Vol. 19, nº 4, Dezembro 2010 19| 4 Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto Ano | 2010 Volume | XIX Número | 04 Directora | Editor | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Associated Editor | Margarida Guedes Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Pedro Esteves Corpo Redactorial | Editorial Board Artur Alegria, MJDinis - CHP; Armando Pinto, IPOPF-G; Carmen Carvalho, MJDinis - CHP; Conceição Mota, H Maria Pia - CHP; Cristina Rocha, CHEDV; Gustavo Rocha, HS João, João Barreira, HS João, Laura Marques, H Maria Pia - CHP; Miguel Coutinho, H Maria Pia - CHP; Rui Almeida, HP Hispano, Rui Chorão, H Maria Pia - CHP Editores especializados | Section Editors Artigo Recomendado – Helena Mansilha, H Maria Pia - CHP; Maria do Carmo Santos, H Maria Pia - CHP; Tojal Monteiro, ICBAS Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, INSRJ-INSA Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, FMUP; Altamiro da Costa Pereira, FMUP A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica – António Marinho, Hospitais da Universidade de Coimbra; Fátima Pinto, Hospital de Santa Marta; Maria Ana Sampaio, Hospital Cruz Vermelha, Maria João Baptista, HS João; Paula Martins, Hospital Pediátrico Coimbra, Rui Anjos, Hospital de Santa Cruz; Sílvia Álvares, H Maria Pia - CHP Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Carla Moreira, HBEB, Armando Pinto, IPOPF-G; Carla Carvalho, HSM Maior; Conceição Santos Silva, CHPV-VC; Fátima Santos, CHVNG-VC; Fernanda Manuela Costa, HS António - CHP; Inês Azevedo, HS João; Isolina Aguiar, CHAA; Joaquim Cunha, CHTS; Susana Tavares, CHEDV; Rogério Mendes, MJDinis - CHP; Rosa Lima, H Maria Pia - CHP; Sofia Aroso, HP Hispano; Sónia Carvalho, CHMA. Caso Dermatológico – Manuela Selores, HS António - CHP; Susana Machado, HS António - CHP Caso Electroencefalográfico – Rui Chorão, H Maria Pia - CHP Caso Endoscópico – Fernando Pereira, H Maria Pia - CHP Caso Estomatológico – José Amorim, H Maria Pia - CHP Caso Radiológico – Filipe Macedo, CHAA Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, H Maria Pia - CHP; Margarida Reis Lima, HPP Pequenas Histórias – Margarida Guedes, H Maria Pia – CHP, ICBAS Coordenação Técnica | Editorial Coordenation Margarida Lima, HS António – CHP, ICBAS Consultora de Epidemiologia e de Bioestatistica Maria José Bento, IPOPF-G Conselho Científico Nacional | | National Scientific Board - Alberto Caldas Afonso, HSJ, FMUP - Agustina Bessa Luís - Almerinda Pereira, HBEB - Álvaro Aguiar, FMUP - Ana Maria Leitão, HSSM - Ana Maria Ribeiro, CHEDV - Ana Ramos, CHP - HMP - António Lima, CHEDV - António Martins da Silva, ICBAS - António Vilarinho, CHVNG-E - Arelo Manso, C H Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD) - Braga da Cunha, H Pe Américo - CHTS - Carlos Duarte, CHP - HMP - Cidade Rodrigues, CHP - HMP - Clara Barbot, CHP - HMP - Conceição Casanova, CHPV-VC - Eloi Pereira, H Maria Pia, CHP - HMP - Eurico Gaspar, HS Pedro - CHTMAD - Fátima Praça, CHVNG-E - Filomena Caldas, CHP - HMP - Gama Brandão, CHAA - Gonçalves Oliveira, H Famalicão, CHMA - Helena Jardim, CHP - Henedina Antunes, HBEB - Hercília Guimarães, HSJ, FMUP - Inês Lopes, CHVNG-E - José Barbot, CHP - HMP - José Carlos Areias, FMUP - José Carlos Sarmento, CHVS - José Cidrais Rodrigues, HPH - ULSM - José Pombeiro, CHP - MJD - Lopes dos Santos, HPH - ULSM - Lucília Norton, IPOPF-G - Luís Almeida Santos, HSJ, FMUP - Luís Januário, HPC - Luís Vale, CHP - HSA - Manuel Salgado, HPC - Manuela Selores, CHP - HSA - Marcelo Fonseca, HPH - ULSM - Margarida Lima, CHP - HSA, ICBAS - Margarida Medina, CHP - HSA - Maria Augusta Areias, H Privado da Boa-Nova - Nuno Grande, ICBAS - Octávio Cunha, HPBN - Óscar Vaz, H Mirandela - CHNordeste - Paula Cristina Ferreira, CHP - HSA - Pedro Freitas, HS Oliveira, Guimarães - CHAA - Rei Amorim, HS Luzia - CHAM - Ricardo Costa, H Pêro da Covilhã, CHCB - Rodrigues Gomes, Fundação Calouste Gulbenkian - Rosa Amorim, CHP - HMP - Rui Carrapato, HS Sebastião - CHEDV - Teresa Temudo, CHP - HMP Secretariado Administrativo | Secretary Conselho Científico Internacional | | International Scientific Board tel: (+351) 226 089 900; fax: (+351) 226 000 841 - Alain de Broca (Amiens), Centre Hospitalier Universitaire Amiens - Anabelle Azancot (Paris), Hôpital Robert Devré - D. L. Callís (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron - F. Ruza Tarrio (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Francisco Alvarado Ortega (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - George R. Sutherland (Edinburgh), University Hospital - Harold R. Gamsu (Londres), Kings College Hospital - J. Bois Oxoa (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron - Jean François Chateil (Bordeaux), Hôpital Pellegrin - José Quero (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Juan Tovar Larrucea (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Juan Utrilla (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Peter M. Dunn (Bristol), University of Bristol Os trabalhos, a publicidade e a assinatura, devem ser Carolina Cortesão Paulo Silva Publicação trimestral resumida e indexada por SciELO; Scopus; EMBASE / Excerpta Médica; Catálogo LATINDEX; Index das Revistas Médicas Portuguesas Design gráfico bmais comunicação Execução gráfica e paginação Papelmunde, SMG, Lda Vila Nova de Famalicão ISSN 0872-0754 Depósito legal n° 4346/91, anotada no Ministério da Justiça em 92.04.24 Tiragem 2.500 exemplares Autorização CTT DE 0005/2005 DCN Propriedade, Edição e Administração Hospital de Crianças Maria Pia, DEFI Centro Hospitalar do Porto Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto dirigidos a Coordenação da Revista Nascer e Crescer Hospital de Crianças Maria Pia Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto tel: (+351) 226 089 900; telemóvel: (+351) 915 676 516 [email protected] Condições de assinatura Anual Nacional (4 números) - 40 euros Anual Estrangeiro (4 números) - 80 euros Número avulso - 12 euros Rua da Boavista, 713 – 4050-110 PORTO Tel. 222 081 050 [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia índice ano 2010, vol XIX, n.º 4 número4.vol.XIX 243 Editorial 244 Artigos Originais Margarida Lima, Sílvia Álvares Cistinúria - Revisão da Literatura e Investigação das Suas Bases Genéticas em 4 Doentes Altina Lopes, Mafalda Barbosa, Conceição Mota, Sandra Alves, Esmeralda Martins, Maria do Céu Mota, Dulce Quelhas, Lúcia Lacerda, Maria Luís Cardoso 251 Artigo Recomendado 253 255 Perspectivas Actuais da Bioética Helena Ferreira Mansilha Maria do Carmo Santos Origens da Bioética Maria Alice da Silva Azevedo Cardiologia Pediátrica na Prática 260 AClínica Fístula Artério-Venosa Pulmonar: Uma Causa Rara de Cianose Sónia Melo Gomes, Mónica Batista, Ana Teixeira, Graça Nogueira, Ana Almeida, Isabel Mendes Gaspar, Rui Anjos, Fernando Maymone Martins 265 Pediatria Baseada na Evidência Avaliação Crítica e Implementação Prática de Estudos Sobre a Validade de Testes Diagnósticos – Parte II Luís Filipe Azevedo, Altamiro da Costa Pereira 278 Casos Clínicos Síndrome de Mauriac Uma Apresentação Rara de Uma Doença mais Comum Cláudia Constantino, João Farela Neves, Raquel Marta, Gabriela Pereira, Deolinda Barata, Lurdes Lopes 282 Leucemia Aleucémica Marisa Carvalho, Teresa Oliva, Isabel Silva, Marta Almeida, Norberto Estevinho, Vítor Costa, Lucília Norton 285 Anafilaxia Induzida pelo Frio - Caso Clínico Susana Gomes, Vera Viegas, Ana Pinheiro, Ângela Gaspar NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 de Pediatria Inter-Hospitalar 289 Ciclo do Norte Urticária Colinérgica - Caso Clínico Daniel Gonçalves, Margarida Figueiredo, Sónia Carvalho, Fernanda Carvalho 292 Qual o seu Diagnóstico? Caso Electroencefalográfico Joel Freitas, Rui Chorão 295 Caso Endoscópico Fernando Pereira 297 Caso Estomatológico José M. S. Amorim 299 Caso Radiológico Filipe Macedo 301 Pequenas Histórias Plasticidade Cerebral no Desenvolvimento da Linguagem Teresa Temudo 303 Índice de Autores 305 Índice de Assuntos Nascer e Crescer para o 308 Prémio Melhor Artigo Original 309 Agradecimentos 310 Normas de Publicação NASCER E CRESCER summary revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 number4.vol.XIX 243 Editorial 244 Original Articles Margarida Lima, Sílvia Álvares Cystinuria – A Review and Study of Molecular Bases of 4 Patients Altina Lopes, Mafalda Barbosa, Conceição Mota, Sandra Alves, Esmeralda Martins, Maria do Céu Mota, Dulce Quelhas, Lúcia Lacerda, Maria Luís Cardoso 251 Recommended Article 253 255 Current Perspectives in Bioethics Helena Ferreira Mansilha Maria do Carmo Santos Origins of Bioethics Maria Alice da Silva Azevedo Cardiology in Clinical 260 Paediatric Practice Pulmonary Arteriovenous Fistula: A Rare Cause of Cyanosis Sónia Melo Gomes, Mónica Batista, Ana Teixeira, Graça Nogueira, Ana Almeida, Isabel Mendes Gaspar, Rui Anjos, Fernando Maymone Martins 265 Evidence Based Paediatrics Critical Appraisal and Practical Implementation of Diagnostic Tests Accuracy Studies – Part II Luís Filipe Azevedo, Altamiro da Costa Pereira 278 Case Reports Mauriac Syndrome, Uncommon Presentation of a Common Disease Cláudia Constantino, João Farela Neves, Raquel Marta, Gabriela Pereira, Deolinda Barata, Lurdes Lopes 282 Aleukemic Leukemia Marisa Carvalho, Teresa Oliva, Isabel Silva, Marta Almeida, Norberto Estevinho, Vítor Costa, Lucília Norton 285 Cold-Induced Anaphylaxis - Case Report Susana Gomes, Vera Viegas, Ana Pinheiro, Ângela Gaspar NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 289 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting Cholinergic Urticaria – Case Report Daniel Gonçalves, Margarida Figueiredo, Sónia Carvalho, Fernanda Carvalho 292 What is your Diagnosis? EEG Case Report Joel Freitas, Rui Chorão 295 Endoscopic Case Fernando Pereira 297 Oral Pathology Case José M. S. Amorim 299 Radiological Case Filipe Macedo 301 Short Stories Cerebral Plasticity in the Development of the Language Teresa Temudo 303 Author Index 305 Subject Index e Crescer: Best Original 308 Nascer Article 309 Acknowledgements 310 Instructions for Authors NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 editorial A revista Nascer e Crescer foi criada há 19 anos, por um grupo entusiástico de profissionais do Hospital de Crianças Maria Pia, interessados no desenvolvimento da investigação científica na área da pediatria e na promoção da educação médica contínua. Não tem sido um trabalho fácil manter uma publicação regular e simultaneamente melhorar a qualidade científica dos artigos publicados. Ao longo destes anos temos procurado a inovação e a implementação do rigor científico. O sinal de que estamos no bom caminho é o facto desta revista ser reconhecida na nossa comunidade científica, ter um número crescente de trabalhos submetidos para publicação e estar indexada em várias bases de dados internacionais de revistas médicas, nomeadamente EMBASE/Excerpta Medica, Index das Revistas Médicas Portuguesas, Catálogo LATINDEX, Scopus e Scielo. O novo contexto do Centro Hospitalar do Porto e a integração no Departamento de Ensino, Formação e Investigação criou novas oportunidades de crescimento, divulgação e de organização. Outro factor essencial no desenvolvimento desta actividade consistiu no alargamento do corpo redactorial e na agregação de saberes e experiências. Cumpre-nos ainda realçar a actuação fundamental dos revisores: todos os artigos são submetidos a uma análise cuidada e crítica, no sentido de melhorar a qualidade do trabalho. É um processo de ensino e aprendizagem, de desenvolvimento de juízos de valor alicerçados no rigor científico, que ajuda a criar uma massa crítica de jovens investigadores. Foi neste contexto que organizamos em 2010 um curso de Revisão de Artigos Científicos, ferramenta essencial na qualidade editorial. Também para promover a publicação de artigos originais e de investigação instituímos com a Associação do Hospital de Crianças Maria Pia o Prémio Anual para o Melhor Artigo Original. No sentido de dar uma maior visibilidade à revista, estamos a implementar a publicação electrónica: os artigos publicados passaram a estar disponíveis em texto integral no portal interno do Centro Hospitalar do Porto e, em breve, esperamos disponibilizá-los também no portal externo. Os projectos futuros são muitos, graças ao empenho de todos os nossos colaboradores e dos nossos patrocinadores. Fica aqui também um apelo a novas propostas e sugestões que possamos implementar para melhor servir a comunidade científica. Salientamos que o nosso objectivo de divulgação do conhecimento científico tem como finalidade última a melhoria da qualidade assistencial. Margarida Lima Sílvia Álvares editorial 243 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Cistinúria – Revisão da Literatura e Investigação das Suas Bases Genéticas em 4 Doentes Altina Lopes1, Mafalda Barbosa2, Conceição Mota3, Sandra Alves4, Esmeralda Martins5, Maria do Céu Mota6, Dulce Quelhas1, Lúcia Lacerda1, Maria Luís Cardoso1,7 RESUMO Introdução: Classicamente, e com base na apresentação fenotípica, os doentes com cistinúria classificavam-se em tipo I e tipo não I. Mais recentemente e com base nos aspectos genéticos da doença podemos identificar: o tipo A, causada por mutações no gene SLC3A1, o tipo B, causada por mutações no gene SLC7A9 Objectivos e metodologia: O objectivo deste trabalho foi rever o estado actual do conhecimento no que se refere ao diagnóstico, incidência/prevalência, classificação bioquímica, aspectos genéticos e tratamento desta patologia e caracterizar a nível molecular quatro casos com diagnóstico clínico e/ou bioquímico de cistinúria através da sequenciação dos genes SLC3A1 e SLC7A9. Resultados: No gene SLC3A1 foram detectadas cinco mutações, duas das quais são novas (c.1597T>A e c.611-2A>C) e três previamente descritas na literatura (c.647C>T; c.1190A>G e c.2019C>G). A sequenciação do gene SLC7A9 revelou a presença de uma mutação previamente descrita (c.614_615insA). Foi possível classificar três doentes tipo A (um homozigoto e dois heterozigotos compostos) e um doente como heterozigoto tipo B, o que está de acordo com a excreção urinária de cistina observada. Conclusões: A caracterização genotípica dos doentes cistinúricos contribui __________ Unid. Bioquímica Genética, CGMJM, INSA Unidade de Genética Médica, CGMJM, INSA 3 S. Nefrologia Pediátrica, HMP, CHPorto 4 Unidade de Investigação, CGMJM, INSA 5 Consulta de Metabolismo do HMP, CHPorto 6 Consulta de Genética do HMP, CHPorto 7 Laboratório de Bioquímica, FFUP 1 2 244 artigo original original article para o esclarecimento da patofisiologia da doença, permite efectuar a confirmação do diagnóstico clínico e bioquímico e oferecer o aconselhamento genético aos familiares em risco. Os autores salientam a importância de uma abordagem multidisciplinar na estratégia de seguimento destes doentes. Palavras-chave: cistinúria, litíase renal, aminoácidos, cistina, SLC3A1, SLC7A9. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 244-250 INTRODUÇÃO A cistinúria (OMIM #220100) é uma doença hereditária do transporte renal de aminoácidos, caracterizada pelo aumento da excrecção urinária de cistina e de aminoácidos básicos (lisina, arginina e ornitina). A patologia é causada por um defeito no mecanismo de transporte luminal partilhado por estes aminoácidos nas células epiteliais dos túbulos renais e do tracto gastrointestinal. A expressão do défice a nível intestinal não tem consequências clínicas (uma vez que é compensada pela absorção de oligopéptideos) mas a nível renal verifica-se uma fraca reabsorção destes aminoácidos o que conduz à sua hiperexcrecção urinária(1,2,3,4). Dada a elevada concentração e baixa solubilidade da cistina na urina a pH fisiológico, esta precipita nos túbulos renais, levando à formação de cálculos(5). Este artigo tem duas vertentes: 1) Rever o estado actual do conhecimento relativamente à cistinúria, 2) Apresentar os resultados preliminares do estudo molecular dos doentes portugueses seguido da sua classificação genética. Diagnóstico diferencial da cistinúria As litíases renais hereditárias, de transmissão monogénica ou digénica, que dependem unicamente de factores genéticos, são bastante mais raras que as litíases cálcicas ou úricas, que na maioria das vezes são resultantes de processos multifactoriais(6). A cistinúria representa cerca de 77% do total das litíases genéticas. A suspeita de cistinúria é elevada se (i) os sintomas iniciais surgirem na primeira ou segunda décadas de vida, (ii) a formação de cálculos for recorrente, (iii) houver história familiar de litíase renal e (iv) se a análise microscópica do sedimento urinário de uma micção recente revelar cristais hexagonais típicos de cistina(3,5). Tal como os demais cálculos renais, os de cistina são de fácil diagnóstico por ecografia e são pouco rádio-opacos aos raios-X (devido ao seu conteúdo em enxofre), sendo também facilmente detectáveis por espectroscopia. No entanto, os cristais de cistina são observados em apenas 20-25% dos doentes cistinúricos e dado que a sua ausência não exclui o diagnóstico, é necessário realizar testes adicionais para a clarificação da etiologia da apresentação clínica. O teste de nitroprussiato de sódio, ou teste de Brand, apesar de constituir um método rápido, não é actualmente utilizado por não ser quantitativo e dar resultados falsamente positivos [nomeadamente na presença de outros aminoácidos como a homocistina, de cetonúria e de alguns metabolitos medicamentosos(7)]. O diagnóstico final é feito por quantificação dos aminoácidos cistina, lisina, ornitina e arginina na urina, normalmente por cromatografia líquida de troca-iónica. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 A colheita de urina de 24 horas, embora seja problemática nas crianças, é no entanto necessária para decidir a abordagem terapêutica e para fazer o controlo periódico. Se não for possível obter uma urina de 24 horas, a razão entre cistina/ creatinina numa amostra aleatória de urina pode ser informativa e nalguns casos permite fazer a distinção entre os doentes homozigotos (ou heterozigotos compostos) e os portadores (heterozigotos). Além disso, pode permitir o acompanhamento eficaz da estratégia de tratamento (3) . A colheita deve obedecer a determinados requisitos de modo a evitar a obtenção de valores falsamente baixos de cistina na amostra, pelo que é aconselhável promover a sua solubilização com a adição de bicarbonato de sódio até pH>7,5. O recurso a estudos moleculares é a etapa final já que a identificação das mutações responsáveis pela patologia permite a confirmação do diagnóstico em definitivo. Incidência e Prevalência A prevalência global da cistinúria na população é de cerca de 1/7.000 podendo oscilar entre 1/2.500 e 1/15.000, consoante a etnia e a origem geográfica das populações estudadas(8). É difícil estimar este parâmetro com precisão, porque a metodologia difere nos diversos estudos realizados e algumas das abordagens apresentam limitações significativas(1). No Quadro I sumarizam-se os resultados de alguns estudos realizados em diferentes populações. Classificação bioquímica A classificação dos casos de cistinúria pode ser feita com base em diversos critérios (Quadro II). Alguns autores baseiam-se no fenótipo apresentado e na excrecção urinária de cistina e aminoácidos básicos pelos heterozigotos obrigatórios, distinguindo três tipos de cistinúria: tipo I (forma clássica), com portadores silenciosos e em que só os homozigotos formam cálculos; tipo II e tipo III, em que os portadores apresentam excreção respectivamente elevada e moderada de cistina e podem formar cálculos(5,7). Mais recentemente, após a associação da cistinúria tipo I ao locus SL- C3A1 e das cistinúrias tipo II e III ao locus SLC7A9, Feliubadaló e colaboradores, reforçaram a ideia que já vinha a ser proposta de que as cistinúrias do tipo II e III devem ser consideradas em conjunto e designadas como tipo não-I(9). Os homozigotos, tanto do tipo I como do tipo não-I, apresentam hiperexcrecção de cistina com níveis de concentração semelhantes(10). Há ainda a referir a cistinúria transitória neonatal, descrita pela primeira vez por Scriver et al. em 1985, em crianças heterozigóticas para cistinúria. Estes doentes apresentavam um decréscimo progressivo nos níveis de cistina urinária desde o período neonatal até aos 2-3 anos de idade correspondendo a um aumento da maturidade do sistema de transporte(11). Quadro I - Prevalência / Incidência da Cistinúria em várias populações. País / / População Prevalência / / Incidência Referência Bibliográfica Observações Inglaterra 1/2 000 1; 5; 7 Rastreio neonatal Judeus Israelitas da Libia 1/2 500 1; 7; 3; 5; 17 Rastreio neonatal Austrália 1/4 000 1; 5; 7 Rastreio neonatal Estados Unidos 1/1 000-17 000 1; 3; 7 Rastreio neonatal Valência (Espanha) 1/1 887 1; 7 Estudo de aa(*) (HPLC) Quebec 1/7 200 1 Rastreio neonatal Suécia 1/100 000 1; 3; 5 Metodologia Indefinida Japão 1/18 000 5 Metodologia Indefinida França 1/20 000 (incidência dos homozigotos) 6 Metodologia Indefinida Eskisehir (Turquia) 1/2 065 28 Teste de Brand; Estudo dos aa(*) Canadá 1/12 500 28 Metodologia Indefinida (*) aa-aminoácidos Quadro II - Concentração de cistina urinária em diferentes grupos de indivíduos. Grupo População normal Concentração de cistina urinária < 30 mg/dia (0.13 mmol/dia) 0-100 μmol/g creatinina Homozigotia para a cistinúria (formam cálculos) > 400 mg/dia (1.7 mmol/dia) > 1.000 μmol/g creatinina > 113,12 μmol cistina/mmol creatinina Heterozigotos tipo I (não formam cálculos) < 200 mg/dia (0.8 mmol/dia) 0-100 μmol/g creatinina Heterozigotos tipo II e III (não-I) (podem formar cálculos) 200-400 mg/dia (0.8-1.7 mmol/dia) 990-1740 e 100-600 μmol/g creatinina (Adaptado de Biyani et al, 2006(5); Guillén et al, 1999(7)). artigo original original article 245 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Genética O modo de transmissão desta patologia urológica foi pela primeira vez descrito como sendo recessivo em 1955. Contudo sabemos hoje que o seu padrão de hereditariedade é bastante mais complexo, e apesar de classicamente ter sido considerada uma doença monogénica, é na realidade uma patologia com hereditariedade (no mínimo) digénica(12). O gene SLC3A1 (OMIM *104614) está localizado no locus 2p21 e codifica a subunidade glicoproteica pesada do transportador (rBAT) das células renais e epiteliais (11,13). Estão descritas, na base de dados Human Gene Mutation Database (HGMD) até à data, 133 mutações no gene SLC3A1 em doentes com cistinúria. A mutação p.M467T (c.1400T> C) é a mais frequente(2). O segundo gene, SLC7A9 (OMIM *604144) localiza-se no locus 19q13.1 e codifica a cadeia leve (b0,+AT) do transportador(13). As mutações neste gene causam cistinúria tipo não-I e estão descritas, até à data, 98 mutações na base de dados HGMD. Neste gene a mutação p.G105R (c.313G>A) é a alteração causal mais frequente (14). Em 2002, Dello Strologo e colaboradores sugeriram uma nova classificação dos doentes com cistinúria, baseada nos estudos genéticos: i) tipo A: causada por mutações no gene SLC3A1 (neste grupo os heterozigotos têm excreção normal de aminoácidos, ii) tipo B: cistinúria causada por mutações no gene SLC7A9 (em que os heterozigotos normalmente têm um aumento da excrecção urinária de cistina e aminoácidos dibásicos)(15). Devido ao facto de não se detectarem mutações nestes dois genes em muitos doentes cistinúricos, foi considerada a possibilidade de existir um terceiro gene causador de cistinúria - SLC7A10, o que não se confirmou(16). Para além das situações de cistinúria isolada estão também descritos na bibliografia fenótipos que associam a cistinúria a uma constelação de outros sinais e sintomas num espectro clínico que varia de ligeiro a grave nomeadamente o Síndroma de Hipotonia-Cistinúria e o Síndroma de Deleção 2p21(17,18,19,20). 246 artigo original original article Tratamento O primeiro objectivo do tratamento, quer nas crianças quer nos adultos, é aumentar a solubilidade da cistina urinária, de modo a prevenir a formação de novos cálculos e dissolver os existentes. Assim sendo, o tratamento inclui: i) o aumento na ingestão de fluídos, ii) a dieta com baixo teor em sal e iii) a alcalinização da urina(21). Uma vez que no organismo a metionina é metabolizada a cistina, uma redução na ingestão deste aminoácido, poderia reduzir a excrecção urinária de cistina, mas infelizmente a restrição dietética não é bem aceite pelos doentes(8). Estudos recentes demonstraram que é possível conseguir reduzir a excreção de cistina mediante restrição de sódio.(22) Teoricamente uma redução proteica (0,8 a 1 g/kg/dia) poderia ser benéfica, contudo não há estudos que comprovem inequivocamente esse benefício a longo prazo e uma vez que a restrição proteica pode ter efeitos negativos no crescimento da criança não é prática clínica restringir as proteínas nos doentes cistinúricos. Por outro lado, a restrição salina não tem qualquer inconveniente devendo ser aconselhada dieta sem sal acrescentado. O factor mais importante do tratamento é por conseguinte o aumento da ingestão de fluidos, que tem um papel preponderante na redução da concentração da cistina urinária. Teoricamente consegue-se prevenir o aparecimento de cálculos recorrentes em cerca de um terço dos doentes apenas com a hidratação (deve ser bebido 1 litro de água por cada milimole de cistina excretada). Infelizmente é extremamente difícil conseguir adesão a estes valores de ingestão hídrica na criança, pelo que normalmente esta medida não é considerada como eficaz quando tomada como opção terapêutica isolada. É importante que o doente proceda não só à hidratação ao longo do dia mas que também assegure a diurese ao longo da noite. Para garantir a noctúria, o doente deve beber antes de deitar e durante a noite após as micções(3). Sendo a cistina muito mais solúvel a pH alcalino, bebi- das alcalinizantes ricas em bicarbonato e com baixo teor em sódio (1500 mg HCO3/L, máximo 500 mg de sódio/L) podem ser benéficas (chás, sumos citricos e água mineral)(8). A alcalinização urinária requer geralmente a prescrição de citrato ou bicarbonato de potássio, divididos por três a quatro tomas diárias, devendo a última ser realizada antes de deitar de modo a que a alcalinização se efectue no período nocturno. Na prática clínica inicia-se por uma dose de 1 a 2 mEq/Kg/dia de citrato ou bicarbonato de potássio, sendo a dose posteriormente ajustada até 3 a 4 mEq/kg/dia, de modo a que se obtenha um pH urinário ≥7. Uma vez que o aumento do pH urinário pode aumentar a excreção de cálcio e ácido úrico e diminuir a solubilidade de fosfato de cálcio, a administração destes compostos deve ser efectuada de forma moderada, e controlada através da avaliação periódica da excreção de cálcio e ácido úrico, para evitar o risco de formação de cálculos de fosfato de cálcio. O sucesso da hidratação pode ser monitorizado pelo próprio através do registo da densidade da urina usando tiras de medição de Nitrazina. A meta a atingir é um valor igual ou inferior a 1,010 e um pH urinário igual ou superior a 7(6). O uso preventivo de ácido ascórbico nas crianças, foi referido pela primeira vez em 1983. É um composto capaz de reduzir a cistina a cisteína quando administrado em altas doses, no entanto a sua utilização no tratamento da cistinúria é controversa dada a possibilidade de incrementar a concentração urinária de oxalatos(3). O fracasso nas medidas anteriores implica o recurso ao tratamento com compostos sulfidrilicos ou quelantes (D-penicilamina ou α-mercaptopropionilglicina), que reduzem a cistina a dissulfitos mistos que são mais solúveis. O controlo regular é muito importante na monitorização do tratamento e da função renal, permitindo detectar atempadamente o aparecimento de cálculos(3,8). Quando os doentes não respondem às medidas preventivas recorre-se então a outras intervenções terapêuticas nomeadamente: litotrícia via onda de choque extracorporal, ureteroscopia, nefrolitoto- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 DOENTE Caso Sexo CS IDADE CLÍNICA TRATAMENTO Familiares Primeiros ITU Cólicas I.D. Actual Litíase Conservador Cirúrgico c/ litíase sintomas Repetição renais NOTAS 1 M N Irmã 14A 14A 23A N N UL Água Captopril N Estudo familiar de cistinúria 2 M N N AS 8M 10A N N N Água Citrato de sódio N Atraso cognitivo 3 F N 3 irmãos 14A 30A 53A N S BL Água Litotricia 4 M N Irmã 7M 7M N S BL Água Nefrostomia Uralyt rim Litotricia esquerdo 26A Nefrostomia Intolerância à (3x) rim Penicilamina esquerdo e a Uralyt - CS - consanguinidade; ID - idade de diagnóstico; ITU - infecções do tracto urinário; UL - Unilateral; AS - assintomático; BL - bilateral; N - não; F - feminino; M - masculino. Quadro IV – Classificação bioquímica versus molecular dos 4 casos de cistinúria. Concentração Cys RESULTADOS A sequenciação do gene SLC3A1 do doente 1 revelou a presença de duas mutações missense: uma no exão 3 (c.647C>T; p.T216M) e outra no exão 7 (c.1190A>G; p.Y397C), previamente descritas na literatura (Quadro IV). O valor de excreção de cistina urinária (536 μmol/ mmol creatinina; VR: 6-34) é consideravelmente elevado neste doente pelo que a sua a classificação genética é de heterozigoto composto tipo A (AA). A sequenciação do gene SLC7A9 apenas revelou a presença de um polimorfismo previamente descrito em heterozigotia. Quadro III - Resumo da informação clínica disponível relativamente aos casos índex estudados. Classificação bioquímica Classificação genética Litíase DOENTES E METODOLOGIA Foi feito o levantamento das famílias seguidas na consulta do Centro de Genética Médica Jacinto de Magalhães - INSA e no Hospital Maria Pia – CHP e foram seleccionados quatro doentes com diagnóstico clínico e/ou bioquímico de cistinúria previamente estabelecido (Quadro III). Sempre que possível foram também estudados os familiares em primeiro grau. O DNA, extraído de sangue periférico, foi submetido a PCR usando primers específicos para amplificação dos 10 exões do gene SLC3A1 e dos 13 exões do SLC7A9. Posteriormente cada um dos exões e respectivas sequências flanqueadoras intrónicas, foram submetidos a sequenciação automática. Para avaliação da patogenicidade das alterações novas encontradas utilizaram-se os programas bioinformáticos Polymorfism Phenotyping (Polyphen) e Sorting Intolerant From Tolerant (SIFT). senta litíase), tendo sido diagnosticado casualmente no decurso da investigação clínica de um atraso cognitivo e apresenta um aumento moderado da excreção urinária de cistina (62 μmol/mmol creatinina; VR: 7-23) o que permite estabelecer uma classificação de heterozigoto tipo B. O doente 2 apresenta no gene SLC3A1 um polimorfismo descrito, enquanto que a sequenciação do gene SLC7A9 revelou a presença da mutação patogénica previamente descrita na literatura c.614_615insA em heterozigotia. Como este doente é assintomático (não apre- Casos índex mia percutânea ou ainda a cirurgia convencional. Apesar das várias opções terapêuticas, médicas e cirúrgicas, alguns doentes são refractários ao tratamento e progridem para a insuficiência renal devido à recorrente formação e rápido crescimento dos cálculos(22). Em 2003 Feliubadaló e colaboradores descreveram ratinhos transgénicos para cistinúria. Este modelo animal tem potencial no estudo de novas abordagens terapêuticas para o tratamento da litíase renal(23,24). 1 Sim KK Heterozigoto composto tipo I ND c.647C>T c.1190A>G - - A/A 2 Não K Heterozigoto não tipo I ND - - c.614_615insA - B/- 3 Sim KKK Homozigoto tipo I ND c.1597T>A c.1597T>A - - A/A 4 Sim KK Heterozigoto composto tipo I Indefinido c.611-2A>C c.2019C>G - - A/A SLC3A1 SLC7A9 fenótipo dos doentes excreção de Cys dos progenitores Alelo 1 Alelo 2 Alelo 1 Alelo 2 Tipo ↑↑ - excreção marcada; ↑- excreção moderada; ↑↑↑ - excreção muito elevada; ND - não disponível. artigo original original article 247 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 O doente 3 apresenta uma excreção elevada de cistina na urina (3842 μmol/24h; VR: 41-258) tendo sido classificado bioquimicamente como homozigoto tipo I. Estes dados estão em concordância com o facto de o estudo do gene SLC3A1 revelar que o doente é homozigoto para uma mutação nova: c.1597T>A (p.Y533N(*)). Este doente é também portador de duas variações em heterozigotia no gene SLC7A9 de classificação não consensual, c.425T>C (p.V142A) e c.667C>A (p.L223M), que de acordo com a literatura já foram classificadas como polimorfismos, no entanto figuram na base de dados HGMD como mutações causais dado que diminuem ligeiramente o transporte de cistina(25,26). Este doente deverá, após o presente estudo molecular, ser classificado em termos genéticos como homozigoto tipo A (AA). A sequenciação do gene SLC3A1 revelou que o doente 4 e o seu irmão são heterozigotos compostos de duas mutações: 2019C>G (p.C673W), previamente descrita na literatura como causadora de cistinúria, e c.611-2A>C(**) uma mutação de splicing descrita pela primeira vez neste trabalho. Ambos podem ser classificados em termos genéticos como heterozigotos compostos tipo A (AA). Adicionalmente, o estudo efectuado permitiu detectar a presença da alteração descrita c.797T>C (p.F266S), provavelmente não causal uma vez que estudos funcionais comprovaram que esta mutação não modifica significativamente a actividade de transporte quando comparado com o wild-type (27). A excre(*) (c.1597T>A ou p.Y533N) potencialmente patogénica pois resulta da substituição do nucleotido timina por adenina na posição 1597 do cDNA, o que implica que na sequência proteica seja incorporado o aminoácido asparagina na posição 533 em vez da tirosina. Por conseguinte na posição habitual de um aminoácido aromático polar com potencial para ganhar uma carga positiva, é incorporado um aminoácido neutro, ocorrendo esta alteração num local altamente conservado da proteína. (**) (c.611-2A>C) foi considerada patogénica em função dos resultados obtidos nas simulações bioinformáticas e no rastreio populacional, tendo-se verificado que dá origem a um transcrito alternativo que resulta no skipping do exão 3 e por conseguinte numa proteína com supressão de 52 aminoácidos. 248 artigo original original article ção urinária de cistina no doente 4 está, como seria de esperar, significativamente aumentada (279 μmol/mmol creatinina; VR: 8-22). A sequenciação do gene SLC7A9 detectou a presença de um polimorfismo não descrito na literatura (c.216C>T). DISCUSSÃO E CONCLUSÕES Apesar de terem passado mais de 100 anos desde que a estrutura química da cistina foi desvendada por Friedman e cerca de dois séculos desde que este aminoácido foi identificado pela primeira vez como constituinte de cálculos renais(21), a cistinúria permanece um tema actual de investigação em saúde. Como foi referido anteriormente o perfil de aminoácidos urinários constitui uma primeira abordagem para o diagnóstico e posterior classificação bioquímica dos doentes. A classificação molecular de cistinúria teve início com a clonagem do gene SL3CA1 em 1994 mas só cinco anos mais tarde foi identificado pelo Consórcio Internacional de Cistinúria o segundo gene envolvido nesta patologia - SLC7A9. A partir dessa data foram publicados vários estudos referentes a diversas populações. Não existindo dados disponíveis relativamente à população portuguesa, pretendemos, com este trabalho, iniciar a caracterização molecular dos doentes portugueses com cistinúria, recorrendo à sequênciação das regiões codificantes dos dois genes em causa. Foram estudados quatro casos com diagnóstico clínico e/ou bioquímico de cistinúria, tendo sido detectadas cinco mutações no gene SLC3A1, duas das quais não tinham sido previamente descritas na literatura, e uma no gene SLC7A9. Na sua maioria, as mutações causais detectadas apresentavam-se no gene SLC3A1 o que está de acordo com o que está descrito na literatura. Não foi encontrado, até ao momento, nenhum caso de hereditariedade digénica. A caracterização genotípica dos doentes cistinúricos contribui para o esclarecimento da patofisiologia da doença e sendo esta uma patologia tratável a análise molecular permite efectuar a confirmação do diagnóstico clínico e bioquímico e oferecer o aconselhamento genético aos familiares em risco. Estes conhecimentos são importantes para a personalização do acompanhamento, cuidados antecipatórios e tratamento destes doentes. Deu-se assim início ao estudo genético da cistinúria no nosso país. Este trabalho vai prosseguir com a caracterização molecular dos restantes casos de cistinúria identificados, tendo sido organizada uma equipa multidisciplinar que inclui médicos de diferentes especialidades (Nefrologia pediátrica, Nefrologia de adultos e Genética Médica) em estreita colaboração com a equipa laboratorial, para uma abordagem integrada dos doentes cistinúricos. A continuação do estudo das bases moleculares da cistinúria na população portuguesa irá proporcionar conhecimento científico que contribuirá para o estabelecimento da relação genótipo/fenótipo de uma das causas de urolitíase familiar mais frequentes na população pediátrica. EM DESTAQUE Iniciou-se o estudo genético da cistinúria no nosso país. Neste primeiro estudo foram detectadas, no gene SLC3A1, cinco mutações, duas das quais são novas. A caracterização genotípica dos doentes contribui para o esclarecimento da patofisiologia da doença, e permite efectuar a confirmação do diagnóstico clínico e bioquímico e oferecer o aconselhamento genético aos familiares em risco. HIGHLIGHTS The genetic study of cystinuria is now available in our country. In this first study we detected five mutations in SLC3A1 gene and among them two are new ones. Genotypic characterization of patients contributes to the understanding of this disease’s pathophysiology, confirms the clinical and biochemical diagnosis and provides genetic counseling to relatives at risk. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 CYSTINURIA – A REVIEW AND STUDY OF MOLECULAR BASES OF 4 PATIENTS ABSTRACT Introduction: Classically, based on the phenotype, two types of cystinuria were identified and classified as type I and non-type I. More recently a new classification was proposed based on molecular genetics: cystinuria type A (caused by mutations on SLC3A1 gene), type B (involving mutations on SLC7A9 gene) and type AB if there is a digenic inheritance (SLC3A1 and SLC7A9). Objective and methodology: We reviewed the state of the art on the diagnosis, incidence/prevalence, biochemical classification, genetic data and treatment of cystinuria. Furthermore we characterized four patients with cystinuria at molecular level by sequencing SLC3A1 and SLC7A9 genes. Results: On SLC3A1 we detect five mutations, two of them (c.1597T>A and c.611-2A>C) are novel and three (c.647C>T; c.1190A>G and c.2019C>G) were been previously reported in literature. Sequencing of SLC7A9 gene showed one (c.614_615insA) previously published mutation. It was possible to classify three type A patients (one homozygote and two compound heterozygotes) and one patient as heterozygous type B, which is consistent with the observed urinary excretion of cystine. Conclusions: Genotypic characterization of patients with cystinuria contributes to the understanding of the pathophysiology, confirms the clinical and biochemical diagnosis and provides genetic counseling to relatives at risk. The authors underline the need of a multidisciplinary team approach in the follow- up of these patients. Keywords: cystinuria, nephrolithiasis, amino acids, cystine, SLC3A1, SLC7A9. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 244-250 BIBLIOGRAFIA 1. Palacín M., Borsani G., Sebastio G. The molecular bases of cystinuria and lysinuria protein intolerance. Current Opinion in Genetics & Development. 2001; 11:328-35. 2. Scriver C. R. 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Cerebral palsy (CP) is an umbrella term describing a group of nonprogressive disorders of movement and posture associated with an imma- COMENTÁRIOS O comprometimento do estado nutricional na doença neurológica em idade pediátrica reveste-se de particular importância, antes de mais, pela sua elevada prevalência, mas também porque é determinante na morbilidade e mortalidade destas doenças(1).De facto, e segundo várias referências, a subnutrição foi documentada em 29 a 46% das crianças com paralisia cerebral, e documentado sobrepeso em 8-14%, classificação esta baseada em critérios de peso para a estatura e avaliação de prega tricipital(2,3). A paralisia cerebral, as doenças neuromusculares, as doenças degenerativas do sistema nervoso central e as lesões pós-traumáticas craneoencefálicas e medulares estarão certamente, entre as doenças neurológicas crónicas mais frequentes e prevalentes. Estas doenças, que podem ainda ter um carácter congénito ou adquirido, cursam com um maior ou menor grau de comprometimento permanente da estrutura e/ou função do sistema nervoso. No que concerne à sua história natural, podem ser não evolutivas ou, pelo contrário, serem progressivas no tempo. As limitações nutricionais deste tipo de doentes neste grupo etário estarão ture brain defect. If only CP is considered among neurological disabilities, its average prevalence is estimated to be _3.5/1000 (1). More than 50% of children with CP have feeding problems that may be associated with malnutrition and growth failure, with a prevalence of up to 85% in patients with quadriplegia. certamente na dependência do grau desse comprometimento do sistema nervoso, do seu perfil evolutivo no tempo e das características de cada caso de per si. De um modo geral, o cenário clínico pode contemplar uma série de dificuldades, nomeadamente a impossibilidade de auto-administração de alimentos, a limitação da abertura da boca e o encerramento incompleto dos lábios, protrusão persistente da língua, dificuldades na manutenção da posição de sentado, as dificuldades de deglutição e sua coordenação (dismotilidade gastroesofágica, muitas vezes responsável pelo refluxo) e a obstipação. Estas podem prologar significativamente o tempo das refeições (por vezes tempos incomportáveis), provocar fadiga e stress com a sua administração oral e episódios de engasgamento frequentes, com ou sem aspiração de alimentos. Portanto, é frequente e está facilitada a instalação de um défice de aporte crónico e sustentado de nutrientes nestas crianças, por vezes exacerbado pela administração de dietas de muita baixa densidade calórica, particularmente por gavagem. O impacto psicossocial destas dificuldades alimentares nestas crianças e cuidadores não deve ser subestimado(2). Este artigo parece-me especialmente importante por transmitir conhecimen- Other neurological diseases in which malnutrition and growth failure are frequent in children include acquired brain injury, neural tube defects, inborn errors of metabolism, and chromosomal abnormalities (2). tos neste área que muitas vezes não são tomados em linha de conta na avaliação e orientação nutricionais destes doentes: É importante ter presente que o crescimento linear, ou seja, o potencial de crescimento pode estar comprometido neste grupo de doenças, mesmo na ausência de malnutrição, por alterações endócrinas concomitantes e subjacentes, e eventuais factores genéticos inerentes, bem como pela franca diferença de estilo de vida destas crianças relativamente a populações de referência, nomeadamente no que concerne à mobilidade física. Portanto, devemos ser modestos e sensatos quanto ao grau de recuperação esperado, num programa de suporte nutricional(4). Nesta sequência, provavelmente pelas mesmas razões endocrinológicas, se verifica com frequência alterações ao padrão habitual dos timings do desenvolvimento pubertário(5). Ainda, e também por estas razões, é frequente que as necessidades energéticas destes doentes sejam sobrestimadas, ou seja, que o cálculo dos aportes seja feito como para populações de referência, não considerando o eventual comprometimento do crescimento e a inactividade física inerentes. Muitas vezes, somos levados a pensar que a artigo recomendado recommended article 251 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 espasticidade de muitos destes doentes implicam necessidades energéticas mais elevadas; parece não ser assim, e pelo contrário, as crianças com paralisia cerebral consomem menos energia que as não afectadas. Mais ainda, o aporte proteico nestas crianças é suficiente, não sendo necessário o seu reforço (dietas hiperproteicas)(6,7). Outro ponto importante será que a avaliação laboratorial extensa não é necessária, especialmente dos micronutrientes, por ser difícil a sua interpretação e valorização(8,9). Já a videofluoroscopia pode ser útil para a determinação do grau de disfunção motora faringeo-esofágica e portanto para avaliar o risco de aspiração, mas a videomanometria com impedância é o método ideal, sendo o mais informativo(10). Os grandes desafios nutricionais que estas crianças nos colocam são essencialmente, vencer: 1) a malnutrição, muitas vezes instalada sob a forma de défice ponderal; por vezes, o desequilíbrio é no sentido do sobrepeso (10 a 15%(2) ); 2) o atraso do crescimento , sendo reconhecida muitas vezes a dificuldade em determinar uma avaliação estatural fidedigna (espasticidade, escoliose, contracturas e outras deformidades); 3) a composição corporal mal balanceada(11). De facto, é frequente a franca limitação da actividade física destas crianças, o que pode desequilibrar o metabolismo energético relativamente à proporção de massa gorda e massa magra, no seu contributo para o peso corporal total. Seria desejável e urgente a criação de Equipas Multidisciplinares de Suporte Nutricional com canais privilegiados para a família e cuidados de saúde locais, que poderão diagnosticar, avaliar, prescrever um plano de recuperação nutricional e fazer o seguimento e monitorização destas crianças. A administração durante o período nocturno por gavagem pode reforçar um aporte insuficiente diurno. A gastrostomia obviará com facilidade as dificuldades de administração de uma __________ 1 Serviço de Pediatria, H Maria Pia / CHP 252 artigo recomendado recommended article dieta equilibrada em quantidade e qualidade, sendo que as dietas poliméricas de que podemos dispôr com composição adequada e desenhadas para diferentes faixas etárias, serão certamente, uma preciosa ajuda(12). O tratamento concomitante do refluxo gastroesofágico e da obstipação não deve ser esquecido. De facto, todos os esforços e atitudes terapêuticas, no que concerne ao foro nutricional, devem ser centrados na melhoria da qualidade de vida e no melhor prognóstico destas crianças e cuidadores, e não em targets específicos e desadequados como crescimento linear normal ou modificação da composição corporal tendo como referência as crianças normais, aspectos que por si só não vão definitivamente contribuir para o que se pretende. Helena Ferreira Mansilha1 Nascer e Crescer 2010; 19(4): 251-252 Bibliografia 1. 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Method: A systematic search of key electronic databases was undertaken to COMENTÁRIOS O artigo procede a uma revisão das intervenções que a investigação reconhece como eficazes no apoio aos pais e à relação pais-criança no período pós-natal, período considerado determinante para a saúde física e mental da criança. Por sua vez esta está dependente do estabelecimento de uma relação de boa qualidade entre o bebé e os cuidadores. São já reconhecidos e comprovados os efeitos nocivos da exposição ao stress nos primeiros anos de vida sobre o eixo hipotalâmico-pituitária-adrenal, sistema regulador das hormonas de stress em desenvolvimento, afectando a arquitectura e química cerebral, com a possibilidade de manifestação de problemas de aprendizagem e de comportamento de longa duração. Os problemas de saúde mental maternos – como a depressão pós-parto – são um factor que pode afectar de modo adverso a relação com o bebé, sendo fundamental o seu reconhecimento e tratamento. Embora ainda não seja possível identify secondary and primary sources of data addressing the research question. Twenty-four reviews addressed the effectiveness of interventions delivered during the postnatal period in promoting closeness and sensitive parenting, infant sensory and perceptual capabilities, and positive parenting, and in addressing infant regulatory problems, maternal mental health problems, and parent-infant relationship problems. Conclusions: A number of methods of working are recommended as prevenir a depressão pós-parto, podem ser eficazes no tratamento, várias formas de psicoterapia bem como visitas domiciliárias para ouvir as mães. Também estará recomendado o dar oportunidade à mãe para falar da sua experiência com o parto – sobretudo se foi de cesariana ou se o bebé esteve em unidade de cuidados especiais, usando apenas técnicas de escuta. A detecção da violência doméstica e o consumo de álcool e drogas é também fundamental. Relativamente a problemas precoces, verificou-se que a orientação antecipatória – que consiste em aconselhar preventivamente – e o dar instruções escritas, podem ser eficazes em promover melhores padrões de sono no bebé, reduzindo o stress e aumentando a auto-confiança dos pais nos primeiros meses de vida. A relação entre bebé e cuidador também beneficia com o incentivo da proximidade, tal como é obtida no contacto pele-a-pele ou nos transportadores de bebés, recomendando-se o método mãe-canguru. Também foram estudadas e confirmadas as vantagens de informar part of a model of progressive-universalism beginning ante-natally and continuing through the first two post-natal years, and beyond. The implications for universal, targeted and specialist healthcare services are explored, alongside the role and contribution of CAMHS practitioners. Keywords: Healthy Child Programme; 0–3 years; prevention; promotion; parenting. os pais acerca das competências sensoriais e perceptivas do bebé, por exemplo, através do uso da escala de Brazelton. A utilização da massagem (o cuidador passa a mão suavemente no bebé fazendo movimentos de rotação e às vezes com óleos) pode melhorar a interacção mãe-criança, o sono e relaxamento, reduzir o choro, e tem um impacto positivo nas hormonas de controlo do stress. Os serviços deveriam também ser capazes de identificar as famílias mais complexas e articular-se com os serviços de saúde mental. A grande aposta para diminuir e/ou prevenir os problemas de desenvolvimento e de saúde mental deve ser feita então nos primeiros anos de vida. Entretanto, verificamos que, crianças que cresceram em ambientes de risco, com progenitores com doença psiquiátrica, pobreza e exclusão social, entre outros, são frequentemente acometidas de problemas emocionais e de comportamento, com uma evolução crónica, que os recursos colocados à sua disposição, frequentemente no período escolar, atenuam mas não resolvem – educação especial e artigo recomendado recommended article 253 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 apoios pedagógicos, acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, apoio familiar, intervenção de comissões de protecção e outras entidades que intervêm nas crianças e suas famílias, por vezes em paralelo e com fraca interligação. Entre nós(1), as dificuldades sociais e financeiras, as doenças psiquiátricas e o abuso de substâncias, com particular destaque para o consumo de álcool, são os principais factores de perturbação da vida familiar, com o uso de práticas educativas inadequadas, que propiciam as situações de negligência e abuso emocional e físico. Estes problemas podem ser observados por todos os profissionais de saúde que contactam com crianças e as práticas educativas e os estilos parentais inadequados podem ser reconhecidos por inúmeros detalhes – um discurso frequentemente negativo e desvalorizante acerca das qualidades da criança, um tom afectivo repetidamente frio e/ou ríspido, uma postura que ignora os sinais de comunicação ou responde de forma pouco apropriada, uma interacção marcada por uma insatisfação e tensão permanentes. As intervenções na pediatria não são insignificantes: os técnicos podem __________ 1 Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital Maria Pia / CHPorto 254 artigo recomendado recommended article constituir um modelo junto dos pais de práticas educativas mais positivas quando se dirigem à criança num tom de voz calmo mas firme quando há necessidade de controlar o seu comportamento; quando valorizam os seus esforços e as suas atitudes apropriadas, como cumprimentar, cooperar na consulta, permanecer sentado, etc. Não desperdiçando oportunidades para alertar os pais para a necessidade do estabelecer de consequências, não agressivas ou desproporcionadas, para os comportamentos inadequados. Quando reconhecem problemas familiares, e incentivam os pais a procurar ajuda: económica, junto das estruturas de apoio social, tratamento psiquiátrico, tratamento para a dependência do álcool, ou até orientação para programas que ajudem os pais a desenvolver as suas competências parentais. Seremos mais úteis às crianças se adoptarmos uma atitude mais interventiva, envolvendo-nos na resolução de problemas com os quais as famílias se confrontam. Já são reconhecidos os factores de protecção(2) para um desenvolvimento saudável, alguns dos quais estão ao alcance dos profissionais de saúde para a sua promoção: – Um estilo autoritativo parental, combinado com uma relação calorosa e afectuosa, construída precocemente entre a criança e o cuidador. – Envolvimento parental na aprendizagem. – Comportamentos de protecção da saúde como cessar de fumar durante a gravidez. – Amamentação. – Recursos psicológicos, incluindo auto-estima. Maria do Carmo Santos1 Nascer e Crescer 2010; 19(4): 253-254 BIBLIOGRAFIA 1. h t t p : / / w w w . a c s . m i n - s a u d e . pt/2008/01/18/plano-accao-servicos-de-saude-mental. 2. Healthy Child Programme: Pregnancy and the first five years of life. National Service Framework for Children, Young People and Maternity Services, 2004. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Origens da Bioética Maria Alice da Silva Azevedo1 RESUMO A Bioética pode ser entendida como ciência, disciplina ou movimento de intervenção social e centra a sua actuação, fundamentalmente, no agir da pessoa humana e nas consequências que daí resultam, pretendendo com isso melhorar as realidades da vida e do viver. É sobre ela que se alicerçam reflexões sobre a forma como o ser humano, dotado de racionalidade, dá continuidade à sua espécie e se relaciona entre si e com o meio ambiente. Teve na sua origem, entre outros, um profissional humanista, Van Potter, que considerou a Bioética como “ponte para um futuro com dignidade e qualidade de vida humanas”, onde a responsabilidade assume a dimensão mais importante para a sua efectividade, como ética prática ou aplicada. No presente século, promover a Bioética como meio de facilitar o diálogo intercultural é um dever nosso, já que ela permite uma maior consciencialização e apreensão dos problemas da vida. Palavras-chave: Bioética, Dignidade, Responsabilidade. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 255-259 BREVE REFLEXÃO SOBRE O NASCIMENTO DA BIOÉTICA Bioética é um neologismo construído a partir das palavras gregas bios (vida) + ethos (ética). A Enciclopédia de Bioética de Reich consultada define-a como “o __________ 1 Especialista em Radiodiagnóstico no Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE; Pós-Graduada em Gestão e Administração Hospitalar; Mestre em Bioética – Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde”(1). Segundo bibliografia existente, esta palavra já vinha a ser utilizada por alguns autores desde o início do século XX, pelo que os poderemos considerar como os seus precursores. Estes já pugnavam pela necessidade de uma nova ciência holística, onde coubesse a consciência integral do homem perante tudo o que o rodeia, o que indiciava o prenúncio de uma nova vaga de pensadores saídos do movimento Iluminista, do chamado século das luzes, responsável pela formação da mentalidade moderna. O primeiro documento conhecido é de Fritz Jahr(2), que em 1927, publicou um artigo na revista alemã Kosmos, onde apresentava a Bioética como a emergência de obrigações éticas não apenas com o homem, mas com todos os seres vivos. Seguindo a linha do pensamento filosófico de Kant, propôs o Imperativo Bioético: “Respeita cada ser vivo em princípio como uma finalidade em si e trata-o como tal na medida do possível.” Também Albert Schweitzer(3) refere a necessidade de repensar a ética, o que caracteriza a actual ciência bioética. Nas suas palavras, “uma ética que nos obrigue apenas a preocupar-nos com os homens e a sociedade não pode ter este significado. Somente aquela que é universal e nos obriga a cuidar de todos os seres nos põe de verdade em contacto com o Universo e a vontade nele manifestada.” Ainda na linha dos precursores há um terceiro autor relevante para esta discussão, o Professor Aldo Leopold(4), em especial pela contribuição da sua obra Ética da Terra, editada em 1949. Ele alarga a definição de Jahr e diz-nos que “a ética da terra amplia as fronteiras da comunidade para incluir também o solo, a água, as plantas e os animais”, e que o problema com que nos defrontamos é a extensão da consciência social das pessoas para com a terra, donde poderemos extrair um apelo ao respeito pelas gerações presentes e futuras, através do respeito pelos homens, pelos animais e pela conservação da natureza. Daqui partiria a reflexão do médico oncologista norte-americano Van Ressenlaer Potter, preocupado com os avanços tecnológicos e com os efeitos que o meio ambiente exercia na saúde humana devido ao comportamento do homem. A sua esperança era de que o fim último do progresso tecnológico e científico fosse o homem e a sua qualidade de vida, tendo a Bioética como missão consciencializar a humanidade para uma vida digna. Assim, caberia ao homem a humildade de aprender com as experiências e os conhecimentos disponíveis e a responsabilidade de zelar pelo planeta através de comportamentos éticos, de forma a tornar sustentável tanto a vida das gerações presentes como das futuras. Considerado o verdadeiro pai da Bioética quando a apresentou em 1970 como a ciência da sobrevivência, onde defende, sob a influência de Aldo Leopold, que “nós temos uma grande necessidade de uma ética da terra, uma ética para a vida selvagem, uma ética de populações, uma ética do consumo, uma ética urbana, uma ética internacional, uma ética geriátrica e assim por diante (...) Todas elas envolvem a bioética (...).”(4) Em 1971, Potter publicou o livro “Bioethics: a bridge to the future”, definindo Bioética como ponte entre ciência e humanidade(5): Eu proponho o termo Bioética como forma de enfatizar os dois componentes mais importantes para se atingir uma nova sabedoria, que é tão desesperadamente necessária: co- perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics 255 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 nhecimento biológico e valores humanos. Conforme escreveu Luis Archer em 2006, a propósito de Van Potter, “Potter estava particularmente preocupado com a responsabilidade da genética em melhorar a qualidade da vida humana. Bioética era entendida por este autor como uma ética da biosfera que englobava não só aspectos médicos mas também ecológicos (…) para preservar um ecossistema em que a espécie humana pudesse sobreviver (…) Opinava ainda que essas duas vertentes se devem interpenetrar em matérias de saúde, de controlo da procriação e do significado de uma demografia em constante crescimento(6). Um outro autor importante que deverá também fazer parte da génese da Bioética é André Hellegers, médico obstetra que, poucos meses após a publicação da obra de Van Potter e ainda no ano de 1971, fundou o Instituto Universitário de Bioética, Joseph and Rose Kennedy Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics, hoje conhecido apenas por Instituto Kennedy de Ética. Foi a partiu desta altura que, oficialmente, a palavra Bioética foi incorporada em dicionários e enciclopédias (temos como exemplo a primeira Enciclopédia de Bioética, do Professor Warren Reich, de 1978), em diversos ramos do ensino e numa linguagem profissional interdisciplinar. Os anos setenta foram, por este motivo, a verdadeira rampa de lançamento da Bioética como ciência, em que ela é posta sob dois focos: um microbioético, com André Hellegers, virado essencialmente para a parte clínica da bioética, utilizada em sentido restrito, como o das aplicações da biologia e da medicina à vida humana, devido à crescente repercussão dos avanços tecnológicos na área da saúde, que se manteve predominante durante as décadas de setenta e oitenta, e foi trabalhada nesta perspectiva por vários autores como LeRoy Walters, Warren Reich, Guy Durant e Beauchamp e Childress; outro foco, numa perspectiva macrobioética, com Van Potter, mais na linha dos seus precursores, exige uma visão mais ampla sugerida pela etimologia da palavra, como área das questões éticas relacionadas com a vida que se 256 estenda a todos os campos. Bioética não só como combinação de conhecimento científico e filosófico, mas uma ética Global que contemple também a ecologia e estabeleça um sistema de prioridades médicas e ambientais para a sobrevivência aceitável. Na opinião de Rui Nunes, “embora a ética médica seja uma das vertentes fundamentais da Bioética e, ainda que a tónica geral da Bioética seja a preocupação com a sobrevivência da espécie humana, uma Bioética global deve ter em linha de conta a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas”(7). Como refere Hottois “(…)a maior parte das questões da Bioética ultrapassa largamente, em profundidade e em vastidão, os limites de uma profissão por mais prestigiada que seja”(8). Esta visão abrangente, decorrente de leituras várias, está também presente em autores como Tristran Engelhardt Jr., Peter J. Whitehouse e André Comte-Sponville. A função de “ponte” da Bioética, preconizada por Potter, exigiu o encontro da ética médica com a ética do meio ambiente, para assim tornar possível a sobrevivência da vida na Terra. Para Daniel Callahan,“a bioética representa uma transformação radical do domínio mais antigo e tradicional da ética médica.”(9) É notável a preocupação e o esforço de Potter em manter na Bioética as características fundamentais: abrangente, trans e interdisciplinar, plural, aberta a críticas e a novos conhecimentos; Bioética como movimento social, que ele redefiniria no final dos anos noventa para reabilitar as suas ideias originais como Bioética Profunda: “Bioética como nova ciência ética que combina humildade, responsabilidade e uma competência interdisciplinar, intercultural e que potencializa o senso de humanidade.”(10) Segundo bibliografia publicada, esta nova e última definição de Van Potter foi baseada no conceito de ecologia profunda definido em 1972 pelo norueguês Arne Naess, para expressar que todos os tipos de vida, e também os ecossistemas, têm valor intrínseco e que o homem é apenas uma pequena parte de todo o cosmos, questionando e trazendo à reflexão a visão antropocêntrica que coloca o homem perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics no centro do universo, tudo subjugando ao seu poder. Deu-se, assim, uma viragem definitiva para a macrobioética e para uma visão biocêntrica, sobre a qual assentam todas as discussões bioéticas neste início do século XXI. Esta última definição de Bioética de Potter, dando ênfase à humildade e à responsabilidade, encerra todos os ingredientes necessários e suficientes para a consumação da ética prática, tão bem analisados por Goldim(11): humildade para estar aberta a novos conhecimentos e poder considerar o “estar errado”, pois a mudança é uma constante e os consensos não são imutáveis; responsabilidade do homem em relação às suas acções e ao seu meio natural, que exige que ele aprenda com as experiências e conhecimentos disponíveis; competência interdisciplinar pela troca de opiniões e saberes, para que as diferentes visões essenciais na bioética, ao contrário de dividir, aproximem as pessoas e facilitem uma sábia síntese de indicadores que possibilitem adequadas soluções para os problemas. Segundo este autor, “os problemas propostos para reflexão bioética ficam mais claros quando discutidos dentro de uma perspectiva interdisciplinar”, dado que “existem dois factores que sempre influenciam o processo de tomada de decisão, que são o sistema de crenças e os desejos das pessoas envolvidas”(11); enfim, competência intercultural significa percebermos que não há só uma forma correcta de vermos os problemas. Assim, a visão plural é fundamental, tal como a interdisciplinaridade, mas deve evitar-se o relativismo em nome de uma qualquer cultura pelo perigo de validar injustiças locais; por último, importa considerar o senso de humanidade proposto no conceito de Potter. Este senso é inerente, é essencial à Bioética e pode muito bem ser ilustrado na definição do filósofo Comte-Sponville, que realça a responsabilidade intrínseca a cada ser humano: “Bioética, como se diz hoje, não é uma parte da Biologia; é uma parte da Ética, é uma parte da nossa responsabilidade simplesmente humana; deveres do homem para com outro homem, e de todos para com a humanidade.” (12) NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 A BIOÉTICA, A SAÚDE E A SOCIEDADE Poderemos dizer que a prática da Bioética, tal como a vislumbramos hoje, deve a sua emergência ao contexto do pós segunda guerra mundial no qual foi forjada. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1949, seria decisiva para o aparecimento, nas décadas seguintes, de movimentos pela luta de direitos civis. Para a elaboração desta declaração universal muito contribuiu o desenvolvimento de novas tecnologias biomédicas durante a segunda guerra mundial e o seu uso indevido, que culminaram em catástrofes ambientais e em crimes contra a humanidade. Cometidos com a experimentação em seres humanos por parte da classe médica, daí resultou o julgamento de Nuremberga em 1946. Como sua consequência directa, surgiu em 1947 o Código de Nuremberga, que consagra o princípio da autonomia como requisito ético essencial na experimentação médica, exigindo o consentimento informado, livre e esclarecido das pessoas que a ela se submetem, na defesa de que a ciência não é mais importante do que o homem. Pondo em causa a tradição milenar do paternalismo médico, este Código abre a tensão entre duas correntes: uma que defende a autonomia individual, reivindicando a sujeição a instâncias reguladoras externas da comunidade médico-científica; outra, que faz a apologia da auto-regulação paritária, apelando à ética das virtudes do modelo hipocrático, como é o caso da Declaração de Helsínquia(13), promulgada pela Associação Médica Mundial e revisões seguintes (Tóquio, 1975; Veneza, 1983; Hong Kong, 1989; Sommerset West, 1996; Edimburgo, 2000; Washington, 2002; Tóquio, 2004 e Seul, 2008), que restaura o primado da beneficência, atribuindo apenas aos médicos a competência para avaliar o rigor científico das experimentações. Constitui um conjunto de princípios éticos para a comunidade médica quanto à experimentação humana. Reafirma a superioridade do bem-estar do sujeito relativamente aos interesses da ciência e da sociedade, sendo reforçados o respeito pela dignidade e pelos direitos do ser humano nas revisões mais recentes. A par desta declaração surgiriam outras mais tarde, no evoluir dos acontecimentos e dentro do mesmo espírito de regulação das pesquisas. Os anos sessenta dizem respeito a uma década fértil em contestações e reivindicações, sobretudo na sociedade americana (de que é exemplo a luta pelos direitos civis dos negros). Daqui surgiram reflexões sobre o comportamento do homem nos vários campos do conhecimento, mas sobretudo no campo da saúde e em relação ao papel do Estado, abrindo a porta ao “Estado de Bem-estar Social” ou Estado-providência (Welfare State), colocando-o como agente protector e defensor dos cidadãos. As Comissões de Ética surgem, pois, nessa altura, pela necessidade de mediar os dilemas éticos e defender direitos humanos essenciais, como a dignidade das pessoas intervenientes nas pesquisas médicas. A estas Comissões para regular a experimentação científica de carácter vinculativo, juntaram-se nas décadas seguintes as Comissões de Ética Hospitalares, a nível local, e a Comissão de Ética a nível nacional - Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), de carácter normativo, abarcando actualmente estas iniciativas outros campos e outras instituições. A infracção dos direitos humanos e das directrizes éticas na área da saúde continuaram, contudo, a verificar-se em vários locais, nomeadamente nos Estados Unidos da América (EUA), como que a mostrar que a declaração de Helsínquia, a exemplo do que aconteceu anteriormente com documentos análogos (documentos: prussiano de 1901 e alemão de 1931)(15,16), pesou pouco nas práticas quotidianas dos profissionais de saúde, sendo alvo de várias críticas e denúncias. Em consequência disso foi criada em 1974, nos Estados Unidos, a Comissão Nacional para Protecção de Sujeitos Humanos nas Pesquisas Biomédicas e Comportamentais, no sentido de averiguar os respectivos acontecimentos denunciados. Em 1978 esta comissão apresentou o relatório das pesquisas efectuadas intitulado “Relatório Belmont: Princípios Éticos e Directrizes para a Pro- tecção de Sujeitos Humanos nas Pesquisas“. Este documento foi considerado um marco importante e estabeleceu três princípios éticos considerados básicos para a orientação de condutas aceitáveis na pesquisa médica: o respeito pela autonomia das pessoas, a beneficência e a justiça. Em 1979 dois dos relatores do anterior documento, Tom Beauchamp e James Childress(14), publicaram uma obra que viria a tornar-se uma referência mundial, Principles of Biomedical Ethics, acrescentando aos três princípios acima enunciados mais um: o da não-maleficência, distinguindo beneficência de não-maleficência. Estavam lançadas as bases de fundamentação bioética, assente em quatro princípios prima facie (não absolutos): autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça, orientadores da decisão em questões de ética médica, criando a que ficou conhecida por corrente Principialista, onde ainda hoje se apoiam todos os modelos de fundamentação e análise em Bioética, surgidos a partir de então. A estes princípios sobrepõem-se algumas vezes em situações conflitantes os princípios actuais, referidos pelo eticista Sir David Ross(15). Este modelo tem como referências o consequencialismo e o utilitarismo norte-americanos, e Patrão Neves(16) apresenta-o como uma proposta moral que estabelece normas para um agir adequado, e devido à sua grande aceitação é também conhecido como o “Mantra da Bioética”. A BIOÉTICA NO CONTEXTO ACTUAL O crescimento da Bioética foi constante nas últimas três décadas do século XX, sendo reforçado no início deste novo milénio pela Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH), adoptada pela UNESCO em 2005. A filosofia e políticas inclusivas que emergem da sua redacção e a sua tentativa de implementação a nível mundial, são o reflexo de todo esse esforço pela dignificação do ser humano. As questões que mais se destacam actualmente no panorama nacional (pois que noutras regiões geográficas e outras culturas se podem apresentar diferentes dilemas éticos), neste novo ramo do saber, finda a primeira década perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics 257 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 do século XXI, são: os avançados conhecimentos em genética muito centrados em dilemas éticos no início da vida e na saúde humana que, como refere Oliva Teles(17) ,“suscitam dúvidas e receios mas também inspiram alguma esperança”; os avançados conhecimentos tecnológicos e científicos que prolongam artificialmente a vida humana e a pertinência ou não do testamento vital; a justiça na saúde, tendo em conta a distribuição e a equidade; a sustentabilidade ambiental e a sua relação com a saúde dos seres vivos; e a multiculturalidade. Em nossa opinião, estes são temas dominantes abordados numa perspectiva ética e que preocupam e envolvem hoje toda a sociedade. Uma sociedade mais justa e feliz, preconizada pelos bioeticistas e decorrente das democracias actuais, só é possível com cidadãos virtuosos e que tenham como referência os ensinamentos dos filósofos antigos para os quais nos remete Oliva Teles, “tais como Sócrates, Platão e Aristóteles, que viveram no século V a.C. permaneceram válidos, quase imutáveis, durante séculos e constituíram a base filosófica da moderna cultura ocidental. Segundo eles o mais importante desta cultura ética era a virtude; um indivíduo com características boas era um virtuoso” (17). Actualmente é colocada ênfase na educação para os valores e para uma cultura ética, visível na democratização do ensino e na reforma da educação tendente a promover a existência de cidadãos mais responsáveis e virtuosos. Não podemos esquecer, no entanto, que a educação começa desde o nascimento e no seio familiar, pois a virtude, como defende Kant, se aprende ao colo da mãe; e, pelo exemplo, segundo Comte-Sponville, de pais e educadores. A referência central da Bioética, segundo Pessini e Barchifontaine(18), “é o ser humano especialmente considerado em dois momentos básicos: o nascimento e a morte”. Defendem estes autores que a maturidade humana se alcança no estado ético, em que o ser humano livre e autónomo age segundo valores adequados ao seu modo de existir. Acrescentam no entanto, que os valores culturais são adquiridos e fruto da experiência e tradição humanas. Estes valores coexistem 258 lado a lado com a ciência mas não dependem dela, mas sim da reflexão filosófica para a qual a Bioética dá um contributo essencial. Hoje podemos dizer, usando as palavras de Oliva Teles (19), que “a Bioética passou de ciência ou teoria para movimento cultural e social – no fundo, corresponde à necessidade que a presente sociedade tem de conciliar os conceitos da moralidade com os conflitos éticos resultantes do evoluir da bio-medicina e da tecnologia científicas, sob pena de comprometer os destinos da vida humana”. Emergindo como mediadora na resolução de questões vitais na sociedade a um nível Macro, apresenta-se como “ponte” entre ciência e humanidades, uma ponte de sabedoria para o futuro da vida na Terra . Nas palavras de Patrão Neves(20) “a Bioética é uma nova expressão do dever em face da vida”, e como refere Costa Pinto(21) “esta reflexão, longe de ficar circunscrita ao círculo dos cientistas, estendeu-se paulatinamente quer aos responsáveis políticos, quer à sociedade política em geral” e todos os acontecimentos e documentos que lhe deram origem “constituem marcos significativos da nova consciência emergente e da consequente necessidade do repensamento da ética à luz dum pluralismo cultural e axiológico que a capacite para intervir em todos os domínios da actividade humana”. ORIGINS OF BIOETHICS ABSTRACT Bioethics may be understood as a science, a discipline or a social movement intervention. Fundamentally it deals with the actions of human beings and the consequences of these actions, and it attempts to improve the realities of life and living. Bioethics is the basis for considerations on the ways in which rational human beings manage to continue the species and how they relate to each other and to their environment. One of the founders of Bioethics, the humanist professional Van Potter, considered it to be “a bridge, to a future with dignity and quality of human life”, where responsibility becomes the perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics most important dimension of its effectiveness, whether in practical or applied ethics. In the present century, it is our duty to promote Bioethics as a means of facilitating intercultural dialogues, since it allows us to better become conscious and to apprehend the problems in life. Keywords: Bioethics, dignity, responsibility. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 255-259 BIBLIOGRAFIA 1. Reich WT. Encyclopedia of bioethics. 2ª ed. New York; 1995;1:XXI. 2. Jahr F. Bio=Ethik. Eine Umschau über die ethichen Beziehung des Menschen zu Tier und Pflanze. Kosmos, 1927. 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CORRESPONDÊNCIA Maria Alice Azevedo Rua Alexandrino Costa, 37 4760-116 Vila Nova de Famalicão [email protected] perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics 259 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Fístula Artério-Venosa Pulmonar: Uma Causa Rara de Cianose Sónia Melo Gomes1, Mónica Batista2, Ana Teixeira3, Graça Nogueira3, Ana Almeida4, Isabel Mendes Gaspar4, Rui Anjos3, Fernando Maymone Martins3 RESUMO Apresenta-se o caso de um rapaz de 11 anos, referenciado por episódios recorrentes de dispneia de esforço e dor torácica associados a habitus marfanoide. Apresentava tórax com pectus excavatum exuberante e circulação venosa colateral superficial, cianose ungueal permanente, unhas em vidro de relógio e hipoxemia. A avaliação cardiológica revelou prolapso mitral e raiz da aorta não dilatada. A ressonância magnética pulmonar evidenciou uma fístula arteriovenosa (FAV) pulmonar aneurismática à direita, de grandes dimensões. O doente foi tratado por via percutânea através de embolização, tendo sido identificadas outras FAV bilateralmente e embolizadas três com maiores dimensões. As saturações transcutâneas de oxigénio melhoraram de 80 para 95%. A apresentação pouco habitual com múltiplas FAV pulmonares bilaterais, confere a este caso um mau prognóstico a médio prazo. A embolizção percutânea sendo um método menos invasivo e possível de repetição, é actualmente o tratamento de eleição. Palavras-chave: fístula arterio-venosa pulmonar, cianose, tratamento percutâneo. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 260-264 __________ 1 2 3 4 S. Pediatria H. Caldas da Rainha, CH Oeste Norte S. Pediatria, H. Espírito Santo, Évora S. Cardiologia Pediátrica, H. Santa Cruz, C H Lisboa Ocidental S. Genética Médica, H. S. Maria, CH Lisboa Norte 260 INTRODUÇÃO As fístulas arterio-venosas pulmonares (FAVP) são malformações raras, habitualmente congénitas (em 80% dos casos), estando descrita uma forte associação com a telangiectasia hemorrágica hereditária (THH)(1-3). Na maioria dos casos são lesões únicas, localizadas nos lobos inferiores junto à pleura visceral. Em cerca de 30% dos doentes existem lesões múltiplas, que podem ser bilaterais(2). A apresentação clínica é variável, desde a forma assintomática até à doença grave. A tríade clássica de apresentação (dispneia, cianose e hipocratismo digital) está presente numa minoria dos casos. O sintoma mais frequente é a dispneia com o exercício físico, observada em cerca de metade dos casos. Outros sintomas descritos são a epistaxis (mais frequente nos doentes com THH), hemoptise, dor torácica, tosse, tonturas e síncope. As alterações mais frequentes no exame objectivo são a cianose, hipocratismo digital e sopro vascular pulmonar (audível sobre a FAVP), verificando-se muitas vezes policitemia na avaliação laboratorial(2). CASO CLÍNICO Criança do sexo masculino de 11 anos de idade, primeiro filho de pais jovens não consanguíneos. Nos antecedentes familiares há a referir a morte fetal de gémeos e mãe com neoplasia da mama. Relativamente aos antecedentes pessoais salienta-se prematuridade de 35s+ 6d sem complicações; peso ao nascer de 2850 g e 47.5 cm de comprimento. Internamento por bronquiolite aguda com hipoxémia aos 2 anos de idade. Durante a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice o internamento foi detectado sopro sistólico, considerado inocente após realização de electrocardiograma e ecocardiograma, que não revelaram alterações. Aos onze anos de idade foi enviado à consulta de Genética Médica pelo seu médico assistente por episódios recorrentes de dispneia de esforço e dor torácica, associado a habitus marfanoide. Não havia referência a epistaxis ou hemorragias gastrointestinais. O fenótipo caracterizava-se por habitus marfanoide, pele fina e laxa (sem telangiectasias), sutura metópica, face assimétrica, palato alto, úvula de base larga e comprida, tórax com pectus excavatum exuberante e circulação venosa superficial colateral, de hipoxemia crónica como dedos frios com unhas em vidro de relógio e cianose ungueal. A saturação transcutânea de oxigénio era de 80-85%. Perante esta observação foram colocadas as hipóteses diagnósticas de Síndrome de Marfan, Sindrome de Telangiectasia Hemorrágica Hereditária ou síndrome de Loeys-Dietz. Para investigação diagnóstica foram pedidos os seguintes exames complementares: teleradiografia do esqueleto e angioressonância magnética cardíaca e pulmonar e dos vasos intra-cranianos. Foram solicitadas consultas de Cardiologia Pediátrica e Oftalmologia. A teleradiografia de tórax postero-anterior não revelou alterações do parenquima pulmonar; a incidência de perfil mostrou uma diminuição marcada do diâmetro antero-posterior torácico (Figura 1). No ecocardiograma transtorácico apresentou prolapso da válvula mitral, sem insuficiência e ausência de dilatação da raiz aórtica. A observação oftalmológica detectou miopia, sem luxação do cristalino. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Figura 1 – Radiografia de Tórax PA e de perfil, com pectus excavatum exuberante e marcada diminuição do diâmetro antero-posterior torácico. Figura 2 – Angioressonância magnética Aorta e Artéria Pulmonar: FAV pulmonar esférica (39x37mm), entre o ramo direito da artéria pulmonar e veia pulmonar inferior direita. Na angioressonância magnética (Figura 2) verificou-se a existência de uma FAVP esférica (39x37mm) entre o ramo direito da artéria pulmonar e a veia pulmonar inferior direita. A artéria pulmonar não apresentava dilatações enquanto que a aorta apresentava ligeira ectasia da raiz (24mm), sendo os restantes segmentos de dimensões normais. O estudo dos vasos intra-cranianos não revelou alterações. Dada a existência de FAVP e hipoxemia, optou-se pela embolização percutânea O cateterismo cardíaco revelou a presença de múltiplas FAVP bilaterais, tendo-se procedido à embolização das três de maiores dimensões (Figura 3): - FAVP na base pulmonar direita com artéria aferente de grandes dimensões e grande veia eferente: oclusão total da FAVP com “plug” (Figura 3A); - FAVP no lobo inferior direito, alimentada por pequena artéria aferente: embolizada com “coil” (Figura 3B); - FAVP no lobo inferior esquerdo, alimentada por artéria aferente com duas veias eferentes: embolizada com “coil” (Figura 3C). O cateterismo decorreu sem complicações. Após o procedimento verificou-se uma melhoria da saturação transcutânea de oxigénio, de 86% para 94%. Teve alta clinicamente bem, com indicação para profilaxia de endocardite bacteriana. Aos três meses de seguimento em Consulta de Cardiologia Pediátrica, mantinha-se assintomático, sem dispneia e com saturação transcutânea de oxigénio de 94%. a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice 261 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Figura 3 A - FAV na base pulmonar direita com artéria aferente de grandes dimensões e grande veia eferente - Oclusão total da FAV com “Plug” B - FAV no LID alimentada por pequena artéria aferente - Embolização com “coil” C - FAV no LIE alimentada por artéria aferente, com duas veias eferentes - Embolização com “coil” DISCUSSÃO Na tentativa de obter um diagnóstico etiológico, foram considerados vários síndromas: - a telangectasia hemorrágica hereditária é uma doença autossómica dominante que cursa com displasia vascular multissistémica, que se caracteriza por telangectasias e malformações artério-venosas da pele, mucosas e visceras(3). - o síndroma de Marfan (SM) corresponde a uma doença multissistémica cujas manifestações afectam classicamento o sistema cardio-vascular, esquelético e ocular(4,5); na maioria dos casos 262 encontra-se uma mutação no gene da fibrilina 1, enquanto que outros podem estar associados a mutações no gene TGFßR1 e TGFßR2. Estes dois últimos podem estar também implicados na génese do síndroma de Loeys-Dietz, que para além de apresentar algumas características em comum com o SM, apresenta outras particularidades(5,6). O fenótipo caracteriza-se por hipertelorismo, úvula bífida, tortuosidade arterial e aneurismas com dissecção que podem ocorrer ao longo de toda a árvore arterial, conferindo-lhe um risco cardio-vascular bastante mais elevado do que o do SM clássico(6). a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice Embora o presente caso não cumpra critérios suficientes para ser classificado em nenhum dos síndromas anteriores, é importante salientar que perante esta apresentação clínica, associada a pectus excavatum exuberante, deverá ser feito o estudo do coração e dos vasos. Relativamente às FAVP, apesar de ser uma situação já bem descrita em adultos, a literatura é escassa no que diz respeito à abordagem, diagnóstico e terapêutica na criança(7). No adulto, conquanto tal não se tenha verificado no caso actual, habitualmente, a radiografia de tórax mostra alterações do parenquima (sensibilidade de 70%, especificidade 98%)(1,2). Outros testes descritos para o rastreio inicial de FAVP em adultos são a gasimetria arterial para pesquisa de ortodeoxia, o teste de inalação de oxigénio a 100% para avaliação de shunt intrapulmonar, e o ecocardiograma com contraste(8). No entanto, a experiência em idade pediátrica é limitada, não sendo consensual a estratégia de orientação adequada. A angioressonância magnética tem sido utilizada com sucesso no diagnóstico e definição da anatomia vascular das FAVPs, embora a sua sensibilidade decresça para lesões de menor tamanho, pelo que a angiografia continua a ser o “gold standard” para o diagnóstico. Esta última para além de identificar a ou as lesões, é o exame que melhor define a angioarquitectura da vasculatura pulmonar, passo essencial para planear o tratamento, quer por embolização quer por ressecção cirúrgica. As complicações são potencialmente graves e até mesmo fatais, sendo as mais frequentes as referentes ao sistema nervoso central, tais como: enxaqueca, acidente isquémico transitório (AIT), acidente vascular cerebral (AVC), abcesso cerebral e convulsões. O mecanismo subjacente parece ser a embolização paradoxal através da FAVP. Outras complicações menos frequentes são a hemoptise, devido a rotura intra-brônquica da FAVP, ou hemotórax, por rotura de uma FAVP sub-pleural. A apresentação com múltiplas FAVP constitui um sinal de mau prognóstico, uma vez que as FAVP têm tendência NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 para aumentar de tamanho ao longo do tempo, sendo a incidência dessa progressão maior nos doentes não tratados. Do mesmo modo, também a morbilidade e mortalidade associadas são maiores nos doentes não tratados. Assim, os objectivos do tratamento são a prevenção das complicações neurológicas, da hipóxia progressiva e dos seus efeitos, bem como a prevenção da insuficiência cardíaca de alto débito(2). O tratamento definitivo das FAVP passa pela embolização percutânea ou pela ressecção cirúrgica. Com os recentes progressos das técnicas de embolização percutânea na década de 80, com recurso a “coils”, balões e mais recentemente a “plugs” vasculares, este tornou-se o método de eleição para o tratamento das FAVP pulmonares(2,9). As indicações para embolização são o aumento progressivo das lesões, embolização paradoxal, hipoxemia sintomática e FAVP com vasos nutritivos de dimensões ≥ 3mm. A cirurgia é recomendada nos casos em que a FAVP afecta apenas um lobo pulmonar e há uma boa delineação dos lobos não afectados, pois os vasos podem dilatar novamente ou novos vasos serem recrutados e assim levar à recorrência da malformação vascular(10). Outras indicações possíveis para a ressecção cirúrgica são os casos em que a embolização falha, os que apresentam complicações hemorrágicas importantes apesar da embolização ou rotura intra-brônquica da FAVP, alergia ao contraste ou lesões não passíveis de serem embolizadas. A embolização percutânea apresenta várias vantagens sobre a ressecção cirúrgica, uma vez que é um procedimento muito menos invasivo, evitando a morbilidade de uma cirurgia major, é facilmente repetível e poupa o parênquima pulmonar não lesado, facto da maior importância na doença múltipla ou bilateral, tal como no caso clínico apresentado. Séries publicadas demonstram que a eficácia da embolização percutânea em crianças é semelhante à dos adultos, verificando-se uma melhoria significativa na oxigenação após a intervenção. No que diz respeito à segurança, esta também está estudada em crianças, com taxas de complicações semelhantes às dos adultos(7). As complicações possíveis durante o procedimento passam pela rotura do vaso, taqui e bradiarritmias e oclusão vascular. A complicação mais frequente é a dor pleurítica que geralmente cede bem aos analgésicos. Embora seja menos comum, também pode ocorrer embolia gasosa, enfarte pulmonar ou hipertensão pulmonar, havendo um maior risco para esta última quando o vaso nutritivo mede mais de 8mm. Um motivo de preocupação neste caso, que possivelmente irá necessitar de novas intervenções a curto/médio prazo, é a dose de radiação. Devido à elevada taxa de regeneração celular que ocorre antes dos três anos e durante o surto de crescimento pubertário, estes grupos etários apresentam um risco mais elevado de desenvolver cancro induzido pela radiação ao longo da vida, pelo que é importante manter a dose de radiação o mais baixa possível(11). Após a embolização, estes doentes necessitam de antibioticoterapia profiláctica antes de qualquer procedimento dentário ou em tecidos potencialmente infectados para prevenir a embolização séptica e o risco de abcesso cerebral, uma vez que há sempre algum grau de shunt direito-esquerdo residual através das FAVP não ocluídas. Para além disso, é importante manter um seguimento regular, quer através de oximetria de pulso, pesquisa de ortodeoxia, avaliação de shunt intrapulmonar por inalação de oxigénio a 100% ou de exames de imagem, dado que as FAVPs aumentam de tamanho ao longo do tempo(12). CONCLUSÃO Neste caso, o fenótipo caracterizado por pectus excavatum exuberante, dedos frios com unhas em vidro de relógio e cianose ungueal, conduziu à investigação diagnóstica de doença cardíaca congénita cianótica e patologia arterio-venosa. A associação FAVP ao fenótipo descrito é pouco habitual, no entanto, a presença de múltiplas FAVPs bilaterais confere um mau prognóstico a médio prazo, pelo potencial de evolução com a idade. A embolização percutânea constitui uma forma de tratamento menos agres- siva e facilmente repetível, que permite a estes doentes alcançar uma melhoria significativa da qualidade de vida. PULMONARY ARTERIOVENOUS FISTULA: A RARE CAUSE OF CYANOSIS ABSTRACT A 11-year-old boy was referred for recurrent episodes of effort dyspnoea and thoracic pain associated with a marfanoid habitus. Physical examination showed an exuberant pectus excavatum, superficial venous collateral circulation, permanent ungueal cyanosis, digital clubbing and hypoxaemia. Cardiac evaluation revealed mitral valve prolapse without insufficiency, and a non dilated aortic root. Magnetic ressonance imaging of the pulmonary vessels showed a large aneurismatic pulmonary arteriovenous fistula (PAVF) on the right. The patient was treated percutaneously through embolization; other AVFs were found bilaterally and 3 of the largest were also embolized. Transcutaneous oxygen saturation improved from 80 to 95% after catheterization. This unusual presentation with multiple bilateral pulmonary AFVs confers this case an unfavourable medium term prognosis. Embolotherapy, being less invasive and easy to repeat, is nowadays the treatment of choice. Keywords: pulmonary arteriovenous fistula, cyanosis. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 260-264 BIBLIOGRAFIA 1. Geskey JM, Waterfield M, Weber HS, Graft GR. Pulmonary Arteriovenous Malformation: an unusual case of hypoxemia in an infant. Clin Pediatr. 2005; 44:263-6. 2. Khurshid I, Downie GH. Pulmonary arteriovenous malformation. 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CORRESPONDÊNCIA Sónia Melo Gomes, Rua Dr Bastos Gonçalves, 3-3B, 1600-898 Lisboa [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Avaliação Crítica e Implementação Prática de Estudos Sobre a Validade de Testes Diagnósticos – Parte II Luís Filipe Azevedo1, Altamiro da Costa Pereira1 RESUMO A Medicina Baseada na Evidência (MBE) é genericamente definida como a aplicação consciente, explícita e criteriosa da melhor evidência científica disponível na tomada de decisões sobre o cuidado individual dos doentes. Nesta série de Pediatria Baseada na Evidência têm vindo a ser abordados os aspectos conceptuais, metodológicos e operacionais relativos à prática da MBE. Neste artigo é apresentada a segunda parte do exemplo prático sobre a avaliação crítica e aplicação prática de estudos sobre a validade de testes diagnósticos iniciado no artigo anterior desta série. Nesta segunda parte é dada continuidade à discussão do cenário clínico previamente apresentado e em que existia a necessidade de encontrar e avaliar a evidência sobre a validade e utilidade da procalcitonina sérica na distinção entre pneumonia de etiologia bacteriana e vírica em crianças. No artigo anterior foram discutidos métodos de pesquisa da evidência e foi sugerida uma metodologia sistemática para a avaliação crítica de estudos sobre a validade de testes diagnósticos, incluindo três fases: (1) avaliação da qualidade metodológica do estudo; (2) avaliação da importância científica e prática dos seus resultados e (3) avaliação da aplicabilidade prática dos mesmos. Depois de no artigo anterior terem sido abordadas as questões relativas à primeira destas fases, no presente artigo são abordados os métodos, conceitos e critérios necessários para a avaliação da importância científica e prática __________ 1 Serviço de Bioestatística e Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Centro de Investigação em Tecnologias e Sistemas de Informação em Saúde – CINTESIS. dos resultados (características operacionais dos testes diagnósticos e aplicação da informação diagnóstica no processo de tomada de decisão clínica numa perspectiva bayesiana) e da aplicabilidade prática dos mesmos. Palavras-chave: Medicina baseada na evidência, diagnóstico, testes diagnósticos, especificidade, sensibilidade, valores preditivos, razões de verosimilhança, curvas ROC, procalcitonina, pneumonia, criança. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 265-277 INTRODUÇÃO A Pediatria Baseada na Evidência foi genericamente definida, no primeiro artigo desta série(1), como a aplicação consciente, explícita e criteriosa da melhor evidência científica disponível na tomada de decisões sobre o cuidado individual dos doentes pediátrico(2-4). No segundo e terceiro artigos da série(5,6) foram desenvolvidos em maior detalhe os aspectos relacionados com a formulação de questões clínicas, a eficaz pesquisa da evidência científica e a avaliação crítica da mesma. No quarto e quinto artigos(7,8) iniciou-se a apresentação de um conjunto de cenários práticos que exemplificam a aplicação dos métodos e competências abordadas, tendo sido o primeiro exemplo dedicado à avaliação crítica e implementação prática de revisões sistemáticas e estudos de meta-análise e o segundo dedicado aos ensaios clínicos aleatorizados. No sexto artigo da série(9), foi dado início à apresentação e discussão de um cenário prático que exemplificava a pesquisa, avaliação crítica e implementação prática de estudos sobre a validade de testes diagnósticos. Neste sétimo artigo irá ser concluída a discussão do cenário iniciado no número anterior da série, focando especificamente as questões relacionadas com os métodos, conceitos e critérios necessários para a avaliação da importância científica e prática dos resultados de estudos sobre a validade de testes diagnósticos (características operacionais dos testes diagnósticos e aplicação da informação diagnóstica no processo de tomada de decisão clínica numa perspectiva bayesiana) e para a avaliação da aplicabilidade na prática clínica dos mesmos. No número anterior desta série(9) iniciamos a apresentação do caso da Maria, de 5 anos de idade, que foi trazida ao serviço de urgência de pediatria com sinais e sintomas sugestivos de pneumonia. O clínico responsável pela Maria – um interno de pediatria – após a recolha da história clínica e a realização do exame físico, procedeu ao pedido de vários exames complementares de diagnóstico. Ao fazer estes pedidos tentou lembrar-se das razões porque considerava necessários cada um dos exames que solicitava, tendo-se tornado claro na sua cabeça que uma das principais questões a que tentava responder era a da etiologia, vírica ou bacteriana, da pneumonia eventualmente existente, dado que isto teria consequências fundamentais na decisão sobre o plano terapêutico. Em particular, relativamente à questão típica e fulcral da necessidade de prescrição de antibióticos. Neste exercício, acabou por lembrar-se de ter ouvido falar recentemente sobre a procalcitonina e a sua potencial utilidade na distinção entre infecções víricas e bacterianas, e não dominando ainda o assunto, decidiu procurar a evidência existente sobre a utilidade diagnóstica pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics 265 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 da procalcitonina na discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica na criança. Após a adequada formulação da questão e de uma pesquisa bibliográfica dirigida à mesma, utilizando a base de dados Medline, encontrou uma lista com algumas dezenas de artigos, sendo vários deles altamente relevantes. Logo no início desta lista destacava-se o artigo de Don et al., publicado em 2007, no Scandinavian Journal of Infectious Diseases e intitulado “Efficacy of serum procalcitonin in evaluating severity of community-acquired pneumonia in childhood”(10). Após uma rápida leitura de alguns dos resumos encontrados, tornou-se evidente que este era um dos artigos mais recentes e que respondia de forma mais específica à questão. O passo seguinte foi aceder à versão integral do artigo e iniciar a sua análise crítica. (A) Avaliação da qualidade metodológica do estudo Ao longo do último artigo desta série(9) foi possível verificar que a qualidade dos estudos sobre validade de testes diagnósticos está dependente do controlo de um vasto conjunto de fontes de erros sistemáticos e aleatórios que devem ser conhecidas, prevenidas e detectadas. Foi definido um conjunto de 14 critérios básicos para a avaliação sistemática da qualidade metodológica deste tipo de estudos (ver Tabela 1), sendo a sua aplicação discutida e ilustrada, utilizando como exemplo prático o artigo de Don et al.(10) sobre a validade da procalcitonina na discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica na criança. Verificou-se que este artigo, apesar de globalmente adequado quanto à sua qualidade metodológica, tinha três problemas importantes: (1) a utilização de um teste padrão de referência que, sendo genericamente adequado, não conseguia identificar a etiologia específica da pneumonia em 34% dos doentes, com o potencial de enviesamento associado e a consequente redução da amostra a analisar; (2) o estudo tinha um tamanho de amostra limitado, com consequentes estimativas de validade do teste diagnóstico de precisão muito limitada (devido aos potenciais erros aleatórios associados às 266 pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics pequenas amostras) e, por último, (3) os autores não reportavam explicitamente a precisão das suas estimativas (através da apresentação de intervalos de confiança ou erros padrões para as estimativas das características operacionais do teste diagnóstico), não dando oportunidade aos leitores de avaliar criticamente este aspecto. No presente artigo será discutido o desfecho do cenário clínico apresentado e, à luz da avaliação da importância científica e prática dos resultados do estudo e da aplicabilidade à prática clínica dos mesmos (ver Tabela 1), dando continuidade à avaliação crítica do artigo de Don et al.(10), será discutida a relevância e adequação da utilização da procalcitonina na discriminação entre pneumonias de etiologia vírica e bacteriana na criança. (B) Avaliação da importância científica e prática dos resultados O diagnóstico poderá ser genericamente definido como um processo probabilístico e iterativo de decisão que, fazendo o melhor uso possível de toda a informação disponível a cada momento, visa classificar o indivíduo numa determinada entidade nosológica à qual estão associados um determinado plano terapêutico e um determinado prognóstico. O diagnóstico implica, antes de mais, ter a capacidade de discriminar entre indivíduos com e sem a entidade nosológica em análise (por simplicidade, fala-se habitualmente em doentes e não doentes). Neste contexto, definem-se como testes diagnósticos quaisquer dados, medições ou classificações que permitam discriminar entre populações com e sem a entidade nosológica em consideração. Nesta definição genérica incluem-se quer os habituais exames complementares de diagnóstico (imagiológicos, hematológicos, bioquímicos, microbiológicos, imunológicos, genéticos, etc.), quer os dados provenientes da história clínica, antecedentes pessoais e familiares e observações do exame físico. A utilização adequada e consciente dos testes diagnósticos exige o conhecimento e compreensão das propriedades fundamentais que os caracterizam: (1) reprodutibilidade; (2) validade; (3) efeitos da sua utilização nas decisões clínicas e variáveis de resultado clínico relevantes e (4) aceitabilidade, riscos, custos e custo-efectividade associados. Sendo várias as suas características ou propriedades relevantes, é muito comum colocar uma ênfase especial na validade, entre outras razões, porque é nesta propriedade que assenta a aplicação dos resultados do teste no processo de tomada de decisão clínica, tal como ao longo deste artigo iremos demonstrar. A validade de um teste diagnóstico pode ser definida como a sua capacidade de medir ou classificar aquilo que realmente pretende medir ou classificar. Assim, a validade mede a capacidade do teste diagnóstico classificar adequadamente o indivíduo como doente ou não doente, através da comparação do resultado do teste em avaliação com aquilo que é considerado, num determinado momento no tempo, como sendo o resultado mais próximo da verdade, ou seja, o resultado de um teste diagnóstico padrão de referência (gold standard), aceite consensualmente para a situação em apreço (infelizmente, em não raras situações, não teremos disponível um gold standard consensualmente aceite). A avaliação da importância científica e prática dos resultados dos estudos sobre a validade de testes diagnósticos (ver Tabela 1) passa pela adequada interpretação e contextualização das medidas de validade do teste e subsequente verificação, em última análise, da sua real capacidade de discriminação entre indivíduos com e sem a entidade nosológica em consideração. Genericamente, a avaliação da importância dos resultados deverá considerar dois aspectos essenciais(4,11): São apresentadas medidas adequadas à quantificação da validade do teste diagnóstico em avaliação? O teste diagnóstico em avaliação demonstra uma importante capacidade de discriminação? O valor de qualquer teste diagnóstico está directamente relacionado com a informação diagnóstica adicional que este traz, estando esta directamente relacionada com a sua validade e a subsequente modificação da probabilidade do diagnóstico em consideração trazida pelo seu resultado. Um teste diagnóstico só deve ser utilizado quando o seu resultado NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Tabela 1: Critérios de avaliação de estudos sobre a validade de testes diagnósticos relativamente à: (A) qualidade metodológica, (B) importância dos resultados e (C) aplicabilidade prática dos resultados. (A) Avaliação da qualidade metodológica do estudo: 1. O espectro de doença nos participantes do estudo é representativo do da população que irá, potencialmente, ser submetida ao teste no contexto clínico real de utilização do mesmo 2. Os critérios de selecção dos participantes, o contexto, o local e o período em que o estudo foi realizado são claramente descritos? 3. Os métodos de amostragem dos participantes são claramente descritos? Foi usado um método de amostragem consecutiva seguindo os critérios de selecção estabelecidos? 4. O estudo e a recolha dos dados foram planeados antes da aplicação do teste em avaliação e do teste padrão (estudo prospectivo) ou depois da realização destes (estudo retrospectivo)? 5. O teste padrão de referência (gold standard) utilizado é adequado à situação clínica e consegue discriminar adequadamente entre os indivíduos com e sem a entidade nosológica em consideração? 6. O espaço temporal entre a aplicação do teste padrão e do teste diagnóstico em avaliação foi suficientemente curto de modo a poder assumir-se que não existiram alterações relevantes do estado do indivíduo entre estes dois momentos? 7. Todos os participantes, ou uma amostra aleatória dos participantes, foram submetidos ao teste padrão de referência? 8. Todos os participantes receberam o mesmo teste padrão de referência independentemente do resultado do teste diagnóstico em avaliação? 9. O teste padrão de referência é independente do teste diagnóstico em avaliação (i.e. o teste em avaliação não é parte integrante do teste padrão de referência)? 10. A aplicação e execução do teste padrão de referência e do teste em avaliação são descritas em suficiente detalhe que permita a sua replicação? 11. O resultado do teste em avaliação foi obtido e interpretado sem o conhecimento prévio do resultado do teste padrão (ocultação)? O resultado do teste padrão foi obtido e interpretado sem o conhecimento prévio do resultado do teste em avaliação (ocultação)? 12. Quando o resultado do teste em avaliação foi obtido e interpretado, a informação clínica disponível era semelhante àquela que está habitualmente disponível no contexto clínico real de utilização do mesmo? 13. Os resultados dos testes classificados como ambíguos, intermédios, não interpretáveis ou omissos são descritos e os métodos e procedimentos usados no seu tratamento explicados? 14. Os participantes que abandonaram o estudo ou que tiveram um seguimento incompleto são descritos, as razões de perda ou abandono descritas e os métodos e procedimentos usados no seu tratamento explicados? (B) Avaliação da importância científica e prática dos resultados 15. São apresentadas medidas adequadas à quantificação da validade do teste diagnóstico em avaliação? O teste diagnóstico em avaliação demonstra uma importante capacidade de discriminação? 16. É apresentada a precisão das estimativas das medidas de validade do teste diagnóstico em avaliação? (C) Avaliação da aplicabilidade prática dos resultados 17. Serão os resultados do estudo aplicáveis ao meu doente, tendo em conta as suas características específicas? Serão os resultados do estudo generalizáveis para o meu contexto específico? 18. O teste diagnóstico em avaliação está disponível e é aplicável, válido e reprodutível no contexto onde me insiro? 19. Estará o doente disposto a ser submetido ao teste diagnóstico? Existem riscos ou eventos adversos eventualmente associados à sua aplicação? 20. Será possível encontrar estimativas clinicamente relevantes das probabilidades préteste, de forma a optimizar a utilização da informação diagnóstica proveniente do teste? 21. Serão os resultados do teste diagnóstico úteis para a resolução do problema do meu doente? 22. Quais são as opiniões, valores e expectativas do meu doente relativamente aos objectivos ou resultados clínicos esperados e poderá a realização do teste diagnóstico contribuir para a concretização dos mesmos? pode modificar a actuação clínica que se segue (atente-se, no entanto, que muitas vezes o pedido de um teste poderá estar relacionado não só com o diagnóstico em consideração, mas com outros objectivos clínicos relevantes, por exemplo, avaliar a gravidade/evolução da doença, avaliar o estado geral do indivíduo, estabelecer um perfil inicial ou estado basal da doença). Se o resultado de um teste não vai ter consequências, a sua utilização é clínica e eticamente discutível. É fundamental, antes de solicitar um teste diagnóstico, perceber claramente o problema de decisão em causa e perceber quando é que, realmente, a informação diagnóstica adicional é relevante nesse contexto. Assim, quanto à evidência científica sobre a validade de testes, é fundamental conhecer as medidas específicas de validade dos testes diagnósticos, verificar se estas são adequadamente reportadas nos estudos sobre este assunto, entender os princípios da aplicação da informação diagnóstica proveniente dos testes e entender o método de actualização de probabilidades de doença após o conhecimento dos resultados dos testes. Sensibilidade, especificidade e valores preditivos As medidas de validade de um teste diagnóstico surgem da comparação dos resultados deste com os resultados de um teste padrão de referência. Por uma questão de facilidade, iremos considerar na discussão que se segue a simplificação do resultado do teste diagnóstico classificando-o unicamente como positivo ou negativo. Esta é uma simplificação, já que em grande parte dos casos o resultado do teste diagnóstico será representado em escalas categóricas ordinais ou numéricas, discretas ou contínuas, e não através da simples dicotomia positivo/negativo. O resultado de um teste diagnóstico é geralmente dicotomizado em positivo/negativo através da escolha de pontos de corte (cut-off points) adequados na escala do teste. Associadas a pontos de corte diferentes estarão medidas de validade ou características operacionais do teste diferentes, sendo necessário verificar a variação das mesmas em função dos pontos de corte defi- pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics 267 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 te negativo dada a ausência de doença e estimada pela proporção de indivíduos que têm um teste negativo de entre os não doentes. nidos e saber escolher os pontos de corte mais adequados para o teste, em função dos objectivos do mesmo (ver adiante a secção sobre curvas ROC e área sob a curva ROC). Classicamente, no entanto, e assumindo a dicotomização simplificadora positivo/negativo, são definidas as seguintes medidas de validade ou características operacionais de um teste diagnóstico (Ver Tabela 2)(12,13): Sensibilidade: definida como a probabilidade condicional de ter um teste positivo dada a existência de facto de doença e estimada pela proporção de indivíduos que têm um teste positivo de entre os doentes (condicionando o cálculo da proporção só aos doentes). [ Especificidade (Es) = P T − | D ] d Eˆ s = b+d Um teste muito específico é aquele que consegue “apanhar com grande certeza aqueles que são realmente doentes”, ainda que, por esse motivo, possa falsamente identificar alguns doentes como não doentes (falsos negativos). Assim, e porque nestes testes a quase totalidade dos indivíduos com testes positivos serão de facto doentes, um teste muito específico é mais útil quando é positivo (porque identifica com grande certeza o diagnóstico em consideração). Na literatura anglo-saxónica encontra-se, por vezes, o acrónimo SpPin para expressar esta ideia – “When a test has a high Specificity, a Positive result rules in the diagnosis”. Valor preditivo positivo: definido como a probabilidade condicional de ter a doença dado que o resultado do teste foi positivo e estimada pela proporção de indivíduos que têm a doença de entre os que têm um teste positivo. Sensibilidade (Se) = P[T + | D] a Sˆ e = a+c Um teste muito sensível é aquele que consegue “apanhar a maior parte dos doentes”, ainda que, por esse motivo, possa falsamente identificar alguns não doentes como doentes (falsos positivos). Assim, e porque nestes testes a quase totalidade dos indivíduos com um resultado negativo serão de facto não doentes, um teste muito sensível é mais útil quando é negativo (porque exclui com grande certeza o diagnóstico em consideração). Na literatura anglo-saxónica encontra-se, por vezes, o acrónimo SnNout para expressar esta ideia – “When a test has a high Sensitivity, a Negative result rules out the diagnosis”. Especificidade: definida como a probabilidade condicional de ter um tes- Valor Preditivo Positivo (VPP) = P[D | T + ] VPˆ P = a a+b Uma vez solicitado o teste e recebido o seu resultado a informação clinicamen- Tabela 2 – Representação habitual dos resultados do teste diagnóstico cuja validade se pretende avaliar em função dos resultados do teste padrão de referência, que determinam o verdadeiro estado de doente e não doente para cada participante. Doença Teste 268 Presente Ausente Positivo a b a+b Negativo c d c+d a+c b+d pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics te mais relevante, e que para o doente é mais importante, é a da probabilidade de ter a doença dado o resultado observado do teste. Neste contexto a probabilidade de ter de facto a doença dado que foi observado um resultado positivo do teste corresponde ao valor preditivo positivo. Valor preditivo negativo: definido como a probabilidade condicional de não ter a doença dado que o resultado do teste foi negativo e estimada pela proporção de indivíduos que não têm a doença de entre os que têm um teste negativo. [ Valor Preditivo Negativo (VPN) = P D | T − VPˆ N = ] d c+d Num registo semelhante ao do valor preditivo positivo, o valor preditivo negativo dá-nos a noção, clinicamente mais relevante, da probabilidade de um indivíduo não estar realmente doente quando o teste foi negativo. Razões de verosimilhança (likelihood ratios - LR) Outras medidas de validade que podem ser calculadas para um teste diagnóstico, que têm particular importância pela sua utilidade no cálculo das probabilidades de doença actualizadas após o conhecimento do resultado do teste, são as razões de verosimilhança (likelihood ratio – LR). Define-se a razão de verosimilhança (LR) para cada resultado possível de um teste diagnóstico, como sendo a razão entre a probabilidade desse resultado na população doente e a probabilidade desse resultado na população não doente, isto é: Assim, para um resultado positivo do teste, tem-se que o LR+ corresponde a: NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 E para um resultado negativo do teste, tem-se que o LR- corresponde a: O LR+ diz-nos quantas vezes mais provável é encontrar um resultado positivo do teste nos doentes em comparação com os não doentes. Portanto, este será tanto maior quanto mais sugestivo da presença de doença for um resultado positivo do teste. Valores de LR+ entre 2 e 5 condicionam pequenas alterações da probabilidade pré-teste; valores entre 5 e 10 condicionam alterações moderadas e valores maiores que 10 condicionam grandes alterações(14-16). O LR- diz-nos quantas vezes menos provável é encontrar um resultado negativo do teste nos doentes em comparação com os não doentes. Portanto, este será tanto menor quanto mais sugestivo da ausência da doença for um resultado negativo do teste. Valores do LR- entre 0,5 e 0,2 condicionam pequenas alterações da probabilidade pré-teste; valores entre 0,2 e 0,1 condicionam alterações moderadas e valores menores que 0,1 condicionam grandes alterações(14-16). Actualização da probabilidade de doença e teorema de Bayes Verifica-se que a utilização de um determinado teste diagnóstico serve precisamente para alterar uma determinada probabilidade a priori da doença ( P[D ] – probabilidade pré-teste), de forma a obter uma estimativa dessa probabilidade que tenha em conta a informação dada pelo resultado do teste diagnóstico ( P[D T + ] ou P[D T −] – probabilidades pós-teste – genericamente P[D T ]). A estimativa de P[D T ] deverá ser obtida a partir da probabilidade pré-teste da doença P[D ] e das características operacionais básicas do teste (sensibilidade P[T + |D ] e especificidade P[T − |D ]) que são, à partida, os únicos dados conhecidos. A metodologia adequada para a actualização da probabilidade de doença dado o resultado de um teste diagnósti- co passa pela aplicação do teorema de Bayes. Este teorema resulta da própria definição de probabilidade condicional e permite obter uma expressão para a probabilidade de um acontecimento a posteriori (por exemplo, P[D T ]) com base na sua probabilidade a priori e na probabilidade condicional invertida (por exemplo, P[D ] e P[T D ], probabilidade pré-teste e sensibilidade e/ou especificidade do teste)(12, 13). Sejam P[T + ] , P[T −], P[D ] e P[D ] as probabilidades do resultado de um teste diagnóstico ser positivo e negativo, e as probabilidades de presença e ausência da doença (dada pelo resultado do teste padrão de referência). Sejam ainda P[D T + ], P[D T −], P[T + D ] e P T − D , respectivamente, a probabilidade condicional de ter doença dado que se teve um resultado positivo do teste (probabilidade pós-teste positivo), a probabilidade condicional de ter doença dado que se teve um resultado negativo (probabilidade pós-teste negativo), a probabilidade condicional de ter um resultado positivo dado que se é doente (sensibilidade) e a probabilidade condicional de ter um resultado negativo dado que se é não doente (especificidade). Tem-se, por definição, que uma probabilidade condicional é dada pela razão entre a probabilidade conjunta dos eventos (intersecção) e a probabilidade do evento condicionante. Ou seja, por exemplo, a probabilidade condicional de estar doente dado que se tem um teste positivo ( P[D T + ]) é igual à razão entre a probabilidade conjunta de estar doente e ser positivo ( P[D ∩ T + ]) e a probabilidade de ter um teste positivo ( P[T + ]). E, da mesma forma, a probabilidade condicional de ter um teste positivo dado que se é doente ( P[T + D ]) é igual à razão entre a probabilidade conjunta de estar doente e ser positivo ( P[D ∩ T + ]) e a probabilidade de ser doente ( P[D ]). Assim: [ P[T + | D ]= P[D ∩ T + ] P[D ] e P[D | T + ]= P[D ∩ T + ] P[T + ] ] Tendo em conta as definições e notação atrás apresentadas o teorema de Bayes poderá ser deduzido da seguinte forma: Partindo das expressões anteriores verificamos que: P[D ∩ T + ]= P[T + | D ]× P[D ] e P[D ∩ T + ]= P[D | T + ]× P[T + ] Logo, P[T + | D ]× P[D ]= P[D | T + ]× P[T + ]⇔ ⇔ P[D | T + ]= ⇔ P[D | T + ]= P[T + | D ]× P[D ] ⇔ P[T + ] P[T + | D ]× P[D ] ⇔ P[T + ∩ D ]+ P[T + ∩ D ] ⇔ P[D | T + ]= = P[T + | D ]× P[D ] P[T + | D ]× P[D ]+ P[T + | D ]× P[D ] Assim, para um resultado positivo ou negativo do teste, tem-se respectivamente: P[D | T + ]= = P[T + | D ]× P[D ] P[T + | D ]× P[D ]+ P[T + | D ]× P[D ] P[D | T −]= = P[T − | D ]× P[D ] P[T − | D ]× P[D ]+ P[T − | D ]× P[D ] Onde, tendo em conta as definições atrás apresentadas, é possível verificar que: P>T |D@ 1 P>T |D@ = 1 − Sensibilidade (Se) P>T |D @ 1 P>T |D @ = 1 − Especificidade (Es) pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics 269 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 E simplificando, através do uso dos conceitos de sensibilidade e especificidade, conclui-se finalmente que(12, 13) P>D|T @ Se u P>D@ Se u P>D @ 1 Es u 1 P>D @ P>D|T @ 1-Seu P>D@ 1-Seu P>D@ Es u 1 P>D@ Considere-se o seguinte exemplo a título ilustrativo. Um homem tem 55 anos, apresenta hemoptises e perda ponderal nos últimos 6 meses e é fumador há mais de 20 anos (cerca de 2 maços por dia). Baseado na história clínica e exame físico, o clínico coloca como primeira hipótese diagnóstica uma neoplasia pulmonar, e estima, com base nos dados clínicos, que a probabilidade pré-teste de neoplasia pulmonar é, neste caso, de 0,4 ou 40%. O clínico solicita uma radiografia pulmonar como parte do estudo deste doente e esta revela a presença de uma massa no lobo superior direito. Apesar de haver alguma heterogeneidade na evidência existente, será justo afirmar que a radiografia pulmonar tem sensibilidade de cerca de 60% e uma especificidade de cerca de 85% no diagnóstico de neoplasias pulmonares(17-19). Neste cenário, como deverá o clínico interpretar o achado na radiografia pulmonar? Qual será a utilidade deste teste? De que forma poderá o resultado positivo do teste (presença de massa pulmonar) alterar a probabilidade de doença estimada à partida pelo clínico? Tendo em conta a probabilidade pré-teste de doença e a sensibilidade e especificidade do teste, a aplicação do teorema de Bayes permite responder a estas questões: Se u P>D @ Se u P>D @ 1 Es u 1 P>D @ 0,6 u 0,4 P>D | T @ 0,6 u 0,4 0,15 u 0,6 0,24 0,24 P>D | T @ 0,73 0,24 0,09 0,33 P>D | T @ P>D | T @ 0,73 Antes da informação dada pelo teste, o clínico estimava em 40% a pro- 270 pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics babilidade de presença de neoplasia pulmonar (probabilidade pré-teste) e após a verificação do resultado do teste essa probabilidade é actualizada para 73% (probabilidade pós-teste positivo). O resultado positivo do teste (presença de massa pulmonar) altera moderadamente a probabilidade da doença. Se pelo contrário, a radiografia pulmonar não fosse sugestiva da presença de neoplasia pulmonar, a probabilidade de doença, dado o resultado negativo do teste, seria calculada da seguinte forma: P>D | T @ 1 - Seu P>D@ 1 - Seu P>D@ Es u 1 P>D@ P>D | T @ P>D | T @ 0,4 u 0,4 0,4 u 0,4 0,85 u 0,6 0,16 0,16 0,24 0,16 0,51 0,67 P>D | T @ 0,24 Neste caso, a probabilidade de doença seria diminuída relativamente à estimativa inicial feita pelo clínico antes de pedir o teste. O clínico passaria de uma probabilidade de doença de 40% para uma probabilidade de 24%. Este exemplo torna claro o facto, intuitivamente evidente, de que a radiografia pulmonar é, neste contexto, um teste imperfeito, que quando negativo não exclui convincentemente a doença e quando positivo necessita sempre de um teste mais específico como complemento (tipicamente a tomografia computarizada). Odds de doença, likelihood ratios (LR) e teorema de Bayes Uma forma alternativa e muito mais apelativa de representar o teorema de Bayes, é através da aplicação dos conceitos de Odds de doença e das razões de verosimilhança (likelihood ratios – LR) do teste diagnóstico(12, 13). O Odds de uma doença é, simplesmente, uma forma alternativa de representar a probabilidade da mesma e é definida como a razão entre a probabilidade da doença e a probabilidade complementar de não existência de doença: Odds[D ]= P[D ] P[D ] e P[D ]= Odds[D ] 1 + Odds[D ] O conceito de likelihood ratio (LR) foi já definido acima. Considerem-se as expressões do teorema de Bayes para presença e ausência da doença, dado um determinado resultado do teste (T, positivo ou negativo): P[D | T ]= = P[T | D ]× P[D ] P[T | D ]× P[D ]+ P[T | D ]× P[D ] P[D | T ]= ]= P[T | D ]×PP[T[D| D]+]×PP[T[D| D] ]× P[D] Se agora for considerada a razão destas duas expressões obtém-se uma nova igualdade com particular interesse: P[D | T ] = P[D | T ] = P[T | D ]× P[D ] P[T | D ]× P[D ]+ P[T | D ]× P[D ] P[T | D ]× P[D ] P[T | D ]× P[D ]+ P[T | D ]× P[D ] E após simplificação, esta poderá ser escrita da seguinte forma mais compacta: P[D | T ] P[D ] P[T D ] = ⋅ P[D | T ] P[D ] P T D [ ] Atendendo às definições de Odds e Likelihood ratio (LR) atrás apresentadas, tem-se que esta expressão poderá ser escrita da seguinte forma(12, 13): Odds[D T ]= Odds[D ]× Likelihood ratio [T ] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Isto é, o Odds de doença após o conhecimento do resultado do teste (Odds pós-teste) é igual ao produto do Odds de doença antes do teste (Odds pré-teste) e do likelihood ratio (LR) para o resultado do teste obtido. Dada a simplicidade desta última expressão e a disponibilidade, cada vez mais frequente, de valores da razão de verosimilhança (likelihood ratio – LR) para os vários resultados possíveis dos testes diagnósticos na literatura, esta forma alternativa do teorema de Bayes é crescentemente utilizada, na actualização da probabilidade da doença após obtenção do resultado do teste diagnóstico. Este é o método mais simples e prático de aplicação do teorema de Bayes. Tendo em atenção o exemplo atrás apresentado, o Odds de doença pósteste, no caso do teste ter um resultado positivo (radiografia com massa pulmonar), poderia ser calculado da seguinte forma: Odds>D T @ Confirmando, assim, o resultado obtido anteriormente e que apontava para uma probabilidade pós-teste positivo de 73%. O mesmo aconteceria se fosse calculada, com este método, a probabilidade pós-teste negativo. Curvas ROC e área sob a curva ROC O resultado de um teste diagnóstico, tipicamente, será representado em escalas categóricas ordinais ou numéricas, discretas ou contínuas, e não através da simples dicotomia positivo/negativo que foi assumida nas secções anteriores deste artigo. O resultado de um teste diagnóstico é geralmente dicotomizado em positivo/negativo através da escolha de pontos de corte (cut-off points) assumidos na escala do teste. Associadas a pontos de corte diferentes estarão medidas de validade ou características operacionais do teste diferentes, sendo necessário verificar a variação das mesmas em função dos pontos de corte definidos e saber es- colher os pontos de corte mais adequados em função dos objectivos do teste. Quando consideramos os resultados de um teste diagnóstico numa escala ordinal ou numérica, ao escolher um determinado ponto de corte (que determina os resultados ditos positivos e negativos), geralmente, a sensibilidade e a especificidade são características difíceis de conciliar, isto é, é complicado aumentar a sensibilidade e a especificidade ao mesmo tempo. As curvas ROC (receiver operator characteristic curve) são uma forma de representar a relação, normalmente antagónica, entre a sensibilidade e a especificidade, ao longo de um conjunto de valores de corte na escala do teste a avaliar (cut-off points). Para construir uma curva ROC traçase uma curva que une os vários pontos num diagrama representando a sensibilidade em função da proporção de falsos positivos (1- Especificidade) para um conjunto de valores de corte (cut-off points) distintos (ver exemplos na figura 1). Odds>D T @ 0,4 § Se · 0,60 ¨ ¸ 0,67 0,6 © 1 Es ¹ 0,15 2,67 Odds>D T @ 2,67 Tendo em conta a relação entre Odds e probabilidade, tem-se neste caso: Odds>D T @ P>D | T @ P>D | T @ 1 P>D | T @ Odds>D T @ 1 Odds>D T @ 2,67 0,73 1 2,67 P>D | T @ 0,73 P>D | T @ Figura 1 – Representação das curvas ROC e respectivas áreas sob a curva ROC (area under the curve – AUC) para três testes com capacidade de discriminação distintas. Teste com capacidade de discriminação perfeita entre doentes e não doentes (curva 1), teste com discriminação imperfeita (curva 2) e teste sem qualquer capacidade de discriminação (curva 3) pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics 271 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 O valor escolhido como ponto de corte (cut-off point) vai influenciar as características operacionais do teste, como exemplificado na figura 1 (curva 2). No exemplo desta figura, quanto maior é o ponto de corte maior é a especificidade do teste, mas menor é a sensibilidade (ponto C da curva 2); e quanto menor o ponto de corte maior é a sensibilidade, mas menor é a especificidade (ponto A da curva 2). Percebe-se, desta forma, que a intenção com que se utilizará o teste diagnóstico influencia a escolha do melhor ponto de corte, logo, das características do teste. No exemplo da curva 2 da figura 1, se pretendemos um teste muito sensível e menos específico, escolhe-se um ponto de corte menor (ponto A), obtendo-se uma menor proporção de falsos negativos e uma maior proporção de falsos positivos; se pretendemos, pelo contrário, um teste muito específico e menos sensível, escolhe-se um ponto de corte maior (ponto C), obtendo-se uma menor proporção de falsos positivos e uma maior proporção de falsos negativos. As curvas ROC descrevem a capacidade de discriminação de um determinado teste diagnóstico para um conjunto diverso de valores de corte. Isto permite pôr em evidência os valores de corte para os quais é possível fazer uma optimização da sensibilidade em função da especificidade. O ponto, numa curva ROC, onde se consegue optimizar conjuntamente os valores de sensibilidade e especificidade do teste é aquele que se encontra mais próximo do canto superior esquerdo do diagrama (ver figura 1, ponto B da curva 2). Para além disto, as curvas ROC permitem quantificar a exactidão de um teste diagnóstico (medida da capacidade global de discriminação de um teste diagnóstico), já que, esta é proporcional à área sob a curva ROC de um determinado teste (também designada de estatística C ou area under the curve – AUC), isto é, será tanto maior quanto mais a curva se aproxima do canto superior esquerdo do diagrama. Sabendo isto, a curva será útil na percepção da capacidade global de discriminação de um determinado teste e na comparação entre testes diagnósticos, tendo um teste uma exactidão 272 pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics tanto maior quanto maior for a sua área sob a curva ROC (ver figura 1, neste caso, o teste correspondente à curva 1 tem melhor discriminação global – exactidão – do que os testes das curvas 2 e 3, e da mesma forma, o teste da curva 2 é melhor que o da curva 3). A área sob a curva ROC é tipicamente apresentada na forma de uma proporção entre 0,5 e 1 ou de percentagem entre 50 e 100%, sendo 50% o valor correspondente a uma curva ROC de um teste que não tem qualquer capacidade de discriminação (curva 3 na figura 1) e 100% o valor correspondente a um teste que discrimina perfeitamente entre doentes e não doentes (curva 1 na figura 1). Habitualmente os testes diagnósticos têm valores de áreas sob a curva ROC entre estes valores extremos, correspondendo a situações de discriminação imperfeita (curva 2 da figura 1). Um outro método por vezes utilizado para a avaliação da capacidade global de discriminação de um teste diagnóstico, no contexto da análise de curvas ROC, é o chamado índice de Youden (IY)(20). Este é dado pela seguinte expressão: IY Maxc >Se(c) Es(c) 1@ Isto é, o IY corresponde ao valor máximo da expressão (soma da sensibilidade e da especificidade menos um) quando esta é avaliada para cada possível ponto de corte do teste diagnóstico (c). O teste será tanto melhor na discriminação entre doentes e não doentes quanto maior for o IY. Da mesma forma, o IY é útil na definição do ponto que melhor maximiza simultaneamente sensibilidade e especificidade, uma vez que este corresponde, precisamente, ao ponto de corte (c) que torna máxima a expressão acima(20). Os resultados apresentados no estudo de Don et al.(10), cuja avaliação crítica tem vindo a ser feita, dão-nos conta de várias medidas de validade do teste em avaliação – procalcitonina – na discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica na criança. Em particular, é possível verificar na tabela IV e V do artigo as sensibilidades, especificidades, valores preditivos positivos e LR+ para cada um dos valores de corte 0,5 ng/ml, 1,0 ng/ml e 2,0 ng/ml na discriminação entre pneumonia de etiologia bacteriana pneumocócica e etiologia vírica e para a discriminação entre pneumonias bacterianas por agentes atípicos e pneumonias víricas, respectivamente. Fazendo a reanálise dos dados apresentados pelos autores na tabela III, de forma a avaliar a validade da procalcitonina na discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana (pneumocócicas mais atípicas) e as de etiologia vírica é possível calcular sensibilidades de 74%, 61% e 54% e especificidades de 35%, 61% e 74%, respectivamente para os valores de corte 0,5 ng/ml, 1,0 ng/ml e 2,0 ng/ml. Os LR+ correspondentes são, respectivamente, 1,14 1,55 e 2,05. As estimativas dos LR apresentadas são extremamente úteis na prática e permitem-nos concluir que, por exemplo, num cenário em que a probabilidade pré-teste de pneumonia de etiologia bacteriana seja, à semelhança do encontrado neste estudo, de 65% (43/66) a probabilidade pós-teste será no máximo modificada, no caso de um valor da procalcitonina acima de 2 ng/ml (positivo), para 79%. Os cálculos que permitem chegar a esta conclusão são semelhantes aos previamente apresentados e explicados: p p Odds>D T @ Odds>D T @ 0,65 2,05 3,81 0,35 Odds>D T @ 3,81 P>D | T @ Odds>D T @ 1 Odds>D T @ P>D | T @ 3,81 0,79 1 3,81 P>D | T @ 0,79 Os autores do artigo apresentam-nos também na secção de resultados o valor da área sob a curva ROC para a procalcitonina na discriminação en- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 tre pneumonias de etiologia bacteriana (pneumocócicas mais atípicas) e as de etiologia vírica (Figura 2 do artigo(10)). A área sob a curva ROC encontrada foi de 0,629 ou 62,9%. Quer os resultados das estimativas de sensibilidade e especificidade, quer os valores dos LR e das subsequentes modificações da probabilidade do diagnóstico em consideração, quer, por último, o valor reportado da área sob a curva ROC da procalcitonina leva-nos a concluir que a capacidade de discriminação da procalcitonina entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica na criança é pobre, não tendo sido detectado neste estudo nenhum valor de corte da procalcitonina com boa capacidade de discriminação. É apresentada a precisão das estimativas das medidas de validade do teste diagnóstico em avaliação? As medidas de validade apresentadas num estudo desta natureza são sempre estimativas de um verdadeiro valor desse parâmetro na população em causa, resultantes da análise da amostra de participantes no estudo (subconjunto finito da população, geralmente muito menor que esta). Naturalmente, uma estimativa de validade, por exemplo uma sensibilidade do teste, resultante do estudo de uma amostra de 500 participantes, neste caso considerando só os indivíduos com a doença uma vez que a sensibilidade é a probabilidade condicional de ter um teste positivo dado que se é doente, será mais precisa (menos sensível aos erros aleatórios relacionados com o processo de amostragem) que uma estimativa proveniente de um estudo com 50 participantes. A forma mais comum de reportar a precisão da estimativa de uma medida de validade é através da apresentação do seu intervalo de confiança, geralmente de 95% (IC 95%) das estimativas. Quanto mais estreitos forem os intervalos de confiança em torno da estimativa pontual do parâmetro mais precisa é a estimação do mesmo. Assim, é fundamental perceber qual a qualidade e precisão das estimativas das medidas de validade apresentadas, através da avaliação dos seus IC 95%, já que disso dependerá a interpretação e potencial aplicação prática que lhes podemos dar. Deverá ser dada atenção ao facto de, por exemplo, tipicamente a sensibilidade de um teste diagnóstico ter estimativas menos precisas do que as da especificidade, dado que a sensibilidade é estimada dentro do subgrupo dos indivíduos doentes (geralmente em menor número) e a especificidade é estimada no subgrupo dos não doentes, dado que esta segunda corresponde à probabilidade condicional de ter um teste negativo dado que se é não doente. Relativamente a este ponto, no estudo de Don et al.(10) existe uma importante falha e limitação, pois não são reportadas, para nenhuma das medidas de validade, as correspondentes medidas da precisão das estimativas, por exemplo, na forma dos seus intervalos de confiança. Para entender a importância desta limitação atente-se que, por exemplo, a estimativa da especificidade da procalcitonina na discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana (pneumocócicas mais atípicas) e as de etiologia vírica, para o valor de corte de 1,0 ng/ml, é de 61%, com IC 95% [41% – 81%]. Se isto tivesse sido devidamente reportado era possível perceber que a estimativa pontual apresentada é bastante imprecisa, sendo o valor encontrado compatível com níveis de especificidade tão dispares como 41% e 81%, se o erro aleatório relacionado com o processo de selecção da amostra fosse tido em consideração. Logicamente, esta limitação está relacionada com o pequeno tamanho da amostra de crianças que participaram no estudo. (C) Avaliação da aplicabilidade prática da evidência A última questão no processo de avaliação crítica da evidência será a questão da aplicabilidade prática da mesma (ver tabela 1). O objectivo do profissional de saúde será a eventual aplicação da evidência científica aos seus problemas clínicos e aos seus doentes, logo, a avaliação da aplicabilidade prática é uma questão fulcral neste contexto(4, 11, 15, 16) . O objectivo fundamental será o adequado enquadramento da evidência científica, dadas as características específicas do doente, do profissional de saúde e do contexto da sua prática clínica. Os critérios mais úteis para a avaliação da aplicabilidade prática de estudos so- bre validade de testes diagnósticos são os seguintes(4, 11, 15, 16): Serão os resultados do estudo aplicáveis ao meu doente, tendo em conta as suas características específicas? Serão os resultados do estudo generalizáveis para o meu contexto específico? A avaliação da aplicabilidade dos resultados de um estudo desta natureza passa, em primeira instância, pela análise crítica dos critérios de selecção (inclusão e exclusão) utilizados. Diferenças sócio-demográficas e clínicas entre populações podem levar a que as estimativas de validade variem bastante. As medidas da validade dos testes diagnósticos poderão ter utilidade clínica limitada se o espectro de doença nos participantes do estudo não é representativo daquele encontrado na população que irá, potencialmente, ser submetida ao teste no contexto clínico real de utilização do mesmo. Os estudos mais úteis são aqueles que incluem participantes que reflectem adequadamente a diversidade encontrada no contexto prático real. A avaliação crítica das critérios de selecção implica a comparação das características dos meu doentes (sócio-demográficas, biológicas e patológicas) com as características dos participantes do estudo, na tentativa de verificar se as primeiras são de tal forma diferentes das segundas que tornem os resultados não aplicáveis ao meu contexto particular. No estudo de Don et al.(10) verificamos que o contexto, critérios de selecção e métodos de recrutamento dos participantes sugerem que os resultados poderão ser seguramente generalizáveis para crianças de qualquer país europeu vistas no serviço de urgência, com suspeita de pneumonia e sem patologias crónicas associadas. O teste diagnóstico em avaliação está disponível e é aplicável, válido e reprodutível no contexto onde me insiro? A avaliação da aplicabilidade dos resultados passa também, obviamente, pela verificação de que o teste em causa está disponível no nosso contexto específico, é aplicável (existem protocolos técnicos adequados implementados e o teste é seguro e economicamente sustentável) e tem reprodutibilidade e valida- pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics 273 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 de adequadas (garantias da qualidade da execução do teste no nosso contexto específico, por exemplo, na minha própria instituição de saúde). Relativamente à determinação sérica da procalcitonina, existem empresas e laboratórios no nosso país que disponibilizam as técnicas adequadas e que têm capacidade técnica adequada na execução deste teste. Um importante senão deste teste são os seus custos, uma vez que, neste momento, são mais de 3 vezes superiores ao de outros testes mais antigos usados nas mesmas circunstâncias e indicações (ex: proteína C reactiva, velocidade de sedimentação, etc.). Estará o doente disposto a ser submetido ao teste diagnóstico? Existem riscos ou eventos adversos eventualmente associados à sua aplicação? A avaliação da aplicabilidade do teste diagnóstico passa também pela consideração da invasividade do teste, dos riscos inerentes à sua execução e dos eventos adversos que este poderá potencialmente condicionar. Importa notar que, muitas vezes, estas características não são adequadamente reportadas nos estudos, mas constituem aspectos muito relevantes e que podem ter implicações na adesão ao teste por parte do doente. No caso da procalcitonina, este ponto específico não é especialmente preocupante, dado que os riscos associados a este teste estão unicamente ligados à necessidade de uma colheita de sangue periférico igual à realizada em qualquer outra situação da rotina de um serviço de saúde. Na criança, logicamente, mesmo esta colheita deverá ser adequadamente ponderada devido à invasividade do procedimento, mas tipicamente é uma manobra segura. Será possível encontrar estimativas clinicamente relevantes das probabilidades pré-teste, de forma a optimizar a utilização da informação diagnóstica proveniente do teste? Vimos atrás que a utilidade de um teste diagnóstico está directamente ligada à modificação que o seu resultado pode condicionar na probabilidade da doença em consideração e, subsequentemente, da atitude clínica que daí decorre. Vimos também os métodos utilizados na 274 pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics prática para poder preceder formalmente ao cálculo das probabilidades de doença após o conhecimento do resultado do teste (probabilidade pós-teste) e vimos que para poder aplicar esses métodos seria preciso ter uma estimativa, mais ou menos precisa, da probabilidade pré-teste da doença (estimada pela sua prevalência). Assim sendo, a disponibilidade de estimativas da prevalência da doença em consideração o mais válidas e precisas possível e, idealmente, específicas do meu contexto particular permitirá optimizar a utilização da informação diagnóstica proveniente do teste. Para obter estas estimativas (1) poderão utilizar-se os resultados dos próprios estudos da validade dos testes diagnósticos (que geralmente incluem ou permitem o cálculo deste tipo de medidas); (2) poderão procurar-se estudos específicos sobre a prevalência da doença em causa, idealmente feitos num contexto e com métodos passíveis de permitir a generalização para a nossa própria realidade ou (3) poder-se-á procurar obter, através de uma análise mais ou menos formal, dados no nosso próprio contexto (ex: no nosso hospital) sobre a prevalência da doença em causa (ex: através da consulta de históricos clínicos, bases de dados clínicas ou administrativas ou, idealmente, desenvolvendo um trabalho científico específico para responder a esta questão). No caso da procalcitonina na discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica na criança, será necessário ter uma estimativa da frequência das pneumonias de etiologia bacteriana (doença em consideração neste caso) entre as crianças com quadros compatíveis com o diagnóstico de pneumonia. Este valor pode ser obtido, por exemplo, analisando os dados do próprio artigo de Don et al.(10), cuja análise crítica tem vindo a ser feita, e onde é possível verificar que nas crianças com sinais e sintomas compatíveis com pneumonia, e nas quais foi possível determinar a etiologia da mesma, a frequência de pneumonias bacterianas foi de 65% (43/66). Uma outra forma de aplicar devidamente os dados relativos à validade da procalcitonina seria tentar estimar para o nosso contexto particular (no meu hospital ou no meu centro de saúde) a frequência das pneumonias bacterianas entre as crianças vistas com quadros compatíveis com pneumonia. Serão os resultados do teste diagnóstico úteis para a resolução do problema do meu doente? A avaliação da aplicabilidade de um estudo sobre validade de um teste diagnóstico implica também perceber até que ponto a aplicação do teste na prática clínica, e a subsequente modificação da probabilidade da doença associada aos seus resultados, tem um efeito significativo na melhoria dos resultados clínicos que temos por objectivo atingir para aquele doente particular (ex: probabilidade e tempo de sobrevivência, capacidade funcional, qualidade de vida, etc.). Obviamente, o ideal seria que um teste fosse só usado se realmente é necessário e tem um efeito relevante nessas variáveis de resultado. Formalmente, este tipo de questões obrigam a pensar nos testes diagnósticos como intervenções, (semelhantes a outras, por exemplo, as terapêuticas) mas de natureza diagnóstica, e exigem tipologias diferentes das discutidas neste artigo para o seu adequado estudo (por exemplo, ensaios clínicos de diagnóstico – diagnostic randomized clinical trials – D-RCT’s)(21). Quais são as opiniões, valores e expectativas do meu doente relativamente aos objectivos ou resultados clínicos esperados e poderá a realização do teste diagnóstico contribuir para a concretização dos mesmos? Finalmente, a decisão sobre a aplicabilidade prática do estudo sobre a validade de um teste diagnóstico deverá ter em conta o equilíbrio entre benefícios e riscos associados ao teste em cada doente particular e incorporar, também, os seus valores e expectativas. Dever-se-á incorporar a valorização individual que o doente faz sobre os potenciais benefícios e riscos associados ao teste e aos seus resultados como factores de ponderação na comparação entre testes alternativos e na decisão de usar ou não cada teste diagnóstico. Para isto, poder-se-ão utilizar métodos mais ou menos quantitativos e mais ou menos explícitos de elicitação e integração das valorizações dos doentes(4). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 CONCLUSÃO O diagnóstico é um dos mais nobres actos da prática médica. A utilização adequada dos testes diagnósticos depende do conhecimento das suas propriedades e características operacionais, em particular da sua validade, e da aplicação de métodos que permitam maximizar a utilização da informação que a partir deles é possível obter. Ao longo do presente e do anterior artigos desta série foi possível verificar que a qualidade dos estudos sobre validade de testes diagnósticos está dependente do controlo de um vasto conjunto de fontes de erros sistemáticos e aleatórios, que devem ser conhecidas, prevenidas e detectadas. A aplicação de uma conjunto de critérios básicos para a avaliação da qualidade metodológica destes estudos, bem como da importância dos seus resultados e da sua aplicabilidade prática foi discutida e ilustrada através de um exemplo prático. Por fim, e no contexto da aplicação prática das medidas de validade dos testes diagnósticos, foram também discutidos os princípios quantitativos que permitem integrar a informação dada pelo resultado de um teste no processo de decisão diagnóstica. Nestes dois artigos colocou-se o foco na utilização da informação isolada proveniente de um teste diagnóstico, no entanto, convém sublinhar que hoje, na investigação diagnóstica, é cada vez mais frequente a utilização de estratégias e métodos multivariados, que consideram de forma mais adequada a multiplicidade de informação diagnóstica que está disponível em cada situação e a capacidade de discriminação adicional que, neste contexto, cada teste diagnóstico poderá acrescentar(4, 22). Referimo-nos, em particular, a métodos mais recentes em investigação diagnóstica, de que são exemplo as chamadas regras de decisão clínica (clinical decision rules)(4, 22). O estudo de Don et al.(10) sobre a validade da procalcitonina na discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica na criança foi apresentado e discutido ao longo dos dois últimos artigos desta série. Verificou-se que o artigo de Don et al.(10), apesar de globalmente adequado quanto à sua qualidade metodológica tinha alguns aspectos que poderiam ser melhorados ou corrigidos. Quanto à importância e à aplicabilidade prática dos resultados deste artigo, foi possível concluir que, à luz da evidência isolada do mesmo, a utilidade diagnóstica da procalcitonina na discriminação entre pneumonias de etiologia vírica e bacteriana na criança é relativamente limitada. Em conclusão, apesar dos resultados deste artigo de Don et al.(10) e outros estudos(23, 24) indicarem uma utilidade limitada da procalcitonina neste contexto clínico, a verdade é que existem vários outros estudos que chegam a resultados bastante mais positivos(25-28), encontrando, por exemplo, valores de área sob a curva ROC, relativamente à discriminação entre pneumonias de etiologia vírica e bacteriana, de 94%(25), 93%(26) e 76%(28), bastante superiores aos reportados por Don et al.(10). No entanto, é importante sublinhar que os estudos com resultados menos positivos têm, na generalidade, melhor qualidade metodológica e maior capacidade de generalização. Em síntese, e tendo em conta na sua globalidade a evidência heterogénea disponível, será justo dizer que, embora não sendo um teste perfeito, a procalcitonina poderá ter alguma utilidade na discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica na criança. Isto torna-se particularmente verdade se compararmos a utilidade da procalcitonina, neste contexto, com outros testes alternativos (ex: proteína C reactiva, velocidade de sedimentação, contagem de leucócitos ou interleucina 6), alguns deles frequentemente utilizados na prática clínica. Se a procalcitonina não é perfeita, a verdade é que a evidência existente aponta claramente para a sua superioridade relativamente a todas essas outras alternativas(25, 27-30). Por fim, se a sua utilidade não é muito clara na definição da etiologia da pneumonia, a evidência existente torna claro que: (1) quando são obtidos valores elevados deste marcador (> 20-30 ng/ml) quase sempre são infecções bacterianas e muitas vezes graves; (2) a procalcitonina é um excelente marcador da gravidade da pneumonia e da necessidade de interna- mento hospitalar e (3) a procalcitonina é um bom marcador de outras patologias bacterianas graves como meningite e sépsis(25-34). Voltando finalmente ao cenário clínico apresentado, o interno que atendia a Maria, de 5 anos e com sinais e sintomas compatíveis com pneumonia, acaba por decidir, depois da análise do artigo de Don et al.(10), que necessita de despender algum tempo a analisar a restante literatura e a treinar a aplicação do teorema de Bayes no cálculo de probabilidades de doença pós-teste. Depois da pesquisa e leitura que fez fica, no entanto, com a convicção que, por um lado, alguns dos testes que habitualmente pede nestas situações (PCR e contagem de leucócitos) poderão ser menos úteis do que pensava e, por outro lado, embora a procalcitonina possa ter algumas vantagens marginais sobre essas alternativas, só depois de uma ponderação dos custos deste teste poderia considerar, por exemplo, trocar por rotina o seu pedido da PCR por um de procalcitonina. Decidiu então ir no dia seguinte ao laboratório de bioquímica do hospital perguntar quanto é que custava uma análise de procalcitonina em comparação com a sua já conhecida e velha PCR. Quanto à Maria, com a chegada dos resultados dos exames verificou-se que tinha leucocitose de 20000/ ml, neutrofilia de 71%, PCR de 35 mg/l e a radiografia torácica com imagem de condensação no lobo inferior direito. Foi instituída antibioterapia em tratamento domiciliar, com vigilância sintomática e recomendada posterior reavaliação no centro de saúde. Encerramos sublinhando que, na sequência do acima exposto, e em nossa opinião, a alteração e constante evolução dos processos e tecnologias de diagnóstico e terapêutica são um elemento fundamental à melhoria continuada da qualidade do exercício da medicina, sendo a medicina baseada na evidência uma abordagem que permitirá apoiar e informar, da forma mais adequada, esta evolução e a consequente modificação criteriosa e justificada dos processos, atitudes, tecnologias e práticas clínicas instaladas. pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics 275 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 CRITICAL APPRAISAL AND PRACTICAL IMPLEMENTATION OF DIAGNOSTIC TESTS ACCURACY STUDIES – PART II ABSTRACT Evidence Based Medicine (EBM) is generically defined as the conscientious, explicit and judicious use of current best evidence in making decisions about the care of individual patients. This section of Evidence Based Paediatrics has been covering the conceptual, methodological and operational issues related to the practice of EBM in the field of Paediatrics. In the present article we will continue the discussion of the practical example regarding the critical appraisal and practical implementation of diagnostic tests accuracy studies initiated in the previous article of this section. In the present article we will continue the discussion of a clinical scenario where we have searched for and critically appraise scientific evidence about the accuracy of serum procalcitonin in the distinction of bacterial from viral pneumonia in children. In the last article methods for searching the current best evidence were discussed and a systematic approach for the critical appraisal of diagnostic tests accuracy studies was suggested, including: (1) assessment of the methodological quality of the study; (2) assessment of the scientific and practical impact of its results and (3) assessment of their practical applicability. After discussing in the past article the first of this points, in the present article we will be covering methods and concepts concerning the assessment of scientific and practical impact of results (operational characteristics of diagnostic tests and integration of diagnostic information in the clinical decision making process in a bayesian perspective) and their practical applicability. Keywords: Evidence based medicine, diagnosis, diagnostic tests, specificity, sensitivity, predictive values, likelihood ratios, ROC curves, procalcitonin, pneumonia, children. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 265-277 276 pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics BIBLIOGRAFIA 1. Azevedo LF, Costa Pereira A: Pediatria Baseada na Evidência. Nascer e Crescer Revista do Hospital de Crianças Maria Pia 2007, vol 16(1):29-31. 2. Evidence-Based Medicine Working Group: Evidence-based medicine. A new approach to teaching the practice of medicine. Evidence-Based Medicine Working Group. Jama 1992, 268(17):2420-5. 3. Sackett DL, Rosenberg WM, Gray JA, Haynes RB, Richardson WS: Evidence based medicine: what it is and what it isn’t. Bmj 1996, 312(7023):71-2. 4. Sackett DL, Straus SE, Richardson WS, Rosenberg W, Haynes RB: Evidence-based medicine : how to practice and teach EBM 2nd edition. Edinburgh: Churchill Livingstone; 2000. 5. Azevedo LF, Costa Pereira A: Pediatria Baseada na Evidência - Formulação de Questões e Pesquisa Bibliográfica. Nascer e Crescer - Revista do Hospital de Crianças Maria Pia 2007, 16(3):135-40. 6. 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Caso clínico: Adolescente de 14 anos com o diagnóstico de DM1 desde os três anos de idade e com mau controlo glicémico, internada numa Unidade de Cuidados Intensivos por cetoacidose grave. Do exame objectivo destacavam-se baixa estatura, hepatomegalia não dolorosa e estadio pubertário P1, M2 de Tanner. Analiticamente apresentava aumento das transaminases, hipercolestorolemia e hipertrigliceridemia. Discussão: A síndrome de Mauriac, caracteriza-se por: DM tipo 1 mal controlada, baixa estatura, atraso pubertário, hipercolesterolémia, aumento das transaminases e hepatomegalia por depósito hepático de glicogénio. O mecanismo fisiopatológico não está totalmente esclarecido, sendo provavelmente a combinação de vários factores etiológicos. É uma situação rara, cujo diagnóstico, essencialmente clínico, assume extrema importância dada a reversibilidade do quadro com a optimização terapêutica. Palavras-chave: Diabetes mellitus tipo1, síndrome de Mauriac, hepatomegalia, atraso pubertário Nascer e Crescer 2010; 19(4): 278-281 __________ 1. 2. Unid. Cuidados Intensivos, Hospital Dona Estefânia, CHLisboa Central Unid. Endocrinologia, Hospital Dona Estefânia, CHLisboa Central 278 casos clínicos case reports INTRODUÇÃO A diabetes mellitus corresponde a um grupo de doenças metabólicas, caracterizado por hiperglicémia crónica devida a um defeito na secreção e/ou acção da insulina.(1) A diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é causada pela destruição autoimune das células ß dos ilhéus de Langerhans do pâncreas. É o tipo mais comum em idade pediátrica, sendo responsável por cerca de 90% dos casos de DM em crianças e adolescentes na maioria dos países desenvolvidos. Ambos os sexos são igualmente afectados.(1) A sua incidência anual tem vindo a aumentar nos últimos anos, estimando-se que em 2020 possa aumentar cerca de 50% em crianças até aos cinco anos de idade e até 70% em crianças até aos 15 anos. Sendo muito variável consoante as diferentes áreas geográficas (0,1 a 57,6/100 000), em Portugal, a incidência oscila entre 8 e 11/100 000.(1) O inadequado controlo glicémico pode originar diversas complicações como atraso de crescimento, atraso pubertário e hepatomegália, constituindo no seu conjunto a síndrome de Mauriac.(1,3, 8) CASO CLÍNICO Adolescente de 14 anos com DM1 diagnosticada aos três anos de idade, internada por cetoacidose grave (pH 6,9; EB -29,1) em estado estuporoso com taquipneia e glicemia de 801 mg/dl. Dos antecedentes familiares destaca-se prima em 1º grau com diabetes mellitus tipo1 falecida aos 32 anos por neoplasia. Pais de 49 anos, saudáveis, não consanguíneos. Dois irmãos de 25 e 21 anos, saudáveis. Desenvolvimento estaturo-ponderal no percentil 25 até aos 11 anos, estando actualmente abaixo do P3. Não teve, ainda, menarca. Teve vários internamentos anteriores por cetoacidose diabética, por má adesão à terapêutica, sobretudo nos dois anos anteriores ao internamento. A Hb A1c, 2 meses antes do internamento, era de 14%. Apesar de lhe ter sido prescrito um esquema intensivo de insulinoterapia com análogo de acção lenta (22 U) ao deitar e análogo de acção rápida às refeições (1U/porção HC + 1U/40 mg de glicemia), este não era cumprindo correctamente. O exame objectivo revelou: peso de 37 kg (<P5), estatura 142 cm (<<P3) (Figura 1), IMC 18,3; fácies lunar (Figura 2), abdómen proeminente com hepatomegália não dolorosa de 7-8 cm abaixo do rebordo costal direito e estadio de Tanner M2, P1. Figura 1 - Curva de evolução estatural NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Hb A1c chegou a 9%, tendo voltado a aumentar para 11%, com concomitante aumento das transaminases e perfil lipidico (AST: 68U/L; ALT: 65 U/L; TG: 318mg/ dl; Colesterol total: 328mg/dl). Última avaliação analítica (três meses após a alta) mostra valores de LH, FSH e estradiol normais; função tiroideia com T3 livre normal, T4 ainda ligeiramente diminuída e TSH ligeiramente aumentada. IGF1 a aumentar embora ainda com valores baixos, IGF1-BP3 e prolactina normais (Quadro II). Microalbuminúria 32,2 μg/ml (VR: 1-18,8). Teve um valor normal (4,06 μg/ ml) dois meses após a alta. Tem-se mostrado mais responsável e cumpridora da terapêutica, com a ajuda familiar, sem apoios externos. Figura 2 - Fácies lunar Locais de administração de insulina sem lipodistrofia. Auscultação cardio-pulmonar sem alterações. Analiticamente observou-se aumento das transaminases e γ-GT; hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia (Quadro I). Anticorpos antitiroglobulina e anti-insulina positivos. Hemograma, coagulação e função renal sem alterações. As serologias virais para Hepatites A, B e C; VEB, CMV e Mycoplasma foram negativas. O estudo genético para glicogenose tipo 1a foi normal. Os Ac anti-nucleares, anti-músculo liso, anti-mitocôndria, anti-microssomas FIG/RIM, anti-citosol e anti-transglutaminase foram negativos. Idade óssea: 13-13,5 anos. A ecografia abdominal confirmou “hepatomegalia major com 23 cm. Contornos regulares e aumento da ecogenicidade parenquimatosa, traduzindo sobrecarga metabólica.” A ecografia tiroideia era compatível com tiroidite autoimune (“tiroide hiperecogénica com ecoestrutura granular”). Observação oftalmológica normal. Durante o internamento manteve hiperglicémia (entre 250 e 500 mg/dl), com cetonémia até D8. As transaminases diminuiram progressivamente até valores normais. Teve acompanhamento psicológico durante o internamento, tendo-lhe sido explicada a importância da adesão à terapêutica. Actualmente, quatro meses após a alta, a estatura é 146,6 cm (crescimento superior a 4 cm/ano) e o peso é 41 kg (aumentou 4 kg). Mantém hepatomegália, embora de menores dimensões. DISCUSSÃO No decurso da investigação desta adolescente, várias hipóteses foram colocadas para explicar os sintomas apresentados. A hepatomegália e aumento das transaminases poderiam ser devidas a esteatose hepática não alcoólica (muito comum em doentes diabéticos Quadro I – Resultados laboratoriais na admissão AST 403 U/L ↑ ALT 184U/L ↑ γ-GT 201 U/L ↑ Colesterol total 345 mg/dl ↑ Triglicéridos 1017 mg/dl ↑ Estradiol 1,26 pg/ml (VR: 16-136); ↓ FSH 0,45 mUI/ml (VR: 1,52-11,3) ↓ LH 0,17 mUI/ml (VR: 0,5-25) ↓ IGF1 29,9 ng/ml (VR: 237-996) ↓ T3 livre 1,5 pg/ml (VR: 2,8-5,2) ↓ T4 livre <0,3ng/dl (VR: 1,04-2,1) ↓ TSH 7,7 μUI/ml (0,77-4,3) ↑ Microalbuminúria 57,7 μg/ml (VR: 1-18,8) ↑ AST – aspartato aminotransferase; ALT alanina aminotransferase, γ-GT – gama-glutamil transpeptidase, FSH – follicle stimulating hormone, LH – Hormona luteínica, IGF1 - insulin-like growth factor 1, T3 livre – tri-iodotironina, T4 livre – tiroxina, TSH – thyroid stimulating hormone casos clínicos case reports 279 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 tipo2), a hepatite viral ou glicogenose, nomeadamente a tipo1a ou doença de Von Gierke, caracterizada por pouca tolerância ao jejum, hepatomegália, baixa estatura e atraso pubertário.(4) As serologias virais efectuadas foram negativas para infecção aguda; o estudo genético para glicogenose tipo 1a também foi negativo. A tiroidite autoimune com consequente hipotiroidismo primário presente nesta doente poderiam explicar o atraso pubertário e baixa estatura. No entanto, quando tal acontece, os níveis de prolactina e FSH são altos e os de LH baixos(5) Não é o que se passa neste caso. Os níveis normais de prolactina e baixos de FSH e LH, bem como a normalização da função tiroideia sem qualquer terapêutica não favorecem esta hipótese. A associação de DM tipo 1 mal controlada, hepatomegália, aumento das transaminases, baixa estatura, atraso pubertário e hipercolestorolémia corresponde à descrição clássica da síndrome de Mauriac, reportada pela primeira vez por este autor em 1930.(6) Actualmente, com o controlo mais exigente da DM1, tem-se tornado uma entidade rara.(7) O mecanismo fisiopatológico da síndrome de Mauriac não está totalmente esclarecido, devendo-se, provavelmente, à combinação de vários factores tais como mau controlo metabólico, hiperglicémia mantida e hiperinsulinização pontual. A hepatomegália deve-se ao depósito hepático de glicogenio. A hiperglicemia habitual, associada ao mau controlo, condiciona a entrada livre de glicose no hepatócito. Por outro lado, como existem, também, episódios de hiperinsulinização pontual, com hipoglicemia transitória, é estimulada a produção de cortisol, com consequente depósito hepático de glicogénio. O aumento das transaminases, deve-se à ocupação citoplasmática dos hepatócitos por glicogénio.(8) A causa do atraso de crescimento na síndrome de Mauriac continua a ser um “mistério”. Vários mecanismos parecem estar envolvidos, relacionados com desregulação do eixo hormona do crescimento – IGF-I (insulin-like growth factor I): quantidade insuficiente de IGF-I, diminuição da sua bioactividade, presença de inibidores em circulação ou resistência dos receptores.(3,7) O IGF-I é o principal efector da hormona do crescimento. Apesar do IGF-I ser muitas vezes considerado um indicador da secreção ou acção da hormona de crescimento, a sua síntese e secreção são reguladas por múltiplos e complexos mecanismos. A nutrição, insulina, esteroides sexuais, cortisol e tiroxina têm efeitos positivos na libertação de IGF-I.(9) Os doentes com síndrome de Mauriac têm níveis de hormona de crescimento normais e IGF-I muito baixos, como acontece com o caso apresentado. Quadro II – Resultados laboratoriais três meses após a alta Estradiol 22,8 pg/ml (VR: 16-136); N FSH 7,21 mUI/ml (VR: 1,52-11,3) N LH 12,1 mUI/ml (VR: 0,5-25) N T3 livre 3,44 pg/ml (VR: 2,8-5,2) N T4 livre 0,92 ng/dl (VR: 1,04-2,1) ↓ TSH 5,2 μUI/ml (0,77-4,3) ↑ IGF1 88,7 ng/ml (VR: 237-996) ↓ IGF1-BP3 3,93 μg/ml (VR: 3,5-10) N Prolactina 6,21 ng/ml (VR: 3,6-26) N FSH – follicle stimulating hormone, LH – Hormona luteínica, T3 livre – tri-iodotironina, T4 livre – tiroxina, TSH – thyroid stimulating hormone, IGF1 - insulin-like growth factor 1 280 casos clínicos case reports A hipercolesterolemia nos doentes com DM1 deve-se à absorção aumentada de colesterol e não ao aumento da síntese de colesterol, muito típico na DM2.(10) A síndrome de Mauriac é uma situação rara, mas que deve ser considerada no diagnóstico diferencial de crianças com DM tipo 1 mal controlada, atraso no crescimento e hepatomegalia. O diagnóstico, essencialmente clínico, assume extrema importância dada a reversibilidade do quadro com a optimização terapêutica, embora o crescimento de retorno pode não ser completo. A hepatomegália com depósito hepático de glicogénio, recentemente denominada hepatopatia glicogénica pode ser uma entidade subdiagnosticada.(11) Salienta-se que a optimização terapêutica pode acelerar a progressão da retinopatia e nefropatia, provavelmente devido ao aumento dos níveis de IGF-I pelo seu efeito angiogénico, pelo que se deve ter uma vigilância oftalmológica e renal mais apertada.(12,13) MAURIAC SYNDROME, UNCOMMON PRESENTATION OF A COMMON DISEASE ABSTRACT Introduction: Type 1 diabetes mellitus is a chronic metabolic disease whith increasing incidence. It has different kinds of manifestations, such as systemic disturbances like hepatomegaly and dwarfism, caused by poor glycemic control. Case presentation. A 14 year-old girl with type 1 diabetes mellitus since she was three, with a poor glycemic control, admitted in an Intensive care Unit for severe ketoacidosis. On examination she had short stature, a non painful hepatomegaly and Tanner stage P1 M2. Laboratory data showed increased transaminases, cholesterol and tryglicerides. Discussion: Mauriac syndrome is characterized by poorly controlled type 1 diabetes mellitus, growth failure, delayed puberty, hypercholesterolemia, high levels of transaminases and hepatomegaly due to hepatic glycogen storage. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 The physiological mechanism is not completely understood, and this is due to a probably combination of various etiological factors. It is a rare clinical entity. The diagnosis, that is mostly clinical based, is very important because this is a reversible condition with optimization of insulin therapy. Keywords: Type 1 Diabetes mellitus, Mauriac Syndrome, hepatomegaly, delayed puberty. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 278-281 BIBLIOGRAFIA 1. Craig ME, Hattersley A, Donaghue KC; Definition, epidemiology and classification of diabetes in children and adolescents, ISPAD Clinical Practice Consensus guidelines 2009 compendium; Pediatric Diabetes 2009: 10 (suppl.12); 3-12. 2. Patterson C, Dahlquist G, Gyürüs Eva, Green Anders, Soltész Gyula, EURODIAB Study Group, Incidence trends for childhood type 1 diabetes in Europe during 1989-2003 and predicted new cases 2005-20: a multicentre prospective registration study, Lancet 2009; 373: 2027-33. 3. Maia F, Araújo L, Síndrome de Mauriac: forma rara de diabetes Mellitus tipo1, Arq Bras Endocrinol Metab 2002; 46: 310-5. 4. Froissart R, Maire I, Glycogenosis type I or von Gierke’s disease, Orphanet encyclopedia, April 2002. 5. Limbert C; Doenças da Tiroideia; in: Amaral JMV, Tratado de Clínica Pediátrica; 1ª edição, Lisboa, 2008, II: 825-8. 6. Mauriac P. Gros ventre, hepatomegalie, troubles de las croissance chez les enfants diabetiques traits depuis plusieurs annes par l’insuline. Gax Hebd Med Bordeaux. 1930; 26: 402-10. 7. Franzese A, Iorio R, Buono P, Mascolo M, Mozzillo E, Mauriac syndrome still exists, Letter to the editor, Diabetes Res Clin Prac 2001; 54: 219-21. 8. Bastardas M F; Barba M; Cumeras R; León M C; Canadell M Gussinyer; Fernández D Yeste; Aparicio MA Albisu; Lezcano A Carrascosa.; Hepatomegalia por deposito de glucogeneo hepatico y diabetes mellitus tipo1; An Pediatr (barc) 2007; 67(2): 157-60. 9. Enver Þümbek, Kenan Kocabay, Insulin-Like Growth Factor in Mauriac Syndrome or Diabetic Dwarfism, Turk J Med Sci 2002; 32: 421-4. 10. Shailendra B Patel, Srividya Kidambi, Effect of Diabetes Mellitus on Cho- lesterol Metabolism, study is currently recruiting participants. Verified by Medical College of Wisconsin, April 2009. 11. Torbenson M, Chen Yunn-Yi, Brunt E, Cummings O W, Gottfried M, Jakate S et al, Glycogenic Hepatopathy, An Underrecognized Hepatic Complication of Diabetes Mellitus; Am J Surg Pathol 2006;30:508-13. 12. Chiou A, Cadez R, Böhnke M; Elevation of serum IGF-1 precedes proliferative diabetic retinopathy in Mauriac’s syndrome, Br J Ophthalmol 1997; 81:168-73. 13. Cummings E A, Sochette E B, Dekker M G, Lawson M L, Daneman D, Contribution of growth hormone and IGF-I to early diabetic nephropathy in type 1 diabetes, Diabetes 1998; 47: 1341-6. CORRESPONDÊNCIA Cláudia Constantino Departamento de Pediatria Médica, Hospital Dona Estefânia, CHLisboa Central, EPE Rua Jacinta Marto 1169-045 Lisboa [email protected] casos clínicos case reports 281 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Leucemia Aleucémica Marisa Carvalho1, Teresa Oliva2, Isabel Silva2, Marta Almeida2, Norberto Estevinho3, Vítor Costa2 , Lucília Norton2 RESUMO Introdução: O termo leucemia aleucémica é usado quando ocorre infiltração cutânea por células leucémicas na ausência de blastos no sangue periférico e medula óssea, podendo ser a primeira manifestação da doença. Em cerca de 25-30% das leucemias congénitas é documentada infiltração cutânea no decorrer da doença ou como manifestação inicial. A maioria está associada ao tipo mieloide e a detecção do gene MLL (mixed-lineage leukemia gene) confere mau prognóstico, exigindo tratamento com quimioterapia intensiva. Caso Clínico: Apresenta-se o caso de uma lactente do sexo feminino e de raça negra, com diagnóstico de Leucemia Aguda Linfoblástica linhagem B, efectuado aos seis meses de vida, no Hospital de Joanesburgo, através de biópsia de nódulo subcutâneo com três meses de evolução. Admitida no Instituto de Oncologia do Porto, a pedido da mãe, para realização de quimioterapia. Discussão: O caso apresentado documenta uma entidade rara e de mau prognóstico mas que, neste caso, teve uma boa resposta à terapêutica instituída. Palavras-chave: Gene MLL, infiltração neoplásica cutânea, leucemia aleucémica. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 282-284 INTRODUÇÃO As leucemias agudas representam 30% dos tumores diagnosticados em crianças e adolescentes com menos de __________ Serviço de Pediatria, CH Trás-os-Montes e Alto Douro 2 Serviço de Pediatria, IPOPF-G 3 Serviço de Cirurgia Pediátrica, IPOPF-G 1 282 casos clínicos case reports 15 anos. Cerca de 80% dos casos, são leucemias agudas linfoblásticas (LAL), 20% são leucemias agudas mieloblásticas (LAM) e menos de um por cento são leucemias mieloides crónicas (LMC). O diagnóstico é feito quando se identificam mais de 25% de blastos na medula óssea(1). A infiltração da pele por células leucémicas usualmente representa uma disseminação sistémica ou precede o aparecimento de blastos no sangue periférico – leucemia cutânea aleucémica(2). A incidência de infiltração cutânea é elevada (25 a 30%) na leucemia congénita, entidade rara, que ocorre em um por cada cinco milhões de nascimentos. Clinicamente, a leucemia cutânea caracteriza-se pela presença de nódulos múltiplos, duros, violáceos, com base purpúrica, com 1 a 2,5 cm de diâmetro. Estão descritas apresentações aleucémicas em que a primeira manifestação é na pele e o sangue periférico e a medula óssea não estão atingidos(3). O diagnóstico é confirmado pela biópsia do nódulo cutâneo. A história natural da leucemia congénita é usualmente fatal, no entanto há casos descritos de remissão espontânea temporária ou permanente(4-5). RELATO DO CASO CLÍNICO Lactente de sete meses, do sexo feminino e de raça negra, natural e residente em Luanda. Fruto de uma gravidez vigiada, com ameaça de abortamento no primeiro trimestre. Mãe de 27 anos, saudável, primeira gesta, grupo de sangue ORh positivo, antigenio de superfície da hepatite B negativo, vírus da imunodeficiência humana (VIH) negativo, teste VDRL negativo, imune à rubéola e não imune à toxoplasmose. Durante a gravidez fez medicação com: salbutamol, fenobarbital, ácido nalidixico, etilefrina, amoxicilina com ácido clavulânico, nimesulide e mebendazol. Nascimento às 37 semanas, por cesariana, com Índice de APGAR ao primeiro e quinto minuto de sete e oito respectivamente. Peso aos nascer de 3000 g, 46 cm de comprimento e 34 cm de perímetro cefálico. Alta hospitalar ao quarto dia de vida, a fazer aleitamento materno exclusivo, que manteve até ao quarto mês de vida. Crescimento e desenvolvimento adequados, sem intercorrências até aos três meses de vida. Foi notado então nódulo cutâneo na região frontoparietal, com cerca de meio centímetro de diâmetro, associado a febre, que motivou observação e internamento em clínica privada em Luanda e posterior seguimento em consulta, por anemia. Verificou-se progressão da doença, com generalização dos nódulos. Aos quatro meses e meio, foi observada num Hospital da Namíbia e realizou biópsia do maior nódulo, cujo resultado foi compatível com neoplasia de células pequenas, redondas e azuis (provável neuroblastoma). Foi transferida para um Centro Oncológico na África do Sul aos seis meses de vida. Efectuou mielograma: morfologia e imunofenótipo compatíveis com leucemia aguda linfoblástica células nulas; CD79a positivo, CD3 positivo, Tdt negativo na maioria das células e positividade em algumas células; genética molecular-rearranjo gene MLL por FISH. A biópsia de nódulo cutâneo revelou extensa infiltração por neoplasia linfoproliferativa de alto grau; imunofenótipo: CD20 negativo, CD3 negativo, Tdt negativo, CD79a positivo e CD45 positivo, CD10 positivo nas células dendríticas da derme e negativo nas células tumorais, CD5 positivo, muramidase positivo, mieloperoxidase positivo em algumas células, CD117 negativo na maioria das NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 células e CD15 negativo. Cintigrama ósseo com Tecnésio 99: sem evidência de metástases. Tomografia axial computorizada cerebral: múltiplos nódulos subcutâneos e periosteais, massa com 4,5x4x1,5 cm junto à fontanela anterior expandindo o osso e sem lesões cerebrais centrais. Tomografia axial computorizada torácica e abdominal: nódulos subcutâneos e cutâneos envolvendo o tórax; lesão com 1,4x1,3x1,5cm envolvendo a parede torácica próximo do ventrículo esquerdo; múltiplos nódulos subcutâneos na região dorsal; infiltração renal que condiciona o aumento das suas dimensões; baço normal com fígado e pâncreas aumentados mas sem lesões focais; gânglios paraaórticos e mesentéricos pericentimétricos, axilares e inguinais aumentados. Perante estes resultados, foi feito o diagnóstico de Leucemia Aguda Linfoblástica da linhagem B e, dada a gravidade do quadro clínico, com prognóstico muito reservado, foi decidido não efectuar quimioterapia. Foi admitida a 11 de Setembro de 2008, aos sete meses de vida, no Serviço de Pediatria do Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil do Porto, a pedido dos pais. À admissão, tinha um razoável estado geral, com peso de 6120gr e um comprimento de 63,5 cm. O exame físico mostrou múltiplos nódulos duros, purpúreos, dispersos por todo o corpo, em maior número no couro cabeludo e o maior dos quais localizado à região fronto-parietal, com 4x5 cm de diâmetro (Figura 1). O baço e o fígado não se encontravam aumentados e não existiam outras alterações relevantes no exame físico. O Figura 1: Múltiplos nódulos leucémicos no couro cabeludo. estudo analítico revelou: hemoglobina – 9,8 g/dl, plaquetas – 306x109/l, leucócitos – 5,75x109/l (neutrófilos 2620/mm3), sem blastos no sangue periférico. Ureia e creatinina normais para a idade, ácido úrico – 515 mg/dl, AST – 44 U/l, ALT – 33 U/l e DHL – 530 U/l. Serologia para hepatite B e C, vírus T linfotrófico humano (HTLV) um e dois e VIH negativas. Na ecografia abdominal, o fígado e as vias biliares eram normais. O aspirado da medula óssea revelou uma medula óssea normocelular com 2,1% de blastos. Em 6% dos núcleos analisados foi identificada a translocação envolvendo a banda cromossómica 11q23 (gene MLL). Imunofenotipagem – sem células patológicas. O exame do líquido cefalo raquidiano (LCR) revelou envolvimento meníngeo com 99,4% de células linfóides B patológicas. O exame anatomopatológico da biópsia do nódulo inguinal mostrou células de tamanho pequeno a intermédio, com citoplasma escasso e núcleo irregular, que exibiam imunofenótipo B (CD79a positivo, CD20 negativo, CD3 negativo, CD10 negativo, TdT negativo, mieloperoxidase negativa), consistente com Linfoma/Leucemia linfoblástica de células precursores B (classificação da O.M.S.). Iniciou tratamento, fase de indução, com prednisolona 60 mg/m2/dia de acordo com o protocolo INTERFANT 06 (International collaborative treatment protocol for infants under one year with acute lymphoblastic or biphenotypic leukemia) – risco médio. Após a pré-fase de oito dias com corticóides, verificou-se uma boa resposta clínica, com diminuição gradual das lesões cutâneas. Antes do início da quimioterapia de manutenção realizou ressonância magnética cerebral e tomografia axial computorizada toracoabdominal, que foram normais. Também não foram observadas células patológicas no líquido cefalorraquidiano e medula óssea. A doente, actualmente com 32 meses, terminou o tratamento de manutenção com metotrexato semanal e 6-mercaptopurina diária em Outubro de 2010, após o que manteve seguimento em consulta externa, nesta instituição. O exame clínico e o desenvolvimento estaturo-ponderal são normais. DISCUSSÃO A leucemia cutânea pode surgir em vários subtipos de leucemias e a sua incidência mantém-se desconhecida. Na maioria dos casos, a doença sistémica precede a infiltração cutânea e apenas raramente é a primeira manifestação da doença (leucemia aleucémica). Na apresentação no IPO, tratava-se, neste caso, de uma leucemia extramedular, em que a biópsia das lesões foi fundamental para estabelecer o diagnóstico e programar o tratamento adequado. De notar o facto de estar descrita invasão medular por células leucémicas aos cinco meses de vida o que já não se verificava dois meses mais tarde aquando da admissão no nosso serviço, apenas tendo sido detectado o rearranjo MLL no aspirado medular. Na colheita da história clínica não foi possível documentar qualquer tratamento prévio, nomeadamente corticoterapia. No entanto o exame histológico do gânglio inguinal revelou um número reduzido de células neoplásicas e fenómenos de apoptose que poderiam resultar de alguma terapêutica, embora nunca mencionada. Na leucemia congénita (por definição, surge no primeiro mês de vida), a manifestação cutânea ocorre em mais de metade dos doentes. No nosso caso não conseguimos avaliar correctamente o início da doença, havendo referência a um primeiro nódulo aos três meses de vida. O quadro clínico da leucemia cutânea caracteriza-se pelo aparecimento de máculas, pápulas, placas, nódulos, púrpura, úlceras ou erupções exantematosas. É necessário um alto índice de suspeição para efectuar o diagnóstico, uma vez que não são evidentes alterações no sangue periférico. Está frequentemente associada a leucemia mieloblástica e raramente a leucemia linfoblástica(6), como no nosso caso. O diagnóstico pode ser obtido por biópsia dos nódulos cutâneos. A identificação do rearranjo MLL é considerada um factor de mau prognóstico(3); no entanto, a resposta ao tratamento instituído e a evolução na nossa doente, têm sido favoráveis. Existem casos de remissão espontânea, habitualmente em doentes sem factores de mau prognóstico. A progressão para leucemia aguda va- casos clínicos case reports 283 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 ria de um a 20 meses e a morte ocorre frequentemente no primeiro ano após o diagnóstico. Este caso é divulgado, pela sua raridade, boa resposta à terapêutica e evolução favorável, apesar da presença de factores de mau prognóstico. ALEUKEMIC LEUKEMIA ABSTRACT Introduction: The term aleukemic leukemia is used when there is skin infiltration by malignant leukocytes in the absence of blasts in peripheral blood and bone marrow, and it can be the first signal of the disease. Infiltration of the skin has been documented in 25-30% of patients with congenital leukemia. Leukemia cutis may be the first manifestation of congenital leukaemia, and may even precede blood or bone marrow leukaemia by several weeks or months. Most are associated with the myeloid lineage. The presence of mixed-lineage leukemia (MLL) gene has been associated with 284 casos clínicos case reports poor prognosis, requiring treatment with intensive chemotherapy. Case report: The authors report the case of a six-year-old black female, with skin lesions for three months, consistent with Acute Lymphoblastic Leukemia. Admitted in our Pediatric Department – Instituto de Oncologia do Porto – Portugal, by mother’s request, for chemotherapy. Discussion: Although a poor prognosis is usually associated with this situation, our patient had a good response to treatment. Keywords: Aleukemic leukemia; malignant cutaneous infiltration; MLL gene. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 282-284 3. Hofmann I, Zane LT, Braun BS, Maize J, et al. Congenital leukemia cutis with subsequent development of leukemia. J Am Acad Dermatol 2006; 54: 22-7. 4. Torrelo A, Madero L, Mediero IG, et al. Aleukemic Congenital Leukemia Cutis. Pediatric Dermatology 2004; 21 (4): 458-61. 5. 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Na maioria dos casos é idiopática; causas secundárias incluem crioglobulinémia, défices do complemento, vasculites, neoplasias e doenças infecciosas. Habitualmente é benigna e auto-limitada, no entanto reacções sistémicas potencialmente fatais podem ocorrer. Caso Clínico: Os autores apresentam o caso de um adolescente do sexo masculino, de 16 anos, com uma forma grave de urticária ao frio. Aos 14 anos iniciou episódios reprodutíveis de urticária durante actividades aquáticas e malestar após exposição a ar frio, com agravamento progressivo. Dois meses após início do quadro teve episódio súbito de urticária generalizada, angioedema da face e síncope após imersão em água do mar. Foi colocado o diagnóstico de urticária ao frio adquirida idiopática, do tipo III. Foi recomendada evicção de exposição ao frio, iniciada profilaxia com cetirizina e prescrito dispositivo para auto-administração de adrenalina. Palavras-chave: anafilaxia, urticária ao frio, adrenalina, teste do cubo de gelo. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 285-288 INTRODUÇÃO A urticária ao frio (UF) é um tipo de urticária física caracterizada pelo apa__________ 1 2 3 4 S. Pediatria H. Espírito Santo, Évora S. Pediatria H. São Bernardo, Setúbal S. Pediatria, H. D. Estefânia, CHLisboa Central S. Imunoalergologia, H D. Estefânia, CHLisboa Central recimento de urticária e/ou angioedema no contexto de exposição a estímulos frios, tais como água, ar ou alimentos. Na maioria dos casos a UF é adquirida, mas está descrita uma forma rara de UF familiar cuja transmissão é autossómica dominante. Estima-se que a UF adquirida tenha uma incidência de 0,05% na população geral(1), atingindo mais frequentemente adultos jovens, com ligeira predisposição para o género feminino. Na idade pediátrica é rara. Em mais de 90% dos casos é idiopática; entre as causas secundárias incluem-se a crioglobulinemia, défices de factores do complemento, vasculites, neoplasias e causas infecciosas (nomeadamente mononucleose infecciosa, infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, sífilis, borreliose, hepatites virais e infecção pelo Helicobacter pylori)(1,2). A patogénese não está totalmente esclarecida, mas pensa-se que resulte da diminuição do limiar de desgranulação dos mastócitos na presença de um estímulo frio, com consequente libertação de mediadores pró-inflamatórios (histamina, prostaglandina D2, factor de activação plaquetário, factor de necrose tumoral alfa)(2,3). Wanderer e colaboradores estabeleceram uma classificação, de acordo com a crescente gravidade das manifestações clínicas da UF e definiram o tipo I, no qual existem reacções apenas na área corporal em contacto com o estímulo frio; o tipo II, em que ocorre urticária generalizada, sem associação a sintomas hipotensivos; e o tipo III, em que um ou mais episódios se associaram a compromisso cardiovascular(4, 5). O diagnóstico da UF é clínico, confirmado por prova de estimulação com frio. Habitualmente, utiliza-se o teste do cubo de gelo, que consiste na aplicação de um cubo de gelo (0 a 4ºC) na face anterior do antebraço por um período de tempo variável até 20 minutos (habitualmente fazse estimulação aos 3, 10 ou 20 minutos, procurando definir o menor intervalo de tempo que desencadeia a resposta positiva). A leitura é efectuada cinco minutos após a remoção do estímulo, considerando-se o teste positivo quando houver o aparecimento de pápula(2). Um teste do cubo de gelo positivo confirma o diagnóstico, mas em cerca de 20% das UF pode ser negativo(6). O aparecimento de pápula após três minutos de estimulação está associado a pior prognóstico, com maior risco de ocorrência de reacções sistémicas graves(2,4,7). Caso o teste do cubo de gelo seja negativo e a história clínica seja sugestiva, existem outros testes de avaliação diagnóstica cuja realização pode ser ponderada, em centros diferenciados, tais como o teste de imersão em água fria (5 a 10ºC) ou o teste com permanência em quarto climatizado a 4ºC. Estes testes não devem ser utilizados por rotina, pois acompanham-se de risco de indução de reacções sistémicas(2). Apesar de a UF ser considerada classicamente benigna e transitória, as reacções sistémicas estão documentadas em cerca de um terço dos doentes, frequentemente em contexto de imersão corporal total em água fria. As manifestações sistémicas atingem com maior frequência o sistema cardiovascular (hipotensão, síncope), seguido do respiratório (dispneia, pieira) e gastrintestinal (cólicas, vómitos). O diagnóstico de anafilaxia refere-se a uma reacção alérgica sistémica grave, com carácter imediato e com potencial de fatalidade, que ocorre subitamente após contacto com um estímulo desencadeante. A definição de anafilaxia baseia-se na presença de pelo menos um dos se- casos clínicos case reports 285 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 guintes critérios clínicos: a) início súbito com envolvimento da pele/mucosas, associado a compromisso respiratório ou hipotensão/sintomas hipotensivos; b) ocorrência de pelo menos duas das seguintes manifestações: compromisso respiratório, atingimento da pele/mucosas, hipotensão/ sintomas hipotensivos, sintomas gastrintestinais persistentes, minutos ou horas após exposição ao alergénio provável; c) hipotensão após exposição ao frio (hipotensão sistólica definida de acordo com idade e género ou queda superior a 30% da pressão arterial sistólica basal)(8,9,10). Na anafilaxia ao frio estes sintomas surgem tipicamente poucos minutos após a exposição ao frio(2), estando descritas reacções anafilácticas fatais, sobretudo associadas a actividades aquáticas. Perante o diagnóstico de UF devem ser implementadas medidas preventivas de evicção de estímulos frios, nomeadamente actividades aquáticas, ambientes frios e ingestão de bebidas ou alimentos gelados. A profilaxia terapêutica com anti-histamínico oral diário está preconizada. A doença é habitualmente transitória, com duração média dos sintomas em idade pediátrica de 4,1 anos(6). Aos doentes com manifestações clínicas graves, particularmente nas situações de UF de tipo III, em que existe risco de anafilaxia, deve ser prescrito dispositivo para auto-administração intramuscular de adrenalina. A sua administração em situação de emergência deve ser ensinada ao doente, pais e prestadores de cuidados. CASO CLÍNICO Adolescente do sexo masculino, com 16 anos de idade, sem história familiar relevante. Dos antecedentes pessoais salienta-se asma e rinite alérgicas intermitentes, eczema atópico, alergia alimentar a crustáceos (camarão e perceves), esofagite eosinofílica e infecção por Helicobacter pylori. Aos 13 anos iniciou epigastralgias e vómitos recorrentes pós-prandiais, sem outro estímulo desencadeante aparente, pelo que foi realizada endoscopia digestiva alta que evidenciou esofagite eosinofílica e infecção por Helicobacter pylori. Fez terapêutica tripla de erradicação do Helicobacter pylori e, medicação com flu- 286 casos clínicos case reports ticasona deglutida (1000 μg/dia) durante três meses e montelucaste oral (10 mg/ dia) que mantém, com resolução clínica e histológica. Está actualmente assintomático, com endoscopia digestiva alta de controlo sem alterações e biopsias da mucosa esofágica normais. Mantém-se controlado do ponto de vista respiratório e cutâneo, medicado com β2-agonista de curta acção inalado, antihistamínico H1 oral e corticóide tópico, respectivamente, em caso de agudização de asma, rinite e eczema. Cumpre evicção de crustáceos. Aos 14 anos iniciou episódios reprodutíveis de urticária após contacto corporal com água do mar e piscina. Estes episódios eram caracterizados pelo aparecimento de pápulas pruriginosas inicialmente limitadas ao local de contacto com a água e que desapareciam espontaneamente minutos após a exposição, com progressivo agravamento e generalização das lesões cutâneas, justificando o recurso a auto-medicação com antihistamínico H1 oral. Refere concomitantemente queixas de mal-estar, náuseas e urticária nas áreas expostas durante a deambulação na secção de produtos frios do supermercado ou exposição a ar condicionado, sintomas que remitiam sem necessidade de terapêutica, com a evicção do ambiente frio. Cerca de dois meses após o início do quadro clínico ocorreu um episódio súbito de urticária generalizada, angioedema da face e síncope com duração de segundos, menos de cinco minutos após a imersão corporal total em água do mar; sem queixas respiratórias ou gastrintestinais acompanhantes. Na sequência deste episódio foi observado em urgência hospitalar, tendo sido medicado com antihistamínico e corticóide com remissão do quadro. Na Consulta de Imunoalergologia foi realizado teste do cubo de gelo, que foi positivo, com aparecimento de pápula (43x25 mm) após três minutos de estimulação, confirmando a suspeição clínica de UF (Figura 1). Da investigação analítica salientase: eosinofilia (1600/μl), IgE total elevada (1255 UI/ml), doseamento das restantes imunoglobulinas (IgG, IgA e IgM), velocidade de sedimentação, factores do complemento (CH100, C1q, C3 e C4) e electroforese das proteínas dentro dos pa- A - Aplicação do cubo de gelo na face anterior do antebraço durante 3 minutos de estimulação. B - Leitura após 5 minutos, sendo evidente o teste positivo (aparecimento de pápula). Figura 1 – Realização do teste do cubo de gelo. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 râmetros laboratoriais normais. Pesquisa de crioglobulinas, anticorpos anti-nucleares e serologias virais (vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, vírus da hepatite A e B) negativos. Os testes cutâneos por picada foram positivos para camarão e para ácaros (Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae e Blomia tropicalis), sendo negativos para os restantes aeroalergénios comuns testados (pólenes, fungos, látex e faneras animais). Utilizou-se como critério de positividade a ocorrência de pápula com diâmetro médio igual ou superior a 3 mm(11). Foi colocado o diagnóstico de UF adquirida, idiopática, de tipo III. Recomendou-se evicção de exposição ao frio, incluindo evicção de actividades aquáticas, foi iniciada terapêutica profiláctica com cetirizina (10 mg/dia) e prescrito dispositivo para auto-administração intramuscular de adrenalina (0,3 mg). Após 12 meses do início do quadro clínico mantém cumprimento das medidas instituídas, sem ocorrência de novos episódios de urticária ou anafilaxia. O teste de cubo de gelo mantém-se positivo após três minutos de estimulação (42x24 mm). DISCUSSÃO Este caso clínico salienta a necessidade do reconhecimento das manifestações clínicas da UF, que embora seja uma entidade clínica rara na criança pode cursar com manifestações sistémicas graves e potencialmente fatais. O diagnóstico de UF foi colocado perante a evidência de manifestações clí- nicas típicas e confirmado pela presença do teste de cubo de gelo positivo. A apresentação clínica com urticária generalizada, angioedema e síncope é característica do padrão clínico III da classificação de Wanderer. A normalidade dos parâmetros analíticos avaliados permitiu excluir causas secundárias de UF, incluindo doenças potencialmente graves que podem cursar com UF e que poderiam requerer tratamento específico, tais como crioglobulinemia, doenças infecciosas (mononucleose infecciosa, infecção por citomegalovírus, hepatites virais), neoplasias (leucemia linfocítica crónica, linfosarcoma) e doenças auto-imunes (vasculites). Apesar de ser postulada a associação entre a infecção por Helicobacter pylori e a UF, as manifestações clínicas da urticária surgem habitualmente durante a infecção e melhoram após o tratamento. O aparecimento da UF após a erradicação antibiótica excluiu este agente como interveniente na patogénese da UF neste caso clínico(12). A incidência de atopia na UF é semelhante à da população geral(5) e a coexistência de outras manifestações de atopia, aqui documentada, é um achado comum nas crianças com UF. Os doentes atópicos não apresentam diferenças quanto à gravidade e duração da sintomatologia, pelo que este factor não parece ter significado em termos de prognóstico(6). A persistência de um teste do cubo de gelo positivo aos três minutos de estimulação após um ano de evolução, reforça a gravidade do quadro clínico e o risco de ocorrência de anafilaxia. 1. Retire a tampa preta protec- 3. Aplique a Anapen® na face 2. Na outra extremidade, retire tora da agulha. externa da coxa e aperte o bo- a tampa preta de segurança do tão vermelho de injecção. Se botão de injecção. necessário, pode injectar através da roupa. 4. Mantenha a Anapen® na posição durante 10 segundos, permitindo que a dose total de adrenalina seja injectada. Figura 2 – Instruções de utilização do dispositivo para auto-administração de adrenalina (Anapen®). Após a utilização o doente deve levar consigo o dispositivo e ser observado no serviço de urgência (adaptado de www.anapen.com). Apesar da medicação antihistamínica instituída poder ter um efeito protector, apenas a evicção do estímulo frio é segura. As actividades aquáticas são o estímulo que mais frequentemente se associa a reacções graves, facto que pode ser justificado pela maior superfície corporal exposta, baixa temperatura da água e maior duração da exposição, factores que contribuem para uma diminuição brusca da temperatura corporal e podem potenciar fenómenos hipotensivos. Todos os doentes com UF devem ser informados dos riscos associados às actividades aquáticas para prevenir potenciais afogamentos e conhecer as possíveis consequências da exposição acidental a estímulos frios. O facto de este doente ser adolescente e de a evicção de actividades aquáticas e consumo de bebidas frias implicar mudanças significativas nos hábitos e actividades quotidianas, torna a adesão ao plano profiláctico um desafio clínico, salientando-se a importância da comunicação médico-doente e a necessidade de ser estabelecido com o adolescente um compromisso terapêutico, reforçado em cada reavaliação clínica. Saliente-se que apesar de a adrenalina ser o fármaco de primeira linha na abordagem do doente com anafilaxia e de ter impacto na prevenção de respostas bifásicas e na mortalidade(8,9), neste caso clínico não foi a terapêutica administrada durante o recurso ao serviço de urgência. Esta situação reflecte a realidade já descrita por Morais-Almeida e colaboradores, que reconhece a necessidade de divulgar no nosso País os protocolos correctos de abordagem da anafilaxia(10). É também conhecida a sub-utilização dos dispositivos de auto-administração de adrenalina pelos doentes a quem foram prescritos, pelo que o reforço do ensino ao doente, familiares e prestadores de cuidados sobre a correcta utilização do dispositivo e seu transporte com o doente são determinantes para que seja administrada a terapêutica de imediato nas situações acidentais emergentes, podendo salvar a vida do doente (Figura 2). O recurso ao Serviço de Urgência após a administração de adrenalina é mandatório, uma vez que as reacções bifásicas podem ocorrer. casos clínicos case reports 287 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Como terapêutica sintomática da urticária na criança está preconizada a utilização de antihistamínicos H1 orais, preferencialmente de 2ª geração, pelo menor efeito sedativo e maior perfil de segurança. A utilização adicional de corticóide oral pode ser uma opção na fase aguda, se necessário, sendo desaconselhada a sua administração prolongada(13). CONCLUSÃO Apesar de ser uma patologia rara em idade pediátrica, a UF deve ser considerada no diagnóstico diferencial da urticária. As manifestações clínicas sistémicas potencialmente graves a que a UF frequentemente se associa, justificam a necessidade de seguimento destes doentes em consulta de especialidade. O prognóstico favorável desta patologia depende do cumprimento rigoroso da evicção do estímulo desencadeante, embora a utilização profiláctica de antihistamínicos possa ser útil na prevenção de eventuais reacções acidentais e aumentar o limiar de tolerância ao frio, permitindo minimizar o impacto da doença na qualidade de vida e actividades diárias. A importância da auto-administração de adrenalina intramuscular em situação de anafilaxia deve ser enfatizada e o seu ensino ao doente e prestadores de cuidados frequentemente reforçado, pois constitui a forma mais eficaz de redução da morbilidade e mortalidade desta patologia. COLD-INDUCED ANAPHYLAXIS CASE REPORT ABSTRACT Introduction: Cold-induced urticaria, rare in paediatrics, is characterised by the development of urticarial lesions and/ or angioedema after cold exposure. Most cases are idiopathic; secondary causes include crioglobulinemia, complement deficits, vasculitis, neoplasins and infections. Commonly it is benign and self-limited, although systemic, potentially fatal neoplasins reactions may occur. Case Report: The authors present a case report of a 16 year-old boy with severe cold induced urticaria. At the 288 casos clínicos case reports age of 14 years he started reproducible episodes of urticaria during aquatic activities, that progressively worsen, and episodes of urticaria and malaise in exposure to cold environment. Two months after he had a sudden onset of generalized urticaria, facial angioedema and syncope after submersion on sea water. It was considered the diagnosis of acquired cold urticaria, type III. Avoidance of cold exposure was recommended; prophylactic treatment was begun with cetirizine and a self-administering epinephrine device was prescribed. Keywords: anaphylaxis, cold urticaria, epinephrine, ice cube test. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 285-288 BIBLIOGRAFIA 1. Siebenhaar F, Weller K, Mlynek A, Magerl M, Altrichter S, Vieira dos Santos R, et al. 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António José Couvinha, 28, 2º Dto. 7005-296 Évora NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Urticária Colinérgica Caso Clínico Daniel Gonçalves1, Margarida Figueiredo1, Sónia Carvalho1, Fernanda Carvalho1 RESUMO Introdução: A urticária colinérgica caracteriza-se pelo aparecimento de pápulas eritematosas e pruriginosas, com diâmetro de 1-3 mm, após um estímulo que eleve a temperatura corporal. Caso Clínico: Adolescente de 14 anos, sem antecedentes de relevo, que apresentava desde os 12 anos episódios de dispneia e aparecimento de pápulas eritematosas e pruriginosas dispersas pelo corpo cerca de 10 minutos após iniciar actividade física. Referia sintomas semelhantes no banho com água quente e em episódios de ansiedade. Em consulta de Pediatria, foi excluída patologia cardio-pulmonar e realizou prova de provocação, sendo estabelecido o diagnóstico de urticária colinérgica. Foram excluídas outras causas de urticária. A terapêutica com um anti-histamínico H1 com propriedades de estabilização mastocitária (cetotifeno) permitiu um controlo moderado dos sintomas. Discussão: A urticária colinérgica pode condicionar uma limitação importante na qualidade de vida dos doentes, sendo a dificuldade do seu tratamento um desafio para o pediatra. Palavras-chave: antagonista H1 da histamina, colinérgica, urticária. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 289-291 INTRODUÇÃO A urticária colinérgica, pela primeira vez descrita em 1924(1), caracteriza-se pelo aparecimento de pápulas eritematosas e pruriginosas, com diâmetro __________ 1 S. Pediatria – Neonatologia, CH Médio Ave – Unidade Famalicão de 1-3 mm, após um estímulo que eleve a temperatura corporal. As lesões geralmente iniciam-se na região superior do tórax e do pescoço, propagando-se ao resto do corpo se houver persistência do estímulo(2). Ocasionalmente pode originar angioedema e reacção anafilática. Os estímulos mais frequentemente implicados são o exercício físico, banhos em água quente e episódios de stress(3). A urticária colinérgica é responsável por cerca de 5% dos casos de urticária crónica (urticária com duração superior a seis semanas), cuja prevalência estimada na idade pediátrica é de 0,1 a 0,3%(4). Os sintomas iniciam-se mais frequentemente no final da segunda e na terceira década de vida, tornando esta patologia pouco frequente na infância e adolescência. A proporção de casos em ambos os sexos é semelhante(5). À semelhança de outras urticárias físicas, parecem existir diversos mecanismos patogénicos envolvidos, como hipersensibilidade à histamina, activação do sistema nervoso colinérgico e reacções alérgicas locais ao suor autólogo(6). O diagnóstico é essencialmente clínico, sendo muito sugestivo o aparecimento das lesões urticariformes poucos minutos após o início de estímulos que aumentem a temperatura corporal. Para confirmar o diagnóstico, devem ser efectuadas provas de provocação(7). O tratamento baseia-se na evicção dos estímulos desencadeantes, como exercícios físicos prolongados e banhos em água quente, e no uso de fármacos como anti-histamínicos H1, antagonistas dos leucotrienos e cursos breves de corticosteróides orais(2). Em raros casos refractários pode ser necessário o uso de esteróides anabólicos(8) ou terapêutica anti-IgE(9). CASO CLÍNICO Apresenta-se o caso de uma adolescente do sexo feminino, 14 anos de idade, caucasiana, com antecedentes de sibilância recorrente nos primeiros dois anos de vida. Sem antecedentes familiares de relevo. Início aos 12 anos de idade de episódios de sensação de dispneia cerca de dez minutos após iniciar exercício físico, associado a exantema micro-papular pruriginoso inicialmente no tronco e pescoço, com posterior distribuição centrífuga. Estes sintomas condicionavam ansiedade e desconforto, tendo necessidade de suspender a actividade física. Negava dor torácica, palpitações, febre ou outros sintomas. Por vezes, referia sintomas semelhantes em episódios de ansiedade. Dezoito meses após o início do quadro clínico, nota agravamento progressivo da sintomatologia, com instalação mais rápida após o início da actividade física, recorrendo ao médico assistente. Nesta altura referia sintomas semelhantes nos banhos com água quente. Foi referenciada posteriormente para uma consulta hospitalar de Pediatria, após exclusão de patologia do foro cardíaco (ecocardiograma e electrocardiograma com prova de esforço sem alterações). Na consulta externa, era evidente a ansiedade da adolescente relativamente à sua situação clínica. Referia incapacidade quase total em praticar actividade física. O exame objectivo não revelava alterações, sendo a auscultação cardio-pulmonar normal. Para esclarecimento etiológico, foram efectuados exames complementares de diagnóstico: o hemograma revelou hemoglobina 13,4 g/dl, com fórmula leucocitária normal (sem eosinofilia), contagem plaquetária 275.000 /μl; ionograma, ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting 289 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Figura 1 – Primeira pápula, aparecimento na região cervical Figura 2 – Exantema micropapular na região retroauricular direita Figura 3 – Propagação à região abdominal 290 funções renal e hepática sem alterações; IgE total normal (27 UI/ml) e IgE específicas para ácaros, gramíneas e alergéneos alimentares negativas. Efectuou testes cutâneos por picada (prick) para os principais alergéneos alimentares e inalantes nesta idade, que foram negativos. Realizou provas funcionais respiratórias, que revelaram capacidades pulmonares dentro dos parâmetros da normalidade, incluindo a razão entre o Volume Expiratório Forçado no 1º segundo (FEV1) e a Capacidade Vital Forçada (FVC). Neste contexto, tendo em conta a história clínica sugestiva e a normalidade dos exames complementares de diagnóstico solicitados, colocou-se como hipótese diagnóstica mais provável a urticária colinérgica. Para confirmação do diagnóstico, foi realizada uma prova de provocação com exercício físico adequado à idade e ao género. A prova de provocação tornou-se positiva logo após o quarto minuto, com o aparecimento de exantema micropapular, inicialmente no pescoço e região retroauricular (Figuras 1 e 2), com propagação ao abdómen (Figura 3). Relativamente ao tratamento, foi inicialmente medicada com anti-histamínicos H1 (desloratadina 5 mg de manhã e ebastina 10 mg ao deitar), com fraca resposta terapêutica. Foi associado um antagonista dos leucotrienos (montelucaste 10 mg/dia), que também não condicionou melhoria dos sintomas. Nesta fase, tendo em conta a grande limitação na qualidade de vida da doente, foi decidido iniciar um curso de corticoterapia oral (prednisolona 2 mg/kg/dia) com esquema de redução. Após melhoria parcial na fase inicial, surgiu novo agravamento dos sintomas coincidente com o início do desmame da terapêutica. Iniciou um outro anti-histamínico, o cetotifeno (1 mg de 12/12 h), com boa resposta clínica, referindo diminuição dos sintomas no banho com água quente, tolerando 15- 20 minutos de exercício físico de actividade leve a moderada. DISCUSSÃO A urticária colinérgica surge geralmente no final da adolescência e início da vida adulta, sendo importante o reconhecimento desta entidade, que pode com- ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting prometer significativamente a qualidade de vida dos adolescentes. Apesar do diagnóstico ser geralmente baseado na história clínica, a prova de provocação torna-se importante quando existe dúvida relativamente ao diagnóstico diferencial com a urticária induzida pelo exercício físico, que apresenta maior potencial de originar reacção anafilática. As pápulas na urticária induzida pelo exercício físico têm tipicamente diâmetro superior a 5 mm, e aparecem apenas com a actividade física. Nesta urticária, o aquecimento passivo de um membro a 42ºC (por exemplo, com água quente) durante 15 minutos, não origina qualquer reacção urticariforme, ao contrário da urticária colinérgica(7). Neste caso, a história clínica era muito sugestiva, não tendo sido necessária a realização desta prova de aquecimento passivo. A pesquisa de eventuais alergéneos alimentares ou inalantes concomitantes foi negativa. Esta associação, apesar de pouco frequente, teria um grande impacto na qualidade de vida desta adolescente, na medida em que a evicção de um determinado estímulo alergénico antes da prática de exercício físico poderia diminuir consideravelmente os sintomas. Os alergéneos mais frequentemente implicados são o trigo (60% dos casos) e os derivados do marisco (18%)(10). Apesar de a pele ser o tecido predominantemente afectado na urticária colinérgica, estes doentes podem apresentar alterações respiratórias concomitantes, nomeadamente uma diminuição significativa do FEV1(11), que não se verificou no caso descrito. O tratamento da urticária colinérgica é muitas vezes um desafio para o médico. A base do tratamento é a evicção dos estímulos desencadeantes, como exercício físico intenso, banhos com água muito quente e frequência de espaços fechados com temperaturas altas(4). Os fármacos de primeira linha são os anti-histamínicos H1, como a hidroxizina e a cetirizina. A necessidade de doses elevadas para o controlo dos sintomas, com o mínimo de efeitos adversos, como a sedação, é a principal dificuldade clínica(12). No nosso caso, o uso de um anti-histamínico com maior potencial de estabilização mastocitária, como NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 o cetotifeno (1 mg de 12/12h) possibilitou um controlo moderado dos sintomas. Este agente parece ter maior eficácia que os anti-histamínicos convencionais, já tendo sido descrito o uso de doses tão elevadas como 5 a 8 mg por dia(13). O uso de cursos breves de corticosteróides deve ser reservado para casos refractários às terapêuticas convencionais. Também reservado a casos refractários está o danazol(8), um esteróide anabólico usado no tratamento do angioedema hereditário, que apresenta contudo um grande potencial de efeitos adversos. Mais recentemente, o omalizumab, um anticorpo monoclonal recombinante anti-IgE, tem sido usado com bons resultados na urticária colinérgica(9), quando esta se acompanha de aumento da IgE. A adolescente em questão, por apresentar um valor sérico normal de IgE, não é candidata a este género de terapêutica. A dessensibilização parece ser possível em alguns casos, tendo sido proposto o esquema de administração de uma dose elevada de anti-histamínico, seguido nas três horas seguintes por um banho com água muito quente(14). O prognóstico da urticária colinérgica é geralmente favorável. A duração média dos sintomas é de 7,5 anos, tendo tido o caso mais duradouro descrito uma duração de 16 anos. Estima-se que cerca de um terço dos doentes tenha sintomas durante mais de 10 anos(15). A urticária colinérgica é uma forma rara de urticária crónica, podendo condicionar e ser uma limitação importante na qualidade de vida dos doentes, evidente neste caso clínico. Apesar da maioria dos casos ser resolvida com evicção dos estímulos que aumentem a temperatura corporal e com o uso de anti-histamínicos H1, a necessidade de elevadas doses destes fármacos torna o controlo desta doença crónica um desafio na idade pediátrica. CHOLINERGIC URTICARIA – CASE REPORT ABSTRACT Introduction: Cholinergic urticaria is characterized by highly pruritic small (1-3 mm) wheals, that occur after raising the body temperature. Case Report: The authors report the case of a 14-year-old girl, without history of relevant diseases, that experienced dyspnea and pruritus with wheals starting about ten minutes after beginning any kind of physical exercise. The same symptoms were elicited by emotional stress and hot showers, and were present for the last two years. After ruling out cardio-pulmonary diseases and other causes of urticaria, we performed a provocation test (exercise challenge) and the diagnosis of cholinergic urticaria was established. Therapy with ketotifen, an H1 antagonist with mast cell stabilization properties, allowed only a moderate symptom control. Discussion: Cholinergic urticaria may affect greatly the quality of life. Treatment is often difficult, becoming a challenge for the pediatrician. Keywords: cholinergic, histamine H1 antagonist, urticaria. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 289-291 BIBLIOGRAFIA 1. Duke WW. Urticaria caused specifically by the action of physical agents. JAMA 1924; 83:3-9. 2. Horan RF, Sheffer AL, Briner WW. Physical allergies. Med Sci Sports Exerc 1992; 24:845-8. 3. Zuberbier T, Bindslev-Jensen C, Canonica W, Grattan CE, Greaves MW, Henz BM et al. EAACI/GA2LEN/EDF guideline: definition, classification and diagnosis of urticaria. Allergy 2006 ;61:316-20. 4. Khakoo G, Sofianou-Katsoulis A, Perkin MR, Lack G. Clinical features and natural history of physical urticaria in children. Pediatr Allergy Immunol 2008; 19:363-6. 5. Zuberbier T, Althaus C, ChantraineHess S, Czarnetzki BM. 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CORRESPONDÊNCIA Serviço de Pediatria – Neonatologia, CH Médio Ave – Unidade Famalicão Rua Cupertino Miranda, Apartado 31 4764-958 Vila Nova de Famalicão [email protected] ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting 291 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Caso Electroencefalográfico Joel Freitas1, Rui Chorão2 CASO CLÍNICO Apresenta-se o caso de uma jovem actualmente com 19 anos de idade, saudável até aos 14 anos, altura em que teve um episódio que se iniciou por uma sensação de “desconforto” e formigueiros no membro inferior esquerdo, seguindo-se perda de consciência, com duração aproximada de um minuto e recuperação espontânea. Nesta altura iniciou medicação antiepiléptica, mantendo episódios estereotipados com duração de alguns segundos, caracterizados por parestesias dos membros esquerdos, avisando os presentes da “crise”; de seguida apresentava movimentos do membro inferior esquerdo (por vezes também do membro superior ipsilateral), sem perda de consciência. No final referia diminuição da força do membro inferior esquerdo, apresentando uma marcha claudicante à esquerda. Ocasionalmente os episódios eram mais prolongados, os movimentos bilaterais e tinha perda de consciência, com quedas e traumatismos vários. Nesse período associaram-se alterações do comportamento, como ameaças de suicídio e ataques de pânico. Houve várias alterações terapêuticas, com introdução de medicação ansiolítica e antidepressiva, sem benefício clínico e com efeitos secundários, como sonolência e agravamento da frequência dos eventos paroxísticos. Aos 15 anos foi internada por Pedopsiquiatria para estudo de uma perturbação conversiva. Durante o internamento apresentou vários episódios semelhantes, tanto no sono como na vigília. Foi medicada com neuroléptico, __________ 1 2 S. Neurologia, HSAntónio, CHPorto U. Neurofisiologia Pediátrica, HMPia, CHPorto 292 caso electroencefalográfico EEG case report com agravamento da frequência destes episódios. Manteve um comportamento que oscilava entre uma atitude cooperante e adequada e períodos em que se mostrava hostil e reivindicativa. Apresentava uma atitude e conduta negativistas (com recusa alimentar e na realização da higiene pessoal), que justificava alegando receio de ter as “crises” e consequente queda. Foi, então, solicitada a avaliação por Neurologia Pediátrica. Ao exame neurológico apresentava um síndromo piramidal esquerdo não deficitário e hemi-hipostesia álgica esquerda. Saliente-se que não havia história de antecedentes perinatais relevantes ou história de convulsões febris ou afebris. Tinha desenvolvimento psicomotor normal e bom aproveitamento escolar até ao 8º ano de escolaridade. Manifestava marcadas dificuldades em lidar com as modificações corporais pubertárias (menarca e telarca). Não havia história familiar de epilepsia ou doenças psiquiátricas. Relativamente ao contexto psicossocial, tratava-se de filha única, vivendo com a mãe e não conhecendo o pai. Qual o diagnóstico provável? O quadro clínico foi interpretado como epilepsia focal (crises com origem na região fronto-parietal direita). Realizou vídeo-EEG, em que foi registada uma crise epiléptica focal motora, durante a prova de hiperpneia, que foi sinalizada pela doente e se caracterizou por postura tónica dos membros superior e inferior esquerdos, seguida de movimentos clónicos dos mesmos segmentos, sem perda de consciência (Figura 1). Do ponto de vista eléctrico a crise caracterizou-se por atenuação inicial marcada da amplitude, globalmente, depois com sequência de ondas teta e alfa na região central direita (Figura 2). Sem alterações no registo eléctrico interictal. A ressonância magnética encefálica foi normal. Iniciou tratamento com carbamazepina, com ajuste posterior da dose, com bom controlo das crises. Actualmente mantém-se sem crises epilépticas há três anos. DISCUSSÃO As crises de natureza não epiléptica (CNNE) são eventos paroxísticos que mimetizam muitas vezes crises epilépticas. Podem ser secundários a processos orgânicos, tais como convulsão sincopal, doenças do movimento ou do sono, ou de natureza psicossomática(1). O somatório de características clínicas, história familiar, social e psicológica, bem como achados do vídeo-EEG contribuem para um diagnóstico correcto. Contudo, esta diferenciação muitas vezes não pode ser feita com absoluta confiança, mesmo dispondo de vídeo-EEG(1). A prevalência de CNNE varia entre 10% a 40% dos doentes enviados a centros de referência em epilepsia, como refractários à medicação antiepiléptica(2). Ocorrem em doentes sem ou com crises epilépticas. A taxa de erro de diagnóstico de CNNE em doentes com epilepsia oscila entre 5 a 10%(3). A epilepsia do lobo frontal, com fenomenologia bizarra como a das crises hipermotoras, é a que mais frequentemente se confunde com CNNE(4,5). A semiologia deste tipo de crises frequentemente engloba: automatismos exuberantes, como pontapear ou pedalagem dos membros inferiores; movimentos bruscos de segmentos ou de todo o corpo, por vezes com características violentas; vocalizações, tais como gritos. Outros fenómenos adicionais incluem a preservação da consciência ape- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Figura 1 – Sequência da crise (vídeo): alterações sensoriais (percepção da crise), seguindo-se alteração postural sustentada dos membros esquerdos. Figura 2 – Sequência da crise: atenuação global da amplitude - actividade recrutante (alfa-teta) central direita - actividade lenta (teta-delta) fronto-centro-parietal direita. sar da postura tónica bilateral (como nas crises da área suplementar motora), assim como a ausência de letargia ou confusão no período pós-crítico. Frequentemente estas manifestações clínicas atípicas acompanham-se de actividade interictal ou ictal indetectável no registo de EEG de superfície. Esta dificuldade de identificação no EEG resulta da elevada quantidade de artefactos de músculo ou movimento. Existem algumas características clínicas que auxiliam na distinção entre as epilepsias do lobo frontal e as crises de natureza não epiléptica(4,5): 1) curta duração da crise (habitualmente menos de 60 segundos); 2) clara estereotipia dos episódios, incluindo o padrão dos automatismos complexos; 3) predomínios das crises durante o sono, embora também possam ocorrer em período de vigília (enquanto que as CNNE apenas existem durante a vigília); 4) semiologicamente caracterizam-se por uma postura tónica em abdução dos membros superiores, traduzindo envolvimento da área suplementar sensitivo-motora (nunca documentado nas CNNE). Existem CNNE descritas como surgindo no sono; no entanto, o registo vídeo-EEG posterior revelou a existência de padrão de vigília prévio ao início da crise(6). No caso clínico descrito as crises têm aura sensitiva (parestesias no membro inferior esquerdo), seguida de movimentos clónicos no mesmo segmento, por vezes com envolvimento do hemicorpo esquerdo, de curta duração e com preservação da consciência (excepto naquelas com generalização secundária), com parésia de Todd no período pós-crítico. As crises ocorriam durante o sono e vigília, eram estereotipadas e anatomicamente congruentes (área sintomática) com a área sensitiva-motora primária contralateral (direita), isto é, na região medial da transição fronto-parietal direita. A importância do vídeo e registo electroencefalográfico de uma das crises foi crucial na confirmação do diagnóstico de epilepsia focal. O facto de a ressonância magnética cerebral ser normal sugere a hipótese de uma epilepsia provavelmente sintomática (sem identificação da etiologia). A clarificação do quadro clíni- caso electroencefalográfico EEG case report 293 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 co, com controlo das crises epilépticas, permitiu à doente uma readaptação psicossocial adequada. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 292-294 BIBLIOGRAFIA 1. LaFrance WC Jr. Psychogenic nonepileptic seizures. Current Opinion in Neurology 2008;21:195–201. 2. Gates JR, Ramani V, Whalen S, Loewenson R. Ictal characteristics of pseudoseizures. Arch Neurol 1985;42:1183-7. 294 caso electroencefalográfico EEG case report 3. Ramsay RE, Cohen A, Brown MC. Coexisting epilepsy and non-epileptic seizures. In: Rowan AJ, Gates JR, eds. Non-Epileptic Seizures. 1st ed. Stoneham, MA: Butterworth-Heinemann 1993:47-54. 4. Kanner AM, Morris HH, Lüders, Dinner DS, Wyllie E, Medendorp SV, Rowan AJ. Supplementary motor seizures mimicking pseudoseizures: some clinical differences. Neurology 1990;40(9):1404-7. 5. Saygi S, Katz A, Marks DA, Spencer SS. Frontal lobe partial seizures and psychogenic seizures: comparison of clinical and ictal characteristics. Neurology 1992;42(7):1274-7. 6. Benbadis SR, Lancman ME, King LM, Swanson SJ. Preictal pseudosleep: a new finding in psychogenic seizures. Neurology 1996;47(1):63-7. AGRADECIMENTOS João Chaves (Serviço de Neurologia, H Santo António, CH Porto), pela cedência dos dados recentes da doente. Adriana Ribeiro (Unidade de Neurofisiologia Pediátrica, H Maria Pia, CH Porto), pela selecção das imagens do vídeo-EEG. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Caso Endoscópico Fernando Pereira1 O Daniel de 16 anos de idade foi enviado à consulta de Nutrição por apresentar excesso de peso e hipertensão arterial ligeira. Era um rapaz natural do Alto Minho, nascido após gravidez de termo sem intercorrências, com o peso de 3,2 kg e 55 cm de comprimento. É filho de pais saudáveis, trabalhadores rurais e tem uma irmã também com excesso de peso e em observação em consulta de Pediatria. É um bom estudante, pratica desporto de forma irregular e tem um apetite devorador, tendo dificuldade no controlo da ingestão de alimentos, apesar de estar consciente da necessidade de ter rigor alimentar. Não apresentava antecedentes patológicos relevantes. Ao exame objectivo tinha mucosas coradas e anictericas, abdómen um pouco globoso, com adiposidade acentuada mas sem organomegalias. Peso - 98 kg; estatura - 1,68 m; IMC - 34,7. Pressão arterial sistólica: 135 mmHg (P95-99); pressão arterial diastólica (<P5). Tensão arterial 135/60mmhg e frequência cardíaca de 72 batimentos /minuto. Efectuou estudo analítico (hemograma, PCR, proteinograma, colesterol e triglícerídeos, função renal e hepática, apolipoproteinas A1 e B, ácido úrico, glicose, insulina sérica, ionograma, cálcio, fósforo, zinco, ferro e magnésio, vitaminas B12, D e ácido fólico e função tiroideia) que não evidenciou alterações. As ecografias cardíaca, abdominal e pélvica não mos- traram alterações e o fígado apresentava dimensões no limite superior do normal, com normal estrutura ecográfica. Na tentativa de inverter o processo de ganho ponderal foi proposta ao doente terapêutica, para além das medidas dietéticas e actividade física já instituídas, tendo o doente efectuado endoscopia digestiva alta durante a qual foi possível obter a imagem que mostramos na figura 1. Tendo em consideração o que acabamos de expor que lhe sugere a imagem apresentada: 1 – Hérnia do hiato esofágico 2 – Tumor do estômago 3 – Pâncreas ectópico 4 – Corpo estranho no estômago Figura 1 __________ 1 Serviço de Gastroenterologia Hospital Maria Pia / CHPorto caso endoscópico endoscopic case 295 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 COMENTÁRIOS A imagem que apresentamos permite observar o cárdia, vertente gástrica e o fornix com mucosa de aspecto normal e a presença no interior do estômago de corpo estranho esférico, de coloração escura, superfície lisa e não aderente à parede gástrica. Devo acrescentar que a observação do esófago, estômago e duodeno não evidenciou qualquer alteração. Trata-se de um balão gástrico (BIB) para tratamento da obesidade, colocado por via endoscópica e que irá permanecer no estômago durante um período de cerca de 6 meses após o que será retirado pela mesma via depois de vazio por aspiração. O balão intra-gástrico é uma atitude terapêutica para tratamento da obesidade, aplicável em doentes com excesso de peso ou obesidade mórbida que não tenham patologia digestiva alta que contraindique a sua utilização, é geralmente bem tolerado, induz saciedade precoce 296 caso endoscópico endoscopic case e dessa forma poderá inverter um processo de ganho ponderal progressivo. É também uma forma de testar a adesão do doente à restrição dietética a que uma técnica mais agressiva como é a banda gástrica obriga. Não havia naturalmente qualquer hérnia do hiato, aliás uma contraindicação para colocação do BIB e o aspecto observado não é compatível com tumor gástrico ou pâncreas ectópico. O nosso doente perdeu 12 kg e normalizou os valores de tensão arterial em seis meses, findos os quais o balão lhe foi retirado. ABSTRACT We present the clinical case of a 16 year-old boy with excess body weight (weight-98 kg, height-1,68 m and IBM=34,7) and hypertension (136/60 mmHg). Laboratory tests of blood and urine were normal as was the abdominal ultrasound examination. We perform an upper endoscopy and introduced an intragastric balloon that is shown in the picture. Six months later the boy lost twelve kilograms and normalized the arterial pressure. The balloon was removed. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 295-296 BIBLIOGRAFIA 1. Karagiozoglou-Lampoudi T, Papakostas P, Penna S, Pyankova G, Kotzampassi K. Effective intragastric balloon treatment in obese adolescents. Annals of Gastroenterology 2009;22(1):46-51. 2. Obesity Working Group: Seng Hok Q, Raquel F, Joel L, Louise B. Obesity in children and adolescents. JPGN 2008;47(2):254-9. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Caso Estomatológico José M. S. Amorim1 Criança de dois anos de idade que foi enviada à consulta de Estomatologia devido ao aparecimento de múltiplas vesículas de pequeno diâmetro localizadas à região da língua, mucosas gengival e palatina bem como na região periorbicular da boca, acompanhadas de hipertermia e recusa alimentar. Ao exame objectivo a criança apresenta bom desenvolvimento estato-ponderal. A nível oral apresentava múltiplas lesão vesiculares intra e extra orais com predomínio na região periorbicular da boca e na língua, de pequeno diâmetro (Figura 1). Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes. Face ao descrito: Qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude? Figura 1 __________ 1 Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto caso estomatológico oral pathology case 297 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 COMENTÁRIOS O caso clínico descrito refere-se a GENGIVOESTOMATITE HERPÉTICA. A doença é provocada pelo vírus Herpes simplex tipo I, um agente que normalmente habita nos tecidos infectados e nas lesões activas dos indivíduos afectados por este problema, com uma especial propensão para os tecidos cutâneo e nervoso. O vírus herpes simplex tipo I (VHS-I) é o responsável pelas lesões que aparecem na parte superior do corpo, nomeadamente nos olhos, no tronco e nos dedos das mãos. O contágio do VHS-I efectua-se através do contacto directo com as lesões activas de uma pessoa infectada ou através de objectos contaminados. A infecção por este vírus é muito comum e ocorre geralmente durante a infância. Após o contágio, os vírus invadem o tecido nervoso, instalando-se nos gânglios nervosos mais próximos, onde permanecem ao longo de toda a vida do indivíduo infectado. Na maioria dos casos, a infecção não produz sinais ou sintomas, nem provoca problemas, visto que os vírus se mantêm “adormecidos”. Embora as defesas do organismo não consigam eliminá-los, conseguem evitar a sua rápida reprodução e extensão aos tecidos adjacentes. No entanto há situações em que os vírus reactivam-se uma ou várias vezes, originando lesões características. As causas das reactivações não são conhecidas, mas constata-se que os episódios de reactivação são, muitas vezes, desencadeados por uma exposição prolongada ao sol, stress, febre, menstrua- 298 caso estomatológico oral pathology case ção, gravidez ou a existência de doenças que alterem o estado imunitário. As manifestações clínicas variam consoante o tipo de vírus e a idade e o estado do sistema imunitário da pessoa infectada. Na infecção pelo VHS-I, existem dois tipos de manifestações habituais após o primeiro contacto: - a gengivoestomatite herpética, que se caracteriza por uma inflamação das gengivas e lábios e, sobretudo, pela formação de inúmeras vesículas que provocam ardor sobre a zona inflamada; - a infecção cutânea herpética, que consiste na formação de uma placa elevada e vermelha num sector da pele, sobretudo à volta da boca, no tronco ou nos dedos das mãos, que se reveste de vesículas que originam um certo ardor, acompanhada pela tumefacção dos gânglios linfáticos próximos da zona afectada. Ambos os incidentes afectam com maior frequência os bebés, surgindo cerca de cinco dias após o contágio e sendo muitas vezes acompanhados por febre e mal-estar geral. Ao fim de alguns dias, as vesículas rebentam, permitindo a saída do seu conteúdo líquido para o exterior, seguindo-se a formação de uma crosta que acaba por cair. Os episódios de reactivação da infecção por VHS-I apenas afectam 1 a 2% das pessoas infectadas. Estes episódios manifestam-se através da formação de uma placa vermelha sobre a zona do corpo afectada, sempre a mesma, que proporciona o desenvolvimento de uma série de vesículas, normalmente agrupadas, muito pruriginosas, por vezes dolorosas. A gengivoestomatite herpética tem tratamento sintomático, recorrendo-se ao uso de AINE e a uma dieta líquida, à base de bebidas não-ácidas frescas ou geladas. O uso do aciclovir pode acelerar a recuperação. A evolução da patologia é para a recuperação completa em 10 dias. Ocasionalmente podem surgir complicações como ceratoconjuntivite herpética. O motivo que mais frequentemente leva a internamento de crianças com esta patologia é a desidratação, pois a criança pode recusar comer e beber adequadamente por causa da boca dorida. ABSTRACT A two-year-old child was sent to our department by the appearance of multiple vesicles, accompanied by pain and hyperthermia, in the mouth and lips. The clinical diagnosis was a gingival herpetic stomatitis. She was treated symptomatically, with favorable evolution. Keywords: vesicles – herpes simplex type I – symptomatic treatment. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 297-298 BIBLIOGRAFIA Regezi J, Sciubba J, Pogrel M, Atlas of Oral and Maxillofacial Pathology, 1st edition, WB Saunders Co., 2000, 8-9. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Caso Radiológico Filipe Macedo1 Adolescente do sexo feminino, com 17 anos, refere massa palpável na fossa supraclavicular esquerda, dura e indolor, cuja evolução não sabe precisar. Sem outras queixas associadas. Faz Rx do tórax (Figura 1) Qual o seu diagnóstico? Figura 1 - Rx do tórax (face) - detalhe da transição cervicotorácica. __________ 1 Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC, Porto caso radiológico radiological case 299 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 ACHADOS Observa-se costela cervical esquerda, relativamente longa e com pseudartrose no seu terço distal. IMAGIOLOGIA 1 - Rx convencional É o primeiro exame. Faz geralmente o diagnóstico. DIAGNÓSTICO Costela cervical esquerda, responsável pela tumefacção palpável. 2 - Ecografia Pode levantar a suspeita do diagnóstico (a confirmar por Rx). É também útil no diagnóstico diferencial das massas supraclaviculares. DISCUSSÃO Uma costela cervical consiste numa costela acessória ou supranumerária com origem na 7ª vértebra cervical. É uma variante anatómica que ocorre em 1-2% da população(1). As costelas cervicais podem ser uni ou bilaterais e variam desde pequenos ossículos até ossos mais longos, muitas vezes articulados com outras costelas. Na maioria dos casos são assintomáticas, isoladas e de diagnóstico ocasional(2). Podem por vezes dar massa palpável na fossa supraclavicular. Das variantes anatómicas das costelas, a costela cervical é potencialmente a mais importante em termos clínicos visto poder causar síndrome do desfiladeiro(3) (compressão do plexo braquial e ou dos vasos subclávios). Neste caso é necessária a sua exérese. 300 caso radiológico radiological case 3 - TC É o melhor método para caracterizar detalhadamente as anomalias dos arcos costais, sobretudo com reconstruções 3D. Faz o diagnóstico definitivo. Envolve bastante radiação ionizante. 4 - RMN Não é geralmente um bom método para avaliar variantes dos arcos costais. 3 - AngioTC/angioRM No caso de suspeita de síndrome do desfiladeiro, com compressão vascular. A possibilidade de uma costela cervical deve pois ser considerada no diagnóstico diferencial das massas duras do cavado supraclavicular. ABSTRACT We present a case of a 17-year-old adolescent with a painless hard palpable mass in the left supraclavicular fossa. Thoracic x-ray revealed a left cervical rib. A normal variant of the ribs must be considered in the differential diagnosis of a supraclavicular mass. In most cases x-ray is sufficient for the diagnosis. Keywords: cervical ribs. Nascer e Crescer 2010; 19(4): 299-300 BIBLIOGRAFIA 1. Freyschmidt J, BrossmannJ, Wiens J, Sternberg A. Borderlands of normal and early pathological findings in skeletal radiography 5th Ed. Thieme. 340-55. 2. Glass RB, Norton KI, Mitre SA, Kang E. Pedriatric ribs,: a spectrum of abnormalities. Radiographics 2002, 22, 87-104. 3. Kurihara Y, Yakushiji Y, Matsumaoto J, Hirata K. The ribs: Anatomic and radiologic considerations. Radiographics 1999; 19:105-19. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Plasticidade Cerebral no Desenvolvimento da Linguagem Teresa Temudo1 Em 1996, tinha terminado o ciclo de estudos especiais em Neuropediatria havia apenas um ano, assisti a uma conferência que me impressionou. A Karin Dias tinha organizado um congresso no Centro Cultural de Belém e, de entre os vários convidados estrangeiros, uma senhora entre os sessenta e os setenta, destacava-se por várias razões: era magra e alta, com um ar austero e algo de pássaro, cabelo branco arrepanhado num carrapito, voz sentenciosa. Fez-me lembrar uma professora primária dos anos cinquenta. Havia uma aura de admiração e respeito à sua volta e contavam-se histórias sobre a rigidez do seu carácter. Era a famosa Isabelle Rapin, Suíça que aos 20 anos tinha emigrado para os Estados Unidos para aprender Neurologia Pediátrica! Especialista em perturbações da linguagem da criança, autismo, doenças degenerativas do SNC, muitos artigos publicados, vários livros escritos, incontáveis conferências por todo o mundo… Durante a minha formação em neuropediatria nada me tinham ensinado de autismo ou perturbações do desenvolvimento da linguagem, sendo considerados problemas neurológicos “menores”ou da alçada dos Pediatras do desenvolvimento ou Psiquiatras infantis. Porque, tendo como formação de base a neurologia de adultos, se tinha ela interessado por tais coisas? Aguardei com impaciência a sua palestra sobre perturbações do desenvolvimento da linguagem. Falou com clareza e de forma entusiasta e, embora eu pouco soubesse do assunto, a sua palestra era tão “arrumada” que, após ouvi-la, pensei ter aprendido alguma coisa. Quando terminou, alguém da assistência lhe perguntou quantas consultas necessitava de fazer a uma criança para lhe diagnosticar o problema específico de linguagem. Ela respondeu orgulhosa:”In one shot!” Nos anos que se seguiram, vi várias crianças com problemas da linguagem, a quem fiz diagnósticos ao fim de dar tiros para vários lados… Fui aos livros, li artigos, mas aquilo continuava a ser para mim, embora muito interessante, também muito complicado. De todos os meninos que vi com este problema, o que mais me ensinou foi o Guilherme. Tinha cinco anos quando foi trazido à minha consulta, após ter feito muitos exames e ter andado em vários médicos. Bonitinho, cabelo claro e face redonda, tinha um ar doce e triste. Os pais eram gente simples, amável e inteligente. Traziam-mo porque o Guilherme, filho único, não se fazia entender. – Como assim? – perguntei. – Ele entende tudo, doutora, faz recados, é inteligente, ajuda em casa, mas quando quer falar, ninguém percebe nada do que diz. Fica muito nervoso porque nós não o entendemos. Repete e volta a repetir, mas ninguém entende nada! Já está há um ano na terapia da fala, mas não vale a pena, porque passa o tempo a chorar quando está lá dentro e agora recusa-se a ir….Não sabemos que mais lhe fazer! O Guilherme, ao lado, baixou a cabeça e começou a soluçar. Pus-lhe um braço pelos ombros e puxei-o para junto de mim (que nós os Neuropediatras podemos fazer estas coisas!). Tirei da gaveta a minha colecção de animais e pedi para ele mos nomear. “Ca-ca”, era o gato; “ca-ca-ca”, o cavalo; “ca”, o cão; “ca-ca-ca”, o macaco. Se eu pedia para repetir, o som era invariável. Não sabia exactamente qual era o problema mas tinha a certeza que o Guilherme ouvia, compreendia muito bem e obedecia a ordens e tinha o resto do exame neurológico inteiramente normal. A RMN cerebral e o EEG que trazia eram também normais. Mais 1 Serviço de Neuropediatria, Departamento da Infância e Adolescência, CH Porto pequenas histórias short stories 301 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 importante ainda era o facto do Guilherme estar deprimido e se recusar a colaborar na terapia da fala. Falei com ele e expliquei-lhe em linguagem simples que era importante ele praticar com a terapeuta e não desistir. Da minha parte ajudei-o com uns miligramas de Sertralina que prescrevi. Já em casa, fui aos livros. Apraxia verbal, era esse o diagnóstico. Algo impedia a programação dos movimentos dos órgãos fonatórios. Mas, porquê? E como ajudá-lo? Passados seis meses voltou à consulta. Quando abriu a porta sorriu, depois deu-me um beijo e colocou-se ao meu lado, de pé. Pareceu-me que esperava que eu lhe rodeasse novamente o corpinho com o meu braço. Fi-lo e ele deixou-se ali ficar encostado a mim enquanto eu ia falando com os pais. – O Guilherme anda mais contente e está a fazer terapia da fala duas vezes por semana – disse a mãe. Mostrei-lhe de novo os animais e tentei que os nomeasse. Pouco parecia ter progredido e eu continuava a só entender um “ca-ca-ca” silabado. Contudo, agora “cacarejava” alegremente. – Continua Guilherme, já estás muito melhor! – menti. Os pais estavam ansiosos porque tinham que tomar uma decisão. Era o último ano de pré-escola e a Educadora Infantil aconselhou-os a adiar a entrada para o Ensino Básico. Eles não o queriam fazer porque, diziam, apesar das dificuldades na linguagem, o Guilherme era muito inteligente e tinha vontade de aprender. – A doutora o que acha? – perguntaram. Eu partilhava da opinião da Educadora e disse-o. – Claro que vocês é que decidem, conhecem-no melhor que ninguém. E tu, Guilherme, queres ir para a escola? Ele abanou a cabeça afirmativamente. Ficou decidido que iria. Embora eu pensasse que as hipóteses que tinha de aprender a escrever e ler eram quase nulas, respeitei o instinto dos pais e fiquei a aguardar….Marquei consulta para dali a um ano, insistindo para que mantivesse a terapia da fala. Nas férias da Páscoa voltaram. Como de costume, o Guilherme entrou na frente e, após me dar um beijo, postou-se de pé a meu lado. – Então? – perguntei cheia de curiosidade– como correram as coisas? – Bem. – respondeu o Guilherme num tom de voz nasalado – Sou o melhor! Nem queria acreditar no que ouvia! O Guilherme conseguira naquele ano adquirir a linguagem que não conseguira desenvolver até aí. A prosódia era muito particular, mas compreendia-se o que dizia. Para além disso, aprendera a ler e a escrever e era o melhor da classe. Mais uma vez se confirmava que o instinto dos pais está normalmente certo….Mas, o que é que tinha acontecido no seu cérebro, que porta, que estrada se tinha aberto, de forma a ele ultrapassar as suas dificuldades? A vida é engraçada e, a minha em particular (que é a que conheço melhor), é cheia de coincidências. Em 2005 a Isabelle Rapin, após ter ouvido uma minha apresentação num congresso Europeu, quis conhecer-me. Convidou-me para fazermos um trabalho em conjunto. Passados dois anos fui ter com ela a Nova York e fiquei alojada na sua casa. Trabalhávamos doze horas por dia no seu gabinete da Albert Einstein University e, apenas à noite, na sua cozinha-escritório conversávamos de variadas coisas. Contei-lhe a história do Guilherme e a minha surpresa pelo salto de desenvolvimento da linguagem, coincidente com a aprendizagem da leitura e escrita. Disse-me que também já tinha constatado o mesmo em outros casos de apraxia verbal congénita e concluiu com o seu tom sentencioso. – Neuroplasticity, my dear! 302 pequenas histórias short stories NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Índice de Autores Afonso A 161 Águeda S S211 Aguiar I 25 Aguiar J S220 Aires S S211 Alexandrino A 161 Almeida A 161, 260 Almeida AF 178, S219, S223, S226 Almeida I S215 Almeida M 282 Almeida P 144 Almeida R 155 Almeida R S223 Alvares S 7, 54, 109, 143, 243 Alves S 244 Amaral B S229 Amorim JM 50, 129, 176, 297 Amorim J S224 Amorim R S189 Andrade T 81 Andrade T S226 Anjos R 41, 260 Azevedo L 116, 265 Azevedo M 255 Bandeira A 54, 180, S217 Baptista D S219, S223 Barata D 278 Barbosa M 244 Barbosa T S210 Barbot J 166, S215, S216, S216, S217, S218, S220, S228 Barradas M S219 Barreira M S198 Basto JP S220 Batista M 260 Bindi R S213 Binni M S217 Bonet B S214 Borges T S219 Caetano M 44 Caldeira A S213 Caldeira T S226 Campos T S229 Campos TA S222 Candeias C S219 Cardoso M 244 Carreira L S202 Carvalho C 81 Carvalho C S213 Carvalho F 81, S214, S231 Carvalho F 289 Carvalho I 74 Carvalho M 282 Carvalho S 91, S222, 289 Castanhinha S 91 Castro JR S218, S232 Chorão R 20, 46, 125, 171, 292 Cleto E S215, S216 Coelho J S222, S225 Constantino C 278 Correia F 149 Correia H S219, S220 Correia T 155, S224 Costa A S221, S227 Costa AM 46 Costa C S221 Costa E 17, 166, S215, S216, S217, S218, S228 Costa G S222 Costa M 46 Costa M S213, S223, S225, S227, S228 Costa V 44, 282 Costeira M S226 Couto C S229 Cunha L S212, S229 Cunha S 54 Diamantino C 41 Dias A 25 Dias JA 85 Dias M 81 Dinis M 74 Domingues S S231 Duarte C S210 Duarte CP 78 Enes C S218, S220, S232 Espada F S223 Estevinho N 282 Falcão H S212, S224 Faro A 78 Fernandes A 25 Fernandes A S229 Fernandes E S230 Fernandes I 44, 169 Fernandes I S225 Ferreira AC S225 Ferreira C 149, S223 Ferreira L 74 Ferreira M S215 Ferreira N S212 Ferreira P S211 Ferreira R 41 Ferreira S S227 Ferreira V S230 Figueiredo M S213, 289 Fonseca H 152 Fonte M 149 Fortuna A S220 Franco L S221, S227 Freitas I S215, S216 Freitas J 292 Freitas MM S219, S220 Garrido C 155 Gaspar A 285 Gaspar E S212 Gaspar I 260 Godinho C 67, S207, S233 Gomes E S212, S214, S229 Gomes L S213, S223, S224, S225, S227, S228 Gomes S 285 Gomes SM 260 Gonçalves D S213, 289 Grebe HP S225 Guedes M 134, S215, S224 Guedes R 8 Guerra I 17 Guimarães J S213 Guimarães P S224 João A 74 Jorge R S213, S224, S227 Lacerda L 244 Lavrador V S214 Leitão B S231 Lima A 102 Lima F S229 Lima M 243 Lima R 17, 85, S217 índice de autores author Index 303 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Lira S 14, S218 Lobo A 25, S219, S226 Lobo I 169 Lopes A 244 Lopes L 278 Lopes M S223 Loureiro M S226 Luca R S231 Macedo F 52, 131, 176, 299 Macedo J S219, S221, S223, S226 Machado E S228 Machado L S211 Machado R 41 Machado S S221 Madalena C 144 Magalhães J S224 Maia A S195 Maia I S216 Malveiro D S227 Mansilha H 17, 95, S185, 251 Marçal M S227 Marinheiro J S231 Marques B S220 Marques E S213 Marques I S220 Marques J S215 Marques L S210, S220 Marta R 278 Martins C S222, C225 Martins E 54, 180, S217, S221, 244 Martins F 41, 260 Martins R S231 Matos C S218, S231 Meireles C S219, S226 Melo C S222 Melo S 20 Melo T S216 Mendonça V 91, S229 Miguel C 91 Miguel N S217 Monteiro C 14 Monteiro João 144 Monteiro Joana S211, S213, S228 Monteiro M S213, S223, S225 Monteiro P 8 Monteiro T 29, 98 Monteiro T S212 Monteiro V S211, S228 Montes D 81 Morais L S214 Moreira E S211 Moreira L 8 Mota C 244 Mota MC S213, S220, 244 Mota P S223 Moura R 25 Nascimento H S222 304 índice de autores author Index Nascimento M S223 Nascimento P 166, S216, S217, S228 Neto C S216, S219, S223, S226 Neves D 34 Neves JF 278 Nogueira G 260 Norton L 282 Novo A S213, S215, S222, S225 Oliva T 282 Oliveira A 169 Oliveira A S228 Oliveira E S223 Oliveira L S227 Oliveira MJ 180 Oliveira ML S231 Oliveira T S230 Osório A S218, S220, S227, S231 Pais I S213 Pereira A 116, 265 Pereira F 48, 127, 174, S217, S221, S232, 295 Pereira G 278 Pereira J S214, S218, S220, S227, S231, S232 Pereira JR S233 Pereira M S216 Pereira S S231 Pinheiro A 285 Pinho L S224 Pinto A 57 Pinto AL S213, S228 Pinto C 68 Pinto F S229 Pinto J S214, S218, S220, S227, S231, S232 Pinto M S220 Pinto M S228 Pinto R 68 Porto B 166, S216 Porto G S216 Prazeres T 25 Quelhas D 244 Ramalho A 78 Ramos A S210, S214 Rebelo J S229 Rebimbas S 68 Reis A S218 Reis G S211, S224 Reis M S224 Ribas M S192 Ribeiro A 171 Ribeiro C S218 Ribeiro J S220 Rocha C S223, S226, S227, S228 Rocha C S224 Rocha C S229 Rodrigues J 78 Rodrigues JC S227, S230, S231, S232 Rodrigues MJ S200 Rodrigues M 46 Rodrigues R S201 Salgado A S213 Salgado M 182 Sampaio L 152 Sampaio M 155 Santalha M 149 Santos G 161, S204 Santos M S221 Santos MC 32, 100, 253 Selores M 44, 169, S221 Senra V S210, S214 Silva A S221 Silva ES 161, S226 Silva G 78 Silva GM S214, S229 Silva H S210, S226 Silva I S215, 282 Silva M S219, S220 Silva R S222 Simão R S222 Soares G S220 Soares S S230 Sofia H S215 Sousa C S227, S231 Sousa E S213, S221 Sousa H 152, S211 Sousa J S227, S232 Sousa P 74 Sousa S S225 Tavares M S212, S215, S229 Tavares S S211 Teixeira A 260 Teixeira C S210 Teixeira F S212, S224 Teixeira P S213 Teixeira S S218 Teles A 74 Teles N S219, S220 Temudo T 301 Tomé S S225 Torres T 44, S221 Valongo C S220 Vaz I S230 Vaz L S211 Velon A 171 Viegas V 285 Vieira C 91, S213, S225 Vieira M 91 Vizcaíno R S217, S226 Xavier C 171 Zenha R 46 Zilhão C 14 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Índice de Assuntos Vol. 19 Acidentes vasculares cerebrais - O inimigo silencioso, S224 Adolescência - Adolescentes no serviço de urgência de Pediatria, uma nova realidade, S212 - Artigo recomendado, 32 - Asma na Adolescência: Percepção do impacto nas futuras escolhas profissionais, S214 - Avaliação do controlo e da qualidade de vida em adolescentes asmáticos, S229 - Doenças sexualmente transmissíveis (DST) na Adolescência, S200 - Gravidez na Adolescência, S201 - O corpo e a saúde mental, 8 - Psiquiátrico, aditivo ou orgânico: um desafio nos adolescentes, S225 Aleitamento materno - Aleitamento materno – Análise da situação num meio semi-urbano, 68 Algoneurodistrofia - Algoneurodistrofia: uma entidade a reconhecer, 91 Alimentação no prematuro - Artigo recomendado, 95 Amenorreia primária - Puberdade tardia. Amenorreia primária, S198 Anafilaxia - Anafilaxia induzida pelo frio, caso clínico, 285 Anemia - Anemia de Fanconi: Acuidade para o diagnóstico, S216 - Anemia ferripriva refractária de etiologia obscura em idade pediátrica – novas abordagens terapêuticas, S217 - Anemia num pequeno lactente, S215 - Beta talassemia minor, S228 - IRIDA: uma entidade clínica de descrição e caracterização molecular recentes, S216 - Saber ouvir quem não sabe comunicar: a propósito de um caso clínico, S228 Anemia de Fanconi - Anemia de Fanconi: Acuidade para o diagnóstico, S216 - Caso hematológico, 167 Anomalias de lateralização - Anomalias da lateralização – dois casos clínicos, 74 Ansiedade - Artigo recomendado, 32 Arritmias - Manifestações cardíacas nas doenças musculares, 109 Apendicectomia laparoscópica - Apendicectomia laparoscópica – descrição do primeiro ano de experiência num serviço de urgência pediátrico, S232 Asma - Asma na Adolescência: Percepção do impacto nas futuras escolhas profissionais, S214 - Avaliação do controlo e da qualidade de vida em adolescentes asmáticos, S229 Autogratificação - Caso electroencefalográfico, 125 Bioética - Perspectivas actuais em bioética, 255 - Sobre o ensino da Bioética: um desafio transdisciplinar, 102 Cardiomiopatia - Manifestações cardíacas nas doenças musculares, 109 Celulite orbitária - Quando a tempestade começa com um chuvisco, S211 Cistinúria - Cistinúria – Revisão da literatura e investigação das suas bases genéticas em 4 doentes, 244 Clonagem Clonagem reprodutiva, 34 Colestase neonatal - Hidropisia fetal e colestase neonatal – caso clínico, 161 - Síndrome de Alagille: uma causa de colestase neonatal e cardiopatia congénita, S226 Comportamentos aditivos - Psiquiátrico, aditivo ou orgânico: um desafio nos adolescentes, S225 Costela cervical - Caso radiológico, 299 Cuidados continuados - A nutrição, S185 - Experiência do Serviço de Pediatria do IPO, S195 - O papel da comunidade, S192 - Procurar um diagnóstico, optimizar cuidados, S221 - Reabilitação, S189 Depressão - Artigo recomendado, 32 Dermatite de contacto - Caso dermatológico, 169 Derrame pleural - Caso radiológico, 178 - Derrames pleurais parapneumónicos complicados – avaliação de um protocolo de abordagem com alteplase, S214 Diarreia - Gastroenterite aguda, 85 Discinesia ciliar - Anomalias da lateralização – dois casos clínicos, 74 Distrofias musculares - Manifestações cardíacas nas doenças musculares, 109 Doença de Crohn - Caso endoscópico, 48 - Doenças sexualmente transmissíveis (DST) na Adolescência, S200 índice de assuntos subject index 305 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 Dor neuropática - Algoneurodistrofia: uma entidade a reconhecer, 91 Drooling - Drooling em crianças neurologicamente comprometidas, S227 Eczema herpético - Erupção variceliforme de Kaposi, S221 Edema hemorrágico agudo - Edema hemorrágico agudo na infância, 14 Enurese - Enurese nocturna: a experiência de uma consulta especializada no CHPV/ VC, 144 Epilepsia focal - Caso electroencefalográfico, 292 Epilepsias fotossensíveis - Caso electroencefalográfico, 171 Epúlide congénita - Caso dermatológico, 176 Erros inatos do metabolismo - Alterações hematológico e erros inatos do metabolismo, S217 Esclerose tuberosa - Caso electroencefalográfico, 46 Escoliose congénita - Caso radiológico, 131 Esofagite eosinofílica - Caso endoscópico, 127 Espasmos de choro - Espasmos de choro: problema de comportamento, 20 Fenómeno de Raynaud - Fenómeno de Raynaud em idade pediátrica, S215 Fibroma ameloblástico - Caso estomatológico, 50 Fístula arterio-venosa - Fístula arterio-venosa pulmonar: Uma causa rara de cianose, 260 Fístula coronária - Fístula coronária: causa rara de sopro cardíaco, 41 Fundoplicatura de Nissen - Recorrência de refluxo gastro-esofágico após fundoplicatura: em que crianças e porquê?, S232 Gastroenterite aguda - Artigo recomendado, 29 - Gastroenterite aguda, 85 - Gastroenterite aguda por salmonella: portador até quando?, S223 306 índice de assuntos subject index Gengivoestomatite herpética - Caso estomatológico, 297 Ginecologia em Pediatria - A consulta de Ginecologia pediátrica e da Adolescência na Maternidade Júlio Dinis, S230 - Doenças sexualmente transmissíveis (DST) na Adolescência, S200 - Puberdade tardia. Amenorreia primária, S198 Glomeruloesclerose segmental - Importância da determinação da tensão arterial em Pediatria, S213 Gripe A - Internamentos por gripe A em crianças com doença crónica, S210 Helicobater pylori - Saber ouvir quem não sabe comunicar: a propósito de um caso clínico, S228 Hematocolpos - Dor abdominal e retenção urinária aguda em adolescente: apresentação clínica de hematocolpos e revisão da literatura, 152 - Um caso raro de retenção urinária aguda, 149 Hemoglobinúria paroxística - Hemoglobinúria paroxística ao frio: quando suspeitar?, S218 Hérnia do cordão umbilical - Hérnia do cordão umbilical, S231 Hérnia do hiato - Caso endoscópico, 295 Herpes Zoster - Paralisia facial periférica, diagnóstico, tratamento e orientação, 155 Hidropisia fetal - Hidropisia fetal e colestase neonatal – caso clínico, 161 Hiperhidrose - Hiperhidrose axilar e palmar em adolescentes, S231 Hipertricose primária - Tufo piloso cervical isolado – que significado?, S223 Icterícia - Icterícia e prematuridade tardia, S233 IRIDA - IRIDA: uma entidade clínica de descrição e caracterização molecular recentes, S216 Leishmaniose - Leishmaniose visceral – um caso clínico, S221 Leucemia - Leucemia aleucémica, 282 Lipodistrofia - Genes, crianças e pediatras, 54 Luxação congénita do joelho - Luxação congénita do joelho: um caso, S231 Malnutrição - Artigo recomendado, 251 Malrotação intestinal - Anomalias da lateralização – dois casos clínicos, 74 Melanoma subungueal - Caso dermatológico, 44 Meningococémia - Artigo recomendado, 100 Mioclonias palpebrais - Caso electroencefalográfico, 171 Mononucleose infecciosa - Hepatite colestática – manifestação rara de uma doença comum, S227 Mucosa gástrica ectópica - Caso endoscópico, 174 Nefrectomia laparoscópica - Nefrectomia laparoscópica retroperitoneal em crianças: estado da arte, S218 Neuroblastoma - Neuroblastoma – apresentação cervical em RN, S213 Obesidade - Artigo recomendado, 99 - What you see is not what you get, S213 Osteocondrite - Caso radiológico, 52 Osteomielite - Osteomielite infecciosa em idade pediátrica: últimos 20 anos, S222 - Pott’s Puffy Tumor: caso clínico, 78 Papiloma da língua - Caso estomatológico, 129 Paralisia de Bell - Paralisia facial periférica, diagnóstico, tratamento e orientação, 155 Paralisia facial - Paralisia facial periférica, diagnóstico, tratamento e orientação, 155 - Paralisia facial congénita não traumática – caso clínico, S222 Pediatria baseada na evidência - Avaliação Crítica e Implementação Prática de Estudos sobre a Validade de Testes Diagnósticos – Parte I, 116 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 - Avaliação Crítica e Implementação Prática de Estudos sobre a Validade de Testes Diagnósticos – Parte II, 265 Perturbações de comportamento - Espasmos de choro: problema de comportamento, 20 Perturbações mentais - O corpo e a saúde mental, 8 - Artigo recomendado, 100 Pneumoparótida - Tumefacção parotídea bilateral com crepitações subcutâneas, 17 Pneumonia necrotizante - Pneumonia necrotizante, a propósito de um caso clínico, 25 Pott’s Puffy Tumor - Pott’s Puffy Tumor: caso clínico, 78 Prematuridade - Grande prematuridade: nutrição e crescimento, S202 - Icterícia e prematuridade tardia, S233 - Prematuridade tardia: a nova epidemia, S204 - Prematuridade tardia: experiência da Maternidade Júlio Dinis, S207 Puberdade - Puberdade tardia. Amenorreia primária, S198 Refluxo gastro-esofágico - Recorrência do refluxo gastro-esofágico após fundoplicatura: em que crianças e porquê?, S232 Relação pais-criança - Artigo recomendado, 253 Retenção urinária - Dor abdominal e retenção urinária aguda em adolescente: apresentação clínica de hematocolpos e revisão da literatura, 152 - Um caso raro de retenção urinária aguda, 149 Rotavirus - Artigo recomendado, 29 - Gastroenterite aguda, 85 Síndrome de abstinência - Síndrome de abstinência neonatal – casuística de um serviço de pediatria de um hospital de nível III, de 2007 a 2009, S227 Síndrome de Alagille - Síndrome de Alagille: uma causa de colestase neonatal e cardiopatia congénita, S226 Síndrome de Becwith-Wiedemann - Síndrome de Becwith-Wiedemann apresentando-se com encerramento tardio da parede abdominal e invaginação intestinal neonatal, S220 Síndrome de Berardinelli-Seip - Genes, crianças e pediatras, 54 Síndrome de Edwards - “Intensidades” pediátricas… a propósito do síndroma de Edwards, S226 Síndrome de Mauriac - Síndrome de Mauriac, uma apresentação rara de uma doença mais comum, 278 Síndrome de Nijmegen - Síndrome de Nijmegen e anomalia cromossómica complexa rara: caracterização de uma delecção intersticial 6Q23 por técnicas de citogenética molecular (CGH), S220 Síndrome de Smtih-Magenis - Síndrome de Smtih-Magenis: caracterização de dois casos por técnicas de citogenética clássica e molecular, S220 Síndrome de Turner - “Não eram só… dores nos pés”, S219 - Sindrome de Turner – a visão do ginecologista, S230 Sinusite - Pott’s Puffy Tumor: caso clínico, 78 Somatização - Artigo recomendado, 32 - O corpo e a saúde mental, 8 Streptococcus pneumoniae - Streptococcus pneumoniae – realidade últimos 3 anos no CHAA, S223 Stress pós-traumático - Artigo recomendado, 100 Teste de suor - Teste de suor – experiência do Serviço de Pediatria do CHP-HSA, S224 Teratoma - Teratoma saccrococcígeo: caso clínico, 81 Toxicodependência - Síndrome de abstinência neonatal – casuística de um serviço de pediatria de um hospital de nível III, de 2007 a 2009, S227 Trissomia 12p parcial - Trissomia 12p parcial: a propósito de um caso, S219 Tuberculose - Caso radiológico, 178 - Tuberculose pulmonar em adolescente – caso clínico, S211 Tumor de células germinativas - Teratoma saccrococcígeo: caso clínico, 81 Urgência Pediátrica - Adolescentes no serviço de urgência de Pediatria, uma nova realidade, S212 Urticária - Urticária ao frio em idade pediátrica – série de casos, S212 - Urticária colinérgica – caso clínico, 289 Vasculite - Edema hemorrágico agudo na infância, 14 Ventilação não invasiva - Ventilação não invasiva com nCPAP no tratamento da bronquiolite aguda, S210 índice de assuntos subject index 307 PRÉMIO NASCER E CRESCER MELHOR ARTIGO ORIGINAL 2010 A DIRECÇÃO DA REVISTA NASCER E CRESCER E A ASSOCIAÇÃO DO HOSPITAL DE CRIANÇAS MARIA PIA INSTITUÍRAM O PRÉMIO ANUAL PARA A MELHOR ARTIGO ORIGINAL PUBLICADO NA REVISTA. ESTA INICIATIVA VISA PROMOVER E INCENTIVAR A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA NA ÁREA DA PEDIATRIA E PERINATOLOGIA. REGULAMENTO 1. O Prémio será destinado aos autores do melhor Artigo Original publicado em cada ano na revista Nascer e Crescer 2. O Prémio equivalerá a um certificado e a um valor em dinheiro de 1 000,00 € (mil euros), que será entregue ao primeiro autor, caso haja mais de um. 3. Um mesmo autor pode concorrer com mais de um Artigo Original 4. Todos os Artigos Originais serão candidatos ao Prémio, salvo indicação em contrário expressa pelos Autores 5. O processo de avaliação será conduzido por um júri de selecção a ser escolhido oportunamente pelos editores da revista 6. Na avaliação dos Artigos Originais, o Júri de selecção analisará os seguintes itens: a) Relevância e originalidade b) Clareza e pertinência dos objectivos c) Descrição dos métodos/ procedimentos e análise estatística adequados d) Apresentação clara e sintética dos resultados e) Discussão fundamentada f) Importância para o avanço do conhecimento. Potencial de aplicabilidade e impacto dos resultados 7. Não caberá recurso contra as decisões do júri 8. A divulgação da atribuição do prémio será feita no 3º número da revista Nascer e Crescer de cada ano 9. Cabe aos editores da revista Nascer e Crescer decidir sobre eventuais omissões neste regulamento NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 AGRADECIMENTOS A Revista Nascer e Crescer agradece aos colaboradores, que fizeram a revisão dos manuscritos submetidos para publicação no ano de 2010. Esta intervenção é essencial para a qualidade científica dos artigos e representa horas de trabalho, experiência e esforço dedicados a esta actividade. Sentimo-nos honrados com a sua colaboração e disponibilidade. Alda Mira Coelho (HSJ) Ana Guedes (MJD – CHP) Ana Ramos (HMP – CHP) Anabela João (HSJ) Armando Pinto (IPOPF-G) Artur Alegria (MJD – CHP) Calçada Bastos (HMP – CHP) Carla Pinto de Moura (HSJ) Carla Sá (HB-EB) Cármen Carvalho (MJD – CHP) Cristina Rocha (CHEDV) Dora Simões (HMP – CHP) Esmeralda Martins (HMP – CHP) Eugénia Fernandes (MJD – CHP) Eurico Gaspar (CHTMAD) Fátima Dias (CHTMAD) Fátima Pinto (CS Carvalhosa) Filipe Macedo (SMIC-Porto) Gustavo Rocha (HSJ) Helena Mansilha (HMP – CHP) Henedina Antunes (HBEB) Idalinda Duarte (HMP – CHP) Inês Carrilho (HMP – CHP) Inês Lopes (CHVNG/E) Isabel Valente (H CUF Porto) João Barreira (HSJ) Jorge Moreira (HSJ) Jorge Mota (FADE – UP) José Leitão (HMP – CHP) Josué Pereira (HSJ) Laura Marques (HMP – CHP) Lúcia Gomes (CHEDV) Márcia Martins (MJD – CHP) Margarida Guedes (HSA – CHP) Maria Augusta Areias (HPBN) Maria Goretti Dias (Pedopsiquiatria - CHP) Maria João Baptista (HSJ) Maria José Bento (IPOPF-G) Maria Manuel Flores (HIDP - Aveiro) Marília Loureiro (HMP – CHP) Natalina Miguel (CHTMAD) Nilza Ferreira (CHTMAD) Norberto Estevinho (IPOPF-G) Nuno Farinha (IPOPF-G) Paula Correia (CHCB) Paula Fonseca (CHMA) Paula Matos (HMP – CHP) Paula Soares (MJD – CHP) Pedro Lopes Ferreira (FEUC) Pedro Monteiro (HML – CHP) Rosa Amorim (HMP – CHP) Rosa Arménia Campos (CHVNG/E) Rosa Lima (HMP – CHP) Rui Almeida (HPH – ULSM) Rui Chorão (HMP – CHP) Sílvia Álvares (HMP – CHP) Simão Frutuoso (HSA – CHP) Sofia Aroso (ULSM) Teresa Borges (HSA – CHP) Tojal Monteiro (ICBAS) A Revista Nascer e Crescer agradece o apoio publicitário concedido ao longo do ano de 2010, pelas instituições abaixo indicadas: Associação do Hospital de Crianças Maria Pia Dermoteca Produtos Químicos e Dermatológicos S.A Ferring Portuguesa – Produtos Farmacêuticos, Sociedade Unipessoal, Lda. agradecimentos Acknowledgements 309 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 INSTRUÇÕES AOS AUTORES A Revista NASCER E CRESCER dirige-se a todos os profissionais de saúde com interesse na área da Saúde Materno Infantil e publica artigos científicos relacionados com a Pediatria, Perinatologia, Saúde Mental da Infância e Adolescência, Bioética e Gestão Hospitalar. Os Editoriais, os artigos de Homenagem e artigos de âmbito cultural são publicados a pedido da Direcção da Revista. A revista publica artigos originais, de revisão, casos clínicos e artigos de opinião. Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os artigos publicados ficarão de inteira propriedade da Revista e não poderão ser reproduzidos, no todo ou em parte, sem prévia autorização dos editores. Manuscrito: Os trabalhos devem ser enviados à Direcção da Revista Nascer e Crescer – Hospital Crianças Maria Pia – Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto, ou endereçados a [email protected] ou [email protected], como documento anexo em qualquer versão actual de Microsoft Word, acompanhados da declaração de autoria. Todos os elementos do trabalho, incluindo a iconografia, se remetidos por correio, devem ser enviados em formato electrónico. Os artigos deverão ser redigidos conforme as normas abaixo indicadas e cabe ao Editor a responsabilidade de os: - aceitar sem modificações, - aceitar após alterações propostas, - ou rejeitar, com base no parecer de pelo menos dois revisores que os analisarão de forma anónima. Os pareceres dos peritos e os motivos de recusa serão sempre comunicados aos autores. Consentimento informado e aprovação pela Comissão de Ética: É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os princípios éticos e deontológicos, bem como, a legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia. Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores mencionem a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a aprovação do protocolo pela Comissão de Ética. Deve constar declaração de conflito de interesses ou financiamento. NORMAS DE PUBLICAÇÃO A Revista Nascer e Crescer subscreve os requisitos para apresentação de manuscritos a revistas biomédicas elaboradas pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje. org. Updated October 2008). Todos os elementos do trabalho incluindo a iconografia, devem ser enviados em suporte electrónico. O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem: 310 normas de publicação instructions for authors 1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português e inglês. Palavras-chave e Keywords; 4- Texto; 5- Bibliografia; 6- Legendas; 7- Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos; 10- Em destaque. As páginas devem ser numeradas segundo a sequência referida atrás. No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser enviado em formato electrónico. Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o mais conciso e explícito possível. A indicação dos autores deve ser feita pelo nome clínico ou com a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida do apelido e devem constar os títulos ou cargos de todos os autores, bem como as afiliações profissionais. No fundo da página devem constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou outros em que os autores exercem a sua actividade, o centro onde o trabalho foi executado, os contactos do autor responsável pela correspondência (endereço postal, endereço electrónico e telefone). Resumo e palavras-chave: O resumo deverá ser redigido na língua utilizada no texto e sempre em português e em inglês. No que respeita aos artigos originais deverá compreender no máximo 250 palavras e ser elaborado segundo o seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material e Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos de revisão devem ser estruturados da seguinte forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Relativamente aos casos clínicos, não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/Conclusões. Abaixo do resumo deverá constar uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão de base à indexação do artigo. Os termos devem estar em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH). Texto: O texto poderá ser apresentado em português, inglês, francês ou espanhol. Os artigos originais devem ser elaborados com a seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos de revisão devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os casos clínicos devem ser exemplares, devidamente estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especificação anterior. Não se aceitam abreviaturas nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a 10 devem ser escritos por extenso, excepto quando têm decimais ou se usam para unidades de medida. Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase. Bibliografia: As referências devem ser classificadas e numeradas por ordem de entrada no texto, com algarismos árabes. Os números devem seguir a ordem do texto, e ser colocados superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos originais e 15 para casos clínicos. Os autores devem verificar se todas as referências estão confor- mes aos Uniform Requirements for Manuscript submitted to biomedical journals (www.nlm.nih. gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam os nomes abreviados das publicações adoptadas pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar a página NLM’s Citing Medicine relativamente às recomendações de formato para os vários tipos de referência. Seguem-se alguns exemplos: a) Revistas: listar os primeiros seis autores, seguidos de et al se ultrapassar 6, título do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65. b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s) autor(es) do capítulo ou da contribuição. Nome e iniciais dos autores médicos, título do livro, cidade e nome da casa editora, ano de publicação, primeira e última páginas do capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es). Título do livro. Número da edição. Cidade e nome da casa editora, ano de publicação e número de página. Ex.: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Figuras e Quadros: Todas as ilustrações deverão ser apresentadas em formato digital de boa qualidade. Cada quadro e figura deverá ser numerado sequencialmente por ordem de referência no texto, ser apresentado em página individual e acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos necessitam de legenda. Se a figura ou quadro é cópia de uma publicação ou modificada, deve ser mencionada a sua origem e autorização para a sua utilização quando necessário. Fotografias ou exames complementares de doentes deverão impedir a sua identificação devendo ser acompanhadas pela autorização para a sua publicação dada pelo doente ou seu responsável legal. O total de figuras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos originais e cinco para os casos clínicos. As figuras ou quadros coloridos, ou os que ultrapassam os números atrás referidos, serão publicados a expensas dos autores. Agradecimentos e esclarecimentos: Os agradecimentos e indicação de conflito de interesses de algum dos autores ou financiamento do estudo devem figurar na última página. Em destaque: Incluir duas a quatro frases curtas que sintetizem os resultados e conclusões, salientando a mensagem mais importante do trabalho. Estas deverão ser escritas em português e em inglês. Modificações e Revisões: No caso do artigo ser aceite mas sujeito a modificações, estas devem ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias. As provas tipográficas serão enviadas aos autores em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publi- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 4 cação da Revista. O não respeito do prazo desobriga a aceitação da revisão dos autores, sendo a mesma efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista. INSTRUCTIONS FOR AUTHORS The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of Health with interest in the area of Maternal and Child/Adolescent Health and publishes scientific articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management. The Editorials, the articles of Homage and articles of cultural scope are published under request of the Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted must not have been published previously in any form. The opinions therein are the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property of the Journal and may not be reproduced, in full or in part, without the prior consent of the editors. Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto, Portugal, or to [email protected] or [email protected] and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should also be sent. Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two anonymous reviewers. Articles may be: - accepted with no modifications, - accepted with corrections or modifications, - or rejected. Authors will always be informed of the reasons for rejection or of the comments of the experts. Informed consent and approval by the Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and deontological principles, as well as legislation and norms applicable, as recommended by the Helsinki Declaration. In research studies it is mandatory to have the written consent of the patient and the approval of the Ethics Committee, statement of conflict of interest and financial support. MANUSCRIPT PREPARATION Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). All the components of the paper, including images must be submitted in electronic form. The papers must be presented as following: 1- Title in Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in Portuguese and English and key words; 4- Text; 5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables; 9- Acknowledgements; 10- Highlights. Pages should be numbered according the above sequence. If a second version of the paper is submitted, it should also be sent in electronic format. Title and Authors: The first page should contain the title in Portuguese and English. The title should be concise and revealing. A separate page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional affiliations, the name and the contact details of the corresponding author (postal address, electronic address and telephone), and the name of the Institutions where the study was performed. Abstract and Keywords: The abstract should be written in the same language of the text and always in Portuguese and English, provide on a separate page of not more than 250 words for original papers and a 150 words for case reports. For original papers the abstract should consist of four paragraphs, labelled Background, Methods, Results and Conclusions. Review articles should obey the following: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. Case report abstracts should contain an Introduction, Case report and Discussion/Conclusions. Do not use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed Keywords in Portuguese and English in alphabetical order, minimum of three and maximum of ten. Use terms from the Medical Subject Headings from Index Medicus (MeSH). Text: The text may be written in Portuguese, English, French or Spanish. The original articles should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion and Conclusions. The structure of review articles should include: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. The case reports should be unique cases duly studied and discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion or Conclusion. Any abbreviation used should be spelled out the first time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed in international (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1 to 10 should be written in full, except in the case of decimals or units of measurements. Numbers above 10 are written as figures except at the beginning of a sentence. References: References are to be cited in the text by Arabic numerals, and in the order in which they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports. The journal complies with the reference style in the Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/ bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors should consult NLM’s Citing Medicine for information on its recommended formats for a variety of reference types. The following details should be given in references to (a) journals, (b) chapters of books by other authors, or (c) books written or edited by the same author: a) Journals: Names of all authors (except if there are more than six, in which case the first three are listed followed by “et al.”), the title of the article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65 b) Chapters of books: Name(s) and initials of the author(s) of the chapter or contribution cited. Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors, title of book, city and name of publisher, year of publication, first and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Books: Name(s) and initials of the author(s). Title of the book. City and name of publisher, year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Tables and Figures: All illustrations should be in digital format of high quality. Each table and figure should be numbered in sequence, in the order in which they are referenced in the text. They should each have their own page and bear an explanatory title and caption when necessary. All abbreviations and symbols need a caption. If the illustration has appeared in or has been adapted from copyrighted material, include full credit to the original source in the legend and provide an authorization if necessary. Any patient photograph or complementary exam should have patients’ identities obscured and publication should have been authorized by the patient or legal guardian. The total number of figures or tables must not exceed eight for original articles and five for case reports. Figures or tables in colour, or those in excess of the specified numbers, will be published at the authors’ expense in the paper version Acknowlegments: All authors are required to disclose all potential conflicts of interest. All financial and material support for the research and the work should be clearly and completely identified in an Acknowledgment section of the manuscript. Highlights: They should include two to four short sentences that summarize the results and conclusions, highlighting the most important message of the work. These should be written in Portuguese and English. Modifications and revisions: If the paper is accepted subject to modifications, these must be submitted within fifteen days of notification. Proof copies will be sent to the authors in electronic form together with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the Journal’s publishing schedule. Failure to comply this deadline will mean that the authors’ revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by the Journal’s staff. normas de publicação instructions for authors 311