Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 1 EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA: PRÁTICAS ESCOLARES NO INÍCIO DO SÉCULO XX NO ROMANCE “DOIDINHO” DE JOSÉ LINS DO RÊGO. Elizabete de Lacerda Rebello (UPE) Dentre as possíveis fontes para a elaboração de um estudo na perspectiva do paradigma da História Cultural escolhi a literatura, mais especificamente o seu sentido stricto sensu, o texto literário, pois a literatura em seu sentido lato sensu abrange todos os livros, independente de conteúdo e forma. A escolha do texto literário se deu também porque os novos conceitos do referido paradigma defendem a necessidade de estudos que se cerquem por diversos campos de conhecimento, o que possibilita um objeto ser analisado por diversos olhares, sendo preciso recorrer a novas formas de investigação e consequentemente a diversas fontes. (ALBUQUERQUE, 2004). Deste modo o presente trabalho será mais um olhar sobre as práticas escolares da Educação Física no início do século XX, já que os estudos sobre a História da Educação Física, em sua maioria, utilizam como fonte só os decretos e as leis que regem a educação. O livro escolhido como fonte foi o romance “Doidinho” de José Lins do Rêgo, que apresenta representações da educação no período inicial do século XX. A Vida de José Lins do Rêgo Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 2 José Lins do Rêgo Cavalcanti nasceu em 03 de junho de 1901, no engenho Corredor, município de Pilar, estado da Paraíba. Filho de João do Rêgo Cavalcanti e Amélia do Rêgo Cavalcanti. No ano do seu nascimento falece sua mãe e o seu pai muda-se para longe, para outro engenho. Continua morando no engenho do eu avô materno, sob os cuidados de uma tia, muito dedicada, da qual vivia grudado às saias. Deu início aos seus estudos em 1909, no Instituto Nossa Senhora do Carmo, em Itabaiana – PB, cujo diretor era o professor Francisco Lauro Maciel Monteiro, sobrinho do barão de Itamaracá, permanecendo três anos. Dando continuidade aos estudos vai para a capital do Estado estudar no Colégio Diocesano Pio X, onde é atuante do Grêmio estudantil, escrevendo e publicando artigos na Revista Pio X. Em 1915 vai estudar no Recife, no Instituto Carneiro Leão e conclui seu secundário no Ginásio Pernambucano. Depois ingressa na Faculdade de Direito do Recife, onde se revela um aluno desencantado, turbulento, desinteressado e medíocre, formando-se bacharel em Direito aos 22 anos (1923). Casou, aos 23 anos, com Philomena Massa (Naná), e teve três filhas: Maria Elizabeth, Maria da Glória e Maria Cristina. Em 1925 foi nomeado promotor público em Munhuaçu, Minas Gerais, onde, entretanto não se demora. E em 1926 deixa o ministério público e muda-se para Maceió, Alagoas, onde trabalha como fiscal de bancos. Publica seu primeiro livro, “Menino de Engenho”, em 1932. Edição custeada por ele mesmo, onde a primeira tiragem de dois mil exemplares foi quase toda Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 3 vendida, sendo premiado pela fundação Graça Aranha. Seus primeiros Romances foram: “Menino de Engenho”, “Doidinho” e “Banguê”, escritos ainda no período que o autor residia em Maceió. Em 1935 foi morar no Rio de Janeiro por ser nomeado fiscal do imposto de consumo, nesta cidade viveu o resto da sua vida. Seus livros passaram a ser editados pela editora José Olímpio, a qual também tinha uma livraria como o mesmo nome. A relação com a citada editora é de proximidade, pois todos os seus romances, a partir de “Banguê”, por ela foram editados, e algumas outras produções como livros de viagem e tradução. Com relação a sua produção literária, esta começou em 1923, quando em Recife publicou artigos em suplementos literários. Depois conheceu Gilberto Freyre e foi com este que aprendeu a disciplinar e dar forma artística as anotações de suas emoções soltas para fazer seus romances e adquiriu o interesse pelo Brasil, “Pelo povo brasileiro, pela vida brasileira nos seus mais íntimos detalhes”. (COUTINHO, 1980, p. 09). As produções de “Mestre Jé Lins”, como o chamava Coutinho (1980), são entendidas como uma literatura-tudo, coisa não muito comum entre os ficcionistas, uma literatura memorialista e autobiográfica muitas vezes, considerada algo muito próximo da vida real. O próprio José Lins do Rêgo (apud COUTINHO, 1980), dizia que tirava partido das coisas vividas, pois inventar tudo não era seu forte. E o mesmo entendia o romance como: “Todo romance é um caso íntimo que se faz público com um escândalo. Mas escândalo que é igual àquele das Escrituras, que vale como Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 4 verdade contra o silêncio dos pusilânimes”. (JOSÈ LINS DO RÊGO apud COUTINHO, 1980,p. 05). Ivan Cavalcanti Proença relata na orelha do livro “Romance do Açúcar” de Edilberto Coutinho que a literatura de José Lins do Rêgo são subsídios para nossa História, devido ao seu caráter memorialista, e que não se pode falar nos mais importantes romancistas brasileiros, desde José de Alencar, sem citar José Lins do Rêgo. Este será sempre atual pela literatura-tudo que fez. Foi eleito para Academia Brasileira de Letras em 1955, como sucessor de Ataulfo de Paiva, cadeira número 25. No seu discurso de posse quebrou o protocolo, pois não fez elogios ao seu antecessor. José Lis do Rêgo foi criador e o primeiro diretor da Escola Livre de Estudos Superiores (Fundação Casa do Estudante). Falece em 1957, sendo enterrado no mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no cemitério São João Batista. Dando por encerrada as produções de um grande escritor nordestino. O Romance “Doidinho” O romance “Doidinho” foi publicado no ano de 1933, pela editora Ariel, do Rio de Janeiro. (COUTINHO, 1980). Esse livro é parte de uma trilogia votada para a infância, formada por “Menino de Engenho”, “Doidinho” e “Banguê”, sendo o último sua continuação. A segunda edição e demais foram publicadas pela José Olympio, quando em 1934 o autor passou a ter seus livros publicados pela citada editora. A edição lida para realização do presente trabalho é a 40ª edição, publicada Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 5 pela editora José Olympio, Rio de Janeiro, no ano de 2004, que é complementada com estudos de Antônio Carlos Villaça, sobre o livro. O livro é dividido em 36 capítulos e começa com a admissão de Doidinho, aos doze anos, no Instituto Nossa Senhora do Carmo (INSC), conhecido como Colégio de seu Maciel, o diretor. Colégio este que José Lins do Rêgo cursou seu primário. Doidinho, apelido de Carlos de Melo, foi adquirido por este ser uma pessoa nervosa, impaciente e fazer tudo às carreiras, por seus recolhimentos e pelos seus choros inexplicáveis. O menino relata toda a sua vivência no colégio e histórias da sua família vividas no engenho Santa Rosa pertencente a seu avô José Paulino, onde foi criado. O Instituto Nossa Senhora do Carmo era famoso por seu rigorismo. Era uma espécie de último recurso para meninos sem jeito. Carlos de Melo foi matriculado neste, porque as matrículas no Colégio dos padres, O Diocesano, haviam sido encerradas. Foi admitido no colégio do seu Maciel como um aluno atrasado, pois alunos mais jovens que ele tinham mais conhecimento. Assim sofreu bastantes punições, que se faziam presentes em forma de palmatória, devido às lições erradas e também as delações do decurião de alguma traquinagem feita. O INSC era um colégio particular havia alunos internos (10) e externos (60), totalizando 70 alunos, entre os externos as meninas faziam-se presentes. Foram relatadas as relações de amizades e desafetos, a homossexualidade, a descoberta do sexo heterossexual e como se davam as práticas educacionais. As Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 6 disciplinas estudadas mencionadas foram: Gramática, Geografia e Aritmética, além dos exercícios de tiro (militares), os quais objetivos desta pesquisa, e as aulas de catecismo. Doidinho ao contar o quanto sofreu por causa dos exercícios militares, descreve características da Educação Física da época. O colégio situava-se na cidade de Itabaiana, onde as notícias do país chegavam através do jornal denominado “Província” e também pelo “Jornal da Paraíba”. As notícias relatadas na história dizem respeito ao Marechal Hermes (Hermes Rodrigues da Fonseca), presidente do Brasil no período de 1910 a 1914. (KOSHIBA E PEREIRA, 2003). Dois grande eventos faziam parte da agenda do colégio, um era a para de 7 de setembro o qual era seguido de dois dias sem aula, e o último dia de aula que era realizada uma sessão solene do Grêmio Literário. O Grêmio Literário era o momento que os meninos se reuniam para fazer seus discursos, na sessão solene o que modificava era a presença do promotor da cidade, o qual fazia o discurso, e das famílias dos alunos. Um momento do livro bastante importante na vida de Carlos de Melo é quando descobre, através da fala de um colega, no recreio, que o seu pai matou sua mãe, pois até o momento seus familiares escondiam este fato. A estada de Doidinho no internato acaba quando foge para o engenho do seu avô. Encerra-se a história sem maiores explicações. O ponto do livro mais relevante, para este estudo, é o que mostra a relação de Doidinho com os exercícios militares, Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 7 passagens que nos levam a reconstruir as práticas escolares da Educação Física naquela época. Educação Física: práticas escolares presentes na literatura O período relatado no livro corresponde de 1909 a 1911, isto foi identificado a partir da semelhança encontrada na história de “Doidinho” e a vida de José Lins do Rego, como o nome do colégio Instituto Nossa Senhora do Carmo, que é o mesmo nome do colégio que o autor cursou o seu primário, e também pela história se passar na Paraíba e falar sobre um engenho, que se situava na mesma cidade a qual ele nasceu, o município de Pilar. O que nos leva a entender a história de Doidinho como uma representação da vida Rego. Então se José Lins do Rego nasceu em 1901 e iniciou seus estudos aos oito anos, o ano de ingresso na escola foi 1909 e lá permaneceu três anos, sendo 1911 o ano de sua saída. Além dos fatos políticos referidos, no livro, a Marechal Hermes, que foi presidente do Brasil no período de 1910 a 1914. (FERREIRA NETO, 1997). Bem, como proposto, vamos atentar para as práticas escolares da Educação Física, relatadas em “Doidinho”. A primeira menção sobre prática corporal é a ansiedade da espera por um sargento que viria montar um grupo de tiro ao alvo no colégio, assunto que predominou na conversa dos meninos. A conversa toda agora era sobre um sargento que virá formar um tiro no colégio. Falavam da farda que iríamos ter. Uns achavam bonita a branca do Diocesano; outros queriam a amarela do tiro, com o chapéu acabanado de Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 8 lado. A grande alegria de todos ali estava na presença dos exercícios militares. (DOIDINHO, 2004, p. 34-35). Este fato nos mostra que a Educação Física não fazia parte do currículo daquele colégio até o momento da chegada dessa notícia. Mesmo já, no município da Corte, sendo obrigatória a inclusão da ginástica no currículo das escolas públicas primárias, com a Reforma Couto Ferraz em 1854, com a lei de nº 630 de 17 de setembro de 1851. (MARINHO, sd). O que não obrigava outros municípios a incluírem a ginástica nos seus currículos escolares. Contudo a Corte sempre foi referência e assim podemos observar que outra escola, o Diocesano, possuía os exercícios militares em seu currículo, pois um dos alunos do INSC, o Vegara, havia estudado no Diocesano e comentava “-Vocês aqui não sabem manobrar o fuzil. Lá se ensinava tudo. Isto que agente faz aqui é uma ginástica”. (DOIDINHO, 2004, p. 212). As aulas realizavam-se nas ruas e os exercícios eram sempre acompanhados pelo diretor do colégio que observava de longe as evoluções dos alunos. Os momentos de exercícios aconteciam da seguinte maneira. “Tocava a corneta. O tambor rufava. Saía andando o batalhão pelas ruas de Itabaiana. Bem de fronte da Igreja parava para os exercícios. – Ordinário! Marche! – Companhia! Seeentido!. (...) – Direita... volver!” (DOIDINHO, 2004, p. 205). As ordens, além da voz, proviam de um apito, bastava um apito para que todos juntos mudassem de posição, o que nos mostra o professor como o detentor do poder. O personagem Doidinho expressava a aflição dos alunos que não tinham jeito para os exercícios militares, pois por não conseguirem realizar as ordens emitidas pelo sargento eram repreendidos como Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 9 soldados, tratados assim pelo professor, além de serem castigados pelo diretor com a palmatória. Os castigos corporais foram proibidos em 1858 (SOUZA, 2006), a presença deles nessa instituição mostra o descaso do diretor com o governo, agindo na sua escola de acordo com os seus ideais. O fato de haver punição pela ineficiência nos exercícios militares mostra o rigor e a importância dada a essa disciplina, como foi incorporada pelo colégio. “Comecei então apanhar por causa mais desta disciplina”. (DOIDINHO, 2004, p. 204). Os exercícios de tiro, como também eram denominados os exercícios militares, tinham um grande destaque, pois ao final do ano havia a grande parada (a formatura), a qual era segregada das outras disciplinas. O professor apresenta-se dedicado ao aprendizado do aluno, chegando a ministrar aulas individuais para que o aluno se aprimorasse. Contudo o rigor com a execução perfeita dos exercícios era grande e o aluno que não conseguia realizar as evoluções exigidas era excluído da formatura. A exclusão só acontecia depois de muita tentativa para o sucesso. “Pedi para sair do tiro. O velho me recebeu com quatro pedras na mão”. (DOIDINHO, 2004,p. 204). “No sábado saí-me pessimamente nos exercícios fui excluído de vez da formatura”. (DOIDINHO, 2004,p. 216). O interesse pelos exercícios era observado na maioria dos alunos, isto detectado no conteúdo de suas conversas, “Só se conversava sobre coisas de tiro, exercícios, toques de corneta, guerras, esgrimas”. (DOIDINHO, 2004,p. 212). Os alunos doentes não participavam eram dispensados. Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 10 As aulas aconteciam três vezes por semana, terça-feira, quinta-feira e sábado, porém ao aproximar-se o dia 7 de setembro, a grande parada, o número de aulas aumentava e “desde o 1º dia de setembro exercitavam se todos os dias”. (DOIDINHO, 2004,p. 225). No dia 7 de setembro acontecia a grande festa do colégio. Os dias que antecediam o evento dedicavam-se aos preparativos, e uma das ocupações dos alunos era a prova dos uniformes no alfaiate, além dos ensaios das manobras militares e do Hino Nacional. O dia se corria da seguinte forma: Vi-os acordar às cinco horas com a corneta na porta. O sargento mandar despertar a canalha com o toque marcial de quartel. (...) – A marcha vai ser puxada. Mais de seis quilômetros a pé. Quero ver quem afrouxa. (...) A corneta estalava, o tambor a rufar, e o pessoal de espingarda de pau nos ombros – setenta meninos felizes, em marcha para o sítio de Firmino Cotinha (p. 229). O colégio acamaria lá para as bandas do curtume, um dia inteiro com os exercícios. (p.205). Firmino Cotinha, o dono do curtume, oferecera ao diretor toda a comida para a meninada (...)(DOIDINHO, 2004,p. 214) A Educação Física revelada no livro recebia influência do exército, apresentando características militares. O próprio nome da disciplina é o primeiro indício, ou a confirmação, dessa influência, os alunos e o diretor a denominavam: exercício de tiro, exercícios militares, manobras militares e instrução militar; outro é o fato de um sargento ser o responsável pela disciplina e ainda a não constatação das meninas nas aulas. A sociedade recebia essa interferência militar o que refletia nas escolas, podemos verificar isto numa citação quanto ao fardamento do colégio: “Eu tinha que comprar meu bonezinho preto, com pala caída sobre os ombros com letras douradas. A farda do colégio Diocesano, sim, que era bonita. Farda mesmo de Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 11 soldado, com quepe e droganas de oficial”. (DOIDINHO, 2004,p. 31). E também pela própria presença dos exercícios militares nos dois colégios. Os conteúdos ensinados são a marcha, o tiro ao alvo, a esgrima, o toque de corneta, as vira-voltas e a apresentação das armas. Na avaliação considerava-se o desempenho nas atividades, atribuindo patentes como no exército. “João Câncio e Vergara pegara patentes de sargento. Até Clovis tinha uma fita no braço. Mangavam de mim”. (DOIDINHO, 2004,p. 211). Com esta citação observamos além da avaliação a discriminação com quem não obtinha mérito nos exercícios, em outra observamos o inverso: “Fiquei na porta assistindo aos colegas nas manobras, sentido inveja daquela facilidade. Porque seria que eu não dava pra aquilo? Todos os burros do colégio davam. João Câncio se metia em bolo por causa dos verbos, e no entanto brilhava entre os outros”. (DOIDINHO, 2004,p. 209). O período retratado no romance “Doidinho” é o Republicano. No ano de 1889, com a proclamação da República, deu-se a ebulição política que possibilitou a ascensão dos militares no poder. E assim em 1908 foi instituída a instrução militar obrigatória nas escolas, para os maiores de dezesseis anos (FERREIRA NETO, 1997) e os conteúdos referentes ao ensino primário eram a ginástica e os exercícios militares, desde 1892 (SOUZA, 2009). Com os militares no poder e os exercícios militares como conteúdos da Educação Física, algumas escolas primárias criaram os seus batalhões infantis. Assim a organização militar fazia-se presente na escola. Duas obras, “O Ateneu” de Raul Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 12 Pompéia (século XIX) e “Doidinho” de José Lins do Rego (século XX), nos revelam essa influência do exército, porém o que difere é o fato de em “O Ateneu” o conteúdo principal da Educação Física ser os exercícios ginásticos, os quais conhecemos hoje como Ginástica Artística ou Olímpica, que são derivados do Método Ginástico Alemã que chegou ao Brasil através do exército brasileiro em 1860, e que Souza (2009) e Castellani (2010), citam como o método ginástico adotado pelas escolas brasileiras. E em “Doidinho” são as manobras militares, mais enfatizadas, a introdução dos exercícios militares no currículo escolar. Portanto, o fato da Educação Física apresentada em “Doidinho” ter um caráter militarista tão arraigado, são explicados pelos acontecimentos sociopolíticos da época. Considerações Finais No período de 1909 a 1911 a Educação Física representada no livro se revela uma disciplina exclusivamente prática, lecionada, aplicada, por um oficial do exército, que tinha como objetivo instruir os meninos nas manobras e exercícios militares, sendo seus conteúdos o tiro ao alvo, a esgrima, as manobras militares, a marcha e o toque de corneta, e que tinha lugar de destaque já que possuía uma festa específica para o encerramento das aulas. As práticas escolares da Educação Física apresentadas no romance são representações da sociedade da época e em especial dos batalhões infantis que foram instituídos em várias escolas (SOUZA, 2000). O que nos leva a entender a Educação Física em “Doidinho” como, exclusivamente, o treinamento de um batalhão infantil. Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 13 O que possibilitou a confirmação do que era representado no romance foi o confronto com outras fontes: a vida do próprio autor, “O Ateneu” de Raul Pompéia e textos que abordam a História do Brasil e em especial a História da Educação Física no Brasil. Esse confronto foi a parte mais complexa do trabalho, principalmente para delimitar o período que a história de “Doidinho” é contada. Ressalto que mesmo o livro contando as práticas educacionais de um colégio localizado na região nordeste, nos permite torná-las como referência de generalização para as práticas educacionais brasileiras, pois a escrita de Jose Lins do Rego é marcada pela forte caracterização da sociedade brasileira, revelando fatos muito próximos da verdade, pois como ele mesmo diz: “inventar tudo não é o meu forte” por isso precisa “tirar partido das coisas da vida” (COUTINHO, 1980, p. 05), como também pelo fato de Rio de Janeiro e São Paulo servirem de referência para as outras províncias. (SOUZA, 2009). Dessa forma o texto literário, por apresentar representações do passado, viabiliza-se como fonte riquíssima para estudos em História da Educação. Este trabalho traz um novo modo de olhar as pesquisas em História da Educação Física, mostrando a possibilidade de diversificação das fontes para os estudos nessa área. E contribui com o enriquecimento do conhecimento acerca da História da Educação e da Educação Física brasileira, principalmente no que diz respeito às práticas escolares no início do século XX. Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 14 Referências Bibliográficas ALBUQUERQUE, Úrsula Rangel Goothuzem. Docência e luta na literatura modernista: a educação feminina nos romances Simão Dias e Estrada da liberdade, de Alina Paim (1928-1958). São Cristóvão: NPEGED/Universidade Federal de Sergipe, 2004. (Dissertação de Mestrado) CASTELLANI FILHO, Lino. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. Campinas, SP: Papirus, 18º Ed. 2010. FERREIRA NETO, Amarílio. Pesquisa histórica da educação física, vol. 2. Vitória: UFES. Centro de Educação Física e Desporto, 1997. KOSHIBA, Luiz; PEREIRA, Denise Manzi Frayze. História do Brasil no contexto da história ocidental: ensino médio. São Paulo: Atual, 2003. MARINHO, Inezil Penna. História da Educação Física no Brasil. São Paulo: CIA. Brasil editora, sd. REGO, José Lins. Doidinho: romance. 40ª Ed. – Rio de Janeiro; José Olympio, 2004. SOUZA, Cristiane Vitório. As leituras pedagógicas de Sílvio Romero. São Cristóvão: NPGED/ Universidade Federal de Sergipe, 2006. (Dissertação de Mestrado) SOUZA, Rosa Fátima de. Alicerces da Pátria: História da escola primária no estado de São Paulo (1890-1976). Campinas: Mercado de Letras, 2009. SOUZA, Rosa Fátima de. A militarização da infância: expressões o nacionalismo na cultura brasileira. Cad. CEDES vol.20 nº.52 Campinas Nov. 2000