OS CAMINHOS DA LIOFILIZAÇÃO ORGANIZACIONAL:
AS FORMAS DIFERENCIADAS DA REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA NO BRASIL
Ricardo Antunes*
“Não demasiado antigas, há muitas profissões que
desapareceram, hoje ninguém sabe para que serviam
aquelas pessoas, que utilidade tinham... ”
Saramago, A Caverna
Foram de grande monta as transformações ocorridas no capita­
lismo recente no Brasil, particularmente na década de 1990 quando,
com o advento do receituário e da pragmática neoliberais, desenca­
deou-se uma onda enorme de desregulamentações nas mais distintas
esferas do mundo do trabalho. Houve, também, como conseqüência
da reestruturação produtiva e do redesenho da divisão internacional
do trabalho e do capital, um conjunto de transformações no plano da
organização sócio-técnica da produção, deu-se um processo de reterritorialização da produção, dentre tantas outras conseqüências.
Professor Titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Hu­
manas da UNICAMP. Publicou, dentre outros livros, Os sentidos do tra­
balho (Boitempo Editorial) e Adeus ao trabalho? (Ed. Cortez/Ed. Uni­
camp). Coordena também a Coleção Mundo do Trabalho, pela Boitempo
Editorial. Este texto é parte do Projeto Integrado de Pesquisa Para Onde
Vai o Mundo do Trabalho?, que conta com apoio do CNPq.
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Anotações sobre o capitalismo recente e a reestruturação produtiva no Brasil
Esta contextualidade fez com que a configuração recente do
nosso capitalismo fosse bastante alterada, de modo que ainda não
temos um desenho conclusivo do que vem se passando. Somente
poderemos redesenhá-lo, ainda que preliminarmente, através do
desenvolvimento e realização de densas pesquisas concretas e re­
flexões analíticas capazes de oferecer esse (novo) desenho, que por
certo comporta tanto elementos de continuidade como de descon­
tinuidade em relação ao seu passado recente.
É aqui onde reside o objetivo central deste número especial da
Revista Idéias: buscar elementos que nos auxiliem na concreção do
capitalismo brasileiro recente, bem como algumas das principais
mutações que vêm ocorrendo no universo do trabalho urbano (e
também rural), percorrendo também suas principais lutas e ações
cotidianas de resistência, num período marcado pela mundialização,
transnacionalização e financeirização dos capitais, que certamente
reconfiguram o nosso universo produtivo, industrial e de serviços.
Se já parece obsoleto falar na teoria dos três setores (Lojkine,
1995), dada a enorme interpenetração entre as atividades industri­
ais, agrícolas e de serviços (de que são exemplos as expressões
agro-indústria, indústria de serviços, serviços produtivos), também
soa estranho, num país como o Brasil, falar-se abstratamente em
sociedade pós-industrial. Para não falar em fim do trabalho.
Nesse texto, de introdução ao presente volume, queremos tão
somente indicar alguns traços particulares e singulares da nossa
reestruturação produtiva do capital, através da exemplificação de
alguns ramos e setores. Nos diversos textos que compõem a Cole­
tânea, os leitores poderão encontram um quadro bastante amplo da
reestruturação do capital, bem como das formas multifacetadas,
polissêmicas e heterogêneas de resistência que emerge do trabalho,
que certamente ajudarão bastante para uma melhor compreensão
das novas configurações no mundo do trabalho e seus embates no
Brasil recente. Reestruturação produtiva que, na particularidade do
capitalismo brasileiro, comporta elementos de continuidade e des­
continuidade, conforme veremos a seguir.
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I
O capitalismo brasileiro, particularmente seu padrão de acumu­
lação industrial desenvolvido desde meados da década de 1950 e
especialmente no pós-64, desenvolveu uma estrutura produtiva
bi-fronte: de um lado, voltava-se para a produção de bens de
consumo duráveis, como automóveis, eletrodomésticos etc., vi­
sando um mercado interno restrito e seletivo que se desenvolvia
no país; por outro lado, objetivava também desenvolver a produ­
ção para exportação, tanto de produtos primários, como também
de produtos industrializados. Quanto à sua dinâmica interna, o
padrão de acumulação estruturava-se através de um processo de
superexploração da força de trabalho, dado pela articulação entre
baixos salários, jornada de trabalho prolongada e de fortíssima
intensidade em seus ritmos, dentro de um patamar industrial signi­
ficativo para um país que, apesar de sua inserção subordinada,
chegou a alinhar-se entre as oito grandes potências industriais.
Esse modelo econômico teve amplos movimentos de expansão ao
longo das décadas de 1950 a 70.
Foi em meados dos anos 80, ao final da ditadura militar, que
esse padrão produtivo começou a sofrer as primeiras alterações.
Embora seus traços mais genéricos estejam ainda vigentes, foi
possível presenciar algumas mutações organizacionais e tecnológi­
cas no interior do processo produtivo e de serviços, num ritmo
inicialmente muito mais lento do que aqueles experimentados pelos
países centrais. O Brasil, sob o fim da ditadura militar e no período
Sarney, nos anos 80, ainda se encontrava relativamente distante do
processo de reestruturação produtiva do capital e do projeto neoli­
beral, já em curso acentuado nos países capitalistas centrais. Mas
também já sofria os primeiros influxos da nova divisão internacio­
nal do trabalho. Sua singularidade, dadas por um país de capita­
lismo hipertardio, fora afetada pelos novos traços universais do
sistema global do capital, redesenhando uma particularidade braldéias, Campinas, 9(2)/10(l): 13-24, 2002-2003
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Anotações sobre o capitalismo recente e a reestruturação produtiva no Brasil
sileira diferenciada, ao menos em alguns aspectos, frente à estrutu­
ração anteriormente existente. (Antunes, 2002 e 1997)
Foi nessa década de 80 que ocorreram os primeiros impulsos do
processo de reestruturação produtiva em nosso país, levando as
empresas a adotarem, inicialmente de modo restrito, novos padrões
organizacionais e tecnológicos, novas formas de organização social
(e sexual) do trabalho. Observou-se a utilização inicial da informa­
tização produtiva, principiaram-se os usos do sistema just-in-time,
germinava a produção baseada em team work, nos programas de
qualidade total, ampliando também o processo de difusão da microeletrônica. Deu-se o início, ainda preliminarmente, dos métodos
denominados “participativos”, mecanismos que procuram o “en­
volvimento” (em verdade adesão e sujeição) dos trabalhadores e
das trabalhadoras aos planos das empresas.
Iniciava-se, ainda de modo incipiente, o processo de liofilização
organizacional, cujos determinantes foram: 1) a necessidade das
empresas brasileiras buscarem sua inserção na “competitividade
internacional”; 2) as imposições das empresas transnacionais que
levaram à adoção, por parte de suas subsidiárias no Brasil, de novos
padrões organizacionais e tecnológicos, em alguma medida inspira­
dos no toyotismo e nas formas flexíveis de acumulação; 3) a necessi­
dade das empresas nacionais responderem ao avanço do novo sindi­
calismo e da rebeldia do trabalho, que procurava estruturar-se mais
fortemente nos locais de trabalho e que teve forte traço de confronta­
ção, desde as históricas greves do ABC paulista, no pós-78. (Antu­
nes, 2002 e Alves, 2000).
Inicialmente, ainda nos primeiros anos da década de 80, a rees­
truturação produtiva caracterizou-se pela redução de custos através
da redução da força de trabalho, de que foram exemplo os setores
automobilístico e o de autopeças e, posteriormente, os ramos têxtil
e bancário, dentre outros exemplos. De modo sintético pode-se
dizer que a necessidade de elevação da produtividade ocorreu
através de reorganização da produção, redução do número de
trabalhadores, intensificação da jornada de trabalho dos empre­
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gados, surgimento dos CCQ’s (Círculos de Controle de Qualida­
de) e dos sistemas de produção just-in-time e kanban, dentre os
principais elementos.
Durante a segunda metade de década de 1980, com a recupera­
ção parcial da economia brasileira, ampliaram-se as inovações tec­
nológicas, através da introdução da automação industrial de base
microeletrônica nos setores metal-mecânico, automobilístico, petro­
químico e siderúrgico. No setor automobilístico pode-se verificar a
instalação de novas linhas, destinadas à produção de novos veículos,
que coexistiam com as antigas linhas de montagem, configurando
um grau relativamente elevado de diferenciação e heterogeneidade
tecnológica e produtiva no interior das empresas, heterogeneidade
que será uma marca particular da reestruturação produtiva no Bra­
sil. (Antunes, 2002, Alves, 2000 e Previtalli, 2002).
Foi nos anos 1990, entretanto, que a reestruturação produtiva
do capital desenvolveu-se intensamente em nosso país, através da
implantação de vários receituários oriundos da acumulação flexível
e do ideário japonês, com a intensificação da lean production, do
sistema just-in-time, kanban, do processo de qualidade total, das
formas de subcontratação e de terceirização da força de trabalho,
daquilo que, seguindo Juan Jose Castillo, vimos denominado como
liofilização organizacional. (Castillo, in Antunes, 1999:52-59)
Do mesmo modo, verificou-se um processo de descentralização
produtiva, caracterizada pela relocalização industrial, onde empre­
sas tradicionais, como a indústria de calçados ou a indústria têxtil,
sob a alegação da concorrência internacional, iniciaram um movi­
mento de mudanças geográfico-espaciais, buscando níveis mais
rebaixados de remuneração da força de trabalho, acentuando os
traços de superexploração do trabalho.
No setor calçadista, por exemplo, várias fábricas transferiram-se
da região de Franca, no interior do estado de São Paulo, ou da região
do Vale dos Sinos, no estado do Rio Grande do Sul, para estados do
Nordeste, como o Ceará e Bahia. Indústrias consideradas modernas,
do ramo metal-mecânico e eletrônico, transferiram-se da Região da
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Anotações sobre o capitalismo recente e a reestruturação produtiva no Brasil
Grande São Paulo para áreas do interior paulista (São Carlos), ou
deslocaram-se para outras áreas do país, como o interior do Rio de
Janeiro (Resende), ou ainda para o interior de Minas Gerais (Juiz de
Fora), ou outros estados como Paraná, Bahia, Rio Grande do Sul etc.
(Alves, 2000). Ainda nesta mesma década, no contexto da desregulamentação do comércio mundial, a indústria automobilística brasileira
foi submetida a mudanças no regime de proteção alfandegária, sendo
reduzidas as tarifas de importação de veículos. (Previtalli, 1996).
Desde então as montadoras vêm intensificando o processo de
reestruturação produtiva, através das inovações tecnológicas, in­
troduzindo robôs e sistemas CAD/CAM, envolvendo mudanças no
lay-out das empresas, bem como através da introdução de mudan­
ças organizacionais, envolvendo uma relativa desverticalização em
direção a uma certa horizontalização, com a consequente redução
de níveis hierárquicos, implantação de novas fábricas de tamanho
reduzido e estruturadas com base em células produtivas e amplian­
do a rede de empresas terceirizadas. As unidades produtivas mais
antigas e tradicionais, como a Volkswagem, Ford e da MercedesBenz, situadas no ABC paulista, também desenvolveram um forte
programa de reestruturação, visando sua adequação aos novos im­
perativos do capital, no que concerne aos níveis produtivos e tec­
nológicos e às formas de “envolvimento” da força de trabalho.
(Previtalli, 1996 e 2002).
Depois de um ensaio inicial significativo, mas estancado pela
crise que se abateu sob o governo Collor, foi com o Plano de Esta­
bilização Econômica, denominado Plano Real, a partir de 1994,
sob o governo Fernando Henrique Cardoso, que os programas de
qualidade total, o sistema jiist-in-time e kanban, bem como a intro­
dução de ganhos salários vinculados à lucratividade e à produtivi­
dade das empresas, sob uma pragmática que se adequava forte­
mente aos desígnios neoliberais, encontraram uma contextualidade
propícia para o desmanche vigoroso da reestruturação produtiva,
da liofilização organizacional e do enxugamento empresarial.
Portanto, se o processo de reestruturação produtiva no Brasil, du­
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rante os anos 80, teve uma tendência limitada e seletiva, foi partir
da década seguinte que ele ampliou-se sobremaneira. (Antunes,
2002 e Alves, 2000).
Outro exemplo importante podemos encontrar no setor financei­
ro. Aqui também se pode presenciar intenso impacto em seu pro­
cesso de reestruturação, sendo que os trabalhadores/as bancário/as
foram fortemente atingidos pelas mudanças no trabalho, funda­
mentadas, principalmente, nas tecnologias de base microeletrônica
e em mutações organizacionais. Novas políticas gerenciais foram
instituídas nos bancos, principalmente, através de seus programas
de “qualidade total” e de “remuneração variável”. Conforme nos
mostraram Jinkings (1995 e 2002) e Segnini (1998), a política de
concessão de prêmios de produtividade aos bancários que supera­
vam as metas de produção estabelecidas, acrescida do desenvolvi­
mento de um eficiente e sofisticado sistema de comunicação empresa-trabalhador bancário, através de jornais, revistas ou vídeos
de ampla circulação nos ambientes de trabalho, bem como da am­
pliação do trabalho em equipe, tudo isso acarretou um significativo
aumento da produtividade do capital financeiro, além de buscar
também a “adesão” dos bancários às estratégias de autovalorização
do capital, reproduzidas nas instituições bancárias.
Como conseqüência das práticas flexíveis de contratação da
força de trabalho nos bancos (através da ampliação significativa da
terceirização, da contratação de trabalhadores por tarefas ou em
tempo parcial), vêm ocorrendo uma maior precarização dos empre­
gos e dos salários, aumentando o processo de desregulamentação
do trabalho e de redução dos direitos sociais para os empregados
em geral e para os terceirizados em particular. (Jinkings, 2002 e
Segnini, 1998).
Do ponto de vista do capital financeiro, essas formas de con­
tratação permitem às empresas ganhos enormes de lucratividade,
ao mesmo tempo em que atingem fortemente a capacidade de re­
sistência dos bancários, fragmentando-os e dificultando sua orga­
nização sindical. Apoiados no incremento informacional, os proIdéias, Campinas, 9(2)/10( 1): 13-24, 2002-2003
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Anotações sobre o capitalismo recente e a reestruturação produtiva no Brasil
gramas de ajustes organizacionais reduzem ao máximo a estrutura
administrativa e os quadros funcionais das instituições financeiras.
Como conseqüência, foram desativados ou bastante reduzidos
grandes centros de computação, serviços e compensação de che­
ques, ao mesmo tempo em que setores inteiros foram extintos nas
agências bancárias e centrais administrativas. Enquanto crescem
em poderio econômico os grandes conglomerados financeiros pri­
vados, com taxas de lucro enormes, o número de bancários no país
reduziu-se de aproximadamente 800 mil no final dos anos 80 para
menos da metade em 2002. (Jinkings, 2002).
Em relação à divisão sexual do trabalho, na medida em que se
desenvolviam os processos de automatização e flexibilização do
trabalho bancário, presenciou-se paralelamente um movimento de
feminização da categoria que, entretanto, não foi seguida por uma
equalização quanto à carreira e salário entre homens e mulheres
nos bancos. Uma série de mecanismos sociais de discriminação reproduzidos e intensificados nos ambientes de trabalho - vêm
estabelecendo relações de dominação e de exploração mais duras
sobre o trabalho feminino, que vão se traduzindo em desigualdades
e segmentações entre gêneros. (Segnini, 1998 e Jinkings, 2002)
As mudanças apontadas nas características pessoais e profissio­
nais dos bancários são, portanto, expressões da reestruturação pro­
dutiva em curso e de seus movimentos de tecnificação e racionali­
zação do trabalho. Visando adequar sua força de trabalho às moda­
lidades atuais do processo produtivo, as instituições financeiras
exigem uma “nova qualificação” para os trabalhadores do setor,
que parece ter mais uma significação ideológica do que tecnofiuncional. Conforme nos mostra Jinkings, num contexto de cres­
cente desemprego e de aumento de formas precárias de contrata­
ção, os assalariados bancários são compelidos a desenvolver uma
formação geral e “polivalente”, na tentativa de manter seu vínculos
de trabalho, sendo submetidos à sobrecarga de tarefas e a jornadas
de trabalho extenuantes. Agravaram-se os problemas de saúde
destes trabalhadores/as nas últimas décadas e observou-se também
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um aumento sem precedentes das Lesões por Esforços Repetitivos
(LER), que reduzem a força muscular e comprometem os movi­
mentos daqueles que são portadores da doença.
Em contrapartida, os programas de “qualidade total” e de “re­
muneração variável”, amplamente difundidos no setor, recriam
estratégias de dominação do trabalho que procuram obscurecer e
nublar a relação capital e trabalho. Os trabalhadores bancários são
constrangidos a tornam-se “parceiros”, "sócios”, “colaboradores”
do bancos e das instituições financeiras, num ideário e numa prag­
mática que aviltam ainda mais a condição laborativa. (Jinkings,
2002)
II
Esse processo de reestruturação produtiva (que exemplificamos
acima através dos setores automobilístico e bancário), mas que
atingiu a quase totalidade dos ramos produtivos e/ou de serviços,
acarretou também alterações significativas na estrutura de empre­
gos no Brasil. Se durante a década de 1970, segundo Pochmann
(2000), no auge da expansão do emprego industrial, o Brasil che­
gou a possuir cerca de 20% do total dos empregos na indústria de
transformação, 20 anos depois, a indústria de transformação ab­
sorvia menos de 13% do total da ocupação nacional. Como re­
sultado do processo de reconversão econômica, registraram-se,
segundo o autor, ao longo dos anos 90, novas tendências nas
ocupações profissionais. Com “a mudança da dinâmica industrial
voltada para o mercado interno”, dada “a motivação dependente
de maior inserção competitiva externa, a economia nacional co­
meçou a conviver, pela primeira desde os anos 30, com perda
absoluta e relativa de postos de trabalho na indústria de manufa­
tura. Entre as décadas de 1980 e 1990, por exemplo, a economia
brasileira perdeu próximo a 1,5 milhões de empregos no setor de
manufatura”. (Pochmann (2000), idem).
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Anotações sobre o capitalismo recente e a reestruturação produtiva no Brasil
Paralelamente à retração do emprego industrial, entre as déca­
das de 1970 e 1990, os serviços aumentaram, em média, 50% sua
participação relativa na estrutura ocupacional, sendo em boa medi­
da direcionadas para o setor informal, que incorporou parcelas
expressivas de trabalhadores, sobretudo no comércio, comunica­
ções e transportes. Ainda segundo o autor: “Na década de 1990, os
serviços passaram a absorver mais postos de trabalho, sem com­
pensar, entretanto, a destruição dos empregos verificada tanto no
campo quanto na indústria. Atualmente, o aumento do desemprego
aberto reflete justamente a incapacidade da economia brasileira
para gerar expressivos postos de trabalho, não obstante o setor de
serviços continuar absorvendo uma parte dos trabalhadores que
anualmente ingressam no mercado de trabalho ou que são demiti­
das dos setores industrial e agro-pecuário”. (idem).
Se, em 1999, o Brasil estava em terceiro lugar em volume de
desemprego aberto, representando 5,61% do total do desemprego
global (sendo que sua população economicamente ativa represen­
tava 3,12% da PEA mundial), em 1986, esse índice encontrava-se
em 13° lugar no desemprego global, representando 2,75% da PEA
global e 1,68% do desemprego mundial. (Pochmann, 2000 e 2001).
Portanto, a partir dos anos 90, com a intensificação do processo
de reestruturação produtiva do capital no Brasil, sob a condução
política em conformidade com o ideário e a pragmática definidas
no Consenso de Washington e aqui seguidas pelos governos Collor
e FHC, presenciamos várias transformações, configurando uma
realidade que comporta tanto elementos de continuidade como de
descontinuidade em relação às fases anteriores. O que permite
supor que no estágio atual do capitalismo brasileiro combinam-se
processos de enorme enxugamento da força de trabalho, acrescido
às mutações sócio-tecnicas no processo produtivo e na organização
social do trabalho. A flexibilização, a desregulamentação, a tercei­
rização, as novas formas de gestão da força de trabalho etc., estão
presentes em grande intensidade, indicando que o se o fordismo
parece ainda dominante quando se olha o conjunto da estrutura
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produtiva industrial e de serviços no país, ele também mescla-se
com novos processos produtivos, conseqüência da liofilização
organizacional, dos mecanismos da acumulação flexível e das
práticas toyotistas que foram (parcialmente) assimiladas no setor
produtivo brasileiro.
Se é verdade que a baixa remuneração da força de trabalho que se caracteriza como elemento de atração para o fluxo de capital
externo produtivo em nosso país - pode se constituir, em alguma
medida, em alguns ramos produtivos, como elemento obstaculizador do avanço tecnológico em nosso país, devemos acrescentar,
por outro lado, que a combinação obtida através da superexploração da força de trabalho com padrões produtivos tecnologica­
mente mais avançados, constitui-se em elemento central, no verda­
deiro discreto charme do capitalismo brasileiro. Isto por que, para os
capitais (nacionais e transnacionais) produtivos, interessa a confluên­
cia entre força de trabalho "qualificada", “polivalente”, multifun­
cional”, preparada para operar com os equipamentos informacionais, percebendo, porém, salários bastante dilapidados, subremunerados, em patamares muito inferiores àqueles alcançados
pelos trabalhadores nas economias avançadas. E, vale acrescentar,
vivenciando condições de trabalho fortemente precarizadas. Vivenciando condições que se aproximam do avesso do trabalho.
*
*
*
Os textos seguintes, que compreendem este volume duplo da
Revista Idéias, em seu sentido polimorfo e multiforme, nos ofere­
cem um panorama presente nos diversos setores e ramos produti­
vos, que auxiliam na compreensão do desenho atual do capitalismo
brasileiro e de sua reestruturação produtiva, com um olhar atento
para as formas modernas (e pretéritas) de precarização do trabalho,
bem como fotografam, com bela sensibilidade, as formas cotidia­
nas da ação, resistência e rebeldia do trabalho, tanto nas cidades
como nos campos.
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Anotações sobre o capitalismo recente e a reestruturação produtiva no Brasil
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