DOI: 10.4025/4cih.pphuem.528
GÊNERO,MEMÓRIA E IDENTIDADE:UM ESTUDO SOBRE A VELHICE NA
CIDADE DE PONTA GROSSA-PR
Rosemeri Monteiro Vedan
O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial. Segundo
Relatório da
Divisão de População da Organização das Nações Unidas (ONU), existem atualmente 629
milhões de pessoas com mais de 60 anos e, em 2050 serão 2 bilhões de idosos, o que
corresponderá a 21% da população mundial. Os estudos mostram que atualmente 1 (uma) em
cada 10 (dez) pessoas tem 60 anos de idade ou mais, em 2050 esta relação será de uma para
cada cinco pessoas em todo o mundo, e de uma para cada três nos países desenvolvidos.
O estudo da ONU revela ainda que o envelhecimento populacional experimentado
atualmente não tem precedentes na história da humanidade e rebate no cotidiano das
populações com conseqüências e implicações em todos os aspectos da vida humana. Na
economia o envelhecimento afetará o crescimento econômico, os investimentos, o consumo,
as pensões e os impostos. Na esfera social influenciará a composição familiar, imputando
sobre a saúde, habitação e migração. Em na esfera política, interferirá sobre os padrões de
voto e de representação.
No ano de 2002 realizamos um Estudo de Caso junto a população idosa da cidade de
Ponta Grossa que participava das atividades desenvolvidas pela Fundação Municipal de
Promoção ao Idoso de Ponta Grossa – FAPI, entidade sem fins lucrativos, com personalidade
jurídica de direito privado e prazo de execução indeterminado, vinculada a Secretária
Municipal de Assistência Social.
Nossa incursão pela realidade demonstrou que as instituições e os profissionais que
operam políticas em favor do idoso nem sempre se dão conta da influência de uma ideologia
dominante da velhice; que associa esta a um processo de sucessivas limitações e
dependências. Assim, as ações voltadas para este segmento populacional acabam não apenas
traduzindo construções sociais, históricas e culturais sobre a velhice mas, favorecem a
cristalização de certos comportamentos esperados para esta fase da vida.
O método que utilizamos, em nossa pesquisa,
foi o do materialismo dialético
porque, entendemos como MUNHOZ (2001), que a dialética permite ao pesquisador analisar
os extremos ou aparentes extremos sob a lógica da contradição e, a contradição implica em
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pensar a realidade não a partir de alternativas excludentes pois a “realidade não é sim ou não,
ela é sim e não” (RIOS apud MUNHOZ, 2001).
“Envelhecer é mais um aspecto da dialética do mesmo e do outro na tensão entre
vida e morte, entre o desejo da permanência e a inexorabilidade da destruição. O signo dessa
tensão é a finitude que se reconhece no existir humano, na dialética da facticidade e da
transcendência. O fato experimentado do envelhecer nos confronta diretamente com nossos
limites” (ZUBEN in LIBERALESSO, 2001, p. 160).
A sociedade atribui ao idoso, nos diferentes contextos históricos, determinados papéis
que julga coerentes com a sua idade e, este por sua vez os incorpora, legitimando o processo
que o submete, muitas vezes, à exclusão.
Muitas vezes o processo de envelhecimento, é permeado por teorias e propostas de
ação que fazem alusão a uma suposta potencialidade que o idoso mantém, apesar da idade,
porém, as ações o desqualificam muitas vezes para assumir o papel de direito que lhe cabe no
contexto social; pois ora tais programas enfatizam aspectos ligados ao lazer, ora ao artesanato,
ou ainda, ações ligadas à saúde, entre tantas outras.
O que sempre nos incomodou, não foi o caráter de cada programa, mas, a ênfase que
se dá a alguns aspectos que contribuem para a construção de uma representação social da
velhice, que coloca o individuo idoso como “a criança grande que quer brincar ou ganhar
doces”. Ou ainda, lhe atribuem valorações como “que bonitinho”, "que engraçadinho”, como
se certos comportamentos, a partir de uma determinada idade, fossem motivos de elogios e
incentivos. Retira-se a autonomia do idoso e o seu valor de ser, que lhe é ontológico. A
valorização do ser humano deve se dar por este caráter; não estando, portanto, condicionada a
critérios de idade, que, diga-se de passagem são, segundo os antropólogos, uma construção
social.
O que defendemos para o idoso é esta possibilidade de valorização ou desvalorização,
elogio ou crítica, não porque é idoso, e neste caso parece já vir implícita a idéia de "coitado",
mas, porque é pessoa; é suscetível a erros e acertos, a bondades e maldades, a desafios e
realizações, como qualquer pessoa, em qualquer idade.
Um artigo escrito por JECCKEL NETO (In: LIBERALESSO, 2001, p. 39), inicia com
uma fala de Greta Garbo que diz “sou o que o adolescente jamais encontrará, o que o velho
procurou em vão durante meio século, o que a mulher desejava para segurar quem a deixou.
Compreendem, então, por que me escondo? Não quero que os sonhos acabem”. Esta fala, que
em nossa opinião carrega uma conotação extremamente pessimista e fatalista da velhice, não
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deixa de retratar os sentimentos que tomam de assalto às pessoas, quando essas se dão conta
que estão envelhecendo. A velhice povoa os distintos universos, masculino e feminino, como
algo contra o qual não se pode lutar, mas do qual se quer fugir ao máximo, adiando o quanto
for possível àquilo que consideramos um marco em nossa existência finita.
Envelhecer é um processo inerente à própria existência. Seres vivos, assim como
objetos, envelhecem. O homem, portanto, inicia seu processo de envelhecimento a partir da
concepção.Para a compreensão de tal processo, precisamos entender inicialmente que
“velhice e envelhecimento não são termos sinônimos, pois ambos possuem características
diferentes” (VARGAS, 1983, p. 17).
Segundo este autor, a velhice é uma característica inerente aos organismos; seria uma
conseqüência inelutável de sua evolução. A velhice caracteriza-se por tratar-se de um
fenômeno pessoal variável no tempo e no espaço, resultado da ação de fatores exógenos e
endógenos. A velhice faz parte do ciclo natural da vida, que consiste na superação de
diferentes etapas que estão ligadas ao processo de amadurecimento do organismo:
nascimento, crescimento, amadurecimento, envelhecimento e morte. Este ciclo, porém, não
pode ser visto de forma estanque, pontual, fragmentada, pois, se assim o fizermos, corremos o
risco de condicionarmos nossa análise sobre envelhecimento ao paradigma organicista que
privilegia conceitos de idade e estágios (etapas evolutivas).
A velhice aparece como um estado de vida, no qual a característica principal é o
desgaste mental e corpóreo. Segundo MASCARO (1997), nas sociedades antigas, a velhice
era associada à doença, ambas eram consideradas fruto de desequilíbrio orgânico. Tal idéia
fez com que por muito tempo os cientistas buscassem a cura para a velhice e, esta noção
acabou orientando muitas das teorias sobre envelhecimento com as quais ainda hoje nos
deparamos.
Compreendemos que o conceito de velhice seria mais restrito no sentido de dar conta
de um processo mais amplo, que não pode ser reduzido a alguns aspectos da vida e, mais
abrangente à medida que se refere, em nosso entender, não apenas ao homem, mas, a todos os
organismos vivos ou não. Na realidade tudo e todos ficam velhos. A velhice estaria
relacionada a um momento, a uma condição, não contemplando o processo mais amplo e
inerente ao seres humanos desde o seu nascimento. Processo este que estaria definido no
termo envelhecimento: “o envelhecimento é um processo que se inscreve na temporalidade do
indivíduo, do começo ao fim da vida. É feito de uma sucessão de perdas e aquisições [...]”
(BRUNO, 2000, p. 19).
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O critério cronológico funciona como referência, auxilia-nos na organização de papéis
e eventos pertinentes à vida social, considerando que vivemos em um mundo temporalizado.
Para GUSMÃO (In: NERI, 2001), as sociedades modernas parecem estar imbuídas de que a
velhice é em preto e branco, pois cada vez mais, ocupam-se em refletir, analisar e discutir
sobre a mesma, na busca de alternativas para os idosos, como se pelo fato destes terem vivido
alguns anos a mais, necessitassem que outros, mais jovens, lhes construíssem alternativas de
vida. Retira-se a autonomia do sujeito idoso e procura-se preencher-lhe o tempo, como se
nesta etapa da vida do homem, o tempo fosse apenas uma sucessão de horas que precisam de
ocupação, face ao tédio imposto pelo envelhecimento. A autora segue indagando: seria o
velho tal como o selvagem do passado ocidental, um ser destituído e dependente, que
necessita ter a si, seus bens e a própria vida geridos por outrem? Poderia o velho escolher um
caminho próprio e ser feliz a partir da sua escolha?
Os costumes, as normas e os rituais mudaram no tempo, há alguns anos atrás,por
exemplo,os casamentos ocorriam em idade mais precoce, a vida reprodutiva feminina também
iniciava e terminava mais cedo. Hoje as normas são outras em função, principalmente, da
elevação da expectativa de vida das pessoas. As mudanças sociais e culturais derivadas dos
avanços tecnológicos e científicos, dão á vida um novo ritmo, com o desenvolvimento de
novos valores, normas e regras sociais. Para NEUGARTEN (In: NERI, 2001) nas sociedades
pós-modernas o sistema de gradação por idade é flexível
em função das técnicas que
prolongam a juventude, do surgimento de novos valores ligados a sexualidade das pessoas
mais velhas, às mudanças tecnológicas no trabalho e, conseqüentemente, nas aposentadorias.
Salienta o autor que no Brasil a idade ainda é um fator relevante porque significa a redução de
oportunidades de acesso aos já escassos bens sociais.
Compreender o envelhecimento a partir desses pressupostos é fundamental para
rompermos com a visão a-crítica e a-histórica que reduz a velhice a apenas um aspecto, seja
biológico ou psicológico, que centraliza o debate sobre velhice em noções e conceitos que
normatizam o processo de envelhecimento, estabelecendo critérios, padrões e noções que
convergem para a garantia de um envelhecimento saudável com qualidade, sem que se
questione de que qualidade se fala, e de que velhice nos falam. O que se percebe é que na
maioria das vezes as teorias sobre envelhecimento contribuem para uma adaptação dos
sujeitos sociais, adaptação que é externa àqueles que envelhecem.
A categoria gênero aparece como um instrumento fundamental nas análises sobre
velhice , primeiro porque de acordo com as estatísticas as mulheres tem uma perspectiva de
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vida superior a dos homens, em oito anos. Segundo a questão da masculinidade e da
feminilidade são construídas socialmente, portanto espera-se que o homem cumpra certos
papéis relacionados ao provimento da família, pois ainda que a mulher trabalhe a ênfase maior
é o papel do homem.
Trabalhamos, aqui, com o conceito de gênero enquanto um conjunto de valores que
são construídos histórica e socialmente e que são atribuídos às diferenças sexuais.Tais valores
organizam e constroem expectativas de comportamento e ação para homens e mulheres em
contextos sociais diversos.
As circunstâncias demonstram a necessidade de se olhar para as realidades empíricas,
em que se insere a subjetividade do idoso, a fim de que se possa fazer uma leitura que nos
revele o lugar do velho e da velhice. Precisamos encontrar alternativas de inserção social do
idoso que rompa com papéis previstos e prescritos, nesse sentido, há que se impor uma
rebeldia que permita inovar
Historicamente, os homens vêm exercendo o poder nas diferentes relações que
estabelecem no mundo do trabalho, na família e na sociedade de uma maneira geral. Em
BRUNO (2000) encontramos uma referência a masculinidade, que segundo ela é medida pelo
poder, pela riqueza e pelo sucesso. O universo que envolve o envelhecimento e a velhice é
habitado por várias simbologias, ora ligadas ao gênero, ora ao tempo e ao contexto em que se
inserem estes sujeitos. O mundo masculino encontra referência num passado de virilidade,
beleza e poder. A mulher idosa associa o seu papel a reprodução, a juventude e a beleza.
Porém, constamos que ambos sonham com o tempo da juventude eterna e, talvez da
imortalidade.
Em nossa pesquisa buscamos dar voz aos idosos entrevistados e para tanto utilizamos
um roteiro que pedia aos idosos que relatassem um pouco de sua história enfatizando os
momentos de sua vida ( infância, juventude, vida adulta e velhice) que preferiam. Nossa
amostra masculina foi constituída por 5 ( cinco ) idosos e, a feminina por 8 ( oito) idosas, a
diferença no número de participantes deu-se pelo fato de entrevistarmos participantes de
grupos de convivência da área rural e urbana, fato que nos aponta uma primeira diferença
entre homens e mulheres, pois na área rural os homens não participam das atividades para
idosos. Nossos sujeitos da pesquisa foram identificados através de pseudônimos ligados a
mitologia grega ; a mitologia estuda sistematicamente os mitos. Mito quer dizer palavra
expressa ou discurso, é um relato de origem remota e significação simbólica. Os principais
mitos referem-se a origem dos deuses, do mundo e do fim. Optamos pelos nomes dos deuses
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mitológicos para identificar os idosos, porque acreditamos que o universo que envolve o
envelhecimento e a velhice é habitado por várias simbologias, ora ligadas ao gênero, ora ao
tempo e ao contexto em que se inserem estes sujeitos.
Nossos idosos homens foram identificados pelos pseudônimos de :
Š EROS – deus do desejo e do amor;
Š DEIMOS – deus do medo;
Š HERMES – deus dos sonhos;
Š CRONOS – deus do tempo.
O grupo feminino foi identificado pelos seguintes pseudônimos:
Š AFRODITE – deusa da beleza;
Š GAIA – deusa dos sonhos e da fecundidade;
Š DEMÉTER – deusa da fertilidade;
Š PERSÉFONE – deusa das estações do ano;
Š RÉIA – a mãe dos deuses, identificada como a Grande Mãe;
Š HERA – deusa da vida e protetora da mulher;
Š HEBE – deusa da juventude;
Š ÁRTEMIS – deusa da pureza e dos ritos de fecundidade.
O número de mulheres entrevistadas é superior porque, a principio a relação que
estabelecemos era de um por um, portanto, nos grupos da área urbana para cada mulher
entrevistada entrevistamos um homem, porém ao chegarmos a zona rural constatamos,
conforme já explicado acima, que neste grupo não havia participação masculina e acabamos
entrevistando 4 mulheres.
CRONOS justifica sua preferência em função da solidão “agora a gente vive sozinho
gostar do quê?“
Para HERMES, a questão está ligada ao trabalho “eu queria ser jovem, hoje eu quase
não trabalho, ninguém me procura”.
EROS também menciona o trabalho” quando era mais novo era melhor eu tinha
disposição para trabalhar. Trabalhar para mim era saúde. O corpo não era cansado que nem
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agora “.
As falas confirmam a existência masculina condicionada a determinados papéis que
traduzem virilidade e poder. Além do mais, “nas sociedades modernas, de que fazemos parte,
a divisão do trabalho aloca os sujeitos sociais entre os que sabem e podem e os que não sabem
ou não podem manipular saberes e experiências para fazê-las render material e
simbolicamente” (GUSMÂO in NERI, 2001, p. 121) . O saber acumulado pelo idoso o
habilita para um lugar de destaque, porém, em uma sociedade centrada na força de trabalho do
jovem, o idoso torna-se aquele que já não pode responder aos objetivos do sistema. A velhice
passa a traduzir inutilidade. Também os limites físicos aparecem nas falas, no entanto não
podemos afirmar com certeza, se a idéia de limitação era real, em função de patologias ou, se
faz parte da concepção dominante de velhice que a associa a senilidade.
Concordamos com MASCARO (1997) quando diz que todos os órgãos com o passar
dos anos sofrem alterações, porém, estas alterações nem sempre se traduzem em
insuficiências, na realidade os órgãos vão passando por transformações que uma vez
acompanhadas e, tomadas medidas de prevenção não comprometem a qualidade de vida do
idoso.
Entre os entrevistados apenas um afirmou preferir o tempo atual ( velhice),
justificando sua resposta com a seguinte fala “agora tô me divertindo mais que em outros
tempos, minha mãe era segura não me deixava sair, casei com 21 anos . Agora vou aonde
quero, não dou satisfação para ninguém”.
No caso deste entrevistado o envelhecimento e a viuvez significaram a liberdade
para uma vida que sempre almejou. A velhice aparece aqui como uma conquista resultante de
um processo de maturidade que instrumentaliza o individuo para tomar suas decisões.
Quando indagados sobre as atividades no grupo de convivência, todos afirmaram que
são boas, tanto que, freqüentam assiduamente os grupos fazendo um rodízio para que todos os
dias da semana sejam preenchidos com atividades, principalmente bailes para idosos. Como
os grupos têm dias diferenciados de atendimento, os idosos conseguem preencher toda a
semana.. Dois entrevistados dizem que as esposas não os acompanham, mas também não se
importam que os mesmos freqüentem os bailes. A esposa de um deles é evangélica e por isso
não vai aos bailes, a do outro prefere ficar em casa assistindo televisão e não se importa que o
marido freqüente os grupos “não adianta ligar porque a gente vem do mesmo jeito”.
CRONOS revela que foi para o grupo de convivência após a viuvez “morreu tudo,
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fiquei sozinho, a última foi à mulher”. A expressão “morreu tudo” refere-se aos irmãos e
parentes próximos do mesmo.
Para DEIMOS, o grupo é um possibilidade de fugir da rotina que o assusta, vive com
uma filha e diz que sai de casa todos os dias logo após o almoço e só volta por volta de 19
horas; “com a esposa a gente fica mais feliz, depois que a esposa morre fica ruim. Às vezes
sai um botão da camisa, a gente pede para uma filha pregar ela fica de cara amarrada. Com a
esposa não, a gente manda e acabou”. A fala de DEIMOS reflete a dificuldade que o homem
tem para se auto-cuidar, revelando uma situação de dependência com a mulher.
CRONOS e DEIMOS
não desejam se casar novamente. Para CRONOS um
casamento neste momento não teria sentido “casar para quê? Pra dar trabalho pra mulher?;
DEIMOS alega que quando se é jovem se tem mais paciência, mas, “o idoso não aceita
desaforo”.
As falas de nossos entrevistados confirmam que o envelhecimento diz respeito a uma
experiência individual. Embora algumas questões caracterizem o envelhecimento masculino,
principalmente a dependência do homem em relação a mulher para auxiliá-lo na rotina diária.
O envelhecimento coloca os seres humanos
diante da possibilidade de se descobrirem
maduros. A maturidade ocorre quando “os sujeitos descobrem-se sozinhos e, diante dos fatos,
adaptam-se, reagem ou se deixam morrer, social e fisicamente. Porém, não sem luta”
(GUSMAO in NERI, 2001, p. 127).
Dentre as entrevistadas tivemos dificuldades para selecionar mulheres casadas visto
que, dificilmente a mulher casada freqüenta os grupos de convivência, ou porquê o serviço
doméstico a solicita ou porquê entende que esses lugares não são próprios para elas,
principalmente os que tem baile. Uma outra explicação pode ser dada pelo fato da
longevidade feminina ser superior a masculina, predominando no grupo acima de 60 anos o
sexo feminino.
As questões dirigidas as mulheres foram as mesmas que fizemos aos homens, no
entanto estas demonstraram maior capacidade de compreensão e facilidade em elaborar as
respostas.Perguntamos às idosas que que momento de suas vidas preferiam e, entre as quatro
entrevistadas, apenas uma afirmou preferir o tempo da juventude. As outras três, apontaram o
tempo da velhice ( fase atual ) como sendo o melhor. A justificativa para tal preferência
pautou-se no fato de sentirem-se escravas de marido e filhos. As falas abaixo ilustram tal
afirmação:
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“sofri muito com o meu marido, 43 anos presa dentro de casa cuidando de filho”(
AFRODITE).
“Eu fui escrava de panela, 50 anos.’(HEBE).
“Minha vida era uma ditadura, meu marido era alemão, não me deixava ir nem a
casamento de sobrinha”(GÁIA).
O caso de HEBE, AFRODITE e GÁIA pode ser explicado por um efeito coorte,
mulheres advindas de uma época em que a subordinação feminina não era questionada,
atribuindo-lhe o serviço doméstico, o cuidado com os filhos e a obrigação de cumprir com
perfeição os papéis de esposa e mãe dedicada. Suas respostas contrariam a teoria do ninho
vazio defendida por ZIMERMANN (2000) que diz que após o crescimento e a independência
dos filhos mais a aposentadoria do marido a mulher se vê liberada da rotina estafante que a
colocava como indispensável, passando a ter uma sensação de inutilidade. Ao contrário,
nossas entrevistadas demonstram que o tempo atual significa liberdade, refletir sobre tais
processos implica em compreender que existem diferentes formas de vivenciar o real, a vida
madura e a velhice, “essas vivências refletem diferentes racionalidades, inerentes aos
diferentes contextos sócio-culturais” (GGUSMÂO in NERI, 2001, p. 122). .Apenas a idosa
identificada por REIA, afirmou ter vontade de retornar a juventude e mais precisamente a
casa dos pais tal afirmação estava ligada ao fato da mesma encontrar-se bastante fragilizada
por problema familiares com uma das filhas. RÉIA demonstrou um nostalgismo referente ao
tempo em que se sentia, talvez, mais amparada, mais segura. Constatamos que as filhas
exercem sobre a mãe uma autoridade incontestável. A idosa é tratada como alguém que
precisa ser tutelada e chamada à “normalidade”, considerando como parâmetro, o
comportamento que as mesmas esperam que uma idosa de 65 anos tenha. Para ZIMERMAN
(2000), muitas vezes, a filha assume algumas atitudes que objetivam punir o idoso por
negligência, maus tratos, falta de carinho e atenção. A autora classifica este tipo de família
como “família ressentida” no caso de REIA, não conseguimos identificar esta possibilidade,
porquê a mesma ficou muito nervosa com a narrativa dos fatos, fazendo-nos interromper a
entrevista.
Um outro fato que chama a atenção é a idéia de que idoso não tem vida sexual, não
apenas no caso de REIA, mas em todas as entrevistadas da zona urbana, pudemos verificar
uma necessidade muito grande de reforçar, que gostam de se divertir, mas isto não envolve
homens sexualmente falando, só mesmo para dançar. Sobre isso GAIA fala “namoro, tenho
par só para dançar. Amasso não. Fica até feio. Só pegar pelanca”. Entre as mulheres
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viúvas da zona rural sequer se menciona a possibilidade de um namorado ou se faz alusão a
sexualidade, mesmo entre as casadas, mesmo porque no grupo não existe convívio com o
sexo oposto. É preciso que se rompa com mais esse mito que é,
“mais um desrespeito com que a sociedade trata o velho, e com o qual
ele próprio compactua. Os velhos que tem vida sexual ativa muitas
vezes envergonham-se de admiti-la. A família e a sociedade
costumam desencorajá-los a isso. Cabe uma observação: sexo não é só
contato genital. Carinho, outras formas de contato físico, afetividade
de modo geral podem e devem ser cultivados em qualquer idade
(ZIMERMAN, 2000, p. 43).”
As entrevistadas da zona rural assumem uma postura diferenciada. Afirmam preferir
o tempo da juventude, “a gente, sendo nova tem esperança. Dessa idade esperar o quê?
(PERSÉFONE).
A diferença entre a representação social da velhice, do grupo urbano e do rural pode
ser explicada pelos ritmos de vida diferenciados entre o campo e a cidade. As facilidades de
acesso a determinados serviços na cidade e a rapidez com que circulam as informações, o que
acaba contribuindo para mudanças mais aceleradas nos comportamentos individuais. As
idosas, entrevistadas, da região urbana, romperam com a situação que as subjugava e têm
acesso à atividades de lazer, cultura e recreação que a zona rural não experimenta, na mesma
intensidade. Ainda com relação às diferenças quando diz que a análise cultural deve ser
considerada como “o estudo das formas simbólicas, isto é, ações, objetos e expressões
significativas de vários tipos em relação a contextos e processos historicamente específicos e
socialmente estruturados dentro dos quais, e por meio dos quais, essas formas simbólicas são
produzidas, transmitidas e recebidas” (THOMPSON, 1995, p. 181).
Para MARC AUGE (In:NERI, 2001), na sociedade moderna não há lugares de
memórias permanentes, a partir dos quais se defina as possibilidades de pertença individual e
coletiva. Em nosso mundo, segundo o autor, a busca do que somos se dá pela busca da
imagem do que fomos. Resultante disto, é uma busca irrefreável de nossa identidade, fora de
nós mesmos.
Assim, nunca sabemos quem somos e onde estamos, o idoso passa a ser o outro e a
velhice a vida do outro. Desta forma, há que se fazer uma rebelião, não cumprindo
simplesmente as regras impostas. Objetivando-se a superação da exclusão e da marginalidade,
impostas pelo processo de envelhecimento. Enfatizando-se na velhice, a maturidade que
conduz a sabedoria e constrói um saber maior, que rompe com a solidão do indivíduo.
4947
.A amostra estudada comprovou
a tendência nacional da feminilizaçao do
envelhecimento, o que aponta para uma realidade específica, a ser considerada na elaboração
de políticas publicas. A questão de gênero também é relevante em outras análises, pois,
homens e mulheres reagem de formas diferenciadas à mesma situação, ficou demonstrado,
por exemplo, que há uma dependência muito maior do homem com relação à mulher no
enfrentamento das atividades diárias. .
Os homens preferem o tempo da mocidade, a questão de gênero, aparece novamente
como fator explicativo: mulheres (urbanas) sentem-se liberadas de papéis que as limitavam ao
ambiente doméstico, os homens, por sua vez, sentem falta dos papéis que desempenhavam
anteriormente a aposentadoria, e que encontram-se ligados ao poder, ao dinheiro e virilidade,
posto que desempenhavam, segundo suas representações sociais, um papel mais relevante no
contexto da produção. Mulheres da zona rural preferem o tempo da juventude por relacionar
esse com produtividade, participação na vida social e expectativas sobre um tempo futuro.
Apenas as mulheres da região urbana não demonstraram essa situação preferindo o tempo
atual que pelas analises, lhes atribui uma nova valorização.
Embora existam
diferenças na vivência da fase
da velhice, determinadas por
questões de gênero e, muitos desafios se coloquem para o idoso na sociedade brasileira não
podemos ignorar que envelhecer é também uma conquista e um destino.
O envelhecimento nos tem, nós não o temos, como disse BEAUVOIR (1990) ou
morremos prematuramente ou envelhecemos.
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4949
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DOI: 10.4025/4cih.pphuem.528 GÊNERO,MEMÓRIA E