NEON GENESIS EVANGELION: UMA CRÍTICA METALINGUÍSTICA João Pedro Balakdjian Boaventura – [email protected] Orientadora: Dra. Ines Manuel Minardi - [email protected] RESUMO Neon Genesis Evangelion é uma série animada japonesa em vinte e seis episódios exibida entre 1995 e 1996, amplamente conhecida devido ao seu final controverso, teor crítico e por desenvolver seu enredo a partir da mitologia judaico-cristã. Utilizando uma abordagem histórica, objetiva-se identificar o caráter crítico de Neon Genesis Evangelion em direção à sociedade da época e como tal série atuou de forma justamente inversa, reforçando os defeitos do público que tentava criticar. Por utilizar uma mídia cujo domínio está justamente sob a subcultura social que tenta criticar, Neon Genesis Evangelion pode ser considerada uma obra metalinguística. Palavras-chave: neon genesis evangelion, otaku, metalinguismo, crítica, audiovisual. INTRODUÇÃO Neon Genesis Evangelion (romanização do grego, νέο γένεση ευαγγέλιο, literalmente Evangelho da Nova Era) é uma série animada de ficção científica produzida no Japão. Consistindo em vinte e seis episódios que foram ao ar durante o período entre 1995 e 1996, Evangelion é amplamente conhecida devido ao seu final controverso e teor crítico. Evangelion é um animê. No Japão, animê (ou apenas anime, dependendo da romanização) é o nome dado à qualquer à qualquer forma de entretenimento animado, não importando seu gênero, arte ou local de origem. No ocidente é chamado de anime séries e filmes animados produzidos exclusivamente no Japão, sendo esta definição a que será usada a partir daqui. O animê, no oriente, tem um impacto cultural tão grande quanto seriados têm nos Estados Unidos ou as telenovelas possuem no Brasil. Fora do Japão, é um veículo que vem ganhando cada vez mais espaço, a julgar pela quantidade cada vez maior de mangás publicadas tanto no Brasil quanto no exterior ou pela influência do modelo de animação que vem sendo utilizado em filmes de ficção modernos, como Matrix (1999) ou em seriados animados infantis como Avatar: A Lenda de Aang (2005) e sua sequência, Avatar: A Lenda de Korra. (2012). 1 O mangá é também uma importante peça integrante da indústria cultural japonesa. Assim como o animê é o termo usado lá para qualquer animação, de qualquer origem, o mangá é o termo usado para qualquer história em quadrinhos. No ocidente o mangá é caracterizado como o estilo oriental de se fazer história em quadrinhos, caracterizado principalmente pela anatomia realista e a presença de olhos grandes e brilhantes. Os olhos recebem tamanho destaque por definirem não só o emocional do personagem em questão, mas também suas atitudes e personalidade. Costuma-se dizer que o animê e o mangá andam de mãos dadas na indústria cultural de massa japonesa. É bastante comum que um mangá de sucesso ganhe uma adaptação animada em animê. Este, contudo, não foi o caso de Neon Genesis Evangelion. NGE foi inicialmente um anime produzido pelo estúdio Gainax e dirigida por Hideaki Anno, o principal idealizador da obra. Só depois de alcançar certo sucesso comercial que a franquia migrou para outros veículos de comunicação, como o mangá. Neon Genesis Evangelion, apesar de disfarçado de um produto mercadológico, apresenta características sociais similares à do jornalismo, como a de informar a sociedade à sua volta. A mídia é “a principal ligação entre os acontecimentos no mundo e as imagens que as pessoas têm na cabeça acerca desses acontecimentos” (Traquina, 2005: 15). Neon Genesis Evangelion então tem seu caráter social e informativo. NGE é uma crítica à sociedade moderna que se encontra em declínio. Primeiro, à sociedade asiática decorrente da crise econômica que abalou o Japão na década de 90, em seguida, ao declínio da sociedade moderna em escala global. Ambas as críticas mantêm-se até os dias de hoje. ENREDO Segundo o conceito do monomito, Neon Genesis Evangelion começa apresentando o mundo comum do protagonista. Assim, somos apresentados a uma realidade distópica e alternativa no ano de 2015. Em 2000 havia ocorrido a catástrofe conhecida como Segundo Impacto, um desastre causado por entidades denominadas de Anjos e que eliminou metade da vida no planeta Terra. Prevendo novos desastres, uma organização chamada NERV foi criada para impedir novos cataclismos (o que seria cunhado de Terceiro Impacto) causados por Anjos. Neon Genesis Evangelion apresenta o protagonista Shinji Ikari chegando à cidade Tóquio-3 durante um ataque de um Anjo. Ele é recepcionado por Misato Katsuragi, sua 2 mentora e levado à NERV. Shinji havia chegado à cidade porque fora intimado por seu pai - o comandante máximo da organização - Gendo Ikari, a ser um piloto de um Evangelion - robô gigante criado a partir dos Anjos para combater as ameaças de Anjos. Shinji, que não se dá bem com o seu pai por tê-lo abandonado na casa de parentes quando era criança, recusa a proposta. Nesse instante, Rei Ayanami é chamada para substituí-lo. Rei é a chamada Primeira Criança (Shinji seria a Terceira Criança e Asuka Langley, apresentada posteriormente, a segunda). Rei aparece ferida e em estado crítico, cheia de ataduras pelo corpo. Tais ferimentos foram causados por um teste que ela havia realizado com o Evangelion anteriormente e que havia dado errado. Shinji então não consegue permitir que alguém naquele estado realize um trabalho tão perigoso e, querendo proteger Rei, aceita seu papel como piloto, entra no Evangelion Unidade 01 e derrota o terceiro dos Anjos, Sachiel. Os dois primeiros são Adão e Lilith, os responsáveis pelos Segundo e Primeiro impacto, respectivamente. Aqui vemos mais passagens do Monomito (ou Jornada do Herói). A aparição do Anjo é o chamado à aventura, sequenciado pela recusa do herói – Shinji recusa pilotar o Evangelion, contudo é arrastado ao seu destino pela súbita aparição de Rei Ayanami. Nota-se também o papel de Misato Katsuragi como mentora. Além de ser sua superiora na NERV, Misato também passa a ser a responsável legal por Shinji. A primeira vez que entra no Evangelion também pode ser considerada como a passagem do cruzamento pelo primeiro portal. Apesar de toda essa responsabilidade sobre seus ombros, Shinji é ainda um adolescente de quatorze anos e, como todo jovem nessa idade, tem entre seus deveres, ir à escola onde conhece Toji Suzuhara e Kensuke Aida. Apesar de Kensuke mostrar uma atitude amigável diante de Shinji, achando interessante o fato dele ser o piloto do Evangelion, Toji fica furioso ao descobrir que o piloto é Shinji. Ele coloca que a destruição causada na batalha de Shinji contra o Anjo Sachiel deixou sua irmã gravemente ferida. Toji, com ódio profundo de Shinji passa a fazer da vida de Shinji um inferno, até que três semanas depois da luta contra Sachiel, surge invadindo a cidade o Anjo denominado de Samshel. Shinji então é novamente designado piloto da Unidade 01 enquanto os civis deveriam se proteger nos abrigos. Curiosos, Toji e Kensuke decidem fugir dos abrigos para assistir à batalha. Quando começam a correr algum perigo, são resgatados por Shinji, que os convida a entrar na cabine do Evangelion, salvando suas vidas. O Quarto anjo, Samshel, é 3 derrotado. A partir deste acontecimento, Toji e Kensuke passam a ser os melhores amigos de Shinji. A batalha contra Samshel acaba levando Shinji ao seu limite mental. Estressado, sua personalidade antipática, insegura e depressiva começa a se mostrar, discutindo com Misato e questionando-se como piloto do Evangelion decide fugir de casa. Ao ser reencontrado, Shinji é levado sob custódia até a NERV e decide desistir de ser o piloto. Quando estava prestes a entrar no trem e partir de Tóquio-3, é impedido por Misato que o convence a ficar com o argumento de que, é melhor viver com alguém que realmente se importe com os outros à sua volta e que mesmo discordando por vezes entre si, uma família não é necessariamente determinada por laços sanguíneos. Aqui encontramos a Jornada do Herói especificamente na passagem conhecida como Barriga da Baleia, onde o protagonista enfrenta vários testes e provações, psicológicas ou físicas. Um ponto digno de ser ressaltado é que Misato, como mentora, ao ir atrás de Shinji até a estação de trem, age dentro dos padrões do monomito. Os acontecimentos seguintes de Neon Genesis Evangelion passam a focar em Rei Ayanami, a garota que é colega de Shinji na NERV e na escola. Rei é apresentada como uma garota reservada, mas, ao contrário de Shinji, não é depressiva. A pilota do Evangelion Unidade 00 não demonstra emoção alguma. Mantém-se sempre fria e imparcial aos acontecimentos à sua volta. Acredita que sua existência é apenas para pilotar o Evangelion. Nesse período, Shinji tenta conhecer a pilota da Unidade 00. Ele percebe que a única pessoa em quem Rei confia é Gendo Ikari. Existe uma passagem em que Shinji precisa levar o cartão de identificação da NERV à Rei em seu apartamento e encontra nua, saindo do banho. Shinji fica constrangido, mas Rei não demonstra nenhuma reação, apenas pede para que ele saia. A primeira batalha de Rei Ayanami na série se dá contra o quinto Anjo. Ramiel é um anjo cuja carapaça só pôde ser perfurada com uma arma que reúne a energia de todo o país, concentrada num único tiro. Nessa luta, Rei é salva por Shinji e a garota passa finalmente a confiar em alguém que não seja Gendo. O sexto Anjo é Gaghiel e surge atacando um encouraçado que carregava o Evangelion Unidade 02, além de Asuka Langley – a segunda criança – e Ryoji Kaji como passageiros. Asuka surge em ação e derrota o Anjo sozinha, utilizando seu Evangelion. A garota alemã é 4 cabeça dura e autointitulada um gênio por já ter terminado a universidade, mas para os adultos, passa sempre a imagem de uma dama educada e frágil. Shinji é quem mais sofre ao conhecê-la, pois é feito de capacho pela garota. Ele, que não expõe seus (muitos) problemas, não se queixa porque sabia que não surtiria nenhum efeito. Shinji acaba sendo o confidente de Asuka. Mesmo sendo grosseira com o garoto, ela sabe que ele é a única pessoa que vai ouví-la. A moça então desabafa, contando sua história de vida: Fruto de uma inseminação artificial entre um cientista renomado americano e uma alemã da mais alta classe social, Asuka é uma criança cuja concepção já é especial, por isso é orgulhosa e cobra muito de si mesma. Válido ressaltar que a garota é a responsável por arrastar Shinji em algum diálogo sexual. Ryoji Kaji não veio apenas para escoltar Asuka da Alemanha até o Japão. Seu dever era trazer a forma embrionária de Adão, até então sob sua jurisdição, ao Japão, mais especificamente, à Gendo. Os episódios seguintes se desenrolam com Shinji, Asuka e Rei combatendo os vários Anjos que vieram em seguida. Entre os acontecimentos de maior importância são a revelação da existência da Seele, uma organização acima da NERV, composta por um conselho de cinco anciões que moldam o mundo à sua maneira, similar ao conceito apresentado por diversas teorias conspiratórias envolvendo os Illuminati. Outro acontecimento é o assassinato de Ryoji Kaji, descoberto como traidor da NERV. A quarta criança é revelada como sendo Toji Suzuhara, colega de classe de Shinji, que ao testar pela primeira vez o Evengelion Unidade 03 sofre um acidente e acaba sendo morto. Durante esse período de desenrolar do série, os Anjos mortos foram Israfel, Sandalphon, Matariel, Sahaquiel, Iruel, Leliel, Bardiel e Zeruel. Somos apresentados também ao plano de instrumentalidade humana da Seele que visa criar um mundo perfeito onde todos seriam uma só entidade. O início da queda psicológica dos personagens começa a se dar na luta contra o décimo quinto Anjo, Arael. Asuka já havia falhado várias vezes nos últimos confrontos e foi mandada à luta apenas como apoio contra Arael. Inconformada, ela ignora as ordens de Misato, sua superior e ataca o Anjo – que estava flutuando acima da camada de ozônio – com tiros de forma inconsequente. O Anjo contra-ataca com um raio que afeta o psicológico de Asuka, deixando-a em estado de catatonia irrecuperável. Arael é morto por Rei ao ser perfurado pela Lança de Longinus que permanecia guardada no subsolo do QG da NERV. A lança aterrissa na Lua e é classificada como objeto irrecuperável. 5 O próximo Anjo é Armisael. O décimo-sexto Anjo é morto por Shinji Ikari, mas não antes de destruir o Evangelion unidade 00 e supostamente matar sua pilot. Rei Ayanami volta após um tempo, alegando ter passado por uma experiência de quase-morte e ainda estar se recuperando. Rei aparentava ter mudado. Ela que havia se tornado um pouco mais calorosa e receptiva ao longo da série, voltou ao seu estado inicial, quando só confiava em Gendo Ikari. Nesse meio tempo, como Asuka havia sido diagnosticada como inválida para pilotar o Evangelion, Kaworu Nagisa é trazido para ser o novo piloto do Evangelion Unidade 02. O garoto não possui nenhum registro ou histórico relacionado. Sabe-se apenas que é um enviado da própria Seele para realizar a função de piloto. Em determinado momento, Kaworu rouba a Unidade 02 e segue em direção ao subsolo do QG da NERV, atrás de Adão. Ele se revela como sendo Tabris, o décimo sétimo e último Anjo, o único que veio na humana. O objetivo de um Anjo seria fundir-se com o primeiro Anjo, Adão e então provocar o terceiro impacto, erradicando a vida na Terra. Ao chegar no subsolo, Kaworu/Tabris descobre que não é Adão o Anjo mantido no subsolo da NERV e sim, Lilith, o segundo Anjo. Frustrado, ele se entrega a Shinji que depois de muito hesitar - por não querer tirar a vida de alguém com forma humana – acaba matá-lo. Após este acontecimento, Shinji é levado ao subsolo da NERV e descobre que Rei Ayanami é um ser-humano artificial. Os restos mortais da mãe de Shinji, morta num acidente há muitos anos, havia servido de base para o corpo de Rei, enquanto sua alma é a alma de Lilith, o segundo Anjo. Rei foi supostamente criada como uma das peças-chave do plano de instrumentalidade. Entra-se agora no motivo de Evangelion ser considerado controverso: Sem concluir o enredo construído ao longo da série, o autor, Hideaki Anno, prefere colocar Shinji sentado sozinho, refletindo sobre sua vida até atingir um estado de realização descrito por Nietzsche como o super-humano. O enredo é interrompido apenas para focar-se em Shinji e terminar sua crítica metalinguística. O METALINGUÍSMO CRÍTICO DE EVANGELION Neon Genesis Evangelion foca-se em criticar, através de metáforas, a sociedade em depressão na década de 90 causada pela crise econômica. De acordo com o economista Ernani Teixeira Torres Filho, o período entre 1953 e 1992 foi um período de crescimento que colocou o Japão entre os países mais industrializados do mundo, apesar de ter passado por 6 duas crises do petróleo e o endaka - fenômeno que colocava o iene diretamente contra o dólar. Quando entraram na década de noventa, a economia japonesa estagnou. A chamada bolha econômica estoura. Além do prejuízo de oitocentos bilhões de dólares para os bancos, a sociedade também foi afetada. Esse período é conhecido também por ser a ascensão da subcultura conhecida como Otaku. Apesar de hoje ser um termo usado no ocidente para designar algum entusiasta da indústria cultural japonesa, no Japão é um termo pejorativo, cunhado para designar os jovens que, devido ao mercado japonês em recessão, decidem viver em seu próprio mundo de forma passiva. Não impõem respeito e não ligam às anomalias sociais a sua volta, além de emocionalmente instáveis. Outro ponto importante é que otakus não sociabilizam com outros indivíduos. À primeira vista, coloca-se Shinji como a representação de otaku por ser recluso e antipático. Shinji, contudo, é considerado uma crítica direta à chamada geração herbívora, os soshoku-danshi. Tal subcultura é conhecida por ser avessa à sexualidade e estão sempre satisfeitos com o que têm. Preferem viver de forma acomodada (com a mãe, sem se importarem sequer em dividir o mesmo banheiro) e consumista. Shinji vive com Misato, sua mentora (dividindo o mesmo banheiro) e prefere se isolar do mundo ligado ao seu Walkman, um avanço tecnológico decorrente do capitalismo. Acima de tudo, Shinji, como herbívoro, é avesso a mudanças. Asuka é a representação do arquétipo conhecido como tsundere. Uma tsundere é caracterizada pela personalidade forte e orgulhosa que muitas vezes não gosta de ser contrariada. No interior, porém, é uma menina fraca e doce que precisa ser amparada. Os soshoku-danshi que são acomodados e que não saem atrás de relacionamentos com o sexo oposto, bem como a subcultura otaku tem uma fixação por tsundere. Devido às diversas frustrações no campo amoroso, eles passaram a preferir que os procuram justamente quando são ignoradas. Tal fenômeno é bastante explícito nas cafeterias tsunderes em que uma garçonete inicialmente rude muda o comportamento quando o cliente ameaça se retirar. Asuka então é um arquétipo criado justamente para que os herbívoros e os otakus percebam sua decadência. Rei Ayanami é uma boneca que interage age de acordo com quem brinca com ela. Rei é a boneca uma boneca de Gendo Ikari. Ele que representa a subcultura do otaku em Neon Genesis Evangelion. O jovem otaku é alguém que sonha com um mundo próprio, que faz da ficção seu mundo real. Existe um fenômeno que acontece em sites de relacionamento dos 7 próprios otakus em que eles escolhem uma personagem fictícia de um animê ou mangá e as chamam de waifu. Uma é uma pronúncia japonesa da palavra inglesa wife, esposa, em português e Rei não passa de uma waifu para Gendo. Uma mulher que age da maneira que ele quer, como uma marionete. Tal metáfora pode ser reforçada pelo fato de Rei Ayanami ser baseada justamente nos restos mortais da esposa de Gendo. Ele também iria contrariar a Seele que pretendia realizar o projeto de instrumentalidade humana. Em vez da Seele criar o mundo perfeito dela, era Gendo quem iria criar o mundo perfeito dele, assim como a subcultura otaku se enclausura em seu próprio mundo. Neon Genesis Evangelion, apesar de ser uma série fictícia, critica a realidade de forma radical e demonstra visão similar à da cultura jornalística ao reproduzir a realidade. Hideaki Anno integrou a comunidade interpretativa ao desenvolver Neon Genesis Evangelion. Uma comunidade interpretativa é “um grupo unido pelas interpretações partilhadas da realidade” (Hymes, 1980: 2) e, assim como a tribo jornalística, possui “‘lentes’ especiais que veem certas coisas” e de “forma especial porque as veem” (Bourdieu, 1998: 19). Em outras palavras, Anno conseguiu perceber dentro da própria sociedade os defeitos para então criticá-los. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar dos esforços do autor em criticar a decadência da sociedade japonesa, Evangelion acabou virando um produto de reverência da subcultura otaku. Neon Genesis Evangelion tornou-se um produto capitalista que deu origem à diversos longa-metragens de cunho mercadológico, bem como sua adaptação em quadrinhos e uma gama imensa de produtos licenciados. Mais do que isso, a sociedade não atingiu a catarse que Anno pretendia. Em vez disso, fechou-se ainda mais. A indústria cultural japonesa se utiliza cada vez mais do arquétipo de protagonistas masculinos soshoku-danshi como Shinji e de protagonistas femininas tsundere como Asuka. O público otaku/soshoku-danshi identifica-se com eles e o ciclo de consumo tornou-se cada vez maior. A indústria de animês e mangás que era uma indústria criativa e positivista, com protagonistas heroicos como Son Goku, de Dragon Ball (1984), Seiya de Saint Seiya (1986), Kenshiro de Hokuto no Ken (1983) e Jonathan Joestar de Jojo’s Bizarre Adventure (1986) deu origem à uma indústria monótona e repetitiva, feita para atender às exigências do público que se identificam com protagonistas depressivos e niilistas como 8 Shinji Ikari. Atualmente, anda em alta a cultura moe, garotas ingênuas e frágeis de aparência graciosa como Rei Ayanami. A indústria também passou a fazer séries utilizando a mesma estrutura de Evangelion, tentando aparentemente passar alguma mensagem filosófica e crítica, mas que não passa de mais um produto mercadológico. Eureka Seven (2005) e sua continuação, Eureka Seven AO (2012), RahXephon (2002), Fafner in the Azure (2004), Guilty Crown (2011), Code Geass (2006) são alguns exemplos. Neon Genesis Evangelion é, portanto, considerada uma crítica metalinguística por se utilizar de uma das principais mídias otakus para criticá-los e que acabou ironicamente se tornando um produto de sua reverência. Apesar de suas intenções serem as melhores, acabou falhando em tentar consertar a sociedade japonesa cujos defeitos já se espalharam por todo o mundo, com jovens que se fecham num mundo virtual e se esquecem de viver no real. Apesar de tudo, Neon Genesis Evangelion foi o responsável por ser um divisor de águas em toda indústria cultural japonesa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 1990. BOURDIEU, Pierre. On Television. Nova Iorque: The New Press, 1998. CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Pensamento, 2007. Curso completo de Mangá. São Paulo: Editora Escala, 2005. HYMES, Dell Hathaway. Funcions of Speech. Washington, DC: Center for Applied Linguistics, 1980. NEON Genesis Evangelion. Direção: Hideaki Anno. Roteiro: Hideaki Anno. Produção: Hiroyuki Yamaga e Noriko Kobayashi. Tóquio: Gainax Company, Limited e Tatsunoko Production Co., Ltd., 1995. 9 MESMER, Philippe. No Japão, os "herbívoros" enterram a moda dos machões viris e dominadores. Tóquio, 25 set. 2009. Disponível em: <http://wap.noticias.uol.com.br/ midiaglobal/lemonde/2009/09/25/no-japao-os-herbivoros-enterram-a-moda-dos-machoesviris-e-dominadores.htm>. Acesso em 14 out. 2012. SADAMOTO, Yoshiyuki. Neon Genesis Evangelion. Trad. Drik Sada. São Paulo: Japan brazil Communication, 2011. SOARES, Alexandre Ferreira. Neon Genesis Evangelion: O Cavaleiro do Apocalipse. Rio de Janeiro, 17 jan. 2010. Disponível em: <http://interney.net/blogs2/maximumcosmo/2010/01/17 /neon-genesis-evangelion-o-cavaleiro-do-apocalipse/>. Acesso em: 15 out. 2012. TORRES Filho, Ernani T. A crise da economia japonesa nos anos 1990: impactos da bolha especulativa. Revista de Economia Política. São Paulo, vol. 17, nº 1(65), jan, 1997. 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