BIBLIOTECA NACIONAL COLEÇÃO RODOLFO GARCIA BRASIL 1900-1910 RIO DE JANEIRO BRASIL 1900-1910 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA MINISTRO: EDUARDO PORTELLA SECRETARIA DE ASSUNTOS CULTURAIS SECRETARIO: MÁRCIO TAVARES D'AMARAL BIBLIOTECA NACIONAL DIRETOR: PLÍNIO DOYLE Divisão de Aquisição e Processamento Francisco das Chagas Pereira da Silva Divisão de Referência Geral Mário Ferreira da Luz Divisão de Referência Especializada Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha Divisão de Divulgação Ilda Centeno de Oliveira Divisão de Conservação Lila Leite Ferreira BIBLIOTECA NACIONAL COLEÇÃO RODOLFO GARCIA BRASIL 1900-1910 APRESENTAÇÃO PLÍNIO D O Y L E V. 2 RIO DE JANEIRO I980 COLEÇÃO RODOLFO GARCIA SÉRIE A — TEXTOS ISBN ISBN 85-7017-009-2 85-7017-011-4 obra completa v. 2 Brasil 1900-1910 / Luiz Antônio Severo da Costa / e outros/ Apresentação: Plinio Doyle. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1980. 3 v., il. (Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional. Coleção Rodolfo Garcia. Série A. Textos) 1. Brasil — Civilização. 2. Brasil — Vida intelectual. I. Costa, Luís Antônio Severo da. II. Doyle. Plinio, 1906 — III. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional. IV. Série. CDD 918.1 SUMÁRIO Apresentação 9 Música sacra no Rio de Janeiro em redor de 1910 — Mons. Guilherme Schubert A Igreja no início do século XX — Américo Jacobina Lacombe O Convento da Ajuda — Antonio 11 47 Carlos Villaça 61 Literatura: A prosa — Homero Senna 75 A literatura Sanãroni infantil no Brasil de 1900 a 1910 — Laura 107 A imprensa — Barbosa Lima Sobrinho 123 O acervo da Biblioteca Nacional — Lygia. da Fonseca Fernandes da Cunha 143 A Biblioteca e suas andanças — Eduardo Canabrava reiros 169 Bar- A Biblioteca Nacional Carmo — Passeio — Cinelândia — Augusto Maurício 173 APRESENTAÇÃO Para comemorar os 107 anos de sua existência a serviço da cultura no Brasil e os 70 anos de inauguração de sua sede atual, a Biblioteca Nacional faz publicar uma série de monografias, agrupadas em três volumes, onde se historiam aspectos variados da vida brasileira no período de 1900 a 1910. A intenção que nos moveu, ao encomendarmos a especialistas os estudos que ora lançamos ao público, foi apresentar um quadro histórico, o mais completo possível, da fase em que se planejava, construía e se inaugurava o edifício da Avenida Rio Branco para abrigar a Biblioteca trazida por D. João, Príncipe-Regente, e que, no final do século XIX, já atingia o acervo considerável para a guarda ão qual urgiam instalações condizentes. Podemos ordenar as monografias deste v. II em grupos principais sob os títulos: a Igreja, as Letras Biblioteca Nacional. três e a O primeiro reúne o estudo do Prof. Américo Jacobina Lacombe sobre a Igreja no inicio do século XX, com a organização de novas dioceses, seus movimentos religiosos e sua ação pastoral; a história de um convento que na época representava um centro de destaque na vida reli- giosa e social do Rio de Janeiro, o Convento da Ajuda, num trabalho de Antonio Carlos Villaça. Monsenhor Guilherme Schubert ãâ uma visão da música sacra que se produzia e se executava nos templos católicos ao redor de 1910. Das Letras cobrem-se três importantes áreas: a prosa literária, em estudo de Homero Senna, o desenvolvimento da atividade jornalística no Brasil, por Barbosa Lima Sobrinho, e a literatura infantil, por Laura Sandroni. Finalmente um esboço histórico da Biblioteca Nacional — sua transferência de Lisboa para o Rio e suas andanças do Convento do Carmo para a Rua do Passeio e, daí, para a sede atual — é traçado por Eduardo Canabrava Barreiros e Augusto Maurício. O progressivo enriquecimento do acervo da BN, a incorporação de novas coleções durante o período são objetos da exaustiva pesquisa de Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha. Estamos certos de que os nomes assinam os trabalhos aqui reunidos mesmos a mais atenta e interessada das autoridades que recomendam por si leitura. Plinio Doyle Diretor MÚSICA SACRA NO RIO DE JANEIRO EM REDOR DE 1910 Möns. Guilherme Schubert Ao incluir u m t e m a m u s i c a l n u m a publicação comem o r a t i v a d a i n a u g u r a ç ã o de seu edifício a t u a l , a Bibliot e c a Nacional c o n t i n u a u m a louvável t r a d i ç ã o . Pois com a o c u p a ç ã o de s u a a t u a l sede, ela cedeu o prédio a n t e r i o r n a R u a do Passeio ( n a época " R u a J o a q u i m N a b u c o " ) ao I n s t i t u t o N a c i o n a l de Música, o n d e a i n d a h o j e e n c o n t r a mos a Escola de Música. D i r e m o s a l g u m a coisa sobre a Música S a c r a n o p e ríodo e n t r e 1900 e 1910, d a n d o a l g u m a s " o l h a d e l a s " p a r a t r á s e p a r a f r e n t e , ou p a r a a l g u m a o u t r a cidade do Brasil, q u a n d o isso f o r necessário p a r a c o m p r e e n d e r certos d e talhes. Por motivos p r á t i c o s ( a p e n a s ) l i m i t a m o - n o s à Música S a c r a do cultò católico, p a r a n ã o o f e n d e r por f a l t a de i n f o r m a ç ã o e x a t a . No período em q u e s t ã o j á e s t a v a m p r e s e n t e s n o Rio c o m u n i d a d e s n ã o - c a t ó l i c a s : l u t e r a n o s (desde 1827), p r e s b i t e r i a n o s (1862; n o Brasil desde 1859), b a t i s t a s (1884), a n g l i c a n o s (1889; em 1809 j á t i n h a m recebido de D. J o ã o VI u m c e m i t é r i o ) , a Sociedade Bíblica (1876), a Associação C r i s t ã de Moços (1893). O u t r a s vier a m depois de 1910, como os m e t o d i s t a s , desde 1876 n o Brasil, m a s n ã o no Rio. Se b e m que e s t a s c o m u n i d a d e s d ã o m u i t o valor a o ó r g ã o e ao c a n t o , a p r e s e n t a n d o h o j e corais de m u i t a q u a lidade, n ã o t e m o s a i m p r e s s ã o que e m 1910 t e n h a m e x e r cido g r a n d e i n f l u ê n c i a n a c r i a ç ã o e e x e c u ç ã o m u s i c a l . E m todo caso, j u l g a m o s que u m e l e m e n t o evangélico i n f o r m a r á m e l h o r do que n ó s sobre o a s s u n t o . 13 D u r a n t e a s pesquisas p a r a este t r a b a l h o f i c a m o s s u r preendidos com o g r a n d e n ú m e r o de composições f e i t a s pelos m e l h o r e s músicos brasileiros e e s t r a n g e i r o s r e s i d e n tes n a época. Como se a p r e s e n t a este Rio católico de 1910, c o m p a r a d o com o de 1980? 1910 1980 1 Cardeal: D. Joaquim Alcovcrde de Albuquerque Cavalcanti (1897 - 1930) 1 Cardeal 2 bispos auxiliares: D. Joaquim Silvério que não chegou a tomar posse; e D. Sebastião Leme da Silveira Cintra (1911) sacerdotes religiosas igrejas Matrizes (paróquias) igrejas simples e capelas oratórios privados ordens masculinas ordens femininas 6 bispos auxiliares 150 539 31 190 47 16 17 3 Colegiadas ("Coros" em S. Pedro, Candelária, Misericórdia, importantes para a Música Sacra) 327 Irmandades, Ordens Terceiras, Confrarias e outras associações 634 1999 198 325 46 90 85 • 4 19 colégios católicos outros particulares) hospitais 20 cemitérios População da cidade: c. 1 milhão 14 (oficiais; 93 9 9 22 sacerdotes religiosas igrejas Matrizes igrejas simples e capelas ordens masculinas, em 102 comunidades ordens femininas, em 208 comunidades Irmandades, Ordens Terceiras, Confrarias e outras associações, das quais 79 em igreja própria estabelecimentos de ensino asilos creches hospitais 11 orfanatos 12 9 pensionatos femininos obras sociais c. 5 i/j milhões Quem fez executar Música Sacra Não é por a c a s o que a p r e s e n t a m o s esta e s t a t í s t i c a . P o r ela vemos q u e m se interessou pela execução de M ú sica S a c r a . T o d a s e s t a s igrejas, e s t a s I r m a n d a d e s e O r d e n s c e l e b r a r a m s u a s f e s t a s , p r o c u r a n d o d a r - l h e s brilho l i t ú r gico que, a l é m d u m bom pregador, incluía i n v a r i a v e l m e n t e u m p r o g r a m a m u s i c a l com órgão, c a n t o coral, p o s s i v e l m e n te o r q u e s t r a , n a s Procissões t a m b é m b a n d a . A f r e q ü ê n c i a d e s t a s Missas, Novenas, T e D e u n s e r a g r a n d e , f a z e n d o p a r t e i n t e g r a n t e d a vida d a cidade; de m a n e i r a que os compositores se s e n t i a m m o t i v a d o s p a r a escreverem m ú s i c a s a s e r e m e x e c u t a d a s n e s t a s s o l e n i d a des, certos de que s e r i a m ouvidas e a p r e c i a d a s por b o a parte da população. Gêneros de música Que gêneros de m ú s i c a f o r a m e x e c u t a d o s ? B e m d i f e r e n t e s — em g r a n d e p a r t e — dos de h o j e . Os músicos d a g e r a ç ã o p r e s e n t e f a r ã o b e m em i n t e i r a r - s e d e s t a s p r á t i cas do p a s s a d o p a r a c o m p r e e n d e r m e l h o r as composições de e n t ã o e i n t e r p r e t á - l a s a d e q u a d a m e n t e , j á que m u i t a s d e l a s h o j e são a p r e s e n t a d a s s o m e n t e n a s s a l a s de c o n certo. I. Em Latim E r a a l í n g u a oficial, o b r i g a t ó r i a n a Missa solene ( c a n t a d a ) e n o Ofício ( r e c i t a ç ã o do b r e v i á r i o ) , sendo u s a d a t a m b é m em o u t r a s p a r t e s . 1 — Missa solene: a ) p a r t e s i n v a r i á v e i s : K y r i e — Glória — Credo — S a n c t u s — B e n e d i c t u s — Agnus Dei. Por u m m o t i v o n ã o c o m p l e t a m e n t e esclarecido c h a m a r a m e n t ã o de " M i s s a " o c o n j u n t o de " K y rie" e "Glória", enquanto "CREDO" significava u m c o n j u n t o de " C r e d o — S a n c t u s — B e n e d i c t u s 15 — Agnus Dei". Talvez, p o r q u e a s p a r t e s de u m grupo e r a m e x e c u t a d a s e m m ú s i c a f i g u r a d a e a s d e m a i s em C a n t o c h ã o . Q u a n d o a composição a b r a n g i a t o d a s as 6 p a r t e s , era c h a m a d a de " M i s sa completa". b) p a r t e s variáveis p a r a a c o m p a n h a r o c a r á t e r p a r ticular da celebração: N a t a l — P á s c o a — u m S a n t o — pelos d e f u n t o s : I n t r ó i t o — G r a d u a l — T r a c t u s — Aleluia — Seqüência (Dies i r a e . . . Stabat M a t e r . . . ) Ofertório — Communio. A n t e s d a Missa: Asperges m e ; Vidi a q u a m . 2 — Ofício: o breviário rezado e, em dias especiais, c a n t a d o pelos clérigos, a l t e r n a n d o com o c o r a l : M a t i n a s — L a u d e s — Vésperas. As o u t r a s p a r t e s : T e r ç a — S e x t a — Noa — Completas, f o r a dos Mosteiros, só f o r a m r e z a d a s . Cada p a r t e c o n t i n h a salmos — a n t í f o n a s p a r a e s t a s ou isoladas (Salve R e g i n a . . . ) , h i n o s (Te D e u m . . . ) — cânticos ( B e n e d i c t u s . . . M a g n i f i c a t . . . ) 3 — Bênção do Santíssimo: Motetes p a r a a exposição (O s a l u t a r i s . . . ) , T a n t u m ergo. 4 — L a d a i n h a s — Ave M a r i a — Veni C r e a t o r — Ecce s a cerdos e outros. II. Em Português 1 — Missa rezada, " c o m c â n t i c o s " : m o t e t e s m a i s ou m e n o s a p r o p r i a d o s ao s e g u i m e n t o litúrgico. 2 — Ofício " p e q u e n o " de Nossa S e n h o r a : aos sábados, em i g r e j a s ou casas p a r t i c u l a r e s , s e m e l h a n t e ao " g r a n d e " p o r é m m a i s reduzido e com u m a ú n i c a f ó r m u l a . 3 — Devoções diversas: Via S a c r a ; F e s t a s de Deus, de Nossa cluíam, a l é m da Missa n a (vide s u p r a ) , u m a p r e p a r a ç ã o h o r á r i o vespertino, c e l e b r a d a 16 S e n h o r a , de Santos, que i n m a n h ã do dia estabelecido f e i t a d u r a n t e vários dias em com s e r m ã o (Ave M a r i a . . . Veni C r e a t o r . . . ) , l a d a i n h a , cânticos; t e r m i n a n d o com a Bênção Eucarística. C h a m a v a m a isso Tríduos, S e p t e n a s , Novenas, T r e z e n a s c o n f o r m e o n ú m e r o de dias d e s t i n a d o s : T r e z e n a de S a n t o A n t ô n i o (dia 1 3 . . . ) , S e p t e n a s p a r a as 7 dores de N. S e n h o r a . 4 — Procissões: cânticos vários de acordo com o c a r á t e r d a Procissão: Eucarística, de P e n i t ê n c i a , da S e m a n a S a n ta, e m h o n r a de u m S a n t o . Os textos — f o r a dos c a n t o s p o p u l a r e s —• e r a m p r i n c i p a l m e n t e q u a n d o em L a t i m , fixos, o que g a r a n t i u a u t i l i d a d e do t r a b a l h o do compositor p a r a s e m p r e . As composições c o m t e x t o em L a t i m p o d i a m ser c a n t a d a s — e f o r a m — e m q u a l q u e r país, m e s m o de idioma d i f e r e n t e . A l g u m a s d a s g r a n d e s f e s t a s de o u t r o r a a i n d a são celeb r a d a s h o j e : de N. S e n h o r a d a Glória do O u t e i r o (que, por s u a vez, se c h a m a v a de " O u t e i r o da G l ó r i a " ) — N. S. d a P e n h a — Corpus C h r i s t i — as 3 f e s t a s do m ê s de j u n h o : Sto. Antônio, S. João, S. Pedro. As f e s t a s p a r t i c u l a r e s h o j e se l i m i t a m à c e l e b r a ç ã o d a Missa com S e r m ã o e u m a ou o u t r a procissão. M a t i n a s e L a u d e s e a s Vésperas a t é pouco t e m p o faz, p o d i a m ser o u v i d a s n a s " T r e v a s " da S e m a n a S a n t a . A t u a l m e n t e o Ofício c a n t a d o só pode ser ouvido n o Mosteiro de S. Bento, m a s e m C a n t o G r e g o r i a n o ( C a n t o c h ã o ) . E m m ú s i c a f i g u r a d a n ã o h á mais. V e j a m o s u m exemplo de p r o g r a m a de u m a N o v e n a : 1 — I n t r o d u ç ã o : " D e u s vos salve, M a r i a " . 2 — D e u s in a d j u t o r i u m i n t e n d e . Gloria P a t r i ( a m b o s em L a t i m ) . 3 — J a c u l a t ó r i a : " A m a d o Jesus, José, Ana, M a r i a : eu vos dou o m e u coração, m i n h a a l m a e vida." 4 — L a d a i n h a (em L a t i m ou em P o r t u g u ê s ) 5 6 7 8 — — — — Oração H i n o : Salve R a i n h a Bênção do S a n t í s s i m o Canto final. 17 Os executantes A Capeia Imperial A p r á t i c a da Música S a c r a recebeu u m f o r t e i m p a c t o com o d e s a p a r e c i m e n t o da " C a p e l a I m p e r i a l " , m e l h o r , dos músicos c o n t r a t a d o s n o t e m p o do I m p é r i o p a r a servir n e l a (é u m a das " o l h a d e l a s " n e c e s s á r i a s ) : regentes, compositores, copistas, arquivistas, o r g a n i s t a s ( m a i s 2 " f o l e i r o s " p a r a que o órgão n ã o ficasse " s e m f o l e " . . . ) , c a n t o r e s e músicos i n s t r u m e n t i s t a s . E r a m 79 n o t e m p o de D. J o ã o VI, d i m i n u i n d o depois p a r a 69, 67, 33. E r a u m celeiro de m ú sicos, a t r a í d o s pela s e g u r a n ç a m a t e r i a l g a r a n t i d a pelo c o n t r a t o . Em n o t a s biográficas, t a m b é m do nosso p e r í o do, e n c o n t r a m o s f r e q ü e n t e m e n t e a observação: A n t ô n i o Bruno, secretário da Sociedade Musical B e n e f i c e n t e , " c a n tor da Capela I m p e r i a l " — N. N., " p r i m e i r o violino d a Capela I m p e r i a l " — A r c h a n g e l o Fiorito (*1813, Nápoles — + 1887, Rio), " m a e s t r o e compositor d a Capela I m p e rial". Veio p a r a o Brasil no navio que t r o u x e a I m p e r a t r i z Teresa Cristina (Escreveu um. " L i b e r a me", " S a l u t a r i s " e o u t r a s peças s a c r a s ) . O p i a n i s t a Hugo B u s s m e y e r a g r a d o u D. Pedro I I n u m de seus c o n c e r t o s e foi convidado p a r a m e s t r e da Capela I m p e r i a l (1876). O serviço n a Capela I m p e r i a l n ã o i m p e d i a o u t r a s a t i vidades musicais, m a s n e m t o d a s e r a m legítimas, n e m o p o r t u n a s . J á o c o n t r a t o ( c i t a m o s u m de 1875) diz: Art. 4.°: os que f a l t a r e m p a r a irem exercer s u a profissão f o r a dela (Capela) serão suspensos por u m mês; e n a r e i n c i dência f i c a r á sem efeito seu c o n t r a t o ; Art. 7.°: os c a n t o r e s e músicos que c h e g a r e m depois de t e r principiado a f u n ç ã o , serão m u l t a d o s n a m e t a d e d a q u a n t i a m a r c a d a n a tabela, os que c h e g a r e m n o m e i o do serviço, s e r ã o m u l t a d o s n a q u a n t i a i n t e i r a . E u m "Aviso" do B a r ã o de Cotegipe, Ministro dos N e gócios do I m p é r i o ao I n s p e t o r da Capela I m p e r i a l (24/12/ 1887) d e t e r m i n a : 2.°: aos músicos c o n t r a t a d o s é a b s o l u t a m e n t e proibido c a n t a r ou t o c a r em o u t r a s f u n ç õ e s que coincidem c o m a s da Capela I m p e r i a l ; 18 3.°: é l h e s v e d a d o m a n d a r s u b s t i t u t o s p a r a e n s a i o s ou f u n ç õ e s s e m l i c e n ç a do M e s t r e d e C a p e l a ; 4.°: S e r ã o m u l t a d o s e m 2$000 os c a n t o r e s ou i n s t r u m e n t i s t a s q u e r e p e t i d a m e n t e c h e g a r e m d e p o i s de c o m e ç a d a a f u n ç ã o ; e i g u a l m u l t a s e r á i m p o s t a a o s q u e se a u s e n t a r e m s e m l i c e n ç a a n t e s d e f i n d o o serviço; 5.°: q u a n d o f a l t a r e m , s e r ã o m u l t a d o s c o n f o r m e a t a b e l a seguinte: Missa com orquestra Dita sem orquestra Matinas Te Deum Ensaio Nota: o ordenado 600$000. anual dum 5$000 4$000 6$000 5$000 3$000 cantor e m 1875 e r a de Se vê: a s q u e i x a s dos r e g e n t e s a t u a i s d e coros ou o r q u e s t r a s n ã o são tão i n é d i t a s . . . Abusos F a l a m o s de " a t i v i d a d e s n ã o o p o r t u n a s " pelo receio — j u s t i f i c a d o , c o m o logo v e r e m o s — do r e s u l t a d o d a m i s t u r a entre música sacra e p r o f a n a . Adelelmo Francisco Nascim e n t o (* 1848, B a h i a — + 1898, P a r i s ) , f o i b o m v i o l i n i s t a e simultaneamente Mestre da Capela Imperial e Regente do T e a t r o S ã o J o ã o . É p r o v á v e l q u e o t e a t r o t e n h a s o f r i do m e n o s influência da música sacra do que a Capela I m p e r i a l do estilo p r o f a n o do t e a t r o . E q u e dizer d u m J o ã o R a y m u n d o R o d r i g u e s J ú n i o r (*1867, R i o — + 1935, R i o ) ? F i l h o d u m b a r b e i r o q u e veio ao Brasil com a I m p e r a t r i z Teresa Cristina, foi educado n o Asilo dos M e n i n o s Desvalidos, o n d e a p r e n d e u a t o c a r trombone. Até aí t u d o bem. Mas este cavaleiro organizou e regeu orquestras em teatros, banquetes (era o preferido do B a r ã o do Rio B r a n c o q u e n ã o d i s p e n s o u s u a c o l a b o r a - 19 ção nos b a n q u e t e s do I t a m a r a t y ) e n a s i g r e j a s da C a n delária, de S. José, do S a n t í s s i m o S a c r a m e n t o . As g r a ç a s do B a r ã o lhe p r o p o r c i o n a r a m u m e m p r e g o n o Serviço de Aguas da D i r e t o r i a de Obras Públicas que ocupou a t é a m o r t e . Receamos s o m e n t e que t e a t r o e b a n q u e t e s t e n h a m deixado reflexos em r e p e r t ó r i o e execução nos templos. Assim n ã o e s t r a n h a m o s o d e s a b a f o do Visconde d e T a u n a y , pouco a n t e s de sua m o r t e ( + 25/11/1899): " F u i ouvir a "Missa M i m o s a " do P a d r e José Maurício n a I g r e j a da Cruz dos M i l i t a r e s . . . S e g u n d o a s " b o a s t r a d i ç õ e s " que todo o e m p e n h o e esforço da comissão de m ú s i c a s a c r a n ã o poderão a b a l a r , começou a c e r i m ô n i a religiosa pela o u v e r ture, t ã o ouvida, corriqueira e e s t a f a d a d a G a z z a l a d r a de R o s s i n i . . Adequado p r e p a r o p a r a u m a f u n ç ã o religiosa, aquela s a l t i t a n t e p r o t o f o n i a da " P e g a l a d r a " ! E n f i m , s e j a tudo pelo a m o r de D e u s ! " (Dois A r t i s t a s Máximos, José Maurício e Carlos Gomes, pág. 69s.). T a m b é m M a n u e l A r a ú j o P o r t o Alegre r e c l a m o u c o n t r a o abuso de " t r a n s f o r m a r o c a n t o s a g r a d o em ó p e r a s i t a l i a n a s e o libreto e m h i n o s de i g r e j a " . E m e n c i o n a o protesto da Academia de Belas-Artes j u n t o ao governo i m perial (Rev. do I H G B 1856, p. 354-369). W a n d e r l e y Pinho, em seu livro " C o t e g i p e e Seu Tempo, pág. 596, t r a n s c r e v e : " N o C o n v e n t o (sic) de S. Bento, a l é m d a POLCA n a ocasião do Glória t o c a r a m a i n d a a q u e l a Arieta da R o s i n a do B a r b e i r o (de S e v i l h a ) . . . Tocou-se o n t e m em S. F r a n c i s c o de P a u l o q u a d r i l h a s f r a n c e z a s " . . . O " L a r g o " de H a e n d e l , a " H u m o r e s q u e " de D v o r a k , o " C a n t o h i n d u " de R i m s k y - K o r s a k o w , a " M e d i t a t i o n " de T h a i s ( . . . ) de M a s s e n e t , a a s M a r c h a s da ó p e r a " L o h e n g r i n " de W a g n e r , da " A i d a " de Verdi; os I n t e r l ú d i o s das óperas " T r a v i a t a " ou " C a v a l a r i a R u s t i c a n a " i n i c i a r a m u m a " m a r c h a " p e r s i s t e n t e que chegou a t é os nossos dias, r e f r e a d a d u r a n t e a l g u n s períodos de r e f o r m a , m a s depois r e t o m a n d o seu lugar, a l t e r n a n d o r e p e r t ó r i o a n t i g o com t e m a s de f i l m e s e m ú s i c a s pseudo-religiosas de c a n t o r e s em moda. 20 Com u m pouco de jeito c o n s e g u i r a m a t é c a n t a r , n a s igrejas, m e l o d i a s p r o f a n a s , e m e s m o t e a t r a i s , de Pergolesi, Cimarosa, Jomelli, s u b s t i t u i n d o a s p a l a v r a s originais p o r u m t e x t o sacro. ( R e n a t o de Almeida, História d a Música Brasileira, pág. 132) E n ã o f o r a m s o m e n t e os leigos que assim p r o c e d e r a m . Os " C â n t i c o s espirituais", coligidos pelos P a d r e s d a Missão Brasileira, em edição de G a r n i e r , c o n t ê m de p r e f e r ê n cia c a n t o s p r o f a n o s e de ó p e r a s de Mozart, H a y d n , Rossini, Weber, Bellini, Meyerbeer, L a m b e l o t t e , H e r m a n , N i c o u - C h e r o n e outros. B a s t a v a o c h a p é u novo d u m t e x t o sacro p a r a t o r n a r " e s p i r i t u a l " u m a ária, u m a c a v a t i n a , u m coro de ó p e r a . Cernichiaro, e m b o r a n ã o c o n c o r d a n d o " i n t o t o " com o rigor do Motu Proprio, r e c o n h e c e a existência, e m r e d o r de 1900, de graves a b u s o s (e os l a m e n t a ) : 1) a s i n t r o d u ções a solenidades religiosas t i r a d a s de óperas, como "Marcos Spada" (Auber), " I Briganti" Mercadante), "Le Vispe C o m a r i " ( S u p p é ) ; 2) a d a p t a ç õ e s " s u i g e n e r i s " : e m " L a u d a m u s " (do G l ó r i a ) é t r a n s f o r m a d a u m a c a v a t i n a d a ó p e r a " I I Corsário": " D o m i n e D e u s " ( t a m b é m do Glória) n a d a m a i s é do que u m a á r i a de ó p e r a de D o n i z e t t i ; " S a l u t a r i s " r e s u l t a de u m a l â n g u i d a e erótica r o m a n z a de P a l l a n i ; e a á r i a " Q u a n d j ' é t a i s roi de Beocie" (do " O r f e u n o i n f e r n o , de O f f e n b a c h , u m a ó p e r a b a s t a n t e l i v r e . . ) c h e g a às h o n r a s de u m a "Ave M a r i a " ! ( S t o r i a delia Musica n e l Brasile, Pág. 17) Os m a e s t r o s " d o u b l e f a c e " n o s l e v a r a m a f a l a r destes desvios que, aliás, n ã o e r a m os únicos n o m u n d o . O Pe. J o ã o B a t . L e h m a n n SVD (* 1873, A l e m a n h a 1-1955, R i o ) , a l e m ã o q u e p a s s o u g r a n d e p a r t e de s u a vida n o Brasil, p r e s t a n d o ó t i m a colaboração, t a m b é m n o c a m p o d a M ú sica S a c r a , l e m b r a n d o a d e c a d ê n c i a musical e n c o n t r a d a em 1901 ( a n o e m que chegou ao B r a s i l ) , n ã o esquece de dizer que t a m b é m n a A l e m a n h a se ouviu em c e r t a s épocas ao órgão POLCAS e MAZURCAS p a r a iniciar a missa solene, e " l i n d a s e p e r t u r b a d o r a s SERENATAS" e x e c u t a d a s n a s c e r i m ô n i a s do m ê s de M a r i a . 21 Reação A r e a ç ã o oficial d a I g r e j a Universal foi o Motu P r o prio do P a p a Pio X sobre Música S a c r a , p u b l i c a d o em 22/11/1903 ( f e s t a de S a n t a Cecília). Mas o Rio de J a n e i r o j á t i n h a reagido a n t e s disso! A t e n d e n d o a u m a " M e n s a g e m do C e n t r o Artístico" sobre adoção de música s a c r a n a s igrejas, o Arcebispo D. J o a quim Arcoverde ( C a r d e a l a p a r t i r de 1905), n o m e o u , p a r a t r a t a r do a s s u n t o , u m a comissão especializada, d a q u a l fez p a r t e t a m b é m Alberto Nepomuceno. Ouvimos a s r e f e r ê n c i a s do Visconde de T a u n a y a esta comissão. Deve t e r sido i n s t a l a d a em 1898, porque o Pe. P e d r o H e r m e s M o n teiro, P r o t o n o t á r i o Apostólico (* 1871, Icó, C e a r á — + —? estava em nosso período n o Rio) que em 1896 t i n h a p u blicado u m livrinho de 39 págs. sobre a " A r t e do C a n t o c h ã o ou C a n t o Litúrgico" (Tip. Edit. Carlos S c h m i d t , R i o ) , a p r e s e n t o u , impresso, em 1898 " U m p a r e c e r p e r a n t e u m a Comissão", expondo as razões por ele a p r e s e n t a d a s à m e n cionada Comissão. Por o u t r o lado, o Pe. José Alpheu Lopes de A r a ú j o , cónego da C a t e d r a l M e t r o p o l i t a n a , M e s t r e de Capela do Cabido e (1924) professor de órgão e h a r m ó n i o do I n s t i t u t o Nacional de Música, o r d e n a d o e m 1894 n o Colégio Pio L a t i n o em R o m a , organizou, logo que voltou ao Brasil, u m notável coro de m e n i n o s n a M a t r i z de S a n t a n a , d a n d o u m exemplo p r á t i c o de Música S a c r a c o r r e t a . T a m b é m a n t e r i o r m e n t e ao Motu Proprio t r a b a l h a r a m em defesa d a v e r d a d e i r a m ú s i c a s a c r a dois f r a n c i s c a n o s : F r e i Pedro Sinzig OFM (* 1876, Linz, A l e m a n h a — + 1952, Duesseldorf A l e m a n h a ) e F r e i Basílio Roewer OFM (*1877, Neviges, A l e m a n h a — + 1958, R i o ) . Ambos compositores e escritores, era, contudo, F r e i P e d r o q u e m cuidava m a i s da p a r t e o r g a n i z a d o r a e editorial. J á e m 1899 publicou o "Benedicite", m a n u a l de cânticos sacros, em p o r t u g u ê s e latim, com u m a p ê n d i c e de orações — 184 pág., pela T i p o g r a f i a de F r e d e r i c o P u s t e t , R a t i s b o n a , A l e m a n h a , com 2. a edição em 1902, p o r Herder, F r e i b u r g i m Breisgau. N a coleção " S u r s u m Corda", Tip. F r . P u s t e t , R a t i s b o n a , 1900, r e u n i u em 44 p á g i n a s a u t o r e s clássicos e m o d e r n o s sele- 22 cionados. Mas foi s o b r e t u d o n o livrinho "Cecília", m a n u a l de c â n t i c o s sacros; t e x t o revisto pelo Conde de A f f o n s o Celso, com m ú s i c a (composição ou revisão) de F r e i P e d r o e F r e i Basílio, saído à luz em 9/8/1910 que se e n c o n t r o u u m a coleção válida; e ela, de edição e m edição, m o d i f i c a n d o isso e aquilo, a i n d a h o j e p r e s t a bons serviços. É i m p o r t a n t e observar a p r u d ê n c i a dos dois f r a n c i s canos, n a s c i d o s f o r a do Brasil, ao t r a t a r d u m a s s u n t o que envolve l i t e r a t u r a brasileira e m ú s i c a que deve c o r r e s p o n d e r ao gosto do país. No P r e f á c i o e x p l i c a m : 1 — u s a m d a l i b e r d a d e p e r m i t i d a no Motu Proprio q u a n t o ao c a r á t e r n a c i o n a l ; 2 — f a z e m concessões " a o c a r á t e r de nossos p a t r í c i o s " ( i . e . dos b r a s i l e i r o s . . . ) sem u l t r a p a s s a r o lim i t e t r a ç a d o : os cânticos n ã o f a ç a m m á i m p r e s s ã o a q u a l q u e r povo de o u t r a índole; 3 — " A glória de D e u s e a e d i f i c a ç ã o religiosa dos fiéis é o que p r e t e n d e m o s e esperamos." O Conde de A f f o n s o Celso, e m boa h o r a convocado p a r a a p a r t e l i t e r á r i a , explica: 1 — deixou i n t a c t o s os t e x t o s de a u t o r e s d e c l a r a d o s ; 2 — fez discretas m o d i f i c a ções n a l i n g u a g e m e n o m e t r o n o s textos a n ô n i m o s ; 3 — cuidou de f a z e r isso sem t i r a r a singeleza e o c a n d o r primitivos. Assim e n c o n t r a m o s n a p a r t e dos textos, a l é m d a s p a l a v r a s l i t ú r g i c a s e de t r a d u ç õ e s , t e x t o s originais de: M a ria L. de Souza Alves — Amélia R o d r i g u e s — D. A n t o n i o de Macedo Costa — F r e i J o a q u i m do Espirito S a n t o , OFM — B a r ã o de P a r a n a p i a c a b a — Conde de A f f o n s o Celso — Pe. Arch. G a n a r i n i — M. d A b r a n t e s . E v i d e n t e m e n t e recebeu o livrinho, j á n a l . a edição, a a p r o v a ç ã o do Núncio Apostólico, do C a r d e a l Arcoverde e de o u t r o s 7 bispos. Pelas exigências do M o t u Proprio t i n h a m de a p a r e c e r a l g u m a s á r e a s de a t r i t o : 1 — c a n t o de s e n h o r a s n a i g r e j a ; 2 — proibição de certos i n s t r u m e n t o s : piano, t a m bor, bombo, p r a t o s , c a m p a i n h a s e o u t r o s s e m e l h a n t e s ( h o j e . . . ? ) ; 3 _ b a n d a de música, p e r m i t i d a n a s procissões f o r a d a i g r e j a , m a s proibida n a s i g r e j a s . Frei Basílio que fez u m n o t á v e l " C o m e n t á r i o do Motu P r o p r i o " ( P e t r ó p o lis, 1907), n e s t a publicação, p o r t a n t o e m 1907, a i n d a 23 a g u a r d a a s providências dos bispos locais. Sabemos, c o n tudo, que o Arcebispo do Rio " e x p e d i u c l a r a s d e t e r m i n a ções, c o m i n a n d o com p e n a s eclesiásticas os d e s p r e z a d o r e s das leis, no Motu P r o p r i o estabelecidas a respeito da m ú sica, como a I g r e j a a quer e n ã o quer n a s f u n ç õ e s l i t ú r gicas" (Pe. J o ã o B a t . L e h m a n n SVD, in rev. Música S a c r a , 1946, p. 65). E m p a r ê n t e s e : E m 14/4/1856 D. M a n u e l do M o n t e Rodrigues de A r a ú j o , Conde de I r a j á e B i s p o - C a p e l ã o - m o r criou a " S o c i e d a d e Episcopal de Música Religiosa do Rio de J a n e i r o " , cujos E s t a t u t o s , em belíssima c a l i g r a f i a , e s t ã o g u a r d a d o s n o Arquivo d a Arquidiocese. Música Sacra nas igrejas Voltemos a e x a m i n a r a q u e s t ã o dos corais. Na Capela Imperial, F r a n c i s c o M a n u e l d a Silva s u b s t i t u i u n a s p a r t e s de S o p r a n o e de C o n t r a l t o os " c a s t r a d o s " i m p o r t a d o s p o r D. J o ã o VI (não h a v i a n u n c a l o c a i s . . . ) pelos a l u n o s do Conservatório f u n d a d o p o r ele. J á em 1854, por ocasião d a s exéquias de D. M a r i a I I de P o r t u g a l , i r m ã de D. P e d r o II, a crítica musical elogiou a a t u a ç ã o destes alunos, s a u d a n d o v i v a m e n t e a n o v a p r á t i c a . No Arquivo do C a bido M e t r o p o l i t a n o g u a r d a - s e u m Recibo de F. M. d a Silva, d a t a d o em 3/5/1861, de 180$000 recebidos pelo c a n t o d e s tes a l u n o s do C o n s e r v a t ó r i o n a Capela I m p e r i a l . N ã o p o s suímos d o c u m e n t o s que p r o v a m a c o n t i n u a ç ã o d e s t a p r á tica após a m o r t e dele (4- 18/12/1865). T ã o pouco h á n o t í cias da a t u a ç ã o de c a n t o r a s n o coro da C a t e d r a l . E sim, vemos v á r i a s p a r t i t u r a s , c o m p o s t a s p a r a coro misto, s e r e m t r a n s c r i t a s n o f i m do século p a r a vozes m a s c u l i n a s som e n t e : Tenor, Barítono, Baixo. G r u p o s de vozes m a s c u l i n a s que a t u a r a m n a Capela I m p e r i a l e depois n a C a t e d r a l Metropolitana, certamente c a n t a r a m t a m b é m nas festas de o u t r a s igrejas. Porém, com o d e s a p a r e c i m e n t o da Capela I m p e r i a l como tal, e a n ã o - d o t a ç ã o f i n a n c e i r a pelo G o v e r n o d a República, e n t r e o u t r a s coisas, de seus músicos e c a n t o res, por f o r ç a das c i r c u n s t â n c i a s começou u m a n o v a m o d a l i d a d e : c o n j u n t o s de a m a d o r e s , r e f o r ç a d o s p o r a l g u n s 24 profissionais, c e r t a m e n t e r e m u n e r a d o s como se faz h o j e . O Visconde de T a u n a y , em s u a s crônicas de Música S a c r a (Dois A r t i s t a s M á x i m o s . . . pág. 72) n o s oferece u m e x e m plo i n s t r u t i v o por s u a s indicações d e t a l h a d a s : " . . . a M I S SA MIMOSA (do Pe. José Maurício) que ouvimos n a f e s t a solene de Nossa S e n h o r a d a P i e d a d e d a Cruz dos Militares, e x e c u t a d a por u m a o r q u e s t r a o r g a n i z a d a pelo p r o f e s s o r José Leverero e sob a r e g ê n c i a do m a e s t r o J o ã o P e r e i r a d a Silva e c a n t a d a p o r distintíssimos a m a d o r e s e por u m coro em que se n o t a v a m as s e n h o r a s d a nossa m a i s a l t a sociedade. O LAUDAMUS (do G l ó r i a ) , escrito j á com o i n t u i t o de f a z e r b r i l h a r o c a n t o r , foi a d m i r a v e l m e n t e i n t e r p r e t a d o p o r Mme. Elvira G u d i n , que soube c o n s e r v a r seu solo a a l t u r a d a solenidade. O DOMINUS DEUS é u m d u e t o c u j a beleza foi t r a d u zida c o m s e n t i m e n t o religioso por M m e . C a n d i d a V i a n n a e pelo Professor Carlos de C a r v a l h o . O QUI SEDES é u m solo de baixo e m que p r e d o m i n a o e l e m e n t o decorativo; m a s a melodia p r i n c i p a l é singela e de b o n i t o corte, e podia f a c i l m e n t e ser a c e n t u a d a e evidenciada, e l i m i n a n do-se com v a n t a g e m aquele excesso de o r n a m e n t a ç ã o . N e s t a á r i a ouvimos a voz f r e s c a e b e m t i m b r a d a do Sr. Dr. A n t o n i o Carlos de A r r u d a Beltrão, que d e s e m p e n h o u , com a d i s t i n ç ã o de costume, o solo que lhe foi c o n f i a d o . P a r a n ã o d e i x a r em silêncio p a r t e da f e s t a , a c r e s c e n t a r e m o s q u e Mmes. Meira e Mello M o r a e s n o s solos do CREDO de T h e o d o r o F a c h , M m e . Corina R o c h a n a AVE MARIA de M a r i a n i e S e n h o r i t a G e o r g i n a Becker n o O SALUTARIS de Massenet, c o n f i r m a r a m os créditos que c o n q u i s t a r a m j á como a m a d o r a s exímias. P r e s e n t e " t o u t R i o " . . . , n ã o é? E m o u t r a ocasião (1. c. pág. 69) observa que a orquest r a , d e m a s i a d a m e n t e r e s u m i d a ( f a l t a de v e r b a . . . ) e á s pera, r e s s e n t i a - s e d a f a l t a de ensaios. As vozes, p o r é m , e r a m boas e disciplinadas, g r a ç a s ao belo g r u p o de a m a d o r a s d a n o s s a m e l h o r sociedade, t ã o a m o r o s a m e n t e d i r i gido pelo zelo e i n c a n s a b i l i d a d e d a E x m a . S r a . D. M a r i a Nabuco, c e n t r o h o j e de b e m aproveitáveis e l e m e n t o s a r tísticos." 25 D. M a r i a Nabuco, i r m ã do g r a n d e J o a q u i m Nabuco, solteirona, possuidora de bela voz, dedicou seus e s f o r ç o s à Religião e à Arte, s e j a n a f o r m a ç ã o de corais de a m a dores, como ouvimos, s e j a d a n d o f r e q ü e n t a d í s s i m o s c o n certos de c a n t o em benefício de i g r e j a s e m c o n s t r u ç ã o . T a n t o que se dizia " q u e foi ela a v e r d a d e i r a c o n s t r u t o r a da i g r e j a do S a g r a d o Coração n a r u a B e n j a m i n C o n s t a n t " , n a Glória. T a n t a boa v o n t a d e de colaborar n ã o pôde ser r e p e lida. Por o u t r o lado, t i n h a de ser c u m p r i d a a lei. A soluç ã o foi distinguir e n t r e liturgias oficiais e p a r t i c u l a r e s , u s a n d o n a s p r i m e i r a s só vozes m a s c u l i n a s (pois vozes i n f a n t i s só h a v i a n o coral do Cónego A l p h e u ) , t a n t o em originais como em a r r a n j o s ; e p e r m i t i n d o corais de vozes f e m i n i n a s em cerimônias n ã o oficiais e e m colégios e c o n v e n t o s f e m i n i n o s . H. Oswald, F r . B r a g a , Barrozo N e t t o e Villa-Lobos, como F r . Pedro, F r . Basílio, Pe. L e h m a n n , F. F r a n c e s c h i n i e outros e s c r e v e r a m p a r a e s t a s soluções. Compositores e Composições Com g r a n d e s a t i s f a ç ã o d a m o s em seguida notícia dos compositores brasileiros e e s t r a n g e i r o s r a d i c a d o s n o B r a sil que escreveram Música S a c r a n o período em questão, e, com p o u c a s exceções, no Rio de J a n e i r o . — Aragão, José de Souza — (*7/12/1819 — Cachoeira, B a h i a — + 13/9/1904, C a c h o e i r a ) — violinista, p r o f e s sor de piano. 7 Missas festivas — 2 Credos. — Araújo, J o ã o Gomes de (*5/8/1846, P i n d a m o n h a n gaba, S. P a u l o — + 8/9/1943, S. P a u l o ) . 6 Missas, e n t r e a s quais u m a de S. Benedito, p a r a a i n a u g u r a ç ã o de i g r e j a d e d i c a d a a este s a n t o em L o r e n a . — Bahiense: M a n u e l dos S a n t o s S a n t a Cruz ( B a h i e n s e ) — (*14/6/1851, L a r a n j e i r a s , Sergipe — + 2 0 / 1 2 / 1919?). 26 M a r c h a f ú n e b r e Pio X Ave M a r i a O u t r a s p e ç a s de m ú s i c a s a c r a — Barretto, H o m e r o Sá — (*25/3/1884, Cravinhos, S. P a u l o — + 2/12/1924, Rio) — professor do I n s t . Nac. de Música. Missa p r o d e f u n c t i s — Ecce Sacerdos M a g n u s — K y r i e — L a d a i n h a — Ave M a r i a — p o e m a s i n f ô n i c o " F i a t lux". — Barrozo, J o a q u i m Antonio N e t t o — (*30/l/1881, Rio — + 1/9/1941, R i o ) . C a n t o " J e s u s " — Ave M a r i a — S a l u t a r i s — T a n t u m ergo. Coro "Ó Jesu m i " — coro i n f a n t i l com órgão: O r a ç ã o a N. S e n h o r a . I n v o c a ç ã o a J e s u s — Depois d a c o m u n h ã o Coro a seco (3 v . ) : O r a ç ã o — P r e c e Coro a seco (4 v . ) : Ave M a r i a — P a z ! Coro a seco (6 v . ) : P a d r e nosso — Braga, F r a n c i s c o — (*15/4/1864, Rio — + 1 4 / 3 / 1945, R i o ) . Missa S. F r a n c i s c o X a v i e r : 4 v. m . e órgão — Missa S. S e b a s t i ã o : 3 v. e o r q u e s t r a — T e D e u m : 4 v. e orquest r a — S t a b a t M a t e r : 2 v. ig. e o r q u e s t r a ; t e x t o do B a r ã o de P a r a n a p i a c a b a — Ave M a r i a : coro a c a p e l a — O s a l u t a r i s : solo e h a r m ó n i o — J a c u l a t ó r i a a N. S. d a P e n h a — T r e z e n a s de S. F r a n c i s c o de P a u l a : 4 v. e o r q u e s t r a — P a s t o r a l de S. J o ã o — L a d a i n h a de N. S e n h o r a d a Conceição — Gloria in excelsis Deo: solo e h a r m ó n i o — L a u d a t e D o m i n u m : h i n o s — ò vos o m n e s : P a i x ã o — C â n t i c o p a r a a l . a C o m u n h ã o : coro i n f a n t i l — C â n t i c o da c o r o a ç ã o : coro i n f a n t i l — C â n t i c o ao S a g r a d o Coração de J e s u s ( t e x to de A f f o n s o Celso: " C o r a ç ã o a d a m a n t i n o " ) — H i n o a N. S e n h o r a d a G l ó r i a : coro e o r q u e s t r a — H i n o a S a n t a R i t a ( A f f o n s o Celso) — H i n o à S e n h o r a S a n t a n a — P a d r e n o s s o : coro, solo e h a r m ó n i o . — H i n o a S. José ( l e t r a de José A g o s t i n h o ) : coro — H i n o a N. S e n h o r a de L o u r d e s 27 (Affonso Celso) — Hino a S. F r a n c i s c o X a v i e r ( B a r ã o de P a r a n a p i a c a b a ) — H i n o a S. Sebastião ( B a r ã o de P a r a napiacaba). Improviso — p a r a g r a n d e órgão — Prelúdio, P a s t o r a l a N. S. de Lourdes. Visitação: 2.° episódio da peça " P a s t o r a l " com t e x t o de Coelho Neto. — Bussmeyer, Hugo — (*26/2/1842, Brunswick, Alem a n h a —, -f 1/2/1912, Rio) p i a n i s t a , estudou com Litolff, von Buelow. 1862 e 1876 no Rio p a r a concertos. N o m e a d o por D. P e d r o II. Mestre da Capela I m p e r i a l . M a r c h a f ú n e b r e p a r a p i a n o — S. P e t r u s : ó p e r a s a c r a . M a g n i f i c a i (2 T, 2 B, o r q u e s t r a ) — 3 T e D e u n s — Missa completa — M a t i n a s de N a t a l . — Cernichiaro, Vincenzo — (* 23/7/1858, Torraco, S a lerno, I t á l i a — + 1928, Rio) — regeu n a C a n d e l á r i a o " R e q u i e m " de Verdi n a s exéquias oficiais pelos m o r t o s do e n c o u r a ç a d o brasileiro " A q u i d a b ã " — escreveu u m a " S t o r i a delia Musica nel Brasile dai T e m p i Coloniali ai Nostri G i o r n i " (1549-1925). 2 Ave M a r i a s : c a n t o e i n s t r u m e n t o s de c o r d a — S a lutaris. — Eggers, Roberto (* 18/12/1899, P o r t o Alegre — + ?) — d r a m a lírico "Missões" — p o e m a s i n f ô n i c o " A n o i t e de N a t a l " . — Fonseca, Euclides — (* 6/1/1864, Recife — + 31/12 1929, Recife) — p i a n i s t a , prof. d a Escola N o r m a l de Recife. T e D e u m p a r a solenizar a e x t i n ç ã o da e s c r a v a t u r a . — Franceschini, F u r i o — (*4/4/1880, R o m a , I t á l i a — + 15/4/1976, S. P a u l o ) — a l u n o de Capocci, veio em 1908 p a r a o Brasil; o r g a n i s t a da C a t e d r a l de S. P a u l o e p r o f . no Seminário. I n a u g u r o u o órgão da C a t e d r a l do Rio, e m 1915. M e m o r a r e (diatónico e c r o m á t i c o ) — Missa " A l e l u i a " — Missa e m P o r t u g u ê s — o u t r a s 6 Missas ( u m a a 8 v., 28 e m 2 coros) — T e D e u m : 4 v.m. e órgão — " T e D e u m Azul" ( f á c i l ) : 1 v. e órgão ou h a r m ó n i o — Sete p a l a v r a s p a r a a 6. a F e i r a S a n t a — H i n o do IV Congr. Eucarístico Nac. e m S. P a u l o — t r e c h o s p a r a órgão ou h a r m ó n i o — I n t r o d u ç ã o e F u g a p a r a g r a n d e órgão sobre a p a l a v r a " Independência." Coleção de Cânticos Sacros em l a t i m e em v e r n á c u l o (de vários a u t o r e s ) . — Gianetti, G i o v a n n i — (*25/3/1869, Nápoles — + 10/ 12/1934, R i o ) . E s t u d o u em Viena e Milão — pianista, compositor, r e g e n t e — ó p e r a s a c r a " C r i s t o alia f e s t a di P u r i m " , c a l c a d a n u m a o b r a l i t e r á r i a do filósofo i t a l i a n o G i o v a n n i Bovio, e s t r e a d a aos 18/12/1904 no Rio — ópera s a c r a " I I N a z a r e n o " . — Gomes, J o ã o ( J o ã o G o m e s de A r a u j o J ú n i o r ) — (*23/10/1971, P i n d o r a m a , S. P a u l o — + 19/7/1963, S. Paulo). F i l h o do M.° J o ã o G o m e s de A r a ú j o , e s t u d o u e m Milão. 4 Missas: T e r e z i n h a de J e s u s — N. S. da A p a r e c i d a — S a n t o A n t ô n i o — São Paulo. — Gondim, Z a c h a r i a s — T h o m a z da Costa — (*29/12/ 1851, Sobral, C e a r á — + 13/12/1907, F o r t a l e z a ) — p r o f . de música, p r o m o t o r , tabelião, advogado, d e p u t a d o . H i n o de N. S e n h o r a de L o u r d e s — Missa solene e m Sol: 4 v. — T e D e u m em Sol: 4 v. — T a n t u m ergo — M o t e t e s — R e g i n a caeli: g r a n d e coral — R e g i n a caeli simples — L a d a i n h a s . — Gonzaga, F r a n c i s c a Hedwiges ( C h i q u i n h a ) — ( + 17/10/1847, Rio — + 28/2/1935). A n t e s da f a s e p o p u l a r . . . escreveu, aos 11 a n o s a " C a n ç ã o aos P a s t o r e s " , com l e t r a de u m seu i r m ã o de 7 anos. — Gouvéa, A r n a u d D u a r t e de — (*agosto de 1865, S. J o ã o N e p o m u c e n o , M i n a s — + 12/7/1942). E s t u d o u órgão com Alberto N e p o m u c e n o — foi o r g a n i s t a d a i g r e j a d a Cruz dos Militares. O f e r t ó r i o p a r a órgão 29 — Gouveia, Agostinho Luiz de (*? — -f 9/9/1941, R i o ) . Ave M a r i a 4 v. m . — L a d a i n h a de S. José — Missa S a n t a Isabel. — Guanabarino, Oscar — ( * 2 9 / l l / 1 8 5 1 , Niterói — + 17/1/1937, Rio) — comédia p a r a t e a t r o ( ? ) "Ave M a r i a . " — Itiberê, Brasilio I. da C u n h a — (*1848, P a r a n a g u á , Paraná — 1913, Berlim) — d i p l o m a t a de c a r r e i r a e m ú sico — tio de o u t r o compositor, Brasilio I. da C u n h a . . . Messe de Noel — Lachmund, C h a r l e y — (* 29/6/1877, New York — + ?, Rio) — chegado em nov. de 1877 ao Rio, aqui se e s t a belece d e f i n i t i v a m e n t e em 1910; p i a n i s t a , professor de p i a no, h i s t ó r i a da música, estética musical. Ave M a r i a ( s ) — c a n t o s sacros — Lehmann, P a d r e J o ã o B a t i s t a , SVD. — (*25/8/1873, A l e m a n h a — + 1955, R i o ) . Rosas E u c a r í s t i c a s (letra de D u r v a l de Moraes) — S e m a n a S a n t a — Hino do Congr. E u c a r . de Belo Horizonte — Hinos diversos — peças p a r a órgão — O órgão festivo, coleção de peças p a r a órgão — Coleção de cânticos s a c r o s " H a r p a de Sião." — Limeira, E r n e s t o de Souza — (*25/5/1839, I t a p a rica, B a h i a — + 1/8/1897, V a l e n ç a ) . Diretor do T e a t r o S. J o ã o — prof. de m ú s i c a ( h a r m o n i a , c o n t r a p o n t o , f u g a ) n o Liceu de Artes e Ofícios — p i a n i s t a , t o c a n d o t a m b é m violino e violão. 5 m i s s a s festivas — Lobo, Elias Alvares — (*9/8/1834 — I t u , S. P a u l o — +15/12/1901, S. P a u l o ) . Missa — Te D e u m — Mesquita, Amélia de — (*27/4/1866, Rio — + 2 7 / 8/1954, Rio) — estudou órgão com S a i n t - S a e n s — p r o f e s - 50 sora de ó r g ã o d u r a n t e 25 a n o s n o I n s t i t u t o B e n j a m i n Constant. Missa a 2 v. — 3 S a l u t a r i s — P a d r e Nosso — M o t e t o s — 6 Ave M a r i a s . — Milanez, Abdon F e l i n t o — (* 10/8/1858, Areias, P a r a í b a do N o r t e — + 1/4/1927, Rio. Diretor do I n s t i t u t o Nac. de Música Missa a S a n t a Luzia — o u t r a s p e ç a s s a c r a s — Nopomuceno, Alberto — (*6/6/1864, F o r t a l e z a , C e a r á — -}- 16/10/1920, Rio) estudos em R o m a e B e r l i m ; e m Paris, ó r g ã o com A l e x a n d r e G u i l m a n t — d i r e t o r do I n s t . Nac. de Música — e m p e n h a d o e m divulgar a o b r a do Pe. José Maurício. M a t e r dolorosa, c a n t o — C a n t o s Eucarísticos — I n v o c a ç ã o à Cruz: coro a c a p e l a — C o m u n h ã o : p a r a órgão — S i n o s de N a t a l : p á g i n a de á l b u m . N a t a l : 3.° episódio d a ó p e r a " P a s t o r a l " , com l e t r a de Coelho Neto. — Nunes, F r a n c i s c o — (* 14/5/1875, D i a m a n t i n a , M i n a s G e r a i s — + 1934, Belo H o r i z o n t e ) . Professor e d i r e t o r do I n s t . Nac. de Música — c l a r i n e t i s t a Prelúdio, Coral e F u g a p a r a o r q u e s t r a — Oswald, Rio). H e n r i q u e (* 14/4/1852, Rio — + 9/6/1931, Missa: 4 v. m., órgão e o r q u e s t r a — Missa de R e q u i e m : 4 v. m . a capella — Ave M a r i a : 4 v. — O s a l u t a r i s 4 v. — M e m o r a r e : 4 v. — T a n t u m ergo: 3 v. — T a n t u m ergo: 4 v. — P a t e r n o s t e r 4 v. — Veni S a n c t e S p i r i t u s — 3 v. — M a g n i f i c a t — 4 v. e ó r g ã o — S o n a t a p a r a órgão — " A n u n c i a ç ã o " — 1.° episódio da " P a s t o r a l " com l e t r a de Coelho Neto. — Pastor, E s t e f a n i a de F r e i t a s (*6/9/1843, M a r a n h ã o — + 27/9/1913, P a r i s ) — p i a n i s t a , p r o f e s s o r a de m ú s i c a — compositora. 31 S a l u t a r i s p a r a a p r i m e i r a c o m u n h ã o n a i g r e j a de Grenelle, França. — Pedrosa, Luiz (* 26/12/1854. Rio — + 18/7/1925, Rio) — de f a m í l i a pobre, estudou n o Arsenal da M a r i n h a e no I n s t . Nac. de Música. Missa: 4 v. e g r a n d e orqu., dedicada a D. Pedro I I — Missa S a n t a Rosa ( n o m e da p r o g e n i t o r a ) — Credos — Te D e u n s — Ave M a r i a s — S a l u t a r i s — T a n t u m ergo — T r í d u o s — S e p t e n á r i o s — Novenas — T r e z e n a s — J a c u l a t ó r i a s — H i n o s — M a r c h a s — L a d a i n h a s — Motetes — Ecce Sacerdos — Prelúdios p a r a órgão. — Pereira, Elpídio — (* 16/10/1872, Caxias, M a r a n h ã o — + 13/4/1961, Rio) — estudos musicais no Brasil e e m P a r i s — Cônsul do Brasil n a F r a n ç a e n a I n g l a t e r r a . Missa a N. S. da Conceição — Pereira, Dr. Victor. Mestre — capela e o r g a n i s t a d a C a t e d r a l do Rio, id. d a Colegiada de S. P e d r o — Autor d u m T r a t a d o de Modulação. O Cor Jesu p a r a vozes de meninos, T, Bar, B e órgão. — Porto Alegre, Ignácio F r a n c i s c o de A r a ú j o — (*26/ 10/1854, — + 16/10/1900, Rio) — f i l h o de M a n u e l A. P. Alegre — estudou n a E u r o p a — prof. de solfejo e c a n t o coral do I n s t . Nac. de Música. Corais — peças p a r a órgão — música s a c r a p a r a o r q u e s t r a . — Rebouças, Alípio — ( + 1851, B a h i a — + 1881, B a hia) — flautista. Missas f e s t i v a s — Requiem — T e D e u m — Reis, Júlio Cesar do Lago — (*23/10/1870, S. P a u l o — + 1933, R i o ) . Ave M a r i a : p a r a p i a n o e coros, a p r e s e n t a d a n u m a f e s t a de S a n t a Cecília n a i g r e j a do Smo. S a c r a m e n t o do Rio, sob a regência do M.° H e n r i q u e Alves de Mesquita (1883) — M a r c h a t r i u n f a l p a r a órgão, p a r a o J u b i l e u do P a p a Leão XIII, e x e c u t a d a em R o m a , em 1887. 52 Órgão da Coroa, no Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro — Republicano, Antônio Assis — (M5/11/1897, P o r t o Alegre, — + 26/5/1960, Rio) — a l u n o de F r . B r a g a e A g n e lo F r a n ç a n o I n s t . Nac. de Música. ó p e r a " A N a t i v i d a d e de J e s u s " (A Vida de J e s u s ) , com libreto do Conde de Afonso Celso, e s t r e a d a em 25/3/1937 no T e a t r o M u n i c i p a l do Rio, m a s j á escrita d u r a n t e o t e m p o de estudos. — Roewer, F r e i Basilio, OFM — (* 2/11/1877, Neviges, A l e m a n h a — + 19/8/1958, Rio) — chegou em 1894 ao Brasil — t r a b a l h o u em S a l v a d o r e n o Rio — c o m e n t á r i o do Motu P r o p r i o de Pio X — t a m b é m h i s t o r i a d o r — Missas — L a d a i n h a s — Hinos — Motetes — S e m a n a S a n t a — c â n t i c o s sacros — C a n t a t a " S a n t a I n ê s " — Ave M a r i a . — Santos Lima, José Joaquim, dos (* 18/5/1880, Rio h ?) — ó r f á o n o I n s t . P r o f i s s i o n a l J o ã o Alfredo, a u l a s de F r . B r a g a — prof. de música n o Colégio Militar, Asilo Gonçalves de A r a ú j o — N ê n i a : c a n t o f ú n e b r e — Missa S a g r a d o Coração de J e s u s : 2 v. — Ave M a r i a — S a l u t a r i s — P a n i s Angelicus — H i n o a N. S. de Lourdes. — Sinzig, F r e i Pedro, OFM — (* 29/1/1876, Linz, Alem a n h a — + 8/12/1952, Duesseldort, A l e m a n h a ) — c h e g a do e m 1893 n o Brasil, t r a b a l h o u em S a l v a d o r ( p a c i f i c a d o r no conflito de C a n u d o s ) , B l u m e n a u , L a j e s , Rio. 85 obras musicais — 55 l i t e r á r i a s — 5 t r a d u ç õ e s — direção de 13 periódicos — colaborou e m 21 revistas n a c i o n a i s e estrangeiras. 10 Missas — 10 L a d a i n h a s — Motetes — Te D e u m — M a r c h a s de Procissão. C a n t a t a s : M a r i a S a n t í s s i m a , S. F r a n c i s c o de Assis, S a n t a Cecília. O r a t ó r i o " N a t a l " — ó p e r a " F r e i A n t ô n i o " (com o M.° M a ximiliano H e l l m a n n ) — 3 h i n á r i o s : Benedicite, S u r s u m corda, Cecília. livros didáticos — Escola de Música S a c r a - r e v . " M ú s i c a S a c r a " — Editora S t a . Cecília. — Torres, Miguel dos A n j o s S a n t ' A n n a — (* 16/12/ 1837, B a h i a — + 16/7/1902). 31 16 Missas festivas — 1 R e q u i e m — 8 Te D e u m — 9 n o v e n a s — 7 credos — 10 T a n t u m ergo — 5 Ecce S a c e r dos — 4 Ave M a r i a — 12 Hinos — S a l m o s — M a r c h a s f ú nebres. — Velasquez, G l a u c o — (*23/3/1884, Nápoles — + 21/ 6/1914, Rio) — n a s c e u e m Nápoles, m a s é brasileiro. Ave M a r i a — A Virgem S a n t í s s i m a — 5 P a d r e - n o s s o . — Villa-Lobos, 1959. R i o ) . Heitor — (* 5/3/1887, Rio — + 17/11/ E m 1909 a l . a das 15(19?) Ave M a r i a s : c a n t o a 1, 2 v. — 4 v. m., com órgão, cordas, o r q u e s t r a — Ave v e r u m — B e n d i t a sabedoria (6 corais) — Cor dulce, cor a m a b i l e — O Cor J e s u — H i n o a Sto. Agostinho — K y r i e — M a g n i f i c a i — Aleluia: o r q u e s t r a , solo, coro m i s t o — 8 m a r c h a s religiosas: o r q u e s t r a — 8 M a r c h a s solenes — 2 M e m o r a r e — Missa S. Sebastião — Missa Vida p u r a — 3 P a d r e - n o s so — 2 P a n i s Angelicus — 3 S a l u t a r i s — Sub t u u m p r a e sidium — 3 T a n t u m ergo — P r a e s e p e ( t e x t o do P. A n chieta, Ed. Vitale) — coleção " M ú s i c a S a c r a . " É, porque n ã o dizer, s u r p r e e n d e n t e m e n t e g r a n d e o n ú m e r o e a categoria d a s composições, i n c l u i n d o os m a i o r e s n o m e s d a época, s i n a l do valor i n t r í n s e c o do t e m a religioso como f o n t e de i n s p i r a ç ã o e, como dissemos a c i ma, de m o t i v a ç ã o pela certeza de execução f r e q ü e n t e . órgãos Não se pode f a l a r em Música S a c r a sem f a l a r do órgão. Assim t a m b é m pensou Leopoldo Miguez ao incluir e s t a c á t e d r a nos p r o g r a m a s do " I n s t i t u t o Nacional de M ú s i c a " a p a r t i r de 1890. E, s a i n d o da teoria p a r a a p r á t i c a , d e s t i n o u os 20.000$000 do 1.° prêmio, concedido a ele pela c o m p o sição do " H i n o da P r o c l a m a ç ã o da República", à aquisição d u m órgão p a r a o I n s t i t u t o ( r e f o r m a d o e a m p l i a d o em 1954 sob a direção d a p r o f e s s o r a J o a n í d i a S o d r é ) . E m i lio L a m b e r g (1863-1914), f i l h o d u m a u s t r í a c o e n a s c i d o em P e r n a m b u c o , que foi e s t u d a r em Viena p i a n o e órgão, 32 e o u t r a vez ó r g ã o com G u i l m a n t em P a r i s ; v o l t a n d o em 1887 ao Brasil (após t e r d e s e r t a d o do serviço m i l i t a r a u s tríaco) foi por o r d e m de Leopoldo Miguez à E u r o p a p a r a a c o m p a n h a r a c o n s t r u ç ã o deste órgão. E m 1895 foi n o m e a d o professor dessa m a t é r i a Alberto N e p o m u c e n o que, a p e s a r de j á t e r e s t u d a d o b e m este i n s t r u m e n t o , foi n o v a m e n t e a P a r i s p a r a se a p e r f e i ç o a r com o célebre o r g a n i s t a e compositor F. A. G u i l m a n t . É com c e r t a t r i s t e z a que f a l a m o s do órgão. No Rio antigo, a n t e r i o r aos nossos dias, h a v i a órgãos em t a n t a s i g r e j a s : Capela I m p e r i a l , p o s t e r i o r m e n t e C a t e d r a l M e t r o p o l i t a n a , p a r a a q u a l D. Arcoverde a d q u i r i u u m b o m i n s t r u m e n t o d a Casa W a l c k e r , A l e m a n h a e que foi i n a u g u r a d o em 1915 p o r F. F r a n c e s c h i n i — Mosteiro de S. B e n t o — C o n v e n t o de Sto. Antônio (os dois ú l t i m o s r e f o r m a r a m e a m p l i a r a m os órgãos) — C a n d e l á r i a — S. P e d r o — N. S. d a L a p a dos M e r c a d o r e s — L a p a do D e s t e r r o — N. S. M ã e dos H o m e n s — N. S. d a L a m p a d o s a — S e n h o r B o m J e s u s do B o n f i m e N. S. do P a r a í s o — SS. S a c r a m e n t o — N. s. do O u t e i r o da Glória — B o m J e s u s do Calvário — S a n t a n a — Cruz dos Militares (posterior r e f o r m a e a m pliação) — s. F r a n c i s c o de P a u l o — S. J o ã o B a t i s t a d a Lagoa. R e f e r e n t e s ao p e r í o d o 1900-1010 c o n h e c e m o s a l g u n s n o m e s de o r g a n i s t a s : 1 — Alberto N e p o m u c e n o (1864-1920) n o I n s t . Nac. de Música; 2 — A r n a u d D u a r t e de G o u v e a (1865-1942), seu discípulo, n a i g r e j a d a Cruz dos Militares; 3 — F r e d e r i c o Guigon (1839-1901), a i n d a d a Capela I m perial, o n d e sucedeu a seu pai, n o m e a d o p o r D. P e d r o I I e do q u a l a i n d a f a l a r e m o s ; 4 — Cónego José Alpheu Lopes de A r a ú j o (1871-1941) n a M a t r i z de S a n t a n a ; 5 — Emilio L a m b e r g (1863-1919) n o I n s t . Nac. de Música; 6 — Amélia de M e s q u i t a (1866-1954) — n o I n s t i t u t o B e n jamin Constant; 7 — H e n r i q u e Alves de Mesquita (1836-1906) n a i g r e j a de S. P e d r o ; 33 8 — Luiz P e d r o s a (1854-1925) n a i g r e j a de S. Pedro, i n dicado por seu mestre, H e n r i q u e A. de M e s q u i t a ; 9 — Victor Pereira, n a C a t e d r a l M e t r o p o l i t a n a e n a Colegiada de S. P e d r o ; 10 — Frei Pedro Sinzig, OFM (1876-1952) — n o C o n v e n t o de Sto. Antônio, n a Escola de Música S a c r a ; 11 — Antônio Severino d a Costa n a i g r e j a do Bom J e s u s do B o n f i m e N. S. do P a r a í s o . Que a c o n t e c e u com estes órgãos? Alguns, como o d a Escola de Música e do Mosteiro de S. Bento, f u n c i o n a m . Outros são desafinados, mudos, d e s m o n t a d o s , encaixotados, postos de lado, s u b s t i t u í d o s por órgãos eletrônicos. Os motivos p a r a isso são vários. O p r i n c i p a l é f a l t a de verdadeiro interesse e c o m p r e e n s ã o que v e n c e r i a m q u a l q u e r obstáculo. O u t r o é: n ã o h á órgãos, p o r q u e n ã o h á o r g a n i s t a s (e n ã o h á organistas, p o r q u e n ã o h á ó r g ã o s . . . ) O maior p r o b l e m a é a m a n u t e n ç ã o : i n s t r u m e n t o complexo, necessita de u m a revisão geral pelo m e n o s de seis em seis meses; e de u m profissional à disposição a qualquer m o m e n t o necessário. Os a n t i g o s e r a m práticos: Pedro Guigon, pai de F r e d e rico G. (* 1803, Lyon, F r a n ç a — + 1862, R i o ) , foi n o m e a d o por D. P e d r o I I o r g a n i s t a da Capela I m p e r i a l , v e n c e n d o 500S00Q anuais, p o r é m com a obrigação de c o n s e r t a r o órgão da m e s m a , f a z e n d o ele t o d a s a s d e s p e s a s . , e " s u jeito a ser despedido logo que deixe de b e m s e r v i r " (e deixar o ó r g ã o m u d o . . . ) Mas p a r a c o n s e r t a r (ou m e l h o r : c o n s t r u i r ) u m órgão, é preciso a p r e n d e r esta a r t e difícil. Q u e m a p r e n d e é aprendiz. E h o j e só h á m e s t r e s . . . C o n f u n d e m a obrigação social de t r a t a r b e m u m a p r e n d i z com a possibilidade de existir " d e b a i x o " d u m m e s t r e u m a p r e n d i z . O r e s u l t a d o é que só t e m o s n e g o c i a n t e s que v e n d e m u m i n s t r u m e n t o . E q u a n d o este f a l h a : que se c o m p r e u m outro, n o v o . . . Da m e s m a f o r m a t r a t o u u m Sr. J o ã o Alves P i n t o ( * n o Rio), b a c h a r e l em letras, p i a n i s t a a m a d o r , e m p r e g a d o n a C a s a B u s c h m a n n e G u i m a r ã e s , do piano, t r a d u z i n d o de C. Dusseil o " T r a t a d o E l e m e n t a r de A f i n a ç ã o de P i a n o " . O citado P e d r o Guigon, a l é m de o r g a n i s t a e professor de música no S e m i n á r i o S. José, começou em 1849 u m a 34 " f á b r i c a de órgãos, h a r m ó n i o s e r e a l e j o s " ; u m a casa de impressão e v e n d a de músicas, de a l u g u e l de p i a n o s ( m a r ca P l e y e l ) . " A viúva, o f i l h o e o n e t o m a n t i v e r a m a casa, com novos sócios, a t é 1907. Editoras Assim j á tivemos n o Rio de 1910 C a s a s de músicas, e E d i t o r a s de m ú s i c a s : 1 — P e d r o Guigon e sucessores; 2 — Casa P r e a l e " n a a n t i g a t r a v e s s a do t e a t r o " ; 3 — C a s a A r t u r Napoleão, de m ú s i c a s e p i a n o s (incenti- v a d a pelo f a m o s o p i a n i s t a e compositor) ; 4 — Casa Vieira M a c h a d o ; 5 — C a s a B e v i l a c q u a : pianos, h a r m ó n i o s e m ú s i c a s ; 6 — Casa Castro Lima; 7 — C a s a Carlos W e h r s . No Rio de h o j e , 6 vezes m a i o r do de 1910, t e m o s 3 filiais de E d i t o r a s (com sede em S. P a u l o ) e u m a s 4 que vendem músicas e i n s t r u m e n t o s . . . Sociedades musicais Ao c o n t r á r i o do t e m p o colonial e da Corte I m p e r i a l , foi em nosso período p r a t i c a d a a m ú s i c a por p r o f i s s i o n a i s e a m a d o r e s e m sociedades p a r t i c u l a r e s : Clube M o z a r t — Clube B e e t h o v e n — Clube S i n f ô n i c o — C e n t r o Artístico — C e n t r o Musical — Sociedade F i l a r m ô n i c a — Sociedade Q u a r t e t o s clássicos, m a n t e n d o a l g u n s deles cursos r e g u l a r e s de m ú s i c a p a r a seus sócios. Ensino Assim p o d i a - s e e s t u d a r música, f o r a do I n s t i t u t o N a cional de Música (e de seus a n t e c e s s o r e s : C o n s e r v a t ó r i o de Música — s e ç ã o de Música n a A c a d e m i a I m p e r i a l de B e - 35 las Artes) t a m b é m n a s e n t i d a d e s : Sociedade de Música — I m p e r i a l I n s t i t u t o de Meninos Cegos — I n s t i t u t o B e n j a m i n C o n s t a n t — I m p e r i a l Colégio P e d r o I I — S e m i n á r i o Episcopal S. José — Liceu de A r t e s e Ofícios — Asilo dos Meninos Desvalidos ( I n s t i t u t o Profissional J o ã o Alfredo) — Colégio Militar — Asilo Gonçalves A r a ú j o da I r m a n d a de da C a n d e l á r i a . Muitos dos m e l h o r e s músicos e compositores ou saír a m destes i n s t i t u t o s ou neles l e c i o n a r a m . Sinos e sua linguagem Se a Música S a c r a t e m por f u n ç ã o solenizar os a t o s litúrgicos, os sinos t o c a m " p a r a a n u n c i a r a o povo a s f e s tividades e c h a m á - l o p a r a a s f u n ç õ e s s a g r a d a s . " ( C a n o n 1169 do Direito C a n ã n i c o ) . Por isso são b e n t o s solenem e n t e pelo bispo e é d e s e j a d o que t o d a i g r e j a ou c a p e l a t e n h a u m ou m a i s sinos. Ainda h o j e f a z e m p a r t e da vida comunitária, seja urbana, seja rural. E quando, no intuito de d i m i n u i r a "poluição s o n o r a " ( d a s buzinas, dos t o c a discos e dos a l t o - f a l a n t e s . . ) a l g u n s p a d r e s a b o l i r a m os t o ques tradicionais do sino n a s "Ave M a r i a s " — de m a n h ã , a o meio dia e à t a r d i n h a — u m g r u p o de leigos p r o c u r o u o Arcebispo, pedindo corrigir isso e voltar ao c o s t u m e a n tigo " p a r a h u m a n i z a r a cidade". Se isso acontece hoje, podemos i m a g i n a r a i m p o r t â n cia dos sinos n o Rio de 1910, q u a n d o a vida do povo e s t a v a m u i t o m a i s u n i d a à religião em t o d a s as s u a s m a n i f e s t a ções, m e s m o cívicas e civis. Os sinos a n u n c i a r a m — e a n u n c i a m a i n d a h o j e — o início d a s f u n ç õ e s religiosas, t o c a m de f o r m a m a i s solene n a s v é s p e r a s dos domingos e f e s t a s ( f e r i a d o s . . . ) , l e m b r a m 3 vezes por dia o "Angelus", o a n ú n c i o do a n j o a Nossa S e n h o r a . Mas no p a s s a d o t i n h a m a i n d a o u t r a s atribuições, pois por f a l t a r o u t r o s meios de comunicações s e r v i r a m o t i m a m e n t e p a r a este f i m m e d i a n t e convenções f a m i l i a r e s a todos: f e s t a s cívicas — perigo em caso de g u e r r a — n e cessidade de a j u d a p a r a a p a g a r u m fogo — n a s c i m e n t o s e mortes. 36 Isso e x p r i m e m a s inscrições em l a t i m que os sinos c o s t u m a m receber n a h o r a d a f u n d i ç ã o . Eis a l g u m a s : 1 — L a u d o D e u m v e r u m , p o p u l u m voco, congrego c l e r u m (Louvo a Deus verdadeiro, convoco o povo, congrego o clero); 2 — D e f u n c t o s pioro, p e s t e m fugo, f e s t a decoro (Choro os d e f u n t o s , a f u g e n t o a peste, decoro as f e s t a s ) ; 3 — F u n e r a plango, f u l m i n a f r a n g o , s a b b a t a p a n g o ( C h o ro os f u n e r a i s , p a r t o os raios, a n u n c i o os s á b a d o s ) ; 4 — Excito lentos, dissipo ventos, paco c r u e n t o s (Apresso os lentos, dissipo os ventos, aplaco os c r u e n t o s ) ; ( P a s t o r a l Coletiva dos Bispos do Brasil, 1915, n.° 778) H a v i a no p a s s a d o a i n d a costumes h o j e em desuso: o "Viático", isso é, a S a n t a C o m u n h ã o p a r a a d e r r a d e i r a viagem, foi l e v a d a com b a s t a n t e solenidade ao e n f e r m o , a c o m p a n h a n d o u m g r u p o de fiéis, m u n i d o s de tochas, o s a c e r d o t e . U m s i n a l de sino a n u n c i a v a a saída d e s t a p r o cissão da i g r e j a , c o n v o c a n d o a q u e m quisesse a c o m p a nhá-la. No interior, e m localidades menores, a i n d a h á o m e s mo c o s t u m e do Rio de 1910: " d o b r a r " o sino p a r a a n u n ciar o f a l e c i m e n t o d u m p a r o q u i a n o . Claro que isso t o r n a - s e u m t a n t o difícil n u m a cidade g r a n d e , a i n d a m a i s em t e m p o s de epidemia, como n a da f e b r e a m a r e l a de 1850, q u a n d o a a u t o r i d a d e civil fez com que se evitasse i m p r e s s i o n a r os d o e n t e s com o toque c o n t i n u a d o de s i n a i s de m o r t e . H a v i a l u g a r p a r a abusos t a m b é m q u a n t o ao n ú m e r o de toques. Previstos e r a m t a n t o s p a r a falecidos m a s c u l i nos, t a n t o s p a r a f e m i n i n o s . O s a c r i s t ã o recebia u m a g r a t i f i c a ç ã o por este serviço e x t r a ; e q u a n d o a f a m í l i a t i n h a gosto em g a s t a r , ele n ã o h e s i t a v a de t o c a r m a i s de u m a vez. I n t e r v e i o a Sociedade de M e d i c i n a ; o M i n i s t r o de J u s t i ç a escreve (1834) ao Vigário C a p i t u l a r e l e m b r a a C o n s t i t u i ç ã o da B a h i a sobre " n ú m e r o de sinais, c u r t a duração, somente n a igreja onde o d e f u n t o era freguez" e é prontamente atendido. I n t e r e s s a n t e é que, e m a l g u m a s épocas, a n u n c i a r a m t a m b é m , c e r t a m e n t e com u m sino d i f e r e n t e daquele dos 37 d e f u n t o s , os n a s c i m e n t o s : com 9 b a d a l a d a s p a r a m e n i n o s e 7 p a r a m e n i n a s (como os tiros de c a n h ã o p a r a p r í n c i p e s e p r i n c e s a s . . . ) . E r a a p a r t e i r a que p r o v i d e n c i a v a isso, p a g a n d o ao s a c r i s t ã o e n t r e 4 v i n t é n s e m e i a p a t a c a , d a n d o com isso o p o r t u n i d a d e aos amigos de visitar a casa feliz, levando presentes. É Vieira F a z e n d a que c o n t a isso em crônicas, escritas em 1908, publicadas n a Rev. do I H G B em 1923. E a i n d a f a l a do " s i n o do A r a g ã o " que a c o r d a à s 4 h o r a s d a m a d r u g a d a p a r a o t r a b a l h o os caixeiros e e m p r e g a d o s do comércio. Que tempos! Se b e m que dizem que t a m b é m h o j e c e r t a s pessoas que v ê m do subúrbio, da m e s m a f o r m a t ê m de l e v a n t a r a esta h o r a p a r a c h e g a r em t e m p o n o emprego, c o m ou s e m sino. Com t a n t a i m p o r t â n c i a d a d a à c o m u n i c a ç ã o pelo sino e r a n a t u r a l que todos se esforçassem p a r a r e c o n h e c e r a m e n s a g e m . E Vieira F a z e n d a escreve b e m - h u m o r a d o : " . . . a v e l h a D. J u s t i n i a n a c o n h e c i a pelo ouvido os sons de todos os sinos desta c i d a d e . . . " L á está S. B e n t o c h a m a n d o os f r a d e s p a r a o coro — Aquilo é sinal de d e f u n t o em S t a . R i t a — Ouçam, são 4 horas, e as f r e i r a s de S t a . Tereza p a r e c e m pedir u m v i n t é m aos f r a d e s b a r b a d i n h o s . Estes r e s p o n d e m : " C a p u c h i n h o n ã o tem, C a p u c h i n h o n ã o t e m " — Porque e s t a r i a r o n c a n d o h o j e o sino g r a n d e d a Capela I m p e r i a l ? J á sei, a n u n c i a o t r í d u o de S. S e b a s t i ã o — Aquele s i n i n h o e s g a n i ç a d o é de S. Pedro. Não se pode c o n f u n d i r com o d a C a n d e l á r i a . Ambos a n u n c i a m que vai t a m b é m c o m e ç a r o coro." Menos c o n t e n t e ele fica c o m os sinos da i g r e j a do C a r m o e diz: " n o m ê s de j u l h o ( f e s t a de N. S. do C a r m o ) e o u t u b r o (N. S. do Rosário) é v e r d a d e i r o m i l a g r e como, n e s t e tempo, os e m p r e g a d o s da Silva A r a u j o , G r a n a d o e G i f f o n i t ê m cabeça p a r a compor e p r e p a r a r poções, p í lulas, x a r o p e s e vinhos r e c o n s t i t u i n t e s . " (1. c.) Mas se consola: "Assim como h á sinos cacetes, o u t r o s existem inofensivos; os da A j u d a , por exemplo (vizinhos da Bibi. Nac.!) soam t ã o s u r d a m e n t e n o i n t e r i o r do c o n vento, que m a l são ouvidos. Ao menos, n ã o m a r t i r i z a m os t í m p a n o s dos f r e q ü e n t a d o r e s da Avenida C e n t r a l , do P a s seio Público, d a Avenida B e i r a - M a r e a t é n o P a l á c i o Monroe." 38 H o j e os sinos g e r a l m e n t e são a c i o n a d o s por m o t o r e s . Sem estes é n e c e s s á r i o p u x a r u m a corda p a r a m o v i m e n t a r o sino, seguro por b r a ç a d e i r a s de f e r r o ao " c a b e ç a l h o " de m a d e i r a , p e ç a e s t a que é p u x a d a p a r a b a l a n ç a r sobre u m eixo, e c o m ela o sino. Se o sino pesa c e n t e n a s de quilos (o m a i o r d a L a p a dos M e r c a d o r e s pesa 763,50 kg, m a i s 77 de cabeçalho, m a i s 77 de ferragem,), o " s i n e i r o " é l e v a n t a d o do c h ã o e precisa de m u i t a destreza p a r a c o n t r o l a r os m o v i m e n t o s do sino, p r i n c i p a l m e n t e n o início e n o f i m . P o r o u t r o lado c o n s t i t u i isso u m d i v e r t i m e n t o p a r a a m o l e c a d a que se a p r e s s a e m " a j u d a r " o sineiro. M a s pode a c o n t e c e r — como a c o n t e c e u — que s u a s exibições i m p r u d e n t e s os f a ç a m p e r d e r o equilíbrio e a s e g u r a n ç a , s e n do l a n ç a d o s pela f o r ç a do m o v i m e n t o pelas j a n e l a s d a torre. Assim " u m , a r r o j a d o d a t o r r e de S. F r a n c i s c o (de P a u l o ) , veio d e s p e d a ç a r - s e de e n c o n t r o à s p e d r a s do largo." E o u t r o " c a i n d o d a t o r r e de S. Pedro, ficou e s p e t a d o n a g r a d a r i a do templo". ( S e m p r e Vieira F a z e n d a ) . Carrilhões Sinos t ã o queridos, em t a m a n h o s d i f e r e n t e s , p a r a f o r m a r s o n s m a i s a g u d o s ou m a i s graves d a escala d i a t ó n i c a e c r o m á t i c a , em m ã o s h a b i l i d o s a s se p r e s t a m p a r a servir de i n s t r u m e n t o m u s i c a l : O " C a r r i l h ã o " , a p t o p a r a exec u t a r p e ç a s musicais. H o j e o m a i s c o n h e c i d o e a f a m a d o é o d a i g r e j a de S. José. H á outro, n o S a n t u á r i o da P e n h a , ao qual, contudo, f a l t a q u e m o saiba tocar. E m redor de 1910 o F e r r e i r a Velho e n c a n t a v a a todos e x e c u t a n d o m ú sicas diversas n o c a r r i l h ã o d a i g r e j a de S. José. A i g r e j a d a L a p a dos M e r c a d o r e s pôde dispor d u r a n t e 34 a n o s d a a r t e de seu sineiro Luís Augusto d a Silva ( + 1907) que fez t o c a r e c a n t a r os 12 sinos i m p o r t a d o s de Lisboa pela i m p o r t â n c i a de 400$000. T u d o certo, i m p o r t a n t e e i n t e r e s s a n t e . Porém, m a i s u m a vez D. J o ã o VI r o u b a a c e n a : foi dele a p r i m e i r a idéia de f o r m a r u m c a r r i l h ã o . T i r o u sinos d a q u i e dali e os levou p a r a s u a " C a p e l a Real", r e c e b e n d o m a n i f e s t a ç õ e s 39 escritas de " s a t i s f a ç ã o em poder servir a S. Alteza", p r o vavelmente n e m s e m p r e de acordo com os verdadeiros s e n t i m e n t o s dos — n e g a t i v a m e n t e — c o n t e m p l a d o s . Sinos em nomes de jornais Com t a n t a r e p e r c u s s ã o dos sinos n a vida da cidade é compreensível que j o r n a i s se i n s p i r a v a m n o s sinos p a r a f o r m a r seu título: " S i n e t a d a Misericórdia" — " S i n e t a do T e a t r o " — " S i n o da L a m p a d o s a " — " S i n o dos B a r b a dinhos". óperas U m gênero de Música, se n ã o " S a c r a " , pelo m e n o s "religiosa" deste período n ã o deixa de a p r e s e n t a r s u r p r e s a : ó p e r a s com libreto sacro. E s c r i t a s p a r a o t e a t r o , com a técnica a p r o p r i a d a , m a s r e s p e i t a n d o r i g o r o s a m e n t e 0 t e m a sacro. 1 — "Pastoral:" t e x t o de Coelho Neto que confiou a q u a t r o dos m e l h o r e s compositores da época a p a r t e m u sical do prelúdio e dos 3 episódios: Prelúdio: S a n t a n a G o m e s 1.° episódio: Anunciação: H e n r i q u e Oswald 2.° episódio: Visitação: Francisco Braga 3.° episódio: Natal: Alberto Nepomuceno. Este último regeu a peça n a estréia no T e a t r o S. Carlos de Campinas, S. Paulo, n o dia 25/12/1903. 2 — " M i s s õ e s " (Redução dos j e s u í t a s n o Rio G r a n d e ) , de Roberto Eggers; 3 — " C r i s t o alia festa de Purim", de G i o v a n e t t i G i a n e t t i , e s t r e a d a n o Rio e m 19/12/1904; 4 — "II Nazareno", do m e s m o a u t o r ; 5 — tônio "A Natividade Jesus" (A Vida J e s u s "do ) , de Ande Assis de Republicano; com delibreto Conde 40 de Afonso Celso. Foi e s t r e a d a n o Rio e m 25/3/1937 n o T e a t r o Municipal, m a s escrita n o t e m p o em que o a u t o r e s t u d a v a no I n s t i t u t o Nac. de Música; 6 — " O Ermitão da Glória" — do m e s m o a u t o r ; com lib r e t o de Modesto de Abreu — i n é d i t a ; 7 — "S. Petrus", perial; Hugo Bussmeyer, M e s t r e d a C a p e l a I m - 8 — " A v e Maria", de Oscar G u a n a b a r i n o . Iza de Queiroz f a l a de u m a " c o m é d i a p a r a t e a t r o " . De que tipo s e r á ? 9 — "Jesus", ó p e r a e m 3 atos, de Heitor Villa-Lobos, com libreto de G o u l a r t de A n d r a d e — i n é d i t a . Música Sacra e os grandes eventos da época A Música S a c r a é p o r s u a p r ó p r i a n a t u r e z a u m a a r t e c o m u n i t á r i a , p o r q u e se d e s t i n a p r i n c i p a l m e n t e a p r e s t a r c o l a b o r a ç ã o a r t í s t i c a n a s m a n i f e s t a ç õ e s religiosas coletivas. Com isso p a r t i c i p a dos g r a n d e s eventos n a c i o n a i s e, eventualmente, internacionais. Assim escreveu F o n s e c a Euclides u m " T e D e u m " p a r a solenizar a extinção da escravatura. O " R e q u i e m " de Moz a r t foi e x e c u t a d o , sob a r e g ê n c i a de J. M. S a n t a Rosa, n a m i s s a c e l e b r a d a n o C a m p o de S a n t a n a pelos soldados m o r tos n a Guerra do Paraguai, merecendo, por o u t r o l a d o a c e l e b r a ç ã o da vitória do compositor R a f a e l Coelho M a c h a d o u m " T e D e u m " , e x e c u t a d o n a i g r e j a de S. F r a n cisco d a P e n i t ê n c i a d u r a n t e a celebração litúrgica. C e r n i c h i a r o r e g e u em 1906 o " R e q u i e m " de Verdi n a s exéquias oficiais pelos m o r t o s do e n c o u r a ç a d o brasileiro "Aquidabã". E F. F r a n c e s c h i n i c o m p o r á s u a " I n t r o d u ç ã o e F u g a " p a r a G r a n d e ó r g ã o sobre a p a l a v r a " I n d e p e n dência". M a n o e l dos S a n t o s S a n t a Cruz ( B a h i e n s e ) escreveu u m a " M a r c h a f ú n e b r e Pio X " (1846-1878), c a b e n d o a J ú l i o Cesar do Lago Reis a a u t o r i a da " M a r c h a T r i u n f a l " 41 p a r a órgão, composta por ele p a r a as f e s t a s do jubileu do Papa Leão XIII (1878-1903), c h e g a n d o a ser e x e c u t a d a em R o m a . Da m e s m a f o r m a d e s e j a m o s n ó s p a r t i c i p a r com e s t a s m o d e s t a s n o t a s sobre Música S a c r a d a s comemorações f e s tivas dos 70 a n o s de atividades d a Biblioteca Nacional n o prédio d a " A v e n i d a C e n t r a l " , c u j a Seção de Música t a n t o a j u d a a todos nós que nos i n t e r e s s a m o s pela Música. E a c h a m o s por bem, de d o a r — como p r e s e n t e de a n i v e r s á rio — m a n u s c r i t o s musicais, a u t ó g r a f o s e f o t o g r a f i a s a u t o g r a f a d a s de músicos n a certeza de que o u t r o s t i r a r ã o p r o veito deles no acervo t ã o bem, cuidado, como nós e n c o n t r a m o s a j u d a preciosa em m a t e r i a l e pessoal. BIBLIOGRAFIA Möns. Antônio Alves Ferreira dos Santos. A Archidiocese de S. Sebastião do Rio de Janeiro. Tip. Leuzinger, Rio, 1914. Anuário da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Cúria Metropolitana. 1980. l l . a edição. Pe. Dr. Guilherme Schubert. A Província Eclesiástica do Rio de Janeiro. Livraria AGIR Editora, Rio de Janeiro, 1948. Möns. Guilherme Schubert. A Música Sacra na História Música. Editora Electra, Rio de Janeiro, 1970. da Renato Almeida. História da Música Brasileira. 2. a edição, F. Briguiet & Co., Editores, Rio de Janeiro, 1942. Enciclopédia da Música Brasileira Erudita, Folclórica, Art Editora Ltda., S. Paulo, 1977. Padre Agnelo Rossi. Diretório Protestante Paulista, Campinas, 1938. Popular. no Brasil, Tipografia Luiz Heitor Corrêa de Azevedo. Relação das óperas de Autores Brasileiros. Edição do Min. de Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1938. Pe. José Geraldo de Souza. Apontamentos de Música Livraria Salesiana Editora, S. Paulo, 1950. H Sacra. Maria Luísa de Queirós Amâncio dos Santos (Iza de Queirós Santos). Origem e Evolução da Música em Portugal e sua Influência no Brasil. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1942. Frei Pedro Sinzig, OFM. A Música Sacra no Brasil in: Revista "Música Sacra", Petrópolis, 1946. Frei Pedro Sinzig, OFM. Notas sobre a Música Sacra no Rio in: "A Província Ecles. do Rio de Janeiro" (vide s u p r a ) . Vieira Fazenda. Os Sinos do Rio de Janeiro in: Revista do Instituto Geográfico Brasileiro (IHGB), 1923. Visconde de Taunay. Dois Artistas Máximos José Mauricio e Carlos Gomes. Editora Comp. Melhoramentos de S. Paulo, 1930. Frei Basilio Roewer, OFM. Música Sacra ou Comentário do Motu Proprio de Sua Santidade Pio, pp. X. Tip. do Colégio São José, Petrópolis, 1907. Vincenzo Cernichiaro, Storia delia Música nel Brasile, dai Tempi Coloniali ai Nostri Giorni (1549-1923) Stab. Tip. Edit. Fratelli Riccioni, Milano, 1926. 43 A I G R E J A NO INÍCIO DO SÉCULO X X Américo Jacobina Lacombe O decreto de 7 de j a n e i r o de 1890, que s e p a r o u a I g r e j a do Estado, ou — m a i s e x p l i c i t a m e n t e — que proibiu à s a u t o r i d a d e s f e d e r a i s e e s t a d u a i s r e g u l a m e n t a r e m , ou i m p e d i r e m a l g u m a religião foi r e s u l t a d o de u m sério e n t e n d i m e n t o e n t r e R u i Barbosa, e n t ã o v i c e - c h e f e do Gov e r n o e D. A n t ô n i o de Macedo Costa, Bispo do P a r á e m a i o r expressão do episcopado n a c i o n a l . N ã o poderia ser u m a c o r d o p e r f e i t o e n t r e as d u a s p a r t e s . O d o c u m e n t o f u n d a m e n t a l p a r a i n t e r p r e t a ç ã o do t e x t o legal é a c a r t a dirigida pelo bispo ao m i n i s t r o e m 22 de dezembro de 1889.1 M a s de q u a l q u e r m a n e i r a , disse o bispo, v i n d o u r o P r i m a z do Brasil, " A I g r e j a do Brasil g a n h o u imenso", " G a n h o u imenso, g a n h o u a liberdade que n ã o t i n h a ! " E m conseqüência, a P a s t o r a l Coletiva de 19 de m a r ç o de 1890, 2 r e s u l t a d o d a p r i m e i r a r e u n i ã o do episcopado brasileiro em s u a h i s t ó r i a , é u m a c l a r i n a d a de vitória d i a n t e do poder político que, poucos a n o s a n t e s , e n c a r c e r a v a dois p r e l a d o s p o r s e g u i r e m f i e l m e n t e a o r i e n t a ç ã o do Pastor Universal: " A c a b a m o s de assistir a u m espetáculo que a s s o m brou o u n i v e r s o . . . u m t r o n o a f u n d a d o de r e p e n t e no a b i s m o que princípios dissolventes, m e d r a d o s à s u a sombra, e m poucos a n o s lhe c a v a r a m ! D e s a p a r e ceu o t r o n o . . . E o a l t a r ? O a l t a r está e m pé, a m p a r a d o p e l a fé do povo e pelo poder de Deus." i F. dos, 1910. * O do Brazil. de Macedo Costa: Lutas e vitórias. Bahia. Dois Munp. 101. Episcopado brasileiro ao clero e aos fiéis da Egrsja São Paulo, J. Seckler, 18S0. 45 N e m todos p e n s a r a m t ã o o t i m i s t i c a m e n t e . Nabuco, p o r exemplo, j á e n t ã o católico integral, via com t e m o r o q u e ele considerava a laicização do país. A maioria, p o r é m , encarou a m e d i d a como u m passo à f r e n t e . M o n s e n h o r M a n u e l Barbosa, n u m livro que é u m a d a s m e l h o r e s s í n teses d a h i s t ó r i a eclesiástica do Brasil, d e n o m i n a o d e creto de 7 de j a n e i r o " a c a r t a de a l f o r r i a da I g r e j a B r a sileira." 3 A I g r e j a es'íava pobre. O clero deixava de receber as côngruas, p r o v e n i e n t e s dos p i n g u e s dízimos pagos ao p a t r o n o que e r a o I m p e r a d o r , G r ã o - M e s t r e da O r d e m de Cristo. Alguns bispos n ã o t i n h a m sequer onde i n s t a l a r os p o m p o s a m e n t e c h a m a d o s " P a l á c i o s Episcopais". A m a i o r p a r t e a b o l e t a v a - s e nos c o n v e n t o s d a s a g o n i z a n t e s o r d e n s religiosas. Os párocos i a m p a s s a r a viver d a s e s p ó r t u l a s dos fiéis. Ricas e r a m as O r d e n s T e r c e i r a s e a s I r m a n dades, c u j o p a t r i m ô n i o incluía n u m e r o s o s templos, h o s p i tais e asilos e c u j a p r o p r i e d a d e f i c a v a i n í a c t a . M a s n a d a disso valia a liberdade d a escolha dos bispos, a cessação da i n t e r f e r ê n c i a n a s p a r ó q u i a s e nos cabidos, as d e t e r m i nações d e n t r o da liturgia. Era, a c i m a de tudo, a possibilidade de se r e c o n s t i t u i r o clero r e g u l a r , reduzido q u a s e à extinção. A proibição do noviciado esvaziara os c o n v e n tos. R e n u n c i a r ao m u n d o p a r a c o n s a g r a r - s e a u m a vocação religiosa p a r e c i a a todos u m desatino. Há poucos d o c u m e n t o s tão melancólicos p a r a u m a a l m a cristã como a c a r t a de M o n t e Alverne a G o n ç a l v e s de M a g a l h ã e s q u a n d o percebeu n e s t e u m a t e n d ê n c i a p a r a o claustro. A s o m b r a de J u n q u e i r a F r e i r e p e r p a s s a por aquelas l i n h a s tenebrosas. 4 E r a no próprio seio d a s c o m u n i d a d e s que se i n s t a l a r a a descrença n a r e s t a u r a ç ã o d o espírito religioso. E n o e n t a n t o o m i l a g r e se realizou. A h i e r a r q u i a n ã o íò se m a n t e v e como se desdobrou e se e x p a n d i u em ações 3 Manuel Barbosa: A Igreja no Brasil. Rio, A Noite, 1945, p. 31. * Domingos José Gonçalves de Magalhães. "Biografia do padre-mestre Frei Francisco de Monte Alverne". Rev. do Inst. Histórico e Geogr. Brasileiro. T. XLV, 2°, 391. 46 b e n e m é r i t a s . Os conventos se r e p o v o a r a m com o auxílio d a s c o m u n i d a d e s e s t r a n g e i r a s . N u m período b e m c u r t o r e t o m o u - s e a r e g u l a r i d a d e d a s s u a s vidas c o n f o r m e a s s u a s diversas r e g r a s . E n t r e a t ô n i t o s e embevecidos a c o m p a n h a m o s os passos dos missionários que r e s t a u r a r a m a r e g u l a r i d a d e religiosa n o s r a r o s c o n v e n t o s que n ã o e s t a v a m a i n d a reduzidos a ruínas.5 O f a t o é que ao a b r i r o século X X a I g r e j a a p r e s e n t a v a u m aspecto b e m diverso do a m b i e n t e sombrio e de a b a n d o n o dos ú l t i m o s anos. V e j a m - s e n a s p á g i n a s c i t a d a s de F r e i P e d r o Sinzig os tristes casos de d e s a c a t o aos s a c e r dotes e a u t o r i d a d e s religiosas a que ele assistiu ao c h e g a r . No livro do C e n t e n á r i o do Descobrimento, 1900, o Pe. Júlio Maria, a m a i o r cabeça do clero secular (depois i n c o r p o r a d o à s h o s t e s dos R e d e n t o r i s t a s ) , começa p o r a f i r m a r : " N o período republicano, s e p a r a d a a I g r e j a do Estado, a Religião t e m n o Brasil u m a n o v a e t ã o e n é r g i c a a f i r m a ç ã o , que n ã o é lícito a p o n t a r os erros e os excessos dos legisladores republicanos, s e m reconhecer, ao m e s m o tempo, os proveitos e v a n t a g e n s que de f a t o implicou p a r a o Brasil o novo r e g i m e n . " 0 Ao t e r m i n a r o I m p é r i o a h i e r a r q u i a c o m p u n h a - s e de doze bispos, " o s dozes apóstolos", como dizia o bispo de M a r i a n a , c o n s t i t u i n d o u m a só província eclesiástica, com u m Metropolita, o A r c e b i s p o - P r i m a z d a B a h i a . O bispo do Rio de J a n e i r o c o m p e n s a v a s u a posição s u b a l t e r n a com o t í t u l o de Capelão Mor da Casa I m p e r i a l . A F a l a do T r o n o de a b e r t u r a da 4. a sessão da 20. a l e g i s l a t u r a a n u n c i a r a " a c r i a ç ã o de u m bispado em c a d a u m a das n o s s a s províncias, em geral t ã o e x t e n s a s que n ã o p o d e m e s t a r r e u n i d a s e m p o u c a s dioceses, s e m p r e j u í z o d a ação e doutrina pastoral." 7 M a s n a d a se fizera de c o n c r e t o a t é a República. A o r g a n i z a ç ã o f e d e r a t i v a e a supressão d a s c o m p l e x a s f o r 5 Frei Pedro Sinzig: Reminiscências d'um frade. Petrópolis, Vozes, 1917. 8 Livro do centenário: A religião. Rio de Janeiro, 1900. p. 3. 7 Falias do throno. Rio de Janeiro, 1889, p. 871. 47 m a l i d a d e s n a s negociações com a Cúria R o m a n a p e r m i t i r a m u m a r á p i d a t r a n s f o r m a ç ã o d a o r g a n i z a ç ã o eclesiástica. O Rio de J a n e i r o era a g o r a u m a r c e b i s p a d o e seu t i t u l a r D. J o a q u i m Arcoverde de Albuquerque C a v a l c a n t i , d e s c e n d e n t e dos primeiros povoadores do Brasil, e por feliz coincidência, t e n d o n a s veias o s a n g u e dos Albuquerques "valerosos" e do cacique Arcoverde. E r a u m h o m e m de est a t u r a média, m a s com u m a r a r i s t o c r á t i c o n a t u r a l que se i m p u n h a aos c i r c u n s t a n t e s . L a u r e a d o em Filosofia e Teologia pela Universidade G r e g o r i a n a , f o r a o r d e n a d o e m 1874. Colaborara com D. Vital n a r e o r g a n i z a ç ã o do S e m i n á r i o de Olinda, d o n d e passou a d i r e t o r do G i n á s i o P e r n a m b u c a n o . F o r a n o m e a d o c o a d j u t o r d a B a h i a e bispo de Goiás, posto a que r e n u n c i o u , ocupou em seguida o bispado de São Paulo. E m 1897 foi t r a n s f e r i d o p a r a o Rio de J a n e i r o como arcebispo e, em 1905, foi elevado à p ú r p u r a cardinalícia, sendo o primeiro c a r d e a l d a A m é rica L a t i n a , h o n r a r i a que o I m p é r i o n ã o obtivera n ã o o b s t a n t e l o n g a s negociações. A g r a v i d a d e com que exercia suas f u n ç õ e s impressionava os que a s assistiam. " V ê - l o n a missa, ou em qualquer o u t r a solenidade religiosa, é edif i c a r - s e p r o f u n d a m e n t e , t a l a d i g n i d a d e e o respeito com que S u a E m i n ê n c i a o C a r d e a l a t e n d e a todas as p r e s c r i ções litúrgicas, serve de v e r d a d e i r o exemplo a clero e leigos". 8 A província eclesiástica do Rio de J a n e i r o passou a c o m p r e e n d e r vários bispados s u f r a g à n e o s . O p r i m e i r o foi o de Niterói, criado em 1892. S u a sede esteve de 1895 a 1908 em Petrópolis. Foi seu t i t u l a r D. F r a n c i s c o do Rego Maia, u m dos m a i s ilustrados prelados brasileiros, colaborador do novo Código de Direito Canónico. Foi s u b s t i t u í d o por D. J o ã o F r a n c i s c o B r a g a e, em 1908, por D. Agostinho Francisco Benassi. O bispado do Espírito S a n t o foi criado em 1895 p o r D. João B a t i s t a Correia Néri, t r a n s f e r i d o p a r a Pouso Alegre em 1901, e, f i n a l m e n t e , p a r a C a m p i n a s ( S P ) e m » Frei Pedro Sinzig. Op. cit. p. 302 48 1908. Foi dos m a i s p o p u l a r e s e prestigiosos p r e l a d o s b r a sileiros. Foi s u b s t i t u í d o em 1902 por D. F e r n a n d o de Sousa Monteiro. A província m e r i d i o n a l do Brasil, c o m sede n o Rio de J a n e i r o , c r i a d a em 1892 c o m p r e e n d i a a i n d a o b i s p a d o de M a r i a n a a t é 1906, q u a n d o passou a ser u m arcebispado, e c o n s t i t u i n d o u m a n o v a província a u t ô n o m a , c o m p r e e n d e n d o Goiás, D i a m a n t i n a , Pouso Alegre, U b e r a b a , C a m p a n h a , M o n t e s Claros e Araçuaí. E r a seu a n t í s t i t e D. Silvério G o m e s P i m e n t a , sábio e virtuoso prelado, m e m b r o d a A c a d e m i a Brasileira. A p r e l a t u r a de Goiás passou a bispado em 1826 e foi regida de 1891 a 1908 por D. E d u a r d o D u a r t e Silva. O bispado de D i a m a n t i n a teve como bispo D. J o ã o Antônio dos Santos, tio dos i r m ã o s A n t ô n i o e J o a q u i m Felício dos Santos, d o u t o r em Paris, h e l e n i s t a e h e b r a í s t a , sucedido p o r D. J o a q u i m Silvério de Sousa, a l u n o do C a r a ç a e r e l a t o r da P a s t o r a l Coletiva do episcopado brasileiro em 1922. E r a t a m b é m p e r t e n c e n t e à província do Rio de J a n e i r o o b i s p a d o de Pouso Alegre, i n a u g u r a d o por D. J . B a t i s t a Nery, como a c i m a foi dito. D a t a m de 1907 os bispados de U b e r a b a e C a m p a n h a . P e r t e n c e n t e à província m e r i d i o n a l do Rio de J a n e i r o , o bispado de São P a u l o passou a c o n s t i t u i r u m a província eclesiástica em 1908, q u a n d o D. D u a r t e Leopoldo e Silva passou a arcebispo de u m a n o v a província que teve como s u f r a g â n e a s a s dioceses de C a m p i n a s , São Carlos, B o t u c a t u , R i b e i r ã o P r e t o , T a u b a t é e Curitiba. Do m e s m o m o d o o b i s p a d o de P o r t o Alegre, que n a o r g a n i z a ç ã o de 1892, f a z i a p a r t e d a P r o v í n c i a Meridional, passou e m 1912 a ser sede m e t r o p o l i t a n a , a r r e b a n h a n d o a diocese de P e l o t a s (1910), S a n t a M a r i a (1910), U r u g u a i a n a (1910) e Florianópolis (1908). Assim, c o n f o r m e o e s q u e m a e l a b o r a d o por M o n s e n h o r S c h u b e r t " a diocese do Rio de J a n e i r o , u m a d a s u n i d a d e s 9 "O desmembramento das dioceses do Brasil". Rev. do inst. Hist. Geogr. Brás. 1977, vol. 316. p. 161. 49 d a ú n i c a província eclesiástica brasileira, deu origem nesse curto período de t e m p o a nove u n i d a d e s que por sua vez se subdividiram, sem f a l a r n a Abadia B e n e d i t i n a Nullius de N. S. do M o n s e r r a t e . Isto d e n t r o de u m desenvolvim e n t o s u r p r e e n d e n t e . O Brasil passou de 12 bispos e m 1890 a 219 u n i d a d e s eclesiásticas e m 1976. P a s s a n d o a g o r a à r e n a s c e n ç a do clero r e g u l a r v e j a mos, em r á p i d a síntese, a l g u m a s d a s e n t i d a d e s que r e i n t r o d u z i r a m n o país a vida religiosa. H á g r a n d e c o n f u s ã o a c e r c a do c o m p o r t a m e n t o do i m p e r a d o r D. P e d r o I I em r e l a ç ã o aos religiosos. Ele n ã o cria n a possibilidade de r e s t a u r a ç ã o da vida claustral, d a s o r d e n s m o n a c a i s e m e n d i c a n t e s . Acerca disso m a n i f e s t o u se a b e r t a m e n t e . M a s q u a n t o aos novos i n s t i t u t o s e n s i n a n tes e de ação social, m a n i f e s t o u - s e , pelo c o n t r á r i o , c o m a m a i s viva s i m p a t i a . O a s s u n t o foi i n t e l i g e n t e m e n t e t r a t a do em dois ensaios do prof. R i o l a n d o Azzi. 1 0 Os jesuítas, os p r i m e i r o s que e s t a b e l e c e r a m o ensino sistemático n o Brasil, conseguiram, a p e s a r da legislação pombalina, voltar a estabelecer-se n o Brasil, n ã o s e n d o repelidos pelo i m p e r a d o r . É b e m verdade que, após o c o n flito com os bispos, sua a t i t u d e t e n h a se a l t e r a d o , p a t e n t e a n d o - s e n a g r a n d e decepção que foi a n ã o ida ao colégio de I t u em 1886, e v i d e n t e m e n t e p a r a s a t i s f a z e r o a n t i clericalismo de boa p a r t e de seus assessores. 1 1 R e i n g r e s s a n d o n o Brasil a i n d a n o a n t i g o regime, os j e s u í t a s e s t a b e l e c e r a m n a d é c a d a 1900-1910 a l g u n s m a r cos de seu prestígio como educadores. O Colégio S a n t o I n á c i o é de 1901. O A n c h i e t a , em Friburgo, v i n h a de 1886. As t e n t a t i v a s a n t e r i o r e s de S a n t a C a t a r i n a , P e r n a m b u c o e I t u ( t r a n s f e r i d o p a r a São P a u l o ) f i c a m f o r a do G r a n d e Rio, ao qual l i m i t a m o s nosso estudo. Ambos os i n s t i t u t o s obtiveram i m e d i a t a m e n t e u m prestígio indiscutível. E n t r e 10 "d. Pedro II e a reforma do clero no Brasil" e "D. Pedro II perante os institutos religiosos do Brasil". Revista do Inst. Hist. e Geogr. Brasileiro, vols. 314 e 316 (1977). 11 O caso está extensamente estudado pelo padre Hélio A. Viotti, na mesma Revista, v. 318 (1978). 50 os seus alunos, os j e s u í t a s r e c r u t a r a m g r a n d e s n o m e s que vão c o n s t i t u i r a elite católica do m o m e n t o . Os f r a n c i s c a n o s que no ocaso do I m p é r i o c o n t a v a m s o m e n t e a l g u m a s u n i d a d e s de f r a d e s , que t i n h a m vários convênios em r u í n a s e v i a m s u a s c o n s t r u ç õ e s o c u p a d a s p o r serviços públicos (como o Arquivo N a c i o n a l que f u n cionou n o c o n v e n t o de S a n t o Antônio) viu seus q u a d r o s a m p l i a d o s c o m missões e s t r a n g e i r a s . E s t ã o h o j e r e c u p e r a d a s a s s u a s c o m u n i d a d e s por brasileiros. O C o n v e n t o de S a n t o Antônio, n o Largo d a Carioca, f u n d a d o e m 1606 passou a ser c h e f i a d a província, h o j e e m São Paulo. O u t r o g r a n d e c e n t r o de a t i v i d a d e f r a n c i s c a n a foi o C o n v e n t o do S a g r a d o C o r a ç ã o de Jesus, e m Petrópolis, f u n d a d o em 1896, o n d e se e d i t a v a a r e v i s t a Vozes de Petrópolis, h o j e s i m p l e s m e n t e Vozes, e um n ú m e r o c o n s i d e r á vel de publicações. M a n t i n h a a i n d a u m a escola g r a t u i t a e u m ambulatório. H a v i a a i n d a o C o n v e n t o em São Paulo, f u n d a d o e m 1639, (o de São Francisco, em p a r t e o c u p a d o pela F a c u l d a d e de D i r e i t o ) . Os C a r m e l i t a s , c h e g a d o s ao B r a s i l e m 1580, c o n s e r v a r a m o C o n v e n t o d a L a p a , p a r a onde se h a v i a m m u d a d o desde que c e d e r a m ao P a ç o o a n t i g o n a P r a ç a 15 de Novembro, h o j e sede do C e n t r o U n i v e r s i t á r i o C â n d i d o M e n des. Ali m a n t i n h a m o Colégio S a n t o Alberto, que gozava de e x c e l e n t e r e n o m e . T a m b é m e m São P a u l o m a n t i n h a m n u m c o n v e n t o n a Liberdade, u m colégio do m e s m o n o m e . Os B e n e d i t i n o s que e s t i v e r a m a pique de d e s a p a r e c e r , com u m ú n i c o m o n g e , c o n s e g u i r a m m a n t e r a t r a d i ç ã o do seu ginásio e escolas populares, que d a t a m de m e a d o s d o século X I X e u m a editora, a Lúmen Christi. A i n d a e m 1905 f u n d a r a m u m a escola n o Alto d a Boa Vista. O Mosteiro de São P a u l o foi a sede d a p r i m e i r a escola superior de Filosofia, a g r e g a d a à U n i v e r s i d a d e de Louvain. Isto sem f a l a r n a s Celas e F r i o r a d o s e x i s t e n t e s f o r a do G r a n d e - R i o . Se t u d o isso se r e f e r i a à s o r d e n s t r a d i c i o n a i s , e m c u j o r e s s u r g i m e n t o n ã o cria o i m p e r a d o r e a m a i o r p a r t e dos b e m - p e n s a n t e s , o u t r a foi a a t i t u d e e m r e l a ç ã o aos i n s t i t u t o s religiosos c h a m a d o s modernos, f u n d a d o s desde 51 a r e f o r m a t r i d e n t i n a , e c u j a m a i o r i a se estabeleceu n o Brasil no século X I X . 1 2 E n t r e estes os Lazaristas, os Salesianos e as F i l h a s de Caridade. Os C a p u c h i n h o s i g u a l m e n t e , após s e r e m d u r a n te todo o século X V I I I os g r a n d e s missionários do interior, h a v i a m sido p a r c i a l m e n t e e x t i n t o s em 1831. D u r a n t e o segundo reinado, l e m b r a Azzi, i n t r o d u z i r a m - s e n o B r a sil q u a t r o novos i n s t i t u t o s religiosos m a s c u l i n o s : os Dominicanos, os Salesianos, os P a l o t i n o s e os p a d r e s d a Congregação do Espírito S a n t o . P o d e r í a m o s a c r e s c e n t a r os Salvatorianos, os Maristas, Saletinos, P r e m o n s t r a t e n s e s , Redentoristas, B a r n a b i t a s . Q u a n t o à s organizações f e m i n i n a s c h e g a m ao f i m do i m p é r i o as F i l h a s da C a r i d a d e ( c h a m a d a s v u l g a r m e n t e I r m ã s de C a r i d a d e ) , f u n d a d o r a s do primeiro colégio religioso n o Rio de J a n e i r o e d i s p u tadas, como e n f e r m e i r a s nos hospitais, a s Dorotéias, a s I r m ã s de S a n t ' A n a , a s congregações do Bom P a s t o r , dos S a n t o s Anjos, as I r m ã s do Coração de Maria, a s F r a n c i s c a n a s da P e n i t ê n c i a e d a C a r i d a d e Cristã, as D o m i n i c a nas, as religiosas de Lourdes. É b e m v e r d a d e que, e m c e r t a s localidades, o r e c e b i m e n t o por p a r t e do povo, p r e venido por u m a p r o p a g a n d a cruel e maliciosa p o r p a r t e do anticlericalismo f o m e n t a d o pelas e n t i d a d e s l i g a d a s ao m o v i m e n t o irreligioso europeu, n ã o foi simpático. Mas, sob esse a s p e c t o D. P e d r o I I foi irrepreensível. Este decênio se caracteriza, assim, pela e x p a n s ã o da h i e r a r q u i a , pela r e s t a u r a ç ã o das o r d e n s religiosas t r a d i cionais (o que n ã o se processou s e m i n c i d e n t e s populares, judiciais e policiais) e pela a s c e n d ê n c i a n a e d u c a ç ã o religiosa f e m i n i n a d a s f r e i r a s f r a n c e s a s . Esse p r e d o m í n i o f r a n c ê s que se i n i c i a r a com as I r m ã s de C a r i d a d e em 1855, teve seu apogeu nos prestígios dos colégios de Sion e Sacré Coeur. Se por u m lado teve aspectos b r i l h a n t e s , a p o n t o de a l g u n s d i p l o m a t a s dizerem que as m u l h e r e s cariocas e r a m mais i l u s t r a d a s que os m a r i d o s (pelo m e n o s c o n h e c i a m m e l h o r a r t e e l i t e r a t u r a ) teve dois p o n t o s que f o r a m alvos de a t a q u e s . O p r i m e i r o foi u m a t e n d ê n c i a à elitização da a ç ã o católica, d e i x a n d o de lado a s classes i2 52 Riolando Azzi. R. IHGB, v. 316. p. 125. Padre Júlio Maria p o p u l a r e s — d e f e i t o que vai ser corrigido e m épocas m a i s recentes. O s e g u n d o foi o que se c h a m a r i a h o j e a l i e n a ç ã o d a r e a l i d a d e brasileira. O e s t u d o da h i s t ó r i a do Brasil e d a p r ó p r i a l í n g u a p o r t u g u e s a f i c a v a e v i d e n t e m e n t e em s e g u n d o plano. H á p á g i n a s c a n d e n t e s de L i m a B a r r e t o a respeito dessa d e f o r m a ç ã o da m e n t a l i d a d e d a m o c i d a d e feminina. O u t r o a s p e c t o desse período da h i s t ó r i a d a I g r e j a é a v e r d a d e i r a e n c h e n t e que depois dele se o p e r a , de ordens, congregações e i n s t i t u t o s , q u e r de ensino, q u e r de e n f e r m a g e m , q u e r de a ç ã o social. De a l g u m a s d e z e n a s a t é 1910, p a s s a m a c e n t e n a s n a s d é c a d a s seguintes. Os a l m a n a q u e s religiosos c o n s i g n a m a c h e g a d a de religiosos, de a m b o s os sexos, de diversos países, b e m como a c r i a ç ã o de i n s t i tuições locais, de â m b i t o diocesano. O respeito à p r o p r i e d a d e d a s instituições leigas, O r dens T e r c e i r a s e I r m a n d a d e s , com p a t r i m ô n i o a u t ô n o m o , fez com que a l g u m a s se d e s d o b r a s s e m em o b r a s sociais de b e n e m e r ê n c i a . Ao l a d o delas, c e n t e n a s de instituições de m e r a devoção, Apostolados e Ligas, se m u l t i p l i c a r a m . F i n a l m e n t e , a todos os responsáveis, colocou-se a q u e s t ã o f u n d a m e n t a l : que ia f a z e r a I g r e j a dessa f o r ç a de que d i s p u n h a ? E s t á claro que u m a boa p a r t e dos falsos c o n s e r v a d o r e s n ã o p e n s a v a s e n ã o n o imobilismo, q u a n d o n ã o no regressismo, e n t ã o c h a m a d o " s e b a s t i a n i s m o " . M a s a voz que m a i s v i b r a n t e m e n t e ressoou nos p ú l p i tos foi a dos que a l e r t a v a m a I g r e j a p a r a a s n o v a s f u n ções que lhe c a b i a m , q u e n ã o e r a m m a i s a s de revestir os a t o s públicos do m a n t o d a religiosidade, m a s a de c o n t r i b u i r p a r a u m a p r o f u n d a m o d i f i c a ç ã o n a e s t r u t u r a social. N e n h u m a s u p e r o u a do Pe. J ú l i o M a r i a , n a c i t a d a Memória p u b l i c a d a n o Livro áo Centenário e à q u a l v o l t a mos p a r a e n c e r r a r e s t a s observações: " A religião do nosso t e m p o n ã o deve consistir e m r e z a r cânticos, n o t e m p l o , vestidos os p a d r e s de seus p a r a m e n t o s e m u i c o n t e n t e s com o n ú m e r o de devotos que vêem do seu lado, m a s n ã o vendo f o r a do templo, a m u l t i d ã o que m o r r e de i n a n i ç ã o , i n t e l e c t u a l , m o r a l e física." " O clero n o Brasil n ã o pode, n e m deve, p r e s e n t e m e n t e e n c a s t e l a r - s e n o s s a n t u á r i o s , c o n t e m p l a n d o de longe o 57 povo e p e n s a n d o que f a r á obra de Deus só com a s nossas devoções, as nossas f e s t a s e os nossos panegíricos." " S u a missão é isto que n e s t e m o m e n t o solene e t r á g i c o da sociedade se impõe como p r o g r a m a aos católicos: c o n sorciar os espíritos, p a c i f i c a r a s almas, h a r m o n i z a r as v o n t a d e s n e s t e imenso conflito de paixões pessoais c o n t r a r i a d a s com os princípios de u m a n o v a o r d e m de coisas: substituir às questões políticas, e r r o n e a m e n t e p r e d o m i n a n tes nos governos, nos p a r l a m e n t o s , nos j o r n a i s , a q u e s t ã o social que é a q u e s t ã o por excelência." A e s i a s questões se a t i r a r a m com fervor os prelados, libertos das cadeias do b u r o c r a t i s m o . Após a r e u n i ã o do episcopado em 1890, r e u n i u - s e e m R o m a e m 1899 o C o n cílio P l e n á r i o L a t i n o - A m e r i c a n o . S e g u i r a m - s e r e u n i õ e s s i s t e m á t i c a s dos bispos, p r e c u r s o r a s d a s a t u a i s C o n f e r ê n cias Nacionais dos Bispos e dos Religiosos. Os do N o r t e r e u n i r a m - s e n a B a h i a e m 1901, n o Recife em 1908, em Fortaleza em 1911 e n o v a m e n t e n a B a h i a em 1915. R e u n i r a m - s e os do Sul em 1901 (S. P a u l o ) , e m 1904 ( A p a r e c i d a ) , em 1907 ( M a r i a n a ) , em 1910 (S. P a u l o ) e em 1915 (Friburgo). De t o d a s essas r e u n i õ e s r e s u l t a r a m p a s t o r a i s que vão m a r c a n d o novos r u m o s p a r a a I g r e j a Brasileira. N e n h u m a dessas reuniões a l c a n ç o u a r e p e r c u s s ã o d a de Friburgo em que f o r a m a p r o v a d a s a s Constituições das Provindas Meridionais que, a d o t a d a s pelas do Norte, p a s s a r a m a s u b s t i t u i r as velhas Constituições da B a h i a de 1907. Paralelamente o laicato era arregimentado em Congressos Católicos, o primeiro dos quais realizou-se n a B a h i a em 1900 e o segundo n o Rio de J a n e i r o em 1908. 13 13 Segundo Congresso Católico Brasileiro. Atas e documentos. Rio de Janeiro, 1910. Note-se que, para pôr os católicos brasileiros a par das novas idéias sociais que dominavam os meios católicos europeus, foi convidado o professor da Universidade de Louvain, Dr. E. Vlieberg, que pronunciou em 1908 uma série de conferências no Rio, Minas e em S. Paulo. Foi baseado nelas que o deputado baiano Joaquim Inácio Testa apresentou os primeiros projetos de lei no sentido que hoje chamaríamos de democracia cristã, (v. E. Vlieberg: Questões católico-sociais. Rio de Janeiro. 1910). 55 Não t e r í a m o s u l t r a p a s s a d o os limites do período que n o s foi a s s i n a d o se esses d o c u m e n t o s n ã o r e p r e s e n t a s s e m o f l o r e s c i m e n t o da l e n t a t r a n s f o r m a ç ã o que se processou n o p r i m e i r o decênio do século, sem a s q u a i s n ã o se c o m p r e e n d e r i a a possibilidade do P r i m e i r o Concílio N a c i o n a l de 1939 e, f i n a l m e n t e , o 2.° Concílio do V a t i c a n o que cristalizou os ideais que se v i n h a m f e c u n d a n d o em sucessivas assembléias. 59 O CONVENTO DA AJUDA Antonio Carlos Villaça Vem» m e u leitor, v e m d a r u m passeio comigo p e l a cidade do Rio de J a n e i r o , e m pleno século X V I I I . Não a i n q u i e t a cidade de h o j e , buliçosa e c a n s a t i v a , m a s a cidade p a c a t a , de o u t r o r a , q u a n d o B o t a f o g o j á e r a d i s t â n c i a . N ã o t e levarei a u m a casa qualquer, n ã o visitaremos u m t e a t r o n e m u m p a l a c e t e m u n d a n o . Não i r e m o s a u m a c h á c a r a do Cosme Velho. N e m s u b i r á s à T i j u c a , n e m à G á v e a l o n g í n q u a . I r e m o s a u m . . . convento. H á u m s u s s u r r o de f r e i r a s . H á u m som de órgão. Dedico e s t a evocação, leitor sereno, à m e m ó r i a de u m bispo, D o m A n d r é Arcoverde de Albuquerque C a v a l c a n t i , s o b r i n h o do C a r d e a l Arcoverde, Bispo T i t u l a r de L i m n e , que, a 1 de j a n e i r o de 1948, t o m o u posse d a s f u n ç õ e s de capelão do r e f e r i d o C o n v e n t o d a A j u d a , s u c e d e n d o a D o m J o ã o I r i n e u J o f f i l y , Bispo T i t u l a r de A n a s a r t h a , c o r r i j o me, Arcebispo, que t o m a r a posse a 1 de m a i o de 1932 e se r e t i r a r a d o e n t e a 22 de d e z e m b r o de 1947 p a r a u m a c a s a de saúde. P o r seis a n o s e sete meses, D o m A n d r é d e s e m p e n h o u o seu oficio. E m 1954, r e c o l h e u - s e a u m a c a s a d e s a ú d e e f a l e c e u a 19 de j u n h o de 1955, n o s seus 77 anos. Conheci-o, sim, q u a n d o e r a capelão i m p o n e n t e do Colégio dos S a n t o s Anjos, n a T i j u c a , depois de t e r sido Bispo diocesano de V a l e n ç a e de T a u b a t é . E r a u m c o n v e r s a d o r delicioso. " S o b r e o t e m p o , sobre a t a i p a , a c h u v a escorre. As p a r e d e s q u e v i r a m m o r r e r os h o m e n s , que v i r a m f u g i r o ouro, 63 que v i r a m f i n a r - s e o reino, que viram, r e v i r a m , viram, j á n ã o vêem. T a m b é m m o r r e m " . Carlos D r u m m o n d insiste: rem, severas". " M o r r e m as casas. M o r - " O c h ã o começa a c h a m a r as f o r m a s e s t r u t u r a d a s f a z t a n t o tempo. C o n v o c a - a s a serem t e r r a o u t r a vez. Que se i n c o r p o r e m as árvores h o j e vigas. Volte o pó a ser p ó pelas e s t r a d a s " . O poeta se r e f e r e à Morte das Casas de Ouro Preto, m a s o seu p o e m a se aplica à m o r t e de t o d a s a s casas. U m a vez que cito u m poeta, citarei as S a g r a d a s Esc r i t u r a s : "Escolhi e s a n t i f i q u e i este lugar, a f i m de aí e s t a r o m e u n o m e e e s t a r e m fixos nele os m e u s olhos e m e u coração". 2 Par., 7, 16. No começo do século XVII, o Rio de J a n e i r o possuia três conventos m a s c u l i n o s e o Colégio da C o m p a n h i a . Mas n ã o possuía u m só c o n v e n t o de religiosas. "Coisa que o povo m u i t o d e s e j a v a " , c o m e n t a G a s t ã o Cruls, n a s u a Aparência do Rio de Janeiro (pág, 155, vol. I ) . O primeiro c o n v e n t o de f r e i r a s d a cidade foi o da A j u d a . D u r a n t e c e n t o e s e s s e n t a e u m anos, de 1750 a 1911, as religiosas o c u p a r a m o m e s m o edifício, n o l u g a r em que h o j e está a Cinelândia. "Depois de cento e s e s s e n t a e u m anos, vai d e s a p a r e cer o Convento das Religiosas da Conceição da A j u d a " , escreve José Vieira F a z e n d a n a s s u a s ricas Antiqualhas e Memórias, Revista do I n s t i t u t o Histórico e G e o g r á f i c o Brasileiro, tomo 95, vol. 149, (1924) Rio, I m p r e n s a N a cional, 1927. E a c r e s c e n t a : " E m breve, e n t r a r ã o em a t i v i d a d e a p i c a r e t a e o c a m a r t e l o , p o n d o por t e r r a as a n t i g a s p a r e des de f o r t a l e z a desse feio casarão. C o n s t i t u í r a - s e ele o p o n t o negro, a m a n c h a do carvoeiro n o meio d a beleza e da m a g n i f i c ê n c i a d a m a j e s t o s a Avenida C e n t r a l " . 64 Convento da Ajuda Mas n ã o só. " Q u e o sítio da a n t i g a c h á c a r a do d e m a n d i s t a M a n u e l F e r n a n d e s da Costa j á n ã o e r a p r ó p r i o p a r a u m a casa claustral, a s p r ó p r i a s f r e i r a s h a v i a m u i t o o r e c o n h e c e r a m " . E Vieira F a z e n d a a j u n t a com g r a ç a : " E l a s n ã o e x c o m u n g a r ã o os demolidores d a c a s a i n a u g u r a d a por D o m F r e i A n t ô n i o do D e s t e r r o " . Sim, Vieira F a z e n d a disse b e m : "As religiosas a b a n d o n a r ã o c o n t e n t e s seu a n t i g o habitat. E, como a m u l h e r de Lot, n ã o o l h a r ã o p a r a t r á s . Vão em b u s c a de n o v o n i n h o , solitário e silencioso, em que p o s s a m à f a r t a e x e r cer os rigores impostos pelo voto s a g r a d o " . Nós, sim, o l h a r e m o s p a r a t r á s . Vem, leitor, d á u m s a l t o comigo a t é o a n o de 1750, ou a t é a n t e s . O p a s s a d o nos espera. V a m o s p e l a m ã o dos e r u d i t o s de o u t r o r a , B a l t a s a r Lisboa, Pizarro, Moreira de Azevedo, Melo Morais, o P a d r e P e r e r e c a e, p r i m e i r o de todos, F r e i Agostinho de S a n t a M a r i a . E o u ç a m o s a voz s e r e n a e r e t i f i c a d o r a de Vieira Fazenda. O passado... " P r o t e t o r a dos h o m e n s do m a r , sob a invocação de Nossa S e n h o r a d ' A j u d a , n ã o a d m i r a fosse l e v a n t a d a n e s t a cidade, a p e n a s se f u n d o u , m o d e s t a e r m i d a deste título, por devotos m a r i n h e i r o s , que f r e q ü e n t a v a m o nosso p o r to". Assim Vieira F a z e n d a começa a h i s t ó r i a d a A j u d a , n a s Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro, t o m o 86, vol. 140 (1919) pág. 322. Não h á a m e n o r d ú v i d a de que existiu a n t i g a i r m a n dade, s e g u n d o se lê n a s Publicações do Arquivo Público, u m r e q u e r i m e n t o d a c o n f r a r i a , de 1688, p e d i n d o privilégio de t e r t u m b a p r ó p r i a , p a r a e n t e r r o dos c o n f r a d e s , i n d e p e n d e n t e d a Misericórdia. F o r a m juízes de t a l sodalício os G o v e r n a d o r e s J o ã o d a Silva e Sousa, Luís Cesar de Menezes e D u a r t e T e i x e i r a Chaves, que, indo p a r a a colônia do S a c r a m e n t o , levou a bordo p e q u e n a i m a g e m da S e n h o r a d ' A j u d a , igual à v e n e r a d a n a j á a n t i g a Capela. Nas C o n s u l t a s do Conselho U l t r a m a r i n o , 1674-1700, n o códice p e r t e n c e n t e ao I n s t i t u t o Histórico, h á subsídios p a r a a h i s t ó r i a do a n t i g o C o n v e n t o d a A j u d a , que v e m dos p r i m ó r d i o s da h i s t ó r i a do Rio de J a n e i r o . A c a p e l i n h a de Nossa S e n h o r a d a A j u d a existia desde o século XVI, e r m i d a de Nossa S e n h o r a da Conceição d a 65 A j u d a , n u m a crista à beira do c a m i n h o que ia p a r a o Morro do Desterro, e n t r e as lagoas de S a n t o Antônio e do Boqueirão. E r a o C a m i n h o dos Arcos d a Carioca, a R u a dos Barbonos, a R u a Evaristo da Veiga, o n d e o g r a n d e j o r n a l i s t a teve sua livraria. Barbonos, porque ali m o r a r a m , de 1742 a 1808, os B a r b a d i n h o s ou Barbonos, f r a d e s italianos, " p e q u e n o e h u milde hospício com s u a c a p e l i n h a , " o n d e está h o j e o vasto Q u a r t e l da Polícia Militar. O povo queria u m c o n v e n t o de f r e i r a s . C o m e ç a r a m a r e u n i r óbulos p a r a esse f i m . M a s o Governo da Metrópole n ã o e s t i m a v a esse plano, pela simples r a z ã o de que ao desenvolvimento da Colônia — a i n d a t ã o vazia — consid e r a v a m u i t o m a i s c o n v e n i e n t e que a s m u l h e r e s b u s c a s s e m o estado c o n j u g a l . O Conselho U l t r a m a r i n o chegou a n e g a r a licença pedida. A c a p e l i n h a f i c a v a onde é h o j e o edifício da C â m a r a Municipal. Pois foi ela o começo da o b r a v e n e r á v e l do Convento da A j u d a . De 1670 a 1681, n a a u s ê n c i a do Bispo, governava a Diocese do Rio, F r a n c i s c o da Silveira Dias. Seu i r m ã o Frei Cristóvão da M a d r e de Deus e r a o G u a r dião do C o n v e n t o de S a n t o Antônio. Ambos cariocas. A m bos p r o f u n d a m e n t e i d e n t i f i c a d o s com a s u a Cidade. Ambos sacerdotes ilustres. Voltando Frei Cristóvão de u m a viagem à E u r o p a , conversou com seu i r m ã o A d m i n i s t r a d o r da Diocese a respeito da conveniência e u r g ê n c i a de logo f a z e r - s e u m R e c o l h i m e n t o de mulheres, que se t r a n s f o r m a r i a m a i s t a r d e em Convento. E, assim, D o n a Cecília B a r b a l h o , p e r n a m b u c a n a , viúva com t r ê s filhas, que residia n u m a c h á cara, se dispôs a e n t r a r p a r a o R e c o l h i m e n t o . O A d m i n i s t r a d o r fez edificar u m a casa em dois meses j u n t o à e r m i d a da A j u d a e n e l a se r e c o l h e r a m as s e n h o r a s e m a i s d u a s jovens, a 26 de j u l h o de 1678, f e s t a de Santana. E s t a s s e n h o r a s r e c e b e r a m o título de conversas. A p e d r a f u n d a m e n t a l do novo c o n v e n t o foi l a n ç a d a a 9 de j u l h o de 1678, sendo G o v e r n a d o r M a t i a s da C u n h a . M a s Lisboa resistia à idéia de u m c o n v e n t o de f r e i r a s , n a v a s t a e despovoada Colônia. 66 As d u a s jovens, que se a n e x a r a m à s B a r b a l h o s , talvez s e j a m a s d u a s i r m ã s de F r e i G a s p a r d a M a d r e de Deus, de que f a l a A f o n s o T a u n a y , n o p r e f á c i o à o b r a d a q u e l e religioso. Só em 1705 por provisão de 19 de fevereiro, se obteve a licença régia, a pedido de D o m F r a n c i s c o de S ã o J e r ô n i m o . D o m F r a n c i s c o aqui esteve de 1702 a 1721. O s u cessor dele, o f r a n c i s c a n o D o m A n t ô n i o de G u a d a l u p e , n ã o se interessou pela questão. Governou de 1725 a 1740. A provisão e r a a s s i n a d a p e l a R a i n h a D o n a C a t a r i n a , viúva do Rei da I n g l a t e r r a e R e g e n t e de P o r t u g a l , n a doença do i r m ã o de D o m P e d r o II. O Conselho, e m sessão de 16 de o u t u b r o de 1694, a p r o v a r a o simples p r o j e t o do Recolhimento. Agora, era a c e i t a a perspectiva a m p l a d e u m Convento. E m m a i o de 1741, t o m o u posse da Diocese o c a r m e l i t a descalço D o m J o ã o d a Cruz. A obra do C o n v e n t o e s t a v a p a r a d a , " s e m a u m e n t o considerável", como lá diz Pizarro. Resolveu D o m J o ã o c o n s t r u i r o edifício n o u t r o l u g a r , m a i s p e r t o do m a r . A p e d r a f u n d a m e n t a l , l a n ç o u - a a 14 de m a i o de 1742. M a s se foi ele t r a n s f e r i d o p a r a M i r a n d a , P o r t u g a l , em 1746. O m o n g e b e n e d i t i n o D o m F r e i A n t ô n i o do Desterro, que e s t á e n t e r r a d o n o c l a u s t r o do Mosteiro de São Bento, h á dois séculos, chegou ao Rio como Bispo a 1 de d e z e m b r o de 1746 e t o m o u posse a 1 de j a n e i r o de 1747. E n t u s i a s m o u - s e D o m F r e i A n t ô n i o c o m a o b r a e — a p e d i d o dele — o P a p a B e n t o X I V j á concedeu a 24 de j a n e i r o de 1748 a ereção c a n ó n i c a a t r a v é s de u m Breve. D e u - l h e o P a p a a R e g r a de S a n t a C l a r a . M a s o Bispo r e c o r r e u à S a n t a Sé e obteve o Rescrito de 7 de j a n e i r o de 1750, que l h e p e r m i t i u i n t r o d u z i r a R e g r a d a O r d e m d a Conceição, f u n d a d a em 1484 por B e a t r i z d a Silva e Menezes, que m o r reu em Toledo, 1490, com 66 a n o s . E m 1744, f u n d a r a - s e o Mosteiro d a L a p a , n a B a h i a , de religiosas. E m t r ê s anos, D o m F r e i A n t ô n i o do D e s t e r r o c o n cluiu a s o b r a s do Convento, risco do e n g e n h e i r o b r i g a deiro José F e r n a n d e s P i n t o Alpoim. 67 Vieram q u a t r o f r e i r a s do C o n v e n t o da B a h i a , como diz Melo Morais, e com elas c o m e ç a r a m o seu noviciado c a n ó n i c o a s recolhidas d a A j u d a . " M u i t a gente, que p a s s a pela f r e n t e do C o n v e n t o da Ajuda, c o m e n t a Vieira F a z e n d a , i g n o r a o que significa sobre a e n t r a d a d a p o r t a r i a a existência de u m c h a p é u , e n c i m a n d o a n t i g o b r a s ã o : s ã o a s a r m a s do Bispo D o m Frei Antônio do Desterro". O C o n v e n t o da A j u d a e o m o n g e b e n e d i t i n o D o m F r e i Antônio do D e s t e r r o f o r m a r a m u m a p r o f u n d a u n i d a d e . O Bispo e as freiras, a p r i m e i r a c o m u n i d a d e m o n á s t i c a f e m i n i n a da Cidade do Rio. F r e i r a s d a I m a c u l a d a C o n ceição, f r e i r a s concepcionistas. A i n a u g u r a ç ã o do Mosteiro foi i m p r e s s i o n a n t e . Foi u m a c o n t e c i m e n t o público memorabilíssimo. Duzentos a n o s depois, F r e i P e d r o Sinzig, p r o f e r i n d o o s e r m ã o alusivo à d a t a , j á n o Convento novo de Vila Isabel, i n a u g u r a d o h a v i a t r i n t a anos, l a m e n t a v a o c o n t r a s t e e n t r e a s celebrações públicas f a u s t o s a s , i n t e n s a m e n t e populares, oficiais, m u n d a n a s até, e aquele t o m discreto, íntimo, q u a s e a p a g a d o , do b i c e n t e n á r i o sem ruído. O f r a d e f r a n c i s c a n o e exímio musicista s u b l i n h a v a o f a t o com melancolia e t i r a v a dele u m a a d v e r t ê n c i a , u m a lição, que e x p r i m i u com u m a c e n t o m o r a l i s t a . Os tempos haviam mudado. O edifício, sem g r a n d e s pretensões, observa G a s t ã o Cruls, era u m a p e s a d a c o n s t r u ç ã o de dois a n d a r e s , s i t u a do n a R u a d a A j u d a , esquina da R u a do Passeio, á r e a a t u a l m e n t e o c u p a d a pelo b a i r r o S e r r a d o r ou C i n e l â n d i a . G r a n d e casarão, só demolido em 1918, diz Cruls, e que, d u r a n t e século e meio, pelas solenidades alegres e t r i s t e s que nele se r e a l i z a r a m , pelos folguedos populares, a que se associou, r e u n i n d o g e n t e n o seu p á t i o e a r r e d o r e s , e pela p a r t i c i p a ç ã o i n d i r e t a que a s s u a s recolhidas t i n h a m n a vida d a cidade, deixou m u i t a s r e m i n i s c ê n c i a s t r a z i d a s à s p á g i n a s da h i s t ó r i a e do r o m a n c e . S e p u l t a r a m - s e n a sua i g r e j a a i n f a n t a D o n a M a r i a n a , tia do príncipe r e g e n t e Dom João, a R a i n h a D o n a M a r i a I, m ã e de Dom João, a i m p e r a t r i z D o n a Leopoldina, esposa de Dom P e d r o I, a p r i n c e s a D o n a P a u l a , f i l h a deste, a 68 p r i m o g ê n i t a n a t i m o r t a d a p r i n c e s a D o n a Isabel e d o Conde d'Eu. A vida da Cidade m i s t u r o u - s e à vida c o n v e n t u a l . Houve u m a simbiose, u m a r e l a t i v a i n t i m i d a d e e n t r e o povo e a s s u a s f r e i r a s . Por ocasião d a s f e s t a s de f i m de ano, escreve Cruls, se a r m a v a u m dos m a i s esplendorosos p r e s e p e s que a Cidade conhecia. O povo g o s t a v a de ver esse presepe e de ouvir o coro d a s m o n j a s , a que C r u l s c h a m a " s e r á f i c o " . As f r e i r a s d a A j u d a se t o r n a r a m f a m o sas pelos seus doces. As m ã e s - b e n t a s , a s d e s m a m a d a s , os pastéis de S a n t a Clara, canudos, suspiros. A Mãe B e n t a , i n v e n t o r a ou pelo m e n o s d i v u l g a d o r a dos deliciosos bolinhos, esclarece G a s t ã o Cruls, e r a u m a p r e t a que t i n h a por n o m e todo B e n t a M a r i a d a Conceição e foi m ã e d o cónego G e r a l d o Leite Bastos. Faleceu e m 1851. S u a s gulodices, c o m e n t a Cruls, l e v a v a m - l h e à casa f i g u r a s i m p o r t a n t e s , u m P a d r e Feijó, como escreveu Vieira F a z e n d a . As f r e i r a s t i r a v a m lucro d a s s u a s h a b i l i d a d e s . F o r n e c i a m p r a t o s p a r a m e s a s de batizados, c a s a m e n t o s e o u t r a s f e s t a n ç a s . E Cruls l e m b r a M a c h a d o de Assis n a s Memórias Póstumas de Brás Cubas: "Veio abaixo t o d a a v e l h a p r a t a r i a h e r d a d a do m e u avô Luís Cubas; v i e r a m t o a l h a s de F l a n d r e s , os g r a n d e s j a r r o s d a í n d i a ; m a t o u - s e u m c a p a do; e n c o m e n d a r a m - s e às m a d r e s da A j u d a a s c o m p o t a s e m a r m e l a d a s " . A f a m í l i a de B r á s Cubas, p a r a c e l e b r a r a p r i m e i r a q u e d a de Napoleão, d e r a u m g r a n d e j a n t a r . . . As t r ê s h o r a s d a t a r d e de 21 de n o v e m b r o de 1749, c h e g a v a m a s religiosas d a B a h i a e o navio, que a s trouxe, foi s a u d a d o f e s t i v a m e n t e p o r salva d a s f o r t a l e z a s . O Arcebispo P r i m a z p e r m i t i u a v i n d a de q u a t r o religiosas, d u a s de coro e d u a s leigas ou conversas. As f r e i r a s deviam a d o t a r as Constituições d a s Religiosas do Mosteiro d a Luz, de Lisboa, n ã o p o d e n d o receber m a i s de t r i n t a e três p o s t u l a n t e s . As m o n j a s h o s p e d a r a m - s e n o Hospício da T e r r a S a n t a . O edifício era perto, ficava no lado ímpar da Rua dos Barbonos. A Cidade t r a n q ü i l a vibrou com a c h e g a d a d a s s u a s p r i m e i r a s religiosas. E s p e r a r a t a n t o s a n o s p o r elas. D e s e jada t a n t o que viessem. S e n t i r a t a n t o a n e c e s s i d a d e delas, 69 d a s u a oração, do seu e n c a n t o , ou do seu sortilégio. " D e u s , i n a d j u t o r i u m m e u m , i n t e n d e . Domine, a d a d j u v a n d u m me, f e s t i n a . " A Cidade t e r i a as s u a s c a n t o r a s místicas, a s suas o r a n t e s , a s p e d i n t e s espirituais que l h e f a l a r i a m de Deus e f a l a r i a m a Deus por ela. Houve u m incrível alvoroço n a Cidade q u i e t a . O Gov e r n a d o r i n t e r i n o , M a t i a s Coelho de Sousa, m a n d o u o filho, c a p i t ã o P a u l o C a e t a n o , c u m p r i m e n t á - l a s em c o m p a n h i a de José P e r e i r a P i n t o Alpoim e do juiz de f o r a Luís Antônio Rosado da C u n h a . D o m Frei A n t ô n i o do D e s t e r r o e s t a v a e m sua c a s a do Rio Comprido. Foi logo avisado. P e r m i t i u o d e s e m b a r que. S a l t a r a m elas n u m cais e x i s t e n t e n o f u n d o da C a s a dos Governadores, ali n a R u a Direita, e s e g u i r a m à n o i t e em seges p a r a a R u a dos Barbonos. As escravas, t r i n t a , i a m a pé. I l u m i n a r a m - s e as c a s a s d a R u a Direita, d a R u a da Misericórdia, da R u a de São José, da R u a da A j u d a e da R u a dos Barbonos. A C i d a d e e s t a v a alegre. E m a l g u m a s casas, n a s a l a de visitas, h a v i a o r q u e s t r a d e a m a d o r e s . M a s G o m e s Freire, o G o v e r n a d o r , e s t a v a ausente. Só a 30 de maio, u m sábado, daquele a n o feliz de 1750, houve a solene i n a u g u r a ç ã o do C o n v e n t o de Nossa Senhora da Ajuda. As religiosas f o r a m p a r a o Mosteiro de São Bento, a que o Bispo e r a t ã o ligado. F o r m a r a m as t r o p a s da g u a r nição. F o l h a s de m a n g u e i r a s d e r r a m a d a s p e l a s r u a s . Colc h a s de d a m a s c o n a s s a c a d a s e j a n e l a s . Foguetes. R e p i ques. Alegria pela Cidade. O povo a p a s s e a r . A Cidade s a u d a v a as s u a s m o n j a s . A procissão, f o r m a d a p o r i r m a n d a d e s e o r d e n s terceiras, clero r e g u l a r e secular, p e r c o r r e u a s r u a s e n t r e São B e n t o e a A j u d a . O Cabido e o Bispo a c o m p a n h a v a m a s religiosas. A O r d e m d a P e n i t ê n c i a a p r e s e n t o u dois belos a n d o r e s . F o r m a r a m em alas as t r o p a s . Na e s q u i n a d a R u a de São P e d r o com a R u a Direita, o n d e e s t a v a o O r a t ó r i o de Nossa S e n h o r a do Amparo, a procissão p a r o u , p a r a que m e n i n o s vestidos de a n j o s espargissem flores sobre a s religiosas, o Bispo e o G o v e r n a d o r . 70 Houve t r ê s d e s c a r g a s festivas, ao c o m e ç a r e ao a c a b a r a procissão. S e g u i u - s e u m tríduo, e m que f o r a m c e l e b r a n t e s e p r e g a d o r e s os F r a n c i s c a n o s , os J e s u í t a s , os B e n e ditinos, os C a r m e l i t a s , s e n d o p o n t í f i c e o Bispo D o m Frei Antônio do Desterro, h o m e m espiritual, m o n g e de S.ão Bento, que a m a v a a oração, valorizava a vida c o n t e m p l a tiva, a vida mística e p e r m a n e c e u n o S e m i n á r i o de São José, vizinho, o n d e h o u v e u m b a n q u e t e . A i g r e j a da A j u d a e p a r t e do C o n v e n t o e s t i v e r a m a b e r t a s ao povo, p a r a visitação piedosa. F o r a m t r ê s noites de f e s t a . E m u m a delas, r e p r e s e n t o u - s e u m a peça de Metastásio. A Gazeta de Lisboa deu u m r e s u m o d a s g r a n d e s f e s tividades e m que povo, Governo, clero se u n i a m , p a r a celebrarem a chegada das primeiras monjas. As f r e i r a s d u r a n t e a procissão a p a r a t o s a l e v a v a m n a m ã o d i r e i t a u m a vela e n a e s q u e r d a u m crucifixo. As f e s t a s e x t e r n a s e r a m b e m ao gosto do tempo, com l u m i n á r i a s , música, préstito, fogos, celebrações litúrgicas. Dom F r e i A n t ô n i o do D e s t e r r o deve de ser c o n s i d e r a d o o f u n d a d o r d a A j u d a . Nasceu e m V i a n a de L i m a , P o r t u gal, a 4 de j u l h o de 1694. E n t r o u nos B e n e d i t i n o s e m 1711. Morreu no Rio a 5 de dezembro de 1723, depois de govern a r a Diocese d u r a n t e m a i s de u m q u a r t o de século. " M u i t o s o f r e u a velha casa c l a u s t r a l d a A j u d a com a revolta de p a r t e d a A r m a d a , e m 1893." São p a l a v r a s de Vieira F a z e n d a . " P a r a exercer m i s t e r e s d a m i n h a p r o f i s s ã o ( e r a m é dico), e n t r e i p e l a p r i m e i r a vez n o i n t e r i o r d a A j u d a e p u d e observar os e s t r a g o s f e i t o s por u m a b a l a n o t e t o do t e m p l o e em v á r i a s o u t r a s d e p e n d ê n c i a s do convento. A p r e s e n t a v a este o a s p e c t o t r i s t o n h o de i m e n s o c a s a r ã o dos t e m p o s coloniais: g r a n d e , feio, pesado, f o r t e " . Ainda Vieira F a z e n d a : " T e m p o s depois, lá voltei a convite a i n d a do m o n s e n h o r E d u a r d o (de C a r v a l h o R o d r i g u e s ) , p a r a s u b s t i t u i r o m é d i c o d a s religiosas, que se a c h a v a e n f e r m o . P a s m o s a t r a n s f o r m a ç ã o se h a v i a o p e r a d o g r a ç a s à a t i v i d a d e d a q u e l e d i g n o e e x e m p l a r sacerdote, a c u j a m e m ó r i a a s religiosas d a A j u d a votam, p e r p é t u a e justa gratidão." 71 Pelas colunas de A Notícia, Vieira F a z e n d a publicou e n t ã o a minuciosa descrição do n o t á v e l c h a f a r i z das S a r a curas, obra artística, f e i t a com m a t e r i a l de n o s s a s p e d r e i r a s e o r n a t o s de bronze f u n d i d o s n o Arsenal de G u e r r a . " E s t a f o n t e foi erguida pela g r a t i d ã o de u m a A b a dessa da A j u d a ao Conde de Resende. Este Vice-Rei c o n cedera às religiosas u m a p e n a d ' á g u a d e r i v a d a dos e n c a n a m e n t o s d a Carioca. A á g u a era conduzida do Morro de S a n t o Antônio por u m cano, que a t r a v e s s a v a ao alto a R u a dos B a r b o n o s e ia t e r m i n a r no i n t e r i o r da c h á c a r a do Convento. As religiosas f o r a m f o r ç a d a s a u m a d e s a p r o priação que deu em r e s u l t a d o a a b e r t u r a da R u a S e n a d o r D a n t a s , no sítio e m que existiam o u t r o r a c a s i n h a s c o m p r a d a s pelo Bispo D o m J o ã o da Cruz, e t e r r e n o s dos f r a d e s do Carmo, adquiridos pelo Bispo D o m Antônio do Desterro, p a r a m a i o r e x t e n s ã o da c h á c a r a c o n v e n t u a l " . A e n t r a d a de 1750 foi principesca. A s a l d a de 1911 foi discreta, de automóvel, ao a m a n h e c e r . F o r a m p a r a a T i j u c a , p a r a a R u a Conde de B o n f i m . Onde o Te Deum magnífico, que se c a n t a r a em São Bento, em 1750, com dois coros de m ú s i c a ? O n d e o esplendor d a s f e s t a s públicas? O primeiro c a m i n h o foi de São B e n t o à Ajuda, a pé. O segundo c a m i n h o foi q u a s e de m a d r u g a d a , de carro, e n t r e a A j u d a e a T i j u c a . O Aviso de Nabuco de A r a ú j o , em 1855, f e c h a r a os n o viciados do Brasil. Despovoou-se o Convento d a A j u d a . M o reira de Azevedo m i n u c i o s a m e n t e descreveu o i n t e r i o r do Convento. E Vieira F a z e n d a deteve-se com volúpia d i a n t e do c h a f a r i z d a s S a r a c u r a s , por ele descrito, u m a r t í s t i c o e m o n u m e n t a l c h a f a r i z erguido no p á t i o c e n t r a l , em a g r a decimento ao conde de R e s e n d e que, em 1799, concedera às f r e i r a s u m a n e l d ' á g u a . A bela i m a g e m da S e n h o r a da Piedade, que se via n a a n t i g a i g r e j a d a A j u d a , foi louvada por Vieira F a z e n d a . " S e m p r e r e s p e i t a d a s e d i g n a s da c o n s i d e r a ç ã o do nosso povo f o r a m e são as religiosas da A j u d a " , p o n d e r o u o m e s m o Vieira F a z e n d a ( A n t i q u a l h a s e Memórias, Revista do I n s t i t u t o Histórico e Geográfico Brasileiro, t o m o 86, vol. 140 (1919) Rio, I m p r e n s a Nacional, 1921, pág. 49). A p r i m e i r a Abadessa se elegeu a 28 de m a i o de 1751. Os restos m o r t a i s da i n f a n t a D o n a M a r i a n a e da R a i n h a 72 D o n a M a r i a I v o l t a r a m p a r a P o r t u g a l e m 1821. Havia q u a t r o m o n j a s no Mosteiro em 1889. A Abadessa m o r r e r a a 6 de n o v e m b r o de 1889, nove dias a n t e s d a m o r t e d a M o n a r q u i a . P e d i r a t a n t o à P r i n c e s a Isabel que obtivesse a a b e r t u r a do noviciado canónico. R e a b r i u - s e o noviciado e m 1 de j u l h o de 1891. A 19 de o u t u b r o de 1911, m o n s e n h o r Alves, capelão, celebrou a ú l t i m a S a n t a Missa n o velho C o n v e n t o de Nossa S e n h o r a da A j u d a . E r a m q u a t r o h o r a s d a m a n h ã . Deu a C o m u n h ã o à s m o n j a s . M a n d o u a p a g a r as luzes do Santíssimo. E r a m cinco h o r a s e quinze q u a n d o os a u t o m ó veis p a r t i r a m com a s m o n j a s e m o c i o n a d a s — i a m p a r a a T i j u c a , p a r a o n ú m e r o 290 da R u a Conde de B o n f i m . Lá, f i c a r i a m nove anos, quase. O C a r d e a l Arcoverde visitara p e s s o a l m e n t e a n o v a casa, a 18 de outubro. E a c h a r a que t u d o e s t a v a bem. Ao c h e g a r e m a s f r e i r a s à T i j u c a , a n u n c i a r a m à s u a n o v a v i z i n h a n ç a a c h e g a d a da c o m u n i d a d e t a n g e n d o o p e q u e n o sino da t o r r e i m p r o v i s a d a . T u d o começava o u t r a vez. " I l f a u t t o u j o u r s r e c o m m e n c e r " , dizia Péguy. E r a a f e s t a l i t ú r g i c a de São P e d r o de A l c â n t a r a , f r a n ciscano. A 26 de j u l h o de 1920, m u d a r a m - s e p a r a o c o n v e n t o que se ergueu e m Vila Isabel, n o m e s m o dia e n o m e s m o mês em que D o n a Cecília B a r b a l h o com s u a s f i l h a s e a l g u m a s j o v e n s e n t r a r a em 1678 p a r a o h u m i l d e Recol h i m e n t o d a S e n h o r a d a A j u d a , n a e s p e r a n ç a de que viesse u m dia a ser Convento. E m 1926, h o u v e a b e a t i f i c a ç ã o d a f u n d a d o r a da O r d e m , M a d r e Beatriz da Silva e Menezes. O velho C o n v e n t o da A j u d a f o r a d e s a p r o p r i a d o p o r e s c r i t u r a de 4 de j u l h o de 1911. P o n d e r a , leitor gentil, que o destino dos h o m e n s , d a s m u l h e r e s e d a s c o m u n i d a d e s ( m e s m o a s religiosas, as m í s ticas) é f e i t o de s o m b r a e de luz. " D i e s diei é r u c t â t v e r bum, n o x nocti i n d i c a t s c i e n t i a m " , c a n t a o S a l m i s t a , q u e nossas m o n j a s m i l h a r e s de vezes — em m i l h a r e s de vozes — r e p e t i r a m . M i l h a r e s ? Ou c e n t e n a s ? . . . Vai, leitor generoso, t e c e n d o o fio d a t u a m e d i t a ç ã o a respeito da vida silenciosa e h u m i l d e d a s m o n j a s , q u e 75 s e r v i r a m a esta Cidade. P e n s a n o s dias, n a s horas, n o s minutos, que u m após outro se p a s s a r a m , o dia que e n t r e g a ao o u t r o dia a p a l a v r a , a noite que i n d i c a à noite a sabedoria. Foi M a c h a d o quem nos disse, com aquela s u a g r a ç a i n i m i t á v e l — " E u gosto de c a t a r o m í n i m o e o escondido". É u m a p a l a v r a sua de 1897, novembro, q u a n do as m o n j a s a i n d a e s t a v a m n o seu a n t i g o Convento, p e r t o do m a r . M u i t a s vezes, leitor paciente, o velho céptico e as p a redes do Mosteiro se d e f r o n t a r a m , n a c o t i d i a n i d a d e s i m ples da vida. Que t e r á p e n s a d o ele d e s t a s v e l h a s paredes, d e s t a s m o n j a s , d e s t a vida c o n t e m p l a t i v a que por t a n t o s a n o s i n f i n d á v e i s ali se v i v e u ? . . . M a c h a d o moço, M a c h a dinho, M a c h a d o m a d u r o , o que escreveu a s M e m ó r i a s P ó s t u m a s , em que a p a r e c e m as m o n j a s doceiras, M a c h a d o velho e d e s e n c a n t a d o , i r m ã o do Conselheiro A i r e s . . . Todos p a s s a r a m por ali e o l h a r a m aqueles m u r o s , em que se escondeu t a n t a vida. 70 LITERATURA: A PROSA Homero Senna "BELLE ÉPOQUE": REALIDADE OU FANTASIA? É sabido que o livro de B r i t o Broca — A Vida Literária no Brasil — 1900 — p r o c u r o u focalizar u m período d a nossa evolução social que ficou conhecido como a belle époque.1 P a r a os f r a n c e s e s , esse período se s i t u a e n t r e a ú l t i m a d é c a d a do século p a s s a d o e a p r i m e i r a g u e r r a m u n d i a l , t e r m i n a n d o n a q u e l e agosto t r á g i c o de 1914. P a r a nós, a belle époque, como n o t o u o ágil e saudoso ensaísta, teve u m a espécie de s u p l e m e n t o , p r o l o n g a n d o - s e n o d e c u r so d a g u e r r a , a t é 1918. Todos os c a p í t u l o s do seu livro s ã o p e q u e n o s e n s a i o s sobre o t e o r de vida, os h á b i t o s , a s p r e f e r ê n c i a s , a s m a n i a s dos escritores brasileiros do "1900", r e t r a t a n d o a s i n f l u ê n cias que s o f r i a m , c o m o a sedução de Paris, o " h e l e n i s m o " , Wilde, Nietzche, Ibsen, Tolstoi, etc. Assim, h á de t e r sido m e i o d e s c o n c e r t a n t e p a r a ele, Que com t a n t o c a r i n h o e c o m p e t ê n c i a se d e d i c a r a a lev a n t a r aquele m o v i m e n t a d o p a i n e l do nosso "1900" literário, a o b s e r v a ç ã o de E d u a r d o Frieiro, em r e s e n h a que, n a revista Kriterion, publicou sobre o seu livro. 2 Nessa recensão, observa o p r o s a d o r m i n e i r o : " N a r e a lidade, n e m lá ( n a F r a n ç a ) n e m cá h o u v e belle époque n e m douceur de vivre. Simples e t i q u e t a s , sem m a i o r e x Pressão. A vida é como é, p a r a c a d a u m " . E m a p ê n d i c e à s e g u n d a edição do seu livro, n u m c a pítulo i n t i t u l a d o " A G u i s a de Conclusão", r e f e r i u - s e Brito Broca a o c o m e n t á r i o de Frieiro, o qual, a seu ver, poderia ser levado à c o n t a do gosto excessivo de d e s e n c a n t a d o r 77 de mitos que c a r a c t e r i z a o a u t o r de A Ilusão Literária. conhecido pelo seu visceral ceticismo. Mas, impressionado, s e m dúvida, pela crítica, inclinou-se a d a r r a z ã o a Frieiro, citando, a propósito, u m t r e cho do livro de m e m ó r i a s do j o r n a l i s t a f r a n c ê s E d o u a r d Hersey — Envoyé Spécial — publicado em 1955 p e l a Livraria A r t h è m e F a y a r d e que o cronista do "1900" b r a s i leiro talvez só t e n h a lido depois d a publicação, em 1956, d a p r i m e i r a edição do seu livro: I g n o r o q u e m i m a g i n o u pela p r i m e i r a vez b a t i z a r de belle époque o período de a l g u n s a n o s que c i r c u n d a m o milésimo de 1900. S u p o n h o tenha entrado nas suas intenções uma parte de ironia. É pouco provável que t a l c r i a t u r a chegasse a m e d i r a c r u e l d a d e da expressão. A g e n t e de h o j e n ã o conseguirá f a z e r idéia dos abismos de m i s é r i a que se e s c o n d i a m n o P a r i s b r i l h a n t e daquele tempo. E concluía Brito B r o c a : " T a l v e z Frieiro e s t e j a com a razão. A e u f o r i a do nosso "1900" podia esconder t a m b é m muitos a b i s m o s " . 3 Está claro que escondia. M a s n e m por isso a observação de Frieiro se t o r n a procedente, p a r e c e n d o - n o s , do mesmo modo, destituído de m a i o r f u n d a m e n t o o t r e c h o de m e m ó r i a s de E d o u a r d Hersey, a c i m a t r a n s c r i t o . E t e m o s p a r a nós que, se Brito Broca tivesse m e d i t a d o u m pouco m a i s n o assunto, p r o v a v e l m e n t e n ã o c o n c o r d a r i a com Frieiro, n e m t e r i a ido buscar, n o livro do j o r n a l i s t a f r a n cês, aquele d e p o i m e n t o que a p a r e n t e m e n t e dá r a z ã o ao ensaísta de Os livros, Nossos Amigos. O período em q u e s t ã o por certo n ã o foi, p a r a a h u m a nidade, u m m a r de rosas. A F r a n ç a , e n f r a q u e c i d a após a d e r r o t a de 1870, viu-se a t o r m e n t a d a por l u t a s interiores. Houve a c o m u n a e a 3. a República. E m 1881 o Czar Alex a n d r e I I era vítima de u m g r u p o de e x t r e m i s t a s que e s p a l h a v a m o t e r r o r por t o d a a Rússia. Pouco depois, em 1894, como conseqüência da p r o p a g a n d a a n a r q u i s t a , e r a assassinado em Lyon o p r e s i d e n t e C a r n o t . Seis a n o s m a i s tarde, quem caía vítima de novo a t e n t a d o t e r r o r i s t a e r a 78 o rei U m b e r t o I, d a I t á l i a . E m 1905 e s t o u r a v a a g u e r r a r u s s o - j a p o n e s a . T r ê s a n o s depois, n u m c l i m a de g r a n d e a g i t a ç ã o , o rei D. Carlos, de P o r t u g a l , e o p r í n c i p e h e r deiro D. Luís Filipe e r a m a s s a s s i n a d o s em Lisboa. E desde 1888 p a i r a v a sobre a E u r o p a a a m e a ç a i m p e r i a l i s t a do Cáiser G u i l h e r m e II, c u j a política a c a b a r i a conduzindo à l.a Grande Guerra. M a l g r a d o todos esses fatos, b e m indicativos d a i n q u i e t a ç ã o social que l a v r a v a n o s s u b t e r r â n e o s d a vida política européia, e que, e v i d e n t e m e n t e , n ã o f a z i a m desse período u m m a n s o lago azul, d i a n t e do que veio depois — s o b r e t u d o o c o n f l i t o m u n d i a l de 1914-1918 e a r e v o l u ção r u s s a de 1917 — ficou sendo ele a belle époque. O n d e a b u r g u e s i a européia poderia e n c o n t r a r , depois desses t r á g i c o s e i n q u i e t a n t e s a c o n t e c i m e n t o s , que m a r c a r i a m t ã o f u n d a m e n t e o nosso tempo, a ãouceur de vivre? A d e n o m i n a ç ã o , que p a r a Frieiro p a r e c e u m a simples e t i q u e t a , h á de t e r sido c r i a d a , n o i n t e r v a l o d a s d u a s g u e r r a s , s e m q u a l q u e r i n t e n ç ã o de ironia, p o r u m a g e r a ç ã o que podia c o m p a r a r a s condições de vida a n t e s e depois de 1914, e s u s p i r a r pelo bon vieux temps, em que, a p e s a r de todos aqueles p r e n ú n c i o s desagradáveis, a vida e r a i n c o m p a r a v e l m e n t e m a i s s e d u t o r a , t r a n q ü i l a e aprazível. Do p o n t o de vista social, a m i s é r i a da belle époque e r a por c e r t o e n o r m e , terríveis a s condições de vida dos operários, s o b r e t u d o d a s c r i a n ç a s , n a s p r i m e i r a s f á b r i c a s que se i n s t a l a v a m . Mas, p a r a as classes d o m i n a n t e s , que n ã o lhe h a v i a m s o f r i d o os h o r r o r e s , e p e r d i a m a alegria de viver, d i a n t e n ã o só d a s d e s g r a ç a s c o n s e q ü e n t e s à q u e les a c o n t e c i m e n t o s , m a s t a m b é m d a s n o v a s a m e a ç a s que se l e v a n t a v a m , p o n d o e m risco os privilégios em que t r a d i c i o n a l m e n t e a s s e n t a v a m seu estilo de vida, n a d a m a i s legítimo do que s u s p i r a r pelos a n o s de o u t r o r a , r e l a t i v a m e n t e t r a n q ü i l o s , e batizá-los, s e m q u a l q u e r ironia, a n t e s com f u n d a s a u d a d e , de belle époque. Foi a réplica brasileira desse período que B r i t o Broca estudou n o s e u livro. Aqui, e v i d e n t e m e n t e , a s condições sociais e políticas e r a m o u t r a s . M a s como, e n t ã o , a s n o s s a s elites viviam a i n d a com os olhos e m Paris, e como s o f r e r a m t a m b é m , de q u a l q u e r f o r m a , os efeitos daqueles a c o n tecimentos, é n a t u r a l se t e n h a m deixado i n f l u e n c i a r pelo 79 i n c o n f o r m i s m o e pela a t i t u d e saudosista d a b u r g u e s i a e u ropéia, que perdeu, com a belle époque, a douceur de vivre. É a l i t e r a t u r a brasileira em prosa, nesse período, ou, m a i s p r e c i s a m e n t e , de 1900 a 1910, que n o s cabe e s t u d a r n e s t e pequeno ensaio. UM CONTRASTE SINGULAR Na sua c o n f e r ê n c i a Rui Barbosa e o Código Civil, S a n Tiago D a n t a s t r a ç a u m breve m a s a d m i r á v e l p a n o r a m a do curioso c o n t r a s t e observado e n t r e a s i t u a ç ã o econôm i c a e a vida i n t e l e c t u a l brasileira nos ú l t i m o s a n o s do século passado e primeiros deste. " U m país subdesenvolvido e pobre, g o v e r n a d o pela olig a r q u i a e n u t r i d o por u m a vida i n t e l e c t u a l p u j a n t e e v á r i a — t a l e r a o Brasil de C a m p o s Sales, à véspera d a s p r i m e i r a s realizações m a t e r i a i s do governo de R o d r i g u e s Alves" — observa o saudoso j u r i s t a . E prossegue, a c e n t u a n d o que q u a n d o o governo de Campos Sales i n c u m b i u Clóvis Beviláqua d a g r a n d e t a r e f a de redigir o p r o j e t o do Código Civil, " u m c o n t r a s t e s i n gular r e i n a v a e n t r e a economia e a inteligência, e n t r e a situação de debilidade m a t e r i a l do P a í s e a f o r ç a com que i r r o m p i a m os sinais de u m a n o v a m e n t a l i d a d e " . L e m b r a a i n d a que, em 1901, o advogado E d m u n d o B i t t e n c o u r t f u n d a o Correio da Manhã. E, d a n d o o devido destaque a u m ano, n a v e r d a d e excepcional, n a vida liter á r i a brasileira, a c e n t u a : " E m 1902 j á a p a r e c e o Canaã de G r a ç a A r a n h a . 4 Nesse m e s m o ano, s u r g e o livro que voltaria a inteligência brasileira p a r a a c o m p r e e n s ã o do meio físico, e m a r c a r i a u m dos eixos p e r m a n e n t e s de nossa vida c u l t u r a l : Euclides d a C u n h a publica Os Sertões".5 A difícil s i t u a ç ã o econômica que o p a í s a t r a v e s s a v a , n a e n c r u z i l h a d a do século, foi t a m b é m o b j e t o de a c e r b o c o m e n t á r i o de José Veríssimo. Este, porém., talvez p e l a p r o x i m i d a d e do que, no c a m p o literário, e s t a v a a c o n t e cendo à s u a volta, n ã o chegou a perceber a a n t i n o m i a a p o n t a d a por S a n Tiago D a n t a s , e, em a r t i g o de 1901, a c e n t u a v a , com pessimismo: 80 Com exceção dos g o v e r n a n t e s , s e m p r e em t o d a a p a r t e , em todos os tempos, e a t é n a s v é s p e r a s e n a i m i n ê n c i a d a s revoluções e das c a t á s t r o f e s , otimistas, todos s a b e m e s e n t e m a s d e s g r a ç a d í s s i m a s condições, m a t e r i a i s e morais, do nosso país. E d e s t a vez n ã o é l u g a r - c o m u m d a s oposições políticas, "coisa que n ã o há'', como de cristãos dizia m u i t o b e m o D. J o ã o do p o e t a português, s e n ã o f a t o real, i n c o n t e s tável, t a n g í v e l por assim d i z e r . 6 S U R G E UM NOVO JORNAL J á vimos que, em 1901, f u n d a v a - s e o Correio da Manhã, j o r n a l de c o m b a t e e oposição, c u j o s editoriais a l c a n çavam a maior repercussão e freqüentemente acuavam o Governo. P a r a crítico l i t e r á r i o desse novo órgão foi c o n vidado José Veríssimo. E m a r t i g o sobre " O P r i m e i r o Crítico do Correio da Manhã", p u b l i c a d o n u m a d a s edições c o m e m o r a t i v a s do c i n q ü e n t e n á r i o do j o r n a l Alvaro Lins, seu sucessor n a d é c a d a de 40, t r a ç o u o p e r f i l m o r a l e i n t e l e c t u a l do a u t o r dos Estudos de Literatura Brasileira. E nos c o n t a como e r a m a p r e s e n t a d o s os s e u s artigos, e sobre o que e s c r e via ele: N e s t a p r i m e i r a fase, a crítica l i t e r á r i a do Correio n ã o e r a o f e r e c i d a aos leitores n u m dia r i g o r o s a m e n t e c e r t o da s e m a n a . De p r e f e r ê n cia, os a r t i g o s de Veríssimo a p a r e c i a m à s seg u n d a s - f e i r a s — e n ã o h a v e r i a n e s t a escolha u m a s u g e s t ã o dos Lunãis de S a i n t e Beuve? — mas, em a l g u m a s o u t r a s s e m a n a s , s u r g i a m à s t e r ç a s ou q u a r t a s - f e i r a s . Não h a v i a r u b r i c a g e r a l , e n c i m a n d o c a d a a r t i g o a p e n a s o seu t í t u l o p a r t i c u l a r . Não a d o t a r a a i n d a o Correio, p a r a a crítica l i t e r á r i a , o s i s t e m a de rodapé, f i c a n d o este r e s e r v a d o à p u b l i c a ç ã o dos r o m a n c e s em f o l h e t i n s . Vê-se, porém, que a crítica e r a u m a m a t é r i a valorizadíssima, pelo espaço que .podia 81 o c u p a r e pelo local em que e r a e s t a m p a d a . A p a recia n a s p r i m e i r a s c o l u n a s d a p r i m e i r a p á g i n a , n o m e s m o local em que escreviam a r t i g o s políticos E d m u n d o B i t t e n c o u r t , M a n u e l Vitorino, L a u r o Sodré, Ubaldino do A m a r a l , v i n d o logo em, seguida, d i a r i a m e n t e , o de Gil Vidal. Às vezes, o a r t i g o de José Veríssimo o c u p a v a meia página. A respeito dos a s s u n t o s de que t r a t a v a o crítico, esclarece Alvaro Lins: "Escrevia sobre a u t o r e s n a c i o n a i s e estrangeiros, ora e s t u d a n d o u m a obra só em todo u m a r t i g o q u a n d o lhe p a r e c i a i m p o r t a n t e , ora e x a m i n a n d o várias delas, dezenas, às vezes, n u m só d i a " . 7 UMA REVELAÇÃO O país podia ser pobre, e e s t a r a t r a v e s s a n d o u m a d a s f a s e s m a i s difíceis da sua vida econômica. Ao l a d o disso, ou a despeito disso, h a v i a , porém, u m s u r p r e e n d e n t e florescimento d a s letras, como a p r o v a r s e r e m elas, a o m e s m o tempo, " u m a f u n ç ã o social n e c e s s á r i a " e " u m f a t o da v o n t a d e individual". A comprovação de t a l c i r c u n s t â n c i a tivemos no f i n a l de 1902, com a publicação de Os Sertões, de Euclides d a C u n h a . C o s t u m a - s e dizer que esse livro foi p u b l i c a d o " n o f i n a l de 1902". O artigo de José Veríssimo sobre ele t r a z a d a t a de 3 de dezembro desse a n o . Ora, só p a r a ler o grosso volume, o crítico t e r i a levado a l g u m t e m p o . Qual a d a t a exata, então, do seu a p a r e c i m e n t o ? Esta, hoje, é difícil de precisar. Olímpio de Sousa A n d r a d e — o g r a n d e especialista em Euclides — b a s e a n d o se em d u a s c a r t a s do escritor a F r a n c i s c o Escobar, u m a d a t a d a de 10 de agosto, e m que dizia t e r ido ao Rio a c e r t a r com os editores o dia e x a t o do l a n ç a m e n t o , e o u t r a de 19 de outubro, " n a qual, m u i t o a l a r m a d o , c o m u n i c a v a t e r recebido c a r t a do a m i g o a respeito da l e i t u r a de Os Sertões, onde aquele e n c o n t r a r a n u m e r o s o s senões de revisão, conclui que o livro deve t e r sido l a n ç a d o e n t r e esses meses, e n ã o em d e z e m b r o . 8 82 No p r i n c í p i o do século, como se sabe, a s o b r a s dos a u t o r e s brasileiros se e d i t a v a m , n a s u a g r a n d e m a i o r i a , n a E u r o p a . S i g n i f i c a t i v a m e n t e , visto t r a t a r - s e de u m livro que n o s fazia d e s p r e g a r os olhos do Velho C o n t i n e n t e e e n c a r a r m a i s de p e r t o os nossos graves p r o b l e m a s , a o b r a de estréia de Euclides da C u n h a foi l a n ç a d a p o r u m a e d i t o r a que, e m b o r a p e r t e n c e n t e a estrangeiros, e r a s e d i a da n o Rio: L a e m m e r t & Cia. As p r o v a s t i p o g r á f i c a s d a epopéia de C a n u d o s n ã o t i v e r a m , assim, de a t r a v e s s a r o Atlântico, n u m e n o u t r o sentido, como as d a m a i o r i a dos livros brasileiros d a época, e o m á x i m o que lhes a c o n teceu foi v i a j a r do Rio a t é Lorena, n o E s t a d o de São P a u l o (onde o escritor e n t ã o r e s i d i a ) , e vice-versa. A casa L a e m m e r t & Cia., n o a n o a n t e r i o r , h a v i a p u blicado a Tormenta, de Coelho Neto, e desde a l g u n s a n o s v i n h a e d i t a n d o a u t o r e s n a c i o n a i s . Mas, no caso de E u clides, a p e s a r d a a p r e s e n t a ç ã o e n t u s i á s t i c a de Lúcio de Mendonça, o editor, como t a n t a s vezes t e m acontecido, n ã o confiou n o livro, ou teve m e d o do excessivo volume dos originais. E — sirva isto de consolo aos p l u m i t i v o s que a i n d a h o j e n ã o e n c o n t r a m q u e m q u e i r a e d i t a r s u a s poesias, seus contos, r o m a n c e s ou ensaios — Euclides teve de f i n a n c i a r , ele próprio, a edição, com u m c o n t o e quin h e n t o s , " m a i s ou m e n o s d u a s vezes o seu o r d e n a d o " , s e g u n d o o j á r e f e r i d o Olímpio de Sousa A n d r a d e . 9 O livro causou u m i m p a c t o f o r a do c o m u m . E coube a José Veríssimo a glória de t e r escrito o p r i m e i r o a r t i g o sobre ele, i n t i t u l a d o " U m a h i s t ó r i a dos sertões e d a C a m p a n h a de C a n u d o s " , p u b l i c a d o n a edição de 3 de d e z e m b r o de 1902 do Correio da Manhã.10 Como n o t o u Alvaro Lins, " E u c l i d e s e r a u m novo, u m n o m e desconhecido, que se a p r e s e n t a v a ao crítico a p e n a s c ° m a o b r a - p r i m a do seu livro de estréia". No e n t a n t o , Veríssimo, ao c o n t r á r i o do editor L a e m m e r t , n ã o se e n g a n a e s a ú d a o e s t r e a n t e desconhecido com e n t u s i a s m o e s e g u r a c o n f i a n ç a n o seu t a l e n t o : O livro, p o r t a n t o s títulos notável, do Sr. Euclides d a C u n h a , é ao m e s m o t e m p o o livro d e u m h o m e m de ciência, u m geógrafo, u m 83 geólogo, u m e t n ó g r a f o ; de u m h o m e m de p e n s a m e n t o , u m filósofo, u m sociólogo, u m h i s t o r i a d o r ; e de u m h o m e m de s e n t i m e n t o , u m poeta, u m r o m a n c i s t a , u m a r t i s t a , que sabe ver e descrever, que vibra e s e n t e t a n t o aos a s p e c tos d a n a t u r e z a como aos c o n t a c t o s do h o m e m , e estremece todo, tocado a t é ao f u n d o d ' a l m a , comovido a t é às lágrimas, em f a c e da dor h u m a n a , v e n h a ela das condições f a t a i s do m u n d o físico, a s secas que assolam os sertões do n o r t e brasileiro, v e n h a da estupidez ou m a l d a d e dos h o m e n s como a c a m p a n h a de Canudos. E r a o início da c o n s a g r a ç ã o do g r a n d e livro e de seu autor. E n q u a n t o isso, Euclides se a c h a v a e m Lorena, n o vale do P a r a í b a , como e n g e n h e i r o de o b r a s públicas do E s t a d o de São Paulo. E r a C h e f e do 2.° Distrito, com sede e m G u a r a t i n g u e t á . Mas como a s condições de vida em L o r e n a lhe parecessem m a i s favoráveis, p r e f e r i u f i x a r residência n e s s a cidade vizinha. Em c a r t a a José Veríssimo, a g r a d e cendo o artigo elogioso, q u e i x a v a - s e da sua s i t u a ç ã o de " commis-voyaqeur d a e n g e n h a r i a " . 1 1 E pouco depois, escrevendo a Araripe J ú n i o r , que t a m b é m se o c u p a r a do livro, n u m artigo consagrador, d e s a b a f a v a : " E u creio, p o rém, que sairei breve desse desvio m o r t o da E n g e n h a r i a , sem d e s c a r r l h a r ; a p r o v e i t a r e i o p r i m e i r o t r i â n g u l o de reversão a u e a p a r e c e r , e a v a n ç a r e i n a m i n h a v e r d a d e i r a estrada".12 Conseguiu ele, de fato, sair daquele "desvio m o r t o d a E n g e n h a r i a " . Veio p a r a o Rio, recebeu i m p o r t a n t e s m i s sões do B a r ã o do Rio Branco, e n t ã o Ministro d a s Relações Exteriores, foi eleito p a r a o I n s t i t u t o Histórico e a Academia, v i a j o u a t é o Amazonas, p r e s t o u concurso p a r a p r o fessor do Colégio Pedro II, publicou o u t r o s livros i g u a l m e n t e n o t á v e i s : Contrastes e Confrontos, Porto, 1907; Peru versus Bolívia, Rio, 1907; e A Margem da História, Porto, 1909. No primeiro desses volumes, é que f i g u r a aquele p e r fil a d m i r á v e l do M a r e c h a l de Ferro, e foi ele que inspirou a A r a r i p e J ú n i o r seu estudo "Dois g r a n d e s estilos", p u b l i - 84 cado n o Jornal do Commercio de 3-2-1907, e h o j e incluído no IV volume da s u a Obra Crítica, e d i t a d a pela F u n d a ç ã o C a s a de R u i B a r b o s a . Se Euclides, graças, sobretudo, à s u a a m i z a d e c o m o B a r ã o do Rio Branco, conseguiu sair " d o desvio m o r t o d a E n g e n h a r i a , sem d e s c a r r i l h a r " , o m e s m o n ã o logrou f a z e r e m r e l a ç ã o a p r o b l e m a s f a m i l i a r e s , de o r d e m p e s soal. E no dia 15-8-1909 t o m b a v a a s s a s s i n a d o n a E s t r a d a R e a l de S a n t a Cruz, n o s u b ú r b i o da Piedade, n o Rio. A g r i p pino Grieco, m o r a d o r n a s redondezas, c o s t u m a v a c o n t a r que, p a s s e a n d o , a pé, n a q u e l a m a n h ã de domingo, viu o c a d á v e r e s t e n d i d o n a c a l ç a d a . E n e m de longe supôs que ali e s t a v a o corpo do g r a n d e escritor, que ele t a n t o a d mirava. S u a m o r t e d e s f a l c o u as l e t r a s brasileiras de u m de seus valores m a i s originais e a u t ê n t i c o s , desaparecido, t r a g i c a m e n t e , aos 43 a n o s de i d a d e . . . NOSSO P R I M E I R O ROMANCE IDEOLÓGICO E m seu e n s a i o " C i n q ü e n t a a n o s de l i t e r a t u r a " , p u b l i cado i n i c i a l m e n t e n a m e s m a edição c o m e m o r a t i v a do Corr eio da Manhã, a que a c i m a nos r e f e r i m o s , Lúcia MiguelP e r e i r a , com a a c u i d a d e de sempre, a l u d i n d o à obra de Euclides e a o u t r o livro a p a r e c i d o , t a m b é m , em 1902, e s creve: F l o r e s t a i m p r e s s i o n a n t e , Os Sertões cont r i b u í r a m talvez q u a s e t a n t o p a r a o a r r e v e s a m e n t o d a l i n g u a g e m — com que se d e l e i t a r a m Alcides M a i a e Alberto R a n g e l — q u a n t o p a r a o c o n h e c i m e n t o do país, o que n ã o é dizer pouco. E, saído n o m e s m o a n o de 1902, u m r o m a n c e , nosso p r i m e i r o r o m a n c e social, o Canaã, de G r a ç a A r a n h a , levaria p a r a o gênero ê n f a s e n ã o s e m e l h a n t e , m a s equivalente, que de a l g u m m o d o se r e f l e t i r i a em Luzia-Homem, d e D o m i n g o s Olímpio, publicado em 1903, c o n t r a r i a n d o - l h e o f o r t e c u n h o regional. 85 T e n d o a g r a d a d o , p r i n c i p a l m e n t e , pelo " a r t i f í c i o girandoloso do estilo", o r o m a n c e de G r a ç a A r a n h a c o n f i r m a a observação de Lúcia Miguel-Pereira, de que, r e s s a l v a d a s a s exceções de praxe, escrevia-se e n t ã o " c o m a evidente p r e o c u p a ç ã o da f r a s e b r i l h a n t e , a l c a n d o r a d a e, sobretudo, a r q u i t e t ô n i c a " , j á que a voga f a v o r e c i a a eloqüência, " q u e se pôs a t r a n s b o r d a r dos discursos p a r a os ensaios, p a r a os r o m a n c e s e a t é p a r a a poesia". E r a a p r e a m a r p a r n a s i a n a , que levava Coelho N e t o a escrever, r e f e r i n d o - s e à F o r m a , n u m a réplica à " P r o fissão de Fé", de Bilac: " P o r ela o m e u s a n g u e , t o d a a m i n h a a l m a p a r a r e s g u a r d á - l a : é o m e u amor, é o m e u ídolo, é o meu ideal". 1 3 Como observa, a i n d a , a m e s m a e n s a í s t a , p a s s a r a " d a poesia à p r o s a o gosto d a s p a l a v r a s a l t i s s o n a n t e s e s o b r e t u d o de a r q u i t e t u r a verbal, da f r a s e r e d o n d a e cheia, descrevendo h a r m o n i o s a p a r á b o l a " . Ora, o Canaã, de G r a ç a A r a n h a , inseria-se, com p e r feição, nesse contexto, e era, a l é m disso, sob m u i t o s a s pectos, u m livro revolucionário. T r a i n d o a i n f l u ê n c i a do g e r m a n i s m o da Escola do Recife, é m u i t o m a i s u m r o m a n c e de idéias do que de ação. Como diria, m u i t o m a i s t a r d e , Agrippino Grieco, em e n t r e v i s t a que nos concedeu, "Canaã é u m m a u modelo de r o m a n c e , p o r q u e todo desconexo, sem a p r e o c u p a ç ã o da u n i d a d e , m a s que excelente coletânea de morceaux choisisVM Por este ou por aquele motivo, a v e r d a d e é que o livro fez carreira, n ã o só n o Brasil, m a s i g u a l m e n t e n o exterior. E m 1910 a p a r e c i a a t r a d u ç ã o f r a n c e s a de C l e m e n t Gazot, com p r e f á c i o do Conde Prozor, p a r a o que, sem dúvida, t a m b é m c o n t r i b u i u a posição do a u t o r , como dip l o m a t a que era. E foi essa p r o j e ç ã o e x t r a f r o n t e i r a s do r o m a n c e que preocupou Gilberto Amado. E m a r t i g o N'0 País, de 11-12-1910, s u s t e n t a v a ele que Canaã e r a " o m a i s vigoroso libelo c o n t r a o Brasil e a m a i s d e f i n i t i v a c o n d e n a ç ã o que a i n d a se escreveu sobre o c a r á t e r de u m povo". R e c o n h e c i a que G r a ç a A r a n h a dizia, talvez, v e r dades, " m a s são as que m a i s nos h u m i l h a m , as que m a i s corroboram a idéia que o europeu t e m da n o s s a i n c a p a cidade orgânica p a r a f u n d a r u m a civilização, c o n s t i t u i r u m a n a c i o n a l i d a d e " . O " d e r r o t i s m o e t n o g r á f i c o " do dis- 86 cípulo de Tobias B a r r e t o assustava o pensador que, pouco depois, s u s t e n t a r i a a tese de que " d e sermos mestiços e m u l a t o s devemos ter, senão orgulho, ao m e n o s a consciência de que o sermos n ã o implica inferioridade n e n h u m a . Mulatos e mestiços f i z e r a m u m a cousa e x t r a o r d i n á r i a : o Brasil". 1 5 Com pontos de vista t ã o opostos, n ã o a d m i r a que Gilberto Amado e G r a ç a A r a n h a j a m a i s t e n h a m conseguido e n t e n d e r - s e . . . A REDAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL Não p a r a m aí, porém, os g r a n d e s acontecimentos literários de 1902, pois precisamos n ã o n o s esquecer de que desse m e s m o a n o é o Parecer sobre a redação do Código Civil, de Rui Barbosa. D a t a d o de 13-4-1902, foi publicado no Diário do Congresso Nacional, Suplemento ao n o 126, de 27-7-1902. A edição da I m p r e n s a Nacional, n u m volum e de 561 páginas, sairia t a m b é m nesse m e s m o ano. E foi outro formidável impacto. S a n Tiago D a n t a s , n a c o n f e r ê n c i a a c i m a citada, j á explicou a s razões desse p a r e c e r a r r a s a d o r : Rui queria e s t u d a r a p a r t e jurídica do Código, e d a r a sua contribuição ao a p r i m o r a m e n t o dos nossos i n s t i t u t o s de Direito Civil. O projeto, porém, c h e g a r a ao Senado em regime de urgência " u r g e n t í s s i m a " , como h o j e se diria. Não h a v i a tempo, p o r t a n t o , p a r a o estudo jurídico que o m e s t r e p r e t e n d i a fazer. C o n h e cendo o Brasil, e sabendo a i m p o r t â n c i a que sempre d e mos, aqui (como a i n d a h o j e ) , às questões gramaticais, resolveu t o r p e d e a r o projeto, n ã o porque ele contivesse defeitos de ordem jurídica, m a s sim porque estava inçado de heresias estilísticas, escrito em c a ç a n j e . A contribuição que deu à m e l h o r i a da r e d a ç ã o do Código é inestimável, e pode ser avaliada em t o d a a sua riqueza e e x t e n s ã o n o livro de F e r n a n d o Néri — Rui Barbosa e o Código Civil (Rio de Janeiro, I m p r e n s a N a cional, 1931). Com esse parecer, Rui conseguiu, r e a l m e n t e , o seu i n tento, e a t r a m i t a ç ã o do projeto, n o Congresso, foi r e t a r d a d a por n a d a m e n o s de 14 anos, pois o Código só seria 87 a p r o v a d o pela Lei n.° 3.071, de 1 de j a n e i r o de 1916. Apes a r disso, o g r a n d e publicista n ã o teve tempo, ou oport u n i d a d e de concluir o seu e s t u d o sobre os aspectos j u r í dicos do Código, estudo esse que ficou r e s t r i t o aos p r i m e i ros vinte artigos da P a r t e G e r a l . O efeito, porém, do p a r e c e r em que a p o n t a v a as i m perfeições estilísticas do projeto, foi e n o r m e . Como se sabe, a c e n d e u - s e g r a n d e polêmica sobre o assunto, e o d e b a t e com Carneiro Ribeiro (que n a Réplica, de Rui, a t i n g i u seu p o n t o m a i s alto) a p a i x o n o u os espíritos e aguçou o gosto dos brasileiros pelas discussões de ordem g r a m a t i c a l . A Réplica foi publicada, inicialmente, no Diário do Congresso Nacional, S u p l e m e n t o ao n.° 120, de 10-10-1903, sendo que s u a p r i m e i r a impressão em livro (edição da I m p r e n s a N a c i o n a l ) , n u m v o l u m e de 600 p á g i n a s , a p a r e c e u em 1904. Sobre a repercussão e i n f l u ê n c i a desse t r a b a l h o de Rui, h á o t e s t e m u n h o de J o ã o M a n g a b e i r a , que n e m p o r p a r t i r de u m de seus discípulos m a i s devotados, pode ser considerado suspeito: . . . o a m o r e o zelo pela l í n g u a p o r t u g u e s a se podem, n i t i d a m e n t e , dividir e n t r e nós em d u a s f a s e s : a n t e s e depois da Réplica. Na p r i m e i r a , a p e n a s os g r a m á t i c o s e os especialistas t i m b r a v a m n o a p u r o da l i n g u a g e m . No m a i s , o descuido, o descaso, o d e s a l i n h o . B a s t a ler os escritos e discursos dos m a i o r e s vultos do I m pério. Na segunda, todos os h o m e n s , de t o d a s as posições, em t o d a s a s emergências, c u i d a m do asseio vernáculo, d a n d o c a d a u m de si o m a i s que pode. 1 0 A polêmica R u i - C a r n e i r o Ribeiro; os artigos de C â n dido de Figueiredo sobre " O que se n ã o deve dizer", p u blicados no Jornal do Commercio, e r e u n i d o s e m livro e m 1903, por u m a e d i t o r a de Lisboa; c o l u n a s como a q u e C â n d i d o Lago m a n t i n h a n o Correio da Manhã, sob o título " O que é correto", c r i a r a m , n o público, u m a excessiva p r e o c u p a ç ã o com o vernáculo, visto do l a d o do " c a s ticismo p o r t u g u ê s " . Ninguém, escrevendo, q u e r i a e r r a r , i n cidir n a crítica desses m e s t r e s . O p u r i s m o g r a m a t i c a l t o r - 88 n o u - s e p a l a v r a de ordem, e com isso a l í n g u a passou a ser c o n s i d e r a d a d a s m a i s difíceis de escrever c o r r e t a m e n t e . O s e g u i n t e d e p o i m e n t o de José Veríssimo expressivo a respeito do e s t a d o de espírito e m viviam os escritores: portuguesa se f a l a r e é bastante que e n t ã o O h ! E s t a nossa l í n g u a p o r t u g u e s a , q u e m pode j a c t a r - s e de s a b ê - l a toda, de p o d e r sem c o n t e s t a ç ã o plausível a p o i a r - l h e ou r e p r o v a r - l h e u m a f o r m a , u m a expressão, u m vocábulo, a f i r m a r com s e g u r a n ç a , f o r a dos casos v u l g a r e s de i n c o r r e ç ã o m a n i f e s t a e dos solecismos i n d i s cutíveis, que isto é e r r a d o ou aquilo é certo, q u e isto é v e r n á c u l o e aquilo n ã o é? 17 Curioso é que essa e x a g e r a d a e i n j u s t i f i c á v e l p r e o c u p a ç ã o com o v e r n á c u l o se prolongou por m u i t o t e m p o , c h e g a n d o a a t i n g i r r e p r e s e n t a n t e s de gerações posteriores, e a t é escritores que t i n h a m t u d o p a r a d e s r e s p e i t á - l a , como v i e r a m , a f i n a l , a f a z e r m a i s t a r d e , n o m o v i m e n t o m o d e r n i s t a de 1922. A propósito, é n ã o só s u r p r e e n d e n t e , m a s s i g n i f i c a t i v a , e s t a confissão de Mário de A n d r a d e , em c a r t a ao seu amigo M a n u e l B a n d e i r a : " É e n g r a ç a d o , m a s eu trago, n ã o p r o p r i a m e n t e d a m i n h a geração, m a s d a s pelo m e n o s d u a s que a n t e c e d e r a m a m i n h a , u m desej i n h o secreto de f a l a r b e m o p o r t u g u ê s e escrevê-lo s e m erro". " O MOMENTO L I T E R Á R I O S e g u n d o R. M a g a l h ã e s Jr., foi Medeiros e A l b u q u e r que, de volta de u m a de s u a s viagens à E u r o p a , que s u geriu a J o ã o do Rio a realização do i n q u é r i t o " O M o m e n t o Literário", publicado i n i c i a l m e n t e n a Gazeta de Notícias, n o p r i m e i r o s e m e s t r e de 1905, e m a i s t a r d e e m livro, p e l a Livraria G a r n i e r , s e m q u a l q u e r i n d i c a ç ã o de d a t a , m a s p r o v a v e l m e n t e em 1908. 10 O modelo em que se i n s p i r o u o j o r n a l i s t a p a r e c e t e r sido o livro de J u l e s H u r e t , Enquête sur l'Évolution Littéraire, a p a r e c i d o e m P a r i s e m 1901. O b i ó g r a f o de J o ã o do Rio c h e g a a i n s i n u a r que o q u e s t i o n á - 89 rio, p o r este s u b m e t i d o a cerca de c i n q ü e n t a escritores, dos m a i s r e p r e s e n t a t i v o s e a t u a n t e s n a s l e t r a s e n o j o r nalismo de e n t ã o , foi redigido pelo p r ó p r i o Medeiros e Albuquerque. O questionário e r a o s e g u i n t e : 1) P a r a sua f o r m a ç ã o l i t e r á r i a , quais os a u t o r e s que m a i s c o n t r i b u í r a m ? 2) D a s s u a s obras, q u a l a que p r e f e r e ? Esp e c i f i c a n d o m a i s a i n d a : quais, d e n t r e seus t r a balhos, a s c e n a s ou capítulos, quais os contos, quais as poesias que p r e f e r e ? 3) L e m b r a n d o s e p a r a d a m e n t e a p r o s a e a poesia c o n t e m p o r â n e a s , p a r e c e - l h e que n o m o m e n t o a t u a l , no Brasil, a t r a v e s s a m o s u m p e r í o d o estacionário, h á n o v a s escolas ( r o m a n c e social, poesia de ação, etc.), ou h á a l u t a e n t r e a n t i g a s e m o d e r n a s ? Neste ú l t i m o caso, quais são elas? Quais os escritores c o n t e m p o r â n e o s que a s r e p r e s e n t a m ? Qual a que j u l g a d e s t i nada a predominar? 4) O desenvolvimento dos c e n t r o s l i t e r á r i o s dos E s t a d o s t e n d e r á a criar l i t e r a t u r a s à p a r t e ? 5) O jornalismo, e s p e c i a l m e n t e n o Brasil, é u m f a t o r bom ou m a u p a r a a a r t e l i t e r á r i a ? J o ã o do Rio conseguiu realizar e n t r e v i s t a s pessoais com Olavo Bilac, Coelho Neto, J ú l i a Lopes de Almeida, Felinto de Almeida, Pe. Severiano de Resende, Félix P a checo, A r m a n d o Erse (João L u s o ) , G u i m a r ã e s Passos e L i m a Campos. Os d e m a i s d e p o i m e n t o s f o r a m obtidos por c a r t a , h a v e n d o respondido os escritores J o ã o Ribeiro. Clóvis Beviláqua, Sílvio Romero, R a i m u n d o Correia, M e d e i ros e Albuquerque, G a r c i a Redondo, F r o t a Pessoa, M á r i o P e d e r n e i r a s , Luís E d m u n d o , Curvelo de M e n d o n ç a , Nestor Vítor, Silva Ramos, A r t u r Orlando, Sousa B a n d e i r a , I n g l ê s de Sousa, Afonso Celso, Elísio de Carvalho, P e d r o do Couto, Osório Duque E s t r a d a , F á b i o Luz, Rodrigo Otávio, Rocha Pombo, Laudelino Freire, M a g n u s S o n d h a l , G u s tavo Santiago, Augusto F r a n c o , Alberto R a m o s e J ú l i o Afrânio, n o m e com que, n a época, A f r â n i o Peixoto, a i n d a m u i t o jovem, a s s i n a v a seus t r a b a l h o s . 90 Dos entrevistados, m u i t o s e s t ã o h o j e c o m p l e t a m e n t e esquecidos, e p r e c i s a m o s r e c o r r e r aos dicionários especializados p a r a identificá-los, como por exemplo, aquele est r a n h o M a g n u s S o n d h s l , " u m m a n í a c o do ocultismo" que j á f i g u r a r a em .As Religiões no Rio, como observa R. M a g a l h ã e s J r . De q u a l q u e r m a n e i r a , e a i n d a que constituído, em g r a n d e p a r t e , de d e p o i m e n t o s de escritores que h o j e n o s p a r e c e m secundários, e n ã o t r o u x e r a m , à s l e t r a s b r a sileiras, q u a l q u e r c o n t r i b u i ç ã o m a i s significativa, o i n q u é r i t o de J o ã o do Rio é u m precioso repositório de d a d o s e i n f o r m a ç õ e s sobre h á b i t o s de vida, t e n d ê n c i a s e opiniões d a intelligentsia brasileira n a p r i m e i r a d é c a d a do século. Foi p e n a que as f i g u r a s m a i s r e p r e s e n t a t i v a s d a s n o s s a s l e t r a s de e n t ã o n ã o tivessem a t e n d i d o ao seu apelo, como ocorreu, e n t r e outros, com M a c h a d o de Assis, G r a ç a A r a n h a , A r t u r Azevedo, Alberto de Oliveira, Aluízio Azevedo e José Veríssimo. No f i n a l , J o ã o do Rio d á u m b a l a n ç o em seu i n q u é rito, t i r a n d o conclusões, a l g u m a s de c u n h o sociológico, que s ã o i m p o r t a n t e s p a r a f i x a r a m e n t a l i d a d e dos escritores brasileiros d a época, e a s p e r s p e c t i v a s de nossa l i t e r a t u r a n o s p r i m e i r o s dez a n o s do século. U m a dessas conclusões é de que p a s s a r a a época da boêmia, q u a n d o u m sujeito, " p a r a f i n g i r de prosador, c o m e ç a v a p o r t e r a b a r b a p o r f a z e r e o f a t o cheio de nódoas". No m o m e n t o — observa o j o r n a l i s t a — u m tipo n e s s a s condições " s e r i a posto f o r a a t é m e s m o d a s c o n f e i t a r i a s , que são e s e m p r e f o r a m a s colméias dos ociosos". E q u a l foi o f a t o r q u e c o n t r i b u i u p a r a a m u d a n ç a de m e n t a l i d a d e dos escritores? Foi a c o n c o r r ê n c i a — r e s p o n d e ele — " a t r e m e n d a c o n c o r r ê n c i a de t r a b a l h o que proíbe os r o m a n t i s m o s , o s e n t i m e n t a l i s m o , a s noites p a s s a d a s em claro e essa coisa a b j e c t a que os imbecis divinizam, c h a m a d a boêmia, isto é, a f a l t a de dinheiro, o s a q u e e v e n t u a l d a s algibeiras a l h e i a s e a g a r g a l h a d a de t r o ç a dos outros, com a c a m i s a p o r l a v a r e o e s t ô m a g o v a z i o . . . " Ao sopro d a s t r a n s f o r m a ç õ e s p o r que P a s s a v a o Rio, n o governo R o d r i g u e s Alves, com o s a n e a m e n t o d a cidade e a a b e r t u r a da Avenida, c o m e ç a v a - s e a criar, e m b o r a t i m i d a m e n t e , a p r o f i s s ã o de escritor, que 91 o j o r n a l i s m o f a c i l i t a v a . " H o j e o escritor t r a b a l h a p a r a o editor — a c e n t u a J o ã o do Rio — e n ã o m a n d a vender, como José de Alencar e o M a n u e l de Macedo, p o r u m p r e t o de balaio n o braço, as s u a s obras de p o r t a e m p o r t a , como m e l a n c i a s ou t a n g e r i n a s . U m a n o v a n e c e s s i d a d e i n f i l t r o u - s e n o s nossos h á b i t o s : a necessidade d a h i g i e n e e do c o n f o r t á v e l " . O u t r a conclusão que J o ã o do Rio t i r a das r e s p o s t a s ao seu inquérito, é a que diz respeito à p r e o c u p a ç ã o d o m i n a n t e nos meios literários de e n t ã o : " A época é de u m individualismo hiperestésico". R e c o n h e c i a a e s t a g n a ç ã o dos corrilhos literários, m a s n ã o deixava de f r i s a r que " a f ú r i a de a p a r e c e r só" e r a prodigiosa. A v a i d a d e d o i n t e l e c t u a l d e i x a r a de ser u m a coisa ridícula, p a r a ser vista como " u m a deliciosa coquetérie cerebral, que o a r r i vismo p r á t i c o t r a n s f o r m a em r e c l a m o " . T a n t o assim, que os escritores consultados, n a sua q u a s e t o t a l i d a d e , c o n t a r a m com especial p r a z e r a p r ó p r i a vida. O sucesso e r a p a r a ele " o critério m a i s exato d a a c l a m a ç ã o p ú b l i c a " , j á que o h o m e m de l e t r a s só t e m u m desejo, m e s m o q u a n do está n a t o r r e de m a r f i m : conquistar o f a v o r público, ser lido e ser n o t a d o " . Q u a n t o aos r u m o s da l i t e r a t u r a , n a q u e l e início d e século, J o ã o do Rio, talvez p u x a n d o u m pouco a s a r d i n h a p a r a a s u a brasa, m a s n ã o deixando, por o u t r o lado, de ver com clareza n a s b r u m a s do f u t u r o , o p i n a v a que o m o m e n t o n ã o e r a de devaneios, " m a s de curiosidade, de i n f o r m a ç ã o , f a z e n d o da l i t e r a t u r a , no r o m a n c e , n a c r ô nica, n o conto, n a s descrições de viagens, u m a ú n i c a e colossal r e p o r t a g e m " . Ao lado de observações j u s t a s , como a de que " n ã o h á u m a só das nossas idéias que n ã o s e j a bebida n o est r a n g e i r o , nos livros de Félix Alcan, ou n a s e x t r a v a g â n cias publicáveis do "Mercure de France", e de que o n a t u ralismo m o r r e r a e o n e f e l i b a t i s m o agonizava, o u t r a s h á em que se e n g a n o u r e d o n d a m e n t e , como a o d e c r e t a r a m o r t e da poesia, s e n t e n ç a que viria a ser r e p e t i d a t r i n t a a n o s m a i s t a r d e , t a m b é m sem q u a l q u e r procedência, p o r Augusto Frederico S c h m i d t , e m e n t r e v i s t a f a m o s a . . . 2 0 92 UM TÍTULO FALACIOSO Aparecido em 1907, n u m a edição d a L i v r a r i a G a r n i e r , o livro de Elísio de C a r v a l h o .As Modernas Correntes Estéticas na Literatura Brasileira t e m u m t í t u l o e n g a n a d o r , pois n ã o se t r a t a de n e n h u m e s t u d o sobre a s n o v a s t e n d ê n c i a s a r t í s t i c a s d o m i n a n t e s n a l i t e r a t u r a b r a s i l e i r a do seu t e m p o , m a s sim d a r e u n i ã o de vários artigos de c r í t i c a n e f e l i b á t i c a , grupados, aliás, de m a n e i r a insólita, ou pelo m e n o s pouco compreensível aos olhos do leitor de h o j e . Assim, n u m p r i m e i r o g r u p o estão os Representativos ( G r a ç a A r a n h a , José Veríssimo, J o ã o Ribeiro e Emílio de M e n e s e s ) ; n u m s e g u n d o grupo, os Ideólogos, Sonhadores e Revoltados (Fábio Luz, Curvelo de M e n d o n ç a , P e r e i r a d a S,'lva e P e d r o do C o u t o ) ; e, f i n a l m e n t e , como Raros e Impassíveis, J o ã o do Rio, G u s t a v o S a n t i a g o , G o u l a r t d e A n d r a d e e Oscar Lopes. Ora, s e r á essa a classificação que ele d a v a ao que p o m p o s a m e n t e c h a m a v a " a s m o d e r n a s c o r r e n t e s estéticas n a l i t e r a t u r a b r a s i l e i r a " ? E que vem f a z e r o p o e t a Emilio de Meneses, h u m o r i s t a boêmio e folgazão, n u m g r u p o o n d e estão p e n s a d o r e s e estudiosos como G r a ç a A r a n h a , José Veríssimo e J o ã o Ribeiro? Por o u t r o lado, como c h a m a r de impassível u m h o m e m t r ê f e g o e a g i t a d o como João do Rio, que revolucionou o j o r n a l i s m o do seu t e m p o ? Além dos ensaios sobre esses escritores, r e u n i d o s d a m a n e i r a m a i s e s t a p a f ú r d i a , como a c a b a m o s de ver, o livro inclui a i n d a d u a s o u t r a s séries de estudos: " O P r o b l e m a da C u l t u r a " e " A r t e Social". D e n t r e os a r t i g o s que c o m p õ e m " O P r o b l e m a d a Cult u r a " , f i g u r a u m que se c h a m a " M i n h a f o r m a ç ã o l i t e r á ria", que o u t r a coisa n ã o é s e n ã o a s u a resposta, r e f u n d i d a e a m p l i a d a , à enquête de J o ã o do Rio. Nela, depois de se r e f e r i r , l o n g a e a t a b a l h o a d a m e n t e , aos livros e aos a u t o r e s que m a i s i n f l u í r a m n a f o r m a ç ã o d e s u a m e n t a l i d a d e , Elísio de C a r v a l h o f a z estas d u a s c o n fissões que n ã o podemos d e i x a r p a s s a r s e m u m registro, a p r i m e i r a p o r q u e d e n u n c i a o seu e s t a d o de espírito em r e l a ç ã o aos c o n f r a d e s de letras, e a s e g u n d a , pela s u a pretensão. 93 Depois de a f i r m a r que em n a d a se s e n t i a devedor a qualquer escritor brasileiro de outros tempos, pois " o i n telecto brasileiro está m u i t o baixo p a r a i n f l u i r - m e " sobre os contemporâneos, depõe: " O s modernos, salvo r a r í s s i m a s e h o n r o s a s exceções, m e s m o os que t ê m cotação n a cocheira do S e n h o r - T o d o - o - M u n d o , n ã o p a s s a m de filisteus, cabotinos, c h a t a s mediocridades, e i n s p i r a m - m e t a m bém nojo, n o j o e dor, dor sobretudo". Q u a n t o a ele próprio, que e m política se c o n f e s s a v a " a n a r q u i s t a " , p o n t i f i c a : " S o u s u p e r n a c i o n a l e p e r t e n ç o ao movimento intelectual e u r o p e u . . . " D e n t r e os m o d e r n o s — n a t u r a l m e n t e u m a d a q u e l a s " r a r í s s i m a s e h o n r o s a s exceções" a que se r e f e r i u , d e s t a cava G r a ç a A r a n h a , " o m e s t r e a d m i r á v e l de Canaã, a c b r a m a i s e x t r a o r d i n á r i a , m a i s e s t r a n h a , m a i s genial que concebeu o nosso espírito artístico", e escritor que, n a s u a opinião, " é o a r t i s t a tipo que simboliza este m o m e n t o s u p r e m o da l i t e r a t u r a brasileira". E x a t a m e n t e por c a u s a desses arroubos, o livro n ã o depõe m u i t o a f a v o r do espírito crítico do a u t o r , pois se ocupa, n a m a i o r p a r t e , e quase no m e s m o t o m e m que se r e f e r e a G r a ç a A r a n h a , de a u t o r e s que o t e m p o s e p u l tou e estão h o j e c o m p l e t a m e n t e esquecidos. 2 1 A FIGURA MAXIMA Sobranceiro à querela d a s escolas, c o n t i n u a v a a escrever, ombro a ombro com os novos, u m a f i g u r a que, n o dizer de Lúcia Miguel-Pereira, " e r a o m e s t r e , o guia, o chefe, senão da vida l i t e r á r i a , pelo m e n o s da l i t e r a t u r a em si m e s m a " . Sem se filiar a q u a l q u e r escola l i t e r á r i a , pois, n a s u a m e l h o r f a s e (a que se inicia com a s Memórias Póstumas de Brás Cubas), n ã o foi r o m â n t i c o n e m n a t u r a l i s t a , " s e i m p u n h a aos leitores n o v e c e n t i s t a s como aos oitocentistas se i m p u s e r a " : M a c h a d o de Assis. De fato, o m e s t r e c o n t i n u a v a em p l e n a atividade. Dom Casmurro é de 1900, Esaú e Jacó, de 1904. Relíquias de Casa Velha, de 1906 e Memorial de Aires, de 1908, a n o e m que veio a falecer. 94 Ligado à m o r t e do cético de Quincas Borba h á , aliás, u m episódio que deu l u g a r a u m a d a s p á g i n a s m a i s belas do nosso j o r n a l i s m o l i t e r á r i o — a crônica " A ú l t i m a visita", de Euclides d a C u n h a — e que n ã o deve f i c a r esquecido. E r a j á noite, e M a c h a d o agonizava n a s u a casa do Cosme Velho. Na sala de j a n t a r , u m g r u p o de s e n h o r a s , v i z i n h a s e conhecidas, m u i t a s das quais ele vira m e n i n a s e c a r r e g a r a nos braços, c o m e n t a v a episódios d a vida do escritor, ao lado de Carolina, n a q u e l e r e c a n t o t r a n q ü i l o , o n d e o a m o r p u s e r a " u m m u n d o inteiro". No salão de visitas, vários a m i g o s e c o m p a n h e i r o s de letras, n u m a a t i t u d e de solidariedade, a c o m p a n h a v a m , pessoalmente, os ú l t i m o s m o m e n t o s do m e s t r e . E s t a v a m ali Coelho Neto, G r a ç a A r a n h a , Mário de Alencar, José Veríssimo, R a i m u n do Correia, Rodrigo Otávio e Euclides d a C u n h a . A c h a v a m eles d e s a n i m a d o r que u m a vida como aquela se e x t i n g u i s se n o meio de t a m a n h a i n d i f e r e n ç a pública, com r e p e r cussão a p e n a s " n o círculo limitadíssimo de corações a m i gos". Um escritor do p o r t e de M a c h a d o de Assis " s ó devera e x t i n g u i r - s e d e n t r o de u m a g r a n d e e n o b i l i t a d o r a comoção n a c i o n a l " . No e n t a n t o , a cidade i n t e i r a assistia àquilo " s e m a v i b r a ç ã o de u m abalo, d e r i v a n d o i m p e r t u r b a v e l m e n t e n a n o r m a l i d a d e de s u a existência complexa". Nesse m o m e n t o , p r e c i s a m e n t e ao e n u n c i a r - s e este juízo d e s a l e n t a d o — n a r r a Euclides — a l g u é m b a t e à p o r t a de e n t r a d a . Abriram-na. Apareceu um desconhecido: u m a d o l e s c e n t e de 16 a 18 anos, n o m á x i m o . P e r g u n t a r a m - l h e o n o m e , d e c l a r a r a ser d e s n e cessário dizê-lo: n i n g u é m ali o conhecia, n ã o c o n h e c i a , por s u a vez, n i n g u é m ; n ã o c o n h e c i a o próprio dono d a casa, a n ã o ser pela l e i t u r a dos livros que o e n c a n t a v a m . P o r isto, ao ler n o s j o r n a i s d a t a r d e que o escritor se a c h a v a em. e s t a d o gravíssimo, tivera o p e n s a m e n t o de visitá-lo. R e l u t a r a c o n t r a e s t a idéia, n ã o t e n d o quem o apresentasse; mas não lograra vencêla. Que o desculpassem, p o r t a n t o . Se n ã o l h e 95 e r a d a d o ver o e n f e r m o , d e s s e m - l h e ao m e n o s notícias c e r t a s do seu estado. E o a n ô n i m o juvenil, vindo da noite, foi conduzido ao q u a r t o do doente. Chegou. N ã o disse u m a p a l a v r a . Ajoelhou-se. T o m o u a m ã o do Mestre; b e i j o u - a n u m belo gesto de c a r i n h o filial. A c o n c h e g o u - a depois por m o m e n t o s ao peito. L e v a n t o u - s e e, sem dizer p a l a v r a , saiu. À p o r t a , José Veríssimo p e r g u n t o u - l h e o n o m e , i n t e i r a n d o - s e , então, de q u e m se t r a t a v a . E conclui Euclides: M a s ele deve f i c a r a n ô n i m o . Qualquer que s e j a o destino desta criança, ela n u n c a m a i s subirá t a n t o n a vida. Naquele m o m e n t o , o seu c o r a ç ã o b a t e u sozinho pela a l m a de u m a n a c i o n a l i d a d e . Naquele meio s e g u n d o — n a q u e l e meio segundo em que ele est r e i t o u o peito m o r i b u n d o de M a c h a d o de Assis, aquele m e n i n o foi o m a i o r h o m e m de sua t e r r a . Ele saiu, e houve n a sala, u m pouco i n v a dida de desalento, u m a t r a n s f i g u r a ç ã o . Nos fastígios de certos estados morais, c o n c r e t i z a m - s e , à s vezes, as m a i o r e s idealizações. Pelos nossos olhos passou a i m p r e s s ã o visual d a P o s t e r i d a d e . . . 22 Nessa m e s m a m a d r u g a d a , d e u - s e o desenlace. E no dia seguinte, a i n d a sob a i m p r e s s ã o d a q u e l a visita e s t r a n h a , m a s a l t a m e n t e simbólica aos olhos de todos que a p r e s e n c i a r a m , Euclides, n a r e d a ç ã o do Jornal do Commercio, compôs o seu primoroso artigo. J o ã o Luso assistiu a tudo, e pôde depor que o estilista de Os Sertões, a p a r e n t a n d o u m a s e r e n i d a d e p e r f e i t a , e q u a s e sem e m e n d a r , levou m a i s de t r ê s h o r a s p a r a p i n g a r n a p e q u e n i n a c r ô n i c a o p o n t o f i n a l . É que o seu t r a b a l h o " a v a n ç a v a l i n h a a l i n h a , q u a s e se poderia a f i r m a r l e t r a a l e t r a , como u m a r e n d a n í t i d a e delicada n a s m ã o s d a m a i s p a c i e n t e b o r dadeira".23 Não h a v e n d o o a r t i c u l i s t a revelado o n o m e do m i s t e rioso visitante, só m u i t o t e m p o depois se veio a saber 96 que aquele j o v e m c h a m a v a - s e Astrojildo P e r e i r a . A esse seu gesto as l e t r a s b r a s i l e i r a s f i c a r a m a dever a i n s p i r a ção p a r a a p á g i n a i m o r r e d o u r a de Euclides. Por o u t r o lado, sua visita foi, de f a t o , o p r e n ú n c i o do j u l g a m e n t o da Posteridade, p a r a o qual o próprio Astrojildo, j á adulto, viria a contribuir, com o seu excelente ensaio, de c u n h o sociológico, " M a c h a d o de Assis, r o m a n c i s t a do S e g u n d o Reinado". 2 4 A FORTUNA CRÍTICA DE UM ESCRITOR M o r r e r a M a c h a d o de Assis. M a s Coelho Neto c o n t i n u a v a a produzir como n u n c a , " m o n t a d o n o a l a z ã o de s u a f a n t a s i a i n c o m p a r á v e l " , como disse Euclides da C u n h a . Só e m 1898 h a v i a publicado n a d a m e n o s de 11 volumes! J á vimos que seu r o m a n c e Tormenta é de 1901. Turbilhão, de 1906, e Esfinge, de 1908. No a n o seguinte, seu a t o d r a m á tico Bonança foi escolhido p a r a ser r e p r e s e n t a d o n a f e s t a d e i n a u g u r a ç ã o do T e a t r o Municipal. Sua p r o d u ç ã o era, e m média, de m a i s de u m livro p o r a n o . No a n t e - r o s t o de Tormenta e n u m e r a v a 24 obras j á publicadas, a n u n c i a n d o m a i s cinco p a r a breve. Foi ele o p r i m e i r o escritor brasileiro a viver d a liter a t u r a . Todavia, isto o obrigava a d e s d o b r a r - s e em dezen a s de volumes e colaborações p a r a os j o r n a i s . D o t a d o de inegável t a l e n t o literário, e de u m a " i m a g i n a ç ã o escald a n t e " , t i n h a g r a n d e c o n f i a n ç a em si. E foi e s t a — observa José Veríssimo — " q u e lhe impôs a resolução de viver das l e t r a s , c r i a n d o - l h e c o n c o m i t a n t e m e n t e a de u m t r a b a l h a dor m u i t o m a i o r do que, se n ã o o seu t a l e n t o e c a p a c i d a de, o meio p e r m i t i a " . P o r q u e — concluía, com t o d a a razão, o crítico — " u m escritor n ã o produz s o m e n t e do que t e m e m si, por m a i s que s e j a , m a s , e m u i t o , do que recebe do a m b i e n t e em que v i v e " . 2 5 Era, s e m dúvida, n o seu t e m p o , depois d a m o r t e de M a c h a d o de Assis, o p r o s a d o r de m a i o r prestígio, como Bilac e r a o p o e t a m a i s f e s t e j a d o . P o s t e r i o r m e n t e , o Mod e r n i s m o h a v e r i a de c o m b a t ê - l o sem t r é g u a s . Sérgio B u a r que de H o l a n d a chegou m e s m o a dizer que e r a preciso " d e s c o e l h o n e t i z a r " a l i t e r a t u r a brasileira. Nos a n o s 40, 97 prestigiosa revista publicou u m n ú m e r o inteiro sobre o nosso r o m a n c e , e o a u t o r de Turbilhão foi d e l i b e r a d a m e n t e omitido. 2 0 P o s t e r i o r m e n t e , n u m a s e g u n d a edição desse t r a b a l h o , coube a Brito Broca promover o que se poderia c h a m a r a revisão de Coelho Neto. Salientou ele, então, que livros como Miragem, Turbilhão, O Morto e Inverno em Flor, n ã o p o d e m ser desprezados n o q u a d r o da ficção b r a s i l e i r a . 2 7 Agora, escrevendo sobre o r o m a n c e Turbilhão, depõe o crítico Wilson M a r t i n s : A verdade, e n t r e t a n t o , é que Turbilhão pode ser visto como u m a o b r a - p r i m a i n d i s c u tível, n ã o a p e n a s e n t r e os livros de Coelho Neto, mas, a i n d a , e n t r e os r o m a n c e s r e a l i s t a s u n i v e r sais. É u m a obra c e r t a m e n t e m a i s i d e n t i f i c a d a que a de M a c h a d o de Assis com a exist ê n c i a c o t i d i a n a do " n o v o " Rio de J a n e i r o , o Rio de J a n e i r o que se " m o d e r n i z a v a " , nos i n í cios do século X X . 2 8 PROSADORES, CRÍTICOS, E ENSAÍSTAS Além de José Veríssimo e Araripe J ú n i o r , j á citados, m a i s de u m a vez, n e s t a breve r e s e n h a , t a m b é m Sílvio R o mero estava em a t i v i d a d e n e s s a época: produzia b a s t a n t e e podia ser lido com f r e q ü ê n c i a nos j o r n a i s . E m 1901, p o r exemplo, publica seus Ensaios de Sociologia e Literatura, e em 1906, de p a r c e r i a com J o ã o Ribeiro, o Compêndio de História da Literatura Brasileira. De 1909 é o seu livro sem dúvida m a i s violento e i n j u s t o — a s Zeverissimações Ineptas da Critica, ao qual v o l t a r e m o s a nos r e f e r i r . Provocações e Debates t r a z a d a t a de 1910. As Zeverissimações Ineptas da Crítica m e r e c e m u m c o m e n t á r i o especial. Essa briga, ao que p a r e c e , teve o r i g e m no discurso de recepção a Euclides da C u n h a n a A c a d e m i a , p r o n u n c i a d o pelo crítico sergipano. Ao lado de r e f e r ê n c i a s encomiásticas e i n t e i r a m e n t e descabidas, por i n o p o r t u n a s , a Tobias B a r r e t o , o o r a d o r destilou, n a s e n t r e l i n h a s , u m a i n f i n i d a d e de p e r f í d i a s c o n t r a José Veríssimo. 98 A recepção de Euclides se deu aos 18 de dezembro de 1906. E j á em 1907 a s o f i c i n a s do Comércio do Porto ( a s m e s m a s que, dois a n o s depois, irão l a n ç a r as Zeverissimações), e d i t a m u m folheto, com u m a t a r j a v e r d e - a m a r e l a , r e p r o d u z i n d o o discurso de R o m e r o . Esse f o l h e t o t r a z a s e g u i n t e dedicatória, escrita n u m estilo que p r o c u r a v a i m i t a r , d e f o r m a n d o - o , o do seu desafeto, e c o n s t i t u í a , s e m dúvida, a m a i o r d a s provocações: Ao Sr. José Veríssimo, o f a m o s o crítico t e r r a a t e r r a , que j a m a i s teve, certo, a o u s a d i a d e f o r m u l a r d u a s idéias teóricas; que a i n d a n ã o se e m a n c i p o u do ridículo preconceito de dividir os escritores brasileiros em dois g r u p o s — os d a s províncias, que n a d a valem, e os da Capital, que v a l e m t u d o ; que, p o r isso mesmo, é, acaso, o ídolo de t o d a s as mediocridades; ao Sr. José Veríssimo, que m e r e c e considerado, por v e n t u r a , o m a i s abalizado, s e n ã o quiçá o m a i s e s f o r çado e, p u d e r a dizer, o m a i s c o n s t a n t e , resoluto e talvez, em r e g r a , o m e n o s despercebido, ao que se pode supor, dos discípulos e c o n t i n u a dores de V a l e n t i m M a g a l h ã e s n o d e s p e j a d o e m p e n h o de d e n e g r i r , e, q u e m sabe se t a m b é m c o n s p u r c a r , a m e m ó r i a de Tobias B a r r e t o ; ao d i p l o m á t i c o José — t e n h o sobejos motivos p a r a o f e r e c e r e c o n s a g r a r este livrinho, e, por m a i o r realce, o f a ç o j o s é v e r i s s i m a m e n t e n o i n c o m p a rável estilo que m e r e c e a d m i r a d o p o r séculos sem c o n t a . . . 20 Veríssimo, colega de A c a d e m i a de Romero, v e n d o - s e assim p e r f i d a m e n t e a t a c a d o , escreveu c o n t r a o seu a d v e r sário u m longo artigo, publicado n o livro Que é Literatura? e outros escritos. E s t á v a m o s , a i n d a , n a época d a s p o l ê m i cas, e Romero, e n t ã o , voltou à c a r g a , com as ZeverissimaÇões Ineptas da Critica ( R e p u l s a s e D e s a b a f o s ) , u m f o l h e to de c e n t o e p o u c a s p á g i n a s , impresso em 1909, como j á vimos, p e l a s o f i c i n a s do Comércio do Porto. Responsabilizando Veríssimo por várias histórias ou insinuações maldosas que corriam a seu respeito, inclusive 99 a de que, a p e s a r de g r a n d e e n t u s i a s t a da c u l t u r a g e r m â nica, n ã o sabia alemão, R o m e r o investe c o n t r a seu colega p a r a e n s e , c h a m a n d o - l h e , e n t r e o u t r a s amabilidades, " p a t u r e b a de Belém", " S a i n t e - B e u v e peixe-boi", etc. Nesse t e r r e n o n ã o o a c o m p a n h o u Veríssimo. E o livro de R o m e r o t e r i a ficado sem resposta, se, em d e f e s a do a u t o r de Cenas da Vida Amazônica, n ã o tivesse saído em c a m p o u m jovem escritor do Recife — A. B a n d e i r a d e Melo. E m vários artigos, publicados no Jornal Pequeno, da c a p i t a l p e r n a m b u c a n a , em dezembro de 1910 e j a n e i r o de 1911, desancou ele de r i j o o discípulo de Tobias, p o n d o à m o s t r a os p o n t o s em que, n o virulento a t a q u e , o crítico s e r g i p a n o d e i x a r a os f l a n c o s a descoberto. Esses artigos, aos quais se a c r e s c e n t a r a m a l g u n s o u tros, de a d m i r a d o r e s de Veríssimo, f o r a m depois r e u n i d o s n u m p e q u e n o volume, " e d i ç ã o de a l g u n s amigos", sem d a t a , sob o título A Morte da Polidez (A propósito d a s Zeverissimações i n e p t a s do Sr. Sílvio R o m e r o ) . O título, de duplo sentido, c o n t é m u m a i n s i n u a ç ã o a o u t r a m o r t e , h a v i a t e m p o s d e c r e t a d a por R o m e r o — a da M e t a f í s i c a — e m r u m o r o s a defesa de tese, n a F a c u l d a d e de Direito do Recife. O m a i s i n t e r e s s a n t e é que o seu a u t o r , aquele desconhecido A. B a n d e i r a de Melo, o u t r o n ã o e r a s e n ã o u m j o r n a l i s t a que e n s a i a v a o vôo, e depois h a v e r i a de g r a n j e a r r e n o m e e prestígio em todo o Brasil: Assis C h a t e a u b r i a n d , c u j o n o m e completo era F r a n c i s c o de Assis C h a t e a u b r i a n d B a n d e i r a de Melo. Vários outros escritores, além do t r i u n v i r a t o f o r m a d o por Araripe J ú n i o r , Silvio R o m e r o e José Veríssimo, se dedicavam à crítica, ou se o c u p a v a m de livros n a s colun a s que m a n t i n h a m nos jornais. Medeiros e Albuquerque, por exemplo, sob o p s e u d ô n i m o J . dos Santos, a s s i n a v a em A Notícia u m a " C r ô n i c a L i t e r á r i a " , d i s f a r ç a n d o , t a m bém, à s vezes, o próprio n o m e com o de R u f i ú f i o S i n g a p u r a . Sua coluna era, de f a t o , u m a crônica literária, e n ã o crítica, no sentido rigoroso do t e r m o , o c u p a n d o - s e ele de livros que v e r s a v a m os m a i s d i f e r e n t e s assuntos, desde Contrastes e Confrontos, de Euclides da C u n h a , a t é a Estrutura do Cilindro-Eixo, de B r u n o Lobo, e a Expulsão de Estrangeiros (a propósito do D e c r e t o n.° 164, de 7-11907), de L a c e r d a de Almeida. 100 C o n s t â n c i o Alves, com f i n u r a e malícia, m a n t i n h a n o Jornal do Commercio a s u a coluna " D i a a D i a " (depois s u b s t i t u í d a por " A S e m a n a " ) , a s s i n a n d o os a r t i g o s c o m a s iniciais C. A., que os m e n o s avisados a t r i b u í a m a C a p i s t r a n o de Abreu. J ú l i a Lopes de Almeida e n t r e t i n h a o s leitores de O País com s u a s colaborações que s a í a m e n c i m a d a s pelo título "Dois dedos de p r o s a " . Escrevendo, t a m b é m , u m a crônica l i t e r á r i a o n d e se ocupava, e m geral, de livros r e c e n t e m e n t e aparecidos, A r t u r Azevedo, com a s iniciais A. A., assinava, n o m e s m o O País, a c o l u n a " P a l e s t r a " . Sob os p s e u d ô n i m o s de José e de Jóe, P a u l o B a r r e t o ( J o à o do Rio) s u s t e n t a v a , n a Gazeta de Notícias, u m a seção de impressões de l e i t u r a : a " p e q u e n a c r ô n i c a de l e t r a s " , depois, n a t u r a l m e n t e por i n f l u ê n c i a de u m a nova a r t e que c h e g a v a ao Brasil, m u d a d a p a r a " C i n e m a t ó g r a f o " , t í t u l o que daria, m a i s tarde, a u m v o l u m e de crônicas. U m a d a s c o l u n a s m a i s prestigiosas, n a época, e r a o " R e g i s t r o " , de Olavo Bilac, em A Notícia, a s s i n a d o B. Ali publicou ele c o m e n t á r i o s sobre diversos p o e t a s brasileiros, como Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu e R a i m u n d o Correia, ao que p a r e c e a i n d a n ã o r e u n i d o s em livro. C h a m a v a - s e " C o t a s aos Casos" a - c o l u n a d o Conde de Afonso Celso (A. C.) no Jornal do Brasil. J o ã o I t i b e r ê d a C u n h a , com o p s e u d ô n i m o de JIC, s u b s t i t u í r a José Veríssimo como crítico do Correio da Manhã, s a i n d o os seus artigos sob a rubrica " S e m a n a Literária".30 C a r m e m Dolores (Emília Moncorvo B a n d e i r a de Melo) o c u p a v a boa p a r t e d a p r i m e i r a p á g i n a d a edição d o m i n i cal d ' 0 País com a s u a c o l u n a " A S e m a n a " , escrevendo, n ã o r a r o , sobre livros. Seria s u b s t i t u í d a , e m 1911, p o r G i l b e r t o Amado, e n t ã o r e c é m - c h e g a d o ao Rio, o q u a l lhe dedicou seu p r i m e i r o artigo, e m 21 de agosto desse mesmo ano. E s p a n t o s a e r a a a t i v i d a d e de Carlos de Laet, que nesse período se d e s d o b r a v a e m colaborações p a r a o Jornal do Brasil e O País, p a r a o n d e t r a n s f e r i r a a seção " M i c r o cosmo", p o r ele c r i a d a n o Jornal do Commercio. Monarquista e católico, o c u p a v a - s e n ã o só de a c o n t e c i m e n t o s políticos e religiosos, m a s t a m b é m de livros aparecidos, e n volvendo-se, f r e q ü e n t e m e n t e , em polêmicas que t o m a v a m 101 u m t o m pessoal e desabusado. Foi p u b l i c a d a em O Pais (Microcosmo), de 10-5-1908, s u a crônica sobre o 13 de maio, n a qual, com m a l d i s f a r ç a d a emoção, nos descreve, v i n t e a n o s depois, o que foi a votação da Lei Á u r e a n o S e n a d o , onde ele era e n t ã o r e d a t o r de debates. Além desses, caberia c i t a r Alcindo G u a n a b a r a , que e m 1902 publicou A Presidência Campos Sales. Mas, como observa Astrojildo P e r e i r a , " e l e era s o b r e t u d o u m j o r n a lista e o m e l h o r do que escreveu p e r m a n e c e n a s f o l h a s dos j o r n a i s a u e redigiu". J o r n a l i s t a era t a m b é m o p o r t u guês E d u a r d o S a l a m o n d e , p r i n c i p a l r e d a t o r d ' 0 País, " e v a n g e l i s t a da d i t a d u r a " , o " C a m i l l e Desmoulin do 93 brasileiro", como dele escreveu J o a q u i m Nabuco. 31 Bem d i f e r e n t e de ambos, J o ã o Ribeiro, p e n s a d o r , c r í tico e ensaísta, em 1905 publica Páginas de Estética; em 1908. Frases Feiias, e em 1910, Fabordão. Preocupados, t a m bém, com p r o b l e m a s de linguagem, e r e a g i n d o c o n t r a o " e n s i n o cerebrino, m a s em geral tido por autorizado", de Cândido de Figueiredo e outros (como diria m a i s t a r d e Sousa da Silveira), surgem a u t o r e s como Mário B a r r e t o , c u j o s Estudos da Língua Portuguesa são de 1903, depois desdobrados em vários volumes, a p a r e c i d o s n a s d é c a d a s seguintes; Heráclito G r a ç a (tio de G r a ç a A r a n h a ) , que em 1904 nos dá os Fatos da Linguagem, ainda hoje citado pelos estudiosos do idioma; e Manoel Said Ali I d a , que no volume Dificuldades da Língua Portuguesa, de 1908, esclarece, com base científica, vários e i n t r i n c a d o s p r o b l e m a s filológicos. De 1905 são t a m b é m os dois livros de F a r i a s Brito — A Verdade como Regra das Ações e Evolução e Relatividede. Como disse Alceu Amoroso Lima, F a r i a s Brito, q u e disputou com Euclides da C u n h a a c a d e i r a de Lógica do Colégio Pedro II, iniciou n o Brasil " a r e a ç ã o c o n t r a o n a t u r a l i s m o filosófico, e foi a g r a n d e voz que se a b r i u e n t r e nós. em favor de u m a nova filosofia do espírito, que ia ser r e p u d i a d a pelos seus c o n t e m p o r â n e o s e c o m p r e e n d i d a a p e n a s pela geração s e g u i n t e " . 3 2 De 1901 são os Escritos e Discursos Literários, de J o a quim Nabuco, que em 1909 n o s d a r i a Pensées Detachées et Souvenirs. T r a z a d a t a de 1908 u m a d a s obras f u n d a m e n - 102 t a i s da nossa h i s t o r i o g r a f i a — D. João VI no Brasil, de Oliveira I / m a , publicado, em dois volumes, pela T i p o g r a f i a do Jornal do Commercio, de Rodrigues & Cia. UM ROMANCE-PANFLETO O a n o de 1909 a s s i n a l a o a p a r e c i m e n t o , n a s l e t r a s brasileiras de u m escritor de t a l e n t o — L i m a B a r r e t o — em q u e m Agrippino Grieco viu " u m n e t o de Gogol". Seu r o m a n c e de estréia, a s Recordações do Escrivão Isaias Caminha, de f u n d o autobiográfico, p r e t e n d e n d o ser a h i s t ó r i a de u m mestiço que, m e d i a n t e a o b t e n ç ã o de u m t i t u l o de doutor, i m a g i n a v a subir n a escala social, e v i n g a r - s e de s u a origem h u m i l d e , t r a n s f o r m o u - s e n u m p a n f l e t o c o n t r a os vitoriosos do m o m e n t o . J á d e n u n c i a n d o u m espírito b e m d i f e r e n t e do d a belle époque, o livro é a n t e s de t u d o u m a s á t i r a ao Correio da Manhã, e n t ã o r e c e n t e m e n t e f u n d a d o . R o m a n c e à clef, a i d e n t i f i c a ç ã o d a s f i g u r a s r e a i s que estão por t r á s dos p e r s o n a g e n s c o n s t i t u i hoje, t a n t o s a n o s decorridos, m e r a curiosidade l i t e r á r i a . Os que se i n t e r e s s a r e m porém, por essa i d e n t i f i c a ç ã o , p o d e r ã o c o n s u l t a r o a r t i g o de F r a n cisco de Assis B a r b o s a — a u t o r da p r i m o r o s a b i o g r a f i a A Vida de Lima Barreto — " A s d u a s c h a v e s do I s a í a s C a m i n h a " , publicado n o S u p l e m e n t o L i t e r á r i o do Diário de Noticias, do Rio, de 20-3-1949. O LIVRO-SÍMBOLO L i m a B a r r e t o , como a c e n t u a m o s , j á a n u n c i a u m novo tipo de l i t e r a t u r a , e e x a t a m e n t e p o r isso t e m sido consid e r a d o u m dos p r e c u r s o r e s do Modernismo. E s t a r e s e n h a — c e n t r a d a n a belle époque — n ã o poderia, assim, t e r m i n a r com u m a r e f e r ê n c i a à s u a obra. Mesmo p o r q u e dois a n o s depois do a p a r e c i m e n t o do Isaías Caminha é que seria publicado o livro talvez m a i s c a r a c t e r í s t i c o dessa f a s e da nossa l i t e r a t u r a . Q u e r e m o s r e f e r i r - n o s a o r o m a n c e A Esfinge, de A f r â n i o Peixoto. L a n ç a d o e m 1911, vale, sobretudo, por u m 103 r e t r a t o d a sociedade b u r g u e s a do Rio de e n t ã o , e ilustra, como n e n h u m a o u t r a de s u a s obras, a concepção do autor, p a r a q u e m a L i t e r a t u r a era " o sorriso d a sociedade". O livro, p a r a a época, ao c o n t r á r i o do que a c o n t e c e u com o de Lima B a r r e t o , foi a u t ê n t i c o best-seller. E nele v a m o s e n c o n t r a r o e m b r i ã o de i n ú m e r a s idéias e trouvailles que o r o m a n c i s t a , e n c a n t a d o com o próprio sucesso, glosaria a t é o fim, em seus escritos posteriores. Nada, p o r exemplo, a nosso ver d e f i n e m e l h o r o " e s pírito" desse livro, t ã o típico do nosso "1900" literário, do que o conceito de Arte exposto por Afrânio, n u m a d e f i nição que, se n ã o tivesse f i c a d o esquecida n o bojo do seu r o m a n c e de estréia, rivalizaria com a s u a f a m o s a opinião a c e r c a d a L i t e r a t u r a : " N o f i m de contas, a Arte era a s s i m u m a espécie de c i g a r r o . . . m o r a l : o o u t r o d i s t r a i u m m o m e n t o , este c o n f o r t a , como refúgio, p a r a s e m p r e " . 104 NOTAS 1 — Broca, Brito. A Vida Literária no Brasil — 1900. 2. a edição. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1960. 2 — Frieiro, Eduardo. "Brito Broca, A Vida Literária no Brasil. 1900 — 275 p. Ilustradas. Serviço de Documentação do Ministério de Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1956." Kriterion, Revista da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais. Belo Horizonte, 39-40: 253-256, J a n . / j u n . 1957. 3 — Ob. cit., p. 262. 4 — Alguns críticos e historiadores literários costumam dar Canaã como aparecido em 1901. A l. a edição não traz indicação de data, quer na capa, quer na folha de rosto. Pelo colofão se verifica, porém, que acabou de imprimir-se, em Paris, em dezembro de 1901. Portanto, só pode ter chegado ao Brasil, e sido exposto à venda, nos primeiros meses de 1902. No exemplar existente n a biblioteca da Casa de Rui Barbosa, lê-se a seguinte dedicatória: "A Ruy Barbosa, lembrança do seu amigo e admirador Graça Aranha. Londres, 30 de março de 1902". 5 — Dantas, San Tiago. Rui Barbosa e o Código Civil. Rio de Janeiro, Casa de Ruí Barbosa, 1949, pp. 7, 8 e 10. « — Apud Lúcia Miguel-Pereira, "Cinqüenta anos de Literatura", Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 15 jun. 1951, uma das edições comemorativas do cinqüentenário do jornal. 7 — Lins, Álvaro. "O Primeiro Crítico do Correio da Manhã", ed. comemorativa cit. 8 — Andrade, Olímoio de Sousa. História e Interpretação de "Os Sertões". 3.a edição, São Paulo, EDART Livraria Editora. 1966, p. 297. 9 — Ibid., p. 296. 10 — Transcrito n a edição do Correio da Manhã de 15 jun. 1951, cit. 11 — Apud António da Gama Rodrigues, Euclides da Cunha, Engenheiro de Obras Públicas no Estado de São Paulo. São Paulo, Edição de Alves Motta Sobrinho, 1956, pp. 94-95. 105 12 — Ibid., pp. 99-100. 13 — Apud Lúcia Miguel-Pereira, art. cit. 14 — Senna, Homero. República das Letras. 2. a edição. Rio de Janeiro, Gráfica Olímpica Editora, 1968, p. 42. 15 — Amado, Gilberto. Grão de Areia. Rio de Janeiro, J a cintho Ribeiro dos Santos Editor, 1919, pp. 20-21. 10 — Mangabeira, João. Rui Barbosa (Discursos e Conferências). Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, 1958, p. 82. « — Apud Brito Broca, ob. cit., pp. 206-207. is _ Andrade, Mário de. Cartas a Manuel Bandeira. Rio de Janeiro, Organização Simões Editora, 1958, p. 349. ia _ Magalhães Jr., R. A Vida Vertiginosa de João do Rio, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, pp. 42-54. 20 _ Rio, João do. O Momento Literário. Rio de J a n e i r o / Paris, H. Garnier Livreiro-Editor, s.d. 21 _ carvalho, Elysio de. .As Modernas Correntes Esthet-c.ns na Literatura Brasileira. Rio de Janeiro/Paris, H. Garnier Livreiro-Editor, 1907. 22 _ Cunha, Euclides da. "A última Visita", reproduzida em Autores & Livros (Suplemento Literário d'A Manhã, Rio de Janeiro) n.° 7, 28 set. 1941, p. 99. 23 _ Apud Brito Broca, ob. cit., pp. 221-222. 24 _ i n : Interpretações. Rio de Janeiro, Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1944, pp. 13-48. 25 veríssimo, José. últimos Estudos de Literatura Prasileira. 7. a série. Belo Horizonte/São Paulo, Editora P a t i a i a Ltda./ Editora da Universidade de São Paulo, 1979, p. 232. 20 _ v . Revista do Brasil, 3. a fase, Ano IV, 35, maio 1941. 27 — Broca, Brito. "Coelho Neto, romancista", in O Romance Brasileiro (de 1752 a 1930). Rio de Janeiro, Edições O Cruzeiro, 1952, pp. 223-243. as _ Martins, Wilson. História da Inteliaência Brasília. Vol. V (1897 — 1914). Editora da Universidade de São Paulo, 1978, p. 316. 20 — Academia Brasileira de Letras. Discurso p-nnuncia^o aos 18 de dezembro de 1906, por ocasião da recepção do Dr. Eucly^es da Cunha, por Sylvio Romero. Porto, Oficinas do Commercio do Porto, 1907. so _ Os dados sobre a atividade jornalística dos escritores citados f o r a m colhidos em Antônio Simões dos Reis B'bVnnrafia da Crítica Literária em 1907 através dos Jornais Cariocas, Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, 1968. si — Nabuco, Joaquim. A Interpretação Estrangeira Durante a Revolta de 1893. São Paulo/Rio de Janeiro. Cia. Edit. Nacional/Civrização Brasileira S.A., 1939, p. 27. 32 _ Apud Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros, sib a direção de Rubens Borba de Moraes e William B 3 r r i e n . Rio de Janeiro, Gráfica Editora Souza, 1949 p 663 106 A LITERATURA INFANTIL NO BRASIL DÉ 1900 A 1910 Laura Constancia Athayäe Austregésilo Sandroni de Com r e l a ç ã o ao desenvolvimento d a l i t e r a t u r a d e s t i n a d a a c r i a n ç a s e j o v e n s n o Brasil, o p r i m e i r o d e c ê n i o do século X X c a r a c t e r i z a - s e por u m a r e a ç ã o n a c i o n a l i s t a ao domínio a t é e n t ã o absoluto de P o r t u g a l . À i m p o r t a ç ã o p u r a e simples de livros e d i t a d o s n a m e t r ó p o l e s u c e d e r a m - s e a t r a d u ç ã o d a s o b r a s de m a i o r sucesso n a E u r o p a e a c r i a ç ã o de livros d e s t i n a d o s à Escola, n u m p o r t u g u ê s j á abrasileirado, que visava a p r o x i m a r a l i n g u a g e m e s crita da falada. O editor Q u a r e s m a que com G a r n i e r e L a e m m e r t f o r m a v a m , n o dizer de L e o n a r d o Arroyo, " a t r i n d a d e dos f o r n e c e d o r e s de livros n o Rio de J a n e i r o " foi o p r i m e i r o a p e r c e b e r a n e c e s s i d a d e de u m a solução p a r a o conflito d a s l i n g u a g e n s oral e escrita que a f a s t a v a o leitor i n f a n til brasileiro d a l i t e r a t u r a i n f a n t i l p r o v e n i e n t e de P o r t u gal. Q u a r e s m a e r a u m editor m u i t o p o p u l a r e " e s s a p o p u l a r i d a d e v i n h a - l h e e x a t a m e n t e da c o m p r e e n s ã o desse p r o b l e m a e de s e u s o n h o de a b r a s i l e i r a r o comércio de l i v r o s " . 1 E n c o m e n d o u e n t ã o a seu a m i g o Figueiredo P i m e n t e l u m a biblioteca e s p e c i a l m e n t e d e s t i n a d a à s c r i a n ç a s brasileiras. I n i c i a d a em 1894 com o título de "Biblioteca I n f a n t i l d a L i v r a r i a do Povo", c o n s t a v a dos s e g u i n t e s v o l u m e s : Contos da Carochinha seguidos e m 1896 de Histórias da Avozinha e Histórias da Baratinha. Essas c o l e t â n e a s de c o n t o s e s t r a n g e i r o s t r a d u z i d o s e m l i n g u a g e m brasileira f i z e r a m e n o r m e sucesso j u n t o ao p ú blico i n f a n t i l . Nos títulos s e g u i n t e s F i g u e i r e d o P i m e n t e l intercalou histórias recolhidas da tradição oral e algumas criações p r ó p r i a s . 109 Nessa ú l t i m a c a t e g o r i a i n c l u e m - s e : Álbum das Crianças, poesias, 1897; Os Meus Brinquedos, folclore, s.d.; Teatrinho Infantil, teatro, 1897; A Queda de um Anjo, 1897; O Livro das Crianças, 1898; Contos do Tio Alberto, s. d. Figueiredo P i m e n t e l r e p r e s e n t a a f a s e inicial d a t r a dução brasileira. A consciência de que o livro t r a d u z i d o em P o r t u g a l j á n ã o i n t e r e s s a v a à c r i a n ç a , c u j a l i n g u a g e m oral adquiria c a d a vez m a i s c a r a c t e r e s próprios. No e n t a n t o , como veremos a seguir pela a n á l i s e de a l g u n s t í t u los, essa n a c i o n a l i z a ç ã o r e f e r e se a p e n a s à á r e a da l i n guagem. Os t e m a s , m e s m o q u a n d o os contos são " o r i g i nais", p e r m a n e c e m pastiches daqueles traduzidos, sem qualquer p r e o c u p a ç ã o de r e t r a t a r a sociedade e os c o s t u mes da c a p i t a l ou da província. Essa s i t u a ç ã o m u d a a p e n a s nos contos recolhidos da t r a d i ç ã o oral s a b o r o s a m e n t e b r a sileiros e no livro Os Meus Brinquedos que a rigor p e r t e n c e à categoria de pesquisa folclórica de que t r a t a r e m o s m a i s adiante. E m Contos da Carochinha, primeiro volume da coleção, diz o a u t o r n a D e d i c a t ó r i a : " S ã o h i s t ó r i a s p a r a c r i a n ças, m a s t o d a s t ê m moral, m u i t o proveitosa, e n s i n a n d o que a ú n i c a felicidade está n a Virtude, e que a alegria só v e m de u m a vida h o n e s t a e s e r e n a " . E a i n d a " E l e m b r a - t e que a vida de f a m í l i a é a ú n i c a feliz, que o lar é o único m u n d o onde se vive bem, onde a Mulher, boa, s a n t a , p u r a , c a r i n h o s a , i m p e r a como r a i n h a " . Na c a p a j á se lia: "Contos da Carochinha, Livro p a r a crianças, c o n t e n d o m a r a v i l h o s a coleção de contos p o p u l a res, m o r a i s e proveitosos de vários países, t r a d u z i d o s u n s e outros a p a n h a d o s d a t r a d i ç ã o oral". No P r e f á c i o c i t a m se f r a g m e n t o s d a crítica: " e x c e l e n t e t r a b a l h o de g r a n d e utilidade p a r a as escolas, porque, ao m e s m o t e m p o que deleita as crianças, i n t e r e s s a n d o - a s com a n a r r a ç ã o de contos m o r a i s m u i t o b e m traçados, lhes d e s p e r t a os s e n t i m e n t o s do Bem, de Religião e de Caridade, p r i n c i p a i s elementos da educação da i n f â n c i a " (Diário de Notícias). R e a l m e n t e os contos a p r e s e n t a d o s , todos s e m i n d i c a ção de a u t o r ou origem, seguem a l i n h a d a n a r r a t i v a oral clássica e s t u d a d a por P r o p p em A Morfologia do Conto. A a n á l i s e de c o n t e ú d o desses contos leva à conclusão de que os objetivos a que se propõe o t r a d u t o r , explicita- 110 dos no prefácio, são a b s o l u t a m e n t e cumpridos, e talvez ficasse a d m i r a d o se a l g u é m n o t a s s e à época que a riqueza v e m s e m p r e associada à vitória do b e m ( F o r t u n a t e m s e m p r e o sentido de felicidade + d i n h e i r o ) . Q u e beleza e riqueza estão j u n t a s n ã o só n a r i m a . F e i ú r a é associada s e m p r e à m a l d a d e (assim como a cor p r e t a ) . E n f i m que todos os preconceitos do a d u l t o estão p r e s e n t e s n o s c o n t o s " m o r a i s e educativos". E m Histórias da Avozinha a m e s m a p r e o c u p a ç ã o e d u c a t i v a no p r e f á c i o do editor: " A s c r i a n ç a s brasileiras, à s q u a i s d e s t i n a m o s e d e d i c a m o s esta série de livros p o p u lares, e n c o n t r a r ã o n a s Histórias da Avozinha agradável p a s s a t e m p o , a l i a d o a lições de m o r a l i d a d e , p o r q u e t a i s contos e n c e r r a m s e m p r e u m f u n d o m o r a l e piedoso". A m a i o r i a d a s n a r r a t i v a s é de origem e s t r a n g e i r a m a s j á a p a r e c e m a l g u m a s recolhidas do folclore brasileiro c o n t a d a s de f o r m a simples e a t r a e n t e . São elas " A O n ç a e o C a b r i t o " que n a d a m a i s é do que " A O n ç a e o Bode" e m s u a p r i m e i r a f o r m a escrita p a r a c r i a n ç a s ; " O M a c a c o e o Moleque" que c o n t a como u m a velha consegue e n g a n a r 0 m a c a c o com u m boneco de c e r a ; " A v e n t u r a s de u m J a b u t i " l o u v a n d o a esperteza desse bicho, h e r ó i de t a n t a s d a s n o s s a s h i s t ó r i a s ; "A O n ç a e a R a p o s a " o n d e m a i s u m a vez se m o s t r a o valor da esperteza c o n t r a a f o r ç a física", " O C á g a d o e o U r u b u " , h o j e m a i s c o n h e c i d a como " A F e s t a no Céu". 1 É i n t e r e s s a n t e v e r - s e a d i f e r e n ç a e n t r e essas h i s t ó r i a s de bichos de i n f l u ê n c i a i n d í g e n a e as de origem e u r o p é i a . E m s u a c r i s t a l i n a simplicidade, a s p r i m e i r a s f a l a m do valor da inteligência, do conflito e n t r e o f o r t e e o f r a c o d e u m a f o r m a m a i s d i r e t a e s a u d á v e l do que a s o u t r a s , o r i g i n á r i a s de povos civilizados, m a r c a d o s p e l a religião c a t ó lica d o m i n a d o r a e todo o s e n t i m e n t o de c u l p a que ela acarreta. Meus Brinquedos é u m t r a b a l h o precioso de p r e s e r v a ção d a s t r a d i ç õ e s brasileiras. T r a t a se d a descrição p o r m e n o r i z a d a dos jogos e c a n t i g a s de r o d a com que b r i n c a v a m as c r i a n ç a s n a s cidades do i n t e r i o r . Aí vemos p o r exemplo " C a r n e i r i n h o , c a r n e i r ã o " , " O chicote queimado", " A c a b r a cega", " B a t e r a s m ã o s " a c o m p a n h a d a de c a n t i g a h o j e q u a s e p e r d i d a . . . " " o g a t o comeu, 111 que é do gato, f u g i u pro m a t o , que é do m a t o , o fogo q u e i m o u " etc. . . . E i n ú m e r a s o u t r a s (167 ao t o d o ) . O livro se divide em Contos de berço, Jogos i n f a n t i s , Jogos de p r e n d a s , S e n t e n ç a s . Na ú l t i m a p a r t e " T e a t r o I n f a n t i l " oito p e q u e n a s p e ç a s p a r a serem r e p r e s e n t a d a s por crianças, filão que F i g u e i redo P i m e n t e l utiliza a i n d a em Teatrinho Infantil. Publicados em f i n s do século X I X esses livros m a r c a r a m as p r i m e i r a s d é c a d a s do século X X b e m como a s t r a duções de Carlos J a n s e n Gaúcho, p r o f e s s o r do Colégio P e d r o I I c u j a a d a p t a ç ã o de 4 s Viagens de Gulliver (1888) mereceu elogios de R u y B a r b o s a . Conhecedor das boas obras literárias, t r a d u z i u o que h a v i a de m e l h o r p a r a o público juvenil como u m volume d a s Mil e uma Noites (1882), Robinson Crusoé (1885), Aventuras Pasmosas do Barão de Munchhausen (1891), D. Quixote de La Mancha (1901). As obras da Condessa de Ségur t a m b é m e r a m m u i t o lidas nos primeiros a n o s deste século em t r a d u ç õ e s de A b r a n c h e s Lobo (Os Desastres de Sofia) Antônio Luís T e i xeira M a c h a d o (As Férias e As Meninas Exemplares) e f a z i a m p a r t e da f a m o s a "Biblioteca Rosa I l u s t r a d a " . Além dessas t r a d u ç õ e s " b r a s i l e i r a s " e r a m sucesso a i n d a a "Biblioteca da I n f â n c i a " com n a r r a t i v a s de Vitor Hugo e Alphonse D a u d e t , a "Biblioteca da J u v e n t u d e " t a m b é m de a p r e s e n t a ç ã o g r á f i c a u n i f o r m e o n d e ao l a d o de clássicos t r a d u z i d o s a p a r e c i a m a u t o r e s p o r t u g u e s e s . Literatura Escolar Segundo L e o n a r d o Arroyo " O s professores do f i m do século X I X e começos do século X X p e r c e b e r a m , as m a i s d a s vezes, que a l e i t u r a dos clássicos de v á r i a s l í n g u a s era c o n s i d e r a v e l m e n t e p e s a d a p a r a as c r i a n ç a s . Se n ã o foi essa razão, pode-se a p o n t a r o próprio desenvolvimento pedagógico como c a u s a do a p a r e c i m e n t o dos livros de leit u r a p a r a as escolas, s u b s t i t u i n d o p r o p r i a m e n t e u m a l i t e r a t u r a i n f a n t i l , de que r a r a s sensibilidades n o Brasil e n t ã o cogitavam. E s t a nova o r i e n t a ç ã o pedagógica seria logo bem e n t e n d i d a por professores e p r o f e s s o r a s n a c i o n a i s " . 112 José Veríssimo em A Educação Nacional, p u b l i c a d o e m 1906, preconiza que u m a d a s r e f o r m a s m a i s u r g e n t e s é " a do livro de l e i t u r a " a c r e s c e n t a n d o ser necessário que " e l e s e j a m a i s brasileiro, n ã o só feito por brasileiros que n ã o é o m a i s i m p o r t a n t e , m a s brasileiro pelos assuntos, pelo espírito, pelos a u t o r e s t r a n s l a d a d o s , pelos p o e t a s r e p r o d u zidos e pelo s e n t i m e n t o n a c i o n a l que os a n i m e " . 3 Olavo Bilac é o m a i o r exemplo da L i t e r a t u r a Escolar n o Brasil. Ao cultivar s e n t i m e n t o s n a c i o n a l i s t a s e l i b e r t á rios em s u a obra, c o n t r i b u i u d e c i s i v a m e n t e p a r a o a b r a s i l e i r a m e n t o do livro de l e i t u r a no início deste século. Seus dois p r i m e i r o s livros p a r a c r i a n ç a s Contos Pátrios e Poesias Infantis f o r a m escritos em 1896. A d a t a d a 2. a edição i m p r e s s a em P a r i s é de 1906. J á Teatro Infantil é de 1905, Através do Brasil em colaboração com Coelho N e t o d a t a de 1911. E x a m i n e m o s u m de seus livros que p a s s a m o s a a n a lisar. Através do Brasil feito em colaboração com M a n u e l B o n f i m , e d i t a d o p e l a L i v r a r i a F r a n c i s c o Alves em 1910, t e m n a c a p a d a d o s objetivos que o c o n f i g u r a m como livro didático. Ao alto lê-se " P r á t i c a d a L í n g u a P o r t u g u e s a " . Abaixo do t í t u l o em l e t r a s g r a n d e s vê-se e n t r e p a r ê n t e s e s : (narrativas). E m s e g u i d a : " L i v r o de l e i t u r a p a r a o Curso Médio d a s escolas p r i m á r i a s " . " D e p o i s dos n o m e s dos a u t o r e s a i n f o r m a ç ã o : " L i v r o de uso a u t o r i z a d o pelo Ministério d a E d u c a ç ã o (registro n.° 1570)". Na a b e r t u r a " A d v e r t ê n c i a e Explicação" os a u t o r e s s i t u a m o livro como " u m a simples n a r r a t i v a , a c o m p a n h a d a dos c e n á r i o s e c o s t u m e s m a i s distintivos d a vida b r a s i l e i r a " e colocam s u a s idéias sobre a " m o d e r n a p e d a g o g i a " e o uso do livro único de l e i t u r a p a r a o curso d a Escola Primária. D i s t i n g u i n d o e n t r e o livro único e a enciclopédia, diz e m : " C o m o f o n t e de c o n h e c i m e n t o , a v e r d a d e i r a enciclop é d i a do a l u n o n a s classes e l e m e n t a r e s é o professor. É ele q u e m e n s i n a , é ele q u e m p r i n c i p a l m e n t e deve levar a c r i a n ç a a a p r e n d e r por si m e s m a , isto é: a p ô r em, c o n t r i buição t o d a s a s s u a s e n e r g i a s e c a p a c i d a d e s n a t u r a i s , de 113 m o d o a adquirir os c o n h e c i m e n t o s m e d i a n t e u m esforço próprio". Vê-se por aí que as noções pedagógicas dos a u t o r e s eram bem modernas. Dizem a i n d a : " A l é m de servir de o p o r t u n i d a d e p a r a que o professor possa realizar as s u a s lições, o livro de leitura deve conter em si m e s m o u m a g r a n d e lição. E s t a mos certos que a criança, com a s u a simples l e i t u r a , j á l u c r a r á a l g u m a cousa; a p r e n d e r á a c o n h e c e r u m pouco o Brasil; t e r á u m a visão, a u m t e m p o geral e concreta, d a vida brasileira — a s s u a s gentes, os seus costumes, a s suas paisagens, os seus aspectos distintivos". E m a i s a d i a n t e : " S u s c i t a r a coragem, h a r m o n i z a r os esforços e cultivar a bondade, — eis a f ó r m u l a de e d u c a ção h u m a n a " . E esta proposta é desenvolvida de f o r m a p e r f e i t a n o s p r i m e i r o s dois terços do livro. A t r a m a é simples. Dois garotos irmãos, u m de quinze anos o u t r o de dez e s t ã o i n t e r n o s em u m colégio de Recife. O pai viúvo, e n g e n h e i r o , h a v i a sido m a n d a d o p a r a o interior de P e r n a m b u c o a f i m de t r a b a l h a r n a c o n s t r u ç ã o de u m a e s t r a d a de f e r r o . O início da ação é m o t i v a d a pela c h e g a d a de u m t e l e g r a m a a n u n c i a n d o doença do pai. M u i t o a p e g a d o s a ele, os m e n i n o s n ã o vêm o u t r a solução s e n ã o f u g i r do colégio e, sem d i n h e i r o ou auxílio de q u e m quer que seja, i n i c i a m u m a g r a n d e viagem p a r a e n c o n t r á - l o . As a v e n t u r a s que ocorrem a t é a c h e g a d a a G a r a n h u n s o n d e s a b e m de s u a morte, e em seguida a ida a t é Salvador e daí a P e l o t a s no Rio G r a n d e do Sul são descritos n a s 299 p á g i n a s do livro. Algumas posições dos a u t o r e s f i c a m b e m c l a r a s n o desenrolar da n a r r a t i v a . O conceito da c r i a n ç a m i n i a t u r a do h o m e m , por exemplo, j á que os m e n i n o s são p e r f e i t a m e n t e capazes de t o m a r decisões e e n f r e n t a r d i f i c u l d a d e s de f o r m a a d u l t a . A idéia de que o h o m e m do i n t e r i o r é bom e generoso: t o d a s as pessoas que os dois e n c o n t r a m c o m p a d e c e m - s e deles e lhes o f e r e c e m comida, abrigo e às vezes a t é dinheiro. Nessa p r i m e i r a p a r t e a t r a v é s d o s e r t ã o a pé, a cavalo ou de t r e m , a n a r r a t i v a s u r p r e e n d e pelo g r a n d e interesse que d e s p e r t a . A prosa é simples m a s com f r e q ü e n t e s p a s s a g e n s poéticas. " O s t r ê s c o m p a n h e i - 114 r o s q u a n d o a c o r d a r a m v i r a m o casebre i n u n d a d o de luz. E r a em o u t u b r o ; e nesse m ê s o sol a p a r e c e m a i s cedo. S e r i a m seis h o r a s d a m a n h ã e j á f a z i a dia claro. A p o r t a do r a n c h o f i c a r a a b e r t a , e u m a l a r g a t o a l h a de c l a r i d a d e e n t r a v a , e s t e n d e n d o - s e a t é o couro". T o d a s a s ocasiões são a p r o v e i t a d a s p a r a a t r a n s m i s s ã o de i n f o r m a ç õ e s . C a d a pessoa e n c o n t r a d a exerce u m a p r o fissão d i f e r e n t e e descreve o que f a z ou m e s m o leva os meninos a visitarem o engenho, a ferraria, a fazenda. P a r t i c i p a m de c a ç a d a , pescaria, b a n h o de rio. P e r d e m - s e n a f l o r e s t a , u m a m i g o é t o m a d o por l a d r ã o e preso. E n f i m mil peripécias que envolvem o leitor m a n t e n d o - o em p e r m a n e n t e e x p e c t a t i v a e n q u a n t o o a u t o r vai t r a n s m i t i n d o situações brasileiras, a m b i e n t e s brasileiros, a l m a brasileira. REAÇÃO E FOLCLORE Essa b u s c a dos valores n a c i o n a i s que desde o i n d i a n i s m o de Gonçalves Dias ou m a i s r e m o t a m e n t e a i n d a d e S a n t a Rita Durão fazia-se sentir na literatura brasileira começa pois, e m f i n s do século X I X , começo do século X X , a atingir a literatura especialmente produzida p a r a crianças e jovens. O folclore é s e m p r e e em t o d a p a r t e f o n t e inesgotável de i n s p i r a ç ã o p a r a escritores; e o folclore brasileiro a p r e s e n t a - s e p a r t i c u l a r m e n t e rico. M i s t u r a de t r a d i ç õ e s p o r t u guesas, t r a z i d a s pelos colonizadores, com a m i t o l o g i a i n d í g e n a a u t ó c t o n e , e n r i q u e c i d a a i n d a pela c o n t r i b u i ç ã o a f r i c a n a e x t r e m a m e n t e viva n a r a z ã o d i r e t a da p r ó p r i a f a l t a de l i t e r a t u r a escrita. Seu estudo iniciou-se pelo r e c o l h i m e n t o d a n a r r a t i v a oral. O c o n t o e o verso p o p u l a r d e s p e r t a m p r i m e i r o o i n teresse de escritores como Celso de M a g a l h ã e s , José de Alencar, P e r e i r a da Costa, G e n e r a l Couto de M a g a l h ã e s ou de e s t r a n g e i r o s como H e r b e r t H. S m i t h e C h a r l e s F r e derik H a r t t . E m seguida os estudiosos do t e m a o n d e se d e s t a c a m N i n a Rodrigues, Sílvio Romero, J o ã o Ribeiro, G u s t a v o Barroso, A r t u r R a m o s , Edison Carneiro, Silva Campos, C â m a r a Cascudo e Basílio M a g a l h ã e s . 115 A i m p o r t â n c i a da l i t e r a t u r a oral p a r a a s c r i a n ç a s n u m país o n d e a p e n a s u m a p e q u e n a elite c u l t u r a l d o m i n a v a o código escrito é fácil de se i m a g i n a r . Os d e p o i m e n t o s de nossos escritores e m seus livros de m e m ó r i a s m o s t r a m o quanto a figura da a m a importou n a formação cultural e desenvolveu a i m a g i n a ç ã o . Alguns deles c h e g a r a m a t r a n s crever, m a i s t a r d e , essas h i s t ó r i a s ouvidas n a i n f â n c i a , como José Lins do Rego em Estórias da Velha Totônia. A p r i m e i r a pessoa n o e n t a n t o a descobrir esse filão e usá-lo de f o r m a d i r e t a m e n t e d e s t i n a d a à c r i a n ç a foi a p r o f e s s o r a e musicista m i n e i r a Alexina de M a g a l h ã e s P i n to (1870-1921). Nascida em São J o ã o dei Rei ocupou por concurso as c a d e i r a s de D e s e n h o e C a l i g r a f i a d a Escola N o r m a l . Aos 22 a n o s v i a j o u sozinha p a r a P a r i s . De lá, a l é m dos estudos feitos em Pedagogia e Didática, t r o u x e u m a bicicleta e a r o u p a p a r a o ciclismo o que lhe valeu viva r e p r o v a ç ã o dos c o n t e m p o r â n e o s . E m 1895, j á n o Rio de J a n e i r o , cursou a Escola N o r m a l e ocupou, como a d j u n t a , u m a c á t e d r a n e s s a Escola. Estudiosa do folclore b r a s i leiro, realizou várias pesquisas e s p e c i a l m e n t e sobre b r i n quedos e jogos i n f a n t i s . Colaborou com a s s i d u i d a d e n o Almanaque Brasileiro Garnier dirigido por J o ã o Ribeiro. Foi a p r i m e i r a e d u c a d o r a brasileira a p r e o c u p a r - s e em divulgar u m a r e l a ç ã o de livros recreativos por f a i x a s e t á r i a s com o título "Esboço provisório de u m a biblioteca i n f a n t i l " incluída no livro Provérbios, Máximas e Observações Usuais. Pioneira no uso da literatura oral e outras formas de cultura popular à pedagogia, insurgiu-se contra a cartilha soletrada experimentando, pela primeira vez no Brasil, um processo que depois se chamou "método global" de alfabetização. Publicou os s e g u i n t e s livros: Ás Nossas Histórias, 1907; Os Nossos Brinquedos, contribuição p a r a o folclore, 1909; Cantigas das Crianças e do Povo e Danças Populares, 1916; Provérbios Papulares, escolhidos p a r a uso d a s escolas p r i márias, 1917; Cantigas das Crianças e dos Pretos, s. d.; Deixou inéditos: " H i s t ó r i a s C o n t a d a s " e " P o e s i a s e Hinos Patrióticos". Alexina de M a g a l h ã e s P i n t o r e p r e s e n t a aqui a i m p o r t â n c i a do folclore p a r a o a p a r e c i m e n t o de u m a l i t e r a t u r a 116 i n f a n t i l brasileira. As Nossas Histórias publicado sob o p s e u d ô n i m o de I c k s n a Coleção com o m e s m o n o m e d e m o n s t r a m a seriedade c o m que a a u t o r a - e d u c a d o r a e n c a r a v a s u a s pesquisas. Diz ela n a N o t a P r e l i m i n a r : " . . . foi dessas, dos seus lábios adoráveis — m u s e u vivo d a s t r a dições h u m a n a s — que ouvidas f o r a m e r e g i s t r a d a s , as h i s t ó r i a s deste livrinho — desigual, falho, m a s fiel. Fiel n a s u a essência, a f i r m o - o aos estudiosos, do n o s s o lore. Pois, n ã o o b s t a n t e d e s t i n a r - s e ela à i n f â n c i a , procurei, m e s m o aqui, seguir de p e r t o c a d a n a r r a d o r n o seu c o n t a r , — e m e n d a r ou s u p r i m i r o m í n i m o possível". E n o apêndice como " O b s e r v a ç ã o " : " D e s t a s Nossas H i s t ó r i a s a p e n a s t r ê s ou q u a t r o m e p a r e c e m de origem brasileira. C a r r i c h i n h o , B e i j a - F l o r , Sapo e M u l a R u a n a . (E s ê - l o - ã o ? ) . T o d a s a s o u t r a s , como v e r á o leitor, ou são m e r a s v a r i a n t e s d a s j á r e g i s t r a d a s nos livros p o r t u g u e s e s , ou c o n t ê m e m si expressões que n o s r e v e l a m c l a r a m e n t e a s u a origem u l t r a m a r i n a . N a s a d a p t a ç õ e s que vão consc i e n t e m e n t e i n d i c a d a s n o índice f i n a l , p a r a o q u a l c h a m o a a t e n ç ã o dos estudiosos, usei de a m p l a liberdade. N a s que d i r e t a m e n t e coligi, porém, p r o c u r e i n a m e d i d a do possível a t e r - m e à l i n g u a g e m dos n a r r a d o r e s — s ó b r i a s de p r o n o m e s c o m p l e m e n t o s , de a n á l i s e i n t r o s p e c t i v a ; — t o d a c o n c r e t a , objetiva, pitoresca. Se m e detive u m pouco mais, foi a p e n a s em p r e c i s a r - l h e s os esboços. U m a ú n i c a vez fiz u m acréscimo. Deste, e do m a i s que aos e s c r u p u l o sos pode i n t e r e s s a r , d a r ã o c o n t a a s n o t a s que se seguem". S e n d o t a m b é m musicista, os c o n t o s recolhidos por Alexina são enriquecidos com a p a r t i t u r a d a s p a r t e s c a n tadas tão comuns n a s n a r r a t i v a s populares. E m Nossos Brinquedos a m ú s i c a ocupa p a r t e m u i t o i m p o r t a n t e e à a u t o r a se deve o registro de m u i t o s t e m a s p o p u l a r e s r e c r i a d o s m a i s t a r d e por Villa Lobos. O u t r o a s p e c t o i n t e r e s s a n t e do livro são a s a d i v i n h a s , c h a r a d a s e provérbios por longo t e m p o u s a d o s nos e n t r e t e n i m e n t o s de salão. Cantigas das Crianças e do Povo e Danças Populares t r a z n a d e d i c a t ó r i a inicial " À s c r i a n ç a s " : " E n t o a direitin h o essas c a n t i g a s . E se de o u t r a s t ã o simples como essas souberes os versinhos, m a n d a i - o s com o nosso endereço, o e n d e r e ç o de q u e m a p r e n d e s t e s , a q u e m t r a b a l h a p o r v e r - 117 vos c a d a dia m a i s alegres, m a i s fortes, m a s n o b r e s pelo s e n t i m e n t o e pelo s a b e r . . . " E m seguida u m a " N o t a J u s t i f i c a t i v a aos estudiosos e aos educadores", que é n a r e a l i d a d e u m e n s a i o (6 p á g i n a s ) sobre o t r a b a l h o que desenvolvia com a descrição p o r m e norizada dos métodos que e m p r e g a v a . O livro é dividido em cantigas, c a n t i g a s dos pretos, c a n t i g a s e d a n ç a s , coret o s de mesa, coretos de b a n d o de r u a , c a n t i g a s jocosas, c a n t i g a s históricas, regionais e p a t r i ó t i c a s . Todos com a i n f o r m a ç ã o do l u g a r de onde provêm. H á a i n d a u m a p ê n d i c e com n o t a p r e l i m i n a r o n d e se lê: " A p r o v e i t a r m o s essa idade p a r a f i r m a r a c r i a n ç a , p r i m e i r o nos nossos s e n t i m e n t o s , depois, n a s p r ó p r i a s p e r n a s , que a n t e s de a n d a r sabe s e n t i r a c r i a n ç a " . . . " P o s s a m ao m e n o s as sãs tradições n a c i o n a i s m e r e c e r dos lares brasileiros, dos nossos h o m e n s do m o m e n t o , o que dos l a r e s alemães, dos dirigentes da a g r e g a ç ã o e u n i f i c a ç ã o dos povos da G e r m â n i a , lhes m e r e c e m e m e r e c e m a s deles — apoio, c a r i n h o , a m o r . . . algo m a i s que u m sorriso". Pela seriedade de seu t r a b a l h o e pelo a m o r que dedicou às c r i a n ç a s em sua vida e por sua obra, Alexina de M a g a l h ã e s P i n t o coloca-se e n t r e os m a i s i m p o r t a n t e s f u n d a d o res de nossa l i t e r a t u r a i n f a n t i l . O TICO-TICO Como vimos, a l i t e r a t u r a oral exercia n o período est u d a d o e n o r m e i n f l u ê n c i a e era o " i n s t r u m e n t o lúdico e i n s t r u t i v o por excelência da c r i a n ç a d a do Brasil". 4 Assim o a p a r e c i m e n t o de j o r n a i s dedicados ao p ú blico i n f a n t i l d e s p e r t o u o i m e d i a t o interesse do j o v e m leitor e m a r c o u v i g o r o s a m e n t e u m período n a l i t e r a t u r a i n f a n t i l brasileira. E m quase todos os estados s u r g i r a m j o r n a i s d u r a n t e o século X I X e L e o n a r d o Arroyo fez deles estudo minucioso.5 O a p a r e c i m e n t o de O Tico-Tico n o dia 11 de o u t u b r o de 1905 veio p o r t a n t o de e n c o n t r o a u m a necessidade de l e i t u r a j á c o m p r o v a d a pelas experiências e s t a d u a i s e, por seu p l a n e j a m e n t o e organização profissionais, t o r n o u - s e logo sucesso de público. 118 D u r a n t e meio século foi l e i t u r a o b r i g a t ó r i a d a s c r i a n ças b r a s i l e i r a s e exerceu p r o f u n d a i n f l u ê n c i a s e g u n d o d e p o i m e n t o s c o n s t a n t e s dos i n t e l e c t u a i s e h o m e n s públicos d a q u e l a geração. F u n d a d a pelo j o r n a l i s t a m i n e i r o Luís B a r t o l o m e u de Sousa e Silva s e g u n d o m o d e l o s a m e r i c a n o s , f r a n c e s e s e ingleses, a revista r e u n i u os m e l h o r e s d e s e n h i s t a s da época. Lá t r a b a l h a r a m R e n a t o de Castro, Luís G o m e s L o u reiro, Alfredo Storni, M a x Y a n t o k , Angelo Agostini, J . Carlos e outros. De início a idéia e r a f a z e r u m a revista i n f a n t i l i m i t a n d o os modelos e s t r a n g e i r o s . A i r r u p ç ã o d a g u e r r a de 1914 p r e j u d i c o u a f o r m a inicial o que possibilitou o a p a r e c i m e n t o do v e r d a d e i r o t a l e n t o dos a r t i s t a s n a c i o n a i s . O d e p o i m e n t o de Luís G o m e s Loureiro a R e j a n e C a r v a l h o de F r a n ç a 0 é dos m a i s i n t e r e s s a n t e s e elucidativos. Diz ele: " Q u a n d o eu e n t r e i p a r a O Tico-Tico, ele j á existia h á dois anos. Lá e n c o n t r e i v e t e r a n o s n o m u n d o do j o r n a l i s m o , como José Lopes dos Reis, o p o e t a Luís Pistarilho, R e n a t o de Castro, Leônidas, S t o r n i e o u t r o s . . . Recebi então, i n c u m b ê n c i a de copiar u m a revista a m e r i c a n a c u j o n o m e era The New York Herald. Com a g u e r r a , t o r n o u - s e difícil a v i n d a de originais d e s t a r e vista e eu passei a d e s e n h a r os p e r s o n a g e n s de O Tico-Tico. Foi q u a n d o criei o B e n j a m i m , u m g a r o t o de recados, que u m dia d e s a p a r e c e u de casa aborrecido com a p o p u l a r i d a d e a l c a n ç a d a . N ã o l h e v a l e r a m a s m i n h a s considerações q u a n to à s u a p o p u l a r i d a d e . . . ele " d a n o u - s e " e foi embora... Q u a n t o aos p e r s o n a g e n s C h i q u i n h o e J a g u n ç o , e s t e s f o r a m a b r a s i l e i r a d o s por m i m , t o r n a r a m se originais de u m a r t i s t a brasileiro. A a u s ê n cia de r e v i s t a s e s t r a n g e i r a s fez com que a r t i s t a s n a c i o n a i s fossem obrigados a c r i a r novos tipos e O Tico-Tico, aos poucos, foi g a n h a n d o u m a dimensão nacional. Surgiram personagens 119 maravilhosos como o K a x i m b o w n , do Y a n t o k , o Zé Macaco e a F a u s t i n a , do Storni, J u j u b a , do J . Carlos e m a i s outros, do Luís Salles, etc. E r a c o m u m eu e n c o n t r a r n a r u a pessoas que m e p e r g u n t a v a m — o que vai a c o n t e c e r ao Chiquinho, n a p r ó x i m a t e r ç a - f e i r a ? — E, às vezes, n e m eu sabia o q u e . . . T a l e r a a expect a t i v a da g a r o t a d a em t o r n o d a vida destes personagens". U m aspecto rismo da revista a t r a v é s de jogos f a l a Luís G o m e s pouco l e m b r a d o e que m o s t r a o pioneié o de incentivo aos t r a b a l h o s m a n u a i s de a r m a r , h o j e tão em moda. Sobre isto Loureiro: " T a m b é m criei, d e n t r o do próprio O Tico-Tico, peças p a r a m o n t a r : u m " b o n d e da light", u m " b o n d e elétrico", u m " r e b o q u e c a r a d u r a " , u m " l a n d o l é " e, passageiros p a r a estes t r a n s p o r t e s . E o que m a i s m e s u r p r e e n d e u foi a a c e i t a ç ã o m a g n í f i c a que estas peças de a r m a r t i v e r a m e n t r e a s c r i a n ç a s e a t é adultos. Muitos p a i s p r o c u r a v a m - m e p a r a a p r e n d e r e m como a j u d a r os filhos n a confecção das peças e outros m e s m o p a r a d i s c u t i r e m a validade da invenção. Eu lhes explicava que a m i n h a i n t e n ç ã o e r a lig a d a à necessidade da c r i a n ç a de desenvolver as suas qualidades de observação e e d u c a ç ã o m a n u a l , p o r q u e sem e d u c a ç ã o m a n u a l n ã o se p o d e t e r bons cirurgiões, b o n s a r t i s t a s . E n t ã o , eu g a n h a v a n o v a s adesões ao jogo de a r m a r " . 7 O d e s a p a r e c i m e n t o de O Tico-Tico deveu-se à s m u d a n ç a s histórico-sociais que t r o u x e r a m consigo heróis de outro tipo concretizados n a i m p o r t a ç ã o dos " c o m i c s " a m e ricanos d a n d o início a era da c o m u n i c a ç ã o de m a s s a que h o j e vivemos. Sua i m p o r t â n c i a n o e n t r e t a n t o ficou regist r a d a no d e p o i m e n t o de toda u m a g e r a ç ã o c u j o h á b i t o de l e i t u r a se iniciou n a s p á g i n a s dessa r e v i s t a e que a ela m u i t o deve n a sua f o r m a ç ã o . 120 O n ú m e r o c o m e m o r a t i v o de seu c i n q ü e n t e n á r i o r e ú n e esses d e p o i m e n t o s e m o s t r a de f o r m a indelével a p r e s e n ç a m a r c a n t e de O Tico-Tico. CONCLUSÃO: Os ú l t i m o s a n o s do século X I X e o p r i m e i r o decênio do século X X f o r a m , como vimos, m a r c a d a m e n t e , " n a c i o n a l i s t a s " n o s e n t i d o de que r e p r e s e n t a r a m , s e m d ú v i d a a l g u m a , u m a r e a ç ã o consciente ao domínio da m e t r ó p o l e sobre a l i t e r a t u r a d e s t i n a d a às c r i a n ç a s brasileiras. Mas é evidente que essa r e a ç ã o só pôde existir p o r q u e j á h a v i a u m m e r c a d o consumidor s u f i c i e n t e m e n t e a m p l o p a r a p e r m i t i r o a p a r e c i m e n t o de textos específicos. Assim t a m b é m a p e s a r de todos os p r o b l e m a s aqui l e v a n t a d o s de p r e d o m i n â n c i a de conteúdos i m p o r t a d o s sobrepondo-se a u m a ambientação e linguagem já decididam e n t e n a c i o n a i s , esse g r u p o a que p o d e m o s c h a m a r de pioneiros e do q u a l aqui a b o r d a m o s a p e n a s as p r i n c i p a i s f i g u r a s possibilitou o a p a r e c i m e n t o dos v e r d a d e i r o s c r i a dores de u m a L i t e r a t u r a I n f a n t i l b r a s i l e i r a : M o n t e i r o Lob a t o com Narizinho Arrebitado, em 1921, e Viriato Correia com Cazuza, e m 1938. N e s t a t e n t a t i v a de t r a ç a r a evolução da l i t e r a t u r a i n f a n t i l brasileira a t r a v é s de seus f u n d a d o r e s e de s u a s f a s e s sucessivas p o d e - s e c o n s t a t a r os f u n d a m e n t o s de seus p r i n c i p a i s p r o b l e m a s a i n d a h o j e : excesso de m o r a l i s m o e d o g m a t i s m o , e s t r e i t a ligação com a escola, c o n t e ú d o que visa à m a n u t e n ç ã o do statu quo, f o r m a e l a b o r a d a , d i s t a n te d a l i n g u a g e m oral. Todos esses p o n t o s devem ser e s t u dados, pesquisados, pesados e medidos p a r a que se possa s e n t i r se são positivos ou negativos. Mas p o d e - s e t a m b é m c o n s i d e r a r a i m p o r t a n t e c o n t r i b u i ç ã o de todos e de c a d a u m , p a r a a c r i a ç ã o de u m a l i n g u a g e m l i t e r á r i a e de u m a t e m á t i c a n a c i o n a l que são a base de u m a L i t e r a t u r a a d e q u a d a às c r i a n ç a s . 121 NOTAS BIBLIOGRÁFICAS 1 — ARROYO. Leonardo. Literatura Paulo, Melhoramentos, 1968. p. 110. Infantil Brasileira. São 2 — idem, p. 121. s — Idem, p. 81. * — Idem, p. 131. s _ Idem, p. 131 — 52. « — FRANÇA. Rejane Carvalho de. A FNLIJ entrevista Luis Gomes Loureiro. Boletim Informativo. Rio de Janeiro, FNLIJ, 9 (40): 20, out./dez. 1977. — Idem, p. 21. 122 A IMPRENSA Barbosa Lima Sobrinho A p r o c l a m a ç ã o d a R e p ú b l i c a n ã o foi o r e s u l t a d o de u m a revolução, como d e s e j a v a Silva J a r d i m . C o n s u m o u - s e , n o Brasil, por u m simples golpe de Estado, epílogo de u m caso m i l i t a r que v i n h a e n v e n e n a n d o a t r o p a , r e c r u d e s c e n d o com o a u t o r i t a r i s m o do Visconde de Ouro Preto, n u m a f a s e em que o excesso de c o n f i a n ç a podia explicar as r e a ções ou a f a l t a de r e a ç ã o do I m p e r a d o r . Os golpes de Est a d o r a r a m e n t e se t r a d u z e m em revolução. N ã o r a r o se l i m i t a m a u m a simples m u d a n ç a do r e g i m e ou a u m a t r o c a dos n o m e s dos g o v e r n a n t e s . E n v e r e d a n d o p a r a o c o m b a t e aos subversivos, u m a revolução t e r á que ser f a t a l m e n t e subversiva ou n ã o s e r á revolução. A de 1889 d e r r u b o u u m regime, t r o u x e novos q u a d r o s ao governo do País, completou a l g u m a s conquistas, como a s e p a r a ç ã o e n t r e a I g r e j a e o Estado, a secularização dos cemitérios e a t é m e s m o o a d v e n t o do federalismo, que e r a u m a aspir a ç ã o a n t i g a de todo o P a í s e j á h a v i a c o n q u i s t a d o posições a v a n ç a d a s n o p r o g r a m a do P a r t i d o Liberal. Como se fosse a c h e g a d a ao G o v e r n o de u m novo Ministério. U m Ministério q u e viesse r e a l i z a r a s r e f o r m a s de u m n o v o p a r t i d o político, t r o c a n d o - s e D. P e d r o I I por Deodoro d a F o n s e c a e i n d i c a n d o C h e f e do G a b i n e t e R u i B a r b o s a , lev a n d o n a s m ã o s u m p r o g r a m a dos artigos a d m i r á v e i s , p u blicados n o Diário de Noticias. D a i m p r e n s a dessa fase, n ã o h á r e t r a t o m a i s fiel do que o q u e n o s foi legado por u m j o r n a l i s t a f r a n c ê s que veio a o Brasil p a r a e n c o n t r a r r e s p o s t a p a r a as i n t e r r o gações européias, que n ã o c o m p r e e n d i a m como se podia a f a s t a r u m g o v e r n a n t e com a s a b e d o r i a e a s u p e r i o r i d a d e 125 do I m p e r a d o r D. P e d r o II. C h a m a v a - s e esse j o r n a l i s t a Max Leclere e e s t a v a i n c u m b i d o do setor d a política e x t e r n a , n u m a d a s g r a n d e s f o l h a s do j o r n a l i s m o f r a n c ê s , o Journal des Débats, que a c a b a v a de c o m e m o r a r o c i n q ü e n t e n á r i o de sua f u n d a ç ã o . É e x t r a o r d i n á r i a a a c u i d a d e d e m o n s t r a d a pelo v i s i t a n t e f r a n c ê s , que Sérgio Milliet c l a s sifica como u m j o r n a l i s t a perspicaz e ativo, que n ã o p e r d e t e m p o e sabe olhar, e m b o r a c a i b a m restrições a m u i t a s de s u a s conclusões ou de s u a s a f i r m a ç õ e s p e r e m p t ó r i a s . M a s no j u l g a m e n t o da i m p r e n s a brasileira n ã o h á m u i t o que r e t i f i c a r , e m b o r a s a b e n d o ele, e dizendo, que o Rio de J a n e i r o n ã o é o Brasil. Assinala a p r e s e n ç a de dois g r a n d e s j o r n a i s : o Jornal do Commercio e a Gazeta de Notícias. O Jornal do Commercio, escreve ele, " é u m a espécie de Times, sem virilidade; é o Times sem os " l e a d i n g a r t i cles", u m bom repositório de fatos, u m c o n j u n t o ú t i l de d o c u m e n t o s . Na Gazeta de Notícias a s s i n a l a a p r e s e n ç a d e F e r r e i r a de A r a ú j o que considera u m excelente j o r n a l i s t a ; j u l g a h o m e n s e coisas com c o n d e s c e n d e n t e i r o n i a ; escreve com precisão, elegância e sobriedade reais. T e m t e m p e r a m e n t o , c a r á t e r , espírito elevado, inteligência r a p i d a m e n t e aberta." O p a r a l e l o e n t r e o Jornal do Commercio e o Times n ã o deixaria de c o n t e r a l g u n s equívocos. H a v i a que considerar, t a m b é m , a d i f e r e n ç a dos a m b i e n t e s em que os dois j o r n a i s atuavam. A Inglaterra compreendia e respeitava a sua g r a n d e f o l h a t r a d i c i o n a l ; n o Brasil s u r g i r a , com a R e p ú blica, u m a n o v a i n f l u ê n c i a que d e s e j a v a e n c o n t r a r n o s seus j o r n a i s , m e r o s cooperadores de ações g o v e r n a m e n t a i s , n ã o críticos, porque n ã o e s t a v a longe de e n x e r g a r oposição e c o m b a t e onde h a v i a a p e n a s o exercício s a l u t a r d a f a c u l d a d e de crítica. O Jornal do Commercio se i d e n t i f i c a v a com a m o n a r q u i a e com D. P e d r o II. Seu p r o p r i e t á r i o de e n t ã o o Conde de Villeneuve, residindo em Paris, devia t e r visto a deposição do I m p e r a d o r com o m e s m o s e n t i m e n t o de e s p a n t o que deve t e r trazido ao Brasil u m r e p r e s e n t a n t e do Journal des Débats. E r a preciso agir com p r u d ê n c i a e aqui estava, à f r e n t e do Jornal do Commercio, u m h o m e m de excepcional i n t e g r i d a d e que e r a o Conselheiro Souza F e r r e i r a , que n ã o i g n o r a v a a m u d a n ç a do 126 a m b i e n t e com que deveria c o n t a r a a ç ã o d a i m p r e n s a brasileira. O que n ã o i m p e d i r a que a voz d a i m p r e n s a se l e v a n t a s s e p a r a c o m b a t e r o T r a t a d o d a s Missões, que Q u i n t i n o Bocaiuva e s t a v a negociando, a t r i b u i n d o à A r g e n t i n a t e r r i t ó r i o s que o Brasil j á c o n s i d e r a v a i n c o r p o r a d o s à Sob e r a n i a Nacional. M a n i f e s t a v a - s e c o n t r a v á r i a s m e d i d a s q u e c o m p u n h a m o p l a n o f i n a n c e i r o do G o v e r n o Provisório, e l a b o r a d o pelo seu Ministro da F a z e n d a que e r a R u i B a r bosa, talvez m e n o s Ministro que C h e f e de G a b i n e t e , como é de uso nos governos e m f o r m a ç ã o m i l i t a r , como se h o u vesse, p a r a eles, u m r e g i m e presidencial sui generis e x i gindo t r a n s f o r m a ç õ e s exigidas pela p r ó p r i a r e a l i d a d e . A primeira década republicana não alterou p r o f u n d a m e n t e o q u a d r o d a p r e s e n ç a e da i n f l u ê n c i a d a i m p r e n s a brasileira. Assistiu-se, de certo, à decadência d a s f o l h a s que m a i s se h a v i a m d e s t a c a d o n a d e f e s a d a Abolição. A República n ã o tivera, aliás, n a g r a n d e i m p r e n s a , n e n h u m p r o p a g a n d i s t a de m a i o r a s c e n d ê n c i a . Q u i n t i n o Bocaiuva, em O País, p o d e - s e dizer que f a z i a a s u a c a m p a n h a d e baixo do p a n o , p o r processos indiretos, n u m a f o l h a que f a z i a q u e s t ã o de m a n t e r a b s o l u t a n e u t r a l i d a d e política. Na Gazeta de Notícias, q u e m l u t a v a pela República e r a Silva J a r d i m , n u m a c o l u n a que se p a g i n a v a a d i s t â n c i a dos editoriais, p a r a d e i x a r a i m p r e s s ã o de que v i n h a de f o r a , sem m a i o r r e s p o n s a b i l i d a d e da p r ó p r i a r e d a ç ã o do j o r n a l . N ã o foi difícil a p l a u d i r o a d v e n t o do r e g i m e republicano, que s u r g i r a com a f o r ç a de u m f a t o c o n s u m a d o . M a s q u a s e todos a p l a u d i a m m e d i d a s g e n e r o s a s n o t r a t a m e n t o do I m p e r a d o r deposto, n ã o por ele próprio, m a s talvez p e l a a m e a ç a de u m T e r c e i r o R e i n a d o que poucos a d m i t i a m , se houvesse r e a l m e n t e q u e m o admitisse. No d e c o r r e r da d é c a d a , h á p r o f u n d o s a n t a g o n i s m o s e m e d i d a s de r e p r e s s ã o n a f a s e de F l o r i a n o Peixoto, com as l u t a s a r m a d a s que p e r t u r b a r a m a vida n a c i o n a l . O episódio de C a n u d o s d e r a a o p o r t u n i d a d e à e x p a n s ã o de u m certo h i s t e r i s m o provocado p e l a e x a c e r b a ç ã o d a s p a i x õ e s p a r t i d á r i a s , q u a n d o se quis f a z e r de A n t ô n i o Conselheiro u m a espécie de d e f e n s o r da r e s t a u r a ç ã o m o n á r q u i c a . M a s o século se e n c e r r o u sem a l t e r a ç õ e s m a i s p r o f u n d a s n a vida d a i m p r e n s a brasileira. N ã o h o u v e n e m m e s m o i n t e r r u p ç õ e s n a s u a evolução técnica. O Jornal do Brasil 127 surgiu em 1891, com u m a excelente r e d a ç ã o . Todos os j o r n a i s se r e u n i a m n o p r o t e s t o enérgico c o n t r a a s d e p r e dações c o n t r a a f o l h a m o n a r q u i s t a , que era a Tribuna, de Carlos Laet. O que a i n d a prevalecia, n a s redações, era a ascendência dos boêmios, que Coelho Neto f i x a r i a t ã o b e m em dois m a g n í f i c o s r o m a n c e s de sua a u t o r i a . A f u n d a ç ã o do Jornal do Brasil t r o u x e r a a l g u m a s inovações que Nelson W e r n e c k Sodré r e g i s t r a n a s u a excelente História da Imprensa: a distribuição da f o l h a em c a r r o ç a s e a a m p l i t u d e da p a r t i c i p a ç ã o dos c o r r e s p o n d e n t e s estrangeiros, e n t r e os quais se d e s t a c a v a m o g r a n d e f i n a n c i s t a e u r o p e u que era P a u l Lerdy Beaulieu, os escritores E d m u n d o dAmicis, F i a l h o de Almeida, Teófilo B r a g a e Oliveira M a r t i n s . No Jornal do Brasil, o B a r ã o do Rio B r a n c o i n i ciava a publicação de s u a s preciosas Efemérides, tão doc u m e n t a d a s e precisas. Na direção d a f o l h a f i g u r a v a R o dolfo D a n t a s , c o n t a n d o com r e d a t o r e s e colaboradores t ã o ilustres como J o a q u i m Nabuco e Constâncio Alves e a i n d a com José Veríssimo. M a s a odisséia da i m p r e n s a se i n i ciara, com a prisão de j o r n a l i s t a s que c o m b a t i a m o gov e r n o de F l o r i a n o Peixoto, i n a u g u r a n d o - s e o c o n f i n a m e n t o de Cucuí, os exílios que vão dispersando os j o r n a l i s t a s e i n t e l e c t u a i s de todo o Brasil. U m a p r á t i c a que n ã o seria a b a n d o n a d a no Governo de P r u d e n t e de Morais, q u a n d o se s u b s t i t u í a Cucuí pela I l h a de F e r n a n d o de N o r o n h a , p a r a a b r i g a r t a n t a g e n t e a c u s a d a de subversão. O início do século X X n ã o t r o u x e n e n h u m a i n o v a ç ã o p r o f u n d a . Por m a i o r que s e j a o n ú m e r o dos sinos que f e s t e j a m a p a s s a g e m do ano, ou do século, a i m p r e s s ã o dos que assistiam aos f e s t e j o s e às comemorações e r a a p e n a s a de quem vira u m a f o l h a do calendário. M a s a d é c a d a de 1900 t r a z i a alterações significativas n a vida de t o d a a Nação, como n a r e d a ç ã o dos j o r n a i s e r e v i s t a s com que se compõe a i m p r e n s a brasileira. Não direi que assinalou a substituição do j o r n a l - o p i n i ã o pelo j o r n a l - e m p r e s a . A existência da empresa, a m e u ver, v i n h a de m u i t o longe. Nascera com a o r g a n i z a ç ã o do Jornal do Commercio, no Rio, como t a m b é m com a do Diário de Pernambuco, no Recife. E r a ela j u s t a m e n t e que s e p a r a v a as f o l h a s e f ê m e r a s dos j o r n a i s de m a i o r d u r a ç ã o . Não se podia c o n s i d e r a r como e m p r e s a o Diário do Rio de Janeiro, p a r a viver de 128 1821 a 1878? Não f o r a m t a m b é m e m p r e s a s O Estado de S. Paulo, o Diário Popular do velho José M a r i a Lisboa, de São Paulo? Sem u m m í n i m o de e s t r u t u r a e m p r e s a r i a l , n e n h u m j o r n a l d u r a r i a m a i s que a s paixões e os propósitos que h a v i a m provocado o seu a p a r e c i m e n t o . É claro, porém, que com a p a s s a g e m do t e m p o c r e s c e r i a m e m u d a r i a m com as necessidades da p r ó p r i a e m p r e s a . Não pode h a v e r t e r m o de c o m p a r a ç ã o e n t r e u m a f o l h a em que p o u cos r e d a t o r e s l u t a v a m p a r a e n c h e r as s u a s p o u c a s c o l u n a s e u m a f o l h a que, p a r a a s s e g u r a r a r e g u l a r i d a d e de u m a edição de n u m e r o s a s p á g i n a s , exige a cooperação de m i l h a r e s de pessoas. N e n h u m diário c o n t e m p o r â n e o (New York Times, Pravda, Asahi, Diário dei Pueblo) trabalha com m e n o s de u m a s seis mil pessoas, e n t r e j o r n a l i s t a s , técnicos, impressores e pessoal a d m i n i s t r a t i v o . Só El Mercúrio, de S a n t i a g o do Chile, e m p r e g a 1.200 t r a b a l h a d o res, escreve Camilo T a r j i a , em Periodismo y Lucha de Classes, p. 216. A d é c a d a de 1900 n ã o a c a b a de todo com o j o r n a l de opinião, m a s é claro que d i f i c u l t a muito, com p o u c a s e x ceções, a t a r e f a que eles p r e c i s a m e x e c u t a r . Os j o r n a i s se dividem em dois g r u p o s f u n d a m e n t a i s : os que a p ó i a m o governo e os que d i s c o r d a m do governo. D i s c o r d a m e c o m b a t e m . As subvenções oficiais p o d i a m r e v e s t i r - s e de f o r m a d i f e r e n t e , com a publicação d a p r o p a g a n d a e dos b a l a n c e t e s e relatórios d a s organizações d e p e n d e n t e s do p r ó p r i o governo. P o d i a m t a m b é m c h e g a r à necessidade dos e m p r é s t i m o s do B a n c o do Brasil. E r a a p r e s e n ç a do que se c h a m a v a " r e p t i l e press", a a ç ã o dissolvente, a ç ã o d i s s i m u l a d a dos j o r n a i s que s e r v i a m ao governo. O m e r c a d o de consciência, dizia eu, h á m u i t o s a n o s passados, t e m m u i t o m a i s m o v i m e n t o , a g i t a ç ã o e o f e r t a s do que o de cereais, por exemplo. A e x p a n s ã o do Estado, seu crescimento, concorria p a r a o a u m e n t o dessa d e p e n d ê n c i a . E r a u m a t r a d i ç ã o dos governos da M o n a r q u i a que os r e s p o n sáveis pela República c o n t i n u a r a m , i n v o c a n d o a r g u m e n tos que a j u s t i f i c a s s e m . C a m p o s Salles dizia que " d e b a i x o de instituições que t i r a m d a opinião a origem de todo o poder e que com ele devem viver e n u m País, e n t r e t a n t o , em que os e s t a d i s t a s e s t r a n g e i r o s podem m a r a v i l h a r - s e de ver i m p r e n s a sem política e p a r t i d o político com i m - 129 prensa, só r e s t a f a t a l m e n t e ao governo o recurso do j o r nalismo industrial", ou do j o r n a l i s m o subvencionado, p a r a ser m a i s preciso, t r a d u z i n d o a p r ó p r i a l i n g u a g e m de C a m pos Salles. Nem todos e n t e n d e r i a m que estivessem v e n d e n d o a opinião de seu j o r n a l q u a n d o estivessem a c o l h e n d o a p u blicidade oficial. V e n d i a m espaço e n ã o opinião. O que p e r m i t i a conservar u m a r e l a t i v a a u t o n o m i a . Outros p r e f e r i a m vender tudo, ou porque estivessem r e a l m e n t e de acordo com o governo ou porque d e s e j a s s e m apoio m a i s a m p l o p a r a a s suas reivindicações. Na M o n a r q u i a a i n d a h a v í a m o s tido u m a i m p r e n s a p a r t i d á r i a n a t u r a l , s u b v e n cionada ou não, m a s c o n t a n d o t a m b é m com o apoio f i n a n ceiro de seus correligionários. O regime presidencialista s u b s t i t u í r a os p a r t i d o s pelos governos e s t a d u a i s ou d a União. I m p r e n s a p r ó ou i m p r e n s a c o n t r a e, ao l a d o dela o u t r a que se podia i d e n t i f i c a r como discreta, sem r e n u n ciar de todo às exigências d a p r ó p r i a consciência. A i m p r e n s a i m p o r t a n t e que e n c e r r a r a a d é c a d a do advento da República, prosseguiria n a d é c a d a s e g u i n t e com o Jornal do Commercio, a Gazeta de Notícias, o Jornal do Brasil, O País, A Cidade do Rio, A Imprensa, A Notícia, cercados, como sempre, de outros órgãos que o t e m p o se i n c u m b i a de f u l m i n a r . Luís E d m u n d o , a s s u s t a d o com a i n f l u ê n c i a c o n s i d e r á vel de elementos estrangeiros, s o b r e t u d o a colônia p o r t u guesa, agindo e a t u a n d o n a vida de todo o j o r n a l i s m o b r a sileiro, com a p r e s e n ç a de colaboradores que e n t ã o ilust r a v a m a l i t e r a t u r a de Portugal, descrevia com e x a t i d ã o : " O j o r n a l , n a alvorada do século, a i n d a é a a n ê m i c a , clorótica e inexpressiva gazeta da velha M o n a r q u i a , u m a coisa precária, chã, vaga, m o r o s a e trivial. P o u c a s p á g i n a s de texto, q u a t r o ou oito a p e n a s . Começa g e r a l m e n t e pelo artigo de f u n d o , u m a r t i g o de sobrecasaca, c a r t o l a e pince-nez, a r i m p o n e n t e e austero, m a s r i g o r o s a m e n t e vazio de opinião, espécie de puzzle de flores de r e t ó r i c a que foliculários escrevem com dicionário de s i n ô n i m o s de u m lado e u m jogo de r a s p a d e i r a s a f i a d a s n o u t r o , l i t e r a t u r a c o r - d e - r o s a e que os h o m e n s m a i s ou m e n o s l e t r a dos do País sorvem logo de m a n h ã cedo, a i n d a em robe de chambre, de chinelos de cara-de-gato no bico do pé, 130 a c a v a l a n d o n o s beques e x t e n u a d o s e n o r m e pince-nez de t a r t a r u g a , b a b a n d o a d m i r a ç ã o pela o b r a - p r i m a . P a g i n a ç ã o sem m o v i m e n t o ou g r a ç a . C o l u n a s f r i a s m o n s t r u o s a m e n t e a l i n h a d a s , j a m a i s a b e r t a s , títulos curtos. Pobres. Ausência quase a b s o l u t a de subtítulos. Vaga clicheterie. Desconhec i m e n t o das manchetes e de o u t r o s processos jornalísticos que j á são, no e n t a n t o , conhecidos n a s i m p r e n s a s a d i a n t a d a s do n o r t e d a E u r o p a . T e m p o de s o n e t o n a p r i m e i r a p á g i n a , d e d i c a d o ao diretor ou ao r e d a t o r p r i n c i p a l d a f o l h a . " A n ã o ser o Jornal do Brasil, que m a n t é m u m corpo de c a r i c a t u r i s t a s e d i a r i a m e n t e publica charges. Só u m a vez ou o u t r a é que elas s u r g e m n a s o u t r a s gazetas. As oficinas de g r a v u r a a i n d a são poucas e os clichês caríssimos. Só o Jornal do Commercio possuía u m belo serviço de t e l e g r a m a s . A n o t í c i a da polícia v i n h a s e m p r e p r e c e dida de u m infalível n a r i z - d e - c e r a . A r e p o r t a g e m , p r o c u r a n d o u m sensacionalismo que n ã o chegou a e n c o n t r a r , e q u a n d o , por acaso, surgisse, seria explorado, esticado, p a r a a g r a d a r ao público, a t r i b u i n d o - s e ao a t r a s o do p a í s a escassez dos crimes sensacionais. O que salvava o j o r n a l d a s a p e r t u r a s e r a o f o l h e t i m - r o m a n c e de c a p a e e s p a d a . A seção de a n ú n c i o s p o b r e r e l a t i v a m e n t e . Nesse livro, O Rio de Janeiro de Meu Tempo, que v e n h o c i t a n d o , Luís E d m u n d o , que e r a j o r n a l i s t a , se d e t é m n a s redações dos diversos diários d a e n t ã o c a p i t a l d a R e p ú blica, o Jornal do Commercio, a Gazeta de Notícias, o Jornal do Brasil, O País, a rósea Noticia, A Tribuna, A Cidade do Rio, O Jacobino, O Nacional, a Revista Contemporânea, r e a l ç a n d o a s d i f e r e n ç a s e n t r e e s t a i m p r e n s a do começo do século e o j o r n a l i s m o d e oposição da f a s e d a i n d e p e n d ê n c i a brasileira. E r a sensível a g o r a a p r e s e n ç a e a i n f l u ê n c i a d a colônia p o r t u g u e s a em q u a s e todos. " O f a t o , escrevia Luís E d m u n d o , é que, d i s c r e t a m e n t e ou i n d i r e t a m e n t e , todos lhe p e r t e n c e m . São deles a s o f i c i n a s de i m p r e s s ã o e a i n d a os imóveis o n d e a s m e s m a s se i n s t a l a m e f u n c i o n a m , as c a r t a s de f i a n ç a s ou o u t r a s g a r a n t i a s p a r a a i n s t a l a ç ã o e f u n c i o n a m e n t o d a s e m p r e s a s , deles o crédito p a r a a c o m p r a da t i n t a e do papel, f a t a l m e n t e d e les o a n u n c i o z i n h o , e m b o r a m u i t o m a l pago, p o r é m r e p r e s e n t a n d o a vida e a p r o s p e r i d a d e d a g a z e t a " . A c r e s c e n t a que " n a s r e d a ç õ e s dessa i m p r e n s a a l i e n í g e n a os brasilei- 131 r o s f o r a m s e m p r e f a n t o c h e s . E n ã o h á j o r n a l , dos que são tidos por nossos, p o r m a i s s i m p á t i c o que s e j a à c a u s a brasileira, que ouse d a r guarida, a p a d r i n h a r o a s s u n t o , que nos interessa, medroso, sempre, de desgostar o a m i g o c o m e n d a d o r , por que este, se quiser (sabem todos m u i t o b e m disso) n u m só gesto, como u m s a t a n á s de m á g i c a , pode reduzir esse m e s m o j o r n a l a f a n i c o s . Como? De u m m o d o m u i t o simples: s u s p e n d e n d o - l h e o crédito, t i r a n d o lhe os anúncios, a b r i n d o c o n t r a ele, à socapa, u m a c a m p a n h a comercial terrível, c o n t a n d o s e m p r e , p a r a isso, c o m a solidariedade da grei, que à gazeta p r o s c r i t a n u n c a m a i s cederá, m e s m o a t o n e l a d a s de ouro, u m só d e d a l de t i n t a , u m p a l m o de p a p e l " (ob. cit. pág. 1056-1058). Hoje o p a n o r a m a receberia o título de alienação. U m a f o r ç a oculta, m u d a n d o de n o m e e de n a c i o n a l i d a d e , m a s sempre i n f l u i n d o n a i m p r e n s a , como u m a d e p e n d ê n c i a econômica q u a s e inelutável. Luís E d m u n d o n ã o h á d ú vida que e x a g e r a v a n a descrição que a p r e s e n t a v a , m a s o f a t o em si m e s m o existia, n ã o a p e n a s no Rio, como em todos os l u g a r e s o n d e fosse p r e d o m i n a n t e a i n f l u ê n c i a da colônia p o r t u g u e s a . E m b o r a a d e p e n d ê n c i a m a i o r fosse e m f a c e do poder econômico da I n g l a t e r r a , n ã o é e n t r e t a n t o t ã o sensível a p r e s e n ç a d a i n f l u ê n c i a b r i t â n i c a n o s j o r n a i s . Como que se ela p r ó p r i a se l i m i t a s s e ao domínio das altas finanças. Sentia-se mais na imprensa a presença e a i n f l u ê n c i a da colônia p o r t u g u e s a , que a i n d a se f a z i a sentir e m b o r a j á n u m a f a s e de declínio, a t é o governo de Epitácio Pessoa, que se inclinava p a r a n a c i o n a l i s m o a n t i lusitano, n u m m o m e n t o em que o i m p e r i a l i s m o j á ia t o m a n d o as cores d a b a n d e i r a dos E s t a d o s Unidos. Nesse q u a d r o q u a s e geral de c o n f o r m i s m o é que iria surgir, n a i m p r e n s a carioca, u m a n o v a f o r ç a de feição quase revolucionária, com o Correio da Manhã, de E d m u n do B i t t e n c o u r t . A intrepidez de s u a s a t i t u d e s m a r c o u - l h e u m a posição d e f i n i t i v a n a i m p r e n s a brasileira. A p e q u e n a burguesia e n c o n t r a v a nele a sua p r ó p r i a voz, p a r a e x p r e s s a r seus ressentimentos, s u a s reivindicações, seus p r o t e s tos. Pode-se dizer que desde a f u n d a ç ã o , o Correio da Manhã passou a l i d e r a r a opinião pública do Rio, o que valeria dizer a opinião pública de todo o Brasil, pela i n f l u ê n c i a n a t u r a l da c a p i t a l da República. O duelo que 132 E d m u n d o B i t t e n c o u r t teve com P i n h e i r o M a c h a d o , o d e s a s s o m b r o de s u a s a t i t u d e s vão compondo, em t o r n o de seu Diretor, u m a a u r é o l a de destemor, que se t r a n s f o r m a va e m prestígio p a r a o seu e x t r a o r d i n á r i o m a t u t i n o . Cabe a i n d a aqui o c o m e n t á r i o de Luís E d m u n d o q u a n d o diz que " f o i p a r a c o m b a t e r esse e s t a d o de coisas e r e s t a b e l e cer n a i m p r e n s a do país aquele sentido p a t r i ó t i c o que fez a glória do Evaristo e criou, por m u i t o t e m p o , a a u t o n o m i a do nosso povo, que u m j o v e m advogado cheio de a u d á c i a , de e n e r g i a e de civismo pensou em l a n ç a r aqui u m periódico r o m p e n d o a s n o r m a s que os outros, a t é e n tão, h a v i a m estabelecido, t r i n c h e i r a de a ç ã o a t i v a e p a triótica, e x c l u s i v a m e n t e nossa, onde se d e f e n d e s s e m os conculcados i n t e r e s s e s do povo que u m a f a t a l i d a d e h i s t ó rica o p r i m i a e h u m i l h a v a . E r a necessário, p a r a isso, a p e n a s u m a p a r e l h o e c o n o m i c a m e n t e i n d e p e n d e n t e e rigoros a m e n t e brasileiro, u m g r u p o de auxiliares cheios de f é e de b r a v u r a pessoal." Ou a observação m a i s a m p l a de Nelson W e r n e c k Sodré, coincidindo com a o p i n i ã o de Luís E d m u n d o , q u a n d o n o s diz que " d a í por d i a n t e , e e m t o d a a v e l h a República, que a j u d o u a d e r r o t a r , o j o r n a l d e E d m u n d o B i t t e n c o u r t foi r e a l m e n t e o veículo dos s e n t i e místicas da pequena burguesia u r b a n a em ; mentos p a p e l dos m a i s r e l e v a n t e s . Quebrou a m o n ó t o n a u n i f o r m i d a d e política d a s m a n i p u l a ç õ e s de cúpula, dos c o n c h a v o s de gabinete levando sempre o protesto das camadas populares, n a f a s e h i s t ó r i c a em que a p a r t i c i p a ç ã o d a classe t r a b a l h a d o r a e r a m í n i m a . A t r a v é s desse c a m i n h o , v i n d o de baixo, p o r t a n t o , é que se t r a n s f o r m o u , e depressa, e m e m p r e s a j o r n a l í s t i c a " (História ãa Imprensa Brasileira, pág. 329). M a n t e n d o s e m p r e o Correio da Manhã a t é a f a s e f i n a l e m que foi compelido a u m a r r e n d a m e n t o p a r a m ã o s e s t r a n h a s , u m f a d á r i o de b r a v u r a , de f i r m e z a e de coerência, q u e n ã o c h e g a a decair, q u a n d o p a s s a d a s m ã o s de E d m u n d o B i t t e n c o u r t às m ã o s de E d m u n d o Moniz e N i o m a r Sodré. Ao lado d a a s c e n s ã o do Correio da Manhã h á que r e f e r i r a d e c a d ê n c i a do j o r n a l de José do Patrocínio, A Cidade do Rio, e n c e r r a n d o s e u s d i a s n o começo do século, n u m f i n a l r e a l m e n t e melancólico. T a m b é m h a v i a d e s a p a r e c i d o a g r a n d e f i g u r a que t a n t o prestígio m o r a l a t r i b u í r a à 133 Gazeta ãe Noticias, o seu diretor F e r r e i r a de A r a ú j o . J á n u m a f a s e em que os progressos gráficos i a m f a c i l i t a r o f l o r e s c i m e n t o de n u m e r o s a s revistas como a Revista áa Semana, a Leitura para Todos, Fon-Fon, O Tico-Tico, A Careta, Kosmos, esta com a colaboração de Bilac, José Veríssimo, C a p i s t r a n o de Abreu, Vieira F a z e n d a , J o ã o Ribeiro, A r t h u r Azevedo, P a u l o B a r r e t o , G o n z a g a Duque, R a u l P e d e r n e i r a s , Coelho Neto, Félix Pacheco, Medeiros e Albuquerque e Euclides da C u n h a , t e n d o como d i r e t o r da revista Mário B e h r i n g . P a r a c o m p e t i r com ela ou, pelo menos, e s t i m u l a d a pela publicação de Kosmos, surgia logo depois, Renascença, dirigida por Rodrigo Octávio e H e n rique Bernardelli, c o n t a n d o , p o r igual, com excelente colaboração em que luziam os g r a n d e s n o m e s d a época, j á acrescidos de Sílvio Romero, Elísio de Carvalho, A r a ripe J ú n i o r , Max Fleiuss e Afonso Celso. De certo que m u i t a coisa escapa e u m a r t i g o s u c i n t o sobre toda u m a d é c a d a da vida d a i m p r e n s a brasileira. Muitos j o r n a l i s t a s n ã o c h e g a r a m sequer a ser m e n c i o n a dos, n u m a d é c a d a que teve a p e r t u r b á - l a u m a g r a n d e c a m p a n h a c o n t r a a v a c i n a obrigatória. Não f a l t a , aliás, q u e m se v a l h a desse episódio, p a r a f a z e r da i m p r e n s a u m a f o r ç a r e t r ó g r a d a , sem verificar o motivo r e a l e a u t i l i d a d e dessa c a m p a n h a e n é r g i c a c o n t r a a vacina obrigatória. N e m todos c o m b a t i a m a eficácia d a vacina, que e r a a i n d a o b j e t o de dúvidas e de receios, como se p o d i a a f e r i r n o s a r g u m e n t o s a p r e s e n t a d o s por u m médico ilustre, que n ã o e s t a v a longe de m e r e c e r a classificação de sábio, o Dr. B a g u e i r a Leal. M a s o que se c o m b a t i a r e a l m e n t e e r a a o b r i g a t o r i e d a d e d a vacina, a aplicação à f o r ç a e m pessoas que n ã o a c r e d i t a s s e m n a s u a eficácia. O u t r o s p r o f l i g a v a m a m a n e i r a como se v i n h a a p l i c a n d o a vacina, n u m t r a b a l h o improvisado que n e m s e m p r e a t e n d i a às exigências e l e m e n t a r e s da p r ó p r i a higiene. De q u a l q u e r modo, o c o m b a t e teve o seu efeito útil, obrigando a a d m i n i s t r a ç ã o pública a t o r n a r - s e m a i s vigilante n a escolha e f o r m a ç ã o de seus auxiliares, assim como no p r e p a r o d a p r ó p r i a v a c i n a . T e r i a tido o m e s m o êxito a aplicação d a v a c i n a obrigatória, se n ã o e n c o n t r a s s e esse esforço de crítica, e de resistência, que a f o r ç a v a a a p r i m o r a r a s u a a ç ã o e o processo de s u a utilização? Pior de que t u d o é a passivi- 134 dade, o silêncio, a i n d i f e r e n ç a . Os que l u t a r a m c o n t r a a v a c i n a o b r i g a t ó r i a a c a b a r a m sendo cooperadores i n e s t i m á v e i s de s u a p r ó p r i a eficiência. P e n a foi que a c a m p a n h a se convertesse e m i n s t r u m e n t o de exploração política, a r m a n d o conspirações m i l i t a r e s que o c a s i o n a r a m u m lev a n t e dos moços d a Escola Militar. M a s esse episódio d e veria levar a responsabilizar m e n o s os que c o n t e s t a r a m a o b r i g a t o r i e d a d e d a v a c i n a do que a facilidade com que se t r a n s f o r m a m discordâncias políticas em l e v a n t e s m i l i t a res. E é bom n ã o esquecer, ao r e m e m o r a r esse episódio, q u a n t o concorreu a i m p r e n s a p a r a a j u d a r , a p l a u d i n d o ou c o n t e s t a n d o , o imenso esforço p a r a a r e m o d e l a ç ã o do Rio de J a n e i r o e a liquidação do e s p a n t a l h o d a f e b r e a m a r e l a , que t a n t o h a v i a colaborado com os adversários do Brasil. Não se p o d e r i a concluir esse r e s u m o sucinto d a s a t i vidades d a i m p r e n s a , n a d é c a d a de 1900, sem r e g i s t r a r o f a t o c u l m i n a n t e que a assinalou, com o f l o r e s c i m e n t o d a imprensa operária. J á n a década anterior vinham surgindo, s o b r e t u d o e m São P a u l o e aqui, periódicos d e s t i n a d o s à d e f e s a d a s classes t r a b a l h a d o r e s , o que em g r a n d e p a r t e se devia ao a f l u x o de c o r r e n t e s i m i g r a t ó r i a s , em que f i g u r a v a m líderes e e n t u s i a s t a s do a n a r q u i s m o , ou tocados d a E u r o p a j á pelos governos de lá, ou b u s c a n d o n o Brasil u m a m b i e n t e f a v o r á v e l à s reivindicações de que e r a m p o r t a dores. A d é c a d a de 1900 r e g i s t r a o a u g e desse esforço de proselitismo. J á e m 1893 h a v i a surgido, em São Paulo, p a r a u m a l o n g a existência, u m diário em l í n g u a i t a l i a n a , a f a m o s a Fanfulla, com V i t a l i a n o Rottelini, de t a n t o p r e s tígio e i r r a d i a ç ã o . M a s só e m 1900 a p a r e c e r i a m , em São Paulo, 11 periódicos em i t a l i a n o , m u i t o s d e s t i n a d o s à d e f e s a dos t r a b a l h a d o r e s , e n t r e eles o Avanti, de Alceste Ambrys. E m 1901 surgia II Ragno, de E t t o r e Rossi e E. Caulli. E m 1904 surge, a i n d a em S ã o Paulo, La Bataglia, dirigido p o r C r e s t e s Ristori, A n t o n i o Picarollo, A n t o n i o Pisani, e o u t r o s t r a z e m , p a r a o Brasil, a cooperação de s u a c u l t u r a e de s u a s inspirações sociais. O Rio a c o m p a n h a de p e r t o esse esforço, a que vem d a r m a i o r relevo a revolta de J o ã o Cândido. As idéias socialistas p r o l i f e r a m por toda a p a r t e e se a p r e s e n t a m como solução p a r a a q u e s t ã o social. 135 Everardo Dias, n a s u a História das Lutas Sociais no Brasil, r e f e r e - s e ao a p a r e c i m e n t o , em São Paulo, de La Bataglia, órgão de crítica social, de t e n d ê n c i a l i b e r t á r i a , sob a direção de Orestes Ristori, que foi, n o seu e n t e n d e r t ã o autorizado, " o m a i o r a g i t a d o r a p a r e c i d o n o Brasil, orador f l u e n t e e cáustico, s e m p r e disposto à ação. R e a lizou c e n t e n a s de c o n f e r ê n c i a s por todo o i n t e r i o r do Estado, a g i t a n d o a m a s s a t r a b a l h a d o r a das cidades, vilas e povoados. S o f r e u i n ú m e r a s prisões e d u a s deportações, a ú l t i m a em 1935/36. Morreu c o m b a t e n d o n a g u e r r a civil espanhola, à f r e n t e de u m a coluna da qual era o c o m a n d a n t e , d e f e n d e n d o a f r e n t e de Madrid." (Ob. cit., pág. 246). O a u t o r f a z j u s t i ç a à colaboração desse p r o l e t a r i a d o alienígena que t a n t o fez, no sentido de t o r n a r r e a l i d a d e conquistas que beneficiassem a classe t r a b a l h a d o r a do Brasil. E confessa que " f o i e n t r e o d i m i n u t o p r o l e t a r i a d o alienígena que teve início o movimento, c o n t a n d o com a adesão e c o m p a r e c i m e n t o de u m reduzidíssimo pugilo de nacionais, em que se c o n t a v a m i n t e l e c t u a i s e s f o r ç a d o s " (ob. cit. pág. 41). D a í a r e a ç ã o da burguesia. Se e r a m e s t r a n g e i r o s esses p r o p a g a n d i s t a s e d e f e n s o r e s d a c a u s a t r a b a l h i s t a , o remédio seria fácil, com u m a lei de e x p u l são, c u j a iniciativa coube a u m d e p u t a d o paulista, Adolfo Gordo, que f i c a r i a conhecido nos a n a i s do P o d e r Legislativo, pelas iniciativas r e a c i o n á r i a s que o c o n s a g r a v a m , em 1904, no Governo Rodrigues Alves, em 1923 n o G o v e r no A r t u r B e r n a r d e s . M a r i a N a z a r e t h F e r r e i r a , em A Imprensa Operária no Brasil, t a m b é m considera decisiva essa a t u a ç ã o d a i m i gração de líderes operários, q u a n d o escreve: " O s i m i g r a n tes aqui chegados, devido às perseguições, e r a m d e f e n s o r e s do a n a r q u i s m o , a m e s m a ideologia que os t o r n a r a i n d e sejáveis em s u a s p á t r i a s de origem. E o a n a r q u i s m o , como idéia nova, " a d v e r s a e e s t r a n h a aos costumes e t r a d i ç õ e s brasileiras", e n f r e n t o u sérias perseguições n a pessoa de seus m i l i t a n t e s , à m e d i d a que fossem f r u t i f i c a n d o os seus e n s i n a m e n t o s . " (pág. 50) Vários i t a l i a n o s s u r g e m nesse esforço, como Arturo Campagnoli, G i o v a n n i Rossi, Oreste Ristori, Antonio Picarollo, e m u i t o s outros e n q u a n t o vai crescendo o movimento, com os Congressos que se vão r e u n i n d o , com a f o r m a ç ã o de uniões, com a e x p a n s ã o do 136 m o v i m e n t o sindical. E conclui que " f o i t ã o g r a n d e a p a r ticipação do operário i m i g r a n t e que levou os poderes públicos a t o m a r u m a a t i t u d e em d e f e s a dos i n d u s t r i a i s , r e p r e s e n t a d a pela lei Adolfo Gordo, que p e r m i t i a p u n i r e expulsar t r a b a l h a d o r e s e s t r a n g e i r o s e d e p o r t a r os n a c i o n a i s " . A n t e s m e s m o de ser s a n c i o n a d a , s e r v i r a p a r a p u n i r v á r i a s vezes o " a g i t a d o r e s t r a n g e i r o , responsável ú n i c o p e l a crise social." E i n f o r m a que " s ã o c o n s t a n t e s a s n o tícias de prisões, d e p o r t a ç õ e s e expulsão a t r a v é s da lei Adolfo Gordo. A i m p r e n s a operária, j á b a s t a n t e d e s e n volvida n e s s a época, é rica e m d e n ú n c i a s e i n f o r m a ç õ e s sobre essas perseguições. A f a s t a d o s assim e l e m e n t o s que q u a s e s e m p r e e r a m considerados b a n d i d o s e desordeiros, sendo processados s u m a r i a m e n t e . " (pág. 54) N e m s e m p r e essas d e p o r t a ç õ e s a t e n d e r a m aos i n t e resses d a política i m i g r a t ó r i a que o Brasil d e s e j a v a r e a lizar. Q u a n d o se t r a t a v a de d e p o r t a d o s de m a i o r c a t e g o ria, ao c h e g a r e m à I t á l i a , m o s t r a v a m quais a s condições de vida que c e r c a v a m o t r a b a l h a d o r italiano, o que n ã o podia d e i x a r de c o n c o r r e r p a r a o e n f r a q u e c i m e n t o d a s correntes imigratórias italianas. De q u a l q u e r modo, a d é c a d a de 1900 t r a d u z o p o n t o m a i s a l t o da e x p a n s ã o e f o r t a l e c i m e n t o da i m p r e n s a o p e r á r i a n o Brasil, com o concurso dos t r a b a l h a d o r e s alien í g e n a s que t o m a r a m a iniciativa de u m proselitismo i m e d i a t o . Depois viria o declínio, ou o e n f r a q u e c i m e n t o d a s c o r r e n t e s i m i g r a t ó r i a s d e s t i n a d a s ao Brasil. F a l t a r i a , p o r é m , a esse q u a d r o t ã o s u c i n t o da p r e sença da i m p r e n s a n a d é c a d a de 1900-1909, o t e s t e m u n h o de u m a d a s f i g u r a s m a i s i m p o r t a n t e s que a v i v e r a m e a i l u s t r a r a m com u m a descrição vigorosa. R e f e r i m o - n o s a L i m a B a r r e t o e à s s u a s Recordações do Escrivão Isaías Caminha. Ele p r ó p r i o j o r n a l i s t a m i l i t a n t e , n e s s a p r i m e i r a d é c a d a do século vinte. Não f a l t a , de certo, à s s u a s impressões, u m a n o t a s a r c á s t i c a que, se n ã o d e t u r p a os fatos, de c e r t o lhes d e s f i g u r a os contornos. E é curioso que esse j o r n a l i s t a , c u r t i d o p e l a s decepções e r e v o l t a d o c o n t r a a s i n j ú s t i ç a s sociais, n ã o se d e t é m n a s f o l h a s que o c o n f o r m i s m o i n s p i r a v a , ou dirigia. P r e f e r e o órgão que s u r g i r a p a r a t r a v a r a l u t a n e c e s s á r i a c o n t r a os governos instituídos. O t o m de s á t i r a n ã o esmorece n a s s u a s n a r - 137 r a t i v a s tão p r ó x i m a s da realidade, n u m r o m a n c e à clef em que está p r e s e n t e E d m u n d o B i t t e n c o u r t , com as f i g u r a s m a i s i m p o r t a n t e s da r e d a ç ã o do Correio da Manhã, com Leão Veloso, Vicente Piragibe, Costa Rego, M á r i o Cataruzza, Viriato Correia, C â n d i d o Lage, J o ã o I t i b e r ê d a C u n h a , G a s t ã o Bousquet, F l o r i a n o de Lemos, Chico Souto e outros. C o m p l e t a r a m - s e a s r e f e r ê n c i a s com o u t r a s f i g u r a s do j o r n a l i s m o do tempo, como Coelho Neto, A f r â n i o Peixoto, e J o ã o do Rio, que seria o g r a n d e r e p ó r t e r da década. São r e t r a t o s que talvez p e q u e m pelo e x a g e r o d a fidelidade. Não h á retoques, o que v e m f a c i l i t a r a identificação, p a r a os estudiosos e os críticos d a s Recordações do Escrivão Isaías Caminha. Por isso m e s m o os q u a d r o s que o livro n o s o f e r e c e p o d e r i a m servir p a r a c o m p l e t a r a p r e s e n ç a do j o r n a l i s m o , n a p r i m e i r a d é c a d a do século vinte. Veja-se, por exemplo, como ele descreve a r e d a ç ã o do Correio da Manhã, que n ã o é s e n ã o O Globo de s u a n a r r a t i v a : " E r a u m a sala pequena, m a i s c o m p r i d a que larga, com d u a s filas p a r a l e l a s de m i n ú s c u l a s mesas, em que se s e n t a v a m os r e d a t o r e s e r e pórteres, escrevendo e m m a n g a s de c a m i s a . P a i r a v a no a r u m f o r t e cheiro de t a b a c o ; os bicos de gás q u e i m a v a m baixo e e r a m m u i t o s . O espaço e r a d i m i n u t o , a c a n h a d o e b a s t a v a que u m r e d a t o r a r r a s t a s s e u m pouco a c a d e i r a p a r a e s b a r r a r n a s m e s a s detrás, do vizinho. U m t a bique s e p a r a v a o g a b i n e t e do Diretor, o n d e t r a b a l h a v a m o Secretário e o r e d a t o r c h e f e ; e r a t a m b é m de superfície d i m i n u t a , m a s d u a s j a nelas p a r a a rua davam-lhe ar, desafogavamn o m u i t o . E s t a v a n a r e d a ç ã o do O Globo, j o r n a l de g r a n d e circulação, diário e m a t u t i n o , r e c e n t e m e n t e f u n d a d o e j á dispondo de g r a n d e prestígio sobre a opinião pública". De u m modo geral, Lima B a r r e t o n ã o a d m i r a a i m p r e n s a , vendo nela, como dirá, " a m a i s t i r â n i c a m a n i f e s t a ç ã o do capitalismo e a m a i s t e r r í v e l . . . É u m p o d e r 138 vago, sutil, ignorado, que só poucas i n t e l i g ê n c i a s p o d e m c o l h e r - l h e a f o r ç a e a essencial a u s ê n c i a d a m a i s e l e m e n t a r m o r a l i d a d e , dos m a i s r u d i m e n t a r e s s e n t i m e n t o s de j u s t i ç a e h o n e s t i d a d e ! São g r a n d e s empresas, p r o p r i e d a de de v e n t u r o s o s donos, d e s t i n a d o s a l h e s d a r o d o m í n i o sobre as m a s s a s , e m c u j a l i n g u a g e m f a l a m , e a c u j a i n f e r i o r i d a d e m e n t a l v ã o ao e n c o n t r o , c o n d u z i n d o os governos, os c a r a c t e r e s p a r a os seus desejos inferiores, p a r a os seus atrozes lucros b u r g u e s e s . . . Não é f á c i l a u m indivíduo qualquer, pobre, cheio de g r a n d e s idéias, f u n d a r u m que os c o m b a t a . H á necessidade de d i n h e i r o ; são p r e cisos, p o r t a n t o , c a p i t a l i s t a s que d e t e r m i n e m e i m p o n h a m o que se deve f a z e r n u m j o r n a l . — Vocês v e j a m : a n t i g a m e n t e , e n t r e nós, o j o r n a l e r a de F e r r e i r a de A r a ú j o , de José do Patrocínio, de F u l a n o , de B e l t r a n o . . . H o j e de q u e m são? A Gazeta é do G a f f r é , o País é de Visconde d e Morais ou do S a m p a i o , e assim por d i a n t e . E p o r d e t r á s deles estão os estrangeiros, s e n ã o inimigos nossos, m a s q u a s e s e m p r e i n d i f e r e n t e s às n o s s a s a s p i r a ç õ e s " . . . E r a , de certo, a opinião de u m a das p e r s o n a g e n s do r o m a n c e . M a s o que d a v a i m p o r t â n c i a a essas p a l a v r a s é q u e elas v i n h a m da p e r s o n a g e m , A n d r a d e , que p e r s o n i f i c a v a o p r ó p r i o a u t o r do r o m a n c e . Outros traços não menos característicos surgiram nesse d o c u m e n t á r i o excelente da p r i m e i r a d é c a d a do século vinte. Como s e j a a p r e s e n ç a , n a r e d a ç ã o da f o l h a que ele descreve, de u m d e f e n s o r do p u r i s m o d a l i n g u a g e m , n a f i g u r a do Dr. Lobo, que n ã o e r a m a i s do que C â n d i d o Lago, i n c o n f o r m a d o com o i d i o m a que se f a l a v a n o Brasil. " I s t o que se f a l a aqui n ã o é l í n g u a , n ã o é n a d a ; é u m v a z a d o u r o de imundícies. Se F r e i Luis de Souza ressuscitasse, n ã o r e c o n h e c e r i a a s u a bela l í n g u a n e s s a a m á l g a m a , n e s s a m i s t u r a de galicismos, de a f r i c a n i s m o s , i n dianismos, anglicismos, cacofonias, cacotenias, hiatos, col i s õ e s . . . Um i n f e r n o ! " E r a a p r e s e n ç a de u m fiscal do p u r i s m o n u m a r e d a ç ã o a b e r t a a t o d a s a s irreverências. O que v i n h a c o n s t i t u i r u m a t e n d ê n c i a da época, n u m a f a s e e m que se p u b l i c a v a " A R é p l i c a " de R u i B a r b o s a e n o qual C â n d i d o de Figueiredo p o n t i f i c a v a n a r e d a ç ã o do Jornal do Commercio. 139 Não era muito, como e s t a m o s vendo, o que se p e r mitia, n u m a f o l h a c o n s i d e r a d a sem compromissos, à i n f l u ê n c i a d a s c o r r e n t e s l u s i t a n a s . Ainda assim, c o n s t i t u í a u m começo da reação, e t a n t o b a s t a v a p a r a d e s l u m b r a r o n a t i v i s m o e x a l t a d o de Luís E d m u n d o . M a s que n ã o era tão a m p l a a rebeldia, é o que se pode d o c u m e n t a r com u m episódio que se inclui n a s Recordações do Escrivão Isaías Caminha. Conta ele que, em certo m o m e n t o , surgia n o s Apedidos do Jornal do Commercio, explorando u m a frase equívoca de u m dos artigos de O Globo, a d e n ú n c i a de que ele p a s s a v a a f i g u r a r e n t r e os inimigos da Colônia portuguesa. Dava-se, como prova dessa a t i t u d e , o f a t o de que n ã o h a v i a u m só p o r t u g u ê s n a s u a r e d a ç ã o , coisa r e a l m e n t e r a r a n o j o r n a l i s m o da época. Qual foi a r e a ç ã o de O Globo? C o n t a L i m a B a r r e t o que o p r ó p r i o d i r e t o r do jornal, Ricardo L e g o r a n t , ao t o m a r c o n h e c i m e n t o do "Apedido" do Jornal do Commercio, dirigiu-se a u m dos seus r e d a t o r e s , i d e n t i f i c a d o como I t i b e r ê da C u n h a n a c h a v e de seus p e r s o n a g e n s , e lhe p e r g u n t o u : — Conhece aí a l g u é m c a p a z ? — Qual, n ã o h á ! — Como p o d e r í a m o s a r r a n j a r u m p o r t u g u ê s p a r a r e dator, dize l á ? Nesse propósito, p e d i a - s e ao c h e f e do g a b i n e t e d a m o n a r q u i a l u s i t a n a a indicação de u m r e d a t o r p o r t u g u ê s . E lá veio o r e d a t o r que f a l t a v a , p a r a restabelecer o p r e s tígio de O Globo, e m f a c e da colônia p o r t u g u e s a . O q u e o g e r e n t e da f o l h a f e s t e j a v a como u m a g r a n d e conquista, opinando: — É b o m . . . Vocês sabem, sem português, n a d a aqui vai a d i a n t e . Os patrícios exigem, é justo, eles são t a l v e z t r e z e n t o s mil, p a g a m rios de d i n h e i r o e m a n ú n c i o s — é justo!" Pior seria q u a n d o surgissem o u t r a s i n f l u ê n c i a s e s t r a n g e i r a s e n ã o m a i s em f a c e de u m a n a ç ã o que, n ã o o b s t a n t e t o d a s a s s u a s glórias passadas, n ã o c h e g a v a m a i s a c o n s t i t u i r a m e a ç a p a r a q u e m quer que fosse. A i n d a n e s s a fase, t r a t a v a - s e de u m a colônia p r e s e n t e n o Brasil e que, por isso mesmo, n ã o poderia ser de todo i n d i f e - 140 r e n t e aos interesses do país e m que se i n s t a l a r a . Pior seria q u a n d o a d e p e n d ê n c i a se fizesse s e n t i r e m f a c e de e s t r a n g e i r o s que c o n t i n u a s s e m a residir f o r a do Brasil e aqui se fizessem r e p r e s e n t a r por meio de prepostos m a i s r e a l i s t a s do que o rei e, por isso mesmo, m a i s ávidos de lucros com que d o c u m e n t a s s e m a s u a eficiência. 141 O ACERVO DA BIBLIOTECA NACIONAL I — Coleções e x i s t e n t e s a t é 1900 I I — Coleções i n c o r p o r a d a s e n t r e 1900-1910. Levantamentos numéricos I I I — A i n s t a l a ç ã o do acervo n o novo prédio. A n t e c e d e n t e s , 1900-1910 Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha R e t r a ç a r a h i s t ó r i a d a i n c o r p o r a ç ã o ao acervo de coleções que, n a Biblioteca Nacional, se a c h a m d i s s e m i n a d a s n a s i n ú m e r a s e s t a n t e s , e n t r e obras a n t i g a s e diversas, n ã o é f á c i l t a r e f a , acrescida d a c i r c u n s t â n c i a de que i n v e n t á r i o s precisos n ã o f o r a m c o m p l e t a d o s e estão d e f a sadas, por divergências de critérios, a s i n f o r m a ç õ e s que a l g u n s relatórios m e n c i o n a m . Assim é que, p a r a i n f o r m a r sobre o acervo e x i s t e n t e n a instituição, o b j e t o deste estudo, a f i g u r o u - s e m a i s objetivo r e l a c i o n a r a e n t r a d a cronológica d a s coleções. E m b o r a o acréscimo do acervo fosse t a m b é m feito pela p a u l a t i n a a n e x a ç ã o do m a t e r i a l bibliográfico, a r e f e r ê n c i a a g r a n d e s c o n j u n t o s , i n c o r p o r a d o s em u m a m e s m a o p o r t u n i d a d e , é que p e r m i t e j u l g a r como o p r o b l e m a primordial, espaço, se a g r a v a v a pouco a pouco e como n o s dois prédios que a b r i g a r a m o p r i n c i p a l acervo bibliográfico do país, em a p r o x i m a d a m e n t e cerca de c i n q ü e n t a a n o s de i n s t a lação em c a d a u m , c o n s t a t o u - s e a r e a l impossibilidade d e m a n t e r , em condições a d e q u a d a s , t a n t a s preciosidades. A t u a l m e n t e , d i s s e m i n a d a s as coleções n a s v á r i a s d e p e n d ê n c i a s d a instituição, s o m e n t e a s seções que c o m p õ e m a a t u a l Divisão de R e f e r ê n c i a Especializada t ê m p r e t e n d i d o r e u n i r e m c a t á l o g o s especiais, os acervos que p e r t e n c e m a c a d a u m a delas, com o objetivo de r e c o n s t i t u i r os p r i n c i p a i s f u n d o s i n c o r p o r a d o s e m diversas ocasiões. P o r é m , a m a i o r p a r t e e s t á a e s p e r a r igual p r e o c u p a ção, j á que se g u a r d a n o Acervo G e r a l o g r a n d e m o n t a n t e do m a t e r i a l bibliográfico. Unidos os esforços, p o d e r - s e - á r e c o n s t i t u i r os diversos c o n j u n t o s que r e f l e t e m épocas e m e n t a l i d a d e s diversas. 136 I — Coleções e x i s t e n t e s a t é 1900 A instalação, n o Rio de J a n e i r o , da R e a l Biblioteca, p r o p r i e d a d e p a r t i c u l a r da F a m í l i a R e a l P o r t u g u e s a , d e corre da t r a n s f e r ê n c i a da corte e m 1808, f a t o que a h i s tória registra e que t e m sido i n ú m e r a s vezes repetido. Reconstituído depois do t e r r e m o t o de Lisboa, o c o n j u n t o bibliográfico c o n s t a v a de v á r i a s coleções a d q u i r i das ou d o a d a s e a g r u p a v a cerca de 6-0.000 v o l u m e s n a época de s u a i n s t a l a ç ã o n o h o s p i t a l do C o n v e n t o do Carmo. C i t a m - s e e n t r e a s p r i n c i p a i s coleções a c r e s c i d a s ao núcleo inicial f o r m a d o pela Biblioteca R e a l e Biblioteca do I n f a n t a d o : 1770-1773 — Coleção Barbosa M a c h a d o , d o a d a ao Rei com q u a t r o mil e t r e z e n t a s e u m a obras e m cinco mil setecentos e sessenta e q u a t r o volumes. 1783 — Coleção do Cardeal da C u n h a , a d q u i r i d a após s u a m o r t e n e s t a d a t a e c o m p o s t a de u m mil d u z e n t o s e t r i n t a e q u a t r o obras. 1790 — Coleção de livros do Colégio de Todos os S a n t o s , s i t u a d o n a I l h a de São Miguel, nos Açores, c o n f i s cados após a extinção da C o m p a n h i a de Jesus, à q u a l p e r t e n c i a m ; poucos f o r a m incorporados, em d e c o r r ê n c i a do m a u estado de conservação. 1811 — Espólio de F r e i M a r i a n o d a Conceição Velloso. Doados ao Rei a p r o x i m a d a m e n t e dois mil e q u i n h e n tos volumes, m a n u s c r i t o s originais, p r a n c h a s g r a v a d a s em cobre. 137 1815 — Espólio de M a n u e l I n á c i o d a Silva Alvarenga, mil q u i n h e n t o s e s e t e n t a e seis volumes adquiridos a u m livreiro. 1818 — Coleção José d a Costa e Silva. Adquiridos d e s e n h o s originais, livros, m a n u s c r i t o s , e s t a m p a s g r a v a d a s . 1819 — Coleção do Conde d a B a r c a (Coleção A r a u j e n s e ) . Adquiridas d u a s mil t r e z e n t a s e s e s s e n t a e cinco o b r a s em seis mil t r e z e n t o s e vinte e nove volumes. Até a I n d e p e n d ê n c i a do Brasil, a R e a l Biblioteca c o n t i n u a v a a i n d a a ser acrescida por d e t e r m i n a ç ã o real, com " p r o p i n a s " , i. e., a e n t r e g a de u m e x e m p l a r de todos os papéis impressos em o f i c i n a s t i p o g r á f i c a s de P o r t u g a l ( a l v a r á de 12 de s e t e m b r o de 1805) e t a m b é m pelo m a t e r i a l impresso n a I m p r e s s ã o Régia, i n s t a l a d a n o Rio de J a n e i r o . Pela Convenção Adicional ao T r a t a d o de P a z e A m i zade, de 29 de agosto de 1825, a s s i n a d o e n t r e Brasil e Portugal, foi i n d e n i z a d a a F a m í l i a R e a l P o r t u g u e s a p e l a s s u a s p r o p r i e d a d e s p a r t i c u l a r e s que t i n h a m f i c a d o n o B r a sil, p a g a n d o nosso país a s o m a de dois m i l h õ e s de libras e s t e r l i n a s ; e n t r e elas e s t a v a incluída a R e a l Biblioteca. T ã o logo se r e g u l a r i z a r a m os serviços a d m i n i s t r a t i v o s , j á em 12 de n o v e m b r o de 1822, d e t e r m i n a v a o governo i m p e r i a l que f o s s e m e n t r e g u e s à Biblioteca I m p e r i a l e Pública d a Corte u m e x e m p l a r de t o d a s a s obras, f o l h a s periódicas e v o l a n t e s que se i m p r i m i s s e m n a T i p o g r a f i a Nacional. E s t a legislação sofre, d u r a n t e o período em estudo, v á r i a s a l t e r a ç õ e s : em 1847, em 1853, e s t e n d e n d o a o b r i g a t o r i e d a d e a t o d a s a s t i p o g r a f i a s do I m p é r i o a i n d a e m 1865, a t é que e m 20 de d e z e m b r o de 1907, o d e c r e t o n.° 1825, a i n d a h o j e e m vigor, dá i n s t r u ç õ e s precisas p a r a a s u a execução. Além da aquisição e c o n t r i b u i ç ã o legal, doações t a m bém continuaram a enriquecer o patrimônio nacional. C o n t i n u a n d o a d i s c r i m i n a r as g r a n d e s coleções i n c o r p o r a d a s a o acervo, r e g i s t r a - s e : 1824 — Coleção F r a n c i s c o de Melo F r a n c o , adquiridos m i l q u i n h e n t o s e n o v e n t a volumes. 1832 — I n c o r p o r a d a por e s t a época, a Coleção do M a r quês de S a n t o A m a r o , c e n t o e quinze p a s t a s com d o - 138 c u m e n t o s (papéis relativos à a d m i n i s t r a ç ã o do P r i n c i p e - R e g e n t e ) . P o s t e r i o r m e n t e p e r m u t a d a com P o r tugal. 1838 — Coleção José Bonifácio de A n d r a d a e Silva. D o a dos cinco mil volumes (ciências n a t u r a i s , edições tipográficas, literárias, m a n u s c r i t a s , c a r t a s a u t ó g r a f a s ) pela s u a f a m í l i a . 1853 — Coleção P e d r o de Angelis. Adquiridas em leilão: mil setecentos e dezessete obras, em dois mil s e t e c e n tos e q u a r e n t a e sete volumes, e mil d u z e n t o s e n o v e n t a e cinco m a n u s c r i t o s . 1853 — Por disposição t e s t a m e n t á r i a , Coleção Dr. Antônio Correia de L a c e r d a : o b r a s e m a n u s c r i t o s i m p o r t a n t e s ligados à h i s t ó r i a n a t u r a l e clínica médica. 1859 — Doação do Dr. Domingos José Gonçalves de M a g a l h ã e s : v i n t e e sete o b r a s f r a n c e s a s e i t a l i a n a s . 1872 — Dr. Felipe Lopes Neto doa d u a s mil c e n t o e s e t e n t a e d u a s obras, r e f e r e n t e s ao Chile, a b r a n g e n d o todos os r a m o s do c o n h e c i m e n t o h u m a n o . 1872 — Doação do Dr. A l e x a n d r e José de Melo M o r a i s : preciosos d o c u m e n t o s m a n u s c r i t o s , livros de registro da correspondência oficial dos Vice-Reis e G o v e r n a dores da B a h i a . 1873 — Coleção M a n u e l F e r r e i r a Lagos: aquisição à viúva de t r ê s mil q u a t r o c e n t o s e s e t e n t a e cinco volum e s impressos, c e n t o e q u a r e n t a e seis c a r t a s geográficas, duzentos e t r i n t a e u m m a n u s c r i t o s , dois mil folhetos, u m volume de e s t a m p a s . 1874 — Coleção Antônio José de Oliveira B a r b o s a : j u n t o de e s t a m p a s r a r a s . con- 1875 — Aquisição p e l a Direção de copiosa bibliografia de Camões, incluindo versões e t r a b a l h o s críticos. 1877 — Coleção J o ã o Antônio Alves de C a r v a l h o : a q u i sição de s e t e c e n t o s e s e t e n t a e q u a t r o e s t a m p a s e t r e z e n t o s e n o v e n t a e sete r e t r a t o s . 1878 — Coleção Rodrigo de L i m a F e l n e r : a d q u i r i d a de seu espólio n o leilão em Lisboa, c o m p r e e n d e sobret u d o m a n u s c r i t o s r e f e r e n t e s ao Brasil. 139 1878 — Coleção Melo M o r a i s : aquisição p e l a Direção, de s e s s e n t a e q u a t r o volumes de m a n u s c r i t o s . 1878 — Aquisição pela Direção, de o i t e n t a e s t a m p a s de G o y a . Caprichos. 1879 — Coleção Marqueses de Castelo Melhor, aquisição pela Direção no leilão e m Lisboa: m a n u s c r i t o s p r e ciosos r e f e r e n t e s ao Brasil. 1879 — D o a ç ã o do B a r ã o Rodolfo de Vasconcelos: d u z e n tos e u m preciosos livros de f a m o s o s t i p ó g r a f o s e obras r a r a s . 1880 — Aquisição pela Direção, de s e t e n t a e nove e s t a m p a s l i t o g r á f i c a s d a obra de Victor F r o n d " B r a s i l p i t toresco". 1880 — D o a ç ã o do Conselheiro F r a n c i s c o O c t a v i a n o de Almeida R o s a : t r i n t a e oito m a n u s c r i t o s i m p o r t a n t e s . 1881 — Aquisição p e l a Direção, de valioso c o n j u n t o de e s t a m p a s h o l a n d e s a s r e l a t i v a s ao período histórico d a d o m i n a ç ã o h o l a n d e s a n o Nordeste do Brasil. 1881 — Coleção Visconde do Rio Branco, d o a d a p o r seu filho, o B a r ã o do Rio B r a n c o : papéis, c a r t a s e doc u m e n t o s coligidos por ocasião de s u a s missões d i p l o m á t i c a s n o Rio da P r a t a e G u e r r a do P a r a g u a i ( a t u a l m e n t e , n e s t e a n o de 1980, foi por o r d e n s s u p e riores c o n f i a d a p a r t e d a d o c u m e n t a ç ã o ao Ministério d a s Relações Exteriores, p a r a e n t r e g a a o G o v e r n o Paraguaio). 1881 — Coleção Conselheiro P e d r o de A l c â n t a r a B e l l e g a r de, d o a ç ã o de seu genro. 1882 — D o a ç ã o do d i p l o m a t a José G u r g e l do A m a r a l V a l e n t e : s e s s e n t a e oito o b r a s em cento e dezessete volumes, r e l a t i v o s ao C a n a d á , incluindo m a p a s e s t a tísticos e c a r t a s geográficas. 1882 — Doação do Conselheiro Felipe Lopes N e t o : c e n t o e o i t e n t a e d u a s o b r a s e m t r e z e n t o s e dezenove volumes, r e l a t i v a s a s i s t e m a s p e n i t e n c i á r i o s e p u b l i c a d a s n a Europa e América. 1882 — D o a ç ã o do C o m e n d a d o r José P e d r o W e r n e c k R i beiro de A g u i l a r : o i t e n t a e q u a t r o volumes sobre o Chile. 140 1883 — Adquiridas pela Direção, a José Rodolfo M a r c o n des do A m a r a l e s t a m p a s originais e desenhos. 1883 — Aquisição pela Direção, do espólio do Dr. J . A. de Melo Morais, m a n u s c r i t o s e o b r a s r a r a s . 1884 — F o r a m a d q u i r i d a s pela Direção, a Miguel N a v a r r o Canizares, o i t e n t a e s t a m p a s g r a v a d a s a á g u a - f o r t e , de a u t o r i a do a r t i s t a Salvador Rosa. 1884 — Doação do M a r e c h a l H e n r i q u e de B e a u r e p a i r e R o h a n , de a l m a n a q u e s , revistas, folhetos, v e r s a n d o sobre h i s t ó r i a política, m i l i t a r e l i t e r á r i a do Brasil. 1884 — Coleção Salvador de M e n d o n ç a , d o a d a pelo Cônsul do Brasil em Nova York, Dr. Salvador de M e n d o n ç a : cento e v i n t e e d u a s obras em d u z e n t o s e quinze volumes, sete m a n u s c r i t o s e a i n d a e s t a m p a s . D e s t a ca-se, n o c o n j u n t o , o m a t e r i a l r e f e r e n t e ao d o m í n i o h o l a n d ê s n o Brasil, peças da m a i o r r a r i d a d e e i m p r e s s a s no século XVII. Sobre e s t a doação, foi p u b l i c a d a notícia n o " ' J o r n a l do Commercio" de 13.6.1884. 1884 — Do adido do Corpo Diplomático, l o t a d o n a E m b a i x a d a do Brasil, em Lima, Dr. José Augusto de S a l d a n h a da G a m a , recebeu a Biblioteca N a c i o n a l u m i m p o r t a n t e c o n j u n t o de obras a n t i g a s e m o d e r n a s , r e f e r e n t e s ao P e r u . Ainda por seu intermédio, f o r a m d o a d a s obras de P e d r o Paz Soldan (publicadas com o p s e u d ô n i m o de J u a n de A z o n a ) . 1885 — Por i n t e r m é d i o do E n c a r r e g a d o de Negócios do Brasil no Chile, C o m e n d a d o r Ribeiro de Aguilar, r e cebeu a i n s t i t u i ç ã o o f e r t a de mil c e n t o e quinze o b r a s d o a d a s pelo Conservador d a Biblioteca do Chile, Dr. R a u l Briseno. A notícia foi publicada, com d e s t a q u e , no " J o r n a l do C o m m e r c i o " de 7.2.1885. 1885 — Ainda por i n t e r m é d i o do m e s m o E n c a r r e g a d o de Negócios do Brasil n o Chile, f o r a m d o a d a s v á r i a s obras e u m a coleção dos Anales de la U n i v e r s i d a d de Chile, m o n t a n d o o t o t a l a o i t e n t a e q u a t r o volumes. 1885 — Coleção F r a n c o de Sá. P o r d e t e r m i n a ç ã o do M i n i s t r o de Negócios do Império, Dr. F r a n c i s c o F r a n c o de Sá, f o r a m recolhidos à Biblioteca Nacional seiscen- 141 t a s e c i n q ü e n t a e seis obras em n o v e c e n t o s e n o v e n t a e nove volumes, o b r a s que p e r t e n c e r a m ao Dr. José M a n u e l G a r c i a , professor do I m p e r i a l Colégio D. P e dro II, m a t e r i a l especializado em E d u c a ç ã o e L i n güística. 1886 — Adquiridos pela Direção, a o Dr. J o ã o A n t ô n i o Alves de Carvalho, livros e q u a t r o c e n t o s e u m m a p a s , peças de g r a n d e i m p o r t â n c i a . 1887 — A t r a v é s do Dr. E d m u n d C h a s Preiss, recebeu a Biblioteca Nacional, d o a ç ã o do H y d r o g r a p h i c B u r e a u , W a s h i n g t o n , n u m t o t a l de s e s s e n t a e seis c a r t a s geográficas. 1888 — Do Dr. V i c e n t e G. Quesada, recebeu d o a ç ã o de o b r a s sobre a A r g e n t i n a . 1889 — D o a ç ã o de o b r a s r e l a t i v a s à Colômbia, e n c a m i n h a d a s pelo D i r e t o r d a Biblioteca de Colômbia, D r . José Rivas G r o o t . 1889/1890 — Coleção J o ã o A n t ô n i o M a r q u e s ; seu p r o p r i e t á r i o doa u m a d a s m a i s valiosas d o c u m e n t a ç õ e s b i b l i o g r á f i c a s a t é e n t ã o recebidas. C o m p u n h a - s e de t r ê s mil n o v e c e n t a s e v i n t e obras e m seis mil t r e z e n t o s e nove volumes i m p r e s s o s e a i n d a a l g u n s m a n u s c r i t o s relativos a o Brasil. O c o n j u n t o a b r a n g e o b r a s r a r í s s i mas, i n c u n á b u l o s e edições prínceps. 1890 — A d q u i r i d a s p e l a Direção, ao espólio do D r . José F e r n a n d e s d a Costa P e r e i r a , obras sobre j u r i s p r u d ê n cia e s t r a n g e i r a , n u m t o t a l de m i l oitocentos e s e s s e n t a e q u a t r o volumes. 1890 — Coleção Biblioteca F l u m i n e n s e , precioso c o n j u n to doado pelo Conde de Figueiredo que a d q u i r i u o espólio de F r a n c i s c o A n t ô n i o Marques, n a í n t e g r a , e o doou à BN. C o m p u n h a - s e de d u a s mil s e i s c e n t a s e v i n t e e d u a s obras, m i l e q u a r e n t a f o l h e t o s e d u z e n t o s e q u a r e n t a e u m m a n u s c r i t o s de i m p o r t a n t e valor bibliográfico. 1891 — c o m o a d v e n t o d a República, é i n c o r p o r a d a à Biblioteca N a c i o n a l o acervo bibliográfico do a n t i g o Conselho de Estado, e m a t u a ç ã o n o período I m p e r i a l . 142 C o m p u n h a - s e o c o n j u n t o de dois mil c e n t o e o i t e n t a volumes. 1891 — Adquiridos pela Direção, d u z e n t o s e c i n q ü e n t a e nove obras em t r e z e n t o s e s e s s e n t a e nove volumes, p e r t e n c e n t e s a Antônio José Vieira Leal. 1891 — A e n t r a d a da Coleção T e r e s a Cristina M a r i a m a r ca época nos f a s t o s d a Biblioteca Nacional. D o a d a pelo e x - I m p e r a d o r D. P e d r o II, com d e t e r m i n a ç ã o e x pressa de que fosse c o n s e r v a d a sob aquela d e n o m i n a ç ã o . C o m p u n h a - s e o c o n j u n t o de q u a r e n t a e oito mil volumes e n c a d e r n a d o s , b r o c h u r a s , fascículos, f o lhetos, revistas, e s t a m p a s , músicas, m a p a s , m a n u s c r i tos e m a p a s em relevo, n ã o c o m p u t a d o s n o seu t o t a l . Foi a m a i o r doação j á recebida pela instituição. 1892 — C o m p l e t a n d o a Coleção João Antônio Marques, seus h e r d e i r o s d o a r a m à BN m a i s n o v e n t a e oito obras em c e n t o e s e s s e n t a volumes e q u i p a r a d o s a o s d e m a i s pela r a r i d a d e . 1895 — Adquiridas pela Direção a J o a q u i m C a e t a n o Melo q u a r e n t a e cinco e s t a m p a s . de 1895 — Adquiridas pela Direção ao C o m e n d a d o r A. J . de Oliveira B a r b o s a : duzentos e o i t e n t a e oito e s t a m p a s de a s s u n t o s relacionados com h i s t ó r i a e c o s t u m e s do Brasil, peças m u i t a s delas ú n i c a s conhecidas, e a i n d a e s t a m p a s de a r t i s t a s e u r o p e u s e, t a m b é m , m a n u s critos. 1895 — Adquiridos pela n a ç ã o d o c u m e n t o s incluídos n a Coleção Conde de L i n h a r e s , leiloada em Lisboa. R e p a r t i d a a d o c u m e n t a ç ã o e n t r e o Arquivo Nacional, Ministério das Relações Exteriores e Biblioteca Nacional, coube a esta ú l t i m a u m c o n j u n t o de dois m i l oitocentos e q u a r e n t a e nove documentos, c i n q ü e n t a e t r ê s o b r a s impressas, q u a r e n t a e d u a s c a r t a s geog r á f i c a s m a n u s c r i t a s em s e s s e n t a e u m a f o l h a s e vinte desenhos. 1896 — Adquirida pelo Governo a Coleção P i m e n t a B u e n o . A d o c u m e n t a ç ã o i m p o r t a n t e , s o b r e t u d o em r e l a ç ã o ao Estado de M a t o Grosso, e r a c o n s t i t u í d a de seiscentos e quinze m a p a s , dos quais t r e z e n t o s e dezenove i m - 143 pressos e d u z e n t o s e n o v e n t a e seis m a n u s c r i t o s e, a i n d a , q u a r e n t a m e m ó r i a s m a n u s c r i t a s , em códices e n c a d e r n a d o s . A coleção foi p a r t i l h a d a com o M i n i s t é rio d a s Relações Exteriores. 1896 — P o r i n t e r m é d i o d a Legação do Brasil em Londres, recebeu o f e r t a do governo inglês: c o n j u n t o r e s u l t a n t e dos estudos e f e t u a d o s d u r a n t e a viagem de e x p l o r a ção do n a v i o " C h a l l e n g e r " . C o m p u n h a - s e a p u b l i cação de c i n q ü e n t a volumes, i n c l u i n d o ilustrações, m a p a s , planos, vistas, impressos l i t o g r a f i c a m e n t e com o t í t u l o : R e p o r t of t h e r e s u l t s scientific of t h e e x ploring voyage of H . M . S. C h a l l e n g e r 1873-1876. 1897 — São a d q u i r i d a s a Angelo Bertola e J u a n Cafiero o b r a s n o m a i s p e r f e i t o e s t a d o de conservação, i n c l u i n do i n c u n á b u l o s e edições r a r a s , sem n ú m e r o especificado. 1897 — D o a d a s pelo Sr. F r a n c i s c o R a m o s Paz n ú m e r o n ã o especificado de o b r a s e e s t a m p a s a d q u i r i d a s e e n v i a d a s p o r ocasião de s u a v i a g e m à E u r o p a . 1897 — Adquiridas p e l a Direção, e n c o m e n d a d a s a f i r m a s européias: u m mil trezentos e quarenta e u m a estamp a s de a r t i s t a s c o n t e m p o r â n e o s e a l g u m a s históricas. 1898 — D o a d a s pela L i v r a r i a L a e m m e r t q u a r e n t a e cinco teses e m l í n g u a a l e m ã . 1898 — A F a c u l d a d e de Medicina do Rio de J a n e i r o doa u m a coleção de teses d e f e n d i d a s n o s a n o s de 1896 e 1897. 1898 — Recebida d a Comissão e n c a r r e g a d a de c o m e m o r a r , em Lisboa, o 4.° c e n t e n á r i o do d e s c o b r i m e n t o do c a m i n h o m a r í t i m o p a r a a s í n d i a s , g r a n d e coleção de obras e opúsculos publicados e m P o r t u g a l , e relativos ao evento. 1898 — Doados pelo M i n i s t r o P l e n i p o t e n c i á r i o do Brasil, em vários países (Itália, Colômbia e E q u a d o r ) , f a r t a d o c u m e n t a ç ã o bibliográfica v e r s a n d o sobre aspectos da c u l t u r a do E q u a d o r , Venezuela, Nova G r a n a d a , São Domingos, El S a l v a d o r ; s e m n ú m e r o especificado. 1899 — D e s t a c a - s e a d o a ç ã o p o r F r a n c i s c o R a m o s Paz, de t r i n t a e n o v e o b r a s em q u a r e n t a e dois volumes e 144 a i n d a g r a n d e n ú m e r o de j o r n a i s e cem f o l h e t o s sobre vários assuntos. 1899 — Doação do Dr. Mário de Alencar, incluía n o acervo t r i n t a e nove obras em c i n q ü e n t a e u m volumes, r e l a cionadas com l i t e r a t u r a . 1899 — R a r a e preciosa coleção bibliográfica sobre o idiom a gaélico, u s a d o pelos primitivos celtas, foi d o a d a ,pelo Dr. Horácio A. d a Costa S a n t o s . 1899 — Incluídos n o acervo especializado de e s t a m p a s cerca de s e t e n t a e dois d i p l o m a s impressos l i t o g r a f i c a m e n t e , p e r m u t a d o s com o Sr. F r a n c i s c o Rodrigues Paiva, e treze peças l i t o g r á f i c a s satíricas, m a i s d e s e n h o s originais e e s t a m p a s que se e n c o n t r a v a m d e s locados, em outros setores d a m e s m a i n s t i t u i ç ã o . 1899 — E m b o r a s e j a r e f e r ê n c i a f e i t a a p e n a s a u m a p e ç a d o a d a à Biblioteca Nacional, m e r e c e registro: Á l b u m de adesões à F a m í l i a I m p e r i a l Brasileira, d a t a d o de 1888 e c u j a i n c o r p o r a ç ã o ao acervo, f e i t a p o r o r d e m do P r e s i d e n t e da República, D r . C a m p o s Sales, veio sobremodo enriquecer o p a t r i m ô n i o n a c i o n a l ; a l é m do valor intrínseco, t e m a valorizá-lo a esplêndida e preciosa decoração em p e d r a s preciosas e m e t a l n o b r e em estojo de m a d e i r a de lei. I I — Coleções i n c o r p o r a d a s e n t r e 1900-1901. Levantamentos numéricos Ao se iniciar o século XX, a i n c o r p o r a ç ã o de m a t e r i a l bibliográfico c o n t i n u a a ser a l i m e n t a d a pela c o n t r i b u i ç ã o legal ( a i n d a vigente a legislação de 1853), p o r c o m p r a s f e i t a s pela Direção e t a m b é m por valiosas doações e n c a m i n h a d a s à i n s t i t u i ç ã o por pessoas de esclarecido s e n t i m e n t o patriótico. 1900 — 179 um pra 145 Nesse ano, r e g i s t r a m - s e n a Seção de M a n u s c r i t o s itens de n o v a s aquisições, c o m p r e e n d e n d o q u a s e m i l h a r de d o c u m e n t o s recebidos por doação, c o m ou p e r m u t a . D e s t a c a v a - s e n o c o n j u n t o a coleção de seis volumes e n c a d e r n a d o s da correspondência a t i v a do G e n e r a l Carlos F r e d e r i c o Lecór. 1901 — V i e r a m a u m e n t a r os vários c o n j u n t o s bibliográficos, doações de v á r i a s pessoas, c u j o s t o t a i s r e g i s t r a m : mil c e n t o e q u a r e n t a e u m a o b r a s em mil d u z e n t o s e u m volumes; t r ê s m a p a s e mil e n o v e n t a e oito folhetos. Nestes totais, d e s t a c a m - s e as p e ç a s d o a d a s pelos Srs. A n t ô n i o José T o r r e s de Carvalho, que c o r r e s p o n d i a à coleção de o b r a s l i t e r á r i a s e h i s t ó r i c a s i m p r e s s a s em Elvas, P o r t u g a l ; obras p e r t e n c e n t e s a J o ã o Z e f e r i n o R a n g e l de S a m Paio, d o a d a s p o r s u a viúva; o b r a s e m grego sobre arqueologia e n u m i s m á tica, d o a d a s pelo Cônsul da Grécia, O t h o n L e o n a r d o s ; o b r a s e s c r i t a s pelo Dr. Emilio Goeldi, o sábio n a t u r a l i s t a , especializado em pássaros. 1901 — D o a ç ã o de a v u l t a d o n ú m e r o de obras n a c i o n a i s e e s t r a n g e i r a s , n a s u a m a i o r i a r e l a c i o n a d a s com c i ê n cias médicas, d o a ç ã o do Dr. F r a n c i s c o R o d r i g u e s Paiva. 1903 — D o a ç ã o d a f a m í l i a T a v a r e s Bastos, dos p a p é i s do Conselheiro A u r e l i a n o C â n d i d o T a v a r e s Bastos, r e l a cionados c o m questões de limites, negócios do Rio da P r a t a , a s s u n t o s diplomáticos, o r g a n i z a ç ã o d a s f o r ç a s brasileiras, o b r a s públicas, n a v e g a ç ã o do A m a z o n a s . I n c l u í a a i n d a a r t i g o s de j o r n a i s e discursos; r e c e n t e m e n t e foi p u b l i c a d o pelo S e n a d o F e d e r a l , u m catálogo. 1903 — Coleção W a l l e n s t e i n , papéis p e r t e n c e n t e s ao dip l o m a t a russo, r a d i c a d o n o Brasil e depositados p o r seu sogro n a Biblioteca Nacional, após s u a m o r t e . A d o a ç ã o originou u m a q u e s t ã o com o Sr. Norival de F r e i t a s , que se c o n s i d e r a n d o p r o p r i e t á r i o d a m e s m a , i m p u g n o u o ato. D e c o r r e n t e d a s p o n d e r a ç õ e s do Dir e t o r , r e g i s t r a d a s em processo e n c a m i n h a d o ao Min i s t r o d a J u s t i ç a e Negócios I n t e r i o r e s , a coleção foi f i n a l m e n t e a d q u i r i d a e i n c o r p o r a d a ao acervo d a S e ção de M a n u s c r i t o s . C o m p u n h a - s e de d o c u m e n t o s g u a r d a d o s e m q u a t o r z e l a t a s e m a i s dezessete códices. 1903 — E n t r a p o r c o m p r a a coleção de j o r n a i s e periódicos brasileiros o r g a n i z a d a pelo Conselheiro Miguel 146 A r c a n j o Galvão, c o m p r e e n d e n d o treze mil e sessenta e n t r a d a s de título e -mais o catálogo d a s peças, d i s t r i buído em doze c a d e r n o s . 1906 — D o a d a pela B a r o n e s a de Ladário, f a r t a d o c u m e n t a ç ã o : obras, e x t r a t o s de jornais, c a r t a s g e o g r á f i c a s m a n u s c r i t a s que h a v i a m p e r t e n c i d o a seu m a r i d o , o A l m i r a n t e B a r ã o de Ladário, cujos a s s u n t o s diziam respeito a limites, diplomacia, c a r t a s h i d r o g r á f i c a s e questões m i l i t a r e s e de f r o n t e i r a s . 1906 — Doação de r e v i s t a s e periódicos estrangeiros, sem estimativas, pelos Srs.: Dr. Miguel Lemos, Eng.° M i l i t a r T a n c r e d o F e r n a n d e s de Melo e Dr. B e l a r m i n o Carneiro. 1906 — Doação da S r a . M a r i a Luísa de Melo F r a n c o P o r c i ú n c u l a : obras p e r t e n c e n t e s a seu f i n a d o m a r i d o ; c o m p r e e n d i a a coleção de leis, relatórios de o b r a s e a s s u n t o s a d m i n i s t r a t i v o s do E s t a d o do Rio de J a neiro. 1906 — Ao colecionador J o ã o F e r r e i r a de A n d r a d e Leite f o r a m adquiridos t r ê s á l b u n s de c a r t a s a u t ó g r a f a s e d o c u m e n t o s vários. 1907 — Doação da Livraria F r a n c i s c o Alves e Cia. de q u a r e n t a e t r ê s desenhos originais a lápis, de a u t o r i a de R a u l Pompéia, que s e r v i r a m p a r a i l u s t r a r a s e g u n d a edição de sua o b r a " O A t e n e u " . 1908 — R e g i s t r a doações em g r a n d e n ú m e r o , p o r é m sem estimativas, f e i t a s pelos Srs. Dr. C a p i s t r a n o de Abreu, Dr. Miguel Lemos e Dr. F r a n c i s c o Rodrigues P a i v a . 1908 — Por doação t e s t a m e n t á r i a , são incluídas n o acervo mil e cem o b r a s e m mil e seiscentos volumes de a s s u n t o s relacionados com História, Direito e F i n a n ç a s ; legado do Conselheiro José Maurício F e r n a n d e s P e r e i r a de Barros. 1909 — R e g i s t r a a i n c o r p o r a ç ã o de outro i m p o r t a n t e n ú cleo da Coleção do Conselheiro Miguel A r c a n j o G a l vão — a u t ó g r a f o s e d o c u m e n t o s m a n u s c r i t o s . 1909 — I n c o r p o r a d o o arquivo do G e n e r a l F r a n c i s c o C a r los da Luz. 147 1909 — D o a ç ã o do Dr. G r a ç a A r a n h a , da coleção do j o r n a l " O Paiz", do E s t a d o do M a r a n h ã o , a b r a n g e n d o o período 1863-1885. 1909 — Doação, pela f a m í l i a de Luís Carlos M a r t i n s P e n a , de vinte e nove peças de teatro, de s u a a u t o r i a . 1910 — Doação do B a r ã o de S t u d a r t : v i n t e c a r t a s a ele e n d e r e ç a d a s e n t r e os a n o s 1891-1906, por José Alex a n d r e Teixeira de Melo, a n t i g o D i r e t o r da Biblioteca Nacional. 1910 — D o a ç ã o d a Sociedade de G e o g r a f i a de Lisboa, de obras sobre P o r t u g a l e s u a s colônias, p u b l i c a d a s e m c o m e m o r a ç ã o ao C e n t e n á r i o do d e s c o b r i m e n t o do c a minho marítimo para as Índias. 1910 — D o a ç ã o do Conselheiro José Antônio de Azevedo e Castro, delegado do T e s o u r o Brasileiro em L o n d r e s : d u a s mil e q u a r e n t a e cinco o b r a s em t r ê s mil e q u a t r o c e n t o s e q u a r e n t a e oito volumes — obras escolhidas de l i t e r a t u r a c o n t e m p o r â n e a inglesa e f r a n cesa. E s t a coleção foi d o a d a com a r e c o m e n d a ç ã o de c o n s t i t u i r a Coleção Visconde de T a u n a y " c o m o j u s t a h o m e n a g e m ao c a r á t e r e inteligência deste p r i m o r o s o escritor". U m a explicação sobre a coleção de Moedas e M e d a lhas, f a z - s e n e c e s s á r i a . O p r i m i t i v o G a b i n e t e de Moedas e M e d a l h a s , p e r t e n c e n t e à coleção r e a l p o r t u g u e s a , veio t r a n s f e r i d o n a m e s m a época que a coleção bibliográfica, p e r m a n e c e n d o n o m e s m o p r é d i o da R u a do C a r m o , a t é 1818. Nesta época, é i n c o r p o r a d o ao Museu Real, i n s t a l a d o no Rio de J a n e i r o e m 6 de j u n h o de 1818; o precioso m e a l h e i r o ali f i g u r o u a t é 1893. Com a r e f o r m a da Biblioteca Nacional em 1875 e a c r i a ç ã o de u m a subseção de Moedas e M e d a l h a s , s u b o r d i n a d a à 3. a Seção (ou s e j a e s t a m p a s ) o acervo n u m i s m á t i c o foi s e n d o p a u l a t i n a m e n t e enriquecido, inclusive Pela i n c l u s ã o do c o n j u n t o real, t r a n s f e r i d o do Museu N a cional em 1893, g r a ç a s ao e m p e n h o do Dr. R a m i z Galvão, desde a c r i a ç ã o d a subseção. 148 E m 1922, é n o v a m e n t e d e s m e m b r a d a a coleção n u m i s m á t i c a do acervo d a Biblioteca Nacional, sendo i n c o r p o r a d a ao Museu Histórico Nacional, a o n d e a t é p r e s e n t e m e n t e se e n c o n t r a . Por ocasião da m u d a n ç a d a R u a do Passeio p a r a o prédio da Avenida Rio Branco, a coleção de Moedas e M e d a l h a s j á a l c a n ç a v a o expressivo n ú m e r o de v i n t e e sete mil oitocentos e q u a r e n t a e sete peças. Ao f i n d a r o século XIX, o acervo se c o m p u n h a de: volumes — 247.180 (incluindo periódicos e músicas) c a r t a s g e o g r á f i c a s i m p r e s s a s — 2.479 d o c u m e n t o s m a n u s c r i t o s — 185.638 (incluindo c a r t a s e planos) códices m a n u s c r i t o s — 2.279 e s t a m p a s — 102.959 (incluindo d e s e n h o s ) m o e d a s e m e d a l h a s — 25.077 Os dados f o r a m e x t r a í d o s dos relatórios d a s Direções correspondentes, a t é o a n o de 1899, e m b o r a os c ô m p u t o s n e m s e m p r e espelhassem a r e a l s i t u a ç ã o do acervo. No período c o m p r e e n d i d o e n t r e 1900 e 1910, f o r a m ainda incorporados: obras — 39.864 e m 52.025 volumes c a r t a s geográficas i m p r e s s a s — 4.594 m ú s i c a s — 368 periódicos — 6.296 d o c u m e n t o s m a n u s c r i t o s — 68.768 c a r t a s e p l a n o s m a n u s c r i t o s — 572 e s t a m p a s — 13.792 m o e d a s e m e d a l h a s — 2.770 M u d a n ç a s de critério p a r a dados n u m é r i c o s e diversificação n a distribuição do m a t e r i a l i n c o r p o r a d o às d i v e r s a s Seções n ã o p e r m i t e m seguir u m a o r d e m u n i f o r m e n o s cômputos a p r e s e n t a d o s . E n t r e t a n t o , as i n f o r m a ç õ e s s u p r a p e r m i t e m a t r i b u i r e s t i m a t i v a s que c o n v e r g i r i a m p a r a u m t o t a l a p r o x i m a d o de peças t r a n s f e r i d a s p a r a o novo prédio: volumes — 299.205 (incluindo a t é 1900, periódicos e m ú sicas) c a r t a s geográficas i m p r e s s a s — 7.073 149 d o c u m e n t o s m a n u s c r i t o s — 254.456 (incluindo a t é 1900, cartas e planos) c a r t a s e p l a n o s m a n u s c r i t o s — 572 (a p a r t i r de 1900) periódicos — 6.296 (a p a r t i r de 1900) m ú s i c a s — 368 (a p a r t i r de 1900) e s t a m p a s — 116.751 (incluindo d e s e n h o s ) m o e d a s e m e d a l h a s — 27.847 I I I — A i n s t a l a ç ã o do acervo n o novo prédio. A n t e c e d e n t e s 1900-1910 No princípio do século X X , poucos a n o s após o a d v e n to d a República, a r e n o v a ç ã o n a m e n t a l i d a d e d i r i g e n t e do país d á início a u m a n o v a f a s e de p r o s p e r i d a d e , t a n t o c u l t u r a l como f i n a n c e i r a . No governo Rodrigues Alves (1902-1906) foi e m p r e e n d i d o o p l a n o de r e m o d e l a ç ã o da C a p i t a l F e d e r a l , o b r a do g r a n d e P r e f e i t o P e r e i r a Passos, e que i n c l u í a : o a l a r g a m e n t o d a s r u a s c e n t r a i s ; a b e r t u r a de n o v a s a v e n i d a s ; c o n s t r u ç ã o de prédios de d e s t a q u e p a r a as instituições p ú blicas; ao m e s m o t e m p o se a t a c a v a o p r o b l e m a de s a n e a m e n t o , r e s u l t a d o de esforços ingentes, dirigidos por Oswaldo Cruz. Ao se c o m p l e t a r o p r o g r a m a t r a ç a d o pelos a d m i n i s t r a d o r e s , g a n h a v a o Rio de J a n e i r o foros de m e t r ó p o l e i n ternacional. A i n s t a l a ç ã o d a Biblioteca Nacional n o edifício a d r e d e construído, n a p r i n c i p a l a r t é r i a d a c a p i t a l da F e d e r a ç ã o , t a m b é m se insere n o p r o g r a m a de m o d e r n i z a ç ã o levado a e f e i t o n a m e s m a época. E n t r e t a n t o , a p r o b l e m á t i c a , d o t a r a Biblioteca Nacion a l de i n s t a l a ç õ e s condignas, d a t a de época b e m m a i s r e c u a d a , e os sucessivos d i r e t o r e s d a i n s t i t u i ç ã o n u n c a d e i x a r a m de se r e f e r i r , n o s r e l a t ó r i o s e n c a m i n h a d o s à s a u t o r i d a d e s superiores, a s e u s p r o b l e m a s e p r e o c u p a ç õ e s q u a n t o ao espaço físico, q u a n t o ao pessoal q u a l i f i c a d o e q u a n t o a v e r b a s c o n d i z e n t e s com a s necessidades s e m p r e c r e s c e n t e s p a r a aquisição de m a t e r i a l bibliográfico e p e r - 150 m a n e n t e , b e m como j u s t a r e m u n e r a ç ã o do pessoal técnico h a b i l i t a d o p a r a a s diversas f u n ç õ e s . Desde sua i n s t a l a ç ã o de 1810 a 1858, n o a n t i g o Hospital da O r d e m do Carmo, sito à r u a do m e s m o nome, e a p e r m a n ê n c i a e n t r e 1858 e 1910, n o prédio em que se i n s t a l a r a c i n q ü e n t a e dois a n o s a n t e s e que n ã o m a i s c o m p o r t a v a o m o n u m e n t a l acervo, n ã o f a l t a m n a d o c u m e n t a ç ã o histórica d a i n s t i t u i ç ã o as sugestões p a r a resolver a grave s i t u a ç ã o da f a l t a de espaço. À m e d i d a que se i n c o r p o r a v a m coleções em g r a n d e s c o n j u n t o s ou o m a t e rial que p a u l a t i n a m e n t e ia se s o m a n d o ao p r i m i t i v o n ú cleo, e r a m c o n s t r u í d a s n o v a s galerias, a l u g a d a s c a s a s viz i n h a s p a r a s u a g u a r d a e que, devido ao p r e c á r i o estado, c h e g a v a m a p r e j u d i c a r o acervo pela f a l t a de condições m a t e r i a i s de conservação e a m e a ç a v a m a t é a s e g u r a n ç a e proteção de t ã o valioso p a t r i m ô n i o . Nesse clima de p r e o c u p a ç ã o é que a s s u m e a direção d a Biblioteca Nacional o Dr. M a n u e l Cícero P e r e g r i n o d a Silva, no dia 30 de j u n h o de 1900. Com u m a t r a d i ç ã o de c u l t u r a invulgar, c a r r e a n d o u m a experiência similar de dez anos n a direção da Biblioteca da F a c u l d a d e de Direito do Recife, p ô d e ele a q u i l a t a r com b a s t a n t e s e n s a t e z os p r o b l e m a s a t é e n t ã o insolúveis, t e n t a n d o a solução m a i s acertada e definitiva. O a s s u n t o a p a i x o n a v a t a m b é m a opinião pública desde os últimos a n o s do século a n t e r i o r ; d e b a t i a m - s e a t é pelos j o r n a i s as soluções viáveis, e a l t e r n a t i v a s e r a m s u g e r i d a s : a t r a n s f e r ê n c i a do acervo p a r a a Escola P o l i t é c n i c a ; ou a i n d a p a r a o T e a t r o São P e d r o de A l c â n t a r a ; p a r a o palácio do B a r ã o de Nova Friburgo, n a Glória — n e n h u m a das soluções e n t r e t a n t o viria resolver d e f i n i t i v a m e n t e o problema. J á n o p r i m e i r o relatório a n u a l a p r e s e n t a d o , r e f e r e n t e ao a n o de 1900, M a n u e l Cícero e x p l i c i t a m e n t e d e c l a r a : " n ã o m e p a r e c e p o r é m c o n v e n i e n t e t r a n s f e r i r a biblioteca p a r a a l g u m prédio vasto e b e m situado, m a s que, const r u í d o p a r a f i m diverso, n ã o r e ú n e a s condições n e c e s s á r i a s ao f i m todo especial a que t e r i a de ser d e s t i n a d o . Só a c o n s t r u ç ã o de u m edifício a p r o p r i a d o p o d e r á p r o p o r c i o n a r à Biblioteca Nacional a i n s t a l a ç ã o que ela, com todo o direito, r e c l a m a " . 151 A Biblioteca Nacional na Rua do Passeio - Armazém de Livros O a n o de 1902 foi m a r c a d o pela visita oficial do Min i s t r o d a J u s t i ç a e Negócios I n t e r i o r e s , Dr. S a b i n o B a r roso Jr., sensibilizado pelo r e l a t ó r i o que f o r a a p r e s e n t a d o a seu antecessor, e que foi c o n s t a t a r a s deficiências e p r e c á r i a s condições do edifício em que se a c h a v a i n s t a l a d a a r e p a r t i ç ã o , n a R u a d a Lapa, n.° 48. São p a l a v r a s do D i r e t o r no relatório deste a n o ao m e n c i o n a r a h o n r o s a visita: " P e ç o p e r m i s s ã o p a r a m a n i f e s t a r a convicção d e que haveis de a t e n d e r aos j u s t o s r e c l a m o s da Biblioteca, f a z e n d o l e v a n t a r o grandioso edifício que h á de a b r i g a r o m a i o r tesouro bibliográfico da América L a t i n a " . F r u t o s desse i n t e r e s s e r e f l e t e m - s e n a d e t e r m i n a ç ã o q u e lhe f o r a o u t o r g a d a : r e v e r o r e g u l a m e n t o da Bibliot e c a (que d a t a v a de 1894), passo p r i m o r d i a l p a r a a s r e f o r m a s que s e r i a m p o s t a s em p r á t i c a . Assim, f o r a m s u g e r i d a s : a divisão da 3. a seção e m dois c o n j u n t o s dist i n t o s : E s t a m p a s e N u m i s m á t i c a ; i n d i c a ç ã o de p r o f e s sores ( s e r i a m os c h e f e s d a s respectivas seções) que e n s i n a s s e m as m a t é r i a s especiais exigidas n o currículo de concurso p a r a a m a n u e n s e ; c o n s t i t u i ç ã o de u m f u n d o d e c o r r e n t e do p r o d u t o d a v e n d a dos Anais, que revertesse em proveito d a p r ó p r i a i n s t i t u i ç ã o ; i n s t a l a ç ã o de u m a o f i c i n a de e n c a d e r n a ç ã o p a r a conserto e r e s t a u r o de o b r a s r a r a s ou e s g o t a d a s que n ã o c o n v i n h a fossem e n t r e g u e s a terceiros. A i n d a foi a u t o r i z a d o a t o m a r a s p r o v i d ê n c i a s n o s e n t i d o de ser c o m p l e t a d o e a t u a l i z a d o o catálogo geral, p a r a f u t u r a publicação, e, incluído n o p r o j e t o a c r i a ç ã o de I n s t i t u t o Bibliográfico, s e n d o a i n d a m e n c i o n a d a em r e l a t ó r i o a c r i a ç ã o de u m a Seção de C a r t a s G e o g r á f i c a s . D e f i n e - s e assim o a d m i n i s t r a d o r que t ã o b e m soube a n a l i s a r o e s t a d o em que se e n c o n t r a v a a i n s t i t u i ç ã o e i n d i c a r a s p r i m e i r a s soluções p a r a s u a r e e s t r u t u r a ç ã o a d m i n i s t r a t i v a , s e m o que, seria inviável a c o n t i n u i d a d e do seu p r o j e t o . O a n o de 1903 r e g i s t r a i m p o r t a n t e f a t o : o Ministro d a J u s t i ç a e Negócios I n t e r i o r e s convida e a c o m p a n h a os m e m b r o s d a Comissão de O r ç a m e n t o d a C â m a r a dos D e p u t a d o s n a visita f e i t a à Biblioteca Nacional, n o dia 18 de j u l h o . Nessa ocasião, foi f e i t a e x p l a n a ç ã o aos p r e s e n t e s da s i t u a ç ã o c a l a m i t o s a e m que se e n c o n t r a v a a instituição, t e n d o a r e f e r i d a Comissão c o n s t a t a d o a p r o - 161 cedência das ponderações do Diretor c u j a f i n a l i d a d e primordial era sensibilizar as autoridades. Mais u m passo no sentido de modernizar o t r a t a m e n t o da coleção foi dado com a aprovação pelo Ministro da p a s t a do p r o j e t o de definição da m a r c a de p r o p r i e d a d e — ex-libris — a ser colocada em todos os livros p e r t e n centes à Biblioteca Nacional e t a m b é m do emblema, s í m bolo a ser utilizado no m a t e r i a l a ser impresso com f i n s administrativos (Anais, cartas, bilhetes, etc.). A fim de m o n t a r u m e m b l e m a que simbolizasse a i n s tituição, foi solicitada a colaboração do a r t i s t a Eliseu Visconti que, n a base de sugestões fornecidas pelo Diretor e pelo Chefe da 3. a Seção, a p r e s e n t o u os dois modelos c i t a dos. A descrição da peça, conforme d e t e r m i n a a legislação, foi t a m b é m e n c a m i n h a d a e se a c h a t r a n s c r i t a n o relatório correspondente ao ano de 1903. Foi ativado o t r a b a l h o de e n c a d e r n a ç ã o n a s oficinas i n s t a l a d a s e t a m b é m m o n t a d a u m a oficina t i p o g r á f i c a que, além de impressos de c u n h o administrativo, imprimiu os Anais, a p a r t i r do volume XXIV. Inicia o Diretor o relatório de 1904 com a promissora notícia de que o governo t i n h a t o m a d o a resolução de fazer construir o edifício no qual seria i n s t a l a d a a instituição. Prossegue o administrador, ventilando i m p o r t a n t e questão, relacionada com pessoal — m e n c i o n a d a a necessidade de r e e s t r u t u r á - l o de acordo com a especialidade dos serviços e que os mesmos revelem propensão p a r a o gênero de t r a b a l h o a executar e que a ele se dediquem integralmente, senão, a l e r t a : " O esforço de alguns se a n u l a d i a n t e da inatividade de muitos e n ã o se conseguirá m a i s do que a a p a r ê n c i a de u m f u n c i o n a m e n t o regular." Não se a p r e s e n t a m modificações sensíveis q u a n t o à p a r t e a d m i n i s t r a t i v a : " P e r m a n e c e r a m a s causas, contin u a r a m a produzir-se os efeitos," no dizer de seu f u n c i o nário maior. T e n t a n d o atualizar os t r a b a l h o s técnicos, foi c o n t r a t a d a a título extraordinário, u m a equipe de auxiliares, dirigidos por u m chefe de serviço — rigorosas instruções d e t e r m i n a r a m as r o t i n a s e c o m p o r t a m e n t o dos mesmos — sendo levadas d i a r i a m e n t e ao c o n h e c i m e n t o do Dire- 154 t o r a s ocorrências b e m como a s e s t a t í s t i c a s dos t r a b a l h o s realizados. Coube t a m b é m a M a n u e l Cícero p r e s t a r h o m e n a g e m aos D i r e t o r e s d a i n s t i t u i ç ã o , o r g a n i z a n d o u m a galeria de r e t r a t o s n a q u a l f i g u r a r i a m seus antecessores. I n i c i a d a n o a n o a n t e r i o r , teve com o a r t i s t a consagrado, Modesto Brocos, o m a i s a l t o p o n t o de p e r f e i ç ã o a r t í s t i c a , sendo a s f i g u r a s g r a v a d a s e m p l a c a de cobre, pelo processo de á g u a - f o r t e , t r a b a l h o que teve c o n t i n u i d a d e n o s a n o s s e g u i n t e s e que seria, n o novo prédio, colocado e m l u g a r de d e s t a q u e . P r e v e n d o a i m p o r t â n c i a e o a l c a n c e de i n f o r m a ç õ e s bibliográficas r e f e r e n t e s à p r o d u ç ã o l i t e r á r i a brasileira, foi, por s u a sugestão, e n c a m i n h a d o em 1901 p r o j e t o de lei à C â m a r a dos D e p u t a d o s e que se r e f e r i a à c o n t r i b u i ção d a s o f i c i n a s t i p o g r á f i c a s p a r a o e n r i q u e c i m e n t o do: acervo d a Biblioteca Nacional. Neste a n o de 1904, a p r o vado o p r o j e t o n a C â m a r a dos D e p u t a d o s , foi o m e s m o e n c a m i n h a d o ao S e n a d o e f i n a l m e n t e a p r o v a d o p a r a ser. p o s t a e m p r á t i c a a o b r i g a t o r i e d a d e da e n t r e g a de u m e x e m p l a r i m p r e s s o de c a d a obra s a í d a n o Brasil de prelos tipográficos. Na c o n t i n u i d a d e d a decisão j á t o m a d a pelo governo d e c o n s t r u i r u m novo prédio p a r a a Biblioteca Nacional, f o r a m e s t u d a d a s diversas opções p a r a a n o v a localização. P r i m e i r a m e n t e escolhida, n a P r a ç a d a República, n ã o f o r a m f a v o r á v e i s a s opiniões e p a r e c e r e s do p r i n c i p a l a d m i n i s t r a d o r q u e a p r e s e n t o u p r o p o s t a n o s e n t i d o de ser utilizado o u t r o sítio, inserido n o p l a n o d a n o v a e mais. i m p o r t a n t e a r t é r i a d a cidade, n a s imediações do Morro, do Castelo que deveria ser a i n d a e m p a r t e demolido p a r a a execução do p r o j e t o . A p r o v a d a a sugestão, foi pelo Min i s t r o d a J u s t i ç a e Negócios I n t e r i o r e s e n t r e g u e a r e s p o n s a b i l i d a d e do p l a n o a r q u i t e t ô n i c o ao E n g e n h e i r o Mil i t a r F. M. de Sousa Aguiar que j á d e r a s u f i c i e n t e s p r o v a s de c a p a c i d a d e por ocasião d a a p r e s e n t a ç ã o do P a v i l h ã o Brasileiro n a Exposição de São Luís, em 1904, ocasião e m que recebeu M e d a l h a de O u r o pelo seu t r a b a l h o . No a n o seguinte, 1905, d á - s e início à c o n s t r u ç ã o do prédio com o l a n ç a m e n t o d a p e d r a f u n d a m e n t a l ; c e r i m ô n i a solene que c o n t o u com a p r e s e n ç a do que de m a i s 155 expressivo c o n s t i t u í a a a l t a c ú p u l a d a a d m i n i s t r a ç ã o p ú blica, a começar pelo P r e s i d e n t e da República, Dr. F r a n cisco de P a u l a Rodrigues Alves, e d e m a i s a u t o r i d a d e s . O a c o n t e c i m e n t o foi m a r c a d o pela colocação, n a s f u n d a ç õ e s do f u t u r o edifício, de caixa c o n t e n d o a t a e m e d a l h a c o m e m o r a t i v a , a l é m de d o c u m e n t o s de praxe, t a i s como j o r n a i s do dia e m o e d a s correntes. F o r a m a i n d a g u a r d a d a s p a r a inclusão no acervo da Biblioteca Nacional e d i s t r i b u í d a s à s pessoas g r a d a s m e d a l h a c o m e m o r a t i v a , de a u t o r i a de Augusto G i r a r d e t e a Ata, d e s e n h a d a por Rodolfo de Amoedo g u a r d a d a n a Seção de Manuscritos, c o n f o r m e r e l a t a o Diretor no seu registro d a s atividades do a n o e m curso. M o n t a v a a t r ê s mil contos de réis (3.000:000$000) a q u a n t i a v o t a d a n o o r ç a m e n t o da U n i ã o p a r a a obra, com o que ficou assim a s s e g u r a d a . E m b o r a fosse p r e o c u p a ç ã o p r i m o r d i a l o novo edifício, n ã o se descuidava o Diretor dos t r a b a l h o s técnicos e m curso, t a i s como o e n r i q u e c i m e n t o e c a t a l o g a ç ã o do a c e r vo; serviço de p e r m u t a i n t e r n a c i o n a l e n a c i o n a l ; r e g i s t r o de direitos do a u t o r ; impressão de publicações, todos m i n u c i o s a m e n t e descritos em seu r e l a t ó r i o a n u a l , a p r e s e n t a d o ao Ministro da J u s t i ç a e Negócios I n t e r i o r e s . Ainda u m a vez r e g i s t r a a i m p o r t â n c i a p a r a a casa, da legislação r e f e r e n t e à Contribuição Legal, a p r o v a d a pela m a i o r i a do Senado, m a s que s o m e n t e n o a n o de 1907 se f i r m a r á como decreto. D e n t r e a s atividades culturais, d e s t a c o u - s e a c o n t r i buição e o êxito d a Exposição C e r v a n t i n a , sendo e x p r e s sivo o n ú m e r o de obras p e r t e n c e n t e s ao p a t r i m ô n i o n a c i o n a l que f i g u r a r a m n a m o s t r a o r g a n i z a d a pelo G a b i n e t e P o r t u g u ê s de L e i t u r a . R e c a p i t u l a n d o a s ocorrências do a n o 1906: a l é m d a s r o t i n a s e e s t a t í s t i c a s a p r e s e n t a d a s , r e f e r e - s e o Diretor à s o b r a s necessárias f e i t a s n o prédio da R u a do Passeio n.° 48, d e c o r r e n t e s da exigência da S a ú d e Pública, com as quais a i n d a m a i s vulnerável t o r n o u - s e a i n s t i t u i ç ã o ; porém, c o n f o r m e s u a s p a l a v r a s , " a c h a n d o - s e em c o n s t r u ção o vasto edifício d e s t i n a d o a ser o c u p a d o p e l a Biblioteca, só se devem e f e t u a r n o próprio n a c i o n a l que ela a t u a l m e n t e ocupa, as obras i n a d i á v e i s e a s que f o r e m 156 indispensáveis à s u a conservação". L a m e n t a que s u a s u gestão com r e f e r ê n c i a à s c o m e m o r a ç õ e s de 1908, q u a n d o p a r t i c i p a r i a a Biblioteca com m o n u m e n t a l Exposição Bibliográfica Brasileira, n ã o t e n h a sido aceita, m a s f r i s a que foi a idéia r e t o m a d a p o s t e r i o r m e n t e pelo I n s t i t u t o Histórico e G e o g r á f i c o Brasileiro, com o qual c o l a b o r a r i a a Biblioteca Nacional. Os t r a b a l h o s que d e c o r r e r i a m f o r ç o s a m e n t e d a t r a n s f e r ê n c i a p a r a o novo prédio f i c a m em compasso de espe^ ra, pois a s obras a p e n a s se i n i c i a v a m . No a n o de 1907 se d e f i n e m os p r o j e t o s p a r a a i n s t a l a ç ã o d a Biblioteca n o novo prédio, pois a s o b r a s a v a n ç a v a m n a s f u n d a ç õ e s . T r a t a v a - s e pois de p r o g r a m a r a n o v a e s t r u t u r a , n ã o só q u a n t o ao espaço físico, como t a m b é m q u a n t o ao tipo de m a t e r i a l a s e r aplicado em mobiliário, l e v a n d o em c o n t a o a v a n ç o de n o v a s t é c n i c a s a p l i c a d a s a bibliotecas. P o r e s t a razão, é o D i r e t o r e n c a r r e g a d o de visitar, n a E u r o p a e E s t a d o s Unidos, as g r a n d e s bibliotecas públicas e t a m b é m de c o n t r a t a r o f o r n e c i m e n t o de m a t e r i a l a d e q u a d o à s n o v a s instalações. A u s e n t o u - s e ele p o r oito m e s e s (de 20 de m a r ç o a 3 de n o v e m b r o do a n o em c u r s o ) ; período p r o f í c u o de estudos e c u j o s r e s u l t a d o s f i g u r a m em r e l a t ó r i o especial e n t r e g u e a seu superior. O a n o de 1908 r e g i s t r a poderoso f l u x o dirigido a o acervo bibliográfico brasileiro, d e c o r r e n t e da a p l i c a ç ã o do decreto 1.825, de 20.12.1907, g r a ç a s ao q u a l foi d e t e r m i n a d a a o b r i g a t o r i e d a d e d a e n t r e g a de u m e x e m p l a r de t r a b a l h o g r á f i c o de o f i c i n a s brasileiras, posto e m p r á t i c a m e d i a n t e r o t i n a estabelecida pelo D i r e t o r d a Biblioteca Nacional em convênio com a D i r e t o r i a - G e r a l dos Correios — e m b o r a n ã o a b r a n g e s s e a t o t a l i d a d e dos 1.140 m u n i c í pios i n t e g r a n t e s da F e d e r a ç ã o , foi o m a i o r estímulo p a r a ser acrescida, n a i n s t i t u i ç ã o , a c o n t r i b u i ç ã o bibliográfica brasileira, pois a ela cabia ser a g u a r d i ã do p a t r i m ô n i o i n t e l e c t u a l do país. Ficou m a r c a d a a Exposição C o m e m o r a t i v a do C e n t e n á r i o da I m p r e n s a n o Brasil, t a m b é m pela valiosa c o n t r i b u i ç ã o d a Biblioteca N a c i o n a l que a p r e s e n t o u , a l é m d a série c o m p l e t a de s u a s publicações, u m i m p o r t a n t e c o n j u n t o de d o c u m e n t o s r e l a t i v o s a D. J o ã o VI em P o r t u g a l e no Brasil. 157 O avanço dos t r a b a l h o s em r e l a ç ã o ao prédio em const r u ç ã o t o m a v a vulto e j á p e r m i t i a ao D i r e t o r e n c a m i n h a r a s propostas do m a t e r i a l de aço de t r ê s f i r m a s dos t r ê s países visitados: E s t a d o s Unidos, I n g l a t e r r a e A l e m a n h a — sendo escolhida pelo Ministro da J u s t i ç a e Negócios I n t e r i o r e s a f i r m a a m e r i c a n a Art M e t a l C o n s t r u c t i o n C o m p a n y que providenciou a r e m e s s a do m a t e r i a l encom e n d a d o (depositado nos porões do novo edifício, e n quanto aguardava a montagem). O planejamento interno p a r a a respectiva distribuição foi e s t u d a d o pelo Diretor, e m e s t r e i t a colaboração com o c o n s t r u t o r do prédio. Decisivo p a r a o destino da coleção é o a n o de 1909, pois m a r c a a t r a n s f e r ê n c i a do acervo p a r a o novo prédio r e c ê m - t e r m i n a d o . As providências p r e l i m i n a r e s envolver a m t r a b a l h o s de n a t u r e z a p r á t i c a tais como a c o n d i c i o n a m e n t o , t r a n s p o r t e e localização nos novos a r m a z é n s , c u j o c o n t r o l e coube à Direção e envolveu v á r i a s e t a p a s . I n i c i a d a a 1 de s e t e m b r o de 1909, s o m e n t e em fevereiro do a n o seguinte t e r m i n o u a t r a n s f e r ê n c i a do acervo — todo o desenrolar das atividades está m i n u c i o s a m e n t e descrit o n o relatório do r e f e r i d o ano, e n c a m i n h a d o pelo D i r e t o r ao Ministro da J u s t i ç a e Negócios I n t e r i o r e s . E m b o r a e n t r e g u e o prédio a 29 de o u t u b r o , f i c a r a m "ainda por c o m p l e t a r vários d e t a l h e s de a c a b a m e n t o b e m como a m o n t a g e m e decoração dos i n t e r i o r e s p a r a c u j o s t r a b a l h o s f o r a m concedidas v e r b a s n o m o n t a n t e de 2.400:000$0c0. Ainda d e n t r o do p r o g r a m a de r e e s t r u t u r a ç ã o , s u g e r i a o Diretor a r e o r g a n i z a ç ã o dos serviços, c o n s i d e r a n d o que a nova biblioteca, em f u n ç ã o de m a i o r público, t e r i a m a i o r e s encargos. P a r a o a u m e n t o de pessoal q u a l i f i c a d o " a criação de u m Curso de Biblioteconomia que p r e p a r a s s e o c a n d i d a t o aos cargos da Biblioteca, pois a n a t u r e z a e s pecial das f u n ç õ e s c o n f i a d a s aos que são n o m e a d o s p a r a a s bibliotecas exige c a u t e l a s e g a r a n t i a s " . Ainda s u a a m p l a visão l e m b r a v a a i m p o r t â n c i a de ser a i n s t i t u i ç ã o v i n c u l a d a ao I n s t i t u t o I n t e r n a c i o n a l de Bibliografia, r a z ã o de p r o j e ç ã o e n t r e as bibliotecas c o n g ê n e r e s dos g r a n d e s c e n t r o s europeus. Com a i n s t a l a ç ã o d e f i n i t i v a , em 1910, r e a l i z a v a - s e a m a i o r a s p i r a ç ã o d a s Direções d u r a n t e p r a t i c a m e n t e u m 158 século: edifício e s p e c i a l m e n t e c o n s t r u í d o d e n t r o d a s m o d e r n a s técnicas, p a r a a b r i g a r o o p u l e n t o acervo; mobiliário incombustível de a p l i c a ç ã o p r á t i c a e c o n s t r u í d o d e n t r o de p a d r õ e s i n t e r n a c i o n a i s e, a i n d a , espaço s u f i c i e n t e p a r a o m o n t a n t e do acervo e x i s t e n t e e reserva p a r a a f u t u r a a c o m o d a ç ã o p a r a m a i s q u a t r o c e n t o s mil volumes. A i n a u g u r a ç ã o oficial d a s n o v a s i n s t a l a ç õ e s ocorreu e x a t a m e n t e a 29 de outubro, u m século após a d a t a o f i cial da i n s t a l a ç ã o d a Biblioteca Nacional, a s s i m consider a d a a d a o r d e m do P r í n c i p e - R e g e n t e de i n s t a l a r s u a coleção bibliográfica n a s acomodações da R u a do C a r m o . A s o l e n i d a d e r e u n i u a i n d a d e s t a vez o que de m a i s r e p r e s e n t a t i v o h a v i a n o s altos escalões da a d m i n i s t r a ç ã o e a i n d a a elite c u l t u r a l do país — o Sr. P r e s i d e n t e d a República, D r . Nilo P e ç a n h a , o Sr. Ministro da J u s t i ç a , Dr. E s m e r a l d i n o B a n d e i r a , e i n ú m e r o s r e p r e s e n t a n t e s o f i ciais que d e i x a r a m r e g i s t r a d a s n a Ata l a v r a d a n a oport u n i d a d e , s u a s p r e s e n ç a s , p r e s t i g i a n d o a direção do Dr. M a n u e l Cícero P e r e g r i n o da Silva, à f r e n t e d a Biblioteca Nacional. D u a s p l a c a s de bronze, c o m e m o r a t i v a s do a c o n t e c i m e n t o , e colocadas em l u g a r de d e s t a q u e n o novo edifício, g r a v a r a m p a r a a p o s t e r i d a d e os n o m e s dos que m a i s diretamente colaboraram para tornar realidade a maior a s p i r a ç ã o de seus Diretores. A Biblioteca Nacional, n a posição de m a i s i m p o r t a n t e acervo do país, h e r d e i r a de u m p a t r i m ô n i o r e a l e i m p e rial, i n s t a l a d a c o n d i g n a m e n t e e dirigida por u m dos m a i o res a d m i n i s t r a d o r e s que j á p a s s a r a m pela instituição, t o r n o u - s e c r e d o r a da c o n f i a n ç a dos h o m e n s públicos e de c u l t u r a que c o n t i n u a r a m d e s t a d a t a em d i a n t e a p r e s t i giá-la, e n r i q u e c e n d o - a de valiosos tesouros bibliográficos. 159 A Biblioteca Nacional na Rua do Passeio - Salão de Leitura A BIBLIOTECA E SUAS ANDANÇAS Eduardo Canabrava Barreiros A a t u a l Biblioteca Nacional foi criada n o século XVIII, com a livraria m a n d a d a organizar por D. José I, em substituição à Real Biblioteca da A j u d a , destruída com o incêndio do Paço da Ribeira, em 1755. No m e s m o século, n a década de setenta, j u n t a v a m - s e à livraria a c i m a os 5.764 volumes doados pelo bibliófilo Diogo Barbosa Machado, Abade de S a n t o Adrião de Sever, e p o s t e r i o r m e n t e a livraria do Colégio de Todos os Santos, da I l h a de São Miguel, assim como boa p a r t e da livraria c h a m a d a do Infantado. Mas foi n o início do século seguinte, m a i s p r e c i s a m e n t e em 1808, que o j á respeitável acervo bibliográfico seria t r a n s p o r t a d o p a r a o Brasil, trazido pela família real. No Rio de Janeiro, por decreto de 27 de j u n h o de 1810, j á com o título de Real Biblioteca, foi localizada n a s casas do Hospital da O r d e m Terceira do Carmo, com acesso pelo Beco do Carmo, n a a n t i g a P r a i a de M a n u e l de Brito de Lacerda, e n t ã o d e n o m i n a d a R u a Direita, e a t u a l R u a Primeiro de Março. C o n s t a t a d a , posteriormente, a i m p r o p r i e d a d e do local, por novo decreto, este de 29 de outubro do m e s m o ano, f o r a m os livros t r a n s f e r i d o s p a r a o l u g a r que h a v i a servido de c a t a c u m b a s aos Religiosos do Carmo, ao lado do local a n t e r i o r . E foi aí, n a R u a D e t r á s do Carmo, e após t r ê s a n o s e t a n t o de " a r r a n g a m e n t o e conservação", que seria f r a n q u e a d a ao público a Real Biblioteca, c o n t a n d o e n t ã o a respeitável s o m a de 60.000 volumes. Em conseqüência do t r a t a d o de 29 de agosto de 1825, foi a Real Biblioteca do Rio de J a n e i r o i n c o r p o r a d a ao 162 E s t a d o do Brasil, a i n d a localizada n a R u a D e t r á s do C a r mo, de onde sairia s o m e n t e nos m e a d o s do século. Foi i n s t a l a d a em prédio próprio, n o L a r g o da L a p a , 46 — ou R u a do Passeio, 48 — em 1858. P r é d i o esse que, após a l g u m a s modificações, d a r i a g u a r i d a à Escola N a cional de Música. Neste endereço p e r m a n e c e r i a a t é os primórdios do século X I X , q u a n d o passou a d e n o m i n a r - s e Biblioteca Nacional do Rio de J a n e i r o . Nos f i n s do século, ou seja, em 1895, a preciosa coleção a l c a n ç a v a os 400.000 exemplares, o b r i g a n d o à u t i l i zação de u m depósito vizinho ao prédio d a Lapa, o n d e seriam i n a u g u r a d a s as oficinas de e n c a d e r n a ç ã o e t i p o grafia, e x t i n t a s p o s t e r i o r m e n t e . A esse t e m p o cogitou-se de o u t r o prédio, c a p a z de a g a s a l h a r t a m a n h o acervo, em c o n t í n u a e x p a n s ã o . Assim, em 1905, é l a n ç a d a a p e d r a f u n d a m e n t a l do a t u a l e d i f í cio, n a e n t ã o Avenida C e n t r a l , que sete a n o s depois p a s saria a d e n o m i n a r - s e Avenida Rio Branco. A i n a u g u r a ç ã o do prédio se d a r i a em 29 de o u t u b r o de 1910, p o r t a n t o cinco anos após o l a n ç a m e n t o de s u a p e d r a f u n d a m e n t a l . E m resumo, a f a m o s a biblioteca t r a n s f e r i u - s e de C o n t i n e n t e p a r a C o n t i n e n t e em 1808; de prédio p a r a prédio n u m mesmo logradouro em 1810; da R u a D e t r á s do C a r m o p a r a o Largo da L a p a em 1858; e, f i n a l m e n t e , deste ú l t i mo local p a r a a Avenida Rio B r a n c o em 1910, o n d e p e r manece até hoje. 163 A BIBLIOTECA NACIONAL CARMO — PASSEIO — CINELANDIA Augusto Maurício A c h e g a d a d a Corte de D. João, e n t ã o P r í n c i p e - R e gente, ao Rio de J a n e i r o , e m 7 de m a r ç o ao a n o 1808, foi da m a i o r i m p o r t â n c i a p a r a a cidade. E n t r e os vários benefícios de que logo se dignou d o t a r a p o p u l a ç ã o dest a c a m - s e , p r i n c i p a l m e n t e , os relativos à classe c u l t u r a l e t a m b é m à política. T e n d o deixado Lisboa p o r m o t i v o d a g u e r r a de Napoleão I, que i n v a d i r a seu país, chegou a f a m í l i a r e a l à cidade de Salvador n o dia 22 de j a n e i r o de 1808, n u m a f r o t a de m u i t a s n a u s o c u p a d a s por u m a m u l t i d ã o c o m p o s t a de cerca de 15.000 pessoas. Recebido o P r í n c i p e com g r a n d e f e s t a , d e m o n s t r a ç õ e s de alegria popular, logo n o dia 28 do m e s m o m ê s e ano, d e c l a r a v a a b e r t o s a t o d a s a s n a ç õ e s a m i g a s os p o r t o s do Brasil, p a r a a e x p a n s ã o do comércio. Foi o p r i m e i r o gesto de c o m p r e ensão, de inteligência, logo reconhecido pelo R e g e n t e . A p e r m a n ê n c i a d a f a m í l i a r e a l em Salvador e s t e n d e u - s e a t é 26 de fevereiro, q u a n d o a f r o t a que a conduzia t o m o u o r u m o do Rio de J a n e i r o , onde chegou n o dia 7 de m a r ç o , t o r n a n d o - o c a p i t a l do Reino — e m b o r a em c a r á t e r provisório. Estabelecida a Corte n o Rio, logo teve começo o t r a b a l h o de desenvolvimento d a cidade, com a c r i a ç ã o de v á r i a s instituições de o r d e m a r t í s t i c a e c u l t u r a l , p a r a que m a i s e m a i s se popularizasse a cidade que se t o r n a r a a c a p i t a l do Reino. A p r ó p r i a e s q u a d r a que t r a n s p o r t o u d a E u r o p a a f a m í l i a r e a l t r a z i a algo da m a i o r i m p o r t â n c i a p a r a a l c a n ç a r o elevado objetivo. D. J o ã o t r o u x e r a de Lisboa u m acervo de cerca de 6.000 livros d a Biblioteca da A j u d a que, sem f a v o r , e r a c o n s i d e r a d a das m a i s i m p o r t a n t e s n o conceito universal. Essa i n s t i t u i ç ã o f o r a c r i a - 161 ção do Rei D. D u a r t e , reorganizada, depois, n o r e i n a d o de D. José I, após u m incêndio que a d e s t r u i u em p a r t e . A esse precioso acervo literário f o r a m i n c o r p o r a d a s a L i v r a ria do Colégio de Todos os Santos, da I l h a de S. Miguel, e u m a o u t r a d e n o m i n a d a do I n f a n t a d o . T u d o composto de obras do m a i s alto m é r i t o l i t e r á r i o e histórico. Assim, p a r a que fosse logo conseguido o p r i m e i r o pouso p a r a a i n s t a l a ç ã o da Biblioteca, u m local adequado, em que coubesse o apreciável n ú m e r o de volumes c h e g a dos de Lisboa, foi c o n s u l t a d a a O r d e m T e r c e i r a de N. S. do M o n t e do Carmo, a f i m de que lhe fosse cedida a p a r t e dos f u n d o s da igreja, c u j a f r e n t e é n a R u a 1.° de Março. Nesse local, que t e m e n t r a d a pela R u a do Carmo, e r a estabelecido u m h o s p i t a l e r e c o l h i m e n t o de moças, todos i r m ã o s d a r e f e r i d a o r d e m religiosa. Não h o u v e r e cusa por p a r t e da direção da Ordem, a o contrário, logo foi reconhecida a boa v o n t a d e com que foi a t e n d i d a a consulta. O hospital, b e m como o r e c o l h i m e n t o , p a s s a r a m a f u n c i o n a r n a I g r e j a de N. S. do P a r t o onde, inclusive, h a v i a h o s p i t a l e r e c o l h i m e n t o . Assim, por decreto d a t a d o de 27 de j u n h o de 1810, foi i n s t a l a d a a biblioteca, logo p r o c u r a d a por e s t u d a n t e s , f r e q ü e n t a d a pelos i n t e r e s s a d o s em e x p a n d i r s u a c u l t u r a l i t e r á r i a , m a s s o m e n t e foi a b e r t a ao g r a n d e público a p a r t i r de 1814. De F r e i Camilo de M o n s e r r a t e h á u m a descrição m i n u c i o s a do a n t i g o Hosp i t a l do Carmo, o n d e se alojou a R e a l Biblioteca. E n t r e vários gestos inesquecíveis de D. João, deve-se s a l i e n t a r a v i n d a d a Missão Artística F r a n c e s a , em 1816, sob a o r i e n t a ç ã o do Conde d a B a r c a (Antônio de A r a ú j o e Azevedo), q u a n d o a p a r e c e r a m verdadeiros gênios nos m a i s diversos setores de a r t e — J o ã o B a t i s t a D e b r e t (pintor histórico), Augusto H e n r i q u e Vitor G r a n d j e a n d e M o n t i g n y ( a r q u i t e t o ) , Augusto M a r i a T a u n a y ( e s c u l t o r ) , Nicolau Antônio T a u n a y ( p i n t o r de p a i s a g e n s ) , e n t r e m u i t o s outros, sob a c h e f i a de J o a q u i m L e b r e t o n . Esses a r t i s tas, a l é m de o u t r o s feitos do governo real, como a elevação do Brasil à condição de Reino em 1815, i m p r i m i r a m i m e n s u r á v e l d e s t a q u e à vida do Rio de J a n e i r o n a q u e l a época d i s t a n t e , com a a p r e s e n t a ç ã o de s e u s m a g n í f i c o s trabalhos. 166 Detalhe do "Mappa architectural da cidade do Rio de Janeiro, parte co m e r c i a l . . . 1874", onde se vê, indicado por uma seta, o Beco do Carmo, que então dava acesso aos prédios da Rua Detrás do Carmo, e onde primeiro se alojaram os livros trazidos pelo Príncipe-Regente D. João. Parte central da cidade do Rio de Janeiro, nos princípios do século XIX, mostrando os locais por onde andou a Biblioteca Nacional. Números 1 e 2: casas da Rua Detrás do Carmo. Número 3: edifício do Largo da Lapa ou Rua do Passeio. Número 4: localização do prédio atual, nas encostas do Morro do Castelo, em área alinhada com a abertura da Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco. Com o correr do tempo, o espaço o c u p a d o p e l a R e a l Biblioteca se foi t o r n a n d o a p e r t a d o , i n s u f i c i e n t e p a r a g u a r d a r as obras que lhe e r a m d o a d a s por m u i t o s i n t e ressados n o a s s u n t o . Era, p o r t a n t o , imprescindível, u r gente, q u e se e n c o n t r a s s e o u t r o local p a r a o estabelecim e n t o literário. Corria j á o a n o 1858. A f a m í l i a real, c o m s u a n u m e r o s a Corte, j á h a v i a voltado a P o r t u g a l . M a s isso n ã o i m p e d i r i a que a obra prosseguisse. Resolveu e n t ã o o G o v e r n o I m p e r i a l de D. P e d r o I I a d q u i r i r u m vasto prédio e x i s t e n t e n a R u a do Passeio, e x p r o p r i e d a d e de J . P. d a R o c h a Viana, o que logo foi c o n cretizado, p a r a servir de sede à Biblioteca Nacional, que deixaria, e m b o r a s a u d o s a m e n t e , a casa da R u a do C a r m o . E n t ã o , e m 1858, passou p a r a a R u a do Passeio a preciosa coleção l i t e r á r i a . E r a a s u a s e g u n d a residência, de c u j a s j a n e l a s se p o d i a a p r e c i a r o belo j a r d i m do Passeio P ú blico que l h e f i c a v a em f r e n t e . R e l a t i v a m e n t e ao Passeio Público, t r a n s c r e v e m o s aqui a l g u n s t r e c h o s de u m t r a b a l h o , algo extenso, c o n s t a n t e de u m dos livros do a u t o r d e s t a crônica. O Passeio P ú blico e r a — e a i n d a é, u m dos p a r q u e s m a i s pitorescos do Rio, a l é m de t a m b é m ser histórico. O seu local e r a u m p â n t a n o , ligado a u m a lagoa, d e n o m i n a d a do Boqueirão, que começava n a P o n t a do Calabouço e t e r m i n a v a n a s c e r c a n i a s d a Glória. P a r a t r a n s f o r m a r o local do m a g n í fico j a r d i m o Vice-rei D. Luís de Vasconcelos e Sousa (1779-1790) fez demolir o m o r r o d a s M a n g u e i r a s (no L a r go da L a p a ) , cobrindo com a t e r r a a i n f e c t a lagoa. Pois o Passeio Público, com s u a s árvores enormes, velhíssimas a l g u m a s , povoado de h e r m a s e bustos, p e r p e t u a n d o a m e m ó r i a de i l u s t r e s patrícios, se s i t u a j u s t a m e n t e n o a n tigo b r e j o . E s t ã o ali, como que presentes, vivos, V a l e n t i m d a F o n s e c a e Silva, Olegário M a r i a n o , R a i m u n d o Correia, Gonçalves Dias, C a s t r o Alves, J ú l i a Lopes de Almeida, P e d r o Américo, Vítor Meireles, C h i q u i n h a G o n z a g a , I r i n e u M a r i n h o , H e r m e s F o n t e s , Moacir de Almeida, a l é m de m u i t o s outros a i n d a . A execução do p l a n o do j a r d i m , e l a b o r a d o por D. Luís de Vasconcelos e Souza, foi c o n f i a d a ao gosto a r t í s t i c o de M e s t r e V a l e n t i m , que se e n t r e g o u i n t e i r a m e n t e ao t r a b a - 169 lho, sendo o p a r q u e i n a u g u r a d o no a n o 1783. E r a c i r c u n dado por f o r t e m u r o de pedra, com dois portões de f e r r o — u m em f r e n t e à R u a das Marrecas, e o u t r o à beira do m a r , a b r i n d o - s e p a r a u m largo t e r r a ç o com u m p a v i l h ã o e m cada e x t r e m i d a d e . O m u r o p e r m a n e c e u a t é 1835 q u a n do, por motivo de o b r a s no parque, foi substituído por grades de ferro, de p e q u e n a a l t u r a . E m 18G0 n o v a r e f o r m a foi r e a l i z a d a no parque, n o que se r e f e r i a ao s e u aspecto estético. P a r a t a n t o veio da F r a n ç a o r e n o m a d o botânico e paisagista Augusto F r a n c i s c o M a r i a Glaziou. Os c a n t e i r o s o b e d e c e r a m a novos riscos, a p l a n t a ç ã o de flores teve nova orientação, embelezando m a i s o j á belo r e c a n t o do Rio. Dois anos após, em 1862, f o r a m as g r a d e s s u b s t i t u í d a s por o u t r a s de m a i o r resistência e a l t u r a , que ali p e r m a n e c e r a m a t é q u a n d o foi a r r a s a d o o Morro do Castelo, em 1922, e houve o conseqüente a l i n h a m e n t o do novo logradouro que surgiu, e que teve a d e n o m i n a ç ã o de P r a ç a Paris. Nessa ocasião foi r e t i r a d o o gradil, b e m como suprimido o t e r r a ç o e, n o m e s m o l u g a r l e v a n t a d o s dois prédios, em estilo colonial, d e n o m i n a n d o - s e u m , T e a t r o Cassino, e outro, Cassino B e i r a - M a r . Este e r a p o n t o de e n c o n t r o de jovens, que se d i v e r t i a m ao som de m ú s i c a e danças, inclusive bebidas; era o que a t u a l m e n t e se denomina buate. O largo p o r t ã o que olha p a r a a R u a d a s M a r r e c a s foi t r a n s p o r t a d o p a r a o interior do p a r q u e , como r e c o r d a ç ã o c a r i n h o s a de Mestre Valentim. Acima do p o r t ã o vê-se, em baixo-relevo, e m delicada f u n d i ç ã o de b r o n z e dourado, u m m e d a l h ã o com a s efígies de D. M a r i a I e D. Pedro III, reis de Portugal, t e n d o a s u a volta os dizeres: MARIA I ET P E T R U S I I I BRASILIAE REGIBUS. F e lizmente o portão, b e m como as g r a d e s que c i r c u n d a v a m o j a r d i m v o l t a r a m aos s e u s primitivos lugares, em f e v e reiro de 1968, q u a n d o era G o v e r n a d o r do E s t a d o o D r . Francisco Negrão de Lima, s e m p r e devotado às preciosid a d e s do Rio. Existe a i n d a n o Passeio Público algo digno d a v e n e r a ç ã o de todos. Além d a s a l t a s p i r â m i d e s de p e d r a , n a s quais se d e s t a c a m , e m oval de m á r m o r e b r a n c o a s f r a s e s 178 A SAUDADE DO R I O e AO AMOR DO PÚBLICO, ali e s t á u m a d a s m a i s c a r a s r e m i n i s c ê n c i a s do Rio colonial. É a P o n t e dos Amores, ou C h a f a r i z dos J a c a r é s , a c u j a const r u ç ã o se liga — s e g u n d o c r o n i s t a s antigos, inclusive J o a q u i m M a n u e l de Macedo em sua obra " U m Passeio p e l a Cidade do Rio de J a n e i r o " , curiosa h i s t ó r i a s e n t i m e n t a l r e l a t i v a ao Vice-rei D. Luís de Vasconcelos. Talvez n ã o s e j a r i g i d a m e n t e história, m a s , a d m i t i n d o - s e m e s m o como lenda, é assaz i n t e r e s s a n t e o a s s u n t o . S e g u n d o c o n s t a de velhos a l f a r r á b i o s , o Vice-rei, d a d o a c o n q u i s t a s amorosas, e n c o n t r o u , certo dia, à m a r g e m d a lagoa do Boqueirão, u m a jovem, S u z a n a , que, de c â n t a r o à cabeça, se dirigia ao c h a f a r i z da Glória e m b u s c a d e á g u a . M o r a v a a m o ç a n a s proximidades. Vendo-se a s s e d i a d a pela f i g u r a m a i s poderosa da t e r r a , n ã o se e n v a i deceu, n e m d e m o n s t r o u receio de e n f r e n t a r D. Luís e, com h a b i l i d a d e f e m i n i n a , c o n f e s s o u - l h e que e r a noiva, p r e t e n d e n d o c a s a r - s e logo que o seu eleito conseguisse u m a s i t u a ç ã o favorável. D. Luís n ã o r e n u n c i o u à s u a p r e t e n s ã o e c o n t i n u o u a insistir j u n t o a o coração d a moça, a t é que u m dia, escondido em u m a m o i t a , q u a l o s á t i r o l e n d á r i o à espreita de u m a n i n f a d e s c u i d a d a , s u r p r e e n d e u S u z a n a e o noivo, e m a i s a avó, em p a l e s t r a í n t i m a , à p o r t a d a casa, j u n t o a u m coqueiro que e r a s e m p r e t e s t e m u n h a do e n c o n t r o cotidiano dos dois n a m o r a d o s , ao e n t a r d e c e r . A p u r a n d o o ouvido, percebeu que Vicente Perez, o noivo, r e c e a v a n ã o p o d e r l u t a r c o n t r a ele, o Vice-rei, e em breve p e r d e r i a a S u z a n a . Ela p r o c u r a v a demovê-lo de tais t e m o r e s , a f i r m a n d o q u e j a m a i s o deixaria, que h a v e r i a de ser s u a esposa; q u a n t o a D. Luís, t i n h a certeza de que e r a u m h o m e m de bem, de b o m c a r á t e r , e c o m p r e e n d e n d o a sit u a ç ã o , h a v e r i a a t é de a j u d á - l o s . A convicção da jovem, a e s p e r a n ç a de felicidade e a c o n f i a n ç a que depositava n a d i g n i d a d e do S e n h o r D. Luís c a l a r a m f u n d o n o espírito do r e p r e s e n t a n t e real. C o n v e n c e u - s e de que S u z a n a e r a p u r a e i n g ê n u a . Se a d e s e j a v a p a r a u m a a v e n t u r a p a s s a g e i r a , ela via nele a p e n a s u m h o m e m bom, que poderia p r o t e g ê - l a p a r a a e f e t i v a ç ã o de s u a v e n t u r a . 161 Desiludido, m a s compreensivo e c o n f o r m a d o , resolveu e n t ã o r e n u n c i a r aos seus reprováveis desejos. No dia seg u i n t e m a n d o u c h a m a r Vicente Perez e o f e r e c e u - l h e u m emprego, pedindo-lhe, nessa ocasião, que consentisse fosse ele u m a d a s t e s t e m u n h a s de seu c a s a m e n t o . A j a r d i n a d a a a n t i g a lagoa do Boqueirão, m a n d o u o Vice-rei que Mestre V a l e n t i m ali l e v a n t a s s e u m a c a s c a t a , que foi d e n o m i n a d a F o n t e dos Amores, como r e c o r d a ç ã o do seu belo s o n h o . . . Voltemos à Biblioteca Nacional, que é o a s s u n t o p r i n cipal desta m o d e s t a crônica. Com o p a s s a r dos dias, n o v a m e n t e se t o r n o u d e f i ciente o prédio da R u a do Passeio p a r a g u a r d a r as p r e ciosidades n a Biblioteca. Era, p o r t a n t o , imprescindível b u s car, com urgência, outro local. O prédio que servira a t é e n t ã o foi logo demolido e, em seu lugar, o u t r o l e v a n t a d o , o qual a b r i g a a t u a l m e n t e a Escola Nacional de Música. No Governo de F r a n c i s c o de P a u l a Rodrigues Alves (1902/1906), g r a n d e p a u l i s t a de G u a r a t i n g u e t á , m a r c a n t e s m e l h o r a m e n t o s f o r a m introduzidos n a vida da cidade. B e m a c o m p a n h a d o em s u a s ações, t e n d o a c e r t a d o p l e n a m e n t e n a escolha de seus auxiliares, teve como P r e f e i t o o e m i n e n t e e n g e n h e i r o F r a n c i s c o P e r e i r a Passos. Logo após s u a n o m e a ç ã o foi ele, o P r e f e i t o , m u i t o a t a c a d o por gente invejosa, m a s as decisões que t o m a v a e r a m s e m p r e irreversíveis. Desprezava os comentários, e prosseguia m a r c h a n d o decisivamente p a r a a l c a n ç a r seus objetivos p r i m o r d i a i s — embelezar e desenvolver a cidade, d a n d o - l h e aspecto d i f e r e n t e daquele que a p r e s e n t a v a . E n t r e os p r o j e t o s que p r e t e n d i a realizar — e que realizou t r i u n f a l m e n t e , e s t a v a a a b e r t u r a de u m a p i s t a r e t a , ligando o cais do porto ( P r a ç a M a u á ) ao cais d a L a p a . E r a M i n i s t r o da Viação, Comércio e I n d ú s t r i a o n o t á v e l político L a u r o Müller, a q u e m cabia deliberar sobre o e m p r e e n d i m e n t o . Convidado p o r ele, com a a n u ê n c i a do P r e s i d e n t e d a República, surgiu P a u l o de F r o n t i n , n o m e a d o d i r e t o r d a m a r a v i l h o s a obra. No dia 8 de m a r ç o de 1904, foi d a d o início aos t r a b a lhos de demolição de m u i t o s prédios, e j á no m ê s de j u l h o era f r a n q u e a d o ao público o t r e c h o c o m p r e e n d i d o e n t r e a P r a ç a M a u á ( e n t ã o P r a i n h a ) e a R u a do Ouvidor, 161 Nilo Peçanha, Presidente da República, sua comitiva e convidados, retirando-se do difício da Biblioteca Nacional, após a inauguração oficial. À esquerda d o Presidente, 0 D i r e t o r da Biblioteca, Manuel Cícero Peregrino da Silva. e e e m fevereiro de 1905 j á e s t a v a t o t a l m e n t e a b e r t a a nova via carioca, com o t í t u l o de Avenida C e n t r a l , m e d i n d o 1.800 m e t r o s de e x t e n s ã o . Depois de nivelado o t e r r e n o foi o novo l o g r a d o u r o s o l e n e m e n t e i n a u g u r a d o , no dia 15 de n o v e m b r o de 1905, pelo P r e s i d e n t e d a República, P r e feito, o D i r e t o r d a obra, Ministros e m u i t a s o u t r a s a u t o r i d a d e s do Governo. E foi Avenida C e n t r a l a t é o a n o 1912 quando, p o r m o r t e do s e m p r e p r a n t e a d o d i p l o m a t a p a t r í cio José M a r i a d a Silva P a r a n h o s J ú n i o r , passou a s e r Avenida Rio B r a n c o . E r a u m a j u s t a h o m e n a g e m que a cidade p r e s t a v a ao seu digno filho, B a r ã o do Rio B r a n c o . Nesse logradouro, u m dos m a i s m o v i m e n t a d o s d a cid a d e , e n c o n t r a m - s e , a l é m d a Biblioteca Nacional, o Museu de Belas-Artes, o T e a t r o Municipal, o Clube M i l i t a r . . . Do o u t r o l a d o da Avenida, n a a t u a l P r a ç a Floriano, estão os c i n e m a s Odeon, P a t h é , Império, outros. Nessa P r a ç a , a n t i g a m e n t e existia o C o n v e n t o da A j u d a , c u j o t e r r e n o foi a d q u i r i d o por F r a n c i s c o S e r r a d o r , que logo ali c o n s t r u i u o seu p r i m e i r o c i n e m a — o Capitólio. A t u a l m e n t e , talvez pelo f a t o de se localizarem ali m u i t o s c i n e m a s , o povo de todo o Rio a c o n h e c e por C i n e l ã n d i a . P o u s a m n o local u m g r a n d e m o n u m e n t o a F l o r i a n o Peixoto, o u t r o a Carlos G o m e s (este cópia do e x i s t e n t e e m C a m p i n a s , S. P a u l o ) , a l é m de b u s t o s que l e m b r a m P a u l o de F r o n t i n , Getúlio V a r g a s e F r a n c i s c o S e r r a d o r . A Biblioteca N a c i o n a l o c u p a todo u m q u a r t e i r ã o d a p r a ç a — R u a A r a ú j o P o r t o A l e g r e / R u a P e d r o Lessa e, no f u n d o , a R u a México. É u m prédio de g r a n d e beleza, de n o b r e aspecto, i m p o n e n t e a r q u i t e t u r a . F a z l e m b r a r o m a r a v i l h o s o Palácio L a e k e n , de Bruxelas, r e s i d ê n c i a dos reis da Bélgica. Foi p r o j e t a d o pelo G e n e r a l F r a n c i s c o Marcelino de Souza Aguiar, e r e a l i z a d a a c o n s t r u ç ã o pelos e n g e n h e i r o s N a p o l e ã o Moniz F r e i r e e Alberto de F a r i a , e i n a u g u r a d o e m 29 de o u t u b r o no a n o 1910 — G o v e r n o Nilo P e ç a n h a . São do escultor Correia L i m a a s e s t á t u a s que são vistas n a s e n t r a d a s do prédio, r e p r e s e n t a n d o A Inteligência e O Estudo. No terceiro a n d a r e n c o n t r a m - s e dois p a i n é i s — A Memória e A Reflexão, obras do f e s t e j a d o p i n t o r Rodolfo Amoedo, e a i n d a A Imaginação e A Observação, de a u t o r i a de Modesto Brocos, que s ã o v e r d a d e i r o s p r i m o r e s de a r t e . N ã o podemos deixar de c i t a r 181 t a m b é m , existentes n o q u a r t o a n d a r , a s o b r a s Domínio do Homem sobre as forças naturais e O Progresso, de H e n rique Bernardelli, e A Solidariedade Humana e A Liberdade, estes últimos de Eliseu Visconti. E s t ã o g u a r d a d o s com o m a i o r c a r i n h o , porque são a u t ê n t i c a s relíquias, e q u e f o r a m usados n a h o r a do l a n ç a m e n t o d a p e d r a f u n d a m e n t a l do edifício, o m a r t e l o e a colher, a m b o s de p r a t a , com cabo de m a d r e p é r o l a . Há, t a m b é m , u m a m e d a l h a que foi c u n h a d a , p a r a ser s e m p r e l e m b r a d a a d a t a de 29 de o u t u b r o do a n o 1910, q u a n d o se deu a i n a u g u r a ç ã o da a t u a l sede da nossa Biblioteca Nacional. C o n t a a Biblioteca com os s e g u i n t e s d e p a r t a m e n t o s de a d m i n i s t r a ç ã o : Direção, C o o r d e n a ç ã o Técnica, Divisões de Aquisição e P r o c e s s a m e n t o , de R e f e r ê n c i a Geral, de R e f e r ê n c i a Especializada, de Divulgação, de Conservação, d e R e p r o g r a f i a , de Atividades Auxiliares. T o d a s as seções b e m distribuídas, c h e f i a d a s por c o m p e t e n t e s f u n c i o n á r i o s s e m p r e a t e n t o s e delicados no a t e n d i m e n t o dos que b u s c a m i n f o r m e s sobre os a s s u n t o s desejados; t u d o isso d á à Biblioteca a condição de u m d e p a r t a m e n t o de a l t a post u r a n o seu gênero. J á dirigiram a Biblioteca Nacional, desde 1808 a t é os dias que correm, g r a n d e s vultos notáveis, c u j o s n o m e s a h i s t ó r i a g u a r d a com orgulho. E n t r e eles c i t a r e m o s a p e n a s alguns, pela o r d e m de acesso, como S a n t o s Marrocos, F r e i Antônio de Arrábida, J a n u á r i o da C u n h a Barbosa, F r e i Camilo de M o n s e r r a t e , B a r ã o de R a m i z Galvão, M a n u e l Cícero P e r e g r i n o da Silva, Basílio de M a g a l h ã e s , Rodolfo G a r c i a , Josué Monteio, José Honório Rodrigues, José Elísio Condé. A t u a l m e n t e está n a D i r e ç ã o o ilustre Professor Plinio Doyle, que segue o m e s m o c a m i n h o dos seus antecessores, d a n d o à Biblioteca o seu t r a b a l h o c a r i n h o s o e eficiente, sua inteligência s e m p r e d e m o n s t r a d o s . Que a Biblioteca Nacional prossiga sempre, e t e r n a m e n t e , e m p r e s t a n d o s u a a j u d a aos que a p r o c u r a m ávidos de informações, c a r e n t e s de c o n h e c i m e n t o s p a r a a e x p a n s ã o de s u a sabedoria. 161 ESTE LIVRO FOI COMPOSTO E IMPRESSO NAS OFICINAS DA GRAFICA OLÍMPICA EDITORA, RUA DA REGENERAÇÃO, 4 7 5 RIO DE JANEIRO EM - RJ NOVEMBRO DE LTDA. - BONSUCESSO - BRASIL 1980 ISBN ISBN 85-7017-009-2 85-7017-011-4 obra completa V. 2