X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
DE ONDE VEM O VAI 1?
Isabel Cristina Rabelo Gomes
Universidade Federal do Espírito Santo
[email protected]
Thiarla Xavier Dal-Cin Zanon
Universidade Federal do Espírito Santo
[email protected]
Resumo: A finalidade deste minicurso é proporcionar aos professores experiência com um
recurso que faz a mediação entre o conhecimento e a aprendizagem. É o Jogo do Nunca,
em que a interação ativa com material manipulável cria situações de trocas que, ao serem
comparadas entre si, permitirão compreender melhor as regras que estruturam o Sistema de
Numeração Decimal e as operações aritméticas fundamentais, com reserva. O minicurso se
constituirá em um espaço de reflexão sobre práticas docentes relacionadas ao
conhecimento das características do Sistema de Numeração Decimal, bem como sobre a
metodologia de ensino e aprendizagem de matemática nas séries iniciais do Ensino
Fundamental. A dinâmica utilizada possibilitará que os envolvidos simulem situações reais
e estabeleçam critérios de trocas baseados em agrupamento e valor posicional para diversas
bases, incluindo a base 10. Espera-se que ao final das atividades os participantes possam
compreender melhor o significado da expressão “vai 1” e possam criar situações em que
seus próprios alunos possam responder à pergunta que frequentemente formulam:
“Professora, vai 1?”
Palavras-chave: Sistema de numeração decimal; Operações com reserva; Jogo do nunca;
Matemática nos anos iniciais.
Introdução
Inúmeras vezes presenciamos em nossa prática de sala de aula, ou no atendimento
pedagógico em geral, alunos com características heterônomas no que se refere ao trabalho
com as operações aritméticas que envolvem reservas. Eles sempre questionam:
“Professora, essa continha é de vai 1?” O Parâmetro Curricular Nacional [PCN] para o
terceiro e o quarto ciclo do ensino fundamental (Brasil, 1998), aponta alguns fatores que
têm concorrido para que a aprendizagem desse conteúdo acabe não se consolidando ao
longo do ensino fundamental. Destaca alguns aspectos relacionados à complexidade deste
conteúdo:
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Minicurso
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 Compreensão das relações de inclusão – que caracterizam o
sistema decimal – como saber quantos agrupamentos de dezenas ou
de centenas são necessários para se construir a dezena de milhar;
 Leitura dos números – que implica a compreensão de regras
estabelecidas para a formação das classes – agrupamentos de mil
(milhares, milhões, bilhões, trilhões...);
 Valor posicional dos algarismos na escrita numérica – que nem
sempre é percebido: mesmo alunos que sabem escrever números
corretamente, muitas vezes não os sabem interpretar, afirmando, por
exemplo, que 2.343 é próximo de 2.340, mas não reconhecendo que
em 2.343 há 234 dezenas (BRASIL, 1998, p. 96)
Diante desse fato, entendemos que a aprendizagem formal dos conceitos envolvidos
nas operações com números naturais exige um professor detentor de recursos que
promovam a conscientização do aluno a respeito desse objeto de conhecimento. A
aprendizagem com compreensão é favorecida pelas relações que o aluno estabelece com os
recursos que intermedeiam seu processo de construção do conhecimento. O concreto serve
de apoio à aprendizagem uma vez que somente o discurso costuma não ser suficiente para
que o aluno coloque em relação o que ele já sabe com o que está aprendendo. Nesse
sentido, “qualquer recurso didático deve servir para que os alunos aprofundem e ampliem
os significados que constroem mediante sua participação nas atividades de aprendizagem”
(SMOLE, 2003, p.172). Um ambiente de manipulação e interação propicia ao aluno
condições de sugerir, interpretar, questionar, (re)descobrir e elaborar conceitos por meio
dos quais poderá construir estruturas mentais que facilitarão a compreensão de certos
conceitos matemáticos. De acordo com Lorenzato (2006; 2008) não começar o ensino pelo
concreto é ir contra a natureza humana, uma vez que o aluno aprende ao “ver com as
mãos”.
De acordo com Smole (2003), para a matemática, a finalidade do jogo é
desenvolver habilidades numéricas, espaciais e trabalhar com habilidades de resolução de
problemas. Dessa forma, no Jogo do Nunca (SILVA e GOMES, 2007) o papel do
professor será o de um interventor oportuno, mediando as relações de aprendizagem a fim
de proporcionar o desenvolvimento de certas habilidades nos educandos. Os
questionamentos devem ser dinâmicos, com linguagem clara e objetiva a fim de permitir
que o aluno observe, estabeleça relações entre as variáveis envolvidas na ação
empreendida, formule conceitos e expresse sua linha de raciocínio para que ele próprio
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possa analisar e compreender o que está sendo feito. É a este processo baseado na
autonomia do pensamento do aprendiz, que a literatura denomina “aprender a aprender”. O
professor deve estimular o registro textual ou pictórico do que foi vivenciado e, por fim, o
registro em linguagem matemática com seus símbolos próprios. Os Parâmetros
Curriculares Nacionais de matemática para o Ensino Fundamental, PCNs, enfatizam que
por meio dos jogos as crianças não apenas vivenciam situações que se
repetem, mas aprendem a lidar com símbolos e a pensar por analogia
(jogos simbólicos): o significado das coisas passa a ser imaginado por
elas. Ao criarem essas analogias, tornam-se produtoras de linguagens,
criadoras de convenções, capacitando-se para se submeterem a regras e
dar explicações. Além disso, passam a compreender e a utilizar
convenções e regras que serão empregadas no processo de ensino e
aprendizagem. Essa compreensão favorece sua integração num mundo
social bastante complexo e proporciona as primeiras aproximações com
futuras teorizações. (BRASIL, PCN, 2000, p. 48-49)
É nesse contexto que se insere o minicurso que vamos oferecer. Explorar material
concreto simples como feijões e forminhas de doce para que, a partir das regras do jogo
socialmente construídas e previamente definidas, o aluno possa estabelecer relações
mentais com as estruturas básicas do Sistema de Numeração Decimal: agrupamento e valor
posicional e desenvolver habilidades que lhe permitam compreender as operações com
reserva e o que de fato significa vai 1 em uma operação.
Público Alvo
Professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, alunos dos cursos de
Pedagogia e de Licenciatura em Matemática e demais interessados no tema.
Número de Participantes: 20
Objetivos
Criar, com o Jogo do Nunca, situações de trocas de forma a que os participantes
aprofundem seus conhecimentos sobre o Sistema de Numeração Decimal. Identificar a
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importância desse conhecimento para a realização das operações aritméticas básicas que
envolvem agrupamento, reagrupamentos e desagrupamentos.
Metodologia
Tendo em vista que a proposta deste minicurso é proporcionar aos professores uma
experiência de atividade a ser ministrada nos anos iniciais do Ensino Fundamental através
do Jogo do Nunca, pretendemos desenvolvê-la por meio de quatro etapas. Primeiramente,
vamos abrir um espaço de discussão e reflexão com os participantes com o intuito de ouvílos a respeito da condução de atividades desta natureza, bem como sobre as preocupações e
dilemas do seu fazer cotidiano.
Na segunda etapa, apresentaremos o jogo e as possibilidades de aplicá-lo de forma
a articular e mobilizar os alunos para a compreensão das regras do sistema de numeração
utilizado em nossa sociedade. Entender como essas regras refletem-se na escrita dos
números e nas operações entre eles, dando ênfase ao que os currículos denominam
operações com reserva. Na terceira etapa, buscaremos sustentar as experiências vividas
pelos cursistas durante o jogo com a teoria pertinente, mostrando que nada melhor do que
uma boa teoria para justificar uma prática bem sucedida. Já na quarta, analisaremos as
possibilidades pedagógicas do jogo para o ensino de Matemática. Trata-se de um momento
para avaliarmos as potencialidades deste jogo e de outros conhecidos e utilizados pelos
participantes no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos matemáticos em geral e
do Sistema de Numeração Decimal em particular.
O Jogo do Nunca 3
Você vai precisar de feijões para contar, uma roleta, forminhas de doce,
pratinhos de bolo pequenos, pratos de bolo nos quais caibam os pratinhos pequenos,
bandejas retangulares que caibam os pratos maiores, e assim por diante, de acordo com
o número de trocas que o grupo quiser fazer. Essa é uma idéia. Depois de entender o que
vamos fazer com esse material, você pode improvisar com o que tiver em mãos. É
desejável que se conserve os elementos de troca, pois é assim que esse material se
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diferencia de outros já conhecidos e utilizados como ferramentas que ajudam a pensar
sobre o sistema de numeração decimal.
FIGURA 1: Material necessário (Matemática I, 2007, p.24)
As regras
Em grupos de três, deixe que as crianças definam a ordem e a quantidade de jogadas.
Elas poderão ser limitadas por tempo, ou por decisão do grupo: "cada um joga cinco vezes".
A restrição do jogo é nunca ficar com três elementos: ninguém pode terminar sua jogada com
03 feijões, ou três forminhas, ou três pratinhos – e assim por diante, sem trocar, pois o jogo
se chama "Nunca 3". Podem-se ter três durante a jogada, mas não ao final, quando vai
passar a vez para outro jogador. Estabelece-se então, uma ordem para trocas. Nesse exemplo,
por decisão arbitrária das autoras, 3 feijões serão trocados por 1 forminha; 3 forminhas por
um pratinho; três pratinhos por um prato grande; três pratos grandes por uma bandeja; etc. Essa
é a regra do jogo. Os resultados de cada rodada devem ser registrados com desenhos ou
texto. Nos agrupamentos diferentes do agrupamento de dez elementos, não se deve, a priori,
utilizar algarismos, pois eles exigem o conhecimento de certas regras que consideramos
ainda abstratas para esse nível de ensino, onde as crianças estão na fase pré-operatória e
operatória concreta (PIAGET, 1973).
FIGURA 2: As trocas (Matemática I, 2007, p.24)
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Imagine que terminamos o jogo e o resultado foi o que se segue:
FIGURA 3: Resultado de uma rodada (Matemática I,2007, p.25)
O professor pergunta aos alunos quem ganhou e pede que justifiquem suas respostas
em termos de quantidade de feijão. Outros agrupamentos devem ser trabalhados da mesma
forma para que os alunos se conscientizem que estão realizando trocas a partir de número de
elementos previamente definidos. Entendida a base da contagem e das trocas, propõe-se o
jogo do Nunca 10. Cada vez que tivermos 10 feijões trocaremos por uma forminha, 10
forminhas por um pratinho, e assim sucessivamente. As crianças precisam jogar e
registrar seus resultados, com desenhos, com texto e, para o jogo do Nunca Dez,
quando for conveniente, com algarismos. O professor deve fazer as mesmas
perguntas: quantos feijões, quantas forminhas, quantos pratinhos, e assim por diante. Daniel
jogou e obteve o seguinte resultado.
Nunca 10
1 bandeja
1 bandeja x
2 pratinhos
3 forminhas
2 feijões
10 pratinhos x
10 forminhas
x
10 feijões
+ 2 pratinhos x
10 forminhas
x
10 feijões
+ 3 forminhas
x
10 feijões
+ 2 feijões
FIGURA 4: Resultado do jogo de Daniel (Matemática I, 2007, p.30)
Podemos escrever sem usar as palavras feijões, forminhas, pratinhos, etc., da
seguinte forma:
FIGURA 5: Notação científica (Matemática I, 2007, p.30)
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Construímos, então, a possibilidade de comparar o jogo do Nunca Dez com as regras
que orientam o sistema de numeração decimal. Ele estabelece que sempre que se formar
um grupo de 10 é obrigatório trocar por uma unidade da ordem imediatamente superior. O
professor deve pedir aos alunos que sugiram nomes para substituir os elementos "feijões,
forminhas, pratinhos, bandeja", etc. É possível que alguma criança já tenha o conhecimento
dos nomes unidades, dezenas, centenas, etc. Se não, o professor apresenta-os.
O Sistema de Numeração Decimal tem como características:
 Apresentar um número finito de símbolos - 0, 1, 2 , 3 , 4 , 5 , 6 , 7 , 8, 9 e regras que permitem combiná-los e assim representar infinitas quantidades,
maiores ou menores do que a unidade.
 Respeitar o valor posicional: o algarismo tem um valor determinado pela
posição que ocupa no número. Se algarismos diferentes mudarem de lugar,
estaremos alterando o valor do número. Ex.: 23 ≠ 32.
 Ser baseado em agrupamentos de 10: toda vez que se forma um grupo de 10
deve-se substituir este grupo por uma unidade da ordem imediatamente
superior. É o 10 que vale 1 da ordem imediatamente superior, a saber: 10
unidades valem 1 dezena, que é a ordem imediatamente superior. O
inverso é igualmente verdadeiro, ou seja: 1 dezena vale 10 da ordem
imediatamente inferior, ou, 1 dezena vale 10 unidades. Uma vez entendida
essa relação, que vale para quaisquer duas ordens contíguas, costumamos
resumir dizendo que é o 10 que vale 1 da ordem imediatamente superior e
o 1 que vale dez da ordem imediatamente anterior.
 Ser aditivo. O valor de cada algarismo conforme a sua posição no número é
somado para se saber que quantidade aquele número representa. Ex.: 25 significa 2
x 10 + 5.
Sugerimos que o professor busque vários recursos para trabalhar os conceitos
que discutimos até aqui e que varie bastante as atividades para que a criança abstraia os
conceitos do material, que é exatamente o que se quer. Para construir a idéia de
agrupamentos e de valor posicional, devem-se incentivar as crianças a estabelecerem seus
próprios princípios de troca.
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Recursos
Para o desenvolvimento deste minicurso serão utilizados os seguintes recursos:
 1 kg de feijão;
 200 forminhas de doce tamanho médio;
 Recipientes descartáveis:
o 100 pratinhos de bolo – 10 cm a 12 cm de diâmetro;
o 50 pratos de bolo comum – 25 cm de diâmetro;
o Bandeja descartável retangular – 29 cm x 20 cm (medidas de referência);
 Roleta;
 Clipes;
 Cópias do material utilizado durante o minicurso;
 Data show.
Resultados Esperados
Com o desenvolvimento das atividades propostas no decorrer do minicurso
esperamos alcançar os seguintes resultados: (1) Problematização da temática por parte dos
cursistas; (2) Análise das variáveis envolvidas na utilização do jogo como recurso
pedagógico em sala de aula; (3) Aprofundamento da compreensão das regras que
estruturam o sistema de numeração decimal e das operações com reserva.
Referências
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Fundamental. 2. Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
LORENZATO, S. Para aprender matemática. 2. Ed.rev. Campinas, SP: Autores
Associados, 2008.
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LORENZATO, S. (org.). O laboratório de ensino de matemática na formação de
professores. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.
PIAGET, J. Psicologia e Epistemologia - Por uma Teoria do Conhecimento. Rio de
Janeiro: Forense, 1973.
SILVA, C. M. S. da; GOMES, I. C. R. Matemática I. Vitória, ES: Universidade Federal
do Espírito Santo, Núcleo de Educação Aberta e a Distância, 2007.
SMOLE, K. C. S. A matemática na educação infantil: a teoria das inteligências múltiplas
na prática escolar. Porto Alegre: Artmed, 2003.
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