Petrópolis: Tradição e Progresso nos Trabalhos de Memória
Jaqueline Vieira de Aguiar - Mauro Fernandes dos Santos
Resenha
Petrópolis:
Tradição e Progresso nos Trabalhos de Memória
LIMA, Patrícia Ferreira de Souza. Dissertação de Mestrado. Departamento de História
da PUC-Rio. 2001, 109p.
Jaqueline Vieira de Aguiar
Mestranda em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis
– UCP, Graduada em História (MSB, 2002) e Professora do Colégio
Estadual Presidente Dutra – RJ
Mauro Fernandes dos Santos
Mestrando em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis
– UCP, Graduado em Ciências Sociais (UFRJ, 1992) e Professor do
Colégio Estadual Presidente Dutra – RJ
A dissertação de mestrado intitulada Petrópolis: tradição e progresso nos trabalhos de
memória de autoria da historiadora Patrícia Ferreira de Souza Lima, nos convida a viajar
pelo tempo e conhecer Petrópolis: a cidade do Imperador D.Pedro II. De forma criativa,
ela compara sua investigação histórica aos bordados tecidos pela personagem de Marina
Colassanti. Se no conto, a moça tecelã escolhe os fios que quer tecer deixando outros
de fora, o mesmo acontece com o ofício do historiador(a), onde alguns monumentos
históricos podem ou não fazer parte dos trabalhos da memória da cidade de Petrópolis.
Embora a dissertação tenha sido defendida no início do século, seu conteúdo está além
dos viés? temporais, merecendo, assim, uma releitura dessa produção acadêmica tão
pouco divulgada. Patrícia Lima possui doutorado em História Social pela UFRJ (2006) e
atualmente opera como pesquisadora de produtoras culturais.
A dissertação divide-se em três partes. A primeira é intitulada Progresso e Tradição:
o Risco do bordado. Ao escolher as três linhas, ou melhor, os três palácios: o do Paço
Imperial, o Palácio de Cristal e o Palácio Rio Negro, a autora alinhavou, dentre outras
possibilidades, como a cidade de Pedro1 nasceu e cresceu produzindo ícones e valores
numa dialética aparentemente contraditória entre progresso e tradição.
A Rua do Imperador foi o primeiro fio dessa trama. Inicialmente ela era de terra batida
e poucos estabelecimentos haviam sido construídos na primeira década da cidade,
na metade do século XIX. Bem diferente do burburinho da rua do Ouvidor, no Rio de
1
Nome utilizado pela autora para designar a cidade de Petrópolis.
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Janeiro, lugar preferido da “boa sociedade carioca”. O rio que corre ao longo da Rua do
Imperador era cruzado por seis pontes de madeira, as quais somadas ao clima ameno
da serra, aos bons hotéis e aos bailes, produziam o padrão de civilidade que a Europa
pautava para o Brasil.
Mas, no ano de 1889, a Rua do Imperador passa a se chamar Avenida XV de Novembro
devido à mudança no cenário político. O objetivo era que ela representasse os novos
valores do progresso e da República, o que não aconteceu, pois o imaginário popular
continuou se referindo ao seu antigo nome, Rua do Imperador.
E Petrópolis estava fadada a se tornar um dos mais significativos ícones do Imperador e,
“assim como não há monarca sem corte, não há rei sem palácios.”(p.22). Ao se iniciar a
construção do Paço Imperial, passa a fazer parte da cidade, toda uma atmosfera propícia
à vida requintada da corte. A mesma, juntamente com a família Imperial dirigia-se para
Petrópolis nos meses de calor, passando a maior parte do tempo no Paço Imperial.
D. Pedro II queria aliar à monarquia as conquistas da ciência e da técnica do seu tempo, o
que propiciou a construção de estradas de ferro e de fábricas, em particular, as de tecido.
Nesse contexto, a cidade de Pedro cresce rapidamente com a idéia de progresso pautando
a história da segunda metade do século XIX. Os valores da tradição não desaparecem
por completo e o desejo de ser um país igual aos da Europa esbarrava na questão da
escravidão. Logo, não é por acaso que a cidade é identificada com a colonização alemã
e se mascarava a existência de escravos, conforme a frase “aqui não lavra a terra o
miserando cativo, sem o menor lenitivo regando-a com seu suor!”(p.27)
A terra era lavrada pelos primeiros imigrantes alemães que chegaram à cidade de Pedro.
O valor positivo do trabalho seguia as leis do progresso e, em Petrópolis, a libertação dos
escravos aconteceu um mês antes, na data de 1º de abril de 1888, pela princesa Isabel.
Porém, nenhum outro ícone simbolizou tanto a idéia de progresso quanto um palácio
transparente de ferro e vidro construído na segunda metade do século XIX, o Palácio de
Cristal.
Com o advento da República, a parir de 1889, os presidentes retomam a cultura de no
verão subir a serra e de lá fazer seus despachos. O Palácio Rio Negro é o escolhido pelo
presidente Campos Sales, e a percepção aguçada da autora, ressalta que essa reapropriação
dos símbolos do Brasil Império sob o sistema monárquico, agora não mais representa o
progresso, mas sim, a tradição.
A segunda parte da dissertação recebeu o título Cidade Sazonal: o Ritmo do Tear. Patrícia
Lima dá ênfase ao cotidiano da cidade e as suas relações sociais, às vezes harmoniosas,
às vezes conflituosas entre os moradores permanentes da cidade e seus ilustres visitantes
de verão.
As exposições que aconteciam no mundo todo, assim como em Petrópolis, tinham o
objetivo de celebrar o progresso. E como não havia grandes artefatos industrializados
para expor, o Palácio de Cristal era o palco ideal para feiras. As exposições de flores,
frutos e hortaliças eram as marcas de desenvolvimento brasileiras, e a escolha da cidade
de Petrópolis era o palco ideal para expor a nossa civilidade. Mas, além da vocação
agrícola havia também uma vocação para festas, os bailes passam a ser um atrativo a mais
para receber os visitantes e o Palácio de Cristal se torna um local de exposições, festas,
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concertos e acontecimentos importantes da época.
O Rio de Janeiro decididamente é o termômetro de Petrópolis. (...) Á medida
que o calor aumenta, o movimento da locomoção da corte a esta cidade acelerase e já hoje contamos grande número de pessoas que aqui vem residir durante
o verão. (...) As casas são raras, os hotéis enchem- se e brevemente não haverá
espaço para tanta gente. (p.47).
Isso porque o clima ameno da cidade de Pedro começou a atrair também muita gente com
problemas respiratórios, febres, nevralgias, etc. E a demanda por banho medicinal deve
ter crescido em função das epidemias na corte. As estimativas indicam que entre 1849
e 1850, mais de um terço da população do Rio contraiu febre amarela. Logo, Petrópolis
era o refúgio ideal para a “boa sociedade”, pois, naquela altitude, o mosquito da febre não
sobrevivia.
Os vários fatores que atraíam a boa sociedade carioca para a cidade serrana durante
o verão tornavam Petrópolis uma cidade sazonal, o que requeria bons hotéis. Neles
passaram a se realizar as grandes festas e bailes da cidade Imperial. E mesmo depois
no período republicano, inclusive os presidentes, ressignificaram esse costume. Isso
porque “a construção de uma cidade ocorre pela circularidade entre os cidadãos comuns
e aqueles que enriquecem as representações de qualquer cidade.”(p.66). O bordado de
Petrópolis foi tecido pelos cidadãos residentes, pelos visitantes da corte Imperial e pelos
presidentes da República que imprimiram as cores das suas representações simbólicas.
Na terceira parte intitulada como Os palácios da memória: trama de leituras a autora
aprofunda a investigação de três construções consideradas marcas simbólicas na memória
de Petrópolis. São elas: o Museu Imperial de Petrópolis, o Palácio de Cristal e o Palácio
Rio Negro. Para Patrícia Lima, “diversos são os olhares que podem ser lançados (...)
para desvendar as intenções originais das construções urbanas e as diferentes formas de
representação desse espaço.” (p.69). Compreender o papel desses palacetes em Petrópolis
tanto na época do Império como na República, é entender de que forma se encontram as
idéias de tradição e de progresso no imaginário da então cidade de Pedro.
Numa alusão ao conto A moça tecelã2, a autora começa a tecer fio a fio a partir de fontes
históricas os diversos significados apreendidos pelos monumentos históricos.
O primeiro documento-monumento3 a ser tecido é o Paço Imperial. A importância desse
espaço de memória surge justamente quando ele se torna, a partir de 1846, a residência
de veraneio da família Imperial, o que se dá até o ano de 1889, quando do Brasil a família
é banida devido à proclamação da República. Em seguida, o Paço passa a desempenhar
outra função, a educacional, pois lá se instalam três instituições: O Colégio Notre Dame
de Sion de 1892 a 1898, o Colégio São Vicente de Paulo que por lá permanece por trinta
anos, até finalmente o espaço se transformar no Museu Imperial de hoje, fato que ocorre
somente na Era Vargas por intervenção do presidente da República.
2
Conto de Marina Colasanti.
3
Conceito utilizado pelo historiador Jacques Le Goff.
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O idealizador do Museu Imperial foi Alcindo Sodré, um ex-aluno do Colégio São Vicente
de Paulo. Na ocasião, ele era diretor do Museu Histórico de Petrópolis cuja sede ficava
no Palácio de Cristal. Ao transferir o acervo, o diretor se empenha para imortalizar na
exposição permanente do Museu “a figura do imperador sábio, do filósofo, do iluminado
pai de família.” (p.78).
Ao descrever o Paço Imperial, atual Museu Imperial, Patrícia Lima mais uma vez recorre
a literatura e se apropria de Cláudio, personagem de 7cartas e dois sonhos criado pela
autora Lygia Bojunga Nunes. Segundo a autora, se Cláudio entrasse no Museu Imperial
hoje, não entenderia o porquê da existência de objetos como os de Pedro Augusto ( neto
de Pedro II),se o mesmo não morou no então Paço Imperial onde os Braganças passavam
os períodos de veraneio. Assim por diante, muitos outros objetos seriam questionados
pelo personagem.
“Ao se optar por enaltecer a vida de um homem – no caso o imperador Pedro II - o projeto
estadonovista4 pretende estabelecer um tipo de continuidade entre ele e o presidente
Vargas: os dois mitos ‘eleitos’ pela nação e pela história. Uma dupla criação.” (p.79).
Ao tomar conhecimento disto, o personagem Cláudio certamente entenderia que os
“objetos [dispostos] funcionam como ‘paradigmas visuais’ que recriam simbolicamente
a ordem do mundo e o espaço do exercício do poder. Podendo ser considerado um teatro
da memória.” (p.80).
Para Patrícia Lima “se, (...) objetos e práticas não estão nos devidos lugares de origem,
querer emprestar um pouco de som e vida a sala de música de D. Pedro II é reforçar a
função do Museu Imperial [o] emblema da atual memória monárquica...” (p.81).
O Palácio de Cristal, também construído no século XIX, era usado para exposições de
horticultura, festas e demais eventos. Naquele contexto, ele chamava a atenção por ser
constituído de vidro e metal. Era a própria marca do progresso. Com a chegada da República,
ele é esquecido, mas com o tempo foi ressignificado como espaço de memória.
Durante o século XX o Palácio de Cristal abrigou algumas instituições. Entre elas
podemos ressaltar o Clube dos Diários, o Automóvel Clube de Petrópolis, o Liceu de
Artes e Ofícios, o Museu Histórico de Petrópolis, a Escola de Música Santa Cecília e
o Quartel de Bombeiros da cidade. Somente em 1957, ano do centenário da cidade, ele
passa por sua primeira reforma. Não mais para celebrar o progresso, mas a tradição de
sua história.
“Nessa altura, o Palácio dos esplendorosos saraus do Império já não era de cristal: o
telhado passou a ser de zinco e o translúcido cristal da Boêmia, das paredes, substituído
por vidro comum ou por tijolos.” (p.84). Segundo Patrícia Lima, apesar do palácio ter
perdido “muito do esplendor de seus bailes na época da Monarquia, (...) continua sendo
um marco da memória petropolitana e sua função ainda se expressa nos concertos e
eventuais exposições...” (p.84).
4
Período entre 1937 e 1945 denominado Estado Novo, cujo presidente da República era Getúlio Vargas.
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O terceiro Palácio da memória destacado por nossa autora chama-se Rio Negro, numa
homenagem ao seu primeiro proprietário, o Barão do Rio Negro. Em 1896, esse Palácio
foi adquirido pelo governo do Estado do Rio de Janeiro. Na ocasião, a cidade transformada
em capital do Império, há dois anos, passou a ser residência dos presidentes de províncias
até nova transferência da capital para a cidade de Niterói em 1903. A partir disso, o
Palácio fora hipotecado pelo governo estadual ao Banco da República.
No governo de Rodrigues Alves, os despachos coletivos dos presidentes da República
passaram a se realizar naquele espaço durante a alta estação. Segundo nossa autora, “o
Rio Negro desempenhou uma função marcante desde o início do período republicano:
afirmar continuidades e descontinuidades entre os dois regimes políticos nos verões da
cidade”. (p.86).
No ano de 1938, o Palácio é ampliado com a compra de um prédio ao lado. O hábito
por parte dos presidentes de se hospedar naquele lugar permanece até 1960 quando a
capital do Brasil passa a ser Brasília. Mas, após esse período, o Palácio volta a abrigar
dois presidentes da República, são eles: o Marechal Costa e Silva em 1969 e Fernando
Henrique Cardoso nos anos de 1996 e 1997.
A autora chama a atenção para dois projetos de revitalização da cidade de Petrópolis. Um
iniciado em 1957 a partir do centenário da cidade e um outro de maior proporção iniciado
em 1997 denominado Programa de Valorização do Centro Histórico, conhecido como
Pró-Centro. Mesmo que a reforma urbana tenha se concentrado na rua do Imperador, seus
palácios foram os primeiros monumentos a serem restaurados. O mesmo não aconteceu
com outros espaços históricos. Segundo Patrícia Lima,
Se, por um lado , temos palácios da memória, por outro, temos estradas de
silêncio. A presença das fábricas e estradas construídas ainda no final do século
XIX está apagada do projeto Pró-Centro. Com isso, não são hoje ‘lugares de
memória’ assim como foram motivo de orgulho para a ‘boa sociedade’ no
último quartel do século XIX. Hoje, pelo contrário, o projeto de revitalização
fixa outros referenciais a que a memória da cidade se deve ancorar. As antigas
autovias e ferrovias e as velhas fábricas não vêm merecendo o mesmo cuidado
e atenção que os palácios, que são restaurados e pretendem ser o cartão postal
da cidade. (p.91).
Analisando a dissertação realizada por Patrícia Lima foi possível perceber que se trata de
uma pesquisa histórica e segue a linha da História Social da Cultura. O problema está
claramente definido. O objetivo da autora é demonstrar a relação existente entre conceitos
aparentemente contraditórios como progresso e tradição na memória de Petrópolis.
No Referencial Teórico, estão explícitos os pensamentos e concepções de autores
como Bosi, Argan, Le Goff e Nora. O procedimento utilizado para a geração dos dados
contou com uma vasta revisão de literatura e análise de documentos, tendo o documentomonumento como principal objeto. Entre as fontes utilizadas na pesquisa encontram-se
leis e periódicos dos séculos XIX e XX. Visando a busca de dados, foram pesquisados os
seguintes arquivos: Arquivo Nacional, Fundação Biblioteca Nacional, Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro, Museu Histórico Nacional e Museu Imperial de Petrópolis.
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A conclusão reflete as hipóteses iniciais na medida em que os ícones escolhidos para
representar o progresso na Monarquia foram os mesmos utilizados na República
como símbolo de tradição. Entretanto, diferentes leituras podem ser feitas com outros
monumentos históricos não contemplados pela autora e nem pelo projeto de revitalização
iniciado no século XX. Como, por exemplo, a estrada de ferro, as indústrias, outros
palácios e casarões que também podem contar a história de Petrópolis a partir de tantos
outros pontos de vista.
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