UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
DEPARTAMENTO DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MUSICOLOGIA
PATTÁPIO SILVA
Flautista virtuose, pioneiro da belle époque
brasileira
Carmen Silvia Garcia
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós Graduação em
Musicologia da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Cascapera
São Paulo 2006
Resumo
O presente trabalho estuda a vida e obra do compositor e flautista Pattápio Silva
(1880 – 1907), objetivando atualizar seus dados biográficos e apontar para a relevância
na história da música instrumental brasileira.
Mulato, Pattápio Silva, que obteve reconhecimento de seu talento ainda jovem,
foi pioneiro nas gravações de música erudita no Brasil e escreveu inúmeras músicas de
extrema importância para o repertório de flauta, das quais nove foram editadas.
Elaboramos a catalogação destas obras por ele apresentadas através do
levantamento dos programas de seus recitais e relacionamos outras ainda pouco
conhecidas.
Com referência à flauta, analisamos e descrevemos procedimentos técnicos nas
músicas Serata D’Amore op.2 e Oriental op. 6, deste virtuose que viveu na sociedade da
belle époque.
II
ABSTRACT
The present work studies the life and the work of the composer and flutist Pattápio
Silva (1880 – 1907), updating and pointing relevance in the Brazilian instrumental music
history.
Mulatto, Pattápio Silva who’s talent recognized yet young, was precursor in
recording classical music in Brazil. He also wrote many pieces of extreme importance for
the flute repertoire. Nine of them were published.
Through a research of his concerts, we elaborated a catalogue of the music he
presented, including those less known.
Concerning the flute, we analysed and described technical procedures in Serata
D’Amore op. 2 and Oriental op 6, of this virtuous who lived in the Brazilian belle époque
society.
III
Dedico este trabalho aos professores Carmen Barbieri e
Antonio Fernandes Deléo
IV
Agradecimentos
Minha irmã Silvana Garcia pela paciência.
Meu companheiro e incentivador Marco Deléo.
A meus filhos Martin, Catarina e Isabela, por compreenderem as horas de
abandono.
Ao colega de sempre Edmund Raas pelo apoio.
Ao amigo Magno Bissoli por me ouvir pacientemente.
A Maria Elisa Rizarto pela doação das partituras originais de Pattápio Silva.
Ao Dr. Villani Côrtes pela doação dos discos originais de Pattápio Silva.
Ricardo Martins (Barão) pelo acesso aos dados da Casa Edison.
A Júlio da Cruz Navega, diretor do Conservatório Dramático e Musical de
São Paulo por disponibilizar o acervo desta entidade.
A Odette Ernest Dias e Antonio Carlos Carrasqueira pela orientação inicial.
A Marisa Ramires Rosa de Lima pelos pareceres.
E principalmente ao Dr. Sérgio Cascapera meu orientador, pela motivação.
Especialmente, agradeço aos moradores, regentes e agentes culturais das
cidades em que desenvolvi pesquisas.
Renato Soares Teixeira de Cataguases.
Maestro Jorginho de Sto. Antonio de Pádua.
Maestro José Maria Mangia de São Fidélis.
Maestro Sylvio Bairral Falante Filho de Itaocara.
Imaculada da cidade de Palma.
Maestro Luiz Cláudio da Cunha Júnior da cidade de Campos.
Roberto Salim de Miracema.
V
SUMÁRIO.........................................................................................................................................1
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................3
PARTE I – Biografia.......................................................................................................................10
1.1 - Considerações quanto às diferentes fontes biográficas.......................................................35
PARTE II - Estudos preliminares referentes à formação musical de Pattápio Silva......................39
2.1 - O aprendizado musical dos negros no Brasil.........................................................................41
2.1.1 - O músico negro nas irmandades religiosas................................................................45
2.1.2 - Os centros urbanos e culturais do século XIX............................................................48
2.1.3.- A música de concerto e as sociedades musicais no Brasil.........................................55
2.2 - A influência da música de salão no repertório dos virtuoses brasileiros
.......................60
2.3 - Músicos barbeiros..................................................................................................................66
2.3.1 - Declínio da música de barbeiros.................................................................................72
2.4 - Bandas musicais do final do séc. XIX e início do XX.............................................................74
2.4.1 - As bandas que Pattápio Silva atuou..........................................................................80
PARTE III – Pattápio Silva, o pioneiro............................................................................................82
3.1 - O sistema Boehm...................................................................................................................84
3.2 - As gravações pela Casa Edison no Rio de Janeiro...............................................................96
3.2.1 - A época das invenções-panorama histórico...............................................................97
3.2.2 - As primeiras gravações realizadas no Brasil............................................................104
3.2.3 - Considerações quanto às gravações........................................................................111
3.2.4 - A numeração RX.......................................................................................................114
3.3 - As edições das obras de Pattápio Silva...............................................................................119
3.3.1- As obras não editadas de Pattápio Silva..................................................................121
PARTE IV – Os principais trechos virtuosísticos das obras Serata D’Amore e Oriental..............123
CONCLUSÕES FINAIS................................................................................................................133
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................137
ANEXOS......................................................................................................................................140
ERRATA
1
“Em primeiro lugar está minha flauta e depois....tendo tempo pensarei no resto.”
Pattápio Silva
2
INTRODUÇÃO
De uns tempos a esta parte, porém a flauta caiu de importância e só
um único flautista dos nossos dias conseguiu, por instantes,
reabilitar o mavioso instrumento – delícia que foi para nossos pais e
avós. Quero falar de Patápio Silva. Com a morte dele a flauta voltou
a ocupar um lugar secundário como instrumento musical, a que os
doutores em música, quer executantes, quer os críticos eruditos,
não dão nenhuma importância. Voltou a ser novamente plebeu.
Lima Barreto em Clara dos Anjos.
Meu pai era um devoto de Patápio Silva, possuindo todos os discos
do flautista maravilhoso. Menino, quantas vezes ouvi, espalhadas
no ar pela bocarra enorme do gramofone reluzente, as sonoridades
inesquecíveis, a renda melodiosa que se tecia na amplidão pela
flauta mágica, a única e verdadeira que tivemos.
Câmara Cascudo.
Belle Époque (cc1870-1910). Este é o período da história em que Pattápio Silva
nasceu e viveu. Representante das classes sociais menos favorecidas, foi um dos
pioneiros capazes de, apesar de ser mulato, conseguir o reconhecimento da elite
dominante, tendo contra si, além do preconceito da raça, a dificuldade de acesso à
cultura, detida por uma sociedade que negava as classes mais baixas.
Quando se mudou para o Rio de Janeiro, no início do século XX, Pattápio
encontrou um grande contingente de negros recém libertos desempregados ou ocupando
sub empregos que, somados a soldados recém chegados da guerra do Paraguai (18641870), ocupavam a cidade em cortiços ou “zungas” localizados em velhos casarões
coloniais. Este fenômeno também ocorreu em São Paulo principalmente pela chegada
dos imigrantes italianos que conheciam profundamente as técnicas de produção agrária e
industrial,
desencadeando
um
processo
de
branqueamento que
se
estendeu
principalmente nos estados do Sul do país.
As classes populares eram desprezadas pela elite, assim como seus costumes.
Os cortiços eram encarados como foco de doenças, e desprezados, tendo em vista uma
concepção de “sociedade” baseada principalmente no exemplo de Paris.
3
À recusa dos costumes das classes mais baixas, somou-se o preconceito de raça
e a conseqüente rejeição de sua cultura. Tudo o que era manifestação popular era visto
como inculto, primitivo, atrasado e infantil.1
As reformas arquitetônicas propostas pelo prefeito do Rio de Janeiro, Pereira
Passos, cuja formação acadêmica foi na École des Ponts e Chaussées (Paris), onde se
matriculavam os formados em Polytechnique, bastião da engenharia francesa da época,
empurrou os moradores dos cortiços para a periferia da cidade. Esta reforma foi chamada
de “bota abaixo”, pois visava a demolição desses velhos casarões coloniais, para dar
lugar aos belos casarões típicos da belle époque francesa, devolvendo o centro para a
elite e empurrando o povo para a periferia, bem aos moldes da reforma urbana que havia
acontecido em Paris alguns anos antes.2
Pattápio Silva nasceu no ano de 1880 em Itaocara, interior do Rio de Janeiro e
passou sua infância na cidade de Cataguases, onde seu aprendizado musical foi
sustentado pelas bandas musicais da região da Zona da Mata mineira e interior
fluminense. Mas foi no ambiente elitisado do Rio de Janeiro que o confiante Pattápio se
apresentou no ano de 1900 como concorrente a uma vaga no elitista Instituto Nacional de
Música.
O clamor por reformas da elite da Belle Époque não se limitou à questão
urbanística, mas expandiu-se para a área cultural, foco do nosso estudo.
A questão é: Como um garoto mulato vindo do interior sem posses suplanta toda
essa postura inflexível da sociedade que detinha o conhecimento da cultura e seus meios
de aprendizado e torna-se um fenômeno de sua época?
Paulo Castanha tem uma visão interessante e possível.
Os próprios músicos, mesmo quando originários de classes baixas, incluindo mulatos e
negros, assumiam a ideologia da elite, policiando-se na forma de manifestar sua arte.
Ocorria um fenômeno parecido com o que se verificara no período colonial, quando os
escravos assumiam a religiosidade portuguesa, mascarando seus costumes africanos com
a simbologia católica. Agora, os ritmos, danças e canções de origem popular, muitos deles
1
Castanha, Paulo. O movimento musical romântico no Brasil. In História da Música
Brasileira. Apostila 12. Instituto de Artes da UNESP. 2003. p.2
2
Needell, Jefrey D. Belle Époque Tropical. Sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro
na virada do século. Tradução Celso Nogueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993 p. 49.
4
já centenários, eram envoltos em roupagem européia e reapresentados de forma “chique e
civilizada.
Isto pode ser comprovado por algumas atitudes: nas vestimentas elegantes com
que Pattápio aparecia em fotos, envergando um cigarro entre os dedos, aparência
incompatível a sua situação social e financeira. Sua realidade estava mais próxima da
estampada na foto de 1896 em Cataguases, quando integrava a Banda Aurora
Cataguasense e vestia roupas muito simples. Acrescentou um “T” ao seu nome passando
a assinar “Pattápio”, com a finalidade de criar glamour neste nome já tão exótico. Por fim,
filiou-se à maçonaria de Cataguases a exemplo de vultos importantes da história política
da época.
Esta atitude o colocaria entre os altos escalões sociais de Cataguases ao lado de
Astolfo Dutra Nicário, duas vezes deputado federal. José Monteiro Ribeiro Junqueira,
senador da República e um dos fundadores da Companhia Força e Luz CataguazesLeopoldina, Maurício Eugênio Murgel, fundador da Companhia de Fiação de Cataguases,
entre outros.3
Apesar de todas as dificuldades que a própria sociedade impunha ao mulato que
desejasse participar da cultura dita “erudita”, com seu próprio esforço, confiança e apoio
de alguns poucos admiradores e amigos, Pattápio foi capaz de chegar ao topo,
conquistando todos os prêmios em concursos dos quais participou, tornando-se um
virtuose em seu instrumento, estudando apenas em solo nacional.
Quando, aos 26 anos pensava em aperfeiçoar-se na Europa, ele faleceu. Apesar
de sua vida ter sido curta não foi esquecido. Até os dias de hoje suas músicas são de
domínio público, embora o grande público ou mesmo alguns músicos profissionais não
saibam quem é seu autor, sendo facilmente confundido com Joaquim da Silva Callado,
autor de Flor Amorosa.
Quem é este tal “Pattápio Silva”?
As fontes de pesquisa que dizem respeito a Pattápio Silva são poucas.
Uma dessas referências, pequena mas não menos importante pelo simples fato
de ter sido a primeira sobre ele numa publicação editada (exceção feita às publicações e
3
Loja Maçônica Cataguasesnse, regularizada em 18 de dezembro de 1888, fruto da
continuidade da Loja Maçônica Flor da Viúva, fundada em 1878. in. Jornal Cataguases. De 13 de
julho de 2003. Edição nº 2.746.p. 12.
5
críticas de periódicos jornalísticos), registra principalmente a impressão causada pelo
próprio flautista em Vincenzo Cernicchiaro, em seu livro Storia de la musica nel Brasile.
De origem italiana, Cernicchiaro foi musicólogo, violinista e compositor. Foi professor
desde 1890 no Instituto Nacional de Música no Rio de Janeiro, permanecendo lá até sua
morte em 1928.
Este livro foi editado na Itália no ano de 1926 e, tendo sido contemporâneo de
Pattápio Silva, o autor o descreve como um interprete inteligente, que obteve um
brilhante êxito no final do curso em 1903 interpretando o Impromptu de J. Andersen.
...fu realmente suonatore de gran forza. Le poche risorse Che possiede il flauto, erano
messe in rilievo com molta maestria dal giovane e valente artista; e givanissimo, moriva
nella sua città natale, la será Del 24 aprile 1907, dopo uma breve e gloriosa carriera di
concertista. Pattápio, al par di Callado, di Reichert, aveva tuttoconsè: sentimiento,
meravilhosa técnica ed uma grande sincerità artística. Si rilievo anche compositore e lasciò
ter delicatti pezzi: Serrenata d’Amore, Evocação e Sonho fantástico.
4
Outra fonte primária amplamente utilizada durante muitos anos é uma pequena
biografia editada no ano de 1953 pelo irmão de Pattápio Silva, Cícero Menezes. Trata-se
de um depoimento que não apresenta nenhum tipo de referência. A maioria das citações
a respeito da vida de Pattápio encontradas em posteriores publicações, foram baseadas
principalmente nesta pequena biografia (em anexo no presente volume).
A terceira fonte bibliográfica é fruto de um levantamento minucioso realizado no
ano de 1983 a respeito de Pattápio Silva pela , por intermédio do Instituto Nacional de
Música – Divisão de Música Popular, que lança a monografia Patápio – músico erudito ou
popular? Foi redigida em conjunto por Maria das Graças Nogueira de Souza, Henrique
Pedrosa, Selma Alves Pantoja e Sinclair Guimarães Cechine e é nesta importante
publicação que recolhemos as informações necessárias para a realização de nossa
pesquisa. Usando principalmente esta fonte como ponto de partida, vários dados
puderam ser checados, avaliados e atualizados.
4
Cernicchiaro, Vincenzo. Storia della Musica nel Brasile-Daí tempi coloniali sino ai nostri
giorni (1549-1925). Milano: Stab. Tip. Fratelli Riccioni. 1926. p.514. Cernicchiaro enganou-se ao
afirmar que Pattápio Silva fosse natural de Florianópolis.
6
Utilizamos na pesquisa três edições, todas originais, das gravações de 1902:
Os discos originais pertencentes ao acervo particular do pianista, doutor em
composição, o renomado Edmundo Villani Côrtes, herdados de seu pai, Augusto de
Castro Côrtes, nascido no Sítio das Perobas, nas redondezas de São Pedro do Piquerí,
município de Mar de Espanha, Zona da Mata, Minas Gerais. Augusto desde menino,
tocava em flautas de bambu e como a maioria dos meninos do início do século, possuía
sua flautinha de lata a exemplo de tantos profissionais hoje consagrados. Além de ser
guarda livros na cidade de Juiz de Fora, também tocava em orquestras do cinema mudo.
O professor Villani Côrtes nos declarou que “várias vezes acompanhei meu pai ao piano
as músicas de Pattápio Silva....seus sons harmônicos ao executar Oriental , eu os guardo
até hoje em minha memória....”.
Desse acervo particular, constam as seguintes faixas: Primeiro Amor, Serenata
Oriental de E. Köehler, Serata D’Amore, Alvorada das rosas de Júlio Reis, Serenata de
Gaetano Braga, Magarida e Noturno nº 2 de a/d. Estes discos encontravam-se em
excelente estado de conservação, o que permitiu uma ótima reprodução. Foram
recuperados em CD por Roberto Gambardela5. Comparando com outras edições já
masterizadas, ficamos surpresos quanto à qualidade das massas destes discos, que
surpreendem após tantos anos terem se mantido em pleno funcionamento. Os selos são
amarelos com letras prateadas, portanto impressas em 1904.
Outra edição das gravações originais de Pattápio Silva utilizada foi Donga e os
pioneiros. Nova história da música popular brasileira. São Paulo. Copyright, Abril S.A.
Cultural e Industrial. 2. ed. Revista e ampliada, 1978. 1ª ed. 1970.
Com gravações originais editadas em long play, esta coleção tinha por
finalidade resgatar os primórdios da música popular brasileira. Possuía um encarte com
pequeno histórico e biografias e entre esses compositores, dedicaram um LP para
Pattápio Silva com treze faixas, só omitindo os dois noturnos que ele gravou com o
violinista Ernestino Serpa.
A mais recente edição Memórias musicais faz parte da coleção de 12.000
fonogramas, sendo 6.000 em 78 RPM das eras mecânicas e elétricas reunidas pelo
fotógrafo e pesquisador Humberto Franceschi. Adquiridas pela gravadora e produtora
Biscoito Fino, o acervo foi doado ao Instituto Moreira Salles. Foram recuperadas pelo
5
Roberto Gambardela (1929-....) é um profissional que dedica-se aos primórdios das
gravações mecânicas e
7
sistema Sonic Solution, que retira a estática provocada pelos arranhões em discos
antigos. Nesta coleção de quinze CDs, um é dedicado a Pattápio Silva com treze faixas.
Neste CD foram omitidas Amor perdido de Pattápio Silva e La Serenata de Gaetano
Braga.
Através desta dissertação pretendemos atribuir a Pattápio Silva o merecido lugar
de destaque dentro da história da música brasileira, não só por seu caráter
empreendedor, em um momento histórico que não facilitava ao mulato a ocupar a
posição de artista virtuose, mas também por seu pioneirismo, ao ter sua obra editada e
gravada quase que integralmente, criando desta forma um acervo de valor inestimável.
*****
Iniciaremos nossa dissertação com os dados biográficos de Pattápio Silva, que foi
um autêntico representante da classe musical brasileira do final do século XIX. Mulato
como a grande maioria dos músicos deste período, tornou-se regente, compositor e
excelente instrumentista tocando em bandas. Após seu ingresso no Instituto Nacional de
Música, no ano de 1900, Pattápio revelou-se também um grande virtuose e concertista.
Numa
segunda
parte
abordaremos
o
aprendizado
e
conseqüente
desenvolvimento musical dos negros, para compreendermos o universo de formação e
atuação musical de Pattápio Silva. Estudaremos, ainda, as peculiaridades da música de
salão e de concerto no Brasil, das quais ele se tornou representante.
Um ponto discutível é o fato de Pattápio ser filho de barbeiro e possivelmente ter
sido influenciado pelos antigos “músicos barbeiros”. Esta afirmação, feita pelos autores
do livro Patápio – músico erudito ou popular?, e pelos irmãos Carrasqueira, no trabalho
Edição e revisão da obra completa para flauta e piano de Pattápio Silva, nos levou à
verificação mais detalhada desta manifestação popular típica dos escravos do século
XVIII, para comprovarmos até que ponto Pattápio Silva recebeu tal influência.
Pattápio Silva passou rapidamente da condição de músico de banda para a de
famoso concertista em curtíssimo espaço de tempo, o que nos leva a crer que estas
instituições musicais foram suficientes para suprir o estudo da linguagem musical e
aprimoramento técnico em seu instrumento, a flauta. Verificaremos de que forma e em
que condições estas bandas tornaram-se celeiro de tantos músicos no século XIX, ao
exercer o papel de verdadeiras escolas de música na época.
8
A terceira parte trata do lado pioneiro de Pattápio através das gravações da Casa
Edison. Esse registro fonográfico possibilitará a análise de procedimentos técnicos e
estéticos referentes à flauta, assim como a apreciação do repertório tocado por Pattápio
Silva e conseqüentemente por seus contemporâneos na virada dos séculos XIX e XX.
As três primeiras edições de suas obras datam do ano de 1906 pelas Casas Vieira
Machado no Rio de Janeiro, pela Casa Bevilacqua, posteriormente unida aos Irmãos
Vitale, e Casa Augusto Maltas. Atualizaremos o catálogo de edições acrescentando
outras mais recentes, além das publicações atualmente disponíveis no mercado.
A riqueza de possibilidades de pesquisa diante da obra de Pattápio Silva é
patente, e não nos seria possível numa dissertação deste porte verificar todas as
vertentes e possibilidades de análises de sua obra completa. Portanto, numa quarta
parte, iremos ater-nos às questões técnicas dos trechos de virtuosidade, concentrandonos em duas obras importantes de seu acervo de composições: Serata D’Amore e
Oriental.
9
Parte I
BIOGRAFIA DE PATTÁPIO SILVA
O flautista Pattápio Silva nasceu na Vila de Itaocara, estado do Rio de Janeiro, no
dia 22 de outubro de 1880. Menino mulato, filho do barbeiro Bruno José da Silva e Amélia
Medina da Silva. O local exato de seu nascimento não foi comprovado. Pode ter ocorrido
na fazenda Água Limpa, zona rural de Itaocara, dentro do município, à atual rua Patápio
Silva, ou ainda na rua Presidente Sodré. Sua mãe tinha apenas treze anos quando
Pattápio nasceu, e deste casamento, além de Pattápio, nasceram mais dois irmãos:
Paladina e Peridiano. Pattápio foi batizado em Itaocara na paróquia de São José de
Leonissa, em 23 de janeiro de 1881. Seus padrinhos, Francisco José Medina e Maria
Marques da Silva.6
A notícia mais antiga a respeito de Pattápio revela que ele quando pequenino,
vendia água pelas ruas de Itaocara. 7
Ieda Menezes, sobrinha de Pattápio e filha de seu irmão João Batista Menezes,
ouvia sua avó contar que aos cinco anos ele mesmo fez sua primeira flauta usando como
material o bambu, e que por várias noites acordava com o menino soprando seu pequeno
instrumento.
O casamento de Bruno José e Amélia Medina durou provavelmente até 1886.
Pattápio a partir de então passou a morar em Cataguases, junto com seu pai e sua irmã
Paladina, de apelido Batistinha, segundo depoimento de Rogério Teixeira de Miranda,
amigo de Pattápio.8
Sua mãe permaneceu em Itaocara, vindo a se casar novamente com o
comendador Antonio de Souza Menezes por volta de 1895. Deste segundo casamento
nasceram os irmãos Cícero e Lafaiete, violinistas, João Batista, flautista e ganhador da
6
Maria das Graças Nogueira de Souza et alii. Patápio, músico erudito ou popular? Rio de
Janeiro:Funarte, 1983. Coleção MPB, 8, p. 24. Apud arquivo no livro nº 5, fl. 58, nº 32 da mesma
paróquia citada.
7
Depoimento de Dom José Saraiva, pároco da Igreja de São José de Leonissa. Apud
Maria das Graças Nogueira de Souza et alii, op.cit., p. 24.
8
Ibidem,. p. 25.
10
medalha de ouro do Instituto Nacional de Música, e um dos fundadores da Orquestra
Sinfônica Brasileira, além de Odilon, Urtinê, Antonieta e Maria da Conceição.
Todos tiveram instrução musical, e sua mãe era chamada de “ventre musical”. Os
netos de Dona Amélia também foram músicos, destacando-se entre eles Ubirajara,
flautista que tocou na Banda da Escola Militar (RJ), Arumã e Adna, cantoras. 9
Pattápio passou a infância em Cataguases, onde aprendeu a profissão do pai,
barbeiro, residindo no mesmo prédio da barbearia localizada na Rua Cel. João Duarte.10
Ainda menino, quando rareavam os fregueses da barbearia, ele tocava em uma
flauta de folha de flandres (material metálico geralmente usado na construção civil para
fazer calhas), que ele adquiriu de negociantes turcos moradores de Cataguases.11
Mesmo com aquele instrumento simples, sem recursos, Pattápio conseguia
chamar a atenção dos transeuntes que paravam para ouvi-lo. Essas flautinhas de
brinquedo eram muito comuns no final do século XIX e início do XX.
Pattápio teve sua infância tomada pela melodia de valsas e polcas. Os músicos se
reuniam na barbearia de seu pai e o menino acaba se interessando mais por seus acordes do que
pelo som das navalhas.
12
De um modo geral, sabe-se que a barbearia, no final do século XIX, tinha um
importante papel social, pois era um dos locais de encontro de intelectuais e políticos,
onde os artistas trocavam idéias e divulgavam suas criações.13 A atividade musical na
barbearia de Bruno só é mencionada no livro Os cem do século em Cataguases,
infelizmente sem outras referências. Não se sabe se o pai de Pattápio também tocava
algum instrumento musical.
9
Vasconcelos, Ary. Panorama da música popular brasileira na belle époque. Rio de
Janeiro: Livraria Sant’Anna, 1977, p. 312.
10
Maria das Graças N. de Souza et alii, ob cit. p. 25 e 48. Informação contida em carta
encontrada por Silvia Teixeira, filha de Rogério Teixeira de Miranda.
11
Cícero Menezes. Patápio Silva- biografia. Rio de Janeiro, Ed. Americana. Revista e
ampliada, 1953. p.2.
12
Citação encontrada na publicação Os cem do século em Cataguases. Cataguases.
Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho: Cia. Força e Luz Cataguases-Leopoldina, 2000. p.
87.
13
Pattápio Silva. O livro de Pattápio Silva-obra completa para flauta e piano. Coordenação
Maria José Carrasqueira. S. Paulo. Irmãos Vitale. 2001. p. 8.
11
De acordo com depoimento de seu amigo de infância Rogério Teixeira de
Miranda, aos 12 anos, Pattápio, já com uma flauta de madeira de oito buracos, teve sua
iniciação musical com o professor João Batista de Assis.
Pattápio e Rogério Teixeira de Miranda tiveram um outro professor de música
chamado José Azedias Pereira. Consta que ele era professor da Escola Municipal em
Cataguases, clarinetista e professor de teoria musical.14
Ainda segundo relato do Sr. Rogério Teixeira de Miranda, provavelmente aos 14
anos, Pattápio desentende-se com seu pai, pois não queria ser barbeiro e passa a residir
na Rua dos Passos, em uma república.
Nesta época Pattápio tocava com uma flauta em mi bemol (sem a parte inferior do
instrumento) com cinco chaves. Dava aulas para se manter, e foi com a flauta de um
aluno chamado Jovelino Santos que tocou pela primeira vez numa flauta de treze chaves,
já com o então moderno sistema de Theobald Boehm. Foi através de um mecenas
chamado José Badaró que Pattápio consegue uma flauta de madeira com tal sistema.15
Flauta em mib
14
Levy Simões. Cataguases centenária. Juiz de Fora, MG: Esdeva, 1977, p. 384.
15
Sobre este sistema, mais detalhes no capítulo dedicado à evolução da flauta tranversal.
12
Com 15 anos incompletos, Pattápio deixa Cataguases e percorre várias cidades,
atuando em bandas. Residiu durante algum tempo em São Fidélis, e retornou a
Cataguases.
Sua primeira participação foi na Banda Aurora Cataguasense do maestro
Leopoldo. Essa afirmação de Rogério não define a data em que isto ocorre.16 É o único
relato desta banda. De acordo com o livro de Levy Simões, o maestro Leopoldo Carlos
da Silva cria em 1906 a Euterpe Cataguasense, quando Pattápio já não morava em
Cataguases. Afirma também que a primeira banda de que se tem notícia foi a Sociedade
Harpa de David, fundada em 1900.17
A foto da Banda Aurora Cataguasense na qual Pattápio aparenta ter cerca de
quinze anos e atualmente pertencente ao “Arquivo Almirante”, está no Museu da Imagem
e do Som na cidade do Rio de Janeiro. Esta foto foi usada em várias publicações e
artigos. No livro de Ary Vasconcelos, Panorama da música popular brasileira na belle
époque, consta que a foto foi tirada em 1894. Na publicação editada pela Funarte
aparece a data de 1886. Isso, no entanto, seria impossível, pois neste caso Pattápio
estaria com 6 anos de idade. Achamos que provavelmente a foto tenha sido feita entre os
anos de 1894 e 1896. Este equívoco da edição da Funarte gerou uma série de outros, em
publicações que utilizaram a foto com data equivocada, por descuido dos editores. De
qualquer forma, é a primeira foto conhecida de Pattápio Silva.
Teria sido a primeira banda que Pattápio atuou? Não poderemos afirmar com
certeza, pois não existem arquivos históricos a esse respeito na cidade de Cataguases.
Nesta banda com dez músicos, podemos identificar o instrumental como sendo de seis
metais, duas madeiras (uma flauta e uma clarineta), e uma percussão. Quanto ao músico
à direita de Pattápio por não portar nenhum instrumento, talvez seja o regente Leopoldo.
18
Pattápio segura uma flauta de madeira.
Seria, o primeiro músico à esquerda, seu
professor José de Azedias Pereira, o clarinetista e professor da Escola Municipal de
Cataguases? Nota-se um semblante bastante austero em todos os componentes, o que
denota respeito, e apesar da vestimenta não ser pomposa, estão decentemente vestidos.
16
Maria das Graças N. de Souza et. Aliii, Patápio-músico popular ou erudito? p. 12.
17
Levy Simões. op.cit. P. 381.
18
Rogério Teixeira de Miranda cita uma flauta de madeira que Pattápio usava nessa
época em mib, ou seja sem a parte inferior. A descrição bate com a flauta da foto.
13
Pattápio tornou-se muito conhecido por atuar em bandas da região nas cidades de
São Fidelis, Miracema, Campos e Pádua. Estas cidades não por acaso estão no percurso
da Estrada de Ferro Leopoldina, amplamente utilizado por ele.
Percurso da Estrada de Ferro Leopoldina
14
Em 1896, foi morar em Cataguases o maestro de banda Francisco Lucas
Duchesne e Pattápio passou a seguir seus passos pelo interior mineiro e fluminense. A
presença de Duchesne na região foi marcante. De acordo com afirmação de sua neta,
Duchesne era autor de centenas de composições, arranjos e transcrições para bandas.
Na biografia feita por Cícero Meneses e também no livro de Ary Vasconcelos
encontramos a afirmação de que o maestro Francisco Lucas Duchesne seria italiano.
Porém no livro Patápio Silva-músico erudito ou popular? consta que ele era cubano,
usando como referência o livro de Aurênio Pereira Carneiro Cem anos da cidade poema
(São Fidelis).19
De qualquer modo, todos os depoimentos a respeito de Lucas Duchesne são
unânimes quanto à grande influência que este exerceu sobre Pattápio. O maestro morou
inicialmente em Cataguases, seguiu para Miracema e finalmente São Fidélis, onde em
1916 fundou uma banda de música chamada Sociedade musical 22 de Outubro, em
homenagem à data de nascimento de seu aluno Pattápio.
Em pesquisas recentes na cidade de São Fidélis no estado do Rio de Janeiro,
constatamos que a Sociedade Musical 22 de Outubro ainda está em atividade. Seu atual
maestro e regente José Maria Mangia, esclareceu-nos mais alguns detalhes da vida de
Duchesne. Ele confirma que o maestro Duchesne era cubano, casado com a chilena
Domitila Duchesne. A neta do maestro Duchesne, Maria José Telles Palagar, confirmou o
hábito de seu avô de sempre trabalhar suas obras após tomar seu lanche de leite com
mate às treze horas da tarde em sua residência, naquela época na Rua Frei Vitório.
O maestro José Maria Mangia cuida do acervo deixado por Duchesne, arquivado
na sede da Sociedade Musical 22 de Outubro, localizada à avenida Paranhos nº 187,
centro de São Fidélis.20
19
Maria das Graças N. de Souza. op.cit p. 26.
20
Cortesmente José Maria Mangia enviou-nos cópia da partitura original manuscrita pelo
maestro Duchesne da Marcha religiosa São Fidélis, de autoria de Fidelis José de Souza Pinto,
arranjada por Francisco Lucas Duchesne, datada de 1905, provavelmente escrita para a extinta
Sociedade Musical Euterpe Comercial Fidelense. Ofertou-nos também com a grade original
manuscrita por Duchesne da Marcha religiosa, datada de 17 de junho de 1922, portanto já escrita
para a Sociedade Musical 22 de outubro, de autoria do próprio Duchesne. Grades e fragmentos de
partituras manuscritas em anexo.
15
As bandas musicais foram celeiro de inúmeros artistas que delas saíram para a
profissionalização. Apenas como exemplo, A Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de
Janeiro foi fundada em 15 de novembro de 1896 e, assim como Pattápio Silva, foi a
primeira de sua categoria a gravar pela Casa Edison em 1902. Regida por Anacleto de
Medeiros, dela participaram importantes músicos como o flautista Irineu de Almeida,
professor de Pixinguinha.
Ainda a respeito das bandas, vale a pena registrar o depoimento feito pela
moradora de Cataguases Aparecida Massena Coutinho, em entrevista concedida no ano
de 1989 à Gláucia Siqueira e Mônica Machado da Silva. Esta entrevista visava colher
dados do passado de Cataguases para a publicação do livro Memória e Patrimônio
Cultural da Cidade de Cataguases.21
Aparecida era filha de Nestor Massena, nascido em Cataguases e músico atuante
durante toda sua vida.
Ao lado de outros músicos que fizeram a história de Cataguases, como seu
compadre Rogério Teixeira de Miranda, Paschoal Ciodaro e Pierre Theotônio da Silva,
formavam uma sociedade musical muito ativa nesta cidade. Ela afirma que seu pai
aprendeu na banda todos os fundamentos teóricos, o solfejo e o instrumento. A banda
tinha a função de escola para estes meninos.22
Quando Pattápio chegou a Campos no ano de 1898, sua fama já era tão grande
na região, que conquistou o lugar de mestre da Lyra Guarani, transformando-a em pouco
tempo numa das melhores bandas da região. É desta época o dobrado Pessoa de
Barros, em homenagem ao diretor dos Correios de Campos. Este dobrado não está
disponível em nenhuma edição.
Em 1899, durante os festejos da Semana Santa, Pattápio foi convidado por seu
antigo mestre João Batista de Assis a tocar em uma festa na cidade de Palma (MG).
Interpretou partituras sacras do Padre José Maurício Nunes Garcia.
21
Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo: Projeto Resgate da Memória e Patrimônio
Cultural de Cataguases-MG. Universidade Federal de Minas Gerais. Imprensa Universitária. Belo
Horizonte. s.d.
22
Este depoimento nos foi enviado pela Secretaria de Cultura de Cataguases no formato
original da entrevista, em folhas datilografadas sem referências de edição ou publicação, pois
trata-se de pesquisa prévia para a publicação do Projeto Resgate da Memória e Patrimônio
Cultural de Cataguases-MG.
16
O grande desempenho de Pattápio neste evento faz com que um senhor (não há
registros do nome dessa pessoa), vindo do Rio de Janeiro, entusiasmado pelo espetáculo
que acabara de assistir, insista em levá-lo para a capital carioca.23
Para chegar ao Rio de Janeiro um chefe de trem seu conhecido permitiu que ele
viajasse no vagão de bagagens, pois não tinha dinheiro nem para a viagem.24 Chegando
lá, foi tipógrafo na Imprensa Nacional, estudou francês, pois naquele contexto da belle
époque carioca era chique, também canto e harmonia. Depois de algum tempo trabalhou
como impressor na Casa da Moeda, além de ter exercido o ofício herdado do pai,
barbeiro, na rua Machado Coelho. Foi nesta época que teve contato com o professor do
Instituto Nacional de Música, Paulo Augusto Duque Estrada Meyer. O encontro entre
Duque Estrada e Pattápio foi descrito por seu irmão Cícero Menezes:
O professor recebeu-o bem e convidou-o a tocar. Ao desembrulhar as folhas de jornais
que serviam de caixa para a flauta de madeira, o grande mestre não deixou de rir-se a
valer, pelo impagável instrumento que Pattápio trazia. Uma flauta de madeira de
fabricação antiga e grosseira. Antes de Patápio começar a tocar naquela flauta sem
recursos, o mestre fez-lhe várias perguntas, rindo-se bastante da situação que se lhe
apresentava interessantíssima. Patápio executou naquele pobre instrumento sem
recursos, além das músicas que trazia, outras que o professor lhe apresentou.
Assombrado com o que presenciava e mudando de fisionomia, passou da situação de
brincadeira que a mesma lhe proporcionava antes, para abraçá-lo com carinho e afeto.
25
Pattápio foi convidado para ir a sua casa diariamente tomar lições, antes mesmo
de ser matriculado no Instituto Nacional de Música. Duque Estrada conseguiu para ele
uma boa flauta e em poucos dias já estava totalmente adaptado ao novo instrumento.
Nesta época ele morava na Rua Morais e Vale, no bairro da Lapa.26 Em 15 dias
preparou-se para executar os estudos do terceiro ano e fez o exame de admissão. No
23
Carta documento de Rogério Teixeira de Miranda, apud Maria das Graças N. de Souza,
op.cit., p. 26.
24
Ibidem. Apud. Carta de Luiz Amábile, publicada em A Notícia de Curitiba, em 15 de
maio de 1907. p. 28. Luiz Amábile foi um amigo paulista a quem Pattápio dedicou sua música
Serata D’Amore.
25
Cícero Menezes, op.cit., p.4.
26
Ibidem, p.5.
17
início do século XX, jovens oriundos de famílias abastadas do Rio de Janeiro disputavam
cada vaga do Instituto Nacional de Música. Dominar um instrumento era uma habilidade
valorizada pela sociedade da época e Pattápio Silva revelou-se uma surpresa ao se
apresentar na requintada escola, pois era um mulato mal vestido de apenas 19 anos. No
entanto, pouco tempo depois, as expressões passariam a ser de espanto diante do seu
desempenho na flauta.
Matrícula n° 510, em 15 de março de 1901, para o terceiro ano: a matrícula foi
paga pelo porteiro do Instituto Nacional de Música que ficou penalizado com a situação
financeira de Pattápio, de acordo com depoimento de Luiz Amábile, seu amigo. Cursou
de início solfejo e canto coral com Frederico Nascimento; aliás Pattápio era barítono, e
flauta com Duque Estrada Meyer. No ano de 1902, além destas disciplinas estuda
também teclado e harmonia. São deste período as gravações da Casa Edison e o recital
no Instituto Nacional de Música.
Ainda segundo a carta de Luiz Amábile, não foi fácil para ele conviver com seus
colegas, que se viam ameaçados e enciumados: “...no máximo substituía os colegas, que
só lhe davam trabalho quando não havia meios de arranjar outro flautista.” 27
Em fevereiro de 1902 participou de um recital promovido pelo professor Duque
Estrada Meyer no salão do Instituto Nacional de Música, junto com seus colegas
flautistas. O grande sucesso foi registrado pela A Gazeta de Notícias de 25 de fevereiro.
Neste exato período Pattápio também gravava para a Casa Edison provavelmente um
repertório parecido ao do recital. Allegro de Adolph Terschack, Serenata Oriental de
Ernest Koehler, La Serenata de Gaetrano Braga e Concert Fantasie de Wilhelm Popp
entre outras. Desta forma podemos avaliar sua performance no recital dividido com
outros colegas do Instituto Nacional de Música.
Neste mesmo ano, Pattápio volta para uma visita a Cataguases, e desta estada
ficou registrado na memória dos presentes o concerto dado na residência de Dna.
Honorina Ventania Rabelo.
Os Ventania davam animadas soirées dançantes em sua residência da Praça Santa
Rita....Naqueles tempos cultivavam-se muito as boas maneiras e dava gosto ver-se a
elegância dos pares que passeavam dialogando, de braços dados...Honorina era moça
27
Apud carta de Luiz Amábile in M. Das Graças et aliii., p. 29.
18
muito prendada, tocava piano e cantava muito bem. Era ela quem executava para nós
lindas valsas ou clássicos, quadrilhas e lanceiros.
28
Este depoimento foi dado pela professora de Catagases, Ophélia Resende, uma
das freqüentadoras dos encontros musicais da família Ventania. Honorina sobrevive na
memória dos cataguasenses como a pianista e soprano que acompanhou Pattápio Silva.
Voltando ao Rio de Janeiro, Pattápio continuava com sua vida apertada. O
professor da Escola Nacional De Música, Orlando Frederico, incorporou à biografia de
Cícero Menezes lembranças que tinha do jovem Pattápio estudante. Isto foi em agosto de
1953. Chamou de “Reminiscências”:
...é como o estivesse vendo. A minha idade e a época da vida em que mantinha contacto
com ele, fazem com que sua figura tão cheia de vivacidade, passe-me como num filme de
cinema, diante dos olhos. Patápio apareceu diante de nós, alunos do então Instituto
Nacional de Música, como um meteoro, ou uma aparição fulgurante – e ficamos
encantados. Víamo-lo e lhe queríamos bem como a um ser superior e ao mesmo tempo,
tão camarada, tão igual a nós...
Muitas vezes fomos ao seu quarto lá no fundo do corredor de um velho 3° andar
da Rua Lavradio, eu, João Capistrano Gomes do Amaral (hoje engenheiro civil) o tão
talentoso Adalberto de Carvalho e outros colegas, para ouvi-lo.
Naquele paupérrimo quarto em que só havia uma cama de ferro, uma mesinha,
uma cadeira velha e pregos pelas paredes onde ele pendurava cabides com roupas,
Pattápio geralmente de tronco nu, nos deliciava com aquele seu som quente, sua
execução em que o virtuosismo desaparecia debaixo da riqueza patética que estava
pujante daquela flauta mágica!...Provavelmente é a saudade que aquele som em mim, me
29
deu esta impressão, mais ainda não ouvi outro inteiramente igual!...
Ele cumpriu o programa de seis anos em apenas três, formando-se em dezembro
de 1903. Seu irmão relata: “aprovado com distinção, com louvor. Primeiro prêmio,
medalha de ouro, por unanimidade de votos, grau 15, em 13 de janeiro de 1904. Tinha
portanto o primeiro dos primeiros prêmios”.30
28
Os cem do século em Cataguases. op.cit., p. 50.
29
Cícero Menezes, op. cit., p. 15.
30
Ibidem, p.6.
19
Logo depois, houve um concurso para flautistas cujo primeiro prêmio era uma
flauta de prata da marca francesa Louis Lot, doada em 1891 pela senhora Samico,
esposa de um conceituado médico. Dos colegas de Pattápio, apenas Pedro de Assis
teve a coragem de concorrer com ele. Pattápio venceu a prova. O desfecho desta história
é digno de relato. O caso é que no dia da entrega do prêmio para Pattápio na presença
de várias autoridades como o ministro da justiça, Henrique Oswald, então diretor do
Instituto Nacional de Música, ao abrir o cofre, constata que a flauta desaparecera.
Houve instalação de inquérito pelo Ministério do Interior, além de grande
movimentação na imprensa quanto ao fato do ganhador ser mulato, pobre, e não ser
figura da elite carioca. A própria competência do Instituto Nacional de Música passou a
ser questionada por conta do escândalo.
No dia 4 de julho de 1904, a flauta foi encontrada enrolada em jornais num
armário da secretaria que já havia sido revirado várias vezes. O enigma permaneceu e
deu muita promoção para Pattápio.
Por orientação de seu mestre Duque Estrada Meyer, Pattápio passou a escolher
seus serviços, com o intuito de tornar-se um concertista, mesmo que isso o impedisse de
ganhar seu sustento com trabalhos menores.
Nesta época, veio ao Rio de Janeiro uma companhia de ópera muito boa, que
precisava de uma segunda flauta. Pattápio disse que faria o serviço, desde que ganhasse
tanto quanto a primeira flauta e queria receber também pelo ensaio. O maestro da
companhia achou sua atitude de grande arrogância, e quando chegou o momento da
récita de Lucia di Lammermoor de Gaetano Donizetti, ópera bastante conhecida pela
cadência que a flauta realiza junto com a cantora principal, Pattápio soube que deveria
fazer a parte de primeira flauta, e sem ensaio. Não se abalou, e ao final da récita foi
ovacionado. Esclareceu depois ao maestro da companhia que na verdade sua atitude
não era de arrogância, mas sim que não queria fazer parte da orquestra. Quando foi
chamado para o serviço já havia comprado ingresso para assistir à ópera, e o preço do
ingresso era mais caro que a paga pelo serviço. Sabendo disso, o empresário da
companhia fez questão de ressarcir o prejuízo de Pattápio.
Outro episódio interessante aconteceu quando Pattápio foi convidado para fazer
parte de uma orquestra do Clube dos Diários em Petrópolis. Combinou com seu amigo
Carmo Marsicano que durante a cadência para flauta que a música possuía, ele deveria
colocar um relógio na estante e por três minutos Pattápio a desenvolveria da forma mais
20
mirabolante possível, até o desfecho para a entrada da orquestra. Assim foi, e como não
podia deixar de ser, foi aclamado novamente. O poderoso Barão do Rio Branco levantouse de sua poltrona e veio cumprimentar o grande desempenho do flautista, dizendo: “Eu
queria dar-lhe uma lembrança por este grande acontecimento, porém gostava de saber o
que é que gosta mais de ter”. Pattápio respondeu: “Gostava de possuir um Chapéu Chile
mais ou menos igual ao que V. Excia. tem“. No dia seguinte Pattápio ostentava um belo
chapéu Chile, no valor de 500$000, presente do grande brasileiro.31
Neste mesmo ano de 1904, Pattápio resolve viajar com a intenção de tornar-se
conhecido em outras cidades e capitais. De acordo com o relato de seu amigo Luiz
Amábile, sempre que entrava em um salão, a reação era a mesma: “Como podia, um
mulato!”. Mesmo assim, ele sempre entrava confiante. Minutos depois do início da
apresentação, tornava-se o centro das atenções e as desconfianças desapareciam.
Parte para São Paulo como integrante de uma companhia de operetas levando
uma carta de recomendação, provavelmente de seu professor Duque Estrada Meyer,
para um professor influente da capital paulistana, que não lhe deu a devida atenção.
31
Cícero Menezes. op.cit. P. 13.
21
Pattápio não se abateu, insistiu muito e finalmente conseguiu seu primeiro recital em São
Paulo, sucesso de público e crítica. O tal professor vendo o desempenho maravilhoso de
Pattápio, quis programar uma segunda récita, agora sob sua orientação, mas desta vez
Pattápio agradeceu e dispensou sua ajuda.32
Em abril de 1905, Pattápio estava no interior de São Paulo, realizando alguns
concertos, quando soube da morte de seu grande mestre Duque Estrada Meyer. O nome
de Pattápio deveria ser indicado para ocupar o posto deixado pelo professor no Instituto
Nacional de Música mas, ao invés disso, seu concorrente Pedro de Assis, usando toda
sua influência política, ocupa rapidamente o cargo.33
No dia 11 de junho de 1905, Pattápio apresenta-se em São Paulo no Salão
Steinway, às oito e meia da noite. As críticas referentes a esse concerto foram publicadas
no Correio Paulistano, na sessão Platéas e Salões do dia 12 de junho de 1905.34
Esteve muito concorrido o segundo concerto do festejado flautista Pattápio Silva, hontem
no Salão Steinway. O auditório aplaudiu sem reservas todos os números do
programa....Pattápio teve ainda uma vez ocasião de verificar, pelo elevado número de
diletantes que viu no seu concerto e pelos vibrantes e prolongados aplausos que lhe
dispensaram, quanto é devidamente reconhecido nesta capital o seu subido mérito como
flautista exímio que é.
No programa constava a sonata de Terschak op. 168 para flauta e piano; de A. Fr.
Doppler, a Fantasia Pastorale Hongroise op.26; de Ferd. Büchner, o Noturne op.20; de
Francisco Braga, Air de Balle, e de Camile Sait-Saëns, a obra Le Deluge op. 45.
Como sempre acontecia, o programa foi dividido, e dele participou também um
barítono, um violinista, uma soprano, um tenor e um violoncelista. Felix de Otero também
participou como pianista acompanhante.
Pattápio dedicou sua obra Oriental a este senhor. Nascido em Porto Alegre logo
cedo foi estudar na Alemanha. Quando retornou ao Brasil, fixou residência em São Paulo,
onde foi professor de piano na Escola Normal Feminina, localizada no Brás; foi crítico
32
Apud Luiz Amábile in Maria das Graças N. de Souza, p. 35.
33
Maria das Graças N. de Souza, et aliii. op.cit. P. 35.
34
As cópias micro filmadas do Correio Paulistano encontram-se disponíveis no acervo do
Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo.
22
musical do jornal O Estado de São Paulo, além de ser um dos fundadores do Instituto
Musical de São Paulo, em 1927, juntamente com João Gomes Júnior, Paulo Florence,
Armando Gomes de Araújo e João Batista Julião. Neste recital do dia 11 de junho de
1905, Pattápio tocou com acompanhamento ao piano de Paulo Florence. No artigo do
jornal é citado um concerto anterior a esse, ao qual não foi possível atribuir a data
correta.
Jornal do Comércio do dia 12 de Junho de 1.905
23
É possível que todo sucesso alcançado na capital paulistana e a decepção por
conta da contratação de Pedro de Assis para o Instituto Nacional de Música tenham
influído para que Pattápio resolvesse fixar residência em São Paulo, no início de 1906.
Passa a lecionar na Casa Bevilacqua localizada na Rua São Bento, de acordo com
publicação do Correio Paulistano, de 9 de fevereiro de 1906.
Neste mesmo dia, Pattápio fez parte do drama de Echegaray chamado Mancha
que Limpa, protagonizado pela atriz Lucilia Peres e pelo ator F. Marzullo. Na segunda
parte do espetáculo, um ato variado do qual, segundo o Correio Paulistano do dia 9 de
fevereiro de 1906 “tomam parte Lucinda Simões, Guilhermina Rocha, Christiano, Ferreira,
Campos, Pattápio, Peixoto e os beneficiados.” 35 Como se vê, Pattápio realizava trabalhos
de menor importância para garantir sustento.
O espetáculo ocorreu no Polytheama Nacional, localizado no atual vale do
Anhangabaú, no Vale da Chácara Flora, que ia da Rua São João ao Largo Piques (atual
Praça da Bandeira). Segundo depoimento do Maestro Armando Belardi:
O Polytheama foi projetado para funcionar como “circo de cavalinhos”, como era chamado
na época o gênero. Era um enorme barracão de zinco.....realizava espetáculos de gênero
leve,....atrações
um
pouco
livres,
com
cançonetistas
e
conjuntos
vindos
da
Europa....obedecendo o estilo Moulin Rouge....No teatro apresentavam-se todas as
companhias que faziam suas tounées pela América Latina, vindas da Europa, e o público
freqüentava-o com assiduidade, por estar bem situado, ter boas acomodações, boa
acústica e um palco com todos os requisitos necessários para montagem de espetáculos
de qualquer gênero, inclusive o lírico.
35
36
Houve também um artigo referente ao espetáculo do dia 9 no Correio Paulistano do dia
4 de fevereiro de 1906. No livro da consta que tal concerto aconteceu no dia 8, o que não é
correto, de acordo com as publicações referidas.
36
Belardi, Armando. Vocação e Arte: Memórias de uma vida para a música. S. Paulo:
Cunha Facchini-Serv. Graf. E Ed. Ltda.1986. p.18-19.
24
Teatro Polytheama Nacional
Apesar de ser reconhecido como o excelente músico que era, Pattápio, além das
aulas particulares, tocava em operetas para sobreviver.
Quando Pattápio faleceu, foi encontrada entre seus pertences uma carta que
descrevia a reação das pessoas ao se depararem com aquele jovem mulato e simples. O
autor desta carta é desconhecido, e foi publicada pelo jornal O Dia, de Florianópolis, no
dia seguinte à sua morte, portanto no dia 25 de abril de 1907.
É meia noite ; venho do Steinway, onde o Pattápio acaba de receber uma sagração .
Escrevo-lhe para não perder no sono a agradabilíssima impressão do concerto. É um
monstro! Não causa só admiração, causa assombro....a “Paulista branca”, descendente do
bandeirante que lhe herdou a destruição do índio o ódio e a raça de Patrocínio
....esqueceu a magna questão da cor, e aplaudiu delirantemente, freneticamente o
Pattápio... Grande coisa é a arte...chega a arrancar pela raiz preconceito secular! Não
tenho maior objeto para admirar.
37
Tocou no Salão Steinway nos dias 7 e 11 de fevereiro de 1906. Estes concertos
foram organizados pelo professor Félix de Otero. O concerto, realizado no dia 7 de
fevereiro de 1906, foi em benefício às vítimas de uma inundação em Minas Gerais.
Pattápio dividiu o concerto com uma menina chamada Victalina Brasil. De acordo com o
37
Maria das Graças N. de Souza et aliii. op.cit., p. 36
25
Correio Paulistano: “Esta criança é realmente encantadora ao piano!...Também estava
presente o Sr. Souza Lima, dando-nos mais uma vez a revelação do seu grande talento”.
Acreditamos tratar-se de José Augusto de Souza Lima, irmão e professor de piano
do nosso premiadíssimo compositor e pianista João de Souza Lima, que na época
contava com apenas cinco anos de idade. Possivelmente tenha sido ele que
acompanhou Pattápio ao piano, já que os outros números mencionados eram
interpretados por amadores, de acordo com o jornal. Sobre Pattápio, ficou registrado o
seguinte:
O exímio flautista Pattápio Silva, foi, aliás como sempre, um artista finísimo, e que possue
a verdadeira intuição esthetica da arte alliada à primorosa execução. Pattápio teve de
bisar os dois números de que se incumbiu, satisfazendo aos insistentes pedidos do
público. É de salientar a sua bela composição Oriental, peça característica e bem feita que
foi ouvida com geral satisfação.
Em 4 de março de 1906, Pattápio realiza concertos em Caldas e São João da Boa
Vista.38
No livro referenciado Patápio Silva - músico erudito ou popular? ocorre um
equívoco quanto à localização do Salão Steinway. A página 14 apresenta um cartaz
promocional de um concerto de Pattápio a se realizar neste salão com o rodapé que o
localizava na cidade do Rio de Janeiro. Ao investigarmos este salão, descobrimos que na
verdade ele situava-se em São Paulo.
O Salão Steinway foi uma sala de concertos nas dependências do Joachim’s
Hotel, localizado na Avenida São João, nº 61. Era uma das melhores salas de concertos
do fim do século XIX e início do século XX em São Paulo.
A primeira informação a respeito deste espaço cultural nos foi dada por Sérgio de
Simone, representante da marca de pianos Steinway & Sons no Brasil. Ele tinha
38
Correio Paulistano, 04 de março de 1906. Não há mais registros a este respeito.
Sabemos também que tocou na cidade de Batatais pois foi encontrada uma medalha de Honra ao
Mérito proveniente desta cidade dentro de seu bolso quando seu corpo foi exumado em 1915.
26
conhecimento de uma referência deste salão no livro comemorativo 85 anos de
39
Fundação da Sociedade de Cultura Artística.
Frederico Joachim foi o primeiro proprietário do hotel e Luís Landró o segundo.
Este salão de concertos do Joaquim’s Hotel gozou de tamanho prestígio na época que,
em 1909, por contar com este já tradicional local de concertos, foi vendido para abrigar o
Conservatório Dramático Musical de São Paulo. O público para entrar no salão tinha que
passar pelo saguão e pelo restaurante do hotel. Esse salão era muito procurado por
artistas nacionais e estrangeiros de passagem por nossa capital.
40
Após a venda,
41
passou a ter uma entrada à direta, e cumpriu a função de sala e concertos até 1975.
39
Angelo, Ivan. 85 Anos de Cultura – História da Sociedade de Cultura Artística. São
Paulo: Ed. Nobel, 1998., p. 29.
40
Araújo, Estephania Castro de. João Gomes de Araújo. Sua vida e suas obras e as
comemorações de seu primeiro centenário de nascimento. São Paulo. 2ª ed. aumentada 1972.
s.e.
41
Belardi, Armando. Vocação e Arte: memórias de uma vida para a música. São Paulo.
Ed. Cunha Facchini. Serv. Graf. E Ed. Ltda. 1986. p. 32.
27
Procurando por mais informações, Júlio da Cruz Navega, diretor do Conservatório
Dramático e Musical de São Paulo, disponibilizou um pequeno histórico deste prédio e
seu famoso Salão Steinway. Este documento aqui transcrito compôs o dossiê do
tombamento do prédio do Conservatório Dramático e Musical pelo Patrimônio Histórico e
Cultural.
Sobre este prédio é possível encontrar-se valiosa documentação arquitetônica no
Arquivo Histórico Municipal Washington Luiz, a seguir analisada, e da qual é possível
extrair-se importantes dados caracterizadores da construção, seja quanto à arquitetura ou
quanto à sua destinação de uso.42
Em 1895, um cidadão de nome Frederico Joachim deu entrada na intendência
Municipal com um pedido de aprovação de projeto para construção de um prédio na
então Rua de São João. O projeto era de um edifício de três pavimentos: adega, térreo e
primeiro andar e estava assinado por Guilherme Von Eve, arquiteto, além do empreiteiro
João Grass. Uma sala de espetáculos caracteriza a planta e a destinação pretendida
para a construção.
Três anos mais tarde, o mesmo proprietário anexaria plantas de adaptação ao
pedido de aprovação de reforma do edifício. As alterações pretendidas apareciam nas
plantas sob o título Projecto para transformar em Hotel o edifício na Rua São João nº 61.
Propriedade do Sr. Frederico Joachim e incluíram o acréscimo de mais um andar na
parte posterior do edifício, bem como de alas destinadas aos quartos. Permanece porém,
o grande salão, agora abrigando atividades sociais do Joachim’s Hotel, nome com que se
destacaria.
Segundo a publicação do projeto:
Considerações sobre o edifício sede da Avenida São João
O hotel ocupa um esplêndido prédio de dous andares à rua de São João. Tem
uma boa sala de jantar, 22 magníficos quartos ricamente mobiliados, Water-closet, enfim
tudo quanto é indispensável a um hotel de primeira ordem. No primeiro andar tem um
grande salão para concertos. Pelo prédio que ocupa, pela boa cozinha de que dispõe,
pelos confortáveis e luxuosos quartos que possui, é este Hotel um dos primeiros de São
Paulo.
42
Atualmente o Arquivo Histórico Municipal Washington Luiz está localizado no Edifício
Ramos de Azevedo, antigo prédio da Escola Politécnica da USP, no Largo São Francisco.
28
Para que o Conservatório se decidisse a comprar esse prédio e não outro, é
plausível o peso de dois fatores importantes:
A conveniência das instalações, enquanto espaço disponível, sublinhada pela
presença de salão e palco existentes desde a origem do edifício.
A proximidade com o futuro Teatro Municipal, então em fase de conclusão de
obras.
A adaptação das instalações do hotel para receber o conservatório ficou a cargo
da Serraria e Carpintaria Mechanica B. Morelli. Escriptório Tecnico, Construções, e incluía
um aumento da área construída nos fundos. Alterações internas e a elevação de mais um
salão para “fins escolares” sobre o terraço do terceiro andar, o que encontrou certa
relutância por parte da intendência para ser aprovado. Somente assim o foi após o acerto
de várias medidas de precaução e da alteração do sistema de distribuição de cargas das
paredes dos pavimentos superiores.
Assim à parte da dicotomia que caracterizou o ideal de se prover a Capital de um
Teatro Municipal e um Conservatório, algumas das incidências fortuitas aproximariam
fisicamente a instalação dessas duas instituições que integram hoje o patrimônio cultural
paulistano de forma indissolúvel.
Ao estudarmos as publicações do Correio Paulistano, verificamos que este
espaço cultural estava sempre em atividade com vários eventos semanais. Sua
programação era divulgada sempre na sessão Platéas e Salões.
Pattápio foi muito elogiado por críticos, chegando a ser chamado de “rei da flauta”,
43
pela Gazeta de Notícias de São Paulo.
Pattápio tocou com o jovem pianista Marcello Tupynambá. Incerta é a data em
que eles realizam concertos pelo interior de São Paulo. Segundo informações de seu
bisneto, Marcelo Tupinambá Leandro, seu bisavô contava com 16 anos na época,
portanto entre 1905 e 1906. Já na Enciclopédia da Música Brasileira - popular erudita e
folclórica, encontramos a afirmação de que teria sido no ano de 1907, já no início de sua
derradeira excursão para o Sul do país. Se isso for verdadeiro, Marcello Tupynambá foi
um dos últimos acompanhantes da carreira de Pattápio. Mesmo que tenha sido dois anos
antes, como afirma seu bisneto, e como o repertório tocado por Pattápio estava longe de
ser simples, deduz-se que o jovem Tupynambá já se mostrava de grande talento ao
piano.
43
Maria das Graças N. de Souza et aliii. p. 36
29
Em visita ao Rio de Janeiro, Pattápio é convidado em novembro de 1906 pelo
Presidente da República, Dr. Afonso Pena, para uma audição no Palácio do Catete,
sendo acompanhado ao piano por uma de suas filhas. Os jornais aclamaram Pattápio no
dia seguinte.44
Pattápio decide finalmente excursionar pelo interior de São Paulo e Sul do país
para conseguir dinheiro e finalmente realizar o sonho de ir à Europa.
No dia 14 de março de 1907, inicia sua derradeira excursão pela região sul do
país, com a intenção de levantar fundos para viajar à Europa. Partindo de São Paulo,
realizou concertos na cidade de Guaratinguetá e rumou para Curitiba, chegando lá no dia
18 de março. Neste mesmo dia, dirigiu-se ao jornal A notícia, tendo como finalidade
divulgar seu nome, conquistas profissionais, e claro, os dois recitais que pretendia
apresentar. O primeiro realizou-se no Teatro Guaíra no dia 22 de março de 1907, com
toda pompa. Houve até a presença da Banda de Música Militar tocando nos intervalos da
récita. Pattápio foi acompanhado pela orquestra Canto Orfeão Paranaense, além de dois
pianistas da cidade. O segundo concerto realizou-se no Teatro Hauer, no dia 24 de
março de 1907, com menos requinte que o anterior, mas sem perder o esplendor. Ao
tomar conhecimento da grande colônia de alemães residentes em Curitiba, resolveu
atender a esse público, realizando um concerto extra no dia 30 do mesmo mês e ano,
novamente no Teatro Guairá.
O programa apresentado por Pattápio em Curitiba foi o seguinte:
Primeira parte
Popp – Concerto Fantasia – Pattápio Silva
Boehm - Concertstück Uber das Lied Gut’Macht du Mein Zerziges Kind – Pattápio
Silva
Campana – Amore – coro acompanhado por orquestra Orfeão
Rubinstein – Melodie – Pattápio Silva
Pattápio Silva – Variações sobre o célebre Carnaval de Veneza – Pattápio Silva
Segunda parte:
Hauser – Rhapsodie hongroise – transcrição de Pattápio Silva
44
Cícero Menezes. op.cit. P.8.
30
Gottschalk – Tremulo – piano solo Hugo Barros
Verdi – Trovatore - coro de introduzione – Orfeão
Carlos Gomes – Il Guarani – Fantasia - transcrição de Pattápio Silva45
Pattápio chegou em Florianópolis no dia 12 de abril de 1907. Hospedou-se no
Hotel do Comércio, hoje Mário Hotel. Lá Pattápio chegou a ensaiar com o maestro Álvaro
Souza.
46
O concerto deveria se realizar no dia 18 do mesmo mês, no Clube Doze de
Agosto, fato amplamente noticiado pelos jornais, e contaria com a presença de músicos
da cidade, como era habitual.
O programa de Florianópolis:
Primeira parte:
Donizetti – Lucia de Lammermour – piano a quatro mãos
Popp – Fantasia – Pattápio Silva
A. Mello – Solo de Estudo – violino pelo autor
Leonard – Fantasie suédoise – Pattápio Silva
Almagro – Non ti destare – canto Senhorita Maria Couto
Pattápio Silva – Variações sobre o célebre Carnaval de Veneza – Pattápio Silva
Segunda parte:
Nessler – O garito – piano senhorita Leonice Lapagesse
Rubinstein – Melodie – Pattápio Silva
Puccini – Visse D’Arte – Tosca – canto senhorita Maria Couto
A . Mello –Berceuse – violino solo pelo autor
Carlos Gomes – Il. Guarany – Pattápio Silva
No próprio dia 18, quando deveria acontecer o concerto, os jornais noticiam seu
adiamento, pois Pattápio apresentava febre alta. No dia seguinte, apresenta melhoras,
45
As obras Carnaval de Veneza e Il Guarany – Fantasia, não estão catalogadas como
versões feitas por Pattápio Silva até o presente momento.
46
Apud Abelardo Sousa, in O Estado, Florianópolis, 12 de agosto de 1977. in Maria das
Graças Nogueira et aliii., p. 37.
31
mas os médicos resolvem adiar o concerto para o dia 21, dia este em que ocorre um
agravamento substancial do estado de saúde de Pattápio. A imprensa notifica que o
recital deverá ser remarcado, não havendo previsões de data. No dia 24 de abril de 1907,
às 2 horas da madrugada, Pattápio sucumbe à misteriosa doença, que até aquele
momento não havia sido diagnosticada convenientemente. Na certidão de óbito firmada
pelo Dr. Bulcão Viana, Pattápio faleceu em conseqüência de “gripe adinâmica”.47
A publicação da Funarte traz muitos detalhes quanto ao sepultamento de Pattápio,
que foi enterrado no mesmo dia no Cemitério do Morro do Estreito, próximo à ponte
Hercílio Luz, na ilha. Sepultura nº 22.964, do livro 28, do arquivo da administração do
cemitério São Francisco de Assis. O Hotel do Comércio onde estava hospedado ofereceu
seu salão para o velório. Estiveram presentes nomes ligados à música e à sociedade de
Florianópolis, como os maestros Adolpho Mello, Pedro Alves Pavão, Max Freiesleben, R.
Bridon, Alexandre Wolff e Constantino Boeckler. O corpo foi encomendado pelo
reverendo Francisco Xavier Giessbert e durante o enterro a Banda do Corpo de
Segurança tocou marchas fúnebres.
O governador esteve presente assim como a Sociedade Musical Amor à Arte,
autoridades militares e civis. O féretro foi acompanhado por grande massa popular. Fúlvio
Aducio fez um longo discurso sentimental e o diretor do jornal O Dia despediu-se do
grande artista com palavras emocionadas, referindo-se à questão do racismo, invocando
figuras públicas como Patrocínio, Rebouças e Cruz e Souza, todos com a mesma pele
mestiça de Pattápio. Laly Mafalda, atriz e cantora que se apresentaria com Pattápio no
Sul do país, deixou claro o desejo de organizar um concerto com a intenção de conseguir
fundos para a construção de um mausoléu para Pattápio, pois este fora enterrado em
cova rasa.
Ainda em Florianópolis, no dia 27 de abril, foi realizada uma missa em sua
memória e a loja maçônica Regeneração Catarinense lamenta o fato de não ter tido
conhecimento de que Pattápio era maçom, e de não ter recebido a cerimônia devida
durante seu sepultamento.
A mesma comoção se instala em São Paulo e Rio de Janeiro, onde amigos e
colegas se mobilizam em intermináveis homenagens. No Rio de Janeiro uma missa é
rezada e a parte musical ficou aos cuidados do regente Francisco Braga, tendo sido
47
Maria das Graças N. de Souza, et aliii, op. Cit. P. 38.
32
executada Evocação op. 1, obra de Pattápio dedicada ao seu professor Duque Estrada
Meyer. Estavam presentes músicos famosos da época como seu amigo Carmo Marciano,
Pedro de Assis, J. Nigro, Miguel Larino, J.J. Cordeiro, além dos barítonos J. De Larrigne
de Faro e Rossi.
Várias versões sobre a morte de Pattápio surgiram, inclusive algumas bem
românticas, envolvendo políticos poderosos, amores impossíveis, ciúmes, vingança,
envenenamento, todas sem comprovação.
Um dado curioso que poderia alimentar o imaginário a respeito de sua morte até
mesmo nos dias de hoje concerne a uma das coroas de flores entregues durante seu
enterro com os dizeres “Lembranças de uma atriz”. Uma das versões de sua repentina
morte, talvez a mais detalhada, foi a de Sebastião Vieira, tipógrafo, no ano de 1907, em
Florianópolis. Ele cita uma linda paraguaia hospedada no mesmo hotel de Pattápio, que
teria sido cortejada por um político influente da época. Este político presenteou a jovem
com uma jóia que pertencia a sua esposa, que ao descobrir fez um grande alarde no
jornal A Gazeta de Florianópolis, com a intenção de vingar-se do marido. Este político era
assessor do governador, e este escândalo teria deflagrado uma crise política.
Esta linda atriz paraguaia teria encantado também a Pattápio que, já febril, teria
pulado a sacada do seu quarto com a finalidade de alcançar o balcão do quarto onde
estava hospedada a moça. Atingiu-o um forte vento Sul, tão conhecido dos moradores da
ilha, sendo esse o motivo do agravamento fatal de sua enfermidade. Teria sido esta
mesma atriz alvo de tantas confusões, a anônima que mandou a tal coroa de flores?
A única certeza que se tem é de que Pattápio foi muito querido em todos os
lugares em que atuou, deixando saudades em todo o Brasil. Sua morte foi amplamente
noticiada, e segundo vários depoimentos da época, deixou um grande vazio. Seus
pertences foram entregues a José Leite de Macedo, proprietário do Hotel do Comércio,
para quitar as despesas de hospedagem e atendimento médico. Sua flauta, de acordo
com depoimento de Cícero Menezes, foi parar nas mãos de um flautista chamado Neves,
parente do general Andrade Neves. A sua sobrinha Ieda Menezes afirma que a flauta
acabou voltando para a família e esteve em poder de seu pai até a década de 1950.
Em agosto de 1915 sua família pede a exumação e remoção do corpo para o Rio
de Janeiro. Seu pai fez seus procuradores dois moradores de Florianópolis, um deles a
proprietária da barbearia situada na praça 15 de novembro. Neste momento, o coveiro
Nestor Machado encontra uma medalha de ouro no bolso do paletó de Pattápio. Nela as
33
inscrições: Recordação de Batatais 22.06.1906 – Homenagem – Flautista Patápio Silva.
Teria sido um dos concertos realizados ao lado de Marcello Tupynambá?
Foi então sepultado no cemitério São Francisco Xavier, na cidade do Rio de
Janeiro, junto aos grandes mestres da flauta Joaquim da Silva Callado, Viriato Figueira
da Silva e Mathieu André Reichert.
34
Considerações quanto às diferentes fontes biográficas
A biografia feita por Cícero Menezes apesar de conter alguns erros, não pode ser
desprezada, por tratar-se de uma importante fonte primária. A incorreção que mais
problemas criou foi quanto à data de nascimento de Pattápio. Cícero Menezes afirmou
que ele nascera no ano de 1881, quando na verdade foi no ano de 1880. A data exata foi
descoberta em pesquisa feita para a publicação da monografia editada pela , por meio da
obtenção da certidão de nascimento de Pattápio. Esta questão da data errada de
nascimento de Pattápio ainda está presente em vários sites da Internet e também em
várias publicações.48
A biografia feita por Cícero Menezes, por ser apresentada na forma de
depoimento, mostrou-se um tanto romântica, não possui referências, mas consiste num
importante registro do ponto de vista da família de Pattápio.
O livro de Ary Vasconcellos, Panorama da música popular brasileira na belle
époque, de 1977, é baseado na biografia feita por Cícero Menezes, embora já traga
alguns dados corrigidos, como a data de nascimento de Pattápio, incorre em muitos
equívocos. Afirma que Pattápio foi para Cataguases com sua família, quando ele foi
apenas com seu pai e sua irmã Paladina. Omite que seus pais se separaram em 1886.
Afirma que Pattápio chegou a se apresentar em Florianópolis. Cícero Menezes também
admitiu este fato em programa de rádio do Almirante, no dia 19 de março de 1946, mas
está comprovado que o concerto não chegou a acontecer. Ary Vasconcelos afirma que o
pai de Pattápio teria falecido entre os anos de 1895 e 1896. Essa informação é incorreta,
pois no ano de 1915, Bruno José da Silva solicitou o translado dos restos mortais de
Pattápio Silva de Florianópolis para a cidade do Rio de Janeiro.
Afirma que Pattápio recebera dinheiro de seu padrasto, Antônio de Souza
Meneses, para vir ao Rio de Janeiro. Pó outro lado não podemos menosprezar a carta
48
Data
incorreta
de
nascimento
de
Pattápio
Silva
presente
nos
sites
www.cliquemusic.uol.com.br , www.cifrantiga.hpg.ig.com.br e no site da Associação Brasileira de
flautistas www.geocities.com/abraf.geo/pattapio22htm. Na “Enciclopédia da Música Brasileira:
popular, erudita e folclórica” edição Publifolha e na contra-capa do Livro de Pattápio Silva: obra
completa, coordenado pelos irmãos Carrasqueira e editado pela Irmãos Vitale,
35
documento de Luiz Amábile, que atesta que Pattápio teria viajado em um vagão de carga
da linha férrea Leopoldina por cortesia do maquinista.
Cícero Menezes também atesta no livro de Ary Vasconcelos que a flauta usada
por Pattápio ao se apresentar ao professor Duque Estrada Meyer pela primeira vez seria
de madeira e com cinco chaves, portanto anterior às reformas mecânicas de m.49
Sabemos pelo depoimento de Rogério Teixeira de Miranda que ele conseguiu uma flauta
de madeira pertencente a José Badaró já com o sistema Boehm, portanto com treze
chaves, quando ele tinha entre quatorze e quinze anos, ainda em Cataguases. Outras
afirmações equivocadas, mas menos importantes, como a data em que Pattápio se
formou no Instituto Nacional de Música, ou a versão de que a flauta Louis Lot perdida
havia sido encontrada em um Belchiore da Rua da Carioca. Sabemos que estava em um
armário do Instituto Nacional de Música, como foi comprovado documentalmente através
de um ofício datado de 4 de julho de 1904, do diretor Henrique Oswald, pelo qual a flauta
havia sido encontrada embrulhada em jornais velhos num armário da secretaria do
próprio Instituto.50
Já o livro de Vincenzo Cernicchiaro limita-se a descrever o aspecto musical das
execuções de Pattápio, sem se preocupar com os fatos biográficos em si, afirmando
inclusive que Pattápio teria nascido em Florianópolis no ano de 1878, quando na verdade
ele é natural de Itaocara, estado do Rio de Janeiro, nascido em 22 de outubro de 1880.
A melhor obra referencial é a monografia Patápio-músico erudito ou popular? ,
editada pela Funarte e realizada em grupo por Maria das Graças Nogueira de Souza,
Henrique Pedrosa, Selma Alves Pantoja e Sinclair Guimarães Cechine, Recupera
depoimentos importantíssimos dos amigos de Pattápio como a carta documento de
Rogério Teixeira de Miranda, (no momento inacessível, pois a família atualmente
desconhece seu paradeiro), assim como a carta de Luiz Amábile, escrita após a morte de
Pattápio, que nos mostra detalhes de sua chegada ao Rio de Janeiro e os últimos anos
dele em São Paulo.
No entanto, esta monografia apresenta alguns equívocos e dados conflitantes.
Apenas como exemplo: na página 42, ao descrever a morte de Pattápio, afirma que ele
morreu no dia 21, sendo que sua morte se deu no dia 24 de abril de 1907, segundo o
atestado de óbito firmado pelo Doutor Bulcão Viana, informação encontrada na página 38
49
Ary Vasconcellos op. Cit p. 314.
50
Maria das Graças N. de Souza et aliii, ob cit p. 31.
36
do mesmo livro. O cartaz da página 14 referente ao concerto do dia 11 de junho de 1905,
a ser realizado no Salão Steinway, dá sua localização na cidade do Rio de Janeiro e não
em São Paulo, no prédio do Joaquin’s Hotel ocupado hoje pelo Conservatório Dramático
e Musical de São Paulo na Avenida São João nº 61.
Do acervo “Almirante” (atualmente sob a tutela do Museu da Imagem e do Som no
Rio de Janeiro) foi usada a foto da Banda Aurora Cataguasense em cujo rodapé lê-se o
ano de 1886, data esta improvável, já que Pattápio aparenta ter entre 15 e 16 anos.
37
Ainda com referência a este mesmo livro, aparecem duas afirmações
contraditórias: na página 25, Rogério Teixeira de Miranda em carta documento datada de
1953 e endereçada a Prisco de Almeida51, relata que Bruno teria chegado em
Cataguases com seus dois “filhos legítimos”, Patápio e sua irmã Paladina. Já na página
24, os autores fazem referência ao outro irmão Peridiano, que teria vindo morar junto.
Apesar de não ter sido possível recuperar a carta documento de Rogério Teixeira de
Miranda, consideramos este depoimento, assim como o de Luiz Amábile, de suma
importância. Só por estas descobertas, o mérito da monografia da Funarte já se justifica,
pois veio acrescentar e desvendar um pouco da intimidade da vida privada de Pattápio
Silva.
Todas as outras publicações que falam a respeito de Pattápio Silva limitam-se a
repetir informações obtidas destas fontes.
51
Prisco de Almeida maestro e jornalista nascido em São Fidelis também foi aluno do
maestro Duchesne e autor do hino de sua cidade natal Terra de Luz.
38
PARTE II
Estudos preliminares referentes à formação musical de Pattápio
Silva
A Zona da Mata Mineira foi definida pelo Dr. Manuel Xavier de Vasconcellos
Pedrosa52 como uma região “silenciosa” dentro da historiografia mineira. A falta de
literatura histórica desta região é muito menor se comparada à Zona de Mineração. O
fato da Zona da Mata ter sido um pólo cafeeiro no final do século XIX fez com que fosse
muito mais próxima da cidade do Rio de Janeiro, pela simples razão geográfica. Por
causa do café surgiu o que se chamou de “nobres do café”. A abolição e a construção de
estradas de ferro eram a grande preocupação desta nobreza que, por uma ou outra
razão, tinham dificuldade de escoar a produção para o porto do Rio de Janeiro.
Juiz de Fora era a capital regional. Cataguases e Leopoldina definidos como
municípios cafeeiros. Geograficamente a Zona da Mata era uma região de campo que
ligava a zona de mineração do Oeste e do Norte de Minas Gerais. A economia cafeeira
da Mata produziu padrões sociais e econômicos que se originaram no Rio de Janeiro.
Os fazendeiros desta região tinham uma reação muito negativa quanto à abolição
da escravatura, por motivos óbvios, e a transição da mão de obra escrava para a livre
ocorreu de maneira relativamente suave.
A saída destes fazendeiros foi a estrada de ferro. As estradas de ferro eram mais
importantes que professores para esse “coronelado”. Até a possibilidade de união desta
região ao Rio de Janeiro era debatida nos escalões políticos por razões econômicas e
geográficas. Por estes e outros motivos ligaram-se as regiões da Mata e fluminense por
estradas de ferro e, em 1884, dois terços da rede férrea mineira estava localizada ali.
Estes empreendimentos eram capitalizados entre os próprios fazendeiros e a construção
executada por engenheiros ligados às grandes famílias proprietárias. A Leopoldina que já
se estendia de Porto Novo até Cataguases, em 1877, atravessava os mais prósperos
municípios cafeeiros da região. Não era só de café que a Zona da Mata sobrevivia,
52
O Dr. Manuel Xavier de Vasconcellos Pedrosa é historiador e 1º secretário do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro.
39
principalmente após a queda nos preços do café. Mandava para o Rio e exportava
produtos derivados do leite, açúcar, fumo e arroz.53
Todo este intercâmbio econômico não poderia excluir o cultural. A sociedade da
Zona da Mata estava muito ligada ao Rio de Janeiro e à tendência vigente da belle
époque carioca.
Cataguases, cidade onde Pattápio Silva foi criado desde os seis anos de idade,
contava com um excelente ambiente musical, o que com certeza ajudou-o a definir seu
desejo de seguir a carreira de flautista, compositor e regente, mesmo sem o apoio da
família, contando apenas consigo e alguns poucos amigos que se tem notícia. Nesta
cidade e região ele gozou de grande prestígio, graças ao seu trabalho nas bandas.
Músicos como Callado, Reichert, Duque Estrada, Carlos Gomes, até mesmo
músicos estrangeiro como Newkomm ou Marcos Portugal, todos compunham música que
possuíam raízes de cunho popular com características de música européia, a chamada
“música de salão”.
As composições de Pattápio Silva que possuem essa característica leve da
música de salão, não apresentam uma simples sincopa sequer que possa caracterizar
influência africana. Seu esforço era para realizar uma música genuinamente européia.
Ele apenas seguiu uma “moda“ da época, em que as valsas, polcas e mazurcas faziam
parte das festas da elite. Sua obra sempre foi editada para o “nobre” piano e nunca se
ouviu falar em violão como acompanhamento ou referência a qualquer tipo de vida
boêmia em seus dados biográficos. Ele deixava claro assim sua luta para se firmar como
músico erudito. A música de salão não deixava de ser música popular, mas apresentada
de maneira culta e civilizada. Foi amplamente, adotada no Brasil como manifestação do
nacionalismo romântico do século XIX.54
Anos depois de sua morte, os grupos de choro apropriaram-se dessas
composições, tocadas nestas formações instrumentais, interpretaram-nas de acordo com
a estética própria da música popular, fazendo com que Pattápio ficasse mais conhecido
por suas músicas leves do que pela obra virtuosística. As mais famosas são Primeiro
Amor, a valsa mais gravada e de conhecimento público inegável; Margarida, sua
53
Blasenheim, Peter. Uma história regional: A Zona da Mata Mineira (1870-1906). Centro
de Estudos Mineiros, UFMG/PROED, 1982.
54
Paulo Castanha, op. cit., apostila 13, p. 1.
40
mazurca, e Zinha, polca. Outras menos conhecidas, mas igualmente utilizadas no
repertório dos grupos de choro, são Volúvel, Joanita e Polka.
No seu tempo de banda, além de música erudita também se executava música de
salão e embora não possamos precisar as datas de suas composições, nos sentimos
seguros em afirmar que este estilo de composição foi influência desse período de sua
vida. Em apresentações futuras já no Rio de Janeiro ou São Paulo, ele incluía suas obras
mais eruditas como Oriental, Evocação ou Sonho.
Músicos como Pattápio Silva que não tinham nascido de uma linhagem mais
elitista, esforçavam-se para se comportar, vestir, e falar à moda européia. Pattápio até
teve aulas de francês, enquanto era tipógrafo. Era de bom tom, uma das formas de
ascender socialmente,
num mundo em que só os mais abastados tinham acesso à
cultura. Para que Pattápio conseguisse uma vaga no Instituto Nacional de Música, ele
não teria que ser apenas um bom flautista: teria que ser um fenômeno. E ele conseguiu
isso, à custa do esforço próprio e de alguns poucos professores que teve em sua breve
vida.
Além da forte influência das bandas musicais, outra questão que se torna
importante justificando um estudo mais aprofundado é o fato de Pattápio ser filho de
barbeiro. Sabe-se que a música feita pelos barbeiros escravos foi uma das primeiras
manifestações instrumentais com características populares aceitas pelo branco nos
séculos XVIII até meados do século XIX. Há referências quanto à influência em Pattápio
Silva desse tipo de manifestação musical que precisam ser revistas.
O Aprendizado musical dos negros no Brasil
Há uma enorme falta de dados a respeito dos primórdios do estudo de música no
Brasil colonial que, nesse momento da história, contava com músicos escravos ou índios
colonizados. Os músicos europeus, quando para cá vinham, não tinham o interesse de
ensinar a cultura musical a quem quer que fosse. Excetuando-se os mestre-capela. O
ofício de músico estava restrito à igreja e seus executantes eram os negros na maior
parte das vezes. As referências a respeito sempre vêem atreladas à história do
pesquisador e não do pesquisado. Sabe-se mais sobre o coletor dos dados do que
informações sobre o próprio aprendizado musical dos negros. Geralmente por meio de
41
citações e depoimentos esporádicos de viajantes, que registraram cenas musicais por
seu exotismo e não pela necessidade de documentação cultural.
Como o negro veio para o Brasil na condição de escravo, não houve interesse de
registro cultural destes povos, já que o branco simplesmente negava qualquer
aproximação com sua cultura e os escravos aprenderam a música européia por
imposição. As manifestações culturais dos povos negros ou indígenas não despertavam
o menor interesse de documentação da parte do colonizador, que as encarava como uma
coisa passageira, caminhando para a extinção.55
Os introdutores da música ocidental no Brasil Colônia foram os padres jesuítas.
Outras ordens religiosas aqui estiveram, como os franciscanos, beneditinos, carmelitas,
oratorianos, mercedários, todos com o mesmo intuito de catequizar os índios. Porém,
nenhuma dessas ordens foi tão expressiva quanto a Companhia de Jesus.56 Foram eles
os primeiros professores de música européia no Brasil, utilizando-a como instrumento de
conversão à religião. Os primeiros jesuítas vieram com o primeiro Governador Geral
Tomé de Souza, em 1549, e, após fundarem o primeiro colégio na Bahia, expandiram sua
missão catequética para o Espirito Santo, Rio de Janeiro, São Vicente e São Paulo. A
partir do início do século XVI, esses músicos únicos na época ensinavam os índios a
cantar seus hinos, tocar instrumentos, formando corais e grupos instrumentais.
Desempenharam muito bem esse papel, havendo relatos contundentes a esse respeito.
Luciano Gallet cita que nas aldeias indígenas, haviam “escolas de ler e escrever,
onde os padres ensinaram os meninos índios: e alguns mais hábeis também ensinaram a
contar, a cantar e tanger, tudo tomam bem, e há já muitos que tangem flautas, violas,
cravo e oficiam missas em canto de órgão, coisa que os pais estimam muito”.57
Esses jesuítas adaptavam o cantochão ao idioma dos índios, ensinavam a tocar o
clavicórdio e o cravo. Nas cerimônias religiosas havia representações teatrais com ampla
utilização de trechos musicais.
55
Siqueira, Magno Bissoli. Caixa Preta.Tese apresentada ao programa de pós-graduação
em História social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências
Humanas da USp. 2004. p.42.
56
Kiefer, Bruno. História da música brasileira, dos primórdios ao início do século XX. Porto
Alegre. Ed. Movimento, 1977. p.11
57
Apud. Kiefer, op. cit., p. 13
42
Apesar dos índios apresentarem uma rápida assimilação no lidar com as artes,
não demorou muito, seu desempenho na lavoura e serviços braçais tornou-se impróprio e
ineficiente para o colonizador. Com o afastamento da colônia, o índio logo esqueceu os
fundamentos da música ocidental que tomara conhecimento. Em 1538, iniciou-se a
escravatura no Brasil com a chegada dos primeiros navios negreiros em Pernambuco e
Bahia. O negro mostrou-se mais adequado ao sistema de trabalho imposto pelo colono, e
apesar de sempre lutar pela preservação da sua cultura e buscar mecanismos para isso,
adequou-se à organização civil da igreja. Logo os escravos passaram a participar das
cerimonias e festas santas, e consequentemente a desfrutar de um certo lazer.
Aprenderam os cantos litúrgicos e promoviam verdadeiras pantominas. Nas festas
religiosas, “em meio a cruzes e relicários, encontravam-se bandos mascarados, músicos
e dançarinos, que interferiam na ordem das santas cerimônias. Representavam figuras
como São Jorge, o dragão, a serpente”. 58
Em todos os eventos, quer fossem de ordem religiosa, militar, por puro lazer ou
ostentação de seus senhores, tocar e cantar tornou-se atribuição dos negros escravos ou
libertos, pois o colono não se prestava a exercê-las. Como o padre só manifestava-se
musicalmente no âmbito religioso e o português negava-se a desempenhar tal atividade,
essa atribuição coube ao negro. A música de todo o início do período colonial não
recebeu influências africanas, permanecendo européia. Essa interpenetração da cultura
africana estará presente somente com a formação das cidades.59
Enquanto isso, o colono não deixou de apreciar a música como forma de lazer
além do âmbito da igreja. O francês Pierre de Laval cita, em 1610, uma fazenda da época
que “possuía uma banda de música de trinta figuras, composta de negros escravos, cujo
regente era um francês provençal”, o que demonstra que já nessa época alguns senhores
coloniais procuravam distração na música, além dos limites da igreja.60
As primeiras manifestações artísticas de massa no Brasil foram conseqüência das
festas que a igreja católica oferecia ao povo, através do grande número de dias santos
respeitados com a suspensão do trabalho, em obediência ao calendário religioso. Com as
58
Citação do navegante francês Froger no ano de 1696 apud Tinhorão, José Ramos.
Música popular de índios, negros e mestiços. Petrópolis. Vozes, 1972. p. 38.
59
60
Kiefer, Bruno, op.cit., p. 17.
Almeida, Renato. Compêndio de história da música brasileira. Rio de Janeiro. Ed.
Briguiet. 1948. p. 43.
43
procissões, dias de padroeiros, Paixão de Cristo, Natal ou dias consagrados, festas
oficiais seguindo as tradições portuguesas, padres e colonos concordavam que, atrair os
escravos para a igreja, era uma forma de manter o controle dos instintos de liberdade e
uma garantia de vigilância sobre aquele numeroso contingente escravo.
61
O padre jesuíta João Antonio Andreoni
, em sua obra editada pela primeira vez
em Portugal no ano de 1711, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, no
capítulo sobre os deveres dos senhores para com seus escravos, recomendou que se
desse folga ao trabalhador escravo em dias santos, domingos e feriados, com o intuito de
que, com esses pequenos privilégios, pudessem ser mais gratos aos seus senhores,
assim como mais dóceis e passivos.62
O grande número de folgas – entre domingos, feriados civis, e dias santos, entre
outros, resultavam em nada menos que 87 dias no ano –, significou muitas horas ociosas
dedicadas à música e ao lazer.63
O aventureiro francês Pyrard de Laval aportou na Bahia em 8 de agosto de 1610 e
permaneceu até outubro do mesmo ano. Autor de um texto traduzido por Afonso D’E.
Taunay, Pyrard relata que em domingos ou dias santificados via-se nas ruas e praças de
Salvador escravos africanos, homens e mulheres folgando e dançando com permissão
64
de seus senhores”.
Os negros utilizavam instrumentos rudimentares nos primeiros anos de escravidão
ao participar das festas populares. Com este instrumental, produziam certas “harmonias”,
muito apreciadas pela população em geral, mas que ainda não caracterizavam a
linguagem musical européia nesse início de século XVII.65
O exercício das suas “criações culturais” (que mais pareciam pantominas) nos
desfiles e procissões, embora sujeito aos temas oficiais impostos pelo calendário
religioso, proporcionava-lhes a oportunidade da “representação aberta” nestas ocasiões
festivas. Essas manifestações iriam propiciar à população negra e mestiça os primeiros
61
Cujo pseudônimo era André Antonil
62
Apud João Antonio Andreoni in José Ramos Tinhorão. Música popular de índios, negros
e mestiços. Petrópolis. Vozes, 1972. p. 36.
63
Dr. José Vieira Fazenda. Antiqualhas e memórias históricas do Rio de Janeiro apud
José Ramos Tinhorão, op. cit., p. 42.
64
Apud. José Ramos Tinhorão, op. cit., p. 36
65
Ibidem, p. 37.
44
gêneros de festas, danças e músicas caracteristicamente brasileiras e iniciar a lenta troca
de informações culturais entre as várias nações que por aqui se estabelecia: africanos e
europeus.
De uma forma espontânea, o mulato livre buscava sua elevação social dedicandose às artes e principalmente à música, podendo fazer dela atividade profissional. Para o
negro escravo isso não era possível, pois ele estava sempre à mercê dos senhores. As
irmandades religiosas propiciaram a organização de toda essa mão de obra escrava ou
não, ao acolherem esse numeroso contingente de artistas, não só da área de música.
Criou condições para que os negros aumentassem seus conhecimentos e ampliou-lhes o
66
espaço de atuação.
O Músico negro dentro das irmandades religiosas
As irmandades religiosas do século XVII eram organismos sociais com estrutura
eficiente e legal. Representavam grupos ou pessoas, sempre com a intenção de auxílio à
comunidade e servidão à igreja.67 Elas aparecem primeiramente em Pernambuco, Bahia
e Minas Gerais. Possuíam orquestras e corais, promoviam principalmente as festas de
cunho religioso, porém, com a autonomia de seus irmãos, podiam promover eventos de
todo tipo em datas oficiais ou civis.
Mário de Andrade cita o jesuíta Antonio Pires ao afirmar que já em 1552 os negros
pernambucanos pertenciam a uma Confraria do Rosário, e se praticava na terra
68
procissões exclusivamente compostas de negros.
A escolha dos santos padroeiros das irmandades de negros e mestiços,
invariavelmente apresentava alguma identidade com os negros pela cor, ou por outra
particularidade que mais os aproximassem da cultura africana. São Benedito, o indiano
São Gonçalo Garcia, Santa Efigênia, Nossa Senhora do Carmo, São José dos Homens
66
Francisco Curt Lange. A organização musical durante o Período Colonial Brasileiro.
Apud Bruno Kiefer, op. cit., p. 33.
67
Fritz Teixeira de Salles. Associações religiosas no ciclo do ouro. Universidade de Minas
Gerais, série Estudos, vol.1, Belo Horizonte, 1963. Apud José Ramos Tinhorão, op. cit., p. 37.
68
Apud Mário de Andrade, conferência Os Congos, In Revista Lanterna Verde, n.2,
fevereiro de 1935. Rio de Janeiro, p.37, José Ramos Tinhorão op. cit., p.56.
45
Pardos, São Francisco, ou ainda Nossa Senhora das Mercês, a redentora dos cativos e
Nossa Senhora do Rosário, entre outros.
Nas igrejas dos brancos, o negro só entrava para tocar nas cerimônias. Para isso
os negros escravos ou libertos aprenderam os princípios da música ocidental para
agradar ao branco. O negro que antes só conhecia e tinha acesso a um número restrito
de instrumentos, agora tomava contato mais freqüente com uma variedade instrumental
maior.
Passaram a tocar instrumentos como trombetas e charamelas, instrumento de
palheta dupla, de som estridente, do qual descendem o oboé e o fagote
69
. Utilizavam
também outros sopros, como trompas e flautas, além das cordas em geral. Apenas como
ressalva, fora da igreja, os negros jamais deixaram de executar seus ritmos. Sempre que
o branco o permitia, eles apareciam com seus instrumentos típicos. Para obterem
permissão para saírem às ruas com seus cantos, fosse por motivos religiosos ou em
festas promovidas por colonizadores portugueses, os irmãos escravos tinham que pedir
autorização aos padres, geralmente através das irmandades, e esses davam
consentimento ou não.70
Indispensável citar as cidades mineiras: Vila Rica, atual Ouro Preto, São João
D’El-Rey, Arraial do Tejuco, atual Diamantina. A partir do século XVII contavam com uma
população negra incrivelmente grande, e o número enorme de negros e mulatos que
atuavam na profissão de músico era surpreendente. Segundo Francisco Curt Lange,
esses músicos não poderiam ter vindo de São Paulo ou Rio de Janeiro, dado o escasso
desenvolvimento cultural desses centros na época, mas sim de Pernambuco e Bahia
atraídos pela riqueza e prosperidade das Minas Gerais. A população portuguesa nas
cidades mineiras preservava forte tradição musical, possivelmente decorrente da
nostalgia da terra natal e do isolamento geográfico.71 Grandes compositores brasileiros
representam essa fase da história da música colonial mineira: José Joaquim Emerico
69
Bruno Kiefer. op. cit., p.14-15.
70
Tinhorão, José Ramos. Música popular de índios, negros e mestiços. Petrópoli. Vozes,
1972., p. 55.
71
Francisco Curt Lange. A organização musical durante o Período Colonial Brasileiro.
Separata do vol. IV das Catas do V Colóquio Internacional de Estudos luso-brasileiros. Coimbra,
1966. Apud Bruno Kiefer, p. 31-34.
46
Lobo de Mesquita, Francisco Gomes da Rocha, Marcos Coelho Neto, Ignácio Parreiras
Neves e Manuel Dias de Oliveira, João de Deus Castro Lobo. Todos mulatos.
Dentro das irmandades, o responsável pelo ensino musical era o padre-mestre, ou
mestre-capela. Porém, a partir da segunda metade do século XVIII, o profissional de
música superou a atividade musical dos padres, e o músico leigo passou a ser maioria,
surgindo assim o “mestre de música”. Assim como, na Europa,
foi comum o
Conservatório Musical, aqui havia a Casa do Mestre de Música, lugar que recebia os
alunos, dando-lhes moradia, alimentação, roupas, preparando-os para desempenhar
suas funções nos lugares mais diversos, com total liberdade profissional. Estes
profissionais tinham muitas responsabilidades, eram bem pagos, e alguns até possuíam
escravos. Os alunos aprendiam órgão, cordas, trompete, fagote, flauta, oboé, trompa e
clarinete. As partituras chegavam da Europa, num prazo de até um ano e meio depois de
solicitadas. Curt Lange, em pesquisa, estimou no período áureo da mineração duzentos e
cinqüenta músicos em atividade em Ouro Preto, cento e cinqüenta em Diamantina e mais
72
de mil relacionados no século XVIII na capitania das Minas Gerais.
Quanto à música profana, nos salões senhoriais o minueto, o fandango e a valsa,
eram dançados conforme o costume na Europa. Logo as igrejas e residências mineiras
tornam-se pequenas para certas atividades musicais. Os eventos musicais tornam-se
mais interessantes e variados, o que proporciona o surgimento dos primeiros teatros
chamados na época de “Casas de Ópera”, que nada mais eram do que salas de
concerto. O repertório preferido era o das óperas cômicas. Nos intervalos tocavam-se
73
modinhas e lundús.
Apesar da presença maciça dos negros na produção musical durante o período
colonial, a simbiose do folclore musical africano com a cultural européia foi muito lenta e
quase imperceptível nos primeiros anos. A progressiva ascensão dos mulatos na
sociedade brasileira tampouco contribuiu, pois estes, tentavam ignorar qualquer traço que
os pudessem vincular ao continente de origem, já que a almejada ascensão social era
74
regida pelos padrões europeus.
72
Idem, p. 35
73
Renato Almeida, op. cit., p. 45
74
Mariz, Vasco. História da música no Brasil. 5. ed.rev. e ampliada. Rio de Janeiro. Nova
Fronteira, 2000. pp. 34 e 43.
47
Os centros urbanos e culturais do século XIX
No final do século XVIII, fatos históricos mudaram o centro das atividades
econômicas e culturais do país. O declínio das riquezas na região de Minas Gerais levou
a acentuada migração para outras províncias, como São Paulo e Rio de Janeiro. Esta,
com suas funções urbanas ampliadas ao servir de escoadouro das riquezas de Minas
Gerais, até então, tinha um modesto universo artístico. Na Bahia, a descoberta de ouro e
diamantes no início do século XVIII propiciou o surgimento de vários focos de economia
agrícola, com a finalidade de abastecer essas áreas de exploração mineral da zona do
Recôncavo.
Com a decadência do ciclo do ouro em Minas Gerais, no final do século XVIII,
numeroso contingente de músicos ruma para esses novos centros urbanos em busca de
melhores oportunidades profissionais, principalmente para o Rio de Janeiro que, em
75
1763, torna-se Capital do Vice-Reinado, portanto novo pólo musical e cultural brasileiro.
Enquanto isso, na Europa as forças de Napoleão Bonaparte exigiam uma posição
mais definida de Portugal. Como a economia de Portugal estava atrelada à Inglaterra,
inimiga da França, Dom João VI decidiu partir para o Brasil, em 1807, junto com um
numeroso contingente de membros da Corte Portuguesa. Esse fato mostrou-se
fundamental para o rápido desenvolvimento do Vice-Reinado.
A chegada ao Rio de Janeiro da Corte Imperial em 1808 fez a pequena província
do Rio de Janeiro tornar-se a sede de uma suntuosa aristocracia ávida por prazeres e
diversões. Muitas áreas foram beneficiadas por Dom João VI, mas como amante da
música, esta recebeu um certo privilégio. De imediato, organizou a Capela Real, onde as
festas religiosas tornaram-se mais elegantes. Conheceu o Padre José Maurício Nunes
Garcia, que naquele momento era a figura mais significativa do ambiente musical do Rio
de Janeiro e o nomeia padre-mestre da Capela Real. Padre José Maurício foi um
importante representante do período colonial brasileiro. Filho do alfaiate Apolinário Nunes
Garcia e Vitória Maria da Cruz, ambos mulatos, o padre José Maurício tinha feições
européias, estatura além da média, e sempre teve grande interesse pelos estudos.
75
Ibidem, p. 42.
48
Estudou música com um mulato chamado Salvador José. Este professor teria sido
responsável por uma geração se músicos no Rio de Janeiro.
Padre José Mauricio aperfeiçoou-se com partituras de seu contemporâneo
Joseph Haydn, recebeu influência de Wolfgang Amadeus Mozart, e no fim da vida
estudou Rossini. Foi um estudioso de filosofia, retórica, e tinha uma escola de música em
casa, mantida até o fim de sua vida. Sem dúvida seu aluno mais destacado foi Francisco
Manuel, o futuro autor do Hino Nacional.
Teve, ao que se sabe, seis filhos. O mais ilustre deles, o Dr. José Maurício Nunes
Garcia, médico conceituado, cirurgião pela Academia Brasileira de Medicina e Cirurgia,
professor de Anatomia na Academia de Belas Artes, Cavaleiro da Ordem de Cristo,
Oficial da Imperial Ordem da Rosa, e o único filho que Pe. José Maurício legitimou.
Como já afirmamos, o Pe. José Maurício também era mulato como a grande
maioria de músicos desse período, mas era um intelectual e sua cor não foi impedimento
numa sociedade tão elitista quanto da corte portuguesa, chegando a ser detentor do
honroso título de “Pregador Régio da Capela Real”. Representava uma nítida elevação
de um músico mulato no Vice-Reinado. Também compôs obras profanas como as tão
apreciadas modinhas brasileiras. 76
Era o músico mais importante da Corte, pelo menos até 1811 quando chegou
Marcos Portugal. Menino prodígio em Lisboa, Marcos Portugal aperfeiçoou-se em
Nápoles. Era autor de várias óperas e junto com ele vieram ao Rio de Janeiro vários
músicos portugueses. Logo que chegou, hostilizou o Padre José Maurício e o afastou do
domínio do meio musical carioca com cenas de competições e inveja. Porém, dá um
grande impulso à música profana. É autor de pelo menos duas modinhas: Cuidados,
tristes cuidados e Você trata o amor em brinco. Permaneceu no Rio até o fim de sua
vida, embora tenha morrido na miséria.77
Dom Pedro I foi aluno de Marcos Portugal e do Pe. José Maurício, e mesmo após
o afastamento de José Maurício ocasionado pela presença de Marcos Portugal, o
príncipe não deixou de dar suporte financeiro ao padre por muitos anos.
76
Bruno Kiefer, op. cit., p. 54
77
Ibidem, p. 60.
49
Em 1816 D. Pedro I criou a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, sendo que
seus professores pertenciam a “missão artística francesa” chefiada pelo pintor Joaquim
Lebreton.
Nesta missão estava também o pintor Nicolau Antonio Taunay, o escultor Augusto
Maria Taunay, o pintor João Batista Debret, o arquiteto Augusto Montigny e o gravador
Carlos Simão Pradier. Contava também com um numeroso contingente de músicos que
78
impulsionaram a cultura e a vida social da época.
Em 1816, aportou no Rio de Janeiro a comitiva do Duque de Luxemburgo, que
fora enviado por Luiz XVIII na tentativa de reatar com a Coroa Portuguesa, após a derrota
79
dos franceses pelos ingleses.
Nesta comitiva estava presente o austríaco Sigismund
Neukomm, que se mostrou muito importante para a história da música brasileira. Iniciou
seus estudos musicais como organista em Salzburg com Michael Haydn. Também foi
aluno de Joseph Haydn. Era compositor e concertista, tendo viajado toda a Europa
exercendo esta função. Estudou filosofia e matemática. Estava sempre muito ligado à
política, tendo sido por este motivo, incluído naquela comitiva. Nos cinco anos que
permaneceu na corte de Dom João VI, teve uma produção catalogada de 71 obras. Neste
período foi professor do Príncipe Real Dom Pedro I, e da princesa Leopoldina. Foi
professor de Francisco Manuel, e revelou-se profundo admirador do Pe. José Maurício.
Afonso de Taunay narra a opinião de Neukolmm a respeito do padre: “Ah! Os brasileiros
nunca souberam o valor do homem que tinham, valor tanto mais precioso, pois era todo
fruto dos próprios recursos”. 80
Seu repertório inclui oratórios, cantatas, música de câmara e sonatas.
Destacamos o capricho para piano com o título O amor brasileiro, aproveitando como
tema um lundu, e a fantasia L’amoureaux, para flauta e piano que “registra à perfeição o
gênero popular de salão da época”81
78
Renato Almeida. op. cit., p. 48.
79
Bruno Kiefer, op. cit., p. 61
80
Apud Bruno Kiefer, op. cit., pp. 61-62.
81
Neves, José Maria. A música de Sigismund Newkomm na Bibliothèque Nationale de
France. In. Brasiliana, Revista da Academia Brasileira de Música ISSN 1516-2427, nº 6, setembro
de 2000. pp. 12-19.
50
Dom Pedro I era um multi-instrumentista que dominava o fagote, trombone,
clarinete, violoncelo, flauta e rabeca, mas sua formação musical e grande parte de sua
produção como compositor datam de antes da partida do rei Dom João VI para Portugal
em 1821. Enquanto a Corte Portuguesa permaneceu no Rio de Janeiro, ir à igreja ou ao
teatro era o grande momento social e cultural da capital. Em 1813, foi inaugurado o
suntuoso Real Teatro de São João, imitando o São Carlos de Lisboa, onde a sociedade
palaciana desfrutava de algum divertimento ouvindo óperas. Em 1824, um incêndio o
destruiu.
51
Como vimos, foi fundamental a contribuição dada pela Família Real ao panorama
artístico no Brasil de então. Tanto a música sacra quanto profana teve grande incentivo,,
quando músicos estrangeiros passaram a aportar em nossa terra. Até então contávamos
apenas com a igreja e seus mestres, ou músicos formados pelas irmandades. Após o
regresso de Dom João VI a Portugal, as atividades culturais da Corte diminuíram, e
apesar de Dom Pedro I ser um entusiasta da música, não foi possível manter o mesmo
nível de investimento nos primeiros anos de seu Império.
Depois da declaração de Independência do Brasil em 1822, a Capela Real passa
a chamar-se Capela Imperial e, em virtude da repentina dificuldade financeira que este
momento histórico de transição apresentava, vários músicos estrangeiros deixaram o
país. Em 1831, com a abdicação de Dom Pedro I, a orquestra da Capela Imperial é
extinta, permanecendo apenas os cantores.
A nova situação refletiu-se em tudo que não fosse indispensável. Porém nas
residências dos endinheirados, continuava-se a fazer música e, embora não existissem
escolas, professores lecionavam em caráter particular, evidenciando a natureza elitista do
ensino musical. Apesar da ausência do incentivo que era a presença da Família Real no
Brasil, os músicos estrangeiros que aqui permaneceram e os músicos negros que se
dirigiram para o Rio de Janeiro, provocaram profundas transformações sociais, em
especial na música cultivada em teatros e salões residenciais ou públicos, que visavam
não só a audição musical, mas também a socialização e o lazer. A igreja não era mais o
único centro de atividade e vida cultural. O advento da Independência do Brasil muito
pouco alterou nossa estrutura social, mas uma pequena classe média começa a surgir
então. Tratava-se de uma classe intermediária entre os servos e os senhores. Esse início
de burguesia passou a desempenhar papel importante nas atividades que representavam
ascensão social e adotam valores estéticos europeus para isso.
Essa burguesia se alarga com militares, funcionários públicos, homens de
profissões liberais, intelectuais, jornalistas, comerciantes e estudantes. Uma brasilidade
florescente na literatura enche o povo de orgulho, valorizando as coisas da terra. José de
Alencar, com seu sentimento nativista é apenas um exemplo.
82
Naquele momento de transição social surgia a figura de Francisco Manuel da
Silva, autor do nosso Hino Nacional. Este hino, composto em 1831, em razão da
82
Bruno Kiefer, op. cit., pp. 65-66
52
abdicação de Dom Pedro I, só foi consagrado pelo Decreto n°171 de 20 de janeiro de
1890. A letra tal como a conhecemos foi criada em 1909 por Osório Duque Estrada e
83
oficializada pelo Decreto n° 15.671, de 6 de setembro de 1922.
Quanto às composições de Francisco Manuel, não eram muito originais. Sua
principal influência veio do Padre José Maurício e da ópera, mas foi importantíssimo para
uma época em que todo o movimento artístico parecia estagnado pela falta de recursos.
Francisco Manuel, como a maioria de seus contemporâneos, também compôs modinhas
e lundús.
84
O grande feito do brasileiro Francisco Manuel da Silva não se limitou apenas à
composição do nosso hino. Foi o organizador do estudo de música no Brasil com a
criação do Imperial Conservatório de Música do Rio de Janeiro. Ele que tocava violino,
violoncelo, órgão e piano, conheceu de perto a época áurea da Capela Real como
integrante da orquestra.
Contou com o apoio de Dom Pedro II na realização do projeto de criação do
Conservatório, projeto este que teria sido idealizado anos antes pelos integrantes da
Sociedade Beneficência Musical, mas só aprovado em 1841.
Era dirigido ao ensino musical da nova burguesia, cada vez mais numerosa. A
afluência de alunos foi tão grande, que nos primeiros dias tiveram que fechar, por não ser
possível atender a todos os interessados. Isso fez com que entidades particulares
aproveitassem essa oportunidade e um grupo de professores particulares fundou o Liceu
Musical, em 1841.85 Finalmente, em 1848, o Conservatório do Rio de Janeiro deu início a
seus cursos, com seis professores. Francisco Manuel ficou à frente da instituição e
estabeleceu no conservatório um regime de concursos para os melhores alunos. Este
fato incentivou o aprimoramento de ótimos interpretes brasileiros, que passaram a suprir
as necessidades de músicos em orquestras de ópera, música de câmara e concertos de
todos os tipos.86
Em uma nova organização, datada de 5 de maio de 1855, de acordo com Portaria
do Ministério do Império, o Conservatório contava com o seguinte pessoal:
83
Renato Almeida, op. cit., p. 60.
84
Bruno Kiefer, op. cit., p. 76.
85
Ibidem, p. 71.
86
Vasco Mariz, op. cit., p. 66.
53
Diretor, Francisco Manuel da Silva.
Tesoureiro, o padre Manuel Alves de Carneiro.
Secretário, Francisco da Motta.
Os professores: Francisco Manuel de Silva, responsável por solfejo, rudimentos
de música, e noções de canto para o sexo feminino; Dyonisio Vega, responsável pelas
mesmas matérias, só que dirigidas ao sexo masculino; Gioacchino Giannini,
acompanhamento de órgão e contraponto.
João Scaramelli, professor de flauta, além de Antonio Luiz de Moura, que
lecionava clarinete e outros instrumentos de sopro; Demétrio Rivera, violino e viola, e
contrabaixo e violoncello, José Martini.
No Conservatório, músicos como Carlos Gomes, Henrique Alves de Mesquita se
formaram. Com a morte de Francisco Manuel, em 1865, assume a direção Arcângelo
Fiorito, e depois Alfredo Camarate, que, ao se demitir em 1888, dá lugar ao professor de
flauta Duque Estrada Meyer.
Após a proclamação da República, foi extinto o Conservatório de Música, e, a
partir de 2 de maio de 1890, criou-se o Instituto Nacional de Música sob o decreto nº 143.
Assumia a direção Leopoldo Miguez.
Seu corpo docente era o seguinte: Alberto Nepomuceno, composição e órgão;
Frederico Nascimento, harmonia e violoncelo; Armando Duarte Gouveia, teoria
elementar; Henrique Braga, solfejo; João Rogrigues Cortes, canto coral; Leopoldo Miguez
e Vincenzo Cernicciaro, violino; Alfredo Bevilacqua e Elvira Bello, piano; Riccardo
Roveda, contrabaixo; Augusto Duque Estrada Meyer, flauta; Agostinho Luiz Gouveia,
oboé e fagote; Henrique Alves de Mesquita, trompete e outros instrumentos de metal;
José de Lima Coutinho, clarinete; Luiza Guido, harpa; Ligi Gilland, canto, e outros tantos
auxiliares como pianistas acompanhantes.
De início, foram duzentos e quarenta e três alunos matriculados, sendo que em
1920 passava dos mil duzentos e quarenta alunos, a maioria esmagadora do sexo
feminino, com predileção para o piano, mas, infelizmente, sem grandes aspirações
profissionais.87
87
Cernichiaro, Vincenzo. Stória Della Música nel Brasile – Del tempi coloniali sino ai nostri
giorni (1549-1925). Milano, Stab. Tip. Edit. Fratelli Riccioni. Vale Monte Nero, 73. 1926. p. 595.
54
Quanto aos professores de flauta especificamente, os primeiros foram João
Scaramelli e Antonio Luiz de Moura. Este último foi professor de Francisco Braga e
Anacleto de Medeiros. Cernicchiaro cita Antonio Xavier da Cruz Lima, que além de flauta,
também ensinava fagote e clarineta. A partir do ano de 1871, Joaquim Antônio da Silva
Callado assume a cadeira de flauta transversal do Instituto Nacional de Música, tornandose o mais conhecido flautista de seu tempo. Estudou piano e flauta com seu pai, que era
regente de banda e trompetista. Estudou harmonia com Henrique Alves de Mesquita por
apenas um ano.
Callado ao lado de seu amigo e flautista Viriato Figueira da Silva (Só para moer),
imprimem um novo rumo para a execução da flauta calcado numa vitalidade e
virtuosismo que o faria ser lembrado e imitado por inúmeras gerações. Foi o flautista que
lançou as bases do choro brasileiro, utilizando uma nova concepção quanto à maneira de
tocar flauta, da qual Pattápio Silva, anos mais tarde, seria aclamado sucessor. Com sua
morte em 1880, assume o cargo Duque Estrada Meyer, professor de Pattápio. O próximo
deveria ter sido Pattápio Silva, mas foi vencido pelo poder político de Pedro de Assis.
Hoje, o Instituto Nacional de Música, que tantos talentos revelou nos séculos XIX
e XX, leva o nome de Escola de Música e está vinculada à Universidade Federal do Rio
de Janeiro.
A Música de concerto e as sociedades musicais no Brasil
Essa emergente coletividade burguesa a que nos referimos anteriormente, cada
vez mais interessada em concertos, recitais e espetáculos líricos, influenciou diretamente
o espírito da criação musical. Desde então, a presença de virtuoses internacionais
tornou-se mais constante. Também surgiu a impressão de partituras e periódicos
especializados, assim como o comércio de instrumentos musicais. O piano foi o
instrumento nacional por excelência, na segunda metade do século XIX. A principal
conseqüência foi a ampliação das salas para comportar numeroso e recente público. Foi
o início da música de concerto no Brasil, que surgiu primeiramente na Europa, a partir da
segunda metade do século XVIII. Sua principal característica reside no repertório,
invariavelmente de caráter virtuosístico sob o ponto de vista da performance do artista. A
55
profundidade e o conteúdo da composição é facilmente prescindido. O “concertista”
torna-se uma classe profissional diferenciada no panorama artístico.
A música é pragmática por definição, e dotada de uma coleção de fórmulas ou
procedimentos, próprios para determinados eventos ou cerimônias. Estes procedimentos
e funções diferenciam-se nas diferentes fases da história da humanidade, resultando em
variados momentos estéticos. Como já vimos, a música do século XVII até a metade do
século XIX esteve diretamente ligada à igreja ou à corte. Vinha suprir a necessidades
bem definidas. A música sacra com seus padrões e processos próprios se revelaram de
grande importância para a atividade musical por ser considerada elemento importante
para a conversão de fiéis da igreja. Já a música profana não tinha outra pretensão a não
ser a de entreter palacianos em festas e jantares.
O músico brasileiro do século XVIII, compositor, regente ou instrumentista, exercia
sua atividade comparado a um simples serviçal, e geralmente não desfrutava de
nenhuma regalia especial, sendo considerado apenas mais um especialista, trabalhando
88
para determinadas ocasiões na vida da corte, do palácio aristocrático ou da igreja.
Como o enriquecimento da burguesia fez surgir um público diversificado e
interessado em ascender socialmente, a música tornou-se indispensável nas reuniões e
eventos sociais.
Foi pensando nisso que Johann Christan Bach fundou em Londres em parceria
com o violinista Karl Friedrich Abel, uma ”Sociedade de Concertos Públicos”, a primeira
dessa natureza, que oferecia música de qualidade para qualquer público, desde que
obtivessem lucros financeiros.
Em Londres, por volta de 1764 ou 1765, aconteceu pela primeira vez um concerto
para piano e orquestra, executado para público anônimo mediante pagamento de
ingresso. Era o prenúncio de uma nova forma de execução musical. Essa empresa de
concertos foi administrada pela Sra. Comelys, que possuía uma empresa capaz de
organizar tais eventos. Através desta empresa, os primeiros trabalhos de Haydn foram
produzidos na Inglaterra. Foi o fim da música escrita unicamente para príncipes e
aristocratas. Como era indispensável o desempenho extraordinário do músico, cria-se um
clima de espetáculo que justifica assim o pagamento de ingresso. São os virtuoses os
88
Carpeaux, Otto Maria. Uma Nova História da Música. Rio de Janeiro. Ediouro, 1999.
p.107
56
músicos de grande talento, independente de serem profissionais ou não; pessoas que
dominem em alto grau a técnica de uma arte, ou cuja arte seja extremamente
habilidosa.
89
Havia agora um público que poderia ser anônimo, perante o qual o artista se
apresentava, portando-se como se vindo de um mundo diferente e incomum. O
comportamento do músico antes discreto, agora é alterado. Lendas e curiosidades
contribuíam muito para tornar os concertos mais fantásticos.
Tome-se como exemplo o mais famoso dos virtuoses, Nicolo Paganini, exímio
violinista, que por sensacionalismo ou publicidade provavelmente feita por empresários,
acreditou-se ter aprendido a tocar violino ao fazer um pacto com o diabo dentro de uma
prisão, enquanto cumpria sentença por um crime passional. Por meio de publicidade
intensa, seus concertos davam lucros inimagináveis para a época. Morreu milionário.
Havia uma verdadeira mania pelos virtuoses, e seus concertos eram o assunto principal
dos jornais. Pode-se citar outros nomes como Franz Liszt, que, como menino prodígio,
seguiu a carreira de virtuose viajante até 1844, conseguindo glória internacional e
fortuna.90
Músicos com essas características lotavam as salas de concerto o que rendia um
bom dinheiro. Inúmeras companhias passaram a oferecer música dos mais diversos
gêneros para execução em salões particulares ou teatros públicos. Ocorreram
modificações fundamentais na atitude do músico ante sua obra, e também com relação
àqueles que a ouviam, que aguardavam desempenho extraordinário do artista, que
justificasse o pagamento do ingresso.
Quanto à música sacra, até o século XVIII restrita ao culto, esta pode, a partir
desse momento, ser executada em forma de concerto, utilizando amplamente elementos
influenciados pela ópera. A contenção da música religiosa é invadida por elementos
profanos e pelo virtuosismo, podendo as novas composições adquirir maior “teatralidade”.
Se antes a obra musical estava dirigida para um propósito específico, agora estava à
mercê do gosto do público.
No Brasil não foi diferente, guardadas as devidas particularidades. No período em
que Don Pedro I imperou, foi a sociedade burguesa emergente, por meio das
89
Aulete, Caldas. Dicionário Contemporâneo da língua Portuguesa. Edição Brasileira. Rio
de Janeiro. Ed. Delta SA 1958. p. 5314
57
“sociedades musicais”, que organizam tais eventos com iniciativa de músicos e membros
91
da comunidade.
A primeira sociedade musical para sócios do Brasil surge em 1815. Chamava-se
“Assembléia Portuguesa”. As sociedades que promoviam concertos mediante venda
antecipada de ingressos só aparecem a partir de 1823, portanto, após a partida da
Família Real para Portugal.92
Essas Sociedades Musicais só foram possíveis ao contarem com a nova geração
de músicos brasileiros, juntamente com membros influentes da sociedade, que
contribuíam financeiramente para a construção de teatros ou salas de concertos. Ao
tornarem-se sócios contribuintes, tinham seus nomes incluídos numa espécie de livro de
matrícula, que lhes dava o direito de assistir aos espetáculos, bem como aos seus
familiares. Essas “associações” tinham diretorias com obrigações de promover a
conservação e locação do espaço destinado às apresentações, efetuar a programação,
patrocinar companhias líricas ou dramáticas, além de administrar os lucros ou prejuízos
financeiros.93
Dentre alguns exemplos no Rio de Janeiro, a Sociedade Beneficente Musical.
Fundada por Francisco Manuel em 1833, teve atuação significativa até 1890. A
Sociedade Filarmônica, criada em 1834, passou a chamar-se mais tarde de Sociedade
Musical Campesina e desempenhou importante papel na vida musical carioca até 1880.
O Clube Mozart, fundado em 1867, chegou a ter quinhentos sócios em 1875. A
Sociedade de Concertos Populares foi criada em 1887 com a intenção de atender ao
grande público, e não só para seus sócios. Tinha a finalidade de educar o gosto musical
dos que não podiam pagar ingressos caros. Foi presidida pelo brasileiro Alberto
Nepomuceno.
O pianista português Artur Napoleão junto com o violinista cubano José White
fundaram a Sociedade de Concertos Clássicos que apresentavam audições de música de
câmara e recitais. Através dela, grandes músicos puderam se apresentar, criando assim
um público de concertos muito assíduo, como o próprio Dom Pedro II.
90
Otto M. Carpeaux, op. cit., p. 221
91
Vasco Mariz, op. cit., p.65.
92
Bruno Kiefer, op. cit., p. 49.
93
Nogueira, Lenita Waldige. Música em Campinas nos últimos anos do Império.
Campinas. Ed. UNICAMP, CMU, 2001. p. 58.
58
O Clube Beethoven, criado em 1882, foi o mais prestigiado. Contava com uma
sala de concertos muito rica, tinha um quarteto de cordas permanente e academia de
94
música. Este clube encerrou suas atividades com o advento da República.
Em São Paulo havia a Sociedade Harmonia Paulista e o Clube Haydn, criado em
1883 e dirigido pelo compositor Alexandre Levy. No ano seguinte foi criado o Club
Internacional, fundado por Francisco Alcher Upton.
Alguns clubes ofereciam além de concertos, aulas de música como o Club Coral
Mendelssohn, o Club Musical 24 de maio, a Sociedade de Canto Lira, o Club Mozart e a
Sociedade Musical Ceciliana.95
Ainda a respeito das atividades artísticas do século XIX, importante frisar o hábito
de o solista ser convidado a dividir o programa com outros músicos locais. Essa atitude
motivava muito os artistas moradores da cidade em que se realizava o concerto, criava
uma ampliação substancial de público, e condições para atualização de repertório em
localidades distantes dos grandes centros urbanos.
Algumas cidades possuíam orquestras completas que executavam repertórios de
alta qualidade. Um bom exemplo foi o caso de Campinas (SP), que contava com uma
orquestra dirigida por Manoel José Gomes, pai de Carlos Gomes.96 Quando essas
formações completas eram impossíveis, o piano executava as partes dos instrumentos
que faltavam. Dessa forma, grandes artistas começam a viajar pelo Brasil mostrando
seus dotes virtuosísticos.
As
“Sociedades
Musicais”
permitiam
que
companhias
líricas
inteiras
excurssionassem pelos locais mais longínquos propiciando um aumento significativo da
música de concerto. Com as associações musicais atuando convenientemente, ficou
mais viável a execução de uma música mais exigente. Desta forma, pequenas cidades
tornam-se rota de grandes concertistas e companhias de ópera internacionais.97
94
95
Vasco Mariz, pp. 70-71.
Leandro, Marcelo Tupinambá. A criação musical e o sentido da obra de Marcello
Tupynambá na mùsica Brasileira (1910-1930). Dissertação apresentada ao Programa de Artes na
área de concentração de Musicologia da Escola de Comunicações e Artes , USP, São Paulo,
2005. pp.19-20.
96
Lenita Waldiges Nogueira, op. cit., p. 153.
97
Ibidem, p. 72.
59
Em depoimento do Renato Soares Teixeira, filho de Rogério Teixeira de Miranda,
amigo de Pattápio, encontra-se a seguinte afirmação a respeito do panorama musical de
Cataguases do final do século XIX e início do XX:
Dizia meu pai, que naquele tempo que Cataguases era atrasado, havia mais
manifestações artísticas que Cataguases de hoje. Ele dizia que aqui veio muita opereta
italiana. Empresas de teatro do exterior vinham a Cataguases! Com onze anos de idade
ele já começou a fazer parte de alguma banda de música que tivesse naquela época.
98
A época a que se refere o Renato Soares de Teixeira, quando seu pai tinha 11
anos, é aproximadamente o ano de 1895. Pattápio contava com 15 anos.
Quanto ao repertório, o entusiasmo pela ópera foi para muitos introdução para a
música de câmara ou sinfônica. Trechos de ópera eram adaptados com freqüência e
compositores escreviam ao estilo de árias italianas. Dependiam principalmente das raras
partituras e instrumentos disponíveis. Daí a grande quantidade de transcrições,
adaptações e manuscritos encontrados em arquivos de bandas.
A Influência da música de salão no repertório dos virtuoses brasileiros
Como vimos, o repertório do século XIX refletia a estética de uma burguesia em
ascensão. As casas possuíam piano para que as meninas tocassem para as visitas, e os
saraus eram constantes. Cantavam-se modinhas, valsas, as famosas árias de ópera com
variações brilhantes, bem ao estilo da mais pura música de concerto. Mas, a noite não
terminava sem as danças de salão, como as polcas, mazurcas ou até um bom lundú com
ares europeus. As camadas mais altas cultivavam principalmente a música lírica e
podiam dispor das orquestras de teatro ou de grupos de câmara para atender ao
entretenimento das elites. Os escravos, bem como os brancos e mestiços das classes
98
Depoimento em entrevista concedida por Renato Soares Teixeira quando da pesquisa
realizada para a obra Memória e Patrimônio Cultural – Cataguases - MG. Prefeitura Municipal de
Cataguases, 1988.
60
mais baixas dançavam uma mistura de batuque com danças populares portuguesas ou
espanholas.
O gênero que uniu a todos foi a modinha. A modinha brasileira foi um gênero
musical muito apreciado desde o século XVII. Seu sucesso veio através de Domingos
Caldas Barbosa, quando este a apresentou na corte em Lisboa. Apreciada pelos músicos
portugueses, retornou ao Brasil com ares de ária de ópera italiana. De caráter suave e
romântico, entra no século XIX pelas mãos do exímio violonista Joaquim Manoel da
Câmara. O famoso modinheiro impressionou o músico austríaco Neukomm, que
seleciona 20 delas e as editou na Europa sob o título Modinhas portuguesas de Joaquim
Manoel da Câmara – notadas e arranjadas com acompanhamento de fortepiano por
Neukomm. José Maria Neves em seu artigo sobre este grande músico austríaco comenta
a respeito dessas modinhas:
....constituem-se em um documento de fundamental importância para o estudo da música
brasileira de salão dos primeiros decênios do século XIX. A obra de Neukomm permite
aproximação com relação a este repertório e pode indicar que tipo de música teria sido
executada também nos salões brasileiros na época em que o compositor residiu no Rio de
Janeiro.
99
Em meados do século XIX, a nascente classe média importou gêneros como a
polca, o minueto e a mazurca. Segundo a musicóloga Marisa Lira, aqui no Brasil, elas
“tinham aquele requebradinho” que, nas mãos de um virtuose da flauta como Joaquim
100
Antônio da Silva Callado, se transformaria no “choro”.
A definição desta palavra “choro” dá margem a várias especulações. Desde o
“xolo”, festa dos negros assim denominada, que após chegar ao Rio de Janeiro passa a
ser grafada “choro”, a maneira “chorada” de se tocar as polcas, mazurcas e outros ritmos
99
In Brasiliana nº6 de setembro de 2000,. op. cit., p.12.
100
Assim como Patápio adotou um “t” em seu nome, Calado também o fez, acrescentando
um “l”. Talvez uma forma de criar um certo glamour próprio dos concertistas. É possível encontrar
as duas formas de escrita: Calado e Callado.
61
da música de salão, e até a possibilidade de ter surgido das bandas de choromeleiros,
101
que por simplificação passou a serem chamada de “bandas de choro”.
Callado também era mulato e filho de um mestre de banda chamado Joaquim
Antônio da Silva Calado. Era conhecido como Calado Júnior, até a morte de seu pai em
1867. Aos oito anos estudava regência e composição com Henrique Alves de Mesquita .
Aos dezoito anos, já era músico profissional e apresentava-se em casas e salões do Rio
de Janeiro. Tocou para Dom Pedro II a sua composição de estréia Querosene, composta
em 1863 aos quinze anos. Sua especialidade era a polca. Essa mistura das linguagens
européias e populares não era exclusiva só nas obras de Callado, mas ele foi quem
eternizou o estilo. É atribuída a ele a maneira de tocar oitavando a melodia que dá a
ilusão de duas flautas tocando simultaneamente. Casou-se muito cedo e aos dezenove
anos foi ganhar a vida tocando não só música erudita, mas também música de salão em
bailes e festas em casas de família.
Como os lugares em que se apresentava eram pequenos, estava sempre
acompanhado de violão, ou cavaquinho. Às vezes a casa dispunha de um piano, então
poderia ser acompanhado do piano. Segundo o maestro Baptista Siqueira em seu livro
intitulado Vultos históricos da música brasileira, esses artistas aprendiam uma polca de
ouvido e a executavam para que os violonistas se adestrassem nas passagens
modulantes, transformando exercícios em agradáveis passatempos. Estes grupos
geralmente contavam com um instrumento solista, dois violões e um cavaquinho. Todas
as cordas eram improvisadores.
As melodias que resultavam desse processo de improvisação tornaram-se
características da composição de Callado. Os editores consideravam as músicas de
Callado muito avançadas e difíceis. Temiam o fracasso de vendas. Isso obrigou–o a
editar suas próprias músicas. De inovador, havia na partitura um estribilho que poderia
ser repetido inúmeras vezes, caso o interprete assim o desejasse, utilizada
possivelmente para improvisações.É inegável a influência de Callado nos músicos e
colegas de sua geração como Viriato Figueira102, Chiquinha Gonzaga, o Silveira, o
Luizinho flautista, Rangel, Baziza, Ismael Correia, Zequinha e Leal Careca.
101
VASCONCELOS, Ary. Panorama da música popular brasileira na Belle Èpoque. Rio de
Janeiro, Liv. Sant’Anna, 1977, p. 14.
102
Autor do choro Só para moer gravado por Pattápio Silva pela Casa Edison.
62
Callado recebeu de Dom Pedro II, em 1879, juntamente com os demais
professores daquela instituição, a Ordem da Rosa, no grau de comendador. Também foi
professor do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, e foi escolhido como Patrono da
Cadeira número 22 da Academia Brasileira de Música. Mesmo assim, nunca deixou de
tocar em bailes e festas. Seu instrumento era uma flauta de ébano com cinco chaves,
portanto anterior às reformas de Boehm.
Logo depois do carnaval de 1880, o Comendador Joaquim Antônio da Silva
Callado adoeceu com uma febre, vindo a falecer em 20 de março e sendo enterrado no
Cemitério de São João Baptista. De sua obra, destaca-se Lundú Característico, que até
hoje consta como obra para concursos de flauta, por ser de extrema dificuldade técnica.
A última composição de Callado foi Flor Amorosa, que Catulo da Paixão Cearense vinte
anos depois incluiria a letra, transformando-a em sucesso, garantindo-lhe domínio
público. 103
Naquela época, todos os flautistas tocavam em rodas de choro. De Callado a
104
Duque Estrada Meyer. Era apenas mais uma atividade, uma função a mais do músico.
Carlos Gomes, que foi nosso maior expoente da linguagem operística, sempre
compôs em estilo italiano. Mas, quando fazia suas modinhas, valsas e polcas, deixava
claro todo o caráter da música popular brasileira da época. Assim como Carlos Gomes,
vários compositores, sem desprezar os processos técnicos da música erudita, sabiam
muito bem representar o gosto e ambiente dos salões do Segundo Império, que tanto
executavam
e
ouviam
ópera,
quanto
as
modinhas,
lundús
e
outros
ritmos
105
abrasileirados.
A miscigenação dessas linguagens musicais ocorreu de forma gradativa. Assim
como Carlos Gomes, músicos de formação européia passaram a compor com sabor
regional. É o caso do flautista belga Mathieu-André Reichert, que foi o flautista de Sua
103
Esta biografia não está referenciada porque o autor do artigo nos é desconhecido até o
presente momento. Supõe-se que seja de autoria do pesquisador Tinhorão. Foi publicada no
fascículo Nova História da Música Popular Brasileira, 2ª edição revisada e ampliada (1978). “Donga e
os primitivos”.”Eles começaram a história” Copyright mundial, Abril S. A .Cultural e industrial. São Paulo.
1ª ed. 1970. pp. 4-6.
104
DIAS, Odette Ernest. M A Reichert: um flautista belga na Corte do Rio de Janeiro.
Brasília, EDUMB, 1990. pp. 34-36.
105
Vasco Mariz, op. cit., p. 94.
63
Majestade o Rei dos Belgas e considerado um dos mais notáveis flautistas do século XIX.
Chegou ao Brasil em 1859, contratado pelo imperador Dom Pedro II e radicou-se no Rio
de Janeiro. Autor de vários estudos e métodos de música erudita, tornando-se além de
exímio concertista, excelente compositor de música de salão. Foi amigo íntimo de
Callado e as proezas musicais desses dois mestres tocando juntos, viraram história.
Odette Ernest Dias em seu importante livro Mathieu-André Reichert – um flautista belga
na Corte do Rio de Janeiro, apresenta um excelente panorama, descrevendo vários
episódios característicos dos concertistas da época, geração prontamente anterior à de
Pattápio.
Mathieu André Reichert nasceu em Maestricht na Bélgica, e foi aluno de Demeur
Jules. Foi contratado por Dom Pedro II juntamente com outros virtuoses para fazer
música no Palácio da Quinta da Boa Vista em São Cristóvão.
Lírico Fluminense.
107
106
Atuou também no Teatro
Chegaram no navio francês Ville Riche, no dia 8 de junho de 1859.
Era filho de músico ambulante e foi um dos mais hábeis flautistas do século XIX.
Começou tocando em cafés e botecos, mas, depois de aperfeiçoar-se no Conservatório
de Bruxelas, viajou por vários países desfrutando de grande sucesso. Suas composições
108
para flauta se distinguem pela novidade da forma e audácia das dificuldades.
Em 1864, começa a excursionar pelo Norte do país passando por Salvador,
Recife, São Luiz e Belém. Sucesso em todas as apresentações. Em 1871 apresenta-se
em Campinas. Seu repertório obviamente incluía obras virtuosísticas, trechos de ópera, e
composições dele próprio, que já demonstravam certa influência da cultura brasileira. A
abertura desse memorável concerto ficou a cargo da orquestra dirigida pelo irmão de
109
Carlos Gomes, Santana Gomes.
Carlos Gomes, aliás, dedica a Reichert a cavatina da
ópera Joana de Flandres. Esta ópera foi estreada em 1863, o que comprova que Carlos
Gomes já havia conhecido Reichert antes do concerto em sua cidade natal.
Entre suas composições, contam estudos para flauta e obras eruditas de cunho
virtuosístico tradicionais como a Variações do Carnaval de Veneza, a Melancolia Patoril,
106
Odette Ernst Dias, op. cit., p. 23.
107
Enciclopédia da Música Brasileira: popular, erudita e folclórica. 2ªed. São Paulo. Art
Editora: Publifolha,1998.
108
Apud Fétis. Biografie Universelle des Musiciens. 2ªed., Paris, 1860-65, vol. 7, p. 212, in
Odette Ernest Dias. op. cit., p. 20.
109
Lenita Waldige M. Nogueira. op. cit., pp. 155-156.
64
a Tarantela, o Rondó Característico, mas já nessa época recebia influência da música de
salão brasileira. Compôs “polcas de concerto” como ele mesmo as definia. Uma delas, La
Coquette. que originalmente tinha acompanhamento do aristocrático piano, teve seu título
traduzido para o português A Faceira . Odette Dias cita que essa polca foi encontrada em
um álbum de choros copiados à mão pelo grande músico ritmista e compositor
Alcebíades Maia Barcelos
110
, mais conhecido por Bide, incluindo o trio característico do
grupo de choro (violão, flauta e cavaquinho).
Reichert, inspirado nas impressões que trouxe de viagens ao norte do Brasil,
compôs as romanças Souvenir de Pará e Souvenir de Bahia, ambas com características
de modinha e, segundo Odette, cheias “de um enlevo bem brasileiro”.
O fato de tocar com acompanhamento de violões, em ambientes mais modestos, em
casas de famílias que não possuíam pianos, não devia ser considerado como uma
condescendência, se acreditamos nas crônicas de Alexandre Gonçalves Pinto, que cita
como chorões todos os grandes flautistas da época, de Callado a Duque Estrada
Meyer.....Na polca La Sensitive (de Reichert), a adoção do rítmo brasileiro sincopado se
faz mais evidente ainda. Temos precursoramente um quase chorinho.
111
Como vimos, não foi Reichert o único estrangeiro que abraçou a música e a
cultura brasileira como elemento de inspiração, mas quase todos os que aqui
permaneceram por algum tempo, como Neukomm ou Marcos Portugal. Nesta época não
havia limite preciso entre música popular e erudita. O virtuosismo imperava na segunda
metade do século XIX. O público delirava com as peripécias técnicas, apesar do estilo.
Pattápio Silva, deixou exemplos musicais perfeitos desse momento histórico e cultural.
Sua obra, um espelho de sua época, era composta de polcas, mazurcas, valsas,
fantasias, peças características e romanças. Todos ritmos típicos da música do século
XIX.
110
Odette E. Dias, op. cit., pp. 35-36. O nome do Bide foi corrigido, de acordo com dados
retirados da obra citada Enciclopédia da Música Brasileira popular, erudita e folclórica.
111
Ibidem, pp. 36-38.
65
MÚSICOS BARBEIROS
Os autores da monografia “Patápio-músico erudito ou popular?” e Antonio Carlos
Carrasqueira em seu relatório de pesquisa112, levam em consideração a possibilidade da
influência destas bandas de barbeiros na formação de Pattápio Silva, baseados no fato
dele ter nascido filho de barbeiro. As referidas bandas atuaram significativamente desde
meados do século XVIII, até desaparecerem por volta de 1860. Por esta razão
desenvolveremos este estudo para melhor avaliarmos tal influência no trabalho e obra de
Pattápio Silva.
Estas bandas, por mais de um século alegraram as festas de rua nas cidades do
Rio de Janeiro e Salvador. A curiosidade reside na forma como elas atuavam e por quais
indivíduos da sociedade eram formadas.
Entre as profissões desempenhadas pelos negros, escravos ou não, uma que se
firmou no século XVIII foi a do barbeiro. Aparar barbas e cortar cabelos era atividade que
carecia de pouco tempo de dedicação, então esses profissionais incluíram outros
afazeres à sua profissão, como arrancar dentes e aplicar sanguessugas. Essas
especialidades quase sempre eram praticadas em público. Como entre um freguês e
outro ainda lhes sobravam um bom tempo vago, os barbeiros podiam aproveita-lo com a
atividade musical. Os escravos negros da cidade sempre exerceram suas funções
braçais entoando cantos. Enquanto carregavam pesados fardos, cantavam, pois, como
suas mãos estavam ocupadas, não podiam tocar um instrumento. Com a música
produzida pelos barbeiros, o processo era diferente. Ao contrário dos negros que
exerciam grande esforço muscular em seus trabalhos, o barbeiro tinha mãos e tempo
livres, e sua vocação poderia dirigir-se para o aprendizado de instrumentos mais
avançados que os instrumentos africanos, como rabecas e trombetas. Ao se agruparem,
113
formavam bandinhas de sopros, cordas e percussão.
112
Carrasqueira, Antonio Carlos M. D. Relatório de pesquisa CERT. Escola de
Comunicações e Arte. CMU. USP. S.d.
113
Tinhorão, José Ramos Música popular de índios, negros e mestiços. op. cit., p.96.
66
Sua música, alheia a qualquer preocupação estética, era direcionada ao público
como forma de lazer e divertimento. Era uma profissão essencialmente urbana,
desempenhada por mulatos ou negros. Quando os escravos iam a leilão, o fato de
tocarem um instrumento valorizava-os muito.114 Porém, aos poucos, esses músicos
barbeiros firmam uma nova “categoria profissional”, passando a ganhar algum dinheiro
com a habilidade musical. Os negros cativos, desta forma, poderiam levar algum dinheiro
para seus senhores, a fim de ajudar nas despesas da casa. Já os libertos, poderiam
manter-se com tal atividade.
Ilustração de Debret
Em pesquisas realizadas no Arquivo da Igreja de Nossa Senhora da Vitória, na
Bahia, a folclorista Marieta Alves encontrou um recibo de pagamento ao músico Salvador
de Souza Coutinho “por timbales, trombeta e oboé tocados na véspera da festa” em
fevereiro de 1750. José Ramos Tinhorão, em seu livro Música popular de índios, negros e
mestiços, salienta que a folclorista não especifica se esse Salvador de Souza Coutinho
114
Apud. Valentim Magalhães. Vinte Contos. Rio de Janeiro. in A semana. 1886, p. 98.
Ibidem, op. cit., pp. 77-78.
67
era regente de orquestra ou de banda de barbeiros, mas ao dar conta de outro
levantamento realizado no Arquivo da Santa Casa de Salvador, onde colheu informações
que mostram como atuavam esses músicos barbeiros, cita agora documentalmente o
caso de um Damásio Nunes que “ em 1774 recebeu pequena importância pela rabeca e
atabales que tocou na porta da igreja”.115
Tocar em porta de igreja tornou-se atividade quase que exclusiva dos barbeiros,
como veremos mais adiante. Os músicos barbeiros chegariam ao século XIX, e as
notícias desses conjuntos pioneiros de músicos urbanos do Brasil, começam a tornar-se
mais freqüentes como em citação de um contrabandista inglês preso em Salvador em
1802, chamado Thomas Lindley, que descreve uma festa da época:
Esses músicos são pretos retintos, ensaiados pelos diversos barbeiros-cirurgiões da
cidade, da mesma cor, os quais vêm sendo músicos itinerantes desde tempos
imemoriais.... Embora numerosos, esses escuros filhos da harmonia sempre encontram
trabalho, não só da maneira que mencionamos, mas também à entrada das igrejas, ou na
celebração de festas, onde se postam a tocar peças alegres, sem levar em consideração
as solenidades que se desenrolam no seu interior....
116
José Ramos Tinhorão lembra que ao dizer “tempos imemoriais”, Thomas Lindley
exagera “...porque como se viu, antes da primeira metade do século XVIII a simplicidade
da estrutura urbana não justificaria a sua existência.117
As citações em romances da época são muitas. José Maria Velho, em seu
romance Gabriela, publicado em 1875, diz que os barbeiros chegavam a ser “arautos nas
solenidades públicas e nas festas de igreja”.118 Manuel Antonio de Almeida descreve os
barbeiros em seu folhetim Memórias de um Sargento de Milícias, publicado nos anos de
1852 e 1853, no jornal Diário Mercantil, do Rio de Janeiro:
As festas daquele tempo eram feitas com tanta riqueza e com muito mais propriedade, a
certos respeitos, do que as de hoje: tinham entretanto alguns lados cômicos; um deles era
115
Ibidem op. Cit., p. 98.
116
Lindley, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil. São Paulo. Companhia Editora
Nacional. Coleção Brasiliana.
115 José
118
Ramos Tinhorão. Musica popular de índios, negros e mestiços. op.cit., p.99.
Ibidem, p. 102.
68
a música de barbeiros à porta. Não havia festa em que se passasse sem isso; era coisa
reputada quase tão essencial quanto o sermão;.......meia dúzia de aprendizes de oficiais
ou aprendizes de barbeiros, ordinariamente negros, armados, este com um pistão
desafinado, aquele com uma trompa diabolicamente rouca, formavam uma orquestra
desconcertada, porém estrondosa, que fazia a delícia dos que não cabiam ou não queriam
estar dentro da igreja.
119
Tão representativa foi a presença das bandas de barbeiros que, no início do
século XIX, passou-se a construir, ao lado das igrejas, em caráter provisório ou não, os
chamados “impérios”, uma espécie de palanque que servia para abrigar a música dos
barbeiros, o santo da festa, ou leiloar prendas. Martins Pena em uma de suas comédias
intitulada A família e a festa da roça, de 1842, descreve como se portavam esses
barbeiros nos “impérios”: “Os barbeiros tocam. O homem desce com o pão-de-ló na
salva; Juca o recebe e bota o dinheiro na salva......Dançam. Os sinos repicam, os
barbeiros tocam o lundu e todos dançam e gritam, e abaixa o pano”.120
A partir do início do século XIX, tornam-se oficialmente os fornecedores desse tipo
de música, cuja função está ligada ao momento urbano dessas duas cidades, Salvador e
Rio de Janeiro, e cujo objetivo não era outro senão o entretenimento. Além da atividade
se mostrar importante para a época, o fato de ser realizada exclusivamente por negros e
mulatos é uma declarada aceitação social, já que todos, sem distinção de classes,
poderiam apreciar sua performance musical, não importando a qualidade da música
produzida.
Como seu público era o mais diverso possível, o músico barbeiro tinha também
um repertório igualmente variado, tocado de uma maneira original, cujo estilo de tocar já
se apresentava nacionalizado. Debret afirma em Viagem pitoresca e histórica ao Brasil,
no capítulo “Lojas de barbeiros”: “....Dono de mil talentos, ele tanto é capaz de consertar
a malha escapada de uma meia de seda, como de executar no violão ou na clarineta,
valsas e contradanças francesas em verdade arranjadas ao seu jeito”121.
119
Ibidem, p. 103.
120
Martins Pena. A família e a festa na roça. in Teatro de Martins Pena – Comédias. Rio
de Janeiro. Instituto Nacional do Livro, 1956.
121
TINHORÃO, José Ramos. Música popular: um tema em debate. 3ª ed. Revisada e
ampliada São Paulo. Ed. 34, 1997. p. 131.
69
Loja de Barbeiros
Não havia a preocupação orquestral que se via nas bandas encontradas nas
fazendas, onde a execução musical visava ao deleite dos senhores, e cujos
instrumentistas poderiam receber formação musical de mestres da escola européia.
Como curiosidade: no filme de 1999, Memórias Póstumas de Brás Cubas,
baseado em obra homônima do mulato Machado de Assis, dirigido por André Klotzel e
protagonizado por Reginaldo Farias, há uma cena de rua com a presença de uma banda
de barbeiros atuando. Como o romance foi editado no ano de 1881, certamente Machado
de Assis utilizou-se de sua memória para descrever a cena que possivelmente viveu em
sua infância.
O aprendizado dos barbeiros era o mais livre possível, podendo executar as
peças de ouvido. O médico baiano Dr. José Francisco da Silva Lima, em seu livro
Reminiscências da cidade de Salvador, de 1840, escrevia que o aprendizado de música
era “de orelha, nas horas vagas, e formavam uma charanga, cujas gaitadas rouquenhas
70
atroavam os ares, às portas das igrejas, nas festas e novenas, e em cujo repertório
entravam às vezes, o lundu e algumas chulas populares”.122
A sonoridade destas bandinhas era sempre descrita como fanhosa e estridente.
Segundo Marieta Alves, o tambor era instrumento obrigatório, por razões óbvias,
relacionadas à cultura africana. Quanto aos sopros e cordas, se apresentavam em
formações variáveis. Instrumentos como timbales, trombeta, flautas, trompas ou oboés,
só chegavam nas mãos dos barbeiros quando eram dados como imprestáveis por
músicos de bandas militares ou de fazendas. Desta forma, pode-se imaginar a razão de
123
serem chamados pejorativamente de “charangas”.
A folclorista Marisa Lira afirma que os negros davam um sabor no ritmo com
particularidades musicais especificamente negras, que ela chamava de “ritmo de
senzala”: “ O agrado do povo era justamente por esse requebradinho gostoso, por esse
jeitinho original que os barbeiros davam às suas interpretações” 124
Tudo indica que o repertório era constituído de modinhas, lundus, fados, tiranas,
habaneras, fandangos, polcas, mazurcas e valsas. Totalmente independentes dos temas
abordados dentro das igrejas. Os negros que aprenderam a tocar um instrumento musical
durante as horas de folga, agora com liberdade de expressão e execução, poderiam
executá-lo tendo como objetivo principal o lazer.
A música de barbeiros tornou-se tão importante nas solenidades e festas, que
podia ser encontrada até nas festas da elite. Havia, por exemplo, a “Festa da Glória” no
Rio de Janeiro, que era prestigiada pela Família Real. Pelos arredores, havia casarões de
ilustres personalidades da sociedade imperial. A presença da música dos barbeiros era
fundamental para dar um caráter mais popular à festividade, já que o toque oficial era
oferecido pelas bandas militares, que não praticavam o mesmo repertório que os
barbeiros, cuidando da execução dos hinos e músicas mais solenes. No livro Festas e
tradições populares do Brasil, de Mello Morais Filho, editado em 1901, há uma descrição
da festa:
122
Apud. Citação usada pela da folclorista Marieta Alves in artigo Música de barbeiros, in
Revista Brasileira de Folclore . n.17, janeiro/abril de 1967. Rio de Janeiro. In J. R. Tinhorão.
Música popular de índio, negros e mestiços. p.100.
123
124
Tinhorão, op. cit., Música popular um tema em debate, p.139.
Ibidem, p. 132.
71
...belas mulatas, lustrosas crioulas, velhos e crianças, homens e mulheres de toda
casta...O Hino Nacional executava-se nos coretos; oficiais da guarda nacional e de tropa
de linha destacavam-se dentre o povo...... a música de barbeiros destacava-se tocando
desde as dez da manhã, sob a direção de um certo Dutra, mestre de barbeiros à rua da
Alfândega, que a ensaiava e fardava......eram negros e escravos; o uniforme não primava
pela elegância, nem pela qualidade. Trajavam jaqueta de brim branco, calça preta, chapéu
branco alto e andavam descalços......os que não sabiam de cor a parte, liam-na pregada a
alfinetes nas costas do companheiro da frente, que servia de estante.....a procura desses
artistas era extraordinária.
125
Mais de uma semana antes do Domingo do Espírito Santo começavam as festas,
e nessas ocasiões, assim como no Natal, era muito difícil encontrar um barbeiro
disponível para cortar barba ou aparar os cabelos, pois estavam participando das Folias,
recolhendo esmolas em procissão com “irmãos do opa”.126
Declínio da música de barbeiros
A maioria dos relatos indica o desaparecimento da música de barbeiros no Rio de
Janeiro em meados do século XIX. Vieira Fazenda, em 1896, registra numa de suas
crônicas que, no fim do século XIX, ainda era possível encontrar alguns desses
instrumentistas populares.
Por volta de 1860, ele conheceu dois barbeiros músicos, “... que viviam ali na Rua
do Carmo, pacata e silenciosamente, contando aos pósteros as suas brilhanturas não só
na música, como nas sangrias e aplicações de sanguessugas”.
127
A partir de meados do século XIX, torna-se comum a instrumentação chamada de
“terno”, à base de flauta, cavaquinho e violão. Este conjunto típico dos chorões foi
adotado pelos mestiços cariocas, que já pertenciam a uma geração urbano industrial,
aproveitando o “ritmo de senzala” dos barbeiros músicos.
125
Filho, Mello Morais. Festas e tradições populares do Brasil. Rio de Janeiro. H. Garnier,
Livreiro Editor, 1901. 3. ed. 1946, p.180.
126
Tinhorão, Música popular um debate. op. cit., p. 130.
127
Apud Tinhorão. Música popular de índio, negros e mestiços. p. 110.
72
A decadência da música dos barbeiros no Rio de Janeiro coincide com as
primeiras aparições desses grupos de “choro”. Seus participantes eram funcionários
públicos, músicos de bandas militares, autônomos, ou pessoas que por alguma razão
não precisavam cumprir horários rígidos, pois agora a música saía das portas da igreja e
passava a surgir na noite em forma de serenatas, ou mesmo entrando nas casas em
ocasiões festivas.
O termo “chorado” já era usado para descrever a maneira própria de barbeiros
interpretarem com uma certa languidez seu variado repertório. Os grupos de choro foram
o epígono da música de barbeiros no Rio de Janeiro, ao transmitirem interpretações
“peculiares” dos estilos europeus, como a polca, a mazurca, a valsa, com ritmo, trejeito e
maneirismo dos negros.
Em Salvador, os músicos barbeiros sobreviveram um pouco mais de tempo, e só
com a proximidade da abolição da escravatura é que a música espontânea dos barbeiros
foi substituída pelas bandas militares. Em 1865, surgiu a primeira banda com propósito
comercial, quando uma rica fazendeira chamada “A Chapadista” (porque a ela pertencia
a Chapada Diamantina), Dna. Raimunda Porcina de Jesus, levou para Salvador uma
organizada banda formada por escravos seus. Diante de tal concorrência, aos poucos as
bandinhas de barbeiros foram dissolvendo-se.128
Rio de Janeiro e Salvador ficaram marcadas por essa experiência cultural, com
uma diferença: enquanto no Rio de Janeiro os negros barbeiros transmitiam seu estilo
aos grupos de choro, em Salvador a falta de continuidade deixava a música de barbeiros
sem herdeiros tão próximos, pois a Bahia passa a usar a música de bandas, de conjuntos
bem empresariados como o da “Chapadista”, ou ainda a música de circo.
Tanto em Salvador quanto no Rio de Janeiro, este novo panorama social e urbano
não permitiria mais que o barbeiro desfrutasse do privilégio das horas de lazer que
haviam concretizado sua vocação artística. Passou a ser um simples barbeiro como
conhecemos hoje, sem a compensação musical. Aliás, atualmente, a própria profissão de
barbeiro que tanta diversão proporcionou ao povo do século XVIII e XIX, tende a se
extinguir por conta da modernidade de aparelhos eletrônicos que substituíram a antiga
arte de manejar uma navalha.
128
Ibidem, p. 111.
73
Bandas musicais do final do século XIX e início do XX
Se os barbeiros não chegaram a influenciar Pattápio Silva, o mesmo não se pode
falar das bandas do século XIX e seu vasto repertório.
As bandas originaram-se há milênios, já que elas são citadas em batalhas
ancestrais. Inicialmente destinadas a dar o sinal de reunir de tropas ou animar guerreiros
de civilizações muito antigas como dos egípcios, turcos, gregos e romanos, em todas as
batalhas se serviam dos sons de trombetas, clarins e tambores para cadenciar e dar
ânimo aos combatentes.
No Brasil, logo após o início da catequização realizada pelos jesuítas, já se
encontram citações de viajantes que testemunharam a formação de bandas de sopros
constituídas por índios e
colonos portugueses. Segundo Simão de Vasconcellos os
índios “...são afeiçoados à música.....Saem destros de todos os instrumentos musicais:
charamelas, baixões, trombetas e fagotes.”
Por meio desta afirmação, podemos deduzir a supremacia dos instrumentos de
sopros nos primórdios da música instrumental colonial.
As bandas de escravos charameleiros foram uma constante nas pequenas
propriedades e centros urbanos no período colonial brasileiro.129
Já nos grandes latifúndios, fazendeiros recebiam convidados ao som de bandas
de escravos. Eram as “bandas de fazendas”. A mais famosa delas, sem dúvida, foi a
Banda da Fazenda Santa Cruz, criada em 1818 pelos jesuítas. Foi provavelmente a
primeira a investir seriamente no aprendizado musical dos escravos. Após a expulsão
dos jesuítas pela Coroa Portuguesa, passou a se chamar Banda de Música da Real
Fazenda. Tocavam música sacra, e segundo relatos, era composta por instrumentistas
virtuoses e cantores capazes de realizar cerimônias e solenidade, além de óperas.
129
Também poderiam ser chamados de choromeleiros, agrupamento este que supõe-se
originaria no futuro os grupos de choro pela proximidade e simplificação do nome. A charamela é
um instrumento precursor dos instrumentos atuais que utilizam palhetas duplas como o oboé e o
fagote. Nome original, chalumeau.
74
Segundo relato de Arthur Napoleão, estes escravos tocavam de tudo, e para isso
utilizavam numeroso e significativo conjunto e repertório orquestral. A Casa Imperial
pagava as despesas com partituras, métodos ou outros materiais como cordas e peles,
que chegou a ser fornecido pela Casa Arthur Napoleão, famosa editora que se instalou
no Brasil.130
Como Arthur Napoleão fixou residência no Rio de Janeiro no ano de 1866, cremos
que a Banda Santa Cruz sobreviveu por pelo menos cinco décadas.
No Brasil, durante o período colonial haviam também conjuntos musicais
formados por soldados portugueses. Só em 20 de agosto de 1802 foi decretada a
obrigatoriedade das bandas de música nos Regimentos de Infantaria, estendendo-se
mais tarde para todos os corpos do exército, marinha, polícia e bombeiros. O repertório
destas bandas era constituído por hinos, marchas,dobrados, árias e fantasias escritas às
vezes com trechos de óperas. 131
Mariza Lira tem uma versão interessante relacionada ao dia 7 de setembro de
1822, quando Dom Pedro I proclamou a independência do Brasil de Portugal. Ela afirma
que:
...no dia 7 de setembro de 1822 à tardinha, num dos salões do palácio do governo,
escreveu D. Pedro I o Hino da Independência e entregou-o ao mestre da capela da Sé,
Tenente Coronel André da Silva Gomes para que aprontasse de modo a ser executado à
noite no espetáculo de gala que se realizou na Ópera, teatrinho que então existia em São
Paulo.
132
André da Silva Gomes era o Professor Régio de latim, mestre capela e notável
musicista que viera de Lisboa para fundar em São Paulo o Coro Musical da Sé em 1774.
Deixou vasto repertório que o musicólogo Régis Duprat catalogou e editou.133
130
Celso José Rodrigues Benedito. op. cit,. p. 13.
131
Marisa Lira. Brasil sonoro. Gêneros e compositores populares. Rio de Janeiro, Editora
A noite. S.d., p. 165.
132
Mariza Lira nunca referencia seus comentários, Na página 167 do seu Brasil Sonoro há
mais detalhes sobre este assunto.
133
Música na Sé de São Paulo colonial. São Paulo, Paulus, 1995. Esta referência é
encontrada na Enciclopédia da música brasileira popular erudita e folclórica. 2. ed. Art Editora.
Publifolha, 1998. p.333.
75
Este fato, mesmo que não seja comprovado documentalmente, nos leva a
mencionar a vinculação dos mestres capela não só com a igreja, mas também com o
militarismo. Vários músicos que exerciam esta dupla função receberam a patente militar
também, a exemplo do Tenente Coronel André da Silva Gomes.
O grande contingente de imigrantes, que veio para o Brasil a partir do início do
século XIX, ocasionou um aumento significativo no número de bandas musicais, tão
comuns em países europeus, além da ampliação considerável de solenidades em
decorrência da presença da Corte Imperial Portuguesa no Brasil.
O repertório das bandas passou a incluir além dos tradicionais hinos e marchas,
alguns trechos de música clássica, dobrados, polcas e arranjos de óperas de Donizetti,
Bellini, Carlos Gomes, Meyebeer, Puccini, Rossini, dentre outros.
No coreto para apresentação de música aos domingos e feriados, seguindo o
modelo das bandas de cunho militar, e alimentada pela tradição das bandas de fazenda,
também surgem pequenas formações musicais cujos componentes eram músicos
amadores locais.
134
As bandas musicais passam a atuar em vários locais e sua função poderia ser a
mais diversa possível. Apresentavam-se tanto na rua em solenidades e comemorações
públicas, como em bailes da elite ou no carnaval. Anacleto de Medeiros e Chiquinha
Gonzaga foram dois notáveis que lideraram bandas de alta qualidade. O primeiro com
sua famosa Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro e Chiquinha Gonzaga que
teve suas músicas escritas para banda tocadas até na Europa.135
Com a abolição da escravatura, os músicos das bandas de fazendas dirigem-se
para as cidades, e alguns exemplos são significativos como o da cidade de Campos, no
estado do Rio de Janeiro, que possuía ao mesmo tempo quatro bandas musicais
atuantes no final do século XIX: A Lyra de Apolo (1870), a Lyra Conspiradora (1882), a
Operários Campistas (1892) e a Lyra Guarany (1893). Nesta última Pattápio atuou.
Ainda como exemplo, Campinas no Estado de São Paulo, contava com pelo
menos três bandas ao mesmo tempo: Banda Italiana, a Banda da Fazenda Santa Maria
134
Nova história da música popular brasiuleira: Donga e os primitivos. Fascículo 2. ed.
Revista e ampliada. São Paulo, Abril Cultural AS. 1978.
135
Maria das Graças N. et. Aliii. op. cit., Apud Mariza Lira. Chiquinha Gonzaga, grande
compositora popular brasileira. Rio de Janeiro, Funarte, 1978.
76
constituída só de escravos e a Euterpe Comercial. Além da orquestra de Santana
136
Gomes, pai de Carlos Gomes.
Portanto, as bandas foram uma constante no interior dos estados brasileiros no
final do século XIX, em cidades que experimentavam o alvorecer da burguesia, e em
sociedades que começavam a desfrutar o prazer das artes. Cada banda tinha sua
realidade social na medida em que eram formadas por grupos geralmente da mesma
classe social, profissional ou racial. Podiam até se posicionar politicamente, participando
tanto de manifestações republicanas e abolicionistas, quanto monarquistas, podendo
apoiar vários ideais. Assim como foram comuns as bandas de escravos, elas também
poderiam ser de comerciários, ou patrocinadas por uma indústria ou sociedade civil.
Como já afirmamos, era muito comum que as bandas lançassem mão de um
repertório mais erudito através de transcrições adaptadas para suas variadas formações;
e foi tomando contato com este repertório mais sofisticado que Pattápio Silva inclinou-se
para a música erudita. Tais influências determinaram seu gosto musical e levaram-no a
seguir a carreira de virtuose.
Compositores importantes principalmente ligados à ópera, ou mesmo de música
sacra, como Aubert, Bellini, Bizet, Donizetti, Mercadante, Meyebeer, Mozart, Pacini,
Rossini, Verdi, Puccini, e os brasileiros Francisco Manuel da Silva, Carlos Gomes,
Henrique Alves de Mesquita e o padre José Maurício, compuseram para estas
formações.
Eram comuns os potpourris e fantasias de temas eruditos ou não, inclusive de
operetas e musicais tirados do teatro de revista tão apreciados na época. Obviamente
que havia um grande número de obras escritas especialmente para a formação das
bandas, e não raro se encontram estilos populares como valsas, mazurcas ou polcas
arranjadas e adaptadas por músicos locais para as formações disponíveis.
As partes poderiam ser manuscritas ou impressas. Uma abertura de ópera era
facilmente adaptada para metais e soava muito bem em espaços abertos. Adaptações de
árias, duetos ou tercetos operísticos, eram considerados obras finas e requintadas.
Linhas melódicas simples, em geral acompanhadas por instrumentos em acordes,
permitiam que o músico executasse essas peças sem maiores dificuldades. Era
136
Lenita Waldige Mendes Nogueira. Música em Campinas nos últimos anos do Império.
Coleção Campiniana. Campinas. Editora da UNICAMP. 2001. pp.266-269.
77
suficiente a transcrição das partes de violinos para flautas ou clarinetes, assim como os
instrumentos mais graves como violoncelo ou fagote que passavam para trombones e
bombardinos. Quanto às operetas, por terem caráter alegre, eram muito utilizadas em
eventos festivos, além claro, dos tradicionais hinos e marchas.
As danças européias tão apreciadas em salões vão para as ruas através das
bandas com trejeitos de música brasileira. Resultado do processo de miscigenação de
linguagens como no caso do choro. A banda brasileira se diferencia dos modelos
europeus por essa razão, estabelecendo uma atuação livre da característica militar, que
ainda hoje é comum nas bandas do exterior.137
As bandas eram populares na medida em que estavam sempre em eventos
públicos, mas seu repertório não se caracterizava unicamente de peças leves, podendo
atuar em cerimônias religiosas, como é comprovado por musicólogos que pesquisam a
música do período colonial mineiro e que encontram grande parte do acervo de música
sacra brasileira desse período nos acervos e arquivos de bandas musicais.
Elas não podem ser classificadas como inferiores artisticamente, pois chegaram a
ter um alto padrão musical, e foi um grande celeiro de músicos no Brasil durante muitos
anos. Não podemos deixar de citar Carlos Gomes, pois seu pai foi o primeiro a organizar
uma banda na cidade de Campinas, a Banda Sociedade União dos Artistas, onde o
pequeno Carlos tocava triângulo aos dez anos. Assim como Carlos Gomes, Joaquim da
Silva Callado também era filho de regente de banda. Outro exemplo foi do Mathieu
Reichert que teve sua formação em uma banda militar na Bélgica. Como se vê, Pattápio
não foi uma exceção, e sim mais um representante destas gloriosas instituições musicais.
O aprendizado de um instrumento musical nessas instituições teria que ser
ministrado em um curto espaço de tempo, para suprir a necessidade premente de
músicos, o que resultou num modo prático e rápido de ensinar música. Alguns
procedimentos estão documentados em dissertações que estudam esta problemática e,
baseados nestes trabalhos, podemos traçar um panorama do ensino musical nas bandas
que Pattápio freqüentou, já que não existe documentação específica destas corporações
referente a este assunto e período.
O ensino musical destas bandas do final do século XIX estava intimamente ligado
a procedimentos que beiravam as relações familiares. Ao demonstrar interesse por um
137
Ibidem., pp. 277-280.
78
instrumento, o aluno passava a receber instrução dos colegas e também dos regentes. A
prática era imediata e não havia a preocupação de obter um diploma ou certificado como
nas escolas de música. Não havia um padrão disciplinar, e o ritmo de aprendizado era
impresso pelo aluno interessado no instrumento. O ensino musical formal, por outro lado,
não estava ausente nestas instituições, tendo muitas vezes em suas direções músicos
que possuíam excelente preparo técnico e teórico, ao ponto de elevar esses
agrupamentos de sopros a patamares
excelentes. A combinação perfeita de ótimos
professores e a prática incessante do instrumento, fez com que o aprendizado de música
através das bandas se tornasse rápido e eficiente, claro que respeitando a proposta de
cada instituição.
Não se pode comparar por exemplo uma banda de interior com a Banda do Corpo
de Bombeiros do Rio de Janeiro regida por Anacleto de Medeiros. É claro que a
exigência de uma banda profissional era muito maior do que a que só pretendia animar
festas civis em coretos.
Com o aumento do número de bandas surgiu a natural concorrência entre elas, o
que estimulava a elevação do nível técnico e qualitativo das mesmas. Isto é facilmente
comprovado através do rico repertório que essas corporações desempenhavam entre
dobrados, polcas, valsas, hinos, marchas e até fantasias eruditas ou trechos de óperas
devidamente adaptados para esta ou aquela formação.
Além do aspecto musical, as bandas promoviam socialmente o indivíduo que se
destacava em suas manifestações culturais, além de patrocinar a aproximação da música
erudita das classes mais baixas.138 Essa ascensão social torna-se de maior relevância
quando se pensa no desenvolvimento artístico e cultural de Pattápio, pois, não fosse
pelas bandas musicais do final do século XIX, não teria sido capaz de trilhar uma carreira
de virtuose, tendo nascido como se sabe de uma classe social que não tinha acesso a
este tipo de cultura.
138
Benedito, Celso José Rodrigues. Banda de música Teodoro de Faria. Perfil de uma
banda civil brasileira através de uma abordagem histórica, social e musical de seu papel na
comunidade. Dissertação de mestrado. USP, S. Paulo, 2005.
79
As bandas em que Pattápio Silva atuou
Conforme verificamos anteriormente, Pattápio Silva, até aproximadamente
dezenove anos, teve sua formação musical calcada na experiência obtida em bandas
musicais da região da Zona da Mata em Minas Gerais e interior fluminense. Apenas na
cidade de Cataguases, registra-se documentalmente, entre os anos de 1896 e 1915,
nada
menos que cinco bandas musicais. A banda Aurora Cataguasense (cc.1896),
Sociedade Harpa de David (1900), Sociedade Musical 7 de setembro (1902), Euterpe
Cataguasense (1906) e a Lyra Cataguasense (1915). Isso numa cidade que se tornou
município no ano de 1877 com quatrocentos e cinqüenta habitantes, seis ruas, duas
praças, oitenta e sete casas, um professor, dois médicos, e uma curiosidade: duas
fábricas de cerveja.
A presença das bandas musicais na região está registrada desde a data da
primeira reunião da Câmara Municipal de Cataguases, realizada em 7 de setembro de
1877, segundo registro de Levy Simões: “Houve retumbante festejo do povo, nesse dia,
em comemoração à nossa independência. Bandas de música, um banquete......muitos
foguetes e finalmente à noite, um inesquecível baile nos salões da Câmara Municipal.”139
Pattápio Silva mudou-se para Cataguases em 1886, portanto nove anos após a
efetiva emancipação da cidade.
No mesmo dia em que ocorre esta festa, é também inaugurada a Estrada de Ferro
Leopoldina em Cataguases, ligando Cataguases à cidade do Rio de Janeiro.
140
A Aurora Cataguasense é anterior à primeira que se tem documentação na cidade
de Cataguases, a chamada Banda Sociedade Harpa de David, fundada em 1900,
portanto um ano antes de Pattápio ir para o Rio de Janeiro completar seus estudos.
Acreditamos que faltem dados documentais a respeito da existência de bandas
anteriores a esta, pois existem vários depoimentos principalmente de Rogério de Miranda
quanto à participação de Pattápio em bandas musicais em Cataguases, ainda na sua
adolescência. Da banda Sociedade Harpa de David, segundo Levy Simões, participaram,
além de Pattápio, os músicos Antonio da Silveira Tindó, Teobaldo Rabelo, Pascoal
139
Levy Simões op. cit., p. 23.
140
Levy Simões da Costa. Cataguases centenária 1977. p. 23-24.
80
Ciodaro, Rogério Teixeira de Miranda, e Adolfo Teixeira. Todos músicos que fizeram
141
história na cidade de Cataguases.
Comprovadamente, Pattápio tocou apenas nestas duas bandas em Cataguases.
Aurora Cataguasense, e na Sociedade Harpa de David. Nesta última, provavelmente
Pattápio tenha participado apenas alguns meses no ano de 1900, ao lado de seu amigo
Rogério Teixeira de Miranda, pois no início de 1901 ele já se matriculava no Instituto
Nacional de Música na capital federal.
Pattápio tocou ainda em Santo Antonio de Pádua na Lyra de Arion fundada em
1888.
Em Miracema havia duas bandas de música na época em que Pattápio esteve por
lá. A Sociedade Musical 15 de novembro, fundada em 1896, e a Sociedade Musical 7 de
Setembro, fundada em 1898. Esta última ainda em funcionamento, conta com 60
adolescentes amparados por uma escola de música.
Na cidade de Palma havia a Lyra de Ouro.
Em Itaocara sua cidade natal tocou na Aurora Fluminense; atualmente nesta
cidade temos a Sociedade Musical Pattápio Silva, fundada em 1956. Esta banda tem 60
integrantes em média, que recebem aulas de música na Escola Barnier de Barros, anexa
à banda.
Ainda percorreu as cidades de Astolfo Dutra, São João Nepomuceno, e São
Fidelis. Em Campos regeu a Lyra Guarany, e morou por lá algum tempo. Tinha um
protetor, o chefe do correio Pessoa de Barros e em sua homenagem compôs um dobrado
intitulado Pessoa de Barros em poder do Museu da Imagem e do Som Arquivo Almirante
no Rio de Janeiro.
Há notícias de que tenha regido e organizado bandas também no Vale do
Paraíba, mas não foi possível identificar tais cidades.142
141
Todas as informações documentais a respeito das bandas de Cataguases estão
apenas no livro de Levy Simões, Cataguases centenária. Op. cit., p. 381.
142
Maria das Graças , op. cit., p. 42.
81
PARTE III
Pattápio Silva o pioneiro
O grande desenvolvimento técnico que permitiu com que compositores românticos
e impressionistas dedicassem obras virtuosísticas para a flauta se deve principalmente às
descobertas e pesquisas de Theobald Boehm. É necessário que se reconheça que as
transformações feitas na flauta por Boehm foram fundamentais para o ressurgimento de
uma linguagem musical própria do instrumento, que até então teve seu momento de
glória no período barroco.
Pattápio, como se sabe, começou seu estudo de flauta com os instrumentos que
lhe era possível obter, e sem tirar o valor de seu desenvolvimento artístico até sua
adolescência, não podemos menosprezar o grande avanço que a flauta com o sistema de
Boehm deve ter significado em sua carreira. Portanto, este é um aspecto que
abordaremos nesse capítulo.
Como já afirmamos, segundo depoimento de Rogério Teixeira, seu primeiro
contato com uma flauta Boehm foi através do instrumento de um aluno chamado Jovelino
e depois recebeu um instrumento de madeira com este sistema de um mecenas
chamado José Badaró. Esta mesma flauta foi desenrolada de jornais diante de seu futuro
professor Duque Estrada Meyer quando o jovem Pattápio a ele se apresentou. Cícero
Meneses, seu irmão, declara que tal instrumento possuía poucas chaves, portanto seria
de fabricação anterior às reformas de Boehm. Por outro lado, o depoimento de Rogério
Teixeira possui detalhes que não podem ser ignorados, pois ele era seu amigo íntimo e
sabia da trajetória de Pattápio até ali. Era sim uma flauta de madeira, usada, sem estojo,
mas já com o sistema Boehm. Não sabemos ao certo se Duque Estrada Meyer conseguiu
outro instrumento para ele após sua entrada no Instituto Nacional de Música, mas nas
históricas e pioneiras gravações da Casa Edison, Pattápio conseguiu notas agudas como
o Ré
4
no final da valsa Primeiro Amor, que só foram possíveis depois das reformas de
Boehm.
Em 1904, após vencer o concurso realizado com Pedro de Assis, recebeu a
misteriosa flauta desaparecida Louis Lot , instrumento este que ele aparece empunhando
em várias fotos do final de sua carreira.
82
O mistério quanto ao paradeiro desta flauta continua. Segundo Cícero Menezes,
pertenceu a um flautista chamado Neves, da família do general Andrade Neves. Outra
versão é de que esteve em mãos de seu irmão, o flautista João Batista Menezes, com a
qual teria gravado Chão de Estrelas com Sílvio Caldas, de acordo com depoimento de Ieda
Neves, sua filha. O senhor Roberto Gambardela discorda e afirma que quem gravou a
flauta desta música foi Benedito Lacerda e seu regional. 143 Mais recentemente, tivemos a
notícia, por intermédio de moradores de Itaocara, que a Louis Lot de Pattápio estaria em
poder de Altamiro Carrilho, que negou tal possibilidade.
Regis Duprat, conceituado musicólogo, em depoimento, nos revelou que na década
de 1970 morava no Rio de Janeiro onde dirigia a Divisão de Pesquisa da Manifestação
Cultural, vinculada à Secretaria de Estado da Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Lá
chegou a desenvolveu um projeto de pesquisa sobre a vida e obra de Pattápio Silva. Este
projeto infelizmente não foi publicado, mas criterioso como é Régis Duprat, o possui, mas
não conseguiu disponibiliza-lo por pura falta de tempo. Ele afirma que possui fotos da
Louis Lot de Pattápio que estava em poder de seus parentes moradores de um subúrbio
do Rio de Janeiro. Chegou inclusive a tocar nesse instrumento. Este arquivo pessoal de
Régis Duprat será futuramente mais uma fonte de pesquisa importantíssima.
Pattápio, jovem pobre e mulato, não foi pioneiro só por ter entrado e concluído
esplendidamente seu curso no Instituto Nacional de Música. Talvez o fato de maior
relevância tenha sido sua participação nas primeiras sessões de gravação mecânica pela
Casa Edison, realizadas no Rio de Janeiro no ano de 1902. Na medida em que a música
popular rompia com o disfarce europeu, ia causando maior interesse nas cidades a partir
do início do século XX. Fred Figner, proprietário da Casa Edison, percebendo isso e
vislumbrando aí uma boa forma de ganhar dinheiro, passou a gravar muita música popular.
Mesmo assim, Pattápio resistiu, gravando o choro Só para moer de Viriato Figueira, mas
incluindo todo o repertório erudito em suas gravações. Essas gravações se tornaram
sucesso de vendas, mesmo depois de muitos anos após sua morte, justificando outras
reedições no ano de 1915.
Além das gravações abordaremos as publicações existentes de sua obra, fazendo
um levantamento desde as primeiras edições de 1906 até os dias de hoje.
143
Roberto Gambardela é um profundo conhecedor das gravações mecânicas,
principalmente da música popular.
83
O Sistema Boehm
Como justificar a maravilhosa performance de Pattápio quanto ao aspecto técnico,
sem fazer um breve histórico desse sistema que revolucionou não só a flauta, mas também
o clarinete, oboé e fagote? Para melhor entendermos a própria história da música do
século XIX e suas inovações é que discorreremos este estudo específico relativo às
pesquisas concernentes à evolução da flauta até o sistema de Theobald Boehm.
Não é nenhuma novidade que a flauta é um dos instrumentos mais antigos da
humanidade. Inicialmente feitas de ossos, tinham a função mística e ritual. Em seu
estágio inicial, ela poderia apresentar vários materiais e formas de construção. Além do
osso, bambu ou cascas de frutas. Os egípcios e sumérios já usavam flautas com três ou
quatro orifícios.
84
Até o século XV aproximadamente, os instrumentistas se limitavam a acompanhar
os cantores, participando de madrigais e motetos. No Renascimento é que surgem os
grupos instrumentais. Martin Agrícola (1486-1556) em sua obra Musica Instrumentalis
deudsch, publicada em 1529, descreve e ilustra estes instrumentos, além de relatar de
que forma eram utilizados, principalmente ao lado de instrumentos de percussão e
geralmente com finalidades militares.144
Flautas Martin Agrícola
A flauta renascentista tinha tubo cilíndrico, com seis orifícios para os dedos e um
orifício circular muito pequeno com aproximadamente cinco ou seis milímetros, usado
como embocadura. Era feita de uma só peça e não podia ser afinada. O material mais
usado era o buxo, por ser uma madeira que possuía fibras bem compactas que permitia
excelente trabalho de torno.
144
Araújo, Sávio. In artigo A evolução histórica da flauta até Boehm. DM/IA/UNICAMP,
1999
85
Neste período, as flautas tocadas verticalmente foram denominadas “flautas doce”
e as transversais eram chamadas de “traverso”. Eram ainda construídas em um único
tubo, com orifícios que eram fechados pelos dedos e seguiam a tessitura da música
vocal, ou seja, sopranino, soprano, contralto, tenor e baixo. Cada qual com um tamanho
que corresponderia ao alcance da voz humana.
Com o surgimento dos primeiros grupos potencialmente orquestrais, considerouse a coloração instrumental, a linha melódica, a harmonia e o contraponto. A partir daí a
exigência de um resultado mais equilibrado dos instrumentos em questão.
O organista e compositor alemão Michael Praetorius (1571-1621), em sua obra
Syntagma Musicum, datada de 1619, registrou três tamanhos diferente de flautas,
chamadas Querflötten. A mais aguda foi chamada de Discante, e a exemplo das vozes
humanas as mais graves foram chamadas de Alto ou Tenor e a Baixo. Esta última já
apresentava o tubo dividido em duas partes. Todas alcançavam duas oitavas e meia,
mais quatro notas chamadas de “falsetes”, que eram obtidas por instrumentistas
habilidosos. Estes instrumentos foram os precursores da flauta alemã utilizada do século
XVII ao início do XIX
.
86
Por volta de 1635, o matemático Marin Marsenne (1588-1648) publicou um tratado
de música e instrumentos musicais chamado Harmonie Universelle baseado em
pesquisas realizadas por filósofos como Pitágoras e Decartes, Nele identificou duas
flautas transversais chamadas de Allemands, afinadas em Ré e Sol, respectivamente.
Ainda não possuíam chaves, mas previa que deveriam ser desenvolvidas a fim de
possuírem escala cromática. Mencionou que este desafio poderia ser vencido com a
adição de chaves e molas, chegando a esboçar um sistema que mostrava a forma
destas. Além da construção, dissertou a respeito dos materiais utilizados para sua
fabricação, citando tipos diferentes de madeiras, vidro e cristal.145
Com a valorização da música instrumental do período barroco, as inflexões e
contrastes de dinâmica que o novo estilo requeria, fez com que a flauta transversal
suplantasse a flauta doce, pois esta não supria as necessidades sonoras, se comparada
à transversal, que possuía mais brilho e maior tessitura.
Por volta de 1660, dão-se modificações muito importantes: a flauta passa a ser
feita em três partes, introduzindo-se um orifício que agora é tapado com o dedo mínimo
da mão direita. Segundo Johann Joaquin Quantz, estas modificações se devem a um
grupo de artesãos franceses da corte de Luiz XIV, chefiados possivelmente por Jean
Hottetere (1648-1732).146
Este instrumento era afinado na escala de Ré Maior, era dividida em três partes,
sendo a parte central com seis furos e a parte inferior continha a chave do R#, sua maior
inovação. Era fechada em sua extremidade superior por meio de um sistema de rolha
que possibilitava ao flautista puxar ou empurrar a rolha a fim de ajustar a afinação que
era dotada de pequenos anéis numerados para que o interprete pudesse no decorrer da
obra alterar a afinação conforme a necessidade. Mas este dispositivo se mostrou
insuficiente.
145
Flautas construídas de vidro datam desde o século XVI, havendo sido registradas em
inventário do rei Henrique VIII da Inglaterra. In artigo de Sávio Araújo. A evolução histórica da
flauta até Boehmm. DM/IA/UNICAMp. Campinas, 1999.
146
Foram cinco construtores de flautas da família Hottetere: Jean i (1605-1692), o inventor
da flauta com uma chave Jean iii (ca.1648-ca.1732), Louis, Nicolas e Jacques Martin (1680-1761)
autor do primeiro método de flauta transversal. Sávio Araújo, op.cit., p.15.
87
Em 1707 Jacques Martin Hottetere “le Romain” (ca.1680 - ca.1761) publica em
Paris a obra Principes de la flûte traversiere, ou flute D’Allemagne, De la flute A B E C, ou
flute douce, et du haut-bois, Divifez par Traitez.147 Trascrevemos aqui o prefácio:
Como o traverso é um instrumento dos mais agradáveis, e dos mais em voga atualmente,
me vi na obrigação de empreender esta pequena obra para tornar fecunda a inclinação
daqueles que aspiram tocá-la. Ouso orgulhar-me de que meu trabalho não será de todo
indigno da curiosidade dos que gostam desse instrumento, já que meu principal objetivo é
amenizar-lhes as primeiras dificuldades que de um modo geral, são as mais árduas.
Poder-se-á, portanto, instruir-se com segurança à cerca dos princípios do Traverso
através desse Tratado. Dou aqui as receitas para realização de todas as notas naturais,
sustenidas e bemóis, com uma explicação de como fazer para afiná-las. Também ensino
aqui como se devem realizar os trinados em cada uma destas notas; e finalmente quais
são os ornamentos necessários para que se toque apropriadamente e com bom gosto.
Estas receitas e regras poderão ser apreendidas mesmo na ausência de um
professor, por todas as pessoas que tenham naturalmente disposição para tocar este
instrumento, e a quem só faltem realmente conhecer os Princípios encontrado aqui em um
Tratado sobre a flauta-doce, além de uma análise comparativa entre o Traverso e o Oboé
que poderá servir de método para que se aprenda a tocar este último instrumento. No
mais, eu não falo, absolutamente, nesse compêndio, sobre o valor rítmico das notas; nem
sobre fórmulas de compasso, pois estas são coisas que pertencem antes a um Tratado
sobre Música, e não a um Tratado sobre a Flauta.
148
Por meio desse prefácio, foi possível identificar todo o conteúdo desse tratado de
importância histórica para o estudo da flauta barroca. Ele trata da postura, embocadura,
que neste caso ele julga como sendo uma questão pessoal, embora estabeleça algumas
regras. Fala sobre articulações e ornamentações, “estilo pontuado francês”, ligaduras,
apoggiaturas ascendentes e descendentes, acentos e terminações. Ensina a realizar o
Flattement ou Tremblement Mineur, que é uma espécie de vibrato em que o dedo oscila
147
Digno de citação pelo aspecto curioso, na capa desse tratado se encontram os dizeres:
“foi editado em Amsterdam, custeado por Estienne Roger, Comerciante de Publicações Literárias,
que vende a Música do Mundo mais correta, engajado em vendê-la o mais barato possível, sendo
que deveria mesmo , na verdade, é distribuí-la de graça.”
148
Tradução realizada por Renato Marsiglio Corrêa de Camargo. 1ª flauta solista da
Banda Sinfônica do Estado de São Paulo.
88
horizontalmente sobre um furo aberto, alterando apenas levemente a afinação da nota
sobre a qual se quer aplicar o efeito. Recomenda que deve ser usado em notas longas.
Ele ainda disserta sobre a flauta doce e o oboé.
Em 1720, baseando-se na idéia anterior de Praetorius, que havia “resolvido” o
problema da afinação utilizando instrumentos com várias tamanhos (meio tom acima e
meio tom abaixo), é que se desenvolveu o sistema de corps de réchange. Este sistema
envolvia a divisão da flauta em quatro partes (a parte central é que era dividida em duas).
A parte superior correspondente à mão esquerda tinha de três a seis tamanhos distintos
e intercambiáveis, que corresponderiam a afinações diferentes. Este processo não
descartava o uso da rolha para ajustar as oitavas.
Logo depois Johann Joachim Quantz sugere como solução para a questão da
afinação um prolongamento do encaixe do bocal ao corpo da flauta que é adotado até os
dias de hoje. Os melhores tons para se compor para flauta ainda eram o Sol e o Ré
maior. Quantz lança no ano de 1752 seu tratado On playing the Flute onde, além de
discutir detalhes de execução da flauta transversal, ainda recomendava que peças
escritas em tonalidades muito difíceis deveriam ser apresentadas somente à audiência
que realmente entendesse do instrumento e que fossem capazes de compreender as
dificuldades dessas tonalidades na flauta; elas não deveriam ser tocadas para qualquer
um.
A impossibilidade de uma boa execução fez diminuir em muito a popularidade da
flauta entre os compositores do período clássico. Com a introdução do temperamento da
escala, em meados do século XVIII, as pesquisas voltaram-se para uma abordagem do
sistema de chaves e a conquista do cromatismo. Em 1760, alguns fabricantes ingleses
incluíram três chaves à flauta: a chave para o sol#, acionada pelo dedo mínimo da mão
esquerda, a chave do sib, controlada pelo polegar esquerdo. A terceira chave adicionada
foi para o Fá, que acionada pelo terceiro dedo da mão direita (utilizado também para
fechar o Mi), fez com que a afinação, que era muito alta nessa nota, melhorasse, assim
como produziu o Fá³ com segurança.
89
flauta com chave do Fá.
Logo depois foi aumentado o tamanho da parte inferior do instrumento com a
finalidade de incluir o Dó# e o Dó natural graves. Estabeleceu-se, então, a flauta de seis
chaves, que permitia tocar em qualquer tonalidade e apresentava poucos problemas de
afinação, se comparada aos instrumentos anteriores.
A flauta ainda era afinada em Ré, mas a liberdade tonal ficou menos inacessível a
partir destes melhoramentos. Nas primeiras sinfonias de Haydn, a flauta raramente
estava presente. A partir de 1780, começa a aparecer com mais regularidade e, se antes
ele usava o registro médio, no final de sua carreira ele já usava até o Sol³. Mozart
também transpareceu a evolução do instrumento em suas obras quando a flauta passa a
fazer parte integrante da polifonia instrumental. Seu Concerto para flauta e orquestra em
Sol Maior K. 313, utiliza o Sol³, assim como no concerto para flauta e harpa K. 299, chega
ao Dó e o Dó # graves.
90
Com a flauta de até seis chaves, o flautista teria que mudar os dedilhados, o que
ocasionou inicialmente uma certa rejeição por parte dos instrumentistas, sendo aceita a
reforma apenas entre os anos de 1785 e 1790.
Até o final do século XVIII, a flauta ainda ganharia mais duas chaves: a da nota
Dó², que até este momento não existia, e foi solucionada com uma chave entre os
orifícios do Si e Dó#, e era acionada pelo indicador da mão direita. Outra melhoria foi na
chave do Fá que era de difícil dedilhado para realizar certas passagem como do Fá para
o Ré ou Ré#. Sempre soava um “esbarrão” com a nota Mi, quando o dedo escorregava
lateralmente. Fez-se um orifício no lado oposto do já existente com uma chave longa
acionada pelo dedo mínimo da mão esquerda, próximo ao Sol#.
Agora a flauta já possuía oito chaves e finalmente a escala cromática. Mesmo
assim a flauta de uma chave ainda foi popular até o início do século XIX, por ter um custo
menor, pois era de mais simples fabricação e também por contar com vários tratados e
métodos que ainda a consideravam o modelo padrão, apenas adicionando informações
suplementares para os modelos que por acaso possuíssem mais chaves.
As experiências no campo mecânico não se limitaram às oito chaves que até
agora teriam resolvido razoavelmente questões já abordadas, mas outros experimentos
levaram até a uma flauta de dezessete chaves, que chegava até o Sol abaixo do Dó ¹,
conhecida na época por “Flauta D’Amore”. Há notícias que Adolph Terschak tenha se
tornado muito conhecido em seu tempo por tocar este instrumento.
No início do século XIX, surgem grandes virtuoses da flauta, entre eles, o inglês
Charles Nicholson. Seu pai, também flautista, havia modificado uma flauta de fabricação
George Astor adicionando furos maiores para os dedos e embocadura. Quando Theobald
Boehm assistiu a um concerto de Nicholson, não pôde acreditar no volume sonoro obtido,
apesar da afinação ainda estar comprometida. A partir daí, Boehm modificou sua
concepção quanto à construção da flauta, alterando o tamanho dos orifícios tão largo
quanto possível. Os orifícios eram feitos no tubo em locais que permitiria uma afinação
perfeita, baseando-se em princípios acústicos, adicionando então um complexo sistema
mecânico capaz de fechar várias chaves com um só dedo se necessário. Alguns orifícios
eram tampados com os dedos, outros vedados por sapatilhas, sendo que a única chave
que permanece fechada o tempo todo é a do Sol#.
Boehm trabalhou primeiramente em flautas de madeira, e pouco a pouco fez a
escolha pelo metal. A madeira tinha como resultado um som adocicado. Já o metal,
91
apresentava uma sonoridade mais brilhante, o que trazia um equilíbrio inédito para a
instrumentação orquestral. A primeira versão surgiu em 1832, foi apresentada em 1837 à
Academia de Ciências, tendo recebido parecer favorável. A flauta Boehm foi adotada pelo
professor do Conservatório de Paris , J.B. Coche , a partir de 1838.
Em 1847, Boehm apresentou um modelo com o corpo cilíndrico e com o bocal
com leve curvatura parabólica. O modelo definitivo veio em 1851, numa exibição
internacional em Paris, sendo então patenteada.
Atualmente é possível optar-se por vários tipos de metais, como a alpaca, o
níquel, a prata, o ouro, ligas de ouro e prata e até platina. Existem experiências com
novos materiais como o titânio, e, ao invés da utilização de molas, ímãs.
Cada metal ostenta um som peculiar. O que nos importa agora, é que Boehm
definiu o número, dimensão e o espaçamento dos furos, assim como a espessura do
bocal, e a grande inovação na época: tantos furos quanto os semitons de uma escala
bem temperada.
92
Pattápio tinha cerca de onze anos quando os instrumentos Boehm chegavam ao
Brasil em maior número. Nesse período é que a flauta de prata começou a ser aceita em
caráter definitivo entre os nossos músicos.
A lendária rivalidade entre os dois notáveis virtuoses, o brasileiro Joaquim Antônio
da Silva Callado, com sua flauta de ébano de cinco chaves, versus Mathieu André
Reichert, portador de uma flauta de prata com treze chaves, ficou no imaginário de várias
gerações. O fato é que Callado não deixava nada a dever com sua flauta “antiga”.
Supomos então que tal instrumento anterior às reformas de Boehm e que Pattápio
também usou até aproximadamente os quinze anos, era capaz de propiciar
desenvolvimento técnico e musical satisfatório. Nas mãos de Pattápio e Callado isso foi
possível.
Quando Callado faleceu, em 1880, o professor Duque Estrada Meyer ocupa o
lugar dele no Imperial Conservatório de Música, e começa a se estabelecer oficialmente a
primazia da flauta metálica. Pattápio tocou nas duas: na flauta de madeira e na flauta de
prata. Quando ele venceu o grande concurso do Instituto Nacional de Música, a flauta
francesa Louis Lot que foi seu prêmio, era feita em prata e muito conhecida por sua
sonoridade extraordinária para a época. O luthier Louis era de uma família de fabricantes
de flautas da França que atuavam no mercado há várias gerações. Louis Lot alterou um
pouco as medidas da flauta Boehm: seu diâmetro era sutilmente mais largo, e ela era um
pouco mais curta.
A Casa Lot começou com Thomas Lot e continuou com Louis Lot. Ela manteve-se
por duzentos anos em atividade ininterrupta e sua qualidade era tanta que os seus
instrumentos tornaram-se os preferidos entre os melhores. Foi Louis Lot que esculpiu, em
1869, a famosa flauta de ouro (quase meio quilo de ouro) que pertenceu a Jean Pierre
Rampal.
A flauta até então tinha passado por uma fase crítica, pois os compositores davam
preferência, além da voz humana, aos instrumentos já desenvolvidos sob o aspecto
93
organológico, como no caso da família das cordas ou do piano, deixando de lado os
instrumentos de sopros. A flauta, durante o classicismo, esteve presente nas formações
sinfônicas, mantendo uma quantidade relativamente pequena de composições para
grupos de câmara ou como solista. Os flautistas decidem compor eles mesmos suas
obras, já que conhecem seus instrumentos, sem depender da disposição dos grandes
compositores. Predominam as fantasias e o lirismo operístico. A busca do virtuosismo é
patente nestas obras.
Pattápio foi um deles e também tocou muito o repertório escrito por estes
flautistas compositores. Por exemplo: Franz Doppler, autor da Fantasie Pastorale
Hungroise, Willhem Popp, que além do Concert Fantasie op. 382, compôs centenas de
estudos e uma curiosa peça em que o flautista toca com a mão esquerda em seu
instrumento e a direita ao piano chamada Bagatalle, J. Andersen, autor de muitos
estudos até hoje utilizados e também do Impromptu, que Pattápio tocou em recital no ano
de 1903 presenciado pelo professor Vincenzo Cernicchiaro, Adolph Terschak que
escreveu centenas de obras virtuosísticas e F. Büchner autor do “Noturne op 20”.
Houveram tantos compositores flautistas que seria impossível citá-los de forma
concisa. Para maiores detalhes a este respeito, indicamos os catálogos “Führer durch die
flöten –literatur” organizado por Emil Prill, onde constam todas as obras para flauta
editadas de 1898 a 1912. Editado por Jul. Heinr. Zimmermann in Leipizig. Berlin W. 56,
Jägerstr, 25.
Pode-se ainda encontrar uma infinidade de adaptações para flauta de obras
originalmente compostas para outros instrumentos arranjadas por flautistas como Popp,
Doppler, Fürstenau e Gariboldi, este aliás grande flautista e compositor principalmente da
área pedagógica.
Pattápio executou em seus recitais algumas peças adaptadas de outros
instrumentos como Melodie op. 3 nº1 de Anton Rubinstein, original para solo de violino
em Fá Maior, sendo que W. Popp fez uma adaptação para a tonalidade de Ré Maior.
Il Guarani Fantasia de Carlos Gomes e Variações sobre o Célebre Carnaval de
Veneza, que segundo o programa divulgado na publicação referenciada da Funarte, a
transcrição seria do próprio Pattápio.
Le Deluge op.45 de Sain-Saëns, é um oratório composto em 1875, que possui
originalmente um prelúdio para orquestra de cordas. Provavelmente Pattápio tenha
tocado um arranjo deste prelúdio para flauta e piano cuja autoria nos é desconhecida.
94
Também interpretou Air de Ballet de Francisco Braga, original para violino e piano,
Serenata de Franz Schubert, que até hoje é popular a ponto de ser interpretada por
qualquer instrumento, e Rapsodie hongroise de M. Hauser que Pattápio tocou em
Curitiba. No programa consta que ele mesmo realizou esta transcrição. E finalmente
Fantasie Suédoise de Leonard, original para violino.
Flauta Louis Lot
95
As gravações pela Casa Edison do Rio de Janeiro
Não pretendemos realizar um estudo aprofundado quanto à evolução das
“máquinas falantes” do ponto de vista técnico. Para tanto, existem publicações
específicas a esse respeito que explicam com detalhes todo este processo evolutivo e
inventivo pertinente á construção destes aparelhos.
Vamos nos limitar a um breve
panorama histórico diretamente ligado ao primórdio do fonógrafo no Brasil até o
gramofone, período compreendido entre o final do século XIX e início do XX.
Este estudo se justifica pela inegável importância das gravações de Pattápio Silva
realizadas em 1902, visto que em quase todas as publicações a respeito da Casa Edison
elas são citadas. Pattápio cursava o então Instituto Nacional de Música, e encontrava-se
em ótima forma técnica, conforme revelam as quinze faixas gravadas. Referenciaremos
em ordem numérica (RX, ou R), que corresponde à marca feita com estilete
manualmente nas ceras, e não com o número de etiquetagem encontrados nos selos.
Duas ceras gravadas em discos de 19 cm:
R 33 – Odeon 10.011 – Zinha – polca op.8 – Pattápio Silva
R 91 – Odeon 10.009 – Amor Perdido – valsa op. 9 - Pattápio Silva
Treze ceras foram gravadas em discos de 27 cm:
RX 37 - Odeon 40.041 - Variações de flauta – Wilhelm Popp. Op. 382
RX 39 - Odeon 40.045 – Margarida – mazurca op. 3 – Pattápio Silva
RX 40 - Odeon 40.047 – Só para moer – Viriato Figueira da Silva
RX 41 - Odeon 40.043 – Allegro – Adolph Terschak
RX 42 - Odeon 40.049 – Serenata Oriental – Ernest Koëhler
RX 62 – Odeon 40.051 – Alvorada das Rosas – Júlio Reis
RX 63 – Odeon 40.053 – Primeiro Amor – valsa op. 4 – Pattápio Silva
RX 88 – Odeon 40.085 – Sonho – romance fantasia op. 5 – Pattápio Silva
RX 90 – Odeon 40.087 – Serenata – Franz Schubert
RX 180 – Odeon 40.242 – Serenata – Gaetano Braga
RX 181 – Odeon 40.244 – Serata D’Amore – romanza op. 2 – Pattápio Silva
RX 262 – Odeon 40.107 – Noturno nº 2 - a/d. – com o violinista Ernestino Serpa
RX 263 – Odeon 40.014 – noturno Nº 1 - a/d. – com o violinista Ernestino Serpa
96
Até o presente momento, estes dois noturnos permanecem sem autor conhecido.
Na publicação referenciada de Humberto Franceschi, consta equivocadamente que
Ernestino Serpa seria pianista. Serpa era violinista, nascido no Rio de Janeiro
possivelmente no ano de 1870, e falecido na mesma cidade no ano de 1930. 149
É citado também por Alexandre Gonçalves Pinto em seu livro de memórias, O
Choro: “Já é falecido este grande artista, conhecia de sobra, os segredos de seu
instrumento que era o violino, que em suas mãos dizia o que sentia, em dilúvio de belas
harmonias, que fazia extasiar, os seus admiradores mais seletos, que tanto o
admiravam.”150
Pretendemos nesse capítulo conhecer e divulgar as várias edições destas
históricas gravações e levantar a questão sobre mais duas faixas:
Zamacueca – RX 261, nº de edição 40.012. De José White, com interpretação
atribuída a Pattápio Silva e o violinista Ernestino Serpa e Gorgheggio di Primavera –
romança – RX 261, nº de edição 40.106. De autor desconhecido, com interpretação da
soprano ligeiro Malvina Pereira.
A época das invenções - panorama histórico
As gravações mecânicas realizadas por Fred Figner a partir de 1902, são
conseqüência de um período de descobertas e inventividade que tomou a sociedade
como um todo no século XIX. Fantásticas invenções como o dirigível, o motor movido à
explosão, o telégrafo, enfim, invenções que tiveram real valor. Mas nem todas vingaram,
e ficaram apenas como curiosidades.
No âmbito musical o avanço tecnológico dos instrumentos e as novas
experimentações de diferentes materiais utilizados nos instrumentos, contribuíram para o
avanço da própria linguagem musical.
149
Ary Vasconcelos. op. cit., p. 213.
150
Alexandre Gonçalves Pinto. O Choro. Rio de Janeiro, Tip. Glória, 1936. p. 160.
97
Entre os professores de Pattápio alguns se dedicavam a novos experimentos,
como o professor Frederico Nascimento, que pretendia aprofundar o conhecimento da
música através do conhecimento científico. Foi dele a invenção do melofonômetro,
aparelho este que responderia os mistérios da acústica e da harmonia. Duque Estrada
Meyer inventou vários objetos, patenteando um “desinfectador automático”, destinado à
limpeza de gabinetes. O filho de Duque Estrada Meyer também flautista e companheiro
de Pattápio Silva, Athos D. E. Meyer, inventou um espalhador de cera automático, e um
151
isqueiro para acender fogões.
O próprio Pattápio Silva, no final de sua vida, almejou ir à Europa para conhecer
as fábricas de flautas, com o intuito de contribuir de alguma forma para o
aperfeiçoamento mecânico do instrumento.152
Entre tantas máquinas que provocaram encantamento, sem dúvida, o fonógrafo
revelou-se um invento de extrema importância. No ano de 1877, Thomas Alva Edison
apresenta ao Departamento de Patentes Norte Americano o “aperfeiçoamento no
fonógrafo ou máquinas falantes”, segundo a solicitação nº 200.251. A Thomas Edison,
acabou sendo atribuída a invenção do fonógrafo, mas em 1863 o inglês F.B. Fenby
descreve um aparelho de gravação que patenteou com o nome de electro magnetic
phonograph, portanto o nome já havia sido registrado
151
Maria das Graças, op. cit., p. 17.
152
Cícero Menezes. op. cit., p.7.
98
O primeiro material utilizado para se gravar sons foi o papel de estanho, depois
um tubo de papelão parafinado e, em 1890, o cilindro de cera maciça que proporcionou o
início da difusão comercial do fonógrafo.
153
No início de novembro de 1889, após Edison apresentar o fonógrafo na Exposição
de Paris, houve uma demonstração do invento aqui no Brasil para Dom Pedro II, à sua
filha Princesa Isabel e ao genro Conde D´Eu, no dia 9 de novembro. O apresentador do
fonógrafo foi o Comendador Carlos Monteiro de Souza, conhecido de Thomas Edison
desde 1884. Entre os presentes estava o Príncipe Augusto, neto mais novo de Dom
Pedro II, a quem deve ser creditado o título de primeiro brasileiro a ter a voz gravada
154
cantando.
Poucos dias depois a República foi proclamada.
O Brasil, graças à visão comercial de Frederico Figner, foi um dos primeiros
países a se beneficiar da então recente invenção. Fred Figner, como ficou conhecido,
tinha descendência judaica e nasceu em Milevsko, perto de Tabor, Tchecoslováquia,
então Boêmia. Em 1882, parte para os Estados Unidos, tornou-se cidadão americano em
1891 e, depois de muitos anos residindo em nosso país, naturalizou-se brasileiro em
1921.
No ano de 1889, Figner tomou conhecimento do fonógrafo em San Antonio no
Texas. Imediatamente resolveu correr a América Latina fazendo demonstrações
mediante pagamento do inusitado aparelho, que na época era apoiado num móvel de
máquina de costura que, ao acionar do pedal, reproduzia sons gravados em cilindros de
cera. Em agosto de 1891, chega em Belém, no estado do Pará, e desce o litoral até o Rio
de Janeiro, em 21 de abril de 1892, onde aluga uma porta na Galeria Moncada,
localizada na Rua do Ouvidor 167, onde passa a demonstrar o seu fonógrafo. O cartaz
dos espetáculos dizia:
..estará em exibição a machina que falla, última invenção, a mais perfeita do
célebre Edison. Boa oportunidade para conhecer um dos inventos mais estranhos
153
Magno Bissoli Siqueira. Caixa preta: samba e identidade nacional na era Vargas-
impacto do samba na formação da identidade na sociedade industrial. 1916-1945. Tese de
doutorado para a Faculdade de Filosofia, letras e ciências humanas, departamento de história,
USp. São Paulo, 2004. pp.154-160.
154
José Ramos Tinhorão. Música popular: do gramofone ao rádio e TV. São Paulo. Editora
Ática, 1981. p.15-16.
99
e surpreendentes. Esta machina não só reproduz a voz humana, se não também
toda a classe de sons, como canções, óperas, músicas militares......dos principais
artista, como Adelina Patti, Christina Nilson, Menotti, tomadas diretamente, as
quais são reproduzidas por esta maravilhosa machina. Se exibirá todos os dias,
das 12 às 15 horas da tarde, e das 6 às 8 horas da noite. Entrada: 1$000.
155
Pouco tempo depois, fugindo da epidemia de febre amarela, viaja pelo interior
paulista, percorrendo as cidades de Campinas, Ribeirão Preto e Piracicaba. Vai ao Sul do
país visitando Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande. Atravessa a fronteira passando por
Montevidéu e Buenos Aires. Volta ao Brasil em meados de 1893, e logo embarca para a
Europa, sendo que, em Milão, grava vozes de alguns cantores do Teatro Alla Scala, e
156
mostra o invento ao compositor Giuseppe Verdi e o regente Arrigo Boito.
Fred Figner
155
Ibidem, p. 18.
156
Humberto Franceschi. op. cit., p.23.
100
Figner não se limitou a demonstrar o fonógrafo. Importava inventos bizarros que
também pudessem render-lhe algum dinheiro, e foi um dos principais distribuidor de
máquinas de escrever. A Casa Edison vendia de tudo, principalmente curiosidades
importadas. 157
157
Mais detalhes sobre as curiosidades que Fred Figner trouxe para o Brasil no livro A
Casa Edison e seu tempo de Humberto Franceschi, pp. 24-26, 57-59.
101
Em 1898, Fred Figner além de vender fonógrafos, comercializava os cilindros
previamente gravados, que, por serem de cera, poderiam ser raspados e polidos para
novas gravações: ” Às vezes, raspava os cilindros até meia noite, e tomava a barca para
Niterói; e às oito horas já estava na loja para fazer a gravação.....Quanto se gravava,
quanto se vendia.”158
Em 22 de março de 1900, foi registrada, na junta comercial, a firma de Fred
Figner, com o nome de Casa Edison, em homenagem ao inventor do fonógrafo. A Casa
Edison, localizada a Rua do Ouvidor 107, foi a primeira rede nacional de comércio, com
representantes em todos os principais centros urbanos, desde o Amazonas até o Rio
159
Grande do Sul.
Neste início, a Casa Edison editou música popular em partitura. Não fosse por
esta iniciativa, o repertório de modinhas estaria perdido. Para Fred Figner era apenas
negócio, mas para os cantores e artistas recrutados por ele foi de suma importância
profissional. Alguns deles: Baiano, Campos, Barros, Eduardo das Neves, Mário Pinheiro,
Cadete, Nôzinho (dono da voz que anunciava as músicas que seriam gravadas no início
de cada cera), Geraldo Magalhães e muitos outros. 160
O fonógrafo continuava a despertar enorme interesse e suas exibições públicas
tornaram-se comuns em diversos pontos da cidade, em locais de passagem como no
Largo do Machado. Estes aparelhos foram sofrendo aperfeiçoamentos e chegaram a ser
acionados por moedas, sendo que o freguês escolhia a música desejada apertando uma
tecla.161
Enquanto isso, as pesquisas e aperfeiçoamentos do processo de gravação
continuavam. Em 1888, Emile Berliner, nascido em Hannover, Alemanha, radicado nos
EUA, especialista em química e interessado em acústica, patenteou e registrou outra
máquina de gravar e reproduzir sons, à qual chamou de gramofone.
A diferença básica entre o fonógrafo e o gramofone residia no fato do último
utilizar um disco plano ao invés do cilindro vertical proposto por Thomas Edison. O disco
de zinco era coberto com material gorduroso e impermeável além de resistente ao ácido.
Durante a gravação, um diafragma vibratório fazia com que uma agulha removesse este
158
Humberto Franceschi. A Casa Edison e seu tempo. op. cit., p. 31.
159
Ibidem, p. 51-56.
160
Ibidem, p. 68.
161
IIbidem, p. 33.
102
material. Imerso no ácido, apenas os sulcos gravados no zinco eram corroídos, deixandoos finos e rasos e com profundidade homogênea. Este disco era usado como uma matriz
para estampar os sulcos em um material macio que ao resfriar endurecia. Este processo
barateou os custos e despesas de fabricação, produzia sons mais altos. Enquanto no
fonógrafo era necessário executar a música e gravá-la no maior número de aparelhos
que se pudesse reunir, com o gramofone havia a possibilidade de reproduzir milhares de
cópias a partir de uma matriz.
162
Em um teste realizado numa fábrica de botões chamada Durinoid Company de
New Jersey, Berliner chegou a uma composição satisfatória para a fabricação dos discos:
goma laca, negro de fumo e flocos de algodão. Apesar do gramofone ter sido
demonstrado pela primeira vez na Filadélfia, no ano de 1888, somente em 1893 passou a
ser comercializado. Apesar das vantagens do gramofone, o fonógrafo e os cilindros de
163
Edison permaneceram em produção até 1929.
162
Ibidem, p. 75.
163
HectorLucci.Elfonógrafo,vs, El gramófono. Apud Magno Bissoli, Caixa preta, op.cit., p.
155. www.todotango.com/spanish/biblioteca/cronicas/...
103
As primeiras gravações realizadas no Brasil
Quando o gramofone chegou no Brasil, em 1900, a Gramophone de Londres era
a maior fornecedora de Fred Figner. Neste primeiro momento, a Casa Edison
comercializava discos gravados na Europa e Estados Unidos. Tudo o que importava era
vendido. Com a intenção de ampliar sua área de atuação comercial e tentando atingir o
público da música popular, Figner solicitou a vinda de um técnico da Gramofone para
realizar gravações de músicas brasileiras, das quais ele seria vendedor exclusivo. Porém,
164
não obteve resposta.
Enquanto isso, processos de gravação mais adequados estavam sendo
pesquisado por Eldridge Johnson, que encontrou uma maneira satisfatória que resultava
num som mais brilhante e mais macio.
Em 1901, é fundada em Berlim a Zonophone International, cujo diretor-gerente era
Frederick M. Prescott, que em pouco tempo tornar-se-ia personagem importante para a
Casa Edison. Na Zonophone, ele contava com três ajudantes: John D. Smoot,
engenheiro de gravação; Raymond Gloestzner, especialista em matrizes; e Edward
Pancoast, chefe dos técnicos de gravação. Todos eles conheciam os segredos da
gravação em cera, pois haviam trabalhado com Berliner ou com Eldridge Johnson.165
Até este momento só havia registros sonoros de bandas militares, recitações e
canções cômicas. A Rússia adiantou-se e em 1902 gravou os principais cantores da
Ópera Imperial. Inspirada nestas edições, a Zonophone International realizou no mesmo
ano uma série de dez discos com Enrico Caruso e Sarah Bernhadt. Esses discos tinham
o selo azul claro e consolidou a empresa alemã.
Três meses depois da instalação da Zonophone em Berlim, Fred Figner recebe
uma proposta de Prescott, que oferecia uma parceria. Figner deteria um terço dos direitos
de patente do disco duplo para o Brasil; outro terço seria da Zonophone, e o terço
restante do suíço Adhemar Napoleon Petit, o inventor do disco duplo. Propôs a criação
de uma agência da Zonophone no Brasil, e comprometeu-se a mandar um técnico
especialista em gravações para o Brasil. As gravações feitas por este técnico seriam
mandadas para Hamburgo. Chegando lá de vapor, após duas semanas, Prescott
164
Humbrto Franceschi. op. cit., p.75.
165
Ibidem, p. 82
104
mandaria quantos discos a Casa Edison quisesse. Figner aceitou de pronto a proposta e
passou a representar a Zonophone em todo o território nacional. O especialista em
gravações, de nome Hagen, chegou no dia 31 de dezembro de 1901, no Rio de
Janeiro.166
O sistema de gravação era mecânico e o intérprete tinha que cantar ou tocar
próximo a uma grande corneta. O técnico de som da época era um indivíduo que ficava
ao lado do intérprete, segurando-o pelo ombro, com a finalidade de afastá-lo no momento
de um agudo mais forte, ou aproximá-lo da corneta em momentos mais suaves. Ao tratarse de bandas ou conjuntos musicais, todos os integrantes eram obrigados a tocar
amontoados diante da corneta. A isso, some-se o clima quente do Rio de Janeiro, com
todos ocupando a mesma sala fechada. Não era nada fácil.167
166
Ibidem, op. 87-89.
167
www.jornalmovimento.com.br/marcelo - Artigo de Marcelo Almeida – Como o homem
registrou o som. 11/07/02. Versão em 18 ma. 2005 14:15 GTM. Marcelo Almeida é advogado,
pesquisador e restaurador de discos.
105
As primeiras gravações foram realizadas em janeiro de 1902, mas não se obteve
um bom resultado. Não pela qualidade das gravações, mas por problemas na prensagem
dos discos ocorridos na fábrica de Prescott na Alemanha.
A segunda série de gravações realizadas pela Zonophone no Brasil foi realizada
pelo chefe dos técnicos da empresa, Edward Pancoast. Estas sessões foram feitas entre
os meses de abril e maio de 1902 e resultaram em quinhentos e oito ceras.
O primeiro catálogo de discos da Casa Edison é de 1902. Traz cinqüenta
modinhas, oitenta e uma cançonetas e lundus, seis duetos, quatorze discursos, quatro
marchas, sete dobrados, nove valsas, dezesseis polcas, cinco tangos, cinco maxixes, e
especial destaque para a Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, regida por
Anacleto de Medeiros.
A maior parte das gravações realizadas em 1902 não foi usada pela Zonophone,
pois, no segundo semestre desse mesmo ano, a empresa fora vendida.
Em 1903, Prescott resolve fundar a International Talking Machine, adota o nome
ODEON e o disco de duas faces inventado por Napoleon Petit. Prescott detém todos os
masters e madres das gravações feitas no Brasil pela Zonophone, em 1902, e os inclui
nas séries 10.000 e 40.000 (esta última contendo as gravações de Pattápio Silva), à sua
nova fábrica International Talking Machine-Odeon. Fred Figner mantém os mesmos
termos contratuais firmados com a Zonophone, apenas alterando os nomes. Agora é
representante da International Talking Machine – Odeon.
Estas gravações permitiram o registro das várias tendências musicais do fim do
século XIX e início do século XX. Segundo José Ramos Tinhorão em seu livro Música
popular - um tema em debate:
Se não fosse pelas gravações, o trabalho de vários cantores como o palhaço Eduardo das
Neves, Mário Pinheiro ou Campos, estariam perdidos pois nenhum deles sabia escrever
música. Eles representavam o que as massas cantavam no século XIX. Um grande
repertório de modinhas seresteiras, lundus cantados, cançonetas de teatro, e palquinhos
de cafés-cantantes, as marchas dos primeiros ranchos carnavalescos, as chulas e muitas
vezes, músicas de folclore.
168
168
José Ramos Tinhorão. Música Popular-um tema em debate. Rio de Janeiro. Editora
Saga, 1966. p. 26.
106
A gravação de música para venda permitiu a profissionalização de numerosos
músicos de choro, até então dedicados a seus instrumentos pelo prazer de tocar, ou
quando muito, recompensados magramente ao tocarem em festinhas ou bailes em casa
de família. Até as bandas militares, (cujos músicos eram os mesmos que freqüentavam
as rodas de choro) puderam ver seu trabalho reconhecido através da projeção dada
pelas gravações.
De acordo com Humberto Franceschi:
A gravação em disco dava às composições, fixando pela orquestração e pela
interpretação, o caráter desejado. Criava a unidade de linguagem da música e, além de
cristalizar o sucesso, definia o momento musical da época. As composições, editadas em
partituras para piano, ao atingirem sucesso de vendagem eram solicitadas para
apresentação em público. Exigiam orquestração que, em alguns casos, chegava a 50
figuras ou mais, especialmente nas grandes apresentações em teatro.....Somente hoje, 98
anos depois dessas primeiras gravações (estou escrevendo em 2000), dispondo de
equipamento capaz de recuperar registros de harmônicos e subarmônicos, tanto nas
freqüências baixas como nas altas, contidos subjacentes nas gravações originais, até
então impossíveis de reproduzir, é que foi possível constatar a aualidade dessas
gravações.
169
Em agosto de 1903, a International Talking Machine – Odeon classificou as
gravações feitas no Rio de Janeiro, no início de 1902, com “R” para as de 19 cm e “RX”
para as de 27 cm.
As gravações de Pattápio Silva incorporadas pela International Talking Machine
foram prensadas pela Fonotipia Company, de Londres, nos formatos de 19 e 27 cm. O
disco era fabricado com uma massa sensivelmente superior às usadas pela Zonophone
ou pela Berliner de Hanover. Esta edição apresentava o selo central amarelo com letras
prateadas.
Pela numeração manuscrita nas ceras, Franceschi afirma que onze foram
realizadas nas primeiras três semanas de janeiro de 1902 pelo técnico Hagen, nos
fundos do prédio nº 105, na Rua do Ouvidor, ao lado do 107, sede da Casa Edison.170
169
Humberto Franceschi. op. cit., p. 117.
170
Ibidem. p. 105.
107
Equipe de músicos e técnicos da Casa Edison. Ao centro de braços cruzados
Fred Figner.
A marcação RX é exclusiva das quinhentas ceras mandadas para a Alemanha por
Fred Figner. Depois desta primeira remessa, as ceras levaram a marcação “XR” ao invés
de “RX”. A fabricação de discos brasileiros na Alemanha ocorreu até 1911, numeração
XR-1.975, com o choro Tudo virou, composto e interpretado por Casemiro Rocha,
gravado em 29 de setembro de 1911, e prensado sob o selo Odeon nº 120.362.
A partir de 1912, Fred Figner comandou a construção da fábrica de discos Odeon
no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, à Rua 28 de setembro, atual Rua João Alfredo. Os
discos não possuíam mais a numeração gravada na cera, nem Nôzinho apresentava
mais a música que estava sendo gravada com sua voz singular, pois não precisava mais
desse tipo de identificação, que só se justificava em razão dos técnicos alemães não
conhecerem a língua e o repertório que se gravava no Brasil.
171
No ano de 1913, já na fábrica brasileira da Odeon no Rio de Janeiro, foram duas
reprensagens dos masters de Pattápio Silva de 1904. Uma possuía selo preto e a outra,
selo grená. Esta mudança da cor nos selos foi um diferencial nas prensagens feitas aqui
171
Ibidem, pp. 104-105.
108
no Brasil. Ambas apresentam ainda o manuscrito na cera (RX), portanto originais das
gravações de 1902.
172
A fábrica Odeon que se instalou no Rio de Janeiro tinha os mais modernos
equipamentos da época. Era capaz de produzir um milhão e quinhentos mil discos por
ano, num ritmo de cerca de um disco a cada três minutos. Empregava pouco mais que
cento e cinqüenta operários e possuía um programa de reciclagem que incluía o
reaproveitamento dos produtos rejeitados e discos encalhados nas prateleiras dos
revendedores.
O processo industrial era completo, desde a obtenção da matriz até a prensagem.
A massa era produzida pela fábrica, sendo composta por negro de fumo, resina de jatobá
ou cera de carnaúba, ardósia e goma laca.173
Examinando os documentos referentes à venda de direito autoral microfilmados e
editados em foto CD no livro já referenciado de Humberto Franceschi, em poder do
Instituto Moreira Salles, encontramos mais uma curiosidade. No ano de 1911, portanto
um pouco antes da segunda e terceira edições das gravações de Pattápio Silva, Bruno
Silva, pai de Pattápio Silva, vendia todos os direitos autorais da obra Oriental op. 6 para
Fred Figner nos seguintes termos: Numeração manuscrita 1144.
Recebi do Sr. Fred Figner a quantia de cem mil réis, preço pelo qual lhe cedo e transfiro
todos os direitos de autor, como herdeiro que sou do meu filho Pattápio Silva, fallecido, da
peça característica “Oriental” op.6, direitos estes que lhe cedo e transfiro para todos os
fins que o mesmo snr. queira a referida música e para fazer uso destes direitos onde e
quando lhe convier e em todo o tempo que a lei lhe concede.
Por ser verdade firmo a presente em duplicata, sendo um estampilhado.
Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1911.
Bruno Silva.
É o único documento encontrado disponível no arquivo das notas de venda de
direitos autorais a respeito de Pattápio Silva, e só se refere a esta obra. Esta é mais uma
prova que seu pai ainda estava vivo, ao contrário das afirmações de seu irmão Cícero
Menezes e de Ary Vasconcellos.
172
Ibidem, p. 107.
173
Marcelo Almeida. www.jornalmovimento.co.br/marcelo1.htp
109
110
Considerações quanto às gravações
Quando ouvi pela primeira vez as gravações de Pattápio Silva, minha reação foi
de espanto quanto à sua técnica impressionante, principalmente no Concert Fantasie de
Popp, no Allegro de Terschak, e Oriental de Koehler. Percebi também várias imperfeições
que à primeira vista pareciam defeitos de execução. Após tomar conhecimento e estudar
os detalhes do processo de gravação para o fonógrafo e o gramofone, cheguei à
conclusão que muitos excelentes flautistas atuais não conseguiriam uma performance tão
boa quanto Pattápio Silva, naquela situação precária. O fato de ter cometido alguns
deslizes, de forma alguma prejudicou o nível de interesse do ouvinte, tamanha a
vivacidade de suas execuções. Não se pode falar também em “interpretações” sob uma
visão purista, pois todo o processo era limitado, e o músico tornava-se dependente de
certos procedimentos, para que a gravação acontecesse a contento. Tais procedimentos
interferiam no resultado final. A preocupação naquele momento era maior quanto ao
processo de gravação em si do que o resultado musical.
Para avaliarmos estes “defeitos” referentes às gravações de Pattápio Silva,
tomaremos como exemplo a sua mais famosa composição “Primeiro Amor”, op.4.
Trata-se da música mais popular de Pattápio Silva, muito mais do que ele próprio,
pois ainda hoje quando comentamos sobre este personagem, apenas os músicos, e
mesmo assim não todos, o conhecem. Mas, basta apresentar esta composição que todos
a identificam, pois se tornou como se diz “domínio público”, tendo sido usada em muitas
produções como “música de época”. De toda sua obra, foi a que mereceu mais
gravações. Seria muito difícil precisar o número de interpretes que se utilizaram desta
graciosa valsa. Por ser típica nas festas de salão do final do século XIX e início do XX,
este tipo de valsa brejeira foi amplamente tocada pelos grupos de choro, embora tenha
sido editada para flauta e piano, assim como toda a obra de Pattápio. Mas como era de
costume, tocou também música chamada ligeira, assim como todos os virtuoses da
época, embora não se tenha notícia que ele tenha participado de grupos de choro.
Também não se tem notícia que tenha sido boêmio, ou freqüentado a boemia. Ao
contrário, estudava muitas horas por dia devorando o repertório romântico da época.
Portanto a utilização e divulgação desta valsa nas formações mais variadas se deve aos
chorões, e não ao Pattápio.
111
Tomemos a curiosa polêmica criada pelo cantor, compositor, escritor e radialista
Henrique Foreis Domingues, mais conhecido como Almirante, quando em meados do
século XX, em um de seus programas de rádio dedicado às curiosidades musicais, teria
afirmado que a valsa “O primeiro Amor”, havia sido regravada em 1913 por um flautista
que teria se passado por Pattápio Silva. A justificativa seria que após sua morte, suas
gravações tornaram-se sucesso de vendagem, e o máster de 1904 estaria impossível de
ser reutilizado devido às péssimas condições.
Afirmou que o flautista que se passou por Pattápio Silva teria cometido erros e
executado respirações inadequadas, impossíveis de serem feitas por Pattápio.174
Devemos concordar com Humberto Franceschi, e considerar esta especulação
como um grande equívoco.175
Analisando as gravações prensadas em 1904 e as de 1913, confirmamos que se
trata da mesma matriz de Primeiro Amor. A voz de Nôzinho está lá presente,
inconfundível, as respirações são exatamente as mesmas, e a sonoridade idêntica. Até
pequenos erros de execução são ouvidos nos mesmos locais.
Como se sabe, além das execuções serem gravadas “de primeira”, ou seja, do
começo ao fim da peça sem parar, o instrumentista tinha a necessidade de tocar
extremamente forte no cone receptor do som, a fim de imprimir a cera. Na prática,
Pattápio precisou jogar muito mais ar para tocar forte e alcançar o nível de som
necessário, o que implicou em algumas imperfeições de emissão, e fez com que ele
utilizasse várias respirações pequenas e aliás, muito bem feitas, às quais apenas ouvidos
mais treinados conseguem perceber. Não nos parece nenhum desmerecimento, mas ao
contrário, uma excelente solução naquelas condições.
Outra questão: não se pode comparar ou analisar “qualidade” entre as gravações
mecânicas de 1902, e elétricas da época em que o programa do Almirante foi ao ar, pois
estas passaram a permitir ao interprete um outro tipo de entonação, transformando vozes
e instrumentos em algo mais delicado do que nas gravações mecânicas, já que o
interprete não precisava mais “gritar” na frente de um cone. Não nos esqueçamos de
registrar também o completo pioneirismo tanto do ponto de vista do interprete quanto do
técnico que comandava as gravações. Todas as imperfeições técnicas são menores
174
Maria das Graças N. et aliii. Op. cit. P.32.
175
Humberto Franceschi. Op. cit. P.107.
112
diante da importância do fato em si. Na valsa Primeiro Amor em questão, o grande
desafio é justamente executar suas grandes frases numa respiração só, ou dependendo
do virtuose, utilizar até requintes técnicos como a respiração contínua.
176
Um dado interessante quanto às gravações de Pattápio Silva: de um modo geral,
Pattápio tem um desempenho muito superior nas obras compostas por outros autores,
em detrimento às de sua própria composição. Não que cometa erros ou imperfeições,
mas o repertório em que ele provavelmente estudava em suas aulas de flauta, possuem
requintes de interpretação que suas obras não ainda não apresentavam.
Só para moer tem a interpretação típica dos chorões, com mudanças de
andamentos e rubatos que já eram “tradição” da linguagem. Margarida é tocada tão
mecanicamente que ficou sem o elemento primordial e característico desta peça que são
as mudanças de andamentos entre as partes centrais. O Sonho, talvez a sua obra mais
complexa tecnicamente transparece que ainda não esta finalizada. A versão final foi
editada no ano de 1906. A edição dos Irmãos Carrasqueira possui as duas versões.
Selo amarelo da prensagem de 1904 e o grená de 1915.
176
Trata-se de um procedimento utilizado principalmente por instrumentos de palheta, que
consiste basicamente em manter na cavidade bucal o ar necessário para expirar e executar o som
em curto espaço de tempo e fechando a glote ao mesmo tempo em que inspira pelo nariz. Exige
um bom conhecimento muscular. No caso da flauta é especialmente delicado, rápido e sutil tal
movimento.
113
A numeração RX
As ceras gravadas “RX” só foram catalogadas e numeradas pela Odeon
posteriormente à venda da Zonophone.
Também é sabido que as numerações encontradas nos selos não são confiáveis
para estabelecer uma cronologia. Todos os musicólogos que estudaram estas cêras são
unânimes em afirmar que não é possível estabelecer com precisão datas ou cronologia
de tais gravações por não haver documentação confiável.
Examinamos o catálogo das gravações que vão do número 40.000 até 40.777
disponíveis no Instituto Moreira Salles, cuja norma é a crescente numeração estampada
nos selos. Esta numeração não apresenta lógica nenhuma.
Decidimos averiguar se ao tomarmos como norma a numeração crescente feita a
estilete nas matrizes, seria possível encontramos um padrão elaborando um esboço de
um catálogo de “RX”, ignorando momentaneamente as numerações estampadas nos
selos. Nos atemos em catalogar desta forma apenas as faixas que estão próximas às
gravações de Pattápio Silva.
O catálogo do Instituto Moreira Salles não possui todas as numerações RX.
Mesmo assim, proporcionavam uma outra visão: talvez as gravações feitas a estilete
fossem organizadas por períodos de gravações! Roberto Gambardela não descartou a
possibilidade.
RX 1 a 13 – Mário Pinheiro (treze faixas seguidas)
RX 18 a 32 – Mário Pinheiro (dez faixas seguidas)
RX 37 – “Variações de flauta” de Wilhelm Popp
RX 39 – “Margarida”
RX 40 – “Só para moer” de Viriato Figueira da Silva
RX 41 – Allegro de A. Terschak
RX 42 – “SerenataOriental “ de Ernest Köehler
(cinco faixas seguidas gravadas por Pattápio Silva)
RX 43 a 49 – Mário Pinheiro (sete faixas seguidas)
RX 52 a 57 – Banda da Casa Edison (seis faixas seguidas)
RX 62 – “Alvorada das Rosas” de Júlio Reis
RX 63 - “Primeiro Amor” de Pattápio Silva (duas faixas)
114
RX 66 a 67 – Mário Pinheiro (duas faixas)
RX 76 a 78 – Banda da Casa Edison
RX 82 Mário Pinheiro
RX 83 a 85 – Banda da Casa Edison (duas faixas)
RX 88 - “Sonho” de Pattápio Silva
RX 90 – “Serenata” de Franz Schubert
RX 95 e 100 – Mário Pinheiro
RX 101 a 112 - Banda da Casa Edison
RX 114 a 121 – Mário Pinheiro
RX 125 a 129 – Banda da Casa Edison
RX 130 - Grupo do Malaquias
RX 131 a 138 – Banda da Casa Edison
RX 139 – Barros
RX 141- Banda da Casa Edison
RX 143 – Mário Pinheiro
RX 144 a 155 – Banda da Casa Edison
RX 158 a 160 – Barros
RX 161- Pepa Delgado e Alfredo Silva
RX 167 e 168 – Banda da Casa Edison
RX 171 a 179 – Banda da Casa Edison
RX 180 – “Serenata” de Gaetano Braga
RX 181 – “Serata D’Amore” de Pattápio Silva
RX 183 a 186 – Mário Pinheiro
RX 190 a 196 – Banda da Casa Edison
RX 204 – Barros
RX 207 a 214 – Banda da Casa Edison
RX 219 –Mário Pinheiro
RX 221 – Barros
RX 224 a 228 – Banda da Casa Edison
RX 237 – Barros
RX 242 a 255 – Banda da Casa Edison
RX 257 a 260 - Malvina Pereira
RX 261 –Gorgheggio di primavera a/d com Malvina Pereira e possivelmente cadência realizada por
Pattápio Silva.
RX 262 –Noturno nº 1 com Pattápio Silva e Ernestino Serpa
RX 263 –Noturno nº 2 com Pattápio Silva e Ernestino Serpa
RX 264 –Zamacueca de José White com Ernestino Serpa e atribuída a Pattápio Silva
No catálogo do Instituto Moreira Salles, encontramos a mesma numeração RX 90
para a Serenata de Schubert e para a canção Se não me amas de Mário Pinheiro. Não
foi possível confrontar a numerações nas matrizes ou cópias até o presente momento.
Esta duplicidade de numeração ocorre mais algumas vezes.
115
Outra questão que gera uma certa dúvida, é a falta de numeração nos catálogos
dos RX na grande maioria das gravações. Felizmente as numerações baixas estão quase
todas catalogadas, o que permitiu agrupá-las, a ponto de estabelecermos uma lógica se
não cronológica, pelo menos seqüencial até as últimas gravações de Pattápio. Os
números que não estão catalogados e que resultam num espaço em branco entre as
gravações também podem ser de ceras inutilizadas. Não existem depoimentos ou
documentações a este respeito.
Suponhamos que estas ceras tenham sido gravadas seqüencialmente como
indicam os “RX”, podemos tirar algumas indicações:
Pattápio teria sido o primeiro a gravar música erudita no Brasil com a faixa
Variações de flauta – Concert Fantasie opus. 382 de Wilhelm Popp RX 37, pois antes
disso só há registro de gravações de música popular. Aliás, como estava próximo ao seu
recital realizado no Instituto Nacional de Música, podemos supor que o excelente pianista
que o acompanha seja o mesmo deste evento.
Consta que Luiz Amábile amigo de Pattápio a quem dedicou Serata D’Amore era
pianista e gravou pela Casa Edison na mesma época o fado Rei Colasso RX
deconhecido, e selo nº 40.283, Polonaise de Fr. Chopin RX 441, nº 40.331 e uma valsa
entitulada Capricho RX 442 nº 40.281
Teria sido ele o pianista que o acompanhou?
Outro amigo de Pattápio que gravou pela Casa Edison foi Carmo Marsicano.
Gravou Romanza andalusa, RX desconhecido, n º 40.255, Fantasia sueca – 1º tempo,
RX 494 e Fantasia sueca – 2 º tempo, RX 495, n º 40.267.
Mais uma vez as seqüências RX nos remete a uma cronologia.
****
Tivemos uma surpresa ao verificar o outro lado do disco onde está gravado o
Noturno nº 2, RX 262, quando encontramos a obra Gorgheggio di Primavera RX 261,
portanto com numeração imediatamente anterior a gravação de Pattápio e Serpa,
interpretada pela soprano Malvina Pereira. Nela há uma excelente flauta cadenciando
junto à soprano, que poderia ser atribuída a Pattápio Silva. A sonoridade e o vibrato são
116
idênticos às suas outras gravações. Mais uma vez, a ordem de numeração baseada nos
RX nos levou a esta descoberta. 177
Outra questão não tão polêmica: Zamacueca RX 264 que consta nos catálogos da
Casa Edison e do Instituto Moreira Salles como tendo a participação de Pattápio. Não
constatamos a presença de flauta na gravação. Franceschi não a inclui nas gravações de
Pattápio, mas também não elucida esta dúvida.
Portanto, o que é mais provável, é que Serpa tenha tocado esta peça solo logo
após a gravação do Noturno nº 1, pois a numeração RX é seguida. Esta peça é de
177
Malvina Pereira foi soprano ligeiro e desenvolveu carreira de solista de ópera no Teatro
allá Scalla de Milão. Gravou ao lado de Gionanni Zanatello, tenor italiano, pela Casa Edison em
1902.
117
autoria de José White, violinista contemporâneo de Serpa e aluno do Instituto Nacional de
Música.
A seqüência de gravações seria então:
Malvina Pereira vem gravando desde o RX 257
RX 261 Gorgueggio di Primavera com Malvina Pereira e Pattápio Silva.
RX 262 Noturno nº 2 com Pattápio Silva e Ernestino Serpa.
RX 263 Noturno nº 1 com Pattápio Silva e Ernestino Serpa.
RX 264 Zamacueca com Ernestino Serpa.
Estas
indicações
merecem
estudos
pormenorizados
e
aprofundados,
principalmente quanto à faixa de Malvina Pereira, pois desta forma confirmaríamos a
presença da flauta de Pattápio, o que lhe credenciaria mais este trabalho de excelente
qualidade.
118
As edições das obras de Pattápio Silva
No ano de 1906 Pattápio editou nove músicas de sua autoria:
Evocação (romance elegíaco) op. 1
Serata D’Amore (romanza) op. 2
Margarida (mazurca) op. 3
Primeiro Amor (valsa) op. 4
Sonho (romance fantasia)op. 5
Oriental (peça característica para flauta e piano) op. 6
Idylio op. 7
Zinha (polca) op. 8
Amor Perdido (valsa) op. 9
A Casa Vieira Machado & C.a Editores, localizada na época à Rua do Ouvidor nº
179, Rio de Janeiro, editou todas as nove músicas de Pattápio.
A Casa Bevilacqua com matriz no Rio de Janeiro, filial em São Paulo e sucursais
em Juiz de Fora, Recife e Porto Alegre, editou quatro músicas. Evocação, Serata
D’Amore, Sonho e Idyllio
.
119
De acordo com A publicação da Funarte, houve mais uma edição de suas obras
pela Casa Ernesto Augusto Maltas.
Na década de 40 a Vitale editou Primeiro Amor, Zinha e Margarida. Fazia parte de
uma coleção de música popular para atender “a demanda de chorões” que ressurgiram
por esta época.
No ano 2001 foi lançada pela Irmãos Vitale O livro de Pattápio Silva: obra
completa para flauta e piano/ coordenação de Maria José Carrasqueira dentro da série
Régia Música. Esta edição traz uma pequena biografia de Pattápio também com tradução
para o inglês, a revisão da parte de flauta ficou a cargo de Antonio Carlos Carrasqueira, e
possui um caprichado planejamento visual e editoração eletrônica de Sávio Araújo.
O grande mérito desta edição reside no resgate das obras eruditas de Pattápio
que não haviam sido editadas após 1906. Portanto era praticamente desconhecida dos
flautistas, já que estas partituras estavam esgotadas há muitos anos. Os alunos de João
Dias Carrasqueira, pai de Maria José e Antonio Carlos, tiveram a oportunidade de
120
conhecer este repertório, que estava guardado por este grande professor de flauta que
transformou muitos flautistas em excelentes profissionais.
Além das obras já editadas em 1906, foram incluídas peças de Pattápio que
nunca tiveram edição. São elas:
Polka, Joanita e Volúvel, encontradas em manuscritos no arquivo Almirante no
Rio de Janeiro.
Além deste resgate, tiveram o capricho de incluir obras do repertório de Pattápio
Silva que estavam guardadas no acervo de João Dias Carrasqueira. Alvorada das Rosas
déb Júlio Reis, Serenata Oriental op 70 de Ernesto Koehler, La Serenata de Gaetano
Braga e Concert Fantasie op. 382 de Wilhelm Popp.
Com a edição desta última, terminou um grande equívoco que atribuía esta
música como sendo de composição de Pattápio Silva. Este engano foi causado quando
Nozinho anunciou “Variações de flauta executadas pelo Pattápio Silva para Casa Edison
do Rio de Janeiro”. Durante todos estes anos não havia uma identificação correta da
obra, sendo atribuída a ele em todas as publicações até então.
Outra edição da obra completa de Pattápio foi lançada pela Tempo Primo
Enterprises nos Estados Unidos entre os anos de 1998 e 2004. Ela traz ainda este
equivoco de autoria do Concert Fantasie de Wilhelm Popp. Sob os cuidados de Tadeu
Coelho, esta edição também traz uma pequena biografia baseada em dados obtidos da
edição da Funarte, com as nove músicas das edições de 1906 e mais o Concert Fantasie
de Popp, mas com a versão reduzida que Pattápio gravou em 1902.
As obras não editadas de Pattápio Silva
No livro Patápio – músico erudito ou popular? consta uma musicografia de obras
de Pattápio que ainda não tinham sido editadas até aquele momento. Constavam deste
catálogo as polcas Beija-flor e O Sabão até hoje sem edições, cujos manuscritos para
banda encontravam-se em poder de Henrique Pedrosa, um dos co-autores de tal livro.
No Arquivo do Almirante, é possível se encontrar quatro músicas: Dobrado a Pessoa de
Barros para banda, Joanita, Volúvel e Polka (as três últimas agora editadas pelos irmãos
Carrasqueira).
121
Ainda é citado um romance fantasia chamado Os sonhos mortos para canto com
letra de Heráclito Viotti que não é abordado nem a procedência, nem o paradeiro. É a
única menção a esta obra que se tem notícia, infelizmente sem nenhuma referência.
Se não se possui edição destas obras praticamente inéditas, podemos ao menos
conhecê-las através de algumas raras gravações.
Em 1983 a Funarte lançou o Acervo Funarte – Pattápio Silva. Gravação e
montagem realizada no Rancho Estúdio e Estúdio da Banda do Estado do Rio de
Janeiro, sob direção artística de Wilson Souto Júnior. Nesta coletânea foram gravadas
além das obras já editadas, Volúvel,Joanita e Polka, com interpretação do grupo de choro
Galo Preto, a Banda do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro executa a
polca O sabão, e um dobrado desconhecido e sem título.
Em pesquisas recentes na cidade de Cataguases, conhecemos um grupo de
choro chamado Choro e Canção Patápio Silva. Este grupo havia gravado um CD onde
além de Volúvel, Evocação, Polka e Zinha, constava no repertório uma música até então
desconhecida de Pattápio Silva chamada Cotinha. Descobrimos que Maurício Carrilho
havia cedido uma cópia manuscrita desta melodia para este grupo, que tratou de
harmonizá-la e gravá-la. Posteriormente, encontramos outra gravação desta polca na
coleção Princípios do Choro no volume 5, faixa 1. Esta coletânea foi realizada com
patrocínio do Centro Petrobrás de Referência da Música Brasileira e produzida por
Maurício Carrilho e Luciana Rabello.
O manuscrito de Cotinha foi encontrado em Petrópolis no acervo particular de um
chorão com data de 13 de maio de 1903. No mínimo é curioso saber que Pattápio no ano
em que estava se formando no Instituto Nacional de Música ainda se dedicava à música
de salão. Como a parte não é manuscrita por ele, fica a dúvida quanto à data de sua
composição, pois a cópia pode ser posterior à data de composição.
Recentemente foi encontrada mais uma mazurca chamada Lorinha, dedicada a
Frederico de Jesus, que segundo informação de Anna Paes, era flautista, copista,
compositor e amigo de Pattápio.178
Está guardada no acervo do Centro Cultural Banco do Brasil na coleção Mozart de
Araújo sob o código de tombo T6368. A exemplo de Cotinha, a mazurca Lorinha foi
encontrada em acervos particulares de chorões, sem mais referência.
178
Anna Paes é esposa de Maurício Carrilho, pesquisador do choro e produtor musical.
122
PARTE IV
APRECIAÇÃO TÉCNICA DOS PRINCIPAIS TRECHOS
VIRTUOSÍSTICOS DAS OBRAS SERATA D’AMORE E ORIENTAL
Nesta parte tomaremos trechos musicais que possam trazer dificuldades ao
intérprete,
abordando
causas,
refletindo
sobre
elas
e
sugerindo
soluções
e
procedimentos capazes de facilitar e viabilizar a execução e o processo técnico num
menor tempo possível.
Escolhemos duas obras para desenvolver este trabalho Serata D’Amore e
Oriental, e isolamos os principais trechos de virtuosidade, embora saibamos que cada
interprete possa apresentar dificuldades e facilidades distintas entre si.
Para que se execute uma obra seja ela qual for, é imprescindível considerar
certos parâmetros analíticos e referenciais, com o objetivo de fundamentar a performance
de forma abrangente. Alguns procedimentos aqui citados podem facilitar este processo,
neste caso, centrados para obras do período romântico.
Respeitar o ponto de vista musicológico, atentando para dados referentes ao
estilo da obra, seu período de composição e seu ambiente artístico, pormenores
biográficos do autor, o país de origem, de que período da vida do autor ela se situa e se
faz parte de um conjunto de obras ou não.
É importante também obter dados da edição que se vai utilizar. Se houve revisão
e de quem, o ano em que foi editada pela primeira vez, e qual edição se está utilizando.
No caso de manuscritos, dados do copista quando for disponível, podem ser de grande
valia.
Observar os andamentos indicados, e atentar para quais trechos eles são
pertinentes. Grandes sessões ou poucos compassos por exemplo. Nem sempre as
indicações de andamentos são claras. Certifique-se que as indicações sejam do
compositor. Se forem fruto de revisão, avalie, e adote ou não, sempre usando o bom
senso.
123
Indicações do compositor quanto ao caráter da obra podem definir perfis de
interpretações, como no caso de uma dança como a polca, a mazurca ou a valsa, que
remetem a um estilo mais ligeiro e leve de sonoridade. No caso da obra possuir caráter
romântico, heróico, ou sacro, justifica uma interpretação cuja intenção seja condizente a
este universo emocional. Geralmente este aspecto é definido pelo ritmo, andamento,
timbre, e compasso da obra.
Uma possibilidade quanto à questão rítmica. A obra pode apresentar densidades
diferenciadas quanto a este aspecto, a ponto de ser mais importante este elemento do
que a melodia ou a harmonia. Neste caso a função rítmica passa a ser temática. Isso
pode ocorrer apenas em trechos ou sessões.
Nas obras do período romântico não podemos esquecer da elasticidade do tempo,
sendo necessário definir os trechos em que se aplica o rubato, elemento que nem
sempre vem grafado na partitura. Não chegam a exercer uma mudança de andamento,
mas é uma nuança imprescindível ao estilo. Pode-se da mesma forma aplicar pequenos
accelerandos, sem comprometer o andamento geral.
Quanto à questão melódica, localizar onde e como esta predominância acontece.
Neste caso salientar a melodia “importante” e se existirem trechos contrapontísticos,
equilibrar as vozes horizontalmente. O mesmo vale para as imitações.
Uma análise harmônica é importante para definir a estrutura da obra. Onde ela se
apresenta estável e onde não, se existem pedais, ou mais importante, onde ocorre maior
densidade harmônica ou pontos de maior tensão.
O mesmo cuidado deve ser dispensado ao aspecto referente à forma. Localizar
sessões, sub sessões, repetições, variações e elementos que possam ser unificadores, e
também se a obra é baseada em alguma forma pré-estabelecida ou livre.
As intensidades impressas na partitura devem ser respeitadas, levando-se em
consideração a edições e revisões. Existe a possibilidade das indicações não serem
respeitadas. Neste caso, não deixe de elaborar a razão desta mudança. Da mesma forma
pode haver inclusões de novas dinâmicas que devem ser aplicadas com o mesmo
critério.
Quanto às intensidades e andamentos, não podemos esquecer do elemento
“tradição”. No decorrer dos anos, interpretes vão amadurecendo a linguagem da obra e
incluindo elementos que se tornam característicos e são inseridos na execução da obra.
Aí se encaixam muitas vezes os rubatos, accelerandos, contrastes e dinâmicas que
124
originalmente não estavam impressos na partitura. Um exemplo clássico pode ser a
Serenata de Schubert, que só é “entendida” com todos os clichês adquiridos.
Finalmente, localizar o que pode representar um problema especificamente
técnico para a execução da peça e estabelecer etapas de estudos para o melhor e mais
rápido desempenho diante das dificuldades.
Segundo Antonio Carlos Carrasqueira:
A música de Pattápio Silva é difícil de ser tocada. É virtuosística, reflete um procedimento
desenvolvido
pelos
grandes
instrumentistas
compositores,
que
escreviam
malabarísticamente, utilizando todos os recursos técnicos possíveis. Esse procedimento
tinha como parâmetro Paganini e Liszt entre outros, além de flautistas compositores como
A. F. Doppler e F. Kuhlau. Como toda a chamada “música de salão” é delicada, tem que
ser tocada com muito cuidado e equilíbrio.
179
****
Vamos utilizar neste trabalho as duas edições existentes atualmente.
O livro de Pattápio Silva: obra completa para flauta e piano. Coordenação de
Maria José Carrasqueira. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001.
E de Tadeu Coelho a edição lançada nos Estados Unidos pela editora Tempo
Primo Enterprises, 2004.
179
Carrasqueira, Antonio Carlos M. D. Pattápio Silva, músico brasileiro. Relatório de
pesquisa CERT Conclusão. USP, ECA. s.d.
125
Serata D’Amore – Romanza op. 2
A primeira dúvida que se apresenta é quanto ao título da obra. Serata D’Amore,
ou Serenata D’Amore? Como já analisamos, Nôzinho, o cantor contratado por Fred
Figner para dizer o nome das músicas no início de cada faixa dos discos da Casa Edison,
anuncia a obra claramente: “Serata D’Amore. Solo de flauta executado por Pattápio Silva
para a Casa Edison Rio de Janeiro”. No entanto no selo veio grafado Serenata de Amor.
A dúvida é afastada nas edições de suas partituras de 1906.
A tradução do italiano é bem diferente de serenata. Serata significa algo como
“noitada”, portanto “Noitada de Amor”. Maria José e Antonio Carlos Carrasqueira mantêm
o nome de acordo com as publicações de 1906. Concordamos desta forma com o nome
Serata D’Amore e julgamos que o equívoco foi causado pela impressão do selo do disco
da Casa Edison.
O opus de Serata D’Amore, romança é o de nº 2. A numeração do opus não
remete a uma cronologia de composição, e há uma total ausência de informações
documentais a esse respeito. As datas exatas de suas composições não aparecem em
nenhum local. Assim sendo, e levando em conta as informações adquiridas, fez-se uma
estimativa. Ele chegou ao Rio de Janeiro em 1900, ingressou no Instituto Nacional de
Música em 15 de março de 1901, realizou as gravações da Casa Edison onde registrou
Serata D’Amore entre janeiro e fevereiro de 1902. Mediante seu caráter erudito supõe-se
que Serata D’Amore fora composta no Rio de Janeiro aproximadamente entre os anos de
1900 e 1901.
O próprio autor a definiu como uma romança, que é uma forma livre de
composição, típica do século XIX, cujo caráter sentimental é fortemente marcado pela
influência da ópera italiana e pelo período romântico. Pattápio gravou mais três
romanças, o que denota sua predileção pelo gênero.
Serata D’Amore foi dedicada a Luiz Amábile, pianista e amigo que encontrou no
Rio de Janeiro.
Analisando suas músicas editadas que possuem dedicatórias, verifica-se que elas
estão inseridas num contexto social ligado à música erudita, como o romance elegíaco
op.1 Evocação, dedicado ao seu professor Duque Estrada Meyer falecido no ano de 1905
126
ou Oriental dedicada a Félix de Otero, compositor e pianista morador da cidade de São
Paulo. As que não têm dedicatórias são claramente música de salão. Pattápio estabelece
desta forma uma diferenciação entre sua obra erudita com relação à de salão.
Da gravação feita por Pattápio pela Casa Edison, recuperaremos a cadência por
ele tocada na ocasião e não editada até os dias de hoje. O disco possui no selo o número
40.244 e foi prensado em 1904 pela International Talking Machine-Odeon.
Detalhes desta gravação: compasso quaternário (4/4), semínima = 106, com
duração de 3 minutos e 9 segundos. Quadratura de 16 compassos, tonalidade do tema
principal Sol Maior, com trecho central em Sol menor em forma livre de fantasia.
Tessitura quase completa da flauta, indo do Si grave até o Si 4.
A obra Serata D’Amore possui muita dinâmica escrita, e várias mudanças de
andamento. O interessante a ser notado na gravação de Pattápio de 1902, além da
originalidade do material sonoro, é a maneira como foi registrada. Sabe-se da
precariedade dessas primeiras gravações. O músico tinha que tocar em frente a um
grande cone que servia de amplificador para que a máquina de gravar pudesse captar o
som emitido. Isso fazia com que as dinâmicas não existissem, já que ele tinha que tocar
tudo em fortíssimo para registrar o som. Isso resulta na total inexistência de dinâmica.
Além da captação do som ser ruim, a reprodução também era. Outro detalhe relevante
repousa no fato de tudo ser gravado sem a possibilidade de retornar para acertar
possíveis erros. A conseqüência disso é que as nuances de andamentos eram
menosprezadas pelo imediatismo da execução, sem tempo de desenvolver detalhes
camerísticos. O andamento geral da música nos parece muito rápido, comprometido por
este fator.
A gravação de Pattápio apresenta diferenças se comparada às duas edições das
quais utilizaremos. Os compassos 24 e 25 ele omitiu na gravação. Outro ponto é no
compasso 29 que ele repete uma vez mais. O acompanhamento ao piano também é
diferente neste ponto.
A partitura dos irmãos Carrasqueira apresenta uma nota errada no compasso 16.
A primeira semínima é um Dó e não um Ré. Também uma modificação de oitava dos
compassos 44 ao 48.180 Tanto Pattápio em sua gravação quanto na edição de Tadeu
180
As numerações de compassos mencionadas neste trecho são referentes à edição dos
Irmãos Carrasqueira. As impressas no trabalho de Tadeu Coelho não considera a nota de
127
Coelho este trecho está todo executado oitava acima. Ao compararmos as duas edições
em questão, ocorrem várias alterações de articulações sem grandes relevâncias. O único
ponto que nos parece facilitador encontra-se no compasso 22 da edição de Tadeu
Coelho. A ligadura do terceiro tempo do compasso auxilia o fortíssimo dos graves. Tadeu
também acrescenta o andamento da peça com marcação metronômica (semínima 76), o
que pode ajudar ao flautista que não tem conhecimento prévio da obra. As sugestões
quanto às respirações desta edição também são aceitáveis e oportunas.
A partitura não oferece grandes dificuldades. As frases são razoavelmente
grandes e demandam um certo cuidado e eficiência nas respirações. Quanto ao aspecto
técnico em si, o trecho que requer maiores cuidados, é sem dúvida a cadência.
Esta, se inicia com dois arpejos na Dominante de Sol maior (que é a tonalidade
principal), portanto em Ré maior com sétima menor, sendo que o terceiro arpejo é em
Sol# diminuto (sétimo grau de Lá maior, que é a dominante da dominante, Ré maior, que
é a dominante do tom principal, Sol maior), e chega ao ponto culminante da cadência em
Ré maior com sétima menor, local onde se concentra a maior dificuldade técnica da peça.
A respiração anterior ao arpejo de Sol# diminuto deverá ser muito eficiente, e
estudada. Não pode ser uma respiração cômoda, pois a frase é longa e demanda
bastante ar.
A progressão descendente que se inicia após a fermata do Ré segunda linha
suplementar é composta de arpejos de Ré maior com sétima menor, interligados por
escalas quase cromáticas, pois a única exceção é a nota Dó natural que é a sétima
menor do acorde principal deste trecho.
Sugerimos como estudo progressivo, que se separe os arpejos das passagens
melódicas, estudando tecnicamente em separado. Por exemplo:
Toque da primeira nota Ré (fermata) até a nota Dó acentuada. Pule a frase
melódica, e toque o próximo arpejo da nota Lá primeira linha suplementar até o Lá
acentuado e assim por diante até o final da frase. Sempre omitindo a escala.
A seguir faça o mesmo apenas com as finalizações melódicas. Inicie do Dó
(acentuado) e evolua rapidamente até o mi. Pule o arpejo e faça o mesmo da nota Lá
(acentuada) até o dó natural. E assim em todos os trechos melódicos. Neste momento do
anacruse do início da obra como o primeiro compasso. Portanto esta terá sempre um compasso a
menos na contagem final.
128
estudo não se esqueça que se trata de uma escala cromática com a exceção do Dó
natural. Intelectualizar este dado agiliza o estudo técnico.
O próximo passo é juntar os trechos de arpejos e escalas. Faça-o de um em um.
Primeiro do Ré (fermata) até o mi. Repita algumas vezes só este trecho. Depois do Lá até
o Dó. Repita igualmente algumas vezes. Use este procedimento até o final da frase.
A seguir, acrescente ao processo anterior a nota inicial do próximo arpejo.
Significa que o estudante deverá partir do Ré fermata, e parar no Lá primeira linha
suplementar. Repita algumas vezes e faça o mesmo deste mesmo Lá até o Fá# quinta
linha, tomando o cuidado de repetir este processo até que se mecanize.
Finalmente cole todos os trechos. Aproveite os acentos para repousar um pouco e
valorizar estas notas. Esta é apenas uma sugestão para resolver problemas técnicos que
são decorrentes de progressões melódicas.
Pattápio executa esta cadência com ligadura em toda a sua extensão e
prestíssimo.
129
Oriental op. 6
A peça característica Oriental op. 6, com certeza foi inspirada na obra homônima
de Ernesto Köeler gravada por Pattápio em 1902 pela Casa Edison.
Como já afirmamos, não há documentação precisa quanto às datas de
composição das obras de Pattápio, mas ela não deveria estar pronta em 1902, pois ele
com certeza a teria gravado naquela oportunidade. Há registros que ele a executou junto
com Evocação op.1 em recitais no ano de 1905 no Salão Steinway em São Paulo.
Portanto podemos aproximar a data desta composição entre meados de 1902 e 1903,
ano em que terminou seu curso no Instituto Nacional de Música. Ela pode ter sido
composta para cumprir o curso de harmonia e composição do Instituto. Foi dedicada a
Félix de Otero, pianista, compositor e professor atuante na cidade de São Paulo.
Ela é chamada de “peça característica” por se tratar de uma música que nos
remete às sonoridades exóticas do oriente. Este ambiente modal é dado pela escala
menor melódica de Mi.
Detalhes da obra: compasso ternário (3/4), andamento Lento, aproximadamente
48 por semínima, e o tema com a incrível “quadratura” de nove compassos. O trecho
onde ocorrem fantasias e cadências conta com 7 compassos, indo do compasso 24 ao
29. Logo após ocorre uma referência ao tema realizada em 8 compassos que
praticamente se emenda com outro divertimento. O trecho final de 15 compassos se
inicia no compasso 50. Como se vê, é de uma forma extremamente livre. A tessitura, a
exemplo de Serata D’Amore é muito grande, indo do Si grave ao Sol ³.
Ela se inicia com uma introdução no piano com cinco compassos. Os dois
primeiros em Mi Maior e fortíssimo passam quase subitamente no terceiro compasso
para o piano, e para o tom de Mi menor (basicamente a escala menor melódica), que é a
tonalidade principal. Ele utiliza também a segunda menor e a quinta diminuta, ao mesmo
tempo da sexta maior e sétima menor, a exemplo da escala da cadência. Ou seja o
primeiro pentacorde com as características do modo lócreo e o restante da escala em
modo dórico. É o sabor do oriente em sua obra.
130
Logo no início do tema na flauta o aspecto timbrístico é abordado por Pattápio
quando ele pede que a flauta toque “Imitando o oboé”. No caso, ele quer uma sonoridade
anasalada que é conseguida com a pressão vertical dos lábios, aumentando assim a
velocidade do ar, cujo resultado é uma sonoridade mais rica em harmônicos. Quando a
partitura pedir “dolce”, ao contrário, se afrouxa o lábio verticalmente deixando o fluxo de
ar correr mais livremente para a embocadura. Este procedimento torna o som etéreo e
com poucos harmônicos. É o caso do início de Idyllio op. 7.
Em Oriental temos um excelente exemplo de liberdade rítmica nas ornamentações
que se apresentam durante toda a obra, e não devem de forma alguma ser executadas
metronomicamente. O tema possui muitas apogiaturas de extrema rapidez e em sua
maioria in bateri.
Deve-se atentar que a melodia, ao invés dos ornamentos, está em primeiro plano,
em notas importantes que devem ser salientadas. Quanto aos ornamentos, deve-se
imprimir um nível um pouco menor de dinâmica a fim de obter-se o entendimento da
melodia.
Quanto às respirações, a que se mostrou mais fiel foi a publicação dos irmãos
Carraqueira, que manteve todas as marcações originais de 1906. De qualquer forma, são
poucas as indicações, mas de um modo geral, se respeitarmos as ligaduras de Pattápio,
teremos frases com tamanhos possíveis de realização.
Voltando a utilizar a edição dos irmãos Carrasqueira, sugerimos que a partir do
compasso 25, o flautista pode se valer do dedilhado do Si
b
acionado com o polegar da
mão esquerda até o compasso 29, primeiro tempo (fermata). Outro trecho possível de se
utilizar este mesmo dedilhado é entre os compassos 41 e 42, sendo recomendável
retornar no compasso 43 para o dedilhado do Si natural.
A grande inovação para a época com certeza é o trecho em que ele usa sons
harmônicos a partir da anacruse do compasso 32. De todo o repertório que Pattápio
tocou ou gravou, em nenhum lugar constatamos este efeito. Certamente era uma grande
novidade na época. Das obras de compositores do período romântico só em instrumentos
de cordas este efeito era utilizado. No século XX foi incorporado como elemento
integrante da linguagem da flauta.
Deste trecho, que o próprio Pattápio toma o cuidado de subscrever o dedilhado e
o som desejado, tem apenas um ponto delicado nos compassos 35 e 36, em razão do
salto de quinta justa e diminuta que eventualmente pode “quebrar” a frase por causa da
131
distância. Este intervalo Lá para Mi, é conhecido dos flautistas por sua indefinição, por
esta razão, as flautas de fabricação mais recentes já possuem um artifício chamado
“mecanismo do mi” que resolve justamente este problema específico.181
No trecho final que começa no compasso 51, recomendamos que se realize um
estudo dos arpejos antes de tocar a frase inteira. Como as pequenas notas são
realmente pequenas nas duas edições disponíveis, seria aconselhável que se soubesse
praticamente decorado esta progressão harmônica. Outra questão que a partitura não
chega a deixar evidente é a realização de todas estas notas da melodia que estão
acentuadas. Elas não devem ser ligadas ao arpejo, sendo recomendável um golpe de
língua em cada uma delas para melhor evidenciar o acento pedido.
Considero das músicas de Pattápio Silva, Sonho op. 5 a mais difícil de seu
repertório, pois é a que exige mais condicionamento técnico. Mas, em minha opinião,
Oriental op. 6 é a mais brilhante e a de mais efeito de todo o seu conjunto de obras.
181
Há um erro de numeração de páginas na edição Tempo Primo Enterprise Inc.. A partir
do compasso 31, foi subtraído um compasso da contagem.
132
CONCLUSÕES FINAIS
Muitas das informações biográficas sobre Pattápio Silva foram comprovadas e
outras descartadas. Apesar da monografia Patápio – músico erudito ou popular?182 deixar
um pouco a dever quanto a organização, das publicações sobre ele, ainda é a mais
completa.
Pattápio foi um dos melhores exemplos do ensino musical das bandas musicais
do século XIX. Apesar de ter sido um adolescente rebelde e sem recursos, conseguiu um
desempenho fabuloso com o apoio de seus mestres e colegas de banda. Confirmamos
assim o ambiente quase familiar destas instituições no século XIX.
Ao pesquisarmos dados a respeito de Pattápio nas cidades do interior em que ele
tocou ou regeu em bandas, percebemos que ele ainda é um desconhecido para a maioria
da população. Por outro lado, quem reconhece seu valor histórico no desenvolvimento da
cultura de suas respectivas cidades, sente-se valorizado por ser detentor dos poucos
dados biográficos que acumula. Infelizmente o acervo citado na publicação da Funarte
que estaria em arquivos de bandas, está perdido. O que se conseguiu salvar está em
instituições da cidade do Rio de Janeiro como no Acervo Almirante do Museu da Imagem
e do Som, ou no Centro Cultural Banco do Brasil na coleção Mozart de Araújo, Biblioteca
Nacional e Instituto Moreira Salles.
Constatamos nos estudos referentes à formação musical de Pattápio Silva, que os
negros representaram esta classe quase que exclusivamente até a vinda da Família Real
em 1802. Somente a partir daí, é que os estrangeiros passaram a exercer maior
influência e atuação no universo cultural do Brasil. Pattápio quase um século depois, foi
um descendente destes negros e mulatos. Neste período, a belle époque já havia
modificado o panorama das manifestações culturais e as classes menos favorecidas já
182
Souza, Maria das Graças Nogueira de, et aliii. Pattápio – músico erudito ou popular?.
Rio de Janeiro: Funarte, Instituto Nacional de Música, Divisão de Música Popular. 1983.
133
não tinham acesso à cultura, que era detida pela elite. Ele suplantou esta barreira
imposta.
A respeito da influência da música de barbeiros na produção artística de Pattápio
Silva chegamos a seguinte conclusão:
Em 1885, data aproximada em que Pattápio começou a tocar flauta, já haviam
passado muitos anos do desaparecimento da música de barbeiros na cidade do Rio de
Janeiro. Uma cidade do tamanho de Cataguases, que foi fundada em 1877 e contava
com quatrocentos e cinqüenta habitantes, dificilmente comportaria este tipo de
manifestação musical. Como se viu no livro Os cem do século em Cataguases da
Fundação Ormeo Junqueira, os músicos se reuniam na barbearia de seu pai e ao
apreciarmos as personalidades ligadas à música desta época em Cataguases,
concluímos que este ambiente é que levou Pattápio a sonhar em tornar-se um artista.
Mais do que a relação da profissão do pai e os músicos barbeiros, que ele com certeza
não conheceu.
Seu pai em momento algum apoiou Pattápio para que seguisse a carreira de
músico. Sua mãe teve muitos filhos, e todos os seus meio-irmãos tiveram instrução
musical, mas, seu pai ao contrário, tentou convencê-lo a deixar a flauta para seguir a
profissão de barbeiro, levando Pattápio a sair de casa ainda muito jovem para seguir sua
aptidão.
Há uma citação feita por Horácio de Campos em seu livro Cyclo Áureo-cem anos
da cidade de Campos, que diz: “a última apresentação que se tem notícia da música de
barbeiros remonta à data de 1878, quando da inauguração de Usina de São João, em
Campos”.183
Apesar de Campos ser um dos municípios nos quais Pattápio viveu e atuou em
bandas, esse registro de música de barbeiros aconteceu dois anos antes de seu
nascimento.
Pattápio rejeitou a profissão do pai, mas, por outro lado, se não foi influenciado
diretamente pelos barbeiros músicos, com certeza o foi pelos seus descendentes
musicais, os chorões e as bandas musicais que estavam presentes em todas as
comemorações. Este lado do músico que tocava nas ruas e o conseqüente repertório de
características populares, inegavelmente influenciou em grande parte sua obra,
183
Maria das Graças N. Souza, op. cit., p. 23.
134
principalmente no início de sua carreira. Porém, não podemos afirmar que tenha sido um
chorão, pois não há comprovação que tenha exercido este tipo de atividade. Se
porventura afirmássemos que dos músicos barbeiros tivesse surgido um “Pattápio Silva”,
com certeza seria o único virtuose barbeiro da história do Brasil, o que configuraria mais
um pioneirismo sem precedentes.
A publicação da Funarte não elucidava a localização exata do salão Steinway
Com nossa pesquisa, pudemos acrescentar dados sobre este espaço, que nos remeteu
aos primórdios da elite cultural da cidade de São Paulo e seu universo de atuação. Ao
visitarmos este salão nos dias de hoje, fomos tomados por profunda tristeza diante do
estado de abandono deste local que já foi freqüentado por vultos importantes como Villa
Lobos, quando participou das reuniões para organizar a Semana Moderna de 22, ou
Mário de Andrade que foi professor de estética musical do Conservatório Dramático e
Musical de São Paulo.
Ao abordarmos o desenvolvimento do sistema Boehm, constatamos que Pattápio
com certeza muito se beneficiou com as melhorias mecânicas da flauta, principalmente
quando analisamos seu conjunto de obras e gravações. Sem tal sistema talvez fosse
impossível tal performance. Porém, não podemos deixar de reconhecer que foi nas
flautas que dispunha, que seu talento aflorou e foi reconhecido já na sua mocidade.
Após realizarmos estudos sobre os primórdios da Casa Edison, identificamos a
importância de suas gravações, e nossas expectativas foram ampliadas quando
checamos uma possível cronologia a partir das numerações RX das matrizes. Como não
existem provas documentais, não podemos considerar este estudo uma descoberta com
fundamento científico, mas há fortes indícios que Concert Fantasie op. 384 de Wilhelm
Popp pode ter sido a primeira peça erudita gravada no Brasil. Esta possibilidade
aumentou o grau de importância, que já era enorme, destas gravações.
Dentro deste mesmo padrão de pesquisa, acrescentamos mais uma gravação ao
seu acervo, apesar de serem necessários estudos mais aprofundados, possivelmente
baseados em parâmetros acústicos. Há uma grande possibilidade de que Gorgueggio di
Primavera gravado por Malvina Pereira, tenha a participação de Pattápio Silva à flauta.
Das edições de Pattápio, verificamos o quanto sua obra ficou esquecida desde
1906, data da primeira edição, até 1998 quando começaram a surgir interesse de renovar
estas publicações. Com exceção de alguns poucos flautistas que possuíam as edições
originais, o grande contingente de flautistas que surgiu durante este período não teve
135
acesso a este conjunto de obras, que consideramos de valor histórico inestimável.
Graças à iniciativa de Tadeu Coelho que editou no exterior sua obra completa e Maria
José Carrasqueira e seu irmão Antonio Carlos Carrasqueira que também as editou no
Brasil pela Vitale, os flautista passam a dispor deste material impresso.
Das obras não editadas e citadas anteriormente, ressaltamos a inclusão de
Cotinha e Lorinha. Foram descobertas em acervos particulares de chorões, em pesquisa
realizada por Maurício Carrilho e Luciana Rabello.
As músicas de salão de Pattápio como Primeiro Amor, Zinha e Margarida são
suas obras mais conhecidas, graças aos chorões que delas se utilizaram por anos, em
centenas de gravações, arranjos e formações instrumentais. São difíceis tecnicamente,
mas, sem desmerecer de forma alguma a beleza destas composições e de outras que
possuam o mesmo caráter, consideramos que suas composições eruditas têm um nível
de exigência muito superior quanto ao aspecto interpretativo. Este acervo praticamente
desconhecido, merece um lugar de destaque no repertório de todos os flautistas que
desejem conhecer a música erudita brasileira, pois é de uma beleza e complexidade que
só pode ser admirado.
Ao concluir esta dissertação, não posso deixar de registrar meu respeito por este
personagem da história da música brasileira, que me transformou em uma admiradora
incondicional de seu trabalho e personalidade. Pattápio terá em mim uma divulgadora
incansável de sua obra.
136
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139
ANEXOS
Seus contemporâneos
Nenhuma publicação traçou o momento histórico em que viveu Pattápio Silva sob
o ponto de vista da convivência com outros músicos ou colegas, as experiências por ele
vividas, principalmente no período em que esteve no Rio de Janeiro e São Paulo vivendo
nos ambientes musicais mais criativos e produtivos do final do século XIX e início do XX.
Desta forma despertou-nos a curiosidade de desenvolvemos uma pesquisa neste sentido
para tomar conhecimento desta comunidade musical, principalmente nos anos de 1900 a
1906.
Com quem tocou, com quem travou algum tipo de convivência. Descobrimos
desta forma um emaranhado de relações, que nos surpreendeu pela importância histórica
das pessoas envolvidas.
Os músicos que conviveram com ele na fase anterior, ou seja, na Zona da Mata e
interior fluminense estão relacionados no capítulo que trata das bandas.
No Rio de Janeiro:
Alberto Nepomuceno (1864-1920), compositor, organista e pianista. Seu pai era
violinista e organista da Catedral de Fortaleza, com quem aprendeu música. Foi aluno do
maestro Euclides Fonseca em Recife. Abolicionista em Pernambuco viu seus caminhos
se fecharem e dirigiu-se ao Rio de Janeiro onde se apresentou como pianista pela
primeira vez no ano de 1885 no Clube Beethoven. Amigo do violoncelista Frederico
Nascimento excursionou com ele pelo Brasil. Lecionava para viver e tocava em saraus.
Conseguiu ir à Europa onde assistiu à estréia de L’Aprés midi d’ un faune de Debussy e
em 1908 foi quem apresentou esta obra em primeira audição no Brasil. Junto com o
Visconde de Taunay, restaurou as obras do padre José Maurício Nunes Garcia. Em julho
de 1902 o então diretor do Instituto Nacional de Música Leopoldo Miguez faleceu e
Nepomuceno o substituiu, ficando apenas um ano no cargo. Em 1902 Pattápio Silva
estava em plena atividade na instituição matriculado nas aulas de órgão. Nepomuceno foi
professor de órgão do Instituto. Teria Pattápio sido seu aluno? Seu sucessor na direção
do Instituto em 1903 foi Henrique Oswald. Em outubro de 1906 volta para a direção desta
instituição. Faleceu na casa de seu sempre amigo Frederico Nascimento ao lado dos
140
discípulos Luciano Gallet e Lorenzo Fernandez. Foi um dos mais ativos músicos de sua
geração tendo sido um dos responsáveis pela nacionalização da música erudita
brasileira.
Frederico Nascimento (1852-1924), violoncelista nascido em Portugal. Fixou
residência no Rio de Janeiro em 1880 e em 1890 foi nomeado professor de violoncello,
harmonia, solfejo e teoria no Instituto Nacional de Música. Amigo inseparável de Alberto
Nepomuceno, partilhava com ele as idéias inovadoras. Adotou métodos de Schoenberg
em sua cátedra. Criou também um departamento de acústica no Instituto e foi o inventor
de um aparelho o melonômetro, que consistia numa régua graduada aplicável a qualquer
instrumento de corda, e na qual se acham determinados exatamente os comprimentos
necessários para a corda dar todos os sons, tanto da escala pitagórica como da escala
temperada. Frederico Nascimento foi professor de solfejo e coral de Pattápio Silva.
Orlando Frederico (....-....). Foi professor de violino e viola no Instituto Nacional de
Música. Foi o autor das “Reminiscências” anexadas na biografia de Cícero Menezes, que
relatou a intimidade do estudante simples que passava dez horas por dia estudando.
Orlando Frederico foi professor de música de câmara de Guerra Peixe, e participou da
Semana Moderna de 22 como violista ao lado de Paulina D’Ambrósio e George Marinuzzi
(violinos), Alfredo Gomes (violoncelo), Alfredo Corazza (baixo), Pedro Vieira (flauta),
Antão Soares (clarinete) e Fructuoso Vianna (piano).
Adalberto Gomes de Carvalho (1889-1949). Violinista, regente e compositor. Fez
o curso completo de violino no Instituto Nacional de Música. Foi regente de diversos
teatros cariocas, entre os quais o Recreio e o República, além de Companhias de teatro
como a de José Loureiro e Alfredo Miranda entre outras. No início do século XIX foi
parceiro de Oduvaldo Viana, diretor de teatro e pai de Oduvaldo Viana Filho. Foi citado
por Orlando Frederico nas “Reminiscências” inclusas na biografia de Cícero Meneses.
Adalberto Gomes de Carvalho era admirador de Pattápio e freqüentava o quarto do 3º
andar da Rua Lavradio onde Pattápio estudava e morava. Tinha na época perto dos
quinze anos.
Silvestre (....-....). Flautista. Aluno e amigo de Pattápio Silva. Mesmo sem ser um
nome de vulto no panorama da música brasileira, resolvemos citar este amigo de
Pattápio como uma forma de tributo pela sua generosa amizade. A única referência a ele
foi feita por Cícero Menezes no livro de Ary Vasconcellos Panorama da Música popular
brasileira na belle époque. Cícero afirma que Silvestre tornara-se um grande professor de
141
flauta. Dizia que Silvestre adorava Pattápio e não media esforços para tirá-lo de
dificuldades financeiras, chegando até a penhorar seu instrumento para saudar dívidas
do querido professor. Pattápio retribuía com grande afeição aos favores dispensados do
amigo e aluno. Ary Vasconcellos afirma que Silvestre com certeza freqüentou o quarto do
terceiro andar da Rua do Lavradio.
Henrique Oswald (1852-1931). Foi das mãos de Henrique Oswald que Pattápio
deveria ter recebido a flauta misteriosamente desaparecida. Compositor e pianista, filho
de família de procedência Suíça, nasceu no Rio de Janeiro e com um ano mudou-se para
São Paulo. Sua mãe era pianista e seu pai tinha um comércio voltado à música. Foi aluno
de sua mãe e de Gabriel Giraudon. Na Itália estudou composição e aperfeiçoou-se ao
piano. Em 1871 tocou na Itália para o Imperador Dom Pedro II e tanto o agradou que
recebeu uma pensão da qual usufruiu por quinze anos. Travou contato com importantes
compositores da época como Franz Liszt (1811-1886), Johannes Brahms (1833-1897) e
Camille Saint-Saens (1835-1921). Foi sucessor de Alberto Nepomuceno que renunciara à
direção do INM em 1903, cargo este que exerceu até o ano de 1906, retornando em 1911
como professor catedrático. Junto com Nepomuceno e Francisco Braga influenciou o
ambiente artístico musical do Rio de Janeiro. Suas composições seguiam características
próprias do romantismo europeu, e os elementos de origem brasileira começaram a
despontar em sua obra a partir desta época.
Glauco Velásquez (1884-1914). Foi matriculado em 1898 no Instituto Nacional de
Música, no curso de canto coral com Frederico Nascimento. Saiu do mesmo em 1901,
retornando em 1903 com Frederico Nascimento, desta vez na classe de harmonia. Não
há registros mais detalhados, nem que tenham trabalhado juntos, apesar de terem
estudado na mesma época e freqüentado o mesmo curso.
Arnaud Duarte de Gouveia (1865-1942). Organista, nasceu em São João
Nepomuceno, Minas Gerais, mas logo foi para o Rio de Janeiro estudar no Conservatório
de Música. Estudou piano com o colega de Carlos Gomes Cavalier Darbilly (1846-1918).
Em 1890 Arnaud Gouveia foi nomeado professor de teoria e solfejo do INM, mais tarde
ocupando também a cátedra de harmonia elementar. Possível que tenha sido professor
de Pattápio. Ao menos se conheceram dentro do Instituto Nacional de Música.
Aposentando-se em 1935.
João Sebastião Rodrigues Nunes (1877-1951). Compositor, pianista, aluno de
Artur Napoleão (1843-1925). Ingressou no Instituto Nacional de Música em 1902. Foi
142
aluno de Alfredo Bevilacqua (1846-1927), um dos fundadores do Instituto Nacional de
Música. A este professor e virtuose coube o mérito de abolir as fantasias de óperas e os
pots-pourris, incluindo no repertório de seus alunos obras de Beethoven, Chopin e
Schumann. João Nunes se formou em 1904 com o primeiro prêmio, medalha de ouro.
Subvencionado pelo governo do Maranhão sua terra natal, passou dois anos na Europa.
Anos mais tarde tornou-se livre docente do Instituto Nacional de Música. Publicou as
teses A Inteligência musical em 1914, e Do Cravo ao Piano em 1941. Foi contemporâneo
de Pattápio, embora não haja registros de trabalhos conjuntos.
Pedro de Assis (1880-1934). Flautista, aluno de Duque Estrada Meyer, tendo se
diplomado em 1903 na mesma turma de Pattápio Silva. Foi o único com coragem de
concorrer ao prêmio de uma flauta Louis Lot. Dominava o repertório de concerto e o
popular, sendo citado no livro de Alexandre Gonçalves Pinto O Choro, conhecido que era
por suas interpretações de Callado e Viriato Figueira. Foi o substituto de Duque Estrada
Meyer no Instituto Nacional de Música quando este veio a falecer, supostamente no lugar
que seria de direito de Pattápio. Em 1925 publicou o Manual do flautista.. Em 1935
publicou o Lundu Característico de Antônio da Silva Callado editado pela Casa Mozart do
Rio de Janeiro.
Ernestino Serpa (1878 -cc1930). Este violinista que fez dueto nos dois noturnos
gravados dos quais não possuímos referência de autoria, nasceu presumivelmente no
Rio de Janeiro, por volta de 1870, e deve ter falecido na mesma cidade provavelmente no
ano de 1930. Ary Vasconcelos recorre a Alexandre Gonçalves Pinto para transcorrer
algumas linhas a respeito de Serpa: “Já é fallecido este grande artista, conhecia de sobra,
os segredos de seu instrumento que era o violino, que em suas mãos dizia o que sentia,
em dilluio de belas harmonias, que fazia extasiar, os seus admiradores mais seletos, que
tanto o admirava”. Alexandre Gonçalves Pinto promete em “uma próxima edição” fornecer
mais detalhes a respeito de Ernestino Serpa. É a única menção a este violinista. Ele é
responsável também pela gravação de Zamacueca, de John White, erroneamente
incluída em catálogo da Casa Edison da discografia completa de Pattápio Silva. Segundo
Cernicchiaro, Serpa Junior como ele o chamava, foi aluno do Imperial Conservatório,
tendo recebido a medalha de ouro ao final do curso. Logo depois recebeu instruções de
José White, autor de Zamacueca. “ Era um violinista habilíssimo e sobretudo dono de
uma segurança técnica magnífica”.
143
Leopoldo Miguéz (1850-1902). Compositor, violinista, regente e professor.
Nascido em Niterói, tinha dois anos quando seus pais mudaram-se para a Espanha onde
permaneceu até os sete anos. Em 1871 volta com a família para o Brasil casando-se logo
depois com a pianista Alice Dantas. Em 1878 junto com Arthur Napoleão fundou a firma
Napoleão & Miguez de pianos e músicas. Alguns anos depois com recomendação de
Dom Pedro II passa algum tempo excursionando em países da Europa. Voltando ao
Brasil foi um grande divulgador da música Wagneriana. Como curiosidade, em 1886 na
última récita de Aída de Verdi no Rio de Janeiro, ele que estava regendo a ópera foi
substituído pelo jovem Arturo Toscanini (1867-1957), que ali iniciou sua carreira de
regente. Foi o ganhador do concurso para a composição do Hino à Proclamação da
República, ficando à frente de nomes como Francisco Braga, Alberto Nepomuceno e
Jerônimo Queiros. Foi um dos designados pelo governo provisório para integrar a
comissão que extinguiu o Conservatório Imperial e criou o Instituto Nacional de Música,
onde exerceu o cargo de diretor até sua morte em 1902, período em que Pattápio lá
estudava. Foi um grande incentivador do Instituto Nacional de Música, tendo feito
pesquisas na Europa recolhendo informações e sugestões para o aprimoramento do
ensino de música no Brasil. Autor do Romance para quarteto de flautas.
Paulo Augusto Duque Estrada Meyer (1848-1905). Foi o grande professor de
flauta de Pattápio e de toda uma geração. Foi aluno de Callado e teve instrução também
com M. A. Reichert. No ano de 1881, portanto um ano após a morte de seus mestres,
Duque Estrada já era considerado o mais importante flautista da cidade do Rio de
Janeiro. Tocou várias vezes no Clube Beethoven e foi sucessor de Callado no então
Conservatório de Música. No ano de 1888 recebeu de Dom Pedro a comenda da Ordem
da Rosa, no grau de cavaleiro. Chegou a ser diretor do Instituto Nacional de Música e
nele permaneceu até sua morte em 1905. Seu filho flautista Athos Duque Estrada Meyer
também é citado como tendo sido amigo de Pattápio Silva durante o período em que
estudou no Rio de Janeiro.
Henrique Alves de Mesquita (1830-1906). Compositor, organista, regente. Foi
aluno de trompete de Desidério Dorison. Com o clarinetista Antônio Luiz de Moura abriu o
comércio Liceu e Copista Musical que oferecia cursos de música, copiava partituras,
fornecia orquestras para eventos e vendia instrumentos. Em 1872 foi nomeado professor
de solfejo e princípios de harmonia do Conservatório de Música. Em 1890 foi efetivado
144
como professor de instrumentos de metais aposentando-se em 1904 pelo já então
Instituto Nacional de Música. Foi contemporâneo de Pattápio.
Francisco Braga (1868-1945). Compositor e regente. Iniciou seus estudos de
música no Asilo dos Meninos Desvalidos no ano de 1876. Foi diretor da banda desta
entidade ainda muito jovem. Teve como professor de clarinete Antônio Luiz de Moura,
que também foi professor de Anacleto de Medeiros. Foi aluno de Jules Massenet (18421912) na França. Em 1902 foi nomeado professor de contraponto, fuga e composição do
Instituto Nacional de Música. Foi o autor do Hino à Bandeira (1906) com letra de Olavo
Bilac. Regeu a missa em homenagem à Pattápio Silva. Aposentou-se 1937.
J. Otaviano Gonçalves (1892-1962). Regente, compositor, pianista, arranjador e
professor de orquestração. Foi aluno no Instituto Nacional de Música e contemporâneo
de Pattápio. Contava com quinze anos quando participou da missa em homenagem no
Rio de Janeiro. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Música ao lado de Villa
Lobos, Fructuoso Vianna, Jaime Ovalle e Iberê de Lemos. Foi professor de Guerra Peixe
(1914-1993) e Lorenzo Fernandez (1897-1948). Todos os outros músicos que
participaram desta missa não possuem referência em nenhuma fonte pesquisada. São
eles: J. Nigro, João Rodrigues Cortes, Miguel Larino, J.J. Cordeiro, e os barítonos J. De
Larrigne de Faro e Rossi.
Luiz Amabile (....-....). Foi o autor da carta escrita e publicada no jornal A Notícia
de Curitiba em 15 de maio de 1907. (Pattápio faleceu em 24 de abril)
Nesta carta depoimento ele descreve detalhes do dia a dia de Pattápio e conta
detalhes de sua ida para o Rio de Janeiro. Gravou pela Casa Edison na mesma época
que Pattápio Silva. Pattápio dedicou a ele a obra Serata D’Amore.
Carmine Marsicano (....-....). Encontramos referência deste amigo de Pattápio no
importante livro de Vincenzo Cernicchiaro. Foi Marsicano que colocou o relógio no
concerto em Petrópolis no qual Pattápio executou uma cadência improvisada de três
minutos de duração, concerto este que estava presente o Barão do Rio Branco. Carmine
era de uma família de músicos. Além dele seus irmãos Vincenzo e Giuseppe eram alunos
do Instituto Nacional de Música. Todos nascidos no Rio de Janeiro. Todos foram
violinistas famosos em sua época, mas Carmine certamente ultrapassou os irmãos com a
valentia de suas execuções. Foi aluno de Leopoldo Miguéz, tendo recebido o primeiro
prêmio no ano de 1902. No mesmo ano no dia 26 de outubro solou seu primeiro concerto
145
no Parque Fluminense com grande sucesso. Gravou pela Cãs Edison na mesma época
que Pattápio.
Em São Paulo:
Marcello Tupynambá (1889-1953). Nome verdadeiro, Fernando Lobo. Filho de
Eduardo Lobo regente de banda, nascido na cidade de Tietê no interior de São Paulo e
sobrinho neto do compositor Elias Álvares Lobo, autor da primeira ópera encenada no
Brasil com versos em português, denominada A Noite de São João (1859). O avô
paterno, Manuel Alves Lobo tocava violino e compunha. Seu pai Fernando Lobo
organizou a Banda Sorocabana, fundou também a banda Santíssima Trindade na cidade
de Tietê, além de ser compositor e regente do coro da igreja Matriz na mesma cidade. A
iniciação musical de Marcello Tupynambá foi portanto toda familiar. Quando da morte de
seu pai por volta de 1896 mudou-se para São Paulo e depois Pouso Alegre entre os anos
de 1904 e 1908, sendo neste período que tocou com Pattápio Silva. Foi colega de escola
nesta época do modernista Menotti Del Picchia (1892-1961). Aprendeu sozinho o piano e
mais tarde o violino. Estudou com Savino de Benedictis (1883-1971), influente professor
do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo no início do século XX. A partir do
ano de 1914 quando fez sucesso a peça musicada São Paulo Futuro, Fernando Lobo
passa a adotar o nome Marcello Tupynambá. Portanto foi ainda o jovem Fernando Lobo
que acompanhou Pattápio Silva pelo interior paulista quando este se preparava para sua
derradeira excursão ao Sul do país.
Felix Othero (1868-1946). Nascido em Porto Alegre. Compositor , professor e
crítico. Estudou na Alemanha onde foi aluno de piano de Max Van de Sandt e Hans
Bischoff. Estudou composição com Ludwig Bussler.
Retornando ao Brasil fixou
residência em São Paulo e tornou-se professor da Escola Normal Feminina do Brás, Foi
crítico do jornal O Estado de São Paulo. Em 1927 junto com João Gomes Júnior, Paulo
Florence, Armando Gomes de Araújo e João Batista Julião, fundou o Instituto Musical de
São Paulo onde foi catedrático de piano. Acompanhou Pattápio em vários concertos, ou
mesmo o convidou a participar de recitais que ele Félix organizava. Pattápio dedicou a
ele Oriental Sua obra é restrita a peças para canto e piano, talvez pelo fato de ser
professor de na Escola Normal Feminina do Brás.
Paulo Florence (1864-1949). Compositor e regente. Iniciou seus estudos de piano
em Campinas e cepois foi para a Alemanha onde estudou harmonia, contraponto e
146
composição. Foi aluno de Carl Reinecke (1824-1910). Voltou ao Brasil em 1891, onde
passou a lecionar piano. Em 1896 foi para a Itália onde estudou piano com Giuseppe
Buonamicci (1846-1914). Voltando para o Brasil em 1899 foi professor de piano do
Instituto Musical de São Paulo. Foi fundador da Academia Brasileira de Música. Autor do
trio para violino flauta e cello s.d. Tocou com Pattápio em concerto no Salão Steinway.
José Augusto de Souza Lima (....-....). Pianista. Seu irmão mais novo João de
Souza Lima (1898-1982) adquiriu mais notoriedade que José Augusto. João começou
estudando com seu irmão aos quatro anos conquistando em pouco tempo prêmios de
composições para piano e orquestra, desenvolvendo carreira internacional. José Augusto
de Souza Lima acompanhou Pattápio Silva em recital no Salão Steinhway nos dias 7 e 11
de fevereiro de 1906.
A sociedade musical de Cataguases
Vale a pena verificar a sociedade musical de Cataguases do final do século XIX e
início do XX, pois esta emergente comunidade propiciou e gerou bons frutos. Modificaram
o panorama artístico da cidade, embora nem todos tenham sido necessariamente
contemporâneos de Pattápio, mas exemplificam o ambiente de então. São eles Rogério
Teixeira de Miranda, Paschoal Ciodaro, Pierre Theotônio da Silva, Honorina Ventania e
Lucas Duchesne.
Rogério Teixeira de Miranda, grande amigo de Pattápio, maestro e compositor
nascido em São João Nepomuceno, em 1884, casado com a pianista Marieta Soares
Teixeira e irmão do maestro de banda João Teixeira de Miranda. Tocava quase todos os
instrumentos, embora a flauta fosse sua preferência. Participou da banda Sociedade
Musical 7 de setembro, e aos 15 anos já se apresentava como regente. Foi fundador da
Lyra Cataguasense em 1915 e teve quatorze filhos, que também estudaram música.
Tocou na bandinha do cinema mudo por muitos anos. Faleceu no ano de 1969 em
Cataguases. É o autor da carta depoimento que elucidou vários dados biográficos da vida
de Pattápio.
Paschoal Ciodaro nasceu na Itália, em 1876, e junto com Rogério Teixeira
também regeu bandas. Chegou ao Brasil em 1902, e foi morar em Cataguases atuando
como técnico de instrumentos, o que denota a significativa quantidade de instrumentistas
147
na região nesse início de século. Era flautista também. Foi homenageado com nome de
rua em Cataguases.
Segundo Levy Simões, Ciodaro, “em um curto espaço de tempo foi o responsável
pelo despertar do gosto pela música e pelo canto em todos os lares da cidade, que
naquela época vivia os primórdios de sua emancipação política”.184
Se Paschoal Ciodaro chegou ao Brasil vindo da Itália no ano de 1902, foi portanto
quando Pattápio Silva já se encontrava no Rio de Janeiro. Sabe-se que Pattápio esteve
em Cataguases nesse ano, mas o que consta é que ele apresentou-se em recital solo
com acompanhamento da pianista Honorina Ventania. Não há registros de participações
em bandas nessa época, já que se dedicava totalmente ao estudo do repertório erudito
da flauta. Portanto as afirmações de que tenham tocado juntos se tornam improváveis.185
Ciodaro chegou a reger uma orquestra formada por cem alunos. Foi padrinho do
famoso cineasta Humberto Mauro, também nascido em Cataguases. Mudou-se em 1933
para Belo Horizonte, a convite do Governo do Estado de Minas Gerais, onde dirigiu
festivais e eventos oficiais. Faleceu nessa cidade em 1940.
Pierre Theotônio da Silva, maestro, nasceu em Porto de Santo Antônio, atual
Astolfo Dutra, em 1890. Sua mãe era de descendência francesa e foi sua grande
incentivadora. Foi aluno de Paschoal Ciodaro e João Teixeira de Miranda. Já adulto
matriculou-se no Instituto Nacional de Música no Rio de Janeiro, diplomando-se em três
anos, e em primeiro lugar assim como Pattápio fizera alguns anos antes. Seu instrumento
era o trombone. Foi professor de Canto orfeônico do Colégio Cataguases, conforme
registro fotográfico a seguir. Pierre Theotonio faleceu em 1968 na cidade de Cataguases.
Honorina Ventania era professora, soprano lírico e pianista. Nasceu no final do
século XIX em Cataguases. As soirées realizadas na residência dos Ventania, localizada
na Praça Santa Rita, eram muito famosas. Eram freqüentadas por pares elegantes e de
bons modos. Honorina executava lindas valsas, músicas clássicas, além de possuir bela
voz. Foi a pianista que acompanhou Pattápio Silva em 1902, quando visitou Cataguases
para rever seus amigos. Em um pequeno recital na casa dos Ventania com a presença e
184
Ibidem., p. 385
185
Esta afirmação está na biografia de Ciodaro em “Os cem do século em Cataguases”.
148
colaboração dos músicos da época. Honorina Ventania faleceu em 1962 no Rio de
186
Janeiro.
Segundo Levy Simões:
Assim, dentro de curto espaço de tempo, notava-se em muitas casa da cidade a
presença de um piano, ou um bandolim, de um violino, uma flauta, e de outros
instrumentos de música. .....As famílias se interessavam entusiasticamente pelo estudo de
música. Era mais uma cultura que se introduzia no aprimoramento da nossa nascente
sociedade. Para estimular os estudantes foram criados conjuntos orquestrais e corais, os
quais apresentavam magníficos recitais no CineTeatro Recreio, para maior deleite da
sociedade cataguasense.
187
Embora Pattápio comprovadamente só tenha atuado em duas bandas na cidade
de Cataguases, sabe-se que durante sua adolescência estava ao lado do maestro
Duschesne, que circulava por cidades próximas como Miracema, Santo Antonio de
Pádua, São Fidelis e Campos. Nestas cidades, encontram-se partituras desse vigoroso
maestro, que tanto influenciou esta região com seu conhecimento musical e claro, seu
188
aluno e discípulo Pattápio Silva, que o seguiu desde 1896.
Duschesne foi regente da Sociedade Musical Euterpe Comercial Fidelense e em
1916 fundou a Sociedade 22 de outubro em homenagem à data de nascimento de
Pattápio Silva, sendo a mais antiga corporação do município de são Fidélis ainda em
atividade. Em anexo, encontram-se manuscritos de Duschesne, guardados na cidade de
São Fidelis aos cuidados do atual regente desta banda, José Maria Mangia. Além destes
manuscritos de valor inestimáveis, conseguimos uma fotografia do maestro Duschesne
que, apesar da má qualidade da impressão. tem grande valor histórico.
186
Os cem do século em Cataguases. Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho.Cia.
Força e Luz Cataguases-Leopoldina, 2000. s.ed. p.50.
187
Levy Simões, op. Cit., p. 379.
188
Maria das Graças, op. cit., p.26.
149
Pequena biografia dos autores que Pattápio gravou
Julio César do Lago Reis (1870-1933). Pianista,organista, compositor e escritor.
Quando criança estudou piano e órgão com a mãe. Dedicou-se à música como diletante,
tendo seguido carreira no Senado Federal. Em 1883, no Rio de Janeiro, sua Ave Maria
para piano e coros foi cantada na Festa de Santa Cecília, na Igreja do Santíssimo
Sacramento, sob a regência do maestro Henrique Alves de Mesquita. Outro momento
marcante de sua trajetória, foi em 1887 quando foi executada sua Marcha Triunfal para
órgão, em Roma, Itália, por ocasião do jubileu do Papa Leão XIII. Dedicou Alvorada das
Rosas para Pattápio Silva.
Viriato Figueira da Silva (1851-1883). Compositor e flautista. Estudou no
Conservatório de Música, no Rio de Janeiro com Callado, de quem se tornou grande
amigo. Em 1866 foi integrante da orquestra do Teatro Fênix Dramática, dirigida pelo
maestro Henrique Alves de Mesquita. Foi um dos primeiros no Brasil a se sobressair
tocando saxofone. Sua polca Só de moer foi editada em 1877 por José Maria Alves da
Rocha e mais tarde por Arthur Napoleão & Cia. Faleceu muito jovem, e em 17 de
dezembro de 1883, um concerto foi realizado para a compra de um mausoléu no
Cemitério de São Francisco Xavier, no Caju, Rio de Janeiro, para onde foi transladado do
Cemitério de São João Batista o corpo de seu grande amigo Callado, sendo sepultado ao
seu lado, cumprindo assim o desejo de ambos de não se separarem nem depois da
morte. Mais tarde, a composição Só para moer recebeu versos de Catulo da Paixão
Cearense, sob o título de Não vê-la mais, da mesma forma que Flor Amorosa de Callado.
Ernesto Koehler (1849-1907). Nasceu em Modena e estudou com seu pai. Foi
considerado um dos melhores flautistas do seu tempo. Escreveu mais de cem peças para
flauta, e muitos estudos. Em 1869 ingressou na Real Orquestra de São Petersburgo
como primeira flauta, falecendo em 17 de março de 1907 nesta mesma cidade.
Gaetano Braga (1849-1907). Nasceu em Giulianova, Itália, em 9 de junho de 1829
e faleceu em Milão em 20 de setembro de 1907. Grande violoncelista e compositor,
ingressou muito jovem no Conservatório de São Pedro na cidade de Maiella, onde
estudou violoncelo e composição com Gaetano Ciaudelli. Depois de se formar “maestro
de contraponto”, começou a compor fantasias, peças livres de concerto. Escreveu a
ópera Alina, que obteve um grande sucesso de crítica.
150
Viajou muito como concertista, e em Paris conheceu Rossini, Verdi e Gounod, que
o encorajaram a compor. Foram nove óperas, duas sinfonias, dois concertos para
violoncelo, música sacra e peças de câmara.Em 1885 iniciou uma grande tournée pelos
Estados Unidos, onde foi chamado o rei do violoncelo. A obra La Serenata originalmente
foi feita para solo de violino, mas tornou-se tão popular que existem versões praticamente
para todos os instrumentos.
Franz Schubert (1797-1828). Nasceu num subúrbio de Viena. Foi menino cantor
no Coro da Capela Imperial, onde ficou por seis anos. Depois, formado no magistério,
trabalhou como professor na escola de seu pai, mas não por muito tempo. Passa a morar
em casa de amigos, levando uma vida boêmia. Nunca se casou. Escrevia música pela
manhã, passeava pela tarde e à noite ia à casa dos amigos para tocar o que havia
composto durante o dia. Sua vida sempre foi em Viena sem grandes mudanças. Não era
um profissional requisitado, e se contentava em tocar em algumas festas e viver de
favores. Aos dezoito anos já havia composto 203 músicas, entre elas sinfonias, umas
poucas sonatas, peças para piano e muitos lieds. Assim como a modinha estava para o
Brasil, o lied estava para a Alemanha.
Adolph Terschak (1832-1901). Nascido na Hungria na cidade de Hermannstadt,
estudou no Conservatório de Viena, tornando-se um virtuose da flauta. Estudou com
Simon Sechter, que também foi professor de Anton Bruchner e Sigismund Thalberg.
Terschak ficou muito conhecido por tocar em uma flauta de 16 chaves cuja nota mais
grave era o sol, quarto espaço da clave de fá, chamada flauta panaulon ou flauta d’amore
construída por J. Zeigler em Viena no ano de 1850. Compôs mais de 200 obras para
flauta entre estudos, solos com acompanhamento de piano e outras formações.
Wilhelm Albrecht Otto Popp (1828-1903). Nasceu na Alemanha e faleceu
provavelmente na cidade de Coburg. Pouco se sabe a respeito de Wilhelm Popp, a não
ser pela quantidade incrível de obras para flauta por ele compostas. Cerca de 500 peças
para flauta com as mais variadas formações. Autor de vários estudos incluindo um para
flauta pícolo. Foi flautista da Hamburg Philharmonisches Staatsorchester a partir do ano
de 1870. Apesar de ser um dos compositores do século XIX que mais compôs para
flauta, atualmente é completamente desconhecido dos flautistas.
151
152
153
154
155
l Maestro Duchesne
“Nozinho”. A voz da Casa Edison
156
157
Um dos últimos registros fotográficos de Pattápio Silva.
158
Composição atribuída erroneamente a Pattápio Silva.
159
ERRATA
Pattápio Silva - flautista virtuose, pioneiro da belle époque brasileira
No terceiro parágrafo do resumo onde se lê:
“Elaboramos a catalogação das obras por ele apresentadas através do levantamento dos
programas de seus recitais e relacionamos outras ainda pouco conhecidas.”
Leia-se:
“Realizamos o levantamento dos programas de seus recitais e detectamos a presença no
seu repertório de obras de outros autores ainda pouco conhecidas, assim como
composições e adaptações de sua autoria que não estão catalogadas ou editadas.”
Pg. 5. Na nota de rodapé número 3, onde se lê:
“Loja Maçônica Cataguasesnse, ..”
Leia-se:
“Loja Maçônica Cataguasense,...”
Pg. 6. No segundo parágrafo, quinta linha, omite-se “...(em anexo no presente volume).”
Pg. 6. No terceiro parágrafo, segunda linha, onde se lê:
“...a respeito de Pattápio Silva pela por...”
Leia-se:
“...a respeito de Pattápio Silva pela Funarte por...”
Pg. 7. No primeiro parágrafo, onde se lê:
“...Das gravações de 1902.”
Leia-se:
“...Das gravações pela Casa Edison de 1902.”
Pg. 7. No terceiro parágrafo, oitava linha, onde se lê:
“...portanto impressas em 1904.”
Leia-se:
“...portanto impressos em 1904, como será visto a partir da página 104.”
Pg. 7. Na nota de rodapé número 5, onde se lê:
“...primórdios das gravações mecânicas e”
Leia-se:
“...primórdios das gravações mecânicas.”
Pg. 12. A primeira foto desta página se refere à flauta de madeira de oito buracos.
Pg. 13. No terceiro parágrafo, sétima linha, onde se lê:
“Achamos que provavelmente...”
Leia-se:
“Acreditamos que provavelmente...”
Pg. 13. No terceiro parágrafo, décima linha, onde se lê:
“...conhecida de Pattápio Silva.”
Leia-se:
160
“...conhecida de Pattápio Silva (reprodução da foto na página 37).”
Pg. 16. No terceiro parágrafo, primeira linha,onde se lê:
“Aparecida era filha...”
Leia-se:
“Aparecida Massena era filha...”
Pg. 17. Na nota de rodapé número 24, onde se lê:
“...um amigo paulista a quem...”
Leia-se:
“...foi o amigo a quem Pattápio...”
Pg. 18. No primeiro parágrafo, sexta linha: Há dúvidas quanto ao termo utilizado,
“...teclado...”. Este termo está presente na edição da Funarte, página 29, sendo que
Vincenzo Cernicchiaro, utiliza o termo “pianoforte”, ao se referir a esta matéria ministrada
no Instituto Nacional de Música no capitulo 33, página 585.
Pg. 26. A citação referente à crítica do recital de Pattápio Silva, encontra-se no Correio
Paulistano do dia 12 de fevereiro de 1906, sessão “platéas e salões”.
Pg. 31. Nota de rodapé número 45, leia-se:
“As partituras das transcrições das obras Carnaval de Veneza, Il Guarany- Fantasia e
Rhapsodie Hongroise, não foram encontradas e não estão catalogadas até o presente
momento.”
Pg. 33. No terceiro parágrafo, inserir nota: Apud. M. das Graças N. de Souza, et. aliii...
op. cit., p. 41. Este testemunho é de Sebastião Vieira, Tipógrafo do jornal O Dia de
Florianópolis.
Pg. 35. No primeiro parágrafo, quinta linha, onde se lê:
“...monografia editada pela por meio da...”
Leia-se:
“...monografia editada pela Funarte por meio da....”
Pg. 35. No quarto parágrafo, segunda linha, onde se lê:
“Pó outro lado...”
Leia-se:
“Por outro lado...”
Pg.36. Na segunda linha, incluir referência: Apud. Maria das Graças N. de Souza, et.
aliii... op.cit., p. 28. Carta de Luiz Amábile publicada em 15 de maio de 1905 in. A Notícia
de Curitiba.
Pg. 36. No primeiro parágrafo, terceira linha, onde se lê:
“...reformas mecânicas de m,...”
Leia-se:
“...reformas mecânicas de Boehm.”
Pg. 36. No segundo parágrafo, décima primeira linha, onde se lê:
“...do diretor Henrique Oswald...”
161
Leia-se:
“...do então diretor do Instituto Nacional de Música, Henrique Oswald...”
Pg. 37. Instrumental da Banda de Cataguases: um clarinete, uma flauta, um trombone de
válvulas, um trompete, quatro sax horn, uma percursão e o regente.
Pg. 39. No quarto parágrafo, primeira linha, onde se lê:
“A saída destes fazendeiros foi a estrada de ferro...”
Leia-se:
“Com a abolição da escravatura, o escoamento da produção das fazendas da região,
passou a ser feito pelas ferrovias.”
Pg. 39. No quarto parágrafo, nona linha, onde se lê:
“Não era só de café...”
Leia-se:
“Porém, não era só de café...”
Pg. 40. Na nota de rodapé número 54, onde se lê:
“...apostila 13...”
Leia-se:
“...capitulo 13...”
Pg. 43. No primeiro parágrafo, décima linha, onde se lê:
“...pantominas...”
Endenda-se :
“...pantomimas...” Sic. José Ramos Tinhorão, Música popular de índios, negros e
mestiços. op. cit., p.38.
Idem p.44, quinto parágrafo, primeira linha.
“Pantomina” significa conspirar contra alguém.
“Pantomima” significa dramatização.
Pg. 45. Na segunda linha, onde se lê:
“...africanos e europeus.”
Leia-se:
“...africanos, europeus e índios.”
Pg. 45. Nota de rodapé número 66, leia-se: Apud Francisco Curt Lange. A organização
musical durante o período colonial brasileiro. Bruno Kiefer, op. cit., p.33.
Pg. 45. Nota número 67, leia-se: Apud Fritz Teixeira de Salles. Associações religiosas no
ciclo do ouro. Universidade de Minas Gerais, séries Estudos vol. 1, Belo Horizonte, 1963.
José Ramos Tinhorão op. cit., p. 56.
Pg. 46. No primeiro parágrafo, quarta linha, onde se lê:
”...de instrumentos, agora...”
Leia-se:
“...de instrumentos europeus, agora...”
Pg. 49. No quarto parágrafo, oitava linha, onde se lê:
“...vida, embora tenha morrido na miséria.”
162
Leia-se:
“...vida, onde morreu na miséria.”
Pg. 58. No quarto parágrafo, primeira linha, onde se lê:
“...violinista cubano José White...”
Leia-se:
“...o violinista cubano José White (autor de Zamacueca),...”
Pg. 60. Na primeira linha, onde se lê:
“...depoimento do Renato Soares Teixeira,...”
Leia-se:
“...depoimento de Renato Soares Teixeira,...”
Pg. 62. No segundo parágrafo, oitava linha, onde se lê:
“...as cordas eram improvisadores...”
Leia-se:
“...as cordas eram de instrumentistas improvisadores...”
Pg. 63. No primeiro parágrafo, sexta linha, onde se lê:
“...reformas de Boehm.”
Leia-se:
“...reformas de Boehm, como estudaremos na página 84.”
Pg. 64. Na primeira linha, onde se lê:
“...o Rei dos Belgas e...”
Leia-se:
“...o Rei dos Belgas, Leopoldo I e, ...”
Pg. 71. No segundo parágrafo, Nota: Quando Marieta Alves cita o tambor como um
instrumento obrigatório e relacionado à cultura africana, este tambor poderia não ser de
origem africana, mas de qualquer procedência.
Pg. 73. No terceiro parágrafo, quinta linha, onde se lê:
“... Dna. Raimunda Porcina de Jesus, ...”
Leia-se:
“...Dna. Raimunda Prorcina de Jesus, como era chamada, ...”
Pg. 77. No quarto parágrafo, primeira linha, onde se lê:
“...potpourris...”
Leia-se:
“...poutpourris...”
Pg. 78. Segundo parágrafo, Nota: Com relação à afirmação de Lenita Waldige Mendes
Nogueira, quanto à diferenciação da banda brasileira, em comparação à banda européia,
como sendo uma questão de linguagem e, como ela mesma diz, de “trejeitos”, não
podemos deixar de registrar que além disso, o instrumental de nossas bandas musicais
era precário e contava com um número muito reduzido quanto à diversidade de
instrumentos, comparando-se às bandas européias. Esta característica peculiar, imprimia
uma sonoridade própria, praticamente a cada banda musical.
163
Pg. 81. No segundo parágrafo, segunda linha: Os nomes das bandas “Aurora
Cataguasense e Sociedade Harpa de David” , deveriam estar em itálico.
Pg. 83. No segundo parágrafo, quarta linha, onde se lê:
“...desenvolveu...”
Leia-se:
“...desenvolver...”
Pg. 84. No segundo parágrafo, quinta linha, onde se lê:
“...quatro orifícios .”
Leia-se:
“...quatro orifícios, como na ilustração abaixo.”
Pg. 87. Na primeira linha, onde se lê:
“Por volta de 1635...”
Leia-se:
“Em 1636,...”
Pg. 87. No terceiro parágrafo, primeira linha, onde se lê:
“...dão-se modificações...”
Leia-se:
“...ocorrem modificações...”
Pg. 84. No quarto parágrafo, segunda linha, onde se lê:
“...R#...”
Leia-se:
“...Ré#...”
Pg. 89. No terceiro parágrafo, quinta linha, onde se lê:
“...a chave para o sol#,...”
Leia-se:
“...a chave para o sol#, utilizada para as três oitavas e acionada...”
Pg. 90. No primeiro parágrafo, segunda linha, onde se lê:
“...Dó# e o Dó natural graves.”
Leia-se:
“...Dó#¹ e o Dó¹, da região grave.”
Pg. 90. No segundo parágrafo, oitava linha, onde se lê:
“...Dó e o Dó# graves.”
Leia-se:
“...Dó¹ e Dò#¹.”
Pg. 91. No segundo parágrafo, terceira linha, onde se lê:
“...do Si e Dó#, e era acionada...”
Leia-se:
“...orifícios do Si ¹ e ² e Dó# ¹ e ² (acionados pelo indicador e polegar da mão esquerda),
sendo esta nova chave acionada pelo...”
Pg. 91. No segundo parágrafo, quinta linha, onde se lê:
164
“...o Ré ou o Ré#.”
Leia-se:
“...o Ré e ou Ré# da primeira e segunda oitava.”
Pg. 91. No quinto parágrafo, décima primeira linha, onde se lê:
“...fechado ao tempo todo é a do Sol#.”
Leia-se:
“...fechado ao tempo todo é a do Sol# (acionada pelo dedo mínimo da mão esquerda).”
Pg. 96. Os títulos das músicas gravadas por Pattápio Silva deveriam estar em itálico.
Pg. 107. Na décima linha da citação onde se lê?
“...aualidade...”
Leia-se:
“...atualidade...”
Pg. 114. No segundo parágrafo, primeira linha, onde se lê:
“Também é sabido...”
Leia-se:
“Também é conhecido...”
Pg. 120. No terceiro parágrafo, segunda linha, onde se lê:
“...para flauta e pianol coordenação...”
Leia-se:
“...para flauta e piano, coordenação...”
Pg. 121. No terceiro parágrafo, terceira linha, onde se lê:
“...déb Júlio Reis,...”
Leia-se:
“...de Júlio Reis,...”
Pg. 128. No quarto parágrafo, primeira linha, onde se lê:
“...Ré segunda linha suplementar...”
Leia-se:
“...Ré³ é composta de...”
Pg. 128. No sexto parágrafo, primeira linha, onde se lê:
“...Ré (fermata) até a nota Dó acentuada.”
Leia-se:
“...Ré³ (fermata) até a nota Dó² acentuada.”
Pg. 128. No sexto parágrafo, segunda linha, onde se lê:
“...Lá primeira linha suplementar até o Lá acentuado...”
Leia-se:
“...Lá² até o Lá¹ acentuado...”
Pg. 128. No sétimo parágrafo, primeira linha, onde se lê:
“...Dó (acentuado) e evolua rapidamente até o Mi. Pule o arpejo e faça o mesmo da nota
Lá (acentuada) até o Dó natural.”
Leia-se:
165
“...Dó² (acentuado) e evolua rapidamente até o Mi². Pule o arpejo e faça o mesmo da nota
Lá² (acentuada) até o Dó².”
Pg. 129. No segundo parágrafo, segunda linha, onde se lê:
“...Ré (fermata) até o Mi. Repita algumas vezes só este trecho. Depois do Lá até o Dó.”
Leia-se:
“...Ré³ (fermata) até o Mi². Repita algumas vezes só este trecho. Depois do Lá² até o Dó²”
Pg. 129. No segundo parágrafo, segunda linha, onde se lê:
“...Ré fermata, e parar no Lá primeira linha suplementar. Repita algumas vezes e faça o
mesmo deste mesmo Lá até o Fá# quinta linha, tomando...”
Leia-se:
“...Ré³ (fermata), e parar no Lá². Repita algumas vezes e faça o mesmo deste mesmo Lá²
até o Fá#², tomando...”
Pg.129. No quarto parágrafo, primeira linha, onde se lê:
“Pattápio executa esta cadência...”
Leia-se como subtítulo:
“Cadência executada por Pattápio Silva na gravação pela Casa Edison no ano de 1902. É
realizada com ligadura em toda sua extensão e em andamento prestíssimo. Ao executála percebe-se claramente tratar-se de uma improvisação. Nunca foi editada ou gravada
por outros interpretes.”
Pg. 131. No primeiro parágrafo, sétima linha, onde se lê:
“É o caso do início de Idyllio op.7”
Leia-se:
“É o timbre necessário no caso do início de Idyllio op.7”
Pg. 132. Na primeira linha, onde se lê:
“...por sua indefinição, por esta razão,...”
Leia-se:
“...por sua fragilidade. Por esta razão...”
Pg. 132. No primeiro parágrafo, terceira linha, onde se lê:
“... que se soubesse praticamente decorado esta...”
Leia-se:
“...que se decorasse esta...”
Pg. 132. Nota de rodapé 181, onde se lê:
“Há um erro de numeração de páginas na edição...”
Leia-se:
“Há um erro de numeração de páginas na partitura do piano na edição...”
Pg. 133. No quarto parágrafo, terceira linha, onde se lê:
“...em 1802...”
Leia-se:
“...em 1808...”
Pg. 134. Na primeira linha, onde se lê:
“El e suplantou...”
166
Leia-se:
“Ele suplantou...”
Pg. 134. No segundo parágrafo, quinta linha, onde se lê:
“...Os cem do século em Cataguases d a Fundação...”
Leia-se:
“...Os cem do século em Cataguases, da Fundação...”
Pg. 140. Anexos: os nomes de seus contemporâneos deveriam estar grifados.
Pg. 143. No segundo parágrafo, primeira linha, onde se lê:
“ ...tendo-se diplomado em 1903...”
Leia-se:
“...diplomou-se em 1903...”
Pg. 143. No segundo parágrafo, nona linha: Omitir a frase “É a única menção a este
violinista.”.
Pg. 151. No quarto parágrafo, quinta linha, onde se lê:
“...flauta pícolo.”
Leia-se:
“...flauta píccolo.”
Pg. 154. Acrescentar subtítulo: Trecho da biografia de Pattápio Silva, escrita por seu
irmão Cícero Menezes.
167
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