Luiz Fernando Fraga | [email protected]
Mario Gelli | [email protected]
ABRIL | JUNHo 2012
MAIS UMA INOVAÇÃO DO STJ NA APLICAÇÃO
DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
Pedro do Val | [email protected]
JUROS E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA:
NECESSIDADE DE UNIFORMIZAÇÃO
Neste momento de questionamentos sobre as taxas de juros
compensatórios (ou remuneratórios) praticadas por bancos, vale
a reflexão também sobre a atualização monetária e os juros
moratórios legais, notadamente sobre a falta de padrão dos
índices utilizados no Brasil.
A correção monetária (hoje “atualização”, Resolução CFC nº
875/00) imposta por lei surgiu nos anos 1960 e evoluiu muito
em função do longo período de hiperinflação que o país
enfrentou. Vale lembrar que os índices inflacionários chegaram
à casa dos 2.500% ao ano, cenário que só foi revertido com a
implantação do Plano Real.
Conquanto a estabilidade econômica perdure por quase duas
décadas e algumas atualizações tenham sido extintas (v.g.,
correção das demonstrações financeiras), a legislação ainda
prevê a atualização monetária em caso de inadimplemento de
obrigações, indenização por enriquecimento ilícito ou qualquer
débito resultante de decisão judicial.
A correção monetária, considerada mera atualização do poder de
compra da moeda, não se confunde com os juros de mora, sanção
imposta por lei ou contrato àqueles que descumprem obrigações
e retardam a restituição de capital ou pagamento em dinheiro.
Nos contratos em geral, admite-se a eleição de índice de
atualização monetária e a disposição sobre juros moratórios
até o limite de 12% ao ano (Lei da Usura). Porém, nas hipóteses
de atualização e juros moratórios legais, a tarefa de identificar
os índices aplicáveis não é simples.
No âmbito das Justiças Estaduais, diante de lacuna legislativa,
a maioria dos Tribunais aplica o INPC/IBGE como substituto
do IPC-r (Lei nº 9.069/95) para o cálculo da atualização.
Contudo, algumas Cortes divergem.Por exemplo, o Tribunal do
Paraná aplica a média entre o IGP-DI/FGV e o INPC (Dec. Fed.
nº 1.544/95) e o Tribunal do Rio de Janeiro utiliza incomum
correção anual pela UFIR-RJ (Dec. Est. nº 27.518/00).
A questão é ainda mais controvertida em relação aos juros
moratórios. No Código Civil de 1916, a taxa era de 0,5% ao mês.
Já o Código Civil de 2002 faz referência à taxa em vigor para a
mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional,
causando grande celeuma entre a aplicação da taxa SELIC (Lei
Criada por Tribunal da Inglaterra no século XIX, a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica começou a ser estruturada por doutrinadores brasileiros dos
anos 60, seguindo-se, então, muitas decisões judiciais a aplicarem essa teoria no
Brasil, por décadas, sem que existisse regra legal expressa a respeito.
nº 9.065/95) ou, por suposta ilegalidade desta, de 1% ao mês
(CTN). O Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser aplicável a
SELIC (Embargos de Divergência em REsp nº 727842-SP), mas
muitos dos Tribunais Estaduais continuam a discordar.
Após algumas disposições legais específicas (tais como no Código de Defesa do
Consumidor e em leis de proteção ao meio ambiente e à ordem econômica), a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica somente veio a ser objeto de
regra legal expressa e geral no Código Civil de 2002.
Como a SELIC leva em consideração a inflação projetada,
caso utilizada, deve servir como índice único para atualização
monetária e juros. Assim, aplicam-se, a depender do Tribunal,
(i) SELIC ou (ii) índice de inflação eleito pela Corte e juros
de 1% ao mês.
Desde então, havendo se tornado parte do dia a dia do Judiciário no Brasil,
a aplicação da referida teoria em pouco tempo começou a ganhar novos alcances,
indo além da concepção tradicional ao permitir que o patrimônio de sócio seja
atingido para a satisfação de débito de sua sociedade (“em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial” – cf. artigo 50 do Código Civil de 2002).
Caso uma parte executada realize o depósito em juízo do
valor cobrado, ainda que a soma não seja imediatamente
disponibilizada ao credor, passam a valer os índices da caderneta
de poupança que corrigem o depósito judicial: TR mais 0,5% ao
mês, ressalvada a eventual redução prevista nas novas regras
introduzidas pela MP nº 567/12.
Assim é que, mais uma vez por criação jurisprudencial, os Tribunais brasileiros
passaram a admitir a chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica,
mediante a qual se permite que o patrimônio de sociedade seja atingido para
a satisfação de débito de seu sócio.
Por fim, a depender da natureza da dívida, os índices aplicáveis
também são diferentes. Para dívidas trabalhistas, a atualização
é pela TR e os juros de mora de 1% ao mês (Lei nº 8.177/91).
Para dívidas da Administração Pública Federal, até junho de
2009, a Justiça Federal considera aplicáveis UFIR (jan/92dez/00) e IPCA-E/IBGE (jan/01-jun/09, Lei nº 8.383/91), em
caso de atualização monetária simples, e SELIC para atualização
acrescida de juros.
Um passo adiante, a jurisprudência brasileira também começou a admitir a
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica de modo a atingir
o patrimônio de sociedade sob o mesmo controle de sociedade sujeita a execução
em cobrança de dívida (numa espécie de “v” invertido).
Ainda seguindo em frente, vários julgados passaram a permitir a desconsideração da
personalidade jurídica (tradicional e/ou inversa) de modo a atingir sucessivamente
patrimônios de vários sócios e/ou sociedades, para cima e/ou para baixo, chegando
a se falar em desconsideração da personalidade jurídica em “w” ou “w” invertido.
A partir de julho de 2009 (Lei nº 11.960/09), incidem em relação
a condenações da Fazenda Pública os índices da caderneta de
poupança já mencionados, critério aplicado pela Justiça Federal
e, para as dívidas das Fazendas Públicas Estaduais e Municipais,
pelas Justiças Estaduais.
Em todas as possibilidades acima mencionadas, desde a mais tradicional até
a mais arrojada, sempre houve em comum uma condição indispensável: a existência
de vínculos societários formais, ainda que de modo sequencial.
Recentemente, contudo, o STJ veio a decidir pela possibilidade de, mediante
aplicação ampliativa da teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
estenderem-se os efeitos da falência de uma empresa a outra, ainda que não
havendo vínculo societário formal entre elas (Recurso Especial 1.258.751-SP,
3ª Turma, Relatora Min. Nancy Andrighi).
Portanto, é flagrante a falta de segurança jurídica sobre o
tema, a qual, além de desnecessários embates judiciais, gera
reflexos em toda economia. Apenas para citar alguns exemplos,
atrapalha o cálculo das dívidas que deverão ser contingenciadas
pelas empresas em seus balanços e dificulta a mensuração exata
de passivos incluídos em indenizações ou reps and warranties
de contratos de M&A. Isso sem considerar a desconfiança
causada em investidores estrangeiros.
Entendeu o STJ que, mesmo na ausência de vínculo formal entre as sociedades,
a teoria da desconsideração da personalidade jurídica deveria ser aplicada diante
de fundada suspeita de realização de operações visando ao desvio de patrimônio
da falida nos anos anteriores à quebra.
Portanto, seria oportuna uma uniformização dos índices
de correção monetária e juros de mora legais.
Para fundamentar sua decisão, o STJ afirmou que, independentemente da
existência de participação no capital social, seria possível constatar-se coligação
entre sociedades a partir de elementos fáticos a demonstrarem efetiva influência
de uma sociedade nas decisões da outra.
Tem-se aí uma nova possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica criada pela jurisprudência brasileira, esta que, cabe ressaltar,
de maneira geral também vem se preocupando em impor limites à respectiva
utilização desmedida.
5
6
EXPEDIENTE
CONSELHO EDITORIAL
Paulo Cezar Aragão,
Francisco Antunes Maciel Müssnich,
Plínio Simões Barbosa.
PRODUÇÃO
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como opinião legal para operações
ou transações específicas.
Principais áreas de atuação do
Barbosa, Müssnich & Aragão:
Brasil aumenta combate à
corrupção no setor privado
Comércio Internacional
Contencioso e Arbitragem
Direito Ambiental
Tramita no Congresso projeto de lei que
dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.
A ampliação do combate à corrupção para
alcançar o setor privado não é iniciativa isolada do Brasil e nem uma visão do futuro.
Ao contrário, é resultado de um movimento
internacional, promovido pela Organização
para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), e de mudanças de atitude
nos órgãos de law enforcement (Polícia e Ministério Público), que passaram a focar suas
ações também para o lado ativo da corrupção, utilizando, inclusive, técnicas tradicionais de investigação e produção de provas.
Direito Concorrencial
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e Assuntos Governamentais
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01
Brasil aumenta combate à
corrupção no setor privado
02
Defesa comercial e interesse público
03
Novo regulamento da CCI
e o árbitro de emergência
04
Lei nº 12.529/2011, troca de
informações e operações de M&A
ICMS – Guerra fiscal e de portos:
novo capítulo
Os textos do BM&A Review
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37
05
Juros e atualização monetária:
necessidade de uniformização
06
Mais uma inovação do STJ na
aplicação da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica
Antenor Madruga, sócio da área de Ética Corporativa
e Direito Penal Empresarial
Também avança a cooperação jurídica internacional, valendo-se do interesse de alguns
países em aplicar leis que punem a corrupção de funcionário público estrangeiro, inclusive
em atos praticados fora de seus territórios. O exemplo mais contundente desta alteração
é a aplicação do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) pelas autoridades americanas.
O FCPA tem servido para os EUA alcançarem não apenas suas empresas como, também, as
estrangeiras que negociam ações em seu mercado mobiliário ou cujos negócios utilizaram
sua estrutura. As autoridades americanas consideram ainda ter jurisdição sobre empresas
estrangeiras que façam operações em dólares, tendo em vista que essas transações são
necessariamente compensadas em bancos localizados nos EUA.
O envolvimento em problemas de corrupção representa significativo risco à capacidade
operacional e à saúde financeira da empresa. Ou seja, vai além de processos e restrições
penais contra executivos e funcionários. Buscas e apreensões, perda de patrimônio, devolução
de lucros, multas milionárias, proibições de contratação pelo poder público causam também
danos à imagem. Avaliar tais riscos, portanto, é mais que um imperativo ético.
O risco de processos com base no FCPA também atinge empresas brasileiras, principalmente aquelas que não têm efetivos programas de compliance e mecanismos de controle.
Para o BM&A, a nova realidade exige oferecer – no dia a dia – atividades que antes eram
desenvolvidas para os clientes apenas em projetos específicos, como nas due diligences
realizadas antes de operações de fusões e aquisições.
Esta é a proposta da área de Ética Corporativa e Direito Penal Empresarial do escritório,
liderada pelo sócio Antenor Madruga. “Inicialmente, intensificamos as parcerias com
escritórios estrangeiros e serviços de gerenciamento de riscos. Nossa iniciativa mais recente
foi a inclusão da prática de Direito Penal Empresarial. O BM&A, que antes atuava apenas
em parceria com outros escritórios, agora também presta consultoria direta a clientes
corporativos, o que é particularmente importante em situações de crise”, resume Madruga,
que já atuou como diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
Internacional do Ministério da Justiça e vem desenvolvendo as atividades do escritório
nessa área nos últimos dois anos.
Marcelo Gandelman | [email protected]
Julia Ivantes | [email protected]
José Carlos da Matta Berardo | [email protected]
Lei nº 12.529/2011, troca de informações e operações de M&A
Novo regulamento da CCI e o árbitro de emergência
Adriana Dantas | [email protected]
Elaini Silva | [email protected]
No início deste ano, entrou em vigor o novo Regulamento da
Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional
(“CCI”), uma das mais antigas e tradicionais câmaras de
arbitragem utilizadas para a resolução de conflitos empresariais.
DEFESA COMERCIAL E INTERESSE PÚBLICO
Após longo tempo de maturação e discussões, o Regulamento
sofreu diversas modificações, com o objetivo de aprimorar o
trâmite dos procedimentos arbitrais e conferir-lhes maior
eficácia e eficiência. Dentre as várias novidades, destaca-se a
criação da figura do “árbitro de emergência”, incluído no artigo
29 do Regulamento.
Em fevereiro último, a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) determinou a criação do Grupo Técnico de Análise de
Interesse Público (GTIP) e atribuiu-lhe competência para avaliar se, para além dos fundamentos técnicos analisados em
investigações de dumping e de subsídios, há interesse público na aplicação das medidas recomendadas.
No Brasil, as investigações de defesa comercial são conduzidas pelo Departamento de Defesa Comercial (DECOM),
da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Tal
Departamento tem competência para conduzir investigações de dumping, subsídios e salvaguardas em importações, a
pedido da indústria nacional.
Essa alteração decorre da necessidade de a parte obter um
provimento cautelar para resguardar direito ou prova que
poderia perecer antes do momento processual adequado para
sua produção no curso de uma arbitragem. O procedimento,
descrito no Apêndice V do Regulamento, tem o seguinte trâmite:
a parte interessada em obter uma medida urgente apresenta
petição devidamente fundamentada e instruída à Secretaria da
CCI, que será encaminhada ao Presidente da CCI para análise
sobre regularidade da cláusula compromissória de arbitragem
e sobre a existência de algum óbice à adoção do procedimento
do árbitro de emergência. Atendidos tais requisitos, o Presidente
enviará uma cópia da solicitação da parte Requerente à parte
Requerida.
A prática de dumping e o recebimento de subsídios governamentais que alterem as condições de concorrência no mercado
constituem práticas desleais do comércio internacional, condenadas com base nas regras da Organização Mundial do
Comércio (OMC) e na legislação brasileira aplicável. Investigações de defesa comercial têm o objetivo de neutralizar os
efeitos decorrentes de tais práticas e constituem mecanismos eficazes na proteção da indústria doméstica.
No entanto, muitas vezes o “remédio” determinado pelo governo para conter as distorções causadas por importações
marcadas por tais práticas acaba por ocasionar reações adversas no mercado, tais como aumento de preços, alterações
nas condições de oferta e demanda e, em casos extremos, inviabilização de fábricas e/ou operações locais dependentes
de importações.
De fato, a cláusula de interesse público, que permite a suspensão da aplicação de medidas ou sua aplicação em valor
diferente do recomendado pelo DECOM, ou ainda a não homologação de compromissos de preços, já estava presente
na legislação brasileira desde 1995, quando o Acordo Antidumping da OMC foi regulamentado pelo Decreto 1.602, de
23 de agosto de 1995.
O Presidente da CCI também é responsável pela indicação
do árbitro de emergência, que deve ser realizada “dentro do
menor prazo possível, normalmente em dois dias contados da
recepção, pela Secretaria, da Solicitação”.1 Após a indicação, o
árbitro de emergência assinará uma “declaração de aceitação,
disponibilidade, imparcialidade e independência”2, sendo facultado
às partes apresentar impugnação ao árbitro de emergência
nomeado pelo Presidente da CCI.
“Interesse público”, nesse caso, refere-se a questões que evidenciem um interesse maior da Administração Pública em
sua proteção, em vista de sua colaboração com o progresso material e moral da sociedade. A estabilidade do preço de
um determinado produto no mercado nacional, o potencial fechamento de fábricas em virtude de um direito aplicado,
assim como danos diversos à indústria downstream, por exemplo, são casos em que o interesse público pode clamar
pela não aplicação das medidas determinadas ou por sua aplicação em níveis diferenciados.
Uma vez nomeado e não impugnado pelas partes, o árbitro de
emergência estabelecerá um cronograma para o procedimento,
sendo que sua decisão final – chamada de Ordem – deve ser
proferida em até quinze dias contados da data em que ele recebeu
os autos do procedimento. O Regulamento, contudo, admite que
“mediante solicitação fundamentada de uma parte [...] o árbitro
de emergência poderá alterar, revogar ou anular a Ordem”.3
Na União Europeia, por exemplo, a análise do “interesse da União” é requisito para a aplicação de medidas de defesa
comercial. Tal análise se dá durante a investigação e, dessa forma, envolve a apresentação de dados detalhados sobre
todas as indústrias envolvidas e permite a participação de todos os interessados na formação de um contraditório.
No entanto, a referida cláusula de interesse público foi aplicada em apenas poucas investigações, que concluíram pela
imposição de direitos antidumping. É o caso, por exemplo, das investigações referentes a importações de pneus para
bicicleta provenientes da Índia e da China, cimento portland do México e da Venezuela, nitrato de amônio e nitrato
de amônio estabilizado (binário) da Rússia e da Ucrânia e ferro cromo alto carbono proveniente da África do Sul, do
Cazaquistão e da Rússia.
Também é importante observar que o Regulamento esclarece que
“[a] ordem proferida pelo árbitro de emergência não vinculará
o tribunal arbitral no que tange a qualquer questão, tema ou
controvérsia determinada em tal ordem” e que a parte Requerente
tem o prazo de dez dias para enviar à CCI um Requerimento de
Arbitragem, sob pena de extinção do procedimento do árbitro
de emergência.
Com a formalização do procedimento, a expectativa é de aumento do recurso de partes afetadas pela aplicação de
medidas antidumping e compensatórias. Tal procedimento deverá seguir as regras e princípios básicos que norteiam
procedimentos administrativos, e assegurar a proteção à ampla defesa e ao contraditório.
Inovação interessante que acompanhou a criação do GTIP foi a atribuição de sua secretaria à Secretaria de
Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda, de forma a equilibrar a participação do MDIC e da
Fazenda nas decisões relativas a defesa do mercado. Em junho, o roteiro para pedidos de análise deve ser divulgado,
assim como o regimento interno do Grupo.
2
A criação do GTIP contribui para a estabilidade das relações econômicas e a garantia de direitos no ordenamento brasileiro.
Resta acompanhar como se dará, na prática, a condução dos procedimentos e os respectivos impactos sobre defesa
comercial no Brasil. A expectativa é de elevado volume de recursos ao Grupo, sobretudo por parte de importadores e
setores da indústria afetados pela restrição.
A necessidade de aprovação prévia de fusões e aquisições pelo
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), estabelecida pela Lei nº 12.529/2011, traz consigo uma série de novas
complexidades aos processos de negociação de fusões e aquisições no Brasil. O artigo 88 dessa Lei, além de estabelecer a
apreciação da autoridade de concorrência como condição para
a “consumação” dos negócios, é expresso ao determinar que as
condições de concorrência entre as empresas envolvidas sejam
preservadas até a decisão final do CADE, sob pena de aplicação
de multa, nulidade de contratos e até mesmo investigação por
prática de cartel.
As custas iniciais do procedimento de árbitro de emergência
são correspondentes a US$ 40.000,00 e devem ser pagas
inicialmente pelo Requerente. Este valor pode ser aumentado
pelo árbitro de emergência, considerando “a natureza do caso e
a natureza do trabalho elaborado”5, e, em sua decisão final, ele
deverá fixar os custos do procedimento e determinar qual das
partes será responsável por eles e em que medida.
A atualização do Regulamento demonstra uma clara preocupação
da CCI em tornar mais rápido e efetivo o procedimento arbitral.
A reflexão sobre esta questão deve ser compartilhada com as
partes no momento da celebração dos contratos, para que
possam discutir se pretendem ou não submeter eventuais
questões urgentes e anteriores à formação do Tribunal Arbitral
ao procedimento do árbitro de emergência. Caso as partes não
tenham este interesse, é importante que da redação final da
cláusula compromissória de arbitragem conste expressamente
a impossibilidade de utilização deste procedimento ou que se
convencione outro procedimento para a concessão de medidas
cautelares ou provisórias,6 evitando discussões a respeito da
competência sobre o tema no momento do litígio.7
A “preservação das condições de concorrência” tende a modificar profundamente a maneira como as negociações são conduzidas e as operações de fusão e aquisição, estruturadas. Com
isso, as partes deverão negociar entre si e aguardar a aprovação
do CADE permanecendo concorrentes efetivos, o que pode ser
especialmente complexo no caso de negociações envolvendo
parceiros estratégicos, notadamente concorrentes.
Assim, o CADE adiantou-se e afirmou que as empresas deverão manter “condições competitivas inalteradas”, sendo vedado
“qualquer tipo de influência de uma parte sobre a outra” e “a
Neste contexto, verifica-se que o Poder Judiciário nacional já
alcançou elevado nível de maturidade, com a devida compreensão
de que a competência para conceder determinando provimento
cautelar preparatório não se confunde com a competência
para julgar o mérito do litígio que, por vontade das partes, foi
outorgada ao juízo arbitral.
Item 1 do artigo 2º do Apêndice V do Regulamento.
2
Item 5 do artigo 2º do Apêndice V do Regulamento.
3
Item 8 do artigo 6º do Apêndice V do Regulamento.
4
Item 3 do artigo 29 do Regulamento.
5
Item 2 do artigo 7º do Apêndice V do Regulamento.
6
Item 6c do artigo 29 do Regulamento.
Por exemplo, se é bastante razoável admitir que determinados
dados de um potencial alvo – principais contratos com clientes
e fornecedores, por exemplo – são essenciais para o processo de
avaliação do negócio e projeção de potenciais sinergias, também
é necessário reconhecer que a troca desse tipo de informação,
principalmente entre concorrentes, serve pelo menos para despertar suspeitas quanto à efetiva preservação das condições de
concorrência.
Situações como essa indicam que identificar os limites do “estritamente necessário” na troca de informações concorrencialmente sensíveis, sobretudo em procedimentos de auditoria, será com
certeza um dos maiores desafios nas operações de M&A, nesse
novo mundo de complexidades que é o regime de análise prévia.
ICMS – Guerra fiscal e de portos: novo capítulo
Há anos a guerra fiscal e de portos, travada entre os estados da
Federação, gera expectativa de inúmeras empresas sujeitas ao
ICMS (operações de importação e/ou operações internas). De um
lado, estados manejam a competência tributária para, mediante a
redução do ICMS, atrair investimentos e propiciar o desenvolvimento local. E, de outro lado, questionam a validade de benefícios
fiscais concedidos sem prévia aprovação do Conselho Nacional
de Política Fazendária (CONFAZ).
Este cenário, conhecido por todos, ganhou relevantes elementos
tendentes a solucionar a controvérsia jurídica e a adequação
das políticas estaduais.
Após declarar inconstitucionais diversas leis estaduais, o Supremo Tribunal Federal (STF) discute8 a Proposta de Súmula Vinculante nº 69. No manifesto propósito de vincular à orientação
do STF todos os Tribunais e a Administração Pública e estancar
a multiplicação de processos, o Ministro Gilmar Mendes propôs
o seguinte enunciado: “Qualquer isenção, incentivo, redução
de alíquota ou base de cálculo, crédito presumido, dispensa de
pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito
do CONFAZ, é inconstitucional”.
É verdade que o item 7 do artigo 29 do Regulamento estabelece
expressamente que “[a]s disposições sobre árbitro de emergência não têm
a finalidade de impedir que qualquer parte requeira medidas cautelares
ou provisórias urgentes a qualquer autoridade judicial competente
a qualquer momento”. Contudo, é altamente recomendável que se
evite este tipo de discussão no momento do litígio, uma vez que estas
questões podem gerar atraso significativo na prestação jurisdicional
e no atendimento da urgência da parte.
7
O debate sobre a proposição sumular acontece ao tempo da importante definição acerca dos efeitos temporais das decisões de
3
Trata-se de um posicionamento vago e, nesse contexto, é tema
de especial preocupação o acesso a informações consideradas
“concorrencialmente sensíveis”, seja durante a auditoria legal
e financeira (due diligence), seja durante o período de análise
da operação pelo CADE.
Lígia Regini | [email protected]
Letícia Ramires | [email protected]
Por fim, somente a efetiva utilização do “árbitro de emergência”
poderá dizer se, de fato, as medidas urgentes serão apreciadas
de forma célere e eficaz, atendendo a demanda das partes e
reforçando as possibilidades de utilização de arbitragem para
resolução de conflitos.
1
troca de informações concorrencialmente sensíveis que não
seja estritamente necessária” para o contrato.
4
inconstitucionalidade dos benefícios fiscais. Há de ser definido
pelo STF se as decisões têm os típicos efeitos para o passado e
o futuro ou se, a despeito da invalidade da norma, as decisões
têm efeitos meramente prospectivos.
Beneficiários das inconstitucionais benesses fiscais temem a
imediata cobrança do ICMS não recolhido e/ou recolhido a menor nos últimos 5 anos, enquanto os adquirentes das mercadorias “beneficiadas”, localizados em outros estados, enfrentam
autuações decorrentes da glosa do crédito do ICMS.
Contribuintes de ICMS que realizam importações não estão menos preocupados. A Resolução do Senado Federal nº 13 (25.4.12)
mina a “guerra dos portos” com a fixação da alíquota de 4% nas
operações interestaduais com bens e mercadorias importadas do
exterior, a partir de janeiro de 2013. Apesar da questionável constitucionalidade e legalidade, a Resolução propõe-se a proteger a
indústria nacional e certamente afetará muitas empresas importadoras instaladas em estados concedentes de benefícios fiscais.
Esses elementos compõem um novo capítulo da guerra fiscal e
dos portos, com negativo impacto sobre investimentos e atividades empresariais a justificar a revisão da estratégia relacionada às operações internas e de importação sujeitas ao ICMS.
8
Até a data da edição deste artigo, em maio de 2012.
Marcelo Gandelman | [email protected]
Julia Ivantes | [email protected]
José Carlos da Matta Berardo | [email protected]
Lei nº 12.529/2011, troca de informações e operações de M&A
Novo regulamento da CCI e o árbitro de emergência
Adriana Dantas | [email protected]
Elaini Silva | [email protected]
No início deste ano, entrou em vigor o novo Regulamento da
Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional
(“CCI”), uma das mais antigas e tradicionais câmaras de
arbitragem utilizadas para a resolução de conflitos empresariais.
DEFESA COMERCIAL E INTERESSE PÚBLICO
Após longo tempo de maturação e discussões, o Regulamento
sofreu diversas modificações, com o objetivo de aprimorar o
trâmite dos procedimentos arbitrais e conferir-lhes maior
eficácia e eficiência. Dentre as várias novidades, destaca-se a
criação da figura do “árbitro de emergência”, incluído no artigo
29 do Regulamento.
Em fevereiro último, a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) determinou a criação do Grupo Técnico de Análise de
Interesse Público (GTIP) e atribuiu-lhe competência para avaliar se, para além dos fundamentos técnicos analisados em
investigações de dumping e de subsídios, há interesse público na aplicação das medidas recomendadas.
No Brasil, as investigações de defesa comercial são conduzidas pelo Departamento de Defesa Comercial (DECOM),
da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Tal
Departamento tem competência para conduzir investigações de dumping, subsídios e salvaguardas em importações, a
pedido da indústria nacional.
Essa alteração decorre da necessidade de a parte obter um
provimento cautelar para resguardar direito ou prova que
poderia perecer antes do momento processual adequado para
sua produção no curso de uma arbitragem. O procedimento,
descrito no Apêndice V do Regulamento, tem o seguinte trâmite:
a parte interessada em obter uma medida urgente apresenta
petição devidamente fundamentada e instruída à Secretaria da
CCI, que será encaminhada ao Presidente da CCI para análise
sobre regularidade da cláusula compromissória de arbitragem
e sobre a existência de algum óbice à adoção do procedimento
do árbitro de emergência. Atendidos tais requisitos, o Presidente
enviará uma cópia da solicitação da parte Requerente à parte
Requerida.
A prática de dumping e o recebimento de subsídios governamentais que alterem as condições de concorrência no mercado
constituem práticas desleais do comércio internacional, condenadas com base nas regras da Organização Mundial do
Comércio (OMC) e na legislação brasileira aplicável. Investigações de defesa comercial têm o objetivo de neutralizar os
efeitos decorrentes de tais práticas e constituem mecanismos eficazes na proteção da indústria doméstica.
No entanto, muitas vezes o “remédio” determinado pelo governo para conter as distorções causadas por importações
marcadas por tais práticas acaba por ocasionar reações adversas no mercado, tais como aumento de preços, alterações
nas condições de oferta e demanda e, em casos extremos, inviabilização de fábricas e/ou operações locais dependentes
de importações.
De fato, a cláusula de interesse público, que permite a suspensão da aplicação de medidas ou sua aplicação em valor
diferente do recomendado pelo DECOM, ou ainda a não homologação de compromissos de preços, já estava presente
na legislação brasileira desde 1995, quando o Acordo Antidumping da OMC foi regulamentado pelo Decreto 1.602, de
23 de agosto de 1995.
O Presidente da CCI também é responsável pela indicação
do árbitro de emergência, que deve ser realizada “dentro do
menor prazo possível, normalmente em dois dias contados da
recepção, pela Secretaria, da Solicitação”.1 Após a indicação, o
árbitro de emergência assinará uma “declaração de aceitação,
disponibilidade, imparcialidade e independência”2, sendo facultado
às partes apresentar impugnação ao árbitro de emergência
nomeado pelo Presidente da CCI.
“Interesse público”, nesse caso, refere-se a questões que evidenciem um interesse maior da Administração Pública em
sua proteção, em vista de sua colaboração com o progresso material e moral da sociedade. A estabilidade do preço de
um determinado produto no mercado nacional, o potencial fechamento de fábricas em virtude de um direito aplicado,
assim como danos diversos à indústria downstream, por exemplo, são casos em que o interesse público pode clamar
pela não aplicação das medidas determinadas ou por sua aplicação em níveis diferenciados.
Uma vez nomeado e não impugnado pelas partes, o árbitro de
emergência estabelecerá um cronograma para o procedimento,
sendo que sua decisão final – chamada de Ordem – deve ser
proferida em até quinze dias contados da data em que ele recebeu
os autos do procedimento. O Regulamento, contudo, admite que
“mediante solicitação fundamentada de uma parte [...] o árbitro
de emergência poderá alterar, revogar ou anular a Ordem”.3
Na União Europeia, por exemplo, a análise do “interesse da União” é requisito para a aplicação de medidas de defesa
comercial. Tal análise se dá durante a investigação e, dessa forma, envolve a apresentação de dados detalhados sobre
todas as indústrias envolvidas e permite a participação de todos os interessados na formação de um contraditório.
No entanto, a referida cláusula de interesse público foi aplicada em apenas poucas investigações, que concluíram pela
imposição de direitos antidumping. É o caso, por exemplo, das investigações referentes a importações de pneus para
bicicleta provenientes da Índia e da China, cimento portland do México e da Venezuela, nitrato de amônio e nitrato
de amônio estabilizado (binário) da Rússia e da Ucrânia e ferro cromo alto carbono proveniente da África do Sul, do
Cazaquistão e da Rússia.
Também é importante observar que o Regulamento esclarece que
“[a] ordem proferida pelo árbitro de emergência não vinculará
o tribunal arbitral no que tange a qualquer questão, tema ou
controvérsia determinada em tal ordem” e que a parte Requerente
tem o prazo de dez dias para enviar à CCI um Requerimento de
Arbitragem, sob pena de extinção do procedimento do árbitro
de emergência.
Com a formalização do procedimento, a expectativa é de aumento do recurso de partes afetadas pela aplicação de
medidas antidumping e compensatórias. Tal procedimento deverá seguir as regras e princípios básicos que norteiam
procedimentos administrativos, e assegurar a proteção à ampla defesa e ao contraditório.
Inovação interessante que acompanhou a criação do GTIP foi a atribuição de sua secretaria à Secretaria de
Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda, de forma a equilibrar a participação do MDIC e da
Fazenda nas decisões relativas a defesa do mercado. Em junho, o roteiro para pedidos de análise deve ser divulgado,
assim como o regimento interno do Grupo.
2
A criação do GTIP contribui para a estabilidade das relações econômicas e a garantia de direitos no ordenamento brasileiro.
Resta acompanhar como se dará, na prática, a condução dos procedimentos e os respectivos impactos sobre defesa
comercial no Brasil. A expectativa é de elevado volume de recursos ao Grupo, sobretudo por parte de importadores e
setores da indústria afetados pela restrição.
A necessidade de aprovação prévia de fusões e aquisições pelo
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), estabelecida pela Lei nº 12.529/2011, traz consigo uma série de novas
complexidades aos processos de negociação de fusões e aquisições no Brasil. O artigo 88 dessa Lei, além de estabelecer a
apreciação da autoridade de concorrência como condição para
a “consumação” dos negócios, é expresso ao determinar que as
condições de concorrência entre as empresas envolvidas sejam
preservadas até a decisão final do CADE, sob pena de aplicação
de multa, nulidade de contratos e até mesmo investigação por
prática de cartel.
As custas iniciais do procedimento de árbitro de emergência
são correspondentes a US$ 40.000,00 e devem ser pagas
inicialmente pelo Requerente. Este valor pode ser aumentado
pelo árbitro de emergência, considerando “a natureza do caso e
a natureza do trabalho elaborado”5, e, em sua decisão final, ele
deverá fixar os custos do procedimento e determinar qual das
partes será responsável por eles e em que medida.
A atualização do Regulamento demonstra uma clara preocupação
da CCI em tornar mais rápido e efetivo o procedimento arbitral.
A reflexão sobre esta questão deve ser compartilhada com as
partes no momento da celebração dos contratos, para que
possam discutir se pretendem ou não submeter eventuais
questões urgentes e anteriores à formação do Tribunal Arbitral
ao procedimento do árbitro de emergência. Caso as partes não
tenham este interesse, é importante que da redação final da
cláusula compromissória de arbitragem conste expressamente
a impossibilidade de utilização deste procedimento ou que se
convencione outro procedimento para a concessão de medidas
cautelares ou provisórias,6 evitando discussões a respeito da
competência sobre o tema no momento do litígio.7
A “preservação das condições de concorrência” tende a modificar profundamente a maneira como as negociações são conduzidas e as operações de fusão e aquisição, estruturadas. Com
isso, as partes deverão negociar entre si e aguardar a aprovação
do CADE permanecendo concorrentes efetivos, o que pode ser
especialmente complexo no caso de negociações envolvendo
parceiros estratégicos, notadamente concorrentes.
Assim, o CADE adiantou-se e afirmou que as empresas deverão manter “condições competitivas inalteradas”, sendo vedado
“qualquer tipo de influência de uma parte sobre a outra” e “a
Neste contexto, verifica-se que o Poder Judiciário nacional já
alcançou elevado nível de maturidade, com a devida compreensão
de que a competência para conceder determinando provimento
cautelar preparatório não se confunde com a competência
para julgar o mérito do litígio que, por vontade das partes, foi
outorgada ao juízo arbitral.
Item 1 do artigo 2º do Apêndice V do Regulamento.
2
Item 5 do artigo 2º do Apêndice V do Regulamento.
3
Item 8 do artigo 6º do Apêndice V do Regulamento.
4
Item 3 do artigo 29 do Regulamento.
5
Item 2 do artigo 7º do Apêndice V do Regulamento.
6
Item 6c do artigo 29 do Regulamento.
Por exemplo, se é bastante razoável admitir que determinados
dados de um potencial alvo – principais contratos com clientes
e fornecedores, por exemplo – são essenciais para o processo de
avaliação do negócio e projeção de potenciais sinergias, também
é necessário reconhecer que a troca desse tipo de informação,
principalmente entre concorrentes, serve pelo menos para despertar suspeitas quanto à efetiva preservação das condições de
concorrência.
Situações como essa indicam que identificar os limites do “estritamente necessário” na troca de informações concorrencialmente sensíveis, sobretudo em procedimentos de auditoria, será com
certeza um dos maiores desafios nas operações de M&A, nesse
novo mundo de complexidades que é o regime de análise prévia.
ICMS – Guerra fiscal e de portos: novo capítulo
Há anos a guerra fiscal e de portos, travada entre os estados da
Federação, gera expectativa de inúmeras empresas sujeitas ao
ICMS (operações de importação e/ou operações internas). De um
lado, estados manejam a competência tributária para, mediante a
redução do ICMS, atrair investimentos e propiciar o desenvolvimento local. E, de outro lado, questionam a validade de benefícios
fiscais concedidos sem prévia aprovação do Conselho Nacional
de Política Fazendária (CONFAZ).
Este cenário, conhecido por todos, ganhou relevantes elementos
tendentes a solucionar a controvérsia jurídica e a adequação
das políticas estaduais.
Após declarar inconstitucionais diversas leis estaduais, o Supremo Tribunal Federal (STF) discute8 a Proposta de Súmula Vinculante nº 69. No manifesto propósito de vincular à orientação
do STF todos os Tribunais e a Administração Pública e estancar
a multiplicação de processos, o Ministro Gilmar Mendes propôs
o seguinte enunciado: “Qualquer isenção, incentivo, redução
de alíquota ou base de cálculo, crédito presumido, dispensa de
pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito
do CONFAZ, é inconstitucional”.
É verdade que o item 7 do artigo 29 do Regulamento estabelece
expressamente que “[a]s disposições sobre árbitro de emergência não têm
a finalidade de impedir que qualquer parte requeira medidas cautelares
ou provisórias urgentes a qualquer autoridade judicial competente
a qualquer momento”. Contudo, é altamente recomendável que se
evite este tipo de discussão no momento do litígio, uma vez que estas
questões podem gerar atraso significativo na prestação jurisdicional
e no atendimento da urgência da parte.
7
O debate sobre a proposição sumular acontece ao tempo da importante definição acerca dos efeitos temporais das decisões de
3
Trata-se de um posicionamento vago e, nesse contexto, é tema
de especial preocupação o acesso a informações consideradas
“concorrencialmente sensíveis”, seja durante a auditoria legal
e financeira (due diligence), seja durante o período de análise
da operação pelo CADE.
Lígia Regini | [email protected]
Letícia Ramires | [email protected]
Por fim, somente a efetiva utilização do “árbitro de emergência”
poderá dizer se, de fato, as medidas urgentes serão apreciadas
de forma célere e eficaz, atendendo a demanda das partes e
reforçando as possibilidades de utilização de arbitragem para
resolução de conflitos.
1
troca de informações concorrencialmente sensíveis que não
seja estritamente necessária” para o contrato.
4
inconstitucionalidade dos benefícios fiscais. Há de ser definido
pelo STF se as decisões têm os típicos efeitos para o passado e
o futuro ou se, a despeito da invalidade da norma, as decisões
têm efeitos meramente prospectivos.
Beneficiários das inconstitucionais benesses fiscais temem a
imediata cobrança do ICMS não recolhido e/ou recolhido a menor nos últimos 5 anos, enquanto os adquirentes das mercadorias “beneficiadas”, localizados em outros estados, enfrentam
autuações decorrentes da glosa do crédito do ICMS.
Contribuintes de ICMS que realizam importações não estão menos preocupados. A Resolução do Senado Federal nº 13 (25.4.12)
mina a “guerra dos portos” com a fixação da alíquota de 4% nas
operações interestaduais com bens e mercadorias importadas do
exterior, a partir de janeiro de 2013. Apesar da questionável constitucionalidade e legalidade, a Resolução propõe-se a proteger a
indústria nacional e certamente afetará muitas empresas importadoras instaladas em estados concedentes de benefícios fiscais.
Esses elementos compõem um novo capítulo da guerra fiscal e
dos portos, com negativo impacto sobre investimentos e atividades empresariais a justificar a revisão da estratégia relacionada às operações internas e de importação sujeitas ao ICMS.
8
Até a data da edição deste artigo, em maio de 2012.
Marcelo Gandelman | [email protected]
Julia Ivantes | [email protected]
José Carlos da Matta Berardo | [email protected]
Lei nº 12.529/2011, troca de informações e operações de M&A
Novo regulamento da CCI e o árbitro de emergência
Adriana Dantas | [email protected]
Elaini Silva | [email protected]
No início deste ano, entrou em vigor o novo Regulamento da
Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional
(“CCI”), uma das mais antigas e tradicionais câmaras de
arbitragem utilizadas para a resolução de conflitos empresariais.
DEFESA COMERCIAL E INTERESSE PÚBLICO
Após longo tempo de maturação e discussões, o Regulamento
sofreu diversas modificações, com o objetivo de aprimorar o
trâmite dos procedimentos arbitrais e conferir-lhes maior
eficácia e eficiência. Dentre as várias novidades, destaca-se a
criação da figura do “árbitro de emergência”, incluído no artigo
29 do Regulamento.
Em fevereiro último, a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) determinou a criação do Grupo Técnico de Análise de
Interesse Público (GTIP) e atribuiu-lhe competência para avaliar se, para além dos fundamentos técnicos analisados em
investigações de dumping e de subsídios, há interesse público na aplicação das medidas recomendadas.
No Brasil, as investigações de defesa comercial são conduzidas pelo Departamento de Defesa Comercial (DECOM),
da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Tal
Departamento tem competência para conduzir investigações de dumping, subsídios e salvaguardas em importações, a
pedido da indústria nacional.
Essa alteração decorre da necessidade de a parte obter um
provimento cautelar para resguardar direito ou prova que
poderia perecer antes do momento processual adequado para
sua produção no curso de uma arbitragem. O procedimento,
descrito no Apêndice V do Regulamento, tem o seguinte trâmite:
a parte interessada em obter uma medida urgente apresenta
petição devidamente fundamentada e instruída à Secretaria da
CCI, que será encaminhada ao Presidente da CCI para análise
sobre regularidade da cláusula compromissória de arbitragem
e sobre a existência de algum óbice à adoção do procedimento
do árbitro de emergência. Atendidos tais requisitos, o Presidente
enviará uma cópia da solicitação da parte Requerente à parte
Requerida.
A prática de dumping e o recebimento de subsídios governamentais que alterem as condições de concorrência no mercado
constituem práticas desleais do comércio internacional, condenadas com base nas regras da Organização Mundial do
Comércio (OMC) e na legislação brasileira aplicável. Investigações de defesa comercial têm o objetivo de neutralizar os
efeitos decorrentes de tais práticas e constituem mecanismos eficazes na proteção da indústria doméstica.
No entanto, muitas vezes o “remédio” determinado pelo governo para conter as distorções causadas por importações
marcadas por tais práticas acaba por ocasionar reações adversas no mercado, tais como aumento de preços, alterações
nas condições de oferta e demanda e, em casos extremos, inviabilização de fábricas e/ou operações locais dependentes
de importações.
De fato, a cláusula de interesse público, que permite a suspensão da aplicação de medidas ou sua aplicação em valor
diferente do recomendado pelo DECOM, ou ainda a não homologação de compromissos de preços, já estava presente
na legislação brasileira desde 1995, quando o Acordo Antidumping da OMC foi regulamentado pelo Decreto 1.602, de
23 de agosto de 1995.
O Presidente da CCI também é responsável pela indicação
do árbitro de emergência, que deve ser realizada “dentro do
menor prazo possível, normalmente em dois dias contados da
recepção, pela Secretaria, da Solicitação”.1 Após a indicação, o
árbitro de emergência assinará uma “declaração de aceitação,
disponibilidade, imparcialidade e independência”2, sendo facultado
às partes apresentar impugnação ao árbitro de emergência
nomeado pelo Presidente da CCI.
“Interesse público”, nesse caso, refere-se a questões que evidenciem um interesse maior da Administração Pública em
sua proteção, em vista de sua colaboração com o progresso material e moral da sociedade. A estabilidade do preço de
um determinado produto no mercado nacional, o potencial fechamento de fábricas em virtude de um direito aplicado,
assim como danos diversos à indústria downstream, por exemplo, são casos em que o interesse público pode clamar
pela não aplicação das medidas determinadas ou por sua aplicação em níveis diferenciados.
Uma vez nomeado e não impugnado pelas partes, o árbitro de
emergência estabelecerá um cronograma para o procedimento,
sendo que sua decisão final – chamada de Ordem – deve ser
proferida em até quinze dias contados da data em que ele recebeu
os autos do procedimento. O Regulamento, contudo, admite que
“mediante solicitação fundamentada de uma parte [...] o árbitro
de emergência poderá alterar, revogar ou anular a Ordem”.3
Na União Europeia, por exemplo, a análise do “interesse da União” é requisito para a aplicação de medidas de defesa
comercial. Tal análise se dá durante a investigação e, dessa forma, envolve a apresentação de dados detalhados sobre
todas as indústrias envolvidas e permite a participação de todos os interessados na formação de um contraditório.
No entanto, a referida cláusula de interesse público foi aplicada em apenas poucas investigações, que concluíram pela
imposição de direitos antidumping. É o caso, por exemplo, das investigações referentes a importações de pneus para
bicicleta provenientes da Índia e da China, cimento portland do México e da Venezuela, nitrato de amônio e nitrato
de amônio estabilizado (binário) da Rússia e da Ucrânia e ferro cromo alto carbono proveniente da África do Sul, do
Cazaquistão e da Rússia.
Também é importante observar que o Regulamento esclarece que
“[a] ordem proferida pelo árbitro de emergência não vinculará
o tribunal arbitral no que tange a qualquer questão, tema ou
controvérsia determinada em tal ordem” e que a parte Requerente
tem o prazo de dez dias para enviar à CCI um Requerimento de
Arbitragem, sob pena de extinção do procedimento do árbitro
de emergência.
Com a formalização do procedimento, a expectativa é de aumento do recurso de partes afetadas pela aplicação de
medidas antidumping e compensatórias. Tal procedimento deverá seguir as regras e princípios básicos que norteiam
procedimentos administrativos, e assegurar a proteção à ampla defesa e ao contraditório.
Inovação interessante que acompanhou a criação do GTIP foi a atribuição de sua secretaria à Secretaria de
Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda, de forma a equilibrar a participação do MDIC e da
Fazenda nas decisões relativas a defesa do mercado. Em junho, o roteiro para pedidos de análise deve ser divulgado,
assim como o regimento interno do Grupo.
2
A criação do GTIP contribui para a estabilidade das relações econômicas e a garantia de direitos no ordenamento brasileiro.
Resta acompanhar como se dará, na prática, a condução dos procedimentos e os respectivos impactos sobre defesa
comercial no Brasil. A expectativa é de elevado volume de recursos ao Grupo, sobretudo por parte de importadores e
setores da indústria afetados pela restrição.
A necessidade de aprovação prévia de fusões e aquisições pelo
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), estabelecida pela Lei nº 12.529/2011, traz consigo uma série de novas
complexidades aos processos de negociação de fusões e aquisições no Brasil. O artigo 88 dessa Lei, além de estabelecer a
apreciação da autoridade de concorrência como condição para
a “consumação” dos negócios, é expresso ao determinar que as
condições de concorrência entre as empresas envolvidas sejam
preservadas até a decisão final do CADE, sob pena de aplicação
de multa, nulidade de contratos e até mesmo investigação por
prática de cartel.
As custas iniciais do procedimento de árbitro de emergência
são correspondentes a US$ 40.000,00 e devem ser pagas
inicialmente pelo Requerente. Este valor pode ser aumentado
pelo árbitro de emergência, considerando “a natureza do caso e
a natureza do trabalho elaborado”5, e, em sua decisão final, ele
deverá fixar os custos do procedimento e determinar qual das
partes será responsável por eles e em que medida.
A atualização do Regulamento demonstra uma clara preocupação
da CCI em tornar mais rápido e efetivo o procedimento arbitral.
A reflexão sobre esta questão deve ser compartilhada com as
partes no momento da celebração dos contratos, para que
possam discutir se pretendem ou não submeter eventuais
questões urgentes e anteriores à formação do Tribunal Arbitral
ao procedimento do árbitro de emergência. Caso as partes não
tenham este interesse, é importante que da redação final da
cláusula compromissória de arbitragem conste expressamente
a impossibilidade de utilização deste procedimento ou que se
convencione outro procedimento para a concessão de medidas
cautelares ou provisórias,6 evitando discussões a respeito da
competência sobre o tema no momento do litígio.7
A “preservação das condições de concorrência” tende a modificar profundamente a maneira como as negociações são conduzidas e as operações de fusão e aquisição, estruturadas. Com
isso, as partes deverão negociar entre si e aguardar a aprovação
do CADE permanecendo concorrentes efetivos, o que pode ser
especialmente complexo no caso de negociações envolvendo
parceiros estratégicos, notadamente concorrentes.
Assim, o CADE adiantou-se e afirmou que as empresas deverão manter “condições competitivas inalteradas”, sendo vedado
“qualquer tipo de influência de uma parte sobre a outra” e “a
Neste contexto, verifica-se que o Poder Judiciário nacional já
alcançou elevado nível de maturidade, com a devida compreensão
de que a competência para conceder determinando provimento
cautelar preparatório não se confunde com a competência
para julgar o mérito do litígio que, por vontade das partes, foi
outorgada ao juízo arbitral.
Item 1 do artigo 2º do Apêndice V do Regulamento.
2
Item 5 do artigo 2º do Apêndice V do Regulamento.
3
Item 8 do artigo 6º do Apêndice V do Regulamento.
4
Item 3 do artigo 29 do Regulamento.
5
Item 2 do artigo 7º do Apêndice V do Regulamento.
6
Item 6c do artigo 29 do Regulamento.
Por exemplo, se é bastante razoável admitir que determinados
dados de um potencial alvo – principais contratos com clientes
e fornecedores, por exemplo – são essenciais para o processo de
avaliação do negócio e projeção de potenciais sinergias, também
é necessário reconhecer que a troca desse tipo de informação,
principalmente entre concorrentes, serve pelo menos para despertar suspeitas quanto à efetiva preservação das condições de
concorrência.
Situações como essa indicam que identificar os limites do “estritamente necessário” na troca de informações concorrencialmente sensíveis, sobretudo em procedimentos de auditoria, será com
certeza um dos maiores desafios nas operações de M&A, nesse
novo mundo de complexidades que é o regime de análise prévia.
ICMS – Guerra fiscal e de portos: novo capítulo
Há anos a guerra fiscal e de portos, travada entre os estados da
Federação, gera expectativa de inúmeras empresas sujeitas ao
ICMS (operações de importação e/ou operações internas). De um
lado, estados manejam a competência tributária para, mediante a
redução do ICMS, atrair investimentos e propiciar o desenvolvimento local. E, de outro lado, questionam a validade de benefícios
fiscais concedidos sem prévia aprovação do Conselho Nacional
de Política Fazendária (CONFAZ).
Este cenário, conhecido por todos, ganhou relevantes elementos
tendentes a solucionar a controvérsia jurídica e a adequação
das políticas estaduais.
Após declarar inconstitucionais diversas leis estaduais, o Supremo Tribunal Federal (STF) discute8 a Proposta de Súmula Vinculante nº 69. No manifesto propósito de vincular à orientação
do STF todos os Tribunais e a Administração Pública e estancar
a multiplicação de processos, o Ministro Gilmar Mendes propôs
o seguinte enunciado: “Qualquer isenção, incentivo, redução
de alíquota ou base de cálculo, crédito presumido, dispensa de
pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito
do CONFAZ, é inconstitucional”.
É verdade que o item 7 do artigo 29 do Regulamento estabelece
expressamente que “[a]s disposições sobre árbitro de emergência não têm
a finalidade de impedir que qualquer parte requeira medidas cautelares
ou provisórias urgentes a qualquer autoridade judicial competente
a qualquer momento”. Contudo, é altamente recomendável que se
evite este tipo de discussão no momento do litígio, uma vez que estas
questões podem gerar atraso significativo na prestação jurisdicional
e no atendimento da urgência da parte.
7
O debate sobre a proposição sumular acontece ao tempo da importante definição acerca dos efeitos temporais das decisões de
3
Trata-se de um posicionamento vago e, nesse contexto, é tema
de especial preocupação o acesso a informações consideradas
“concorrencialmente sensíveis”, seja durante a auditoria legal
e financeira (due diligence), seja durante o período de análise
da operação pelo CADE.
Lígia Regini | [email protected]
Letícia Ramires | [email protected]
Por fim, somente a efetiva utilização do “árbitro de emergência”
poderá dizer se, de fato, as medidas urgentes serão apreciadas
de forma célere e eficaz, atendendo a demanda das partes e
reforçando as possibilidades de utilização de arbitragem para
resolução de conflitos.
1
troca de informações concorrencialmente sensíveis que não
seja estritamente necessária” para o contrato.
4
inconstitucionalidade dos benefícios fiscais. Há de ser definido
pelo STF se as decisões têm os típicos efeitos para o passado e
o futuro ou se, a despeito da invalidade da norma, as decisões
têm efeitos meramente prospectivos.
Beneficiários das inconstitucionais benesses fiscais temem a
imediata cobrança do ICMS não recolhido e/ou recolhido a menor nos últimos 5 anos, enquanto os adquirentes das mercadorias “beneficiadas”, localizados em outros estados, enfrentam
autuações decorrentes da glosa do crédito do ICMS.
Contribuintes de ICMS que realizam importações não estão menos preocupados. A Resolução do Senado Federal nº 13 (25.4.12)
mina a “guerra dos portos” com a fixação da alíquota de 4% nas
operações interestaduais com bens e mercadorias importadas do
exterior, a partir de janeiro de 2013. Apesar da questionável constitucionalidade e legalidade, a Resolução propõe-se a proteger a
indústria nacional e certamente afetará muitas empresas importadoras instaladas em estados concedentes de benefícios fiscais.
Esses elementos compõem um novo capítulo da guerra fiscal e
dos portos, com negativo impacto sobre investimentos e atividades empresariais a justificar a revisão da estratégia relacionada às operações internas e de importação sujeitas ao ICMS.
8
Até a data da edição deste artigo, em maio de 2012.
Luiz Fernando Fraga | [email protected]
Mario Gelli | [email protected]
ABRIL | JUNHo 2012
MAIS UMA INOVAÇÃO DO STJ NA APLICAÇÃO
DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
Pedro do Val | [email protected]
JUROS E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA:
NECESSIDADE DE UNIFORMIZAÇÃO
Neste momento de questionamentos sobre as taxas de juros
compensatórios (ou remuneratórios) praticadas por bancos, vale
a reflexão também sobre a atualização monetária e os juros
moratórios legais, notadamente sobre a falta de padrão dos
índices utilizados no Brasil.
A correção monetária (hoje “atualização”, Resolução CFC nº
875/00) imposta por lei surgiu nos anos 1960 e evoluiu muito
em função do longo período de hiperinflação que o país
enfrentou. Vale lembrar que os índices inflacionários chegaram
à casa dos 2.500% ao ano, cenário que só foi revertido com a
implantação do Plano Real.
Conquanto a estabilidade econômica perdure por quase duas
décadas e algumas atualizações tenham sido extintas (v.g.,
correção das demonstrações financeiras), a legislação ainda
prevê a atualização monetária em caso de inadimplemento de
obrigações, indenização por enriquecimento ilícito ou qualquer
débito resultante de decisão judicial.
A correção monetária, considerada mera atualização do poder de
compra da moeda, não se confunde com os juros de mora, sanção
imposta por lei ou contrato àqueles que descumprem obrigações
e retardam a restituição de capital ou pagamento em dinheiro.
Nos contratos em geral, admite-se a eleição de índice de
atualização monetária e a disposição sobre juros moratórios
até o limite de 12% ao ano (Lei da Usura). Porém, nas hipóteses
de atualização e juros moratórios legais, a tarefa de identificar
os índices aplicáveis não é simples.
No âmbito das Justiças Estaduais, diante de lacuna legislativa,
a maioria dos Tribunais aplica o INPC/IBGE como substituto
do IPC-r (Lei nº 9.069/95) para o cálculo da atualização.
Contudo, algumas Cortes divergem.Por exemplo, o Tribunal do
Paraná aplica a média entre o IGP-DI/FGV e o INPC (Dec. Fed.
nº 1.544/95) e o Tribunal do Rio de Janeiro utiliza incomum
correção anual pela UFIR-RJ (Dec. Est. nº 27.518/00).
A questão é ainda mais controvertida em relação aos juros
moratórios. No Código Civil de 1916, a taxa era de 0,5% ao mês.
Já o Código Civil de 2002 faz referência à taxa em vigor para a
mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional,
causando grande celeuma entre a aplicação da taxa SELIC (Lei
Criada por Tribunal da Inglaterra no século XIX, a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica começou a ser estruturada por doutrinadores brasileiros dos
anos 60, seguindo-se, então, muitas decisões judiciais a aplicarem essa teoria no
Brasil, por décadas, sem que existisse regra legal expressa a respeito.
nº 9.065/95) ou, por suposta ilegalidade desta, de 1% ao mês
(CTN). O Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser aplicável a
SELIC (Embargos de Divergência em REsp nº 727842-SP), mas
muitos dos Tribunais Estaduais continuam a discordar.
Após algumas disposições legais específicas (tais como no Código de Defesa do
Consumidor e em leis de proteção ao meio ambiente e à ordem econômica), a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica somente veio a ser objeto de
regra legal expressa e geral no Código Civil de 2002.
Como a SELIC leva em consideração a inflação projetada,
caso utilizada, deve servir como índice único para atualização
monetária e juros. Assim, aplicam-se, a depender do Tribunal,
(i) SELIC ou (ii) índice de inflação eleito pela Corte e juros
de 1% ao mês.
Desde então, havendo se tornado parte do dia a dia do Judiciário no Brasil,
a aplicação da referida teoria em pouco tempo começou a ganhar novos alcances,
indo além da concepção tradicional ao permitir que o patrimônio de sócio seja
atingido para a satisfação de débito de sua sociedade (“em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial” – cf. artigo 50 do Código Civil de 2002).
Caso uma parte executada realize o depósito em juízo do
valor cobrado, ainda que a soma não seja imediatamente
disponibilizada ao credor, passam a valer os índices da caderneta
de poupança que corrigem o depósito judicial: TR mais 0,5% ao
mês, ressalvada a eventual redução prevista nas novas regras
introduzidas pela MP nº 567/12.
Assim é que, mais uma vez por criação jurisprudencial, os Tribunais brasileiros
passaram a admitir a chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica,
mediante a qual se permite que o patrimônio de sociedade seja atingido para
a satisfação de débito de seu sócio.
Por fim, a depender da natureza da dívida, os índices aplicáveis
também são diferentes. Para dívidas trabalhistas, a atualização
é pela TR e os juros de mora de 1% ao mês (Lei nº 8.177/91).
Para dívidas da Administração Pública Federal, até junho de
2009, a Justiça Federal considera aplicáveis UFIR (jan/92dez/00) e IPCA-E/IBGE (jan/01-jun/09, Lei nº 8.383/91), em
caso de atualização monetária simples, e SELIC para atualização
acrescida de juros.
Um passo adiante, a jurisprudência brasileira também começou a admitir a
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica de modo a atingir
o patrimônio de sociedade sob o mesmo controle de sociedade sujeita a execução
em cobrança de dívida (numa espécie de “v” invertido).
Ainda seguindo em frente, vários julgados passaram a permitir a desconsideração da
personalidade jurídica (tradicional e/ou inversa) de modo a atingir sucessivamente
patrimônios de vários sócios e/ou sociedades, para cima e/ou para baixo, chegando
a se falar em desconsideração da personalidade jurídica em “w” ou “w” invertido.
A partir de julho de 2009 (Lei nº 11.960/09), incidem em relação
a condenações da Fazenda Pública os índices da caderneta de
poupança já mencionados, critério aplicado pela Justiça Federal
e, para as dívidas das Fazendas Públicas Estaduais e Municipais,
pelas Justiças Estaduais.
Em todas as possibilidades acima mencionadas, desde a mais tradicional até
a mais arrojada, sempre houve em comum uma condição indispensável: a existência
de vínculos societários formais, ainda que de modo sequencial.
Recentemente, contudo, o STJ veio a decidir pela possibilidade de, mediante
aplicação ampliativa da teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
estenderem-se os efeitos da falência de uma empresa a outra, ainda que não
havendo vínculo societário formal entre elas (Recurso Especial 1.258.751-SP,
3ª Turma, Relatora Min. Nancy Andrighi).
Portanto, é flagrante a falta de segurança jurídica sobre o
tema, a qual, além de desnecessários embates judiciais, gera
reflexos em toda economia. Apenas para citar alguns exemplos,
atrapalha o cálculo das dívidas que deverão ser contingenciadas
pelas empresas em seus balanços e dificulta a mensuração exata
de passivos incluídos em indenizações ou reps and warranties
de contratos de M&A. Isso sem considerar a desconfiança
causada em investidores estrangeiros.
Entendeu o STJ que, mesmo na ausência de vínculo formal entre as sociedades,
a teoria da desconsideração da personalidade jurídica deveria ser aplicada diante
de fundada suspeita de realização de operações visando ao desvio de patrimônio
da falida nos anos anteriores à quebra.
Portanto, seria oportuna uma uniformização dos índices
de correção monetária e juros de mora legais.
Para fundamentar sua decisão, o STJ afirmou que, independentemente da
existência de participação no capital social, seria possível constatar-se coligação
entre sociedades a partir de elementos fáticos a demonstrarem efetiva influência
de uma sociedade nas decisões da outra.
Tem-se aí uma nova possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica criada pela jurisprudência brasileira, esta que, cabe ressaltar,
de maneira geral também vem se preocupando em impor limites à respectiva
utilização desmedida.
5
6
EXPEDIENTE
CONSELHO EDITORIAL
Paulo Cezar Aragão,
Francisco Antunes Maciel Müssnich,
Plínio Simões Barbosa.
PRODUÇÃO
Lígia Batista
PROJETO GRÁFICO
E DIAGRAMAÇÃO Soter Design
IMPRESSÃO J. SHOLNA
TIRAGEM 2000 EXEMPLARES
FECHAMENTO JUNHO DE 2012
A reprodução de qualquer matéria
depende de prévia autorização.
[email protected]
O BM&AReview ® é uma publicação
redigida para fins de informação e
debate, não devendo ser considerada
como opinião legal para operações
ou transações específicas.
Principais áreas de atuação do
Barbosa, Müssnich & Aragão:
Brasil aumenta combate à
corrupção no setor privado
Comércio Internacional
Contencioso e Arbitragem
Direito Ambiental
Tramita no Congresso projeto de lei que
dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.
A ampliação do combate à corrupção para
alcançar o setor privado não é iniciativa isolada do Brasil e nem uma visão do futuro.
Ao contrário, é resultado de um movimento
internacional, promovido pela Organização
para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), e de mudanças de atitude
nos órgãos de law enforcement (Polícia e Ministério Público), que passaram a focar suas
ações também para o lado ativo da corrupção, utilizando, inclusive, técnicas tradicionais de investigação e produção de provas.
Direito Concorrencial
Direito Imobiliário
Direito Societário
Direito Trabalhista
Direito Tributário
Esporte e Entretenimento
Ética Corporativa e Direito
Penal Empresarial
Infraestrutura, Regulação
e Assuntos Governamentais
Mercados Financeiro
e de Capitais
Propriedade Intelectual
BM&A ADVOGADOS
Brasília
Tel. (+55) (61) 3218 0300
Fax. (+55) (61) 3218 0318
Rio de Janeiro
Tel. (+55) (21) 3824 5800
Fax. (+55) (21) 2262 5536
São Paulo
Tel. (+55) (11) 2179 4600
Fax. (+55) (11) 2179 4597
BM&A PROPRIEDADE INTELECTUAL
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Tel. (+55) (21) 3824 5757
Fax. (+55) (21) 3824 5740
BM&A CONSULTORIA TRIBUTÁRIA
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Tel. (+55) (11) 2179 5300
Fax. (+55) (11) 2179 5211
Rio de Janeiro
Tel. (+55) (21) 2114 7601
Fax. (+55) (21) 2114 7602
01
Brasil aumenta combate à
corrupção no setor privado
02
Defesa comercial e interesse público
03
Novo regulamento da CCI
e o árbitro de emergência
04
Lei nº 12.529/2011, troca de
informações e operações de M&A
ICMS – Guerra fiscal e de portos:
novo capítulo
Os textos do BM&A Review
foram produzidos por profissionais
de Barbosa, Müssnich & Aragão
Advogados, BM&A Consultoria Tributária
e BM&A Propriedade Intelectual.
37
05
Juros e atualização monetária:
necessidade de uniformização
06
Mais uma inovação do STJ na
aplicação da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica
Antenor Madruga, sócio da área de Ética Corporativa
e Direito Penal Empresarial
Também avança a cooperação jurídica internacional, valendo-se do interesse de alguns
países em aplicar leis que punem a corrupção de funcionário público estrangeiro, inclusive
em atos praticados fora de seus territórios. O exemplo mais contundente desta alteração
é a aplicação do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) pelas autoridades americanas.
O FCPA tem servido para os EUA alcançarem não apenas suas empresas como, também, as
estrangeiras que negociam ações em seu mercado mobiliário ou cujos negócios utilizaram
sua estrutura. As autoridades americanas consideram ainda ter jurisdição sobre empresas
estrangeiras que façam operações em dólares, tendo em vista que essas transações são
necessariamente compensadas em bancos localizados nos EUA.
O envolvimento em problemas de corrupção representa significativo risco à capacidade
operacional e à saúde financeira da empresa. Ou seja, vai além de processos e restrições
penais contra executivos e funcionários. Buscas e apreensões, perda de patrimônio, devolução
de lucros, multas milionárias, proibições de contratação pelo poder público causam também
danos à imagem. Avaliar tais riscos, portanto, é mais que um imperativo ético.
O risco de processos com base no FCPA também atinge empresas brasileiras, principalmente aquelas que não têm efetivos programas de compliance e mecanismos de controle.
Para o BM&A, a nova realidade exige oferecer – no dia a dia – atividades que antes eram
desenvolvidas para os clientes apenas em projetos específicos, como nas due diligences
realizadas antes de operações de fusões e aquisições.
Esta é a proposta da área de Ética Corporativa e Direito Penal Empresarial do escritório,
liderada pelo sócio Antenor Madruga. “Inicialmente, intensificamos as parcerias com
escritórios estrangeiros e serviços de gerenciamento de riscos. Nossa iniciativa mais recente
foi a inclusão da prática de Direito Penal Empresarial. O BM&A, que antes atuava apenas
em parceria com outros escritórios, agora também presta consultoria direta a clientes
corporativos, o que é particularmente importante em situações de crise”, resume Madruga,
que já atuou como diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
Internacional do Ministério da Justiça e vem desenvolvendo as atividades do escritório
nessa área nos últimos dois anos.
Luiz Fernando Fraga | [email protected]
Mario Gelli | [email protected]
ABRIL | JUNHo 2012
MAIS UMA INOVAÇÃO DO STJ NA APLICAÇÃO
DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
Pedro do Val | [email protected]
JUROS E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA:
NECESSIDADE DE UNIFORMIZAÇÃO
Neste momento de questionamentos sobre as taxas de juros
compensatórios (ou remuneratórios) praticadas por bancos, vale
a reflexão também sobre a atualização monetária e os juros
moratórios legais, notadamente sobre a falta de padrão dos
índices utilizados no Brasil.
A correção monetária (hoje “atualização”, Resolução CFC nº
875/00) imposta por lei surgiu nos anos 1960 e evoluiu muito
em função do longo período de hiperinflação que o país
enfrentou. Vale lembrar que os índices inflacionários chegaram
à casa dos 2.500% ao ano, cenário que só foi revertido com a
implantação do Plano Real.
Conquanto a estabilidade econômica perdure por quase duas
décadas e algumas atualizações tenham sido extintas (v.g.,
correção das demonstrações financeiras), a legislação ainda
prevê a atualização monetária em caso de inadimplemento de
obrigações, indenização por enriquecimento ilícito ou qualquer
débito resultante de decisão judicial.
A correção monetária, considerada mera atualização do poder de
compra da moeda, não se confunde com os juros de mora, sanção
imposta por lei ou contrato àqueles que descumprem obrigações
e retardam a restituição de capital ou pagamento em dinheiro.
Nos contratos em geral, admite-se a eleição de índice de
atualização monetária e a disposição sobre juros moratórios
até o limite de 12% ao ano (Lei da Usura). Porém, nas hipóteses
de atualização e juros moratórios legais, a tarefa de identificar
os índices aplicáveis não é simples.
No âmbito das Justiças Estaduais, diante de lacuna legislativa,
a maioria dos Tribunais aplica o INPC/IBGE como substituto
do IPC-r (Lei nº 9.069/95) para o cálculo da atualização.
Contudo, algumas Cortes divergem.Por exemplo, o Tribunal do
Paraná aplica a média entre o IGP-DI/FGV e o INPC (Dec. Fed.
nº 1.544/95) e o Tribunal do Rio de Janeiro utiliza incomum
correção anual pela UFIR-RJ (Dec. Est. nº 27.518/00).
A questão é ainda mais controvertida em relação aos juros
moratórios. No Código Civil de 1916, a taxa era de 0,5% ao mês.
Já o Código Civil de 2002 faz referência à taxa em vigor para a
mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional,
causando grande celeuma entre a aplicação da taxa SELIC (Lei
Criada por Tribunal da Inglaterra no século XIX, a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica começou a ser estruturada por doutrinadores brasileiros dos
anos 60, seguindo-se, então, muitas decisões judiciais a aplicarem essa teoria no
Brasil, por décadas, sem que existisse regra legal expressa a respeito.
nº 9.065/95) ou, por suposta ilegalidade desta, de 1% ao mês
(CTN). O Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser aplicável a
SELIC (Embargos de Divergência em REsp nº 727842-SP), mas
muitos dos Tribunais Estaduais continuam a discordar.
Após algumas disposições legais específicas (tais como no Código de Defesa do
Consumidor e em leis de proteção ao meio ambiente e à ordem econômica), a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica somente veio a ser objeto de
regra legal expressa e geral no Código Civil de 2002.
Como a SELIC leva em consideração a inflação projetada,
caso utilizada, deve servir como índice único para atualização
monetária e juros. Assim, aplicam-se, a depender do Tribunal,
(i) SELIC ou (ii) índice de inflação eleito pela Corte e juros
de 1% ao mês.
Desde então, havendo se tornado parte do dia a dia do Judiciário no Brasil,
a aplicação da referida teoria em pouco tempo começou a ganhar novos alcances,
indo além da concepção tradicional ao permitir que o patrimônio de sócio seja
atingido para a satisfação de débito de sua sociedade (“em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial” – cf. artigo 50 do Código Civil de 2002).
Caso uma parte executada realize o depósito em juízo do
valor cobrado, ainda que a soma não seja imediatamente
disponibilizada ao credor, passam a valer os índices da caderneta
de poupança que corrigem o depósito judicial: TR mais 0,5% ao
mês, ressalvada a eventual redução prevista nas novas regras
introduzidas pela MP nº 567/12.
Assim é que, mais uma vez por criação jurisprudencial, os Tribunais brasileiros
passaram a admitir a chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica,
mediante a qual se permite que o patrimônio de sociedade seja atingido para
a satisfação de débito de seu sócio.
Por fim, a depender da natureza da dívida, os índices aplicáveis
também são diferentes. Para dívidas trabalhistas, a atualização
é pela TR e os juros de mora de 1% ao mês (Lei nº 8.177/91).
Para dívidas da Administração Pública Federal, até junho de
2009, a Justiça Federal considera aplicáveis UFIR (jan/92dez/00) e IPCA-E/IBGE (jan/01-jun/09, Lei nº 8.383/91), em
caso de atualização monetária simples, e SELIC para atualização
acrescida de juros.
Um passo adiante, a jurisprudência brasileira também começou a admitir a
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica de modo a atingir
o patrimônio de sociedade sob o mesmo controle de sociedade sujeita a execução
em cobrança de dívida (numa espécie de “v” invertido).
Ainda seguindo em frente, vários julgados passaram a permitir a desconsideração da
personalidade jurídica (tradicional e/ou inversa) de modo a atingir sucessivamente
patrimônios de vários sócios e/ou sociedades, para cima e/ou para baixo, chegando
a se falar em desconsideração da personalidade jurídica em “w” ou “w” invertido.
A partir de julho de 2009 (Lei nº 11.960/09), incidem em relação
a condenações da Fazenda Pública os índices da caderneta de
poupança já mencionados, critério aplicado pela Justiça Federal
e, para as dívidas das Fazendas Públicas Estaduais e Municipais,
pelas Justiças Estaduais.
Em todas as possibilidades acima mencionadas, desde a mais tradicional até
a mais arrojada, sempre houve em comum uma condição indispensável: a existência
de vínculos societários formais, ainda que de modo sequencial.
Recentemente, contudo, o STJ veio a decidir pela possibilidade de, mediante
aplicação ampliativa da teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
estenderem-se os efeitos da falência de uma empresa a outra, ainda que não
havendo vínculo societário formal entre elas (Recurso Especial 1.258.751-SP,
3ª Turma, Relatora Min. Nancy Andrighi).
Portanto, é flagrante a falta de segurança jurídica sobre o
tema, a qual, além de desnecessários embates judiciais, gera
reflexos em toda economia. Apenas para citar alguns exemplos,
atrapalha o cálculo das dívidas que deverão ser contingenciadas
pelas empresas em seus balanços e dificulta a mensuração exata
de passivos incluídos em indenizações ou reps and warranties
de contratos de M&A. Isso sem considerar a desconfiança
causada em investidores estrangeiros.
Entendeu o STJ que, mesmo na ausência de vínculo formal entre as sociedades,
a teoria da desconsideração da personalidade jurídica deveria ser aplicada diante
de fundada suspeita de realização de operações visando ao desvio de patrimônio
da falida nos anos anteriores à quebra.
Portanto, seria oportuna uma uniformização dos índices
de correção monetária e juros de mora legais.
Para fundamentar sua decisão, o STJ afirmou que, independentemente da
existência de participação no capital social, seria possível constatar-se coligação
entre sociedades a partir de elementos fáticos a demonstrarem efetiva influência
de uma sociedade nas decisões da outra.
Tem-se aí uma nova possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica criada pela jurisprudência brasileira, esta que, cabe ressaltar,
de maneira geral também vem se preocupando em impor limites à respectiva
utilização desmedida.
5
6
EXPEDIENTE
CONSELHO EDITORIAL
Paulo Cezar Aragão,
Francisco Antunes Maciel Müssnich,
Plínio Simões Barbosa.
PRODUÇÃO
Lígia Batista
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E DIAGRAMAÇÃO Soter Design
IMPRESSÃO J. SHOLNA
TIRAGEM 2000 EXEMPLARES
FECHAMENTO JUNHO DE 2012
A reprodução de qualquer matéria
depende de prévia autorização.
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O BM&AReview ® é uma publicação
redigida para fins de informação e
debate, não devendo ser considerada
como opinião legal para operações
ou transações específicas.
Principais áreas de atuação do
Barbosa, Müssnich & Aragão:
Brasil aumenta combate à
corrupção no setor privado
Comércio Internacional
Contencioso e Arbitragem
Direito Ambiental
Tramita no Congresso projeto de lei que
dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.
A ampliação do combate à corrupção para
alcançar o setor privado não é iniciativa isolada do Brasil e nem uma visão do futuro.
Ao contrário, é resultado de um movimento
internacional, promovido pela Organização
para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), e de mudanças de atitude
nos órgãos de law enforcement (Polícia e Ministério Público), que passaram a focar suas
ações também para o lado ativo da corrupção, utilizando, inclusive, técnicas tradicionais de investigação e produção de provas.
Direito Concorrencial
Direito Imobiliário
Direito Societário
Direito Trabalhista
Direito Tributário
Esporte e Entretenimento
Ética Corporativa e Direito
Penal Empresarial
Infraestrutura, Regulação
e Assuntos Governamentais
Mercados Financeiro
e de Capitais
Propriedade Intelectual
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01
Brasil aumenta combate à
corrupção no setor privado
02
Defesa comercial e interesse público
03
Novo regulamento da CCI
e o árbitro de emergência
04
Lei nº 12.529/2011, troca de
informações e operações de M&A
ICMS – Guerra fiscal e de portos:
novo capítulo
Os textos do BM&A Review
foram produzidos por profissionais
de Barbosa, Müssnich & Aragão
Advogados, BM&A Consultoria Tributária
e BM&A Propriedade Intelectual.
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05
Juros e atualização monetária:
necessidade de uniformização
06
Mais uma inovação do STJ na
aplicação da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica
Antenor Madruga, sócio da área de Ética Corporativa
e Direito Penal Empresarial
Também avança a cooperação jurídica internacional, valendo-se do interesse de alguns
países em aplicar leis que punem a corrupção de funcionário público estrangeiro, inclusive
em atos praticados fora de seus territórios. O exemplo mais contundente desta alteração
é a aplicação do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) pelas autoridades americanas.
O FCPA tem servido para os EUA alcançarem não apenas suas empresas como, também, as
estrangeiras que negociam ações em seu mercado mobiliário ou cujos negócios utilizaram
sua estrutura. As autoridades americanas consideram ainda ter jurisdição sobre empresas
estrangeiras que façam operações em dólares, tendo em vista que essas transações são
necessariamente compensadas em bancos localizados nos EUA.
O envolvimento em problemas de corrupção representa significativo risco à capacidade
operacional e à saúde financeira da empresa. Ou seja, vai além de processos e restrições
penais contra executivos e funcionários. Buscas e apreensões, perda de patrimônio, devolução
de lucros, multas milionárias, proibições de contratação pelo poder público causam também
danos à imagem. Avaliar tais riscos, portanto, é mais que um imperativo ético.
O risco de processos com base no FCPA também atinge empresas brasileiras, principalmente aquelas que não têm efetivos programas de compliance e mecanismos de controle.
Para o BM&A, a nova realidade exige oferecer – no dia a dia – atividades que antes eram
desenvolvidas para os clientes apenas em projetos específicos, como nas due diligences
realizadas antes de operações de fusões e aquisições.
Esta é a proposta da área de Ética Corporativa e Direito Penal Empresarial do escritório,
liderada pelo sócio Antenor Madruga. “Inicialmente, intensificamos as parcerias com
escritórios estrangeiros e serviços de gerenciamento de riscos. Nossa iniciativa mais recente
foi a inclusão da prática de Direito Penal Empresarial. O BM&A, que antes atuava apenas
em parceria com outros escritórios, agora também presta consultoria direta a clientes
corporativos, o que é particularmente importante em situações de crise”, resume Madruga,
que já atuou como diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
Internacional do Ministério da Justiça e vem desenvolvendo as atividades do escritório
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BM&A Review 37 | Abril 2012