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Literatura Brasileira de Expressão Alemã
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PROJETO DE PESQUISA COLETIVA
Coordenação geral: Celeste Ribeiro de Sousa
JOSÉ ANTONIO BENTON
1894-1986
(Patrícia da Silva Santos)
2015
Resumos comentados
Dentre os livros de José Antonio Benton, os que se relacionam
diretamente à cultura brasileira são Die Söhne Tamangos (Os Filhos
de Tamango), de 1947, e Calangro. Oder das Friedensfest der Tiere
(1954) (Calangro. Ou a festa pacífica dos animais), de 1954, editados
pela Claassen & Goverts e Claassen, respectivamente. Ambos foram
publicados na Alemanha, sendo que apenas para o primeiro há uma
tradução brasileira, oferecida pela Rio Editora em 1944 e assinada
por Catharina Baratz Cannabrava. De acordo com informação que
consta na contracapa dessa edição, o livro em alemão teria sido
publicado inicialmente no jornal suíço Der Bund. (Não tive a
oportunidade de verificar esse dado, nem o ano dessa provável
publicação inaugural). Os dois livros têm em comum o fato de se
basearem em lendas, mitos e lendas brasileiras, seja de índios, seja
de caboclos ou sertanejos. Contudo, Die Söhne Tamangos, formulado
com muita liberdade criativa sob a forma de romance, reúne
narrativas da literatura popular brasileira, que Benton teria conhecido
ou por meio de histórias de pessoas simples, que viviam em sua
vizinhança no bairro do Morumbi por volta de 1930/1940, ou por
meio de escritos antigos. Já Calangro dá forma a várias pequenas
narrativas em fragmentos, que não deixam saber exatamente o grau
de fidelidade aos originais provenientes da tradição oral.
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Die Söhne Tamangos mescla personagens fictícios e reais da
história brasileira, como Dom Pedro II ou Joaquim Nabuco. O livro
inicia-se com a fundação da cidade da Bahia de todos os Santos e,
em uma espécie de preâmbulo, apresenta vários acontecimentos
ligados à história do Brasil, como a exploração do pau-brasil, o cultivo
do açúcar, a escravidão dos índios e, posteriormente o massacre de
muitos deles, a introdução de trabalho escravo africano.
A transição da exploração dos índios para a dos africanos
oferece ensejo para Benton introduzir a saga da família Tamango. O
pai, Tamango da Costa, teria sido capturado na África e, para livrarse da escravidão, comprou-se a si mesmo de volta e tornou-se ele
próprio mercador de escravos.
Após
enriquecer
com
as
muitas
travessias
marítimas
transportando seus conterrâneos para o Brasil, Tamango muda-se em
definitivo para Salvador. A maior parte do livro de Benton concentrase na trajetória de dois dos muitos filhos do mercador de escravos:
Basílio e Francisco da Costa. Ambos tornaram-se escravos, porque
foram vendidos pelo próprio pai.
O primeiro, Basílio, é vendido por seu primeiro dono para um
oficial do exército – personagem que é identificado como portador da
nacionalidade alemã – e acaba indo lutar na guerra contra o
Paraguai, quando encontra o Imperador Dom Pedro II, que o
reconhece por seus atos de heroísmo. A narrativa relativa a Basílio
termina no momento da proclamação da República.
O segundo, Francisco da Costa, também é marcado por sua
escravidão. Para fugir, ele mata seu senhor e não é perdoado por
Santo Antônio de Lisboa por esse ato, já que se nega a arrepender-se
dele. O santo passa a “persegui-lo” e a causar-lhe muitas desgraças.
Ao longo do livro, há muitas referências a personagens estrangeiros,
mas o narrador apresenta-se como brasileiro: ele se refere ao Brasil
como “entre nós” ou “nossa terra”, por exemplo. De todo modo, a
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ideia de encontrar uma suposta “brasilidade” é recorrente, ainda que
Benton reconheça as contingências inerentes ao seu preenchimento.
Calangro (re)conta as muitas histórias que Benton teria ouvido
de pessoas anônimas, violeiros e analfabetos. O autor faz muitas
referências explícitas aos poetas que teriam sido suas fontes, por
exemplo a Aurelio Balbo, Sérgio Fontes, Arlindo Periga etc.
A lenda principal é a do casamento de Calangro (uma lagartixa)
que contou com personagens do mundo animal e apresenta também
histórias intermediárias, relatadas pelo pregador, o macaco BequeBeque, durante a cerimônia – Benton cita frequentemente suas
fontes: nesse caso, há duas referências à proveniência de BequeBeque, que teriam sido publicadas em jornais da Bahia e de Belo
Horizonte. Quando o cão, um “hóspede não convidado”, aparece na
festa acompanhado de seu “senhor” (um homem), desencadeia-se
uma grande confusão e a festa pacífica transforma-se em uma cadeia
de assassinatos de um animal por outro. Essa retratação da
interferência do homem na harmonia da natureza e a violência
consequente pode bem ser remetida a dimensões da biografia de
Benton e suas relações com a história recente de guerras e
perseguições.
Der Biedermann (O homem de bem), o romance que havia sido
publicado já em 1935, mas fora proibido pelos nazistas, saiu
novamente em 1961. É uma sátira, que contém muitas críticas à
sociedade burguesa alemã de meados do século XIX e a suas
relações políticas. A história passa-se na cidade de Stuttgart e gira
em torno de um notário, chamado Alfons Hutzenlaub.
Die cambresische Hochzeit (O casamente cambresiano) narra,
também de modo satírico, a história de Papa Havrin e sua tentativa
obsessiva de garantir um bom futuro para sua filha, a bela Nanon. De
origem pobre, Havrin acerta muitas vezes os números da loteria e,
com esse dinheiro, deseja garantir o casamento da filha com um
nobre – um indivíduo viciado em jogos, que perdeu toda a sua
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fortuna e agora só possui o status social de outrora. A história passase por volta de 1912, em Cambrai e termina de modo trágico.
Contém também referências à Primeira Guerra Mundial.
Tarpan. Mythe vom letzten Mongolenzug (Tarpan. Mito da
última migração mongol), romance publicado em pleno nazismo
(1938), graças ao uso do pseudônimo, narra, conforme indica o
título, a história dos nômades Torguten e sua peregrinação através
da Ásia central.
As contribuições de Benton para revistas alemãs deixam claro
seu grande interesse pela cultura popular brasileira, sobretudo pela
literatura tradicional proveniente de indígenas e sertanejos.
As notas relativas às canções e narrativas dos sertanejos
(“Brasilische
Volksdichtung:
Anmerkungen
zu
den
Liedern und
Erzählungen der Sertanejos” (Literatura popular brasileira: anotações
sobre as canções e narrativas dos sertanejos), de 1952, por exemplo,
registram seus encontros com os violeiros, o estudo de obras
clássicas como Os Sertões, de Euclides da Cunha, e uma análise
cuidadosa, que busca ligar elementos estéticos e sociológicos da vida
no sertão. A análise acerca da tradição de “repentes” é especialmente
detalhada. Além disso, o autor transcreveu mitos indígenas em dois
artigos publicados na revista Die Wandlung, como se pode verificar
em “Dados biobibliográfico” deste projeto.
O outro grande interesse de Benton aparece em seus estudos
sobre a literatura grega (caso dos dois registros de aula não
publicados, sob a guarda da Württembergische Landesbibliothek),
também mencionados em “Dados biobibliográfico” deste projeto. Em
relação a esse interesse pelas línguas clássicas, localizei apenas um
texto publicado em português na Revista de Letras (“O ensino de
letras clássicas”), o qual, no entanto, é uma tradução assinada por
Roberto Schwarz. O texto tem caráter pedagógico e argumenta,
grosso modo, que o ensino de letras clássicas (latim e grego são as
línguas referidas) não deve limitar-se à gramática. Seria necessário
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apresentar esses idiomas em todo o seu dinamismo, apontar para
conexões de ordem cultural e histórica. A literatura é aqui o grande
auxiliar, ela contribuiria para despertar nos alunos um interesse pela
língua de caráter “compreensivo”, que a considerasse em suas
múltiplas conexões com outros aspectos da cultura a qual ela
pertence. Ao longo do ensaio, Benton cita tanto experiências pessoais
relativas ao seu próprio aprendizado de línguas clássicas e a seus
antigos mestres, como uma bibliografia relativamente longa a
respeito da aprendizagem de idiomas.
Além desse texto, esta revista publicou um artigo de Benton em
alemão que inclui uma discussão sobre as odes píticas de Píndaro
(“Anmerkungen zur Interpretation der pindarischen Chorlieder: Pythia
IX und IV” [Anotações sobre a interpretação das Odes de Píndaro:
Pítia IX e IV]).
Por fim, um registro do esmero filológico do autor foi
transmitido pelos Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Filosofia
(“Anmerkungen zur Geschichte der Worte Colere und Cultura”
[Anotações sobre a história das palavras colere e cultura]). Com base
em fontes literárias diversas e outros tratados científicos, Benton
apresenta a trajetória de desenvolvimento da palavra cultura a partir
de sua origem “colere”, discorrendo sobre as muitas nuances
tomadas pela palavra no decorrer da história. São inquiridas tanto a
raiz indo-europeia como a latina e apresentadas as conexões da
palavra com o culto, o cultivo agrícola, o cultivo da aparência e da
formação etc. Apesar de seu caráter mais erudito, o texto se conecta
também de um modo peculiar com outros trabalhos de Benton e sua
preocupação com as tradições culturais, na medida em que ajuda a
compreender, por exemplo, a sua sensibilidade para a forma como as
manifestações culturais dos sertanejos brasileiros estão baseadas em
um todo cultural mais ou menos unificado, que envolve tanto a
produção material da vida como elementos simbólicos da religião, por
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exemplo
(conforme
Volksdichtung).
texto
referido
mais
acima:
Brasilische
Download

JOSÉ ANTONIO BENTON - Instituto Martius Staden