Vol. 19, nº 4, Dezembro 2010
19|
4
Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto
Ano | 2010 Volume | XIX Número | 04
Directora | Editor | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Associated Editor | Margarida Guedes
Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Pedro Esteves
Corpo Redactorial | Editorial Board
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Carvalho, MJDinis - CHP; Conceição Mota, H Maria Pia - CHP;
Cristina Rocha, CHEDV; Gustavo Rocha, HS João, João
Barreira, HS João, Laura Marques, H Maria Pia - CHP; Miguel
Coutinho, H Maria Pia - CHP; Rui Almeida, HP Hispano, Rui
Chorão, H Maria Pia - CHP
Editores especializados | Section Editors
Artigo Recomendado – Helena Mansilha, H Maria Pia - CHP;
Maria do Carmo Santos, H Maria Pia - CHP; Tojal Monteiro,
ICBAS
Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, INSRJ-INSA
Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, FMUP;
Altamiro da Costa Pereira, FMUP
A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica – António Marinho,
Hospitais da Universidade de Coimbra; Fátima Pinto, Hospital
de Santa Marta; Maria Ana Sampaio, Hospital Cruz Vermelha,
Maria João Baptista, HS João; Paula Martins, Hospital Pediátrico Coimbra, Rui Anjos, Hospital de Santa Cruz; Sílvia Álvares,
H Maria Pia - CHP
Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Carla Moreira, HBEB,
Armando Pinto, IPOPF-G; Carla Carvalho, HSM Maior; Conceição
Santos Silva, CHPV-VC; Fátima Santos, CHVNG-VC; Fernanda
Manuela Costa, HS António - CHP; Inês Azevedo, HS João; Isolina
Aguiar, CHAA; Joaquim Cunha, CHTS; Susana Tavares, CHEDV;
Rogério Mendes, MJDinis - CHP; Rosa Lima, H Maria Pia - CHP;
Sofia Aroso, HP Hispano; Sónia Carvalho, CHMA.
Caso Dermatológico – Manuela Selores, HS António - CHP;
Susana Machado, HS António - CHP
Caso Electroencefalográfico – Rui Chorão, H Maria Pia - CHP
Caso Endoscópico – Fernando Pereira, H Maria Pia - CHP
Caso Estomatológico – José Amorim, H Maria Pia - CHP
Caso Radiológico – Filipe Macedo, CHAA
Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, H Maria Pia
- CHP; Margarida Reis Lima, HPP
Pequenas Histórias – Margarida Guedes, H Maria Pia – CHP,
ICBAS
Coordenação Técnica | Editorial Coordenation
Margarida Lima, HS António – CHP, ICBAS
Consultora de Epidemiologia e de Bioestatistica
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- Francisco Alvarado Ortega (Madrid), Hospital Infantil
Universitario La Paz
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La Paz
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
índice
ano 2010, vol XIX, n.º 4
número4.vol.XIX
243 Editorial
244 Artigos Originais
Margarida Lima, Sílvia Álvares
Cistinúria - Revisão da Literatura e Investigação
das Suas Bases Genéticas em 4 Doentes
Altina Lopes, Mafalda Barbosa, Conceição Mota, Sandra Alves, Esmeralda Martins,
Maria do Céu Mota, Dulce Quelhas, Lúcia Lacerda, Maria Luís Cardoso
251 Artigo Recomendado
253
255 Perspectivas Actuais da Bioética
Helena Ferreira Mansilha
Maria do Carmo Santos
Origens da Bioética
Maria Alice da Silva Azevedo
Cardiologia Pediátrica na Prática
260 AClínica
Fístula Artério-Venosa Pulmonar: Uma Causa Rara de Cianose
Sónia Melo Gomes, Mónica Batista, Ana Teixeira, Graça Nogueira, Ana Almeida,
Isabel Mendes Gaspar, Rui Anjos, Fernando Maymone Martins
265 Pediatria Baseada na Evidência
Avaliação Crítica e Implementação Prática de Estudos
Sobre a Validade de Testes Diagnósticos – Parte II
Luís Filipe Azevedo, Altamiro da Costa Pereira
278 Casos Clínicos
Síndrome de Mauriac
Uma Apresentação Rara de Uma Doença mais Comum
Cláudia Constantino, João Farela Neves, Raquel Marta, Gabriela Pereira,
Deolinda Barata, Lurdes Lopes
282
Leucemia Aleucémica
Marisa Carvalho, Teresa Oliva, Isabel Silva, Marta Almeida, Norberto Estevinho,
Vítor Costa, Lucília Norton
285
Anafilaxia Induzida pelo Frio - Caso Clínico
Susana Gomes, Vera Viegas, Ana Pinheiro, Ângela Gaspar
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
de Pediatria Inter-Hospitalar
289 Ciclo
do Norte
Urticária Colinérgica - Caso Clínico
Daniel Gonçalves, Margarida Figueiredo, Sónia Carvalho, Fernanda Carvalho
292 Qual o seu Diagnóstico?
Caso Electroencefalográfico
Joel Freitas, Rui Chorão
295
Caso Endoscópico
Fernando Pereira
297
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim
299
Caso Radiológico
Filipe Macedo
301 Pequenas Histórias
Plasticidade Cerebral no Desenvolvimento da Linguagem
Teresa Temudo
303 Índice de Autores
305 Índice de Assuntos
Nascer e Crescer para o
308 Prémio
Melhor Artigo Original
309 Agradecimentos
310 Normas de Publicação
NASCER E CRESCER
summary
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
number4.vol.XIX
243 Editorial
244 Original Articles
Margarida Lima, Sílvia Álvares
Cystinuria – A Review and Study of Molecular Bases of 4 Patients
Altina Lopes, Mafalda Barbosa, Conceição Mota, Sandra Alves, Esmeralda Martins,
Maria do Céu Mota, Dulce Quelhas, Lúcia Lacerda, Maria Luís Cardoso
251 Recommended Article
253
255 Current Perspectives in Bioethics
Helena Ferreira Mansilha
Maria do Carmo Santos
Origins of Bioethics
Maria Alice da Silva Azevedo
Cardiology in Clinical
260 Paediatric
Practice
Pulmonary Arteriovenous Fistula: A Rare Cause of Cyanosis
Sónia Melo Gomes, Mónica Batista, Ana Teixeira, Graça Nogueira, Ana Almeida,
Isabel Mendes Gaspar, Rui Anjos, Fernando Maymone Martins
265 Evidence Based Paediatrics
Critical Appraisal and Practical Implementation
of Diagnostic Tests Accuracy Studies – Part II
Luís Filipe Azevedo, Altamiro da Costa Pereira
278 Case Reports
Mauriac Syndrome, Uncommon Presentation of a Common Disease
Cláudia Constantino, João Farela Neves, Raquel Marta, Gabriela Pereira,
Deolinda Barata, Lurdes Lopes
282
Aleukemic Leukemia
Marisa Carvalho, Teresa Oliva, Isabel Silva, Marta Almeida, Norberto Estevinho,
Vítor Costa, Lucília Norton
285
Cold-Induced Anaphylaxis - Case Report
Susana Gomes, Vera Viegas, Ana Pinheiro, Ângela Gaspar
NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 4
289 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting
Cholinergic Urticaria – Case Report
Daniel Gonçalves, Margarida Figueiredo, Sónia Carvalho, Fernanda Carvalho
292 What is your Diagnosis?
EEG Case Report
Joel Freitas, Rui Chorão
295
Endoscopic Case
Fernando Pereira
297
Oral Pathology Case
José M. S. Amorim
299
Radiological Case
Filipe Macedo
301 Short Stories
Cerebral Plasticity in the Development of the Language
Teresa Temudo
303 Author Index
305 Subject Index
e Crescer: Best Original
308 Nascer
Article
309 Acknowledgements
310 Instructions for Authors
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
editorial
A revista Nascer e Crescer foi criada há 19 anos, por um grupo entusiástico
de profissionais do Hospital de Crianças Maria Pia, interessados no desenvolvimento da investigação científica na área da pediatria e na promoção da educação
médica contínua. Não tem sido um trabalho fácil manter uma publicação regular e
simultaneamente melhorar a qualidade científica dos artigos publicados. Ao longo
destes anos temos procurado a inovação e a implementação do rigor científico. O
sinal de que estamos no bom caminho é o facto desta revista ser reconhecida na
nossa comunidade científica, ter um número crescente de trabalhos submetidos
para publicação e estar indexada em várias bases de dados internacionais de
revistas médicas, nomeadamente EMBASE/Excerpta Medica, Index das Revistas
Médicas Portuguesas, Catálogo LATINDEX, Scopus e Scielo. O novo contexto do
Centro Hospitalar do Porto e a integração no Departamento de Ensino, Formação
e Investigação criou novas oportunidades de crescimento, divulgação e de organização. Outro factor essencial no desenvolvimento desta actividade consistiu
no alargamento do corpo redactorial e na agregação de saberes e experiências.
Cumpre-nos ainda realçar a actuação fundamental dos revisores: todos os artigos
são submetidos a uma análise cuidada e crítica, no sentido de melhorar a qualidade do trabalho. É um processo de ensino e aprendizagem, de desenvolvimento de
juízos de valor alicerçados no rigor científico, que ajuda a criar uma massa crítica
de jovens investigadores. Foi neste contexto que organizamos em 2010 um curso
de Revisão de Artigos Científicos, ferramenta essencial na qualidade editorial.
Também para promover a publicação de artigos originais e de investigação instituímos com a Associação do Hospital de Crianças Maria Pia o Prémio Anual para o
Melhor Artigo Original. No sentido de dar uma maior visibilidade à revista, estamos
a implementar a publicação electrónica: os artigos publicados passaram a estar
disponíveis em texto integral no portal interno do Centro Hospitalar do Porto e, em
breve, esperamos disponibilizá-los também no portal externo. Os projectos futuros
são muitos, graças ao empenho de todos os nossos colaboradores e dos nossos
patrocinadores. Fica aqui também um apelo a novas propostas e sugestões que
possamos implementar para melhor servir a comunidade científica. Salientamos
que o nosso objectivo de divulgação do conhecimento científico tem como finalidade última a melhoria da qualidade assistencial.
Margarida Lima
Sílvia Álvares
editorial
243
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Cistinúria – Revisão da Literatura e Investigação
das Suas Bases Genéticas em 4 Doentes
Altina Lopes1, Mafalda Barbosa2, Conceição Mota3, Sandra Alves4, Esmeralda Martins5,
Maria do Céu Mota6, Dulce Quelhas1, Lúcia Lacerda1, Maria Luís Cardoso1,7
RESUMO
Introdução: Classicamente, e com
base na apresentação fenotípica, os doentes com cistinúria classificavam-se em
tipo I e tipo não I. Mais recentemente e
com base nos aspectos genéticos da doença podemos identificar: o tipo A, causada por mutações no gene SLC3A1, o
tipo B, causada por mutações no gene
SLC7A9
Objectivos e metodologia: O objectivo deste trabalho foi rever o estado
actual do conhecimento no que se refere
ao diagnóstico, incidência/prevalência,
classificação bioquímica, aspectos genéticos e tratamento desta patologia e caracterizar a nível molecular quatro casos
com diagnóstico clínico e/ou bioquímico
de cistinúria através da sequenciação
dos genes SLC3A1 e SLC7A9.
Resultados: No gene SLC3A1 foram detectadas cinco mutações, duas
das quais são novas (c.1597T>A e
c.611-2A>C) e três previamente descritas na literatura (c.647C>T; c.1190A>G
e c.2019C>G). A sequenciação do
gene SLC7A9 revelou a presença de
uma mutação previamente descrita
(c.614_615insA). Foi possível classificar três doentes tipo A (um homozigoto
e dois heterozigotos compostos) e um
doente como heterozigoto tipo B, o que
está de acordo com a excreção urinária
de cistina observada.
Conclusões: A caracterização genotípica dos doentes cistinúricos contribui
__________
Unid. Bioquímica Genética, CGMJM, INSA
Unidade de Genética Médica, CGMJM, INSA
3
S. Nefrologia Pediátrica, HMP, CHPorto
4
Unidade de Investigação, CGMJM, INSA
5
Consulta de Metabolismo do HMP, CHPorto
6
Consulta de Genética do HMP, CHPorto
7
Laboratório de Bioquímica, FFUP
1
2
244
artigo original
original article
para o esclarecimento da patofisiologia
da doença, permite efectuar a confirmação do diagnóstico clínico e bioquímico e
oferecer o aconselhamento genético aos
familiares em risco. Os autores salientam
a importância de uma abordagem multidisciplinar na estratégia de seguimento
destes doentes.
Palavras-chave: cistinúria, litíase
renal, aminoácidos, cistina, SLC3A1,
SLC7A9.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 244-250
INTRODUÇÃO
A cistinúria (OMIM #220100) é uma
doença hereditária do transporte renal de
aminoácidos, caracterizada pelo aumento da excrecção urinária de cistina e de
aminoácidos básicos (lisina, arginina e
ornitina). A patologia é causada por um
defeito no mecanismo de transporte luminal partilhado por estes aminoácidos nas
células epiteliais dos túbulos renais e do
tracto gastrointestinal. A expressão do défice a nível intestinal não tem consequências clínicas (uma vez que é compensada
pela absorção de oligopéptideos) mas a
nível renal verifica-se uma fraca reabsorção destes aminoácidos o que conduz à
sua hiperexcrecção urinária(1,2,3,4). Dada
a elevada concentração e baixa solubilidade da cistina na urina a pH fisiológico,
esta precipita nos túbulos renais, levando
à formação de cálculos(5).
Este artigo tem duas vertentes: 1)
Rever o estado actual do conhecimento
relativamente à cistinúria, 2) Apresentar
os resultados preliminares do estudo molecular dos doentes portugueses seguido
da sua classificação genética.
Diagnóstico diferencial da
cistinúria
As litíases renais hereditárias, de
transmissão monogénica ou digénica,
que dependem unicamente de factores
genéticos, são bastante mais raras que
as litíases cálcicas ou úricas, que na
maioria das vezes são resultantes de
processos multifactoriais(6). A cistinúria
representa cerca de 77% do total das litíases genéticas.
A suspeita de cistinúria é elevada
se (i) os sintomas iniciais surgirem na
primeira ou segunda décadas de vida,
(ii) a formação de cálculos for recorrente, (iii) houver história familiar de litíase
renal e (iv) se a análise microscópica do
sedimento urinário de uma micção recente revelar cristais hexagonais típicos de
cistina(3,5).
Tal como os demais cálculos renais,
os de cistina são de fácil diagnóstico por
ecografia e são pouco rádio-opacos aos
raios-X (devido ao seu conteúdo em enxofre), sendo também facilmente detectáveis por espectroscopia. No entanto,
os cristais de cistina são observados em
apenas 20-25% dos doentes cistinúricos
e dado que a sua ausência não exclui o
diagnóstico, é necessário realizar testes
adicionais para a clarificação da etiologia
da apresentação clínica. O teste de nitroprussiato de sódio, ou teste de Brand,
apesar de constituir um método rápido,
não é actualmente utilizado por não ser
quantitativo e dar resultados falsamente
positivos [nomeadamente na presença
de outros aminoácidos como a homocistina, de cetonúria e de alguns metabolitos
medicamentosos(7)].
O diagnóstico final é feito por quantificação dos aminoácidos cistina, lisina,
ornitina e arginina na urina, normalmente
por cromatografia líquida de troca-iónica.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
A colheita de urina de 24 horas, embora seja problemática nas crianças, é no
entanto necessária para decidir a abordagem terapêutica e para fazer o controlo
periódico. Se não for possível obter uma
urina de 24 horas, a razão entre cistina/
creatinina numa amostra aleatória de urina pode ser informativa e nalguns casos
permite fazer a distinção entre os doentes homozigotos (ou heterozigotos compostos) e os portadores (heterozigotos).
Além disso, pode permitir o acompanhamento eficaz da estratégia de tratamento
(3)
. A colheita deve obedecer a determinados requisitos de modo a evitar a obtenção de valores falsamente baixos de cistina na amostra, pelo que é aconselhável
promover a sua solubilização com a adição de bicarbonato de sódio até pH>7,5.
O recurso a estudos moleculares é
a etapa final já que a identificação das
mutações responsáveis pela patologia
permite a confirmação do diagnóstico em
definitivo.
Incidência e Prevalência
A prevalência global da cistinúria na
população é de cerca de 1/7.000 podendo oscilar entre 1/2.500 e 1/15.000, consoante a etnia e a origem geográfica das
populações estudadas(8). É difícil estimar
este parâmetro com precisão, porque a
metodologia difere nos diversos estudos
realizados e algumas das abordagens
apresentam limitações significativas(1).
No Quadro I sumarizam-se os resultados
de alguns estudos realizados em diferentes populações.
Classificação bioquímica
A classificação dos casos de cistinúria pode ser feita com base em diversos critérios (Quadro II). Alguns autores
baseiam-se no fenótipo apresentado e na
excrecção urinária de cistina e aminoácidos básicos pelos heterozigotos obrigatórios, distinguindo três tipos de cistinúria:
tipo I (forma clássica), com portadores
silenciosos e em que só os homozigotos formam cálculos; tipo II e tipo III, em
que os portadores apresentam excreção
respectivamente elevada e moderada de
cistina e podem formar cálculos(5,7).
Mais recentemente, após a associação da cistinúria tipo I ao locus SL-
C3A1 e das cistinúrias tipo II e III ao
locus SLC7A9, Feliubadaló e colaboradores, reforçaram a ideia que já vinha
a ser proposta de que as cistinúrias do
tipo II e III devem ser consideradas em
conjunto e designadas como tipo não-I(9).
Os homozigotos, tanto do tipo I como do
tipo não-I, apresentam hiperexcrecção
de cistina com níveis de concentração
semelhantes(10).
Há ainda a referir a cistinúria transitória neonatal, descrita pela primeira vez
por Scriver et al. em 1985, em crianças
heterozigóticas para cistinúria. Estes
doentes apresentavam um decréscimo
progressivo nos níveis de cistina urinária desde o período neonatal até aos
2-3 anos de idade correspondendo a um
aumento da maturidade do sistema de
transporte(11).
Quadro I - Prevalência / Incidência da Cistinúria em várias populações.
País /
/ População
Prevalência /
/ Incidência
Referência
Bibliográfica
Observações
Inglaterra
1/2 000
1; 5; 7
Rastreio neonatal
Judeus Israelitas da Libia
1/2 500
1; 7; 3; 5; 17
Rastreio neonatal
Austrália
1/4 000
1; 5; 7
Rastreio neonatal
Estados Unidos
1/1 000-17 000
1; 3; 7
Rastreio neonatal
Valência (Espanha)
1/1 887
1; 7
Estudo de aa(*) (HPLC)
Quebec
1/7 200
1
Rastreio neonatal
Suécia
1/100 000
1; 3; 5
Metodologia Indefinida
Japão
1/18 000
5
Metodologia Indefinida
França
1/20 000 (incidência dos
homozigotos)
6
Metodologia Indefinida
Eskisehir (Turquia)
1/2 065
28
Teste de Brand;
Estudo dos aa(*)
Canadá
1/12 500
28
Metodologia Indefinida
(*)
aa-aminoácidos
Quadro II - Concentração de cistina urinária em diferentes grupos de indivíduos.
Grupo
População normal
Concentração de cistina urinária
< 30 mg/dia (0.13 mmol/dia)
0-100 μmol/g creatinina
Homozigotia para a cistinúria
(formam cálculos)
> 400 mg/dia (1.7 mmol/dia)
> 1.000 μmol/g creatinina
> 113,12 μmol cistina/mmol creatinina
Heterozigotos tipo I
(não formam cálculos)
< 200 mg/dia (0.8 mmol/dia)
0-100 μmol/g creatinina
Heterozigotos tipo II e III (não-I)
(podem formar cálculos)
200-400 mg/dia (0.8-1.7 mmol/dia)
990-1740 e 100-600 μmol/g creatinina
(Adaptado de Biyani et al, 2006(5); Guillén et al, 1999(7)).
artigo original
original article
245
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Genética
O modo de transmissão desta patologia urológica foi pela primeira vez
descrito como sendo recessivo em
1955. Contudo sabemos hoje que o seu
padrão de hereditariedade é bastante
mais complexo, e apesar de classicamente ter sido considerada uma doença
monogénica, é na realidade uma patologia com hereditariedade (no mínimo)
digénica(12).
O gene SLC3A1 (OMIM *104614)
está localizado no locus 2p21 e codifica
a subunidade glicoproteica pesada do
transportador (rBAT) das células renais
e epiteliais (11,13). Estão descritas, na
base de dados Human Gene Mutation
Database (HGMD) até à data, 133 mutações no gene SLC3A1 em doentes com
cistinúria. A mutação p.M467T (c.1400T>
C) é a mais frequente(2).
O segundo gene, SLC7A9 (OMIM
*604144) localiza-se no locus 19q13.1 e
codifica a cadeia leve (b0,+AT) do transportador(13). As mutações neste gene
causam cistinúria tipo não-I e estão descritas, até à data, 98 mutações na base
de dados HGMD. Neste gene a mutação
p.G105R (c.313G>A) é a alteração causal mais frequente (14).
Em 2002, Dello Strologo e colaboradores sugeriram uma nova classificação
dos doentes com cistinúria, baseada nos
estudos genéticos: i) tipo A: causada por
mutações no gene SLC3A1 (neste grupo
os heterozigotos têm excreção normal de
aminoácidos, ii) tipo B: cistinúria causada
por mutações no gene SLC7A9 (em que
os heterozigotos normalmente têm um
aumento da excrecção urinária de cistina
e aminoácidos dibásicos)(15).
Devido ao facto de não se detectarem mutações nestes dois genes em
muitos doentes cistinúricos, foi considerada a possibilidade de existir um terceiro
gene causador de cistinúria - SLC7A10, o
que não se confirmou(16).
Para além das situações de cistinúria isolada estão também descritos
na bibliografia fenótipos que associam a
cistinúria a uma constelação de outros sinais e sintomas num espectro clínico que
varia de ligeiro a grave nomeadamente o
Síndroma de Hipotonia-Cistinúria e o Síndroma de Deleção 2p21(17,18,19,20).
246
artigo original
original article
Tratamento
O primeiro objectivo do tratamento,
quer nas crianças quer nos adultos, é aumentar a solubilidade da cistina urinária,
de modo a prevenir a formação de novos
cálculos e dissolver os existentes. Assim
sendo, o tratamento inclui: i) o aumento
na ingestão de fluídos, ii) a dieta com
baixo teor em sal e iii) a alcalinização da
urina(21).
Uma vez que no organismo a metionina é metabolizada a cistina, uma redução na ingestão deste aminoácido, poderia reduzir a excrecção urinária de cistina,
mas infelizmente a restrição dietética não
é bem aceite pelos doentes(8). Estudos
recentes demonstraram que é possível
conseguir reduzir a excreção de cistina
mediante restrição de sódio.(22)
Teoricamente uma redução proteica (0,8 a 1 g/kg/dia) poderia ser benéfica, contudo não há estudos que comprovem inequivocamente esse benefício
a longo prazo e uma vez que a restrição
proteica pode ter efeitos negativos no
crescimento da criança não é prática clínica restringir as proteínas nos doentes
cistinúricos. Por outro lado, a restrição
salina não tem qualquer inconveniente
devendo ser aconselhada dieta sem sal
acrescentado.
O factor mais importante do tratamento é por conseguinte o aumento da
ingestão de fluidos, que tem um papel
preponderante na redução da concentração da cistina urinária. Teoricamente
consegue-se prevenir o aparecimento
de cálculos recorrentes em cerca de
um terço dos doentes apenas com a
hidratação (deve ser bebido 1 litro de
água por cada milimole de cistina excretada). Infelizmente é extremamente
difícil conseguir adesão a estes valores
de ingestão hídrica na criança, pelo que
normalmente esta medida não é considerada como eficaz quando tomada
como opção terapêutica isolada. É importante que o doente proceda não só
à hidratação ao longo do dia mas que
também assegure a diurese ao longo da
noite. Para garantir a noctúria, o doente
deve beber antes de deitar e durante a
noite após as micções(3). Sendo a cistina
muito mais solúvel a pH alcalino, bebi-
das alcalinizantes ricas em bicarbonato
e com baixo teor em sódio (1500 mg
HCO3/L, máximo 500 mg de sódio/L)
podem ser benéficas (chás, sumos citricos e água mineral)(8). A alcalinização
urinária requer geralmente a prescrição
de citrato ou bicarbonato de potássio, divididos por três a quatro tomas diárias,
devendo a última ser realizada antes de
deitar de modo a que a alcalinização se
efectue no período nocturno. Na prática
clínica inicia-se por uma dose de 1 a 2
mEq/Kg/dia de citrato ou bicarbonato de
potássio, sendo a dose posteriormente
ajustada até 3 a 4 mEq/kg/dia, de modo
a que se obtenha um pH urinário ≥7.
Uma vez que o aumento do pH urinário
pode aumentar a excreção de cálcio e
ácido úrico e diminuir a solubilidade de
fosfato de cálcio, a administração destes
compostos deve ser efectuada de forma
moderada, e controlada através da avaliação periódica da excreção de cálcio e
ácido úrico, para evitar o risco de formação de cálculos de fosfato de cálcio.
O sucesso da hidratação pode ser
monitorizado pelo próprio através do registo da densidade da urina usando tiras
de medição de Nitrazina. A meta a atingir
é um valor igual ou inferior a 1,010 e um
pH urinário igual ou superior a 7(6).
O uso preventivo de ácido ascórbico nas crianças, foi referido pela primeira
vez em 1983. É um composto capaz de
reduzir a cistina a cisteína quando administrado em altas doses, no entanto a
sua utilização no tratamento da cistinúria
é controversa dada a possibilidade de
incrementar a concentração urinária de
oxalatos(3).
O fracasso nas medidas anteriores
implica o recurso ao tratamento com compostos sulfidrilicos ou quelantes (D-penicilamina ou α-mercaptopropionilglicina),
que reduzem a cistina a dissulfitos mistos
que são mais solúveis. O controlo regular
é muito importante na monitorização do
tratamento e da função renal, permitindo
detectar atempadamente o aparecimento
de cálculos(3,8).
Quando os doentes não respondem
às medidas preventivas recorre-se então
a outras intervenções terapêuticas nomeadamente: litotrícia via onda de choque
extracorporal, ureteroscopia, nefrolitoto-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
DOENTE
Caso Sexo CS
IDADE
CLÍNICA
TRATAMENTO
Familiares Primeiros
ITU Cólicas
I.D. Actual
Litíase Conservador Cirúrgico
c/ litíase sintomas
Repetição renais
NOTAS
1
M
N
Irmã
14A
14A 23A
N
N
UL
Água
Captopril
N
Estudo
familiar de
cistinúria
2
M
N
N
AS
8M
10A
N
N
N
Água
Citrato de
sódio
N
Atraso
cognitivo
3
F
N
3 irmãos
14A
30A 53A
N
S
BL
Água
Litotricia
4
M
N
Irmã
7M
7M
N
S
BL
Água
Nefrostomia
Uralyt
rim
Litotricia esquerdo
26A
Nefrostomia Intolerância
à
(3x) rim Penicilamina
esquerdo e a Uralyt
-
CS - consanguinidade; ID - idade de diagnóstico; ITU - infecções do tracto urinário; UL - Unilateral; AS - assintomático; BL - bilateral; N - não; F - feminino; M - masculino.
Quadro IV – Classificação bioquímica versus molecular dos 4 casos de cistinúria.
Concentração
Cys
RESULTADOS
A sequenciação do gene SLC3A1
do doente 1 revelou a presença de duas
mutações missense: uma no exão 3
(c.647C>T; p.T216M) e outra no exão 7
(c.1190A>G; p.Y397C), previamente descritas na literatura (Quadro IV). O valor de
excreção de cistina urinária (536 μmol/
mmol creatinina; VR: 6-34) é consideravelmente elevado neste doente pelo que
a sua a classificação genética é de heterozigoto composto tipo A (AA).
A sequenciação do gene SLC7A9
apenas revelou a presença de um polimorfismo previamente descrito em heterozigotia.
Quadro III - Resumo da informação clínica disponível relativamente aos casos índex
estudados.
Classificação bioquímica
Classificação genética
Litíase
DOENTES E METODOLOGIA
Foi feito o levantamento das famílias seguidas na consulta do Centro de
Genética Médica Jacinto de Magalhães
- INSA e no Hospital Maria Pia – CHP
e foram seleccionados quatro doentes
com diagnóstico clínico e/ou bioquímico
de cistinúria previamente estabelecido
(Quadro III). Sempre que possível foram
também estudados os familiares em primeiro grau.
O DNA, extraído de sangue periférico, foi submetido a PCR usando primers
específicos para amplificação dos 10
exões do gene SLC3A1 e dos 13 exões
do SLC7A9. Posteriormente cada um dos
exões e respectivas sequências flanqueadoras intrónicas, foram submetidos a
sequenciação automática. Para avaliação
da patogenicidade das alterações novas
encontradas utilizaram-se os programas
bioinformáticos Polymorfism Phenotyping
(Polyphen) e Sorting Intolerant From Tolerant (SIFT).
senta litíase), tendo sido diagnosticado
casualmente no decurso da investigação
clínica de um atraso cognitivo e apresenta
um aumento moderado da excreção urinária de cistina (62 μmol/mmol creatinina;
VR: 7-23) o que permite estabelecer uma
classificação de heterozigoto tipo B.
O doente 2 apresenta no gene SLC3A1 um polimorfismo descrito, enquanto que a sequenciação do gene SLC7A9
revelou a presença da mutação patogénica previamente descrita na literatura
c.614_615insA em heterozigotia. Como
este doente é assintomático (não apre-
Casos índex
mia percutânea ou ainda a cirurgia convencional. Apesar das várias opções terapêuticas, médicas e cirúrgicas, alguns
doentes são refractários ao tratamento e
progridem para a insuficiência renal devido à recorrente formação e rápido crescimento dos cálculos(22).
Em 2003 Feliubadaló e colaboradores descreveram ratinhos transgénicos
para cistinúria. Este modelo animal tem
potencial no estudo de novas abordagens terapêuticas para o tratamento da
litíase renal(23,24).
1
Sim
KK
Heterozigoto
composto tipo I
ND
c.647C>T
c.1190A>G
-
-
A/A
2
Não
K
Heterozigoto
não tipo I
ND
-
-
c.614_615insA
-
B/-
3
Sim
KKK
Homozigoto
tipo I
ND
c.1597T>A c.1597T>A
-
-
A/A
4
Sim
KK
Heterozigoto
composto tipo I
Indefinido
c.611-2A>C c.2019C>G
-
-
A/A
SLC3A1
SLC7A9
fenótipo dos
doentes
excreção
de Cys dos
progenitores
Alelo 1
Alelo 2
Alelo 1
Alelo 2
Tipo
↑↑ - excreção marcada; ↑- excreção moderada; ↑↑↑ - excreção muito elevada; ND - não disponível.
artigo original
original article
247
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
O doente 3 apresenta uma excreção elevada de cistina na urina (3842
μmol/24h; VR: 41-258) tendo sido classificado bioquimicamente como homozigoto tipo I. Estes dados estão em concordância com o facto de o estudo do gene
SLC3A1 revelar que o doente é homozigoto para uma mutação nova: c.1597T>A
(p.Y533N(*)).
Este doente é também portador de
duas variações em heterozigotia no gene
SLC7A9 de classificação não consensual, c.425T>C (p.V142A) e c.667C>A
(p.L223M), que de acordo com a literatura já foram classificadas como polimorfismos, no entanto figuram na base de dados HGMD como mutações causais dado
que diminuem ligeiramente o transporte
de cistina(25,26). Este doente deverá, após
o presente estudo molecular, ser classificado em termos genéticos como homozigoto tipo A (AA).
A sequenciação do gene SLC3A1
revelou que o doente 4 e o seu irmão são
heterozigotos compostos de duas mutações: 2019C>G (p.C673W), previamente
descrita na literatura como causadora de
cistinúria, e c.611-2A>C(**) uma mutação
de splicing descrita pela primeira vez
neste trabalho. Ambos podem ser classificados em termos genéticos como heterozigotos compostos tipo A (AA).
Adicionalmente, o estudo efectuado permitiu detectar a presença da alteração descrita c.797T>C (p.F266S),
provavelmente não causal uma vez que
estudos funcionais comprovaram que
esta mutação não modifica significativamente a actividade de transporte quando
comparado com o wild-type (27). A excre(*) (c.1597T>A ou p.Y533N) potencialmente patogénica pois resulta da substituição do nucleotido timina por adenina na posição 1597 do
cDNA, o que implica que na sequência proteica seja incorporado o aminoácido asparagina
na posição 533 em vez da tirosina. Por conseguinte na posição habitual de um aminoácido
aromático polar com potencial para ganhar
uma carga positiva, é incorporado um aminoácido neutro, ocorrendo esta alteração num
local altamente conservado da proteína.
(**) (c.611-2A>C) foi considerada patogénica em
função dos resultados obtidos nas simulações bioinformáticas e no rastreio populacional, tendo-se verificado que dá origem a um
transcrito alternativo que resulta no skipping
do exão 3 e por conseguinte numa proteína
com supressão de 52 aminoácidos.
248
artigo original
original article
ção urinária de cistina no doente 4 está,
como seria de esperar, significativamente
aumentada (279 μmol/mmol creatinina;
VR: 8-22).
A sequenciação do gene SLC7A9
detectou a presença de um polimorfismo
não descrito na literatura (c.216C>T).
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Apesar de terem passado mais de
100 anos desde que a estrutura química
da cistina foi desvendada por Friedman
e cerca de dois séculos desde que este
aminoácido foi identificado pela primeira vez como constituinte de cálculos renais(21), a cistinúria permanece um tema
actual de investigação em saúde.
Como foi referido anteriormente o
perfil de aminoácidos urinários constitui
uma primeira abordagem para o diagnóstico e posterior classificação bioquímica
dos doentes. A classificação molecular
de cistinúria teve início com a clonagem
do gene SL3CA1 em 1994 mas só cinco anos mais tarde foi identificado pelo
Consórcio Internacional de Cistinúria o
segundo gene envolvido nesta patologia - SLC7A9. A partir dessa data foram
publicados vários estudos referentes a diversas populações. Não existindo dados
disponíveis relativamente à população
portuguesa, pretendemos, com este trabalho, iniciar a caracterização molecular
dos doentes portugueses com cistinúria,
recorrendo à sequênciação das regiões
codificantes dos dois genes em causa.
Foram estudados quatro casos com diagnóstico clínico e/ou bioquímico de cistinúria, tendo sido detectadas cinco mutações
no gene SLC3A1, duas das quais não
tinham sido previamente descritas na literatura, e uma no gene SLC7A9. Na sua
maioria, as mutações causais detectadas
apresentavam-se no gene SLC3A1 o que
está de acordo com o que está descrito
na literatura. Não foi encontrado, até ao
momento, nenhum caso de hereditariedade digénica.
A caracterização genotípica dos doentes cistinúricos contribui para o esclarecimento da patofisiologia da doença e
sendo esta uma patologia tratável a análise molecular permite efectuar a confirmação do diagnóstico clínico e bioquímico e
oferecer o aconselhamento genético aos
familiares em risco. Estes conhecimentos
são importantes para a personalização
do acompanhamento, cuidados antecipatórios e tratamento destes doentes.
Deu-se assim início ao estudo genético da cistinúria no nosso país. Este
trabalho vai prosseguir com a caracterização molecular dos restantes casos de
cistinúria identificados, tendo sido organizada uma equipa multidisciplinar que
inclui médicos de diferentes especialidades (Nefrologia pediátrica, Nefrologia de
adultos e Genética Médica) em estreita
colaboração com a equipa laboratorial,
para uma abordagem integrada dos doentes cistinúricos.
A continuação do estudo das bases
moleculares da cistinúria na população
portuguesa irá proporcionar conhecimento científico que contribuirá para o estabelecimento da relação genótipo/fenótipo de
uma das causas de urolitíase familiar mais
frequentes na população pediátrica.
EM DESTAQUE
Iniciou-se o estudo genético da
cistinúria no nosso país.
Neste primeiro estudo foram detectadas, no gene SLC3A1, cinco mutações, duas das quais são novas.
A caracterização genotípica
dos doentes contribui para o esclarecimento da patofisiologia da doença, e permite efectuar a confirmação
do diagnóstico clínico e bioquímico e
oferecer o aconselhamento genético
aos familiares em risco.
HIGHLIGHTS
The genetic study of cystinuria
is now available in our country.
In this first study we detected
five mutations in SLC3A1 gene and
among them two are new ones.
Genotypic characterization of
patients contributes to the understanding of this disease’s pathophysiology,
confirms the clinical and biochemical
diagnosis and provides genetic counseling to relatives at risk.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
CYSTINURIA – A REVIEW AND STUDY
OF MOLECULAR BASES
OF 4 PATIENTS
ABSTRACT
Introduction: Classically, based on
the phenotype, two types of cystinuria
were identified and classified as type I
and non-type I. More recently a new classification was proposed based on molecular genetics: cystinuria type A (caused
by mutations on SLC3A1 gene), type B
(involving mutations on SLC7A9 gene)
and type AB if there is a digenic inheritance (SLC3A1 and SLC7A9).
Objective and methodology: We
reviewed the state of the art on the diagnosis, incidence/prevalence, biochemical
classification, genetic data and treatment
of cystinuria. Furthermore we characterized four patients with cystinuria at molecular level by sequencing SLC3A1 and
SLC7A9 genes.
Results: On SLC3A1 we detect
five mutations, two of them (c.1597T>A
and c.611-2A>C) are novel and three
(c.647C>T; c.1190A>G and c.2019C>G)
were been previously reported in literature. Sequencing of SLC7A9 gene
showed one (c.614_615insA) previously
published mutation. It was possible to
classify three type A patients (one homozygote and two compound heterozygotes) and one patient as heterozygous
type B, which is consistent with the observed urinary excretion of cystine.
Conclusions: Genotypic characterization of patients with cystinuria
contributes to the understanding of the
pathophysiology, confirms the clinical and
biochemical diagnosis and provides genetic counseling to relatives at risk.
The authors underline the need of
a multidisciplinary team approach in the
follow- up of these patients.
Keywords:
cystinuria, nephrolithiasis, amino acids, cystine, SLC3A1,
SLC7A9.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 244-250
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CORRESPONDÊNCIA
Altina Lopes
Unidade de Bioquímica Genética,
CGMJM, INSA
Praça Pedro Nunes, 88
4099-028 Porto
E-mail: [email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Growth in Children with Neurological Impairments
Dominique Turck and Laurent Michaud
Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition Dec 2010; 51 (Supplement 3): S143-S144.
Recent advances in neonatal and
orthopedic care, as well as in rehabilitation programs, have markedly improved
the life expectancy of neurologically impaired children. Cerebral palsy (CP) is
an umbrella term describing a group of
nonprogressive disorders of movement
and posture associated with an imma-
COMENTÁRIOS
O comprometimento do estado nutricional na doença neurológica em idade
pediátrica reveste-se de particular importância, antes de mais, pela sua elevada
prevalência, mas também porque é determinante na morbilidade e mortalidade
destas doenças(1).De facto, e segundo
várias referências, a subnutrição foi documentada em 29 a 46% das crianças
com paralisia cerebral, e documentado
sobrepeso em 8-14%, classificação esta
baseada em critérios de peso para a estatura e avaliação de prega tricipital(2,3).
A paralisia cerebral, as doenças
neuromusculares, as doenças degenerativas do sistema nervoso central e as
lesões pós-traumáticas craneoencefálicas e medulares estarão certamente,
entre as doenças neurológicas crónicas
mais frequentes e prevalentes. Estas
doenças, que podem ainda ter um carácter congénito ou adquirido, cursam
com um maior ou menor grau de comprometimento permanente da estrutura
e/ou função do sistema nervoso. No que
concerne à sua história natural, podem
ser não evolutivas ou, pelo contrário, serem progressivas no tempo.
As limitações nutricionais deste tipo
de doentes neste grupo etário estarão
ture brain defect. If only CP is considered among neurological disabilities, its
average prevalence is estimated to be
_3.5/1000 (1). More than 50% of children
with CP have feeding problems that
may be associated with malnutrition
and growth failure, with a prevalence of
up to 85% in patients with quadriplegia.
certamente na dependência do grau desse comprometimento do sistema nervoso, do seu perfil evolutivo no tempo e das
características de cada caso de per si.
De um modo geral, o cenário clínico pode
contemplar uma série de dificuldades, nomeadamente a impossibilidade de auto-administração de alimentos, a limitação
da abertura da boca e o encerramento incompleto dos lábios, protrusão persistente da língua, dificuldades na manutenção
da posição de sentado, as dificuldades
de deglutição e sua coordenação (dismotilidade gastroesofágica, muitas vezes
responsável pelo refluxo) e a obstipação.
Estas podem prologar significativamente
o tempo das refeições (por vezes tempos
incomportáveis), provocar fadiga e stress
com a sua administração oral e episódios
de engasgamento frequentes, com ou
sem aspiração de alimentos. Portanto, é
frequente e está facilitada a instalação de
um défice de aporte crónico e sustentado
de nutrientes nestas crianças, por vezes
exacerbado pela administração de dietas
de muita baixa densidade calórica, particularmente por gavagem. O impacto psicossocial destas dificuldades alimentares
nestas crianças e cuidadores não deve
ser subestimado(2).
Este artigo parece-me especialmente importante por transmitir conhecimen-
Other neurological diseases in which
malnutrition and growth failure are frequent in children include acquired brain
injury, neural tube defects, inborn errors
of metabolism, and chromosomal abnormalities (2).
tos neste área que muitas vezes não são
tomados em linha de conta na avaliação
e orientação nutricionais destes doentes:
É importante ter presente que o
crescimento linear, ou seja, o potencial
de crescimento pode estar comprometido neste grupo de doenças, mesmo na
ausência de malnutrição, por alterações
endócrinas concomitantes e subjacentes,
e eventuais factores genéticos inerentes,
bem como pela franca diferença de estilo
de vida destas crianças relativamente a
populações de referência, nomeadamente no que concerne à mobilidade física.
Portanto, devemos ser modestos e sensatos quanto ao grau de recuperação
esperado, num programa de suporte nutricional(4).
Nesta sequência, provavelmente
pelas mesmas razões endocrinológicas,
se verifica com frequência alterações ao
padrão habitual dos timings do desenvolvimento pubertário(5).
Ainda, e também por estas razões, é frequente que as necessidades
energéticas destes doentes sejam sobrestimadas, ou seja, que o cálculo dos
aportes seja feito como para populações
de referência, não considerando o eventual comprometimento do crescimento
e a inactividade física inerentes. Muitas
vezes, somos levados a pensar que a
artigo recomendado
recommended article
251
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
espasticidade de muitos destes doentes implicam necessidades energéticas
mais elevadas; parece não ser assim, e
pelo contrário, as crianças com paralisia
cerebral consomem menos energia que
as não afectadas. Mais ainda, o aporte
proteico nestas crianças é suficiente, não
sendo necessário o seu reforço (dietas
hiperproteicas)(6,7).
Outro ponto importante será que
a avaliação laboratorial extensa não é
necessária, especialmente dos micronutrientes, por ser difícil a sua interpretação
e valorização(8,9).
Já a videofluoroscopia pode ser útil
para a determinação do grau de disfunção
motora faringeo-esofágica e portanto para
avaliar o risco de aspiração, mas a videomanometria com impedância é o método
ideal, sendo o mais informativo(10).
Os grandes desafios nutricionais
que estas crianças nos colocam são essencialmente, vencer: 1) a malnutrição,
muitas vezes instalada sob a forma de défice ponderal; por vezes, o desequilíbrio é
no sentido do sobrepeso (10 a 15%(2) ); 2)
o atraso do crescimento , sendo reconhecida muitas vezes a dificuldade em determinar uma avaliação estatural fidedigna
(espasticidade, escoliose, contracturas e
outras deformidades); 3) a composição
corporal mal balanceada(11). De facto, é
frequente a franca limitação da actividade
física destas crianças, o que pode desequilibrar o metabolismo energético relativamente à proporção de massa gorda e
massa magra, no seu contributo para o
peso corporal total.
Seria desejável e urgente a criação
de Equipas Multidisciplinares de Suporte
Nutricional com canais privilegiados para
a família e cuidados de saúde locais, que
poderão diagnosticar, avaliar, prescrever
um plano de recuperação nutricional e
fazer o seguimento e monitorização destas crianças. A administração durante o
período nocturno por gavagem pode reforçar um aporte insuficiente diurno. A
gastrostomia obviará com facilidade as
dificuldades de administração de uma
__________
1
Serviço de Pediatria, H Maria Pia / CHP
252
artigo recomendado
recommended article
dieta equilibrada em quantidade e qualidade, sendo que as dietas poliméricas
de que podemos dispôr com composição
adequada e desenhadas para diferentes
faixas etárias, serão certamente, uma
preciosa ajuda(12). O tratamento concomitante do refluxo gastroesofágico e da
obstipação não deve ser esquecido.
De facto, todos os esforços e atitudes terapêuticas, no que concerne ao
foro nutricional, devem ser centrados na
melhoria da qualidade de vida e no melhor prognóstico destas crianças e cuidadores, e não em targets específicos e
desadequados como crescimento linear
normal ou modificação da composição
corporal tendo como referência as crianças normais, aspectos que por si só não
vão definitivamente contribuir para o que
se pretende.
Helena Ferreira Mansilha1
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 251-252
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Health-Led Interventions in the Early Years to Enhance
Infant and Maternal Mental Health: A Review of Reviews
Jane Barlow J, McMillan AS, Kirkpatrick S, Ghate D, Barnes J , Smith M
Child and Adolescent Mental Health Volume 15, No. 4, 2010, pp. 178–85
Background: Increasing recognition of the importance of maternal mental health and early parenting in optimising the later mental health of the child
has given rise to new ways of working
during the perinatal period.
Aims: The objective of this review
is to identify effective health-led interventions to support parents, parenting
and the parent-infant relationship during
the perinatal period,1 and beyond.
Method: A systematic search of key
electronic databases was undertaken to
COMENTÁRIOS
O artigo procede a uma revisão das
intervenções que a investigação reconhece como eficazes no apoio aos pais
e à relação pais-criança no período pós-natal, período considerado determinante
para a saúde física e mental da criança.
Por sua vez esta está dependente do
estabelecimento de uma relação de boa
qualidade entre o bebé e os cuidadores.
São já reconhecidos e comprovados os efeitos nocivos da exposição ao
stress nos primeiros anos de vida sobre o
eixo hipotalâmico-pituitária-adrenal, sistema regulador das hormonas de stress
em desenvolvimento, afectando a arquitectura e química cerebral, com a possibilidade de manifestação de problemas de
aprendizagem e de comportamento de
longa duração.
Os problemas de saúde mental maternos – como a depressão pós-parto –
são um factor que pode afectar de modo
adverso a relação com o bebé, sendo
fundamental o seu reconhecimento e tratamento. Embora ainda não seja possível
identify secondary and primary sources
of data addressing the research question. Twenty-four reviews addressed the
effectiveness of interventions delivered
during the postnatal period in promoting closeness and sensitive parenting,
infant sensory and perceptual capabilities, and positive parenting, and in addressing infant regulatory problems,
maternal mental health problems, and
parent-infant relationship problems.
Conclusions: A number of methods of working are recommended as
prevenir a depressão pós-parto, podem
ser eficazes no tratamento, várias formas
de psicoterapia bem como visitas domiciliárias para ouvir as mães. Também estará recomendado o dar oportunidade à
mãe para falar da sua experiência com o
parto – sobretudo se foi de cesariana ou
se o bebé esteve em unidade de cuidados especiais, usando apenas técnicas
de escuta. A detecção da violência doméstica e o consumo de álcool e drogas
é também fundamental.
Relativamente a problemas precoces, verificou-se que a orientação antecipatória – que consiste em aconselhar
preventivamente – e o dar instruções
escritas, podem ser eficazes em promover melhores padrões de sono no bebé,
reduzindo o stress e aumentando a auto-confiança dos pais nos primeiros meses
de vida. A relação entre bebé e cuidador
também beneficia com o incentivo da
proximidade, tal como é obtida no contacto pele-a-pele ou nos transportadores
de bebés, recomendando-se o método
mãe-canguru. Também foram estudadas
e confirmadas as vantagens de informar
part of a model of progressive-universalism beginning ante-natally and continuing through the first two post-natal
years, and beyond. The implications
for universal, targeted and specialist
healthcare services are explored, alongside the role and contribution of CAMHS
practitioners.
Keywords: Healthy Child Programme; 0–3 years; prevention; promotion; parenting.
os pais acerca das competências sensoriais e perceptivas do bebé, por exemplo,
através do uso da escala de Brazelton. A
utilização da massagem (o cuidador passa a mão suavemente no bebé fazendo
movimentos de rotação e às vezes com
óleos) pode melhorar a interacção mãe-criança, o sono e relaxamento, reduzir
o choro, e tem um impacto positivo nas
hormonas de controlo do stress.
Os serviços deveriam também ser
capazes de identificar as famílias mais
complexas e articular-se com os serviços
de saúde mental. A grande aposta para diminuir e/ou prevenir os problemas de desenvolvimento e de saúde mental deve ser
feita então nos primeiros anos de vida.
Entretanto, verificamos que, crianças que cresceram em ambientes de
risco, com progenitores com doença psiquiátrica, pobreza e exclusão social, entre
outros, são frequentemente acometidas
de problemas emocionais e de comportamento, com uma evolução crónica, que os
recursos colocados à sua disposição, frequentemente no período escolar, atenuam
mas não resolvem – educação especial e
artigo recomendado
recommended article
253
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
apoios pedagógicos, acompanhamento
psicológico e/ou psiquiátrico, apoio familiar, intervenção de comissões de protecção e outras entidades que intervêm nas
crianças e suas famílias, por vezes em
paralelo e com fraca interligação.
Entre nós(1), as dificuldades sociais
e financeiras, as doenças psiquiátricas e
o abuso de substâncias, com particular
destaque para o consumo de álcool, são
os principais factores de perturbação da
vida familiar, com o uso de práticas educativas inadequadas, que propiciam as
situações de negligência e abuso emocional e físico.
Estes problemas podem ser observados por todos os profissionais de
saúde que contactam com crianças e as
práticas educativas e os estilos parentais
inadequados podem ser reconhecidos por
inúmeros detalhes – um discurso frequentemente negativo e desvalorizante acerca
das qualidades da criança, um tom afectivo repetidamente frio e/ou ríspido, uma
postura que ignora os sinais de comunicação ou responde de forma pouco apropriada, uma interacção marcada por uma
insatisfação e tensão permanentes.
As intervenções na pediatria não
são insignificantes: os técnicos podem
__________
1
Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital
Maria Pia / CHPorto
254
artigo recomendado
recommended article
constituir um modelo junto dos pais de
práticas educativas mais positivas quando se dirigem à criança num tom de voz
calmo mas firme quando há necessidade
de controlar o seu comportamento; quando valorizam os seus esforços e as suas
atitudes apropriadas, como cumprimentar, cooperar na consulta, permanecer
sentado, etc. Não desperdiçando oportunidades para alertar os pais para a necessidade do estabelecer de consequências,
não agressivas ou desproporcionadas,
para os comportamentos inadequados.
Quando reconhecem problemas familiares, e incentivam os pais a procurar
ajuda: económica, junto das estruturas
de apoio social, tratamento psiquiátrico,
tratamento para a dependência do álcool, ou até orientação para programas que
ajudem os pais a desenvolver as suas
competências parentais. Seremos mais
úteis às crianças se adoptarmos uma atitude mais interventiva, envolvendo-nos
na resolução de problemas com os quais
as famílias se confrontam.
Já são reconhecidos os factores de
protecção(2) para um desenvolvimento
saudável, alguns dos quais estão ao alcance dos profissionais de saúde para a
sua promoção:
– Um estilo autoritativo parental, combinado com uma relação calorosa e
afectuosa, construída precocemente
entre a criança e o cuidador.
– Envolvimento parental na aprendizagem.
– Comportamentos de protecção da
saúde como cessar de fumar durante
a gravidez.
– Amamentação.
– Recursos psicológicos, incluindo
auto-estima.
Maria do Carmo Santos1
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 253-254
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Origens da Bioética
Maria Alice da Silva Azevedo1
RESUMO
A Bioética pode ser entendida como
ciência, disciplina ou movimento de intervenção social e centra a sua actuação,
fundamentalmente, no agir da pessoa humana e nas consequências que daí resultam, pretendendo com isso melhorar as
realidades da vida e do viver. É sobre ela
que se alicerçam reflexões sobre a forma
como o ser humano, dotado de racionalidade, dá continuidade à sua espécie e se
relaciona entre si e com o meio ambiente.
Teve na sua origem, entre outros, um profissional humanista, Van Potter, que considerou a Bioética como “ponte para um
futuro com dignidade e qualidade de vida
humanas”, onde a responsabilidade assume a dimensão mais importante para
a sua efectividade, como ética prática ou
aplicada. No presente século, promover a
Bioética como meio de facilitar o diálogo
intercultural é um dever nosso, já que ela
permite uma maior consciencialização e
apreensão dos problemas da vida.
Palavras-chave: Bioética, Dignidade, Responsabilidade.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 255-259
BREVE REFLEXÃO SOBRE O
NASCIMENTO DA BIOÉTICA
Bioética é um neologismo construído a partir das palavras gregas bios (vida)
+ ethos (ética). A Enciclopédia de Bioética de Reich consultada define-a como “o
__________
1
Especialista em Radiodiagnóstico no Centro
Hospitalar do Médio Ave, EPE;
Pós-Graduada em Gestão e Administração
Hospitalar;
Mestre em Bioética – Faculdade de Medicina
da Universidade do Porto.
estudo sistemático da conduta humana
no âmbito das ciências da vida e da saúde”(1). Segundo bibliografia existente, esta
palavra já vinha a ser utilizada por alguns
autores desde o início do século XX, pelo
que os poderemos considerar como os
seus precursores. Estes já pugnavam
pela necessidade de uma nova ciência
holística, onde coubesse a consciência
integral do homem perante tudo o que
o rodeia, o que indiciava o prenúncio de
uma nova vaga de pensadores saídos do
movimento Iluminista, do chamado século das luzes, responsável pela formação
da mentalidade moderna.
O primeiro documento conhecido
é de Fritz Jahr(2), que em 1927, publicou
um artigo na revista alemã Kosmos, onde
apresentava a Bioética como a emergência de obrigações éticas não apenas com
o homem, mas com todos os seres vivos.
Seguindo a linha do pensamento filosófico de Kant, propôs o Imperativo Bioético: “Respeita cada ser vivo em princípio
como uma finalidade em si e trata-o como
tal na medida do possível.”
Também Albert Schweitzer(3) refere a necessidade de repensar a ética, o
que caracteriza a actual ciência bioética.
Nas suas palavras, “uma ética que nos
obrigue apenas a preocupar-nos com os
homens e a sociedade não pode ter este
significado. Somente aquela que é universal e nos obriga a cuidar de todos os
seres nos põe de verdade em contacto
com o Universo e a vontade nele manifestada.” Ainda na linha dos precursores
há um terceiro autor relevante para esta
discussão, o Professor Aldo Leopold(4),
em especial pela contribuição da sua
obra Ética da Terra, editada em 1949. Ele
alarga a definição de Jahr e diz-nos que
“a ética da terra amplia as fronteiras da
comunidade para incluir também o solo,
a água, as plantas e os animais”, e que
o problema com que nos defrontamos
é a extensão da consciência social das
pessoas para com a terra, donde poderemos extrair um apelo ao respeito pelas
gerações presentes e futuras, através do
respeito pelos homens, pelos animais e
pela conservação da natureza.
Daqui partiria a reflexão do médico
oncologista norte-americano Van Ressenlaer Potter, preocupado com os avanços tecnológicos e com os efeitos que o
meio ambiente exercia na saúde humana
devido ao comportamento do homem. A
sua esperança era de que o fim último do
progresso tecnológico e científico fosse o
homem e a sua qualidade de vida, tendo
a Bioética como missão consciencializar
a humanidade para uma vida digna. Assim, caberia ao homem a humildade de
aprender com as experiências e os conhecimentos disponíveis e a responsabilidade de zelar pelo planeta através de
comportamentos éticos, de forma a tornar sustentável tanto a vida das gerações
presentes como das futuras. Considerado o verdadeiro pai da Bioética quando
a apresentou em 1970 como a ciência da
sobrevivência, onde defende, sob a influência de Aldo Leopold, que “nós temos
uma grande necessidade de uma ética
da terra, uma ética para a vida selvagem,
uma ética de populações, uma ética do
consumo, uma ética urbana, uma ética
internacional, uma ética geriátrica e assim por diante (...) Todas elas envolvem a
bioética (...).”(4) Em 1971, Potter publicou
o livro “Bioethics: a bridge to the future”,
definindo Bioética como ponte entre ciência e humanidade(5): Eu proponho o
termo Bioética como forma de enfatizar
os dois componentes mais importantes
para se atingir uma nova sabedoria, que
é tão desesperadamente necessária: co-
perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
255
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
nhecimento biológico e valores humanos.
Conforme escreveu Luis Archer em 2006,
a propósito de Van Potter, “Potter estava
particularmente preocupado com a responsabilidade da genética em melhorar a
qualidade da vida humana. Bioética era
entendida por este autor como uma ética
da biosfera que englobava não só aspectos médicos mas também ecológicos (…)
para preservar um ecossistema em que a
espécie humana pudesse sobreviver (…)
Opinava ainda que essas duas vertentes
se devem interpenetrar em matérias de
saúde, de controlo da procriação e do
significado de uma demografia em constante crescimento(6).
Um outro autor importante que deverá também fazer parte da génese da
Bioética é André Hellegers, médico obstetra que, poucos meses após a publicação da obra de Van Potter e ainda no ano
de 1971, fundou o Instituto Universitário
de Bioética, Joseph and Rose Kennedy
Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics, hoje conhecido
apenas por Instituto Kennedy de Ética.
Foi a partiu desta altura que, oficialmente, a palavra Bioética foi incorporada
em dicionários e enciclopédias (temos
como exemplo a primeira Enciclopédia
de Bioética, do Professor Warren Reich,
de 1978), em diversos ramos do ensino
e numa linguagem profissional interdisciplinar.
Os anos setenta foram, por este
motivo, a verdadeira rampa de lançamento da Bioética como ciência, em que ela
é posta sob dois focos: um microbioético,
com André Hellegers, virado essencialmente para a parte clínica da bioética,
utilizada em sentido restrito, como o das
aplicações da biologia e da medicina à
vida humana, devido à crescente repercussão dos avanços tecnológicos na área
da saúde, que se manteve predominante
durante as décadas de setenta e oitenta, e foi trabalhada nesta perspectiva
por vários autores como LeRoy Walters,
Warren Reich, Guy Durant e Beauchamp
e Childress; outro foco, numa perspectiva
macrobioética, com Van Potter, mais na
linha dos seus precursores, exige uma
visão mais ampla sugerida pela etimologia da palavra, como área das questões
éticas relacionadas com a vida que se
256
estenda a todos os campos. Bioética não
só como combinação de conhecimento
científico e filosófico, mas uma ética Global que contemple também a ecologia
e estabeleça um sistema de prioridades
médicas e ambientais para a sobrevivência aceitável.
Na opinião de Rui Nunes, “embora a
ética médica seja uma das vertentes fundamentais da Bioética e, ainda que a tónica geral da Bioética seja a preocupação
com a sobrevivência da espécie humana,
uma Bioética global deve ter em linha
de conta a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas”(7). Como refere
Hottois “(…)a maior parte das questões
da Bioética ultrapassa largamente, em
profundidade e em vastidão, os limites
de uma profissão por mais prestigiada
que seja”(8). Esta visão abrangente, decorrente de leituras várias, está também
presente em autores como Tristran Engelhardt Jr., Peter J. Whitehouse e André
Comte-Sponville.
A função de “ponte” da Bioética,
preconizada por Potter, exigiu o encontro da ética médica com a ética do meio
ambiente, para assim tornar possível a
sobrevivência da vida na Terra. Para Daniel Callahan,“a bioética representa uma
transformação radical do domínio mais
antigo e tradicional da ética médica.”(9)
É notável a preocupação e o esforço de Potter em manter na Bioética as
características fundamentais: abrangente, trans e interdisciplinar, plural, aberta
a críticas e a novos conhecimentos; Bioética como movimento social, que ele redefiniria no final dos anos noventa para
reabilitar as suas ideias originais como
Bioética Profunda: “Bioética como nova
ciência ética que combina humildade,
responsabilidade e uma competência interdisciplinar, intercultural e que potencializa o senso de humanidade.”(10)
Segundo bibliografia publicada, esta
nova e última definição de Van Potter foi
baseada no conceito de ecologia profunda definido em 1972 pelo norueguês Arne
Naess, para expressar que todos os tipos
de vida, e também os ecossistemas, têm
valor intrínseco e que o homem é apenas
uma pequena parte de todo o cosmos,
questionando e trazendo à reflexão a visão antropocêntrica que coloca o homem
perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
no centro do universo, tudo subjugando
ao seu poder. Deu-se, assim, uma viragem definitiva para a macrobioética e
para uma visão biocêntrica, sobre a qual
assentam todas as discussões bioéticas
neste início do século XXI.
Esta última definição de Bioética
de Potter, dando ênfase à humildade e
à responsabilidade, encerra todos os
ingredientes necessários e suficientes para a consumação da ética prática, tão bem analisados por Goldim(11):
humildade para estar aberta a novos
conhecimentos e poder considerar o
“estar errado”, pois a mudança é uma
constante e os consensos não são imutáveis; responsabilidade do homem em
relação às suas acções e ao seu meio
natural, que exige que ele aprenda com
as experiências e conhecimentos disponíveis; competência interdisciplinar
pela troca de opiniões e saberes, para
que as diferentes visões essenciais na
bioética, ao contrário de dividir, aproximem as pessoas e facilitem uma sábia
síntese de indicadores que possibilitem
adequadas soluções para os problemas.
Segundo este autor, “os problemas propostos para reflexão bioética ficam mais
claros quando discutidos dentro de uma
perspectiva interdisciplinar”, dado que
“existem dois factores que sempre influenciam o processo de tomada de decisão, que são o sistema de crenças e
os desejos das pessoas envolvidas”(11);
enfim, competência intercultural significa
percebermos que não há só uma forma
correcta de vermos os problemas. Assim,
a visão plural é fundamental, tal como a
interdisciplinaridade, mas deve evitar-se
o relativismo em nome de uma qualquer
cultura pelo perigo de validar injustiças
locais; por último, importa considerar o
senso de humanidade proposto no conceito de Potter. Este senso é inerente, é
essencial à Bioética e pode muito bem
ser ilustrado na definição do filósofo
Comte-Sponville, que realça a responsabilidade intrínseca a cada ser humano: “Bioética, como se diz hoje, não é
uma parte da Biologia; é uma parte da
Ética, é uma parte da nossa responsabilidade simplesmente humana; deveres
do homem para com outro homem, e de
todos para com a humanidade.” (12)
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
A BIOÉTICA, A SAÚDE E A
SOCIEDADE
Poderemos dizer que a prática da
Bioética, tal como a vislumbramos hoje,
deve a sua emergência ao contexto do
pós segunda guerra mundial no qual foi
forjada. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1949, seria decisiva para o aparecimento, nas décadas
seguintes, de movimentos pela luta de
direitos civis. Para a elaboração desta
declaração universal muito contribuiu o
desenvolvimento de novas tecnologias
biomédicas durante a segunda guerra
mundial e o seu uso indevido, que culminaram em catástrofes ambientais e em
crimes contra a humanidade. Cometidos
com a experimentação em seres humanos por parte da classe médica, daí resultou o julgamento de Nuremberga em
1946. Como sua consequência directa,
surgiu em 1947 o Código de Nuremberga, que consagra o princípio da autonomia como requisito ético essencial na
experimentação médica, exigindo o consentimento informado, livre e esclarecido
das pessoas que a ela se submetem, na
defesa de que a ciência não é mais importante do que o homem.
Pondo em causa a tradição milenar
do paternalismo médico, este Código
abre a tensão entre duas correntes: uma
que defende a autonomia individual, reivindicando a sujeição a instâncias reguladoras externas da comunidade médico-científica; outra, que faz a apologia da
auto-regulação paritária, apelando à ética
das virtudes do modelo hipocrático, como
é o caso da Declaração de Helsínquia(13),
promulgada pela Associação Médica
Mundial e revisões seguintes (Tóquio,
1975; Veneza, 1983; Hong Kong, 1989;
Sommerset West, 1996; Edimburgo,
2000; Washington, 2002; Tóquio, 2004 e
Seul, 2008), que restaura o primado da
beneficência, atribuindo apenas aos médicos a competência para avaliar o rigor
científico das experimentações. Constitui
um conjunto de princípios éticos para a
comunidade médica quanto à experimentação humana. Reafirma a superioridade
do bem-estar do sujeito relativamente
aos interesses da ciência e da sociedade, sendo reforçados o respeito pela
dignidade e pelos direitos do ser humano
nas revisões mais recentes. A par desta
declaração surgiriam outras mais tarde,
no evoluir dos acontecimentos e dentro
do mesmo espírito de regulação das pesquisas.
Os anos sessenta dizem respeito
a uma década fértil em contestações e
reivindicações, sobretudo na sociedade
americana (de que é exemplo a luta pelos
direitos civis dos negros). Daqui surgiram
reflexões sobre o comportamento do homem nos vários campos do conhecimento, mas sobretudo no campo da saúde e
em relação ao papel do Estado, abrindo
a porta ao “Estado de Bem-estar Social”
ou Estado-providência (Welfare State),
colocando-o como agente protector e
defensor dos cidadãos. As Comissões
de Ética surgem, pois, nessa altura, pela
necessidade de mediar os dilemas éticos
e defender direitos humanos essenciais,
como a dignidade das pessoas intervenientes nas pesquisas médicas. A estas
Comissões para regular a experimentação científica de carácter vinculativo,
juntaram-se nas décadas seguintes as
Comissões de Ética Hospitalares, a nível
local, e a Comissão de Ética a nível nacional - Conselho Nacional de Ética para
as Ciências da Vida (CNECV), de carácter normativo, abarcando actualmente
estas iniciativas outros campos e outras
instituições.
A infracção dos direitos humanos e
das directrizes éticas na área da saúde
continuaram, contudo, a verificar-se em
vários locais, nomeadamente nos Estados Unidos da América (EUA), como
que a mostrar que a declaração de Helsínquia, a exemplo do que aconteceu
anteriormente com documentos análogos (documentos: prussiano de 1901 e
alemão de 1931)(15,16), pesou pouco nas
práticas quotidianas dos profissionais
de saúde, sendo alvo de várias críticas
e denúncias. Em consequência disso foi
criada em 1974, nos Estados Unidos, a
Comissão Nacional para Protecção de
Sujeitos Humanos nas Pesquisas Biomédicas e Comportamentais, no sentido de
averiguar os respectivos acontecimentos
denunciados. Em 1978 esta comissão
apresentou o relatório das pesquisas
efectuadas intitulado “Relatório Belmont:
Princípios Éticos e Directrizes para a Pro-
tecção de Sujeitos Humanos nas Pesquisas“. Este documento foi considerado
um marco importante e estabeleceu três
princípios éticos considerados básicos
para a orientação de condutas aceitáveis
na pesquisa médica: o respeito pela autonomia das pessoas, a beneficência e a
justiça.
Em 1979 dois dos relatores do
anterior documento, Tom Beauchamp
e James Childress(14), publicaram uma
obra que viria a tornar-se uma referência
mundial, Principles of Biomedical Ethics,
acrescentando aos três princípios acima
enunciados mais um: o da não-maleficência, distinguindo beneficência de não-maleficência. Estavam lançadas as bases de fundamentação bioética, assente
em quatro princípios prima facie (não
absolutos): autonomia, beneficência,
não-maleficência e justiça, orientadores
da decisão em questões de ética médica,
criando a que ficou conhecida por corrente
Principialista, onde ainda hoje se apoiam
todos os modelos de fundamentação e
análise em Bioética, surgidos a partir de
então. A estes princípios sobrepõem-se
algumas vezes em situações conflitantes
os princípios actuais, referidos pelo eticista Sir David Ross(15). Este modelo tem
como referências o consequencialismo e
o utilitarismo norte-americanos, e Patrão
Neves(16) apresenta-o como uma proposta moral que estabelece normas para um
agir adequado, e devido à sua grande
aceitação é também conhecido como o
“Mantra da Bioética”.
A BIOÉTICA NO CONTEXTO ACTUAL
O crescimento da Bioética foi constante nas últimas três décadas do século
XX, sendo reforçado no início deste novo
milénio pela Declaração Universal sobre
Bioética e Direitos Humanos (DUBDH),
adoptada pela UNESCO em 2005. A filosofia e políticas inclusivas que emergem
da sua redacção e a sua tentativa de implementação a nível mundial, são o reflexo de todo esse esforço pela dignificação
do ser humano. As questões que mais se
destacam actualmente no panorama nacional (pois que noutras regiões geográficas e outras culturas se podem apresentar diferentes dilemas éticos), neste novo
ramo do saber, finda a primeira década
perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
257
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
do século XXI, são: os avançados conhecimentos em genética muito centrados
em dilemas éticos no início da vida e na
saúde humana que, como refere Oliva
Teles(17) ,“suscitam dúvidas e receios mas
também inspiram alguma esperança”; os
avançados conhecimentos tecnológicos
e científicos que prolongam artificialmente a vida humana e a pertinência ou não
do testamento vital; a justiça na saúde,
tendo em conta a distribuição e a equidade; a sustentabilidade ambiental e a sua
relação com a saúde dos seres vivos; e
a multiculturalidade. Em nossa opinião,
estes são temas dominantes abordados
numa perspectiva ética e que preocupam
e envolvem hoje toda a sociedade.
Uma sociedade mais justa e feliz,
preconizada pelos bioeticistas e decorrente das democracias actuais, só é possível com cidadãos virtuosos e que tenham como referência os ensinamentos
dos filósofos antigos para os quais nos
remete Oliva Teles, “tais como Sócrates,
Platão e Aristóteles, que viveram no século V a.C. permaneceram válidos, quase
imutáveis, durante séculos e constituíram
a base filosófica da moderna cultura ocidental. Segundo eles o mais importante
desta cultura ética era a virtude; um indivíduo com características boas era um
virtuoso” (17). Actualmente é colocada ênfase na educação para os valores e para
uma cultura ética, visível na democratização do ensino e na reforma da educação tendente a promover a existência de
cidadãos mais responsáveis e virtuosos.
Não podemos esquecer, no entanto, que
a educação começa desde o nascimento
e no seio familiar, pois a virtude, como
defende Kant, se aprende ao colo da
mãe; e, pelo exemplo, segundo Comte-Sponville, de pais e educadores.
A referência central da Bioética, segundo Pessini e Barchifontaine(18), “é o
ser humano especialmente considerado
em dois momentos básicos: o nascimento e a morte”. Defendem estes autores
que a maturidade humana se alcança no
estado ético, em que o ser humano livre e
autónomo age segundo valores adequados ao seu modo de existir. Acrescentam
no entanto, que os valores culturais são
adquiridos e fruto da experiência e tradição humanas. Estes valores coexistem
258
lado a lado com a ciência mas não dependem dela, mas sim da reflexão filosófica para a qual a Bioética dá um contributo essencial.
Hoje podemos dizer, usando as palavras de Oliva Teles (19), que “a Bioética
passou de ciência ou teoria para movimento cultural e social – no fundo, corresponde à necessidade que a presente
sociedade tem de conciliar os conceitos
da moralidade com os conflitos éticos
resultantes do evoluir da bio-medicina
e da tecnologia científicas, sob pena de
comprometer os destinos da vida humana”. Emergindo como mediadora na resolução de questões vitais na sociedade
a um nível Macro, apresenta-se como
“ponte” entre ciência e humanidades,
uma ponte de sabedoria para o futuro da
vida na Terra . Nas palavras de Patrão
Neves(20) “a Bioética é uma nova expressão do dever em face da vida”, e como
refere Costa Pinto(21) “esta reflexão, longe de ficar circunscrita ao círculo dos
cientistas, estendeu-se paulatinamente
quer aos responsáveis políticos, quer
à sociedade política em geral” e todos
os acontecimentos e documentos que
lhe deram origem “constituem marcos
significativos da nova consciência emergente e da consequente necessidade do
repensamento da ética à luz dum pluralismo cultural e axiológico que a capacite para intervir em todos os domínios da
actividade humana”.
ORIGINS OF BIOETHICS
ABSTRACT
Bioethics may be understood as a
science, a discipline or a social movement intervention. Fundamentally it deals
with the actions of human beings and the
consequences of these actions, and it attempts to improve the realities of life and
living. Bioethics is the basis for considerations on the ways in which rational human
beings manage to continue the species
and how they relate to each other and to
their environment. One of the founders of
Bioethics, the humanist professional Van
Potter, considered it to be “a bridge, to a
future with dignity and quality of human
life”, where responsibility becomes the
perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
most important dimension of its effectiveness, whether in practical or applied ethics. In the present century, it is our duty to
promote Bioethics as a means of facilitating intercultural dialogues, since it allows
us to better become conscious and to apprehend the problems in life.
Keywords: Bioethics, dignity, responsibility.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 255-259
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CORRESPONDÊNCIA
Maria Alice Azevedo
Rua Alexandrino Costa, 37
4760-116 Vila Nova de Famalicão
[email protected]
perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
259
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Fístula Artério-Venosa Pulmonar:
Uma Causa Rara de Cianose
Sónia Melo Gomes1, Mónica Batista2, Ana Teixeira3, Graça Nogueira3, Ana Almeida4,
Isabel Mendes Gaspar4, Rui Anjos3, Fernando Maymone Martins3
RESUMO
Apresenta-se o caso de um rapaz
de 11 anos, referenciado por episódios
recorrentes de dispneia de esforço e
dor torácica associados a habitus marfanoide.
Apresentava tórax com pectus excavatum exuberante e circulação venosa colateral superficial, cianose ungueal
permanente, unhas em vidro de relógio e
hipoxemia.
A avaliação cardiológica revelou
prolapso mitral e raiz da aorta não dilatada. A ressonância magnética pulmonar
evidenciou uma fístula arteriovenosa
(FAV) pulmonar aneurismática à direita,
de grandes dimensões.
O doente foi tratado por via percutânea através de embolização, tendo sido
identificadas outras FAV bilateralmente
e embolizadas três com maiores dimensões. As saturações transcutâneas de
oxigénio melhoraram de 80 para 95%.
A apresentação pouco habitual com
múltiplas FAV pulmonares bilaterais, confere a este caso um mau prognóstico a
médio prazo. A embolizção percutânea
sendo um método menos invasivo e possível de repetição, é actualmente o tratamento de eleição.
Palavras-chave: fístula arterio-venosa pulmonar, cianose, tratamento
percutâneo.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 260-264
__________
1
2
3
4
S. Pediatria H. Caldas da Rainha, CH Oeste
Norte
S. Pediatria, H. Espírito Santo, Évora
S. Cardiologia Pediátrica, H. Santa Cruz, C H
Lisboa Ocidental
S. Genética Médica, H. S. Maria, CH Lisboa
Norte
260
INTRODUÇÃO
As fístulas arterio-venosas pulmonares (FAVP) são malformações raras,
habitualmente congénitas (em 80% dos
casos), estando descrita uma forte associação com a telangiectasia hemorrágica
hereditária (THH)(1-3).
Na maioria dos casos são lesões
únicas, localizadas nos lobos inferiores
junto à pleura visceral. Em cerca de 30%
dos doentes existem lesões múltiplas,
que podem ser bilaterais(2).
A apresentação clínica é variável,
desde a forma assintomática até à doença grave. A tríade clássica de apresentação (dispneia, cianose e hipocratismo
digital) está presente numa minoria dos
casos.
O sintoma mais frequente é a dispneia com o exercício físico, observada
em cerca de metade dos casos. Outros
sintomas descritos são a epistaxis (mais
frequente nos doentes com THH), hemoptise, dor torácica, tosse, tonturas e
síncope.
As alterações mais frequentes no
exame objectivo são a cianose, hipocratismo digital e sopro vascular pulmonar
(audível sobre a FAVP), verificando-se
muitas vezes policitemia na avaliação laboratorial(2).
CASO CLÍNICO
Criança do sexo masculino de 11
anos de idade, primeiro filho de pais
jovens não consanguíneos. Nos antecedentes familiares há a referir a morte
fetal de gémeos e mãe com neoplasia da
mama. Relativamente aos antecedentes
pessoais salienta-se prematuridade de
35s+ 6d sem complicações; peso ao nascer de 2850 g e 47.5 cm de comprimento.
Internamento por bronquiolite aguda com
hipoxémia aos 2 anos de idade. Durante
a cardiologia pediátrica na prática clínica
paediatric cardiology in clinical practice
o internamento foi detectado sopro sistólico, considerado inocente após realização de electrocardiograma e ecocardiograma, que não revelaram alterações.
Aos onze anos de idade foi enviado
à consulta de Genética Médica pelo seu
médico assistente por episódios recorrentes de dispneia de esforço e dor torácica,
associado a habitus marfanoide. Não havia referência a epistaxis ou hemorragias
gastrointestinais.
O fenótipo caracterizava-se por habitus marfanoide, pele fina e laxa (sem telangiectasias), sutura metópica, face assimétrica, palato alto, úvula de base larga
e comprida, tórax com pectus excavatum
exuberante e circulação venosa superficial colateral, de hipoxemia crónica como
dedos frios com unhas em vidro de relógio e cianose ungueal. A saturação transcutânea de oxigénio era de 80-85%.
Perante esta observação foram
colocadas as hipóteses diagnósticas
de Síndrome de Marfan, Sindrome de
Telangiectasia Hemorrágica Hereditária
ou síndrome de Loeys-Dietz. Para investigação diagnóstica foram pedidos
os seguintes exames complementares:
teleradiografia do esqueleto e angioressonância magnética cardíaca e pulmonar e dos vasos intra-cranianos. Foram
solicitadas consultas de Cardiologia Pediátrica e Oftalmologia.
A teleradiografia de tórax postero-anterior não revelou alterações do parenquima pulmonar; a incidência de perfil mostrou uma diminuição marcada do diâmetro
antero-posterior torácico (Figura 1).
No ecocardiograma transtorácico
apresentou prolapso da válvula mitral,
sem insuficiência e ausência de dilatação
da raiz aórtica. A observação oftalmológica detectou miopia, sem luxação do
cristalino.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Figura 1 – Radiografia de Tórax PA e de perfil, com pectus excavatum exuberante e marcada diminuição do diâmetro antero-posterior torácico.
Figura 2 – Angioressonância magnética Aorta e Artéria Pulmonar: FAV pulmonar esférica
(39x37mm), entre o ramo direito da artéria pulmonar e veia pulmonar inferior direita.
Na angioressonância magnética (Figura 2) verificou-se a existência de uma
FAVP esférica (39x37mm) entre o ramo
direito da artéria pulmonar e a veia pulmonar inferior direita. A artéria pulmonar
não apresentava dilatações enquanto
que a aorta apresentava ligeira ectasia
da raiz (24mm), sendo os restantes segmentos de dimensões normais. O estudo
dos vasos intra-cranianos não revelou
alterações.
Dada a existência de FAVP e hipoxemia, optou-se pela embolização percutânea O cateterismo cardíaco revelou
a presença de múltiplas FAVP bilaterais,
tendo-se procedido à embolização das
três de maiores dimensões (Figura 3):
- FAVP na base pulmonar direita com
artéria aferente de grandes dimensões e grande veia eferente: oclusão
total da FAVP com “plug” (Figura 3A);
- FAVP no lobo inferior direito, alimentada por pequena artéria aferente:
embolizada com “coil” (Figura 3B);
- FAVP no lobo inferior esquerdo, alimentada por artéria aferente com
duas veias eferentes: embolizada
com “coil” (Figura 3C).
O cateterismo decorreu sem complicações. Após o procedimento verificou-se uma melhoria da saturação
transcutânea de oxigénio, de 86% para
94%. Teve alta clinicamente bem, com
indicação para profilaxia de endocardite
bacteriana.
Aos três meses de seguimento em
Consulta de Cardiologia Pediátrica, mantinha-se assintomático, sem dispneia e
com saturação transcutânea de oxigénio
de 94%.
a cardiologia pediátrica na prática clínica
paediatric cardiology in clinical practice
261
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Figura 3
A - FAV na base pulmonar direita com artéria aferente de grandes dimensões e
grande veia eferente - Oclusão total da FAV com “Plug”
B - FAV no LID alimentada por pequena artéria aferente - Embolização com “coil”
C - FAV no LIE alimentada por artéria aferente, com duas veias eferentes - Embolização com “coil”
DISCUSSÃO
Na tentativa de obter um diagnóstico etiológico, foram considerados vários
síndromas:
- a telangectasia hemorrágica hereditária é uma doença autossómica dominante que cursa com displasia vascular
multissistémica, que se caracteriza por
telangectasias e malformações artério-venosas da pele, mucosas e visceras(3).
- o síndroma de Marfan (SM) corresponde a uma doença multissistémica
cujas manifestações afectam classicamento o sistema cardio-vascular, esquelético e ocular(4,5); na maioria dos casos
262
encontra-se uma mutação no gene da
fibrilina 1, enquanto que outros podem
estar associados a mutações no gene
TGFßR1 e TGFßR2. Estes dois últimos
podem estar também implicados na génese do síndroma de Loeys-Dietz, que
para além de apresentar algumas características em comum com o SM, apresenta outras particularidades(5,6). O fenótipo
caracteriza-se por hipertelorismo, úvula
bífida, tortuosidade arterial e aneurismas
com dissecção que podem ocorrer ao
longo de toda a árvore arterial, conferindo-lhe um risco cardio-vascular bastante
mais elevado do que o do SM clássico(6).
a cardiologia pediátrica na prática clínica
paediatric cardiology in clinical practice
Embora o presente caso não cumpra
critérios suficientes para ser classificado
em nenhum dos síndromas anteriores,
é importante salientar que perante esta
apresentação clínica, associada a pectus
excavatum exuberante, deverá ser feito o
estudo do coração e dos vasos.
Relativamente às FAVP, apesar de
ser uma situação já bem descrita em
adultos, a literatura é escassa no que diz
respeito à abordagem, diagnóstico e terapêutica na criança(7).
No adulto, conquanto tal não se
tenha verificado no caso actual, habitualmente, a radiografia de tórax mostra
alterações do parenquima (sensibilidade
de 70%, especificidade 98%)(1,2). Outros
testes descritos para o rastreio inicial de
FAVP em adultos são a gasimetria arterial
para pesquisa de ortodeoxia, o teste de
inalação de oxigénio a 100% para avaliação de shunt intrapulmonar, e o ecocardiograma com contraste(8). No entanto, a
experiência em idade pediátrica é limitada, não sendo consensual a estratégia
de orientação adequada.
A angioressonância magnética tem
sido utilizada com sucesso no diagnóstico e definição da anatomia vascular das
FAVPs, embora a sua sensibilidade decresça para lesões de menor tamanho,
pelo que a angiografia continua a ser o
“gold standard” para o diagnóstico. Esta
última para além de identificar a ou as
lesões, é o exame que melhor define a
angioarquitectura da vasculatura pulmonar, passo essencial para planear o tratamento, quer por embolização quer por
ressecção cirúrgica.
As complicações são potencialmente graves e até mesmo fatais, sendo as
mais frequentes as referentes ao sistema
nervoso central, tais como: enxaqueca,
acidente isquémico transitório (AIT), acidente vascular cerebral (AVC), abcesso
cerebral e convulsões. O mecanismo
subjacente parece ser a embolização
paradoxal através da FAVP. Outras complicações menos frequentes são a hemoptise, devido a rotura intra-brônquica da
FAVP, ou hemotórax, por rotura de uma
FAVP sub-pleural.
A apresentação com múltiplas FAVP
constitui um sinal de mau prognóstico,
uma vez que as FAVP têm tendência
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
para aumentar de tamanho ao longo do
tempo, sendo a incidência dessa progressão maior nos doentes não tratados.
Do mesmo modo, também a morbilidade
e mortalidade associadas são maiores
nos doentes não tratados.
Assim, os objectivos do tratamento
são a prevenção das complicações neurológicas, da hipóxia progressiva e dos
seus efeitos, bem como a prevenção da
insuficiência cardíaca de alto débito(2).
O tratamento definitivo das FAVP
passa pela embolização percutânea ou
pela ressecção cirúrgica. Com os recentes
progressos das técnicas de embolização
percutânea na década de 80, com recurso a “coils”, balões e mais recentemente
a “plugs” vasculares, este tornou-se o
método de eleição para o tratamento das
FAVP pulmonares(2,9). As indicações para
embolização são o aumento progressivo
das lesões, embolização paradoxal, hipoxemia sintomática e FAVP com vasos
nutritivos de dimensões ≥ 3mm. A cirurgia é recomendada nos casos em que a
FAVP afecta apenas um lobo pulmonar
e há uma boa delineação dos lobos não
afectados, pois os vasos podem dilatar
novamente ou novos vasos serem recrutados e assim levar à recorrência da malformação vascular(10). Outras indicações
possíveis para a ressecção cirúrgica são
os casos em que a embolização falha, os
que apresentam complicações hemorrágicas importantes apesar da embolização
ou rotura intra-brônquica da FAVP, alergia ao contraste ou lesões não passíveis
de serem embolizadas.
A embolização percutânea apresenta várias vantagens sobre a ressecção cirúrgica, uma vez que é um procedimento
muito menos invasivo, evitando a morbilidade de uma cirurgia major, é facilmente
repetível e poupa o parênquima pulmonar
não lesado, facto da maior importância
na doença múltipla ou bilateral, tal como
no caso clínico apresentado.
Séries publicadas demonstram que
a eficácia da embolização percutânea em
crianças é semelhante à dos adultos, verificando-se uma melhoria significativa na
oxigenação após a intervenção. No que diz
respeito à segurança, esta também está
estudada em crianças, com taxas de complicações semelhantes às dos adultos(7).
As complicações possíveis durante
o procedimento passam pela rotura do
vaso, taqui e bradiarritmias e oclusão
vascular. A complicação mais frequente é
a dor pleurítica que geralmente cede bem
aos analgésicos. Embora seja menos comum, também pode ocorrer embolia gasosa, enfarte pulmonar ou hipertensão
pulmonar, havendo um maior risco para
esta última quando o vaso nutritivo mede
mais de 8mm.
Um motivo de preocupação neste
caso, que possivelmente irá necessitar
de novas intervenções a curto/médio
prazo, é a dose de radiação. Devido à
elevada taxa de regeneração celular que
ocorre antes dos três anos e durante o
surto de crescimento pubertário, estes
grupos etários apresentam um risco mais
elevado de desenvolver cancro induzido
pela radiação ao longo da vida, pelo que
é importante manter a dose de radiação
o mais baixa possível(11).
Após a embolização, estes doentes
necessitam de antibioticoterapia profiláctica antes de qualquer procedimento
dentário ou em tecidos potencialmente
infectados para prevenir a embolização
séptica e o risco de abcesso cerebral,
uma vez que há sempre algum grau de
shunt direito-esquerdo residual através
das FAVP não ocluídas.
Para além disso, é importante manter um seguimento regular, quer através
de oximetria de pulso, pesquisa de ortodeoxia, avaliação de shunt intrapulmonar por inalação de oxigénio a 100%
ou de exames de imagem, dado que as
FAVPs aumentam de tamanho ao longo
do tempo(12).
CONCLUSÃO
Neste caso, o fenótipo caracterizado
por pectus excavatum exuberante, dedos
frios com unhas em vidro de relógio e cianose ungueal, conduziu à investigação
diagnóstica de doença cardíaca congénita cianótica e patologia arterio-venosa.
A associação FAVP ao fenótipo descrito
é pouco habitual, no entanto, a presença
de múltiplas FAVPs bilaterais confere um
mau prognóstico a médio prazo, pelo potencial de evolução com a idade.
A embolização percutânea constitui
uma forma de tratamento menos agres-
siva e facilmente repetível, que permite
a estes doentes alcançar uma melhoria
significativa da qualidade de vida.
PULMONARY ARTERIOVENOUS
FISTULA: A RARE CAUSE OF
CYANOSIS
ABSTRACT
A 11-year-old boy was referred for
recurrent episodes of effort dyspnoea and
thoracic pain associated with a marfanoid
habitus.
Physical examination showed an
exuberant pectus excavatum, superficial
venous collateral circulation, permanent
ungueal cyanosis, digital clubbing and
hypoxaemia.
Cardiac evaluation revealed mitral
valve prolapse without insufficiency, and
a non dilated aortic root. Magnetic ressonance imaging of the pulmonary vessels
showed a large aneurismatic pulmonary
arteriovenous fistula (PAVF) on the right.
The patient was treated percutaneously through embolization; other AVFs
were found bilaterally and 3 of the
largest were also embolized. Transcutaneous oxygen saturation improved from
80 to 95% after catheterization.
This unusual presentation with multiple bilateral pulmonary AFVs confers
this case an unfavourable medium term
prognosis. Embolotherapy, being less invasive and easy to repeat, is nowadays
the treatment of choice.
Keywords: pulmonary arteriovenous
fistula, cyanosis.
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CORRESPONDÊNCIA
Sónia Melo Gomes,
Rua Dr Bastos Gonçalves, 3-3B,
1600-898 Lisboa
[email protected]
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ano 2010, vol XIX, n.º 4
Avaliação Crítica e Implementação Prática de
Estudos Sobre a Validade de Testes Diagnósticos
– Parte II
Luís Filipe Azevedo1, Altamiro da Costa Pereira1
RESUMO
A Medicina Baseada na Evidência
(MBE) é genericamente definida como a
aplicação consciente, explícita e criteriosa da melhor evidência científica disponível na tomada de decisões sobre o cuidado individual dos doentes. Nesta série
de Pediatria Baseada na Evidência têm
vindo a ser abordados os aspectos conceptuais, metodológicos e operacionais
relativos à prática da MBE. Neste artigo é
apresentada a segunda parte do exemplo
prático sobre a avaliação crítica e aplicação prática de estudos sobre a validade
de testes diagnósticos iniciado no artigo
anterior desta série. Nesta segunda parte
é dada continuidade à discussão do cenário clínico previamente apresentado e
em que existia a necessidade de encontrar e avaliar a evidência sobre a validade e utilidade da procalcitonina sérica na
distinção entre pneumonia de etiologia
bacteriana e vírica em crianças. No artigo anterior foram discutidos métodos de
pesquisa da evidência e foi sugerida uma
metodologia sistemática para a avaliação
crítica de estudos sobre a validade de
testes diagnósticos, incluindo três fases:
(1) avaliação da qualidade metodológica
do estudo; (2) avaliação da importância
científica e prática dos seus resultados
e (3) avaliação da aplicabilidade prática
dos mesmos. Depois de no artigo anterior
terem sido abordadas as questões relativas à primeira destas fases, no presente
artigo são abordados os métodos, conceitos e critérios necessários para a avaliação da importância científica e prática
__________
1
Serviço de Bioestatística e Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Centro de Investigação em
Tecnologias e Sistemas de Informação em
Saúde – CINTESIS.
dos resultados (características operacionais dos testes diagnósticos e aplicação
da informação diagnóstica no processo
de tomada de decisão clínica numa perspectiva bayesiana) e da aplicabilidade
prática dos mesmos.
Palavras-chave: Medicina baseada
na evidência, diagnóstico, testes diagnósticos, especificidade, sensibilidade, valores preditivos, razões de verosimilhança,
curvas ROC, procalcitonina, pneumonia,
criança.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 265-277
INTRODUÇÃO
A Pediatria Baseada na Evidência
foi genericamente definida, no primeiro
artigo desta série(1), como a aplicação
consciente, explícita e criteriosa da melhor evidência científica disponível na
tomada de decisões sobre o cuidado
individual dos doentes pediátrico(2-4). No
segundo e terceiro artigos da série(5,6) foram desenvolvidos em maior detalhe os
aspectos relacionados com a formulação
de questões clínicas, a eficaz pesquisa da
evidência científica e a avaliação crítica
da mesma. No quarto e quinto artigos(7,8)
iniciou-se a apresentação de um conjunto de cenários práticos que exemplificam
a aplicação dos métodos e competências abordadas, tendo sido o primeiro
exemplo dedicado à avaliação crítica e
implementação prática de revisões sistemáticas e estudos de meta-análise e o
segundo dedicado aos ensaios clínicos
aleatorizados.
No sexto artigo da série(9), foi dado
início à apresentação e discussão de um
cenário prático que exemplificava a pesquisa, avaliação crítica e implementação
prática de estudos sobre a validade de
testes diagnósticos. Neste sétimo artigo
irá ser concluída a discussão do cenário iniciado no número anterior da série,
focando especificamente as questões
relacionadas com os métodos, conceitos
e critérios necessários para a avaliação
da importância científica e prática dos
resultados de estudos sobre a validade
de testes diagnósticos (características
operacionais dos testes diagnósticos e
aplicação da informação diagnóstica no
processo de tomada de decisão clínica
numa perspectiva bayesiana) e para a
avaliação da aplicabilidade na prática clínica dos mesmos.
No número anterior desta série(9) iniciamos a apresentação do caso da Maria, de 5 anos de idade, que foi trazida
ao serviço de urgência de pediatria com
sinais e sintomas sugestivos de pneumonia. O clínico responsável pela Maria –
um interno de pediatria – após a recolha
da história clínica e a realização do exame físico, procedeu ao pedido de vários
exames complementares de diagnóstico.
Ao fazer estes pedidos tentou lembrar-se
das razões porque considerava necessários cada um dos exames que solicitava,
tendo-se tornado claro na sua cabeça
que uma das principais questões a que
tentava responder era a da etiologia, vírica ou bacteriana, da pneumonia eventualmente existente, dado que isto teria
consequências fundamentais na decisão
sobre o plano terapêutico. Em particular,
relativamente à questão típica e fulcral
da necessidade de prescrição de antibióticos. Neste exercício, acabou por lembrar-se de ter ouvido falar recentemente
sobre a procalcitonina e a sua potencial
utilidade na distinção entre infecções víricas e bacterianas, e não dominando ainda o assunto, decidiu procurar a evidência existente sobre a utilidade diagnóstica
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
265
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
da procalcitonina na discriminação entre
pneumonias de etiologia bacteriana e
vírica na criança. Após a adequada formulação da questão e de uma pesquisa
bibliográfica dirigida à mesma, utilizando
a base de dados Medline, encontrou uma
lista com algumas dezenas de artigos,
sendo vários deles altamente relevantes.
Logo no início desta lista destacava-se o
artigo de Don et al., publicado em 2007,
no Scandinavian Journal of Infectious
Diseases e intitulado “Efficacy of serum
procalcitonin in evaluating severity of
community-acquired pneumonia in childhood”(10). Após uma rápida leitura de alguns dos resumos encontrados, tornou-se evidente que este era um dos artigos
mais recentes e que respondia de forma
mais específica à questão. O passo seguinte foi aceder à versão integral do artigo e iniciar a sua análise crítica.
(A) Avaliação da qualidade metodológica do estudo
Ao longo do último artigo desta série(9) foi possível verificar que a qualidade dos estudos sobre validade de testes
diagnósticos está dependente do controlo de um vasto conjunto de fontes de erros sistemáticos e aleatórios que devem
ser conhecidas, prevenidas e detectadas.
Foi definido um conjunto de 14 critérios
básicos para a avaliação sistemática
da qualidade metodológica deste tipo
de estudos (ver Tabela 1), sendo a sua
aplicação discutida e ilustrada, utilizando
como exemplo prático o artigo de Don et
al.(10) sobre a validade da procalcitonina
na discriminação entre pneumonias de
etiologia bacteriana e vírica na criança.
Verificou-se que este artigo, apesar de
globalmente adequado quanto à sua
qualidade metodológica, tinha três problemas importantes: (1) a utilização de
um teste padrão de referência que, sendo genericamente adequado, não conseguia identificar a etiologia específica da
pneumonia em 34% dos doentes, com o
potencial de enviesamento associado e a
consequente redução da amostra a analisar; (2) o estudo tinha um tamanho de
amostra limitado, com consequentes estimativas de validade do teste diagnóstico de precisão muito limitada (devido aos
potenciais erros aleatórios associados às
266
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
pequenas amostras) e, por último, (3) os
autores não reportavam explicitamente a
precisão das suas estimativas (através
da apresentação de intervalos de confiança ou erros padrões para as estimativas das características operacionais do
teste diagnóstico), não dando oportunidade aos leitores de avaliar criticamente
este aspecto.
No presente artigo será discutido o
desfecho do cenário clínico apresentado
e, à luz da avaliação da importância científica e prática dos resultados do estudo
e da aplicabilidade à prática clínica dos
mesmos (ver Tabela 1), dando continuidade à avaliação crítica do artigo de Don
et al.(10), será discutida a relevância e adequação da utilização da procalcitonina na
discriminação entre pneumonias de etiologia vírica e bacteriana na criança.
(B) Avaliação da importância científica e prática dos resultados
O diagnóstico poderá ser genericamente definido como um processo
probabilístico e iterativo de decisão que,
fazendo o melhor uso possível de toda a
informação disponível a cada momento,
visa classificar o indivíduo numa determinada entidade nosológica à qual estão
associados um determinado plano terapêutico e um determinado prognóstico.
O diagnóstico implica, antes de mais, ter
a capacidade de discriminar entre indivíduos com e sem a entidade nosológica
em análise (por simplicidade, fala-se habitualmente em doentes e não doentes).
Neste contexto, definem-se como testes
diagnósticos quaisquer dados, medições
ou classificações que permitam discriminar entre populações com e sem a entidade nosológica em consideração. Nesta
definição genérica incluem-se quer os
habituais exames complementares de
diagnóstico (imagiológicos, hematológicos, bioquímicos, microbiológicos, imunológicos, genéticos, etc.), quer os dados
provenientes da história clínica, antecedentes pessoais e familiares e observações do exame físico.
A utilização adequada e consciente
dos testes diagnósticos exige o conhecimento e compreensão das propriedades
fundamentais que os caracterizam: (1)
reprodutibilidade; (2) validade; (3) efeitos
da sua utilização nas decisões clínicas e
variáveis de resultado clínico relevantes
e (4) aceitabilidade, riscos, custos e custo-efectividade associados. Sendo várias
as suas características ou propriedades
relevantes, é muito comum colocar uma
ênfase especial na validade, entre outras
razões, porque é nesta propriedade que
assenta a aplicação dos resultados do
teste no processo de tomada de decisão
clínica, tal como ao longo deste artigo
iremos demonstrar. A validade de um teste diagnóstico pode ser definida como a
sua capacidade de medir ou classificar
aquilo que realmente pretende medir ou
classificar. Assim, a validade mede a capacidade do teste diagnóstico classificar
adequadamente o indivíduo como doente ou não doente, através da comparação
do resultado do teste em avaliação com
aquilo que é considerado, num determinado momento no tempo, como sendo o
resultado mais próximo da verdade, ou
seja, o resultado de um teste diagnóstico padrão de referência (gold standard),
aceite consensualmente para a situação
em apreço (infelizmente, em não raras situações, não teremos disponível um gold
standard consensualmente aceite).
A avaliação da importância científica
e prática dos resultados dos estudos sobre a validade de testes diagnósticos (ver
Tabela 1) passa pela adequada interpretação e contextualização das medidas de
validade do teste e subsequente verificação, em última análise, da sua real capacidade de discriminação entre indivíduos
com e sem a entidade nosológica em consideração. Genericamente, a avaliação da
importância dos resultados deverá considerar dois aspectos essenciais(4,11):
São apresentadas medidas adequadas à quantificação da validade do teste
diagnóstico em avaliação? O teste diagnóstico em avaliação demonstra uma importante capacidade de discriminação?
O valor de qualquer teste diagnóstico está directamente relacionado com
a informação diagnóstica adicional que
este traz, estando esta directamente relacionada com a sua validade e a subsequente modificação da probabilidade do
diagnóstico em consideração trazida pelo
seu resultado. Um teste diagnóstico só
deve ser utilizado quando o seu resultado
NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 4
Tabela 1: Critérios de avaliação de estudos sobre a validade de testes diagnósticos
relativamente à: (A) qualidade metodológica, (B) importância dos resultados e (C) aplicabilidade prática dos resultados.
(A) Avaliação da qualidade metodológica do estudo:
1. O espectro de doença nos participantes do estudo é representativo do da população
que irá, potencialmente, ser submetida ao teste no contexto clínico real de utilização
do mesmo
2. Os critérios de selecção dos participantes, o contexto, o local e o período em que o
estudo foi realizado são claramente descritos?
3. Os métodos de amostragem dos participantes são claramente descritos? Foi usado um
método de amostragem consecutiva seguindo os critérios de selecção estabelecidos?
4. O estudo e a recolha dos dados foram planeados antes da aplicação do teste em avaliação e do teste padrão (estudo prospectivo) ou depois da realização destes (estudo
retrospectivo)?
5. O teste padrão de referência (gold standard) utilizado é adequado à situação clínica
e consegue discriminar adequadamente entre os indivíduos com e sem a entidade
nosológica em consideração?
6. O espaço temporal entre a aplicação do teste padrão e do teste diagnóstico em avaliação foi suficientemente curto de modo a poder assumir-se que não existiram alterações
relevantes do estado do indivíduo entre estes dois momentos?
7. Todos os participantes, ou uma amostra aleatória dos participantes, foram submetidos
ao teste padrão de referência?
8. Todos os participantes receberam o mesmo teste padrão de referência independentemente do resultado do teste diagnóstico em avaliação?
9. O teste padrão de referência é independente do teste diagnóstico em avaliação (i.e. o
teste em avaliação não é parte integrante do teste padrão de referência)?
10. A aplicação e execução do teste padrão de referência e do teste em avaliação são
descritas em suficiente detalhe que permita a sua replicação?
11. O resultado do teste em avaliação foi obtido e interpretado sem o conhecimento prévio
do resultado do teste padrão (ocultação)? O resultado do teste padrão foi obtido e interpretado sem o conhecimento prévio do resultado do teste em avaliação (ocultação)?
12. Quando o resultado do teste em avaliação foi obtido e interpretado, a informação clínica disponível era semelhante àquela que está habitualmente disponível no contexto
clínico real de utilização do mesmo?
13. Os resultados dos testes classificados como ambíguos, intermédios, não interpretáveis
ou omissos são descritos e os métodos e procedimentos usados no seu tratamento
explicados?
14. Os participantes que abandonaram o estudo ou que tiveram um seguimento incompleto
são descritos, as razões de perda ou abandono descritas e os métodos e procedimentos usados no seu tratamento explicados?
(B) Avaliação da importância científica e prática dos resultados
15. São apresentadas medidas adequadas à quantificação da validade do teste
diagnóstico em avaliação? O teste diagnóstico em avaliação demonstra uma
importante capacidade de discriminação?
16. É apresentada a precisão das estimativas das medidas de validade do teste
diagnóstico em avaliação?
(C) Avaliação da aplicabilidade prática dos resultados
17. Serão os resultados do estudo aplicáveis ao meu doente, tendo em conta as suas
características específicas? Serão os resultados do estudo generalizáveis para o meu
contexto específico?
18. O teste diagnóstico em avaliação está disponível e é aplicável, válido e reprodutível no
contexto onde me insiro?
19. Estará o doente disposto a ser submetido ao teste diagnóstico? Existem riscos ou
eventos adversos eventualmente associados à sua aplicação?
20. Será possível encontrar estimativas clinicamente relevantes das probabilidades préteste, de forma a optimizar a utilização da informação diagnóstica proveniente do
teste?
21. Serão os resultados do teste diagnóstico úteis para a resolução do problema do meu
doente?
22. Quais são as opiniões, valores e expectativas do meu doente relativamente aos
objectivos ou resultados clínicos esperados e poderá a realização do teste diagnóstico
contribuir para a concretização dos mesmos?
pode modificar a actuação clínica que se
segue (atente-se, no entanto, que muitas
vezes o pedido de um teste poderá estar
relacionado não só com o diagnóstico em
consideração, mas com outros objectivos
clínicos relevantes, por exemplo, avaliar
a gravidade/evolução da doença, avaliar
o estado geral do indivíduo, estabelecer
um perfil inicial ou estado basal da doença). Se o resultado de um teste não
vai ter consequências, a sua utilização é
clínica e eticamente discutível. É fundamental, antes de solicitar um teste diagnóstico, perceber claramente o problema
de decisão em causa e perceber quando
é que, realmente, a informação diagnóstica adicional é relevante nesse contexto.
Assim, quanto à evidência científica sobre a validade de testes, é fundamental
conhecer as medidas específicas de validade dos testes diagnósticos, verificar
se estas são adequadamente reportadas
nos estudos sobre este assunto, entender os princípios da aplicação da informação diagnóstica proveniente dos testes e
entender o método de actualização de
probabilidades de doença após o conhecimento dos resultados dos testes.
Sensibilidade, especificidade e
valores preditivos
As medidas de validade de um teste
diagnóstico surgem da comparação dos
resultados deste com os resultados de
um teste padrão de referência. Por uma
questão de facilidade, iremos considerar
na discussão que se segue a simplificação do resultado do teste diagnóstico
classificando-o unicamente como positivo ou negativo. Esta é uma simplificação,
já que em grande parte dos casos o resultado do teste diagnóstico será representado em escalas categóricas ordinais
ou numéricas, discretas ou contínuas,
e não através da simples dicotomia positivo/negativo. O resultado de um teste
diagnóstico é geralmente dicotomizado
em positivo/negativo através da escolha
de pontos de corte (cut-off points) adequados na escala do teste. Associadas
a pontos de corte diferentes estarão
medidas de validade ou características
operacionais do teste diferentes, sendo
necessário verificar a variação das mesmas em função dos pontos de corte defi-
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
267
NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 4
te negativo dada a ausência de doença
e estimada pela proporção de indivíduos
que têm um teste negativo de entre os
não doentes.
nidos e saber escolher os pontos de corte
mais adequados para o teste, em função
dos objectivos do mesmo (ver adiante a
secção sobre curvas ROC e área sob a
curva ROC). Classicamente, no entanto,
e assumindo a dicotomização simplificadora positivo/negativo, são definidas as
seguintes medidas de validade ou características operacionais de um teste diagnóstico (Ver Tabela 2)(12,13):
Sensibilidade: definida como a probabilidade condicional de ter um teste
positivo dada a existência de facto de doença e estimada pela proporção de indivíduos que têm um teste positivo de entre
os doentes (condicionando o cálculo da
proporção só aos doentes).
[
Especificidade (Es) = P T − | D
]
d
Eˆ s =
b+d
Um teste muito específico é aquele que consegue “apanhar com grande
certeza aqueles que são realmente doentes”, ainda que, por esse motivo, possa falsamente identificar alguns doentes
como não doentes (falsos negativos).
Assim, e porque nestes testes a quase
totalidade dos indivíduos com testes positivos serão de facto doentes, um teste
muito específico é mais útil quando é
positivo (porque identifica com grande
certeza o diagnóstico em consideração).
Na literatura anglo-saxónica encontra-se,
por vezes, o acrónimo SpPin para expressar esta ideia – “When a test has a
high Specificity, a Positive result rules in
the diagnosis”.
Valor preditivo positivo: definido
como a probabilidade condicional de ter
a doença dado que o resultado do teste
foi positivo e estimada pela proporção de
indivíduos que têm a doença de entre os
que têm um teste positivo.
Sensibilidade (Se) = P[T + | D]
a
Sˆ e =
a+c
Um teste muito sensível é aquele
que consegue “apanhar a maior parte
dos doentes”, ainda que, por esse motivo, possa falsamente identificar alguns
não doentes como doentes (falsos positivos). Assim, e porque nestes testes a
quase totalidade dos indivíduos com um
resultado negativo serão de facto não
doentes, um teste muito sensível é mais
útil quando é negativo (porque exclui com
grande certeza o diagnóstico em consideração). Na literatura anglo-saxónica
encontra-se, por vezes, o acrónimo SnNout para expressar esta ideia – “When
a test has a high Sensitivity, a Negative
result rules out the diagnosis”.
Especificidade: definida como a
probabilidade condicional de ter um tes-
Valor Preditivo Positivo (VPP) = P[D | T + ]
VPˆ P =
a
a+b
Uma vez solicitado o teste e recebido
o seu resultado a informação clinicamen-
Tabela 2 – Representação habitual dos resultados do teste diagnóstico cuja validade se
pretende avaliar em função dos resultados do teste padrão de referência, que determinam
o verdadeiro estado de doente e não doente para cada participante.
Doença
Teste
268
Presente
Ausente
Positivo
a
b
a+b
Negativo
c
d
c+d
a+c
b+d
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
te mais relevante, e que para o doente é
mais importante, é a da probabilidade de
ter a doença dado o resultado observado
do teste. Neste contexto a probabilidade
de ter de facto a doença dado que foi observado um resultado positivo do teste
corresponde ao valor preditivo positivo.
Valor preditivo negativo: definido
como a probabilidade condicional de não
ter a doença dado que o resultado do teste foi negativo e estimada pela proporção
de indivíduos que não têm a doença de
entre os que têm um teste negativo.
[
Valor Preditivo Negativo (VPN) = P D | T −
VPˆ N =
]
d
c+d
Num registo semelhante ao do valor
preditivo positivo, o valor preditivo negativo dá-nos a noção, clinicamente mais
relevante, da probabilidade de um indivíduo não estar realmente doente quando
o teste foi negativo.
Razões de verosimilhança (likelihood ratios - LR)
Outras medidas de validade que podem ser calculadas para um teste diagnóstico, que têm particular importância
pela sua utilidade no cálculo das probabilidades de doença actualizadas após o
conhecimento do resultado do teste, são
as razões de verosimilhança (likelihood
ratio – LR).
Define-se a razão de verosimilhança (LR) para cada resultado possível
de um teste diagnóstico, como sendo a
razão entre a probabilidade desse resultado na população doente e a probabilidade desse resultado na população não
doente, isto é:
Assim, para um resultado positivo do
teste, tem-se que o LR+ corresponde a:
NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 4
E para um resultado negativo do
teste, tem-se que o LR- corresponde a:
O LR+ diz-nos quantas vezes mais
provável é encontrar um resultado positivo do teste nos doentes em comparação com os não doentes. Portanto, este
será tanto maior quanto mais sugestivo
da presença de doença for um resultado
positivo do teste. Valores de LR+ entre 2
e 5 condicionam pequenas alterações da
probabilidade pré-teste; valores entre 5
e 10 condicionam alterações moderadas
e valores maiores que 10 condicionam
grandes alterações(14-16).
O LR- diz-nos quantas vezes menos
provável é encontrar um resultado negativo do teste nos doentes em comparação
com os não doentes. Portanto, este será
tanto menor quanto mais sugestivo da
ausência da doença for um resultado negativo do teste. Valores do LR- entre 0,5 e
0,2 condicionam pequenas alterações da
probabilidade pré-teste; valores entre 0,2
e 0,1 condicionam alterações moderadas
e valores menores que 0,1 condicionam
grandes alterações(14-16).
Actualização da probabilidade de
doença e teorema de Bayes
Verifica-se que a utilização de um
determinado teste diagnóstico serve precisamente para alterar uma determinada
probabilidade a priori da doença ( P[D ] –
probabilidade pré-teste), de forma a obter
uma estimativa dessa probabilidade que
tenha em conta a informação dada pelo
resultado do teste diagnóstico ( P[D T + ]
ou P[D T −] – probabilidades pós-teste –
genericamente P[D T ]). A estimativa de
P[D T ] deverá ser obtida a partir da probabilidade pré-teste da doença P[D ] e
das características operacionais básicas
do teste (sensibilidade P[T + |D ] e especificidade P[T − |D ]) que são, à partida, os
únicos dados conhecidos.
A metodologia adequada para a actualização da probabilidade de doença
dado o resultado de um teste diagnósti-
co passa pela aplicação do teorema de
Bayes. Este teorema resulta da própria
definição de probabilidade condicional e
permite obter uma expressão para a probabilidade de um acontecimento a posteriori (por exemplo, P[D T ]) com base na
sua probabilidade a priori e na probabilidade condicional invertida (por exemplo,
P[D ] e P[T D ], probabilidade pré-teste e
sensibilidade e/ou especificidade do teste)(12, 13).
Sejam P[T + ] , P[T −], P[D ] e P[D ]
as probabilidades do resultado de um
teste diagnóstico ser positivo e negativo,
e as probabilidades de presença e ausência da doença (dada pelo resultado do
teste padrão de referência). Sejam ainda
P[D T + ], P[D T −], P[T + D ] e P T − D
, respectivamente, a probabilidade condicional de ter doença dado que se teve
um resultado positivo do teste (probabilidade pós-teste positivo), a probabilidade
condicional de ter doença dado que se
teve um resultado negativo (probabilidade pós-teste negativo), a probabilidade
condicional de ter um resultado positivo dado que se é doente (sensibilidade)
e a probabilidade condicional de ter um
resultado negativo dado que se é não
doente (especificidade). Tem-se, por definição, que uma probabilidade condicional
é dada pela razão entre a probabilidade
conjunta dos eventos (intersecção) e a
probabilidade do evento condicionante.
Ou seja, por exemplo, a probabilidade
condicional de estar doente dado que se
tem um teste positivo ( P[D T + ]) é igual à
razão entre a probabilidade conjunta de
estar doente e ser positivo ( P[D ∩ T + ]) e
a probabilidade de ter um teste positivo
( P[T + ]). E, da mesma forma, a probabilidade condicional de ter um teste positivo
dado que se é doente ( P[T + D ]) é igual à
razão entre a probabilidade conjunta de
estar doente e ser positivo ( P[D ∩ T + ])
e a probabilidade de ser doente ( P[D ]).
Assim:
[
P[T + | D ]=
P[D ∩ T + ]
P[D ]
e
P[D | T + ]=
P[D ∩ T + ]
P[T + ]
]
Tendo em conta as definições e notação atrás apresentadas o teorema de
Bayes poderá ser deduzido da seguinte
forma:
Partindo das expressões anteriores
verificamos que:
P[D ∩ T + ]= P[T + | D ]× P[D ]
e
P[D ∩ T + ]= P[D | T + ]× P[T + ]
Logo,
P[T + | D ]× P[D ]= P[D | T + ]× P[T + ]⇔
⇔ P[D | T + ]=
⇔ P[D | T + ]=
P[T + | D ]× P[D ]
⇔
P[T + ]
P[T + | D ]× P[D ]
⇔
P[T + ∩ D ]+ P[T + ∩ D ]
⇔ P[D | T + ]=
=
P[T + | D ]× P[D ]
P[T + | D ]× P[D ]+ P[T + | D ]× P[D ]
Assim, para um resultado positivo
ou negativo do teste, tem-se respectivamente:
P[D | T + ]=
=
P[T + | D ]× P[D ]
P[T + | D ]× P[D ]+ P[T + | D ]× P[D ]
P[D | T −]=
=
P[T − | D ]× P[D ]
P[T − | D ]× P[D ]+ P[T − | D ]× P[D ]
Onde, tendo em conta as definições
atrás apresentadas, é possível verificar
que:
P>T |D@ 1 P>T |D@
= 1 − Sensibilidade (Se)
P>T |D @ 1 P>T |D @
= 1 − Especificidade (Es)
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
269
NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 4
E simplificando, através do uso dos
conceitos de sensibilidade e especificidade, conclui-se finalmente que(12, 13)
P>D|T @
Se u P>D@
Se u P>D @ 1 Es u 1 P>D @
P>D|T @
1-Seu P>D@
1-Seu P>D@ Es u 1 P>D@
Considere-se o seguinte exemplo a
título ilustrativo. Um homem tem 55 anos,
apresenta hemoptises e perda ponderal
nos últimos 6 meses e é fumador há mais
de 20 anos (cerca de 2 maços por dia). Baseado na história clínica e exame físico, o
clínico coloca como primeira hipótese diagnóstica uma neoplasia pulmonar, e estima,
com base nos dados clínicos, que a probabilidade pré-teste de neoplasia pulmonar
é, neste caso, de 0,4 ou 40%. O clínico
solicita uma radiografia pulmonar como
parte do estudo deste doente e esta revela
a presença de uma massa no lobo superior
direito. Apesar de haver alguma heterogeneidade na evidência existente, será justo
afirmar que a radiografia pulmonar tem
sensibilidade de cerca de 60% e uma especificidade de cerca de 85% no diagnóstico de neoplasias pulmonares(17-19).
Neste cenário, como deverá o clínico interpretar o achado na radiografia
pulmonar? Qual será a utilidade deste
teste? De que forma poderá o resultado
positivo do teste (presença de massa pulmonar) alterar a probabilidade de doença
estimada à partida pelo clínico?
Tendo em conta a probabilidade
pré-teste de doença e a sensibilidade e
especificidade do teste, a aplicação do
teorema de Bayes permite responder a
estas questões:
Se u P>D @
Se u P>D @ 1 Es u 1 P>D @
0,6 u 0,4
P>D | T @
0,6 u 0,4 0,15 u 0,6
0,24
0,24
P>D | T @
0,73
0,24 0,09 0,33
P>D | T @
P>D | T @ 0,73
Antes da informação dada pelo
teste, o clínico estimava em 40% a pro-
270
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
babilidade de presença de neoplasia pulmonar (probabilidade pré-teste) e após
a verificação do resultado do teste essa
probabilidade é actualizada para 73%
(probabilidade pós-teste positivo). O resultado positivo do teste (presença de
massa pulmonar) altera moderadamente
a probabilidade da doença.
Se pelo contrário, a radiografia pulmonar não fosse sugestiva da presença
de neoplasia pulmonar, a probabilidade
de doença, dado o resultado negativo do
teste, seria calculada da seguinte forma:
P>D | T @
1 - Seu P>D@
1 - Seu P>D@ Es u 1 P>D@
P>D | T @
P>D | T @
0,4 u 0,4
0,4 u 0,4 0,85 u 0,6
0,16
0,16
0,24
0,16 0,51 0,67
P>D | T @ 0,24
Neste caso, a probabilidade de doença seria diminuída relativamente à estimativa inicial feita pelo clínico antes de
pedir o teste. O clínico passaria de uma
probabilidade de doença de 40% para
uma probabilidade de 24%.
Este exemplo torna claro o facto,
intuitivamente evidente, de que a radiografia pulmonar é, neste contexto, um
teste imperfeito, que quando negativo
não exclui convincentemente a doença
e quando positivo necessita sempre de
um teste mais específico como complemento (tipicamente a tomografia computarizada).
Odds de doença, likelihood ratios
(LR) e teorema de Bayes
Uma forma alternativa e muito mais
apelativa de representar o teorema de
Bayes, é através da aplicação dos conceitos de Odds de doença e das razões
de verosimilhança (likelihood ratios – LR)
do teste diagnóstico(12, 13).
O Odds de uma doença é, simplesmente, uma forma alternativa de representar a probabilidade da mesma e é definida como a razão entre a probabilidade
da doença e a probabilidade complementar de não existência de doença:
Odds[D ]=
P[D ]
P[D ]
e
P[D ]=
Odds[D ]
1 + Odds[D ]
O conceito de likelihood ratio (LR)
foi já definido acima.
Considerem-se as expressões do teorema de Bayes para presença e ausência da doença, dado um determinado resultado do teste (T, positivo ou negativo):
P[D | T ]=
=
P[T | D ]× P[D ]
P[T | D ]× P[D ]+ P[T | D ]× P[D ]
P[D | T ]=
]= P[T | D ]×PP[T[D| D]+]×PP[T[D| D] ]× P[D]
Se agora for considerada a razão
destas duas expressões obtém-se uma
nova igualdade com particular interesse:
P[D | T ]
=
P[D | T ]
=
P[T | D ]× P[D ]
P[T | D ]× P[D ]+ P[T | D ]× P[D ]
P[T | D ]× P[D ]
P[T | D ]× P[D ]+ P[T | D ]× P[D ]
E após simplificação, esta poderá
ser escrita da seguinte forma mais compacta:
P[D | T ] P[D ] P[T D ]
=
⋅
P[D | T ] P[D ] P T D
[ ]
Atendendo às definições de Odds e
Likelihood ratio (LR) atrás apresentadas,
tem-se que esta expressão poderá ser
escrita da seguinte forma(12, 13):
Odds[D T ]= Odds[D ]× Likelihood ratio [T ]
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ano 2010, vol XIX, n.º 4
Isto é, o Odds de doença após o conhecimento do resultado do teste (Odds
pós-teste) é igual ao produto do Odds de
doença antes do teste (Odds pré-teste) e
do likelihood ratio (LR) para o resultado
do teste obtido.
Dada a simplicidade desta última
expressão e a disponibilidade, cada vez
mais frequente, de valores da razão de
verosimilhança (likelihood ratio – LR)
para os vários resultados possíveis dos
testes diagnósticos na literatura, esta
forma alternativa do teorema de Bayes
é crescentemente utilizada, na actualização da probabilidade da doença após obtenção do resultado do teste diagnóstico.
Este é o método mais simples e prático
de aplicação do teorema de Bayes.
Tendo em atenção o exemplo atrás
apresentado, o Odds de doença pósteste, no caso do teste ter um resultado
positivo (radiografia com massa pulmonar), poderia ser calculado da seguinte
forma:
Odds>D T @
Confirmando, assim, o resultado obtido anteriormente e que apontava para
uma probabilidade pós-teste positivo de
73%. O mesmo aconteceria se fosse calculada, com este método, a probabilidade pós-teste negativo.
Curvas ROC e área sob a curva
ROC
O resultado de um teste diagnóstico,
tipicamente, será representado em escalas categóricas ordinais ou numéricas,
discretas ou contínuas, e não através da
simples dicotomia positivo/negativo que
foi assumida nas secções anteriores deste artigo. O resultado de um teste diagnóstico é geralmente dicotomizado em
positivo/negativo através da escolha de
pontos de corte (cut-off points) assumidos
na escala do teste. Associadas a pontos
de corte diferentes estarão medidas de
validade ou características operacionais
do teste diferentes, sendo necessário verificar a variação das mesmas em função
dos pontos de corte definidos e saber es-
colher os pontos de corte mais adequados
em função dos objectivos do teste.
Quando consideramos os resultados de um teste diagnóstico numa escala
ordinal ou numérica, ao escolher um determinado ponto de corte (que determina
os resultados ditos positivos e negativos),
geralmente, a sensibilidade e a especificidade são características difíceis de
conciliar, isto é, é complicado aumentar a
sensibilidade e a especificidade ao mesmo tempo. As curvas ROC (receiver operator characteristic curve) são uma forma
de representar a relação, normalmente
antagónica, entre a sensibilidade e a especificidade, ao longo de um conjunto de
valores de corte na escala do teste a avaliar (cut-off points).
Para construir uma curva ROC traçase uma curva que une os vários pontos
num diagrama representando a sensibilidade em função da proporção de falsos
positivos (1- Especificidade) para um conjunto de valores de corte (cut-off points)
distintos (ver exemplos na figura 1).
Odds>D T @
0,4 § Se ·
0,60
˜¨
¸ 0,67 ˜
0,6 © 1 Es ¹
0,15
2,67
Odds>D T @ 2,67
Tendo em conta a relação entre
Odds e probabilidade, tem-se neste
caso:
Odds>D T @
P>D | T @
œ P>D | T @
1 P>D | T @
Odds>D T @
1 Odds>D T @
2,67
0,73
1 2,67
P>D | T @ 0,73
P>D | T @
Figura 1 – Representação das curvas ROC e respectivas áreas sob a curva ROC (area under the curve – AUC) para três testes com capacidade de
discriminação distintas. Teste com capacidade de discriminação perfeita
entre doentes e não doentes (curva 1), teste com discriminação imperfeita
(curva 2) e teste sem qualquer capacidade de discriminação (curva 3)
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
271
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O valor escolhido como ponto de
corte (cut-off point) vai influenciar as características operacionais do teste, como
exemplificado na figura 1 (curva 2). No
exemplo desta figura, quanto maior é o
ponto de corte maior é a especificidade do
teste, mas menor é a sensibilidade (ponto
C da curva 2); e quanto menor o ponto de
corte maior é a sensibilidade, mas menor
é a especificidade (ponto A da curva 2).
Percebe-se, desta forma, que a intenção
com que se utilizará o teste diagnóstico
influencia a escolha do melhor ponto de
corte, logo, das características do teste.
No exemplo da curva 2 da figura 1, se
pretendemos um teste muito sensível e
menos específico, escolhe-se um ponto
de corte menor (ponto A), obtendo-se
uma menor proporção de falsos negativos e uma maior proporção de falsos positivos; se pretendemos, pelo contrário,
um teste muito específico e menos sensível, escolhe-se um ponto de corte maior
(ponto C), obtendo-se uma menor proporção de falsos positivos e uma maior
proporção de falsos negativos.
As curvas ROC descrevem a capacidade de discriminação de um determinado teste diagnóstico para um conjunto
diverso de valores de corte. Isto permite pôr em evidência os valores de corte
para os quais é possível fazer uma optimização da sensibilidade em função
da especificidade. O ponto, numa curva
ROC, onde se consegue optimizar conjuntamente os valores de sensibilidade e
especificidade do teste é aquele que se
encontra mais próximo do canto superior
esquerdo do diagrama (ver figura 1, ponto B da curva 2).
Para além disto, as curvas ROC
permitem quantificar a exactidão de um
teste diagnóstico (medida da capacidade global de discriminação de um teste
diagnóstico), já que, esta é proporcional à
área sob a curva ROC de um determinado teste (também designada de estatística C ou area under the curve – AUC), isto
é, será tanto maior quanto mais a curva
se aproxima do canto superior esquerdo
do diagrama. Sabendo isto, a curva será
útil na percepção da capacidade global
de discriminação de um determinado
teste e na comparação entre testes diagnósticos, tendo um teste uma exactidão
272
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
tanto maior quanto maior for a sua área
sob a curva ROC (ver figura 1, neste
caso, o teste correspondente à curva 1
tem melhor discriminação global – exactidão – do que os testes das curvas 2 e
3, e da mesma forma, o teste da curva 2
é melhor que o da curva 3). A área sob a
curva ROC é tipicamente apresentada na
forma de uma proporção entre 0,5 e 1 ou
de percentagem entre 50 e 100%, sendo
50% o valor correspondente a uma curva
ROC de um teste que não tem qualquer
capacidade de discriminação (curva 3 na
figura 1) e 100% o valor correspondente
a um teste que discrimina perfeitamente entre doentes e não doentes (curva
1 na figura 1). Habitualmente os testes
diagnósticos têm valores de áreas sob a
curva ROC entre estes valores extremos,
correspondendo a situações de discriminação imperfeita (curva 2 da figura 1).
Um outro método por vezes utilizado
para a avaliação da capacidade global de
discriminação de um teste diagnóstico,
no contexto da análise de curvas ROC, é
o chamado índice de Youden (IY)(20). Este
é dado pela seguinte expressão:
IY
Maxc >Se(c) Es(c) 1@
Isto é, o IY corresponde ao valor
máximo da expressão (soma da sensibilidade e da especificidade menos um)
quando esta é avaliada para cada possível ponto de corte do teste diagnóstico
(c). O teste será tanto melhor na discriminação entre doentes e não doentes
quanto maior for o IY. Da mesma forma,
o IY é útil na definição do ponto que melhor maximiza simultaneamente sensibilidade e especificidade, uma vez que este
corresponde, precisamente, ao ponto de
corte (c) que torna máxima a expressão
acima(20).
Os resultados apresentados no estudo de Don et al.(10), cuja avaliação crítica tem vindo a ser feita, dão-nos conta
de várias medidas de validade do teste
em avaliação – procalcitonina – na discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica na criança. Em
particular, é possível verificar na tabela
IV e V do artigo as sensibilidades, especificidades, valores preditivos positivos e
LR+ para cada um dos valores de corte
0,5 ng/ml, 1,0 ng/ml e 2,0 ng/ml na discriminação entre pneumonia de etiologia
bacteriana pneumocócica e etiologia vírica e para a discriminação entre pneumonias bacterianas por agentes atípicos
e pneumonias víricas, respectivamente.
Fazendo a reanálise dos dados apresentados pelos autores na tabela III, de
forma a avaliar a validade da procalcitonina na discriminação entre pneumonias
de etiologia bacteriana (pneumocócicas
mais atípicas) e as de etiologia vírica é
possível calcular sensibilidades de 74%,
61% e 54% e especificidades de 35%,
61% e 74%, respectivamente para os valores de corte 0,5 ng/ml, 1,0 ng/ml e 2,0
ng/ml. Os LR+ correspondentes são, respectivamente, 1,14 1,55 e 2,05.
As estimativas dos LR apresentadas são extremamente úteis na prática e
permitem-nos concluir que, por exemplo,
num cenário em que a probabilidade pré-teste de pneumonia de etiologia bacteriana seja, à semelhança do encontrado
neste estudo, de 65% (43/66) a probabilidade pós-teste será no máximo modificada, no caso de um valor da procalcitonina
acima de 2 ng/ml (positivo), para 79%. Os
cálculos que permitem chegar a esta conclusão são semelhantes aos previamente
apresentados e explicados:
p
p
Odds>D T @
Odds>D T @
0,65
˜ 2,05 3,81
0,35
Odds>D T @ 3,81
P>D | T @
Odds>D T @
1 Odds>D T @
P>D | T @
3,81
0,79
1 3,81
P>D | T @ 0,79
Os autores do artigo apresentam-nos também na secção de resultados
o valor da área sob a curva ROC para
a procalcitonina na discriminação en-
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tre pneumonias de etiologia bacteriana
(pneumocócicas mais atípicas) e as de
etiologia vírica (Figura 2 do artigo(10)). A
área sob a curva ROC encontrada foi de
0,629 ou 62,9%.
Quer os resultados das estimativas
de sensibilidade e especificidade, quer os
valores dos LR e das subsequentes modificações da probabilidade do diagnóstico em consideração, quer, por último, o
valor reportado da área sob a curva ROC
da procalcitonina leva-nos a concluir que
a capacidade de discriminação da procalcitonina entre pneumonias de etiologia
bacteriana e vírica na criança é pobre,
não tendo sido detectado neste estudo
nenhum valor de corte da procalcitonina
com boa capacidade de discriminação.
É apresentada a precisão das estimativas das medidas de validade do teste diagnóstico em avaliação?
As medidas de validade apresentadas num estudo desta natureza são sempre estimativas de um verdadeiro valor
desse parâmetro na população em causa, resultantes da análise da amostra de
participantes no estudo (subconjunto finito da população, geralmente muito menor
que esta). Naturalmente, uma estimativa
de validade, por exemplo uma sensibilidade do teste, resultante do estudo de
uma amostra de 500 participantes, neste
caso considerando só os indivíduos com
a doença uma vez que a sensibilidade
é a probabilidade condicional de ter um
teste positivo dado que se é doente, será
mais precisa (menos sensível aos erros
aleatórios relacionados com o processo de amostragem) que uma estimativa
proveniente de um estudo com 50 participantes. A forma mais comum de reportar
a precisão da estimativa de uma medida
de validade é através da apresentação
do seu intervalo de confiança, geralmente
de 95% (IC 95%) das estimativas. Quanto
mais estreitos forem os intervalos de confiança em torno da estimativa pontual do
parâmetro mais precisa é a estimação do
mesmo. Assim, é fundamental perceber
qual a qualidade e precisão das estimativas das medidas de validade apresentadas, através da avaliação dos seus IC
95%, já que disso dependerá a interpretação e potencial aplicação prática que lhes
podemos dar. Deverá ser dada atenção
ao facto de, por exemplo, tipicamente a
sensibilidade de um teste diagnóstico ter
estimativas menos precisas do que as da
especificidade, dado que a sensibilidade
é estimada dentro do subgrupo dos indivíduos doentes (geralmente em menor
número) e a especificidade é estimada
no subgrupo dos não doentes, dado que
esta segunda corresponde à probabilidade condicional de ter um teste negativo
dado que se é não doente.
Relativamente a este ponto, no estudo de Don et al.(10) existe uma importante
falha e limitação, pois não são reportadas,
para nenhuma das medidas de validade,
as correspondentes medidas da precisão
das estimativas, por exemplo, na forma
dos seus intervalos de confiança. Para
entender a importância desta limitação
atente-se que, por exemplo, a estimativa
da especificidade da procalcitonina na
discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana (pneumocócicas mais
atípicas) e as de etiologia vírica, para
o valor de corte de 1,0 ng/ml, é de 61%,
com IC 95% [41% – 81%]. Se isto tivesse
sido devidamente reportado era possível
perceber que a estimativa pontual apresentada é bastante imprecisa, sendo o
valor encontrado compatível com níveis
de especificidade tão dispares como 41%
e 81%, se o erro aleatório relacionado
com o processo de selecção da amostra
fosse tido em consideração. Logicamente, esta limitação está relacionada com o
pequeno tamanho da amostra de crianças que participaram no estudo.
(C) Avaliação da aplicabilidade prática da evidência
A última questão no processo de
avaliação crítica da evidência será a
questão da aplicabilidade prática da
mesma (ver tabela 1). O objectivo do profissional de saúde será a eventual aplicação da evidência científica aos seus
problemas clínicos e aos seus doentes,
logo, a avaliação da aplicabilidade prática é uma questão fulcral neste contexto(4,
11, 15, 16)
. O objectivo fundamental será o
adequado enquadramento da evidência
científica, dadas as características específicas do doente, do profissional de saúde e do contexto da sua prática clínica.
Os critérios mais úteis para a avaliação
da aplicabilidade prática de estudos so-
bre validade de testes diagnósticos são
os seguintes(4, 11, 15, 16):
Serão os resultados do estudo aplicáveis ao meu doente, tendo em conta as
suas características específicas? Serão
os resultados do estudo generalizáveis
para o meu contexto específico?
A avaliação da aplicabilidade dos
resultados de um estudo desta natureza
passa, em primeira instância, pela análise
crítica dos critérios de selecção (inclusão
e exclusão) utilizados. Diferenças sócio-demográficas e clínicas entre populações podem levar a que as estimativas
de validade variem bastante. As medidas
da validade dos testes diagnósticos poderão ter utilidade clínica limitada se o
espectro de doença nos participantes
do estudo não é representativo daquele
encontrado na população que irá, potencialmente, ser submetida ao teste no
contexto clínico real de utilização do mesmo. Os estudos mais úteis são aqueles
que incluem participantes que reflectem
adequadamente a diversidade encontrada no contexto prático real. A avaliação
crítica das critérios de selecção implica a
comparação das características dos meu
doentes (sócio-demográficas, biológicas
e patológicas) com as características dos
participantes do estudo, na tentativa de
verificar se as primeiras são de tal forma
diferentes das segundas que tornem os
resultados não aplicáveis ao meu contexto particular.
No estudo de Don et al.(10) verificamos que o contexto, critérios de selecção
e métodos de recrutamento dos participantes sugerem que os resultados poderão ser seguramente generalizáveis para
crianças de qualquer país europeu vistas
no serviço de urgência, com suspeita de
pneumonia e sem patologias crónicas associadas.
O teste diagnóstico em avaliação
está disponível e é aplicável, válido e reprodutível no contexto onde me insiro?
A avaliação da aplicabilidade dos
resultados passa também, obviamente,
pela verificação de que o teste em causa está disponível no nosso contexto específico, é aplicável (existem protocolos
técnicos adequados implementados e o
teste é seguro e economicamente sustentável) e tem reprodutibilidade e valida-
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
273
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de adequadas (garantias da qualidade da
execução do teste no nosso contexto específico, por exemplo, na minha própria
instituição de saúde).
Relativamente à determinação sérica da procalcitonina, existem empresas e
laboratórios no nosso país que disponibilizam as técnicas adequadas e que têm
capacidade técnica adequada na execução deste teste. Um importante senão
deste teste são os seus custos, uma vez
que, neste momento, são mais de 3 vezes superiores ao de outros testes mais
antigos usados nas mesmas circunstâncias e indicações (ex: proteína C reactiva,
velocidade de sedimentação, etc.).
Estará o doente disposto a ser submetido ao teste diagnóstico? Existem riscos ou eventos adversos eventualmente
associados à sua aplicação?
A avaliação da aplicabilidade do teste diagnóstico passa também pela consideração da invasividade do teste, dos
riscos inerentes à sua execução e dos
eventos adversos que este poderá potencialmente condicionar. Importa notar
que, muitas vezes, estas características
não são adequadamente reportadas nos
estudos, mas constituem aspectos muito
relevantes e que podem ter implicações
na adesão ao teste por parte do doente.
No caso da procalcitonina, este ponto específico não é especialmente preocupante, dado que os riscos associados
a este teste estão unicamente ligados à
necessidade de uma colheita de sangue
periférico igual à realizada em qualquer
outra situação da rotina de um serviço de
saúde. Na criança, logicamente, mesmo
esta colheita deverá ser adequadamente
ponderada devido à invasividade do procedimento, mas tipicamente é uma manobra segura.
Será possível encontrar estimativas
clinicamente relevantes das probabilidades pré-teste, de forma a optimizar a
utilização da informação diagnóstica proveniente do teste?
Vimos atrás que a utilidade de um
teste diagnóstico está directamente ligada à modificação que o seu resultado
pode condicionar na probabilidade da doença em consideração e, subsequentemente, da atitude clínica que daí decorre.
Vimos também os métodos utilizados na
274
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
prática para poder preceder formalmente
ao cálculo das probabilidades de doença
após o conhecimento do resultado do teste (probabilidade pós-teste) e vimos que
para poder aplicar esses métodos seria
preciso ter uma estimativa, mais ou menos precisa, da probabilidade pré-teste
da doença (estimada pela sua prevalência). Assim sendo, a disponibilidade de
estimativas da prevalência da doença em
consideração o mais válidas e precisas
possível e, idealmente, específicas do
meu contexto particular permitirá optimizar a utilização da informação diagnóstica proveniente do teste. Para obter estas
estimativas (1) poderão utilizar-se os resultados dos próprios estudos da validade
dos testes diagnósticos (que geralmente
incluem ou permitem o cálculo deste tipo
de medidas); (2) poderão procurar-se
estudos específicos sobre a prevalência
da doença em causa, idealmente feitos
num contexto e com métodos passíveis
de permitir a generalização para a nossa
própria realidade ou (3) poder-se-á procurar obter, através de uma análise mais
ou menos formal, dados no nosso próprio
contexto (ex: no nosso hospital) sobre
a prevalência da doença em causa (ex:
através da consulta de históricos clínicos,
bases de dados clínicas ou administrativas ou, idealmente, desenvolvendo um
trabalho científico específico para responder a esta questão).
No caso da procalcitonina na discriminação entre pneumonias de etiologia
bacteriana e vírica na criança, será necessário ter uma estimativa da frequência
das pneumonias de etiologia bacteriana
(doença em consideração neste caso)
entre as crianças com quadros compatíveis com o diagnóstico de pneumonia.
Este valor pode ser obtido, por exemplo,
analisando os dados do próprio artigo de
Don et al.(10), cuja análise crítica tem vindo
a ser feita, e onde é possível verificar que
nas crianças com sinais e sintomas compatíveis com pneumonia, e nas quais foi
possível determinar a etiologia da mesma,
a frequência de pneumonias bacterianas
foi de 65% (43/66). Uma outra forma de
aplicar devidamente os dados relativos à
validade da procalcitonina seria tentar estimar para o nosso contexto particular (no
meu hospital ou no meu centro de saúde)
a frequência das pneumonias bacterianas entre as crianças vistas com quadros
compatíveis com pneumonia.
Serão os resultados do teste diagnóstico úteis para a resolução do problema do meu doente?
A avaliação da aplicabilidade de
um estudo sobre validade de um teste
diagnóstico implica também perceber até
que ponto a aplicação do teste na prática
clínica, e a subsequente modificação da
probabilidade da doença associada aos
seus resultados, tem um efeito significativo na melhoria dos resultados clínicos que temos por objectivo atingir para
aquele doente particular (ex: probabilidade e tempo de sobrevivência, capacidade
funcional, qualidade de vida, etc.). Obviamente, o ideal seria que um teste fosse
só usado se realmente é necessário e
tem um efeito relevante nessas variáveis
de resultado. Formalmente, este tipo de
questões obrigam a pensar nos testes
diagnósticos como intervenções, (semelhantes a outras, por exemplo, as terapêuticas) mas de natureza diagnóstica,
e exigem tipologias diferentes das discutidas neste artigo para o seu adequado
estudo (por exemplo, ensaios clínicos de
diagnóstico – diagnostic randomized clinical trials – D-RCT’s)(21).
Quais são as opiniões, valores e expectativas do meu doente relativamente
aos objectivos ou resultados clínicos esperados e poderá a realização do teste
diagnóstico contribuir para a concretização dos mesmos?
Finalmente, a decisão sobre a aplicabilidade prática do estudo sobre a validade de um teste diagnóstico deverá
ter em conta o equilíbrio entre benefícios
e riscos associados ao teste em cada
doente particular e incorporar, também,
os seus valores e expectativas. Dever-se-á incorporar a valorização individual
que o doente faz sobre os potenciais
benefícios e riscos associados ao teste
e aos seus resultados como factores de
ponderação na comparação entre testes
alternativos e na decisão de usar ou não
cada teste diagnóstico. Para isto, poder-se-ão utilizar métodos mais ou menos
quantitativos e mais ou menos explícitos
de elicitação e integração das valorizações dos doentes(4).
NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 4
CONCLUSÃO
O diagnóstico é um dos mais nobres actos da prática médica. A utilização adequada dos testes diagnósticos
depende do conhecimento das suas
propriedades e características operacionais, em particular da sua validade, e da
aplicação de métodos que permitam maximizar a utilização da informação que a
partir deles é possível obter. Ao longo do
presente e do anterior artigos desta série
foi possível verificar que a qualidade dos
estudos sobre validade de testes diagnósticos está dependente do controlo
de um vasto conjunto de fontes de erros
sistemáticos e aleatórios, que devem ser
conhecidas, prevenidas e detectadas. A
aplicação de uma conjunto de critérios
básicos para a avaliação da qualidade
metodológica destes estudos, bem como
da importância dos seus resultados e da
sua aplicabilidade prática foi discutida e
ilustrada através de um exemplo prático.
Por fim, e no contexto da aplicação prática das medidas de validade dos testes
diagnósticos, foram também discutidos
os princípios quantitativos que permitem
integrar a informação dada pelo resultado de um teste no processo de decisão
diagnóstica.
Nestes dois artigos colocou-se o
foco na utilização da informação isolada proveniente de um teste diagnóstico,
no entanto, convém sublinhar que hoje,
na investigação diagnóstica, é cada vez
mais frequente a utilização de estratégias
e métodos multivariados, que consideram
de forma mais adequada a multiplicidade
de informação diagnóstica que está disponível em cada situação e a capacidade de discriminação adicional que, neste
contexto, cada teste diagnóstico poderá
acrescentar(4, 22). Referimo-nos, em particular, a métodos mais recentes em investigação diagnóstica, de que são exemplo
as chamadas regras de decisão clínica
(clinical decision rules)(4, 22).
O estudo de Don et al.(10) sobre a
validade da procalcitonina na discriminação entre pneumonias de etiologia
bacteriana e vírica na criança foi apresentado e discutido ao longo dos dois
últimos artigos desta série. Verificou-se
que o artigo de Don et al.(10), apesar de
globalmente adequado quanto à sua
qualidade metodológica tinha alguns
aspectos que poderiam ser melhorados
ou corrigidos. Quanto à importância e
à aplicabilidade prática dos resultados
deste artigo, foi possível concluir que,
à luz da evidência isolada do mesmo, a
utilidade diagnóstica da procalcitonina
na discriminação entre pneumonias de
etiologia vírica e bacteriana na criança é
relativamente limitada.
Em conclusão, apesar dos resultados deste artigo de Don et al.(10) e outros
estudos(23, 24) indicarem uma utilidade limitada da procalcitonina neste contexto
clínico, a verdade é que existem vários
outros estudos que chegam a resultados
bastante mais positivos(25-28), encontrando, por exemplo, valores de área sob a
curva ROC, relativamente à discriminação entre pneumonias de etiologia vírica
e bacteriana, de 94%(25), 93%(26) e 76%(28),
bastante superiores aos reportados por
Don et al.(10). No entanto, é importante
sublinhar que os estudos com resultados
menos positivos têm, na generalidade,
melhor qualidade metodológica e maior
capacidade de generalização.
Em síntese, e tendo em conta na
sua globalidade a evidência heterogénea disponível, será justo dizer que, embora não sendo um teste perfeito, a procalcitonina poderá ter alguma utilidade
na discriminação entre pneumonias de
etiologia bacteriana e vírica na criança.
Isto torna-se particularmente verdade se
compararmos a utilidade da procalcitonina, neste contexto, com outros testes
alternativos (ex: proteína C reactiva,
velocidade de sedimentação, contagem
de leucócitos ou interleucina 6), alguns
deles frequentemente utilizados na prática clínica. Se a procalcitonina não é
perfeita, a verdade é que a evidência
existente aponta claramente para a sua
superioridade relativamente a todas essas outras alternativas(25, 27-30). Por fim,
se a sua utilidade não é muito clara na
definição da etiologia da pneumonia, a
evidência existente torna claro que: (1)
quando são obtidos valores elevados
deste marcador (> 20-30 ng/ml) quase
sempre são infecções bacterianas e muitas vezes graves; (2) a procalcitonina é
um excelente marcador da gravidade da
pneumonia e da necessidade de interna-
mento hospitalar e (3) a procalcitonina é
um bom marcador de outras patologias
bacterianas graves como meningite e
sépsis(25-34).
Voltando finalmente ao cenário
clínico apresentado, o interno que atendia a Maria, de 5 anos e com sinais e
sintomas compatíveis com pneumonia,
acaba por decidir, depois da análise do
artigo de Don et al.(10), que necessita
de despender algum tempo a analisar
a restante literatura e a treinar a aplicação do teorema de Bayes no cálculo
de probabilidades de doença pós-teste.
Depois da pesquisa e leitura que fez
fica, no entanto, com a convicção que,
por um lado, alguns dos testes que habitualmente pede nestas situações (PCR
e contagem de leucócitos) poderão ser
menos úteis do que pensava e, por outro lado, embora a procalcitonina possa
ter algumas vantagens marginais sobre
essas alternativas, só depois de uma
ponderação dos custos deste teste poderia considerar, por exemplo, trocar por
rotina o seu pedido da PCR por um de
procalcitonina. Decidiu então ir no dia
seguinte ao laboratório de bioquímica
do hospital perguntar quanto é que custava uma análise de procalcitonina em
comparação com a sua já conhecida e
velha PCR. Quanto à Maria, com a chegada dos resultados dos exames verificou-se que tinha leucocitose de 20000/
ml, neutrofilia de 71%, PCR de 35 mg/l
e a radiografia torácica com imagem de
condensação no lobo inferior direito. Foi
instituída antibioterapia em tratamento
domiciliar, com vigilância sintomática e
recomendada posterior reavaliação no
centro de saúde.
Encerramos sublinhando que, na
sequência do acima exposto, e em nossa
opinião, a alteração e constante evolução dos processos e tecnologias de diagnóstico e terapêutica são um elemento
fundamental à melhoria continuada da
qualidade do exercício da medicina,
sendo a medicina baseada na evidência
uma abordagem que permitirá apoiar e
informar, da forma mais adequada, esta
evolução e a consequente modificação
criteriosa e justificada dos processos,
atitudes, tecnologias e práticas clínicas
instaladas.
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
275
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
CRITICAL APPRAISAL AND
PRACTICAL IMPLEMENTATION OF
DIAGNOSTIC TESTS ACCURACY
STUDIES – PART II
ABSTRACT
Evidence Based Medicine (EBM) is
generically defined as the conscientious,
explicit and judicious use of current best
evidence in making decisions about the
care of individual patients. This section
of Evidence Based Paediatrics has been
covering the conceptual, methodological and operational issues related to the
practice of EBM in the field of Paediatrics.
In the present article we will continue the
discussion of the practical example regarding the critical appraisal and practical
implementation of diagnostic tests accuracy studies initiated in the previous article of this section. In the present article
we will continue the discussion of a clinical scenario where we have searched for
and critically appraise scientific evidence
about the accuracy of serum procalcitonin in the distinction of bacterial from viral
pneumonia in children. In the last article
methods for searching the current best
evidence were discussed and a systematic approach for the critical appraisal of
diagnostic tests accuracy studies was
suggested, including: (1) assessment of
the methodological quality of the study;
(2) assessment of the scientific and practical impact of its results and (3) assessment of their practical applicability. After
discussing in the past article the first of
this points, in the present article we will
be covering methods and concepts concerning the assessment of scientific and
practical impact of results (operational
characteristics of diagnostic tests and
integration of diagnostic information in
the clinical decision making process in a
bayesian perspective) and their practical
applicability.
Keywords: Evidence based medicine, diagnosis, diagnostic tests, specificity, sensitivity, predictive values, likelihood ratios, ROC curves, procalcitonin,
pneumonia, children.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 265-277
276
pediatria baseada na evidência
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[email protected].
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
277
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Síndrome de Mauriac
Uma Apresentação Rara de Uma Doença Mais Comum
Cláudia Constantino1, João Farela Neves1, Raquel Marta1, Gabriela Pereira1, Deolinda Barata1, Lurdes Lopes2
RESUMO
Introdução: A diabetes mellitus tipo
1 (DM1) é uma doença metabólica crónica cuja incidência anual tem vindo a
aumentar. Pode cursar com alterações
sistémicas, como a hepatomegalia e o
atraso de crescimento, decorrentes de
controlo glicémico inadequado.
Caso clínico: Adolescente de 14
anos com o diagnóstico de DM1 desde
os três anos de idade e com mau controlo glicémico, internada numa Unidade
de Cuidados Intensivos por cetoacidose
grave. Do exame objectivo destacavam-se baixa estatura, hepatomegalia não
dolorosa e estadio pubertário P1, M2 de
Tanner. Analiticamente apresentava aumento das transaminases, hipercolestorolemia e hipertrigliceridemia.
Discussão: A síndrome de Mauriac,
caracteriza-se por: DM tipo 1 mal controlada, baixa estatura, atraso pubertário,
hipercolesterolémia, aumento das transaminases e hepatomegalia por depósito
hepático de glicogénio.
O mecanismo fisiopatológico não
está totalmente esclarecido, sendo provavelmente a combinação de vários factores etiológicos.
É uma situação rara, cujo diagnóstico, essencialmente clínico, assume extrema importância dada a reversibilidade do
quadro com a optimização terapêutica.
Palavras-chave: Diabetes mellitus
tipo1, síndrome de Mauriac, hepatomegalia, atraso pubertário
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 278-281
__________
1.
2.
Unid. Cuidados Intensivos, Hospital Dona
Estefânia, CHLisboa Central
Unid. Endocrinologia, Hospital Dona
Estefânia, CHLisboa Central
278
casos clínicos
case reports
INTRODUÇÃO
A diabetes mellitus corresponde a
um grupo de doenças metabólicas, caracterizado por hiperglicémia crónica devida a um defeito na secreção e/ou acção
da insulina.(1)
A diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é
causada pela destruição autoimune das
células ß dos ilhéus de Langerhans do
pâncreas. É o tipo mais comum em idade
pediátrica, sendo responsável por cerca
de 90% dos casos de DM em crianças e
adolescentes na maioria dos países desenvolvidos. Ambos os sexos são igualmente afectados.(1)
A sua incidência anual tem vindo a
aumentar nos últimos anos, estimando-se que em 2020 possa aumentar cerca
de 50% em crianças até aos cinco anos
de idade e até 70% em crianças até aos
15 anos. Sendo muito variável consoante as diferentes áreas geográficas (0,1 a
57,6/100 000), em Portugal, a incidência
oscila entre 8 e 11/100 000.(1)
O inadequado controlo glicémico
pode originar diversas complicações
como atraso de crescimento, atraso pubertário e hepatomegália, constituindo no
seu conjunto a síndrome de Mauriac.(1,3, 8)
CASO CLÍNICO
Adolescente de 14 anos com DM1
diagnosticada aos três anos de idade,
internada por cetoacidose grave (pH 6,9;
EB -29,1) em estado estuporoso com taquipneia e glicemia de 801 mg/dl.
Dos antecedentes familiares destaca-se prima em 1º grau com diabetes
mellitus tipo1 falecida aos 32 anos por
neoplasia. Pais de 49 anos, saudáveis,
não consanguíneos. Dois irmãos de 25 e
21 anos, saudáveis.
Desenvolvimento estaturo-ponderal
no percentil 25 até aos 11 anos, estando
actualmente abaixo do P3. Não teve, ainda, menarca.
Teve vários internamentos anteriores por cetoacidose diabética, por má
adesão à terapêutica, sobretudo nos
dois anos anteriores ao internamento. A
Hb A1c, 2 meses antes do internamento,
era de 14%. Apesar de lhe ter sido prescrito um esquema intensivo de insulinoterapia com análogo de acção lenta (22
U) ao deitar e análogo de acção rápida
às refeições (1U/porção HC + 1U/40 mg
de glicemia), este não era cumprindo
correctamente.
O exame objectivo revelou: peso de
37 kg (<P5), estatura 142 cm (<<P3) (Figura 1), IMC 18,3; fácies lunar (Figura 2),
abdómen proeminente com hepatomegália não dolorosa de 7-8 cm abaixo do
rebordo costal direito e estadio de Tanner
M2, P1.
Figura 1 - Curva de evolução estatural
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Hb A1c chegou a 9%, tendo voltado
a aumentar para 11%, com concomitante
aumento das transaminases e perfil lipidico (AST: 68U/L; ALT: 65 U/L; TG: 318mg/
dl; Colesterol total: 328mg/dl).
Última avaliação analítica (três meses após a alta) mostra valores de LH,
FSH e estradiol normais; função tiroideia
com T3 livre normal, T4 ainda ligeiramente diminuída e TSH ligeiramente aumentada. IGF1 a aumentar embora ainda com
valores baixos, IGF1-BP3 e prolactina
normais (Quadro II).
Microalbuminúria 32,2 μg/ml (VR:
1-18,8). Teve um valor normal (4,06 μg/
ml) dois meses após a alta.
Tem-se mostrado mais responsável
e cumpridora da terapêutica, com a ajuda
familiar, sem apoios externos.
Figura 2 - Fácies lunar
Locais de administração de insulina sem lipodistrofia. Auscultação cardio-pulmonar sem alterações.
Analiticamente observou-se aumento
das transaminases e γ-GT; hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia (Quadro I).
Anticorpos antitiroglobulina e anti-insulina positivos.
Hemograma, coagulação e função
renal sem alterações. As serologias virais para Hepatites A, B e C; VEB, CMV
e Mycoplasma foram negativas. O estudo
genético para glicogenose tipo 1a foi normal. Os Ac anti-nucleares, anti-músculo
liso, anti-mitocôndria, anti-microssomas
FIG/RIM, anti-citosol e anti-transglutaminase foram negativos.
Idade óssea: 13-13,5 anos.
A ecografia abdominal confirmou
“hepatomegalia major com 23 cm. Contornos regulares e aumento da ecogenicidade parenquimatosa, traduzindo sobrecarga metabólica.”
A ecografia tiroideia era compatível
com tiroidite autoimune (“tiroide hiperecogénica com ecoestrutura granular”).
Observação oftalmológica normal.
Durante o internamento manteve hiperglicémia (entre 250 e 500 mg/dl), com
cetonémia até D8. As transaminases diminuiram progressivamente até valores
normais.
Teve acompanhamento psicológico
durante o internamento, tendo-lhe sido
explicada a importância da adesão à terapêutica.
Actualmente, quatro meses após a
alta, a estatura é 146,6 cm (crescimento
superior a 4 cm/ano) e o peso é 41 kg
(aumentou 4 kg). Mantém hepatomegália, embora de menores dimensões.
DISCUSSÃO
No decurso da investigação desta
adolescente, várias hipóteses foram colocadas para explicar os sintomas apresentados. A hepatomegália e aumento
das transaminases poderiam ser devidas a esteatose hepática não alcoólica
(muito comum em doentes diabéticos
Quadro I – Resultados laboratoriais na admissão
AST
403 U/L
↑
ALT
184U/L
↑
γ-GT
201 U/L
↑
Colesterol total
345 mg/dl
↑
Triglicéridos
1017 mg/dl
↑
Estradiol
1,26 pg/ml (VR: 16-136);
↓
FSH
0,45 mUI/ml (VR: 1,52-11,3)
↓
LH
0,17 mUI/ml (VR: 0,5-25)
↓
IGF1
29,9 ng/ml (VR: 237-996)
↓
T3 livre
1,5 pg/ml (VR: 2,8-5,2)
↓
T4 livre
<0,3ng/dl (VR: 1,04-2,1)
↓
TSH
7,7 μUI/ml (0,77-4,3)
↑
Microalbuminúria
57,7 μg/ml (VR: 1-18,8)
↑
AST – aspartato aminotransferase; ALT alanina aminotransferase,
γ-GT – gama-glutamil transpeptidase, FSH – follicle stimulating hormone,
LH – Hormona luteínica, IGF1 - insulin-like growth factor 1,
T3 livre – tri-iodotironina, T4 livre – tiroxina, TSH – thyroid stimulating hormone
casos clínicos
case reports
279
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
tipo2), a hepatite viral ou glicogenose,
nomeadamente a tipo1a ou doença de
Von Gierke, caracterizada por pouca tolerância ao jejum, hepatomegália, baixa
estatura e atraso pubertário.(4)
As serologias virais efectuadas foram negativas para infecção aguda; o
estudo genético para glicogenose tipo 1a
também foi negativo.
A tiroidite autoimune com consequente hipotiroidismo primário presente
nesta doente poderiam explicar o atraso
pubertário e baixa estatura. No entanto,
quando tal acontece, os níveis de prolactina e FSH são altos e os de LH baixos(5)
Não é o que se passa neste caso. Os
níveis normais de prolactina e baixos de
FSH e LH, bem como a normalização da
função tiroideia sem qualquer terapêutica
não favorecem esta hipótese.
A associação de DM tipo 1 mal controlada, hepatomegália, aumento das
transaminases, baixa estatura, atraso pubertário e hipercolestorolémia corresponde à descrição clássica da síndrome de
Mauriac, reportada pela primeira vez por
este autor em 1930.(6) Actualmente, com
o controlo mais exigente da DM1, tem-se
tornado uma entidade rara.(7)
O mecanismo fisiopatológico da
síndrome de Mauriac não está totalmente esclarecido, devendo-se, provavelmente, à combinação de vários factores
tais como mau controlo metabólico, hiperglicémia mantida e hiperinsulinização
pontual.
A hepatomegália deve-se ao depósito hepático de glicogenio. A hiperglicemia habitual, associada ao mau
controlo, condiciona a entrada livre de
glicose no hepatócito. Por outro lado,
como existem, também, episódios de
hiperinsulinização pontual, com hipoglicemia transitória, é estimulada a produção de cortisol, com consequente depósito hepático de glicogénio. O aumento
das transaminases, deve-se à ocupação citoplasmática dos hepatócitos por
glicogénio.(8)
A causa do atraso de crescimento
na síndrome de Mauriac continua a ser
um “mistério”. Vários mecanismos parecem estar envolvidos, relacionados com
desregulação do eixo hormona do crescimento – IGF-I (insulin-like growth factor
I): quantidade insuficiente de IGF-I, diminuição da sua bioactividade, presença de
inibidores em circulação ou resistência
dos receptores.(3,7) O IGF-I é o principal
efector da hormona do crescimento. Apesar do IGF-I ser muitas vezes considerado um indicador da secreção ou acção da
hormona de crescimento, a sua síntese
e secreção são reguladas por múltiplos
e complexos mecanismos. A nutrição,
insulina, esteroides sexuais, cortisol e tiroxina têm efeitos positivos na libertação
de IGF-I.(9)
Os doentes com síndrome de Mauriac têm níveis de hormona de crescimento normais e IGF-I muito baixos, como
acontece com o caso apresentado.
Quadro II – Resultados laboratoriais três meses após a alta
Estradiol
22,8 pg/ml (VR: 16-136);
N
FSH
7,21 mUI/ml (VR: 1,52-11,3)
N
LH
12,1 mUI/ml (VR: 0,5-25)
N
T3 livre
3,44 pg/ml (VR: 2,8-5,2)
N
T4 livre
0,92 ng/dl (VR: 1,04-2,1)
↓
TSH
5,2 μUI/ml (0,77-4,3)
↑
IGF1
88,7 ng/ml (VR: 237-996)
↓
IGF1-BP3
3,93 μg/ml (VR: 3,5-10)
N
Prolactina
6,21 ng/ml (VR: 3,6-26)
N
FSH – follicle stimulating hormone, LH – Hormona luteínica, T3 livre – tri-iodotironina, T4 livre – tiroxina,
TSH – thyroid stimulating hormone, IGF1 - insulin-like growth factor 1
280
casos clínicos
case reports
A hipercolesterolemia nos doentes
com DM1 deve-se à absorção aumentada de colesterol e não ao aumento
da síntese de colesterol, muito típico na
DM2.(10)
A síndrome de Mauriac é uma situação rara, mas que deve ser considerada no diagnóstico diferencial de crianças
com DM tipo 1 mal controlada, atraso no
crescimento e hepatomegalia. O diagnóstico, essencialmente clínico, assume
extrema importância dada a reversibilidade do quadro com a optimização terapêutica, embora o crescimento de retorno
pode não ser completo.
A hepatomegália com depósito hepático de glicogénio, recentemente denominada hepatopatia glicogénica pode ser
uma entidade subdiagnosticada.(11)
Salienta-se que a optimização terapêutica pode acelerar a progressão da
retinopatia e nefropatia, provavelmente
devido ao aumento dos níveis de IGF-I
pelo seu efeito angiogénico, pelo que se
deve ter uma vigilância oftalmológica e
renal mais apertada.(12,13)
MAURIAC SYNDROME, UNCOMMON
PRESENTATION OF A COMMON
DISEASE
ABSTRACT
Introduction: Type 1 diabetes mellitus is a chronic metabolic disease whith
increasing incidence. It has different kinds
of manifestations, such as systemic disturbances like hepatomegaly and dwarfism, caused by poor glycemic control.
Case presentation. A 14 year-old
girl with type 1 diabetes mellitus since she
was three, with a poor glycemic control,
admitted in an Intensive care Unit for severe ketoacidosis.
On examination she had short stature, a non painful hepatomegaly and Tanner stage P1 M2. Laboratory data showed
increased transaminases, cholesterol and
tryglicerides.
Discussion: Mauriac syndrome is
characterized by poorly controlled type 1
diabetes mellitus, growth failure, delayed
puberty, hypercholesterolemia, high levels
of transaminases and hepatomegaly due
to hepatic glycogen storage.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
The physiological mechanism is not
completely understood, and this is due to
a probably combination of various etiological factors.
It is a rare clinical entity. The diagnosis, that is mostly clinical based, is
very important because this is a reversible condition with optimization of insulin
therapy.
Keywords: Type 1 Diabetes mellitus, Mauriac Syndrome, hepatomegaly,
delayed puberty.
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1998; 47: 1341-6.
CORRESPONDÊNCIA
Cláudia Constantino
Departamento de Pediatria Médica,
Hospital Dona Estefânia,
CHLisboa Central, EPE
Rua Jacinta Marto 1169-045 Lisboa
[email protected]
casos clínicos
case reports
281
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Leucemia Aleucémica
Marisa Carvalho1, Teresa Oliva2, Isabel Silva2, Marta Almeida2, Norberto Estevinho3, Vítor Costa2 , Lucília Norton2
RESUMO
Introdução: O termo leucemia
aleucémica é usado quando ocorre infiltração cutânea por células leucémicas na
ausência de blastos no sangue periférico
e medula óssea, podendo ser a primeira manifestação da doença. Em cerca
de 25-30% das leucemias congénitas
é documentada infiltração cutânea no
decorrer da doença ou como manifestação inicial. A maioria está associada ao
tipo mieloide e a detecção do gene MLL
(mixed-lineage leukemia gene) confere
mau prognóstico, exigindo tratamento
com quimioterapia intensiva.
Caso Clínico: Apresenta-se o caso
de uma lactente do sexo feminino e de
raça negra, com diagnóstico de Leucemia
Aguda Linfoblástica linhagem B, efectuado aos seis meses de vida, no Hospital
de Joanesburgo, através de biópsia de
nódulo subcutâneo com três meses de
evolução. Admitida no Instituto de Oncologia do Porto, a pedido da mãe, para
realização de quimioterapia.
Discussão: O caso apresentado
documenta uma entidade rara e de mau
prognóstico mas que, neste caso, teve
uma boa resposta à terapêutica instituída.
Palavras-chave: Gene MLL, infiltração neoplásica cutânea, leucemia
aleucémica.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 282-284
INTRODUÇÃO
As leucemias agudas representam
30% dos tumores diagnosticados em
crianças e adolescentes com menos de
__________
Serviço de Pediatria, CH Trás-os-Montes e
Alto Douro
2
Serviço de Pediatria, IPOPF-G
3
Serviço de Cirurgia Pediátrica, IPOPF-G
1
282
casos clínicos
case reports
15 anos. Cerca de 80% dos casos, são
leucemias agudas linfoblásticas (LAL),
20% são leucemias agudas mieloblásticas (LAM) e menos de um por cento
são leucemias mieloides crónicas (LMC).
O diagnóstico é feito quando se identificam mais de 25% de blastos na medula
óssea(1). A infiltração da pele por células
leucémicas usualmente representa uma
disseminação sistémica ou precede o
aparecimento de blastos no sangue periférico – leucemia cutânea aleucémica(2).
A incidência de infiltração cutânea é elevada (25 a 30%) na leucemia congénita,
entidade rara, que ocorre em um por cada
cinco milhões de nascimentos. Clinicamente, a leucemia cutânea caracteriza-se pela presença de nódulos múltiplos,
duros, violáceos, com base purpúrica,
com 1 a 2,5 cm de diâmetro. Estão descritas apresentações aleucémicas em
que a primeira manifestação é na pele e
o sangue periférico e a medula óssea não
estão atingidos(3). O diagnóstico é confirmado pela biópsia do nódulo cutâneo. A
história natural da leucemia congénita é
usualmente fatal, no entanto há casos
descritos de remissão espontânea temporária ou permanente(4-5).
RELATO DO CASO CLÍNICO
Lactente de sete meses, do sexo
feminino e de raça negra, natural e residente em Luanda. Fruto de uma gravidez
vigiada, com ameaça de abortamento no
primeiro trimestre. Mãe de 27 anos, saudável, primeira gesta, grupo de sangue
ORh positivo, antigenio de superfície da
hepatite B negativo, vírus da imunodeficiência humana (VIH) negativo, teste
VDRL negativo, imune à rubéola e não
imune à toxoplasmose. Durante a gravidez fez medicação com: salbutamol,
fenobarbital, ácido nalidixico, etilefrina,
amoxicilina com ácido clavulânico, nimesulide e mebendazol. Nascimento às 37
semanas, por cesariana, com Índice de
APGAR ao primeiro e quinto minuto de
sete e oito respectivamente. Peso aos
nascer de 3000 g, 46 cm de comprimento
e 34 cm de perímetro cefálico. Alta hospitalar ao quarto dia de vida, a fazer aleitamento materno exclusivo, que manteve
até ao quarto mês de vida.
Crescimento e desenvolvimento
adequados, sem intercorrências até aos
três meses de vida. Foi notado então
nódulo cutâneo na região frontoparietal,
com cerca de meio centímetro de diâmetro, associado a febre, que motivou observação e internamento em clínica privada
em Luanda e posterior seguimento em
consulta, por anemia. Verificou-se progressão da doença, com generalização
dos nódulos. Aos quatro meses e meio,
foi observada num Hospital da Namíbia
e realizou biópsia do maior nódulo, cujo
resultado foi compatível com neoplasia
de células pequenas, redondas e azuis
(provável neuroblastoma). Foi transferida para um Centro Oncológico na África
do Sul aos seis meses de vida. Efectuou
mielograma: morfologia e imunofenótipo
compatíveis com leucemia aguda linfoblástica células nulas; CD79a positivo,
CD3 positivo, Tdt negativo na maioria das
células e positividade em algumas células;
genética molecular-rearranjo gene MLL
por FISH. A biópsia de nódulo cutâneo
revelou extensa infiltração por neoplasia
linfoproliferativa de alto grau; imunofenótipo: CD20 negativo, CD3 negativo, Tdt
negativo, CD79a positivo e CD45 positivo, CD10 positivo nas células dendríticas
da derme e negativo nas células tumorais, CD5 positivo, muramidase positivo,
mieloperoxidase positivo em algumas
células, CD117 negativo na maioria das
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
células e CD15 negativo. Cintigrama ósseo com Tecnésio 99: sem evidência de
metástases. Tomografia axial computorizada cerebral: múltiplos nódulos subcutâneos e periosteais, massa com 4,5x4x1,5
cm junto à fontanela anterior expandindo
o osso e sem lesões cerebrais centrais.
Tomografia axial computorizada torácica e abdominal: nódulos subcutâneos e
cutâneos envolvendo o tórax; lesão com
1,4x1,3x1,5cm envolvendo a parede torácica próximo do ventrículo esquerdo;
múltiplos nódulos subcutâneos na região
dorsal; infiltração renal que condiciona o
aumento das suas dimensões; baço normal com fígado e pâncreas aumentados
mas sem lesões focais; gânglios paraaórticos e mesentéricos pericentimétricos,
axilares e inguinais aumentados. Perante
estes resultados, foi feito o diagnóstico
de Leucemia Aguda Linfoblástica da linhagem B e, dada a gravidade do quadro
clínico, com prognóstico muito reservado,
foi decidido não efectuar quimioterapia.
Foi admitida a 11 de Setembro de
2008, aos sete meses de vida, no Serviço de Pediatria do Instituto Português
de Oncologia Francisco Gentil do Porto,
a pedido dos pais.
À admissão, tinha um razoável estado geral, com peso de 6120gr e um
comprimento de 63,5 cm. O exame físico mostrou múltiplos nódulos duros,
purpúreos, dispersos por todo o corpo,
em maior número no couro cabeludo
e o maior dos quais localizado à região
fronto-parietal, com 4x5 cm de diâmetro
(Figura 1).
O baço e o fígado não se encontravam aumentados e não existiam outras
alterações relevantes no exame físico. O
Figura 1: Múltiplos nódulos leucémicos no
couro cabeludo.
estudo analítico revelou: hemoglobina –
9,8 g/dl, plaquetas – 306x109/l, leucócitos
– 5,75x109/l (neutrófilos 2620/mm3), sem
blastos no sangue periférico. Ureia e creatinina normais para a idade, ácido úrico
– 515 mg/dl, AST – 44 U/l, ALT – 33 U/l e
DHL – 530 U/l. Serologia para hepatite B e
C, vírus T linfotrófico humano (HTLV) um
e dois e VIH negativas. Na ecografia abdominal, o fígado e as vias biliares eram
normais. O aspirado da medula óssea
revelou uma medula óssea normocelular
com 2,1% de blastos. Em 6% dos núcleos analisados foi identificada a translocação envolvendo a banda cromossómica
11q23 (gene MLL). Imunofenotipagem
– sem células patológicas. O exame do
líquido cefalo raquidiano (LCR) revelou
envolvimento meníngeo com 99,4% de
células linfóides B patológicas. O exame
anatomopatológico da biópsia do nódulo inguinal mostrou células de tamanho
pequeno a intermédio, com citoplasma
escasso e núcleo irregular, que exibiam
imunofenótipo B (CD79a positivo, CD20
negativo, CD3 negativo, CD10 negativo,
TdT negativo, mieloperoxidase negativa),
consistente com Linfoma/Leucemia linfoblástica de células precursores B (classificação da O.M.S.).
Iniciou tratamento, fase de indução, com prednisolona 60 mg/m2/dia de
acordo com o protocolo INTERFANT 06
(International collaborative treatment
protocol for infants under one year with
acute lymphoblastic or biphenotypic leukemia) – risco médio. Após a pré-fase
de oito dias com corticóides, verificou-se
uma boa resposta clínica, com diminuição gradual das lesões cutâneas. Antes
do início da quimioterapia de manutenção realizou ressonância magnética cerebral e tomografia axial computorizada
toracoabdominal, que foram normais.
Também não foram observadas células
patológicas no líquido cefalorraquidiano
e medula óssea.
A doente, actualmente com 32
meses, terminou o tratamento de manutenção com metotrexato semanal e
6-mercaptopurina diária em Outubro de
2010, após o que manteve seguimento
em consulta externa, nesta instituição.
O exame clínico e o desenvolvimento
estaturo-ponderal são normais.
DISCUSSÃO
A leucemia cutânea pode surgir em
vários subtipos de leucemias e a sua incidência mantém-se desconhecida. Na
maioria dos casos, a doença sistémica
precede a infiltração cutânea e apenas
raramente é a primeira manifestação
da doença (leucemia aleucémica). Na
apresentação no IPO, tratava-se, neste
caso, de uma leucemia extramedular,
em que a biópsia das lesões foi fundamental para estabelecer o diagnóstico e
programar o tratamento adequado. De
notar o facto de estar descrita invasão
medular por células leucémicas aos cinco meses de vida o que já não se verificava dois meses mais tarde aquando
da admissão no nosso serviço, apenas
tendo sido detectado o rearranjo MLL no
aspirado medular. Na colheita da história
clínica não foi possível documentar qualquer tratamento prévio, nomeadamente
corticoterapia. No entanto o exame histológico do gânglio inguinal revelou um
número reduzido de células neoplásicas
e fenómenos de apoptose que poderiam
resultar de alguma terapêutica, embora
nunca mencionada.
Na leucemia congénita (por definição, surge no primeiro mês de vida), a
manifestação cutânea ocorre em mais de
metade dos doentes. No nosso caso não
conseguimos avaliar correctamente o início da doença, havendo referência a um
primeiro nódulo aos três meses de vida.
O quadro clínico da leucemia cutânea
caracteriza-se pelo aparecimento de máculas, pápulas, placas, nódulos, púrpura,
úlceras ou erupções exantematosas. É
necessário um alto índice de suspeição
para efectuar o diagnóstico, uma vez que
não são evidentes alterações no sangue
periférico. Está frequentemente associada a leucemia mieloblástica e raramente
a leucemia linfoblástica(6), como no nosso
caso. O diagnóstico pode ser obtido por
biópsia dos nódulos cutâneos. A identificação do rearranjo MLL é considerada
um factor de mau prognóstico(3); no entanto, a resposta ao tratamento instituído
e a evolução na nossa doente, têm sido
favoráveis. Existem casos de remissão
espontânea, habitualmente em doentes sem factores de mau prognóstico.
A progressão para leucemia aguda va-
casos clínicos
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ano 2010, vol XIX, n.º 4
ria de um a 20 meses e a morte ocorre
frequentemente no primeiro ano após o
diagnóstico.
Este caso é divulgado, pela sua raridade, boa resposta à terapêutica e evolução favorável, apesar da presença de
factores de mau prognóstico.
ALEUKEMIC LEUKEMIA
ABSTRACT
Introduction: The term aleukemic
leukemia is used when there is skin infiltration by malignant leukocytes in the
absence of blasts in peripheral blood and
bone marrow, and it can be the first signal of the disease. Infiltration of the skin
has been documented in 25-30% of patients with congenital leukemia. Leukemia cutis may be the first manifestation
of congenital leukaemia, and may even
precede blood or bone marrow leukaemia by several weeks or months. Most
are associated with the myeloid lineage.
The presence of mixed-lineage leukemia
(MLL) gene has been associated with
284
casos clínicos
case reports
poor prognosis, requiring treatment with
intensive chemotherapy.
Case report: The authors report the
case of a six-year-old black female, with
skin lesions for three months, consistent
with Acute Lymphoblastic Leukemia. Admitted in our Pediatric Department – Instituto de Oncologia do Porto – Portugal, by
mother’s request, for chemotherapy.
Discussion: Although a poor prognosis is usually associated with this situation, our patient had a good response to
treatment.
Keywords: Aleukemic leukemia;
malignant cutaneous infiltration; MLL
gene.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 282-284
3. Hofmann I, Zane LT, Braun BS, Maize J, et al. Congenital leukemia cutis
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2. Rolz-cruz G. Tumor Invasion of the skin.
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CORRESPONDÊNCIA
Marisa Carvalho
Praceta João Evangelista, 3, 3º Esq.
5000-538 Vila Real
[email protected]
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ano 2010, vol XIX, n.º 4
Anafilaxia Induzida pelo Frio
Caso Clínico
Susana Gomes1, Vera Viegas2, Ana Pinheiro3, Ângela Gaspar4
RESUMO
Introdução: A urticária ao frio, rara
em idade pediátrica, caracteriza-se pela
ocorrência de urticária e/ou angioedema
após exposição ao frio. Na maioria dos
casos é idiopática; causas secundárias
incluem crioglobulinémia, défices do
complemento, vasculites, neoplasias e
doenças infecciosas. Habitualmente é
benigna e auto-limitada, no entanto reacções sistémicas potencialmente fatais
podem ocorrer.
Caso Clínico: Os autores apresentam o caso de um adolescente do sexo
masculino, de 16 anos, com uma forma
grave de urticária ao frio. Aos 14 anos
iniciou episódios reprodutíveis de urticária durante actividades aquáticas e malestar após exposição a ar frio, com agravamento progressivo. Dois meses após
início do quadro teve episódio súbito de
urticária generalizada, angioedema da
face e síncope após imersão em água do
mar. Foi colocado o diagnóstico de urticária ao frio adquirida idiopática, do tipo III.
Foi recomendada evicção de exposição
ao frio, iniciada profilaxia com cetirizina e
prescrito dispositivo para auto-administração de adrenalina.
Palavras-chave: anafilaxia, urticária
ao frio, adrenalina, teste do cubo de gelo.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 285-288
INTRODUÇÃO
A urticária ao frio (UF) é um tipo de
urticária física caracterizada pelo apa__________
1
2
3
4
S. Pediatria H. Espírito Santo, Évora
S. Pediatria H. São Bernardo, Setúbal
S. Pediatria, H. D. Estefânia, CHLisboa Central
S. Imunoalergologia, H D. Estefânia, CHLisboa Central
recimento de urticária e/ou angioedema
no contexto de exposição a estímulos
frios, tais como água, ar ou alimentos.
Na maioria dos casos a UF é adquirida,
mas está descrita uma forma rara de UF
familiar cuja transmissão é autossómica
dominante.
Estima-se que a UF adquirida tenha
uma incidência de 0,05% na população
geral(1), atingindo mais frequentemente
adultos jovens, com ligeira predisposição
para o género feminino. Na idade pediátrica é rara. Em mais de 90% dos casos
é idiopática; entre as causas secundárias
incluem-se a crioglobulinemia, défices de
factores do complemento, vasculites, neoplasias e causas infecciosas (nomeadamente mononucleose infecciosa, infecção
pelo vírus da imunodeficiência humana,
sífilis, borreliose, hepatites virais e infecção pelo Helicobacter pylori)(1,2). A patogénese não está totalmente esclarecida,
mas pensa-se que resulte da diminuição
do limiar de desgranulação dos mastócitos na presença de um estímulo frio, com
consequente libertação de mediadores
pró-inflamatórios (histamina, prostaglandina D2, factor de activação plaquetário,
factor de necrose tumoral alfa)(2,3).
Wanderer e colaboradores estabeleceram uma classificação, de acordo
com a crescente gravidade das manifestações clínicas da UF e definiram o tipo I,
no qual existem reacções apenas na área
corporal em contacto com o estímulo frio;
o tipo II, em que ocorre urticária generalizada, sem associação a sintomas hipotensivos; e o tipo III, em que um ou mais
episódios se associaram a compromisso
cardiovascular(4, 5).
O diagnóstico da UF é clínico, confirmado por prova de estimulação com frio.
Habitualmente, utiliza-se o teste do cubo
de gelo, que consiste na aplicação de um
cubo de gelo (0 a 4ºC) na face anterior do
antebraço por um período de tempo variável até 20 minutos (habitualmente fazse estimulação aos 3, 10 ou 20 minutos,
procurando definir o menor intervalo de
tempo que desencadeia a resposta positiva). A leitura é efectuada cinco minutos
após a remoção do estímulo, considerando-se o teste positivo quando houver o
aparecimento de pápula(2). Um teste do
cubo de gelo positivo confirma o diagnóstico, mas em cerca de 20% das UF pode
ser negativo(6). O aparecimento de pápula após três minutos de estimulação está
associado a pior prognóstico, com maior
risco de ocorrência de reacções sistémicas graves(2,4,7). Caso o teste do cubo de
gelo seja negativo e a história clínica seja
sugestiva, existem outros testes de avaliação diagnóstica cuja realização pode
ser ponderada, em centros diferenciados,
tais como o teste de imersão em água fria
(5 a 10ºC) ou o teste com permanência
em quarto climatizado a 4ºC. Estes testes
não devem ser utilizados por rotina, pois
acompanham-se de risco de indução de
reacções sistémicas(2).
Apesar de a UF ser considerada
classicamente benigna e transitória, as
reacções sistémicas estão documentadas
em cerca de um terço dos doentes, frequentemente em contexto de imersão corporal total em água fria. As manifestações
sistémicas atingem com maior frequência
o sistema cardiovascular (hipotensão, síncope), seguido do respiratório (dispneia,
pieira) e gastrintestinal (cólicas, vómitos).
O diagnóstico de anafilaxia refere-se a
uma reacção alérgica sistémica grave,
com carácter imediato e com potencial de
fatalidade, que ocorre subitamente após
contacto com um estímulo desencadeante. A definição de anafilaxia baseia-se
na presença de pelo menos um dos se-
casos clínicos
case reports
285
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
guintes critérios clínicos: a) início súbito
com envolvimento da pele/mucosas, associado a compromisso respiratório ou hipotensão/sintomas hipotensivos; b) ocorrência de pelo menos duas das seguintes
manifestações: compromisso respiratório,
atingimento da pele/mucosas, hipotensão/
sintomas hipotensivos, sintomas gastrintestinais persistentes, minutos ou horas
após exposição ao alergénio provável; c)
hipotensão após exposição ao frio (hipotensão sistólica definida de acordo com
idade e género ou queda superior a 30%
da pressão arterial sistólica basal)(8,9,10). Na
anafilaxia ao frio estes sintomas surgem
tipicamente poucos minutos após a exposição ao frio(2), estando descritas reacções
anafilácticas fatais, sobretudo associadas
a actividades aquáticas.
Perante o diagnóstico de UF devem
ser implementadas medidas preventivas
de evicção de estímulos frios, nomeadamente actividades aquáticas, ambientes
frios e ingestão de bebidas ou alimentos
gelados. A profilaxia terapêutica com anti-histamínico oral diário está preconizada. A doença é habitualmente transitória,
com duração média dos sintomas em idade pediátrica de 4,1 anos(6).
Aos doentes com manifestações
clínicas graves, particularmente nas situações de UF de tipo III, em que existe risco de anafilaxia, deve ser prescrito
dispositivo para auto-administração intramuscular de adrenalina. A sua administração em situação de emergência deve
ser ensinada ao doente, pais e prestadores de cuidados.
CASO CLÍNICO
Adolescente do sexo masculino,
com 16 anos de idade, sem história familiar relevante. Dos antecedentes pessoais
salienta-se asma e rinite alérgicas intermitentes, eczema atópico, alergia alimentar a
crustáceos (camarão e perceves), esofagite eosinofílica e infecção por Helicobacter
pylori. Aos 13 anos iniciou epigastralgias
e vómitos recorrentes pós-prandiais, sem
outro estímulo desencadeante aparente,
pelo que foi realizada endoscopia digestiva alta que evidenciou esofagite eosinofílica e infecção por Helicobacter pylori.
Fez terapêutica tripla de erradicação do
Helicobacter pylori e, medicação com flu-
286
casos clínicos
case reports
ticasona deglutida (1000 μg/dia) durante
três meses e montelucaste oral (10 mg/
dia) que mantém, com resolução clínica e
histológica. Está actualmente assintomático, com endoscopia digestiva alta de controlo sem alterações e biopsias da mucosa
esofágica normais. Mantém-se controlado
do ponto de vista respiratório e cutâneo,
medicado com β2-agonista de curta acção inalado, antihistamínico H1 oral e corticóide tópico, respectivamente, em caso
de agudização de asma, rinite e eczema.
Cumpre evicção de crustáceos.
Aos 14 anos iniciou episódios reprodutíveis de urticária após contacto
corporal com água do mar e piscina. Estes episódios eram caracterizados pelo
aparecimento de pápulas pruriginosas
inicialmente limitadas ao local de contacto com a água e que desapareciam
espontaneamente minutos após a exposição, com progressivo agravamento e
generalização das lesões cutâneas, justificando o recurso a auto-medicação com
antihistamínico H1 oral. Refere concomitantemente queixas de mal-estar, náuseas e urticária nas áreas expostas durante
a deambulação na secção de produtos
frios do supermercado ou exposição a
ar condicionado, sintomas que remitiam
sem necessidade de terapêutica, com a
evicção do ambiente frio. Cerca de dois
meses após o início do quadro clínico
ocorreu um episódio súbito de urticária
generalizada, angioedema da face e síncope com duração de segundos, menos
de cinco minutos após a imersão corporal total em água do mar; sem queixas
respiratórias ou gastrintestinais acompanhantes. Na sequência deste episódio foi
observado em urgência hospitalar, tendo
sido medicado com antihistamínico e corticóide com remissão do quadro.
Na Consulta de Imunoalergologia
foi realizado teste do cubo de gelo, que
foi positivo, com aparecimento de pápula
(43x25 mm) após três minutos de estimulação, confirmando a suspeição clínica
de UF (Figura 1).
Da investigação analítica salientase: eosinofilia (1600/μl), IgE total elevada
(1255 UI/ml), doseamento das restantes
imunoglobulinas (IgG, IgA e IgM), velocidade de sedimentação, factores do
complemento (CH100, C1q, C3 e C4) e
electroforese das proteínas dentro dos pa-
A - Aplicação do cubo de gelo na face anterior do antebraço durante 3 minutos de estimulação.
B - Leitura após 5 minutos, sendo evidente o teste positivo (aparecimento de pápula).
Figura 1 – Realização do teste do cubo de gelo.
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ano 2010, vol XIX, n.º 4
râmetros laboratoriais normais. Pesquisa
de crioglobulinas, anticorpos anti-nucleares e serologias virais (vírus Epstein-Barr,
citomegalovírus, vírus da hepatite A e B)
negativos. Os testes cutâneos por picada foram positivos para camarão e para
ácaros (Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae e Blomia
tropicalis), sendo negativos para os restantes aeroalergénios comuns testados
(pólenes, fungos, látex e faneras animais).
Utilizou-se como critério de positividade a
ocorrência de pápula com diâmetro médio
igual ou superior a 3 mm(11).
Foi colocado o diagnóstico de UF
adquirida, idiopática, de tipo III. Recomendou-se evicção de exposição ao frio,
incluindo evicção de actividades aquáticas, foi iniciada terapêutica profiláctica
com cetirizina (10 mg/dia) e prescrito
dispositivo para auto-administração intramuscular de adrenalina (0,3 mg).
Após 12 meses do início do quadro
clínico mantém cumprimento das medidas instituídas, sem ocorrência de novos episódios de urticária ou anafilaxia.
O teste de cubo de gelo mantém-se positivo após três minutos de estimulação
(42x24 mm).
DISCUSSÃO
Este caso clínico salienta a necessidade do reconhecimento das manifestações clínicas da UF, que embora seja
uma entidade clínica rara na criança
pode cursar com manifestações sistémicas graves e potencialmente fatais.
O diagnóstico de UF foi colocado
perante a evidência de manifestações clí-
nicas típicas e confirmado pela presença
do teste de cubo de gelo positivo. A apresentação clínica com urticária generalizada, angioedema e síncope é característica do padrão clínico III da classificação
de Wanderer. A normalidade dos parâmetros analíticos avaliados permitiu excluir
causas secundárias de UF, incluindo doenças potencialmente graves que podem
cursar com UF e que poderiam requerer
tratamento específico, tais como crioglobulinemia, doenças infecciosas (mononucleose infecciosa, infecção por citomegalovírus, hepatites virais), neoplasias
(leucemia linfocítica crónica, linfosarcoma) e doenças auto-imunes (vasculites).
Apesar de ser postulada a associação
entre a infecção por Helicobacter pylori
e a UF, as manifestações clínicas da urticária surgem habitualmente durante a
infecção e melhoram após o tratamento.
O aparecimento da UF após a erradicação antibiótica excluiu este agente como
interveniente na patogénese da UF neste
caso clínico(12).
A incidência de atopia na UF é semelhante à da população geral(5) e a coexistência de outras manifestações de
atopia, aqui documentada, é um achado
comum nas crianças com UF. Os doentes atópicos não apresentam diferenças
quanto à gravidade e duração da sintomatologia, pelo que este factor não parece ter significado em termos de prognóstico(6). A persistência de um teste do
cubo de gelo positivo aos três minutos de
estimulação após um ano de evolução,
reforça a gravidade do quadro clínico e o
risco de ocorrência de anafilaxia.
1. Retire a tampa preta protec- 3. Aplique a Anapen® na face 2. Na outra extremidade, retire
tora da agulha.
externa da coxa e aperte o bo- a tampa preta de segurança do
tão vermelho de injecção. Se botão de injecção.
necessário, pode injectar através da roupa.
4. Mantenha a Anapen® na
posição durante 10 segundos,
permitindo que a dose total de
adrenalina seja injectada.
Figura 2 – Instruções de utilização do dispositivo para auto-administração de adrenalina (Anapen®). Após a utilização o doente deve levar consigo o dispositivo e ser observado no serviço de
urgência (adaptado de www.anapen.com).
Apesar da medicação antihistamínica instituída poder ter um efeito protector, apenas a evicção do estímulo frio é
segura. As actividades aquáticas são o
estímulo que mais frequentemente se associa a reacções graves, facto que pode
ser justificado pela maior superfície corporal exposta, baixa temperatura da água
e maior duração da exposição, factores
que contribuem para uma diminuição
brusca da temperatura corporal e podem
potenciar fenómenos hipotensivos. Todos
os doentes com UF devem ser informados dos riscos associados às actividades aquáticas para prevenir potenciais
afogamentos e conhecer as possíveis
consequências da exposição acidental
a estímulos frios. O facto de este doente
ser adolescente e de a evicção de actividades aquáticas e consumo de bebidas
frias implicar mudanças significativas nos
hábitos e actividades quotidianas, torna a
adesão ao plano profiláctico um desafio
clínico, salientando-se a importância da
comunicação médico-doente e a necessidade de ser estabelecido com o adolescente um compromisso terapêutico,
reforçado em cada reavaliação clínica.
Saliente-se que apesar de a adrenalina ser o fármaco de primeira linha na
abordagem do doente com anafilaxia e
de ter impacto na prevenção de respostas bifásicas e na mortalidade(8,9), neste
caso clínico não foi a terapêutica administrada durante o recurso ao serviço de
urgência. Esta situação reflecte a realidade já descrita por Morais-Almeida e colaboradores, que reconhece a necessidade
de divulgar no nosso País os protocolos
correctos de abordagem da anafilaxia(10).
É também conhecida a sub-utilização dos
dispositivos de auto-administração de
adrenalina pelos doentes a quem foram
prescritos, pelo que o reforço do ensino
ao doente, familiares e prestadores de
cuidados sobre a correcta utilização do
dispositivo e seu transporte com o doente são determinantes para que seja administrada a terapêutica de imediato nas
situações acidentais emergentes, podendo salvar a vida do doente (Figura 2). O
recurso ao Serviço de Urgência após a
administração de adrenalina é mandatório, uma vez que as reacções bifásicas
podem ocorrer.
casos clínicos
case reports
287
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Como terapêutica sintomática da
urticária na criança está preconizada a
utilização de antihistamínicos H1 orais,
preferencialmente de 2ª geração, pelo
menor efeito sedativo e maior perfil de
segurança. A utilização adicional de corticóide oral pode ser uma opção na fase
aguda, se necessário, sendo desaconselhada a sua administração prolongada(13).
CONCLUSÃO
Apesar de ser uma patologia rara
em idade pediátrica, a UF deve ser considerada no diagnóstico diferencial da
urticária. As manifestações clínicas sistémicas potencialmente graves a que a
UF frequentemente se associa, justificam
a necessidade de seguimento destes doentes em consulta de especialidade. O
prognóstico favorável desta patologia depende do cumprimento rigoroso da evicção do estímulo desencadeante, embora
a utilização profiláctica de antihistamínicos possa ser útil na prevenção de eventuais reacções acidentais e aumentar
o limiar de tolerância ao frio, permitindo
minimizar o impacto da doença na qualidade de vida e actividades diárias.
A importância da auto-administração de adrenalina intramuscular em situação de anafilaxia deve ser enfatizada
e o seu ensino ao doente e prestadores
de cuidados frequentemente reforçado,
pois constitui a forma mais eficaz de redução da morbilidade e mortalidade desta patologia.
COLD-INDUCED ANAPHYLAXIS CASE REPORT
ABSTRACT
Introduction: Cold-induced urticaria, rare in paediatrics, is characterised by
the development of urticarial lesions and/
or angioedema after cold exposure. Most
cases are idiopathic; secondary causes
include crioglobulinemia, complement
deficits, vasculitis, neoplasins and infections. Commonly it is benign and self-limited, although systemic, potentially fatal
neoplasins reactions may occur.
Case Report: The authors present
a case report of a 16 year-old boy with
severe cold induced urticaria. At the
288
casos clínicos
case reports
age of 14 years he started reproducible
episodes of urticaria during aquatic activities, that progressively worsen, and
episodes of urticaria and malaise in exposure to cold environment. Two months after he had a sudden onset of generalized
urticaria, facial angioedema and syncope
after submersion on sea water. It was
considered the diagnosis of acquired cold
urticaria, type III. Avoidance of cold exposure was recommended; prophylactic
treatment was begun with cetirizine and
a self-administering epinephrine device
was prescribed.
Keywords: anaphylaxis, cold urticaria, epinephrine, ice cube test.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 285-288
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management of urticaria. Allergy
2009;64:1427-43.
CORRESPONDÊNCIA
Susana Gomes
[email protected]
R. António José Couvinha, 28, 2º Dto.
7005-296 Évora
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Urticária Colinérgica
Caso Clínico
Daniel Gonçalves1, Margarida Figueiredo1, Sónia Carvalho1, Fernanda Carvalho1
RESUMO
Introdução: A urticária colinérgica caracteriza-se pelo aparecimento de
pápulas eritematosas e pruriginosas,
com diâmetro de 1-3 mm, após um estímulo que eleve a temperatura corporal.
Caso Clínico: Adolescente de 14
anos, sem antecedentes de relevo, que
apresentava desde os 12 anos episódios
de dispneia e aparecimento de pápulas
eritematosas e pruriginosas dispersas
pelo corpo cerca de 10 minutos após iniciar actividade física. Referia sintomas
semelhantes no banho com água quente
e em episódios de ansiedade. Em consulta de Pediatria, foi excluída patologia cardio-pulmonar e realizou prova de provocação, sendo estabelecido o diagnóstico
de urticária colinérgica. Foram excluídas
outras causas de urticária. A terapêutica
com um anti-histamínico H1 com propriedades de estabilização mastocitária (cetotifeno) permitiu um controlo moderado
dos sintomas.
Discussão: A urticária colinérgica
pode condicionar uma limitação importante na qualidade de vida dos doentes,
sendo a dificuldade do seu tratamento
um desafio para o pediatra.
Palavras-chave: antagonista H1 da
histamina, colinérgica, urticária.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 289-291
INTRODUÇÃO
A urticária colinérgica, pela primeira vez descrita em 1924(1), caracteriza-se pelo aparecimento de pápulas eritematosas e pruriginosas, com diâmetro
__________
1
S. Pediatria – Neonatologia, CH Médio Ave –
Unidade Famalicão
de 1-3 mm, após um estímulo que eleve
a temperatura corporal. As lesões geralmente iniciam-se na região superior do
tórax e do pescoço, propagando-se ao
resto do corpo se houver persistência do
estímulo(2). Ocasionalmente pode originar
angioedema e reacção anafilática. Os estímulos mais frequentemente implicados
são o exercício físico, banhos em água
quente e episódios de stress(3).
A urticária colinérgica é responsável
por cerca de 5% dos casos de urticária
crónica (urticária com duração superior a
seis semanas), cuja prevalência estimada na idade pediátrica é de 0,1 a 0,3%(4).
Os sintomas iniciam-se mais frequentemente no final da segunda e na terceira
década de vida, tornando esta patologia
pouco frequente na infância e adolescência. A proporção de casos em ambos os
sexos é semelhante(5).
À semelhança de outras urticárias
físicas, parecem existir diversos mecanismos patogénicos envolvidos, como
hipersensibilidade à histamina, activação
do sistema nervoso colinérgico e reacções alérgicas locais ao suor autólogo(6).
O diagnóstico é essencialmente
clínico, sendo muito sugestivo o aparecimento das lesões urticariformes poucos
minutos após o início de estímulos que
aumentem a temperatura corporal. Para
confirmar o diagnóstico, devem ser efectuadas provas de provocação(7).
O tratamento baseia-se na evicção
dos estímulos desencadeantes, como
exercícios físicos prolongados e banhos
em água quente, e no uso de fármacos
como anti-histamínicos H1, antagonistas dos leucotrienos e cursos breves de
corticosteróides orais(2). Em raros casos
refractários pode ser necessário o uso
de esteróides anabólicos(8) ou terapêutica
anti-IgE(9).
CASO CLÍNICO
Apresenta-se o caso de uma adolescente do sexo feminino, 14 anos de
idade, caucasiana, com antecedentes de
sibilância recorrente nos primeiros dois
anos de vida. Sem antecedentes familiares de relevo. Início aos 12 anos de
idade de episódios de sensação de dispneia cerca de dez minutos após iniciar
exercício físico, associado a exantema
micro-papular pruriginoso inicialmente no
tronco e pescoço, com posterior distribuição centrífuga. Estes sintomas condicionavam ansiedade e desconforto, tendo
necessidade de suspender a actividade
física. Negava dor torácica, palpitações,
febre ou outros sintomas. Por vezes, referia sintomas semelhantes em episódios
de ansiedade.
Dezoito meses após o início do quadro clínico, nota agravamento progressivo
da sintomatologia, com instalação mais
rápida após o início da actividade física,
recorrendo ao médico assistente. Nesta
altura referia sintomas semelhantes nos
banhos com água quente. Foi referenciada posteriormente para uma consulta
hospitalar de Pediatria, após exclusão de
patologia do foro cardíaco (ecocardiograma e electrocardiograma com prova de
esforço sem alterações).
Na consulta externa, era evidente a
ansiedade da adolescente relativamente
à sua situação clínica. Referia incapacidade quase total em praticar actividade
física. O exame objectivo não revelava
alterações, sendo a auscultação cardio-pulmonar normal.
Para esclarecimento etiológico, foram efectuados exames complementares
de diagnóstico: o hemograma revelou
hemoglobina 13,4 g/dl, com fórmula leucocitária normal (sem eosinofilia), contagem plaquetária 275.000 /μl; ionograma,
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
paediatric inter-hospitalar meeting
289
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Figura 1 – Primeira pápula, aparecimento na
região cervical
Figura 2 – Exantema micropapular na região
retroauricular direita
Figura 3 – Propagação à região abdominal
290
funções renal e hepática sem alterações;
IgE total normal (27 UI/ml) e IgE específicas para ácaros, gramíneas e alergéneos alimentares negativas. Efectuou testes cutâneos por picada (prick) para os
principais alergéneos alimentares e inalantes nesta idade, que foram negativos.
Realizou provas funcionais respiratórias,
que revelaram capacidades pulmonares
dentro dos parâmetros da normalidade,
incluindo a razão entre o Volume Expiratório Forçado no 1º segundo (FEV1) e a
Capacidade Vital Forçada (FVC).
Neste contexto, tendo em conta
a história clínica sugestiva e a normalidade dos exames complementares de
diagnóstico solicitados, colocou-se como
hipótese diagnóstica mais provável a urticária colinérgica. Para confirmação do
diagnóstico, foi realizada uma prova de
provocação com exercício físico adequado à idade e ao género.
A prova de provocação tornou-se
positiva logo após o quarto minuto, com o
aparecimento de exantema micropapular,
inicialmente no pescoço e região retroauricular (Figuras 1 e 2), com propagação
ao abdómen (Figura 3).
Relativamente ao tratamento, foi
inicialmente medicada com anti-histamínicos H1 (desloratadina 5 mg de manhã e
ebastina 10 mg ao deitar), com fraca resposta terapêutica. Foi associado um antagonista dos leucotrienos (montelucaste
10 mg/dia), que também não condicionou
melhoria dos sintomas. Nesta fase, tendo
em conta a grande limitação na qualidade
de vida da doente, foi decidido iniciar um
curso de corticoterapia oral (prednisolona
2 mg/kg/dia) com esquema de redução.
Após melhoria parcial na fase inicial, surgiu novo agravamento dos sintomas coincidente com o início do desmame da terapêutica. Iniciou um outro anti-histamínico,
o cetotifeno (1 mg de 12/12 h), com boa
resposta clínica, referindo diminuição dos
sintomas no banho com água quente, tolerando 15- 20 minutos de exercício físico
de actividade leve a moderada.
DISCUSSÃO
A urticária colinérgica surge geralmente no final da adolescência e início da
vida adulta, sendo importante o reconhecimento desta entidade, que pode com-
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
paediatric inter-hospitalar meeting
prometer significativamente a qualidade
de vida dos adolescentes.
Apesar do diagnóstico ser geralmente baseado na história clínica, a prova de
provocação torna-se importante quando
existe dúvida relativamente ao diagnóstico diferencial com a urticária induzida
pelo exercício físico, que apresenta maior
potencial de originar reacção anafilática.
As pápulas na urticária induzida pelo
exercício físico têm tipicamente diâmetro superior a 5 mm, e aparecem apenas
com a actividade física. Nesta urticária,
o aquecimento passivo de um membro
a 42ºC (por exemplo, com água quente)
durante 15 minutos, não origina qualquer
reacção urticariforme, ao contrário da urticária colinérgica(7). Neste caso, a história clínica era muito sugestiva, não tendo
sido necessária a realização desta prova
de aquecimento passivo.
A pesquisa de eventuais alergéneos
alimentares ou inalantes concomitantes
foi negativa. Esta associação, apesar de
pouco frequente, teria um grande impacto na qualidade de vida desta adolescente, na medida em que a evicção de um
determinado estímulo alergénico antes
da prática de exercício físico poderia diminuir consideravelmente os sintomas.
Os alergéneos mais frequentemente implicados são o trigo (60% dos casos) e os
derivados do marisco (18%)(10).
Apesar de a pele ser o tecido predominantemente afectado na urticária colinérgica, estes doentes podem apresentar
alterações respiratórias concomitantes,
nomeadamente uma diminuição significativa do FEV1(11), que não se verificou
no caso descrito.
O tratamento da urticária colinérgica
é muitas vezes um desafio para o médico. A base do tratamento é a evicção dos
estímulos desencadeantes, como exercício físico intenso, banhos com água muito
quente e frequência de espaços fechados
com temperaturas altas(4). Os fármacos de
primeira linha são os anti-histamínicos H1,
como a hidroxizina e a cetirizina. A necessidade de doses elevadas para o controlo
dos sintomas, com o mínimo de efeitos
adversos, como a sedação, é a principal
dificuldade clínica(12). No nosso caso, o
uso de um anti-histamínico com maior potencial de estabilização mastocitária, como
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
o cetotifeno (1 mg de 12/12h) possibilitou
um controlo moderado dos sintomas. Este
agente parece ter maior eficácia que os
anti-histamínicos convencionais, já tendo
sido descrito o uso de doses tão elevadas
como 5 a 8 mg por dia(13). O uso de cursos
breves de corticosteróides deve ser reservado para casos refractários às terapêuticas convencionais. Também reservado
a casos refractários está o danazol(8), um
esteróide anabólico usado no tratamento
do angioedema hereditário, que apresenta contudo um grande potencial de efeitos
adversos. Mais recentemente, o omalizumab, um anticorpo monoclonal recombinante anti-IgE, tem sido usado com bons
resultados na urticária colinérgica(9), quando esta se acompanha de aumento da
IgE. A adolescente em questão, por apresentar um valor sérico normal de IgE, não
é candidata a este género de terapêutica.
A dessensibilização parece ser possível em alguns casos, tendo sido proposto o esquema de administração de
uma dose elevada de anti-histamínico,
seguido nas três horas seguintes por um
banho com água muito quente(14).
O prognóstico da urticária colinérgica é geralmente favorável. A duração
média dos sintomas é de 7,5 anos, tendo
tido o caso mais duradouro descrito uma
duração de 16 anos. Estima-se que cerca
de um terço dos doentes tenha sintomas
durante mais de 10 anos(15).
A urticária colinérgica é uma forma
rara de urticária crónica, podendo condicionar e ser uma limitação importante na
qualidade de vida dos doentes, evidente
neste caso clínico. Apesar da maioria dos
casos ser resolvida com evicção dos estímulos que aumentem a temperatura corporal e com o uso de anti-histamínicos H1,
a necessidade de elevadas doses destes
fármacos torna o controlo desta doença
crónica um desafio na idade pediátrica.
CHOLINERGIC URTICARIA – CASE
REPORT
ABSTRACT
Introduction: Cholinergic urticaria
is characterized by highly pruritic small
(1-3 mm) wheals, that occur after raising
the body temperature.
Case Report: The authors report
the case of a 14-year-old girl, without
history of relevant diseases, that experienced dyspnea and pruritus with wheals
starting about ten minutes after beginning any kind of physical exercise. The
same symptoms were elicited by emotional stress and hot showers, and were
present for the last two years. After ruling out cardio-pulmonary diseases and
other causes of urticaria, we performed
a provocation test (exercise challenge)
and the diagnosis of cholinergic urticaria
was established. Therapy with ketotifen,
an H1 antagonist with mast cell stabilization properties, allowed only a moderate
symptom control.
Discussion: Cholinergic urticaria
may affect greatly the quality of life. Treatment is often difficult, becoming a challenge for the pediatrician.
Keywords: cholinergic, histamine
H1 antagonist, urticaria.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 289-291
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CORRESPONDÊNCIA
Serviço de Pediatria – Neonatologia,
CH Médio Ave – Unidade Famalicão
Rua Cupertino Miranda, Apartado 31
4764-958 Vila Nova de Famalicão
[email protected]
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
paediatric inter-hospitalar meeting
291
NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 4
Caso Electroencefalográfico
Joel Freitas1, Rui Chorão2
CASO CLÍNICO
Apresenta-se o caso de uma jovem actualmente com 19 anos de idade,
saudável até aos 14 anos, altura em que
teve um episódio que se iniciou por uma
sensação de “desconforto” e formigueiros
no membro inferior esquerdo, seguindo-se perda de consciência, com duração
aproximada de um minuto e recuperação
espontânea. Nesta altura iniciou medicação antiepiléptica, mantendo episódios
estereotipados com duração de alguns
segundos, caracterizados por parestesias dos membros esquerdos, avisando
os presentes da “crise”; de seguida apresentava movimentos do membro inferior
esquerdo (por vezes também do membro superior ipsilateral), sem perda de
consciência. No final referia diminuição
da força do membro inferior esquerdo,
apresentando uma marcha claudicante à
esquerda. Ocasionalmente os episódios
eram mais prolongados, os movimentos
bilaterais e tinha perda de consciência,
com quedas e traumatismos vários. Nesse período associaram-se alterações do
comportamento, como ameaças de suicídio e ataques de pânico. Houve várias
alterações terapêuticas, com introdução
de medicação ansiolítica e antidepressiva, sem benefício clínico e com efeitos
secundários, como sonolência e agravamento da frequência dos eventos paroxísticos.
Aos 15 anos foi internada por Pedopsiquiatria para estudo de uma perturbação conversiva. Durante o internamento apresentou vários episódios
semelhantes, tanto no sono como na
vigília. Foi medicada com neuroléptico,
__________
1
2
S. Neurologia, HSAntónio, CHPorto
U. Neurofisiologia Pediátrica, HMPia, CHPorto
292
caso electroencefalográfico
EEG case report
com agravamento da frequência destes
episódios. Manteve um comportamento
que oscilava entre uma atitude cooperante e adequada e períodos em que se
mostrava hostil e reivindicativa. Apresentava uma atitude e conduta negativistas
(com recusa alimentar e na realização
da higiene pessoal), que justificava alegando receio de ter as “crises” e consequente queda. Foi, então, solicitada a
avaliação por Neurologia Pediátrica. Ao
exame neurológico apresentava um síndromo piramidal esquerdo não deficitário
e hemi-hipostesia álgica esquerda.
Saliente-se que não havia história
de antecedentes perinatais relevantes ou
história de convulsões febris ou afebris.
Tinha desenvolvimento psicomotor normal e bom aproveitamento escolar até
ao 8º ano de escolaridade. Manifestava
marcadas dificuldades em lidar com as
modificações corporais pubertárias (menarca e telarca). Não havia história familiar de epilepsia ou doenças psiquiátricas.
Relativamente ao contexto psicossocial,
tratava-se de filha única, vivendo com a
mãe e não conhecendo o pai.
Qual o diagnóstico provável?
O quadro clínico foi interpretado
como epilepsia focal (crises com origem na região fronto-parietal direita).
Realizou vídeo-EEG, em que foi registada
uma crise epiléptica focal motora, durante
a prova de hiperpneia, que foi sinalizada
pela doente e se caracterizou por postura tónica dos membros superior e inferior
esquerdos, seguida de movimentos clónicos dos mesmos segmentos, sem perda
de consciência (Figura 1). Do ponto de
vista eléctrico a crise caracterizou-se por
atenuação inicial marcada da amplitude,
globalmente, depois com sequência de
ondas teta e alfa na região central direita (Figura 2). Sem alterações no registo
eléctrico interictal. A ressonância magnética encefálica foi normal. Iniciou tratamento com carbamazepina, com ajuste
posterior da dose, com bom controlo das
crises. Actualmente mantém-se sem crises epilépticas há três anos.
DISCUSSÃO
As crises de natureza não epiléptica (CNNE) são eventos paroxísticos que
mimetizam muitas vezes crises epilépticas. Podem ser secundários a processos
orgânicos, tais como convulsão sincopal,
doenças do movimento ou do sono, ou
de natureza psicossomática(1). O somatório de características clínicas, história
familiar, social e psicológica, bem como
achados do vídeo-EEG contribuem para
um diagnóstico correcto. Contudo, esta
diferenciação muitas vezes não pode ser
feita com absoluta confiança, mesmo dispondo de vídeo-EEG(1).
A prevalência de CNNE varia entre 10% a 40% dos doentes enviados a
centros de referência em epilepsia, como
refractários à medicação antiepiléptica(2).
Ocorrem em doentes sem ou com crises
epilépticas. A taxa de erro de diagnóstico de CNNE em doentes com epilepsia
oscila entre 5 a 10%(3). A epilepsia do
lobo frontal, com fenomenologia bizarra como a das crises hipermotoras, é a
que mais frequentemente se confunde
com CNNE(4,5). A semiologia deste tipo de
crises frequentemente engloba: automatismos exuberantes, como pontapear ou
pedalagem dos membros inferiores; movimentos bruscos de segmentos ou de
todo o corpo, por vezes com características violentas; vocalizações, tais como
gritos. Outros fenómenos adicionais incluem a preservação da consciência ape-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Figura 1 – Sequência da crise (vídeo): alterações sensoriais (percepção da crise), seguindo-se
alteração postural sustentada dos membros esquerdos.
Figura 2 – Sequência da crise: atenuação global da amplitude - actividade recrutante (alfa-teta) central direita - actividade
lenta (teta-delta) fronto-centro-parietal direita.
sar da postura tónica bilateral (como nas
crises da área suplementar motora), assim como a ausência de letargia ou confusão no período pós-crítico. Frequentemente estas manifestações clínicas
atípicas acompanham-se de actividade
interictal ou ictal indetectável no registo
de EEG de superfície. Esta dificuldade de
identificação no EEG resulta da elevada
quantidade de artefactos de músculo ou
movimento.
Existem algumas características
clínicas que auxiliam na distinção entre
as epilepsias do lobo frontal e as crises
de natureza não epiléptica(4,5): 1) curta
duração da crise (habitualmente menos
de 60 segundos); 2) clara estereotipia
dos episódios, incluindo o padrão dos
automatismos complexos; 3) predomínios das crises durante o sono, embora
também possam ocorrer em período de
vigília (enquanto que as CNNE apenas
existem durante a vigília); 4) semiologicamente caracterizam-se por uma postura tónica em abdução dos membros
superiores, traduzindo envolvimento da
área suplementar sensitivo-motora (nunca documentado nas CNNE). Existem
CNNE descritas como surgindo no sono;
no entanto, o registo vídeo-EEG posterior
revelou a existência de padrão de vigília
prévio ao início da crise(6).
No caso clínico descrito as crises têm aura sensitiva (parestesias no
membro inferior esquerdo), seguida de
movimentos clónicos no mesmo segmento, por vezes com envolvimento do
hemicorpo esquerdo, de curta duração e
com preservação da consciência (excepto naquelas com generalização secundária), com parésia de Todd no período
pós-crítico. As crises ocorriam durante
o sono e vigília, eram estereotipadas e
anatomicamente congruentes (área sintomática) com a área sensitiva-motora
primária contralateral (direita), isto é, na
região medial da transição fronto-parietal
direita. A importância do vídeo e registo
electroencefalográfico de uma das crises
foi crucial na confirmação do diagnóstico
de epilepsia focal. O facto de a ressonância magnética cerebral ser normal sugere
a hipótese de uma epilepsia provavelmente sintomática (sem identificação da
etiologia). A clarificação do quadro clíni-
caso electroencefalográfico
EEG case report
293
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
co, com controlo das crises epilépticas,
permitiu à doente uma readaptação psicossocial adequada.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 292-294
BIBLIOGRAFIA
1. LaFrance WC Jr. Psychogenic nonepileptic seizures. Current Opinion in
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Loewenson R. Ictal characteristics of pseudoseizures. Arch Neurol
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294
caso electroencefalográfico
EEG case report
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ed. Stoneham, MA: Butterworth-Heinemann 1993:47-54.
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Swanson SJ. Preictal pseudosleep: a
new finding in psychogenic seizures.
Neurology 1996;47(1):63-7.
AGRADECIMENTOS
João Chaves (Serviço de Neurologia,
H Santo António, CH Porto), pela cedência dos dados recentes da doente.
Adriana Ribeiro (Unidade de Neurofisiologia Pediátrica, H Maria Pia, CH
Porto), pela selecção das imagens do
vídeo-EEG.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Caso Endoscópico
Fernando Pereira1
O Daniel de 16 anos de idade foi
enviado à consulta de Nutrição por apresentar excesso de peso e hipertensão
arterial ligeira.
Era um rapaz natural do Alto Minho,
nascido após gravidez de termo sem intercorrências, com o peso de 3,2 kg e 55 cm
de comprimento. É filho de pais saudáveis, trabalhadores rurais e tem uma irmã
também com excesso de peso e em observação em consulta de Pediatria. É um
bom estudante, pratica desporto de forma
irregular e tem um apetite devorador, tendo dificuldade no controlo da ingestão de
alimentos, apesar de estar consciente da
necessidade de ter rigor alimentar.
Não apresentava antecedentes patológicos relevantes. Ao exame objectivo tinha mucosas coradas e anictericas,
abdómen um pouco globoso, com adiposidade acentuada mas sem organomegalias.
Peso - 98 kg; estatura - 1,68 m;
IMC - 34,7. Pressão arterial sistólica: 135
mmHg (P95-99); pressão arterial diastólica (<P5).
Tensão arterial 135/60mmhg e frequência cardíaca de 72 batimentos /minuto.
Efectuou estudo analítico (hemograma, PCR, proteinograma, colesterol e triglícerídeos, função renal e hepática, apolipoproteinas A1 e B, ácido úrico, glicose,
insulina sérica, ionograma, cálcio, fósforo,
zinco, ferro e magnésio, vitaminas B12,
D e ácido fólico e função tiroideia) que
não evidenciou alterações. As ecografias
cardíaca, abdominal e pélvica não mos-
traram alterações e o fígado apresentava
dimensões no limite superior do normal,
com normal estrutura ecográfica.
Na tentativa de inverter o processo
de ganho ponderal foi proposta ao doente
terapêutica, para além das medidas dietéticas e actividade física já instituídas, tendo o doente efectuado endoscopia digestiva alta durante a qual foi possível obter a
imagem que mostramos na figura 1.
Tendo em consideração o que acabamos de expor que lhe sugere a imagem apresentada:
1 – Hérnia do hiato esofágico
2 – Tumor do estômago
3 – Pâncreas ectópico
4 – Corpo estranho no estômago
Figura 1
__________
1
Serviço de Gastroenterologia
Hospital Maria Pia / CHPorto
caso endoscópico
endoscopic case
295
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
COMENTÁRIOS
A imagem que apresentamos permite observar o cárdia, vertente gástrica e o
fornix com mucosa de aspecto normal e a
presença no interior do estômago de corpo estranho esférico, de coloração escura, superfície lisa e não aderente à parede
gástrica. Devo acrescentar que a observação do esófago, estômago e duodeno não
evidenciou qualquer alteração. Trata-se
de um balão gástrico (BIB) para tratamento da obesidade, colocado por via endoscópica e que irá permanecer no estômago
durante um período de cerca de 6 meses
após o que será retirado pela mesma via
depois de vazio por aspiração.
O balão intra-gástrico é uma atitude
terapêutica para tratamento da obesidade, aplicável em doentes com excesso
de peso ou obesidade mórbida que não
tenham patologia digestiva alta que contraindique a sua utilização, é geralmente
bem tolerado, induz saciedade precoce
296
caso endoscópico
endoscopic case
e dessa forma poderá inverter um processo de ganho ponderal progressivo. É
também uma forma de testar a adesão
do doente à restrição dietética a que uma
técnica mais agressiva como é a banda
gástrica obriga.
Não havia naturalmente qualquer
hérnia do hiato, aliás uma contraindicação para colocação do BIB e o aspecto
observado não é compatível com tumor
gástrico ou pâncreas ectópico.
O nosso doente perdeu 12 kg e normalizou os valores de tensão arterial em
seis meses, findos os quais o balão lhe
foi retirado.
ABSTRACT
We present the clinical case of
a 16 year-old boy with excess body
weight (weight-98 kg, height-1,68 m and
IBM=34,7) and hypertension (136/60
mmHg). Laboratory tests of blood and
urine were normal as was the abdominal
ultrasound examination. We perform an
upper endoscopy and introduced an intragastric balloon that is shown in the picture. Six months later the boy lost twelve
kilograms and normalized the arterial
pressure. The balloon was removed.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 295-296
BIBLIOGRAFIA
1. Karagiozoglou-Lampoudi T, Papakostas P, Penna S, Pyankova G,
Kotzampassi K. Effective intragastric
balloon treatment in obese adolescents. Annals of Gastroenterology
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Raquel F, Joel L, Louise B. Obesity
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim1
Criança de dois anos de idade que
foi enviada à consulta de Estomatologia
devido ao aparecimento de múltiplas vesículas de pequeno diâmetro localizadas
à região da língua, mucosas gengival e
palatina bem como na região periorbicular da boca, acompanhadas de hipertermia e recusa alimentar.
Ao exame objectivo a criança apresenta bom desenvolvimento estato-ponderal.
A nível oral apresentava múltiplas
lesão vesiculares intra e extra orais com
predomínio na região periorbicular da
boca e na língua, de pequeno diâmetro
(Figura 1).
Antecedentes pessoais e familiares
irrelevantes.
Face ao descrito:
Qual o seu diagnóstico?
Qual a sua atitude?
Figura 1
__________
1
Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto
caso estomatológico
oral pathology case
297
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
COMENTÁRIOS
O caso clínico descrito refere-se a
GENGIVOESTOMATITE HERPÉTICA.
A doença é provocada pelo vírus
Herpes simplex tipo I, um agente que
normalmente habita nos tecidos infectados e nas lesões activas dos indivíduos
afectados por este problema, com uma
especial propensão para os tecidos cutâneo e nervoso.
O vírus herpes simplex tipo I
(VHS-I) é o responsável pelas lesões que
aparecem na parte superior do corpo, nomeadamente nos olhos, no tronco e nos
dedos das mãos.
O contágio do VHS-I efectua-se
através do contacto directo com as lesões activas de uma pessoa infectada
ou através de objectos contaminados. A
infecção por este vírus é muito comum e
ocorre geralmente durante a infância.
Após o contágio, os vírus invadem
o tecido nervoso, instalando-se nos gânglios nervosos mais próximos, onde permanecem ao longo de toda a vida do indivíduo infectado.
Na maioria dos casos, a infecção
não produz sinais ou sintomas, nem
provoca problemas, visto que os vírus
se mantêm “adormecidos”. Embora as
defesas do organismo não consigam
eliminá-los, conseguem evitar a sua rápida reprodução e extensão aos tecidos
adjacentes. No entanto há situações em
que os vírus reactivam-se uma ou várias
vezes, originando lesões características.
As causas das reactivações não são conhecidas, mas constata-se que os episódios de reactivação são, muitas vezes,
desencadeados por uma exposição prolongada ao sol, stress, febre, menstrua-
298
caso estomatológico
oral pathology case
ção, gravidez ou a existência de doenças
que alterem o estado imunitário.
As manifestações clínicas variam
consoante o tipo de vírus e a idade e o
estado do sistema imunitário da pessoa
infectada.
Na infecção pelo VHS-I, existem
dois tipos de manifestações habituais
após o primeiro contacto:
- a gengivoestomatite herpética,
que se caracteriza por uma inflamação das gengivas e lábios e, sobretudo, pela formação de inúmeras
vesículas que provocam ardor sobre
a zona inflamada;
- a infecção cutânea herpética, que
consiste na formação de uma placa
elevada e vermelha num sector da
pele, sobretudo à volta da boca, no
tronco ou nos dedos das mãos, que
se reveste de vesículas que originam um certo ardor, acompanhada
pela tumefacção dos gânglios linfáticos próximos da zona afectada.
Ambos os incidentes afectam com
maior frequência os bebés, surgindo cerca de cinco dias após o contágio e sendo
muitas vezes acompanhados por febre e
mal-estar geral. Ao fim de alguns dias, as
vesículas rebentam, permitindo a saída
do seu conteúdo líquido para o exterior,
seguindo-se a formação de uma crosta
que acaba por cair.
Os episódios de reactivação da
infecção por VHS-I apenas afectam 1 a
2% das pessoas infectadas. Estes episódios manifestam-se através da formação de uma placa vermelha sobre a
zona do corpo afectada, sempre a mesma, que proporciona o desenvolvimento
de uma série de vesículas, normalmente
agrupadas, muito pruriginosas, por vezes dolorosas.
A gengivoestomatite herpética tem
tratamento sintomático, recorrendo-se ao
uso de AINE e a uma dieta líquida, à base
de bebidas não-ácidas frescas ou geladas. O uso do aciclovir pode acelerar a
recuperação.
A evolução da patologia é para a
recuperação completa em 10 dias. Ocasionalmente podem surgir complicações
como ceratoconjuntivite herpética. O motivo que mais frequentemente leva a internamento de crianças com esta patologia é a desidratação, pois a criança pode
recusar comer e beber adequadamente
por causa da boca dorida.
ABSTRACT
A two-year-old child was sent to our
department by the appearance of multiple vesicles, accompanied by pain and
hyperthermia, in the mouth and lips.
The clinical diagnosis was a gingival
herpetic stomatitis.
She was treated symptomatically,
with favorable evolution.
Keywords: vesicles – herpes simplex type I – symptomatic treatment.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 297-298
BIBLIOGRAFIA
Regezi J, Sciubba J, Pogrel M, Atlas
of Oral and Maxillofacial Pathology, 1st
edition, WB Saunders Co., 2000, 8-9.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Caso Radiológico
Filipe Macedo1
Adolescente do sexo feminino, com 17 anos, refere massa palpável
na fossa supraclavicular esquerda, dura e indolor, cuja evolução não sabe
precisar. Sem outras queixas associadas.
Faz Rx do tórax (Figura 1)
Qual o seu diagnóstico?
Figura 1 - Rx do tórax (face) - detalhe da transição cervicotorácica.
__________
1
Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC, Porto
caso radiológico
radiological case
299
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
ACHADOS
Observa-se costela cervical esquerda, relativamente longa e com pseudartrose no seu terço distal.
IMAGIOLOGIA
1 - Rx convencional
É o primeiro exame. Faz geralmente
o diagnóstico.
DIAGNÓSTICO
Costela cervical esquerda, responsável pela tumefacção palpável.
2 - Ecografia
Pode levantar a suspeita do diagnóstico (a confirmar por Rx). É também
útil no diagnóstico diferencial das massas
supraclaviculares.
DISCUSSÃO
Uma costela cervical consiste numa
costela acessória ou supranumerária com
origem na 7ª vértebra cervical. É uma variante anatómica que ocorre em 1-2% da
população(1).
As costelas cervicais podem ser uni
ou bilaterais e variam desde pequenos
ossículos até ossos mais longos, muitas
vezes articulados com outras costelas.
Na maioria dos casos são assintomáticas, isoladas e de diagnóstico ocasional(2). Podem por vezes dar massa
palpável na fossa supraclavicular.
Das variantes anatómicas das costelas, a costela cervical é potencialmente a mais importante em termos clínicos
visto poder causar síndrome do desfiladeiro(3) (compressão do plexo braquial e
ou dos vasos subclávios). Neste caso é
necessária a sua exérese.
300
caso radiológico
radiological case
3 - TC
É o melhor método para caracterizar
detalhadamente as anomalias dos arcos
costais, sobretudo com reconstruções
3D. Faz o diagnóstico definitivo.
Envolve bastante radiação ionizante.
4 - RMN
Não é geralmente um bom método
para avaliar variantes dos arcos costais.
3 - AngioTC/angioRM
No caso de suspeita de síndrome do
desfiladeiro, com compressão vascular.
A possibilidade de uma costela cervical deve pois ser considerada no diagnóstico diferencial das massas duras do
cavado supraclavicular.
ABSTRACT
We present a case of a 17-year-old
adolescent with a painless hard palpable
mass in the left supraclavicular fossa.
Thoracic x-ray revealed a left cervical rib.
A normal variant of the ribs must be
considered in the differential diagnosis of
a supraclavicular mass. In most cases
x-ray is sufficient for the diagnosis.
Keywords: cervical ribs.
Nascer e Crescer 2010; 19(4): 299-300
BIBLIOGRAFIA
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Plasticidade Cerebral no
Desenvolvimento da Linguagem
Teresa Temudo1
Em 1996, tinha terminado o ciclo de estudos especiais em Neuropediatria havia
apenas um ano, assisti a uma conferência que me impressionou. A Karin Dias tinha
organizado um congresso no Centro Cultural de Belém e, de entre os vários convidados
estrangeiros, uma senhora entre os sessenta e os setenta, destacava-se por várias
razões: era magra e alta, com um ar austero e algo de pássaro, cabelo branco arrepanhado num carrapito, voz sentenciosa. Fez-me lembrar uma professora primária dos
anos cinquenta. Havia uma aura de admiração e respeito à sua volta e contavam-se
histórias sobre a rigidez do seu carácter. Era a famosa Isabelle Rapin, Suíça que aos
20 anos tinha emigrado para os Estados Unidos para aprender Neurologia Pediátrica!
Especialista em perturbações da linguagem da criança, autismo, doenças degenerativas
do SNC, muitos artigos publicados, vários livros escritos, incontáveis conferências por
todo o mundo… Durante a minha formação em neuropediatria nada me tinham ensinado
de autismo ou perturbações do desenvolvimento da linguagem, sendo considerados
problemas neurológicos “menores”ou da alçada dos Pediatras do desenvolvimento ou
Psiquiatras infantis. Porque, tendo como formação de base a neurologia de adultos, se
tinha ela interessado por tais coisas? Aguardei com impaciência a sua palestra sobre
perturbações do desenvolvimento da linguagem. Falou com clareza e de forma entusiasta e, embora eu pouco soubesse do assunto, a sua palestra era tão “arrumada” que,
após ouvi-la, pensei ter aprendido alguma coisa. Quando terminou, alguém da assistência lhe perguntou quantas consultas necessitava de fazer a uma criança para lhe diagnosticar o problema específico de linguagem. Ela respondeu orgulhosa:”In one shot!”
Nos anos que se seguiram, vi várias crianças com problemas da linguagem, a
quem fiz diagnósticos ao fim de dar tiros para vários lados… Fui aos livros, li artigos,
mas aquilo continuava a ser para mim, embora muito interessante, também muito complicado.
De todos os meninos que vi com este problema, o que mais me ensinou foi o Guilherme. Tinha cinco anos quando foi trazido à minha consulta, após ter feito muitos exames e ter andado em vários médicos. Bonitinho, cabelo claro e face redonda, tinha um
ar doce e triste. Os pais eram gente simples, amável e inteligente. Traziam-mo porque o
Guilherme, filho único, não se fazia entender.
– Como assim? – perguntei.
– Ele entende tudo, doutora, faz recados, é inteligente, ajuda em casa, mas quando quer falar, ninguém percebe nada do que diz. Fica muito nervoso porque nós não o
entendemos. Repete e volta a repetir, mas ninguém entende nada! Já está há um ano
na terapia da fala, mas não vale a pena, porque passa o tempo a chorar quando está lá
dentro e agora recusa-se a ir….Não sabemos que mais lhe fazer!
O Guilherme, ao lado, baixou a cabeça e começou a soluçar. Pus-lhe um braço
pelos ombros e puxei-o para junto de mim (que nós os Neuropediatras podemos fazer
estas coisas!). Tirei da gaveta a minha colecção de animais e pedi para ele mos nomear.
“Ca-ca”, era o gato; “ca-ca-ca”, o cavalo; “ca”, o cão; “ca-ca-ca”, o macaco. Se eu pedia
para repetir, o som era invariável.
Não sabia exactamente qual era o problema mas tinha a certeza que o Guilherme
ouvia, compreendia muito bem e obedecia a ordens e tinha o resto do exame neurológico inteiramente normal. A RMN cerebral e o EEG que trazia eram também normais. Mais
1
Serviço de Neuropediatria, Departamento da
Infância e Adolescência, CH Porto
pequenas histórias
short stories
301
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
importante ainda era o facto do Guilherme estar deprimido e se recusar a colaborar na
terapia da fala. Falei com ele e expliquei-lhe em linguagem simples que era importante
ele praticar com a terapeuta e não desistir. Da minha parte ajudei-o com uns miligramas
de Sertralina que prescrevi.
Já em casa, fui aos livros. Apraxia verbal, era esse o diagnóstico. Algo impedia a
programação dos movimentos dos órgãos fonatórios. Mas, porquê? E como ajudá-lo?
Passados seis meses voltou à consulta. Quando abriu a porta sorriu, depois deu-me um beijo e colocou-se ao meu lado, de pé. Pareceu-me que esperava que eu lhe
rodeasse novamente o corpinho com o meu braço. Fi-lo e ele deixou-se ali ficar encostado a mim enquanto eu ia falando com os pais.
– O Guilherme anda mais contente e está a fazer terapia da fala duas vezes por
semana – disse a mãe.
Mostrei-lhe de novo os animais e tentei que os nomeasse. Pouco parecia ter progredido e eu continuava a só entender um “ca-ca-ca” silabado. Contudo, agora “cacarejava” alegremente.
– Continua Guilherme, já estás muito melhor! – menti.
Os pais estavam ansiosos porque tinham que tomar uma decisão. Era o último
ano de pré-escola e a Educadora Infantil aconselhou-os a adiar a entrada para o Ensino
Básico. Eles não o queriam fazer porque, diziam, apesar das dificuldades na linguagem,
o Guilherme era muito inteligente e tinha vontade de aprender.
– A doutora o que acha? – perguntaram.
Eu partilhava da opinião da Educadora e disse-o.
– Claro que vocês é que decidem, conhecem-no melhor que ninguém. E tu, Guilherme, queres ir para a escola?
Ele abanou a cabeça afirmativamente. Ficou decidido que iria. Embora eu pensasse que as hipóteses que tinha de aprender a escrever e ler eram quase nulas, respeitei
o instinto dos pais e fiquei a aguardar….Marquei consulta para dali a um ano, insistindo
para que mantivesse a terapia da fala.
Nas férias da Páscoa voltaram. Como de costume, o Guilherme entrou na frente e,
após me dar um beijo, postou-se de pé a meu lado.
– Então? – perguntei cheia de curiosidade– como correram as coisas?
– Bem. – respondeu o Guilherme num tom de voz nasalado – Sou o melhor!
Nem queria acreditar no que ouvia! O Guilherme conseguira naquele ano adquirir
a linguagem que não conseguira desenvolver até aí. A prosódia era muito particular,
mas compreendia-se o que dizia. Para além disso, aprendera a ler e a escrever e era o
melhor da classe. Mais uma vez se confirmava que o instinto dos pais está normalmente
certo….Mas, o que é que tinha acontecido no seu cérebro, que porta, que estrada se
tinha aberto, de forma a ele ultrapassar as suas dificuldades?
A vida é engraçada e, a minha em particular (que é a que conheço melhor), é cheia
de coincidências. Em 2005 a Isabelle Rapin, após ter ouvido uma minha apresentação
num congresso Europeu, quis conhecer-me. Convidou-me para fazermos um trabalho
em conjunto. Passados dois anos fui ter com ela a Nova York e fiquei alojada na sua
casa. Trabalhávamos doze horas por dia no seu gabinete da Albert Einstein University e,
apenas à noite, na sua cozinha-escritório conversávamos de variadas coisas. Contei-lhe
a história do Guilherme e a minha surpresa pelo salto de desenvolvimento da linguagem,
coincidente com a aprendizagem da leitura e escrita. Disse-me que também já tinha
constatado o mesmo em outros casos de apraxia verbal congénita e concluiu com o seu
tom sentencioso.
– Neuroplasticity, my dear!
302
pequenas histórias
short stories
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Índice de Autores
Afonso A 161
Águeda S S211
Aguiar I 25
Aguiar J S220
Aires S S211
Alexandrino A 161
Almeida A 161, 260
Almeida AF 178, S219, S223, S226
Almeida I S215
Almeida M 282
Almeida P 144
Almeida R 155
Almeida R S223
Alvares S 7, 54, 109, 143, 243
Alves S 244
Amaral B S229
Amorim JM 50, 129, 176, 297
Amorim J S224
Amorim R S189
Andrade T 81
Andrade T S226
Anjos R 41, 260
Azevedo L 116, 265
Azevedo M 255
Bandeira A 54, 180, S217
Baptista D S219, S223
Barata D 278
Barbosa M 244
Barbosa T S210
Barbot J 166, S215, S216, S216,
S217, S218, S220, S228
Barradas M S219
Barreira M S198
Basto JP S220
Batista M 260
Bindi R S213
Binni M S217
Bonet B S214
Borges T S219
Caetano M 44
Caldeira A S213
Caldeira T S226
Campos T S229
Campos TA S222
Candeias C S219
Cardoso M 244
Carreira L S202
Carvalho C 81
Carvalho C S213
Carvalho F 81, S214, S231
Carvalho F 289
Carvalho I 74
Carvalho M 282
Carvalho S 91, S222, 289
Castanhinha S 91
Castro JR S218, S232
Chorão R 20, 46, 125, 171, 292
Cleto E S215, S216
Coelho J S222, S225
Constantino C 278
Correia F 149
Correia H S219, S220
Correia T 155, S224
Costa A S221, S227
Costa AM 46
Costa C S221
Costa E 17, 166, S215, S216, S217,
S218, S228
Costa G S222
Costa M 46
Costa M S213, S223, S225, S227,
S228
Costa V 44, 282
Costeira M S226
Couto C S229
Cunha L S212, S229
Cunha S 54
Diamantino C 41
Dias A 25
Dias JA 85
Dias M 81
Dinis M 74
Domingues S S231
Duarte C S210
Duarte CP 78
Enes C S218, S220, S232
Espada F S223
Estevinho N 282
Falcão H S212, S224
Faro A 78
Fernandes A 25
Fernandes A S229
Fernandes E S230
Fernandes I 44, 169
Fernandes I S225
Ferreira AC S225
Ferreira C 149, S223
Ferreira L 74
Ferreira M S215
Ferreira N S212
Ferreira P S211
Ferreira R 41
Ferreira S S227
Ferreira V S230
Figueiredo M S213, 289
Fonseca H 152
Fonte M 149
Fortuna A S220
Franco L S221, S227
Freitas I S215, S216
Freitas J 292
Freitas MM S219, S220
Garrido C 155
Gaspar A 285
Gaspar E S212
Gaspar I 260
Godinho C 67, S207, S233
Gomes E S212, S214, S229
Gomes L S213, S223, S224, S225,
S227, S228
Gomes S 285
Gomes SM 260
Gonçalves D S213, 289
Grebe HP S225
Guedes M 134, S215, S224
Guedes R 8
Guerra I 17
Guimarães J S213
Guimarães P S224
João A 74
Jorge R S213, S224, S227
Lacerda L 244
Lavrador V S214
Leitão B S231
Lima A 102
Lima F S229
Lima M 243
Lima R 17, 85, S217
índice de autores
author Index
303
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Lira S 14, S218
Lobo A 25, S219, S226
Lobo I 169
Lopes A 244
Lopes L 278
Lopes M S223
Loureiro M S226
Luca R S231
Macedo F 52, 131, 176, 299
Macedo J S219, S221, S223, S226
Machado E S228
Machado L S211
Machado R 41
Machado S S221
Madalena C 144
Magalhães J S224
Maia A S195
Maia I S216
Malveiro D S227
Mansilha H 17, 95, S185, 251
Marçal M S227
Marinheiro J S231
Marques B S220
Marques E S213
Marques I S220
Marques J S215
Marques L S210, S220
Marta R 278
Martins C S222, C225
Martins E 54, 180, S217, S221, 244
Martins F 41, 260
Martins R S231
Matos C S218, S231
Meireles C S219, S226
Melo C S222
Melo S 20
Melo T S216
Mendonça V 91, S229
Miguel C 91
Miguel N S217
Monteiro C 14
Monteiro João 144
Monteiro Joana S211, S213, S228
Monteiro M S213, S223, S225
Monteiro P 8
Monteiro T 29, 98
Monteiro T S212
Monteiro V S211, S228
Montes D 81
Morais L S214
Moreira E S211
Moreira L 8
Mota C 244
Mota MC S213, S220, 244
Mota P S223
Moura R 25
Nascimento H S222
304
índice de autores
author Index
Nascimento M S223
Nascimento P 166, S216, S217, S228
Neto C S216, S219, S223, S226
Neves D 34
Neves JF 278
Nogueira G 260
Norton L 282
Novo A S213, S215, S222, S225
Oliva T 282
Oliveira A 169
Oliveira A S228
Oliveira E S223
Oliveira L S227
Oliveira MJ 180
Oliveira ML S231
Oliveira T S230
Osório A S218, S220, S227, S231
Pais I S213
Pereira A 116, 265
Pereira F 48, 127, 174, S217, S221,
S232, 295
Pereira G 278
Pereira J S214, S218, S220, S227,
S231, S232
Pereira JR S233
Pereira M S216
Pereira S S231
Pinheiro A 285
Pinho L S224
Pinto A 57
Pinto AL S213, S228
Pinto C 68
Pinto F S229
Pinto J S214, S218, S220, S227,
S231, S232
Pinto M S220
Pinto M S228
Pinto R 68
Porto B 166, S216
Porto G S216
Prazeres T 25
Quelhas D 244
Ramalho A 78
Ramos A S210, S214
Rebelo J S229
Rebimbas S 68
Reis A S218
Reis G S211, S224
Reis M S224
Ribas M S192
Ribeiro A 171
Ribeiro C S218
Ribeiro J S220
Rocha C S223, S226, S227, S228
Rocha C S224
Rocha C S229
Rodrigues J 78
Rodrigues JC S227, S230, S231, S232
Rodrigues MJ S200
Rodrigues M 46
Rodrigues R S201
Salgado A S213
Salgado M 182
Sampaio L 152
Sampaio M 155
Santalha M 149
Santos G 161, S204
Santos M S221
Santos MC 32, 100, 253
Selores M 44, 169, S221
Senra V S210, S214
Silva A S221
Silva ES 161, S226
Silva G 78
Silva GM S214, S229
Silva H S210, S226
Silva I S215, 282
Silva M S219, S220
Silva R S222
Simão R S222
Soares G S220
Soares S S230
Sofia H S215
Sousa C S227, S231
Sousa E S213, S221
Sousa H 152, S211
Sousa J S227, S232
Sousa P 74
Sousa S S225
Tavares M S212, S215, S229
Tavares S S211
Teixeira A 260
Teixeira C S210
Teixeira F S212, S224
Teixeira P S213
Teixeira S S218
Teles A 74
Teles N S219, S220
Temudo T 301
Tomé S S225
Torres T 44, S221
Valongo C S220
Vaz I S230
Vaz L S211
Velon A 171
Viegas V 285
Vieira C 91, S213, S225
Vieira M 91
Vizcaíno R S217, S226
Xavier C 171
Zenha R 46
Zilhão C 14
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Índice de Assuntos
Vol. 19
Acidentes vasculares cerebrais
- O inimigo silencioso, S224
Adolescência
- Adolescentes no serviço de urgência
de Pediatria, uma nova realidade,
S212
- Artigo recomendado, 32
- Asma na Adolescência: Percepção do
impacto nas futuras escolhas profissionais, S214
- Avaliação do controlo e da qualidade
de vida em adolescentes asmáticos,
S229
- Doenças sexualmente transmissíveis
(DST) na Adolescência, S200
- Gravidez na Adolescência, S201
- O corpo e a saúde mental, 8
- Psiquiátrico, aditivo ou orgânico: um
desafio nos adolescentes, S225
Aleitamento materno
- Aleitamento materno – Análise da situação num meio semi-urbano, 68
Algoneurodistrofia
- Algoneurodistrofia: uma entidade a
reconhecer, 91
Alimentação no prematuro
- Artigo recomendado, 95
Amenorreia primária
- Puberdade tardia. Amenorreia primária, S198
Anafilaxia
- Anafilaxia induzida pelo frio, caso clínico, 285
Anemia
- Anemia de Fanconi: Acuidade para o
diagnóstico, S216
- Anemia ferripriva refractária de etiologia obscura em idade pediátrica – novas abordagens terapêuticas, S217
- Anemia num pequeno lactente, S215
- Beta talassemia minor, S228
- IRIDA: uma entidade clínica de descrição e caracterização molecular recentes, S216
- Saber ouvir quem não sabe comunicar: a propósito de um caso clínico,
S228
Anemia de Fanconi
- Anemia de Fanconi: Acuidade para o
diagnóstico, S216
- Caso hematológico, 167
Anomalias de lateralização
- Anomalias da lateralização – dois casos clínicos, 74
Ansiedade
- Artigo recomendado, 32
Arritmias
- Manifestações cardíacas nas doenças musculares, 109
Apendicectomia laparoscópica
- Apendicectomia laparoscópica – descrição do primeiro ano de experiência
num serviço de urgência pediátrico,
S232
Asma
- Asma na Adolescência: Percepção do
impacto nas futuras escolhas profissionais, S214
- Avaliação do controlo e da qualidade
de vida em adolescentes asmáticos,
S229
Autogratificação
- Caso electroencefalográfico, 125
Bioética
- Perspectivas actuais em bioética, 255
- Sobre o ensino da Bioética: um desafio transdisciplinar, 102
Cardiomiopatia
- Manifestações cardíacas nas doenças musculares, 109
Celulite orbitária
- Quando a tempestade começa com
um chuvisco, S211
Cistinúria
- Cistinúria – Revisão da literatura e investigação das suas bases genéticas
em 4 doentes, 244
Clonagem
Clonagem reprodutiva, 34
Colestase neonatal
- Hidropisia fetal e colestase neonatal –
caso clínico, 161
- Síndrome de Alagille: uma causa de
colestase neonatal e cardiopatia congénita, S226
Comportamentos aditivos
- Psiquiátrico, aditivo ou orgânico: um
desafio nos adolescentes, S225
Costela cervical
- Caso radiológico, 299
Cuidados continuados
- A nutrição, S185
- Experiência do Serviço de Pediatria
do IPO, S195
- O papel da comunidade, S192
- Procurar um diagnóstico, optimizar
cuidados, S221
- Reabilitação, S189
Depressão
- Artigo recomendado, 32
Dermatite de contacto
- Caso dermatológico, 169
Derrame pleural
- Caso radiológico, 178
- Derrames pleurais parapneumónicos
complicados – avaliação de um protocolo de abordagem com alteplase,
S214
Diarreia
- Gastroenterite aguda, 85
Discinesia ciliar
- Anomalias da lateralização – dois casos clínicos, 74
Distrofias musculares
- Manifestações cardíacas nas doenças musculares, 109
Doença de Crohn
- Caso endoscópico, 48
- Doenças sexualmente transmissíveis
(DST) na Adolescência, S200
índice de assuntos
subject index
305
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
Dor neuropática
- Algoneurodistrofia: uma entidade a
reconhecer, 91
Drooling
- Drooling em crianças neurologicamente comprometidas, S227
Eczema herpético
- Erupção variceliforme de Kaposi,
S221
Edema hemorrágico agudo
- Edema hemorrágico agudo na infância, 14
Enurese
- Enurese nocturna: a experiência de
uma consulta especializada no CHPV/
VC, 144
Epilepsia focal
- Caso electroencefalográfico, 292
Epilepsias fotossensíveis
- Caso electroencefalográfico, 171
Epúlide congénita
- Caso dermatológico, 176
Erros inatos do metabolismo
- Alterações hematológico e erros inatos do metabolismo, S217
Esclerose tuberosa
- Caso electroencefalográfico, 46
Escoliose congénita
- Caso radiológico, 131
Esofagite eosinofílica
- Caso endoscópico, 127
Espasmos de choro
- Espasmos de choro: problema de
comportamento, 20
Fenómeno de Raynaud
- Fenómeno de Raynaud em idade pediátrica, S215
Fibroma ameloblástico
- Caso estomatológico, 50
Fístula arterio-venosa
- Fístula arterio-venosa pulmonar: Uma
causa rara de cianose, 260
Fístula coronária
- Fístula coronária: causa rara de sopro
cardíaco, 41
Fundoplicatura de Nissen
- Recorrência de refluxo gastro-esofágico após fundoplicatura: em que
crianças e porquê?, S232
Gastroenterite aguda
- Artigo recomendado, 29
- Gastroenterite aguda, 85
- Gastroenterite aguda por salmonella:
portador até quando?, S223
306
índice de assuntos
subject index
Gengivoestomatite herpética
- Caso estomatológico, 297
Ginecologia em Pediatria
- A consulta de Ginecologia pediátrica
e da Adolescência na Maternidade
Júlio Dinis, S230
- Doenças sexualmente transmissíveis
(DST) na Adolescência, S200
- Puberdade tardia. Amenorreia primária, S198
Glomeruloesclerose segmental
- Importância da determinação da tensão arterial em Pediatria, S213
Gripe A
- Internamentos por gripe A em crianças com doença crónica, S210
Helicobater pylori
- Saber ouvir quem não sabe comunicar:
a propósito de um caso clínico, S228
Hematocolpos
- Dor abdominal e retenção urinária
aguda em adolescente: apresentação
clínica de hematocolpos e revisão da
literatura, 152
- Um caso raro de retenção urinária
aguda, 149
Hemoglobinúria paroxística
- Hemoglobinúria paroxística ao frio:
quando suspeitar?, S218
Hérnia do cordão umbilical
- Hérnia do cordão umbilical, S231
Hérnia do hiato
- Caso endoscópico, 295
Herpes Zoster
- Paralisia facial periférica, diagnóstico,
tratamento e orientação, 155
Hidropisia fetal
- Hidropisia fetal e colestase neonatal –
caso clínico, 161
Hiperhidrose
- Hiperhidrose axilar e palmar em adolescentes, S231
Hipertricose primária
- Tufo piloso cervical isolado – que significado?, S223
Icterícia
- Icterícia e prematuridade tardia, S233
IRIDA
- IRIDA: uma entidade clínica de descrição e caracterização molecular recentes, S216
Leishmaniose
- Leishmaniose visceral – um caso clínico, S221
Leucemia
- Leucemia aleucémica, 282
Lipodistrofia
- Genes, crianças e pediatras, 54
Luxação congénita do joelho
- Luxação congénita do joelho: um
caso, S231
Malnutrição
- Artigo recomendado, 251
Malrotação intestinal
- Anomalias da lateralização – dois casos clínicos, 74
Melanoma subungueal
- Caso dermatológico, 44
Meningococémia
- Artigo recomendado, 100
Mioclonias palpebrais
- Caso electroencefalográfico, 171
Mononucleose infecciosa
- Hepatite colestática – manifestação
rara de uma doença comum, S227
Mucosa gástrica ectópica
- Caso endoscópico, 174
Nefrectomia laparoscópica
- Nefrectomia laparoscópica retroperitoneal em crianças: estado da arte,
S218
Neuroblastoma
- Neuroblastoma – apresentação cervical em RN, S213
Obesidade
- Artigo recomendado, 99
- What you see is not what you get,
S213
Osteocondrite
- Caso radiológico, 52
Osteomielite
- Osteomielite infecciosa em idade pediátrica: últimos 20 anos, S222
- Pott’s Puffy Tumor: caso clínico, 78
Papiloma da língua
- Caso estomatológico, 129
Paralisia de Bell
- Paralisia facial periférica, diagnóstico,
tratamento e orientação, 155
Paralisia facial
- Paralisia facial periférica, diagnóstico,
tratamento e orientação, 155
- Paralisia facial congénita não traumática – caso clínico, S222
Pediatria baseada na evidência
- Avaliação Crítica e Implementação
Prática de Estudos sobre a Validade
de Testes Diagnósticos – Parte I, 116
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
- Avaliação Crítica e Implementação
Prática de Estudos sobre a Validade
de Testes Diagnósticos – Parte II, 265
Perturbações de comportamento
- Espasmos de choro: problema de
comportamento, 20
Perturbações mentais
- O corpo e a saúde mental, 8
- Artigo recomendado, 100
Pneumoparótida
- Tumefacção parotídea bilateral com
crepitações subcutâneas, 17
Pneumonia necrotizante
- Pneumonia necrotizante, a propósito
de um caso clínico, 25
Pott’s Puffy Tumor
- Pott’s Puffy Tumor: caso clínico, 78
Prematuridade
- Grande prematuridade: nutrição e
crescimento, S202
- Icterícia e prematuridade tardia, S233
- Prematuridade tardia: a nova epidemia, S204
- Prematuridade tardia: experiência da
Maternidade Júlio Dinis, S207
Puberdade
- Puberdade tardia. Amenorreia primária, S198
Refluxo gastro-esofágico
- Recorrência do refluxo gastro-esofágico após fundoplicatura: em que
crianças e porquê?, S232
Relação pais-criança
- Artigo recomendado, 253
Retenção urinária
- Dor abdominal e retenção urinária
aguda em adolescente: apresentação
clínica de hematocolpos e revisão da
literatura, 152
- Um caso raro de retenção urinária
aguda, 149
Rotavirus
- Artigo recomendado, 29
- Gastroenterite aguda, 85
Síndrome de abstinência
- Síndrome de abstinência neonatal –
casuística de um serviço de pediatria
de um hospital de nível III, de 2007 a
2009, S227
Síndrome de Alagille
- Síndrome de Alagille: uma causa de
colestase neonatal e cardiopatia congénita, S226
Síndrome de Becwith-Wiedemann
- Síndrome de Becwith-Wiedemann
apresentando-se com encerramento
tardio da parede abdominal e invaginação intestinal neonatal, S220
Síndrome de Berardinelli-Seip
- Genes, crianças e pediatras, 54
Síndrome de Edwards
- “Intensidades” pediátricas… a propósito do síndroma de Edwards, S226
Síndrome de Mauriac
- Síndrome de Mauriac, uma apresentação rara de uma doença mais comum, 278
Síndrome de Nijmegen
- Síndrome de Nijmegen e anomalia
cromossómica complexa rara: caracterização de uma delecção intersticial
6Q23 por técnicas de citogenética
molecular (CGH), S220
Síndrome de Smtih-Magenis
- Síndrome de Smtih-Magenis: caracterização de dois casos por técnicas
de citogenética clássica e molecular,
S220
Síndrome de Turner
- “Não eram só… dores nos pés”,
S219
- Sindrome de Turner – a visão do ginecologista, S230
Sinusite
- Pott’s Puffy Tumor: caso clínico, 78
Somatização
- Artigo recomendado, 32
- O corpo e a saúde mental, 8
Streptococcus pneumoniae
- Streptococcus pneumoniae – realidade últimos 3 anos no CHAA, S223
Stress pós-traumático
- Artigo recomendado, 100
Teste de suor
- Teste de suor – experiência do Serviço de Pediatria do CHP-HSA, S224
Teratoma
- Teratoma saccrococcígeo: caso clínico, 81
Toxicodependência
- Síndrome de abstinência neonatal –
casuística de um serviço de pediatria
de um hospital de nível III, de 2007 a
2009, S227
Trissomia 12p parcial
- Trissomia 12p parcial: a propósito de
um caso, S219
Tuberculose
- Caso radiológico, 178
- Tuberculose pulmonar em adolescente – caso clínico, S211
Tumor de células germinativas
- Teratoma saccrococcígeo: caso clínico, 81
Urgência Pediátrica
- Adolescentes no serviço de urgência
de Pediatria, uma nova realidade,
S212
Urticária
- Urticária ao frio em idade pediátrica –
série de casos, S212
- Urticária colinérgica – caso clínico,
289
Vasculite
- Edema hemorrágico agudo na infância, 14
Ventilação não invasiva
- Ventilação não invasiva com nCPAP
no tratamento da bronquiolite aguda,
S210
índice de assuntos
subject index
307
PRÉMIO NASCER E CRESCER
MELHOR ARTIGO ORIGINAL 2010
A DIRECÇÃO DA REVISTA NASCER E CRESCER E A ASSOCIAÇÃO DO HOSPITAL DE CRIANÇAS MARIA PIA
INSTITUÍRAM O PRÉMIO ANUAL PARA A MELHOR ARTIGO ORIGINAL PUBLICADO NA REVISTA. ESTA INICIATIVA
VISA PROMOVER E INCENTIVAR A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA NA ÁREA DA PEDIATRIA E PERINATOLOGIA.
REGULAMENTO
1. O Prémio será destinado aos autores do melhor Artigo Original publicado em cada ano na revista Nascer e Crescer
2. O Prémio equivalerá a um certificado e a um valor em dinheiro de 1 000,00 € (mil euros), que será entregue ao primeiro autor, caso haja mais de um.
3. Um mesmo autor pode concorrer com mais de um Artigo Original
4. Todos os Artigos Originais serão candidatos ao Prémio, salvo indicação em contrário expressa pelos Autores
5. O processo de avaliação será conduzido por um júri de selecção a ser escolhido oportunamente pelos editores da revista
6. Na avaliação dos Artigos Originais, o Júri de selecção analisará os seguintes itens:
a) Relevância e originalidade
b) Clareza e pertinência dos objectivos
c) Descrição dos métodos/ procedimentos e análise estatística adequados
d) Apresentação clara e sintética dos resultados
e) Discussão fundamentada
f) Importância para o avanço do conhecimento. Potencial de aplicabilidade e impacto dos resultados
7. Não caberá recurso contra as decisões do júri
8. A divulgação da atribuição do prémio será feita no 3º número da revista Nascer e Crescer de cada ano
9. Cabe aos editores da revista Nascer e Crescer decidir sobre eventuais omissões neste regulamento
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
AGRADECIMENTOS
A Revista Nascer e Crescer agradece aos colaboradores, que fizeram a revisão dos
manuscritos submetidos para publicação no ano de 2010. Esta intervenção é essencial
para a qualidade científica dos artigos e representa horas de trabalho, experiência e esforço dedicados a esta actividade. Sentimo-nos honrados com a sua colaboração e disponibilidade.
Alda Mira Coelho (HSJ)
Ana Guedes (MJD – CHP)
Ana Ramos (HMP – CHP)
Anabela João (HSJ)
Armando Pinto (IPOPF-G)
Artur Alegria (MJD – CHP)
Calçada Bastos (HMP – CHP)
Carla Pinto de Moura (HSJ)
Carla Sá (HB-EB)
Cármen Carvalho (MJD – CHP)
Cristina Rocha (CHEDV)
Dora Simões (HMP – CHP)
Esmeralda Martins (HMP – CHP)
Eugénia Fernandes (MJD – CHP)
Eurico Gaspar (CHTMAD)
Fátima Dias (CHTMAD)
Fátima Pinto (CS Carvalhosa)
Filipe Macedo (SMIC-Porto)
Gustavo Rocha (HSJ)
Helena Mansilha (HMP – CHP)
Henedina Antunes (HBEB)
Idalinda Duarte (HMP – CHP)
Inês Carrilho (HMP – CHP)
Inês Lopes (CHVNG/E)
Isabel Valente (H CUF Porto)
João Barreira (HSJ)
Jorge Moreira (HSJ)
Jorge Mota (FADE – UP)
José Leitão (HMP – CHP)
Josué Pereira (HSJ)
Laura Marques (HMP – CHP)
Lúcia Gomes (CHEDV)
Márcia Martins (MJD – CHP)
Margarida Guedes (HSA – CHP)
Maria Augusta Areias (HPBN)
Maria Goretti Dias (Pedopsiquiatria - CHP)
Maria João Baptista (HSJ)
Maria José Bento (IPOPF-G)
Maria Manuel Flores (HIDP - Aveiro)
Marília Loureiro (HMP – CHP)
Natalina Miguel (CHTMAD)
Nilza Ferreira (CHTMAD)
Norberto Estevinho (IPOPF-G)
Nuno Farinha (IPOPF-G)
Paula Correia (CHCB)
Paula Fonseca (CHMA)
Paula Matos (HMP – CHP)
Paula Soares (MJD – CHP)
Pedro Lopes Ferreira (FEUC)
Pedro Monteiro (HML – CHP)
Rosa Amorim (HMP – CHP)
Rosa Arménia Campos (CHVNG/E)
Rosa Lima (HMP – CHP)
Rui Almeida (HPH – ULSM)
Rui Chorão (HMP – CHP)
Sílvia Álvares (HMP – CHP)
Simão Frutuoso (HSA – CHP)
Sofia Aroso (ULSM)
Teresa Borges (HSA – CHP)
Tojal Monteiro (ICBAS)
A Revista Nascer e Crescer agradece o apoio publicitário concedido ao longo do ano
de 2010, pelas instituições abaixo indicadas:
Associação do Hospital de Crianças Maria Pia
Dermoteca Produtos Químicos e Dermatológicos S.A
Ferring Portuguesa – Produtos Farmacêuticos, Sociedade Unipessoal, Lda.
agradecimentos
Acknowledgements
309
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
INSTRUÇÕES AOS AUTORES
A Revista NASCER E CRESCER dirige-se
a todos os profissionais de saúde com interesse
na área da Saúde Materno Infantil e publica artigos
científicos relacionados com a Pediatria, Perinatologia, Saúde Mental da Infância e Adolescência,
Bioética e Gestão Hospitalar. Os Editoriais, os artigos de Homenagem e artigos de âmbito cultural
são publicados a pedido da Direcção da Revista. A
revista publica artigos originais, de revisão, casos
clínicos e artigos de opinião. Os artigos propostos
não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo
de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os artigos publicados ficarão de inteira propriedade da Revista
e não poderão ser reproduzidos, no todo ou em
parte, sem prévia autorização dos editores.
Manuscrito: Os trabalhos devem ser enviados à Direcção da Revista Nascer e Crescer
– Hospital Crianças Maria Pia – Rua da Boavista,
827 – 4050-111 Porto, ou endereçados a
[email protected]
ou
[email protected],
como documento anexo em qualquer versão actual
de Microsoft Word, acompanhados da declaração
de autoria. Todos os elementos do trabalho, incluindo a iconografia, se remetidos por correio, devem
ser enviados em formato electrónico.
Os artigos deverão ser redigidos conforme
as normas abaixo indicadas e cabe ao Editor a
responsabilidade de os:
- aceitar sem modificações,
- aceitar após alterações propostas,
- ou rejeitar,
com base no parecer de pelo menos dois revisores
que os analisarão de forma anónima. Os pareceres
dos peritos e os motivos de recusa serão sempre
comunicados aos autores.
Consentimento informado e aprovação
pela Comissão de Ética: É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os
princípios éticos e deontológicos, bem como, a
legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia. Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores
mencionem a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a
aprovação do protocolo pela Comissão de Ética.
Deve constar declaração de conflito de interesses
ou financiamento.
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
A Revista Nascer e Crescer subscreve os
requisitos para apresentação de manuscritos a
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Internacional de Editores de Revistas Médicas
(Uniform Requirements for Manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.
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O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem:
310
normas de publicação
instructions for authors
1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português e inglês. Palavras-chave e Keywords; 4- Texto; 5- Bibliografia; 6- Legendas; 7- Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos; 10- Em destaque.
As páginas devem ser numeradas segundo
a sequência referida atrás. No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser
enviado em formato electrónico.
Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o
mais conciso e explícito possível. A indicação dos
autores deve ser feita pelo nome clínico ou com
a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida
do apelido e devem constar os títulos ou cargos de
todos os autores, bem como as afiliações profissionais. No fundo da página devem constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou
outros em que os autores exercem a sua actividade,
o centro onde o trabalho foi executado, os contactos
do autor responsável pela correspondência (endereço postal, endereço electrónico e telefone).
Resumo e palavras-chave: O resumo
deverá ser redigido na língua utilizada no texto
e sempre em português e em inglês. No que respeita aos artigos originais deverá compreender no
máximo 250 palavras e ser elaborado segundo o
seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material e
Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos de
revisão devem ser estruturados da seguinte forma:
Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Relativamente aos casos clínicos, não deve
exceder 150 palavras e deve ser estruturado em
Introdução, Caso Clínico e Discussão/Conclusões.
Abaixo do resumo deverá constar uma lista de três
a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por
ordem alfabética, que servirão de base à indexação
do artigo. Os termos devem estar em concordância
com o Medical Subject Headings (MeSH).
Texto: O texto poderá ser apresentado em
português, inglês, francês ou espanhol. Os artigos
originais devem ser elaborados com a seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos de revisão
devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução,
Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os
casos clínicos devem ser exemplares, devidamente
estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão
sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As
abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especificação anterior. Não se aceitam abreviaturas
nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores
medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions,
WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a
10 devem ser escritos por extenso, excepto quando
têm decimais ou se usam para unidades de medida.
Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase.
Bibliografia: As referências devem ser classificadas e numeradas por ordem de entrada no
texto, com algarismos árabes. Os números devem
seguir a ordem do texto, e ser colocados superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos
originais e 15 para casos clínicos. Os autores devem verificar se todas as referências estão confor-
mes aos Uniform Requirements for Manuscript
submitted to biomedical journals (www.nlm.nih.
gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam
os nomes abreviados das publicações adoptadas
pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar
a página NLM’s Citing Medicine relativamente às
recomendações de formato para os vários tipos de
referência. Seguem-se alguns exemplos:
a) Revistas: listar os primeiros seis autores,
seguidos de et al se ultrapassar 6, título
do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e
páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al.
Intravenous Immunoglobulin for prevention
of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65.
b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s)
autor(es) do capítulo ou da contribuição.
Nome e iniciais dos autores médicos, título
do livro, cidade e nome da casa editora, ano
de publicação, primeira e última páginas do
capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner
BM, editors. Hypertension: pathophysiology,
diagnosis, and management. 2nd ed. New
York: Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es).
Título do livro. Número da edição. Cidade e
nome da casa editora, ano de publicação e
número de página. Ex.: Berne E. Principles
of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26.
Figuras e Quadros: Todas as ilustrações
deverão ser apresentadas em formato digital de
boa qualidade. Cada quadro e figura deverá ser numerado sequencialmente por ordem de referência
no texto, ser apresentado em página individual e
acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos
necessitam de legenda. Se a figura ou quadro é
cópia de uma publicação ou modificada, deve ser
mencionada a sua origem e autorização para a sua
utilização quando necessário. Fotografias ou exames complementares de doentes deverão impedir
a sua identificação devendo ser acompanhadas
pela autorização para a sua publicação dada pelo
doente ou seu responsável legal.
O total de figuras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos originais e cinco para
os casos clínicos. As figuras ou quadros coloridos,
ou os que ultrapassam os números atrás referidos,
serão publicados a expensas dos autores.
Agradecimentos e esclarecimentos: Os
agradecimentos e indicação de conflito de interesses de algum dos autores ou financiamento do
estudo devem figurar na última página.
Em destaque: Incluir duas a quatro frases
curtas que sintetizem os resultados e conclusões,
salientando a mensagem mais importante do trabalho. Estas deverão ser escritas em português e
em inglês.
Modificações e Revisões: No caso do artigo
ser aceite mas sujeito a modificações, estas devem
ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias.
As provas tipográficas serão enviadas aos autores
em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publi-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 4
cação da Revista. O não respeito do prazo desobriga
a aceitação da revisão dos autores, sendo a mesma
efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista.
INSTRUCTIONS FOR AUTHORS
The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of Health with interest
in the area of Maternal and Child/Adolescent Health
and publishes scientific articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management.
The Editorials, the articles of Homage and articles
of cultural scope are published under request of the
Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted must not have
been published previously in any form. The opinions
therein are the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property of the Journal
and may not be reproduced, in full or in part, without
the prior consent of the editors.
Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E
CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista,
827 – 4050-111 Porto, Portugal, or to
[email protected]
or
[email protected]
and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should
also be sent.
Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two
anonymous reviewers. Articles may be:
- accepted with no modifications,
- accepted with corrections or modifications,
- or rejected.
Authors will always be informed of the reasons
for rejection or of the comments of the experts.
Informed consent and approval by the
Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and
deontological principles, as well as legislation and
norms applicable, as recommended by the Helsinki Declaration. In research studies it is mandatory to have the written consent of the patient and
the approval of the Ethics Committee, statement of
conflict of interest and financial support.
MANUSCRIPT PREPARATION
Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee
of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated
October 2008).
All the components of the paper, including
images must be submitted in electronic form. The
papers must be presented as following: 1- Title in
Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in
Portuguese and English and key words; 4- Text;
5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables;
9- Acknowledgements; 10- Highlights.
Pages should be numbered according the
above sequence. If a second version of the paper
is submitted, it should also be sent in electronic
format.
Title and Authors: The first page should
contain the title in Portuguese and English. The
title should be concise and revealing. A separate
page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional affiliations, the name and the
contact details of the corresponding author (postal
address, electronic address and telephone), and
the name of the Institutions where the study was
performed.
Abstract and Keywords: The abstract
should be written in the same language of the text
and always in Portuguese and English, provide on
a separate page of not more than 250 words for
original papers and a 150 words for case reports.
For original papers the abstract should consist of
four paragraphs, labelled Background, Methods,
Results and Conclusions. Review articles should
obey the following: Introduction, Past landmarks
and Present developments and Conclusions. Case
report abstracts should contain an Introduction,
Case report and Discussion/Conclusions. Do not
use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed Keywords in Portuguese
and English in alphabetical order, minimum of three
and maximum of ten. Use terms from the Medical
Subject Headings from Index Medicus (MeSH).
Text: The text may be written in Portuguese,
English, French or Spanish. The original articles
should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion
and Conclusions. The structure of review articles
should include: Introduction, Past landmarks and
Present developments and Conclusions. The case
reports should be unique cases duly studied and
discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion
or Conclusion. Any abbreviation used should be
spelled out the first time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed
in international (SI units, The SI for the Health
Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1
to 10 should be written in full, except in the case
of decimals or units of measurements. Numbers
above 10 are written as figures except at the beginning of a sentence.
References: References are to be cited in the
text by Arabic numerals, and in the order in which
they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports.
The journal complies with the reference style in the
Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/
bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal
titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors should consult NLM’s Citing
Medicine for information on its recommended formats for a variety of reference types. The following
details should be given in references to (a) journals,
(b) chapters of books by other authors, or (c) books
written or edited by the same author:
a) Journals: Names of all authors (except if there
are more than six, in which case the first three
are listed followed by “et al.”), the title of the
article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume
and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al.
Intravenous Immunoglobulin for prevention of
sepsis in preterm and low birth weight infants.
Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65
b) Chapters of books: Name(s) and initials of the
author(s) of the chapter or contribution cited.
Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors,
title of book, city and name of publisher, year
of publication, first and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM,
editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York:
Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Books: Name(s) and initials of the author(s).
Title of the book. City and name of publisher,
year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford
University Press, 1966:26.
Tables and Figures: All illustrations should
be in digital format of high quality. Each table
and figure should be numbered in sequence,
in the order in which they are referenced in the
text. They should each have their own page and
bear an explanatory title and caption when necessary. All abbreviations and symbols need a
caption. If the illustration has appeared in or has
been adapted from copyrighted material, include
full credit to the original source in the legend and
provide an authorization if necessary. Any patient photograph or complementary exam should
have patients’ identities obscured and publication should have been authorized by the patient
or legal guardian.
The total number of figures or tables must
not exceed eight for original articles and five for
case reports. Figures or tables in colour, or those in
excess of the specified numbers, will be published
at the authors’ expense in the paper version
Acknowlegments: All authors are required
to disclose all potential conflicts of interest.
All financial and material support for the research and the work should be clearly and completely identified in an Acknowledgment section of
the manuscript.
Highlights: They should include two to four
short sentences that summarize the results and
conclusions, highlighting the most important message of the work. These should be written in Portuguese and English.
Modifications and revisions: If the paper
is accepted subject to modifications, these must be
submitted within fifteen days of notification. Proof
copies will be sent to the authors in electronic form
together with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the Journal’s publishing schedule. Failure to comply this deadline will
mean that the authors’ revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by
the Journal’s staff.
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4 Vol XIX 2010