Performances Interacionais e Mediações Sociotécnicas
Salvador - 10 e 11 de outubro de 2013
JOGOS DIGITAIS NO ENSINO FORMAL EM ESCOLAS DA REDE PÚBLICA:
POSSIBILIDADES E INTERAÇÕES 1
Graça Regina Armond Matias Ferreira2
Sandra Lúcia Pita de Oliveira Pereira3
Resumo: Relato de experiência que buscou demonstrar o papel lúdico dos jogos digitais
educativos na dinamização do ensino de biologia, para o ensino médio, em escolas públicas,
analisando a aprendizagem e perspectivas dos alunos e professores do Colégio Estadual de
Aplicação Anísio Teixeira em Salvador-BA, frente à utilização de um jogo educativo
intitulado de Calangos e coleta de relatos e de entrevista com os alunos/jogadores após a
realização desta oficina. Conclui-se que, o jogo eletrônico é uma poderosa ferramenta de
auxílio ao aprendizado significativo de uma forma lúdica, desde que seja realizado um
planejamento prévio e cuidadoso e proporcione condições para a realização do trabalho com
base teórica e compreensão que suscita riquezas de possibilidades de descobertas para a
dinamização da disciplina.
Palavras-chave: Jogos digitais; biologia; tecnologias educacionais.
Abstract: Experience report which sought to demonstrate the role of playful digital
educational games in boosting teaching biology to high school, public schools, analyzing and
learning perspectives of students and teachers of the State College Application Teixeira in
Salvador-BA, against the use of an educational game titled Calangos and collecting reports
and interviews with students / players after the completion of this workshop. We conclude
that electronic game is a powerful tool to support meaningful learning in a playful way,
provided it is carried out prior planning and careful and provide conditions for the completion
of work on the theoretical basis and understanding that raises wealth of possibilities findings
for the dynamics of the discipline.
Keywords: playful digital educational, biology, educational technology.
1
Artigo submetido ao NT 01 – (Sociabilidade, novas tecnologias e práticas interacionais) do SIMSOCIAL 2013.
2
Bióloga. Especialista em Tecnologias Educacionais. Mestre em Engenharia Ambiental e Urbana. Professora de
Biologia da Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Ensino Médio com Intermediação Tecnólogica.
3
Química. Especialista em Competências Educacionais. Professora de Química da Secretaria de Educação do Estado
da Bahia. Ensino Médio com Intermediação Tecnólogica.
1
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, nossa sociedade vivencia uma época cercada de tecnologias e na qual os
recursos tecnológicos invadem todas as esferas da sociedade moderna. Essa rotina tecnológica
faz com que as pessoas participem de uma série de discussões para tentar manter-se
atualizados, entretanto, o vasto conhecimento e a velocidade com que as modificações
ocorrem passam cada vez mais despercebidos em detalhes e com uma riqueza de informação
que acaba por deixar ser levados pela correnteza, neste mar de inovações na área das
tecnologias.
Em se tratando de educação formal também não é diferente, se as tecnologias estão
presentes na sociedade contemporânea, é preciso também envolver e incentivar o uso destas
nas salas de aula (PONTES, 2000), principalmente em se tratando de escolas públicas, devido
a fornecer um ensino voltado à inclusão dos alunos às tecnologias digitais de informação e
comunicação aplicadas à educação formativa, que devem ser utilizadas com coerência e
contexto com a realidade local, pois segundo Moran (2005),
[...] as tecnologias permitem um novo encantamento na escola, ao abrir suas paredes
e possibilitar que os alunos conversem e pesquisem com outros alunos da mesma
cidade, país ou do exterior, no seu próprio ritmo (MORAN, 2005).
Em concordância com o autor, é preciso basear as aulas voltadas ao conhecimento
científico e à formação de posicionamentos que possam interferir diretamente nas suas
condições de vida, através de um sólido aprendizado formal aplicados em diferentes situações
da vida de forma colaborativa e propondo metodologias interativas (FERREIRA, 2010;
ALVES, 2009; TAVARES, 2006; LIMA, 2003).
Entretanto, para que isso ocorra de forma efetiva, é necessário que o professor seja
capacitado, recebendo orientações e condições necessárias a uma mudança na forma de
ensinar Biologia (ou outra disciplina do Ensino Médio), de maneira a organizar suas práticas
pedagógicas de acordo com as concepções para um ensino com referencia nos PCN
(BRASIL, 2002) adequando às inovações (ou por que não dizer revoluções) que as
tecnologias digitais têm introduzido na educação, dentro de suas possibilidades e limitações.
Os jogos propõem algo que cada vez mais é reconhecidamente importante em
pesquisas sobre aprendizagem: colaboração e compartilhamento de estratégias (ARNSETH,
2006). Este fato é confirmado por Tarouco et. al. (2004) quando comenta que:
[...] os jogos podem ser ferramentas eficientes, pois eles divertem enquanto
motivam, facilitam o aprendizado e aumentam a capacidade de retenção do que é
ensinado, exercitando as funções mentais e intelectuais do jogador. (TAROUCO et
al. 2004, p.120)
Os jogos digitais podem ser definidos como uma “atividade de interação entre o
jogador e uma imagem na tela do computador, mediada por um processador e uma interface
física” (LAUROUSSE, 2005, p.48; MATTAR, 2010).
Entretanto, sozinhos os jogos digitais são apenas instrumentos, é preciso ações de
políticas públicas voltadas ao uso dessas tecnologias de uma maneira integrada aos conteúdos
da disciplina em questão, baseadas na série e modalidade de ensino pautada na construção do
pensamento lógico vinculado à informatização e aplicação de jogos na escola aplicados à
integração das disciplinas.
Nesta análise, o campo de utilização dos jogos digitais na sala de aula é um espaço
aberto para discussões e emprego de experimentações envolvendo o uso integrado das
tecnologias e conteúdos midiáticos e curriculares (FREIRE, 2002; AARSETH, 2003;
ALVES, 2005; ARANHA, 2006; JENKINS, 2008), promovendo a união entre aprendizagem
com inovação e conteúdo.
Os recursos computacionais são um excelente complemento aos métodos tradicionais
de ensino, devido à interatividade, ao acesso instantâneo à enorme quantidade de material
disponível através da internet ou pela possibilidade do uso do CD-ROM, à sua fácil
atualização e modificação, à estrutura não-linear do material didático, à possibilidade de
repetir quantas vezes for necessário, à acumulação automática de informação, entre outros.
Segundo Candau, 1997 “é preciso romper a resistência dos professores à inovação”.
Alguns fatores podem influenciar positivamente a aceitação, mas é preciso que haja a
percepção da facilidade de uso, da vantagem sobre a maneira atual de fazer as coisas, da
compatibilidade com seu ambiente, da possibilidade de ver funcionando e experimentar.
Conforme Sena e Moura (2009), os jogos sempre constituíram uma forma de atividade
própria do ser humano, desde as épocas mais remotas, assumindo ao longo da história,
diversos significados e tomando diferentes definições, sejam elas antropológicas culturais ou
educacionais. Com isso percebe-se a importância do jogo como forma de atividade própria do
ser humano, jogo este que pode envolver, ao mesmo tempo, aprendizagem, diversão e prazer.
Entretanto, é preciso se discutir de uma forma mais contextualizada, o uso pedagógico dos
jogos eletrônicos no cenário da atualidade visando uma compreensão da sua utilização no
processo educativo em se tratando de seu uso no ambiente escolar.
Assim, com o surgimento e a utilização cada vez mais freqüente das novas tecnologias
na educação, o grande desafio é criar ferramentas que possibilitem efetivamente enriquecer o
processo de aprendizagem, principalmente de forma colaborativa, o que valoriza o ensino de
Biologia no Ensino Médio das Escolas Públicas de Ensino, na busca de utilizar dessa
ferramenta de jogos digitais no sentido de dinamizar o ensino desta disciplina com o uso das
tecnologias educativas.
2 ESTADO DA ARTE: EXPERIÊNCIA COM JOGOS NO ENSINO DE BIOLOGIA
As atividades lúdicas têm papel fundamental no desenvolvimento social. É propósito
dos jogos eletrônicos, além do desenvolvimento social, influenciam diretamente o
desenvolvimento científico e tecnológico. A pedagogia por traz dos jogos educacionais
[...] é a de exploração autodirigida ao invés da instrução explicita e direta. Os
proponentes desta filosofia de ensino defendem a idéia de que a criança aprende
melhor quando ela é livre para descobrir relações por ela mesma, ao invés de ser
explicitamente ensinada. (VALENTE, 1993, p. 06)
Assim, estudantes de biologia teriam uma aprendizagem melhor se trabalharem os
conceitos de uma forma que a prática esteja sempre presente no intuito de fornecer uma
aprendizagem significativa, conforme Cunha et al. (2009)
[...] quando os estudantes aprendem ‘como fazer’, eles inevitavelmente adquirem
conhecimento ao realizar suas tarefas em suas atividades. Então, descobrem, ‘por
que’ eles precisam saber algo e acabam por saber como usar o conhecimento ali
existente (CUNHA et al., 2009, p.51).
Os jogos eletrônicos são subdivididos nas categorias, segundo a indústria de jogos e
são classificados em: de ação, esporte, estratégia, luta, RPG (Roleplaying Game) e os de
simulação. A classificação dos jogos está relacionada com a linha principal que o jogo
propõe. Geralmente, os jogos pedagógicos, são classificados como ‘Games Sérios’ (tradução
de sirius games) e se enquadram nas categorias de estratégia, ação e simulação, a depender da
proposta do trabalho.
Faz-se necessário demonstrar algumas experiências com jogos digitais voltados ao
ensino de Biologia (e ciências correlatas) que tenham aplicabilidade com relatos publicados
em sala de aula no ensino médio, para nortear o trabalho aqui desenvolvido, buscando
experiências anteriores desenvolvidas com jogos que propõem a mesma finalidade do aqui
utilizado, relatando os obstáculos encontrados para o desenvolver do trabalho com jogos na
sala de aula.
O primeiro obstáculo foi encontrar publicações relatadas voltadas em específico para o
Ensino Médio; muitas experiências referem-se à aplicação em crianças e adolescentes em fase
de alfabetização, bem como na educação fundamental (AZEVEDO et al., 2009;
BITTENCOURT, 2009; TAROUCO, 2005). Todavia, serão apresentadas 04 experiências de
jogos e sua possível aplicabilidade no ensino da Biologia, voltada ao ensino Médio.
2.1. Marine Life
O jogo intitulado de “Marine Life” é um jogo4 multiusuário que visa ensinar crianças
sobre a vida marinha de forma colaborativa utilizando a técnica de raciocínio baseado em
casos voltados, por exemplo, a diferenciação de animais vertebrados de invertebrados, através
da navegação em um submarino.
O jogo funciona em equipes, com três participantes cada, em que cada um tem um
papel no jogo: operador de sonar, mergulhador e biólogo. Os participantes de equipe se
comunicam através da ferramenta de chat presente no jogo, além das ferramentas de
fotografia e informações para identificação das espécies. A forma colaborativa se desenvolve
no fato em que cada um tem um papel no jogo e para realizarem bem a tarefa precisam
trabalhar juntos no ambiente que será explorado pelo submarino.
Pela análise da aplicação relato por Cunha et al. (2009, p. 52-53), nota-se que foi uma
atividade bem sucedida e pela descrição detalhada do jogo, percebe-se que existem diversos
conteúdos relacionados de biologia que são tratados no texto, tais como Ecologia, Evolução,
Ancestralidade, Fatores Ambientais e Problemas Ambientais, relacionados com a vida
marinha.
Apesar das propostas relacionadas no jogo, somente foi realizada uma aplicação piloto
na universidade e não houve uma aplicação nas escolas de ensino fundamental, públicas e
privadas, para que assim, avalie aqui sua a eficácia do jogo no auxílio ao processo de ensino e
aprendizagem.
2.2. The Sims
4 O jogo ainda está em fase de construção e finalização e não se encontra disponível ao público geral.
Outro trabalho aqui descrito é a utilização do jogo “The Sims5” que trata de um jogo
de simulação de vida de uma família, com todos os aspectos de uma cidade, no qual o jogador
age como se fosse ‘Deus’ e decide o rumo de cada personagem (Sims) apresentando grandes
alternativas para o desenvolvimento de atividades pedagógicas, até a potencialização do
aspecto ensino-aprendizagem pelos educandos/jogadores (FONSECA, 2005).
O objetivo do jogo é de realizar o gerenciamento de uma cidade, procurando resolver
todos os problemas que são apresentados por ela, como se fossem de verdade; para isso é
oferecido ao jogador três funções importantes para o desenrolar da história: construir, comprar
e viver.
No aspecto pedagógico e biológico da aprendizagem uma das funções do jogo é o fato
de que os jogadores (Sims) participam do ciclo da vida (nascem, crescem, evoluem,
reproduzem, envelhecem e morrem), além disso, quando chegam a época de reproduzir, entra
em cena, os conceitos de Genética Clássica de Mendel sobre a transmissão das características
hereditárias que são passadas de geração à geração, no jogo. Sendo assim, os jogadores
podem escolher através do fenótipo do parceiro, que características podem ser passadas aos
seus descendentes através da combinação dos seus DNAs (FONSECA, 2005).
Essa possibilidade também pode ser utilizada em sala de aula, para se discutir biótica
na ‘escolha’ dos descendentes através de aspectos sociais e biológicos além do
desenvolvimento da biotecnologia. Outro tema que pode ser trabalhado refere-se aos
problemas ambientais que envolvem a cidade virtual, onde cada escolha do jogador traz uma
resposta ambiental característica, e será preciso gerenciar esses problemas para manutenção
da sobrevivência no jogo.
O professor neste caso entraria como um orientador nas escolhas do educando/jogador
chamando atenção às conseqüências que cada ação poderá implicar. Neste caso, os jovens
detêm nas mãos o poder de decidir o que fazer, solucionando problemas reais simulados
através deste jogo, podendo errar ou acertar, desenvolvendo assim potencialidades necessárias
para a sua vida real.
2.3. Remission
5
Maiores informações no site oficial do jogo: http://thesims2.br.ea.com/
Uma experiência americana vale ser ressaltada aqui, devido aos resultados atingidos
com o uso do jogo. Trata-se do jogo Remission, desenvolvido pela bióloga Pam Omidyar16
cujo objetivo é elevar a auto-estima de crianças cancerosas, devido ao entendimento das
medicações em seu organismo. O jogo eletrônico foi considerado o primeiro game de ajuda a
crianças e jovens vítimas da doença; protagonizada pela personagem Roxxi, metade robô e
metade humana que realiza uma expedição pelo corpo humano de jovens pacientes com
diferentes tipos de câncer, através dos 20 estágios que compõem o jogo, onde a cada fase é
preciso destruir as células cancerígenas, combater as infecções e controlar os efeitos colaterais
da doença.
Este jogo foi aplicado em jovens pacientes com câncer e os levantamentos dos
resultados revelaram que os paciente/jogadores tiveram uma ‘atitude responsiva ativa’ e
melhora na qualidade de vida, além de melhoras em exames bioquímicos (TAVARES, 2006).
Sobre as possibilidades pedagógicas e aplicabilidade do jogo voltada ao ensino de
Biologia são inúmeras, relacionadas ao aspecto de Fisiologia Humana, bem como explorar a
questão das doenças e também na Introdução a Imunologia e explicação do mecanismo de
resposta do corpo às doenças. Pode ter uma abordagem multidisciplinar e interdisciplinar, a
depender do planejamento, com diversas áreas, como Língua Inglesa e Educação Física, por
exemplo, além de passar conhecimentos, informações, valores e atitudes.
2.4. Food Force
Desenvolvido pelo Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas, o jogo Food
Force7 cujo objetivo é de conscientizar a sociedade sobre a questão da fome mundial, que
inclusive pode ser utilizado em sala de aula, com referências positivas em escolas americanas.
O jogo ocorre em uma ilha fictícia chamada Sheylan que sofre problemas de seca e guerra
mundial; os jogadores devem completar as 06 missões virtuais que refletem a vida real,
enfrentando obstáculos de respostas de emergência, tais como tsunamis, crise de fome,
entrega de alimentos, dentre outros.
Para completar a missão o aluno/jogador deverá encontrar um equilíbrio entre as
necessidades nutricionais, dieta local, custos com alimentação, produção, entrega, e além de
6
Mais informações e download do jogo nos sites: http://www.re-mission.net/ e
http://www.hopelab.org
7
Informações adicionais do jogo no site: http://www.food-force.com/
organizar e desenvolvimento local administrando de forma sustentável. Com esse objetivo, o
jogo pode ser perfeitamente utilizado pelos professores de Biologia, baseado em conteúdos
curriculares voltados à Noções de Ecologia, Problemas Ambientais, além de Fisiologia,
Cadeia Alimentar dentre outros tópicos de Geografia e Educação Física, por exemplo, que
podem realizar um trabalho contextualizado com a realidade local e também global, diante de
tantos desastres ambientais que vêem ocorrendo em nosso País.
Os recursos computacionais são um excelente complemento aos métodos tradicionais de
ensino, devido à interatividade, ao acesso instantâneo à enorme quantidade de material
disponível através da internet ou pela possibilidade do uso do CD-ROM, à sua fácil
atualização e modificação, à estrutura não-linear do material didático, à possibilidade de
repetir quantas vezes for necessário, à acumulação automática de informação, entre outros.
Através destas experiências aqui descritas buscou-se evidenciar a possibilidade da
integração dos jogos eletrônicos com o ensino da disciplina Biologia no ensino médio.
Entretanto, uma questão importante que precisa ser refletida para a inserção dos jogos na
escola, é a que trata da formação inicial e continuada dos professores para as novas
tecnologias. Percebe-se a necessidade da realização de pesquisas que abranjam essa questão
envolvendo os jogos digitais (AZEVEDO et al., 2009).
Segundo Candau (1997) “é preciso romper a resistência dos professores à inovação”.
Alguns fatores podem influenciar positivamente a aceitação, mas é preciso que haja a
percepção da facilidade de uso, da vantagem sobre a maneira atual de fazer as coisas, da
compatibilidade com seu ambiente, da possibilidade de ver funcionando e experimentar.
Trabalhando dessa forma, o professor poderá proporcionar conceitos, buscando a
construção do conhecimento científico e biológico de forma mais significativa, tornando as
aulas de Biologia mais agradáveis e mais eficazes no que se refere à aprendizagem dos
alunos.
3. RELATO: AULA DE BIOLOGIA COM JOGO DIGITAL
No intuito de averiguar as possibilidades da inserção dessa nova prática pedagógica,
bem como a integração das mídias no ambiente educacional formal, foi realizada uma
pesquisa qualitativa através de questionários, observação direta e entrevista com docentes e
discentes do Colégio Estadual de Aplicação Anísio Teixeira.
É particularmente interessante propor o uso de jogos digitais educativos como fonte de
geração de situações significativas para a aprendizagem de Biologia, porque na maioria das
vezes, esse conteúdo é trabalhado de uma forma muito abstrata, sem qualquer
correspondência com situações concretas. A sugestão é a utilização desta ferramenta com um
propósito pré-definido e uma aula planejada e não apenas o uso do jogo como um fator
motivacional.
O colégio que foi aplicado a experiência com o jogo Calangos, compõe ensino
fundamental e médio, sendo que a pesquisa foi aplicada apenas com os alunos do Ensino
Médio, localizada na Paralela. No turno noturno também conta com o EJA, Educação de
Jovens e Adultos (Ensino Médio). O censo escolar de 2008 totalizou, para os turnos matutino,
vespertino e noturno, 2625 alunos (distribuídos em três turnos, em turmas de ensino
fundamental, médio e EJA), são aproximadamente 87 professores, um diretor, três vicediretores, três secretários, seis merendeiras, três auxiliares e dois vigilantes.
O jogo eletrônico utilizado neste trabalho foi ‘Calangos8’ que é baseado na
modelagem de um caso ecológico real relativo às Dunas do Médio São Francisco, no Estado
da Bahia. Trata-se de um jogo de simulação e ação com visualização 3D, na qual o jogador
controla um lagarto de uma entre três das espécies endêmicas da região: Tropidurus
psammonastes, Cnemidophorus sp. nov., e Eurolophosaurus divaricatus (LOULA et al.,
2009, p.171). O objetivo final do jogo é possibilitar ao estudante um ambiente com suficiente
realismo, permitindo uma compreensão adequada dos processos ecológicos e evolutivos.
Segundo Loula et al. (2009)
[...] Trata-se de um jogo eletrônico educativo que deve funcionar como
ferramenta de apoio ao ensino e aprendizagem de ecologia e evolução no nível
médio de escolaridade. Assim, não se trata de um jogo de exposição direta de
conteúdos a serem aprendidos pelo estudante-jogador, mas de aprendizagem
decorrente da experiência na tentativa de resolver situações-problema (LOULA,
2009, p.175).
Este jogo foi escolhido para esta pesquisa por se tratar de um jogo eletrônico
educativo, dirigido ao ensino de ecologia e de evolução. A primeira fase se encontra
disponível para utilização na sala de aula, através de uma versão gratuita pelo site. No jogo, os
8
Mais informações e Download no site: http://calango.sourface.com.br
estudantes poderão viver as experiências de um lagarto em um micro-mundo que simula as
Dunas do Rio São Francisco, um ecossistema único, que pode ser caracterizado como uma
caatinga arenosa, habitado por grande número de espécies endêmicas, que só podem ser ali
encontradas.
O jogo pode ser usado de diversas maneiras, de modo que deve integrá-lo no trabalho
de sala de aula. Na primeira fase, os estudantes podem aprender sobre as dificuldades que os
lagartos enfrentam para sobreviver, crescer e se reproduzir com sucesso. Desse modo, eles
poderão aprender sobre ecofisiologia, ao tentar entender como animais que regulam a
temperatura de seu corpo através de alterações do comportamento, como os lagartos,
procuram manter seu corpo a uma temperatura adequada para seu funcionamento fisiológico
expondo-se ao Sol para aquecer-se e abrigando-se na sombra de arbustos e árvores para
resfriar-se. Poderão também aprender sobre interações ecológicas, enquanto buscam
alimentos, como larvas, cupins, besouros, formigas, ou tentam evitar predadores, como aves
de rapina.
O jogo pode ser usado no começo de um módulo de ensino de ecologia, como
elemento de motivação, ou ao longo do módulo, como meio de promover a aplicação de
conteúdos pelos estudantes. O interessante é que o tempo de jogo pode ser programado, de
maneira que se ajuste ao plano de aula proposto pelo professor. Para programar o tempo do
jogo, é preciso saber que nesta primeira fase, o lagarto inicia como um filhote e ao atingir 12
meses, ele é capaz de se reproduzir. Cada mês no jogo dura três dias e cada dia no jogo tem
uma duração em minutos ajustável na tela de configurações, acessada pelo menu inicial do
jogo.
Para usar o jogo, os computadores devem dispor de uma configuração mínima de:
Windows XP ou Linux (Ubuntu, Debian, ou outros), 100 MB livres em disco, 512 MB de
memória (01 GB recomendado) e placa gráfica de vídeo com 64MB (CALANGOS, 2009).
Essa configuração foi um grande dificultador para essa experiência devido a placa de vídeo
não ser compatível para utilizar o jogo em 3D, tanto nos computadores da escola de Aplicação
Anísio Teixeira, quanto no NTE e na Cidadania Digital. Para conseguir realizar a atividade foi
utilizado os computadores pessoais e os PC’s com as placa para o NTE01. Foram utilizados
os teclados, mouse e monitor do NTE.
Os estudantes que utilizaram o jogo perceberam que, não é uma tarefa simples ser
um lagarto nas dunas. Espera-se que o resultado da simulação, permita que, juntamente com o
aprendizado sobre conceitos da ecologia, os estudantes sejam estimulados a apreciar
Após levantar essa tabulação das questões aplicadas, observou-se na oficina aplicada
com os alunos, que o jogo incentivou e promoveu muitas reações positivas, desde
observações interessantes como também o aprendizado do ecossistema Caatinga, onde se trata
o jogo. A aula expositiva ministrada e as discussões com os vídeos9 relacionados ao jogo
aplicados antes de proporcionar a interação com o aplicativo Calangos foram bem
esclarecedoras, fazendo com que o mesmo não se tornasse apenas uma simples brincadeira.
Após o jogo, os alunos gravaram entrevistas utilizando o programa gratuito e livre de
áudio Audacity, se identificando e respondendo as perguntas realizadas através de um roteiro
disponível para o aluno na mesa de gravação.
Na entrevista gravada os alunos afirmaram que gostaram de participar da
experiência e que ajudou a compreender melhor os assuntos de biologia, principalmente aos
aspectos da biologia do animal e a estratégia de sobrevivência dos lagartos requer muita
estratégia para fugir dos predadores e ao mesmo tempo em que tinham que buscar alimento,
com recursos escassos que a caatinga oferece, bem como a temperatura do corpo que é
regulada pela temperatura do ambiente, onde muitos alunos acabavam morrendo logo no
início, onde depois começaram a aprender como sobreviver neste ambiente na pele do
calango.
Os alunos também puderam trocar de espécies e também muitos chegaram à idade
reprodutiva, onde realizaram o ‘bubbing’ para disputa entre os machos e puderam perceber a
diferença morfológica entre machos e fêmeas da mesma espécie.
Na entrevista com os professores que acompanharam a oficina com os alunos, os
resultados foram similares aos dos alunos, na percepção deles, o jogo Calangos é bem
interessante para se trabalhar com os conceitos de ecologia, bem como para que o aluno
compreenda a fisiologia e as interações (lagarto x ambiente; lagarto x clima; lagarto x
9
Abertura do Jogo: http://www.youtube.com/watch?v=TgyDbY-9tDI&feature=player_embedded
Lagartos: http://www.youtube.com/watch?v=n11_jM9K_Cg&feature=related
Predadores: http://www.youtube.com/watch?v=_TomLndMUYs&feature=related
Presas: http://www.youtube.com/watch?v=tbLHxgS-Vk8&feature=related
Habitat: http://www.youtube.com/watch?v=Nb8OmoOO9cs&feature=related
Reportagens sobre o Jogo UFBA: http://www.youtube.com/watch?v=E8ahfa7zWAI&feature=channel
alimento; lagarto x presa; lagarto x lagarto) ecológicas e fisiológicas o que auxilia na
compreensão destes e outros assuntos na sala de aula.
Entre as dificuldades encontradas, a mais emergente a qualidade dos computadores,
impossibilitando o uso de jogos mais desenvolvidos, devido a falta da placa de vídeo e a
dificuldade com a linguagem em que o jogo geralmente é desenvolvido em outro País, sendo
necessário o entendimento da Língua Inglesa para compreendê-los. Para isso, é preciso um
investimento público na educação, do ponto de vista tecnológico, baseada na construção e uso
de jogos com qualidade, mas que necessitem de menos recursos para que possam ser
utilizados em sala de aula.
A figura de um monitor ou coordenador de Laboratório de Informática, também
ajustaria a principal impedimento, segundo os professores questionados nesta pesquisa,
relacionados ao número de alunos em sala de aula incompatível com o número de
computadores presentes na sala de informática, o que dificulta e desestimula o docente a
utilizar estes recursos, bem como a própria sala de informática.
Entretanto, todos concordam que é um ponto positivo o uso dos jogos eletrônicos na
sala de aula, e que podem proporcionar conhecimentos pedagógicos, quando utilizados de
maneira adequada. No quadro 01, se encontram algumas reflexões dos professores que reflete
o que foi expresso acima.
Sendo os jogos digitais considerados uma ferramenta positiva para utilização em sala
de aula, citada tanto pelo corpo docente quanto discente, é preciso modificar a postura da
escola para envolver a utilização destas tecnologias no cotidiano das aulas, de acordo com a
realidade vivenciada pela comunidade escolar, mas que envolva os alunos e professores nesta
imersão de diferentes metodologias aplicadas à educação com auxílio das tecnologias.
Quadro 01. Justificativa do uso pedagógico dos jogos digitais pelos professores.
“O que você acha de usar jogos digitais na sua disciplina, durante a aula?”
Pode ser uma boa, pois em algumas aulas haveria mais motivação.
Seria muito interessante, algo inovador e atrativo.
Seria uma alternativa pedagógica viável e interessante, de modo a permitir o
ensino de uma forma lúdica.
Acho que seria interessante, pois o mesmo facilitaria a aprendizagem.
Não acho uma boa idéia, pois o numero de computadores não é suficiente.
Em primeiro lugar fazer um trabalho antes, com os alunos para poder ensinar
a usar o jogo com fins educativos e não como meramente brincar.
O jogo estimula a apreensão de conceitos básicos da disciplina para utilização
dos mesmos durante a execução dos jogos.
Seria muito interessante. Muitas vezes não utilizo por não conhecer jogos
compatíveis com a série que ensino e conteúdos.
Jogos são muito importantes para despertar a atenção dos alunos.
Seria ótimo para fixar o assunto de uma forma nova e interessante.
Acredito que deve ser bastante positivo, porém não consigo identificar o objeto
dito jogos eletrônicos, mas deve ser de importância pedagógica.
Acho bom, pois ficaria muito mais interessante a aula.
Muito interessante para motivar os alunos e aprender de uma forma diferente.
Fonte: Autor, Julho, 2010
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da realização deste trabalho, percebe-se que é possível a execução dos jogos
digitais dentro da sala de aula, inclusive sendo de interesse tanto do corpo docente quanto do
corpo discente, desde que sejam tomadas algumas medidas, tais como um planejamento
adequado, gravação do jogo e domínio do conteúdo a ser trabalhado, levando a um ambiente
de discussão dentro e fora do espaço da sala de aula tradicional para uma aplicação do uso das
tecnologias de informação e comunicação utilizando como ferramenta o jogo educativo
relacionado à disciplina que se quer trabalhar.
Em se tratando dos PCN’s, este tipo de aplicação se enquadra totalmente nas
metodologias propostas, valorizando ainda do ponto de vista de atingir e desenvolver diversas
competências e habilidades, tanto do ponto de vista cognitivo quanto do ponto de vista de
contextualização e compreensão, quanto do ponto de desenvolvimento sócio-cultural,
perfazendo a aplicação de diferentes cognições do aluno. Para tanto, é preciso criar políticas
e editais de pesquisa que visem a criação e uso dos jogos eletrônicos na sala de aula, pautados
nesta justificativa de favorecimento ao aprendizado significativo, tanto de biologia quanto de
outras disciplinas, principalmente se trabalhadas em forma de projetos pedagógicos de uma
forma interdisciplinar e multidisciplinar.
O incentivo também deve partir de órgãos superiores relativos à educação de forma a
promover uma qualidade dos computadores enviados às escolas para que promova a
utilização de recursos diversos na educação.
A promoção de políticas públicas voltada à construção e desenvolvimento de jogos
educativos, deve ser acirrada, bem como a capacitação e aperfeiçoamento dos professores,
visando uma interação entre as tecnologias e capacitação docente relativo a promoção de
jogos digitais como uma forma de dinamizar o seu uso nesta área tão importante e na
valorização dos jovens e adolescentes que os utilizam de uma maneira não-pedagógica e fora
das salas de aula.
Referências
AARSETH, Espen. Jogo da investigação: Abordagens metodológicas à análise de jogos. In:
TEIXEIRA, Luis Felipe B. (org.). Cultura dos jogos - Revista de comunicação e cultura
Caleidoscópio. Lisboa, Edições universitárias Lusófonas, 2º Semestre 2003, nº 4, p. 9-23.
ALVES, Lynn Rosalina Gama. Game over: jogos eletrônicos e violência. São Paulo: Futura.
2005.
ALVES, Lynn. Games: desenvolvimento e pesquisa no brasil. In: HETKOWSKI, T. M.
(Org.); NASCIMENTO, A.D. (Org.). Educação e Contemporaneidade: pesquisas científicas e
tecnológicas. Salvador: EDUFBA, 2009. v. 2. p. 373-394.
ARANHA, G. Jogos eletrônicos como um conceito chave para o desenvolvimento de
aplicações imersivas e interativas para o aprendizado. Ciência e Cognição, v. 17, p. 105110, 2006. Disponível em: <http://www.cienciasecognicao.org/pdf/vo7/m31685.pdf>. Acesso
em: 15/10/2009.
AZEVEDO, Joaquim. Sessão de Abertura. In: Marques R. and all (Ed.). Na Sociedade de
informação: O Que Aprender na Escola?, 81-96. Porto. Edições ASA. 2007.
BIZZO, N. Ciências Biológicas: orientações curriculares do ensino médio. Brasília:
MEC/SEB, 2004, p. 165-166.
BRASIL Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação. Câmara de
Educação Básica. Parecer CEB n. 4/98. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio. Brasília, DF: MEC/CNE, 1999.
_______. PCN+ Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros
Curriculares Nacionais: Ciências da Natureza e suas Tecnologias. MEC-SEMTEC, Brasília,
2002.
FREIRE, Fernanda M.P.; VALENTE, Jose Amado. Aprendendo para a vida: os
computadores na sala de aula. São Paulo: Cortez Editora, 2002.
JENKINS, H. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
LAUROUSSE, Lúcia. Games e Comunidades Virtuais. Disponível em: http://csgames.
incubadoras.fapesb.br/portal/publica/comu. Acesso em: 01 de dezembro de 2009.
LIMA JR, Arnaud Soares de. Tecnologização do currículo escolar: um possível significado
proposicional e hipertextual do currículo contemporâneo. Salvador, Ba: UFBA, 2003:
caps. II, III e IV. (Tese de Doutorado).
MATTAR, João. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo:
Pearson Prentice Hall, 2010.
MORAN, José Manuel. Atividades & Experiências: As múltiplas formas de aprender. In:
Tecnologia na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC’s. pg. 170 -173. Brasília:
Ministério da Educação. 2005
PONTES, João Pedro. Tecnologias de informação e comunicação na formação de
professores: que desafios? Revista Ibero-americana de Educação. Número 24. SetembroDezembro de 2000.
PIAGET, Jean. A concepção do número. São Paulo. Editora pioneira, 1997.
TAVARES, Marcus Tadeu de Souza. Jogos eletrônicos: educação e mídia. II Seminário
Jogos eletrônicos, educação e comunicação: construindo novas trilhas. Salvador, Ba. 11 e 12
de setembro de 2006.
TAROUCO, L. M. R., ROLAND, L. C., FABRE , M. C. J. M., KONRATH, M. L. P. Jogos
educacionais, RENOTE - Novas Tecnologias na Educação , v. 2, n. 1. 2004.
Download

Jogos digitais no ensino formal em escolas da rede pública