MOVIMENTO SOCIAL URBANO EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL Maria José Campos Moura Melo 1 Resumo: Este trabalho é resultado de uma pesquisa realizada com moradores da Área de Proteção Ambiental, APA-Belém, com objetivo de verificar manifestações socioambientais de moradores, em suas representações associativas, espaços de expressão popular, e referências de conhecimentos. A metodologia constou de observação direta, visita in loco, e formulários direcionados a 39 dirigentes de associações comunitárias. O resultado mostrou interpretações socioambientais sobre proteção ambiental da APA como área pública, que deve ser protegida pela população, para a garantia da biodiversidade e da qualidade dos recursos hídricos. Conclui, a existência de movimento social urbano na APA contribui para o fortalecimento de ações socioambientais. Palavras-chave: Movimento Social Urbano, educação ambiental, área de proteção ambiental. Abstract: This work is a result of a survey conducted with residents of the Area of Environmental Protection, APA-Belém, in order to verify social manifestations of residents in their own associations, places of popular expression, and references of knowledge. The methodology consisted of direct observation, on-site visit, and forms addressed to 39 leaders of community associations. The results showed social interpretations about environmental protection as a public area of the APA, which must be protected by the population, to guarantee the quality of biodiversity and water resources. Finally, the existence of social movement in urban areas contributes to the strengthening of social actions. Key words: Urban Social Movement, environmental education, environmental preservation. 1 Professora. Universidade da Amazônia. E-mail: [email protected] 1 INTRODUÇÃO A Área de Proteção Ambiental (APA-Belém) tem sido objeto da intensa pressão urbana, principalmente, pela ocupação da população de baixa renda em locais inadequados à construção de moradias. Os residentes dessa área convivem com agravantes da ocupação desordenada, desmatamento, poluição, falta de áreas de lazer, dificuldades de acesso, insegurança entre outros problemas de ordem socioambiental . A Área de Proteção Ambiental da Região Metropolitana de Belém-PA foi criada pelo Decreto Lei n° 1.552, em 03 de maio de 1993 (PARÁ, 1993), para proteção do principal manancial de água potável do Município de Belém (composto por dois Lagos - Bolonha e Água Preta, que abastecem aproximadamente 70% da população de Belém), na qual se encontra o Parque Ambiental de Belém, atual Parque Estadual do Utinga. Nessa região de baixada são carreados corpos orgânicos, detritos e impurezas diretamente para esses mananciais. A importância política da temática proposta se expressa conforme as questões socioambientais passam a fazer parte do cotidiano, e do processo de formação de classe operária e popular, não apenas para preservar a natureza, mas sim para conscientizar os cidadãos da importância do ambiente saudável, pois todos têm o direito de viver e trabalhar em condições ambientalmente dignas, o que configura uma política de interesse coletivo (REIGOTA, 1999). O problema chama atenção para o fato de a Amazônia ser visualizada como responsabilidade nacional, visto que é inequívoca a sua potencialidade para o país e para o universo, e não pode ser vista como espaço vazio do mundo; depósito de recursos naturais inesgotáveis e como habitat de populações indígenas, ou como fronteira do campesinato nacional. “As soluções para a Amazônia devem emergir, de forma conjunta em parcerias entre poder público e setores sociais” (FRANCO, 1998, p.113). O custo social legado a Região Amazônica com a exploração dos recursos naturais pelos grandes projetos pode ser constatado no nível de desemprego e marginalidade social nos principais centros urbanos, incluindo-se a cidade de Belém-PA, agravado pela imigração campo-cidade; destruição do meio ambiente; descontinuidade dos programas de capital social básico. A centralidade da questão que se quer responder nesta pesquisa é como os movimentos sociais urbanos por meio dos dirigentes das associações de moradores e centros comunitários reconhecem suas referências socioambientais relacionadas ao foco de interesse urbano da APA-Belém, nos bairros Curió–Utinga, Souza e Castanheira. 2 ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL A legislação ambiental brasileira define dois tipos básicos de áreas naturais protegidas: àquelas sem definição de dimensões e limites, como as florestas, o mar, as cavernas, as serras; o outro tipo tem definidos suas dimensões e limites físicos, são as Unidades de Conservação (UC): Parques Nacionais, Estações Ecológicas, Reserva Particular do Patrimônio Natural e outras. As UC’s são criadas pelo Poder Público estão sujeitas ao uso ou ocupação especial por possuir ecossistemas únicos e recursos ambientais de valor paisagístico que devem ser protegidos. Com intuito de organizar a criação das UC’s no Brasil, em 18 de julho de 2000, foi criado o novo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), pela Lei Federal 9.985, definindo, uniformizando e consolidado critérios para o estabelecimento e gestão de áreas protegidas. Unidade de Conservação é conceituada pelo SNUC como: O espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivo de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (Artigo 20, I). O SNUC é constitudo pelo conjunto das UC’s federais, estaduais e municipais, sendo gerido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), com o órgão central consultivo e deliberativo; Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e órgãos estaduais e municipais, como executores do Sistema. Um dos objetivos das UC´s é proteger a biodiversidade para manutenção dos processos ecológicos e a sustentabilidade dos ecossistemas. É assim, assegurada a participação efetiva das populações locais na criação, implantação e gestão das UC’s. Na verdade, nas UC´s em área urbana o que se observa são vestígios de destruição ocasionada pela intervenção humana em relação à natureza em prejuízo das comunidades urbanas (MARICATO, 2002). Nesse aspecto, Diegues (1996, p.49) refere-se ser paradoxal a questão da conservação, a cultura se transforma e a natureza também. Daí “os Parques não foram e não são protegidos por insuficiência de meios, mas sim por falta de apoio da população”. Bastaria haver, campanhas de educação ambiental e outros meios, para que essa população nacional, local e regional, apóie a idéia de áreas naturais protegidas. Duas diferentes categorias de uso são definidas pelo SNUC, as Unidades de Proteção Integral e as Unidades de Uso Sustentável. As primeiras são àquelas que têm por objetivo a preservação da natureza sendo admitido apenas o uso indireto de seus recursos naturais. As Unidades de Uso Sustentável têm por objetivo a conservação da natureza com o uso sustentável de seus recursos. Dentro dessas duas categorias o Parque Nacional, Estadual ou Municipal se encontra nas Unidades de Proteção Integral, e a Área de Proteção Ambiental (APA) nas Unidades de Uso Sustentável. Área de Proteção Ambiental – APA é concebida como (...) áreas terrestres e/ou aquáticas, de configuração e tamanho viáveis, submetidas a modalidades de manejo diversos, podendo compreender ampla gama de paisagens naturais, semi-naturais, ou alteradas, com características notáveis e dotadas de atributos bióticos, estéticos ou culturais que exijam proteção para assegurar o bem-estar das populações humanas, conservar ou melhorar as condições ecológicas locais ou proteger paisagens e atributos naturais e culturais importantes (BRASIL, 2000). Na APA apenas é limitado o manejo da área, não implicando desapropriação ou mudança de domínio, objetivando melhorar as condições ambientais de determinada área e proteger ecossistemas regionais. Já a categoria Parque Nacional permite a realização de pesquisas científicas, o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e do ecoturismo. Todo Parque Nacional é de posse e domínio público, sendo prevista a desapropriação das áreas particulares incluídas em seus limites (BRASIL, 2000). 3 MOVIMENTO SOCIAL URBANO NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DE BELÉM Na maioria das sociedades latino americanas, as lutas dos movimentos sociais de vários tipos culturais, étnicos, homossexuais, ecológicos, direitos humanos, moradia, mulheres, no final da década de 70 e nos anos 80 no Brasil, são enfatizados por Scherrer– Warren (1996); Dagnino (2000); Gohn (2001), como relevantes politicamente, carregados de significados culturais em suas práticas sociais. Analisando o MS no final do século XX, Gohn (2001), observa que na segunda metade da década de 80 muitos movimentos sociais demonstravam fragilidade, resultado de uma política de desencantamento, ante o colapso das experiências socialistas no mundo. Na última década do século XX, especialmente na segunda metade, os novos movimentos sociais foram protagonistas fundamentais de um processo de transformação do modo de viver. Como afirma Dagnino (2000), a luta recente pela democratização e apropriação da cidadania para os movimentos populares urbanos, significa “a percepção das carências sociais como direitos à moradia, saúde, saneamento, transporte, entre outros”. Nessa retórica, o sentido pró-reativo é apresentado nos discursos dos movimentos sociais da atualidade no combate a política neoliberalista, do novo sistema capitalista mundial, diante do desemprego, das massas excluídas ao processo produtivo e da decadência do Welfare State. Segundo Scherer-Warren (2002, p.224), “os movimentos sociais desejam ser atores na construção de uma sociedade menos guiada pelas forças de mercado e onde haja mais espaço para a vez e participação da sociedade civil”. No sentido reativo, os movimentos sociais são expressivos à antiglobalização, no entender do professor Vidal (2004, p.101), como “Formas de acción colectiva en las que la cidadanía expresa su rechazo a este modelo exclusivamente economicista, a sua vez, profundiza y dessarolla una cultura política de auto aprendizage y responsabilidad.” Neste contexto, para Scherer-Warren (2002, p.248), a idéia de MS como categoria analítica, deve ser distinguida das várias práticas concretas denominadas de “movimentos sociais” ou “movimentos populares“. Dessa forma para a autora: Movimento social é um conjunto de referências simbólicas, num campo de valores e de práticas sociais, que vai sendo construído na memória e na ação coletiva, penetrando em vários níveis, nas relações familiares, comunitárias e societárias, no local, no nacional e no planetário (ROSSIAUD e SCHERERWARREN, 2002, p.45). Cabe considerar os elementos simbólicos em consonância com os ideários do movimento, respeito aos valores e capacidades individuais, enquanto ser humano e cidadão, agente político de uma ação coletiva, desenvolve uma capacidade de indignação, buscando construir a cidadania. Na perspectiva analítica apresenta-se as informações obtidas na pesquisa de campo realizada com as lideranças em suas associações comunitárias: Centro Comunitário São Cristóvão; Centro Comunitário Passagem Cruzeiro Unidos com Pantanal; Associação de Moradores Paraíso Verde; Associação de Moradores do Bairro Castanheira; Centro Comunitário Nossa Senhora de Nazaré; Associação Comunitária Parque Cabanagem. Considerando que: Associações comunitárias: é por meio delas que os moradores encaminham suas reivindicações para a melhoria da infra-estrutura do bairro ou da comunidade de referência; para a melhoria de qualidade de vida (na saúde, educação, lazer, meio ambiente, etc); para reconhecimento de suas tradições culturais (pela promoção de eventos, festas, festivais, etc). Pode-se incluir nesta categoria desde as antigas Sociedades Amigos de Bairro, os Conselhos Comunitários (criados por iniciativas governamentais, mas que na prática muitas vezes se confundem com as associações criadas por iniciativa da sociedade civil), as mais recentes Associações de Bairro, de Moradores ou de Favelados e grupos locais de defesa cultural (SCHERER-WARREN, 2002, p.42). Essa concepção das associações comunitárias envolve o que se considera na realidade de pesquisa: as associações de moradores e os centos comunitários, como organizações formais na área da APA-Belém. Torna-se de fundamental interesse saber o entendimento dos 39 entrevistados quanto aos significados relacionados aos níveis de informação que possuem sobre Área de Proteção Ambiental, no tocante ao espaço em que vivem como detentores do saber. Proteção ambiental representa para 14 (35,9%), preservação de flora e fauna, lagos e rios; 5 (12,8%) expressaram proteção de área importante; 3 entrevistados (7,7%) manifestaram local preservado para a comunidade/beneficia milhares de pessoas; e o mesmo percentual (7,7%) mencionou área verde protegida por conter elementos essenciais. Observou-se a concentração de respostas com 2 freqüências (5,1%) cada, sobre o significado de APA: política pública ambiental voltada à proteção do meio ambiente; proteção do meio ambiente e da saúde; área preservada que recebe visitantes previamente esclarecidos; área de significativa extensão que pertence ao município, precisa autorização p/ usar; área que não deve ser poluída. Os demais 3 com igual percentual de 2,6% cada, aludiram significar: lugar de vida pura, para se apreciar as belezas da natureza; área que pertence à nação, administrada pelo governo estadual; preservação de área verde que não sofreu a ação humana; e apenas um (2,6%) não soube responder. No que tange o significado de APA, os dirigentes mencionaram: È uma área que deve ser protegida, pois traz benefícios à comunidade, não deve ser poluída. As pessoas devem entender e agir para conservar o meio ambiente local. (Jersemi Braga Rodrigues, Centro Comunitário Nossa Senhora de Nazaré). É a área onde se preserva a flora e a fauna. As famílias moradoras dessa comunidade devem ter consciência de que os benefícios de cuidar bem do meio ambiente são para todos (Neida Maria dos Santos Reis, Centro Comunitário Passagem Cruzeiro Unidos com Pantanal). Percebe-se nas respostas apresentadas, o entendimento confuso que se tem de APA, quanto aos seus aspectos físicos, legais e institucionais. No entanto, para a maioria dos entrevistados APA é concebida, conforme a legislação brasileira (BRASIL, 1996), como área que precisa ser protegida “para assegurar bem-estar das populações humanas”, submetida à modalidade de manejo. Verifica-se, os dirigentes reconhecem a APA como área pública, que deve ser protegida pela população, para a garantia da biodiversidade e da qualidade da água. Parece existir um equívoco sobre a posse da área do PAB. Na verdade não pertence ao Município de Belém, mas ao Estado do Pará, em área da Companhia de Saneamento do Pará (COSANPA), administrada pela Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (SECTAM), desde a sua criação em 1993. Gonçalves (2002) contesta a radicalidade da idéia de UC em que a população fica excluída, quando deveria ser a protagonista da gestão de recursos naturais, evitando-se o que aconteceu na criação de vários parques, com a expulsão da população que morava há anos. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como resultado desta pesquisa apresentou-se as referências socioambientais identificadas nos significados de Área de Proteção Ambiental, presente nos discursos das lideranças em suas associações comunitárias. É na convergência de propósitos que as representações associativas poderão proporcionar o acesso participativo das pessoas no meio urbano, de forma segura, socialmente inclusiva e ambientalmente sustentável. Belém apresenta mudanças decorrentes, sobretudo da expansão das áreas urbanas, crescimento populacional e, degradação ambiental, exigindo intervenções da administração pública em consonância com o movimento social urbano, expressão da luta política à participação no Conselho Gestor da APA-Belém. Identificou-se que a relação existente entre as menções atribuídas à APA-Belém envolvem aspectos físicos, sociais, culturais, legais e institucionais que precisam ser melhor informados à população, no propósito de permear práticas ecocomunitárias a partir de saberes, na assimilação subjetiva e coletiva no fortalecimento das capacidades de autogestão das associações comunitárias urbanas em Área de Proteção Ambiental. BIBLIOGRAFIA BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. Sustentabilidade Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC. Lei nº 9.985 de 18/07/00. MMA/SBF. Brasília, 2000. DAGNINO, Evelina; ESCOBAR, Arturo. Cultura e política dos movimentos sociais latinoamericanos. Belo Horizonte: UFMG, 2000. DIEGUES, Antônio Carlos. O mito da natureza intocada. São Paulo: NUPAUB, 1996. FRANCO, Édson. Utopia e realidade: a construção do projeto institucional no ensino superior. Brasília: Universa-UCB, 1998. GOHN, Maria da Glória. 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