UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE DE
RIBEIRÃO PRETO
DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES
DENIS RENATO DE OLIVEIRA
Unidades de Atendimento Integrado (UAI): um estudo de políticas públicas para o
fortalecimento da cidadania no estado de Minas Gerais
Orientador: Prof. Dr. João Luiz Passador
RIBEIRÃO PRETO
2014
Prof. Dr. Marco Antonio Zago
Reitor da Universidade de São Paulo
Prof. Dr. Dante Pinheiro Martinelli
Diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto
Profa. Dra. Sônia Valle Walter Borges de Oliveira
Chefe do Departamento de Administração
DENIS RENATO DE OLIVEIRA
Unidades de Atendimento Integrado (UAI): um estudo de políticas públicas para o
fortalecimento da cidadania no estado de Minas Gerais
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Administração de Organizações da Faculdade de
Economia,
Administração e Contabilidade de
Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, para
obtenção do título de Doutor em Ciências.
Orientador: Prof. Dr. João Luiz Passador
Versão corrigida. A original encontra-se disponível na FEA-RP/USP
RIBEIRÃO PRETO
2014
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Oliveira, Denis Renato de
Unidades de Atendimento Integrado (UAI): um estudo de políticas
públicas para o fortalecimento da cidadania no estado de Minas
Gerais. Ribeirão Preto, 2014.
140 p. : il. ; 30 cm
Tese de Doutorado, apresentada à Faculdade Economia,
Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto/USP. Área de
concentração: Estudos Organizacionais e Desenvolvimento.
Orientador: Passador, João Luiz.
1. Política Pública. 2. Rede. 3. Cooperação 4. Cidadania. 5. Centrais
de Atendimento Integrado.
FOLHA DE APROVAÇÃO
Denis Renato de Oliveira
Unidades de Atendimento Integrado (UAI): um estudo de políticas públicas para o
fortalecimento da cidadania no estado de Minas Gerais
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Administração de Organizações da Faculdade de
Economia,
Administração e Contabilidade de
Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, para
obtenção do título de Doutor em Ciências.
Aprovada em: 01/12/2014
Banca examinadora
Prof. Dr. João Luiz Passador
Instituição: FEA-RP/USP
Prof. Dr. Fernando de Souza Coelho
Instituição: EACH/USP
Prof. Dr. Luciel Henrique de Oliveira
Instituição: FGV/EAESP
Profa. Dra. Maria Sylvia Macchione Saes
Instituição: FEA/USP
Prof. Dr. Ângelo Del Vecchio
Instituição: UNESP/Araraquara
ii
Dedico este trabalho aos meus pais, que me
fizeram acreditar que o sonho era possível e
construíram comigo cada etapa desse projeto; à
minha esposa Bárbara, pelo incentivo diário; e ao
meu filho Luca, que chegou para dar sentido às
minhas escolhas!
iii
AGRADECIMENTOS
A Deus, por guiar meus passos e me mostrar o caminho da verdade e do amor!
Aos meus pais, por acreditarem na humildade e no trabalho como os verdadeiros pilares
formadores do caráter. Seu incansável esforço em me ensinar a valorizar estes princípios fez
de mim o que sou hoje. Talvez não seja exatamente isso que tenham me dito quando criança,
mas expresso em poucas palavras o que sempre entendi: “(...) você não precisa estudar na
melhor escola, mas saber buscar dentro de você o melhor estímulo para aprender”.
Aos meus avós Lucinda, João Alves e Maria Anália, meus maiores exemplos de ‘vida’.
À minha esposa Bárbara, que me faz pensar na simplicidade que podem ser os problemas
quando se tem um verdadeiro amor, companheiro e compreensivo. Pelo maior e melhor
presente que poderia receber na vida, o nosso filho Luca. Amo vocês!
Aos meus queridos amigos:
Waine, vulgo Ênio (tio, padrinho e confidente), pelos conselhos e presença.
Adriano e Larissa, pela veracidade e sinceridade dos seus sentimentos; isso é
maior que qualquer laço familiar. Ao meu afilhadinho Vitor, “padrinho te ama!”.
Alfredo Tatu, amigo que se tornou aluno, e ainda, aplicado (contramão do
processo). Se alguém, que embora não esteja matriculado no doutorado merece
defender uma tese, é você, que tantas vezes deixou seus afazeres para me acompanhar
nesse projeto de vida, sem sua ajuda essa conquista não seria possível. Foram muitas e
muitas viagens!
Stênio e Ângela, pelos causos e sorrisos, pela cumplicidade, mas
especialmente, por me deixar fazer parte da família, mesmo de forma indireta e
inesperada:“Pedrinho, dindó te ama!”.
Rafael, o cruzeirense mais sensato de todos que conheço, grande jornalista! Por
tudo que vivemos durante o drama do ingresso no doutorado; “Êê Reberão!”.
Renan, farmacêutico boêmio, ‘veRrRdadeiro’ fanfarrão, que tenta ‘peRdeR’ ou
‘ganhaRRR’ o sotaque, mas nunca consegue. “Bora pro Vila Dionísio?”
iv
Sill, minha irmãzinha carioca, pela sua consideração e carinho. Nunca me
esqueço das acolhidas em Ribeirão, dos diversos momentos de diversão nos últimos 8
anos. Você está no meu coração!
Marcola, amigo paranaense, digo, rapaz mundano, pelos momentos de alegria
e pelo churrasco que me fazia muito bem. Estendo minha gratidão à família Koller,
amigos que tão bem me receberam em sua casa!
Luna, pelos momentos de pura alegria nas aulas, pelas dicas e contribuições
significativas para este trabalho. Sua amizade foi uma grande conquista!
Filipe e Guilherme, pela amizade e companheirismo. Várias são as estórias que
podemos contar de Ribeirão Preto! Bons momentos!
À minha grande referência, Prof. Dr. João Luiz Passador, pessoa a quem tenho respeito e
admiração, por todos os ensinamentos e pela oportunidade de convivência! Espero ter
correspondido às suas expectativas. Apesar das dificuldades (obra, filho, concurso e tese) de
equacionar a vida pessoal, profissional e acadêmica, agradeço imensamente seu apoio em
todos os momentos. Conte sempre comigo!
Aos membros da banca de qualificação, Prof. Dr. Fernando Coelho e Prof. Dr. Luciel
Henrique, pelas valiosas contribuições para o aprimoramento deste projeto de pesquisa.
À Universidade de São Paulo, em especial à FEA - Ribeirão Preto, na figura de seus
professores e funcionários, que me deram a oportunidade de realizar excelentes cursos de PósGraduação Stricto-Sensu.
À CAPES, pelo apoio financeiro e reconhecimento, com a concessão do prêmio, “2010/2011Brazilian Management Research Fund Award” em parceria com a editora Emerald Insight
Publishing.
À UFOP e aos colegas do DECEG/ICSA, que me proporcionaram momentos maravilhosos no
período entre 2012 e 2013.
Por fim, à Universidade Federal de Lavras, especialmente aos colegas do DAE, que confiaram
no meu trabalho e me proporcionaram todas as condições para que este projeto fosse
concluído.
v
“I know what our public services can do and
how they are the backbone of this country. But
I know too that the way they have been run for
decades – old-fashioned, top-down, take-whatyou’re-given – is just not working for a lot of
people. Ours is a vision of open public services
– there will be more freedom, more choice and
more local control. Wherever possible we are
increasing choice by giving people direct
control over the services they use”.
David Cameron
1º Ministro Britânico
vi
RESUMO
OLIVEIRA, D. R. Unidades de Atendimento Integrado (UAI): um estudo de políticas
públicas para o fortalecimento da cidadania no estado de Minas Gerais. 2014. 156f. Tese
(Doutorado) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2014.
A estruturação de redes como suporte organizacional à gestão de políticas públicas tem se
apresentado, no contexto do Welfare State, como um novo paradigma de organização da ação
do Estado frente às constatadas imperfeições do modelo burocrático. Embora se possa
relacionar os ganhos decorrentes dessa formação, ainda não se possui uma estrutura
conceitual precisa que possibilite a identificação de um padrão gerencial ou determine os
elementos de análise essenciais das formas de interação entre os atores, a natureza das
atividades envolvidas e a configuração das relações de poder no Modelo de Gestão do
Atendimento Integrado (MGAI). Nesse sentido, objetivou-se estudar a dinâmica processual de
institucionalização da gestão de políticas públicas em rede e as formas de cooperação
existentes nas Unidades de Atendimento Integrado (UAI). Para isso foi realizada uma
pesquisa qualitativa de natureza exploratória e descritiva. Os dados foram coletados por meio
de fontes primárias, entrevistas semiestruturadas, e também, por meio de fontes secundárias,
com a consulta de decretos-lei, manuais, cadernos e publicações temáticas, releases de
encontros e reuniões, relatórios gerenciais e artigos científicos. O embasamento teórico foi
feito a partir da abordagem de quatro temas centrais: a formação do Estado democrático
moderno, a reforma administrativa do Estado, as tendências contemporâneas de políticas
públicas e as Centrais de Atendimento Integrado (CAI). Caracterizada como uma típica
relação de governo coordenado, a noção de integração e parceria no ambiente das UAI é
limitada aos acordos de cooperação e cláusulas contratuais. Tem-se, portanto uma excessiva
centralização das decisões. Pode-se dizer, por isso, que as inovações desse modelo de redes se
restringem apenas à democratização do acesso aos serviços públicos, que buscam superar o
distanciamento entre as estruturas estatais, para beneficiar o cidadão, ou seja, contemplam
visivelmente, a motivação econômica de contenção de gastos e representatividade política,
ambas, típicas das reformas de 1ª e 2ª gerações. Por fim, conclui-se que, embora tenham a
pretensão de caminhar sentido à gestão para cidadania, estas unidades não apresentam
nenhum mecanismo de participação e inclusão social. Enfim, o avanço da administração
pública para o fortalecimento da cidadania deve contemplar a criação de mecanismos de
proteção social, não apenas a garantia de direitos e deveres.
Palavras-Chave: política pública; rede; cooperação; cidadania; Centrais de Atendimento
Integrado.
vii
ABSTRACT
OLIVEIRA, D. R. Citizen Assistance Units (UAI): a public policy study for strengthening
of citizenship in state of Minas Gerais. 2014. 156f. Thesis (Doctor Degree) – Faculty of
Economy, Business and Accountability of Ribeirão Preto, São Paulo University, Ribeirão
Preto, 2014.
The structuring of organizational networks to support public policies has been presented in the
context of the welfare state, as a new paradigm of organization of state action against those
found shortcomings of the bureaucratic model. Although one can relate the gains from that
training, has yet to have a conceptual framework that allows the identification of a standard
managerial or determine the essential elements of analysis of the forms of interaction between
the actors, the nature of the activities involved and the configuration of relations power in
Integrated Citizen Assistance Management Model (MGAI). In this sense, the aim was to
study the dynamics of institutionalization of procedural public policy management and
networked forms of cooperation existing Citizen Assistance Units (UAI). For this research a
qualitative exploratory and descriptive nature was performed. Data were collected through
primary sources, semi-structured interviews, and also through secondary sources, with the
consultation of ordinances, manuals, notebooks and thematic publications, releases of
meetings, management reports and scientific papers. The theoretical foundation was made
from the four central themes approach: the formation of the modern democratic state, the
administrative reform of the state, contemporary trends of public policies and Citizen
Assistance Center (CAI). Characterized as a typical joined-up government, the notion of
integration and partnership in the environment of UAI is limited to cooperation and
contractual agreements. Therefore has an excessive centralization of decisions. It can be said
therefore that the innovations of this network model are restricted only to the democratization
of access to public services that seek to overcome the gap between the state structures, to
benefit the citizen, ie, come visibly, the economic motivation cost containment and political
representation, both typical of the reforms of 1st and 2nd generations. Finally, it is concluded
that, although they claim to walk towards the management for citizenship, these units present
no mechanism for participation and social inclusion. Anyway, the advancement of public
administration for strengthening of citizenship should include mechanisms of social
protection, not only the guarantee of rights and duties.
Key-Words: public policies; network; cooperation; citizenship; networks; Integrated Citizen
Assistance Center.
viii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento.
CAI: Central de Atendimento Integrado.
CAP: Central de Atendimento à População.
CEGUAI: Coordenadoria Especial de Gestão das UAI.
CEMIG: Companhia Energética de Minas Gerais.
CEPA: Comissão de Estudos e Projetos Administrativos.
CFSPC: Conselho Federal do Serviço Público Civil.
COEF: Coeficiente de Eficiência.
COHAB: Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais.
CONSAD: Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração.
COPASA: Companhia de Saneamento de Minas Gerais.
COSB: Comissão de Simplificação Burocrática.
CPF: Cadastro de Pessoa Física.
DASP: Departamento Administrativo do Serviço Público.
DETRAN: Departamento Estadual de Trânsito.
GERAES: Gestão Estratégica de Recursos e Ações do Estado.
GESPÚBLICA: Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização.
ICMS: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.
IIMG: Instituto de Identificação de Minas Gerais.
INSS: Instituto Nacional do Seguro Social
IPSEMG: Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais
IPTU: Imposto sobre Propriedade Territorial e Urbana.
IPVA: Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotivos.
ISSQN: Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.
ITBI: Imposto sobre Transferência de Bens Intervivos.
LDO: Lei de Diretrizes Orçamentárias.
MARE: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado.
MGAI: Modelo de Gestão do Atendimento Integrado.
MGS: Minas Gerais Serviços.
MPOG: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
MTE: Ministério do Trabalho e Emprego.
OGE: Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais.
ix
ONU: Organizações das Nações Unidas.
PBQP: Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade.
PCMG: Polícia Civil de Minas Gerais.
PDRAE: Plano Diretor de Reforma Administrativa do Estado.
PF: Polícia Federal.
PMDI: Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado.
PME: Pequenas e Micro Empresas.
PMMG: Polícia Militar de Minas Gerais.
PMPEF: Programa de Modernização do Poder Executivo Federal.
PPP: Parcerias Público-Privadas.
PROCON: Agência de Proteção ao Consumidor.
PSIU: Postos de Serviços Integrados Urbanos.
PSO: Public Service Orientation.
RF: Receita Federal.
SAC/BRASIL: Serviço Integrado de Atendimento ao Cidadão.
SAC: Serviço de Atendimento ao Cidadão.
SACI: Serviço de Atendimento ao Cidadão.
SEDESE: Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social.
SEDRU: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana.
SEGES: Secretaria de Gestão/MPOG.
SEPLAG: Secretaria do Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais.
SEPLAN: Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral.
SERHA: Secretaria de Estado de Recursos Humanos e Administração.
SGGE: Secretaria do Governo e Gestão Estratégica de São Paulo.
SIAD: Sistema de Administração de Material.
SIAFI: Sistema Integrado de Administração Financeira.
SINE: Sistema Nacional de Emprego.
SISAP: Sistema de Administração de Pessoal.
SUS: Sistema Único de Saúde.
TJMG: Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
TRE: Tribunal Regional Eleitoral.
UAI: Unidade de Atendimento Integrado.
x
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Orientações das reformas e inovações na gestão pública contemporânea. ........... 41
Quadro 2. Tipologia de redes entre organizações privadas. ................................................. 49
Quadro 3. Dimensões de análise para apreciação dos processos de cooperação. .................. 62
Quadro 4. Evolução histórica da implantação das CAI no Brasil ......................................... 76
Quadro 5. O modelo Minas Fácil. ....................................................................................... 86
Quadro 6. O modelo Balcão Único. .................................................................................... 97
Quadro 7. Grau de formalização das relações e tipos de cooperação nas UAI. ................... 116
xi
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Coeficiente médio de eficiência das UAI (2012 – 2013). ...................................... 69
Tabela 2. Caracterização dos entrevistados da pesquisa. ...................................................... 70
Tabela 3. Relação de PSIU/UAI: as gerações de one-stop-shopping em Minas Gerais ......... 88
Tabela 4. Serviços oferecidos, valores cobrados e órgãos parceiros. .................................... 92
Tabela 5. Orçamento Estado x UAI ................................................................................... 104
Tabela 6. Média de dias para conclusão de um chamado - MGS. ....................................... 105
xii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Modelo sistêmico de políticas públicas................................................................. 30
Figura 2. Ciclo de políticas públicas. ................................................................................... 30
Figura 3. Setores do Estado, formas de propriedade e de administração. ............................. 40
Figura 4. Níveis de análise na formação de redes interorganizacionais. ............................... 47
Figura 5. Circunscrição da Administração Pública sob o ideário do Estado-Rede. ............... 51
Figura 6. Modelos de governo. ............................................................................................ 53
Figura 7. Formas de cooperação na gestão pública contemporânea. ..................................... 54
Figura 8. Integração conceitual das dimensões de análise. ................................................... 58
Figura 9. Sequência circular de pesquisa em ciências sociais............................................... 65
Figura 10. Relação entre objetivos e abordagens investigativas. .......................................... 72
Figura 11. Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado. ................................................... 83
Figura 12. Mapa relacional das UAI em Minas Gerais. ..................................................... 111
Figura 13. Evolução dos modelos PSIU/UAI em Minas Gerais. ........................................ 120
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ..................................................................... VIII
LISTA DE QUADROS ....................................................................................................... X
LISTA DE TABELAS ....................................................................................................... XI
LISTA DE FIGURAS ...................................................................................................... XII
SUMÁRIO ............................................................................................................................ 1
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 3
1.1 OBJETIVOS ................................................................................................................ 6
1.1.1 Objetivo Geral ....................................................................................................... 6
1.1.2 Objetivos Específicos ............................................................................................. 6
2. REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................... 8
2.1 FORMAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO MODERNO........................................ 8
2.1.1 Antecedentes históricos e consolidação dos Estados Nacionais ............................. 8
2.1.2 O nascimento da ciência política ......................................................................... 11
2.1.3 O Iluminismo, os Contratualistas e a Teoria do Estado ....................................... 13
2.2 REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO ........................................................ 16
2.2.1 As contradições do liberalismo e a dinâmica democrática ................................... 16
2.2.2 Desenvolvimento e crise do modelo Welfare States .............................................. 18
2.2.3 Pressupostos do paradigma neoliberal ................................................................ 20
2.2.4 A edificação da new public management ............................................................. 21
2.3 TENDÊNCIAS NA GESTÃO DE GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ................. 26
2.3.1 Teorias no campo de políticas públicas ............................................................... 26
2.3.2 Evolução do aparato governamental brasileiro ................................................... 32
2.3.3 Desvendando o poder das redes........................................................................... 45
2.3.4 Governar em rede: a nova forma do setor público ............................................... 51
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.................................................................. 64
3.1 TIPO DE PESQUISA ................................................................................................. 64
3.2 ESTUDO DE CASO ................................................................................................... 66
3.3 AMOSTRAGEM, COLETA DE DADOS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ....... 67
3.4 MODELO CONCEITUAL DE PESQUISA ................................................................ 71
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................... 73
4.1 CENTRAIS DE ATENDIMENTO INTEGRADO – CAI ............................................ 73
4.1.1 Surgimento dos modelos one-stop-shopping no Brasil ......................................... 73
2
4.1.2 Diretrizes e influências do SAC/BRASIL .............................................................. 75
4.2 UNIDADES DE ATENDIMENTO INTREGADO – UAI .......................................... 82
4.2.1 Formação da agenda: a priorização de demandas do estado de Minas Gerais .... 82
4.2.2 Formulação da política pública: definição de objetivos e alternativas de ação .... 84
4.2.3 Implementação: especificações de operacionalização e funcionamento ............... 89
4.2.4 Avaliação: um guia de decisões e orientações para o futuro .............................. 102
4.3 CLASSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES DE COOPERAÇÃO NAS UAI .................... 109
4.3.1 Caracterização dos tipos de cooperação............................................................ 110
4.3.2 Análise das dimensões e processos colaborativos .............................................. 116
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 119
5.1 RETROCESSOS E AVANÇOS PARA A CIDADANIA........................................... 121
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 125
APÊNDICE ...................................................................................................................... 138
ROTEIRO DE ENTREVISTA (A) ................................................................................. 138
ROTEIRO DE ENTREVISTA (B) ................................................................................. 139
ROTEIRO DE ENTREVISTA (C) ................................................................................. 140
3
1. INTRODUÇÃO
Em resposta aos desafios lançados pela globalização dos mercados e pela crise interna
do Estado social-democrático, atreladas ainda à exigência cada vez maior de proteção do
patrimônio público, está surgindo uma nova configuração estatal, social-liberal e republicana.
Este tipo de abordagem presume uma reforma institucional precedida pelo produto coletivo e
conflitante, de todo tipo de interesses, e de diferentes competências técnicas na formulação e
implementação das políticas públicas (BRESSER-PEREIRA, 2001; 2009; MARINI, 2002;
MENDES; TEIXEIRA, 2000).
Nesse sentido, diz-se sobre o movimento de reforma do aparelho do Estado1, que
caracteriza o modelo da new public management2. Este, que se configura como responsável
por redimensionar as bases de organização das políticas públicas por meio de processos de
descentralização, estímulo ao compartilhamento decisório e à diversificação das fontes de
financiamento e dos formatos de provisão de bens públicos, origina uma ampla variedade de
arranjos, compostos por atores governamentais, privados e não governamentais (FLEURY,
2001); proposta de desenvolvimento que requer uma mudança de paradigma pautada na
transição para modelos cooperativos, comprometidos com a inclusão política e econômica dos
grupos sociais em detrimento das ações pontuais burocráticas institucionalizadas (RIBAS
JÚNIOR; RIBAS, 2006).
Num momento fortemente marcado pelo descrédito com relação à ação estatal, em que
determinadas práticas viciadas do setor público tendem a ser vistas como parte da própria
natureza do Estado, é importante chamar a atenção para alternativas que sejam capazes de
responder as demandas hoje apresentadas por segmentos expressivos da sociedade e que
sugerem um movimento de busca de superação tanto das práticas clientelistas e particularistas
como da inércia burocrática, que nos últimos anos haviam se tornado, no imaginário coletivo,
sinônimo da administração estatal (FARAH, 1997).
Não cabe neste cenário de mudança conjuntural, interpretar o mundo como objeto de
regulação natural, como se propõe na visão dominante das ciências sociais. A política, neste
1
Reforma do Estado e reforma do aparelho do Estado tem conceitos distintos, embora possam se sobrepor. A
primeira é muito mais abrangente e compreende a redefinição das funções a serem desempenhadas pelo Estado,
o modo de intervenção econômica e social e, num plano mais abstrato, a reformulação do estatuto da política e
das relações do Estado com a sociedade. A segunda, por outro lado, é algo mais específico e concreto. Diz
respeito a mudanças na forma de administrar, à concepção de novas ferramentas gerenciais e ao modo de prestar
serviços públicos. Trata-se daquilo que se denomina frequentemente de reforma administrativa. Cf. BENTO,
Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado: entre eficiência e democratização.
Barueri-SP: Manole, 2003.
2
Algumas palavras ou expressões utilizadas nesta pesquisa serão apresentadas em inglês por se tratar de termos
originalmente estrangeiros, por não haver tradução para a língua portuguesa que corresponda fielmente ao seu
significado, por faltar um conceito próprio ou pela dificuldade inerente de referenciação.
4
caso, precisa ser interpretada como um fenômeno histórico e social que exige a busca
sistemática de novos fatos tecnológicos, que molduram e definam esses novos arranjos sociais
e institucionais (BRESSER PEREIRA, 2003).
No entanto, faz saber que a abordagem isonômica alia-se a uma visão distintamente
republicana da política, uma vez que o sistema político e social é produto do esforço de
cidadãos motivados por interesses próprios, mas capazes de perceber e promover o interesse
público (BRESSER PEREIRA, 2009). Nesse sentido, afirma-se que uma sociedade civil forte
reflete uma relativa dispersão do poder político nas formas de governo e contribui para o
advento de regimes democráticos estáveis como forma de garantir a inclusão e evitar a
subordinação; mas para isso, não pode ser compreendida fora da sua relação com o Estado
(OXHORN, 2010).
Procura-se, num primeiro momento, romper com o padrão anterior de intervenção
estatal, recaindo a ênfase das propostas então formuladas sobre a democratização dos
processos decisórios e a equidade das políticas, sendo a democratização vista como condição
unívoca. Trata-se, portanto, de implementar mudanças não apenas no regime político, mas
também no nível das políticas públicas – State-in-action – e do aparelho do Estado (FARAH,
1997).
Assim, a estruturação de redes de cooperação como suporte organizacional às políticas
públicas tem se apresentado no contexto do Welfare State como um novo paradigma de
organização da ação do Estado frente às constatadas imperfeições do modelo centralizado e
burocrático (FLEURY, 2002; AGRANOFF; MCGUIRE, 2001), buscando desenvolver
estratégias e instrumentos de promoção e sustentação de interdependências no interior de
sistemas de proteção social. No entanto, esta composição de políticas públicas apresenta como
um de seus principais desafios, a promoção de mecanismos e estratégias de integração e
articulação capazes de fornecer racionalidade e eficiência (PROVAN; MILWARD, 1995).
Embora se possa relacionar os ganhos decorrentes dessa formação e haja uma grande
quantidade de estudos que se utilizam do conceito de redes e gestão de políticas públicas
(O'TOOLE, 1997; BOGASON; TOONEY, 1998; BARDACH, 1998; MILWARD; PROVAN,
1998, 2000, 2003; AGRANOFF; MCGUIRE, 2001, 2003; BERRY et al., 2004), ainda não se
apresentou uma estrutura conceitual precisa, que possibilite a identificação de um padrão
gerencial ou determine os elementos de análise essenciais das formas de interação entre os
atores, a natureza das atividades envolvidas e a configuração das relações de poder. Além da
análise dos aspectos sobre seu funcionamento, ainda é incipiente os estudos sobre como as
redes se empenham para colaborar com informações e conhecimento.
5
É nesse sentido que os modelos de gestão baseados na cooperação se constituirão
como uma possibilidade concreta para o desenvolvimento (POWELL; KOPUT; SMITHDOERR, 1996). Essa busca se concentra não apenas na transmissão de informações entre seus
membros, mas no gerenciamento do conhecimento, transformando-o em ativo econômico e
social (CUNHA; PASSADOR, 2006).
A formulação de alternativas de ação do Estado na área social no Brasil é marcada por
dois condicionantes principais: de um lado, eixos como a democratização das estruturas de
provisão e a universalização do acesso, e de outro lado, a crise do Estado e de sua capacidade
de investimento, que veio impor restrições à concretização destas aspirações, ao mesmo
tempo em que contribuiu para a difusão de um clima ideológico antiestatal, ao qual se somou
a crítica interna ao padrão brasileiro de intervenção na área social (FARAH, 1997).
Ainda assim, ressalta-se o estudo sobre um novo formato de gestão de políticas
públicas que adveio com a implementação das Centrais de Atendimento Integrado (CAI) a
partir da década de 90 no Brasil. Seu objetivo seria promover a melhoria da qualidade e
ampliação dos serviços prestados ao cidadão, reunindo em um único local, um amplo leque de
órgãos públicos que prestassem atendimento sem discriminação ou privilégios num modelo
denominado one-stop shopping3, caracterizado pela modernização das formas de provisão dos
serviços públicos.
Em essência, para a formação e operação de uma rede intergovernamental como esta
importa tanto o conhecimento tecnológico, que é transmitido e gerado após o seu
estabelecimento, quanto àquele que é anterior à sua formação, e que possibilita o seu
surgimento. Logo, questiona-se: em que contexto essas redes surgiram? Como se organizam
(aspectos técnicos, administrativos, operacionais), considerando seus diversos órgãos e níveis
governamentais? Qual é a eficiência desse modelo para o fortalecimento da cidadania?
Assume-se assim, como premissa básica, que a institucionalização das CAI é
caracterizada por múltiplas ações, que visam incorporar conceitos e ferramentas gerenciais
nos seus respectivos modelos de integração. Há indícios de que as CAI possam adotar
estratégias e comportamentos distintos, de acordo com o estado da federação a que estejam
vinculadas, o que caracteriza os diferentes estágios de desenvolvimento dessas propostas;
portanto, conhecer como se dá esse processo é o maior interesse e a melhor justificativa de
3
O termo one-stop-shopping é um local onde os cidadãos podem obter serviços de diversas agências
governamentais. Este local inclui a presença de agências governamentais que prestam o serviço ou podem ser
compostos por entidades responsáveis por canalizar a solicitação de serviço para os órgãos competentes. Cf.
BHATTA, Gambhir. International dictionary of public management and governance. New York: Sharpe Inc.,
2006.
6
realização desta pesquisa. Nesse caso, foca-se na análise particular das Unidades de
Atendimento Integrado (UAI), que iniciou suas operações em 1997 e foi tida como uma
tendência de modernização no atendimento, um importante passo para promover a
descentralização administrativa e a democratização do acesso aos serviços públicos no estado
de Minas Gerais.
Acredita-se que este trabalho permitirá mostrar o potencial desta política pública para
o enriquecimento do debate sobre cidadania dentro da discussão que propõe Paula (2005),
além de demonstrar que o emprego do conceito de gestão em redes ainda não está
fundamentado em bases conceituais precisas (FLEURY; OUVERNEY, 2007), exigindo
diversas mudanças em sua estratégia de gestão, sobretudo nesse caso brasileiro de
cooperação.
1.1 OBJETIVOS
1.1.1 Objetivo Geral
Estudar a dinâmica processual de institucionalização da gestão de políticas públicas
em rede e as formas de cooperação existentes nas UAI.
1.1.2 Objetivos Específicos
Especificamente, busca-se:
• Descrever o contexto histórico-social de formação da UAI;
• Descrever o funcionamento da UAI do ponto de vista institucional-administrativo; e
• Verificar a influência dessa proposta para o fortalecimento da cidadania.
Para alcançar estes objetivos organiza-se um quadro conceitual, que estrutura esta
pesquisa em quatro capítulos e contemplam o estudo dos seguintes marcos teóricos:
O primeiro capítulo faz uma análise dos principais eventos que caracterizaram a
formação do Estado democrático moderno e apresenta os antecedentes históricos que marcam
o nascimento da ciência política.
O segundo capítulo situa o leitor no âmago dos fatos e acontecimentos que marcaram
o processo de transição do Estado patrimonialista para um Estado social liberal e republicano
retratando o processo de modernização dos conceitos gerenciais que advém com o surgimento
7
da new public management. Seu objetivo é auxiliar pesquisador e leitor no entendimento
sobre esta proposta de pesquisa.
O terceiro capítulo apresenta as teorias consolidadas no campo das políticas públicas,
especificamente quando se trata das tendências contemporâneas de gestão, retratadas pelo
estudo das redes de cooperação como uma nova forma de organização dos serviços
governamentais, suporte para as análises do objeto de estudo. Ainda, faz menção ao contexto
político brasileiro, enfatizando os elementos que contribuíram para sua edificação,
evidenciando os princípios de racionalidade e eficiência da atuação administrativa e em que
medidas eles abrem perspectivas teóricas de superação do modelo burocrático weberiano.
Por último, o quarto capítulo faz um relato sobre as CAI, que redefiniram as formas de
provisão dos serviços públicos na pós-modernidade. Lembra-se, contudo, que não cabe aqui o
debate de modelos explicativos ou perspectivas teóricas, apenas uma contextualização sóciohistórica para interpretação do modelo one-stop shopping e seus desdobramentos.
8
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Nesse capítulo, a revisão debruça-se sobre a formação do Estado democrático moderno
em sua acepção política, econômica e social, que constitui o debate sobre a garantia dos
direitos à cidadania, e ainda, perpassa pelas bases teóricas e origens da reforma que
caracterizam o modelo da nova gestão pública. Sua releitura faz sentido quando há o
cruzamento da pluralidade de perspectivas, econômicas e políticas, progressistas e
conservadoras, a fim de compor um quadro abrangente e inteligível acerca do contexto em
que se situa o novo paradigma gerencial público.
Nessa perspectiva de diálogo e convergência de olhares, merecem destaque dentre as
questões a serem rediscutidas, o Estado e o seu papel na condução das políticas públicas, seja
pelos impasses e limites colocados pelo processo de globalização da economia, seja pelo
ataque neoliberal às estruturas de Welfare State e à valorização de posturas teóricas prómercado (MARQUES, 1996).
2.1 FORMAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO MODERNO
2.1.1 Antecedentes históricos e consolidação dos Estados Nacionais
Considerada como um período obscuro, somente no século XIX a Idade Média passou
a ser entendida como etapa necessariamente importante da história da civilização ocidental.
Na verdade, isso se justifica, especialmente pelo fato de o período medieval ter passado por
lentas mudanças econômicas, políticas, culturais e sociais que prepararam o território e a
sociedade dos séculos seguintes para o surgimento da democracia republicana, configuração
política atual.
O processo de formação dos Estados Nacionais4, forma de organização do poder
político que teve início no século XIII, tem na análise dos seus antecedentes históricos o
feudalismo como marco de suas transformações. Esse sistema político caracterizado por
fragmentação territorial, compartilhamento do poder entre clero e nobreza, economia de
subsistência e comércio incipiente, encontrava sua legitimação nos princípios do direito
canônico, que ditava as relações de poder à época (WEFFORT, 1991).
4
Os termos Estado Nacional, Estado Absolutista e Estado Moderno serão usados neste texto indistintamente
para designar a forma de organização do poder político que teve início no século XIII e que se estabeleceu nos
séculos seguintes. Essa forma política é caracterizada pela centralização administrativa e pelo caráter absoluto do
poder político, representado e encarnado pela figura de um rei.
9
Com o término das invasões bárbaras e as evoluções tecnológicas na agricultura,
criou-se um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico, caracterizado principalmente
pela promoção e ampliação das relações comerciais ocasionados pelo excedente produtivo
agrícola e pelas mercadorias trazidas do Oriente durante as Cruzadas5, estimulando a
circulação de moeda. O aspecto demográfico também se alterou com o êxodo de
trabalhadores feudais dispensados pelo uso dessas novas tecnologias e que, protagonistas do
mercantilismo nascente, deram origem a então chamada burguesia.
Foi nesse período, especificamente no século XII, que ocorreu o renascimento das
cidades, momento histórico em que a função econômica tornou-se cada vez mais importante,
mudando várias estruturas e deixando o terreno fértil para o aparecimento de novas
organizações sociais, bem como para o desenvolvimento das escolas laicas6.
As escolas medievais surgiram ligadas à Igreja, que mantiveram, por muito tempo, os
segredos sobre o saber; trata-se das chamadas escolas monásticas e eclesiásticas urbanas.
Nesse período, assistia-se a algo novo, fato singular na medievalidade, determinado pela ação
dos conselhos urbanos e de associações de mercadores. As escolas laicas surgiram para suprir,
dentre outras coisas, as necessidades dos mercadores que apareceram com a ascendência das
relações comerciais, afinal, era interesse desse grupo social o conhecimento pela leitura,
escrita e contabilidade, elementos de fundamental importância para o desenvolvimento de
suas atividades.
As Universidades só foram surgir no século XIII, com o desenvolvimento dos ofícios,
e difundiram-se por toda a Europa Ocidental, somando, no final do século XIV, mais de
setenta instituições. Algumas recebiam o título de studium generale, termo indicativo dos
locais de ensino mais prestigiados do continente antigo, que poderia ser designado por reis ou
pela Igreja. Mais tarde, a constituição das Universidades passou a ser iniciativa
particularmente real, e possuía como objetivo principal a difusão do ensino e da ciência para a
formação de profissionais, exclusivamente voltados para o progresso do Estado.
Segundo Libera (1998, p. 368, grifo nosso), a Universidade medieval ocidental não foi
simplesmente um lugar de ensino ou formação profissional, mas um lugar de produção de
5
Diz respeito aos movimentos militares de inspiração cristã que partiram da Europa Ocidental em direção à
Palestina e à cidade de Jerusalém com o intuito de conquistá-las, ocupá-las e mantê-las sob seu domínio. Estes
movimentos estenderam-se entre os séculos XI e XIII.
6
A palavra ‘laico’ é um adjetivo que significa uma atitude crítica e separadora da interferência da religião
organizada na vida pública das sociedades contemporâneas. Esta corrente surge a partir dos abusos que foram
cometidos pela intromissão de correntes religiosas na política das nações e nas Universidades pós-medievais. A
afirmação de Max Weber de que "Deus é um tipo ideal criado pelo próprio homem", demonstra a interesse em
deixar de lado a forte influência religiosa percebida na Idade Média, em busca do fortalecimento de um Estado
laico. O laicismo teve seu auge no fim do século XIX e no início do século XX.
10
saber, um espaço de pesquisa e de confrontação, de onde surgiriam as principais indagações e
questionamentos sobre a cientificidade. Pode-se dizer que as Universidades estabeleceram-se
como uma verdadeira estrutura de poder, contrapondo-se ao enfeudamento do poder político e
do poder religioso à época, reunindo intelectuais e formando uma massa pensante contrária à
servidão, com intuito de transformar pessoas em cidadãos de direitos e deveres.
De forma geral, foi o resurgimento das cidades no século XII e a consolidação das
Universidades no século XIII que iniciaram o conjunto de transformações culturais, políticas,
sociais e econômicas ocorridas na Europa medieval. Segundo Anderson (1989, p. 20),
[...] quando os Estados Absolutistas se constituíram no Ocidente, a sua
estrutura foi fundamentalmente determinada pelo reagrupamento feudal
contra o campesinato, após a dissolução da servidão; mas foi
secundariamente determinada pela ascensão de uma burguesia urbana que,
no termo de uma série de progressos técnicos e comerciais, desenvolvia
agora manufaturas pré-industriais numa escala considerável (ANDERSON,
1989, p. 20).
Essa nova classe emergente, denominada burguesia, passou a questionar à distribuição
do poder e as relações de servidão impostas pelos valores feudais. Ela passou a deter grande
parte do poderio econômico, mas a princípio não detinha poder político, que era uma
prerrogativa da aristocracia medieval ou elite feudal.
Certos da obtenção de benefícios de um Estado nascente, a burguesia se articulou em
suas corporações de ofícios e ambicionou uma estrutura de poder político mais ampla e
unificada, a fim de constituir um sistema jurídico que propiciasse a segurança necessária às
transações mercantis. O desenvolvimento dessa burguesia mercantil e manufatureira foi um
importante passo rumo à formação dos Estados Nacionais monárquicos, visto que esta classe
emergente foi a responsável pelo pagamento dos pesados impostos que seriam aplicados na
criação e manutenção da nova configuração estatal, centralizada e representada pela figura de
um rei.
A constituição do Estado Absolutista na Europa Ocidental teve seus alicerces na
legitimidade da nobreza feudal e no subsídio econômico concedido pela burguesia. Ambas as
classes buscavam vantagens com a estruturação de um novo regime centralizado. Enquanto a
nobreza feudal buscava vantagens econômicas e isenções tributárias, enraizando-se na corte e
na ostentação administrativa do Estado, a burguesia almejava a unificação do Estado e da
moeda, bem como criação e manutenção de um exército permanente, para expandir o
comércio de produtos manufaturados, ampliando o mercado e consequentemente o capital
burguês (ANDERSON, 1989).
11
Em resumo, a centralização do poder político e a formação das monarquias europeias
são indicadores da transição gradativa da Idade Média para a Moderna, que pressupunha,
dentre outras coisas, a delimitação de um território com fronteiras bem definidas, a
legitimidade social do poder politico, a centralização da politica e a constituição de uma
estrutura administrativa mínima, os primórdios da burocracia (ABRUCIO et al., 2009).
Percebe-se, pois, num primeiro momento, que tanto a burguesia quanto a aristocracia
feudal saíram ganhando com a constituição do Estado Nacional. A nobreza feudal porque
permaneceu no poder, hegemônica, até as revoluções burguesas e o surgimento do Estado
Capitalista, e a burguesia, devido a expansão das fronteiras do comércio, garantida por meio
das práticas mercantilistas e de uma forte intervenção estatal na economia.
Todavia, com a constituição dos Estados Nacionais, a Idade Moderna configurou uma
nova visão de mundo nas sociedades ocidentais. Ela foi o período de transição do feudalismo
para o capitalismo. Com o advento desse novo sistema, o capitalismo, a burguesia, classe
social emergente, assumiria propriamente seu projeto político emancipatório contra a
aristocracia e, posteriormente, contra o Estado Absolutista. É nesse contexto de conflitos e
ampliação do poder social que surgiria as bases da cidadania e da conquista dos direitos
individuais.
2.1.2 O nascimento da ciência política
A partir do século XV fortaleceram-se os ideais burgueses, presentes nas reflexões de
clássicos da filosofia política, período histórico que foi marcado pelas contribuições de
pensadores como Nicolau Maquiavel, precursor do realismo político, Thomas Moore e outros
filósofos promotores da Reforma Protestante, como Martinho Lutero e João Calvino.
Os preceitos do pensamento moderno consideram a política como uma esfera
eminentemente social, independente da moral e da religião, e que possui regras de conduta
próprias. Esta visão compartilhada por Nicolau Maquiavel atribuía ao poder político uma
origem mundana, proveniente das ações concretas dos homens em sociedade. Sua
centralidade estava diretamente relacionada ao entendimento da “política pela política”,
rechaçando as visões correntes da política como instância divina ou ferramenta moralizadora
da sociedade (MIGUEL, 2007, p.30).
Ao contrário de propor Estados imaginários perfeitos, a reflexão maquiavélica
representa um marco na teoria política, pois faz uma inflexão rumo ao realismo, ao estudo do
que o Estado e o governo é, e não como deveriam ser; seu pensamento sobre a política, ou de
12
maneira mais ampla sobre a interface entre indivíduo e sociedade, reconhecia o caráter
instável tanto da ordem social quanto da natureza humana, pois alegava que o governante
virtuoso seria qualquer homem que lograsse mobilizar o povo promovendo harmonia e
perenidade. Essa era sua definição mais simples para a república enquanto forma de governo
ideal, que promovia a ampliação da civilidade.
Embora seus legados considerassem uma natureza humana essencialmente má,
provida de interesses, que almejava os ganhos máximos a partir do menor esforço,
subentendia-se que a finalidade de suas ações seria a manutenção da pátria e o bem geral da
comunidade, não o benefício próprio. Na política maquiavélica os princípios morais não
subsistiriam na ausência dos “meios materiais para a imposição do poder”; disto depreende-se
que “muitas vezes é preciso fazer o mal para alcançar o bem” (MIGUEL, 2007, p.19-27).
É neste sentido que a discussão sobre os meios maus e fins louváveis, cunhada na
famosa frase, “os fins justificam os meios”, de sua obra, “O Príncipe” 7, ainda se faz útil para
pensar a falsidade dos políticos. Maquiavel, com seus dizeres, procurava intuitivamente
alertar para a funcionalidade das práticas más e aconselhar que se deve sempre ter em mente
que as regras morais da política são muito diferentes, às vezes opostas, às regras da moral
religiosa. Dizia, contudo, que o político ideal era aquele não maltratado em demasia pelos
caprichos do destino e que possui virtudes suficientes para tomar as decisões corretas.
Contemporâneo desta época, dentre as diferentes dimensões que caracterizam os
relatos de Thomas Moore, estava o pressuposto de que um mundo perfeito poderia ser
construído a partir da própria sociedade e daqueles que a compõe, sem qualquer referência a
divindades ou salvadores sobrenaturais. Esse utopismo, embora não fosse uma corrente tão
oposta ao realismo político proposto por Maquiavel, conseguiu conquistar a simpatia de
católicos e comunistas radicais, pois, de modo romântico, afirmava que uma sociedade apenas
funcionaria por meio da instituição de certas regras formais.
Miguel (2007, p. 94-99) ainda ressalta que o sucesso da Reforma se dá pela defesa da
separação entre Estado e Igreja, questão vital para a consolidação dos Estados Absolutistas.
De modo geral, procura destacar que esta perspectiva está relacionada à recusa luterana da
noção de livre-arbítrio vista como uma “afronta à onipotência divina”. As boas obras, na
perspectiva de Martinho Lutero, não seriam motivos para salvação, mas apenas “meros sinais
de que o indivíduo fora escolhido por Deus”. João Calvino, por outro lado, argumentaria em
sentido semelhante, defendendo a ideia de predestinação, onde a salvação deixa de ser uma
7
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
13
questão a ser administrada pela Igreja (por meio da venda de indulgências) para ser uma
questão divina manifesta nas trajetórias individuais.
Após o movimento separatista defendido nas propostas destes pensadores, alterou-se o
quadro de discussão da ciência política, que passou para o campo das reflexões sobre sua
legitimação e obediência e teve, no século XVI, período renascentista, o debate da reinvenção
da política como campo de liberdades individuais.
2.1.3 O Iluminismo, os Contratualistas e a Teoria do Estado
Entendido enquanto etapa marcante da filosofia moderna, o Iluminismo, que pode ser
traduzido como fase de esclarecimento ou lumières (luzes em francês), foi um movimento do
pensamento europeu característico da segunda metade do século XVIII. Esse movimento
abrangeu não só o pensamento filosófico, mas também as artes, a literatura, as ciências, a
teoria política e a doutrina jurídica.
Pode-se ressaltar que o Iluminismo foi caracterizado também como um movimento
cultural que refletiu o contexto político e social de sua época, bem como se expandiu por
diversos países e se adaptou as diversas realidades. Em essência, pode ser entendido como um
conjunto de ideias e valores compartilhados e difundidos por diferentes pensadores e suas
correntes filosóficas, sendo caracterizado, dentre outras coisas, como a matriz do pensamento
liberal. Diz-se que este período marca a transição da antiga visão finalista, própria de um
universo mental dominado pela revelação e monopolizado por setores específicos e
privilegiados da sociedade, para uma nova visão de mundo terrena e humana, ou seja,
imanente, natural e racional. O progresso racional da humanidade nasce enquanto concepção
junto com três pressupostos básicos cunhados nesta época: a liberdade, o individualismo e a
igualdade jurídica.
Dentre os principais representantes do iluminismo destaca-se o suíço Jean-Jacques
Rousseau e os franceses Voltaire, Fontenelle, Helvétius, Montesquieu, Holbach, La Mettrie e
os enciclopedistas Diderot, D’Alembert e Condorcet. Na Alemanha encontra-se J. Herder, o
poeta Lessing, Kant, que escreveu sobre a ideia do Iluminismo, e Goethe. Na Inglaterra citase David Hume, o poeta Alexander Pope, o jurista e cientista político Jeremy Bentham, o
historiador Edward Gibbon e o economista Adam Smith. Por fim, na Itália, tem-se o jurista
Beccacia (MARCONDES, 2007, p. 206).
Estes autores, que se faziam valer da cientificidade, da busca e valorização do
conhecimento como instrumento de libertação, o julgavam como o principal meio para a
14
compreensão e estruturação do Estado, mas foi, em decorrência das discussões sobre a
necessidade de conciliar os direitos individuais, considerados como naturais8, com a realidade
social, que surgiu a denominação contratualistas, discussão que envolvia uma certa
concordância sobre a formulação de um contrato social enquanto fundamento da sociedade
organizada racionalmente. O contrato firmado consubstanciar-se-ia em sua legitimidade por
meio de um pacto entre indivíduo e Estado sobre a vida dos homens, tida como resultado das
condições econômicas e políticas, não mais da sua fé ou consciência individual. Deste
instrumento nasceu a figura do Estado soberano, responsável por estabelecer a lei obedecida
por todos os seguidores do pacto, em troca da garantia de segurança.
Introduzidos no campo da teoria política, percebe-se que os contratualistas se
embasaram no jusnaturalismo ao buscar compreensão para os princípios da sociedade liberal,
corrente tradicional do pensamento jurídico que afirma a existência do direito natural9. JeanJacques Rousseau, Thomas Hobbes e John Locke, em especial, consideravam o homem como
um sujeito de direitos inalienáveis e, apesar de concordarem quanto à liberdade individual e à
igualdade, discordavam com relação aos efeitos destes na vida em sociedade, especialmente,
divergiam sobre a natureza humana e as características e estrutura do Estado Moderno, a
função e o papel do direito positivo10.
Hobbes, por considerar que o direito natural só levaria à guerra de todos contra todos e
à destruição mútua, pois os homens em seu estado natural viveriam em conflito, afirma ser
necessário a criação de um direito positivo, que pode ser garantido através de um poder
centralizado que estabelece regras de convívio e pacificação. Na sua concepção, dotado de
fundamentação jurídica e do monopólio da força, o Estado promoveria a harmonia na
convivência social. Para tanto o poder do governante deveria ser ilimitado e exclusivo,
legitimado pelo contrato social estabelecido quando o indivíduo renuncia a seu direito
individual de liberdade em troca de proteção (WEFFORT, 1991).
Segundo Bresser-Pereira (2009), ao conceber esse contrato como uma nova maneira
de legitimar o poder absoluto do rei, Hobbes indiretamente estabeleceu a base da ideia dos
8
A expressão “natural” significa, neste contexto, o limite da liberdade humana que a religião não conseguiu
conter. Cf. VARIKAS, E. Naturalização da dominação e poder legítimo na teoria política clássica. Revista
de Estudos Feministas, v. 11, n. 1, p. 171-193, 2003.
9
O termo direito natural representa a liberdade dos homens em usar livremente o próprio poder para a
conservação da vida e para fazer aquilo que o juízo e a razão consideram como os meios idôneos para o alcance
desse fim. Cf. HOBBES, Thomas. Leviathan. 1651.
10
Entende-se por direito positivo o conjunto de princípios e regras que regem a vida social de determinado povo
em determinada época, e que abrange toda a disciplina da conduta humana e inclui as leis votadas pelo poder
competente, os regulamentos e as demais disposições normativas, qualquer que seja a sua espécie. Cf.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
15
direitos de cidadania, fundamentados por outros autores como Montesquieu, Rousseau e
Tocqueville, nos princípios do Estado liberal.
John Locke, por sua vez, considerava que a garantia da propriedade privada era mais
importante porque manteriam vivos os sentimentos de liberdade e proteção social. Por serem
pacíficos e dotados de razão, os homens em seu estado natural viveriam em equilíbrio,
cabendo ao Estado apenas a função de preservar tal harmonia, protegendo seus governados
contra eventuais distúrbios da paz social. Contudo, na análise de sua doutrina, percebe-se que
essa obediência, em verdade, significa participação e insinua, de fato, a cidadania
participativa (LEOPOLDO, 2010), embora desconsidere, como critica principal de JeanJacques Rousseau a questão da desigualdade na distribuição da propriedade.
Durante muito tempo, o pensamento político, julgou que a virtude cívica
compartilhada dos princípios maquiavélicos, disseminada entre a população, era condição
sine qua non para a possibilidade de democracia, independente de suas vertentes filosóficas.
Foi nesse sentido, que ocorreu o processo de estruturação do Estado Soberano e a organização
de suas respectivas funções, que só viriam acontecer no século XVIII, quando com
Montesquieu, em sua clássica obra de 1748, “O espírito das leis” 11, determinou os princípios
que deveriam reger os diferentes tipos de governo e separou-os em três poderes: executivo,
atribuindo-lhe a função administrativa; legislativo, na qual foi cometida a função normativa; e
judiciário, com a função jurisdicional; pautando pela independência e equilíbrio, de forma a se
evitar a supremacia de qualquer um deles sobre o outro (MIGUEL, 2007).
Nos seus pensamentos, Rousseau não declara, em momento algum, que a vida em
sociedade exija restrições a liberdade individual, mas sim que é exatamente o poder coercitivo
do corpo político que torna o homem livre, o que determina uma ideia de liberdade como
sinônimo de harmonia (MARQUES, 2010). Ferreira (2009, p.13) destaca a posição de
Rousseau quando se trata das competências do corpo administrativo do Estado, constituído
logo após a definição da forma e do sistema de governo a ser implantado na sociedade:
[...] O Estado será, então, um agente da soberania civil, um órgão limitado
pelo poder do povo, não uma entidade autônoma e auto referida de poder.
Aqui, como em Locke, a autoridade do soberano, quer numa monarquia ou
numa república, está fundamentada no livre consentimento dos cidadãos. No
entanto, ao contrário do que encontramos em Locke, Rousseau ratifica a
necessidade do consenso para o estabelecimento da forma de governo, afim
de que se preserve o princípio da vontade geral, una, indivisível e inalienável
(FERREIRA, 2009, p.13).
11
Original MONTESQUIEU. De l’espirit des lois, em Œuvres completes, Vol. II. Paris: Gallimard, 1951.
16
Essa submissão à autoridade soberana do povo fornece justificação ideológica para
três grandes movimentos político-sociais, a Revolução Inglesa, que prega a luta contra o
absolutismo da monarquia parlamentar pelos direitos do trabalhador, proporcionando
desenvolvimento tecnológico incomum; a Revolução Americana, que busca a supremacia da
vontade do povo nas decisões governamentais; e a Revolução Francesa, que compartilha dos
ideais Iluministas do humanismo e possibilita, a partir da venda do esforço de seu trabalho
(liberdade), garantir condições de igualdade e prosperidade. Estes ideais se consolidaram no
início do século XIX com a formação dos Estados democráticos, que se constituíam de três
princípios: 1) supremacia da vontade popular, 2) a preservação da liberdade; e 3) a igualdade
de direitos (DALLARI, 2002).
Portanto, é natural que se comente sobre a alteração do quadro político que
transformou atos de vontade expressa pelo povo na proposição e execução de uma nova
agenda, constituída pela formulação e implantação de políticas públicas e aperfeiçoamento do
aparato administrativo, que traduz a sofisticação dos instrumentos de controle e revisão das
práticas de gestão governamental. Estas ferramentas representam o cerne do desenvolvimento
dos modelos estratégicos e dos processos administrativos dos governos surgidos dentro das
sociedades industriais da recém-inaugurada modernidade.
2.2 REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO
2.2.1 As contradições do liberalismo e a dinâmica democrática
O liberalismo clássico, fase de transição histórico-política do Estado que compreendeu
o período de revolução responsável por definir os direitos e obrigações civis, pressuposto que
estava no centro das ideias de razão, lei, Estado e cidadania que surgiram no século XVIII
com os grandes filósofos iluministas, foi resultado de um duplo movimento, que perpassa pela
ampliação da organização de mercado às mercadorias “reais” e a imposição de restrições às
mercadorias “fictícias” – trabalho, terra e dinheiro – conforme observa Bresser-Pereira (2009)
nas leituras sobre Karl Polanyi12.
A expansão desse modelo e a luta democratizadora por direitos civis, políticos e
sociais, que fez surgirem meios de proteção à propriedade e aos contratos, uma infraestrutura
ao desenvolvimento econômico e diversas formas de intervenção, diretas e indiretas, para
constituir e regular o mercado interno, foram os dois processos responsáveis por modificar o
12
POLANYI, Karl. The great transformation. Boston: Beacon Press, 1957.
17
desenho do Estado até o início do século XX (ABRUCIO et al., 2009). Para Bresser-Pereira
(2009) foi com o surgimento do capitalismo que a mudança política assumiu a direção do
progresso, da racionalização e, mais recentemente, da abundância econômica, conforme
pregava o filósofo Max Weber.
Paula (2005) aponta para o utilitarismo13 pregado pelos pensadores clássicos, que
permearam o liberalismo econômico e marcaram o início da discussão sobre a amplitude ideal
do papel do Estado na sociedade e na economia. Nessa visão, o pressuposto capitalista
defendia um modelo não intervencionista de laissez-faire, e apostava na existência de uma
mão invisível14, que se encarregava de realizar uma alocação ótima dos recursos necessários
ao desenvolvimento econômico e social.
Embora, a princípio, implicasse em uma doutrina prescritiva visando o bem-estar da
coletividade, o liberalismo podia ser visto como um conjunto de ideias que tinha como
objetivo central a defesa da liberdade individual na sua dimensão política, atendendo aos
anseios da burguesia emergente, detentora dos recursos financeiros, mas desprovida de
direitos (COSTA et al., 2010). Por sua vez, essa defesa da individualidade representou mais
que uma simples luta por direitos e manutenção de deveres, significou uma fase monopolista
caracterizada pela concentração industrial e expansão imperialista, que provocou a
intensificação da desigualdade e a centralização do poder.
Se antes, a época autoritária do Estado absolutista era caracterizada por uma
administração patrimonialista de cunho opressor e despótico, o Estado liberal foi marcado
pela constituição de uma administração pública moderna, ancorada na ideia weberiana de
burocracia (ABRUCIO et al., 2009). Ainda, ressalta-se que esse fenômeno essencialmente
politico relacionado à ascensão do sistema capitalista, embora tenha estabelecido a proteção
dos direitos civis, deixou a democracia distante e a justiça social mais ainda.
Segundo Bento (2003, p.03), “o dogma do mercado como espaço neutro em relação ao
poder e emancipado quanto à dominação já não se mostra mais sustentável”. Diz-se, contudo,
que a teoria neoclássica em suas aspirações políticas liberais não foi capaz de prever as crises
econômicas, fato que também contribuiu para o questionamento de suas premissas não
intervencionistas (PAULA, 2005).
13
A concepção utilitarista vê o homem como um agente autônomo, calculista e racional, que realiza trocas
maximizando seus interesses egoístas. Cf. PAULA, Ana Paula Paes de. Por uma nova gestão pública: limites e
potencialidades da experiência contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 204p.
14
Expressão utilizada para defender uma doutrina de atuação limitada do Estado e consolidar as bases do
pensamento liberal, que assume o princípio da auto regulação da esfera econômica pelos mecanismos de
mercado, especificamente a lei da concorrência e a lei da oferta e procura. Cf. SMITH, Adam. A Riqueza das
nações: investigando sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
18
No plano ético, a crítica operou-se no resgate dos princípios humanistas, que
inspiraram e fundamentaram o conjunto institucional que constitui as liberdades públicas e o
espaço privado da autonomia do homo economicus15. Faz-se uso, portanto, das críticas
marxistas da exploração do capital sobre as massas trabalhadoras ao pretender a
compatibilidade dos direitos individuais com a justiça social, na figura de um Estado
distribuidor (BENTO, 2003).
Fundamentalmente concentrada na ideia de que a burguesia, na maior parte das
situações históricas se constitui no principal ator político na definição das ações do Estado, a
perspectiva marxista se conforma como uma teoria geral da sociedade, da economia e da
política, pretendendo dar conta de uma teoria geral da história, de uma teoria social capaz de
explicar sociedades capitalistas específicas. No entanto, ressalta-se a importância de outros
atores e do diálogo que se estabelece entre eles (agentes estatais, as corporações profissionais
e os próprios cidadãos) na constituição e gestão das ações do Estado (MARQUES, 1996).
2.2.2 Desenvolvimento e crise do modelo Welfare States
O modelo liberalista, como prenunciado, não se revelou forte o suficiente para manter
a governabilidade16, fazendo surgir, como proposta contrária, a filosofia coletivista, também
conhecida como planificação da economia17, que defendia significativa ampliação da
intervenção estatal e dos gastos governamentais para estimular o crescimento econômico,
gerar empregos e promover o bem-estar social (PAULA, 2005).
De acordo com Vieira (2006) o Estado assumiria por esta perspectiva uma conotação
assistencialista, denominada social conservadora. A tradução desse modelo de Welfare State
dota o Estado de novos instrumentos e de novas responsabilidades, entre os quais o
intervencionismo econômico. Destaca-se neste cenário a elevada racionalização do fenômeno
político, que sintetiza novos direitos a serem reivindicados pela sociedade civil e provoca o
amadurecimento das instituições estatais e administrativas.
15
O conceito de homo economicus se refere ao homem econômico, cujo trabalho é influenciado exclusivamente
por recompensas salariais, econômicas e materiais. Em outros termos, o homem procura o trabalho não porque
gosta dele, mas como um meio de ganhar a vida por meio do salário que o trabalho proporciona. Cf. MOTTA,
Fernando C. Prestes. Teoria das organizações: evolução e crítica. 2ª ed. São Paulo: Pioneira Thomson
Learning, 2003.
16
Refere-se às condições do ambiente político em que se efetivam ou deveriam efetivar-se as ações da
administração, à base de legitimidade do governo, credibilidade e imagem públicas da burocracia. Cf. BENTO,
Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado. Barueri-SP: Manole, 2003, p.85.
17
Termo utilizado para identificar sistemas econômicos nacionais com visão associada ao pensamento
keynesiano. Cf. HAYEK, F. O caminho da servidão. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.
19
De acordo com Bento (2003, p.20), isso representa o desenvolvimento da democracia,
entendida no sentido de mercado político, que possibilitar a partir do crescimento do Estado, a
mobilização social para reivindicação de interesses manifestos em direitos. Não apenas,
ocorre nesse cenário a transformação da atividade política, que obriga os governantes a
negociar sua legitimidade e representatividade por meio da resposta às demandas sociais
impostas para sua eleição. Noutros termos, inseridos nesse ambiente democrático, o Estado se
vê obrigado a suprir tais demandas com a instituição de serviços públicos, programas sociais e
precisa necessariamente, expandir os princípios burocráticos como forma natural de controle
do seu aparelho administrativo.
A implantação dessas medidas pelo New Deal18, do governo norte-americano de
Theodore Roosevelt, e pelos governos europeus no pós-guerra reforçou a doutrina keynesiana,
que consolidou a crença de que as crises capitalistas são contornáveis quando o governo
mantém o pleno emprego da economia, usando corretamente seu poder de tributar, empregar e
despender recursos (PAULA, 2005). Desta forma, a função do Estado estaria vinculada à
regularização do ciclo econômico e o impedimento de flutuações dramáticas no processo de
acumulação do capital (ISUANI, 1991).
Na contramão do pensamento sobre os benefícios deste modelo, ainda se encontravam
o pensamento crítico de alguns economistas, a citar Ludwig von Mises e Friedrich August
von Haiek, que atribuíam-no ao advento de regimes políticos totalitários, como o nazismo e
fascismo (direita) e stalinismo (esquerda), devido principalmente, à forte ênfase dada ao
coletivismo, que sofria o risco de autoritarismos políticos (PAULA, 2005).
Ainda para esta autora, a crítica dirigida ao coletivismo praticado no regime de
Welfare State e ao trabalhismo britânico sugeriu novamente uma economia de livre-mercado
como um caminho para reconstituir a democracia. Evans (1993), por sua vez, admite que a
teoria do desenvolvimento no pós-guerra baseava-se num Estado realmente moderno, visto
como agente transformador, responsável pelo processo de mudança econômica estrutural, mas
produziu, ao contrário do que se imaginava, uma imagem de Estado como obstáculo primeiro
do desenvolvimento.
O declínio do modelo de Welfare State, contudo, se inicia com o decréscimo no
crescimento do comércio mundial nos anos 70, associado à impressionante elevação das taxas
de juros reais de fins desse período e o enxugamento dos empréstimos comerciais do início
18
Nome dado a uma série de programas implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937 com o objetivo
de recuperar e reformar a economia norte-americana após o crash de 1929 ou grande depressão. Este programa
incluía quatro itens de pauta, como o investimento maciço em obras públicas; a destruição dos estoques de
gêneros agrícolas; o controle sobre os preços e a produção; e a diminuição da jornada de trabalho.
20
dos anos 80, que obrigou os países em desenvolvimento a se concentrarem de novo nos
ajustes às restrições impostas pela conjuntura internacional (EVANS, 1993), conforme previa
Bento (2003) nas suas colocações sobre o dogma da eficiência e racionalidade substantivas ao
mercado e ignoradas pelo regime político do bem-estar social.
A partir daí a mudança estrutural passar a ser definida basicamente em termos de
ajuste estrutural. Esta mudança paradigmática no modelo de Estado, ou quando não, no
modelo de gestão do Estado, reflete as influências da ideologia neoliberal e vai ter
implicações profundas na elaboração e efetivação de políticas públicas (EVANS, 1993).
2.2.3 Pressupostos do paradigma neoliberal
Alterações reais na agenda do desenvolvimento interagiram com mudanças no clima
ideológico e intelectual para trazer ao centro do debate o questionamento se o Estado deveria
mesmo tentar ser um agente econômico ativo. Por diversos motivos, dentre eles, a
globalização econômica dos mercados, o modelo de Welfare State passa a ser substituído pelo
modelo minimalista preconizado pelos teóricos do neoliberalismo, que enfaticamente
limitavam o âmbito da ação efetiva do Estado ao estabelecimento e manutenção de relações
de propriedade privada, defendidas por um aparelho analítico neo-utilitarista (EVANS, 1993).
Segundo Vieira (2006, p.05) esta configuração se trata de um modelo singular e que
representa a mais avançada sistemática de administração pública. Trata-se de uma escola
eminentemente técnica-gerencial (o governo aos especialistas) dotada de baixa ou quase nula
participação direta da sociedade civil, fator que se colocou como o seu principal desafio e
limitação (déficit de participação democrática) e resultou na sua baixa legitimação.
Essa concreta manifestação da vontade do povo, começou a ser transformada em ações
pelos governos do Estado democrático, fazendo com que as políticas públicas fossem alvo de
interesse crescente de diversos acadêmicos e agentes políticos, especialmente a partir da
década de 1980 (SARAVIA, 2006). Nesse sentido, Bento (2003, p.10) afirma que a
intervenção do Estado para o desenvolvimento econômico e a mudança social na
modernidade deve ser feito com o planejamento responsável das políticas públicas.
[...] Isso traduz a tentativa de fazer coexistir, e mesmo conciliar de modo que
se tornem noções reciprocamente implicadas, o fortalecimento da atuação (e
da eficiência) estatal e a emancipação da sociedade civil. Esta, reconhecida
na sua pluralidade, reivindica do Estado a efetivação de direitos sociais em
nome da igualdade de oportunidades e da cidadania como condição de sua
legitimidade (BENTO, 2003, p.10).
21
Nas democracias avançadas, o Estado não é independente da sociedade, nem está
acima dela, mas é a expressão dos poderes relativos que os indivíduos detêm por controlarem
as organizações da sociedade civil, os recursos econômicos ou de capital, e o conhecimento.
O objetivo da reforma da organização do Estado não é reduzi-lo de acordo com o ideal
ultraliberal, mas aumentar a capacidade de governo para que as instituições do Estado e
mercado avancem juntos em direção aos quatro principais objetivos políticos que as
sociedades democráticas contemporâneas possuem: estabilidade política, liberdade, justiça
social e desenvolvimento político (BRESSER-PEREIRA, 2009).
[...] Neste cenário onde as expressões “governabilidade”, “modelo de Estado
e de gestão”, “políticas públicas” adquirem centralidade, a Constituição de
1988, inserida em um contexto histórico de recente abertura democrática
formal, vem complexificar o debate. Não só no Brasil, como em muitos
outros países, vê-se uma revisão do ideário decisionista, segundo o qual a
resolução de diversos problemas (combate à inflação, problemas sociais) e
formulação de políticas públicas (como o incremento do desenvolvimento
econômico), requer autoridade e centralização decisória, e não democracia e
ampla deliberação. Esta postura foi sendo alterada a ponto de se reconhecer
não só a adequação, mas também a premência da participação, como valor
em si mesma, e também como sustentáculo às políticas públicas e ao
desenvolvimento (VIEIRA, 2006, p.05-06).
A composição e a estruturação de espaços democráticos denotou o movimento em prol
da construção de um capitalismo organizado, em que a classe trabalhadora abriu mão dos
ideais revolucionários de abolição da propriedade privada, em troca de medidas de
redistribuição da riqueza, que se efetuaria por meio das políticas públicas (FLEURY, 2006).
2.2.4 A edificação da new public management
Esta discussão de transição, do Estado de Welfare State para o Estado neoliberal
interessa muito, uma vez que é no primeiro modelo de Estado que se forjaram os novos
direitos sociais (coletivo e difuso) que implicam novas políticas públicas, de cunho
interdisciplinar, que surgem a partir da configuração dos preceitos social-liberal e
republicano, com o advento de uma nova forma de organização administrativa, denominada
new public management (BRESSER PEREIRA, 2009; VIEIRA, 2006).
Para Barzelay et al. (1992) a new public management pode ser definida como um
campo de debate profissional e acadêmico, de âmbito internacional, para formulação de novas
ferramentas gerenciais, novos desenhos institucionais e formatos organizacionais de
administração e prestação de serviços públicos sob o pano de fundo teórico da Nova
Economia Institucional.
22
Bento (2003, p.02) afirma, nesse sentido, que a new public management,
[...] não obstante a ênfase que confere aos novos princípios gerenciais e à
reforma do aparelho burocrático implica também a revisão dos papéis do
governo e da administração pública, assim como seu relacionamento com o
mercado e a sociedade civil. Com efeito, na medida em que cresce a
percepção, pelo meio acadêmico, de que a eficiência da atuação
administrativa e governamental aumenta na razão direta da democratização e
da transparência das políticas públicas, que seu sucesso depende
fundamentalmente do apoio político que logra alcançar, a temática da
reforma administrativa vem se aproximando progressivamente da reforma do
Estado como um todo.
Nesse sentido, Osborne e Ted (1994, grifo nosso) apresentam onze princípios que
sintetizam esta proposta e que buscam fortalecer o papel de governo como agente indutor de
mudanças: 1) catalizador; 2) pertencente à comunidade, que dá responsabilidade ao cidadão,
ao invés de apenas servi-lo; 3) competitivo, por introduzir esta lógica na prestação de serviços;
4) orientado por missões, especialmente quando se trata da transformação da burocracia; 5)
de resultados, pelo foco finalístico; 6) voltado para o cliente, por atender as necessidades dos
cidadãos; 7) empreendedor, por promover inovações; 8) preventivo, por fazer o planejamento
baseado em cenários; 9) descentralizado, por substituir a hierarquia pela participação e
cooperação; 10) orientado para o mercado; e 11) reinventado.
Essa ênfase na mudança é que referencia a discussão sobre os modelos
complementares de gestão que caracterizaram a transição para a new public management.
Nesse sentido, destaca-se o surgimento do modelo (1) Gerencialista, que encontra na
descentralização uma maneira de tornar mais eficientes as políticas públicas; (2)
Consumerism, que prega a descentralização para o governo local como critério de
aproximação social; e (3) Public Service Orientation (PSO), que enfatiza a importância da
descentralização como forma de tornar os cidadãos capazes de participar das decisões que
afetam suas vidas e de suas comunidades (ABRUCIO et al., 2009; PAULA, 2005).
Pioneiramente, o modelo gerencialista foi implantado como uma tentativa de
superação do modelo White Hall do governo de Margareth Thatcher na Inglaterra e
apresentava, na prática, alternativas para a modernização do setor público centrados em dois
pontos, a redução dos custos e o aumento da eficiência e produtividade de organizações
públicas (ABRUCIO, 1997; HOOD, 1991; PAULA, 2005).
Na experiência britânica a
palavra de ordem era “rolling back the state”, que significava contrair a máquina
governamental para a realização de um menor número de atividades, relacionadas aos seus
serviços-fim, como a definição clara das responsabilidades de cada funcionário das agencias
23
governamentais, definição clara dos objetivos governamentais e aumento da consciência sobre
o valor dos recursos (ABRUCIO et al., 2009).
Esta nova configuração, baseada em princípios neoliberais, defende a necessidade de
redução do Estado pela superioridade das ferramentas administrativas do setor privado
(DENHARDT; DENHARDT, 2000; MARTINS, 1997). Nesse sentido são adotadas políticas
gerencias como a administração por objetivos, que procura traçar linhas claras de ação para as
agências, e que torna possível a avaliação do desempenho baseada na comparação entre
resultados obtidos e o que de fato fora previamente determinado; a descentralização
administrativa ou desconcentração de poderes, que garante o aumento da autonomia das
agências e dos departamentos e; a delegação de autoridade aos funcionários vista dentro do
contexto de empoderamento funcional (ABRUCIO et al., 2009).
Porém, a crítica de Paula (2005, p.81-83) recai sobre a manutenção da dicotomia entre
a política e a administração, em que a ideia de participação se restringe apenas à execução e
não contempla a formulação das políticas, o que seria essencial num cenário mais
democrático e responsivo às demandas sociais. Outros limites do modelo são a formação de
uma nova elite burocrática; centralização do poder nas instâncias executivas; inadequação da
utilização das técnicas e práticas advindas do setor privado; dificuldade de lidar com a
complexidade dos sistemas administrativos e a dimensão sociopolítica da gestão; além da
incompatibilidade entre a lógica gerencialista e o interesse público (PAULA, 2005, p. 82).
Do conjunto de transformações geradas pela adoção dos princípios gerencialistas na
administração pública, cita-se a reorganização administrativa; a melhoria na produção de
informações relevantes sobre e para o setor público e o fortalecimento das carreiras de Estado,
com destaque para a capacitação dos agentes; avanços na regulamentação do espaço público
não estatal e; a aproximação, ainda que insuficiente, da sociedade civil nas decisões
governamentais (ABRUCIO, 2007; PAULA, 2005).
Para Paula (2005, p.93) “não se trata de negar totalmente a transferência e a adaptação
de ferramentas gerenciais para o setor público, mas de levar em consideração o contexto no
qual elas foram elaboradas e os problemas que causaram nas próprias organizações
empresariais”. Portanto, embora possua como legado a questão da eficiência, a proposta em si
não pode ser ela só, suficiente para garantir a qualidade dos serviços públicos prestados, o que
requer a implantação de mecanismos para inclusão social nas decisões governamentais. É
nesse sentido que a adoção de serviços públicos voltados para o atendimento das necessidades
dos cidadãos caracteriza o surgimento do consumerism, ou modelo voltado ao consumidor
(ABRUCIO et al., 2009).
24
Essa é uma proposta que “tem como principal política a flexibilidade de gestão, a
melhoria da qualidade dos serviços e a prioridade no atendimento às demandas do
consumidor. Nessa perspectiva, o cidadão é visto como cliente” (ANDRIOLO, 2006, p.03).
Segundo Abrucio et al. (2009, p.29) a lógica do planejamento, “a qual estabelece, a partir de
uma racionalidade técnica, o melhor programa a ser cumprido”, foi substituída pela lógica da
estratégia, em que “são levadas em conta as relações entre os atores envolvidos em cada
política, de modo a montar cenários que permitam a flexibilidade necessária para eventuais
alterações nos programas governamentais”.
A busca pela melhoria da qualidade, nesse caso, se relaciona diretamente com a
implantação de programas de avaliação de desempenho organizacional no setor público de
acordo com os dados recolhidos dos consumidores, numa tentativa de descentralizar a
administração, ou seja, aproximar o cidadão usuário para que o mesmo possa fiscalizar os
serviços; incentivar o clima de competição entre os serviços, numa tentativa de diminuir a
preocupação pela melhoria dos serviços prestados; e a extensão das relações contratuais com
organizações privadas e não governamentais. Contudo, a possibilidade dos consumidores se
transformarem em grupos de interesse, faz com que o desafio da equidade na prestação de
serviços públicos não se resolva dentro do paradigma do consumidor (ABRUCIO, 1997).
Por fim, o terceiro modelo, Public Service Orientation (PSO), se configura como uma
orientação teórica que procura levantar novas questões ou caminhos abertos pela discussão
gerencial da new public management, fundamentado nos temas do republicanismo e da
democracia, e que se utiliza de conceitos de participação política, eqüidade e justiça na
prestação de serviços públicos. Nessa proposta, o autor ressalta que “o conceito de cidadão
também evolui de um referencial individual para um sentido coletivo, de exercício da
cidadania” (ANDRIOLO, 2006, p.03, grifo nosso).
Para Abrucio et al. (2009), a principal característica da administração societal ou
Public Service Orientation é a pluralização dos sujeitos que participam das decisões que
afetam suas vidas e de suas comunidades, tornando mais amplo o conceito de cidadania.
Nesse sentido, ele ressalta a possibilidade de cooperação entre as agências, pois somente
assim o princípio da equidade poderá ser garantido.
Nesse campo de evolução do pensamento gerencial público, Andriolo (2006) separa os
modelos em duas gerações: a primeira, composta pelo gerencialismo puro, e a segunda,
composta pelo Consumerism e a Public Service Orientation, assim como a teoria denominada
Reinventing Government de reinvenção do governo, aplicada nos Estados Unidos, durante o
governo de Bill Clinton (1993-2001). Considerando a grande variedade de enfoques e
25
argumentos com relação ao papel do Estado nesta nova configuração administrativa, a análise
deve ser feita à luz de questões como a autonomia relativa; a desproporcionalidade do poder
social, considerando as elites econômicas e estatais, a articulação dos capitalistas e a
reprodução dos valores burgueses; a dependência estrutural do Estado ao capital e a
seletividade estrutural do Estado capitalista (MARQUES, 1996).
Para o autor, quando se diz sobre a autonomia relativa e a desproporcionalidade do
poder, procura-se explicitar a subordinação estrutural do Estado aos interesses da classe
economicamente dominante, e inegavelmente confirmar a existência de uma margem de
manobra para a realização de ações legitimadoras da ordem que não entrassem em conflito
com as políticas de interesse do capital. Já a dependência estrutural reflete sobre a égide
capitalista de apropriação do aparato governamental na medida em que o Estado se coloca
numa situação de dependência dos atores privados, já que não dispõe de meios de produção e
depende do ritmo da acumulação financeira obtida por meio da tributação. Não obstante,
considera-se seletividade estrutural o efeito da estrutura interna do Estado capitalista sobre as
políticas por ele implantadas, importando analisar suas formas, seus contornos e
procedimentos, não apenas o conteúdo dessas políticas.
Deve-se, no entanto, estimular políticas públicas que promovam a questão social e
valorizem os princípios básicos da cidadania. Apesar das reformas e modernizações do
Estado, o problema ainda é a capacidade do Estado de garantir quantidade e qualidade na
prestação de serviços. Nesse contexto, Tenório e Saravia (2006, p.109) defende a tese de que
“o importante não é diferenciar gestão pública de gestão social, mas resgatar a função básica
da administração pública, que é atender os interesses da sociedade como um todo. Gestão
social seria uma adjetivação da gestão pública, não o seu substituto”.
As demandas por mudança partem de dentro do Estado à medida que o crescimento
econômico e a democracia avançam, as crises induzem as transformações e os cidadãos na
sociedade civil ou na esfera pública tornam-se mais ativos e exigentes; e de fora do Estado
porque as experiências bem sucedidas em outros países podem ser copiadas, desde que sejam
adaptadas à realidade local (BRESSER-PEREIRA, 2009). Isso tudo, visto sob a ótica da
reforma do aparelho do Estado, traduz a tentativa de dinamizar as ações em prol do
desenvolvimento econômico e social incorporando uma análise conjuntural, que concebe nas
relações Estado-sociedade um caminho para interpretação integrada das políticas públicas.
26
2.3 TENDÊNCIAS NA GESTÃO DE GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
2.3.1 Teorias no campo de políticas públicas
Ao mesmo tempo em que se processava a transição para um regime democrático,
iniciava-se também um processo lento e complexo de transformação das políticas públicas,
definida por Dye (2008) tanto como as ações quanto a própria inação do governo, ou sua
intenção, como propõe Heidemann (2010) quando se diz sobre sua omissão. Tratava-se,
portanto, de (re)definir que política promover, dirigida a que segmentos; de reestruturar o
processo decisório que caracterizava no período autoritário a formulação das políticas sociais;
de alterar o modo de implementação, incluindo as estruturas de financiamento; e de reformar
o aparelho de Estado, responsável pela execução das políticas (novos processos e novas
formas de gestão) (FARAH, 1997).
Num primeiro momento, as propostas centram-se na descentralização e participação
dos cidadãos na formulação e implementação das políticas públicas. Como mostra Aureliano
e Draibe (1989), do ponto de vista da orientação substantiva das políticas sociais, procura-se
caminhar, sob o impulso das forças democratizantes, para um Estado do bem-estar do tipo
institucional-redistributivista, de corte social-democrata, caracterizado pela concepção
universalista de direitos sociais. Num segundo momento, a exemplo do Brasil, a escassez de
recursos, que passa a limitar a capacidade de investimento do Estado, afeta também sua
capacidade de resposta às demandas crescentes na área social. Assim, ao lado da preocupação
com a democratização dos processos e com a equidade dos resultados, foram introduzidas na
agenda preocupações com a eficiência, a eficácia e a efetividade da ação estatal, assim como
com a qualidade dos serviços públicos.
Essa redefinição de propostas enfatiza a necessidade do estabelecimento de
prioridades de ação; a busca de novas formas de articulação com a sociedade civil,
envolvendo a participação de organizações não governamentais, da comunidade organizada e
do setor privado, na provisão de serviços públicos; e a introdução de novas formas de gestão
nas organizações estatais, de forma a dotá-las de maior agilidade e eficiência, superando a
rigidez derivada da burocratização de procedimentos e da hierarquização excessiva dos
processos decisórios (AURELIANO; DRAIBE, 1989; FARAH, 1997).
Nesse sentido, O’Donnell (1992) distingue quatro dimensões da democratização das
políticas públicas ou do Estado em ação: (1) mudanças no processo decisório; (2) mudanças
no conteúdo das decisões; (4) mudanças no processo de implementação das políticas; e (5)
mudanças nas agências públicas.
27
Tal agenda infere, por referência, analisar iniciativas governamentais que assinalam
novas formas de gestão pública, as quais se destaca a emergência das redes de cooperação.
Para Farah (2000), essa articulação das diferentes esferas do governo promove um novo
vínculo, de parceria, em que acontece uma co-responsabilização pela política e seus
resultados. Ainda, isso tem desencadeado um novo processo político, desde a formulação até
a implementação das políticas, alicerçados em arranjos institucionais que superam a relação
de subordinação entre agências de governo baseada em hierarquia e disputa do público
beneficiado.
Contribuições teóricas recentes têm introduzido novas possibilidades analíticas,
oriundas de campos disciplinares diversos como a ciência política, economia e a sociologia
(MARQUES, 1996). Este diálogo possui como orientação avaliar como cada curso de ação
pode contribuir para a solução de problemas específicos, bem como compreender as
diferentes etapas, atores e ferramentas envolvidas no processo de elaboração e execução das
políticas como um todo (FREY, 2000; SOUZA, 2006). Esse campo holístico e
multidisciplinar (DUNN, 1994; PARSONS, 1995) de análise de políticas públicas é
responsável pela canalização de diversos modelos teóricos: public choice theory,
institucionalismo, racionalismo, incrementalismo, mixed scanning, modelo sistêmico e ciclo
de políticas públicas.
Apresenta-se, portanto, uma breve explicação sobre cada modelo, a começar pela
public choice theory, que está fundamentada na transformação do setor público por meio da
incorporação de ferramentas de mercado, usadas como mecanismos de controle para evitar a
influência de interesses individuais nas decisões governamentais e que estão diretamente
ligadas ao surgimento das reformas gerenciais (HOLZER et al., 2006; PAULA, 2005). Nesta
teoria, a incapacidade de governantes formularem racionalmente políticas públicas se dá por
interesses próprios, informações incompletas e racionalidade limitada. É neste sentido que se
diz importante que o governo proveja bens públicos para suprir as falhas do mercado (DYE,
2008; SOUZA, 2006).
Pode-se dizer, contudo, que a principal crítica recai sobre à valorização das
ferramentas mercadológicas em detrimento da preparação e competência do setor público em
atender as demandas que lhe são apresentadas (HOLZER et al., 2006; PAULA, 2005).
A segunda perspectiva, institucionalista, embora não apresente relativa influência
sobre as ações governamentais, enfatiza o papel do Estado como promotor de políticas
públicas e busca descrever sua estrutura, organização e funções institucionais (DYE, 2008;
MARCH; OLSEN, 2009; SOUZA, 2006). A ideia é que as estruturas político-institucionais
28
não só determinam as alternativas de escolha, como também influenciam os atores políticos
quanto a valores e comportamentos (FREY, 2000; MARCH; OLSEN, 2009).
A vertente mais recente dessa abordagem, o neo-institucionalismo, embora não se
constitua como teoria, caracteriza-se como um ferramental analítico de grande valia para o
estudo do Estado e suas políticas públicas (PRZEWORSKI, 1990). Esta perspectiva de análise
é demasiadamente utilizada na realização de críticas construtivas acerca da perspectiva
marxista de state in society (MARQUES, 1996). Todavia, sua crítica diz respeito à ênfase do
papel das instituições na determinação das escolhas e resultados de políticas públicas,
ignorando fatores importantes como os atores envolvidos e o contexto em que se estabelece o
processo (SARAVIA, 2006).
O neo-institucionalismo difere da corrente tradicional porque não atribui todas
explicações inerentes às políticas publicas a fatores institucionais e reconhece sua ineficiência
e parcialidade para algumas questões (THOEING, 2010). Por outro lado, March e Olsen
(2009) atribuem sua contribuição à compreensão das relações intra e interinstitucionais e o
modo como elas afetam as políticas públicas, em relação a sua natureza endógena e
construção social. A importância do desenho institucional está relacionada ao efeito
ordenador, que se fundamenta na análise de como o poder é constituído, exercido, legitimado,
controlado e redistribuído. Nessa abordagem, códigos de comportamento são providos, laços
afetivos criados e uma ordem legitimadora instituída (MARCH; OLSEN, 2009).
A terceira corrente de pensamento é o racionalismo; teoria prescritiva que sustenta o
cumprimento eficiente de metas por meio da razão entre os valores alcançados e os recursos
despendidos para o alcance dos objetivos. Essa ideia envolve o cálculo dos valores sociais,
políticos e econômicos sacrificados pela política pública (DYE, 2008; HOLZER et al., 2006;
SARAVIA, 2006; SIMON, 2010; SOUZA, 2006).
A crítica do racionalismo, que traduz a falta de políticas alternativas e permeia a
incapacidade preditiva dos gestores e sua incompetência em calcular corretamente os
caminhos de ação do Estado frente os constatados desafios sociais, fez surgir a abordagem
incrementalista, que entende a política pública como um processo de continuação, acrescido
de modificações incrementais, haja vista a exigência de tempo, competência e recursos
financeiros
para
a
investigação
das
possibilidades
de
melhoria
e
consequente
desenvolvimento de transformações. Como existe uma grande dificuldade na obtenção desses
requisitos, os gestores públicos consideram apenas políticas alternativas que causem pouco
deslocamento administrativo, organizacional, físico e econômico (DYE, 2008; LINDBLOM,
1959, 1979; SARAVIA, 2006; SOUZA, 2006).
29
Este modelo é criticado, sobretudo, por ignorar a possibilidade de mudanças
(LINDBLOM, 1959; 1979). Precursor desta corrente, o autor defende que toda análise é
incompleta, e por este motivo único pode deixar de fora algo que acaba se revelando crítico
para a implementação de uma boa política.
De acordo com a proposta de Etzioni (2010a; 2010b), a corrente denominada mixed
scanning, nova proposição apresentada mediante a análise crítica das teorias anteriores se
trata de um modelo hierárquico de tomada de decisão que combina questões de ordem maior,
com decisões incrementais de ordem menor. O termo scanning é usado como referência para
a pesquisa, coleta, processamento e avaliação de informações, bem como a elaboração de
evidencias conclusivas, suporte para o processo de tomada de decisão. Por possuir caráter
híbrido, sua proposta diferencia as decisões entre estruturantes, o que demanda a aplicação de
um tipo de abordagem incremental que estabelece o contexto e as diretrizes políticas
fundamentais; e ordinárias, que demandam a aplicação de um tipo de abordagem racional, que
por serem menos complexas admitem maior nível de detalhamento. Contudo, sofre as mesmas
críticas feitas ao racionalismo (LINDBLOM, 1979).
Em síntese, pode-se dizer que as correntes teóricas apresentadas até aqui se situam no
campo conceitual, propondo perspectivas de análise, o que se difere do próximo modelo, que
utiliza a modelagem das ações inerentes às políticas públicas, buscando identificar os atores
envolvidos e os processos que se estabelecem, bem como a interação existente entre eles.
Neste caso, diz-se que o modelo sistêmico classifica as políticas públicas como o resultado
das relações entre atores, processos e ambiente (DYE, 2008; EASTON, 1965; SOUZA,
2006).
O conceito de sistemas representado neste modelo implica que os elementos são interrelacionados e que respondem às forças do seu ambiente. Nesse contexto, encontram-se os
inputs (forças – demandas ou apoios – que afetam o sistema político), withinputs (questões
internas do próprio sistema), ambiente (meio, condição ou circunstância em que se
encontram), e os outputs (resultados produzidos pelas políticas públicas adotadas). Neste
modelo é importante destacar a influência do feedback das políticas públicas no ambiente e na
dinâmica do sistema político, sendo que todos os elementos se encontram inseridos em
sistemas internacionais e nacionais (social, econômico, cultura, etc.) como se pode ver na
Figura 1 (DYE, 2008; EASTON, 1965; SOUZA, 2006).
30
SISTEMA INTERNACIONAL
GLOBAL
SISTEMA NACIONAL
(social, econômico, cultural, etc.)
INPUTS
Demandas
Apoios
SISTEMA POLÍTICO
WHITINPUTS
Decisões
e ações
OUTPUTS
FEEDBACK
Figura 1. Modelo sistêmico de políticas públicas.
Fonte: EASTON (1965).
As críticas desse modelo, entretanto, consideram a redução lógica dos processos; a
ênfase na tomada de decisão, como processo central do sistema; e o fato dos agentes políticos
tratarem apenas dos resultados, esquecendo-se da configuração do processo. Portanto, faz-se
menção a maneira mais utilizada para se descrever a cronologia de um processo de políticas
públicas atualmente, o policy cicle (JANN; WEGRICH, 2007; SARAVIA, 2006).
Esta corrente, base de análise deste estudo, trata-se de modelos racionais que
apresentam concordância com a dicotomia entre política e administração (JANN; WEGRICH,
2007). Suas etapas não referenciam um processo linear, mas uma unidade de interpretação em
que o ponto de partida não está suficientemente claro, que apresenta estágios parcialmente
superpostos, os quais se subdividem em: agenda, formulação, implementação e avaliação
(FREY, 2000; SARAVIA, 2006; SOUZA, 2006). Este ciclo de políticas públicas é
apresentado resumidamente no esquema da Figura 2.
AGENDA
AVALIAÇÃO
FORMULAÇÃO
IMPLEMENTAÇÃO
Figura 2. Ciclo de políticas públicas.
Fonte: Adaptado de FREY (2000); SARAVIA (2006); SOUZA (2006).
31
O reconhecimento de uma temática e sua inserção na agenda governamental somente
ocorre quando se avalia um problema, expresso pela necessidade dos cidadãos. Isso pode
acontecer por iniciativa interna do governo, ou externa, por meio das pressões de atores
sociais, em mobilizações, quando o assunto é novo; ou pela consolidação, quando o assunto
tem amplo suporte social e governamental (FREY, 2000; SARAVIA, 2006; SOUZA, 2006).
A formação da agenda política acontece em meio à priorização de demandas, dadas as
combinações de atores, instituições, propósitos e condições governamentais. Quando um
problema é inserido na agenda do governo, inicia-se a fase de formulação das políticas
públicas, que contemplam a definição de objetivos, a análise das diferentes alternativas de
ação e a tomada de decisão. Foca-se ainda, no estudo de como são tomadas as decisões, de
acordo com o modelo garbage can (FREY, 2000; SARAVIA, 2006; SOUZA, 2006).
Para autores como Cohen et al. (1972) esse modelo sugere a escolha por determinada
política pública de modo aleatório, conforme as possibilidades de atuação dos gestores
públicos num dado momento, principalmente por haver vários problemas e poucas soluções.
No entanto, críticos recriminam sua exagerada desarticulação, argumentando que a decisão
por um curso de ação específico e a adoção de um programa não garantem que a prática irá
ocorrer de acordo com as ações e objetivos planejados (SARAVIA, 2006; SOUZA, 2006).
A etapa de implementação, que requer a execução da política pública pelas instituições
responsáveis (públicas ou não) inclui as especificações detalhadas do programa, a alocação de
recursos e as decisões operacionais. Em grande parte, esse processo depende das
características dos gestores e também de alguns fatores exógenos identificados, como a arena
política ou relação de forças envolvidas e os aspectos culturais vigentes, determinados pela
relação estrutura x conjuntura (PÜLZL; TREIB, 2007; SUBIRATS, 2006).
É nesse sentido que Najam (1995, p.35) propõe cinco variáveis críticas interligadas,
elementos auxiliares na explicação do sucesso ou fracasso de uma política pública: (1)
Conteúdo - o que se propõe a fazer (metas), como a questão é problematizada (teoria causal) e
como ele pretende resolver o problema (métodos); (2) Contexto - o corredor institucional
(muitas vezes estruturada como procedimentos operacionais) que a política deve percorrer, e
por cujas fronteiras é limitada, no processo de implementação; (3) Compromisso engajamento dos encarregados para proceder a implementação; (4) Capacidade - realizar as
mudanças desejadas; e (5) Clientes e Coalizões – políticas e estratégias que reforçam ou
ameaçam os interesses de implementação. Para este autor, a implementação é entendida como
32
“um processo dinâmico de negociação entre múltiplos atores, operando em múltiplos níveis,
com e entre múltiplas organizações”.
A pesquisa sobre implementação é classificada em três gerações: (1) clássica, que
assume um caráter mecanicista, que acontece após o anúncio das políticas apropriadas,
exatamente de acordo com o que foi planejado; (2) empirista, que demonstra por meio de
estudos de caso que a implementação é tão complexa quanto sua formulação; e (3) analítica,
que se preocupa menos com o fracasso e mais com a compreensão do funcionamento geral da
política e seu aprimoramento (Ibid., 1995).
O que se pode dizer, no entanto, é que tanto a tomada de decisão quanto a execução do
que foi planejado interferem muito no sucesso de uma política pública; e desta se subtraem
três abordagens: (1) top-down, que enfatiza o papel hierárquico de imposição das decisões por
parte dos gestores; 2) bottom-up, que ressalta a relevância da participação dos burocratas
locais nas decisões; e 3) teorias híbridas, que sintetizam as visões anteriores e preconizam a
necessidade de se considerar na formulação os instrumentos e recursos disponíveis para a
implementação (MARTINS, 1997; OLIVEIRA, 2006; SILVA; MELO, 2000).
A última atividade do policy cicle é a avaliação que se aplica a todo o processo, como
atividade de acompanhamento, monitoramento ou controle. O propósito desta etapa é guiar os
tomadores de decisão, orientando-os quanto à continuidade, necessidade de correções ou
mesmo suspensão de uma determinada política ou programa. Por sua vez, o modelo do ciclo
de políticas públicas é criticado por seu caráter prescritivo e pela delimitação de etapas
independentes que comumente se confundem. No entanto, parte-se do pressuposto de que
todo modelo seja essencialmente uma representação simplificada da realidade e este, tem se
mostrado uma ferramenta heurística particularmente útil para a análise do referido processo,
sobretudo se contemplada a interação entre as diversas etapas, sem que predomine uma delas
(DYE, 2008; FREY, 2000; PARSONS, 1995).
A avaliação da administração pública, especificamente no que se refere à gestão das
políticas públicas depende, sobretudo, da configuração ou desenho institucional, assim como
também se faz necessário a análise do sistema de governo adotado pelo Estado em questão.
Nesse sentido, é importante refletir sobre o atual modelo de governo brasileiro, sem se
esquecer de traçar resumidamente a trajetória mais recente de reformas do mesmo.
2.3.2 Evolução do aparato governamental brasileiro
[...] A trajetória da Administração Pública Brasileira, a partir do recorte dos
anos 30 do século passado, é repleta de iniciativas de modernização. Por
33
vezes, assumem uma dimensão mais abrangente, propondo-se a reformar o
Estado; noutras vezes, num espectro mais específico, pretendem reformar a
administração pública. Fato é que toda reforma entoa um discurso explícito
ou implícito de ruptura com o modelo anterior (COSTA, 2012, p.17, grifo
do autor).
O Estado brasileiro, no início do século XX, era um Estado patrimonial, no seio de
uma economia agrícola mercantil e de uma sociedade de classes mal saída do escravismo. O
que denota esta estrutura é a caracterização de uma administração marcada pela confusão
entre o público e o privado e evidenciada nas mudanças contextuais de cada período histórico.
Na época do descobrimento visualizava-se um patrimonialismo colonial evidenciado
por práticas exploratórias, ao contrário do patrimonialismo imperial que se via no período
monárquico (1808-1889). Por fim, o patrimonialismo oligárquico, no período republicano
(1889-1930), apresentava-se como uma prática peculiar dos proprietários de terras e do poder
local, marcado pelo coronelismo, pelo curral eleitoral e o voto de cabresto. Nesse bojo, as
práticas patrimonialistas formaram camadas políticas que sempre se colocavam como
superiores e autoritárias em relação à sociedade civil. Visualizado como uma extensão da casa
do governante, o Estado era palco de práticas nepotistas e corruptas, que deixavam de lado as
necessidades da população, legitimadora dessa forma dominadora de governo e marginalizada
do processo de decisão política (JUNQUILHO, 2010).
Mesmo após acontecimentos importantes na história brasileira, como a proclamação
da República em 1889, o quadro patrimonialista só começou a se modificar no século XX. O
permanente esforço de combater o patrimonialismo foi caracterizado pelas alterações
substanciais na forma de funcionamento dos serviços públicos, especificamente sobre as
estruturas legal e organizacional para o desenvolvimento de políticas públicas (ABRUCIO et
al., 2009).
Foi o próprio regime oligárquico que contribuiu para essa mudança, especialmente
quando se trata da Revolução de 1930 19. No entanto, ainda pode-se considerar como fatores
importantes, a crise mundial provocada pelo crash de1929, que favoreceu o enfraquecimento
das elites agrárias e a insatisfação dos militares, não elegíveis desde 1894. É nesse contexto de
insatisfações, revoltas, crise mundial que se dá início a um novo período na administração
pública brasileira (JUNQUILHO, 2010).
19
Foi um conflito armado caracterizado pela política do café-com-leite, que se refere ao acordo firmado entre os
Estados de São Paulo e Minas Gerais, que se revezavam no poder elegendo alternadamente a cada mandato, um
presidente para a República. No ano de 1930 as elites paulistas "quebraram" o acordo e elegeram seguidamente
dois presidentes, Júlio Prestes e Washington Luiz. No conflito, o gaúcho Getúlio Vargas se aliou as elites
mineiras e promoveu com a ajuda dos militares a Revolução, assumindo a presidência do Brasil. Cf.
JUNQUILHO, G. S. Teorias da administração pública. Brasília: CAPES, UAB, 2010.
34
Esse processo de transição do autoritarismo para a democracia, todavia, se dá pela
representatividade da sociedade civil (BRESSER-PEREIRA, 2001). A modernização proposta
passava por um modelo administrativo baseado na racionalidade, voltado para questões
sociais, que marcaria a intervenção do Estado na economia e induziria o desenvolvimento
industrial, aumentando a produção nacional; não fosse o golpe militar em 1964, momento em
que se iniciaria o período ditatorial no Brasil (JUNQUILHO, 2010).
Foi o crescimento do Estado e de suas funções, bem como a democratização do acesso
da sociedade ao poder público, que exigiu a conformação de uma administração pública
profissional e a racionalização de suas atividades. Surge assim, o modelo de administração
pública burocrática, que compartilhava os princípios de dominação racional-legal weberianos,
baseando-se no mérito, na especialização e competência técnica, na valorização da estrutura
hierárquica e na efetividade da divisão das tarefas. No terreno estatal isso significava a
necessidade de separar o público do privado, a fim de evitar a ineficiência patrimonial e
garantir o acesso mais universal e igualitário aos serviços públicos (ABRUCIO et al., 2009).
Argumentos a favor da lealdade e do favoritismo perderam força, e a reforma
burocrática, como estratégia de modernização do Estado, tornou-se politicamente irreversível,
constituindo-se como um fenômeno político diretamente relacionado à ascensão do Estado de
Direito e do liberalismo clássico (COSTA, 2012).
Um dos principais fatores que contribuíram para a solidificação dessa mudança foi a
criação do Conselho Federal do Serviço Público Civil (CFSPC) em 1936, posteriormente
transformado em Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) pelo Decreto-lei
nº579 de 30 de julho de 1938, que tinha a função e reformar o aparelho administrativo do
Estado (JUNQUILHO, 2010).
Para Costa (2012) essa reforma de Vargas foi fortemente influenciada por autores
clássicos, especificamente por William F. Willoughby20. Inspirado em princípios científicos
de gestão administrativa, que produziam maior eficiência organizacional, o DASP se
responsabilizava por coordenar as modificações a serem feitas na organização dos serviços
públicos, baseadas em padronização, economia e eficiência.
20
A teoria da separação entre política e administração, como pressuposto da organização da administração
pública federal, foi elaborada no contexto de uma discussão mais abrangente sobre a divisão de poderes do
Estado, e tem na eficiência operacional a finalidade da administração. Cf. WILLOUGHBY, W. F. Principles of
Public Administration. Baltimore: Johns Hopkins Press, 1927, 720p.
35
Para Torres
21
(2004 apud COSTA 2008, p.849), embora se tenha notado alguns
avanços isolados durante os governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio
Quadros e João Goulart, entre 1946 e 1964, ainda se observava a manutenção de práticas
clientelistas, que negligenciavam a burocracia existente, pois
[...] a cada desafio surgido na administração do setor público, decorrente da
própria evolução socioeconômica e política do país, a saída utilizada era
sempre a criação de novas estruturas alheias à administração direta e o
consequente adiamento da difícil tarefa de reformulação e profissionalização
da burocracia pública existente (TORRES, 2004 apud COSTA, 2008, p.849).
Tomado por princípios liberais, o período foi caracterizado por uma administração
pública desenvolvimentista, com destaque para as ações de ampliação dos direitos dos
trabalhadores e o investimento na indústria de base (TRAGTENBERG, 2009). Do ponto de
vista institucional, viu-se a realização de dois projetos isolados, a COSB (Comissão de
Simplificação Burocrática) e a CEPA (Comissão de Estudos e Projetos Administrativos)
22
,
tidas como uma das primeiras tentativas de realização das reformas (COSTA, 2008).
Embora a defesa da centralização política e administrativa, associada ao
fortalecimento do Estado, estivesse presente no texto constitucional de 1946, o modelo de
gestão estatal e corporativa do Estado Novo foi preservado, ou seja, não houve grandes
avanços em termos de modernização, houve sim um progressivo e articulado enfraquecimento
do DASP (COSTA, 2012).
[...] Esse período se caracteriza por uma crescente cisão entre a
administração direta, entregue ao clientelismo e submetida, cada vez mais
aos ditames de normas rígidas e controles, e a administração descentralizada
(autarquias, empresas, institutos e grupos especiais ad hoc), dotados de
maior autonomia gerencial e que podiam recrutar seus quadros sem
concursos, preferencialmente entre os formados em think thanks
especializados, remunerando-os em termos compatíveis com o mercado.
Constituíram-se assim ilhas de excelência no setor público voltadas para a
administração do desenvolvimento, enquanto se deteriorava o núcleo central
da administração (COSTA, 2008, p.848).
Num cenário de forte agitação política, provocada pelas reformas de base, ebulição
dos movimentos populares de esquerda e conspiração nos quartéis, ocorreu o golpe militar de
1964 (COSTA, 2012). No período da ditadura, que perdurou até 1985, a cidadania e a
democracia foram suprimidas no país, os direitos fundamentais ficaram esquecidos e a forma
21
TORRES, Marcelo Douglas de Figueiredo. Estado, democracia e administração pública no Brasil. Rio de
Janeiro: FGV, 2004.
22
O objetivo da COSB era promover estudos visando a descentralização dos serviços, por meio da avaliação da
atribuição de cada órgão ou instituição e da delegação de competências, com a fixação de sua esfera de
responsabilidade e da prestação de contas das autoridades. Já a CEPA tinha como tarefa o assessoramento da
presidência da república em tudo que se referisse aos projetos de reforma administrativa.
36
autoritária prevaleceu. Mesmo que se notasse uma preocupação pela flexibilização das ações
estatais e da descentralização da autoridade, com a criação do Ministério da
Desburocratização e o Decreto-lei n.200 de 25/02/1967 – uma espécie de lei orgânica da
administração pública, que fixava princípios de organização e administração da máquina
administrativa – o interesse não estava relacionado com os anseios da população
(JUNQUILHO, 2010).
Para Coelho (2012), isso representou uma verdadeira crise do plano de administração
burocrático, do nacional-desenvolvimentismo e do regime autoritário no final da década de
70. O modelo burocrático passou, com sua formalidade e rigidez, a não corresponder às
demandas sociais de um Estado mais eficiente, voltado para o cidadão (BRESSER-PEREIRA,
1997), pois apresentava muitas disfunções, identificadas pela confusão, autoritarismo,
privilégios, além de outros atributos negativos (COSTA, 2012).
Margeados pelo constante questionamento sobre a capacidade de manutenção dos
direitos sociais, foi promulgado pelo então ministro Hélio Beltrão, o Decreto nº 83.740, de 18
de julho de 1979, que instituiu o Programa Nacional de Desburocratização, cujo objetivo era
promover a melhoria do atendimento dos usuários do serviço público e a descentralização das
decisões administrativas, eliminando formalidades e exigências ao cidadão. Diferentemente
dos demais processos de modernização, o ineditismo desse programa foi dotar de caráter
social e político a administração pública brasileira (COSTA, 2008).
Para Abrucio et al. (2009, p.34), este seria o marco da mudança para o surgimento do
modelo gerencialista da administração pública brasileira. Embora o cenário brasileiro não
fosse, naquele momento, nada alentador,
[...] a partir da percepção de que a rigidez do modelo burocrático deixara de
ser uma solução para converter-se em um problema, com a predominância
de relações clientelistas e por vezes corporativistas, a segunda reforma,
levada a cabo durante o regime militar, tentou dotar de características
gerenciais a administração pública (ABRUCIO et al., 2009, p.34).
Marcado pela exaustão do modelo de desenvolvimento econômico e o problema
crônico da dívida externa, além de uma crescente desigualdade social – questões estruturais
graves que levaram a uma situação de estagnação e de altas taxas inflacionários (CLAD,
1998; COSTA, 2008) – retomou-se, a construção de um Estado democrático baseado no
reconhecimento dos direitos individuais e políticos e no combate do déficit social, dado que a
ditadura havia feito crescer a economia sem estender seus benefícios à população (COSTA,
2012).
37
Com o estabelecimento do pluralismo democrático, começam a ser evidenciadas as
primeiras mudanças relativas à gestão das políticas públicas, que faz crescer as pressões para
uma participação mais ampla de diversos grupos da sociedade (PECI, 2000). Neste caso, a
economia foi além do processo de industrialização, em que prevaleciam os princípios
capitalistas clássicos, para assumir características crescentes de uma sociedade pós-industrial
(BRESSER-PEREIRA, 2001).
[...] Em síntese, no plano político transitamos do Estado oligárquico ao
Estado democrático (de elites); no administrativo, do Estado patrimonial ao
Estado gerencial; no plano social, da Sociedade Senhorial para a Sociedade
Pós-Industrial. O Estado autoritário-modernizador, o Estado burocrático, e a
sociedade capitalista, que nesses três planos duraram um longo tempo na
Europa, foram aqui transições rápidas, próprias de um país que salta etapas,
mas permanece subdesenvolvido, que se moderniza, mas permanece
atrasado porque é dual e injusto (BRESSER-PEREIRA, 2001, p. 2).
Se num primeiro momento, a resposta para essa crise foi neoliberal e conservadora, de
reestabelecimento do equilíbrio fiscal e do balanço de pagamentos, numa clara proposta de
desmantelamento e redução do tamanho do Estado, num segundo momento pensou-se em sua
reconstrução, buscando uma terceira via entre o laissez-faire neoliberal e o antigo modelo
social-burocrático de intervenção estatal (CLAD, 1998).
Não obstante, mesmo que se fizesse “tudo pelo social”
23
, a Carta Constitucional de
1988 – ainda que compartilhasse princípios de países como França, Suécia, Estados Unidos,
Nova Zelândia, Inglaterra e Austrália, focadas na democratização, com reforço da legalidade e
da publicidade; na descentralização, com reconhecimento das potencialidades locais,
valorização da participação cidadã e das inovações na gestão pública; e da profissionalização
administrativa, com a valorização das competências funcionais (ABRUCIO, 2007) – assumiu
responsabilidades incompatíveis com a capacidade do Estado, agravando a situação
econômica e prejudicando a qualidade do serviço público (COSTIN, 2010).
Pode-se dizer que a adoção desproporcional de práticas populistas reforçou novamente
o caráter centralizador, rígido e hierárquico do Estado – organização burocrática baseada na
dominação racional-legal e caracterizada pelo formalismo e impessoalidade (BRESSERPEREIRA, 2001; DENHARDT; DENHARDT, 2000; PAULA, 2005) – e criou demandas
sociais além da capacidade de arrecadação e financiamento público, limitando o fluxo de
capital vital para esse modelo de gestão.
Exemplo disso é o próprio relato do IPEA (2010, p.178) sobre o federalismo, tido
como peça-chave das políticas públicas brasileiras:
23
Slogan do Governo Sarney que refletia o empenho de se voltar o Estado para a população mais humilde.
38
[...] As novas regras constitucionais realçaram a importância de dois
aspectos da questão federativa: a descentralização e as relações
intergovernamentais. A articulação entre os níveis de governo, por sua vez,
ficou em segundo plano, seja porque sofreu mais dificuldades iniciais de
implementação, seja porque os estudiosos estavam mais preocupados com o
cabo de guerra entre centralização e descentralização, em detrimento dos
arranjos de coordenação e cooperação entre os entes (IPEA, 2010, p.178).
Quando as propostas mostraram-se irrealistas e a percepção de que a estagnação
econômica estava sendo provocada pelo esgotamento simultâneo do modelo de
desenvolvimento econômico, de seus parâmetros ideológicos e do tipo de intervenção estatal,
ganhou força o tema da governabilidade (DINIZ, 1997; BRESSER-PEREIRA, 2000). A
tentativa de implantação de um modelo de gestão focado nessa questão, característico da new
public management e que apresentava a capacidade de resposta do governo às demandas da
sociedade, gerou uma expectativa de fortalecimento do papel de indução das mudanças.
Emergia assim, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a
necessidade de um modelo de gestão que propiciasse estabilidade econômica, que fosse mais
flexível, que atendesse aos anseios do povo e que aproximasse a população do Estado. Este
intuito de reforma gerencial, exposta no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
(PDRAE), responsabilidade de Luiz Carlos Bresser-Pereira, relata sobremaneira o interesse
do Estado brasileiro pela mudança, conforme se pode observar no trecho abaixo:
[...] É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração
pública “gerencial”, baseada em conceitos atuais de administração e
eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para
poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade democrática, é quem dá
legitimidade às instituições e que, portanto, se torna “cliente privilegiado”
dos serviços prestados pelo Estado (BRASIL, 1995, p.7).
Essa reforma comportou diversas mudanças, não só econômicas, como também
organizacionais, culturais e institucionais. A dimensão organizacional focou em resultados, na
capacitação e valorização do servidor público; a dimensão cultural se apresentou no sentido
de eliminar, ou ao menos minimizar, aspectos culturais negativos inerentes à administração
pública brasileira; e a dimensão institucional foi orientada pela descentralização, ou seja,
transformações se deram pela privatização de atividades econômicas e pela chamada
publicização, transferência da execução de políticas públicas a entes não estatais (BRASIL,
1995; BRESSER-PEREIRA, 2001; PAULA, 2005). No entanto,
[...] entre as alterações de paradigma na gestão pública contemporânea que
perpassam esse processo de reforma do Estado em curso no mundo,
independente da dimensão (econômico-financeira, administrativoinstitucional e sócio-político), destaca-se o ideário do Estado-Rede, que
circunscreve a administração pública para além da gestão estatal,
39
deslocando-a de uma abordagem clássica de sistema fechado para uma
abordagem contemporânea de sistema aberto (COELHO, 2012, p. 4-5).
Nesta perspectiva, ainda para o mesmo autor, abarca-se desde o compartilhamento de
atividades (e riscos) entre o Estado e a iniciativa privada até o dialogismo entre atores do
Estado e da sociedade civil em processos decisórios de aplicação de recursos públicos. O
propósito central para essa transferência de atribuições era canalizar o papel do Estado para
que ele conseguisse atender às necessidades dos cidadãos, prover as suas funções à população,
tornando-se mais aberto ao interesse público. Como bem observa Paula (2005), essa proposta
não se restringia apenas ao nível federal de governo, mas também nos governos subnacionais;
estados e municípios.
De acordo com Coelho (2012, p.2-3), na união, concomitante à estabilização
monetária e ao (re)ordenamento fiscal, no bojo do Plano Real, as principais iniciativas
orientaram-se para a revisão do arcabouço legal (Emenda Constitucional nº. 1924), para a
proposição de uma nova arquitetura organizacional (1), para a adoção de instrumentos
gerenciais (2) e para a revitalização da política de recursos humanos (3). No nível estadual,
diz-se sobre o “desequilíbrio das contas públicas, que motivou, além do ajuste estrutural,
alterações na gestão pública, visando à economia de recursos e o aumento da eficiência; e o
aprimoramento da infraestrutura (e as tecnologias) de gerenciamento, interpenetrando poder
público e sociedade civil em estruturas de governança”. Por fim, no ambiente municipal, temse a emergência das inovações no nível das instituições e práticas governamentais.
No que diz respeito à nova arquitetura organizacional, tinha-se o direcionamento das
funções do Estado em atividades exclusivas (legislação, regulação, fiscalização, fomento e
formulação de políticas públicas) e não exclusivas (serviços de caráter competitivo e
atividades auxiliares ou de apoio que foram transferidas para as organizações públicas não
estatais, como as autarquias – administração indireta – criadas pelo Decreto-lei n.200 de
1967), conforme mostra a Figura 3.
E, partindo para a discussão da adoção de instrumentos gerenciais e a nova política de
recursos humanos, fez-se uma análise sobre a atuação do corpo gerencial, especificamente
sobre o aprimoramento de conhecimento e desenvolvimento de competências que se
enquadram nos novos papéis e atividades do funcionalismo público, tais como
24
A Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998 dispôs sobre princípios e normas da Administração
Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo
do Distrito Federal, além de outras providências.
40
profissionalização, transparência, novas formas de controle e prestação de serviços, gestão por
resultados, orientação para o cidadão-usuário e accountability (ABRUCIO et al., 2009).
FORMAS DE ADMINISTRAÇÃO
FORMAS DE PROPRIEDADE
Estatal
Pública
não estatal
Privada
Burocrática
Gerencial
NÚCLEO ESTRATÉGICO
Legislativo, judiciário,
Presidência, Cúpula dos
Ministérios e Ministério Público
ATIVIDADES EXCLUSIVAS
Regulamentação, Fiscalização,
Fomento, Segurança pública e
Seguridade social
SERVIÇOS NÃO EXCLUSIVOS
Universidades, Hospitais,
Centros de Pesquisa e Museus
Publicização
PRODUÇÃO PARA O MERCADO
Empresas estatais
Privatizações
Figura 3. Setores do Estado, formas de propriedade e de administração.
Fonte: ABRUCIO et al. (2009, p.40).
[...] Afora essas transformações – ou, pelo menos, macrotendências – no
setor público-estatal brasileiro, a administração pública nacional se
transfigura, igualmente, com o crescimento do setor público não-estatal nas
políticas públicas e o aumento da interface entre a iniciativa privada e a
gestão pública, ampliando seu locus, antes circunscrito ao aparelho estatal,
para um continuum entre Estado, terceiro setor e mercado, interconectado
pelo interesse público. Em crescimento no país e acumulando expertises
em nossas questões públicas, essas organizações tanto empreendem seus
projetos sociais como atuam como interlocutoras e/ou parceiras das políticas
governamentais (COELHO, 2012, p.3-4, grifo do autor).
Todo o entendimento dessa proposta passa pela melhoria da qualidade dos serviços
públicos oferecidos e pela participação da sociedade, incluindo a priorização de ações
integradoras, intersetoriais e transdisciplinares num contexto de modernização administrativa
– configuração que parte do reconhecimento de que os Estados democráticos contemporâneos
são mais que instrumentos reguladores, pois se responsabilizam pela formulação e
implementação de políticas públicas estratégicas nas áreas sociais.
Para Peci (2000, p. 5), essa realidade fortalece a ideia de que os problemas
socioeconômicos não podem continuar a ser resolvidos pela ação exclusiva do governo,
enfatiza também o conceito de governança e o papel dos cidadãos no processo político,
41
partindo não só da identificação dos problemas, mas também da formulação, implementação e
avaliação dos resultados das políticas públicas.
Esta clara distinção entre as funções de formulação (policy-making) e implementação
(service delivery) das políticas públicas, que se consolidou a partir dos anos 90, com foco
centrado em mudanças institucionais e ações de estabilidade macroeconômica, foi orientada
por princípios teóricos oriundos da public choice theory, do novo institucionalismo
econômico (REZENDE, 2002), e ainda, por orientações normativas gerenciais.
Quadro 1. Orientações das reformas e inovações na gestão pública contemporânea.
Dimensão
Econômico-Financeira
Institucionaladministrativa
Sociopolítica
Reformas e
Inovações:
1ª Geração
2ª Geração
3º Geração
Orientação:
Eficiência
Eficácia
Efetividade
Princípios:
Economicidade/
Produtividade
Qualidade (percebida)
Equidade/Participação
Perspectiva:
“fazer mais com
menos”
“fazer melhor”
“fazer diferença”
Idéias-Chave:
• Ajuste estrutural
• Equilíbrio fiscal
• Qualidade do gasto
público
• Uso racional dos
recursos
• Controladoria
estratégica
• Pregão-Eletrônico
• PPP
• Sistemas de
Atendimento
• Desburocratização
• Planejamento
Estratégico
• Treinamento e
Desenvolvimento
• Contratualização de
Resultados
• E-gov
• Transparência
Administrativa
• Democracia participativa
• Controle social
• Impactos no público-alvo
• Desenvolvimento
Territorial
• Ação Coletiva
• Ampliação dos Direitos
Sociais
• Sustentabilidade
Criação de
Valor:
Contribuinte
Usuário
Cidadão
Modelo de
Gestão
GERENCIALISMO
CONSUMERISM
GESTÃO SOCIETAL
(instrumentos)
Fonte: Adaptado de COELHO (2012, p.7) com base em ABRUCIO et al. (2009)
De acordo com Coelho (2012, p.1, grifo nosso), todas essas transformações podem ser
revisitadas com base na discussão de três dimensões, propostas por Paula (2005)
25
25
: i.
Paula (2005) apresenta três dimensões fundamentais para a construção de uma gestão pública democrática: (1)
a dimensão econômico-financeira, que se relaciona com os problemas no âmbito das finanças públicas e
investimentos estatais, envolvendo questões de natureza fiscal, tributária e monetária; (2) a dimensão
institucional-administrativa, que abrange problemas de organização e articulação dos órgãos que compõem o
aparato estatal, assim como as dificuldades de planejamento, direção e controle das ações estatais e
profissionalização dos servidores públicos para o desempenho de suas funções; e (3) a dimensão sociopolítica,
42
econômico-financeira, que discute o ajuste/equilíbrio fiscal, a desregulamentação de
monopólios, a privatização e as parcerias público-privadas (PPP) – no âmbito do Estado-Rede
– que diversificam o papel do Estado, incluindo, além da função de intervenção (e
desenvolvimentista), atividades de regulação e catalisação; ii. institucional-administrativa, que
fala sobre as inovações gerenciais, a descentralização de políticas/recursos, o foco no
cidadão-usuário e a profissionalização da burocracia, intenções e/ou ações que,
gradativamente, impactam no modus operandi da administração pública, desfocalizando-a dos
processos e (re)orientando-a para resultados, e; iii. sociopolítica, que contempla a
accountability, a intersetorialidade e a participação como mecanismos de rearranjo das
relações entre Estado e sociedade, diminuindo a centralização/insulamento governamental e
aumentando a governança pública (e o controle social).
Em resumo, ainda conforme aponta Coelho (2012, p.5-7, grifo nosso) “a gestão
pública contemporânea subdivide-se em três orientações, que repercutem na teoria e na práxis
da administração pública” e podem ser visualizadas no Quadro 1:
1. A orientação para a eficiência, que se relaciona com a dimensão econômicofinanceira da gestão pública contemporânea e que possui como marco a crise ou
incapacidade fiscal do Estado, cujo foco é a economicidade e produtividade (relação
insumo/produto), subentendendo eficiência numa perspectiva clara de se “fazer mais
com menos”. Seu surgimento acontece entre o final dos anos 70 e início dos anos 80
com a concepção de um Estado Mínimo de orientação (neo)liberal, caracterizado por
processos de privatização e tem como filosofia a criação de valor para os
contribuintes, que almejam – normativamente – o uso racional dos recursos públicos.
2. A orientação para a eficácia, que se relaciona com a dimensão institucionaladministrativa da gestão pública contemporânea e tem como amparo as disfunções das
organizações burocráticas (insulamento, morosidade e gestão reativa) que atravancam
os resultados das organizações públicas e resultam em insatisfação dos cidadãos.
Possui foco na qualidade da prestação de serviços públicos, necessidade de
simplificação administrativa e modernização, e subentende eficácia como “fazer
melhor”. Possui a ideia de descentralização das políticas públicas sob o argumento de
compatibilizar a sua formulação com a realidade do público-alvo. No âmbito
intraorganizacional, induz a implantação de processos de planejamento estratégico,
treinamento e desenvolvimento, governo eletrônico e ouvidorias. No âmbito
que compreende problemas situados no âmago das relações entre o Estado e a sociedade, envolvendo os direitos
dos cidadãos e sua participação na gestão pública.
43
governamental, incentiva a adoção de políticas intersetoriais (governo matricial),
contratualização de resultados, planejamento da força de trabalho e alinhamento entre
planejamento, orçamento e gestão de políticas públicas. Tem como filosofia a criação
de valor para os usuários-cidadãos, que almejam - normativamente – uma melhoria da
qualidade dos outputs que recebem do setor público.
3. A orientação para a efetividade, que se relaciona com a dimensão sociopolítica da
gestão pública contemporânea, tem se preocupado em suprir os déficits de democracia
participativa, a inequidade da gestão de políticas públicas e o não atendimento de
direitos sociais. Tem como foco o princípio da participação e subentende a efetividade
na perspectiva de se “fazer diferença para o beneficiário”. Surge com a ideia de
desconcentração do poder do Estado para a sociedade civil, o que leva ao design de
mecanismos de participação e instrumentos de controle social, numa ideia de
fortalecimento da cidadania. Tem como filosofia a criação de valor para os cidadãos,
que almejam – substantivamente – proteger a res publica tornar público o processo
decisório do Estado e receber políticas públicas que gerem transformação social.
Mas afinal, será que o programa de desburocratização respondeu ou responde aos
desafios últimos da inclusão social a partir desta nova configuração, oferecendo todo o
suporte dos quais a sociedade necessita? De que modo tem sido feito a articulação entre os
órgãos governamentais nos projetos de desenvolvimento dentro da perspectiva de EstadoRede ou Estado em rede? Qual é o grau de sustentabilidade da integração desses atores?
A importância dada à dimensão institucional-administrativa, no caso brasileiro das
CAI tem enfatizado os aspectos instrumentais da gestão mais do que os fatores sociopolíticos.
Neste sentido, a visão “revolucionária” de pensar em como o Estado pode alcançar seu
objetivo, peca por não se aprofundar na discussão sobre o que o Estado é ou deveria ser, ou
seja, ações pontuais econômicas desenvolvimentistas têm sido estimuladas desconsiderandose os aspectos sociais realmente importantes (ABRUCIO et al., 2009). Embora o
gerencialismo seja considerado por Bresser-Pereira (1999, p. 7) como “uma história de
sucesso”, autores como Guerreiro Ramos (1981), Paula (2005), Hirschmann (1999), Osborne
e Plastrik (1997) criticam o modelo.
De acordo com Guerreiro Ramos (1981), o gerencialismo está preocupado
simplesmente com o mercado, com a promoção do desenvolvimento econômico e não com a
vertente social. Para o autor, as ações focalizadas, em teoria, no cidadão, é um caminho para
aprimorar o mercado e incentivar as suas relações. Só que com isso, o cidadão se torna
44
escravo dessa filosofia de mercado e não dá importância para outros fatores como a satisfação
pessoal e as ações sociais e voluntárias. Nessa mesma linha de pensamento, Hirschmann
(1999) e Osborne e Plastrik (1997) dizem que o gerencialismo possui predominância do
individualismo, em que pessoas passam a ser vistas como clientes e não como cidadãos de
fato; nesse sentido, o Estado se despreocupa com a questão da coletividade.
De acordo com Abrucio (1997), os ideais gerencialistas foram meramente
transportados da esfera privada para o setor público e permaneceram com enfoque na
separação entre política e administração. Além disso, deixa de lado um dos aspectos mais
importantes da cidadania, a participação social. Esta falha, como aponta Paula (2005) pode ser
corrigida pela adoção do novo modelo emergente de gestão, a vertente societal ou Public
Service Orientation.
Se a vertente gerencial referencia as mudanças na gestão pública a partir das
configurações dos agentes econômicos, a vertente societal baliza a discussão de novos
arranjos institucionais a partir de esferas públicas. De certa forma, ou visualiza-se uma
vertente gerencial fundamentada em pressupostos do pensamento organizacional do setor
privado, onde a gestão estratégica é elemento determinante das relações produtivas e cujas
dimensões são pautadas pela visão econômico-financeira, ou identifica-se uma vertente
societal incompleta, que apresenta como principio a intersubjetividade das relações sociais,
em que se destaca a dimensão sociopolítica do processo de tomada de decisão.
Nesse sentido, surgem os questionamentos sobre como conceber a coordenação do
serviço público no âmbito nacional, num país com dimensões continentais e quais medidas
devem ser tomadas para atenuar as desigualdades regionais, quando se considera um país
como o Brasil, a fim de garantir uma verdadeira equidade. O modelo de gestão societal ainda
não é capaz de fornecer respostas convincentes para essas perguntas. Uma das principais
causas dessa deficiência é a visão unívoca e otimista de que os cidadãos são capazes de
resolver, na esfera local, todos os problemas do setor público ou que a capacitação dos
gestores dê conta de identificar todas as demandas sociais existentes (ABRUCIO et al., 2009).
A complexidade de uma democracia representativa exige respostas mais abrangentes e
articuladas.
Sob essa perspectiva, a cidadania deixa de ser o conjunto da população pela qual o
Estado republicanamente deve zelar pelo bem-estar, para ser vista como um cliente, uma
meta, um resultado a ser alcançado. Em algumas proposições progressistas de reforma, ao
substantivo “cidadão” é acrescentado o substantivo “cliente” – cidadão-cliente, configurando-
45
se com isso o uso, e abuso, das terminologias da “mão invisível” no que deveria ser visível, a
gestão pública (PAULA, 2005, grifo do autor).
É preciso notar que todos os acontecimentos na história brasileira, bem como todas as
formas de gestão implementadas, não contaram com a participação popular, mesmo tendo os
modelos de administração evoluídos positivamente. Reconhece-se, portanto, que aos poucos a
gestão pública foi sendo direcionada para o cidadão e, foi nesse contexto, de busca pela
tipologia ideal, que surgiram as CAI.
[...] Sob esse ideário do Estado-Rede se compreende os distintos projetos
políticos e ideologias que marcaram e marcam as orientações de reformas e
inovações na gestão pública internacional e nacional, cada qual com os seus
princípios para: (a) ampliar a prestação dos serviços públicos e a provisão
das políticas públicas (alcance) e, simultaneamente, (b) melhorar os seus
desempenhos (resultados). Isto é, tendo o Estado Democrático de Direito
como premissa, o desafio é de como aumentar a quantidade e melhorar a
qualidade da gestão/políticas públicas, considerando os limites inerentes à
ambiência e estrutura da administração pública (COELHO, 2012, p.5).
2.3.3 Desvendando o poder das redes
Diversos estudos têm sido desenvolvidos para se analisar quando, onde, por que e
como as organizações, sejam elas públicas ou privadas, criam redes intra e
interorganizacionais (GRANOVETTER, 1973; PERROW, 1992; GRANDORI; SODA, 1995;
EBERS, 2002; BORGATTI; FOSTER, 2003). Nesse sentido, Nohria (1992) apresenta três
razões para o aumento dos interesses nos conceitos de rede entre os estudiosos dos fenômenos
organizacionais.
A primeira é a emergência da “nova competição”. Se antigamente o modelo
organizacional era caracterizado como uma grande empresa hierárquica, as integrações
verticais e horizontais se referem ao modelo de cooperação presente no ambiente da nova
competição. Nesse caso específico, o foco da competição não se limitou ao estudo da
legitimação como instrumento de sobrevivência, mas ressaltou a importância das relações
intra e interorganizacionais. A função dessa ideia de cooperação era viabilizar a firma
(parafraseando as ciências econômicas) para responder mais efetivamente as ameaças
competitivas (ANDRADE et al., 2013).
A segunda razão para o interesse em redes tem surgido com o recente
desenvolvimento tecnológico, que tornou possível as modalidades flexíveis de produção.
Nessa lógica, Amato Neto (2008) considera as redes de cooperação como um tipo de
configuração inovadora, que se opõe à concepção verticalizada de tratamento das questões
administrativas e se forma num contexto racional de busca pela eficiência.
46
Por fim, a terceira razão para o aumento da tendência em se visualizar as organizações
sob o prisma de redes é o próprio amadurecimento de sua análise como disciplina acadêmica.
Hoje, o interesse no conceito de redes não está mais restrito a pequenos grupos de sociólogos
ou antropólogos, mas tem se expandido para incluir pesquisadores das ciências sociais
aplicadas de modo interdisciplinar, sobretudo, e mais recentemente, da administração pública
(DUARTE; HANSEN, 2010).
Quando se pesquisa sobre as atividades e estruturas, sobre como as redes de
cooperação são construídas, desenvolvidas e até mesmo dissolvidas – nas contingências que
facilitam e restringem estes processos – Ebers (2002, p.07, grifo nosso) aponta para a
necessidade de se analisar três fases de desenvolvimento compiladas das pesquisas de Gray
(1987), Larson (1992) e Snow e Thomas, (1993) 26: (1) uma fase pré-rede ou de definição do
problema, na qual as condições para o estabelecimento de uma relação são definidas –
consiste em identificar os potenciais parceiros e controlar possíveis interesses comuns; (2)
uma segunda fase de definição de rumo, em que as condições para construir um
relacionamento são estabelecidas – momento em que os parceiros em potencial devem
articular seus valores e começar a desenvolver um senso de propósito comum; e (3) uma
terceira fase, de estruturação, em que a relações se solidificam – quando os parceiros
desenvolvem e constroem as estruturas que se destinam a apoiar as suas atividades.
Para Oliver (1990) seis fatores podem auxiliar nesse processo de análise: (1) a
imposição legal de uma instância superior; (2) a busca por controle (assimetria), quando uma
organização procura exercer controle sobre outra ou sobre os seus recursos; (3) a
reciprocidade, quando relações são estabelecidas por organizações que compartilham
objetivos comuns, iniciando relações de cooperação e coordenação; (4) a necessidade de
maior eficiência interna, quando uma organização, preocupada em melhorar sua própria
eficiência busca estabelecer relações com outras empresas para reduzir seus custos de
transação; (5) a busca por estabilidade, em face às incertezas do ambiente competitivo. Nessas
condições, organizações podem buscar o estabelecimento de relações para diminuir a sua
vulnerabilidade; e, (6) a procura de legitimidade, onde uma organização busca melhorar sua
reputação, visibilidade, imagem e prestígio através de interconexões com organizações aceitas
e respeitadas seu meio.
26
GRAY, B. Conditions Facilitating lnterorganizational ColIaboration. Human Relations. 38: 911-36, 1987.
LARSON, A. Network Dyads in Entrepreneurial Settings: A Study of the Govemance of Exchange
Relationships. Administrative Science Quarterly. 37: 76-104, 1992.
SNOW, C. C.;THOMAS, J. B. Building Networks: Broker Roles and Behav iours. In LORANGE, P.;
CHAKRAVARTHY, B.; ROOS, J.; VAN DE VEN, A. H. (eds.). Implementing Strategic Processes: Change,
Learning and Cooperation. Oxford: Blackwell, 1993.
47
Tem-se como prerrogativa, na grande maioria dos estudos, que a decisão pela
participação na rede ocorre somente quando os parceiros percebem uma vantagem econômica
mútua, têm acordado um período de teste, e quando uma das partes toma a iniciativa (PECI;
COSTA, 2002). No entanto, para Ebers (2002, p.2-8, grifo nosso) devem ser considerados,
conjuntamente, três níveis de análise, conforme mostra a Figura 4.
No nível do ator (1) a investigação se pauta pelo discernimento das motivações
individuais para o estabelecimento de relações de parceria – se por um lado, as organizações
tentam aumentar as suas receitas, por outro, procuram alternativas para a redução dos custos,
como aqueles relacionados à governança, de coordenação das suas atividades. Já nos demais
níveis, relacional e institucional, busca-se identificar as condições que facilitam e restringem a
cooperação. No nível relacional (2) têm-se as particularidades das ligações e
interdependências que existem entre as organizações e/ou entre indivíduos de diferentes
organizações, que influenciam na sua inclinação em participar das redes. Já no nível
institucional (3) trata-se da análise sobre as particularidades do ambiente institucional e suas
instituições sociais dominantes, as características da sociedade em que a rede é formada.
NÍVEL
ATOR
NÍVEL
RELACIONAL
NÍVEL
INSTITUCIONAL
Motivações para o
estabelecimento
de redes de cooperação.
Processos
Contingências
Ganhos econômicos
Facilitam e/ou restringem (formas de) cooperação.
Foco nas ligações
e interdependência:
posições na rede e
proximidade.
Foco no ambiente:aspectos
políticos, econômicos,
culturais e ambientais.
Figura 4. Níveis de análise na formação de redes interorganizacionais.
Fonte: ANDRADE et al. (2013, p.136).
Ambas as abordagens possuem a visão de que o contexto social e econômico em que
as
organizações
estão
inseridas,
sejam
elas
públicas
ou
privadas,
influenciam
significativamente na sua formação e, embora as motivações econômicas – configuração
estrutural – sejam a dimensão mais facilmente identificada no que se refere à sua constituição,
é necessária uma atenção especial para os processos e para as contingências que determinam
as conexões, laços ou vínculos sociais entre os parceiros – configuração funcionalista
(ANDRADE et al., 2013).
48
Definir esta forma de organização, no entanto, é algo complicado do ponto de vista
relacional. Para fazê-lo, as organizações precisam definir as fronteiras do conhecimento, o que
implica em difíceis decisões sobre como confrontar interesses e constituir a parceria. Pode-se
dizer, então, que as redes são coalizões políticas estabelecidas entre organizações que, ao
fazerem a opção de colocar-se numa estrutura intermediária, entre hierarquia e mercado,
definem os nexos contratuais das relações que se estabelecem entre seus membros
(GRANDORI; SODA, 1995).
O aspecto social considera a intencionalidade dos atores em busca de oportunidades, e
também a estrutura, que coíbe escolhas e restringe ações. Nesse sentido, pode-se definir
“redes sociais” como um agrupamento de núcleos estruturados a partir da definição dos
papéis, atribuições e relações entre os seus atores, o que caracteriza o processo de estruturação
e heterogeneização, que busca flexibilizar o seu funcionamento por meio das relações de
cooperação sem, contudo, eliminar os conflitos (UZZI, 1997).
Conforme aponta Hutt et al. (2000), nesta estrutura estão presentes às relações de
poder, a confiança, o oportunismo, o controle social, os sistemas de alinhamento de interesses,
as formas de negociação, a gestão da informação e o conhecimento, entre outros aspectos.
Esta abordagem paradigmática trata das questões sociais conduzidas dentro dos arranjos de
governança compostos por atores coletivos envolvidos em redes de políticas. Assim, se faz
importante identificar e analisar a configuração das redes para apreender a lógica de ação dos
atores. Esse mapeamento abre caminhos para visualização e entendimento dos fluxos de
recursos e dos fluxos instantâneos de informações interativas que podem ocorrer entre os
membros que compõem tais estruturas, sobretudo de que modo se gerencia o conhecimento.
Os padrões emergentes dessas interações definem o escopo de análise da rede
(PROCOPIUCK; FREY, 2007).
Britto (2004) propõe três dimensões básicas para o desenho das redes de cooperação:
(1) a descrição das relações ou a quantificação do número e da força dos relacionamentos; (2)
a caracterização institucional do processo de cooperação, pela identificação das atividades
associadas ao processo de cooperação; e (3) os resultados da cooperação, com a identificação
dos outputs do processo de cooperação.
Nesse sentido, alguns autores ainda procuram identificar as oportunidades e as
barreiras relativas à geração, difusão e gestão do conhecimento (PROVAN; HUMAN, 1999;
BRITTO, 2004; NAKANO; 2005). Pode-se dizer, contudo, que a obtenção de informações
constitui o ponto de partida para o entendimento dos impactos de relacionamentos
49
cooperativos em termos da geração de ganhos de aprendizado e conhecimento que
possibilitam o incremento da eficiência produtiva e da capacitação dos agentes.
Na medida em que a densidade dos fluxos informacionais constitui uma importante
característica das redes de cooperação interorganizacionais, é importante identificar a
infraestrutura informacional subjacente (tipo e complexidade). Nakano (2005, grifo nosso)
identifica três fatores que influenciam (inibem ou facilitam) a transmissão do conhecimento:
os relativos às características do conhecimento (simples x complexo x independente x
sistêmico x tácito x explícito), os relativos à organização (recursos e estrutura de redes) e os
relativos à rede e o seu contexto (especificidades e particularidades dos parceiros).
Neste sentido, o intercâmbio de informações pode ocorrer de modo informal ou
formal. Nesta primeira modalidade, as interações sociais configuram-se como conhecimentos
tácitos e sistêmicos de grande complexidade, que dizem respeito a circulação e disseminação
por meio dos processos de learning-by-doing ou learning-by-using. Já o modo formal está
disponibilizado nos documentos ou relatórios e estão centrados nas cláusulas contratuais de
comportamento estabelecidos pela rede (PROVAN; HUMAN, 1999).
As propriedades posicionais e relacionais dos atores, passíveis de serem captadas
mediante o mapeamento gráfico, precisam ser complementadas pela análise qualitativa do
sistema simbólico em que se inserem. Estas são justamente os elementos que lhe atribuem
sentido e lhes posicionam dentro de linhas de orientação normativas sob os quais os atores se
organizam em “redes de relações sociais” para desenvolvimento de ações sob diretrizes
emanadas de sistemas sociopolíticos (PROCOPIUCK; FREY, 2007).
Tal discussão oferece mais que um referencial instrumental, reconhece diferentes
concepções teóricas, que ajudam a definir distintas tipologias de classificação para as redes de
cooperação e apresenta diversas perspectivas de investigação empírica, conforme mostra o
Quadro 2.
Quadro 2. Tipologia de redes entre organizações privadas.
AUTOR
GRANDORI; SODA
(1995)
TIPOLOGIA
Redes Sociais: redes onde são mantidas relações puramente sociais, em que o
relacionamento dos integrantes não é regido por contrato. Podem ser:
Simétricas – não há a existência de centralização de poder; e
Assimétricas – possui um agente central – poder centralizado.
Redes Burocráticas: caracterizam-se pela existência de um contrato formal que
especifica as relações entre as organizações. Podem ser:
Simétricas – acordos formais de relacionamento evitam interesses particulares; e
Assimétricas – possuem contratos que privilegiam relações e parceiros.
Redes Proprietárias: os direitos de propriedade sobre os bens econômicos são
normalmente formalizados entre os acionistas das empresas. Podem ser:
50
LOYOLA; MOURA
(1996)
CASAROTTO; PIRES
(1998)
INOJOSA (1999)
AMATO NETO (2000)
MARCON; MOINET
(2001)
Simétricas – empregadas na regulação de atividades de P&D; e
Assimétricas – encontradas nas associações do tipo capital ventures.
Redes de fluxo unidirecional: possuem pontos de origem e destino bem
definidos nos processos de troca; e
Redes de fluxo multidirecional: fluxos acontecem sem que haja
necessariamente um centro propulsor e percorrem as unidades, que se
complementam.
Redes Top-Down: caracterizadas por empresas de menor porte que fornecem,
direta e indiretamente, sua produção a uma empresa mãe, seja por
subcontratação, terceirização e/ou parceria; e
Redes Flexíveis: empresas reúnem-se à partir da formação de um consórcio,
com objetivos comuns, com cada uma sendo responsável por uma parte do
processo.
Rede Autônoma ou orgânica: formada por entes autônomos que se articulam
voluntariamente em torno de uma causa comum;
Rede Tutelada: os entes têm autonomia relativa e se articulam sob a égide de
uma organização que os mobiliza e modela o objetivo comum; e
Rede Subordinada: os entes fazem parte de uma organização ou sistema e sua
articulação independe da vontade dos parceiros.
Redes verticais: ocorre entre empresas e os componentes das diferentes
atividades da cadeia produtiva (produtores, fornecedores, distribuidores e
prestadores de serviço). No caso do setor público, são parcerias entre níveis
governamentais diferentes, ou seja, podem se relacionar as políticas públicas
centralizadas; e
Redes horizontais: entre empresas que produzem e oferecem produtos
similares, que trabalham no mesmo setor de atuação, cooperando com seus
próprios concorrentes. No caso do setor público, são parcerias entre
organizações de mesmo nível governamental, ou seja, tem nos consórcios
públicos exemplos de poder descentralizado.
Redes assimétricas (dimensão da hierarquia): redes que possuem poder
centralizado (configuração vertical) e destacam a flexibilidade como critério de
atuação estratégica. Exemplo: Sistema Único de Saúde (como uma típica relação
entre matriz e filial no setor privado);
Redes simétricas (dimensão da horizontalidade): redes que possuem
descentralização do poder (organizações independentes, mas que coordenam
certas atividades de forma conjunta). Exemplo: consórcios públicos
intermunicipais;
Redes formais (dimensão contratual): redes formalizadas mediante termos
contratuais. Exemplo: parcerias público-privadas;
Redes informais (dimensão da conivência): são formadas sem qualquer tipo
de contrato e agem em conformidade com interesses comuns, baseados na
confiança. Exemplo: redes de pesquisadores.
Fonte: Adaptado de OLAVE; AMATO NETO (2001) com base em MALMEGRIN (2011).
Contudo, poucos estudos se debruçam sobre a aplicação dessas tipologias no desenho
de redes governamentais. Exemplo da carência de estudos acadêmicos e publicações sobre o
setor público é a baixa quantidade livros publicados no campo, que apresenta na obra
traduzida de Stephen Goldsmith e William D. Eggers 27 sua mais importante referência. Tratase, portanto, de um campo de pesquisas novo, com grande potencial a ser explorado, tanto
27
Obra traduzida em 2006 pela ENAP (Fundação Escola Nacional de Administração Pública), em parceria com
a Unesp (Universidade Estadual Paulista) com objetivo de lançar um novo olhar sobre as arquiteturas
organizacionais e os métodos de trabalho empregados no setor público para enfrentar os problemas de governo.
Cf. GOLDSMITH, S.; EGGERS, W. D. Governing by network: the new shape of public sector. The Brookings
Intitution Press: Washington, D.C., 2004.
51
para o desenvolvimento da área de administração pública quanto dos estudos organizacionais
no Brasil (DUARTE; HANSEN, 2010). Nesse sentido, diversas pesquisas têm sido realizadas
visando desenvolver teorias, gerar conhecimento e encaminhar alternativas na tentativa de
melhor compreender a dinâmica desse tipo de configuração governamental.
2.3.4 Governar em rede: a nova forma do setor público
As atuais transformações no papel do Estado e em suas relações com a sociedade
comportam a interação de estruturas descentralizadas e modelos de gestão inovadores,
baseadas nas parcerias entre entes estatais e organizações empresariais ou sociais para
prestação de serviços públicos (DIAS, 2011). Para Fleury e Ouverney (2007, p.9),
[...] esses fatores são concomitantes com o processo de democratização que
alterou o tecido social, com a proliferação de inúmeras organizações sociais
e com o desenvolvimento de uma nova consciência cidadã que reivindica
maior participação nos processos de gestão das políticas públicas (FLEURY;
OUVERNEY, 2007, p. 9).
De um modelo centralizado, migra-se então, para uma situação mais flexível, que
substitui o monopólio estatal por novos arranjos governamentais, plurais e heterogêneos,
conforme mostra a Figura 5. Para Zapata et al. (2007) o desafio dessa nova realidade de
gestão das políticas públicas é fazê-las de forma integrada, conjunta, para que possibilitem
pelo intercâmbio de experiências, mais aprendizagem social e garantam o melhor uso dos
recursos públicos.
Figura 5. Circunscrição da Administração Pública sob o ideário do Estado-Rede.
Fonte: COELHO (2012, p.5).
52
Para Farah (2001 apud FARAH, 2006, p.78-79) essas inovações incidem sobre a
relação entre cidadão-Estado, e embora não caracterizem uma participação direta, buscam
garantir a democratização do acesso aos serviços públicos e, consequentemente valorizam e
reforçam os conceitos de cidadania. Esse é o caso de programas como as CAI, que buscam
superar o distanciamento entre as estruturas estatais e os cidadãos, manifestos na dificuldade
de se obter informações básicas sobre direitos e deveres ou sobre a própria ação estatal.
O incremento das redes gestoras de políticas públicas, especialmente no campo das
políticas sociais, tem sido vistas como a solução adequada para administrar projetos onde os
recursos são escassos e os problemas, complexos (DIAS, 2011). Toda essa evolução é
denominada de “government by network”, termo que pode ser usado, segundo Goldsmith e
Eggers (2006, p.33) para referenciar as “iniciativas deliberadamente empreendidas pelo
governo
para
alcançar
fins
públicos,
com metas
de
desempenho
mensuráveis,
responsabilidades atribuídas e um fluxo de informações estruturado”.
Todos esses tipos de colaboração apresentam a convergência de quatro fontes de
influência, e se colocam como a nova forma do setor público: (1) o governo como terceira
parte, com o aumento do uso de empresas privadas e organizações sem fins lucrativos na
prestação de serviços e cumprimento de metas de políticas; (2) o governo coordenado, com a
tendência crescente da união de agências governamentais na prestação de serviços integrados;
(3) a revolução digital, com os recentes avanços tecnológicos, que permitem às organizações
colaborar, em tempo real, com parceiros externos, de formas anteriormente impossíveis; e (4)
a demanda do consumidor, com o interesse dos cidadãos por maior controle sobre suas
próprias vidas e por mais opções de variedade de serviços governamentais. Neste último caso,
exige-se a equiparação à tecnologia de prestação de serviços customizados adotados pelo
setor privado (Ibid. 2006, p.24-35, grifo nosso).
Noutro sentido, Peci (2000, grifo nosso) diz sobre quatro macrotendências. A primeira
está relacionada à mudança do paradigma econômico. Nesse ambiente da nova competição,
que surge após a crise econômica dos anos 70, a crítica recai sobre as práticas vigentes, e o
questionamento que se faz é, até que ponto serão propostos modelos alternativos de gestão de
políticas públicas pelo Estado diante da complexidade dos problemas sociais. A segunda diz
respeito ao fim do regime autoritário e à crise do Estado de bem-estar social, que enfatiza a
necessidade de gerenciar o setor público de modo transparente, participativo e responsável.
Nesse sentido, o estabelecimento do pluralismo democrático faz com que cresçam cada vez
mais as pressões para uma mais ampla participação, de diversos grupos da sociedade, na
gestão de políticas públicas. A terceira relaciona-se com o Estado mínimo e o crescimento da
53
demanda por políticas públicas, e caracterizam uma forte busca pela eficiência na gestão dos
recursos públicos. O modelo centralizador e hierárquico do poder público, se modifica, dando
espaço para os interesses privados e a representação da cidadania. A quarta macrotendência se
refere à
descentralização e
seu impacto nas relações interorganizacionais, de
compartilhamento da autoridade, de integração entre diferentes esferas de governo, e garantia
de efetividade na promoção de políticas públicas.
Dentre as principais mudanças com o surgimento do ideário Estado-rede estão a
emergência de quatro modelos distintos de governo segundo a tipologia de Goldsmith e
Eggers (2006, 24-35, grifo nosso), demonstrada pela Figura 6.
Figura 6. Modelos de governo.
Fonte: GOLDSMITH; EGGERS (2006, p.36).
No governo hierárquico predominam sistemas burocráticos rígidos, que operam com
procedimentos de comando, controle e rigorosas restrições de trabalho, que se tornam
inadequados para combater problemas que, muitas vezes, transcendem os limites
organizacionais. No governo terceirizado tem-se o uso de empresas privadas e organizações
sem fins lucrativos – em oposição ao uso de servidores do governo – na prestação de serviços
e cumprimento de objetivos políticos. No governo coordenado encontra-se a união de
agências governamentais múltiplas, e muitas vezes até de múltiplos níveis de governo, para a
prestação de serviços integrados. Por fim, o governo em rede faz referência ao aumento no
nível de colaboração público-privada, solidificação das capacidades de gestão em rede de um
governo coordenado, uso da tecnologia para conexão entre parceiros e o oferecimento de mais
possibilidades de opções de prestação de serviços aos cidadãos.
54
De forma um pouco diferente, mas complementar, Farah (2006) considera a
democratização dos processos decisórios por meio de três modelos, que caracterizam seis
tipos de relações governamentais. Trata-se de uma tipologia modelada em desenhos capazes
de conectar as esferas municipal, estadual e federal, e incluir organizações não estatais
(privadas e da sociedade civil), além dos próprios cidadãos, como ilustra a Figura 7.
Figura 7. Formas de cooperação na gestão pública contemporânea.
Fonte: Baseado em FEROLLA; PASSADOR (2013, p.4).
O primeiro modelo, de cooperação intragovernamental, apresenta dois tipos de
relação: (1) entre agentes, que diz respeito à quebra da perspectiva top-down pelo
reconhecimento da importância do diálogo entre os atores como elemento fortalecedor das
ações de formulação e implementação das políticas públicas (LUNDIN, 2007); e (2) entre
setores, que contempla a integração entre áreas que objetivam o planejamento e avaliação das
ações governamentais, não só como um campo de aprendizagem dos agentes institucionais,
mas também como caminho ou processo estruturador da construção de novas respostas, novas
demandas para as políticas públicas (SPOSATI, 2006).
55
No caso das redes entre agentes, que geralmente existem em consonância com outros
tipos de cooperação, é perceptível a variação na intensidade das relações intragovernamentais,
devido, principalmente, ao seu baixo grau de institucionalização, como nas redes de
pesquisadores. Já as relações transversais, intersetoriais, caracterizadas pelas parcerias
estabelecidas entre setores (secretarias e ministérios) acontecem com maior frequência, a
exemplo do Bolsa Família (BRESSER-PEREIRA, 2010).
No segundo modelo, de cooperação intergovernamental, tem-se as relações horizontais
(3), composta pelas parcerias firmadas entre entes federativos de mesmo nível hierárquico
governamental, amparados pela Lei nº. 11.107, de 6 de abril de 2005, que versa sobre a
formalização de consórcios públicos – articulação e coordenação que busca compartilhar
recursos e informações para encontrar soluções para problemas de ordem pública e objetivos
de interesse comum; e as relações verticais (4), forma de coordenação entre entes federativos
de diferentes níveis hierárquicos governamentais, incorporados pelo movimento de
descentralização administrativa do Estado. Nesta última configuração, a esfera federal é
responsável pela elaboração de diretrizes legais e administrativas, enquanto estado e
municípios encarregam-se da operacionalização dos serviços. É importante destacar, no
entanto, a atenção para o planejamento participativo e para a destinação dos recursos a cada
instância, que precisam ser condizentes com as responsabilidades delegadas às mesmas
(PRADO, 2003). Toma-se como exemplo o Sistema Único de Saúde (SUS), concebido nos
mesmos moldes de uma típica relação entre matriz e filial no setor privado.
Conforme afirma Farah (2006, p.69),
[...] diversos estudos sobre a ação do Estado no estabelecimento de arranjos
locais de desenvolvimento, na gestão intergovernamental, na implementação
de programas federais e nos sistemas de implementação e descentralização de
políticas públicas, enfatizam o desenvolvimento de estratégias conjuntas
articuladas de diferentes níveis de governo, assim como mais de um governo
de mesmo nível.
Por fim, no terceiro modelo, de cooperação extragovernamental, encontram-se as
parcerias para a provisão de serviços públicos denominadas de publicização (5), que
consistem numa ferramenta de ampliação do controle social formalizada por contratos de
gestão entre o governo e as organizações não governamentais, privadas ou da sociedade civil,
que têm nas parcerias público-privadas seu maior exemplo; e a participação cidadã (6), seja na
formulação, implementação ou avaliação das políticas públicas, por meio de processos que
estimulam e formalizam a participação deliberativa, no sentido de fortalecer a cidadania e
valorizar o diálogo como ferramenta de construtiva, a exemplo dos fóruns temáticos,
56
conselhos gestores e orçamento participativo, numa clara proposta de gestão societal
(PAULA, 2005).
Para Dias (2011), esses modelos inovadores de gestão compartilhada revelam as
deficiências de uma série de abordagens teóricas tradicionais de organização do Estado;
governos que trabalham dessa forma dependem menos de servidores públicos em papéis
tradicionais, garantindo agilidade e qualidade na prestação de serviços. Nesse sentido, a
intensificação da relação de confiança em parcerias, sua filosofia de alavancar organizações
não governamentais para aumentar o valor público e as várias e inovadoras relações de
negócios que se estabelecem podem ser caracterizadas como marcas dessa mudança
paradigmática.
Em síntese, Fleury e Ouverney (2007, p. 25) consideram a configuração de redes de
cooperação no setor público vantajosas por cinco motivos: (1) a pluralidade de atores
envolvidos, o que possibilita maior mobilização de recursos e garante a diversidade de
opiniões sobre um problema; (2) a definição de prioridades de forma mais democrática; (3) o
envolvimento simultâneo de organizações não governamentais e instituições públicas; (4) o
desenvolvimento de uma gestão adaptativa, conectada a realidade social, articulando as ações
de planejamento, execução, feedback e redesenho às atividades de monitoramento, e não de
controle, dada a flexibilidade inerente à sua dinâmica; (5) a possibilidade de preservação da
autonomia de seus participantes, já que objetivos e estratégias são fruto de negociação, o que
acarreta maior compromisso e responsabilidade com as metas compartilhadas, bem como
maior sustentabilidade, justamente por se tratar de uma estrutura horizontalizada.
Já para Goldsmith e Eggers (2006), as vantagens do modelo em rede são resumidas
pela (1) especialização, que permite aos parceiros concentrarem-se em suas expertises; (2)
inovação, pois não existem restrições internas que inibem a interação necessária ao
desenvolvimento de boas ideias; (3) velocidade e flexibilidade, já que aumenta a velocidade
de resposta do governo em função de sua estrutura hierárquica de processo de tomada de
decisão; (4) alcance crescente, que diz sobre a ampliação das redes e sua contribuição para o
enfrentamento de obstáculos.
Como citado, é notório os benefícios das redes de cooperação na administração
pública, porém, há que de se destacar também suas limitações, refletidas nas dificuldades de
gestão organizacional (FLEURY; OUVERNEY, 2007, p. 25), sobretudo: (1) na prestação de
contas (accountability) em relação ao uso dos recursos públicos devido à quantidade de
participantes governamentais e privados; (2) na lentidão do processo de negociação, que
retardam a solução de problemas que requerem ação imediata; (3) na ineficácia do
57
cumprimento de objetivos quando as metas são compartilhadas e as responsabilidades muito
diluídas; (4) no afastamento dos participantes da rede dos objetivos iniciais ou mesmo no
comprometimento da ação da rede pela deserção de alguns atores; (5) na inexistência ou falta
de explicitação dos critérios (universais) necessários para participação na rede, o que pode
levar à marginalização de grupos, instituições, pessoas e mesmo regiões, ficando a política
nas mãos somente de uma elite; e (6) no controle e coordenação das interdependências, que
podem gerar problemas administrativos.
Goldsmith e Eggers (2006), por sua vez, acrescentam a esses desafios: (1) a
dificuldade de congruência de metas, de difícil mensuração quando os resultados não são
claros. Muitas vezes, a complexidade dos problemas que requerem uma solução em rede
dificulta o processo de accountability; (2) a supervisão distorcida provocada pela percepção
errônea de que as parcerias e a terceirização são alternativas de administração dos serviços,
fazendo com que não haja uma supervisão adequada; (3) o colapso na comunicação gerado
pela difusão e a descentralização; (4) a coordenação fragmentada devido à especificidade dos
parceiros; (5) o déficit de dados e parâmetros mal adotados; (6) a falta de capacidade na
formação de redes, que demanda participação de indivíduos experientes, com habilidades para
perceber como diferentes parceiros produzem diferentes resultados; e (7) a estabilidade no
relacionamento que pode ser minada pela incerteza e desconfiança entre parceiros;
Para que haja condições de se fazer o mapeamento da rede, destacando seus benefícios
e limitações, além dos desafios que se impõem para sua manutenção, consideram-se três
premissas fundamentais de classificação das relações cooperativas, apresentadas pela Figura
8: (1) a participação; (2) a representatividade e (3) a publicidade (FEROLLA; PASSADOR,
2013, p.6-12).
Estes requisitos são tidos, neste trabalho, como ponto determinante e fatores
integrantes da análise dos resultados na promoção de políticas públicas e, embora seja
ressaltada uma revisão literal focada nas relações entre o setor público e a sociedade civil, que
caracteriza a valorização da cidadania, consideram-se também os demais tipos de cooperação.
Explica-se, portanto, os preceitos envolvidos em cada uma das dimensões, a começar pela
primeira, a participação (1), que visa o aprimoramento da democracia representativa pela
incorporação dos cidadãos no processo decisório que envolve as políticas públicas. Para
Goldfrank (2007, p. 149) “aprofundar a democracia não implica em participação de todos os
cidadãos em todas as decisões de todos os níveis de governos”, mas possibilitar a criação de
meios ou oportunidades mais eficientes para isso.
58
Figura 8. Integração conceitual das dimensões de análise.
Fonte: FEROLLA; PASSADOR (2013, p.12)
Os benefícios da participação consistem no fortalecimento da cidadania por conceitos
como empoderamento e sinergia, que motivam a transformação dos indivíduos de sujeitos
passivos e dependentes em cidadãos conscientes e ativos na proposição legítima de demandas
ao governo; no aprimoramento da responsabilização e accountability governamentais; no
caráter educativo de capacitação e conscientização, por promover uma ruptura do ciclo de
exclusão econômica, social e política; na redução das desigualdades sociais e a consequente
melhoria da qualidade de vida dos cidadãos (AVRITZER, 2007; BOULDING; WAMPLER,
2010; GOLDFRANK, 2007; LÜCHMANN, 2006; TEIXEIRA, 1990).
Gregory et al. (2005) afirmam contudo, que os processos participativos devem ser
flexíveis para adaptar-se à conjuntura local, destacando três elementos que devem estar
presentes
em
qualquer
experiência
de
deliberação
das
políticas
públicas:
(a)
institucionalização; (b) conteúdo; (c) contexto para integração e valoração.
A institucionalização dos processos, que significa a formalização legal dos mecanismos
participativos e a valorização política dos resultados de cooperação é importante para se fazer
cumprir a transparência, a publicidade e o controle social (LÜCHMANN, 2006; WAMPLER;
AVRITZER, 2004). O contexto diz respeito à dinâmica política de confiança estabelecida no
ambiente e parte da proposta do reconhecimento do valor dos participantes para evitar o
negligenciamento das evidências científicas e do tratamento meramente formal das
obrigações, sobretudo dos agentes de níveis hierárquicos mais baixos (GREGORY et al.,
2005). Além disso, remete-se à importância da equivalência de condições para participação, a
59
existência de uma burocracia eficiente e a relação proporcional entre a disponibilidade de
recursos e os resultados efetivamente alcançados, atribuindo ao compromisso políticogovernamental a responsabilidade pelo sucesso dos processos participativos (BOULDING;
WAMPLER, 2010; GOLDFRANK, 2007; LÜCHMANN, 2006).
Ademais, é necessário que o processo institucional bem estruturado, em contexto
favorável, some-se à gestão do conteúdo a ser tratado (abrangência), que traz o desafio da
garantia de comunicação efetiva em duas vias de igual teor: a apresentação dos problemas aos
participantes de forma adequada e a tradução de suas posições em termos compreensíveis aos
tomadores de decisão. Observa-se ainda, que quanto mais complexo for o tema abordado,
mais importante é o cuidado com a apresentação do mesmo e com a construção coletiva das
soluções (GREGORY et al., 2005).
A segunda dimensão considerada por esta pesquisa se trata da representatividade (2), e
tal como pode ser interpretada no modelo político republicano, se expressa pela vontade
popular, que elege um representante para externar suas vontades e tomar decisões em seu
nome. Tal sistema baseia-se num misto de representação de interesses e representação política
(DALLARI, 2002).
Haja vista a incapacidade do sistema eleitoral em lidar com a totalidade das relações
entre a sociedade e seus representantes políticos, sobretudo pela sua sujeição à manipulação;
sensibilidade ao poder econômico; ou até mesmo pela fragilidade dos mecanismos de
accountability, concebida pela baixa capacidade de supervisão civil, fluxo defeituoso de
informações e compromissos interpostos com interesses alheios aos dos eleitores, é que se fez
valer outros tipos de representação; profissionais, corporativas e institucionais (AVRITZER,
2007; DALLARI, 2002; LAVALLE et al., 2006; MIGUEL, 2011).
Nesse caso, a figura do representante pode ser caracterizada tanto como agente,
escolhido por meio eleitoral; como também pelo advocate, autodenominado por identificar-se
com os interesses, representando discursos e ideias; ou pelo partícipe, emissário de temas e
experiências, como no caso das organizações sociais. Estas duas últimas denominações são
legitimadas pela afinidade com os interesses ou a causa defendidos (AVRITZER, 2007, grifo
do autor).
Construídas coletivamente para mediar as relações de concepção do interesse público,
diz-se que as experiências participativas são implementadas com a incorporação de novos
atores no intuito de recuperar a articulação entre cidadania e soberania popular por meio do
controle mais enfático sobre as políticas públicas (AVRITZER, 2007; LAVALLE et al., 2006;
LÜCHMANN, 2007). Em suma, ressaltam-se três premissas básicas que devem ser levadas
60
em consideração quando o objeto de estudo se tratar de uma representação política não
eleitoral: (a) a legitimidade, (b) o equilíbrio ou equivalência; e (c) o poder de deliberação.
[...] É importante notar que, apesar de mais claras no caso de colaboração
entre governo e sociedade – cidadão ou organizações, a representatividade
também é um elemento essencial nos demais tipos de colaboração, quando os
indivíduos destacados para participar dos diálogos interorganizacionais devam
ser empoderados adequada e suficientemente para fazer valer o acordado nas
negociações (FEROLLA; PASSADOR, 2013, p.8).
Numa democracia representativa, a legitimidade relaciona-se aos mecanismos de
autorização, que dizem respeito ao mandato autorizativo concedido aos governantes pelo
processo eleitoral; prestação de contas, que faz menção aos mecanismos institucionais ou
formas de accountability que impedem a usurpação do poder; e responsabilização dos
representados, tida como uma alternativa de coibição de comportamentos desvirtuosos. A
legitimação da representação que carece de autorização, neste caso, requer participação ativa
por parte dos cidadãos, grupos e organizações representados. Tal situação traz
responsabilidades para ambos os lados, exigindo conectividade e disposição para mobilizar-se
no exercício do controle (LÜCHMANN, 2007; MIGUEL, 2011).
Uma segunda preocupação é a necessidade de equilíbrio da diversidade de
características e opiniões do processo participativo, que ampliam a compreensão da realidade
devido à multiplicidade de pontos de vista, convergentes ou divergentes, mas que de certa
forma contribuem para produzir o consenso ou uma convivência respeitosa, superando a
unilateralidade. No entanto, adverte-se para a influência homogeneizadora do campo político,
ocasionada pela presença de integrantes de grupos subalternos nos espaços decisórios
(MIGUEL, 2011).
A terceira preocupação está ligada ao poder de deliberação, que envolve decisões
sobre a real influência dos participantes na elaboração, implementação e controle das políticas
públicas em termos de conteúdo e processos. Esta questão, no entanto, depende da
flexibilidade das propostas para adequações e possibilidade de formalização das decisões no
âmbito local. Aspecto essencial em situações de cooperação intersetorial e entre diversos
níveis de governo, quando as diferenças entre os colaboradores podem ser substanciais. Nesse
caso, é importante que um programa federal a ser implementado por órgãos estaduais ou
municipais possa ser adaptado por estes às suas peculiaridades.
A última dimensão está relacionada à transparência (3), elemento de fundamental
importância para a efetividade do controle social e consolidação democrática, diminuindo as
possibilidades de corrupção e clientelismo, o que implica na explicitação pública das ações e
61
deliberações do Estado, bem como seu interesse principal (FILGUEIRAS, 2011;
GOLDFRANK, 2007; LOUREIRO et al., 2008; MICHENER; BERSCH, 2011).
Por entender que o termo publicidade se refere à obrigatoriedade imposta ao poder
público de divulgação de certas informações, embora se tenha conhecimento da utilização de
outras expressões (transparência e accountability) para o mesmo fim, o sentido que se busca
aqui, e que sustenta a opção por este conceito, é mais amplo, implicando não apenas na
preocupação com a emissão da informação, mas também com sua compreensão, avaliação e
utilização pelos receptores da mesma (FILGUEIRAS, 2011; GOMES FILHO, 2005). Já a
transparência, se trata de um pré-requisito, um mecanismo de facilitação da accountability,
não sendo necessariamente um fim, mas um meio de aprimorar a prestação de contas e a
responsabilização na administração pública (MICHENER; BERSCH, 2011).
Outra característica incorporada por O’Donnell (1992) no conceito de publicidade é a
ideia da necessidade de complementaridade das dimensões vertical e horizontal, que se
associa à responsabilização do poder público pelo povo e controles recíprocos entre poderes
ou mecanismos institucionais intragovernamentais do mesmo nível hierárquico (LOUREIRO
et al., 2008). Sugere-se ainda, a expansão dessa proposta para o nível transversal, entre
agências de diferentes instâncias. Isso significa dizer que as informações públicas devem ser
disponibilizadas a todos os interessados, sejam eles indivíduos ou organizações, cidadãos ou
agentes estatais. Tal divulgação, no entanto, deve ser realizada considerando a composição de
três fatores: (a) acessibilidade, (b) conteúdo e (c) compreensibilidade das informações
(MICHENER; BERSCH, 2011).
A acessibilidade remete a facilidade de acesso às informações, a redução das barreiras
e custos relativos; o conteúdo diz sobre a completude e atualização das informações
disponibilizadas; e a compreensibilidade, ou adequação da apresentação das informações
disponibilizadas ao público, preocupando-se com os aspectos relativos à linguagem e ao
formato (MICHENER; BERSCH, 2011). Por fim, para Welch e Wong (2001) a acessibilidade
está ligada à questões como
alcance e interatividade, quando do uso de ferramentas
eletrônicas e da internet. Estes autores indicam que a medida da transparência em sites
governamentais inclui cinco aspectos: propriedade, contato, tema ou informação
organizacional, consequências para o cidadão e relevância dos dados.
Em resumo, para Ferolla e Passador (2013, p.13) não basta estabelecer processos de
cooperação, é preciso se atentar para a garantia de que estas relações aconteçam e criem valor.
O Quadro 3 apresenta uma “síntese das dimensões propostas como elementos de apreciação
em relação às diferentes formas de colaboração que podem se estabelecer no processo de
62
promoção de políticas públicas que ocorrem em ambiente complexos”, neste caso, nas CAI´s.
Mesmo que esta abordagem seja mais relacionada à cooperação entre órgãos públicos e a
sociedade civil, considera-se este instrumento de análise válido para todo tipo de colaboração,
desde que resguardadas suas proporções.
PUBLICIDADE
REPRESENTATIVIDADE
PARTICIPAÇÃO
Quadro 3. Dimensões de análise para apreciação dos processos de cooperação.
Dimensão
Critério
Significado
Formalização legal;
Institucionalização
valorização política.
Contexto
Processo que incite confiança;
disponibilização de recursos.
Conteúdo
Apresentação adequada;
interessante para participantes;
interessante para tomadores de decisão.
Legitimidade
AVRITZER (2007)
GOLDFRANK
(2007)
GREGORY et al.
(2005)
WAMPLER;
AVRITZER (2004)
Autorização;
prestação de contas;
responsabilização dos representados.
Equilíbrio entre os
participantes
Valorização da diversidade; minimização
das pressões homogeneizadoras.
Poder de
deliberação
Flexibilidade das propostas para
adequações; possibilidade de formalização
das decisões.
Acessibilidade
Disponibilidade;
ausência de barreiras e custos para acesso.
Conteúdo
Autores
Completude;
atualização.
Formato;
Compreensibilidade linguagem;
adequação ao público.
AVRITZER (2007)
LAVALLE et al.
(2006)
MIGUEL (2011)
FILGUEIRAS
(2011)
GOMES FILHO
(2005)
LOUREIRO et al.
(2008)
MICHENER;
BERSCH (2011)
WELSH; WONG
(2001)
Fonte: FEROLLA; PASSADOR (2013, p.13).
A partir da reflexão que se faz neste trabalho, sobre a formação do Estado democrático
moderno, da contemplação das teorias consolidadas no campo das políticas públicas e do
estudo da evolução do aparato governamental brasileiro, com destaque para a reforma
administrativa do Estado, percebe-se as redes de cooperação como uma importante ferramenta
da gestão pública contemporânea, que pode ser inserida não somente num contexto de
63
superação do modelo burocrático weberiano como também de aproximação entre Estado e
cidadão, numa perspectiva de fortalecimento da cidadania.
Mesmo que ainda prevaleça uma visão estrutural sobre as redes, de resposta para
condições objetivas/ econômicas, dedica-se nesta pesquisa ao entendimento do processo de
construção dessas novas estruturas sociais e da análise do papel desempenhado pelos agentes
nesse processo.
64
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
[...] Hoje em dia, todas as teorias da sociedade são extremamente abstratas. Na
melhor das hipóteses, elas conseguem nos sensibilizar para a ambivalência dos
desdobramentos históricos; elas podem contribuir para que aprendamos a
compreender as ambivalências que vêm ao nosso encontro como se fossem
outros tantos apelos para as crescentes responsabilidades em meio a espaços
de ação minguantes. Elas são capazes de abrir-nos os olhos para os dilemas
dos quais não podemos fugir e os quais precisamos superar (HABERMAS,
199328 apud COSTA, 2012, p.29).
De acordo com Bobbio (2007, grifo nosso) existem duas grandes correntes teóricas
que se propõem a analisar o Estado: a historicista e a racionalista. A primeira pretende
estudá-lo tendo por base sua origem histórica, sob uma ótica social natural, e possui como
ponto de partida a compreensão do homem-político. A segunda, por sua vez, busca explicá-lo
a partir de sua justificação racional, do seu fundamento, entendendo-o como um ente artificial
que nasce em oposição ao estado natural, e que tem, como ponto de partida, o homemantissocial.
Partindo do entendimento dessas questões, pretende-se com este trabalho, descrever a
dinâmica processual de institucionalização da gestão de políticas públicas em rede e as formas
de cooperação existentes nas Unidades de Atendimento Integrado (UAI) em Minas Gerais.
Para isso, apresenta-se neste capítulo o tipo de pesquisa, o método, a definição da amostra, os
instrumentos utilizados para coleta de dados e um resumo dos procedimentos de análise. Por
último faz-se menção ao modelo conceitual da pesquisa.
3.1 TIPO DE PESQUISA
Adota-se neste estudo, uma abordagem qualitativa de natureza exploratória e
descritiva. Este tipo de pesquisa é caracterizado pelo contato direto do pesquisador com o
contexto do problema, por meio da obtenção de dados descritivos e processos interativos que
o ajudam na compreensão e interpretação do comportamento ou atitude dos atores envolvidos
(BOGDAN; BIKLEY, 1994; MARTINS, 2006).
Questões para entendimento e/ou questões sobre o processo são comumente usadas
neste tipo de pesquisa (DENZIN; LINCOLN, 2005; TRIVINÕS, 2006). Selltiz et al. (1965)
comenta, portanto, que a principal acentuação refere-se à descoberta de ideias e intuições, por
28
HABERMAS, J. Passado como futuro. Trad. FlávioBeno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo
Universitário, n. 94, 1993.
65
isso, seu planejamento precisa ser suficientemente flexível, de modo a permitir a consideração
de diferentes aspectos acerca de um mesmo fenômeno.
Essa interação e flexibilidade são classificadas por Alencar (2000) como parte de um
sequenciamento circular, que representa a possibilidade de reformulação das questões e/ou
problemas de pesquisa durante o processo, de acordo com novos fatos e a necessidade de se
fazer novas observações, conforme mostra a Figura 9. Essa dinâmica envolve análises parciais
e significa que as pressuposições do pesquisador, ao iniciar o estudo, podem ser modificadas
durante o processo de investigação, o que se denomina reconstrução social da realidade, na
linguagem de Denzin e Lincoln 29 (1994 apud ALENCAR, 2000, p.14).
Figura 9. Sequência circular de pesquisa em ciências sociais.
Fonte: ALENCAR (1999, p.13)
Com relação à pesquisa exploratória, Gil (2002) argumenta sobre a capacidade de
modificação de conceitos e facilitação de análise das relações entre os elementos estudados. O
autor ainda destaca que a pesquisa descritiva possui como objetivo primordial o relato das
características de determinada população/fenômeno ou, então, o estabelecimento das relações
entre as variáveis para melhor entendimento do problema.
Utiliza-se para isso, o método de estudo de caso, que Segundo Yin (2005, grifo do
autor) é adequado para as situações em que se colocam questões do tipo “como” e “por que”,
quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se
encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real.
29
Cf. DENZIN, N.; LINCOLN, Y. S. Introduction: entering the field of qualitative research. In.: DENZIN, N.;
LINCOLN, Y. S. Handbook of Qualitative Research. London: SAGE, 1994. p.1-17.
66
Para Martins (2006) o método do estudo de caso é uma investigação empírica que
pesquisa fenômenos dentro de seu próprio contexto (pesquisa naturalística), onde o
pesquisador não tem controle sobre eventos e variáveis, ou seja, busca apenas apreender a
totalidade de uma situação, compreendê-la e interpretá-la, para criativamente descrever a
complexidade de um objeto delimitado; o que contribui de forma relevante para o
desenvolvimento de estudos investigativos.
3.2 ESTUDO DE CASO
Bonoma (1985) ressalta que este tipo de estudo é útil quando um fenômeno é amplo e
seu corpo de conhecimento é insuficiente para permitir a proposição de questões causais.
Sendo assim, o método de estudo de caso considera a descrição de uma situação gerencial, ou
seja, objetiva a compreensão de um problema específico tendo como base o estudo de um ou
mais casos. Lazzarini (1997) argumenta que a possibilidade de utilizar várias fontes de
evidência é considerada uma das vantagens da pesquisa baseada em casos. Em contrapartida,
o método não permite a extrapolação dos resultados. A análise do estudo de caso permite
extrair conclusões sugestivas, não capturáveis pelos métodos tradicionais.
Segundo Woodside (2003), a realização deste tipo de estudo é importante quando se
quer estimar o tamanho de um efeito (a força do relacionamento entre as variáveis) mais do
que generalizar seus resultados para a população. A preferência pelo uso do estudo de caso
deve ser dada em situações onde se é possível fazer observações diretas e entrevistas
sistemáticas. O estudo se caracteriza pela capacidade de lidar com uma completa variedade de
evidências – documentos, artefatos, entrevistas e observações (YIN, 2005). No entanto, a
unidade de análise está relacionada com a definição do que o caso é: uma decisão, um
programa, pode ser sobre a implantação de um processo e/ou uma mudança organizacional. A
definição da unidade de análise está ligada à maneira pela qual as questões de estudo foram
definidas (BRESSAN, 2000).
No entanto, há de se considerar, também, um forte preconceito no uso de um caso em
pesquisa (YIN, 2005; GOODE; HATT, 1952). Apresentam-se as críticas mais comuns a esse
método, que são fundamentadas nos seguintes argumentos: i) menor rigor metodológico; ii)
influência de pontos de vista pessoais dos pesquisadores no formato final do estudo; e iii)
crença na sua facilidade de operacionalização, sem maiores preocupações com o rigor
metodológico.
67
Mas, segundo Ashill e Frederikson (2003), como qualquer estudo qualitativo, o estudo
de caso apresenta riscos que podem ser associados à natureza dos dados (descobertas com
limitada validade, confiabilidade ou generalidade). Não se trata de um método fácil de ser
operacionalizado, já que quanto menos estruturada, mais difícil é a aplicação da metodologia
de pesquisa e maior é a necessidade de dedicação acadêmica. Ademais, acrescenta-se que não
existe um método de pesquisa perfeito, porque todos eles deverão refletir sobre as limitações
que intrinsecamente possuem (BONOMA, 1985).
3.3 AMOSTRAGEM, COLETA DE DADOS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
Para a classificação da pesquisa, tomou como base a tipologia apresentada por Vergara
(1997), que a qualifica quanto a dois aspectos: aos fins e aos meios. Quanto aos fins espera-se
deste tipo de pesquisa conhecer o processo de institucionalização das UAI e analisar o
potencial desta política pública para o fortalecimento da cidadania. Além disso, sua motivação
se baseia na necessidade de apresentar aspectos que determinem ou expliquem o emprego do
conceito de gestão em redes no setor público, que ainda não está fundamentado em bases
conceituais precisas, exigindo uma reformulação das estratégias de gestão, sobretudo no caso
desta proposta brasileira de integração.
Quanto aos meios, que denota o método de coleta de dados utilizado, esta pesquisa
apresenta um caráter investigativo característico documental/bibliográfico (dados secundários
obtidos por decretos-lei, manuais, cadernos e publicações temáticas, releases de encontros e
reuniões, relatórios gerenciais e evidências encontradas em livros, teses/dissertações, artigos
publicados em periódicos nacionais e internacionais) e de campo (dados primários obtidos por
meio da realização de entrevistas semi-estruturadas com funcionários públicos dos governos
federal e estadual responsáveis pelo programa, além dos próprios coordenadores/gestores das
CAI).
Embora os dados secundários sejam uma fonte valiosa de investigação, em geral,
apenas parte do conhecimento está documentado, o que requer seu uso associado a outro
método, sobretudo em pesquisas exploratórias. Estudos que se utilizam de fontes primárias
possuem dados sem interpretações, que contemplam opiniões e representam as diferentes
posições dos atores envolvidos no contexto do problema, com maior grau de detalhamento
(COOPER; SCHINDLER, 2003).
Adotou-se, portanto, uma amostragem não probabilística por julgamento. Cooper e
Schindler (2003) afirmam que esta técnica é mais apropriada quando usada nos estágios
68
iniciais de um estudo exploratório e, mesmo considerada arbitrária, é determinada pelo
pesquisador com base em alguns critérios justificáveis, o que não minimiza o esforço de
pesquisa, já que garante a seleção de casos que realmente apresentam informações mais
detalhadas e/ou relevantes para o estudo (PATTON, 2002).
Nesse sentido, escolheram-se inicialmente as CAI do estado de Minas Gerais (UAI) e
de São Paulo (Poupatempo), dentre todos os programas da federação conhecidos, por
apresentarem o maior número de unidades implantadas em operação e, ainda, por se tratar
atualmente dos estados com o maior campo eleitoral do país e por possuírem grande
representatividade econômica. No entanto, descartou-se esta possibilidade de devido às
restrições de campo impostas ao pesquisador, fazendo com que se optasse por fazer apenas
uma análise particular da experiência mineira.
Definido o objeto, como critério para seleção das unidades componentes da amostra,
utilizou-se o Coeficiente de Eficiência (COEF), um índice de aferição do desempenho e
qualidade dos serviços prestados nas UAI calculado com base na conjunção de alguns
indicadores:
COEF = (PGS¹ *0,5) + (TEM² *0,4) + (QS³ *0,1)
1. Grau de satisfação (PGS) – peso 50%: este indicador é medido por meio da
avaliação do atendimento registrada pelo cidadão, que o classifica em ótimo, bom,
regular e ruim usando um teclado eletrônico, depois de concluída a prestação do
serviço. A fórmula para o cálculo e a tabela de referência para esta pontuação são:
PGS = (ótimo + bom) / (ótimo + bom + regular + ruim)
Nota 1 (95% < GS ≤ 100%); Nota 0,8 (85% < GS ≤ 95%); Nota 0,6 (70% < GS ≤
85%); Nota 0,2 (50% < GS ≤ 70%); Nota 0 (GS ≤ 50%).
2. Tempo de espera médio (TEM) – peso 40%: este indicador é calculado a partir da
emissão da senha até o momento em que a senha é anunciada, para início do
atendimento. A fórmula para o cálculo e a tabela de referência para esta pontuação
são:
TEM = [TEM 1 + TEM 2 + TEM n (...)] / Senhas Emitidas
Nota 1 (0 < TEM ≤ 8); Nota 0,8 (8 < TEM ≤ 16); Nota 0,6 (16 < TEM ≤ 24); Nota
0,4 (24 < TEM ≤ 32); Nota 0,2 (32 < TEM ≤ 40); Nota 0 (TEM > 40)
69
3. Percentual de senhas efetivamente atendidas (QS) – peso 10%: se relaciona às
senhas emitidas. A fórmula para o cálculo e a tabela de referência para esta
pontuação são:
QS = (Senhas Emitidas – Senhas Canceladas) / Senhas Emitidas.
Nota 1 (92% < QS ≤ 100%); Nota 0,8 (86% < QS ≤ 92%); Nota 0,6 (78% < QS ≤
86%); Nota 0,4 (70% < QS ≤ 78%); Nota 0,2 (62% < QS ≤ 70%); Nota 0 (< 62%)
Optou-se, então, por entrevistar os coordenadores/gestores de quatro UAI, conforme
as médias COEF obtidas no período de janeiro de 2012 a dezembro de 2013, como apresenta
a Tabela 1. Estas unidades se dividiram em dois blocos, baseadas em seus modelos de gestão:
UAI - Poços de Caldas e UAI - Praça Sete (Belo Horizonte) controladas pelo governo
estadual, por meio da sociedade anônima de capital fechado 100% pública, Minas Gerais
Serviços (MGS), vinculada à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG); e
UAI - Varginha e UAI - Uberlândia, inseridas na modalidade de concessão administrativa,
parceria público-privada (PPP), gerenciadas pelo consórcio Minas Cidadão Centrais de
Atendimento S.A.; em sua ordem, as melhores e piores classificadas. Como algumas unidades
apresentaram notas COEF semelhantes, foi considerada a conveniência ao pesquisador.
Tabela 1. Coeficiente médio de eficiência das UAI (2012 – 2013).
Média COEF
2012
Média COEF
2013
Média
Geral
Araçuaí
0,98
0,97
0,98
Barbacena
0,97
0,98
0,98
Barreiro
0,91
1,00
0,95
Barro preto
0,92
0,86
0,89
Betim
0,91
0,94
0,92
Caratinga
0,96
0,97
0,96
Coronel Fabriciano
0,88
0,88
0,88
Curvelo
1,00
1,00
1,00
Divinópolis
0,92
0,94
0,93
Governador Valadares
0,99
1,00
1,00
Juiz de fora
0,99
0,96
0,98
Lavras
0,98
0,98
0,98
Montes claros
0,97
0,97
0,97
Muriaé
0,97
0,99
0,98
Paracatu
0,99
0,99
0,99
Passos
0,97
0,97
0,97
Patos de Minas
1,00
1,00
1,00
UAI
70
Ponte nova
1,00
1,00
1,00
Pouso alegre
0,91
0,94
0,93
Poços de caldas
1,00
1,00
1,00
Praça sete
0,82
0,81
0,81
Sete lagoas
0,98
0,96
0,97
São João Del Rey
0,99
0,96
0,97
Teófilo Otoni
0,86
0,92
0,89
Uberaba
0,97
0,98
0,97
Uberlândia
0,80
0,87
0,84
Varginha
1,00
1,00
1,00
0,90
0,92
0,91
Venda nova
Fonte: Informação pessoal
30
Além do nível micro, que abrange os gestores/coordenadores das UAI, optou-se por
entrevistar no nível meso (governo estadual), um representante da Coordenadoria Especial de
Gestão das UAI (CEGUAI), neste caso, a Intendente da Cidade Administrativa do governo do
Estado, Fernanda Girão, e um representante da Secretaria do Governo e Gestão Estratégica de
São Paulo (SGGE), neste caso, o diretor-presidente do Departamento Estadual de Trânsito
(DETRAN-SP), Daniel Annenberg, ex-superintendente do Poupatempo que foi consultor no
processo de implementação de diversas CAI no Brasil. No nível macro (governo federal),
entrevistou-se a Assessora Técnica da SEGEP – Secretaria de Gestão Pública, vinculada ao
MPOG, e responsável pela condução das CAI em âmbito nacional, Lília Ramos; e a analista
responsável pelas avaliações das CAI junto ao GESPÚBLICA, Janete.
Tabela 2. Caracterização dos entrevistados da pesquisa.
Órgão
Assessora Técnica da SEGEP
Analista do GESPÚBLICA
Diretor-Presidente do DETRAN-SP
Intendente da Cidade Administrativa – SEPLAG-MG
Gestor da UAI em Varginha
Gestor da UAI em Uberlândia
Coordenadora da UAI em Poços de Caldas
Coordenadora da UAI Praça Sete - Belo Horizonte
Fonte: Elaborado pelo autor
Entrevistado
Lília Ramos
Janete Balzani Marques
Daniel Annenberg
Fernanda Girão
Marinalva Patricio
Luís Ricardo Bigoli
Mariuza Peregrino
Lohayne Santos
Para Gil (2007), a realização de entrevistas enquanto técnica de coleta de dados é
bastante adequada para a obtenção de informações sobre o que as pessoas sabem, creem,
30
TOMICH, Henrique. Resultados COEF (Janeiro 2012 à Maio 2014). Mensagem recebida por
[email protected] em 24 de jun. 2014.
71
esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram, bem como acerca de suas
explicações ou razões a respeito dos fatos precedentes. O autor também afirma que, em
virtude da sua flexibilidade, esta é uma das técnicas mais utilizadas no âmbito das ciências
sociais. A identidade dos entrevistados e seus respectivos cargos são descritos na Tabela 2.
Por fim, para interpretar os dados utilizou-se a análise documental e de conteúdo.
Freitas e Janissek (2000) afirmam que a técnica de análise de conteúdo permite o
aprofundamento dos significados das ações, permite ir além do que se tem como resultado
claro e manifesto, e pode-se obter por inferência até mesmo aquilo que o entrevistado deixou
subentendido.
Segundo Bardin (2004), esta técnica de análise contempla a interpretação das
mensagens, transformando-as em indicadores que permitam a inferência de conhecimentos.
Se a descrição é o elemento primeiro, que ilustra ou enumera as características e, a
interpretação é o último passo, pois diz respeito ao significado atribuído, a inferência é o
elemento intermediário, de processamento das informações para compreensão do problema.
Nesse sentido, a análise de conteúdo assume duas funções principais, a heurística, que
enaltece a exploração, aumenta à propensão à descoberta; e a prova, que serve de diretriz para
confirmar proposições ou afirmações provisórias.
Para Minayo (2004), esse processo de análise deve atender a três finalidades
específicas: a compreensão do conteúdo, a confirmação dos pressupostos da pesquisa e a
ampliação do conhecimento sobre o assunto.
3.4 MODELO CONCEITUAL DE PESQUISA
Segundo Balestrin e Vargas (2003, p.4) para uma melhor compreensão das redes
interorganizacionais é necessário utilizar múltiplas lentes teóricas e paradigmáticas. Esta
abordagem multiperspectiva, em que a diversidade não se faz excludente, mas se coloca como
complementar, permite apresentar o desenho metodológico da pesquisa, que relaciona o os
objetivos específicos à abordagem investigativa, como mostra a Figura 10. O uso desta
técnica possibilita verificar as ligações e/ou afastamentos entre os diversos conteúdos ou
pressupostos teóricos utilizados neste trabalho.
Num primeiro momento, planeja-se compreender como se deu o surgimento do
modelo one-stop-shopping no Brasil, mais especificamente, foca-se no processo de
institucionalização das UAI em Minas Gerais. Para isso utiliza-se não só a abordagem
72
contextualista31, que trata da análise do conteúdo, contexto e processo das mudanças
organizacionais (o que, porque e como), mas se organiza o texto de acordo com as orientações
e etapas do policy cicle (JANN; WEGRICH, 2007; SARAVIA, 2006); determinação de
categorias conforme prevê Bardin (2004).
Num segundo momento, além fazer um breve resumo sobre como estas unidades se
organizam do ponto de vista institucional-administrativo, procura-se descrever os tipos de
cooperação existentes (FARAH, 2006; GOLDSMITH; EGGERS, 2006), para então, proceder
à análise dos processos colaborativos (FEROLLA; PASSADOR, 2013). Por fim, a partir das
informações obtidas, faz-se uma discussão sobre os avanços e retrocessos do modelo para
uma gestão mais participativa e cidadã.
Figura 10. Relação entre objetivos e abordagens investigativas.
Fonte: Elaborado pelo autor
31
A abordagem contextualista trata-se de uma estrutura para análise de processos de mudanças organizacionais,
por meio da interdisciplinaridade, que permite o resgate de conceitos e teorias que tornam mais claro seu
entendimento. Cf. PETIGREW, A. M. Contextualist Research: a natural way to link theory and practice. In:
LAWLER III, E. E. et al. Doing research that is useful for theory and practice. San Francisco: Josey-Bass
Publishers, 1985. p. 222-274.
73
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ao conflitar as informações obtidas pela análise documental e bibliográfica (decretoslei, manuais, cadernos e publicações temáticas, releases de encontros e reuniões, relatórios
gerenciais, além da referência de alguns artigos) com as entrevistas transcritas, buscou-se
fazer uma contextualização histórico-social de surgimento das CAI no Brasil, compreender o
processo institucionalização da UAI enquanto política pública e entender os mais diversos
aspectos sobre seu funcionamento. Após esta descrição faz-se uma reflexão sobre as relações
de cooperação existentes no ambiente das UAI e se analisa a influência do modelo para o
fortalecimento da cidadania, proposta de discussão da 3ª geração de reformas no estado de
Minas Gerais.
4.1 CENTRAIS DE ATENDIMENTO INTEGRADO – CAI32
4.1.1 Surgimento dos modelos one-stop-shopping no Brasil
O repensar da gestão pública brasileira pós-desenvolvimento do Plano Diretor de
Reforma Administrativa do Estado (PDRAE) em 1995, teve como um de seus
desdobramentos de modernização a criação do Modelo de Gestão de Atendimento Integrado
(MGAI). Esta proposta, denominada internacionalmente de one-stop shopping, se configura
como uma forma renovada de prestação de serviços públicos, que obedece a determinados
princípios de funcionamento e apresenta particularidades que o distinguem do padrão
habitualmente encontrado em organizações tradicionais.
De acordo com Kubicek e Hagen (2000, p.7, grifo do autor) esta é uma terminologia
adotada pelo Estado para suprir sua carência no atendimento das demandas sociais e evitar a
monopolização dos serviços públicos. Trata-se de um modelo de reforma e de investigação
que contempla “a integração dos serviços públicos para um cidadão - ou cliente dos serviços
públicos - sob o paradigma de apenas uma parada, em que todas as demandas de um cliente
podem ser concluídas em um único contato”, seja ele face a face (atendimentos feitos em
balcão, em edifícios tradicionais que funcionam como escritório ou lojas de governo); por
linhas de call-center (com a aplicação de recursos de telefonia); internet (por meio da
disponibilização dos serviços em sítios virtuais); ou outros meios, como os quiosques (pontos
de autoatendimento que apresentam uma interação automatizada com o cidadão).
32
O texto sobre o surgimento do modelo one-stop-shopping no Brasil considerou os depoimentos dos
funcionários públicos entrevistados nesta pesquisa.
74
Como a alta fragmentação estatal não refletia as expectativas dos cidadãos, que
esperavam por atendimentos mais rápidos e com maior qualidade, personalizados e realizados
por poucos prestadores de serviços, esse novo modelo foi considerado uma solução alternativa
para os problemas do Estado, que sublinhou o papel crucial da integração no alcance dos
objetivos públicos. Acrescenta-se ainda a própria concretização de cidadania, pois o acesso às
informações e aos serviços públicos não se refere somente a um direito do cidadão, mas a um
direcionamento fundamental enquanto destinatário da ação do Estado (BRASIL, 2002).
Num olhar histórico, essas mudanças ocorreram quando a administração e a operação
de diversos programas foram atribuídas, funcionalmente, a alguns órgãos ou agências
públicas. Além das típicas divisões de autoridade legal e/ou operacional entre os níveis
federal, estadual e municipal de governo, houve também, a inclusão de organizações privadas
e sociais no processo de prestação de serviços (PAULA, 2005; ABRUCIO et al., 2009;
COELHO, 2012; FEROLLA; PASSADOR, 2013).
Nesse sentido, Bent, Kernaghan e Marson
33
(1999 apud KUBICEK; HAGEN, 2000,
p.8, grifo nosso) sugerem que se distingam os projetos com base em sua finalidade e estrutura,
e classificam três variações desse modelo34: (1) “Gateway” ou porta de entrada, balcão de
informações que orientam o cidadão aos serviços relevantes com base em suas necessidades;
(2) "One-stop shops" ou balcões únicos, que proporcionam o acesso a muitos ou a todos os
serviços (relacionados e não relacionados) fornecidos pelo governo em um local conveniente
(físico ou eletrônico); e (3) "Seamless services" ou serviços contínuos, que integra a prestação
de serviços públicos relacionados, em um mesmo nível ou entre níveis diferentes de governo,
para atender às necessidades de grupos de clientes específicos que se estendem por várias
jurisdições.
Segundo Ferrer (2012), embora a ideia de construção desses shoppings de serviços
públicos já se desenhasse ou fosse intencionada a partir de 1979 pelo Ministério da
Desburocratização, foi apenas no início da década de 90 que surgiram, de fato, as primeiras
experiências no Brasil; movidas pelo esforço de inserção da administração pública num
recém-inaugurado contexto de gestão da qualidade, característico das reformas de 2ª geração.
Tem-se, nesse momento, o primeiro relato oficial da adoção desses modelos com o
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SACI), implementado em 1991 no estado de Santa
Catarina. Numa lógica de benchmarking, a exemplo do que já ocorria em outros países, o
33
BENT, S.; KERNAGHAN, K.; MARSON, B. D. Innovations and Good Practices in Single-Window Service.
Canadian Centre for Management Development, 1999.
34
As expressões em inglês “gateway”, “one-stop shops” e “seamless service” não apresentam traduções para o
português, portanto, utiliza-se neste trabalho o significado que mais se aproxima ao termo original.
75
governo estadual, em parceria com a Telesc (companhia telefônica), começou a utilizar a
prestação de serviços e de informações como agente de crescimento econômico, político e
sociocultural da comunidade. Os postos foram implantados prioritariamente em bairros mais
populosos (BRASIL, 1998).
Entretanto, nos módulos do que se conhece atualmente, a primeira experiência
marcante ocorreu no estado da Bahia em 1995, com a implementação do SAC, também
chamado de Serviço de Atendimento ao Cidadão. O projeto tratava-se de um shopping de
serviços públicos onde o cidadão baiano podia tirar todos os seus documentos e utilizar outros
240 serviços num mesmo lugar. À época, já existiam 17 unidades espalhadas na capital e no
interior, além de seis unidades móveis, veículos de grande porte que atendiam municípios que
não dispunham de postos fixos (Ibid., 1998).
O primeiro passo dado pelo governo federal no sentido de fortalecer estas iniciativas,
que apresentavam reconhecimento internacional, de acordo com a retrospectiva elaborada
pelo Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), foi criar o Programa
Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP). Embora não possuísse muitos adeptos no
início, o programa foi responsável por implantar alguns métodos e técnicas de gestão da
qualidade que serviram para sensibilizar as organizações públicas e seus servidores na
transformação do serviço público.
Alinhado às políticas do PDRAE de promoção da cultura gerencial, com foco no
cidadão e orientação para os resultados, se iniciou em 1998, a disseminação e aplicação das
CAI em todo o território nacional. Com notoriedade e reconhecimento da Organização das
Nações Unidas (ONU) o MGAI foi adotado como prioridade estratégica por meio do
SAC/BRASIL, Serviço Integrado de Atendimento ao Cidadão, desenvolvido no âmbito do
Programa de Modernização do Poder Executivo Federal (PMPEF).
4.1.2 Diretrizes e influências do SAC/BRASIL
Dentre seus principais objetivos, o PMPEF buscava alcançar maior eficiência e
eficácia na prestação de serviços que estavam sob a responsabilidade da administração
pública e melhorar o atendimento ao cidadão, ampliando os canais de comunicação entre os
governos e a sociedade civil para consolidar e direcionar a reforma do setor público
(BRASIL, 1998).
Com uma meta ousada de implementar as CAI em todos os estados brasileiros e no
Distrito Federal até o ano de 2003, o projeto foi financiado pela União e pelo Banco
76
Interamericano de Desenvolvimento (BID) em parceria com os governos estaduais e
municipais (montante de 40% do projeto, limitado ao valor de R$400.000,00 – informação
verbal 35). No final desse período o SAC/BRASIL foi responsável pela implementação de 12
novas unidades (Acre, Alagoas, Amapá, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Rondônia e Sergipe) além das 13 unidades já
existentes (Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná,
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina).
Atualmente, 23 estados e o Distrito Federal possuem CAI, com exceção de Roraima,
Tocantins e Santa Catarina (ESPÍRITO SANTO, 2014), este último desativado no ano de
2003 (informação pessoal
36
), somando um total aproximado de 157 unidades em todo país.
Mesmo que se tenham informações desatualizadas ou desencontradas procurou-se
demonstrar, pelo Quadro 4, como ocorreu a evolução histórica da implantação das CAI no
Brasil, com destaque para o momento anterior e posterior à criação do SAC/BRASIL.
Quadro 4. Evolução histórica da implantação das CAI no Brasil
Estados
Nome Fantasia das CAI
Santa Catarina
Bahia
Rio Grande do Norte
SACI
SAC
Central do Cidadão
PSIU (Posto de Serviços Integrados Urbanos)
UAI (Unidades de Atendimento Integrado)
Poupatempo
SACI
Casa do Cidadão
Shopping Cidadão (Viva Cidadão)
PAC (Pronto Atendimento ao Cidadão)
Rede Cidadania
(Ruas da Cidadania e Rede Cidadão)
Tudo Aqui
Expresso Cidadão
Tudo Fácil (Central de Serviços do Cidadão)
Vapt-Vupt
Prático (Praça de Atendimento ao Cidadão)
JÁ (Central de Atendimento ao Cidadão)
Minas Gerais
São Paulo
Pará*
Ceará
Maranhão
Amazonas
Paraná**
Pernambuco
Rio Grande do Sul
Goiás
Mato Grosso do Sul
Alagoas
35
Data de
Implantação
Setembro/91
Setembro/95
Junho/97
Setembro/97
Agosto/07
Outubro/97
Novembro/97
Janeiro/98
Fevereiro/98
Março/98
Abril/98
em implementação
Junho/98
Junho/98
Outubro/99
Novembro/99
Dezembro/00
RAMOS, Lília. Projeto de Atendimento Integrado (Relatório impresso MPOG). Mensagem recebida em 04 de
nov. 2013.
36
“O SACI foi desativado em 2003, quando da implantação do modelo de descentralização administrativa do
governo de Luiz Henrique da Silveira (2003-2010). Hoje se tem a plataforma eletrônica denominada “Perto de
Você”, que presta atendimento on-line, e a atuação das Secretarias de Desenvolvimento Regional (36 unidades),
responsáveis por ofertar serviços em todas as microrregiões do Estado”. SILVA, Leandro da. SACI – Serviço de
Atendimento ao Cidadão. Mensagem recebida por [email protected] em 22 de ago. 2014.
77
Paraíba
Rondônia
Sergipe
Rio de Janeiro
Casa da Cidadania
Shopping do Cidadão
CEAC (Mais Fácil)
Rio Simples
Poupatempo Rio
CAP (Central de Atendimento Popular)
Na Hora
Espaço Cidadania
Ganha Tempo
CIC (Centro Integrado da Cidadania)
Faça Fácil
Março/01
Maio/01
Julho/01
Outubro/01
Outubro/08
Janeiro/02
Maio/02
Junho/02
Abril/03
Outubro/03
Setembro/10
Amapá
Distrito Federal***
Piauí
Mato Grosso
Espírito Santo
(Vitória)
Acre
Maio/08
Central de Serviço Público - OCA
(Xapuri)
Fonte: Adaptado de ENCONTRO DAS CENTRAIS DE ATENDIMENTO INTEGRADO (2003).
De acordo com Brasil (1998):
*O SACI no Pará não é mencionado como uma unidade implantada antes da criação do SAC/BRASIL;
** Embora os dados oficiais apresentados não reconheçam a existência de CAI no Paraná, um estudo do
Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) atribui à Rede Cidadania, formada pela
junção da Rua da Cidadania (filial da prefeitura nos bairros da cidade de Curitiba) e da Rede Cidadão (uso
intensivo da internet para minimizar o esforço do cidadão paranaense em obter serviços públicos do governo)
uma plataforma de atendimento integrado; e
*** Há o relato de que as unidades se chamavam Praça do Cidadão (uma localizada na rodoviária de Brasília
e outra na cidade-satélite de Ceilândia), antes da criação do SAC/BRASIL.
Tais iniciativas, independente do momento de sua criação, dispunham de serviços
essenciais à cidadania e ao bem-estar da comunidade em locais estratégicos, de grande
circulação de pessoas e de fácil acesso, com horário de atendimento ampliado, instalações
físicas confortáveis, funcionários treinados e operando com novas práticas, com uso intensivo
de tecnologia e padrões de atendimento pré-definidos (SÃO PAULO, 2010). Por essa razão,
via-se sua consolidação, não mais como uma experiência alternativa de prestação de serviços
à população, mas um modelo de gestão por resultados, focado no cidadão-usuário.
Para Ferrer (2012, p. 2), seus pilares fundamentais se baseavam na “satisfação das
demandas dos cidadãos, redução de custos (racionalização e simplificação administrativa,
melhoria do gasto público) e incorporação de conceitos como citizen-centric government”,
que busca situar o cidadão no centro das ações que são desenvolvidas no governo.
De forma simplificada, estes espaços se colocaram como verdadeiros shoppings de
serviços públicos, tendo em vista a variedade dos serviços oferecidos, os quais se destacam:
certidão de nascimento; carteira de identidade; carteira profissional; serviços de emissão de 2ª
via de contas de água, eletricidade e telefonia; seguro desemprego e informações sobre
oportunidades de emprego e requalificação; previdência; emissão de título de eleitor e
transferência de domicílio eleitoral; emissão e renovação de carteira de motorista; cadastro de
contribuintes municipais e pagamento de taxas e impostos como Imposto sobre Serviços de
78
Qualquer Natureza (ISSQN), Imposto sobre Propriedade Territorial e Urbana (IPTU),
Imposto sobre Transferência de Bens Intervivos (ITBI); emissão de nota fiscal avulsa;
documentação para abertura e financiamentos de micro e pequenas empresas; documentação
de veículos e pagamento de Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotivo (IPVA);
serviços de atendimento judiciário, como informações jurídicas, juizados especiais, defesa do
consumidor, conciliação; emissão de Cadastro de Pessoa Física (CPF); regularização
fundiária; atestados e certidões negativas; informações sobre programas habitacionais, etc.
(BRASIL, 2002).
Com respaldo de uma série de recomendações estabelecidas pelo SAC/BRASIL as
premissas operacionais se baseavam em cinco critérios: (1) prestação de atendimento de alto
padrão de qualidade, eficiência e rapidez, a custo reduzido; (2) simplificação das obrigações
de natureza burocrática; (3) resposta proativa às reclamações e às sugestões dos cidadãos; (4)
acolhimento, orientação e informação da população sobre os requisitos necessários para a
obtenção dos serviços disponíveis; e (5) multifuncionalidade e flexibilidade para adaptação
das CAI à prestação de serviços que possuem demandas flutuantes (SÃO PAULO, 2010).
Esses modelos de atendimento implicam, direta e indiretamente, em uma série de
ganhos de eficiência e qualidade operacional, que resultam em benefícios, tanto para a
sociedade quanto para o Estado. No primeiro caso, vê-se a melhoria da qualidade de vida do
cidadão, ao proporcionar economia de tempo em deslocamentos e em filas de espera;
economia de dinheiro nos gastos com locomoção e no pagamento a intermediários;
reconhecimento de sua cidadania, refletido na qualidade do atendimento, no relacionamento
com funcionários, no conforto do ambiente e na oportunidade de participar da avaliação dos
serviços oferecidos; e, por último, na eliminação da intermediação de terceiros nas relações
com o Estado. Já no segundo caso, o atendimento integrado proporciona maior transparência;
permite o resgate do caráter democrático no atendimento; promove a qualificação do trabalho
e induz transformações na forma de prestação do serviço (BRASIL, 1998).
Síntese do esforço do governo federal em garantir o sucesso da implantação do
modelo, cita-se a publicação do Decreto-lei nº 3.507 em 13 de junho de 2000, que dispunha
sobre o estabelecimento de certos padrões de qualidade no atendimento prestado aos cidadãos
(BRASIL, 2000). Detalhadas pela Secretaria de Gestão (SEGES) do MPOG na publicação de
um roteiro/manual de procedimentos no ano de 2002, estas recomendações, embora não
funcionassem como um padrão rígido a ser seguido, foram extremamente importantes para
que as CAI se espalhassem pelo país. Mesmo respaldadas por certos princípios, com
indicação de formatação, as características, particularidades locais e contextos específicos de
79
cada CAI foram preservadas, garantindo dessa maneira uma identidade própria, independente
de sua localização (SÃO PAULO, 2010).
Os principais critérios sugeridos na instalação desse modelo de atendimento diziam,
entre outras coisas, sobre a facilidade de acesso, tida como elemento fundamental de análise
ou premissa básica quando se tratava da definição do ponto de localização das CAI; e deveria
seguir duas orientações gerais: (1) localização em áreas de grande circulação de pessoas ou
em bairros residenciais muito populosos; e (2) facilidade de acesso dos usuários à unidade,
não somente em termos de disponibilidade de transporte coletivo, proximidade a pontos de
parada ou a terminais de integração e de estacionamentos para veículos privativos, mas
também no que se refere à inexistência de barreiras arquitetônicas que possam dificultar a
identificação visual das instalações, a facilidade de ingresso e circulação de pessoas
portadoras de deficiências físicas (BRASIL, 1998; 2002; SÃO PAULO, 2010).
Ainda, existiam exigências no que diz respeito às instalações físicas das unidades, que
deveriam obedecer à alguns critérios: (1) concepção arquitetônica modernizada que prima
pela ventilação, iluminação, funcionalidade e limpeza; (2) facilidade de integração
organizacional dos diversos órgãos prestadores de serviços, propiciando a percepção do
funcionamento de uma entidade única; e (3) padronização dos uniformes dos funcionários. No
que diz respeito à tecnologia utilizada para o atendimento do cidadão, prima-se pela
integração, que garante certa agilidade de processos, possibilitando a rápida comunicação
entre os diferentes setores da unidade e as suas bases de dados. Em função disso, as inovações
que surgem do governo eletrônico passam a integrar o rol de serviços das unidades sem
maiores dificuldades (BRASIL, 1998; 2002; SÃO PAULO, 2010).
Sobre os projetos de qualificação para os funcionários, o SAC/BRASIL instrui sobre a
necessidade de oferecimento de treinamentos para a atuação nas unidades, que abrangeriam
além da capacitação técnica, a incorporação de comportamentos e atitudes compatíveis com a
função de acolher e orientar o público no atendimento de suas necessidades. Isso justifica a
adoção de rotinas flexíveis de trabalho, uma nova postura incorporada pelas CAI frente à
produção de serviços públicos, que possui orientação para revisão de procedimentos e normas
usualmente adotadas pelos órgãos ou organizações integrantes de cada unidade, fazendo
sempre que possível indicação de substituição e melhoria, em decorrência da maior eficácia,
qualidade e rapidez dos novos métodos (BRASIL, 1998; 2002; SÃO PAULO, 2010).
Relata-se também, a orientação e o incentivo à adoção de ferramentas de divulgação
das CAI para que o cidadão tivesse conhecimento sobre sua existência e sobre as
características dos serviços oferecidos por suas unidades. Observa-se, neste sentido, a
80
indicação de uso de instrumentos como campanhas na mídia e distribuição de folders. Além
disso, considerando a proposta de atendimento direto ao cidadão, sem intermediações e de
modo diferenciado e rápido, diz-se fundamental a disponibilização de informações precisas,
obtidas por meio de centrais telefônicas; equipes de triagem, composta por recepcionistas
especialmente treinadas, responsáveis por se posicionar no saguão de entrada, para fornecer
ao usuário, com cortesia, todas as informações pertinentes à sua demanda; equipes de
orientadores volantes, que se adiantarão no esclarecimento de dúvidas dos usuários, surgidas
durante a procura pelo setor de interesse; folhetos explicativos, de fácil compreensão,
colocados em locais estratégicos; e sinalização visual de fácil percepção e entendimento, para
proporcionar ao usuário, tanto na entrada da unidade como no seu interior, a localização
precisa dos diversos órgãos e serviços correspondentes (BRASIL, 1998; 2002; SÃO PAULO,
2010).
Ainda, tem-se a prerrogativa da agregação de atividades de apoio, como serviços
bancários para pagamento de taxas, serviços de fotografia e papelaria, serviços de reprografia,
dentre outros; de modo a oferecer um serviço mais barato ao cidadão. A unidade também
deveria adotar indicadores que fossem capazes de medir o desempenho e quantificar os
resultados (BRASIL, 1998; 2002; SÃO PAULO, 2010). A partir da premissa de que o
reconhecimento da opinião dos usuários seria parte fundamental da avaliação da eficácia dos
serviços públicos, as CAI requerem instrumentos de medição do grau de satisfação dos
usuários, mais simples, que permitam as comparações dos resultados da pesquisa ao longo do
tempo e dos resultados entre os diferentes serviços, e gerem informações relevantes para
tomada de decisão (ENCONTRO DAS CENTRAIS DE ATENDIMENTO INTEGRADO,
2002).
De acordo com Janete Balzani Marques, analista do Programa Nacional de Gestão
Pública e Desburocratização (GESPÚBLICA), a meta governamental era melhorar o nível de
satisfação sobre a prestação de serviços e o atendimento em 70%, e
[...] mesmo que o Decreto-lei 2000 tivesse traçado as linhas gerais de como
devessem funcionar as CAI, sobre como identificar os serviços que deveriam
ser prestados à sociedade, ou em reconhecer qual é o padrão de atendimento,
ou sobre como avaliar o serviço [...] não se tinha uma estrutura forte, que
funcionasse a partir de parcerias do conhecimento, com núcleo gestor, núcleo
executivo, núcleo de educação [...]. Ainda, o governo diminuía cada vez mais
a disponibilização de recursos para as unidades devido às suas prioridades
estratégicas e focava só no papel de intermediação das relações.
A partir de então, teve-se noticiado o enfraquecimento do modelo, provocado pela
mudança de prioridade estratégica do governo federal e o esforço individual das CAI em
81
traçar estratégias para enfrentar as dificuldades inerentes ao relacionamento entre seus
diversos órgãos, explicitados por questões como: (1) cessão de funcionários públicos; (2)
lentidão das decisões dos órgãos para resolução de impasses; (3) ausência de um plano de
contingência para queda de sistemas operacionais; (4) dificuldade dos órgãos em se adequar
às exigências das CAI; (5) incompatibilidade de procedimentos; (6) falta de rigor,
padronização e monitoramento da qualidade de informações e orientações ao cidadão; (7)
ausência de planejamento estratégico; e (8) insuficiência de recursos para racionalização e
desburocratização de processos (ENCONTRO DAS CENTRAIS DE ATENDIMENTO
INTEGRADO, 2001).
Mesmo que se tenha conhecimento sobre algumas iniciativas de articulação, como a
criação de um Comitê Central, cujo objetivo era representar unidades no processo de
articulação com órgãos parceiros ou esferas de governo; criação de grupos de trabalho no
Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração – CONSAD, para debate sobre
as tendências de modernização e compartilhamento de experiências em forma de cases;
criação de um fórum virtual e uma página na internet para discussão dos padrões de qualidade
e solução para os diversos problemas enfrentados; elaboração de carta para captação de
recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações; teve-se constatado
o enfraquecimento do MGAI no Brasil.
Citam-se como as mais importantes ações do governo federal, a publicação do
Decreto-lei nº 5.378 de 23 de fevereiro de 2005, que institui o GesPública, e do Decreto-lei nº
6.932 de 11 de agosto de 2009, que determina aos órgãos e entidades do Poder Executivo
Federal o esforço para manutenção dos seus serviços nas CAI estaduais, municipais e do
Distrito Federal. Nesse cenário abriu-se espaço para o crescimento das atividades de
consultoria, que passaram a atuar na reformulação e criação de unidades em todo Brasil, além
da luta individualizada dos estados da federação pela manutenção e funcionamento do
modelo, como ocorreu em Minas Gerais.
Tendo em vista o histórico de aprendizado na formação e constituição desse modelo e
as inovações propostas na gestão pública de modo geral, o estudo de um caso brasileiro se faz
pertinente por oferecer experiências que sirvam de referência e estimulem uma reformulação
das formas de organização dos diversos órgãos e instituições; não apenas, mas favoreçam o
desenvolvimento de propostas semelhantes, cujo interesse seja promover o contínuo
aperfeiçoamento da prestação do serviço público, dos mais diversos tipos e nos seus mais
diversos níveis.
82
4.2 UNIDADES DE ATENDIMENTO INTREGADO – UAI
Antes de se iniciar as análises, faz-se menção à sua estrutura de organização: (1)
apresentação da agenda, que diz respeito às demandas, motivos que levaram à adoção das
CAI em Minas Gerais; (2) etapa de formulação, que define os objetivos políticos e
alternativas de ação para resolução dos problemas identificados; (3) processo de
implementação, que explicam os aspectos sobre o seu funcionamento e operacionalização; e
(4) avaliação, que discute os principais desafios do modelo e aponta para novos
direcionamentos. Como se trata de uma metodologia com a delimitação de etapas que
normalmente se confundem, a avaliação se estende, também, para a próxima seção (4.3).
4.2.1 Formação da agenda: a priorização de demandas do estado de Minas Gerais
Tido como uma tendência de modernização no atendimento, a implantação dos Postos
de Serviços Integrados Urbanos (PSIU) foi um importante passo para promover a
descentralização administrativa e a democratização do acesso aos serviços públicos no estado
de Minas Gerais. Instituído pelo Decreto nº 38.303, de 23 de setembro de 1996 e coordenado
pela Secretaria de Estado de Recursos Humanos e Administração (SERHA), a proposta fazia
parte do Programa de Informação e Atendimento ao Cidadão e tinha como uma de suas
finalidades, oferecer um atendimento diversificado em apenas um local físico, multiplicado
em suas diversas regiões administrativas (MINAS GERAIS, 2013c).
Baseado em outros modelos de atendimento integrado do Brasil (SACI e SAC), numa
típica ação de benchmarking, a inauguração dos postos obedeceu não apenas à subdivisão das
mesorregiões do estado, decisão referendada pela densidade populacional e a quantidade de
demanda reprimida dessas localidades (MINAS GERAIS, 2013a); mas foi tida como uma
resposta do governo para a insatisfação dos cidadãos com a qualidade dos serviços públicos –
ação paliativa para a materialização de sua representatividade no interior e estratégica do
ponto de vista do aproveitamento das estruturas e pessoas com o fechamento da Minas Caixa.
Em meio a um cenário nada alentador para o seu desenvolvimento, marcado por uma
grave crise cambial do Brasil em 1999, Minas Gerais parou de reembolsar 13,5 bilhões de
dólares da dívida com o governo federal devido ao orçamento deficitário. Esta situação
assustou a iniciativa privada, que recuou 29,1% e um adicional de 19,3% em 2000. Até 2003,
a taxa anual média de crescimento do PIB de Minas Gerais tinha sido de 0,7%, ou seja, menor
do que a média nacional de 1,8%. O mau desempenho econômico do estado reverteu as
83
realizações do período entre 1995 a 1999, quando Minas Gerais cresceu uma taxa média anual
de 2,9%. Em 2002, as despesas de pessoal do governo do estado foi 66% e a dívida
consolidada do estado para o governo federal foi de 236%, ambos baseados na receita
corrente líquida (MAJEED, 2013, p.2).
Soma-se a isso, os aspectos relacionados à inadequação das estruturas, processos e
modelos gerenciais da administração pública à época, a insatisfação e baixa qualificação dos
servidores públicos, que não apresentavam nenhuma capacidade de implementação de
políticas públicas, e a fragilidade dos mecanismos de participação e controle social; elementos
que se colocariam como os grandes desafios políticos para Minas Gerais no longo-prazo e
fariam o governo repensar seu modelo de organização, com ações de modernização da
máquina pública, promoção do desenvolvimento e recuperação do vigor político (MINAS
GERAIS, 2013c).
Figura 11. Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado.
Fonte: Adaptado de MINAS GERAIS (2013c) com base em informação verbal 37
A concretização da mudança ocorreu com a elaboração do Plano Mineiro de
Desenvolvimento Integrado (2003-2023). Com o objetivo de transformar Minas no melhor
estado para se viver, a proposta do PMDI estava estrategicamente vinculada à ousadia de sua
agenda, cujas orientações de inovação compreenderiam três ciclos de reformas na gestão
pública, tal como mostra na Figura 11: 1ª geração. Programa “Choque de Gestão” (20032006), que se relaciona com a dimensão econômico-financeira e cujo objetivo principal estava
atrelado à busca pelo equilíbrio fiscal (foco na economia); 2ª geração. Programa “Estado
para Resultados” (2007-2010), que se relaciona com a dimensão institucional-administrativa
37
Apresentação do Secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado de Minas Gerais, Nárcio
Rodrigues da Silveira, em visita técnica à Cidade Administrativa, em jul. 2013.
84
e tem suas ações concentradas na melhoria do desempenho gerencial (foco na qualidade); e 3ª
geração. Programa “Gestão para cidadania” (2011-2014), que se relaciona com a
dimensão sociopolítica e prioriza a instituição de processos colaborativos na perspectiva de
Estado-rede (foco na participação).
4.2.2 Formulação da política pública: definição de objetivos e alternativas de ação
Influenciado pelo PDRAE em âmbito federal, as estratégias do PMDI se valiam de três
orientações principais – (1) ajuste à realidade; (2) planejamento; e (3) inovação
(ENCONTRO DAS CENTRAIS DE ATENDIMENTO INTEGRADO, 2005, grifo nosso) – e
foram marcadas num primeiro ciclo de reformas pela criação de um programa denominado
“Choque de Gestão” (2003-2006), expressão que pretendia provocar a reflexão sobre a
necessidade de reverter o modelo burocrático da administração pública, centralizado e
moroso, em uma nova modalidade focada no modelo gerencialista, com fins de atender as
demandas da sociedade. Esse programa consistia num conjunto de medidas de rápido
impacto, orientadas para o ajuste estrutural das contas públicas e iniciativas voltadas para a
geração de um novo padrão de desenvolvimento, tendo a revitalização da gestão como
elemento de sustentabilidade (MINAS GERAIS, 2013b).
Como foco direcionado para o fortalecimento da saúde econômica do estado (garantir
o déficit zero), numa clara proposta de se “fazer mais com menos”, as primeiras medidas de
(1) ajuste à realidade se pautaram na reestruturação orgânica do poder executivo estadual. No
período foram publicadas 63 leis delegadas, responsáveis não apenas por reduzir de 21 para
15 o número de secretarias, eliminar 43 superintendências na administração direta e 388
unidades administrativas e criar o Colegiado de Gestão Governamental (órgão de
assessoramento do governador que tinha o objetivo de melhor formular e acompanhar a
implementação de políticas públicas e programas governamentais); como também, transferir a
competência de coordenação e supervisão dos PSIU à Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Regional e Política Urbana (SEDRU) – Lei Delegada nº 106/2003. Sua
finalidade era o gerenciamento das ações setoriais a cargo do Estado, relativas à política de
apoio ao desenvolvimento da capacidade institucional e da infraestrutura urbanística, de
articulação intergovernamental e de integração regional dos municípios (ENCONTRO DAS
CENTRAIS DE ATENDIMENTO INTEGRADO, 2005).
Cita-se ainda, outras medidas do governo que contribuíram para o avanço na questão
econômica à época: controle de contratos administrativos; reforma previdenciária pelo ajuste
85
da contribuição do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais
(IPSEMG); substituição dos benefícios por tempo de serviço por adicionais de desempenho;
extinção de apostilamentos; extinção de cargos comissionados; redução da remuneração dos
agentes políticos do poder executivo; implementação do Sistema de Administração de Pessoal
(SISAP); inclusão da política remuneratória (2004/2005) na Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) e sua vinculação à variação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS); renegociação de débitos governamentais; e implementação do Sistema de
Administração de Material (SIAD) (Ibid., 2005).
Numa clara proposta de melhoria dos gastos e redução de custos, no sentido de
conformar a estrutura estadual a um modelo gerencial adequado para responder, de forma
rápida e eficiente às demandas sociais postas ao setor público, foi criada a Secretaria de
Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG), que se tratava de uma fusão entre as áreas de
planejamento, gestão e finanças; antes vinculadas à Secretaria de Estado do Planejamento e
Coordenação Geral (SEPLAN) e à Secretaria de Estado de Recursos Humanos e
Administração (SERHA). Sua constituição ressaltou a prioridade de fazer o governo
funcionar melhor (MAJEED, 2013) e nisso se inclui o pensamento voltado para a
modernização das práticas de atendimento ao cidadão, com destaque especial para os PSIU.
Em síntese, a adoção de instrumentos gerenciais, a compatibilidade entre estruturas e
funções e, principalmente, o acompanhamento da tendência mundial no estabelecimento de
parcerias com o terceiro setor e o setor privado na prestação de serviços públicos, tidos como
os grandes entraves para o desenvolvimento da proposta de atendimento integrado no início
de suas operações, começavam a ganhar forma. Com foco direcionado para a administração
de 31 projetos estruturadores, denominada Gestão Estratégica de Recursos e Ações do Estado
(GERAES), as ações do governo, orientadas pelas atividades de (2) planejamento e (3)
inovação, sinalizariam para uma segunda geração de reformas, conhecida como “Estado
para resultados” (2007-2010) (MINAS GERAIS, 2013b).
Destaca-se assim, a implementação do Projeto Descomplicar, que objetivava, na
interpretação do seu significado, facilitar o processo de prestação de serviços públicos em três
níveis: (1) empresa-Estado, com o trabalho de simplificação e agilização dos processos de
abertura de empresas (extensão do projeto estruturador “Minas Fácil”, que daria sustentação
ao processo de reformulação dos PSIU); (2) Estado-Estado, pela construção de processos de
operacionalização de atividades, revisão e simplificação de modelos já existentes, tornando os
processos mais eficientes; e (3) cidadão-Estado, com o desafio de atuar na simplificação dos
processos críticos de atendimento ao público (MINAS GERAIS, 2010b).
86
Quadro 5. O modelo Minas Fácil.
BOX 1 . O Modelo Minas Fácil
Como as etapas para o registro de empresas não eram simples, nem estavam integrados
por agências governamentais, demorava-se em média, de cerca de três meses para se obter uma
licença comercial. Nesse sentido, Minas Gerais criou em 2006 um novo modelo para a
prestação desses serviços aos cidadãos, os escritórios do Minas Fácil.
Conjuntamente, Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG), com o
Programa “Empresa Mineira Competitiva” e Junta Comercial, o objetivo inicial era desenhar
uma estratégia para aumentar o número de inscrições. Após se reunir com empresários e
associações para saber as razões para as baixas taxas de registro no estado, discutir os gargalos e
determinar necessidades da categoria, Alex Francisco Barbosa, chefe do programa, e sua
equipe, mudou as regras e leis que retardavam os prazos de entrega das licenças e, em seguida,
negociou com as autoridades, órgãos locais, estaduais e federais a possibilidade de oferecer em
um único local os serviços que as empresas precisavam. Aos poucos o projeto foi ganhando
suporte para procedimentos comuns e utilizando a plataforma on-line. De 2007 a 2012 foram
abertos 34 shoppings de serviços. O processo de desenvolvimento não foi fácil, exigiu muitas
apresentações públicas e uma intensiva comunicação com a comunidade empresarial. As
medidas legais levaram dois anos para serem implementadas.
Em 2011, a equipe adicionou o Minas Fácil Expresso, unidades constituídas em
escritórios municipais, normalmente em cidades com populações de cerca de 56.000 habitantes,
que apresentavam uma média de matrículas de 12 empresas por mês, considerando-se sempre o
ano anterior de sua introdução. Era comum que os representante das unidades Expresso,
coordenados pelo escritório central do Minas Fácil em Belo Horizonte, enviassem as cópias
digitais dos documentos para análise da sede antes de emitir uma licença no local. Em 2013,
Minas Gerais hospedava 32 unidades Minas Fácil e 59 unidades Expresso convencionais, em 91
dos 853 municípios do estado. Após a implementação, em vez de meses, licenças comerciais
demoravam, agora, uma média de 5 à 8 dias para serem entregues.
Fonte: MAJEED (2013, p.5).
O objetivo era simples, “gastar menos com o estado e mais com o cidadão”. Nesse
sentido, a primeira ação foi transferir a responsabilidade dos PSIU para a recém-criada
SEPLAG, cuja função seria coordenar a formulação, execução e avaliação de políticas
públicas, visando ao desenvolvimento econômico, social e institucional do Estado; propor e
executar políticas públicas de recursos humanos, orçamento, recursos logísticos e
tecnológicos, modernização administrativa e saúde ocupacional, bem como exercer a
coordenação geral das ações de governo (MINAS GERAIS, 2013c).
Contando com o aporte de recursos do Banco Mundial de US$170 milhões em 2006 e
US$976 milhões em 2008 (MAJEED, 2013), coube à Fernanda Girão, secretária-assistente da
SEPLAG na época, responsável pelas iniciativas de governo eletrônico no Estado (linha de
assistência telefônica, serviços de assistência pessoal e web sites), a missão de revisar e
reformar todos os PSIU. Como os projetos estruturadores tinham a prioridade de repasse dos
recursos previstos no orçamento, isso permitiu a agilidade e tempestividade na adoção das
medidas corretivas necessárias.
87
[...] O PSIU precisava fazer parte da agenda para acabar com o problema da
falta de recursos. Colocar o modelo dentro de um projeto estruturador pra ter
um orçamento mínimo garantido, conseguir executar o planejamento
estratégico e alinhar a execução operacional com os indicadores de
monitoramento [...]. Foi assim que o Estado começou a pensar em ações mais
articuladas, não pelas secretarias, mas com uma visão matricial de gestão por
processos, entrega de valor.
A realidade prática dessa proposta (introdução da gestão por processos) era criar um
novo conceito de atendimento, que se iniciaria após a contratação das atividades consultivas
da Fundação João Pinheiro e da ResPública38 (SOUSA et al., 2012). A intenção foi fazer um
levantamento sobre a situação dos PSIU para depois apresentar propostas de
desburocratização que fossem coerentes com a missão de modernização do PMDI. De acordo
com Fernanda Girão,
[...] quando o Daniel (ex-superintendente) saiu do Poupatempo e abriu a
empresa de consultoria, a gente estava começando esse grande diagnóstico em
Minas Gerais. A gente precisava de uma empresa que auxiliasse com algum
conhecimento [...] a gente tinha muito boa vontade, queria fazer, mas
desconhecia como [...] não tinha expertise no negócio. E aí a gente fez um
processo de licitação e ResPública foi vencedora. Ele veio pra cá em 2007 e
nos ajudou na modelagem, disse “olha, o melhor caminho é [...]”. Depois ele
saiu [...] e a implementação desse modelo já foi toda por conta da equipe que
veio sendo formada pela SEPLAG.
Esses diagnósticos identificaram vários problemas que contribuíam para o fraco
desempenho dos PSIU; e que foram adotados como motes para a análise do funcionamento
das UAI: (1) a dependência existente entre os governos, que sob tutela do sistema federal,
tornava difícil a concepção de uma abordagem unificada. Nessa linha, diz-se sobre as
discrepâncias entre os órgãos, que não eram incentivados a cooperar uns com os outros; (2) a
capacitação funcional, formação de pessoal e habilitação, extremamente precárias, que
dificultavam a entrega de serviços com qualidade; e (3) a ausência de procedimentos
operacionais padronizados, que colocavam em cheque o objetivo da qualidade (MAJEED,
2013).
Diz-se, portanto, que a transformação do modelo, para as UAI, surgiu a partir da
compreensão de que Minas precisava ser um estado cada vez mais desburocratizado, que
apresentasse um ambiente institucional adequado ao bom desenvolvimento dos negócios e
investimentos privados e, além disso, fosse capaz de introduzir um novo conceito de gestão,
inovação e excelência no atendimento (MINAS GERAIS, 2013c). Segundo Fernanda Girão,
38
Empresa de consultoria em soluções para o atendimento público, fundada pelo ex-superintendente do
Programa Poupatempo em São Paulo, Daniel Annenberg; que realizou diversos projetos para CAI de todo o
Brasil: OCA-Acre (2007-2011); Faça Fácil-Espírito Santo (2007-2011); PSIU-Minas Gerais (2007); e Espaço da
Cidadania-Piauí (2010-2011).
88
os resultados dessa transição estariam relacionados à necessidade de controle sobre as
operações, mais especificamente sobre a dinâmica de funcionamento e gestão das novas
unidades:
[...] Com base no tamanho da operação de cada PSIU, mais o percentual de
demanda reprimida existente, a gente começou a entender melhor o processo,
e criou condições para que fossem introduzidos sistemas de monitoramento e
controle [...]. Não era preciso modificar a “estrutura” da proposta em si, mas o
modo como ela era gerenciada. A gente fez uma modelagem que passava pelo
fortalecimento da identidade dos órgãos, independente da esfera.
O processo de transição, conforme publicação do Decreto nº. 44.817 de 21 de maio de
2008, se iniciou de forma gradativa e contou com a inauguração de 2 UAI em 2007 (Barreiro
e São João Del Rey), 8 em 2008 (sendo 6 transições MGS: Lavras, Ponte Nova, Sete Lagoas,
Coronel Fabriciano, Divinópolis e Passos; e 2 novas unidades MGS criadas: Barbacena e Belo
Horizonte - Venda Nova), 8 em 2009 (Muriaé, Patos de Minas, Teófilo Otoni, Pouso Alegre,
Belo Horizonte - Praça Sete, Paracatu, Uberaba e Curvelo), 4 em 2010 (sendo 3 transições
MGS: Poços de Caldas, Araçuaí e Caratinga; e 1 nova unidade MGS criada: Belo Horizonte Barreiro), 6 em 2011 (sendo 5 conversões PPP: Governador Valadares, Juiz de Fora, Montes
Claros, Varginha e Uberlândia; e 1 nova unidade PPP criada: Betim), além de existir, ainda
hoje, 2 PSIU em funcionamento (Diamantina e São Sebastião do Paraíso), conforme mostra a
Tabela 3.
Por esse mesmo decreto, também foi criada uma Diretoria Central de Gestão, que se
responsabilizaria pelas UAI, algo que aconteceria apenas até a publicação da Lei Delegada nº
180, em 2011, que transferiu esta responsabilidade em definitivo para a recém-criada
Coordenadoria Especial de Gestão das UAI (CEGUAI), vinculada diretamente ao gabinete da
SEPLAG (SOUZA et al., 2012).
Tabela 3. Relação de PSIU/UAI: as gerações de one-stop-shopping em Minas Gerais
CAI
Mês/Ano
Forma de
Transição ou Criação
Administração
São Sebastião do Paraíso
PSIU
Diamantina
PSIU
Belo Horizonte - Barreiro
Dezembro/2007
UAI/MGS
São João Del-Rey
Dezembro/2007
UAI/MGS
Lavras
Junho/2008
UAI/MGS
Barbacena*
Agosto/2008
UAI/MGS
Belo Horizonte - Venda Nova*
Setembro/2008
UAI/MGS
Ponte Nova
Novembro/2008
UAI/MGS
Sete Lagoas
Novembro/2008
UAI/MGS
Coronel Fabriciano
Dezembro/2008
UAI/MGS
Divinópolis
Dezembro/2008
UAI/MGS
Passos
Dezembro/2008
UAI/MGS
89
Muriaé
Patos de Minas
Teófilo Otoni
Pouso Alegre
Belo Horizonte - Praça Sete
Paracatu
Uberaba
Curvelo
Poços de Caldas
Araçuaí
Caratinga
Belo Horizonte - Barro Preto*
Betim*
Governador Valadares
Juiz de Fora
Montes Claros
Uberlândia
Varginha
Fonte: Elaborado pelo autor
Abril/2009
Setembro/2009
Outubro/2009
Novembro/2009
Dezembro/2009
Dezembro/2009
Dezembro/2009
Dezembro/2009
Setembro/2010
Novembro/2010
Dezembro/2010
Dezembro/2010
Setembro/2011
Dezembro/2011
Outubro/2011
Dezembro/2011
Agosto/2011
Setembro/2011
UAI/MGS
UAI/MGS
UAI/MGS
UAI/MGS
UAI/MGS
UAI/MGS
UAI/MGS
UAI/MGS
UAI/MGS
UAI/MGS
UAI/MGS
UAI/MGS
UAI/PPP
UAI/PPP
UAI/PPP
UAI/PPP
UAI/PPP
UAI/PPP
* Unidades criadas.
4.2.3 Implementação: especificações de operacionalização e funcionamento
Orientados pelas vertentes Estado-Estado e cidadão-Estado do projeto Descomplicar,
o primeiro passo para implementação das UAI pela SEPLAG foi a determinação de que a
prestação de serviços deveria obedecer à novos princípios de funcionamento, característicos
de um modelo de gestão por resultados, fruto da combinação de técnicas de gestão por
processos e colaboração. Objetivava-se, inicialmente, que as UAI se tornassem um exemplo
de padrão de atendimento para os demais órgãos e instituições governamentais, servisse como
laboratório de inovações dos serviços disponibilizados, induzisse os órgãos a adequar suas
retaguardas às necessidades da central, e auxiliasse no processo de reforma do Estado, a partir
da eficiência na prestação de serviços públicos (MINAS GERAIS, 2013a, p.19, grifo do
autor).
Representando um novo conceito em cima de um velho modelo, a política de
atendimento ao cidadão, em um único local, concentrou-se inicialmente na capacitação de
servidores, otimização do parque tecnológico, disponibilização de equipamentos de
informática, instalação de câmeras de segurança e terminais de autoatendimento, importantes
para redução ou eliminação de filas e diminuição do tempo de espera dos cidadãos (MINAS
GERAIS, 2013c), tais como apontava a SEGES/MPOG em seu roteiro de implantação de uma
CAI. Ocorreu, portanto, do ponto de vista-institucional administrativo, diversas modificações
no funcionamento dessas unidades.
90
4.2.3.1 Instituição de processos colaborativos
De acordo com as informações de Fernanda Girão, o fator mais importante e, que
também se configurava como grande desafio para a SEPLAG, quando assumiu o desafio da
transformação dos PSIU, seria a garantia de acordo entre as agências. Como não havia à
época, autoridade para decidir como os diversos órgãos deveriam assessorar suas operações e
gerenciar suas funções, até mesmo porque não existia um padrão gerencial ou regulamentação
pertinente; cabia aos postos apenas convocar os órgãos responsáveis pela prestação de
serviços específicos, com o único atrativo de compartilhar o espaço físico. Cada agência,
portanto, controlava suas próprias atividades, não havia parceria institucional formalizada.
Amparados pelos princípios da gestão por processos, a excelência do desempenho e o
sucesso nos negócios requereram que todas as atividades inter-relacionadas fossem
compreendidas e gerenciadas segundo uma visão sistêmica, matricial. Nesse sentido foi
fundamental conhecer os órgãos parceiros, o que cada atividade adicionava de valor no
atendimento realizado pelas UAI, antes de se iniciar qualquer mudança (MINAS GERAIS,
2013a).
Com características de um governo indutor de mudanças (OSBORNE; TED, 1994,
grifo nosso), a tarefa inicial foi convencer órgãos a simplificarem os procedimentos,
estabelecerem políticas comuns e permitirem o monitoramento do desempenho de seus
funcionários. Para isso, a SEPLAG coletou informações sobre cada um dos serviços que iriam
sediar as UAI e negociou as obrigações de cada ator antes de formalizar a relação, numa típica
tarefa de mapeamento da rede, tal como propõe Procopiuck e Frey (2007) nos seus processos
de formação.
[...] o maior desafio foi sensibilizar o nível tático da cadeia, convencer as
pessoas de que a rede ia funcionar se ela fosse matricial, [...] e aí eu digo, a
possibilidade de o processo de negócio ser rodado dentro de outra unidade,
por atores que não necessariamente tem que estar vinculados aos órgãos de
origem. A maturidade aconteceu no momento em que o processo se tornou
seguro, eficiente e controlável, [...] independentemente de quem vai executar,
e aí eu estou falando de força de trabalho mesmo, [...] se é um servidor
público, um agente terceirizado, um estagiário. Enfim, eu tenho que ter
procedimentos operacionais padronizados pra fazer esse controle.
Por meio de acordos de cooperação, foram estabelecidas regras de operação dentro
das UAI e assegurou-se que os órgãos fossem responsáveis por simplificar e atualizar todos os
seus processos de negócio (gestão de pessoal, equipamentos e expediente). Em contrapartida,
os custos de operação seriam todos financiados pela SEPLAG. Assinado por um período de
60 meses, este instrumento estabelecia, entre outras coisas: os serviços que deveriam ser
91
oferecidos; as facilidades para os órgãos na unidade; os horários de operação; as orientações
para o uso do espaço físico; as orientações para o uso de equipamentos; as diretrizes para
treinamento e gestão de pessoal; os processos de negócios dos órgãos, incluindo o seu manual
de operações; e as obrigações financeiras de cada uma das partes (MAJEED, 2013, p.9, grifo
nosso).
Ainda como incentivo, pela reticência dos órgãos mais tradicionais, até mesmo no
sentido de recuperar o prestígio das UAI, a SEPLAG ofereceu apoio na melhoria dos seus
processos de negócios. Foi estabelecido um sistema de trabalho conjunto, tanto para a
elaboração dos fluxogramas quanto no aprimoramento de procedimentos e técnicas de
abordagem aos clientes. Para Fernanda Girão,
[...] primeiro, os órgãos perceberam que não teria que alocar seus funcionários
no balcão de atendimento, que poderiam aproveitar seu quadro efetivo para
atividades estratégicas internas. Como não existia custo orçamentário, [...] a
UAI era encarada como oportunidade, afinal, existia a possibilidade das
agências levarem seus serviços para outros locais, aumentar os pontos de
atendimento e melhorar a qualidade.
Existiam alguns obstáculos legais e processuais em alguns serviços, que impediram
momentaneamente a participação do órgão ou dificultou sua migração para as UAI, mas estes
foram superados; isso porque a SEPLAG adotou estrategicamente, o discurso de
oferecer/solicitar apenas a implantação dos serviços operacionais num primeiro momento
(aqueles que fossem passíveis de terceirização pela agência). Quando o clima de confiança
tivesse se reestabelecido, se iniciariam as negociações com os chefes dessas agências para a
concessão de autorizações para que os funcionários da UAI prestassem os serviços, sob sua
assessoria e fiscalização. Fernanda Girão citou o exemplo do DETRAN, que tem suas
atividades reguladas pelo Código de Trânsito Brasileiro e que proíbe expressamente a
transferência de competência da prestação de seus serviços a terceiros.
[...] No início esses serviços não eram oferecidos nas unidades, mas hoje, em
algumas delas, a aplicação dos exames de legislação/direção é feita apenas por
funcionários da UAI (modalidade online). O movimento foi natural [...], hoje
se tem poucos funcionários dos órgãos de origem trabalhando em turnos
completos. [...] estamos ainda muito longe do modelo ideal de integração na
prestação de serviço [...] de processos maduros e integrados, com sistemas que
refletem essa integração e o monitoramento real desta operação. No entanto a
gente já rompeu algumas culturas muito interessantes, como aquele de que o
órgão deve controlar apenas a inteligência do seu negocio.
O estabelecimento de regras mínimas de funcionamento e padronização facilitou a
captação de parceiros. Cita-se como exemplo os acordos elaborados pela SEPLAG com o
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que disponibilizou o acesso a dados nacional de
92
empregos e permitiu a oferta dos serviços de autorizações de trabalho; e com a Polícia Federal
(PF), que conhecendo a grande demanda da população pelos serviços de emissão de
passaportes, concordou em oferecê-los em algumas unidades (àquelas que se localizavam em
municípios sediados pela agência) (MAJEED, 2013). Tem-se que hoje, mais de 48 serviços
diferentes são entregues aos cidadãos, prestados pelos mais diversificados órgãos públicos em
nível federal, estadual e municipal, conforme mostra a Tabela 4.
Tabela 4. Serviços oferecidos, valores cobrados e órgãos parceiros.
Serviços
Custo (R$)
Emissão da carteira de identidade (RG)
R$ 10,91
Atestado de antecedentes criminais
Registro de veículos
Carteira de motorista
Pagamento de seguro de trânsito
Pagamento taxas e multas de trânsito
Exame de legislação
Requerimento e reembolso do seguro
desemprego
Intermediação de emprego
Emissão da carteira de trabalho (CTPS)
Registro de empresas
Fechamento de empresas
Folha de pagamento
Pensão e aposentadoria
Benefícios
Emissão de passaportes
Atendimento ao estrangeiro
Informações de proteção ao consumidor
Assistência a queixas
Emissão da identificação fiscal
Emissão e pagamento de guias/parcelas
Emissão e pagamento de Imposto sobre
imóveis
Acordos de renegociação de dívida
Emissão de documentos de atraso de
pagamento
Registro de propriedade
Negociação e reconciliação entre partesGRATUITO
Recebimento de impostos, contas e taxas
para os serviços governamentais
Emissão do cartão IPSEMG-
Responsável*
Polícia Civil (PCMG) /
Instituto de Identificação
de Minas Gerais (IIMG)
Gratuitos
Departamento Estadual de
Trânsito (DETRAN-MG)
Gratuitos
Gratuito (1ª e 2ª via)
R$ 110,00 (micro)
R$ 112,00 (pequena)
R$ 115,00 (Outras)
R$ 100,00 (micro)
R$ 102,00 (pequena)
R$ 105,00 (Outras)
Gratuitos
R$ 156,07
Gratuito
Gratuitos
Gratuito
Gratuitos
Gratuito
Gratuito
1ª Via (Gratuito)
Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) / Sistema
Nacional de Emprego
(SINE) / Secretaria de
Estado de Trabalho e
Desenvolvimento Social
(SEDESE)
Junta Comercial**
Secretaria de Estado de
Planejamento e Gestão
(SEPLAG)
Polícia Federal
(PF)
Agência de Proteção ao
Consumidor (PROCON)
Receita Federal (RF)
Companhia de Habitação
do Estado de Minas Gerais
(COHAB)
Tribunal de Justiça de
Minas Gerais (TJMG)
Banco do Brasil
(Mais BB)
Instituto de Previdência
93
Reembolso IPSEMG
Documento de atraso de pagamento
Pagamento de contas
Reclamações, sugestões e críticas
Registro de boletins de ocorrência
Segurança extra-oficial
Documento de atraso de pagamento
2ª via (R$ 7,00)
Gratuito
Gratuitos
Gratuito
Gratuitos
Gratuitos
Pagamento de contas
Emissão de título de eleitor
Emissão de certidão eleitoral
Regularização de situação eleitoral
Inscrição de contribuintes
Protocolo de pedidos de benefícios
Fonte: Elaborado pelo autor
Gratuitos
Gratuitos
dos Servidores de Minas
Gerais (IPSEMG)
Companhia de Energética
de Minas Gerais (CEMIG)
Ouvidoria Geral do Estado
(OGE)
Polícia Militar (PMMG)
Companhia de Saneamento
de Minas Gerais
(COPASA)
Tribunal Regional Eleitoral
de Minas Gerais (TREMG)
Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS)
* As informações representam os serviços que são oferecidos nestas unidades.
** Serviços disponibilizados nas lojas do Minas Fácil.
Um problema corriqueiro e que prejudicava a entrega de serviços com qualidade, eram
as coletas de assinaturas em documentos oficiais (procedimento demorado que dependia dos
supervisores). Para minimizar estes problemas, a equipe da SEPLAG, em parceria com os
órgãos adotou soluções simples, mas inovadoras do ponto de vista funcional; o uso de
assinaturas eletrônicas e o processo de informatização de alguns procedimentos que requeriam
autorizações. Não surpreendentemente, conflitos e outras discordâncias, que por vezes
aconteciam e acontecem entre os coordenadores das UAI e os supervisores dos órgãos
parceiros diminuíram; influenciados pelo processo de adoção destas inovações, já que a
medida não requeria a presença integral dos supervisores nas unidades (MAJEED, 2013).
Estes problemas se relacionavam na sua grande maioria, às barreiras culturais e/ou
dificuldade natural no entendimento do novo modelo de gestão das UAI e, também, ao
sentimento de “perda de autoridade” por parte dos supervisores dos órgãos parceiros. No
primeiro caso, trata-se dos problemas da incompatibilidade de valores; e é natural que haja
conflitos entre os princípios e normas de operação entre as UAI e os órgãos. No segundo caso,
e talvez ele se justifique pelo primeiro, o pensamento equivocado de que não existe o respeito
às decisões da supervisão; aí se pode dizer que as restrições são impostas pelo modelo, que
priva pela qualidade, agilidade e zelo. Para Fernanda Girão,
[...] a primeira tarefa quando se tem a chegada de um novo parceiro é
certificar-se de que seus supervisores aceitam a UAI e o seu modo de
operação, conhecem a proposta. Na UAI não existe imposição, mas também
não se pode fazer as coisas de qualquer jeito, tem padrão, deve haver
qualidade acima de tudo [...]. Os policiais que antes exerciam autoridade
considerável nas delegacias, até pela cultura do próprio serviço, não tem esse
mesmo poder aqui, pois devem atender com presteza. Quando ocorrem
94
problemas, solicitamos aos chefes dos órgãos que conversam com o
supervisor, peçam para que ele se acostume com o novo modelo [...] mas nem
sempre isso ocorre, e se o problema persiste, a transferência deve ser feita
Mudar a cultura do órgão que opera na UAI nem sempre foi tarefa fácil. [...] a
grande maioria dos funcionários não entendiam o modelo e pensavam que
perderiam o poder e autoridade sobre o próprio serviço [...], o fato é que eles
tinham que seguir nossas regras.
A gestão dos problemas de relacionamento com órgãos parceiros nas UAI é, agora,
toda intermediada pela SEPLAG, que negocia as demandas com os chefes das agências. Por
prudência, e não apenas por questões hierárquicas, é normal que os coordenadores não tenham
contato direto com os chefes de cada órgão, até mesmo para não gerar os mesmos problemas
políticos e o desconforto da época de PSIU.
4.2.3.2 Capacitação funcional e formação de pessoal
No início do modelo de atendimento integrado, como não existia um plano
compartilhado de gestão de pessoas, os PSIU não ofereciam orientações sobre emprego e
carreira para os funcionários públicos contratados, muito menos existia treinamento e/ou
orientações sobre atendimento ao cliente. Ainda, como a qualidade não era uma prioridade
dos órgãos parceiros, o que se tinha eram funcionários problemáticos, que não apresentavam
as qualificações adequadas para os cargos. À ilustração desses problemas, de acordo com as
informações da funcionária pública Mariuza Peregrino, ex-coordenadora do posto de Poços de
Caldas,
[...] no PSIU trabalhava funcionários cedidos pelo município, muito poucos da
MGS. [...] os funcionários que Prefeitura não queria, ela encaminhava para os
postos. O atendimento era muito precário, não havia comprometimento,
qualidade [...] até porque os funcionários não eram dos órgãos.
Os problemas da reestruturação do governo (2003-2006), embora tenham trago
diversos benefícios, também impactaram negativamente na forma como o modelo era
gerenciado. Com o fechamento de alguns órgãos governamentais e a eliminação de algumas
secretarias após a implantação do Programa “Choque de Gestão”, diversos funcionários foram
realocados para os PSIU. Desmotivados, esses servidores não se preocupavam com a
qualidade do atendimento, existia apenas o pensamento de obrigatoriedade sobre os serviços
prestados; esses, realizados a qualquer tempo. Ainda em função do próprio remanejamento, os
funcionários tinham diferentes salários e variados anos de experiência, o que agravava o
problema da falta de padronização e aumentava ainda mais a discrepância sobre a qualidade
dos serviços oferecidos.
95
As
responsabilizações funcionais e
atribuições eram negligenciadas e os
coordenadores tinham pouca autoridade sobre os membros da equipe, que se reportavam
apenas aos seus órgãos de origem. A política também influenciava a capacidade gerencial dos
postos; isso porque os coordenadores geralmente se utilizavam de manobras políticas,
baseados em suas redes de contatos, para se conduzirem aos cargos (comissionados), sabido
ou não suas competências técnicas e habilidades para assumir tal função. Além disso, a
necessidade de material e equipamentos propiciava um ambiente de negociação livre com
fornecedores, cercado de interesses e manipulação.
A introdução da política de pessoal flexível, com as regras e condições da MGS –
empresa pública semiautônoma que presta serviços técnicos, administrativos e gerais aos
órgãos e entidades da administração pública direta e indireta do estado e seus municípios –
trouxe formalidade à política de contratações de funcionários para as UAI e eliminou (pelo
menos se acredita nisso) as influências políticas na indicação de funcionários. Todo o
processo de contratação, conduzido pela empresa se daria por meio da realização de
concursos públicos, que somente se realizariam caso fossem solicitados pelos coordenadores
das UAI, autorizados pela SEPLAG. Cabiam aos coordenadores, entrevistar os profissionais
selecionados e encaminhados pela MGS, no sentido de atestar suas qualificações; se este não
tivesse as habilidades certas para o trabalho ou não fosse apto (julgamento marginalizado,
sem respaldo gerencial profissional, até porque não se tinha um plano de cargos e
provimentos), um substituto seria enviado; movimento que se repetia até que a unidade fosse
atendida.
No início foram contratados mais de 2.100 trabalhadores, ou seja, grande parte
daqueles funcionários públicos que haviam sido realocados para os PSIU foram substituídos
por funcionários da MGS e encaminhados aos seus órgãos de origem. Em síntese, cada
unidade recebeu além de um coordenador, um assistente de coordenação, um supervisor e
diversos atendentes de balcão, além é claro dos funcionários de limpeza e manutenção
(MAJEED, 2013).
Além da política de pessoal, a infraestrutura (adequação dos espaços físicos dos
prédios para implantação das unidades) e a gestão de suprimentos (atividades de fornecimento
dos equipamentos, sistemas e outros insumos para os órgãos parceiros) também estavam sob
responsabilidade da MGS. Esse modelo de gestão terceirizado, além de não conseguir
proporcionar uma redução dos custos de manutenção mensal das unidades, ofereceu algumas
limitações; mas na opinião de Fernanda Girão, a gestão de pessoal sempre foi um desafio:
96
[...] Cada modelo reflete um custeio diferente, e todos eles tem problemas. O
Poupatempo adotou o sistema de funções gratificadas, [...] que começou a ser
um problema crítico, porque passados dez anos, a lei garantia a ocupação do
cargo ao funcionário, isso virava direito adquirido. O “Na Hora” resolveu
adotar parcialmente o modelo, [...] com 50 % de funções gratificadas e 50%
terceirizado, vivendo outros problemas. Nós aqui, estudando um pouquinho os
problemas de cada um, entendeu que teria que partir para o mais terceirizado
possível. Assim a gente aumentaria a capacidade de padronização de cargos,
[...] com os mesmos salários, você eliminava a competição do “eu ganho mais
e faço menos”, que era comum no antigo modelo.
Por outro lado, em resumo, o modus operandi do atendimento nas unidades,
independentemente do modelo, consistia em triagem, encaminhamento, espera, atendimento e
avaliação dos serviços prestados. O cidadão, ao adentrar do espaço teria que se dirigir, ou
seria encaminhado pelos funcionários-volantes à recepção geral, onde era feita a prestação do
primeiro serviço, informação e esclarecimento. A partir desse momento, procedia-se a
triagem, que sempre varia em função do serviço requerido (considera-se, nesse caso, o pacote
de serviços oferecidos pela UAI visitada devido às diferenças no pacote entre as unidades),
mas que, em geral, consistia na checagem de pré-requisitos para o atendimento, como a posse
dos documentos necessários (MINAS GERAIS, 2013c, grifo nosso).
Depois de concluída a triagem, emitia-se a senha de atendimento referente ao serviço
solicitado e encaminhava-se o usuário para a seção de espera correspondente. O
escalonamento dos atendimentos seria feito automaticamente por meio de um sistema
informatizado de gerenciamento e por painéis eletrônicos. Quando a senha era indicada, alerta
recebido por sinal sonoro, o cidadão se dirigia até o guichê correspondente para ser atendido.
Após o atendimento, o funcionário solicitava que o usuário fizesse a avaliação da qualidade
por meio de um terminal eletrônico (Ibid., 2013c). Tipicamente setorizadas, as UAI eram
divididas entre os órgãos coabitantes, que possuíam guichês próprios e atendentes exclusivos
para prestação de seus serviços, da mesma forma como informações e recursos especializados
(individualmente alocados).
Essa metodologia, no entanto, gerava alguns problemas de operacionalização e
atrasos. Citam-se, especificamente, o excesso de demanda para alguns casos e a ociosidade
dos funcionários noutros. Para solucionar este impasse, segundo Fernanda Girão, não haveria
alternativa, senão mudar; a ideia inicial era aumentar a capacidade para privilegiar o
atendimento aos serviços mais demandados, mas foi logo descartada, pois a falta de
previsibilidade manteria os problemas da ociosidade. Nesse sentido surgiu a proposta dos
balcões únicos, como uma cópia das “Lojas do Cidadão” em Portugal, que permitiriam que os
cidadãos recebessem variados serviços em um mesmo guichê. Segundo Fernanda Girão
97
[...] Eles chamam lá de multisserviço, é o mesmo balcão atendendo as diversas
necessidades do cliente, do cidadão. A gente faz com que aquele atendente
que antes executava um atendimento específico – emitir carteira de identidade
– passe a ser polivalente e capaz de operar outros atendimentos. Isso gera
ganho de eficiência. Hoje, se eu tenho uma demanda maior aqui, é óbvio que
eu vou ter algum guichê que vai ficar parado em algum momento do dia, já no
modelo balcão único, multitarefa, enfim [...] a lógica é: eu aumento a minha
capacidade, mas mantenho o mesmo custo de operacionalização. As PPP já
fazem isso, [...] não de forma plena, porque o maior desafio está dentro do
próprio governo, [...] em perder a cultura da pertença, de que “eu não posso
deixar você fazer isso porque este é o meu negócio”.
Quadro 6. O modelo Balcão Único.
BOX 2. O modelo Balcão Único
O balcão único refere-se à prestação de serviços num único local e preferencialmente
num mesmo momento, abarcando assim os conceitos de balcão multisserviços e balcão
integrado, que se estende no mundo virtual aos portais transversais. Esse modelo, tal como foi
concebido, consiste na centralização da prestação dos diferentes serviços em um mesmo balcão
de atendimento, com objetivo principal de aumentar a capacidade e minimizar o tempo de
espera do cliente.
Inicialmente, a proposta foi apresentada pela Secretaria de Estado de Planejamento e
Gestão (SEPLAG), por meio da Coordenadoria Especial de Gestão das UAI (CEGUAI), que
objetivava modernizar as formas de atendimento das UAI e resolver os problemas de oscilação
da demanda.
Além do investimento em treinamentos e intervenções físicas e tecnológicas nos
processos de cada serviço oferecido, para que sua implantação ocorra, destacam-se alguns
outros requisitos:
a) revisão de processos e de procedimentos dos serviços que serão prestados;
b) infraestrutura física;
c) maior integração entre os diversos serviços, de diferentes esferas de governo;
d) padronização e transparência no acesso às informações;
e) capacitação dos atendentes nos serviços disponibilizados no balcão único; e
f) comprometimento dos gestores dos órgãos.
Fonte: MINAS GERAIS (2013c, p.27-32).
Por tempo, na época em que se cogitou essa possibilidade de migração para sistemas
de atendimento unificados, decidiu-se que todos os funcionários receberiam treinamento em
todas as modalidades (serviços), afinal, isso seria necessário. No entanto, como a grande
maioria das UAI não poderiam sustentar o modelo, em decorrência da alta rotatividade
funcional (talvez ocasionada pela ausência de um plano de carreira para os funcionários e
agravado pela política salarial pouco atrativa), poucos balcões únicos foram implantados.
Assim, se mantiveram os problemas de atrasos no atendimento nas demais UAI quando a
demanda era alta.
Por fim, hoje, mesmo que os cargos envolvam o trato de informações sigilosas e
contemplem a realização de tarefas importantes, tem-se nas UAI um sério problema de
98
desmotivação, relacionado tanto ao baixo salário como também a inexistência de um plano de
carreira. Segundo Fernanda Girão,
[...] o funcionário não tem uma carreira da empresa e não tem uma carreira na
UAI. [...] ele não tem visão de futuro, ele tá ali como cabide de emprego, é seu
primeiro emprego. Geralmente são jovens, que quando saem da faculdade,
procuram melhores oportunidades [...] e a unidade perde o talento, não retém o
conhecimento.
Ainda, é responsabilidade dos órgãos parceiros a oferta de capacitação para todos os
funcionários que irão desempenhar funções em sua agência; medida que facilitou o processo
de implementação de sistemas de monitoramento e avaliação do desempenho, já que a
preparação permite ao funcionário conhecer o modo como o serviço deve ser prestado. Os
únicos treinamentos realizados por responsabilidade da SEPLAG foram palestras sobre
liderança e gestão para os coordenadores e supervisores e cursos sobre boas práticas de
atendimento e qualidade na prestação de serviços para os atendentes das UAI.
4.2.3.3 Procedimentos operacionais
No que diz respeito aos procedimentos, tinha-se na época dos PSIU um quadro
completamente desfavorável. As regras do serviço público não possibilitavam o agendamento
de turnos diferenciados para atendimento à população e também não existia nenhuma
ferramenta para medição da eficiência dos funcionários e eficácia do serviço, ou seja, a
ausência de procedimentos e normas compartilhadas significava que os cidadãos tinham
experiências muito diferentes. Ainda, não havia uma lista dos serviços oferecidos e uma
padronização das práticas operacionais, da organização do layout físico ou da tecnologia e
equipamentos, que prejudicavam um atendimento de qualidade (MAJEED, 2013).
Segundo Fernanda Girão, somam-se a isso as restrições orçamentárias e a ausência de
uma política voltada para operacionalização e gestão de longo prazo, que dificultava a
manutenção dos postos:
[...] O modelo é transversal em termos de estruturas de governo. No momento
em que o Governo Federal deixa ou não atua como núcleo estratégico indutor
dessas ações, ele obriga que cada estado continue agindo ao seu “belo prazer”
[...] o que eu quero dizer com isso é que sem uma política de alocação de
recurso específica para o modelo, existe apenas o esforço individualizado, ou
seja, a questão da inovação ela passa ser pontual, o estado é que investe no
modelo. Aqueles que enxergam um ganho no modelo, colocam na agenda, [...]
você percebe que alguns estados executam melhor, e o cidadão acaba
recebendo um tratamento diferente. Por que o Poupatempo foi durante muitos
e muitos anos uma referência? Porque o modelo recebeu alocação, recebeu
investimento, era prioridade do governo do estado.
99
Logo no início de operações das UAI, contemplado pela agenda do governo estadual,
uma das principais mudanças operacionais foi a implantação do sistema de horários de
atendimento flexíveis (estendido na capital devido a demanda – 7 às 19:00h nos dias de
semana e 8 às 14:00h aos sábados). Esta determinação fez com que os órgãos se
comprometessem a não interromper seus serviços ou fechar suas operações durante o
expediente, afinal, a prerrogativa era de que todos os cidadãos que estivessem nas UAI
fossem atendidos (MAJEED, 2013). Segundo Fernanda Girão, “[...] a regra era clara e dizia
que o dia de trabalho terminaria apenas quando o último cidadão tivesse recebido o serviço”.
Essa nova metodologia, em função da antiga política de restrição no número de senhas
emitidas nos PSIU, se estenderia também para uma modificação nos horários das agências
bancárias, responsáveis por receber pagamentos dos cidadãos dentro das unidades, e que a
partir de então, passariam a operar durante as mesmas horas que o restante dos serviços.
Como alternativa de fortalecimento e alteração da identidade visual, por determinação do
próprio governador, se cunhou uma “expressão de linguagem” típica da cultura mineira para
caracterizar a mudança na nomenclatura (MAJEED, 2013). As UAI ganharam um novo
padrão arquitetônico e, além disso, foram implementadas políticas e procedimentos que
eliminaram a possibilidade de concorrência, já que indiretamente as próprias unidades
competiam por qualidade de serviços; crítica recorrente do modelo de gestão consumerism
(ABRUCIO et al., 2009), típico das reformas de segunda geração.
Outros procedimentos de impacto imediato visaram evitar o favoritismo e/ou
clientelismo ainda encontrados na gestão pública. A regra era se fazer cumprir o sistema de
senhas, que proporcionavam aos cidadãos bilhetes com números que indicavam seus lugares
na fila para o atendimento (e não mais haviam restrições quanto ao número de senhas
emitidas). Organizados pelo horário de chegada, os cidadãos não poderiam ser beneficiados
com atendimentos fora de ordenação ou fora de turno.
A base de sustentação do modelo de gestão da UAI começou a ser realizada por meio
de um conjunto de ferramentas informatizadas de suporte à operação e de gerenciamento das
ações, por intermédio das quais a supervisão, o suporte operacional e o histórico das ações e
transações foram significativamente facilitados.
Quanto às atividades de monitoramento, foram desenvolvidas ferramentas de
gerenciamento de desempenho para ajudar a garantir a prestação de serviços de qualidade
(criação dos indicadores COEF). Dentro das unidades, era responsabilidade dos supervisores
dos órgãos garantir que os trabalhadores seguissem os procedimentos para a prestação de
serviços. À figura do coordenador, caberia à função de monitorar a qualidade e o
100
desempenho, e para isso, usa um sistema padronizado denominado SIGA Web, gerenciado
pela SEPLAG, capaz de suportar grandes volumes de trabalho, sem interrupção. Ainda, com
auxílio de um programa de banco de dados para a gestão, era possível acessar informações em
tempo real sobre o número de clientes atendidos, o tempo de espera, o tempo de atendimento
para cada serviço e o grau de satisfação do cidadão, medido por meio de um teclado
disponibilizado nos guichês (escalonado em muito satisfeito; satisfeito; neutro; e insatisfeito).
O SIGA Web envia as informações em tempo real para um conjunto de telas na sede
da CEGUAI, que mostram a dinâmica de funcionamento das 28 unidades. A única diferença,
é que a “Sala de Situação”, como é chamada, calcula também a média do tempo total de todos
os serviços e o tempo médio de serviços por unidade. Para que o acompanhamento seja feito
constantemente, os membros da CEGUAI adquiriram tablets e desenvolveram aplicativos que
permitem a visualização de desempenho das unidades mesmo estando fora do escritório
central. Segundo informações de Fernanda Girão,
[...] no início tudo isso era feito por meio do Microsoft Excel. Somente depois
que os recursos aumentaram é que se tornou possível melhorar, colocar novas
funções. A primeira versão custou mais ou menos R$8.000, [...] mas na
segunda versão houve um investimento maior, de 1,8 milhões. Ainda teve a
alocação de 1,5 milhões de reais para o licenciamento do software. [...] agora
era possível identificar melhor os gargalos do processo, os problemas [...] se
tinha a informação no tempo certo.
A meta estabelecida para cada unidade era alcançar a média mínima de 95% de
satisfação. Com base no acompanhamento desses valores era possível verificar a necessidade
de treinamento, recuperação de sistemas off-line ou visualizar problemas referentes à falta de
pessoal; justificativas para solicitações de novas contratações junto à MGS. Um coeficiente
inferior à meta significava um problema que deveria ser resolvido pelo coordenador.
Além disso, na tela do programa apareciam as imagens de todas as câmeras da
unidade, para que fosse possível visualizar a interação dos funcionários com os clientes e
garantir que as regras e procedimentos fossem cumpridos. Neste caso, se trata da necessidade
de acompanhamento do tempo gasto entre um atendimento efetuado e a chamada para uma
nova senha. Se um funcionário fosse ao banheiro ou tivesse algum outro problema, deveria
pausar o sistema para que não tivesse seu tempo contabilizado como ocioso, já que legalmente
cada atendente teria o direito à apenas 15 minutos de pausa.
Mesmo com todas essas vantagens, oferecidas pela introdução do auxílio da tecnologia
na gestão das UAI, existem ainda os problemas da oscilação de demanda, sobretudo nos dois
primeiros meses do ano (período de férias). Estas contingências provocam um tempo de
espera maior do que a média global de espera das unidades, e ocorre em particular nas
101
grandes cidades. Para resolver este impasse, foi proposta a implementação de sistemas de
agendamento de atendimentos on-line, no entanto, ainda há uma grande dificuldade da
população em acessar estes serviços; outra iniciativa, em fase de elaboração, é a instalação de
monitores que mostram o tempo médio de espera na entrada das unidades. Com relação à
primeira mudança, de acordo com Fernanda Girão,
[...] se via muita fila nas unidades maiores, as pessoas chegavam mais cedo,
ou até dormiam na porta para conseguir o serviço. Optamos por fazer esses
serviços (emissão da carteira de trabalho e seguro-desemprego) de modo
agendado, até porque eles são mais complexos, exigem mais documentos,
levam mais tempo no atendimento. Demorou para que as pessoas se
acostumassem, e hoje temos uma aceitação boa.
A análise do fluxo de trabalho também se estendeu para as atividades de manutenção
dos edifícios. Para padronizar o gerenciamento das instalações, a equipe desenvolveu um
manual para manutenção e limpeza, que listou as responsabilidades da equipe, descreveu o
tipo de mobiliário nas UAI e explicou como limpar cada item. Também se incluía nesse
documento, instruções especiais para trabalhar em prédios históricos, onde foram alojadas
algumas unidades (antigas sedes da Minas Caixa). O objetivo da SEPLAG com isso foi
manter a concentração dos coordenadores na gestão da qualidade do atendimento e na
prestação de serviços.
Por essa razão, foram contratadas equipes de artífices, funcionários que assegurariam a
manutenção predial, realizariam as atividades de limpeza e dariam suporte aos equipamentos.
De acordo com Fernanda Girão, não haveria mais problema de infraestrutura que fizessem
coordenadores preocupados; sua missão era única, manter a meta de cumprimento do tempo
de espera e esforçar-se para promover a qualidade dos serviços prestados por sua unidade.
No sentido de fortalecer essa visão, de atenção para os cidadãos, a equipe da SEPLAG
instalou uma mesa de ouvidoria (OGE) em cada UAI, disponibilizou uma linha telefônica e
um sítio para coletar as reclamações e sugestões acerca dos serviços. O tempo de resposta e
solução das questões apresentadas foram acordados em 2 dias para as reclamações submetidas
pelo sítio e 10 dias as queixas apresentadas à ouvidoria. Os problemas mais comuns
identificados hoje incluem as questões sobre os atrasos nos serviços; embora os números não
sejam elevados (entre 7 e 17 reclamações por dia), a coordenação possui dificuldades em
resolvê-los no prazo, principalmente por dizer respeito aos órgãos e não à unidade, logo exige
contato pela SEPLAG.
Houve também o esforço em fazer as informações sobre os serviços e documentos se
tornarem mais fáceis e disponíveis para os cidadãos. Nesse sentido foram criados diversos
102
mecanismos de comunicação externos: a plataforma online para as UAI dentro do portal do
governo do estado; a disponibilização de linhas telefônicas para atendimento (Fale Conosco);
a elaboração de Cartas de Serviços ao Cidadão, folders explicativos que ofereciam
explicações sobre os serviços oferecidos; além da disponibilização dos endereços eletrônicos
dos coordenadores das unidades (e-mail). Internamente, foram instalados terminais
eletrônicos de autosserviço e promovidas melhorias na sinalização dos órgãos, o que ocorreu
após as reformas e padronização arquitetônica das unidades; foram adotados também,
funcionários-volantes na linha de frente, denominado pelos coordenadores de “posso ajudar”.
4.2.4 Avaliação: um guia de decisões e orientações para o futuro
4.2.4.1 A avaliação do modelo MGS
Após a implantação do modelo de atendimento integrado no estado de Minas Gerais,
uma porcentagem considerável dos serviços oferecidos pelos órgãos em suas unidades de
origem foram transferidos para as UAI. A exemplo disso, do número total de documentos
emitidos pela Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (PCMG), as UAI fizeram 52% das
Carteiras de Identidade (RG) em 2011, 59% em 2012, e 64% durante os primeiros cinco
meses de 2013. Com relação ao atestado de antecedentes criminais as UAI emitiram 55% em
2011, 63% em 2012 e 62% nos primeiros cinco meses de 2013 (MAJEED, 2013).
Esses valores, se analisados de forma conjunta com os índices do COEF, que possui
uma média de 95% de satisfação (2012 - 2013), conforme mostram os dados da Tabela 1,
demonstram a importância dessas unidades para os cidadãos. De acordo com os dados da
pesquisa realizada pelo “Instituto Olhar” em 2010, que entrevistou 6.331 usuários em 18 UAI,
a grande maioria dos cidadãos que utilizaram os serviços era pertencente da faixa etária entre
20 e 40 anos, representando 58% do total; uma grande proporção possuía baixa renda, sendo
que 18% tinham renda mensal igual ou inferior a R$510,00, 34% tinham rendimentos na faixa
de R$511 à 1.020,00 e 30% tinham renda de R$1.021 à 2.040,00, representando 82% do total;
37% se diziam alfabetizados, 2% possuíam ensino fundamental, 42% informaram ter
completado o ensino médio e 18% apresentavam ensino técnico, curso superior ou pósgraduação; apenas 1% dos entrevistados disseram ser analfabetos. Embora 41% tivessem
computador e acesso à internet em casa, os outros 59% não o tinham (MINAS GERAIS,
2010a).
No que diz respeito à imagem dos serviços oferecidos, as três principais ideias
relacionadas à UAI eram: se tratava de uma “expressão mineira” (18,8%); se relacionavam a
103
um balcão de vagas de emprego - SINE (18%); e se referiam ao local em que emite
documentos (RG, CPF e CTPS) (14,2%). Apenas 9,2% dos cidadãos entrevistados souberam
explicar o que de fato representava as unidades, e que estas seriam uma modernização dos
PSIU (MINAS GERAIS, 2010a).
A rapidez e demora no atendimento foram consideradas como os principais pontos,
positivo e negativo das UAI, com 28,2% e 22,8%, respectivamente. Quando questionados
sobre quais outros serviços deveriam ser disponibilizados nas UAI, 31,6% dos usuários
indicaram serviços bancários e emissão de CPF, 10,5% comentaram sobre a possibilidade de
abertura de cursos para a população e 7,2% requisitaram a emissão do título de eleitor. A
grande maioria dos entrevistados que sugeriram melhorias às UAI, falaram sobre questões
infraestruturais, com destaque para a necessidade de aumentar o número de funcionários
(17,1%), algo que está diretamente relacionado ao motivo principal alegado pelos cidadãos
para que os serviços não fossem realizados, a indisponibilidade de vagas, com 38,4% das
respostas. Por último, se apresenta os principais pontos levados em consideração pelo cidadão
na avaliação do serviço: 80,7% relevam a educação do funcionário e a rapidez no
atendimento; somente 6,2% disseram que capacitação e clareza nas informações são
importantes (MINAS GERAIS, 2010a).
Numa pesquisa realizada em 2009, pelo mesmo Instituto, com 4.349 entrevistas em 12
UAI, 82,3% dos cidadãos alegaram que procuraram as unidades para usar os serviços de
captação de emprego (SINE) ou identificação (IIMG); apenas 5.5% utilizam os serviços do
DETRAN. Ao avaliar a eficácia do serviço, 60% dos entrevistados foram capazes de receber e
concluir um serviço em sua primeira visita em 2009 e 70% em 2010; 8% tiveram que fazer
duas visitas e 6% precisaram de mais de duas visitas em 2009, contra 6% e 18% em 2010,
respectivamente (MINAS GERAIS, 2009; 2010a).
A pesquisa identificou, também, que as razões pelas quais os cidadãos não receberam
o serviço na primeira visita estavam relacionadas à apresentação de documentos incompletos
ou errados; à necessidade de aguardar o prazo para liberação do documento; a inexistência de
vagas no SINE ou porque o requerente (candidato à vaga de emprego) não atendeu aos prérequisitos de trabalho; e à necessidade de aguardar o encaminhamento ao empregador
(MINAS GERAIS 2009). Finalmente, 61,1% dos cidadãos informaram que conhecem as
unidades por meio de parentes e amigos, e apenas 6,6% dos entrevistados relacionaram as
UAI aos antigos PSIU (MINAS GERAIS, 2010).
Era notório que esta forma de administração tinha alcançado destacado sucesso,
principalmente por conseguir alcançar seu objetivo, atender ao cidadão com altos níveis de
104
satisfação, o que indica a qualidade na prestação dos serviços. Alguns números de 2012
retratavam essa situação: 28 unidades em operação; 27,273 m² de área de atendimento;
550.000 atendimentos presenciais por mês, sendo 30.000 diários; 80.000 atendimentos
concluídos por terminais de autosserviço; 727 guichês de atendimento; aproximadamente
2000 colaboradores; 500 câmeras de segurança e monitoramento; um tempo médio global de
espera de 12 minutos; e um índice de satisfação de 99,12% (MINAS GERAIS, 2013a).
4.2.4.2 O modelo de parceria público-privada (PPP)
Contudo, embora as UAI funcionassem bem comparativamente aos PSIU, e os
números comprovassem isso, dois problemas foram revelados:
(1) o alto custo de manutenção envolvido: dados mostram que o custo operacional
anual do projeto subiu de 3,1 milhões em 2007 (26 unidades) para cerca de 45,2 milhões em
2010 (29 unidades), aproximadamente 1.358%; em comparação com o orçamento global do
Estado, que passou de 30,5 bilhões em 2007 para 41,1 bilhões de reais em 2010, ou seja,
apenas 34,75% de crescimento. Ainda, em 2007, o custo médio por serviço em um PSIU era
de R$2,31, já em 2010, o custo médio por serviço nas UAI subiu para R$16,8. Os dados da
Tabela 5 mostram, em parte, esses números.
Tabela 5. Orçamento Estado x UAI
Ano
Orçamento do Estado
2007
R$30.553.704.363
2008
R$35.590.405.599
2009
R$38.978.230.513
2010
R$41.113.937.207
2011
R$44.998.615.907
2012
R$50.272.318.708
Fonte: MAJEED (2013, p.17).
Orçamento autorizado para
PSIUs/UAIs
R$3.129.207
R$16.450.000
R$39.410.000
R$45.250.001
R$72.936.719
R$71.000.000
Segundo Fernanda Girão, a discussão sobre a questão financeira das CAI envolvem
vários fatores, inclusive a falha na atuação do governo federal, sua ausência como articulador
estratégico do movimento:
[...] Você não tem uma politica nacional, [...] econômico-financeira, cada
estado busca recurso dentro do seu próprio orçamento. Outro problema crítico
é a politica que envolve qualidade do atendimento. Não existe um modelo de
convênio, [...] cada estado busca um atendimento, uma metodologia, adota a
alternativa que entende ser mais conveniente [...] acabam adotando, ou por
uma visão extremamente política, ou por uma visão política e técnica, dentro
das suas possibilidades, soluções só pra eles [...] individuais. É aí que está o
problema [...] o lado ruim da história. Não tem uma visão única, como
acontece em outros países, como Portugal, que tem uma política nacional. Eu
105
estando na Ilha da Madeira ou eu estando em Lisboa, a lógica da prestação de
serviços é a mesma.
(2) a lentidão da MGS na política de gestão de pessoas e gestão de suprimentos:
no que diz respeito à política de pessoal se tinha: (1) dificuldades em selecionar profissionais
com habilidades técnicas específicas devido a “concursos padronizados”: até hoje são
selecionados funcionários com conhecimento generalista, com pouca ou nenhuma
especialização para a atividade que exercerá; (2) ausência de flexibilidade nos processos de
recondução profissional, ou seja, possibilidade inexistente de repatriar bons funcionários
devido à nova política de contratação, que restringe transferências; e (3) sistemas de
remuneração e progressão desvinculadas da avaliação de desempenho das UAI, decisão que
gera insatisfação e provoca ociosidade, além de invalidar a proposta de gestão por resultados.
Sobre a gestão de suprimentos, os problemas se relacionam à morosidade dos processos de
compras devido à lei de licitação, e ainda, os constantes atrasos no processo de prestação de
serviços, que podem ser relatados pela Tabela 6.
Tabela 6. Média de dias para conclusão de um chamado - MGS.
Tipo de ocorrência
Ar-condicionado
Cabeamento elétrico
Cabeamento lógico
Controle de patrimônio
Dedetização
Elevador
Equipamentos de prevenção e combate a incêndio e pânico
Execução de obra / reforma
Hidráulica
Identidade visual (adesivos e placas)
Jardinagem
Manual de limpeza e conservação
Mobiliário
Sanitários (solicitação de acessórios)
Solicitação de material – construção civil
Solicitação de modificação de layout
Fonte: SOUSA et al. (2012, p.14).
Média de dias
85
158
201
245
137
96
177
116
94
154
187
207
185
113
86
107
Ocorre que, embora hajam profissionais especializados para cada função como relatou
Fernanda Girão, com o atraso da MGS em atender os chamados ou até mesmo a demora em
fornecer os equipamentos para que as atividades fossem realizadas, os coordenadores
dedicavam parte do seu tempo, a exemplo do que ocorria nos PSIU, à resolução de tarefas
operacionais. Todo o atraso da MGS comprometia o funcionamento das unidades e também a
qualidade dos serviços oferecidos.
106
Além disso, outros problemas eram conhecidos, como a página eletrônica das UAI,
vinculada ao sítio do governo do estado, pouco amigáveis, de difícil acesso e entendimento.
Alternativas nesse sentido têm sido discutidas no âmbito da SEPLAG, como a própria criação
de aplicativos para smartphones, para melhor fornecer informações sobre a unidade e seus
serviços, dar possibilidade para que agendamentos sejam feitos e até mesmo informações
sobre a demanda e o tempo de espera para os serviços sejam conhecidos.
Sabendo da recorrência dos problemas, considerou-se a possibilidade da adoção de
outro modelo de gestão. Embora a busca por alternativas que viabilizassem investimentos nos
setores de infraestrutura e possibilitassem a melhoria na eficiência da máquina administrativa
fossem princípios das reformas de primeira geração, o governo de Minas Gerais, encarou e
priorizou como elemento principal da sua terceira geração de reformas, denominada “Gestão
para a Cidadania” (2011-2014), a implementação de PPP para gestão, operação e
manutenção de UAI. Por meio da SEPLAG, realizou em abril de 2010 uma audiência pública
para apresentação e discussão do projeto39.
Dentro da perspectiva de Estado-rede, que institui princípios colaborativos como
alternativas de desenvolvimento, o objetivo da ação do governo mineiro era garantir maior
flexibilidade gerencial, redução de risco para o Estado, padronização de equipamentos e
processos e uma estrutura operacional ainda mais adequada à natureza dos serviços prestados
(MINAS GERAIS, 2013b). O novo modelo, baseado em um contrato de gestão negociado
com uma empresa privada, possibilitaria ao Estado dedicar-se às atividades estratégicas de
gerenciamento dos processos de negócio, que incluíam, também, o pensamento sobre ações
colaborativas e a integração. A empresa privada seria responsável por gerenciar as UAI e
caberia ao Estado reembolsar o parceiro sobre o atendimento, de acordo com o número de
serviços prestados e da qualidade do mesmo.
Baseados na experiência de sucesso da implementação de outros modelos, a questão
era saber se essa abordagem funcionaria na prestação direta de serviços aos cidadãos. Para
39
Esse processo teve início com as primeiras concessões de serviços públicos, ocorridas em meados da década
de 90. No entanto, a transferência de atribuições da esfera pública para a esfera privada concentrou-se, num
primeiro momento, apenas em empreendimentos e serviços autossustentáveis, cujas receitas obtidas com a
exploração da atividade tinham condições de gerar suficiente rentabilidade. A lei federal nº 8.987, de 13 de
fevereiro de 1995, embora tenha feito menção a algumas hipóteses em que se admitisse a adoção de receitas
acessórias e alternativas para os projetos de concessão de serviços públicos, apresentou insuficiências normativas
que tornaram pouco atrativa a perspectiva de subsídios públicos na composição da receita do concessionário,
considerando-se especialmente o longo prazo do contrato. Diante disso, tendo-se em vista a restrição de recursos
públicos disponíveis para a inversão em infraestrutura e a crescente demanda por melhores serviços, erige-se um
forte argumento a favor da adoção do modelo das parcerias público-privadas no Brasil e em Minas Gerais (Lei
Federal nº 11.079/2004, Lei Estadual nº 14.868/2003 e Lei Estadual nº 14.869/2003) (MINAS GERAIS, 2013c,
p.38).
107
isso, realizou-se alguns estudos sobre os benefícios e limitações dessa proposta, com destaque
especial para as suas exigências (adaptações necessárias). Sinalizando favoravelmente para a
possibilidade de redução dos custos, foi considerado também a flexibilidade do parceiro
privado na condução dos negócios (eliminando, “parcialmente” os problemas identificados no
modelo MGS), que poderia usar os seus próprios procedimentos de recrutamento seleção para
encontrar trabalhadores com as habilidades e aptidões certas, além de garantir o rápido
fornecimento e reposição de materiais e serviços.
Com a descrença dos empresários, que alegavam inconsistências no nível de
remuneração e expunham sobre a falta de garantias sobre a demanda de serviços, a chamada
pública que havia fracassado em 2009, seria novamente retomada em 2010. Na reformulação
do edital, o governo determinou o pagamento de 70% da demanda para o licitante vencedor
(considerando a possibilidade de desconsiderar o pagamento para serviços não prestados),
sem estabelecer um piso para remuneração. A estimativa incluía apenas os serviços
presenciais, restritos à avaliação do desempenho mensurado pelo COEF, e não contavam com
serviços eletrônicos, feito por meio dos terminais de multisserviços instalados nas unidades.
Com informações sobre o custo médio dos serviços no modelo MGS, R$16,80,
estipulou-se um valor de R$13,00 por atendimento. Em dezembro de 2010, o vencedor do
certame, o Consórcio Minas Cidadão, ofereceu a prestação do serviço pelo custo de R$11,60,
representando uma economia de 31% para os sofres públicos (MAJEED, 2013).
Com relação aos aspectos gerais e políticas de funcionamento dessas novas unidades,
a equipe de coordenação da UAI teve que adaptar alguns de seus sistemas para monitorar a
prestação de serviços nesses novos modelos. Por meio da “Sala de Situação” a equipe UAI se
responsabilizou por fiscalizar rigorosamente todos os aspectos das operações pela avaliação
dos indicadores do COEF. A equipe dedicou especial atenção ao gerenciamento de senhas, até
porque a quantidade distribuída afetava o montante que seria pago ao licitado; ainda nesse
sentido, colocou-se um peso de 40% sobre o tempo médio de espera, para que houvesse a
garantia da prestação do serviço.
O modelo também exigiu da CEGUAI, a revisão de alguns procedimentos, o que
gerou descontentamento e resistência por parte de alguns órgãos federais, estaduais e até
mesmo municipais, relacionados, sobretudo com o alto volume de negócios e a falta de
mecanismos de controle sobre as atividades de treinamento. As dificuldades ocorrem em
consequência dos diferentes objetivos do Estado e do parceiro privado. Segundo Fernanda
Girão,
108
[...] gerenciar isso não é fácil, pelo contrário, é muito mais difícil do que no
modelo MGS. [...] a empresa sempre vai tentar, de alguma forma, aumentar a
lucratividade, mas muitas dessas ações não envolvem uma política de
atendimento de qualidade que nós queremos, exigimos em contrato [...]. O
desafio é acompanhar, medir, requalificar e readequar o processo, verificar se
de fato estão operando conforme a regra do jogo [...] e isso ainda está em
processo de construção dentro do governo de Minas. Existe hoje, uma série de
indicadores que o parceiro precisa atingir, e esses indicadores refletem
qualidade, satisfação e gestão. Pelo menos no nosso modelo, como o
pagamento é feito sobre a prestação de um serviço de qualidade, se o arcondicionado falha, eu abato na contraprestação, afinal, um dos meus
indicadores é a qualidade do ambiente.
Ainda, se os problemas da desmotivação eram uma realidade no modelo MGS, os
baixos salários pagos pelos parceiros privados, além de também influenciar na qualidade do
serviço prestado, geram ainda maior rotatividade, o que leva à uma demanda ainda maior por
treinamento. No caso da PPP é pior, pois existe agilidade no processo de contratação. O
salário de um empregado do Consórcio Minas Cidadão em 2013, foi cerca de R$670,00
mensais, ou seja, os funcionários receberam quase metade do que recebe um funcionário da
MGS e ainda, apenas quatro vezes mais do que o salário da linha de pobreza no Brasil
(R$140,00); mesmo que se saiba da existência de sistemas de remuneração flexível. Para
Fernanda Girão, “[...] nas PPP, pela lei (Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993), no máximo em
cinco anos eu tenho que publicar uma nova licitação, e se corre o risco de não conseguir outro
executor para operacionalizar o serviço. Ai nós temos um problema de migrar isso; é aquela
situação de ter que abastecer o avião no ar”.
Alguns outros problemas foram identificados, tanto pela SEPLAG quanto pela
empresa parceira: no primeiro caso, reconheceu-se a ineficiência do COEF como medida ou
critério para pagamentos, pois o próprio sistema (falho) produzia dados imprecisos; e no
segundo, reclamou-se das falhas nos sistemas dos órgãos governamentais ou sua
inoperabilidade, e que isso não deveria ser usado contra o parceiro na avaliação, já que os
atrasos no atendimento impactavam negativamente nos valores recebidos.
Existia o plano do governo de transferir o restante das UAI para a modalidade PPP até
2014, mas a iminência de demissão dos funcionários MGS, que não tinham certeza sobre a
manutenção de seus postos de trabalhos, fizeram com que surgisse uma manifestação
contrária nas unidades no início de 2013. Em resposta as solicitações e pedidos de
esclarecimentos, a SEPLAG disponibilizou uma linha telefônica para responder perguntas e
fornecer informações, e iniciou imediatamente um estudo sobre a possibilidade de que a
empresa licitada aproveite em seu quadro todos os trabalhadores da MGS.
109
Segundo Sousa et al. (2012, p. 16) no que diz respeito à eficiência, os avanços
conquistados pelo modelo PPP se resumem “a eliminação do custo de implantação das
unidades e a redução do custo operacional a partir da implantação de um sistema de
contraprestação baseado em um valor fixo por atendimento, ponderado por um indicador de
desempenho operacional”. No modelo de execução direta, o Estado arca com a totalidade do
custo de implantação das UAI, ao passo que no modelo PPP, sob o regime de empreitada
integral, esse custo é integralmente transferido ao parceiro privado, que deverá apresentar
plano e cronograma detalhado de implantação, para que o poder público possa acompanhar o
processo.
Ainda segundo o autor, a partir de dados da CEGUAI, a economia estimada de
recursos obtida pelo Estado com a implantação das PPP, com base na média das áreas das
unidades implantadas no modelo de execução direta e a média dos custos de sua implantação,
calculando-se, proporcionalmente à área das unidades PPP e o valor financeiro que teria sido
dispendido pelo poder público, foi de aproximadamente R$ 4,8 milhões. Ainda, caso as
unidades MGS tivessem operado na lógica do modelo PPP no ano de 2011, os cofres públicos
teriam economizado R$8,8 milhões para custear o mesmo volume de operações, ou seja, cerca
de 14,6% do gasto total. Considera-se também a possibilidade de que as UAI executadas pelo
Estado tivessem operado com maior eficiência, consideradas as outras vantagens operacionais
da modalidade PPP.
Na perspectiva de avaliação dos indicadores (que contemplam a eficiência
operacional), tem-se segundo cálculos geradas pelos dados da Tabela 1 que ambos os modelos
obtiveram média de 95% no COEF (índice recomendado pelo Estado), com exceção para 2
unidades PPP, Betim (92%) e Uberlândia (84%), e 7 unidades MGS, Praça Sete (80%), Barro
Preto (87%), Teófilo Otoni (88%), Coronel Fabriciano (89%), Venda Nova (90%),
Divinópolis (93%) e Pouso Alegre (93%). Isso significa o grau de aceitação e satisfação da
população com os serviços oferecidos.
4.3 CLASSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES DE COOPERAÇÃO NAS UAI
Após a contextualização sobre o surgimento das UAI, que abordou também os mais
diversos aspectos sobre o seu funcionamento, buscou-se nesta seção, além de descrever os
tipos de cooperação estabelecidos no seu ambiente, de acordo o que propõe Farah (2006),
analisar as dimensões e processos colaborativos segundo Ferolla e Passador (2013).
110
Caracterizada como uma típica relação de governo coordenado (baseado em
GOLDSMITH; EGGERS, 2006), já que se tem num mesmo espaço físico a articulação de
diversos órgãos que prestam serviços diferentes à população, a noção de integração e parceria
no ambiente das UAI é limitada aos acordos de cooperação, cláusulas contratuais e a algumas
atividades mais simples, relacionadas ao seu modus operandi. Pode-se dizer, por isso, que as
inovações desse modelo de redes se restringem apenas à democratização do acesso aos
serviços públicos, que buscam superar o distanciamento entre as estruturas estatais para
beneficiar o cidadão, ou seja, contemplam visivelmente, apenas a motivação econômica de
contenção de gastos e representatividade política, ambas, típicas das reformas de 1ª e 2ª
gerações.
Talvez isso se explique pelo próprio engessamento dos sistemas de trabalho, altamente
padronizados, que não favorecem as interações nem o compartilhamento de informações e
troca de experiências entre os atores, sequer estabelecem mecanismos de participação social.
Segundo informações de Marinalva Patrício, gestora da UAI de Varginha,
[...] a gente passa a nossa demanda para a empresa (consórcio Minas
Cidadão), que repassa para a SEPLAG. É ela quem dá o encaminhamento.
Existem algumas conversas locais, para demandas pequenas, mas que estão
mais relacionadas às dúvidas sobre como fazer as coisas ou sobre o que não
fazer, [...] a gente liga pra perguntar na delegacia, no MTE, que ficam aqui
próximo. [...] mas as demandas mais importantes, aquelas maiores, de
mudanças nos processos, é sempre através da SEPLAG, é sempre ela que
administra a aplicação de qualquer coisa aqui dentro.
O que se tem, portanto, é uma excessiva centralização das decisões em uma secretaria,
responsável por controlar grande parte das relações colaborativas no ambiente, ao contrário do
que havia no PSIU, pouco padronizado, mas com um alto grau de autonomia por parte dos
coordenadores locais, que partilhavam informações e detinham poder para tomada de decisão
operacional e estratégica.
4.3.1 Caracterização dos tipos de cooperação
Não se pretende fazer uma análise comparativa ou se intenciona diferenciar os
relacionamentos que se estabelecem nos modelos PPP e MGS, apenas procura-se demonstrar
por meio de um desenho (Figura 12), os tipos de cooperação formais e informais, que se
estabelecem no ambiente das UAI, baseado nas informações obtidas pelas entrevistas com os
coordenadores e gestores das unidades.
111
Figura 12. Mapa relacional das UAI em Minas Gerais.
Fonte: Elaborado pelo autor
No campo formal, as interações ocorrem entre:
(1) SEPLAG e Órgãos: compreende as relações entre a CEGUAI e os diversos órgãos
parceiros (representados pelas linhas em formato de “aranha”) que coabitam o espaço e
oferecem serviços distintos à população. Nesse caso as relações são resguardadas pelos
acordos de cooperação, que envolvem a formalização dos processos de negócio mapeados,
além da definição sobre o funcionamento da unidade, horários de expediente e supervisão das
atividades. Nessas interações encontram-se características de três tipos de cooperação:
a) RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS VERTICAIS, pois se considera a
parceria entre órgãos governamentais distintos e de diferentes níveis hierárquicos
característicos do processo de descentralização administrativa do Estado. Neste
caso, pouca atenção é dada aos apontamentos de Prado (2003) sobre a necessidade
de planejamento participativo, já que a elaboração de diretrizes legais e
administrativas é responsabilidade da SEPLAG, enquanto órgãos estaduais e
municipais encarregam-se da operacionalização dos serviços.
112
b) RELAÇÕES INTRAGOVERNAMENTAIS ENTRE SETORES, que contempla
as parcerias entre diferentes secretarias estaduais (SEDESE e SEPLAG) que
possuem o objetivo de planejar e avaliar as ações de governo no sentido de captar
demandas sociais, corroborando com a afirmação de Sposati (2006). Sobre este
esforço de cooperação, tem-se conhecimento da proposta de criação do banco de
dados
único
dos
cidadãos,
instrumento capaz
de
mapear
indicadores
socioeconômicos que subsidiem a elaboração de políticas públicas.
c) RELAÇÕES EXTRAGOVERNAMENTAIS (organizações privadas e sociais),
pelas parcerias entre o governo e instituições privadas (como no caso dos bancos
postais “Mais BB” das unidades, dentre outras) ou organizações não
governamentais (como no caso da ONG Bye na UAI de Poços de Caldas). Sobre
esta ONG, talvez o único caso dentro todas as unidades do estado, Mariuza
Peregrino diz, “[...] na realidade, ela existe para dar apoio ao imigrante e estava
aqui desde o PSIU. O prefeito pediu, na ocasião, como ele praticamente mantinha
isso aqui, um espaço pra BYE. Eu mandei um ofício pra Belo Horizonte na época
para obter autorização [...] e foi ficando. Com a criação da UAI arrumaram um
espaço pra ela também”. As próprias UAI PPP são um exemplo típico de relações
“publicizadas” do Estado para a provisão do serviço público, como pode ser
visualizadas, também, nas relações (2) e (3), abaixo especificadas.
(2) SEPLAG e direção da Empresa Licitada: diz respeito às relações entre a CEGUAI e o
consórcio Minas Cidadão, empresa licitada que administra as 6 unidades PPP. Nesse caso
tem-se o amparo legal do contrato de concessão administrativa, que entre outras coisas
estabelece as obrigações do parceiro privado (gestão, operação e manutenção das unidades;
monitorados e avaliados por meio de indicadores de desempenho - COEF) e, em
contrapartida, as responsabilidades do governo (pagamento baseado na quantidade e na
qualidade dos serviços prestados aos cidadãos).
(3) SEPLAG e direção da MGS: envolve a relação, também contratual, estabelecida entre a
CEGUAI e o parceiro terceirizado, a Minas Gerais Serviços, que se responsabiliza pela gestão
de suprimentos e política de pessoal de 22 unidades no estado.
113
(4) Coordenadores e SEPLAG: corresponde à relação direta entre os coordenadores e a
CEGUAI, que tem a função de solicitar à MGS a reposição de móveis, materiais e
equipamentos, reformas nas instalações e a abertura de editais de concursos públicos para
novas contratações de pessoal. A assessoria e suporte da CEGUAI, por meio da monitoria das
atividades de gestão das unidades, também são responsáveis por compartilhar técnicas e
novos procedimentos de controle das atividades com os coordenadores. Ressalta-se que,
dentre os coordenadores existem servidores de carreira do estado, transferidos para a
SEPLAG e realocados na UAI, e funcionários concursados e contratados pela MGS.
(5) Gestores e Empresa Licitada: contempla as relações estabelecidas formalmente entre os
gestores e o consórcio Minas Cidadão, numa típica relação entre empregado x empregador,
balizadas sobre meta x desempenho. De acordo com as informações de Luís Ricardo, não
existe contato entre os gestores e a CEGUAI: “[...] a positivação de algum material, layout da
unidade, tudo isso é validado pela SEPLAG. A gente passa para a empresa qual é a
necessidade e ela negocia com a SEPLAG”.
(6) Entre os próprios órgãos: corresponde ao acesso compartilhado de uma determinada
base de dados por meio da integração de sistemas de tecnologia da informação (representados
na figura pelas “linhas finas pontilhadas”). Tem-se como exemplo o IIMG (Instituto de
Identificação), que compartilha informações sobre os usuários dos serviços com órgãos
federais, como a PF e o MTE/SINE (relação intergovernamental vertical) para emissão de
passaportes e carteiras de trabalho, e a PMMG (relação intragovernamental entre setores) para
registros de boletins de ocorrência. Ainda, segundo Lohayne Santos, coordenadora da UAI
Praça Sete,
[...] eu tenho integração do Instituto (IIMG) com DETRAN. [...] na aplicação
da prova eletrônica, por exemplo, eu posso ter uma desconfiança de uma
identidade, [...] e o instituto de identificação me assessora nessa questão de
conferência do número da cédula, pra ver se bate. Da Polícia Federal junto
com o Instituto também existe integração. [...] seria mesmo essa questão de
conferência de documentação, troca de informação, apenas esse tipo de
integração.
No âmbito das relações informais, já que as interações não são resguardadas pelos
acordos de cooperação e a política de trabalho não as prescreve como responsabilidades dos
coordenadores e gestores, destacam-se:
114
(7) Coordenadores e MGS: muitos coordenadores entram em contato com a MGS
(representado na figura pela “linha grossa pontilhada”) na tentativa de agilizar a resolução de
problemas, aqueles relacionados especialmente ao atraso na reposição de materiais e
contratação de pessoal. A MGS recebe os pedidos, mas apenas os libera mediante a
autorização da CEGUAI, já que o canal de comunicação correto deve ocorrer via SEPLAG.
Segundo informações de Mariuza Peregrino, coordenadora da UAI de Poços de Caldas,
[...] já aconteceu de a gente ter que entrar em contato com a MGS, [...] não é
certo, mas tem alguns coordenadores que fazem isso, porque atrasa muito para
as coisas chegarem até a unidade. Se nós não formos bons gestores,
planejarmos bem o gasto de material, a gente corre o risco de ficar sem nada.
Às vezes adianta, mas nem sempre, porque a MGS entra em contato com a
CEGUAI e formaliza tudo.
(8) Coordenadores e gestores com Órgãos: existe um contato informal entre os
coordenadores e gestores com os órgãos parceiros (linha em formato de “ferradura”),
especificamente com as agências locais, que ainda continuam operando no município em
escritórios próprios para prestação de outros serviços ou atividades. Isso acontece de forma
esporádica e está relacionado ao esclarecimento de dúvidas ou busca de entendimento sobre
os processos de negócio, serviços prestados, documentação exigida, etc. Antes de ocorrer a
migração para a MGS, muitos coordenadores entravam em contato também para negociar a
substituição de funcionários insatisfeitos ou com desempenho ruim.
(9) Coordenadores e gestores com funcionários e supervisores: representados pelo
“espiral”, estas relações estão relacionadas ao contato e convívio dos membros no ambiente
de trabalho, à ajuda mútua entre os colaboradores no ambiente de trabalho. Nessas interações
tem-se a caracterização de RELAÇÕES INTRAGOVERNAMENTAIS ENTRE AGENTES,
que diz respeito à quebra da perspectiva top-down pelo reconhecimento da importância do
diálogo entre os atores como elemento fortalecedor das ações, principalmente de
implementação dessas políticas públicas.
Segundo informações do gestor da unidade de Uberlândia, Luís Ricardo,
[...] as cooperações que nós temos no ambiente da UAI são para ajuda mútua
em determinadas funções. [...] dentro da unidade, entre os funcionários que
respondem por mesmo órgão, até por estar todo mundo de baixo do mesmo
telhado, tem um espírito de colaboração bem apurado. [...] a ideia sempre é
melhorar o que a gente pode no modo como as coisas são feitas. O
relacionamento, pelo menos hoje, na unidade de Uberlândia, é muito saudável
dentro dos órgãos.
Em resumo, nas palavras de Lohayne Santos, da UAI Praça Sete,
115
[...] as relações já foram mais complicadas. Hoje em dia a gente tem uma
parceria maior de trabalho. O ex-coordenador daqui, costumava falar que a
UAI era uma torre de Babel, porque são vários órgãos, cada um com seus
procedimentos, cada um com sua forma de agir, tudo de baixo de um só, que é
a SEPLAG. Então assim, querendo ou não, eles têm que alinhar o
procedimento com a gente, pra que a gente crie uma forma só de gerir a
unidade. Porque se cada um aqui agir de uma forma não seguindo uma
orientação maior, fica complicado, realmente a gente tem muito transtorno. E
esse transtorno maior é gerado pelos órgãos que tem servidores públicos de
carreira, tirando isso. Ainda bem que esses órgãos geralmente só oferecem
serviços para os funcionários público do Estado. [...] aqui dentro da unidade a
gente tem uma parceria muito bacana.
Uma interação que ainda não foi citada, que se enfraqueceu devido à ausência de um
articulador,
papel
ocupado
pelo
MPOG/SEGEP,
foram
as
RELAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS HORIZONTAIS, caracterizadas pelo compartilhamento de
informações entre as diversas CAI do Brasil nos seus encontros agendados anualmente. Desde
2005, data de sua última edição, poucas ações conjuntas foram feitas; o que se tem hoje é uma
ação individualizada de cada estado para manutenção do modelo.
Quando se coloca em evidência todas essas interações, tem-se que o único tipo de
cooperação que não ocorre ainda no ambiente das UAI, orientados pela classificação de Farah
(2006), são as RELAÇÕES EXTRAGOVERNAMERNTAIS (participação cidadã). Embora
se tenha incluído na agenda do PMDI (2010-2014) o interesse pela efetividade na gestão das
políticas públicas, que diziam valorizar os princípios da equidade e participação social, não se
encontrou nenhum mecanismo formal de inclusão ou processos que estimulassem a
participação deliberativa, garantissem representatividade, ou ainda, proporcionassem controle
social e consolidação democrática, no sentido de fortalecer a cidadania e valorizar o diálogo
como ferramenta construtiva.
Talvez o serviço que mais se aproxime disso sejam os canais de comunicação direta,
internet, telefone e OGE, responsável por ouvir o cidadão e encaminhar suas demandas aos
órgãos responsáveis. De acordo com informações da coordenadora da UAI Praça Sete,
Lohayne Santos,
[...] na verdade está mais para o cidadão ser um mero cliente. Até recebemos
algumas opiniões, algumas informações do cidadão, mas eles só utilizam a
ouvidoria geral [...] ou pra poder fazer reclamação, ou pra dar alguma
sugestão. Antes a gente trabalhava com formulário [...] pra quando o cidadão
queria fazer alguma sugestão, ou passar alguma informação. A gente
entregava ao cidadão o formulário, mas não havia como dar retorno pra ele.
Não tem como pegar todos os formulários, e dar retorno a cada um deles por
telefone. Hoje o cidadão é um mero cliente, ele entra na unidade, recebe o
serviço e vai embora.
116
Em resumo, o Quadro 7 mostra os tipos de cooperação nas UAI segundo o grau de
formalização das relações.
Quadro 7. Grau de formalização das relações e tipos de cooperação nas UAI.
Grau de
formalização das
relações
Tipos de cooperação
FORMAL
INFORMAL
Cooperação
INTRAGOVERNAMENTAL
entre SETORES
Cooperação
INTERGOVERNAMENTAL
VERTICAL
Cooperação
INTRAGOVERNAMENTAL
entre AGENTES
Cooperação
INTERGOVERNAMENTAL
HORIZONTAL *
Cooperação
EXTRAGOVERNAMENTAL
(ORGANIZAÇÕES)
Cooperação
EXTRAGOVERNAMENTAL
(CIDADÃOS) **
Fonte: Elaborado pelo autor
* Caso ainda haja algum tipo de interação entre CAI´s brasileiras, estas ocorrem de maneira informal, ou seja,
não se tem conhecimento de ações conjuntas desde 200. Muito embora Minas Gerais tenha estreitado seu
relacionamento com o governo português, não existe um programa formal de cooperação instituído.
** Embora esteja formalmente vinculado ao PMDI, não se tem noticiado mecanismos de inclusão social no
âmbito das UAI. Aliás, julga-se não haver este tipo de relações formalizadas em nenhum outra CAI brasileira,
salvo os poucos canais de comunicação direta estabelecidos entre governo e sociedade; motivo principal desta
classificação.
4.3.2 Análise das dimensões e processos colaborativos
Neste tópico buscou-se analisar os processos colaborativos de acordo com as três
dimensões apresentadas por Ferolla e Passador (2013): participação, representatividade e
publicidade.
De forma indireta, sobre a dimensão da participação, pode-se relatar que a ruptura do
ciclo de exclusão econômica, social e, em menor escala, política, devido à maior
conscientização sobre os direito e deveres proporcionada pelas UAI, em seu papel primeiro de
fortalecer a cidadania, levam à redução das desigualdades e melhoria da qualidade de vida dos
cidadãos beneficiados pelo modelo. No entanto, a ausência de processos institucionalizados
de participação social negligenciam evidências importantes no processo de promoção desse
tipo de políticas públicas.
Segundo Mariuza Peregrino, coordenadora da UAI de Poços de Caldas,
[...] não existe participação do cidadão [...] muita gente que vem aqui e não
sabe o que é e para que serve [...]. Ele vem tirar uma carteira de trabalho, aí a
colaboradora pergunta se ele tem CPF, [...] ele sempre se assusta, pois não
sabe que oferecemos esse serviço. A intenção do governo era trazer o cidadão
117
pra perto, para descobrir o que ele está precisando, mas se esqueceu do
principal, ouvi-lo.
Se por um lado inexistem canais formalizados para participação social, por outro,
quando se fala sobre o ambiente de cooperação entre órgãos públicos, o excesso de
morosidade é que prejudica a melhoria dos processos de negócio e, consequentemente, as
ações conjuntas. Isso se exemplifica pelo depoimento de Lohayne Santos, coordenadora da
UAI Praça Sete:
[...] Na verdade o cidadão faz a manifestação (por mensagem eletrônica) e
encaminha pra gente, mas as reclamações são da limpeza dos banheiros, [...]
da confusão dos painéis de senhas, [...]. A gente trata isso, porém, estamos
falando de problemas estruturais, de falta de funcionário, falta de material,
[...], que estão fora do nosso controle. (Sobre qualquer problema na unidade)
O meio de comunicação correto é, primeiramente, com a coordenação. Todos
os funcionários, quando tem alguma sugestão, alguma indicação de mudança
de procedimento, precisam encaminhar para a coordenação, que repassa à
CEGUAI. São eles que decidem se aceitam ou não. Somente depois disso é
que repassamos aos órgãos. Tem órgãos mais complicados, como por
exemplo, a PF. Se tiverem alguma demanda não aceita, procuram o próprio
caminho pra poder alterar o procedimento ou tomar as medidas necessárias.
No que diz respeito ao contexto, a confiança é em partes garantida devido à excessiva
obediência aos acordos de cooperação, mas sinalizam para uma postura meramente formal de
tratamento das obrigações, sobretudo pelos funcionários da MGS alocados nas agências, já
que se posicionam em nível hierárquico mais baixo. Ainda, pode-se dizer, quando se analisa o
modelo de cooperação existente, ao contrário do que afirma Gregory et al. (2005), que quanto
mais complexo o tema ou problema abordado, menor é a importância de se construir
coletivamente as soluções.
Com relação à representatividade, que versa sobre a legitimidade política e de
interesses, elemento essencial não apenas nos casos de colaboração entre governo e
sociedade, mas também nos diálogos entre os órgãos coabitantes para se fazer valer o acordo
de cooperação ou sobre os contratos de concessão, se tem evidências de elementos de
responsabilização. Questionado isso, como é feito o controle de resultados e a eficiência da
gestão por parte da concessionária, da SEPLAG e das próprias agências, Luís Ricardo, gestor
da UAI de Uberlândia, declarou:
‘A gente analisa’ o tempo médio de atendimento, [...] o volume e a
produtividade daquele órgão. Hoje o passaporte, por exemplo, atua com
capacidade total, [...] temos pessoas agendadas o dia todo, e ainda existe um
grande volume de casos emergenciais. No caso da PF, que é um órgão com
servidores próprios, não temos problemas. Nos demais órgãos, mensurados
pelo COEF, por exemplo [...], caso da identidade, precisa da liberação da
cédula, ou seja, que o material venha do órgão, e isso pode ser um
118
complicador. A gente nunca chegou a ficar sem cédulas, mas como esse
material é liberado em lote, já tiveram casos em que o lote não foi liberado
logo pela manhã, e isso impactou no atendimento do dia. Nesses casos a gente
precisa que ficar em cima, acompanhando, [...] escalonar o problemas pra que
alguém lá de cima tome alguma providência e resolva.
Mesmo que autorizados e responsabilizados, ou seja, legitimados a operar, os gestores
das UAI não possuem poder de deliberação, já que muitas atividades ainda são controladas
pelas agências, salvo alguns exemplos, como a liberação para aplicação de provas eletrônicas
de Legislação pelo DETRAN. Já quando se fala sobre o equilíbrio da diversidade de opiniões,
verifica-se que as poucas iniciativas de participação, ao contrário do que informa ser
necessário Miguel (2011), não envolvem a multilateralidade como seu elemento
característico.
Por último, tem-se que o aspecto mais falho da participação no ambiente das UAI é a
publicidade, já que desconsidera o uso eficiente dos mecanismos de divulgação das
informações, e conta com ferramentas de comunicação simplórias, seja no que diz respeito a
acessibilidade
(facilidade
de
acesso),
conteúdo
(utilidade
e
atualização)
ou
compreensibilidade (linguagem). Portanto, após a análise das três dimensões têm-se
evidências de processos ainda falhos de cooperação, que se sustentam devido ao alto grau de
formalização das relações, controle das operações e resultados baseados na importância desse
tipo de política pública.
119
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tem-se, hoje, pelo entendimento histórico do quadro político brasileiro, um processo
natural de transformação dos atos de vontade expressos pelo povo na proposição e execução
de uma nova agenda. Esse processo contempla a formulação e implantação de novas políticas
públicas e se coloca como a principal explicação para o surgimento dos modelos one-stopshopping no Brasil. No entanto, ao acompanhar a trajetória de desenvolvimento dessas
propostas, percebe-se uma grande dicotomia: se por um lado existe o avanço da formação das
redes de cooperação no setor público; por outro lado se tem os diversos problemas de gestão
associados a elas, tratando-se especificamente dos aspectos operacionais que estão
relacionados à dificuldade de articulação entre os parceiros.
Essas dicotomias confirmam as proposições de Ebers (2002), que diz ser evidente no
estudo sobre redes de cooperação a força dos objetivos econômicos como influência para sua
formação, mas que se deve atentar para os problemas relacionais, que restringem ou facilitam
seu desenvolvimento. No caso das UAI, fazendo um retrato histórico sobre as configurações
estrutural ou funcionalista, tem-se o seguinte quadro:
(1) no nível do ator pode-se considerar na visão dos órgãos, que as motivações
estiveram baseadas na redução dos custos, o que confirmou a lógica econômica de
participação e formação de redes de cooperação e se colocou como alternativa para
a 1ª geração de reformas. Essa visão ainda prevalece, e foi utilizada pelo governo
em duas oportunidades: para atrair os parceiros na transição dos PSIU para UAI
em 2007, e na proposição do modelo de gestão por PPP em 2011.
(2) no nível relacional, teve-se que a formalidade das relações, fundadas em
princípios gerenciais, se colocou como principal garantidor de atividades de
cooperação e interatividade, e ainda, se apresentou como resposta lógica para as
reformas de 2ª geração. No entanto, a padronização dos processos de negócio
funcionou como inibidor da cooperação e troca de informações entre os parceiros,
já que a UAI se tornou uma rede altamente centralizada, que não mais permite
interações espontâneas. A situação de ausência de um articulador em nível federal
também dificulta esse processo de compartilhamento de conhecimento.
120
(3) no nível institucional, o cenário de inquietação social representou uma condição
extremamente favorável para a formação de redes, principalmente por ter se
colocado como alternativa de representatividade política, garantidora de direitos, e
foi tida como uma resposta para a 3ª geração de reformas. Embora se tenha
planejado alcançar isso, inexistem ações garantidoras de participação e inclusão
social. A lógica de gestão ainda continua direcionada para a prestação de serviços
de qualidade.
A Figura 13 retrata essa discussão em estágios evolutivos, e distingue as diferentes
visões e características do modelo PSIU/UAI; dando destaque para o terceiro período de
reformas (2011-2014), que contempla, de acordo com as diretrizes do próprio PMDI, uma
orientação para a organização do Estado em rede, de efetividade, cujos princípios norteadores
estão baseados na equidade e participação.
Figura 13. Evolução dos modelos PSIU/UAI em Minas Gerais.
Fonte: Elaborado pelo autor
Nessa proposta, as reformas e inovações das UAI tinham a pretensão de caminhar no
sentido da gestão para cidadania, mas se pautam numa visão estratégica de formação de
parcerias público-privadas. Contudo, se pensarmos do ponto de vista estratégico, a alternativa
é válida, pois, muito embora este modelo de gestão seja uma proposta objetiva de redução do
121
gasto público, sua adoção permite ou tem intenção de dar ao governo a possibilidade de
concentrar seus esforços em suas atividades finalísticas, de indução de políticas públicas. Um
passo importante nesse sentido tem sido a flexibilidade oferecida pelo parceiro privado na
gestão operacional das unidades.
Se o principal entrave para o desenvolvimento do modelo UAI até 2006 se pautava na
falta de padronização de processos, que atribuíam caráter aleatório, circunstancial ou pessoal
para as decisões sobre serviços, na dificuldade de articulação política entre os parceiros e na
instituição de um ambiente de cooperação, o papel do Estado agora é se concentrar nessas
atividades estratégicas, com direcionamento para uma nova forma de compreensão do
potencial desta política pública. No entanto, isso é restringido pelo próprio modelo
centralizador vigente.
5.1 RETROCESSOS E AVANÇOS PARA A CIDADANIA
Conhecidas as estratégias que caracterizam os diferentes estágios de desenvolvimento
da proposta, a motivação principal desta pesquisa é elaborar uma discussão se, de fato, esse
modelo de redes de cooperação contribui para o fortalecimento da cidadania e refletir sobre os
desdobramentos dessa nova forma de organização do Estado na valorização do seu papel
indutor de políticas públicas.
Com considerações nesse sentido, tem-se num primeiro momento, a concordância com
Abrucio et. al (2009), que diz que a importância dada à dimensão institucional-administrativa,
pelo menos nas UAI, tem enfatizado os aspectos instrumentais da gestão mais do que os
fatores sociopolíticos; embora estes sejam considerados no PMDI, quase nada tem sido feito
nesse sentido. Logo, a visão “míope” de se pensar em como o Estado pode alcançar seu
objetivo, peca por não se aprofundar na discussão sobre o que o Estado é ou deveria ser, ou
seja, ações pontuais econômicas desenvolvimentistas têm sido estimuladas desconsiderandose aspectos sociais extremamente importantes.
Em sua essência, os modelos one-stop-shopping têm características distintas, mas que
configuram e moldam um novo formato de prestação de serviços públicos. Embora a temática
ainda seja pouco explorada na academia, sua relevância é conhecida, pois contempla os
benefícios e limitações das redes de cooperação enquanto estratégia de configuração das
organizações na modernidade; seja pela justificativa econômica ou produtiva, numa lógica
de se “fazer mais com menos”, típica da configuração estrutural, percebida por meio da
122
otimização do gasto público; ou pela justificativa social vinculada ao aumento de
qualidade, numa lógica de se “fazer melhor”, típica da configuração relacional, que diz sobre
o compartilhamento de informações e conhecimento entre os parceiros, que maximizam
resultados. Sabe-se também que o processo de cooperação é falho e centralizado na figura da
SEPLAG, que se responsabiliza por toda articulação do projeto.
No entanto, muito pouco é conhecido quando se diz sobre a aplicabilidade do conceito
das redes de cooperação no setor público, em especial dos modelos de gestão do atendimento
integrado, sobretudo quando se analisa sua contribuição para a equidade, dentro de uma
lógica de participação social, em que o objetivo é “fazer a diferença”.
Nessa última perspectiva de análise, em que se enquadram questões de fortalecimento
da cidadania, se pergunta: será que estas alternativas respondem aos desafios da inclusão? O
modelo de atendimento integrado apresenta mecanismos de participação social? Em que
sentido se avança para isso? A resposta para as duas primeiras questões é não! No entanto,
ainda há algumas perspectivas futuras para que isso saia da agenda e ganhe corpo nas
unidades.
Na grande maioria dos casos relacionados à ideia de descentralização como fator de
participação social, encontram-se estudos sobre democracia representativa, controle social,
desenvolvimento local ou territorial, economia solidária, conselhos gestores, orçamento
participativo. A ousadia desta pesquisa, portanto, é tentar ir além do que se tem como
conhecimento, e desmistificar ou confirmar, a proposição de que a cidadania, no caso das
CAI, é entendida apenas como um relato sobre o “valor percebido”. Diz-se isso porque esta
proposta se encaixa claramente como uma iniciativa de reforma de segunda geração, embora
ganhe traços ou contornos da primeira e se diz caminhar para uma terceira.
O que se tem, manifesto pelos diversos atores entrevistados e também expressos nos
diversos documentos analisados que versam sobre o modelo, é que as UAI foram
institucionalizadas como espaços de atendimento cuja premissa básica seria fornecer
cidadania. Embora não se tenha nesta pesquisa, uma análise profunda sobre o tema e suas
diversas dimensões, tem-se que as lojas de serviços públicos cumprem um papel social
extremamente relevante, mas ainda caminham no sentido da representatividade e abrangência
do conceito.
Como os serviços públicos só podem ser realizados pelo próprio governo, e não existe
concorrência, tem-se um entendimento falho do que significa valor para o cidadão. A
qualidade no atendimento (mensurada com base nas opiniões dos cidadãos), o principal
princípio das reformas de segunda geração, que está relacionada aos indicadores de rapidez,
123
simpatia do atendente ou, em alguns casos, conclusão do serviço prestado, não pode ser
confundida com cidadania.
Num sentido mais extenso, o conceito não pode ser interpretado apenas como esta
“entrega de valor”, quando não se sabe ou se tem clareza sobre que valor é esse ou como
mensurá-lo. Talvez, sua interpretação mais sensata seja a discussão sobre a garantia de
direitos e deveres. No entanto, se questiona, “de que vale um direito não garantido?”, ou,
“para que servem os deveres, se não existir cobrança?”. Diz-se isso porque, talvez, o simples
fato de ter uma carteira de trabalho (emitida pela UAI), ou seja, um direito adquirido, não seja
a garantia de que ele de fato seja cumprido, que este documento seja assinado e o profissional
reconhecido.
Embora se saiba que para se alcançar o segundo (reconhecimento) é necessário que o
primeiro exista (documento), e talvez seja exatamente esse o papel das CAI, a visão de que
estes espaços são um possível caminho para o fortalecimento da cidadania pode ser
verdadeira, mas não se relaciona à forma como o modelo vem sendo conduzido, numa
ingênua percepção de que facilitar a vida do cidadão já traduz, na sua plenitude o conceito;
facilitar a vida do cidadão serve apenas para que se perceba que o papel do Estado de indução
de políticas públicas pode ser incitado pelo modelo one-stop-shopping, ou de forma mais
geral, pelo uso da tipologia de redes de cooperação no setor público.
Embora não se tenha noticiado “nenhuma” ação dentro das UAI que contemplem
integralmente uma reforma de terceira geração, uma iniciativa futura, que está sendo estudada
pela SEPLAG, talvez retrate bem o potencial dessa proposta para o fortalecimento da
cidadania, e vai além da entrega de documentos, desburocratização, implantação de balcões
únicos ou flexibilização do processo de comunicação. Esta diz respeito à instalação de um
sistema integrado e inteligente, denominado inicialmente de Base Integrada do Cidadão
(BIC), cuja função é criar um repositório completo e íntegro (CzRM) de dados que permitam
a identificação de fragilidades sociais e provenham informações precisas para que outras
secretarias promovam políticas públicas no intuito de resolver problemas sociais e
econômicos diversos. Sua operacionalização passa pela produção de cadastros únicos; o
provimento aos órgãos governamentais do acesso às informações consolidadas sobre os
cidadãos do estado (linha do tempo/da vida); a criação de um sistema flexível, que permita
inclusão e integração de novas funcionalidades.
Enfim, o avanço da administração pública para o fortalecimento da cidadania deve
contemplar a criação de mecanismos de proteção social, não apenas a garantia de direitos e
deveres. Nesse sentido, diz-se sobre a necessidade de repensar o modelo para incluir essa
124
visão e, talvez, esta seja a principal recomendação de agenda para pesquisas futuras. Sugerese também, continuar as pesquisas com os materiais e objetos ainda não explorados neste
trabalho (caso paulista), assim como analisar os processos colaborativos das políticas públicas
em rede estabelecidas no nível municipal, a iniciar pelo modelo adotado pelas subprefeituras
ou prefeituras de bairro em grandes centros urbanos. Outro ponto que merece destaque é a
necessidade de aprimoramento das pesquisas sobre as implicações das mudanças gerenciais
propostas pela gestão em rede e sua implicação na melhoria da prestação de serviços públicos.
Por fim, ressalta-se como limitações desta pesquisa: em primeiro, a concentração das
análises em um único caso, já que podem existir experiências importantes desconsideradas, e
mesmo que os relatos das entrevistas tenham sinalizado para o desconhecimento de qualquer
ação nesse sentido no Brasil, faz-se menção aqui de casos internacionais que podem servir de
parâmetro para comparação e apontamentos para novas descobertas; em segundo, entende-se
que a desconsideração de atores (órgãos parceiros) que não foram entrevistados pode ter
suprimido informações importantes na análise do caso, especialmente na descrição do sistema
de organização institucional-administrativa e no mapeamento e análise das relações
colaborativas; e em terceiro, a ausência de um capítulo que discute de forma ampla todos os
conceitos de cidadania e seus desdobramentos, que pode ter prejudicado as considerações
finais desta pesquisa, sobretudo se considerada apenas uma referência do termo, que perpassa
única e exclusivamente pela garantia de acesso aos serviços públicos.
125
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138
APÊNDICE
ROTEIRO DE ENTREVISTA (A)
MINISTÉRIO DE PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO – MPOG:
SECRETARIA DE GESTÃO PÚBLICA - SEGEP
Entrevistada: Lília Ramos
Cargo: Assessora Técnica
GESPÚBLICA
Entrevistada: Janete Balzani Marques
Cargo: Analista
1. O que são as CAI?
2. Em que contexto este modelo de atendimento integrado foi criado?
3. Quais foram os principais problemas e dificuldades encontradas em sua implantação
(questões políticas, econômicas, gerenciais, institucionais)?
4. Qual foi o papel do governo federal no processo de difusão do modelo one-stop-shopping?
5. Comente sobre a importância das CAI para sociedade e para o Estado.
6. Comente o papel das CAI para o fortalecimento da cidadania.
139
ROTEIRO DE ENTREVISTA (B)
SECRETARIA DE GOVERNO E GESTÃO ESTRATÉGICA – SGGE/SP:
Entrevistada: Daniel Annenberg
Cargo: Diretor Presidente do DETRAN-SP
SECRETARIA DE ESTADO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO – SEPLAG/MG:
Entrevistada: Fernanda Girão
Cargo: Intendente da Cidade Administrativa
1. O que são as CAI?
2. Em que contexto este modelo de atendimento integrado foi criado?
3. Quais foram os principais problemas e dificuldades encontradas em sua implantação
(questões políticas, econômicas, gerenciais, institucionais)?
4. Como essas unidades funcionam do ponto de vista institucional-administrativo?
5. Comente sobre a importância das CAI para sociedade e para o Estado.
6. Existe integração entre os órgãos que compõem a unidade? Como isso ocorre?
7. Comente o papel das CAI para o fortalecimento da cidadania.
140
ROTEIRO DE ENTREVISTA (C)
COORDENADORES/GESTORES DAS UNIDADES:
Entrevistada: Marinalva Patrício – UAI Varginha-MG
Entrevistada: Mariuza Peregrino – UAI Poços de Caldas-MG
Entrevistada: Lohayne Santos – UAI Praça Sete/BH-MG
Entrevistada: Luis Ricardo Bigoli – UAI Uberlândia-MG
1. Qual é o papel do coordenador/gestor de uma UAI?
2. Como essas unidades funcionam do ponto de vista institucional-administrativo?
3. Quais são os principais problemas (políticos, econômicos, gerenciais, institucionais)?
4. Quais são os serviços oferecidos por esta UAI?
5. Desenhe um mapa dos processos colaborativos:
• Cooperação horizontal intraorganizacional (agentes e setores);
• Cooperação horizontal interorganizacional;
• Cooperação vertical interorganizacional;
• Cooperação extraorganizacional (com organizações); e
• Participação deliberativa.
Avaliar as dimensões sobre os processos de cooperação (Estado-Estado e cidadão-Estado):
Institucionalização:
A. Como são tomadas as decisões?
B. Existem canais para participação?
C. Como é o processo de empoderamento?
D. Como as informações são compartilhadas?
E. Existe confiança?
Representatividade:
F. Quais são os critérios ou mecanismos de autorização?
G. Existe relação com a demanda social?
Publicidade:
H. Como são avaliados os resultados?
I. Todos têm acesso às informações?
J. Qual é a linguagem utilizada?
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Unidades de Atendimento Integrado (UAI): um estudo de políticas