CAMINHANDO
ANO
ANO 2
1
N°04
Pastoral
dado
Terra
Juazeiro/Bahia
N° 01 Comissão
Abrangência:
Sertão
São de
Francisco
Março
Outubro/ 2009
/ 2008
Zé de Antero, trabalhador rural de
Fundo de Pasto, é morto em Areia Grande
José Campos Braga,conhecido como Zé de Antero, trabalhador rural
de Areia Grande, 56 anos, foi encontrado morto, próximo à sua
residência, no dia 4 de fevereiro. Como escreveu Gogó, “foi encontrado
morto nas caatingas de Areia Grande, terras pelas quais lutou a vida toda
junto com inúmeras comunidades da região. Há mais de trinta anos Zé
era uma das lideranças de Riacho Grande. Resistiu ao agronegócio do
regime militar, resistiu ao agronegócio do governo Lula. No regime
militar queriam as terras das comunidades para plantar mandioca e fazer
álcool. Agora querem para plantar cana e também fazer álcool. Acabou
morto por dois tiros de espingarda. Não se conhece o assassino, apenas a
certeza da pistolagem”.
Não foi a primeira vez que a disputa pela terra em Areia Grande
resultou em violência. Outro momento tenso do conflito agrário se deu
em março de 2008, durante o cumprimento de um mandado de imissão
de posse. A Polícia Militar, a Polícia Civil e a Polícia da Caatinga, sob
supervisão de um oficial de Justiça, tentaram retirar as famílias à força da
área em disputa. Na ocasião, diversas casas foram destruídas, inclusive a
de José Campos. Após o ocorrido, ele decidiu permanecer no local,
vivendo e resistindo sob uma lona.
Após os atos de repressão em março de 2008, foi iniciado um processo
de discriminação da área e o relatório afirma que as terras são devolutas.
Em novembro do ano passado, com base no relatório, a Procuradoria
Geral do Estado da Bahia ingressou com uma ação discriminatória
judicial com o objetivo de arrecadar as terras públicas e regularizá-las
em nome das comunidades de Fundo de Pasto.
Uma decisão parcial em dezembro trouxe alento para as comunidades.
O juiz Eduardo Ferreira Padilha, da comarca de Casa Nova, acolheu
provisoriamente a ação discriminatória judicial e determinou a
suspensão de todas as ações que discutiam o domínio e posse da terra.
Agora, os trabalhadores de Areia Grande exigem do Poder Público a
investigação do caso e punição dos responsáveis. “Espero que o Estado
tome as providências, Casa Nova não tem justiça, se formos esperar vai
morrer todo mundo, aqui só dão apoio aos donos do dinheiro”, desabafa
Isabel Braga, irmã de Zé.
O conflito agrário na região teve início na década de 1980, com a
instalação da Empresa Agroindustrial Camaragibe S.A., que produzia
etanol a partir da mandioca. Na época, a empresa adquiriu terras na
região mediante a "compra de títulos de posses". A Camaragibe, que
decretou falência há mais de 20 anos, acumulou dívidas estimadas em
R$ 40 milhões com o BB.
Além disso, a empresa esteve envolvida no chamado "escândalo da
mandioca", um caso de desvio de dinheiro público da época do
Programa Nacional do Álcool (Proalcool). Em 2004, porém, os
empresários Alberto Martins Pires Matos e Carlos Nisan Lima e Silva
"compraram" a dívida por R$ 639 mil. Eles reivindicam agora a
propriedade da terra na Justiça.
José Braga (de camisa amarela e boné azul) em Oficina de Formação na Areia
Grande. Foto: Arquivo CPT Juazeiro.
Editorial
Após divulgarmos na nossa última edição, em dezembro do ano passado, a vitória judicial dos trabalhadores das comunidades de Fundo de Pasto de
Areia Grande, é com muito pesar que, neste momento, divulgamos o brutal assassinato de José Campos Braga, conhecido como Zé de Antero,
trabalhador rural daquela região.
Zé de Antero era considerado referência na comunidade como símbolo de resistência na luta pela permanência na terra. Pai de 10 filhos, resistia
dentro da área de Fundo de Pasto, debaixo de uma lona (já que sua casa havia sido derrubada pelos grileiros em março do ano passado, até que seu
corpo foi encontrado morto no dia 4 de fevereiro. Zé nasceu, viveu e morreu no território em que juntamente com os demais membros da
comunidade morava, plantava e provia sua subsistência. Lutou, 56 anos, pelo direito de permanecer nas terras que legitimamente ocupava e, por isso
sua morte representa a face mais cruel dos escusos interesses.
Não há dúvidas que o crime cometido tem relação com o conflito agrário instaurado na região. O caso de grilagem de vasta área de terras públicas
estaduais, iniciado no âmbito do “Escândalo da Mandioca” pela Empresa Agro Industrial Camaragibe S.A. já possui vergonhoso histórico de
ameaças e violências contra as famílias de posseiros. O assassinato de José Campos Braga não foi um fato isolado, mas está inserido em um processo
de acirramento das tensões e aumento da violência contra a comunidade. Enquanto não for definida a regularização permanente do território das
comunidades, as 366 famílias encontram-se em constante Estado de vulnerabilidade e ameaças.
A população de Areia Grande está revoltada com a morte de seu companheiro e exige a investigação e punição dos responsáveis, e continua
resistindo em defesa da garantia da segurança e da vida dos trabalhadores, bem como o reconhecimento dos seus direitos territoriais sobre a área de
Fundo de Pasto de Areia Grande.
CAMINHANDO
02
Nota pública das comunidades de Fundo de Pasto de Areia Grande
e entidades sobre morte de José Campos Braga, trabalhador rural
Baseando em indícios mais que suficientes, não temos dúvida que
nosso companheiro foi assassinado covardemente a mando de grupos e
pessoas que ambicionam nossas áreas e, inconformados com a decisão da
Justiça, nos deram esta resposta bárbara e desumana.
Neste momento sentimos que, além dos mandantes e executores, a
responsabilidade maior dessa tragédia pesa sobre as autoridades: a
União, o Estado, o Judiciário e a Polícia. Exigimos que tomem medidas
urgentes para tornar eficaz a ação em favor da justiça que, nesta situação,
para nós significa:
População de Areia Grande celebra a luta de Zé de Antero. Foto: Jamille Nunes
Ao final da celebração de sétimo dia do assassinato do companheiro
José Campos Braga (nosso Zé de Antero), realizada no dia 7 de fevereiro,
em Areia Grande, no sertão da Bahia, com a presença de mais de 300
pessoas das nossas comunidades, firmamos nosso compromisso selado
com o sangue de nosso companheiro. O trabalhador rural, José Campos
Braga, 56 anos, foi encontrado morto com um tiro de espingarda, no final
da tarde do dia 4 de fevereiro, na área de Fundo de Pasto de Areia Grande,
município de Casa Nova, no sertão baiano.
A questão da apropriação indevida de terras pelos grandes
latifundiários é antiga. Ações por parte do Judiciário sempre estiveram
contra nós e nossos direitos sobre a terra na qual vivemos. Até que em
dezembro passado, finalmente, foi reconhecido ao Estado da Bahia, pelo
Juiz da Comarca de Casa Nova, o direito de discriminar esta terra
devoluta e regularizá-la em favor de seus legítimos donos, que somos nós
e nossas comunidades, que recebemos em herança de nossos
antepassados e fazemos uso coletivo como “fundo de pasto”. O processo
de discriminação ainda não chegou ao seu fim, mas tem representado
importante vitória de nossas comunidades tradicionais contra a grilagem
de terras. Isso atiçou ainda mais os que sempre se acostumaram a vencer
com as armas do dinheiro e da violência.
Atividades da CPT
02 e 03 de março: POA Fórum de Entidades do Sub-Médio;
04 e 05 de março: Conselho CPT BA;
06 a 08 de março : Assembléia Diocesana de Pastoral
09 e 10 de março: Seminário de Formação sobre Mineração,
em Senhor do Bonfim;
11 de março: Audiência Pública em Casa Nova - caso de Areia
Grande
11 de março: Celebração de 30° dia da morte de Zé de Antero
13, 14 e 15 de março: Sub-Regional 6
16 de março: Reunião Equipe CPT Juazeiro
3 a 5 de abril: Seminário Regional de Mulheres de Fundo de
Pasto;

Investigar com isenção, identificar, prender os executores e mandantes
do assassinato de José e puní-los exemplarmente com o rigor da lei;

Garantir a segurança das 330 famílias que moram e trabalham nas
comunidades de Areia Grande, criando condições para que não transitem
mais neste local, pessoas estranhas e suspeitas;

Agilizar, por parte das autoridades judiciais, o processo de julgamento
da Ação Discriminatória, garantindo, no seu curso, o exercício da nossa
posse legítima e tradicional e, por parte do Poder Executivo Estadual,
todas as medidas posteriores necessárias para que estas terras possam ser
definitivamente regularizadas em nome das Associações de Fundo de
Pasto de Areia Grande;

Apoiar com programas de políticas públicas eficientes nossas
organizações para que vivamos em paz, neste regime de Fundo de Pasto,
trabalhando e produzindo conforme nossos costumes e assumindo os
destinos que nós mesmos queremos para nossas vidas e famílias.
Conclamamos as organizações e pessoas do campo e da cidade a se
solidarizarem conosco, assinando esta nossa nota pública e reforçando
nossa pressão organizada sobre as autoridades públicas.
Jamais podemos aceitar que estas autoridades, com sua ação direta ou
sua omissão, sejam promotoras de acumulação privada dos bens da
natureza, de exploração e violência, como a que pesa sobre nós há muitos
anos e que hoje chega ao ponto de tirar a vida de um companheiro.
Nossa terra ferida foi encharcada com o sangue do Zé de Antero. Seu
sangue não mente. Jamais esqueceremos o marco triste desta morte.
Dela, brotaram, porém mais forte a esperança e o compromisso de
marcharmos unidos até a vitória final, com a fé que temos em Deus e na
nossa união solidária.
Assinam a nota, as comunidades e as entidades abaixo: Melancia
Riacho Grande, Salina do Brinca, Jurema, Tanquinho, Ladeira Grande,
Lagoado, Curibonde, Amalhador, Cacimbas, União das Associações de
Fundo de Pasto (UNASFP) - Casa Nova, Articulação do Semi-Árido
(ASA) Casa Nova, Articulação Nordeste III das Comunidades Eclesiais
de Base (CEB's), Comissão Pastoral da Terra (CPT) Bahia, Conferência
Dos Religiosos do Brasil Núcleo de Juazeiro, Conselho Pastoral dos
Pescadores (CPP) Bahia, Instituto Regional da Pequena Agropecuária
Apropriada (IRPAA), Paróquia de Casa Nova, Bahia; Paróquia de
Sobradinho, Bahia; Paróquia Santo Antônio de Juazeiro, Bahia; Pastoral
da Juventude do Meio Popular (PJMP) - Sobradinho, Bahia; Rede
Mulher; Serviço de Assessoria às Organizações Populares Rurais
(SASOP) Remanso, BA; Setor Diocesano de Comunicação (SEDICA)
Juazeiro, Bahia; Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Remanso, Bahia;
Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado da Bahia (APLB) Casa Nova; Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas Agrícolas
(SINTAGRO BA).
CAMINHANDO é uma publicação mensal da Comissão Pastoral da Terra Juazeiro/BA
Equipe CPT Juazeiro : Cícero Félix, Marina Rocha,
Eci Maria, Paulo Victor (Comunicação).
Tiragem: 500 exemplares
Contatos CPT Juazeiro
[email protected] / [email protected]
(74) 3611 3550
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INFORMATIVO março (em construção)