SUPLEMENTO DE ATIVIDADES ESAU E JACO MACHADO DE ASSIS Este suplemento de atividades é parte integrante da obra Esaú e Jacó. Não pode ser vendido separadamente. © SARAIVA S.A. Livreiros Editores. NOME: No : SÉRIE/ANO: ESCOLA: A fase da maturidade machadiana tem início com Memórias póstumas de Brás Cubas, obra que inovou a literatura brasileira ao desvelar os costumes e vícios de sua sociedade por meio de um narrador intrometido, sarcástico e, sobretudo, não onisciente. Assim, o determinismo tão característico da prosa realista-naturalista dá lugar à dúvida – ainda que possua o olhar crítico e cientificista do período. O grande êxito de Esaú e Jacó, penúltimo livro de Machado, está na condensação e na intensificação dessa estética da ambivalência. Obra cheia de simbologias e mais abstrata que suas tão aclamadas antecessoras, propõe um intrigante jogo de autoridade e perspectiva, em que a ambiguidade ganha força para se tornar parte da estrutura. As atividades a seguir pretendem ampliar a compreensão deste e de outros aspectos da obra. Desenvolva-as depois da leitura do livro, dos Diários de um Clássico, da Contextualização Histórica e da Entrevista Imaginária. Bom trabalho! 1 UMA OBRA CLÁSSICA 1. É frequente afirmar que Esaú e Jacó não possui uma única temática, pois seu narrador debruça-se sobre diversas questões ao longo do enredo. Dentre elas, aponte quais seriam as centrais para o desenrolar do romance. Respostas podem variar, mas é desejável que os alunos mencionem temáticas relativas ao enredo, como a previsão da cabocla e o que de fato aconteceu; a falta de entendimento entre Pedro e Paulo, e suas tentativas de reconciliação; a dúvida de Flora em relação ao amor dos dois irmãos; a morte da jovem e o desenrolar da vida de ambos, assim como a chegada deles ao poder etc. Quanto ao contexto histórico, espera-se que mencionem a ascensão social de famílias de “novos ricos”, como a família Santos; a Proclamação da República e seus primeiros anos; a rivalidade entre partidos; a crise financeira; a abolição da escravatura etc. 2 2. Das alternativas abaixo, assinale apenas as duas que estão corretas. Em relação à perfeita simetria da discórdia entre os gêmeos Pedro e Paulo, pode-se afirmar que tal recurso é: a) um resgate dos ideais românticos, com os quais Machado de Assis havia rompido anos antes. b) um exemplo típico da prosa realista, pois procura retratar a moral e os costumes da sociedade. c) uma alegoria dos embates políticos que o país enfrentava no período. d) simbolista, uma vez que simboliza uma oposição de valores. e) inverossímil, tamanho seu determinismo. Resposta: alternativas c e e 3. Releia a “Advertência” do início do livro. Quem a escreveu? Qual é seu propósito? É possível afirmar que essa nota é parte essencial da narrativa, sem a qual a obra perderia parte de sua riqueza? A nota “Advertência” é fictícia e faz parte da narrativa. Como é anônima, não é possível saber quem a escreveu – não pode ter sido Aires, o narrador do romance, uma vez que na própria nota consta que o conselheiro morreu. Fica implícito, então, que sua autoria seja de um suposto primeiro editor do livro. Sem a nota, o livro perderia um refinado recurso de ambiguidade, pois, apesar de suas explicações, a “Advertência” levanta uma série de novas dúvidas, reforçando o jogo de duplos que Machado estabelece com o leitor durante toda a obra. Professor: a correção desta questão pode ser um momento interessante para retomar com os alunos a própria estrutura ambígua do romance, reforçando conceitos (ver Diários de um Clássico, p. 213). NARRADOR E NARRATIVA 4. A respeito do narrador de Esaú e Jacó, assinale V (verdadeiro) para as afirmativas que procedem e F (falso) para as equivocadas: (F) É o próprio Machado de Assis quem narra o livro, sob o pseudônimo de José Marcondes da Costa Aires. (F) O livro é narrado em primeira pessoa por José Marcondes da Costa Aires, conhecido como conselheiro Aires. (V) O livro é narrado em terceira pessoa por José Marcondes da Costa Aires, conhecido como conselheiro Aires. (F) José Marcondes da Costa Aires, narrador de Esaú e Jacó e Memorial de Aires, deixou sete cadernos manuscritos nas mãos de seu amigo Machado de Assis antes de morrer, para que Machado os publicasse. (V) As observações negativas e um tanto ácidas de Aires, bem como seu pessimismo, seguem a linha analítica de outros narradores da fase madura de Machado, como Brás Cubas (Memórias póstumas de Brás Cubas) e Bento Santiago (Dom Casmurro). (V) O julgamento que o narrador faz a respeito dos fatos e de outros personagens é pessoal e fruto de sua própria experiência de vida; portanto, não deve ser tomado pelo leitor como verdade absoluta. 3 5. Durante o desenrolar da narrativa, há dois momentos de trégua entre os gêmeos, que passam a conviver por algum tempo em harmonia, para depois voltarem a ser rivais. Descreva os dois episódios, apontando aquilo que os motivou e o que há de comum em ambos. Os gêmeos Pedro e Paulo selam paz temporária após a morte de Flora e, mais tarde, após a morte da mãe, Natividade. No primeiro episódio, a perda da amada disputada funciona como a trégua de uma batalha, que acaba sem vencedor nem vencido. No segundo momento, a zelosa Natividade pede em seu leito de morte que os filhos se conciliem. Emocionados, os irmãos juram amizade eterna, e de fato passam um bom tempo em alegre harmonia antes de se desentenderem novamente. Em comum, há o sentimento da perda (que por si só tem poder transformador na subjetividade humana) de duas importantes figuras femininas de afeto (a amada e a mãe). 6. Releia o capítulo “Coisas futuras”, de Esaú e Jacó, e leia em seguida o trecho abaixo, de Nubia Melhem Santos, a respeito da ida de Natividade e Perpétua ao Morro do Castelo. Depois responda às questões a seguir. A consulta à famosa cabocla do Castelo é referida durante toda a trama, cujo pretexto é o antagonismo dos gêmeos Pedro e Paulo. Com o tempo, Natividade vai revelar a outras pessoas a consulta secreta, mas sintomaticamente ocultará sua ida ao Castelo, dizendo que a cabocla teria ido à sua casa. A dificuldade maior, portanto, reside em admitir que a cabocla vá a casa de Natividade, mas não o contrário. SANTOS, Nubia Melhem, “Introdução”. In.: NONATO, José Antonio; SANTOS, Nubia Melhem (Orgs.). Era uma vez o Morro do Castelo. Rio de Janeiro: Iphan, 2000. p. XVIII. 4 a) Por que a família Santos fez segredo, a princípio, da consulta à cabocla? Porque consultar-se com um vidente pagão poderia manchar a reputação das duas senhoras, que eram católicas. O sincretismo religioso, apesar de comum, era malvisto e reprovado pelo clero, assim como pela elite conservadora. b) Por que, mesmo depois de confessar para algumas pessoas que se consultou com a conhecida cabocla do Castelo, Natividade ainda assim distorceu os fatos, dizendo que a vidente é que veio à sua casa? Porque, pior do que expor sua conduta religiosa, subir o morro significaria misturar-se ao populacho. Ao visitar a casa de uma cabocla por livre e espontânea vontade, Natividade e sua irmã invertem a lógica hierárquica social corrente, em que a periferia é quem vai ao centro. Tal é a subversão dessas duas damas que Nóbrega, o irmão das almas que recebe a esmola de Natividade, chega a suspeitar de 5 que estariam ali em busca de aventuras amorosas. c) Na época da publicação de Esaú e Jacó, o Morro do Castelo sofria as primeiras intervenções públicas que culminaram na sua total destruição, em 1921. Faça uma pesquisa a respeito e redija em seu caderno um texto que aborde as intensas transformações urbanas pelas quais passou o Morro do Castelo e todo o Rio de Janeiro entre o final do século XIX e início do XX. Professor: adapte o item c da maneira que achar melhor (individual ou em grupo; em sala ou dever para casa; número de páginas e estrutura do trabalho etc.). A atividade pode ser muito enriquecida se estabelecer diálogos com as disciplinas de História, Geografia, Sociologia e até mesmo Artes, se for considerado o vasto material fotográfico e artístico que há sobre o tema. PERSONAGENS 7. Por que é possível dizer que identificamos na jovem Flora mais características típicas dos personagens masculinos de Machado de Assis do que dos femininos? A melancólica Flora não possui a mesma determinação e destreza social que outras mulheres machadianas, como Natividade, esposa e mãe dedicada que soube ascender socialmente e lutar pelo êxito de seus filhos, ou mesmo Capitu, a célebre heroína de Dom Casmurro. A indecisa Flora, ao contrário, é introspectiva e pessimista (assim como Aires e os narradores-protagonistas de livros anteriores da fase madura de Machado). Sua morte precoce, mais do que um suposto maneirismo romântico, simboliza essa descrença, esse deslocamento que ela sente a respeito de seu tempo. Professor: pode ser produtivo propor para a classe uma atividade extra em que eles, individualmente ou em grupo, tracem paralelos entre Flora e Capitu, elencando semelhanças e diferenças. 8. Como você descreveria os gêmeos Pedro e Paulo? Componha uma breve descrição de cada um dos dois irmãos, destacando suas posições políticas e alguma curiosidade a seu respeito. a) Pedro: Monarquista, suas ideias são conservadoras e é mais contido e dissimulado do que o irmão. Manteve-se no Rio de Janeiro, onde se formou em medicina. Professor: quanto à curiosidade pedida na questão, conferir pertinência. b) Paulo: Republicano, alimenta ideais liberais de progresso e é mais agressivo que o irmão Pedro. Foi a São Paulo estudar direito e abriu uma banca no Rio de Janeiro. Professor: quanto à curiosidade pedida na questão, conferir pertinência. 6 INTERTEXTUALIDADE 9. João do Rio foi certamente o mais conhecido dos muitos pseudônimos usados por João Paulo Alberto Coelho Barreto (1881-1921), jornalista e escritor carioca. Irreverente, popular e por vezes polêmico, o dândi João do Rio foi um arguto e irônico observador da sociedade de sua época. Leia o trecho selecionado da crônica “A era do automóvel”, de seu Vida vertiginosa, publicado sete anos depois de Esaú e Jacó, para responder à questão a seguir. A era do automóvel E, subitamente, é a era do Automóvel. O monstro transformador irrompeu, bufando, por entre os descombros da cidade velha, e como na mágica e na natureza, aspérrima educadora, tudo transformou com aparências novas e novas aspirações. Quando os meus olhos se abriram para as agruras e também para os praze7 res da vida, a cidade, toda estreita e toda de mal piso eriçava o pedregulho contra o animal de lenda, que acabava de ser inventado na França. [...] [...] O meu amor, digo mal, a minha veneração pelo automóvel vem exatamente do tipo novo que ele desenvolve entre mil ações da civilização, obra sua na vertigem geral. O automóvel é um instrumento de precisão fenomenal, o grande transformador das formas lentas. Sim, em tudo! A reforma começa, antes de andar, na linguagem e na ortografia. É a simplificação estupenda. [...] Hoje nós ouvimos diálogos bizarros: – Foste no ACB? – Iéss. – Marca da fábrica? – FIAT 60 HP. Tenho que escrever ao ACOTUK. O que, em palestra, [...] significa que o cavalheiro tem uma máquina da Fábrica Italiana de Automóveis de Turim, da força de sessenta cavalos, e que vai escrever para o Aéreo Clube do Reino Unido. Mas o automóvel não simplifica apenas a linguagem e a ortografia. Simplifica os negócios, simplifica o amor, liga todas as coisas vertiginosamente [...]. Um homem, antigamente, para fazer fortuna, precisava envelhecer. E a fortuna era lamentável de pequena. Hoje, rapazolas que ainda não têm trinta anos são milionários. Por quê? Por causa do automóvel, por causa da gasolina, que fazem os meninos nascer banqueiros, deputados, ministros, diretores de jornal, reformadores de religião e da estética, aliás, com muito mais acerto que os velhos. DO RIO, João. A era do automóvel. In: ____. Vida vertiginosa (1911). São Paulo: Martins Fontes, 2006. Identifique semelhanças entre a mentalidade descrita por João do Rio e a família Santos, de Esaú e Jacó. As respostas podem variar, mas espera-se que o aluno aponte que a família Santos é essencialmente uma família de emergentes. A mãe, Natividade, era moça pobre, mas casou-se com o obstinado Agostinho 8 Santos, jovem que migra do interior fluminense para tentar a sorte com o boom de ações da década de 1850. O casal enriqueceu rapidamente e logo tratou de se cercar de pessoas consideradas influentes, alimentando hábitos de “gente fina”, como as recepções em casa, o voltarete (antigo jogo de baralho com 40 cartas) e jantares. O maior sonho do casal era ver os filhos formados, estabelecidos na vida, o que de fato aconteceu. Ambiciosos, os dois irmãos podem ser considerados exemplos dessa juventude sedenta por progresso do início do século XX. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA A seguir, responda a algumas questões relacionadas à seção Contextualização Histórica, encontrada na parte final do livro. 10. Em 1904, ano da publicação do romance, o Brasil passava por intensas transformações sociais. Cite algumas delas, situando a posição de Machado a respeito. As respostas podem variar, mas é importante que o aluno cite a abolição da escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889). Durante a correção da atividade, é interessante atentá-los para a crise econômica que o País enfrentava (a chamada “crise do encilhamento”), que se desencadeou devido ao vertiginoso processo de industrialização do país, numa combinação de forte incentivo monetário com uma enxurrada de corrupção empresarial. No calor dos acontecimentos, a posição de Machado era um tanto dúbia. Liberal convicto, apoiava os incentivos à indústria e ao comércio internacional. Contudo, descria da República recém-proclamada e 9 era saudoso do regime monarquista. Pouco se sabe de seu posicionamento perante questões raciais. Mulato, o autor não costumava se pronunciar, nem por meio de suas obras literárias, a respeito da temática negra. 11. Releia o capítulo “Tabuleta nova” (p. 121-123), em que Custódio, dono da Confeitaria do Império, vai se aconselhar com Aires. Destaque os termos e trechos em que fica evidente a posição política do próprio Machado de Assis, que era monarquista, e redija um comentário no espaço a seguir, retirando exemplos do texto. Espera-se que o aluno destaque, essencialmente, as seguintes frases: “mas também me lembrou que, se daqui a um ou dois meses, houver nova reviravolta [...]” e “Talvez convenha esperar um ou dois dias, a ver em que param as modas”. Ambas as frases conotam ironia, pois insinuam que a República duraria “um ou dois meses”, como se fosse uma “moda” passageira. Além disso, todo o trecho, ao mencionar “quebra de tabuletas”, “ódios”, “revoluções” e “oposições governamentais”, também sugere um momento de instabilidade e incertezas políticas. Professor: a resposta a esta questão é muito sutil e talvez traga dificuldades para a turma. Na correção, procure atentá-los para a ironia machadiana. A NOVA DO CADÁVER – A SUA ENTREVISTA IMAGINÁRIA Valendo-se das orientações desta edição e das suas respostas às atividades de leitura, elabore uma nova entrevista com o autor, semelhante à Entrevista Imaginária do final do livro. O conselheiro Aires foi um exímio observador de seu tempo e talvez nenhum outro adjetivo o caracterize melhor do que sua própria profissão, pois Aires era de fato um verdadeiro “diplomata”: senhor polido, conciliador e gregário, evitava entrar em conflito ou meter-se em polêmicas. 10 Há quem diga que Machado, imperdoável, falou por meio de seus narradores e personagens. Nesse sentido, poucos aproximaram-se tanto de seu criador como José da Costa Marcondes Aires, visto que até nas iniciais se assemelhavam. Sua tarefa agora é, a partir das palavras do próprio autor ou de suas personagens, criar um diálogo com o Bruxo do Cosme Velho, fazendo uma aproximação de sua vida e obra, e até conhecer um pouco mais das ideias que motivaram esse grande escritor a compor seus romances. A abordagem pode mencionar os embates políticos e as transformações sociais que começavam a emergir naquele início de século XX, além da reação de Machado ante isso tudo. É interessante lembrar também que o autor passou seus últimos anos de vida amuado, remoendo a morte de sua companheira. Bom trabalho!