de demissão pela existência de irregularidades na fase
de sindicância. Improcedência. Precedente. Inviabilidade, em sede de mandado de segurança, de
reexame de prova.
Recurso ordinário a que se nega provimento.
Constitucional. Administrativo. Servidor público: policial: demissão. Ilícito administrativo e ilícito penal. Instância administrativa: autonomia.
I - Servidor policial demitido por se valer do cargo para obter proveito pessoal: recebimento
de propina. Improbidade administrativa. O ato de demissão, após procedimento administrativo
regular, não depende da conclusão da ação penal instaurada contra o servidor por crime contra a
administração pública, tendo em vista a autonomia das instâncias.
II - Precedentes do Supremo Tribunal Federal: MS 21.294/DF, Relator Ministro Sepúlveda
Pertence; MS 21.293/DF, Relator Ministro Octavio Gallotti; MS 21.545/SP, MS 21.113/SP e MS
21.321/DF, Relator Ministro Moreira Alves; MS 21.294/DF e MS 22.477/AL, Relator Ministro
Carlos Velloso.
III - Procedimento administrativo regular. Inocorrência de cerceamento de defesa.
IV - Impossibilidade de dilação probatória no mandado de segurança, que pressupõe fatos
incontroversos, prova pré-constituída.
V - Mandado de segurança indeferido.
17. Ante esses fundamentos, nego provimento ao recurso.
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EXTRATO DA ATA
RMS 25.367/DF — Relator: Ministro Carlos Britto. Recorrente: Adroaldo Lima de
Carvalho (Advogados: Janaína Guimarães Santos e outro). Recorrida: União (Advogado:
Advogado-Geral da União).
Decisão: A Turma negou provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança.
Unânime. Não participou deste julgamento o Ministro Marco Aurélio.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República,
Dra. Cláudia Sampaio Marques.
Brasília, 4 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
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R.T.J. — 200
MANDADO DE SEGURANÇA 25.534 — DF
blica
Relator: O Sr. Ministro Eros Grau
Impetrante: Renato Junqueira Franco Stamato — Impetrado: Presidente da RepúConstitucional. Agrário. Desapropriação. Reforma agrária. Mandado
de segurança. Relatório agronômico de fiscalização. Atraso. Ausência de
nulidade. Recurso sem efeito suspensivo. Possibilidade de edição do decreto
expropriatório. Oportunidade e alcance. Art. 61 da Lei 9.784/99. Art. 184,
§ 2º, da CB/88. Renovação de pastagens. Impedimento à classificação do imóvel como propriedade improdutiva. Art. 6º, § 3º, V, e § 7º, da Lei 8.629/93.
Necessidade de projeto tecnicamente conduzido. Art. 7º da Lei 8.629/93. Aferição do efetivo pecuário por meio de fichas de vacinação. Possibilidade. Produtividade do imóvel. Dilação probatória. Apreciação em mandado de segurança. Impossibilidade.
1. A entrega extemporânea do laudo agronômico de fiscalização não
implica a nulidade do documento, ensejando apenas a instauração de procedimento disciplinar para averiguar eventuais faltas dos servidores responsáveis pelo atraso.
2. A ausência de efeito suspensivo no recurso administrativo interposto
contra o laudo agronômico de fiscalização não impede a edição do decreto do
Presidente da República, que apenas declara o imóvel de interesse social
para fins de reforma agrária, mera condição para a propositura da ação de
desapropriação (art. 184, § 2º, da CB/88). A perda do direito de propriedade
ocorrerá somente ao cabo da ação de desapropriação. Precedente (MS
24.163, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 19-9-03, e MS 24.484,
Relator o Ministro Eros Grau, DJ de 2-6-06).
3. O processo de renovação de pastagens que impede a classificação
do imóvel rural como propriedade improdutiva – art. 6º, § 3º e § 7º, da Lei
8.629/93 – reclama a existência de projeto técnico, que deve atender aos
requisitos previstos no art. 7º daquele texto normativo.
4. Não há ilegalidade na aferição do efetivo pecuário pelo uso exclusivo das Fichas de Vacinação (FV) caso haja irregularidades nas notas
fiscais e Demonstrativos de Movimentação de Gado (DMG), uma vez que
os regulamentos expedidos pelo Incra prevêem a utilização de ambos os
registros.
5. A impossibilidade de dilação probatória em mandado de segurança
torna insuscetível de apreciação a questão relativa à produtividade do imóvel
rural. Precedente (MS 24.518, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 304-04, e MS 25.351, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de 16-9-05).
6. Segurança denegada, prejudicado o agravo regimental interposto.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos e nos termos do
voto do Relator, denegar a segurança e julgar prejudicado o agravo.
Brasília, 13 de setembro de 2006 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de mandado de segurança impetrado por Renato
Junqueira Franco Stamato contra decreto do Presidente da República, de 2 de agosto de
2005, que declarou de interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural denominado “Fazenda Cachoeira”, localizado no Município de Itapura/SP.
2. O Impetrante sustenta a nulidade do decreto expropriatório, por força da violação
do disposto nos arts. 2º, parágrafo único, incisos VI, VII, VIII, IX e X; 50, V e § 1º, todos da
Lei 9.784/99, bem como do art. 6º, § 3º, V, da Lei 8.629/93.
3. Alega a nulidade do Relatório Agronômico de Fiscalização, apresentado após o
prazo determinado na Ordem de Serviço Incra/SR(08) Gab/n. 032/2001 (fls. 63/70).
4. A impugnação ao laudo foi rejeitada pelo Comitê de Decisão Regional do Incra.
Contra essa decisão foi interposto recurso à autoridade hierárquica superior, designado
de “recurso especial” pelo Impetrante, ao qual não foi atribuído efeito suspensivo (fls.
433/442).
5. O Impetrante afirma que a decisão que indeferiu o pedido formulado nesse recurso carece de motivação. A unidade administrativa teria se limitado a comunicar o parcial
provimento, mantendo a classificação do imóvel como grande propriedade improdutiva.
6. Segundo o Impetrante, o recurso nunca foi apreciado, em violação do disposto no
art. 56 da Lei 9.784/99. Entende que o decreto do Presidente da República não poderia ser
expedido enquanto não exaurido o procedimento administrativo perante o Incra.
7. Os técnicos daquela autarquia teriam desconsiderado o processo de renovação
das pastagens, na elaboração do laudo agronômico de fiscalização, o que impediria a
caracterização do imóvel como propriedade improdutiva à luz da exceção prevista no art.
6º, § 3º, V, da Lei 8.629/93.
8. Informa ter proposto ação cautelar de produção antecipada de provas, em curso
perante a Justiça Federal.
9. Junta ao presente writ laudo pericial apresentado nos autos dessa ação cautelar,
na qual se apura a produtividade da gleba no período de dezembro de 2001 a novembro de
2002, bem assim decisão do respectivo Juízo concedendo medida liminar para impedir a
imissão do Incra na posse do imóvel.
10. Por fim, alega que os técnicos do Incra e do Instituto de Terras do Estado de São
Paulo (ITESP) consideraram a evolução do rebanho bovino unicamente com base nas
Fichas de Vacinação contra febre aftosa (FV), desprezando as notas fiscais e Demonstra-
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tivos de Movimentação de Gado (DMG) apresentados pelo proprietário, em afronta ao
disposto em regulamentos expedidos pelo Incra.
11. Requer, liminarmente, a suspensão dos efeitos do decreto expropriatório, concedendo-se a segurança para a sua total anulação.
12. O Presidente da República, pela Advocacia-Geral da União (fls. 793/803), sustenta a inexistência de direito líquido e certo do Impetrante, uma vez que os fatos relatados na
petição inicial são absolutamente controvertidos, reclamando dilação probatória incompatível com o rito mandamental.
13. No mérito, ressalta que o Impetrante fez uso de todos os recursos administrativos previstos. Não houve, destarte, nem violação ao devido processo legal, nem ao
direito de ampla defesa e contraditório, este franqueado ao Impetrante nos momentos
definidos em lei.
14. A eventual renovação das pastagens do imóvel não elide sua improdutividade,
pois a exceção prevista no art. 6º, § 3º, V, e § 7º, da Lei 8.629/93 reclama a existência de
projeto técnico, elaborado nos termos do art. 7º desse texto normativo.
15. Afirma que eventual vício no procedimento administrativo ou no Relatório Agronômico de Fiscalização pode ser argüido na ação de desapropriação a ser ajuizada pela
União, nos termos do disposto no art. 9º da Lei Complementar 76/93.
16. Ausentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, foi indeferido o pedido
liminar (fls. 920/923).
17. O Procurador-Geral da República opinou pela denegação da ordem (fls. 985/988).
Tem que os argumentos apresentados pelo Impetrante contra o laudo técnico foram
motivadamente afastados pela Administração.
18. Afirma que o recurso apresentado pelo Impetrante não tem efeito suspensivo,
inexistindo qualquer ilegalidade na expedição do decreto expropriatório antes de seu
julgamento.
19. Sustenta ser impossível discutir, na via mandamental, os dados utilizados pelos
técnicos para apurar a produtividade do imóvel.
20. Alega que o prazo fixado na portaria que constituiu a equipe técnica do Incra não
é peremptório, visando somente a estabelecer lapso temporal razoável para a conclusão
do processo administrativo. Afirma, por fim, que não se comprovou nos autos nenhum
prejuízo decorrente da superação do referido prazo.
21. O Impetrante interpôs agravo regimental contra a decisão liminar (fls. 1012/1027).
Alega que o atraso na entrega do relatório conduz à sua nulidade. Afirma que o recurso
administrativo nunca foi apreciado e que o decreto expropriatório não poderia ser expedido antes de seu julgamento. Sustenta que a expedição do decreto expropriatório coloca
sob risco real o seu direito de propriedade.
22. Por fim, afirma que a renovação de pastagens que elide a desapropriação do
imóvel (art. 6º, § 7º, da Lei 8.629/93) não exige aprovação de projeto técnico.
23. Às fls. 928/981, o Juízo da 1ª Vara Federal de Jales comunica a revogação da liminar
que impedia a imissão do Incra na posse do imóvel. Anexa ao ofício cópia da retificação do
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laudo pericial apresentado nos autos da medida cautelar de produção antecipada de
provas, que concluiu pela improdutividade da gleba.
24. Assevera que o Impetrante já tinha ciência da retificação da perícia quando da
propositura do presente mandado de segurança, juntando aos autos apenas o primeiro
laudo (fl. 947).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A entrega do relatório agronômico de fiscalização
fora do prazo definido na Ordem de Serviço Incra/SR(08) Gab/n. 032/2001 não implica a
nulidade do documento. Inexiste sanção para a entrega extemporânea do laudo. O fato
apenas ensejaria a instauração de procedimentos disciplinares para averiguar eventuais
faltas dos servidores.
2. O Impetrante fez uso de todas as oportunidades de defesa que lhe foram
franqueadas no processo administrativo. As comunicações da Administração foram realizadas por meio de carta com aviso de recebimento, como demonstrado na documentação
trazida aos autos pelo próprio Impetrante (fls. 431 verso, 540, 541, 556, 576 e 578).
3. A Administração, observando a ausência de intimação do último resultado do
julgamento (fl. 516/516), suspendeu a edição do decreto ora impugnado (fls. 518/526). A
publicação do ato coator ocorreu somente depois de sanado o vício processual, sem
qualquer prejuízo para o Impetrante (art. 55 da Lei 9.784/99). Inexiste, no caso, violação do
disposto nos incisos VI, VIII e X do parágrafo único do art. 2º da Lei 9.784/99.
4. Não há falar-se, ademais, em ausência de fundamentação dos atos administrativos, o que consubstanciaria afronta ao disposto nos incisos VII e IX do parágrafo
único do art. 2º da Lei 9.784/99. Como se verifica do exame de cópias do processo
administrativo juntadas aos autos pelo Impetrante, todos os atos foram precedidos de
pareceres exarados pelas divisões técnicas competentes, bem como pela Procuradoria
do Incra, mencionando os pressupostos de fato e de direito de cada ato de forma clara
e concisa (fls. 423/427, 428/430, 441, 444/445, 501/509, 519/532, 533/535, 566/571, 589/594
e 595/596).
5. O derradeiro recurso administrativo interposto pelo Impetrante, por ele designado
“recurso especial”, foi recebido sem efeito suspensivo (fl. 511). A admissão do pedido de
revisão no efeito devolutivo, conforme preceitua o art. 61 da Lei 9.784/99, não consubstancia óbice à edição do decreto pelo Presidente da República, independentemente da
existência de parecer meramente opinativo em sentido contrário.
6. Nesse sentido a recente jurisprudência do Tribunal, traduzida nas seguintes
ementas:
Desapropriação – Interesse social – Decreto – Oportunidade e alcance. A ausência de
eficácia suspensiva do recurso administrativo viabiliza a edição do decreto desapropriatório no
que apenas formaliza a declaração de interesse social, relativamente ao imóvel, para efeito de
reforma agrária, decorrendo a perda da propriedade de decisão na ação desapropriatória, não mais
sujeita, na via recursal, a alteração.
(MS 24.163, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 19-9-03.)
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(...)
3. A ausência de efeito suspensivo no recurso administrativo contra o laudo agronômico de
fiscalização não impede a edição do decreto do Presidente da República, que apenas declara o
imóvel de interesse social para fins de reforma agrária, mera condição para a propositura da ação
de desapropriação (art. 184, § 2º, da CB/88). A perda do direito de propriedade ocorrerá somente
ao cabo da ação de desapropriação.
(MS 24.484, Relator para o acórdão o Ministro Eros Grau, DJ de 2-6-06.)
7. O decreto do Presidente da República não representa risco à garantia constitucional da propriedade, uma vez que apenas declara o imóvel de interesse social para fins
de reforma agrária, consubstanciando mera condição para a propositura da ação de desapropriação (art. 184, § 2º, da Constituição do Brasil).
8. A perda do direito de propriedade ocorrerá tão-somente ao término da ação de
desapropriação, com o pagamento de indenização ao expropriado, de modo que ele poderá alegar em contestação eventual nulidade do laudo agronômico do Incra (art. 9º da LC
76/93).
9. A alegação, do Impetrante, de que a renovação de pastagens impediria a classificação do imóvel como propriedade improdutiva também não prospera.
10. Os arts. 6º, § 3º, V, e § 7º, e 7º da Lei 8.629/93 preceituam:
§ 3º Considera-se (sic) efetivamente utilizadas:
(...)
V - as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação de pastagens ou de
culturas permanentes;
(Grifei.)
§ 7º Não perderá a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, por razões de força
maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência
na exploração, exigidos para a espécie.
(Grifei.)
Art. 7º Não será passível de desapropriação, para fins de reforma agrária, o imóvel que
comprove estar sendo objeto de implantação de projeto técnico que atenda aos seguintes
requisitos:
I - seja elaborado por profissional legalmente habilitado e identificado;
II - esteja cumprindo o cronograma físico-financeiro originalmente previsto, não admitidas prorrogações dos prazos;
III - preveja que, no mínimo, 80% (oitenta por cento) da área total aproveitável do imóvel
seja efetivamente utilizada em, no máximo, 3 (três) anos para as culturas anuais e 5 (cinco) anos
para as culturas permanentes;
IV - haja sido aprovado pelo órgão federal competente, na forma estabelecida em regulamento no mínimo seis meses antes da comunicação de que tratam os §§ 2º e 3º do art. 2º.
(Grifei.)
11. A exceção prevista no art. 6º reclama a existência de projeto técnico, elaborado
nos termos do art. 7º daquele texto normativo.
12. O texto do § 7º do art. 6º menciona “renovação de pastagens tecnicamente
conduzida”. O preceito do art. 7º, por sua vez, enumera os requisitos a serem observados
na implantação do projeto técnico. É impossível interpretar esses preceitos como se
R.T.J. — 200
1285
dissessem respeito a duas hipóteses autônomas. Se o processo de renovação de pastagens deve ser tecnicamente conduzido, a elaboração do projeto deve atender aos requisitos previstos no preceito do art. 7º da Lei 8.629/93.
13. A ilegalidade apontada na aferição do efetivo pecuário também não procede,
carecendo de fundamento. A decisão que indeferiu a impugnação administrativa do
Impetrante justifica o uso exclusivo das Fichas de Vacinação (FV) em vista das irregularidades verificadas nas notas fiscais e Demonstrativos de Movimentação de Gado (DMG)
(fls. 891/892). Aqui não há ofensa aos regulamentos expedidos pelo Incra, que prevêem a
utilização de ambos os registros para a apuração do efetivo pecuário.
14. Outrossim, a impossibilidade de dilação probatória em mandado de segurança
torna insuscetível de apreciação questões relativas à produtividade do imóvel rural (MS
24.518, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 30-4-04) (fls. 920/923).
Denego a ordem, restando prejudicado o exame do agravo regimental, nos termos da
Súmula 622.
VOTO
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, chamo atenção para a circunstância de que direito líquido e certo que precisa de uma petição de quase sessenta laudas
já me causa estranheza, mas, principalmente, conforme salientado pelo Relator, todos os
dados que podiam ser confirmados de pronto foram comprovados no sentido oposto ao
que apresentado pelo Impetrante.
Acompanho o voto do Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, também acompanho o
brilhante voto do eminente Relator, salientando três aspectos: em primeiro lugar, são
vícios de natureza formal e, data venia, o Impetrante não mostrou prejuízo; em segundo
lugar, o recurso administrativo não foi contemplado com efeito suspensivo; e, em terceiro
lugar, a matéria substantiva alegada não configura, certamente, direito líquido e certo,
conforme observado.
Portanto, com o Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, o excelente voto do eminente
Relator me convence de todo.
Também sou pela denegação da ordem, com prejuízo para o exame do agravo.
EXTRATO DA ATA
MS 25.534/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Impetrante: Renato Junqueira Franco
Stamato (Advogados: Athemar de Sampaio Ferraz Júnior e outro). Impetrado: Presidente
da República (Advogado: Advogado-Geral da União).
1286
R.T.J. — 200
Decisão: O Tribunal, à unanimidade e nos termos do voto do Relator, denegou a
segurança e julgou prejudicado o agravo. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim
Barbosa. Falou pelo Impetrante o Dr. Paulo Landim. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen
Gracie.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr.
Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 13 de setembro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 200
1287
AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA 25.742 — DF
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso
Agravante: Roberto Jefferson — Agravados: Mesa da Câmara dos Deputados,
Presidente da Mesa da Câmara dos Deputados, Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania da Câmara dos Deputados e Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara
dos Deputados
Recurso. Agravo regimental. Interesse recursal. Inexistência. Interposição contra decisão que homologou requerimento de desistência do processo de mandado de segurança. Sucumbência não caracterizada. Agravo
não conhecido. Não tem interesse recursal o autor que, requerendo desistência do processo, argúi, contra a decisão homologatória, haver mudado de
opinião.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, não conhecer
do agravo regimental, vencido o Ministro Marco Aurélio, que conhecia do recurso e lhe
negava provimento. Ausentes, justificadamente, os Ministros Gilmar Mendes e Eros
Grau. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente no exercício da
Presidência).
Brasília, 5 de abril de 2006 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de agravo regimental interposto contra
decisão que, homologando desistência do processo de mandado de segurança, tem o
seguinte teor:
1. O Impetrante, por três vezes, declarou, expressis verbis, que desistia do processo de
mandado de segurança, caso lhe não fosse desde logo deferida a liminar (fls. 433, 440, 446 e 455460). A condição implementou-se, porque não lhe foi deferida a liminar. Logo, subsiste a declaração de vontade de renunciar ao processo, manifestada por procurador que detém poder especial
para tanto (fl. 40), tocando à Corte apenas homologá-la.
2. É assentada a jurisprudência da Corte no sentido da possibilidade de desistência, a
qualquer tempo, de mandado de segurança, independente da aquiescência da parte contrária (cf.
MS 24.798, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 7-4-05; MS 24.960, Rel. Min. Celso de Mello, DJ
de 15-12-04; MS 25.690, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 15-12-05; MS 24.654, Rel. Min. Eros
Grau, DJ de 17-8-04).
3. Isso posto, homologo a desistência, nos termos dos arts. 267, VIII, do CPC e 21, VIII,
do RISTF. Arquivem-se, oportunamente, os autos.
Publique-se.
Brasília, 13 de fevereiro de 2006.
(Fl. 725.)
1288
R.T.J. — 200
Pede o Agravante seja reformada a decisão, para que tenha seqüência o processo
do mandado de segurança, alegando que já não tinha intenção de ver o processo extinto,
sem julgamento do mérito (fls. 738-742).
É o breve relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Incognoscível o recurso.
Não encontro razão para rever a decisão impugnada.
O Impetrante desistiu, expressa e literalmente, do processo de mandado de segurança, em quatro oportunidades (fls. 433, 440, 446 e 455-460), inclusive após a decisão proferida à fl. 444, a partir da qual, diz agora, teria mudado de opinião.
Homologada a desistência, insurge-se o Impetrante contra atos por ele mesmo praticados, aliás de forma reiterada e clara. Não há como nem por onde admitir tal pretensão,
que, de um lado, viola a proibição de venire contra factum proprium, com surpreender a
outra parte da causa.
Ademais, a desistência do processo é ato unilateral do demandante (art. 158 do
CPC). Uma vez homologada, essa declaração de vontade produz o efeito extintivo imediato do processo (CPC, art. 267, inciso VIII, c/c art. 158, parágrafo único). De nada vale, após
a homologação, retratar-se o Impetrante, nem pretender revogar (tirar-lhe a vox) a declaração, porque com a homologação se lhe exauriu o efeito típico. E tampouco é admissível, a
um desses títulos de arrependimento (retratação ou revogação), recurso contra a sentença homologatória, porque esta deferiu ao desistente o que foi por ele requerido, donde, a
rigor, não haver sucumbência, nem conseqüente interesse recursal.
2. Não conheço do agravo regimental.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, a única dúvida que tenho diz
respeito ao agravo e à adequação respectiva.
É certo que está protocolado contra ato do Relator que implicou a homologação da
desistência formalizada relativamente à impetração. Ora, se interposto no prazo legal, se
atendidos os demais pressupostos de recorribilidade, o agravo esbarra em óbice quanto
ao conhecimento? Penso que não, porque se dá um ato que, de início, não afasta a
impugnação; uma decisão do Relator – como dirigente do processo, como porta-voz do
Colegiado – que o Impetrante diz prejudicial aos próprios interesses.
Ante essa circunstância, admito que a matéria possa ser apreciada, por provocação
da parte, no Pleno.
Conheço e, no passo seguinte, desprovejo o agravo. E o faço tendo em conta o que foi
esclarecido pelo Relator. Houve a manifestação pela desistência, requerendo-se exame urgente, e, após ocorrida a homologação, veio o arrependimento, que, para mim, não é eficaz.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhora Presidente, não conheço, porque o
defeito aqui é a falta de interesse processual, ou seja, não há sucumbência. Para que o
R.T.J. — 200
1289
recurso seja admissível, a primeira condição é que tenha havido sucumbência. Quem pede
alguma coisa que lhe é deferida, a menos que, do ponto de vista prático, possa obter
melhora na sua situação jurídico-material, não tem interesse em recorrer, porque o órgão
jurisdicional lhe concedeu exatamente o requerido.
Assim sucedeu no caso: o Agravante pediu desistência, e o órgão jurisdicional – no
caso eu – concedeu-lhe exatamente o que foi pedido, isto é, a desistência. Onde está a
sucumbência, a desconformidade entre o que ele pretendeu e o que lhe foi deferido? Não há.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas Vossa Excelência revelou, quanto à matéria de
fundo, existir ato válido no tocante à homologação da desistência.
A meu ver, precisamos separar a preliminar do recurso do mérito. Tanto que, neste,
já me pronunciei no sentido de subscrever o que Vossa Excelência consignou no próprio
voto – e, realmente, foi ao fundo, muito embora para sustentar a ausência de interesse do
Agravante.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Este caso é tipicamente idêntico ao de uma
ação julgada inteiramente procedente, nos termos em que foi proposta a demanda, e em
que o vencedor da causa interpõe apelação. Que interesse tem o vencedor em recorrer de
sentença que lhe concedeu, do ponto de vista prático, tudo aquilo a que ele teria direito?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Com o mérito do inconformismo. Ele sustenta que não
teria desistido da impetração.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Não, Excelência, ele disse apenas que mudou
de opinião. Ele desistiu, mas depois se arrependeu.
Por isso situei o fundamento do recurso em termos de retratação ou de revogação,
enquanto únicas hipóteses possíveis de explicar seu comportamento: ou caso típico de
retratação, ou caso de revogação, porque pretende retirar a eficácia à declaração de vontade, a qual não nega ter existido. Alega o Impetrante: “depois que eu disse, quero desdizer, quero me retratar”. Nesse caso, não se admite o desdizer-se.
Isso é completamente diferente de uma hipótese em que há desistência do processo,
mas o desistente recorre da sentença homologatória de desistência, não porque se retrate,
se arrependa ou pretenda revogar a declaração de vontade, mas porque, por exemplo,
alegue que a declaração de vontade tenha sido nula por coação, erro, dolo, ou porque a
própria sentença teria sido editada por órgão absolutamente incompetente. Nesses casos, há interesse recursal, mas, naquele em que o desistente quer apenas retratar-se da
desistência, não há interesse, porque o que pediu lhe foi concedido, não havendo mais
nada por fazer.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Veja Vossa Excelência que há uma questão que
sobrepaira no caso: saber se o arrependimento é, ou não, agasalhado pela ordem jurídica.
Isso é mérito do agravo interposto e não preliminar.
VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, peço vênia para acompanhar o eminente Relator.
1290
R.T.J. — 200
Entendo que a desistência produziu os seus efeitos. A retratação é absolutamente
ineficaz. Em tese, o interessado poderia, se quisesse, dentro do prazo decadencial, entrar
com um novo mandado de segurança.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhora Presidente, do ponto de vista lógico,
também entendo que, sendo o agravo regimental uma peça recursal, o seu manejo há de
pressupor uma irresignação. Sucede que, no caso, a irresignação não tem objeto, porque
o pedido de desistência já foi homologado.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Estamos indo ao mérito do recurso para, posteriormente, voltar à preliminar.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Peço vênia ao Ministro Marco Aurélio para
acompanhar o Ministro Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, peço vênia para acompanhar o eminente Relator, por estar convencido de que não há sucumbência.
EXTRATO DA ATA
MS 25.742-AgR/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Roberto Jefferson
(Advogados: Luiz Francisco Corrêa Barbosa e outro). Agravados: Mesa da Câmara dos
Deputados, Presidente da Mesa da Câmara dos Deputados, Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados e Conselho de Ética e Decoro Parlamentar
da Câmara dos Deputados.
Decisão: O Tribunal, por maioria, não conheceu do agravo regimental, vencido o
Ministro Marco Aurélio, que conhecia do recurso e lhe negava provimento. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente no exercício da Presidência).
Presidência da Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente no exercício da Presidência.
Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Procurador-Geral
da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 5 de abril de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 200
1291
HABEAS CORPUS 84.391 — SP
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Pacientes: Normann Pedro Kestenbaum e Roberto Faconti — Impetrantes: Alexandre Rodrigues e outro — Coator: Relator do HC 30.107 do Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. 2. Crimes falimentares. 3. Ausência de apresentação
das alegações finais. 4. Inexistência de nulidade. 5. Intimação regular da
defesa. 6. O prazo das alegações finais corre em cartório (art. 501 do CPP).
Precedentes. 7. Ordem denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 16 de novembro de 2004 — Gilmar Mendes, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Normann Pedro Kestenbaum e Roberto Faconti contra o Superior Tribunal de Justiça, que
denegou ordem de habeas corpus em decisão assim ementada:
Habeas corpus. Crimes falimentares. Ausência de regular intimação para o oferecimento
de alegações finais (art. 106 da Lei de Falências).
O prazo para alegações finais corre em cartório, independentemente de intimação da
parte.
Ordem denegada.
(Fl. 39.)
Alega-se cerceamento de defesa pela ausência de apresentação das alegações finais da defesa. Requer-se a anulação da sentença condenatória e a devolução do prazo do
art. 500 do Código de Processo Penal, para que os Pacientes possam finalmente se manifestar.
Indeferi o pedido de liminar (fl. 47).
O parecer do parquet é pela não-concessão da ordem (fls. 50-54).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Como bem anota o parecer da ProcuradoriaGeral da República, da lavra do Subprocurador-Geral Haroldo Ferraz da Nóbrega, houve a
regular intimação dos procuradores dos Pacientes, como bem elucida no seguinte excerto:
1292
R.T.J. — 200
Não se deve descartar, de plano, a existência de um ardil dos advogados que representavam
os pacientes, na ação penal de que resultou a sua condenação. Para forçar a prescrição, todos se
ausentaram do escritório, sem deixar indicações para a sua localização, o que causou a sua
intimação por edital, não atendida, e a subseqüente prolação da sentença.
Anoto, no ponto, o que disse a sentença:
“Após a fase do artigo 499 do CPP, onde a Defensoria solicitou algumas providências, o Ministério Público apresentou alegações finais, que se encontra a fls. 684/687,
opinando pela condenação dos réus, uma vez que comprovados os fatos delituosos. A DD.
Defensoria, não localizada através da intimação pessoal tentada a fl. 689 e verso, não
apresentou qualquer manifestação, o que ensejou o pronunciamento do Ministério Público
a fls. 691/692, tendo sido a Defensoria intimada pelo D.O., para fins de alegações finais,
não tendo apresentado, até a presente data qualquer manifestação (fls. 693 e verso).
(autos, fls. 18).”
E ainda, vale destacar o disposto no art. 501 do Código de Processo Penal, verbis;
“Art. 501. Os prazos a que se referem os arts. 499 e 500 correrão em cartório,
independentemente de intimação das partes, salvo em relação ao Ministério Público.”
(Fls. 53-54.)
A jurisprudência desta Corte é no sentido de que “não constitui nulidade a falta de
apresentação de alegações finais pelo defensor regularmente intimado” (HC 75.357, Rel.
Min. Octavio Gallotti, DJ de 6-2-98). Destaque-se a ementa proferida no HC 80.251, julgado pela Segunda Turma:
Habeas corpus. Processo penal. Alegações finais. Intimação do réu para constituir novo
defensor. Não-nomeação de defensor dativo. Ao defensor constituído, é imprescindível a
intimação para o oferecimento de alegações finais. A apresentação ou não é critério de conveniência da defesa. A omissão não caracteriza nulidade. Não havendo renúncia do defensor, não há
que se cogitar de nulidade por falta de intimação do réu para constituir novo defensor. Ao paciente
assistido por defensor constituído não é necessário nomear defensor dativo ou público. Habeas
indeferido.
(HC 80.251, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 4-5-01.)
Destaque-se ainda a seguinte decisão:
Recurso extraordinário. Criminal. Intimação do advogado constituído para alegações
finais. Desnecessidade. Extraordinário fundado em afronta ao art. 5°, LV, da Constituição, sob a
perspectiva de cerceamento de defesa por falta de intimação do defensor constituído para apresentar alegações finais. Os prazos dos artigos 499 e 500 do CPP correm em cartório, independentemente de intimação. Precedentes do STF. Recurso extraordinário não conhecido.
(RE 140.457, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 13-11-92.)
Nesses termos, meu voto é pelo indeferimento do writ.
EXTRATO DA ATA
HC 84.391/SP — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Pacientes: Normann Pedro
Kestenbaum e Roberto Faconti. Impetrantes: Alexandre Rodrigues e outro. Coator:
Relator do HC 30.107 do Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos
termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen
Gracie e o Ministro Joaquim Barbosa.
R.T.J. — 200
1293
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso e Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie e o Ministro
Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 16 de novembro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
1294
R.T.J. — 200
HABEAS CORPUS 84.534 — SP
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso
Paciente: Cícero Apolinário de Almeida — Impetrante: Terezinha Apolinário de
Almeida — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Ação penal. Condenação. Sentença condenatória. Pena. Individualização. Crime de guarda de substância entorpecente. Delito de mera conduta.
Circunstâncias judiciais. Elevação da pena-base. Fixação no triplo do mínimo
legal. Pequena quantidade de droga apreendida. Abuso do poder discricionário
do magistrado. Capítulo da sentença anulado. Habeas corpus concedido, em
parte, para esse fim. Precedente. Inteligência do art. 59 do CP. Voto vencido.
No caso de crime de guarda de substância entorpecente, o qual é de mera
conduta, não pode a pena-base ser fixada no triplo do mínimo pela só quantidade
da droga apreendida, sobretudo quando essa é pequena.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, deferir, em parte, o pedido de habeas corpus para, sem prejuízo da condenação, determinar que
se proceda a nova fixação da pena, nos termos do voto do Relator; vencido o Ministro
Marco Aurélio.
Brasília, 7 de fevereiro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Cícero Apolinário de Almeida, contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, que lhe denegou pedido de habeas corpus, nos termos desta ementa:
Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes. Dosimetria da pena. Pena-base fixada acima
do mínimo. Fundamentação suficiente da sentença monocrática mantida pelo Tribunal a quo.
Artigo 59 do CP. Nomeação do defensor dativo. Ausência de cerceamento de defesa. Constrangimento ilegal não demonstrado.
Não há falar em nulidade da sentença condenatória por ausência de fundamentação na
fixação da reprimenda se o MM. Juiz sentenciante, atento às diretrizes do art. 59 do Código Penal,
justificou satisfatoriamente a fixação da pena base acima do mínimo legal. Ordem denegada.
(HC 16.061, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, fl. 19.)
O ora Paciente foi condenado à pena de 9 (nove) anos de reclusão, em regime
integralmente fechado, e a 150 (cento e cinqüenta) dias-multa, pela prática do crime capitulado no art. 12, caput, da Lei 6.368/76.
Alega ser nulo o processo, por ter-lhe sido nomeado defensor dativo sem a devida
intimação para constituir novo advogado. Aduz, ainda, que não teriam sido corretamente
R.T.J. — 200
1295
analisadas as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal. E, por fim, pede
decretação da nulidade da sentença, por haver determinado o cumprimento da pena integralmente em regime fechado, sem mencionar o disposto no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90.
Foram prestadas informações pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça (fls.
16-27), e veio aos autos cópia integral do Processo Crime 703/98 (fls. 91 e ss.).
O parecer da douta Procuradoria é pelo indeferimento da ordem.
Deixei de apreciar o pedido liminar, para trazer o processo a julgamento.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O Impetrante alega que o processo que
culminou com sua condenação é nulo por ter-lhe sido nomeado defensor dativo sem a
devida intimação para constituir novo advogado.
Como se colhe dos autos, o Paciente, no interrogatório, indicou o Dr. Marcos
Ernesto Cabanas por defensor (fl. 177). Mas, ordenada sua intimação para apresentar
defesa prévia e comparecer à audiência de início de instrução, tal advogado afirmou não
conhecer o Paciente, que o não teria contratado, e recusou-se a receber a intimação (fl. 238
verso).
No dia da audiência para oitiva de testemunhas de acusação, na presença do Paciente, o magistrado constituiu a Dra. Cintia Homen de Mello Lagrotta Valente para o ato e,
“em tempo”, nomeou-a “para a Defesa do acusado Cícero a partir desta audiência e
inclusive para os ulteriores atos processuais” (fl. 239), tendo ela estado presente à audiência de instrução e julgamento, elaborando alegações finais (fl. 272).
Segundo informou o magistrado, “manifestando-se o paciente, no sentido de que o
defensor constituído já não mais cuidava de seus interesses e asseverando não ostentar
condições financeiras de contratar os serviços de outro defensor, coube então ao Juízo
nomear para a defesa do mesmo a i. Procuradora do Estado (PAJ), aqui oficiante” (fl. 46).
Ademais, como bem ponderou a Subprocuradora-Geral da República, Dra. Delza
Curvello Rocha, a inicial não inculca nenhum prejuízo ao Paciente, réu confesso, que
isentou os co-réus de qualquer responsabilidade pelo crime. O disposto no art. 563 do
Código de Processo Penal não autoriza, pois, pronúncia da nulidade argüida.
2. O segundo fundamento do pedido é a afirmação de inadequada análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, já que, réu confesso o Paciente,
não poderia a pena ter sido estabelecida em três vezes do mínimo legal.
Ao propósito, da sentença consta:
Na aplicação da pena, observo que o acusado Cícero revela personalidade defeituosa,
voltada ao desenvolvimento, em grandes proporções, do tráfico de drogas, as circunstâncias do
episódio – envolvendo, a princípio, inocentes pessoas, e mais de uma dezena de quilos de cocaína –
depõem em seu desfavor. Irrelevantes os demais elementos constantes do artigo 59, do Código
Penal, pelo que fixo sua reprimenda-base em nove anos de reclusão, mais o pagamento de cento
1296
R.T.J. — 200
e cinqüenta dias-multa, em seu mínimo legal. Confesso e reincidente, mantenho-a no aludido
patamar, tornando-a definitiva, à míngua de fatores modificativos.
(Fl. 276.)
No que toca ao valor da confissão, vê-se logo que a circunstância atenuante foi,
sim, considerada pelo juiz, que, em razão dela, não exacerbou a pena por conta da circunstância agravante da reincidência.
Mas, no que diz respeito ao aumento da pena-base em três vezes o mínimo legal,
forçoso reconhecer a procedência do pedido.
É que se extrai da sentença que o aumento se deu apenas em virtude da quantidade
de droga apreendida: doze quilogramas, trezentas e noventa gramas de cocaína (fl. 95).
Verdade seja que o réu foi preso quando portava papelotes para venda, tendo indicado
aos policiais onde estaria depositado o restante da substância entorpecente (fl. 275).
Mas, afastada que foi a associação para o tráfico (ibid.), o Paciente foi condenado pela
prática do crime descrito no art. 12, caput, da Lei 6.368/76.
Aplico a orientação adotada pela Tuma no julgamento do RHC 84.082 (Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ de 4-6-04), caso em que a quantidade de substância entorpecente
apreendida era muito superior à da espécie: tratava-se, ali, de trezentos quilogramas de
maconha.
Na oportunidade, decidiu a Turma, acompanhando o eminente Ministro Relator,
que, em se cuidando de crime de guarda de substância entorpecente, o qual é de mera
conduta, a elevação da pena-base a 9 (nove) anos de reclusão transporia o âmbito da
chamada “discricionariedade judicial”, objeto do art. 59 do Código Penal, que o não
permitiria:
Ementa. I - Sentença condenatória: motivação bastante da participação no crime atribuída
ao Paciente, não se prestando o procedimento sumário e documental do habeas corpus para
responder à indagação sobre o ajustamento de fundamentação ao conjunto da prova. II Individualização da pena: limites da chamada “discricionariedade judicial”: fixação da pena no
triplo do mínimo cominado ao crime que se funda exclusivamente nos resultados potenciais de um
crime de mera conduta, como o de guarda de substância entorpecente, ainda que em grande
quantidade: nulidade parcial da condenação.
No mesmo sentido, RHC 82.369, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 8-11-02.
Daí ter convindo a Turma em cassar a sentença, no capítulo referente à pena, determinando que, sobre esse tópico, outra fosse proferida com atenção ao caráter formal do
delito de “guarda de substância entorpecente”.
Creio ser a solução curial para o caso.
3. Isso posto, concedo, em parte, a ordem, para, cassando a sentença no capítulo da
fixação da pena-base, determinar seja outra proferida a respeito, atendendo ao caráter
formal do delito. E, no que tange à vedação de progressão de regime de cumprimento da
pena, concedo cautelar, para afastar o óbice previsto na condenação, satisfeitos os demais requisitos legais, até o julgamento final, pelo Plenário, do HC 82.959 (Rel. Min.
Marco Aurélio).
R.T.J. — 200
1297
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, continuo convencido de que não
se pode conceber condenação sem pena. Já disse, mesmo, que a jurisprudência sedimentada resultou da necessidade de se contornar a prescrição, tendo em conta o fenômeno
da interrupção pelo decreto condenatório.
Por isso, entendendo que o pronunciamento judicial é um todo e fica contaminado
tal como formalizado, peço vênia ao Relator para declarar insubsistente a decisão proferida
e não apenas a parte alusiva à dosimetria da pena.
EXTRATO DA ATA
HC 84.534/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Cícero Apolinário de
Almeida. Impetrante: Terezinha Apolinário de Almeida. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: A Turma, por maioria de votos, deferiu, em parte, o pedido de habeas
corpus para, sem prejuízo da condenação, determinar que se proceda a nova fixação da
pena, nos termos do voto do Relator; vencido o Ministro Marco Aurélio.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Rodrigo Janot.
Brasília, 7 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
1298
R.T.J. — 200
RECURSO EM HABEAS CORPUS 84.851 — BA
Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio
Recorrente: Luciano Paulo dos Santos — Recorrido: Ministério Público Federal
Prisão preventiva – Fundamentação. A prisão preventiva há de se fazer
devidamente fundamentada, não servindo a tanto a simples referência aos
arts. 311 e 312 do Código de Processo Penal e à garantia da ordem pública,
sem se revelar em que aspecto esta última estaria em perigo.
Prisão preventiva – Excesso de prazo – Fuga do acusado. O simples fato
de o acusado ter deixado o distrito da culpa, fugindo, não é de molde a respaldar o afastamento do direito ao relaxamento da prisão preventiva por excesso
de prazo. A fuga é um direito natural dos que se sentem, por isso ou por aquilo,
alvo de um ato discrepante da ordem jurídica, pouco importando a improcedência dessa visão, longe ficando de afastar o instituto do excesso de prazo.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, conhecer
do recurso ordinário em habeas corpus e dar-lhe provimento.
Brasília, 1º de março de 2005 — Marco Aurélio, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao apreciar o pedido de concessão de medida acauteladora, assim sintetizei o quadro revelado por este processo:
1. O Superior Tribunal de Justiça indeferiu a ordem, assim sintetizando as premissas jurídicas
à luz das quais decidiu:
Processual penal – Latrocínio – Prisão preventiva – Presença dos requisitos
autorizadores – Crime hediondo – Excesso de prazo – Paciente que permaneceu foragido –
Revogação – Impossibilidade.
- Ao contrário do que alegam os impetrantes, além da prova da existência do crime
e indícios veementes de autoria, a manutenção da prisão preventiva, ainda que de forma
sucinta, encontra-se perfeitamente respaldada nos requisitos dos arts. 311 e 312 do CPP.
- De outro lado, inviável a concessão de liberdade provisória ao acusado pela
prática de crime hediondo (Informativo 329 do STF, HC 83468/ES, DJU de 11.11.2003,
Rel. Ministro Sepúlveda Pertence), mormente quando presentes os pressupostos do art.
312 do CPP.
- Inocorre (sic) excesso de prazo na formação da culpa, porquanto o próprio
paciente esteve foragido desde 19.07.99, somente vindo a ser recapturado em 15.01.2003.
- Ordem denegada.
No recurso interposto, ressalta-se que a prisão data de 16 de janeiro de 2003. Articula-se:
a) inépcia da denúncia, por não conter descrição individualizada das condutas de cada um
dos denunciados;
b) nulidade da decisão que implicou a custódia preventiva, por carência de fundamentação;
c) excesso de prazo na formação da culpa, estando o Paciente, até 4 de agosto de 2004, há
quinhentos e sessenta e sete dias sob a custódia do Estado.
R.T.J. — 200
1299
Requer-se a concessão de liminar, para que seja expedido o alvará de soltura.
O Ministério Público Federal apresentou as contra-razões de fls. 116 a 119, dizendo da
improcedência do que alegado quanto à falta de fundamentação do ato concernente à custódia.
Argumenta que o Paciente ficou foragido de 19 de julho de 1999 até 15 de janeiro de 2003,
demonstrando a intenção de se furtar à lei penal. De acordo com o Fiscal da Lei, a fuga é de molde
a afastar o excesso de prazo.
O juízo primeiro de admissibilidade está à fl. 122.
A seguir, implementei a cautela, determinando a expedição de alvará de soltura a ser
cumprido caso não estivesse o Paciente sob a custódia do Estado por motivo estranho à
preventiva formalizada no Processo 60/99, da única Vara da Comarca de Itaberaba/BA –
fls. 129 a 131.
A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer de fls. 151 a 157, pelo desprovimento do recurso e prejuízo da liminar. Em suma, o Ministério Público Federal alude à
ausência de juntada ao processo da representação da autoridade policial, visando à
custódia, e à circunstância de o Paciente ter deixado o distrito da culpa em 19 de julho de
1999, sendo recapturado somente em 15 de janeiro de 2003. Quando da impetração do
habeas no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, encontrava-se ele preso há cento e
cinqüenta dias, vindo o processo a ter tramitação regular com designação de audiência
para inquirição das testemunhas de acusação, isso considerada a data de 24 de setembro
de 2003.
Lancei visto no processo em 29 de novembro último, indicando como data de julgamento a de hoje, 7 de dezembro, isso objetivando a ciência da defesa do Paciente.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O ato que implicou a prisão preventiva do
Paciente é por demais singelo, não contendo remissão, em si – ao contrário do que asseverado pela Procuradoria-Geral da República –, à representação, mesmo porque há de
valer por si próprio. Uma coisa é a remissão à peça emanada de órgão investido de ofício
judicante; outra é a alusão a simples requerimento. De qualquer forma, resumiu-se o teor
da representação. Eis a peça consubstanciadora da ordem de prisão:
Vistos etc.
A Delegada de Polícia local representou pelas prisões preventivas de Luciano Paulo dos
Santos e Nildo de Jesus Silva, sob a acusação de crime de homicídio qualificado contra Genivaldo
Ferreira dos Santos.
Menciona na representação que os representados intencionavam roubar a vítima, e, sem
qualquer motivo, ceifaram-lhe a vida, deixando ao desamparo a sua (sic) mulher e três filhos
menores impúberes.
Juntou interrogatório de Luciano Paulo dos Santos, que confessou o crime, e depoimentos
de testemunhas que dão conta da existência do crime e de indícios suficientes de autoria.
Face ao exposto, com fundamento nos arts. 311/312 do CPP, Decreto a Prisão Preventiva
de Luciano Paulo dos Santos e de Nildo de Jesus Silva, para garantia da ordem pública.
Expeçam-se Mandados de Prisão.
Itaberaba, 30 de junho de 1999.
Bel. Admar Ferreira Sousa
Juiz de Direito
1300
R.T.J. — 200
Constata-se que apenas se remeteu à ordem pública, à necessidade de ser garantida,
sem mencionar-se dados que a revelassem em risco, considerados os acontecimentos
futuros. Também não respalda o decreto de prisão o simples fato de se afirmar ter fundamento nos arts. 311 e 312 do Código de Processo Penal. Indispensável é que se extravase
a fórmula própria a todo e qualquer recurso, como se a generalização fosse possível em tal
área, e se assente, de forma específica e concreta, o atendimento dos requisitos legais.
Fora isso, cabe observar as premissas da decisão cautelar implementada e que conduzem
ao excesso de prazo:
2. Atente-se para o campo de atuação do Supremo Tribunal Federal no julgamento do
recurso interposto. A devolutividade dá-se em face do que assentado pelo Superior Tribunal de
Justiça, e no acórdão atacado não se adotou tese sobre a inépcia da denúncia. É certo que também
em processo revelador de habeas corpus pode ser acionada a norma do Código de Processo Penal –
§ 2º do art. 654 – autorizadora da concessão de habeas de ofício, cujo implemento, todavia, é
próprio, de início, ao julgamento de fundo. De qualquer forma, a denúncia consigna: “como se
apurou no dia dos fatos, o meliante Luciano, tomando conhecimento que se realizava o pagamento
dos trabalhadores da fazenda São Judas Tadeu, através do encarregado Genivaldo Ferreira dos
Santos, mobilizou o comparsa Nildo de Jesus Silva para a empreitada criminosa, que constava do
roubo com emprego de arma de fogo, resultando a morte instantânea da vítima na supracitada
propriedade, local do crime” (fl. 24). E aí, seguiu-se o relato do meio dissimulado para a prática
do delito. Tem-se, neste exame preliminar, peça que longe fica de sugerir a concessão de ofício.
Melhor dirá o Colegiado no julgamento de fundo.
Relativamente ao excesso de prazo, não se conta com dispositivo sobre a eficácia emprestada ao fato de o Paciente haver deixado o distrito da culpa. Também aqui deve-se considerar que
a fuga é um direito natural dos que se sentem, por isso ou por aquilo, alvo de um ato discrepante
da ordem jurídica, pouco importando a improcedência dessa visão. Entender de maneira diversa
é concluir que, ocorrendo a evasão do local, mantém-se a preventiva por prazo indeterminado,
ainda que a instrução penal venha a se projetar além de interregno plausível. Não cabe
potencializar a gravidade da acusação. No tocante ao fenômeno do excesso de prazo, o critério é
objetivo e não subjetivo, ou mesmo específico quanto a certas imputações. É pacífico que o
Paciente foi preso em 15 de janeiro de 2003. Na data de hoje, acha-se sob a custódia do Estado há
um ano, oito meses e dez dias, restando configurado o excesso. Incumbe ao Estado aparelhar-se,
objetivando o julgamento, a prolação de sentença, o término do processo-crime em tempo
adequado à previsão normativa instrumental, em período, por isso mesmo, razoável.
Conheço e provejo o ordinário para, reformando o acórdão proferido pelo Superior
Tribunal de Justiça, conceder a ordem, declarando insubsistente a prisão preventiva, em
face quer da ausência de fundamentação, quer do excesso de prazo.
EXTRATO DA ATA
RHC 84.851/BA — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Luciano Paulo dos
Santos (Advogado: Valmiro Pedreira de Jesus). Recorrido: Ministério Público Federal.
Decisão: Após os votos dos Ministros Marco Aurélio, Relator, e Eros Grau, conhecendo do recurso ordinário em habeas corpus e lhe dando provimento, pediu vista dos
autos o Ministro Carlos Britto. Primeira Turma, 7-12-04.
Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Carlos Britto, de acordo com o art.
1º, § 1º, in fine, da Resolução 278/03.
R.T.J. — 200
1301
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Maria Caetana Cintura Santos.
Brasília, 22 de fevereiro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
VOTO
(Vista)
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de recurso em habeas corpus em que se
argúi inépcia da denúncia, nulidade da prisão preventiva por carência de fundamentação
e excesso de prazo na formação da culpa, estando o Paciente preso desde 15-1-03.
2. Em apertada síntese, relembro que o eminente Relator, Ministro Marco Aurélio,
assentou em seu voto a singeleza dos fundamentos do decreto constritivo, que fez simples referência à garantia da ordem pública sem, contudo, demonstrar como tal ordem
estaria ameaçada. Quanto à denúncia, o ilustrado Relator consignou que o tema não foi
enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça e que, ademais, não haveria espaço para a
concessão da ordem de ofício por tratar-se de inicial acusatória idônea ao fim a que se
destina. Por fim, teve por caracterizado o excesso de prazo, considerando, sobretudo, o
longo período de segregação a que o Paciente está submetido. Nesse contexto, concedeu
a ordem, “declarando insubsistente a prisão preventiva em face quer da ausência de
fundamentação, quer do excesso de prazo” (g.n.).
3. Assim como o eminente Relator, também entendo carente de fundamentação
idônea o decreto de prisão preventiva, cujo grau de abstração não permite, de fato, o
encarceramento do Paciente.
4. Na mesma toada, comungo do entendimento de que a inicial acusatória atende os
requisitos legais, sendo apta ao fim a que se propõe, sem espaço, portanto, para falar em
inépcia. Pontuo, entretanto, que a alegação de nulidade da denúncia foi suscitada perante
o Superior Tribunal de Justiça, consoante se observa da fl. 10 da inicial. Não se trata,
assim, de análise de ofício do tema. É bem verdade que o acórdão recorrido não se manifestou expressamente sobre a matéria, porém é da orientação assente deste Supremo
Tribunal Federal a desnecessidade de prequestionamento explícito em sede de habeas
corpus, sendo suficiente que a questão haja sido veiculada na Corte recorrida. A título
ilustrativo, o HC 80.315, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, assim ementado:
II. Habeas corpus: inexigibilidade de prequestionamento na decisão impugnada.
Não se sujeita o recurso ordinário de habeas corpus, nem a impetração substitutiva dele, ao
requisito do prequestionamento na decisão impugnada: o ponto, suscitado na impetração ao STJ,
não obstante o silêncio do acórdão a respeito, pode ser conhecido pelo Supremo Tribunal.
5. Por último, restaria o alegado excesso de prazo da prisão preventiva. De fato,
causa espécie o período de encarceramento do Paciente, mesmo contando-se a data de
sua recaptura (16-1-03). Entretanto os documentos constantes dos autos não esclarecem
se a demora no julgamento da causa não seria de se imputar ao próprio réu, que, é de se
frisar, ficou foragido por mais de três anos. Por outro lado, não constam informações
sobre o andamento atualizado da ação penal. Os dados existentes, a seu turno, revelam
1302
R.T.J. — 200
que em 24-9-03 já estavam sendo ouvidas as testemunhas de acusação (fl. 60). Diante
desse quadro, é possível que o processo já se encontre na fase de alegações finais, o que
afastaria a alegação de excesso de prazo, nos termos da orientação de ambas as Turmas
desta colenda Corte (conferir, entre outros: HC 84.764; HC 83.298; HC 81.216; HC 80.024).
6. Diante do exposto, com a devida licença do Relator, concedo a ordem em menor
extensão, declarando insubsistente o decreto de prisão preventiva tão-somente pela falta
de fundamentação válida.
7. É como voto.
EXTRATO DA ATA
RHC 84.851/BA — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Luciano Paulo dos
Santos (Advogado: Valmiro Pedreira de Jesus). Recorrido: Ministério Público Federal.
Decisão: Prosseguindo o julgamento, a Turma conheceu do recurso ordinário em
habeas corpus e deu-lhe provimento.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 1º de março de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 200
1303
HABEAS CORPUS 85.713 — SP
Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio
Paciente: Adilson Leal Pereira — Impetrante: PGE/SP – Patrícia Helena Massa
Arzabe (Assistência Judiciária) — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Prisão preventiva – Materialidade do crime e indícios de autoria. A
materialidade do crime e os indícios de autoria não respaldam, por si sós, a
prisão preventiva, surgindo, isoladamente, como elementos para tal fim.
Prisão preventiva – Ausência de localização do acusado e de constituição de advogado. Configurada a situação versada no art. 366 do Código de
Processo Penal, tem-se a automática suspensão do processo e do prazo prescricional, mostrando-se exceção a prisão preventiva do acusado, sempre a
depender da observância ao disposto no art. 312 do mesmo Código.
Co-réu – Extensão de liminar e de ordem. Verificada a identidade de
situação, presentes parâmetros objetivos, incide a norma do art. 580 do Código
de Processo Penal, quer em relação à medida acauteladora, quer no tocante ao
pronunciamento judicial definitivo.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, deferir
o pedido de habeas corpus, estendendo a ordem ao co-réu, nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 17 de maio de 2005 — Marco Aurélio, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao proceder ao exame de pedido de concessão de
medida acauteladora e implementá-la, assim sintetizei o quadro revelado neste processo:
O Superior Tribunal de Justiça indeferiu ordem que visou ao recolhimento do mandado de
prisão. Ao fazê-lo, considerou devidamente fundamentado o ato do Juízo, à luz da conveniência
da instrução criminal (fls. 45 a 51).
Articula-se, neste habeas, com a deficiência de fundamentação do ato de prisão preventiva.
Ter-se-ia referência genérica ao fato de os acusados haverem deixado o distrito da culpa, partindo-se para a conclusão de que pretenderam se furtar à prestação de contas. Remete-se a precedentes desta Corte, especialmente quanto ao fato de o art. 366 do Código de Processo Penal dispor
sobre a simples possibilidade – e não obrigação – de, não sendo localizado o acusado nem
contando ele com defensor constituído, determinar-se a custódia – HC 84.073-6/MG, do qual fui
Relator, publicado no Diário da Justiça de 28 de maio de 2004. Argúi-se a necessidade de observar
o disposto no inciso LXVI do art. 5º da Constituição Federal: “ninguém será levado à prisão ou
nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Requer-se a
concessão de medida acauteladora que implique o recolhimento do mandado de prisão, vindo-se,
após, a proclamar o direito do Paciente de responder ao processo em liberdade. Foram anexadas
à inicial as peças de fls. 8 a 52.
1304
R.T.J. — 200
A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer de fls. 68 a 71, pelo indeferimento
da ordem. A peça remete à denúncia do Ministério Público, aos fatos constantes da inicial
e ao acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, reveladores de haver o
Paciente deixado o distrito da culpa.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mais uma vez, ressalto que, verificada
situação enquadrável no art. 366 do Código de Processo Penal, não se tem a prisão automática, obrigatória do acusado. Eis as razões por que assim entendo, procedendo ao afastamento de equívoco em trecho da decisão liminar, isso quanto ao emprego da expressão “a
tanto”:
Até aqui tem-se a suspensão do processo. Acionou-se a norma do art. 366 do Código de
Processo Penal ante a citação ficta – por edital –, o não-comparecimento do Paciente à assentada em que ocorreria o interrogatório e a ausência de constituição de advogado. Isso não leva à
inversão da ordem natural das coisas, colocando-se em plano secundário o mandamento constitucional de que, até que se tenha a culpa formada e não mais impugnável mediante recurso, não se
pode chegar a ato de constrição, exceto se enquadrável o caso em um dos permissivos dos arts.
312 e 313 do Código de Processo Penal. Ao julgar o HC 84.073-6/MG, fiz ver:
O fato de os Pacientes não terem sido encontrados de imediato não implica, isoladamente, a decretação da preventiva. Tanto é assim, presente o direito natural do envolvido em certo episódio de fugir a ato que conceba extravagante, ilegal, que o art. 366 do
Código de Processo Penal revela que, citado o acusado por edital, não comparecendo, nem
constituindo advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional,
podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for
o caso, decretar prisão preventiva nos termos do disposto no art. 312. Fosse a ausência,
por si só, suficiente à decretação da preventiva, não se teria, no dispositivo legal mencionado, a cláusula “se for o caso”, remetendo ao art. 312 do Código.
Ora, no caso, foi decretada a prisão preventiva com base na prova da existência do crime
e em indícios de autoria. Mencionou-se fato que se mostra neutro, ou seja, os acusados, após a
ocorrência do delito, terem sumido. Então, vislumbrou-se que poderia ficar configurado o quadro
concernente à suspensão do processo e o correspondente afastamento do curso do prazo
prescricional, aludindo-se a entraves à instrução. Entendo insatisfatória a fundamentação do
pronunciamento judicial relativo à preventiva. Esta surge, diante do princípio constitucional da
não-culpabilidade, como exceção e aí, para persistir, para mostrar-se harmônica com a ordem
jurídica, há de estar esteada em motivos enquadráveis no art. 312 do Código de Processo Penal.
A circunstância de não terem sido encontrados os acusados não serve a respaldar a custódia.
Concedo a ordem, estendendo-a ao co-réu, tal como fiz sob o ângulo precário e
efêmero, ou seja, da liminar.
EXTRATO DA ATA
HC 85.713/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente: Adilson Leal Pereira.
Impetrante: PGE/SP – Patrícia Helena Massa Arzabe (Assistência Judiciária). Coator:
Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, estendendo a ordem ao co-réu,
nos termos do voto do Relator. Unânime.
R.T.J. — 200
1305
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República,
Dra. Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 17 de maio de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
1306
R.T.J. — 200
HABEAS CORPUS 85.773 — SP
Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa
Paciente: Espedito Pereira das Neves ou Espedito Pereira Neves — Impetrante:
Nilton Vieira Miranda — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Falsificação de documento público – Certidão Negativa
de Débito do Instituto Nacional do Seguro Social – e uso do documento junto
a banco privado para renovação de financiamento. Falsificação que, por si só,
configura infração penal praticada contra interesse da União. Competência
da Justiça Federal. Ordem concedida.
A jurisprudência desta Corte, para fixar a competência em casos semelhantes, analisa a questão sob a perspectiva do sujeito passivo do delito. Sendo
o sujeito passivo o particular, conseqüentemente a competência será da Justiça
estadual.
Entretanto, o particular só é vítima do crime de uso, mas não do crime
de falsificação. De fato, o crime de falsum atinge a presunção de veracidade
dos atos da administração, sua fé pública e sua credibilidade.
Deste modo, a falsificação de documento público praticada no caso atinge
interesse da União, o que conduz à aplicação do art. 109, IV, da Constituição
da República.
Ordem concedida para fixar a competência da Justiça Federal para
processamento e julgamento do feito.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir a ordem, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 17 de outubro de 2006 — Joaquim Barbosa, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Espedito Pereira das Neves, em que se aponta como autoridade coatora o Superior
Tribunal de Justiça, que, nos autos do HC 28.240, fixou a competência da Justiça estadual
para processar e julgar ação penal sobre uso de documento falso perante instituição
bancária privada. Eis a ementa:
Habeas corpus. Processual penal. Competência. Uso de documento público falso. Obtenção de empréstimo em instituição bancária privada. Inexistência de prejuízo a bens, serviços ou
interesses da União. Ordem concedida.
R.T.J. — 200
1307
1. Compete à Justiça Estadual processar e julgar ação penal que cuida de crime de uso de
documento público falso perante instituição bancária de natureza privada, uma vez inexistente o
prejuízo a bens, serviços ou interesses federais.
2. Ordem concedida.
(Fl. 59.)
No presente caso, foi instaurado inquérito policial, por requisição do Ministério
Público, para apuração dos delitos de falsificação e utilização de Certidões Negativas de
Débitos (CND) falsificadas, art. 304 c/c o art. 297, bem como com o art. 29, todos do Código
Penal.
Iniciada a ação penal na Justiça Federal, o juiz acolheu exceção de incompetência
apresentada pelo Ministério Público Federal e declinou de sua competência para o juízo
estadual. Dessa decisão, o ora Paciente interpôs recurso em sentido estrito para o
Tribunal Regional Federal – 3ª Região, o qual foi provido para fixar a competência da
Justiça Federal.
Contra essa decisão, foi impetrado habeas corpus em favor de outros dois co-réus,
perante o Superior Tribunal de Justiça, alegando-se constrangimento ilegal decorrente da
incompetência absoluta da Justiça Federal para julgar o feito, tendo em vista que o
documento falsificado foi utilizado perante instituição particular.
No julgamento do referido habeas corpus, houve empate na votação dos componentes da Sexta Turma daquela Corte e, em razão disso, foi concedida a ordem para fixar a
competência da Justiça estadual, nos termos da ementa acima transcrita.
Daí a presente impetração, em que se busca o reconhecimento da Justiça Federal
para julgar a ação penal objeto deste writ.
Indeferi a liminar (fls. 46-47), bem como o pedido de reconsideração (fl. 52), por não
vislumbrar a presença do fumus boni iuris.
As informações foram prestadas às fls. 56-73.
A Procuradoria-Geral da República, em seu parecer de fls. 88-100, opinou pela concessão da ordem para que seja declarada a competência da Justiça Federal.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): No presente habeas corpus discute-se
qual seria o juízo competente para processar e julgar delito de uso de documento falso e
de falsificação de documento público (art. 304 c/c o art. 297 do Código Penal). No caso,
trata-se da Certidão Negativa de Débito (CND) do Instituto Nacional do Seguro Social,
tendo seu uso ocorrido com a finalidade de renovação de financiamento junto a banco
privado, em favor de empresa que, na realidade, estava em débito com a referida autarquia
federal.
Observo – e a narrativa do caso por si só o demonstra – que a questão da competência nesse caso é extremamente controvertida nos nossos tribunais e na doutrina sobre o
tema.
1308
R.T.J. — 200
Isso porque estamos diante de duas situações diferentes, mas que se completam:
uma é a falsificação de documento público; outra, o uso desse documento público. A
controvérsia reside justamente no fato de saber se o uso de documento público falsificado perante particulares ofende interesse público suficiente a justificar a competência da
Justiça Federal.
A jurisprudência desta Corte, para fixar a competência em casos semelhantes a esse,
leva em consideração o sujeito passivo do delito, ou seja, aquele que sofre os efeitos
decorrentes do crime. Sendo o sujeito passivo o particular, conseqüentemente a competência seria da Justiça estadual. É o que se verifica dos seguintes precedentes:
Habeas corpus. Crime continuado de receptação de veículo e de uso de documento federal
falso (CP, art. 180, c/c art. 71, e art. 304) utilizado contra particulares. Hipótese de concurso
material. Competência. Prorrogação. Inocorrência. Competência da Justiça estadual. Medida de
segurança detentiva. Cancelamento ex officio, quando aplicada a imputáveis. Retroatividade da
lei mais benéfica: parte geral do Código Penal. Precedente.
(HC 67.547, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 22-9-89.)
Habeas corpus. Condenação por uso de documento falso. Código Penal, art. 304. Alegação de incompetência da Justiça Comum e de cerceamento de defesa. O fato delituoso
espelhado na decisão condenatória e o de uso de documento falso, e não o de falsificação material,
de modo que a circunstância de ter sido encontrado com o Paciente falso CIC não é razão para
deslocar a competência para a Justiça Federal. Embora tenha funcionado na defesa do Paciente
defensor ad hoc, este atuou com a eficiência exigível, participando de todos os atos do processo,
havendo apresentado defesa e apelado para a superior instância. Ordem indeferida.
(HC 68.898, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 21-2-92.)
Noto, contudo, que os acórdãos que fixaram esse entendimento apenas analisaram
a questão do uso do documento público falsificado ou da falsidade ideológica, não adentrando na questão da falsidade material do documento público.
No presente writ, não resta dúvida a respeito da falsificação das Certidões Negativas de Débito expedidas pelo INSS. Assim, ainda que os documentos falsos tenham sido
utilizados perante particular, no caso, um banco privado, entendo que a falsificação por si
só configura infração penal praticada contra interesse da União, a justificar a competência
da Justiça Federal. Isso porque a credibilidade, a fé pública e a presunção de veracidade
dos atos da Administração foram atingidas diretamente. Afinal, o que se busca é o resguardo da citada autarquia federal, de modo a compelir o devedor da previdência a saldar
sua dívida antes de adquirir qualquer empréstimo, seja junto a instituição pública ou
privada. Entendimento diverso não esclarece qual o prejuízo efetivo que o banco privado
viria a sofrer com a efetivação do empréstimo, uma vez que aqui não se fala em estelionato.
De fato, o tipo de art. 297 do Código Penal incrimina com maior gravidade o crime de
falsificação de documento público, porque, nas palavras de Sylvio do Amaral, tal conduta
“afeta diretamente o prestígio da organização política, além de atingir a fé pública inspirada pelo documento violado. Em torno do Estado existe a presunção de absoluta veracidade de todas as suas manifestações, documentais ou não, de modo tal que qualquer ato
atentatório dessa presunção repercute desmesuradamente na confiança da coletividade,
fazendo periclitar um dos fatores fundamentais da harmonia e da ordem nas relações do
cidadão com o Estado”. (Apud Guilherme de Souza Nucci, p. 824).
R.T.J. — 200
1309
Sendo assim, a falsificação por si só do documento público já é suficiente para
caracterizar a existência de interesses da União e, no presente caso, do INSS, a justificar a
aplicação do art. 109, IV, da Constituição Federal.
Nesse sentido, manifestou-se o Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo
Ferraz da Nóbrega, que afirma: “parece-me que, no caso, ante a contrafação e uso de
documento de emissão privativa de autarquia federal, a infração foi praticada em detrimento dos serviços desta e assim a competência é da Justiça Federal”.
Ante o exposto, concedo a ordem para fixar a competência da Justiça Federal.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, creio que há o interesse evidente da
União, aqui, sim, na credibilidade dos seus atos administrativos, na expedição de suas
certidões. Quando se falsifica uma certidão da União, põe-se em risco exatamente a fé
pública derivada dos atos da União. Penso que aí atinge interesse da União.
Estou de acordo com o Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Na verdade, é um potencial de lesão ao
próprio patrimônio da União. De resto, também, o art. 109, IV, da Constituição não deixa
dúvida quanto a isso.
Nesse sentido, também acompanho o Relator.
EXTRATO DA ATA
HC 85.773/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: Espedito Pereira das
Neves ou Espedito Pereira Neves. Impetrante: Nilton Vieira Miranda. Coator: Superior
Tribunal de Justiça.
Decisão: Deferida a ordem, nos termos do voto do Relator. Decisão unânime.
Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este
julgamento o Ministro Gilmar Mendes.
Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Cezar
Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de
Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 17 de outubro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
1310
R.T.J. — 200
HABEAS CORPUS 86.522 — DF
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Pacientes: Morelos Adolfo Verlage Vazquez e Rafael Verlage Vazquez — Impetrante:
Joaquim Flávio Spíndula — Coator: Superior Tribunal de Justiça
1. Habeas corpus. 2. Excesso de prazo e ausência de fundamentação
idônea para a decretação de prisão preventiva. 3. Não cabe conhecer, no curso
do writ, de novos fundamentos para a impetração, independentes daqueles
originalmente articulados, especialmente se ainda não submetidos às instâncias anteriores e se demandam amplo revolvimento de provas. 4. Expresso
abandono, no curso do processo, dos argumentos em torno do excesso de
prazo: admissibilidade. 5. Prisão preventiva, posteriormente mantida por
sentença de pronúncia e por sentença condenatória: possibilidade de seu
conhecimento e apreciação em sede da mesma impetração originária, quando
ausentes novas razões autônomas à sua manutenção. Precedentes. 6. Art.
312 do CPP. Ordem pública. Quando articulada especificamente para o caso,
é pertinente à garantia da ordem pública, como fundamento suficiente per se
à decretação e à manutenção da prisão preventiva, a preservação da credibilidade do Poder Judiciário como entidade bastante em si do Estado Democrático
de Direito. Precedentes. 7. Ordem denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 4 de abril de 2006 — Gilmar Mendes, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida
liminar, impetrado em favor de Morelos Adolfo Verlage Vazquez e Rafael Verlage Vazquez
contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que, nos autos do HC 42.432 daquela
Corte, negou aos Pacientes ordem de habeas corpus, em decisão assim ementada (fl. 17):
Habeas corpus. Prisão preventiva. Pronúncia. Homicídio e tentativa de homicídio. Gravidade concreta. Pretensão de revogação. Requisitos da custódia atendidos. Proteção da ordem
pública. Modus operandi. Periculosidade dos réus.
A prisão se mostra justificada quando o julgador demonstra a necessidade de proteção da
ordem pública, tendo em vista a periculosidade do agente e o modus operandi da ação delituosa.
Ordem denegada.
O Impetrante, ressaltando que os Pacientes são primários e não possuem antecedentes criminais, alegava, por oportunidade da petição inicial, que os Pacientes se encontravam presos desde 14-4-03, em razão de decisão proferida a partir do trâmite de ação
R.T.J. — 200
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penal em que se lhes imputa a prática de crime doloso contra a vida. Asseverava, adicionalmente, que, interposto recurso contra a sentença de pronúncia, perante o Tribunal de
Justiça do Distrito Federal, então há mais de um ano e meio, este não fora julgado até a
data da impetração. Tudo isso estaria a configurar injustificável excesso de prazo, com
violação aos princípios da presunção de inocência e ao da razoabilidade.
Outro argumento sustentado era no sentido de que a sentença de pronúncia assim
como a decisão que decretou a prisão preventiva não estariam fundamentadas.
A medida liminar foi indeferida (fls. 156/157).
O Superior Tribunal de Justiça prestou informações às fls. 162/182, apresentando
cópias de todas as decisões ali exaradas em torno do HC 42.432, bem como elementos
adicionais sobre as informações ali prestadas pelo juízo originário e o pronunciamento do
Ministério Público Federal perante aquela Corte.
Colhida a manifestação da Procuradoria-Geral da República, esta manifestou-se,
preliminarmente e em conformidade com a documentação que lhe foi adicionalmente apresentada diretamente pelo Impetrante, pelo prejuízo da impetração em relação ao Paciente
Morelos Adolfo Verlage Vazquez (fls. 193/208; a mesma documentação foi apresentada a
esta Corte e juntada aos autos às fls. 238 e 240/255, com a observação constante do meu
despacho de fl. 236), em face do advento de sua absolvição pelo Tribunal do Júri.
No mérito, propugnou pela denegação do pleito relativamente ao paciente Rafael
Verlage Vazquez, essencialmente:
I - porque conforme resultaria da jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça,
a permanência, por oportunidade da sentença de pronúncia, dos motivos conducentes à anterior
decretação da prisão preventiva dispensaria o magistrado de renovar a fundamentação ou agregarlhe novos fundamentos, e;
II - porque o retardamento excessivo no julgamento definitivo dos pacientes pelo Tribunal
do Júri não resultava de ineficiência ou mora imputável exclusivamente ao Ministério Público ou
ao Poder Judiciário, mas sim fundamentalmente ao “recurso desprovido de fomento jurídico”
articulado pela defesa dos próprios pacientes contra a sentença de pronúncia (fls. 184/192).
À vista dessas considerações, solicitei informações adicionais diretamente ao competente juízo originário da ação penal principal, as quais foram prestadas às fls. 222/224
(acompanhadas dos documentos de fls. 225/234) e, essencialmente, confirmaram a situação processual do Paciente Morelos Adolfo Verlage Vazquez e esclareceram, quanto ao
Paciente Rafael Verlage Vazquez, que o mesmo, após haver desistido do recurso em
sentido estrito que havia articulado contra a sentença de pronúncia, teve o seu julgamento
pelo Tribunal do Júri agendado para 7-12-05 (ou seja, então, dois dias após a própria
prestação destas informações).
Os Impetrantes obtiveram vista dos autos (fls. 257/258, nos termos do despacho de
fl. 236) e nessa oportunidade apresentaram a petição de fls. 262/275 (acompanhada dos
documentos de fls. 276/323), em que, ademais de argumentos meritórios acerca da situação
do Paciente remanescente Rafael Verlage Vazquez, requereram nova vista dos autos pela
Procuradoria-Geral da República, o que deferi à fl. 325.
1312
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Em conseqüência, veio aos autos o pronunciamento de fls. 327/333, onde o Parquet,
em síntese, reiterou os termos da anterior manifestação de fls. 184/192 e, adicionalmente,
registrou, em resumo, que:
I - não faz sentido que réu, mantido em prisão preventiva ao longo de todo o processo,
agora seja liberado exclusivamente a título do “direito de apelar em liberdade”, e, mesmo que tal
fosse possível, a situação deveria ser, conforme a jurisprudência da Corte, apreciada pelo magistrado na oportunidade da sentença, sendo que no caso concreto o julgador assim procedeu por
oportunidade da sentença de pronúncia com avaliação negativa para o ora paciente; e
II - a absolvição do outro co-réu pelo Tribunal do Júri nem resulta na declaração necessária
quanto à inocência do paciente remanescente, nem tampouco afasta per se as fundadas razões que
oportunamente conduziram à decretação da prisão preventiva e à sua manutenção por ocasião da
sentença de pronúncia.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Trata-se de habeas corpus originalmente
impetrado em favor de Morelos Adolfo Verlage Vazquez e Rafael Verlage Vazquez, ambos
denunciados e pronunciados como incursos nas penas do art. 121, § 2º, I e IV, c/c os arts.
29 e 73, e do art. 157, § 2º, I, II e IV, c/c o art. 29, todos do Código Penal, pelo homicídio
qualificado do Desembargador aposentado do TJDFT, Irajá Pimentel, e pelo homicídio
qualificado tentado de sua esposa.
Conforme assinalado no relatório, originalmente impetrado em favor de ambos os
Pacientes, o writ, atualmente, remanesce em curso exclusivamente quanto ao segundo
(Rafael Verlage Vazquez), tendo em vista a superveniente absolvição do primeiro pelo
Tribunal do Júri.
Ademais, o fundamento originário do writ quanto ao excesso de prazo na instrução
processual foi expressamente abandonado pelos próprios Impetrantes (fl. 262, itens 01 e
02), possivelmente à vista dos próprios elementos contidos nos autos.
Registre-se, ainda nesta oportunidade preambular, que há nos autos novos argumentos originariamente suscitados pelos Impetrantes na petição de fls. 262/275 (e documentos
de fls. 276/323), os quais exclusivamente exsurgiram, nesta sede e nesta oportunidade,
tendo em vista a condenação do Paciente remanescente pelo Tribunal do Júri (fl. 263, item
09, letra b, e fl. 274, item 16).
Esses novos argumentos dizem especificamente sobre utilização de prova ilícita (que
os Impetrantes nem sequer referem qual seria e em que circunstância seria apresentada,
limitando-se a afirmar que “a documentação ora juntada, não deixa dúvida quanto ao
afirmado” – fl. 263, item 06) e sobre a decisão dos jurados que haveria sido manifestamente
contrária à prova dos autos (“eis que negou o crime-meio e afirmou a existência do crimefim”).
Contudo, tais argumentos não cabem ser conhecidos neste writ:
I - primeiro, porque envolvem a submissão a esta Corte de tema não previamente
apresentado à jurisdição do Superior Tribunal de Justiça, condição necessária à
instauração da competência deste Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso I,
alínea i, da CF);
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1313
II - segundo, porque as questões, como apresentadas, exigiriam significativo
revolvimento originário de matéria fática (aliás, conforme resulta admitido, ainda
que implicitamente, pelos próprios termos daquela petição, quando absolutamente
nada articula sobre tais matérias e exclusivamente se limita a remeter esta Corte ao
que consta na documentação então juntada – 48 documentos, numerados pelos
próprios Impetrantes), situação esta não pertinente à via estreita do remédio heróico,
conforme pacífica doutrina da Corte; e
III - terceiro, a mesma razão retro (inescapável ampla dilação probatória originária)
igualmente impede o eventual conhecimento ex officio das alegadas novas causas
de constrangimento ilegal ao Paciente remanescente, não sendo o simples fato da
condenação de apenas um dos co-réus pelo Tribunal do Júri suficiente a caracterizar
eventual situação de manifesta ilegalidade que habilitaria o recurso ao art. 654, § 2º,
do Código de Processo Penal.
Portanto, remanesce à apreciação desta Corte exclusivamente a alegada ausência de
fundamentação da prisão decretada relativamente ao Paciente Rafael Verlage Vazquez.
A custódia foi originalmente determinada em 11-6-03, ao argumento de que, caracterizada – ao menos para os fins próprios daquela oportunidade processual – a materialidade do delito e a sua autoria (no caso do Paciente, autoria intelectual: “mandante”),
estar-se-ia, na dicção do art. 312 do CPP, sob a necessidade de garantia da ordem pública,
assim caracterizada:
Quando a garantia da Ordem Pública, observa-se que o crime cometido pelos representados
chocou a sociedade local, tanto pela forma brutal com que foi cometido, como pelos motivos
expostos como sendo aqueles que determinaram o fato.
A forma e o motivo do crime, se confirmados em Juízo, evidenciam de forma clara a
periculosidade dos representados que formariam um grupo criminoso organizado, que demonstraram grande frieza, insensibilidade moral e enorme desvalor para com a vida humana.
Os mandantes do crime, os dois primeiros representados, a seu turno, igualmente demonstrariam periculosidade, insensibilidade moral, enorme desvalor para com a vida humana e descaso
com o Poder Judiciário ao tentarem resolver por seus próprios meios, litígios já apresentados ao
Estado/Julgador, ao contratarem a morte de seu ex adverso, simplesmente por uma decisão
judicial que lhe foi contrária.
O atual estágio de interpretação dos requisitos da prisão preventiva, segundo a melhor
doutrina, assevera que a forma como foi praticado o crime, sua brutalidade e violência, demonstra
a periculosidade dos agentes e é motivo para a decretação da prisão preventiva como garantia da
ordem pública, que ficou abalada com o crime.
(Fl. 141.)
Posteriormente, foi ela expressamente mantida na sentença de pronúncia, assim
redigida:
Continuam presentes os motivos que determinaram a segregação dos pronunciados (decisão de fls. 2219/2221). A defesa dos réus Morelos Adolfo e Rafael Verlage aponta a injustiça de
uma segregação por tão longo período. Porém face à complexidade do processo, que passará a
possuir agora 24 (vinte e quatro) volumes, contando com 09 (nove) pessoas denunciadas, os
prazos não poderiam ajustar-se àqueles comumente determinados em Lei ou fixados na jurisprudência. Recomendem-se na prisão em que se encontram.
(Fls. 145/146.)
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O TJDFT entendeu pela adequada fundamentação do ato, em acórdão de cuja ementa
se pode extrair:
1. Possível a custódia cautelar, como garantia da ordem pública, se há nos autos indícios de
que os pacientes determinaram a morte da vítima mediante paga, organizaram e coordenaram a
ação criminosa, consumada na via pública, em plena luz do dia e na presença de várias pessoas.
2. O Juiz está desobrigado, na pronúncia, de repetir os fundamentos que o levaram a
decretar prisão preventiva do réu. Encontrando-se a decisão anterior ancorada nos pressupostos
que autorizam essa medida cautelar, é suficiente, para sua manutenção, simples referência aos
motivos que a motivaram.
(Fl. 164.)
Não foi diversa a compreensão do STJ, assim ementado o aresto do HC 42.432:
Ementa: Habeas corpus. Prisão preventiva. Pronúncia. Homicídio e tentativa de
homícidio. Gravidade concreta. Pretensão de revogação. Requisitos da custódia atendidos.
Proteção da ordem pública. Modus operandi. Periculosidade dos réus.
A prisão se mostra justificada quando o julgador demonstra a necessidade de proteção da
ordem pública, tendo em vista a periculosidade do agente e o modus operandi da ação delituosa.
(Fl. 166.)
O voto do Relator, neste julgado, Ministro José Arnaldo da Fonseca, adotou como
razões decisórias essencialmente o pronunciamento do Ministério Público Federal junto
àquela Corte Superior – também a Procuradoria-Geral da República, oficiando neste feito
perante o STF, remeteu-se àquele pronunciamento (fls. 184/192, especialmente fls. 189/
191) –, no qual, após sumariar, a partir da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal,
os fundamentos que essencialmente não são idôneos à decretação da prisão preventiva
(clamor público, mormente quando fundado na repercussão sobre o fato pelos meios de
comunicação; ausência de colaboração do acusado na oportunidade do seu interrogatório; afirmação não objetiva ou empírica de que o acusado poderá suprimir provas e influir
sobre testemunhas; gravidade em abstrato do crime; e gravidade objetiva ou concreta do
crime), afirmou:
Feito este aclaramento, que tem sólida radicação na jurisprudência, observe-se: sem embargos
à exordial, que insiste em apontar a gravidade abstrata do delito, como supedâneo da prisão preventiva, o v. acórdão hostilizado, secundando o que dissera o juízo monocrático, destacou que os
pacientes, enquanto integrantes de um grupo organizado, mostram-se acentuadamente periculosos,
e, desse modo, fazem periclitar a ordem pública com a possível prática de novos delitos.
Dito por outras palavras: não consta do despacho que decretou a prisão preventiva, e, menos
ainda, do v. acórdão objurado, que o confirmou, nenhuma asserção conducente à inferência de que
a gravidade abstrata do crime, isoladamente considerada, serviu de motivação à custódia processual.
Consignaram esses autos, ao invés, que a constrição à liberdade ambulatória dos pacientes decorreu,
isso sim, da intensa periculosidade por eles demonstrada, que, perceptível de fatos concretos e
cumpridamente provados, revela eficiência intrínseca para turbar a ordem pública.
A periculosidade, para os fins cogitados, é a probabilidade de o sujeito, no curso do processo
ou durante a execução da pena, tornar a praticar crimes. Logo é inquestionável que esse dado da
personalidade afigura-se ofensivo à ordem pública, cuja preservação recomenda e quer o
encarceramento daqueles que mostram propensão para delinqüir.
(Fls. 170/171.)
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1315
A impetração articulou a matéria às fls. 13/15, afirmando que os fundamentos do
aprisionamento cautelar antes referidos, assentados em torno da ordem pública, caracterizar-se-iam como simples considerações em torno da gravidade em abstrato do delito
(“mero exercício de conjecturas, resultado exclusivo da equação: crime hediondo = periculosidade do agente” – fl. 14), desconsiderando a situação do Paciente como réu primário,
sem antecedentes criminais e que anteriormente à sua prisão preventiva compareceu a
todos os atos policiais para os quais fora convocado. Estaríamos assim, segundo se
afirma, em cenário prisional manifestamente contrário à jurisprudência desta Corte na
matéria.
O mesmo entendimento foi corroborado por parecer do Professor Nilo Batista,
acostado aos autos como documento anexo à petição inicial da impetração (fls. 25/136,
especialmente fls. 119/135), em que o autor, ademais de outros aspectos, destaca a aplicabilidade dos mesmos critérios legais e jurisprudenciais para a prisão preventiva, nos
casos concernentes a “crimes hediondos”, ajuizando-me especialmente relevante destacar
o seguinte:
No que concerne ao “descaso com o Poder Judiciário”, temos argumento intimamente
relacionado com a acusação deduzida contra Morelos Adolfo e Rafael. Por ser ligado à imputação,
cuja declaração de procedência ainda pende de julgamento pelo Tribunal do Júri, constitui elemento
estranho para a finalidade da custódia preventiva, como vista acima. Aliás, afirma-se, como fez
a autoridade judicial, que os irmãos Morelos Adolfo e Rafael revelaram “descaso com o Poder
Judiciário” significa ter precocemente dado como certa a acusação – isto é, de ter prejulgado o
caso – naquele juízo precário e provisório.
(Fl. 123.)
A detalhada transcrição das decisões do juízo originário sobre a prisão cautelar do
Paciente, originalmente sob a forma de prisão preventiva e posteriormente como prisão
decorrente das sentenças de pronúncia e condenatória, bem assim dos pontos centrais
dos argumentos desenvolvidos em oposição a tais medidas no âmbito desta impetração,
objetivaram dar precisa dimensão sobre a controvérsia posta nos autos.
E esta controvérsia, a meu juízo, não se encontra afastada pelo advento da atual
ordem prisional inserida na sentença condenatória. Esta, como demonstrado e repetindo
a técnica – perfeitamente admissível, devo anotar – já empregada na sentença de pronúncia, não contém qualquer motivação autônoma e por si suficiente à decretação do recolhimento do Paciente, limitando-se a remeter à manutenção das mesmas razões da prisão
preventiva. Neste contexto, não se pode admitir a sentença condenatória como “título
novo” (na expressão do Min. Cezar Peluso, no HC 85.425, Primeira Turma, DJ de 17-2-06;
no mesmo sentido RHC 83.456, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, DJ de 19-12-03),
motivo pelo qual entendo remanescer subsistente o interesse na impugnação formulada na
petição inicial deste writ contra as razões da decisão que decretou a prisão preventiva do
Paciente.
Contudo, no mérito não me parecem procedentes as razões da impetração. É que,
mesmo admitindo um efetivo caráter excessivamente genérico e ínsito aos próprios tipos
penais denunciados (especialmente o homicídio doloso qualificado) nas primeiras razões
lançadas como fundamento da decisão prisional do Paciente (sobre o fato de agirem os
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R.T.J. — 200
co-réus como organização criminosa, de demonstrarem frieza, insensibilidade moral e
desvalor para com a vida humana), isso não se verifica quando o magistrado, invocando
o fundamento da “ordem pública” dentro do art. 312 do CPP, afirma:
Os mandantes do crime, os dois primeiros representados (dentre eles, o ora paciente), a seu
turno, igualmente demonstrariam (...) descaso com o Poder Judiciário ao tentarem resolver por
seus próprios meios, litígios já apresentados ao Estado/Julgador, ao contratarem a morte do seu ex
adverso, simplesmente por uma decisão judicial que lhe foi contrária.
(Fl. 141.)
Ora, essa assertiva – mesmo em tom hipotético, mas atualmente reforçada com a
própria condenação do Paciente pelo Tribunal do Júri – é própria e específica do caso
objeto da ação penal em trâmite perante as instâncias originárias, e demonstra fundamento
pertinente à garantia da ordem pública consubstanciado na preservação da credibilidade
do Poder Judiciário como entidade bastante em si do Estado Democrático de Direito. E
como afirmei no recente julgamento do HC 85.615 (Segunda Turma, DJ de 3-3-06), a
credibilidade das instituições públicas é um dos fundamentos que justifica a aplicação do
critério da “ordem pública” para os fins do art. 312 do Código de Processo Penal.
Por essas razões, indefiro a ordem pleiteada.
É como voto.
EXTRATO DA ATA
HC 86.522/DF — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Pacientes: Morelos Adolfo
Verlage Vazquez e Rafael Verlage Vazquez. Impetrante: Joaquim Flávio Spíndula. Coator:
Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus,
nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro
Joaquim Barbosa.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Gilmar
Mendes e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 4 de abril de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
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1317
HABEAS CORPUS 86.610 — SP
Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio
Paciente: Lucinaldo Santos Ferreira — Impetrante: PGE/SP – Patrícia Helena Massa
Arzabe (Assistência Judiciária) — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Pronúncia – Parâmetros. A pronúncia do acusado não deve, é certo,
ganhar contornos de verdadeira condenação, evitando-se, tanto quanto possível, assertivas peremptórias. Afastada inicialmente qualificadora, cumpre a
órgão revisor, no recurso em sentido estrito, consignar as razões do acatamento, presente a certeza de se tratar de conclusão provisória, precária e
efêmera, sujeita, de qualquer forma, ao crivo dos jurados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, indeferir o pedido de habeas corpus. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.
Brasília, 25 de outubro de 2005 — Marco Aurélio, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Valho-me, à guisa de relatório, do que tive a oportunidade de consignar ao indeferir a medida acauteladora:
O Paciente está sendo processado como incurso no art. 121, § 2º, inciso IV, combinado
com o art. 14, inciso II, do Código Penal. Na sentença de pronúncia, refutou-se qualificadora
contida na denúncia. Ao prover o recurso do Ministério Público, o Tribunal revisor teria
adentrado o campo do excesso de linguagem, podendo os termos do acórdão virem a influenciar
os jurados. Discorre-se a respeito, pleiteando-se, liminarmente, a suspensão do processo criminal
em curso até o julgamento final desta impetração e, sucessivamente, o desentranhamento do
acórdão proferido, ante a improcedência, que se diz manifesta, da qualificadora. O pedido final
visa à declaração de insubsistência do acórdão, determinando-se-lhe o desentranhamento do
processo revelador da ação penal, a fim de que outro seja prolatado com observância dos
parâmetros legais. Acompanharam a inicial os documentos de fls. 8 a 60.
A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer de fls. 68 a 74, pelo indeferimento
da ordem, estando assim sintetizada a peça:
Habeas corpus. Homicídio doloso qualificado. Sentença de pronúncia que excluiu
qualificadora. Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público. Inclusão da
qualificadora de utilização de recurso que impossibilitou defesa do ofendido. Impetração do
remédio heróico perante o Superior Tribunal de Justiça.
Lancei vista no processo em 13 de outubro de 2005, designando, como data de
julgamento, a de hoje, 25 subseqüente, isso objetivando a ciência da Impetrante, no que
a ausência de inclusão em pauta longe fica de desaguar em surpresa, visando, isso sim, à
celeridade processual.
É o relatório.
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R.T.J. — 200
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O convencimento outrora formado está
robustecido. Eis como fundamentei o ato mediante o qual indeferi a medida acauteladora:
Inicialmente, vale registrar que o Júri está designado para o início do mês de novembro do
corrente ano. Assim, não surge risco em manter-se, por ora, o quadro decisório concernente à
qualificadora. A par disso, constata-se que a qualificadora compôs a denúncia (fl. 18):
O ora denunciado agiu de maneira que tolheu qualquer possibilidade de defesa do ofendido,
visto que desferiu os golpes sem esboçar qualquer sinal de que assim obraria, além de ter iniciado
as agressões quando a vítima estava com as costas voltadas para si.
Pois bem, na sentença de pronúncia, o Juízo rechaçou a qualificadora, referindo-se à
desavença entre agente e vítima (fl. 22). O Tribunal, para afastar o enfoque, aludiu, é certo, a
dados contidos em elementos probatórios do processo, mas fê-lo com a cautela aconselhada,
consignando que a decisão de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação, não
cabendo aprofundar o exame das provas, e que, em se tratando de crime doloso contra a vida,
tem-se a prevalência do princípio segundo o qual, na dúvida, há de se submeter o agente ao juízo
natural, ou seja, ao Tribunal do Júri.
Depreende-se da leitura do acórdão resultante do julgamento do recurso em sentido
estrito interposto pelo Ministério Público haver o Tribunal de Justiça ressaltado a impossibilidade de, na pronúncia, proceder-se a exame aprofundado da prova, salientando que,
ocorrendo dúvida, há de se decidir em benefício da sociedade. Portanto, a peça contém
parâmetros que servem, isso sim, à defesa, no que revela juízo superficial sobre a matéria,
ficando a cargo dos integrantes do Conselho de Sentença a conclusão sobre a procedência da qualificadora. Indefiro a ordem.
EXTRATO DA ATA
HC 86.610/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente: Lucinaldo Santos
Ferreira. Impetrante: PGE/SP – Patrícia Helena Massa Arzabe (Assistência Judiciária).
Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos
Britto. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros.
Brasília, 25 outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 200
1319
HABEAS CORPUS 86.753 — RS
Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia
Paciente: Sérgio Martins de Oliveira — Impetrantes: Amir José Finocchiaro Sarti e
outro — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Processual Penal. Execução provisória de sentença
condenatória. Recurso sem efeito suspensivo. Superveniência do trânsito em
julgado. Prejudicialidade do habeas corpus.
1. A superveniência do trânsito em julgado da sentença condenatória
prejudica a discussão sobre a possibilidade de execução provisória da pena.
2. Habeas corpus que se julga prejudicado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, julgar
prejudicado o pedido de habeas corpus. Falou pelo Paciente o Dr. José Luiz Germano.
Brasília, 7 de novembro de 2006 — Cármen Lúcia, Relatora.
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Trata-se de habeas corpus substitutivo, com pedido
de liminar, impetrado por Amir José Finocchiaro e outro em favor de Sérgio Martins de
Oliveira, contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça.
O Paciente foi condenado, em primeiro grau, à pena de dois anos e oito meses de
reclusão e ao pagamento de dez dias-multa pela prática do crime previsto no art. 19 da Lei
7.492/86 (crime contra o Sistema Financeiro Nacional).
O Tribunal Regional da Quarta Região não deu provimento à consecutiva apelação
e determinou – para a execução provisória da pena – a expedição de ofício ao Juízo Federal
da Vara Federal Criminal do Rio Grande do Sul/RS.
Inconformada, a defesa do Paciente interpôs recurso especial (REsp 759.467) e,
insurgindo-se contra a determinação de execução provisória da pena, impetrou habeas
corpus (HC 42.945) no Superior Tribunal de Justiça.
O acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em sessão
realizada em 13-9-05, foi prolatado nos termos seguintes:
Ementa. Criminal. HC. Execução provisória. Pena restritiva de direitos. Possibilidade.
Recurso especial e extraordinário sem efeito suspensivo. Ordem denegada. Liminar cassada.
I. O recurso especial, bem como o extraordinário, não têm, de regra, efeito suspensivo,
razão pela qual a sua eventual interposição não tem o condão de impedir a imediata execução do
julgado.
II. É legítima a execução provisória da pena restritiva de direitos imposta.
III. Precedentes do STJ e do STF.
IV. Ordem denegada, cassando-se a liminar anteriormente deferida.
(HC 42.945, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 3-10-05.)
1320
R.T.J. — 200
Na presente ação, ajuizada em 21-9-05, os Impetrantes pedem que “(...) seja deferida
liminarmente a ordem para suspender toda e qualquer medida destinada à execução ‘provisória’ das penas restritivas impostas ao paciente (...)” e a “(...) concessão definitiva do
habeas corpus para impedir a prática de todo e qualquer ato dirigido à execução provisória” (fls. 5-6).
A então Relatora, Min. Ellen Gracie, em 13-10-05, indeferiu a liminar, nos termos
seguintes:
Não há prova de que o juízo da execução tenha intimado o Paciente para o início da
execução. Estando os autos suficientemente instruídos, dispenso as informações e determino
sejam os autos encaminhados à Subprocuradoria-Geral da República para a sua manifestação de
mérito.
(Fl. 71.)
A Procuradoria-Geral de República opinou, em 9-11-05, pela concessão da ordem e,
em 20-4-06, pela denegação da ordem.
Em consulta ao sistema de acompanhamento processual hospedado no sítio do
Superior Tribunal de Justiça, verifica-se que foi negado provimento ao recurso especial
(REsp 759.467) ali interposto e que o processo-crime foi baixado, com trânsito em julgado,
em 14-8-06.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): A presente impetração, em síntese, trata da
questão de saber se a falta de trânsito em julgado da sentença condenatória poderia
permitir a execução, mesmo que provisória, da pena. Mais especificamente, busca-se
saber se a pendência de recurso especial no Superior Tribunal de Justiça impediria a
execução provisória da pena.
Ocorre que, conforme as informações extraídas do sistema de acompanhamento
processual hospedado no sítio do Superior Tribunal de Justiça, o acórdão proferido no
recurso especial – e, por conseqüência, a sentença penal condenatória – transitou em
julgado.
Foi superada, portanto, a razão de ser da presente impetração, que visava assegurar
a liberdade ao Paciente até o trânsito em julgado.
Pelo exposto, julgo prejudicado o presente habeas corpus.
É como voto.
EXTRATO DA ATA
HC 86.753/RS — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Paciente: Sérgio Martins de
Oliveira. Impetrantes: Amir José Finocchiaro Sarti e outro. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
R.T.J. — 200
1321
Decisão: A Turma julgou prejudicado o pedido de habeas corpus. Unânime. Falou
pelo Paciente o Dr. José Luiz Germano.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Rodrigo Janot.
Brasília, 7 de novembro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
1322
R.T.J. — 200
MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 86.864 — SP
Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso
Paciente: Flávio Maluf — Impetrantes: José Roberto Batochio e outro — Coator:
Relator do HC 47.829 do Superior Tribunal de Justiça
Constitucional. Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Prisão preventiva decretada por conveniência da instrução criminal. Liminar indeferida
pelo Relator, no STJ. Súmula 691/STF.
I - Pedido trazido à apreciação do Plenário, tendo em consideração a
existência da Súmula 691/STF.
II - Liminar indeferida pelo Relator, no STJ. A Súmula 691/STF, que
não admite habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em HC
requerido a Tribunal Superior, indefere liminar, admite, entretanto, abrandamento: diante de flagrante violação à liberdade de locomoção, não pode a
Corte Suprema, guardiã-maior da Constituição, guardiã-maior, portanto, dos
direitos e garantias constitucionais, quedar-se inerte.
III - Precedente do STF: HC 85.185/SP, Ministro Cezar Peluso, Plenário, 10-8-05. Exame de precedentes da Súmula 691/STF.
IV - Prisão preventiva decretada por conveniência da instrução criminal. Conversa, pelo telefone, do Paciente com outro co-réu, conversa essa
interceptada com autorização judicial. Compreende-se no direito de defesa
estabelecerem os co-réus estratégias de defesa. No caso, não há falar em
aliciamento e constrangimento de testemunhas. Ademais, o co-réu já foi
ouvido em juízo.
V - Paciente com residência no distrito da culpa, onde tem profissão
certa; não há notícia de que haja procrastinado a instrução ou o julgamento,
tendo-se apresentado à prisão imediatamente após a decretação desta. A prisão preventiva, principalmente a esta altura, constitui ilegalidade flagrante.
VI - Liminar deferida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, conceder a liminar, nos
termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa e Carlos
Britto. O Ministro Marco Aurélio propunha a extensão da concessão da liminar ao Co-réu,
nos termos de seu voto. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Cezar Peluso.
Brasília, 20 de outubro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.
R.T.J. — 200
1323
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar,
impetrado pelo ilustre advogado José Roberto Batochio e outros em favor de Flávio
Maluf, da decisão do Sr. Ministro Gilson Gipp, do eg. Superior Tribunal de Justiça, que
indeferiu pedido de liminar formulado nos autos do HC 47.829/SP, no qual se postulava a
revogação do decreto de prisão preventiva expedido contra o Paciente.
Sustenta a impetração que o Paciente está sofrendo constrangimento ilegal, decorrente de decisão denegatória de liminar – proferida por autoridade judiciária incompetente – que ratificou prisão manifestamente ilegal. Sustenta, mais, em síntese, o
seguinte:
a) violação ao princípio do juiz natural, em razão da ausência de prevenção e da
incompetência da autoridade coatora para o conhecimento do habeas corpus impetrado
perante o STJ;
b) nulidade da decisão do TRF/3ª Região que afirmou a prevenção da Primeira
Turma daquele Tribunal para conhecer da impetração, tendo em vista a incompetência do
seu prolator e a ausência de fundamentação;
c) o Supremo Tribunal Federal, em casos de flagrante ilegalidade, tem admitido a
impetração de habeas corpus contra decisão monocrática de relator que indefere liminar
em outro habeas corpus (HC 85.185/SP);
d) nulidade dos elementos indiciários colhidos nos autos, uma vez que colhidos por
autoridade manifestamente incompetente;
e) falta de fundamentação da decisão que decretou a custódia preventiva do Paciente;
f) falta de justa causa para a decretação da custódia preventiva.
Pede a concessão de medida liminar, para que o Paciente seja colocado em liberdade.
Autos conclusos em 6-10-05.
Todavia, interposto, pelo Paciente, agravo regimental da decisão do Exmo. Sr.
Ministro Presidente que determinou a redistribuição deste writ, por prevenção (fls. 405406), determinei que se aguardasse o julgamento do citado agravo. Determinei, mais, que os
autos fossem encaminhados ao Exmo. Sr. Presidente (fls. 407v.-408). Esse meu despacho é
de 10-10-05.
Agora, os autos me vêm conclusos, por isso o Impetrante desistiu do recurso de
agravo regimental, conforme despacho do Exmo. Sr. Presidente que homologou citada
desistência (fl. 443).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): A espécie pode ser assim resumida: a prisão
preventiva do Paciente foi decretada pelo Juiz Federal de 1º grau. Pediu-se, então, habeas
corpus ao TRF/3ª Região. O Relator indeferiu a medida liminar. Contra essa decisão, foi
requerido habeas corpus junto ao STJ. O Relator, eminente Ministro Gilson Dipp, indeferiu a liminar. Contra essa decisão impetra-se este writ.
1324
R.T.J. — 200
O eminente Ministro Gilson Dipp, na sua decisão, depois de afastar da discussão
questões relacionadas com a distribuição do habeas corpus no TRF e questões regimentais outras, deixou expresso:
(...)
Quanto aos demais argumentos da inicial, nos termos do entendimento reiteradamente
firmado por esta Corte, assim como pelo Supremo Tribunal Federal, não cabe habeas corpus
contra indeferimento de liminar, a não ser em casos de evidente e flagrante ilegalidade, sob pena
de indevida supressão de instância.
Tal entendimento, inclusive, encontra-se consolidado no verbete n. 691 da Súmula da
Suprema Corte:
Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado
contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a
liminar.
Faz-se mister destacar que, não obstante a discussão, pelo Plenário do STF, a respeito do
eventual cancelamento do mencionado verbete da Súmula do Pretório Excelso, nos autos do HC
n. 85.185-1, da relatoria do Ministro Cezar Peluso, tal proposta foi rejeitada, mantendo-se, por
conseguinte, a aplicação de seu conteúdo (Informativo n. 396, 08 a 12/08/2005).
A conclusão da Suprema Corte foi de que o enunciado 691 não impede que o conhecimento
de habeas corpus, se evidenciado flagrante constrangimento ilegal.
Entretanto, se não sobressai ilegalidade flagrante, o exame da controvérsia caracteriza
supressão de instância, conforme se depreende dos seguintes julgados da Suprema Corte
embasadores do verbete 691:
“Habeas corpus.
– Esta Corte já firmou o entendimento (assim, a título exemplificativo, nos HC
76.347, 79.238, 79.748 e 80.287) de que ela não conhece de habeas corpus contra decisão
de relator (ou de quem lhe faz as vezes) que, em outro habeas corpus, ainda em curso em
Tribunal Superior, neste haja indeferido pedido de medida liminar, pela circunstância de
que a antecipação pretendida ofende princípios processuais fundamentais, como o da
hierarquia dos graus de jurisdição e o da competência deles. Habeas corpus não conhecido.”
(HC 80.631/RS, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 6-4-01)
“Agravo Regimental em habeas corpus.
2. Porte ilegal de arma de fogo.
3. Alegação de ausência de fundamentação da decisão de 1ª instância, excesso de
prazo e extinção da punibilidade.
4. Inadmissibilidade da impetração de habeas corpus na hipótese dos autos –
habeas corpus contra decisões denegatórias de liminar em tribunais, antes do julgamento definitivo do writ (Súmula 691/STF).
5. Agravo Regimental improvido.” (HC 85.818 AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes,
DJ de 26-8-05.)
(...).
(Fls. 127-128.)
O eminente Relator passou, em seguida, a examinar a decisão do Juiz Federal que
decretou a prisão preventiva do Paciente.
A decisão do magistrado de 1º grau considerou necessária a prisão preventiva,
argumentando, segundo transcrição posta na decisão do Ministro Dipp:
(...)
Há nos autos prova da existência de crime e indícios de autoria, indicando a movimentação
internacional de montante expressivo de dinheiro, através de diversos países e instituições financeiras, de acordo com o que, pelos menos até o momento, revelam documentos acostados aos autos.
R.T.J. — 200
1325
E mais. Afirma a decisão ora impugnada que se constatou em diálogos telefônicos
monitorados “uma séria de manobras por parte de Paulo Salim Maluf e Flávio Maluf para
interferir na colheita, produção e resultado da prova que buscava se produzir no inquérito policial”. E acrescenta que a liberdade do paciente poderá comprometer a instrução do processo, ou ao
menos, tumultuá-la.
Diferentemente do alegado na peça inicial, a decisão que recebeu a denúncia e decretou a
prisão preventiva se mostra fundamentada, destaca fatos e os relaciona aos documentos juntados
aos autos.
Em conseqüência, penso que os fatos apresentados neste habeas corpus não preponderam
em favor do paciente Paulo Salim Maluf, pelo contrário, demonstram, em princípio, a personalidade voltada para a prática delitiva e a manifesta possibilidade de perseverança no comportamento delituoso, circunstâncias que autorizam a sua manutenção em cárcere, para a garantia da
ordem pública.
(...).
(Fl. 128.)
O argumento básico, portanto, é este: constatou-se “em diálogos telefônicos monitorados uma séria manobra por parte de Paulo Salim Maluf e Flávio Maluf para interferir na
colheita, produção e resultado da prova que buscava se produzir no inquérito policial”,
pelo que “a liberdade do paciente poderá comprometer a instrução do processo, ou ao
menos tumultuá-la.”
Esse argumento foi prestigiado pelo eminente Ministro Gilson Dipp, que escreveu:
(...)
O decreto constritor, mantido pela decisão ora impugnada, refere que o paciente teria
empreendido manobras para interferir na colheita de provas no inquérito policial.
Tal motivação, não obstante não fazer referência específica à conversa do paciente com
o co-réu Vivaldo Alves, é idônea para manter a custódia do paciente em sede de liminar contra
indeferimento de liminar, até porque durante a instrução probatória serão ouvidas as testemunhas.
Dessa maneira, não se pode, neste momento e com base no que sustenta a inicial do writ,
apartar o fundamento de necessidade da custódia para conveniência da instrução criminal, no
âmbito da ponderação do pleito de urgência contra outro exame sumário realizado em 2º grau de
jurisdição.
(...).
(Fl. 130.)
S. Exa. examina, em seguida, argumentos postos na impetração: documentação juntada na impetração, ilegalidade da denúncia quanto ao crime de quadrilha, participação de
particular no crime de corrupção passiva, imputação pela prática contra o sistema financeiro, art. 30 da Lei 7.492/86.
Realmente, conforme acima foi dito, a prisão preventiva foi decretada por conveniência da instrução criminal (CPP, art. 312).
É o que, na verdade, está na decisão do Juízo de 1º grau que decretou a prisão
preventiva:
(...)
Há nos autos prova da existência de crime e indícios de autoria, indicando a movimentação
internacional de montante expressivo de dinheiro, através de diversos países e instituições financeiras, de acordo com o que, pelo menos até o momento, revelam os documentos acostados aos
autos.
1326
R.T.J. — 200
Verifica-se, também, que nos diálogos gravados no monitoramento telefônico autorizado
por este Juízo houve, inegavelmente, uma série de manobras por parte de Paulo Salim Maluf e
Flávio Maluf para interferir na colheita, produção e resultado da prova que buscava se produzir no
inquérito policial. Essa interferência está sobejamente demonstrada, revelando, de forma inequívoca, que ambos, se em liberdade, comprometerão a instrução processual podendo, concretamente, tumultuá-la a ponto de torná-la completamente inviável e inútil.
(...).
(Fl. 135.)
Invocou-se, também, o art. 30 da Lei 7.492/86, que dispõe:
Art. 30. Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, (...) a prisão
preventiva do acusado da prática de crime previsto nesta Lei poderá ser decretada em razão da
magnitude da lesão causada.
A invocação desse dispositivo legal, art. 30 da Lei 7.492/86, não me parece razoável.
É que, conforme deixa claro a decisão, no caso há, apenas, “indícios de autoria” (fl. 135).
Na verdade, a questão situa-se no âmbito do art. 312 do CPP:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da
ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei
penal, quando houver prova da existência de crime e indício suficiente de autoria.
No caso, conforme vimos, a prisão foi decretada por conveniência da instrução
criminal (CPP, art. 312).
Os requisitos autorizadores da prisão, em tal hipótese, são, de regra, estes: a) aliciamento e constrangimento de testemunhas; b) aliciamento de jurados; c) réu que procrastina o julgamento; d) réu que muda de endereço e não comunica o novo endereço à
Justiça; e) residência fora do distrito da culpa; f) réu com residência no estrangeiro.
No caso, alicerçou-se o decreto de prisão no fato de o Paciente ter procurado aliciar
um dos Co-réus, o Sr. Vivaldo Alves, o que se constatou “nos diálogos gravados no
monitoramento telefônico autorizado” pelo juízo (fl. 135).
Interessante anotar que esses diálogos, obtidos mediante interceptação telefônica
autorizada judicialmente, foram amplamente reproduzidos nos jornais, ao arrepio do disposto no art. 8º da Lei 9.296, de 24-7-96, que manda preservar “o sigilo das diligências,
gravações e transcrições respectivas”, estabelecendo, no art. 10, que constitui crime a
quebra do segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados
em lei, crime esse punido com a pena de reclusão de dois a quatro anos e multa.
Fui dos primeiros, nesta Casa, a sustentar o não-cabimento de habeas corpus contra decisão de relator que, nos Tribunais Superiores, denega habeas corpus. Sempre
sustentei, entretanto, que, em caso de flagrante violação à liberdade de locomoção, o writ
seria cabível.
No voto que proferi ao despachar o HC 80.288-MC/RJ, escrevi:
(...)
Tenho sustentado, a partir da decisão que proferi no HC 79.924/RJ, em 24-12-99, entendimento que manifestei, em seguida, por exemplo, no HC 80.316/RS e no HC 80.287/RS, de que
não cabe, de regra, deferir liminar em habeas corpus impetrado contra a decisão do Relator que,
no Superior Tribunal de Justiça, denega medida liminar em pedido de habeas corpus. Ter-se-ia,
R.T.J. — 200
1327
com o deferimento da liminar, forma de subtrair do Superior Tribunal de Justiça competência
constitucional para apreciar e julgar habeas corpus contra decisões de Tribunais de 2º grau (CF,
art. 105, I, c, redação da EC 22/99). Admito que, em casos excepcionais, em que esteja ocorrendo
flagrante violação à liberdade de locomoção, seria possível entendimento diverso, vale dizer,
entendimento no sentido da possibilidade do deferimento, no Supremo Tribunal Federal, de
pedido de habeas corpus que objetivasse, na hipótese mencionada, a desconstituição da decisão
proferida pelo Relator, no STJ, indeferitória da liminar. O caso, repita-se, haveria de ser excepcional, ocorrente, inclusive, a possibilidade de irreparabilidade do direito.
(...).
A jurisprudência do Supremo Tribunal acabou consolidada na Súmula 691, a expressar
que “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado
contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior indefere
liminar.”
A Súmula 691 admite, entretanto, abrandamento, ao que entendo: diante de flagrante
violação à liberdade de locomoção, não pode a Corte Suprema, guardiã-maior da Constituição, guardiã-maior, portanto, dos direitos e garantias constitucionais, fechar os olhos,
quedar-se inerte.
No HC 85.185/SP, Relator o Ministro Cezar Peluso, o Supremo Tribunal Federal
discutiu a questão, rejeitando, é certo, o cancelamento da Súmula 691, mas ensejando o
debate. O habeas corpus acabou deferido, por isso o Supremo Tribunal, diante da flagrante
ilegalidade, deferiu, de ofício, o writ. Isso ocorreu na sessão plenária de 10-8-05.
Penso que a hipótese aqui versada enquadra-se na ressalva pela qual sempre propugnei: se há flagrante violência à liberdade de locomoção, deve o habeas corpus ser
conhecido.
No caso, o Paciente tem residência certa no distrito da culpa; não há notícia de que
haja procrastinado o julgamento; tem profissão certa, é diretor de empresa em São Paulo.
E, convém enfatizar, apresentou-se à prisão imediatamente após a decretação desta.
Mais: os diálogos que foram monitorados revelam conversa do Paciente com outro
co-réu e não com testemunha. Dir-se-á que isso seria irrelevante, porque teria havido
tentativa de aliciamento em detrimento do interesse da Justiça. Mas a esse argumento
poderia ser oposto este outro, que diz com o direito de defesa: o direito de os co-réus
estabelecerem estratégia de defesa.
Deixemos de lado, entretanto, essa controvérsia. O que é certo é que o co-réu já foi
ouvido pela Justiça. Ao que parece, as testemunhas de acusação já foram ouvidas.
A prisão do Paciente, a esta altura, constitui violência inaceitável, irreparável, no
caso de resultar o paciente absolvido.
Registre-se que o Paciente e seu pai estão presos numa mesma cela. Os que somos
pais podemos avaliar a intensidade do sofrimento de ambos. Noticiam os jornais, também,
que o pai do Paciente, o Sr. Paulo Maluf, está adoentado, necessitando de tratamento
médico, tratamento médico esse que, na prisão, há de ser deficiente. Estivesse condenado,
deveria sujeitar-se, evidentemente, à prisão com as deficiências desta. Mas não seria
preciso dizer que condenação, no caso, não existe. O que existe é prisão cautelar, por
conveniência da instrução criminal.
Do exposto, conheço do pedido e defiro a liminar requerida.
1328
R.T.J. — 200
VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Tenho duas razões para acompanhar o
voto do Relator. A primeira: pelos fundamentos expostos, mostrou-se claramente – fato
confirmado da tribuna e referido pelo Ministério Público – que esse diálogo se estabeleceu entre os Co-réus e demonstrou-se todo o comportamento do Réu no sentido de
aguardar a decisão, inclusive oferecendo-se à própria prisão. A segunda razão: evidentemente, tendo em vista a tradição do caro Ministro Carlos Velloso, no momento em que Sua
Excelência concede o habeas corpus, temos de pensar e meditar muito se quisermos
divergir dele.
Portanto, acompanho o voto de Sua Excelência.
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, com a devida vênia dos Ministros
Carlos Velloso e Nelson Jobim, não diviso razões que justifiquem, no caso, o abrandamento
da Súmula 691. Fico com a Súmula 691.
O STJ poderá examinar a alegação de ofensa ao princípio do juízo natural – e certamente o fará – quando considerar o mérito do habeas corpus lá impetrado.
Por isso, denego a liminar.
VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, o presente habeas corpus é
um claro exemplo de impetrações sucessivas – ou, como preferem alguns, per saltum – em
face de decisões denegatórias de liminar nas instâncias inferiores. Denegada a liminar no
Tribunal Regional Federal da 3ª Região, impetrou-se habeas corpus ao Superior Tribunal
de Justiça, onde a liminar também foi denegada, após o relator identificar a ausência de
teratologia na decisão monocrática proferida no âmbito do Tribunal Regional Federal da
3ª Região.
Agora, vêm os Impetrantes, perante esta Corte, impugnar a decisão monocrática do
eminente Ministro Gilson Dipp, em flagrante afronta à Súmula 691. Analisando a decisão
do Ministro Dipp, não vislumbro a teratologia invocada na inicial. Ao contrário, o decreto
de prisão preventiva do Paciente está, a princípio, suficientemente fundamentado. Análise
mais aprofundada das alegações constantes da inicial deve ser levada a efeito por ocasião
do julgamento do mérito do habeas corpus pelo Tribunal Regional Federal.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Vossa Excelência me permite um aparte?
Vossa Excelência está consciente do argumento básico para a decretação?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Estou plenamente consciente.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Vossa Excelência, então, não admite que um
réu possa conversar com outro réu?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O que não admito é o privilégio, Ministro Carlos
Velloso.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Qual privilégio?
R.T.J. — 200
1329
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O privilégio de que temos uma súmula que proíbe
o conhecimento.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Mais do que isso, Ministro, acentuo no meu
voto que o Supremo Tribunal Federal é o guardião-mor da Constituição e, portanto, o
guardião-mor dos direitos, liberdades e garantias constitucionais. Vossa Excelência deverá
atentar: primeiro, que a prisão preventiva foi decretada por conveniência da instrução
criminal. O Paciente, entretanto, não tentou aliciar ou ameaçar testemunha. Houve conversa
entre réus, pelo telefone.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Eu não chego a conhecer disso.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): E por quê? Vossa Excelência, então, fecha os
olhos à violação de uma liberdade, de um direito, de uma garantia constitucional?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não conheço porque a súmula desta Corte proíbe.
Posso concluir, Senhora Presidente?
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Vossa Excelência me concedeu um aparte e
estou fazendo uso dele, com todo respeito, mas querendo esclarecer por que essa prisão
preventiva foi decretada. O argumento básico é o que foi revelado no meu voto. Assim,
agradeço a Vossa Excelência o aparte que me foi concedido, mas que ficou sem resposta.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: A análise mais aprofundada das alegações constantes da inicial deve ser levada a efeito por ocasião do julgamento do mérito do habeas
corpus pelo Tribunal Regional da 3ª Região, sob pena de se incorrer em supressão de
instância, como reiteradamente todos nós temos decidido nesta Corte.
Do exposto, voto pelo não-conhecimento da impetração, lembrando que a Súmula
691 tem aplicação a todos os habeas corpus impetrados, não importando quem figure
como paciente, ressalvada, é claro, a hipótese de decisão teratológica.
Não conheço, portanto, do habeas corpus.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, também não vejo, na decretação da
prisão preventiva do Paciente, aquela saliente ou protuberante ilegalidade que justificaria
o abrandamento do rigor da Súmula 691, sob pena de – como lembrado pelo Ministro
Joaquim Barbosa – injustificada supressão de instância.
Peço todas as vênias ao Ministro Carlos Velloso, Relator do feito, para acompanhar
a divergência iniciada pelo Ministro Eros Grau e na linha do parecer tão bem fundamentado
do eminente Procurador-Geral da República em exercício.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidenta, não posso deixar de ser coerente
com o que venho sustentando no tocante à competência do Relator, agora já contando
com dado concreto para afirmar que o habeas estaria em ótimas mãos se continuasse com
Sua Excelência.
Fico vencido nessa parte – perdoem-me já antecipar a decisão –, quanto à preliminar.
1330
R.T.J. — 200
O habeas corpus é uma ação constitucional de envergadura maior, e o é porque
inerente a um princípio constitucional explícito, implícito, e diria próprio ao direito natural,
que é o princípio-base da vida: a liberdade.
Não sofre o habeas corpus qualquer peia. Contenta-se a ordem jurídica constitucional
com o concurso de três elementos, envolvido aí o próprio Estado-Juiz: o primeiro, ter-se
como configurada uma ilegalidade; o segundo, o cerceio ou a ameaça – contenta-se a
ordem jurídica constitucional com a simples ameaça de cerceio à liberdade de ir e vir –; e
o terceiro, para chegar-se ao objeto buscado pelo habeas corpus, a existência ainda de um
órgão a que se possa recorrer. O Supremo Tribunal Federal é a última trincheira do cidadão, considerado o habeas corpus. Não importa que se trate de um ato a revelar ilegalidade,
contrário à lei, constante de decisão definitiva ou, e eu diria com maior razão, sob o ângulo
de adequação do habeas corpus, de ato precário e efêmero, mas com repercussão incrível,
como a revelada neste processo. Está-se diante de uma custódia que se projeta no tempo,
ultrapassando a unidade de tempo “mês”. Caso se aguarde o que seria a queima de etapas
sob o prisma simplesmente formal – e afirmaria mesmo que a supressão de instância
socorre o jurisdicionado –, teremos a projeção da própria prisão.
Disse Calamandrei: há mais coragem em se atuar com a aparência de cometer, ante o
anseio da sociedade, uma injustiça do que em se agir à margem da ordem jurídica para
salvaguardar a simples aparência de justiça. Nem privilégio, nem capa de processo. Reafirmo o que sempre digo: para mim, o processo não tem capa, tem conteúdo, de acordo
com o qual o julgo.
Quando submetido à revisão, votei de forma contrária à permanência do verbete na
súmula do Supremo Tribunal Federal. Continuo convencido de que não deveríamos ter
aprovado esse verbete com o conteúdo linear que revela. Na condição de Relator, atuo
mitigando situações que se apresentem extravagantes, para não usar a palavra “teratológicas”.
Aludiu-se, é certo, à tentativa de interferir na produção da prova. Assustei-me, de
início, com essa assertiva, porque dou ao vocábulo “prova” sentido próprio, não envolvendo – porquanto ninguém está compelido a colaborar com o Judiciário para a própria
condenação – a participação, em si, dos agentes, ou seja, a combinação para ter-se este ou
aquele procedimento, enquanto isso objetive apenas atos a serem praticados pelos agentes, pelos acusados no processo-crime ou no inquérito. A entendermos que, no caso, os
acusados não podem estabelecer uma estratégia, como disse da tribuna o Dr. Batochio,
ter-se-á de caminhar também para idêntico trato em relação não mais à autodefesa, mas à
defesa técnica e, quem sabe, também prender os senhores advogados.
A situação não é excepcional, é excepcionalíssima. O princípio da liberdade tem
tríplice função: a função informadora, quanto à atividade a ser exercida pelo Legislativo;
a função interpretativa – devemos, diante de um habeas corpus, buscar base para deferir
a ordem e não criar, a partir de capacidade intuitiva, base para indeferi-la – e a função
normativa.
Não podemos, sob pena de colocar em segundo plano a Constituição Federal, e o
Supremo Tribunal é guarda desse Diploma Maior, olvidar que os parâmetros da preventiva não se sustentam, ante o direito posto, o art. 312 do Código de Processo Penal e a
legislação esparsa que buscou definir o que se entende como prisão temporã, para viabilizar-se a instrução penal.
R.T.J. — 200
1331
Peço vênia àqueles que dissentiram para, no caso, acompanhar o Relator, concedendo
a liminar e viabilizando a soltura do Paciente, se não estiver sob a custódia do Estado por
motivo diverso do retratado no processo que deu origem a este habeas corpus.
E permito-me indagar a Sua Excelência se, no caso, o ato que resultou na prisão é
idêntico quanto ao Co-réu.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Sim, mas não há nenhum requerimento nesse
sentido.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: De ofício, porque estou autorizado pelo próprio Código
de Processo Penal e tenho em conta a similitude da situação, estendo ao Co-réu a liminar.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, a sessão de hoje confirma,
exatamente, o que tive oportunidade de assinalar quando da rediscussão da Súmula 691,
no julgamento do HC 85.185. Como, então, antevi, teria sido muito melhor cancelá-la do
que submetê-la a este exercício que estamos a praticar: primeiro, examinamos se há ilegalidade, para, depois, conhecer, ou não, do habeas corpus.
Não conheço do habeas corpus, conforme a Súmula 691. Mas o certo é que já que
discutimos o caso, houve sustentação oral e se reviram os fatos do processo e as decisões anteriores, que negaram sucessivamente a liminar. Aí, já não posso fechar os olhos
aos dados do caso.
Então, não conheço da impetração, nos termos da Súmula 691 e continuarei a aplicá-la
sem examinar o caso e sem trazê-lo ao Plenário; mas, ciente, na espécie, da ilegalidade,
concedo de ofício a ordem. E não a liminar: não tem objeto conceder a liminar. Para quê?
Para confirmarmos, depois, essa liminar? Porque o que se pede é a liminar. Não foi julgado
o habeas corpus no Tribunal Regional Federal.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): O julgamento já ocorreu no TRF. Os jornais
noticiaram.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Agora já foi? Ainda bem – menos mal.
Senhora Presidente, o meu voto, embora pareça paradoxal, é coerente com o meu
entendimento das razões que justificam a Súmula 691: a pretensão de muita jurisdição leva
a nenhuma jurisdição.
Nós estamos, realmente, é nos dando o direito de avocar habeas corpus em início de
tramitação, em qualquer lugar do Brasil, para lhe examinarmos o mérito.
Agora, não posso, realmente, fingir que não ouvi, no caso concreto, as razões pelas
quais, efetivamente, não há justificativa para a prisão preventiva.
Então concedo de ofício a ordem, como a concederia se tivesse tido conhecimento
disso num agravo de instrumento em matéria de ICM, pois o certo é que conheci de uma
ilegalidade.
1332
R.T.J. — 200
VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Cabe-me votar.
Peço vênia àqueles que pensam de maneira diversa, mas acompanho o Relator,
também, para conhecer do pedido e conceder a liminar, nos termos do voto de Sua Excelência.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidenta, estimaria que os Colegas se
pronunciassem quanto à extensão da liminar, já que o ato é idêntico.
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Está ausente o Ministro Nelson Jobim.
Ficará difícil, pois ele manifestava-se pela concessão e está ausente. Isso será encaminhado
ao Relator.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Então peço a Vossa Excelência para consignar que
votei no sentido de estender a ordem ao Co-réu, sob o ângulo da liminar.
EXTRATO DA ATA
HC 86.864-MC/SP — Relator: Ministro Carlos Velloso. Paciente: Flávio Maluf. Impetrantes: José Roberto Batochio e outro. Coator: Relator do HC 47.829 do Superior Tribunal
de Justiça.
Decisão: O Tribunal, por maioria, concedeu a liminar, nos termos do voto do Relator,
vencidos os Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa e Carlos Britto. O Ministro Marco
Aurélio propunha a extensão da concessão da liminar ao Co-réu, nos termos de seu voto.
Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, os Ministros
Celso de Mello, Gilmar Mendes e Cezar Peluso. Falaram, pelo Paciente, o Dr. José Roberto
Batochio e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, ViceProcurador-Geral da República.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e
Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 20 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 200
1333
RECURSO EM HABEAS CORPUS 88.320 — PI
Relator: O Sr. Ministro Eros Grau
Recorrente: Francisco Rivaldo de Oliveira Pinheiro ou Francisco Rivaldo Oliveira
Pinheiro — Recorrido: Ministério Público Federal
Recurso ordinário em habeas corpus. Processual Penal. Homicídio
qualificado. Reprodução simulada do fato. Indeferimento. Juízo de conveniência a propósito da importância da diligência.
1. O art. 7º do CPP confere à autoridade policial a faculdade de proceder à reconstituição do crime ou reprodução simulada dos fatos. Nada impede
que o juiz, no exercício dos poderes instrutórios, a determine, se achar relevante para dirimir dúvidas (CPP, art. 156).
2. Por seu turno, o art. 184 do CPP dispõe que “salvo o caso de exame de
corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida
pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade”. Tem-se
aí juízo de conveniência tanto da autoridade policial quanto do magistrado no
que tange à relevância ou não, da prova resultante da diligência requerida. O
Supremo Tribunal Federal não pode, em lugar do juiz, aferir a importância da
prova para o caso concreto. (Precedentes.)
3. A decisão que indeferiu a diligência está amplamente fundamentada
no sentido de sua desnecessidade, não havendo, portanto, constrangimento
ilegal a ser sanado por esta Corte.
Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar
provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.
Brasília, 25 de abril de 2006 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O acórdão recorrido está assim ementado:
Processual penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Art. 121, § 2º, III, do
Código Penal. Pedido de reprodução simulada. Indeferimento devidamente fundamentado.
Ausência de constrangimento ilegal.
Se a r. decisão que indeferiu pedido de realização da reprodução simulada dos fatos restou
devidamente fundamentada não há que se falar em constrangimento ilegal a ser sanado pela
presente via. (Precedentes).
Ordem denegada.
(Fl. 158.)
1334
R.T.J. — 200
2. O Recorrente requereu a diligência prevista no art. 7º do CPP1 na fase da contrariedade ao libelo (CPP, art. 421).
O Presidente do Tribunal do Júri indeferiu o pedido, ensejando impetrações sucessivas de habeas corpus no TJ/PI e no STJ e, por fim, o presente recurso ordinário.
3. O Recorrente alega que a reprodução simulada dos fatos é imprescindível à demonstração da tese de exclusão da culpabilidade, pela inexigência de comportamento
diverso. Argumenta no sentido de que a explicitação da dinâmica dos fatos é absolutamente essencial à tese da defesa, nos termos da qual o homicídio praticado contra sua
esposa foi em conseqüência de agressões recíprocas, sendo certo que ambos foram
lesionados a golpes de facas.
4. Sustenta que o indeferimento da diligência afronta o princípio constitucional da
ampla defesa.
5. Requer o provimento do recurso a fim de que seja determinada “a imediata
realização o mais breve possível da diligência pretendida” (fl. 198).
6. As contra-razões foram apresentadas (fls. 213/218).
7. O Ministério Público Federal opina, preliminarmente, pelo não-conhecimento, em
virtude de a petição do recurso em habeas corpus consubstanciar mera reprodução da
inicial do habeas corpus impetrado no STJ; ultrapassada a preliminar, manifesta-se pelo
não-provimento do recurso (fls. 225/230).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Rejeito a preliminar de não-conhecimento, suscitada no parecer da PGR: em que pese ao Recorrente ter reproduzido, na petição deste
recurso em habeas corpus, as razões veiculadas na inicial do habeas corpus impetrado no
STJ, cumpre observarmos que o acórdão ora recorrido encampou os fundamentos do aresto
do TJ/PI, ou seja, não produziu motivação diversa a justificar impugnação específica.
2. O Juiz assim fundamentou sua decisão para indeferir a diligência:
A reconstituição do crime ou reprodução simulada dos fatos está prevista no art. 7º do Código
de Processo Penal pátrio, ipsis verbis: “Para verificar a possibilidade de haver a infração sido
praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução
simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública”.
Trata-se de instituto do qual poderá lançar mão a autoridade investigadora para esclarecer
determinados aspectos do fato supostamente delituoso, mormente nos de difícil elucidação quanto
ao modus operandi do agente.
Está compreendida no elenco das providências instrutórias a cargo da autoridade policial.
Esta autoridade poderá proceder à reconstituição nos casos de complexa elucidação, principalmente quando houver dúvidas sobre posicionamento, distância, existência de obstáculos, etc.
1
“Art. 7º Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a
autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a
moralidade ou a ordem pública.”
R.T.J. — 200
1335
Naturalmente é a complexidade do caso que ditará da necessidade ou não da reconstituição. Tratase de faculdade discricionária da autoridade já que a norma processual não lhe impõe este dever.
(...)
O CPP é omisso em relação à reprodução simulada do fato uma vez instaurada a instância
penal. Compreende-se que o juiz criminal pode determinar ex officio este tipo de diligência,
figurando entre seus poderes instrutórios para dirimir dúvidas sobre ponto relevante (CPP, art.
156). Pode atender a requerimento de algumas das partes. Aliás, como dispõe a exposição de
motivos do CPP: “(...) o juiz deixará de ser um espectador inerte da produção de provas.
Sua intervenção na atividade processual é permitida, não somente para dirigir a marcha da ação penal e julgar a final, mas também para ordenar, de ofício, as provas que lhe
parecerem úteis ao esclarecimento da verdade”.
No caso presente, o réu já foi pronunciado e essa decisão transitou em julgado, de modo que
não resta nenhuma dúvida quanto à autoria e materialidade do crime. Assim, o próximo passo é
submetê-lo a julgamento popular, até porque ele já fez uso de todos os mecanismos de defesa que
estavam ao seu dispor, chegando, inclusive a ganhar a liberdade.
Concordo com o entendimento do Ministério Público, quando afirmou que a medida aqui
requerida é procrastinatória. Na altura dos acontecimentos, o retardamento do julgamento para
qualquer tipo de diligência, ao invés de esclarecer a verdade poderá trazer contradições aos fatos
que já foram elucidados, embora seja uma das poucas armas de defesa que ainda restam para o réu.
(...)
Ante o exposto, indefiro o pedido de reprodução simulada dos fatos e designo o julgamento do réu para as 14:00 horas do dia 01/12/2004, no fórum local.
(Fls. 65/66.)
3. O art. 184 do CPP dispõe que “(s) salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz
ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária
ao esclarecimento da verdade”. O texto legal refere-se a juízo de conveniência tanto da
autoridade policial quanto do magistrado no que tange à relevância, ou não, da prova
resultante da diligência requerida. Por isso mesmo não cabe a esta Corte aferir, em lugar do
Magistrado, a importância da prova para o caso concreto. Nesse sentido, os precedentes
citados no parecer ministerial: HC 86.783, Sepúlveda Pertence, DJ de 17-3-06, e HC 73.234,
Sydney Sanches, DJ de 8-3-96, e RHC 86.806, Gilmar Mendes, DJ de 16-12-05.
4. Os fundamentos encampados pelo STJ evidenciam não existir constrangimento
ilegal a ser sanado neste recurso, porquanto, não obstante o texto legal explicitar que é da
autoridade policial a incumbência da reprodução simulada dos fatos, se a tiver por conveniente, nada impede que o juiz a determine em prol da busca da verdade real. No caso sob
exame, o Magistrado não vislumbrou a necessidade da diligência, em decisão fundamentada.
Conheço do recurso, mas a ele nego provimento.
EXTRATO DA ATA
RHC 88.320/PI — Relator: Ministro Eros Grau. Recorrente: Francisco Rivaldo de
Oliveira Pinheiro ou Francisco Rivaldo Oliveira Pinheiro (Advogados: Herberth Denny de
Siqueira Barros e outro). Recorrido: Ministério Público Federal.
Decisão: Negado provimento ao recurso ordinário em habeas corpus. Decisão unânime. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu
este julgamento o Ministro Gilmar Mendes.
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R.T.J. — 200
Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Joaquim
Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.
Brasília, 25 de abril de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
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HABEAS CORPUS 88.452 — RS
Relator: O Sr. Ministro Eros Grau
Paciente: Alexandre Quadros Machado — Impetrante: Itaguaci José Meirelles
Corrêa — Coatora: Primeira Turma Recursal do Juizado Especial Criminal da Comarca de
Porto Alegre
Habeas corpus. Crime de desobediência. Atipicidade. Motorista que se
recusa a entregar documentos à autoridade de trânsito. Infração administrativa.
A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que não há crime
de desobediência quando a inexecução da ordem emanada de servidor público
estiver sujeita a punição administrativa, sem ressalva de sanção penal. Hipótese em que o Paciente, abordado por agente de trânsito, se recusou a exibir
documentos pessoais e do veículo, conduta prevista no Código de Trânsito
Brasileiro como infração gravíssima, punível com multa e apreensão do veículo (CTB, art. 238).
Ordem concedida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conceder
a ordem, nos termos do Relator.
Brasília, 2 de maio de 2006 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado
contra ato da Primeira Turma Recursal Criminal da Comarca de Santo Ângelo/RS, consubstanciado na denegação de idêntico pleito.
2. O Paciente foi condenado à pena de 3 (três) meses de detenção, convertida em
prestação de serviços à comunidade, como incurso no art. 330 do Código Penal (crime de
desobediência). Como não se apresentou para o cumprimento da pena alternativa, o juiz
restaurou a reprimenda corporal, expedindo o mandado de prisão.
3. Em resumo, o Paciente foi parado no trânsito e recusou-se a apresentar os
documentos pessoais e do veículo, quando solicitados pelo soldado que o abordou.
4. A impetração tem três fundamentos:
(i) inexistência de defesa, considerada a inércia do defensor dativo;
(ii) atipicidade da conduta, ao argumento de que a recusa em entregar os documentos acarreta tão-somente sanção administrativa, materializada, no caso, na multa aplicada
e na remoção do veículo; e
1338
R.T.J. — 200
(iii) erro na fixação da pena-base, porque o Juiz fez constar da decisão que aplicava
o mínimo legal para o tipo – 15 (quinze) dias de detenção – à míngua de circunstâncias
desfavoráveis e acabou por torná-la definitiva em 3 (meses) de detenção, em flagrante
incongruência. O Impetrante afirma, ademais, que o Paciente já cumpriu os 15 (quinze)
dias de detenção, sendo forçosa a extinção da punibilidade.
5. Os pedidos são alternativos, para:
“a) reconhecer a nulidade do processo, com a reabertura da dilação probatória a
partir da audiência instrutória”;
“b) cassar a decisão condenatória, reconhecendo-se a atipicidade da conduta imputada ao paciente, com o édito de sua absolvição”; e
“c) mantido o processo e a condenação, seja corrigida a dosimetria da pena, de sorte
que a pena corporal mínima prevista no artigo 330 do Código Penal, de 15 dias, seja a
aplicada, com observância das regras favoráveis do artigo 59 do Código Penal”.
6. O Ministro Celso de Mello, atuando em substituição ao Relator, na forma regimental
(RISTF, art. 38, I), deferiu a liminar (fls. 176/179).
7. A PGR manifesta-se pelo indeferimento da ordem (fls. 193/198).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A PGR, ao consignar que o habeas corpus não é
sucedâneo do recurso não utilizado pela parte, no caso a apelação, opõe obstáculo de
ordem formal ao conhecimento do writ. Não obstante, analisa as questões de mérito e as
refuta, opinando pela denegação da ordem.
2. Há duas correntes opostas, nesta Corte, quanto à utilização do habeas corpus
como sucedâneo do recurso não interposto (favoravelmente a essa utilização, menciono
o HC 83.346, Primeira Turma, Sepúlveda Pertence, DJ de 19-8-05; contra, o RHC 83.625,
Segunda Turma, Ellen Gracie, DJ de 30-4-04). Filio-me à primeira corrente, favorável ao
cabimento do habeas corpus, com a ressalva de que a nulidade argüida há de ser absoluta,
logo, insuscetível de preclusão, como é o caso destes autos no que tange às alegações de
inexistência de defesa técnica e de atipicidade da conduta.
3. Conheço da impetração.
4. O reconhecimento da atipicidade da conduta torna prejudiciais as teses de inexistência de defesa técnica e de erro na fixação da pena-base.
5. Peço vênia ao Ministro Celso de Mello, para adotar fundamentação exaustiva
sobre o tema, desenvolvida na decisão pela qual deferiu a liminar:
Decisão do Sr. Ministro Celso de Mello: Esta decisão é por mim proferida em face da
ausência eventual, desta Suprema Corte, do eminente Relator da presente causa (certidão à fl.
174), justificando-se, em conseqüência, a aplicação da norma inscrita no art. 38, I, do
RISTF.
Os fundamentos em que se apóia esta impetração conferem, a meu juízo, densidade
jurídica ao pleito ora deduzido nesta sede processual.
R.T.J. — 200
1339
Com efeito, a situação exposta nos presentes autos, analisada em sede de estrita
delibação, parece evidenciar hipótese de possível ausência de tipicidade penal na conduta de
que resultou a condenação do ora Paciente à pena detentiva de 3 meses, a ser cumprida em
regime aberto, além da pena de multa, pela prática do crime de desobediência.
Sustenta-se, a partir da interpretação dada ao art. 330 do CP, em consonância com o
que dispõe o art. 238 da Lei 9.503/97, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, que não
estaria configurada, na espécie, a tipicidade penal do comportamento atribuído ao ora
Paciente (fls. 10/12), que se recusou a exibir, durante vistoria de trânsito, ao policial militar
encarregado da diligência, os seus documentos e aqueles referentes ao veículo automotor que
dirigia.
A jurisprudência dos Tribunais, inclusive a desta Suprema Corte, orienta-se no sentido
de que não se configura, no plano da tipicidade penal, o crime de desobediência (CP, art.
330), se a inexecução de determinada ordem, emanada de servidor público, revelar-se passível
de sanção de caráter administrativo prevista em lei, como ocorre nos casos em que o condutor
de veículo automotor se recusa a exibir, quando solicitado por agente de trânsito, os documentos de habilitação, de registro, de licenciamento de veículo e outros exigidos por lei (Código de
Trânsito Brasileiro, art. 238).
O exame da presente impetração, considerado o magistério jurisprudencial dos Tribunais em geral, inclusive o desta Suprema Corte (RT 368/265 – RT 502/336 – RT 543/347 – RT
613/413 – RT 715/533 – RF 189/336 – Julgados do Tacrim/SP, vol. 72/287, v.g.), põe em
evidência, na espécie, a plausibilidade jurídica da postulação veiculada nesta sede processual:
- Não se reveste de tipicidade penal – descaracterizando-se, desse modo, o
delito de desobediência (CP, art. 330) – a conduta do agente, que, embora não atendendo a ordem judicial que lhe foi dirigida, expõe-se, por efeito de tal insubmissão, ao pagamento de multa diária (“astreinte”) fixada pelo magistrado com a finalidade específica de compelir, legitimamente, o devedor a cumprir o preceito. Doutrina e
jurisprudência.
(HC 86.254/RS, Rel. Min. Celso de Mello.)
Desobediência – Não configuração – Infração de trânsito – Estacionamento
irregular de veículo na via pública – Multa imposta ao acusado pelo fato e também pela
não exibição dos documentos à autoridade – Absolvição decretada – Inteligência do
art. 330 do CP.
Se, pela desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penalidade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime de
desobediência, salvo se dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art.
330 do CP.
(RT 534/327, Rel. Des. Camargo Sampaio – Grifei.)
Desobediência – Delito não caracterizado – Acusado que se nega a exibir
a documentação de veículo solicitada por guarda de trânsito – Infração sujeita, porém,
a sanção administrativa, prevista no art. 83, n. XVII, do Código Nacional de Trânsito –
Inteligência do art. 330 do Código Penal.
Deixará de existir o delito de desobediência se o descumprimento de uma
ordem oficial estiver acompanhado de uma sanção de natureza administrativa,
salvo se a lei ressalvar de maneira expressa a dupla penalidade: administrativa e penal.
(RT 516/345, Rel. Juiz Camargo Aranha – Grifei.)
Cabe enfatizar, neste ponto, que essa orientação jurisprudencial encontra pleno
apoio em autorizado magistério doutrinário (Damásio de Jesus, “Direito Penal – Parte
Especial”, vol. 4, p. 219, 12. ed., 2002, Saraiva):
Inexiste desobediência se a norma extrapenal, civil ou administrativa, já
comina uma sanção sem ressalvar sua cumulação com a imposta no art. 330 do CP.
Significa que inexiste o delito se a desobediência prevista na lei especial já conduz a
uma sanção civil ou administrativa, deixando a norma extrapenal de ressalvar o concurso
de sanções (a penal, pelo delito de desobediência, e a extrapenal). Ex. de sanções cumuladas:
CPC, art. 362. Exs. de sanções não cumuladas: infração a regulamento de trânsito, desobediência ao Código de Menores etc. Assim, a recusa de retirar o automóvel de local proibido,
1340
R.T.J. — 200
que configura infração ao CNT, não constitui crime de desobediência. Isso porque a
norma extrapenal prevê uma sanção administrativa e não ressalva a dupla penalidade.
(Grifei.)
Essa mesma percepção do alcance do art. 330 do CP já era perfilhada por Nelson
Hungria (“Comentários ao Código Penal”, vol. IX, p. 417, 1958, Forense), cujo magistério, na matéria, assim versava o tema:
Se, pela desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada
penalidade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime em exame, salvo
se a dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330 (...). (Grifei.)
Cumpre ter presente que esse entendimento é também registrado pelo magistério da
doutrina (Julio Fabbrini Mirabete, “Código Penal Interpretado”, p. 2444, 5. ed., 2005, Atlas;
Luiz Regis Prado, “Comentários ao Código Penal”, p. 1017, 2002, RT; Fernando Capez,
“Curso de Direito Penal”, vol. III, p. 481, 2004, Saraiva; Celso Delmanto, Roberto Delmanto,
Roberto Delmanto Junior e Fábio M. de Almeida Delmanto, “Código Penal Comentado”, p.
657, 6. ed., 2002, Renovar; Cezar Roberto Bitencourt, “Código Penal Comentado”, p. 1109,
item n. 7, 3. ed., 2005, Saraiva; Paulo José da Costa Jr., “Código Penal Comentado”, p. 1073,
item n. 4, 8. ed., 2005, DPJ Editora, v.g.).
Concorre, por igual, na espécie ora em exame, o requisito pertinente ao “periculum in
mora” (fl. 23), circunstância esta que me leva a deferir o pedido de medida cautelar, em
ordem a suspender, até final julgamento da presente ação de habeas corpus, a eficácia da
condenação penal que foi imposta, ao ora Paciente, nos autos do Processo 203.0003949-5
(Juizado Especial Criminal adjunto da comarca de Santo Ângelo/RS).
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao MM.
Juiz de Direito do Juizado Especial Criminal adjunto da comarca de Santo Ângelo/RS (Processo
203.0003949-5) e ao Senhor Presidente da Primeira Turma Recursal Criminal dos Juizados
Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul (Habeas Corpus 71000881532).
Uma vez cumprida esta decisão, encaminhem-se estes autos ao gabinete do eminente
Relator, para efeito de ulterior deliberação de Sua Excelência.
Concedo a ordem, para anular, por atipicidade, a condenação imposta ao Paciente.
EXTRATO DA ATA
HC 88.452/RS — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Alexandre Quadros Machado.
Impetrante: Itaguaci José Meirelles Corrêa. Coatora: Primeira Turma Recursal do Juizado
Especial Criminal da Comarca de Porto Alegre.
Decisão: Concedida a ordem, nos termos do voto do Relator. Decisão unânime.
Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este
julgamento o Ministro Gilmar Mendes.
Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Joaquim
Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 2 de maio de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
R.T.J. — 200
1341
HABEAS CORPUS 88.933 — PR
Relator: O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski
Paciente: Roberto Bertholdo — Impetrantes: Andrei Zenkner Schmidt e outro —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
Penal. Processo penal. Habeas Corpus. Advogado. Sala de Estado-Maior.
Prisão domiciliar. ADI 1.105 e ADI 1.127. Estatuto da OAB. Inexistência de
trânsito em julgado de sentença condenatória. Liminar deferida. Transferência do custodiado. Prejudicialidade do habeas corpus.
I - O Estatuto da Advocacia e da OAB garante o recolhimento do advogado, em sala de Estado-Maior, antes de decisão condenatória transitada em
julgado.
II - Via eleita que não admite instrução probatória.
III - Manutenção da transferência do Paciente para o Batalhão da Polícia Militar.
IV - Prejudicialidade do habeas corpus.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, julgar
prejudicado o pedido de habeas corpus. Ausente, justificadamente, o Ministro Marco
Aurélio.
Brasília, 3 de outubro de 2006 — Ricardo Lewandowski, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de habeas corpus impetrado por
Cezar Roberto Bitencourt, Andrei Zenkner Schmidt e Débora Poeta Weyh em favor de
Roberto Bertholdo, contra decisão em medida liminar do Relator do HC 59.471/PR, Ministro Gilson Dipp, da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu o pedido
pleiteado.
O objeto daquele habeas corpus é o reconhecimento do direito de não ser o Paciente,
advogado, recolhido preso antes do trânsito em julgado de decisão condenatória, senão
em sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas e, em sua falta, em
prisão domiciliar.
Narram os Impetrantes que o Paciente responde a quatro ações penais, duas delas
com sentença condenatória já proferida pela primeira instância, mas nenhuma transitada
em julgado (fls. 2-3).
1342
R.T.J. — 200
Juntam aos autos cópia do Relatório 01, de 28-2-05, do Grupo de Trabalho de Averiguação da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Paraná, que concluía pela
precariedade das instalações do Centro de Observação Criminológica e Triagem (COT),
local no qual se encontrava custodiado o Paciente.
Sustentam, em síntese, que o Pciente tem direito a custódia em sala de EstadoMaior, nos termos do art. 7º, V, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos
Advogados do Brasil).
Relembram, ainda, o julgamento, por esta Corte, da ADI 1.105/DF e da ADI 1.127/DF,
nas quais se reconheceu a constitucionalidade do inciso V do art. 7º do EAOAB, salvo da
expressão “assim reconhecidas pela OAB”, mantendo a validade do restante do dispositivo.
Asseveram, mais, que a Lei 10.258/01 não revogou o art. 7º, V, do referido Estatuto,
uma vez que, se assim fosse, o Plenário desta Corte teria reconhecido a prejudicialidade da
matéria.
Alegam, por fim, que o óbice imposto pela Súmula 691 do STF deve ser interpretado
em termos relativos, “notadamente em se tratando de casos cuja ilegalidade no indeferimento da liminar é flagrante”.
Requisitei informações em 20-6-06, as quais foram prestadas em 21-8-06, encontrando-se às fls. 64-127.
Presentes o fumus boni iuris, cujo direito foi recentemente confirmado nas mencionadas ações diretas de inconstitucionalidade, e o periculum in mora, consistente na sua
custódia junto ao COT, no Estado do Paraná, no qual as condições eram extremamente
precárias, deferi a medida liminar em 24-8-06 (fls. 129-133), superando o teor da Súmula
691, para determinar a transferência e a permanência do Paciente em prisão domiciliar, até
o final julgamento deste habeas corpus nas condições que lhe impusesse o Juízo da Vara
da Corregedoria dos Presídios da Comarca de Curitiba/PR, ou até que se apurasse a
existência de sala de Estado-Maior apta a custodiá-lo em conformidade com o disposto no
Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.
As informações do Juízo das Execuções foram prestadas e encontram-se às fls.
185-187.
O juiz das execuções informou que o Paciente foi transferido, em razão da liminar,
para o Batalhão da Polícia de Guarda, da Polícia Militar do Estado do Paraná, local ao qual
o magistrado dirigiu-se juntamente com um representante da OAB e de um Promotor de
Justiça. Na inspeção feita, apuraram que o local é simples, com ausência de grades nas
janelas, possuindo banheiro com chuveiro quente em compartimento separado, mas compartilhado por todos os ali custodiados. Os nove detidos dormem em camas-beliche,
usam as próprias roupas e possuem acesso à programação de tevê no próprio local.
O Ministério Público Federal, em parecer de lavra do Subprocurador-Geral da República Wagner Gonçalves, opina pelo não-conhecimento do habeas corpus, diante da
vigência da Súmula 691 ou, caso superada essa questão, pela conversão do feito em
diligência. No mérito, é pela denegação da ordem (fls. 292-302).
É o relatório.
R.T.J. — 200
1343
VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Senhor Presidente, penso que o
presente feito perdeu seu objeto.
Com efeito, baseando-me em prova pré-constituída juntada à inicial, consistente em
ofícios do Comando-Geral da Polícia Militar do Estado do Paraná (fl. 127) e da 5ª Divisão
do Exército da 5ª Região Militar do Comando Militar do Sul (fl. 126), que informavam a
inexistência de instalações de “sala de estado-maior com instalações e comodidades
condignas”, bem como no Relatório 01 do Grupo de Trabalho de Averiguação da Ordem
dos Advogados do Brasil, Seccional do Paraná, que concluía pela precariedade das instalações do Centro de Observação Ciminológica e Triagem, deferi a medida liminar.
Os Impetrantes, todavia, irresignados com a transferência do Paciente para o Batalhão de Polícia de Guarda, alegaram o descumprimento da liminar e juntaram aos autos
outros documentos e fotos para demonstrar a inadequação do novo local.
Ocorre que, com a transferência do Paciente para o Batalhão da Polícia de Guarda, a
situação fática que ensejou a concessão da liminar alterou-se completamente.
E, como se sabe, não é possível, na estreita via do (...) habeas corpus, empreender
análise de provas nem instaurar o contraditório.
Assim, não se mostra possível, neste writ, autorizar a dilação probatória preconizada
pela Procuradoria-Geral da República, para saber se o novo local de custódia atende ou
não o disposto no art. 7º, V, do Estatuto da OAB.
Apenas por meio de novo habeas corpus, em que venha cabalmente demonstrado
que o Paciente se encontra em condições que não atendam os ditames legais, é que outra
ordem poderá ser, eventualmente, deferida.
Isso posto, mantida a permanência do Paciente na prisão em que se encontra, julgo
prejudicado o pedido.
É como voto.
EXTRATO DA ATA
HC 88.933/PR — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Paciente: Roberto
Bertholdo. Impetrantes: Andrei Zenkner Schmidt e outro. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: A Turma julgou prejudicado o pedido de habeas corpus. Unânime. Ausente,
justificadamente, o Ministro Marco Aurélio.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Ausente, justificadamente, o Ministro Marco
Aurélio. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.
Brasília, 3 de outubro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
1344
R.T.J. — 200
HABEAS CORPUS 89.315 — SP
Relator: O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski
Paciente e Impetrante: Carlos Alberto Mandu da Silva — Coator: Superior Tribunal
de Justiça
Processual penal. Habeas corpus. Intimação de defensor dativo. Art.
370, § 4º, do Código de Processo Penal. Aplicação do princípio do tempus
regit actum.
I - A partir da edição da Lei 9.271/96, que incluiu o § 4º ao art. 370 do
CPP, os defensores nomeados, dentre os quais se inclui o defensor dativo,
passaram também a possuir a prerrogativa da intimação pessoal.
II - A condenação do Impetrante-Paciente ocorreu em data anterior à
publicação da Lei 9.271/96, o que, pela aplicação do princípio do tempus regit
actum, exclui a obrigatoriedade da intimação do defensor dativo.
III - Ordem denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, indeferir o pedido de habeas corpus. Ausentes, justificadamente, o Ministro Marco Aurélio e
a Ministra Cármen Lúcia.
Brasília, 19 de setembro de 2006 — Ricardo Lewandowski, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de habeas corpus impetrado em
favor de Carlos Alberto Mandu da Silva contra acórdão da Sexta Turma do Superior
Tribunal de Justiça que denegou o HC 38.750/SP. Esta a ementa do julgado:
Processual penal. Defensor nomeado. Ausência de intimação pessoal para a sessão de
julgamento de recurso. Anterioridade à Lei 9.271/96. Nulidade. Inocorrência.
A regra contida no § 5º do art. 5º da Lei n. 1.060/50, acrescentado pela Lei n. 7.871/89,
somente abrange o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente.
A intimação pessoal do defensor nomeado pelo Juízo, somente passou a ser obrigatória
com o advento da Lei n. 9.271/96, que deu nova redação ao § 4º do art. 370 do CPP, razão pela
qual inexiste nulidade na realização de julgamento anterior à sua vigência sem que se tenha
efetivado tal procedimento.
Writ denegado.
(Fl. 18.)
Informa o Impetrante-Paciente que foi condenado como incurso no art. 171 do Código
Penal (estelionato) à pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado.
Segundo a decisão impugnada, o decreto condenatório foi confirmado pela Quarta Turma
do então Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, em 16-3-93.
R.T.J. — 200
1345
Sustenta o Impetrante, em síntese, a nulidade do julgado, haja vista a ausência de
intimação pessoal do defensor dativo designado para sua defesa.
Postula, ao final, a concessão da ordem, para anular o julgamento do acórdão ora
impugnado, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça.
A medida liminar foi indeferida pela eminente Ministra Ellen Gracie (fls. 24-25).
Devidamente instruídos, os autos foram encaminhados à Procuradoria-Geral da
República, que opinou pela denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem examinados os autos, verifico
que a ordem não há de ser concedida.
No caso, segundo informações do Impetrante, a condenação definitiva se deu em
16-3-93, o que afasta, diante da aplicação do princípio do tempus regit actum, a obrigatoriedade da intimação do defensor dativo.
De fato, pela nova dinâmica processual, tanto os defensores públicos quanto os
defensores dativos devem ser intimados pessoalmente dos atos processuais. Inicialmente,
apenas os defensores públicos detinham tal prerrogativa, com fundamento no art. 5º, § 5º,
da Lei 1.060/50, posteriormente alterado pela Lei 7.871/891.
Amparada no citado texto normativo, que dispõe sobre a Assistência Judiciária, a
jurisprudência da Corte inclinou-se, num primeiro momento, no sentido de que a prerrogativa processual da intimação pessoal não se aplicaria ao defensor dativo, mas tãosomente aos defensores públicos (HC 85.543/DF, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 153.928-AgRED-ED-EDv-AgR/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira).
Contudo, com o advento da Lei 9.271/96, que incluiu o § 4º ao art. 370 do CPP2,
tornou-se obrigatória a intimação pessoal dos defensores nomeados, sejam eles defensores públicos, procuradores da assistência judiciária ou defensores dativos. Tal é o magistério de Julio Fabbrini Mirabete, em seu Código de Processo Penal Interpretado3, do
qual se extrai o seguinte trecho:
Por determinação expressa da lei, a intimação do Ministério Público e do defensor nomeado
deve ser pessoal, não se permitindo, pois, seja realizada pela imprensa ou por correspondência.
(...)
Também não é possível essas espécies de intimações do defensor nomeado. Aliás, há
também no caso regra especial determinando que o defensor público ou equivalente seja intimado
pessoalmente (art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/50, acrescentado pela Lei n. 7.871/89). A referência
ao “defensor nomeado” alcança o defensor público, o procurador de assistência judiciária e o
defensor dativo, pois todos só podem oficiar nos processos quando nomeados pelo juiz.
1
Art. 5º, § 5°, da Lei 1.060/50 – “Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles
mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os
atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos.”
2
Art. 370, § 4º – “A intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal”.
3
São Paulo: Atlas, 11. ed., 2003. p. 958.
1346
R.T.J. — 200
Verifica-se, porém, na hipótese dos autos, que a condenação deu-se anteriormente
à edição da Lei 9.271/96, que ampliou a obrigatoriedade da intimação pessoal para que
fossem também abrangidos os defensores dativos.
Em face do exposto, indefiro a ordem.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Realmente, a esse tempo, embora
jamais me tenha comprometido com a tese, a jurisprudência do Tribunal não considerava
obrigatória a intimação pessoal do defensor dativo, mas apenas a do defensor público
(v.g., HC 75.416, Sydney Sanches).
Acompanho o voto do Relator.
EXTRATO DA ATA
HC 89.315/SP — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Paciente e Impetrante:
Carlos Alberto Mandu da Silva. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Ausentes, justificadamente, o Ministro Marco Aurélio e a Ministra Cármen Lúcia.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. Ausentes, justificadamente, o Ministro Marco
Aurélio e a Ministra Cármen Lúcia. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia
Sampaio Marques.
Brasília, 19 de setembro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 200
1347
HABEAS CORPUS 89.491 — SP
Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia
Paciente: Paulo Humberto Mangini — Impetrante: Pablo Picinin Safe — Coator:
Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Penal. Processual. Penal. Crime organizado. Prisão
em flagrante. Manutenção. Necessidade da prisão como garantia da ordem
pública e conveniência da instrução criminal. Necessidade da manutenção da
custódia cautelar exsurge da gravidade dos fatos evidenciados nos autos,
razão bastante a desautorizar a liberdade provisória em obséquio da garantia
da ordem pública. Precedentes deste Supremo Tribunal, que considera necessária a manutenção da prisão em flagrante como garantia da ordem pública
quando a gravidade dos fatos narrados nos autos a justifica. Habeas corpus
denegado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Não participou, justificadamente, deste julgamento o Ministro Marco Aurélio.
Brasília, 26 de setembro de 2006 — Cármen Lúcia, Relatora.
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso
ordinário, com pedido de liminar, impetrado por Pablo Picinin Safe em favor de Paulo
Humberto Mangini, denunciado pelos crimes de formação de quadrilha (art. 288, parágrafo único, do Código Penal), c/c o art. 8º da Lei 8.072/90 e arts. 12 e 16, caput, da Lei 10.826/03
(fl. 69, apenso 1), contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, de 3-8-06,
que indeferiu o Habeas Corpus 54.475, impetrado naquele órgão em favor do também ora
Paciente (fls. 17/25).
A ementa do acórdão questionado é a seguinte:
Habeas corpus. Direito processual penal. Quadrilha. Custódia cautelar. Excesso de prazo.
Supressão. Liberdade provisória. Incabimento.
1. Não se conhece de habeas corpus na parte em que a questão que lhe dá fundamento não
se constituiu em objeto de decisão da Corte de Justiça Estadual, pena de supressão de um dos graus
de jurisdição.
2. A excepcionalidade da prisão cautelar, no sistema de direito positivo pátrio, é necessária
conseqüência da presunção de não culpabilidade, insculpida como garantia individual na Constituição da República, somente se a admitindo nos casos legais de sua necessidade, quando certas a
autoria e a existência do crime (Código de Processo Penal, artigo 312).
1348
R.T.J. — 200
3. Tal necessidade, por certo, sem ofensa aos princípios regentes do Estado Democrático
e Social de Direito, pode ser presumida em lei ou na própria Constituição, admitindo ou não prova
em contrário, segundo se cuide de presunção juris tantum, como nos casos de inafiançabilidade de
que trata o artigo 323 do Código de Processo Penal, ou de presunção iuris et de iure, como no caso
do inciso II do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos.
4. A inafiançabilidade do delito é, pois, expressão legal, no sistema normativo processual
penal em vigor, de custódia cautelar de necessidade presumida, cuja desconstituição, quando
admitida, como o é nos casos de necessidade presumida juris tantum, reclama prova efetiva da
desnecessidade da medida, a demonstrar seguras a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação
da lei penal, sendo desenganadamente do réu o ônus de sua produção (Código de Processo Penal,
artigo 310, parágrafo único).
5. Por certo, não oferecendo o auto de prisão em flagrante senão a notícia que lhe é
própria, vale dizer, do crime flagrante que determinou a prisão do agente, não se há de exigir do
juiz que demonstre a necessidade da preservação da constrição cautelar, até porque presumido
em lei.
6. Como no magistério de Weber Martins Batista, “Para ser mais exato, o juiz não precisa
verificar se a prisão é necessária, pois essa necessidade se presume juris tantum: o que deve fazer
é examinar se ela não é desnecessária, ou seja, se há prova em contrário, mostrando que, no caso,
inexiste o periculum in mora” (in Liberdade Provisória, 2ª edição, página 74, Forense, Rio).
7. Daí por que a liberdade provisória de que cuida o artigo 310, parágrafo único, do Código
de Processo Penal, no caso, pois, de prisão em flagrante, está subordinada à certeza da
inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, decorrente dos elementos existentes nos autos ou de prova da parte onerada, bastante para afastar a presunção legal de
necessidade da custódia.
8. Exsurgindo da própria gravidade do delito a necessidade da manutenção da custódia
cautelar, enquanto expressão objetiva manifesta da periculosidade do agente, precisamente porque fora preso o paciente em sua residência com 10 Kg de explosivos e cordel detonante, além de
armas e munições, para uso próprio e de outros membros da organização criminosa conhecida
como PCC – Primeiro Comando da Capital, inexiste constrangimento ilegal qualquer a ser
sanado.
9. A extensão dos julgados, somente a autoriza a lei, quando as razões são objetivas (Código
de Processo Penal, artigo 580).
10. A eventual favorabilidade das circunstâncias judiciais do agente, tais como primariedade,
ausência de antecedentes, residência e emprego fixos, por si só, não se presta à desconstituição da
custódia cautelar, quando demonstradamente presente a justa causa para a manutenção da medida.
11. Writ parcialmente conhecido e denegado.
(Fls. 18/19.)
O Impetrante sustenta, basicamente: a) constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo para encerramento da instrução criminal, pois o Paciente já se encontra
preso há mais de um ano, tendo-se dado a sua prisão em flagrante em 23-7-05 (fl. 94,
apenso 1); e b) ausência dos requisitos para a decretação de sua prisão preventiva.
Ao final, requer, liminarmente, a expedição de alvará de soltura em favor do Paciente
(fl. 16).
Em 29-8-06, não conheci, initio litis, da ação, na parte relativamente ao alegado
excesso de prazo, nos termos seguintes:
Nesta análise preliminar, deixo de conhecer dos fundamentos relativos ao excesso de prazo
para o fim da instrução criminal, uma vez que, nessa parte, o Superior Tribunal de Justiça não
conheceu do habeas ali impetrado. É o que se tem no voto do Ministro Hamilton Carvalhido,
Relator do HC 54.475:
R.T.J. — 200
1349
(...) de início, relativamente ao excesso de prazo, não conheço do habeas corpus,
eis que a matéria não foi objeto de decisão da Corte Estadual de Justiça, pena de supressão
de instância de um dos graus de jurisdição.
(Fl. 22.)
Destarte, não conheço da impetração nessa parte, sob pena de supressão de
instância.
(Fls. 41/42.)
Quanto aos fundamentos do decreto prisional, indeferi o pedido de liminar por não
vislumbrar, na espécie, constrangimento ilegal no ato constritivo, uma vez que se encontra
fundamentado em elementos concretos devidamente demonstrados nos autos (fls. 38-44).
O Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 46-52).
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Conforme relatei, a impetração tem como
objetivo a liberdade provisória do Paciente e apóia-se em dois fundamentos: a) constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo para encerramento da instrução criminal e
b) ausência dos requisitos para a decretação de sua prisão preventiva.
Quanto ao primeiro – excesso de prazo –, não conheci da ação, initio litis, porque
esse fundamento não foi alisado pelo Superior Tribunal de Justiça, o que acarretaria
supressão de instância. Resta, portanto, decidir sobre a alegada ausência de fundamentação idônea da decisão que manteve a prisão em flagrante do Paciente.
Quando indeferi a liminar, consignei o seguinte:
Relativamente aos requisitos da prisão preventiva do Paciente, não os tenho como presentes claramente, nem verifico a existência do bom direito estatuído como fundamento para o
deferimento da medida liminar pleiteada. Aliás, tem-se nos autos que medidas idênticas foram
tentadas no Tribunal de Justiça de São Paulo e no Superior Tribunal de Justiça, ambas sem sucesso.
O habeas corpus agora impetrado repete, em parte, os fundamentos aproveitados nos
anteriores.
A espécie cuida de denúncia oferecida contra doze acusados, “(...) juntamente com outros
indivíduos já identificados e processados perante varas judiciais diversas de São Paulo (dentre os
quais Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo “Marcola“, Julio César Guedes de Moraes, vulgo
“Julinho Carambola” e outros a serem identificados, associaram-se em quadrilha para o fim de
cometerem crimes, dentre eles roubos, extorsões, extorsões mediante seqüestro, homicídios,
tráfico de drogas e outros crimes, utilizando-se para tanto de armas de fogo, em grupo denominado
e conhecido por PCC (...)” (fl. 54, apenso 1). A peça acusatória descreve pelo menos doze fatos
delituosos praticados pela organização criminosa (fls. 53/59, apenso 1) e traz um rol de dez
testemunhas para comprová-los.
O Paciente foi preso em flagrante em sua residência, em 23 de julho de 2005, por estar
armazenando 10 kg de explosivos e cordel detonante, além de armas de fogo e munições,
conforme se observa nos itens f e g da denúncia (fls. 56/57 do apenso).
Foram essas as razões pelas quais a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça indeferiu
o habeas corpus impetrado pelo Paciente perante aquele insigne Órgão julgador, consoante se
pode ver no voto do eminente Ministro Hamilton Carvalhido, Relator do HC 54.475:
1350
R.T.J. — 200
Na espécie, a necessidade da manutenção da custódia cautelar exsurge da própria
gravidade do delito, enquanto expressão objetiva manifesta da periculosidade do agente,
precisamente porque fora preso o paciente em sua residência com 10 Kg de explosivos e
cordel detonante, além de armas e munições, para uso próprio e de outros membros da
organização criminosa conhecida como PCC – Primeiro Comando da Capital,
razão bastante a desautorizar a liberdade provisória, em obséquio da garantia da ordem
pública.
(Fl. 25.)
Tem-se, pois, que, em sede de exame preliminar, o que se constata é que a decisão do E.
Superior Tribunal de Justiça ora impugnada guarda perfeita consonância com a jurisprudência
deste Supremo Tribunal, o qual considera necessária a manutenção da prisão preventiva como
garantia da ordem pública quando a gravidade dos fatos narrados nos autos a justifica. Nesse
sentido já se posicionaram as duas Turmas deste Supremo Tribunal nos habeas corpus seguintes:
HC 86.645, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 28-4-06; HC 87.273, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
DJ de 24-3-06; HC 84.680, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 15-4-05; HC 82.149, Rel. Min. Ellen
Gracie, DJ de 13-2-02; entre outros.
É notória a situação de risco vivenciada não só pelos cidadãos paulistanos mas também por
grande parte dos brasileiros, no que diz respeito à referida organização criminosa, o intitulado
Primeiro Comando da Capital (PCC).
Acrescente-se que a liminar ora pleiteada confunde-se com o mérito da impetração, o que
impede, juridicamente, o seu deferimento nesta fase processual.
(Fls. 42-44.)
Os fundamentos fáticos e jurídicos expostos nessa decisão permanecem inalterados. Esclareço apenas que, embora eu faça referência “à prisão preventiva”, na verdade,
o Paciente foi preso em flagrante e assim permanece em razão de terem sido indeferidos
dois pedidos de relaxamento da prisão formulados por sua defesa, como garantia da
ordem pública e conveniência da instrução criminal. Daí os sucessivos habeas corpus
que se voltam contra esses indeferimentos. Lembro que essas decisões encontram-se
bem fundamentadas em dados concretos e de alta gravidade, sendo inegável a presença
dos requisitos legais que autorizam a manutenção da segregação do Paciente.
Nesse sentido, o Subprocurador-Geral da República asseverou o seguinte:
10. À fl. 116 do apenso 1 (numeração do STJ), está acostada cópia da decisão que indeferiu
pedido de liberdade provisória em favor do paciente, onde o r. Juízo consignou que se trata de
“crime gravíssimo, agravado pelo fato do requerente ser investigador de polícia, que deveria estar
protegendo a sociedade”. Foi considerado, também, que outro integrante da quadrilha, de alcunha
DVD, teria encomendado ao paciente camisetas da Polícia Civil “para prática de roubos na via
Anchieta”.
11. Essa informação, por si só, revela que o paciente, acaso estivesse em liberdade, ofereceria grande risco à ordem pública e à instrução criminal, especialmente pelo fato de ser investigador de polícia e poder interferir na colheita de provas, não obstante tenha alegado afastado do
cargo (...)
(Fl. 50.)
Pelo exposto, Senhores Ministros, mantenho os fundamentos da liminar e denego o
presente habeas corpus.
É como voto.
EXTRATO DA ATA
HC 89.491/SP — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Paciente: Paulo Humberto
Mangini. Impetrante: Pablo Picinin Safe. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
R.T.J. — 200
1351
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Não participou,
justificadamente, deste julgamento o Ministro Marco Aurélio.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármem Lúcia. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 26 de setembro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
1352
R.T.J. — 200
HABEAS CORPUS 89.643 — RS
Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia
Paciente: Daniel Polese Vidaletti — Impetrantes: Diego Romero e outro — Coator:
Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Processual Penal. Prisão preventiva. Alegação de fundamentação genérica. Inocorrência. Decisão fundamentada em elementos
concretos e comprovados nos autos. Desnecessidade de fundamentação
exaustiva. Precedentes. Constrangimento ilegal não caracterizado.
1. Improcedência da alegação de inexistência de elementos concretos a
justificar a prisão preventiva do Paciente. No decreto da prisão preventiva se
tem presente, de forma fundamentada, uma circunstância grave – tentativa de
intervenção do Paciente na instrução criminal – e a conseqüente necessidade
da segregação cautelar do Paciente, evidenciando, dessa forma, a conveniência da medida constritiva.
2. Este Supremo Tribunal tem decidido que a fundamentação da prisão
preventiva não precisa ser exaustiva, bastando que a decisão analise, ainda
que de forma sucinta, os requisitos ensejadores da custódia cautelar. Precedentes.
3. Habeas corpus a que se denega a ordem.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, indeferir o
pedido de habeas corpus. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.
Brasília, 14 de novembro de 2006 — Cármen Lúcia, Relatora.
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso
ordinário, com pedido de liminar, impetrado por Diego Romero e outro em favor de Daniel
Polese Vidaletti, pronunciado por homicídio qualificado e tentativa de homicídio qualificado, contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, de 15-8-06, assim
ementado:
Habeas corpus. Processual penal. Homicídio qualificado e homicídio qualificado na
forma tentada. Prisão preventiva. Sentença de pronúncia. Ausência de fundamentação
suficiente para a custódia provisória. Não-ocorrência. Constrangimento ilegal afastado.
Ordem denegada.
1. As prisões provisórias ou processuais – aí incluídas as prisões em flagrante, preventiva,
temporária, decorrente de sentença condenatória recorrível e decorrente de sentença de pronúncia – devem, sob pena de constrangimento ilegal, cingir-se, fundamentadamente, à órbita do art.
312 do CPP.
R.T.J. — 200
1353
2. Devidamente demonstrada a ocorrência de duas hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, não há falar em constrangimento ilegal na decretação da custódia cautelar do paciente.
3. Ordem denegada.
A decisão que decretou a prisão preventiva do Paciente foi prolatada, em 7-6-05,
pelo Juízo da Segunda Vara do Tribunal de Júri do Foro Central de Porto Alegre nos
termos seguintes:
1. A materialidade dos fatos encontra respaldo na Certidão de Óbito de fl. 79.
O indício da autoria estão presentes nos depoimentos de Maria Terezinha (fls. 13 a 15),
Ledi (fl. 19), Pedro Antônio (fls. 22 a 24).
No que se refere aos indícios de autoria em relação a Michael Giovani, de alcunha Giogio,
há também as declarações do réu Daniel (fls. 25 a 27).
Sobre os indícios de autoria de Daniel, também o depoimento de Michael nas fls. 65 e 66.
Os réus Anderson e Daniel registram antecedentes judiciais.
Os homicídios e tiroteios na Restinga têm aumentado nos últimos dias como se vê nos
noticiários dos jornais o que está a atentar contra a ordem pública.
Pelo que se depreende dos autos o réu Daniel está tentando intervir na instrução criminal.
O réu Anderson nem ao menos foi encontrado para prestar declarações.
Assim, por conveniência da instrução criminal e para garantir a ordem pública, acolho a
representação do Dr. Promotor e nos termos do art. 312 do CPP, presentes os requisitos legais
Decreto a prisão preventiva dos réus Daniel Polese Vidaletti, (...), qualificados nos autos.
(Fls. 98-99 do apenso.)
Os Impetrantes sustentam inexistirem elementos concretos nos autos que justifiquem
a manutenção da prisão preventiva do Paciente. Asseveram, para tanto, que “(...) mera
invocação dos requisitos legais, com referências genéricas adequáveis às mais variadas
situações, evidencia a carência de fundamentação do decreto preventivo” (fl. 18).
Requerem “(...) seja declarada a procedência da presente Ação Constitucional de
Habeas Corpus, para o fim de declarar a nulidade do despacho que determinou a restrição
preventiva da liberdade do paciente” (fl. 20).
O pedido de liminar foi por mim indeferido em 19-9-06, sob o argumento de inexistirem
condições plausíveis e apuráveis de plano a ensejar o deferimento da medida liminar requerida pelos Impetrantes (fls. 25-29).
A Procuradoria-Geral da República emitiu parecer em 2-10-06, da lavra do ilustre
Subprocurador-Geral, Dr. Wagner Gonçalves, no qual opinou pelo indeferimento da
ordem, de acordo com a ementa seguinte:
Habeas corpus. Arts. 121, § 2º, IV e 121, caput, c/c art. 14, II, do CP. Prisão preventiva.
Alegação de que não há fundamentos concretos para a manutenção da custódia. Indeferimento.
1. O decreto de prisão considerou a presença do fumus boni iuris, ou seja, de indícios
suficientes de materialidade e autoria do crime de homicídio e tentativa de homicídio, imputados
ao paciente e co-réus.
2. Apesar de sucinta, referida decisão menciona circunstância grave, que é o fato de o
paciente tentar intervir na instrução criminal, fato que, por si só, é suficiente para a manutenção
da custódia cautelar.
3. Parecer pelo indeferimento da ordem.
(Fl. 31.)
É o relatório.
1354
R.T.J. — 200
VOTO
A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Neste habeas corpus substitutivo de recurso
ordinário, com pedido de liminar, os Impetrantes enfatizaram ter sido ele impetrado pela
inexistência de elementos concretos a justificar a prisão preventiva do Paciente, sob o
argumento de que “a mera inovação dos requisitos legais, com referências genéricas
adequáveis às mais variadas situações, evidencia a carência de fundamentação do decreto
preventivo” (fl. 18).
Os mesmos fundamentos do indeferimento da liminar persistem e servem para
denegar a ordem em definitivo.
O decreto da prisão preventiva não pode ser censurado. Nele se tem presente, de
forma fundamentada, uma circunstância grave – tentativa de intervenção do Paciente na
instrução criminal – e a conseqüente necessidade da segregação cautelar do Paciente,
evidenciando, dessa forma, a conveniência da medida constritiva.
Ademais, as razões enumeradas no parecer da Procuradoria-Geral da República
também reforçam a fundamentação suficiente do decreto preventivo:
10. Apesar de sucinta, a decisão menciona circunstância grave, que é o fato de o paciente
tentar intervir na instrução criminal. Esse fato, por si só, já é suficiente para a manutenção da
custódia cautelar.
11. No parecer ofertado pelo Ministério Público Federal perante o Superior Tribunal de
Justiça (apenso), o i. Subprocurador-Geral da República Dr. Eduardo Antônio Dantas Nobre
ressaltou a necessidade da manutenção do paciente no cárcere, alegando que o mesmo, valendose de suas posses materiais, estaria causando temor nos moradores do bairro onde ocorreu o crime,
que evitavam prestar depoimentos temendo por suas vidas.
12. Em sede de alegações finais, o MP Estadual destacou que o local onde aconteceram os
crimes é violento, sendo “palco de intenso tráfico de drogas e da ação de quadrilhas, que disputam
o tráfico de drogas” (fl. 284 do apenso). Disse, ainda, que os moradores do local, quando presenciam crimes bárbaros, preferem silenciar, pois temem por suas vidas. Essa informações, somada
ao argumento anterior, mostra que o afastamento do paciente do convívio social é importante,
até que seja concluído o julgamento pelo Tribunal do Júri.
13. Também no parecer citado anteriormente, foi consignado que um dos co-réus informou ao delegado de polícia que o paciente, no presídio, teria declarado a ele a seguinte frase:
nessas alturas, com dinheiro, tudo pode acontecer. O declarante quer dizer com isso que por ser
Daniel pessoa de posses, pode até mandar matar o declarante (...)
(Fls. 34/35.)
Não se quer dizer com isso que o Paciente, juntamente com os demais Co-réus, tem
responsabilidade direta sobre as ações das quadrilhas na região onde o crime foi cometido,
mas é certo que a sua prisão mostrou-se para o juiz competente ser necessária para os fins
descritos na decisão exarada, especialmente em razão das condições e dos locais onde se
dão os delitos.
Portanto, entendo como devidamente fundamentado o decreto de prisão preventiva
do Paciente, diante da sua fundamentação e da demonstração de ocorrência dos requisitos legais do art. 312 do Código de Processo Penal.
R.T.J. — 200
1355
Sobre a fundamentação da prisão preventiva, este Supremo Tribunal tem decidido
que ela não precisa ser exaustiva, bastando que a decisão analise, ainda que de forma
sucinta, os requisitos ensejadores da custódia preventiva (Nesse sentido: HC 86.605, Rel.
Min. Gilmar Mendes, DJ de 14-2-06; HC 79.237, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 12-4-02; e
HC 62.671, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 15-2-85).
Pelo exposto, denego a ordem de habeas corpus.
É como voto.
EXTRATO DA ATA
HC 89.643/RS — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Paciente: Daniel Polese Vidaletti.
Impetrantes: Diego Romero e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Ausente, justificadamente, o Ministro
Carlos Britto. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.
Brasília, 14 de novembro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
1356
R.T.J. — 200
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 299.079 — RJ
Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto
Recorrente: Estado do Rio de Janeiro — Recorrida: Usina União e Indústria S.A.
Recurso extraordinário. Tributário. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. ICMS. Importação. Sujeito ativo. Alínea a do inciso IX do
§ 2º do art. 155 da Magna Carta. Estabelecimento jurídico do importador.
O sujeito ativo da relação jurídico-tributária do ICMS é o Estado onde
estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário jurídico da
mercadoria (alínea a do inciso IX do § 2º do art. 155 da Carta de Outubro),
pouco importando se o desembaraço aduaneiro ocorreu por meio de ente
federativo diverso.
Recurso extraordinário desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
conhecer do recurso extraordinário, mas lhe negar provimento.
Brasília, 30 de junho de 2004 — Carlos Ayres Britto, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de recurso extraordinário, com base no
art. 102, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro, cuja ementa é a seguinte (fl. 171):
ICMS.
Incidência sobre produto importado.
O fato gerador não se concretiza pelo desembarque físico puro e simples da mercadoria.
O beneficiário do imposto é sempre o Estado onde estiver situado o estabelecimento
destinatário da mercadoria, nada importando que o desembaraço aduaneiro se faça em outro
Estado. Art 155, § 2º, letra a da CF e Art. 11, inciso I, alínea d da Lei Complementar 92/97.
2. O Estado do Rio de Janeiro alega ofensa ao disposto no art. 155, § 2º, inciso IX,
alínea a, da Carta Magna. Sustenta que o ICMS incidente na importação tem como sujeito
ativo o Estado ao qual se destina a mercadoria importada, isto é, a localidade física, e não
a jurídica, do importador.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): A questão dos autos resume-se à competência
tributária quanto ao sujeito ativo do ICMS. Empresa sediada no Estado de Pernambuco
R.T.J. — 200
1357
realizou a importação de álcool anidrido – produto isento do referido imposto naquela
localidade – para vendê-lo à Petrobras, com sede no Estado do Rio de Janeiro. Porém,
visando à economia e à praticidade, preferiu que a mercadoria fosse entregue diretamente
à Petrobras de Duque de Caxias/RJ, local onde ocorreu o desembaraço aduaneiro.
5. Isso assentado, o Estado do Rio de Janeiro sustenta que o ICMS pertence a ele,
tendo em vista ser o Rio de Janeiro a localidade do estabelecimento destinatário do
produto.
6. O recurso, entretanto, não merece acolhida.
7. A discussão posta nos autos cinge-se à abrangência da expressão “cabendo o
imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria”,
inserta na parte final do art. 155, § 2º, inciso IX, alínea a, da Carta-Cidadã.
8. O ICMS, incidente na importação de mercadoria, não tem como sujeito ativo da
relação jurídico-tributária o Estado onde ocorreu o desembaraço aduaneiro – momento do
fato gerador –, mas o Estado onde se localiza o sujeito passivo do tributo, ou seja,
aquele que promoveu juridicamente o ingresso do produto. No presente caso, o Estado
de Pernambuco.
9. De mais a mais, o dispositivo constitucional, ao se referir a “estabelecimento
destinatário”, não especifica o tipo de estabelecimento: se é o final, ou se não é.
10. Dessa forma, quando a operação se inicia no Exterior, o ICMS é devido ao Estado
em que está localizado o destinatário jurídico do bem, isto é, o importador. Nesse sentido,
Roque Antonio Carrazza, in ICMS, 9. ed., São Paulo, Malheiros, 2003, p. 60-61:
(...) Cabe ICMS nas importações de bens para que sejam integrados no ciclo econômico.
Já vimos que o tributo é devido, nestes casos, à pessoa política (Estado ou Distrito Federal)
onde estiver localizado o destinatário do bem.
Nenhuma entredúvida pode surgir quando o destinatário do bem está localizado no próprio
Estado onde se deu o desembaraço aduaneiro.
Dúvidas, porém, emergem quando o importador encontra-se estabelecido em Estado diverso
daquele onde se deu o desembaraço aduaneiro.
A situação ainda mais se complica quando a destinação final dos bens importados for um
terceiro Estado.
Só para equacionarmos o problema, figuremos a seguinte hipótese: o desembaraço aduaneiro
dá-se no Estado A; o estabelecimento importador está no Estado B; o bem importado vai ter a um
terceiro estabelecimento, este localizado no Estado C.
A qual dos Estados é devido o ICMS? Àquele onde se deu o desembaraço aduaneiro? Àquele
onde está situado o estabelecimento do importador? Ou àquele onde os bens importados afinal
chegam?
Cremos que o ICMS é devido à pessoa política (Estado ou Distrito Federal) onde estiver
localizado o estabelecimento do importador.
Pouco importa se o desembaraço aduaneiro deu-se noutro Estado. O desembaraço aduaneiro,
no caso, é apenas o meio através do qual a importação se deu. O que a Constituição manda
considerar para fins de tributação por via de ICMS é a localização do estabelecimento que
promoveu a importação do bem.
(...)
11. Assim, em face do exposto, confirmo o Estado de Pernambuco como sujeito ativo
da relação tributária e nego provimento ao recurso extraordinário.
12. É como voto.
1358
R.T.J. — 200
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, se observarmos o nosso verbete
quanto ao despacho aduaneiro, veremos que este ocorreu no Rio de Janeiro, onde a
mercadoria foi corretamente desembarcada. A empresa, na verdade, que está sediada em
Pernambuco, atuou como intermediária na transação, porque o álcool foi direto para a
Petrobras, no Rio de Janeiro; quer dizer, veio do exterior para o interior nacional. Surge
complicação, porquanto, pela letra a do § 2º do art. 155, o imposto cabe ao Estado onde
estiver situado o estabelecimento destinatário. O sujeito passivo do imposto é quem fez a
importação.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, não há dúvida de que o sujeito
passivo é a empresa de Pernambuco.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): O desembaraço aduaneiro se deu no Rio.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Mas poderia ter-se dado em Santos,
e sido transferido para o Rio de Janeiro.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Exatamente.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Quer converter em vista?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Penso ser interessante, porque a matéria é nova.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): O caso é realmente novo.
EXTRATO DA ATA
RE 299.079/RJ — Relator: Ministro Carlos Britto. Recorrente: Estado do Rio de
Janeiro (Advogado: PGE/RJ – José Roberto P. C. Faveret Cavalcanti). Recorrida: Usina
União e Indústria S.A. (Advogados: Marco Túlio Caraciolo Albuquerque e outros).
Decisão: Após os votos dos Ministros Carlos Britto, Relator, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa, conhecendo do recurso extraordinário, mas lhe negando provimento, pediu vista dos autos o Ministro Marco Aurélio.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 22 de junho de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
VOTO
(Vista)
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A Corte soberana nos elementos fáticos deixou consignado:
Em primeiro lugar, é preciso frisar que, quanto aos aspectos fáticos, não há divergência
entre as partes.
O álcool foi importado pela apelada, que é estabelecida e domiciliada no Município de
Primavera, no Estado de Pernambuco, mas foi desembarcado no porto deste Estado do Rio de
Janeiro, sendo recebido pela Petróleo Brasileiro S.A., a quem foi vendido pela importadora.
R.T.J. — 200
1359
Então, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, considerando a norma do
art. 155, § 2º, inciso IX, letra a, da Constituição Federal – ou seja, a definição do credor do
tributo em face do local do estabelecimento destinatário da mercadoria ou serviço – e a
lição de Sacha Calmon Navarro Coelho sobre o disposto no art. 11, inciso I, alínea d, da Lei
Complementar 87/96, desproveu o recurso do Estado do Rio de Janeiro.
Na assentada em que teve início o julgamento, o Relator concluiu pelo desprovimento do extraordinário, entendendo como sujeito ativo da relação tributária o Estado de
Pernambuco. Pedi vista do processo para maior reflexão.
Realmente, cumpre distinguir as situações concretas. Uma coisa é ter-se a obrigatoriedade – como decidiu o Plenário, quando fiquei vencido – de recolher o tributo para
efeito de despacho aduaneiro. Algo diverso é potencializar essa condição a ponto de
entender que subsiste, para definição do credor do tributo, independentemente de o
contribuinte contar, ou não, com estabelecimento no porto de destino, onde procedido o
citado despacho.
No caso, trata-se de tributo sobre a importação, e, não possuindo a recorrida estabelecimento no Estado do Rio de Janeiro, mas em Pernambuco, a este cabe o imposto.
Impossível é valorizar-se o desembarque de modo a afastar do cenário jurídico a norma
constitucional definidora do Estado titular do tributo. Assim, somo meu voto ao do Relator e desprovejo o extraordinário, ressaltando mais uma vez que a conclusão seria diversa
se a Recorrida fosse proprietária de estabelecimento no destino, no Estado do Rio de
Janeiro. Repito que o negócio jurídico subseqüente à importação, que foi a venda à
Petrobras, não repercute na relação tributária primitiva.
É o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 299.079/RJ — Relator: Ministro Carlos Britto. Recorrente: Estado do Rio de
Janeiro (Advogado: PGE/RJ – José Roberto P. C. Faveret Cavalcanti). Recorrida: Usina
União e Indústria S.A. (Advogados: Marco Túlio Caraciolo Albuquerque e outros).
Decisão: Prosseguindo no julgamento, a Turma conheceu do recurso extraordinário, mas lhe negou provimento. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim
Barbosa.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim
Barbosa. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Delza Curvello Rocha.
Brasília, 30 de junho de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
1360
R.T.J. — 200
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 351.487 — RR
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso
Recorrentes e Recorridos: João Pereira de Morias ou João Pereira de Morais,
Juvenal Silva , Eliésio Monteiro Neri ou Eliézio Monteiro Neri, Pedro Emiliano Garcia e
Ministério Público Federal — Assistentes: Fundação Nacional do Índio – FUNAI e Davi
Kopenawa Yanomami
1. Crime. Genocídio. Definição legal. Bem jurídico protegido. Tutela
penal da existência do grupo racial, étnico, nacional ou religioso a que pertence
a pessoa ou as pessoas imediatamente lesionadas. Delito de caráter coletivo ou
transindividual. Crime contra a diversidade humana como tal. Consumação
mediante ações que, lesivas à vida, à integridade física, à liberdade de
locomoção e a outros bens jurídicos individuais, constituem modalidade
executória. Inteligência do art. 1º da Lei 2.889/56 e do art. 2º da Convenção
contra o genocídio, ratificada pelo Decreto 30.822/52. O tipo penal do delito de
genocídio protege, em todas as suas modalidades, bem jurídico coletivo ou
transindividual, figurado na existência do grupo racial, étnico ou religioso, a
qual é posta em risco por ações que podem também ser ofensivas a bens
jurídicos individuais, como o direito à vida, à integridade física ou mental, à
liberdade de locomoção etc.
2. Concurso de crimes. Genocídio. Crime unitário. Delito praticado
mediante execução de doze homicídios como crime continuado. Concurso aparente de normas. Não-caracterização. Caso de concurso formal. Penas cumulativas. Ações criminosas resultantes de desígnios autônomos. Submissão teórica ao art. 70, caput, segunda parte, do Código Penal. Condenação dos réus
apenas pelo delito de genocídio. Recurso exclusivo da defesa. Impossibilidade
de reformatio in peius. Não podem os réus, que cometeram, em concurso formal, na execução do delito de genocídio, doze homicídios, receber a pena destes
além da pena daquele, no âmbito de recurso exclusivo da defesa.
3. Competência criminal. Ação penal. Conexão. Concurso formal entre
genocídio e homicídios dolosos agravados. Feito da competência da Justiça
Federal. Julgamento cometido, em tese, ao Tribunal do Júri. Inteligência do
art. 5º, XXXVIII, da CF, e do art. 78, I, c/c o art. 74, § 1º, do Código de Processo
Penal. Condenação exclusiva pelo delito de genocídio, no juízo federal
monocrático. Recurso exclusivo da defesa. Improvimento. Compete ao Tribunal
do Júri da Justiça Federal julgar os delitos de genocídio e de homicídio ou
homicídios dolosos que constituíram modalidade de sua execução.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro
Celso de Mello.
Brasília, 3 de agosto de 2006 — Cezar Peluso, Relator.
R.T.J. — 200
1361
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de recurso extraordinário interposto com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição da República, contra acórdão do Superior
Tribunal de Justiça que, conhecendo e provendo recurso especial do Ministério Público
Federal, entendeu ser o juiz singular competente para processar e julgar os crimes pelos
quais foram condenados os Réus.
Eles foram denunciados pela prática do crime de genocídio (art. 1º, letras a, b e c, da
Lei 2.889/56), em concurso material com os crimes de lavra garimpeira, dano qualificado,
ocultação de cadáver, contrabando e formação de quadrilha.
O processo correu perante o juízo monocrático federal e resultou em decreto condenatório, contra o qual os Réus interpuseram recurso de apelação, que foi provido, para
anular a sentença e determinar a adoção do procedimento previsto nos arts. 408 e seguintes do Código de Processo Penal, porque o Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendeu que o genocídio praticado contra índios, em conexão com outros delitos, seria crime
doloso contra a vida, de modo que atrairia a competência do Tribunal do Júri (fl. 1937).
Desse acórdão, foi interposto recurso especial pelo Ministério Público, tendo-selhe dado provimento, nos seguintes termos:
Constitucional e processo penal – Recurso especial – Criminal – Crime de genocídio
conexo com outros delitos – Competência – Justiça Federal – Alína a, do art. 1º, da Lei n.
2.899/56 c/c art. 74, parágrafo 1º do CPP e art. 5°, XXXVIII, da CF – Prequestionamento
implícito – Conhecimento – Sentença monocrática restabelecida.
1 - Inicialmente, reconhecida extinta a punibilidade de Francisco Alves Rodrigues, em
virtude de seu falecimento, conforme certidão de óbito juntada às fls. 1.807 dos autos (art. 107,
I, CP).
2 - Aos réus-recorridos é imputada a perpetração dos delitos de lavra garimpeira ilegal,
contrabando ou descaminho, ocultação de cadáver, dano, formação de quadrilha ou bando, todos
em conexão com genocídio e associação para o genocídio, na figura da alínea a, do art. 1º, da lei
n. 2.889/56, cometidos contra os índios Yanomami, no chamado “Massacre de Haximú”, que
resultou na morte de 12 índios, sendo 01 homem adulto, 02 mulheres, 01 idosa cega, 03 moças e
05 crianças (entre 01 e 08 anos de idade), bem como em 03 índios feridos, entre eles, duas
crianças.
3 - Esta Corte, através de seu Órgão Especial, posicionou-se no sentido de que a violação à
determinada norma legal ou dispositivo tenha sido expressamente mencionado no v. acórdão do
Tribunal de origem. Cuida-se do chamado prequestionamento implícito (cf. EREsp ns. 181.682/PE,
144.844/RS e 155.321/SP). Sendo a hipótese dos autos, afasta-se a aplicabilidade da Súmula
356/STF para conhecer do recurso, no tocante à suposta infringência aos arts. 74, § parág. 1º,
do Código de Processo Penal e 1º, a, da Lei 2.889/56.
4 - Como bem asseverado pela r. sentença e pelo v. decisum colegiado, cuida-se, primeiramente, de competência federal, porquanto deflui do fato de terem sido praticados delitos penais
em detrimento de bens tutelados pela União Federal, envolvendo, no caso concreto, direitos
indígenas, entre eles, o direito maior à própria vida (art. 109, incisos IV e XI, da Constituição
Federal). Precedente do STF (RE n. 179.485/2-AM). Logo, a esta Corte de Uniformização
sobeja, apenas e tão somente, a análise do crime de genocídio e a competência para seu julgamento,
em face ao art. 74, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal, tido como violado.
5 - Pratica genocídio quem, intencionalmente, pretende destruir, no todo ou em parte, um
grupo nacional, étnico, racial ou religioso, cometendo, para tanto, atos como o assassinato de
membros do grupo, dano grave à sua integridade física ou mental, submissão intencional destes ou,
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ainda, tome medidas a impedir os nascimentos no seio do grupo, bem como promova a transferência forçada de menores do grupo para outro grupo. Inteligência dos arts. 2º da Convenção
Contra o Genocídio, ratificada pelo Decreto n. 30.822/52, c/c 1º, alínea a, da Lei n. 2.889/56.
6 - Neste diapasão, no caso sub judice, o bem jurídico tutelado não é a vida do indivíduo
considerado em si mesmo, mas sim a vida em comum do grupo de homens ou parte desta, ou seja,
da comunidade de povos, mais precisamente, da etnia dos silvícolas integrantes da tribo Hasimú,
dos Yanomami, localizada em terras férteis para a lavra garimpeira.
7 - O crime de genocídio tem objetividade jurídica, tipos objetivos e subjetivos, bem como
sujeito passivo, inteiramente distintos daqueles arrolados como crimes contra a vida. Assim, a
idéia de submeter tal crime ao Tribunal do Júri encontra óbice no próprio ordenamento processual
penal, porquanto não há em seu bojo previsão para este delito, sendo possível apenas e somente
a condenação dos crimes especificamente nele previstos, não se podendo neles incluir, desta
forma, qualquer crime que haja morte da vítima, ainda que causada dolosamente. Aplicação dos
arts. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal c/c 74, parágrafo 1º, do Código de Processo
Penal.
8 - Recurso conhecido e provido para, reformando o v. aresto a quo, declarar competente
o Juiz Singular Federal para apreciar os delitos arrolados na denúncia, devendo o Tribunal de
origem julgar as apelações que restaram, naquela oportunidade, prejudicadas, bem como o pedido
de liberdade provisória formulado às fls. 1.823/1.832 destes autos. Decretada extinta a
punibilidade em relação ao réu Francisco Alves Rodrigues, nos termos do art. 107, I, do CP, em
razão do seu falecimento.
(REsp 222.653/RR, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 12-9-00.)
Contra tal acórdão insurgem-se os Réus, alegando negativa de vigência ao disposto
no artigo 5º, XXXVIII, alínea d, da Constituição, enquanto matéria prequestionada explicitamente perante o Superior Tribunal de Justiça. É que essa norma constitucional reserva
ao Tribunal do Júri, de forma soberana, competência para julgamento dos crimes dolosos
contra a vida, dentre os quais, no entendimento dos Recorrentes, contra o do Superior Tribunal de Justiça, estaria o crime de genocídio. Daí, requererem o conhecimento e o provimento
deste recurso, para que se restabeleça o acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região,
que decretou a nulidade da sentença do juízo federal monocrático (fl. 1944).
Contra-razões do Recorrido (fls. 1947/1953).
Recurso admitido na origem (fls. 1966/1968).
A Procuradoria-Geral da República, por seu Subprocurador-Geral Dr. Wagner Natal
Batista, opina pela admissão e não-conhecimento (sic) do recurso, verbis:
Como se vê, diferentemente do homicídio, no qual o elemento subjetivo do agente é matar
alguém, no genocídio o dolo é de exterminar, total ou parcialmente, fisicamente ou culturalmente
determinado grupo. Não se inclui, por isso, o genocídio, dentre os crimes dolosos contra a vida,
muito embora os bens jurídicos vida e integridade física e mental também são afetados por este
crime.
O bem jurídico tutelado no crime de genocídio não é somente a vida, mas principalmente
a integridade de raça, da etnia, do grupo político ou religioso. Obviamente, também busca proteger a vida do indivíduo, mas sob o enfoque de sua vida enquanto integrante de determinado grupo
integrante de determinado grupo (...).
(...)
Cumpre lembrar que o genocídio erige-se em crime contra a humanidade na medida em que
o Estado Democrático de Direito deve garantir a pluralidade e diversidade humanas, repudiando a
intenção de extingüir, total ou parcialmente, etnia, raça, grupo religioso ou político (...).
(Fls. 1981-1982.)
É o relatório.
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VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Não convincente o recurso.
“Genocide is commonly understood as the intentional killing, destruction, or extermination of entire groups or members of a group”.1 Essa figura criminosa, que teve origem
no direito internacional, foi aí concebida como delito contra a humanidade2, como, aliás,
sugere-lhe a etimologia.
Relembra Carlos Eduardo Adriano Japiassú que “essa categoria de delito surgiu
com os processos de Nuremberg, embora o termo crimes contra a humanidade seja
conhecido, desde a IV Convenção de Haia de 1907, referente às leis e aos costumes da
guerra terrestre, por meio da chamada cláusula Martens”3.
O nome atual apareceu em 1944, na obra de Lemkin (Axis Rule in Occupied Europe),
para denotar os crimes cometidos pelo Estado nazista contra o povo judeu,4 mas só
adquiriu significado independente em 1948, quando a Assembléia-Geral da ONU adotou a
Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio.
Pouco antes, em 1946, considerava-se que o genocídio era “a recusa à existência de
inteiros grupos humanos e, portanto um delito de direito dos povos, que contrasta com o
espírito e os objetivos das Nações Unidas, delito que o mundo civilizado condena.
Surgiu assim, a Resolução 96 (11-12-46), que é originária da 6ª Comissão da 1ª Assembléia Geral das Nações Unidas”.5
O art. 2º da Convenção assim definiu o genocídio:
Qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte,
um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar
lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o
grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física, total ou parcial; d)
adotar medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência
forçada de crianças do grupo para outro grupo.
O Estatuto de Roma,6 que instituiu o Tribunal Penal Internacional, estabeleceu a
competência dessa Corte para o julgamento – até agora – de quatro categorias de crimes:
a) o crime de genocídio; b) os crimes contra a humanidade; c) os crimes de guerra; e d) o
crime de agressão (art. 5º, I).
1 CASSESE, Antonio. Genocide. In: CASESSE, A.; GAETA, P.; JONES, J. R. W. D. The Rome Statute of
the International Criminal Court. Oxford: Oxford University Press, 2002. v. I, p. 335.
2
Cf. CASSESE, Antonio. Idem, ibidem.
3
JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O Tribunal Penal Internacional: a internacionalização do direito
penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 221.
4
Cf. CASSESE, Antonio. Genocide (…), cit., p. 335.
5
JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O Tribunal Penal Internacional (...), cit., p. 226.
6
Promulgado pelo Decreto 4.388, de 25 de setembro de 2002.
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O art. 6º do Estatuto define o crime de genocídio nos mesmos termos do art. 2º da
Convenção:7
Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “genocídio”, qualquer um dos atos que
a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo
nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:
a) homicídio de membros do grupo;
b) ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição
física, total ou parcial;
d) imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
e) transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.
No Brasil, a Convenção foi ratificada pelo Decreto 30.822, de 1952.
No plano interno, o crime de genocídio está previsto em três dispositivos legais:
a) na Lei 2.889/56. Aqui a definição legal se aproxima daquela contida na Convenção para
a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, de 1948, ratificada pelo Brasil em 1952 (...).
São também puníveis a associação para a prática de quaisquer desses crimes (art. 2º) e o
incitamento à prática de tais crimes (art. 3º).
b) no art. 208 do CPM (Decreto 1.001/69), que prevê o crime de genocídio praticado por
militar em tempo de paz. A descrição típica integra-se com a previsão do tipo penal de genocídio
previsto na Lei 2.889/56.
(...)
c) nos arts. 401 e 402 do mesmo CPM, que prevêem, da mesma forma, o crime de
genocídio praticado por militar em tempo de guerra.8
A Lei 2.889, de 1º de outubro de 1956, não fugiu aos tipos de genocídio descritos na
Convenção:
Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico,
racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe
a destruição física total ou parcial;
d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;
Será punido:
Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a;
Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b;
Com as penas do art. 270, no caso da letra c;
Com as penas do art. 125, no caso da letra d;
Com as penas do art. 148, no caso da letra e.
Não se nega, no caso, ser a Justiça Federal competente para a causa. Não há dúvida ao
propósito (cf. HC 65.912, Rel. Min. Célio Borja; RE 179.485, Rel. Min. Marco Aurélio).
7 Conforme pondera Cassese, “article 6 reproduces word for word Article II of the Genocide Convention
and the corresponding customary rule” (Genocide (…), cit., p. 347).
8
AMBOS, Kai; MALARINO, Ezequiel (Coord.). Persecução penal internacional na América Latina e
Espanha. São Paulo: IBCCRIM, 2003. p. 38-39.
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O que orienta a discussão aqui é a delimitação conceitual do bem jurídico protegido
pelo crime de genocídio, como pressuposto metodológico da resposta à questão última
de saber se incide, ou não, o disposto no art. 5º, XXXVIII, letra d, da Constituição da
República, que estatui a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida.
A respeito convém ouvir a doutrina.
Japiassú argumenta:
Com respeito ao bem jurídico protegido no crime de genocídio, Laplaza afirma que o
genocídio não ataca pessoas humanas concretas, mas o grupo a que essas pessoas pertencem. Em
realidade, o que se pretende proteger é o grupo ao qual aquele indivíduo pertence, seja ele racial,
étnico, nacional ou religioso.
Heleno Cláudio Fragoso, por seu turno, sustenta que as ações que configuram o genocídio
não se dirigem, a princípio, contra a vida do indivíduo, mas sim contra grupos de pessoas no todo.
O bem jurídico protegido, pois, seria “a vida em comum dos grupos de homens, na comunidade dos
povos, em primeiro lugar”.
Diferentemente, João Batista Klautau Leão afirma que, em realidade, são protegidos bens
jurídicos individuais, ou seja, a vida, a integridade física e a liberdade, de acordo com o comportamento que se tenha em vista, dentre os diversos previstos no tipo penal.
Em sentido semelhante, Carlos Canêdo faz menção à humanidade, além da vida e da
integridade física.
De toda sorte, o entendimento majoritário é aquele que admite que se trata da defesa de um
bem jurídico coletivo, aliás, um bem jurídico supra-individual, cujo titular não é a pessoa física,
mas o grupo, entendido como uma coletividade.9
Carlos Canêdo, mencionado no texto, tomando a Constituição da República como
ponto de partida e referência básica para a identificação do bem jurídico, sustenta que
“não é difícil perceber o crime de genocídio como antagônico à idéia de pluralidade e
diversidade humanas, que, repita-se, devem ser garantidas por um Estado Democrático de
Direito. Sem embargo, é claro, da óbvia constatação de que os bens jurídicos vida e
integridade física e mental são também afetados por este crime”.10
Heleno Cláudio Fragoso comunga desse entendimento ao afirmar que se não está
diante de crime contra a vida:
Não nos parece feliz a introdução no CP de disposições sobre o genocídio, particularmente
entre os crimes contra a vida. Nesse sentido, tivemos oportunidade de nos manifestar, em crítica
ao anteprojeto, salientando que o que caracteriza o genocídio é, precisamente, a sua projeção no
campo internacional e sua transcendência ao simples quadro do homicídio, como crime contra a
pessoa. Entendíamos que a natureza desses delitos claramente desaconselhava que o novo CP
deles se ocupasse, e sugeríamos que o art. 128 do anteprojeto fosse suprimido.11
9
JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O Tribunal Penal Internacional (...), cit., p. 230.
10
CANÊDO, Carlos. O genocídio como crime internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 186.
11 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Genocídio. Revista de Direito Penal, São Paulo, n. 9/10, p. 27-36, jan.jun./73, p. 31.
1366
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E, adiante, remata:
Objetividade jurídica. Todas as ações que configuram o crime de genocídio não se dirigem,
em primeira linha, contra a vida do indivíduo, mas sim contra grupos de pessoas, na sua totalidade.
Como bem jurídico tutelado surge, portanto, a vida em comum dos grupos de homens, na comunidade dos povos, em primeiro plano. Como diz Maurach, § 48, II A, o bem jurídico tutelado no
crime de genocídio reside em ideais humanitários: o entendimento de que todos os povos e grupos
de pessoas, não obstante suas diferenças, têm pretensão ao reconhecimento de sua dignidade
humana e existência.12
Celso Lafer, analisando a obra de Hannah Arendt, pondera:
O genocídio representa “um ataque à diversidade humana como tal”, isto é, as características de status humano, sem o qual as exatas expressões gênero humano ou humanidade ficariam
sem sentido.13
A conduta incriminada pode recair sobre o corpo humano, lesando-o ou extinguindo
a vida, mas, perante nosso direito positivo, não está aí o bem jurídico tutelado sob a figura
criminosa, senão modalidades da prática do genocídio.
Ao lado de comportamentos que atingem o corpo humano (vida e integridade física),
podem a liberdade de locomoção e a liberdade de livre disposição do corpo constituir
objeto de conduta incriminada, o que está logo a predicar que não são esses os bens
jurídicos protegidos, ao menos vistos na sua singularidade, mas, sim, conforme percebia
com agudeza Hannah Arendt – a qual dizia que a exterminação física de seis milhões de
judeus foi crime contra a humanidade perpetrado no corpo do povo judeu14 –, a humanidade na sua diversidade. Ou seja, o que se tem é crime contra a condição humana, que a
consciência e a ordem jurídica pretendem tutelar no plano doméstico e internacional:
Com efeito, a possibilidade e a intencionalidade de exterminar grupos étnicos, nacionais,
religiosos ou racionais – o comportamento ilícito tipificado no art. 2º da Convenção para a
Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio –, sejam eles judeus, poloneses, ciganos ou
quaisquer outros – vale dizer, a aspiração de fazer desaparecer da face da terra um grupo, antes de
ser um delito que fere os direitos das minorias é um crime contra a humanidade e a ordem
internacional porque visa eliminar a diversidade e a pluralidade que caracterizam o
gênero humano, que Kant pretende preservar falando do direito à hospitalidade universal e
apontando que a violação dos direitos de uns alcança a todos.15
Maria Barberá Fraguas observa que “el delito de genocidio no protege directamente bienes jurídicos individuales, aunque éstos se ven claramente protegidos de
forma indirecta, sino un bien jurídico supraindividual o colectivo que se puede definir
como la existencia o supervivencia de todos y cada uno de los grupos raciales, nacionales, religiosos o étnicos, entendidos éstos como unidad social”.16 Por discerni-lo do crime
12
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Genocídio (...), cit., p. 32.
13
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah
Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 180.
14
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos (...), cit., p. 180.
15
LAFER, Celso. Idem, p. 183.
16
BARBERÁ FRAGUAS, María. Derecho Penal Internacional: el genocidio y otros crímenes
internacionales. Autoría e participación: La responsabilidad del superior jerárquico, autoría inmediata.
Actualidad Penal, Madrid, n. 11, p. 253-275, 11 al 17 de marzo de 2002. p. 257. Mostra a autora que tal
postura é compartilhada ainda por Beltrán Ballester, Rodríguez Devesa e Muñoz Conde, entre outros.
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de homicídio, prossegue a autora, é decisivo ter em mente uma distinção fundamental: no
genocídio, o que se busca é “negar la vida a un grupo”, e, no homicídio, “negar la vida a
una pessoa”.17
Reforça, no caso, tal inteligência, a própria estima constitucional das populações
indígenas, ao considerá-las no conjunto de “sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições” (art. 231, caput, da Constituição da República), sem falar da valorização da diversidade e pluralidade humanas que governa a República Federativa do Brasil
nas relações internacionais (art. 4º, III).
O objeto jurídico tutelado imediatamente pelo crime de genocídio há de ser, pois, a
existência de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.18 A lesão à vida, à integridade
física, à liberdade de locomoção etc. é apenas meio de ataque ao bem jurídico tutelado,
que, nos diversos tipos de ação genocida, se não confunde com os bens primários também lesados por essas ações instrumentais, como logo veremos.
Alicia Gil Gil analisa a primeira sentença do Tribunal Supremo alemão (BGH) que
condenou alguém por crime de genocídio praticado mediante homicídios, lesões corporais e constrangimento ilegal. A questão central desse caso respeitava às relações concursais entre delito contra bem jurídico coletivo (o genocídio) e delitos cometidos na execução
do primeiro, contra bens jurídicos individuais personalíssimos.19
A sentença, datada de 30 de abril de 1999, reformou decisão anterior do Tribunal
Superior do Estado de Düsseldorf, que havia condenado um sérvio-bósnio por onze
delitos de genocídio, em concurso ideal (formal) com 30 assassinatos, 47 delitos de lesões
e mais de 300 detenções ilegais.20
O fio da meada residia, e reside, no “establecimiento de las relaciones concursales
existentes entre las distintas modalidades de comisión de un genocidio y entre esta figura
y aquellas otras que protegen bienes jurídicos individuales pero que constituyen al mismo
tiempo modalidades de comisión de un genocidio”. O resultado alcançado pelo Tribunal
Supremo alemão conduziu à condenação do réu por um só delito de genocídio, em concurso
ideal (formal) com trinta homicídios.21
Não é outra a questão posta no presente caso, onde se deve apurar qual o bem
jurídico tutelado sob o crime de genocídio, para que se descubra e determine a competência para a causa, se do juízo singular ou do Tribunal do Júri. E, mais, admitindo-se haver
17
BARBERÁ FRAGUAS, María. Idem, p. 258.
18
Bem jurídico coletivo, segundo Roxin, Devesa, Gonzales Rus, Varella Feijoo etc. (cf. BARBERÁ
FRAGUAS, María. Derecho Penal Internacional (...), cit., p. 259).
19
GIL GIL, Alicia. Comentario a la primera sentencia del Tribunal Supremo Alemán condenando por el
delito de genocidio (Sentencia del BGH de 30 de abril de 1999 – 3 StR 215/98 – OLG Düsseldorf):
relaciones concursales entre un delito contra un bien jurídico colectivo – el genocidio – y los delitos
contra bienes jurídicos individuales personalísimos cometidos en su ejecución. Revista de Derecho Penal
y Criminología, Madrid, n. 4, p. 771-798, 2ª época, 1999.
20
GIL GIL, Alicia. Comentario a la primera sentencia del Tribunal Supremo Alemán condenando por el
delito de genocidio (...), cit., p. 771.
21
GIL GIL, Alicia. Idem, p. 772.
1368
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concurso de crimes (lesão a bem jurídico individual e lesão a bem jurídico coletivo),
quando o genocídio seja praticado por meio de homicídios, resta indagar se a competência para aqueloutro delito deve ser atribuída ao Tribunal do Júri, por conexão.
À resposta, começo por notar que a redação do tipo legal do genocídio, no ordenamento germânico, obedece ao modelo da Convenção para a Prevenção e Repressão do
Crime de Genocídio, de 1948, e ao qual, como vimos, filiou-se a legislação brasileira. Daí
toda a pertinência de recurso crítico às idéias desenvolvidas pela autora no âmbito do
direito penal alemão.
Pois bem, divisam-se, no tema, duas ordens de problemas:
a) Em primeiro lugar, é mister aferir desde logo se, dentro de uma mesma modalidade,
as condutas homogêneas constitutivas do crime de genocídio implicam a prática de um ou
de vários delitos de genocídio em concurso real, isto é, “si los asesinatos de dos miembros de un grupo constituyen uno o dos genocidios”.22 Em seguida, deve-se avaliar a
relação existente entre as distintas modalidades de genocídio, para saber, “por ejemplo, si
el asesinato de un miembro del grupo y las lesiones infringidas a otro constituyen uno o
dos delitos de genocidio”.23
b) Em segundo lugar, cumpre enfrentar a problemática concernente à relação entre
crime de genocídio e cada uma das figuras delituosas que, consideradas em si mesmas,
substanciam crimes autônomos contra bens jurídicos individuais, mas que, animadas
pelo elemento subjetivo exigido pelo tipo legal do genocídio, atuam, ao mesmo tempo,
como modalidades comissivas do crime de genocídio.
A solução deste caso envolve as duas ordens de questões: (i) a de perquirir se as
condutas homogêneas importam a prática de um ou de vários delitos de genocídio, e (ii) a
da relação entre o crime de genocídio e cada um dos (doze) homicídios praticados pelos
Recorrentes.
Sob a luz do pensamento da professora espanhola, analiso-as em separado, não sem
antes observar que a questão do concurso entre o crime de genocídio e os de homicídio,
pelo que colhi ao exame dos precedentes, ainda não foi examinada nesta Casa. Nos autos
do HC 65.913 (Rel. Min. Célio Borja), conquanto estivesse em jogo a tipificação dos
homicídios praticados contra índios – ali, a acusação era de homicídio qualificado, lesões
corporais, violação de domicílio e formação de bando ou quadrilha –, entendeu o Relator
de não apreciá-la na via estreita do writ, relegando-lhe a apuração ao juízo da ação penal:
A tipificação da conduta dos Pacientes como crime de genocídio demanda o exame
aprofundado de provas que, a meu juízo, desborda dos estreitíssimos limites do writ impetrado.
Penso que somente no curso da ação penal será possível deslindar questão tão delicada. Daí a
cautelosa advertência do Ministro Assis Toledo, ao dizer que tal não sendo possível em habeas
corpus, não pretendia, em seu voto, dar qualificação jurídica definitiva –, menos ainda, julgar os
fatos denunciados;
(Fls. 210/211.)
22
GIL GIL, Alicia. Comentario a la primera sentencia del Tribunal Supremo Alemán condenando por el
delito de genocidio (...), cit., p. 773.
23
GIL GIL, Alicia. Comentario a la primera sentencia del Tribunal Supremo Alemán condenando por el
delito de genocidio (...), cit., p. 773.
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1369
Quanto ao primeiro ponto, a solução adotada pelo Tribunal alemão foi que todos os
atos cometidos em execução de um genocídio constituem um só crime, ou seja, “una
unidad de acción en sentido típico, pues así se desprende de la génesis, el fin de protección y la descripción típica del precepto”.24 Esta posição veio, continua Gil Gil, da compreensão – aliás, por ela subscrita –, “del delito de genocidio como protector exclusivamente del bien jurídico ‘existencia de un grupo nacional, racial, étnico o religioso’,
siendo el individuo únicamente el ‘objeto del hecho’, y quedando, por tanto, fuera de su fin
de protección los bienes jurídicos individuales, cuya lesión deberá ser considerada mediante el concurso de delitos”.25
Donde, todas as distintas ações previstas – “matar”, “causar lesão grave”, “submeter o grupo a condições capazes de causar sua destruição total ou parcial”, “adotar
medidas para impedir nascimentos”, “efetuar transferência forçada de crianças” – não
representarem tipos independentes, senão modalidades diversas de comissão do crime
de genocídio.
Indaga-se aqui: nas modalidades que se consumam mediante ataque singular contra
um membro do grupo, estará, em caso de repetição contra outros membros, configurada
pluralidade de delitos ou uma unidade típica?
Como vimos, a resposta do Tribunal alemão foi de caracterização da unidade, consoante, aliás, propunha a doutrina.26 A autora é da mesma opinião e aduz: “el propio tipo
del genocidio al utilizar conceptos globales (muertes, lesiones, traslados (...) permite la
inclusión de la repetición de actos homogéneos en una sola realización del tipo pudiendo
hablarse, como bien afirma el BGH, de una ‘unidad de acción típica’, siguiendo la terminología tradicional, o ‘unidad típica en sentido estricto’, el la terminología más moderna”.27
Como não poderia deixar de ser, dada a já vista identidade da matriz normativa,28
nosso ordenamento estruturou os tipos penais, definindo-lhes as condutas com igual
alcance, mediante uso de termos coletivos, como, por exemplo, “membros”, “grupo”,
“nascimentos”, “crianças”.
E conclui a professora espanhola, a meu ver de forma irretorquível: “la realización de
varias muertes de miembros del grupo con la intención de destruir ese grupo constituirá
un único delito de genocidio en la modalidad de muerte, y lo mismo sucederá con las
demás modalidades”.29 Tem-se coisa idêntica quando haja prática de outras modalidades
típicas de genocídio – como homicídio e transferência forçada de crianças, ou homicídio
e lesões corporais –, casos em que se dá um único crime de genocídio.
24
GIL GIL, Alicia. Idem, ibidem.
GIL GIL, Alicia. Comentario a la primera sentencia del Tribunal Supremo Alemán condenando por
el delito de genocidio (…), cit., p. 774. Grifei.
26 Cf. GIL GIL, Alicia. Idem, p. 774-775.
27 GIL GIL, Alicia. Idem, p. 775.
25
28
29
A Convenção de 1948.
GIL GIL, Alicia. Comentario a la primera sentencia del Tribunal Supremo Alemán condenando por
el delito de genocidio (...), cit., p. 776.
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Apesar da cominação diferenciada de penas – que se repete no sistema espanhol,30
não, porém, no alemão –, a hipótese é de tipo misto alternativo, no qual cada uma das
modalidades, incluídos seus resultados materiais, só significa distinto grau no desvalor
da ação criminosa: “dado que en todas las modalidades de genocidio se recogen las
formas más graves de atentar contra la existencia del grupo y que en principio se consideran capaces de producir su destrucción, parece que habrá que concluir que su tipificación
no se debe a que cada una de ellas aporte un injusto específico que no puede ser recogido
por la aplicación de una sola, sino que, por el contrario, son todas formas distintas de
ataque al mismo bien jurídico”.31
Tal conclusão parece-me irrespondível, porque “el hecho de haber calificado la
repetición de acciones homogéneas como unidad delictiva viene a abonar de manera
indiscutible esta tesis, pues carecería de sentido afirmar que el que comete una muerte con
intención realiza dos delitos de genocidio, mientras que el que comete dos muertes con la
misma intención ha realizado un sólo delito de genocidio”.32
Uma só aplicação do tipo penal, nesses casos, realiza todo o juízo de desvalor nele
representado, em curial correspondência com sua estrutura típica: crime decomponível em
vários atos, em que a intenção de destruir o grupo compreende a intenção de praticar os
atos individuais que levam à destruição perseguida.
Entende-se, pois, haja o tribunal alemão proclamado hipótese típica de crime que se
comete mediante repetição de atos e, em cujos limites, um ataque se soma a outro ou
outros como mera progressão no mesmo ataque ao bem jurídico. Essa qualificação jurídica afina com “la idea de que a progresión en el ataque a un mismo bien jurídico constituye una unidad delictiva, y en segundo lugar con la idea de que en los delitos de varios
actos la realización de los mismos constituye también una unidad típica en sentido estricto incluso cuando el segundo o posteriores actos aparecieran únicamente como elementos subjetivos de lo injusto”,33 demonstrativos, no caso do genocídio, da “intenção de
destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso” (art. 1º, caput, da
Lei 2.889/56).
Aplicadas tais noções à espécie, tenho que a solução dada pelas instâncias inferiores não é de censurar. Os diversos ataques (homicídios) reputam-se uma unidade delitiva,
e por um só crime de genocídio foram os Recorrentes condenados, com base na pena
atribuída à forma de ataque mais grave, ou seja, a prevista na primeira parte da cominação,
equivalente à pena prevista para o art. 121, § 2º, do Código Penal.34 Além disso, creio
haver demonstrado de forma satisfatória que o genocídio não é crime doloso contra a
vida, o que constitui razão a mais da competência do juízo monocrático.
30
GIL GIL, Alicia. Idem, p. 777 e 778, nota 28.
31
GIL GIL, Alicia. Comentario a la primera sentencia del Tribunal Supremo Alemán condenando por
el delito de genocidio (...), op. cit., p. 779.
32
Idem, ibidem.
33
GIL GIL, Alicia. Comentario a la primera sentencia del Tribunal Supremo Alemán condenando por
el delito de genocidio (...), op. cit., p. 780.
34
Homicídio qualificado, pena de reclusão de 12 a 30 anos.
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1371
Mas a questão recursal não se esgota no reconhecimento da prática do genocídio:
há, por aquilatar, a concorrência dos doze homicídios perpetrados pelos Recorrentes na
execução do delito de genocídio.
Observe-se que, entre nós, a pena para quem pratica as diversas modalidades de
execução do crime de genocídio, mediante repetições homogêneas ou não, será sempre
uma só, conforme a remissão da lei às penas previstas no Código Penal. Poderia ter sido
outra a opção normativa. Mas a adotada o foi por considerá-las todas um só ataque ao
bem jurídico coletivo –“existência de um grupo nacional, racial, étnico ou religioso” –, cuja
maior ou menor gravidade reflete-se na maior ou menor gravidade da modalidade cometida
(art. 1º, letras a a e). Os crimes praticados em concurso contra os bens jurídicos personalíssimos (vida, integridade física, liberdade etc.), esses remanescem como tais, sem
absorção pelo crime de genocídio.
A forma de cominação da pena em nossa lei é, aliás, a prova mesma de que o
genocídio corporifica crime autônomo contra bem jurídico coletivo, diverso dos ataques
individuais que compõem modalidades de sua execução. Ou seja, o desvalor do crime de
genocídio não absorve nem dilui o desvalor dos crimes contra bens jurídicos individuais
ofendidos na prática dos atos próprios de cada modalidade de sua execução. Fosse outra
a conclusão, à prática do crime mais grave corresponderia – como ocorreu no caso – pena
mais branda!
E este caso bem o ilustra. Os Recorrentes foram condenados à pena-base de 15
(quinze) anos de reclusão, aumentada por força de duas agravantes (art. 61, II, c e 62, I, do
CP) e definida no total de 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses de reclusão (fls.1203-1207),
no que tange ao genocídio. Se, por hipótese, tivessem os réus cometido homicídios
contra doze pessoas, sem especial intenção de destruir grupo indígena, a sanção seria
muito mais severa!
Está a ver-se que, a despeito de aparente contradição, é da concepção típica do
delito e da própria lógica normativa admitir-se que a figura criminosa do genocídio não
tende a proteger a vida, a integridade física etc., como se poderia supor e se supõe com
freqüência, pois que a ofensa singular a tais bens jurídicos não integra o juízo normativo
de desvalor inerente ao crime de genocídio, como se colhe e prova à sanção penal a este
cominada.
Deve ser afastada, aqui, toda idéia de conflito aparente de normas.
Segundo Juarez Cirino dos Santos, as soluções cogitadas para tal conflito fundamse no seguinte raciocínio: “o conteúdo de injusto de um tipo legal compreende o conteúdo de injusto de outro tipo legal e, assim, o tipo legal primário exclui o tipo legal secundário, que não contribui para o injusto típico, nem para a aplicação da pena”.35 É daí que se
extraem as regras da especialidade, subsidiariedade, consunção e antefato e pós-fato
co-punidos.
35
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
2002. p. 345.
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R.T.J. — 200
Segundo o critério da especialidade, o tipo especial contém todos os elementos do
tipo geral e mais algum especial e, assim, exclui o tipo geral por “uma relação lógica de
continente e conteúdo: o tipo especial contém o tipo geral, mas o tipo geral não contém o
tipo especial (lex specialis derogat legi generali)”.36
Como vimos, o tipo penal do genocídio não corresponde à soma de um crime de
homicídio mais um elemento especial (“intenção de destruir um grupo”) – quando a causa
seria da competência do Tribunal do Júri –, até porque pode ser praticado mediante outras
formas que não a do homicídio. O homicídio é, aí, só modalidade de execução do delito, o
que desloca a hipótese para o domínio do critério da consunção.
Sob a diretriz da subsidiariedade, resolve-se o conflito por inferência. Assim, o tipo
subsidiário somente será aplicado quando não o for o tipo principal, “porque diferentes
normas penais protegem iguais bens jurídicos em diferentes estágios de agressão (lex
primaria derogat legi subsidiariae)”.37 Conforme põem em relevo Giovanni Fiandaca e
Enzo Musco, só há subsidiariedade diante de tipos dispostos à proteção do mesmo bem
jurídico: “il princípio di sussidiarietà intercorrerebbe tra norme che prevedono stadi o
gradi diversi di offesa di un medesimo bene; in modo tale che l’offesa maggiore assorbe la
minore e, di conseguenza, l’applicabilità dell’una norma è subordinata alla non applicazione
dell’altra”.38
Ora, é inaplicável o critério ao caso, porque não há identidade de bem jurídico entre
os crimes de genocídio e os de homicídio.
Considere-se, por fim, o da consunção,39 segundo o qual o tipo consuntivo repele
aplicação do tipo consunto: “o conteúdo de injusto do primeiro tipo consome o conteúdo
de injusto do segundo, porque o tipo consumido constitui meio regular (não, porém,
necessário) de realização do tipo consumidor (lex consumens derogat legi consumptae)”.40
Nesses casos, “um tipo descarta outro porque consome ou exaure o seu conteúdo
proibitivo”, ou seja, “quando um resultado eventual já está abarcado pelo desvalor que
da conduta faz outro tipo legal”.41
36
SANTOS, Juarez Cirino dos. Idem, p. 346.
37
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato (...), cit., p. 347.
38 FIANDACA, Giovanni; MUSCO, Enzo. Diritto penale: parte generale. Terza edizione. Bologna:
Zanichelli, 1995, p. 619.
39
Como aponta Juarez Cirino Dos Santos, “a literatura contemporânea oscila entre posições de
aceitação reticente e de rejeição absoluta do critério da consunção” (A moderna teoria do fato
punível (...), cit., p. 349). No mesmo sentido, TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de
direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 52.
40
41
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato (...), cit., p. 348.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:
parte geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 697.
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A consunção, ou absorção, atende a uma relação de valor:
Il principale criterio non logico, ma di valore utilizzato per risolvere i casi di conflitto
apparente tra norme non risolubili alla stregua del rapporto di specialità, è quello dell’
assorbimento o – come anche si dice – della consunzione: esso è invocabile per escludere il
concorso di reati in tutte le ipotesi nelle quali la realizzazione di un reato comporta, secondo l’id
quod pelumque accidit, la commissione di un secondo reato, il quale perciò finisce, ad una
valutazione normativo-sociale, con l’apparire assorbito dal primo.
Questo rapporto di implicazione o compresenza tra più reati, suffragato
dall´esperienza, non può sfuggire allo stesso legislatore, il quale, nel prevedere il trattamento per il reato più grave, fissa una sanzione adeguata a coprire anche il disvalore del
reato meno grave che normalmente vi si accompagna.
Caratteristiche essenziali del principio dell’assorbimento, pertanto, sono le seguenti: 1)
esso non poggia su di un rapporto logico tra norme, ma su di un rapporto di valore, in base al
quale l’aprezzamento negativo del fatto concreto appare tutto già compreso nella norma che
prevede il reato più grave, con la conseguenza che la contemporanea applicazione della norma
che prevede il reato meno grave condurrebbe ad un ingiusto moltiplicarsi di sanzioni; 2) esso
richiede non la identità naturalistica (come il principio di specialità), bensì la unitarietà
normativo-sociale del fatto”.42
Não há, portanto, como dar por consunção dos homicídios pelo crime de genocídio,
já que, em nosso ordenamento, a cominação da sanção penal logo revela que o desvalor
do homicídio não está absorvido pelo desvalor da conduta do crime de genocídio,
como suponho ter demonstrado. Insisto: quem matar doze membros de um grupo, com a
intenção de destruí-lo no todo ou em parte, receberá uma só pena, de 12 (doze) a 30 (trinta)
anos, pela prática do genocídio, sem prejuízo da pena relativa a cada um dos ataques aos
bens jurídicos personalíssimos. Absurdo palpável seria aplicar a quem mate diversos
membros de um grupo, com a particular intenção de o destruir, a pena de um só homicídio,
posto que qualificado, no lugar de tantas quantas sejam devidas por todos os homicídios.
Tampouco parece fora de propósito raciocinar por confronto com o caso do crime de
latrocínio, em que o desvalor do tipo qualificado consome o conteúdo proibitivo do crime
de homicídio, como se lhe tira à descrição do Código Penal:
Art. 157. (...)
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15
(quinze) anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem
prejuízo da multa.
O latrocínio é exemplo de crime complexo, em que se dá unificação legal, sob a forma
de um único crime, de duas ou mais figuras criminosas, “i cui elementi costitutivi sono
tutti compresi nella figura criminosa risultante dall´unificazione”.43 Ou seja, é daqueles
crimes “em cuja composição normativa entram dois ilícitos penais autônomos, seja como
elementos constitutivos do tipo, seja um como tipo básico e outro como circunstância
agravante”.44
42
FIANDACA, Giovanni; MUSCO, Enzo. Diritto penale (...), cit., p. 620. Grifos nossos.
FIANDACA, Giovanni; MUSCO, Enzo. Idem, p. 624.
44 ANDREUCCI, Ricardo Antunes. Apontamentos sobre o crime complexo. Estudos e pareceres de
Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p. 40.
43
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Não é o que sucede com o crime de genocídio, cujo tipo não resulta da soma de duas
figuras criminosas, pois é atípico um atuar qualquer “com a intenção de destruir, no todo
ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, de modo que nele não há fusão
normativa de dois crimes sob outra figura típica, mas a construção de novo tipo penal,
que protege bem jurídico próprio (existência de grupo nacional, étnico, racial ou
religioso) e que pode ser realizado por modalidades de agir que, por si sós, constituem
crimes contra outros bens jurídicos (individuais), cuja vulneração teórica não está compreendida no desvalor do crime de genocídio.
Esta mesma questão foi ventilada pelo tribunal alemão, que repeliu a hipótese de
“delito massivo consuntivo”, segundo a qual “el delito en cada una de las modalidades es
capaz de consumir todo el desvalor de todos los delitos recogidos en todos los subtipos
compuestos”,45 daí decorrendo unidade do crime de genocídio, que absorveria todos e
cada um dos diferentes delitos que lhe compõem as várias modalidades de prática. Tal
solução foi rechaçada diante da “unanimidad doctrinal y la propia jurisprudencia del BGH
sobre la imposibilidad de apreciar unidad delictiva en caso de ataques a bienes jurídicos
personalísimos pertenecientes a titulares diferentes”.46 A doutrina sustenta deveras, conforme observou Alicia Gil Gil, que não se pode enxergar unidade de ação delituosa contra
bens eminentemente pessoais (vida, integridade pessoal, liberdade individual, honra ou
liberdade sexual) de diversos sujeitos passivos.
O disposto no parágrafo único do art. 71 do nosso Código Penal entra, aliás, na
linhagem dessa postura dogmática, ao reservar tratamento mais gravoso à continuidade
delitiva, quando se trate de crimes dolosos contra vítimas diferentes:
Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência
ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta
social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de
um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do
parágrafo único do art. 70 e do 75 deste Código.
Alicia Gil Gil entende que, “cuando un sujeto atenta contra varios individuos
cometiendo lesiones de bienes jurídicos individuales como la vida, la integridad corporal, la libertad sexual, etc. y además lo hace con la intención de destruir el grupo al que
dichos individuos pertenecen, está cometiendo un genocidio, delito para el que todas
esas conductas suponen únicamente una progresión en el ataque al mismo bien jurídico
y quedan integradas en una unidad delictiva, y comete al mismo tiempo los respectivos
delitos de homicidio o asesinato, lesiones, agresiones sexuales, etc.”47 Estes últimos delitos
encontram-se numa relação de concurso formal com o crime de genocídio, “pues la acción
de dar muerte es una parte de la acción de cometer genocidio, pero entre si, como también
45
GIL GIL, Alicia. Comentario a la primera sentencia del Tribunal Supremo Alemán condenando por
el delito de genocidio (...), cit., p. 787.
46
47
GIL GIL, Alicia. Idem, ibidem.
GIL GIL, Alicia. Comentario a la primera sentencia del Tribunal Supremo Alemán condenando por
el delito de genocidio (...), cit., p. 791.
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1375
reconoce el BGH, esos delitos contra bienes jurídicos personalísimos son absolutamente
independientes”,48 donde se deveria afirmar que há concurso real – “ya que la acción de
matar a un sujeto A es distinta e independiente de la acción de lesionar a otro sujeto B” –
entre os crimes de homicídio em concurso formal com o crime de genocídio.49
Noutras palavras, a regra do concurso real levaria à soma das penas dos homicídios,
que, então, deveriam ser comparadas com a do genocídio, para que, seguindo agora a
regra do concurso formal, se optasse pela mais severa, com a agravação prevista em lei.
Não foi esta, porém, a solução adotada pelo BGH, que aplicou a “teoria do efeito
braçadeira” entre os delitos em concurso. Essa teoria foi desenvolvida na Alemanha
diante da questão da relação entre crime permanente e outros crimes, cada um dos quais
cometido em unidade de ação com a daquele, mas sendo todos independentes entre si.
Segundo a teoria, “dos o más delitos, pese a no hallarse entre si en relación de unidad
alguna – en concurso real, por tanto –, cuando coincidan cada uno de ellos por separado
con una parte de una tercera y la misma unidad de acción con un mismo delito A, entonces
han de considerarse todos en unidad de acción, debiendo apreciarse un concurso ideal de
delitos entre A, B e C”.50
Em nosso caso, todavia, a solução parece-me deva ser diferente. Entre os diversos
crimes de homicídio, creio existir continuidade delitiva, pois presentes, ao menos aí, os
requisitos da identidade de crimes, bem como de condições de tempo, lugar e maneira de
execução, e cuja pena há de atender ao disposto no art. 71, parágrafo único, do Código
Penal. E, entre tal crime continuado e o de genocídio, dá-se concurso formal, submisso à
regra do art. 70, caput, segunda parte, já que, no contexto dessa relação, cada homicídio
e o genocídio resultam de desígnios autônomos.
Tal perspectiva guarda relevante conseqüência teórica para o caso, e, daí, a larga
digressão a que tive de recorrer. É que, havendo concurso entre crimes dolosos contra a
vida (os homicídios) e o crime de genocídio, a competência para julgá-los todos seria do
Tribunal do Júri, à luz do art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, e do art. 78,
inciso I, do Código de Processo Penal.
Mas os Recorrentes não foram condenados pelos crimes de homicídio, senão apenas pelo de genocídio. E o recurso é exclusivo da defesa, vedada, pois, reformatio in
pejus. Assim, resta-me tão-só negar-lhe provimento, já que, como visto, o delito de genocídio não é crime doloso contra a vida, mas contra a existência de grupo nacional, étnico,
racial ou religioso.
2. Isso posto, nego provimento ao recurso.
48
GIL GIL, Alicia. Idem, ibidem.
49
GIL GIL, Alicia. Comentario a la primera sentencia del Tribunal Supremo Alemán condenando por
el delito de genocidio (...), cit., p. 798.
50
GIL GIL, Alicia. Comentario a la primera sentencia del Tribunal Supremo Alemán condenando por
el delito de genocidio (...), cit., p. 792.
1376
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VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É curioso, essa parte final não tem a ver com o caso.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): A meu ver, eles deveriam ter sido processados
também por homicídio, mas não foram. Só foram condenados por genocídio, e o recurso é
apenas da defesa.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sobre essa questão obviamente o Tribunal manifestar-se-á em outra oportunidade.
Acompanho o eminente Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, na apreciação do RE 179.485-2/AM,
não se discutiu se a competência para o julgamento do crime de genocídio é do juiz singular
ou do Tribunal do Júri, mesmo com características federais.
A Turma simplesmente concluiu pela incidência do art. 109, inciso IX, da Carta da
República, assentando a competência da Justiça Federal.
Na espécie, restou configurado o tipo previsto na Lei 2.889, de 1º de outubro de
1956. E, conforme salientado em memorial, talvez – e ainda bem, porque não há repetição
de casos – seja a primeira condenação a partir dessa lei.
O Supremo, relativamente a crime complexo, tem jurisprudência pacificada, presente
o Verbete 603. Proclamou que, em se tratando de latrocínio, prevalece o elemento subjetivo,
sobressai o objeto buscado pelo agente: a subtração de bem. A competência é do juízo
singular.
Aqui – não há a menor dúvida, isso ficou devidamente configurado, é a verdade
formal – tem-se crime contra grupo humano. Então, surge a problemática ressaltada pelo
Relator e, de início, não veria um efeito prático, considerado o recurso dos agentes, já que,
presente a continuidade delitiva e a prevalecer a conclusão sobre o homicídio, incidiria o
§ 1º do art. 71 do Código Penal, com possibilidade de a pena ser majorada até o triplo.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, mas o que o Recorrente pretende é responder apenas pelo genocídio, mas perante o Tribunal do Júri.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Exatamente.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim, mas não temos a possibilidade de enquadramento
no Código Penal, considerada a figura do homicídio. Muito embora o núcleo do tipo seja
a morte, a disciplina é a da Lei 2.889/56.
Não quero me comprometer com a possibilidade de sobreposição; com a possibilidade de, tendo em conta esse núcleo, vir o agente a responder não só pelo crime específico – a solução da controvérsia é pela especialidade – como também pelo crime de
homicídio.
Acompanho integralmente o Relator no voto proferido, desprovendo o recurso.
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VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, acompanho o eminente
Relator, que proferiu um voto antológico.
Também eu não amadureci bastante para, pela simples leitura desse voto magnífico,
comprometer-me com a tese da autonomia do genocídio em relação aos crimes comuns,
incluídos aqueles contra a vida, em que se tenha materializado. Embora me impressione
muito o argumento do eminente Relator de que, a não ser assim, o genocídio seria um
grande negócio, se se afirma que, seja qual for a figura típica do concurso de normas, a
absorção dos homicídios pelo genocídio. Não, abstraído o genocídio, teríamos um crime
continuado com violência à pessoa – doze homicídios –, o que autorizaria a aplicação da
pena de três homicídios, pelo menos, conforme o parágrafo único do art. 71 do Código.
Mas me reservo a uma reflexão maior, até porque o ne reformatio in pejus impediria
de dar conseqüências práticas a essa postura.
O Sr. Ministro Carlos Britto: O Ministro Cezar Peluso autonomizou as figuras do
genocídio e do homicídio. Ficou bem claro isso!
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, mas sem conseqüências, porque o recurso
é só da defesa. O que os Réus querem é responder apenas pelo genocídio – pelo qual
foram condenados pelo juiz singular – perante o Tribunal do Júri. É isso que se está
negando, nada mais que isso.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, vou subscrever, também, as ressalvas dos votos dos eminentes Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Sepúlveda
Pertence.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Em xeque está a opção político-legislativa. Imaginemos,
no caso, doze ou treze mortes e, aí, mesmo que, no Tribunal do Júri, o juiz presidente
ficasse aquém dos vinte anos para não ensejar um novo Júri, ter-se-ia a incidência da
majoração maior, que é até o triplo da pena aplicada. Foi o que ressaltou o Relator: passa
a ser favorável ao acusado a prática do genocídio, considerado o núcleo “morte”. É
interessante!
O Sr. Ministro Carlos Britto: Apenas para pensar em conjunto: com essa separação
entre os dois tipos, o genocídio passaria a se caracterizar como a mais grave violação dos
direitos humanos.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Com a separação. Se o genocídio absorve os
homicídios, é mais favorável do que a incriminação de homicídios qualificados, ainda que
em continuidade delitiva, quando o parágrafo único do art. 71 do Código permitiria a
aplicação até o triplo da pena-base.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Geralmente, no campo federal, o sentenciante tem mão
pesada. Aqui, dentro de um balizamento de doze a trinta, ele ficou em dezenove.
1378
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EXTRATO DA ATA
RE 351.487/RR — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrentes e Recorridos: João
Pereira de Morias ou João Pereira de Morais, Juvenal Silva, Eliésio Monteiro Neri ou
Eliézio Monteiro Neri, Pedro Emiliano Garcia (Advogados: Pedro Luiz de Assis e outros e
Edir Ribeiro da Costa) e Ministério Público Federal. Assistentes: Fundação Nacional do
Índio – FUNAI (Advogado: Advogado-Geral da União) e Davi Kopenawa Yanomami
(Advogados: Aristides Junqueira Alvarenga e outros).
Decisão: A Turma decidiu afetar ao Tribunal Pleno o julgamento do presente recurso
extraordinário. Unânime. Presidiu o julgamento o Ministro Marco Aurélio. Não participaram deste julgamento os Ministros Sepúlveda Pertence e Eros Grau. Primeira Turma,
20-9-05.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do
voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, o
Ministro Celso de Mello.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa,
Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr.
Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 3 de agosto 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 401.071 — SC
Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto
Agravante: Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo de Blumenau –
SINPEB — Agravado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis – IBAMA
Agravo regimental. Recurso extraordinário. Tributário. Taxa de controle e fiscalização ambiental (TCFA). Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e Recursos Naturais e Renováveis (IBAMA). Lei 10.165/00. Legitimidade.
Plenário.
O Supremo Tribunal Federal declarou a legitimidade da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), no julgamento do RE 416.601, Relator o Ministro Carlos Velloso.
A propósito, menciono as seguintes decisões singulares, todas com
trânsito em julgado: RE 465.371, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence; RE
440.890, Relator o Ministro Gilmar Mendes; 464.006, Relator o Ministro
Celso de Mello; e RE 433.025, de minha relatoria.
Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 18 de abril de 2006 — Carlos Ayres Britto, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de agravo regimental contra decisão
singular do seguinte teor:
Cuida-se de recurso extraordinário, no qual se discute a constitucionalidade da Taxa de
Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), na forma da Lei 10.165/00.
Pois bem, devo dizer que o Plenário desta excelsa Corte, no julgamento do RE 416.601,
Relator o Ministro Carlos Velloso, reconheceu a constitucionalidade da exação. Ao assim decidir,
afirmou o Tribunal que a mencionada taxa “decorre do poder de polícia exercido pelo Ibama, e
tem por hipótese de incidência a fiscalização de atividades poluidoras e utilizadoras de recursos
ambientais, sendo dela sujeitos passivos todos os que exerçam referidas atividades, as quais estão
elencadas no anexo VII da lei. Além disso, a base de cálculo da taxa varia em razão do potencial
de poluição e do grau de utilização de recursos naturais, tendo em conta o tamanho do estabelecimento a ser fiscalizado, em observância aos princípios da proporcionalidade e da retributividade”
(Informativo 396).
Isso posto, aplico o entendimento esposado pelo Plenário desta Casa de Justiça e nego
seguimento ao recurso. O que faço com base no caput do art. 557 do CPC e no § 1º do art. 21 do
RISTF.
Publique-se.
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2. Pois bem, a parte agravante alega que “a exigência das taxas de polícia pressupõe o
efetivo exercício do poder de polícia por parte do Estado, dirigido especificamente ao contribuinte.” Sustenta que o entendimento firmado pelo Plenário desta colenda Corte (RE
416.601, Relator o Ministro Carlos Velloso) não deve ser estendido a outras empresas,
sendo de rigor a análise das peculiaridades de cada uma delas. Pede, ao final, a reconsideração da decisão agravada e seja declara inconstitucional a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA).
3. Havendo mantido a decisão agravada, submeto o feito à apreciação desta Turma.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Tenho que o agravo regimental não
merece acolhida. É que o Plenário desta colenda Corte, no julgamento do RE 416.601,
Relator o Ministro Carlos Velloso, entendeu legítima a Taxa de Controle e Fiscalização
Ambiental (TCFA) do Instituo Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais e
Renováveis (IBAMA). Eis a ementa que resultou daquele julgamento:
Constitucional. Tributário. Ibama: taxa de fiscalização. Lei 6.938/81, com a redação da
Lei 10.165/2000, arts. 17-B, 17-C, 17-D, 17-G. CF, art. 145, II.
I - Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA) do Ibama: Lei 6.938, com a redação
da Lei 10.165/2000: constitucionalidade.
II - Recurso Extraordinário conhecido em parte, e não provido.
6. No mesmo sentido, cito as seguintes decisões singulares, todas com trânsito em
julgado: RE 465.371, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence; RE 440.890, Relator o Ministro Gilmar Mendes; 464.006, Relator o Ministro Celso de Mello; e RE 433.025, de minha
relatoria.
7. Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
EXTRATO DA ATA
RE 401.071-AgR/SC — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: Sindicato do
Comércio Varejista de Derivados de Petróleo de Blumenau – SINPEB (Advogados:
Marcos Grutzmacher e outro). Agravado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis – IBAMA (Advogado: Joaquim Ladislau Pires Júnior).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. Compareceu o Ministro Eros
Grau a fim de julgar processos a ele vinculados, ocupando a cadeira do Ministro Ricardo
Lewandowski. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques.
Brasília, 18 de abril de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 200
1381
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 426.147 — TO
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Agravante: Estado do Tocantins — Agravada: Iolete dos Santos Aguiar
Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Servidor público
inativo. Redução de vencimentos. Inobservância do contraditório e da ampla
defesa. Não-instauração de processo administrativo. Violação verificada. 3. A
garantia do direito de defesa contempla, no seu âmbito de proteção, todos os
processos judiciais ou administrativos. Precedentes. 4. Agravo regimental a
que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie (RISTF, art. 37, II),
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de
votos, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 28 de março de 2006 — Gilmar Mendes, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao apreciar o RE 426.147, proferi a seguinte decisão
(fls. 339-341):
Despacho: Trata-se de recurso extraordinário interposto com fundamento no art. 102,
III, a, da Constituição Federal, contra acórdão assim ementado:
Mandado de segurança – Servidor público inativo – Ato administrativo – Redução
sumária de vencimentos – Falta do devido processo legal – Ausência do direito de ampla
defesa – Segurança concedida.
- A redução dos proventos de servidor público modificando situação já alcançada,
que repercuta em interesse individual, sem que lhe tenha sido oportunizada a ampla defesa
em regular processo administrativo, afigura-se contrária a norma insculpida no art. 5º, LIV
e LV, da Constituição Federal, de observância obrigatória.
Mandado de segurança – Servidor do quadro do magistério estadual – Elevação
de nível dentro da própria carreira – Professora portadora de curso superior – Direito
assegurado.
- A correta interpretação do art. 19 da Lei 351/92 é no sentido de assegurar ao
servidor ocupante de cargo no magistério estadual a elevação de nível dentro da própria
carreira de professor, não se tratando, no caso de “ascensão funcional”, não ferindo, assim,
o art. 37 da Carta Magna.
- Direito líquido e certo do servidor tem garantia constitucional assegurada na
Constituição Federal (art. 5º, incisos XXXV, XXXVI, LV e LXIX).
Alega-se violação ao art. 37, II, da Carta Magna. Sustenta-se que o ato da Administração
Pública de concessão de acesso ao cargo de professor em nível mais elevado, com base na Lei
estadual 351, de 1992, foi nulo, sendo cabível a aplicação das Súmulas 346 e 473 do STF, sem
necessidade de processo administrativo.
1382
R.T.J. — 200
No julgamento do MS 24.268, Pleno, DJ de 17-9-04, do qual fui Relator para o acórdão,
examinei o tema ora em exame, restando a decisão assim ementada:
Ementa: Mandado de Segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo Tribunal
de Contas da União. Ausência de comprovação da adoção por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de
1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos judiciais ou administrativos,
e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e
de informação mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão
julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas
implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. 7. Aplicação do princípio
da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório
sujeito a prazo razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa que independe da audiência do interessado e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do
contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processo administrativo. 9.
Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um
componente de ética jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10.
Mandado de segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório
e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV).
Vale destacar, ainda, a orientação firmada pela 2ª Turma, no RE 199.733, Rel. Marco
Aurélio, DJ de 30-4-99:
Ato administrativo – Repercussões – Presunção de legitimidade – Situação constituída – Interesses contrapostos – Anulação – Contraditório. Tratando-se de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação
não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada. Presunção
de legitimidade do ato administrativo praticado, que não pode ser afastada unilateralmente,
porque é comum à Administração e ao particular.
A posição consolidada na 2ª Turma desta Corte mereceu, igualmente, a confirmação do
Plenário no julgamento do MS 23.550, Relator para acórdão Min. Sepúlveda Pertence, DJ de
31-10-01.
Assim, nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 557, caput, do CPC).
O Agravante, Estado de Tocantins, interpôs o agravo regimental de fls. 344-349, no
qual sustenta:
Todavia, data vênia, a situação ora discutida não guarda similaridade com os arestos invocados para fundamentar a negativa de seguimento de recurso.
Quando se trata de situação nula de pleno direito e já reiterada vezes declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, há de se reconhecer a aplicação de Súmulas 346
e 473, sendo prescindível a abertura de processo administrativo, como é o caso da “ascensão
funcional”, que é a passagem indevida de um cargo para outro sem a realização de concurso
público.
O ato administrativo nulo não produz efeitos e, como tal não há que se falar em violação
a direito líquido e certo da impetrante, nem em cerceamento do contraditório e da ampla defesa.
(...)
Ainda, o Supremo Tribunal Federal, julgando a ADI 837-4/DF, entendeu que é inconstitucional o provimento de cargos públicos na forma de ascensão funcional, sendo imprescindível a
realização de certame público, sendo certo também que as decisões da Corte Suprema em ações
direta de inconstitucionalidade tem efeitos ex tunc e erga omnes. Vejamos:
R.T.J. — 200
1383
ADI 837-4/DF:
Requerente: Procurador-Geral da República
Requerido: Presidente da República Congresso Nacional Tribunal Regional Federal 2ª
Região
Relator: Ministro Moreira Alves
Data de Julgamento Final: Plenário, 27-8-98.
Data de Publicação da Decisão Final: Acórdão, DJ de 25-6-99.
Ementa
Ação direta de inconstitucionalidade. Formas de provimento derivado.
Inconstitucionalidade. – Tendo sido editado o plano de classificação dos cargos do
Poder Judiciário posteriormente à propositura desta ação direta, ficou ela prejudicada quanto
aos servidores desse Poder. – No mais, esta corte, a partir do julgamento da Adin 231, firmou o
entendimento de que são inconstitucionais as formas de provimento derivado representadas
pela ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocante a cargo ou empregos
públicos. Outros precedentes: Adin 245 e Adin 097. – Inconstitucionalidade, no que concerne
às normas da Lei n. 8112/90, do inciso III do artigo 008; das expressões ascensão e acesso no
parágrafo único do artigo 010; das expressões acesso e ascensão no § 004 do artigo 013; das
expressões ou ascensão e ou ascender no artigo 017; e do inciso IV do artigo 033. Ação
conhecida em parte, e nessa parte julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade
dos incisos e das expressões acima referidos.
(...)
Assim, ficou esclarecido que o ato administrativo nulo não produz efeitos e, como tal, não
há que se falar em violação a direito liquido e certo da Impetrante, nem em cerceamento do
contraditório e da ampla defesa.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: (Relator): O Agravante em seu recurso de agravo
alega que, “quando se trata de situação nula de pleno direito e já reiterada vezes declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, há que se reconhecer a aplicação das
Súmulas 346 e 473, sendo prescindível a abertura de processo administrativo (...)”.
Portanto, não trouxe argumentos capazes de modificar o posicionamento deste
Tribunal.
A decisão agravada foi proferida em conformidade com a jurisprudência desta Corte
quanto à necessidade de assegurar aos litigantes em processo judicial ou administrativo
os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, v.g., o AI 413.323-AgR,
Primeira Turma, Rel. Ilmar Galvão, DJ de 11-4-03; e o RE 337.560-AgR, Segunda Turma,
Rel. Maurício Corrêa, DJ de 14-11-02.
Ainda sobre o tema, tenho enfatizado que a Constituição de 1988 (art. 5º, LV)
ampliou o direito de defesa, assegurando aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes.
Como já escrevi em outra oportunidade, as dúvidas porventura existentes na doutrina
e na jurisprudência sobre a dimensão do direito de defesa foram afastadas de plano,
sendo inequívoco que essa garantia contempla, no seu âmbito de proteção, todos os
processos judiciais ou administrativos.
1384
R.T.J. — 200
Assinale-se, por outro lado, que há muito vem a doutrina constitucional enfatizando
que o direito de defesa não se resume a um simples direito de manifestação no processo.
Efetivamente, o que o constituinte pretende assegurar – como bem anota Pontes de
Miranda – é uma pretensão à tutela jurídica (Comentários à Constituição de 1967/69,
tomo V, p. 234).
Observe-se que não se cuida aqui, sequer, de uma inovação doutrinária ou jurisprudencial. Já o clássico João Barbalho, nos seus Comentários à Constituição de 1891, asseverava, com precisão:
Com a plena defesa são incompatíveis, e, portanto, inteiramente, inadmissíveis, os processos secretos, inquisitoriais, as devassas, a queixa ou o depoimento de inimigo capital, o julgamento de crimes inafiançáveis na ausência do acusado ou tendo-se dado a produção das testemunhas de acusação sem ao acusado se permitir reinquiri-las, a incomunicabilidade depois da denúncia, o juramento do réu, o interrogatório dele sob coação de qualquer natureza, por perguntas
sugestivas ou capciosas.
(Constituição Federal Brasileira – Comentários, Rio de Janeiro, 1902, p. 323.)
Não é outra a avaliação do tema no direito constitucional comparado. Apreciando o
chamado “Anspruch auf rechtliches Gehör” (pretensão à tutela jurídica) no direito
alemão, assinala o Bundesverfassungsgericht que essa pretensão envolve não só o
direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo mas
também o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de
julgar (Cf. Decisão da Corte Constitucional alemã – BVerfGE 70, 288-293; sobre o
assunto, ver, também, Pieroth e Schlink, Grundrechte – Staatsrecht II, Heidelberg,
1988, p. 281; Battis, Ulrich, Gusy, Christoph, Einführung in das Staatsrecht, 3. ed.,
Heidelberg, 1991, p. 363-364).
Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde
exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da Constituição, contém os seguintes
direitos:
1) direito de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os
elementos dele constantes;
2) direito de manifestação (Recht auf Äusserung), que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo;
3) direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berücksichtigung),
que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit
und Aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentadas (Cf. Pieroth e
Schlink, Grundrechte – Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 281; Battis e Gusy,
Einführung in das Staatsrecht, Heidelberg, 1991, p. 363-364; ver, também, Dürig/
Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, art. 103, vol. IV, n. 85-99).
Dessa perspectiva, não se afastou a Lei 9.784, de 29-1-99, que regula o processo
administrativo no âmbito da administração pública federal. O art. 2º desse diploma legal
determina, expressamente, que a administração pública obedecerá aos princípios da
R.T.J. — 200
1385
ampla defesa e do contraditório. O parágrafo único desse dispositivo estabelece que nos
processos administrativos serão observados, dentre outros, os critérios de “observância
das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados” (inciso VIII) e de
“garantia dos direitos à comunicação” (inciso X).
Também registra Celso de Mello, no que toca à adoção da ampla defesa no processo
administrativo:
Restrição de direitos e garantia do due process of law.
- O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o
destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária,
desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição
disciplinar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente
administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa
ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede
materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida
restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina. (RTJ 183/371-372, Rel. Min. Celso de Mello).
(MS 24.268/MG, Voto, Min. Celso de Mello.)
Assim, nego seguimento ao agravo regimental.
EXTRATO DA ATA
RE 426.147-AgR/TO — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravante: Estado do
Tocantins (Advogado: PGE/TO – Adelmo Aires Junior). Agravada: Iolete dos Santos
Aguiar (Advogado: Wesley Macedo de Sousa).
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos
termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso
de Mello. Presidiu este julgamento a Ministra Ellen Gracie.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Gilmar Mendes,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 28 de março de 2006 — Carlos Alberto, Cantanhede, Coordenador.
1386
R.T.J. — 200
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 462.909 — GO
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Agravantes: Paulo Ribeiro de Freitas e outro — Agravada: União
Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Recurso que não
demonstra o desacerto da decisão agravada. 3. Matéria prequestionada. 4.
Concurso público. Auditor fiscal do Tesouro Nacional. Aplicação da teoria do
fato consumado. Impossibilidade. Precedentes. 5. Agravo regimental a que se
nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar
provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 4 de abril de 2006 — Gilmar Mendes, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao apreciar o RE 462.909, proferi a seguinte decisão
(fls. 611-614):
Decisão: Trata-se de recurso extraordinário interposto com fundamento no art. 102, III, a,
da Constituição Federal, em face de acórdão em embargos de declaração assim ementado (fl. 540):
Processual civil e administrativo. Embargos de declaração. Concurso público
para auditor federal. Premissa fática equivocada. Inexistência de decadência. Fato consumado.
1. São admissíveis embargos de declaração com efeito modificativo se a decisão
embargada parte de premissa fática equivocada e omite questão relevante (situação jurídica
do fato consumado) alegada na resposta ao recurso.
2. Concurso em duas etapas só se encerra com a realização da 2ª etapa, não sendo
lícita a conduta da administração para abrir novo concurso sem convocar os candidatos
aprovados na 1ª etapa, em vista do que fica afastada qualquer possibilidade de decadência.
3. Também afasta a decadência o fato de o candidato propor ação judicial no prazo
de validade do concurso.
4. O candidato aprovado na 1ª etapa do concurso público para auditor federal,
embora não classificado entre os convocados, segundo o edital, tem direito a ser convocado para a 2ª etapa se antes de expirado o prazo do edital a Administração abrir outro
concurso, máxime quando se configura fato consumado em função da posse e exercício há
mais de 5 (cinco) anos.
5. Embargos providos.
O concurso para o cargo de auditor fiscal do Tesouro Nacional foi realizado em 1991, de
acordo com o Edital 18/91. Foram convocados 500 candidatos para a realização da 2ª etapa do
certame, cujo resultado foi homologado em 31-7-92.
A Lei 8.541, de 23 de dezembro de 1992, autorizou o Ministério da Fazenda a convocar
mais candidatos aprovados neste concurso, conforme dispõe o art. 56, verbis:
R.T.J. — 200
1387
Art. 56. Fica o Ministro da Fazenda autorizado a convocar para a segunda etapa do
concurso público para o cargo de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional, a que se refere o Edital
18, de 16 de outubro de 1991, da Escola de Administração Fazendária, conforme as necessidades dos serviços de tributação, arrecadação e fiscalização, os candidatos habilitados de
acordo com os critérios mínimos exigidos na 1º etapa e classificados além do qüingentésimo
selecionado, dentro do número de vagas do cargo na referida carreira.
§ 1º A autorização de que trata este artigo estende-se até 16 de outubro de 1993.
Assim, por meio da Portaria 77, de 5-2-93, foram convocados mais mil candidatos para a
2ª etapa. O resultado final desta fase foi homologado em 24-12-93. Em 13-1-94, pelo EditalESAF 003, foi aberto novo concurso para o mesmo cargo para o preenchimento de até 800
vagas.
Os Recorridos, classificados na 1ª etapa do concurso em 4.040º (Paulo Ribeiro de Freitas)
e 1592º (José Augusto Duarte), por força de medida cautelar, foram convocados para realizar a 2ª
etapa e foram nomeados em 1º-10-97 (fl. 290).
A sentença da ação ordinária determinou a participação dos Recorridos na 2ª etapa do
concurso, por entender haver violação ao art. 37, IV, da Constituição.
O acórdão da apelação restou assim ementado (fl. 507):
Concurso público – Auditor fiscal do Tesouro Nacional – Edital n. 18/91 –
Pretensão de participar da segunda etapa aquele que não foi classificado na anterior?
Impossibilidade.
1. O candidato que não logrou classificação suficiente não pode ser convocado para
realizar a segunda etapa do concurso público de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional.
2. A Lei n. 8.541/92, artigo 56, somente autorizou a convocação dos candidatos
habilitados de acordo com os critérios mínimos exigidos na 1ª etapa.
3. Apelação e remessa providas.
Os Recorridos opuseram embargos de declaração com efeitos modificativos (fls. 512-518),
os quais foram providos. No voto do relator restou consignado (fl. 538):
(...), o candidato aprovado na 1ª etapa, embora não classificado entre os primeiros
convocados no edital, tem o direito a ser convocado para a 2ª etapa se antes de expirado
o prazo do edital a Administração abre novo concurso. A abertura de novo concurso revela
a existência de vagas, de modo que é manifestamente ilegal desconsiderar os candidatos
aprovados num concurso que ainda está em tramitação.
Mais razão há, acrescente-se, para acolher-se o pedido inicial diante da situação de
fato consumado, na medida em que por força de decisão judicial o Apelado/Embargante
tomou posse e está em exercício no cargo em tela há mais de 5 (cinco) anos.
No recurso extraordinário (fls. 566-575), a União alega violação ao art. 37, I e II, da Carta
Magna. Sustenta-se que o prazo dado ao Ministério da Fazenda para convocação de candidatos,
pelo art. 56 da Lei 8.541, de 1992, foi até 16-10-93 e que o novo concurso somente foi aberto
posteriormente, em 1994. Além disso, quanto à teoria do fato consumado, alega que “a mencionada teoria, segundo a doutrina e a jurisprudência majoritárias, tem aplicação em situações fáticas
consolidadas por falha da Administração, que não as percebeu a tempo ou que, por qualquer razão,
não adotou as providências necessárias à sua correção. No entanto, não é o caso. Aqui tem-se uma
situação em que desde o seu nascedouro, a Administração tomou todas as providências possíveis
no sentido de impedir a sua consumação, (...)” (fl. 10).
O acórdão recorrido não está em consonância com a jurisprudência desta Corte, conforme
se depreende do julgamento do RMS 23.056, 1ª Turma, Rel. Ilmar Galvão, DJ de 12-3-99, assim
ementado:
Mandado de segurança. Denegação pelo Superior Tribunal de Justiça. Concurso
público. Auditor Fiscal do Tesouro Nacional. Convocação de candidatos beneficiados por
sentenças judiciais. Impetração visando a ver garantido o direito do Recorrente, não beneficiado pela Portaria 268/96, do Ministro da Fazenda.
Se a Portaria impugnada no presente writ nada mais fez senão dar cumprimento a
ordem judicial, convocando os candidatos que se beneficiaram de mandados de segurança,
e se o Recorrente omitiu-se de impugnar, na época própria, o ato que convocou candidatos
para todas as vagas da carreira, não pode utilizar-se da referida portaria para garantir
direito subjetivo. Não se pode utilizar “brechas” em decisões judiciais, criticáveis sob o
1388
R.T.J. — 200
ponto de vista de haver compelido a administração a convocar candidatos para a etapa de
treinamento, notadamente quando o novo concurso fora aberto após o vencimento do
prazo de validade estabelecido pela autoridade legislativa para convocação extraordinária
(16-10-93), para estendê-la a situações que ela não alcança.
Recurso ordinário desprovido.
No mesmo sentido, o RE 207.663, Primeira Turma, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ de 27-398, e o RMS 23.091, Segunda Turma, por mim relatado, DJ de 31-10-02, assim ementado:
Ementa: Recurso ordinário em mandado de segurança. 2. Concurso público para
Auditor Fiscal do Tesouro Nacional. 3. Convocação de novos candidatos. 4. Ausência de direito
líquido e certo. 5. A Portaria 268/96 do Ministério da Fazenda limitou-se a dar cumprimento a
decisão judicial do Superior Tribunal de Justiça. 6. Desprovimento do recurso.
Assim, conheço e dou provimento ao recurso (art. 557, § 1º-A, do CPC). Determino a
inversão dos ônus da sucumbência, ressalvada a hipótese de concessão da justiça gratuita (art. 12
da Lei 1.060, de 5 de fevereiro 1950).
Os Agravantes, Paulo Ribeiro de Freitas e outro, interpuseram o agravo regimental
de fls. 619-627, no qual sustentam:
3. Admitido o recurso na origem, a irresignação da recorrente não logra ultrapassar o juízo
de conhecimento. É que a questão não foi apreciada pelo acórdão recorrido sob o ângulo do
dispositivo constitucional tido por violado, ou seja, CF, art. 37, I e II, ausente, assim, o requisito
indispensável do prequestionamento, a teor do enunciado da Súmula 282 dessa Corte.
(...)
5. Ora, a jurisprudência do STF exige para cabimento do recurso extraordinário que a
ofensa à Constituição tenha sido direta e frontal (RTJ 107/661), não o admitindo nas hipóteses
de ofensa reflexa, ou seja, quando para comprovar a contrariedade à Constituição, houver necessidade de, antes, demonstrar a ofensa à lei ordinária (RTJ 105/704; RTJ 135/837).
(...)
11. O v. acórdão hostilizado (fl. 611) sequer menciona os dispositivos constitucionais tidos
por violados, sendo certo que a ausência de requisitos estabelecidos em lei, em relação aos
agravantes, em momento algum foi questionada no processo.
12. Relativamente no inciso II, supostamente malferido, a discussão é despicienda, posto
que os agravantes foram regularmente aprovados em concurso público realizado em duas etapas.
Nomeados (por força de provimento judicial), tomaram posse, entraram no exercício do cargo de
Auditor-Fiscal da Receita Federal, cumpriram estágio probatório e foram aprovados no mesmo e
são servidores públicos estáveis, na forma do art. 41 da Constituição Federal, desde novembro de 2000. De acordo com as regras do Edital 18/91, foram aprovados na primeira etapa do
concurso 5.832 candidatos, e dentre eles estavam os agravantes classificados nas posições 4040
e 1592, respectivamente.
13. Assim, na esteira dessa realidade é que o Tribunal Regional Federal da Primeira Região,
com fundamento na Teoria do Fato Consumado confirmou a sentença de primeira instância,
também confirmada pelo egrégio STJ (fls. 601/603), por tratar-se de matéria estritamente
infraconstitucional e, portanto, de competência exclusiva daquela Corte de Justiça. O teor do
acórdão de fl. 540 é o que se discute no recurso extraordinário. A tese defendida pela União não abala
os fundamentos da decisão recorrida.
(...)
15. Com efeito, eminente Relator, o judiciário não pode criar situações contrárias ao
direito. As suas decisões devem ser dirigidas no sentido de realização da justiça. Mantida a decisão
de V. Exa., como se resolveria o futuro funcional dos agravantes, uma vez que foram regularmente
aprovados em concurso público realizado em duas etapas, foram nomeados e empossados no
cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal, em 1997, cumpriram estágio probatório e foram
aprovados no mesmo e possuem estabilidade no cargo, a teor do art. 41 da Constituição Federal?
Seriam os agravantes demitidos?
R.T.J. — 200
1389
16. O § 1º do art. 41, da CF estatuiu que o servidor público só perderá o cargo (I) em virtude
de sentença judicial transitada em julgado; (II) mediante processo administrativo em que lhe seja
assegurada ampla defesa; e (III) mediante procedimentos de avaliação periódica de desempenho
na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.
17. Desse modo, após demonstrar a inconsistência técnica da peça recursal da União, fator
que obsta seu conhecimento à luz das Súmulas 282 e 356, do STF, bem como as conseqüências
funcionais para os agravantes, servidores estáveis sob o pálio constitucional, pede-se vênia para
transcrever apenas a parte final da ementa do percuciente e elucidativo acórdão da lavra do
eminente Min. Luiz Fux, a propósito da aplicação da Teoria do Fato Consumado:
7. As situações consolidadas pelo decurso de tempo devem ser respeitadas, sob pena
de causar à parte desnecessário prejuízo e afrontar o disposto no art. 462 do CPC. Teoria
do Fato Consumado. Precedentes da Corte: Resp. 253094/RN, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ:
24-9-01; MC 2.766/PI, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 27-8-01; Resp 251.945/RN, Rel. Min.
Franciulli Netto, DJ de 5-3-01.
8. Recurso Especial improvido.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Os Agravantes não conseguiram demonstrar
o desacerto da decisão agravada, somente repisam os argumentos já refutados na decisão
monocrática.
Os Agravantes primeiramente alegam a ausência de prequestionamento.
Contudo, não assiste razão aos Agravantes. A matéria disciplinada no art. 37, I e II,
da Constituição Federal, suscitada pela União em seu recurso extraordinário – apesar do
dispositivo não ter sido citado explicitamente em fases anteriores –, foi objeto de discussão,
visto que a controvérsia se resume à possibilidade de ingresso dos Agravantes em cargo
público em face das regras do edital e das leis e atos normativos que regiam o certame.
Além disso, a União opôs embargos de declaração (fls. 544-549), para que o Tribunal de
origem se manifestasse a respeito do artigo constitucional. Portanto, neste contexto,
explícita a discussão prévia sobre os temas constitucionais envolvidos, sem superveniente inovação pela parte embargante.
Os Agravantes insistem na tese da teoria do fato consumado. Tal tese não se sustenta
no presente caso. Os Agravantes foram convocados para realizar a segunda etapa do
concurso e, posteriormente, foram nomeados, por força de medida cautelar. A administração, buscando evitar que estas situações fáticas se consolidassem, contestou as decisões judiciais, defendendo a legitimidade do certame.
A teoria do fato consumado não se caracteriza como matéria infraconstitucional, pois
em diversas oportunidades esta Corte manifestou-se pela aplicação do princípio da segurança jurídica em atos administrativos inválidos, como subprincípio do Estado de Direito, tal
como nos julgamentos do MS 24.268, DJ de 17-9-04, e do MS 22.357, DJ de 5-11-04, ambos
por mim relatados.
No entanto, no presente caso, não se pode invocar a teoria do fato consumado sob
o manto da segurança jurídica. A aplicação dessa teoria enfrenta temperamentos neste
Tribunal. Nesse sentido, o RMS 23.793, Primeira Turma, Rel. Moreira Alves, DJ de
14-12-01, e o RMS 23.544, Segunda Turma, Rel. Celso de Mello, DJ de 21-6-02, no qual
restou consignado no voto:
1390
R.T.J. — 200
Tenho para mim, na linha de recente decisão emanada da Colenda Primeira Turma desta
Suprema Corte (RE 275.159/SC, Rel. Min. Ellen Gracie), que situações de fato, geradas pela
concessão de provimentos judiciais de caráter meramente provisório, não podem revestir-se,
ordinariamente, tractu temporis, de eficácia jurídica que lhes atribua sentido de definitividade,
compatível, apenas, com decisões favoráveis revestidas da autoridade da coisa julgada,
notadamente nas hipóteses em que a pretensão deduzida em juízo esteja em conflito com a ordem
constitucional, como ocorre na espécie destes autos.
Cabe registrar, por relevante, que esse entendimento tem prevalecido na mais recente
jurisprudência firmada, no tema, por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, como se vê
dos julgamentos – a seguir referidos – consubstanciados em acórdãos assim ementados:
Não assiste, ao candidato reprovado em etapa eliminatória de concurso público, a
pretensão de alcançar a segunda fase do mesmo, sob a alegação da ulterior abertura de novo
procedimento seletivo.
Assertiva, também infundada, de fato consumado, decorrente de concessão liminar
do mandado de segurança indeferido por decisão definitiva (cfr. Acórdão no Agravo
120.893-AgR).
(RTJ 176/263, Rel. Min. Octavio Gallotti, Primeira Turma – Grifei.)
A concessão de liminar mandamental não basta, só por si, para garantir, em
caráter definitivo, a nomeação e a posse em determinado cargo público.
A mera concessão de liminar mandamental – consideradas as notas de transitoriedade, cautelaridade, provisoriedade e instabilidade que tipificam esse provimento judicial –
não basta, só por si, em face de sua evidente precariedade, para assegurar, em caráter
permanente, a nomeação e a posse em determinado cargo público, pois tais atos administrativos, quando vindicados em sede judicial, somente se revelam compatíveis com a
definitiva prolação de ato sentencial favorável. Precedentes.
(RMS 23.636-AgR/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma)
Recurso ordinário de mandado de segurança.
(...)
- Improcedência da aplicação ao caso da denominada “teoria do fato consumado”.
Teoria, aliás, que tem sido rejeitada por esta Primeira Turma.
(...)
Recurso ordinário a que se nega provimento.
(RMS 23.593/DF, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma – Grifei.)
A aprovação na primeira etapa, conforme estabelecido no edital, não confere aos
candidatos direito de participar do curso de formação, se não classificados dentro do
número de vagas previsto.
Liminar que determina a participação dos Impetrantes na segunda etapa de novo
concurso público, cujo resultado final é publicado quando já verificada a caducidade do
concurso anterior. Hipótese em que não se caracteriza a quebra da ordem classificatória. Fato
consumado inexistente diante da denegação do mérito da ordem liminarmente concedida.
Recurso não provido.
(RMS 23.693/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma – Grifei.)
Ademais, não assiste razão aos Agravantes quando invocam em seu favor o § 1º do
art. 41 da Constituição Federal. Esse dispositivo obviamente apenas tem aplicação nas
situações nas quais a nomeação, a posse e o exercício no cargo pelo servidor tenham sido
regulares e definitivos, o que não é o caso dos autos, porque aqui a própria investidura e
suas pré-condições sempre estiveram pendentes de condição resolutória (sub judice).
Assim, diante da conclusão de não terem os Agravantes direito a serem convocados para a segunda etapa do concurso por não estarem dentro do número de vagas e por
já haver expirado o prazo de validade do certame de 1991, pelos motivos já expostos na
decisão monocrática, não cabe a aplicação da teoria do fato consumado, com base em
decisão sabidamente provisória.
Assim, nego provimento ao agravo regimental.
R.T.J. — 200
1391
EXTRATO DA ATA
RE 462.909-AgR/GO — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravantes: Paulo Ribeiro
de Freitas e outro (Advogados: Heribaldo Macêdo e outro). Agravada: União (Advogado:
Advogado-Geral da União).
Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,
nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro
Joaquim Barbosa.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Gilmar
Mendes e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 4 de abril de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
1392
R.T.J. — 200
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO 493.401 — SP
Relator: O Sr. Ministro Eros Grau
Agravantes e Agravados: Adamastor Carneiro e outros e Estado de São Paulo
Agravo regimental no agravo de instrumento convertido em recurso
extraordinário conhecido e provido. Servidor público. Militar. Adicional de
insalubridade. LC 432/85. Art. 40, § 4º, da CB. Inaplicabilidade.
1. O adicional de insalubridade é deferido apenas aos militares enquanto
no exercício da atividade insalubre. Extensão aos inativos que se aposentaram
antes de sua instituição ou que não serviram em condições insalubres. Impossibilidade. Precedentes.
2. Agravo regimental interposto por Adamastor Carneiro e outros a
que se nega provimento.
3. Agravo regimental interposto pelo Estado de São Paulo a que se dá
provimento tão-somente para explicitar que as custas e os honorários advocatícios serão apurados em liquidação de sentença.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar
provimento aos recursos de agravo, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 3 de outubro de 2006 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O Ministro Nelson Jobim, então Relator, deu provimento
ao recurso extraordinário nos autos deste agravo de instrumento, com fundamento na
jurisprudência deste Tribunal (RE 337.467, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 19-4-02).
2. Ambas as partes interpuseram agravo regimental.
3. Os Agravantes, Adamastor Carneiro e outros, alegam que “o adicional de insalubridade é uma verba de caráter geral paga a todos os policiais ativos, sem qualquer
vinculação. Assim, sendo uma verba genérica, o seu não pagamento aos inativos, ostenta
ofensa ao artigo 40, parágrafo 8º, da CF/88” (fl. 168).
4. O Estado de São Paulo alega omissão quanto ao pronunciamento a respeito dos
ônus sucumbenciais.
É o relatório.
R.T.J. — 200
1393
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A decisão não merece reforma.
2. Esta Corte firmou entendimento no sentido de que o adicional de insalubridade
não tem caráter geral e, por essa razão, depende ser comprovada a atividade insalubre por
laudo pericial.
3. Assim, não pode ser estendido a todos os servidores da categoria, ativos ou
inativos. Por conseguinte, não se aplica o art. 40, § 4º, da CB/88. Nesse sentido, RE
197.915-AgR, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 13-8-04; RE 274.177-AgR,
Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ de 5-3-04; AI 362.653, Relatora a Ministra Ellen Gracie,
DJ de 18-2-03; e AI 335.979-AgR-ED, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 17-12-02,
entre outros.
Nego provimento ao agravo regimental interposto por Adamastor Carneiro e outros.
Dou provimento ao agravo regimental interposto pelo Estado de São Paulo tão-somente
para explicitar que as custas e os honorários advocatícios serão apurados em liquidação
de sentença.
EXTRATO DA ATA
AI 493.401-AgR/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Agravantes e Agravados:
Adamastor Carneiro e outros e Estado de São Paulo (Advogados: Antonio Assoni Junior
e outro e PGE/SP – Newton Jorge).
Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento aos recursos de agravo,
nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Gilmar Mendes e Cezar Peluso.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Gilmar
Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República,
Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 3 de outubro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
1394
R.T.J. — 200
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO 530.450 — MG
Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto
Agravantes: Saint-Gobain Canalização S.A. e outro — Agravado: Vicente Alves
Maciel
Agravo regimental. Responsabilidade subsidiária da administração pública por débitos trabalhistas. Matéria restrita ao âmbito infraconstitucional.
Caso em que a alegada ofensa à Magna Carta, se existente, dar-se-ia de
forma reflexa ou indireta, o que não enseja a abertura da via extraordinária. De
mais a mais, foi conferida à parte agravante prestação jurisdicional adequada,
embora em sentido contrário aos seus interesses, não se configurando cerceamento de defesa.
Incide, ademais, o óbice das Súmulas 282 e 636 desta colenda Corte.
Agravo desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 26 de abril de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: É do seguinte teor a decisão agravada (fl. 96):
O recurso não merece acolhida. É que o Tribunal Superior de Trabalho dirimiu a controvérsia acerca da responsabilidade subsidiária da administração pública por débitos trabalhistas à luz da
legislação infraconstitucional e da jurisprudência daquela egrégia Corte. Patente, assim, que eventual ofensa ao texto constitucional, se existente, dar-se-ia de forma reflexa ou indireta, não
ensejando a abertura da via extraordinária. Confiram-se, a propósito, os AI 468.165, 448.203,
437.652, 453.737-AgR e 409.572-AgR.
Verifica-se, ainda, que a jurisdição foi prestada de forma completa e a decisão recorrida está
devidamente fundamentada, embora em sentido contrário aos interesses dos Agravantes, o que
não caracteriza cerceamento de defesa.
Incide, ademais, o óbice das Súmulas 282 e 636 do STF.
Por isso, em frente do art. 557 do CPC e do § 1º do art. 21 do RISTF, nego seguimento ao
agravo.
2. Reiteram os Agravantes a alegação de afronta ao art. 5º, incisos II, LIV, LV, XXXIV
e XXXV, da Constituição Federal e pugnam pelo provimento do recurso.
3. Havendo mantido a decisão agravada, submeto o presente recurso à apreciação
da Turma.
É o relatório.
R.T.J. — 200
1395
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): O recurso não merece acolhida.
6. Com efeito, o Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a responsabilidade subsidiária da administração pública com base na legislação infraconstitucional pertinente
(Lei 8.666/93) e na jurisprudência daquela egrégia Corte sobre o tema (Enunciado Sumular
331). Portanto, somente seria possível caracterizar ofensa à Lei Maior de forma reflexa ou
indireta, o que não enseja a abertura da via extraordinária. Confiram-se, nesse sentido, os
AI 534.847, 510.891, 453.737-AgR, 410.656-AgR e 409.572-AgR.
7. Quanto ao inciso II do art. 5º da Magna Carta, incide o óbice da Súmula 636 desta
colenda Corte.
8. Note-se, ademais, que não houve manifestação expressa por parte do aresto
impugnado sobre o inciso XXXIV do art. 5º da Magna Carta, que tampouco foi alegado
nos embargos declaratórios opostos. Falta-lhe, portanto, o requisito do prequestionamento.
9. A configuração do prequestionamento pressupõe entendimento explícito por parte
do Tribunal a quo acerca do alegado nas razões recursais, a fim de possibilitar a verificação
do acerto, ou não, da decisão que apreciou a questão constitucional levantada.
10. De outra parte, que a alegação de negativa de prestação jurisdicional e de cerceamento de defesa não prospera, visto que a jurisprudência desta colenda Corte se consolidou no sentido de que as referidas garantias se manifestam pelo conhecimento e pelo
julgamento da matéria, com o conseqüente esclarecimento da demanda, não se prestando
para apoiar irresignação quanto ao resultado que se lhe atribuiu.
11. De mais a mais, a controvérsia foi debatida, encontrando-se o acórdão devidamente fundamentado, embora em sentido contrário aos interesses do Recorrente, o que
não caracteriza a suscitada violação ao art. 93, inciso IX, da Carta da República.
12. Consoante já decidiu esta Turma (cf. RE 140.370, Rel. Min. Sepúlveda Pertence),
“o que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fundamentada; não
que a fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide:
declinadas no julgado as premissas, corretamente assentadas ou não, mas coerentes com
o dispositivo do acórdão, está satisfeita a exigência constitucional”. No mesmo sentido,
o AI 177.283-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso.
13. Com essas considerações, voto pelo desprovimento do agravo regimental.
EXTRATO DA ATA
AI 530.450-AgR/MG — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravantes: Saint-Gobain
Canalização S.A. e outro (Advogados: Cristiano Mayrink de Oliveira e outro). Agravado:
Vicente Alves Maciel (Advogado: Edson de Moraes).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento,
nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou deste julgamento o Ministro
Marco Aurélio.
1396
R.T.J. — 200
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 26 de abril de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
DECISÕES MONOCRÁTICAS
MEDIDA CAUTELAR NA
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL 54 — DF
Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio
Argüente: Confederação Nacional dos Trabalhares na Saúde – CNTS
Liminar.
Argüição de descumprimento de preceito fundamental – Liminar –
Atuação individual – Art. 21, incisos IV e V, do Regimento Interno e art. 5º,
§ 1º, da Lei 9.882/99.
Liberdade – Autonomia da vontade – Dignidade da pessoa humana –
Saúde – Gravidez – Interrupção – Feto anencefálico.
Decisão: 1. Com a inicial de fls. 2 a 25, a Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Saúde (CNTS) formalizou esta argüição de descumprimento de preceito fundamental
considerada a anencefalia, a inviabilidade do feto e a antecipação terapêutica do parto. Em
nota prévia, afirma serem distintas as figuras da antecipação referida e do aborto, no que
este pressupõe a potencialidade de vida extra-uterina do feto. Consigna, mais, a própria
legitimidade ativa a partir da norma do art. 2º, inciso I, da Lei 9.882/99, segundo a qual são
partes legítimas para a argüição aqueles que estão no rol do art. 103 da Carta Política da
República, alusivo à ação direta de inconstitucionalidade. No tocante à pertinência temática, mais uma vez à luz da Constituição Federal e da jurisprudência desta Corte, assevera
que a si compete a defesa judicial e administrativa dos interesses individuais e coletivos
dos que integram a categoria profissional dos trabalhadores na saúde, juntando à inicial
o estatuto revelador dessa representatividade. Argumenta que, interpretado o arcabouço
normativo com base em visão positivista pura, tem-se a possibilidade de os profissionais
da saúde virem a sofrer as agruras decorrentes do enquadramento no Código Penal.
Articula com o envolvimento, no caso, de preceitos fundamentais, concernentes aos prin-
1400
R.T.J. — 200
cípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, em seu conceito maior, da liberdade e autonomia da vontade bem como os relacionados com a saúde. Citando a literatura médica, aponta que a má-formação por defeito do fechamento do tubo neural durante
a gestação, não apresentando o feto os hemisférios cerebrais e o córtex, leva-o ou à
morte intra-uterina, alcançando 65% dos casos, ou à sobrevida de, no máximo, algumas
horas após o parto. A permanência de feto anômalo no útero da mãe mostrar-se-ia
potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde e à vida da gestante. Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe,
com plenitude de certeza, que não sobreviverá causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em violência às vertentes da dignidade humana – a física, a moral e a
psicológica – e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco
a saúde, tal como proclamada pela Organização Mundial da Saúde – o completo bem-estar
físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. Já os profissionais da medicina ficam sujeitos às normas do Código Penal – arts. 124, 126, cabeça, e 128, incisos I
e II –, notando-se que, principalmente quanto às famílias de baixa renda, atua a rede
pública.
Sobre a inexistência de outro meio eficaz para viabilizar a antecipação terapêutica do
parto, sem incompreensões, evoca a Confederação recente acontecimento retratado no
HC 84.025-6/RJ, declarado prejudicado pelo Plenário, ante o parto e a morte do feto
anencefálico sete minutos após. Diz da admissibilidade do Instituto de Biotécnica, Diretos
Humanos e Gênero (ANIS) como amicus curiae, por aplicação analógica do art. 7º, § 2º, da
Lei 9.868/99.
Então, requer, sob o ângulo acautelador, a suspensão do andamento de processos
ou dos efeitos de decisões judiciais que tenham como alvo a aplicação dos dispositivos
do Código Penal, nas hipóteses de antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos, assentando-se o direito constitucional da gestante de se submeter a procedimento que leve à interrupção da gravidez e do profissional de saúde de realizá-lo, desde
que atestada, por médico habilitado, a ocorrência da anomalia. O pedido final visa à
declaração da inconstitucionalidade, com eficácia abrangente e efeito vinculante, da
interpretação dos arts. 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal – Decreto-Lei
2.848/40 – como impeditiva da antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez
de feto anencefálico, diagnosticados por médico habilitado, reconhecendo-se o direito
subjetivo da gestante de assim agir sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado. Sucessivamente, pleiteia a Argüente, uma vez rechaçada a pertinência desta medida, seja a petição
inicial como reveladora de ação direta de inconstitucionalidade. Esclarece que, sob esse
prisma, busca a interpretação conforme a Constituição Federal dos citados artigos do
Código Penal, sem redução de texto, aduzindo não serem adequados à espécie precedentes segundo os quais não cabe o controle concentrado de constitucionalidade de
norma anterior à Carta vigente.
A Argüente protesta pela juntada, ao processo, de pareceres técnicos e, se conveniente, pela tomada de declarações de pessoas com experiência e autoridade na matéria. À
peça, subscrita pelo advogado Luís Roberto Barroso, credenciado conforme instrumento
de mandato – procuração – de fl. 26, anexaram-se os documentos de fls. 27 a 148.
R.T.J. — 200
1401
O processo veio-me concluso para exame em 17 de junho de 2004 (fl. 150). Nele
lancei visto, declarando-me habilitado a votar, ante o pedido de concessão de medida
acauteladora, em 21 de junho de 2004, expedida a papeleta ao Plenário em 24 imediato.
No mesmo dia, prolatei a seguinte decisão:
Ação de descumprimento de preceito fundamental – Intervenção de terceiro – Requerimento – Impropriedade.
1. Eis as informações prestadas pela Assessoria:
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) requer a intervenção no
processo em referência, como amicus curiae, conforme preconiza o § 1º do art. 6º da Lei
9.882/99, e a juntada de procuração. Pede vista pelo prazo de cinco dias.
2. O pedido não se enquadra no texto legal evocado pela Requerente. Seria dado versar
sobre a aplicação, por analogia, da Lei 9.868/99, que disciplina também processo objetivo – ação
direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade. Todavia, a admissão de
terceiros não implica o reconhecimento de direito subjetivo a tanto. Fica a critério do Relator,
caso entenda oportuno. Eis a inteligência do art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99, sob pena de tumulto
processual. Tanto é assim que o ato do Relator, situado no campo da prática de ofício, não é suscetível
de impugnação na via recursal.
3. Indefiro o pedido.
4. Publique-se.
A impossibilidade de exame pelo Plenário deságua na incidência do art. 21, incisos
IV e V, do Regimento Interno e do art. 5º, § 1º, da Lei 9.882/99, diante do perigo de grave
lesão.
2. Tenho a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) como parte
legítima para a formalização do pedido, já que se enquadra na previsão do inciso I do art.
2º da Lei 9.882, de 3 de novembro de 1999. Incumbe-lhe defender os membros da categoria
profissional que se dedicam à área da saúde e que estariam sujeitos a constrangimentos
de toda a ordem, inclusive de natureza penal.
Quanto à observação do disposto no art. 4º, § 1º, da Lei 9.882/99, ou seja, a regra de
que não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando
houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesivida
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ADPF-MC - Supremo Tribunal Federal