Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica –ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento
Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
IDENTIDADE NACIONAL E A UNIVERSALIZAÇÃO DA
PAULISTANIDADE
Larissa Lima Almeida Moraes
Faculdade do aluno: História
Centro do aluno: CCHSA
E-mail: [email protected]
Resumo:
O propósito central deste artigo consiste
em um estudo do processo histórico de
construção da identidade regional paulista
pautado principalmente na obra de Cassiano
Ricardo (1895-1979) “Marcha para o Oeste” com
o objetivo de compreender as transformações e
readaptações do imaginário da paulistanidade
num contexto político novo, pós- Revolução de
30.
Palavras Chaves: Cassiano Ricardo; Estado
Novo; Bandeirantismo Paulista.
Área de conhecimento: História
Regional do Brasil – CNPq.
–
História
A principal obra para a realização deste
artigo consiste no livro de Cassiano Ricardo
“Marcha para Oeste: a influência da bandeira na
formação social e política do Brasil”, e, para o
entendimento desta, é necessário que se entenda
o contexto social político do qual o autor estava
inserido. Através de uma pesquisa bibliográfica foi
possível esboçar a trajetória de vida do autor,
bem como os fatos que influenciaram sua vida
literária
e
sua
contribuição
histórica,
principalmente no que consiste a escrita do livro
em questão. Cassiano Ricardo nasceu em 1895,
na cidade de São José dos Campos, no Vale do
Paraíba paulista; desde cedo mostrou interesse
pela poesia e para o jornalismo. Aos doze anos
fundou a revista “Iris” e aos dezesseis publicou
seu primeiro livro de poesias “Dentro da Noite”.
Começou a cursar Direito pela Universidade de
São Paulo concluindo no Rio de Janeiro; ao
mesmo tempo em que se iniciou no jornalismo
profissional pelo "Correio Paulistano", jornal
governista gerenciado pelo Partido Republicano
Paulista (PRP). Dirigiu outros importantes jornais
da época como o “Anhanguera” e o “A Manhã” e
foi fundador das revistas “Planalto”, “Invenção”,
entre outras. Em meio à carreira jornalística,
Cassiano também se dedicou a literatura,
publicando vários livros como, por exemplo, “A
João Miguel de T. Godoy
Grupo de pesquisa: História Regional.
Linha de pesquisa: Processo histórico de
ocupação e construção dos espaços
regionais.
Centro do orientador: CCHSA
E-mail: [email protected]
Flauta de Pan”, “Vamos Caçar Papagaios” e
“Borrões Verde e Amarelos”. Estes dois últimos
considerados esboços de “Martim Cererê”, poema
que, de acordo com Maria José Campos,
abordava a “temática do encontro das raças em
território brasileiro”; o que propunha uma visão
épica da história da pátria, já exibindo traços
nacionalistas do autor. Em um primeiro momento
suas obras se adequavam ao estilo do
parnasianismo e do simbolismo; posteriormente
Cassiano passa a explorar temas de caráter
nacionalista até fixar-se na construção da epopéia
bandeirante, tema central de “Marcha para
Oeste”.
Mesmo sem participar diretamente da
semana de 1922, deixou sua contribuição no
movimento modernista participando ativamente
dos grupos "Verde Amarelo" e "Anta”, de onde
pode afirmar sua posição nacionalista que muito
influenciou em suas obras. Em 1937 Cassiano
fundou com Menotti del Picchia e Mota Filho o
movimento político "Bandeira", que contou com a
participação de vários intelectuais da época como
Monteiro Lobato e Mario de Andrade. Além de
um renomado literário, Cassiano também teve
ampla participação no cenário político brasileiro
de sua época. Atuou como funcionário público
estando
em
constante
contato
com
personalidades políticas como o presidente Julio
Prestes, do qual foi auxiliar de gabinete.
Permaneceu sendo comissionado no Palácio do
Governo durante a revolução de 1930 e,
posteriormente, chegou a assumir a direção
expediente deste importante local, de onde pode
acompanhar toda a Revolução Constitucionalista.
Foi nomeado diretor do Departamento Estadual
de Imprensa e Propaganda do Estado de São
Paulo e, em 1941, diretor do jornal “A Manhã”,
órgão oficial do Estado Novo, assumindo assim,
sua aliança política com o então presidente
Getulio Vargas. Todas essas participações de
âmbito político e literário, juntamente com suas
inúmeras obras poéticas publicadas, lhe
garantiram uma posição na Academia Brasileira
de Letras e também no Conselho Federal de
Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica –ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento
Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
Cultura.
1
Cassiano viveu em um contexto político
novo, pós- Revolução de 30 e, de acordo com
Carlos Martins Jr., tornou-se um porta-voz do
governo de Getúlio Vargas. Sua participação
intensa no movimento modernista, associada ao
seu cunho político, influenciou de maneira direta
na escrita de “Marcha para Oeste”. Se
considerarmos Cassiano como “aliado” de Vargas
e de seu regime, podemos considerar que este
autor direcionou seus estudos e pesquisas para a
escrita deste livro em elementos definidores da
cultura brasileira visando à construção e fixação
de uma identidade nacional necessária para
“aceitação” do Estado Novo.
Esta obra consiste, como o próprio autor
propõe, em um ensaio sobre o movimento
bandeirante, do qual o autor realiza uma
minuciosa reconstituição deste grupo social.
Cassiano vai da gênese da bandeira, passando
por hábitos e costumes, abordando a corrida pelo
ouro, a relação com o sertão, com a religião
cristã, e a relação interna do grupo; realizando
assim um retrato estrutural e funcional do
fenômeno
da
bandeira,
propondo
uma
desmistificação do movimento da expansão para
o oeste brasileiro Ainda ressalta a importância do
movimento bandeirante na fundação das cidades
e principalmente na gênese do Estado. A partir
desta perspectiva, a problemática central deste
livro consiste no desejo do autor em criar uma
nova amplitude ao discurso regional paulista
ampliando-o para um discurso nacional. Para
tanto Cassiano Ricardo levanta a hipótese de que
o movimento bandeirante paulista teria originado
e sido responsável pela irradiação da idéia de
democratização para o país como um todo. “A
origem da democracia, no Brasil, está na
bandeira e daí o motivo por que me detenho mais
nesse fenômeno. A idéia do governo forte para
realizar-la, também. Este não é, entre nós, uma
invenção de última hora mas um fato histórico
sem o qual o Brasil não teria existido.”
(RICARDO, 1940,p. XVI). Ao afirmar que sem a
bandeira o Brasil não teria existido, enaltece a
importância desta, ampliando as realizações dos
bandeirantes para um panorama maior, não
restrito apenas a São Paulo, mas atingindo o país
na sua totalidade; readaptando assim, um ideal
de identidade paulista com o propósito de
construção de uma identidade nacional. Propõe
1
As informações foram retiradas dos sites:
www.fccr.org.br
(Fundação
Cultural
Cassiano
Ricardo); www.academia.org.br (Academia Brasileira
de Letras); www.algosobre.com.br; e do seguinte livro:
O Laboratório Poético de Cassiano Ricardo, de
Oswaldinho Marques Rio 1962.
que o movimento bandeirante foi essencial para a
origem da democracia, além da importância de
um governo forte e centralizado, fundamental
para a unidade nacional (assim como previa a
política de governo estadonovista). Cassiano
Ricardo apresenta a idéia de democracia a partir
da mestiçagem; durante toda a obra o autor vai
bordando idéias da miscigenação como
instrumento de democratização. Ao relatar que na
bandeira índios, negros e brancos conviviam
igualmente gera-se a idéia de democracia racial,
de unidade nacional (tal como previa o novo
regime). Desta maneira, este autor associa a
figura do bandeirante paulista a um símbolo de
unidade nacional, ampliando a dimensão histórica
do fenômeno do bandeirismo. Para ele, a
mestiçagem foi fundamental para a formação
desta sociedade, porém, apesar do movimento
ser composto de várias raças, considera existir
uma
hierarquia
entre
elas;
comandada
essencialmente pela figura de um líder. Afirma
que só a partir da existência deste líder superior
sobre todos integrantes da bandeira que seria
possível se estabelecer uma democracia no
interior do grupo. Entretanto não deixa de
ressaltar o caráter coletivo da bandeira, onde
todos, apesar da hierarquização, possuíam
direitos e deveres de acordo com sua posição
social; reforça o caráter coletivo sem ignorar a
importância de um comando forte e centralizado
sobre eles. Ainda sobre este líder, o autor afirma
ser autoritário, o condutor do clã, e faz um
paradigma com a ação democrática: “Poderia eu
responder que só uma autoridade forte realiza a
democracia e garante a unidade combativa de
grupo em marcha, e pronto”. (RICARDO, 1940, p.
IX). Desta maneira, o autor considera que não é
possível que exista uma democracia na bandeira,
a não ser pela ação do líder, essencial para a
condução do movimento; assim como se dava o
governo populista do período, um autoritarismo
disfarçado de democracia, uma vez que o poder
centrava-se nas mãos do “líder”, no caso o então
presidente Getúlio Vargas.
A fim de justificar sua tese, o autor afirma
a importância do bandeirismo não apenas como
elemento democratizador, mas também como
protetor e primordial para o funcionamento do
país e seu crescimento econômico. Refere-se à
bandeira como instrumento fundamental para o
povoamento de áreas antes inexploradas. Ao
contrário do que era comum na economia
açucareira que se fixava em um ponto do litoral
não permitindo o adentramento no país, a
bandeira, devido ao seu caráter móvel, permitia
uma exploração de áreas novas, bem como seu
povoamento posterior; o que ressalta mais uma
vez não só a importância política, mas também
econômica do movimento. Neste sentido,
Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica –ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento
Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
Cassiano, neste livro, dialoga com Gilberto
Freyre, autor de Casa Grande e Senzala,
expondo uma crítica a sua visão da construção da
identidade brasileira baseada na estrutura fixa do
antigo sistema agrário, latifundiário da economia
açucareira. Cassiano busca contrapor essas
idéias expondo que o verdadeiro elemento
democratizador estaria inserido no movimento da
bandeira, e não no engenho, como sugeria
Gilberto Freyre. O autor expõe uma dicotomia
entre o Estado primitivo dos engenhos,
associados a uma economia primária de origem
portuguesa, e fixado principalmente no litoral; e
entre o Estado que o movimento bandeirante
originaria, direcionando-se para o interior do país,
e pautada no movimento. Ele faz uma relação
entre o bandeirismo e o progresso, que romperia
com o caráter feudal dos engenhos. Associa o
bandeirismo ao progresso e crescimento
econômico do país, sendo este desvinculado das
origens portuguesas além de ter rompido com as
raízes que o prendiam em um espaço fixo e
limitado. Pautando-se na idéia de movimento, o
autor considera que a bandeira não é só
necessária para a democratização social do
Brasil, mas também para seu crescimento político
e econômico.
Ele ressalta que a gênese da democracia
deveria partir dos grupos de maior mobilidade
externa e interna, sendo o grupo bandeirante o
mais adequado para o nascimento e legitimação
desta, justamente por seu caráter móvel. Afirma
que a mobilidade bandeirante não foi apenas
externa, espacial (na medida em que cortou as
raízes fixas com o litoral e aventurou-se sertão
adentro), mas também existia uma mobilidade
interna, mobilidade entre as raças e culturas,
resultando na mestiçagem. Mais uma vez ressalta
seu
argumento
de
miscigenação
como
instrumento democratizador. Para legitimar sua
teoria, Cassiano Ricardo realça a coragem e força
do bandeirante, aprofundando a necessidade
econômica da conquista dos espaços do sertão,
relatando o quão importante foi a figura do
bandeirante tanto para a economia da época,
quanto para a formação de uma nação. Fato
este, com a intenção de reafirmar a
excepcionalidade paulista e sua vocação para o
progresso. Propõe uma comparação entre o
povo do Brasil e os bandeirantes, Cassiano
afirma que ambos vivem em constante mobilidade
em busca de novas fronteiras. Considera que
cada brasileiro “tem uma farta gota de sangue
andejo.” (RICARDO, 1940, p. XXI – XXII). Assim
este ensaio pretende eternizar o movimento
bandeirante, expondo o quão importante foi para
nação brasileira, e que a conseqüência de seus
feitos permanecerão na história do país, visto que
o moldou socialmente e economicamente. Esta
obra consiste em um estudo sobre a influência da
bandeira no desenvolvimento político e social do
Brasil da qual o autor usou para legitimar as
intenções do novo regime político de Getúlio
Vargas assim como a construção do Estado
Novo, que demandava necessariamente de uma
nova interpretação sobre a identidade nacional.
Após uma breve contextualização e
resumo da obra de Cassiano, neste momento
pretende-se elaborar uma síntese historiográfica
a partir de autores que buscaram interpretar tanto
a obra em questão quanto sua repercussão no
período e posteriormente. Importante ressaltar
que no contexto analisado o papel dos
intelectuais foi fundamental como figuras
estruturantes da elaboração ideológica deste
regime. O governo cooptava os intelectuais para
a fundamentação de ideologias nacionalistas
visando à afirmação populista. Financiava a
escrita de livros como o analisado neste artigo
que, através da epopéia bandeirante, amplia um
discurso regional paulista visando à construção
de uma identidade nacional; o que, de maneira
indireta, afirmava o governo varguista. Desta
maneira, os intelectuais assumiam um papel de
mediadores entre a massa e a ideologia
dominante do governo, essencial para a
construção do sentimento nacionalista que tenta
forjar no Brasil o conceito de nação e raça
brasileira. Sobre a simbiose entre a produção
intelectual e a política, Azevedo Amaral comenta:
“Emergidos da coletividade como expressões
mais lúcidas do que ainda não se tornou
perfeitamente consciente no espírito do povo, os
intelectuais são investidos da função de
retransmitir às massas sob forma clara e
compreensiva o que nelas é apenas uma idéia
indecisa e uma aspiração mal definida. Assim, a
elite cultural do país tornou-se no Estado Novo
um órgão necessariamente associado ao poder
público como centro de elaboração ideológica e
núcleo de irradiação do pensamento nacional que
ela sublima e coordena”. (Amaral, Azevedo). A
partir desta perspectiva, pode-se afirmar que a
construção e consolidação da identidade nacional
foi um tema recorrente por toda historiografia
brasileira pós anos 30. Muitos autores
escolheram como objeto de estudo essa
cooptação dos intelectuais na legitimação do
regime varguista. E, devido sua contribuição
histórica, diversas foram as interpretações sobre
as obras de Cassiano Ricardo. Alcir Lenharo, por
exemplo, em seu artigo “A Marcha Para O Azul”,
decorre sobre a ideologia proposta por Vargas da
“Marcha para Oeste”. E mesmo sem citar
Cassiano, escreve sobre o papel fundamental que
a imprensa e os intelectuais do período tiveram
na legitimação desta. Através de recorte de falas
do próprio Getúlio, Lenharo busca reconstituir as
Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica –ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento
Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
ideologias escondidas por traz do discurso da
Marcha. Revela que a questão do povoamento
era constantemente citada, ressaltando a
importância da ocupação do interior brasileiro.
Porém, de acordo com Lenharo, não era o único
nem mais importante motivador da marcha.
Considera que Vargas tenha condicionado a
formação do que chama de “brasilidade” ou ainda
o nacionalismo, à necessidade de suprir os
vácuos demográficos do território brasileiro,
fazendo coincidir as fronteiras econômicas com
as fronteiras políticas; o que, para ele, seria a
bandeira ideológica que sustentaria e manteria o
próprio regime estadonovista. “Criar a nação
unificada economicamente através da ocupação
do oeste revertia-se, pois, na manutenção mesma
do regime que a gerava.” (LENHARO, p.8). Desta
forma, este autor considera que a política da
Marcha para Oeste não consistia apenas na
ocupação demográfica por motivos econômicos,
mas existia uma intenção política de se criar a
chamada “brasilidade”, o sentimento nacional; da
qual o Estado, representado na figura de Vargas,
se colocou como responsável.
Além disto,
Vargas também teria contado com o apoio de
intelectuais que utilizavam um tom ufanista de
exaltação ao amor à pátria em suas obras. E,
mesmo não sendo citado por Lenharo, Cassiano
Ricardo encaixa-se neste perfil. Desta forma, Alcir
Lenharo, como muitos outros historiadores,
investigou o discurso da Marcha para Oeste
concluindo que nele estava embutido muito da
ideologia varguista que visava à construção de
uma conscientização e criação de um sentimento
nacional, representado claro, na figura do próprio
presidente. “A par desse ambicioso programa de
obras, o manifesto põe a descoberto uma
preocupação fundamental: “Criar e fixar na
consciência popular a concepção simbólica do
Oeste como fundamento da nação”. Maior clareza
em
seus
propósitos
é
desnecessária...”
(LENHARO, p. 15).
Dentro desta mesma linha teórica, outra
autora se destaca, Lucia Lippi Oliveira. Ela
também pautou seus estudos na construção da
identidade brasileira e concorda com Lenharo no
que se refere à simbiose do discurso intelectual e
político deste período. Porém Oliveira foca seu
trabalho em outra questão: a geografia. Esta
autora busca compreender como os intelectuais
envolvidos
no
pensamento
estadonovista
utilizaram do espaço geográfico em suas obras.
Para ela “a Geografia forneceu o mais forte
embasamento para os modelos de identidade
nacional que tiveram êxito.” (Oliveira, p.15).
Dentro do que ela considera “modelos de
identidade que tiveram êxito”, encaixa-se a figura
de Cassiano Ricardo que, para a autora, através
da recuperação da figura do bandeirante, teria
dado sua contribuição fundamental para a
montagem ideológica do Estado Novo. Oliveira
afirma que “A busca da conquista do Oeste é
apresentada como realização de um destino:
juntar o litoral e o sertão, juntar o corpo e a alma
da nação” (Oliveira, p. 16). Desta maneira, ela
ressalta a importância geográfica e territorial por
trás do discurso da Marcha; ainda escreve que a
intenção era realizar uma “integração” entre o
homem e o território; assim como Cassiano
propunha em seu livro. Cita outros intelectuais
do período que também estariam envolvidos por
este espírito de época como, por exemplo, Ratzel,
Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, Capistrano
de Abreu, entre outros; reafirmando a simbiose
entre os pensadores e o discurso político. Mas
ressalta a atuação fundamental de Cassiano por
ter resgatado a epopéia bandeirante. Afirma que
nos anos 1940 o Estado necessitava realizar essa
expansão interna, assim como os bandeirantes já
haviam o feito. “A marcha para ocupar o sertão
parece ser tarefa épica de construção da nação.
Os bandeirantes são a inspiração histórica para
os novos empreendimentos de ocupação política
e cultural do sertão que o os bandeirantes já
tinham conquistado.” (Oliveira, p.20).
Outra autora que também vai percorrer
sobre o estudo da construção da identidade
nacional é Mônica Pimenta Velloso. Esta autora,
em seu artigo “A Brasilidade Verde-Amarela:
nacionalismo e regionalismos paulista” elabora
uma investigação sobre a construção do conceito
de nação no país. Ela procura debater que em um
clima pós-guerra, países como o Brasil passam a
ter outra visão no exterior e começa a surgir uma
preocupação com a imagem do país que resulta
na descoberta da necessidade de se “criar uma
nação”. “Encontrar um tipo étnico específico
capaz de representar a nacionalidade torna-se o
grande desafio enfrentado pela elite intelectual.”
(VELLOSO, p. 90). Neste sentido, os intelectuais
da época assumem a missão de encontrar uma
identidade nacional própria, rompendo com um
passado de dependência cultural; para isto
realizam um apelo para que os brasileiros
assumam sua “verdadeira” identidade. Em
conseqüência deste espírito de época, a literatura
brasileira passa a assumir um caráter nacionalista
doutrinário, os intelectuais devem se transformar
em educadores, exercendo uma função
pedagógica na sociedade. Além da função
doutrinária e pedagógica, os poetas da época
também diziam-se assumir o papel de “soldado a
serviço da pátria”, abdicando de assuntos de
interesses particulares para dedicar-se a temas
de
caráter
nacionalista
e
patriota.
Posteriormente, ela aborda especificamente como
a cidade de São Paulo estaria inserida no
movimento. De acordo com Vellloso, São Paulo
Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica –ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento
Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
apresentava-se como núcleo do progresso
econômico e social, lugar ideal para a difusão do
pensamento moderno brasileiro. Afirma caber ao
estado paulista promover uma unificação nacional
através da valorização das tradições culturais
brasileiras. Ressalta que os pensadores da época
consideravam que o acesso à modernidade
significava então o acesso à racionalidade, ao
pragmatismo e à ética capitalista; por tal motivo a
importância
do
estado
paulista
como
representante da nação e difusor de sua cultura.
Desta maneira, ela realça o pensamento
da época que dizia que “o herói nacional é
paulista”. Para ela, como todo movimento literário,
o modernismo também demandava da figura de
um herói; e como sugere o espírito da época, este
herói seria paulista. Ela justifica a escolha de São
Paulo afirmando que o argumento era único, a
herança bandeirante que possibilitou o fenômeno
da absorção étnica. A autora ainda afirma que
esta idealização do ser nacional é incorporada
pela figura do paulista que era portador da
herança bandeirante; papel assumido por este
grupo como coragem, espírito combativo e
firmeza de caráter, perfil ideal para o herói
nacional representado pelo paulista. Dentro desta
perspectiva, Cassiano Ricardo atua como figura
fundamental na consolidação deste pensamento.
Como pode ser observado até agora,
temas como a construção da nacionalidade no
Estado Novo e a “excepcionalidade paulista”,
foram recorrentes dentro da historiografia
brasileira. A partir desta perspectiva, o principal
autor analisado neste artigo, Cassiano Ricardo,
encaixa-se perfeitamente nesta categoria. E,
como era de se esperar, suas obras foram objeto
de estudo de alguns autores que optaram por
estudar não apenas o período em questão, mas a
obra de Cassiano especificamente. Como é o
caso de Maria José Campos, que para sua tese
de doutorado escolheu o seguinte tema:
“Cassiano Ricardo e o mito da democracia racial:
uma versão modernista em movimento”. Esta
autora considera que a narrativa de Cassiano
Ricardo acabou se convertendo em um dos
pilares da política cultural do Estado Novo,
principalmente pelo que ela chama de
“reinvenção do discurso sobre as raças no
Brasil.”. (CAMPOS, p.142). Neste sentido, ela
procura avaliar o conceito “democracia racial”
embutido no discurso da época, e como Cassiano
se apropriou dele. Ela afirma que este autor
propõe uma diferenciação entre “democracia
biológica” e “comunismo racial”, ressaltando o
caráter hierárquico necessário para a realização
da democracia. Desta maneira, como já citado
anteriormente, a bandeira seria o grupo mais
adequado para a realização do que ele considera
como “verdadeira” democracia, uma vez que era
um “agente integrador”, pois incorporava todas as
raças através da divisão do trabalho em função
da cor e da etnia, aproveitando todos os
elementos humanos. A autora, ainda aponta a
ambigüidade do termo “democracia racial”,
escolhido por Cassiano. Uma vez que, em seu
sentido original, democracia refere-se à
igualdade, e raças remete a idéia de diferença,
classificação ou hierarquia. Campos considera
intencional a escolha deste conceito por parte do
autor, “... e é na inversão desse argumento que
Cassiano Ricardo tenta driblar a noção de
democracia
no
sentido
de
igualdade...”
(CAMPOS, p.152). O que apenas reforça o
caráter político do autor em sua obra, que utiliza
de conceitos para a afirmação de um novo estilo
e política de governo.
A partir da análise dos historiadores
acima, é possível identificar aspectos comuns nas
interpretações sobre a obra de Cassiano e o
período em questão. Ao investigar sobre o
discurso da Marcha para Oeste, Alcir Lenharo
aponta para a grande influência que os
intelectuais tiveram na legitimação deste discurso.
Da mesma forma, Mônica Pimenta Velloso
também ressalta a cooptação do discurso político
e intelectual. Lucia Lippi Oliveira e Maria José
Campos, apesar de centralizarem sua produção
na obra de Cassiano mais especificamente, não
deixam de considerar a influência que este autor
teve nas questões políticas da época em que
viveu, tornando-se figura fundamental para a
legitimação do Estado Novo através de suas
obras.
Campos analisa o conceito de
democracia racial em Cassiano, enquanto
Oliveira foca na questão territorial/geográfica,
porém ambas, assim como os historiadores
citados anteriormente, utilizam-se de uma
abordagem em comum: o discurso ideológico
como “produto” dos processos, contextos e
estruturas históricas. Houve uma tendência na
historiografia de analisar as obras das décadas
de 30/40 a partir de um olhar voltado
especificamente para as questões políticas de
afirmação da identidade nacional em decorrência
da legitimação do governo Vargas. Desta
maneira, os autores deste período foram
constantemente interpretados como ferramentas
utilizadas por este governo para disseminar as
idéias que lhes eram favoráveis. Velloso se refere
a estes intelectuais como tendo uma função
doutrinária e pedagógica, afirmando a teoria de
Azevedo de Amaral de que estes assumiam um
papel de mediadores entre a massa e a ideologia
dominante.
Todos
os
autores
citados
anteriormente, de maneira mais ou menos
explícitas, também assumem esse discurso e
interpretam a obra de Cassiano como
estruturante da elaboração ideológica do regime.
Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica –ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento
Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
Esta maneira unilateral de interpretação
não deixa de ser verdadeira, uma vez que
Cassiano amplia a dimensão histórica do
fenômeno do bandeirismo para um panorama
maior criando uma nova amplitude ao discurso da
excepcionalidade paulista; readaptando assim,
um ideal de identidade regional com o propósito
de construção de uma identidade nacional; tal
como previa o governo estadonovista. Porém
suas obras não devem ser interpretadas apenas
sob esse olhar que o considera como meramente
divulgador da ideologia da época, como “produto”
de seu contexto histórico. Cassiano acredita que
o discurso é determinante da sociedade. Suas
teorias ultrapassam o campo das idéias e acabam
definindo e orientando ações, assumindo um
Bibliografia:
ABUD, Kátia Maria. O sangue intimorato e as
nobilíssimas tradições: a construção de
um símbolo paulista, o Bandeirante.
Tese de doutoramento, FFLCH-USP,
1986.
ANDERSON,
Benedict.
Comunidades
imaginadas. Reflexões sobre a origem
e a difusão do nacionalismo. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008.
ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento.
Metrópole
e
cultura:
o
novo
modernismo paulista em meados do
século. Tempo Social, São Paulo, 9(2):
39-52, 1997.
ARRUDA, Gilmar. Marchas para o Oeste,
caminhos da memória. História Revista,
9(1):35-55, 2004.
BACELLAR, C.A. e BRIOSCHI, L.R. (org). Na
estrada do Anhanguera: uma visão
regional da história paulista. São Paulo:
Humanitas FFLCH/USP, 1999.
BOURDIEU, Pierre. “A identidade e a
representação. Elementos para uma
reflexão crítica sobre a idéia de região”.
In: O poder simbólico. Rio de Janeiro:
Bertrand-Brasil; Lisboa: Difel, 1989,
pp.197-132.
CAMPOS, Maria José. Cassiano Ricardo e o
“mito da democracia racial”: uma
versão modernista em movimento. In:
Revista USP. São Paulo, 2005-2006.
FERREIRA,
Antonio
Celso.
Epopéia
bandeirante,
letrados,
instituições,
invenção histórica (1870-1940). São
Paulo: UNESP, 2002.
LENHARO, Alcir. A Marcha para o Azul. Anais
do Museu Paulista – USP, tomo XXXIII,
1984.
MACHADO, Luiz Toledo. Depoimentos de
Cassiano Ricardo. São Paulo, 1994.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos
de comunicação. São Paulo: Cortez,
2005.
papel estruturante na sociedade em que viveu,
uma vez que teve grande influência no
pensamento da época, sendo considerado como
um dos “pilares da política cultural” de seu
período.
Nisto consiste a dualidade dos trabalhos
históricos que, inevitavelmente, sofrem influência
dos processos e estruturas de suas épocas,
porém também são estruturantes ao passo que
possuem a capacidade de orientar o modo de
pensamento e, conseqüentemente, ações da
sociedade; tornando-se produto e agente da
história. Pois, como afirmou o filósofo Jean Paul
Satre: “Seria vão tentarmos nos tornar nosso
próprio historiador: o historiador é também
criatura histórica.” (SATRE, 1964, p.41).
MARQUES,
Oswaldinho.
O
Laboratório
Poético de Cassiano Ricardo. Rio de
Janeiro, 1962.
OLIVEIRA, Lucia Lippi. A conquista do espaço:
sertão e fronteira no pensamento
brasileiro. História, Ciências, SaúdeManguinhos, Rio de Janeiro, 5 (supl).:
195-215, 1998.
OLIVEIRA, Lucia Lippi.
Estado Novo e a
conquista de espaços territoriais e
simbólicos. Conferência apresentada
no colóquio “Variações sobre um tema:
interpretações do Brasil e do Estado
Novo”, Santa Catarina, 2007.
RICARDO, Cassiano. Marcha Para Oeste: a
influência da bandeira na formação
social política do Brasil. Rio de Janeiro:
José Olympio. 1940.
SALES, Alberto. A pátria paulista. Brasília:
UNB, 1982.
SATRE, Jean Paul. In: Situatios II, 1964.
SOUZA, Ricardo Luiz de. História regional e
identidade: o caso de São Paulo.
História & Perspectivas, Uberlândia,
36-37, jan.-dez., 2007, pp.389-411.
VELLOSO, Mônica Pimenta.
A brasilidade
Verde-Amarela:
nacionalismo
e
regionalismo
paulista.
Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, 11(6): 89112, 1993.
VELLOSO, Mônica Pimenta. Os intelectuais e a
política cultural do Estado Novo. Centro
de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil –
CPDOC. Rio de Janeiro, 1987.
Download

visualizar resumo expandido - PUC