Energias químicas no cotidiano: madeira, carvão e hulha
A madeira
O combustível natural mais utilizado pela humanidade ao longo de milhares de anos foi, sem
dúvida, a madeira. Na forma de lenha ou convertida em carvão vegetal, a madeira nos serviu
como fonte de calor nos dias frios, consumida em fogueiras, lareiras, fornos e fogões para
preparo de alimentos, além de fornecer energia luminosa.
Locomotiva a vapor. A água é fervida em uma caldeira, que usa lenha ou carvão como combustível. A
força do vapor sob pressão é que movimenta o veículo. Muitas florestas dos continentes europeu e norteamericano foram queimadas para movimentar locomotivas.
Disponível em: <http://pixabay.com/pt/alemanha-trem-estrada-de-ferro-95947/>. Acesso: 30 out. 2013.
A partir do século 17, as máquinas a vapor das locomotivas e fábricas intensificaram ainda mais o
consumo de lenha até a substituírem por carvão mineral, petróleo e, mais modernamente, por
motores elétricos. Ainda hoje, muitas padarias e pizzarias usam a lenha como combustível para
seus fornos. O típico churrasco gaúcho não utiliza carvão, mas madeira.
Devido à proibição e maior fiscalização nos grandes centros urbanos, o consumo de lenha de
florestas nativas ou do cerrado diminuiu muito, sendo comum a utilização de pedaços de madeira
de mobiliário antigo, madeira rejeitada da construção civil e de outras atividades, gravetos e
galhos de árvores urbanas e até madeira de reflorestamento, como o eucalipto.
A prática de queimar madeira já foi considerada uma atividade normal nos milênios e séculos
passados. Com a difusão das ideias preservacionistas, muito rapidamente essa prática passou a
ser considerada ecologicamente condenável. No entanto, com a expansão da prática do
reflorestamento, “queimar madeira”, ou, melhor, “gaseificar e queimar a biomassa de uma floresta
artificial” passou a ser uma atividade “ecologicamente correta”. Afinal, este carbono lançado na
atmosfera não é proveniente de combustíveis fósseis, como o do petróleo ou do carvão mineral,
mas já estava na atmosfera há no máximo uma década e foi armazenado com o crescimento da
planta. No lugar de onde foi retirada a madeira, nova floresta será plantada, renovando o ciclo, ou
seja, é uma energia “renovável”.
Quimicamente
Existem tantos tipos de madeira quanto de árvores no mundo. Não existe uma madeira
exatamente igual à outra, nem mesmo da mesma árvore. Isso porque as características físicas e
químicas da madeira variam de espécie para espécie, de árvore para árvore, de uma estação do
ano para outra, dos nutrientes disponíveis no solo, da base para o topo, da casca para o cerne
etc.
As madeiras “nobres” ou “de lei” como aroeira, carvalho, pinus, peroba, jacarandá, ipê, candeia,
mogno e muitas outras são madeiras mais densas, mais resistentes à degradação ambiental.
Elas foram muito usadas por nossos antepassados como colunas e vigas dos casarões das
fazendas centenárias. Ainda de pé, elas exibem em seus interiores os móveis robustos, de
madeira grossa e pesada com os quais foram decoradas. Outras peças de madeiras nobres
foram usadas na confecção de delicados instrumentos musicais, pela sua sonoridade e
durabilidade. Até os dias de hoje, elas reproduzem com excelência as melodias renascentistas,
em apresentações de grande valor artístico e cultural. Até hoje desconhecida, a técnica do luthier
italiano Antonio Stradivari (1644-1737) nunca foi igualada, fazendo um violino stradivarius
legítimo ser arrematado em leilão por 11,2 milhões de euros, como em junho de 2011.
A madeira é um material nobre, pois contém uma série de substâncias orgânicas complexas,
além das inorgânicas como sais minerais, obtidas em complexas reações bioquímicas que
ocorreram durante a vida da árvore que a gerou. Para efeito de simplificação, pode-se mencionar
três grandes “classes” de substâncias orgânicas que formam a madeira: a celulose, as
hemiceluloses e as ligninas. E, como inorgânicas, diversos sais minerais absorvidos do solo.
Dissemos “grupos” de substâncias, porque as hemiceluloses são várias, e as ligninas também
são uma grande variedade de substâncias.
Celulose
A substância mais importante da madeira é um “açúcar” ou “carboidrato” de cadeia carbônica
longa, a celulose. Pode parecer estranho chamar a madeira de “açúcar”, mas é isso mesmo. A
celulose é um polímero de um isômero da glicose (C6H12O6), mais especificamente da β-Dglucose, cujos carbonos 1 e 4 se ligam por ligação covalente glicosídica, sendo que um átomo de
oxigênio fica intermediário entre eles.
Moléculas de β-D-glucose ligadas, formando uma “camada” de celulose.
Disponíveis em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cellulose-2D-skeletal.png e
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cellulose-Ibeta-from-xtal-2002-3D-balls.png>. Acesso em: 24 out. 2013.
O monômero β-D-glucose (C6H12O6) é a unidade molecular que se liga a outras moléculas
iguais, formando a grande molécula da celulose, um polímero. No entanto, existem várias
“camadas” ou “planos” de celulose sobrepostos, ligados por ligações intermoleculares do tipo
“ligações de hidrogênio” ou “pontes de hidrogênio”.
Esse tecido vegetal, formado de “macromoléculas” de celulose, não pode ser degradado em
nosso sistema digestivo, pois não possuímos as bactérias intestinais nem as enzimas capazes de
quebrá-lo novamente em moléculas menores. Assim, como a celulose está presente na
membrana das células vegetais − mas não são digeridas − essas fibras de celulose percorrem o
tubo digestivo sem alterações. Porém, conseguem estimular o peristaltismo (movimentos
intestinais) favorecendo a digestão de outras substâncias.
Quatro “planos” ou “camadas” de celulose ligados por “ligações de hidrogênio” (linhas pontilhadas). Os
anéis são unidades de β-D-glucose (C6H12O6).
Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cellulose_strand.svg>. Acesso em: 29 out. 2013.
Outros carboidratos
O amido – outro tipo de carboidrato longo – é de fácil digestão, sendo o constituinte principal
dos alimentos energéticos como pães, bolos, massas em geral, além de estar presente no
arroz, feijão e raízes como a batata. É na forma de amido que as plantas armazenam energia.
O glicogênio é também um polímero da glicose, porém uma espécie de “amido animal”.
Nosso corpo armazena energia de fácil acesso, na forma de glicogênio, no fígado e nos
músculos, coletando a glicose que circula no sangue. O organismo não armazena muito
glicogênio, e se há mais carboidratos na nossa alimentação do que a nossa capacidade
imediata de convertê-los em energia, eles são armazenados na forma de gordura.
Existem vários outros carboidratos que fazem parte de nossa alimentação, como:
Sacarose: açúcar comum, presente na cana-de-açúcar e na beterraba, cujas moléculas são
dissacarídeos, ou seja, formadas por duas moléculas de glicose unidas. A sacarose é uma das
principais fontes de biocombustíveis, convertida em etanol por fermentação.
Frutose: monossacarídeo das frutas.
Lactoses: dissacarídeo presente no leite, formado por galactose e glicose.
Maltose: dissacarídeo do malte e da cevada, formada por duas moléculas de glicose;
produzida no nosso corpo por decomposição do amido.
Obs.: Existem muitos outros carboidratos, com cadeias carbônicas de vários tamanhos. Todos
esses açúcares possuem isômeros, que são variações da cadeia carbônica, formando
moléculas de estrutura um pouco diferente, com a mesma fórmula molecular. Além disso, os
monossacarídeos com seis carbonos são isômeros entre si, com a mesma fórmula C6H12O6.
Os dissacarídeos também são isômeros entre si, com a fórmula C12H22O11.
Se nós não conseguimos digerir celulose, os cupins, ao contrário, possuem bactérias intestinais
que produzem as enzimas necessárias à sua degradação, sendo verdadeiras “pragas”, tanto em
ambiente rural como urbano, corroendo a madeira das portas, janelas, móveis, quadros etc. Por
outro lado, algumas espécies de árvores têm as suas defesas contra os cupins. Além de muito
mais densa que a maioria das madeiras, a aroeira-do-sertão, por exemplo, possui uma proteína, a
lectina, capaz de inibir a ação das enzimas dos cupins, matando-os.
Leia a reportagem no link abaixo, que trata da descoberta das qualidades da
aroeira-do-sertão, madeira resistente aos cupins. Ela está sendo testada para
fabricação de inseticida específico contra esses insetos.
http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2011/03/madeira-que-cupim-nao-roi
Hemiceluloses
Na parede das células vegetais, associado à celulose, existe um outro grupo de polissacarídeos,
as hemiceluloses, cujos constituintes são cinco “açúcares”, sendo três hexoses (glucose, manose
e galactose) e duas pentoses (xilose e arabinose). Esses monômeros podem se ligar de formas
variadas, constituindo diferentes tipos de polissacarídeos. Mas, o grau de polimerização é bem
menor que o da celulose, formando cadeias carbônicas que variam de 100 a 200 unidades de
açúcar, apenas.
Um dos vários tipos de hemicelulose.
Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Hemicellulose.png>. Acesso em: 29 out. 2013.
Ligninas
Além da celulose e das hemiceluloses, o tecido lenhoso de uma árvore contém outra “classe” de
substâncias importantes. A lignina é um polímero ou macromolécula, cuja proporção varia de 15 a
36% da massa da madeira, e a formação é concluída a partir da morte de célula vegetal,
constituindo um importante tecido de resistência.
O “papel de pão” e o “papelão” possuem um maior teor de lignina, por isso, apresentam maior
resistência mecânica e coloração mais escura. Por outro lado, o papel mais rico em lignina é
menos resistente à oxidação, amarelando mais rapidamente, como é o caso do papel de jornal e,
por isso, a indústria do papel promove muitos esforços em várias etapas para a retirada do
máximo de lignina possível, clareando-o e tornando-o mais resistente à ação do tempo.
As ligninas são uma classe de polímeros de fórmulas variáveis, conforme a espécie da madeira, composta
de monômeros aromáticos fenólicos (anel benzênico ligado a uma hidroxila, “OH”).
A ilustração representa um dos tipos de lignina.
Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Lignin_structure.svg>. Acesso em: 24 out. 2013.
O processo de branqueamento do papel não é fácil. A retirada da lignina exige muitos ataques
químicos e lavagens com substâncias agressivas para degradar a lignina original, o que gera um
rejeito líquido bastante tóxico, rico em organoclorados (que são cancerígenos), clorofenóis, ácidos
fenol-carboxílicos, ácidos dicarboxílicos e outros. Inúmeros estudos têm sido feitos para o
aproveitamento das substâncias orgânicas presentes nesse líquido, diminuindo os problemas
ambientais causados pelo seu descarte.
Recentemente, muitos estudos têm sido feitos para o aproveitamento da lignina da cana-deaçúcar para a produção de etanol secundário, que não é derivado do açúcar da cana, mas do seu
“bagaço”.
Outras substâncias inorgânicas da madeira
As árvores absorvem diversos compostos inorgânicos do solo, solubilizados em água, que
passam a fazer parte de sua seiva e de seus tecidos úmidos. Como são iônicos, pode-se
generalizá-los na categoria de sais minerais, e citar os elementos ou íons mais comuns, embora a
proporção deles vá depender também da composição química do solo de cada região, continente
etc.
Para determinar a presença desses minerais, a maneira mais simples é a análise das cinzas da
madeira, uma vez que os elementos classificados como metais presentes na forma de cátions
reagem com o oxigênio formando sólidos que constituem as cinzas.
Nas madeiras dos climas temperados, estas cinzas são predominantemente constituídas por
óxidos de potássio (K+1), de cálcio (Ca2+) e de magnésio (Ca2+); enquanto que nas madeiras
tropicais podem ocorrer em maior quantidade outros elementos como o ametal silício (Si). Se
considerarmos as pequenas quantidades, muitos dos metais e dos ametais da classificação
periódica dos elementos (tabela periódica) podem ser encontrados, dependendo da capacidade
de absorção das raízes, de sua solubilidade em água, e de sua presença no solo da região, como
sódio (Na+1) e ferro (Fe+2 e Fe+3). Mas, as cinzas totais de uma amostra de madeira qualquer
dificilmente supera 1,2% da massa seca da madeira.
O carvão vegetal
A “carbonização” de qualquer substância orgânica gera um “carvão”. Mas, o que é a
“carbonização”? Se aquecermos uma substância orgânica (ou o organismo animal ou vegetal) em
ausência de oxigênio, não haverá uma “queima”, propriamente dita, mas uma espécie de
“cozimento”, concentrando o elemento químico carbono e eliminando boa parte dos demais
elementos para a atmosfera.
A queima completa de uma substância orgânica, que contenha apenas carbono, hidrogênio e
oxigênio, por exemplo, produz exclusivamente gás carbônico (CO 2) e água (H2O). Se o oxigênio
estiver em quantidade moderada no ambiente, a queima incompleta pode gerar também
monóxido de carbono (CO) e água.
No caso do carvão, que é constituído quase que totalmente por carbono, as queimas completa e
incompleta vão formar dióxido e monóxido de carbono, respectivamente:
Queima completa do carbono do carvão (libera mais energia):
C(carvão)
+
O2 (g)
CO2 (g)
∆H = - 393,5 kJ
Queima incompleta do carbono (libera menos energia):
C(carvão)
+
½ O2 (g)
CO (g)
∆H = -110 kJ
Quando a queima produz uma fumaça escura, está sendo produzida a fuligem, que é carbono
puro (C), que simplesmente não foi queimado. É comum vermos saindo fuligem dos
escapamentos dos carros a diesel ou de motores mal regulados. A fuligem é constituída de
moléculas de atomicidade variada, sendo algumas de 60 carbonos. No entanto, se um motor de
carro joga fuligem pelo escapamento, é sinal de que parte do carbono não está sendo queimado
nem mesmo de forma incompleta; outra parte está sendo convertida em monóxido de carbono
(queima incompleta); e pequena parte em dióxido (queima completa). Ou seja, além de poluição,
está havendo perda de energia e desperdício de combustível.
Cuidado!
A queima incompleta é bastante perigosa, pois alguém pode inalar a fumaça produzida, rica em
monóxido de carbono (CO), que é venenoso. Muitas mortes provocadas por uso inadequado de
lareiras ou de aquecedores improvisados de carvão já aconteceram e foram amplamente
noticiadas. Querendo se aquecer nos dias mais frios, as futuras vítimas fecham as entradas de ar
e as possíveis saídas das fumaças de suas casas, esquecendo-se de que é preciso ventilação
para a queima completa e também para a própria respiração. Além disso, o monóxido de carbono
não tem cheiro, nem cor; e entra na corrente sanguínea no lugar do oxigênio gasoso (O 2),
provocando a morte das células.
Para que transformar madeira em carvão?
A transformação da madeira em carvão é de interesse em diversas situações, uma vez que a
queima da madeira libera grande quantidade de gases, mas na forma de carvão a fumaça é mais
“limpa”, traz menos transtornos na sua utilização, gerando menos subprodutos indesejáveis. Além
disso, o carvão é bem mais leve, mais fácil de transportar; e, o mais importante, consegue liberar
mais calor por quilograma.
Se fizermos a “análise imediata” de uma amostra qualquer de carvão vegetal de eucalipto seco,
teremos cerca de 20% de compostos voláteis a até 800ºC, menos de 1% de cinzas e cerca de
80% de carbono. Com maior teor de carbono que a madeira, sua “energia” está mais
concentrada, por unidade de massa.
Um “ferro de passar roupa” a carvão – muito usado por nossos antepassados –
usado como peça de decoração, descansando sobre seu suporte.
Disponível em: <http://pixabay.com/pt/carv%C3%A3o-vegetal-ferro-antigo-20484/>. Acesso em: 30 out. 2013
Carbonização da madeira
A carbonização “perfeita” seria aquela em que o “cozimento” concentrasse todo o carbono
presente no material orgânico, na forma sólida de carvão, e liberando os demais elementos para
o estado gasoso.
Porém, isso não acontece. O calor usado no cozimento da madeira não só “expulsa” os outros
elementos para a forma de gases, mas também quebra muitas cadeias carbônicas longas em
cadeias pequenas, formando gases orgânicos com, no máximo, poucas dezenas de carbonos,
enriquecidas com hidrogênio e oxigênio. Boa parte desses gases pode ser condensada por
resfriamento, formando um “licor” escuro, rico em água e várias substâncias orgânicas fenólicas
(anel benzênico com hidroxila, OH). Esse “licor” escuro é chamado “alcatrão”. Se não for
condensado, os vapores do alcatrão se apresentam na forma de uma fumaça branca que sai do
forno de carbonização, com forte odor característico, que pode ser sentido até a alguns
quilômetros.
Além disso, o calor necessário para o “cozimento” é produzido pela queima de uma parte da
própria madeira que se quer carbonizar, contida no forno de carbonização. Assim, uma parte do
carbono é simplesmente queimada no processo e lançado na atmosfera, na forma de dióxido ou
monóxido de carbono.
Forno de
carbonização
com porta e
“baianas”
abertas.
Forno
fechado
Forno de carbonização pronto para ser “ligado”, cheio de madeira.
Fotos cedidas por Greenpeace Brasil.
Disponíveis em:
<http://photo.greenpeace.org/C.aspx?VP3=ViewBox_VPage&VBID=27MZV85J5ERA&IT=ZoomImageTemplate01_VForm&I
ID=27MZIFVNX2ZJ&PN=107&CT=Search>.
<http://photo.greenpeace.org/C.aspx?VP3=ViewBox_VPage&VBID=27MZV85J5ERA&IT=ZoomImageTemplate01_VForm&I
ID=27MZIFVNXK6G&PN=108&CT=Search>. Acesso em: 26 out. 2013.
O forno de carbonização é geralmente de formato cilíndrico com cúpula − ou simplesmente uma
cúpula − com 2 ou até 3 metros de altura no centro, construído com tijolos rústicos de barro,
manufaturados nas proximidades da carvoaria. A única porta é usada para o acondicionamento
das toras, mas é fechada com barro, antes de o forno ser “ligado”.
Há diversas aberturas nas laterais, de cerca de 20 cm de diâmetro cada uma, chamadas
“baianas”. No início da carbonização, todas as “baianas” ficam fechadas, exceto uma, onde será
“ligado” o forno, com fogo. No momento certo, ela é vedada com barro, ao mesmo tempo em que
é aberta a “baiana” seguinte. Com a entrada de oxigênio deslocada, o fogo se desloca também e
vai circulando o forno, na medida em que as “baianas” vão sendo sucessivamente abertas e
fechadas. Durante esse ciclo, o calor produzido é armazenado na cúpula, que guarda a fumaça
quente e que, por sua vez, vai descendo pelo forno, carbonizando o restante da madeira. Essa
técnica é muito antiga, e é a mesma que continua sendo usada em todas as carvoarias do País.
Forno de carbonização do tipo cilíndrico, com cúpula.
Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carvoaria_em_Os%C3%B3rio_02.JPG>.
Acesso em: 07 nov. 2013.
Siderurgia
O principal uso do carvão é como termo redutor na indústria siderúrgica. Além de fornecer o calor
necessário para a reação (“termo”), o carbono do carvão “reduz” o número de oxidação do ferro
iônico (Fe3+) do minério de ferro para ferro metálico (Feº).
Há milênios, os antigos ferreiros enterravam no chão o minério de ferro misturado com carvão em
brasa; depois, usando foles, sopravam o ar para dentro do buraco, deixando uma pequena
abertura para a saída da fumaça. Depois, fechavam as entradas e saídas, deixando descansar
por alguns dias. Ao final do processo, desenterravam o ferro metálico do chão, que já estava frio e
sólido, e o levavam para o processo de fabrico de utensílios como espadas, correntes, pregos etc.
Até hoje, o processo é praticamente o mesmo, mas, claro, em escala muito maior. Ao invés de um
buraco no chão, a reação é realizada em um forno chamado “alto-forno”, cuja invenção é
atribuída aos chineses da antiguidade. Diferentemente dos outros fornos que precisam receber
calor de alguma fonte de energia, o alto-forno mesmo é que se “aquece”, ou melhor, é o carvão
que é aquecido quando entra no forno e que, ao se transformar em brasa, fornece calor
novamente para que o forno continue ligado. Por isso, o alto-forno funciona 24 horas por dia e
não pode ser desligado.
Camadas sucessivas de minério de ferro e de carvão são colocadas na parte alta. Essas
camadas vão descendo, e o carvão é transformado em brasa, aquecendo também o minério de
ferro. No alto-forno, há pouco oxigênio; por isso, o carvão em brasa é convertido em monóxido de
carbono (CO) que, por sua vez, reage com o minério de ferro (Fe2O3), formando dióxido de
carbono (CO2) e ferro metálico.
Páginas de um livro que mostra como era fabricado o ferro no século 19, já com uso de
“altos-fornos”, com camadas sucessivas de minério e carvão adicionadas na parte alta.
Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Iron-Making.jpg>. Acesso em: 7 nov. 2013.
O carvão em brasa é convertido em monóxido de carbono.
C (carvão)
+
O2 (g)
CO (g)
Depois, o monóxido reage com minério de ferro (óxido de ferro III ou outro mineral rico em
ferro), produzindo dióxido de carbono e ferro metálico.
CO (g)
+
Fe2O3 (s)
CO2 (g)
+
Feº (l)
Recomendamos
Assista aos filmes disponíveis nos links a seguir para mais informações:
Funcionamento do alto-forno e fabricação ferro gusa:
http://www.youtube.com/watch?v=Mp8nsPLXqOg
O segredo das coisas – aço – parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=CMGe7yuCHqE
Carvoarias, desmatamento e condições de trabalho
Toda atividade siderúrgica é sustentada por outras duas atividades: a “mineração” para extração e
beneficiamento do minério de ferro; e a “carvoeira”, realizada pelas “carvoarias”. Muitos dos
grandes empreendimentos siderúrgicos são divididos em pelo menos três empresas distintas, do
mesmo grupo empresarial, cada uma especializada em uma dessas atividades.
Nos países onde há disponibilidade de carvão mineral, este é o mais utilizado para siderurgia.
Mas, no Brasil, disponibilidade de madeira para carvão vegetal sempre foi muito mais atrativa. Por
isso, florestas inteiras e grandes extensões do cerrado brasileiro já foram derrubadas para
produzir carvão vegetal para esse fim, ao longo de muitas décadas. Enquanto isso não constituía
crime, milhares de hectares foram devastados. Hoje em dia, as grandes siderurgias investem
muito em plantio e manutenção de grandes florestas artificiais de eucalipto, que são cortados
entre 7 e 10 anos de idade, para serem carbonizados.
Flagrante de trabalho infantil em uma carvoaria; o garoto está fechando as “baianas” com barro.
Foto cedida por Greenpeace Brasil.
Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/49620460@N02/4553849127/in/photolist-7WpEG8-7WsUUG-7WpEKz-7WsUQ7-dwu9JQ9h9H9X-fhEgjZ-eDWB2s-96zoPD-cn5tr1-avvNmp-avvNsg-avyrM1-avysh5-avvNJR-avyrE9-avysbo-avvNeg-avvNvB-avys85-bZa7G3c39v9Q-8zqQdL-avyt6L-avvQkr-avytX1-avysYb-avytfb-avvQdM-avvPDH-avvPwx-avytCL-avytpm-avvPq4-avvPQK-avytTS-avvMTk-avyrh3bXY4au-eLLCj1-eLLB89-eLzedn-dwoBPn-dwoC8H-dwoC9X-dwub79-dwuacA-dwoBYx-dwoCbp-dwoBRR-dwua7h>. Acesso em: 27 out.
2013.
Trabalhador de uma carvoaria,
sem qualquer equipamento de
proteção.
Foto cedida por Greenpeace Brasil.
Disponível em:
<http://photo.greenpeace.org/C.aspx?VP3=View
Box_VPage&VBID=27MZV85J5ERA&IT=ZoomI
mageTemplate01_VForm&IID=27MZIFVNRF8V
&PN=97&CT=Search>. Acesso em: 29 out.
2013.
Mas, em regiões mais remotas do País, principalmente na região amazônica, muitas siderurgias
já foram denunciadas por desmatamento ilegal. E o desmatamento não é a única denúncia. Há
também acusações de emprego de trabalhadores sem registro, trabalho infantil, dívidas em
direitos trabalhistas diversos, trabalho escravo e semiescravo, e não uso de equipamentos de
segurança e de proteção ao trabalhador, especialmente capacetes, botas e máscaras contra pó
de carvão e contra gases.
Organizações não governamentais (ONGs) ligadas à defesa do ambiente e de direitos humanos
vêm denunciando essas violações, e muitos processos já foram instaurados para investigação e
julgamento dos culpados. Mas, essa situação está longe de ter uma solução definitiva, já que os
órgãos de fiscalização dispõem de poucos fiscais, verbas e equipamentos. Além disso, em locais
remotos as atividades de fiscalização estão ainda mais sujeitas à corrupção, como pagamentos
de propina e suborno, ameaças de morte, atentados e até assassinatos consumados contra
fiscais e denunciantes.
Vista aérea de desmatamento ilegal na Amazônia.
Imagem cedida por Greenpeace Brasil.
Disponível em:
<http://photo.greenpeace.org/C.aspx?VP3=ViewBox_VPage&VBID=27MZV85J5ERA&IT=ZoomImageTemplate01_VForm&IID=27MZIFVNRL2T&P
N=90&CT=Search>. Acesso em: 29 out. 2013.
A hulha, o coque versus carvão vegetal
Nos países do hemisfério norte, a hulha é uma importante fonte de energia, diferentemente do
Brasil, onde até a palavra “hulha” é pouco conhecida. Isso acontece por um motivo muito simples:
97% das reservas de hulha do mundo estão concentradas no hemisfério norte, especialmente nos
EUA, Rússia e Alemanha. As reservas da América do Sul e da África não chegam a 1% do total
mundial.
A “hulha” é, simplesmente, um tipo de carvão mineral. Florestas antigas, de cerca de 250
milhões de anos, foram deixando suas árvores mortas sob a lama, que com o passar do tempo,
foram secando, perdendo hidrogênios e oxigênios ligados às cadeias carbônicas, que foram
saindo na forma de água, concentrando o carbono no estado sólido. Essa transformação tão
profunda, lenta, sob a ação da pressão do solo, leva a resultados semelhantes ao da
carbonização do carvão vegetal, sem o uso do calor dos fornos de carbonização, formando um
sólido com cerca de 80% de carbono. Apesar de ter a mesma origem vegetal primária, que é a
madeira, o carvão mineral não é tão frágil quanto o carvão vegetal. Ele foi convertido em rocha,
fossilizando-se e, por isso, é chamado de “carvão de pedra”.
A hulha é uma importante fonte de materiais para a indústria química. Como não foi submetida ao
calor da carbonização, a hulha tem grande quantidade de compostos orgânicos voláteis, que são
semelhantes ao alcatrão da madeira, mas com muito menos água. O “alcatrão de hulha” é obtido
por aquecimento da hulha, fazendo vaporizar essas várias substâncias, que depois são
condensadas. Em outras palavras, o alcatrão da hulha é um destilado, uma mistura de dezenas
de hidrocarbonetos aromáticos (com anéis benzênicos), que são matéria-prima para a fabricação
de outros compostos (plásticos, tintas, resinas, medicamentos etc.), como acontece no
aproveitamento químico dos derivados do petróleo (petroquímica).
A fase aquosa desse destilado é muito rica em amônia (NH 3) e derivados da amônia, como
hidróxido de amônio (NH4OH) e alguns sais de amônio. A amônia é importantíssima para a
fabricação de fertilizantes e explosivos, sendo um dos compostos-chave para a economia de
qualquer país desenvolvido e independente.
A “destilação da hulha” não produz apenas o “alcatrão de hulha”, mas também gases de menor
massa molecular e o “coque”.
Os gases são, principalmente, hidrogênio (H2), metano (CH4), dióxido de carbono (CO2),
monóxido de carbono (CO), nitrogênio (N2) e outros gases em pequenas quantidades. Essa
fração é denominada, nos países do hemisfério norte, de “gás de iluminação”, pois ela foi muito
usada em lampiões a gás e na iluminação das ruas, nos séculos passados.
O “coque” é o resíduo sólido dessa destilação: um carvão mineral sem alcatrão, mais
semelhante ao carvão mineral, porém bem mais resistente e duro. Seu teor de carbono é
elevadíssimo, cerca de 97%. É na forma de “coque” que as siderurgias dos países do norte do
planeta utilizam o carvão mineral em seus altos-fornos para a produção de ferro, uma vez que ele
contém muito menos impurezas do que a “hulha”.
Assim, as principais diferenças entre a “hulha” e o carvão vegetal são: a hulha possui ainda
muitos e importantes componentes voláteis e, sendo obtido de um processo mais longo, de
milhões de anos, é um combustível fóssil; enquanto que o carvão vegetal é um combustível
renovável, que pode ser “replantado” em florestas novas, de onde foi retirado.
Do ponto de vista ecológico, o carvão vegetal pode ser considerado “energia limpa”, e o carvão
mineral, “energia suja”, pois lança na atmosfera um carbono antigo, que estava armazenado no
subsolo há muitos milênios, aumentando a proporção de dióxido de carbono (CO 2) na atmosfera
atual. Desde o início da era industrial até o início da fase do petróleo, até 1950, o carvão mineral
foi o principal responsável pelo lançamento de dióxido de carbono na atmosfera, pelo processo de
industrialização dos países do norte.
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Energias químicas no cotidiano: madeira, carvão e hulha A