Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica –ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 IDENTIDADE NACIONAL E A UNIVERSALIZAÇÃO DA PAULISTANIDADE Larissa Lima Almeida Moraes Faculdade do aluno: História Centro do aluno: CCHSA E-mail: [email protected] Resumo: O propósito central deste artigo consiste em um estudo do processo histórico de construção da identidade regional paulista pautado principalmente na obra de Cassiano Ricardo (1895-1979) “Marcha para o Oeste” com o objetivo de compreender as transformações e readaptações do imaginário da paulistanidade num contexto político novo, pós- Revolução de 30. Palavras Chaves: Cassiano Ricardo; Estado Novo; Bandeirantismo Paulista. Área de conhecimento: História Regional do Brasil – CNPq. – História A principal obra para a realização deste artigo consiste no livro de Cassiano Ricardo “Marcha para Oeste: a influência da bandeira na formação social e política do Brasil”, e, para o entendimento desta, é necessário que se entenda o contexto social político do qual o autor estava inserido. Através de uma pesquisa bibliográfica foi possível esboçar a trajetória de vida do autor, bem como os fatos que influenciaram sua vida literária e sua contribuição histórica, principalmente no que consiste a escrita do livro em questão. Cassiano Ricardo nasceu em 1895, na cidade de São José dos Campos, no Vale do Paraíba paulista; desde cedo mostrou interesse pela poesia e para o jornalismo. Aos doze anos fundou a revista “Iris” e aos dezesseis publicou seu primeiro livro de poesias “Dentro da Noite”. Começou a cursar Direito pela Universidade de São Paulo concluindo no Rio de Janeiro; ao mesmo tempo em que se iniciou no jornalismo profissional pelo "Correio Paulistano", jornal governista gerenciado pelo Partido Republicano Paulista (PRP). Dirigiu outros importantes jornais da época como o “Anhanguera” e o “A Manhã” e foi fundador das revistas “Planalto”, “Invenção”, entre outras. Em meio à carreira jornalística, Cassiano também se dedicou a literatura, publicando vários livros como, por exemplo, “A João Miguel de T. Godoy Grupo de pesquisa: História Regional. Linha de pesquisa: Processo histórico de ocupação e construção dos espaços regionais. Centro do orientador: CCHSA E-mail: [email protected] Flauta de Pan”, “Vamos Caçar Papagaios” e “Borrões Verde e Amarelos”. Estes dois últimos considerados esboços de “Martim Cererê”, poema que, de acordo com Maria José Campos, abordava a “temática do encontro das raças em território brasileiro”; o que propunha uma visão épica da história da pátria, já exibindo traços nacionalistas do autor. Em um primeiro momento suas obras se adequavam ao estilo do parnasianismo e do simbolismo; posteriormente Cassiano passa a explorar temas de caráter nacionalista até fixar-se na construção da epopéia bandeirante, tema central de “Marcha para Oeste”. Mesmo sem participar diretamente da semana de 1922, deixou sua contribuição no movimento modernista participando ativamente dos grupos "Verde Amarelo" e "Anta”, de onde pode afirmar sua posição nacionalista que muito influenciou em suas obras. Em 1937 Cassiano fundou com Menotti del Picchia e Mota Filho o movimento político "Bandeira", que contou com a participação de vários intelectuais da época como Monteiro Lobato e Mario de Andrade. Além de um renomado literário, Cassiano também teve ampla participação no cenário político brasileiro de sua época. Atuou como funcionário público estando em constante contato com personalidades políticas como o presidente Julio Prestes, do qual foi auxiliar de gabinete. Permaneceu sendo comissionado no Palácio do Governo durante a revolução de 1930 e, posteriormente, chegou a assumir a direção expediente deste importante local, de onde pode acompanhar toda a Revolução Constitucionalista. Foi nomeado diretor do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda do Estado de São Paulo e, em 1941, diretor do jornal “A Manhã”, órgão oficial do Estado Novo, assumindo assim, sua aliança política com o então presidente Getulio Vargas. Todas essas participações de âmbito político e literário, juntamente com suas inúmeras obras poéticas publicadas, lhe garantiram uma posição na Academia Brasileira de Letras e também no Conselho Federal de Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica –ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 Cultura. 1 Cassiano viveu em um contexto político novo, pós- Revolução de 30 e, de acordo com Carlos Martins Jr., tornou-se um porta-voz do governo de Getúlio Vargas. Sua participação intensa no movimento modernista, associada ao seu cunho político, influenciou de maneira direta na escrita de “Marcha para Oeste”. Se considerarmos Cassiano como “aliado” de Vargas e de seu regime, podemos considerar que este autor direcionou seus estudos e pesquisas para a escrita deste livro em elementos definidores da cultura brasileira visando à construção e fixação de uma identidade nacional necessária para “aceitação” do Estado Novo. Esta obra consiste, como o próprio autor propõe, em um ensaio sobre o movimento bandeirante, do qual o autor realiza uma minuciosa reconstituição deste grupo social. Cassiano vai da gênese da bandeira, passando por hábitos e costumes, abordando a corrida pelo ouro, a relação com o sertão, com a religião cristã, e a relação interna do grupo; realizando assim um retrato estrutural e funcional do fenômeno da bandeira, propondo uma desmistificação do movimento da expansão para o oeste brasileiro Ainda ressalta a importância do movimento bandeirante na fundação das cidades e principalmente na gênese do Estado. A partir desta perspectiva, a problemática central deste livro consiste no desejo do autor em criar uma nova amplitude ao discurso regional paulista ampliando-o para um discurso nacional. Para tanto Cassiano Ricardo levanta a hipótese de que o movimento bandeirante paulista teria originado e sido responsável pela irradiação da idéia de democratização para o país como um todo. “A origem da democracia, no Brasil, está na bandeira e daí o motivo por que me detenho mais nesse fenômeno. A idéia do governo forte para realizar-la, também. Este não é, entre nós, uma invenção de última hora mas um fato histórico sem o qual o Brasil não teria existido.” (RICARDO, 1940,p. XVI). Ao afirmar que sem a bandeira o Brasil não teria existido, enaltece a importância desta, ampliando as realizações dos bandeirantes para um panorama maior, não restrito apenas a São Paulo, mas atingindo o país na sua totalidade; readaptando assim, um ideal de identidade paulista com o propósito de construção de uma identidade nacional. Propõe 1 As informações foram retiradas dos sites: www.fccr.org.br (Fundação Cultural Cassiano Ricardo); www.academia.org.br (Academia Brasileira de Letras); www.algosobre.com.br; e do seguinte livro: O Laboratório Poético de Cassiano Ricardo, de Oswaldinho Marques Rio 1962. que o movimento bandeirante foi essencial para a origem da democracia, além da importância de um governo forte e centralizado, fundamental para a unidade nacional (assim como previa a política de governo estadonovista). Cassiano Ricardo apresenta a idéia de democracia a partir da mestiçagem; durante toda a obra o autor vai bordando idéias da miscigenação como instrumento de democratização. Ao relatar que na bandeira índios, negros e brancos conviviam igualmente gera-se a idéia de democracia racial, de unidade nacional (tal como previa o novo regime). Desta maneira, este autor associa a figura do bandeirante paulista a um símbolo de unidade nacional, ampliando a dimensão histórica do fenômeno do bandeirismo. Para ele, a mestiçagem foi fundamental para a formação desta sociedade, porém, apesar do movimento ser composto de várias raças, considera existir uma hierarquia entre elas; comandada essencialmente pela figura de um líder. Afirma que só a partir da existência deste líder superior sobre todos integrantes da bandeira que seria possível se estabelecer uma democracia no interior do grupo. Entretanto não deixa de ressaltar o caráter coletivo da bandeira, onde todos, apesar da hierarquização, possuíam direitos e deveres de acordo com sua posição social; reforça o caráter coletivo sem ignorar a importância de um comando forte e centralizado sobre eles. Ainda sobre este líder, o autor afirma ser autoritário, o condutor do clã, e faz um paradigma com a ação democrática: “Poderia eu responder que só uma autoridade forte realiza a democracia e garante a unidade combativa de grupo em marcha, e pronto”. (RICARDO, 1940, p. IX). Desta maneira, o autor considera que não é possível que exista uma democracia na bandeira, a não ser pela ação do líder, essencial para a condução do movimento; assim como se dava o governo populista do período, um autoritarismo disfarçado de democracia, uma vez que o poder centrava-se nas mãos do “líder”, no caso o então presidente Getúlio Vargas. A fim de justificar sua tese, o autor afirma a importância do bandeirismo não apenas como elemento democratizador, mas também como protetor e primordial para o funcionamento do país e seu crescimento econômico. Refere-se à bandeira como instrumento fundamental para o povoamento de áreas antes inexploradas. Ao contrário do que era comum na economia açucareira que se fixava em um ponto do litoral não permitindo o adentramento no país, a bandeira, devido ao seu caráter móvel, permitia uma exploração de áreas novas, bem como seu povoamento posterior; o que ressalta mais uma vez não só a importância política, mas também econômica do movimento. Neste sentido, Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica –ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 Cassiano, neste livro, dialoga com Gilberto Freyre, autor de Casa Grande e Senzala, expondo uma crítica a sua visão da construção da identidade brasileira baseada na estrutura fixa do antigo sistema agrário, latifundiário da economia açucareira. Cassiano busca contrapor essas idéias expondo que o verdadeiro elemento democratizador estaria inserido no movimento da bandeira, e não no engenho, como sugeria Gilberto Freyre. O autor expõe uma dicotomia entre o Estado primitivo dos engenhos, associados a uma economia primária de origem portuguesa, e fixado principalmente no litoral; e entre o Estado que o movimento bandeirante originaria, direcionando-se para o interior do país, e pautada no movimento. Ele faz uma relação entre o bandeirismo e o progresso, que romperia com o caráter feudal dos engenhos. Associa o bandeirismo ao progresso e crescimento econômico do país, sendo este desvinculado das origens portuguesas além de ter rompido com as raízes que o prendiam em um espaço fixo e limitado. Pautando-se na idéia de movimento, o autor considera que a bandeira não é só necessária para a democratização social do Brasil, mas também para seu crescimento político e econômico. Ele ressalta que a gênese da democracia deveria partir dos grupos de maior mobilidade externa e interna, sendo o grupo bandeirante o mais adequado para o nascimento e legitimação desta, justamente por seu caráter móvel. Afirma que a mobilidade bandeirante não foi apenas externa, espacial (na medida em que cortou as raízes fixas com o litoral e aventurou-se sertão adentro), mas também existia uma mobilidade interna, mobilidade entre as raças e culturas, resultando na mestiçagem. Mais uma vez ressalta seu argumento de miscigenação como instrumento democratizador. Para legitimar sua teoria, Cassiano Ricardo realça a coragem e força do bandeirante, aprofundando a necessidade econômica da conquista dos espaços do sertão, relatando o quão importante foi a figura do bandeirante tanto para a economia da época, quanto para a formação de uma nação. Fato este, com a intenção de reafirmar a excepcionalidade paulista e sua vocação para o progresso. Propõe uma comparação entre o povo do Brasil e os bandeirantes, Cassiano afirma que ambos vivem em constante mobilidade em busca de novas fronteiras. Considera que cada brasileiro “tem uma farta gota de sangue andejo.” (RICARDO, 1940, p. XXI – XXII). Assim este ensaio pretende eternizar o movimento bandeirante, expondo o quão importante foi para nação brasileira, e que a conseqüência de seus feitos permanecerão na história do país, visto que o moldou socialmente e economicamente. Esta obra consiste em um estudo sobre a influência da bandeira no desenvolvimento político e social do Brasil da qual o autor usou para legitimar as intenções do novo regime político de Getúlio Vargas assim como a construção do Estado Novo, que demandava necessariamente de uma nova interpretação sobre a identidade nacional. Após uma breve contextualização e resumo da obra de Cassiano, neste momento pretende-se elaborar uma síntese historiográfica a partir de autores que buscaram interpretar tanto a obra em questão quanto sua repercussão no período e posteriormente. Importante ressaltar que no contexto analisado o papel dos intelectuais foi fundamental como figuras estruturantes da elaboração ideológica deste regime. O governo cooptava os intelectuais para a fundamentação de ideologias nacionalistas visando à afirmação populista. Financiava a escrita de livros como o analisado neste artigo que, através da epopéia bandeirante, amplia um discurso regional paulista visando à construção de uma identidade nacional; o que, de maneira indireta, afirmava o governo varguista. Desta maneira, os intelectuais assumiam um papel de mediadores entre a massa e a ideologia dominante do governo, essencial para a construção do sentimento nacionalista que tenta forjar no Brasil o conceito de nação e raça brasileira. Sobre a simbiose entre a produção intelectual e a política, Azevedo Amaral comenta: “Emergidos da coletividade como expressões mais lúcidas do que ainda não se tornou perfeitamente consciente no espírito do povo, os intelectuais são investidos da função de retransmitir às massas sob forma clara e compreensiva o que nelas é apenas uma idéia indecisa e uma aspiração mal definida. Assim, a elite cultural do país tornou-se no Estado Novo um órgão necessariamente associado ao poder público como centro de elaboração ideológica e núcleo de irradiação do pensamento nacional que ela sublima e coordena”. (Amaral, Azevedo). A partir desta perspectiva, pode-se afirmar que a construção e consolidação da identidade nacional foi um tema recorrente por toda historiografia brasileira pós anos 30. Muitos autores escolheram como objeto de estudo essa cooptação dos intelectuais na legitimação do regime varguista. E, devido sua contribuição histórica, diversas foram as interpretações sobre as obras de Cassiano Ricardo. Alcir Lenharo, por exemplo, em seu artigo “A Marcha Para O Azul”, decorre sobre a ideologia proposta por Vargas da “Marcha para Oeste”. E mesmo sem citar Cassiano, escreve sobre o papel fundamental que a imprensa e os intelectuais do período tiveram na legitimação desta. Através de recorte de falas do próprio Getúlio, Lenharo busca reconstituir as Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica –ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 ideologias escondidas por traz do discurso da Marcha. Revela que a questão do povoamento era constantemente citada, ressaltando a importância da ocupação do interior brasileiro. Porém, de acordo com Lenharo, não era o único nem mais importante motivador da marcha. Considera que Vargas tenha condicionado a formação do que chama de “brasilidade” ou ainda o nacionalismo, à necessidade de suprir os vácuos demográficos do território brasileiro, fazendo coincidir as fronteiras econômicas com as fronteiras políticas; o que, para ele, seria a bandeira ideológica que sustentaria e manteria o próprio regime estadonovista. “Criar a nação unificada economicamente através da ocupação do oeste revertia-se, pois, na manutenção mesma do regime que a gerava.” (LENHARO, p.8). Desta forma, este autor considera que a política da Marcha para Oeste não consistia apenas na ocupação demográfica por motivos econômicos, mas existia uma intenção política de se criar a chamada “brasilidade”, o sentimento nacional; da qual o Estado, representado na figura de Vargas, se colocou como responsável. Além disto, Vargas também teria contado com o apoio de intelectuais que utilizavam um tom ufanista de exaltação ao amor à pátria em suas obras. E, mesmo não sendo citado por Lenharo, Cassiano Ricardo encaixa-se neste perfil. Desta forma, Alcir Lenharo, como muitos outros historiadores, investigou o discurso da Marcha para Oeste concluindo que nele estava embutido muito da ideologia varguista que visava à construção de uma conscientização e criação de um sentimento nacional, representado claro, na figura do próprio presidente. “A par desse ambicioso programa de obras, o manifesto põe a descoberto uma preocupação fundamental: “Criar e fixar na consciência popular a concepção simbólica do Oeste como fundamento da nação”. Maior clareza em seus propósitos é desnecessária...” (LENHARO, p. 15). Dentro desta mesma linha teórica, outra autora se destaca, Lucia Lippi Oliveira. Ela também pautou seus estudos na construção da identidade brasileira e concorda com Lenharo no que se refere à simbiose do discurso intelectual e político deste período. Porém Oliveira foca seu trabalho em outra questão: a geografia. Esta autora busca compreender como os intelectuais envolvidos no pensamento estadonovista utilizaram do espaço geográfico em suas obras. Para ela “a Geografia forneceu o mais forte embasamento para os modelos de identidade nacional que tiveram êxito.” (Oliveira, p.15). Dentro do que ela considera “modelos de identidade que tiveram êxito”, encaixa-se a figura de Cassiano Ricardo que, para a autora, através da recuperação da figura do bandeirante, teria dado sua contribuição fundamental para a montagem ideológica do Estado Novo. Oliveira afirma que “A busca da conquista do Oeste é apresentada como realização de um destino: juntar o litoral e o sertão, juntar o corpo e a alma da nação” (Oliveira, p. 16). Desta maneira, ela ressalta a importância geográfica e territorial por trás do discurso da Marcha; ainda escreve que a intenção era realizar uma “integração” entre o homem e o território; assim como Cassiano propunha em seu livro. Cita outros intelectuais do período que também estariam envolvidos por este espírito de época como, por exemplo, Ratzel, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, Capistrano de Abreu, entre outros; reafirmando a simbiose entre os pensadores e o discurso político. Mas ressalta a atuação fundamental de Cassiano por ter resgatado a epopéia bandeirante. Afirma que nos anos 1940 o Estado necessitava realizar essa expansão interna, assim como os bandeirantes já haviam o feito. “A marcha para ocupar o sertão parece ser tarefa épica de construção da nação. Os bandeirantes são a inspiração histórica para os novos empreendimentos de ocupação política e cultural do sertão que o os bandeirantes já tinham conquistado.” (Oliveira, p.20). Outra autora que também vai percorrer sobre o estudo da construção da identidade nacional é Mônica Pimenta Velloso. Esta autora, em seu artigo “A Brasilidade Verde-Amarela: nacionalismo e regionalismos paulista” elabora uma investigação sobre a construção do conceito de nação no país. Ela procura debater que em um clima pós-guerra, países como o Brasil passam a ter outra visão no exterior e começa a surgir uma preocupação com a imagem do país que resulta na descoberta da necessidade de se “criar uma nação”. “Encontrar um tipo étnico específico capaz de representar a nacionalidade torna-se o grande desafio enfrentado pela elite intelectual.” (VELLOSO, p. 90). Neste sentido, os intelectuais da época assumem a missão de encontrar uma identidade nacional própria, rompendo com um passado de dependência cultural; para isto realizam um apelo para que os brasileiros assumam sua “verdadeira” identidade. Em conseqüência deste espírito de época, a literatura brasileira passa a assumir um caráter nacionalista doutrinário, os intelectuais devem se transformar em educadores, exercendo uma função pedagógica na sociedade. Além da função doutrinária e pedagógica, os poetas da época também diziam-se assumir o papel de “soldado a serviço da pátria”, abdicando de assuntos de interesses particulares para dedicar-se a temas de caráter nacionalista e patriota. Posteriormente, ela aborda especificamente como a cidade de São Paulo estaria inserida no movimento. De acordo com Vellloso, São Paulo Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica –ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 apresentava-se como núcleo do progresso econômico e social, lugar ideal para a difusão do pensamento moderno brasileiro. Afirma caber ao estado paulista promover uma unificação nacional através da valorização das tradições culturais brasileiras. Ressalta que os pensadores da época consideravam que o acesso à modernidade significava então o acesso à racionalidade, ao pragmatismo e à ética capitalista; por tal motivo a importância do estado paulista como representante da nação e difusor de sua cultura. Desta maneira, ela realça o pensamento da época que dizia que “o herói nacional é paulista”. Para ela, como todo movimento literário, o modernismo também demandava da figura de um herói; e como sugere o espírito da época, este herói seria paulista. Ela justifica a escolha de São Paulo afirmando que o argumento era único, a herança bandeirante que possibilitou o fenômeno da absorção étnica. A autora ainda afirma que esta idealização do ser nacional é incorporada pela figura do paulista que era portador da herança bandeirante; papel assumido por este grupo como coragem, espírito combativo e firmeza de caráter, perfil ideal para o herói nacional representado pelo paulista. Dentro desta perspectiva, Cassiano Ricardo atua como figura fundamental na consolidação deste pensamento. Como pode ser observado até agora, temas como a construção da nacionalidade no Estado Novo e a “excepcionalidade paulista”, foram recorrentes dentro da historiografia brasileira. A partir desta perspectiva, o principal autor analisado neste artigo, Cassiano Ricardo, encaixa-se perfeitamente nesta categoria. E, como era de se esperar, suas obras foram objeto de estudo de alguns autores que optaram por estudar não apenas o período em questão, mas a obra de Cassiano especificamente. Como é o caso de Maria José Campos, que para sua tese de doutorado escolheu o seguinte tema: “Cassiano Ricardo e o mito da democracia racial: uma versão modernista em movimento”. Esta autora considera que a narrativa de Cassiano Ricardo acabou se convertendo em um dos pilares da política cultural do Estado Novo, principalmente pelo que ela chama de “reinvenção do discurso sobre as raças no Brasil.”. (CAMPOS, p.142). Neste sentido, ela procura avaliar o conceito “democracia racial” embutido no discurso da época, e como Cassiano se apropriou dele. Ela afirma que este autor propõe uma diferenciação entre “democracia biológica” e “comunismo racial”, ressaltando o caráter hierárquico necessário para a realização da democracia. Desta maneira, como já citado anteriormente, a bandeira seria o grupo mais adequado para a realização do que ele considera como “verdadeira” democracia, uma vez que era um “agente integrador”, pois incorporava todas as raças através da divisão do trabalho em função da cor e da etnia, aproveitando todos os elementos humanos. A autora, ainda aponta a ambigüidade do termo “democracia racial”, escolhido por Cassiano. Uma vez que, em seu sentido original, democracia refere-se à igualdade, e raças remete a idéia de diferença, classificação ou hierarquia. Campos considera intencional a escolha deste conceito por parte do autor, “... e é na inversão desse argumento que Cassiano Ricardo tenta driblar a noção de democracia no sentido de igualdade...” (CAMPOS, p.152). O que apenas reforça o caráter político do autor em sua obra, que utiliza de conceitos para a afirmação de um novo estilo e política de governo. A partir da análise dos historiadores acima, é possível identificar aspectos comuns nas interpretações sobre a obra de Cassiano e o período em questão. Ao investigar sobre o discurso da Marcha para Oeste, Alcir Lenharo aponta para a grande influência que os intelectuais tiveram na legitimação deste discurso. Da mesma forma, Mônica Pimenta Velloso também ressalta a cooptação do discurso político e intelectual. Lucia Lippi Oliveira e Maria José Campos, apesar de centralizarem sua produção na obra de Cassiano mais especificamente, não deixam de considerar a influência que este autor teve nas questões políticas da época em que viveu, tornando-se figura fundamental para a legitimação do Estado Novo através de suas obras. Campos analisa o conceito de democracia racial em Cassiano, enquanto Oliveira foca na questão territorial/geográfica, porém ambas, assim como os historiadores citados anteriormente, utilizam-se de uma abordagem em comum: o discurso ideológico como “produto” dos processos, contextos e estruturas históricas. Houve uma tendência na historiografia de analisar as obras das décadas de 30/40 a partir de um olhar voltado especificamente para as questões políticas de afirmação da identidade nacional em decorrência da legitimação do governo Vargas. Desta maneira, os autores deste período foram constantemente interpretados como ferramentas utilizadas por este governo para disseminar as idéias que lhes eram favoráveis. Velloso se refere a estes intelectuais como tendo uma função doutrinária e pedagógica, afirmando a teoria de Azevedo de Amaral de que estes assumiam um papel de mediadores entre a massa e a ideologia dominante. Todos os autores citados anteriormente, de maneira mais ou menos explícitas, também assumem esse discurso e interpretam a obra de Cassiano como estruturante da elaboração ideológica do regime. Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica –ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 Esta maneira unilateral de interpretação não deixa de ser verdadeira, uma vez que Cassiano amplia a dimensão histórica do fenômeno do bandeirismo para um panorama maior criando uma nova amplitude ao discurso da excepcionalidade paulista; readaptando assim, um ideal de identidade regional com o propósito de construção de uma identidade nacional; tal como previa o governo estadonovista. Porém suas obras não devem ser interpretadas apenas sob esse olhar que o considera como meramente divulgador da ideologia da época, como “produto” de seu contexto histórico. Cassiano acredita que o discurso é determinante da sociedade. Suas teorias ultrapassam o campo das idéias e acabam definindo e orientando ações, assumindo um Bibliografia: ABUD, Kátia Maria. O sangue intimorato e as nobilíssimas tradições: a construção de um símbolo paulista, o Bandeirante. Tese de doutoramento, FFLCH-USP, 1986. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Metrópole e cultura: o novo modernismo paulista em meados do século. Tempo Social, São Paulo, 9(2): 39-52, 1997. ARRUDA, Gilmar. Marchas para o Oeste, caminhos da memória. História Revista, 9(1):35-55, 2004. BACELLAR, C.A. e BRIOSCHI, L.R. (org). Na estrada do Anhanguera: uma visão regional da história paulista. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 1999. BOURDIEU, Pierre. “A identidade e a representação. Elementos para uma reflexão crítica sobre a idéia de região”. In: O poder simbólico. 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Nisto consiste a dualidade dos trabalhos históricos que, inevitavelmente, sofrem influência dos processos e estruturas de suas épocas, porém também são estruturantes ao passo que possuem a capacidade de orientar o modo de pensamento e, conseqüentemente, ações da sociedade; tornando-se produto e agente da história. Pois, como afirmou o filósofo Jean Paul Satre: “Seria vão tentarmos nos tornar nosso próprio historiador: o historiador é também criatura histórica.” (SATRE, 1964, p.41). MARQUES, Oswaldinho. O Laboratório Poético de Cassiano Ricardo. Rio de Janeiro, 1962. OLIVEIRA, Lucia Lippi. A conquista do espaço: sertão e fronteira no pensamento brasileiro. História, Ciências, SaúdeManguinhos, Rio de Janeiro, 5 (supl).: 195-215, 1998. OLIVEIRA, Lucia Lippi. Estado Novo e a conquista de espaços territoriais e simbólicos. Conferência apresentada no colóquio “Variações sobre um tema: interpretações do Brasil e do Estado Novo”, Santa Catarina, 2007. RICARDO, Cassiano. 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