Revista Varia Scientia
v. 06, n. 11, p. 43-49
Silvia Renata M. Coelho1
Marlon Adriano Cielo2
Carla Rosane Paz A. Téo3
ARTIGOS & ENSAIOS
PÓS-COLHEITA DE FEIJÃO COMUM
(Phaseolus vulgaris L.): EFEITO DO
ARMAZENAMENTO NAS PROPRIEDADES
FÍSICO-QUÍMICAS
RESUMO: O consumo de feijão comum (Phaseolus vulgaris L.) pode ser afetado por um defeito textural conhecido como hard-to-cook (HTC), o qual aumenta o tempo de cocção do grão, diminuindo sua qualidade. A água disponível dentro das células tem sido considerada um fator importante no processo de endurecimento do feijão, uma vez que é necessária para a gelatinização
do amido e desnaturação da proteína durante o cozimento. Para o estudo
deste defeito foram utilizadas duas variedades de feijão comum (Iapar 81 –
variedade carioca, e Iapar 44 – variedade preto) submetidas ao envelhecimento natural por 24 meses, sob condições normais de temperatura e umidade. O feijão controle (tempo 0) foi estocado a 5ºC por 24 meses. Foram
determinados os teores de proteína, solubilidade de proteínas e absorção de
água para todas as amostras. Observou-se diminuição da solubilidade das
proteínas com o tempo de envelhecimento (de 98 para 92% no feijão carioca
e de 99 para 80% no feijão preto), sendo que o feijão carioca apresentou
maior solubilidade da proteína em relação ao feijão preto. Observou-se, ainda, que o feijão carioca absorve mais água que o feijão preto e o tempo de
armazenamento diminuiu a absorção da água pelos grãos.
PALAVRAS-CHAVE: Absorção de água; Proteínas; Endurecimento.
Data de recebimento: 19/09/06. Data de aceite para publicação: 04/01/07.
1Doutora em Ciências dos Alimentos. Docente do Centro de Ciências Exatas e
Tecnológicas na Unioeste - Campus de Cascavel. Endereço Eletrônico:
[email protected].
2 Nutricionista. Endereço eletrônico: [email protected].
3 Doutora em Ciências dos Alimentos. Docente do Curso de Nutrição na Universidade Comunitária Regional Chapecó (Unochapecó). Endereço eletrônico:
[email protected].
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VARIA SCIENTIA | VOLUME 06 | NÚMERO 11 | AGOSTO DE 2006 |
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SILVIA MACHADO COELHO — MARLON CIELO — CARLA TÉO
SUMMARY: The consumption of beans (Phaseolus vulgaris L.) can be affected
by a defect known as hard-to-cook (HTC), which increases the time of cooking
the grain and reduces its quality. The available water inside the cells has
been considered an important factor in the process of seed-hardening, since
it is necessary for gelatinizing the starch and for denaturing the protein
during cooking. For the study of the hard-to-cook phenomenon, two varieties
of beans (Iapar 81 – variety “carioca”, and Iapar 44 – variety “black”) were
submitted to natural aging for 24 months, under normal conditions of
temperature and humidity. The control group (time 0) was stored at 5ºC for
24 months. The content of protein, the protein solubility and the water
absorption were established for all the samples. It was verified a reduction
of protein solubility according to the aging time (from 98% to 92% for “carioca” bean and from 99% to 80% for black bean), and the “carioca” bean presented
a higher increase in protein solubility compared to the black bean. It was
also verified that the “carioca” bean absorbs more water than the black bean
and the storage time reduces the water absorption by the grains.
KEYWORDS: Water absorption; Protein; Process of hardening.
1. INTRODUÇÃO
O feijão é boa fonte de proteínas, minerais e vitaminas, além de
apresentar alto conteúdo de ácidos graxos poliinsaturados e
carboidratos. A qualidade de um grão pode ser determinada
principalmente pela aceitabilidade ao consumo, qualidade de cozimento
e características nutricionais. A aceitabilidade do feijão está ligada a
várias características que incluem a cor, o tamanho, a aparência do
grão, o tempo de cozimento, a qualidade do produto obtido e o sabor
(REYES-MORENO E PAREDE-LOPEZ, 1993). Um dos importantes defeitos
de aceitabilidade é conhecido como hard-to-cook (HTC), defeito o qual
provoca aumento do tempo de cozimento desta leguminosa, relacionado,
principalmente, com prolongada estocagem e altas temperaturas e
umidade (GARCIA et al., 1998; KIGEL, 1999). As alterações promovidas
por este defeito incluem aumento do tempo de cozimento para o
amaciamento dos cotilédones, menor aceitação para o consumidor e
diminuição do valor nutritivo pela perda de vitaminas, observando-se
ainda a deterioração da textura e sabor (REYES-MORENO E PAREDESLÓPES, 1993). Várias causas são sugeridas para explicar o
desenvolvimento do fenômeno hard-to-cook (HTC), entre elas a formação
de pectatos insolúveis, lignificação da lamela média, oxidação ou
polimerização lipídica, ligações cruzadas de proteínas hidrolisadas e/
ou polifenólicos (GARCIA et al., 1998). A estocagem prolongada a altas
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temperaturas e alta umidade relativa acelera o aparecimento do defeito
HTC e o feijão se torna menos aceito pelos consumidores, causando
uma importante perda pós-colheita deste produto (GARCIA e LAJOLO,
1994). O objetivo do presente trabalho foi avaliar a perda de solubilidade
protéica e diminuição na absorção de água pelos grãos de feijão comum
armazenados por 24 meses.
2. MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados grãos de feijão comum (Phaseolus vulgaris L.)
das variedades preto - Iapar 44 e carioca - Iapar 81. O lote controle,
com três amostras de cada variedade, foi armazenado a 5ºC por 24
meses. Outro lote, formado também por três amostras de cada
variedade, foi armazenado em condições ambientais pelo mesmo
período. Os grãos inteiros foram submetidos ao teste de absorção de
água durante o período de duas horas. Empregou-se a quantidade de
80 g de água destilada para cada 20 g da amostra de feijão, sendo cada
amostra pesada a intervalos de 15 minutos, até o tempo de duas horas,
utilizando o método de RIOS et al. (2002), com modificações. Os teores
de proteína bruta (N * 6,25) foram determinados pelo método de Kjeldahl,
de acordo com a AOAC (1990) e a solubilidade das proteínas em água
foi medida pelo método de Lowry, segundo a AOAC (1990), por
espectrofotometria. O experimento foi conduzido em delineamento
inteiramente casualizado (DIC). Utilizou-se, para a análise, o esquema
de parcelas subdivididas, com dois tempos de envelhecimento (zero e
24 meses) como parcelas e as variedades (feijão preto e carioca) como
subparcelas. Os resultados obtidos foram submetidos à análise de
variância (ANOVA), teste F de Snedecor e teste de comparação de médias
(Teste de Tukey), com nível de significância igual ou menor que 5%.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
O teor de proteína bruta das amostras analisadas é apresentado
na Tabela 1. Não foram observadas diferenças significativas entre os
teores de proteína das variedades estudadas, bem como após o
armazenamento.
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TABELA 1: Teores de proteína bruta (N * 6,25) em feijão carioca e preto controle
e armazenados por 24 meses em condições ambientais*
* Médias na coluna, acompanhadas por letras iguais, não diferem significativamente (£0,05).
A água disponível dentro das células tem sido considerada um
fator importante no processo de endurecimento do feijão, uma vez que
é necessária para a desnaturação da proteína e gelatinização do amido
durante o cozimento (GARCIA-VELA, 1989). A composição química da
solução em que os grãos são fervidos também pode influenciar o tempo
de cozimento. O preparo de grãos de feijão requer um estágio inicial de
hidratação para facilitar o cozimento, melhorar a aparência e auxiliar
a desnaturação protéica e gelatinização do amido (ABU-GHANNAM,
1998). O tempo máximo de absorção de água utilizado (120 minutos)
não foi o suficiente para a completa maceração do feijão, pois não foi
observada a estabilização desta absorção e, sim, um crescimento linear
(Figura 1). Observa-se, ainda, que o feijão carioca absorveu mais água
que o feijão preto e o tempo de armazenamento diminuiu a absorção
da água pelos grãos.
% absorção de água
60
50
y carioca controle = 0,4208x + 6,3956
R2 = 0,9245
Preto controle
y carioca 24 meses = 0,369x + 2,7916
R2 = 0,9684
Preto 24 meses
Carioca controle
40
Carioca 24 meses
30
y preto controle = 0,3101x + 0,1571
R2 = 0,9941
20
y preto 24 meses = 0,0863x + 2,4262
R2 = 0,8882
10
0
0
20
40
60
80
100
120
140
tempo (minutos)
FIGURA 1: Porcentagem de absorção de água dos grãos inteiros das variedades
preto e carioca, controle e armazenados por 24 meses, em função do tempo
de maceração.
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Segundo Abu-Ghannam (1998), os feijões vermelhos, em
diferentes temperaturas, possuem características de hidratação
diferentes. Quanto menor a temperatura, mais demorada é a hidratação
e quanto maior a temperatura mais rápida é a absorção, mas a
hidratação é menor. Neste mesmo trabalho, com a temperatura de
20ºC, o grão de feijão parou de absorver água após 800 minutos,
enquanto a 30ºC o feijão parou de absorver água após 300 minutos.
120
Preto controle
Preto 24 meses
% proteína solúvel
100
Carioca controle
Carioca 24 meses
80
60
40
20
0
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
pH
FIGURA 2: Porcentagem de proteína solúvel dos grãos das variedades preto e
carioca, controle e armazenados por 24 meses, em função do pH.
Segundo Yousif et al. (2002), após 12 horas de hidratação do grão
de feijão Adzuki, houve aumento de 10% na absorção de água pelo
grão, chegando em 100% com 24 horas de hidratação. O período em
que o grão de feijão absorveu água mais rápido foi entre seis e 12
horas. A armazenagem de feijões por 6 meses a 30ºC resultou no
aumento do tempo de cocção, que foi limitado pelo aumento na
resistência na textura do feijão cozido. Quanto maior a temperatura
de armazenamento e quanto mais tempo são armazenados os feijões,
maior será a dureza dos grãos de feijão quando cozidos.
Outro fator que influencia na qualidade dos grãos é a solubilidade
protéica, a qual se altera em diferentes pHs e está relacionada com
alterações na estrutura da proteína presente no grão.
Observou-se (Figura 2) que o feijão preto de controle apresentou
uma faixa de solubilidade protéica maior entre os pHs 7 e 11, decaindo
acima disso, perfil semelhante ao apresentado pelo feijão envelhecido
por 24 meses. O feijão preto envelhecido apresentou, porém, perda na
solubilidade da proteína, em relação ao controle, nos pHs analisados.
No feijão carioca, ocorreu maior solubilidade da proteína entre os pHs
6 e 11, aumentando a solubilidade protéica com o aumento do pH.
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O feijão carioca envelhecido 24 meses passou a perder
solubilidade em relação ao feijão carioca de controle a partir do pH
entre 4 e 5. Liu et al. (1992) observaram diminuição de solubilidade
das proteínas após 18 meses de armazenamento a 30ºC / 64% de UR,
em relação ao controle. Os autores encontraram a menor solubilidade
em pH 4 e maior solubilidade em extremos de pH (abaixo de 3 e acima
de 12) e, apesar do comportamento semelhante entre a solubilidade
das proteínas dos grãos controle e envelhecidos, houve menor
solubilidade da proteína dos grãos envelhecidos em todos os pHs
analisados. No presente trabalho, esta diferença foi mais acentuada
nos grãos da variedade preto.
4. CONCLUSÃO
O armazenamento do feijão ocasionou diminuição da capacidade
de absorção de água de ambas as variedades, sendo que o feijão preto
apresentou menor capacidade de absorção, tanto no feijão de controle
quanto após o envelhecimento. O armazenamento reduziu a
solubilidade das proteínas, sendo que as proteínas do feijão carioca
apresentaram comportamento de solubilidade diferentes das proteínas
do feijão preto, o qual apresentou menor solubilidade.
5. REFERÊNCIAS
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Analytical Chemists, Washington, D.C.; 1990.
ABU-GHANNAM, N. Modelling textural changes during the hydration
process of red beans. Journal of Food Engineering, Davis, v. 38, p.
341-352, 1998.
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42, p. 612-615, 1994.
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