A VIOLÊNCIA SOB A MIRA DA MÍDIA E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS
Francisco Augusto Cruz de Araújo
Bacharel em Ciências Sociais - UERN
Profa. Dra. Geovânia da Silva Toscano
Departamento de Ciências Sociais e Política - UERN
RESUMO: Este trabalho busca discutir as contribuições da mídia no que se referem às
informações e notícias que são publicadas ou divulgadas que possuam ligações diretas
e/ou indiretas ao universo da violência social. Delimitamos nosso olhar sobre o enfoque
que a mídia impressa oferece às informações classificadas como “policiais”, retratando
cenas cotidianas marcadas pela violência e conflitos. Para tanto, realizamos um estudo
de um caso de linchamento ocorrido na cidade de Areia Branca – RN no ano de 1993
que recebeu ampla cobertura de dois grandes jornais impressos da região: o Jornal
Gazeta do Oeste e Jornal O Mossoroense. Neste estudo, nos remetemos à idéia de que
determinadas mídias encontraram na violência um campo fértil para autopromoção
comercial, mostrando-se despreocupadas com o caráter informativo das notícias,
reproduzindo idéias baseadas no senso comum que transformam valores como justiça,
violência e Direitos Humanos em puro espetáculo.
PALAVRAS-CHAVE: Mídia; violência; representações sociais
Os corpos estampados nos jornais
Não são poucas as vezes em que desfrutamos o nosso café matinal
acompanhado da leitura dos jornais entregues no início da manhã, ou de frente ao
televisor exibindo as primeiras notícias do dia. Esta cena tão comum seria bastante
singela, caso não nos fossem atiradas notícias tão indigestivas. O café da manhã é de
modo geral recheado de notícias chocantes da violência nas mais diversas dimensões da
vida social, e ilustradas por imagens de corpos mutilados, linchamentos, chacinas,
rebeliões e outros desastres.
A cena descrita anteriormente instituiu-se em um ritual de passagem entre
dois mundos: de um lado um mundo “seguro”, representado pela casa e pela
tranqüilidade familiar, do outro lado um mundo inseguro e amedrontador, introduzido
matinalmente pelas notícias publicadas nos jornais, representado pela rua. Os noticiários
matinais, que podem ser acompanhados pela televisão, pelo jornal ou pelo rádio,
encarregam-se de induzir os indivíduos a planejarem estratégias de sobrevivência diária
no mundo fora de casa.
Este oceano de informações chega até nós sem que tenhamos sequer
interesse específico sobre alguma temática. Em meio às estratégias de comunicação
surgidas no seio da sociedade, o mundo das informações interfere diretamente em
dimensões bastante complexas da vida social, como no mundo do trabalho, no campo
das emoções, no lazer, etc. Após minutos de exposição à violência no início da manhã,
o medo social obriga-nos a desenvolver estratégias até certos limites inconsciente de
auto-sobrevivência, e desta forma, acreditamos estar seguros suficientemente para
encarar o mundo violento que nos aguarda fora do nosso lar. Segundo Sontag (2003):
“É impossível passar os olhos por qualquer jornal, de qualquer dia,
mês ou ano, sem descobrir em todas as linhas os traços mais
pavorosos da perversidade humana [...] Qualquer jornal, da primeira à
última linha, nada mais é do que um tecido de horrores. Guerras,
crimes, roubos, linchamentos, torturas, as façanhas malignas dos
príncipes, das nações, de indivíduos particulares; uma orgia de
atrocidade universal. E é com este aperitivo abominável que o homem
civilizado rega o seu repasto matinal.” (BAUDELAIRE, 1860, apud
SONTAG, 2003: 89-90)
As imagens estampadas nos noticiários são capazes de provocar sensações
variadas e dentre elas, frieza e falta de comoção diante da dor dos outros que sofrem.
Este processo é relativo à subjetividade de cada leitor, mas de modo geral, é responsável
pela banalização de situações de sofrimentos, como em notícias de guerras, desastres
naturais e outras formas de violência. Sontag (2003) destaca em especial o impacto das
imagens publicadas nos jornais, que violentam passivamente os indivíduos pela grande
facilidade que a memória possui de armazenar imagens estáticas.
A respeito do medo social vivido pelas sociedades contemporâneas,
Bauman (2007) discute de forma mais contundente esta questão, quando afirma que a
vida moderna transformou-se em um campo de batalha onde se chocam interesses e
poderes globais que se impõem contra identidades locais. Do resultado das relações de
conflitos e choques, eclodem tanto situações extremas da violência quanto formas
invisíveis e sutis, sensações de insegurança e de desproteção dos indivíduos. Ainda
segundo Bauman, a falta de confiança na proteção do Estado resultou numa imensa
onda de insegurança que acelerou o processo de individualização da sociedade, como
nos afirma:
“O medo é reconhecidamente o mais sinistro dos demônios que se
aninham nas sociedades abertas da nossa época. Mas é a insegurança
do presente e a incerteza do futuro que produzem e alimentam o medo
mais apavorante e menos tolerável. Essa insegurança e essa incerteza,
por sua vez, nascem de um sentimento de impotência: parecemos não
estar mais no controle, seja individual, separada ou coletivamente, e,
para piorar ainda mais as coisas, faltam-nos as ferramentas que
possibilitariam alcançar a política a um nível em que o poder já se
estabeleceu, capacitando-nos assim a recuperar e reaver o controle
sobre as forças que dão forma à condição que compartilhamos,
enquanto estabelecem o âmbito de nossas possibilidades e os limites à
nossa liberdade de escolha: um controle que agora escapou ou foi
arrancado de nossas mãos. O demônio do medo não será exorcizado
até encontrarmos (ou, mais precisamente, constuirmos) tais
ferramentas” (BAUMAN, 2007: 32).
A modernidade proporcionou um número abrangente de usos e
possibilidades oferecidas pelas tecnologias para se ver - à distância ou de perto - a dor
dos outros. Imagens que transmitem situações extremas de miséria e desamparo,
desastres naturais, conflitos militares, atentados terroristas, acidentes de trânsito,
linchamentos, quedas de aviões, todos registrados e transmitidos ao vivo ou registrados
por meio de facilidades modernas como câmeras digitais, aparelhos celulares multiusos,
câmeras de vigilância, etc.
Esta carga de equipamentos da vida moderna revelou-se um amplo leque de
estímulos de alerta que reiniciamos diariamente ao ler os jornais pela manhã ou quando
ligamos a televisão nos noticiários. A notícia violenta transformou-se, entre os meios de
comunicação, em um rápido mecanismo de obtenção de audiência e consecutivamente,
de elevação dos rendimentos às diferentes formas de mídia.
Estes estímulos podem resultar em clamores populares por vingança, por
efetivação de direitos e resguardo da vida, como também, segundo Sontag (2003),
podem simplesmente despertar a atordoada consciência de que coisas terríveis
acontecem e que de certa forma fazemos parte dela, por sermos sempre perseguidos
pelo medo, raiva, fúria, embrutecimento e por nos tornar cada vez mais alertas diante de
possíveis ameaças.
O caderno “policial” dos jornais
Grande parte dos jornais impressos que seguem os padrões de editoração
tradicionais possuem um caderno ou uma seção específica para notícias relacionadas ao
mundo policial, da violência ou Segurança Pública. O interessante de se observar é que
muitas notícias sobre as ocorrências de violência sequer mencionam informações ou
citam a atuação da polícia no caso retratado. A atuação dos atores oficiais para solução
dos casos recebe muitas vezes tratamento secundário ou até mesmo não faz parte das
informações publicadas.
O papel do policial que fornece as informações “oficiais” sobre o caso é
substituído pelo ofício do repórter policial, que geralmente tem na área policial a
oportunidade de ingressar em outras áreas do jornalismo, como a área de esporte,
cotidiano ou cultura. São raras as situações em que os repórteres e editores do caderno
policial dor jornais são especialistas ou possuem alguma formação na área de jornalismo
ou segurança pública. O crescente número de notícias ligadas ao mundo da violência
tem estimulado o surgimento de um profissional pouco avaliado mas que possui
bastante credibilidade: o especialista em “Segurança Pública” (LUCAS, 2007).
O surgimento do caderno “Policial” dos jornais brasileiros tem ligações
diretas com as experiências das décadas de 60 e 70 em que surgiram jornais produzidos
fora do circuito hegemônico da grande imprensa. Os jornais que comandavam as
produções deste período tinham uma atuação mais direcionada para a área da política,
sendo, portanto, mais consumidos pelas classes mais escolarizadas. Já os jornais
destinados a leitores de classes mais populares fortaleceram-se ao passo que se
descentralizou a grande produção de matérias, popularizou-se o preço e aperfeiçoou-se
o processo de distribuição dos exemplares. Os jornais alternativos pós-ditadura
revigoraram-se no âmbito das produções populares comunitárias, fora do circuito da
grande imprensa (OLIVEIRA, 2007).
O caderno policial, apesar de ser um dos mais lidos pelos consumidores, é
aquele que recebe maior rejeição dentro da própria estrutura do jornal, e desta forma, o
trabalho do repórter policial é estigmatizado pela sua tendência a buscar notícias fortes e
que causem forte comoção social. “Todo repórter começava pela área policial. Era o
primeiro teste de fogo”, diz um ex-repórter policial (RIFIOTIS, 1997).
O setor policial dos jornais faz parte do conjunto de notícias
espetacularizadas que na teoria da comunicação denomina-se “fait divers” (fatos
diversos), no sentido dotado por Roland Barthes, cuja preocupação da notícia, em
especial sobre a violência, não agrega uma reflexão política, mas sim realçar a história
dramática ocorrida.
“Componente indissociável da imprensa sensacionalista (...), fait
divers é uma rubrica sob a qual os jornais publicam com ilustrações as
notícias de gêneros diversos que ocorrem no mundo: pequenos
escândalos, acidentes de carro, crimes terríveis, suicídios de amor,
operários caindo do quinto andar, (...)(AGRIMANI, 1995: 25)
O fait divers, ainda de acordo com Morin, vai até o fundo da morte e
da mutilação, “com a lógica irreparável da fatalidade”. Ele acentua
que o horrível, o ilícito, o destino e a morte, irrompendo na vida
cotidiana, são consumidos “não como um rito criminal, mas na mesa,
no metrô, com café e leite”. (AGRIMANI, 1995: 27)
A partir do fait divers, muitos jornais ganharam espaço e até ameaçaram
grandes redes de jornais. O fait divers trata-se nada mais do que de escancarar sem
cerimônias as imagens e textos de crimes e demais fatos ocorridos no cotidiano social,
sem que haja filtragem alguma de elementos que possam chocar ou abalar
emocionalmente os leitores. Em muitos jornais denominados “populares”, grandes
equipes desbravam as periferias, batidas policiais, hospitais públicos, escândalos,
acidentes de trânsito, conflitos entre vizinhos, etc., em busca de notícias que causem
impactos e elevem a vendagem de exemplares, e desta forma, “promovam” o nome do
noticiário.
A relação da mídia com a violência
A relação entre as diversas formas de mídia e as notícias relacionadas ao
campo da violência ou, como também denominam, da Segurança Pública, faz parte de
uma indústria cultural que encontrou na espetacularização dos episódios violentos uma
alternativa lucrativa. Por outro lado, as informações que circulam diariamente não são
fictícias, pois se remetem a ocorrências reais que por serem desvalorizados pelo poder
público, terminam ganhando enfoque dos meios alternativos de registro das ocorrências.
De um lado está o lucro, do outro, o benefício social da denúncia que muitas vezes
sequer seria registrada, como nos afirma Rifiotis (1997):
“A violência enquanto objeto de produção de notícia, é ressaltada
pelos agentes da comunicação, como o fator de maior audiência e
comercialização nos jornais. Em nome do lucro se justifica práticas
sensacionalistas, como pode se observar nos discursos abaixo
destacados: “a violência representa 35 a 50% da importância do
jornal, pois as pessoas se interessam e vão comprar”; “tem que ser um
tipo de violência que seja alguma coisa fora do normal que choque a
sociedade, que atinja a sociedade, que seja incomum”. (RIFIOTIS,
1997)
Em muitas periferias e pequenas cidades do interior o poder público não é
capaz sequer de registrar as ocorrências de casos de violência como roubos, furtos,
agressões, litígios entre vizinhos, desastres naturais, saques, etc. Desta forma, a
população muitas vezes recorre aos meios de comunicação como única alternativa para
que suas reclamações ecoem entre os organismos responsáveis pela solução dos
conflitos cotidianos. É neste espaço que se nutrem os meios de comunicação
sensacionalistas.
“A violência, na mídia, seja ela estilizada ou não, seja ficção ou parte
dos telejornais da atualidade serve, de uma certa maneira, a um
descarregar-se, distender-se, dar livre curso aos sentimentos através do
espetáculo. As cenas de violência são um sintoma da „nervosidade‟ da
sociedade.” (MICHAULD, 1996 apud PORTO, 2002: 160)
Desta forma, frisamos a importância em se perceber o grande foco dado pela
mídia à violência social não apenas como um desvio de conduta ética e ideológica, mas
como uma crescente tendência universal do jornalismo que se autodenomina „cidadão‟.
Uma análise sobre a influência da mídia sobre o comportamento social exige uma
responsabilidade ampliada, o que não faz parte das nossas pretensões. Neste sentido,
buscaremos adentrar em situação específica que poderá ilustrar melhor as questões que
tratamos neste estudo.
Um caso em especial: o “linchamento em areia branca”
Nossa experiência mais aproximada no que se refere à ligação entre os
meios de comunicação e a violência social, refere-se ao estudo de caso que realizamos
ao longo do ano de 2009 em que buscamos reconstruir uma ocorrência de linchamento
na cidade de Areia Branca, no interior do Rio Grande do Norte.
O caso de linchamento ocorreu no ultimo dia de carnaval do ano de 1993,
em conseqüência ao estupro e esquartejamento de uma criança de 13 anos de idade. O
crime alcançou comoção das populações de muitas cidades próximas ao que o fato
ocorreu, mas em nosso estudo destacamos em especial as cidades de Grossos e Areia
Branca, por tornarem-se o cenário do linchamento dos suspeitos deste crime.
Nossa pesquisa limitou-se a dois jornais de circulação naquela região: Jornal
O Mossoroense e Jornal Gazeta do Oeste. Ao decorrer de 40 dias do caso de violência
sexual da jovem de 13 anos, conseguimos catalogar mais de 50 publicações entre os
jornais que trabalharam exaustivamente na cobertura do caso. Dentre estas publicações,
estão notícias com imagens dramáticas do linchamento, artigos de opinião, entrevistas e
charges.
Não é de se estranhar que uma multidão enfurecida formada por mais de
duas mil pessoas tenha se reunido, capturado os suspeitos do crime das mãos da polícia,
os julgado em via pública e exterminado brutalmente diante do impotente poder policial
que assistiam os acontecimentos. Não apenas os jornais em que nos dedicamos a
catalogar as publicações, mas diversas emissoras de rádio, programas de televisão e até
mesmo jornais de circulação nacional divulgaram notícias sobre o linchamento em
Areia Branca.
O caso do estupro da menina em Areia Branca logo após os dias festivos do
carnaval comoveu os leitores, telespectadores e ouvintes dos mais variados meios de
comunicação que cobriram o caso. A ocorrência do crime reverteu o clima festivo e de
confraternizações carnavalescas tão tradicionais naquelas cidades, promovendo um
sentimento de revolta e vingança.
Ao longo das publicações, encontramos revelações que nos ligam às
contribuições da mídia às representações sociais. Destacamos aqui frases como “li no
jornal que eles eram os estupradores e fui lá ajudar a vingar a família”; “o locutor
pediu que ajudássemos a polícia a resolver o crime e eu ajudei”; ou em situação de
extrema frieza um participante do linchamento confessa ao repórter: “Eu só joguei uma
pedra, mas ele já estava morto” (ARAÚJO, 2009), expressão que recebeu destaque na
seção Policial em uma das edições catalogadas.
Situações-limites como as narradas anteriormente ou divulgadas em
noticiários por todo o mundo revelam o poder de penetração que os meios de
comunicação possuem na vida das pessoas. Noticiar não é apenas transmitir
informações, mas também preparar e provocar sentimentos que são imprevisíveis por
qualquer estudo sócio-psicológico, pois a forma com que as notícias são processadas
depende diretamente da subjetividade do leitor ou ouvinte. Neste caso em específico, os
meios de comunicação tiveram relação direta com a conduta dos seus leitores e
ouvintes: as pessoas foram às ruas fazer justiça com as próprias mãos.
Alguns dias após a ocorrência do linchamento que vitimou três suspeitos de
um crime hediondo, sendo que um deles sobreviveu com graves seqüelas, na mesma
ocasião a multidão ateou fogo ao prédio da delegacia, um dos jornais publicou uma
reportagem na qual destacamos a frase “nós avisamos para a polícia que a população
iria se vingar” (ARAÚJO, 2009). É evidente, portanto, a influência da mídia tanto nas
representações sociais, quanto no controle das decisões e estratégias do poder público.
Sobre o aspecto comportamental de banalização da violência e
agressividade dos indivíduos por conseqüência da exposição pela mídia, Michaud
(1989) levanta discussões consideráveis:
“Estudos recentes reconhecem, em laboratório, uma correlação entre
observação da violência e agressão. Os estudos em meio real são
menos significativos. Mas não há dúvida de que as imagens da
violência contribuem de modo não desprezível para mostrá-la como
mais normal, menos terrível do que ela é, em suma: banal, criando,
assim, um hiato entre a experiência anestesiada e as provas da
realidade, raras, mas muito fortes.” (MICHAUD, 1989: p. 51)
Neste sentido, enfatizamos a responsabilidade da mídia no processo de
cognição dos indivíduos expostos aos seus conteúdos, oferecendo credibilidade a certas
opiniões de mundo que influenciam a elaboração de estratégias de vida e padrões de
comportamentos, consumo, etc. Desta forma, partindo do princípio de que a construção
de atitudes é predominantemente “comunicacional”, as informações que os indivíduos
recebem diariamente têm representações diretas e indiretas no pensamento e nas
representações sociais e concretiza-se no real.
Conclusões possíveis
Estudos sobre os diversos impactos da exposição dos indivíduos à violência
por meio da mídia e suas representações e conseqüências reais nos são bastante
reveladoras. Eles revelam situações e condições que perpassam a compreensão racional
dos fatos e emergem em áreas da mente humana com contornos muito tênues e fluidos.
O senso comum percebe esta relação de forma muito pouco complexa, como fuga e
criação de uma falsa sensação de segurança que até certos limites, amenizam o medo
social presente na vida cotidiana daquele que está “diante da dor do outro”.
Num momento histórico em que se discute a violência, os meios de
comunicação – sites, jornais e revistas impressas, rádio, programas de televisão –
representam uma significativa ferramenta de construção dos seres que somos. De fato,
há uma quantidade inumerável de usos e oportunidades oferecidas pelas tecnologias de
informação que a cada dia surgem, mas os jornais (imagens em movimento ou pela
leitura) possuem a imensa capacidade de despertar a atordoada consciência de que
coisas terríveis estão acontecendo.
Como afirma Canetti (1995: 51), “no público formado pelos leitores de
jornal conservou-se viva uma massa de acossamento abrandada, mas, em função de sua
distância dos acontecimentos, ainda menos responsável”.
Ao nos tornamos apreciadores de notícias como as que foram publicadas
nos Jornais O Mossoroense e Gazeta do Oeste, digerimos notícias de dor, sofrimento
social, angústia e medo que estampam as folhas dos inúmeros noticiários, tão evidente
na frieza expressa pelos participantes do linchamento na cidade de Areia Branca – RN.
E ainda destaca-se o consentimento do público leitor destacado nas cartas enviadas aos
jornais e artigos de opinião publicados, nos tornamos tão participantes destes fatos
quanto aqueles que atiraram as pedras em nome de valores desvirtuados de “justiça”,
“poder” e “liberdade”.
Desta maneira, relembramos da canção dos compositores João Bosco e
Aldir Blanc, que retrata a naturalização da violência e banalização da vida e da
dignidade humana. Na música, a morte transforma-se em espetáculo:
“Tá lá o corpo
Estendido no chão
Em vez de rosto uma foto
De um gol
Em vez de reza
Uma praga de alguém
E um silêncio
Servindo de amém...
O bar mais perto
Depressa lotou
Malandro junto
Com trabalhador
Um homem subiu
Na mesa do bar
E fez discurso
Prá vereador...
Veio o camelô
Vender!
Anel, cordão
Perfume barato
Baiana
Prá fazer
Pastel
E um bom churrasco
De gato
Quatro horas da manhã
Baixou o santo
Na porta bandeira
E a moçada resolveu
Parar, e então...
Tá lá o corpo
Estendido no chão
Em vez de rosto uma foto
De um gol
Em vez de reza
Uma praga de alguém
E um silêncio
Servindo de amém...
Sem pressa foi cada um
Pro seu lado
Pensando numa mulher
Ou no time
Olhei o corpo no chão
E fechei
Minha janela
De frente pro crime...
Veio o camelô
Vender!
Anel, cordão
Perfume barato
Baiana
Prá fazer
Pastel
E um bom churrasco
De gato
Quatro horas da manhã
Baixou o santo
Na porta bandeira
E a moçada resolveu
Parar, e então...
Tá lá o corpo
Estendido no chão...”
De Frente pro Crime, 1975
João Bosco & Aldir Blanc
Referências bibliográficas:
AGRIMANI, Danilo. Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na
imprensa. São Paulo: Sumus, 1995.
ARAUJO, Francisco Augusto C. “Ta lá um corpo estendido no chão”: um estudo de
caso do Linchamento em Areia Branca – RN. UERN, 2009. 49p. (Monografia de
Graduação em Ciências Sociais)
BAUMAN, Zygmund. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2007.
CANETTI, Elias. Massa e poder. São Paulo: Companhia da Letras, 1995.
LUCAS, Fábio Oliveira. “Organizações criminosas e Poder Judiciário”. Estudos
Avançados, vol. 21, nº 61, 2007.
MICHAUD, Yves. A Violência. São Paulo, Ática, 1989.
OLIVEIRA, Aluísio Lins de. Quando o povo é notícia (ensaio sociológico): uma
contribuição para a história social da cultura no Brasil. In: Anais do XIII Congresso
Brasileiro de Sociologia. Recife, 2007. p. 1-15.
PORTO, Maria Stella Grossi. Violência e meios de comunicação de massa na sociedade
contemporânea. Porto Alegre: Sociologias. Ano 4, 2002.
RIFIÓTIS, Theophilos et al. O repórter e a sua imagem da violência e da ação policial.
1997. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/w3/cdhpb/projetos/reporter.html>
SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. Rio de Janeiro: Companhia das Letras,
2003. 112 p.
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