A FORMAÇÃO DO SUJEITO PROFESSOR
INVESTIGAÇÃO NARRATIVA EM CIÊNCIAS/BIOLOGIA
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a formação do sujeito professor
© 2002 by Irene Carniatto
Edunioeste
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
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Jardim Universitário
Cascavel - PR
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Coleção Thésis
Diretores
Marcos Antônio Lopes
Pery Francisco A. Shikida
Capa e projeto gráfico
Marcos Antônio Lopes
Paulo Cezar Konzen
Revisão técnica
Paulo Cezar Konzen
Apoio editorial
Luis Cesar Yanzer Portela
Apoio técnico
Antonio da Silva Júnior
Douglas L. S. Ganança
Joaquim dos Santos
Ficha catalográfica
Marilene de Fátima Donadel (CRB 9/924)
Imagem da capa
(Antrum Platonicum)
C289f
Carniatto, Irene
A formação do sujeito professor: investigação narrativa em
Ciências/Biologia / Irene Carniatto. -Cascavel :
Edunioeste, 2002.
158 p. -- (Coleção Thésis)
ISBN: 85-86571-59-8
1. Professores-Formação profissional 2. Educadores-Formação
3. Prática de ensino 4. Ciências-Professores-Formação 5.BiologiaProfessores-Formação I.T. II. S.
CDD-20.ed.
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370.71
Irene Carniatto
A FORMAÇÃO DO SUJEITO PROFESSOR
INVESTIGAÇÃO NARRATIVA EM CIÊNCIAS/BIOLOGIA
Edunioeste
Cascavel
2002
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Dedico:
- Ao meu esposo Wilson e às minhas filhas Evelyn
e Esloany;
- À minha mãe Joanna, a meu pai José Carniatto
(in memorian) e aos meus irmãos e irmãs;
- Ao meu sogro Ezequiel e à minha sogra Delfina.
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Ao Professor:
Aquele que dá o texto a ler — aquele que dá o texto como um dom,
neste gesto de abrir o livro e de convocar à leitura — é que remete o texto.
O professor seleciona um texto para a lição e, ao abri-lo, o remete como
um presente, como uma carta. Da mesma forma que aquele que remete
um presente ou uma carta, o professor está preocupado em saber se seu
presente será aceito, se sua carta será bem recebida e merecerá alguma
resposta. Uma vez que só se presenteia a quem se ama e uma vez que
uma carta é como parte de nós mesmos, o professor gostaria de que esta
parte de si mesmo, que dá a ler, despertasse o amor dos que a receberão
e suscitasse suas respostas.
O professor, o que dá a lição, é também o que se entrega na lição.
Primeiro, entrega-se em sua eleição; depois, em sua remessa; em
continuação, em sua leitura. O professor, quando dá a lição, começa a ler.
E seu ler é um falar escutando. O professor lê escutando o texto como algo
em comum, comunicado e compartilhado. E lê escutando a si mesmo e
aos outros. O professor lê escutando o texto, escutando a si mesmo
enquanto lê e escutando o silêncio daqueles com os quais se encontra
lendo. A qualidade da sua leitura dependerá da qualidade dessas três
escutas. Porque o professor empresta sua voz ao texto, e esta voz que ele
empresta é, também, a sua própria voz e esta voz, agora, ressoa
definitivamente dupla.
Que a lição que eu e você venhamos a dar a ler, possa ressoar como
uma voz comum nos silêncios dos que a devolvem, ao mesmo tempo,
comunicada, multiplicada e transformada. Este trabalho é também uma
das respostas e uma carta que ora remeto, uma mensagem — como
resposta, mas, também, como a minha lição (Adaptado de Jorge Larrosa,
1998).
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AGRADECIMENTOS
Neste espaço desejo agradecer com muito carinho, de maneira geral,
a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta
obra. Em especial, à minha orientadora, Profa. Dra. Rosália Aragão,
agradeço de coração pela orientação e ensinamentos que, generosamente,
comigo partilhou e por doar-se, assumindo duplo papel: como orientadora
e como professora, que, ao viabilizar o acesso à sua prática, abriu não só
sua sala de aula para minha investigação, mas — o que mais caro tem o
ser humano e portanto, mais difícil se torna — abriu seus conhecimentos,
sua prática pedagógica, suas idéias, seus sentimentos e suas concepções.
Quando, no decorrer das observações, entrevistas e discussões, ela
desvelava-se, permitia que tanto eu, nesta investigação, quanto seus alunos
da turma do quinto período de Biologia (1997) revelássemo-nos,
possibilitando nosso aprendizado e nosso crescimento.
Aos professores do Curso de Ciências/Biologia da Unimep que
abriram suas salas de aula para esta investigação e aos alunos da Turma
do 5º período, agradeço especialmente, mas, também, aos demais alunos
do curso, participantes desta investigação, sem os quais este trabalho
não seria possível. Às minhas amigas: Adenise Meira da Silva, Rose Meire
Costa Brancalhão e Ana Maria M. A. Vasconcelos pela valiosa colaboração
e dedicação de seu precioso tempo na discussão e revisão técnica desta
obra.
À Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, Campus
de Cascavel, minha instituição-mãe — mãe porque sou filha intelectual
dela, onde fui aluna, fiz especialização, ingressei na carreira como
professora universitária e que me possibilitou a realização do mestrado, a
partir da liberação e do investimento em minha formação. À Capes pela
concessão de bolsa (Picdt), possibilitando-me realizar o Curso de Mestrado
e esta pesquisa. À Fundação Araucária pelo financiamento para a edição
deste livro.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................
13
CAPÍTULO I
INVESTIGAÇÃO NARRATIVA: BASES PARA O CAMINHO PERCORRIDO..............
15
CAPÍTULO II
INVESTIGAÇÃO EM PROCESSO: FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES..........
2.1 Perfil da turma: diferenciação dos alunos.....................................................
2.2 Caracterização da professora.......................................................................
2.3 Reconstituindo cenas iniciais.......................................................................
2.3.1 Episódio 1: Didática não existe.................................................................
2.3.2 Episódio 2: Conhecer é compreender o mundo...........................................
2.3.3 Episódio 3: Freqüência: “controle burocrático ” ou “instrumento de poder”?.
25
27
29
31
31
36
41
CAPÍTULO III
LEITURA E ESCRITA: CONTRIBUIÇÃO OU LIMITAÇÃO NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DE CIÊNCIAS/BIOLOGIA?........................................................ 45
3.1 O planejamento de ensino de Didática das Ciências/Biologia......................... 45
3.2 Episódio 4: Visões desencontradas de leitura: um texto é para ler!? .............. 46
3.3 Episódio 5: O que lêem os alunos do curso de Biologia? Como lêem?
Por que lêem? Que orientações recebem? .......................................................... 54
CAPÍTULO IV
A LINGUAGEM DA CIÊNCIA.............................................................................. 69
4.1 Episódio 6: Uma “Prova de Didática” com consulta........................................ 69
4.2 Episódio 7: Os conhecimentos conceituais de Ciências/Biologia..................... 76
4.3 Episódio 8: O que é antropocêntrico? A teoria da evolução é um tema
unificador da Biologia?............................................................................
80
4.4 Episódio 9: O ensino de conhecimentos processuais de Ciências/Biologia
— Fotossíntese: concepções em um plano de aula....................................... 90
CAPÍTULO V
OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS..................................................................
5.1 Episódio 10: Paradigma e concepção de ensino fundamentados na T–R..........
5.2 Episódio 11: “Professora, dá tempo? Aprender a pensar, dá tempo?
Pensar cansa, dói a cabeça. Eu tento...penso e não sai nada...”...........................
5.3 Episódio 12: Um pout-pourri sobre as pré-concepções dos alunos ..................
5.4 Episódio 13: Uma avaliação pode expressar as concepções?...........................
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100
113
124
133
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A EVOLUÇÃO EPISTEMOLÓGICA COMO CONSTRUÇÃO SIGNIFICATIVA............. 137
REFERÊNCIAS ..................................................................................
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INTRODUÇÃO
•♦•
O processo de ensino-aprendizagem-conhecimento é um
processo multifacetado e de múltiplos domínios que se entrecruzam.
Em função da interação aluno-professor-conhecimento, busca-se
a ocorrência do fenômeno da aprendizagem em que muitos fatores
estão presentes, influenciando resultados. Existe, no fenômeno
“aprender”, um intercâmbio de relações e estas vêm carregadas de
sutis representações simbólicas. Apenas o visível, o aparente, o
que se vê em primeira instância não dá conta de desvelar os vários
domínios presentes e as sutis representações simbólicas, frutos
das inter-relações, ocorridas no processo escolar.
Assumindo como premissa que nós, “os seres humanos,
somos organismos contadores de histórias, organismos que,
individual e socialmente, vivemos vidas relatadas”, decidi utilizar
a investigação narrativa como forma de consideração expressiva
de estudos sobre a experiência educativa. O que terão para dizer
os alunos e professores como sujeitos de uma investigação
narrativa? Que sentido têm suas vozes, suas interações, suas
concepções expressas em suas falas? Como suas falas podem
desvelar e revelar o processo de formação inicial de futuros
professores?
Nesta investigação, procuro enfatizar e valorizar depoimentos
de pessoas envolvidas em uma experiência docente, tendo por
contexto e referência as interações de ensino-aprendizagemconhecimento ocorridas em aulas de Didática. Assim, as questões
serão tratadas na forma de episódios narrativos, isto é, de “vozes”
imbricadas em relatos e experiências. Busco ouvi-las e, a partir
delas, procurar compreender e apreender seus sentidos.
Esta obra, originalmente dissertação de mestrado defendida
na Universidade Metodista de Piracicaba, tem como objetivo buscar
alternativas que possibilitem o avanço em minha prática docente,
como professora formadora de professores, investigando, nos
processos em sala de aula, elementos que evidenciem contribuições
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e limitações emergentes de uma prática de ensino de Didática das
Ciências/Biologia, vinculadas à formação inicial de professores
diferenciados de Ciências/Biologia. Tendo em vista a realização
deste estudo narrativo-investigativo, são considerados episódios
como: Didática não existe; Conhecer é compreender o mundo; Um
texto é para ler?!; O que é antropocêntrico? A teoria da evolução é
um tema unificador da Biologia?; O ensino de conhecimentos
processuais de Ciências/Biologia – Fotossíntese, entre outros.
Considerando que um texto é como uma mensagem remetida,
um presente, uma carta. E aquele que remete um presente ou uma
carta, sempre está preocupado em saber se seu presente será aceito,
se sua carta será bem recebida e merecerá alguma resposta. Uma
vez que só se presenteia a quem se ama e uma vez que uma carta
é como parte de nós mesmos, remeto esta mensagem àqueles que
se ocupam da importante tarefa de educar.
Àqueles que, participando do processo de ensinoaprendizagem, têm como objetivo a formação de professores, não
apenas da área das ciências, mas todos aqueles que buscam
compreender as contribuições e as limitações para a formação
diferenciada de professores-pesquisadores-reflexivos. Nesse
sentido, creio que a presente obra poderá contribuir para a
discussão de questões presentes na formação de professores.
*
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*
CAPÍTULO I
INVESTIGAÇÃO NARRATIVA
BASES PARA O CAMINHO PERCORRIDO
•♦•
Lo que importa es que las vidas no sirven como
modelos. Sólo las historias sirven. Sólo podemos
vivir en las historias que hemos leído u oído. Vivimos
nuestras propias vidas a través de textos. Pueden
ser textos leídos, cantados, experimentados
electrónicamente (...). Cualquiera que sea su forma
o su medio, esas historias nos han formado a todos
nosotros; y son las que debemos usar para fabricar
nuevas ficciones, nuevas narrativas (Heilbrun apud
Larossa et al., 1995: 11).
O processo de ensino-aprendizagem-conhecimento é um
processo multifacetado e de múltiplos domínios que se entrecruzam.
Em função da interação aluno-professor-conhecimento, busca-se
a ocorrência do fenômeno da aprendizagem em que muitos fatores
estão presentes, influenciando resultados. Existe, no fenômeno
“aprender”, um intercâmbio de relações, carregadas de sutis
representações simbólicas. Apenas o visível, o aparente, o que se
vê em primeira instância não dá conta de desvelar os vários
domínios presentes e as sutis representações simbólicas, frutos
das inter-relações, ocorridas no processo escolar.
Assumindo como premissa que nós, “os seres humanos,
somos organismos contadores de histórias, organismos que,
individual e socialmente, vivemos vidas relatadas”, decidi utilizar
a investigação narrativa como forma de consideração expressiva
de estudos sobre a experiência educativa. Afinal, como dizem F.
Connelly e D. Clandinin:
O estudo da narrativa (...) é o estudo da forma pela qual, nós, os
seres humanos experimentamos o mundo. Desta idéia geral se deriva
a tese de que a Educação é a construção e a reconstrução de histórias
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pessoais e sociais; e que, tanto os professores, como os alunos, são
contadores de histórias e, também, personagens nas histórias dos
demais e em suas próprias (Connelly; Clandinin, 1995: 11).
“Deixa-me que te conte” (Cf. Larossa et al., 1995). O que terão
para dizer os alunos e professores como sujeitos de uma
investigação narrativa? Que sentido tem suas vozes, suas
interações, suas concepções expressas em suas falas? Como suas
falas podem desvelar e revelar o processo de formação inicial de
futuros professores?
Nesta investigação, procuro enfatizar e valorizar vozes de
pessoas envolvidas em uma experiência docente, tendo por contexto
e referência, as interações de ensino-aprendizagem-conhecimento,
ocorridas em aulas de Didática (das Ciências Biológicas). Ouvi-las
e, a partir delas, procurar compreender e apreender o sentido de
suas falas. Assim, as questões serão tratadas na forma de episódios
narrativos, isto é, de “vozes” imbricadas em falas, relatos e
experiências.
Dito de outra forma, neste trabalho, procuro investigar
aspectos da formação inicial de Professores de Ciências/Biologia,
no contato direto com os alunos — futuros professores — e de sua
professora de Didática, nas interações ocorridas em sala de aula
entre esses sujeitos reais de uma história construída. História em
que se entrecruzam vidas dos seus sujeitos, vida de vários alunos,
vida de uma professora, de outros professores que estão, também,
presentes no curso, na realidade viva da Universidade.
Os investigadores narrativos buscam, no âmbito da educação,
recolher episódios e contar histórias sobre as vidas imbricadas no
processo educacional, escrevendo relatos de suas experiências em
aulas e em interação pedagógica, neste caso. Porque está focalizada
sobre a experiência humana e, talvez, porque é uma estrutura
fundamental da experiência humana vivida, porque tem a qualidade
holística, a narrativa ocupa um lugar importante em várias
disciplinas. Expressa-se como uma forma de caracterizar os
fenômenos da experiência humana e, portanto, seu estudo é
apropriado em muitos campos das ciências sociais. Esse campo de
estudo, em sua globalidade, chama-se, normalmente, de
“narratologia”, que é um termo que atravessa diversas áreas de
conhecimento... (Connelly; Clandinin, 1995: 11-13).
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investigação narrativa
F. Connelly e D. Clandinin entendem que a narrativa é, tanto
o fenômeno que se investiga, como o método de investigação. Assim,
é igualmente correto falar de “investigação sobre a narrativa” ou
de “investigação narrativa”. Narrativa pode ser tanto o nome da
qualidade que estrutura a experiência a ser estudada, como,
também, o nome dos padrões de investigação que vão ser utilizados
para seu estudo. Para preservar a distinção, tais autores apontam
um recurso já bastante estabelecido: chamar “história” ou “relato”
ao fenômeno e, “narrativa”, à investigação.
Com respeito à voz expressa pelos sujeitos e as relações
estabelecidas em uma investigação, F. Connelly e D. Clandinin se
apóiam em diversos autores. Entre eles, citam P. Hogan, quando
diz que, numa investigação, as relações entre investigadores e
participantes abrem espaço, para que suas vozes sejam ouvidas e,
ainda, alertam para a relação de desigualdade que, muitas vezes,
tem sido estabelecida.
Os participantes se têm visto a si mesmos sem uma voz própria no
processo de investigação e, muitas vezes, têm achado difícil sentiremse animados e autorizados, para contar suas histórias.
Principalmente, se os têm sido feito sentirem-se desiguais, inferiores
(Hogan apud Connelly; Clandinin, 1995: 19-20).
Recorrem a N. Noddings, quando a autora fala da relação de
ensino-aprendizagem, que pode existir entre investigadores e
participantes da investigação: “nos aproximamos de nossa meta,
vivendo com aqueles, aos quais ensinamos, em uma comunidade
de atenção mútua [caring community], graças a modelos, diálogos,
práticas e confirmações” (Noddings apud Connelly; Clandinin,
1995). Ainda sobre este tema, os autores citam também Macintyre,
quando afirma que as relações se estabelecem através das unidades
narrativas de nossas vidas (Cf. Macintyre apud Connelly; Clandinin,
1995).
Nessa perspectiva, destacam que a partir destes referenciais
o que aparece como denominador comum é a necessidade de tempo,
de espaço e de voz, quando se estabelece uma relação de
colaboração, na qual investigadores e participantes têm voz, no
sentido de permitir sua participação em uma comunidade (Cf.
Connelly; Clandinin, 1995: 20-21). Portanto, na investigação
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narrativa, segundo os autores, é importante que o investigador
escute primeiro a história do participante, e é o participante que,
primeiro, conta sua história. Porém, isto não quer dizer que o
investigador permaneça em silêncio durante o processo da
investigação. Quer dizer que, ao participante, a quem durante muito
tempo se tem silenciado na relação de investigação, se lhe está
dando tempo e espaço para que conte sua história e, para que sua
história, também, ganhe a autoridade e a validade que sempre têm
sido conferidos aos relatos de investigação. Citando R. Coles, os
autores apontam para a possibilidade de aprendizagem, quando
se abre espaço para que o participante ouça a si mesmo, ou seja,
podemos aprender, enquanto nós mesmos estamos falando:
Porém naquela escura tarde de inverno sentia urgência por deixar
a cada paciente ser um professor: ouvindo-se a si mesmo ensinar,
através de sua narração, os pacientes aprenderiam as lições que
um bom instrutor aprende só quando se converte em um aluno
disposto, impaciente por ser ensinado (Coles apud Connelly;
Clandinin, 1995: 21).
Na investigação narrativa, realizada no âmbito escolar, a fim
de ser capaz de ver e de descrever relatos de ações diárias dos
professores, dos alunos, dos administradores, dentre outros, requer
que se produza um delicado giro mental no investigador. As
confusões, os emaranhados se fazem cada vez mais agudos, à
medida que se vão contando e recontando histórias. Sem dúvida, é
aí, nesse processo, que se estabelecem e se reajustam novos
horizontes temporais, sociais e culturais. Porém, surgem algumas
indagações: até que distância tem-se que ir em uma investigação
do passado e do futuro dos participantes? Que esferas da
comunidade devem ser indagadas e, até que grau de profundidade
social, deve desenvolver-se a investigação?
Quando um pesquisador se ocupa da investigação narrativa,
o processo se converte em algo mais complexo, posto que, como
investigadores, nós nos convertemos em parte do processo. As duas
narrações, a do participante e a do investigador, convertem-se, em
parte, graças à investigação, em uma construção e reconstrução,
narrativa compartilhada (Connelly; Clandinin, 1995: 22-23).
Na investigação narrativa diversos métodos podem ser
utilizados para o recolhimento dos dados. Os dados podem ser
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investigação narrativa
recolhidos em forma de notas de campo, em anotações em diários,
em transcrições de entrevistas, em observações de outras pessoas,
em ações de contar relatos, de escrever cartas, de produzir escritos
autobiográficos, em documentos, em materiais escritos, tais como
normas ou regulamentos ou, através de princípios, imagens,
metáforas e filosofias pessoais.
Importante é destacar que, numa investigação narrativa, o
sentido de “totalidade, verdade, precisão e objetividade” é algo
construído graças a uma rica e elaborada fonte de dados, de forma
que enfoque as particularidades concretas da vida, a partir das
quais se possam criar relatos poderosos (Connelly; Clandinin, 1995:
23). Diferentemente das concepções de investigação, que aportam
em suas bases conceituais visões mecanicistas, reducionistas e
compartimentadas, assumir uma investigação narrativa significa
estar assumindo uma visão epistemológica diferenciada, atualizada
e contemporânea.
É nesta perspectiva que a Física Atômica, em contraponto
com o mito da verdade científica, independente dos preconceitos
que o cientista possui, pressupõe e afirma a importância do papel
do observador, que é imprescindível, não só para que as
propriedades de um fenômeno atômico sejam observadas, mas para
que os modelos, que os cientistas observam, estejam intimamente
relacionados com os modelos de sua mente, seus conceitos,
pensamentos e valores, seus compromissos políticos e sociais.
A teoria quântica incumbiu-se de evidenciar que o mundo
não pode ser analisado, somente, a partir de elementos isolados e
independentes, pois é o todo que afinal determina o comportamento
das partes. Foi a partir da “Revolução Quântica”1 que surgiu uma
nova visão de mundo para a ciência ocidental, em contraste com a
concepção mecanicista cartesiana. O universo passa a ser descrito
como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão,
essencialmente, inter-relacionadas e só podem ser entendidas como
modelos de um processo cósmico.
Uma investigação, segundo esta visão epistemológica
contemporânea, busca estar em consonância com o paradigma atual
da ciência que, segundo F. Capra, a ciência, hoje, avança para uma
estrutura conceitual de abordagem holística, multidisciplinar e
intrinsecamente dinâmica do universo. A adoção de um paradigma
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a formação do sujeito professor
holístico social e ecológico exigirá uma mudança conceitual em
que se reconheça que fazemos parte de um sistema
interdependente, composto de seres humanos em contínua
interação e com seus recursos naturais, a maioria dos quais, por
seu turno, constituída de organismos vivos (Cf. Capra, 1987).
E. Morin, visando refutar o pensamento reducionista e
simplificador, elabora a Teoria da Complexidade, na qual afirma
que o conhecimento científico é, freqüentemente, concebido como
tendo por missão dissipar a aparente complexidade dos fenômenos,
a fim de revelar a simples ordem a que obedecem. Porém, se somos
incapazes de definir o real — de maneira simples, com ordem e
clareza —, a palavra complexidade viria exprimir nossa incapacidade
de expressão e compreensão da realidade (Cf. Morin, 1990).
Ainda, a propósito de assumir na investigação uma visão
epistemológica atualizada, busco em K. Popper alguns aspectos
referentes ao processo de aquisição do conhecimento. Segundo
ele, o conhecimento científico sempre conserva seu caráter
hipotético conjectural. O conhecimento científico é o resultado de
uma tensão entre nosso conhecimento e nossa ignorância. A ciência
tem sua origem em problemas e, não, propriamente, na observação
pura e simples. A observação é guiada por um interesse, norteada
por uma expectativa, impregnada por uma teoria. As teorias são
interpretadas como conjecturas especulativas ou suposições
criadas, livremente, pelo intelecto humano, no sentido de superar
problemas, encontrados por teorias anteriores e dar uma explicação
adequada do comportamento de alguns aspectos do mundo ou do
universo (Cf. Popper, 1978).
Tal visão encontra-se, de certa forma, em consonância com a
pesquisa qualitativa e, especialmente, com a investigação narrativa,
como configuração de um espaço, onde se fundem as vozes e as
vidas de pesquisador e participante, para tentar viver e reviver suas
histórias, a fim de não só explicitá-las, mas, também, explicá-las.
A pesquisa qualitativa constitui-se no estabelecimento de
“confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas
sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a
respeito dele” (Ludke; André, 1986: 01). Em termos correlatos, “a
narrativa está situada em uma matriz de investigação qualitativa,
posto que está embasada na experiência vivida e nas qualidades
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investigação narrativa
da vida e da educação” (Connelly; Clandinin, 1995: 16).
Portanto, investigar para narrar o processo ensinoaprendizagem-conhecimento, no âmbito da formação inicial de
professores de Ciências/Biologia, requer colocar, mesmo em uma
narrativa investigativa, uma lente de aumento na teia de suas
relações sociais e, daí procurar desvelar, iluminar os fatos
constitutivos que ocorrem nos vários momentos interativos de aula.
Conceber o estudo dessa forma significa olharmos, através de
nossos “óculos conceituais”, isto é, mediante o conjunto das teorias
de que nos apropriamos e procurar investigar, para compreender
os sentidos e os significados, atribuídos pelos sujeitos às suas ações,
reações, emoções.
A busca de alternativas que possibilitem o avanço da prática
docente — como professora formadora de professores2 —, é a
motivação para indicar, nos processos em sala de aula, elementos
que evidenciem contribuições e limitações emergentes de uma
prática de ensino de Didática das Ciências/Biologia, vinculadas à
formação inicial diferenciada de professores.
Através de dados expostos pela narrativa de episódios, de
situações processuais do ensino, de reflexões sobre e na ação
pedagógica, busco compreender, explicar e explicitar elementos
que possam contribuir para melhor conhecer o processo de
formação inicial, em função de alguns aspectos que estão
imbricados em um Curso de Licenciatura em Biologia, à luz de
referenciais teóricos atuais. Dessa forma, a fim de buscar métodos
para o recolhimento de dados, tendo em vista a realização deste
estudo — narrativo-investigativo — objetivei aulas de Didática,
disciplina de formação de professores do Curso de Licenciatura
em Biologia da Unimep, usando como forma privilegiada para obter
as informações, algumas observações em sala de aula e entrevistas
semi-estruturadas.
Os procedimentos de investigação, para os dados recolhidos,
foram os seguintes: anotações em diário de campo de aulas da
disciplina de Didática, durante um semestre letivo; transcrições
de entrevistas com a Professora de Didática; escritos produzidos
pelos alunos (“provas”, trabalhos de grupos, etc.); questionários
elaborados com o objetivo de obter dados junto aos alunos do 2º,
6º e 8º semestres (perguntas abertas e fechadas).3
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a formação do sujeito professor
Os episódios de aulas de Didática serão relatados/narrados
por mim ou pela Professora de Didática, de acordo com a forma
prevalecente de episódios narrativos (episódios narrados em
entrevistas), e/ou vivenciados no curso da investigação. Tais aulas
relatadas constituem meu objeto de estudo e de investigação.
Nesta experiência de investigação, é singular a disponibilidade
da própria Professora de Didática em realizar uma experiência
investigativa de ensino — lecionando uma disciplina no curso de
licenciatura —, ao mesmo tempo em que abria espaço para que
sua prática pedagógica fosse investigada por mim, dispondo-a como
locus de investigação. A Professora de Didática diz claramente que:
Se ofereceu para assumir tal docência para realizar uma experiência
Didática, na perspectiva teórico-metodológica e epistemológica como
professora-pesquisadora, uma vez que tinha claramente o objetivo
de fazer de sua prática de ensino uma fonte de pesquisa, para
confrontar prática x teoria em processo.
Posteriormente, ela própria percebe a riqueza da experiência
nos momentos de interação com os alunos, no processo de ensinoaprendizagem, quando decididamente verificava que “não era ela
quem mandava” (Cf. Larossa, 1998). A professora de Didática
enfatiza, na maioria das vezes, as vozes de seus alunos quando,
me relata os seus episódios de aula, atribuindo clara importância
à fala dos seus alunos como fundamental para a construção/
negociação de significados na relação ensino-aprendizagemconhecimento, seu objetivo enquanto professora.
Por minha vez, procuro colocar em destaque os relatos, as
falas da Professora de Didática, ou de outros professores, e as falas
dos alunos, ao narrar vários episódios, ao proceder à análise e
procurar a compreensão necessária do ocorrido no processo de
formação dos professores de Ciências/Biologia. É oportuno também
esclarecer que os episódios são abordados, segundo a concepção
de que um episódio se configura como um recorte da prática, que,
dada a sua importância, trazemos para a teoria, para iluminá-lo
por uma análise teórica (Cf. Aragão, 1998).
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investigação narrativa
Notas
1 Definido como Revolução Quântica pela importância que o período tem na história
e as mudanças que proporcionou em nossa visão de mundo. Por tais motivos,
resolvi denominá-lo desta forma, sem discutir a originalidade da expressão.
2 Sou professora das disciplinas de Metodologia e Prática de Ensino de Ciências/
Biologia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, Campus
Universitário de Cascavel.
3 Foram pesquisados 66 alunos/as.
*
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CAPÍTULO II
INVESTIGAÇÃO EM PROCESSO
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES
•♦•
O sujeito letrado pode manter
processos interlocutivos não
possíveis para o analfabeto
(Geraldi, 1993).
Que naturezas de questões emergiram das situações
processuais de ensino em foco? Emergiram questões de toda ordem.
De natureza institucional, de natureza epistemológica, de natureza
conceitual, de natureza estrutural do ensino, de natureza
estrutural-social, enfim, uma gama variada, tão rica, por um lado,
e tão preocupante por outro, dados o impacto e a contundência
das questões e, sobretudo, porque surgiram na e da interação entre
professor-aluno-conhecimento no espaço efetivo da aula.
Os dados que a investigação oferece parecem significativos e
alguns bastante originais, os quais raramente têm sido
contemplados como objeto de reflexão em âmbito pedagógico.
Emerge uma variedade de dados possíveis de serem analisados,
pois tais dados mostram-se relevantes e contextualizados. Ao
partilhar do processo, noto sua riqueza pela explicitação clara de
questões fundamentais presentes nas discussões sobre formação
de professores. Chamou-me ainda a atenção o fato de que diversos
destes episódios foram marcados por uma grande emoção, quando
várias questões foram explicitadas pelos alunos, em função das
interações ocorridas em sala de aula. Acontecendo como algo
dinâmico, porque é uma investigação em processo, trato de, assim,
investigar o que está acontecendo no âmbito do curso de formação
inicial de professores. Desta forma, não creio que fosse necessário
que eu saísse à procura de “um problema” relevante, porque há
inúmeros deles em qualquer sala de aula, como essa que é
considerada nesta experiência de investigação.
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Se as questões processuais são importantes, por que
usualmente elas não são investigadas?
Não se investigam tais questões, ao meu ver, porque
geralmente não há condições mínimas para lidar com aspectos os
mais dinâmicos (e trabalhosos!) do ensino, no contexto mesmo em
que tais aspectos ocorrem. Via de regra, as questões fundamentais
para a formação de professores aparecem no processo mesmo de
interação professor-aluno-ensino-aprendizagem-conhecimento em
aulas. No contexto referido da disciplina de Didática, as condições
facilitadoras de uma investigação estavam presentes, poder-se-ia,
portanto, investigar.
Uma investigação nessa linha estará, não só desvelando
problemas, mas também expressando o que a Professora tentou
fazer para redimensionar a sua ação formadora e não conseguiu,
pelo menos da forma como imaginara. Assim, precisou redirecionar
o processo várias vezes, para atingir alguns dos seus objetivos de
ensino e algumas necessidades formativas. Nestes termos, não
implicaria, apenas, o desvelamento da problemática no decorrer
da investigação, mas, principalmente, as tentativas de
encaminhamento ou re-encaminhamento, algumas, no dizer da
Professora de Didática, claramente mal sucedidas: “Agora eu já
posso dizer: ‘isso aqui não deu pé’. E outras [coisas], que nem foram
minhas preocupações, repercutiram. E outras, ainda, que eu
precisei re-elaborar, prá ver o que eu poderia atingir” (Cf. Entrevista
com a Professora de Didática).
Como observadora-participante do curso de Didática, da
turma do 5º semestre deste Curso de Ciências/Biologia, passei,
diariamente, a tomar contato com as aulas e, desta relação com os
alunos-licenciandos e com a Professora de Didática, começaram a
surgir questões que trazem à superfície problemas que estão sempre
presentes no processo de formação. Contudo, na maioria das vezes,
estes problemas passam despercebidos, ou, quando muito, são
apenas apontados. Sem receberem a devida atenção, tais questões/
problemas, via de regra, constituem-se em verdadeiros obstáculos
para que a formação de professores ocorra em sua plenitude, isto
é, evidenciando-se em qualidade diferenciada.
O tema da formação do professor está muito presente no
âmbito da temática da pesquisa educacional, no entanto a formação
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investigação em processo
inicial tem sido pouco considerada nas atuais pesquisas
pedagógicas. Esta escassez, talvez, advenha do que já se sabe a
priori: quando se investiga a formação inicial, em geral, muitas delas
se apresentam sobremaneira insípidas, estereotipadas, de forma
tal que o contexto pode mudar, mas não mudam objetivos nem
processos, não se apresentando, dessa forma, quase nada de novo,
mas apresentando, geralmente, distorções pedagógicas.
2.1 Perfil da turma: diferenciação dos alunos
Quem são os alunos? O que fazem eles? O perfil da classe se
constitui com os matizes e desenhos que cada um traz através de
suas experiências de vida, suas crenças e seus anseios. Quase todos
os alunos são trabalhadores... têm histórias interessantes e que
foram registradas. Por exemplo: um dos alunos, mora em Limeira,
trabalha em Hortolândia e estuda em Piracicaba. Faz esse triângulo
“todo santo dia”, inclusive aos sábados; é só no domingo que ele
fica em Limeira... estudando.
Tem o João que é um representante comercial de laboratório
e tem a Maria José que é professora. O Nilson é caminhoneiro, lida
com produtos perecíveis. Entrega produtos perecíveis na região,
para se manter e está aqui no curso de Licenciatura para, segundo
diz, poder “cuidar” do meio-ambiente. Tem a Patrícia que pretende
ser cientista. Também a Walquíria que “borboleteia” em sua opção
profissional, ora desejando ser pesquisadora em laboratório, ora
desejando a docência.
Existe o Marivaldo que, também, reside em Limeira. Todo
dia, muito cedo, ele vai para Holambra; lá passa o dia cercado de
flores, pois a principal atividade da cidade de Holambra é cultivar
e comercializar flores para todo o Brasil e, também, para o exterior.
Assim, bem de manhã, já o Marivaldo se encontra em seu posto de
trabalho. Trabalha duro o dia todo e, quando o expediente termina,
Marivaldo muda seu ritmo de vida, viajando até Piracicaba, onde, à
noite, ele é um aluno universitário. É no seu curso universitário
que ele põe suas esperanças e pensa em dar um rumo profissional
diferenciado em sua vida futura. Ele quer ser botânico, um dia.
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A Juliana já é professora do 1º grau, gosta de trabalhar com
crianças pequenas e tem trabalhado como monitora no Núcleo de
Ciências da Unimep. Tem também as duas Renatas. Além dos
nomes idênticos, ambas são mães e donas de casa. No entanto,
uma delas é casada sem filhos e, a outra, conta com a experiência
de ser mãe-solteira. Uma delas, a casada, com a responsabilidade
de marido e os encargos de dona-de-casa; por isso não tem
conseguido concluir o seu curso superior. Contudo, sempre volta
à universidade e pretende mesmo concluir o curso de licenciatura,
sem saber se exercerá a profissão de professora. “Mas se algum dia
houver necessidade, se houver algum aperto financeiro, estarei
apta a exercer uma profissão”, diz ela.
Assim, poderíamos compor um mosaico vibrante com as cores
vivas das vidas desses alunos. Existem algumas cores, talvez, menos
intensas, ou até mais intensas, que essas descritas; não o sabemos.
Um grupo pequeno não se revela, mesmo quando se procura
envolvê-lo nos diálogos, quando se abre espaço para que fale...
Seus integrantes permaneceram, aparentemente, indiferentes e
pouco reveladores sobre seus anseios e sobre suas vidas, parecendo
“alunos burocráticos”.
Quero dizer, no entanto, que há uma porção de histórias muito
interessantes neste grupo. É importante saber qual é o perfil desta
turma1: quem são os alunos? Por que vieram para o curso? O que
pensam em termos profissionais? Quais são os seus projetos de
vida? É importante também saber suas opiniões sobre o fato de
eles terem tido três professoras de Didática em três meses: uma
em fevereiro, outra em março e, uma última, que chegou na metade
de abril. A Professora de Didática — a última, a atual — assim se
expressa em relação ao perfil da turma:
Esta turma já forneceu inúmeras indicações de que seus integrantes
são confiáveis, porque eles são honestos, francos, eles não buscam
fazer de conta, ser algo que não são, até pelo fato de serem do
noturno. (...) Os graduandos de diurno são menos trabalhadores,
eu não posso dizer que não são trabalhadores... Esses não,
absolutamente... Eu não tive nenhuma indicação de eles blefarem,
de não estarem falando a verdade, ou de estarem pretendendo ser
os “pobres coitados” diante de mim. E eles estão no quinto semestre,
num momento ótimo, porque tem um tempo para trás bastante
significativo em termos da trajetória, do percurso. Ainda não
terminaram seu curso e não estão em vias de terminar.
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investigação em processo
Alunado deste tipo, com tais características, não parecia
situar-se no âmbito da experiência docente da Professora. Ela
própria diz: “A minha experiência não incluía turmas de noturno.
Fazia diferença lidar com alunos trabalhadores do noturno? Prá
mim fazia, mas não nesses termos... [do que encontrou]”.
2.2 Caracterização da professora
Como é esta Professora? O que ela espera? Quais seus
anseios, quais seus objetivos?
É certamente uma professora diferenciada, em primeiro lugar,
pela sua trajetória, uma vez que fez, em termos de formação
acadêmico-profissional, um movimento praticamente inverso ao
usual: inicialmente, dedicou-se à Educação para, depois,
aprofundar-se na área específica das Ciências. É interessante
observar que esta Professora de Didática veio da Educação para o
Ensino de Ciências, quando começou a valorizar e a lidar com
questões epistemológicas.
Quando as primeiras reflexões relacionadas ao universo
docente foram postas sobre a fundamentação epistemológica, anos
atrás, a Professora já parecia preocupada e sensível para realizar a
virada que possibilitaria o salto de qualidade: do teóricometodológico — cultivando a dicotomia usual conteúdo-forma —
para o teórico-metodológico-epistemológico — buscando superar
tal dicotomia e abordar, quanto ao ensino, tais questões em termos
mutuamente inclusivos e mutuamente relacionados. Mas nada
melhor do que ler a própria Professora nos relatar sua trajetória:
Para poder redimensionar a minha prática de ensino de Didática,
na formação inicial de professores de Ciências, eu entendi há 12
anos atrás que eu precisava conhecer ou dominar o conteúdo
específico. Eu precisava saber Ciência, estudar Ciências, estudar
Biologia; justamente, para dar idéia da articulação Educação X
Ciências X Biologia, esta articulação que parece apenas teóricometodológica num primeiro momento, mas é fundamentalmente
epistemológica. Para que eu pudesse ter idéia das questões
epistemológicas que precisavam ser tratadas teórica e
metodologicamente, em nível de ensino e de aprendizagem, o
conteúdo curricularmente tratado no âmbito escolar precisava ser
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conhecido por mim. Não apenas saber qual era ele, mas efetivamente
conhecer, significando compreender e estabelecer relações
cognitivas, lidar com esse conhecimento. Ter refletido sobre ele, em
função das dificuldades dos alunos e até em função das dificuldades
que eu já como docente-aluna apresentei para aprendê-lo,
compreendê-lo efetivamente.
A Professora de Didática vinculou-se, profissionalmente, no
início de sua carreira docente, à área de Metodologia do Ensino,
ministrando as disciplinas de Didática, Metodologia de Ensino da
Língua Portuguesa, Metodologia da Alfabetização, com formação
em Pedagogia. Posteriormente disse ter “mudado de área”, fazendo
concurso interno para uma vaga docente na área de Ensino de
Ciências, para a própria Universidade. No entanto, em anos
anteriores, ela já vinha aproximando-se da área das Ciências, como
ela mesma diz: “Eu era curiosa, comecei a querer saber, e querer
me liberar dos traumas de escola, embora, inicialmente, eu não
tivesse a intenção de fazer uso disso em termos profissionais; era
mais no sentido de possibilitar uma compreensão maior do mundo,
para eu ter um descortínio maior, para entender melhor a educação
como eu já havia feito com a educação pré-escolar”.
Trabalhando com várias disciplinas no Ensino de Ciências e
com muitos projetos de formação de professores pelo Brasil afora,
a Professora de Didática parecia ter tido oportunidade de continuar
se preparando. Talvez, por essas razões, apresentou-se para assumir
a disciplina de Didática Geral, no Curso de Licenciatura em
Ciências, Habilitação em Biologia da Unimep, no primeiro semestre
de 1997, para considerar e tratar a disciplina em termos de Didática
das Ciências. A sua proposta de ensino, fundada em processos de
mediação docente e de interação com alunos e entre alunos,
apresenta uma Didática das Ciências redimensionada nos seguintes
termos:
Como eu não conseguia perceber diferenças substanciais no
conteúdo da disciplina de Didática, porque o conteúdo específico é
continuamente descartado, isto é, porque, muito raramente, temse a consideração do conteúdo específico numa abordagem de
Didática, eu tinha vontade de trabalhar a Didática e aceitar esse
desafio: trabalhar Didática, a partir do conteúdo específico de
Ciências e de Biologia com os alunos.
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investigação em processo
2.3 Reconstituindo cenas iniciais
Neste cenário, quero dar a conhecer estes atores que
participam desta cena de vida, recorte da realidade: formação de
professores de Ciências/Biologia.
2.3.1 Episódio 1 - Didática não existe
Vejo uma classe de 54 alunos jovens, idade média entre 21 e
22 anos, alegres espectadores. Conversam alegremente uns com
os outros, alguns brincam, riem e até mesmo fazem alguns gracejos.
É que o ano letivo está iniciando (em abril!). Posso dizer que parecem
felizes diante da expectativa do início de mais um período letivo.
Que representa para eles o momento de início de mais uma
disciplina parte do semestre e do ano letivo? Certamente, apenas,
o cumprimento da “grade curricular” necessária para obter o
desejado diploma.
Neste dia, seriam reiniciadas as aulas da disciplina de Didática
Geral, que a Professora, segundo disse, abordará como Didática
das Ciências/Biologia. O que eles esperam de uma disciplina dessa
natureza? Muito provavelmente, tal relação em nada vai mudar a
credibilidade inicial da Didática para a turma.
A propósito de proposições provocativas de alunos, dirigidas
de modo geral à classe, mas que, certamente, tinha como objetivo
provocar a Professora que estava entrando na sala de aula,
acompanhada de duas monitoras, destaco a fala de um aluno que,
logo, à entrada da Professora, na sala de aula, diz alto para que
todos o ouvissem: “Graças a Deus, até que enfim, eu sempre disse
que Didática não existe”.
Qual o sentido, que interpretação, que mensagem pode querer
transmitir este aluno ao declarar “que Didática não existe”?.
Podemos pensar que ele não acredita na validade dos
conhecimentos da Didática? O início de trabalho dos conteúdos
em sala de aula, abortado pelas duas professoras anteriores o
decepcionaram? Ou ele possui alguma experiência pessoal anterior
que o faz pensar assim? Estaria ele falando por si só, ou representa
o sentimento da classe?
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a formação do sujeito professor
“A Didática não existe”. Na avaliação deste aluno, naquele
momento, a Didática está morta? Nunca existiu? Não serve para
nada? Acredita ele que os conhecimentos trazidos pela Didática,
representados na presença da Professora, não deverão trazer-lhe
benefício algum, talvez, porque só sirva - se servir - para quem vai
ser professor. E não é este o seu caso...
Suas palavras, contudo, demonstram que ele possui uma préconcepção de Didática e, ao que parece, esta já se constitui como
um obstáculo epistemológico, porque, além de produzida pelo
próprio contexto escolar, apresenta-se eivada de preconceito.
Considero importante a noção de “obstáculo epistemológico”,
introduzida por G. Bachelard, que passou despercebida pelos
estudiosos da aprendizagem, até que as pesquisas em Didática
das Ciências — principalmente sobre os erros conceituais —
mostraram a importância dos conhecimentos prévios, constituindo
impedimentos, ou, até mesmo, facilitando a aquisição de
conhecimentos. Na feição de obstáculos, conduziram a concepção
da aprendizagem como mudança conceitual e metodológica, que
exige a superação de tais obstáculos epistemológicos, porque, na
forma de “evidências do senso comum”, geram o pensamento
espontâneo (Cf. Carvalho; Gil-Pérez, 1993).
Nesta investigação, tive em diversas oportunidades a
possibilidade de deparar-me com episódios que, se bem analisados,
demonstram a existência de “obstáculos epistemológicos” que,
evidentemente, estão impedindo ou, como a própria palavra diz,
tornando-se obstáculos para que a aprendizagem-compreensão
efetivamente venha a ocorrer. De forma clara — manifestando
compreensão em função de reflexões como essas que, certamente,
já fizera —, em resposta ao aluno, a Professora concorda que, na
maior parte das situações de ensino, a Didática não existe; ele tem
plena razão.
Este episódio nos leva a alguns questionamentos: é
importante ensinar Didática aos licenciandos dos cursos, que têm
como objetivo formar professores? Que Didática seria esta? Quais
são os seus conceitos ou conteúdos fundamentais? Didática do
quê? Para quê? Como é, usualmente, tratada a disciplina de
Didática na formação de professores? Será possível estabelecer
pontos de diferenças ou semelhanças na maneira como,
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investigação em processo
usualmente, a Didática é trabalhada, e a proposta de ensino
vivenciada pela classe, proposta e conduzida pela Professora de
Didática? A professora lança luz sobre algumas destas questões:
Desde 1975, há 21 anos que, na Universidade de onde eu vim, não
se trabalha com Didática Geral. A Didática, que é chamada de geral,
só tem acolhida nos currículos de Pedagogia, como uma disciplina
chamada Didática. Sem que se diga se é geral, específica ou o que
é. Para nós, o nosso grupo sacou rápido: não é possível admitir
características gerais na Didática, se não voltamos ao Coménius:
“A arte de ensinar tudo a todos”. Naquele contexto, a Didática nas
licenciaturas passou a ser denominada, eloqüentemente ao meu
ver, de “Didática para o Ensino de Química ou de Física”. Era o
início, a vontade de relacionar na Didática, o conteúdo-conhecimento
específico.
As pesquisas educacionais, principalmente aquelas de âmbito
internacional, apontam que não se pode mais admitir este desenho
de uma disciplina “geral” — chamada por muitos de “instrumental”
— que se oferece como uma caixa de ferramentas em cursos de
formação profissional de professores, para que, quando surgir a
necessidade, o professor vá tentando usar algumas dessas
ferramentas, para verificar se consegue adaptar uma delas à peça
de trabalho, ou a peça de trabalho é obrigada a adaptar-se à
ferramenta genérica que ele tem em mãos, porque lhe foi ofertada
e, muitas vezes, é a única de que o professor dispõe. Olhando de
forma superficial, parece até uma boa contribuição. Mas o que
realmente está por detrás deste ensino?
Como isto acontece na educação? É possível fazer um
paralelo? Possivelmente, sim. Usando, até mesmo, a transitividade
do verbo, muito teremos a aprender, se analisarmos o verbo
“ensinar”, através da sintaxe: “ensinar” é um verbo transitivo direto
e indireto. O que, em linguagem pedagógica, significa que “quem
ensina, ensina alguma coisa a alguém”. Ora, ninguém ensina
qualquer coisa e, muito menos, pode ensinar todas as coisas. A
própria transitividade explicita, com clareza, a especificidade de
conteúdos do ato de ensinar.
Portanto, se o objetivo da Didática nos cursos de licenciaturas
é dar fundamentação ao processo de ensino, ela só pode ser Didática
“de alguma coisa”, isto é, de uma área de conhecimento: Didática
das Ciências, Didática da Química, Didática da Matemática,
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a formação do sujeito professor
Didática da Biologia, etc. Caso contrário, ela estará sobremaneira
vazia e descontextualizada, para preparar o futuro professor para
a ação de ensinar. Isto porque a Didática “já não pode ser encarada,
apenas, como uma disciplina de caráter instrumental. Deve ser
repensada em função dos objetivos mais amplos da educação, em
função da problematização dos homens em suas relações com o
mundo” (Alvite, 1987: 22). Além disso, esta questão tem relação
direta com o “ensinar alguém”. Para tanto, é preciso considerar o
estágio de aprendizagem em que o aluno se encontra, o contexto
em que vive e ter presente o objetivo da formação daquele aluno,
futuro professor.
Procurei saber da Professora de Didática quais seriam os
objetivos da Didática na Licenciatura de Biologia, segundo o seu
modo de ver, obtendo dela a seguinte resposta:
Lidando com os escritos do Shön e do Zeichner, especialmente, eu
vejo na expressão das idéias destes dois autores muito do que eu
penso em relação aos objetivos da Didática (...). A explicitação da
concepção dos licenciandos a propósito do “mètier” em que ele
pretende trabalhar ou situar-se como professor, que seria a própria
matéria a ensinar. Objetivo, com certeza, trabalhar a concepção de
Ciência, de Física, de Química ou de Biologia, do sujeito, em nível
pessoal intuitivo ou positivista em nível de ensino das Ciências em
termos redimensionados: da racionalidade técnica para a
racionalidade prática.
Reiterando as palavras da Professora, ela considera como
objetivos da Didática o conhecimento e o tratamento pedagógico
adequados das concepções dos licenciandos a propósito do
conteúdo que eles pretendem ensinar. Assim, nesta investigação,
um dos eixos centrais será a discussão das concepções dos alunos
e da Professora em situações de aula.
Ao ensejo da discussão das questões que estão presentes
nas formas de tratamento usuais da Didática, nos cursos de
formação de professores e, para permitir uma maior incursão no
tema, apresento a seguir a opinião expressa pela Professora de
Didática, em entrevista por mim realizada, a partir de perguntas
pontuais.
Qual sua compreensão da relação Didática Geral X Didática
Específica na Formação do Professor?
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investigação em processo
Professora — Do meu ponto de vista, por mais que se buscasse
diferenciar a Didática e, por mais que se dissesse que a Didática se
apresentava redimensionada nos cursos atuais, não conseguia
perceber diferenças substanciais. O que quero dizer é que, mesmo
aquelas pessoas ou instituições que pensam estar trabalhando a
Didática diferenciadamente, ainda, continuam com uma ênfase
bastante conservadora na Didática. E os elementos que levava e
ainda levo em conta para dizer isso, implica no fato de as abordagens,
via de regra, dissociarem as relações forma-conteúdo e processoproduto e cultivarem essas dissociações, muitas vezes, sem
consciência do que estão fazendo.
A Professora diz que, mesmo em cursos que dizem que tratam
a Didática numa forma redimensionada, a disciplina continua com
a feição do ensino tradicional, trabalhando dissociações ou
dicotomias. Um ensino estruturado no armazenamento quantitativo
e seqüencial dos conteúdos faz com que, a cada ano que inicia,
tanto alunos quanto professores tenham a sensação de que os
alunos não aprenderam, praticamente, nada. É essa a realidade,
pois o resultado do ensino tradicional, baseado na memorização, ao
invés da compreensão e do estabelecimento de relações conceituais,
epistemológicas, apresenta um resultado de aprendizagem,
praticamente, inócuo. Acresce-se ainda o fato de a Didática ser
considerada, nos cursos de formação de professores, disciplina da
competência exclusiva do pedagogo, que não conhece Biologia.
Em um enfoque tradicional, a disciplina de Didática pode se
envolver apenas com aspectos gerais do ensino, sem estabelecer
quaisquer relações em âmbito interdisciplinar. Deixando de
considerar o conteúdo específico, como costuma acontecer, neste
caso da Biologia, a interdisciplinaridade propiciada entre a Didática
e os conteúdos das demais disciplinas do curso, usualmente,
chamadas disciplinas pedagógicas (como Psicologia do
Desenvolvimento e da Aprendizagem, e Estrutura e Funcionamento
do Ensino, por exemplo) e disciplinas específicas (como
Parasitologia, Citologia, Embriologia, Histologia, Botânica...) não
acontece, nem sequer, através de exemplos, abrindo-se um grande
hiato entre a formação do sujeito professor e o seu trabalho
cotidiano, quando terá que ensinar os conteúdos específicos,
mediante o tratamento didático ou pedagógico destes conteúdos
em âmbito escolar, em aula. É, portanto — ao meu ver e de acordo
com as considerações feitas pela Professora para seus alunos —,
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a formação do sujeito professor
no mínimo duvidosa a contribuição da Didática Geral na discussão
que, também, estou estabelecendo sobre a pertinência de ainda se
manter, nos cursos de formação profissional uma disciplina de
Didática que não se especifique, ou construir-se uma outra Didática
sem que esteja baseada nos fundamentos epistemológicos da área
de saber e de conhecimento.
2.3.2 Episódio 2 - Conhecer é compreender o mundo
No curso da conversa iniciada na primeira aula, a Professora
solicita que cada aluno se apresente e que explicite: Por que
escolheu esta Licenciatura e se pretende ser professor?
Dos 54 alunos matriculados, foram obtidos os seguintes
resultados: 22 alunos pretendem ser professores; 11 alunos não
pretendem ser professores; 05 alunos declaram-se estar em dúvida
com respeito à atividade que pretendem desenvolver no futuro; e
16 não se posicionaram.
A Professora quis saber também dos alunos, por quais motivos
alguns não queriam ser professores?
Vários argumentos foram apresentados como justificativas.
Contudo, apresento aqueles que obtiveram não só maior freqüência
de indicação, mas também a maior atenção (e preocupação) dos
alunos: 1) má remuneração; e 2) desprestígio profissional.
Em contrapartida, a supostamente contraditória “opção” pelo
curso de licenciatura é justificada em razão de a maioria dos alunos
desta classe necessitar trabalhar. Assim, a opção genuína que
haviam feito fora pelo curso noturno, pela Biologia, e não pela
licenciatura, ou seja, por um curso de formação de professores de
Biologia.
Por outro lado, a formação de biólogos, dentre os cursos
possíveis, foi a opção, enganosamente, feita pelos alunos. Formarse professor, para a grande maioria, seria uma opção secundária,
obrigatória, apenas, em nível institucional. Mesmo assim, muitos
alunos, provavelmente, sem saberem diferenciar o Bacharelado da
Licenciatura, matricularam-se no “Curso de Biologia”, acreditando
que estariam estudando para serem biólogos/cientistas. A
Professora percebe que, nas respostas dos alunos, na opção ou
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investigação em processo
não pela docência, viam-se mais questões conjunturais e não
estruturais. Seus argumentos mais candentes eram: má
remuneração e desprestígio profissional.
Sendo assim, a Professora busca argumentar, à guisa de
esclarecimento, ao grupo de alunos. Dentre seus argumentos, a
professora afirma que má remuneração e desprestígio profissional,
como são questões conjunturais, são dinâmicas, passíveis de
mudança, posto que, em outros contextos, não ocorrem ou não se
apresentam dessa mesma forma. Além disso, tais situações parecem
estar acontecendo no contexto brasileiro, conjunturalmente, mas
não de forma generalizada, uma vez que existem algumas poucas
escolas, cursinhos, universidades, principalmente particulares, que
remuneram muito bem seus professores e lhes conferem prestígio
profissional. Creio que suas respostas não denotam convicção, isto
é, não configuram qualquer rejeição intrínseca à profissão de
professor como, por exemplo, “não gostar de trabalhar com alunos”.
Por outro lado, os argumentos dos alunos para ela, não pareciam
substanciais, pois eles não se posicionavam, claramente, sobre as
questões epistemológicas de conhecimento e de docência, quando
declaravam não desejarem ser professores.
Tais ações/interações iniciais com os alunos — e havia
momentos em que todos queriam falar, sempre querendo saber
mais para “pensar sério” como disseram — possibilitaram que a
Professora, como contraponto, fizesse uma exposição, evocando
um episódio significativo de sua experiência pessoal, que pareceu
elucidativo para alguns alunos. O episódio é por mim relatado, na
forma como segue:
Certa vez, seu vizinho a aborda no elevador, perguntando
ironicamente:
— Os professores da universidade estão em greve? Pelas mesmas
razões de sempre, o salário?
— Dentre outras coisas, respondeu a Professora, porque, além do
salário, nós temos a exigência de melhores condições de trabalho e
de certos direitos que nos estão sendo negados.
— Pois é, viu Fulana? [Dirigindo-se a filha dele que o acompanhava].
Eu sempre fico me perguntando, de que adianta estudar, fazer um
esforço tão grande, estudar!... Olha a Professora aí... [Apontando
para a Professora] Por isso que eu lhe digo que não vale a pena,
porque... Você sabe que eu não tenho estudo... [Dirigindo-se à
Professora] Viu, Professora? Eu não tenho estudo, mas problema
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a formação do sujeito professor
de dinheiro eu não tenho. Não tenho problema de salário, de nada.
Dinheiro não é problema prá mim.
Aí, a Professora conta que virou para ele e firmemente disse:
— E só.
Como havia chegado ao seu andar, a Professora vai descendo do
elevador e ele a interpela:
— Espera aí Professora, o que a senhora está querendo dizer?
— O que eu estou querendo dizer é isso mesmo: E só. [Se despede
e vai para casa].
No outro dia, à mesma hora, o vizinho estava esperando por ela,
quando ela se aproxima do elevador. Não estava mais com a filha,
estava sozinho; parecia esperá-la deliberadamente para, de novo,
abordá-la:
— Professora, eu fiquei pensando naquela história de ontem, porque
a senhora me disse: E só.
— Ah!... Eu lhe disse isso mesmo. O senhor se lembra que o senhor
me dizia jamais ter problema financeiro? Se comparava com os
professores da universidade e dizia que dinheiro não lhe faltava,
lembra? E eu lhe disse: E só.
— Pois é... o que isso quer dizer? Diga, por favor...
— Quer dizer o que eu lhe disse: O senhor só não tem problemas
financeiros.
— Mas eu ainda não entendi, Professora! O que isso quer dizer?
— Pois eu vou lhe explicar: ao senhor pode não faltar dinheiro,
somente dinheiro, porque, com certeza o senhor não pode
compreender o mundo como os professores da universidade o
compreendem. Eu lhe garanto que o senhor está muito longe disso.
O homem ficou pensando, e ela ainda lhe disse:
— O senhor não imagine que os professores das universidades são
imbecis, porque não são! Eu posso lhe dizer por mim: quando eu
optei por ser professora de uma universidade, eu sabia que não ia
ficar rica, eu sabia que ia ter problemas salariais; mas prá mim era
importante, em termos de vida, ser professora universitária,
formando profissionais para darem conta deste país. Não foi para
ganhar dinheiro, portanto. E eu não estou sendo imbecil por ser
professora nem por estar tendo problemas financeiros. Ser
Professora é uma coisa que me realiza, foi uma questão de escolha
de vida. Eu preferi ter conhecimento para compreender, cada vez
mais, o mundo... mesmo sem dinheiro!
Os alunos pareciam pasmos com a história, muitos sem
entenderem, provavelmente, mas em profundo e respeitoso silêncio.
A Professora apresenta, então, aos alunos uma argumentação
consistente, mostrando a eles que não deveriam subestimar a
profissão de professor, não quererem ser professores por pensar
que os professores, do jeito que estão, devem ir morar “debaixo da
ponte”. Explicitou ainda que:
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investigação em processo
A má remuneração e o desprestígio profissional de professores são
aspectos conjunturais deste país, pois, quando ela começara sua
carreira, tinha prestígio e ganhava bem, tanto é que, como era
solteira e com poucos gastos, no segundo mês de salário ela comprou
um carro. Por isso, assinalava, o desprestígio é conjuntural e não
estrutural: estava dizendo isso sem perder a fé, claro.
Nesses relatos, existem aspectos curiosos da opção que a
Professora faz para apresentar e enfatizar as idéias de
compreensão do mundo. Conhecer não é só — mas também —
para ganhar dinheiro, diz ela, ao relacionar a questão do
conhecimento com a docência:
Professora — Eu fiz a opção de não só estudar, continuadamente,
mas, também, de socializar este conhecimento, ao ser Professora.
Enfatiza aos alunos que sentia a responsabilidade de contribuir
para este País, no âmbito de sua profissão docente, dentro das suas
possibilidades, e que lhe parecia importante e necessário ser
professora. Que poderia ter sido apenas pesquisadora e publicar
livros e artigos, mas preferiu ser Professora-pesquisadora, ensinar,
investigar, analisar, contribuir, publicar, no âmbito da sua prática
pedagógica que é a sua prática social. Compreender o mundo,
conhecer, ter essa leitura do mundo era tão importante e desejável
como ter muito dinheiro. Por isso tinha optado por compreender o
mundo, optara pelo saber, mas lutava, via de regra, pela justeza do
seu salário, fazia greve.
Este episódio, ocorrido na sala de aula, proporcionou aos
alunos pensar a questão da opção pelo magistério e, certamente,
alguns alunos puderam pensar mais, refletir sobre a opção que já
haviam feito. Os alunos pareceram-me surpresos naquela ocasião.
Pareceu-me que eles jamais haviam pensado a questão da docência
pelo ângulo que a Professora lhes mostrara: implicando uma leitura
de mundo, uma compreensão do mundo que o magistério pode dar
e o conhecimento que um professor bem informado pode ter, usar
e socializar na interação de sala de aula, no processo de ensinoaprendizagem-conhecimento com todos os seus alunos.
A Professora, em outra ocasião, apresentou um outro exemplo
de impacto que considero importante relatar:
Há alguns anos, começara a estudar Química, sozinha, para
conhecer essa ciência. Para tanto, pedia a ajuda de seus colegas
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a formação do sujeito professor
professores e alunos de Pós-graduação, na Universidade onde
trabalhava, quando não compreendia bem um conceito ou outro.
Mas, quando começou a entender Química, o mundo para ela ficara
muito diferente. Porque o mundo sem Química não era tão
significativo, como o mundo com Química, desde que se conhecesse,
compreendesse e pusesse no mundo, em relação, a Ciência Química.
Desde que se aprendesse realmente química, se assimilasse os
saberes e os conhecimentos químicos tornando-os “semelhantes a
si”, fazendo-os seus.
Em função disso, a Professora continuou dialogando com os
alunos, debatendo sobre os valores tidos como fundamentais, aos
quais se atribui, por razões ideológicas, maior importância em nossa
sociedade. Assim, fez uma incursão sobre o tema da
profissionalização do professor, suas dificuldades e suas
gratificações. Neste sentido e perspectiva, de que cada um precisa
fazer sua opção, em âmbito escolar, a ênfase dada pela Professora
para os debates fora de que “conhecer é compreender o mundo”.
Isto porque cada um faz sua opção: dinheiro é muito importante,
mas dá para “trocar” pelo conhecimento? As provocações tinham
sentido reflexivo.
Em uma aula subseqüente, alguns alunos retomaram a
questão para dizer à Professora que “até admitiriam ser professores,
só que, exclusivamente, em cursos superiores(!)”. Como a questão
fôra posta em pauta, a Professora procurou saber da classe quantos
haviam mudado de idéia e já pretendiam ser professores. As
respostas então obtidas apresentavam-se substancialmente
alteradas frente aos resultados da primeira consulta, quais sejam:
22 alunos tinham convicção de que seriam professores; 04 não
pretendiam jamais ser professores; 12 admitiam a possibilidade
de vir a serem professores em cursos superiores; 10 se encontravam
em dúvida. Percebia-se uma clara mudança de vários alunos em
relação ao seu posicionamento da aula anterior. Por que houve tal
mudança? Até que ponto a argumentação da Professora, na primeira
aula, influenciou algumas posições anteriores?
Este episódio é importante à medida que apresenta elementos
limitantes da questão da formação do professor, uma vez que se
incorporou, em nossa sociedade, um juízo de valor superior,
atribuído aos cursos de bacharelado e, consequentemente, à
pesquisa, em detrimento da licenciatura, da docência e da profissão
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investigação em processo
do professor. Isso configura nas Universidades, em termos
endossados por professores universitários, a não valorização da
carreira do magistério, quer na não alocação eqüitativa de recursos,
quer na falta de condições físicas, de materiais e equipamentos
para as Licenciaturas. Um documento divulgado pelo Conselho
Nacional de Secretários da Educação (Consed), de 1996, apresenta
uma análise incisiva sobre a formação de professores nos seguintes
termos:
Inúmeros países vêm desenvolvendo políticas e ações agressivas
na área educacional, cuidando sobretudo dos formadores, ou seja,
dos professores, que são personagens centrais e mais importantes
na disseminação do conhecimento e de elementos substanciais da
cultura [...]. Em contraponto, quase nada tem sido feito no Brasil
quanto à qualidade da formação e à carreira dos professores, para
ajudar a reverter o quadro, que sabemos dramático, do nível
educacional da população em geral. E, mais grave ainda, é que a
profissão de professor tem se mostrado cada vez menos atraente
para camadas importantes de nossa juventude, tanto pelas
condições de ensino dos cursos em si [quanto] pelos aspectos
salariais e de prestígio social (Gatti, 1996: 1-2).
2.3.3 Episódio 3 - Freqüência: “controle burocrático”
ou “instrumento de poder”?
Uma outra questão inicial interessante na classe de Didática,
disse respeito à “falta de hábito” da Professora de “fazer chamada
oral” dos alunos (e eram 54!), conforme ela própria confessara. O
episódio pode ser narrado da seguinte forma: a Professora de
Didática, no segundo dia de aula, dirigiu-se aos alunos procurando
negociar uma maneira simples de resolver uma das questões
burocráticas que se encontram presentes cotidianamente em todas
as salas de aulas. Ela assim se dirigiu aos alunos:
Professora — Há muitos anos, trabalhando na Pós- Graduação,
não tenho mais o hábito de usar o diário de classe, nem de fazer
“chamada oral”, para registrar as presenças. Gostaria que vocês
me sugerissem algo que pudesse fazer o mesmo efeito, que nos
levasse a economizar tempo, mas que atendesse às normas da
Universidade que (ainda!) exige o registro da presença do aluno em
diário de classe.
Aluno 1 — Não usa [o diário] isto é simbólico.
Aluno 2 — Passa uma folha e todos assinam. O representante da
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a formação do sujeito professor
turma fica responsável (o grupo aderiu a esta idéia).
O representante da turma assumiu, responsavelmente, a
incumbência, de forma tal que resistia fortemente a deixar os seus
colegas “assinarem a freqüência” se ele achasse indevido ou injusto.
Muitas vezes, a Professora buscou, sutilmente, intervir em favor
dos alunos que sofriam com tal resistência.
A estrutura e os instrumentos de controle numa sala de aula
parecem muito subjetivos, mas demonstram parte da crença tanto
de alunos como de professores e dirigentes das instituições. E o
poder facilmente se revela nos controles, de forma semelhante ao
caso relatado. O representante da turma, facilmente, passou a ser
“o dono do registro da freqüência dos colegas”.
Porém, outros dois episódios que aconteceram no decorrer
do semestre podem ser relacionados a este para nos propiciar mais
elementos de reflexão. A Professora contou-me sobre um destes
momentos, ocorrido alguns dias depois do episódio sobre o registro
da freqüência dos alunos:
Conforme havia ficado combinado, a cada aula era assinada pelos
alunos uma lista de chamada e, de modo informal, após todos os
presentes a assinarem, ela ficava sobre a mesa da professora, de
tal modo que se algum aluno chegava atrasado, passava junto à
mesa e assinava seu nome na lista, na presença da Professora. A
Professora narra o episódio ocorrido, enfatizando a questão-chave:
Professora — Um dia, porém, um aluno que chegara atrasado,
demonstrando pressa, passa, assina seu nome e, em seguida, vai
escrevendo também o nome de outro colega na lista. A Professora,
que observou o aluno acrescentando o nome do colega, dirigiu-se a
ele e disse: — Fulano, não precisa acrescentar o nome do beltrano,
porque ele já chegou. E o nome dele já está na lista. Outra vez,
quando você for acrescentar o nome de alguém, acho que você
deveria olhar primeiro quem já chegou.
Ainda, num outro dia, os alunos voltaram a falar no assunto
da freqüência e uma aluna pergunta à Professora:
— Ninguém vai ser reprovado pela freqüência, não é Professora?
Professora — É, isso mesmo. Mas eu preciso ter aqui comigo aqueles
que realmente quiserem aprender e os que acharem que eu tenho
algum saber e conhecimento que precisasse ser ensinado.
No caso citado, a chamada dos alunos no diário de classe,
onde se registram as presenças, mas também as faltas, parece
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investigação em processo
evidenciar que, para os alunos, esse rito não possui importância,
mas as formas alternativas negociadas valem. Por um lado, eles
reconhecem que a chamada se trata apenas de uma representação
do controle burocrático da instituição; por outro, reconhecem,
também, que o professor, se ele o quiser, assumirá a burocracia
que pode ser “driblada”, ou definirá outros critérios com os alunos,
os quais geralmente são bem aceitos.
Sobre sua percepção desses episódios, a Professora disse que
sua observação ao aluno não tinha a intenção de dar lição de moral,
que tinha apenas a intenção de fazer uma observação que ensejasse
surpresa e reflexão. Ela ainda afirmou que, após esses episódios,
os alunos deixaram de se preocupar, mas, quase todos os alunos
da classe, lá estavam na aula, “cheios de pique”.
Refletindo sobre o caso, a Professora declara que tanto o diário
quanto o controle não fazem parte de seus hábitos há anos.
Contudo, reconhece que fazem parte das exigências legais. Sendo
assim, parece que ela não almeja que os alunos tão somente estejam
presentes em função da presença anotada. Ela parece querer dizer
aos alunos que não precisa usar, não quer ou não deseja lançar
mão deste tipo de controle, para influir sobre a aprovação ou
reprovação dos seus alunos. Em suma, ela deve acreditar que só a
presença física obrigatória não faz qualquer sentido em aula. A
Professora acredita que, muitas vezes, apenas uma observação
reflexiva e a segurança de que o controle não será punitivo é o
suficiente para resolver o problema e possibilitar uma mudança de
conduta dos alunos em caso como esses.
Nota
1 A idéia de perfil procura evitar o estereótipo habitualmente presente em trabalhos
de pesquisa desta natureza. Mas, se fizer sentido, se fossemos fazer uma
caracterização com o estereótipo de perfil, diríamos que: a classe é constituída de
54 jovens, de faixa etária entre 19-35 anos, com concentração entre 21 e 22
anos. Considerada como uma classe de bons alunos/as por seus professores. Não
foi perceptível qualquer desvio, dependência de droga, comportamento indevido
ou politicamente incorreto ou qualquer desvio comportamental. A classe, portanto,
pode ser definida como grupo de alunos/as comuns, regulares.
*
*
*
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a formação do sujeito professor
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CAPÍTULO III
LEITURA E ESCRITA: CONTRIBUIÇÃO OU LIMITAÇÃO NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS/BIOLOGIA?
•♦•
Face ao reconhecimento, tácito ou explícito, de
que a questão da linguagem é fundamental no
desenvolvimento de todo e qualquer homem; de
que ela é condição sine qua non na apreensão
de conceitos que permitem aos sujeitos
compreender o mundo e nele agir; de que ela é
ainda a mais usual forma de encontros,
desencontros e confrontos de posições, porque
é por ela que estas posições se tornam públicas,
é crucial dar à linguagem o relevo que de fato
tem (Geraldi, 1993: 05).
3.1 O planejamento de ensino de Didática das Ciências/
Biologia
Considerando que o conhecimento é construído na interação
social, no âmbito da linguagem (nas suas mais variadas formas de
expressão), e que só se formam professores competentes, mediante
um corpo consistente de conhecimentos, a Professora de Didática
planejou seu curso com base em leituras, cuidadosamente
selecionadas, possibilitando a construção, com os alunos, de um
conjunto de reflexões e conteúdos que contribuíssem
significativamente para que eles se constituíssem sujeitos
professores de Ciências/Biologia.
A fim de conhecer as concepções da Professora sobre este
assunto, perguntei-lhe como realizava seu planejamento de ensino:
ela respondeu que jamais definia o planejamento de uma disciplina
a ser ministrada por ela, sem conhecer primeiro os alunos; ela
gostava de sondar as necessidades deles e acreditava ser possível
definir, com os alunos, alguns conteúdos das Ciências/Biologia e,
a partir deles, trabalhar, definindo a abordagem, ou seja, das
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a formação do sujeito professor
questões epistemológicas para as questões teórico-metodológicas.
Após discutir com os alunos em algumas aulas sobre um Plano de
Ensino, que pudesse ser viável para desenvolver-se no tempo que
dispunham (11 semanas), ficaram definidas algumas unidades
básicas:
1. Questões de ensino, aprendizagem e conhecimento, baseadas
nos artigos: ARAGÃO, Rosália M. R de. “Reflexões sobre ensino,
aprendizagem, conhecimento’. In: Revista Ciência e Tecnologia
(Ensino de Ciências). Piracicaba: Editora da Unimep, 1993. Ano 2,
nº 3, jul/93; COLL, César. “Os fundamentos do currículo”._____.
Psicologia e currículo. São Paulo: Edusp, 1996.
2. O ensino de conhecimentos conceituais das Ciências/Biologia.
Tema escolhido: evolução. Baseado no texto: CHAVES, Silvia N.
Evolução de idéias e idéias de evolução: a evolução dos seres vivos
na ótica de aluno e professor de Biologia do ensino secundário.
Campinas, 1993. Dissertação (Mestrado), Unicamp. Além disso,
foram indicados textos usuais de Biologia, selecionados pelos alunos.
3. O ensino de conhecimentos representacionais das Ciências/
Biologia. Tema escolhido: átomo. Textos usuais de Química,
escolhidos pelos alunos.
4. O ensino de conhecimentos processuais das Ciências/Biologia.
Tema escolhido: fotossíntese, baseado no texto: GUIDO, Lúcia de F.
E. A evolução conceitual na prática pedagógica do professor de
ciências das séries iniciais. Campinas, 1996. Dissertação (Mestrado),
Unicamp.
A Professora afirmou que a forma de abordagem e
desenvolvimento dos temas, como ficou definido com os alunos,
levou-a a apresentar certos textos, não usuais, dos quais eles
gostaram, mas acharam dificílimos. Entretanto foram as interações
nas aulas, com base nesses textos, que levaram aos acontecimentos
relatados nos próximos episódios.
3.2 Episódio 4 - Visões desencontradas de leitura:
um texto é para ler!?
Um professor de Ciências e Biologia precisa ser versátil na
leitura e escrita? A falta de leitura por parte de professores e alunos
afeta a qualidade do curso? Um futuro professor, como qualquer
outro profissional, precisa ter clara a importância da leitura para
sua formação. Formação implica experiência e liberdade (Cf.
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leitura e escrita: contribuição ou limitação?
Larossa, 1998). Se assim for, os licenciandos precisariam envolverse com a leitura, necessitariam ler, para conhecerem os mais
diversos pontos de vista e argumentos dos autores, a fim de
enriquecerem suas próprias idéias e argumentos e ampliarem o
seu espaço de opção e liberdade, constituindo-se sujeitos.
A partir da definição dos temas, quando do Planejamento de
Ensino, a Professora relata, com sentimento de pesar, um dos
episódios iniciais ocorrido na sala de aula: quando ela entrega o
primeiro texto a ser lido pelos alunos e se desconserta porque
acreditara que bastaria fazer chegar o texto às mãos de seus alunos,
e orientá-los quanto à leitura, para que a aula subseqüente pudesse
ser profícua. Este episódio ajuda-nos a iluminar o tema da formação
e estabelecer pontos para reflexões sobre a leitura e escrita na
formação do “sujeito professor”. A professora narra o episódio nos
seguintes termos:
Quando eu entreguei o primeiro texto [à classe], um artigo científico
de minha autoria — Reflexões sobre Ensino, Aprendizagem,
Conhecimento... — eu me desconsertei porque achei que bastaria
entregar em mãos, a cada aluno, as xerocópias, como fiz... e orientálos quanto à leitura. Contudo, na outra semana eu perguntei: —
“Vocês leram?”. Os alunos me responderam: — “Não...” Eu perguntei,
então: — “E por quê?” E os alunos responderam: — “Porque... você
não pediu” [Risos]. Ora meu Deus do Céu!
Eu endosso: Para que serve um texto? A professora me diz
como se estivesse falando para si própria, refletindo:
Parece óbvio, ululante... Se eu digo aos alunos: “O primeiro texto
que nós vamos ler é esse daqui. Um artigo reflexivo sobre concepções
de ensino-aprendizagem-conhecimento. Eu trouxe de presente para
vocês, está aqui, em mãos! Vocês façam uma leitura assim.... assim...
assado”. E na outra semana... Ninguém leu?! E os alunos
perguntarem: “Era prá ler?... A senhora não pediu, Professora. A
senhora não disse: Leiam para a próxima semana”.
Em seguida, a professora comenta em tom reflexivo e
compreensivo: “Era verdade, eu não havia dito isso. E o que isso
significa? Nada? Que eles são vagabundos? Não”. Perguntei à
professora que análise ela fazia deste episódio, para poder
compreendê-lo? Ela me respondeu: “Significa, ao meu ver, que eles
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a formação do sujeito professor
estão habituados a seguir instruções. Dependem delas. Eles só
respondem a instruções claras. Do tipo comando: Busque isso,
faça aquilo, faça aquilo outro...”
Eu endosso: É. Tem de ter uma palavra de comando, uma
ordem expressa autoritariamente, para eles atenderem... A
professora acrescenta: “E a leitura, seja qual for o tema, como não
os fascina, não parece ter sentido nem significado para eles... Precisa
ser ordenada, definida por uma ordem clara que parte de quem
comanda, o professor: Leiam!”.
A professora continua sua análise: “Ao meu ver, não é que
eles sejam vagabundos ou não possuam vontade de estudar. Não!
Ao contrário, o episódio da mudança das três professoras de
Didática deixa claro que eles têm sede de aprender, eles querem,
eles buscam, eles exigem mais... E, muitas vezes, são enganados”.
Eu concordo com a reflexão: — É verdade! Eles têm vontade, eles
vêm para um curso noturno, eles são inteligentes, eles estão
preocupados... Então, o que falta a esses alunos? Eles não são
culpados; eles estão perfeitamente no lugar até onde os levaram.
Pensamos juntas, mas silenciosas, que, também, não é uma
questão de “fraqueza do alunado”. Contudo, observam-se situações
constrangedoras, de falta de entendimento, de condutas sempre
esperadas de estudantes universitários... E, neste caso, os nossos
alunos, supostamente, futuros professores! Não estaríamos
exigindo demais desses alunos, antes de regularmos nossa
linguagem, com a nossa estranheza?!
A partir desta e de outras experiências das suas aulas de
Didática, a professora, assim, assinala, de acordo com sua visão, a
relevância da leitura: “As principais dificuldades encontradas e,
de certa forma, mantidas nessa turma, advém do fato de eu
configurar que o maior entrave, para mim, foi a distorção leituraescrita que eles sobejamente apresentavam...”.
Se formação implica experiência e liberdade, os licenciandos
precisariam envolver-se com a leitura, necessitariam ler muito mais,
a fim de enriquecerem suas próprias idéias e argumentos. Contudo,
ao que parece, não é esta a prática desses alunos. Suas histórias
na universidade apontam noutra direção. Eles lêem muito pouco e
não possuem condições necessárias à leitura, de tempo e de acesso
a livros.
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leitura e escrita: contribuição ou limitação?
Considerando que estão num curso de Formação Inicial de
Professores, considero extremamente graves as lacunas e
dificuldades de leitura que os alunos, via de regra, apresentam,
posto que não podemos formar bons professores sem uma base
substancial de conhecimentos, sem que formemos, portanto, a um
só tempo, leitores. Qualquer formação diferenciada, em termos de
boa qualidade, dá-se principalmente pelas leituras, associadas a
um cuidadoso trabalho de mediação docente que propicie,
permanentemente, ajuda pedagógica dos docentes formadores aos
futuros professores.
O quadro é agravado, ainda mais, quando, aliado às
informações dos alunos, que nos revelaram que poucos deles
desejam ser professores (40 % dos alunos); eles se matriculam
num curso de formação de professores, por motivos circunstanciais
e não por opção genuína. Assim, questões fundamentais, relativas
à leitura por parte dos alunos, não podem deixar de ser investigadas.
A professora de Didática perguntou aos seus alunos: “O que
vocês têm lido no curso...?”. É ela própria quem responde:
Eles informam que 70% do que lêem são apostilas. De que natureza?
Valeria a pena investigar o que eles chamam de “postilas”. Contudo,
pode-se contar com os alunos para dizerem, para oferecerem
exemplos, materiais, evidenciando em que consiste a leitura típica
deles: são resumos, que manifestam um único ponto de vista, o do
professor. Eles acham que não pensam, por quê? Está a questão da
leitura relacionada com o saber pensar, o buscar pensar, o ter
oportunidade para pensar? Os alunos sempre dizem: A gente não
precisa pensar para fazer os trabalhos solicitados ou responder às
perguntas que são feitas nas provas — nem em exercícios. Basta
recordar, se lembrarem o que o professor disse em aula e repetirem,
mesmo sem compreensão, fica tudo bem.
Os episódios evidenciadores de que os alunos acham que
não pensam, causaram grande impacto, principalmente na
professora. Em entrevista, a mim concedida, a professora ressalta
que a leitura foi a principal dificuldade encontrada no seu trabalho
com os alunos.
Para encaminhar as discussões que aqui emergem, mediante
as falas dos alunos e da professora sobre a importância da leitura
e escrita na formação do professor (e na formação de qualquer
profissional), torna-se importante investigar e compreender mais
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a formação do sujeito professor
sobre linguagem e construção do conhecimento, para ampliar nossa
compreensão.
No ser humano, pode-se assinalar a imbricação linguagempensamento. As crianças, por exemplo, utilizam a linguagem para
saltar de uma imagem criativa a outra e, ainda, para avaliar as
possibilidades. A fala egocêntrica, estudada por Vygotsky e Piaget,
quando as crianças falam em voz alta, apenas para benefício próprio,
é através da fala que a criança estrutura claramente sua ação,
dizendo em voz audível suas intenções de ações, planejando para
atingir determinado fim, mas, também, faz a avaliação da sua ação,
quando fala dos possíveis resultados desta ação, se a mesma for
executada. Claramente, ela demonstra o uso da linguagem,
estruturando seu pensamento e sua ação.
Concebendo a linguagem como um processo sócio-histórico,
cultural e psicológico, busco através de diversos autores,
compreender a importância da linguagem na construção do “sujeito
professor”. Estabelecendo-se, como pressuposto teórico que
linguagem é pensamento, a comunicação sempre é um processo
social.
Assim, temos como princípio fundamental “o conhecimento
como algo socialmente construído, também conhecido como
aproximação sociocultural, e que se dá no processo de interações
histórico-sociais do homem. A comunicação é fruto dessa
construção de signos e sinais, construídos graças à criação e
manipulação de situações sociais, e nos comunicamos através da
transmissão destes signos. Portanto, a comunicação é sempre uma
criação da comunidade” (Lemke, 1997: 12). Nesta percepção do
conhecimento, como construção humana sócio-histórica, a
linguagem apresenta dupla função, a função cultural (comunicar)
e a função psicológica (pensar) que não estão realmente separadas
(Mercer, 1997:15).
Na sua função cultural, a linguagem permite a
intercomunicação com os membros de uma comunidade, de uma
etnia lingüística. Apresentando-se como resultado de construtos
coletivos, a linguagem traz em si a marca da história e da própria
vida do homem, propiciando seu desenvolvimento, como ser social.
Qualquer espécie possui códigos de comunicação, mas a linguagem
proporciona ao ser humano a construção social e histórica de sua
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leitura e escrita: contribuição ou limitação?
civilização. Enquanto permite as trocas necessárias ao trabalho
coletivo, social, permite que o saber acumulado seja transmitido e
que se construa, a partir do passado, presente e futuro, na
perspectiva histórica.
A função psicológica da linguagem — pensar —- propicia ao
homem que estruture seu próprio pensamento, codifique-o e o
transmita. Também em sentido inverso, ouve a fala dos seus pares,
a decodifica e a incorpora ao seu conhecimento anterior, atribuindolhe significado.
Por isso, concebe-se a linguagem tanto como uma capacidade
humana de construir sistemas simbólicos quanto como uma
atividade constitutiva, cujo locus de realização, dentre outros, é a
interação verbal. Segundo J. W. Geraldi, nesta relacionam-se um
eu e um tu e, na relação, constroem os próprios instrumentos (a
língua), que lhes permitem a intercompreensão. Obviamente
nascemos num mundo, onde muitos eus e muitos tus já se
encontraram. A língua é uma destas formas de compreensão, modo
pelo qual cada um de nós apreende os sentidos das coisas, das
gentes e de suas relações. Assim, de acordo com J. W. Geraldi
(1996: 67) e M. Bakhtin (1977: 406), a aquisição da linguagem,
dando-se pela internalização da palavra alheia, é, também, a
internalização de uma compreensão de mundo. As palavras alheias
vão perdendo suas origens (ser do outro), tornando-se palavras
próprias (internas), que utilizamos para construir a compreensão
de cada nova palavra, e assim, ininterruptamente. É neste sentido
que a linguagem é uma atividade constitutiva: é pelo processo de
internalização do que nos era exterior que nos constituímos como
os sujeitos que somos, e, com as palavras de que dispomos,
trabalhamos na construção de novas palavras. Também, aqui, um
trabalho ininterrupto.
Por isso a língua não é um sistema fechado, pronto, acabado,
de que poderíamos nos apropriar. No próprio ato de falarmos, de
nos comunicarmos com os outros, estamos participando, queiramos
ou não, do processo de constituição da língua.
Um enunciado nunca é somente reflexo ou expressão de algo já
existente, dado e concluído. Um enunciado sempre cria algo que
nunca havia existido, algo absolutamente novo e irrepetível, algo
que sempre tem que ver com os valores (com a verdade, com o bem,
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a formação do sujeito professor
com a beleza etc.). Porém, o criado sempre se cria do dado (a língua,
um fenômeno observado, um sentimento vivido, um sujeito falante,
o concluído por sua visão de mundo etc.). Todo o dado se transforma
no criado (Bakhtin, 1997: 42).
É no espaço da interlocução que se constituem os sujeitos, a
linguagem, o conhecimento. Como os sujeitos não são cristalizações
imutáveis, os processos interlocutivos estão sempre a modificálos. Ao modificar o conjunto de informações de que cada um dispõe
a propósito dos objetos e dos fatos do mundo; ao modificar as
crenças pela incorporação de novas categorias e, até mesmo, ao
modificar a linguagem com que falamos e representamos o mundo
e as relações dos homens neste mundo, os processos interlocutivos
e mesmo os próprios sujeitos vão se constituindo (Cf. Geraldi, 1993:
27-29). Construir sentidos no processo interlocutivo demanda o
uso de recursos expressivos e estes têm situacionalmente a garantia
de sua semanticidade, já que “o sentido da frase — dir-se-ia —
pode deixar em aberto isso ou aquilo, mas a frase deve ter um
determinado sentido. Um sentido indeterminado não seria
propriamente sentido nenhum” (Wittgenstein, 1975: 52).
O que permite a um sujeito compreender o sentido que o
interlocutor procura estabelecer em sua mensagem? Provavelmente
dominar um sistema de referência (experiências, conceitos, leituras,
etc.) semelhantes ao que o seu interlocutor possui, isto é, que o
sujeito possa atribuir significado e possua compreensão semelhante
ao que atribui o seu interlocutor.
Os alunos do quinto período de Biologia demonstraram
dificuldade em decodificar, compreender o significado que a
professora queria dar à sua fala. Não acostumados a uma rotina de
leituras permanente, eles tomam o texto que a professora lhes
entrega e não o lêem. Parecem não compreender as palavras da
professora, quando os orienta de como proceder à leitura do texto
em pauta e sobre quais os objetivos eles precisariam estabelecer
naquela leitura.
Mesmo concordando que não seria necessário um grau de
explicitação — a ponto de a professora de Didática ter de dizer “eu
quero que vocês leiam este texto para a próxima aula — eu quis
compreender por que a professora não pediu para eles lerem? A
professora explica:
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leitura e escrita: contribuição ou limitação?
Por que eu não pedi para eles lerem?... Porque eu passei vinte e
cinco anos em uma outra universidade, e nunca pedi para nenhum
aluno ler. Ler era algo absolutamente pacífico, era tácito para os
alunos (...). Se eu chegar com um livro na sala de aula, apresentar
o livro, claro que eu estou querendo que se leia. Não é só para
exibir. E eles ficaram pensativíssimos quando eu, ainda, lhes disse:
“Ir à biblioteca em uma outra Universidade, onde trabalhei, acho
que resultava numa freqüência maior que a do cafezinho”.
Como o trabalho com a linguagem vem se caracterizando cada
vez mais pela presença do texto, quer como objeto de leituras quer
como trabalho de produção presente em qualquer das disciplinas
que são usualmente ministradas (técnicas ou não), os elementos
deste episódio nos remetem ao estudo e à compreensão da
atribuição de sentidos à fala do outro, pelos sujeitos. Os alunos,
talvez habituados à linguagem denotativa, não compreenderam o
significado das palavras da professora, que expressavam sua
intenção; quando ela lhes entregou o texto, esperava a leitura por
parte dos alunos. Sobre este tema, busco em J. W. Geraldi
considerações importantes:
No processo de compreensão ativa e responsiva, a presença da fala
do outro deflagra uma espécie de “inevitabilidade de busca de
sentido”, esta busca, por seu turno, deflagra que quem compreende
se oriente para a enunciação do outro. Como esta se constrói tanto
com elementos da situação quanto com recursos expressivos, a
adequada compreensão destes resulta um trabalho de reflexão que
associa os elementos da situação, os recursos utilizados pelo locutor
e os recursos utilizados pelo interlocutor para estabelecer a
correlação entre os dois primeiros (Geraldi, 1993: 19).
É necessário um traço de união para compreender a
mensagem, ou, como diz M. Bakhtin, a enunciação de outrem:
Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em
relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto
correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em
processo de compreender, fazemos corresponder uma série de
palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e
substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão
(...). A compreensão é uma forma de diálogo; ela está para a
enunciação assim como uma réplica está para a outra no diálogo.
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a formação do sujeito professor
Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra. É por
isso que não tem sentido dizer que a significação pertence a uma
palavra enquanto tal. Na verdade, a significação pertence a uma
palavra enquanto traço de união entre os interlocutores, isto é, ela
só se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva
(Bakhtin, 1977: 131-132).
Estas compreensões desvelam “nossas contrapalavras” às
palavras dos outros. É por isso que na “‘minha’ palavra me (re)velo,
e na contrapalavra `a palavra do outro que me constitui como
sujeito” (Geraldi, 1996: 139). Portanto, no foco central da formação,
não só do professor, sujeito deste trabalho, mas na formação e
constituição do sujeito, a questão da linguagem é fundamental. É
na questão relativa à linguagem que o mundo acadêmico objetiva
a aquisição do conhecimento pelo futuro profissional, que possa
falar com os de seu grupo e atribuir um significado mais próximo
ao sentido dos seus interlocutores, estejam eles presentes,
mediante a fala, ou presentes, mediante seus textos escritos.
Assim, a leitura e a escrita constituem-se na atividade
essencial da formação acadêmica. Para que, a partir da
compreensão, da significação próxima ao sentido do autor, ele possa
atribuir, principalmente, significado para si, estabelecendo sua
própria leitura do texto.
3.3 Episódio 5 - O que lêem os alunos do Curso de
Biologia? Como lêem? Por que lêem?
Que orientações recebem?
Investigando o processo pedagógico nas situações
processuais de ensino, as condições de leitura e escrita
evidenciaram-se como um importante obstáculo epistemológico a
ser superado para a melhoria dos resultados esperados no ensino
e aprendizagem dos futuros professores. A fim de conhecer e buscar
elementos que nos permitissem melhor compreensão, investiguei
algumas das condições de leituras na formação profissional no
Curso de Ciências/Biologia, em turmas do 2º, 6º e 8º períodos do
ano de 1997, através da realização de pesquisa, com aplicação de
questionários a 66 alunos. Os dados obtidos, através da
investigação, podem auxiliar na compreensão de alguns episódios
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leitura e escrita: contribuição ou limitação?
ocorridos em sala de aula, e aqui destacados, a respeito das
dificuldades dos alunos, advindas do baixo índice de leitura e, ainda,
do tipo de prática de leitura que lhes era familiar, consideradas
como obstáculos pela Professora de Didática.
Tais dados, apresentados no decorrer deste trabalho, revelam
uma situação bastante preocupante com o baixo índice de leitura,
informação e escrita dos acadêmicos. Os indicadores obtidos
ajudam a discutir a importância destes na formação dos futuros
professores. Ao procurar identificar os hábitos de leitura, os alunos
de vários semestres, também do 5º, responderam — (48%) quase a
metade dos alunos de Biologia — que durante todo um semestre
de aulas leram apenas 01 (um), no máximo 02 (dois) livros, ou não
leram nenhum livro. Sobre a natureza das leituras realizadas, eles
responderam que dos livros lidos no último semestre, 50% eram
de natureza Didática; 27% foram livros técnicos; 23% dos livros
eram de auto-ajuda; 17% romântico-amorosos; 14% de poesias;
13%, aventura, e 9% de ficção-científica.
Estes índices destacam-se, principalmente, ao considerarse que são relativos a alunos que se preparam para serem
professores. Nas interações com a classe, a Professora de Didática
ficou surpresa, quando, após a entrega do seu primeiro texto,
percebeu que os alunos não apresentavam sequer termos
adequados de referência. Ela observa: “Eles chamam meu artigo
de ‘postila’ e eu não aceito”. Eis o diálogo, a respeito, entre alunos
e Professora:
Alunos — É a “postila” que a senhora deu...
Professora — Eu nunca dei “postila” para vocês. Eu não! Vocês
estão confundindo, não fui eu não.
Alunos — Não, Professora, aquela.... “Reflexões sobre ensino”.
Professora — Aquilo não é “postila”, aquilo é um artigo, um artigo
científico.
Alunos — Ah!! (Com expressão de que compreenderam a mensagem
e percebem o equívoco).
E eles começam a corrigir a linguagem.
A Professora mesma faz a análise crítica da situação, quando
diz: “Esse tipo de contexto é precioso. Eles não têm sequer o termo
de referência, eles não estão nem familiarizados com o termo de
referência. A leitura de um artigo é leitura de ‘postila’. ‘Artigo’ ou
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a formação do sujeito professor
‘postila’, tanto faz!... Ambos são textos gráficos!”
Estes episódios demonstram que, verdadeiramente, os alunos
estão na Universidade e, na maioria das vezes, terminam o curso
de graduação sem “saber ler”, isto é, “lêem sem ler”. E ainda sem
desenvolver gosto pela leitura. Ao meu ver, os alunos, mesmo
universitários, via de regra, não sabem ler, porque ler não é apenas
buscar alguma informação em um texto. Isto eles conseguem. Ler,
efetivamente, é ser capaz de, pela leitura, lidar com um ou mais
textos e compreender sua ou suas mensagens, atribuindo
significados e compreendendo sentidos, no estabelecimento de
relações entre eles e, nos textos, em si mesmos. É ser capaz de
analisar e usufruir da sua mensagem para seu conhecimento, de
acordo com sua realidade e suas concepções.
Que questões podem estar ocultas nas teias complexas das
relações sociais - políticas - educacionais, que episódios como esses
nos evidenciam?
Os episódios ocorridos com tais alunos nos remetem a
múltiplos problemas, intrínsecos a relações sociais, econômicas,
políticas, educacionais imbricadas na vida destes estudantes e que
agem diretamente sobre as condições de estudo destes. Os nossos
alunos demonstram dificuldades onipresentes na vida de alunos
trabalhadores. Nos seus relatos e comentários, podemos perceber
diversos aspectos e vários níveis destes, influenciando em suas
vidas, enquanto alunos e, enquanto pessoas.
Os alunos dividem suas opiniões sobre o volume de leituras
solicitadas no seu curso. Nas suas respostas, apenas 1% respondeu
que achava ótimo, enquanto que 49% acharam suficiente; e 45%
acharam insuficientes. Alguns justificam serem as leituras
insuficientes por razões tais como: “acho insuficiente, pois fazendo
estágio, trabalhando e estudando, há muito pouco tempo para
leitura”; “é suficiente para a realidade dos alunos do período
noturno, pois a maioria não tem tempo disponível. Porém para uma
aprendizagem acho que é pouco”; “Pois estes [os livros] que tratam
de Educação, não tenho interesse, porque não serei professor”. Os
alunos, segundo dizem, geralmente lêem, em espaço e tempo
determinados, tais como:
No meu trabalho, durante as folgas; no horário do almoço, no ônibus;
antes de dormir; no banheiro; em casa, de madrugada; à noite, ao
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leitura e escrita: contribuição ou limitação?
chegar da faculdade; no intervalo do almoço; intervalo da aula; no
meu estágio, quando há tempo; no trabalho; no fim-de-semana.
Alguns são mais explícitos quando informam:
Alguns livros e revistas para trabalho de monografia, só leio às vezes,
quando tem prova.
Leio durante as viagens, (pego 5 ônibus por dia). Durante a semana,
na hora do almoço, porque faço estágio e, nos finais de semana, leio
em casa, no lugar que mais gosto. Nos finais de semana, chego a ler
boa parte do dia, às vezes, chego a ler o dia todo, se gosto do assunto.
Como alunos adultos, que freqüentam um curso noturno, a
maioria necessita trabalhar para manterem-se financeiramente,
bem como para pagar o seu curso universitário. Portanto, segundo
suas falas, já apresentadas, eles trabalham durante o dia, viajam
até Piracicaba, estudam a noite, quando as aulas terminam às 23
h. realizam a viagem de volta, chegando em casa por volta da meia
noite ou 1 h. da manhã, muitas vezes, ainda sem jantar.
Que condições de tempo e, até mesmo, disposição física
podem possuir estes alunos para ler, estudar, pesquisar, fazer os
trabalhos solicitados pelos professores?
Além disso, é importante ressaltar que suas experiências
quanto ao ensino-aprendizagem e a relação com a leitura, são frutos
do ensino por Transmissão- Recepção (T-R); e, ainda, apoiados
unicamente em apostilas, em geral, resulta que os alunos não
conseguem aprender a estabelecer interações efetivas com a
linguagem escrita, seu sentido e significados.
Compreendendo a importância das interações com a leitura,
na construção do conhecimento dos alunos, para atribuir
significados às palavras “alheias” e ter condições de estabelecer
suas contra-palavras às palavras do outro, a Professora de Didática
realiza uma cuidadosa seleção dos textos, para trabalhar com os
alunos do 5º período de Biologia. Intencionando que os alunos
possam, no futuro, tornar suas, as palavras alheias e que possam
evoluir em suas concepções, tendo em vista sua formação como
professor.
A Professora de Didática me disse que considera importante
a seleção do texto didático para a formação dos professores. Em
função disso, elaborei as seguintes questões: Como são
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a formação do sujeito professor
selecionados textos didáticos? Que critérios devem ser
considerados? A Professora de Didática respondeu da seguinte
forma:
Eu tinha “n” autores a considerar, mas eu tinha uma clientela
específica de uma Universidade que é do noturno e que congrega
nesta situação de ensino do noturno 54 sujeitos. E quem são esses
sujeitos? Alunos trabalhadores. Eu não poderia trabalhar com textos
longos; eu tinha que buscar a maior clareza possível, eu tinha que
buscar uma leitura mais fácil, porque eu sabia que eles não sabiam
ler, e ainda fui quebrar a cara com a leitura. Mas, eu vou dizer
honestamente quais as questões de leitura que me preocuparam e
quais as que não me preocuparam. Porque o bonito é isso: quebrar
a cara, porque se estivesse tudo certo, não seria tão importante.
A Professora demonstra, pela sua fala, que já tinha idéia das
dificuldades sócio-econômicos, culturais e educacionais presentes
em uma classe universitária do noturno. Planejou cuidadosamente
seu trabalho, a fim de superar as supostas dificuldades. Contudo,
o problema era maior do que ela supunha e, assim, ela necessitou
“elaborar as aulas com muito cuidado”, procedendo,
continuamente, inúmeros ajustes. Portanto, adotou a leitura em
sala de aula e discussão dos alunos em grupos, uma vez que eles
não conseguiam realizar as leituras em casa. Usando parte da aula
para orientá-los em relação às leituras e ajudá-los a compreenderem
e estabelecerem relações com os textos estudados.
Na perspectiva de que os alunos do Curso de Biologia
pudessem ser interlocutores nos textos estudados, para que
alcançassem esta meta ao que parece, ainda havia uma grande
distância. As atividades de leitura desenvolvidas com os alunos
demonstraram que eles lêem com propósitos específicos,
denotativos. Segundo a Professora, eles tomavam o texto e faziam
assim:
Alunos — Apresentação? Ah, não interessa! Introdução? Deixa eu
ver se tem alguma coisa. (Corre os olhos pelo texto). Ah, tem! Tem
os objetivos do CNPq, por exemplo.
Professora — E aí vai enviesando...
Alunos — Ah, é interessante porque a Professora disse dos objetivos
do CNPq, então interessa os objetivos.
Professora — Então eles pulam para outra parte do texto.
Quando a Professora perguntava: — Mas porque você não lê a
introdução? Os alunos respondiam: — Não, Professora, a introdução
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leitura e escrita: contribuição ou limitação?
é sempre conversa fiada. Aí a gente “perde tempo”. A professora
insistia: — Então o que vale, no texto? E eles explicitavam: — As
partes sublinhadas, destacadas, estas valem.
Buscando compreender alguns aspectos da leitura que os
alunos fazem, e a orientação recebida de seus professores,
percebemos que suas práticas se constituem verdadeiros
obstáculos à aprendizagem significativa. A Professora comenta que
“eles podem até fazer a interface, só que não a interface ‘ligada’.
Eles fazem-na desligada, descolada do todo, é tudo fragmentado...”.
A Professora teve, então, de fazer um trabalho cuidadoso junto
aos alunos, a fim de possibilitar a superação destas dificuldades,
praticamente, ensinando-os ou estimulando-os a ler. No contexto
da “prova” de Didática, é possível perceber o encaminhamento que
a Professora estabelecia, através de alguns diálogos, quais sejam:
Aluno — Onde é que está aqui no texto, a resposta, Professora?
Professora — Você leu o texto?
Alunos — Eu dei uma olhadinha.
Professora — Então leia de novo, aprofundando a sua olhadinha.
Eu vou dizer quais são os momentos do texto, que eu acho que você
vai gostar mais: Aqui..., aqui... [apontando e indicando as partes no
texto]. [Uma colega nossa brinca com a Professora: “Resolveu
trabalhar na zona de desenvolvimento proximal, hein?”]
Professora — [Dando uma gargalhada]: “Resolvi”.
Este trabalho da Professora em procurar chamar a atenção
do aluno para encaminhá-lo em sua leitura — a fim de que, com a
sua mediação, possa realizar uma tarefa que, sozinho, lhe seria
muito difícil —, configura-se como atividade na Área de
Desenvolvimento Proximal de Vygotsky (Cf. Vygotsky, 1984). A
Professora conta que, na mesma “prova”, outro aluno aproximouse e disse:
Aluno — Ó, eu só vou ler este parágrafo, e esse outro, não.
Professora — Qual é o que você leu?
Aluno — Só li o que você me indicou, que eu ia gostar.
Em outro momento:
Professora — Vocês leram a introdução?
Alunos — Não.
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a formação do sujeito professor
Professora — E por quê?
Alunos — Ah, porque são aquelas coisas gerais, “babacas”, que a
gente não vai precisar. Eu li só as coisas que era preciso ler.
[A Professora então comenta] — Então você vai ver lá “grifadinho”,
mas eles só leram aquilo mesmo. É como se fosse feita uma triagem.
Mesmo eles lendo isso aqui, eles não vão grifar porque, na opinião
deles, são gerais demais as considerações.
Infelizmente, este quadro de dificuldades, de falta de leitura
e de práticas adequadas de leitura por parte dos alunos não existe
apenas no contexto desta turma. Para contribuir nesta reflexão,
cito texto de J. W. Geraldi, sob o título “Barbárie Educacional”, no
qual o autor comenta os resultados parciais da pesquisa de
avaliação do ensino público, realizada pela Fundação Carlos
Chagas:
A dificuldade em dominar o léxico e as estruturas da língua se
reflete inexoravelmente em [do aluno] sua capacidade de
compreensão, de raciocínio, de trabalho e em seu comportamento
social. Numa palavra, limita a sua autonomia individual ao mesmo
tempo em que estreita violentamente o seu acesso a todo tipo de
oportunidade de desenvolvimento pessoal (Folha de São Paulo, 25/
02/90 apud Geraldi, 1996: 35).
Estes comentários indicam que os problemas de deficiência
no uso da língua, da escrita e em dominar as estruturas da língua
encontram-se presentes, de maneira generalizada, nas escolas
brasileiras. Mesmo assim, falta orientação pedagógica aos
professores para trabalharem com seus alunos de maneira que
lhes possibilitem este aprendizado, pois a superação milagrosa não
acontece. Contudo, há uma tendência do professor a culpar a
escolaridade anterior, estabelecendo um “jogo de culpas”
progressivo e irremediável, caso não seja interrompido este círculo
vicioso. Dialogando — a Professora e eu —, com outros colegas da
Universidade sobre estas questões, uma professora diz que:
Professora 1 — De fato, o aluno, na leitura, só vai responder à sua
solicitação. O restante não interessa. Isso prá mim são resquícios
do 1º e do 2º graus. Se a gente achava que, no 3º grau, isto já
estava superado, não está não.
Professora — Só não é superado — e a gente não pode pensar que
os alunos já tenham superado — porque ninguém cuida disso. A
gente tem uma expectativa de superação em termos milagrosos,
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leitura e escrita: contribuição ou limitação?
espera que aconteça um milagre; que, por estar mais maduro, o
aluno “saca” e muda de atitude.
Além disso, tendo em vista que muitos alunos declararam
que lêem pouco, segundo nossa concepção (minha e da Professora)
e, procurando compreender se a situação de leitura e do pensar
era algo pontual ou, ainda, se se trata de uma questão cultural,
procuramos conversar com alguns professores.
Comentando a questão com estes colegas, a fim de investigar
se estava apenas acontecendo com aquela turma, e quem sabe,
apenas, naquele momento, uma professora nos dizia: “Comigo isso
não acontece. Quando eu pergunto para os alunos se eles leram,
eles dizem: — ‘Sim, lemos’. Quando pergunto a eles se entenderam,
eles me asseguram que entenderam. Nunca ninguém me disse
coisas como essas”.
Em contrapartida, a Professora de Didática, apresenta uma
resposta diferente. Observava-se como a atitude dos alunos
costuma mudar nas situações de ensino, mesmo, quando as
professoras fazem praticamente as mesmas perguntas. A Professora
dizia: “Comigo não acontece nada disso, mas eu pergunto aos
alunos”. Podemos perceber que a pergunta é realizada de maneira
geral: “Vocês leram o texto?”. A resposta do aluno é uma resposta
burocrática, isto é, responde para dizer que cumpriu a tarefa. Já
quando a pergunta é particularizada: “Vocês leram a introdução?”
os alunos respondem: “Não”. “E por que?” “Porque são aquelas
coisas gerais, que a gente não vai precisar. Eu li só as coisas que
era preciso ler”. Então os alunos fazem ressalvas, com a maior
franqueza, sobre a leitura. Era como se acreditassem que a
Professora de Didática pudesse “agüentar” a franqueza deles,
pudesse efetivamente compreendê-los; sem acusá-los, sem fazer
discursos moralistas e sem considerar a franqueza deles como
penalidade, na hora da avaliação.
A Professora diz que, realmente, quando ela ia ver o texto
deles, lá estavam, grifadas, só as partes que eles leram (ou apenas
as partes que provavelmente entenderam). É importante observar,
nestes dois episódios, que existem dois contextos em que se fazem
as mesmas perguntas, mas que as respostas são sobremaneira
diferentes. Outro ponto crítico está relacionado aos temas de
interesse dos alunos: o que eles lêem? Os alunos nos informaram
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a formação do sujeito professor
que a maioria das suas leituras é feita com base em “apostilas”. A
Professora comenta: “Eu sei, por exemplo, que eles têm apostilas
que são resumos. O que é uma apostila? Bom, caracterizar isso em
função dos dados que eles fornecem, é precioso, porque você sabe
que a grande maioria das faculdades adota apostilas”.
O que são apostilas? Em geral são “resumos”, nos quais os
professores fazem uma abordagem muito rápida do conteúdo que
consideram relevante para a aprendizagem; via de regra, “essencial”.
Os alunos, muitas vezes, até gostam das apostilas, principalmente
pela “objetividade” e “economia de tempo”. Eles usam essas
apostilas, decorando conceitos, classificações fundamentais e
acreditam ter o necessário para fazer as provas. Em geral, vão bem
nas provas, se o professor perguntar apenas o que está sintetizado
naquela apostila, que é, geralmente, o que tende a ocorrer. Por se
tratar de resumos — geralmente, com conceitos, classificações,
nomeclaturas unicistas, permeados por uma tessitura pobre em
conteúdo — eles favorecem, decididamente, a mecanização, a
simples memorização. As apostilas se configuram como resumos
mecanicistas de um único ponto de vista: o do professor. E esta é a
leitura básica dos alunos.
Buscando investigar as atividades de escrita, os alunos nos
forneceram alguns dados, através da pesquisa, quando
perguntamos: “O que lhes foi solicitado de escrita no primeiro
semestre deste ano?”. Pelas respostas dos alunos, as atividades de
leitura e escrita realizadas nas escolas, na maioria das vezes,
demandam pouco da interação criativa do aluno como leitor e
escritor. Do que lhes foi solicitado que escrevessem no primeiro
semestre, eles respondem, em ordem decrescente de freqüência,
que são: relatórios (86%); comentários nas provas (83%); trabalhos
de pesquisa (75%); análise de textos (66%); resumos (64%);
exercícios (42%); respostas a questionários (31%); artigos (27%) e
resoluções de problemas (25%).
Estas são atividades cujo padrão geral considera um modelo
único e a repetição das idéias de autores estudados. Além disso,
por possuírem caráter avaliativo (relatórios, provas, resumos,
respostas a questionários) são, geralmente, mecanicistas e
repetitivos, uma vez que não é solicitado o desenvolvimento de
idéias próprias dos alunos, através de discussões e atividades que
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leitura e escrita: contribuição ou limitação?
possam desenvolver a criatividade. Trabalhos de pesquisa, análises
de textos e artigos são atividades que favorecem o desenvolvimento
da compreensão de leitura e escrita. No entanto, só contribuirão,
de fato, para isto se deixarem de ser realizadas sob orientações
tradicionais, mecanicistas, cuja ênfase esteja centrada em modelos
preestabelecidos.
Em função desses episódios, ocorridos em aula, gostaria de
estabelecer alguns pontos de reflexão, posto que, podem alguns
argumentar que é uma questão pura e simplesmente de
diferenciação de nível da universidade. A Professora me diz com
bastante firmeza:
Não é apenas isso. É muito mais uma questão de ausência de interrelações e falta de clareza com relação ao curso por parte de todos:
instituição, coordenação de curso, de muitos professores que
participam desta e de outras universidades brasileiras. É um
problema da estrutura de ensino, da própria formação que os
professores tiveram, desde que não signifique culpar os professores.
Eu concordo e, na ocasião, acrescentei que os professores
são como são porque foram formados pelas escolas brasileiras.
Portanto, o problema é estrutural mesmo. A estrutura educacional
brasileira é sobremaneira complexa. A partir das respostas dos
alunos, e com base nas reflexões de J. Lemke, é possível estabelecer
um fio condutor para nossa reflexão: “Ensinar, aprender e fazer
Ciências, todos estes são processos sociais: ensinados, aprendidos
e feitos como membros sociais de comunidades sociais grandes ou
pequenas” (Lemke, 1997: 13).
A estrutura da educação em uma sociedade não é ingênua e
não passa ilesa às interferências do sistema social. Segundo M.
Foucault, ela é controlada pelos poderes atuantes nesta mesma
sociedade que estabelece mecanismos para impor limites aos
discursos possíveis e aceitos por ela. A mesma relação devemos
estabelecer na produção dos discursos e na construção da
linguagem:
Em toda a sociedade, a produção do discurso é, ao mesmo tempo,
controlada, selecionada, organizada e redistribuída por um certo
número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes
e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada
e temível materialidade (Foucault , 1971: 09).
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a formação do sujeito professor
Uma classe é uma atividade social. E como todos os outros
tipos de atividades sociais, sua estrutura é construída. Tem um
modelo de organização, uma estrutura, que proporcionam quais
eventos, de tipo específico, tendam a suceder-se um atrás de outro
em uma ordem mais ou menos definida, objetivando proporcionar
o ensino-aprendizagem (Cf. Lemke, 1997). Em Educação, quando
falamos em ensino-aprendizagem-conhecimento, estamos nos
referindo a processos interacionais que têm como objetivo mediar
a aprendizagem de algo esperado, e que o professor planeja a
maneira de o atingir. Assim, a imbricação do processo ensinoaprendizagem-conhecimento é tal que não se pode dissociar um
dos outros. Só existe ensino, quando há aprendizagem de alguma
coisa que se deliberou ensinar. Ensinar para que fosse aprendido
por alguém.
A atenção especial à linguagem constitui-se num processo
de ajuda do professor à construção de conhecimento por parte do
aluno. A linguagem, pois, não é um dado ou resultado; mas é um
processo que dá forma e conteúdo às nossas experiências, trabalho
de construção, de retificação do “vivido”, que, ao mesmo tempo,
constitui o sistema simbólico, o qual opera sobre a realidade e
compõe a realidade como um sistema de referências em que aquele
se torna significativo (Franchi, 1977: 22).
A língua não é veículo. A língua é lugar. Sendo assim, a
linguagem é um meio vital, pelo qual nos representamos a nós
mesmos, assim como nossos próprios pensamentos. Pensando
nesta direção, a Professora dá especial atenção à linguagem e
trabalha no sentido de contribuir para que seus alunos possam
fazer o mesmo. É possível perceber isso nas suas palavras:
Professora — Eu acho uma vantagem grande eu me diferenciar,
decididamente, pela atenção que eu dou às questões de linguagem
e de pensamento. Configuro como vantagem porque não é usual, é
até muito raro, em termos profissionais no âmbito da área de
Educação em Ciências, tenha o professor que origem for. Eu acho
que é um privilégio ter essa clareza de “sacar” as questões, ter essa
preocupação com questões de linguagem.
Irene — O profissional das Exatas, inclusive, com uma tradição de
que lê pouco, escreve muito pouco e de dizer que tem dificuldade
na escrita, especialmente na escrita.
Professora — É. Porque lhes disseram que língua e linguagem são
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leitura e escrita: contribuição ou limitação?
instrumentos puros e simples. Se a língua é veículo, é uma coisa
menor, que não se elabora, que não se dá muita atenção. Usa e
abandona depois; nem leva consigo. Mas eu consigo inclusive
chamar a atenção daqueles sobre os quais eu possa exercer algum
tipo de influência para as questões de linguagem, e eles ficam
diferenciados, eles “sacam”. Eu nunca tive um orientando que não
passasse a se diferenciar em termos de linguagem.
A questão da comunicação, envolvida na linguagem,
geralmente, não recebe na escola a atenção devida. Um grande
obstáculo é que, na escola, o texto, geralmente, tem sido
transformado em objeto de fixação de um sentido, é a leitura
denotativa. Os sentidos que o professor ou algum outro leitor
privilegiado tenha dado ao texto passam a ser os sentidos do texto.
Ao aluno, em sua leitura do texto, cabe descobrir tais sentidos
previamente definidos. “Lê melhor, quem mais se aproximar dos
sentidos que já se atribuíram ao texto”. Não se trata de o aluno
(leitor) construir sentidos do texto, a partir das pistas que lhes são
fornecidas, associadas à experiência vivida por ele próprio, mas se
trata de o aluno “redescobrir” a leitura desejada, num exercício de
adivinhação que não mobiliza a história de vida do leitor (que inclui
também outras leituras), mas mobiliza, apenas, sua experiência
escolar que sempre lhe disse que deve “aproximar-se” do já dado
para melhor se safar da tarefa (Geraldi, 1996: 119).
J. W. Geraldi faz uma reflexão sobre o trabalho do professor
de mediação e interlocução junto ao aluno, considerando o aluno
e cada um deles em particular como sujeito autor de seus textos.
Ser professor já não pode mais ser o exercício puro e simples dos
capatazes e gerentes a serviço da formação dos alunos. É preciso
que o professor seja um interlocutor ou mediador entre o objeto de
estudo (no caso o texto) e a aprendizagem. Portanto, o confronto
dos pontos de vista faz da sala de aula um lugar de produção de
sentidos, e esta produção não pode estar totalmente prevista pela
“parafernália da tecnologia didática”. Os percalços da interlocução,
os acontecimentos interativos, passam a comandar a reflexão
ocorrida em sala de aula, a partir do que os sujeitos estudam e
aprendem juntos. Segundo o referido autor:
A questão já não é “corrigir” leituras com base numa leitura
privilegiada e apresentada como única, mas, também, não é admitir
qualquer leitura como legitimável, como se o texto não fosse condição
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a formação do sujeito professor
necessária à leitura e como se, neste, o autor não mobilizasse os
recursos expressivos em busca de uma leitura possível. Trata-se
agora de reconstruir, em face de uma leitura de um texto, a
caminhada interpretativa do leitor: descobrir por que este sentido
foi construído a partir das “pistas” fornecidas pelo texto (Geraldi,
1993: 112).
Agora, pergunto: será que o nosso professor possui condições
para ser sujeito das leituras que faz, para poder fundamentar as
suas práticas pedagógicas? As evidências empíricas à nossa
disposição respondem negativamente a esta pergunta. Sempre
tendo em mira possíveis exceções e o caráter dialético da realidade
escolar, o que nos impede de formular generalizações apressadas,
podemos afirmar que o universo de leitura do professor brasileiro
é extremamente restrito, abrangendo, na maioria das vezes, tãosomente uma literatura pedagógica esclerosada (parada no tempo)
e os fragmentos contidos nos livros didáticos. Alguns teóricos
chegam a afirmar que, caso fosse abolida a adoção de livros didáticos
em nossas escolas, grande parte dos professores, por falta de
repertório de leitura e de conhecimento, não mais saberia o que
fazer em sala de aula. Isto sem falar no mau desempenho em
expressão escrita, que não seria de se esperar de um professor.
Decorrem daí, muito certamente, todos os processos de
cristalização da linguagem e de procedimentos no âmbito da escola,
que bloqueiam o estudo e o uso concretos dos padrões da língua,
através de práticas participativas e reflexivas, geradoras de
conhecimento. Creio até que, muito do autoritarismo, ainda
presente em nossas escolas, advém do medo e da ignorância de
muitos professores. Em outras palavras, o professor autoritário
lança mão do autoritarismo no intuito de esconder a sua ignorância
sobre a matéria que finge ensinar (Cf. Silva, 1991: 24-25).
Assim, reitero as palavras da Professora, quando ela diz que
“nenhum profissional pode ser competente sem saber ler, posto
que não podemos formar bons professores sem uma base
substancial de conhecimentos, sem que formemos a um só tempo
professores-leitores ou leitores-professores”. De modo geral, nas
escolas, especialmente nas universidades, o trabalho com a leitura
e a escrita é negligenciado e definido como incumbência ou
responsabilidade exclusiva do professor de Língua Portuguesa. Já
existem argumentos suficientes para considerar tal prática um grave
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leitura e escrita: contribuição ou limitação?
problema, pois cada disciplina possui seus sentidos e significados,
suas maneiras próprias de leitura, de escrita e atribuição de
significados às expressões técnicas de suas respectivas áreas.
Portanto, leitura no ensino e na aprendizagem é um trabalho que,
necessariamente, precisa ser orientado e realizado por todos os
professores junto aos seus alunos.
*
*
*
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a formação do sujeito professor
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68
CAPÍTULO IV
A LINGUAGEM DA CIÊNCIA
•♦•
Aprender Ciências implica em aprender a falar
no idioma próprio das Ciências, que tem o seu
próprio e exclusivo modelo semântico e suas
próprias formas de construir significados
(Lemke, 1997:16).
A propósito das dificuldades de leitura apresentadas pelos
alunos, e a possibilidade de avanço que se pode obter mediante
uma adequada ajuda pedagógica oferecida pelos professores, é
importante relatar um episódio que ocorreu ao final do primeiro
bimestre, por ocasião da avaliação. Nesses termos, é possível
confrontar o episódio anterior com uma “prova de Didática” realizada
com consulta, quando os alunos buscavam “ajuda pedagógica”,
livremente, como a Professora os havia encorajado.
4.1 Episódio 6 - Uma “Prova de Didática” com consulta
A cena desenrola-se ao final de abril, após o estudo da
primeira unidade sobre as questões de aprendizagem e
conhecimento. Vale a pena salientar que o trabalho desta unidade
foi baseado em artigos: um relacionado às “Reflexões sobre ensino,
aprendizagem, conhecimento”, de autoria da Professora, e outros
que se articulavam com tal temática (tais como “Os fundamentos
do currículo”, de autoria de César Coll).
Antes da avaliação de Didática, os alunos encontravam-se
expectantes; não diria que estivessem nervosos, apenas pairava
mesmo uma expectativa no ar. Para mim, creio que eles estavam
curiosos para saber como seria aquela avaliação, conduzida por
uma professora que possuía uma proposta Didática diferente. Mas
a avaliação é iniciada normalmente. O que surpreendeu foram as
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a formação do sujeito professor
interações ocorridas durante a “prova”. O seguinte diálogo pode
servir de exemplo de interações entre a Professora e os alunos em
todo o curso da “prova com consulta”:
Aluno 1 — Onde é que está aqui no texto, a resposta, Professora?
Professora — Em termos de parágrafo?
Aluno 1 — Sim. Qual é o parágrafo que responde à primeira questão?
Professora — Nenhum. É o texto inteiro que responde em parte.
Quero dizer, este texto junto com aquele outro, porque ele sozinho
também não responde.
Aluno 2 — Ai, Professora que coisa difícil!!
Professora — Você leu os textos?
Aluno 3 — Eu dei uma olhadinha...
Professora — Então leia de novo, aprofundando a tua olhadinha.
Aluno 4 [Entrou surpreso no diálogo] — Ah Professora, é isso?... A
gente pensa com palavras? O que está sendo dito aqui é isso? Que
a gente, nós mesmos, pensamos com palavras?
Professora [Dirigindo-se a todos que pararam para escutar:] —
Sabem o que é isso? Falta de segurança de vocês. Vocês desconfiam
da leitura que fazem. Manifestam pouca familiaridade com o
estabelecimento de relações entre idéias, com as relações
compreensivas, com a compreensão da leitura. É falta de
oportunidade de ler, de “incentivo à leitura” como dizem os
professores. Vocês até compreendem, mas não acreditam no que
lêem porque não acreditam que são capazes de compreender o que
lêem.
Outro aluno chega e diz:
Aluno — Ah, eu não vou ler este parágrafo. Esse não.
Professora — Qual você leu?
Aluno — Só li o que você indicou que eu ia gostar. Esse eu gostei!
O que é isso? Por que acontecem tais coisas? Por que o aluno
demonstra essa falta de compreensão e falta de segurança?
Pode-se indicar como resposta que a falta de segurança dos
alunos não é exclusividade desta turma. Ela está presente,
cotidianamente, nas salas de aulas. É também um dado cultural,
resultado do modelo de ensino adotado nas escolas, geralmente
valorizando a Transmissão-Recepção (T-R), apesar de apresentaremse diversas variações deste modelo. No modelo T-R estão expressos
fundamentos muito antigos de organização social, derivados da
autoridade. Assim, as pessoas que representam autoridade, ou
estão em postos de autoridade, têm sempre a “palavra de verdade”.
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70
a linguagem da ciência
Os papéis de cada um nessa estrutura social dependem do grau de
autoridade que seu posto ou função representa. Assim, o pai, o
sacerdote, o chefe, o governante e, também, o professor têm sempre
o “argumento de verdade”. E aos outros cabe ouvir e acatar. Por
tais motivos, o aluno “se fecha”, cala-se, silencia. Culturalmente,
não lhe foi dado o direito de falar, de acreditar que seus
pensamentos, suas palavras e suas conclusões são importantes e
possam fazer sentido para outros.
Porém, procurando orientar a aprendizagem, a Professora vai
trabalhando com as dificuldades dos alunos, aproveitando os
momentos de interação, para viabilizar a compreensão do conteúdo
pelos alunos e para que eles pudessem construir uma auto-imagem
positiva. A Professora elogia a escrita do aluno e procura
reencaminhar para a construção ou reconstrução do seu
pensamento.
No episódio em pauta, foi possível perceber ainda as relações
de poder e autoridade expressas pelo “argumento de verdade”. Os
alunos buscavam, pela opinião da Professora, uma avaliação do
grau de acerto às suas respostas. Por outro lado, ao meu ver, quando
a Professora diz: “Vocês desconfiam da leitura que fazem.
Manifestam pouca familiaridade com o estabelecimento de relações
entre idéias, com as relações compreensivas, com a compreensão
da leitura. É falta de oportunidade de ler, de ‘incentivo à leitura’”.
A Professora neste momento faz do seu ponto de vista “o argumento
de verdade”. Porém, suas palavras também soaram como um desafio
aos alunos, para ousarem assumir seus pontos de vista sobre as
questões estabelecidas na avaliação.
Além disso, como já foi observado anteriormente, muitos
alunos universitários fazem apenas leituras denotativas: só vão ao
texto para buscar o que precisam incluir em respostas que possam
ser plausíveis às perguntas feitas pelo professor. O jogo parece ser
sempre este: perguntas e respostas. E o aluno sempre responde.
Apesar de que, por diversas razões, muitas vezes, suas respostas
não sejam consideradas “corretas” pelos professores (T-R).
Como a Professora observou no episódio anterior, a leitura
não fascina os alunos, não parece ter significado para eles, já que
estão acostumados a perguntas diretas, cujas respostas encontramse em frases ou parágrafos, em função das palavras chaves contidas
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a formação do sujeito professor
na própria pergunta. Assim, os alunos expressavam claramente
não estarem acostumados a ler os textos e, mediante análises e
sínteses, extraírem argumentos ou pontos de vistas para
constituírem suas respostas.
Isto está expresso em suas dificuldades em responder a
questões, como as propostas pela Professora, numa avaliação
bimestral. Para tanto, vejamos o teor de suas proposições no que
foi denominado pela Professora de “prova”, para atenuar as
estranhezas dos alunos. As “Questões e situações-problema para
reflexão e manifestação individual (Prova de Didática)”, como a
Professora preferiu intitular, foram as seguintes:
1. Ao buscar compreender os elementos fundamentais que
caracterizam a situação de ensino e suas relações — professor/
aluno/conhecimento — torna-se imprescindível pensarmos o
conhecimento em outros termos, abandonando ou superando a
concepção usual de conhecimento que se usa para “justificar” o
ensino como transmissão de conhecimento. Busque explicitar, em
contraponto (comparando) a visão/concepção usual de
conhecimento que se usa na escola e a “nova visão” redimensionada
que é fundamentada em teorias atuais. Não se esqueça de explicitar
os “porquês”, argumentando...
2. Apresente dois argumentos que possam expressar a sua
compreensão de que “ensinar não é transmitir conhecimento” no
âmbito das Ciências/Biologia.
3. Numa situação de ensino, um professor observa que grande parte
dos seus alunos está “colando” nas provas de Biologia. À luz do que
passamos a conceber de ensino/aprendizagem/ conhecimento,
como você explicaria esse fato, considerando os procedimentos de
ensino do professor (sua compreensão de ensino) e como os alunos,
em decorrência, entendem a sua aprendizagem?
É interessante registrar, a fim de que conheçamos melhor a
metodologia e as concepções da Professora, que, antes destas
questões, ela apresenta aos alunos uma nota introdutória na prova,
nos seguintes termos:
* Convém advertir, antes de tudo, como temos feito, que nos
encontramos frente a novas concepções para entender a escola, o
professor, o aluno, o conhecimento, o processo de ensinoaprendizagem e, ao mesmo tempo, a formação de professores e seu
desenvolvimento profissional. Buscamos, assim, formas mais
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a linguagem da ciência
democráticas, cooperativas, qualitativas, transparentes e eficazes
de intervir na vida cotidiana da aula, tratando de explicitar, para
compreender, a complexidade de seus problemas mediante o diálogo
e a colaboração sempre presentes na mediação do professor, ao
propiciar a ajuda pedagógica necessária ao aluno. Refletir sobre as
concepções e ações dos professores tem a ver, sobretudo, com um
novo compromisso ético e profissional de professores, e não com o
uso de algumas técnicas e procedimentos que se utilizam como
receitas descontextualizadas. Vamos, portanto, levar em conta as
teorias da educação presentes nos artigos que estudamos até agora.
Após esta nota seguem-se as questões, conforme citadas
acima. Contudo, a partir desta nota, é possível destacar pontos
que evidenciam a proposta da Professora, quando:
1) Busca formas mais democráticas, cooperativas, qualitativas,
transparentes e eficazes de intervir na vida cotidiana da aula.
2) Objetiva explicitar, para compreender, a complexidade de seus
problemas, as concepções e ações docentes com um novo
compromisso ético e profissional de professores.
3) Propõe o diálogo, a colaboração, a mediação do professor, a ajuda
pedagógica ao aluno.
4) Possibilita refletir sobre as novas concepções de escola, professor,
aluno, conhecimento, processo de ensino-aprendizagem e, ao mesmo
tempo, a formação de professores e seu desenvolvimento
profissional.
5) Condena as técnicas e procedimentos que se utilizam como
receitas descontextualizadas.
É evidente que, para responderem às questões propostas pela
Professora, os alunos necessitavam ir além das respostas diretas;
se eles, tão somente, procurassem as respostas em uma linha ou
parágrafo, não as encontrariam. A fim de responderem, por exemplo,
a questão “Busque explicitar, em contraponto (comparando) a visão/
concepção usual de conhecimento que se usa na escola e a ‘nova
visão’ redimensionada que é fundamentada em teorias atuais. Não
se esqueça de explicitar os ‘porquês’, argumentando”, eles não
poderiam fazê-lo, sem terem compreendido as proposições ou
mensagens dos textos estudados e pudessem elaborar respostas
próprias. Fica evidente ainda que o objetivo da Professora era de,
com a “prova”, possibilitar um espaço ao qual eles dessem bastante
atenção para reflexão dos alunos sobre o assunto das concepções
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a formação do sujeito professor
e das visões diferenciadas recém-estudadas.
Assim, os momentos de avaliação, neste caso, passariam a
ser momentos importantes no processo ensino-aprendizagem, pois
não se realizaria apenas uma “aferição” do conhecimento, mas seria
uma oportunidade para os alunos expressarem suas opiniões,
reelaborando suas próprias concepções à luz do estudo realizado.
A seguir, a Professora vai auxiliando no direcionamento da
leitura dos alunos porque, segundo suas palavras, “com a mediação
docente, no âmbito da Didática, o processo se redimensiona, as
conotações e outros sentidos começam também a ser buscados,
numa leitura polissêmica”. Porém, com o intuito de destacar como
emergiram da turma as questões inerentes aos conteúdos de
Biologia, a partir das concepções apresentadas pelos alunos e sua
compreensão das questões propostas, creio que vale tomar, como
exemplo, algumas das respostas dos alunos às questões da “prova”.
A propósito da explicitação da concepção de conhecimento
implícita na concepção T-R e a nova visão redimensionada que é
fundamentada em teorias atuais — solicitada na primeira questão
da prova acima citada —, os alunos se manifestaram nos seguintes
termos:
Proposição nº 1:
Concepção usual do conhecimento que se usa na escola: “um
conjunto de informações passíveis de absorção pelo aluno”. Então,
as concepções prévias são descartadas porque desnecessárias à
aprendizagem, visto que, o conhecimento é concebido como “verdade
universal, é imutável, é inquestionável, é certo”. Quando vou
“ensinar” ao aluno que a água é cristalina, inodora, insípida, estou
estabelecendo oposições com suas idéias prévias porque ele não
conhece, isto é, não consegue visualizar essa “verdade”. Temos que
ter consciência que as concepções mudam com o tempo.
É preciso refletir que: concepções são uma precondição da
experiência. Ver é algo que fazemos tanto com idéias quanto com
sentidos. Concepções diferentes na abordagem do mundo tornam
o mundo diferente porque a minha realidade é diferente da do meu
aluno. Nos parâmetros construtivistas, passamos a entender que o
que os alunos aprendem, através do ensino, depende de suas préconcepções.
A concepção atual considera o aluno como um recipiente vazio, e
que o professor é a fonte de sabedoria para preencher este recipiente.
A nova visão procura considerar os conhecimentos prévios dos
alunos, sendo o professor um intermediário entre as concepções
intuitivas do aluno e o conhecimento científico, buscando, através
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a linguagem da ciência
desta mediação, a aproximação desta forma de conhecimento.
Respeitando as concepções do aluno e passando, também, pelas
concepções do professor. Buscando o aperfeiçoamento do
conhecimento do aluno, não considerando o conhecimento científico
como o infalível e o único existente, mas, sim, algo mutável, de
acordo com o seu contexto histórico (Respostas de alunos do 5º
período).
Sobre a proposição nº 2 — “Apresente dois argumentos que
possam expressar a sua compreensão de que ‘ensinar não é
transmitir conhecimento’ no âmbito das Ciências /Biologia” —, os
alunos responderam:
Conhecimento é: concebido, representacional, construído pelos
indivíduos e grupos sociais, variando, portanto, de indivíduo para
indivíduo, de sociedade para sociedade, mudando assim, através
do tempo e em função do contexto sócio-histórico e cultural (Resposta
de aluno do 5º período).
A transmissão de conhecimento é a repetição de uma “receita” que
pode ser muitas vezes entendida pelo aluno, mas este a utiliza
somente para fins acadêmicos (Resposta de aluno do 5º período).
Na proposição nº 3, de acordo com a sugestão da Professora,
segundo a qual em uma “situação de ensino, onde um professor
observa que grande parte dos seus alunos está colando nas provas
de biologia. À luz do que passamos a conceber de ensino,
aprendizagem, conhecimento, como você explicaria esse fato,
considerando os procedimentos de ensino do professor (sua
compreensão de ensino) e como os alunos, em decorrência,
entendem a sua aprendizagem?”, os alunos responderam:
O professor não conseguiu atingir os objetivos de compreensão do
aluno que são em termos científicos:
- Ser capaz de dizer o que compreendeu com suas próprias palavras.
- Ser capaz de concordar ou discordar de pontos de vista em função
do que compreendeu.
- Ser capaz de entender os limites daquilo que compreendeu
buscando saber mais.
- Ser capaz de entender onde buscar fontes de uma maior ou melhor
compreensão.
Diante disso, podemos ainda dizer que o professor não tomou
consciência das pré-concepções dos alunos, ocasionando distorções
e raciocínios casuísticos.
- Houve memorização e não compreensão do “ensino-aprendizado”
(Resposta de aluno do 5º período).
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a formação do sujeito professor
Obrigado pelo sistema de ensino, a partir de uma avaliação formal,
com perguntas e respostas para a formulação de um conceito; tendo
esta situação, não significa o fracasso do professor e alunos, pois
diante de uma imposição, onde se obriga tal critério de avaliação,
os alunos podem mostrar dificuldades para alcançar tal conceito.
Outro acontecimento para uma “cola” pode ser a não aprendizagem
do aluno, que utiliza a transmissão de conhecimento do professor
para garantir seus conceitos em avaliações e que nada acrescenta
ao seu desenvolvimento (Resposta de aluno do 5º período).
Neste episódio, encontram-se imbricadas importantes
questões, tais como as concepções de ensino-aprendizagemconhecimento, de avaliação e de leitura, apresentadas pelos alunos
e pela Professora, que aqui se encontram, apenas, apontadas.
Contudo, estas questões são discutidas no decorrer deste trabalho.
4.2 Episódio 7 - Os conhecimentos conceituais de
Ciências/Biologia
Em uma aula ocorrida no mês de maio, a Professora trabalha
com conhecimentos cuja estrutura, intrínseca à natureza do próprio
conteúdo, nos leva a situá-los como conhecimentos conceituais
de Ciências/Biologia, tendo em vista seu caráter epistemológico.
Explicando melhor, os conhecimentos conceituais são os conteúdos
que são tomados e entendidos como conceitos de Ciências/Biologia,
caso do tema escolhido pela classe: o átomo.
Interessante é que, em dado momento da explicação da
Professora, ao fazer referência ao ensino fundamental e aos
conteúdos específicos de Ciências, ela disse aos alunos que havia
observado, em função das pesquisas que tinha realizado e de sua
presença em aulas com professoras das séries iniciais, que as
professoras não sabiam — e não sabiam ensinar — conteúdos tidos
como fáceis nas séries iniciais, tais como pontos cardeais; fases da
lua; estações do ano, etc.
Enfatizava que, de fato, as professoras em geral não
compreendem estes conceitos. Não foram efetivamente ensinadas
durante sua escolaridade e continuam repetindo aos seus alunos
as mesmas distorções, “os mesmos erros anteriores”. A Professora
disse aos alunos que esses professores apresentam inúmeras
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a linguagem da ciência
distorções conceituais em suas aulas, principalmente no que se
afigura como mais banal como, por exemplo, sobre os pontos
cardeais:
A Professora pergunta aos alunos:
— Quais são os pontos cardeais??
Os alunos respondem: — São o Norte, Sul, Leste e o Oeste, Noroeste,
Sudeste, etc.
Ela ainda pergunta: — Onde é o Leste?
Os alunos respondem: — É o lugar onde o sol nasce.
A Professora então diz: — Pois é, e o Sol nasce sempre no mesmo
lugar?
Os alunos dizem: — Mais ou menos, Professora. Depende da época
do ano.
A Professora acrescenta: — Então, vocês precisam ver as dificuldades
que as crianças têm com a insistência de que o Sol nasce sempre
em um mesmo “ponto”.
A Professora conta que observou esta dificuldade em alunos
e, ainda, mais, nos seus próprios filhos. Quando eles eram
pequenos, moravam numa casa cuja janela grande da sala era
voltada para o Leste, e as crianças percebiam claramente o problema
que ocorria, porque, em dado período do ano, o Sol incidia sobre o
aparelho de som, que ficava de um lado, e eles tinham que ter o
cuidado de proteger com a cortina, para que o calor não danificasse
o aparelho. Em outra época do ano, a luz do sol ia mudando de
posição até que seus raios ficavam incidindo na parede contrária,
onde estavam os estofados. Tal mudança visível fazia com que seus
filhos não se conformassem e sempre a interrogassem: “Se o sol
nasce no ponto Leste, como ele poderia ficar mudando durante
todo o ano”?
Somente com a prática da observação da sala, e suas
explicações de professora, é que seus filhos compreenderam o
conceito que relaciona Leste ao nascer do sol implicando um lado.
Porém, a Professora assinalou saber que muitos outros alunos
aprenderão este conceito por conta própria, ou nunca
compreenderão durante toda a vida, se não observarem algumas
das suas práticas diárias. Isto porque o conceito científico é
ensinado de forma distorcida na escola. A Professora explicou ainda,
aos alunos do 5º período, que:
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a formação do sujeito professor
— O principal problema epistemológico, no caso, está ligado à palavra
que se usa na determinação do conceito: ponto. Que na verdade
não é um ponto. Em Inglês, este problema não ocorre, pois a palavra
que se usa para designá-la é “side”, que significa “lado”. Portanto,
não é o ponto que o Sol nasce, mas sim o lado em que o sol nasce.
Por isso, pode ser um pouco mais para cima, um pouco mais para
baixo, dependendo da época do ano e a posição da terra em relação
ao sol. As questões de linguagem, como vocês podem ver, não podem
passar desapercebidas pela importância que têm, para facilitar ou
inibir a compreensão dos alunos.
De forma semelhante, estas distorções ocorrem em relação
ao conhecimento das fases da lua e, também, com respeito às
estações do ano. A Professora continuou a discussão com os alunos
sobre questões epistemológicas das Ciências, até o término da aula,
para dar início ao intervalo.
Após o intervalo, quando estava voltando à sua sala, foi
surpreendentemente abordada por um grande número de alunos
que a estavam aguardando no corredor. O mais interessante que a
Professora observou é que não havia, ali, naquela massa, apenas
alunos seus, do 5º período; havia alunos de outras turmas do Curso
de Biologia, todos interessados em ouvir a Professora sobre aquilo
que seus alunos já haviam, por certo, comentado. Provavelmente,
os alunos do 5º período já haviam contado sobre o episódio dos
pontos cardeais; por tal razão todos pareciam muito interessados
em conhecer as relações cognitivas que a Professora estabelecia,
possibilitando a compreensão (ainda que tardia). Alguns alunos
abordaram diretamente a Professora:
Alunos: — Professora, nós queremos saber o que acontece, a que
se devem as fases da lua?
Professora [Fazendo-se de desentendida]: — E vocês não sabem?
Alunos [Insistindo sobre o assunto]: Por que é que a lua fica cheia?
Fica crescente? Por que é, Professora?
Professora [Brincando com os alunos]: — Vocês não sabem que na
lua mora um rato e que, conforme ele rói o queijo da lua, ela vai
ficando diferente?
Alunos: — Ah, Professora, não brinca! Como é mesmo?
A Professora então explica que é devido ao movimento
envolvendo as órbitas do sol, da lua e da terra. E explica, com
detalhes, como as órbitas da terra e da lua, girando
simultaneamente, influem na projeção da luz do sol sobre a lua.
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a linguagem da ciência
Que a interferência da terra, entre o sol e a lua, dependendo da
posição das órbitas, ocasiona uma sombra em parte da lua, em
determinados períodos, formando assim, as diversas fases. E sobre
as estações ela explica:
Professora —Quanto à questão das estações, é devido ao equinócio,
e da órbita. No entanto, o problema da distorção no ensino, é que a
escola ensina que as estações são denominativas. Durante o inverno
é a estação dos dias frios; por esse conceito, a criança fica esperando
que todos os dias de inverno serão frios, e os adultos também!...
Então vemos muitos reclamando, mas como está quente! Não é
inverno? Não aprendem o conceito em si. E não compreendem que
neste período teremos mais dias frios, mas não todos, uns mais,
uns médios.
É importante destacar que os alunos declararam que nunca
haviam compreendido a questão dos pontos cardeais, fases da lua
e estações do ano daquela maneira, que fazia sentido, ter
conhecimento de uma explicação científica e lógica. Na escola, os
conteúdos de Ciências ensinados, segundo o modelo T-R, são
ensinados todos da mesma maneira, sem levar em conta a natureza
epistemológica do conteúdo em si mesmo. Assim, a Professora me
disse o que já havia discutido com os seus alunos:
— A natureza epistemológica do conhecimento é que determina a
maneira como devo ensiná-lo. Eu não posso ensinar um
conhecimento conceitual do mesmo modo que ensino um
conhecimento representacional. E, consequentemente, um
conhecimento processual não poderá ser ensinado da mesma
maneira que são ensinados outros conteúdos que sejam conceituais
ou representacionais.
Mesmo professores que estão há muito tempo na profissão,
quando param para refletir, percebem que, ainda, não compreendem
os conceitos inteiramente. Nesta perspectiva, a Professora tratou o
tema “Evolução”, continuando a trabalhar a questão conceitual
dos conteúdos de Biologia. Isto remete ao episódio seguinte, a
propósito das interações que ocorreram em aula.
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a formação do sujeito professor
4.3 Episódio 8 - O que é antropocêntrico? A teoria da
evolução é um tema unificador da Biologia?
Todo conhecimento científico se desdobra num
universo
de
linguagem;
aceitando,
provisoriamente, a língua usual, ou criando uma
para seu uso. A Ciência requer necessariamente,
como condição transcendental, um sistema
lingüístico (Granger, 1968:133).
Admitindo-se que a comunicação é uma criação da
comunidade, logicamente nos comunicamos melhor com os
membros de nossa própria comunidade: aqueles que usam a mesma
linguagem. As comunidades, formadas por grupos profissionais,
étnicos, ou ainda, de uma mesma região geográfica, têm um modo
semântico próprio de falar. Assim, também, a ciência possui a sua
linguagem, seu modo próprio de dizer/falar.
Portanto, quando tentamos nos comunicar com pessoas que
utilizam outra linguagem, que não a nossa, a comunicação se torna
muito mais difícil, porque não conseguimos compreender o que é
dito. Este é o caso dos professores de Ciências e seus alunos; os
professores de Ciências fazem parte de um grupo de pessoas que
buscam falar a linguagem da ciência. Porém, os alunos não falam
esta mesma linguagem em sua vida cotidiana e nem são capazes
de entender, de pronto, o que os professores dizem. Os alunos, ao
entrarem na escola, em geral, possuem um modo particular de
falar ligado ao seu grupo, é o seu dialeto ou sua variante lingüística
em muitos casos.
Esta é, via de regra, uma primeira barreira que surge já na
alfabetização. Mas será que, após alguns anos de permanência na
escola, esta diferença de linguagem entre professor e aluno se
atenua ou desaparece?
A experiência, infelizmente, nos diz que não. Mesmo alunos
que se encontram freqüentando um curso universitário, não raras
vezes, reclamam da dificuldade de compreender as explicações de
seus professores. Existe um distanciamento entre a linguagem do
aluno e a linguagem do professor, sendo este, supostamente um
representante da linguagem da comunidade científica. J. Lemke
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a linguagem da ciência
esclarece que para aprender a linguagem da Ciência, existem alguns
requisitos indispensáveis:
Aprender Ciências implica em aprender a falar no idioma próprio
das Ciências, (...) que tem o seu próprio e exclusivo modelo semântico
e suas próprias formas de construir significados (...). “Falar Ciências”
não significa, simplesmente, falar acerca da ciência. Significa fazer
ciência, através da linguagem. “Falar Ciências” significa observar,
descrever, comparar, classificar, analisar, discutir, hipotetizar,
teorizar, questionar, desafiar, argumentar, planejar experimentos,
seguir procedimentos, julgar, avaliar, decidir, concluir, generalizar,
informar, escrever, ler e desenhar em e, através da linguagem da
ciência (Lemke, 1997: 16;.11-12).
A Professora de Didática pôde lidar, de certa forma, com
dificuldades como as referidas acima. Algumas das suas
observações em entrevista a mim concedida dão idéia dos problemas
encontrados:
Professora — Destaco a questão da linguagem. Os alunos
perguntavam: — O que é antropocêntrico? O que é isso, o que é
aquilo. Eu respondia e eles diziam assim: — A senhora usou umas
palavras tão bonitas. No entanto, na hora que eu retomo e falo
“antropocêntrico” eles olham para mim como se aquela palavra não
quisesse dizer nada.
Mas eu explicito o significado, antropo-cêntrico, o que quer dizer,
de onde se origina. Faço relação com antropologia: “antropo quer
dizer homem”. Aí eles começam a achar bonito, fazem assim mesmo:
hummm...! Quer dizer, a interação possibilitando a ampliação e o
redimensionamento psico-pedagógico da linguagem. É uma conversa
sobre as palavras. É um tipo de metalinguagem no sentido positivo,
profícuo.
A Professora de Didática tem uma preocupação em
compreender a fala dos alunos (“a senhora usou umas palavras
bonitas”); palavras que, certamente, eles não conheciam e tão pouco
atribuíam significado às mesmas. Por isso, ela passa a mediar o
significado destas palavras e a tecer relações com o conteúdo
“Evolução” que é apresentado. Depois, eu mesma pude ver a
satisfação dos alunos, quando dizem: “Ah! Então é isso! Agora eu
compreendi.”
Para que se possa aprender Ciências, é necessário muito mais
que compreender o significado de cada palavra, é preciso
81
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a formação do sujeito professor
compreender a relação cognitiva que existe entre conceitos e, além
disso, é necessário compreender a função que cada uma das
palavras exerce no contexto de cada conceito, pois “é necessário
compreender a ‘semântica’ das palavras: como se comportam seus
significados em diferentes contextos” (Lemke, 1997: 28). Numa
das aulas sobre o tema “Evolução”, a Professora percebeu a
dificuldade dos alunos em compreender os conceitos e a relação
do significado das palavras em relação aos conceitos científicos. A
Professora comenta:
— Por que a teoria da evolução é um tema unificador da Biologia?
Eles me perguntaram e eu fui fazer mil relações. Uma porção de
relações para mostrar porque é que a temática da evolução unifica
mesmo. Aí eles ficaram surpresos. Porque eu tinha vindo do “bigbang”, a teoria da origem do Universo, nas relações que eu tinha
que fazer. E eles ficavam assim “oh!”. [faz o gesto, segurando o
queixo].
Se os alunos não compreendem os conteúdos de uma
disciplina e suas relações cognitivas, como neste caso de alunos
do 5º semestre de um curso universitário, eles não conseguem
estabelecer relações necessárias entre conceitos mais elementares,
porque não compreendem devidamente as palavras (conceitos).
Tanto os alunos, como os professores, a fim de conseguirem
estabelecer as relações significativas entre um conteúdo e outro e
entre os conceitos que estão imbricados em um mesmo conteúdo,
necessitam compreender, ter domínio daqueles conteúdos. Um
conhecimento superficial não dá conta de proporcionar enxergar
as inter-relações existentes entre os conceitos, entre conteúdos
de uma mesma área e, ainda, não possibilita o trabalho inter e
transdisciplinar que é desejável que o professor realize, quero dizer,
relacionar conteúdos de sua disciplina com outros diversos aspectos
daquele mesmo conteúdo que dizem respeito a outras disciplinas
ou áreas.
Ainda sobre o tema evolução, gostaria de destacar as
concepções dos alunos que ficam evidenciadas, a partir das
atividades solicitadas pela Professora à classe. No curso do processo
de ensino-aprendizagem, a Professora solicitou aos alunos que,
individualmente, respondessem a algumas questões: “Você acredita
ou aceita a Teoria da Evolução? E também: O que é ‘evolução’ para
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a linguagem da ciência
você?” É possível perceber, pelas concepções expressas pelos
alunos, a dificuldade de compreensão dos significados das palavras
dentro do conceito biológico. Eis suas respostas:
Aluno 1: Acredito. Em partes porque a evolução ocorre de forma
certa é gradual, não ocorrendo através de grandes “saltos”. Na
verdade, nós como pessoa, hoje, não somos os mesmos de ontem e
com certeza não seremos os mesmos de amanhã. Tem de haver um
crescimento, para melhor se adaptar ao meio, caso contrário
seríamos extintos.
Aluno 2: Evolução para mim é crescimento, desenvolvimento e
crescimento vem quando se encontra em condições adversas, ou
seja crescimento se dá na dor e não no amor. Em si, seria a adaptação
no novo meio pelo indivíduo.
Aluno 3: Para mim evolução, significa mudança, progresso,
adaptação, etc.
Aluno 4: Para mim, evolução é o processo em que partimos de uma
condição simples até uma organização mais complexa,
paralelamente, com o surgimento e desaparecimento de algumas
formas de vidas, as mais distintas possíveis. Podendo encarar a
Evolução no campo das idéias, sendo que o próprio pensar e explicar
sobre Evolução sofre uma “evolução” no sentido pleno do termo.
Aluno 5: É o crescimento, o desenvolvimento de um ser vivo.
Aluno 6: Evolução é tudo o que você procura estudar para si e
melhorar, evoluindo seus métodos e o seu interior, tornando-se uma
pessoa simples, porém rica em conhecimentos gerais (Trechos
extraídos de trabalhos dos alunos do 5º período de Ciências/
Biologia).
Nestas respostas fica evidente a confusão entre as diversas
acepções da palavra evolução. O significado dicionarizado da
palavra evolução é:
Ato de evoluir. Progresso paulatino e contínuo, a partir de um estado
inferior ou simples, para um superior, mais complexo ou melhor.
Transformação lenta. Desenvolvimento lógico de uma idéia no tempo.
Progresso ou melhoramento social. Movimento de tropas, navios
etc... ou no jogo de xadrez (Michaelis, 1998).
Portanto, as respostas dos alunos se aproximam bastante do
significado usual da palavra evolução. Porém, numa disciplina
específica, no caso a Biologia, os significados do conceito,
geralmente, não são os mesmos significados usuais. Na Biologia, o
conceito de evolução é muito mais abrangente e representa um
produto do desenvolvimento histórico das ciências. A partir do
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a formação do sujeito professor
trabalho de Silvia Chaves (1993) vale a pena sintetizar alguns
aspectos relacionados a este tema, utilizados pela Professora na
leitura e discussão com seus alunos, após a análise das concepções
que eles manifestaram. Segundo a autora, o conceito de evolução
data de antes do século IV a.C. Na Grécia antiga, a idéia de
mutabilidade dos seres vivos já estava presente. Anaximandro (610545 a.C.), Empédocles (492-430 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.)
admitiam que os seres podem sofrer transformações. Dos estudos
sobre evolução participaram inúmeros pesquisadores e, entre eles,
destacam-se Lamark, Darwin (1859) — com a famosa obra A Origem
das Espécies — e De Vries (1903), além de nomes como os de
Dobzhansky, Simpson, Huxley e Mayr (1930) (Cf. Chaves, 1993).
A autora enfatiza que:
Somente por volta de 1930 com o advento da Teoria Sintética,
proposta simultânea e independentemente por Theodozius
Dobzhansky, George Simpson, Julian Huxley e Ernest Mayr, é que
ocorreu a conciliação entre o pressuposto darwinista de seleção
natural e o mutacionismo de De Vries. Tal conciliação foi
possibilitada pelo desenvolvimento e aprofundamento dos estudos
sobre genética de populações. Simplificando uma teoria complexa,
diríamos que, na perspectiva da Nova Teoria Sintética da Evolução,
a mutação é a matéria prima sobre a qual atua a seleção natural.
Em outras palavras, as mutações possibilitam o aparecimento de
variações genéticas entre os organismos de uma população. Tais
variações podem ser mantidas ou eliminadas durante o processo
de reprodução, o que vem configurar a seleção natural. Assim, esta
nada mais é do que a reprodução diferencial de organismos dentro
de uma população, i. e., os seres que possuírem variações genéticas
que lhes favoreçam melhores condições de vida num intervalo
espaço/tempo, tendem a deixar maior número de descendentes,
sendo o inverso também verdadeiro (Chaves, 1993, p. 31).
E ainda hoje as pesquisas continuam. Portanto, não deverá
esgotar-se em um conceito, mas é possível a partir do estudo de
Silvia Chaves adotar alguns referenciais por ela apresentados e
que foram, também, abordados em aula pela Professora com seus
alunos, para apresentar contrapontos e caracterizar melhor tal
processo:
Baseando-se nesta teoria, a autora indica alguns pontos que
devem ser considerados na análise do processo de evolução dos
seres vivos. São eles: a evolução tem por objeto a população e não
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a linguagem da ciência
o indivíduo; a evolução deve ser entendida como um processo de
transformação que ocorre no organismo e no meio e não tem,
necessariamente, sentido de progresso; o processo evolutivo é
destituído de previsibilidade, intencionalidade e diretividade; a
evolução é produto da interação meio-ser num determinado período
de tempo (Cf. Chaves, 1993). Além destas premissas, creio que
vale acrescentar o que se constituiu estranheza pelos alunos: “a
evolução é um processo de transformações contínuas, passíveis
de serem transmitidas hereditariamente (...). O processo evolutivo
é destituído de funcionalidade, de vez que, é uma propriedade
intrínseca da matéria” (Chaves, 1993: 54-55). A autora assinala
ainda que:
Além desta questão, tem-se levantado a hipótese do processo não
ocorrer de forma lenta e gradual, tal como preconizado desde o
darwinismo, mas alternando “períodos de aparente parada evolutiva
(estase) e períodos pontuados pelo surgimento “rápido” de espécies
novas (Chaves, 1993: 32).
Contudo, a partir das respostas nos trabalhos apresentados
pelos alunos nas aulas de Didática, observa-se que outros alunos
concebem, também, evolução de modo mais próximo ao conceito
biológico de acordo com as proposições acima. Destaco partes de
alguns trabalhos:
- Na evolução dos seres vivos aconteceu a troca de genes. A partir
daí, surgem novos indivíduos, no início eram apenas plantas e,
depois, surgem as diversas espécies de animais, mais completos
ou mais simples.
- Pesquisando sobre as teorias, pude verificar que a mais aceita é
a Teoria Sintética ou Sincrética que se baseia nos seguintes pontos:
mutação, luta pela vida, seleção natural; isolamento, variação do
gene populacional. Eu acredito que houve a evolução por várias
provas como: provas embriológicas; provas bioquímicas, provas
paleontológicas, etc.
- Através dos dados da evolução, comparando-se crânios préhistóricos, evidenciam-se as mudanças ocorridas nos nossos
ancestrais; também, evidencia-se o mesmo procedimento para
outros seres. Existem em nosso próprio corpo, também, evidências
de evolução (ex: apêndice, vermiforme, etc.).
- Acredito, porque a evolução trouxe as trocas de materiais
genéticos, se não ocorressem essas trocas, a evolução não existiria,
devido às formações genéticas. A evolução começou ocorrendo
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a formação do sujeito professor
primeiramente com as “plantas”, porque não ocorreria com todos
os outros seres vivos.
- Para mim, evolução é o desenvolvimento progressivo de genes
que sofrem alterações no decorrer das gerações.
- É o processo pelo qual passou o mundo desde o seu surgimento
até hoje, mostrando uma diversidade de animais e plantas que
evoluíram, geneticamente, com o passar do tempo, sempre em busca
de sobrevivência (Trechos extraídos de trabalhos dos alunos do 5º
período de Ciências/Biologia).
Em tais concepções, observa-se maior proximidade com as
premissas do conceito cientificamente aceito, quando afirmam que:
“Na evolução dos seres vivos aconteceu a troca de genes”; “a Teoria
Sintética ou Sincrética se baseia nos seguintes pontos: mutação,
luta pela vida, seleção natural, isolamento, variação do gene
populacional (...). [Provas da evolução]: provas embriológicas; provas
bioquímicas, provas paleontológicas, etc.”; “Através dos dados da
evolução, comparando-se crânios pré-históricos, evidenciam-se as
mudanças ocorridas nos nossos ancestrais e para outros seres.
Existem em nosso próprio corpo, também, evidências de evolução
(ex: apêndice, vermiforme, etc.)”; “a evolução trouxe as trocas de
materiais genéticos”.
É importante destacar também que, em menor número,
alguns alunos manifestam-se como criacionistas. Acreditando que
Deus é o criador das espécies. Eles escreveram:
- Na minha opinião, os evolucionistas são muito radicais, alguns
falam que a vida surgiu de uma grande explosão o “big-bang” e, a
partir da 1ª molécula viva, surgiram os demais seres vivos. Para os
evolucionistas, Deus não teve participação na criação. Creio que
Deus é o supremo criador, é o criador de tudo. Mas creio, também,
que alguns animais, por conseqüência do meio ambiente, sofreram
algumas modificações, para sua própria sobrevivência.
- É difícil deixar de lado o que se lê na bíblia sobre a idéia da criação
especial, onde Deus fez o homem e a mulher. Mas não podemos
fechar os olhos diante do fato de que o ser humano está evoluindo
cada vez mais (Trechos extraídos de trabalhos dos alunos do 5º
período de Ciências/Biologia).
Portanto, este estudo sobre evolução, a partir das concepções
dos alunos, deixa claro que, no estudo das Ciências, ao
compreender o significado das palavras separadamente, não
significa que o aluno ou o leitor seja capaz de utilizar as palavras
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a linguagem da ciência
corretamente numa oração, ou seja, capaz de entender como seus
significados se relacionam em determinados conceitos. Para isto,
requer-se o conhecimento adicional de como se usam as palavras
para falar cientificamente.
Outro ponto importante de análise pode ser encontrado nas
reflexões de J. W. Geraldi, quando afirma que, na aprendizagem de
um conteúdo, existem outras aprendizagens implícitas.
De modo geral, as falas em aulas são tomadas como “meio”, como
atividade instrumental de acesso e apropriação de um conhecimento
que se erige como tema. Este é considerado como o que se tem a
aprender. Fala-se sobre ele; lê-se sobre ele. Nestas interlocuções,
afloram informações e conformações do tema. Crê-se que foi
aprendido, quando, com correção conceitual, sobre ele se fala, sobre
ele se produz. Há no entanto, outra aprendizagem implícita que se
dá precisamente no processo que conduziu esta aprendizagem: “os
conteúdos do ensino” mas, também, a construção que se realizou
na interação destas falas em aulas e a estrutura da apresentação
destas interações escritas ou orais (Geraldi, 1993: 08).
No ensino de Ciências, é a natureza do conteúdo que indica
per se a abordagem metodológica que deverá ser adotada no ensino
para que se propicie aprendizagem. Através do artigo de autoria da
Professora, busco elementos para esclarecer sua concepção:
As idéias: chave que presidem a escolha e a articulação de situações
de ensino e de aprendizagem que encetem interações entre
professores(as) e alunos(as) e inter-pares implicam em possibilitar
aos alunos e às alunas constituírem seu conhecimento e utilizá-lo
no contexto de uso o mais realista possível. Nesta perspectiva, chegase a usar, por exemplo, questões especulativas atribuindo-lhes
significado e aprendendo seu sentido, tendo em vista a elaboração
de hipóteses explicativas de alunos e alunas que podem,
subseqüentemente, ser confrontadas com pontos de vista e
explicações científicas. O que busco assinalar é que, quando se
assume - no âmbito da relação de ensino e de aprendizagem - que
o conhecimento se constitui na interação social, esta passa a ser
diferenciada em termos tais que já não faz sentido, quer em termos
epistemológicos quer teórico-metodológicos, ensinar o que é ave do
mesmo jeito que se ensina o que é átomo ou o que é fotossíntese: é
preciso levar em conta tanto a natureza do conhecimento (conceitual,
representacional, processual), quanto as condições de ensino, de
aprendizagem e o contexto (social, político, econômico, histórico e
cultural) dos alunos e das alunas no curso de sua escolaridade
(fundamental, média e superior) (Aragão, 1998).
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a formação do sujeito professor
J. Lemke corrobora para o esclarecimento desta questão,
quando assinala que:
A maneira como se apresenta um conteúdo específico depende tanto
das estratégias de interação e das estruturas de atividades como
das estratégias de desenvolvimento temático e do padrão temático
em si. Estes aspectos são totalmente interdependentes no processo
de ensino-aprendizagem que se produz na linguagem (Lemke, 1997:
35).
A Professora, ainda no artigo citado, chama-nos a atenção
para um eixo temático que merece ser destacado no ensino de
Ciências/Biologia, que diz respeito à dinamicidade e à
provisoriedade do conhecimento que precisam ser tratados com
alunos em qualquer processo de ensino e de aprendizagem.
Segundo ela:
Com respeito à consideração da premissa concernente aos atributos
de dinamicidade e de provisoriedade do conhecimento, ainda que
na versão escolar processual do ensino e da aprendizagem, tais
atributos se manifestam numa linha de antagonismo às idéias
usuais, tratadas em aulas de Ciências que enfatizam outros atributos
dos conteúdos de ensino que configuram o conhecimento a ser
adquirido por alunos e alunas, com outros atributos dentre os quais,
os de verdade e de inquestionabilidade. À escola, supostamente,
cabe revelar tal conhecimento considerado verdadeiro que, dado o
seu caráter inquestionável, torna-se imutável e, portanto, estático.
O conhecimento verdadeiro é estático, não muda, porque sempre
foi assim. Independente dos contextos de sua produção, tal
conhecimento apresenta-se neutro, a-histórico e a-temporal, sendo
adquirido apenas por indivíduos de “boa memória”.
Em função desses matizes ainda presentes, via de regra, nas escolas,
que configuro como desafio, no âmbito da prática pedagógica, a
redimensão de algumas concepções epistemológicas que remontam
ao século passado (Aragão, 1998).
Nesse sentido, J. Lemke diz que “na escola, segundo o modelo
tradicional de ensino, o que é hipótese na ciência vira verdade
absoluta; conteúdos de ensino não vivem na provisoriedade da
ciência; seu papel de ‘transmissora’ exige da escola que tome algo
pronto cá e o passe para lá como tal. Como se tem feito isso com
textos” (Lemke, 1997: 105).
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a linguagem da ciência
Os alunos precisam compreender o conteúdo científico da
aula, se não compreendem é possível até que aprendam a praticar
um certo tipo de jogo de aula. Isto é, eles podem até responder a
perguntas simples, realizadas pelo professor, cujas pistas das
respostas já foram dadas pelo próprio professor, mas nunca
aprenderão a falar, efetivamente, sobre Ciências ou Biologia.
Contudo, as relações de poder na aula são também expressas pela
linguagem. Nesses termos, é importante salientar o uso da
linguagem como fundamental, considerando-se o ensino de
Ciências/Biologia. E tem-se observado que, o uso da linguagem,
nas aulas de Ciências, tem se apresentado muito mais como um
diálogo estruturado nas relações de poder e métodos derivados da
aula expositiva, onde, geralmente, os alunos escutam e lêem a
linguagem da ciência, porém, cientificamente, falam muito pouco
e escrevem menos ainda.
O domínio da Ciência requer a prática de falar, não apenas
escutar. Se os alunos não podem demonstrar seu domínio da
ciência, ao falar ou escrever, podemos duvidar de suas respostas e
que as soluções aos problemas representem realmente sua
habilidade de pensar cientificamente, já que pensar,
cientificamente, é uma forma de explicar a si mesmo uma solução,
mobilizando os recursos semânticos da linguagem científica, para
dar-lhe significado (Lemke, 1997: 35; 40). A sala de aula é um dos
lugares característicos, onde os conhecimentos se constroem
conjuntamente e, onde, umas pessoas ajudam as outras a
desenvolver sua compreensão (Cf. Mercer, 1997).
Os professores são os responsáveis pela condução da aula:
seu planejamento, sua implementação e a mediação do
conhecimento ao aluno. Porém o grupo pode questionar e
obstaculizar este trabalho. Os alunos influem ativamente nos
episódios de ensino e aprendizagem. Sua participação, seu
interesse, suas contribuições e, ainda, sua resistência, muitas
vezes, são determinantes mais eficazes do que o planejamento do
professor em definir a direção que a aula pode tomar (Cf. Mercer,
1997).
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a formação do sujeito professor
4.4 Episódio 9 - O ensino de conhecimentos processuais
de Ciências/Biologia — Fotossíntese: concepções
em um plano de aula
A propósito do ensino de conhecimentos processuais de
Ciências/Biologia e o tema escolhido (fotossíntese), a Professora
trabalhou com os alunos com base no texto A evolução conceitual
na prática pedagógica do professor de Ciências das Séries Iniciais
(Dissertação de Mestrado de autoria de Lúcia Guido). A Professora
introduziu as discussões, semelhantemente, à abordagem feita pela
autora, sobre as crenças que as pessoas possuem a respeito da
relação homem x planta.
Assim, procurando trabalhar com as crenças dos alunos, a
Professora faz aos alunos alguns questionamentos, quais sejam:
“Vocês acreditam que nós podemos ter plantas dentro de casa? E,
no quarto, podemos dormir com plantas? Ou, apenas, em outros
cômodos, como na sala ou na cozinha?”. Houve uma grande
discussão entre os alunos, cada um apresentava sua opinião e
tentava discutir: uns concordavam, apresentando algumas
assertivas, outros discordavam:
Aluno 1: Eu acho que não pode, a planta de noite solta CO2.
Aluno 2: Eu acho que não tem problema nenhum.
Aluno 3: Eu acho que só não pode no quarto; se deixar um pouco
da janela aberta onde está a planta, na sala ou cozinha, então pode.
A partir disto, a Professora, para fazê-los refletir, propõe
algumas questões que seriam contraditórias, com base nas
respostas dos alunos. Ela lhes pergunta:
Professora — E os índios que vivem cercados por grandes florestas
e suas “casas” não são bem fechadas como as nossas. Como será
que eles conseguem viver, dia e noite, no meio de tantas plantas e
sobrevivem?
— Por que será que a gente também pode acampar no meio do
mato e permanecer vivo?
— Se você dormir entre as árvores, no horto florestal, o que poderá
acontecer?
A Professora introduz ainda a discussão de como eles
concebem a fotossíntese e como acham que a planta se alimenta.
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a linguagem da ciência
Dentre outras idéias, a Professora sintetiza, assim, as respostas
dos alunos:
Acham que fotossíntese é a respiração da planta; não mencionaram
que a fotossíntese diz respeito à produção de energia, mas
acreditavam que era a forma de respirar da planta; não entendem
que a planta produz o seu próprio alimento, mas crêem que ela
retira do solo; acreditam, ainda, que a fotossíntese só se realiza na
presença da luz solar, mas, à noite pára.
Tais idéias dos alunos nos levam a considerar contradições e
distorções que não são apresentadas apenas por estes alunos. Na
dissertação mencionada, quando a pesquisadora trabalha com uma
classe de 4ª série, os alunos apresentam concepções bastante
parecidas (Guido, 1996). Em outros estudos, mencionados por ela,
os resultados também são semelhantes.
Cabe ressaltar que, se em geral as pessoas têm um sentimento
positivo em relação às plantas, dizem sempre que elas são
importantes porque “fabricam o oxigênio” e, ainda, pelas inúmeras
utilidades que as plantas representam para o homem. A partir
destas idéias, as distorções presentes nas respostas dos alunos,
segundo a Professora, ficam estabelecidas da seguinte forma: “Se
as plantas eliminam o CO2 (que é prejudicial ao homem) e ainda
retiram seu alimento do solo, elas não seriam benéficas, mas sim
prejudiciais ao homem”.
Distorções como estas ocorrem, quase sempre, em razão de
conceitos científicos não serem efetivamente compreendidos, nem
pelos professores nem pelos alunos. Temos, hoje, diversas
explicações científicas, que até o presente momento são tidas como
válidas pela comunidade científicas, as quais, se fossem ensinadas
na escola, evitariam as distorções, contradições e confusões que
as pessoas, muitas vezes, apresentam, como conseqüência da
permanência das crendices e superstições e o descrédito da Ciência.
Este episódio nos leva a reiterar que as concepções que nossos
alunos apresentam, geralmente, não são frutos apenas deles
próprios; são concepções que se encontram generalizadas na
coletividade que, na forma de senso-comum, fazem parte do modo
de pensar do povo. Ainda em relação ao tema da fotossíntese, na
perspectiva de investigar como os alunos concebem o ensino de
Ciências, a Professora propôs — como uma avaliação complementar
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a formação do sujeito professor
— que os alunos que assim quisessem, poderiam apresentar um
plano de aula sobre um dos conteúdos de Biologia; contudo, uma
professora de outra disciplina (Bioquímica) havia solicitado aos
alunos a mesma forma de avaliação, desde o início do semestre,
como trabalho final de sua disciplina. Sendo assim, aos alunos foi
permitido apresentar um mesmo trabalho para a avaliação nas duas
disciplinas.
A partir dos objetivos propostos pelos alunos, no plano de
aula, foi possível estabelecer algumas relações sobre suas
concepções:
1 – Objetivos apresentados nos planos de aulas
a) Por que ensinar fotossíntese?
- A importância da produção de oxigênio, para a manutenção da
vida na terra.
- Para poder relacionar de forma mais compreensiva a produção de
energia para os seres vivos e os demais organismos que interagem
no meio ambiente e para integrá-los como atuantes da atual situação
ambiental.
- Mostrar aos alunos qual a importância da fotossíntese dentro das
necessidades do planeta, direcionando seus conhecimentos para
dar uma continuidade a esse processo tão importante para todos
os seres vivos.
- O objetivo geral desta aula será relatar os principais tópicos
existentes dentro do assunto “fotossíntese” como, por exemplo,
mostrar que é através da fotossíntese que irá ocorrer a produção de
glicose, demonstrando a equação geral do processo — Água + Gás
carbônico na presença de clorofila e luz ⇔ glicose + oxigênio + energia
(6 H2O + 6 CO2 ⇔clorofila⇔ luz ⇔ C6H12O6 + 6 O2 + E) —, pois,
através de materiais inorgânicos, chegaremos a um composto
orgânico. Terá também como objetivo geral mostrar que os vegetais
em geral possuem pigmentos de clorofila, através dos quais
conseguem realizar a fotossíntese; e cujos seres clorofilados são
autótrofos, ou seja, sintetizam seu próprio alimento.
- Instruir os alunos sobre o tema escolhido e sua importância desde
o início da vida na Terra, no dia-a-dia e, também, o que os mesmos
poderão estar fazendo para contribuir na continuidade do processo,
além de uma demonstração prática da maneira que ocorre a
fotossíntese.
Em função da orientação recebida da Professora de Didática, a maioria
dos alunos preocupou-se em caracterizar a clientela a que se destinavam suas
aulas. A pergunta básica que norteava os planos de aula era a seguinte:
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a linguagem da ciência
b - Para quem ensinar fotossíntese?
- A aula foi preparada, tendo como contexto os princípios básicos
do processo de fotossíntese, já que se trata de uma primeira série
do ensino médio (sic), de uma escola pública localizada num bairro
de periferia. Onde os alunos são na sua maioria de classe baixa, e
os pais trabalham fora, ficando estes na rua após término da aula.
- Nos primeiros anos do curso básico (1ª a 4ª série) [sic] pois, esse
conteúdo é de grande importância para o entendimento de um
elemento básico da sobrevivência, do planeta Terra e de sua própria
sobrevivência.
- Considerando que a clientela freqüenta o ensino de curso noturno
e são trabalhadores do comércio e da indústria que buscam a escola
porque sua localização é central e próxima ao terminal, levando em
conta que querem apenas terminar o ensino médio, precisamos
repensar o ensino da fotossíntese.
- Alguns pontos de suma importância que se deve levar em questão,
para a forma como ensinar, é quanto à localização da escola (centro,
periferia ou mesmo na zona rural), à faixa etária dos alunos e outros.
- Para alunos de escola pública do noturno, cuja maioria trabalha
durante o dia.
c - Quando ensinar fotossíntese? O que ensinar?
- Depende do grau de desenvolvimento e da capacidade de abstração
do aluno. Assim, segundo a série o professor poderá dosar a
profundidade do conteúdo dado.
- O que ensinar? Quem descobriu a clorofila, para que serve a
clorofila, a equação da fotossíntese, a equação completa da
fotossíntese, os estômatos, os cloroplastos, vasos condutores de
seiva, absorção de gás carbônico e liberação de oxigênio, produção
de glicose, etc.
- Ensinar sobre o uso da água, e sais minerais do solo que são
utilizados pela fotossíntese. O ensino da fotossíntese deve ser
demonstrativo como colocar um grão de feijão (semente) e deixar
germinar. Desta forma o uso da água a qual o algodão estará
embebido. Outra forma é a utilização de um vaso de planta coberto
por um plástico, onde este após alguns dias conterá gotículas de
água na sua superfície.
- Método explicativo, com colocações de dúvidas no decorrer da
aula seguido de uma exemplificação do tema, com a utilização de
uma experiência para melhor compreensão dos alunos.
- Fotossíntese (para o ensino fundamental ( 5ª a 8ª série).
Pedi para 4 alunos, pegarem 4 folhas diferentes no pátio da escola.
Passados 10 minutos, lá vieram todos entusiasmados. Disse para
os alunos erguerem as folhas. E então perguntei, quais as diferenças
entre elas?
Pensaram, conversaram, discutiram muito, e então disseram:
— Professor, nós observamos que todas as folhas são verdes e que
elas têm forma e tamanhos diferentes.
— O verde das folhas é chamado de clorofila.
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a formação do sujeito professor
— Professor, o que é clorofila?
— É uma pigmentação verde, por onde realiza a fotossíntese.
— Professor explica, não complica.
- Perguntar aos alunos o que eles sabem sobre fotossíntese,
utilizando-se dos seus conhecimentos para dar continuidade ao
ensino, com aulas explicativas, sanando as dúvidas ocorridas
durante a aula, para, depois, entrar com métodos práticos,
demonstrando a importância da fotossíntese para o meio ambiente.
- A partir daí, o professor deve orientar seus alunos, ensinando de
forma a correlacionar o assunto em sala de aula com tudo o que
acontece ao redor do aluno, no mundo em que ele vive, para motiválo a se interessar cada vez mais, com o que está sendo ensinado;
pois ele percebe que essa aprendizagem satisfez alguma necessidade
sua.
- Trabalhando, assim, o professor percebe que o aluno ganha
confiança em si mesmo, promovendo sua auto-estima; isto o
estimula a manifestar sua vontade de querer ir fundo, clareando e
detalhando os conceitos.
Alguns alunos apresentaram no seu plano um item
denominado “estratégia” e, assim, o descreveram:
- Como processo de aula, começarei com uma introdução teórica
em sala de aula. Depois de assimilado e passado o assunto,
poderemos partir para uma parte prática, como por exemplo,
deixarmos uma planta todo tempo na luz, e outra recebendo luz em
certo período e, ficando no escuro, em outro período; deixaremos
estas plantas nestas condições por uns dias e, ao final, faremos
uma análise, chegando a uma conclusão comum, e ligando os
aspectos observados com a parte teórica, onde os alunos poderão
assimilar, mais rapidamente, o assunto e, assim, visualizando, não
totalmente, mas sim uma parte do que se trata a fotossíntese.
- A parte teórica vai relatar os assuntos abordados no trabalho, de
forma resumida, onde, através de vários aspectos, irei falando com
as minhas próprias palavras.
- Começarei, primeiramente, perguntando se algum aluno já ouviu
falar sobre fotossíntese, perguntarei se algum aluno saberia me
explicar com suas próprias palavras o mecanismo de fotossíntese,
etc. A parte teórica seria explicada nesta seqüência e, logo em
seguida, seria dada a parte prática com a experiência descrita no
item Estratégia. E assim se encerraria a matéria sobre o assunto
fotossíntese.
Por um lado, o conteúdo apresentado em forma de revisão
bibliográfica, pelos alunos, em geral mostra-se conservador,
contudo, consistente, denso, atualizado e aprofundado, mas, via
de regra, tratado de forma tradicional de ensino. Eles usam como
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a linguagem da ciência
referências bibliográficas, diversas fontes entre elas, livros de
Biologia do 3º grau, livros didáticos do 2º grau, enciclopédias e, em
menor número, revistas especializadas de Ciências. A pesquisa do
conteúdo é apresentada em moldes tradicionais, geralmente com
ênfase nos aspectos químicos e físico-químicos do conteúdo que
são transcritos literalmente.
Alguns apresentam, no entanto, relações importantes no
decorrer do trabalho com os aspectos históricos e evolutivos com a
vida cotidiana, como a poluição, cadeia alimentar e saúde. Porém
estas relações perfazem uma pequena parte do conteúdo, cuja
ênfase principal encontra-se nos aspectos teóricos.
Outro fator importante em alguns planos é que a adequação
do conteúdo em relação ao ensino proposto não demonstra
coerência. Alguns propõem aula para 1ª ou 4ª séries (que não deverá
ser seu nível de atuação), mas, ainda, dão ênfase às equações
envolvidas na fotossíntese. Outros, ao contrário, planejam aulas
para 1ª ou 2ª séries do ensino médio e apresentam atividades quase
que exclusivamente baseadas em observação de germinação de
grãos, a influência da luz e demonstração prática do Método das
Bolhas Gasosas com folhas de Elodea canadensis que, ao meu ver,
são mais adequadas para alunos de 2ª a 4ª séries, ou ainda do
Método das Bolhas para alunos de 4ª a 6ª séries.
Uma aluna apresentou um trabalho diferente, com o tema “A
água, o Equilíbrio Ácido-Base e os Sistemas Tampões” para 8ª série
do Ensino Fundamental. De certa forma, este tema pode ser inserido
na análise anterior, porém como um trabalho mais completo, já
que vai além ao pesquisar aspectos relacionados com o ensino dos
conteúdos “água” e “ácidos e bases”, presentes na literatura do
ensino de Ciências/Biologia, expandindo a bibliografia pesquisada
e os parâmetros usados por seus colegas.
Por outro lado, é possível perceber, na escrita dos alunos,
que o rol de conteúdos apresentados é semelhante à organização
seqüencial apresentada pelos livros didáticos, com uma clara ênfase
no modelo T-R. É possível observar ainda que, quando se referem
aos conteúdos imbricados nos processos de ensino, os planos de
aulas não manifestam evolução substancial do ensino T-R. Porém,
são apresentados alguns avanços no sentido da necessidade de
considerarem os conhecimentos prévios dos alunos e o “grau de
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a formação do sujeito professor
desenvolvimento e a capacidade de abstração do aluno”.
Também são apresentadas diversas experiências; algumas
destas, no entanto, dão a impressão de serem usadas apenas para
o que os professores chamam de motivação, ou como demonstração
da teoria em forma de receita. Em parte, nos seus planos de aula,
os alunos demonstram encaminhar-se no sentido, ainda tênue, de
evolução conceitual na perspectiva de construção do seu
conhecimento e de seus futuros alunos sobre o ensino de Ciências/
Biologia. Eles escrevem:
- Através de uma discussão em sala de aula onde os alunos possam
dizer com suas próprias palavras o que entendeu sobre a fotossíntese
e usar exemplos diferentes daqueles citados anteriormente.
- No momento em que o aluno crie discussões, sem ter o professor
como um único apoio intelectual, usando suas próprias
compreensões didáticas.
- O outro ponto é estabelecer inter-relações, como por exemplo; o
processo de fotossíntese e respiração.
- Assim, partindo do conhecimento anterior do aluno, o professor
vai progredindo e fazendo ajustes, e o aluno não sente que não
sabe nada, mas, sim, que está complementando e aprofundando
algo que ele já conhecia.
- Isso trará para o futuro um indivíduo pensador, autônomo,
confiante e responsável; continuando e tornando o processo
educativo de transformação de pensamento e dinâmico.
- O ensino de fotossíntese deve ser ensinado a partir do momento
que eu “ser humano” consigo estabelecer relações do reino animal,
vegetal, mineral...
- O professor deve induzir o aluno a pensar, refletir; fazendo
perguntas, de modo que os alunos vão determinando relações e
associações e desenvolvendo seu potencial.
- A participação do aluno numa determinada atividade, dá-se quando
este passa a conhecer os propósitos desta atividade, participando
do planejamento, das dúvidas e soluções; e passa a visualizá-la
para quê ela serve, ou seja, sua aplicação prática.
Os alunos apresentam argumentos, tais como: “conseguir
estabelecer relações do reino animal, vegetal, mineral”; participação
do aluno em “discussões sem ter o professor como um único apoio
intelectual, usando suas próprias compreensões didáticas” que
“possam dizer com suas próprias palavras o que entendeu sobre a
fotossíntese e usar exemplos diferentes daqueles citados
anteriormente”. Nos seus planejamentos, foi possível perceber uma
valorização das pré-concepções dos alunos, quando escrevem:
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96
a linguagem da ciência
O fato de ensinar fotossíntese no ensino médio, de uma forma mais
detalhada é que estes alunos já obtiveram um embasamento nas
séries anteriores; é claro que foi de uma forma superficial, mas é
este embasamento que permite um melhor aprendizado, permitindo
que estes alunos estabeleçam relações entre o conhecimento já
adquirido e o conhecimento que está sendo adquirido; da mesma
forma, o ensino de fotossíntese no curso de Biologia não foge do
tradicional, mas o que diferencia é a forma como é colocado, ou
seja mais aprofundado; mas a questão não é, se devo ensinar menos,
quando tendo determinado contexto e, mais, quando diante de outro
contexto. Simplesmente o ponto que diferencia um do outro é o
ponto de partida dessa explicação; para responder a estas perguntas,
devemos avaliar os alunos (suas vidas, suas experiências anteriores,
sua disponibilidade, idade, ou seja, conhecer um pouco da história
de cada aluno), a escola, o momento social e tecnológico, as condições
físicas e materiais fornecidos, etc.
Fica expressa a preocupação com a construção do
conhecimento. Em suas palavras aparecem referências ao fato de
que estes alunos já obtiveram um embasamento. É este
embasamento que permite um melhor aprendizado, fazendo com
que os alunos estabeleçam relações entre conhecimentos prévios
e o conhecimento que está sendo adquirido. Porém um aluno faz
uma análise do ensino nos moldes realizados, quando diz: “Da
mesma forma, o ensino de fotossíntese no curso de Biologia não
foge do tradicional, mas o que diferencia é a forma como é colocado,
ou seja mais aprofundado”. O aluno deixa claro que o ensino
ministrado no curso de Biologia, no curso deles, pelos seus
professores, “não foge do tradicional”; a diferença consiste apenas
em uma maior quantidade de conteúdo, já que se chega aos
mínimos detalhes.
O diferencial existente entre os aspectos de como o ensino
será realizado por esses alunos em aula, e as concepções que estes
futuros professores manifestam em suas palavras, sugerem que
estes futuros professores já começam a conceber um ensino
diferenciado, mais próximo de uma visão construtiva-significativa,
porém eles ainda não sabem como traduzir estas concepções que
estão concebendo, em modos mais eficazes de conduzir suas aulas,
principalmente, porque continuam imersos no modelo T-R dos seus
professores, centrados no conteúdo-informação, independente das
relações compreensivas que possam ser feitas para que os alunos
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a formação do sujeito professor
aprendam. Em suma, os episódios aqui relatados possibilitam a
compreensão das dificuldades encontradas por alunos e professores
no que se refere à leitura e escrita, principalmente, tendo em vista
dois fatores determinantes: alunos (como os professores) são frutos
do ensino T-R; não possuem tempo disponível por serem também
alunos trabalhadores.
Disto decorre que os alunos, via de regra, não apresentam
condições para realizar as pesquisas e leituras necessárias à sua
formação profissional, e ainda, o histórico de leitura destes alunos
e professores se confundem com o ensino T-R nas escolas. Assim,
a leitura denotativa e com base numa leitura supostamente
privilegiada tomada como única, somando-se às discrepâncias entre
a linguagem dos alunos e a linguagem da ciência, representada
pelo professor, nos possibilitam perceber a necessidade de
mudanças significativas, principalmente, na perspectiva da
formação de professores, no ensino que se faz em nossas escolas,
bem como nas universidades.
*
*
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*
98
CAPÍTULO V
OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS
•♦•
A prática pedagógica do professor manifesta suas
concepções de ensino, de aprendizagem e de
conhecimento, como, também, suas crenças,
seus sentimentos, seus compromissos políticos
e sociais; uma análise das atividades na escola
é capaz de revelar a concepção epistemológica
subjacente (Schnetlzer; Aragão, 1995).
Qual é o modelo de ensino mais comum nas escolas
brasileiras? Em que níveis de ensino ele se encontra presente?
Examinando aspectos da formação do professor de Ciências/
Biologia, nesta investigação procuro — a partir das falas, relatos e
interações em aula — apontar alguns elementos deste processo, a
fim de compreender questões presentes no modelo de formação
atual.
Pesquisas têm demonstrado que a atuação de professores
nas suas aulas é resultado de suas crenças epistemológicas
(Schnetzler; Aragão, 1995; Cawthron; Rowell, 1978; Hodson, 1985;
Silveira, 1989; Carniatto; Fossa, 1998). D. Liston e K. Zeichner
defendem que a formação inicial é o ponto de partida, mas que a
formação efetivamente se consolida ou se “constitui em um processo
que continua, através da carreira de professor” (Liston; Zeichner,
1993: 23). Portanto, o profissional precisa estar continuamente
revendo suas convicções, considerando que a tarefa de educar
depende de uma série de decisões e de condições que precisam ser
criadas e ser continuamente aprendidas pelos futuros professores.
Nesse sentido, pode-se indicar que:
O ato educativo, que nos comprometemos a realizar, consciente ou
inconscientemente, no âmbito do nosso ensino, o qual consiste,
unicamente, em um processo de aprendizagem, mas implica, sem
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a formação do sujeito professor
dúvida, na vontade explícita de incidir ou intervir sobre tal processo.
Essa vontade se traduz em uma série de decisões sobre o que o
aluno precisa aprender e sobre as condições que precisam ser
criadas para que ele realmente aprenda o que configura como
desejável de ser aprendido e pressupõe conhecimento específico
para coordená-las, no plano escolar (Coll apud Aragão, 1993: 11).
Outro importante problema advém de visões simplistas sobre
a formação de professores que se encontram no âmbito do ensino
T-R. Tomando como ponto de reflexão as palavras de A. Carvalho e
D. Gil-Pérez, gostaria de situar a discussão do ensino que se
ministra nos cursos de licenciaturas, neste caso no Curso de
Ciências/Biologia:
Um ensino eficiente tem que ter como um dos seus pressupostos
atender às “necessidades formativas do professor de Ciências”
especialmente no que se refere à ruptura com visões simplistas
sobre o ensino de Ciências, importância do conhecimento da matéria
a ser ensinada, necessidade de adquirir conhecimentos teóricos
sobre aprendizagem das Ciências e analisar criticamente o ensino
tradicional (Carvalho; Gil-Pérez, 1993).
Assim, podemos compreender a necessidade de uma
preparação rigorosa de professores em formação, para possibilitar
uma docência de qualidade. Por isso, juntamente com diversos
autores, defendo a posição de que a formação inicial precisa ser
reestruturada, através da imbricação ensino - conhecimento e
aprendizagem - natureza epistemológica do conteúdo, não se
podendo mais continuar cultivando a dissociação conteúdo-forma.
Além disso, torna-se imprescindível, possibilitar ao futuro professor,
conhecimento político-social que lhe permita uma visão crítica da
realidade dos alunos e de onde a escola se situa (Gil-Pérez, 1996:
73).
5.1 Episódio 10 - Paradigma e concepção de ensino
fundamentados na T–R
Procurando desvelar as concepções de ensino-aprendizagemconhecimento dos alunos, a Professora de Didática propôs que,
organizados em grupos, eles refletissem para responder a algumas
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obstáculos epistemológicos
questões. Busco na escrita dos alunos identificar suas concepções,
mediante as respostas apresentadas nesta atividade realizada em
aula:
a) Questão 1: O que é ensino/ensinar para você?
- É a transmissão de um conhecimento.
- Ensinar é transmitir novos conhecimentos, através de métodos
específicos, materiais adequados e aprofundamento constante do
educador.
- É passar um conteúdo (informação) de uma forma sistemática,
porém criativa, ou seja, de uma maneira com que os alunos
assimilem e compreendam tal conteúdo.
- É assimilar o que foi transmitido e saber transmitir o que se
aprendeu.
- É um processo caracterizado pelo planejamento que se pretende
ensinar, que é praticado via professor/aluno. O resultado dessa
integração professor/aluno irá gerar um conhecimento a ser
comparado e moldado as concepções (Trechos de atividades dos
alunos do 5º Período).
b) Questão 2: Como é que eu (professor) sei que ensinei? O que é
aprendizagem/ aprender para você?
- “Sabemos” que ensinamos determinado conteúdo a partir do
momento que estiver consciente de como foi passado esse assunto,
de qual ambiente estou trabalhando e, consequentemente, pelo
questionamento e interesse da sala.
- O processo de aprendizagem ocorre, quando estamos dispostos a
assimilar, questionar e, com tudo, compreender e aprender
determinado conteúdo.
- O processo de ensino-aprendizagem baseia-se numa mudança de
comportamento de cada indivíduo.
- Aprender nada mais é do que captar o que foi transmitido,
absorvendo conceitos e poder tirar conclusões próprias e utilizar
tais observações, ou seja, o recebimento e a assimilação dos
conhecimentos transmitidos (Trechos de atividades dos alunos do
5º Período).
c) Questão 3: Como é que eu (professor) sei que o meu aluno
aprendeu o que eu penso ter ensinado?
- Ao ser feita uma avaliação, pode-se avaliar se foi assimilado, através
das notas dos alunos, perguntas de interesse sobre o assunto,
debates (pois não pode haver discussão do assunto, onde não há
conhecimento), através de perguntas orais em classe, etc.
- A princípio, observando a reação do aluno, após podendo discutir
a outros níveis devido ao interesse do aluno.
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a formação do sujeito professor
- Através de avaliações escritas, orais, participação em sala de aula,
em que os alunos demonstram o que eu ensinei.
- Quando tenho domínio sobre o assunto.
- Sei que ensinei quando eu falar num determinado assunto e ele
souber discutir, participar, pois prova não avalia aluno; avaliamos
através da participação, atenção, interesse, desenvolvimento diário
do aluno (Trechos de atividades dos alunos do 5º Período).
Questão 4: O que eu posso/devo fazer quando percebo que um
aluno não aprendeu o que eu pensei ter ensinado?
- Buscar métodos alternativos de aprendizagem para melhor
compreensão do aluno.
- Quando eu percebo que meu aluno não aprendeu o que pensei ter
ensinado, devo mudar minha estratégia, buscar novas maneiras
de apresentar o conteúdo, até que meu aluno consiga aprender.
- O professor deve individualizar o aluno partindo do princípio em
mudar a metodologia e ensino (Trechos de atividades dos alunos do
5º Período).
A maior parte das manifestações dos alunos evidencia que
eles concebem ensino-aprendizagem como transmissão-recepção,
posto que eles afirmam que ensinar é: transmitir, passar
informações, assimilar, saber transmitir, captar, etc. Manifestam
uma ênfase behaviorista na metodologia, nas técnicas, nas
estratégias e nos aspectos formais do planejamento. Além disso,
eles afirmam que a aprendizagem depende do aluno, quando dizem
que “o processo de aprendizagem ocorre quando estamos dispostos
a assimilar, pelo questionamento e interesse da sala, devido ao
interesse do aluno”. Culpar o aluno pelo insucesso do ensinoaprendizagem é uma postura muito comum no ensino T-R, a partir
do que o professor acredita que ao “transmitir” o conhecimento,
ele ensinou e se não houver “resposta” foi o aluno que não aprendeu.
As concepções de avaliação vão desde as mais tradicionais
como notas e perguntas orais até concepções mais evoluídas que
apontam para a “consideração do desenvolvimento diário do aluno,
se eles souberem discutir (sic)”, e ainda para a idéia segundo a
qual “prova não avalia aluno”.
Quanto ao que fazer quando se percebe que o aluno não
aprendeu, os alunos se referem à necessidade de “buscar métodos
alternativos de aprendizagem” e dão ênfase à “mudança de
estratégia, de metodologia e individualizar o ensino”, reproduzindo
uma série de lugares-comuns do discurso pedagógico.
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102
obstáculos epistemológicos
A partir do seu trabalho com a classe e a análise dessas
manifestações, a Professora de Didática diz que percebeu que a
maioria dos alunos concebia o ensino apenas como transmissãorecepção:
Eu sei o que fez eles arrasarem o seu autoconceito. Eu fui cruel,
para abalá-los, porque eles achavam que “ensinar só podia ser
transmissão de conhecimento, ponto”. “Aprendizagem só podia ser
memorização, ponto”.
Mas a referência de uma das alunas deste período revela, à
guisa de reconhecimento de fonte geradora, a concepção de ensino
subjacente ao trabalho de muitos professores formadores desses
futuros professores. Diz a aluna:
Alguns professores, com tempo de 40 minutos, dão meia hora de
aula efetivamente. E dizem o seguinte: não posso passar de meia
hora, se não eu aumento consideravelmente a quantidade de matéria
e vocês não agüentam.
Sob outro enfoque, mas expressando a mesma concepção,
uma ocorrência com outro professor é relatada por outra aluna
nos seguintes termos:
Eu estou fazendo Botânica agora, no primeiro semestre, em Abril;
já estamos na sexta aula de Botânica, e o professor não pára de
falar do sítio dele onde ele passou os três meses em que estava
afastado. Ai, Professora, é muito duro, eu trabalho o dia todo, venho
para a Unimep, eu sou mãe, esposa, administro a casa, venho para
fazer esta disciplina e nada, nada de Botânica. E o professor diz
que não vai dar a matéria, o conteúdo, porque não vai dar tempo.
O descompasso entre o discurso do professor e sua prática é
algo constrangedor, ele diz que não “não vai dar a matéria, o
conteúdo, porque não vai dar tempo”; no entanto, já estava na sexta
aula e nada de Botânica. O professor desperdiça o tempo todo
falando de assuntos triviais, apenas de seu interesse, não se
importando com as necessidades dos alunos e nem demonstrando
o respeito que merecem como aprendizes.
Os depoimentos dos alunos demonstram que os seus
professores acreditam, apenas, nos procedimentos de transmissãorecepção (T-R), quando eles dizem que não podem dar mais de 30
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a formação do sujeito professor
minutos de aula, porque, se dessem mais tempo, a quantidade de
matéria seria tanta (sic!), que os alunos não agüentariam, isto é,
não dariam conta de memorizar. No ensino T-R, é usual os
professores considerarem seus alunos como “esponjas”:
Literalmente, grande parte dos professores considera os alunos como
esponjas que devem absorver o conhecimento que eles tentam
passar. Por trás de seu trabalho, transparece a idéia de que, quanto
mais se repetir determinado conteúdo e, quanto maior número de
exercícios de repetição se propuser, maior vai ser a aprendizagem
(Cf. Moraes, 1996).
Vemos que os professores não consideram a possibilidade
de usar o tempo disponível para realizar outras atividades que
contribuam para que os alunos aprendam os conteúdos, para que
estabeleçam o maior número de relações cognitivas possíveis com
o conteúdo tratado na aula, enfim, para consolidar a aprendizagem.
Da forma como o conteúdo é apresentado usualmente, parece que
o professor concebe “aula como transmissão seqüencial de
conhecimento”.
Portanto, quando o professor termina a exposição que ele
julga suficiente, do seu ponto de vista, ele terá que passar,
impreterivelmente, para o conteúdo seguinte. Não parece que ele
possa admitir a possibilidade de realizar com os alunos outras
atividades sobre o conteúdo trabalhado de maneira que estes
possam compreender cada vez mais, ou melhor. Não existe, talvez,
compreensão de que, se o aluno compreender bem o conteúdo,
este aluno que, via de regra, trabalha o dia todo e estuda à noite,
não precisará estudar tanto, memorizando em casa aquilo que não
compreendeu e poderá apresentar um bom desempenho. Por outro
lado, existem professores que procuram desempenhar bem o seu
papel, como educadores. Vários alunos, ao serem indagados,
disseram que alguns dos seus professores:
Trouxeram muito da realidade política do nosso País, em relação à
educação e, também, no âmbito social geral;
Passaram recortes de jornais, revistas, documentários, e outros;
Trouxeram muitas novidades relacionadas com a matéria.
Outros alunos, no entanto, destacam a apatia de seus
professores: “Enquanto outros estão parados no tempo”; “Não há
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obstáculos epistemológicos
novidades para mim, textos cansativos”. Porém, nas manifestações
dos alunos, existem alguns aspectos sobremaneira preocupantes
que deveriam fazer vários professores se questionarem seriamente
e se auto-avaliarem:
- Poucos professores trouxeram alguma informação nova para nosso
conhecimento, alguns mal olham para nossa cara, e outros são tão
mal humorados que não passam muita coisa e exigem muito.
- Alguns professores trouxeram várias novidades para nossa área;
porém, há outros que só entram na sala para a matéria em questão.
A Biologia é uma ciência atualizada, que precisa ser renovada, por
isso alguns professores decepcionam na aula, não atualizando a
sua matéria (Comentários de alunos do Curso de Ciências/Biologia).
A partir das concepções de ensino evidenciadas nas
manifestações e nos trabalhos desses alunos, torna-se necessário
discutir um outro ponto fundamental da formação inicial desses
futuros professores, isto é, discutir as concepções de ensino que
eles ainda cultivam como frutos dos muitos anos de escolarização,
submetidos a uma educação centrada na Transmissão-Recepção(TR). Isto porque:
A formação do professorado desempenha um papel importante em
relação com os problemas da sociedade. Eles enfatizam que os
programas de formação de professores podem servir para integrar
os futuros professores na lógica da ordem social atual ou promover
uma situação em que os futuros professores possam adotar uma
postura crítica frente a realidade com o fim de melhorá-la (Liston;
Zeichner,1993: 22).
Considerando que, no curso de formação de professores, é
fundamental que se abra espaço para reflexão dos futuros
professores, estes precisam de estímulo constante para refletir e,
para tanto, é necessário romper o isolamento e a unilateralidade
do ensino T-R. Além disso, a formação de professores deve
contribuir, de alguma maneira, para chamar a atenção sobre a
necessidade de ampliar os interesses no campo da formação do
professorado:
As questões de organização são, em últimos termos, menos
importantes que as decisões a respeito do objetivo e essência de
nossos programas de formação de professores (...). Seu objetivo não
deve limitar-se só em conseguir a excelência e fortalecer a
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a formação do sujeito professor
competência intelectual, senão que deve incluir um compromisso
apaixonado a favor da igualdade educativa (Liston; Zeichner, 1993:
22-23).
Além disso, a formação de professores deve aspirar
diretamente a educar docentes “capazes de identificar e organizar
seus propósitos, de escolher as estratégias pedagógicas e os meios
adequados, que conheçam e compreendam os conteúdos que devem
ensinar, que compreendam as experiências sociais e as orientações
cognitivas dos seus alunos e possuam uma compreensão maior do
contexto social e político do ensino” (Cf. Liston; Zeichner, 1993: 64).
Assim, em elementos como a falta de consideração das questões
epistemológicas usuais na formação do professor; a irresponsável
apresentação de visões simplistas sobre conhecimento, ciência,
ensino e aprendizagem; o cultivo inconsciente das dicotomias
pedagógicas (processo x produto, teoria x prática, conteúdo x forma,
ciências x técnica, cultura x ciência); a manutenção da seriação
como compartimentos em seqüência; a nítida dissociação entre
disciplinas ditas de conteúdo específico e as de conteúdo
pedagógico; e a não ausência de inter-relação entre os conteúdos
abordados em mais de uma disciplina, é possível observar a
presença dos pressupostos positivistas da compartimentação para
promover a especialização, desta marca que impregna toda a ciência
positivista que repercute, nos mesmos termos, no ensino.
O sistema de ensino sofre uma tal compartimentação que as
disciplinas dos cursos, mesmo os de licenciaturas, são apresentadas
e trabalhadas isoladas, como em gavetas, ou em compartimentos.
A exposição dos conteúdos pelos professores obedece a uma
hierarquia rígida e uma seqüência lógica, segundo uma visão
exclusivamente técnica. Parece que se acredita e se espera que o
aluno os guardará na memória, de acordo com esta seqüência, cada
qual em seu compartimentozinho; mas que, ao final, quando o aluno
necessitar resolver os problemas que se apresentam no seu dia-adia, como em um passe de mágica, pequenos fragmentos, partes
de diversos conteúdos irão se unir “naturalmente”, trazendo a tão
almejada “compreensão” para a solução dos problemas, quando
estes se lhe apresentarem.
Que ilusão! Que expectativas vãs têm os professores que
trabalham segundo o ensino tradicional. Esperam eles, realmente,
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106
obstáculos epistemológicos
que a tarefa, que o conjunto de professores e técnicos em educação
e ou ensino não conseguem fazer, que é a explicitação das relações
conteúdo-forma, o estabelecimento de relações entre conteúdos
que, decididamente, possuem uma mesma natureza epistemológica
ou não, imaginam eles, acreditam mesmo que o aluno, ao final do
processo, o fará por si próprio! Isto ocorre principalmente devido
ao privilégio dado ao modelo de educação recebida, segundo o
ensino tradicional, já que “trata-se de uma formação ambiental
que teve um grande peso por seu caráter reiterado e por não estar
submetida a uma crítica explícita. Constituindo-se, por isso, em
algo ‘natural’, sem chegar a ser questionada efetivamente” (Carvalho;
Gil-Pérez, 1993: 38).
Temos uma visão de currículo, geralmente, estruturada como
um modelo acumulativo de saberes específicos e de conhecimentos
pedagógicos e, acredita-se, talvez, que a integração entre ambos
deva ocorrer naturalmente. No entanto, um dos principais
problemas é, justamente, esta falta de integração. Em outras
palavras, é quase que ingênuo esperar que um professor torne suas
aulas ativas e participativas, se, por exemplo, durante o período
em que era aluno na universidade, ele vivenciou uma metodologia,
baseada, sobretudo na transmissão e recepção de conhecimentos
já elaborados, com práticas de laboratórios tipo receita e problemas
como simples exercícios de aplicação (Cf. Carrascosa, 1996).
Então, poder-se-ia perguntar, como se forma um profissionalprofessor?
Eficiente e eficazmente, seria desde a pré-escola, com ensino
adequado, com ênfase em questões epistemológicas, porque
qualquer aluno precisa vir pensando, compreendendo,
independentemente da profissão que ele for seguir. De fato, se
começa a formar um profissional-professor na formação ambiental,
durante seus anos de escolaridade e, não apenas na chamada
formação inicial que ocorre nos cursos de graduação. Por este
motivo, a formação ambiental surge como fator muito importante.
Está claro que os futuros docentes ingressam em sua formação
profissional com uma bagagem histórica de experiências educativas
como estudantes. Têm idéias prévias sobre o que significa ser um
bom professor, sobre o conteúdo que devem ensinar, como devem
fazê-lo e o tipo de ambiente de aula que gostariam de criar. Não
chegam em branco aos programas de formação, se não que, como
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a formação do sujeito professor
antigos (e atuais) estudantes e como indivíduos têm intuições, idéias
e, às vezes, muitas dúvidas sobre as idéias e práticas educativas
próprias e dos demais (Liston; Zeichner, 1993: 80).
Muitas são as pesquisas que apontam para a importância
que essa formação ambiental longitudinal, durante os anos de
escolarização, tem sobre o modo de ensinar dos futuros professores.
Estas pesquisas demonstram ainda, que os bons alunos vão se
espelhar nos bons professores.
A Professora de Didática relata que a investigação de G.
Melotto demonstra que o círculo vicioso já está formado: “Os
professores na Universidade dão aula do mesmo jeito que seus
alunos vão dar, subseqüentemente. É a cópia (xerox), sob pena de
ser menos rigoroso” (Cf. Melotto, 1998). Um professor, do grupo da
pós-graduação, que pesquisava outros cursos, disse que “este
círculo vicioso não vai se quebrar de um dia para outro”. E uma
professora contrapôs: “E não vai mudar, se a graduação não mudar”.
Porém há a necessidade de provocar uma ruptura para
redimensionar o professor desejável e ensejar a diferença. A
Professora de Didática esclarece o que ela pensa sobre a “Evolução
Epistemológica”, elencando razões como as seguintes:
Professora — Porque o sujeito está vindo numa formação racional
técnica, é preciso romper para dar a guinada para a formação
racional prática. Esta ruptura enseja uma certa continuidade,
porque é uma ruptura para dar continuidade. É ruptura para ajustar
a direção. Destacando que a questão é da mesma natureza, formação
de professor, ser professor, ensinar, aprender conteúdo. A pessoa
não vai mudar, não vai fazer algo completamente diferente. Não. É
possibilitar ver de outra forma, olhar por outro ângulo, de outro
lugar — Que é esta a questão da Evolução Epistemológica. Esta
evolução deveria acontecer, é desejável que aconteça na formação
inicial, isto é, no espaço de seu curso de graduação — a licenciatura.
E deverá continuar na formação continuada e/ou em serviço.
Em contraponto, vale confrontar como as respostas de um
grupo de alunos do 5º período, em certas atividades realizadas em
aula, expressam uma visão T-R, sobremaneira ortodoxa, a propósito
de questões reflexivas sobre processos de aprendizagem e a questão
do desenvolvimento. A Professora perguntou-lhes: “Por que eu
preciso pensar sobre essas questões para poder ensinar Ciências/
Biologia?”. Um grupo de alunos assim respondeu:
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108
obstáculos epistemológicos
Acreditamos que não necessitamos dessas questões discutidas em
grupo, pois o que vai determinar a relação ensino-aprendizagem
em uma sala de aula é o quanto o professor domina o seu
conhecimento e o próprio dia-a-dia da sala de aula (Trecho extraído
de atividades dos alunos do 5º período de Ciências/Biologia).
Nas palavras destes alunos, é possível perceber que os futuros
professores valorizam exclusivamente o domínio do conhecimento
em termos mecânicos, memorizados “corretamente”.
Desconsideram o conhecimento pedagógico e as questões
epistemológicas que interferem na aprendizagem, exatamente, ao
meu ver, tudo aquilo que faria com que o professor estivesse apto
a ensinar de forma conseqüente, para que seus alunos
aprendessem. Acreditam que o papel do professor seja, apenas,
transmitir conhecimentos e, provavelmente, manter a disciplina,
configuram resultados de suas crenças, suas concepções estreitas
de ensino entendido como Transmissão-Recepção (T-R).
Implícitos na fala destes alunos aparecem também os matizes
de preconceito de muitos professores, quando dizem que discussões
sobre questões de ensino não resolvem nada. Estas pré-concepções
são introjetadas dessa forma, como conseqüência dos anos de
formação ambiental calcados no ensino T-R a que estiveram
submetidos. A Professora de Didática fala de sua experiência,
trabalhando com professores:
Eu fico vendo as cabeças de professores cheias de teias de aranha,
aquelas teias grossas, porque eles são convictos de que se aprende...
daquele jeito. Que, primeiro, você aprende, depois você compreende,
como se fosse possível dissociar aprendizagem do conteúdo, ou seja,
prá falar de aprendizagem tem que falar em memorização. Primeiro
você memoriza, depois você compreende, se puder...
É comum em um processo de ensino, fundado no modelo TR, dar grande ênfase à memorização e não à compreensão. Também
a formação de atitudes comportamentais, nos alunos, recebe
bastante atenção dos professores. Com fundamentos behavioristas,
grande parte do trabalho do professor é repetitivo, a fim de conseguir
a reprodução, a memorização desejável e a obediência dos alunos
às normas impostas pela escola, pelo sistema e pela sociedade. O
papel do professor caracteriza-se, assim, pela ilusão de que o
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a formação do sujeito professor
conhecimento possa ser aprendido independentemente do interesse
e da vontade do aluno. Uma vez que se entende que este, por não
possuir experiência, não sabe escolher o que é melhor para si e
deverá, portanto, submeter-se inteiramente aos conteúdos que lhes
são transmitidos por inculcação. Dessa maneira, o professor perde
excelentes oportunidades de discutir com os alunos questões da
mais alta relevância, as quais, certamente, favoreceria sua
compreensão.
Os professores demonstram frequentemente conceber o aluno
como tábula rasa. Considera-se, como professor, o detentor do
conhecimento, cuja função é, apenas, transmitir o conteúdo
estipulado aos alunos. A estes cabe memorizar, plenamente, o que
foi transmitido, reproduzindo, assim, as características do modelo
transmissão-recepção. Professores costumam recordar o conteúdo
de aulas anteriores, para acentuar a “fixação”. Porém as perguntas
que dirige aos alunos são apenas para chamar atenção à sua fala,
uma vez que não parecem buscar, efetivamente, a contribuição do
aluno para interagir, efetivamente, no processo de ensinoaprendizagem. Suas perguntas são retóricas. Os alunos são
considerados passivos, pois as atividades e o controle da aula são
de inteira responsabilidade do professor.
O professor continua considerando seu aluno como tábula
rasa, ainda, frente a cada novo conteúdo. Considera que o aluno
nada sabe com respeito a cada assunto, por ser “assunto novo”.
Seu conhecimento anterior é completamente desprezado, e o
professor pensa que deverá ensiná-lo “sempre do princípio”, embora
não chegue a fazê-lo jamais por “falta de tempo”.
Cabe à escola assumir um papel informativo em relação ao
conhecimento, que é realizado através dos professores (repetidores),
que irão transmitir aos alunos os conhecimentos que julgarem
necessários, para que cada aluno, de um único e mesmo jeito, possa
se ajustar à sociedade (Mizukami, 1986). Neste modelo de ensino,
é mais comum os professores utilizarem a aula expositiva, com
algumas diferenças marcantes, quanto ao ritmo de cada um, à
linguagem utilizada e ao aprofundamento do conteúdo. As aulas
são marcadas pelo verbalismo dos professores, e as interações entre
professor e aluno demonstram o predomínio do modelo tradicional
de transmissão-recepção (T-R).
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obstáculos epistemológicos
Uma das vertentes atuais mais fortes que sustentam o modelo
de ensino por T-R é a Racionalidade Técnica. O desenvolvimento
crescente de ideologias instrumentais, enfatizando uma abordagem
tecnocrática para a preparação de professores e adoção de
metodologias calcadas na Racionalidade Técnica, tem sido uma
das ameaças poderosas para uma mudança eficaz no ensino
brasileiro.
Necessitamos de mudanças, mas estas têm que ocorrer nas
bases teórico-epistemológicas e psico-pedagógicas que norteiam e
fundamentam o ensino. Via de regra, têm sido realizadas diversas
mudanças ou reformas, visando, ora à mudança de metodologias
de ensino e as estratégias, ora dotando as escolas com
equipamentos de televisões, vídeos, parabólicas, computadores,
etc. Mas, na verdade, os fundamentos teórico-metodológicos e
epistemológicos não são mudados e continuam como fundamentos,
advindos do positivismo, da educação mecanicista e tradicional. E
é justamente isso o que vemos repetidamente ocorrendo.
Por trás de um programa que traz uma receita, cuja formação
necessária é o treinamento, está mais uma vez a mesma concepção
tradicional de fundamento behaviorista, o que muda então? Muda
a forma, mas não a essência, muda a técnica, mas não a
epistemologia subjacente. Os professores são reduzidos ao status
de técnicos repetidores, cumprindo normas e diretrizes, ditadas
por especialistas que, muitas vezes, nunca entraram numa sala de
aula ou estão afastados dela e, portanto, longe da realidade do diaa-dia da sala de aula. Desta maneira, os professores passam a
ocupar verdadeiramente funções burocráticas e não pedagógicas,
passam tão somente a administrar e implementar programas
curriculares, já que não conseguem trabalhar no sentido de
realizarem suas verdadeiras funções: possibilitar o ensinoaprendizagem, a construção coletiva do conhecimento, apropriandose criticamente de currículos que satisfaçam objetivos pedagógicos
específicos (Giroux, 1997).
Esta concepção apresenta em si o retorno de pedagogias
inflexíveis do tempo e da tarefa operam a partir da suposição errônea
de que todos os estudantes podem aprender a partir dos mesmos
materiais, técnicas de ensino em sala de aula e dos mesmos modos
de avaliação. A noção de que os estudantes têm histórias diferentes
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a formação do sujeito professor
e incorporam experiências, práticas lingüísticas, culturas e talentos
diferentes é estrategicamente ignorada.
Uma formação inicial de professores - talvez única - que
executa apenas um ‘programa de treinamento’, no qual se enfatiza
somente o conhecimento técnico presta um desserviço, tanto à
natureza do ensino, quanto a seus estudantes. Em vez de
aprenderem a refletir sobre os princípios que estruturam a vida e a
prática de ensino em aula, os futuros professores aprendem
metodologias ou seqüências metodológicas mecânicas que parecem
negar qualquer necessidade de pensamento crítico. Em vez de
aprenderem a discutir e compreender as questões que subjazem
aos diferentes métodos didáticos, técnicas de pesquisa e teorias
da educação, os estudantes preocupam-se em aprender o “como
fazer”, “o que funciona” ou ainda qual é a melhor maneira de ensinar
um “dado” conhecimento (Giroux, 1997: 159).
Devido às evidências discutidas de que o ensino tradicional
é fruto da Racionalidade Técnica, foi lembrado pela Professora de
Didática, em aula, o primeiro ensaio de avaliação que Paulo Renato
de Souza, então Ministro da Educação, fez e que foi objeto de uma
reportagem do Jornal Folha de São Paulo, na qual o Ministério
assumia, agora, o que a gente já sabia há uns quinze anos. Caso
típico da especulação em torno de obviedades:
O professor reproduz o livro didático, o professor se mantém em
Ciências a nível de senso comum, o professor solicita que os alunos
responda exatamente nos mesmos termos da apresentação sem
nenhuma reflexão, elaboração, pensamento (Palavras do Ministro
de Educação do Brasil).
Esta é uma questão cotidiana em nossa vida escolar, em nosso
sistema de ensino. Na investigação que realizei na classe do 5º
período de Ciências /Biologia, aconteceu um episódio que apresenta
com clareza e riqueza a impregnação subjacente a esta
Racionalidade Técnica. A Professora de Didática assim relata o
episódio:
Os alunos me apresentaram algumas “encomendas”. Sabe o que
eles pretendiam? Pedir-me para dar uma receita de plano de ensino
de Biologia, e a gente poder, a partir dessa receita, discutir os
conteúdos. Isso era o máximo que eles ousavam pensar e almejavam
conseguir do professor de Didática. Isso já seria o máximo, para
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obstáculos epistemológicos
eles, segundo disseram. Porque “eles” lá na escola exigiam que os
professores “soubessem Biologia” e eles não tinham nem idéia de
um rol de conteúdos de 2º grau, nem de qualquer receita para pôr
em prática. Daí, veja, quando eles pedem uma professora
diferenciada de Didática e vou eu, a balança pende para um lado
que eles nem imaginavam; eles que estavam pressionando para
que o lado do conteúdo específico pesasse. Quando entro eu, a
balança pende prá outro lado, ou seja, para a qualificação geral e
eles não agüentam o tranco. É que eles nunca na vida esperavam
por isso.
Este modo de ensino está tão impregnado nos professores e
no sistema de ensino que, realmente, somente com muito estudo e
aprofundamento teórico, podem-se tirar as vendas e começar a
enxergar a diferença substancial entre o ensino, calcado na
Racionalidade Técnica e um Ensino Construtivista. Realizar uma
mudança efetiva com os futuros professores e com os que estão
em exercício, parece ser apenas possível, mediante um programa
consistente e continuado de formação desses professores. Não se
pode dar este salto qualitativo, se não houver interlocutores que
possam mediar esta tarefa. Não se consegue ser interlocutor de si
mesmo, portanto é preciso investir substancialmente nas
licenciaturas e, também, nos programas de pós-graduação.
5.2 Episódio 11 – “Professora, aprender a pensar dá
tempo? Pensar cansa, dói a cabeça. Eu tento...
penso e não sai nada...”
Nos termos acima discutidos, à guisa de ilustração, creio ser
importante apresentar aspectos que evidenciam percalços de
algumas pequenas mudanças que a Professora de Didática tentava
sugerir aos seus alunos. E a propósito da valorização do ato de
pensar, tendo em vista a construção do sujeito-professor, a
Professora afirma em um de seus artigos:
A imensa dificuldade que tenho encontrado na interação com alunos
e alunas - principalmente em níveis de escolaridade mais avançados
(no ensino médio e/ou superior) - advém do fato de alunos e alunas
considerarem o pensamento, o ato de pensar, como algo inusitado,
esdrúxulo, posto que não se acreditam capazes de construir
pensamentos - quer em função da insuficiência que atribuem ao
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a formação do sujeito professor
conhecimento que já possuem para saber determinadas coisas, quer
por entender que se cristalizaram em um conhecimento único, em
um método único de saber as coisas, de conhecer, que lhes foi
propiciado pela escola. De qualquer forma, diferentemente de
crianças, jovens tendem a acreditar que não lhes é mais possível
pensar, tal o estado de embotamento de suas idéias científicas, de
obnubilamento de relações que possam ser estabelecidas no
confronto de questões epistemológicas, usualmente, apresentadas
em contexto escolar (Aragão, 1988: 02).
Nesse sentido, a Professora cita em seu texto a fala de uma
de suas alunas, numa aula de Didática quando, em tom de
desalento, esta lhe dizia: “Pensar cansa, dói a cabeça, Professora.
Eu sinto uma agonia quando tento pensar, porque eu tento, penso
e não sai nada... Diga logo como é ‘o certo’ que eu lhe garanto que
fico sabendo e não vou esquecer”. A Professora analisa esta questão,
com seus alunos, com pós-graduandos e comigo, nos seguintes
termos:
A falta de oportunidade para refletir, a falta de solicitações de reflexão
e até a falta de interesse docente em conhecer e questionar as suas
visões de mundo pode explicar a insegurança desses alunos e dessas
alunas que aprenderam simplesmente a reproduzir os conteúdos
de ensino sem pensar e a denominar esses conteúdos, reproduzidos
de memória, conhecimento.
Em falas anteriores, a Professora frisa que percebera que os
alunos só concebiam ensino como transmissão - “Ensinar só podia
ser transmissão de conhecimento, ponto”. “Aprendizagem só podia
ser memorização, ponto” - e planejara uma maneira contundente
para abalar esta concepção.1 Ela relata um episódio carregado de
emoção tanto por sua parte como por parte dos alunos. Numa das
aulas, quando os alunos discutiam sobre as concepções de ensinoaprendizagem, e os grupos apresentavam as atividades realizadas,
a Professora chama-lhes a atenção. Eis o seu relato:
Eu sei o que fez eles arrasarem seu autoconceito, eu fui cruel para
abalá-los (...). Foi quando eu disse: Gente, sabe o que é que me
preocupa na situação de vocês? Que vocês abriram mão do direito
de sonhar. Que vocês renunciaram ao sonho, ao desejo. Vocês não
desejam mais nada, vocês não sonham mais nada. Vocês são
incapazes de imaginar que ensinar possa ser outra coisa. E eu
percebi pelas carinhas, você sabe quando atinge. Foi o que tocou.
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obstáculos epistemológicos
Tanto que na outra aula chega uma menina e me diz assim: —
Professora eu sonhei tanto esse fim de semana!
A Professora, ao comentar o incidente com uma colega, a
Professora Rose, esta lhe diz: “Você tinha que dar alguma
chapuletada na cabeça de algum jeito”. A Professora de Didática
responde: “Sim! Uma ‘sacudidela’ eu sempre busco. Porque sem
sacudir o sujeito, para que ele seja forçado a pensar em uma outra
possibilidade, você não consegue coisa alguma. Eu não sou ingênua
a esse ponto, nem cabotina”.
A Professora desafiava os alunos, incitando-os até sobre seus
sonhos. Diz que eles “renunciaram ao sonho”. Este desafio parece
que, de certa forma, os acordou. Era o final da discussão sobre as
concepções, foi a conclusão do tema, mas, quando a Professora
terminou de falar, a sala tinha outro clima. Os alunos estavam
espantados, mas pareciam também satisfeitos.
Podemos concluir que, para esta Professora, o ensino jamais
poderia ser apenas Transmissão-Recepção, mas uma ação mediada
pelo professor, entre o aluno e o conhecimento, objetivando a
aprendizagem. Considerando que a aprendizagem escolar é um
processo de construção de significados que, por sua vez, está ligado
à existência de conflitos, de revisão de concepções prévias, de
inadequação, de modificação e de construção do conhecimento, o
ensino é muito mais que uma mera transmissão de informações.
Existe no processo ensino-aprendizagem-conhecimento, em
termos construtivos, uma interação simbólica e comunicativa em
torno da informação, que está marcada por determinados processos
de cultura. Aprender não implica o consumo passivo e deglutidor
de informação, as interações são mais complexas, os intercâmbios
mais sutis e carregados de múltiplos significados. O professor não
se reduz a um mero emissor ou expositor de conhecimento
acumulado e organizado em suas diversas disciplinas. Existe todo
um conjunto de relações que transpassa a transmissão dos
conteúdos de uma disciplina, que condiciona sua efetividade e
explica, também, muitas vezes, a dificuldade apresentada para a
assimilar (Cf. Hernández; Sancho, 1994).
Esta complexidade, plena de múltiplos significados, tornouse evidente no momento de avaliação da turma do 5º período, pelas
diferenças de pontos de vista e emoções (sentimentos) dos alunos
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a formação do sujeito professor
e de sua Professora, com respeito aos resultados de atribuição de
valor ao processo de interação de que haviam partilhado por mais
de três meses. A professora comenta:
Em nossa turma, [referindo-se à classe do 5º Período de Biologia],
quando eles fizeram as provas, a coisa era produtiva, significativa e
tinha sentido, mas eram exatamente os momentos em que eu me
aniquilava. Eu dizia: pelo amor de Deus eu não consegui coisa
alguma. E para eles eu havia conseguido o máximo. Olha o contrasenso: o máximo para o aluno e nada para a professora. Não é
moleza um descompasso dessa natureza.
Esses significados sutis, mas profundamente contundentes
ficam expressos, com maior clareza, na interação dos alunos com
a Professora, na hora do intervalo, quando junto à mesa, ela atendia
alunos e arrumava seu material. Alguns alunos, via de regra, vinham
lhe falar, comentar alguma coisa. A aluna Maria José, por exemplo,
afirmou:
Professora eu queria lhe dizer que antes de eu ter aula com a
senhora, eu achava que eu era uma boa professora. Eu achava que
eu era melhor que os meus colegas. E agora eu sei que eu sou...
que eu sou... [a Professora completa para provocá-la: “uma bosta”].
Aí ela disse: — É... (afirmativa e refletindo profundamente). E eu
acho que eu não vou sair da bosta!
Ao comentar este episódio, posteriormente, na saída da sala,
a Professora, em termos que pareciam dilacerá-la, diz: “Aí eu percebi
que eu estava tirando ‘coisas’, sem ter clareza se vou pôr ‘outras’
no lugar”. Em outra ocasião, uma das meninas que também se
encontrava no grupo, ao redor da mesa da Professora, inicia o
seguinte diálogo:
Aluna — Eu achava que as aulas eram ótimas. E agora fico sabendo,
percebo que não aprendi coisa nenhuma, porque só memorizei e
devolvi o que os professores queriam. Mas eu me achava ótima
aluna. Agora eu não sei...
Professora — Mas você foi, você é. Você critique o sistema, não
critique a si própria. Porque o envolvimento que você teve com o
sistema te levou a fazer o melhor que o sistema pedia.
[Dirigindo-se a mim um tanto desarvorada, após a aula] — Tu
acreditas que eu passei vinte minutos do intervalo fazendo discurso?
Para que eles não pisassem na sua auto-imagem. Que droga de
Professora sou eu, não é? Que enfio o nego na bosta e deixo ele lá.
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obstáculos epistemológicos
Que sentido tem isso? Mas como eles estão habituados a assumir a
culpa, eles assumem. E é isso que me mata!
Mesmo qualquer pessoa que possua ou não, conhecimento
das discussões sobre formação de professores, poderá compreender
a gravidade e contundência do grau negativo da auto-avaliação
destes alunos. Alunos que, no sistema T-R, são considerados ótimos
alunos, uma é professora do 1º grau (eu conheci seu trabalho), é
uma professora que se preocupa com os alunos e a aprendizagem
deles, procura metodologias e materiais diferenciados para suas
aulas de Ciências. Mas, quando começam a compreender um novo
enfoque epistemológico, eles passam a arrasar a sua auto-imagem,
assumindo culpas, sem dó nem piedade. A Professora comenta: “E
não é só isso, tem ainda mais: eles acham que não pensam e sabe
por quê? Pela inculcação de toda a sua escolaridade (15, 18 anos
de ensino tradicional, de tábula rasa). Por isso os alunos sempre
me dizem: ‘A gente não precisa pensar’”.
No intervalo da aula, em que se discutia Fotossíntese, e a
Professora estimulava os alunos, para observarem as relações entre
os conceitos que estão presentes na fotossíntese, como de costume,
vários alunos vinham acercar-se da Professora e conversar com
ela. Perguntavam-lhes sobre assuntos cotidianos, contavam-lhes
sobre seu trabalho, suas vidas. A Professora foi tomada de surpresa
e também de emoção, uma certa vez quando, nesse intervalo, como
que a cena se repete, uma aluna chega-se à Professora e diz:
Aluna — Professora, dá tempo?
Professora — Dá tempo de que, Lídia?
Aluna — Aprender a pensar, dá tempo? A senhora acha que dá
tempo, que é possível, prá gente? Porque eu acho que já sou um
caso perdido.
E outro aluno que estava junto também diz:
Eu também me sinto assim. Eu acho que eu não tenho mais jeito.
Porque eu faço tudo prá, por exemplo, ver uma questão de diferentes
ângulos, como diz você, mas a minha cabeça dói e eu não consigo
nada!
O que significa doer a cabeça? O que significa a preocupação
com o tempo (“Não dá mais tempo”)?
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a formação do sujeito professor
Tais episódios expressam o grau de desencanto, a
insegurança dos alunos que se instala, quando percebem que
jamais foram estimulados a refletir, a pensar. São episódios muito
significativos. Ao meu ver, estes episódios abrem espaço, para que,
não só a Professora se reveja, analise-se e se auto critique, como
ela realmente costuma fazer, mas que os professores de maneira
geral façam uma profunda análise: O que o ensino que nós
ministramos faz com estes jovens alunos? Que resultados efetivos
são obtidos deste ensino que eu, enquanto professora, enquanto
professor realizo com os meus alunos? Creio que, quando os
professores pensam, eles também percebem as vítimas que são,
situando-se “quase” no mesmo patamar dos alunos.
Ainda, nestes episódios, foi possível perceber as relações de
poder expressas em uma sala de aula. Acredito que, quando a
Professora diz “e aí eu provoquei: ‘uma bosta’”; aí a aluna lhe disse
que “‘É... [afirmativamente e refletindo profundamente]. E eu acho
que eu não vou sair da bosta”, a provocação me pareceu exagerada,
contundente demais.
Contudo, tenho dúvidas se foram, realmente, aquelas as
palavras da Professora, já que os alunos “desconfiam da leitura
que fazem. Manifestam pouca familiaridade com o estabelecimento
de relações entre idéias, com as relações compreensivas, com a
compreensão da leitura. É falta de oportunidade de ler, de ‘incentivo
à leitura’”, que desencadearam tais reações dos alunos.
Talvez estas palavras da Professora pareceram expressar o
seu ponto de vista como “o argumento de verdade”. E talvez, diante
dos conhecimentos da Professora, reconhecidos pelos próprios
alunos, estes se sentiram muito pequenos, portanto as suas reações
foram tão fortes. Acostumados à hierarquia tradicional, os alunos
aceitaram, passivamente, as palavras da Professora. Como
autoridade “que é” na sala de aula, eles nem sequer tomam uma
posição de autodefesa. Eles poderiam dizer: “Imagine, eu não sou
isso”, e tomar outra atitude. Ou dizer: “Espera aí, Professora, a
senhora está errada, nós não somos assim”. Mas não, eles aceitam
o desafio da Professora e se aniquilam. É importante ressaltar que
a Professora não os tratou mal, ela não disse a eles nenhum
“palavrão”, pelo tom suave e terno com que completou a idéia da
aluna, e esta aceitou, naturalmente, a palavra sugerida “bosta”.
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obstáculos epistemológicos
Os alunos assumiram imediatamente: “Uma bosta, e acho que não
vou sair da bosta”. A Professora sentiu o profundo impacto que
suas palavras estavam tendo sobre estes alunos, nos dois
momentos, tanto que, posteriormente, na presença de toda a classe
faz uma crítica severa de sua própria atuação. Ao perceber que
“estava tirando coisas, sem ter clareza, se ia pôr outras no lugar”,
ela se critica e chama a atenção dos alunos para o risco pedagógico
que ela passara a assumir. Ela também comenta desalentada: “Que
droga de Professora sou eu, não é? Que sentido tem isso?... E se
sentia mais pesarosa, porque como os alunos estão habituados a
assumir a culpa, eles assumem... tacitamente. Mas recompõe-se
pela reflexão e inicia imediatamente, o trabalho que ela chama de
“reconstrução da auto-imagem destes alunos”.
Procurei investigar por que as interações nas aulas de
Didática permitiam que questões como estas, aflorassem com tanta
contundência?
A Professora me disse que, segundo seu ponto de vista, havia
um motivo significativo para que estas questões estivessem
aflorando, quase todas ao mesmo tempo. Nas suas palavras:
Uma coisa eu digo, como é que eles começaram a manifestar as
preocupações, não todos, alguns, porque todos a gente não atinge:
eles começaram a sacar qual era a minha preocupação, qual era a
mensagem da disciplina.
(Eu intervenho) — “Porque no começo, era aquela problemática toda
do plano de aula, percebe-se que eles ainda não tinham ...
percebido”.
A Professora continua: — É, eles deixaram de me pressionar... ali é
a evidência... (risos) do que é que acontece. Mas se a gente quiser,
a gente poderia estar mostrando.... Foi a disciplina, foi a interação
do processo que ocorreu, que deflagrou um jeito de os alunos
conseguirem enxergar.
Professora — Por que você acha que os alunos começaram
francamente a falar comigo? [E ela mesma responde]: — Porque
um parâmetro, um ponto de referência diferenciado estava sendo
posto. Por isso é que eu vejo como uma situação diferenciada,
extremamente rica. Porque dá prá gente dizer qual era o contraponto
que estava sendo posto.
(...) Primeiro - a questão das concepções. Está completamente
entrelaçada, imbricada, com o que eles pensam deles, com o que o
sistema fez que eles pensassem deles. Eu acho que isso é
fundamental em qualquer estudo hoje. Não dá prá tirar isso hoje.
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a formação do sujeito professor
As palavras da Professora nos indicam a relação entre as
concepções assumidas pelos alunos e seus autoconceitos. Frutos
do ensino T-R, sua autoconcepção, a auto-avaliação que fazem lhes
deixam com uma baixa auto-estima. Na perspectiva de investigar
porque estas questões afloraram desta maneira, conversei com
colegas, professores da própria universidade, de outras e, até, de
outras escolas, para também, nas suas opiniões, buscar elementos
que possibilitassem maior compreensão, apesar de nada disto ser
novo, estar presente nas discussões com os professores, estar
presente na literatura e evidenciar a condição delicada em que se
encontra o modelo de ensino-aprendizagem embasado na T-R.
Também, senti necessidade de abrir um pouco o espectro de
pesquisa, para ver se a visão da Professora de Didática era
proporcionada por um grupo com características específicas, ou
se era uma visão que emergiria disseminada, em todas as classes,
especialmente os grupos do noturno.
Mas o fato de estar ali, estampado claramente, ao vivo, nas
palavras e nos olhares, expressando os sentimentos dos próprios
alunos, isto nos surpreendeu (a mim e a Professora de Didática).
Nós sabíamos, não éramos inexperientes no “controle da sala” ,
mas ali, na nossa frente, os alunos dizerem francamente que “não
leram, porque não tinha sido ordenado”, dizerem que “não sabem
pensar”, perguntarem se “... aprender a pensar, dá tempo?”
Considerarem que “já são casos perdidos” ou que “não é necessário
pensar”, que “quando pensam a cabeça dói”. Isto, para nós
ocasionou um grande impacto. A Professora de Didática chorava,
enquanto, no almoço daquela semana, nós conversávamos sobre
esses episódios...
Seria isso, reflexo da diferenciação entre alunos de um curso
do noturno e do diurno? Seria uma questão de diferenciação de
curso ou de Universidade? Ou seria exatamente o tipo de abordagem
teórico-metodológica e epistemológica que a professora, séria,
rigorosa, respeitosa e afetuosamente adotara?
A Professora de Didática me contava que o professor Carlos
leciona em um grupo de Publicidade e Propaganda do diurno e
outro do noturno. E ele diz que as aulas são completamente
diferentes, “porque os alunos do diurno tudo que ele indica eles
lêem..., os trabalhinhos fazem tudinho. Têm o tempo exclusivo para
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obstáculos epistemológicos
isso. Dispõem de recursos. Assim: seria bom se vocês fossem em
tal instituição, tal empresa. Eles vão. Pela disponibilidade total só
para isso”.
Procurando depois ouvir o professor mencionado, em uma
das reuniões com o grupo de pesquisa de que junto participávamos,
ele revela que “o currículo é o mesmo, mas os grupos são
completamente diferentes. E queira ou não, ele dá aulas
completamente diferentes para um e outro grupo”. A Professora
observou: “Veja como uma observação desta é profundamente
impactante. Qual é a realidade do aluno que freqüenta um curso
noturno? Quando as diferenças são levadas em conta? Quem leva
em conta tais diferenças, ‘diferenciando suas práticas de ensino’?”.
O que foi dito, nós já sabíamos: as turmas são completamente
diferentes. Por quê? Os alunos do diurno possuem maior
disponibilidade para cumprir as tarefas. Tudo que é indicado, eles
lêem, fazem todos os trabalhos. Têm o tempo exclusivo para isso.
Dispõem de recursos. Pela disponibilidade total só para isso.
A Professora de Didática, buscando analisar a situação em
que estava inserida, diz que:
Os alunos do noturno, por serem alunos trabalhadores e se
sustentarem na maioria das vezes, eles são autodeterminados. Eles
fazem muito mais os seus cursos porque querem, do que porque
alguém manda. Não que não existam alguns alunos, que estão na
Universidade porque o pai manda. Existe sim, também. Mas os
alunos do noturno questionam mais, eles se preocupam mais e até
buscam mais a compreensão. Buscam entender mais.
O próprio professor Carlos, já citado, observou que, numa de
suas experiências: trabalhando a mesma disciplina com outros dois
professores, a diferença foi muito grande, porque eles, além de
darem “apostilas” ainda enchiam o quadro de conteúdo para os
alunos copiarem. Isto era aula, diz ele.
Neste e, em outros momentos, ficam evidenciadas as
dificuldades encontradas por professores que desejam sair do
esquema de transmissão-recepção T-R. Os alunos estão tão
acostumados ao esquema: aula expositiva - apostila - prova ou ao
esquema GLS (Giz, Lousa e Saliva), segundo dizem, que se
encontram cegos, plenamente condicionados. Eles mesmos,
geralmente, resistem de início, à qualquer mudança. Não percebem
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a formação do sujeito professor
que o ensino memorístico não se constitui em aprendizagem real,
por essa razão expressam índices tão baixos de aprendizagem.
A prática impositiva do ensino não é característica do noturno,
uma vez que os alunos, em maioria, são mais maduros, mais
adultos, talvez mais responsáveis e trabalhadores. Parecem
apresentar, por isso, uma maior ousadia de perguntar, maior
coragem de se expressar. Mas, mesmo assim, só se o professor der
abertura, eles falam e ou criticam. Porém, as maiores dificuldades
destes alunos são suas condições sócio-econômicas. São adultos
e por necessitarem sustentar-se a si, e alguns, à própria família,
são alunos que trabalham o dia todo. Portanto, o tempo possível
para seus estudos é as horas do noturno, que eles passam na
universidade e, também, algumas horas nos finais de semana, com
sacrifício de seu descanso, lazer e sua família. As leituras, pelo que
dizem, são em geral, feitas nos ônibus, durante o trajeto para a
universidade. Portanto, as horas na universidade precisam ser
muito bem aproveitadas.
A propósito da problemática dos cursos noturnos, a Professora
faz a seguinte análise:
Tomemos o exemplo dos cursos do noturno, quando o curso usual
é de 5 anos, o curso da noite é de 6 anos. Essa é uma proposta que
existe para dar mais espaço. Mas sabe o que acontece? Não muda
nada. Só “espicha” o tempo. Os alunos comentaram que o “currículo
é o mesmo do diurno”, só que para cumprir o currículo do diurno o
curso do noturno teria de ir de 7 às 11 horas da noite, teria que ter
4 horas relógio de segunda a sexta, prá cumprir em 5 anos. Até é
proibido por lei agora, o curso noturno tem mesmo que ter um
tempo a mais, aí são 6 anos. O que acontece? Eles têm as mesmas
disciplinas distribuídas num tempo que, de uma certa forma, os
tornam ociosos, porque, por exemplo, prá poder garantir a
distribuição nos seis anos, não tem aula na quarta e, na quinta,
começa às 8 e meia... “É um blefe”... A única coisa que, na verdade,
pode repercutir é a quantidade de matéria por semestre. A aula de
50 minutos do diurno se torna 45 min. no noturno, mesmo eles
tendo mais tempo. E as aulas são encerradas 30 ou 40 minutos
mais cedo, porque ‘os ônibus não podem esperar’ no reino da
conivência.
Ainda com respeito ao que pensam os alunos, é importante
revelar mais sobre as concepções que eles possuem sobre a
profissão de professor. No trabalho de uma aluna, no qual ela
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obstáculos epistemológicos
deveria escrever sobre o tema “O que precisa ter para ser um
professor”, ela expressa, sem brincadeira, concepções bastante
realistas. Ela escreve:
Burocraticamente falando, para ser um professor, é necessário
conquistar, através de estudos e freqüências, um certificado que o
habilite a lecionar na área que optou. Cumprida esta primeira etapa
(sic), para muitos com sacrifício, mal sabe que o mais importante
está por se iniciar: ser um professor, atuar diretamente com seus
alunos, em sala de aula e na profissão que tão corajosamente
abraçou (Extraído do trabalho de uma aluna do 5º período de
Ciências/Biologia).
Segundo as concepções expressas por essa aluna, ela parece
acreditar que o curso universitário só serve mesmo para “conquistar
um certificado”. Parece que ela não conta, de maneira alguma, com
a possibilidade de que o curso de graduação possa lhe fornecer
uma base substancial de conhecimentos teórico-pedagógicoepistemológicos que se configure como o que seja, de início,
necessário para o exercício da profissão de professor. Relatos de
alunos e professores 2 me motivam, sobremaneira, a procurar
compreender as relações que revelem mais a respeito da formação
de profissionais professores.
Mellado Jiménez (1996) apresenta resultados a respeito das
concepções dos professores de Ciências sobre a Ciência e sobre a
forma de aprendê-la e ensiná-la, fruto de seus anos de escolaridade,
que estão profundamente arraigadas em suas formas de atuação
em sala de aula. O estudo das concepções dos professores de
Ciências precisa receber uma especial importância, como primeiro
passo para gerar nos próprios professores, concepções e práticas
mais adequadas, em um esforço de redimensionamento do que os
professores pensam e praticam.
Esta preocupação é muito importante, porque, tendo-se em
conta que a influência do modelo usado é muito forte, em geral,
este é que serve como parâmetro para a ação dos professores
principiantes. Porém, muitas das investigações enquadram a
maioria dos professores de Ciências em alguns aspectos do
positivismo (Abel; Smith, 1994; Aguirre et al., 1990; Ballenilla, 1992;
Corrales; Pérez, 1994; Duschl; Wright, 1989; Pórlán, 1989; Powel,
1994; Rubba; Harkness, 1993; Ruggieri et al., 1993). Sem dúvida,
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a formação do sujeito professor
existem resultados que diferem e esses nos levam a pensar que a
situação é mais complexa. Koulaidis e Ogborn (1989) acreditam
que os professores de Ciências assumem posições mais íntimas
com o contextualismo do que com o empirismo. Além disso, alguns
autores afirmam que as concepções de muitos professores não
podem ser consideradas consistentemente associadas com uma
orientação filosófica em particular (Cf. Melllado Jiménez, 1996 apud
Carniatto; Fossa, 1998: 199). Assim, levando-se em conta que a
ação dos professores iniciantes, em geral, tem como parâmetro o
modelo usado na formação, põe-se em evidência a necessidade de
revisitar a Formação Inicial do Professor.
5.3 Episódio 12 - Um pout-pourri sobre as pré-concepções
dos alunos
Num dos textos que fazia parte da primeira unidade do
planejamento da Professora de Didática, e que foi estudado e
discutido pelos alunos, a Professora, também autora, nos informa
que:
No decorrer da última década, surgiu um interesse crescente - dos
educadores em geral, dos psicólogos e, especialmente, dos
educadores que atuam nas diversas áreas das ciências - pelas idéias
intuitivas que os alunos apresentam, em quaisquer dos níveis de
escolaridade, sobre os fenômenos naturais. Estas noções,
expectativas ou sistemas descritivos e explicativos espontâneos
aparecem, em muitos casos, em termos acentuadamente
contrastantes com as concepções cientificas que os alunos precisam
aprender (Aragão, 1993: 08).
Nesta citação, a autora chama a atenção para a importância
atribuída às pré-concepções que seus alunos manifestam, já que
“torna-se cada vez mais claro que as pré-concepções ou concepções
alternativas dos alunos podem dificultar e, até, impedir a aquisição
de conceitos científicos” (Aragão, 1993: 08). Neste sentido, reitero
as palavras já citadas de D. Liston e K. Zeichner, quando afirmam
que:
Está claro que os futuros docentes ingressam em sua formação
profissional com uma bagagem histórica de experiências educativas
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obstáculos epistemológicos
como estudantes. Têm idéias prévias sobre o que significa ser um
bom professor, sobre o conteúdo que devem ensinar, como devem
fazê-lo e o tipo de ambiente de aula que gostariam de criar. Não
chegam em branco aos programas de formação, se não que, como
antigos (e atuais) estudantes e como indivíduos têm intuições, idéias
e, às vezes, muitas dúvidas sobre as idéias e práticas educativas
próprias e dos demais (Liston; Zeichner, 1993: 80).
Muitos estudantes têm experiências de professores cujas
práticas são conservadoras, progressistas ou, inclusive, radicais.
Têm experimentado o que significa ser alunos nas classes destes
professores, e chegam aos programas de formação tendo em mente
certos modelos de professores, modelos positivos ou negativos. Por
este motivo, sua formação profissional requererá prestar muita
atenção com as pré-concepções destes futuros professores, sobre
o que supõem ser um bom professor. Também, possibilitar a reflexão
crítica sobre suas concepções de educação, ensino, aprendizagem,
permitindo a compreensão, também, de que suas crenças e valores
não são individuais, apenas. Estes estudantes chegam equipados
com diferentes conjuntos de valores, em parte derivados da família
e dos costumes locais, de suas tradições religiosas e políticas, e de
suas experiências escolares. Ainda que, suas pré-concepções não
são expressões de suas opções individuais, elas são expressões
que estão presentes nas comunidades de professores, das quais
eles fazem parte (Liston; Zeichner, 1993: 80).
O texto referido — Reflexões sobre ensino, aprendizagem,
conhecimento — e que foi estudado e discutido pelos alunos, revela
as concepções da Professora-autora e, ainda, demonstra alguns de
seus objetivos:
Essas concepções que os professores tradicionais, com maior
freqüência, manifestam, tendem, contudo, a mudar à medida que
eles possam refletir sobre a sua prática de ensino e redimensionála à luz da configuração de novas concepções de ensino, de
aprendizagem, de conhecimento ... de novos parâmetros ou mesmo
de novos paradigmas.O problema prático enfrentado pelos
professores das Ciências é criar condições - no nível do ensino para que os alunos que usam certas concepções alternativas para
compreender, interpretar e explicar um determinado fenômeno,
possam usar concepções científicas aceitas na interpretação daquele
mesmo fenômeno e, possivelmente, de outros fenômenos da mesma
natureza (Aragão, 1993:9).
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a formação do sujeito professor
A partir destes textos, é importante destacar que, na formação
profissional do professor, entram em cena duas categorias distintas
de pré-concepções: uma relativa a conceitos científicos e outra
relativa à concepção de ensino-aprendizagem-conhecimento, ao
conceito da profissão professor.
Assim sendo, a primeira categoria de pré-concepções está
presente em classes de qualquer nível de ensino ou na formação
de qualquer profissional. Esta categoria de pré-concepções relativa
a conceitos diz respeito às idéias, explicações e à compreensão
que cada aluno, como indivíduo, possui sobre os diversos conceitos
científicos. Tais pré-concepções podem possibilitar o avanço do
aluno mais rapidamente, dependendo de quais conhecimentos ele
já possui ou se constituir em um obstáculo para a compreensão
dos conteúdos e, neste caso, precisará ser trabalhada pelo professor,
a fim de permitir a evolução conceitual deste aluno.
A segunda categoria diz respeito à concepção que o aluno
traz da profissão, como ele concebe “ser professor”. Neste caso,
principalmente, qual a sua concepção de ensino-aprendizagemconhecimento, derivada de outras, tais como: sua concepção de
aluno (de si mesmo), de professor e de escola. Como se apresentam
as pré-concepções de alunos e professores?
Eles procuram... eles acham que na Didática... vão aprender a dar
boas aulas. O que é dar boa aula? É motivar o aluno... é botar
experiência? Mas... do aluno como construtor de idéias, e possuidor
de idéia, isso é uma coisa que passa longe (Fala de uma Professora
do Curso de Biologia).
Em diversos episódios, encontramos evidências da existência
de obstáculos epistemológicos que estão ‘impedindo’ que a
aprendizagem/compreensão, efetivamente ocorra. Alguns exemplos
destes obstáculos que encontramos estão expressos nas falas de
alunos:
Os professores passaram alguns temas para preencher a caderneta,
e avançar na matéria, então a leitura dos livros não foi explicada,
as vezes ficaram dúvidas sem ser solucionadas (Relato de um aluno
do Curso de Ciências/Biologia).
A falta de consideração das dificuldades dos alunos, não
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obstáculos epistemológicos
procurando discutir os temas propostos nas leituras, leva aos
próprios alunos reconhecerem que “devem ter ficado dúvidas sem
ser solucionadas”. Quando os alunos dizem que os professores
“passaram alguns temas para preencher a caderneta, e avançar na
matéria”, vemos que o conceito implícito é o da transmissãorecepção, a preocupação com o programa e não, efetivamente, com
a aprendizagem dos alunos, com o que eles pensam.
Obstáculos epistemológicos são bastante comuns no modelo
de ensino tradicional, que é o mais usado, inclusive nas
licenciaturas. Estes obstáculos são considerados epistemológicos,
posto que subjacente a eles, está presente um modo de conceber
ou de crer e ou ainda, uma explicação para o modelo de ensinoaprendizagem. Subjacente também à concepção T–R, encontra-se,
dentre os obstáculos, a continuada exploração de formas/métodos/
procedimentos únicos de ensino — desde um único e mesmo modo
de explicar os conceitos de evolução, célula, digestão, até um mesmo
e único raciocínio definido pelo professor ou pela professora no
estabelecimento de quaisquer relações ideacionais/cognitivas
significativas a propósito de conteúdos/conceitos científicos —
como se abordagens únicas constituíssem “maneiras seguras de
garantir” a aprendizagem de alunos e alunas de Ciências e ou de
Biologia em qualquer nível de escolaridade.
No ensino tradicional, geralmente, o trabalho do professor
em cada disciplina é via de regra um trabalho individual e solitário.
Os professores se ressentem e reclamam desta solidão. Não existe
integração, o trabalho não é planejado de forma integrada por seus
professores. Como resultado, temos desarticulação e, até,
antagonismos entre os conteúdos das disciplinas e a repetição de
muitos conteúdos em diversos momentos do curso.
Esta dissociação, também, encontra-se presente nas
disciplinas tidas como de formação pedagógica, as teóricometodológicas. Nem estas se constituem em um todo, e não parece
existir um trabalho ou planejamento integrado. As atividades não
são convergentes, cada professor trabalha por si, não compartilha
suas ações e, assim, perdem-se importantes oportunidades de,
realmente, interagirem, para constituírem conhecimento ao
trabalharem questões de formação de maneira mais consistente,
porque partilhada.
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a formação do sujeito professor
Este isolamento das disciplinas, que busco assinalar,
apresenta-se em duas direções: nas relações horizontais,
proporcionam uma série de dificuldades e lacunas no aprendizado
dos licenciados, que têm, em diversas disciplinas, conteúdos
abordados repetidamente, apesar de, às vezes, haver um enfoque
um pouco diferenciado em cada uma delas, mas não há inter-relação
e, com a repetição nas diversas disciplinas de modo fragmentado,
cria, na verdade, muitas lacunas, onde as dúvidas são freqüentes
e, ainda, perde-se muito tempo precioso de todas as disciplinas.
Existe, ainda, a fragmentação ou isolamento no sentido
vertical, entre os conteúdos de uma mesma disciplina. É comum
os professores trabalharem os conteúdos de uma mesma disciplina
como se fossem compartimentos, gavetas estanques do saber, como
se cada conteúdo não dependesse dos outros, estivesse na Ciência
ou na natureza isolado e não fortemente inter-relacionado. Esperam
estes professores que o aluno, ao final dos seus estudos, possa
estabelecer sozinho estas relações e compreender o que cada
conteúdo realmente significa no todo das Ciências. Como isso não
é possível acontecer, os futuros professores irão, no exercício de
sua docência, trabalhar com seus alunos de forma mais
fragmentada ainda, pois com a falta de compreensão do conteúdo
que estão ensinando, não possuirão segurança e maiores lacunas
ficarão colocadas para seus alunos, criando, assim, uma corrente
de resultados cada vez mais negativos na aprendizagem. Cada vez,
o ensino parece deteriorar-se, uma vez que o ensino por
Transmissão - Recepção não oferece condições para quebrar esta
cadeia negativa: ensino fragmentado - lacunas do aluno - dúvidas
- má aprendizagem.
Implícito neste modo de pensar existe uma pré-concepção
que funciona como importante obstáculo para que professores e
professoras possam evoluir conceitualmente, os professores
acreditam que se ganha/economiza mais tempo, quanto mais
arbitrariamente direcionado for o ensino e a aprendizagem. Ledo
engano, em um ensino onde os conteúdos são abordados
formalmente seqüenciados, obedecendo a uma rígida hierarquia,
segundo a lógica positivista/mecanicista, mais uma vez está se
contemplando apenas a dicotomia transmissão x compreensão. Nas
disciplinas em geral, e nos conteúdos de Ciências e ou Biologia,
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obstáculos epistemológicos
especificamente, a seqüência dita, lógica, geralmente não contempla
as relações entre conceitos que imbricam os conteúdos, tornandoos interdependentes, como aliás são interdependentes todos os
organismos vivos e não vivos entre si, no Universo em que vivemos.
Portanto, ao “cumprir programas/currículos previamente
definidos”, na seqüência que são apresentados nos livros didáticos
ou nas ementas de programas curriculares, geralmente, não se
possibilita a compreensão do aluno e, conseqüentemente, a sua
aprendizagem. É visível como se perde tempo com a repetição
desnecessária dos mesmos conceitos em várias disciplinas e nos
diversos conteúdos de uma disciplina no decorrer do curso e, em
quaisquer das situações, sem qualquer consideração ao aluno.
Os episódios já descritos são episódios muito fortes que
evidenciam que o ensino na forma de repetição (T-R) cria obstáculos
nos alunos, inclusive inibindo neles a criatividade, a compreensão
e a capacidade de pensar. Observo que diversas dificuldades e ou
lacunas sem atenção na construção do conhecimento do aluno.
Inclusive quando o aluno diz: “que vai ler apenas algumas partes
do texto e outras não”, na maioria das vezes a mensagem do texto,
na oportunidade, não é compreendida.
Se o texto traz informações que, aparentemente, fogem ao
conteúdo/ objetivo da aula de maneira direta, os alunos,
geralmente, pulam estes parágrafos ou seções do texto. Porém este
procedimento indica a existência de uma pré-concepção que
funciona como um obstáculo epistemológico. O aluno não crê na
relação aprendizagem - conhecimento, acredita que seu papel é só
responder às questões, para cumprir suas obrigações, enquanto
estudantes, e para “tirar” nota.
Dessa maneira o aluno “passa apenas por cima do texto” e
depois o “põe no lixo” como dizem alguns. O processo de ensino é,
entendido, neste momento, como uma incorporação direta e
seqüencial de conceitos. O aluno não entende que, para haver
aprendizagem, é necessário o estabelecimento de relações e
compreensão mais ampla do tema estudado, assim ele não faz uso
de relações que possam estabelecer nesse processo, possível através
dos elementos presentes no texto, ou nos textos que compõem o
estudo. Sendo assim, não aproveita os argumentos que os textos
trazem para sua compreensão. Muitos professores, também, não
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a formação do sujeito professor
entendem a necessidade de trabalhar textos com seus alunos,
mediando as relações entre as partes dos textos e os conhecimentos
anteriores, possivelmente, conseqüência de deficiências e
distorções na sua própria formação como professor. Assim, muitas
vezes contentam-se em propor perguntas diretas, cujas respostas
encontram-se na seqüência das frases que fazem parte do texto.
Por isso, muitos alunos universitários procuram palavras idênticas
às da pergunta, para encontrarem as respostas no texto estudado,
não sabendo como responderem a uma pergunta, se não
encontrarem, no texto, as palavras “chaves”, existentes nas
perguntas que sirvam como “dicas”.
Preocupada com o redimensionamento dos conteúdos, a
Professora de Didática relatou-me como o fator tempo se tornou
uma preocupação e um obstáculo para ela, tendo em vista a reconstrução das concepções dos alunos:
Professora — Eu selecionei o conteúdo de “evolução” e busquei
redimensioná-lo em termos educativos, buscando discutir com eles
e apresentar expositivamente a eles — porque eu também tenho
que apresentar um tanto de exposição. Eu saquei, com clareza, que
eu não posso nunca tirar a exposição (põe ênfase à palavra) do
professor. A quantidade de exposição para um grupo nesses termos
tem de ser grande. Não dá prá você buscar construir, admitindo
um trabalho com as concepções deles durante um certo tempo.
Não, eles têm pressa. Então você tem que fazer as duas coisas. Não
é primeiro uma e depois a outra...
Na fala da Professora, é possível perceber sua preocupação
com o redimensionamento teórico-metodológico-epistemológico dos
conteúdos. Para isso, ela declara que precisou usar uma grande
dose de exposição, em suas aulas, contudo suas exposições
partiram de dúvidas, esclarecimentos, curiosidades dos alunos e
eram sempre dialogadas, exposições-dialogadas.
Bem, aqui, creio ser necessário abrir um parêntese. É quase
consenso entre os professores que a aula expositiva é o principal
modo usado para o ensino T-R. Contudo, afirmei que a Professora
de Didática possuía uma prática diferenciada no sentido do ensino,
enquanto construção significativa.
Já durante as aulas, no período de realização de crédito desse
Curso de Mestrado, eu tive esta dúvida e questionei à Professora.
Sua resposta e os inúmeros autores pesquisados, ao longo do curso,
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130
obstáculos epistemológicos
têm me possibilitado refletir sobre esta questão, nos seguintes
termos:
O que diferencia um ensino T-R de um ensino, como
construção significativa, são as relações que se estabelecem entre
professor x aluno x conhecimento e aluno x aluno x conhecimento.
A ênfase à construção conjunta, à valorização dos conhecimentos
prévios dos alunos, a oportunidade de interação para troca de idéias
e de ajuda mútua efetiva, a fim de que todos, alunos e professor,
cresçam em seus conhecimentos, é que enseja a diferença. A
exposição, ao meu ver, poderá não ser procedimento único e
exclusivo de Transmissão - Recepção em termos mecânicos ou
memorativos. Se tratada em outras bases por parte do professor,
uma exposição didática poderá, a partir desses parâmetros que
levam em conta o aluno e permeada pela ênfase dos aspectos
construtivos acima citados, poderá em muitos momentos, ser uma
das formas mais acessíveis para interação e troca de conhecimento,
posto que a exposição implica o outro e, nesta relação, o
conhecimento se constrói.
Em outra perspectiva, no ensino T-R, os professores não
conhecem e nem demonstram interesse pelas concepções prévias
dos alunos, principalmente, em termos positivos, construtivos.
Alguns pressupõem que os alunos, ou sejam tábulas rasas ou
tenham concepções de senso-comum, mas não as consideram como
obstáculos epistemológicos, favorecendo ou inibindo a
aprendizagem dos alunos.
Atenta às concepções prévias dos seus alunos, a Professora
de Didática percebe, quando a dificuldade de compreensão do aluno
em acompanhar sua explicação, surge como um obstáculo
epistemológico. Nesses momentos, o aluno pára de acompanhar o
raciocínio do professor e passa interferir, participando em termos
de conjecturas, tais como: “Quanto tempo a senhora estudou para
ser capaz de saber isso tudo?” A Professora relata sua percepção
da classe numa das aulas sobre o tema “evolução” da seguinte
forma:
Professora —Você está pensando que tem um aluno ali,
acompanhando a relação que eu estou fazendo... ele está... mas
com outra preocupação... Ele chega, assim, e diz: Quanto tempo, a
senhora, estudou? Para ser capaz de fazer isso? Pouca gente tem
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a formação do sujeito professor
esse conhecimento prá fazer isso... não é? Isso... Isso... ele não
sabe nem dizer que “diabo” foi que eu fiz... e eu lá toda esbaforida
prá estabelecer uma relação cognitiva, por exemplo: Por que a teoria
da evolução é um tema unificador da Biologia? Eles me perguntaram
e eu fui fazer mil relações, uma porção de relações prá mostrar
porque é que a temática da evolução unifica mesmo. Aí eles ficaram
bobos... Porque eu tinha vindo do big-bang, a teoria da origem do
Universo, eu tinha que fazer relações...
Eu digo: — Uma coisa que talvez eles nunca tinham visto.
Professora — Não, nunca viram, pelo menos não daquela maneira,
que não é linear ou informativa pura e simplesmente... Mas em um
esforço compreensivo... Tanto compreensivo pela abrangência,
quanto num esforço de entendimento. Entenderam??... Entenderam
aqui? ... Ai Professora... quanto tempo a senhora estudou?... Ora, o
que é que isso indicava?... Que já tinha perdido a relação há muito
tempo... Eles ficaram surpresos de ver... Mas eu disse: “Eu não
tenho mais 20 anos! Eu tenho 31 anos só como profissional!...” e
que me levaram a dar essas respostas que também podem ser
imbecis... Não é o tempo que está em jogo, apenas, são inúmeras
outras variáveis...
Uma concepção, claramente baseada na abordagem
construtivista- interacionista - significativa, procurando estabelecer
relações compreensivas para os alunos. Procurando identificar as
concepções dos alunos e trabalhar com elas, planejando,
cuidadosamente, como abalar as concepções equivocadas e
procurar trabalhar com elas, para que possa haver a evolução das
concepções dos alunos, almejada pela Professora, na direção da
aprendizagem significativa, duradoura das Ciências. Assim, como
a Professora procura estabelecer relações cognitivas a respeito da
apresentação de um conteúdo específico, J. Lemke afirma que:
A maneira como se apresenta um conteúdo específico, depende tanto
das estratégias de interação e das estruturas de atividades como
das estratégias de desenvolvimento temático e do padrão temático
em si. Estes aspectos são totalmente interdependentes no processo
de ensino-aprendizagem que se produz na linguagem (Lemke,
1997:35).
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obstáculos epistemológicos
5.4 Episódio 13 - Uma avaliação pode expressar as
concepções?
Momentos importantes que revelam muito sobre concepções
foram oportunizados através das avaliações usuais do rendimento
dos alunos. A seguir, apresento um relato um episódio da segunda
avaliação, realizada no final do semestre pelos alunos do 5º Período.
Nesta avaliação, a Professora diferencia a avaliação numa
perspectiva construtivista, tomando esses momentos de avaliação
como importantes para reflexão e sistematização dos conhecimentos
pelos alunos. Pude ver o crescimento nas atitudes dos alunos diante
das respostas, quando a Professora lhes disse:
Eu já resolvi que não reprovo ninguém. Porque eu não tenho
autoridade moral. Eu tenho que diferenciar... de pôr os transeuntes
como 5, e os que deram mais atenção 8, 9, até prá estimulá-los.
Mas não vou reprovar?? [A professora comenta]: Os alunos ficavam
confusos, mas pareciam sentir-se bem. Alguns alunos — olha que
coisa interessante, eram transeuntes, como eu chamo — vieram
minimamente às aulas; às vezes nem vieram e vieram no dia para a
prova. Eu orientei para a leitura, e eles leram, checaram as
percepções de vez em quando comigo e perguntavam: “Deu prá
responder?”. Então, a sua preocupação era com a resposta!
A Professora lia algumas das respostas dos alunos e relata,
posteriormente:
Quando os alunos vinham para mim e diziam: “Isso faz sentido, dá
prá entender?”, eu lia e dizia: — “Mais ou menos”. Veja só, e aí fazia
um comentariozinho e reencaminhava: “Talvez se você refletir sobre
isso, isto aqui, aquilo outro que se encontra neste parágrafo aqui,
olha!”. E ia encaminhando. Aí você percebe o que não está fazendo
sentido. Mas eles refaziam! Logo eles assimilaram a questão do
sentido. Antes as perguntas eram assim: “Deu prá responder?”.
Depois já mudava um pouquinho e diziam assim: “Professora, dá
prá entender o que eu quero dizer?”; “Isso faz sentido, dá prá
entender?”.
A Professora de Didática quando recebeu as “provas” pôde
perceber, claramente, os resultados do ensino T-R naqueles alunos.
Tanto é que ela tomou uma decisão e apresentou-a em classe:
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a formação do sujeito professor
Professora — Eu não vou devolver e não vou considerar as provas.
As provas que vocês fizeram vão ter uma importância, estão tendo
uma importância muito grande prá mim como pesquisadora. Eu
vou agradecer a vocês, mas eu não vou levá-las em conta para dar
um conceito ou uma nota, porque eu estaria sendo maldosa.
Alunos — Ah, Professora, não vai?... [Então eles descontraíram].
Professora — Pude ver todo mundo no maior alívio, porque eles
deveriam saber... Eu disse que as provas deles iam do “non sense”
para algum “sense”... Absoluta ausência de sentido. Quer dizer:
“nada tem a ver com nada”. Isso aí vocês entendem. Prá alguma
coisa faz sentido. Mas eu não vou devolvê-la para vocês. Porque é
um manancial.
Concebendo a avaliação como oportunidade também de
interação, de ensino e de aprendizagem, a Professora de Didática
comenta aspectos do episódio da entrega dos trabalhos, ao final do
semestre, de maneira bastante interessante, destacando sua
compreensão a respeito deles:
Comentário 1
Professora — O que fez com que alguns dos meus preconceitos
tenham aflorado e sido destruídos imediatamente, foi porque, de
uma certa forma, a gente fala que a avaliação pode ser, também,
uma oportunidade de aprendizagem, mas no fundo, no fundo, a
gente não faz muita fé. A gente desconfia. Se é uma oportunidade
de aprendizagem, é uma oportunidade a partir dali, mas que
continua subseqüentemente. E alguns dos alunos, que não tinham
tido interação alguma, anteriormente, mostraram-se capazes de
interagir com o texto e se expressarem, estabelecendo relações com
sentido. Olha que coisa interessante. A ponto de me surpreenderem.
Em outras palavras: “Eu não acreditava que você fosse capaz...”.
Comentário 2
Professora — A Maria José estava comentando comigo, que a gente
continua, queira ou não queira, como professor, ainda se pauta por
estereótipos. Como eu acho que foi o meu caso: por que é que eu
tive surpresas na avaliação? Eu achava que determinadas pessoas
entregariam o trabalho final. Se você me perguntasse assim: “quem
você acha que vai entregar o trabalho final?” Eu ia dizer: o fulano, o
beltrano, tinha até uma meia dúzia que eu garantiria que eles iriam
entregar. Dos que eu achava que iam entregar, que era uma meia
dúzia, ou uns oito, três entregaram. Dos que se você me perguntasse
eu diria que não ia entregar de forma nenhuma, do grupo que eu
imaginava que não entregaria, porque 5,0 estava uma beleza, mais
do que bom... 5,0 limpo, limpo... limpo, sem precisar fazer mais
coisa alguma. Desse grupo quatro entregaram o trabalho, quatro
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obstáculos epistemológicos
do grupo que eu jamais imaginaria... Então tu vês como é que fica,
quatro não é tão pouco, é quase dez por cento.
E até a Maria José conversando comigo ela dizia: “por que você
achou que o fulano e o beltrano entregariam?” Porque eles estiveram
presentes em todos os momentos, porque eles me pareciam
interessados. Então veja: freqüências, manifestação de interesse,
são elementos de um estereótipo escolar, docente. (Risadas...)
— Como a situação é riquíssima! Vamos analisar um pouco. Um
sujeito lá: o Marroni, eu jamais iria achar que ele entregaria o
trabalho... ele fez e foi um dos melhores. E você vê que ele teve
dificuldades, porque a gente vê a dificuldade dos alunos. Por isso,
parte dos alunos entregou os trabalhos digitados, bem estruturados,
com figuras, porque era sobre fotossíntese e eu não dispensei o
conteúdo e que estava sendo elaborado pela Bioquímica. No final
das contas a professora de Bioquímica até disse que eles não
precisam mais fazer o trabalho. Por isso que eu pré julguei, porque
a professora de Bioquímica deixou assim: “faz quem quer”. Eu nivelo
garantindo uma nota de trânsito, 5,0 para todo mundo, não vou
prejudicar ninguém... Realmente qual o sentido de fazer mais um
trabalho? Eu achava que só os interessados, supostamente
interessados, entregariam. — Você percebe que o aluno é levado
pelo tipo de jogo, mas coitados eles podem até ter tido a intenção de
entregar o trabalho e alguma coisa pode ter interferido. Não deixo
de lado essa suposição.
Nesta experiência de avaliação, é possível perceber como
existe uma diferença significativa entre um ensino centrado na TR e um ensino centrado na construção. Os resultados, segundo
parece são bastante diferentes, sem que se visualizem perdas novas
para os alunos. É comum em situações tradicionais de ensino,
quando não se leva em consideração os conhecimentos que o aluno
já possui (suas pré-concepções), perde-se tempo e complica-se o
ensino, confundindo os alunos que já vêm para a escola conhecendo
muitos conteúdos, embora o professor não acredite.
Isto é demonstrado, de certa forma, nas palavras dos alunos:
“Muitas coisas que estou vendo neste ano estão sendo recordações
do colegial. Foi legal, mas eu deveria ter aprendido muito mais”. É
possível ver, deste ponto de vista, o equívoco dos professores, a
angústia dos alunos e a situação cruel que, muitas vezes, a avaliação
representa. Os alunos sabem, com certeza, mas ficam desesperados.
Os professores, geralmente, ficam no mínimo tensos. Acredito que
sejam professores conscienciosos, não devem proceder a um tipo
de avaliação só para mostrarem seu poder sobre os alunos. Ao não
considerar as concepções prévias dos alunos, os professores não
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a formação do sujeito professor
se permitem, simplesmente, aceitar o conhecimento do aluno.
Possivelmente, zelosos representantes do conhecimento científico
e do ensino tradicional, eles acreditam que só podem reconhecer o
conhecimento do aluno como válido, se eles disserem na prova
“oral” ou “escrita” o conceito “igualzinho” ao que traz o livro ou ao
que ele apresentar em aula. Então o que importa não é saber, é
decorar e devolver com as mesmas palavras que o professor
escreveu. Os alunos ficam inseguros, desconfiam de seu saber,
encontram-se por vezes desesperados.
Lamentavelmente, quando alguns professores tentam inovar,
aparecem inúmeras amarras impedindo - a sua renovação. As préconcepções de administradores e técnicos, muitas vezes,
constituem-se barreiras importantes que precisam ser superadas.
Formados pelo ensino T-R, são seus principais guardiões e
“fiscalizam” a todo tempo, para que professores considerados
“avançados ou modernos” não mudem os modos de ensino nos
quais eles acreditam.
Notas
1 Estou convicta de que — como afirmam Thomas Khun, Karl Popper, Gaston
Bachelard, Edgar Morin e muitos outros, alguns já apresentados neste trabalho —
só conseguimos enxergar e compreender aquilo que nosso conjunto de teorias e/
ou paradigmas constitutivos de nossa formação permitem que compreendamos
e/ou até mesmo permitem que enxerguemos.
2 É claro que não apenas os professores compreendem e podem citar exemplos
dos problemas do ensino. Se ouvirmos mais os alunos/as ou os pais destes, eles
também apresentarão importantes aspectos a serem investigados.
*
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*
136
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A EVOLUÇÃO EPISTEMOLÓGICA
COMO CONSTRUÇÃO SIGNIFICATIVA
•♦•
Importa valorizar paradigmas de formação
que promovam a preparação de professores
reflexivos, que assumam a responsabilidade
do seu próprio desenvolvimento profissional
e que participem como protagonistas na
implementação das políticas educativas
(Nóvoa, 1996: 26).
A proposta de investigação narrativa tornou-se para mim uma
possibilidade de buscar compreender a formação inicial de
professores de Ciências/Biologia, e algumas das questões relativas
ao ensino-aprendizagem desta área que emergem no contexto da
sala de aula em função da interação professor- aluno-conhecimento.
Dando ênfase às palavras de F. Connelly e D. Clandinin, quando
falam das dificuldades encontradas na realização de uma
investigação narrativa, posso reconhecer que, realmente, foram
grandes as dificuldades em realizar uma construção narrativa
compartilhada e, considerando, ser esta minha primeira experiência
em investigação narrativa.
Os autores enfatizam que quando um pesquisador realiza
uma investigação narrativa, o processo se torna muito mais
complexo posto que, como investigadores, nós nos convertemos
em parte do processo. As duas narrações, a do participante e a do
investigador, se convertem em uma construção e reconstrução
narrativa compartilhada (Cf. Connelly; Clandinin, 1995: 22-23).
Assim sendo, na elaboração de um trabalho nesta perspectiva,
o grau de dificuldade aumenta, considerando que, na investigação
narrativa, deve ser dada ênfase aos múltiplos níveis imbricados no
137
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a formação do sujeito professor
estudo. Nesta investigação, busquei, continuamente, alcançar
diversos níveis que me pareceram imbricados nos episódios
apresentados, tratando de seguir orientações apresentadas por
autores que tratam desse tipo de investigação. A investigação
narrativa, segundo os autores citados, deve ser entendida como
um processo no qual continuamente estamos tentando dar conta
dos múltiplos níveis (temporalmente simultâneos e socialmente
interativos), nos quais procede o estudo. A tarefa central é evidente,
quando se compreende que cada um está vivendo suas histórias
em um contínuo contexto experiencial e, ao mesmo tempo, está
contando suas histórias com palavras, enquanto pode refletir sobre
suas vivências e explicá-las. Para o investigador isto é parte da
complexidade da narrativa, porque uma vida é também uma questão
de crescimento rumo a um futuro imaginário e, portanto, implica
em recontar histórias e tentar revivê-las. Uma mesma pessoa está
ocupada, ao mesmo tempo, em viver, em explicar, em reexplicar e
em reviver histórias (Connelly; Clandinin, 1995: 22-23).
Esta investigação revelou-se importante, à medida que me
possibilitou ouvir os relatos, conhecer as experiências, perceber
as emoções, sentir as angústias, verificar dúvidas e dificuldades
que os alunos e a Professora apresentaram, mediados pelo meu
olhar e pela minha própria voz. Enquanto me ocupava em viver
como aluna, pesquisadora, mãe que possui uma família, e buscava
no estudo, imbricar as experiências e relatos da Professora e dos
alunos, eu tive oportunidade de partilhar, também, de suas
dificuldades, das preocupações de suas vidas diárias e, mais, pude
compreender a riqueza, a multidimensionalidade, a complexidade
e as dificuldades imbricadas nas vidas destes alunos, na minha e
na vida desta Professora. Apenas por este ângulo, independente
de todos os demais, é possível perceber que o ensino não pode ser
isolado, e o conhecimento não pode ser obtido “independente do
seu observador”.
Para mim, foram muito significativas as palavras de R. Coles
(ver Capítulo I), quando aponta para a possibilidade de
aprendizagem, ao abrir espaço para que o participante ouça a si
mesmo, ou seja, para podermos aprender enquanto nós mesmos
estamos falando. Esta investigação me permitiu horas incontáveis
de diálogo comigo mesma, de reflexões produzidas a partir de
episódios e expressões dos alunos e da Professora. Um estudo desta
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138
considerações finais
natureza tem como ponto central as falas dos participantes, e estas,
imbricadas às vozes dos autores, se constituíram em um referencial
de análise e reflexão para este estudo e para minha própria prática
pedagógica. Poderá, também, servir como um outro olhar, a iluminar
a “formação de professores” e auxiliar a algum, ou alguns, aluno
e/ou professor que esteja empenhado em investigar a formação
inicial de professores, especialmente aqueles da área de Ciências/
Biologia.
À guisa de considerações finais, para manter-me fiel à
proposta de investigação narrativa, não poderia deixar de buscar,
nas vozes dos alunos e da Professora, relatos, palavras e conceitos
que possibilitem perceber alguns resultados, ou que indiquem, de
algum modo, possíveis caminhos. Nas vozes dos alunos, através
das interações em aula, nas atividades em grupo, busco iluminar
suas palavras, quando expressam suas concepções de ensinoaprendizagem-conhecimento, procurando perceber se ocorreu uma
evolução em suas concepções. Vejamos as expressões dos alunos:
Ensinar...
É buscar o que o aluno tem em sua bagagem e, juntos [com o
professor], construir o conhecimento, não passar simplesmente
conceitos, definições. É tornar o aluno um ser pensante, criativo e
crítico, para saber discutir, expor suas idéias, posicionar-se;
Enquanto participante do processo ensino-aprendizagem, o
professor sabe que ensinou quando interage com o educando,
quando percebe que tanto ele, quanto os alunos e as alunas
participaram da aquisição de um determinado conhecimento;
Aprendizagem é um processo singular, único para cada indivíduo,
o que não significa que não possa ser compartilhado; no qual ele
interioriza determinado conhecimento que, por sua vez, influencia
no seu modo de ser, de pensar e /ou sentir o mundo;
Adquirir novos conhecimentos, para aplicá-los, a fim de obter
mudanças na interação do indivíduo com tudo o que o cerca;
Nós só podemos ter certeza de que o aluno se desenvolveu, quando
ele for capaz de utilizar tal aprendizado em ações independentes,
ou seja, de forma individual, sem imitações;
Devo me questionar e questionar ao aluno sobre todos os processos
de aprendizagem que eu pensei ter ensinado e encontrar as possíveis
falhas. Eu posso e devo retomar a minha prática pedagógica,
repensando a minha postura, bem como a postura do aluno no
contexto da sala de aula;
Devo parar, analisar e buscar novos métodos, materiais didáticos e
nova linguagem (Trecho das Atividades de grupos de alunos do 5º
período).
139
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a formação do sujeito professor
Ao meu ver, nestas atividades, as concepções destes alunos
já demonstram uma certa evolução conceitual em relação às
respostas apresentadas no Episódio 10, deste trabalho. Posso ver
que muitos, de maneira significativa, passam a conceber os
processos de ensino e de aprendizagem, enquanto construção do
conhecimento, em um processo no qual, ao mesmo tempo,
constroem-se interativamente, conhecimentos entre alunos e
professor. E os alunos começam a valorizar a sua participação ativa
neste processo. Porém, a evolução das concepções não é tarefa
fácil. Moreira expressa como vê a dificuldade de sair do modelo TR, sair de uma perspectiva autoritária de ensino como transmissão
de conteúdo, baseada em uma relação de causa e efeito inexistente,
para uma ótica de significados construídos e compartilhados. A
idéia básica é facilitar a aquisição de significados aceitos, levando
em conta os significados que o aluno já tem, promovendo a
diferenciação progressiva e a reconciliação integrativa de
significados, conceitos, idéias e proposições (Cf. Moreira, 1990).
A formação do professor precisa ser, então, concebida como
“uma profunda mudança Didática que deve questionar as
concepções dos professores do senso comum” (Cf. Carvalho; GilPérez, 1993: 66), na qual as disciplinas pedagógicas sem descartar
questões epistemológicas são convertidas em núcleos articuladores
dessa formação. Durante esta investigação, que possui como foco
central a formação de professores, um espaço significativo foi aberto
para discutir as questões de linguagem, tendo em vista a
importância que a Professora de Didática atribui a estas questões
e apontar que o principal entrave encontrado com esses alunos
foram as distorções leitura - escrita.
Pela investigação com os alunos do 5º período, pude perceber
que os desencontros entre as intenções da Professora e a postura
dos alunos advieram de questões de histórias de vida,
principalmente, no que se refere à leitura. As palavras de J. Larossa
ajudam- a refletir e esclarecer o meu ponto de vista sobre estas
histórias. Para mim, a Professora tem uma compreensão de leitura
que ensina, que eleva, que descortina, que faz crescer.
A literatura, que tem o poder de mudar, não é aquela que se dirige
diretamente ao leitor, dizendo-lhe como ele tem de ver o mundo e o
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140
considerações finais
que deverá fazer, não é aquela que lhe oferece uma imagem do
mundo nem a que lhe dita como deve interpretar-se a si mesmo e
às suas próprias ações; mas, tampouco, é a que renuncia ao mundo
e à vida dos homens e se dobra sobre si mesma. A função da
literatura consiste em violentar e questionar a linguagem trivial e
fossilizada, violentando e questionando, ao mesmo tempo, as
convenções que nos dão o mundo como algo já pensado e já dito,
como algo evidente, como algo que se nos impõe sem reflexão
(Larossa, 1998:157-158).
A Professora tem a intenção de usar a leitura como uma
possibilidade dadivosa, de crescimento dos alunos, de possibilitarlhes ver o ensino e ao mundo com novos olhares para compreendêlos do seu jeito. Faz parte de sua vida a leitura. Ela se realiza e se
reconhece em inúmeros livros que lê e que dá a ler. Neste sentido,
necessito, ainda, tomar por empréstimo as palavras de J. Larossa
para, de certa forma, descrevê-la no que se refere à leitura:
O professor — aquele que dá o texto a ler, aquele que dá o texto
como um dom, nesse gesto de abrir o livro e de convocar à leitura —
é o que remete o texto. O professor seleciona um texto para a lição
e, ao abri-lo, o remete. Como um presente, como uma carta. E uma
vez que uma carta é como uma parte de nós mesmos que remetemos
aos que amamos, esperando resposta, o professor gostaria que essa
parte de si mesmo, que dá a ler, também despertasse o amor dos
que a receberão e suscitasse suas respostas. Mas a remessa do
professor não significa dar a ler o que se deve ler, mas sim “dar a ler
o que se deve: ler”. Ler não é um dever no sentido de uma obrigação,
mas no sentido de uma dívida ou de uma tarefa. E é uma dívida e
uma tarefa - a dívida e a tarefa da leitura - que o professor dá
quando remete o texto. Uma dívida é a responsabilidade que temos
para com aquilo que nos foi dado ou enviado. Uma tarefa é algo que
nos foi dado ou enviado. Uma tarefa é algo que nos põe em
movimento. Por isso, dar o texto é oferecê-lo como um dom e, nesse
mesmo oferecimento, abrir uma dívida e uma tarefa, a dívida e a
tarefa da leitura, a dívida que só se salda assumindo a
responsabilidade da leitura, a tarefa que só se cumpre no movimento
de ler. O professor, o que dá a lição, é também o que se entrega na
lição. Primeiro, entrega-se em sua eleição; depois, em sua remessa;
em continuação, em sua leitura (Larossa, 1998: 174 -175).
A prática diária da Professora é permeada pela interlocução
com inúmeros autores. Geralmente, quando nós, seus alunos,
entramos em sua sala, comigo isso sempre ocorreu, em vários
momentos da conversa, ela abre um parêntese, pega um livro e
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a formação do sujeito professor
com verdadeiro entusiasmo, lê algumas partes, mostra, comenta,
discute... E a gente cresce com ela. Parece-me vê-la lendo estas
palavras:
O professor, quando dá a lição, começa a ler. E seu ler é um falar
escutando. O professor lê escutando o texto como algo em comum,
comunicado e compartilhado. E lê também escutando a si mesmo e
aos outros. O professor lê escutando o texto, escutando a si mesmo
enquanto lê, e escutando o silêncio daqueles com os quais se
encontra lendo. A qualidade da leitura dependerá da qualidade
dessas três escutas. Porque o professor empresta sua voz ao texto,
e essa voz que ele empresta é também sua própria voz, e essa voz,
agora definitivamente dupla, ressoa como uma voz comum nos
silêncios que a devolvem ao mesmo tempo comunicada, multiplicada
e transformada (Larossa, 1998:174 -175).
No texto de J. Larossa, posso identificar a Professora e sua
voz como parte de uma investigação narrativa; é também a minha
voz a descrever não só a Professora e sua história com os alunos,
mas, também, as lições que apreendi da linguagem e da leitura.
A atividade docente é bastante complexa e, como as interações
entre as pessoas são sempre experiências únicas, cada interação,
na aula, é carregada de múltiplas dificuldades, até mesmo para
professores mais experientes, como é o caso da Professora de
Didática. Ela se propôs a ir trabalhando, tentando desestabilizar
as pré-concepções que considera equivocadas. Assim, ela foi
procurando colocar em questão os conceitos aceitos pelos alunos.
Ela sabia que estava provocando uma “desarrumação” das idéias
dos alunos; porém, ela acreditava que a arrumação iria acontecendo
naturalmente. Mas, segundo suas observações, parece que isto
não ocorreu.
A Professora, já numa fase mais adiantada do processo,
constata que a arrumação das idéias não estava acontecendo,
levando à autocrítica. Então começa a trabalhar na “arrumação”
das idéias dos alunos, mas acha que ainda precisava de mais tempo
para realizar tal tarefa. Dessa forma, critica-se pelo fato de não ter
planejado o tempo de desarrumação x arrumação, expressando-se
nos seguintes termos:
Se eu tivesse uma disciplina anual que desse para eu “desarrumar”
no primeiro semestre e tentasse arrumar progressivamente, eu acho
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142
considerações finais
que no final do ano o saldo seria muito mais positivo. E isso eu acho
que foi um tipo de displicência minha... eu lidei com o tempo sem
me preocupar se daria tempo de desarrumar e arrumar alguma
coisa, sinceramente eu não me preocupei com o tempo de arrumação
ou eu acreditei que iria desarrumando e arrumando, o que não
procede, não é verdadeiro. Especialmente, até com a contundência
que eu usei. Usando uma argumentação bastante contundente
exatamente para que eles me dessem atenção. A maneira que eu
busquei a atenção dos alunos foi pela ênfase, foi pela contundência
da minha argumentação; eu não mandei ninguém ficar quieto, não
chamei a atenção de quem saía, não fiz coisa nenhuma. Agora a
contundência, a ênfase, o peso da minha argumentação era que
fazia com que eles ficassem me ouvindo, ficassem atentando para
as proposições que eu fazia, mas esse tempo de desarrumação x
arrumação, precisa ser considerado. Não posso ser indiferente a
ele, é maldade...
A Professora, analisando sua prática junto aos alunos, declara
que uma das dificuldades é a limitação determinada pelo curto
espaço de tempo que se constitui um semestre ou menos (a
disciplina havia iniciado em abril!). O trabalho da Professora de
Didática foi direcionado, a fim de possibilitar esta formação
diferenciada; por este motivo, o trabalho com as concepções dos
alunos foi algo que esteve presente durante todo o processo de
ensino. Decorrente disto, a tomada de consciência pelos alunos,
de suas crenças, dos seus conceitos, ficou muito evidente. Alguns
alunos se expressaram com absoluta clareza a compreensão que,
agora, possuíam com respeito às suas concepções. A aluna Maria
José, numa discussão em grupo, realizada na sala de aula, em que
eu participava, ela assim se dirige a mim e ao grupo:
Maria José — Olha Irene, me desculpe, mas eu tenho que
desabafar... No início eu me achava uma boa professora, mas eu
não sei... Eu quero que você me diga, se alguém tiver uma idéia, ou
você Irene, se você puder me diga: Como é que eu tenho que fazer?
Onde é que eu vou aprender a ser professora assim, a fazer diferente?
Eu não sei onde buscar, eu não sei como eu vou fazer.
Isto também ficou evidente para a Professora de Didática,
quando algumas alunas desabafaram, num estado de espírito
angustiado e perplexo, sobre o que sentiam com relação à sua
atuação em sala. A Professora mesma narra para mim o episódio
da forma seguinte:
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a formação do sujeito professor
Eu queria que você visse o que alguns fazem com a minha
proposição. E eu como já baixei muito o autoconceito deles na aula
passada, eu quase morro. Eles acharam a aula uma beleza [fala
com ênfase]. E eu saí arrasada, achando que não havia conseguido
que eles aprendessem coisa alguma. Aí vem uma aluna e me diz:
“Você tem as coisas muito claras!”. E eu respondo, sinceramente:
“É ilusório minha filha. Eu tenho algumas coisas claras, algumas...
[frisa bem o termo]. Ninguém tem as coisas (significando todas as
coisas) muito claras. Ninguém tem. Se você obtiver uma receita,
você vai ficar onde está, minha filha. Agora, por outro lado, o fato
de você se manifestar nesses termos, você já é uma professora muito
melhor que os outros. Mas os outros não são culpados, não, por
não ter reflexões dessa ordem. Então não é que você esteja sendo
uma bosta. Pelo contrário! Você está deixando de ser bosta. Você
toma consciência do que você tem, não tem, precisa ter, precisa
buscar, o que dá prá fazer, o que é que não dá...”. [A Professora
olha para mim e diz]: — Agora você vê, como que, com observações
dessa ordem, eu não ia sair arrasada? Eu saí muito arrasada. Mas
eles acharam a aula uma beleza...
A contundência de episódios como esses demonstram,
claramente, a autenticidade destes alunos, por isso eu caracterizei
a classe como excelente, de muito valor. Alunos que, quando
compreendem que até agora não aprenderam e não tiveram um
ensino como deveriam, angustiam-se, querem mudar, querem
sinceramente saber o melhor caminho para serem bons alunos e
melhores professores ou profissionais. Não querem apenas o
diploma, “passar de ano”. Não, eles querem aprender!! A Professora
faz uma crítica severa de sua atuação e me pede que intensifique a
crítica que eu, por minha vez, vier a fazer.
Percebi que eu estava tirando coisas, sem ter clareza se vou pôr
outras no lugar. Eu acho que está aí uma questão, por exemplo,
que você precisa discutir. E discutir independentemente. Porque
eu ainda receio que se eu abordar essa questão, me desculpe, para
livrar a minha barra! Mas eu queria que você discutisse isso [fala
com ênfase]. O que é que significa alunos inicialmente
“inconscientes”, a partir de uma determinada altura, estarem se
execrando?
Consciente da dificuldade que é encontrar um professor que
assuma suas dificuldades, que se critique, a Professora de Didática
procurava se autocriticar, para dar o exemplo, na seguinte forma:
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144
considerações finais
Professora — Quando eu me critico: Gente! As barberagens que eu
fiz com vocês?! Eles se surpreendem, ficam com os olhos desse
tamanho (mostra um tamanho grande, em relação ao tamanho do
olho, com o gesto usando os dedos polegar e indicador). Os alunos
perguntam “Que barberagens?... A senhora fez o que?”. E quando
eu falo: Eu deveria ter feito isso, aquilo... E sabe porquê que eu
acho que eu preciso falar isso? Não é para fazer gênero não. É prá
dar a lição. Para eles admitirem se criticar, sabendo que tem solução.
Eu digo: Eu fiz uma porção de barberagens, garanto que no próximo
ano eu não vou fazer nenhuma... talvez meia... porque uma eu não
vou admitir. Ou melhor, farei outras, mas essas não!
Fica expressa, também, a evolução epistemológica destes
alunos e da Professora. Como podemos compreender como se deu
esta evolução?
Analisando o processo de ensino através dos episódios
relatados, percebemos que os alunos tinham concepções de seu
papel como alunos, do papel de professor e concepções sobre
ensino-aprendizagem-conhecimento baseados na T – R.
Durante o processo a Professora de Didática vai através das
leituras, das discussões com a classe, de suas exposições, trazendo
elementos novos para a compreensão destes conceitos. Suas
concepções anteriores começam a perder consistência, surgem
inúmeras perguntas e dúvidas, e a Professora vai mediando,
propiciando a eles refletirem, e — como ela mesmo diz “num esforço
compreensivo” — vai estabelecendo junto aos alunos novas
relações. Até que chega a um ponto que, supostamente, os alunos
compreendem. Tomam consciência que suas concepções anteriores,
que estavam bastante assentadas, os conceitos que eles
acreditavam, infelizmente não os conduziam aos resultados
esperados “a aprendizagem desejável, significativa para eles”. Eles
dizem: “eu achava que era uma boa professora. Eu achava que eu
era melhor que os meus colegas. E agora eu sei que eu sou... que
eu sou...”; “E eu acho que eu não vou sair da bosta”; “E eu? Que
achava que era uma ótima aluna. E agora fico sabendo, percebo
que não aprendi coisa nenhuma porque só memorizei e devolvi o
que os professores queriam”. É a desarrumação.
Agora eles já estão concebendo novas idéias, novas
concepções que desejariam assumir. As concepções anteriores
evoluem, passam a servir como parâmetro ou alicerce para uma
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a formação do sujeito professor
nova postura e outras crenças. Muitas vezes, as concepções, agora
construídas, parecem ter um papel de negação, de possibilitar
perceber os equívocos, a crítica ou o erro são também fases do
processo de construção, e tudo isso se assume como fundamental.
A Professora também faz sua autocrítica ao dizer que, apesar
dos anos de experiência, ela falhou, ela não atentou para o grande
número de questões a serem confrontadas e só durante o processo
foi se apercebendo disso. Esta experiência com os alunos do 5º
período de Biologia e sua Professora me leva a afirmar, mais uma
vez, que “ensinar não é fácil, não existe receita pronta ou mais
adequada”. Se assim fosse, os anos de experiência da Professora e
sua competência profissional bastariam, descartando-se a
imprescindível reflexão teórico-metodológica e epistemológica,
sobre a prática pedagógica ou sobre a prática específica de ensino.
Portanto, a busca de investigação permanente do professor,
numa perspectiva de construção coletiva, parece ser uma proposta
bastante enriquecedora, à medida que permite discutir e analisar
a própria prática. Prática esta, que deve ser inclusive objeto de
pesquisa permanente do professor. Contudo, a dicotomização das
ações dirigidas para a formação e a dissociação entre as disciplinas
é claramente impeditiva de que o futuro professor avance nessa
direção. É oportuno enfatizar que:
A formação plena do professor deve buscar a eliminação de
dicotomias. No âmbito da dicotomia entre disciplinas específicas e
disciplinas pedagógicas, os Projetos Pedagógicos das Licenciaturas
devem assumir a formação do professor como algo que atravessa o
seu currículo como um todo, já que esta dicotomia pressupõe que o
ensino é mera transmissão de conteúdos (Unimep, 1997:11).
É evidente a necessidade que os professores que trabalham
com as licenciaturas atentem para a imbricação teóricometodológico-epistemológica. A Professora de Didática tem esta
preocupação:
Eu não permaneço na mesma abordagem didática continuamente.
Isso eu acho que é o que você também faz, no âmbito epistemológico
da Biologia. A gente faz um ir e vir, não é?... Que eu acho que seja
talvez mais desejável. Até que a gente faça o ir e vir, eu não tenho
muita clareza se teria necessidade, ou se seria imprescindível, a
gente ficar no âmbito epistemológico da Biologia, sem sair, tomar
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considerações finais
distância, está entendendo? Talvez haja um outro sentido... Mas o
teórico-metodológico tem de ser abordado em termos enfáticos
também. E o grande desafio que nós teríamos seria imbricar teóricometodológico-epistemológico. Isso daí é que do meu ponto de vista
seria desejável. Essa imbricação. Não ficar do teórico-metodológico
para o epistemológico e do epistemológico para o teóricometodológico, como a gente com mais freqüência faz.
A Professora demonstra sua preocupação com a formação
específica do professor de Ciências/Biologia, com a imbricação
teórico-metodológico-epistemológica necessária ao ensino de
Biologia, para que haja aprendizagem efetiva nos vários graus de
ensino. Geralmente, os professores que trabalham nas disciplinas
específicas, nos cursos de graduação, preocupam-se com questões
teóricas dissociadamente, isto é, com o conteúdo específico de um
lado, enquanto os professores que trabalham as disciplinas de
formação pedagógica enfocam, de outro lado, aspectos
metodológicos dos conteúdos. Considerando que o caráter
epistemológico de um conteúdo refere-se à natureza intrínseca
desse conteúdo, sua natureza epistemológica, é esta, do ponto de
vista da Professora, que deve determinar a abordagem teóricometodológica, se considerarmos a imbricação teórico-metodológicoepistemológica. A Professora considera que todos os professores
formadores de futuros professores precisam trabalhar neste sentido.
Sobre esta questão, perguntei à Professora de Didática: “Existe
uma preocupação do professor de disciplina específica estar
trabalhando numa visão do aluno que vai ser professor ou não?”.
A Professora respondeu:
Alguns... Eu acho que a diferença, do ponto de vista de minha
experiência, é que a outra universidade, onde eu trabalhava, conta
com alguns. A gente sempre conta com alguns. Em contraponto, eu
acho que muitas outras universidades não contam com ninguém.
Esta universidade já conta com alguns, mas não se tem qualquer
articulação entre os já iniciados, que continuam isolados. Você veja
a Licenciatura em Matemática, que é crucial. Você tem num elenco,
vamos supor, de 15 professores, 4 ou 5, 1/3 no máximo, que
trabalha Matemática tendo presente que está em um curso de
formação de professores. E trabalha Matemática com vistas ao
ensino e à aprendizagem. Se você provavelmente tomar cursos de
Matemática em outras cidades, você não vai encontrar ninguém.
Até por causa da formação das turmas; porque quem ministra
Cálculo I, por exemplo, dá aulas de Cálculo I para Engenharia, para
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a formação do sujeito professor
outros cursos, e também para a Licenciatura em Matemática do
mesmo jeito. Nesta universidade se conseguiu fazer uma
diferenciação, Cálculo I é trabalhado para a modalidade A e B, e B
é a Licenciatura. Então dá para o sujeito ajustar minimamente. E
como os alunos optaram pela modalidade B, que é a Licenciatura, o
professor sabe disso, e aquele 1/3, 3, 4 ou 5 professores, podem
intencionar a formação de professores de Matemática.
A formação de um professor diferenciado, chamado por muitos
de “educador” é a meta que se busca, mas para isso é necessário
um trabalho articulado com o conjunto de professores que atuam
na licenciatura, todos objetivando nas suas disciplinas convergir
para a formação deste professor.
Sabemos que muitos professores não trabalham os conteúdos
levando em conta que os seus alunos de hoje serão futuros
professores amanhã. Com esta premissa, todas as disciplinas, e
não só as ditas pedagógicas, obrigatoriamente, teriam que
apresentar um processo de ensino diferenciado em termos tais que
pudessem superar dissociações entre elas e possibilitar a interrelação dos conteúdos numa nova perspectiva interdisciplinar.
Por um lado, quando as disciplinas, chamadas específicas,
não são trabalhadas pedagogicamente, possibilitando aos futuros
professores abordagens pedagógicas e epistemológicas de ensinar
aqueles conteúdos, elas deixam de atender o objetivo principal do
curso que é de possibilitar ao futuro professor a compreensão
pedagógica de como ele pode ensinar os conteúdos específicos.
Por outro lado, diferentemente de outros cursos, o futuro
professor não está na universidade, apenas, para adquirir um
conhecimento sólido e aprofundado em todas as disciplinas, que
são consideradas sumamente importantes à formação de um
professor, ele precisa aprender, em cada disciplina, e não só nas
disciplinas pedagógicas, como ensinar aqueles conteúdos, como
torná-los “pedagogicamente disponíveis”. Isto significa dizer que,
no âmbito da formação inicial de professores, os conteúdos ditos
específicos precisariam ser vistos e trabalhados à luz de teorias
educacionais.
Ainda vale salientar que, as disciplinas pedagógicas podem
proporcionar ajuda pedagógica na organização do trabalho do
professor, dos contextos imbricados no trabalho diário de um
professor, mas não podemos nos esquecer que as pesquisas são
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148
considerações finais
ricas em nos mostrar que os professores que iniciam a carreira de
professor repetem em suas aulas os modelos que aprenderam,
quando seus professores lhes ensinaram aqueles mesmos
conteúdos. É o modelo de ensino do professor da disciplina
específica que o futuro professor imita, ensinando do mesmo modo
como foi ensinado. Portanto ao meu ver, a Licenciatura não irá
mudar, se os professores deixarem de assumir, em conjunto, a
responsabilidade de formar um professor diferenciado.
Assim, embora possa parecer óbvio, cremos que, numa
evolução epistemológica de Ensino-aprendizagem, a passagem do
modelo transmissão-recepção, para um modelo de interaçãoconstrução, ou de co-construção, poderá significar avanço, se
possibilitar aos alunos uma aprendizagem mais significativa,
dinâmica, efetiva e duradoura. Alguns grupos de alunos, em
atividades realizadas em aula, expressam ressalvas importantes
com respeito ao ensino, tais como:
Em se tratando de ensino, principalmente o de Ciências /Biologia,
temos que pensar sobre essas questões porque o conhecimento
não é estático, ele é contextualizado num determinado tempo, numa
determinada cultura, ele está em “movimento” é dinâmico como a
própria aprendizagem humana;
O pensar sobre essas questões irá auxiliar-me a como abordar o
assunto que tratarei em minhas aulas e que tais abordagens levem
os alunos a atitudes, ou melhor, pensamentos próprios.
O reconhecimento, por parte dos alunos, de que o
conhecimento, tal como o ensino, é dinâmico, contextualizado num
determinado tempo e cultura, nos remete à valorização histórica
da construção do conhecimento. É necessário que os espaços
institucionais para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem
proporcionem a pesquisa e ensejem uma outra construção, a da
subjetividade do aluno. Sobre esta questão a Professora de Didática
assim escreve em seus artigos:
A compreensão de relações cognitivas ou o estabelecimento de
relações compreensivas entre idéias na interação em aula, no curso
do processo de ensino e de aprendizagem, constituem o espaço
necessário à construção da subjetividade do aluno, no âmbito das
Ciências e de qualquer outro campo de saber.Se eu compreendo,
se estabeleço relações entre conteúdos, informações, procedimentos,
torno-me capaz de atribuir valor, de construir valores meus, de ser
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a formação do sujeito professor
sujeito do meu conhecimento, das minhas ações. Compreender
depende do meu olhar, do meu jeito de ver, que é algo que eu faço
não apenas com os meus olhos, mas principalmente com a minha
mente ao relacionar o que já sei com aquilo que preciso aprender,
que preciso saber para tornar-me sujeito, quando transformo o que
aprendi em novas ou outras idéias, produzindo também outros
conhecimentos (Aragão, 1998).
Considerando que o cotidiano da escola não é construído,
somente, a partir do dia-a-dia, produzido entre os muros da escola,
mas ele é composto por elementos oriundos das vidas cotidianas
das pessoas que compõem a escola, assim, na construção de seu
conhecimento, os alunos, futuros professores, podem mediante
interações com seus professores e colegas, evoluir conceitualmente.
A Professora de Didática acredita na possibilidade de evolução
conceitual. Ainda no trabalho supra citado, ela sintetiza bem,
concepções que embasam seu trabalho, enquanto professora,
quando diz:
Na perspectiva de uma evolução conceitual, contudo, negociam-se
significados de alunos e alunas de professores e professoras no
processo de compreensão dos conceitos e das relações conceituais
trabalhadas. Ao se trabalhar com conceitos já adquiridos, com idéias
existentes familiares para alunos e alunas, eles próprios e elas
próprias se utilizam exemplos do cotidiano com propriedade,
compreendendo a dinamicidade do conhecimento. Passam, assim,
a usar conceitos e idéias científicas em situações cotidianas,
evidenciando compreensão. Isto só se torna possível, no entanto,
quando o professor e a professora também evoluíram. Quero dizer
que os alunos e alunas só conseguem estabelecer relações
compreensivas, em âmbito cognitivo, quando seus professores e
professoras se tornam capazes de inter-relacionar idéias, assuntos,
aspectos, temas, em termos assinalados como o que se conhece até
agora na provisoriedade do conhecimento (Aragão, 1998).
Nesse sentido, “as aulas se tornam lugares de promoção de
debates, discussões, especulações, e não de transmissão de
certezas” (Schnetzler; Aragão, 1995: 30). No entanto, o
reconhecimento das limitações do ensino por transmissão e o
desenvolvimento das orientações construtivistas estão propondo
nova ênfase à necessidade de formação do professor que possa
estar voltada também à pesquisa (Cf. Furió; Gil-Pérez, 1984; Driver;
Oldham, 1986; Porlan, 1987; Moreira, 1991 apud Carvalho; Gil-
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considerações finais
Pérez, 1993).
A fim de possibilitar a formação de um professor diferenciado,
faz-se necessário um movimento constante da prática para a teoria
e numa volta à prática para transformá-la. Na prática pedagógica
de um professor isto é possível, caso o professor se defina como
professor-pesquisador, fazendo de sua aula, de sua prática docente
um espaço para suas investigações. Isto porque, de acordo com K.
Popper, “aprender algo novo é modificar algum conhecimento
anterior; a aprendizagem sempre se dá a partir dos conhecimentos
prévios” (Popper apud Silveira, 1992: 38). A ênfase na formação do
professor, como professor-pesquisador, ao meu ver, abre espaço
para a investigação de obstáculos epistemológicos presentes na
relação ensino-aprendizagem-conhecimento.
Esta experiência da Professora de Didática com os alunos do
5º período de Ciências Habilitação em Biologia é rica por poder
apresentar não só os avanços e suas contribuições, mas também
suas distorções, suas limitações. É a compreensão das bases, dos
alicerces, dos conceitos anteriores que possibilitam ao indivíduo
evoluir para outras concepções, novos caminhos e novas
alternativas. Assim, da desconstrução, é possível avançar no sentido
de uma nova construção, numa evolução epistemológica
significativa constante. A. Nóvoa, falando da mudança de paradigma
nos meios escolares de Portugal, aponta para novos desafios, que
podem servir de reflexão para nós brasileiros, devido às
semelhanças com o momento que estamos vivendo. Ele aponta
para a necessidade de mudanças efetivas nos meios escolares,
principalmente na formação de professores que se encontra
impregnada pelo paradigma da racionalidade técnica. Tal autor
possibilita refletir sobre a necessidade de uma formação capaz de
desenvolver professores reflexivos, especialmente em tempos de
crise, como a que atravessa o ensino tradicional. Segundo ele:
A formação pode estimular o desenvolvimento profissional dos
professores, no quadro de uma autonomia contextualizada da
profissão docente. Importa valorizar paradigmas de formação que
promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a
responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que
participem como protagonistas na implementação das políticas
educativas (...). O trabalho centrado na pessoa do professor e na
sua experiência é particularmente relevante nos períodos de crise e
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a formação do sujeito professor
de mudança (...). O triplo movimento sugerido por Schön (1990) —
conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a ação e
sobre a reflexão na ação — ganha pertinência acrescida no quadro
do desenvolvimento pessoal dos professores e remete para a
consolidação no terreno profissional de espaços de (auto)formação
participada. Os momentos de balanço retrospectivo sobre os
percursos pessoais e profissionais são momentos em que cada um
produz a “sua” vida, o que no caso dos professores é também
produzir a “sua” profissão (Nóvoa, 1996: 26-27).
Na sua fala, quando ele nos diz que estes professores
reflexivos devem assumir a “responsabilidade do seu próprio
desenvolvimento profissional” é possível estabelecer o elo da
formação que defendemos, enquanto professores-pesquisadores,
visto que a pesquisa da própria prática abre espaço para refletir a
ação, na ação e sobre a própria ação. E ainda mais, quando ele se
refere à necessidade de “consolidação no terreno profissional de
espaços de (auto) formação participada”, pode nos remeter também
à investigação narrativa como modo de possibilitar a imbricação
das vozes de professores, pesquisadores, e alunos, unidos numa
só meta reiterativa em que cada um produz a “sua” vida, o que no
caso dos professores é também produzir a “sua” profissão.
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