Marcas da virada do século XX no acervo da JUCESP:
primeiras impressões
Trademarks of the turn of the XXth century at JUCESP archives: first impressions
Floeter, Frederico Saade; Bolsista de Iniciação Científica; Centro Universitário Senac
[email protected]
Farias, Priscila Lena; Doutora; Centro Universitário Senac e Universidade de São Paulo
[email protected]
Resumo
Este artigo relata o processo de descoberta de registros de marca do final do século XIX e
início do século XX no acervo da Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP), e
descreve os documentos encontrados. Apresenta-se também uma breve análise formal da
estrutura e do conteúdo dos artefatos que compõem esta coleção, visando demonstrar a
relevância do material encontrado para a pesquisa sobre a memória gráfica brasileira.
Palavras Chave: Brasil; Design Gráfico; História.
Abstract
This paper reports the process of discovery of trademark registers from the late 19th and early
20th century in São Paulo State Board of Trade (JUCESP) achieves, and describes the
documents found. It also presents a brief formal analysis of the structure and content of the
artifacts that make up this collection, aiming to demonstrate the relevance of the material
found for the research on Brazilian graphic memory.
Keywords: Brazil; Graphic Design; History.
Marcas da virada do século XX no acervo da JUCESP
Introdução
Este artigo apresenta resultados obtidos por uma pesquisa de iniciação científica que
teve como principal objetivo identificar e descrever acervos de impressos efêmeros na cidade
de São Paulo. O levantamento faz parte do projeto Memória Gráfica Brasileira: estudos
comparativos de manifestações gráficas nas cidades do Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, e
seus resultados devem auxiliar a equipe de pesquisa a localizar obras de interesse para os
estudos comparados que estão sendo conduzidos.
A partir de um levantamento bibliográfico, foram identificadas instituições de
interesse, e os primeiros contatos foram feitos. Uma ficha para levantamento de dados em
campo foi desenvolvida para ser preenchida durante as visitas. Sete instituições foram
visitadas e tiveram seus acervos descritos, entre elas a Junta Comercial do Estado de São
Paulo (JUCESP).
Identificação do acervo da JUCESP
No Brasil, o início do registro do que hoje conhecemos como propriedade intelectual
remonta a 1875. A partir de então, “quem quisesse tornar exclusiva a marca de seu produto
para distingui-lo dos outros no mercado finalmente poderia ir até a Junta Comercial mais
próxima e registrá-la como sua propriedade” (REZENDE 2006, p. 20). Em 1890, a coleta de
marcas iniciada pelo Império foi suspensa por um decreto baixado pelo Governo Provisório
republicano. Este procedimento fez com que os livros-registro das Juntas Comerciais
perdessem seu valor original, sendo assim recolhidos e preservados por instituições como o
Arquivo Nacional enquanto patrimônio cultural (REZENDE 2006 p. 24-25).
A JUCESP foi fundada em 19 de julho de 1890, e a marca mais antiga encontrada no
acervo data de 10 de junho de 1891. Trata-se de um registro em caderno solto, que apresenta
em sua capa a numeração 1. Ele contém a descrição da marca Fumo Negro, da Companhia de
Fumos S. Paulo. Em algum momento entre 1893 e 1899, os cadernos contendo registros feitos
em um mesmo ano passaram a ser agrupados em livros, provavelmente similares àqueles
descritos por Rezende (2006) e Heynemann et. al. (2009).
Os artefatos que fazem parte do acervo da JUCESP estavam, na data da visita,
acomodados em uma caixa de papelão que continha cerca de 40 cadernos soltos, com datas
entre 1891 e 1893, e dois grandes livros de capa dura, datados 1899 e 1922, contendo cerca de
40 e 100 cadernos, respectivamente.1 Segundo funcionários da JUCESP, os cadernos e livros
encontrados são os únicos que sobraram deste período, tendo muitos dos demais sido
extraviados por ocasião de uma enchente no depósito da Junta. Ao menos um livro do período
teria sido enviado a uma restauradora, que nunca o devolveu. Nenhuma das imagens presentes
em A Arte no Comércio: São Paulo 1900 – 1930 (KLINTOWITZ 1988) foi encontrada no
acervo, levando a crer que ao menos um livro-registro do início do século XX tenha sido
extraviado durante ou logo após a produção do livro.2
Estrutura dos documentos
Todos os cadernos soltos apresentam a mesma disposição de elementos gráficos na
capa, contendo, na parte superior, centralizado, um brasão da República, onde se lê:
“República Federativa do Brazil / 15 de novembro / de 1889” (fig. 1). Do lado esquerdo do
Chama a atenção a numeração dos registros, que salta de 195 para 6301 entre 1899 e 1922, sugerindo mudança no critério
de numeração, ou grande aumento da quantidade de marcas.
2
Uma visita ao departamento de Memória Institucional do Senac São Paulo, em janeiro de 2010, revelou que os fotolitos do
livro foram produzidos a partir de reproduções em papel fotográfico, ampliadas e coloridas, dos rótulos originais. Segundo
funcionária da instituição, estas reproduções foram fornecidas pelo autor do livro.
1
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brasão há um campo para a indicação do número do documento. Abaixo, há campos para
indicação do nome da empresa que solicita o registro, novamente o número, e a data da sessão
que deferiu o registro. O texto é impresso na cor preta, utilizando tipos móveis numa fonte
itálica. Todos os campos da capa são preenchidos manualmente, assim como páginas internas,
com caligrafias que variam de acordo com o escrivão. A caligrafia da capa se mantém pelos 3
anos, mas as páginas internas foram certamente preenchidas por outras mãos.
Figura 1: Caderno nº 1, capa, 1891.
Em junho de 1899, a capa do caderno de registro muda de configuração (fig. 2). A
mudança mais significativa é a troca do brasão por uma marca circular, similar ao centro da
bandeira nacional, ao redor da qual se lê: “Republica dos Estados Unidos do Brazil”. A
disposição do texto continua a mesma, mas a fonte itálica é substituída por uma escritural,
aplicada em corpo maior nas palavras “registro” e “sessão”. A caligrafia da capa muda ao
menos 3 vezes nos cadernos do livro de 1899. Parte do texto de alguns registros é carimbado e
completado a mão.
As capas dos registros do ano de 1922 têm estrutura similar, mas são compostas com
uma fonte mais cursiva do que as anteriores (com exceção do ‘N’ antes do campo do
número). A data da sessão aparece antes do nome do requerente, e logo após há um campo
para indicar o nome da cidade onde a empresa está sediada (fig. 3). Todos os registros são
datilografados, e há trechos com textos carimbados.
Na parte interna, todos os registros encontrados apresentam a mesma organização: no
mínimo uma folha, contendo, tipicamente, na parte superior da página, um exemplo da marca.
Esta varia de rótulos impressos em litografia a simples representações verbais da marca,
passando por desenhos realizados diretamente no papel do registro. Abaixo do exemplo, há
uma descrição dos elementos gráficos da marca. A partir de 1899, há uma divisão na estrutura
do registro, entre “descripção” e “applicação”, esta última especificando quais produtos irão
ostentar a marca e, algumas vezes, como ela estará disposta nos mesmos. Ao final do texto,
quase sempre há uma estampilha fiscal colada sob a assinatura do requerente, local e a data.
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Em alguns registros, há, em anexo, páginas do jornal onde o edital do registro de marca foi
publicado.
Figura 2: Caderno nº 169, capa, 1899.
Figura 3: Caderno nº 6304, capa, 1922.
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Marcas e rótulos paulistas – alguns exemplos
Para fins de análise, os rótulos encontrados na JUCESP foram divididos de acordo
com as 7 categorias adotadas no livro Marcas do progresso (HEYNEMANN et al. 2009):
Tabacaria; À mesa; Bares e confeitarias; Farmácias e Boticas; Ao Espelho; Empório; e As
Máquinas. Foram encontrados exemplos de todas as categorias, sendo ‘Bares e confeitarias’ a
mais recorrente, fazendo com que um primeiro estudo mais detalhado iniciasse pelos rótulos
de bebidas, chás e cafés.
O exemplo mais antigo desta categoria é um rótulo do vinho “Puro Sangue di St.
Lorenzo” (fig. 4), que se destaca pelo uso do dourado. Outro rótulo de bebida alcoólica
encontrado no acervo, o vinho “Quinta de S. João” (fig. 5), com registro de 1899, assemelhase ao anterior pelo formato do impresso, pelo uso da cor dourada e pela moldura que delimita
a área de informação.
Figura 4: Puro Sangue di St. Lorenzo [vinho]; Fratelli Covelli; São Paulo, SP, 1891.
Figura 5: Quinta de S. João; João Jorge, Figueredo & Cia.; São Paulo, SP, 1899.
Os dois rótulos da cervejaria Bavaria, fundada em 1877, registrados no ano de 1892
por Henrique Stupakoff & Cia., exibem requinte gráfico e busca pela afirmação de identidade
uma vez que apresentam a mesma estrutura, alterando apenas cor e nome do produto (fig. 6 e
7). A preocupação com a fixação da marca através de elementos visuais recorrentes se
comprova quando, em 1899, Henrique Stupakoff & Cia. registram 7 rótulos de “contra
marca” da “Fabrica de Cerveja Bavaria” com estrutura e tipografia praticamente idênticas,
variando somente a ilustração e nome do produto (fig. 8 e 9).
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Figura 6: Bavaria Export-Bier; Henrique Stupakoff & Cia.; São Paulo, SP, 1892.
Figura 7: Bavaria Larger-Bier; Henrique Stupakoff & Cia.; São Paulo, SP, 1892.
Figura 8: Gallo; Henrique Stupakoff & Cia.; São Paulo, SP, 1899.
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Figura 9: Martello; Henrique Stupakoff & Cia.; São Paulo, SP, 1899.
A Companhia Antarctica Paulista aparece no livro de 1899 com um dos poucos
rótulos assinados pelo impressor, “Estab. Gráfico V. Steidel e C. S. Paulo”3 (fig.10). A
recorrência dos elementos gráficos descritos no registro pode ser conferida em rótulos da
empresa reproduzidos em Klintowitz (1988, p. 115, 120,122), como Cerveja Paulista (1911),
Licôr Diabo (1913) e refrigerante Salsaparrilha (1915), e em um anúncio reproduzido em
Camargo (1991, p. 64). Um rotulo mais antigo, de Antártica Lager Beer (1889), mostra a
estrela de 6 pontas sem o A no interior, e é reproduzido em Heynemann et. al. (2009, p. 75).
Figura 10: Cerveja Antarctica München; Cia. Antarctica Paulista; São Paulo, SP, 1899
Conclusão
Segundo Rafael Cardoso, através da análise sistemática das marcas e rótulos
custodiados pelo Arquivo Nacional, seria possível “reconstituir aspectos da História cultural,
normalmente ausentes ou ocultados em outras fontes contemporâneas, em especial no que diz
respeito aos hábitos, à intimidade e ao cotidiano das camadas urbanas da época”
(HEYNEMANN et. al. 2009, p. 9). O mesmo pode ser dito sobre as marcas e rótulos
encontrados na JUCESP. Estes últimos refletem a evolução e diversidade, tanto no comércio
quanto na indústria gráfica paulistana na ultima década do século XIX, impulsionados pela
expansão industrial e pela oferta de mão-de-obra. Registram também a presença de marcas de
empresas sediadas em outros estados e países, atestando a relevância da cidade de São Paulo
enquanto centro comercial no período, e configurando-se, assim, como uma rica fonte de
3
Uma marca de baralho foi registrada pelo mesmo impressor imediatamente antes deste rótulo.
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pesquisas. Uma análise mais aprofundada do acervo da JUCESP, buscando relações com o
acervo do Arquivo Nacional, é o próximo passo da pesquisa.
Agradecimentos
Os autores agradecem o auxílio financeiro oferecido pela CAPES e CNPq para a
realização desta pesquisa.
Referências
CAMARGO, M. de. Arte e indústria no Brasil: 180 anos de história. São Paulo:
Bandeirantes, 1991.
HEYNEMANN, C. B.; RAINHO, M. do C. T.; CARDOSO, R. (orgs.). Marcas do
progresso: consumo e design no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009.
KLINTOWITZ, J.. A arte do comércio: São Paulo 1900-1930. São Paulo: Senac, 1988.
REZENDE, L. L.. A circulação de imagens no Brasil oitocentista: uma história com marca
registrada. In: CARDOSO, R. (org.). O design brasileiro antes do design: aspectos da
história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 20-57.
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