VISÕES E REPRESENTAÇÕES DE EDUCANDOS DA EJA A
RESPEITO DA ARTICULAÇÃO ENTRE APRENDIZAGEM ESCOLAR
E PREPARO PARA O TRABALHO
Alexandre Gomes SOARES
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG)
Jussara BIAGINI
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG)
Silvani dos Santos VALENTIM
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG)
RESUMO
O trabalho visa verificar as percepções de um grupo de alunos da Educação de Jovens e
Adultos (EJA) a respeito da articulação entre aprendizagem escolar e o preparo para o
trabalho. Os sujeitos da pesquisa compõem o corpo discente da EJA de uma escola pública da
Região Metropolitana de Belo Horizonte/MG . As informações e dados que compõe o corpus
do texto extraem-se de um questionário, aplicado no ano de 2008. O aporte teórico constrói-se
a partir das proposições relativas às formas de dominação e reproduções culturais no campo
da educação escolar; as perspectivas de entender que aprender os conteúdos sistematizados no
interior de uma sala de aula é aprender disposições, consciência e sensibilidade em relação ao
mundo. Incidem questões para (des)cortinar o vinculo identidade – estrutura curricular –
Educação de jovens e adultos e as percepções sobre vinculo escola-trabalho apontadas nas
descrições dos educandos.
PALAVRAS-CHAVES : Eja; Aprendizagem; Trabalho
ABSTRACT
The study aims to assess the perceptions of a group of students of Youth and Adults (EJA)
concerning the relationship between school learning and preparing for work. The study
subjects comprise the student body of AYE from a public school in the metropolitan region of
Belo Horizonte / MG. The information and data that make up the corpus of the text are
1
extracted from a questionnaire administered at the year 2008. The theoretical constructs
themselves from the propositions related to forms of domination and cultural reproduction in
the field of school education, the prospects to understand that learning content systematized
within a classroom is to learn rules, awareness and sensitivity to world. Issues relate to (mis)
screen the identity link - curriculum structure - youth and adults and perceptions of schoolbond work outlined in the descriptions of students.
Keywords: Representations, EJA, World of Work
1 – INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa verificar as percepções de um grupo de alunos da Educação de
Jovens e Adultos (EJA) a respeito da articulação entre aprendizagem escolar e o preparo para
o trabalho. Os sujeitos da pesquisa compõem o corpo discente da EJA de uma escola pública
da Região Metropolitana de Belo Horizonte/MG. As informações e dados que compõe o
corpus do texto foram extraídas de um questionário aplicado no primeiro semestre de 2008 e
partindo desta sondagem são construídas indagações sobre: o perfil dos sujeitos pesquisados,
os interesses dos alunos na escola, os fatores negativos apontados pelos alunos no ambiente
escolar, as situações sociais que estes educandos vivenciaram no contexto externo da escola,
as ocupações profissionais de cada discente, as disciplinas que tem maior dificuldade de
aprendizagem, as projeções ocupacionais no mundo do trabalho, a percepção e ou
entendimento sobre inclusão social, os conhecimentos das normas disciplinares da escola, os
conhecimentos acerca dos direitos na escola. O aporte teórico constrói-se a partir das
proposições de Pierre Bourdieu (1930-2002) relativas às formas de representações e
reproduções culturais no campo da educação escolar; as perspectivas de entender que
aprender os conteúdos sistematizados no interior de uma sala de aula é também aprender
disposições, consciência e sensibilidade em relação ao mundo que está sendo descrito e a
violência simbólica no campo da educação escolar. Com aporte nas proposições de Michel
Foucault (1926-1984) aborda-se a vinculação entre conhecimento/saber e poder e as questões
que incidem (des)cortinar o vínculo entre identidade – estrutura curricular – Educação de
jovens e adultos e as percepções sobre vínculo escola-trabalho. As descrições e análises das
falas das respostas do referido questionário são conduzidas pela perspectiva de Paulo Freire
(1921-1997) a partir do reconhecimento dos pontos de vista, identificação das categorias de
pensamentos e da lógica dos alunos no tocante às visões e representações referentes à
2
articulação entre aprendizagem e preparo para o trabalho. No que tange a categoria trabalho, a
abordagem utilizada aproxima-se do materialismo histórico dialético que compreende o
trabalho como principio educativo. Baseando-se no material analisado, pontua-se a
emergência dos seguintes aspectos interdependentes e complementares relativos à temática
em apreço: forte preceito da mobilidade social, sobretudo, quando se considerar o diploma
escolar como forte pré-requisito para inserção criativa e competitiva no mercado de trabalho;
necessidade de readaptação das estruturas e práticas pedagógicas dos professores que
lecionam na EJA de modo a considerar o perfil sócio-cultural dos alunos; comprometimento
por parte dos alunos da EJA da Escola em função da oferta do ensino gratuito de publico.
Concebe-se que são tênues as indicações dos alunos pesquisados quanto à articulação
aprendizagem escolar na EJA e preparo para o trabalho. Este estudo revela as expectativas de
alguns sujeitos da EJA situados geograficamente numa instituição escolar de uma região
metropolitana de Belo Horizonte e as relações com o mundo do trabalho, em especial quando
se torna pré-requisito a formação e qualificação profissional para a sua re-inserção no mundo
do trabalho.
1 – DIMENSÕES DOS SUJEITOS EDUCANDOS
1.1 - Análise sobre o perfil dos alunos da EJA
É de fundamental importância a integração das diversas dimensões existenciais
presentes na realidade dos sujeitos da EJA aos fatores determinantes da configuração do
processo educativo desses trabalhadores em situação escolar associando-os as possibilidades
de contribuição para a melhoria das ofertas e da qualidade educacionais no processo
formativo para a inclusão e/ou progressão no mundo do trabalho. Das leituras do documento
em apreço concebe-se a necessidade de desenvolver uma readaptação das estruturas, espaços,
organização e práticas escolares na EJA que possibilitem a articulação como um elo mediador
entre o perfil do aluno, as condições reais da ação interativa entre aprendizagem-ensino e as
perspectivas desses educandos diante dos desafios impostos pelo mundo do trabalho.
A proposta neste momento é apontar o perfil dos educandos da EJA, os elementos que
caracterizam estes sujeitos e o contexto no qual estão inseridos. Mudanças ocorridas no século
XX nos diversos setores das esferas social, política, econômica e científica também
3
influenciaram os discursos e práticas adotadas na esfera educacional que refletem e legitimam
o projeto de sociedade proposto nos diferentes momentos históricos (RAIMANN, 2007).
Considerando as regras e padrões cognitivos, o processo de escolarização é constituído
também de relações de poder aplicadas às rotinas e ações presentes na construção de práticas
e identidades sociais das diferentes categorias representadas na sociedade. A ordenação, o
disciplinamento e a regulação presentes nos discursos regulam o conhecimento do mundo e
do
“eu”,
através
dos
padrões
de
seleção,
organização
e
avaliação
curricular
(RAIMANN,2007). O currículo corporifica uma organização particular do conhecimento pela
qual os indivíduos devem regular e disciplinar a si próprios como membros de uma
comunidade/sociedade. É uma imposição do conhecimento do “eu” e do mundo não através
da força bruta e sim pela adoção de signos e símbolos de acordo como os quais a pessoa deve
interpretar e organizar o mundo e nele agir.
Retomando RAIMANN na perspectiva Foucaultiana, o individuo torna-se um artefato
produzido pela tecnologia específica do poder que se chama disciplina. Para tratar do poder e
da formação da sociedade disciplinar recorre-se à estrutura da arquitetura do Panóptico, cujo
dispositivo disciplinador do olhar induz a uma constante vigilância. Em outra linha de
entendimento, esse mesmo modelo funcionaria como uma “máquina de fazer experiências,
modificar o comportamento, treinar ou retreinar os indivíduos. O que faz com que o poder se
mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não,
mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso”.
Na pedagogia, esse dispositivo de observação funcionaria como um laboratório de poder na
produção de saber. Assim, o saber, por sua vez, re-alimentado pelo poder conduziria a essa
relação poder-saber que produz discursos e sujeitos.
Uma aproximação dos educandos sondados e para demonstrar o perfil dos alunos da
Educação de Jovens e Adultos1 foi aplicado um questionário de sondagem a 47 alunos de
duas turmas do Ensino Fundamental (5ª a 7ª série) de uma escola pública no município de
Ribeirão das Neves, situado na Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG), no primeiro
semestre de 2008. O questionário foi composto de 9 perguntas objetivas e não diretivas com o
intuito de possibilitar aos discentes respostas pessoais.
4
A identificação dos sujeitos pesquisados (gráfico 1) demonstra uma equivalência
geracional no número total de Jovens2 (24 – 51%) e Adultos (23 – 49%). Entretanto,
destacamos a prevalência no número e na porcentagem de mulheres dentre os adultos da
amostra (32 – 68%). (Tal resultado remete a duas possíveis inferências: 1ª) conseqüência da
exclusão social e de gênero aliada à valorização de características masculinas selecionadas
pelo mundo do trabalho e a 2ª) atribuição à necessidade das jovens buscarem formação para
inclusão no mundo do trabalho e das mulheres (acima de 30 anos) em buscarem
conhecimentos que permitam o domínio da leitura e da escrita. Vejamos o Gráfico 1 na
identificação dos sujeitos pesquisados.
50
40
30
20
10
0
Feminino
Masculino
Total
Jovens
14
10
24
Adultos
18
5
23
Total geral
32
15
47
Gráfico 1) Identificação dos sujeitos pesquisados
Fonte: Escola Estadual da RMBH
É perceptível que os educandos retomam a trajetória escolar buscando um vínculo
escolar e o preparo para o trabalho, ou buscando uma (re)inserção no mundo do trabalho. A
necessidade que emerge do trabalho no quesito grau de formação é tomada com peça fundante
da volta a escola desse educando, pois este sujeito tem o fazer laboral como condição de
existência e subsistência. Ou seja, as especificidades desses educandos perpassam pela
inserção no mundo do trabalho, saberes não-escolares, pela descontinuidade, pela
flexibilização e outros.
Cabe pontuar que os educandos ao retomarem os estudos procuram uma oferta de
ensino que corresponda às expectativas de sua faixa etária, uma vez que já precisaram
interromper os estudos por vários motivos e não se concebem numa sala de aula com
educandos muito novos.
De acordo com CERQUEIRA(2008) citando Bourdieu e
Champagnhe em Os excluídos do interior: analisam as desigualdades escolares, em que a
5
exclusão intra-escolar daqueles de classe menos abastadas ocorre implicitamente no
preenchimento de vagas em cursos menos disputados, onde a correlação entre proveito e
benefícios escolares é considerada para profissões de baixa remuneração, tornando o sistema
escolar das profissões de “alto gabarito” reservado a alguns poucos.
A Constituição Federal de 1988 – estabelece que "a educação é direito de todos e
dever do Estado e da família..." e ainda, ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive
sua oferta garantida para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria. Além do
Parecer 05/97 do Conselho Nacional de Educação - aborda a questão da denominação
"Educação de Jovens e Adultos" e "Ensino Supletivo", define os limites de idade fixados para
que jovens e adultos se submetam a exames supletivos, define as competências dos sistemas
de ensino e explicita as possibilidades de certificação.
Neste aspecto ressaltamos que cabe às Secretarias de Educação responsabilidade pela
emissão dos documentos necessários, quando for o caso, para a certificação de estudos (grifo
nosso) no nível de conclusão do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, em cumprimento ao
disposto no inciso VII, do Artigo 24, da Lei nº 9.394/96 (LDB). Atualmente existe no Brasil o
Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) que é
um instrumento de avaliação e que mede as competências e habilidades de jovens e adultos,
residentes no Brasil e no exterior, em nível de conclusão do Ensino Fundamental. A adesão ao
ENCCEJA pelas secretarias de Educação (dos Estados, Distrito Federal e municípios) é
opcional. Eis algumas questões eminentes que suscintam esta discussão. Tais como: Certificar
quais habilidades e competências ? A conclusão do nível de ensino deste educando possibilita
que tipos de mobilidades sociais?
Apontamentos da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(Secad), através do Documento Base PROEJA3 Formação Inicial e Continuada – Ensino
Fundamental (2007) ressalta que de forma ainda mais intensa do que na oferta regular, que
muitos dos concluintes do ensino fundamental na modalidade Educação de Jovens e Adultos
não realizam as aprendizagens a que se propõe essa etapa de escolarização (grifo nosso).
Assim, parcela significativa desses sujeitos logra um certificado que tem pouca vinculação
com os conhecimentos aos quais deveria corresponder. Essas questões contribuem para que o
ensino fundamental na modalidade EJA não tenha tanto significado quanto poderia ter para
seus grupos destinatários, pois a conclusão do curso muitas vezes não alcança o objetivo de
6
produzir melhorias tangíveis nas condições de vida desses sujeitos. Ao concluir essa etapa da
educação, grande parte não vislumbra a possibilidade de ascender profissionalmente, de obter
uma melhoria salarial ou de continuar os estudos.
Os docentes podem se perguntar como proceder se a modalidade de Educação de
Jovens e Adultos estiver desvinculada da prática do trabalho ou da educação profissional ? E
o que significa a Educação de Jovens e Adultos atualmente ? Enfim, são reflexões iniciais que
estão presentes e que precisamos dialogar. De acordo com PAIVA
“ educação de jovens e adultos, na contemporaneidade adquire um novo sentido. Este sentido é
fruto das práticas que se vão fazendo nos espaços que educam nas sociedades : escolas,
movimentos sociais, trabalho, práticas cotidianas. Assim desenvolvida, legitima-se por meio de
ordenações jurídicas, de acordos, firmados aprovados pelas instâncias de representação que
conformam as normas da ordem social. (PAIVA, 2004, p.29)”
Podemos perceber que os educandos da EJA são constituídos por jovens e adultos já
inseridos no mercado de trabalho ou não. A realidade em que estão inseridos são movidos
diretamente pelo fator trabalho e que poderá transcorrer pelo emprego e desemprego, bem
como pelo desemprego estrutural4.
1.2- Relação com o processo de ensino aprendizagem
Na relação com o processo de ensino-aprendizagem inserimos Bourdieu associando
ao universo do educando tem-se uma crescente valorização da educação escolar como
estratégia de melhoria de vida e de empregabilidade. Tem-se o reforço da ideologia da
mobilidade social ou da ideologia da igualdade de oportunidade por meio da oferta e da
aquisição de certa quantidade de educação. Na perspectiva ascensão social a partir do êxito
escolar, o sucesso ou o fracasso se explicita freqüentemente pela natureza individual e pela
evidência ou pela falta de dons. Vê-se, então, que o vínculo entre educação e produção
reforçado pela idéia da mobilidade social e da igualdade, atua no sentido de manter a
conservação social. As desigualdades sociais recebem uma aparência de legitimidade que se
funda na ratificação da herança cultural e no tratamento do dom social como dom natural.
Caminhando na análise relacional acima nos indagamos qual ou quais as
representações que estes educandos da EJA trazem consigo com respeito ao vínculo
7
escolarização e preparo para o trabalho? E que paradigmas devemos compreender estes
educandos e a instituição escolar ?
O autor Bourdieu (2004) descreve que
“ representações é tudo aquilo que a palavra implica de exibição teatral destinada a fazer ver e a
fazer valer uma maneira de ver, mas representações que se pretendem numa realidade fundadas
numa “realidade” dotada de todos os meios de impor seu veredito mediante o arsenal de métodos,
instrumentos e técnicas de experimentação coletivamente acumulados e coletivamente
empregados, sob a imposição das disciplinas e das censuras do campo e também pela virtude
invisível da orquestração dos habitus (BOURDIEU, 2004, p.33)”
Analisa-se até quais são as reais funções sociais da escola e como diminuir as mazelas
sócio-econômica, mas é dever desta instituição garantir o acesso e a permanência dos diversos
educandos independente de sua origem social. A pesquisa com os alunos sobre seus principais
interesses na escola aponta suas motivações de retorno aos estudos. O gráfico 2 mostra o que
os educandos mais gostam na escola: estudar (34%), das aulas (32%), dos professores (15%),
diversos (13%), forma de ensino dos professores (4%) e em branco(2 %). Vejamos o Gráfico
2 sobre os interesses dos alunos na escola.
Em Branco
2%
Forma de
ensinar
4%
Diversos
13%
Estudar
34%
Professores
15%
Das Aulas
32%
Gráfico 2) Inte re sse s do aluno na e scola
Fonte: Escola Estadual da RMBH
Fatores negativos na escola
Os fatores negativos na escola apontados pelos alunos estão representados no gráfico
3. A bagunça foi a principal reclamação ou fator negativo apontado pelos alunos (34%). O
somatório das porcentagens registradas pela bagunça mais os 9% dos alunos que não
declararam e os 6% daqueles que não reclamaram de nada, totalizou 49% (praticamente
metade dos valores registrados). As porcentagens (Diversos 39%5 e Não Declarou 9%)
8
poderiam ser resultantes da ação de formas de dominação social expressos por símbolos da
classe dominante e a alienação dos dominados (BOURDIEU, NOGUEIRA e CATANI, 2004)
ou como reflexos de processos de regulação e governo da conduta humana não num sentido
puramente administrativo, mas também político de regulação da população a ser governada
(SILVA, 2005).
A seguir, encontra-se o gráfico 3, os fatores negativos da escola apontados pelo
alunos:
Aula de
Matemática
4%
Aula de Inglês
4%
Falta de respeito
4%
Nada a reclamar
6%
Diversos
39%
Não declarou
9%
Bagunça
34%
Gráfico 3) Fatores negativos da escola apontados pelos aluno
Fonte: Escola Estadual da RMBH.
Cabe fazer uma breve menção sobre o índice citado em duas disciplinas
(Matemática/4%, Inglês/4%) são fatores para se refletir em outro momento sobre a estrutura
em torno destas6.
1.3- Relação com a realidade social e cultural
Busca-se identificar os fatores ou problemas sociais e culturais presentes na
comunidade localizada no entorno da escola. A maioria dos alunos (26 entrevistados / 55%)
apontou a ausência de problemas em sua realidade de vida. Essa alta freqüência de ausência
de problema observada é algo de curioso, pois geralmente o baixo Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) de um município vem acompanhado de altos níveis de violência e de
desemprego, segundo Pochmann (Atlas da Exclusão Social no Brasil7 – 2003), o município
pesquisado está dentre os 34 municípios da RMBH, ocupa o 6° lugar no ranking de violência
e o 9° lugar no índice de exclusão social.
9
Inserimos uma reflexão de PALÁCIOS (1995) utilizada por OLIVEIRA em um artigo
que sintetiza a produção em psicologia a respeito do desenvolvimento humano após a
adolescência, comenta como a idade adulta tem sido tradicionalmente encarada como um
período de estabilidade e ausência de mudanças, e enfatiza a importância de se considerar a
vida adulta como etapa substantiva do desenvolvimento. Enfatiza também a importância dos
fatores culturais na definição das características da vida adulta: " Se cada período da vida é
suscetível de se identificar com uma série de papéis, atividades e relações, não cabe dúvida de
que a entrada no mundo do trabalho e a formação de uma unidade familiar própria são
identificadas como papéis, atividades e relações da maior importância a partir do final da
adolescência.
Pontuamos como possíveis causas para a falta de problemas por muitos alunos o
constrangimento, o desinteresse, o necessário afastamento do pesquisador do objeto de
estudo, a influência hierárquica do professor em relação ao aluno ou mesmo a banalização
diante de problemas freqüentemente vivenciados (Gráfico 4).
30
25
20
15
10
5
0
1
Nenhuma
26
Desemprego
15
Álcool
7
Outros
5
Drogas
1
Violência
0
Presididiário
0
Gráfico 4) Situações da realidade social
Fonte: Escola Estadual da RMBH
10
Os principais problemas identificados pelos alunos foram o desemprego (26 – 55%) e
o alcoolismo (15 – 32%). O primeiro confirmou sua relação direta com o baixo IDH.
Observações em loco, a partir dos comentários dos próprios alunos descreveram a relação
comum entre o desemprego ( o ócio) que leva ao alcoolismo ou vice-versa.
Não foram registrados problemas com presidiários ou de violência nas casas. Apenas
um aluno (2%) apontou problema com drogas. Com base no contexto local, eram esperados
registros de presidiários devido à localização de uma penitenciária no município bem como
uma maior freqüência de situações envolvendo o uso ou tráfico de drogas bem como situações
de violência, realidade em muitos municípios da região metropolitana de Belo Horizonte
(conforme publicações nos principais jornais de Belo Horizonte). Também foram apontados
outros problemas por cinco sujeitos entrevistados sem, entretanto especificá-los em suas
respostas.
As condições sociais presentes no entorno da escola bem como as diferentes trajetórias
de vida trazidas pelos alunos da EJA interferem de forma crucial na realidade escolar. Tais
fatores devem ser considerados no planejamento do processo de ensino-aprendizagem desses
alunos e associados a cultura , relembramos neste momento a descrição de Bourdieu em que
“é enfático ao descrever a escola e a cultura citando que “...só a escola pode criar (ou desenvolver,
segundo o caso) a aspiração à cultura, mesmo à cultura menos escolar. Falar de ‘necessidades
culturais’, sem lembrar que elas são, diferentemente das ‘necessidades primárias’, produtos da
educação, é, com efeito, o melhor meio de dissimular (mais uma vez recorrendo à ideologia do
dom) que as desigualdades frente às obras da cultura erudita não são senão um aspecto e um efeito
das desigualdades frente à escola, que cria a necessidadecultural ao mesmo tempo em que dá e
define os meios de satisfazê-la. A privação em matéria de cultura não é necessariamente percebida
como tal, sendo o aumento da privação acompanhado, ao contrário, de um enfraquecimento da
consciência da privação.” (Bourdieu, 1998: 60).”
Os profissionais da EJA devem observar e estar atentos as diversas peculiaridades
destes educandos, pois
“sabendo por que busca a escola, o adulto elege também seu conteúdo. Espera encontrar, lá, aulas
de ler, escrever e falar bem. Além, é claro, das operações e técnicas aritméticas. Espera obter
informações de um mundo distante do seu, marcado por nomenclaturas que ele considera próprias
de quem sabe das coisas.(BARRETO,CARLOS, 2005,p.63).”
Em outro momento Gimeno Sacristán (2001) afirma que a educação se transforma em
fonte de novas desigualdades no que diz respeito às oportunidades das pessoas em geral de
participarem ativamente do convívio político, econômico, social e cultural. Além de que a
11
escolaridade obrigatória sozinha não consegue combater essas desigualdades, mas, tem
funções sociais a cumprir, que é incluir os sujeitos no processo para que esses sejam
autônomos, pensem e ajam livremente.
1.4 – Metodologia
A metodologia foi indicada pela pesquisa bibliográfica e um levantamento de nove
questões semi-estruturadas para identificar o perfil dos educandos e suas representações /
percepções escolares, estes dados foram coletados junto a Escola Estadual da Região
Metropolitana de Belo Horizonte. A partir daí analisou-se os dados e estabelecemos as
relações entre os levantamentos bibliográficos. Ao realizarmos a análise dos dados buscouse identificar as terminologias descritas por discentes nas relações ensino-aprendizagem,
bem como pontuar o clima organizacional encontrado na instituição que favorecem ou
impeçam o desenvolvimento da aprendizagem. Ressalta-se neste momento que as
considerações
pontuais
estruturantes
do
processo
investigativo
aqui
descrito
desenvolveu-se no corpo discurssivo de cada sessão.
CAPÍTULO 2 – A RELAÇÃO COM O MUNDO DO TRABALHO, RERESENTAÇÃO
ESCOLAR
Em relação à passagem acima e estabelecendo um elo com o Gráfico 5 a seguir temos
um panorama da realidade do mundo do trabalho desses educandos, que de uma maneira
significativa continuaram seu aprendizado neste ambiente ou até mesmo fora dele devido às
circunstâncias do mundo globalizado.
20
15
10
5
0
Seqüência1
Monitora
Motorista
Babá
Do lar
Doméstic
Diversos
Desempr
2
2
3
3
7
14
16
Gráfico 5) Ocupação Profissional
Fonte: Escola Estadual da RMBH
12
Nesta abordagem acima percebemos que o universo de trabalho dos educandos são
marcadas por profissões que não exigem um grau elevado de escolarização, além de contar
com um número elevado de desempregados entre os educandos. Isto representaria a principio
a relação entre baixa formação educacional, qualificação especifica e as necessidades do
mundo do trabalho.
Contudo, SAVIANI (2006) citando Marx e Engels insere que é pelo trabalho que o
homem constrói a sua essência, constrói sua subjetividade ao longo de um processo histórico,
e é mediante as relações de trabalho que este se torna complexo e aperfeiçoa o seu eu.
Considerando que SAVIANI (ANPED,2006) descreve o homem não nasce homem, ele se
forma homem, aprende a ser homem e a produzir sua existência ao longo de sua trajetória
caracterizando um processo educativo, legitimando então a relação entre trabalho e educação
como indissociável, uma relação de identidade
Análogo a estes apontamentos é necessário revisitarmos FREIRE que aponta sua
concepção sobre o trabalho do homem e difere do animal. Vejamos
“O próprio do animal [...] não é estar em relação com seu suporte – se estivesse, o suporte seria
mundo – mas adaptado a ele. Daí que, como um “ser ‘fechado’ em si, ao “produzir” um ninho,
uma colméia, um oco onde viva, não esteja realmente criando produtos que tivessem sido o
resultado de “atos-limites”- respostas transformadoras. Sua atividade produtora está submetida à
satisfação de uma necessidade física, puramente estimulante e não desafiadora. Daí que seus
produtos, fora de dúvida, pertençam diretamente a seus corpos físicos, enquanto o homem é livre
frente a seu produto. [...] Somente na medida em que os produtos que resultam da atividade do ser
não pertençam a seus corpos físicos, ainda que recebam o seu selo, darão surgimento à dimensão
significativa do contexto que, assim, se faz mundo (FREIRE, 1970, p.107-108). “
Os sujeitos da EJA trazem no seu perfil as representações e dimensões que cada um
obteve no seu fluxo de vida (relações familiares, de trabalho, escolares e etc), com
significações e identidades corpóreas peculiares, neste aspecto retoma-se Foucault (2002) e
sua relação com o corpóreo, no qual o autor concebe o corpo como sendo permeado e
constituído pelo poder. Este poder não tem apenas efeitos contraproducente, de interdição,
mas, sobretudo efeitos positivos, criadores de sujeitos, efeitos de classificação, hierarquização
e regulação, normalização nas várias esferas que o sujeito passa. Ressalta-se a sujeição do
educando na esfera do trabalho, sendo que numa perspectiva de escolha entre a escola e o
trabalho (emprego), os educandos escolhem o trabalho.
13
Ao indicar a manifestação corpórea do sujeito da Educação de Jovens e Adultos nas
diversas esferas do mundo do trabalho, repensamos em que sentido os educandos direcionam
suas expectativas à escola ao reiniciar seu ciclo de estudos escolares, paralelo ao trabalho?
Nesta indagação tem-se uma percepção das experiências que eles levam consigo sobre o
trabalho. Diante desta análise, utilizamos a concepção de Saviani (1986) que propõe o
trabalho como princípio educativo. O autor descreve que na verdade, todo sistema
educacional se estrutura a partir da questão do trabalho, pois o trabalho é à base da existência
humana, e os homens se caracterizam como tais na medida em que produzem sua própria
existência, a partir de suas necessidades. Trabalhar é agir sobre a natureza, agir sobre a
realidade, transformando-a em função dos objetivos, das necessidades humanas. A sociedade
se estrutura em função da maneira pela qual se organiza o processo de produção da existência
humana, o processo de trabalho.
2.1 - Relação com a representação escolar
A proposta desenvolvida busca relacionar o processo educativo em especial a
aprendizagem do educando e as expectativas que o mesmo busca no mundo do trabalho, além
de indicar a posição que ocupam na estrutura do trabalho. Cabe inserir que instituição escolar
é esta que os educandos da EJA ocupam? Que tipos de atendimento estão sendo oferecidos
nesta modalidade no ensino noturno?
Libaneo8 expõe claramente
“que a escola precisa sair de seu isolamento, abrir-se para a sociedade global, para a cidade, para a
cultura das crianças, numa articulação mais precisa entre escola e meio social, cultural,
profissional, econômico, ecológico. E ao mesmo tempo que precisa reforçar seu papel de
formação geral e preparação tecnológica (grifo nosso), privilegiando conhecimentos e
habilidades de base, precisa diferenciar-se de outras instituições educativas como família, meios de
comunicação, organizações culturais ou assistenciais.(1998)”
Face as várias transformações sócio-econômicas e políticas surge as alterações
ocorridas na LDB, no caso da educação profissional, através da Lei 11.741, de 2008, a
educação profissional é subdividida em Da Educação Profissional Técnica de Nível Médio –
Seção IV A,inserida logo após a Seção IV do Ensino Médio, como um apêndice desse nível
de ensino. Assim, ficam estabelecidas as formas de oferta da educação profissional técnica de
14
nível médio, quais sejam, articulada com o ensino médio – nas formas integrado ou
concomitante e subseqüente, em consonância com o Decreto Nº 5.154/2004.
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, no que se refere à Educação de
Jovens e Adultos, foi incluído no artigo 37, o parágrafo 3º,que prevê que “A Educação de
Jovens e Adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profissional, na
forma do regulamento”(grifo nosso). Numa percepção crítica da realidade pesquisada da
instituição e o campo disciplinar tem-se uma constatação através da fala destes sujeitos
pesquisados. Vejamos como foram elencadas as disciplinas escolares por grau pelos alunos, é
representado no gráfico 6 . O resultado foi o seguinte : 20 (43%) dos 47 alunos entrevistados,
identificaram a matemática como a disciplina com maior grau, 10 (20%) educandos
apontaram inglês, 9 (18%) português, 3 discentes (6%) apontaram ciências, e 5 (10%) no
somatório das disciplinas restantes.
20
15
10
5
0
Seqüência1
Matemática
Inglês
Português
Ciências
Demais
Disciplinas
20
10
9
3
5
Gráfico 6) Disciplinas que tem maior dificuldade
Fonte: Escola Estadual da RMBH
Percebe-se acima um formato curricular que evidencia uma preleção por vários fatores e que
toca nos processos cognitivos destes educandos. A partir destes apontamentos denota-se uma
relação com os saberes, e o que se desenvolve dentro deste campo curricular que poderiam
estar entrelaçados, mas parecem estar distanciados na prática. A autora Ramos (2006)
inserindo a questão do currículo cita Bernstein descrevendo que
“a idéia de integração em educação é também tributária da análise de Bernstein (1996) sobre os
processos de compartimentação dos saberes, na qual ele introduz os conceitos de classificação e
enquadramento. A classificação refere-se ao grau de manutenção de fronteiras entre os
conteúdos,enquanto o enquadramento, à força da fronteira entre o que pode e o que não pode ser
transmitido numa relação pedagógica. À organização do conhecimento escolar que envolve alto
15
grau de classificação associa-se um currículo que o autor denomina ‘código coleção’; à
organização que vise à redução do nível de classificação associa-se um currículo denominado
‘código integrado’. Segundo Bernstein, a integração coloca as disciplinas e cursos isolados numa
perspectiva relacional, de tal modo que o abrandamento dos enquadramentos e das classificações
do conhecimento escolar promove maior iniciativa de professores e alunos, maior integração dos
saberes escolares com os saberes cotidianos dos alunos, combatendo, assim, a visão hierárquica e
dogmática do conhecimento. “
Os apontamentos que se inserem neste momento relacionam o currículo como um
conhecimento particular, percebido por Popkewitz9 em que o conhecimento escolar como
currículo constituem formas de regulação social, produzidas através de estilos privilegiados
de raciocínio. Aquilo que está inscrito no currículo não é apenas informação, a organização do
conhecimento corporifica formas particulares de agir, sentir, falar e “ver” o mundo e o
“eu”.Vale ressaltar que (Popkewitz·, 2002, pág.173) em História do Currículo, Regulação
Social e Poder enfatiza o currículo como um conhecimento particular, historicamente
formado, sobre o modo como as crianças tornam o mundo inteligível. Partindo da ênfase do
autor sobre as crianças nos atrevemos a levar esta análise relacional ao mundo dos jovens e
adultos na medida em que eles retomam uma formação educacional, e de forma peculiar eles
a resignificam com o mundo do trabalho. Qual é a gramática escolar que temos neste
ambiente escolar? O entendimento que utilizamos aqui por gramática escolar é abordado por
Biagini como “uma representação acerca do ensino escolar, com seus rituais e suas
tradições”(Informação Verbal)10.
Vejamos o Gráfico 7 na perspectiva de profissionalização como se destaca a opção
não declarou dos discentes revelando uma grande lacuna a ser estudada visando paralelamente
uma falta de expectativa com relação ao mundo do trabalho.
Numa outra perspectiva, porém próxima a opção pela profissão Enfermeira (13%),
resultante da opção do público feminino indica uma das categorias profissionais de grande
relevância, o que adverte uma possibilidade de reconhecimento enquanto sujeito sócioeconômico. Consecutivamente as outras categorias profissionais (policia 6%, Médica 6%)
demonstram o caráter de aceitabilidade numa sociedade que é marcada também pelas
diferenças desiguais de gênero. Como dizia Marx que categorias11 são formas de ser,
características da existência.
16
Servidor Público
4%
Advogada
6%
Secretária
4%
Tec. Enfe.
2%
Médica
6%
Outras Prof.
31%
Polícia
6%
Enfermeira
13%
Não Declarou
28%
Gráfico 7) Projeção Ocupacional
Fonte: Escola Estadual da RMBH
Bourdieu estabelece uma análise muita interessante sobre a inserção no mundo do
trabalho, isto é, coloca o diploma e o cargo como instrumentos para a inserção no campo de
trabalho, além de que dá-se uma luta pelo capital cultural12 no que tange a distinção entre os
diplomas e os grupos sociais que o reivindicam.
Partindo da colocação acima somos lançados a repensar que relações se estabelecem
através do campo da educação escolar e campo da produção no qual estes educandos estão
envolvidos. Além da projeção ocupacional está refletindo uma compreensão do mundo
global, de acordo com Biagini (2005), ela expressa também o caráter excludente e
contraditório da realidade capitalista, todavia, fragmenta e desvirtua o trabalho. Não
reconhecendo nesta sua natureza educativa, o capital pretende que a formação para o trabalho
seja a preparação de mão e cérebro voltados unicamente para a produção de capital.
Na perspectiva da categoria exclusão o autor Bourdieu cita categorias sociais no texto
“Os Excluídos do Interior”, e que estas categorias estavam excluídas da escola, bem como as
desigualdades sociais nos dias de hoje são mais sutis. Vejamos o gráfico 8 que aponta uma
informação muito interessante para a realidade escolar.
17
25
20
15
10
5
0
Seqüência1
Não
Não Declarou
Sim
22
16
9
Gráfico 8) Sabem o que é inclusão social ?
Fonte: Escola Estadual da RMBH
Observa-se nesta indicação dos educandos é que através de uma modalidade de ensino
a Educação de Jovens e Adultos – EJA, criado para atender um público, conforme a
Constituição Federal de 1988 onde estabelece que "a educação é direito de todos e dever do
Estado e da família..." e ainda, ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive sua oferta
garantida para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria. A descrição do gráfico
revela que (22 - 47%) dos entrevistados não sabem o que é inclusão social, uma informação
que traz consigo o aspecto da exclusão embutido no cotidiano desses alunos,
consecutivamente (9 – 19%) sabem o que significa e por último (17 – 34%) não declaram.
A partir desta alusão propomos uma zona proximal com Kuenzer citada por Marques
direciona uma análise importante dentro da perspectiva trabalho, formação e certificação e
essencialmente com a categoria exclusão includente, ou seja:
“várias estratégias de exclusão do mercado formal, onde o trabalhador tinha direitos assegurados e
melhores condições de trabalho, acompanhadas de estratégias de inclusão no mundo do trabalho
através de formas precárias. Assim é que trabalhadores são desempregados e re-empregados com
salários mais baixos, mesmo que com carteira assinada; ou re-integrados ao mundo do trabalho
através de empresas terceirizadas prestando os mesmos serviços; ou prestando serviços na
informalidade, de modo que o setor reestruturado se alimenta e mantém sua competitividade
através do trabalho precarizado. De forma equivalente é o processo educacional no Brasil, só que
em direção contrária. Isso porque ao invés do processo de exclusão – como é o caso do trabalho
precarizado - são utilizadas várias estratégias de inclusão formal nos diversos níveis e modalidades
da educação escolar, desprezando-se o conteúdo de uma efetiva inclusão social. Tais métodos não
significam ensino com qualidade, de maneira a permitir a construção plena intelectual e cultural do
ser humano. Pelo contrário, estas práticas respondem à lógica do capital: homens e mulheres
flexíveis, capazes de resolver problemas novos com rapidez e eficiência, acompanhando as
mudanças e educando-se permanentemente. É, nas palavras de Acácia Kuenzer, o processo
chamado de “inclusão excludente”.”
18
Paralelo a isto, o sistema de ensino criado oferece margem para questionar o quão de
estrutura deficitária ainda o ensino, a escola, as instâncias públicas federais, estaduais e
municipais carregam. Quais os fatores que implicam nesta relação entre política pública e
realidade social dos discentes?
Neste cenário educacional onde grupos sociais se estabelecem, currículos são
exercidos, corpos são disciplinados através de normas e/ou regras de conduta observa-se no
Gráfico 9, que praticamente metade dos entrevistados (23) têm ciência das normas
disciplinares e que a outra metade não tem ciência. O autor Popkewitz citando Lundgreen,
1983; Hamilton, 1989; Englund, 199113; no que se refere à idéia de currículo corporifica uma
organização particular do conhecimento pela qual os indivíduos devem regular e disciplinar a
si próprios como membros de uma comunidade/ sociedade.
25
20
15
10
5
0
Seqüência1
Sim
Não
Não Declarou
23
23
1
Gráfico 9) Conhecimentos das normas disciplinares da
escola
Fonte: Escola Estadual da RMBH
Neste gráfico 10 visualizaremos o conhecimento dos direitos dos discentes na escola,
ao tratarmos de direitos dos alunos, referimos a uma linguagem especifica e aos sujeitos que
nela estão envolvidos, mas analisemos que (24 -51%) dos alunos descreveram ter ciência dos
direitos na escola, ou seja, possuem uma experiência intrínseca de participação na escola e
outros espaços do cotidiano. Enquanto a outra parte dos alunos ( 22-46% ) descreveram não
terem ciência dos direitos.
19
30
20
10
0
Seqüência1
Sim
Não
Não Declarou
24
22
1
Gráfico 10) Conhecimentos dos direitos na escola ?
Fonte: Escola Estadual da RMBH
Neste momento inserimos uma reflexão norteadora com relação aos sujeitos que
retornam a escola, uma vez que a escola de acordo com Libâneo
“é uma instituição social com objetivo explicito : o desenvolvimento das potencialidades físicas,
cognitivas e afetivas dos alunos, por meio da aprendizagem dos conteúdos (conhecimentos,
habilidades, procedimentos, atitudes, valores), para tornarem-se cidadãos participativos na
sociedade em que vivem.(LIBÂNEO,2003,pág. 300).”
Partindo desta afirmação fica implícito que as características que compõem uma
organização escolar, envolvem os recursos humanos, estrutura física e curricular, aparato
legal, inclusive os discentes. A partir destas informações deve-se considerar alguns aspectos
iniciais: o primeiro é que o número de alunos matriculados é bem pequeno tendo em vista
nossa realidade brasileira, outro fator refere-se a atuação das diversas esferas (federais,
estaduais e municipais) na perspectiva de atuarem em conjunto e da intersetorialidade. As
ações realizadas pelo governo brasileiro na tentativa de suprir as demandas sociais devem ser
respondidas e saneadas visando o interesse coletivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na perspectiva de que os educandos retomam seus estudos e projetam suas
expectativas devemos pensar a intensidade e a natureza dos investimentos escolares dos
alunos dos estratos sociais mais baixos, o que poderia contribuir, efetivamente, para a sua
ascensão social por intermédio do estudo. Considera-se basicamente que o presente trabalho
demonstrou parte da realidade escolar e extra-escolar através da fala dos educandos, leituras e
20
falas que ainda são veladas pelos diversos campos do poder, hierarquizações. Ainda no que se
refere a estes discursos, refletiu-se em que os educandos revelaram expectativas quanto ao
universo educacional e o mundo do trabalho, em especial quando se torna pré-requisito a
formação e qualificação profissional para a sua re-inserção neste cenário da empregabilidade,
subemprego e outros.
A análise dos resultados da pesquisa possibilitou a leitura das práticas pedagógicas, da
violência e a que ponto a inserção desses alunos está sendo realizada. Entretanto, ficou clara a
necessidade de readaptação das estruturas e práticas escolares a esse público. Algumas
diretrizes foram traçadas nesse sentido, ampliando aos docentes reflexões mais apuradas de
suas práticas. A instituição escolar cabe rever sua estrutura curricular e as normas que a
conduz perante a sociedade que assenta seu presente sobre a mesma. É de fundamental
importância a integração das diversas dimensões existenciais presentes na realidade dos
sujeitos da EJA diante dos desafios impostos pelo mundo do trabalho. Sendo assim, estaremos
caminhando numa perspectiva de materialização do sujeito enquanto cidadão e consciente da
sua composição humana. Sendo assim, cabe finalizar que o público docente merece o respeito
as suas diferenças e as suas peculiaridades sendo efetivadas através da construção de uma
política pública, bem como um currículo multicultural através da participação da sociedade.
REFERÊNCIAS
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http://www.ufop.br/ichs/conifes/anais/EDU/edu1713.htm Acesso em 05/12/2009.
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ed. Petrópolis: Vozes, 2004. 251p.
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Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília, MEC, maio 2000.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. História da violência nas prisões. 9ª ed. Petrópolis:
Vozes, 1991.
FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
GIMENO SACRISTAN, Jose. A educação obrigatória: seu sentido educativo e social. Porto
Alegre: Artemed, 2001. 128p.
NOGUEIRA, Maria Alice.; NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins. Bourdieu & a
educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. 149p.
21
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(Fragmento) Trabalho encomendado pelo GT "Educação de pessoas jovens e adultas" e
apresentado na Reunião Anual da ANPEd. Caxambu: 26 a 30 de setembro de 1999.
POPKEWITZ, Thomas. História do currículo, regulação social e poder. In.: Tomás Tadeu
da Silva (org.). O Sujeito da Educação: Estudos Foucaultianos, pp.173-209. Petrópolis:
Vozes.
PAIVA, J. Educação de Jovens e Adultos: questões atuais em cenário de mudanças. In:
OLIVEIRA, Ines barbosa de; PAIVA, Jane. (Org.). Educação de Jovens e Adultos. Petrópolis:
DP et alii, 2009, v. , p. 22-34.
PALACIOS, Jesús. O desenvolvimento após a adolescência.In COLL,C., PALACIOS, J. e
MARCHESI, A. (orgs). Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia evolutiva. v.1.
Tradução de Marcos A.G.Domingues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
RAIMANN, Elizabeth Gottschalg. O currículo e a educação de jovens e adultos: espaço de
poder-saber. Revista ACOALFAplp Acolhendo a Alfabetização nos Países de Língua
portuguesa, São Paulo, ano 2, n. 3,2007. Disponível em: <http://www.mocambras.org> e ou
<http://www.acoalfaplp.org>. Publicado em: setembro 2007.
RAMOS, M. N. . Currículo Integrado - Verbete. In: Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio - FIOCRUZ. (Org.). Dicionário da Educação Profissional em Saúde. Rio de Janeiro:
EPSJV/FIOCRUZ, 2006, v. 1, p. 77-80.
SAVIANI, Demerval. Trabalho e Educação: Fundamentos Ontológicos e Históricos. In: 29
REUNIÃO ANUAL DA ANPED, Caxambu/MG, 2006.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais
em educação. 6. ed. Petrópolis: 2005. 243p.
KUENZER, Acácia. Zeneida. Exclusão includente e inclusão excludente: a nova forma de
dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho. In: Dermeval
Saviani; José Liiz Sanfelice; José Claudinei Lombardi. (Org.). Capitalismo, trabalho e
educação. 3ª ed. Campinas: Autores Associados, 2005, v., p. 77-96.
NOTAS
1
As reflexões na temática de educação de jovens e adultos são necessárias tendo em vista o histórico de várias
propostas educacionais em nosso país que tentaram oferecer educação aos jovens e adultos vinculados ou não à
educação profissional, tais como: Brasil Alfabetizado, Saberes da Terra, Educando para a Liberdade, Fazendo
Escola, Escola de Fábrica, Juventude Cidadã, PRONERA, ProJovem e ProEJA. Revelando fragmentação das
ações governamentais e que indica a ausência de políticas públicas.
22
2
Conforme Classificação da UNESCO = Jovens (15 a 29 anos)
3
Partindo do decreto presidencial 5.154/2004 o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com
a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA abrange cursos que,
proporcionam formação profissional com escolarização para jovens e adultos. A idade mínima para acessar os
cursos do PROEJA é de 18 anos na data da matrícula e não há limite máximo.
4
O desemprego estrutural é originado por esta situação: fim de postos de trabalho em virtude da criação de
máquinas capazes de desempenhar as funções de forma mais rápida e econômica. Esta realidade não é nova,
sempre foi verificada ao longo da história, com a criação da roda, da máquina de tear, da máquina a vapor,
contudo, a “inovação” é a velocidade com que as novas tecnologias estão sendo criadas e aplicadas. Para maiores
informações ver MAIA, Marcela de Almeida. Desemprego Estrutural, Exclusão Social e Sociedade Civil.
http://www.ccj.ufpb.br/primafacie/prima/artigos/n6/desemprego.pdf
5
Neste caso constata-se como Diversos ( Falta de merenda, intervalo curto, falta de aula de educação física e
outros).
6
Para um estudo mais especifico ver artigo de Dominique Juliá, “Disciplinas escolares: objetivos, ensino e
apropriação”, por sua vez, discute a pesquisa em história das disciplinas escolares, argumentando que esse
campo de estudos deve levar em conta os objetivos associados não apenas às referidas disciplinas, mas também
às práticas reais de ensino e à apropriação dos conteúdos por parte dos alunos.
7
O Atlas da Exclusão Social é um livro de referência para profissionais e acadêmicos que se interessam pela
temática da responsabilidade social. Os autores realizaram uma ampla pesquisa, envolvendo os 5.507 municípios
brasileiros, dando forma a uma verdadeira geografia da exclusão social no Brasil. Por meio do cruzamento de
diferentes indicadores relacionados ao padrão de vida (grau de pobreza dos chefes de família, taxa de emprego
formal e desigualdade de renda); ao conhecimento (taxa de alfabetização da população acima de cinco anos e
média de escolaridade dos chefes de família); e ao risco juvenil (porcentagem de jovens na população e número
de homicídios por 100 mil habitantes), os autores conceberam o índice de exclusão social. Esse índice varia de
zero a um, sendo que as piores condições estão próximas de zero, ao passo que as melhores situações estão
próximas de um. Ver em www.fae.edu/publicacoes/pdf/revista_fae_business/.../13_atlas.pdf
8
Para uma melhor compreensão ver em http://www.revistas.ufg.br/index.php/fef/article/viewArticle/8/2613
Perspectivas de uma pedagogia emancipadora face às transformações do mundo contemporâneo .
Http://www.revistas.ufg.br/index.php/fef/article/viewarticle/8/2613
9
POPKEWITZ, Thomas . História do currículo, regulação social e poder. In.: Tomás Tadeu da Silva (org.). O
Sujeito da Educação: Estudos Foucaultianos, pp.173-209. Petrópolis: Vozes.
10
Concepção obtida na aula da Professora Jussara Biagini em 04/10/2008, denominada de Aspectos-Chaves das
Interações e Situação Aprendizagem da disciplina: Processos de Ensino-Aprendizagem na EJA, na Ed. Bas. e na
Educ. Profissional.
11
O
verbete
categorias
de
Marx
está
disponível
em
http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/categoria/index.html> Acesso em 20/12/2008.
12
De acordo Bonnewitz (2003), Bourdieu trabalha com o conceito de capitais para definir os bens em disputa
numa sociedade, bens tangíveis e intangíveis. São quatro os tipos de capitais: 1) capital econômico – refere-se
aos fatores de produção (terra, fábricas, trabalho) e bens econômicos – bens materiais. 2) Capital cultural –
conjunto de qualificações intelectuais produzidas pelo sistema escolar ou transmitidas pela família. 3) Capital
social – rede de relações sociais que dispõe o indivíduo. 4) Capital simbólico – rituais ligados à honra e ao
reconhecimento. É o tipo de capital necessário a obtenção dos demais tipos de capitais.
23
13
Para maiores detalhes consultar :LUNDGREN, U. Between hope and happening : Text and contexts in
curriculum. Geelong, Deakin University Press,1983. HAMILTON, D. Towards a theory of schooling. Londres,
Falmer Press,1989. ENGLUND, T.”Rethinking Curriculum History – Towards a Theoretical
Reorientation”.AERA, Simpósio sobre História do Currículo.Chicago,1991.
24
Download

visões e representações de educandos da eja a respeito da