A FORMAÇÃO DO SUJEITO PROFESSOR INVESTIGAÇÃO NARRATIVA EM CIÊNCIAS/BIOLOGIA 1 www.unioeste.br a formação do sujeito professor © 2002 by Irene Carniatto Edunioeste Universidade Estadual do Oeste do Paraná Rua Universitária, 1619 Jardim Universitário Cascavel - PR CEP: 85814-110 - Caixa Postal 801 Tel.: (45) 220-3000 Fax: (45) 324-4590 www.unioeste.br [email protected] Coleção Thésis Diretores Marcos Antônio Lopes Pery Francisco A. Shikida Capa e projeto gráfico Marcos Antônio Lopes Paulo Cezar Konzen Revisão técnica Paulo Cezar Konzen Apoio editorial Luis Cesar Yanzer Portela Apoio técnico Antonio da Silva Júnior Douglas L. S. Ganança Joaquim dos Santos Ficha catalográfica Marilene de Fátima Donadel (CRB 9/924) Imagem da capa (Antrum Platonicum) C289f Carniatto, Irene A formação do sujeito professor: investigação narrativa em Ciências/Biologia / Irene Carniatto. -Cascavel : Edunioeste, 2002. 158 p. -- (Coleção Thésis) ISBN: 85-86571-59-8 1. Professores-Formação profissional 2. Educadores-Formação 3. Prática de ensino 4. Ciências-Professores-Formação 5.BiologiaProfessores-Formação I.T. II. S. CDD-20.ed. www.unioeste.br 2 370.71 Irene Carniatto A FORMAÇÃO DO SUJEITO PROFESSOR INVESTIGAÇÃO NARRATIVA EM CIÊNCIAS/BIOLOGIA Edunioeste Cascavel 2002 3 www.unioeste.br a formação do sujeito professor www.unioeste.br 4 Dedico: - Ao meu esposo Wilson e às minhas filhas Evelyn e Esloany; - À minha mãe Joanna, a meu pai José Carniatto (in memorian) e aos meus irmãos e irmãs; - Ao meu sogro Ezequiel e à minha sogra Delfina. 5 www.unioeste.br a formação do sujeito professor www.unioeste.br 6 Ao Professor: Aquele que dá o texto a ler — aquele que dá o texto como um dom, neste gesto de abrir o livro e de convocar à leitura — é que remete o texto. O professor seleciona um texto para a lição e, ao abri-lo, o remete como um presente, como uma carta. Da mesma forma que aquele que remete um presente ou uma carta, o professor está preocupado em saber se seu presente será aceito, se sua carta será bem recebida e merecerá alguma resposta. Uma vez que só se presenteia a quem se ama e uma vez que uma carta é como parte de nós mesmos, o professor gostaria de que esta parte de si mesmo, que dá a ler, despertasse o amor dos que a receberão e suscitasse suas respostas. O professor, o que dá a lição, é também o que se entrega na lição. Primeiro, entrega-se em sua eleição; depois, em sua remessa; em continuação, em sua leitura. O professor, quando dá a lição, começa a ler. E seu ler é um falar escutando. O professor lê escutando o texto como algo em comum, comunicado e compartilhado. E lê escutando a si mesmo e aos outros. O professor lê escutando o texto, escutando a si mesmo enquanto lê e escutando o silêncio daqueles com os quais se encontra lendo. A qualidade da sua leitura dependerá da qualidade dessas três escutas. Porque o professor empresta sua voz ao texto, e esta voz que ele empresta é, também, a sua própria voz e esta voz, agora, ressoa definitivamente dupla. Que a lição que eu e você venhamos a dar a ler, possa ressoar como uma voz comum nos silêncios dos que a devolvem, ao mesmo tempo, comunicada, multiplicada e transformada. Este trabalho é também uma das respostas e uma carta que ora remeto, uma mensagem — como resposta, mas, também, como a minha lição (Adaptado de Jorge Larrosa, 1998). 7 www.unioeste.br a formação do sujeito professor www.unioeste.br 8 AGRADECIMENTOS Neste espaço desejo agradecer com muito carinho, de maneira geral, a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta obra. Em especial, à minha orientadora, Profa. Dra. Rosália Aragão, agradeço de coração pela orientação e ensinamentos que, generosamente, comigo partilhou e por doar-se, assumindo duplo papel: como orientadora e como professora, que, ao viabilizar o acesso à sua prática, abriu não só sua sala de aula para minha investigação, mas — o que mais caro tem o ser humano e portanto, mais difícil se torna — abriu seus conhecimentos, sua prática pedagógica, suas idéias, seus sentimentos e suas concepções. Quando, no decorrer das observações, entrevistas e discussões, ela desvelava-se, permitia que tanto eu, nesta investigação, quanto seus alunos da turma do quinto período de Biologia (1997) revelássemo-nos, possibilitando nosso aprendizado e nosso crescimento. Aos professores do Curso de Ciências/Biologia da Unimep que abriram suas salas de aula para esta investigação e aos alunos da Turma do 5º período, agradeço especialmente, mas, também, aos demais alunos do curso, participantes desta investigação, sem os quais este trabalho não seria possível. Às minhas amigas: Adenise Meira da Silva, Rose Meire Costa Brancalhão e Ana Maria M. A. Vasconcelos pela valiosa colaboração e dedicação de seu precioso tempo na discussão e revisão técnica desta obra. À Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, Campus de Cascavel, minha instituição-mãe — mãe porque sou filha intelectual dela, onde fui aluna, fiz especialização, ingressei na carreira como professora universitária e que me possibilitou a realização do mestrado, a partir da liberação e do investimento em minha formação. À Capes pela concessão de bolsa (Picdt), possibilitando-me realizar o Curso de Mestrado e esta pesquisa. À Fundação Araucária pelo financiamento para a edição deste livro. 9 www.unioeste.br a formação do sujeito professor www.unioeste.br 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................. 13 CAPÍTULO I INVESTIGAÇÃO NARRATIVA: BASES PARA O CAMINHO PERCORRIDO.............. 15 CAPÍTULO II INVESTIGAÇÃO EM PROCESSO: FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES.......... 2.1 Perfil da turma: diferenciação dos alunos..................................................... 2.2 Caracterização da professora....................................................................... 2.3 Reconstituindo cenas iniciais....................................................................... 2.3.1 Episódio 1: Didática não existe................................................................. 2.3.2 Episódio 2: Conhecer é compreender o mundo........................................... 2.3.3 Episódio 3: Freqüência: “controle burocrático ” ou “instrumento de poder”?. 25 27 29 31 31 36 41 CAPÍTULO III LEITURA E ESCRITA: CONTRIBUIÇÃO OU LIMITAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS/BIOLOGIA?........................................................ 45 3.1 O planejamento de ensino de Didática das Ciências/Biologia......................... 45 3.2 Episódio 4: Visões desencontradas de leitura: um texto é para ler!? .............. 46 3.3 Episódio 5: O que lêem os alunos do curso de Biologia? Como lêem? Por que lêem? Que orientações recebem? .......................................................... 54 CAPÍTULO IV A LINGUAGEM DA CIÊNCIA.............................................................................. 69 4.1 Episódio 6: Uma “Prova de Didática” com consulta........................................ 69 4.2 Episódio 7: Os conhecimentos conceituais de Ciências/Biologia..................... 76 4.3 Episódio 8: O que é antropocêntrico? A teoria da evolução é um tema unificador da Biologia?............................................................................ 80 4.4 Episódio 9: O ensino de conhecimentos processuais de Ciências/Biologia — Fotossíntese: concepções em um plano de aula....................................... 90 CAPÍTULO V OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS.................................................................. 5.1 Episódio 10: Paradigma e concepção de ensino fundamentados na T–R.......... 5.2 Episódio 11: “Professora, dá tempo? Aprender a pensar, dá tempo? Pensar cansa, dói a cabeça. Eu tento...penso e não sai nada...”........................... 5.3 Episódio 12: Um pout-pourri sobre as pré-concepções dos alunos .................. 5.4 Episódio 13: Uma avaliação pode expressar as concepções?........................... 99 100 113 124 133 CONSIDERAÇÕES FINAIS A EVOLUÇÃO EPISTEMOLÓGICA COMO CONSTRUÇÃO SIGNIFICATIVA............. 137 REFERÊNCIAS .................................................................................. 11 www.unioeste.br 154 a formação do sujeito professor www.unioeste.br 12 INTRODUÇÃO •♦• O processo de ensino-aprendizagem-conhecimento é um processo multifacetado e de múltiplos domínios que se entrecruzam. Em função da interação aluno-professor-conhecimento, busca-se a ocorrência do fenômeno da aprendizagem em que muitos fatores estão presentes, influenciando resultados. Existe, no fenômeno “aprender”, um intercâmbio de relações e estas vêm carregadas de sutis representações simbólicas. Apenas o visível, o aparente, o que se vê em primeira instância não dá conta de desvelar os vários domínios presentes e as sutis representações simbólicas, frutos das inter-relações, ocorridas no processo escolar. Assumindo como premissa que nós, “os seres humanos, somos organismos contadores de histórias, organismos que, individual e socialmente, vivemos vidas relatadas”, decidi utilizar a investigação narrativa como forma de consideração expressiva de estudos sobre a experiência educativa. O que terão para dizer os alunos e professores como sujeitos de uma investigação narrativa? Que sentido têm suas vozes, suas interações, suas concepções expressas em suas falas? Como suas falas podem desvelar e revelar o processo de formação inicial de futuros professores? Nesta investigação, procuro enfatizar e valorizar depoimentos de pessoas envolvidas em uma experiência docente, tendo por contexto e referência as interações de ensino-aprendizagemconhecimento ocorridas em aulas de Didática. Assim, as questões serão tratadas na forma de episódios narrativos, isto é, de “vozes” imbricadas em relatos e experiências. Busco ouvi-las e, a partir delas, procurar compreender e apreender seus sentidos. Esta obra, originalmente dissertação de mestrado defendida na Universidade Metodista de Piracicaba, tem como objetivo buscar alternativas que possibilitem o avanço em minha prática docente, como professora formadora de professores, investigando, nos processos em sala de aula, elementos que evidenciem contribuições 13 www.unioeste.br a formação do sujeito professor e limitações emergentes de uma prática de ensino de Didática das Ciências/Biologia, vinculadas à formação inicial de professores diferenciados de Ciências/Biologia. Tendo em vista a realização deste estudo narrativo-investigativo, são considerados episódios como: Didática não existe; Conhecer é compreender o mundo; Um texto é para ler?!; O que é antropocêntrico? A teoria da evolução é um tema unificador da Biologia?; O ensino de conhecimentos processuais de Ciências/Biologia – Fotossíntese, entre outros. Considerando que um texto é como uma mensagem remetida, um presente, uma carta. E aquele que remete um presente ou uma carta, sempre está preocupado em saber se seu presente será aceito, se sua carta será bem recebida e merecerá alguma resposta. Uma vez que só se presenteia a quem se ama e uma vez que uma carta é como parte de nós mesmos, remeto esta mensagem àqueles que se ocupam da importante tarefa de educar. Àqueles que, participando do processo de ensinoaprendizagem, têm como objetivo a formação de professores, não apenas da área das ciências, mas todos aqueles que buscam compreender as contribuições e as limitações para a formação diferenciada de professores-pesquisadores-reflexivos. Nesse sentido, creio que a presente obra poderá contribuir para a discussão de questões presentes na formação de professores. * * www.unioeste.br 14 * CAPÍTULO I INVESTIGAÇÃO NARRATIVA BASES PARA O CAMINHO PERCORRIDO •♦• Lo que importa es que las vidas no sirven como modelos. Sólo las historias sirven. Sólo podemos vivir en las historias que hemos leído u oído. Vivimos nuestras propias vidas a través de textos. Pueden ser textos leídos, cantados, experimentados electrónicamente (...). Cualquiera que sea su forma o su medio, esas historias nos han formado a todos nosotros; y son las que debemos usar para fabricar nuevas ficciones, nuevas narrativas (Heilbrun apud Larossa et al., 1995: 11). O processo de ensino-aprendizagem-conhecimento é um processo multifacetado e de múltiplos domínios que se entrecruzam. Em função da interação aluno-professor-conhecimento, busca-se a ocorrência do fenômeno da aprendizagem em que muitos fatores estão presentes, influenciando resultados. Existe, no fenômeno “aprender”, um intercâmbio de relações, carregadas de sutis representações simbólicas. Apenas o visível, o aparente, o que se vê em primeira instância não dá conta de desvelar os vários domínios presentes e as sutis representações simbólicas, frutos das inter-relações, ocorridas no processo escolar. Assumindo como premissa que nós, “os seres humanos, somos organismos contadores de histórias, organismos que, individual e socialmente, vivemos vidas relatadas”, decidi utilizar a investigação narrativa como forma de consideração expressiva de estudos sobre a experiência educativa. Afinal, como dizem F. Connelly e D. Clandinin: O estudo da narrativa (...) é o estudo da forma pela qual, nós, os seres humanos experimentamos o mundo. Desta idéia geral se deriva a tese de que a Educação é a construção e a reconstrução de histórias 15 www.unioeste.br a formação do sujeito professor pessoais e sociais; e que, tanto os professores, como os alunos, são contadores de histórias e, também, personagens nas histórias dos demais e em suas próprias (Connelly; Clandinin, 1995: 11). “Deixa-me que te conte” (Cf. Larossa et al., 1995). O que terão para dizer os alunos e professores como sujeitos de uma investigação narrativa? Que sentido tem suas vozes, suas interações, suas concepções expressas em suas falas? Como suas falas podem desvelar e revelar o processo de formação inicial de futuros professores? Nesta investigação, procuro enfatizar e valorizar vozes de pessoas envolvidas em uma experiência docente, tendo por contexto e referência, as interações de ensino-aprendizagem-conhecimento, ocorridas em aulas de Didática (das Ciências Biológicas). Ouvi-las e, a partir delas, procurar compreender e apreender o sentido de suas falas. Assim, as questões serão tratadas na forma de episódios narrativos, isto é, de “vozes” imbricadas em falas, relatos e experiências. Dito de outra forma, neste trabalho, procuro investigar aspectos da formação inicial de Professores de Ciências/Biologia, no contato direto com os alunos — futuros professores — e de sua professora de Didática, nas interações ocorridas em sala de aula entre esses sujeitos reais de uma história construída. História em que se entrecruzam vidas dos seus sujeitos, vida de vários alunos, vida de uma professora, de outros professores que estão, também, presentes no curso, na realidade viva da Universidade. Os investigadores narrativos buscam, no âmbito da educação, recolher episódios e contar histórias sobre as vidas imbricadas no processo educacional, escrevendo relatos de suas experiências em aulas e em interação pedagógica, neste caso. Porque está focalizada sobre a experiência humana e, talvez, porque é uma estrutura fundamental da experiência humana vivida, porque tem a qualidade holística, a narrativa ocupa um lugar importante em várias disciplinas. Expressa-se como uma forma de caracterizar os fenômenos da experiência humana e, portanto, seu estudo é apropriado em muitos campos das ciências sociais. Esse campo de estudo, em sua globalidade, chama-se, normalmente, de “narratologia”, que é um termo que atravessa diversas áreas de conhecimento... (Connelly; Clandinin, 1995: 11-13). www.unioeste.br 16 investigação narrativa F. Connelly e D. Clandinin entendem que a narrativa é, tanto o fenômeno que se investiga, como o método de investigação. Assim, é igualmente correto falar de “investigação sobre a narrativa” ou de “investigação narrativa”. Narrativa pode ser tanto o nome da qualidade que estrutura a experiência a ser estudada, como, também, o nome dos padrões de investigação que vão ser utilizados para seu estudo. Para preservar a distinção, tais autores apontam um recurso já bastante estabelecido: chamar “história” ou “relato” ao fenômeno e, “narrativa”, à investigação. Com respeito à voz expressa pelos sujeitos e as relações estabelecidas em uma investigação, F. Connelly e D. Clandinin se apóiam em diversos autores. Entre eles, citam P. Hogan, quando diz que, numa investigação, as relações entre investigadores e participantes abrem espaço, para que suas vozes sejam ouvidas e, ainda, alertam para a relação de desigualdade que, muitas vezes, tem sido estabelecida. Os participantes se têm visto a si mesmos sem uma voz própria no processo de investigação e, muitas vezes, têm achado difícil sentiremse animados e autorizados, para contar suas histórias. Principalmente, se os têm sido feito sentirem-se desiguais, inferiores (Hogan apud Connelly; Clandinin, 1995: 19-20). Recorrem a N. Noddings, quando a autora fala da relação de ensino-aprendizagem, que pode existir entre investigadores e participantes da investigação: “nos aproximamos de nossa meta, vivendo com aqueles, aos quais ensinamos, em uma comunidade de atenção mútua [caring community], graças a modelos, diálogos, práticas e confirmações” (Noddings apud Connelly; Clandinin, 1995). Ainda sobre este tema, os autores citam também Macintyre, quando afirma que as relações se estabelecem através das unidades narrativas de nossas vidas (Cf. Macintyre apud Connelly; Clandinin, 1995). Nessa perspectiva, destacam que a partir destes referenciais o que aparece como denominador comum é a necessidade de tempo, de espaço e de voz, quando se estabelece uma relação de colaboração, na qual investigadores e participantes têm voz, no sentido de permitir sua participação em uma comunidade (Cf. Connelly; Clandinin, 1995: 20-21). Portanto, na investigação 17 www.unioeste.br a formação do sujeito professor narrativa, segundo os autores, é importante que o investigador escute primeiro a história do participante, e é o participante que, primeiro, conta sua história. Porém, isto não quer dizer que o investigador permaneça em silêncio durante o processo da investigação. Quer dizer que, ao participante, a quem durante muito tempo se tem silenciado na relação de investigação, se lhe está dando tempo e espaço para que conte sua história e, para que sua história, também, ganhe a autoridade e a validade que sempre têm sido conferidos aos relatos de investigação. Citando R. Coles, os autores apontam para a possibilidade de aprendizagem, quando se abre espaço para que o participante ouça a si mesmo, ou seja, podemos aprender, enquanto nós mesmos estamos falando: Porém naquela escura tarde de inverno sentia urgência por deixar a cada paciente ser um professor: ouvindo-se a si mesmo ensinar, através de sua narração, os pacientes aprenderiam as lições que um bom instrutor aprende só quando se converte em um aluno disposto, impaciente por ser ensinado (Coles apud Connelly; Clandinin, 1995: 21). Na investigação narrativa, realizada no âmbito escolar, a fim de ser capaz de ver e de descrever relatos de ações diárias dos professores, dos alunos, dos administradores, dentre outros, requer que se produza um delicado giro mental no investigador. As confusões, os emaranhados se fazem cada vez mais agudos, à medida que se vão contando e recontando histórias. Sem dúvida, é aí, nesse processo, que se estabelecem e se reajustam novos horizontes temporais, sociais e culturais. Porém, surgem algumas indagações: até que distância tem-se que ir em uma investigação do passado e do futuro dos participantes? Que esferas da comunidade devem ser indagadas e, até que grau de profundidade social, deve desenvolver-se a investigação? Quando um pesquisador se ocupa da investigação narrativa, o processo se converte em algo mais complexo, posto que, como investigadores, nós nos convertemos em parte do processo. As duas narrações, a do participante e a do investigador, convertem-se, em parte, graças à investigação, em uma construção e reconstrução, narrativa compartilhada (Connelly; Clandinin, 1995: 22-23). Na investigação narrativa diversos métodos podem ser utilizados para o recolhimento dos dados. Os dados podem ser www.unioeste.br 18 investigação narrativa recolhidos em forma de notas de campo, em anotações em diários, em transcrições de entrevistas, em observações de outras pessoas, em ações de contar relatos, de escrever cartas, de produzir escritos autobiográficos, em documentos, em materiais escritos, tais como normas ou regulamentos ou, através de princípios, imagens, metáforas e filosofias pessoais. Importante é destacar que, numa investigação narrativa, o sentido de “totalidade, verdade, precisão e objetividade” é algo construído graças a uma rica e elaborada fonte de dados, de forma que enfoque as particularidades concretas da vida, a partir das quais se possam criar relatos poderosos (Connelly; Clandinin, 1995: 23). Diferentemente das concepções de investigação, que aportam em suas bases conceituais visões mecanicistas, reducionistas e compartimentadas, assumir uma investigação narrativa significa estar assumindo uma visão epistemológica diferenciada, atualizada e contemporânea. É nesta perspectiva que a Física Atômica, em contraponto com o mito da verdade científica, independente dos preconceitos que o cientista possui, pressupõe e afirma a importância do papel do observador, que é imprescindível, não só para que as propriedades de um fenômeno atômico sejam observadas, mas para que os modelos, que os cientistas observam, estejam intimamente relacionados com os modelos de sua mente, seus conceitos, pensamentos e valores, seus compromissos políticos e sociais. A teoria quântica incumbiu-se de evidenciar que o mundo não pode ser analisado, somente, a partir de elementos isolados e independentes, pois é o todo que afinal determina o comportamento das partes. Foi a partir da “Revolução Quântica”1 que surgiu uma nova visão de mundo para a ciência ocidental, em contraste com a concepção mecanicista cartesiana. O universo passa a ser descrito como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão, essencialmente, inter-relacionadas e só podem ser entendidas como modelos de um processo cósmico. Uma investigação, segundo esta visão epistemológica contemporânea, busca estar em consonância com o paradigma atual da ciência que, segundo F. Capra, a ciência, hoje, avança para uma estrutura conceitual de abordagem holística, multidisciplinar e intrinsecamente dinâmica do universo. A adoção de um paradigma 19 www.unioeste.br a formação do sujeito professor holístico social e ecológico exigirá uma mudança conceitual em que se reconheça que fazemos parte de um sistema interdependente, composto de seres humanos em contínua interação e com seus recursos naturais, a maioria dos quais, por seu turno, constituída de organismos vivos (Cf. Capra, 1987). E. Morin, visando refutar o pensamento reducionista e simplificador, elabora a Teoria da Complexidade, na qual afirma que o conhecimento científico é, freqüentemente, concebido como tendo por missão dissipar a aparente complexidade dos fenômenos, a fim de revelar a simples ordem a que obedecem. Porém, se somos incapazes de definir o real — de maneira simples, com ordem e clareza —, a palavra complexidade viria exprimir nossa incapacidade de expressão e compreensão da realidade (Cf. Morin, 1990). Ainda, a propósito de assumir na investigação uma visão epistemológica atualizada, busco em K. Popper alguns aspectos referentes ao processo de aquisição do conhecimento. Segundo ele, o conhecimento científico sempre conserva seu caráter hipotético conjectural. O conhecimento científico é o resultado de uma tensão entre nosso conhecimento e nossa ignorância. A ciência tem sua origem em problemas e, não, propriamente, na observação pura e simples. A observação é guiada por um interesse, norteada por uma expectativa, impregnada por uma teoria. As teorias são interpretadas como conjecturas especulativas ou suposições criadas, livremente, pelo intelecto humano, no sentido de superar problemas, encontrados por teorias anteriores e dar uma explicação adequada do comportamento de alguns aspectos do mundo ou do universo (Cf. Popper, 1978). Tal visão encontra-se, de certa forma, em consonância com a pesquisa qualitativa e, especialmente, com a investigação narrativa, como configuração de um espaço, onde se fundem as vozes e as vidas de pesquisador e participante, para tentar viver e reviver suas histórias, a fim de não só explicitá-las, mas, também, explicá-las. A pesquisa qualitativa constitui-se no estabelecimento de “confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele” (Ludke; André, 1986: 01). Em termos correlatos, “a narrativa está situada em uma matriz de investigação qualitativa, posto que está embasada na experiência vivida e nas qualidades www.unioeste.br 20 investigação narrativa da vida e da educação” (Connelly; Clandinin, 1995: 16). Portanto, investigar para narrar o processo ensinoaprendizagem-conhecimento, no âmbito da formação inicial de professores de Ciências/Biologia, requer colocar, mesmo em uma narrativa investigativa, uma lente de aumento na teia de suas relações sociais e, daí procurar desvelar, iluminar os fatos constitutivos que ocorrem nos vários momentos interativos de aula. Conceber o estudo dessa forma significa olharmos, através de nossos “óculos conceituais”, isto é, mediante o conjunto das teorias de que nos apropriamos e procurar investigar, para compreender os sentidos e os significados, atribuídos pelos sujeitos às suas ações, reações, emoções. A busca de alternativas que possibilitem o avanço da prática docente — como professora formadora de professores2 —, é a motivação para indicar, nos processos em sala de aula, elementos que evidenciem contribuições e limitações emergentes de uma prática de ensino de Didática das Ciências/Biologia, vinculadas à formação inicial diferenciada de professores. Através de dados expostos pela narrativa de episódios, de situações processuais do ensino, de reflexões sobre e na ação pedagógica, busco compreender, explicar e explicitar elementos que possam contribuir para melhor conhecer o processo de formação inicial, em função de alguns aspectos que estão imbricados em um Curso de Licenciatura em Biologia, à luz de referenciais teóricos atuais. Dessa forma, a fim de buscar métodos para o recolhimento de dados, tendo em vista a realização deste estudo — narrativo-investigativo — objetivei aulas de Didática, disciplina de formação de professores do Curso de Licenciatura em Biologia da Unimep, usando como forma privilegiada para obter as informações, algumas observações em sala de aula e entrevistas semi-estruturadas. Os procedimentos de investigação, para os dados recolhidos, foram os seguintes: anotações em diário de campo de aulas da disciplina de Didática, durante um semestre letivo; transcrições de entrevistas com a Professora de Didática; escritos produzidos pelos alunos (“provas”, trabalhos de grupos, etc.); questionários elaborados com o objetivo de obter dados junto aos alunos do 2º, 6º e 8º semestres (perguntas abertas e fechadas).3 21 www.unioeste.br a formação do sujeito professor Os episódios de aulas de Didática serão relatados/narrados por mim ou pela Professora de Didática, de acordo com a forma prevalecente de episódios narrativos (episódios narrados em entrevistas), e/ou vivenciados no curso da investigação. Tais aulas relatadas constituem meu objeto de estudo e de investigação. Nesta experiência de investigação, é singular a disponibilidade da própria Professora de Didática em realizar uma experiência investigativa de ensino — lecionando uma disciplina no curso de licenciatura —, ao mesmo tempo em que abria espaço para que sua prática pedagógica fosse investigada por mim, dispondo-a como locus de investigação. A Professora de Didática diz claramente que: Se ofereceu para assumir tal docência para realizar uma experiência Didática, na perspectiva teórico-metodológica e epistemológica como professora-pesquisadora, uma vez que tinha claramente o objetivo de fazer de sua prática de ensino uma fonte de pesquisa, para confrontar prática x teoria em processo. Posteriormente, ela própria percebe a riqueza da experiência nos momentos de interação com os alunos, no processo de ensinoaprendizagem, quando decididamente verificava que “não era ela quem mandava” (Cf. Larossa, 1998). A professora de Didática enfatiza, na maioria das vezes, as vozes de seus alunos quando, me relata os seus episódios de aula, atribuindo clara importância à fala dos seus alunos como fundamental para a construção/ negociação de significados na relação ensino-aprendizagemconhecimento, seu objetivo enquanto professora. Por minha vez, procuro colocar em destaque os relatos, as falas da Professora de Didática, ou de outros professores, e as falas dos alunos, ao narrar vários episódios, ao proceder à análise e procurar a compreensão necessária do ocorrido no processo de formação dos professores de Ciências/Biologia. É oportuno também esclarecer que os episódios são abordados, segundo a concepção de que um episódio se configura como um recorte da prática, que, dada a sua importância, trazemos para a teoria, para iluminá-lo por uma análise teórica (Cf. Aragão, 1998). www.unioeste.br 22 investigação narrativa Notas 1 Definido como Revolução Quântica pela importância que o período tem na história e as mudanças que proporcionou em nossa visão de mundo. Por tais motivos, resolvi denominá-lo desta forma, sem discutir a originalidade da expressão. 2 Sou professora das disciplinas de Metodologia e Prática de Ensino de Ciências/ Biologia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, Campus Universitário de Cascavel. 3 Foram pesquisados 66 alunos/as. * * * 23 www.unioeste.br a formação do sujeito professor www.unioeste.br 24 CAPÍTULO II INVESTIGAÇÃO EM PROCESSO FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES •♦• O sujeito letrado pode manter processos interlocutivos não possíveis para o analfabeto (Geraldi, 1993). Que naturezas de questões emergiram das situações processuais de ensino em foco? Emergiram questões de toda ordem. De natureza institucional, de natureza epistemológica, de natureza conceitual, de natureza estrutural do ensino, de natureza estrutural-social, enfim, uma gama variada, tão rica, por um lado, e tão preocupante por outro, dados o impacto e a contundência das questões e, sobretudo, porque surgiram na e da interação entre professor-aluno-conhecimento no espaço efetivo da aula. Os dados que a investigação oferece parecem significativos e alguns bastante originais, os quais raramente têm sido contemplados como objeto de reflexão em âmbito pedagógico. Emerge uma variedade de dados possíveis de serem analisados, pois tais dados mostram-se relevantes e contextualizados. Ao partilhar do processo, noto sua riqueza pela explicitação clara de questões fundamentais presentes nas discussões sobre formação de professores. Chamou-me ainda a atenção o fato de que diversos destes episódios foram marcados por uma grande emoção, quando várias questões foram explicitadas pelos alunos, em função das interações ocorridas em sala de aula. Acontecendo como algo dinâmico, porque é uma investigação em processo, trato de, assim, investigar o que está acontecendo no âmbito do curso de formação inicial de professores. Desta forma, não creio que fosse necessário que eu saísse à procura de “um problema” relevante, porque há inúmeros deles em qualquer sala de aula, como essa que é considerada nesta experiência de investigação. 25 www.unioeste.br a formação do sujeito professor Se as questões processuais são importantes, por que usualmente elas não são investigadas? Não se investigam tais questões, ao meu ver, porque geralmente não há condições mínimas para lidar com aspectos os mais dinâmicos (e trabalhosos!) do ensino, no contexto mesmo em que tais aspectos ocorrem. Via de regra, as questões fundamentais para a formação de professores aparecem no processo mesmo de interação professor-aluno-ensino-aprendizagem-conhecimento em aulas. No contexto referido da disciplina de Didática, as condições facilitadoras de uma investigação estavam presentes, poder-se-ia, portanto, investigar. Uma investigação nessa linha estará, não só desvelando problemas, mas também expressando o que a Professora tentou fazer para redimensionar a sua ação formadora e não conseguiu, pelo menos da forma como imaginara. Assim, precisou redirecionar o processo várias vezes, para atingir alguns dos seus objetivos de ensino e algumas necessidades formativas. Nestes termos, não implicaria, apenas, o desvelamento da problemática no decorrer da investigação, mas, principalmente, as tentativas de encaminhamento ou re-encaminhamento, algumas, no dizer da Professora de Didática, claramente mal sucedidas: “Agora eu já posso dizer: ‘isso aqui não deu pé’. E outras [coisas], que nem foram minhas preocupações, repercutiram. E outras, ainda, que eu precisei re-elaborar, prá ver o que eu poderia atingir” (Cf. Entrevista com a Professora de Didática). Como observadora-participante do curso de Didática, da turma do 5º semestre deste Curso de Ciências/Biologia, passei, diariamente, a tomar contato com as aulas e, desta relação com os alunos-licenciandos e com a Professora de Didática, começaram a surgir questões que trazem à superfície problemas que estão sempre presentes no processo de formação. Contudo, na maioria das vezes, estes problemas passam despercebidos, ou, quando muito, são apenas apontados. Sem receberem a devida atenção, tais questões/ problemas, via de regra, constituem-se em verdadeiros obstáculos para que a formação de professores ocorra em sua plenitude, isto é, evidenciando-se em qualidade diferenciada. O tema da formação do professor está muito presente no âmbito da temática da pesquisa educacional, no entanto a formação www.unioeste.br 26 investigação em processo inicial tem sido pouco considerada nas atuais pesquisas pedagógicas. Esta escassez, talvez, advenha do que já se sabe a priori: quando se investiga a formação inicial, em geral, muitas delas se apresentam sobremaneira insípidas, estereotipadas, de forma tal que o contexto pode mudar, mas não mudam objetivos nem processos, não se apresentando, dessa forma, quase nada de novo, mas apresentando, geralmente, distorções pedagógicas. 2.1 Perfil da turma: diferenciação dos alunos Quem são os alunos? O que fazem eles? O perfil da classe se constitui com os matizes e desenhos que cada um traz através de suas experiências de vida, suas crenças e seus anseios. Quase todos os alunos são trabalhadores... têm histórias interessantes e que foram registradas. Por exemplo: um dos alunos, mora em Limeira, trabalha em Hortolândia e estuda em Piracicaba. Faz esse triângulo “todo santo dia”, inclusive aos sábados; é só no domingo que ele fica em Limeira... estudando. Tem o João que é um representante comercial de laboratório e tem a Maria José que é professora. O Nilson é caminhoneiro, lida com produtos perecíveis. Entrega produtos perecíveis na região, para se manter e está aqui no curso de Licenciatura para, segundo diz, poder “cuidar” do meio-ambiente. Tem a Patrícia que pretende ser cientista. Também a Walquíria que “borboleteia” em sua opção profissional, ora desejando ser pesquisadora em laboratório, ora desejando a docência. Existe o Marivaldo que, também, reside em Limeira. Todo dia, muito cedo, ele vai para Holambra; lá passa o dia cercado de flores, pois a principal atividade da cidade de Holambra é cultivar e comercializar flores para todo o Brasil e, também, para o exterior. Assim, bem de manhã, já o Marivaldo se encontra em seu posto de trabalho. Trabalha duro o dia todo e, quando o expediente termina, Marivaldo muda seu ritmo de vida, viajando até Piracicaba, onde, à noite, ele é um aluno universitário. É no seu curso universitário que ele põe suas esperanças e pensa em dar um rumo profissional diferenciado em sua vida futura. Ele quer ser botânico, um dia. 27 www.unioeste.br a formação do sujeito professor A Juliana já é professora do 1º grau, gosta de trabalhar com crianças pequenas e tem trabalhado como monitora no Núcleo de Ciências da Unimep. Tem também as duas Renatas. Além dos nomes idênticos, ambas são mães e donas de casa. No entanto, uma delas é casada sem filhos e, a outra, conta com a experiência de ser mãe-solteira. Uma delas, a casada, com a responsabilidade de marido e os encargos de dona-de-casa; por isso não tem conseguido concluir o seu curso superior. Contudo, sempre volta à universidade e pretende mesmo concluir o curso de licenciatura, sem saber se exercerá a profissão de professora. “Mas se algum dia houver necessidade, se houver algum aperto financeiro, estarei apta a exercer uma profissão”, diz ela. Assim, poderíamos compor um mosaico vibrante com as cores vivas das vidas desses alunos. Existem algumas cores, talvez, menos intensas, ou até mais intensas, que essas descritas; não o sabemos. Um grupo pequeno não se revela, mesmo quando se procura envolvê-lo nos diálogos, quando se abre espaço para que fale... Seus integrantes permaneceram, aparentemente, indiferentes e pouco reveladores sobre seus anseios e sobre suas vidas, parecendo “alunos burocráticos”. Quero dizer, no entanto, que há uma porção de histórias muito interessantes neste grupo. É importante saber qual é o perfil desta turma1: quem são os alunos? Por que vieram para o curso? O que pensam em termos profissionais? Quais são os seus projetos de vida? É importante também saber suas opiniões sobre o fato de eles terem tido três professoras de Didática em três meses: uma em fevereiro, outra em março e, uma última, que chegou na metade de abril. A Professora de Didática — a última, a atual — assim se expressa em relação ao perfil da turma: Esta turma já forneceu inúmeras indicações de que seus integrantes são confiáveis, porque eles são honestos, francos, eles não buscam fazer de conta, ser algo que não são, até pelo fato de serem do noturno. (...) Os graduandos de diurno são menos trabalhadores, eu não posso dizer que não são trabalhadores... Esses não, absolutamente... Eu não tive nenhuma indicação de eles blefarem, de não estarem falando a verdade, ou de estarem pretendendo ser os “pobres coitados” diante de mim. E eles estão no quinto semestre, num momento ótimo, porque tem um tempo para trás bastante significativo em termos da trajetória, do percurso. Ainda não terminaram seu curso e não estão em vias de terminar. www.unioeste.br 28 investigação em processo Alunado deste tipo, com tais características, não parecia situar-se no âmbito da experiência docente da Professora. Ela própria diz: “A minha experiência não incluía turmas de noturno. Fazia diferença lidar com alunos trabalhadores do noturno? Prá mim fazia, mas não nesses termos... [do que encontrou]”. 2.2 Caracterização da professora Como é esta Professora? O que ela espera? Quais seus anseios, quais seus objetivos? É certamente uma professora diferenciada, em primeiro lugar, pela sua trajetória, uma vez que fez, em termos de formação acadêmico-profissional, um movimento praticamente inverso ao usual: inicialmente, dedicou-se à Educação para, depois, aprofundar-se na área específica das Ciências. É interessante observar que esta Professora de Didática veio da Educação para o Ensino de Ciências, quando começou a valorizar e a lidar com questões epistemológicas. Quando as primeiras reflexões relacionadas ao universo docente foram postas sobre a fundamentação epistemológica, anos atrás, a Professora já parecia preocupada e sensível para realizar a virada que possibilitaria o salto de qualidade: do teóricometodológico — cultivando a dicotomia usual conteúdo-forma — para o teórico-metodológico-epistemológico — buscando superar tal dicotomia e abordar, quanto ao ensino, tais questões em termos mutuamente inclusivos e mutuamente relacionados. Mas nada melhor do que ler a própria Professora nos relatar sua trajetória: Para poder redimensionar a minha prática de ensino de Didática, na formação inicial de professores de Ciências, eu entendi há 12 anos atrás que eu precisava conhecer ou dominar o conteúdo específico. Eu precisava saber Ciência, estudar Ciências, estudar Biologia; justamente, para dar idéia da articulação Educação X Ciências X Biologia, esta articulação que parece apenas teóricometodológica num primeiro momento, mas é fundamentalmente epistemológica. Para que eu pudesse ter idéia das questões epistemológicas que precisavam ser tratadas teórica e metodologicamente, em nível de ensino e de aprendizagem, o conteúdo curricularmente tratado no âmbito escolar precisava ser 29 www.unioeste.br a formação do sujeito professor conhecido por mim. Não apenas saber qual era ele, mas efetivamente conhecer, significando compreender e estabelecer relações cognitivas, lidar com esse conhecimento. Ter refletido sobre ele, em função das dificuldades dos alunos e até em função das dificuldades que eu já como docente-aluna apresentei para aprendê-lo, compreendê-lo efetivamente. A Professora de Didática vinculou-se, profissionalmente, no início de sua carreira docente, à área de Metodologia do Ensino, ministrando as disciplinas de Didática, Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa, Metodologia da Alfabetização, com formação em Pedagogia. Posteriormente disse ter “mudado de área”, fazendo concurso interno para uma vaga docente na área de Ensino de Ciências, para a própria Universidade. No entanto, em anos anteriores, ela já vinha aproximando-se da área das Ciências, como ela mesma diz: “Eu era curiosa, comecei a querer saber, e querer me liberar dos traumas de escola, embora, inicialmente, eu não tivesse a intenção de fazer uso disso em termos profissionais; era mais no sentido de possibilitar uma compreensão maior do mundo, para eu ter um descortínio maior, para entender melhor a educação como eu já havia feito com a educação pré-escolar”. Trabalhando com várias disciplinas no Ensino de Ciências e com muitos projetos de formação de professores pelo Brasil afora, a Professora de Didática parecia ter tido oportunidade de continuar se preparando. Talvez, por essas razões, apresentou-se para assumir a disciplina de Didática Geral, no Curso de Licenciatura em Ciências, Habilitação em Biologia da Unimep, no primeiro semestre de 1997, para considerar e tratar a disciplina em termos de Didática das Ciências. A sua proposta de ensino, fundada em processos de mediação docente e de interação com alunos e entre alunos, apresenta uma Didática das Ciências redimensionada nos seguintes termos: Como eu não conseguia perceber diferenças substanciais no conteúdo da disciplina de Didática, porque o conteúdo específico é continuamente descartado, isto é, porque, muito raramente, temse a consideração do conteúdo específico numa abordagem de Didática, eu tinha vontade de trabalhar a Didática e aceitar esse desafio: trabalhar Didática, a partir do conteúdo específico de Ciências e de Biologia com os alunos. www.unioeste.br 30 investigação em processo 2.3 Reconstituindo cenas iniciais Neste cenário, quero dar a conhecer estes atores que participam desta cena de vida, recorte da realidade: formação de professores de Ciências/Biologia. 2.3.1 Episódio 1 - Didática não existe Vejo uma classe de 54 alunos jovens, idade média entre 21 e 22 anos, alegres espectadores. Conversam alegremente uns com os outros, alguns brincam, riem e até mesmo fazem alguns gracejos. É que o ano letivo está iniciando (em abril!). Posso dizer que parecem felizes diante da expectativa do início de mais um período letivo. Que representa para eles o momento de início de mais uma disciplina parte do semestre e do ano letivo? Certamente, apenas, o cumprimento da “grade curricular” necessária para obter o desejado diploma. Neste dia, seriam reiniciadas as aulas da disciplina de Didática Geral, que a Professora, segundo disse, abordará como Didática das Ciências/Biologia. O que eles esperam de uma disciplina dessa natureza? Muito provavelmente, tal relação em nada vai mudar a credibilidade inicial da Didática para a turma. A propósito de proposições provocativas de alunos, dirigidas de modo geral à classe, mas que, certamente, tinha como objetivo provocar a Professora que estava entrando na sala de aula, acompanhada de duas monitoras, destaco a fala de um aluno que, logo, à entrada da Professora, na sala de aula, diz alto para que todos o ouvissem: “Graças a Deus, até que enfim, eu sempre disse que Didática não existe”. Qual o sentido, que interpretação, que mensagem pode querer transmitir este aluno ao declarar “que Didática não existe”?. Podemos pensar que ele não acredita na validade dos conhecimentos da Didática? O início de trabalho dos conteúdos em sala de aula, abortado pelas duas professoras anteriores o decepcionaram? Ou ele possui alguma experiência pessoal anterior que o faz pensar assim? Estaria ele falando por si só, ou representa o sentimento da classe? 31 www.unioeste.br a formação do sujeito professor “A Didática não existe”. Na avaliação deste aluno, naquele momento, a Didática está morta? Nunca existiu? Não serve para nada? Acredita ele que os conhecimentos trazidos pela Didática, representados na presença da Professora, não deverão trazer-lhe benefício algum, talvez, porque só sirva - se servir - para quem vai ser professor. E não é este o seu caso... Suas palavras, contudo, demonstram que ele possui uma préconcepção de Didática e, ao que parece, esta já se constitui como um obstáculo epistemológico, porque, além de produzida pelo próprio contexto escolar, apresenta-se eivada de preconceito. Considero importante a noção de “obstáculo epistemológico”, introduzida por G. Bachelard, que passou despercebida pelos estudiosos da aprendizagem, até que as pesquisas em Didática das Ciências — principalmente sobre os erros conceituais — mostraram a importância dos conhecimentos prévios, constituindo impedimentos, ou, até mesmo, facilitando a aquisição de conhecimentos. Na feição de obstáculos, conduziram a concepção da aprendizagem como mudança conceitual e metodológica, que exige a superação de tais obstáculos epistemológicos, porque, na forma de “evidências do senso comum”, geram o pensamento espontâneo (Cf. Carvalho; Gil-Pérez, 1993). Nesta investigação, tive em diversas oportunidades a possibilidade de deparar-me com episódios que, se bem analisados, demonstram a existência de “obstáculos epistemológicos” que, evidentemente, estão impedindo ou, como a própria palavra diz, tornando-se obstáculos para que a aprendizagem-compreensão efetivamente venha a ocorrer. De forma clara — manifestando compreensão em função de reflexões como essas que, certamente, já fizera —, em resposta ao aluno, a Professora concorda que, na maior parte das situações de ensino, a Didática não existe; ele tem plena razão. Este episódio nos leva a alguns questionamentos: é importante ensinar Didática aos licenciandos dos cursos, que têm como objetivo formar professores? Que Didática seria esta? Quais são os seus conceitos ou conteúdos fundamentais? Didática do quê? Para quê? Como é, usualmente, tratada a disciplina de Didática na formação de professores? Será possível estabelecer pontos de diferenças ou semelhanças na maneira como, www.unioeste.br 32 investigação em processo usualmente, a Didática é trabalhada, e a proposta de ensino vivenciada pela classe, proposta e conduzida pela Professora de Didática? A professora lança luz sobre algumas destas questões: Desde 1975, há 21 anos que, na Universidade de onde eu vim, não se trabalha com Didática Geral. A Didática, que é chamada de geral, só tem acolhida nos currículos de Pedagogia, como uma disciplina chamada Didática. Sem que se diga se é geral, específica ou o que é. Para nós, o nosso grupo sacou rápido: não é possível admitir características gerais na Didática, se não voltamos ao Coménius: “A arte de ensinar tudo a todos”. Naquele contexto, a Didática nas licenciaturas passou a ser denominada, eloqüentemente ao meu ver, de “Didática para o Ensino de Química ou de Física”. Era o início, a vontade de relacionar na Didática, o conteúdo-conhecimento específico. As pesquisas educacionais, principalmente aquelas de âmbito internacional, apontam que não se pode mais admitir este desenho de uma disciplina “geral” — chamada por muitos de “instrumental” — que se oferece como uma caixa de ferramentas em cursos de formação profissional de professores, para que, quando surgir a necessidade, o professor vá tentando usar algumas dessas ferramentas, para verificar se consegue adaptar uma delas à peça de trabalho, ou a peça de trabalho é obrigada a adaptar-se à ferramenta genérica que ele tem em mãos, porque lhe foi ofertada e, muitas vezes, é a única de que o professor dispõe. Olhando de forma superficial, parece até uma boa contribuição. Mas o que realmente está por detrás deste ensino? Como isto acontece na educação? É possível fazer um paralelo? Possivelmente, sim. Usando, até mesmo, a transitividade do verbo, muito teremos a aprender, se analisarmos o verbo “ensinar”, através da sintaxe: “ensinar” é um verbo transitivo direto e indireto. O que, em linguagem pedagógica, significa que “quem ensina, ensina alguma coisa a alguém”. Ora, ninguém ensina qualquer coisa e, muito menos, pode ensinar todas as coisas. A própria transitividade explicita, com clareza, a especificidade de conteúdos do ato de ensinar. Portanto, se o objetivo da Didática nos cursos de licenciaturas é dar fundamentação ao processo de ensino, ela só pode ser Didática “de alguma coisa”, isto é, de uma área de conhecimento: Didática das Ciências, Didática da Química, Didática da Matemática, 33 www.unioeste.br a formação do sujeito professor Didática da Biologia, etc. Caso contrário, ela estará sobremaneira vazia e descontextualizada, para preparar o futuro professor para a ação de ensinar. Isto porque a Didática “já não pode ser encarada, apenas, como uma disciplina de caráter instrumental. Deve ser repensada em função dos objetivos mais amplos da educação, em função da problematização dos homens em suas relações com o mundo” (Alvite, 1987: 22). Além disso, esta questão tem relação direta com o “ensinar alguém”. Para tanto, é preciso considerar o estágio de aprendizagem em que o aluno se encontra, o contexto em que vive e ter presente o objetivo da formação daquele aluno, futuro professor. Procurei saber da Professora de Didática quais seriam os objetivos da Didática na Licenciatura de Biologia, segundo o seu modo de ver, obtendo dela a seguinte resposta: Lidando com os escritos do Shön e do Zeichner, especialmente, eu vejo na expressão das idéias destes dois autores muito do que eu penso em relação aos objetivos da Didática (...). A explicitação da concepção dos licenciandos a propósito do “mètier” em que ele pretende trabalhar ou situar-se como professor, que seria a própria matéria a ensinar. Objetivo, com certeza, trabalhar a concepção de Ciência, de Física, de Química ou de Biologia, do sujeito, em nível pessoal intuitivo ou positivista em nível de ensino das Ciências em termos redimensionados: da racionalidade técnica para a racionalidade prática. Reiterando as palavras da Professora, ela considera como objetivos da Didática o conhecimento e o tratamento pedagógico adequados das concepções dos licenciandos a propósito do conteúdo que eles pretendem ensinar. Assim, nesta investigação, um dos eixos centrais será a discussão das concepções dos alunos e da Professora em situações de aula. Ao ensejo da discussão das questões que estão presentes nas formas de tratamento usuais da Didática, nos cursos de formação de professores e, para permitir uma maior incursão no tema, apresento a seguir a opinião expressa pela Professora de Didática, em entrevista por mim realizada, a partir de perguntas pontuais. Qual sua compreensão da relação Didática Geral X Didática Específica na Formação do Professor? www.unioeste.br 34 investigação em processo Professora — Do meu ponto de vista, por mais que se buscasse diferenciar a Didática e, por mais que se dissesse que a Didática se apresentava redimensionada nos cursos atuais, não conseguia perceber diferenças substanciais. O que quero dizer é que, mesmo aquelas pessoas ou instituições que pensam estar trabalhando a Didática diferenciadamente, ainda, continuam com uma ênfase bastante conservadora na Didática. E os elementos que levava e ainda levo em conta para dizer isso, implica no fato de as abordagens, via de regra, dissociarem as relações forma-conteúdo e processoproduto e cultivarem essas dissociações, muitas vezes, sem consciência do que estão fazendo. A Professora diz que, mesmo em cursos que dizem que tratam a Didática numa forma redimensionada, a disciplina continua com a feição do ensino tradicional, trabalhando dissociações ou dicotomias. Um ensino estruturado no armazenamento quantitativo e seqüencial dos conteúdos faz com que, a cada ano que inicia, tanto alunos quanto professores tenham a sensação de que os alunos não aprenderam, praticamente, nada. É essa a realidade, pois o resultado do ensino tradicional, baseado na memorização, ao invés da compreensão e do estabelecimento de relações conceituais, epistemológicas, apresenta um resultado de aprendizagem, praticamente, inócuo. Acresce-se ainda o fato de a Didática ser considerada, nos cursos de formação de professores, disciplina da competência exclusiva do pedagogo, que não conhece Biologia. Em um enfoque tradicional, a disciplina de Didática pode se envolver apenas com aspectos gerais do ensino, sem estabelecer quaisquer relações em âmbito interdisciplinar. Deixando de considerar o conteúdo específico, como costuma acontecer, neste caso da Biologia, a interdisciplinaridade propiciada entre a Didática e os conteúdos das demais disciplinas do curso, usualmente, chamadas disciplinas pedagógicas (como Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, e Estrutura e Funcionamento do Ensino, por exemplo) e disciplinas específicas (como Parasitologia, Citologia, Embriologia, Histologia, Botânica...) não acontece, nem sequer, através de exemplos, abrindo-se um grande hiato entre a formação do sujeito professor e o seu trabalho cotidiano, quando terá que ensinar os conteúdos específicos, mediante o tratamento didático ou pedagógico destes conteúdos em âmbito escolar, em aula. É, portanto — ao meu ver e de acordo com as considerações feitas pela Professora para seus alunos —, 35 www.unioeste.br a formação do sujeito professor no mínimo duvidosa a contribuição da Didática Geral na discussão que, também, estou estabelecendo sobre a pertinência de ainda se manter, nos cursos de formação profissional uma disciplina de Didática que não se especifique, ou construir-se uma outra Didática sem que esteja baseada nos fundamentos epistemológicos da área de saber e de conhecimento. 2.3.2 Episódio 2 - Conhecer é compreender o mundo No curso da conversa iniciada na primeira aula, a Professora solicita que cada aluno se apresente e que explicite: Por que escolheu esta Licenciatura e se pretende ser professor? Dos 54 alunos matriculados, foram obtidos os seguintes resultados: 22 alunos pretendem ser professores; 11 alunos não pretendem ser professores; 05 alunos declaram-se estar em dúvida com respeito à atividade que pretendem desenvolver no futuro; e 16 não se posicionaram. A Professora quis saber também dos alunos, por quais motivos alguns não queriam ser professores? Vários argumentos foram apresentados como justificativas. Contudo, apresento aqueles que obtiveram não só maior freqüência de indicação, mas também a maior atenção (e preocupação) dos alunos: 1) má remuneração; e 2) desprestígio profissional. Em contrapartida, a supostamente contraditória “opção” pelo curso de licenciatura é justificada em razão de a maioria dos alunos desta classe necessitar trabalhar. Assim, a opção genuína que haviam feito fora pelo curso noturno, pela Biologia, e não pela licenciatura, ou seja, por um curso de formação de professores de Biologia. Por outro lado, a formação de biólogos, dentre os cursos possíveis, foi a opção, enganosamente, feita pelos alunos. Formarse professor, para a grande maioria, seria uma opção secundária, obrigatória, apenas, em nível institucional. Mesmo assim, muitos alunos, provavelmente, sem saberem diferenciar o Bacharelado da Licenciatura, matricularam-se no “Curso de Biologia”, acreditando que estariam estudando para serem biólogos/cientistas. A Professora percebe que, nas respostas dos alunos, na opção ou www.unioeste.br 36 investigação em processo não pela docência, viam-se mais questões conjunturais e não estruturais. Seus argumentos mais candentes eram: má remuneração e desprestígio profissional. Sendo assim, a Professora busca argumentar, à guisa de esclarecimento, ao grupo de alunos. Dentre seus argumentos, a professora afirma que má remuneração e desprestígio profissional, como são questões conjunturais, são dinâmicas, passíveis de mudança, posto que, em outros contextos, não ocorrem ou não se apresentam dessa mesma forma. Além disso, tais situações parecem estar acontecendo no contexto brasileiro, conjunturalmente, mas não de forma generalizada, uma vez que existem algumas poucas escolas, cursinhos, universidades, principalmente particulares, que remuneram muito bem seus professores e lhes conferem prestígio profissional. Creio que suas respostas não denotam convicção, isto é, não configuram qualquer rejeição intrínseca à profissão de professor como, por exemplo, “não gostar de trabalhar com alunos”. Por outro lado, os argumentos dos alunos para ela, não pareciam substanciais, pois eles não se posicionavam, claramente, sobre as questões epistemológicas de conhecimento e de docência, quando declaravam não desejarem ser professores. Tais ações/interações iniciais com os alunos — e havia momentos em que todos queriam falar, sempre querendo saber mais para “pensar sério” como disseram — possibilitaram que a Professora, como contraponto, fizesse uma exposição, evocando um episódio significativo de sua experiência pessoal, que pareceu elucidativo para alguns alunos. O episódio é por mim relatado, na forma como segue: Certa vez, seu vizinho a aborda no elevador, perguntando ironicamente: — Os professores da universidade estão em greve? Pelas mesmas razões de sempre, o salário? — Dentre outras coisas, respondeu a Professora, porque, além do salário, nós temos a exigência de melhores condições de trabalho e de certos direitos que nos estão sendo negados. — Pois é, viu Fulana? [Dirigindo-se a filha dele que o acompanhava]. Eu sempre fico me perguntando, de que adianta estudar, fazer um esforço tão grande, estudar!... Olha a Professora aí... [Apontando para a Professora] Por isso que eu lhe digo que não vale a pena, porque... Você sabe que eu não tenho estudo... [Dirigindo-se à Professora] Viu, Professora? Eu não tenho estudo, mas problema 37 www.unioeste.br a formação do sujeito professor de dinheiro eu não tenho. Não tenho problema de salário, de nada. Dinheiro não é problema prá mim. Aí, a Professora conta que virou para ele e firmemente disse: — E só. Como havia chegado ao seu andar, a Professora vai descendo do elevador e ele a interpela: — Espera aí Professora, o que a senhora está querendo dizer? — O que eu estou querendo dizer é isso mesmo: E só. [Se despede e vai para casa]. No outro dia, à mesma hora, o vizinho estava esperando por ela, quando ela se aproxima do elevador. Não estava mais com a filha, estava sozinho; parecia esperá-la deliberadamente para, de novo, abordá-la: — Professora, eu fiquei pensando naquela história de ontem, porque a senhora me disse: E só. — Ah!... Eu lhe disse isso mesmo. O senhor se lembra que o senhor me dizia jamais ter problema financeiro? Se comparava com os professores da universidade e dizia que dinheiro não lhe faltava, lembra? E eu lhe disse: E só. — Pois é... o que isso quer dizer? Diga, por favor... — Quer dizer o que eu lhe disse: O senhor só não tem problemas financeiros. — Mas eu ainda não entendi, Professora! O que isso quer dizer? — Pois eu vou lhe explicar: ao senhor pode não faltar dinheiro, somente dinheiro, porque, com certeza o senhor não pode compreender o mundo como os professores da universidade o compreendem. Eu lhe garanto que o senhor está muito longe disso. O homem ficou pensando, e ela ainda lhe disse: — O senhor não imagine que os professores das universidades são imbecis, porque não são! Eu posso lhe dizer por mim: quando eu optei por ser professora de uma universidade, eu sabia que não ia ficar rica, eu sabia que ia ter problemas salariais; mas prá mim era importante, em termos de vida, ser professora universitária, formando profissionais para darem conta deste país. Não foi para ganhar dinheiro, portanto. E eu não estou sendo imbecil por ser professora nem por estar tendo problemas financeiros. Ser Professora é uma coisa que me realiza, foi uma questão de escolha de vida. Eu preferi ter conhecimento para compreender, cada vez mais, o mundo... mesmo sem dinheiro! Os alunos pareciam pasmos com a história, muitos sem entenderem, provavelmente, mas em profundo e respeitoso silêncio. A Professora apresenta, então, aos alunos uma argumentação consistente, mostrando a eles que não deveriam subestimar a profissão de professor, não quererem ser professores por pensar que os professores, do jeito que estão, devem ir morar “debaixo da ponte”. Explicitou ainda que: www.unioeste.br 38 investigação em processo A má remuneração e o desprestígio profissional de professores são aspectos conjunturais deste país, pois, quando ela começara sua carreira, tinha prestígio e ganhava bem, tanto é que, como era solteira e com poucos gastos, no segundo mês de salário ela comprou um carro. Por isso, assinalava, o desprestígio é conjuntural e não estrutural: estava dizendo isso sem perder a fé, claro. Nesses relatos, existem aspectos curiosos da opção que a Professora faz para apresentar e enfatizar as idéias de compreensão do mundo. Conhecer não é só — mas também — para ganhar dinheiro, diz ela, ao relacionar a questão do conhecimento com a docência: Professora — Eu fiz a opção de não só estudar, continuadamente, mas, também, de socializar este conhecimento, ao ser Professora. Enfatiza aos alunos que sentia a responsabilidade de contribuir para este País, no âmbito de sua profissão docente, dentro das suas possibilidades, e que lhe parecia importante e necessário ser professora. Que poderia ter sido apenas pesquisadora e publicar livros e artigos, mas preferiu ser Professora-pesquisadora, ensinar, investigar, analisar, contribuir, publicar, no âmbito da sua prática pedagógica que é a sua prática social. Compreender o mundo, conhecer, ter essa leitura do mundo era tão importante e desejável como ter muito dinheiro. Por isso tinha optado por compreender o mundo, optara pelo saber, mas lutava, via de regra, pela justeza do seu salário, fazia greve. Este episódio, ocorrido na sala de aula, proporcionou aos alunos pensar a questão da opção pelo magistério e, certamente, alguns alunos puderam pensar mais, refletir sobre a opção que já haviam feito. Os alunos pareceram-me surpresos naquela ocasião. Pareceu-me que eles jamais haviam pensado a questão da docência pelo ângulo que a Professora lhes mostrara: implicando uma leitura de mundo, uma compreensão do mundo que o magistério pode dar e o conhecimento que um professor bem informado pode ter, usar e socializar na interação de sala de aula, no processo de ensinoaprendizagem-conhecimento com todos os seus alunos. A Professora, em outra ocasião, apresentou um outro exemplo de impacto que considero importante relatar: Há alguns anos, começara a estudar Química, sozinha, para conhecer essa ciência. Para tanto, pedia a ajuda de seus colegas 39 www.unioeste.br a formação do sujeito professor professores e alunos de Pós-graduação, na Universidade onde trabalhava, quando não compreendia bem um conceito ou outro. Mas, quando começou a entender Química, o mundo para ela ficara muito diferente. Porque o mundo sem Química não era tão significativo, como o mundo com Química, desde que se conhecesse, compreendesse e pusesse no mundo, em relação, a Ciência Química. Desde que se aprendesse realmente química, se assimilasse os saberes e os conhecimentos químicos tornando-os “semelhantes a si”, fazendo-os seus. Em função disso, a Professora continuou dialogando com os alunos, debatendo sobre os valores tidos como fundamentais, aos quais se atribui, por razões ideológicas, maior importância em nossa sociedade. Assim, fez uma incursão sobre o tema da profissionalização do professor, suas dificuldades e suas gratificações. Neste sentido e perspectiva, de que cada um precisa fazer sua opção, em âmbito escolar, a ênfase dada pela Professora para os debates fora de que “conhecer é compreender o mundo”. Isto porque cada um faz sua opção: dinheiro é muito importante, mas dá para “trocar” pelo conhecimento? As provocações tinham sentido reflexivo. Em uma aula subseqüente, alguns alunos retomaram a questão para dizer à Professora que “até admitiriam ser professores, só que, exclusivamente, em cursos superiores(!)”. Como a questão fôra posta em pauta, a Professora procurou saber da classe quantos haviam mudado de idéia e já pretendiam ser professores. As respostas então obtidas apresentavam-se substancialmente alteradas frente aos resultados da primeira consulta, quais sejam: 22 alunos tinham convicção de que seriam professores; 04 não pretendiam jamais ser professores; 12 admitiam a possibilidade de vir a serem professores em cursos superiores; 10 se encontravam em dúvida. Percebia-se uma clara mudança de vários alunos em relação ao seu posicionamento da aula anterior. Por que houve tal mudança? Até que ponto a argumentação da Professora, na primeira aula, influenciou algumas posições anteriores? Este episódio é importante à medida que apresenta elementos limitantes da questão da formação do professor, uma vez que se incorporou, em nossa sociedade, um juízo de valor superior, atribuído aos cursos de bacharelado e, consequentemente, à pesquisa, em detrimento da licenciatura, da docência e da profissão www.unioeste.br 40 investigação em processo do professor. Isso configura nas Universidades, em termos endossados por professores universitários, a não valorização da carreira do magistério, quer na não alocação eqüitativa de recursos, quer na falta de condições físicas, de materiais e equipamentos para as Licenciaturas. Um documento divulgado pelo Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), de 1996, apresenta uma análise incisiva sobre a formação de professores nos seguintes termos: Inúmeros países vêm desenvolvendo políticas e ações agressivas na área educacional, cuidando sobretudo dos formadores, ou seja, dos professores, que são personagens centrais e mais importantes na disseminação do conhecimento e de elementos substanciais da cultura [...]. Em contraponto, quase nada tem sido feito no Brasil quanto à qualidade da formação e à carreira dos professores, para ajudar a reverter o quadro, que sabemos dramático, do nível educacional da população em geral. E, mais grave ainda, é que a profissão de professor tem se mostrado cada vez menos atraente para camadas importantes de nossa juventude, tanto pelas condições de ensino dos cursos em si [quanto] pelos aspectos salariais e de prestígio social (Gatti, 1996: 1-2). 2.3.3 Episódio 3 - Freqüência: “controle burocrático” ou “instrumento de poder”? Uma outra questão inicial interessante na classe de Didática, disse respeito à “falta de hábito” da Professora de “fazer chamada oral” dos alunos (e eram 54!), conforme ela própria confessara. O episódio pode ser narrado da seguinte forma: a Professora de Didática, no segundo dia de aula, dirigiu-se aos alunos procurando negociar uma maneira simples de resolver uma das questões burocráticas que se encontram presentes cotidianamente em todas as salas de aulas. Ela assim se dirigiu aos alunos: Professora — Há muitos anos, trabalhando na Pós- Graduação, não tenho mais o hábito de usar o diário de classe, nem de fazer “chamada oral”, para registrar as presenças. Gostaria que vocês me sugerissem algo que pudesse fazer o mesmo efeito, que nos levasse a economizar tempo, mas que atendesse às normas da Universidade que (ainda!) exige o registro da presença do aluno em diário de classe. Aluno 1 — Não usa [o diário] isto é simbólico. Aluno 2 — Passa uma folha e todos assinam. O representante da 41 www.unioeste.br a formação do sujeito professor turma fica responsável (o grupo aderiu a esta idéia). O representante da turma assumiu, responsavelmente, a incumbência, de forma tal que resistia fortemente a deixar os seus colegas “assinarem a freqüência” se ele achasse indevido ou injusto. Muitas vezes, a Professora buscou, sutilmente, intervir em favor dos alunos que sofriam com tal resistência. A estrutura e os instrumentos de controle numa sala de aula parecem muito subjetivos, mas demonstram parte da crença tanto de alunos como de professores e dirigentes das instituições. E o poder facilmente se revela nos controles, de forma semelhante ao caso relatado. O representante da turma, facilmente, passou a ser “o dono do registro da freqüência dos colegas”. Porém, outros dois episódios que aconteceram no decorrer do semestre podem ser relacionados a este para nos propiciar mais elementos de reflexão. A Professora contou-me sobre um destes momentos, ocorrido alguns dias depois do episódio sobre o registro da freqüência dos alunos: Conforme havia ficado combinado, a cada aula era assinada pelos alunos uma lista de chamada e, de modo informal, após todos os presentes a assinarem, ela ficava sobre a mesa da professora, de tal modo que se algum aluno chegava atrasado, passava junto à mesa e assinava seu nome na lista, na presença da Professora. A Professora narra o episódio ocorrido, enfatizando a questão-chave: Professora — Um dia, porém, um aluno que chegara atrasado, demonstrando pressa, passa, assina seu nome e, em seguida, vai escrevendo também o nome de outro colega na lista. A Professora, que observou o aluno acrescentando o nome do colega, dirigiu-se a ele e disse: — Fulano, não precisa acrescentar o nome do beltrano, porque ele já chegou. E o nome dele já está na lista. Outra vez, quando você for acrescentar o nome de alguém, acho que você deveria olhar primeiro quem já chegou. Ainda, num outro dia, os alunos voltaram a falar no assunto da freqüência e uma aluna pergunta à Professora: — Ninguém vai ser reprovado pela freqüência, não é Professora? Professora — É, isso mesmo. Mas eu preciso ter aqui comigo aqueles que realmente quiserem aprender e os que acharem que eu tenho algum saber e conhecimento que precisasse ser ensinado. No caso citado, a chamada dos alunos no diário de classe, onde se registram as presenças, mas também as faltas, parece www.unioeste.br 42 investigação em processo evidenciar que, para os alunos, esse rito não possui importância, mas as formas alternativas negociadas valem. Por um lado, eles reconhecem que a chamada se trata apenas de uma representação do controle burocrático da instituição; por outro, reconhecem, também, que o professor, se ele o quiser, assumirá a burocracia que pode ser “driblada”, ou definirá outros critérios com os alunos, os quais geralmente são bem aceitos. Sobre sua percepção desses episódios, a Professora disse que sua observação ao aluno não tinha a intenção de dar lição de moral, que tinha apenas a intenção de fazer uma observação que ensejasse surpresa e reflexão. Ela ainda afirmou que, após esses episódios, os alunos deixaram de se preocupar, mas, quase todos os alunos da classe, lá estavam na aula, “cheios de pique”. Refletindo sobre o caso, a Professora declara que tanto o diário quanto o controle não fazem parte de seus hábitos há anos. Contudo, reconhece que fazem parte das exigências legais. Sendo assim, parece que ela não almeja que os alunos tão somente estejam presentes em função da presença anotada. Ela parece querer dizer aos alunos que não precisa usar, não quer ou não deseja lançar mão deste tipo de controle, para influir sobre a aprovação ou reprovação dos seus alunos. Em suma, ela deve acreditar que só a presença física obrigatória não faz qualquer sentido em aula. A Professora acredita que, muitas vezes, apenas uma observação reflexiva e a segurança de que o controle não será punitivo é o suficiente para resolver o problema e possibilitar uma mudança de conduta dos alunos em caso como esses. Nota 1 A idéia de perfil procura evitar o estereótipo habitualmente presente em trabalhos de pesquisa desta natureza. Mas, se fizer sentido, se fossemos fazer uma caracterização com o estereótipo de perfil, diríamos que: a classe é constituída de 54 jovens, de faixa etária entre 19-35 anos, com concentração entre 21 e 22 anos. Considerada como uma classe de bons alunos/as por seus professores. Não foi perceptível qualquer desvio, dependência de droga, comportamento indevido ou politicamente incorreto ou qualquer desvio comportamental. A classe, portanto, pode ser definida como grupo de alunos/as comuns, regulares. * * * 43 www.unioeste.br a formação do sujeito professor www.unioeste.br 44 CAPÍTULO III LEITURA E ESCRITA: CONTRIBUIÇÃO OU LIMITAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS/BIOLOGIA? •♦• Face ao reconhecimento, tácito ou explícito, de que a questão da linguagem é fundamental no desenvolvimento de todo e qualquer homem; de que ela é condição sine qua non na apreensão de conceitos que permitem aos sujeitos compreender o mundo e nele agir; de que ela é ainda a mais usual forma de encontros, desencontros e confrontos de posições, porque é por ela que estas posições se tornam públicas, é crucial dar à linguagem o relevo que de fato tem (Geraldi, 1993: 05). 3.1 O planejamento de ensino de Didática das Ciências/ Biologia Considerando que o conhecimento é construído na interação social, no âmbito da linguagem (nas suas mais variadas formas de expressão), e que só se formam professores competentes, mediante um corpo consistente de conhecimentos, a Professora de Didática planejou seu curso com base em leituras, cuidadosamente selecionadas, possibilitando a construção, com os alunos, de um conjunto de reflexões e conteúdos que contribuíssem significativamente para que eles se constituíssem sujeitos professores de Ciências/Biologia. A fim de conhecer as concepções da Professora sobre este assunto, perguntei-lhe como realizava seu planejamento de ensino: ela respondeu que jamais definia o planejamento de uma disciplina a ser ministrada por ela, sem conhecer primeiro os alunos; ela gostava de sondar as necessidades deles e acreditava ser possível definir, com os alunos, alguns conteúdos das Ciências/Biologia e, a partir deles, trabalhar, definindo a abordagem, ou seja, das 45 www.unioeste.br a formação do sujeito professor questões epistemológicas para as questões teórico-metodológicas. Após discutir com os alunos em algumas aulas sobre um Plano de Ensino, que pudesse ser viável para desenvolver-se no tempo que dispunham (11 semanas), ficaram definidas algumas unidades básicas: 1. Questões de ensino, aprendizagem e conhecimento, baseadas nos artigos: ARAGÃO, Rosália M. R de. “Reflexões sobre ensino, aprendizagem, conhecimento’. In: Revista Ciência e Tecnologia (Ensino de Ciências). Piracicaba: Editora da Unimep, 1993. Ano 2, nº 3, jul/93; COLL, César. “Os fundamentos do currículo”._____. Psicologia e currículo. São Paulo: Edusp, 1996. 2. O ensino de conhecimentos conceituais das Ciências/Biologia. Tema escolhido: evolução. Baseado no texto: CHAVES, Silvia N. Evolução de idéias e idéias de evolução: a evolução dos seres vivos na ótica de aluno e professor de Biologia do ensino secundário. Campinas, 1993. Dissertação (Mestrado), Unicamp. Além disso, foram indicados textos usuais de Biologia, selecionados pelos alunos. 3. O ensino de conhecimentos representacionais das Ciências/ Biologia. Tema escolhido: átomo. Textos usuais de Química, escolhidos pelos alunos. 4. O ensino de conhecimentos processuais das Ciências/Biologia. Tema escolhido: fotossíntese, baseado no texto: GUIDO, Lúcia de F. E. A evolução conceitual na prática pedagógica do professor de ciências das séries iniciais. Campinas, 1996. Dissertação (Mestrado), Unicamp. A Professora afirmou que a forma de abordagem e desenvolvimento dos temas, como ficou definido com os alunos, levou-a a apresentar certos textos, não usuais, dos quais eles gostaram, mas acharam dificílimos. Entretanto foram as interações nas aulas, com base nesses textos, que levaram aos acontecimentos relatados nos próximos episódios. 3.2 Episódio 4 - Visões desencontradas de leitura: um texto é para ler!? Um professor de Ciências e Biologia precisa ser versátil na leitura e escrita? A falta de leitura por parte de professores e alunos afeta a qualidade do curso? Um futuro professor, como qualquer outro profissional, precisa ter clara a importância da leitura para sua formação. Formação implica experiência e liberdade (Cf. www.unioeste.br 46 leitura e escrita: contribuição ou limitação? Larossa, 1998). Se assim for, os licenciandos precisariam envolverse com a leitura, necessitariam ler, para conhecerem os mais diversos pontos de vista e argumentos dos autores, a fim de enriquecerem suas próprias idéias e argumentos e ampliarem o seu espaço de opção e liberdade, constituindo-se sujeitos. A partir da definição dos temas, quando do Planejamento de Ensino, a Professora relata, com sentimento de pesar, um dos episódios iniciais ocorrido na sala de aula: quando ela entrega o primeiro texto a ser lido pelos alunos e se desconserta porque acreditara que bastaria fazer chegar o texto às mãos de seus alunos, e orientá-los quanto à leitura, para que a aula subseqüente pudesse ser profícua. Este episódio ajuda-nos a iluminar o tema da formação e estabelecer pontos para reflexões sobre a leitura e escrita na formação do “sujeito professor”. A professora narra o episódio nos seguintes termos: Quando eu entreguei o primeiro texto [à classe], um artigo científico de minha autoria — Reflexões sobre Ensino, Aprendizagem, Conhecimento... — eu me desconsertei porque achei que bastaria entregar em mãos, a cada aluno, as xerocópias, como fiz... e orientálos quanto à leitura. Contudo, na outra semana eu perguntei: — “Vocês leram?”. Os alunos me responderam: — “Não...” Eu perguntei, então: — “E por quê?” E os alunos responderam: — “Porque... você não pediu” [Risos]. Ora meu Deus do Céu! Eu endosso: Para que serve um texto? A professora me diz como se estivesse falando para si própria, refletindo: Parece óbvio, ululante... Se eu digo aos alunos: “O primeiro texto que nós vamos ler é esse daqui. Um artigo reflexivo sobre concepções de ensino-aprendizagem-conhecimento. Eu trouxe de presente para vocês, está aqui, em mãos! Vocês façam uma leitura assim.... assim... assado”. E na outra semana... Ninguém leu?! E os alunos perguntarem: “Era prá ler?... A senhora não pediu, Professora. A senhora não disse: Leiam para a próxima semana”. Em seguida, a professora comenta em tom reflexivo e compreensivo: “Era verdade, eu não havia dito isso. E o que isso significa? Nada? Que eles são vagabundos? Não”. Perguntei à professora que análise ela fazia deste episódio, para poder compreendê-lo? Ela me respondeu: “Significa, ao meu ver, que eles 47 www.unioeste.br a formação do sujeito professor estão habituados a seguir instruções. Dependem delas. Eles só respondem a instruções claras. Do tipo comando: Busque isso, faça aquilo, faça aquilo outro...” Eu endosso: É. Tem de ter uma palavra de comando, uma ordem expressa autoritariamente, para eles atenderem... A professora acrescenta: “E a leitura, seja qual for o tema, como não os fascina, não parece ter sentido nem significado para eles... Precisa ser ordenada, definida por uma ordem clara que parte de quem comanda, o professor: Leiam!”. A professora continua sua análise: “Ao meu ver, não é que eles sejam vagabundos ou não possuam vontade de estudar. Não! Ao contrário, o episódio da mudança das três professoras de Didática deixa claro que eles têm sede de aprender, eles querem, eles buscam, eles exigem mais... E, muitas vezes, são enganados”. Eu concordo com a reflexão: — É verdade! Eles têm vontade, eles vêm para um curso noturno, eles são inteligentes, eles estão preocupados... Então, o que falta a esses alunos? Eles não são culpados; eles estão perfeitamente no lugar até onde os levaram. Pensamos juntas, mas silenciosas, que, também, não é uma questão de “fraqueza do alunado”. Contudo, observam-se situações constrangedoras, de falta de entendimento, de condutas sempre esperadas de estudantes universitários... E, neste caso, os nossos alunos, supostamente, futuros professores! Não estaríamos exigindo demais desses alunos, antes de regularmos nossa linguagem, com a nossa estranheza?! A partir desta e de outras experiências das suas aulas de Didática, a professora, assim, assinala, de acordo com sua visão, a relevância da leitura: “As principais dificuldades encontradas e, de certa forma, mantidas nessa turma, advém do fato de eu configurar que o maior entrave, para mim, foi a distorção leituraescrita que eles sobejamente apresentavam...”. Se formação implica experiência e liberdade, os licenciandos precisariam envolver-se com a leitura, necessitariam ler muito mais, a fim de enriquecerem suas próprias idéias e argumentos. Contudo, ao que parece, não é esta a prática desses alunos. Suas histórias na universidade apontam noutra direção. Eles lêem muito pouco e não possuem condições necessárias à leitura, de tempo e de acesso a livros. www.unioeste.br 48 leitura e escrita: contribuição ou limitação? Considerando que estão num curso de Formação Inicial de Professores, considero extremamente graves as lacunas e dificuldades de leitura que os alunos, via de regra, apresentam, posto que não podemos formar bons professores sem uma base substancial de conhecimentos, sem que formemos, portanto, a um só tempo, leitores. Qualquer formação diferenciada, em termos de boa qualidade, dá-se principalmente pelas leituras, associadas a um cuidadoso trabalho de mediação docente que propicie, permanentemente, ajuda pedagógica dos docentes formadores aos futuros professores. O quadro é agravado, ainda mais, quando, aliado às informações dos alunos, que nos revelaram que poucos deles desejam ser professores (40 % dos alunos); eles se matriculam num curso de formação de professores, por motivos circunstanciais e não por opção genuína. Assim, questões fundamentais, relativas à leitura por parte dos alunos, não podem deixar de ser investigadas. A professora de Didática perguntou aos seus alunos: “O que vocês têm lido no curso...?”. É ela própria quem responde: Eles informam que 70% do que lêem são apostilas. De que natureza? Valeria a pena investigar o que eles chamam de “postilas”. Contudo, pode-se contar com os alunos para dizerem, para oferecerem exemplos, materiais, evidenciando em que consiste a leitura típica deles: são resumos, que manifestam um único ponto de vista, o do professor. Eles acham que não pensam, por quê? Está a questão da leitura relacionada com o saber pensar, o buscar pensar, o ter oportunidade para pensar? Os alunos sempre dizem: A gente não precisa pensar para fazer os trabalhos solicitados ou responder às perguntas que são feitas nas provas — nem em exercícios. Basta recordar, se lembrarem o que o professor disse em aula e repetirem, mesmo sem compreensão, fica tudo bem. Os episódios evidenciadores de que os alunos acham que não pensam, causaram grande impacto, principalmente na professora. Em entrevista, a mim concedida, a professora ressalta que a leitura foi a principal dificuldade encontrada no seu trabalho com os alunos. Para encaminhar as discussões que aqui emergem, mediante as falas dos alunos e da professora sobre a importância da leitura e escrita na formação do professor (e na formação de qualquer profissional), torna-se importante investigar e compreender mais 49 www.unioeste.br a formação do sujeito professor sobre linguagem e construção do conhecimento, para ampliar nossa compreensão. No ser humano, pode-se assinalar a imbricação linguagempensamento. As crianças, por exemplo, utilizam a linguagem para saltar de uma imagem criativa a outra e, ainda, para avaliar as possibilidades. A fala egocêntrica, estudada por Vygotsky e Piaget, quando as crianças falam em voz alta, apenas para benefício próprio, é através da fala que a criança estrutura claramente sua ação, dizendo em voz audível suas intenções de ações, planejando para atingir determinado fim, mas, também, faz a avaliação da sua ação, quando fala dos possíveis resultados desta ação, se a mesma for executada. Claramente, ela demonstra o uso da linguagem, estruturando seu pensamento e sua ação. Concebendo a linguagem como um processo sócio-histórico, cultural e psicológico, busco através de diversos autores, compreender a importância da linguagem na construção do “sujeito professor”. Estabelecendo-se, como pressuposto teórico que linguagem é pensamento, a comunicação sempre é um processo social. Assim, temos como princípio fundamental “o conhecimento como algo socialmente construído, também conhecido como aproximação sociocultural, e que se dá no processo de interações histórico-sociais do homem. A comunicação é fruto dessa construção de signos e sinais, construídos graças à criação e manipulação de situações sociais, e nos comunicamos através da transmissão destes signos. Portanto, a comunicação é sempre uma criação da comunidade” (Lemke, 1997: 12). Nesta percepção do conhecimento, como construção humana sócio-histórica, a linguagem apresenta dupla função, a função cultural (comunicar) e a função psicológica (pensar) que não estão realmente separadas (Mercer, 1997:15). Na sua função cultural, a linguagem permite a intercomunicação com os membros de uma comunidade, de uma etnia lingüística. Apresentando-se como resultado de construtos coletivos, a linguagem traz em si a marca da história e da própria vida do homem, propiciando seu desenvolvimento, como ser social. Qualquer espécie possui códigos de comunicação, mas a linguagem proporciona ao ser humano a construção social e histórica de sua www.unioeste.br 50 leitura e escrita: contribuição ou limitação? civilização. Enquanto permite as trocas necessárias ao trabalho coletivo, social, permite que o saber acumulado seja transmitido e que se construa, a partir do passado, presente e futuro, na perspectiva histórica. A função psicológica da linguagem — pensar —- propicia ao homem que estruture seu próprio pensamento, codifique-o e o transmita. Também em sentido inverso, ouve a fala dos seus pares, a decodifica e a incorpora ao seu conhecimento anterior, atribuindolhe significado. Por isso, concebe-se a linguagem tanto como uma capacidade humana de construir sistemas simbólicos quanto como uma atividade constitutiva, cujo locus de realização, dentre outros, é a interação verbal. Segundo J. W. Geraldi, nesta relacionam-se um eu e um tu e, na relação, constroem os próprios instrumentos (a língua), que lhes permitem a intercompreensão. Obviamente nascemos num mundo, onde muitos eus e muitos tus já se encontraram. A língua é uma destas formas de compreensão, modo pelo qual cada um de nós apreende os sentidos das coisas, das gentes e de suas relações. Assim, de acordo com J. W. Geraldi (1996: 67) e M. Bakhtin (1977: 406), a aquisição da linguagem, dando-se pela internalização da palavra alheia, é, também, a internalização de uma compreensão de mundo. As palavras alheias vão perdendo suas origens (ser do outro), tornando-se palavras próprias (internas), que utilizamos para construir a compreensão de cada nova palavra, e assim, ininterruptamente. É neste sentido que a linguagem é uma atividade constitutiva: é pelo processo de internalização do que nos era exterior que nos constituímos como os sujeitos que somos, e, com as palavras de que dispomos, trabalhamos na construção de novas palavras. Também, aqui, um trabalho ininterrupto. Por isso a língua não é um sistema fechado, pronto, acabado, de que poderíamos nos apropriar. No próprio ato de falarmos, de nos comunicarmos com os outros, estamos participando, queiramos ou não, do processo de constituição da língua. Um enunciado nunca é somente reflexo ou expressão de algo já existente, dado e concluído. Um enunciado sempre cria algo que nunca havia existido, algo absolutamente novo e irrepetível, algo que sempre tem que ver com os valores (com a verdade, com o bem, 51 www.unioeste.br a formação do sujeito professor com a beleza etc.). Porém, o criado sempre se cria do dado (a língua, um fenômeno observado, um sentimento vivido, um sujeito falante, o concluído por sua visão de mundo etc.). Todo o dado se transforma no criado (Bakhtin, 1997: 42). É no espaço da interlocução que se constituem os sujeitos, a linguagem, o conhecimento. Como os sujeitos não são cristalizações imutáveis, os processos interlocutivos estão sempre a modificálos. Ao modificar o conjunto de informações de que cada um dispõe a propósito dos objetos e dos fatos do mundo; ao modificar as crenças pela incorporação de novas categorias e, até mesmo, ao modificar a linguagem com que falamos e representamos o mundo e as relações dos homens neste mundo, os processos interlocutivos e mesmo os próprios sujeitos vão se constituindo (Cf. Geraldi, 1993: 27-29). Construir sentidos no processo interlocutivo demanda o uso de recursos expressivos e estes têm situacionalmente a garantia de sua semanticidade, já que “o sentido da frase — dir-se-ia — pode deixar em aberto isso ou aquilo, mas a frase deve ter um determinado sentido. Um sentido indeterminado não seria propriamente sentido nenhum” (Wittgenstein, 1975: 52). O que permite a um sujeito compreender o sentido que o interlocutor procura estabelecer em sua mensagem? Provavelmente dominar um sistema de referência (experiências, conceitos, leituras, etc.) semelhantes ao que o seu interlocutor possui, isto é, que o sujeito possa atribuir significado e possua compreensão semelhante ao que atribui o seu interlocutor. Os alunos do quinto período de Biologia demonstraram dificuldade em decodificar, compreender o significado que a professora queria dar à sua fala. Não acostumados a uma rotina de leituras permanente, eles tomam o texto que a professora lhes entrega e não o lêem. Parecem não compreender as palavras da professora, quando os orienta de como proceder à leitura do texto em pauta e sobre quais os objetivos eles precisariam estabelecer naquela leitura. Mesmo concordando que não seria necessário um grau de explicitação — a ponto de a professora de Didática ter de dizer “eu quero que vocês leiam este texto para a próxima aula — eu quis compreender por que a professora não pediu para eles lerem? A professora explica: www.unioeste.br 52 leitura e escrita: contribuição ou limitação? Por que eu não pedi para eles lerem?... Porque eu passei vinte e cinco anos em uma outra universidade, e nunca pedi para nenhum aluno ler. Ler era algo absolutamente pacífico, era tácito para os alunos (...). Se eu chegar com um livro na sala de aula, apresentar o livro, claro que eu estou querendo que se leia. Não é só para exibir. E eles ficaram pensativíssimos quando eu, ainda, lhes disse: “Ir à biblioteca em uma outra Universidade, onde trabalhei, acho que resultava numa freqüência maior que a do cafezinho”. Como o trabalho com a linguagem vem se caracterizando cada vez mais pela presença do texto, quer como objeto de leituras quer como trabalho de produção presente em qualquer das disciplinas que são usualmente ministradas (técnicas ou não), os elementos deste episódio nos remetem ao estudo e à compreensão da atribuição de sentidos à fala do outro, pelos sujeitos. Os alunos, talvez habituados à linguagem denotativa, não compreenderam o significado das palavras da professora, que expressavam sua intenção; quando ela lhes entregou o texto, esperava a leitura por parte dos alunos. Sobre este tema, busco em J. W. Geraldi considerações importantes: No processo de compreensão ativa e responsiva, a presença da fala do outro deflagra uma espécie de “inevitabilidade de busca de sentido”, esta busca, por seu turno, deflagra que quem compreende se oriente para a enunciação do outro. Como esta se constrói tanto com elementos da situação quanto com recursos expressivos, a adequada compreensão destes resulta um trabalho de reflexão que associa os elementos da situação, os recursos utilizados pelo locutor e os recursos utilizados pelo interlocutor para estabelecer a correlação entre os dois primeiros (Geraldi, 1993: 19). É necessário um traço de união para compreender a mensagem, ou, como diz M. Bakhtin, a enunciação de outrem: Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão (...). A compreensão é uma forma de diálogo; ela está para a enunciação assim como uma réplica está para a outra no diálogo. 53 www.unioeste.br a formação do sujeito professor Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra. É por isso que não tem sentido dizer que a significação pertence a uma palavra enquanto tal. Na verdade, a significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre os interlocutores, isto é, ela só se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva (Bakhtin, 1977: 131-132). Estas compreensões desvelam “nossas contrapalavras” às palavras dos outros. É por isso que na “‘minha’ palavra me (re)velo, e na contrapalavra `a palavra do outro que me constitui como sujeito” (Geraldi, 1996: 139). Portanto, no foco central da formação, não só do professor, sujeito deste trabalho, mas na formação e constituição do sujeito, a questão da linguagem é fundamental. É na questão relativa à linguagem que o mundo acadêmico objetiva a aquisição do conhecimento pelo futuro profissional, que possa falar com os de seu grupo e atribuir um significado mais próximo ao sentido dos seus interlocutores, estejam eles presentes, mediante a fala, ou presentes, mediante seus textos escritos. Assim, a leitura e a escrita constituem-se na atividade essencial da formação acadêmica. Para que, a partir da compreensão, da significação próxima ao sentido do autor, ele possa atribuir, principalmente, significado para si, estabelecendo sua própria leitura do texto. 3.3 Episódio 5 - O que lêem os alunos do Curso de Biologia? Como lêem? Por que lêem? Que orientações recebem? Investigando o processo pedagógico nas situações processuais de ensino, as condições de leitura e escrita evidenciaram-se como um importante obstáculo epistemológico a ser superado para a melhoria dos resultados esperados no ensino e aprendizagem dos futuros professores. A fim de conhecer e buscar elementos que nos permitissem melhor compreensão, investiguei algumas das condições de leituras na formação profissional no Curso de Ciências/Biologia, em turmas do 2º, 6º e 8º períodos do ano de 1997, através da realização de pesquisa, com aplicação de questionários a 66 alunos. Os dados obtidos, através da investigação, podem auxiliar na compreensão de alguns episódios www.unioeste.br 54 leitura e escrita: contribuição ou limitação? ocorridos em sala de aula, e aqui destacados, a respeito das dificuldades dos alunos, advindas do baixo índice de leitura e, ainda, do tipo de prática de leitura que lhes era familiar, consideradas como obstáculos pela Professora de Didática. Tais dados, apresentados no decorrer deste trabalho, revelam uma situação bastante preocupante com o baixo índice de leitura, informação e escrita dos acadêmicos. Os indicadores obtidos ajudam a discutir a importância destes na formação dos futuros professores. Ao procurar identificar os hábitos de leitura, os alunos de vários semestres, também do 5º, responderam — (48%) quase a metade dos alunos de Biologia — que durante todo um semestre de aulas leram apenas 01 (um), no máximo 02 (dois) livros, ou não leram nenhum livro. Sobre a natureza das leituras realizadas, eles responderam que dos livros lidos no último semestre, 50% eram de natureza Didática; 27% foram livros técnicos; 23% dos livros eram de auto-ajuda; 17% romântico-amorosos; 14% de poesias; 13%, aventura, e 9% de ficção-científica. Estes índices destacam-se, principalmente, ao considerarse que são relativos a alunos que se preparam para serem professores. Nas interações com a classe, a Professora de Didática ficou surpresa, quando, após a entrega do seu primeiro texto, percebeu que os alunos não apresentavam sequer termos adequados de referência. Ela observa: “Eles chamam meu artigo de ‘postila’ e eu não aceito”. Eis o diálogo, a respeito, entre alunos e Professora: Alunos — É a “postila” que a senhora deu... Professora — Eu nunca dei “postila” para vocês. Eu não! Vocês estão confundindo, não fui eu não. Alunos — Não, Professora, aquela.... “Reflexões sobre ensino”. Professora — Aquilo não é “postila”, aquilo é um artigo, um artigo científico. Alunos — Ah!! (Com expressão de que compreenderam a mensagem e percebem o equívoco). E eles começam a corrigir a linguagem. A Professora mesma faz a análise crítica da situação, quando diz: “Esse tipo de contexto é precioso. Eles não têm sequer o termo de referência, eles não estão nem familiarizados com o termo de referência. A leitura de um artigo é leitura de ‘postila’. ‘Artigo’ ou 55 www.unioeste.br a formação do sujeito professor ‘postila’, tanto faz!... Ambos são textos gráficos!” Estes episódios demonstram que, verdadeiramente, os alunos estão na Universidade e, na maioria das vezes, terminam o curso de graduação sem “saber ler”, isto é, “lêem sem ler”. E ainda sem desenvolver gosto pela leitura. Ao meu ver, os alunos, mesmo universitários, via de regra, não sabem ler, porque ler não é apenas buscar alguma informação em um texto. Isto eles conseguem. Ler, efetivamente, é ser capaz de, pela leitura, lidar com um ou mais textos e compreender sua ou suas mensagens, atribuindo significados e compreendendo sentidos, no estabelecimento de relações entre eles e, nos textos, em si mesmos. É ser capaz de analisar e usufruir da sua mensagem para seu conhecimento, de acordo com sua realidade e suas concepções. Que questões podem estar ocultas nas teias complexas das relações sociais - políticas - educacionais, que episódios como esses nos evidenciam? Os episódios ocorridos com tais alunos nos remetem a múltiplos problemas, intrínsecos a relações sociais, econômicas, políticas, educacionais imbricadas na vida destes estudantes e que agem diretamente sobre as condições de estudo destes. Os nossos alunos demonstram dificuldades onipresentes na vida de alunos trabalhadores. Nos seus relatos e comentários, podemos perceber diversos aspectos e vários níveis destes, influenciando em suas vidas, enquanto alunos e, enquanto pessoas. Os alunos dividem suas opiniões sobre o volume de leituras solicitadas no seu curso. Nas suas respostas, apenas 1% respondeu que achava ótimo, enquanto que 49% acharam suficiente; e 45% acharam insuficientes. Alguns justificam serem as leituras insuficientes por razões tais como: “acho insuficiente, pois fazendo estágio, trabalhando e estudando, há muito pouco tempo para leitura”; “é suficiente para a realidade dos alunos do período noturno, pois a maioria não tem tempo disponível. Porém para uma aprendizagem acho que é pouco”; “Pois estes [os livros] que tratam de Educação, não tenho interesse, porque não serei professor”. Os alunos, segundo dizem, geralmente lêem, em espaço e tempo determinados, tais como: No meu trabalho, durante as folgas; no horário do almoço, no ônibus; antes de dormir; no banheiro; em casa, de madrugada; à noite, ao www.unioeste.br 56 leitura e escrita: contribuição ou limitação? chegar da faculdade; no intervalo do almoço; intervalo da aula; no meu estágio, quando há tempo; no trabalho; no fim-de-semana. Alguns são mais explícitos quando informam: Alguns livros e revistas para trabalho de monografia, só leio às vezes, quando tem prova. Leio durante as viagens, (pego 5 ônibus por dia). Durante a semana, na hora do almoço, porque faço estágio e, nos finais de semana, leio em casa, no lugar que mais gosto. Nos finais de semana, chego a ler boa parte do dia, às vezes, chego a ler o dia todo, se gosto do assunto. Como alunos adultos, que freqüentam um curso noturno, a maioria necessita trabalhar para manterem-se financeiramente, bem como para pagar o seu curso universitário. Portanto, segundo suas falas, já apresentadas, eles trabalham durante o dia, viajam até Piracicaba, estudam a noite, quando as aulas terminam às 23 h. realizam a viagem de volta, chegando em casa por volta da meia noite ou 1 h. da manhã, muitas vezes, ainda sem jantar. Que condições de tempo e, até mesmo, disposição física podem possuir estes alunos para ler, estudar, pesquisar, fazer os trabalhos solicitados pelos professores? Além disso, é importante ressaltar que suas experiências quanto ao ensino-aprendizagem e a relação com a leitura, são frutos do ensino por Transmissão- Recepção (T-R); e, ainda, apoiados unicamente em apostilas, em geral, resulta que os alunos não conseguem aprender a estabelecer interações efetivas com a linguagem escrita, seu sentido e significados. Compreendendo a importância das interações com a leitura, na construção do conhecimento dos alunos, para atribuir significados às palavras “alheias” e ter condições de estabelecer suas contra-palavras às palavras do outro, a Professora de Didática realiza uma cuidadosa seleção dos textos, para trabalhar com os alunos do 5º período de Biologia. Intencionando que os alunos possam, no futuro, tornar suas, as palavras alheias e que possam evoluir em suas concepções, tendo em vista sua formação como professor. A Professora de Didática me disse que considera importante a seleção do texto didático para a formação dos professores. Em função disso, elaborei as seguintes questões: Como são 57 www.unioeste.br a formação do sujeito professor selecionados textos didáticos? Que critérios devem ser considerados? A Professora de Didática respondeu da seguinte forma: Eu tinha “n” autores a considerar, mas eu tinha uma clientela específica de uma Universidade que é do noturno e que congrega nesta situação de ensino do noturno 54 sujeitos. E quem são esses sujeitos? Alunos trabalhadores. Eu não poderia trabalhar com textos longos; eu tinha que buscar a maior clareza possível, eu tinha que buscar uma leitura mais fácil, porque eu sabia que eles não sabiam ler, e ainda fui quebrar a cara com a leitura. Mas, eu vou dizer honestamente quais as questões de leitura que me preocuparam e quais as que não me preocuparam. Porque o bonito é isso: quebrar a cara, porque se estivesse tudo certo, não seria tão importante. A Professora demonstra, pela sua fala, que já tinha idéia das dificuldades sócio-econômicos, culturais e educacionais presentes em uma classe universitária do noturno. Planejou cuidadosamente seu trabalho, a fim de superar as supostas dificuldades. Contudo, o problema era maior do que ela supunha e, assim, ela necessitou “elaborar as aulas com muito cuidado”, procedendo, continuamente, inúmeros ajustes. Portanto, adotou a leitura em sala de aula e discussão dos alunos em grupos, uma vez que eles não conseguiam realizar as leituras em casa. Usando parte da aula para orientá-los em relação às leituras e ajudá-los a compreenderem e estabelecerem relações com os textos estudados. Na perspectiva de que os alunos do Curso de Biologia pudessem ser interlocutores nos textos estudados, para que alcançassem esta meta ao que parece, ainda havia uma grande distância. As atividades de leitura desenvolvidas com os alunos demonstraram que eles lêem com propósitos específicos, denotativos. Segundo a Professora, eles tomavam o texto e faziam assim: Alunos — Apresentação? Ah, não interessa! Introdução? Deixa eu ver se tem alguma coisa. (Corre os olhos pelo texto). Ah, tem! Tem os objetivos do CNPq, por exemplo. Professora — E aí vai enviesando... Alunos — Ah, é interessante porque a Professora disse dos objetivos do CNPq, então interessa os objetivos. Professora — Então eles pulam para outra parte do texto. Quando a Professora perguntava: — Mas porque você não lê a introdução? Os alunos respondiam: — Não, Professora, a introdução www.unioeste.br 58 leitura e escrita: contribuição ou limitação? é sempre conversa fiada. Aí a gente “perde tempo”. A professora insistia: — Então o que vale, no texto? E eles explicitavam: — As partes sublinhadas, destacadas, estas valem. Buscando compreender alguns aspectos da leitura que os alunos fazem, e a orientação recebida de seus professores, percebemos que suas práticas se constituem verdadeiros obstáculos à aprendizagem significativa. A Professora comenta que “eles podem até fazer a interface, só que não a interface ‘ligada’. Eles fazem-na desligada, descolada do todo, é tudo fragmentado...”. A Professora teve, então, de fazer um trabalho cuidadoso junto aos alunos, a fim de possibilitar a superação destas dificuldades, praticamente, ensinando-os ou estimulando-os a ler. No contexto da “prova” de Didática, é possível perceber o encaminhamento que a Professora estabelecia, através de alguns diálogos, quais sejam: Aluno — Onde é que está aqui no texto, a resposta, Professora? Professora — Você leu o texto? Alunos — Eu dei uma olhadinha. Professora — Então leia de novo, aprofundando a sua olhadinha. Eu vou dizer quais são os momentos do texto, que eu acho que você vai gostar mais: Aqui..., aqui... [apontando e indicando as partes no texto]. [Uma colega nossa brinca com a Professora: “Resolveu trabalhar na zona de desenvolvimento proximal, hein?”] Professora — [Dando uma gargalhada]: “Resolvi”. Este trabalho da Professora em procurar chamar a atenção do aluno para encaminhá-lo em sua leitura — a fim de que, com a sua mediação, possa realizar uma tarefa que, sozinho, lhe seria muito difícil —, configura-se como atividade na Área de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky (Cf. Vygotsky, 1984). A Professora conta que, na mesma “prova”, outro aluno aproximouse e disse: Aluno — Ó, eu só vou ler este parágrafo, e esse outro, não. Professora — Qual é o que você leu? Aluno — Só li o que você me indicou, que eu ia gostar. Em outro momento: Professora — Vocês leram a introdução? Alunos — Não. 59 www.unioeste.br a formação do sujeito professor Professora — E por quê? Alunos — Ah, porque são aquelas coisas gerais, “babacas”, que a gente não vai precisar. Eu li só as coisas que era preciso ler. [A Professora então comenta] — Então você vai ver lá “grifadinho”, mas eles só leram aquilo mesmo. É como se fosse feita uma triagem. Mesmo eles lendo isso aqui, eles não vão grifar porque, na opinião deles, são gerais demais as considerações. Infelizmente, este quadro de dificuldades, de falta de leitura e de práticas adequadas de leitura por parte dos alunos não existe apenas no contexto desta turma. Para contribuir nesta reflexão, cito texto de J. W. Geraldi, sob o título “Barbárie Educacional”, no qual o autor comenta os resultados parciais da pesquisa de avaliação do ensino público, realizada pela Fundação Carlos Chagas: A dificuldade em dominar o léxico e as estruturas da língua se reflete inexoravelmente em [do aluno] sua capacidade de compreensão, de raciocínio, de trabalho e em seu comportamento social. Numa palavra, limita a sua autonomia individual ao mesmo tempo em que estreita violentamente o seu acesso a todo tipo de oportunidade de desenvolvimento pessoal (Folha de São Paulo, 25/ 02/90 apud Geraldi, 1996: 35). Estes comentários indicam que os problemas de deficiência no uso da língua, da escrita e em dominar as estruturas da língua encontram-se presentes, de maneira generalizada, nas escolas brasileiras. Mesmo assim, falta orientação pedagógica aos professores para trabalharem com seus alunos de maneira que lhes possibilitem este aprendizado, pois a superação milagrosa não acontece. Contudo, há uma tendência do professor a culpar a escolaridade anterior, estabelecendo um “jogo de culpas” progressivo e irremediável, caso não seja interrompido este círculo vicioso. Dialogando — a Professora e eu —, com outros colegas da Universidade sobre estas questões, uma professora diz que: Professora 1 — De fato, o aluno, na leitura, só vai responder à sua solicitação. O restante não interessa. Isso prá mim são resquícios do 1º e do 2º graus. Se a gente achava que, no 3º grau, isto já estava superado, não está não. Professora — Só não é superado — e a gente não pode pensar que os alunos já tenham superado — porque ninguém cuida disso. A gente tem uma expectativa de superação em termos milagrosos, www.unioeste.br 60 leitura e escrita: contribuição ou limitação? espera que aconteça um milagre; que, por estar mais maduro, o aluno “saca” e muda de atitude. Além disso, tendo em vista que muitos alunos declararam que lêem pouco, segundo nossa concepção (minha e da Professora) e, procurando compreender se a situação de leitura e do pensar era algo pontual ou, ainda, se se trata de uma questão cultural, procuramos conversar com alguns professores. Comentando a questão com estes colegas, a fim de investigar se estava apenas acontecendo com aquela turma, e quem sabe, apenas, naquele momento, uma professora nos dizia: “Comigo isso não acontece. Quando eu pergunto para os alunos se eles leram, eles dizem: — ‘Sim, lemos’. Quando pergunto a eles se entenderam, eles me asseguram que entenderam. Nunca ninguém me disse coisas como essas”. Em contrapartida, a Professora de Didática, apresenta uma resposta diferente. Observava-se como a atitude dos alunos costuma mudar nas situações de ensino, mesmo, quando as professoras fazem praticamente as mesmas perguntas. A Professora dizia: “Comigo não acontece nada disso, mas eu pergunto aos alunos”. Podemos perceber que a pergunta é realizada de maneira geral: “Vocês leram o texto?”. A resposta do aluno é uma resposta burocrática, isto é, responde para dizer que cumpriu a tarefa. Já quando a pergunta é particularizada: “Vocês leram a introdução?” os alunos respondem: “Não”. “E por que?” “Porque são aquelas coisas gerais, que a gente não vai precisar. Eu li só as coisas que era preciso ler”. Então os alunos fazem ressalvas, com a maior franqueza, sobre a leitura. Era como se acreditassem que a Professora de Didática pudesse “agüentar” a franqueza deles, pudesse efetivamente compreendê-los; sem acusá-los, sem fazer discursos moralistas e sem considerar a franqueza deles como penalidade, na hora da avaliação. A Professora diz que, realmente, quando ela ia ver o texto deles, lá estavam, grifadas, só as partes que eles leram (ou apenas as partes que provavelmente entenderam). É importante observar, nestes dois episódios, que existem dois contextos em que se fazem as mesmas perguntas, mas que as respostas são sobremaneira diferentes. Outro ponto crítico está relacionado aos temas de interesse dos alunos: o que eles lêem? Os alunos nos informaram 61 www.unioeste.br a formação do sujeito professor que a maioria das suas leituras é feita com base em “apostilas”. A Professora comenta: “Eu sei, por exemplo, que eles têm apostilas que são resumos. O que é uma apostila? Bom, caracterizar isso em função dos dados que eles fornecem, é precioso, porque você sabe que a grande maioria das faculdades adota apostilas”. O que são apostilas? Em geral são “resumos”, nos quais os professores fazem uma abordagem muito rápida do conteúdo que consideram relevante para a aprendizagem; via de regra, “essencial”. Os alunos, muitas vezes, até gostam das apostilas, principalmente pela “objetividade” e “economia de tempo”. Eles usam essas apostilas, decorando conceitos, classificações fundamentais e acreditam ter o necessário para fazer as provas. Em geral, vão bem nas provas, se o professor perguntar apenas o que está sintetizado naquela apostila, que é, geralmente, o que tende a ocorrer. Por se tratar de resumos — geralmente, com conceitos, classificações, nomeclaturas unicistas, permeados por uma tessitura pobre em conteúdo — eles favorecem, decididamente, a mecanização, a simples memorização. As apostilas se configuram como resumos mecanicistas de um único ponto de vista: o do professor. E esta é a leitura básica dos alunos. Buscando investigar as atividades de escrita, os alunos nos forneceram alguns dados, através da pesquisa, quando perguntamos: “O que lhes foi solicitado de escrita no primeiro semestre deste ano?”. Pelas respostas dos alunos, as atividades de leitura e escrita realizadas nas escolas, na maioria das vezes, demandam pouco da interação criativa do aluno como leitor e escritor. Do que lhes foi solicitado que escrevessem no primeiro semestre, eles respondem, em ordem decrescente de freqüência, que são: relatórios (86%); comentários nas provas (83%); trabalhos de pesquisa (75%); análise de textos (66%); resumos (64%); exercícios (42%); respostas a questionários (31%); artigos (27%) e resoluções de problemas (25%). Estas são atividades cujo padrão geral considera um modelo único e a repetição das idéias de autores estudados. Além disso, por possuírem caráter avaliativo (relatórios, provas, resumos, respostas a questionários) são, geralmente, mecanicistas e repetitivos, uma vez que não é solicitado o desenvolvimento de idéias próprias dos alunos, através de discussões e atividades que www.unioeste.br 62 leitura e escrita: contribuição ou limitação? possam desenvolver a criatividade. Trabalhos de pesquisa, análises de textos e artigos são atividades que favorecem o desenvolvimento da compreensão de leitura e escrita. No entanto, só contribuirão, de fato, para isto se deixarem de ser realizadas sob orientações tradicionais, mecanicistas, cuja ênfase esteja centrada em modelos preestabelecidos. Em função desses episódios, ocorridos em aula, gostaria de estabelecer alguns pontos de reflexão, posto que, podem alguns argumentar que é uma questão pura e simplesmente de diferenciação de nível da universidade. A Professora me diz com bastante firmeza: Não é apenas isso. É muito mais uma questão de ausência de interrelações e falta de clareza com relação ao curso por parte de todos: instituição, coordenação de curso, de muitos professores que participam desta e de outras universidades brasileiras. É um problema da estrutura de ensino, da própria formação que os professores tiveram, desde que não signifique culpar os professores. Eu concordo e, na ocasião, acrescentei que os professores são como são porque foram formados pelas escolas brasileiras. Portanto, o problema é estrutural mesmo. A estrutura educacional brasileira é sobremaneira complexa. A partir das respostas dos alunos, e com base nas reflexões de J. Lemke, é possível estabelecer um fio condutor para nossa reflexão: “Ensinar, aprender e fazer Ciências, todos estes são processos sociais: ensinados, aprendidos e feitos como membros sociais de comunidades sociais grandes ou pequenas” (Lemke, 1997: 13). A estrutura da educação em uma sociedade não é ingênua e não passa ilesa às interferências do sistema social. Segundo M. Foucault, ela é controlada pelos poderes atuantes nesta mesma sociedade que estabelece mecanismos para impor limites aos discursos possíveis e aceitos por ela. A mesma relação devemos estabelecer na produção dos discursos e na construção da linguagem: Em toda a sociedade, a produção do discurso é, ao mesmo tempo, controlada, selecionada, organizada e redistribuída por um certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (Foucault , 1971: 09). 63 www.unioeste.br a formação do sujeito professor Uma classe é uma atividade social. E como todos os outros tipos de atividades sociais, sua estrutura é construída. Tem um modelo de organização, uma estrutura, que proporcionam quais eventos, de tipo específico, tendam a suceder-se um atrás de outro em uma ordem mais ou menos definida, objetivando proporcionar o ensino-aprendizagem (Cf. Lemke, 1997). Em Educação, quando falamos em ensino-aprendizagem-conhecimento, estamos nos referindo a processos interacionais que têm como objetivo mediar a aprendizagem de algo esperado, e que o professor planeja a maneira de o atingir. Assim, a imbricação do processo ensinoaprendizagem-conhecimento é tal que não se pode dissociar um dos outros. Só existe ensino, quando há aprendizagem de alguma coisa que se deliberou ensinar. Ensinar para que fosse aprendido por alguém. A atenção especial à linguagem constitui-se num processo de ajuda do professor à construção de conhecimento por parte do aluno. A linguagem, pois, não é um dado ou resultado; mas é um processo que dá forma e conteúdo às nossas experiências, trabalho de construção, de retificação do “vivido”, que, ao mesmo tempo, constitui o sistema simbólico, o qual opera sobre a realidade e compõe a realidade como um sistema de referências em que aquele se torna significativo (Franchi, 1977: 22). A língua não é veículo. A língua é lugar. Sendo assim, a linguagem é um meio vital, pelo qual nos representamos a nós mesmos, assim como nossos próprios pensamentos. Pensando nesta direção, a Professora dá especial atenção à linguagem e trabalha no sentido de contribuir para que seus alunos possam fazer o mesmo. É possível perceber isso nas suas palavras: Professora — Eu acho uma vantagem grande eu me diferenciar, decididamente, pela atenção que eu dou às questões de linguagem e de pensamento. Configuro como vantagem porque não é usual, é até muito raro, em termos profissionais no âmbito da área de Educação em Ciências, tenha o professor que origem for. Eu acho que é um privilégio ter essa clareza de “sacar” as questões, ter essa preocupação com questões de linguagem. Irene — O profissional das Exatas, inclusive, com uma tradição de que lê pouco, escreve muito pouco e de dizer que tem dificuldade na escrita, especialmente na escrita. Professora — É. Porque lhes disseram que língua e linguagem são www.unioeste.br 64 leitura e escrita: contribuição ou limitação? instrumentos puros e simples. Se a língua é veículo, é uma coisa menor, que não se elabora, que não se dá muita atenção. Usa e abandona depois; nem leva consigo. Mas eu consigo inclusive chamar a atenção daqueles sobre os quais eu possa exercer algum tipo de influência para as questões de linguagem, e eles ficam diferenciados, eles “sacam”. Eu nunca tive um orientando que não passasse a se diferenciar em termos de linguagem. A questão da comunicação, envolvida na linguagem, geralmente, não recebe na escola a atenção devida. Um grande obstáculo é que, na escola, o texto, geralmente, tem sido transformado em objeto de fixação de um sentido, é a leitura denotativa. Os sentidos que o professor ou algum outro leitor privilegiado tenha dado ao texto passam a ser os sentidos do texto. Ao aluno, em sua leitura do texto, cabe descobrir tais sentidos previamente definidos. “Lê melhor, quem mais se aproximar dos sentidos que já se atribuíram ao texto”. Não se trata de o aluno (leitor) construir sentidos do texto, a partir das pistas que lhes são fornecidas, associadas à experiência vivida por ele próprio, mas se trata de o aluno “redescobrir” a leitura desejada, num exercício de adivinhação que não mobiliza a história de vida do leitor (que inclui também outras leituras), mas mobiliza, apenas, sua experiência escolar que sempre lhe disse que deve “aproximar-se” do já dado para melhor se safar da tarefa (Geraldi, 1996: 119). J. W. Geraldi faz uma reflexão sobre o trabalho do professor de mediação e interlocução junto ao aluno, considerando o aluno e cada um deles em particular como sujeito autor de seus textos. Ser professor já não pode mais ser o exercício puro e simples dos capatazes e gerentes a serviço da formação dos alunos. É preciso que o professor seja um interlocutor ou mediador entre o objeto de estudo (no caso o texto) e a aprendizagem. Portanto, o confronto dos pontos de vista faz da sala de aula um lugar de produção de sentidos, e esta produção não pode estar totalmente prevista pela “parafernália da tecnologia didática”. Os percalços da interlocução, os acontecimentos interativos, passam a comandar a reflexão ocorrida em sala de aula, a partir do que os sujeitos estudam e aprendem juntos. Segundo o referido autor: A questão já não é “corrigir” leituras com base numa leitura privilegiada e apresentada como única, mas, também, não é admitir qualquer leitura como legitimável, como se o texto não fosse condição 65 www.unioeste.br a formação do sujeito professor necessária à leitura e como se, neste, o autor não mobilizasse os recursos expressivos em busca de uma leitura possível. Trata-se agora de reconstruir, em face de uma leitura de um texto, a caminhada interpretativa do leitor: descobrir por que este sentido foi construído a partir das “pistas” fornecidas pelo texto (Geraldi, 1993: 112). Agora, pergunto: será que o nosso professor possui condições para ser sujeito das leituras que faz, para poder fundamentar as suas práticas pedagógicas? As evidências empíricas à nossa disposição respondem negativamente a esta pergunta. Sempre tendo em mira possíveis exceções e o caráter dialético da realidade escolar, o que nos impede de formular generalizações apressadas, podemos afirmar que o universo de leitura do professor brasileiro é extremamente restrito, abrangendo, na maioria das vezes, tãosomente uma literatura pedagógica esclerosada (parada no tempo) e os fragmentos contidos nos livros didáticos. Alguns teóricos chegam a afirmar que, caso fosse abolida a adoção de livros didáticos em nossas escolas, grande parte dos professores, por falta de repertório de leitura e de conhecimento, não mais saberia o que fazer em sala de aula. Isto sem falar no mau desempenho em expressão escrita, que não seria de se esperar de um professor. Decorrem daí, muito certamente, todos os processos de cristalização da linguagem e de procedimentos no âmbito da escola, que bloqueiam o estudo e o uso concretos dos padrões da língua, através de práticas participativas e reflexivas, geradoras de conhecimento. Creio até que, muito do autoritarismo, ainda presente em nossas escolas, advém do medo e da ignorância de muitos professores. Em outras palavras, o professor autoritário lança mão do autoritarismo no intuito de esconder a sua ignorância sobre a matéria que finge ensinar (Cf. Silva, 1991: 24-25). Assim, reitero as palavras da Professora, quando ela diz que “nenhum profissional pode ser competente sem saber ler, posto que não podemos formar bons professores sem uma base substancial de conhecimentos, sem que formemos a um só tempo professores-leitores ou leitores-professores”. De modo geral, nas escolas, especialmente nas universidades, o trabalho com a leitura e a escrita é negligenciado e definido como incumbência ou responsabilidade exclusiva do professor de Língua Portuguesa. Já existem argumentos suficientes para considerar tal prática um grave www.unioeste.br 66 leitura e escrita: contribuição ou limitação? problema, pois cada disciplina possui seus sentidos e significados, suas maneiras próprias de leitura, de escrita e atribuição de significados às expressões técnicas de suas respectivas áreas. Portanto, leitura no ensino e na aprendizagem é um trabalho que, necessariamente, precisa ser orientado e realizado por todos os professores junto aos seus alunos. * * * 67 www.unioeste.br a formação do sujeito professor www.unioeste.br 68 CAPÍTULO IV A LINGUAGEM DA CIÊNCIA •♦• Aprender Ciências implica em aprender a falar no idioma próprio das Ciências, que tem o seu próprio e exclusivo modelo semântico e suas próprias formas de construir significados (Lemke, 1997:16). A propósito das dificuldades de leitura apresentadas pelos alunos, e a possibilidade de avanço que se pode obter mediante uma adequada ajuda pedagógica oferecida pelos professores, é importante relatar um episódio que ocorreu ao final do primeiro bimestre, por ocasião da avaliação. Nesses termos, é possível confrontar o episódio anterior com uma “prova de Didática” realizada com consulta, quando os alunos buscavam “ajuda pedagógica”, livremente, como a Professora os havia encorajado. 4.1 Episódio 6 - Uma “Prova de Didática” com consulta A cena desenrola-se ao final de abril, após o estudo da primeira unidade sobre as questões de aprendizagem e conhecimento. Vale a pena salientar que o trabalho desta unidade foi baseado em artigos: um relacionado às “Reflexões sobre ensino, aprendizagem, conhecimento”, de autoria da Professora, e outros que se articulavam com tal temática (tais como “Os fundamentos do currículo”, de autoria de César Coll). Antes da avaliação de Didática, os alunos encontravam-se expectantes; não diria que estivessem nervosos, apenas pairava mesmo uma expectativa no ar. Para mim, creio que eles estavam curiosos para saber como seria aquela avaliação, conduzida por uma professora que possuía uma proposta Didática diferente. Mas a avaliação é iniciada normalmente. O que surpreendeu foram as 69 www.unioeste.br a formação do sujeito professor interações ocorridas durante a “prova”. O seguinte diálogo pode servir de exemplo de interações entre a Professora e os alunos em todo o curso da “prova com consulta”: Aluno 1 — Onde é que está aqui no texto, a resposta, Professora? Professora — Em termos de parágrafo? Aluno 1 — Sim. Qual é o parágrafo que responde à primeira questão? Professora — Nenhum. É o texto inteiro que responde em parte. Quero dizer, este texto junto com aquele outro, porque ele sozinho também não responde. Aluno 2 — Ai, Professora que coisa difícil!! Professora — Você leu os textos? Aluno 3 — Eu dei uma olhadinha... Professora — Então leia de novo, aprofundando a tua olhadinha. Aluno 4 [Entrou surpreso no diálogo] — Ah Professora, é isso?... A gente pensa com palavras? O que está sendo dito aqui é isso? Que a gente, nós mesmos, pensamos com palavras? Professora [Dirigindo-se a todos que pararam para escutar:] — Sabem o que é isso? Falta de segurança de vocês. Vocês desconfiam da leitura que fazem. Manifestam pouca familiaridade com o estabelecimento de relações entre idéias, com as relações compreensivas, com a compreensão da leitura. É falta de oportunidade de ler, de “incentivo à leitura” como dizem os professores. Vocês até compreendem, mas não acreditam no que lêem porque não acreditam que são capazes de compreender o que lêem. Outro aluno chega e diz: Aluno — Ah, eu não vou ler este parágrafo. Esse não. Professora — Qual você leu? Aluno — Só li o que você indicou que eu ia gostar. Esse eu gostei! O que é isso? Por que acontecem tais coisas? Por que o aluno demonstra essa falta de compreensão e falta de segurança? Pode-se indicar como resposta que a falta de segurança dos alunos não é exclusividade desta turma. Ela está presente, cotidianamente, nas salas de aulas. É também um dado cultural, resultado do modelo de ensino adotado nas escolas, geralmente valorizando a Transmissão-Recepção (T-R), apesar de apresentaremse diversas variações deste modelo. No modelo T-R estão expressos fundamentos muito antigos de organização social, derivados da autoridade. Assim, as pessoas que representam autoridade, ou estão em postos de autoridade, têm sempre a “palavra de verdade”. www.unioeste.br 70 a linguagem da ciência Os papéis de cada um nessa estrutura social dependem do grau de autoridade que seu posto ou função representa. Assim, o pai, o sacerdote, o chefe, o governante e, também, o professor têm sempre o “argumento de verdade”. E aos outros cabe ouvir e acatar. Por tais motivos, o aluno “se fecha”, cala-se, silencia. Culturalmente, não lhe foi dado o direito de falar, de acreditar que seus pensamentos, suas palavras e suas conclusões são importantes e possam fazer sentido para outros. Porém, procurando orientar a aprendizagem, a Professora vai trabalhando com as dificuldades dos alunos, aproveitando os momentos de interação, para viabilizar a compreensão do conteúdo pelos alunos e para que eles pudessem construir uma auto-imagem positiva. A Professora elogia a escrita do aluno e procura reencaminhar para a construção ou reconstrução do seu pensamento. No episódio em pauta, foi possível perceber ainda as relações de poder e autoridade expressas pelo “argumento de verdade”. Os alunos buscavam, pela opinião da Professora, uma avaliação do grau de acerto às suas respostas. Por outro lado, ao meu ver, quando a Professora diz: “Vocês desconfiam da leitura que fazem. Manifestam pouca familiaridade com o estabelecimento de relações entre idéias, com as relações compreensivas, com a compreensão da leitura. É falta de oportunidade de ler, de ‘incentivo à leitura’”. A Professora neste momento faz do seu ponto de vista “o argumento de verdade”. Porém, suas palavras também soaram como um desafio aos alunos, para ousarem assumir seus pontos de vista sobre as questões estabelecidas na avaliação. Além disso, como já foi observado anteriormente, muitos alunos universitários fazem apenas leituras denotativas: só vão ao texto para buscar o que precisam incluir em respostas que possam ser plausíveis às perguntas feitas pelo professor. O jogo parece ser sempre este: perguntas e respostas. E o aluno sempre responde. Apesar de que, por diversas razões, muitas vezes, suas respostas não sejam consideradas “corretas” pelos professores (T-R). Como a Professora observou no episódio anterior, a leitura não fascina os alunos, não parece ter significado para eles, já que estão acostumados a perguntas diretas, cujas respostas encontramse em frases ou parágrafos, em função das palavras chaves contidas 71 www.unioeste.br a formação do sujeito professor na própria pergunta. Assim, os alunos expressavam claramente não estarem acostumados a ler os textos e, mediante análises e sínteses, extraírem argumentos ou pontos de vistas para constituírem suas respostas. Isto está expresso em suas dificuldades em responder a questões, como as propostas pela Professora, numa avaliação bimestral. Para tanto, vejamos o teor de suas proposições no que foi denominado pela Professora de “prova”, para atenuar as estranhezas dos alunos. As “Questões e situações-problema para reflexão e manifestação individual (Prova de Didática)”, como a Professora preferiu intitular, foram as seguintes: 1. Ao buscar compreender os elementos fundamentais que caracterizam a situação de ensino e suas relações — professor/ aluno/conhecimento — torna-se imprescindível pensarmos o conhecimento em outros termos, abandonando ou superando a concepção usual de conhecimento que se usa para “justificar” o ensino como transmissão de conhecimento. Busque explicitar, em contraponto (comparando) a visão/concepção usual de conhecimento que se usa na escola e a “nova visão” redimensionada que é fundamentada em teorias atuais. Não se esqueça de explicitar os “porquês”, argumentando... 2. Apresente dois argumentos que possam expressar a sua compreensão de que “ensinar não é transmitir conhecimento” no âmbito das Ciências/Biologia. 3. Numa situação de ensino, um professor observa que grande parte dos seus alunos está “colando” nas provas de Biologia. À luz do que passamos a conceber de ensino/aprendizagem/ conhecimento, como você explicaria esse fato, considerando os procedimentos de ensino do professor (sua compreensão de ensino) e como os alunos, em decorrência, entendem a sua aprendizagem? É interessante registrar, a fim de que conheçamos melhor a metodologia e as concepções da Professora, que, antes destas questões, ela apresenta aos alunos uma nota introdutória na prova, nos seguintes termos: * Convém advertir, antes de tudo, como temos feito, que nos encontramos frente a novas concepções para entender a escola, o professor, o aluno, o conhecimento, o processo de ensinoaprendizagem e, ao mesmo tempo, a formação de professores e seu desenvolvimento profissional. Buscamos, assim, formas mais www.unioeste.br 72 a linguagem da ciência democráticas, cooperativas, qualitativas, transparentes e eficazes de intervir na vida cotidiana da aula, tratando de explicitar, para compreender, a complexidade de seus problemas mediante o diálogo e a colaboração sempre presentes na mediação do professor, ao propiciar a ajuda pedagógica necessária ao aluno. Refletir sobre as concepções e ações dos professores tem a ver, sobretudo, com um novo compromisso ético e profissional de professores, e não com o uso de algumas técnicas e procedimentos que se utilizam como receitas descontextualizadas. Vamos, portanto, levar em conta as teorias da educação presentes nos artigos que estudamos até agora. Após esta nota seguem-se as questões, conforme citadas acima. Contudo, a partir desta nota, é possível destacar pontos que evidenciam a proposta da Professora, quando: 1) Busca formas mais democráticas, cooperativas, qualitativas, transparentes e eficazes de intervir na vida cotidiana da aula. 2) Objetiva explicitar, para compreender, a complexidade de seus problemas, as concepções e ações docentes com um novo compromisso ético e profissional de professores. 3) Propõe o diálogo, a colaboração, a mediação do professor, a ajuda pedagógica ao aluno. 4) Possibilita refletir sobre as novas concepções de escola, professor, aluno, conhecimento, processo de ensino-aprendizagem e, ao mesmo tempo, a formação de professores e seu desenvolvimento profissional. 5) Condena as técnicas e procedimentos que se utilizam como receitas descontextualizadas. É evidente que, para responderem às questões propostas pela Professora, os alunos necessitavam ir além das respostas diretas; se eles, tão somente, procurassem as respostas em uma linha ou parágrafo, não as encontrariam. A fim de responderem, por exemplo, a questão “Busque explicitar, em contraponto (comparando) a visão/ concepção usual de conhecimento que se usa na escola e a ‘nova visão’ redimensionada que é fundamentada em teorias atuais. Não se esqueça de explicitar os ‘porquês’, argumentando”, eles não poderiam fazê-lo, sem terem compreendido as proposições ou mensagens dos textos estudados e pudessem elaborar respostas próprias. Fica evidente ainda que o objetivo da Professora era de, com a “prova”, possibilitar um espaço ao qual eles dessem bastante atenção para reflexão dos alunos sobre o assunto das concepções 73 www.unioeste.br a formação do sujeito professor e das visões diferenciadas recém-estudadas. Assim, os momentos de avaliação, neste caso, passariam a ser momentos importantes no processo ensino-aprendizagem, pois não se realizaria apenas uma “aferição” do conhecimento, mas seria uma oportunidade para os alunos expressarem suas opiniões, reelaborando suas próprias concepções à luz do estudo realizado. A seguir, a Professora vai auxiliando no direcionamento da leitura dos alunos porque, segundo suas palavras, “com a mediação docente, no âmbito da Didática, o processo se redimensiona, as conotações e outros sentidos começam também a ser buscados, numa leitura polissêmica”. Porém, com o intuito de destacar como emergiram da turma as questões inerentes aos conteúdos de Biologia, a partir das concepções apresentadas pelos alunos e sua compreensão das questões propostas, creio que vale tomar, como exemplo, algumas das respostas dos alunos às questões da “prova”. A propósito da explicitação da concepção de conhecimento implícita na concepção T-R e a nova visão redimensionada que é fundamentada em teorias atuais — solicitada na primeira questão da prova acima citada —, os alunos se manifestaram nos seguintes termos: Proposição nº 1: Concepção usual do conhecimento que se usa na escola: “um conjunto de informações passíveis de absorção pelo aluno”. Então, as concepções prévias são descartadas porque desnecessárias à aprendizagem, visto que, o conhecimento é concebido como “verdade universal, é imutável, é inquestionável, é certo”. Quando vou “ensinar” ao aluno que a água é cristalina, inodora, insípida, estou estabelecendo oposições com suas idéias prévias porque ele não conhece, isto é, não consegue visualizar essa “verdade”. Temos que ter consciência que as concepções mudam com o tempo. É preciso refletir que: concepções são uma precondição da experiência. Ver é algo que fazemos tanto com idéias quanto com sentidos. Concepções diferentes na abordagem do mundo tornam o mundo diferente porque a minha realidade é diferente da do meu aluno. Nos parâmetros construtivistas, passamos a entender que o que os alunos aprendem, através do ensino, depende de suas préconcepções. A concepção atual considera o aluno como um recipiente vazio, e que o professor é a fonte de sabedoria para preencher este recipiente. A nova visão procura considerar os conhecimentos prévios dos alunos, sendo o professor um intermediário entre as concepções intuitivas do aluno e o conhecimento científico, buscando, através www.unioeste.br 74 a linguagem da ciência desta mediação, a aproximação desta forma de conhecimento. Respeitando as concepções do aluno e passando, também, pelas concepções do professor. Buscando o aperfeiçoamento do conhecimento do aluno, não considerando o conhecimento científico como o infalível e o único existente, mas, sim, algo mutável, de acordo com o seu contexto histórico (Respostas de alunos do 5º período). Sobre a proposição nº 2 — “Apresente dois argumentos que possam expressar a sua compreensão de que ‘ensinar não é transmitir conhecimento’ no âmbito das Ciências /Biologia” —, os alunos responderam: Conhecimento é: concebido, representacional, construído pelos indivíduos e grupos sociais, variando, portanto, de indivíduo para indivíduo, de sociedade para sociedade, mudando assim, através do tempo e em função do contexto sócio-histórico e cultural (Resposta de aluno do 5º período). A transmissão de conhecimento é a repetição de uma “receita” que pode ser muitas vezes entendida pelo aluno, mas este a utiliza somente para fins acadêmicos (Resposta de aluno do 5º período). Na proposição nº 3, de acordo com a sugestão da Professora, segundo a qual em uma “situação de ensino, onde um professor observa que grande parte dos seus alunos está colando nas provas de biologia. À luz do que passamos a conceber de ensino, aprendizagem, conhecimento, como você explicaria esse fato, considerando os procedimentos de ensino do professor (sua compreensão de ensino) e como os alunos, em decorrência, entendem a sua aprendizagem?”, os alunos responderam: O professor não conseguiu atingir os objetivos de compreensão do aluno que são em termos científicos: - Ser capaz de dizer o que compreendeu com suas próprias palavras. - Ser capaz de concordar ou discordar de pontos de vista em função do que compreendeu. - Ser capaz de entender os limites daquilo que compreendeu buscando saber mais. - Ser capaz de entender onde buscar fontes de uma maior ou melhor compreensão. Diante disso, podemos ainda dizer que o professor não tomou consciência das pré-concepções dos alunos, ocasionando distorções e raciocínios casuísticos. - Houve memorização e não compreensão do “ensino-aprendizado” (Resposta de aluno do 5º período). 75 www.unioeste.br a formação do sujeito professor Obrigado pelo sistema de ensino, a partir de uma avaliação formal, com perguntas e respostas para a formulação de um conceito; tendo esta situação, não significa o fracasso do professor e alunos, pois diante de uma imposição, onde se obriga tal critério de avaliação, os alunos podem mostrar dificuldades para alcançar tal conceito. Outro acontecimento para uma “cola” pode ser a não aprendizagem do aluno, que utiliza a transmissão de conhecimento do professor para garantir seus conceitos em avaliações e que nada acrescenta ao seu desenvolvimento (Resposta de aluno do 5º período). Neste episódio, encontram-se imbricadas importantes questões, tais como as concepções de ensino-aprendizagemconhecimento, de avaliação e de leitura, apresentadas pelos alunos e pela Professora, que aqui se encontram, apenas, apontadas. Contudo, estas questões são discutidas no decorrer deste trabalho. 4.2 Episódio 7 - Os conhecimentos conceituais de Ciências/Biologia Em uma aula ocorrida no mês de maio, a Professora trabalha com conhecimentos cuja estrutura, intrínseca à natureza do próprio conteúdo, nos leva a situá-los como conhecimentos conceituais de Ciências/Biologia, tendo em vista seu caráter epistemológico. Explicando melhor, os conhecimentos conceituais são os conteúdos que são tomados e entendidos como conceitos de Ciências/Biologia, caso do tema escolhido pela classe: o átomo. Interessante é que, em dado momento da explicação da Professora, ao fazer referência ao ensino fundamental e aos conteúdos específicos de Ciências, ela disse aos alunos que havia observado, em função das pesquisas que tinha realizado e de sua presença em aulas com professoras das séries iniciais, que as professoras não sabiam — e não sabiam ensinar — conteúdos tidos como fáceis nas séries iniciais, tais como pontos cardeais; fases da lua; estações do ano, etc. Enfatizava que, de fato, as professoras em geral não compreendem estes conceitos. Não foram efetivamente ensinadas durante sua escolaridade e continuam repetindo aos seus alunos as mesmas distorções, “os mesmos erros anteriores”. A Professora disse aos alunos que esses professores apresentam inúmeras www.unioeste.br 76 a linguagem da ciência distorções conceituais em suas aulas, principalmente no que se afigura como mais banal como, por exemplo, sobre os pontos cardeais: A Professora pergunta aos alunos: — Quais são os pontos cardeais?? Os alunos respondem: — São o Norte, Sul, Leste e o Oeste, Noroeste, Sudeste, etc. Ela ainda pergunta: — Onde é o Leste? Os alunos respondem: — É o lugar onde o sol nasce. A Professora então diz: — Pois é, e o Sol nasce sempre no mesmo lugar? Os alunos dizem: — Mais ou menos, Professora. Depende da época do ano. A Professora acrescenta: — Então, vocês precisam ver as dificuldades que as crianças têm com a insistência de que o Sol nasce sempre em um mesmo “ponto”. A Professora conta que observou esta dificuldade em alunos e, ainda, mais, nos seus próprios filhos. Quando eles eram pequenos, moravam numa casa cuja janela grande da sala era voltada para o Leste, e as crianças percebiam claramente o problema que ocorria, porque, em dado período do ano, o Sol incidia sobre o aparelho de som, que ficava de um lado, e eles tinham que ter o cuidado de proteger com a cortina, para que o calor não danificasse o aparelho. Em outra época do ano, a luz do sol ia mudando de posição até que seus raios ficavam incidindo na parede contrária, onde estavam os estofados. Tal mudança visível fazia com que seus filhos não se conformassem e sempre a interrogassem: “Se o sol nasce no ponto Leste, como ele poderia ficar mudando durante todo o ano”? Somente com a prática da observação da sala, e suas explicações de professora, é que seus filhos compreenderam o conceito que relaciona Leste ao nascer do sol implicando um lado. Porém, a Professora assinalou saber que muitos outros alunos aprenderão este conceito por conta própria, ou nunca compreenderão durante toda a vida, se não observarem algumas das suas práticas diárias. Isto porque o conceito científico é ensinado de forma distorcida na escola. A Professora explicou ainda, aos alunos do 5º período, que: 77 www.unioeste.br a formação do sujeito professor — O principal problema epistemológico, no caso, está ligado à palavra que se usa na determinação do conceito: ponto. Que na verdade não é um ponto. Em Inglês, este problema não ocorre, pois a palavra que se usa para designá-la é “side”, que significa “lado”. Portanto, não é o ponto que o Sol nasce, mas sim o lado em que o sol nasce. Por isso, pode ser um pouco mais para cima, um pouco mais para baixo, dependendo da época do ano e a posição da terra em relação ao sol. As questões de linguagem, como vocês podem ver, não podem passar desapercebidas pela importância que têm, para facilitar ou inibir a compreensão dos alunos. De forma semelhante, estas distorções ocorrem em relação ao conhecimento das fases da lua e, também, com respeito às estações do ano. A Professora continuou a discussão com os alunos sobre questões epistemológicas das Ciências, até o término da aula, para dar início ao intervalo. Após o intervalo, quando estava voltando à sua sala, foi surpreendentemente abordada por um grande número de alunos que a estavam aguardando no corredor. O mais interessante que a Professora observou é que não havia, ali, naquela massa, apenas alunos seus, do 5º período; havia alunos de outras turmas do Curso de Biologia, todos interessados em ouvir a Professora sobre aquilo que seus alunos já haviam, por certo, comentado. Provavelmente, os alunos do 5º período já haviam contado sobre o episódio dos pontos cardeais; por tal razão todos pareciam muito interessados em conhecer as relações cognitivas que a Professora estabelecia, possibilitando a compreensão (ainda que tardia). Alguns alunos abordaram diretamente a Professora: Alunos: — Professora, nós queremos saber o que acontece, a que se devem as fases da lua? Professora [Fazendo-se de desentendida]: — E vocês não sabem? Alunos [Insistindo sobre o assunto]: Por que é que a lua fica cheia? Fica crescente? Por que é, Professora? Professora [Brincando com os alunos]: — Vocês não sabem que na lua mora um rato e que, conforme ele rói o queijo da lua, ela vai ficando diferente? Alunos: — Ah, Professora, não brinca! Como é mesmo? A Professora então explica que é devido ao movimento envolvendo as órbitas do sol, da lua e da terra. E explica, com detalhes, como as órbitas da terra e da lua, girando simultaneamente, influem na projeção da luz do sol sobre a lua. www.unioeste.br 78 a linguagem da ciência Que a interferência da terra, entre o sol e a lua, dependendo da posição das órbitas, ocasiona uma sombra em parte da lua, em determinados períodos, formando assim, as diversas fases. E sobre as estações ela explica: Professora —Quanto à questão das estações, é devido ao equinócio, e da órbita. No entanto, o problema da distorção no ensino, é que a escola ensina que as estações são denominativas. Durante o inverno é a estação dos dias frios; por esse conceito, a criança fica esperando que todos os dias de inverno serão frios, e os adultos também!... Então vemos muitos reclamando, mas como está quente! Não é inverno? Não aprendem o conceito em si. E não compreendem que neste período teremos mais dias frios, mas não todos, uns mais, uns médios. É importante destacar que os alunos declararam que nunca haviam compreendido a questão dos pontos cardeais, fases da lua e estações do ano daquela maneira, que fazia sentido, ter conhecimento de uma explicação científica e lógica. Na escola, os conteúdos de Ciências ensinados, segundo o modelo T-R, são ensinados todos da mesma maneira, sem levar em conta a natureza epistemológica do conteúdo em si mesmo. Assim, a Professora me disse o que já havia discutido com os seus alunos: — A natureza epistemológica do conhecimento é que determina a maneira como devo ensiná-lo. Eu não posso ensinar um conhecimento conceitual do mesmo modo que ensino um conhecimento representacional. E, consequentemente, um conhecimento processual não poderá ser ensinado da mesma maneira que são ensinados outros conteúdos que sejam conceituais ou representacionais. Mesmo professores que estão há muito tempo na profissão, quando param para refletir, percebem que, ainda, não compreendem os conceitos inteiramente. Nesta perspectiva, a Professora tratou o tema “Evolução”, continuando a trabalhar a questão conceitual dos conteúdos de Biologia. Isto remete ao episódio seguinte, a propósito das interações que ocorreram em aula. 79 www.unioeste.br a formação do sujeito professor 4.3 Episódio 8 - O que é antropocêntrico? A teoria da evolução é um tema unificador da Biologia? Todo conhecimento científico se desdobra num universo de linguagem; aceitando, provisoriamente, a língua usual, ou criando uma para seu uso. A Ciência requer necessariamente, como condição transcendental, um sistema lingüístico (Granger, 1968:133). Admitindo-se que a comunicação é uma criação da comunidade, logicamente nos comunicamos melhor com os membros de nossa própria comunidade: aqueles que usam a mesma linguagem. As comunidades, formadas por grupos profissionais, étnicos, ou ainda, de uma mesma região geográfica, têm um modo semântico próprio de falar. Assim, também, a ciência possui a sua linguagem, seu modo próprio de dizer/falar. Portanto, quando tentamos nos comunicar com pessoas que utilizam outra linguagem, que não a nossa, a comunicação se torna muito mais difícil, porque não conseguimos compreender o que é dito. Este é o caso dos professores de Ciências e seus alunos; os professores de Ciências fazem parte de um grupo de pessoas que buscam falar a linguagem da ciência. Porém, os alunos não falam esta mesma linguagem em sua vida cotidiana e nem são capazes de entender, de pronto, o que os professores dizem. Os alunos, ao entrarem na escola, em geral, possuem um modo particular de falar ligado ao seu grupo, é o seu dialeto ou sua variante lingüística em muitos casos. Esta é, via de regra, uma primeira barreira que surge já na alfabetização. Mas será que, após alguns anos de permanência na escola, esta diferença de linguagem entre professor e aluno se atenua ou desaparece? A experiência, infelizmente, nos diz que não. Mesmo alunos que se encontram freqüentando um curso universitário, não raras vezes, reclamam da dificuldade de compreender as explicações de seus professores. Existe um distanciamento entre a linguagem do aluno e a linguagem do professor, sendo este, supostamente um representante da linguagem da comunidade científica. J. Lemke www.unioeste.br 80 a linguagem da ciência esclarece que para aprender a linguagem da Ciência, existem alguns requisitos indispensáveis: Aprender Ciências implica em aprender a falar no idioma próprio das Ciências, (...) que tem o seu próprio e exclusivo modelo semântico e suas próprias formas de construir significados (...). “Falar Ciências” não significa, simplesmente, falar acerca da ciência. Significa fazer ciência, através da linguagem. “Falar Ciências” significa observar, descrever, comparar, classificar, analisar, discutir, hipotetizar, teorizar, questionar, desafiar, argumentar, planejar experimentos, seguir procedimentos, julgar, avaliar, decidir, concluir, generalizar, informar, escrever, ler e desenhar em e, através da linguagem da ciência (Lemke, 1997: 16;.11-12). A Professora de Didática pôde lidar, de certa forma, com dificuldades como as referidas acima. Algumas das suas observações em entrevista a mim concedida dão idéia dos problemas encontrados: Professora — Destaco a questão da linguagem. Os alunos perguntavam: — O que é antropocêntrico? O que é isso, o que é aquilo. Eu respondia e eles diziam assim: — A senhora usou umas palavras tão bonitas. No entanto, na hora que eu retomo e falo “antropocêntrico” eles olham para mim como se aquela palavra não quisesse dizer nada. Mas eu explicito o significado, antropo-cêntrico, o que quer dizer, de onde se origina. Faço relação com antropologia: “antropo quer dizer homem”. Aí eles começam a achar bonito, fazem assim mesmo: hummm...! Quer dizer, a interação possibilitando a ampliação e o redimensionamento psico-pedagógico da linguagem. É uma conversa sobre as palavras. É um tipo de metalinguagem no sentido positivo, profícuo. A Professora de Didática tem uma preocupação em compreender a fala dos alunos (“a senhora usou umas palavras bonitas”); palavras que, certamente, eles não conheciam e tão pouco atribuíam significado às mesmas. Por isso, ela passa a mediar o significado destas palavras e a tecer relações com o conteúdo “Evolução” que é apresentado. Depois, eu mesma pude ver a satisfação dos alunos, quando dizem: “Ah! Então é isso! Agora eu compreendi.” Para que se possa aprender Ciências, é necessário muito mais que compreender o significado de cada palavra, é preciso 81 www.unioeste.br a formação do sujeito professor compreender a relação cognitiva que existe entre conceitos e, além disso, é necessário compreender a função que cada uma das palavras exerce no contexto de cada conceito, pois “é necessário compreender a ‘semântica’ das palavras: como se comportam seus significados em diferentes contextos” (Lemke, 1997: 28). Numa das aulas sobre o tema “Evolução”, a Professora percebeu a dificuldade dos alunos em compreender os conceitos e a relação do significado das palavras em relação aos conceitos científicos. A Professora comenta: — Por que a teoria da evolução é um tema unificador da Biologia? Eles me perguntaram e eu fui fazer mil relações. Uma porção de relações para mostrar porque é que a temática da evolução unifica mesmo. Aí eles ficaram surpresos. Porque eu tinha vindo do “bigbang”, a teoria da origem do Universo, nas relações que eu tinha que fazer. E eles ficavam assim “oh!”. [faz o gesto, segurando o queixo]. Se os alunos não compreendem os conteúdos de uma disciplina e suas relações cognitivas, como neste caso de alunos do 5º semestre de um curso universitário, eles não conseguem estabelecer relações necessárias entre conceitos mais elementares, porque não compreendem devidamente as palavras (conceitos). Tanto os alunos, como os professores, a fim de conseguirem estabelecer as relações significativas entre um conteúdo e outro e entre os conceitos que estão imbricados em um mesmo conteúdo, necessitam compreender, ter domínio daqueles conteúdos. Um conhecimento superficial não dá conta de proporcionar enxergar as inter-relações existentes entre os conceitos, entre conteúdos de uma mesma área e, ainda, não possibilita o trabalho inter e transdisciplinar que é desejável que o professor realize, quero dizer, relacionar conteúdos de sua disciplina com outros diversos aspectos daquele mesmo conteúdo que dizem respeito a outras disciplinas ou áreas. Ainda sobre o tema evolução, gostaria de destacar as concepções dos alunos que ficam evidenciadas, a partir das atividades solicitadas pela Professora à classe. No curso do processo de ensino-aprendizagem, a Professora solicitou aos alunos que, individualmente, respondessem a algumas questões: “Você acredita ou aceita a Teoria da Evolução? E também: O que é ‘evolução’ para www.unioeste.br 82 a linguagem da ciência você?” É possível perceber, pelas concepções expressas pelos alunos, a dificuldade de compreensão dos significados das palavras dentro do conceito biológico. Eis suas respostas: Aluno 1: Acredito. Em partes porque a evolução ocorre de forma certa é gradual, não ocorrendo através de grandes “saltos”. Na verdade, nós como pessoa, hoje, não somos os mesmos de ontem e com certeza não seremos os mesmos de amanhã. Tem de haver um crescimento, para melhor se adaptar ao meio, caso contrário seríamos extintos. Aluno 2: Evolução para mim é crescimento, desenvolvimento e crescimento vem quando se encontra em condições adversas, ou seja crescimento se dá na dor e não no amor. Em si, seria a adaptação no novo meio pelo indivíduo. Aluno 3: Para mim evolução, significa mudança, progresso, adaptação, etc. Aluno 4: Para mim, evolução é o processo em que partimos de uma condição simples até uma organização mais complexa, paralelamente, com o surgimento e desaparecimento de algumas formas de vidas, as mais distintas possíveis. Podendo encarar a Evolução no campo das idéias, sendo que o próprio pensar e explicar sobre Evolução sofre uma “evolução” no sentido pleno do termo. Aluno 5: É o crescimento, o desenvolvimento de um ser vivo. Aluno 6: Evolução é tudo o que você procura estudar para si e melhorar, evoluindo seus métodos e o seu interior, tornando-se uma pessoa simples, porém rica em conhecimentos gerais (Trechos extraídos de trabalhos dos alunos do 5º período de Ciências/ Biologia). Nestas respostas fica evidente a confusão entre as diversas acepções da palavra evolução. O significado dicionarizado da palavra evolução é: Ato de evoluir. Progresso paulatino e contínuo, a partir de um estado inferior ou simples, para um superior, mais complexo ou melhor. Transformação lenta. Desenvolvimento lógico de uma idéia no tempo. Progresso ou melhoramento social. Movimento de tropas, navios etc... ou no jogo de xadrez (Michaelis, 1998). Portanto, as respostas dos alunos se aproximam bastante do significado usual da palavra evolução. Porém, numa disciplina específica, no caso a Biologia, os significados do conceito, geralmente, não são os mesmos significados usuais. Na Biologia, o conceito de evolução é muito mais abrangente e representa um produto do desenvolvimento histórico das ciências. A partir do 83 www.unioeste.br a formação do sujeito professor trabalho de Silvia Chaves (1993) vale a pena sintetizar alguns aspectos relacionados a este tema, utilizados pela Professora na leitura e discussão com seus alunos, após a análise das concepções que eles manifestaram. Segundo a autora, o conceito de evolução data de antes do século IV a.C. Na Grécia antiga, a idéia de mutabilidade dos seres vivos já estava presente. Anaximandro (610545 a.C.), Empédocles (492-430 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.) admitiam que os seres podem sofrer transformações. Dos estudos sobre evolução participaram inúmeros pesquisadores e, entre eles, destacam-se Lamark, Darwin (1859) — com a famosa obra A Origem das Espécies — e De Vries (1903), além de nomes como os de Dobzhansky, Simpson, Huxley e Mayr (1930) (Cf. Chaves, 1993). A autora enfatiza que: Somente por volta de 1930 com o advento da Teoria Sintética, proposta simultânea e independentemente por Theodozius Dobzhansky, George Simpson, Julian Huxley e Ernest Mayr, é que ocorreu a conciliação entre o pressuposto darwinista de seleção natural e o mutacionismo de De Vries. Tal conciliação foi possibilitada pelo desenvolvimento e aprofundamento dos estudos sobre genética de populações. Simplificando uma teoria complexa, diríamos que, na perspectiva da Nova Teoria Sintética da Evolução, a mutação é a matéria prima sobre a qual atua a seleção natural. Em outras palavras, as mutações possibilitam o aparecimento de variações genéticas entre os organismos de uma população. Tais variações podem ser mantidas ou eliminadas durante o processo de reprodução, o que vem configurar a seleção natural. Assim, esta nada mais é do que a reprodução diferencial de organismos dentro de uma população, i. e., os seres que possuírem variações genéticas que lhes favoreçam melhores condições de vida num intervalo espaço/tempo, tendem a deixar maior número de descendentes, sendo o inverso também verdadeiro (Chaves, 1993, p. 31). E ainda hoje as pesquisas continuam. Portanto, não deverá esgotar-se em um conceito, mas é possível a partir do estudo de Silvia Chaves adotar alguns referenciais por ela apresentados e que foram, também, abordados em aula pela Professora com seus alunos, para apresentar contrapontos e caracterizar melhor tal processo: Baseando-se nesta teoria, a autora indica alguns pontos que devem ser considerados na análise do processo de evolução dos seres vivos. São eles: a evolução tem por objeto a população e não www.unioeste.br 84 a linguagem da ciência o indivíduo; a evolução deve ser entendida como um processo de transformação que ocorre no organismo e no meio e não tem, necessariamente, sentido de progresso; o processo evolutivo é destituído de previsibilidade, intencionalidade e diretividade; a evolução é produto da interação meio-ser num determinado período de tempo (Cf. Chaves, 1993). Além destas premissas, creio que vale acrescentar o que se constituiu estranheza pelos alunos: “a evolução é um processo de transformações contínuas, passíveis de serem transmitidas hereditariamente (...). O processo evolutivo é destituído de funcionalidade, de vez que, é uma propriedade intrínseca da matéria” (Chaves, 1993: 54-55). A autora assinala ainda que: Além desta questão, tem-se levantado a hipótese do processo não ocorrer de forma lenta e gradual, tal como preconizado desde o darwinismo, mas alternando “períodos de aparente parada evolutiva (estase) e períodos pontuados pelo surgimento “rápido” de espécies novas (Chaves, 1993: 32). Contudo, a partir das respostas nos trabalhos apresentados pelos alunos nas aulas de Didática, observa-se que outros alunos concebem, também, evolução de modo mais próximo ao conceito biológico de acordo com as proposições acima. Destaco partes de alguns trabalhos: - Na evolução dos seres vivos aconteceu a troca de genes. A partir daí, surgem novos indivíduos, no início eram apenas plantas e, depois, surgem as diversas espécies de animais, mais completos ou mais simples. - Pesquisando sobre as teorias, pude verificar que a mais aceita é a Teoria Sintética ou Sincrética que se baseia nos seguintes pontos: mutação, luta pela vida, seleção natural; isolamento, variação do gene populacional. Eu acredito que houve a evolução por várias provas como: provas embriológicas; provas bioquímicas, provas paleontológicas, etc. - Através dos dados da evolução, comparando-se crânios préhistóricos, evidenciam-se as mudanças ocorridas nos nossos ancestrais; também, evidencia-se o mesmo procedimento para outros seres. Existem em nosso próprio corpo, também, evidências de evolução (ex: apêndice, vermiforme, etc.). - Acredito, porque a evolução trouxe as trocas de materiais genéticos, se não ocorressem essas trocas, a evolução não existiria, devido às formações genéticas. A evolução começou ocorrendo 85 www.unioeste.br a formação do sujeito professor primeiramente com as “plantas”, porque não ocorreria com todos os outros seres vivos. - Para mim, evolução é o desenvolvimento progressivo de genes que sofrem alterações no decorrer das gerações. - É o processo pelo qual passou o mundo desde o seu surgimento até hoje, mostrando uma diversidade de animais e plantas que evoluíram, geneticamente, com o passar do tempo, sempre em busca de sobrevivência (Trechos extraídos de trabalhos dos alunos do 5º período de Ciências/Biologia). Em tais concepções, observa-se maior proximidade com as premissas do conceito cientificamente aceito, quando afirmam que: “Na evolução dos seres vivos aconteceu a troca de genes”; “a Teoria Sintética ou Sincrética se baseia nos seguintes pontos: mutação, luta pela vida, seleção natural, isolamento, variação do gene populacional (...). [Provas da evolução]: provas embriológicas; provas bioquímicas, provas paleontológicas, etc.”; “Através dos dados da evolução, comparando-se crânios pré-históricos, evidenciam-se as mudanças ocorridas nos nossos ancestrais e para outros seres. Existem em nosso próprio corpo, também, evidências de evolução (ex: apêndice, vermiforme, etc.)”; “a evolução trouxe as trocas de materiais genéticos”. É importante destacar também que, em menor número, alguns alunos manifestam-se como criacionistas. Acreditando que Deus é o criador das espécies. Eles escreveram: - Na minha opinião, os evolucionistas são muito radicais, alguns falam que a vida surgiu de uma grande explosão o “big-bang” e, a partir da 1ª molécula viva, surgiram os demais seres vivos. Para os evolucionistas, Deus não teve participação na criação. Creio que Deus é o supremo criador, é o criador de tudo. Mas creio, também, que alguns animais, por conseqüência do meio ambiente, sofreram algumas modificações, para sua própria sobrevivência. - É difícil deixar de lado o que se lê na bíblia sobre a idéia da criação especial, onde Deus fez o homem e a mulher. Mas não podemos fechar os olhos diante do fato de que o ser humano está evoluindo cada vez mais (Trechos extraídos de trabalhos dos alunos do 5º período de Ciências/Biologia). Portanto, este estudo sobre evolução, a partir das concepções dos alunos, deixa claro que, no estudo das Ciências, ao compreender o significado das palavras separadamente, não significa que o aluno ou o leitor seja capaz de utilizar as palavras www.unioeste.br 86 a linguagem da ciência corretamente numa oração, ou seja, capaz de entender como seus significados se relacionam em determinados conceitos. Para isto, requer-se o conhecimento adicional de como se usam as palavras para falar cientificamente. Outro ponto importante de análise pode ser encontrado nas reflexões de J. W. Geraldi, quando afirma que, na aprendizagem de um conteúdo, existem outras aprendizagens implícitas. De modo geral, as falas em aulas são tomadas como “meio”, como atividade instrumental de acesso e apropriação de um conhecimento que se erige como tema. Este é considerado como o que se tem a aprender. Fala-se sobre ele; lê-se sobre ele. Nestas interlocuções, afloram informações e conformações do tema. Crê-se que foi aprendido, quando, com correção conceitual, sobre ele se fala, sobre ele se produz. Há no entanto, outra aprendizagem implícita que se dá precisamente no processo que conduziu esta aprendizagem: “os conteúdos do ensino” mas, também, a construção que se realizou na interação destas falas em aulas e a estrutura da apresentação destas interações escritas ou orais (Geraldi, 1993: 08). No ensino de Ciências, é a natureza do conteúdo que indica per se a abordagem metodológica que deverá ser adotada no ensino para que se propicie aprendizagem. Através do artigo de autoria da Professora, busco elementos para esclarecer sua concepção: As idéias: chave que presidem a escolha e a articulação de situações de ensino e de aprendizagem que encetem interações entre professores(as) e alunos(as) e inter-pares implicam em possibilitar aos alunos e às alunas constituírem seu conhecimento e utilizá-lo no contexto de uso o mais realista possível. Nesta perspectiva, chegase a usar, por exemplo, questões especulativas atribuindo-lhes significado e aprendendo seu sentido, tendo em vista a elaboração de hipóteses explicativas de alunos e alunas que podem, subseqüentemente, ser confrontadas com pontos de vista e explicações científicas. O que busco assinalar é que, quando se assume - no âmbito da relação de ensino e de aprendizagem - que o conhecimento se constitui na interação social, esta passa a ser diferenciada em termos tais que já não faz sentido, quer em termos epistemológicos quer teórico-metodológicos, ensinar o que é ave do mesmo jeito que se ensina o que é átomo ou o que é fotossíntese: é preciso levar em conta tanto a natureza do conhecimento (conceitual, representacional, processual), quanto as condições de ensino, de aprendizagem e o contexto (social, político, econômico, histórico e cultural) dos alunos e das alunas no curso de sua escolaridade (fundamental, média e superior) (Aragão, 1998). 87 www.unioeste.br a formação do sujeito professor J. Lemke corrobora para o esclarecimento desta questão, quando assinala que: A maneira como se apresenta um conteúdo específico depende tanto das estratégias de interação e das estruturas de atividades como das estratégias de desenvolvimento temático e do padrão temático em si. Estes aspectos são totalmente interdependentes no processo de ensino-aprendizagem que se produz na linguagem (Lemke, 1997: 35). A Professora, ainda no artigo citado, chama-nos a atenção para um eixo temático que merece ser destacado no ensino de Ciências/Biologia, que diz respeito à dinamicidade e à provisoriedade do conhecimento que precisam ser tratados com alunos em qualquer processo de ensino e de aprendizagem. Segundo ela: Com respeito à consideração da premissa concernente aos atributos de dinamicidade e de provisoriedade do conhecimento, ainda que na versão escolar processual do ensino e da aprendizagem, tais atributos se manifestam numa linha de antagonismo às idéias usuais, tratadas em aulas de Ciências que enfatizam outros atributos dos conteúdos de ensino que configuram o conhecimento a ser adquirido por alunos e alunas, com outros atributos dentre os quais, os de verdade e de inquestionabilidade. À escola, supostamente, cabe revelar tal conhecimento considerado verdadeiro que, dado o seu caráter inquestionável, torna-se imutável e, portanto, estático. O conhecimento verdadeiro é estático, não muda, porque sempre foi assim. Independente dos contextos de sua produção, tal conhecimento apresenta-se neutro, a-histórico e a-temporal, sendo adquirido apenas por indivíduos de “boa memória”. Em função desses matizes ainda presentes, via de regra, nas escolas, que configuro como desafio, no âmbito da prática pedagógica, a redimensão de algumas concepções epistemológicas que remontam ao século passado (Aragão, 1998). Nesse sentido, J. Lemke diz que “na escola, segundo o modelo tradicional de ensino, o que é hipótese na ciência vira verdade absoluta; conteúdos de ensino não vivem na provisoriedade da ciência; seu papel de ‘transmissora’ exige da escola que tome algo pronto cá e o passe para lá como tal. Como se tem feito isso com textos” (Lemke, 1997: 105). www.unioeste.br 88 a linguagem da ciência Os alunos precisam compreender o conteúdo científico da aula, se não compreendem é possível até que aprendam a praticar um certo tipo de jogo de aula. Isto é, eles podem até responder a perguntas simples, realizadas pelo professor, cujas pistas das respostas já foram dadas pelo próprio professor, mas nunca aprenderão a falar, efetivamente, sobre Ciências ou Biologia. Contudo, as relações de poder na aula são também expressas pela linguagem. Nesses termos, é importante salientar o uso da linguagem como fundamental, considerando-se o ensino de Ciências/Biologia. E tem-se observado que, o uso da linguagem, nas aulas de Ciências, tem se apresentado muito mais como um diálogo estruturado nas relações de poder e métodos derivados da aula expositiva, onde, geralmente, os alunos escutam e lêem a linguagem da ciência, porém, cientificamente, falam muito pouco e escrevem menos ainda. O domínio da Ciência requer a prática de falar, não apenas escutar. Se os alunos não podem demonstrar seu domínio da ciência, ao falar ou escrever, podemos duvidar de suas respostas e que as soluções aos problemas representem realmente sua habilidade de pensar cientificamente, já que pensar, cientificamente, é uma forma de explicar a si mesmo uma solução, mobilizando os recursos semânticos da linguagem científica, para dar-lhe significado (Lemke, 1997: 35; 40). A sala de aula é um dos lugares característicos, onde os conhecimentos se constroem conjuntamente e, onde, umas pessoas ajudam as outras a desenvolver sua compreensão (Cf. Mercer, 1997). Os professores são os responsáveis pela condução da aula: seu planejamento, sua implementação e a mediação do conhecimento ao aluno. Porém o grupo pode questionar e obstaculizar este trabalho. Os alunos influem ativamente nos episódios de ensino e aprendizagem. Sua participação, seu interesse, suas contribuições e, ainda, sua resistência, muitas vezes, são determinantes mais eficazes do que o planejamento do professor em definir a direção que a aula pode tomar (Cf. Mercer, 1997). 89 www.unioeste.br a formação do sujeito professor 4.4 Episódio 9 - O ensino de conhecimentos processuais de Ciências/Biologia — Fotossíntese: concepções em um plano de aula A propósito do ensino de conhecimentos processuais de Ciências/Biologia e o tema escolhido (fotossíntese), a Professora trabalhou com os alunos com base no texto A evolução conceitual na prática pedagógica do professor de Ciências das Séries Iniciais (Dissertação de Mestrado de autoria de Lúcia Guido). A Professora introduziu as discussões, semelhantemente, à abordagem feita pela autora, sobre as crenças que as pessoas possuem a respeito da relação homem x planta. Assim, procurando trabalhar com as crenças dos alunos, a Professora faz aos alunos alguns questionamentos, quais sejam: “Vocês acreditam que nós podemos ter plantas dentro de casa? E, no quarto, podemos dormir com plantas? Ou, apenas, em outros cômodos, como na sala ou na cozinha?”. Houve uma grande discussão entre os alunos, cada um apresentava sua opinião e tentava discutir: uns concordavam, apresentando algumas assertivas, outros discordavam: Aluno 1: Eu acho que não pode, a planta de noite solta CO2. Aluno 2: Eu acho que não tem problema nenhum. Aluno 3: Eu acho que só não pode no quarto; se deixar um pouco da janela aberta onde está a planta, na sala ou cozinha, então pode. A partir disto, a Professora, para fazê-los refletir, propõe algumas questões que seriam contraditórias, com base nas respostas dos alunos. Ela lhes pergunta: Professora — E os índios que vivem cercados por grandes florestas e suas “casas” não são bem fechadas como as nossas. Como será que eles conseguem viver, dia e noite, no meio de tantas plantas e sobrevivem? — Por que será que a gente também pode acampar no meio do mato e permanecer vivo? — Se você dormir entre as árvores, no horto florestal, o que poderá acontecer? A Professora introduz ainda a discussão de como eles concebem a fotossíntese e como acham que a planta se alimenta. www.unioeste.br 90 a linguagem da ciência Dentre outras idéias, a Professora sintetiza, assim, as respostas dos alunos: Acham que fotossíntese é a respiração da planta; não mencionaram que a fotossíntese diz respeito à produção de energia, mas acreditavam que era a forma de respirar da planta; não entendem que a planta produz o seu próprio alimento, mas crêem que ela retira do solo; acreditam, ainda, que a fotossíntese só se realiza na presença da luz solar, mas, à noite pára. Tais idéias dos alunos nos levam a considerar contradições e distorções que não são apresentadas apenas por estes alunos. Na dissertação mencionada, quando a pesquisadora trabalha com uma classe de 4ª série, os alunos apresentam concepções bastante parecidas (Guido, 1996). Em outros estudos, mencionados por ela, os resultados também são semelhantes. Cabe ressaltar que, se em geral as pessoas têm um sentimento positivo em relação às plantas, dizem sempre que elas são importantes porque “fabricam o oxigênio” e, ainda, pelas inúmeras utilidades que as plantas representam para o homem. A partir destas idéias, as distorções presentes nas respostas dos alunos, segundo a Professora, ficam estabelecidas da seguinte forma: “Se as plantas eliminam o CO2 (que é prejudicial ao homem) e ainda retiram seu alimento do solo, elas não seriam benéficas, mas sim prejudiciais ao homem”. Distorções como estas ocorrem, quase sempre, em razão de conceitos científicos não serem efetivamente compreendidos, nem pelos professores nem pelos alunos. Temos, hoje, diversas explicações científicas, que até o presente momento são tidas como válidas pela comunidade científicas, as quais, se fossem ensinadas na escola, evitariam as distorções, contradições e confusões que as pessoas, muitas vezes, apresentam, como conseqüência da permanência das crendices e superstições e o descrédito da Ciência. Este episódio nos leva a reiterar que as concepções que nossos alunos apresentam, geralmente, não são frutos apenas deles próprios; são concepções que se encontram generalizadas na coletividade que, na forma de senso-comum, fazem parte do modo de pensar do povo. Ainda em relação ao tema da fotossíntese, na perspectiva de investigar como os alunos concebem o ensino de Ciências, a Professora propôs — como uma avaliação complementar 91 www.unioeste.br a formação do sujeito professor — que os alunos que assim quisessem, poderiam apresentar um plano de aula sobre um dos conteúdos de Biologia; contudo, uma professora de outra disciplina (Bioquímica) havia solicitado aos alunos a mesma forma de avaliação, desde o início do semestre, como trabalho final de sua disciplina. Sendo assim, aos alunos foi permitido apresentar um mesmo trabalho para a avaliação nas duas disciplinas. A partir dos objetivos propostos pelos alunos, no plano de aula, foi possível estabelecer algumas relações sobre suas concepções: 1 – Objetivos apresentados nos planos de aulas a) Por que ensinar fotossíntese? - A importância da produção de oxigênio, para a manutenção da vida na terra. - Para poder relacionar de forma mais compreensiva a produção de energia para os seres vivos e os demais organismos que interagem no meio ambiente e para integrá-los como atuantes da atual situação ambiental. - Mostrar aos alunos qual a importância da fotossíntese dentro das necessidades do planeta, direcionando seus conhecimentos para dar uma continuidade a esse processo tão importante para todos os seres vivos. - O objetivo geral desta aula será relatar os principais tópicos existentes dentro do assunto “fotossíntese” como, por exemplo, mostrar que é através da fotossíntese que irá ocorrer a produção de glicose, demonstrando a equação geral do processo — Água + Gás carbônico na presença de clorofila e luz ⇔ glicose + oxigênio + energia (6 H2O + 6 CO2 ⇔clorofila⇔ luz ⇔ C6H12O6 + 6 O2 + E) —, pois, através de materiais inorgânicos, chegaremos a um composto orgânico. Terá também como objetivo geral mostrar que os vegetais em geral possuem pigmentos de clorofila, através dos quais conseguem realizar a fotossíntese; e cujos seres clorofilados são autótrofos, ou seja, sintetizam seu próprio alimento. - Instruir os alunos sobre o tema escolhido e sua importância desde o início da vida na Terra, no dia-a-dia e, também, o que os mesmos poderão estar fazendo para contribuir na continuidade do processo, além de uma demonstração prática da maneira que ocorre a fotossíntese. Em função da orientação recebida da Professora de Didática, a maioria dos alunos preocupou-se em caracterizar a clientela a que se destinavam suas aulas. A pergunta básica que norteava os planos de aula era a seguinte: www.unioeste.br 92 a linguagem da ciência b - Para quem ensinar fotossíntese? - A aula foi preparada, tendo como contexto os princípios básicos do processo de fotossíntese, já que se trata de uma primeira série do ensino médio (sic), de uma escola pública localizada num bairro de periferia. Onde os alunos são na sua maioria de classe baixa, e os pais trabalham fora, ficando estes na rua após término da aula. - Nos primeiros anos do curso básico (1ª a 4ª série) [sic] pois, esse conteúdo é de grande importância para o entendimento de um elemento básico da sobrevivência, do planeta Terra e de sua própria sobrevivência. - Considerando que a clientela freqüenta o ensino de curso noturno e são trabalhadores do comércio e da indústria que buscam a escola porque sua localização é central e próxima ao terminal, levando em conta que querem apenas terminar o ensino médio, precisamos repensar o ensino da fotossíntese. - Alguns pontos de suma importância que se deve levar em questão, para a forma como ensinar, é quanto à localização da escola (centro, periferia ou mesmo na zona rural), à faixa etária dos alunos e outros. - Para alunos de escola pública do noturno, cuja maioria trabalha durante o dia. c - Quando ensinar fotossíntese? O que ensinar? - Depende do grau de desenvolvimento e da capacidade de abstração do aluno. Assim, segundo a série o professor poderá dosar a profundidade do conteúdo dado. - O que ensinar? Quem descobriu a clorofila, para que serve a clorofila, a equação da fotossíntese, a equação completa da fotossíntese, os estômatos, os cloroplastos, vasos condutores de seiva, absorção de gás carbônico e liberação de oxigênio, produção de glicose, etc. - Ensinar sobre o uso da água, e sais minerais do solo que são utilizados pela fotossíntese. O ensino da fotossíntese deve ser demonstrativo como colocar um grão de feijão (semente) e deixar germinar. Desta forma o uso da água a qual o algodão estará embebido. Outra forma é a utilização de um vaso de planta coberto por um plástico, onde este após alguns dias conterá gotículas de água na sua superfície. - Método explicativo, com colocações de dúvidas no decorrer da aula seguido de uma exemplificação do tema, com a utilização de uma experiência para melhor compreensão dos alunos. - Fotossíntese (para o ensino fundamental ( 5ª a 8ª série). Pedi para 4 alunos, pegarem 4 folhas diferentes no pátio da escola. Passados 10 minutos, lá vieram todos entusiasmados. Disse para os alunos erguerem as folhas. E então perguntei, quais as diferenças entre elas? Pensaram, conversaram, discutiram muito, e então disseram: — Professor, nós observamos que todas as folhas são verdes e que elas têm forma e tamanhos diferentes. — O verde das folhas é chamado de clorofila. 93 www.unioeste.br a formação do sujeito professor — Professor, o que é clorofila? — É uma pigmentação verde, por onde realiza a fotossíntese. — Professor explica, não complica. - Perguntar aos alunos o que eles sabem sobre fotossíntese, utilizando-se dos seus conhecimentos para dar continuidade ao ensino, com aulas explicativas, sanando as dúvidas ocorridas durante a aula, para, depois, entrar com métodos práticos, demonstrando a importância da fotossíntese para o meio ambiente. - A partir daí, o professor deve orientar seus alunos, ensinando de forma a correlacionar o assunto em sala de aula com tudo o que acontece ao redor do aluno, no mundo em que ele vive, para motiválo a se interessar cada vez mais, com o que está sendo ensinado; pois ele percebe que essa aprendizagem satisfez alguma necessidade sua. - Trabalhando, assim, o professor percebe que o aluno ganha confiança em si mesmo, promovendo sua auto-estima; isto o estimula a manifestar sua vontade de querer ir fundo, clareando e detalhando os conceitos. Alguns alunos apresentaram no seu plano um item denominado “estratégia” e, assim, o descreveram: - Como processo de aula, começarei com uma introdução teórica em sala de aula. Depois de assimilado e passado o assunto, poderemos partir para uma parte prática, como por exemplo, deixarmos uma planta todo tempo na luz, e outra recebendo luz em certo período e, ficando no escuro, em outro período; deixaremos estas plantas nestas condições por uns dias e, ao final, faremos uma análise, chegando a uma conclusão comum, e ligando os aspectos observados com a parte teórica, onde os alunos poderão assimilar, mais rapidamente, o assunto e, assim, visualizando, não totalmente, mas sim uma parte do que se trata a fotossíntese. - A parte teórica vai relatar os assuntos abordados no trabalho, de forma resumida, onde, através de vários aspectos, irei falando com as minhas próprias palavras. - Começarei, primeiramente, perguntando se algum aluno já ouviu falar sobre fotossíntese, perguntarei se algum aluno saberia me explicar com suas próprias palavras o mecanismo de fotossíntese, etc. A parte teórica seria explicada nesta seqüência e, logo em seguida, seria dada a parte prática com a experiência descrita no item Estratégia. E assim se encerraria a matéria sobre o assunto fotossíntese. Por um lado, o conteúdo apresentado em forma de revisão bibliográfica, pelos alunos, em geral mostra-se conservador, contudo, consistente, denso, atualizado e aprofundado, mas, via de regra, tratado de forma tradicional de ensino. Eles usam como www.unioeste.br 94 a linguagem da ciência referências bibliográficas, diversas fontes entre elas, livros de Biologia do 3º grau, livros didáticos do 2º grau, enciclopédias e, em menor número, revistas especializadas de Ciências. A pesquisa do conteúdo é apresentada em moldes tradicionais, geralmente com ênfase nos aspectos químicos e físico-químicos do conteúdo que são transcritos literalmente. Alguns apresentam, no entanto, relações importantes no decorrer do trabalho com os aspectos históricos e evolutivos com a vida cotidiana, como a poluição, cadeia alimentar e saúde. Porém estas relações perfazem uma pequena parte do conteúdo, cuja ênfase principal encontra-se nos aspectos teóricos. Outro fator importante em alguns planos é que a adequação do conteúdo em relação ao ensino proposto não demonstra coerência. Alguns propõem aula para 1ª ou 4ª séries (que não deverá ser seu nível de atuação), mas, ainda, dão ênfase às equações envolvidas na fotossíntese. Outros, ao contrário, planejam aulas para 1ª ou 2ª séries do ensino médio e apresentam atividades quase que exclusivamente baseadas em observação de germinação de grãos, a influência da luz e demonstração prática do Método das Bolhas Gasosas com folhas de Elodea canadensis que, ao meu ver, são mais adequadas para alunos de 2ª a 4ª séries, ou ainda do Método das Bolhas para alunos de 4ª a 6ª séries. Uma aluna apresentou um trabalho diferente, com o tema “A água, o Equilíbrio Ácido-Base e os Sistemas Tampões” para 8ª série do Ensino Fundamental. De certa forma, este tema pode ser inserido na análise anterior, porém como um trabalho mais completo, já que vai além ao pesquisar aspectos relacionados com o ensino dos conteúdos “água” e “ácidos e bases”, presentes na literatura do ensino de Ciências/Biologia, expandindo a bibliografia pesquisada e os parâmetros usados por seus colegas. Por outro lado, é possível perceber, na escrita dos alunos, que o rol de conteúdos apresentados é semelhante à organização seqüencial apresentada pelos livros didáticos, com uma clara ênfase no modelo T-R. É possível observar ainda que, quando se referem aos conteúdos imbricados nos processos de ensino, os planos de aulas não manifestam evolução substancial do ensino T-R. Porém, são apresentados alguns avanços no sentido da necessidade de considerarem os conhecimentos prévios dos alunos e o “grau de 95 www.unioeste.br a formação do sujeito professor desenvolvimento e a capacidade de abstração do aluno”. Também são apresentadas diversas experiências; algumas destas, no entanto, dão a impressão de serem usadas apenas para o que os professores chamam de motivação, ou como demonstração da teoria em forma de receita. Em parte, nos seus planos de aula, os alunos demonstram encaminhar-se no sentido, ainda tênue, de evolução conceitual na perspectiva de construção do seu conhecimento e de seus futuros alunos sobre o ensino de Ciências/ Biologia. Eles escrevem: - Através de uma discussão em sala de aula onde os alunos possam dizer com suas próprias palavras o que entendeu sobre a fotossíntese e usar exemplos diferentes daqueles citados anteriormente. - No momento em que o aluno crie discussões, sem ter o professor como um único apoio intelectual, usando suas próprias compreensões didáticas. - O outro ponto é estabelecer inter-relações, como por exemplo; o processo de fotossíntese e respiração. - Assim, partindo do conhecimento anterior do aluno, o professor vai progredindo e fazendo ajustes, e o aluno não sente que não sabe nada, mas, sim, que está complementando e aprofundando algo que ele já conhecia. - Isso trará para o futuro um indivíduo pensador, autônomo, confiante e responsável; continuando e tornando o processo educativo de transformação de pensamento e dinâmico. - O ensino de fotossíntese deve ser ensinado a partir do momento que eu “ser humano” consigo estabelecer relações do reino animal, vegetal, mineral... - O professor deve induzir o aluno a pensar, refletir; fazendo perguntas, de modo que os alunos vão determinando relações e associações e desenvolvendo seu potencial. - A participação do aluno numa determinada atividade, dá-se quando este passa a conhecer os propósitos desta atividade, participando do planejamento, das dúvidas e soluções; e passa a visualizá-la para quê ela serve, ou seja, sua aplicação prática. Os alunos apresentam argumentos, tais como: “conseguir estabelecer relações do reino animal, vegetal, mineral”; participação do aluno em “discussões sem ter o professor como um único apoio intelectual, usando suas próprias compreensões didáticas” que “possam dizer com suas próprias palavras o que entendeu sobre a fotossíntese e usar exemplos diferentes daqueles citados anteriormente”. Nos seus planejamentos, foi possível perceber uma valorização das pré-concepções dos alunos, quando escrevem: www.unioeste.br 96 a linguagem da ciência O fato de ensinar fotossíntese no ensino médio, de uma forma mais detalhada é que estes alunos já obtiveram um embasamento nas séries anteriores; é claro que foi de uma forma superficial, mas é este embasamento que permite um melhor aprendizado, permitindo que estes alunos estabeleçam relações entre o conhecimento já adquirido e o conhecimento que está sendo adquirido; da mesma forma, o ensino de fotossíntese no curso de Biologia não foge do tradicional, mas o que diferencia é a forma como é colocado, ou seja mais aprofundado; mas a questão não é, se devo ensinar menos, quando tendo determinado contexto e, mais, quando diante de outro contexto. Simplesmente o ponto que diferencia um do outro é o ponto de partida dessa explicação; para responder a estas perguntas, devemos avaliar os alunos (suas vidas, suas experiências anteriores, sua disponibilidade, idade, ou seja, conhecer um pouco da história de cada aluno), a escola, o momento social e tecnológico, as condições físicas e materiais fornecidos, etc. Fica expressa a preocupação com a construção do conhecimento. Em suas palavras aparecem referências ao fato de que estes alunos já obtiveram um embasamento. É este embasamento que permite um melhor aprendizado, fazendo com que os alunos estabeleçam relações entre conhecimentos prévios e o conhecimento que está sendo adquirido. Porém um aluno faz uma análise do ensino nos moldes realizados, quando diz: “Da mesma forma, o ensino de fotossíntese no curso de Biologia não foge do tradicional, mas o que diferencia é a forma como é colocado, ou seja mais aprofundado”. O aluno deixa claro que o ensino ministrado no curso de Biologia, no curso deles, pelos seus professores, “não foge do tradicional”; a diferença consiste apenas em uma maior quantidade de conteúdo, já que se chega aos mínimos detalhes. O diferencial existente entre os aspectos de como o ensino será realizado por esses alunos em aula, e as concepções que estes futuros professores manifestam em suas palavras, sugerem que estes futuros professores já começam a conceber um ensino diferenciado, mais próximo de uma visão construtiva-significativa, porém eles ainda não sabem como traduzir estas concepções que estão concebendo, em modos mais eficazes de conduzir suas aulas, principalmente, porque continuam imersos no modelo T-R dos seus professores, centrados no conteúdo-informação, independente das relações compreensivas que possam ser feitas para que os alunos 97 www.unioeste.br a formação do sujeito professor aprendam. Em suma, os episódios aqui relatados possibilitam a compreensão das dificuldades encontradas por alunos e professores no que se refere à leitura e escrita, principalmente, tendo em vista dois fatores determinantes: alunos (como os professores) são frutos do ensino T-R; não possuem tempo disponível por serem também alunos trabalhadores. Disto decorre que os alunos, via de regra, não apresentam condições para realizar as pesquisas e leituras necessárias à sua formação profissional, e ainda, o histórico de leitura destes alunos e professores se confundem com o ensino T-R nas escolas. Assim, a leitura denotativa e com base numa leitura supostamente privilegiada tomada como única, somando-se às discrepâncias entre a linguagem dos alunos e a linguagem da ciência, representada pelo professor, nos possibilitam perceber a necessidade de mudanças significativas, principalmente, na perspectiva da formação de professores, no ensino que se faz em nossas escolas, bem como nas universidades. * * www.unioeste.br * 98 CAPÍTULO V OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS •♦• A prática pedagógica do professor manifesta suas concepções de ensino, de aprendizagem e de conhecimento, como, também, suas crenças, seus sentimentos, seus compromissos políticos e sociais; uma análise das atividades na escola é capaz de revelar a concepção epistemológica subjacente (Schnetlzer; Aragão, 1995). Qual é o modelo de ensino mais comum nas escolas brasileiras? Em que níveis de ensino ele se encontra presente? Examinando aspectos da formação do professor de Ciências/ Biologia, nesta investigação procuro — a partir das falas, relatos e interações em aula — apontar alguns elementos deste processo, a fim de compreender questões presentes no modelo de formação atual. Pesquisas têm demonstrado que a atuação de professores nas suas aulas é resultado de suas crenças epistemológicas (Schnetzler; Aragão, 1995; Cawthron; Rowell, 1978; Hodson, 1985; Silveira, 1989; Carniatto; Fossa, 1998). D. Liston e K. Zeichner defendem que a formação inicial é o ponto de partida, mas que a formação efetivamente se consolida ou se “constitui em um processo que continua, através da carreira de professor” (Liston; Zeichner, 1993: 23). Portanto, o profissional precisa estar continuamente revendo suas convicções, considerando que a tarefa de educar depende de uma série de decisões e de condições que precisam ser criadas e ser continuamente aprendidas pelos futuros professores. Nesse sentido, pode-se indicar que: O ato educativo, que nos comprometemos a realizar, consciente ou inconscientemente, no âmbito do nosso ensino, o qual consiste, unicamente, em um processo de aprendizagem, mas implica, sem 99 www.unioeste.br a formação do sujeito professor dúvida, na vontade explícita de incidir ou intervir sobre tal processo. Essa vontade se traduz em uma série de decisões sobre o que o aluno precisa aprender e sobre as condições que precisam ser criadas para que ele realmente aprenda o que configura como desejável de ser aprendido e pressupõe conhecimento específico para coordená-las, no plano escolar (Coll apud Aragão, 1993: 11). Outro importante problema advém de visões simplistas sobre a formação de professores que se encontram no âmbito do ensino T-R. Tomando como ponto de reflexão as palavras de A. Carvalho e D. Gil-Pérez, gostaria de situar a discussão do ensino que se ministra nos cursos de licenciaturas, neste caso no Curso de Ciências/Biologia: Um ensino eficiente tem que ter como um dos seus pressupostos atender às “necessidades formativas do professor de Ciências” especialmente no que se refere à ruptura com visões simplistas sobre o ensino de Ciências, importância do conhecimento da matéria a ser ensinada, necessidade de adquirir conhecimentos teóricos sobre aprendizagem das Ciências e analisar criticamente o ensino tradicional (Carvalho; Gil-Pérez, 1993). Assim, podemos compreender a necessidade de uma preparação rigorosa de professores em formação, para possibilitar uma docência de qualidade. Por isso, juntamente com diversos autores, defendo a posição de que a formação inicial precisa ser reestruturada, através da imbricação ensino - conhecimento e aprendizagem - natureza epistemológica do conteúdo, não se podendo mais continuar cultivando a dissociação conteúdo-forma. Além disso, torna-se imprescindível, possibilitar ao futuro professor, conhecimento político-social que lhe permita uma visão crítica da realidade dos alunos e de onde a escola se situa (Gil-Pérez, 1996: 73). 5.1 Episódio 10 - Paradigma e concepção de ensino fundamentados na T–R Procurando desvelar as concepções de ensino-aprendizagemconhecimento dos alunos, a Professora de Didática propôs que, organizados em grupos, eles refletissem para responder a algumas www.unioeste.br 100 obstáculos epistemológicos questões. Busco na escrita dos alunos identificar suas concepções, mediante as respostas apresentadas nesta atividade realizada em aula: a) Questão 1: O que é ensino/ensinar para você? - É a transmissão de um conhecimento. - Ensinar é transmitir novos conhecimentos, através de métodos específicos, materiais adequados e aprofundamento constante do educador. - É passar um conteúdo (informação) de uma forma sistemática, porém criativa, ou seja, de uma maneira com que os alunos assimilem e compreendam tal conteúdo. - É assimilar o que foi transmitido e saber transmitir o que se aprendeu. - É um processo caracterizado pelo planejamento que se pretende ensinar, que é praticado via professor/aluno. O resultado dessa integração professor/aluno irá gerar um conhecimento a ser comparado e moldado as concepções (Trechos de atividades dos alunos do 5º Período). b) Questão 2: Como é que eu (professor) sei que ensinei? O que é aprendizagem/ aprender para você? - “Sabemos” que ensinamos determinado conteúdo a partir do momento que estiver consciente de como foi passado esse assunto, de qual ambiente estou trabalhando e, consequentemente, pelo questionamento e interesse da sala. - O processo de aprendizagem ocorre, quando estamos dispostos a assimilar, questionar e, com tudo, compreender e aprender determinado conteúdo. - O processo de ensino-aprendizagem baseia-se numa mudança de comportamento de cada indivíduo. - Aprender nada mais é do que captar o que foi transmitido, absorvendo conceitos e poder tirar conclusões próprias e utilizar tais observações, ou seja, o recebimento e a assimilação dos conhecimentos transmitidos (Trechos de atividades dos alunos do 5º Período). c) Questão 3: Como é que eu (professor) sei que o meu aluno aprendeu o que eu penso ter ensinado? - Ao ser feita uma avaliação, pode-se avaliar se foi assimilado, através das notas dos alunos, perguntas de interesse sobre o assunto, debates (pois não pode haver discussão do assunto, onde não há conhecimento), através de perguntas orais em classe, etc. - A princípio, observando a reação do aluno, após podendo discutir a outros níveis devido ao interesse do aluno. 101 www.unioeste.br a formação do sujeito professor - Através de avaliações escritas, orais, participação em sala de aula, em que os alunos demonstram o que eu ensinei. - Quando tenho domínio sobre o assunto. - Sei que ensinei quando eu falar num determinado assunto e ele souber discutir, participar, pois prova não avalia aluno; avaliamos através da participação, atenção, interesse, desenvolvimento diário do aluno (Trechos de atividades dos alunos do 5º Período). Questão 4: O que eu posso/devo fazer quando percebo que um aluno não aprendeu o que eu pensei ter ensinado? - Buscar métodos alternativos de aprendizagem para melhor compreensão do aluno. - Quando eu percebo que meu aluno não aprendeu o que pensei ter ensinado, devo mudar minha estratégia, buscar novas maneiras de apresentar o conteúdo, até que meu aluno consiga aprender. - O professor deve individualizar o aluno partindo do princípio em mudar a metodologia e ensino (Trechos de atividades dos alunos do 5º Período). A maior parte das manifestações dos alunos evidencia que eles concebem ensino-aprendizagem como transmissão-recepção, posto que eles afirmam que ensinar é: transmitir, passar informações, assimilar, saber transmitir, captar, etc. Manifestam uma ênfase behaviorista na metodologia, nas técnicas, nas estratégias e nos aspectos formais do planejamento. Além disso, eles afirmam que a aprendizagem depende do aluno, quando dizem que “o processo de aprendizagem ocorre quando estamos dispostos a assimilar, pelo questionamento e interesse da sala, devido ao interesse do aluno”. Culpar o aluno pelo insucesso do ensinoaprendizagem é uma postura muito comum no ensino T-R, a partir do que o professor acredita que ao “transmitir” o conhecimento, ele ensinou e se não houver “resposta” foi o aluno que não aprendeu. As concepções de avaliação vão desde as mais tradicionais como notas e perguntas orais até concepções mais evoluídas que apontam para a “consideração do desenvolvimento diário do aluno, se eles souberem discutir (sic)”, e ainda para a idéia segundo a qual “prova não avalia aluno”. Quanto ao que fazer quando se percebe que o aluno não aprendeu, os alunos se referem à necessidade de “buscar métodos alternativos de aprendizagem” e dão ênfase à “mudança de estratégia, de metodologia e individualizar o ensino”, reproduzindo uma série de lugares-comuns do discurso pedagógico. www.unioeste.br 102 obstáculos epistemológicos A partir do seu trabalho com a classe e a análise dessas manifestações, a Professora de Didática diz que percebeu que a maioria dos alunos concebia o ensino apenas como transmissãorecepção: Eu sei o que fez eles arrasarem o seu autoconceito. Eu fui cruel, para abalá-los, porque eles achavam que “ensinar só podia ser transmissão de conhecimento, ponto”. “Aprendizagem só podia ser memorização, ponto”. Mas a referência de uma das alunas deste período revela, à guisa de reconhecimento de fonte geradora, a concepção de ensino subjacente ao trabalho de muitos professores formadores desses futuros professores. Diz a aluna: Alguns professores, com tempo de 40 minutos, dão meia hora de aula efetivamente. E dizem o seguinte: não posso passar de meia hora, se não eu aumento consideravelmente a quantidade de matéria e vocês não agüentam. Sob outro enfoque, mas expressando a mesma concepção, uma ocorrência com outro professor é relatada por outra aluna nos seguintes termos: Eu estou fazendo Botânica agora, no primeiro semestre, em Abril; já estamos na sexta aula de Botânica, e o professor não pára de falar do sítio dele onde ele passou os três meses em que estava afastado. Ai, Professora, é muito duro, eu trabalho o dia todo, venho para a Unimep, eu sou mãe, esposa, administro a casa, venho para fazer esta disciplina e nada, nada de Botânica. E o professor diz que não vai dar a matéria, o conteúdo, porque não vai dar tempo. O descompasso entre o discurso do professor e sua prática é algo constrangedor, ele diz que não “não vai dar a matéria, o conteúdo, porque não vai dar tempo”; no entanto, já estava na sexta aula e nada de Botânica. O professor desperdiça o tempo todo falando de assuntos triviais, apenas de seu interesse, não se importando com as necessidades dos alunos e nem demonstrando o respeito que merecem como aprendizes. Os depoimentos dos alunos demonstram que os seus professores acreditam, apenas, nos procedimentos de transmissãorecepção (T-R), quando eles dizem que não podem dar mais de 30 103 www.unioeste.br a formação do sujeito professor minutos de aula, porque, se dessem mais tempo, a quantidade de matéria seria tanta (sic!), que os alunos não agüentariam, isto é, não dariam conta de memorizar. No ensino T-R, é usual os professores considerarem seus alunos como “esponjas”: Literalmente, grande parte dos professores considera os alunos como esponjas que devem absorver o conhecimento que eles tentam passar. Por trás de seu trabalho, transparece a idéia de que, quanto mais se repetir determinado conteúdo e, quanto maior número de exercícios de repetição se propuser, maior vai ser a aprendizagem (Cf. Moraes, 1996). Vemos que os professores não consideram a possibilidade de usar o tempo disponível para realizar outras atividades que contribuam para que os alunos aprendam os conteúdos, para que estabeleçam o maior número de relações cognitivas possíveis com o conteúdo tratado na aula, enfim, para consolidar a aprendizagem. Da forma como o conteúdo é apresentado usualmente, parece que o professor concebe “aula como transmissão seqüencial de conhecimento”. Portanto, quando o professor termina a exposição que ele julga suficiente, do seu ponto de vista, ele terá que passar, impreterivelmente, para o conteúdo seguinte. Não parece que ele possa admitir a possibilidade de realizar com os alunos outras atividades sobre o conteúdo trabalhado de maneira que estes possam compreender cada vez mais, ou melhor. Não existe, talvez, compreensão de que, se o aluno compreender bem o conteúdo, este aluno que, via de regra, trabalha o dia todo e estuda à noite, não precisará estudar tanto, memorizando em casa aquilo que não compreendeu e poderá apresentar um bom desempenho. Por outro lado, existem professores que procuram desempenhar bem o seu papel, como educadores. Vários alunos, ao serem indagados, disseram que alguns dos seus professores: Trouxeram muito da realidade política do nosso País, em relação à educação e, também, no âmbito social geral; Passaram recortes de jornais, revistas, documentários, e outros; Trouxeram muitas novidades relacionadas com a matéria. Outros alunos, no entanto, destacam a apatia de seus professores: “Enquanto outros estão parados no tempo”; “Não há www.unioeste.br 104 obstáculos epistemológicos novidades para mim, textos cansativos”. Porém, nas manifestações dos alunos, existem alguns aspectos sobremaneira preocupantes que deveriam fazer vários professores se questionarem seriamente e se auto-avaliarem: - Poucos professores trouxeram alguma informação nova para nosso conhecimento, alguns mal olham para nossa cara, e outros são tão mal humorados que não passam muita coisa e exigem muito. - Alguns professores trouxeram várias novidades para nossa área; porém, há outros que só entram na sala para a matéria em questão. A Biologia é uma ciência atualizada, que precisa ser renovada, por isso alguns professores decepcionam na aula, não atualizando a sua matéria (Comentários de alunos do Curso de Ciências/Biologia). A partir das concepções de ensino evidenciadas nas manifestações e nos trabalhos desses alunos, torna-se necessário discutir um outro ponto fundamental da formação inicial desses futuros professores, isto é, discutir as concepções de ensino que eles ainda cultivam como frutos dos muitos anos de escolarização, submetidos a uma educação centrada na Transmissão-Recepção(TR). Isto porque: A formação do professorado desempenha um papel importante em relação com os problemas da sociedade. Eles enfatizam que os programas de formação de professores podem servir para integrar os futuros professores na lógica da ordem social atual ou promover uma situação em que os futuros professores possam adotar uma postura crítica frente a realidade com o fim de melhorá-la (Liston; Zeichner,1993: 22). Considerando que, no curso de formação de professores, é fundamental que se abra espaço para reflexão dos futuros professores, estes precisam de estímulo constante para refletir e, para tanto, é necessário romper o isolamento e a unilateralidade do ensino T-R. Além disso, a formação de professores deve contribuir, de alguma maneira, para chamar a atenção sobre a necessidade de ampliar os interesses no campo da formação do professorado: As questões de organização são, em últimos termos, menos importantes que as decisões a respeito do objetivo e essência de nossos programas de formação de professores (...). Seu objetivo não deve limitar-se só em conseguir a excelência e fortalecer a 105 www.unioeste.br a formação do sujeito professor competência intelectual, senão que deve incluir um compromisso apaixonado a favor da igualdade educativa (Liston; Zeichner, 1993: 22-23). Além disso, a formação de professores deve aspirar diretamente a educar docentes “capazes de identificar e organizar seus propósitos, de escolher as estratégias pedagógicas e os meios adequados, que conheçam e compreendam os conteúdos que devem ensinar, que compreendam as experiências sociais e as orientações cognitivas dos seus alunos e possuam uma compreensão maior do contexto social e político do ensino” (Cf. Liston; Zeichner, 1993: 64). Assim, em elementos como a falta de consideração das questões epistemológicas usuais na formação do professor; a irresponsável apresentação de visões simplistas sobre conhecimento, ciência, ensino e aprendizagem; o cultivo inconsciente das dicotomias pedagógicas (processo x produto, teoria x prática, conteúdo x forma, ciências x técnica, cultura x ciência); a manutenção da seriação como compartimentos em seqüência; a nítida dissociação entre disciplinas ditas de conteúdo específico e as de conteúdo pedagógico; e a não ausência de inter-relação entre os conteúdos abordados em mais de uma disciplina, é possível observar a presença dos pressupostos positivistas da compartimentação para promover a especialização, desta marca que impregna toda a ciência positivista que repercute, nos mesmos termos, no ensino. O sistema de ensino sofre uma tal compartimentação que as disciplinas dos cursos, mesmo os de licenciaturas, são apresentadas e trabalhadas isoladas, como em gavetas, ou em compartimentos. A exposição dos conteúdos pelos professores obedece a uma hierarquia rígida e uma seqüência lógica, segundo uma visão exclusivamente técnica. Parece que se acredita e se espera que o aluno os guardará na memória, de acordo com esta seqüência, cada qual em seu compartimentozinho; mas que, ao final, quando o aluno necessitar resolver os problemas que se apresentam no seu dia-adia, como em um passe de mágica, pequenos fragmentos, partes de diversos conteúdos irão se unir “naturalmente”, trazendo a tão almejada “compreensão” para a solução dos problemas, quando estes se lhe apresentarem. Que ilusão! Que expectativas vãs têm os professores que trabalham segundo o ensino tradicional. Esperam eles, realmente, www.unioeste.br 106 obstáculos epistemológicos que a tarefa, que o conjunto de professores e técnicos em educação e ou ensino não conseguem fazer, que é a explicitação das relações conteúdo-forma, o estabelecimento de relações entre conteúdos que, decididamente, possuem uma mesma natureza epistemológica ou não, imaginam eles, acreditam mesmo que o aluno, ao final do processo, o fará por si próprio! Isto ocorre principalmente devido ao privilégio dado ao modelo de educação recebida, segundo o ensino tradicional, já que “trata-se de uma formação ambiental que teve um grande peso por seu caráter reiterado e por não estar submetida a uma crítica explícita. Constituindo-se, por isso, em algo ‘natural’, sem chegar a ser questionada efetivamente” (Carvalho; Gil-Pérez, 1993: 38). Temos uma visão de currículo, geralmente, estruturada como um modelo acumulativo de saberes específicos e de conhecimentos pedagógicos e, acredita-se, talvez, que a integração entre ambos deva ocorrer naturalmente. No entanto, um dos principais problemas é, justamente, esta falta de integração. Em outras palavras, é quase que ingênuo esperar que um professor torne suas aulas ativas e participativas, se, por exemplo, durante o período em que era aluno na universidade, ele vivenciou uma metodologia, baseada, sobretudo na transmissão e recepção de conhecimentos já elaborados, com práticas de laboratórios tipo receita e problemas como simples exercícios de aplicação (Cf. Carrascosa, 1996). Então, poder-se-ia perguntar, como se forma um profissionalprofessor? Eficiente e eficazmente, seria desde a pré-escola, com ensino adequado, com ênfase em questões epistemológicas, porque qualquer aluno precisa vir pensando, compreendendo, independentemente da profissão que ele for seguir. De fato, se começa a formar um profissional-professor na formação ambiental, durante seus anos de escolaridade e, não apenas na chamada formação inicial que ocorre nos cursos de graduação. Por este motivo, a formação ambiental surge como fator muito importante. Está claro que os futuros docentes ingressam em sua formação profissional com uma bagagem histórica de experiências educativas como estudantes. Têm idéias prévias sobre o que significa ser um bom professor, sobre o conteúdo que devem ensinar, como devem fazê-lo e o tipo de ambiente de aula que gostariam de criar. Não chegam em branco aos programas de formação, se não que, como 107 www.unioeste.br a formação do sujeito professor antigos (e atuais) estudantes e como indivíduos têm intuições, idéias e, às vezes, muitas dúvidas sobre as idéias e práticas educativas próprias e dos demais (Liston; Zeichner, 1993: 80). Muitas são as pesquisas que apontam para a importância que essa formação ambiental longitudinal, durante os anos de escolarização, tem sobre o modo de ensinar dos futuros professores. Estas pesquisas demonstram ainda, que os bons alunos vão se espelhar nos bons professores. A Professora de Didática relata que a investigação de G. Melotto demonstra que o círculo vicioso já está formado: “Os professores na Universidade dão aula do mesmo jeito que seus alunos vão dar, subseqüentemente. É a cópia (xerox), sob pena de ser menos rigoroso” (Cf. Melotto, 1998). Um professor, do grupo da pós-graduação, que pesquisava outros cursos, disse que “este círculo vicioso não vai se quebrar de um dia para outro”. E uma professora contrapôs: “E não vai mudar, se a graduação não mudar”. Porém há a necessidade de provocar uma ruptura para redimensionar o professor desejável e ensejar a diferença. A Professora de Didática esclarece o que ela pensa sobre a “Evolução Epistemológica”, elencando razões como as seguintes: Professora — Porque o sujeito está vindo numa formação racional técnica, é preciso romper para dar a guinada para a formação racional prática. Esta ruptura enseja uma certa continuidade, porque é uma ruptura para dar continuidade. É ruptura para ajustar a direção. Destacando que a questão é da mesma natureza, formação de professor, ser professor, ensinar, aprender conteúdo. A pessoa não vai mudar, não vai fazer algo completamente diferente. Não. É possibilitar ver de outra forma, olhar por outro ângulo, de outro lugar — Que é esta a questão da Evolução Epistemológica. Esta evolução deveria acontecer, é desejável que aconteça na formação inicial, isto é, no espaço de seu curso de graduação — a licenciatura. E deverá continuar na formação continuada e/ou em serviço. Em contraponto, vale confrontar como as respostas de um grupo de alunos do 5º período, em certas atividades realizadas em aula, expressam uma visão T-R, sobremaneira ortodoxa, a propósito de questões reflexivas sobre processos de aprendizagem e a questão do desenvolvimento. A Professora perguntou-lhes: “Por que eu preciso pensar sobre essas questões para poder ensinar Ciências/ Biologia?”. Um grupo de alunos assim respondeu: www.unioeste.br 108 obstáculos epistemológicos Acreditamos que não necessitamos dessas questões discutidas em grupo, pois o que vai determinar a relação ensino-aprendizagem em uma sala de aula é o quanto o professor domina o seu conhecimento e o próprio dia-a-dia da sala de aula (Trecho extraído de atividades dos alunos do 5º período de Ciências/Biologia). Nas palavras destes alunos, é possível perceber que os futuros professores valorizam exclusivamente o domínio do conhecimento em termos mecânicos, memorizados “corretamente”. Desconsideram o conhecimento pedagógico e as questões epistemológicas que interferem na aprendizagem, exatamente, ao meu ver, tudo aquilo que faria com que o professor estivesse apto a ensinar de forma conseqüente, para que seus alunos aprendessem. Acreditam que o papel do professor seja, apenas, transmitir conhecimentos e, provavelmente, manter a disciplina, configuram resultados de suas crenças, suas concepções estreitas de ensino entendido como Transmissão-Recepção (T-R). Implícitos na fala destes alunos aparecem também os matizes de preconceito de muitos professores, quando dizem que discussões sobre questões de ensino não resolvem nada. Estas pré-concepções são introjetadas dessa forma, como conseqüência dos anos de formação ambiental calcados no ensino T-R a que estiveram submetidos. A Professora de Didática fala de sua experiência, trabalhando com professores: Eu fico vendo as cabeças de professores cheias de teias de aranha, aquelas teias grossas, porque eles são convictos de que se aprende... daquele jeito. Que, primeiro, você aprende, depois você compreende, como se fosse possível dissociar aprendizagem do conteúdo, ou seja, prá falar de aprendizagem tem que falar em memorização. Primeiro você memoriza, depois você compreende, se puder... É comum em um processo de ensino, fundado no modelo TR, dar grande ênfase à memorização e não à compreensão. Também a formação de atitudes comportamentais, nos alunos, recebe bastante atenção dos professores. Com fundamentos behavioristas, grande parte do trabalho do professor é repetitivo, a fim de conseguir a reprodução, a memorização desejável e a obediência dos alunos às normas impostas pela escola, pelo sistema e pela sociedade. O papel do professor caracteriza-se, assim, pela ilusão de que o 109 www.unioeste.br a formação do sujeito professor conhecimento possa ser aprendido independentemente do interesse e da vontade do aluno. Uma vez que se entende que este, por não possuir experiência, não sabe escolher o que é melhor para si e deverá, portanto, submeter-se inteiramente aos conteúdos que lhes são transmitidos por inculcação. Dessa maneira, o professor perde excelentes oportunidades de discutir com os alunos questões da mais alta relevância, as quais, certamente, favoreceria sua compreensão. Os professores demonstram frequentemente conceber o aluno como tábula rasa. Considera-se, como professor, o detentor do conhecimento, cuja função é, apenas, transmitir o conteúdo estipulado aos alunos. A estes cabe memorizar, plenamente, o que foi transmitido, reproduzindo, assim, as características do modelo transmissão-recepção. Professores costumam recordar o conteúdo de aulas anteriores, para acentuar a “fixação”. Porém as perguntas que dirige aos alunos são apenas para chamar atenção à sua fala, uma vez que não parecem buscar, efetivamente, a contribuição do aluno para interagir, efetivamente, no processo de ensinoaprendizagem. Suas perguntas são retóricas. Os alunos são considerados passivos, pois as atividades e o controle da aula são de inteira responsabilidade do professor. O professor continua considerando seu aluno como tábula rasa, ainda, frente a cada novo conteúdo. Considera que o aluno nada sabe com respeito a cada assunto, por ser “assunto novo”. Seu conhecimento anterior é completamente desprezado, e o professor pensa que deverá ensiná-lo “sempre do princípio”, embora não chegue a fazê-lo jamais por “falta de tempo”. Cabe à escola assumir um papel informativo em relação ao conhecimento, que é realizado através dos professores (repetidores), que irão transmitir aos alunos os conhecimentos que julgarem necessários, para que cada aluno, de um único e mesmo jeito, possa se ajustar à sociedade (Mizukami, 1986). Neste modelo de ensino, é mais comum os professores utilizarem a aula expositiva, com algumas diferenças marcantes, quanto ao ritmo de cada um, à linguagem utilizada e ao aprofundamento do conteúdo. As aulas são marcadas pelo verbalismo dos professores, e as interações entre professor e aluno demonstram o predomínio do modelo tradicional de transmissão-recepção (T-R). www.unioeste.br 110 obstáculos epistemológicos Uma das vertentes atuais mais fortes que sustentam o modelo de ensino por T-R é a Racionalidade Técnica. O desenvolvimento crescente de ideologias instrumentais, enfatizando uma abordagem tecnocrática para a preparação de professores e adoção de metodologias calcadas na Racionalidade Técnica, tem sido uma das ameaças poderosas para uma mudança eficaz no ensino brasileiro. Necessitamos de mudanças, mas estas têm que ocorrer nas bases teórico-epistemológicas e psico-pedagógicas que norteiam e fundamentam o ensino. Via de regra, têm sido realizadas diversas mudanças ou reformas, visando, ora à mudança de metodologias de ensino e as estratégias, ora dotando as escolas com equipamentos de televisões, vídeos, parabólicas, computadores, etc. Mas, na verdade, os fundamentos teórico-metodológicos e epistemológicos não são mudados e continuam como fundamentos, advindos do positivismo, da educação mecanicista e tradicional. E é justamente isso o que vemos repetidamente ocorrendo. Por trás de um programa que traz uma receita, cuja formação necessária é o treinamento, está mais uma vez a mesma concepção tradicional de fundamento behaviorista, o que muda então? Muda a forma, mas não a essência, muda a técnica, mas não a epistemologia subjacente. Os professores são reduzidos ao status de técnicos repetidores, cumprindo normas e diretrizes, ditadas por especialistas que, muitas vezes, nunca entraram numa sala de aula ou estão afastados dela e, portanto, longe da realidade do diaa-dia da sala de aula. Desta maneira, os professores passam a ocupar verdadeiramente funções burocráticas e não pedagógicas, passam tão somente a administrar e implementar programas curriculares, já que não conseguem trabalhar no sentido de realizarem suas verdadeiras funções: possibilitar o ensinoaprendizagem, a construção coletiva do conhecimento, apropriandose criticamente de currículos que satisfaçam objetivos pedagógicos específicos (Giroux, 1997). Esta concepção apresenta em si o retorno de pedagogias inflexíveis do tempo e da tarefa operam a partir da suposição errônea de que todos os estudantes podem aprender a partir dos mesmos materiais, técnicas de ensino em sala de aula e dos mesmos modos de avaliação. A noção de que os estudantes têm histórias diferentes 111 www.unioeste.br a formação do sujeito professor e incorporam experiências, práticas lingüísticas, culturas e talentos diferentes é estrategicamente ignorada. Uma formação inicial de professores - talvez única - que executa apenas um ‘programa de treinamento’, no qual se enfatiza somente o conhecimento técnico presta um desserviço, tanto à natureza do ensino, quanto a seus estudantes. Em vez de aprenderem a refletir sobre os princípios que estruturam a vida e a prática de ensino em aula, os futuros professores aprendem metodologias ou seqüências metodológicas mecânicas que parecem negar qualquer necessidade de pensamento crítico. Em vez de aprenderem a discutir e compreender as questões que subjazem aos diferentes métodos didáticos, técnicas de pesquisa e teorias da educação, os estudantes preocupam-se em aprender o “como fazer”, “o que funciona” ou ainda qual é a melhor maneira de ensinar um “dado” conhecimento (Giroux, 1997: 159). Devido às evidências discutidas de que o ensino tradicional é fruto da Racionalidade Técnica, foi lembrado pela Professora de Didática, em aula, o primeiro ensaio de avaliação que Paulo Renato de Souza, então Ministro da Educação, fez e que foi objeto de uma reportagem do Jornal Folha de São Paulo, na qual o Ministério assumia, agora, o que a gente já sabia há uns quinze anos. Caso típico da especulação em torno de obviedades: O professor reproduz o livro didático, o professor se mantém em Ciências a nível de senso comum, o professor solicita que os alunos responda exatamente nos mesmos termos da apresentação sem nenhuma reflexão, elaboração, pensamento (Palavras do Ministro de Educação do Brasil). Esta é uma questão cotidiana em nossa vida escolar, em nosso sistema de ensino. Na investigação que realizei na classe do 5º período de Ciências /Biologia, aconteceu um episódio que apresenta com clareza e riqueza a impregnação subjacente a esta Racionalidade Técnica. A Professora de Didática assim relata o episódio: Os alunos me apresentaram algumas “encomendas”. Sabe o que eles pretendiam? Pedir-me para dar uma receita de plano de ensino de Biologia, e a gente poder, a partir dessa receita, discutir os conteúdos. Isso era o máximo que eles ousavam pensar e almejavam conseguir do professor de Didática. Isso já seria o máximo, para www.unioeste.br 112 obstáculos epistemológicos eles, segundo disseram. Porque “eles” lá na escola exigiam que os professores “soubessem Biologia” e eles não tinham nem idéia de um rol de conteúdos de 2º grau, nem de qualquer receita para pôr em prática. Daí, veja, quando eles pedem uma professora diferenciada de Didática e vou eu, a balança pende para um lado que eles nem imaginavam; eles que estavam pressionando para que o lado do conteúdo específico pesasse. Quando entro eu, a balança pende prá outro lado, ou seja, para a qualificação geral e eles não agüentam o tranco. É que eles nunca na vida esperavam por isso. Este modo de ensino está tão impregnado nos professores e no sistema de ensino que, realmente, somente com muito estudo e aprofundamento teórico, podem-se tirar as vendas e começar a enxergar a diferença substancial entre o ensino, calcado na Racionalidade Técnica e um Ensino Construtivista. Realizar uma mudança efetiva com os futuros professores e com os que estão em exercício, parece ser apenas possível, mediante um programa consistente e continuado de formação desses professores. Não se pode dar este salto qualitativo, se não houver interlocutores que possam mediar esta tarefa. Não se consegue ser interlocutor de si mesmo, portanto é preciso investir substancialmente nas licenciaturas e, também, nos programas de pós-graduação. 5.2 Episódio 11 – “Professora, aprender a pensar dá tempo? Pensar cansa, dói a cabeça. Eu tento... penso e não sai nada...” Nos termos acima discutidos, à guisa de ilustração, creio ser importante apresentar aspectos que evidenciam percalços de algumas pequenas mudanças que a Professora de Didática tentava sugerir aos seus alunos. E a propósito da valorização do ato de pensar, tendo em vista a construção do sujeito-professor, a Professora afirma em um de seus artigos: A imensa dificuldade que tenho encontrado na interação com alunos e alunas - principalmente em níveis de escolaridade mais avançados (no ensino médio e/ou superior) - advém do fato de alunos e alunas considerarem o pensamento, o ato de pensar, como algo inusitado, esdrúxulo, posto que não se acreditam capazes de construir pensamentos - quer em função da insuficiência que atribuem ao 113 www.unioeste.br a formação do sujeito professor conhecimento que já possuem para saber determinadas coisas, quer por entender que se cristalizaram em um conhecimento único, em um método único de saber as coisas, de conhecer, que lhes foi propiciado pela escola. De qualquer forma, diferentemente de crianças, jovens tendem a acreditar que não lhes é mais possível pensar, tal o estado de embotamento de suas idéias científicas, de obnubilamento de relações que possam ser estabelecidas no confronto de questões epistemológicas, usualmente, apresentadas em contexto escolar (Aragão, 1988: 02). Nesse sentido, a Professora cita em seu texto a fala de uma de suas alunas, numa aula de Didática quando, em tom de desalento, esta lhe dizia: “Pensar cansa, dói a cabeça, Professora. Eu sinto uma agonia quando tento pensar, porque eu tento, penso e não sai nada... Diga logo como é ‘o certo’ que eu lhe garanto que fico sabendo e não vou esquecer”. A Professora analisa esta questão, com seus alunos, com pós-graduandos e comigo, nos seguintes termos: A falta de oportunidade para refletir, a falta de solicitações de reflexão e até a falta de interesse docente em conhecer e questionar as suas visões de mundo pode explicar a insegurança desses alunos e dessas alunas que aprenderam simplesmente a reproduzir os conteúdos de ensino sem pensar e a denominar esses conteúdos, reproduzidos de memória, conhecimento. Em falas anteriores, a Professora frisa que percebera que os alunos só concebiam ensino como transmissão - “Ensinar só podia ser transmissão de conhecimento, ponto”. “Aprendizagem só podia ser memorização, ponto” - e planejara uma maneira contundente para abalar esta concepção.1 Ela relata um episódio carregado de emoção tanto por sua parte como por parte dos alunos. Numa das aulas, quando os alunos discutiam sobre as concepções de ensinoaprendizagem, e os grupos apresentavam as atividades realizadas, a Professora chama-lhes a atenção. Eis o seu relato: Eu sei o que fez eles arrasarem seu autoconceito, eu fui cruel para abalá-los (...). Foi quando eu disse: Gente, sabe o que é que me preocupa na situação de vocês? Que vocês abriram mão do direito de sonhar. Que vocês renunciaram ao sonho, ao desejo. Vocês não desejam mais nada, vocês não sonham mais nada. Vocês são incapazes de imaginar que ensinar possa ser outra coisa. E eu percebi pelas carinhas, você sabe quando atinge. Foi o que tocou. www.unioeste.br 114 obstáculos epistemológicos Tanto que na outra aula chega uma menina e me diz assim: — Professora eu sonhei tanto esse fim de semana! A Professora, ao comentar o incidente com uma colega, a Professora Rose, esta lhe diz: “Você tinha que dar alguma chapuletada na cabeça de algum jeito”. A Professora de Didática responde: “Sim! Uma ‘sacudidela’ eu sempre busco. Porque sem sacudir o sujeito, para que ele seja forçado a pensar em uma outra possibilidade, você não consegue coisa alguma. Eu não sou ingênua a esse ponto, nem cabotina”. A Professora desafiava os alunos, incitando-os até sobre seus sonhos. Diz que eles “renunciaram ao sonho”. Este desafio parece que, de certa forma, os acordou. Era o final da discussão sobre as concepções, foi a conclusão do tema, mas, quando a Professora terminou de falar, a sala tinha outro clima. Os alunos estavam espantados, mas pareciam também satisfeitos. Podemos concluir que, para esta Professora, o ensino jamais poderia ser apenas Transmissão-Recepção, mas uma ação mediada pelo professor, entre o aluno e o conhecimento, objetivando a aprendizagem. Considerando que a aprendizagem escolar é um processo de construção de significados que, por sua vez, está ligado à existência de conflitos, de revisão de concepções prévias, de inadequação, de modificação e de construção do conhecimento, o ensino é muito mais que uma mera transmissão de informações. Existe no processo ensino-aprendizagem-conhecimento, em termos construtivos, uma interação simbólica e comunicativa em torno da informação, que está marcada por determinados processos de cultura. Aprender não implica o consumo passivo e deglutidor de informação, as interações são mais complexas, os intercâmbios mais sutis e carregados de múltiplos significados. O professor não se reduz a um mero emissor ou expositor de conhecimento acumulado e organizado em suas diversas disciplinas. Existe todo um conjunto de relações que transpassa a transmissão dos conteúdos de uma disciplina, que condiciona sua efetividade e explica, também, muitas vezes, a dificuldade apresentada para a assimilar (Cf. Hernández; Sancho, 1994). Esta complexidade, plena de múltiplos significados, tornouse evidente no momento de avaliação da turma do 5º período, pelas diferenças de pontos de vista e emoções (sentimentos) dos alunos 115 www.unioeste.br a formação do sujeito professor e de sua Professora, com respeito aos resultados de atribuição de valor ao processo de interação de que haviam partilhado por mais de três meses. A professora comenta: Em nossa turma, [referindo-se à classe do 5º Período de Biologia], quando eles fizeram as provas, a coisa era produtiva, significativa e tinha sentido, mas eram exatamente os momentos em que eu me aniquilava. Eu dizia: pelo amor de Deus eu não consegui coisa alguma. E para eles eu havia conseguido o máximo. Olha o contrasenso: o máximo para o aluno e nada para a professora. Não é moleza um descompasso dessa natureza. Esses significados sutis, mas profundamente contundentes ficam expressos, com maior clareza, na interação dos alunos com a Professora, na hora do intervalo, quando junto à mesa, ela atendia alunos e arrumava seu material. Alguns alunos, via de regra, vinham lhe falar, comentar alguma coisa. A aluna Maria José, por exemplo, afirmou: Professora eu queria lhe dizer que antes de eu ter aula com a senhora, eu achava que eu era uma boa professora. Eu achava que eu era melhor que os meus colegas. E agora eu sei que eu sou... que eu sou... [a Professora completa para provocá-la: “uma bosta”]. Aí ela disse: — É... (afirmativa e refletindo profundamente). E eu acho que eu não vou sair da bosta! Ao comentar este episódio, posteriormente, na saída da sala, a Professora, em termos que pareciam dilacerá-la, diz: “Aí eu percebi que eu estava tirando ‘coisas’, sem ter clareza se vou pôr ‘outras’ no lugar”. Em outra ocasião, uma das meninas que também se encontrava no grupo, ao redor da mesa da Professora, inicia o seguinte diálogo: Aluna — Eu achava que as aulas eram ótimas. E agora fico sabendo, percebo que não aprendi coisa nenhuma, porque só memorizei e devolvi o que os professores queriam. Mas eu me achava ótima aluna. Agora eu não sei... Professora — Mas você foi, você é. Você critique o sistema, não critique a si própria. Porque o envolvimento que você teve com o sistema te levou a fazer o melhor que o sistema pedia. [Dirigindo-se a mim um tanto desarvorada, após a aula] — Tu acreditas que eu passei vinte minutos do intervalo fazendo discurso? Para que eles não pisassem na sua auto-imagem. Que droga de Professora sou eu, não é? Que enfio o nego na bosta e deixo ele lá. www.unioeste.br 116 obstáculos epistemológicos Que sentido tem isso? Mas como eles estão habituados a assumir a culpa, eles assumem. E é isso que me mata! Mesmo qualquer pessoa que possua ou não, conhecimento das discussões sobre formação de professores, poderá compreender a gravidade e contundência do grau negativo da auto-avaliação destes alunos. Alunos que, no sistema T-R, são considerados ótimos alunos, uma é professora do 1º grau (eu conheci seu trabalho), é uma professora que se preocupa com os alunos e a aprendizagem deles, procura metodologias e materiais diferenciados para suas aulas de Ciências. Mas, quando começam a compreender um novo enfoque epistemológico, eles passam a arrasar a sua auto-imagem, assumindo culpas, sem dó nem piedade. A Professora comenta: “E não é só isso, tem ainda mais: eles acham que não pensam e sabe por quê? Pela inculcação de toda a sua escolaridade (15, 18 anos de ensino tradicional, de tábula rasa). Por isso os alunos sempre me dizem: ‘A gente não precisa pensar’”. No intervalo da aula, em que se discutia Fotossíntese, e a Professora estimulava os alunos, para observarem as relações entre os conceitos que estão presentes na fotossíntese, como de costume, vários alunos vinham acercar-se da Professora e conversar com ela. Perguntavam-lhes sobre assuntos cotidianos, contavam-lhes sobre seu trabalho, suas vidas. A Professora foi tomada de surpresa e também de emoção, uma certa vez quando, nesse intervalo, como que a cena se repete, uma aluna chega-se à Professora e diz: Aluna — Professora, dá tempo? Professora — Dá tempo de que, Lídia? Aluna — Aprender a pensar, dá tempo? A senhora acha que dá tempo, que é possível, prá gente? Porque eu acho que já sou um caso perdido. E outro aluno que estava junto também diz: Eu também me sinto assim. Eu acho que eu não tenho mais jeito. Porque eu faço tudo prá, por exemplo, ver uma questão de diferentes ângulos, como diz você, mas a minha cabeça dói e eu não consigo nada! O que significa doer a cabeça? O que significa a preocupação com o tempo (“Não dá mais tempo”)? 117 www.unioeste.br a formação do sujeito professor Tais episódios expressam o grau de desencanto, a insegurança dos alunos que se instala, quando percebem que jamais foram estimulados a refletir, a pensar. São episódios muito significativos. Ao meu ver, estes episódios abrem espaço, para que, não só a Professora se reveja, analise-se e se auto critique, como ela realmente costuma fazer, mas que os professores de maneira geral façam uma profunda análise: O que o ensino que nós ministramos faz com estes jovens alunos? Que resultados efetivos são obtidos deste ensino que eu, enquanto professora, enquanto professor realizo com os meus alunos? Creio que, quando os professores pensam, eles também percebem as vítimas que são, situando-se “quase” no mesmo patamar dos alunos. Ainda, nestes episódios, foi possível perceber as relações de poder expressas em uma sala de aula. Acredito que, quando a Professora diz “e aí eu provoquei: ‘uma bosta’”; aí a aluna lhe disse que “‘É... [afirmativamente e refletindo profundamente]. E eu acho que eu não vou sair da bosta”, a provocação me pareceu exagerada, contundente demais. Contudo, tenho dúvidas se foram, realmente, aquelas as palavras da Professora, já que os alunos “desconfiam da leitura que fazem. Manifestam pouca familiaridade com o estabelecimento de relações entre idéias, com as relações compreensivas, com a compreensão da leitura. É falta de oportunidade de ler, de ‘incentivo à leitura’”, que desencadearam tais reações dos alunos. Talvez estas palavras da Professora pareceram expressar o seu ponto de vista como “o argumento de verdade”. E talvez, diante dos conhecimentos da Professora, reconhecidos pelos próprios alunos, estes se sentiram muito pequenos, portanto as suas reações foram tão fortes. Acostumados à hierarquia tradicional, os alunos aceitaram, passivamente, as palavras da Professora. Como autoridade “que é” na sala de aula, eles nem sequer tomam uma posição de autodefesa. Eles poderiam dizer: “Imagine, eu não sou isso”, e tomar outra atitude. Ou dizer: “Espera aí, Professora, a senhora está errada, nós não somos assim”. Mas não, eles aceitam o desafio da Professora e se aniquilam. É importante ressaltar que a Professora não os tratou mal, ela não disse a eles nenhum “palavrão”, pelo tom suave e terno com que completou a idéia da aluna, e esta aceitou, naturalmente, a palavra sugerida “bosta”. www.unioeste.br 118 obstáculos epistemológicos Os alunos assumiram imediatamente: “Uma bosta, e acho que não vou sair da bosta”. A Professora sentiu o profundo impacto que suas palavras estavam tendo sobre estes alunos, nos dois momentos, tanto que, posteriormente, na presença de toda a classe faz uma crítica severa de sua própria atuação. Ao perceber que “estava tirando coisas, sem ter clareza, se ia pôr outras no lugar”, ela se critica e chama a atenção dos alunos para o risco pedagógico que ela passara a assumir. Ela também comenta desalentada: “Que droga de Professora sou eu, não é? Que sentido tem isso?... E se sentia mais pesarosa, porque como os alunos estão habituados a assumir a culpa, eles assumem... tacitamente. Mas recompõe-se pela reflexão e inicia imediatamente, o trabalho que ela chama de “reconstrução da auto-imagem destes alunos”. Procurei investigar por que as interações nas aulas de Didática permitiam que questões como estas, aflorassem com tanta contundência? A Professora me disse que, segundo seu ponto de vista, havia um motivo significativo para que estas questões estivessem aflorando, quase todas ao mesmo tempo. Nas suas palavras: Uma coisa eu digo, como é que eles começaram a manifestar as preocupações, não todos, alguns, porque todos a gente não atinge: eles começaram a sacar qual era a minha preocupação, qual era a mensagem da disciplina. (Eu intervenho) — “Porque no começo, era aquela problemática toda do plano de aula, percebe-se que eles ainda não tinham ... percebido”. A Professora continua: — É, eles deixaram de me pressionar... ali é a evidência... (risos) do que é que acontece. Mas se a gente quiser, a gente poderia estar mostrando.... Foi a disciplina, foi a interação do processo que ocorreu, que deflagrou um jeito de os alunos conseguirem enxergar. Professora — Por que você acha que os alunos começaram francamente a falar comigo? [E ela mesma responde]: — Porque um parâmetro, um ponto de referência diferenciado estava sendo posto. Por isso é que eu vejo como uma situação diferenciada, extremamente rica. Porque dá prá gente dizer qual era o contraponto que estava sendo posto. (...) Primeiro - a questão das concepções. Está completamente entrelaçada, imbricada, com o que eles pensam deles, com o que o sistema fez que eles pensassem deles. Eu acho que isso é fundamental em qualquer estudo hoje. Não dá prá tirar isso hoje. 119 www.unioeste.br a formação do sujeito professor As palavras da Professora nos indicam a relação entre as concepções assumidas pelos alunos e seus autoconceitos. Frutos do ensino T-R, sua autoconcepção, a auto-avaliação que fazem lhes deixam com uma baixa auto-estima. Na perspectiva de investigar porque estas questões afloraram desta maneira, conversei com colegas, professores da própria universidade, de outras e, até, de outras escolas, para também, nas suas opiniões, buscar elementos que possibilitassem maior compreensão, apesar de nada disto ser novo, estar presente nas discussões com os professores, estar presente na literatura e evidenciar a condição delicada em que se encontra o modelo de ensino-aprendizagem embasado na T-R. Também, senti necessidade de abrir um pouco o espectro de pesquisa, para ver se a visão da Professora de Didática era proporcionada por um grupo com características específicas, ou se era uma visão que emergiria disseminada, em todas as classes, especialmente os grupos do noturno. Mas o fato de estar ali, estampado claramente, ao vivo, nas palavras e nos olhares, expressando os sentimentos dos próprios alunos, isto nos surpreendeu (a mim e a Professora de Didática). Nós sabíamos, não éramos inexperientes no “controle da sala” , mas ali, na nossa frente, os alunos dizerem francamente que “não leram, porque não tinha sido ordenado”, dizerem que “não sabem pensar”, perguntarem se “... aprender a pensar, dá tempo?” Considerarem que “já são casos perdidos” ou que “não é necessário pensar”, que “quando pensam a cabeça dói”. Isto, para nós ocasionou um grande impacto. A Professora de Didática chorava, enquanto, no almoço daquela semana, nós conversávamos sobre esses episódios... Seria isso, reflexo da diferenciação entre alunos de um curso do noturno e do diurno? Seria uma questão de diferenciação de curso ou de Universidade? Ou seria exatamente o tipo de abordagem teórico-metodológica e epistemológica que a professora, séria, rigorosa, respeitosa e afetuosamente adotara? A Professora de Didática me contava que o professor Carlos leciona em um grupo de Publicidade e Propaganda do diurno e outro do noturno. E ele diz que as aulas são completamente diferentes, “porque os alunos do diurno tudo que ele indica eles lêem..., os trabalhinhos fazem tudinho. Têm o tempo exclusivo para www.unioeste.br 120 obstáculos epistemológicos isso. Dispõem de recursos. Assim: seria bom se vocês fossem em tal instituição, tal empresa. Eles vão. Pela disponibilidade total só para isso”. Procurando depois ouvir o professor mencionado, em uma das reuniões com o grupo de pesquisa de que junto participávamos, ele revela que “o currículo é o mesmo, mas os grupos são completamente diferentes. E queira ou não, ele dá aulas completamente diferentes para um e outro grupo”. A Professora observou: “Veja como uma observação desta é profundamente impactante. Qual é a realidade do aluno que freqüenta um curso noturno? Quando as diferenças são levadas em conta? Quem leva em conta tais diferenças, ‘diferenciando suas práticas de ensino’?”. O que foi dito, nós já sabíamos: as turmas são completamente diferentes. Por quê? Os alunos do diurno possuem maior disponibilidade para cumprir as tarefas. Tudo que é indicado, eles lêem, fazem todos os trabalhos. Têm o tempo exclusivo para isso. Dispõem de recursos. Pela disponibilidade total só para isso. A Professora de Didática, buscando analisar a situação em que estava inserida, diz que: Os alunos do noturno, por serem alunos trabalhadores e se sustentarem na maioria das vezes, eles são autodeterminados. Eles fazem muito mais os seus cursos porque querem, do que porque alguém manda. Não que não existam alguns alunos, que estão na Universidade porque o pai manda. Existe sim, também. Mas os alunos do noturno questionam mais, eles se preocupam mais e até buscam mais a compreensão. Buscam entender mais. O próprio professor Carlos, já citado, observou que, numa de suas experiências: trabalhando a mesma disciplina com outros dois professores, a diferença foi muito grande, porque eles, além de darem “apostilas” ainda enchiam o quadro de conteúdo para os alunos copiarem. Isto era aula, diz ele. Neste e, em outros momentos, ficam evidenciadas as dificuldades encontradas por professores que desejam sair do esquema de transmissão-recepção T-R. Os alunos estão tão acostumados ao esquema: aula expositiva - apostila - prova ou ao esquema GLS (Giz, Lousa e Saliva), segundo dizem, que se encontram cegos, plenamente condicionados. Eles mesmos, geralmente, resistem de início, à qualquer mudança. Não percebem 121 www.unioeste.br a formação do sujeito professor que o ensino memorístico não se constitui em aprendizagem real, por essa razão expressam índices tão baixos de aprendizagem. A prática impositiva do ensino não é característica do noturno, uma vez que os alunos, em maioria, são mais maduros, mais adultos, talvez mais responsáveis e trabalhadores. Parecem apresentar, por isso, uma maior ousadia de perguntar, maior coragem de se expressar. Mas, mesmo assim, só se o professor der abertura, eles falam e ou criticam. Porém, as maiores dificuldades destes alunos são suas condições sócio-econômicas. São adultos e por necessitarem sustentar-se a si, e alguns, à própria família, são alunos que trabalham o dia todo. Portanto, o tempo possível para seus estudos é as horas do noturno, que eles passam na universidade e, também, algumas horas nos finais de semana, com sacrifício de seu descanso, lazer e sua família. As leituras, pelo que dizem, são em geral, feitas nos ônibus, durante o trajeto para a universidade. Portanto, as horas na universidade precisam ser muito bem aproveitadas. A propósito da problemática dos cursos noturnos, a Professora faz a seguinte análise: Tomemos o exemplo dos cursos do noturno, quando o curso usual é de 5 anos, o curso da noite é de 6 anos. Essa é uma proposta que existe para dar mais espaço. Mas sabe o que acontece? Não muda nada. Só “espicha” o tempo. Os alunos comentaram que o “currículo é o mesmo do diurno”, só que para cumprir o currículo do diurno o curso do noturno teria de ir de 7 às 11 horas da noite, teria que ter 4 horas relógio de segunda a sexta, prá cumprir em 5 anos. Até é proibido por lei agora, o curso noturno tem mesmo que ter um tempo a mais, aí são 6 anos. O que acontece? Eles têm as mesmas disciplinas distribuídas num tempo que, de uma certa forma, os tornam ociosos, porque, por exemplo, prá poder garantir a distribuição nos seis anos, não tem aula na quarta e, na quinta, começa às 8 e meia... “É um blefe”... A única coisa que, na verdade, pode repercutir é a quantidade de matéria por semestre. A aula de 50 minutos do diurno se torna 45 min. no noturno, mesmo eles tendo mais tempo. E as aulas são encerradas 30 ou 40 minutos mais cedo, porque ‘os ônibus não podem esperar’ no reino da conivência. Ainda com respeito ao que pensam os alunos, é importante revelar mais sobre as concepções que eles possuem sobre a profissão de professor. No trabalho de uma aluna, no qual ela www.unioeste.br 122 obstáculos epistemológicos deveria escrever sobre o tema “O que precisa ter para ser um professor”, ela expressa, sem brincadeira, concepções bastante realistas. Ela escreve: Burocraticamente falando, para ser um professor, é necessário conquistar, através de estudos e freqüências, um certificado que o habilite a lecionar na área que optou. Cumprida esta primeira etapa (sic), para muitos com sacrifício, mal sabe que o mais importante está por se iniciar: ser um professor, atuar diretamente com seus alunos, em sala de aula e na profissão que tão corajosamente abraçou (Extraído do trabalho de uma aluna do 5º período de Ciências/Biologia). Segundo as concepções expressas por essa aluna, ela parece acreditar que o curso universitário só serve mesmo para “conquistar um certificado”. Parece que ela não conta, de maneira alguma, com a possibilidade de que o curso de graduação possa lhe fornecer uma base substancial de conhecimentos teórico-pedagógicoepistemológicos que se configure como o que seja, de início, necessário para o exercício da profissão de professor. Relatos de alunos e professores 2 me motivam, sobremaneira, a procurar compreender as relações que revelem mais a respeito da formação de profissionais professores. Mellado Jiménez (1996) apresenta resultados a respeito das concepções dos professores de Ciências sobre a Ciência e sobre a forma de aprendê-la e ensiná-la, fruto de seus anos de escolaridade, que estão profundamente arraigadas em suas formas de atuação em sala de aula. O estudo das concepções dos professores de Ciências precisa receber uma especial importância, como primeiro passo para gerar nos próprios professores, concepções e práticas mais adequadas, em um esforço de redimensionamento do que os professores pensam e praticam. Esta preocupação é muito importante, porque, tendo-se em conta que a influência do modelo usado é muito forte, em geral, este é que serve como parâmetro para a ação dos professores principiantes. Porém, muitas das investigações enquadram a maioria dos professores de Ciências em alguns aspectos do positivismo (Abel; Smith, 1994; Aguirre et al., 1990; Ballenilla, 1992; Corrales; Pérez, 1994; Duschl; Wright, 1989; Pórlán, 1989; Powel, 1994; Rubba; Harkness, 1993; Ruggieri et al., 1993). Sem dúvida, 123 www.unioeste.br a formação do sujeito professor existem resultados que diferem e esses nos levam a pensar que a situação é mais complexa. Koulaidis e Ogborn (1989) acreditam que os professores de Ciências assumem posições mais íntimas com o contextualismo do que com o empirismo. Além disso, alguns autores afirmam que as concepções de muitos professores não podem ser consideradas consistentemente associadas com uma orientação filosófica em particular (Cf. Melllado Jiménez, 1996 apud Carniatto; Fossa, 1998: 199). Assim, levando-se em conta que a ação dos professores iniciantes, em geral, tem como parâmetro o modelo usado na formação, põe-se em evidência a necessidade de revisitar a Formação Inicial do Professor. 5.3 Episódio 12 - Um pout-pourri sobre as pré-concepções dos alunos Num dos textos que fazia parte da primeira unidade do planejamento da Professora de Didática, e que foi estudado e discutido pelos alunos, a Professora, também autora, nos informa que: No decorrer da última década, surgiu um interesse crescente - dos educadores em geral, dos psicólogos e, especialmente, dos educadores que atuam nas diversas áreas das ciências - pelas idéias intuitivas que os alunos apresentam, em quaisquer dos níveis de escolaridade, sobre os fenômenos naturais. Estas noções, expectativas ou sistemas descritivos e explicativos espontâneos aparecem, em muitos casos, em termos acentuadamente contrastantes com as concepções cientificas que os alunos precisam aprender (Aragão, 1993: 08). Nesta citação, a autora chama a atenção para a importância atribuída às pré-concepções que seus alunos manifestam, já que “torna-se cada vez mais claro que as pré-concepções ou concepções alternativas dos alunos podem dificultar e, até, impedir a aquisição de conceitos científicos” (Aragão, 1993: 08). Neste sentido, reitero as palavras já citadas de D. Liston e K. Zeichner, quando afirmam que: Está claro que os futuros docentes ingressam em sua formação profissional com uma bagagem histórica de experiências educativas www.unioeste.br 124 obstáculos epistemológicos como estudantes. Têm idéias prévias sobre o que significa ser um bom professor, sobre o conteúdo que devem ensinar, como devem fazê-lo e o tipo de ambiente de aula que gostariam de criar. Não chegam em branco aos programas de formação, se não que, como antigos (e atuais) estudantes e como indivíduos têm intuições, idéias e, às vezes, muitas dúvidas sobre as idéias e práticas educativas próprias e dos demais (Liston; Zeichner, 1993: 80). Muitos estudantes têm experiências de professores cujas práticas são conservadoras, progressistas ou, inclusive, radicais. Têm experimentado o que significa ser alunos nas classes destes professores, e chegam aos programas de formação tendo em mente certos modelos de professores, modelos positivos ou negativos. Por este motivo, sua formação profissional requererá prestar muita atenção com as pré-concepções destes futuros professores, sobre o que supõem ser um bom professor. Também, possibilitar a reflexão crítica sobre suas concepções de educação, ensino, aprendizagem, permitindo a compreensão, também, de que suas crenças e valores não são individuais, apenas. Estes estudantes chegam equipados com diferentes conjuntos de valores, em parte derivados da família e dos costumes locais, de suas tradições religiosas e políticas, e de suas experiências escolares. Ainda que, suas pré-concepções não são expressões de suas opções individuais, elas são expressões que estão presentes nas comunidades de professores, das quais eles fazem parte (Liston; Zeichner, 1993: 80). O texto referido — Reflexões sobre ensino, aprendizagem, conhecimento — e que foi estudado e discutido pelos alunos, revela as concepções da Professora-autora e, ainda, demonstra alguns de seus objetivos: Essas concepções que os professores tradicionais, com maior freqüência, manifestam, tendem, contudo, a mudar à medida que eles possam refletir sobre a sua prática de ensino e redimensionála à luz da configuração de novas concepções de ensino, de aprendizagem, de conhecimento ... de novos parâmetros ou mesmo de novos paradigmas.O problema prático enfrentado pelos professores das Ciências é criar condições - no nível do ensino para que os alunos que usam certas concepções alternativas para compreender, interpretar e explicar um determinado fenômeno, possam usar concepções científicas aceitas na interpretação daquele mesmo fenômeno e, possivelmente, de outros fenômenos da mesma natureza (Aragão, 1993:9). 125 www.unioeste.br a formação do sujeito professor A partir destes textos, é importante destacar que, na formação profissional do professor, entram em cena duas categorias distintas de pré-concepções: uma relativa a conceitos científicos e outra relativa à concepção de ensino-aprendizagem-conhecimento, ao conceito da profissão professor. Assim sendo, a primeira categoria de pré-concepções está presente em classes de qualquer nível de ensino ou na formação de qualquer profissional. Esta categoria de pré-concepções relativa a conceitos diz respeito às idéias, explicações e à compreensão que cada aluno, como indivíduo, possui sobre os diversos conceitos científicos. Tais pré-concepções podem possibilitar o avanço do aluno mais rapidamente, dependendo de quais conhecimentos ele já possui ou se constituir em um obstáculo para a compreensão dos conteúdos e, neste caso, precisará ser trabalhada pelo professor, a fim de permitir a evolução conceitual deste aluno. A segunda categoria diz respeito à concepção que o aluno traz da profissão, como ele concebe “ser professor”. Neste caso, principalmente, qual a sua concepção de ensino-aprendizagemconhecimento, derivada de outras, tais como: sua concepção de aluno (de si mesmo), de professor e de escola. Como se apresentam as pré-concepções de alunos e professores? Eles procuram... eles acham que na Didática... vão aprender a dar boas aulas. O que é dar boa aula? É motivar o aluno... é botar experiência? Mas... do aluno como construtor de idéias, e possuidor de idéia, isso é uma coisa que passa longe (Fala de uma Professora do Curso de Biologia). Em diversos episódios, encontramos evidências da existência de obstáculos epistemológicos que estão ‘impedindo’ que a aprendizagem/compreensão, efetivamente ocorra. Alguns exemplos destes obstáculos que encontramos estão expressos nas falas de alunos: Os professores passaram alguns temas para preencher a caderneta, e avançar na matéria, então a leitura dos livros não foi explicada, as vezes ficaram dúvidas sem ser solucionadas (Relato de um aluno do Curso de Ciências/Biologia). A falta de consideração das dificuldades dos alunos, não www.unioeste.br 126 obstáculos epistemológicos procurando discutir os temas propostos nas leituras, leva aos próprios alunos reconhecerem que “devem ter ficado dúvidas sem ser solucionadas”. Quando os alunos dizem que os professores “passaram alguns temas para preencher a caderneta, e avançar na matéria”, vemos que o conceito implícito é o da transmissãorecepção, a preocupação com o programa e não, efetivamente, com a aprendizagem dos alunos, com o que eles pensam. Obstáculos epistemológicos são bastante comuns no modelo de ensino tradicional, que é o mais usado, inclusive nas licenciaturas. Estes obstáculos são considerados epistemológicos, posto que subjacente a eles, está presente um modo de conceber ou de crer e ou ainda, uma explicação para o modelo de ensinoaprendizagem. Subjacente também à concepção T–R, encontra-se, dentre os obstáculos, a continuada exploração de formas/métodos/ procedimentos únicos de ensino — desde um único e mesmo modo de explicar os conceitos de evolução, célula, digestão, até um mesmo e único raciocínio definido pelo professor ou pela professora no estabelecimento de quaisquer relações ideacionais/cognitivas significativas a propósito de conteúdos/conceitos científicos — como se abordagens únicas constituíssem “maneiras seguras de garantir” a aprendizagem de alunos e alunas de Ciências e ou de Biologia em qualquer nível de escolaridade. No ensino tradicional, geralmente, o trabalho do professor em cada disciplina é via de regra um trabalho individual e solitário. Os professores se ressentem e reclamam desta solidão. Não existe integração, o trabalho não é planejado de forma integrada por seus professores. Como resultado, temos desarticulação e, até, antagonismos entre os conteúdos das disciplinas e a repetição de muitos conteúdos em diversos momentos do curso. Esta dissociação, também, encontra-se presente nas disciplinas tidas como de formação pedagógica, as teóricometodológicas. Nem estas se constituem em um todo, e não parece existir um trabalho ou planejamento integrado. As atividades não são convergentes, cada professor trabalha por si, não compartilha suas ações e, assim, perdem-se importantes oportunidades de, realmente, interagirem, para constituírem conhecimento ao trabalharem questões de formação de maneira mais consistente, porque partilhada. 127 www.unioeste.br a formação do sujeito professor Este isolamento das disciplinas, que busco assinalar, apresenta-se em duas direções: nas relações horizontais, proporcionam uma série de dificuldades e lacunas no aprendizado dos licenciados, que têm, em diversas disciplinas, conteúdos abordados repetidamente, apesar de, às vezes, haver um enfoque um pouco diferenciado em cada uma delas, mas não há inter-relação e, com a repetição nas diversas disciplinas de modo fragmentado, cria, na verdade, muitas lacunas, onde as dúvidas são freqüentes e, ainda, perde-se muito tempo precioso de todas as disciplinas. Existe, ainda, a fragmentação ou isolamento no sentido vertical, entre os conteúdos de uma mesma disciplina. É comum os professores trabalharem os conteúdos de uma mesma disciplina como se fossem compartimentos, gavetas estanques do saber, como se cada conteúdo não dependesse dos outros, estivesse na Ciência ou na natureza isolado e não fortemente inter-relacionado. Esperam estes professores que o aluno, ao final dos seus estudos, possa estabelecer sozinho estas relações e compreender o que cada conteúdo realmente significa no todo das Ciências. Como isso não é possível acontecer, os futuros professores irão, no exercício de sua docência, trabalhar com seus alunos de forma mais fragmentada ainda, pois com a falta de compreensão do conteúdo que estão ensinando, não possuirão segurança e maiores lacunas ficarão colocadas para seus alunos, criando, assim, uma corrente de resultados cada vez mais negativos na aprendizagem. Cada vez, o ensino parece deteriorar-se, uma vez que o ensino por Transmissão - Recepção não oferece condições para quebrar esta cadeia negativa: ensino fragmentado - lacunas do aluno - dúvidas - má aprendizagem. Implícito neste modo de pensar existe uma pré-concepção que funciona como importante obstáculo para que professores e professoras possam evoluir conceitualmente, os professores acreditam que se ganha/economiza mais tempo, quanto mais arbitrariamente direcionado for o ensino e a aprendizagem. Ledo engano, em um ensino onde os conteúdos são abordados formalmente seqüenciados, obedecendo a uma rígida hierarquia, segundo a lógica positivista/mecanicista, mais uma vez está se contemplando apenas a dicotomia transmissão x compreensão. Nas disciplinas em geral, e nos conteúdos de Ciências e ou Biologia, www.unioeste.br 128 obstáculos epistemológicos especificamente, a seqüência dita, lógica, geralmente não contempla as relações entre conceitos que imbricam os conteúdos, tornandoos interdependentes, como aliás são interdependentes todos os organismos vivos e não vivos entre si, no Universo em que vivemos. Portanto, ao “cumprir programas/currículos previamente definidos”, na seqüência que são apresentados nos livros didáticos ou nas ementas de programas curriculares, geralmente, não se possibilita a compreensão do aluno e, conseqüentemente, a sua aprendizagem. É visível como se perde tempo com a repetição desnecessária dos mesmos conceitos em várias disciplinas e nos diversos conteúdos de uma disciplina no decorrer do curso e, em quaisquer das situações, sem qualquer consideração ao aluno. Os episódios já descritos são episódios muito fortes que evidenciam que o ensino na forma de repetição (T-R) cria obstáculos nos alunos, inclusive inibindo neles a criatividade, a compreensão e a capacidade de pensar. Observo que diversas dificuldades e ou lacunas sem atenção na construção do conhecimento do aluno. Inclusive quando o aluno diz: “que vai ler apenas algumas partes do texto e outras não”, na maioria das vezes a mensagem do texto, na oportunidade, não é compreendida. Se o texto traz informações que, aparentemente, fogem ao conteúdo/ objetivo da aula de maneira direta, os alunos, geralmente, pulam estes parágrafos ou seções do texto. Porém este procedimento indica a existência de uma pré-concepção que funciona como um obstáculo epistemológico. O aluno não crê na relação aprendizagem - conhecimento, acredita que seu papel é só responder às questões, para cumprir suas obrigações, enquanto estudantes, e para “tirar” nota. Dessa maneira o aluno “passa apenas por cima do texto” e depois o “põe no lixo” como dizem alguns. O processo de ensino é, entendido, neste momento, como uma incorporação direta e seqüencial de conceitos. O aluno não entende que, para haver aprendizagem, é necessário o estabelecimento de relações e compreensão mais ampla do tema estudado, assim ele não faz uso de relações que possam estabelecer nesse processo, possível através dos elementos presentes no texto, ou nos textos que compõem o estudo. Sendo assim, não aproveita os argumentos que os textos trazem para sua compreensão. Muitos professores, também, não 129 www.unioeste.br a formação do sujeito professor entendem a necessidade de trabalhar textos com seus alunos, mediando as relações entre as partes dos textos e os conhecimentos anteriores, possivelmente, conseqüência de deficiências e distorções na sua própria formação como professor. Assim, muitas vezes contentam-se em propor perguntas diretas, cujas respostas encontram-se na seqüência das frases que fazem parte do texto. Por isso, muitos alunos universitários procuram palavras idênticas às da pergunta, para encontrarem as respostas no texto estudado, não sabendo como responderem a uma pergunta, se não encontrarem, no texto, as palavras “chaves”, existentes nas perguntas que sirvam como “dicas”. Preocupada com o redimensionamento dos conteúdos, a Professora de Didática relatou-me como o fator tempo se tornou uma preocupação e um obstáculo para ela, tendo em vista a reconstrução das concepções dos alunos: Professora — Eu selecionei o conteúdo de “evolução” e busquei redimensioná-lo em termos educativos, buscando discutir com eles e apresentar expositivamente a eles — porque eu também tenho que apresentar um tanto de exposição. Eu saquei, com clareza, que eu não posso nunca tirar a exposição (põe ênfase à palavra) do professor. A quantidade de exposição para um grupo nesses termos tem de ser grande. Não dá prá você buscar construir, admitindo um trabalho com as concepções deles durante um certo tempo. Não, eles têm pressa. Então você tem que fazer as duas coisas. Não é primeiro uma e depois a outra... Na fala da Professora, é possível perceber sua preocupação com o redimensionamento teórico-metodológico-epistemológico dos conteúdos. Para isso, ela declara que precisou usar uma grande dose de exposição, em suas aulas, contudo suas exposições partiram de dúvidas, esclarecimentos, curiosidades dos alunos e eram sempre dialogadas, exposições-dialogadas. Bem, aqui, creio ser necessário abrir um parêntese. É quase consenso entre os professores que a aula expositiva é o principal modo usado para o ensino T-R. Contudo, afirmei que a Professora de Didática possuía uma prática diferenciada no sentido do ensino, enquanto construção significativa. Já durante as aulas, no período de realização de crédito desse Curso de Mestrado, eu tive esta dúvida e questionei à Professora. Sua resposta e os inúmeros autores pesquisados, ao longo do curso, www.unioeste.br 130 obstáculos epistemológicos têm me possibilitado refletir sobre esta questão, nos seguintes termos: O que diferencia um ensino T-R de um ensino, como construção significativa, são as relações que se estabelecem entre professor x aluno x conhecimento e aluno x aluno x conhecimento. A ênfase à construção conjunta, à valorização dos conhecimentos prévios dos alunos, a oportunidade de interação para troca de idéias e de ajuda mútua efetiva, a fim de que todos, alunos e professor, cresçam em seus conhecimentos, é que enseja a diferença. A exposição, ao meu ver, poderá não ser procedimento único e exclusivo de Transmissão - Recepção em termos mecânicos ou memorativos. Se tratada em outras bases por parte do professor, uma exposição didática poderá, a partir desses parâmetros que levam em conta o aluno e permeada pela ênfase dos aspectos construtivos acima citados, poderá em muitos momentos, ser uma das formas mais acessíveis para interação e troca de conhecimento, posto que a exposição implica o outro e, nesta relação, o conhecimento se constrói. Em outra perspectiva, no ensino T-R, os professores não conhecem e nem demonstram interesse pelas concepções prévias dos alunos, principalmente, em termos positivos, construtivos. Alguns pressupõem que os alunos, ou sejam tábulas rasas ou tenham concepções de senso-comum, mas não as consideram como obstáculos epistemológicos, favorecendo ou inibindo a aprendizagem dos alunos. Atenta às concepções prévias dos seus alunos, a Professora de Didática percebe, quando a dificuldade de compreensão do aluno em acompanhar sua explicação, surge como um obstáculo epistemológico. Nesses momentos, o aluno pára de acompanhar o raciocínio do professor e passa interferir, participando em termos de conjecturas, tais como: “Quanto tempo a senhora estudou para ser capaz de saber isso tudo?” A Professora relata sua percepção da classe numa das aulas sobre o tema “evolução” da seguinte forma: Professora —Você está pensando que tem um aluno ali, acompanhando a relação que eu estou fazendo... ele está... mas com outra preocupação... Ele chega, assim, e diz: Quanto tempo, a senhora, estudou? Para ser capaz de fazer isso? Pouca gente tem 131 www.unioeste.br a formação do sujeito professor esse conhecimento prá fazer isso... não é? Isso... Isso... ele não sabe nem dizer que “diabo” foi que eu fiz... e eu lá toda esbaforida prá estabelecer uma relação cognitiva, por exemplo: Por que a teoria da evolução é um tema unificador da Biologia? Eles me perguntaram e eu fui fazer mil relações, uma porção de relações prá mostrar porque é que a temática da evolução unifica mesmo. Aí eles ficaram bobos... Porque eu tinha vindo do big-bang, a teoria da origem do Universo, eu tinha que fazer relações... Eu digo: — Uma coisa que talvez eles nunca tinham visto. Professora — Não, nunca viram, pelo menos não daquela maneira, que não é linear ou informativa pura e simplesmente... Mas em um esforço compreensivo... Tanto compreensivo pela abrangência, quanto num esforço de entendimento. Entenderam??... Entenderam aqui? ... Ai Professora... quanto tempo a senhora estudou?... Ora, o que é que isso indicava?... Que já tinha perdido a relação há muito tempo... Eles ficaram surpresos de ver... Mas eu disse: “Eu não tenho mais 20 anos! Eu tenho 31 anos só como profissional!...” e que me levaram a dar essas respostas que também podem ser imbecis... Não é o tempo que está em jogo, apenas, são inúmeras outras variáveis... Uma concepção, claramente baseada na abordagem construtivista- interacionista - significativa, procurando estabelecer relações compreensivas para os alunos. Procurando identificar as concepções dos alunos e trabalhar com elas, planejando, cuidadosamente, como abalar as concepções equivocadas e procurar trabalhar com elas, para que possa haver a evolução das concepções dos alunos, almejada pela Professora, na direção da aprendizagem significativa, duradoura das Ciências. Assim, como a Professora procura estabelecer relações cognitivas a respeito da apresentação de um conteúdo específico, J. Lemke afirma que: A maneira como se apresenta um conteúdo específico, depende tanto das estratégias de interação e das estruturas de atividades como das estratégias de desenvolvimento temático e do padrão temático em si. Estes aspectos são totalmente interdependentes no processo de ensino-aprendizagem que se produz na linguagem (Lemke, 1997:35). www.unioeste.br 132 obstáculos epistemológicos 5.4 Episódio 13 - Uma avaliação pode expressar as concepções? Momentos importantes que revelam muito sobre concepções foram oportunizados através das avaliações usuais do rendimento dos alunos. A seguir, apresento um relato um episódio da segunda avaliação, realizada no final do semestre pelos alunos do 5º Período. Nesta avaliação, a Professora diferencia a avaliação numa perspectiva construtivista, tomando esses momentos de avaliação como importantes para reflexão e sistematização dos conhecimentos pelos alunos. Pude ver o crescimento nas atitudes dos alunos diante das respostas, quando a Professora lhes disse: Eu já resolvi que não reprovo ninguém. Porque eu não tenho autoridade moral. Eu tenho que diferenciar... de pôr os transeuntes como 5, e os que deram mais atenção 8, 9, até prá estimulá-los. Mas não vou reprovar?? [A professora comenta]: Os alunos ficavam confusos, mas pareciam sentir-se bem. Alguns alunos — olha que coisa interessante, eram transeuntes, como eu chamo — vieram minimamente às aulas; às vezes nem vieram e vieram no dia para a prova. Eu orientei para a leitura, e eles leram, checaram as percepções de vez em quando comigo e perguntavam: “Deu prá responder?”. Então, a sua preocupação era com a resposta! A Professora lia algumas das respostas dos alunos e relata, posteriormente: Quando os alunos vinham para mim e diziam: “Isso faz sentido, dá prá entender?”, eu lia e dizia: — “Mais ou menos”. Veja só, e aí fazia um comentariozinho e reencaminhava: “Talvez se você refletir sobre isso, isto aqui, aquilo outro que se encontra neste parágrafo aqui, olha!”. E ia encaminhando. Aí você percebe o que não está fazendo sentido. Mas eles refaziam! Logo eles assimilaram a questão do sentido. Antes as perguntas eram assim: “Deu prá responder?”. Depois já mudava um pouquinho e diziam assim: “Professora, dá prá entender o que eu quero dizer?”; “Isso faz sentido, dá prá entender?”. A Professora de Didática quando recebeu as “provas” pôde perceber, claramente, os resultados do ensino T-R naqueles alunos. Tanto é que ela tomou uma decisão e apresentou-a em classe: 133 www.unioeste.br a formação do sujeito professor Professora — Eu não vou devolver e não vou considerar as provas. As provas que vocês fizeram vão ter uma importância, estão tendo uma importância muito grande prá mim como pesquisadora. Eu vou agradecer a vocês, mas eu não vou levá-las em conta para dar um conceito ou uma nota, porque eu estaria sendo maldosa. Alunos — Ah, Professora, não vai?... [Então eles descontraíram]. Professora — Pude ver todo mundo no maior alívio, porque eles deveriam saber... Eu disse que as provas deles iam do “non sense” para algum “sense”... Absoluta ausência de sentido. Quer dizer: “nada tem a ver com nada”. Isso aí vocês entendem. Prá alguma coisa faz sentido. Mas eu não vou devolvê-la para vocês. Porque é um manancial. Concebendo a avaliação como oportunidade também de interação, de ensino e de aprendizagem, a Professora de Didática comenta aspectos do episódio da entrega dos trabalhos, ao final do semestre, de maneira bastante interessante, destacando sua compreensão a respeito deles: Comentário 1 Professora — O que fez com que alguns dos meus preconceitos tenham aflorado e sido destruídos imediatamente, foi porque, de uma certa forma, a gente fala que a avaliação pode ser, também, uma oportunidade de aprendizagem, mas no fundo, no fundo, a gente não faz muita fé. A gente desconfia. Se é uma oportunidade de aprendizagem, é uma oportunidade a partir dali, mas que continua subseqüentemente. E alguns dos alunos, que não tinham tido interação alguma, anteriormente, mostraram-se capazes de interagir com o texto e se expressarem, estabelecendo relações com sentido. Olha que coisa interessante. A ponto de me surpreenderem. Em outras palavras: “Eu não acreditava que você fosse capaz...”. Comentário 2 Professora — A Maria José estava comentando comigo, que a gente continua, queira ou não queira, como professor, ainda se pauta por estereótipos. Como eu acho que foi o meu caso: por que é que eu tive surpresas na avaliação? Eu achava que determinadas pessoas entregariam o trabalho final. Se você me perguntasse assim: “quem você acha que vai entregar o trabalho final?” Eu ia dizer: o fulano, o beltrano, tinha até uma meia dúzia que eu garantiria que eles iriam entregar. Dos que eu achava que iam entregar, que era uma meia dúzia, ou uns oito, três entregaram. Dos que se você me perguntasse eu diria que não ia entregar de forma nenhuma, do grupo que eu imaginava que não entregaria, porque 5,0 estava uma beleza, mais do que bom... 5,0 limpo, limpo... limpo, sem precisar fazer mais coisa alguma. Desse grupo quatro entregaram o trabalho, quatro www.unioeste.br 134 obstáculos epistemológicos do grupo que eu jamais imaginaria... Então tu vês como é que fica, quatro não é tão pouco, é quase dez por cento. E até a Maria José conversando comigo ela dizia: “por que você achou que o fulano e o beltrano entregariam?” Porque eles estiveram presentes em todos os momentos, porque eles me pareciam interessados. Então veja: freqüências, manifestação de interesse, são elementos de um estereótipo escolar, docente. (Risadas...) — Como a situação é riquíssima! Vamos analisar um pouco. Um sujeito lá: o Marroni, eu jamais iria achar que ele entregaria o trabalho... ele fez e foi um dos melhores. E você vê que ele teve dificuldades, porque a gente vê a dificuldade dos alunos. Por isso, parte dos alunos entregou os trabalhos digitados, bem estruturados, com figuras, porque era sobre fotossíntese e eu não dispensei o conteúdo e que estava sendo elaborado pela Bioquímica. No final das contas a professora de Bioquímica até disse que eles não precisam mais fazer o trabalho. Por isso que eu pré julguei, porque a professora de Bioquímica deixou assim: “faz quem quer”. Eu nivelo garantindo uma nota de trânsito, 5,0 para todo mundo, não vou prejudicar ninguém... Realmente qual o sentido de fazer mais um trabalho? Eu achava que só os interessados, supostamente interessados, entregariam. — Você percebe que o aluno é levado pelo tipo de jogo, mas coitados eles podem até ter tido a intenção de entregar o trabalho e alguma coisa pode ter interferido. Não deixo de lado essa suposição. Nesta experiência de avaliação, é possível perceber como existe uma diferença significativa entre um ensino centrado na TR e um ensino centrado na construção. Os resultados, segundo parece são bastante diferentes, sem que se visualizem perdas novas para os alunos. É comum em situações tradicionais de ensino, quando não se leva em consideração os conhecimentos que o aluno já possui (suas pré-concepções), perde-se tempo e complica-se o ensino, confundindo os alunos que já vêm para a escola conhecendo muitos conteúdos, embora o professor não acredite. Isto é demonstrado, de certa forma, nas palavras dos alunos: “Muitas coisas que estou vendo neste ano estão sendo recordações do colegial. Foi legal, mas eu deveria ter aprendido muito mais”. É possível ver, deste ponto de vista, o equívoco dos professores, a angústia dos alunos e a situação cruel que, muitas vezes, a avaliação representa. Os alunos sabem, com certeza, mas ficam desesperados. Os professores, geralmente, ficam no mínimo tensos. Acredito que sejam professores conscienciosos, não devem proceder a um tipo de avaliação só para mostrarem seu poder sobre os alunos. Ao não considerar as concepções prévias dos alunos, os professores não 135 www.unioeste.br a formação do sujeito professor se permitem, simplesmente, aceitar o conhecimento do aluno. Possivelmente, zelosos representantes do conhecimento científico e do ensino tradicional, eles acreditam que só podem reconhecer o conhecimento do aluno como válido, se eles disserem na prova “oral” ou “escrita” o conceito “igualzinho” ao que traz o livro ou ao que ele apresentar em aula. Então o que importa não é saber, é decorar e devolver com as mesmas palavras que o professor escreveu. Os alunos ficam inseguros, desconfiam de seu saber, encontram-se por vezes desesperados. Lamentavelmente, quando alguns professores tentam inovar, aparecem inúmeras amarras impedindo - a sua renovação. As préconcepções de administradores e técnicos, muitas vezes, constituem-se barreiras importantes que precisam ser superadas. Formados pelo ensino T-R, são seus principais guardiões e “fiscalizam” a todo tempo, para que professores considerados “avançados ou modernos” não mudem os modos de ensino nos quais eles acreditam. Notas 1 Estou convicta de que — como afirmam Thomas Khun, Karl Popper, Gaston Bachelard, Edgar Morin e muitos outros, alguns já apresentados neste trabalho — só conseguimos enxergar e compreender aquilo que nosso conjunto de teorias e/ ou paradigmas constitutivos de nossa formação permitem que compreendamos e/ou até mesmo permitem que enxerguemos. 2 É claro que não apenas os professores compreendem e podem citar exemplos dos problemas do ensino. Se ouvirmos mais os alunos/as ou os pais destes, eles também apresentarão importantes aspectos a serem investigados. * * www.unioeste.br * 136 CONSIDERAÇÕES FINAIS A EVOLUÇÃO EPISTEMOLÓGICA COMO CONSTRUÇÃO SIGNIFICATIVA •♦• Importa valorizar paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na implementação das políticas educativas (Nóvoa, 1996: 26). A proposta de investigação narrativa tornou-se para mim uma possibilidade de buscar compreender a formação inicial de professores de Ciências/Biologia, e algumas das questões relativas ao ensino-aprendizagem desta área que emergem no contexto da sala de aula em função da interação professor- aluno-conhecimento. Dando ênfase às palavras de F. Connelly e D. Clandinin, quando falam das dificuldades encontradas na realização de uma investigação narrativa, posso reconhecer que, realmente, foram grandes as dificuldades em realizar uma construção narrativa compartilhada e, considerando, ser esta minha primeira experiência em investigação narrativa. Os autores enfatizam que quando um pesquisador realiza uma investigação narrativa, o processo se torna muito mais complexo posto que, como investigadores, nós nos convertemos em parte do processo. As duas narrações, a do participante e a do investigador, se convertem em uma construção e reconstrução narrativa compartilhada (Cf. Connelly; Clandinin, 1995: 22-23). Assim sendo, na elaboração de um trabalho nesta perspectiva, o grau de dificuldade aumenta, considerando que, na investigação narrativa, deve ser dada ênfase aos múltiplos níveis imbricados no 137 www.unioeste.br a formação do sujeito professor estudo. Nesta investigação, busquei, continuamente, alcançar diversos níveis que me pareceram imbricados nos episódios apresentados, tratando de seguir orientações apresentadas por autores que tratam desse tipo de investigação. A investigação narrativa, segundo os autores citados, deve ser entendida como um processo no qual continuamente estamos tentando dar conta dos múltiplos níveis (temporalmente simultâneos e socialmente interativos), nos quais procede o estudo. A tarefa central é evidente, quando se compreende que cada um está vivendo suas histórias em um contínuo contexto experiencial e, ao mesmo tempo, está contando suas histórias com palavras, enquanto pode refletir sobre suas vivências e explicá-las. Para o investigador isto é parte da complexidade da narrativa, porque uma vida é também uma questão de crescimento rumo a um futuro imaginário e, portanto, implica em recontar histórias e tentar revivê-las. Uma mesma pessoa está ocupada, ao mesmo tempo, em viver, em explicar, em reexplicar e em reviver histórias (Connelly; Clandinin, 1995: 22-23). Esta investigação revelou-se importante, à medida que me possibilitou ouvir os relatos, conhecer as experiências, perceber as emoções, sentir as angústias, verificar dúvidas e dificuldades que os alunos e a Professora apresentaram, mediados pelo meu olhar e pela minha própria voz. Enquanto me ocupava em viver como aluna, pesquisadora, mãe que possui uma família, e buscava no estudo, imbricar as experiências e relatos da Professora e dos alunos, eu tive oportunidade de partilhar, também, de suas dificuldades, das preocupações de suas vidas diárias e, mais, pude compreender a riqueza, a multidimensionalidade, a complexidade e as dificuldades imbricadas nas vidas destes alunos, na minha e na vida desta Professora. Apenas por este ângulo, independente de todos os demais, é possível perceber que o ensino não pode ser isolado, e o conhecimento não pode ser obtido “independente do seu observador”. Para mim, foram muito significativas as palavras de R. Coles (ver Capítulo I), quando aponta para a possibilidade de aprendizagem, ao abrir espaço para que o participante ouça a si mesmo, ou seja, para podermos aprender enquanto nós mesmos estamos falando. Esta investigação me permitiu horas incontáveis de diálogo comigo mesma, de reflexões produzidas a partir de episódios e expressões dos alunos e da Professora. Um estudo desta www.unioeste.br 138 considerações finais natureza tem como ponto central as falas dos participantes, e estas, imbricadas às vozes dos autores, se constituíram em um referencial de análise e reflexão para este estudo e para minha própria prática pedagógica. Poderá, também, servir como um outro olhar, a iluminar a “formação de professores” e auxiliar a algum, ou alguns, aluno e/ou professor que esteja empenhado em investigar a formação inicial de professores, especialmente aqueles da área de Ciências/ Biologia. À guisa de considerações finais, para manter-me fiel à proposta de investigação narrativa, não poderia deixar de buscar, nas vozes dos alunos e da Professora, relatos, palavras e conceitos que possibilitem perceber alguns resultados, ou que indiquem, de algum modo, possíveis caminhos. Nas vozes dos alunos, através das interações em aula, nas atividades em grupo, busco iluminar suas palavras, quando expressam suas concepções de ensinoaprendizagem-conhecimento, procurando perceber se ocorreu uma evolução em suas concepções. Vejamos as expressões dos alunos: Ensinar... É buscar o que o aluno tem em sua bagagem e, juntos [com o professor], construir o conhecimento, não passar simplesmente conceitos, definições. É tornar o aluno um ser pensante, criativo e crítico, para saber discutir, expor suas idéias, posicionar-se; Enquanto participante do processo ensino-aprendizagem, o professor sabe que ensinou quando interage com o educando, quando percebe que tanto ele, quanto os alunos e as alunas participaram da aquisição de um determinado conhecimento; Aprendizagem é um processo singular, único para cada indivíduo, o que não significa que não possa ser compartilhado; no qual ele interioriza determinado conhecimento que, por sua vez, influencia no seu modo de ser, de pensar e /ou sentir o mundo; Adquirir novos conhecimentos, para aplicá-los, a fim de obter mudanças na interação do indivíduo com tudo o que o cerca; Nós só podemos ter certeza de que o aluno se desenvolveu, quando ele for capaz de utilizar tal aprendizado em ações independentes, ou seja, de forma individual, sem imitações; Devo me questionar e questionar ao aluno sobre todos os processos de aprendizagem que eu pensei ter ensinado e encontrar as possíveis falhas. Eu posso e devo retomar a minha prática pedagógica, repensando a minha postura, bem como a postura do aluno no contexto da sala de aula; Devo parar, analisar e buscar novos métodos, materiais didáticos e nova linguagem (Trecho das Atividades de grupos de alunos do 5º período). 139 www.unioeste.br a formação do sujeito professor Ao meu ver, nestas atividades, as concepções destes alunos já demonstram uma certa evolução conceitual em relação às respostas apresentadas no Episódio 10, deste trabalho. Posso ver que muitos, de maneira significativa, passam a conceber os processos de ensino e de aprendizagem, enquanto construção do conhecimento, em um processo no qual, ao mesmo tempo, constroem-se interativamente, conhecimentos entre alunos e professor. E os alunos começam a valorizar a sua participação ativa neste processo. Porém, a evolução das concepções não é tarefa fácil. Moreira expressa como vê a dificuldade de sair do modelo TR, sair de uma perspectiva autoritária de ensino como transmissão de conteúdo, baseada em uma relação de causa e efeito inexistente, para uma ótica de significados construídos e compartilhados. A idéia básica é facilitar a aquisição de significados aceitos, levando em conta os significados que o aluno já tem, promovendo a diferenciação progressiva e a reconciliação integrativa de significados, conceitos, idéias e proposições (Cf. Moreira, 1990). A formação do professor precisa ser, então, concebida como “uma profunda mudança Didática que deve questionar as concepções dos professores do senso comum” (Cf. Carvalho; GilPérez, 1993: 66), na qual as disciplinas pedagógicas sem descartar questões epistemológicas são convertidas em núcleos articuladores dessa formação. Durante esta investigação, que possui como foco central a formação de professores, um espaço significativo foi aberto para discutir as questões de linguagem, tendo em vista a importância que a Professora de Didática atribui a estas questões e apontar que o principal entrave encontrado com esses alunos foram as distorções leitura - escrita. Pela investigação com os alunos do 5º período, pude perceber que os desencontros entre as intenções da Professora e a postura dos alunos advieram de questões de histórias de vida, principalmente, no que se refere à leitura. As palavras de J. Larossa ajudam- a refletir e esclarecer o meu ponto de vista sobre estas histórias. Para mim, a Professora tem uma compreensão de leitura que ensina, que eleva, que descortina, que faz crescer. A literatura, que tem o poder de mudar, não é aquela que se dirige diretamente ao leitor, dizendo-lhe como ele tem de ver o mundo e o www.unioeste.br 140 considerações finais que deverá fazer, não é aquela que lhe oferece uma imagem do mundo nem a que lhe dita como deve interpretar-se a si mesmo e às suas próprias ações; mas, tampouco, é a que renuncia ao mundo e à vida dos homens e se dobra sobre si mesma. A função da literatura consiste em violentar e questionar a linguagem trivial e fossilizada, violentando e questionando, ao mesmo tempo, as convenções que nos dão o mundo como algo já pensado e já dito, como algo evidente, como algo que se nos impõe sem reflexão (Larossa, 1998:157-158). A Professora tem a intenção de usar a leitura como uma possibilidade dadivosa, de crescimento dos alunos, de possibilitarlhes ver o ensino e ao mundo com novos olhares para compreendêlos do seu jeito. Faz parte de sua vida a leitura. Ela se realiza e se reconhece em inúmeros livros que lê e que dá a ler. Neste sentido, necessito, ainda, tomar por empréstimo as palavras de J. Larossa para, de certa forma, descrevê-la no que se refere à leitura: O professor — aquele que dá o texto a ler, aquele que dá o texto como um dom, nesse gesto de abrir o livro e de convocar à leitura — é o que remete o texto. O professor seleciona um texto para a lição e, ao abri-lo, o remete. Como um presente, como uma carta. E uma vez que uma carta é como uma parte de nós mesmos que remetemos aos que amamos, esperando resposta, o professor gostaria que essa parte de si mesmo, que dá a ler, também despertasse o amor dos que a receberão e suscitasse suas respostas. Mas a remessa do professor não significa dar a ler o que se deve ler, mas sim “dar a ler o que se deve: ler”. Ler não é um dever no sentido de uma obrigação, mas no sentido de uma dívida ou de uma tarefa. E é uma dívida e uma tarefa - a dívida e a tarefa da leitura - que o professor dá quando remete o texto. Uma dívida é a responsabilidade que temos para com aquilo que nos foi dado ou enviado. Uma tarefa é algo que nos foi dado ou enviado. Uma tarefa é algo que nos põe em movimento. Por isso, dar o texto é oferecê-lo como um dom e, nesse mesmo oferecimento, abrir uma dívida e uma tarefa, a dívida e a tarefa da leitura, a dívida que só se salda assumindo a responsabilidade da leitura, a tarefa que só se cumpre no movimento de ler. O professor, o que dá a lição, é também o que se entrega na lição. Primeiro, entrega-se em sua eleição; depois, em sua remessa; em continuação, em sua leitura (Larossa, 1998: 174 -175). A prática diária da Professora é permeada pela interlocução com inúmeros autores. Geralmente, quando nós, seus alunos, entramos em sua sala, comigo isso sempre ocorreu, em vários momentos da conversa, ela abre um parêntese, pega um livro e 141 www.unioeste.br a formação do sujeito professor com verdadeiro entusiasmo, lê algumas partes, mostra, comenta, discute... E a gente cresce com ela. Parece-me vê-la lendo estas palavras: O professor, quando dá a lição, começa a ler. E seu ler é um falar escutando. O professor lê escutando o texto como algo em comum, comunicado e compartilhado. E lê também escutando a si mesmo e aos outros. O professor lê escutando o texto, escutando a si mesmo enquanto lê, e escutando o silêncio daqueles com os quais se encontra lendo. A qualidade da leitura dependerá da qualidade dessas três escutas. Porque o professor empresta sua voz ao texto, e essa voz que ele empresta é também sua própria voz, e essa voz, agora definitivamente dupla, ressoa como uma voz comum nos silêncios que a devolvem ao mesmo tempo comunicada, multiplicada e transformada (Larossa, 1998:174 -175). No texto de J. Larossa, posso identificar a Professora e sua voz como parte de uma investigação narrativa; é também a minha voz a descrever não só a Professora e sua história com os alunos, mas, também, as lições que apreendi da linguagem e da leitura. A atividade docente é bastante complexa e, como as interações entre as pessoas são sempre experiências únicas, cada interação, na aula, é carregada de múltiplas dificuldades, até mesmo para professores mais experientes, como é o caso da Professora de Didática. Ela se propôs a ir trabalhando, tentando desestabilizar as pré-concepções que considera equivocadas. Assim, ela foi procurando colocar em questão os conceitos aceitos pelos alunos. Ela sabia que estava provocando uma “desarrumação” das idéias dos alunos; porém, ela acreditava que a arrumação iria acontecendo naturalmente. Mas, segundo suas observações, parece que isto não ocorreu. A Professora, já numa fase mais adiantada do processo, constata que a arrumação das idéias não estava acontecendo, levando à autocrítica. Então começa a trabalhar na “arrumação” das idéias dos alunos, mas acha que ainda precisava de mais tempo para realizar tal tarefa. Dessa forma, critica-se pelo fato de não ter planejado o tempo de desarrumação x arrumação, expressando-se nos seguintes termos: Se eu tivesse uma disciplina anual que desse para eu “desarrumar” no primeiro semestre e tentasse arrumar progressivamente, eu acho www.unioeste.br 142 considerações finais que no final do ano o saldo seria muito mais positivo. E isso eu acho que foi um tipo de displicência minha... eu lidei com o tempo sem me preocupar se daria tempo de desarrumar e arrumar alguma coisa, sinceramente eu não me preocupei com o tempo de arrumação ou eu acreditei que iria desarrumando e arrumando, o que não procede, não é verdadeiro. Especialmente, até com a contundência que eu usei. Usando uma argumentação bastante contundente exatamente para que eles me dessem atenção. A maneira que eu busquei a atenção dos alunos foi pela ênfase, foi pela contundência da minha argumentação; eu não mandei ninguém ficar quieto, não chamei a atenção de quem saía, não fiz coisa nenhuma. Agora a contundência, a ênfase, o peso da minha argumentação era que fazia com que eles ficassem me ouvindo, ficassem atentando para as proposições que eu fazia, mas esse tempo de desarrumação x arrumação, precisa ser considerado. Não posso ser indiferente a ele, é maldade... A Professora, analisando sua prática junto aos alunos, declara que uma das dificuldades é a limitação determinada pelo curto espaço de tempo que se constitui um semestre ou menos (a disciplina havia iniciado em abril!). O trabalho da Professora de Didática foi direcionado, a fim de possibilitar esta formação diferenciada; por este motivo, o trabalho com as concepções dos alunos foi algo que esteve presente durante todo o processo de ensino. Decorrente disto, a tomada de consciência pelos alunos, de suas crenças, dos seus conceitos, ficou muito evidente. Alguns alunos se expressaram com absoluta clareza a compreensão que, agora, possuíam com respeito às suas concepções. A aluna Maria José, numa discussão em grupo, realizada na sala de aula, em que eu participava, ela assim se dirige a mim e ao grupo: Maria José — Olha Irene, me desculpe, mas eu tenho que desabafar... No início eu me achava uma boa professora, mas eu não sei... Eu quero que você me diga, se alguém tiver uma idéia, ou você Irene, se você puder me diga: Como é que eu tenho que fazer? Onde é que eu vou aprender a ser professora assim, a fazer diferente? Eu não sei onde buscar, eu não sei como eu vou fazer. Isto também ficou evidente para a Professora de Didática, quando algumas alunas desabafaram, num estado de espírito angustiado e perplexo, sobre o que sentiam com relação à sua atuação em sala. A Professora mesma narra para mim o episódio da forma seguinte: 143 www.unioeste.br a formação do sujeito professor Eu queria que você visse o que alguns fazem com a minha proposição. E eu como já baixei muito o autoconceito deles na aula passada, eu quase morro. Eles acharam a aula uma beleza [fala com ênfase]. E eu saí arrasada, achando que não havia conseguido que eles aprendessem coisa alguma. Aí vem uma aluna e me diz: “Você tem as coisas muito claras!”. E eu respondo, sinceramente: “É ilusório minha filha. Eu tenho algumas coisas claras, algumas... [frisa bem o termo]. Ninguém tem as coisas (significando todas as coisas) muito claras. Ninguém tem. Se você obtiver uma receita, você vai ficar onde está, minha filha. Agora, por outro lado, o fato de você se manifestar nesses termos, você já é uma professora muito melhor que os outros. Mas os outros não são culpados, não, por não ter reflexões dessa ordem. Então não é que você esteja sendo uma bosta. Pelo contrário! Você está deixando de ser bosta. Você toma consciência do que você tem, não tem, precisa ter, precisa buscar, o que dá prá fazer, o que é que não dá...”. [A Professora olha para mim e diz]: — Agora você vê, como que, com observações dessa ordem, eu não ia sair arrasada? Eu saí muito arrasada. Mas eles acharam a aula uma beleza... A contundência de episódios como esses demonstram, claramente, a autenticidade destes alunos, por isso eu caracterizei a classe como excelente, de muito valor. Alunos que, quando compreendem que até agora não aprenderam e não tiveram um ensino como deveriam, angustiam-se, querem mudar, querem sinceramente saber o melhor caminho para serem bons alunos e melhores professores ou profissionais. Não querem apenas o diploma, “passar de ano”. Não, eles querem aprender!! A Professora faz uma crítica severa de sua atuação e me pede que intensifique a crítica que eu, por minha vez, vier a fazer. Percebi que eu estava tirando coisas, sem ter clareza se vou pôr outras no lugar. Eu acho que está aí uma questão, por exemplo, que você precisa discutir. E discutir independentemente. Porque eu ainda receio que se eu abordar essa questão, me desculpe, para livrar a minha barra! Mas eu queria que você discutisse isso [fala com ênfase]. O que é que significa alunos inicialmente “inconscientes”, a partir de uma determinada altura, estarem se execrando? Consciente da dificuldade que é encontrar um professor que assuma suas dificuldades, que se critique, a Professora de Didática procurava se autocriticar, para dar o exemplo, na seguinte forma: www.unioeste.br 144 considerações finais Professora — Quando eu me critico: Gente! As barberagens que eu fiz com vocês?! Eles se surpreendem, ficam com os olhos desse tamanho (mostra um tamanho grande, em relação ao tamanho do olho, com o gesto usando os dedos polegar e indicador). Os alunos perguntam “Que barberagens?... A senhora fez o que?”. E quando eu falo: Eu deveria ter feito isso, aquilo... E sabe porquê que eu acho que eu preciso falar isso? Não é para fazer gênero não. É prá dar a lição. Para eles admitirem se criticar, sabendo que tem solução. Eu digo: Eu fiz uma porção de barberagens, garanto que no próximo ano eu não vou fazer nenhuma... talvez meia... porque uma eu não vou admitir. Ou melhor, farei outras, mas essas não! Fica expressa, também, a evolução epistemológica destes alunos e da Professora. Como podemos compreender como se deu esta evolução? Analisando o processo de ensino através dos episódios relatados, percebemos que os alunos tinham concepções de seu papel como alunos, do papel de professor e concepções sobre ensino-aprendizagem-conhecimento baseados na T – R. Durante o processo a Professora de Didática vai através das leituras, das discussões com a classe, de suas exposições, trazendo elementos novos para a compreensão destes conceitos. Suas concepções anteriores começam a perder consistência, surgem inúmeras perguntas e dúvidas, e a Professora vai mediando, propiciando a eles refletirem, e — como ela mesmo diz “num esforço compreensivo” — vai estabelecendo junto aos alunos novas relações. Até que chega a um ponto que, supostamente, os alunos compreendem. Tomam consciência que suas concepções anteriores, que estavam bastante assentadas, os conceitos que eles acreditavam, infelizmente não os conduziam aos resultados esperados “a aprendizagem desejável, significativa para eles”. Eles dizem: “eu achava que era uma boa professora. Eu achava que eu era melhor que os meus colegas. E agora eu sei que eu sou... que eu sou...”; “E eu acho que eu não vou sair da bosta”; “E eu? Que achava que era uma ótima aluna. E agora fico sabendo, percebo que não aprendi coisa nenhuma porque só memorizei e devolvi o que os professores queriam”. É a desarrumação. Agora eles já estão concebendo novas idéias, novas concepções que desejariam assumir. As concepções anteriores evoluem, passam a servir como parâmetro ou alicerce para uma 145 www.unioeste.br a formação do sujeito professor nova postura e outras crenças. Muitas vezes, as concepções, agora construídas, parecem ter um papel de negação, de possibilitar perceber os equívocos, a crítica ou o erro são também fases do processo de construção, e tudo isso se assume como fundamental. A Professora também faz sua autocrítica ao dizer que, apesar dos anos de experiência, ela falhou, ela não atentou para o grande número de questões a serem confrontadas e só durante o processo foi se apercebendo disso. Esta experiência com os alunos do 5º período de Biologia e sua Professora me leva a afirmar, mais uma vez, que “ensinar não é fácil, não existe receita pronta ou mais adequada”. Se assim fosse, os anos de experiência da Professora e sua competência profissional bastariam, descartando-se a imprescindível reflexão teórico-metodológica e epistemológica, sobre a prática pedagógica ou sobre a prática específica de ensino. Portanto, a busca de investigação permanente do professor, numa perspectiva de construção coletiva, parece ser uma proposta bastante enriquecedora, à medida que permite discutir e analisar a própria prática. Prática esta, que deve ser inclusive objeto de pesquisa permanente do professor. Contudo, a dicotomização das ações dirigidas para a formação e a dissociação entre as disciplinas é claramente impeditiva de que o futuro professor avance nessa direção. É oportuno enfatizar que: A formação plena do professor deve buscar a eliminação de dicotomias. No âmbito da dicotomia entre disciplinas específicas e disciplinas pedagógicas, os Projetos Pedagógicos das Licenciaturas devem assumir a formação do professor como algo que atravessa o seu currículo como um todo, já que esta dicotomia pressupõe que o ensino é mera transmissão de conteúdos (Unimep, 1997:11). É evidente a necessidade que os professores que trabalham com as licenciaturas atentem para a imbricação teóricometodológico-epistemológica. A Professora de Didática tem esta preocupação: Eu não permaneço na mesma abordagem didática continuamente. Isso eu acho que é o que você também faz, no âmbito epistemológico da Biologia. A gente faz um ir e vir, não é?... Que eu acho que seja talvez mais desejável. Até que a gente faça o ir e vir, eu não tenho muita clareza se teria necessidade, ou se seria imprescindível, a gente ficar no âmbito epistemológico da Biologia, sem sair, tomar www.unioeste.br 146 considerações finais distância, está entendendo? Talvez haja um outro sentido... Mas o teórico-metodológico tem de ser abordado em termos enfáticos também. E o grande desafio que nós teríamos seria imbricar teóricometodológico-epistemológico. Isso daí é que do meu ponto de vista seria desejável. Essa imbricação. Não ficar do teórico-metodológico para o epistemológico e do epistemológico para o teóricometodológico, como a gente com mais freqüência faz. A Professora demonstra sua preocupação com a formação específica do professor de Ciências/Biologia, com a imbricação teórico-metodológico-epistemológica necessária ao ensino de Biologia, para que haja aprendizagem efetiva nos vários graus de ensino. Geralmente, os professores que trabalham nas disciplinas específicas, nos cursos de graduação, preocupam-se com questões teóricas dissociadamente, isto é, com o conteúdo específico de um lado, enquanto os professores que trabalham as disciplinas de formação pedagógica enfocam, de outro lado, aspectos metodológicos dos conteúdos. Considerando que o caráter epistemológico de um conteúdo refere-se à natureza intrínseca desse conteúdo, sua natureza epistemológica, é esta, do ponto de vista da Professora, que deve determinar a abordagem teóricometodológica, se considerarmos a imbricação teórico-metodológicoepistemológica. A Professora considera que todos os professores formadores de futuros professores precisam trabalhar neste sentido. Sobre esta questão, perguntei à Professora de Didática: “Existe uma preocupação do professor de disciplina específica estar trabalhando numa visão do aluno que vai ser professor ou não?”. A Professora respondeu: Alguns... Eu acho que a diferença, do ponto de vista de minha experiência, é que a outra universidade, onde eu trabalhava, conta com alguns. A gente sempre conta com alguns. Em contraponto, eu acho que muitas outras universidades não contam com ninguém. Esta universidade já conta com alguns, mas não se tem qualquer articulação entre os já iniciados, que continuam isolados. Você veja a Licenciatura em Matemática, que é crucial. Você tem num elenco, vamos supor, de 15 professores, 4 ou 5, 1/3 no máximo, que trabalha Matemática tendo presente que está em um curso de formação de professores. E trabalha Matemática com vistas ao ensino e à aprendizagem. Se você provavelmente tomar cursos de Matemática em outras cidades, você não vai encontrar ninguém. Até por causa da formação das turmas; porque quem ministra Cálculo I, por exemplo, dá aulas de Cálculo I para Engenharia, para 147 www.unioeste.br a formação do sujeito professor outros cursos, e também para a Licenciatura em Matemática do mesmo jeito. Nesta universidade se conseguiu fazer uma diferenciação, Cálculo I é trabalhado para a modalidade A e B, e B é a Licenciatura. Então dá para o sujeito ajustar minimamente. E como os alunos optaram pela modalidade B, que é a Licenciatura, o professor sabe disso, e aquele 1/3, 3, 4 ou 5 professores, podem intencionar a formação de professores de Matemática. A formação de um professor diferenciado, chamado por muitos de “educador” é a meta que se busca, mas para isso é necessário um trabalho articulado com o conjunto de professores que atuam na licenciatura, todos objetivando nas suas disciplinas convergir para a formação deste professor. Sabemos que muitos professores não trabalham os conteúdos levando em conta que os seus alunos de hoje serão futuros professores amanhã. Com esta premissa, todas as disciplinas, e não só as ditas pedagógicas, obrigatoriamente, teriam que apresentar um processo de ensino diferenciado em termos tais que pudessem superar dissociações entre elas e possibilitar a interrelação dos conteúdos numa nova perspectiva interdisciplinar. Por um lado, quando as disciplinas, chamadas específicas, não são trabalhadas pedagogicamente, possibilitando aos futuros professores abordagens pedagógicas e epistemológicas de ensinar aqueles conteúdos, elas deixam de atender o objetivo principal do curso que é de possibilitar ao futuro professor a compreensão pedagógica de como ele pode ensinar os conteúdos específicos. Por outro lado, diferentemente de outros cursos, o futuro professor não está na universidade, apenas, para adquirir um conhecimento sólido e aprofundado em todas as disciplinas, que são consideradas sumamente importantes à formação de um professor, ele precisa aprender, em cada disciplina, e não só nas disciplinas pedagógicas, como ensinar aqueles conteúdos, como torná-los “pedagogicamente disponíveis”. Isto significa dizer que, no âmbito da formação inicial de professores, os conteúdos ditos específicos precisariam ser vistos e trabalhados à luz de teorias educacionais. Ainda vale salientar que, as disciplinas pedagógicas podem proporcionar ajuda pedagógica na organização do trabalho do professor, dos contextos imbricados no trabalho diário de um professor, mas não podemos nos esquecer que as pesquisas são www.unioeste.br 148 considerações finais ricas em nos mostrar que os professores que iniciam a carreira de professor repetem em suas aulas os modelos que aprenderam, quando seus professores lhes ensinaram aqueles mesmos conteúdos. É o modelo de ensino do professor da disciplina específica que o futuro professor imita, ensinando do mesmo modo como foi ensinado. Portanto ao meu ver, a Licenciatura não irá mudar, se os professores deixarem de assumir, em conjunto, a responsabilidade de formar um professor diferenciado. Assim, embora possa parecer óbvio, cremos que, numa evolução epistemológica de Ensino-aprendizagem, a passagem do modelo transmissão-recepção, para um modelo de interaçãoconstrução, ou de co-construção, poderá significar avanço, se possibilitar aos alunos uma aprendizagem mais significativa, dinâmica, efetiva e duradoura. Alguns grupos de alunos, em atividades realizadas em aula, expressam ressalvas importantes com respeito ao ensino, tais como: Em se tratando de ensino, principalmente o de Ciências /Biologia, temos que pensar sobre essas questões porque o conhecimento não é estático, ele é contextualizado num determinado tempo, numa determinada cultura, ele está em “movimento” é dinâmico como a própria aprendizagem humana; O pensar sobre essas questões irá auxiliar-me a como abordar o assunto que tratarei em minhas aulas e que tais abordagens levem os alunos a atitudes, ou melhor, pensamentos próprios. O reconhecimento, por parte dos alunos, de que o conhecimento, tal como o ensino, é dinâmico, contextualizado num determinado tempo e cultura, nos remete à valorização histórica da construção do conhecimento. É necessário que os espaços institucionais para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem proporcionem a pesquisa e ensejem uma outra construção, a da subjetividade do aluno. Sobre esta questão a Professora de Didática assim escreve em seus artigos: A compreensão de relações cognitivas ou o estabelecimento de relações compreensivas entre idéias na interação em aula, no curso do processo de ensino e de aprendizagem, constituem o espaço necessário à construção da subjetividade do aluno, no âmbito das Ciências e de qualquer outro campo de saber.Se eu compreendo, se estabeleço relações entre conteúdos, informações, procedimentos, torno-me capaz de atribuir valor, de construir valores meus, de ser 149 www.unioeste.br a formação do sujeito professor sujeito do meu conhecimento, das minhas ações. Compreender depende do meu olhar, do meu jeito de ver, que é algo que eu faço não apenas com os meus olhos, mas principalmente com a minha mente ao relacionar o que já sei com aquilo que preciso aprender, que preciso saber para tornar-me sujeito, quando transformo o que aprendi em novas ou outras idéias, produzindo também outros conhecimentos (Aragão, 1998). Considerando que o cotidiano da escola não é construído, somente, a partir do dia-a-dia, produzido entre os muros da escola, mas ele é composto por elementos oriundos das vidas cotidianas das pessoas que compõem a escola, assim, na construção de seu conhecimento, os alunos, futuros professores, podem mediante interações com seus professores e colegas, evoluir conceitualmente. A Professora de Didática acredita na possibilidade de evolução conceitual. Ainda no trabalho supra citado, ela sintetiza bem, concepções que embasam seu trabalho, enquanto professora, quando diz: Na perspectiva de uma evolução conceitual, contudo, negociam-se significados de alunos e alunas de professores e professoras no processo de compreensão dos conceitos e das relações conceituais trabalhadas. Ao se trabalhar com conceitos já adquiridos, com idéias existentes familiares para alunos e alunas, eles próprios e elas próprias se utilizam exemplos do cotidiano com propriedade, compreendendo a dinamicidade do conhecimento. Passam, assim, a usar conceitos e idéias científicas em situações cotidianas, evidenciando compreensão. Isto só se torna possível, no entanto, quando o professor e a professora também evoluíram. Quero dizer que os alunos e alunas só conseguem estabelecer relações compreensivas, em âmbito cognitivo, quando seus professores e professoras se tornam capazes de inter-relacionar idéias, assuntos, aspectos, temas, em termos assinalados como o que se conhece até agora na provisoriedade do conhecimento (Aragão, 1998). Nesse sentido, “as aulas se tornam lugares de promoção de debates, discussões, especulações, e não de transmissão de certezas” (Schnetzler; Aragão, 1995: 30). No entanto, o reconhecimento das limitações do ensino por transmissão e o desenvolvimento das orientações construtivistas estão propondo nova ênfase à necessidade de formação do professor que possa estar voltada também à pesquisa (Cf. Furió; Gil-Pérez, 1984; Driver; Oldham, 1986; Porlan, 1987; Moreira, 1991 apud Carvalho; Gil- www.unioeste.br 150 considerações finais Pérez, 1993). A fim de possibilitar a formação de um professor diferenciado, faz-se necessário um movimento constante da prática para a teoria e numa volta à prática para transformá-la. Na prática pedagógica de um professor isto é possível, caso o professor se defina como professor-pesquisador, fazendo de sua aula, de sua prática docente um espaço para suas investigações. Isto porque, de acordo com K. Popper, “aprender algo novo é modificar algum conhecimento anterior; a aprendizagem sempre se dá a partir dos conhecimentos prévios” (Popper apud Silveira, 1992: 38). A ênfase na formação do professor, como professor-pesquisador, ao meu ver, abre espaço para a investigação de obstáculos epistemológicos presentes na relação ensino-aprendizagem-conhecimento. Esta experiência da Professora de Didática com os alunos do 5º período de Ciências Habilitação em Biologia é rica por poder apresentar não só os avanços e suas contribuições, mas também suas distorções, suas limitações. É a compreensão das bases, dos alicerces, dos conceitos anteriores que possibilitam ao indivíduo evoluir para outras concepções, novos caminhos e novas alternativas. Assim, da desconstrução, é possível avançar no sentido de uma nova construção, numa evolução epistemológica significativa constante. A. Nóvoa, falando da mudança de paradigma nos meios escolares de Portugal, aponta para novos desafios, que podem servir de reflexão para nós brasileiros, devido às semelhanças com o momento que estamos vivendo. Ele aponta para a necessidade de mudanças efetivas nos meios escolares, principalmente na formação de professores que se encontra impregnada pelo paradigma da racionalidade técnica. Tal autor possibilita refletir sobre a necessidade de uma formação capaz de desenvolver professores reflexivos, especialmente em tempos de crise, como a que atravessa o ensino tradicional. Segundo ele: A formação pode estimular o desenvolvimento profissional dos professores, no quadro de uma autonomia contextualizada da profissão docente. Importa valorizar paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na implementação das políticas educativas (...). O trabalho centrado na pessoa do professor e na sua experiência é particularmente relevante nos períodos de crise e 151 www.unioeste.br a formação do sujeito professor de mudança (...). O triplo movimento sugerido por Schön (1990) — conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação — ganha pertinência acrescida no quadro do desenvolvimento pessoal dos professores e remete para a consolidação no terreno profissional de espaços de (auto)formação participada. Os momentos de balanço retrospectivo sobre os percursos pessoais e profissionais são momentos em que cada um produz a “sua” vida, o que no caso dos professores é também produzir a “sua” profissão (Nóvoa, 1996: 26-27). Na sua fala, quando ele nos diz que estes professores reflexivos devem assumir a “responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional” é possível estabelecer o elo da formação que defendemos, enquanto professores-pesquisadores, visto que a pesquisa da própria prática abre espaço para refletir a ação, na ação e sobre a própria ação. E ainda mais, quando ele se refere à necessidade de “consolidação no terreno profissional de espaços de (auto) formação participada”, pode nos remeter também à investigação narrativa como modo de possibilitar a imbricação das vozes de professores, pesquisadores, e alunos, unidos numa só meta reiterativa em que cada um produz a “sua” vida, o que no caso dos professores é também produzir a “sua” profissão. * * www.unioeste.br * 152 REFERÊNCIAS ALVITE, M. M. C. Didática e Psicologia: crítica ao psicologismo em educação. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1987. AMARAL, Ivan A. do. Em busca da planetização: do Ensino de Ciências para a Educação Ambiental. Campinas, 1995. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas. ANDRÉ, Marli E.D.A. de. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995. ARAGÃO, Rosália M.R. de. “Ciências e prática pedagógica”. In: Anais do IX Endipe - Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Águas de Lindóia, 1998. ARAGÃO, Rosália M.R. de. “Reflexões sobre ensino, aprendizagem e conhecimento”. Revista de Ciência e Tecnologia: Editora Unimep, ano 2, nº 3, julho/1993. BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. São Paulo: Editora Contraponto, 1996. ____. L’engagement rationaliste. Paris: Presses Universitaires de France, 1972. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. M. Lahud e Y. F. Vieira. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1977. _____. Estética da criação verbal. Trad. M. E. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BOHM, David. A totalidade e a ordem implicada. Trad. M. C. Silva. São Paulo: Cultrix, 1980. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1987. CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. São Paulo: Cultrix, 1983. CARNIATTO, Irene. “Contribuições e limitações da leitura e escrita na formação de professores de Ciências/Biologia”. In: Anais do IX Endipe Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Vol. 1. Águas de Lindóia: 1998. CARNIATTO, Irene; FOSSA, Angela M. “La creencia docente y los obstáculos epistemológicos - una investigación em la enseñanza con profesores del curso de Ciências Biológicas”. Investigacion e innovacion en la enseñanza de las ciências. Murcia: Espanha, 1998 (Volumen I). CARRASCOSA, Jaime. “Análise da formação continuada e permanente dos professores de Ciências ibero-americanos”. In: MENEZES, Luis Carlos (Org.). Formação continuada de professores de Ciências no âmbito iberoamericano. Campinas: Autores Associados; São Paulo: Nupes, 1996. CARVALHO, Anna M. P.; GIL-PÉREZ, Daniel. Formação de professores de Ciências: tendências e inovações. São Paulo: Cortez, 1993. _____; _____. Tendencias y experiencias inovadoras en la formación del profesorado de Ciências (Enseñanza de la Ciência y de Matemática). In: I Encontro Subregional sob Formación y Capacitación Docente em Matemática y Ciência. Caracas: Venezuela, 1992. 153 www.unioeste.br a formação do sujeito professor CARVALHO, Anna M. P.; VIANA, Deise. “A licenciatura em questão”. Revista Ciência e Cultura. 1988. 40(2):143-163. In: Unimep — Proposta para uma política para as licenciaturas. Fórum das Licenciaturas da Unimep. Novembro, 1997. Mimeo. CASTORINA, J. A. et al. Piaget e Vygotsky: novas contribuições para o debate. 3. ed. São Paulo: Ática, 1996. CHALMERS, Alan F. A fabricação da Ciência. São Paulo: Editora da Unesp, 1994. _____. O que é Ciência, afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993. CHASSOT, A. Sobre prováveis modelos de átomos. Química Nova na Escola, n.3, maio de 1996. CHAVES, Silvia N. Evolução de idéias e idéias de evolução: a evolução dos seres vivos na ótica de aluno e professor de Biologia do ensino secundário. Campinas, 1993. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas. COLL, César. “Os fundamentos do currículo”. In: _____. Psicologia e currículo. São Paulo: Edusp, 1996. _____. “Aprendizagem e desenvolvimento”. Revista de Educação. Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa. Vol. VI- Nº1- 1996. _____; EDWARDS D. (Orgs.). Ensino, aprendizagem e discurso em sala de aula: aproximações ao estudo do discurso educacional. Trad. B. A. Neves. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. COMÉNIUS, João A. Didáctica Magna. Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 1957. CONNELLY, F. Michael; CLANDININ, D. Jean. “Relatos de experiencia e investigación narrativa”. In: LARROSA, Jorge et al. Déjame que te cuente – ensayos sobre narrativas y educación. Barcelona: Laertes, 1995. CUPANNI, Alberto. A crítica ao positivismo e o futuro da Filosofia. Florianópolis: Editora da UFSC, 1985. DRIVER, R.; EASLEY, J. “Pupils and paradigms: a review of literature related to concept development in adolescent science students”. Studies in Science Education, 12, 7-15, 1978. DUSCHL, Richard A. Renovar la enseñanza de las Ciencias: importancia de las teorias y su desarrollo. Madrid: Narcea, 1997. ENGUITA, Mariano F. A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo. Trad. T. da Silva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. FAZENDA, Ivani (Org.). A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. Campinas: Papirus, 1995. FEYERABEND, Paul. Contra o método. Rio de janeiro: Francisco Alves, 1989. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Trad. S. Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 1995. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Trad. L. F. Sampaio. São Paulo: Loyola, 1996. FRANCHI, C. “Linguagem: atividade constitutiva”. Almanaque — Cadernos de Literatura e Ensaio. São Paulo: Brasiliense, 1977. FURIÓ MAS, Carlos Y. “Tendencias actuales en la fomación del professorado de Ciências”. In: _____. Enseñanza de las Ciências. Barcelona, 12(2), junio 1994. GATTI, Bernadete A. “Diagnóstico, problematização e aspectos conceituais sobre a formação do magistério (Subsídios básicos para o delineamento www.unioeste.br 154 referências bibliográficas de políticas na área)”. Brasília: Consed/Ceiuse, 1996. In: Unimep — Proposta para uma política para as licenciaturas. Fórum das Licenciaturas da Unimep. Novembro, 1997. Mimeo. GERALDI, João W. Linguagem e ensino. São Paulo: Martins Fontes, 1996. _____. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993. GIL-PÉREZ, Daniel. “Orientações didáticas para a formação continuada de professores de Ciências”. In: MENEZES, Luis C. (Org.). Formação continuada de professores de Ciências no contexto ibero-americano. Campinas: Autores Associados; São Paulo: Nupes, 1996. GIROUX, Henry A.; SIMON, Roger. “Cultura popular e pedagogia crítica: a vida cotidiana como base para o conhecimento curricular”. In: MOREIRA, Antonio F.; SILVA, Tomaz T. da (Orgs.). Currículo, cultura e sociedade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1995. GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. GÓMEZ-GRANELL, Carmen; COLL, César S. “De qué hablamos cuando hablamos de constructivismo”. Cuadernos de Pedagogia. jan. 1994, 221, p. 08-10. GRANGER, G. G. Filosofia do estilo. Trad. Scarlett Z. Marton. São Paulo: Perspectiva; Edusp, 1974. GUIDO, Lúcia de F.E. A evolução conceitual na prática pedagógica do professor de Ciências das séries iniciais. Campinas, 1996. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas. GURGEL, Célia M.A. Em busca de melhoria da qualidade do ensino de Ciências e Matemática: ações e revelações. Campinas, 1995. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas. HERNÁNDEZ, Fernando; SANCHO, Juana M. Para enseñar no basta con saber la asignatura. Barcelona: Paidós, 1994. HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. Trad. M. Santarrita. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. HODSON, D. “Hacia um enfoque más critico del trabajo de laboratório”. In: Enseñanza de la ciências. Barcelona, 12(3), 1994. KRASILCHIK, Myrian. Prática de ensino de Biologia. São Paulo: Harbra, 1983. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996. LA TAILLE, Y. et al. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992. LAROSSA, Jorge et al. (Org.). Déjame que te cuente: ensaios sobre narrativas y educación. Barcelona: Laertes Editorial, 1995. LAROSSA, Jorge. Pedagogia profana: danças piruetas e mascaradas. Trad. Alfredo Veiga-Neto. Porto Alegre: Contrabando, 1998. LEMKE, Jay L. Aprender a hablar ciencia: lenguaje, aprendizaje y valores. Barcelona: Paidós, 1997. LIBÂNEO, José C. “Os significados da educação, modalidades de prática educativa e a organização do sistema educacional”. Inter-Ação (Revista da Faculdade de Educação da UFG). Goiânia, 16(12), jan./dez. 1992. LISTON, Daniel P.; ZEICHNER, Kenneth M. Formación del profesorado y condiciones sociales de la escolarización. Trad. P. Manzano. Madrid: Morata, 1993. LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. 155 www.unioeste.br a formação do sujeito professor MALDANER, O. A. A formação continuada de professores: ensino-pesquisa na escola. Campinas, 1996. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas. MATTHEWS, M.R. “Vino viejo en botellas nuevas; un problema com la epistemologia constructivista”. Ensenãza de las Ciencias. Barcelona, 12(1),79-88, 1994. MELLADO JIMÉNEZ, V. “Concepciones y práticas de aula de professores de Ciencias, en formación inicial de primária y secundária”. Enseñanza de las Ciencias. Barcelona, 14(3), 289-302, 1996. MELOTTO, Geraldo. Dominar o conteúdo e saber ensinar: os desafios da formação do professor de Matemática. Piracicaba, 1998. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Metodista de Piracicaba. MENEZES, Luis C. (Org.). Formação continuada de professores de Ciências no contexto ibero-americano. Campinas: Autores Associados; São Paulo: Nupes, 1996a. _____ (Org). Professores: formação e profissão. Campinas: Autores Associados; São Paulo: Nupes, 1996b. Mercer, Neil. La construcción guiada del conocimento: el habla de profesores y alumnos. Barcelona: Paidós, 1997. MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998. MIZUKAMI, Maria G.N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: E.P.U, 1986. MORAES, Roque. Para onde vai o ensino de Química no nível fundamental? Conferência proferida em mesa redonda na 19° Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química em Poços de Caldas - MG, 27-29 de maio, 1996. MOREIRA, Antonio F.; SILVA, Tomaz T. da (Orgs.). Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1994. MOREIRA, Marco A. Pesquisa em ensino: aspectos metodológicos e referenciais teóricos à luz do vê epistemológico de Gowin. São Paulo: EPU, 1990. MOREIRA, Marco. A. O professor-pesquisador como instrumento de melhoria do ensino de Ciências. Em Aberto. Brasília, Inep/MEC, n. 40 (out.-dez./ 1989): 43-54. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Lisboa: Europa-América, 1982. _____. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1990. NISBET, John; SHUCKSMITH, Janet. Estrategias de aprendizaje. Madrid: Santillana, 1987. NOVAK, J. D. Uma teoria de educação. São Paulo: Pioneira, 1981. NÓVOA, Antonio (Org.). Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. NÓVOA, Antonio. “As ciências da educação e os processos de mudança”. In: PIMENTA, S. G. (Org.). Pedagogia: ciência da educação? São Paulo: Cortez, 1996. OSBORNE, Roger; FREYBERG, Peter. El aprendizaje de las Ciências: implicaciones de la ciencia para los niños. Madrid: Narcea, 1991. PÉREZ GÓMEZ, Angel. “O pensamento prático do professor: a formação do professor como profissional reflexivo”. In: NÓVOA, António (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. POPE, M. L.; SCOTT, E. M. “La epistemologia y la practica de los profesores”. www.unioeste.br 156 referências bibliográficas In: _____. Constructivismo y enseñanza de las Ciencias. Sevilla: Diada editoras, 1988. POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1978. POSNER, G. J.; COLL, C. “Accommodation of a scientific conception: toward a theory of conceptual change”. Science Education. 66 (2), 211-227, 1982. PRIGOGINE, I. O fim das certezas. São Paulo: Editora da Unesp, 1996. REIGOTA, Marcos. Meio ambiente e representação social. São Paulo: Cortez, 1995. ROSA, Maria I.; CARNIATTO, Irene. Concepções de Ciência e suas implicações no ensino. Seminário apresentado no Programa de PósGraduação - Faculdade de Educação - Unicamp. Campinas, 1997. SACRISTÁN, José G.; GÓMEZ, A. I. “Compreender la enseñanza en la escuela. Modelos metodológicos de investigación educativa”. In: _____. Compreender y transformar la enseñanza. 3. ed. Madrid: Ediciones Morata, 1994. SANTOS, Boaventura S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989. _____. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1997. SCHNETZLER, Roseli P.; ARAGÃO, Rosália M. “Importância, sentido e contribuições de pesquisas para o ensino da Química”. Revista Química na Escola, 1(5) 27-31, 1995. SILVA, Ezequiel T. da. De olhos abertos: reflexões sobre o desenvolvimento da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1991. SILVEIRA, Fernando L. “A Filosofia da Ciência e o ensino de Ciências”. Em Aberto, Brasília, ano 11, n. 55, jul.-set./1992. TAPIA, Jesus A. “Enseñar a pensar? Si, pero como?”. Cuadernos de Pedagogia. Madrid, n.164, jul/ago, 1988. UNESCO. “Educação: um tesouro a descobrir”. Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. Edições ASA. In: Unimep. Proposta para uma política para as licenciaturas. Fórum das Licenciaturas da Unimep. Novembro, 1997. Mimeo. UNIMEP. Proposta para uma Política para as Licenciaturas. Fórum das Licenciaturas da Unimep. Novembro, 1997. Mimeo. VYGOTSKY, Levy S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. _____. “Mind in Society”. Londres: Harvard University, 1978. In: MERCER, Neil. La construción guiada del conocimiento. Barcelona: Paidós, 1997. WILLIS, Paul. Aprendendo a ser trabalhador: escola, resistência e reprodução social. Trad. T. da Silva e D. Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Trad. José C. Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 1989. WOODS, Peter. La escuela por dentro: la etnografia en la investigación educativa. Barcelona: Paidós; Ministério da Educação, 1989. ZEICHNER, Ken M. “Alternative Paradigm on Teacher Education”. In: GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. _____. “Novos caminhos para o practicum: uma perspectiva para os anos 90”. In: NÓVOA, Antonio (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. 157 www.unioeste.br a formação do sujeito professor A Coleção Thésis é financiada pela Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná, entidade de direito privado que ampara a pesquisa científica e tecnológica e a formação de recursos humanos no Estado do Paraná. Para isto, a Fundação conta com programas de apoio à pesquisa básica e aplicada, promoção de intercâmbio de pesquisadores e disseminação científica. Os recursos financeiros utilizados pela Fundação têm origem no Fundo Paraná, que destina 2% da receita tributária do Estado ao desenvolvimento científico e tecnológico. Fundação Araucária Av. Comendador Franco, 1341 CIETEP Jardim Botânico 80215-090 Curitiba PR Telefones: (41) 218-7803 e 218-7752 E-mail: [email protected] Site: www.seti.gov.br/araucaria COLEÇÃO THÉSIS Impressa na Gráfica da Unioeste Miolo em papel Off Set 75 g/m2 Capa em papel Cartão Supremo 240 g/m2 www.unioeste.br 158