UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE DE RIBEIRÃO PRETO DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES DENIS RENATO DE OLIVEIRA Unidades de Atendimento Integrado (UAI): um estudo de políticas públicas para o fortalecimento da cidadania no estado de Minas Gerais Orientador: Prof. Dr. João Luiz Passador RIBEIRÃO PRETO 2014 Prof. Dr. Marco Antonio Zago Reitor da Universidade de São Paulo Prof. Dr. Dante Pinheiro Martinelli Diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto Profa. Dra. Sônia Valle Walter Borges de Oliveira Chefe do Departamento de Administração DENIS RENATO DE OLIVEIRA Unidades de Atendimento Integrado (UAI): um estudo de políticas públicas para o fortalecimento da cidadania no estado de Minas Gerais Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração de Organizações da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciências. Orientador: Prof. Dr. João Luiz Passador Versão corrigida. A original encontra-se disponível na FEA-RP/USP RIBEIRÃO PRETO 2014 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Oliveira, Denis Renato de Unidades de Atendimento Integrado (UAI): um estudo de políticas públicas para o fortalecimento da cidadania no estado de Minas Gerais. Ribeirão Preto, 2014. 140 p. : il. ; 30 cm Tese de Doutorado, apresentada à Faculdade Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto/USP. Área de concentração: Estudos Organizacionais e Desenvolvimento. Orientador: Passador, João Luiz. 1. Política Pública. 2. Rede. 3. Cooperação 4. Cidadania. 5. Centrais de Atendimento Integrado. FOLHA DE APROVAÇÃO Denis Renato de Oliveira Unidades de Atendimento Integrado (UAI): um estudo de políticas públicas para o fortalecimento da cidadania no estado de Minas Gerais Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração de Organizações da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciências. Aprovada em: 01/12/2014 Banca examinadora Prof. Dr. João Luiz Passador Instituição: FEA-RP/USP Prof. Dr. Fernando de Souza Coelho Instituição: EACH/USP Prof. Dr. Luciel Henrique de Oliveira Instituição: FGV/EAESP Profa. Dra. Maria Sylvia Macchione Saes Instituição: FEA/USP Prof. Dr. Ângelo Del Vecchio Instituição: UNESP/Araraquara ii Dedico este trabalho aos meus pais, que me fizeram acreditar que o sonho era possível e construíram comigo cada etapa desse projeto; à minha esposa Bárbara, pelo incentivo diário; e ao meu filho Luca, que chegou para dar sentido às minhas escolhas! iii AGRADECIMENTOS A Deus, por guiar meus passos e me mostrar o caminho da verdade e do amor! Aos meus pais, por acreditarem na humildade e no trabalho como os verdadeiros pilares formadores do caráter. Seu incansável esforço em me ensinar a valorizar estes princípios fez de mim o que sou hoje. Talvez não seja exatamente isso que tenham me dito quando criança, mas expresso em poucas palavras o que sempre entendi: “(...) você não precisa estudar na melhor escola, mas saber buscar dentro de você o melhor estímulo para aprender”. Aos meus avós Lucinda, João Alves e Maria Anália, meus maiores exemplos de ‘vida’. À minha esposa Bárbara, que me faz pensar na simplicidade que podem ser os problemas quando se tem um verdadeiro amor, companheiro e compreensivo. Pelo maior e melhor presente que poderia receber na vida, o nosso filho Luca. Amo vocês! Aos meus queridos amigos: Waine, vulgo Ênio (tio, padrinho e confidente), pelos conselhos e presença. Adriano e Larissa, pela veracidade e sinceridade dos seus sentimentos; isso é maior que qualquer laço familiar. Ao meu afilhadinho Vitor, “padrinho te ama!”. Alfredo Tatu, amigo que se tornou aluno, e ainda, aplicado (contramão do processo). Se alguém, que embora não esteja matriculado no doutorado merece defender uma tese, é você, que tantas vezes deixou seus afazeres para me acompanhar nesse projeto de vida, sem sua ajuda essa conquista não seria possível. Foram muitas e muitas viagens! Stênio e Ângela, pelos causos e sorrisos, pela cumplicidade, mas especialmente, por me deixar fazer parte da família, mesmo de forma indireta e inesperada:“Pedrinho, dindó te ama!”. Rafael, o cruzeirense mais sensato de todos que conheço, grande jornalista! Por tudo que vivemos durante o drama do ingresso no doutorado; “Êê Reberão!”. Renan, farmacêutico boêmio, ‘veRrRdadeiro’ fanfarrão, que tenta ‘peRdeR’ ou ‘ganhaRRR’ o sotaque, mas nunca consegue. “Bora pro Vila Dionísio?” iv Sill, minha irmãzinha carioca, pela sua consideração e carinho. Nunca me esqueço das acolhidas em Ribeirão, dos diversos momentos de diversão nos últimos 8 anos. Você está no meu coração! Marcola, amigo paranaense, digo, rapaz mundano, pelos momentos de alegria e pelo churrasco que me fazia muito bem. Estendo minha gratidão à família Koller, amigos que tão bem me receberam em sua casa! Luna, pelos momentos de pura alegria nas aulas, pelas dicas e contribuições significativas para este trabalho. Sua amizade foi uma grande conquista! Filipe e Guilherme, pela amizade e companheirismo. Várias são as estórias que podemos contar de Ribeirão Preto! Bons momentos! À minha grande referência, Prof. Dr. João Luiz Passador, pessoa a quem tenho respeito e admiração, por todos os ensinamentos e pela oportunidade de convivência! Espero ter correspondido às suas expectativas. Apesar das dificuldades (obra, filho, concurso e tese) de equacionar a vida pessoal, profissional e acadêmica, agradeço imensamente seu apoio em todos os momentos. Conte sempre comigo! Aos membros da banca de qualificação, Prof. Dr. Fernando Coelho e Prof. Dr. Luciel Henrique, pelas valiosas contribuições para o aprimoramento deste projeto de pesquisa. À Universidade de São Paulo, em especial à FEA - Ribeirão Preto, na figura de seus professores e funcionários, que me deram a oportunidade de realizar excelentes cursos de PósGraduação Stricto-Sensu. À CAPES, pelo apoio financeiro e reconhecimento, com a concessão do prêmio, “2010/2011Brazilian Management Research Fund Award” em parceria com a editora Emerald Insight Publishing. À UFOP e aos colegas do DECEG/ICSA, que me proporcionaram momentos maravilhosos no período entre 2012 e 2013. Por fim, à Universidade Federal de Lavras, especialmente aos colegas do DAE, que confiaram no meu trabalho e me proporcionaram todas as condições para que este projeto fosse concluído. v “I know what our public services can do and how they are the backbone of this country. But I know too that the way they have been run for decades – old-fashioned, top-down, take-whatyou’re-given – is just not working for a lot of people. Ours is a vision of open public services – there will be more freedom, more choice and more local control. Wherever possible we are increasing choice by giving people direct control over the services they use”. David Cameron 1º Ministro Britânico vi RESUMO OLIVEIRA, D. R. Unidades de Atendimento Integrado (UAI): um estudo de políticas públicas para o fortalecimento da cidadania no estado de Minas Gerais. 2014. 156f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2014. A estruturação de redes como suporte organizacional à gestão de políticas públicas tem se apresentado, no contexto do Welfare State, como um novo paradigma de organização da ação do Estado frente às constatadas imperfeições do modelo burocrático. Embora se possa relacionar os ganhos decorrentes dessa formação, ainda não se possui uma estrutura conceitual precisa que possibilite a identificação de um padrão gerencial ou determine os elementos de análise essenciais das formas de interação entre os atores, a natureza das atividades envolvidas e a configuração das relações de poder no Modelo de Gestão do Atendimento Integrado (MGAI). Nesse sentido, objetivou-se estudar a dinâmica processual de institucionalização da gestão de políticas públicas em rede e as formas de cooperação existentes nas Unidades de Atendimento Integrado (UAI). Para isso foi realizada uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória e descritiva. Os dados foram coletados por meio de fontes primárias, entrevistas semiestruturadas, e também, por meio de fontes secundárias, com a consulta de decretos-lei, manuais, cadernos e publicações temáticas, releases de encontros e reuniões, relatórios gerenciais e artigos científicos. O embasamento teórico foi feito a partir da abordagem de quatro temas centrais: a formação do Estado democrático moderno, a reforma administrativa do Estado, as tendências contemporâneas de políticas públicas e as Centrais de Atendimento Integrado (CAI). Caracterizada como uma típica relação de governo coordenado, a noção de integração e parceria no ambiente das UAI é limitada aos acordos de cooperação e cláusulas contratuais. Tem-se, portanto uma excessiva centralização das decisões. Pode-se dizer, por isso, que as inovações desse modelo de redes se restringem apenas à democratização do acesso aos serviços públicos, que buscam superar o distanciamento entre as estruturas estatais, para beneficiar o cidadão, ou seja, contemplam visivelmente, a motivação econômica de contenção de gastos e representatividade política, ambas, típicas das reformas de 1ª e 2ª gerações. Por fim, conclui-se que, embora tenham a pretensão de caminhar sentido à gestão para cidadania, estas unidades não apresentam nenhum mecanismo de participação e inclusão social. Enfim, o avanço da administração pública para o fortalecimento da cidadania deve contemplar a criação de mecanismos de proteção social, não apenas a garantia de direitos e deveres. Palavras-Chave: política pública; rede; cooperação; cidadania; Centrais de Atendimento Integrado. vii ABSTRACT OLIVEIRA, D. R. Citizen Assistance Units (UAI): a public policy study for strengthening of citizenship in state of Minas Gerais. 2014. 156f. Thesis (Doctor Degree) – Faculty of Economy, Business and Accountability of Ribeirão Preto, São Paulo University, Ribeirão Preto, 2014. The structuring of organizational networks to support public policies has been presented in the context of the welfare state, as a new paradigm of organization of state action against those found shortcomings of the bureaucratic model. Although one can relate the gains from that training, has yet to have a conceptual framework that allows the identification of a standard managerial or determine the essential elements of analysis of the forms of interaction between the actors, the nature of the activities involved and the configuration of relations power in Integrated Citizen Assistance Management Model (MGAI). In this sense, the aim was to study the dynamics of institutionalization of procedural public policy management and networked forms of cooperation existing Citizen Assistance Units (UAI). For this research a qualitative exploratory and descriptive nature was performed. Data were collected through primary sources, semi-structured interviews, and also through secondary sources, with the consultation of ordinances, manuals, notebooks and thematic publications, releases of meetings, management reports and scientific papers. The theoretical foundation was made from the four central themes approach: the formation of the modern democratic state, the administrative reform of the state, contemporary trends of public policies and Citizen Assistance Center (CAI). Characterized as a typical joined-up government, the notion of integration and partnership in the environment of UAI is limited to cooperation and contractual agreements. Therefore has an excessive centralization of decisions. It can be said therefore that the innovations of this network model are restricted only to the democratization of access to public services that seek to overcome the gap between the state structures, to benefit the citizen, ie, come visibly, the economic motivation cost containment and political representation, both typical of the reforms of 1st and 2nd generations. Finally, it is concluded that, although they claim to walk towards the management for citizenship, these units present no mechanism for participation and social inclusion. Anyway, the advancement of public administration for strengthening of citizenship should include mechanisms of social protection, not only the guarantee of rights and duties. Key-Words: public policies; network; cooperation; citizenship; networks; Integrated Citizen Assistance Center. viii LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento. CAI: Central de Atendimento Integrado. CAP: Central de Atendimento à População. CEGUAI: Coordenadoria Especial de Gestão das UAI. CEMIG: Companhia Energética de Minas Gerais. CEPA: Comissão de Estudos e Projetos Administrativos. CFSPC: Conselho Federal do Serviço Público Civil. COEF: Coeficiente de Eficiência. COHAB: Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais. CONSAD: Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração. COPASA: Companhia de Saneamento de Minas Gerais. COSB: Comissão de Simplificação Burocrática. CPF: Cadastro de Pessoa Física. DASP: Departamento Administrativo do Serviço Público. DETRAN: Departamento Estadual de Trânsito. GERAES: Gestão Estratégica de Recursos e Ações do Estado. GESPÚBLICA: Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização. ICMS: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. IIMG: Instituto de Identificação de Minas Gerais. INSS: Instituto Nacional do Seguro Social IPSEMG: Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais IPTU: Imposto sobre Propriedade Territorial e Urbana. IPVA: Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotivos. ISSQN: Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza. ITBI: Imposto sobre Transferência de Bens Intervivos. LDO: Lei de Diretrizes Orçamentárias. MARE: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. MGAI: Modelo de Gestão do Atendimento Integrado. MGS: Minas Gerais Serviços. MPOG: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. MTE: Ministério do Trabalho e Emprego. OGE: Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais. ix ONU: Organizações das Nações Unidas. PBQP: Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade. PCMG: Polícia Civil de Minas Gerais. PDRAE: Plano Diretor de Reforma Administrativa do Estado. PF: Polícia Federal. PMDI: Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado. PME: Pequenas e Micro Empresas. PMMG: Polícia Militar de Minas Gerais. PMPEF: Programa de Modernização do Poder Executivo Federal. PPP: Parcerias Público-Privadas. PROCON: Agência de Proteção ao Consumidor. PSIU: Postos de Serviços Integrados Urbanos. PSO: Public Service Orientation. RF: Receita Federal. SAC/BRASIL: Serviço Integrado de Atendimento ao Cidadão. SAC: Serviço de Atendimento ao Cidadão. SACI: Serviço de Atendimento ao Cidadão. SEDESE: Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social. SEDRU: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana. SEGES: Secretaria de Gestão/MPOG. SEPLAG: Secretaria do Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais. SEPLAN: Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral. SERHA: Secretaria de Estado de Recursos Humanos e Administração. SGGE: Secretaria do Governo e Gestão Estratégica de São Paulo. SIAD: Sistema de Administração de Material. SIAFI: Sistema Integrado de Administração Financeira. SINE: Sistema Nacional de Emprego. SISAP: Sistema de Administração de Pessoal. SUS: Sistema Único de Saúde. TJMG: Tribunal de Justiça de Minas Gerais. TRE: Tribunal Regional Eleitoral. UAI: Unidade de Atendimento Integrado. x LISTA DE QUADROS Quadro 1. Orientações das reformas e inovações na gestão pública contemporânea. ........... 41 Quadro 2. Tipologia de redes entre organizações privadas. ................................................. 49 Quadro 3. Dimensões de análise para apreciação dos processos de cooperação. .................. 62 Quadro 4. Evolução histórica da implantação das CAI no Brasil ......................................... 76 Quadro 5. O modelo Minas Fácil. ....................................................................................... 86 Quadro 6. O modelo Balcão Único. .................................................................................... 97 Quadro 7. Grau de formalização das relações e tipos de cooperação nas UAI. ................... 116 xi LISTA DE TABELAS Tabela 1. Coeficiente médio de eficiência das UAI (2012 – 2013). ...................................... 69 Tabela 2. Caracterização dos entrevistados da pesquisa. ...................................................... 70 Tabela 3. Relação de PSIU/UAI: as gerações de one-stop-shopping em Minas Gerais ......... 88 Tabela 4. Serviços oferecidos, valores cobrados e órgãos parceiros. .................................... 92 Tabela 5. Orçamento Estado x UAI ................................................................................... 104 Tabela 6. Média de dias para conclusão de um chamado - MGS. ....................................... 105 xii LISTA DE FIGURAS Figura 1. Modelo sistêmico de políticas públicas................................................................. 30 Figura 2. Ciclo de políticas públicas. ................................................................................... 30 Figura 3. Setores do Estado, formas de propriedade e de administração. ............................. 40 Figura 4. Níveis de análise na formação de redes interorganizacionais. ............................... 47 Figura 5. Circunscrição da Administração Pública sob o ideário do Estado-Rede. ............... 51 Figura 6. Modelos de governo. ............................................................................................ 53 Figura 7. Formas de cooperação na gestão pública contemporânea. ..................................... 54 Figura 8. Integração conceitual das dimensões de análise. ................................................... 58 Figura 9. Sequência circular de pesquisa em ciências sociais............................................... 65 Figura 10. Relação entre objetivos e abordagens investigativas. .......................................... 72 Figura 11. Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado. ................................................... 83 Figura 12. Mapa relacional das UAI em Minas Gerais. ..................................................... 111 Figura 13. Evolução dos modelos PSIU/UAI em Minas Gerais. ........................................ 120 SUMÁRIO LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ..................................................................... VIII LISTA DE QUADROS ....................................................................................................... X LISTA DE TABELAS ....................................................................................................... XI LISTA DE FIGURAS ...................................................................................................... XII SUMÁRIO ............................................................................................................................ 1 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 3 1.1 OBJETIVOS ................................................................................................................ 6 1.1.1 Objetivo Geral ....................................................................................................... 6 1.1.2 Objetivos Específicos ............................................................................................. 6 2. REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................... 8 2.1 FORMAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO MODERNO........................................ 8 2.1.1 Antecedentes históricos e consolidação dos Estados Nacionais ............................. 8 2.1.2 O nascimento da ciência política ......................................................................... 11 2.1.3 O Iluminismo, os Contratualistas e a Teoria do Estado ....................................... 13 2.2 REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO ........................................................ 16 2.2.1 As contradições do liberalismo e a dinâmica democrática ................................... 16 2.2.2 Desenvolvimento e crise do modelo Welfare States .............................................. 18 2.2.3 Pressupostos do paradigma neoliberal ................................................................ 20 2.2.4 A edificação da new public management ............................................................. 21 2.3 TENDÊNCIAS NA GESTÃO DE GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ................. 26 2.3.1 Teorias no campo de políticas públicas ............................................................... 26 2.3.2 Evolução do aparato governamental brasileiro ................................................... 32 2.3.3 Desvendando o poder das redes........................................................................... 45 2.3.4 Governar em rede: a nova forma do setor público ............................................... 51 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.................................................................. 64 3.1 TIPO DE PESQUISA ................................................................................................. 64 3.2 ESTUDO DE CASO ................................................................................................... 66 3.3 AMOSTRAGEM, COLETA DE DADOS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ....... 67 3.4 MODELO CONCEITUAL DE PESQUISA ................................................................ 71 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................... 73 4.1 CENTRAIS DE ATENDIMENTO INTEGRADO – CAI ............................................ 73 4.1.1 Surgimento dos modelos one-stop-shopping no Brasil ......................................... 73 2 4.1.2 Diretrizes e influências do SAC/BRASIL .............................................................. 75 4.2 UNIDADES DE ATENDIMENTO INTREGADO – UAI .......................................... 82 4.2.1 Formação da agenda: a priorização de demandas do estado de Minas Gerais .... 82 4.2.2 Formulação da política pública: definição de objetivos e alternativas de ação .... 84 4.2.3 Implementação: especificações de operacionalização e funcionamento ............... 89 4.2.4 Avaliação: um guia de decisões e orientações para o futuro .............................. 102 4.3 CLASSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES DE COOPERAÇÃO NAS UAI .................... 109 4.3.1 Caracterização dos tipos de cooperação............................................................ 110 4.3.2 Análise das dimensões e processos colaborativos .............................................. 116 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 119 5.1 RETROCESSOS E AVANÇOS PARA A CIDADANIA........................................... 121 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 125 APÊNDICE ...................................................................................................................... 138 ROTEIRO DE ENTREVISTA (A) ................................................................................. 138 ROTEIRO DE ENTREVISTA (B) ................................................................................. 139 ROTEIRO DE ENTREVISTA (C) ................................................................................. 140 3 1. INTRODUÇÃO Em resposta aos desafios lançados pela globalização dos mercados e pela crise interna do Estado social-democrático, atreladas ainda à exigência cada vez maior de proteção do patrimônio público, está surgindo uma nova configuração estatal, social-liberal e republicana. Este tipo de abordagem presume uma reforma institucional precedida pelo produto coletivo e conflitante, de todo tipo de interesses, e de diferentes competências técnicas na formulação e implementação das políticas públicas (BRESSER-PEREIRA, 2001; 2009; MARINI, 2002; MENDES; TEIXEIRA, 2000). Nesse sentido, diz-se sobre o movimento de reforma do aparelho do Estado1, que caracteriza o modelo da new public management2. Este, que se configura como responsável por redimensionar as bases de organização das políticas públicas por meio de processos de descentralização, estímulo ao compartilhamento decisório e à diversificação das fontes de financiamento e dos formatos de provisão de bens públicos, origina uma ampla variedade de arranjos, compostos por atores governamentais, privados e não governamentais (FLEURY, 2001); proposta de desenvolvimento que requer uma mudança de paradigma pautada na transição para modelos cooperativos, comprometidos com a inclusão política e econômica dos grupos sociais em detrimento das ações pontuais burocráticas institucionalizadas (RIBAS JÚNIOR; RIBAS, 2006). Num momento fortemente marcado pelo descrédito com relação à ação estatal, em que determinadas práticas viciadas do setor público tendem a ser vistas como parte da própria natureza do Estado, é importante chamar a atenção para alternativas que sejam capazes de responder as demandas hoje apresentadas por segmentos expressivos da sociedade e que sugerem um movimento de busca de superação tanto das práticas clientelistas e particularistas como da inércia burocrática, que nos últimos anos haviam se tornado, no imaginário coletivo, sinônimo da administração estatal (FARAH, 1997). Não cabe neste cenário de mudança conjuntural, interpretar o mundo como objeto de regulação natural, como se propõe na visão dominante das ciências sociais. A política, neste 1 Reforma do Estado e reforma do aparelho do Estado tem conceitos distintos, embora possam se sobrepor. A primeira é muito mais abrangente e compreende a redefinição das funções a serem desempenhadas pelo Estado, o modo de intervenção econômica e social e, num plano mais abstrato, a reformulação do estatuto da política e das relações do Estado com a sociedade. A segunda, por outro lado, é algo mais específico e concreto. Diz respeito a mudanças na forma de administrar, à concepção de novas ferramentas gerenciais e ao modo de prestar serviços públicos. Trata-se daquilo que se denomina frequentemente de reforma administrativa. Cf. BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado: entre eficiência e democratização. Barueri-SP: Manole, 2003. 2 Algumas palavras ou expressões utilizadas nesta pesquisa serão apresentadas em inglês por se tratar de termos originalmente estrangeiros, por não haver tradução para a língua portuguesa que corresponda fielmente ao seu significado, por faltar um conceito próprio ou pela dificuldade inerente de referenciação. 4 caso, precisa ser interpretada como um fenômeno histórico e social que exige a busca sistemática de novos fatos tecnológicos, que molduram e definam esses novos arranjos sociais e institucionais (BRESSER PEREIRA, 2003). No entanto, faz saber que a abordagem isonômica alia-se a uma visão distintamente republicana da política, uma vez que o sistema político e social é produto do esforço de cidadãos motivados por interesses próprios, mas capazes de perceber e promover o interesse público (BRESSER PEREIRA, 2009). Nesse sentido, afirma-se que uma sociedade civil forte reflete uma relativa dispersão do poder político nas formas de governo e contribui para o advento de regimes democráticos estáveis como forma de garantir a inclusão e evitar a subordinação; mas para isso, não pode ser compreendida fora da sua relação com o Estado (OXHORN, 2010). Procura-se, num primeiro momento, romper com o padrão anterior de intervenção estatal, recaindo a ênfase das propostas então formuladas sobre a democratização dos processos decisórios e a equidade das políticas, sendo a democratização vista como condição unívoca. Trata-se, portanto, de implementar mudanças não apenas no regime político, mas também no nível das políticas públicas – State-in-action – e do aparelho do Estado (FARAH, 1997). Assim, a estruturação de redes de cooperação como suporte organizacional às políticas públicas tem se apresentado no contexto do Welfare State como um novo paradigma de organização da ação do Estado frente às constatadas imperfeições do modelo centralizado e burocrático (FLEURY, 2002; AGRANOFF; MCGUIRE, 2001), buscando desenvolver estratégias e instrumentos de promoção e sustentação de interdependências no interior de sistemas de proteção social. No entanto, esta composição de políticas públicas apresenta como um de seus principais desafios, a promoção de mecanismos e estratégias de integração e articulação capazes de fornecer racionalidade e eficiência (PROVAN; MILWARD, 1995). Embora se possa relacionar os ganhos decorrentes dessa formação e haja uma grande quantidade de estudos que se utilizam do conceito de redes e gestão de políticas públicas (O'TOOLE, 1997; BOGASON; TOONEY, 1998; BARDACH, 1998; MILWARD; PROVAN, 1998, 2000, 2003; AGRANOFF; MCGUIRE, 2001, 2003; BERRY et al., 2004), ainda não se apresentou uma estrutura conceitual precisa, que possibilite a identificação de um padrão gerencial ou determine os elementos de análise essenciais das formas de interação entre os atores, a natureza das atividades envolvidas e a configuração das relações de poder. Além da análise dos aspectos sobre seu funcionamento, ainda é incipiente os estudos sobre como as redes se empenham para colaborar com informações e conhecimento. 5 É nesse sentido que os modelos de gestão baseados na cooperação se constituirão como uma possibilidade concreta para o desenvolvimento (POWELL; KOPUT; SMITHDOERR, 1996). Essa busca se concentra não apenas na transmissão de informações entre seus membros, mas no gerenciamento do conhecimento, transformando-o em ativo econômico e social (CUNHA; PASSADOR, 2006). A formulação de alternativas de ação do Estado na área social no Brasil é marcada por dois condicionantes principais: de um lado, eixos como a democratização das estruturas de provisão e a universalização do acesso, e de outro lado, a crise do Estado e de sua capacidade de investimento, que veio impor restrições à concretização destas aspirações, ao mesmo tempo em que contribuiu para a difusão de um clima ideológico antiestatal, ao qual se somou a crítica interna ao padrão brasileiro de intervenção na área social (FARAH, 1997). Ainda assim, ressalta-se o estudo sobre um novo formato de gestão de políticas públicas que adveio com a implementação das Centrais de Atendimento Integrado (CAI) a partir da década de 90 no Brasil. Seu objetivo seria promover a melhoria da qualidade e ampliação dos serviços prestados ao cidadão, reunindo em um único local, um amplo leque de órgãos públicos que prestassem atendimento sem discriminação ou privilégios num modelo denominado one-stop shopping3, caracterizado pela modernização das formas de provisão dos serviços públicos. Em essência, para a formação e operação de uma rede intergovernamental como esta importa tanto o conhecimento tecnológico, que é transmitido e gerado após o seu estabelecimento, quanto àquele que é anterior à sua formação, e que possibilita o seu surgimento. Logo, questiona-se: em que contexto essas redes surgiram? Como se organizam (aspectos técnicos, administrativos, operacionais), considerando seus diversos órgãos e níveis governamentais? Qual é a eficiência desse modelo para o fortalecimento da cidadania? Assume-se assim, como premissa básica, que a institucionalização das CAI é caracterizada por múltiplas ações, que visam incorporar conceitos e ferramentas gerenciais nos seus respectivos modelos de integração. Há indícios de que as CAI possam adotar estratégias e comportamentos distintos, de acordo com o estado da federação a que estejam vinculadas, o que caracteriza os diferentes estágios de desenvolvimento dessas propostas; portanto, conhecer como se dá esse processo é o maior interesse e a melhor justificativa de 3 O termo one-stop-shopping é um local onde os cidadãos podem obter serviços de diversas agências governamentais. Este local inclui a presença de agências governamentais que prestam o serviço ou podem ser compostos por entidades responsáveis por canalizar a solicitação de serviço para os órgãos competentes. Cf. BHATTA, Gambhir. International dictionary of public management and governance. New York: Sharpe Inc., 2006. 6 realização desta pesquisa. Nesse caso, foca-se na análise particular das Unidades de Atendimento Integrado (UAI), que iniciou suas operações em 1997 e foi tida como uma tendência de modernização no atendimento, um importante passo para promover a descentralização administrativa e a democratização do acesso aos serviços públicos no estado de Minas Gerais. Acredita-se que este trabalho permitirá mostrar o potencial desta política pública para o enriquecimento do debate sobre cidadania dentro da discussão que propõe Paula (2005), além de demonstrar que o emprego do conceito de gestão em redes ainda não está fundamentado em bases conceituais precisas (FLEURY; OUVERNEY, 2007), exigindo diversas mudanças em sua estratégia de gestão, sobretudo nesse caso brasileiro de cooperação. 1.1 OBJETIVOS 1.1.1 Objetivo Geral Estudar a dinâmica processual de institucionalização da gestão de políticas públicas em rede e as formas de cooperação existentes nas UAI. 1.1.2 Objetivos Específicos Especificamente, busca-se: • Descrever o contexto histórico-social de formação da UAI; • Descrever o funcionamento da UAI do ponto de vista institucional-administrativo; e • Verificar a influência dessa proposta para o fortalecimento da cidadania. Para alcançar estes objetivos organiza-se um quadro conceitual, que estrutura esta pesquisa em quatro capítulos e contemplam o estudo dos seguintes marcos teóricos: O primeiro capítulo faz uma análise dos principais eventos que caracterizaram a formação do Estado democrático moderno e apresenta os antecedentes históricos que marcam o nascimento da ciência política. O segundo capítulo situa o leitor no âmago dos fatos e acontecimentos que marcaram o processo de transição do Estado patrimonialista para um Estado social liberal e republicano retratando o processo de modernização dos conceitos gerenciais que advém com o surgimento 7 da new public management. Seu objetivo é auxiliar pesquisador e leitor no entendimento sobre esta proposta de pesquisa. O terceiro capítulo apresenta as teorias consolidadas no campo das políticas públicas, especificamente quando se trata das tendências contemporâneas de gestão, retratadas pelo estudo das redes de cooperação como uma nova forma de organização dos serviços governamentais, suporte para as análises do objeto de estudo. Ainda, faz menção ao contexto político brasileiro, enfatizando os elementos que contribuíram para sua edificação, evidenciando os princípios de racionalidade e eficiência da atuação administrativa e em que medidas eles abrem perspectivas teóricas de superação do modelo burocrático weberiano. Por último, o quarto capítulo faz um relato sobre as CAI, que redefiniram as formas de provisão dos serviços públicos na pós-modernidade. Lembra-se, contudo, que não cabe aqui o debate de modelos explicativos ou perspectivas teóricas, apenas uma contextualização sóciohistórica para interpretação do modelo one-stop shopping e seus desdobramentos. 8 2. REFERENCIAL TEÓRICO Nesse capítulo, a revisão debruça-se sobre a formação do Estado democrático moderno em sua acepção política, econômica e social, que constitui o debate sobre a garantia dos direitos à cidadania, e ainda, perpassa pelas bases teóricas e origens da reforma que caracterizam o modelo da nova gestão pública. Sua releitura faz sentido quando há o cruzamento da pluralidade de perspectivas, econômicas e políticas, progressistas e conservadoras, a fim de compor um quadro abrangente e inteligível acerca do contexto em que se situa o novo paradigma gerencial público. Nessa perspectiva de diálogo e convergência de olhares, merecem destaque dentre as questões a serem rediscutidas, o Estado e o seu papel na condução das políticas públicas, seja pelos impasses e limites colocados pelo processo de globalização da economia, seja pelo ataque neoliberal às estruturas de Welfare State e à valorização de posturas teóricas prómercado (MARQUES, 1996). 2.1 FORMAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO MODERNO 2.1.1 Antecedentes históricos e consolidação dos Estados Nacionais Considerada como um período obscuro, somente no século XIX a Idade Média passou a ser entendida como etapa necessariamente importante da história da civilização ocidental. Na verdade, isso se justifica, especialmente pelo fato de o período medieval ter passado por lentas mudanças econômicas, políticas, culturais e sociais que prepararam o território e a sociedade dos séculos seguintes para o surgimento da democracia republicana, configuração política atual. O processo de formação dos Estados Nacionais4, forma de organização do poder político que teve início no século XIII, tem na análise dos seus antecedentes históricos o feudalismo como marco de suas transformações. Esse sistema político caracterizado por fragmentação territorial, compartilhamento do poder entre clero e nobreza, economia de subsistência e comércio incipiente, encontrava sua legitimação nos princípios do direito canônico, que ditava as relações de poder à época (WEFFORT, 1991). 4 Os termos Estado Nacional, Estado Absolutista e Estado Moderno serão usados neste texto indistintamente para designar a forma de organização do poder político que teve início no século XIII e que se estabeleceu nos séculos seguintes. Essa forma política é caracterizada pela centralização administrativa e pelo caráter absoluto do poder político, representado e encarnado pela figura de um rei. 9 Com o término das invasões bárbaras e as evoluções tecnológicas na agricultura, criou-se um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico, caracterizado principalmente pela promoção e ampliação das relações comerciais ocasionados pelo excedente produtivo agrícola e pelas mercadorias trazidas do Oriente durante as Cruzadas5, estimulando a circulação de moeda. O aspecto demográfico também se alterou com o êxodo de trabalhadores feudais dispensados pelo uso dessas novas tecnologias e que, protagonistas do mercantilismo nascente, deram origem a então chamada burguesia. Foi nesse período, especificamente no século XII, que ocorreu o renascimento das cidades, momento histórico em que a função econômica tornou-se cada vez mais importante, mudando várias estruturas e deixando o terreno fértil para o aparecimento de novas organizações sociais, bem como para o desenvolvimento das escolas laicas6. As escolas medievais surgiram ligadas à Igreja, que mantiveram, por muito tempo, os segredos sobre o saber; trata-se das chamadas escolas monásticas e eclesiásticas urbanas. Nesse período, assistia-se a algo novo, fato singular na medievalidade, determinado pela ação dos conselhos urbanos e de associações de mercadores. As escolas laicas surgiram para suprir, dentre outras coisas, as necessidades dos mercadores que apareceram com a ascendência das relações comerciais, afinal, era interesse desse grupo social o conhecimento pela leitura, escrita e contabilidade, elementos de fundamental importância para o desenvolvimento de suas atividades. As Universidades só foram surgir no século XIII, com o desenvolvimento dos ofícios, e difundiram-se por toda a Europa Ocidental, somando, no final do século XIV, mais de setenta instituições. Algumas recebiam o título de studium generale, termo indicativo dos locais de ensino mais prestigiados do continente antigo, que poderia ser designado por reis ou pela Igreja. Mais tarde, a constituição das Universidades passou a ser iniciativa particularmente real, e possuía como objetivo principal a difusão do ensino e da ciência para a formação de profissionais, exclusivamente voltados para o progresso do Estado. Segundo Libera (1998, p. 368, grifo nosso), a Universidade medieval ocidental não foi simplesmente um lugar de ensino ou formação profissional, mas um lugar de produção de 5 Diz respeito aos movimentos militares de inspiração cristã que partiram da Europa Ocidental em direção à Palestina e à cidade de Jerusalém com o intuito de conquistá-las, ocupá-las e mantê-las sob seu domínio. Estes movimentos estenderam-se entre os séculos XI e XIII. 6 A palavra ‘laico’ é um adjetivo que significa uma atitude crítica e separadora da interferência da religião organizada na vida pública das sociedades contemporâneas. Esta corrente surge a partir dos abusos que foram cometidos pela intromissão de correntes religiosas na política das nações e nas Universidades pós-medievais. A afirmação de Max Weber de que "Deus é um tipo ideal criado pelo próprio homem", demonstra a interesse em deixar de lado a forte influência religiosa percebida na Idade Média, em busca do fortalecimento de um Estado laico. O laicismo teve seu auge no fim do século XIX e no início do século XX. 10 saber, um espaço de pesquisa e de confrontação, de onde surgiriam as principais indagações e questionamentos sobre a cientificidade. Pode-se dizer que as Universidades estabeleceram-se como uma verdadeira estrutura de poder, contrapondo-se ao enfeudamento do poder político e do poder religioso à época, reunindo intelectuais e formando uma massa pensante contrária à servidão, com intuito de transformar pessoas em cidadãos de direitos e deveres. De forma geral, foi o resurgimento das cidades no século XII e a consolidação das Universidades no século XIII que iniciaram o conjunto de transformações culturais, políticas, sociais e econômicas ocorridas na Europa medieval. Segundo Anderson (1989, p. 20), [...] quando os Estados Absolutistas se constituíram no Ocidente, a sua estrutura foi fundamentalmente determinada pelo reagrupamento feudal contra o campesinato, após a dissolução da servidão; mas foi secundariamente determinada pela ascensão de uma burguesia urbana que, no termo de uma série de progressos técnicos e comerciais, desenvolvia agora manufaturas pré-industriais numa escala considerável (ANDERSON, 1989, p. 20). Essa nova classe emergente, denominada burguesia, passou a questionar à distribuição do poder e as relações de servidão impostas pelos valores feudais. Ela passou a deter grande parte do poderio econômico, mas a princípio não detinha poder político, que era uma prerrogativa da aristocracia medieval ou elite feudal. Certos da obtenção de benefícios de um Estado nascente, a burguesia se articulou em suas corporações de ofícios e ambicionou uma estrutura de poder político mais ampla e unificada, a fim de constituir um sistema jurídico que propiciasse a segurança necessária às transações mercantis. O desenvolvimento dessa burguesia mercantil e manufatureira foi um importante passo rumo à formação dos Estados Nacionais monárquicos, visto que esta classe emergente foi a responsável pelo pagamento dos pesados impostos que seriam aplicados na criação e manutenção da nova configuração estatal, centralizada e representada pela figura de um rei. A constituição do Estado Absolutista na Europa Ocidental teve seus alicerces na legitimidade da nobreza feudal e no subsídio econômico concedido pela burguesia. Ambas as classes buscavam vantagens com a estruturação de um novo regime centralizado. Enquanto a nobreza feudal buscava vantagens econômicas e isenções tributárias, enraizando-se na corte e na ostentação administrativa do Estado, a burguesia almejava a unificação do Estado e da moeda, bem como criação e manutenção de um exército permanente, para expandir o comércio de produtos manufaturados, ampliando o mercado e consequentemente o capital burguês (ANDERSON, 1989). 11 Em resumo, a centralização do poder político e a formação das monarquias europeias são indicadores da transição gradativa da Idade Média para a Moderna, que pressupunha, dentre outras coisas, a delimitação de um território com fronteiras bem definidas, a legitimidade social do poder politico, a centralização da politica e a constituição de uma estrutura administrativa mínima, os primórdios da burocracia (ABRUCIO et al., 2009). Percebe-se, pois, num primeiro momento, que tanto a burguesia quanto a aristocracia feudal saíram ganhando com a constituição do Estado Nacional. A nobreza feudal porque permaneceu no poder, hegemônica, até as revoluções burguesas e o surgimento do Estado Capitalista, e a burguesia, devido a expansão das fronteiras do comércio, garantida por meio das práticas mercantilistas e de uma forte intervenção estatal na economia. Todavia, com a constituição dos Estados Nacionais, a Idade Moderna configurou uma nova visão de mundo nas sociedades ocidentais. Ela foi o período de transição do feudalismo para o capitalismo. Com o advento desse novo sistema, o capitalismo, a burguesia, classe social emergente, assumiria propriamente seu projeto político emancipatório contra a aristocracia e, posteriormente, contra o Estado Absolutista. É nesse contexto de conflitos e ampliação do poder social que surgiria as bases da cidadania e da conquista dos direitos individuais. 2.1.2 O nascimento da ciência política A partir do século XV fortaleceram-se os ideais burgueses, presentes nas reflexões de clássicos da filosofia política, período histórico que foi marcado pelas contribuições de pensadores como Nicolau Maquiavel, precursor do realismo político, Thomas Moore e outros filósofos promotores da Reforma Protestante, como Martinho Lutero e João Calvino. Os preceitos do pensamento moderno consideram a política como uma esfera eminentemente social, independente da moral e da religião, e que possui regras de conduta próprias. Esta visão compartilhada por Nicolau Maquiavel atribuía ao poder político uma origem mundana, proveniente das ações concretas dos homens em sociedade. Sua centralidade estava diretamente relacionada ao entendimento da “política pela política”, rechaçando as visões correntes da política como instância divina ou ferramenta moralizadora da sociedade (MIGUEL, 2007, p.30). Ao contrário de propor Estados imaginários perfeitos, a reflexão maquiavélica representa um marco na teoria política, pois faz uma inflexão rumo ao realismo, ao estudo do que o Estado e o governo é, e não como deveriam ser; seu pensamento sobre a política, ou de 12 maneira mais ampla sobre a interface entre indivíduo e sociedade, reconhecia o caráter instável tanto da ordem social quanto da natureza humana, pois alegava que o governante virtuoso seria qualquer homem que lograsse mobilizar o povo promovendo harmonia e perenidade. Essa era sua definição mais simples para a república enquanto forma de governo ideal, que promovia a ampliação da civilidade. Embora seus legados considerassem uma natureza humana essencialmente má, provida de interesses, que almejava os ganhos máximos a partir do menor esforço, subentendia-se que a finalidade de suas ações seria a manutenção da pátria e o bem geral da comunidade, não o benefício próprio. Na política maquiavélica os princípios morais não subsistiriam na ausência dos “meios materiais para a imposição do poder”; disto depreende-se que “muitas vezes é preciso fazer o mal para alcançar o bem” (MIGUEL, 2007, p.19-27). É neste sentido que a discussão sobre os meios maus e fins louváveis, cunhada na famosa frase, “os fins justificam os meios”, de sua obra, “O Príncipe” 7, ainda se faz útil para pensar a falsidade dos políticos. Maquiavel, com seus dizeres, procurava intuitivamente alertar para a funcionalidade das práticas más e aconselhar que se deve sempre ter em mente que as regras morais da política são muito diferentes, às vezes opostas, às regras da moral religiosa. Dizia, contudo, que o político ideal era aquele não maltratado em demasia pelos caprichos do destino e que possui virtudes suficientes para tomar as decisões corretas. Contemporâneo desta época, dentre as diferentes dimensões que caracterizam os relatos de Thomas Moore, estava o pressuposto de que um mundo perfeito poderia ser construído a partir da própria sociedade e daqueles que a compõe, sem qualquer referência a divindades ou salvadores sobrenaturais. Esse utopismo, embora não fosse uma corrente tão oposta ao realismo político proposto por Maquiavel, conseguiu conquistar a simpatia de católicos e comunistas radicais, pois, de modo romântico, afirmava que uma sociedade apenas funcionaria por meio da instituição de certas regras formais. Miguel (2007, p. 94-99) ainda ressalta que o sucesso da Reforma se dá pela defesa da separação entre Estado e Igreja, questão vital para a consolidação dos Estados Absolutistas. De modo geral, procura destacar que esta perspectiva está relacionada à recusa luterana da noção de livre-arbítrio vista como uma “afronta à onipotência divina”. As boas obras, na perspectiva de Martinho Lutero, não seriam motivos para salvação, mas apenas “meros sinais de que o indivíduo fora escolhido por Deus”. João Calvino, por outro lado, argumentaria em sentido semelhante, defendendo a ideia de predestinação, onde a salvação deixa de ser uma 7 MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 13 questão a ser administrada pela Igreja (por meio da venda de indulgências) para ser uma questão divina manifesta nas trajetórias individuais. Após o movimento separatista defendido nas propostas destes pensadores, alterou-se o quadro de discussão da ciência política, que passou para o campo das reflexões sobre sua legitimação e obediência e teve, no século XVI, período renascentista, o debate da reinvenção da política como campo de liberdades individuais. 2.1.3 O Iluminismo, os Contratualistas e a Teoria do Estado Entendido enquanto etapa marcante da filosofia moderna, o Iluminismo, que pode ser traduzido como fase de esclarecimento ou lumières (luzes em francês), foi um movimento do pensamento europeu característico da segunda metade do século XVIII. Esse movimento abrangeu não só o pensamento filosófico, mas também as artes, a literatura, as ciências, a teoria política e a doutrina jurídica. Pode-se ressaltar que o Iluminismo foi caracterizado também como um movimento cultural que refletiu o contexto político e social de sua época, bem como se expandiu por diversos países e se adaptou as diversas realidades. Em essência, pode ser entendido como um conjunto de ideias e valores compartilhados e difundidos por diferentes pensadores e suas correntes filosóficas, sendo caracterizado, dentre outras coisas, como a matriz do pensamento liberal. Diz-se que este período marca a transição da antiga visão finalista, própria de um universo mental dominado pela revelação e monopolizado por setores específicos e privilegiados da sociedade, para uma nova visão de mundo terrena e humana, ou seja, imanente, natural e racional. O progresso racional da humanidade nasce enquanto concepção junto com três pressupostos básicos cunhados nesta época: a liberdade, o individualismo e a igualdade jurídica. Dentre os principais representantes do iluminismo destaca-se o suíço Jean-Jacques Rousseau e os franceses Voltaire, Fontenelle, Helvétius, Montesquieu, Holbach, La Mettrie e os enciclopedistas Diderot, D’Alembert e Condorcet. Na Alemanha encontra-se J. Herder, o poeta Lessing, Kant, que escreveu sobre a ideia do Iluminismo, e Goethe. Na Inglaterra citase David Hume, o poeta Alexander Pope, o jurista e cientista político Jeremy Bentham, o historiador Edward Gibbon e o economista Adam Smith. Por fim, na Itália, tem-se o jurista Beccacia (MARCONDES, 2007, p. 206). Estes autores, que se faziam valer da cientificidade, da busca e valorização do conhecimento como instrumento de libertação, o julgavam como o principal meio para a 14 compreensão e estruturação do Estado, mas foi, em decorrência das discussões sobre a necessidade de conciliar os direitos individuais, considerados como naturais8, com a realidade social, que surgiu a denominação contratualistas, discussão que envolvia uma certa concordância sobre a formulação de um contrato social enquanto fundamento da sociedade organizada racionalmente. O contrato firmado consubstanciar-se-ia em sua legitimidade por meio de um pacto entre indivíduo e Estado sobre a vida dos homens, tida como resultado das condições econômicas e políticas, não mais da sua fé ou consciência individual. Deste instrumento nasceu a figura do Estado soberano, responsável por estabelecer a lei obedecida por todos os seguidores do pacto, em troca da garantia de segurança. Introduzidos no campo da teoria política, percebe-se que os contratualistas se embasaram no jusnaturalismo ao buscar compreensão para os princípios da sociedade liberal, corrente tradicional do pensamento jurídico que afirma a existência do direito natural9. JeanJacques Rousseau, Thomas Hobbes e John Locke, em especial, consideravam o homem como um sujeito de direitos inalienáveis e, apesar de concordarem quanto à liberdade individual e à igualdade, discordavam com relação aos efeitos destes na vida em sociedade, especialmente, divergiam sobre a natureza humana e as características e estrutura do Estado Moderno, a função e o papel do direito positivo10. Hobbes, por considerar que o direito natural só levaria à guerra de todos contra todos e à destruição mútua, pois os homens em seu estado natural viveriam em conflito, afirma ser necessário a criação de um direito positivo, que pode ser garantido através de um poder centralizado que estabelece regras de convívio e pacificação. Na sua concepção, dotado de fundamentação jurídica e do monopólio da força, o Estado promoveria a harmonia na convivência social. Para tanto o poder do governante deveria ser ilimitado e exclusivo, legitimado pelo contrato social estabelecido quando o indivíduo renuncia a seu direito individual de liberdade em troca de proteção (WEFFORT, 1991). Segundo Bresser-Pereira (2009), ao conceber esse contrato como uma nova maneira de legitimar o poder absoluto do rei, Hobbes indiretamente estabeleceu a base da ideia dos 8 A expressão “natural” significa, neste contexto, o limite da liberdade humana que a religião não conseguiu conter. Cf. VARIKAS, E. Naturalização da dominação e poder legítimo na teoria política clássica. Revista de Estudos Feministas, v. 11, n. 1, p. 171-193, 2003. 9 O termo direito natural representa a liberdade dos homens em usar livremente o próprio poder para a conservação da vida e para fazer aquilo que o juízo e a razão consideram como os meios idôneos para o alcance desse fim. Cf. HOBBES, Thomas. Leviathan. 1651. 10 Entende-se por direito positivo o conjunto de princípios e regras que regem a vida social de determinado povo em determinada época, e que abrange toda a disciplina da conduta humana e inclui as leis votadas pelo poder competente, os regulamentos e as demais disposições normativas, qualquer que seja a sua espécie. Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1987. 15 direitos de cidadania, fundamentados por outros autores como Montesquieu, Rousseau e Tocqueville, nos princípios do Estado liberal. John Locke, por sua vez, considerava que a garantia da propriedade privada era mais importante porque manteriam vivos os sentimentos de liberdade e proteção social. Por serem pacíficos e dotados de razão, os homens em seu estado natural viveriam em equilíbrio, cabendo ao Estado apenas a função de preservar tal harmonia, protegendo seus governados contra eventuais distúrbios da paz social. Contudo, na análise de sua doutrina, percebe-se que essa obediência, em verdade, significa participação e insinua, de fato, a cidadania participativa (LEOPOLDO, 2010), embora desconsidere, como critica principal de JeanJacques Rousseau a questão da desigualdade na distribuição da propriedade. Durante muito tempo, o pensamento político, julgou que a virtude cívica compartilhada dos princípios maquiavélicos, disseminada entre a população, era condição sine qua non para a possibilidade de democracia, independente de suas vertentes filosóficas. Foi nesse sentido, que ocorreu o processo de estruturação do Estado Soberano e a organização de suas respectivas funções, que só viriam acontecer no século XVIII, quando com Montesquieu, em sua clássica obra de 1748, “O espírito das leis” 11, determinou os princípios que deveriam reger os diferentes tipos de governo e separou-os em três poderes: executivo, atribuindo-lhe a função administrativa; legislativo, na qual foi cometida a função normativa; e judiciário, com a função jurisdicional; pautando pela independência e equilíbrio, de forma a se evitar a supremacia de qualquer um deles sobre o outro (MIGUEL, 2007). Nos seus pensamentos, Rousseau não declara, em momento algum, que a vida em sociedade exija restrições a liberdade individual, mas sim que é exatamente o poder coercitivo do corpo político que torna o homem livre, o que determina uma ideia de liberdade como sinônimo de harmonia (MARQUES, 2010). Ferreira (2009, p.13) destaca a posição de Rousseau quando se trata das competências do corpo administrativo do Estado, constituído logo após a definição da forma e do sistema de governo a ser implantado na sociedade: [...] O Estado será, então, um agente da soberania civil, um órgão limitado pelo poder do povo, não uma entidade autônoma e auto referida de poder. Aqui, como em Locke, a autoridade do soberano, quer numa monarquia ou numa república, está fundamentada no livre consentimento dos cidadãos. No entanto, ao contrário do que encontramos em Locke, Rousseau ratifica a necessidade do consenso para o estabelecimento da forma de governo, afim de que se preserve o princípio da vontade geral, una, indivisível e inalienável (FERREIRA, 2009, p.13). 11 Original MONTESQUIEU. De l’espirit des lois, em Œuvres completes, Vol. II. Paris: Gallimard, 1951. 16 Essa submissão à autoridade soberana do povo fornece justificação ideológica para três grandes movimentos político-sociais, a Revolução Inglesa, que prega a luta contra o absolutismo da monarquia parlamentar pelos direitos do trabalhador, proporcionando desenvolvimento tecnológico incomum; a Revolução Americana, que busca a supremacia da vontade do povo nas decisões governamentais; e a Revolução Francesa, que compartilha dos ideais Iluministas do humanismo e possibilita, a partir da venda do esforço de seu trabalho (liberdade), garantir condições de igualdade e prosperidade. Estes ideais se consolidaram no início do século XIX com a formação dos Estados democráticos, que se constituíam de três princípios: 1) supremacia da vontade popular, 2) a preservação da liberdade; e 3) a igualdade de direitos (DALLARI, 2002). Portanto, é natural que se comente sobre a alteração do quadro político que transformou atos de vontade expressa pelo povo na proposição e execução de uma nova agenda, constituída pela formulação e implantação de políticas públicas e aperfeiçoamento do aparato administrativo, que traduz a sofisticação dos instrumentos de controle e revisão das práticas de gestão governamental. Estas ferramentas representam o cerne do desenvolvimento dos modelos estratégicos e dos processos administrativos dos governos surgidos dentro das sociedades industriais da recém-inaugurada modernidade. 2.2 REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO 2.2.1 As contradições do liberalismo e a dinâmica democrática O liberalismo clássico, fase de transição histórico-política do Estado que compreendeu o período de revolução responsável por definir os direitos e obrigações civis, pressuposto que estava no centro das ideias de razão, lei, Estado e cidadania que surgiram no século XVIII com os grandes filósofos iluministas, foi resultado de um duplo movimento, que perpassa pela ampliação da organização de mercado às mercadorias “reais” e a imposição de restrições às mercadorias “fictícias” – trabalho, terra e dinheiro – conforme observa Bresser-Pereira (2009) nas leituras sobre Karl Polanyi12. A expansão desse modelo e a luta democratizadora por direitos civis, políticos e sociais, que fez surgirem meios de proteção à propriedade e aos contratos, uma infraestrutura ao desenvolvimento econômico e diversas formas de intervenção, diretas e indiretas, para constituir e regular o mercado interno, foram os dois processos responsáveis por modificar o 12 POLANYI, Karl. The great transformation. Boston: Beacon Press, 1957. 17 desenho do Estado até o início do século XX (ABRUCIO et al., 2009). Para Bresser-Pereira (2009) foi com o surgimento do capitalismo que a mudança política assumiu a direção do progresso, da racionalização e, mais recentemente, da abundância econômica, conforme pregava o filósofo Max Weber. Paula (2005) aponta para o utilitarismo13 pregado pelos pensadores clássicos, que permearam o liberalismo econômico e marcaram o início da discussão sobre a amplitude ideal do papel do Estado na sociedade e na economia. Nessa visão, o pressuposto capitalista defendia um modelo não intervencionista de laissez-faire, e apostava na existência de uma mão invisível14, que se encarregava de realizar uma alocação ótima dos recursos necessários ao desenvolvimento econômico e social. Embora, a princípio, implicasse em uma doutrina prescritiva visando o bem-estar da coletividade, o liberalismo podia ser visto como um conjunto de ideias que tinha como objetivo central a defesa da liberdade individual na sua dimensão política, atendendo aos anseios da burguesia emergente, detentora dos recursos financeiros, mas desprovida de direitos (COSTA et al., 2010). Por sua vez, essa defesa da individualidade representou mais que uma simples luta por direitos e manutenção de deveres, significou uma fase monopolista caracterizada pela concentração industrial e expansão imperialista, que provocou a intensificação da desigualdade e a centralização do poder. Se antes, a época autoritária do Estado absolutista era caracterizada por uma administração patrimonialista de cunho opressor e despótico, o Estado liberal foi marcado pela constituição de uma administração pública moderna, ancorada na ideia weberiana de burocracia (ABRUCIO et al., 2009). Ainda, ressalta-se que esse fenômeno essencialmente politico relacionado à ascensão do sistema capitalista, embora tenha estabelecido a proteção dos direitos civis, deixou a democracia distante e a justiça social mais ainda. Segundo Bento (2003, p.03), “o dogma do mercado como espaço neutro em relação ao poder e emancipado quanto à dominação já não se mostra mais sustentável”. Diz-se, contudo, que a teoria neoclássica em suas aspirações políticas liberais não foi capaz de prever as crises econômicas, fato que também contribuiu para o questionamento de suas premissas não intervencionistas (PAULA, 2005). 13 A concepção utilitarista vê o homem como um agente autônomo, calculista e racional, que realiza trocas maximizando seus interesses egoístas. Cf. PAULA, Ana Paula Paes de. Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 204p. 14 Expressão utilizada para defender uma doutrina de atuação limitada do Estado e consolidar as bases do pensamento liberal, que assume o princípio da auto regulação da esfera econômica pelos mecanismos de mercado, especificamente a lei da concorrência e a lei da oferta e procura. Cf. SMITH, Adam. A Riqueza das nações: investigando sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 18 No plano ético, a crítica operou-se no resgate dos princípios humanistas, que inspiraram e fundamentaram o conjunto institucional que constitui as liberdades públicas e o espaço privado da autonomia do homo economicus15. Faz-se uso, portanto, das críticas marxistas da exploração do capital sobre as massas trabalhadoras ao pretender a compatibilidade dos direitos individuais com a justiça social, na figura de um Estado distribuidor (BENTO, 2003). Fundamentalmente concentrada na ideia de que a burguesia, na maior parte das situações históricas se constitui no principal ator político na definição das ações do Estado, a perspectiva marxista se conforma como uma teoria geral da sociedade, da economia e da política, pretendendo dar conta de uma teoria geral da história, de uma teoria social capaz de explicar sociedades capitalistas específicas. No entanto, ressalta-se a importância de outros atores e do diálogo que se estabelece entre eles (agentes estatais, as corporações profissionais e os próprios cidadãos) na constituição e gestão das ações do Estado (MARQUES, 1996). 2.2.2 Desenvolvimento e crise do modelo Welfare States O modelo liberalista, como prenunciado, não se revelou forte o suficiente para manter a governabilidade16, fazendo surgir, como proposta contrária, a filosofia coletivista, também conhecida como planificação da economia17, que defendia significativa ampliação da intervenção estatal e dos gastos governamentais para estimular o crescimento econômico, gerar empregos e promover o bem-estar social (PAULA, 2005). De acordo com Vieira (2006) o Estado assumiria por esta perspectiva uma conotação assistencialista, denominada social conservadora. A tradução desse modelo de Welfare State dota o Estado de novos instrumentos e de novas responsabilidades, entre os quais o intervencionismo econômico. Destaca-se neste cenário a elevada racionalização do fenômeno político, que sintetiza novos direitos a serem reivindicados pela sociedade civil e provoca o amadurecimento das instituições estatais e administrativas. 15 O conceito de homo economicus se refere ao homem econômico, cujo trabalho é influenciado exclusivamente por recompensas salariais, econômicas e materiais. Em outros termos, o homem procura o trabalho não porque gosta dele, mas como um meio de ganhar a vida por meio do salário que o trabalho proporciona. Cf. MOTTA, Fernando C. Prestes. Teoria das organizações: evolução e crítica. 2ª ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. 16 Refere-se às condições do ambiente político em que se efetivam ou deveriam efetivar-se as ações da administração, à base de legitimidade do governo, credibilidade e imagem públicas da burocracia. Cf. BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado. Barueri-SP: Manole, 2003, p.85. 17 Termo utilizado para identificar sistemas econômicos nacionais com visão associada ao pensamento keynesiano. Cf. HAYEK, F. O caminho da servidão. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990. 19 De acordo com Bento (2003, p.20), isso representa o desenvolvimento da democracia, entendida no sentido de mercado político, que possibilitar a partir do crescimento do Estado, a mobilização social para reivindicação de interesses manifestos em direitos. Não apenas, ocorre nesse cenário a transformação da atividade política, que obriga os governantes a negociar sua legitimidade e representatividade por meio da resposta às demandas sociais impostas para sua eleição. Noutros termos, inseridos nesse ambiente democrático, o Estado se vê obrigado a suprir tais demandas com a instituição de serviços públicos, programas sociais e precisa necessariamente, expandir os princípios burocráticos como forma natural de controle do seu aparelho administrativo. A implantação dessas medidas pelo New Deal18, do governo norte-americano de Theodore Roosevelt, e pelos governos europeus no pós-guerra reforçou a doutrina keynesiana, que consolidou a crença de que as crises capitalistas são contornáveis quando o governo mantém o pleno emprego da economia, usando corretamente seu poder de tributar, empregar e despender recursos (PAULA, 2005). Desta forma, a função do Estado estaria vinculada à regularização do ciclo econômico e o impedimento de flutuações dramáticas no processo de acumulação do capital (ISUANI, 1991). Na contramão do pensamento sobre os benefícios deste modelo, ainda se encontravam o pensamento crítico de alguns economistas, a citar Ludwig von Mises e Friedrich August von Haiek, que atribuíam-no ao advento de regimes políticos totalitários, como o nazismo e fascismo (direita) e stalinismo (esquerda), devido principalmente, à forte ênfase dada ao coletivismo, que sofria o risco de autoritarismos políticos (PAULA, 2005). Ainda para esta autora, a crítica dirigida ao coletivismo praticado no regime de Welfare State e ao trabalhismo britânico sugeriu novamente uma economia de livre-mercado como um caminho para reconstituir a democracia. Evans (1993), por sua vez, admite que a teoria do desenvolvimento no pós-guerra baseava-se num Estado realmente moderno, visto como agente transformador, responsável pelo processo de mudança econômica estrutural, mas produziu, ao contrário do que se imaginava, uma imagem de Estado como obstáculo primeiro do desenvolvimento. O declínio do modelo de Welfare State, contudo, se inicia com o decréscimo no crescimento do comércio mundial nos anos 70, associado à impressionante elevação das taxas de juros reais de fins desse período e o enxugamento dos empréstimos comerciais do início 18 Nome dado a uma série de programas implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937 com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana após o crash de 1929 ou grande depressão. Este programa incluía quatro itens de pauta, como o investimento maciço em obras públicas; a destruição dos estoques de gêneros agrícolas; o controle sobre os preços e a produção; e a diminuição da jornada de trabalho. 20 dos anos 80, que obrigou os países em desenvolvimento a se concentrarem de novo nos ajustes às restrições impostas pela conjuntura internacional (EVANS, 1993), conforme previa Bento (2003) nas suas colocações sobre o dogma da eficiência e racionalidade substantivas ao mercado e ignoradas pelo regime político do bem-estar social. A partir daí a mudança estrutural passar a ser definida basicamente em termos de ajuste estrutural. Esta mudança paradigmática no modelo de Estado, ou quando não, no modelo de gestão do Estado, reflete as influências da ideologia neoliberal e vai ter implicações profundas na elaboração e efetivação de políticas públicas (EVANS, 1993). 2.2.3 Pressupostos do paradigma neoliberal Alterações reais na agenda do desenvolvimento interagiram com mudanças no clima ideológico e intelectual para trazer ao centro do debate o questionamento se o Estado deveria mesmo tentar ser um agente econômico ativo. Por diversos motivos, dentre eles, a globalização econômica dos mercados, o modelo de Welfare State passa a ser substituído pelo modelo minimalista preconizado pelos teóricos do neoliberalismo, que enfaticamente limitavam o âmbito da ação efetiva do Estado ao estabelecimento e manutenção de relações de propriedade privada, defendidas por um aparelho analítico neo-utilitarista (EVANS, 1993). Segundo Vieira (2006, p.05) esta configuração se trata de um modelo singular e que representa a mais avançada sistemática de administração pública. Trata-se de uma escola eminentemente técnica-gerencial (o governo aos especialistas) dotada de baixa ou quase nula participação direta da sociedade civil, fator que se colocou como o seu principal desafio e limitação (déficit de participação democrática) e resultou na sua baixa legitimação. Essa concreta manifestação da vontade do povo, começou a ser transformada em ações pelos governos do Estado democrático, fazendo com que as políticas públicas fossem alvo de interesse crescente de diversos acadêmicos e agentes políticos, especialmente a partir da década de 1980 (SARAVIA, 2006). Nesse sentido, Bento (2003, p.10) afirma que a intervenção do Estado para o desenvolvimento econômico e a mudança social na modernidade deve ser feito com o planejamento responsável das políticas públicas. [...] Isso traduz a tentativa de fazer coexistir, e mesmo conciliar de modo que se tornem noções reciprocamente implicadas, o fortalecimento da atuação (e da eficiência) estatal e a emancipação da sociedade civil. Esta, reconhecida na sua pluralidade, reivindica do Estado a efetivação de direitos sociais em nome da igualdade de oportunidades e da cidadania como condição de sua legitimidade (BENTO, 2003, p.10). 21 Nas democracias avançadas, o Estado não é independente da sociedade, nem está acima dela, mas é a expressão dos poderes relativos que os indivíduos detêm por controlarem as organizações da sociedade civil, os recursos econômicos ou de capital, e o conhecimento. O objetivo da reforma da organização do Estado não é reduzi-lo de acordo com o ideal ultraliberal, mas aumentar a capacidade de governo para que as instituições do Estado e mercado avancem juntos em direção aos quatro principais objetivos políticos que as sociedades democráticas contemporâneas possuem: estabilidade política, liberdade, justiça social e desenvolvimento político (BRESSER-PEREIRA, 2009). [...] Neste cenário onde as expressões “governabilidade”, “modelo de Estado e de gestão”, “políticas públicas” adquirem centralidade, a Constituição de 1988, inserida em um contexto histórico de recente abertura democrática formal, vem complexificar o debate. Não só no Brasil, como em muitos outros países, vê-se uma revisão do ideário decisionista, segundo o qual a resolução de diversos problemas (combate à inflação, problemas sociais) e formulação de políticas públicas (como o incremento do desenvolvimento econômico), requer autoridade e centralização decisória, e não democracia e ampla deliberação. Esta postura foi sendo alterada a ponto de se reconhecer não só a adequação, mas também a premência da participação, como valor em si mesma, e também como sustentáculo às políticas públicas e ao desenvolvimento (VIEIRA, 2006, p.05-06). A composição e a estruturação de espaços democráticos denotou o movimento em prol da construção de um capitalismo organizado, em que a classe trabalhadora abriu mão dos ideais revolucionários de abolição da propriedade privada, em troca de medidas de redistribuição da riqueza, que se efetuaria por meio das políticas públicas (FLEURY, 2006). 2.2.4 A edificação da new public management Esta discussão de transição, do Estado de Welfare State para o Estado neoliberal interessa muito, uma vez que é no primeiro modelo de Estado que se forjaram os novos direitos sociais (coletivo e difuso) que implicam novas políticas públicas, de cunho interdisciplinar, que surgem a partir da configuração dos preceitos social-liberal e republicano, com o advento de uma nova forma de organização administrativa, denominada new public management (BRESSER PEREIRA, 2009; VIEIRA, 2006). Para Barzelay et al. (1992) a new public management pode ser definida como um campo de debate profissional e acadêmico, de âmbito internacional, para formulação de novas ferramentas gerenciais, novos desenhos institucionais e formatos organizacionais de administração e prestação de serviços públicos sob o pano de fundo teórico da Nova Economia Institucional. 22 Bento (2003, p.02) afirma, nesse sentido, que a new public management, [...] não obstante a ênfase que confere aos novos princípios gerenciais e à reforma do aparelho burocrático implica também a revisão dos papéis do governo e da administração pública, assim como seu relacionamento com o mercado e a sociedade civil. Com efeito, na medida em que cresce a percepção, pelo meio acadêmico, de que a eficiência da atuação administrativa e governamental aumenta na razão direta da democratização e da transparência das políticas públicas, que seu sucesso depende fundamentalmente do apoio político que logra alcançar, a temática da reforma administrativa vem se aproximando progressivamente da reforma do Estado como um todo. Nesse sentido, Osborne e Ted (1994, grifo nosso) apresentam onze princípios que sintetizam esta proposta e que buscam fortalecer o papel de governo como agente indutor de mudanças: 1) catalizador; 2) pertencente à comunidade, que dá responsabilidade ao cidadão, ao invés de apenas servi-lo; 3) competitivo, por introduzir esta lógica na prestação de serviços; 4) orientado por missões, especialmente quando se trata da transformação da burocracia; 5) de resultados, pelo foco finalístico; 6) voltado para o cliente, por atender as necessidades dos cidadãos; 7) empreendedor, por promover inovações; 8) preventivo, por fazer o planejamento baseado em cenários; 9) descentralizado, por substituir a hierarquia pela participação e cooperação; 10) orientado para o mercado; e 11) reinventado. Essa ênfase na mudança é que referencia a discussão sobre os modelos complementares de gestão que caracterizaram a transição para a new public management. Nesse sentido, destaca-se o surgimento do modelo (1) Gerencialista, que encontra na descentralização uma maneira de tornar mais eficientes as políticas públicas; (2) Consumerism, que prega a descentralização para o governo local como critério de aproximação social; e (3) Public Service Orientation (PSO), que enfatiza a importância da descentralização como forma de tornar os cidadãos capazes de participar das decisões que afetam suas vidas e de suas comunidades (ABRUCIO et al., 2009; PAULA, 2005). Pioneiramente, o modelo gerencialista foi implantado como uma tentativa de superação do modelo White Hall do governo de Margareth Thatcher na Inglaterra e apresentava, na prática, alternativas para a modernização do setor público centrados em dois pontos, a redução dos custos e o aumento da eficiência e produtividade de organizações públicas (ABRUCIO, 1997; HOOD, 1991; PAULA, 2005). Na experiência britânica a palavra de ordem era “rolling back the state”, que significava contrair a máquina governamental para a realização de um menor número de atividades, relacionadas aos seus serviços-fim, como a definição clara das responsabilidades de cada funcionário das agencias 23 governamentais, definição clara dos objetivos governamentais e aumento da consciência sobre o valor dos recursos (ABRUCIO et al., 2009). Esta nova configuração, baseada em princípios neoliberais, defende a necessidade de redução do Estado pela superioridade das ferramentas administrativas do setor privado (DENHARDT; DENHARDT, 2000; MARTINS, 1997). Nesse sentido são adotadas políticas gerencias como a administração por objetivos, que procura traçar linhas claras de ação para as agências, e que torna possível a avaliação do desempenho baseada na comparação entre resultados obtidos e o que de fato fora previamente determinado; a descentralização administrativa ou desconcentração de poderes, que garante o aumento da autonomia das agências e dos departamentos e; a delegação de autoridade aos funcionários vista dentro do contexto de empoderamento funcional (ABRUCIO et al., 2009). Porém, a crítica de Paula (2005, p.81-83) recai sobre a manutenção da dicotomia entre a política e a administração, em que a ideia de participação se restringe apenas à execução e não contempla a formulação das políticas, o que seria essencial num cenário mais democrático e responsivo às demandas sociais. Outros limites do modelo são a formação de uma nova elite burocrática; centralização do poder nas instâncias executivas; inadequação da utilização das técnicas e práticas advindas do setor privado; dificuldade de lidar com a complexidade dos sistemas administrativos e a dimensão sociopolítica da gestão; além da incompatibilidade entre a lógica gerencialista e o interesse público (PAULA, 2005, p. 82). Do conjunto de transformações geradas pela adoção dos princípios gerencialistas na administração pública, cita-se a reorganização administrativa; a melhoria na produção de informações relevantes sobre e para o setor público e o fortalecimento das carreiras de Estado, com destaque para a capacitação dos agentes; avanços na regulamentação do espaço público não estatal e; a aproximação, ainda que insuficiente, da sociedade civil nas decisões governamentais (ABRUCIO, 2007; PAULA, 2005). Para Paula (2005, p.93) “não se trata de negar totalmente a transferência e a adaptação de ferramentas gerenciais para o setor público, mas de levar em consideração o contexto no qual elas foram elaboradas e os problemas que causaram nas próprias organizações empresariais”. Portanto, embora possua como legado a questão da eficiência, a proposta em si não pode ser ela só, suficiente para garantir a qualidade dos serviços públicos prestados, o que requer a implantação de mecanismos para inclusão social nas decisões governamentais. É nesse sentido que a adoção de serviços públicos voltados para o atendimento das necessidades dos cidadãos caracteriza o surgimento do consumerism, ou modelo voltado ao consumidor (ABRUCIO et al., 2009). 24 Essa é uma proposta que “tem como principal política a flexibilidade de gestão, a melhoria da qualidade dos serviços e a prioridade no atendimento às demandas do consumidor. Nessa perspectiva, o cidadão é visto como cliente” (ANDRIOLO, 2006, p.03). Segundo Abrucio et al. (2009, p.29) a lógica do planejamento, “a qual estabelece, a partir de uma racionalidade técnica, o melhor programa a ser cumprido”, foi substituída pela lógica da estratégia, em que “são levadas em conta as relações entre os atores envolvidos em cada política, de modo a montar cenários que permitam a flexibilidade necessária para eventuais alterações nos programas governamentais”. A busca pela melhoria da qualidade, nesse caso, se relaciona diretamente com a implantação de programas de avaliação de desempenho organizacional no setor público de acordo com os dados recolhidos dos consumidores, numa tentativa de descentralizar a administração, ou seja, aproximar o cidadão usuário para que o mesmo possa fiscalizar os serviços; incentivar o clima de competição entre os serviços, numa tentativa de diminuir a preocupação pela melhoria dos serviços prestados; e a extensão das relações contratuais com organizações privadas e não governamentais. Contudo, a possibilidade dos consumidores se transformarem em grupos de interesse, faz com que o desafio da equidade na prestação de serviços públicos não se resolva dentro do paradigma do consumidor (ABRUCIO, 1997). Por fim, o terceiro modelo, Public Service Orientation (PSO), se configura como uma orientação teórica que procura levantar novas questões ou caminhos abertos pela discussão gerencial da new public management, fundamentado nos temas do republicanismo e da democracia, e que se utiliza de conceitos de participação política, eqüidade e justiça na prestação de serviços públicos. Nessa proposta, o autor ressalta que “o conceito de cidadão também evolui de um referencial individual para um sentido coletivo, de exercício da cidadania” (ANDRIOLO, 2006, p.03, grifo nosso). Para Abrucio et al. (2009), a principal característica da administração societal ou Public Service Orientation é a pluralização dos sujeitos que participam das decisões que afetam suas vidas e de suas comunidades, tornando mais amplo o conceito de cidadania. Nesse sentido, ele ressalta a possibilidade de cooperação entre as agências, pois somente assim o princípio da equidade poderá ser garantido. Nesse campo de evolução do pensamento gerencial público, Andriolo (2006) separa os modelos em duas gerações: a primeira, composta pelo gerencialismo puro, e a segunda, composta pelo Consumerism e a Public Service Orientation, assim como a teoria denominada Reinventing Government de reinvenção do governo, aplicada nos Estados Unidos, durante o governo de Bill Clinton (1993-2001). Considerando a grande variedade de enfoques e 25 argumentos com relação ao papel do Estado nesta nova configuração administrativa, a análise deve ser feita à luz de questões como a autonomia relativa; a desproporcionalidade do poder social, considerando as elites econômicas e estatais, a articulação dos capitalistas e a reprodução dos valores burgueses; a dependência estrutural do Estado ao capital e a seletividade estrutural do Estado capitalista (MARQUES, 1996). Para o autor, quando se diz sobre a autonomia relativa e a desproporcionalidade do poder, procura-se explicitar a subordinação estrutural do Estado aos interesses da classe economicamente dominante, e inegavelmente confirmar a existência de uma margem de manobra para a realização de ações legitimadoras da ordem que não entrassem em conflito com as políticas de interesse do capital. Já a dependência estrutural reflete sobre a égide capitalista de apropriação do aparato governamental na medida em que o Estado se coloca numa situação de dependência dos atores privados, já que não dispõe de meios de produção e depende do ritmo da acumulação financeira obtida por meio da tributação. Não obstante, considera-se seletividade estrutural o efeito da estrutura interna do Estado capitalista sobre as políticas por ele implantadas, importando analisar suas formas, seus contornos e procedimentos, não apenas o conteúdo dessas políticas. Deve-se, no entanto, estimular políticas públicas que promovam a questão social e valorizem os princípios básicos da cidadania. Apesar das reformas e modernizações do Estado, o problema ainda é a capacidade do Estado de garantir quantidade e qualidade na prestação de serviços. Nesse contexto, Tenório e Saravia (2006, p.109) defende a tese de que “o importante não é diferenciar gestão pública de gestão social, mas resgatar a função básica da administração pública, que é atender os interesses da sociedade como um todo. Gestão social seria uma adjetivação da gestão pública, não o seu substituto”. As demandas por mudança partem de dentro do Estado à medida que o crescimento econômico e a democracia avançam, as crises induzem as transformações e os cidadãos na sociedade civil ou na esfera pública tornam-se mais ativos e exigentes; e de fora do Estado porque as experiências bem sucedidas em outros países podem ser copiadas, desde que sejam adaptadas à realidade local (BRESSER-PEREIRA, 2009). Isso tudo, visto sob a ótica da reforma do aparelho do Estado, traduz a tentativa de dinamizar as ações em prol do desenvolvimento econômico e social incorporando uma análise conjuntural, que concebe nas relações Estado-sociedade um caminho para interpretação integrada das políticas públicas. 26 2.3 TENDÊNCIAS NA GESTÃO DE GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 2.3.1 Teorias no campo de políticas públicas Ao mesmo tempo em que se processava a transição para um regime democrático, iniciava-se também um processo lento e complexo de transformação das políticas públicas, definida por Dye (2008) tanto como as ações quanto a própria inação do governo, ou sua intenção, como propõe Heidemann (2010) quando se diz sobre sua omissão. Tratava-se, portanto, de (re)definir que política promover, dirigida a que segmentos; de reestruturar o processo decisório que caracterizava no período autoritário a formulação das políticas sociais; de alterar o modo de implementação, incluindo as estruturas de financiamento; e de reformar o aparelho de Estado, responsável pela execução das políticas (novos processos e novas formas de gestão) (FARAH, 1997). Num primeiro momento, as propostas centram-se na descentralização e participação dos cidadãos na formulação e implementação das políticas públicas. Como mostra Aureliano e Draibe (1989), do ponto de vista da orientação substantiva das políticas sociais, procura-se caminhar, sob o impulso das forças democratizantes, para um Estado do bem-estar do tipo institucional-redistributivista, de corte social-democrata, caracterizado pela concepção universalista de direitos sociais. Num segundo momento, a exemplo do Brasil, a escassez de recursos, que passa a limitar a capacidade de investimento do Estado, afeta também sua capacidade de resposta às demandas crescentes na área social. Assim, ao lado da preocupação com a democratização dos processos e com a equidade dos resultados, foram introduzidas na agenda preocupações com a eficiência, a eficácia e a efetividade da ação estatal, assim como com a qualidade dos serviços públicos. Essa redefinição de propostas enfatiza a necessidade do estabelecimento de prioridades de ação; a busca de novas formas de articulação com a sociedade civil, envolvendo a participação de organizações não governamentais, da comunidade organizada e do setor privado, na provisão de serviços públicos; e a introdução de novas formas de gestão nas organizações estatais, de forma a dotá-las de maior agilidade e eficiência, superando a rigidez derivada da burocratização de procedimentos e da hierarquização excessiva dos processos decisórios (AURELIANO; DRAIBE, 1989; FARAH, 1997). Nesse sentido, O’Donnell (1992) distingue quatro dimensões da democratização das políticas públicas ou do Estado em ação: (1) mudanças no processo decisório; (2) mudanças no conteúdo das decisões; (4) mudanças no processo de implementação das políticas; e (5) mudanças nas agências públicas. 27 Tal agenda infere, por referência, analisar iniciativas governamentais que assinalam novas formas de gestão pública, as quais se destaca a emergência das redes de cooperação. Para Farah (2000), essa articulação das diferentes esferas do governo promove um novo vínculo, de parceria, em que acontece uma co-responsabilização pela política e seus resultados. Ainda, isso tem desencadeado um novo processo político, desde a formulação até a implementação das políticas, alicerçados em arranjos institucionais que superam a relação de subordinação entre agências de governo baseada em hierarquia e disputa do público beneficiado. Contribuições teóricas recentes têm introduzido novas possibilidades analíticas, oriundas de campos disciplinares diversos como a ciência política, economia e a sociologia (MARQUES, 1996). Este diálogo possui como orientação avaliar como cada curso de ação pode contribuir para a solução de problemas específicos, bem como compreender as diferentes etapas, atores e ferramentas envolvidas no processo de elaboração e execução das políticas como um todo (FREY, 2000; SOUZA, 2006). Esse campo holístico e multidisciplinar (DUNN, 1994; PARSONS, 1995) de análise de políticas públicas é responsável pela canalização de diversos modelos teóricos: public choice theory, institucionalismo, racionalismo, incrementalismo, mixed scanning, modelo sistêmico e ciclo de políticas públicas. Apresenta-se, portanto, uma breve explicação sobre cada modelo, a começar pela public choice theory, que está fundamentada na transformação do setor público por meio da incorporação de ferramentas de mercado, usadas como mecanismos de controle para evitar a influência de interesses individuais nas decisões governamentais e que estão diretamente ligadas ao surgimento das reformas gerenciais (HOLZER et al., 2006; PAULA, 2005). Nesta teoria, a incapacidade de governantes formularem racionalmente políticas públicas se dá por interesses próprios, informações incompletas e racionalidade limitada. É neste sentido que se diz importante que o governo proveja bens públicos para suprir as falhas do mercado (DYE, 2008; SOUZA, 2006). Pode-se dizer, contudo, que a principal crítica recai sobre à valorização das ferramentas mercadológicas em detrimento da preparação e competência do setor público em atender as demandas que lhe são apresentadas (HOLZER et al., 2006; PAULA, 2005). A segunda perspectiva, institucionalista, embora não apresente relativa influência sobre as ações governamentais, enfatiza o papel do Estado como promotor de políticas públicas e busca descrever sua estrutura, organização e funções institucionais (DYE, 2008; MARCH; OLSEN, 2009; SOUZA, 2006). A ideia é que as estruturas político-institucionais 28 não só determinam as alternativas de escolha, como também influenciam os atores políticos quanto a valores e comportamentos (FREY, 2000; MARCH; OLSEN, 2009). A vertente mais recente dessa abordagem, o neo-institucionalismo, embora não se constitua como teoria, caracteriza-se como um ferramental analítico de grande valia para o estudo do Estado e suas políticas públicas (PRZEWORSKI, 1990). Esta perspectiva de análise é demasiadamente utilizada na realização de críticas construtivas acerca da perspectiva marxista de state in society (MARQUES, 1996). Todavia, sua crítica diz respeito à ênfase do papel das instituições na determinação das escolhas e resultados de políticas públicas, ignorando fatores importantes como os atores envolvidos e o contexto em que se estabelece o processo (SARAVIA, 2006). O neo-institucionalismo difere da corrente tradicional porque não atribui todas explicações inerentes às políticas publicas a fatores institucionais e reconhece sua ineficiência e parcialidade para algumas questões (THOEING, 2010). Por outro lado, March e Olsen (2009) atribuem sua contribuição à compreensão das relações intra e interinstitucionais e o modo como elas afetam as políticas públicas, em relação a sua natureza endógena e construção social. A importância do desenho institucional está relacionada ao efeito ordenador, que se fundamenta na análise de como o poder é constituído, exercido, legitimado, controlado e redistribuído. Nessa abordagem, códigos de comportamento são providos, laços afetivos criados e uma ordem legitimadora instituída (MARCH; OLSEN, 2009). A terceira corrente de pensamento é o racionalismo; teoria prescritiva que sustenta o cumprimento eficiente de metas por meio da razão entre os valores alcançados e os recursos despendidos para o alcance dos objetivos. Essa ideia envolve o cálculo dos valores sociais, políticos e econômicos sacrificados pela política pública (DYE, 2008; HOLZER et al., 2006; SARAVIA, 2006; SIMON, 2010; SOUZA, 2006). A crítica do racionalismo, que traduz a falta de políticas alternativas e permeia a incapacidade preditiva dos gestores e sua incompetência em calcular corretamente os caminhos de ação do Estado frente os constatados desafios sociais, fez surgir a abordagem incrementalista, que entende a política pública como um processo de continuação, acrescido de modificações incrementais, haja vista a exigência de tempo, competência e recursos financeiros para a investigação das possibilidades de melhoria e consequente desenvolvimento de transformações. Como existe uma grande dificuldade na obtenção desses requisitos, os gestores públicos consideram apenas políticas alternativas que causem pouco deslocamento administrativo, organizacional, físico e econômico (DYE, 2008; LINDBLOM, 1959, 1979; SARAVIA, 2006; SOUZA, 2006). 29 Este modelo é criticado, sobretudo, por ignorar a possibilidade de mudanças (LINDBLOM, 1959; 1979). Precursor desta corrente, o autor defende que toda análise é incompleta, e por este motivo único pode deixar de fora algo que acaba se revelando crítico para a implementação de uma boa política. De acordo com a proposta de Etzioni (2010a; 2010b), a corrente denominada mixed scanning, nova proposição apresentada mediante a análise crítica das teorias anteriores se trata de um modelo hierárquico de tomada de decisão que combina questões de ordem maior, com decisões incrementais de ordem menor. O termo scanning é usado como referência para a pesquisa, coleta, processamento e avaliação de informações, bem como a elaboração de evidencias conclusivas, suporte para o processo de tomada de decisão. Por possuir caráter híbrido, sua proposta diferencia as decisões entre estruturantes, o que demanda a aplicação de um tipo de abordagem incremental que estabelece o contexto e as diretrizes políticas fundamentais; e ordinárias, que demandam a aplicação de um tipo de abordagem racional, que por serem menos complexas admitem maior nível de detalhamento. Contudo, sofre as mesmas críticas feitas ao racionalismo (LINDBLOM, 1979). Em síntese, pode-se dizer que as correntes teóricas apresentadas até aqui se situam no campo conceitual, propondo perspectivas de análise, o que se difere do próximo modelo, que utiliza a modelagem das ações inerentes às políticas públicas, buscando identificar os atores envolvidos e os processos que se estabelecem, bem como a interação existente entre eles. Neste caso, diz-se que o modelo sistêmico classifica as políticas públicas como o resultado das relações entre atores, processos e ambiente (DYE, 2008; EASTON, 1965; SOUZA, 2006). O conceito de sistemas representado neste modelo implica que os elementos são interrelacionados e que respondem às forças do seu ambiente. Nesse contexto, encontram-se os inputs (forças – demandas ou apoios – que afetam o sistema político), withinputs (questões internas do próprio sistema), ambiente (meio, condição ou circunstância em que se encontram), e os outputs (resultados produzidos pelas políticas públicas adotadas). Neste modelo é importante destacar a influência do feedback das políticas públicas no ambiente e na dinâmica do sistema político, sendo que todos os elementos se encontram inseridos em sistemas internacionais e nacionais (social, econômico, cultura, etc.) como se pode ver na Figura 1 (DYE, 2008; EASTON, 1965; SOUZA, 2006). 30 SISTEMA INTERNACIONAL GLOBAL SISTEMA NACIONAL (social, econômico, cultural, etc.) INPUTS Demandas Apoios SISTEMA POLÍTICO WHITINPUTS Decisões e ações OUTPUTS FEEDBACK Figura 1. Modelo sistêmico de políticas públicas. Fonte: EASTON (1965). As críticas desse modelo, entretanto, consideram a redução lógica dos processos; a ênfase na tomada de decisão, como processo central do sistema; e o fato dos agentes políticos tratarem apenas dos resultados, esquecendo-se da configuração do processo. Portanto, faz-se menção a maneira mais utilizada para se descrever a cronologia de um processo de políticas públicas atualmente, o policy cicle (JANN; WEGRICH, 2007; SARAVIA, 2006). Esta corrente, base de análise deste estudo, trata-se de modelos racionais que apresentam concordância com a dicotomia entre política e administração (JANN; WEGRICH, 2007). Suas etapas não referenciam um processo linear, mas uma unidade de interpretação em que o ponto de partida não está suficientemente claro, que apresenta estágios parcialmente superpostos, os quais se subdividem em: agenda, formulação, implementação e avaliação (FREY, 2000; SARAVIA, 2006; SOUZA, 2006). Este ciclo de políticas públicas é apresentado resumidamente no esquema da Figura 2. AGENDA AVALIAÇÃO FORMULAÇÃO IMPLEMENTAÇÃO Figura 2. Ciclo de políticas públicas. Fonte: Adaptado de FREY (2000); SARAVIA (2006); SOUZA (2006). 31 O reconhecimento de uma temática e sua inserção na agenda governamental somente ocorre quando se avalia um problema, expresso pela necessidade dos cidadãos. Isso pode acontecer por iniciativa interna do governo, ou externa, por meio das pressões de atores sociais, em mobilizações, quando o assunto é novo; ou pela consolidação, quando o assunto tem amplo suporte social e governamental (FREY, 2000; SARAVIA, 2006; SOUZA, 2006). A formação da agenda política acontece em meio à priorização de demandas, dadas as combinações de atores, instituições, propósitos e condições governamentais. Quando um problema é inserido na agenda do governo, inicia-se a fase de formulação das políticas públicas, que contemplam a definição de objetivos, a análise das diferentes alternativas de ação e a tomada de decisão. Foca-se ainda, no estudo de como são tomadas as decisões, de acordo com o modelo garbage can (FREY, 2000; SARAVIA, 2006; SOUZA, 2006). Para autores como Cohen et al. (1972) esse modelo sugere a escolha por determinada política pública de modo aleatório, conforme as possibilidades de atuação dos gestores públicos num dado momento, principalmente por haver vários problemas e poucas soluções. No entanto, críticos recriminam sua exagerada desarticulação, argumentando que a decisão por um curso de ação específico e a adoção de um programa não garantem que a prática irá ocorrer de acordo com as ações e objetivos planejados (SARAVIA, 2006; SOUZA, 2006). A etapa de implementação, que requer a execução da política pública pelas instituições responsáveis (públicas ou não) inclui as especificações detalhadas do programa, a alocação de recursos e as decisões operacionais. Em grande parte, esse processo depende das características dos gestores e também de alguns fatores exógenos identificados, como a arena política ou relação de forças envolvidas e os aspectos culturais vigentes, determinados pela relação estrutura x conjuntura (PÜLZL; TREIB, 2007; SUBIRATS, 2006). É nesse sentido que Najam (1995, p.35) propõe cinco variáveis críticas interligadas, elementos auxiliares na explicação do sucesso ou fracasso de uma política pública: (1) Conteúdo - o que se propõe a fazer (metas), como a questão é problematizada (teoria causal) e como ele pretende resolver o problema (métodos); (2) Contexto - o corredor institucional (muitas vezes estruturada como procedimentos operacionais) que a política deve percorrer, e por cujas fronteiras é limitada, no processo de implementação; (3) Compromisso engajamento dos encarregados para proceder a implementação; (4) Capacidade - realizar as mudanças desejadas; e (5) Clientes e Coalizões – políticas e estratégias que reforçam ou ameaçam os interesses de implementação. Para este autor, a implementação é entendida como 32 “um processo dinâmico de negociação entre múltiplos atores, operando em múltiplos níveis, com e entre múltiplas organizações”. A pesquisa sobre implementação é classificada em três gerações: (1) clássica, que assume um caráter mecanicista, que acontece após o anúncio das políticas apropriadas, exatamente de acordo com o que foi planejado; (2) empirista, que demonstra por meio de estudos de caso que a implementação é tão complexa quanto sua formulação; e (3) analítica, que se preocupa menos com o fracasso e mais com a compreensão do funcionamento geral da política e seu aprimoramento (Ibid., 1995). O que se pode dizer, no entanto, é que tanto a tomada de decisão quanto a execução do que foi planejado interferem muito no sucesso de uma política pública; e desta se subtraem três abordagens: (1) top-down, que enfatiza o papel hierárquico de imposição das decisões por parte dos gestores; 2) bottom-up, que ressalta a relevância da participação dos burocratas locais nas decisões; e 3) teorias híbridas, que sintetizam as visões anteriores e preconizam a necessidade de se considerar na formulação os instrumentos e recursos disponíveis para a implementação (MARTINS, 1997; OLIVEIRA, 2006; SILVA; MELO, 2000). A última atividade do policy cicle é a avaliação que se aplica a todo o processo, como atividade de acompanhamento, monitoramento ou controle. O propósito desta etapa é guiar os tomadores de decisão, orientando-os quanto à continuidade, necessidade de correções ou mesmo suspensão de uma determinada política ou programa. Por sua vez, o modelo do ciclo de políticas públicas é criticado por seu caráter prescritivo e pela delimitação de etapas independentes que comumente se confundem. No entanto, parte-se do pressuposto de que todo modelo seja essencialmente uma representação simplificada da realidade e este, tem se mostrado uma ferramenta heurística particularmente útil para a análise do referido processo, sobretudo se contemplada a interação entre as diversas etapas, sem que predomine uma delas (DYE, 2008; FREY, 2000; PARSONS, 1995). A avaliação da administração pública, especificamente no que se refere à gestão das políticas públicas depende, sobretudo, da configuração ou desenho institucional, assim como também se faz necessário a análise do sistema de governo adotado pelo Estado em questão. Nesse sentido, é importante refletir sobre o atual modelo de governo brasileiro, sem se esquecer de traçar resumidamente a trajetória mais recente de reformas do mesmo. 2.3.2 Evolução do aparato governamental brasileiro [...] A trajetória da Administração Pública Brasileira, a partir do recorte dos anos 30 do século passado, é repleta de iniciativas de modernização. Por 33 vezes, assumem uma dimensão mais abrangente, propondo-se a reformar o Estado; noutras vezes, num espectro mais específico, pretendem reformar a administração pública. Fato é que toda reforma entoa um discurso explícito ou implícito de ruptura com o modelo anterior (COSTA, 2012, p.17, grifo do autor). O Estado brasileiro, no início do século XX, era um Estado patrimonial, no seio de uma economia agrícola mercantil e de uma sociedade de classes mal saída do escravismo. O que denota esta estrutura é a caracterização de uma administração marcada pela confusão entre o público e o privado e evidenciada nas mudanças contextuais de cada período histórico. Na época do descobrimento visualizava-se um patrimonialismo colonial evidenciado por práticas exploratórias, ao contrário do patrimonialismo imperial que se via no período monárquico (1808-1889). Por fim, o patrimonialismo oligárquico, no período republicano (1889-1930), apresentava-se como uma prática peculiar dos proprietários de terras e do poder local, marcado pelo coronelismo, pelo curral eleitoral e o voto de cabresto. Nesse bojo, as práticas patrimonialistas formaram camadas políticas que sempre se colocavam como superiores e autoritárias em relação à sociedade civil. Visualizado como uma extensão da casa do governante, o Estado era palco de práticas nepotistas e corruptas, que deixavam de lado as necessidades da população, legitimadora dessa forma dominadora de governo e marginalizada do processo de decisão política (JUNQUILHO, 2010). Mesmo após acontecimentos importantes na história brasileira, como a proclamação da República em 1889, o quadro patrimonialista só começou a se modificar no século XX. O permanente esforço de combater o patrimonialismo foi caracterizado pelas alterações substanciais na forma de funcionamento dos serviços públicos, especificamente sobre as estruturas legal e organizacional para o desenvolvimento de políticas públicas (ABRUCIO et al., 2009). Foi o próprio regime oligárquico que contribuiu para essa mudança, especialmente quando se trata da Revolução de 1930 19. No entanto, ainda pode-se considerar como fatores importantes, a crise mundial provocada pelo crash de1929, que favoreceu o enfraquecimento das elites agrárias e a insatisfação dos militares, não elegíveis desde 1894. É nesse contexto de insatisfações, revoltas, crise mundial que se dá início a um novo período na administração pública brasileira (JUNQUILHO, 2010). 19 Foi um conflito armado caracterizado pela política do café-com-leite, que se refere ao acordo firmado entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais, que se revezavam no poder elegendo alternadamente a cada mandato, um presidente para a República. No ano de 1930 as elites paulistas "quebraram" o acordo e elegeram seguidamente dois presidentes, Júlio Prestes e Washington Luiz. No conflito, o gaúcho Getúlio Vargas se aliou as elites mineiras e promoveu com a ajuda dos militares a Revolução, assumindo a presidência do Brasil. Cf. JUNQUILHO, G. S. Teorias da administração pública. Brasília: CAPES, UAB, 2010. 34 Esse processo de transição do autoritarismo para a democracia, todavia, se dá pela representatividade da sociedade civil (BRESSER-PEREIRA, 2001). A modernização proposta passava por um modelo administrativo baseado na racionalidade, voltado para questões sociais, que marcaria a intervenção do Estado na economia e induziria o desenvolvimento industrial, aumentando a produção nacional; não fosse o golpe militar em 1964, momento em que se iniciaria o período ditatorial no Brasil (JUNQUILHO, 2010). Foi o crescimento do Estado e de suas funções, bem como a democratização do acesso da sociedade ao poder público, que exigiu a conformação de uma administração pública profissional e a racionalização de suas atividades. Surge assim, o modelo de administração pública burocrática, que compartilhava os princípios de dominação racional-legal weberianos, baseando-se no mérito, na especialização e competência técnica, na valorização da estrutura hierárquica e na efetividade da divisão das tarefas. No terreno estatal isso significava a necessidade de separar o público do privado, a fim de evitar a ineficiência patrimonial e garantir o acesso mais universal e igualitário aos serviços públicos (ABRUCIO et al., 2009). Argumentos a favor da lealdade e do favoritismo perderam força, e a reforma burocrática, como estratégia de modernização do Estado, tornou-se politicamente irreversível, constituindo-se como um fenômeno político diretamente relacionado à ascensão do Estado de Direito e do liberalismo clássico (COSTA, 2012). Um dos principais fatores que contribuíram para a solidificação dessa mudança foi a criação do Conselho Federal do Serviço Público Civil (CFSPC) em 1936, posteriormente transformado em Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) pelo Decreto-lei nº579 de 30 de julho de 1938, que tinha a função e reformar o aparelho administrativo do Estado (JUNQUILHO, 2010). Para Costa (2012) essa reforma de Vargas foi fortemente influenciada por autores clássicos, especificamente por William F. Willoughby20. Inspirado em princípios científicos de gestão administrativa, que produziam maior eficiência organizacional, o DASP se responsabilizava por coordenar as modificações a serem feitas na organização dos serviços públicos, baseadas em padronização, economia e eficiência. 20 A teoria da separação entre política e administração, como pressuposto da organização da administração pública federal, foi elaborada no contexto de uma discussão mais abrangente sobre a divisão de poderes do Estado, e tem na eficiência operacional a finalidade da administração. Cf. WILLOUGHBY, W. F. Principles of Public Administration. Baltimore: Johns Hopkins Press, 1927, 720p. 35 Para Torres 21 (2004 apud COSTA 2008, p.849), embora se tenha notado alguns avanços isolados durante os governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart, entre 1946 e 1964, ainda se observava a manutenção de práticas clientelistas, que negligenciavam a burocracia existente, pois [...] a cada desafio surgido na administração do setor público, decorrente da própria evolução socioeconômica e política do país, a saída utilizada era sempre a criação de novas estruturas alheias à administração direta e o consequente adiamento da difícil tarefa de reformulação e profissionalização da burocracia pública existente (TORRES, 2004 apud COSTA, 2008, p.849). Tomado por princípios liberais, o período foi caracterizado por uma administração pública desenvolvimentista, com destaque para as ações de ampliação dos direitos dos trabalhadores e o investimento na indústria de base (TRAGTENBERG, 2009). Do ponto de vista institucional, viu-se a realização de dois projetos isolados, a COSB (Comissão de Simplificação Burocrática) e a CEPA (Comissão de Estudos e Projetos Administrativos) 22 , tidas como uma das primeiras tentativas de realização das reformas (COSTA, 2008). Embora a defesa da centralização política e administrativa, associada ao fortalecimento do Estado, estivesse presente no texto constitucional de 1946, o modelo de gestão estatal e corporativa do Estado Novo foi preservado, ou seja, não houve grandes avanços em termos de modernização, houve sim um progressivo e articulado enfraquecimento do DASP (COSTA, 2012). [...] Esse período se caracteriza por uma crescente cisão entre a administração direta, entregue ao clientelismo e submetida, cada vez mais aos ditames de normas rígidas e controles, e a administração descentralizada (autarquias, empresas, institutos e grupos especiais ad hoc), dotados de maior autonomia gerencial e que podiam recrutar seus quadros sem concursos, preferencialmente entre os formados em think thanks especializados, remunerando-os em termos compatíveis com o mercado. Constituíram-se assim ilhas de excelência no setor público voltadas para a administração do desenvolvimento, enquanto se deteriorava o núcleo central da administração (COSTA, 2008, p.848). Num cenário de forte agitação política, provocada pelas reformas de base, ebulição dos movimentos populares de esquerda e conspiração nos quartéis, ocorreu o golpe militar de 1964 (COSTA, 2012). No período da ditadura, que perdurou até 1985, a cidadania e a democracia foram suprimidas no país, os direitos fundamentais ficaram esquecidos e a forma 21 TORRES, Marcelo Douglas de Figueiredo. Estado, democracia e administração pública no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2004. 22 O objetivo da COSB era promover estudos visando a descentralização dos serviços, por meio da avaliação da atribuição de cada órgão ou instituição e da delegação de competências, com a fixação de sua esfera de responsabilidade e da prestação de contas das autoridades. Já a CEPA tinha como tarefa o assessoramento da presidência da república em tudo que se referisse aos projetos de reforma administrativa. 36 autoritária prevaleceu. Mesmo que se notasse uma preocupação pela flexibilização das ações estatais e da descentralização da autoridade, com a criação do Ministério da Desburocratização e o Decreto-lei n.200 de 25/02/1967 – uma espécie de lei orgânica da administração pública, que fixava princípios de organização e administração da máquina administrativa – o interesse não estava relacionado com os anseios da população (JUNQUILHO, 2010). Para Coelho (2012), isso representou uma verdadeira crise do plano de administração burocrático, do nacional-desenvolvimentismo e do regime autoritário no final da década de 70. O modelo burocrático passou, com sua formalidade e rigidez, a não corresponder às demandas sociais de um Estado mais eficiente, voltado para o cidadão (BRESSER-PEREIRA, 1997), pois apresentava muitas disfunções, identificadas pela confusão, autoritarismo, privilégios, além de outros atributos negativos (COSTA, 2012). Margeados pelo constante questionamento sobre a capacidade de manutenção dos direitos sociais, foi promulgado pelo então ministro Hélio Beltrão, o Decreto nº 83.740, de 18 de julho de 1979, que instituiu o Programa Nacional de Desburocratização, cujo objetivo era promover a melhoria do atendimento dos usuários do serviço público e a descentralização das decisões administrativas, eliminando formalidades e exigências ao cidadão. Diferentemente dos demais processos de modernização, o ineditismo desse programa foi dotar de caráter social e político a administração pública brasileira (COSTA, 2008). Para Abrucio et al. (2009, p.34), este seria o marco da mudança para o surgimento do modelo gerencialista da administração pública brasileira. Embora o cenário brasileiro não fosse, naquele momento, nada alentador, [...] a partir da percepção de que a rigidez do modelo burocrático deixara de ser uma solução para converter-se em um problema, com a predominância de relações clientelistas e por vezes corporativistas, a segunda reforma, levada a cabo durante o regime militar, tentou dotar de características gerenciais a administração pública (ABRUCIO et al., 2009, p.34). Marcado pela exaustão do modelo de desenvolvimento econômico e o problema crônico da dívida externa, além de uma crescente desigualdade social – questões estruturais graves que levaram a uma situação de estagnação e de altas taxas inflacionários (CLAD, 1998; COSTA, 2008) – retomou-se, a construção de um Estado democrático baseado no reconhecimento dos direitos individuais e políticos e no combate do déficit social, dado que a ditadura havia feito crescer a economia sem estender seus benefícios à população (COSTA, 2012). 37 Com o estabelecimento do pluralismo democrático, começam a ser evidenciadas as primeiras mudanças relativas à gestão das políticas públicas, que faz crescer as pressões para uma participação mais ampla de diversos grupos da sociedade (PECI, 2000). Neste caso, a economia foi além do processo de industrialização, em que prevaleciam os princípios capitalistas clássicos, para assumir características crescentes de uma sociedade pós-industrial (BRESSER-PEREIRA, 2001). [...] Em síntese, no plano político transitamos do Estado oligárquico ao Estado democrático (de elites); no administrativo, do Estado patrimonial ao Estado gerencial; no plano social, da Sociedade Senhorial para a Sociedade Pós-Industrial. O Estado autoritário-modernizador, o Estado burocrático, e a sociedade capitalista, que nesses três planos duraram um longo tempo na Europa, foram aqui transições rápidas, próprias de um país que salta etapas, mas permanece subdesenvolvido, que se moderniza, mas permanece atrasado porque é dual e injusto (BRESSER-PEREIRA, 2001, p. 2). Se num primeiro momento, a resposta para essa crise foi neoliberal e conservadora, de reestabelecimento do equilíbrio fiscal e do balanço de pagamentos, numa clara proposta de desmantelamento e redução do tamanho do Estado, num segundo momento pensou-se em sua reconstrução, buscando uma terceira via entre o laissez-faire neoliberal e o antigo modelo social-burocrático de intervenção estatal (CLAD, 1998). Não obstante, mesmo que se fizesse “tudo pelo social” 23 , a Carta Constitucional de 1988 – ainda que compartilhasse princípios de países como França, Suécia, Estados Unidos, Nova Zelândia, Inglaterra e Austrália, focadas na democratização, com reforço da legalidade e da publicidade; na descentralização, com reconhecimento das potencialidades locais, valorização da participação cidadã e das inovações na gestão pública; e da profissionalização administrativa, com a valorização das competências funcionais (ABRUCIO, 2007) – assumiu responsabilidades incompatíveis com a capacidade do Estado, agravando a situação econômica e prejudicando a qualidade do serviço público (COSTIN, 2010). Pode-se dizer que a adoção desproporcional de práticas populistas reforçou novamente o caráter centralizador, rígido e hierárquico do Estado – organização burocrática baseada na dominação racional-legal e caracterizada pelo formalismo e impessoalidade (BRESSERPEREIRA, 2001; DENHARDT; DENHARDT, 2000; PAULA, 2005) – e criou demandas sociais além da capacidade de arrecadação e financiamento público, limitando o fluxo de capital vital para esse modelo de gestão. Exemplo disso é o próprio relato do IPEA (2010, p.178) sobre o federalismo, tido como peça-chave das políticas públicas brasileiras: 23 Slogan do Governo Sarney que refletia o empenho de se voltar o Estado para a população mais humilde. 38 [...] As novas regras constitucionais realçaram a importância de dois aspectos da questão federativa: a descentralização e as relações intergovernamentais. A articulação entre os níveis de governo, por sua vez, ficou em segundo plano, seja porque sofreu mais dificuldades iniciais de implementação, seja porque os estudiosos estavam mais preocupados com o cabo de guerra entre centralização e descentralização, em detrimento dos arranjos de coordenação e cooperação entre os entes (IPEA, 2010, p.178). Quando as propostas mostraram-se irrealistas e a percepção de que a estagnação econômica estava sendo provocada pelo esgotamento simultâneo do modelo de desenvolvimento econômico, de seus parâmetros ideológicos e do tipo de intervenção estatal, ganhou força o tema da governabilidade (DINIZ, 1997; BRESSER-PEREIRA, 2000). A tentativa de implantação de um modelo de gestão focado nessa questão, característico da new public management e que apresentava a capacidade de resposta do governo às demandas da sociedade, gerou uma expectativa de fortalecimento do papel de indução das mudanças. Emergia assim, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a necessidade de um modelo de gestão que propiciasse estabilidade econômica, que fosse mais flexível, que atendesse aos anseios do povo e que aproximasse a população do Estado. Este intuito de reforma gerencial, exposta no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), responsabilidade de Luiz Carlos Bresser-Pereira, relata sobremaneira o interesse do Estado brasileiro pela mudança, conforme se pode observar no trecho abaixo: [...] É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública “gerencial”, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna “cliente privilegiado” dos serviços prestados pelo Estado (BRASIL, 1995, p.7). Essa reforma comportou diversas mudanças, não só econômicas, como também organizacionais, culturais e institucionais. A dimensão organizacional focou em resultados, na capacitação e valorização do servidor público; a dimensão cultural se apresentou no sentido de eliminar, ou ao menos minimizar, aspectos culturais negativos inerentes à administração pública brasileira; e a dimensão institucional foi orientada pela descentralização, ou seja, transformações se deram pela privatização de atividades econômicas e pela chamada publicização, transferência da execução de políticas públicas a entes não estatais (BRASIL, 1995; BRESSER-PEREIRA, 2001; PAULA, 2005). No entanto, [...] entre as alterações de paradigma na gestão pública contemporânea que perpassam esse processo de reforma do Estado em curso no mundo, independente da dimensão (econômico-financeira, administrativoinstitucional e sócio-político), destaca-se o ideário do Estado-Rede, que circunscreve a administração pública para além da gestão estatal, 39 deslocando-a de uma abordagem clássica de sistema fechado para uma abordagem contemporânea de sistema aberto (COELHO, 2012, p. 4-5). Nesta perspectiva, ainda para o mesmo autor, abarca-se desde o compartilhamento de atividades (e riscos) entre o Estado e a iniciativa privada até o dialogismo entre atores do Estado e da sociedade civil em processos decisórios de aplicação de recursos públicos. O propósito central para essa transferência de atribuições era canalizar o papel do Estado para que ele conseguisse atender às necessidades dos cidadãos, prover as suas funções à população, tornando-se mais aberto ao interesse público. Como bem observa Paula (2005), essa proposta não se restringia apenas ao nível federal de governo, mas também nos governos subnacionais; estados e municípios. De acordo com Coelho (2012, p.2-3), na união, concomitante à estabilização monetária e ao (re)ordenamento fiscal, no bojo do Plano Real, as principais iniciativas orientaram-se para a revisão do arcabouço legal (Emenda Constitucional nº. 1924), para a proposição de uma nova arquitetura organizacional (1), para a adoção de instrumentos gerenciais (2) e para a revitalização da política de recursos humanos (3). No nível estadual, diz-se sobre o “desequilíbrio das contas públicas, que motivou, além do ajuste estrutural, alterações na gestão pública, visando à economia de recursos e o aumento da eficiência; e o aprimoramento da infraestrutura (e as tecnologias) de gerenciamento, interpenetrando poder público e sociedade civil em estruturas de governança”. Por fim, no ambiente municipal, temse a emergência das inovações no nível das instituições e práticas governamentais. No que diz respeito à nova arquitetura organizacional, tinha-se o direcionamento das funções do Estado em atividades exclusivas (legislação, regulação, fiscalização, fomento e formulação de políticas públicas) e não exclusivas (serviços de caráter competitivo e atividades auxiliares ou de apoio que foram transferidas para as organizações públicas não estatais, como as autarquias – administração indireta – criadas pelo Decreto-lei n.200 de 1967), conforme mostra a Figura 3. E, partindo para a discussão da adoção de instrumentos gerenciais e a nova política de recursos humanos, fez-se uma análise sobre a atuação do corpo gerencial, especificamente sobre o aprimoramento de conhecimento e desenvolvimento de competências que se enquadram nos novos papéis e atividades do funcionalismo público, tais como 24 A Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998 dispôs sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, além de outras providências. 40 profissionalização, transparência, novas formas de controle e prestação de serviços, gestão por resultados, orientação para o cidadão-usuário e accountability (ABRUCIO et al., 2009). FORMAS DE ADMINISTRAÇÃO FORMAS DE PROPRIEDADE Estatal Pública não estatal Privada Burocrática Gerencial NÚCLEO ESTRATÉGICO Legislativo, judiciário, Presidência, Cúpula dos Ministérios e Ministério Público ATIVIDADES EXCLUSIVAS Regulamentação, Fiscalização, Fomento, Segurança pública e Seguridade social SERVIÇOS NÃO EXCLUSIVOS Universidades, Hospitais, Centros de Pesquisa e Museus Publicização PRODUÇÃO PARA O MERCADO Empresas estatais Privatizações Figura 3. Setores do Estado, formas de propriedade e de administração. Fonte: ABRUCIO et al. (2009, p.40). [...] Afora essas transformações – ou, pelo menos, macrotendências – no setor público-estatal brasileiro, a administração pública nacional se transfigura, igualmente, com o crescimento do setor público não-estatal nas políticas públicas e o aumento da interface entre a iniciativa privada e a gestão pública, ampliando seu locus, antes circunscrito ao aparelho estatal, para um continuum entre Estado, terceiro setor e mercado, interconectado pelo interesse público. Em crescimento no país e acumulando expertises em nossas questões públicas, essas organizações tanto empreendem seus projetos sociais como atuam como interlocutoras e/ou parceiras das políticas governamentais (COELHO, 2012, p.3-4, grifo do autor). Todo o entendimento dessa proposta passa pela melhoria da qualidade dos serviços públicos oferecidos e pela participação da sociedade, incluindo a priorização de ações integradoras, intersetoriais e transdisciplinares num contexto de modernização administrativa – configuração que parte do reconhecimento de que os Estados democráticos contemporâneos são mais que instrumentos reguladores, pois se responsabilizam pela formulação e implementação de políticas públicas estratégicas nas áreas sociais. Para Peci (2000, p. 5), essa realidade fortalece a ideia de que os problemas socioeconômicos não podem continuar a ser resolvidos pela ação exclusiva do governo, enfatiza também o conceito de governança e o papel dos cidadãos no processo político, 41 partindo não só da identificação dos problemas, mas também da formulação, implementação e avaliação dos resultados das políticas públicas. Esta clara distinção entre as funções de formulação (policy-making) e implementação (service delivery) das políticas públicas, que se consolidou a partir dos anos 90, com foco centrado em mudanças institucionais e ações de estabilidade macroeconômica, foi orientada por princípios teóricos oriundos da public choice theory, do novo institucionalismo econômico (REZENDE, 2002), e ainda, por orientações normativas gerenciais. Quadro 1. Orientações das reformas e inovações na gestão pública contemporânea. Dimensão Econômico-Financeira Institucionaladministrativa Sociopolítica Reformas e Inovações: 1ª Geração 2ª Geração 3º Geração Orientação: Eficiência Eficácia Efetividade Princípios: Economicidade/ Produtividade Qualidade (percebida) Equidade/Participação Perspectiva: “fazer mais com menos” “fazer melhor” “fazer diferença” Idéias-Chave: • Ajuste estrutural • Equilíbrio fiscal • Qualidade do gasto público • Uso racional dos recursos • Controladoria estratégica • Pregão-Eletrônico • PPP • Sistemas de Atendimento • Desburocratização • Planejamento Estratégico • Treinamento e Desenvolvimento • Contratualização de Resultados • E-gov • Transparência Administrativa • Democracia participativa • Controle social • Impactos no público-alvo • Desenvolvimento Territorial • Ação Coletiva • Ampliação dos Direitos Sociais • Sustentabilidade Criação de Valor: Contribuinte Usuário Cidadão Modelo de Gestão GERENCIALISMO CONSUMERISM GESTÃO SOCIETAL (instrumentos) Fonte: Adaptado de COELHO (2012, p.7) com base em ABRUCIO et al. (2009) De acordo com Coelho (2012, p.1, grifo nosso), todas essas transformações podem ser revisitadas com base na discussão de três dimensões, propostas por Paula (2005) 25 25 : i. Paula (2005) apresenta três dimensões fundamentais para a construção de uma gestão pública democrática: (1) a dimensão econômico-financeira, que se relaciona com os problemas no âmbito das finanças públicas e investimentos estatais, envolvendo questões de natureza fiscal, tributária e monetária; (2) a dimensão institucional-administrativa, que abrange problemas de organização e articulação dos órgãos que compõem o aparato estatal, assim como as dificuldades de planejamento, direção e controle das ações estatais e profissionalização dos servidores públicos para o desempenho de suas funções; e (3) a dimensão sociopolítica, 42 econômico-financeira, que discute o ajuste/equilíbrio fiscal, a desregulamentação de monopólios, a privatização e as parcerias público-privadas (PPP) – no âmbito do Estado-Rede – que diversificam o papel do Estado, incluindo, além da função de intervenção (e desenvolvimentista), atividades de regulação e catalisação; ii. institucional-administrativa, que fala sobre as inovações gerenciais, a descentralização de políticas/recursos, o foco no cidadão-usuário e a profissionalização da burocracia, intenções e/ou ações que, gradativamente, impactam no modus operandi da administração pública, desfocalizando-a dos processos e (re)orientando-a para resultados, e; iii. sociopolítica, que contempla a accountability, a intersetorialidade e a participação como mecanismos de rearranjo das relações entre Estado e sociedade, diminuindo a centralização/insulamento governamental e aumentando a governança pública (e o controle social). Em resumo, ainda conforme aponta Coelho (2012, p.5-7, grifo nosso) “a gestão pública contemporânea subdivide-se em três orientações, que repercutem na teoria e na práxis da administração pública” e podem ser visualizadas no Quadro 1: 1. A orientação para a eficiência, que se relaciona com a dimensão econômicofinanceira da gestão pública contemporânea e que possui como marco a crise ou incapacidade fiscal do Estado, cujo foco é a economicidade e produtividade (relação insumo/produto), subentendendo eficiência numa perspectiva clara de se “fazer mais com menos”. Seu surgimento acontece entre o final dos anos 70 e início dos anos 80 com a concepção de um Estado Mínimo de orientação (neo)liberal, caracterizado por processos de privatização e tem como filosofia a criação de valor para os contribuintes, que almejam – normativamente – o uso racional dos recursos públicos. 2. A orientação para a eficácia, que se relaciona com a dimensão institucionaladministrativa da gestão pública contemporânea e tem como amparo as disfunções das organizações burocráticas (insulamento, morosidade e gestão reativa) que atravancam os resultados das organizações públicas e resultam em insatisfação dos cidadãos. Possui foco na qualidade da prestação de serviços públicos, necessidade de simplificação administrativa e modernização, e subentende eficácia como “fazer melhor”. Possui a ideia de descentralização das políticas públicas sob o argumento de compatibilizar a sua formulação com a realidade do público-alvo. No âmbito intraorganizacional, induz a implantação de processos de planejamento estratégico, treinamento e desenvolvimento, governo eletrônico e ouvidorias. No âmbito que compreende problemas situados no âmago das relações entre o Estado e a sociedade, envolvendo os direitos dos cidadãos e sua participação na gestão pública. 43 governamental, incentiva a adoção de políticas intersetoriais (governo matricial), contratualização de resultados, planejamento da força de trabalho e alinhamento entre planejamento, orçamento e gestão de políticas públicas. Tem como filosofia a criação de valor para os usuários-cidadãos, que almejam - normativamente – uma melhoria da qualidade dos outputs que recebem do setor público. 3. A orientação para a efetividade, que se relaciona com a dimensão sociopolítica da gestão pública contemporânea, tem se preocupado em suprir os déficits de democracia participativa, a inequidade da gestão de políticas públicas e o não atendimento de direitos sociais. Tem como foco o princípio da participação e subentende a efetividade na perspectiva de se “fazer diferença para o beneficiário”. Surge com a ideia de desconcentração do poder do Estado para a sociedade civil, o que leva ao design de mecanismos de participação e instrumentos de controle social, numa ideia de fortalecimento da cidadania. Tem como filosofia a criação de valor para os cidadãos, que almejam – substantivamente – proteger a res publica tornar público o processo decisório do Estado e receber políticas públicas que gerem transformação social. Mas afinal, será que o programa de desburocratização respondeu ou responde aos desafios últimos da inclusão social a partir desta nova configuração, oferecendo todo o suporte dos quais a sociedade necessita? De que modo tem sido feito a articulação entre os órgãos governamentais nos projetos de desenvolvimento dentro da perspectiva de EstadoRede ou Estado em rede? Qual é o grau de sustentabilidade da integração desses atores? A importância dada à dimensão institucional-administrativa, no caso brasileiro das CAI tem enfatizado os aspectos instrumentais da gestão mais do que os fatores sociopolíticos. Neste sentido, a visão “revolucionária” de pensar em como o Estado pode alcançar seu objetivo, peca por não se aprofundar na discussão sobre o que o Estado é ou deveria ser, ou seja, ações pontuais econômicas desenvolvimentistas têm sido estimuladas desconsiderandose os aspectos sociais realmente importantes (ABRUCIO et al., 2009). Embora o gerencialismo seja considerado por Bresser-Pereira (1999, p. 7) como “uma história de sucesso”, autores como Guerreiro Ramos (1981), Paula (2005), Hirschmann (1999), Osborne e Plastrik (1997) criticam o modelo. De acordo com Guerreiro Ramos (1981), o gerencialismo está preocupado simplesmente com o mercado, com a promoção do desenvolvimento econômico e não com a vertente social. Para o autor, as ações focalizadas, em teoria, no cidadão, é um caminho para aprimorar o mercado e incentivar as suas relações. Só que com isso, o cidadão se torna 44 escravo dessa filosofia de mercado e não dá importância para outros fatores como a satisfação pessoal e as ações sociais e voluntárias. Nessa mesma linha de pensamento, Hirschmann (1999) e Osborne e Plastrik (1997) dizem que o gerencialismo possui predominância do individualismo, em que pessoas passam a ser vistas como clientes e não como cidadãos de fato; nesse sentido, o Estado se despreocupa com a questão da coletividade. De acordo com Abrucio (1997), os ideais gerencialistas foram meramente transportados da esfera privada para o setor público e permaneceram com enfoque na separação entre política e administração. Além disso, deixa de lado um dos aspectos mais importantes da cidadania, a participação social. Esta falha, como aponta Paula (2005) pode ser corrigida pela adoção do novo modelo emergente de gestão, a vertente societal ou Public Service Orientation. Se a vertente gerencial referencia as mudanças na gestão pública a partir das configurações dos agentes econômicos, a vertente societal baliza a discussão de novos arranjos institucionais a partir de esferas públicas. De certa forma, ou visualiza-se uma vertente gerencial fundamentada em pressupostos do pensamento organizacional do setor privado, onde a gestão estratégica é elemento determinante das relações produtivas e cujas dimensões são pautadas pela visão econômico-financeira, ou identifica-se uma vertente societal incompleta, que apresenta como principio a intersubjetividade das relações sociais, em que se destaca a dimensão sociopolítica do processo de tomada de decisão. Nesse sentido, surgem os questionamentos sobre como conceber a coordenação do serviço público no âmbito nacional, num país com dimensões continentais e quais medidas devem ser tomadas para atenuar as desigualdades regionais, quando se considera um país como o Brasil, a fim de garantir uma verdadeira equidade. O modelo de gestão societal ainda não é capaz de fornecer respostas convincentes para essas perguntas. Uma das principais causas dessa deficiência é a visão unívoca e otimista de que os cidadãos são capazes de resolver, na esfera local, todos os problemas do setor público ou que a capacitação dos gestores dê conta de identificar todas as demandas sociais existentes (ABRUCIO et al., 2009). A complexidade de uma democracia representativa exige respostas mais abrangentes e articuladas. Sob essa perspectiva, a cidadania deixa de ser o conjunto da população pela qual o Estado republicanamente deve zelar pelo bem-estar, para ser vista como um cliente, uma meta, um resultado a ser alcançado. Em algumas proposições progressistas de reforma, ao substantivo “cidadão” é acrescentado o substantivo “cliente” – cidadão-cliente, configurando- 45 se com isso o uso, e abuso, das terminologias da “mão invisível” no que deveria ser visível, a gestão pública (PAULA, 2005, grifo do autor). É preciso notar que todos os acontecimentos na história brasileira, bem como todas as formas de gestão implementadas, não contaram com a participação popular, mesmo tendo os modelos de administração evoluídos positivamente. Reconhece-se, portanto, que aos poucos a gestão pública foi sendo direcionada para o cidadão e, foi nesse contexto, de busca pela tipologia ideal, que surgiram as CAI. [...] Sob esse ideário do Estado-Rede se compreende os distintos projetos políticos e ideologias que marcaram e marcam as orientações de reformas e inovações na gestão pública internacional e nacional, cada qual com os seus princípios para: (a) ampliar a prestação dos serviços públicos e a provisão das políticas públicas (alcance) e, simultaneamente, (b) melhorar os seus desempenhos (resultados). Isto é, tendo o Estado Democrático de Direito como premissa, o desafio é de como aumentar a quantidade e melhorar a qualidade da gestão/políticas públicas, considerando os limites inerentes à ambiência e estrutura da administração pública (COELHO, 2012, p.5). 2.3.3 Desvendando o poder das redes Diversos estudos têm sido desenvolvidos para se analisar quando, onde, por que e como as organizações, sejam elas públicas ou privadas, criam redes intra e interorganizacionais (GRANOVETTER, 1973; PERROW, 1992; GRANDORI; SODA, 1995; EBERS, 2002; BORGATTI; FOSTER, 2003). Nesse sentido, Nohria (1992) apresenta três razões para o aumento dos interesses nos conceitos de rede entre os estudiosos dos fenômenos organizacionais. A primeira é a emergência da “nova competição”. Se antigamente o modelo organizacional era caracterizado como uma grande empresa hierárquica, as integrações verticais e horizontais se referem ao modelo de cooperação presente no ambiente da nova competição. Nesse caso específico, o foco da competição não se limitou ao estudo da legitimação como instrumento de sobrevivência, mas ressaltou a importância das relações intra e interorganizacionais. A função dessa ideia de cooperação era viabilizar a firma (parafraseando as ciências econômicas) para responder mais efetivamente as ameaças competitivas (ANDRADE et al., 2013). A segunda razão para o interesse em redes tem surgido com o recente desenvolvimento tecnológico, que tornou possível as modalidades flexíveis de produção. Nessa lógica, Amato Neto (2008) considera as redes de cooperação como um tipo de configuração inovadora, que se opõe à concepção verticalizada de tratamento das questões administrativas e se forma num contexto racional de busca pela eficiência. 46 Por fim, a terceira razão para o aumento da tendência em se visualizar as organizações sob o prisma de redes é o próprio amadurecimento de sua análise como disciplina acadêmica. Hoje, o interesse no conceito de redes não está mais restrito a pequenos grupos de sociólogos ou antropólogos, mas tem se expandido para incluir pesquisadores das ciências sociais aplicadas de modo interdisciplinar, sobretudo, e mais recentemente, da administração pública (DUARTE; HANSEN, 2010). Quando se pesquisa sobre as atividades e estruturas, sobre como as redes de cooperação são construídas, desenvolvidas e até mesmo dissolvidas – nas contingências que facilitam e restringem estes processos – Ebers (2002, p.07, grifo nosso) aponta para a necessidade de se analisar três fases de desenvolvimento compiladas das pesquisas de Gray (1987), Larson (1992) e Snow e Thomas, (1993) 26: (1) uma fase pré-rede ou de definição do problema, na qual as condições para o estabelecimento de uma relação são definidas – consiste em identificar os potenciais parceiros e controlar possíveis interesses comuns; (2) uma segunda fase de definição de rumo, em que as condições para construir um relacionamento são estabelecidas – momento em que os parceiros em potencial devem articular seus valores e começar a desenvolver um senso de propósito comum; e (3) uma terceira fase, de estruturação, em que a relações se solidificam – quando os parceiros desenvolvem e constroem as estruturas que se destinam a apoiar as suas atividades. Para Oliver (1990) seis fatores podem auxiliar nesse processo de análise: (1) a imposição legal de uma instância superior; (2) a busca por controle (assimetria), quando uma organização procura exercer controle sobre outra ou sobre os seus recursos; (3) a reciprocidade, quando relações são estabelecidas por organizações que compartilham objetivos comuns, iniciando relações de cooperação e coordenação; (4) a necessidade de maior eficiência interna, quando uma organização, preocupada em melhorar sua própria eficiência busca estabelecer relações com outras empresas para reduzir seus custos de transação; (5) a busca por estabilidade, em face às incertezas do ambiente competitivo. Nessas condições, organizações podem buscar o estabelecimento de relações para diminuir a sua vulnerabilidade; e, (6) a procura de legitimidade, onde uma organização busca melhorar sua reputação, visibilidade, imagem e prestígio através de interconexões com organizações aceitas e respeitadas seu meio. 26 GRAY, B. Conditions Facilitating lnterorganizational ColIaboration. Human Relations. 38: 911-36, 1987. LARSON, A. Network Dyads in Entrepreneurial Settings: A Study of the Govemance of Exchange Relationships. Administrative Science Quarterly. 37: 76-104, 1992. SNOW, C. C.;THOMAS, J. B. Building Networks: Broker Roles and Behav iours. In LORANGE, P.; CHAKRAVARTHY, B.; ROOS, J.; VAN DE VEN, A. H. (eds.). Implementing Strategic Processes: Change, Learning and Cooperation. Oxford: Blackwell, 1993. 47 Tem-se como prerrogativa, na grande maioria dos estudos, que a decisão pela participação na rede ocorre somente quando os parceiros percebem uma vantagem econômica mútua, têm acordado um período de teste, e quando uma das partes toma a iniciativa (PECI; COSTA, 2002). No entanto, para Ebers (2002, p.2-8, grifo nosso) devem ser considerados, conjuntamente, três níveis de análise, conforme mostra a Figura 4. No nível do ator (1) a investigação se pauta pelo discernimento das motivações individuais para o estabelecimento de relações de parceria – se por um lado, as organizações tentam aumentar as suas receitas, por outro, procuram alternativas para a redução dos custos, como aqueles relacionados à governança, de coordenação das suas atividades. Já nos demais níveis, relacional e institucional, busca-se identificar as condições que facilitam e restringem a cooperação. No nível relacional (2) têm-se as particularidades das ligações e interdependências que existem entre as organizações e/ou entre indivíduos de diferentes organizações, que influenciam na sua inclinação em participar das redes. Já no nível institucional (3) trata-se da análise sobre as particularidades do ambiente institucional e suas instituições sociais dominantes, as características da sociedade em que a rede é formada. NÍVEL ATOR NÍVEL RELACIONAL NÍVEL INSTITUCIONAL Motivações para o estabelecimento de redes de cooperação. Processos Contingências Ganhos econômicos Facilitam e/ou restringem (formas de) cooperação. Foco nas ligações e interdependência: posições na rede e proximidade. Foco no ambiente:aspectos políticos, econômicos, culturais e ambientais. Figura 4. Níveis de análise na formação de redes interorganizacionais. Fonte: ANDRADE et al. (2013, p.136). Ambas as abordagens possuem a visão de que o contexto social e econômico em que as organizações estão inseridas, sejam elas públicas ou privadas, influenciam significativamente na sua formação e, embora as motivações econômicas – configuração estrutural – sejam a dimensão mais facilmente identificada no que se refere à sua constituição, é necessária uma atenção especial para os processos e para as contingências que determinam as conexões, laços ou vínculos sociais entre os parceiros – configuração funcionalista (ANDRADE et al., 2013). 48 Definir esta forma de organização, no entanto, é algo complicado do ponto de vista relacional. Para fazê-lo, as organizações precisam definir as fronteiras do conhecimento, o que implica em difíceis decisões sobre como confrontar interesses e constituir a parceria. Pode-se dizer, então, que as redes são coalizões políticas estabelecidas entre organizações que, ao fazerem a opção de colocar-se numa estrutura intermediária, entre hierarquia e mercado, definem os nexos contratuais das relações que se estabelecem entre seus membros (GRANDORI; SODA, 1995). O aspecto social considera a intencionalidade dos atores em busca de oportunidades, e também a estrutura, que coíbe escolhas e restringe ações. Nesse sentido, pode-se definir “redes sociais” como um agrupamento de núcleos estruturados a partir da definição dos papéis, atribuições e relações entre os seus atores, o que caracteriza o processo de estruturação e heterogeneização, que busca flexibilizar o seu funcionamento por meio das relações de cooperação sem, contudo, eliminar os conflitos (UZZI, 1997). Conforme aponta Hutt et al. (2000), nesta estrutura estão presentes às relações de poder, a confiança, o oportunismo, o controle social, os sistemas de alinhamento de interesses, as formas de negociação, a gestão da informação e o conhecimento, entre outros aspectos. Esta abordagem paradigmática trata das questões sociais conduzidas dentro dos arranjos de governança compostos por atores coletivos envolvidos em redes de políticas. Assim, se faz importante identificar e analisar a configuração das redes para apreender a lógica de ação dos atores. Esse mapeamento abre caminhos para visualização e entendimento dos fluxos de recursos e dos fluxos instantâneos de informações interativas que podem ocorrer entre os membros que compõem tais estruturas, sobretudo de que modo se gerencia o conhecimento. Os padrões emergentes dessas interações definem o escopo de análise da rede (PROCOPIUCK; FREY, 2007). Britto (2004) propõe três dimensões básicas para o desenho das redes de cooperação: (1) a descrição das relações ou a quantificação do número e da força dos relacionamentos; (2) a caracterização institucional do processo de cooperação, pela identificação das atividades associadas ao processo de cooperação; e (3) os resultados da cooperação, com a identificação dos outputs do processo de cooperação. Nesse sentido, alguns autores ainda procuram identificar as oportunidades e as barreiras relativas à geração, difusão e gestão do conhecimento (PROVAN; HUMAN, 1999; BRITTO, 2004; NAKANO; 2005). Pode-se dizer, contudo, que a obtenção de informações constitui o ponto de partida para o entendimento dos impactos de relacionamentos 49 cooperativos em termos da geração de ganhos de aprendizado e conhecimento que possibilitam o incremento da eficiência produtiva e da capacitação dos agentes. Na medida em que a densidade dos fluxos informacionais constitui uma importante característica das redes de cooperação interorganizacionais, é importante identificar a infraestrutura informacional subjacente (tipo e complexidade). Nakano (2005, grifo nosso) identifica três fatores que influenciam (inibem ou facilitam) a transmissão do conhecimento: os relativos às características do conhecimento (simples x complexo x independente x sistêmico x tácito x explícito), os relativos à organização (recursos e estrutura de redes) e os relativos à rede e o seu contexto (especificidades e particularidades dos parceiros). Neste sentido, o intercâmbio de informações pode ocorrer de modo informal ou formal. Nesta primeira modalidade, as interações sociais configuram-se como conhecimentos tácitos e sistêmicos de grande complexidade, que dizem respeito a circulação e disseminação por meio dos processos de learning-by-doing ou learning-by-using. Já o modo formal está disponibilizado nos documentos ou relatórios e estão centrados nas cláusulas contratuais de comportamento estabelecidos pela rede (PROVAN; HUMAN, 1999). As propriedades posicionais e relacionais dos atores, passíveis de serem captadas mediante o mapeamento gráfico, precisam ser complementadas pela análise qualitativa do sistema simbólico em que se inserem. Estas são justamente os elementos que lhe atribuem sentido e lhes posicionam dentro de linhas de orientação normativas sob os quais os atores se organizam em “redes de relações sociais” para desenvolvimento de ações sob diretrizes emanadas de sistemas sociopolíticos (PROCOPIUCK; FREY, 2007). Tal discussão oferece mais que um referencial instrumental, reconhece diferentes concepções teóricas, que ajudam a definir distintas tipologias de classificação para as redes de cooperação e apresenta diversas perspectivas de investigação empírica, conforme mostra o Quadro 2. Quadro 2. Tipologia de redes entre organizações privadas. AUTOR GRANDORI; SODA (1995) TIPOLOGIA Redes Sociais: redes onde são mantidas relações puramente sociais, em que o relacionamento dos integrantes não é regido por contrato. Podem ser: Simétricas – não há a existência de centralização de poder; e Assimétricas – possui um agente central – poder centralizado. Redes Burocráticas: caracterizam-se pela existência de um contrato formal que especifica as relações entre as organizações. Podem ser: Simétricas – acordos formais de relacionamento evitam interesses particulares; e Assimétricas – possuem contratos que privilegiam relações e parceiros. Redes Proprietárias: os direitos de propriedade sobre os bens econômicos são normalmente formalizados entre os acionistas das empresas. Podem ser: 50 LOYOLA; MOURA (1996) CASAROTTO; PIRES (1998) INOJOSA (1999) AMATO NETO (2000) MARCON; MOINET (2001) Simétricas – empregadas na regulação de atividades de P&D; e Assimétricas – encontradas nas associações do tipo capital ventures. Redes de fluxo unidirecional: possuem pontos de origem e destino bem definidos nos processos de troca; e Redes de fluxo multidirecional: fluxos acontecem sem que haja necessariamente um centro propulsor e percorrem as unidades, que se complementam. Redes Top-Down: caracterizadas por empresas de menor porte que fornecem, direta e indiretamente, sua produção a uma empresa mãe, seja por subcontratação, terceirização e/ou parceria; e Redes Flexíveis: empresas reúnem-se à partir da formação de um consórcio, com objetivos comuns, com cada uma sendo responsável por uma parte do processo. Rede Autônoma ou orgânica: formada por entes autônomos que se articulam voluntariamente em torno de uma causa comum; Rede Tutelada: os entes têm autonomia relativa e se articulam sob a égide de uma organização que os mobiliza e modela o objetivo comum; e Rede Subordinada: os entes fazem parte de uma organização ou sistema e sua articulação independe da vontade dos parceiros. Redes verticais: ocorre entre empresas e os componentes das diferentes atividades da cadeia produtiva (produtores, fornecedores, distribuidores e prestadores de serviço). No caso do setor público, são parcerias entre níveis governamentais diferentes, ou seja, podem se relacionar as políticas públicas centralizadas; e Redes horizontais: entre empresas que produzem e oferecem produtos similares, que trabalham no mesmo setor de atuação, cooperando com seus próprios concorrentes. No caso do setor público, são parcerias entre organizações de mesmo nível governamental, ou seja, tem nos consórcios públicos exemplos de poder descentralizado. Redes assimétricas (dimensão da hierarquia): redes que possuem poder centralizado (configuração vertical) e destacam a flexibilidade como critério de atuação estratégica. Exemplo: Sistema Único de Saúde (como uma típica relação entre matriz e filial no setor privado); Redes simétricas (dimensão da horizontalidade): redes que possuem descentralização do poder (organizações independentes, mas que coordenam certas atividades de forma conjunta). Exemplo: consórcios públicos intermunicipais; Redes formais (dimensão contratual): redes formalizadas mediante termos contratuais. Exemplo: parcerias público-privadas; Redes informais (dimensão da conivência): são formadas sem qualquer tipo de contrato e agem em conformidade com interesses comuns, baseados na confiança. Exemplo: redes de pesquisadores. Fonte: Adaptado de OLAVE; AMATO NETO (2001) com base em MALMEGRIN (2011). Contudo, poucos estudos se debruçam sobre a aplicação dessas tipologias no desenho de redes governamentais. Exemplo da carência de estudos acadêmicos e publicações sobre o setor público é a baixa quantidade livros publicados no campo, que apresenta na obra traduzida de Stephen Goldsmith e William D. Eggers 27 sua mais importante referência. Tratase, portanto, de um campo de pesquisas novo, com grande potencial a ser explorado, tanto 27 Obra traduzida em 2006 pela ENAP (Fundação Escola Nacional de Administração Pública), em parceria com a Unesp (Universidade Estadual Paulista) com objetivo de lançar um novo olhar sobre as arquiteturas organizacionais e os métodos de trabalho empregados no setor público para enfrentar os problemas de governo. Cf. GOLDSMITH, S.; EGGERS, W. D. Governing by network: the new shape of public sector. The Brookings Intitution Press: Washington, D.C., 2004. 51 para o desenvolvimento da área de administração pública quanto dos estudos organizacionais no Brasil (DUARTE; HANSEN, 2010). Nesse sentido, diversas pesquisas têm sido realizadas visando desenvolver teorias, gerar conhecimento e encaminhar alternativas na tentativa de melhor compreender a dinâmica desse tipo de configuração governamental. 2.3.4 Governar em rede: a nova forma do setor público As atuais transformações no papel do Estado e em suas relações com a sociedade comportam a interação de estruturas descentralizadas e modelos de gestão inovadores, baseadas nas parcerias entre entes estatais e organizações empresariais ou sociais para prestação de serviços públicos (DIAS, 2011). Para Fleury e Ouverney (2007, p.9), [...] esses fatores são concomitantes com o processo de democratização que alterou o tecido social, com a proliferação de inúmeras organizações sociais e com o desenvolvimento de uma nova consciência cidadã que reivindica maior participação nos processos de gestão das políticas públicas (FLEURY; OUVERNEY, 2007, p. 9). De um modelo centralizado, migra-se então, para uma situação mais flexível, que substitui o monopólio estatal por novos arranjos governamentais, plurais e heterogêneos, conforme mostra a Figura 5. Para Zapata et al. (2007) o desafio dessa nova realidade de gestão das políticas públicas é fazê-las de forma integrada, conjunta, para que possibilitem pelo intercâmbio de experiências, mais aprendizagem social e garantam o melhor uso dos recursos públicos. Figura 5. Circunscrição da Administração Pública sob o ideário do Estado-Rede. Fonte: COELHO (2012, p.5). 52 Para Farah (2001 apud FARAH, 2006, p.78-79) essas inovações incidem sobre a relação entre cidadão-Estado, e embora não caracterizem uma participação direta, buscam garantir a democratização do acesso aos serviços públicos e, consequentemente valorizam e reforçam os conceitos de cidadania. Esse é o caso de programas como as CAI, que buscam superar o distanciamento entre as estruturas estatais e os cidadãos, manifestos na dificuldade de se obter informações básicas sobre direitos e deveres ou sobre a própria ação estatal. O incremento das redes gestoras de políticas públicas, especialmente no campo das políticas sociais, tem sido vistas como a solução adequada para administrar projetos onde os recursos são escassos e os problemas, complexos (DIAS, 2011). Toda essa evolução é denominada de “government by network”, termo que pode ser usado, segundo Goldsmith e Eggers (2006, p.33) para referenciar as “iniciativas deliberadamente empreendidas pelo governo para alcançar fins públicos, com metas de desempenho mensuráveis, responsabilidades atribuídas e um fluxo de informações estruturado”. Todos esses tipos de colaboração apresentam a convergência de quatro fontes de influência, e se colocam como a nova forma do setor público: (1) o governo como terceira parte, com o aumento do uso de empresas privadas e organizações sem fins lucrativos na prestação de serviços e cumprimento de metas de políticas; (2) o governo coordenado, com a tendência crescente da união de agências governamentais na prestação de serviços integrados; (3) a revolução digital, com os recentes avanços tecnológicos, que permitem às organizações colaborar, em tempo real, com parceiros externos, de formas anteriormente impossíveis; e (4) a demanda do consumidor, com o interesse dos cidadãos por maior controle sobre suas próprias vidas e por mais opções de variedade de serviços governamentais. Neste último caso, exige-se a equiparação à tecnologia de prestação de serviços customizados adotados pelo setor privado (Ibid. 2006, p.24-35, grifo nosso). Noutro sentido, Peci (2000, grifo nosso) diz sobre quatro macrotendências. A primeira está relacionada à mudança do paradigma econômico. Nesse ambiente da nova competição, que surge após a crise econômica dos anos 70, a crítica recai sobre as práticas vigentes, e o questionamento que se faz é, até que ponto serão propostos modelos alternativos de gestão de políticas públicas pelo Estado diante da complexidade dos problemas sociais. A segunda diz respeito ao fim do regime autoritário e à crise do Estado de bem-estar social, que enfatiza a necessidade de gerenciar o setor público de modo transparente, participativo e responsável. Nesse sentido, o estabelecimento do pluralismo democrático faz com que cresçam cada vez mais as pressões para uma mais ampla participação, de diversos grupos da sociedade, na gestão de políticas públicas. A terceira relaciona-se com o Estado mínimo e o crescimento da 53 demanda por políticas públicas, e caracterizam uma forte busca pela eficiência na gestão dos recursos públicos. O modelo centralizador e hierárquico do poder público, se modifica, dando espaço para os interesses privados e a representação da cidadania. A quarta macrotendência se refere à descentralização e seu impacto nas relações interorganizacionais, de compartilhamento da autoridade, de integração entre diferentes esferas de governo, e garantia de efetividade na promoção de políticas públicas. Dentre as principais mudanças com o surgimento do ideário Estado-rede estão a emergência de quatro modelos distintos de governo segundo a tipologia de Goldsmith e Eggers (2006, 24-35, grifo nosso), demonstrada pela Figura 6. Figura 6. Modelos de governo. Fonte: GOLDSMITH; EGGERS (2006, p.36). No governo hierárquico predominam sistemas burocráticos rígidos, que operam com procedimentos de comando, controle e rigorosas restrições de trabalho, que se tornam inadequados para combater problemas que, muitas vezes, transcendem os limites organizacionais. No governo terceirizado tem-se o uso de empresas privadas e organizações sem fins lucrativos – em oposição ao uso de servidores do governo – na prestação de serviços e cumprimento de objetivos políticos. No governo coordenado encontra-se a união de agências governamentais múltiplas, e muitas vezes até de múltiplos níveis de governo, para a prestação de serviços integrados. Por fim, o governo em rede faz referência ao aumento no nível de colaboração público-privada, solidificação das capacidades de gestão em rede de um governo coordenado, uso da tecnologia para conexão entre parceiros e o oferecimento de mais possibilidades de opções de prestação de serviços aos cidadãos. 54 De forma um pouco diferente, mas complementar, Farah (2006) considera a democratização dos processos decisórios por meio de três modelos, que caracterizam seis tipos de relações governamentais. Trata-se de uma tipologia modelada em desenhos capazes de conectar as esferas municipal, estadual e federal, e incluir organizações não estatais (privadas e da sociedade civil), além dos próprios cidadãos, como ilustra a Figura 7. Figura 7. Formas de cooperação na gestão pública contemporânea. Fonte: Baseado em FEROLLA; PASSADOR (2013, p.4). O primeiro modelo, de cooperação intragovernamental, apresenta dois tipos de relação: (1) entre agentes, que diz respeito à quebra da perspectiva top-down pelo reconhecimento da importância do diálogo entre os atores como elemento fortalecedor das ações de formulação e implementação das políticas públicas (LUNDIN, 2007); e (2) entre setores, que contempla a integração entre áreas que objetivam o planejamento e avaliação das ações governamentais, não só como um campo de aprendizagem dos agentes institucionais, mas também como caminho ou processo estruturador da construção de novas respostas, novas demandas para as políticas públicas (SPOSATI, 2006). 55 No caso das redes entre agentes, que geralmente existem em consonância com outros tipos de cooperação, é perceptível a variação na intensidade das relações intragovernamentais, devido, principalmente, ao seu baixo grau de institucionalização, como nas redes de pesquisadores. Já as relações transversais, intersetoriais, caracterizadas pelas parcerias estabelecidas entre setores (secretarias e ministérios) acontecem com maior frequência, a exemplo do Bolsa Família (BRESSER-PEREIRA, 2010). No segundo modelo, de cooperação intergovernamental, tem-se as relações horizontais (3), composta pelas parcerias firmadas entre entes federativos de mesmo nível hierárquico governamental, amparados pela Lei nº. 11.107, de 6 de abril de 2005, que versa sobre a formalização de consórcios públicos – articulação e coordenação que busca compartilhar recursos e informações para encontrar soluções para problemas de ordem pública e objetivos de interesse comum; e as relações verticais (4), forma de coordenação entre entes federativos de diferentes níveis hierárquicos governamentais, incorporados pelo movimento de descentralização administrativa do Estado. Nesta última configuração, a esfera federal é responsável pela elaboração de diretrizes legais e administrativas, enquanto estado e municípios encarregam-se da operacionalização dos serviços. É importante destacar, no entanto, a atenção para o planejamento participativo e para a destinação dos recursos a cada instância, que precisam ser condizentes com as responsabilidades delegadas às mesmas (PRADO, 2003). Toma-se como exemplo o Sistema Único de Saúde (SUS), concebido nos mesmos moldes de uma típica relação entre matriz e filial no setor privado. Conforme afirma Farah (2006, p.69), [...] diversos estudos sobre a ação do Estado no estabelecimento de arranjos locais de desenvolvimento, na gestão intergovernamental, na implementação de programas federais e nos sistemas de implementação e descentralização de políticas públicas, enfatizam o desenvolvimento de estratégias conjuntas articuladas de diferentes níveis de governo, assim como mais de um governo de mesmo nível. Por fim, no terceiro modelo, de cooperação extragovernamental, encontram-se as parcerias para a provisão de serviços públicos denominadas de publicização (5), que consistem numa ferramenta de ampliação do controle social formalizada por contratos de gestão entre o governo e as organizações não governamentais, privadas ou da sociedade civil, que têm nas parcerias público-privadas seu maior exemplo; e a participação cidadã (6), seja na formulação, implementação ou avaliação das políticas públicas, por meio de processos que estimulam e formalizam a participação deliberativa, no sentido de fortalecer a cidadania e valorizar o diálogo como ferramenta de construtiva, a exemplo dos fóruns temáticos, 56 conselhos gestores e orçamento participativo, numa clara proposta de gestão societal (PAULA, 2005). Para Dias (2011), esses modelos inovadores de gestão compartilhada revelam as deficiências de uma série de abordagens teóricas tradicionais de organização do Estado; governos que trabalham dessa forma dependem menos de servidores públicos em papéis tradicionais, garantindo agilidade e qualidade na prestação de serviços. Nesse sentido, a intensificação da relação de confiança em parcerias, sua filosofia de alavancar organizações não governamentais para aumentar o valor público e as várias e inovadoras relações de negócios que se estabelecem podem ser caracterizadas como marcas dessa mudança paradigmática. Em síntese, Fleury e Ouverney (2007, p. 25) consideram a configuração de redes de cooperação no setor público vantajosas por cinco motivos: (1) a pluralidade de atores envolvidos, o que possibilita maior mobilização de recursos e garante a diversidade de opiniões sobre um problema; (2) a definição de prioridades de forma mais democrática; (3) o envolvimento simultâneo de organizações não governamentais e instituições públicas; (4) o desenvolvimento de uma gestão adaptativa, conectada a realidade social, articulando as ações de planejamento, execução, feedback e redesenho às atividades de monitoramento, e não de controle, dada a flexibilidade inerente à sua dinâmica; (5) a possibilidade de preservação da autonomia de seus participantes, já que objetivos e estratégias são fruto de negociação, o que acarreta maior compromisso e responsabilidade com as metas compartilhadas, bem como maior sustentabilidade, justamente por se tratar de uma estrutura horizontalizada. Já para Goldsmith e Eggers (2006), as vantagens do modelo em rede são resumidas pela (1) especialização, que permite aos parceiros concentrarem-se em suas expertises; (2) inovação, pois não existem restrições internas que inibem a interação necessária ao desenvolvimento de boas ideias; (3) velocidade e flexibilidade, já que aumenta a velocidade de resposta do governo em função de sua estrutura hierárquica de processo de tomada de decisão; (4) alcance crescente, que diz sobre a ampliação das redes e sua contribuição para o enfrentamento de obstáculos. Como citado, é notório os benefícios das redes de cooperação na administração pública, porém, há que de se destacar também suas limitações, refletidas nas dificuldades de gestão organizacional (FLEURY; OUVERNEY, 2007, p. 25), sobretudo: (1) na prestação de contas (accountability) em relação ao uso dos recursos públicos devido à quantidade de participantes governamentais e privados; (2) na lentidão do processo de negociação, que retardam a solução de problemas que requerem ação imediata; (3) na ineficácia do 57 cumprimento de objetivos quando as metas são compartilhadas e as responsabilidades muito diluídas; (4) no afastamento dos participantes da rede dos objetivos iniciais ou mesmo no comprometimento da ação da rede pela deserção de alguns atores; (5) na inexistência ou falta de explicitação dos critérios (universais) necessários para participação na rede, o que pode levar à marginalização de grupos, instituições, pessoas e mesmo regiões, ficando a política nas mãos somente de uma elite; e (6) no controle e coordenação das interdependências, que podem gerar problemas administrativos. Goldsmith e Eggers (2006), por sua vez, acrescentam a esses desafios: (1) a dificuldade de congruência de metas, de difícil mensuração quando os resultados não são claros. Muitas vezes, a complexidade dos problemas que requerem uma solução em rede dificulta o processo de accountability; (2) a supervisão distorcida provocada pela percepção errônea de que as parcerias e a terceirização são alternativas de administração dos serviços, fazendo com que não haja uma supervisão adequada; (3) o colapso na comunicação gerado pela difusão e a descentralização; (4) a coordenação fragmentada devido à especificidade dos parceiros; (5) o déficit de dados e parâmetros mal adotados; (6) a falta de capacidade na formação de redes, que demanda participação de indivíduos experientes, com habilidades para perceber como diferentes parceiros produzem diferentes resultados; e (7) a estabilidade no relacionamento que pode ser minada pela incerteza e desconfiança entre parceiros; Para que haja condições de se fazer o mapeamento da rede, destacando seus benefícios e limitações, além dos desafios que se impõem para sua manutenção, consideram-se três premissas fundamentais de classificação das relações cooperativas, apresentadas pela Figura 8: (1) a participação; (2) a representatividade e (3) a publicidade (FEROLLA; PASSADOR, 2013, p.6-12). Estes requisitos são tidos, neste trabalho, como ponto determinante e fatores integrantes da análise dos resultados na promoção de políticas públicas e, embora seja ressaltada uma revisão literal focada nas relações entre o setor público e a sociedade civil, que caracteriza a valorização da cidadania, consideram-se também os demais tipos de cooperação. Explica-se, portanto, os preceitos envolvidos em cada uma das dimensões, a começar pela primeira, a participação (1), que visa o aprimoramento da democracia representativa pela incorporação dos cidadãos no processo decisório que envolve as políticas públicas. Para Goldfrank (2007, p. 149) “aprofundar a democracia não implica em participação de todos os cidadãos em todas as decisões de todos os níveis de governos”, mas possibilitar a criação de meios ou oportunidades mais eficientes para isso. 58 Figura 8. Integração conceitual das dimensões de análise. Fonte: FEROLLA; PASSADOR (2013, p.12) Os benefícios da participação consistem no fortalecimento da cidadania por conceitos como empoderamento e sinergia, que motivam a transformação dos indivíduos de sujeitos passivos e dependentes em cidadãos conscientes e ativos na proposição legítima de demandas ao governo; no aprimoramento da responsabilização e accountability governamentais; no caráter educativo de capacitação e conscientização, por promover uma ruptura do ciclo de exclusão econômica, social e política; na redução das desigualdades sociais e a consequente melhoria da qualidade de vida dos cidadãos (AVRITZER, 2007; BOULDING; WAMPLER, 2010; GOLDFRANK, 2007; LÜCHMANN, 2006; TEIXEIRA, 1990). Gregory et al. (2005) afirmam contudo, que os processos participativos devem ser flexíveis para adaptar-se à conjuntura local, destacando três elementos que devem estar presentes em qualquer experiência de deliberação das políticas públicas: (a) institucionalização; (b) conteúdo; (c) contexto para integração e valoração. A institucionalização dos processos, que significa a formalização legal dos mecanismos participativos e a valorização política dos resultados de cooperação é importante para se fazer cumprir a transparência, a publicidade e o controle social (LÜCHMANN, 2006; WAMPLER; AVRITZER, 2004). O contexto diz respeito à dinâmica política de confiança estabelecida no ambiente e parte da proposta do reconhecimento do valor dos participantes para evitar o negligenciamento das evidências científicas e do tratamento meramente formal das obrigações, sobretudo dos agentes de níveis hierárquicos mais baixos (GREGORY et al., 2005). Além disso, remete-se à importância da equivalência de condições para participação, a 59 existência de uma burocracia eficiente e a relação proporcional entre a disponibilidade de recursos e os resultados efetivamente alcançados, atribuindo ao compromisso políticogovernamental a responsabilidade pelo sucesso dos processos participativos (BOULDING; WAMPLER, 2010; GOLDFRANK, 2007; LÜCHMANN, 2006). Ademais, é necessário que o processo institucional bem estruturado, em contexto favorável, some-se à gestão do conteúdo a ser tratado (abrangência), que traz o desafio da garantia de comunicação efetiva em duas vias de igual teor: a apresentação dos problemas aos participantes de forma adequada e a tradução de suas posições em termos compreensíveis aos tomadores de decisão. Observa-se ainda, que quanto mais complexo for o tema abordado, mais importante é o cuidado com a apresentação do mesmo e com a construção coletiva das soluções (GREGORY et al., 2005). A segunda dimensão considerada por esta pesquisa se trata da representatividade (2), e tal como pode ser interpretada no modelo político republicano, se expressa pela vontade popular, que elege um representante para externar suas vontades e tomar decisões em seu nome. Tal sistema baseia-se num misto de representação de interesses e representação política (DALLARI, 2002). Haja vista a incapacidade do sistema eleitoral em lidar com a totalidade das relações entre a sociedade e seus representantes políticos, sobretudo pela sua sujeição à manipulação; sensibilidade ao poder econômico; ou até mesmo pela fragilidade dos mecanismos de accountability, concebida pela baixa capacidade de supervisão civil, fluxo defeituoso de informações e compromissos interpostos com interesses alheios aos dos eleitores, é que se fez valer outros tipos de representação; profissionais, corporativas e institucionais (AVRITZER, 2007; DALLARI, 2002; LAVALLE et al., 2006; MIGUEL, 2011). Nesse caso, a figura do representante pode ser caracterizada tanto como agente, escolhido por meio eleitoral; como também pelo advocate, autodenominado por identificar-se com os interesses, representando discursos e ideias; ou pelo partícipe, emissário de temas e experiências, como no caso das organizações sociais. Estas duas últimas denominações são legitimadas pela afinidade com os interesses ou a causa defendidos (AVRITZER, 2007, grifo do autor). Construídas coletivamente para mediar as relações de concepção do interesse público, diz-se que as experiências participativas são implementadas com a incorporação de novos atores no intuito de recuperar a articulação entre cidadania e soberania popular por meio do controle mais enfático sobre as políticas públicas (AVRITZER, 2007; LAVALLE et al., 2006; LÜCHMANN, 2007). Em suma, ressaltam-se três premissas básicas que devem ser levadas 60 em consideração quando o objeto de estudo se tratar de uma representação política não eleitoral: (a) a legitimidade, (b) o equilíbrio ou equivalência; e (c) o poder de deliberação. [...] É importante notar que, apesar de mais claras no caso de colaboração entre governo e sociedade – cidadão ou organizações, a representatividade também é um elemento essencial nos demais tipos de colaboração, quando os indivíduos destacados para participar dos diálogos interorganizacionais devam ser empoderados adequada e suficientemente para fazer valer o acordado nas negociações (FEROLLA; PASSADOR, 2013, p.8). Numa democracia representativa, a legitimidade relaciona-se aos mecanismos de autorização, que dizem respeito ao mandato autorizativo concedido aos governantes pelo processo eleitoral; prestação de contas, que faz menção aos mecanismos institucionais ou formas de accountability que impedem a usurpação do poder; e responsabilização dos representados, tida como uma alternativa de coibição de comportamentos desvirtuosos. A legitimação da representação que carece de autorização, neste caso, requer participação ativa por parte dos cidadãos, grupos e organizações representados. Tal situação traz responsabilidades para ambos os lados, exigindo conectividade e disposição para mobilizar-se no exercício do controle (LÜCHMANN, 2007; MIGUEL, 2011). Uma segunda preocupação é a necessidade de equilíbrio da diversidade de características e opiniões do processo participativo, que ampliam a compreensão da realidade devido à multiplicidade de pontos de vista, convergentes ou divergentes, mas que de certa forma contribuem para produzir o consenso ou uma convivência respeitosa, superando a unilateralidade. No entanto, adverte-se para a influência homogeneizadora do campo político, ocasionada pela presença de integrantes de grupos subalternos nos espaços decisórios (MIGUEL, 2011). A terceira preocupação está ligada ao poder de deliberação, que envolve decisões sobre a real influência dos participantes na elaboração, implementação e controle das políticas públicas em termos de conteúdo e processos. Esta questão, no entanto, depende da flexibilidade das propostas para adequações e possibilidade de formalização das decisões no âmbito local. Aspecto essencial em situações de cooperação intersetorial e entre diversos níveis de governo, quando as diferenças entre os colaboradores podem ser substanciais. Nesse caso, é importante que um programa federal a ser implementado por órgãos estaduais ou municipais possa ser adaptado por estes às suas peculiaridades. A última dimensão está relacionada à transparência (3), elemento de fundamental importância para a efetividade do controle social e consolidação democrática, diminuindo as possibilidades de corrupção e clientelismo, o que implica na explicitação pública das ações e 61 deliberações do Estado, bem como seu interesse principal (FILGUEIRAS, 2011; GOLDFRANK, 2007; LOUREIRO et al., 2008; MICHENER; BERSCH, 2011). Por entender que o termo publicidade se refere à obrigatoriedade imposta ao poder público de divulgação de certas informações, embora se tenha conhecimento da utilização de outras expressões (transparência e accountability) para o mesmo fim, o sentido que se busca aqui, e que sustenta a opção por este conceito, é mais amplo, implicando não apenas na preocupação com a emissão da informação, mas também com sua compreensão, avaliação e utilização pelos receptores da mesma (FILGUEIRAS, 2011; GOMES FILHO, 2005). Já a transparência, se trata de um pré-requisito, um mecanismo de facilitação da accountability, não sendo necessariamente um fim, mas um meio de aprimorar a prestação de contas e a responsabilização na administração pública (MICHENER; BERSCH, 2011). Outra característica incorporada por O’Donnell (1992) no conceito de publicidade é a ideia da necessidade de complementaridade das dimensões vertical e horizontal, que se associa à responsabilização do poder público pelo povo e controles recíprocos entre poderes ou mecanismos institucionais intragovernamentais do mesmo nível hierárquico (LOUREIRO et al., 2008). Sugere-se ainda, a expansão dessa proposta para o nível transversal, entre agências de diferentes instâncias. Isso significa dizer que as informações públicas devem ser disponibilizadas a todos os interessados, sejam eles indivíduos ou organizações, cidadãos ou agentes estatais. Tal divulgação, no entanto, deve ser realizada considerando a composição de três fatores: (a) acessibilidade, (b) conteúdo e (c) compreensibilidade das informações (MICHENER; BERSCH, 2011). A acessibilidade remete a facilidade de acesso às informações, a redução das barreiras e custos relativos; o conteúdo diz sobre a completude e atualização das informações disponibilizadas; e a compreensibilidade, ou adequação da apresentação das informações disponibilizadas ao público, preocupando-se com os aspectos relativos à linguagem e ao formato (MICHENER; BERSCH, 2011). Por fim, para Welch e Wong (2001) a acessibilidade está ligada à questões como alcance e interatividade, quando do uso de ferramentas eletrônicas e da internet. Estes autores indicam que a medida da transparência em sites governamentais inclui cinco aspectos: propriedade, contato, tema ou informação organizacional, consequências para o cidadão e relevância dos dados. Em resumo, para Ferolla e Passador (2013, p.13) não basta estabelecer processos de cooperação, é preciso se atentar para a garantia de que estas relações aconteçam e criem valor. O Quadro 3 apresenta uma “síntese das dimensões propostas como elementos de apreciação em relação às diferentes formas de colaboração que podem se estabelecer no processo de 62 promoção de políticas públicas que ocorrem em ambiente complexos”, neste caso, nas CAI´s. Mesmo que esta abordagem seja mais relacionada à cooperação entre órgãos públicos e a sociedade civil, considera-se este instrumento de análise válido para todo tipo de colaboração, desde que resguardadas suas proporções. PUBLICIDADE REPRESENTATIVIDADE PARTICIPAÇÃO Quadro 3. Dimensões de análise para apreciação dos processos de cooperação. Dimensão Critério Significado Formalização legal; Institucionalização valorização política. Contexto Processo que incite confiança; disponibilização de recursos. Conteúdo Apresentação adequada; interessante para participantes; interessante para tomadores de decisão. Legitimidade AVRITZER (2007) GOLDFRANK (2007) GREGORY et al. (2005) WAMPLER; AVRITZER (2004) Autorização; prestação de contas; responsabilização dos representados. Equilíbrio entre os participantes Valorização da diversidade; minimização das pressões homogeneizadoras. Poder de deliberação Flexibilidade das propostas para adequações; possibilidade de formalização das decisões. Acessibilidade Disponibilidade; ausência de barreiras e custos para acesso. Conteúdo Autores Completude; atualização. Formato; Compreensibilidade linguagem; adequação ao público. AVRITZER (2007) LAVALLE et al. (2006) MIGUEL (2011) FILGUEIRAS (2011) GOMES FILHO (2005) LOUREIRO et al. (2008) MICHENER; BERSCH (2011) WELSH; WONG (2001) Fonte: FEROLLA; PASSADOR (2013, p.13). A partir da reflexão que se faz neste trabalho, sobre a formação do Estado democrático moderno, da contemplação das teorias consolidadas no campo das políticas públicas e do estudo da evolução do aparato governamental brasileiro, com destaque para a reforma administrativa do Estado, percebe-se as redes de cooperação como uma importante ferramenta da gestão pública contemporânea, que pode ser inserida não somente num contexto de 63 superação do modelo burocrático weberiano como também de aproximação entre Estado e cidadão, numa perspectiva de fortalecimento da cidadania. Mesmo que ainda prevaleça uma visão estrutural sobre as redes, de resposta para condições objetivas/ econômicas, dedica-se nesta pesquisa ao entendimento do processo de construção dessas novas estruturas sociais e da análise do papel desempenhado pelos agentes nesse processo. 64 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS [...] Hoje em dia, todas as teorias da sociedade são extremamente abstratas. Na melhor das hipóteses, elas conseguem nos sensibilizar para a ambivalência dos desdobramentos históricos; elas podem contribuir para que aprendamos a compreender as ambivalências que vêm ao nosso encontro como se fossem outros tantos apelos para as crescentes responsabilidades em meio a espaços de ação minguantes. Elas são capazes de abrir-nos os olhos para os dilemas dos quais não podemos fugir e os quais precisamos superar (HABERMAS, 199328 apud COSTA, 2012, p.29). De acordo com Bobbio (2007, grifo nosso) existem duas grandes correntes teóricas que se propõem a analisar o Estado: a historicista e a racionalista. A primeira pretende estudá-lo tendo por base sua origem histórica, sob uma ótica social natural, e possui como ponto de partida a compreensão do homem-político. A segunda, por sua vez, busca explicá-lo a partir de sua justificação racional, do seu fundamento, entendendo-o como um ente artificial que nasce em oposição ao estado natural, e que tem, como ponto de partida, o homemantissocial. Partindo do entendimento dessas questões, pretende-se com este trabalho, descrever a dinâmica processual de institucionalização da gestão de políticas públicas em rede e as formas de cooperação existentes nas Unidades de Atendimento Integrado (UAI) em Minas Gerais. Para isso, apresenta-se neste capítulo o tipo de pesquisa, o método, a definição da amostra, os instrumentos utilizados para coleta de dados e um resumo dos procedimentos de análise. Por último faz-se menção ao modelo conceitual da pesquisa. 3.1 TIPO DE PESQUISA Adota-se neste estudo, uma abordagem qualitativa de natureza exploratória e descritiva. Este tipo de pesquisa é caracterizado pelo contato direto do pesquisador com o contexto do problema, por meio da obtenção de dados descritivos e processos interativos que o ajudam na compreensão e interpretação do comportamento ou atitude dos atores envolvidos (BOGDAN; BIKLEY, 1994; MARTINS, 2006). Questões para entendimento e/ou questões sobre o processo são comumente usadas neste tipo de pesquisa (DENZIN; LINCOLN, 2005; TRIVINÕS, 2006). Selltiz et al. (1965) comenta, portanto, que a principal acentuação refere-se à descoberta de ideias e intuições, por 28 HABERMAS, J. Passado como futuro. Trad. FlávioBeno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo Universitário, n. 94, 1993. 65 isso, seu planejamento precisa ser suficientemente flexível, de modo a permitir a consideração de diferentes aspectos acerca de um mesmo fenômeno. Essa interação e flexibilidade são classificadas por Alencar (2000) como parte de um sequenciamento circular, que representa a possibilidade de reformulação das questões e/ou problemas de pesquisa durante o processo, de acordo com novos fatos e a necessidade de se fazer novas observações, conforme mostra a Figura 9. Essa dinâmica envolve análises parciais e significa que as pressuposições do pesquisador, ao iniciar o estudo, podem ser modificadas durante o processo de investigação, o que se denomina reconstrução social da realidade, na linguagem de Denzin e Lincoln 29 (1994 apud ALENCAR, 2000, p.14). Figura 9. Sequência circular de pesquisa em ciências sociais. Fonte: ALENCAR (1999, p.13) Com relação à pesquisa exploratória, Gil (2002) argumenta sobre a capacidade de modificação de conceitos e facilitação de análise das relações entre os elementos estudados. O autor ainda destaca que a pesquisa descritiva possui como objetivo primordial o relato das características de determinada população/fenômeno ou, então, o estabelecimento das relações entre as variáveis para melhor entendimento do problema. Utiliza-se para isso, o método de estudo de caso, que Segundo Yin (2005, grifo do autor) é adequado para as situações em que se colocam questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real. 29 Cf. DENZIN, N.; LINCOLN, Y. S. Introduction: entering the field of qualitative research. In.: DENZIN, N.; LINCOLN, Y. S. Handbook of Qualitative Research. London: SAGE, 1994. p.1-17. 66 Para Martins (2006) o método do estudo de caso é uma investigação empírica que pesquisa fenômenos dentro de seu próprio contexto (pesquisa naturalística), onde o pesquisador não tem controle sobre eventos e variáveis, ou seja, busca apenas apreender a totalidade de uma situação, compreendê-la e interpretá-la, para criativamente descrever a complexidade de um objeto delimitado; o que contribui de forma relevante para o desenvolvimento de estudos investigativos. 3.2 ESTUDO DE CASO Bonoma (1985) ressalta que este tipo de estudo é útil quando um fenômeno é amplo e seu corpo de conhecimento é insuficiente para permitir a proposição de questões causais. Sendo assim, o método de estudo de caso considera a descrição de uma situação gerencial, ou seja, objetiva a compreensão de um problema específico tendo como base o estudo de um ou mais casos. Lazzarini (1997) argumenta que a possibilidade de utilizar várias fontes de evidência é considerada uma das vantagens da pesquisa baseada em casos. Em contrapartida, o método não permite a extrapolação dos resultados. A análise do estudo de caso permite extrair conclusões sugestivas, não capturáveis pelos métodos tradicionais. Segundo Woodside (2003), a realização deste tipo de estudo é importante quando se quer estimar o tamanho de um efeito (a força do relacionamento entre as variáveis) mais do que generalizar seus resultados para a população. A preferência pelo uso do estudo de caso deve ser dada em situações onde se é possível fazer observações diretas e entrevistas sistemáticas. O estudo se caracteriza pela capacidade de lidar com uma completa variedade de evidências – documentos, artefatos, entrevistas e observações (YIN, 2005). No entanto, a unidade de análise está relacionada com a definição do que o caso é: uma decisão, um programa, pode ser sobre a implantação de um processo e/ou uma mudança organizacional. A definição da unidade de análise está ligada à maneira pela qual as questões de estudo foram definidas (BRESSAN, 2000). No entanto, há de se considerar, também, um forte preconceito no uso de um caso em pesquisa (YIN, 2005; GOODE; HATT, 1952). Apresentam-se as críticas mais comuns a esse método, que são fundamentadas nos seguintes argumentos: i) menor rigor metodológico; ii) influência de pontos de vista pessoais dos pesquisadores no formato final do estudo; e iii) crença na sua facilidade de operacionalização, sem maiores preocupações com o rigor metodológico. 67 Mas, segundo Ashill e Frederikson (2003), como qualquer estudo qualitativo, o estudo de caso apresenta riscos que podem ser associados à natureza dos dados (descobertas com limitada validade, confiabilidade ou generalidade). Não se trata de um método fácil de ser operacionalizado, já que quanto menos estruturada, mais difícil é a aplicação da metodologia de pesquisa e maior é a necessidade de dedicação acadêmica. Ademais, acrescenta-se que não existe um método de pesquisa perfeito, porque todos eles deverão refletir sobre as limitações que intrinsecamente possuem (BONOMA, 1985). 3.3 AMOSTRAGEM, COLETA DE DADOS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE Para a classificação da pesquisa, tomou como base a tipologia apresentada por Vergara (1997), que a qualifica quanto a dois aspectos: aos fins e aos meios. Quanto aos fins espera-se deste tipo de pesquisa conhecer o processo de institucionalização das UAI e analisar o potencial desta política pública para o fortalecimento da cidadania. Além disso, sua motivação se baseia na necessidade de apresentar aspectos que determinem ou expliquem o emprego do conceito de gestão em redes no setor público, que ainda não está fundamentado em bases conceituais precisas, exigindo uma reformulação das estratégias de gestão, sobretudo no caso desta proposta brasileira de integração. Quanto aos meios, que denota o método de coleta de dados utilizado, esta pesquisa apresenta um caráter investigativo característico documental/bibliográfico (dados secundários obtidos por decretos-lei, manuais, cadernos e publicações temáticas, releases de encontros e reuniões, relatórios gerenciais e evidências encontradas em livros, teses/dissertações, artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais) e de campo (dados primários obtidos por meio da realização de entrevistas semi-estruturadas com funcionários públicos dos governos federal e estadual responsáveis pelo programa, além dos próprios coordenadores/gestores das CAI). Embora os dados secundários sejam uma fonte valiosa de investigação, em geral, apenas parte do conhecimento está documentado, o que requer seu uso associado a outro método, sobretudo em pesquisas exploratórias. Estudos que se utilizam de fontes primárias possuem dados sem interpretações, que contemplam opiniões e representam as diferentes posições dos atores envolvidos no contexto do problema, com maior grau de detalhamento (COOPER; SCHINDLER, 2003). Adotou-se, portanto, uma amostragem não probabilística por julgamento. Cooper e Schindler (2003) afirmam que esta técnica é mais apropriada quando usada nos estágios 68 iniciais de um estudo exploratório e, mesmo considerada arbitrária, é determinada pelo pesquisador com base em alguns critérios justificáveis, o que não minimiza o esforço de pesquisa, já que garante a seleção de casos que realmente apresentam informações mais detalhadas e/ou relevantes para o estudo (PATTON, 2002). Nesse sentido, escolheram-se inicialmente as CAI do estado de Minas Gerais (UAI) e de São Paulo (Poupatempo), dentre todos os programas da federação conhecidos, por apresentarem o maior número de unidades implantadas em operação e, ainda, por se tratar atualmente dos estados com o maior campo eleitoral do país e por possuírem grande representatividade econômica. No entanto, descartou-se esta possibilidade de devido às restrições de campo impostas ao pesquisador, fazendo com que se optasse por fazer apenas uma análise particular da experiência mineira. Definido o objeto, como critério para seleção das unidades componentes da amostra, utilizou-se o Coeficiente de Eficiência (COEF), um índice de aferição do desempenho e qualidade dos serviços prestados nas UAI calculado com base na conjunção de alguns indicadores: COEF = (PGS¹ *0,5) + (TEM² *0,4) + (QS³ *0,1) 1. Grau de satisfação (PGS) – peso 50%: este indicador é medido por meio da avaliação do atendimento registrada pelo cidadão, que o classifica em ótimo, bom, regular e ruim usando um teclado eletrônico, depois de concluída a prestação do serviço. A fórmula para o cálculo e a tabela de referência para esta pontuação são: PGS = (ótimo + bom) / (ótimo + bom + regular + ruim) Nota 1 (95% < GS ≤ 100%); Nota 0,8 (85% < GS ≤ 95%); Nota 0,6 (70% < GS ≤ 85%); Nota 0,2 (50% < GS ≤ 70%); Nota 0 (GS ≤ 50%). 2. Tempo de espera médio (TEM) – peso 40%: este indicador é calculado a partir da emissão da senha até o momento em que a senha é anunciada, para início do atendimento. A fórmula para o cálculo e a tabela de referência para esta pontuação são: TEM = [TEM 1 + TEM 2 + TEM n (...)] / Senhas Emitidas Nota 1 (0 < TEM ≤ 8); Nota 0,8 (8 < TEM ≤ 16); Nota 0,6 (16 < TEM ≤ 24); Nota 0,4 (24 < TEM ≤ 32); Nota 0,2 (32 < TEM ≤ 40); Nota 0 (TEM > 40) 69 3. Percentual de senhas efetivamente atendidas (QS) – peso 10%: se relaciona às senhas emitidas. A fórmula para o cálculo e a tabela de referência para esta pontuação são: QS = (Senhas Emitidas – Senhas Canceladas) / Senhas Emitidas. Nota 1 (92% < QS ≤ 100%); Nota 0,8 (86% < QS ≤ 92%); Nota 0,6 (78% < QS ≤ 86%); Nota 0,4 (70% < QS ≤ 78%); Nota 0,2 (62% < QS ≤ 70%); Nota 0 (< 62%) Optou-se, então, por entrevistar os coordenadores/gestores de quatro UAI, conforme as médias COEF obtidas no período de janeiro de 2012 a dezembro de 2013, como apresenta a Tabela 1. Estas unidades se dividiram em dois blocos, baseadas em seus modelos de gestão: UAI - Poços de Caldas e UAI - Praça Sete (Belo Horizonte) controladas pelo governo estadual, por meio da sociedade anônima de capital fechado 100% pública, Minas Gerais Serviços (MGS), vinculada à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG); e UAI - Varginha e UAI - Uberlândia, inseridas na modalidade de concessão administrativa, parceria público-privada (PPP), gerenciadas pelo consórcio Minas Cidadão Centrais de Atendimento S.A.; em sua ordem, as melhores e piores classificadas. Como algumas unidades apresentaram notas COEF semelhantes, foi considerada a conveniência ao pesquisador. Tabela 1. Coeficiente médio de eficiência das UAI (2012 – 2013). Média COEF 2012 Média COEF 2013 Média Geral Araçuaí 0,98 0,97 0,98 Barbacena 0,97 0,98 0,98 Barreiro 0,91 1,00 0,95 Barro preto 0,92 0,86 0,89 Betim 0,91 0,94 0,92 Caratinga 0,96 0,97 0,96 Coronel Fabriciano 0,88 0,88 0,88 Curvelo 1,00 1,00 1,00 Divinópolis 0,92 0,94 0,93 Governador Valadares 0,99 1,00 1,00 Juiz de fora 0,99 0,96 0,98 Lavras 0,98 0,98 0,98 Montes claros 0,97 0,97 0,97 Muriaé 0,97 0,99 0,98 Paracatu 0,99 0,99 0,99 Passos 0,97 0,97 0,97 Patos de Minas 1,00 1,00 1,00 UAI 70 Ponte nova 1,00 1,00 1,00 Pouso alegre 0,91 0,94 0,93 Poços de caldas 1,00 1,00 1,00 Praça sete 0,82 0,81 0,81 Sete lagoas 0,98 0,96 0,97 São João Del Rey 0,99 0,96 0,97 Teófilo Otoni 0,86 0,92 0,89 Uberaba 0,97 0,98 0,97 Uberlândia 0,80 0,87 0,84 Varginha 1,00 1,00 1,00 0,90 0,92 0,91 Venda nova Fonte: Informação pessoal 30 Além do nível micro, que abrange os gestores/coordenadores das UAI, optou-se por entrevistar no nível meso (governo estadual), um representante da Coordenadoria Especial de Gestão das UAI (CEGUAI), neste caso, a Intendente da Cidade Administrativa do governo do Estado, Fernanda Girão, e um representante da Secretaria do Governo e Gestão Estratégica de São Paulo (SGGE), neste caso, o diretor-presidente do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN-SP), Daniel Annenberg, ex-superintendente do Poupatempo que foi consultor no processo de implementação de diversas CAI no Brasil. No nível macro (governo federal), entrevistou-se a Assessora Técnica da SEGEP – Secretaria de Gestão Pública, vinculada ao MPOG, e responsável pela condução das CAI em âmbito nacional, Lília Ramos; e a analista responsável pelas avaliações das CAI junto ao GESPÚBLICA, Janete. Tabela 2. Caracterização dos entrevistados da pesquisa. Órgão Assessora Técnica da SEGEP Analista do GESPÚBLICA Diretor-Presidente do DETRAN-SP Intendente da Cidade Administrativa – SEPLAG-MG Gestor da UAI em Varginha Gestor da UAI em Uberlândia Coordenadora da UAI em Poços de Caldas Coordenadora da UAI Praça Sete - Belo Horizonte Fonte: Elaborado pelo autor Entrevistado Lília Ramos Janete Balzani Marques Daniel Annenberg Fernanda Girão Marinalva Patricio Luís Ricardo Bigoli Mariuza Peregrino Lohayne Santos Para Gil (2007), a realização de entrevistas enquanto técnica de coleta de dados é bastante adequada para a obtenção de informações sobre o que as pessoas sabem, creem, 30 TOMICH, Henrique. Resultados COEF (Janeiro 2012 à Maio 2014). Mensagem recebida por [email protected] em 24 de jun. 2014. 71 esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram, bem como acerca de suas explicações ou razões a respeito dos fatos precedentes. O autor também afirma que, em virtude da sua flexibilidade, esta é uma das técnicas mais utilizadas no âmbito das ciências sociais. A identidade dos entrevistados e seus respectivos cargos são descritos na Tabela 2. Por fim, para interpretar os dados utilizou-se a análise documental e de conteúdo. Freitas e Janissek (2000) afirmam que a técnica de análise de conteúdo permite o aprofundamento dos significados das ações, permite ir além do que se tem como resultado claro e manifesto, e pode-se obter por inferência até mesmo aquilo que o entrevistado deixou subentendido. Segundo Bardin (2004), esta técnica de análise contempla a interpretação das mensagens, transformando-as em indicadores que permitam a inferência de conhecimentos. Se a descrição é o elemento primeiro, que ilustra ou enumera as características e, a interpretação é o último passo, pois diz respeito ao significado atribuído, a inferência é o elemento intermediário, de processamento das informações para compreensão do problema. Nesse sentido, a análise de conteúdo assume duas funções principais, a heurística, que enaltece a exploração, aumenta à propensão à descoberta; e a prova, que serve de diretriz para confirmar proposições ou afirmações provisórias. Para Minayo (2004), esse processo de análise deve atender a três finalidades específicas: a compreensão do conteúdo, a confirmação dos pressupostos da pesquisa e a ampliação do conhecimento sobre o assunto. 3.4 MODELO CONCEITUAL DE PESQUISA Segundo Balestrin e Vargas (2003, p.4) para uma melhor compreensão das redes interorganizacionais é necessário utilizar múltiplas lentes teóricas e paradigmáticas. Esta abordagem multiperspectiva, em que a diversidade não se faz excludente, mas se coloca como complementar, permite apresentar o desenho metodológico da pesquisa, que relaciona o os objetivos específicos à abordagem investigativa, como mostra a Figura 10. O uso desta técnica possibilita verificar as ligações e/ou afastamentos entre os diversos conteúdos ou pressupostos teóricos utilizados neste trabalho. Num primeiro momento, planeja-se compreender como se deu o surgimento do modelo one-stop-shopping no Brasil, mais especificamente, foca-se no processo de institucionalização das UAI em Minas Gerais. Para isso utiliza-se não só a abordagem 72 contextualista31, que trata da análise do conteúdo, contexto e processo das mudanças organizacionais (o que, porque e como), mas se organiza o texto de acordo com as orientações e etapas do policy cicle (JANN; WEGRICH, 2007; SARAVIA, 2006); determinação de categorias conforme prevê Bardin (2004). Num segundo momento, além fazer um breve resumo sobre como estas unidades se organizam do ponto de vista institucional-administrativo, procura-se descrever os tipos de cooperação existentes (FARAH, 2006; GOLDSMITH; EGGERS, 2006), para então, proceder à análise dos processos colaborativos (FEROLLA; PASSADOR, 2013). Por fim, a partir das informações obtidas, faz-se uma discussão sobre os avanços e retrocessos do modelo para uma gestão mais participativa e cidadã. Figura 10. Relação entre objetivos e abordagens investigativas. Fonte: Elaborado pelo autor 31 A abordagem contextualista trata-se de uma estrutura para análise de processos de mudanças organizacionais, por meio da interdisciplinaridade, que permite o resgate de conceitos e teorias que tornam mais claro seu entendimento. Cf. PETIGREW, A. M. Contextualist Research: a natural way to link theory and practice. In: LAWLER III, E. E. et al. Doing research that is useful for theory and practice. San Francisco: Josey-Bass Publishers, 1985. p. 222-274. 73 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Ao conflitar as informações obtidas pela análise documental e bibliográfica (decretoslei, manuais, cadernos e publicações temáticas, releases de encontros e reuniões, relatórios gerenciais, além da referência de alguns artigos) com as entrevistas transcritas, buscou-se fazer uma contextualização histórico-social de surgimento das CAI no Brasil, compreender o processo institucionalização da UAI enquanto política pública e entender os mais diversos aspectos sobre seu funcionamento. Após esta descrição faz-se uma reflexão sobre as relações de cooperação existentes no ambiente das UAI e se analisa a influência do modelo para o fortalecimento da cidadania, proposta de discussão da 3ª geração de reformas no estado de Minas Gerais. 4.1 CENTRAIS DE ATENDIMENTO INTEGRADO – CAI32 4.1.1 Surgimento dos modelos one-stop-shopping no Brasil O repensar da gestão pública brasileira pós-desenvolvimento do Plano Diretor de Reforma Administrativa do Estado (PDRAE) em 1995, teve como um de seus desdobramentos de modernização a criação do Modelo de Gestão de Atendimento Integrado (MGAI). Esta proposta, denominada internacionalmente de one-stop shopping, se configura como uma forma renovada de prestação de serviços públicos, que obedece a determinados princípios de funcionamento e apresenta particularidades que o distinguem do padrão habitualmente encontrado em organizações tradicionais. De acordo com Kubicek e Hagen (2000, p.7, grifo do autor) esta é uma terminologia adotada pelo Estado para suprir sua carência no atendimento das demandas sociais e evitar a monopolização dos serviços públicos. Trata-se de um modelo de reforma e de investigação que contempla “a integração dos serviços públicos para um cidadão - ou cliente dos serviços públicos - sob o paradigma de apenas uma parada, em que todas as demandas de um cliente podem ser concluídas em um único contato”, seja ele face a face (atendimentos feitos em balcão, em edifícios tradicionais que funcionam como escritório ou lojas de governo); por linhas de call-center (com a aplicação de recursos de telefonia); internet (por meio da disponibilização dos serviços em sítios virtuais); ou outros meios, como os quiosques (pontos de autoatendimento que apresentam uma interação automatizada com o cidadão). 32 O texto sobre o surgimento do modelo one-stop-shopping no Brasil considerou os depoimentos dos funcionários públicos entrevistados nesta pesquisa. 74 Como a alta fragmentação estatal não refletia as expectativas dos cidadãos, que esperavam por atendimentos mais rápidos e com maior qualidade, personalizados e realizados por poucos prestadores de serviços, esse novo modelo foi considerado uma solução alternativa para os problemas do Estado, que sublinhou o papel crucial da integração no alcance dos objetivos públicos. Acrescenta-se ainda a própria concretização de cidadania, pois o acesso às informações e aos serviços públicos não se refere somente a um direito do cidadão, mas a um direcionamento fundamental enquanto destinatário da ação do Estado (BRASIL, 2002). Num olhar histórico, essas mudanças ocorreram quando a administração e a operação de diversos programas foram atribuídas, funcionalmente, a alguns órgãos ou agências públicas. Além das típicas divisões de autoridade legal e/ou operacional entre os níveis federal, estadual e municipal de governo, houve também, a inclusão de organizações privadas e sociais no processo de prestação de serviços (PAULA, 2005; ABRUCIO et al., 2009; COELHO, 2012; FEROLLA; PASSADOR, 2013). Nesse sentido, Bent, Kernaghan e Marson 33 (1999 apud KUBICEK; HAGEN, 2000, p.8, grifo nosso) sugerem que se distingam os projetos com base em sua finalidade e estrutura, e classificam três variações desse modelo34: (1) “Gateway” ou porta de entrada, balcão de informações que orientam o cidadão aos serviços relevantes com base em suas necessidades; (2) "One-stop shops" ou balcões únicos, que proporcionam o acesso a muitos ou a todos os serviços (relacionados e não relacionados) fornecidos pelo governo em um local conveniente (físico ou eletrônico); e (3) "Seamless services" ou serviços contínuos, que integra a prestação de serviços públicos relacionados, em um mesmo nível ou entre níveis diferentes de governo, para atender às necessidades de grupos de clientes específicos que se estendem por várias jurisdições. Segundo Ferrer (2012), embora a ideia de construção desses shoppings de serviços públicos já se desenhasse ou fosse intencionada a partir de 1979 pelo Ministério da Desburocratização, foi apenas no início da década de 90 que surgiram, de fato, as primeiras experiências no Brasil; movidas pelo esforço de inserção da administração pública num recém-inaugurado contexto de gestão da qualidade, característico das reformas de 2ª geração. Tem-se, nesse momento, o primeiro relato oficial da adoção desses modelos com o Serviço de Atendimento ao Cidadão (SACI), implementado em 1991 no estado de Santa Catarina. Numa lógica de benchmarking, a exemplo do que já ocorria em outros países, o 33 BENT, S.; KERNAGHAN, K.; MARSON, B. D. Innovations and Good Practices in Single-Window Service. Canadian Centre for Management Development, 1999. 34 As expressões em inglês “gateway”, “one-stop shops” e “seamless service” não apresentam traduções para o português, portanto, utiliza-se neste trabalho o significado que mais se aproxima ao termo original. 75 governo estadual, em parceria com a Telesc (companhia telefônica), começou a utilizar a prestação de serviços e de informações como agente de crescimento econômico, político e sociocultural da comunidade. Os postos foram implantados prioritariamente em bairros mais populosos (BRASIL, 1998). Entretanto, nos módulos do que se conhece atualmente, a primeira experiência marcante ocorreu no estado da Bahia em 1995, com a implementação do SAC, também chamado de Serviço de Atendimento ao Cidadão. O projeto tratava-se de um shopping de serviços públicos onde o cidadão baiano podia tirar todos os seus documentos e utilizar outros 240 serviços num mesmo lugar. À época, já existiam 17 unidades espalhadas na capital e no interior, além de seis unidades móveis, veículos de grande porte que atendiam municípios que não dispunham de postos fixos (Ibid., 1998). O primeiro passo dado pelo governo federal no sentido de fortalecer estas iniciativas, que apresentavam reconhecimento internacional, de acordo com a retrospectiva elaborada pelo Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), foi criar o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP). Embora não possuísse muitos adeptos no início, o programa foi responsável por implantar alguns métodos e técnicas de gestão da qualidade que serviram para sensibilizar as organizações públicas e seus servidores na transformação do serviço público. Alinhado às políticas do PDRAE de promoção da cultura gerencial, com foco no cidadão e orientação para os resultados, se iniciou em 1998, a disseminação e aplicação das CAI em todo o território nacional. Com notoriedade e reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU) o MGAI foi adotado como prioridade estratégica por meio do SAC/BRASIL, Serviço Integrado de Atendimento ao Cidadão, desenvolvido no âmbito do Programa de Modernização do Poder Executivo Federal (PMPEF). 4.1.2 Diretrizes e influências do SAC/BRASIL Dentre seus principais objetivos, o PMPEF buscava alcançar maior eficiência e eficácia na prestação de serviços que estavam sob a responsabilidade da administração pública e melhorar o atendimento ao cidadão, ampliando os canais de comunicação entre os governos e a sociedade civil para consolidar e direcionar a reforma do setor público (BRASIL, 1998). Com uma meta ousada de implementar as CAI em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal até o ano de 2003, o projeto foi financiado pela União e pelo Banco 76 Interamericano de Desenvolvimento (BID) em parceria com os governos estaduais e municipais (montante de 40% do projeto, limitado ao valor de R$400.000,00 – informação verbal 35). No final desse período o SAC/BRASIL foi responsável pela implementação de 12 novas unidades (Acre, Alagoas, Amapá, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Rondônia e Sergipe) além das 13 unidades já existentes (Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina). Atualmente, 23 estados e o Distrito Federal possuem CAI, com exceção de Roraima, Tocantins e Santa Catarina (ESPÍRITO SANTO, 2014), este último desativado no ano de 2003 (informação pessoal 36 ), somando um total aproximado de 157 unidades em todo país. Mesmo que se tenham informações desatualizadas ou desencontradas procurou-se demonstrar, pelo Quadro 4, como ocorreu a evolução histórica da implantação das CAI no Brasil, com destaque para o momento anterior e posterior à criação do SAC/BRASIL. Quadro 4. Evolução histórica da implantação das CAI no Brasil Estados Nome Fantasia das CAI Santa Catarina Bahia Rio Grande do Norte SACI SAC Central do Cidadão PSIU (Posto de Serviços Integrados Urbanos) UAI (Unidades de Atendimento Integrado) Poupatempo SACI Casa do Cidadão Shopping Cidadão (Viva Cidadão) PAC (Pronto Atendimento ao Cidadão) Rede Cidadania (Ruas da Cidadania e Rede Cidadão) Tudo Aqui Expresso Cidadão Tudo Fácil (Central de Serviços do Cidadão) Vapt-Vupt Prático (Praça de Atendimento ao Cidadão) JÁ (Central de Atendimento ao Cidadão) Minas Gerais São Paulo Pará* Ceará Maranhão Amazonas Paraná** Pernambuco Rio Grande do Sul Goiás Mato Grosso do Sul Alagoas 35 Data de Implantação Setembro/91 Setembro/95 Junho/97 Setembro/97 Agosto/07 Outubro/97 Novembro/97 Janeiro/98 Fevereiro/98 Março/98 Abril/98 em implementação Junho/98 Junho/98 Outubro/99 Novembro/99 Dezembro/00 RAMOS, Lília. Projeto de Atendimento Integrado (Relatório impresso MPOG). Mensagem recebida em 04 de nov. 2013. 36 “O SACI foi desativado em 2003, quando da implantação do modelo de descentralização administrativa do governo de Luiz Henrique da Silveira (2003-2010). Hoje se tem a plataforma eletrônica denominada “Perto de Você”, que presta atendimento on-line, e a atuação das Secretarias de Desenvolvimento Regional (36 unidades), responsáveis por ofertar serviços em todas as microrregiões do Estado”. SILVA, Leandro da. SACI – Serviço de Atendimento ao Cidadão. Mensagem recebida por [email protected] em 22 de ago. 2014. 77 Paraíba Rondônia Sergipe Rio de Janeiro Casa da Cidadania Shopping do Cidadão CEAC (Mais Fácil) Rio Simples Poupatempo Rio CAP (Central de Atendimento Popular) Na Hora Espaço Cidadania Ganha Tempo CIC (Centro Integrado da Cidadania) Faça Fácil Março/01 Maio/01 Julho/01 Outubro/01 Outubro/08 Janeiro/02 Maio/02 Junho/02 Abril/03 Outubro/03 Setembro/10 Amapá Distrito Federal*** Piauí Mato Grosso Espírito Santo (Vitória) Acre Maio/08 Central de Serviço Público - OCA (Xapuri) Fonte: Adaptado de ENCONTRO DAS CENTRAIS DE ATENDIMENTO INTEGRADO (2003). De acordo com Brasil (1998): *O SACI no Pará não é mencionado como uma unidade implantada antes da criação do SAC/BRASIL; ** Embora os dados oficiais apresentados não reconheçam a existência de CAI no Paraná, um estudo do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) atribui à Rede Cidadania, formada pela junção da Rua da Cidadania (filial da prefeitura nos bairros da cidade de Curitiba) e da Rede Cidadão (uso intensivo da internet para minimizar o esforço do cidadão paranaense em obter serviços públicos do governo) uma plataforma de atendimento integrado; e *** Há o relato de que as unidades se chamavam Praça do Cidadão (uma localizada na rodoviária de Brasília e outra na cidade-satélite de Ceilândia), antes da criação do SAC/BRASIL. Tais iniciativas, independente do momento de sua criação, dispunham de serviços essenciais à cidadania e ao bem-estar da comunidade em locais estratégicos, de grande circulação de pessoas e de fácil acesso, com horário de atendimento ampliado, instalações físicas confortáveis, funcionários treinados e operando com novas práticas, com uso intensivo de tecnologia e padrões de atendimento pré-definidos (SÃO PAULO, 2010). Por essa razão, via-se sua consolidação, não mais como uma experiência alternativa de prestação de serviços à população, mas um modelo de gestão por resultados, focado no cidadão-usuário. Para Ferrer (2012, p. 2), seus pilares fundamentais se baseavam na “satisfação das demandas dos cidadãos, redução de custos (racionalização e simplificação administrativa, melhoria do gasto público) e incorporação de conceitos como citizen-centric government”, que busca situar o cidadão no centro das ações que são desenvolvidas no governo. De forma simplificada, estes espaços se colocaram como verdadeiros shoppings de serviços públicos, tendo em vista a variedade dos serviços oferecidos, os quais se destacam: certidão de nascimento; carteira de identidade; carteira profissional; serviços de emissão de 2ª via de contas de água, eletricidade e telefonia; seguro desemprego e informações sobre oportunidades de emprego e requalificação; previdência; emissão de título de eleitor e transferência de domicílio eleitoral; emissão e renovação de carteira de motorista; cadastro de contribuintes municipais e pagamento de taxas e impostos como Imposto sobre Serviços de 78 Qualquer Natureza (ISSQN), Imposto sobre Propriedade Territorial e Urbana (IPTU), Imposto sobre Transferência de Bens Intervivos (ITBI); emissão de nota fiscal avulsa; documentação para abertura e financiamentos de micro e pequenas empresas; documentação de veículos e pagamento de Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotivo (IPVA); serviços de atendimento judiciário, como informações jurídicas, juizados especiais, defesa do consumidor, conciliação; emissão de Cadastro de Pessoa Física (CPF); regularização fundiária; atestados e certidões negativas; informações sobre programas habitacionais, etc. (BRASIL, 2002). Com respaldo de uma série de recomendações estabelecidas pelo SAC/BRASIL as premissas operacionais se baseavam em cinco critérios: (1) prestação de atendimento de alto padrão de qualidade, eficiência e rapidez, a custo reduzido; (2) simplificação das obrigações de natureza burocrática; (3) resposta proativa às reclamações e às sugestões dos cidadãos; (4) acolhimento, orientação e informação da população sobre os requisitos necessários para a obtenção dos serviços disponíveis; e (5) multifuncionalidade e flexibilidade para adaptação das CAI à prestação de serviços que possuem demandas flutuantes (SÃO PAULO, 2010). Esses modelos de atendimento implicam, direta e indiretamente, em uma série de ganhos de eficiência e qualidade operacional, que resultam em benefícios, tanto para a sociedade quanto para o Estado. No primeiro caso, vê-se a melhoria da qualidade de vida do cidadão, ao proporcionar economia de tempo em deslocamentos e em filas de espera; economia de dinheiro nos gastos com locomoção e no pagamento a intermediários; reconhecimento de sua cidadania, refletido na qualidade do atendimento, no relacionamento com funcionários, no conforto do ambiente e na oportunidade de participar da avaliação dos serviços oferecidos; e, por último, na eliminação da intermediação de terceiros nas relações com o Estado. Já no segundo caso, o atendimento integrado proporciona maior transparência; permite o resgate do caráter democrático no atendimento; promove a qualificação do trabalho e induz transformações na forma de prestação do serviço (BRASIL, 1998). Síntese do esforço do governo federal em garantir o sucesso da implantação do modelo, cita-se a publicação do Decreto-lei nº 3.507 em 13 de junho de 2000, que dispunha sobre o estabelecimento de certos padrões de qualidade no atendimento prestado aos cidadãos (BRASIL, 2000). Detalhadas pela Secretaria de Gestão (SEGES) do MPOG na publicação de um roteiro/manual de procedimentos no ano de 2002, estas recomendações, embora não funcionassem como um padrão rígido a ser seguido, foram extremamente importantes para que as CAI se espalhassem pelo país. Mesmo respaldadas por certos princípios, com indicação de formatação, as características, particularidades locais e contextos específicos de 79 cada CAI foram preservadas, garantindo dessa maneira uma identidade própria, independente de sua localização (SÃO PAULO, 2010). Os principais critérios sugeridos na instalação desse modelo de atendimento diziam, entre outras coisas, sobre a facilidade de acesso, tida como elemento fundamental de análise ou premissa básica quando se tratava da definição do ponto de localização das CAI; e deveria seguir duas orientações gerais: (1) localização em áreas de grande circulação de pessoas ou em bairros residenciais muito populosos; e (2) facilidade de acesso dos usuários à unidade, não somente em termos de disponibilidade de transporte coletivo, proximidade a pontos de parada ou a terminais de integração e de estacionamentos para veículos privativos, mas também no que se refere à inexistência de barreiras arquitetônicas que possam dificultar a identificação visual das instalações, a facilidade de ingresso e circulação de pessoas portadoras de deficiências físicas (BRASIL, 1998; 2002; SÃO PAULO, 2010). Ainda, existiam exigências no que diz respeito às instalações físicas das unidades, que deveriam obedecer à alguns critérios: (1) concepção arquitetônica modernizada que prima pela ventilação, iluminação, funcionalidade e limpeza; (2) facilidade de integração organizacional dos diversos órgãos prestadores de serviços, propiciando a percepção do funcionamento de uma entidade única; e (3) padronização dos uniformes dos funcionários. No que diz respeito à tecnologia utilizada para o atendimento do cidadão, prima-se pela integração, que garante certa agilidade de processos, possibilitando a rápida comunicação entre os diferentes setores da unidade e as suas bases de dados. Em função disso, as inovações que surgem do governo eletrônico passam a integrar o rol de serviços das unidades sem maiores dificuldades (BRASIL, 1998; 2002; SÃO PAULO, 2010). Sobre os projetos de qualificação para os funcionários, o SAC/BRASIL instrui sobre a necessidade de oferecimento de treinamentos para a atuação nas unidades, que abrangeriam além da capacitação técnica, a incorporação de comportamentos e atitudes compatíveis com a função de acolher e orientar o público no atendimento de suas necessidades. Isso justifica a adoção de rotinas flexíveis de trabalho, uma nova postura incorporada pelas CAI frente à produção de serviços públicos, que possui orientação para revisão de procedimentos e normas usualmente adotadas pelos órgãos ou organizações integrantes de cada unidade, fazendo sempre que possível indicação de substituição e melhoria, em decorrência da maior eficácia, qualidade e rapidez dos novos métodos (BRASIL, 1998; 2002; SÃO PAULO, 2010). Relata-se também, a orientação e o incentivo à adoção de ferramentas de divulgação das CAI para que o cidadão tivesse conhecimento sobre sua existência e sobre as características dos serviços oferecidos por suas unidades. Observa-se, neste sentido, a 80 indicação de uso de instrumentos como campanhas na mídia e distribuição de folders. Além disso, considerando a proposta de atendimento direto ao cidadão, sem intermediações e de modo diferenciado e rápido, diz-se fundamental a disponibilização de informações precisas, obtidas por meio de centrais telefônicas; equipes de triagem, composta por recepcionistas especialmente treinadas, responsáveis por se posicionar no saguão de entrada, para fornecer ao usuário, com cortesia, todas as informações pertinentes à sua demanda; equipes de orientadores volantes, que se adiantarão no esclarecimento de dúvidas dos usuários, surgidas durante a procura pelo setor de interesse; folhetos explicativos, de fácil compreensão, colocados em locais estratégicos; e sinalização visual de fácil percepção e entendimento, para proporcionar ao usuário, tanto na entrada da unidade como no seu interior, a localização precisa dos diversos órgãos e serviços correspondentes (BRASIL, 1998; 2002; SÃO PAULO, 2010). Ainda, tem-se a prerrogativa da agregação de atividades de apoio, como serviços bancários para pagamento de taxas, serviços de fotografia e papelaria, serviços de reprografia, dentre outros; de modo a oferecer um serviço mais barato ao cidadão. A unidade também deveria adotar indicadores que fossem capazes de medir o desempenho e quantificar os resultados (BRASIL, 1998; 2002; SÃO PAULO, 2010). A partir da premissa de que o reconhecimento da opinião dos usuários seria parte fundamental da avaliação da eficácia dos serviços públicos, as CAI requerem instrumentos de medição do grau de satisfação dos usuários, mais simples, que permitam as comparações dos resultados da pesquisa ao longo do tempo e dos resultados entre os diferentes serviços, e gerem informações relevantes para tomada de decisão (ENCONTRO DAS CENTRAIS DE ATENDIMENTO INTEGRADO, 2002). De acordo com Janete Balzani Marques, analista do Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização (GESPÚBLICA), a meta governamental era melhorar o nível de satisfação sobre a prestação de serviços e o atendimento em 70%, e [...] mesmo que o Decreto-lei 2000 tivesse traçado as linhas gerais de como devessem funcionar as CAI, sobre como identificar os serviços que deveriam ser prestados à sociedade, ou em reconhecer qual é o padrão de atendimento, ou sobre como avaliar o serviço [...] não se tinha uma estrutura forte, que funcionasse a partir de parcerias do conhecimento, com núcleo gestor, núcleo executivo, núcleo de educação [...]. Ainda, o governo diminuía cada vez mais a disponibilização de recursos para as unidades devido às suas prioridades estratégicas e focava só no papel de intermediação das relações. A partir de então, teve-se noticiado o enfraquecimento do modelo, provocado pela mudança de prioridade estratégica do governo federal e o esforço individual das CAI em 81 traçar estratégias para enfrentar as dificuldades inerentes ao relacionamento entre seus diversos órgãos, explicitados por questões como: (1) cessão de funcionários públicos; (2) lentidão das decisões dos órgãos para resolução de impasses; (3) ausência de um plano de contingência para queda de sistemas operacionais; (4) dificuldade dos órgãos em se adequar às exigências das CAI; (5) incompatibilidade de procedimentos; (6) falta de rigor, padronização e monitoramento da qualidade de informações e orientações ao cidadão; (7) ausência de planejamento estratégico; e (8) insuficiência de recursos para racionalização e desburocratização de processos (ENCONTRO DAS CENTRAIS DE ATENDIMENTO INTEGRADO, 2001). Mesmo que se tenha conhecimento sobre algumas iniciativas de articulação, como a criação de um Comitê Central, cujo objetivo era representar unidades no processo de articulação com órgãos parceiros ou esferas de governo; criação de grupos de trabalho no Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração – CONSAD, para debate sobre as tendências de modernização e compartilhamento de experiências em forma de cases; criação de um fórum virtual e uma página na internet para discussão dos padrões de qualidade e solução para os diversos problemas enfrentados; elaboração de carta para captação de recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações; teve-se constatado o enfraquecimento do MGAI no Brasil. Citam-se como as mais importantes ações do governo federal, a publicação do Decreto-lei nº 5.378 de 23 de fevereiro de 2005, que institui o GesPública, e do Decreto-lei nº 6.932 de 11 de agosto de 2009, que determina aos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal o esforço para manutenção dos seus serviços nas CAI estaduais, municipais e do Distrito Federal. Nesse cenário abriu-se espaço para o crescimento das atividades de consultoria, que passaram a atuar na reformulação e criação de unidades em todo Brasil, além da luta individualizada dos estados da federação pela manutenção e funcionamento do modelo, como ocorreu em Minas Gerais. Tendo em vista o histórico de aprendizado na formação e constituição desse modelo e as inovações propostas na gestão pública de modo geral, o estudo de um caso brasileiro se faz pertinente por oferecer experiências que sirvam de referência e estimulem uma reformulação das formas de organização dos diversos órgãos e instituições; não apenas, mas favoreçam o desenvolvimento de propostas semelhantes, cujo interesse seja promover o contínuo aperfeiçoamento da prestação do serviço público, dos mais diversos tipos e nos seus mais diversos níveis. 82 4.2 UNIDADES DE ATENDIMENTO INTREGADO – UAI Antes de se iniciar as análises, faz-se menção à sua estrutura de organização: (1) apresentação da agenda, que diz respeito às demandas, motivos que levaram à adoção das CAI em Minas Gerais; (2) etapa de formulação, que define os objetivos políticos e alternativas de ação para resolução dos problemas identificados; (3) processo de implementação, que explicam os aspectos sobre o seu funcionamento e operacionalização; e (4) avaliação, que discute os principais desafios do modelo e aponta para novos direcionamentos. Como se trata de uma metodologia com a delimitação de etapas que normalmente se confundem, a avaliação se estende, também, para a próxima seção (4.3). 4.2.1 Formação da agenda: a priorização de demandas do estado de Minas Gerais Tido como uma tendência de modernização no atendimento, a implantação dos Postos de Serviços Integrados Urbanos (PSIU) foi um importante passo para promover a descentralização administrativa e a democratização do acesso aos serviços públicos no estado de Minas Gerais. Instituído pelo Decreto nº 38.303, de 23 de setembro de 1996 e coordenado pela Secretaria de Estado de Recursos Humanos e Administração (SERHA), a proposta fazia parte do Programa de Informação e Atendimento ao Cidadão e tinha como uma de suas finalidades, oferecer um atendimento diversificado em apenas um local físico, multiplicado em suas diversas regiões administrativas (MINAS GERAIS, 2013c). Baseado em outros modelos de atendimento integrado do Brasil (SACI e SAC), numa típica ação de benchmarking, a inauguração dos postos obedeceu não apenas à subdivisão das mesorregiões do estado, decisão referendada pela densidade populacional e a quantidade de demanda reprimida dessas localidades (MINAS GERAIS, 2013a); mas foi tida como uma resposta do governo para a insatisfação dos cidadãos com a qualidade dos serviços públicos – ação paliativa para a materialização de sua representatividade no interior e estratégica do ponto de vista do aproveitamento das estruturas e pessoas com o fechamento da Minas Caixa. Em meio a um cenário nada alentador para o seu desenvolvimento, marcado por uma grave crise cambial do Brasil em 1999, Minas Gerais parou de reembolsar 13,5 bilhões de dólares da dívida com o governo federal devido ao orçamento deficitário. Esta situação assustou a iniciativa privada, que recuou 29,1% e um adicional de 19,3% em 2000. Até 2003, a taxa anual média de crescimento do PIB de Minas Gerais tinha sido de 0,7%, ou seja, menor do que a média nacional de 1,8%. O mau desempenho econômico do estado reverteu as 83 realizações do período entre 1995 a 1999, quando Minas Gerais cresceu uma taxa média anual de 2,9%. Em 2002, as despesas de pessoal do governo do estado foi 66% e a dívida consolidada do estado para o governo federal foi de 236%, ambos baseados na receita corrente líquida (MAJEED, 2013, p.2). Soma-se a isso, os aspectos relacionados à inadequação das estruturas, processos e modelos gerenciais da administração pública à época, a insatisfação e baixa qualificação dos servidores públicos, que não apresentavam nenhuma capacidade de implementação de políticas públicas, e a fragilidade dos mecanismos de participação e controle social; elementos que se colocariam como os grandes desafios políticos para Minas Gerais no longo-prazo e fariam o governo repensar seu modelo de organização, com ações de modernização da máquina pública, promoção do desenvolvimento e recuperação do vigor político (MINAS GERAIS, 2013c). Figura 11. Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado. Fonte: Adaptado de MINAS GERAIS (2013c) com base em informação verbal 37 A concretização da mudança ocorreu com a elaboração do Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (2003-2023). Com o objetivo de transformar Minas no melhor estado para se viver, a proposta do PMDI estava estrategicamente vinculada à ousadia de sua agenda, cujas orientações de inovação compreenderiam três ciclos de reformas na gestão pública, tal como mostra na Figura 11: 1ª geração. Programa “Choque de Gestão” (20032006), que se relaciona com a dimensão econômico-financeira e cujo objetivo principal estava atrelado à busca pelo equilíbrio fiscal (foco na economia); 2ª geração. Programa “Estado para Resultados” (2007-2010), que se relaciona com a dimensão institucional-administrativa 37 Apresentação do Secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado de Minas Gerais, Nárcio Rodrigues da Silveira, em visita técnica à Cidade Administrativa, em jul. 2013. 84 e tem suas ações concentradas na melhoria do desempenho gerencial (foco na qualidade); e 3ª geração. Programa “Gestão para cidadania” (2011-2014), que se relaciona com a dimensão sociopolítica e prioriza a instituição de processos colaborativos na perspectiva de Estado-rede (foco na participação). 4.2.2 Formulação da política pública: definição de objetivos e alternativas de ação Influenciado pelo PDRAE em âmbito federal, as estratégias do PMDI se valiam de três orientações principais – (1) ajuste à realidade; (2) planejamento; e (3) inovação (ENCONTRO DAS CENTRAIS DE ATENDIMENTO INTEGRADO, 2005, grifo nosso) – e foram marcadas num primeiro ciclo de reformas pela criação de um programa denominado “Choque de Gestão” (2003-2006), expressão que pretendia provocar a reflexão sobre a necessidade de reverter o modelo burocrático da administração pública, centralizado e moroso, em uma nova modalidade focada no modelo gerencialista, com fins de atender as demandas da sociedade. Esse programa consistia num conjunto de medidas de rápido impacto, orientadas para o ajuste estrutural das contas públicas e iniciativas voltadas para a geração de um novo padrão de desenvolvimento, tendo a revitalização da gestão como elemento de sustentabilidade (MINAS GERAIS, 2013b). Como foco direcionado para o fortalecimento da saúde econômica do estado (garantir o déficit zero), numa clara proposta de se “fazer mais com menos”, as primeiras medidas de (1) ajuste à realidade se pautaram na reestruturação orgânica do poder executivo estadual. No período foram publicadas 63 leis delegadas, responsáveis não apenas por reduzir de 21 para 15 o número de secretarias, eliminar 43 superintendências na administração direta e 388 unidades administrativas e criar o Colegiado de Gestão Governamental (órgão de assessoramento do governador que tinha o objetivo de melhor formular e acompanhar a implementação de políticas públicas e programas governamentais); como também, transferir a competência de coordenação e supervisão dos PSIU à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (SEDRU) – Lei Delegada nº 106/2003. Sua finalidade era o gerenciamento das ações setoriais a cargo do Estado, relativas à política de apoio ao desenvolvimento da capacidade institucional e da infraestrutura urbanística, de articulação intergovernamental e de integração regional dos municípios (ENCONTRO DAS CENTRAIS DE ATENDIMENTO INTEGRADO, 2005). Cita-se ainda, outras medidas do governo que contribuíram para o avanço na questão econômica à época: controle de contratos administrativos; reforma previdenciária pelo ajuste 85 da contribuição do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG); substituição dos benefícios por tempo de serviço por adicionais de desempenho; extinção de apostilamentos; extinção de cargos comissionados; redução da remuneração dos agentes políticos do poder executivo; implementação do Sistema de Administração de Pessoal (SISAP); inclusão da política remuneratória (2004/2005) na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e sua vinculação à variação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); renegociação de débitos governamentais; e implementação do Sistema de Administração de Material (SIAD) (Ibid., 2005). Numa clara proposta de melhoria dos gastos e redução de custos, no sentido de conformar a estrutura estadual a um modelo gerencial adequado para responder, de forma rápida e eficiente às demandas sociais postas ao setor público, foi criada a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG), que se tratava de uma fusão entre as áreas de planejamento, gestão e finanças; antes vinculadas à Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral (SEPLAN) e à Secretaria de Estado de Recursos Humanos e Administração (SERHA). Sua constituição ressaltou a prioridade de fazer o governo funcionar melhor (MAJEED, 2013) e nisso se inclui o pensamento voltado para a modernização das práticas de atendimento ao cidadão, com destaque especial para os PSIU. Em síntese, a adoção de instrumentos gerenciais, a compatibilidade entre estruturas e funções e, principalmente, o acompanhamento da tendência mundial no estabelecimento de parcerias com o terceiro setor e o setor privado na prestação de serviços públicos, tidos como os grandes entraves para o desenvolvimento da proposta de atendimento integrado no início de suas operações, começavam a ganhar forma. Com foco direcionado para a administração de 31 projetos estruturadores, denominada Gestão Estratégica de Recursos e Ações do Estado (GERAES), as ações do governo, orientadas pelas atividades de (2) planejamento e (3) inovação, sinalizariam para uma segunda geração de reformas, conhecida como “Estado para resultados” (2007-2010) (MINAS GERAIS, 2013b). Destaca-se assim, a implementação do Projeto Descomplicar, que objetivava, na interpretação do seu significado, facilitar o processo de prestação de serviços públicos em três níveis: (1) empresa-Estado, com o trabalho de simplificação e agilização dos processos de abertura de empresas (extensão do projeto estruturador “Minas Fácil”, que daria sustentação ao processo de reformulação dos PSIU); (2) Estado-Estado, pela construção de processos de operacionalização de atividades, revisão e simplificação de modelos já existentes, tornando os processos mais eficientes; e (3) cidadão-Estado, com o desafio de atuar na simplificação dos processos críticos de atendimento ao público (MINAS GERAIS, 2010b). 86 Quadro 5. O modelo Minas Fácil. BOX 1 . O Modelo Minas Fácil Como as etapas para o registro de empresas não eram simples, nem estavam integrados por agências governamentais, demorava-se em média, de cerca de três meses para se obter uma licença comercial. Nesse sentido, Minas Gerais criou em 2006 um novo modelo para a prestação desses serviços aos cidadãos, os escritórios do Minas Fácil. Conjuntamente, Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG), com o Programa “Empresa Mineira Competitiva” e Junta Comercial, o objetivo inicial era desenhar uma estratégia para aumentar o número de inscrições. Após se reunir com empresários e associações para saber as razões para as baixas taxas de registro no estado, discutir os gargalos e determinar necessidades da categoria, Alex Francisco Barbosa, chefe do programa, e sua equipe, mudou as regras e leis que retardavam os prazos de entrega das licenças e, em seguida, negociou com as autoridades, órgãos locais, estaduais e federais a possibilidade de oferecer em um único local os serviços que as empresas precisavam. Aos poucos o projeto foi ganhando suporte para procedimentos comuns e utilizando a plataforma on-line. De 2007 a 2012 foram abertos 34 shoppings de serviços. O processo de desenvolvimento não foi fácil, exigiu muitas apresentações públicas e uma intensiva comunicação com a comunidade empresarial. As medidas legais levaram dois anos para serem implementadas. Em 2011, a equipe adicionou o Minas Fácil Expresso, unidades constituídas em escritórios municipais, normalmente em cidades com populações de cerca de 56.000 habitantes, que apresentavam uma média de matrículas de 12 empresas por mês, considerando-se sempre o ano anterior de sua introdução. Era comum que os representante das unidades Expresso, coordenados pelo escritório central do Minas Fácil em Belo Horizonte, enviassem as cópias digitais dos documentos para análise da sede antes de emitir uma licença no local. Em 2013, Minas Gerais hospedava 32 unidades Minas Fácil e 59 unidades Expresso convencionais, em 91 dos 853 municípios do estado. Após a implementação, em vez de meses, licenças comerciais demoravam, agora, uma média de 5 à 8 dias para serem entregues. Fonte: MAJEED (2013, p.5). O objetivo era simples, “gastar menos com o estado e mais com o cidadão”. Nesse sentido, a primeira ação foi transferir a responsabilidade dos PSIU para a recém-criada SEPLAG, cuja função seria coordenar a formulação, execução e avaliação de políticas públicas, visando ao desenvolvimento econômico, social e institucional do Estado; propor e executar políticas públicas de recursos humanos, orçamento, recursos logísticos e tecnológicos, modernização administrativa e saúde ocupacional, bem como exercer a coordenação geral das ações de governo (MINAS GERAIS, 2013c). Contando com o aporte de recursos do Banco Mundial de US$170 milhões em 2006 e US$976 milhões em 2008 (MAJEED, 2013), coube à Fernanda Girão, secretária-assistente da SEPLAG na época, responsável pelas iniciativas de governo eletrônico no Estado (linha de assistência telefônica, serviços de assistência pessoal e web sites), a missão de revisar e reformar todos os PSIU. Como os projetos estruturadores tinham a prioridade de repasse dos recursos previstos no orçamento, isso permitiu a agilidade e tempestividade na adoção das medidas corretivas necessárias. 87 [...] O PSIU precisava fazer parte da agenda para acabar com o problema da falta de recursos. Colocar o modelo dentro de um projeto estruturador pra ter um orçamento mínimo garantido, conseguir executar o planejamento estratégico e alinhar a execução operacional com os indicadores de monitoramento [...]. Foi assim que o Estado começou a pensar em ações mais articuladas, não pelas secretarias, mas com uma visão matricial de gestão por processos, entrega de valor. A realidade prática dessa proposta (introdução da gestão por processos) era criar um novo conceito de atendimento, que se iniciaria após a contratação das atividades consultivas da Fundação João Pinheiro e da ResPública38 (SOUSA et al., 2012). A intenção foi fazer um levantamento sobre a situação dos PSIU para depois apresentar propostas de desburocratização que fossem coerentes com a missão de modernização do PMDI. De acordo com Fernanda Girão, [...] quando o Daniel (ex-superintendente) saiu do Poupatempo e abriu a empresa de consultoria, a gente estava começando esse grande diagnóstico em Minas Gerais. A gente precisava de uma empresa que auxiliasse com algum conhecimento [...] a gente tinha muito boa vontade, queria fazer, mas desconhecia como [...] não tinha expertise no negócio. E aí a gente fez um processo de licitação e ResPública foi vencedora. Ele veio pra cá em 2007 e nos ajudou na modelagem, disse “olha, o melhor caminho é [...]”. Depois ele saiu [...] e a implementação desse modelo já foi toda por conta da equipe que veio sendo formada pela SEPLAG. Esses diagnósticos identificaram vários problemas que contribuíam para o fraco desempenho dos PSIU; e que foram adotados como motes para a análise do funcionamento das UAI: (1) a dependência existente entre os governos, que sob tutela do sistema federal, tornava difícil a concepção de uma abordagem unificada. Nessa linha, diz-se sobre as discrepâncias entre os órgãos, que não eram incentivados a cooperar uns com os outros; (2) a capacitação funcional, formação de pessoal e habilitação, extremamente precárias, que dificultavam a entrega de serviços com qualidade; e (3) a ausência de procedimentos operacionais padronizados, que colocavam em cheque o objetivo da qualidade (MAJEED, 2013). Diz-se, portanto, que a transformação do modelo, para as UAI, surgiu a partir da compreensão de que Minas precisava ser um estado cada vez mais desburocratizado, que apresentasse um ambiente institucional adequado ao bom desenvolvimento dos negócios e investimentos privados e, além disso, fosse capaz de introduzir um novo conceito de gestão, inovação e excelência no atendimento (MINAS GERAIS, 2013c). Segundo Fernanda Girão, 38 Empresa de consultoria em soluções para o atendimento público, fundada pelo ex-superintendente do Programa Poupatempo em São Paulo, Daniel Annenberg; que realizou diversos projetos para CAI de todo o Brasil: OCA-Acre (2007-2011); Faça Fácil-Espírito Santo (2007-2011); PSIU-Minas Gerais (2007); e Espaço da Cidadania-Piauí (2010-2011). 88 os resultados dessa transição estariam relacionados à necessidade de controle sobre as operações, mais especificamente sobre a dinâmica de funcionamento e gestão das novas unidades: [...] Com base no tamanho da operação de cada PSIU, mais o percentual de demanda reprimida existente, a gente começou a entender melhor o processo, e criou condições para que fossem introduzidos sistemas de monitoramento e controle [...]. Não era preciso modificar a “estrutura” da proposta em si, mas o modo como ela era gerenciada. A gente fez uma modelagem que passava pelo fortalecimento da identidade dos órgãos, independente da esfera. O processo de transição, conforme publicação do Decreto nº. 44.817 de 21 de maio de 2008, se iniciou de forma gradativa e contou com a inauguração de 2 UAI em 2007 (Barreiro e São João Del Rey), 8 em 2008 (sendo 6 transições MGS: Lavras, Ponte Nova, Sete Lagoas, Coronel Fabriciano, Divinópolis e Passos; e 2 novas unidades MGS criadas: Barbacena e Belo Horizonte - Venda Nova), 8 em 2009 (Muriaé, Patos de Minas, Teófilo Otoni, Pouso Alegre, Belo Horizonte - Praça Sete, Paracatu, Uberaba e Curvelo), 4 em 2010 (sendo 3 transições MGS: Poços de Caldas, Araçuaí e Caratinga; e 1 nova unidade MGS criada: Belo Horizonte Barreiro), 6 em 2011 (sendo 5 conversões PPP: Governador Valadares, Juiz de Fora, Montes Claros, Varginha e Uberlândia; e 1 nova unidade PPP criada: Betim), além de existir, ainda hoje, 2 PSIU em funcionamento (Diamantina e São Sebastião do Paraíso), conforme mostra a Tabela 3. Por esse mesmo decreto, também foi criada uma Diretoria Central de Gestão, que se responsabilizaria pelas UAI, algo que aconteceria apenas até a publicação da Lei Delegada nº 180, em 2011, que transferiu esta responsabilidade em definitivo para a recém-criada Coordenadoria Especial de Gestão das UAI (CEGUAI), vinculada diretamente ao gabinete da SEPLAG (SOUZA et al., 2012). Tabela 3. Relação de PSIU/UAI: as gerações de one-stop-shopping em Minas Gerais CAI Mês/Ano Forma de Transição ou Criação Administração São Sebastião do Paraíso PSIU Diamantina PSIU Belo Horizonte - Barreiro Dezembro/2007 UAI/MGS São João Del-Rey Dezembro/2007 UAI/MGS Lavras Junho/2008 UAI/MGS Barbacena* Agosto/2008 UAI/MGS Belo Horizonte - Venda Nova* Setembro/2008 UAI/MGS Ponte Nova Novembro/2008 UAI/MGS Sete Lagoas Novembro/2008 UAI/MGS Coronel Fabriciano Dezembro/2008 UAI/MGS Divinópolis Dezembro/2008 UAI/MGS Passos Dezembro/2008 UAI/MGS 89 Muriaé Patos de Minas Teófilo Otoni Pouso Alegre Belo Horizonte - Praça Sete Paracatu Uberaba Curvelo Poços de Caldas Araçuaí Caratinga Belo Horizonte - Barro Preto* Betim* Governador Valadares Juiz de Fora Montes Claros Uberlândia Varginha Fonte: Elaborado pelo autor Abril/2009 Setembro/2009 Outubro/2009 Novembro/2009 Dezembro/2009 Dezembro/2009 Dezembro/2009 Dezembro/2009 Setembro/2010 Novembro/2010 Dezembro/2010 Dezembro/2010 Setembro/2011 Dezembro/2011 Outubro/2011 Dezembro/2011 Agosto/2011 Setembro/2011 UAI/MGS UAI/MGS UAI/MGS UAI/MGS UAI/MGS UAI/MGS UAI/MGS UAI/MGS UAI/MGS UAI/MGS UAI/MGS UAI/MGS UAI/PPP UAI/PPP UAI/PPP UAI/PPP UAI/PPP UAI/PPP * Unidades criadas. 4.2.3 Implementação: especificações de operacionalização e funcionamento Orientados pelas vertentes Estado-Estado e cidadão-Estado do projeto Descomplicar, o primeiro passo para implementação das UAI pela SEPLAG foi a determinação de que a prestação de serviços deveria obedecer à novos princípios de funcionamento, característicos de um modelo de gestão por resultados, fruto da combinação de técnicas de gestão por processos e colaboração. Objetivava-se, inicialmente, que as UAI se tornassem um exemplo de padrão de atendimento para os demais órgãos e instituições governamentais, servisse como laboratório de inovações dos serviços disponibilizados, induzisse os órgãos a adequar suas retaguardas às necessidades da central, e auxiliasse no processo de reforma do Estado, a partir da eficiência na prestação de serviços públicos (MINAS GERAIS, 2013a, p.19, grifo do autor). Representando um novo conceito em cima de um velho modelo, a política de atendimento ao cidadão, em um único local, concentrou-se inicialmente na capacitação de servidores, otimização do parque tecnológico, disponibilização de equipamentos de informática, instalação de câmeras de segurança e terminais de autoatendimento, importantes para redução ou eliminação de filas e diminuição do tempo de espera dos cidadãos (MINAS GERAIS, 2013c), tais como apontava a SEGES/MPOG em seu roteiro de implantação de uma CAI. Ocorreu, portanto, do ponto de vista-institucional administrativo, diversas modificações no funcionamento dessas unidades. 90 4.2.3.1 Instituição de processos colaborativos De acordo com as informações de Fernanda Girão, o fator mais importante e, que também se configurava como grande desafio para a SEPLAG, quando assumiu o desafio da transformação dos PSIU, seria a garantia de acordo entre as agências. Como não havia à época, autoridade para decidir como os diversos órgãos deveriam assessorar suas operações e gerenciar suas funções, até mesmo porque não existia um padrão gerencial ou regulamentação pertinente; cabia aos postos apenas convocar os órgãos responsáveis pela prestação de serviços específicos, com o único atrativo de compartilhar o espaço físico. Cada agência, portanto, controlava suas próprias atividades, não havia parceria institucional formalizada. Amparados pelos princípios da gestão por processos, a excelência do desempenho e o sucesso nos negócios requereram que todas as atividades inter-relacionadas fossem compreendidas e gerenciadas segundo uma visão sistêmica, matricial. Nesse sentido foi fundamental conhecer os órgãos parceiros, o que cada atividade adicionava de valor no atendimento realizado pelas UAI, antes de se iniciar qualquer mudança (MINAS GERAIS, 2013a). Com características de um governo indutor de mudanças (OSBORNE; TED, 1994, grifo nosso), a tarefa inicial foi convencer órgãos a simplificarem os procedimentos, estabelecerem políticas comuns e permitirem o monitoramento do desempenho de seus funcionários. Para isso, a SEPLAG coletou informações sobre cada um dos serviços que iriam sediar as UAI e negociou as obrigações de cada ator antes de formalizar a relação, numa típica tarefa de mapeamento da rede, tal como propõe Procopiuck e Frey (2007) nos seus processos de formação. [...] o maior desafio foi sensibilizar o nível tático da cadeia, convencer as pessoas de que a rede ia funcionar se ela fosse matricial, [...] e aí eu digo, a possibilidade de o processo de negócio ser rodado dentro de outra unidade, por atores que não necessariamente tem que estar vinculados aos órgãos de origem. A maturidade aconteceu no momento em que o processo se tornou seguro, eficiente e controlável, [...] independentemente de quem vai executar, e aí eu estou falando de força de trabalho mesmo, [...] se é um servidor público, um agente terceirizado, um estagiário. Enfim, eu tenho que ter procedimentos operacionais padronizados pra fazer esse controle. Por meio de acordos de cooperação, foram estabelecidas regras de operação dentro das UAI e assegurou-se que os órgãos fossem responsáveis por simplificar e atualizar todos os seus processos de negócio (gestão de pessoal, equipamentos e expediente). Em contrapartida, os custos de operação seriam todos financiados pela SEPLAG. Assinado por um período de 60 meses, este instrumento estabelecia, entre outras coisas: os serviços que deveriam ser 91 oferecidos; as facilidades para os órgãos na unidade; os horários de operação; as orientações para o uso do espaço físico; as orientações para o uso de equipamentos; as diretrizes para treinamento e gestão de pessoal; os processos de negócios dos órgãos, incluindo o seu manual de operações; e as obrigações financeiras de cada uma das partes (MAJEED, 2013, p.9, grifo nosso). Ainda como incentivo, pela reticência dos órgãos mais tradicionais, até mesmo no sentido de recuperar o prestígio das UAI, a SEPLAG ofereceu apoio na melhoria dos seus processos de negócios. Foi estabelecido um sistema de trabalho conjunto, tanto para a elaboração dos fluxogramas quanto no aprimoramento de procedimentos e técnicas de abordagem aos clientes. Para Fernanda Girão, [...] primeiro, os órgãos perceberam que não teria que alocar seus funcionários no balcão de atendimento, que poderiam aproveitar seu quadro efetivo para atividades estratégicas internas. Como não existia custo orçamentário, [...] a UAI era encarada como oportunidade, afinal, existia a possibilidade das agências levarem seus serviços para outros locais, aumentar os pontos de atendimento e melhorar a qualidade. Existiam alguns obstáculos legais e processuais em alguns serviços, que impediram momentaneamente a participação do órgão ou dificultou sua migração para as UAI, mas estes foram superados; isso porque a SEPLAG adotou estrategicamente, o discurso de oferecer/solicitar apenas a implantação dos serviços operacionais num primeiro momento (aqueles que fossem passíveis de terceirização pela agência). Quando o clima de confiança tivesse se reestabelecido, se iniciariam as negociações com os chefes dessas agências para a concessão de autorizações para que os funcionários da UAI prestassem os serviços, sob sua assessoria e fiscalização. Fernanda Girão citou o exemplo do DETRAN, que tem suas atividades reguladas pelo Código de Trânsito Brasileiro e que proíbe expressamente a transferência de competência da prestação de seus serviços a terceiros. [...] No início esses serviços não eram oferecidos nas unidades, mas hoje, em algumas delas, a aplicação dos exames de legislação/direção é feita apenas por funcionários da UAI (modalidade online). O movimento foi natural [...], hoje se tem poucos funcionários dos órgãos de origem trabalhando em turnos completos. [...] estamos ainda muito longe do modelo ideal de integração na prestação de serviço [...] de processos maduros e integrados, com sistemas que refletem essa integração e o monitoramento real desta operação. No entanto a gente já rompeu algumas culturas muito interessantes, como aquele de que o órgão deve controlar apenas a inteligência do seu negocio. O estabelecimento de regras mínimas de funcionamento e padronização facilitou a captação de parceiros. Cita-se como exemplo os acordos elaborados pela SEPLAG com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que disponibilizou o acesso a dados nacional de 92 empregos e permitiu a oferta dos serviços de autorizações de trabalho; e com a Polícia Federal (PF), que conhecendo a grande demanda da população pelos serviços de emissão de passaportes, concordou em oferecê-los em algumas unidades (àquelas que se localizavam em municípios sediados pela agência) (MAJEED, 2013). Tem-se que hoje, mais de 48 serviços diferentes são entregues aos cidadãos, prestados pelos mais diversificados órgãos públicos em nível federal, estadual e municipal, conforme mostra a Tabela 4. Tabela 4. Serviços oferecidos, valores cobrados e órgãos parceiros. Serviços Custo (R$) Emissão da carteira de identidade (RG) R$ 10,91 Atestado de antecedentes criminais Registro de veículos Carteira de motorista Pagamento de seguro de trânsito Pagamento taxas e multas de trânsito Exame de legislação Requerimento e reembolso do seguro desemprego Intermediação de emprego Emissão da carteira de trabalho (CTPS) Registro de empresas Fechamento de empresas Folha de pagamento Pensão e aposentadoria Benefícios Emissão de passaportes Atendimento ao estrangeiro Informações de proteção ao consumidor Assistência a queixas Emissão da identificação fiscal Emissão e pagamento de guias/parcelas Emissão e pagamento de Imposto sobre imóveis Acordos de renegociação de dívida Emissão de documentos de atraso de pagamento Registro de propriedade Negociação e reconciliação entre partesGRATUITO Recebimento de impostos, contas e taxas para os serviços governamentais Emissão do cartão IPSEMG- Responsável* Polícia Civil (PCMG) / Instituto de Identificação de Minas Gerais (IIMG) Gratuitos Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN-MG) Gratuitos Gratuito (1ª e 2ª via) R$ 110,00 (micro) R$ 112,00 (pequena) R$ 115,00 (Outras) R$ 100,00 (micro) R$ 102,00 (pequena) R$ 105,00 (Outras) Gratuitos R$ 156,07 Gratuito Gratuitos Gratuito Gratuitos Gratuito Gratuito 1ª Via (Gratuito) Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) / Sistema Nacional de Emprego (SINE) / Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (SEDESE) Junta Comercial** Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG) Polícia Federal (PF) Agência de Proteção ao Consumidor (PROCON) Receita Federal (RF) Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais (COHAB) Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) Banco do Brasil (Mais BB) Instituto de Previdência 93 Reembolso IPSEMG Documento de atraso de pagamento Pagamento de contas Reclamações, sugestões e críticas Registro de boletins de ocorrência Segurança extra-oficial Documento de atraso de pagamento 2ª via (R$ 7,00) Gratuito Gratuitos Gratuito Gratuitos Gratuitos Pagamento de contas Emissão de título de eleitor Emissão de certidão eleitoral Regularização de situação eleitoral Inscrição de contribuintes Protocolo de pedidos de benefícios Fonte: Elaborado pelo autor Gratuitos Gratuitos dos Servidores de Minas Gerais (IPSEMG) Companhia de Energética de Minas Gerais (CEMIG) Ouvidoria Geral do Estado (OGE) Polícia Militar (PMMG) Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TREMG) Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) * As informações representam os serviços que são oferecidos nestas unidades. ** Serviços disponibilizados nas lojas do Minas Fácil. Um problema corriqueiro e que prejudicava a entrega de serviços com qualidade, eram as coletas de assinaturas em documentos oficiais (procedimento demorado que dependia dos supervisores). Para minimizar estes problemas, a equipe da SEPLAG, em parceria com os órgãos adotou soluções simples, mas inovadoras do ponto de vista funcional; o uso de assinaturas eletrônicas e o processo de informatização de alguns procedimentos que requeriam autorizações. Não surpreendentemente, conflitos e outras discordâncias, que por vezes aconteciam e acontecem entre os coordenadores das UAI e os supervisores dos órgãos parceiros diminuíram; influenciados pelo processo de adoção destas inovações, já que a medida não requeria a presença integral dos supervisores nas unidades (MAJEED, 2013). Estes problemas se relacionavam na sua grande maioria, às barreiras culturais e/ou dificuldade natural no entendimento do novo modelo de gestão das UAI e, também, ao sentimento de “perda de autoridade” por parte dos supervisores dos órgãos parceiros. No primeiro caso, trata-se dos problemas da incompatibilidade de valores; e é natural que haja conflitos entre os princípios e normas de operação entre as UAI e os órgãos. No segundo caso, e talvez ele se justifique pelo primeiro, o pensamento equivocado de que não existe o respeito às decisões da supervisão; aí se pode dizer que as restrições são impostas pelo modelo, que priva pela qualidade, agilidade e zelo. Para Fernanda Girão, [...] a primeira tarefa quando se tem a chegada de um novo parceiro é certificar-se de que seus supervisores aceitam a UAI e o seu modo de operação, conhecem a proposta. Na UAI não existe imposição, mas também não se pode fazer as coisas de qualquer jeito, tem padrão, deve haver qualidade acima de tudo [...]. Os policiais que antes exerciam autoridade considerável nas delegacias, até pela cultura do próprio serviço, não tem esse mesmo poder aqui, pois devem atender com presteza. Quando ocorrem 94 problemas, solicitamos aos chefes dos órgãos que conversam com o supervisor, peçam para que ele se acostume com o novo modelo [...] mas nem sempre isso ocorre, e se o problema persiste, a transferência deve ser feita Mudar a cultura do órgão que opera na UAI nem sempre foi tarefa fácil. [...] a grande maioria dos funcionários não entendiam o modelo e pensavam que perderiam o poder e autoridade sobre o próprio serviço [...], o fato é que eles tinham que seguir nossas regras. A gestão dos problemas de relacionamento com órgãos parceiros nas UAI é, agora, toda intermediada pela SEPLAG, que negocia as demandas com os chefes das agências. Por prudência, e não apenas por questões hierárquicas, é normal que os coordenadores não tenham contato direto com os chefes de cada órgão, até mesmo para não gerar os mesmos problemas políticos e o desconforto da época de PSIU. 4.2.3.2 Capacitação funcional e formação de pessoal No início do modelo de atendimento integrado, como não existia um plano compartilhado de gestão de pessoas, os PSIU não ofereciam orientações sobre emprego e carreira para os funcionários públicos contratados, muito menos existia treinamento e/ou orientações sobre atendimento ao cliente. Ainda, como a qualidade não era uma prioridade dos órgãos parceiros, o que se tinha eram funcionários problemáticos, que não apresentavam as qualificações adequadas para os cargos. À ilustração desses problemas, de acordo com as informações da funcionária pública Mariuza Peregrino, ex-coordenadora do posto de Poços de Caldas, [...] no PSIU trabalhava funcionários cedidos pelo município, muito poucos da MGS. [...] os funcionários que Prefeitura não queria, ela encaminhava para os postos. O atendimento era muito precário, não havia comprometimento, qualidade [...] até porque os funcionários não eram dos órgãos. Os problemas da reestruturação do governo (2003-2006), embora tenham trago diversos benefícios, também impactaram negativamente na forma como o modelo era gerenciado. Com o fechamento de alguns órgãos governamentais e a eliminação de algumas secretarias após a implantação do Programa “Choque de Gestão”, diversos funcionários foram realocados para os PSIU. Desmotivados, esses servidores não se preocupavam com a qualidade do atendimento, existia apenas o pensamento de obrigatoriedade sobre os serviços prestados; esses, realizados a qualquer tempo. Ainda em função do próprio remanejamento, os funcionários tinham diferentes salários e variados anos de experiência, o que agravava o problema da falta de padronização e aumentava ainda mais a discrepância sobre a qualidade dos serviços oferecidos. 95 As responsabilizações funcionais e atribuições eram negligenciadas e os coordenadores tinham pouca autoridade sobre os membros da equipe, que se reportavam apenas aos seus órgãos de origem. A política também influenciava a capacidade gerencial dos postos; isso porque os coordenadores geralmente se utilizavam de manobras políticas, baseados em suas redes de contatos, para se conduzirem aos cargos (comissionados), sabido ou não suas competências técnicas e habilidades para assumir tal função. Além disso, a necessidade de material e equipamentos propiciava um ambiente de negociação livre com fornecedores, cercado de interesses e manipulação. A introdução da política de pessoal flexível, com as regras e condições da MGS – empresa pública semiautônoma que presta serviços técnicos, administrativos e gerais aos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta do estado e seus municípios – trouxe formalidade à política de contratações de funcionários para as UAI e eliminou (pelo menos se acredita nisso) as influências políticas na indicação de funcionários. Todo o processo de contratação, conduzido pela empresa se daria por meio da realização de concursos públicos, que somente se realizariam caso fossem solicitados pelos coordenadores das UAI, autorizados pela SEPLAG. Cabiam aos coordenadores, entrevistar os profissionais selecionados e encaminhados pela MGS, no sentido de atestar suas qualificações; se este não tivesse as habilidades certas para o trabalho ou não fosse apto (julgamento marginalizado, sem respaldo gerencial profissional, até porque não se tinha um plano de cargos e provimentos), um substituto seria enviado; movimento que se repetia até que a unidade fosse atendida. No início foram contratados mais de 2.100 trabalhadores, ou seja, grande parte daqueles funcionários públicos que haviam sido realocados para os PSIU foram substituídos por funcionários da MGS e encaminhados aos seus órgãos de origem. Em síntese, cada unidade recebeu além de um coordenador, um assistente de coordenação, um supervisor e diversos atendentes de balcão, além é claro dos funcionários de limpeza e manutenção (MAJEED, 2013). Além da política de pessoal, a infraestrutura (adequação dos espaços físicos dos prédios para implantação das unidades) e a gestão de suprimentos (atividades de fornecimento dos equipamentos, sistemas e outros insumos para os órgãos parceiros) também estavam sob responsabilidade da MGS. Esse modelo de gestão terceirizado, além de não conseguir proporcionar uma redução dos custos de manutenção mensal das unidades, ofereceu algumas limitações; mas na opinião de Fernanda Girão, a gestão de pessoal sempre foi um desafio: 96 [...] Cada modelo reflete um custeio diferente, e todos eles tem problemas. O Poupatempo adotou o sistema de funções gratificadas, [...] que começou a ser um problema crítico, porque passados dez anos, a lei garantia a ocupação do cargo ao funcionário, isso virava direito adquirido. O “Na Hora” resolveu adotar parcialmente o modelo, [...] com 50 % de funções gratificadas e 50% terceirizado, vivendo outros problemas. Nós aqui, estudando um pouquinho os problemas de cada um, entendeu que teria que partir para o mais terceirizado possível. Assim a gente aumentaria a capacidade de padronização de cargos, [...] com os mesmos salários, você eliminava a competição do “eu ganho mais e faço menos”, que era comum no antigo modelo. Por outro lado, em resumo, o modus operandi do atendimento nas unidades, independentemente do modelo, consistia em triagem, encaminhamento, espera, atendimento e avaliação dos serviços prestados. O cidadão, ao adentrar do espaço teria que se dirigir, ou seria encaminhado pelos funcionários-volantes à recepção geral, onde era feita a prestação do primeiro serviço, informação e esclarecimento. A partir desse momento, procedia-se a triagem, que sempre varia em função do serviço requerido (considera-se, nesse caso, o pacote de serviços oferecidos pela UAI visitada devido às diferenças no pacote entre as unidades), mas que, em geral, consistia na checagem de pré-requisitos para o atendimento, como a posse dos documentos necessários (MINAS GERAIS, 2013c, grifo nosso). Depois de concluída a triagem, emitia-se a senha de atendimento referente ao serviço solicitado e encaminhava-se o usuário para a seção de espera correspondente. O escalonamento dos atendimentos seria feito automaticamente por meio de um sistema informatizado de gerenciamento e por painéis eletrônicos. Quando a senha era indicada, alerta recebido por sinal sonoro, o cidadão se dirigia até o guichê correspondente para ser atendido. Após o atendimento, o funcionário solicitava que o usuário fizesse a avaliação da qualidade por meio de um terminal eletrônico (Ibid., 2013c). Tipicamente setorizadas, as UAI eram divididas entre os órgãos coabitantes, que possuíam guichês próprios e atendentes exclusivos para prestação de seus serviços, da mesma forma como informações e recursos especializados (individualmente alocados). Essa metodologia, no entanto, gerava alguns problemas de operacionalização e atrasos. Citam-se, especificamente, o excesso de demanda para alguns casos e a ociosidade dos funcionários noutros. Para solucionar este impasse, segundo Fernanda Girão, não haveria alternativa, senão mudar; a ideia inicial era aumentar a capacidade para privilegiar o atendimento aos serviços mais demandados, mas foi logo descartada, pois a falta de previsibilidade manteria os problemas da ociosidade. Nesse sentido surgiu a proposta dos balcões únicos, como uma cópia das “Lojas do Cidadão” em Portugal, que permitiriam que os cidadãos recebessem variados serviços em um mesmo guichê. Segundo Fernanda Girão 97 [...] Eles chamam lá de multisserviço, é o mesmo balcão atendendo as diversas necessidades do cliente, do cidadão. A gente faz com que aquele atendente que antes executava um atendimento específico – emitir carteira de identidade – passe a ser polivalente e capaz de operar outros atendimentos. Isso gera ganho de eficiência. Hoje, se eu tenho uma demanda maior aqui, é óbvio que eu vou ter algum guichê que vai ficar parado em algum momento do dia, já no modelo balcão único, multitarefa, enfim [...] a lógica é: eu aumento a minha capacidade, mas mantenho o mesmo custo de operacionalização. As PPP já fazem isso, [...] não de forma plena, porque o maior desafio está dentro do próprio governo, [...] em perder a cultura da pertença, de que “eu não posso deixar você fazer isso porque este é o meu negócio”. Quadro 6. O modelo Balcão Único. BOX 2. O modelo Balcão Único O balcão único refere-se à prestação de serviços num único local e preferencialmente num mesmo momento, abarcando assim os conceitos de balcão multisserviços e balcão integrado, que se estende no mundo virtual aos portais transversais. Esse modelo, tal como foi concebido, consiste na centralização da prestação dos diferentes serviços em um mesmo balcão de atendimento, com objetivo principal de aumentar a capacidade e minimizar o tempo de espera do cliente. Inicialmente, a proposta foi apresentada pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG), por meio da Coordenadoria Especial de Gestão das UAI (CEGUAI), que objetivava modernizar as formas de atendimento das UAI e resolver os problemas de oscilação da demanda. Além do investimento em treinamentos e intervenções físicas e tecnológicas nos processos de cada serviço oferecido, para que sua implantação ocorra, destacam-se alguns outros requisitos: a) revisão de processos e de procedimentos dos serviços que serão prestados; b) infraestrutura física; c) maior integração entre os diversos serviços, de diferentes esferas de governo; d) padronização e transparência no acesso às informações; e) capacitação dos atendentes nos serviços disponibilizados no balcão único; e f) comprometimento dos gestores dos órgãos. Fonte: MINAS GERAIS (2013c, p.27-32). Por tempo, na época em que se cogitou essa possibilidade de migração para sistemas de atendimento unificados, decidiu-se que todos os funcionários receberiam treinamento em todas as modalidades (serviços), afinal, isso seria necessário. No entanto, como a grande maioria das UAI não poderiam sustentar o modelo, em decorrência da alta rotatividade funcional (talvez ocasionada pela ausência de um plano de carreira para os funcionários e agravado pela política salarial pouco atrativa), poucos balcões únicos foram implantados. Assim, se mantiveram os problemas de atrasos no atendimento nas demais UAI quando a demanda era alta. Por fim, hoje, mesmo que os cargos envolvam o trato de informações sigilosas e contemplem a realização de tarefas importantes, tem-se nas UAI um sério problema de 98 desmotivação, relacionado tanto ao baixo salário como também a inexistência de um plano de carreira. Segundo Fernanda Girão, [...] o funcionário não tem uma carreira da empresa e não tem uma carreira na UAI. [...] ele não tem visão de futuro, ele tá ali como cabide de emprego, é seu primeiro emprego. Geralmente são jovens, que quando saem da faculdade, procuram melhores oportunidades [...] e a unidade perde o talento, não retém o conhecimento. Ainda, é responsabilidade dos órgãos parceiros a oferta de capacitação para todos os funcionários que irão desempenhar funções em sua agência; medida que facilitou o processo de implementação de sistemas de monitoramento e avaliação do desempenho, já que a preparação permite ao funcionário conhecer o modo como o serviço deve ser prestado. Os únicos treinamentos realizados por responsabilidade da SEPLAG foram palestras sobre liderança e gestão para os coordenadores e supervisores e cursos sobre boas práticas de atendimento e qualidade na prestação de serviços para os atendentes das UAI. 4.2.3.3 Procedimentos operacionais No que diz respeito aos procedimentos, tinha-se na época dos PSIU um quadro completamente desfavorável. As regras do serviço público não possibilitavam o agendamento de turnos diferenciados para atendimento à população e também não existia nenhuma ferramenta para medição da eficiência dos funcionários e eficácia do serviço, ou seja, a ausência de procedimentos e normas compartilhadas significava que os cidadãos tinham experiências muito diferentes. Ainda, não havia uma lista dos serviços oferecidos e uma padronização das práticas operacionais, da organização do layout físico ou da tecnologia e equipamentos, que prejudicavam um atendimento de qualidade (MAJEED, 2013). Segundo Fernanda Girão, somam-se a isso as restrições orçamentárias e a ausência de uma política voltada para operacionalização e gestão de longo prazo, que dificultava a manutenção dos postos: [...] O modelo é transversal em termos de estruturas de governo. No momento em que o Governo Federal deixa ou não atua como núcleo estratégico indutor dessas ações, ele obriga que cada estado continue agindo ao seu “belo prazer” [...] o que eu quero dizer com isso é que sem uma política de alocação de recurso específica para o modelo, existe apenas o esforço individualizado, ou seja, a questão da inovação ela passa ser pontual, o estado é que investe no modelo. Aqueles que enxergam um ganho no modelo, colocam na agenda, [...] você percebe que alguns estados executam melhor, e o cidadão acaba recebendo um tratamento diferente. Por que o Poupatempo foi durante muitos e muitos anos uma referência? Porque o modelo recebeu alocação, recebeu investimento, era prioridade do governo do estado. 99 Logo no início de operações das UAI, contemplado pela agenda do governo estadual, uma das principais mudanças operacionais foi a implantação do sistema de horários de atendimento flexíveis (estendido na capital devido a demanda – 7 às 19:00h nos dias de semana e 8 às 14:00h aos sábados). Esta determinação fez com que os órgãos se comprometessem a não interromper seus serviços ou fechar suas operações durante o expediente, afinal, a prerrogativa era de que todos os cidadãos que estivessem nas UAI fossem atendidos (MAJEED, 2013). Segundo Fernanda Girão, “[...] a regra era clara e dizia que o dia de trabalho terminaria apenas quando o último cidadão tivesse recebido o serviço”. Essa nova metodologia, em função da antiga política de restrição no número de senhas emitidas nos PSIU, se estenderia também para uma modificação nos horários das agências bancárias, responsáveis por receber pagamentos dos cidadãos dentro das unidades, e que a partir de então, passariam a operar durante as mesmas horas que o restante dos serviços. Como alternativa de fortalecimento e alteração da identidade visual, por determinação do próprio governador, se cunhou uma “expressão de linguagem” típica da cultura mineira para caracterizar a mudança na nomenclatura (MAJEED, 2013). As UAI ganharam um novo padrão arquitetônico e, além disso, foram implementadas políticas e procedimentos que eliminaram a possibilidade de concorrência, já que indiretamente as próprias unidades competiam por qualidade de serviços; crítica recorrente do modelo de gestão consumerism (ABRUCIO et al., 2009), típico das reformas de segunda geração. Outros procedimentos de impacto imediato visaram evitar o favoritismo e/ou clientelismo ainda encontrados na gestão pública. A regra era se fazer cumprir o sistema de senhas, que proporcionavam aos cidadãos bilhetes com números que indicavam seus lugares na fila para o atendimento (e não mais haviam restrições quanto ao número de senhas emitidas). Organizados pelo horário de chegada, os cidadãos não poderiam ser beneficiados com atendimentos fora de ordenação ou fora de turno. A base de sustentação do modelo de gestão da UAI começou a ser realizada por meio de um conjunto de ferramentas informatizadas de suporte à operação e de gerenciamento das ações, por intermédio das quais a supervisão, o suporte operacional e o histórico das ações e transações foram significativamente facilitados. Quanto às atividades de monitoramento, foram desenvolvidas ferramentas de gerenciamento de desempenho para ajudar a garantir a prestação de serviços de qualidade (criação dos indicadores COEF). Dentro das unidades, era responsabilidade dos supervisores dos órgãos garantir que os trabalhadores seguissem os procedimentos para a prestação de serviços. À figura do coordenador, caberia à função de monitorar a qualidade e o 100 desempenho, e para isso, usa um sistema padronizado denominado SIGA Web, gerenciado pela SEPLAG, capaz de suportar grandes volumes de trabalho, sem interrupção. Ainda, com auxílio de um programa de banco de dados para a gestão, era possível acessar informações em tempo real sobre o número de clientes atendidos, o tempo de espera, o tempo de atendimento para cada serviço e o grau de satisfação do cidadão, medido por meio de um teclado disponibilizado nos guichês (escalonado em muito satisfeito; satisfeito; neutro; e insatisfeito). O SIGA Web envia as informações em tempo real para um conjunto de telas na sede da CEGUAI, que mostram a dinâmica de funcionamento das 28 unidades. A única diferença, é que a “Sala de Situação”, como é chamada, calcula também a média do tempo total de todos os serviços e o tempo médio de serviços por unidade. Para que o acompanhamento seja feito constantemente, os membros da CEGUAI adquiriram tablets e desenvolveram aplicativos que permitem a visualização de desempenho das unidades mesmo estando fora do escritório central. Segundo informações de Fernanda Girão, [...] no início tudo isso era feito por meio do Microsoft Excel. Somente depois que os recursos aumentaram é que se tornou possível melhorar, colocar novas funções. A primeira versão custou mais ou menos R$8.000, [...] mas na segunda versão houve um investimento maior, de 1,8 milhões. Ainda teve a alocação de 1,5 milhões de reais para o licenciamento do software. [...] agora era possível identificar melhor os gargalos do processo, os problemas [...] se tinha a informação no tempo certo. A meta estabelecida para cada unidade era alcançar a média mínima de 95% de satisfação. Com base no acompanhamento desses valores era possível verificar a necessidade de treinamento, recuperação de sistemas off-line ou visualizar problemas referentes à falta de pessoal; justificativas para solicitações de novas contratações junto à MGS. Um coeficiente inferior à meta significava um problema que deveria ser resolvido pelo coordenador. Além disso, na tela do programa apareciam as imagens de todas as câmeras da unidade, para que fosse possível visualizar a interação dos funcionários com os clientes e garantir que as regras e procedimentos fossem cumpridos. Neste caso, se trata da necessidade de acompanhamento do tempo gasto entre um atendimento efetuado e a chamada para uma nova senha. Se um funcionário fosse ao banheiro ou tivesse algum outro problema, deveria pausar o sistema para que não tivesse seu tempo contabilizado como ocioso, já que legalmente cada atendente teria o direito à apenas 15 minutos de pausa. Mesmo com todas essas vantagens, oferecidas pela introdução do auxílio da tecnologia na gestão das UAI, existem ainda os problemas da oscilação de demanda, sobretudo nos dois primeiros meses do ano (período de férias). Estas contingências provocam um tempo de espera maior do que a média global de espera das unidades, e ocorre em particular nas 101 grandes cidades. Para resolver este impasse, foi proposta a implementação de sistemas de agendamento de atendimentos on-line, no entanto, ainda há uma grande dificuldade da população em acessar estes serviços; outra iniciativa, em fase de elaboração, é a instalação de monitores que mostram o tempo médio de espera na entrada das unidades. Com relação à primeira mudança, de acordo com Fernanda Girão, [...] se via muita fila nas unidades maiores, as pessoas chegavam mais cedo, ou até dormiam na porta para conseguir o serviço. Optamos por fazer esses serviços (emissão da carteira de trabalho e seguro-desemprego) de modo agendado, até porque eles são mais complexos, exigem mais documentos, levam mais tempo no atendimento. Demorou para que as pessoas se acostumassem, e hoje temos uma aceitação boa. A análise do fluxo de trabalho também se estendeu para as atividades de manutenção dos edifícios. Para padronizar o gerenciamento das instalações, a equipe desenvolveu um manual para manutenção e limpeza, que listou as responsabilidades da equipe, descreveu o tipo de mobiliário nas UAI e explicou como limpar cada item. Também se incluía nesse documento, instruções especiais para trabalhar em prédios históricos, onde foram alojadas algumas unidades (antigas sedes da Minas Caixa). O objetivo da SEPLAG com isso foi manter a concentração dos coordenadores na gestão da qualidade do atendimento e na prestação de serviços. Por essa razão, foram contratadas equipes de artífices, funcionários que assegurariam a manutenção predial, realizariam as atividades de limpeza e dariam suporte aos equipamentos. De acordo com Fernanda Girão, não haveria mais problema de infraestrutura que fizessem coordenadores preocupados; sua missão era única, manter a meta de cumprimento do tempo de espera e esforçar-se para promover a qualidade dos serviços prestados por sua unidade. No sentido de fortalecer essa visão, de atenção para os cidadãos, a equipe da SEPLAG instalou uma mesa de ouvidoria (OGE) em cada UAI, disponibilizou uma linha telefônica e um sítio para coletar as reclamações e sugestões acerca dos serviços. O tempo de resposta e solução das questões apresentadas foram acordados em 2 dias para as reclamações submetidas pelo sítio e 10 dias as queixas apresentadas à ouvidoria. Os problemas mais comuns identificados hoje incluem as questões sobre os atrasos nos serviços; embora os números não sejam elevados (entre 7 e 17 reclamações por dia), a coordenação possui dificuldades em resolvê-los no prazo, principalmente por dizer respeito aos órgãos e não à unidade, logo exige contato pela SEPLAG. Houve também o esforço em fazer as informações sobre os serviços e documentos se tornarem mais fáceis e disponíveis para os cidadãos. Nesse sentido foram criados diversos 102 mecanismos de comunicação externos: a plataforma online para as UAI dentro do portal do governo do estado; a disponibilização de linhas telefônicas para atendimento (Fale Conosco); a elaboração de Cartas de Serviços ao Cidadão, folders explicativos que ofereciam explicações sobre os serviços oferecidos; além da disponibilização dos endereços eletrônicos dos coordenadores das unidades (e-mail). Internamente, foram instalados terminais eletrônicos de autosserviço e promovidas melhorias na sinalização dos órgãos, o que ocorreu após as reformas e padronização arquitetônica das unidades; foram adotados também, funcionários-volantes na linha de frente, denominado pelos coordenadores de “posso ajudar”. 4.2.4 Avaliação: um guia de decisões e orientações para o futuro 4.2.4.1 A avaliação do modelo MGS Após a implantação do modelo de atendimento integrado no estado de Minas Gerais, uma porcentagem considerável dos serviços oferecidos pelos órgãos em suas unidades de origem foram transferidos para as UAI. A exemplo disso, do número total de documentos emitidos pela Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (PCMG), as UAI fizeram 52% das Carteiras de Identidade (RG) em 2011, 59% em 2012, e 64% durante os primeiros cinco meses de 2013. Com relação ao atestado de antecedentes criminais as UAI emitiram 55% em 2011, 63% em 2012 e 62% nos primeiros cinco meses de 2013 (MAJEED, 2013). Esses valores, se analisados de forma conjunta com os índices do COEF, que possui uma média de 95% de satisfação (2012 - 2013), conforme mostram os dados da Tabela 1, demonstram a importância dessas unidades para os cidadãos. De acordo com os dados da pesquisa realizada pelo “Instituto Olhar” em 2010, que entrevistou 6.331 usuários em 18 UAI, a grande maioria dos cidadãos que utilizaram os serviços era pertencente da faixa etária entre 20 e 40 anos, representando 58% do total; uma grande proporção possuía baixa renda, sendo que 18% tinham renda mensal igual ou inferior a R$510,00, 34% tinham rendimentos na faixa de R$511 à 1.020,00 e 30% tinham renda de R$1.021 à 2.040,00, representando 82% do total; 37% se diziam alfabetizados, 2% possuíam ensino fundamental, 42% informaram ter completado o ensino médio e 18% apresentavam ensino técnico, curso superior ou pósgraduação; apenas 1% dos entrevistados disseram ser analfabetos. Embora 41% tivessem computador e acesso à internet em casa, os outros 59% não o tinham (MINAS GERAIS, 2010a). No que diz respeito à imagem dos serviços oferecidos, as três principais ideias relacionadas à UAI eram: se tratava de uma “expressão mineira” (18,8%); se relacionavam a 103 um balcão de vagas de emprego - SINE (18%); e se referiam ao local em que emite documentos (RG, CPF e CTPS) (14,2%). Apenas 9,2% dos cidadãos entrevistados souberam explicar o que de fato representava as unidades, e que estas seriam uma modernização dos PSIU (MINAS GERAIS, 2010a). A rapidez e demora no atendimento foram consideradas como os principais pontos, positivo e negativo das UAI, com 28,2% e 22,8%, respectivamente. Quando questionados sobre quais outros serviços deveriam ser disponibilizados nas UAI, 31,6% dos usuários indicaram serviços bancários e emissão de CPF, 10,5% comentaram sobre a possibilidade de abertura de cursos para a população e 7,2% requisitaram a emissão do título de eleitor. A grande maioria dos entrevistados que sugeriram melhorias às UAI, falaram sobre questões infraestruturais, com destaque para a necessidade de aumentar o número de funcionários (17,1%), algo que está diretamente relacionado ao motivo principal alegado pelos cidadãos para que os serviços não fossem realizados, a indisponibilidade de vagas, com 38,4% das respostas. Por último, se apresenta os principais pontos levados em consideração pelo cidadão na avaliação do serviço: 80,7% relevam a educação do funcionário e a rapidez no atendimento; somente 6,2% disseram que capacitação e clareza nas informações são importantes (MINAS GERAIS, 2010a). Numa pesquisa realizada em 2009, pelo mesmo Instituto, com 4.349 entrevistas em 12 UAI, 82,3% dos cidadãos alegaram que procuraram as unidades para usar os serviços de captação de emprego (SINE) ou identificação (IIMG); apenas 5.5% utilizam os serviços do DETRAN. Ao avaliar a eficácia do serviço, 60% dos entrevistados foram capazes de receber e concluir um serviço em sua primeira visita em 2009 e 70% em 2010; 8% tiveram que fazer duas visitas e 6% precisaram de mais de duas visitas em 2009, contra 6% e 18% em 2010, respectivamente (MINAS GERAIS, 2009; 2010a). A pesquisa identificou, também, que as razões pelas quais os cidadãos não receberam o serviço na primeira visita estavam relacionadas à apresentação de documentos incompletos ou errados; à necessidade de aguardar o prazo para liberação do documento; a inexistência de vagas no SINE ou porque o requerente (candidato à vaga de emprego) não atendeu aos prérequisitos de trabalho; e à necessidade de aguardar o encaminhamento ao empregador (MINAS GERAIS 2009). Finalmente, 61,1% dos cidadãos informaram que conhecem as unidades por meio de parentes e amigos, e apenas 6,6% dos entrevistados relacionaram as UAI aos antigos PSIU (MINAS GERAIS, 2010). Era notório que esta forma de administração tinha alcançado destacado sucesso, principalmente por conseguir alcançar seu objetivo, atender ao cidadão com altos níveis de 104 satisfação, o que indica a qualidade na prestação dos serviços. Alguns números de 2012 retratavam essa situação: 28 unidades em operação; 27,273 m² de área de atendimento; 550.000 atendimentos presenciais por mês, sendo 30.000 diários; 80.000 atendimentos concluídos por terminais de autosserviço; 727 guichês de atendimento; aproximadamente 2000 colaboradores; 500 câmeras de segurança e monitoramento; um tempo médio global de espera de 12 minutos; e um índice de satisfação de 99,12% (MINAS GERAIS, 2013a). 4.2.4.2 O modelo de parceria público-privada (PPP) Contudo, embora as UAI funcionassem bem comparativamente aos PSIU, e os números comprovassem isso, dois problemas foram revelados: (1) o alto custo de manutenção envolvido: dados mostram que o custo operacional anual do projeto subiu de 3,1 milhões em 2007 (26 unidades) para cerca de 45,2 milhões em 2010 (29 unidades), aproximadamente 1.358%; em comparação com o orçamento global do Estado, que passou de 30,5 bilhões em 2007 para 41,1 bilhões de reais em 2010, ou seja, apenas 34,75% de crescimento. Ainda, em 2007, o custo médio por serviço em um PSIU era de R$2,31, já em 2010, o custo médio por serviço nas UAI subiu para R$16,8. Os dados da Tabela 5 mostram, em parte, esses números. Tabela 5. Orçamento Estado x UAI Ano Orçamento do Estado 2007 R$30.553.704.363 2008 R$35.590.405.599 2009 R$38.978.230.513 2010 R$41.113.937.207 2011 R$44.998.615.907 2012 R$50.272.318.708 Fonte: MAJEED (2013, p.17). Orçamento autorizado para PSIUs/UAIs R$3.129.207 R$16.450.000 R$39.410.000 R$45.250.001 R$72.936.719 R$71.000.000 Segundo Fernanda Girão, a discussão sobre a questão financeira das CAI envolvem vários fatores, inclusive a falha na atuação do governo federal, sua ausência como articulador estratégico do movimento: [...] Você não tem uma politica nacional, [...] econômico-financeira, cada estado busca recurso dentro do seu próprio orçamento. Outro problema crítico é a politica que envolve qualidade do atendimento. Não existe um modelo de convênio, [...] cada estado busca um atendimento, uma metodologia, adota a alternativa que entende ser mais conveniente [...] acabam adotando, ou por uma visão extremamente política, ou por uma visão política e técnica, dentro das suas possibilidades, soluções só pra eles [...] individuais. É aí que está o problema [...] o lado ruim da história. Não tem uma visão única, como acontece em outros países, como Portugal, que tem uma política nacional. Eu 105 estando na Ilha da Madeira ou eu estando em Lisboa, a lógica da prestação de serviços é a mesma. (2) a lentidão da MGS na política de gestão de pessoas e gestão de suprimentos: no que diz respeito à política de pessoal se tinha: (1) dificuldades em selecionar profissionais com habilidades técnicas específicas devido a “concursos padronizados”: até hoje são selecionados funcionários com conhecimento generalista, com pouca ou nenhuma especialização para a atividade que exercerá; (2) ausência de flexibilidade nos processos de recondução profissional, ou seja, possibilidade inexistente de repatriar bons funcionários devido à nova política de contratação, que restringe transferências; e (3) sistemas de remuneração e progressão desvinculadas da avaliação de desempenho das UAI, decisão que gera insatisfação e provoca ociosidade, além de invalidar a proposta de gestão por resultados. Sobre a gestão de suprimentos, os problemas se relacionam à morosidade dos processos de compras devido à lei de licitação, e ainda, os constantes atrasos no processo de prestação de serviços, que podem ser relatados pela Tabela 6. Tabela 6. Média de dias para conclusão de um chamado - MGS. Tipo de ocorrência Ar-condicionado Cabeamento elétrico Cabeamento lógico Controle de patrimônio Dedetização Elevador Equipamentos de prevenção e combate a incêndio e pânico Execução de obra / reforma Hidráulica Identidade visual (adesivos e placas) Jardinagem Manual de limpeza e conservação Mobiliário Sanitários (solicitação de acessórios) Solicitação de material – construção civil Solicitação de modificação de layout Fonte: SOUSA et al. (2012, p.14). Média de dias 85 158 201 245 137 96 177 116 94 154 187 207 185 113 86 107 Ocorre que, embora hajam profissionais especializados para cada função como relatou Fernanda Girão, com o atraso da MGS em atender os chamados ou até mesmo a demora em fornecer os equipamentos para que as atividades fossem realizadas, os coordenadores dedicavam parte do seu tempo, a exemplo do que ocorria nos PSIU, à resolução de tarefas operacionais. Todo o atraso da MGS comprometia o funcionamento das unidades e também a qualidade dos serviços oferecidos. 106 Além disso, outros problemas eram conhecidos, como a página eletrônica das UAI, vinculada ao sítio do governo do estado, pouco amigáveis, de difícil acesso e entendimento. Alternativas nesse sentido têm sido discutidas no âmbito da SEPLAG, como a própria criação de aplicativos para smartphones, para melhor fornecer informações sobre a unidade e seus serviços, dar possibilidade para que agendamentos sejam feitos e até mesmo informações sobre a demanda e o tempo de espera para os serviços sejam conhecidos. Sabendo da recorrência dos problemas, considerou-se a possibilidade da adoção de outro modelo de gestão. Embora a busca por alternativas que viabilizassem investimentos nos setores de infraestrutura e possibilitassem a melhoria na eficiência da máquina administrativa fossem princípios das reformas de primeira geração, o governo de Minas Gerais, encarou e priorizou como elemento principal da sua terceira geração de reformas, denominada “Gestão para a Cidadania” (2011-2014), a implementação de PPP para gestão, operação e manutenção de UAI. Por meio da SEPLAG, realizou em abril de 2010 uma audiência pública para apresentação e discussão do projeto39. Dentro da perspectiva de Estado-rede, que institui princípios colaborativos como alternativas de desenvolvimento, o objetivo da ação do governo mineiro era garantir maior flexibilidade gerencial, redução de risco para o Estado, padronização de equipamentos e processos e uma estrutura operacional ainda mais adequada à natureza dos serviços prestados (MINAS GERAIS, 2013b). O novo modelo, baseado em um contrato de gestão negociado com uma empresa privada, possibilitaria ao Estado dedicar-se às atividades estratégicas de gerenciamento dos processos de negócio, que incluíam, também, o pensamento sobre ações colaborativas e a integração. A empresa privada seria responsável por gerenciar as UAI e caberia ao Estado reembolsar o parceiro sobre o atendimento, de acordo com o número de serviços prestados e da qualidade do mesmo. Baseados na experiência de sucesso da implementação de outros modelos, a questão era saber se essa abordagem funcionaria na prestação direta de serviços aos cidadãos. Para 39 Esse processo teve início com as primeiras concessões de serviços públicos, ocorridas em meados da década de 90. No entanto, a transferência de atribuições da esfera pública para a esfera privada concentrou-se, num primeiro momento, apenas em empreendimentos e serviços autossustentáveis, cujas receitas obtidas com a exploração da atividade tinham condições de gerar suficiente rentabilidade. A lei federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, embora tenha feito menção a algumas hipóteses em que se admitisse a adoção de receitas acessórias e alternativas para os projetos de concessão de serviços públicos, apresentou insuficiências normativas que tornaram pouco atrativa a perspectiva de subsídios públicos na composição da receita do concessionário, considerando-se especialmente o longo prazo do contrato. Diante disso, tendo-se em vista a restrição de recursos públicos disponíveis para a inversão em infraestrutura e a crescente demanda por melhores serviços, erige-se um forte argumento a favor da adoção do modelo das parcerias público-privadas no Brasil e em Minas Gerais (Lei Federal nº 11.079/2004, Lei Estadual nº 14.868/2003 e Lei Estadual nº 14.869/2003) (MINAS GERAIS, 2013c, p.38). 107 isso, realizou-se alguns estudos sobre os benefícios e limitações dessa proposta, com destaque especial para as suas exigências (adaptações necessárias). Sinalizando favoravelmente para a possibilidade de redução dos custos, foi considerado também a flexibilidade do parceiro privado na condução dos negócios (eliminando, “parcialmente” os problemas identificados no modelo MGS), que poderia usar os seus próprios procedimentos de recrutamento seleção para encontrar trabalhadores com as habilidades e aptidões certas, além de garantir o rápido fornecimento e reposição de materiais e serviços. Com a descrença dos empresários, que alegavam inconsistências no nível de remuneração e expunham sobre a falta de garantias sobre a demanda de serviços, a chamada pública que havia fracassado em 2009, seria novamente retomada em 2010. Na reformulação do edital, o governo determinou o pagamento de 70% da demanda para o licitante vencedor (considerando a possibilidade de desconsiderar o pagamento para serviços não prestados), sem estabelecer um piso para remuneração. A estimativa incluía apenas os serviços presenciais, restritos à avaliação do desempenho mensurado pelo COEF, e não contavam com serviços eletrônicos, feito por meio dos terminais de multisserviços instalados nas unidades. Com informações sobre o custo médio dos serviços no modelo MGS, R$16,80, estipulou-se um valor de R$13,00 por atendimento. Em dezembro de 2010, o vencedor do certame, o Consórcio Minas Cidadão, ofereceu a prestação do serviço pelo custo de R$11,60, representando uma economia de 31% para os sofres públicos (MAJEED, 2013). Com relação aos aspectos gerais e políticas de funcionamento dessas novas unidades, a equipe de coordenação da UAI teve que adaptar alguns de seus sistemas para monitorar a prestação de serviços nesses novos modelos. Por meio da “Sala de Situação” a equipe UAI se responsabilizou por fiscalizar rigorosamente todos os aspectos das operações pela avaliação dos indicadores do COEF. A equipe dedicou especial atenção ao gerenciamento de senhas, até porque a quantidade distribuída afetava o montante que seria pago ao licitado; ainda nesse sentido, colocou-se um peso de 40% sobre o tempo médio de espera, para que houvesse a garantia da prestação do serviço. O modelo também exigiu da CEGUAI, a revisão de alguns procedimentos, o que gerou descontentamento e resistência por parte de alguns órgãos federais, estaduais e até mesmo municipais, relacionados, sobretudo com o alto volume de negócios e a falta de mecanismos de controle sobre as atividades de treinamento. As dificuldades ocorrem em consequência dos diferentes objetivos do Estado e do parceiro privado. Segundo Fernanda Girão, 108 [...] gerenciar isso não é fácil, pelo contrário, é muito mais difícil do que no modelo MGS. [...] a empresa sempre vai tentar, de alguma forma, aumentar a lucratividade, mas muitas dessas ações não envolvem uma política de atendimento de qualidade que nós queremos, exigimos em contrato [...]. O desafio é acompanhar, medir, requalificar e readequar o processo, verificar se de fato estão operando conforme a regra do jogo [...] e isso ainda está em processo de construção dentro do governo de Minas. Existe hoje, uma série de indicadores que o parceiro precisa atingir, e esses indicadores refletem qualidade, satisfação e gestão. Pelo menos no nosso modelo, como o pagamento é feito sobre a prestação de um serviço de qualidade, se o arcondicionado falha, eu abato na contraprestação, afinal, um dos meus indicadores é a qualidade do ambiente. Ainda, se os problemas da desmotivação eram uma realidade no modelo MGS, os baixos salários pagos pelos parceiros privados, além de também influenciar na qualidade do serviço prestado, geram ainda maior rotatividade, o que leva à uma demanda ainda maior por treinamento. No caso da PPP é pior, pois existe agilidade no processo de contratação. O salário de um empregado do Consórcio Minas Cidadão em 2013, foi cerca de R$670,00 mensais, ou seja, os funcionários receberam quase metade do que recebe um funcionário da MGS e ainda, apenas quatro vezes mais do que o salário da linha de pobreza no Brasil (R$140,00); mesmo que se saiba da existência de sistemas de remuneração flexível. Para Fernanda Girão, “[...] nas PPP, pela lei (Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993), no máximo em cinco anos eu tenho que publicar uma nova licitação, e se corre o risco de não conseguir outro executor para operacionalizar o serviço. Ai nós temos um problema de migrar isso; é aquela situação de ter que abastecer o avião no ar”. Alguns outros problemas foram identificados, tanto pela SEPLAG quanto pela empresa parceira: no primeiro caso, reconheceu-se a ineficiência do COEF como medida ou critério para pagamentos, pois o próprio sistema (falho) produzia dados imprecisos; e no segundo, reclamou-se das falhas nos sistemas dos órgãos governamentais ou sua inoperabilidade, e que isso não deveria ser usado contra o parceiro na avaliação, já que os atrasos no atendimento impactavam negativamente nos valores recebidos. Existia o plano do governo de transferir o restante das UAI para a modalidade PPP até 2014, mas a iminência de demissão dos funcionários MGS, que não tinham certeza sobre a manutenção de seus postos de trabalhos, fizeram com que surgisse uma manifestação contrária nas unidades no início de 2013. Em resposta as solicitações e pedidos de esclarecimentos, a SEPLAG disponibilizou uma linha telefônica para responder perguntas e fornecer informações, e iniciou imediatamente um estudo sobre a possibilidade de que a empresa licitada aproveite em seu quadro todos os trabalhadores da MGS. 109 Segundo Sousa et al. (2012, p. 16) no que diz respeito à eficiência, os avanços conquistados pelo modelo PPP se resumem “a eliminação do custo de implantação das unidades e a redução do custo operacional a partir da implantação de um sistema de contraprestação baseado em um valor fixo por atendimento, ponderado por um indicador de desempenho operacional”. No modelo de execução direta, o Estado arca com a totalidade do custo de implantação das UAI, ao passo que no modelo PPP, sob o regime de empreitada integral, esse custo é integralmente transferido ao parceiro privado, que deverá apresentar plano e cronograma detalhado de implantação, para que o poder público possa acompanhar o processo. Ainda segundo o autor, a partir de dados da CEGUAI, a economia estimada de recursos obtida pelo Estado com a implantação das PPP, com base na média das áreas das unidades implantadas no modelo de execução direta e a média dos custos de sua implantação, calculando-se, proporcionalmente à área das unidades PPP e o valor financeiro que teria sido dispendido pelo poder público, foi de aproximadamente R$ 4,8 milhões. Ainda, caso as unidades MGS tivessem operado na lógica do modelo PPP no ano de 2011, os cofres públicos teriam economizado R$8,8 milhões para custear o mesmo volume de operações, ou seja, cerca de 14,6% do gasto total. Considera-se também a possibilidade de que as UAI executadas pelo Estado tivessem operado com maior eficiência, consideradas as outras vantagens operacionais da modalidade PPP. Na perspectiva de avaliação dos indicadores (que contemplam a eficiência operacional), tem-se segundo cálculos geradas pelos dados da Tabela 1 que ambos os modelos obtiveram média de 95% no COEF (índice recomendado pelo Estado), com exceção para 2 unidades PPP, Betim (92%) e Uberlândia (84%), e 7 unidades MGS, Praça Sete (80%), Barro Preto (87%), Teófilo Otoni (88%), Coronel Fabriciano (89%), Venda Nova (90%), Divinópolis (93%) e Pouso Alegre (93%). Isso significa o grau de aceitação e satisfação da população com os serviços oferecidos. 4.3 CLASSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES DE COOPERAÇÃO NAS UAI Após a contextualização sobre o surgimento das UAI, que abordou também os mais diversos aspectos sobre o seu funcionamento, buscou-se nesta seção, além de descrever os tipos de cooperação estabelecidos no seu ambiente, de acordo o que propõe Farah (2006), analisar as dimensões e processos colaborativos segundo Ferolla e Passador (2013). 110 Caracterizada como uma típica relação de governo coordenado (baseado em GOLDSMITH; EGGERS, 2006), já que se tem num mesmo espaço físico a articulação de diversos órgãos que prestam serviços diferentes à população, a noção de integração e parceria no ambiente das UAI é limitada aos acordos de cooperação, cláusulas contratuais e a algumas atividades mais simples, relacionadas ao seu modus operandi. Pode-se dizer, por isso, que as inovações desse modelo de redes se restringem apenas à democratização do acesso aos serviços públicos, que buscam superar o distanciamento entre as estruturas estatais para beneficiar o cidadão, ou seja, contemplam visivelmente, apenas a motivação econômica de contenção de gastos e representatividade política, ambas, típicas das reformas de 1ª e 2ª gerações. Talvez isso se explique pelo próprio engessamento dos sistemas de trabalho, altamente padronizados, que não favorecem as interações nem o compartilhamento de informações e troca de experiências entre os atores, sequer estabelecem mecanismos de participação social. Segundo informações de Marinalva Patrício, gestora da UAI de Varginha, [...] a gente passa a nossa demanda para a empresa (consórcio Minas Cidadão), que repassa para a SEPLAG. É ela quem dá o encaminhamento. Existem algumas conversas locais, para demandas pequenas, mas que estão mais relacionadas às dúvidas sobre como fazer as coisas ou sobre o que não fazer, [...] a gente liga pra perguntar na delegacia, no MTE, que ficam aqui próximo. [...] mas as demandas mais importantes, aquelas maiores, de mudanças nos processos, é sempre através da SEPLAG, é sempre ela que administra a aplicação de qualquer coisa aqui dentro. O que se tem, portanto, é uma excessiva centralização das decisões em uma secretaria, responsável por controlar grande parte das relações colaborativas no ambiente, ao contrário do que havia no PSIU, pouco padronizado, mas com um alto grau de autonomia por parte dos coordenadores locais, que partilhavam informações e detinham poder para tomada de decisão operacional e estratégica. 4.3.1 Caracterização dos tipos de cooperação Não se pretende fazer uma análise comparativa ou se intenciona diferenciar os relacionamentos que se estabelecem nos modelos PPP e MGS, apenas procura-se demonstrar por meio de um desenho (Figura 12), os tipos de cooperação formais e informais, que se estabelecem no ambiente das UAI, baseado nas informações obtidas pelas entrevistas com os coordenadores e gestores das unidades. 111 Figura 12. Mapa relacional das UAI em Minas Gerais. Fonte: Elaborado pelo autor No campo formal, as interações ocorrem entre: (1) SEPLAG e Órgãos: compreende as relações entre a CEGUAI e os diversos órgãos parceiros (representados pelas linhas em formato de “aranha”) que coabitam o espaço e oferecem serviços distintos à população. Nesse caso as relações são resguardadas pelos acordos de cooperação, que envolvem a formalização dos processos de negócio mapeados, além da definição sobre o funcionamento da unidade, horários de expediente e supervisão das atividades. Nessas interações encontram-se características de três tipos de cooperação: a) RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS VERTICAIS, pois se considera a parceria entre órgãos governamentais distintos e de diferentes níveis hierárquicos característicos do processo de descentralização administrativa do Estado. Neste caso, pouca atenção é dada aos apontamentos de Prado (2003) sobre a necessidade de planejamento participativo, já que a elaboração de diretrizes legais e administrativas é responsabilidade da SEPLAG, enquanto órgãos estaduais e municipais encarregam-se da operacionalização dos serviços. 112 b) RELAÇÕES INTRAGOVERNAMENTAIS ENTRE SETORES, que contempla as parcerias entre diferentes secretarias estaduais (SEDESE e SEPLAG) que possuem o objetivo de planejar e avaliar as ações de governo no sentido de captar demandas sociais, corroborando com a afirmação de Sposati (2006). Sobre este esforço de cooperação, tem-se conhecimento da proposta de criação do banco de dados único dos cidadãos, instrumento capaz de mapear indicadores socioeconômicos que subsidiem a elaboração de políticas públicas. c) RELAÇÕES EXTRAGOVERNAMENTAIS (organizações privadas e sociais), pelas parcerias entre o governo e instituições privadas (como no caso dos bancos postais “Mais BB” das unidades, dentre outras) ou organizações não governamentais (como no caso da ONG Bye na UAI de Poços de Caldas). Sobre esta ONG, talvez o único caso dentro todas as unidades do estado, Mariuza Peregrino diz, “[...] na realidade, ela existe para dar apoio ao imigrante e estava aqui desde o PSIU. O prefeito pediu, na ocasião, como ele praticamente mantinha isso aqui, um espaço pra BYE. Eu mandei um ofício pra Belo Horizonte na época para obter autorização [...] e foi ficando. Com a criação da UAI arrumaram um espaço pra ela também”. As próprias UAI PPP são um exemplo típico de relações “publicizadas” do Estado para a provisão do serviço público, como pode ser visualizadas, também, nas relações (2) e (3), abaixo especificadas. (2) SEPLAG e direção da Empresa Licitada: diz respeito às relações entre a CEGUAI e o consórcio Minas Cidadão, empresa licitada que administra as 6 unidades PPP. Nesse caso tem-se o amparo legal do contrato de concessão administrativa, que entre outras coisas estabelece as obrigações do parceiro privado (gestão, operação e manutenção das unidades; monitorados e avaliados por meio de indicadores de desempenho - COEF) e, em contrapartida, as responsabilidades do governo (pagamento baseado na quantidade e na qualidade dos serviços prestados aos cidadãos). (3) SEPLAG e direção da MGS: envolve a relação, também contratual, estabelecida entre a CEGUAI e o parceiro terceirizado, a Minas Gerais Serviços, que se responsabiliza pela gestão de suprimentos e política de pessoal de 22 unidades no estado. 113 (4) Coordenadores e SEPLAG: corresponde à relação direta entre os coordenadores e a CEGUAI, que tem a função de solicitar à MGS a reposição de móveis, materiais e equipamentos, reformas nas instalações e a abertura de editais de concursos públicos para novas contratações de pessoal. A assessoria e suporte da CEGUAI, por meio da monitoria das atividades de gestão das unidades, também são responsáveis por compartilhar técnicas e novos procedimentos de controle das atividades com os coordenadores. Ressalta-se que, dentre os coordenadores existem servidores de carreira do estado, transferidos para a SEPLAG e realocados na UAI, e funcionários concursados e contratados pela MGS. (5) Gestores e Empresa Licitada: contempla as relações estabelecidas formalmente entre os gestores e o consórcio Minas Cidadão, numa típica relação entre empregado x empregador, balizadas sobre meta x desempenho. De acordo com as informações de Luís Ricardo, não existe contato entre os gestores e a CEGUAI: “[...] a positivação de algum material, layout da unidade, tudo isso é validado pela SEPLAG. A gente passa para a empresa qual é a necessidade e ela negocia com a SEPLAG”. (6) Entre os próprios órgãos: corresponde ao acesso compartilhado de uma determinada base de dados por meio da integração de sistemas de tecnologia da informação (representados na figura pelas “linhas finas pontilhadas”). Tem-se como exemplo o IIMG (Instituto de Identificação), que compartilha informações sobre os usuários dos serviços com órgãos federais, como a PF e o MTE/SINE (relação intergovernamental vertical) para emissão de passaportes e carteiras de trabalho, e a PMMG (relação intragovernamental entre setores) para registros de boletins de ocorrência. Ainda, segundo Lohayne Santos, coordenadora da UAI Praça Sete, [...] eu tenho integração do Instituto (IIMG) com DETRAN. [...] na aplicação da prova eletrônica, por exemplo, eu posso ter uma desconfiança de uma identidade, [...] e o instituto de identificação me assessora nessa questão de conferência do número da cédula, pra ver se bate. Da Polícia Federal junto com o Instituto também existe integração. [...] seria mesmo essa questão de conferência de documentação, troca de informação, apenas esse tipo de integração. No âmbito das relações informais, já que as interações não são resguardadas pelos acordos de cooperação e a política de trabalho não as prescreve como responsabilidades dos coordenadores e gestores, destacam-se: 114 (7) Coordenadores e MGS: muitos coordenadores entram em contato com a MGS (representado na figura pela “linha grossa pontilhada”) na tentativa de agilizar a resolução de problemas, aqueles relacionados especialmente ao atraso na reposição de materiais e contratação de pessoal. A MGS recebe os pedidos, mas apenas os libera mediante a autorização da CEGUAI, já que o canal de comunicação correto deve ocorrer via SEPLAG. Segundo informações de Mariuza Peregrino, coordenadora da UAI de Poços de Caldas, [...] já aconteceu de a gente ter que entrar em contato com a MGS, [...] não é certo, mas tem alguns coordenadores que fazem isso, porque atrasa muito para as coisas chegarem até a unidade. Se nós não formos bons gestores, planejarmos bem o gasto de material, a gente corre o risco de ficar sem nada. Às vezes adianta, mas nem sempre, porque a MGS entra em contato com a CEGUAI e formaliza tudo. (8) Coordenadores e gestores com Órgãos: existe um contato informal entre os coordenadores e gestores com os órgãos parceiros (linha em formato de “ferradura”), especificamente com as agências locais, que ainda continuam operando no município em escritórios próprios para prestação de outros serviços ou atividades. Isso acontece de forma esporádica e está relacionado ao esclarecimento de dúvidas ou busca de entendimento sobre os processos de negócio, serviços prestados, documentação exigida, etc. Antes de ocorrer a migração para a MGS, muitos coordenadores entravam em contato também para negociar a substituição de funcionários insatisfeitos ou com desempenho ruim. (9) Coordenadores e gestores com funcionários e supervisores: representados pelo “espiral”, estas relações estão relacionadas ao contato e convívio dos membros no ambiente de trabalho, à ajuda mútua entre os colaboradores no ambiente de trabalho. Nessas interações tem-se a caracterização de RELAÇÕES INTRAGOVERNAMENTAIS ENTRE AGENTES, que diz respeito à quebra da perspectiva top-down pelo reconhecimento da importância do diálogo entre os atores como elemento fortalecedor das ações, principalmente de implementação dessas políticas públicas. Segundo informações do gestor da unidade de Uberlândia, Luís Ricardo, [...] as cooperações que nós temos no ambiente da UAI são para ajuda mútua em determinadas funções. [...] dentro da unidade, entre os funcionários que respondem por mesmo órgão, até por estar todo mundo de baixo do mesmo telhado, tem um espírito de colaboração bem apurado. [...] a ideia sempre é melhorar o que a gente pode no modo como as coisas são feitas. O relacionamento, pelo menos hoje, na unidade de Uberlândia, é muito saudável dentro dos órgãos. Em resumo, nas palavras de Lohayne Santos, da UAI Praça Sete, 115 [...] as relações já foram mais complicadas. Hoje em dia a gente tem uma parceria maior de trabalho. O ex-coordenador daqui, costumava falar que a UAI era uma torre de Babel, porque são vários órgãos, cada um com seus procedimentos, cada um com sua forma de agir, tudo de baixo de um só, que é a SEPLAG. Então assim, querendo ou não, eles têm que alinhar o procedimento com a gente, pra que a gente crie uma forma só de gerir a unidade. Porque se cada um aqui agir de uma forma não seguindo uma orientação maior, fica complicado, realmente a gente tem muito transtorno. E esse transtorno maior é gerado pelos órgãos que tem servidores públicos de carreira, tirando isso. Ainda bem que esses órgãos geralmente só oferecem serviços para os funcionários público do Estado. [...] aqui dentro da unidade a gente tem uma parceria muito bacana. Uma interação que ainda não foi citada, que se enfraqueceu devido à ausência de um articulador, papel ocupado pelo MPOG/SEGEP, foram as RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS HORIZONTAIS, caracterizadas pelo compartilhamento de informações entre as diversas CAI do Brasil nos seus encontros agendados anualmente. Desde 2005, data de sua última edição, poucas ações conjuntas foram feitas; o que se tem hoje é uma ação individualizada de cada estado para manutenção do modelo. Quando se coloca em evidência todas essas interações, tem-se que o único tipo de cooperação que não ocorre ainda no ambiente das UAI, orientados pela classificação de Farah (2006), são as RELAÇÕES EXTRAGOVERNAMERNTAIS (participação cidadã). Embora se tenha incluído na agenda do PMDI (2010-2014) o interesse pela efetividade na gestão das políticas públicas, que diziam valorizar os princípios da equidade e participação social, não se encontrou nenhum mecanismo formal de inclusão ou processos que estimulassem a participação deliberativa, garantissem representatividade, ou ainda, proporcionassem controle social e consolidação democrática, no sentido de fortalecer a cidadania e valorizar o diálogo como ferramenta construtiva. Talvez o serviço que mais se aproxime disso sejam os canais de comunicação direta, internet, telefone e OGE, responsável por ouvir o cidadão e encaminhar suas demandas aos órgãos responsáveis. De acordo com informações da coordenadora da UAI Praça Sete, Lohayne Santos, [...] na verdade está mais para o cidadão ser um mero cliente. Até recebemos algumas opiniões, algumas informações do cidadão, mas eles só utilizam a ouvidoria geral [...] ou pra poder fazer reclamação, ou pra dar alguma sugestão. Antes a gente trabalhava com formulário [...] pra quando o cidadão queria fazer alguma sugestão, ou passar alguma informação. A gente entregava ao cidadão o formulário, mas não havia como dar retorno pra ele. Não tem como pegar todos os formulários, e dar retorno a cada um deles por telefone. Hoje o cidadão é um mero cliente, ele entra na unidade, recebe o serviço e vai embora. 116 Em resumo, o Quadro 7 mostra os tipos de cooperação nas UAI segundo o grau de formalização das relações. Quadro 7. Grau de formalização das relações e tipos de cooperação nas UAI. Grau de formalização das relações Tipos de cooperação FORMAL INFORMAL Cooperação INTRAGOVERNAMENTAL entre SETORES Cooperação INTERGOVERNAMENTAL VERTICAL Cooperação INTRAGOVERNAMENTAL entre AGENTES Cooperação INTERGOVERNAMENTAL HORIZONTAL * Cooperação EXTRAGOVERNAMENTAL (ORGANIZAÇÕES) Cooperação EXTRAGOVERNAMENTAL (CIDADÃOS) ** Fonte: Elaborado pelo autor * Caso ainda haja algum tipo de interação entre CAI´s brasileiras, estas ocorrem de maneira informal, ou seja, não se tem conhecimento de ações conjuntas desde 200. Muito embora Minas Gerais tenha estreitado seu relacionamento com o governo português, não existe um programa formal de cooperação instituído. ** Embora esteja formalmente vinculado ao PMDI, não se tem noticiado mecanismos de inclusão social no âmbito das UAI. Aliás, julga-se não haver este tipo de relações formalizadas em nenhum outra CAI brasileira, salvo os poucos canais de comunicação direta estabelecidos entre governo e sociedade; motivo principal desta classificação. 4.3.2 Análise das dimensões e processos colaborativos Neste tópico buscou-se analisar os processos colaborativos de acordo com as três dimensões apresentadas por Ferolla e Passador (2013): participação, representatividade e publicidade. De forma indireta, sobre a dimensão da participação, pode-se relatar que a ruptura do ciclo de exclusão econômica, social e, em menor escala, política, devido à maior conscientização sobre os direito e deveres proporcionada pelas UAI, em seu papel primeiro de fortalecer a cidadania, levam à redução das desigualdades e melhoria da qualidade de vida dos cidadãos beneficiados pelo modelo. No entanto, a ausência de processos institucionalizados de participação social negligenciam evidências importantes no processo de promoção desse tipo de políticas públicas. Segundo Mariuza Peregrino, coordenadora da UAI de Poços de Caldas, [...] não existe participação do cidadão [...] muita gente que vem aqui e não sabe o que é e para que serve [...]. Ele vem tirar uma carteira de trabalho, aí a colaboradora pergunta se ele tem CPF, [...] ele sempre se assusta, pois não sabe que oferecemos esse serviço. A intenção do governo era trazer o cidadão 117 pra perto, para descobrir o que ele está precisando, mas se esqueceu do principal, ouvi-lo. Se por um lado inexistem canais formalizados para participação social, por outro, quando se fala sobre o ambiente de cooperação entre órgãos públicos, o excesso de morosidade é que prejudica a melhoria dos processos de negócio e, consequentemente, as ações conjuntas. Isso se exemplifica pelo depoimento de Lohayne Santos, coordenadora da UAI Praça Sete: [...] Na verdade o cidadão faz a manifestação (por mensagem eletrônica) e encaminha pra gente, mas as reclamações são da limpeza dos banheiros, [...] da confusão dos painéis de senhas, [...]. A gente trata isso, porém, estamos falando de problemas estruturais, de falta de funcionário, falta de material, [...], que estão fora do nosso controle. (Sobre qualquer problema na unidade) O meio de comunicação correto é, primeiramente, com a coordenação. Todos os funcionários, quando tem alguma sugestão, alguma indicação de mudança de procedimento, precisam encaminhar para a coordenação, que repassa à CEGUAI. São eles que decidem se aceitam ou não. Somente depois disso é que repassamos aos órgãos. Tem órgãos mais complicados, como por exemplo, a PF. Se tiverem alguma demanda não aceita, procuram o próprio caminho pra poder alterar o procedimento ou tomar as medidas necessárias. No que diz respeito ao contexto, a confiança é em partes garantida devido à excessiva obediência aos acordos de cooperação, mas sinalizam para uma postura meramente formal de tratamento das obrigações, sobretudo pelos funcionários da MGS alocados nas agências, já que se posicionam em nível hierárquico mais baixo. Ainda, pode-se dizer, quando se analisa o modelo de cooperação existente, ao contrário do que afirma Gregory et al. (2005), que quanto mais complexo o tema ou problema abordado, menor é a importância de se construir coletivamente as soluções. Com relação à representatividade, que versa sobre a legitimidade política e de interesses, elemento essencial não apenas nos casos de colaboração entre governo e sociedade, mas também nos diálogos entre os órgãos coabitantes para se fazer valer o acordo de cooperação ou sobre os contratos de concessão, se tem evidências de elementos de responsabilização. Questionado isso, como é feito o controle de resultados e a eficiência da gestão por parte da concessionária, da SEPLAG e das próprias agências, Luís Ricardo, gestor da UAI de Uberlândia, declarou: ‘A gente analisa’ o tempo médio de atendimento, [...] o volume e a produtividade daquele órgão. Hoje o passaporte, por exemplo, atua com capacidade total, [...] temos pessoas agendadas o dia todo, e ainda existe um grande volume de casos emergenciais. No caso da PF, que é um órgão com servidores próprios, não temos problemas. Nos demais órgãos, mensurados pelo COEF, por exemplo [...], caso da identidade, precisa da liberação da cédula, ou seja, que o material venha do órgão, e isso pode ser um 118 complicador. A gente nunca chegou a ficar sem cédulas, mas como esse material é liberado em lote, já tiveram casos em que o lote não foi liberado logo pela manhã, e isso impactou no atendimento do dia. Nesses casos a gente precisa que ficar em cima, acompanhando, [...] escalonar o problemas pra que alguém lá de cima tome alguma providência e resolva. Mesmo que autorizados e responsabilizados, ou seja, legitimados a operar, os gestores das UAI não possuem poder de deliberação, já que muitas atividades ainda são controladas pelas agências, salvo alguns exemplos, como a liberação para aplicação de provas eletrônicas de Legislação pelo DETRAN. Já quando se fala sobre o equilíbrio da diversidade de opiniões, verifica-se que as poucas iniciativas de participação, ao contrário do que informa ser necessário Miguel (2011), não envolvem a multilateralidade como seu elemento característico. Por último, tem-se que o aspecto mais falho da participação no ambiente das UAI é a publicidade, já que desconsidera o uso eficiente dos mecanismos de divulgação das informações, e conta com ferramentas de comunicação simplórias, seja no que diz respeito a acessibilidade (facilidade de acesso), conteúdo (utilidade e atualização) ou compreensibilidade (linguagem). Portanto, após a análise das três dimensões têm-se evidências de processos ainda falhos de cooperação, que se sustentam devido ao alto grau de formalização das relações, controle das operações e resultados baseados na importância desse tipo de política pública. 119 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tem-se, hoje, pelo entendimento histórico do quadro político brasileiro, um processo natural de transformação dos atos de vontade expressos pelo povo na proposição e execução de uma nova agenda. Esse processo contempla a formulação e implantação de novas políticas públicas e se coloca como a principal explicação para o surgimento dos modelos one-stopshopping no Brasil. No entanto, ao acompanhar a trajetória de desenvolvimento dessas propostas, percebe-se uma grande dicotomia: se por um lado existe o avanço da formação das redes de cooperação no setor público; por outro lado se tem os diversos problemas de gestão associados a elas, tratando-se especificamente dos aspectos operacionais que estão relacionados à dificuldade de articulação entre os parceiros. Essas dicotomias confirmam as proposições de Ebers (2002), que diz ser evidente no estudo sobre redes de cooperação a força dos objetivos econômicos como influência para sua formação, mas que se deve atentar para os problemas relacionais, que restringem ou facilitam seu desenvolvimento. No caso das UAI, fazendo um retrato histórico sobre as configurações estrutural ou funcionalista, tem-se o seguinte quadro: (1) no nível do ator pode-se considerar na visão dos órgãos, que as motivações estiveram baseadas na redução dos custos, o que confirmou a lógica econômica de participação e formação de redes de cooperação e se colocou como alternativa para a 1ª geração de reformas. Essa visão ainda prevalece, e foi utilizada pelo governo em duas oportunidades: para atrair os parceiros na transição dos PSIU para UAI em 2007, e na proposição do modelo de gestão por PPP em 2011. (2) no nível relacional, teve-se que a formalidade das relações, fundadas em princípios gerenciais, se colocou como principal garantidor de atividades de cooperação e interatividade, e ainda, se apresentou como resposta lógica para as reformas de 2ª geração. No entanto, a padronização dos processos de negócio funcionou como inibidor da cooperação e troca de informações entre os parceiros, já que a UAI se tornou uma rede altamente centralizada, que não mais permite interações espontâneas. A situação de ausência de um articulador em nível federal também dificulta esse processo de compartilhamento de conhecimento. 120 (3) no nível institucional, o cenário de inquietação social representou uma condição extremamente favorável para a formação de redes, principalmente por ter se colocado como alternativa de representatividade política, garantidora de direitos, e foi tida como uma resposta para a 3ª geração de reformas. Embora se tenha planejado alcançar isso, inexistem ações garantidoras de participação e inclusão social. A lógica de gestão ainda continua direcionada para a prestação de serviços de qualidade. A Figura 13 retrata essa discussão em estágios evolutivos, e distingue as diferentes visões e características do modelo PSIU/UAI; dando destaque para o terceiro período de reformas (2011-2014), que contempla, de acordo com as diretrizes do próprio PMDI, uma orientação para a organização do Estado em rede, de efetividade, cujos princípios norteadores estão baseados na equidade e participação. Figura 13. Evolução dos modelos PSIU/UAI em Minas Gerais. Fonte: Elaborado pelo autor Nessa proposta, as reformas e inovações das UAI tinham a pretensão de caminhar no sentido da gestão para cidadania, mas se pautam numa visão estratégica de formação de parcerias público-privadas. Contudo, se pensarmos do ponto de vista estratégico, a alternativa é válida, pois, muito embora este modelo de gestão seja uma proposta objetiva de redução do 121 gasto público, sua adoção permite ou tem intenção de dar ao governo a possibilidade de concentrar seus esforços em suas atividades finalísticas, de indução de políticas públicas. Um passo importante nesse sentido tem sido a flexibilidade oferecida pelo parceiro privado na gestão operacional das unidades. Se o principal entrave para o desenvolvimento do modelo UAI até 2006 se pautava na falta de padronização de processos, que atribuíam caráter aleatório, circunstancial ou pessoal para as decisões sobre serviços, na dificuldade de articulação política entre os parceiros e na instituição de um ambiente de cooperação, o papel do Estado agora é se concentrar nessas atividades estratégicas, com direcionamento para uma nova forma de compreensão do potencial desta política pública. No entanto, isso é restringido pelo próprio modelo centralizador vigente. 5.1 RETROCESSOS E AVANÇOS PARA A CIDADANIA Conhecidas as estratégias que caracterizam os diferentes estágios de desenvolvimento da proposta, a motivação principal desta pesquisa é elaborar uma discussão se, de fato, esse modelo de redes de cooperação contribui para o fortalecimento da cidadania e refletir sobre os desdobramentos dessa nova forma de organização do Estado na valorização do seu papel indutor de políticas públicas. Com considerações nesse sentido, tem-se num primeiro momento, a concordância com Abrucio et. al (2009), que diz que a importância dada à dimensão institucional-administrativa, pelo menos nas UAI, tem enfatizado os aspectos instrumentais da gestão mais do que os fatores sociopolíticos; embora estes sejam considerados no PMDI, quase nada tem sido feito nesse sentido. Logo, a visão “míope” de se pensar em como o Estado pode alcançar seu objetivo, peca por não se aprofundar na discussão sobre o que o Estado é ou deveria ser, ou seja, ações pontuais econômicas desenvolvimentistas têm sido estimuladas desconsiderandose aspectos sociais extremamente importantes. Em sua essência, os modelos one-stop-shopping têm características distintas, mas que configuram e moldam um novo formato de prestação de serviços públicos. Embora a temática ainda seja pouco explorada na academia, sua relevância é conhecida, pois contempla os benefícios e limitações das redes de cooperação enquanto estratégia de configuração das organizações na modernidade; seja pela justificativa econômica ou produtiva, numa lógica de se “fazer mais com menos”, típica da configuração estrutural, percebida por meio da 122 otimização do gasto público; ou pela justificativa social vinculada ao aumento de qualidade, numa lógica de se “fazer melhor”, típica da configuração relacional, que diz sobre o compartilhamento de informações e conhecimento entre os parceiros, que maximizam resultados. Sabe-se também que o processo de cooperação é falho e centralizado na figura da SEPLAG, que se responsabiliza por toda articulação do projeto. No entanto, muito pouco é conhecido quando se diz sobre a aplicabilidade do conceito das redes de cooperação no setor público, em especial dos modelos de gestão do atendimento integrado, sobretudo quando se analisa sua contribuição para a equidade, dentro de uma lógica de participação social, em que o objetivo é “fazer a diferença”. Nessa última perspectiva de análise, em que se enquadram questões de fortalecimento da cidadania, se pergunta: será que estas alternativas respondem aos desafios da inclusão? O modelo de atendimento integrado apresenta mecanismos de participação social? Em que sentido se avança para isso? A resposta para as duas primeiras questões é não! No entanto, ainda há algumas perspectivas futuras para que isso saia da agenda e ganhe corpo nas unidades. Na grande maioria dos casos relacionados à ideia de descentralização como fator de participação social, encontram-se estudos sobre democracia representativa, controle social, desenvolvimento local ou territorial, economia solidária, conselhos gestores, orçamento participativo. A ousadia desta pesquisa, portanto, é tentar ir além do que se tem como conhecimento, e desmistificar ou confirmar, a proposição de que a cidadania, no caso das CAI, é entendida apenas como um relato sobre o “valor percebido”. Diz-se isso porque esta proposta se encaixa claramente como uma iniciativa de reforma de segunda geração, embora ganhe traços ou contornos da primeira e se diz caminhar para uma terceira. O que se tem, manifesto pelos diversos atores entrevistados e também expressos nos diversos documentos analisados que versam sobre o modelo, é que as UAI foram institucionalizadas como espaços de atendimento cuja premissa básica seria fornecer cidadania. Embora não se tenha nesta pesquisa, uma análise profunda sobre o tema e suas diversas dimensões, tem-se que as lojas de serviços públicos cumprem um papel social extremamente relevante, mas ainda caminham no sentido da representatividade e abrangência do conceito. Como os serviços públicos só podem ser realizados pelo próprio governo, e não existe concorrência, tem-se um entendimento falho do que significa valor para o cidadão. A qualidade no atendimento (mensurada com base nas opiniões dos cidadãos), o principal princípio das reformas de segunda geração, que está relacionada aos indicadores de rapidez, 123 simpatia do atendente ou, em alguns casos, conclusão do serviço prestado, não pode ser confundida com cidadania. Num sentido mais extenso, o conceito não pode ser interpretado apenas como esta “entrega de valor”, quando não se sabe ou se tem clareza sobre que valor é esse ou como mensurá-lo. Talvez, sua interpretação mais sensata seja a discussão sobre a garantia de direitos e deveres. No entanto, se questiona, “de que vale um direito não garantido?”, ou, “para que servem os deveres, se não existir cobrança?”. Diz-se isso porque, talvez, o simples fato de ter uma carteira de trabalho (emitida pela UAI), ou seja, um direito adquirido, não seja a garantia de que ele de fato seja cumprido, que este documento seja assinado e o profissional reconhecido. Embora se saiba que para se alcançar o segundo (reconhecimento) é necessário que o primeiro exista (documento), e talvez seja exatamente esse o papel das CAI, a visão de que estes espaços são um possível caminho para o fortalecimento da cidadania pode ser verdadeira, mas não se relaciona à forma como o modelo vem sendo conduzido, numa ingênua percepção de que facilitar a vida do cidadão já traduz, na sua plenitude o conceito; facilitar a vida do cidadão serve apenas para que se perceba que o papel do Estado de indução de políticas públicas pode ser incitado pelo modelo one-stop-shopping, ou de forma mais geral, pelo uso da tipologia de redes de cooperação no setor público. Embora não se tenha noticiado “nenhuma” ação dentro das UAI que contemplem integralmente uma reforma de terceira geração, uma iniciativa futura, que está sendo estudada pela SEPLAG, talvez retrate bem o potencial dessa proposta para o fortalecimento da cidadania, e vai além da entrega de documentos, desburocratização, implantação de balcões únicos ou flexibilização do processo de comunicação. Esta diz respeito à instalação de um sistema integrado e inteligente, denominado inicialmente de Base Integrada do Cidadão (BIC), cuja função é criar um repositório completo e íntegro (CzRM) de dados que permitam a identificação de fragilidades sociais e provenham informações precisas para que outras secretarias promovam políticas públicas no intuito de resolver problemas sociais e econômicos diversos. Sua operacionalização passa pela produção de cadastros únicos; o provimento aos órgãos governamentais do acesso às informações consolidadas sobre os cidadãos do estado (linha do tempo/da vida); a criação de um sistema flexível, que permita inclusão e integração de novas funcionalidades. Enfim, o avanço da administração pública para o fortalecimento da cidadania deve contemplar a criação de mecanismos de proteção social, não apenas a garantia de direitos e deveres. Nesse sentido, diz-se sobre a necessidade de repensar o modelo para incluir essa 124 visão e, talvez, esta seja a principal recomendação de agenda para pesquisas futuras. Sugerese também, continuar as pesquisas com os materiais e objetos ainda não explorados neste trabalho (caso paulista), assim como analisar os processos colaborativos das políticas públicas em rede estabelecidas no nível municipal, a iniciar pelo modelo adotado pelas subprefeituras ou prefeituras de bairro em grandes centros urbanos. Outro ponto que merece destaque é a necessidade de aprimoramento das pesquisas sobre as implicações das mudanças gerenciais propostas pela gestão em rede e sua implicação na melhoria da prestação de serviços públicos. Por fim, ressalta-se como limitações desta pesquisa: em primeiro, a concentração das análises em um único caso, já que podem existir experiências importantes desconsideradas, e mesmo que os relatos das entrevistas tenham sinalizado para o desconhecimento de qualquer ação nesse sentido no Brasil, faz-se menção aqui de casos internacionais que podem servir de parâmetro para comparação e apontamentos para novas descobertas; em segundo, entende-se que a desconsideração de atores (órgãos parceiros) que não foram entrevistados pode ter suprimido informações importantes na análise do caso, especialmente na descrição do sistema de organização institucional-administrativa e no mapeamento e análise das relações colaborativas; e em terceiro, a ausência de um capítulo que discute de forma ampla todos os conceitos de cidadania e seus desdobramentos, que pode ter prejudicado as considerações finais desta pesquisa, sobretudo se considerada apenas uma referência do termo, que perpassa única e exclusivamente pela garantia de acesso aos serviços públicos. 125 6. 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Qual foi o papel do governo federal no processo de difusão do modelo one-stop-shopping? 5. Comente sobre a importância das CAI para sociedade e para o Estado. 6. Comente o papel das CAI para o fortalecimento da cidadania. 139 ROTEIRO DE ENTREVISTA (B) SECRETARIA DE GOVERNO E GESTÃO ESTRATÉGICA – SGGE/SP: Entrevistada: Daniel Annenberg Cargo: Diretor Presidente do DETRAN-SP SECRETARIA DE ESTADO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO – SEPLAG/MG: Entrevistada: Fernanda Girão Cargo: Intendente da Cidade Administrativa 1. O que são as CAI? 2. Em que contexto este modelo de atendimento integrado foi criado? 3. Quais foram os principais problemas e dificuldades encontradas em sua implantação (questões políticas, econômicas, gerenciais, institucionais)? 4. Como essas unidades funcionam do ponto de vista institucional-administrativo? 5. Comente sobre a importância das CAI para sociedade e para o Estado. 6. Existe integração entre os órgãos que compõem a unidade? Como isso ocorre? 7. Comente o papel das CAI para o fortalecimento da cidadania. 140 ROTEIRO DE ENTREVISTA (C) COORDENADORES/GESTORES DAS UNIDADES: Entrevistada: Marinalva Patrício – UAI Varginha-MG Entrevistada: Mariuza Peregrino – UAI Poços de Caldas-MG Entrevistada: Lohayne Santos – UAI Praça Sete/BH-MG Entrevistada: Luis Ricardo Bigoli – UAI Uberlândia-MG 1. Qual é o papel do coordenador/gestor de uma UAI? 2. Como essas unidades funcionam do ponto de vista institucional-administrativo? 3. Quais são os principais problemas (políticos, econômicos, gerenciais, institucionais)? 4. Quais são os serviços oferecidos por esta UAI? 5. Desenhe um mapa dos processos colaborativos: • Cooperação horizontal intraorganizacional (agentes e setores); • Cooperação horizontal interorganizacional; • Cooperação vertical interorganizacional; • Cooperação extraorganizacional (com organizações); e • Participação deliberativa. Avaliar as dimensões sobre os processos de cooperação (Estado-Estado e cidadão-Estado): Institucionalização: A. Como são tomadas as decisões? B. Existem canais para participação? C. Como é o processo de empoderamento? D. Como as informações são compartilhadas? E. Existe confiança? Representatividade: F. Quais são os critérios ou mecanismos de autorização? G. Existe relação com a demanda social? Publicidade: H. Como são avaliados os resultados? I. Todos têm acesso às informações? J. Qual é a linguagem utilizada?