Transexualidade e Saúde: condições de acesso e cuidado integral IMS-UERJ/MCT/CNPq/MS/SCTIE/DECIT Coordenadora: M árcia Arán Pesquisadoras: Daniela Murta, Fátima Lima Pesquisadora Colaboradora: Tatiana Lionço 0BJETIVOS 1- Estudo sobre a genealogia do transtorno de identidade de gênero com o objetivo de problematizar a necessidade da patologização da transexualidade como condição de acesso à saúde (analise dos saberes que constituem o dispositivo da transexualidade). 2- Estudo sobre as práticas de saúde realizadas nos Serviços que prestam assistência a transexuais na Rede de Saúde pública no Brasil (análises da práticas – reiteração das normas de gênero).Foram observados 8 Serviços, realizadas 30 entrevistas com homens e mulheres transexuais e 17 entrevistas com profissionais 3- Estudo sobre a diversidade das formas de subjetivação e de construção de gênero na transexualidade (como diferentes sujeitos trans “negociam” e/ou subvertem as normas de gênero, realizando um deslocamentos de saberes dominantes em direção a saberes locais e minoritários numa constante redescrição da experiência da transexualidade). GENEALOGIA DO TRANSTORNO DE IDENTIDADE DE GÊNERO • • • Motivo pelo qual a regulamentação do acesso à saúde para a modificação das características corporais do sexo ficou associada à definição da condição transexual Contexto histórico: A midiatização da cirurgia realizada em Georges Jorgensen (1952) que provocou um aumento significativo das demandas por tratamento vai contribuir para a reflexão sociológica sobre a identidade sexual e a construção da categoria de gênero. Surgimento do que Harry Benjamin chamará de “fenômeno transexual”. Importância da tecnologia médica no advento da “mudança de sexo” assim como a influência da revolução dos costumes que propiciaram a problematização da imutabilidade do sexo e a construção da categoria de gênero. Destacam-se os estudos sobre os hormônios e cromossomos sexuais que complexificaram a noção de sexo biológico; o crescimento do trabalho feminino, inclusive braçal; a importância do movimento feminista na luta pela igualdade entre os sexos; e a emergência das culturas minoritárias gays e lésbicas. GENEALOGIA DO TRANSTORNO DE IDENTIDADE DE GÊNERO • O deslizamento da noção de “sexo psicológico” (conceito de intermediários sexuais de Magnus Hirschfeld e as teorias da bissexualidade humana de Freud e Weininger - anos 20) para o conceito de “identidade de gênero”. • Fortalecimento da tradição americana da sociologia empírica e sua teoria da influência do ambiente na construção da sexualidade criam um campo de investigação: sobre a socialização de indivíduos intersexuais, de meninos com órgãos genitais acidentalmente mutilados e de transexuais. • Novos dispositivos de saber e poder não apenas sobre a sexualidade mas, principalmente, sobre as técnicas de normatização, correção e educação sexual. GENEALOGIA DO TRANSTORNO DE IDENTIDADE DE GÊNERO • Jonh Money (1947) utiliza pela primeira vez palavra gênero para designar uma certa plasticidade da sexualidade, passível, na sua concepção, de ser moldada pela tecnologia. • independência radical entre o social e o biológico. • educação seria modeladora do gênero dos indivíduos e este, por sua vez, prevaleceria em relação ao sexo. • No entanto, esta concepção deveras construtivista seguia um modelo rígido de determinação da feminilidade e da masculinidade. • E é exatamente esta rigidez que vai fundamentar a noção de “transexual verdadeiro”. GENEALOGIA DO TRANSTORNO DE IDENTIDADE DE GÊNERO • Necessidade de regulamentação do acesso: as redesignações sexuais foram inseridas em processos terapêuticos formais com a criação de centros de transgenitalização e a elaboração de protocolos de atendimento com base nas definições de Harry Benjamin. • Com este objetivo, Norman Fisk, em 1973, fundamenta uma nosografia psiquiátrica para o transexualismo, ancorada fundamentalmente num autodiagnóstico. Em 1977 essa condição é incorporada à categoria de “Disforia de Gênero”, Posteriormente, em 1980, a condição transexual foi agregada ao manual diagnóstico psiquiátrico DSM III (Manual Diagnóstico e Estatístico das Desordens Mentais) e em 1994, com a publicação do DSM IV, o termo “transexualismo” foi substituído por “Transtorno de Identidade de Gênero” (TIG). GENEALOGIA DO TRANSTORNO DE IDENTIDADE DE GÊNERO • • • • O termo transexualismo é oriundo de uma racionalidade que pressupõe que o sexo é algo definido pela natureza, fundamentado no corpo orgânico, biológico e genético, e que o gênero é algo que se adquire através da cultura. Esta compreensão se baseia na percepção de que o sexo – homem ou mulher - é um dado natural, a-histórico, e de que o gênero é uma construção histórica e social. Esta tese, porém, por um lado determinista e por outro construtivista, restringe em muito a possibilidade de compreensão das subjetividades e das sexualidades, mas é justamente ela que vai imperar na fundamentação do fenômeno da transexualidade como desacordo entre sexo e gênero , considerando este descordo uma patologia. Desta forma qualquer teoria que isole a categoria transexualidade ou mesmo transexualismo sem levar em conta que esta definição surgiu principalmente para regulamentar ao acesso às modificações corporais do sexo, corre riso de fazer de um conceito deveras artificial um molde vazio de conteúdo e experiência GENEALOGIA DO TRANSTORNO DE IDENTIDADE DE GÊNERO • • • Este tipo de raciocínio já foi bastante problematizado por autores como Michel Foucault, e Judith Butler. Segundo Foucault, o dispositivo da sexualidade na modernidade só pode ser compreendido através dos mecanismos de poder e saber que lhes são intrínsecos. Assim, sexo é o resultado complexo de uma experiência histórica singular e não uma invariante passível de diversas manifestações. Em outras palavras, sexo – homem, mulher – não é um simples fato ou uma condição estática e sim “uma construção ideal forçosamente materializada através do tempo”. Da mesma forma, segundo Butler, gênero não é uma construção social imposta a uma matéria anteriormente determinada (o sexo), e sim um efeito performático que possibilita a constituição e o reconhecimento de uma trajetória sexuada, a qual adquire uma estabilidade em função da repetição e da reiteração de normas. Assim, é importante pensar através de que normas reguladoras se materializam os sistemas sexo-gênero. Consideramos que a transexualidade é uma categoria em constante negociação. Neste sentido, se ela pode expressar em parte a experiência de sujeitos que solicitam modificações corporais do sexo em função de um sentimento de desacordo entre sexo e gênero, no nosso ponto de vista ela não expressa nem uma patologia, nem uma estrutura clínica, nem memso um funcioamento psíquico específico. Existe uma diversidade de formas de subjetivação e de construções de gênero na transexualidade LEVANTAMENTO PRELIMINAR DOS SERVIÇOS QUE PRESTAM : ASSITÊNCIA A TRANSEXUAIS NO BRASIL • Este levantamento preliminar foi realizado a partir: – do relatório da I Jornada sobre Transexualidade e Saúde no Brasil ( UERJ, 2005); – dos contatos realizadas nas reuniões do Comitê Saúde LGBTT do Ministério da Saúde sobre o Processo Transexualizador no SUS (Brasília, 2006); – no Seminário Nacional: saúde da população LGBTT na construção do SUS (2007); – na Oficina sobre o Processo transexualizador no SUS (2007); – nos Fóruns do Coletivo Nacional de Transexuais e informações disponibilizadas por profissionais de diversos Serviços e acesso à página http://www.ims.uerj.br/transexualidadesaude. • Dos 13 Serviços contatados, apenas 8 foram observados at é o momento, sendo que 1 foi excluído por se tratar de um Serviço particular. Levantamento Preliminar dos Serviços que prestam assistência a homens e mulheres transexuais na rede pública de saúde no Brasil • • • • • • • • • • • • • Programa de Transtorno de Identidade de Gênero (PROTIG) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – UFRGS Unidade de Urologia Reconstrutora Genital do Hospital Universitário Pedro Ernesto – UERJ Ambulatório de Transexualidade - Projeto Sexualidade (PROSEX) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP Projeto Transexualismo do Hospital das Clínicas de Goiânia Programa de Atendimento a Transexuais e Cirurgia de Transgenitalização do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho UFRJ Ambulatório de Endocrinologia Especial (Transtorno de Identidade de Gênero) do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE) Serviço e Disciplina de Ginecologia - Hospital das Clínicas da UFPE Hospital das Clínicas da UFMG Transexualidade - Serviço de Urologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto da Faculdade de Medicina e Hospital de Base Atendimento Ambulatorial a Transexuais do Hospital Universitário de Brasília Departamento de Psicologia do Instituto Paulista de Sexualidade Ambulatório TT de Uberlândia Ambulatório TT de São Paulo Instituição Natureza Jurídica UFRGS Hospital Universitário Público Federal USP Hospital Universitário Público Estadual UERJ Hospital Universitário Público Estadual HCGOIÂNIA Hospital Universitário UFRJ Hospital Universitário Público Federal IEDE Hospital Público Estadual HC-UFPE Hospital Universitário Público Federal Ambulatório Especializado para Transexuais sim sim sim sim Ano de início/ Tempo de Funcionamento do Serviço 12 anos 1997 11 anos 1998 7 anos 2003 11 anos 1999 sim 12 anos 1998 sim 10 anos 2000 Leitos reservados para transexuais Modo de financiamento dos cuidados disponíveis Assessoria Jurídica sim Recurso da SES ou MS/ Credenciado pelo MS como Centro de Referência em 2008 Apenas para troca de sexo e nome sim Recurso da própria instituição + recursos da SES ou SMS/ Credenciado pelo MS como Centro de Referência em 2008 não não não informou/ Credenciado pelo MS como Centro de Referência em 2008 Defensoria pública do RJ Recurso da SES ou SMS/ Credenciado pelo MS como Centro de Referência em 2008 não não não Recurso da própria instituição Defensoria pública do RJ não Recurso da própria instituição + recursos da SES ou SMS não não sim 10anos/ 2000 não Recurso da instituição Programa de Transtorno de Identidade de Gênero (PROTIG) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – UFRGS • • • • • Programa criado em 1997 (ainda antes da resolução do CFM, o cirurgião, coordenador do programa, já havia operado 10 pacientes). (cirurgião fez a sua formação na Alemanha e Dinamarca na década de 70. Em entrevista realizada com Maria Inês Lobato, psiquiatra do programa, com a presença da psicóloga, assistente social e enfermeira: dos 280 pacientes atendidos 80 foram operados, a maioria mulher transexual (MtF), apenas 2 homens transexuais (construção do neofalo - a segunda cirurgia com problemas) . Realizam mastectomia e histerectomia, independentemente da transgenitalização. Destes 80 pacientes, 60 estão sendo acompanhados no pós-operatório com o objetivo de investigar os resultados da modificação corporal (estudo epidemiológico). O serviço é bem estruturado, integrado no HC com vários residentes de psiquiatria, assim como mestrandos e doutorandos de outras áreas psicologia, enfermagem e serviço social. Pelo fato deste serviço já ter realizado um convênio com o Estado do Rio Grande do Sul, ainda antes da Portaria, o serviço está totalmente integrado na rede estadual de saúde. Qualquer paciente pode marcar consulta em posto de saúde de todo o Estado . Depois da portaria, o serviço recebe também pacientes de Santa Catarina, Paraná e de outros estados do Brasil. Programa de Transtorno de Identidade de Gênero (PROTIG) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – UFRGS • Funcionamento do Serviço: 1. Triagem avaliação: recebem todas as pessoas que apresentam algum “problema de gênero”, muitas permanecem em atendimento independentemente da condição transexual 2. Após as/os pacientes são encaminhados para os grupos, com freqüência quinzenal durante dois anos. Há também acompanhamento individual quando necessário. • Pesquisa de campo Observação de 2 grupos: • Primeiro: pacientes trans jovens que se “encaixam” no diagnóstico de transtorno de identidade de gênero • Segundo: “transexuais tardias”, usuárias um pouco mais velhas que relatam uma trajetória de vida como homossexual e/ou travesti. Sendo que o desejo da realização de modificação corporal apareceu “só mais tarde”. Programa de Transtorno de Identidade de Gênero (PROTIG) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – UFRGS 3. Apresentação das pacientes para toda equipe cirúrgica. Reunião com a família 4. Realização das cirurgias 5. Acompanhamento no Pós-operatório • OBSEVAÇÃO: a psiquiatria não tem o poder de veto em relação a indicação cirúrgica. Se existe alguma discordância entre as equipes é realizada uma reunião com a equipe cirurgia, a equipe da psiquiatria e o comitê de ética do hospital. • Relato do caso de uma paciente com 52 anos que a psiquiatria não indicou para a cirurgia, mas pela vontade da paciente e as considerações realizadas pela equipe cirurgia e o comitê de ética, a cirurgia foi realizada. Unidade de Urologia Reconstrutora Genital do Hospital Universitário Pedro Ernesto – UERJ • • • • O Serviço foi organizado por iniciativa do médico urologista Eloísio Alexandro da Silva (com formação da Bélgica) em 2005. Embora esta proposta de assistência tenha sido acolhida pela Urologia, a organização do Serviço dependeu exclusivamente da iniciativa cotidiana deste profissional de construção do espaço assistencial. Como trata-se de um Hospital Universitário de grande porte no Rio de Janeiro, isto significa um trabalho permanente com os funcionários do Hospital (triagem, ascensoristas, profissionais de limpeza, etc..) , além da construção da equipe interdisciplinar. Existe uma interlocução entre os profissionais envolvidos na assistência dessa clientela, embora não funcione de modo ideal, sendo que o atendimento é centralizado no médio coordenador do Programa. Além disto, como não existe um fluxo organizado com a rede básica de saúde, a maioria dos pacientes são atendidos pela primeira vez no ambulatório da urologia (ou seja num serviço de alta-complexidade), o que exige muitas vezes um trabalho de informação, esclarecimento, inclusão social, para que minimamente o/a paciente possa situar a sua demanda. O Serviço atende também casos encaminhados pelo IEDE e frequentemente pacientes com problemas no pós-operatório de outros hospitais. Unidade de Urologia Reconstrutora Genital do Hospital Universitário Pedro Ernesto – UERJ • • • • • • • Porta de entrada : ambulatório de cirurgia reconstrutora. Participam da consulta; Médico coordenador do programa, dois residentes, uma psicóloga, uma aluna de iniciação científica que aplica um questionário de qualidade de vida nos pacientes. (mais de 200 aguardam na fila) Os atendimentos acontecem às quartas feiras a partir das 8 horas. O fluxo dos(as) pacientes é de acordo com a demanda, sendo recebidos também pacientes não agendados. Os(as) pacientes que são incorporados no Programa são encaminhados para a psiquiatria para a confirmação do “diagnóstico de Transtorno de Identide de Gênero”. Caso o diagnóstico seja confirmado o paciente é absorvido pelo programa. Porém, para o médico responsável, os(as) pacientes que não tem a perspectiva de realizar a cirurgia ou que não desejam realizá-la também devem ser incorporados ao programa (visão que se modificou ao longo da sua experiência assistencial). Além disto no caso de Homens trans, é possível a realização da mastectomia e da histrectomia independentemente da transgenitalização. Após o acompanhamento mínimo de dois anos, o paciente entra na fila de espera pela cirurgia e passa a ser acompanhado em intervalos maiores Número de cirurgias realizadas : em torno de 30 em mulheres trans e 4 em homens trans (mastectomia e histerectomia) Acompanhado no pós-operatório. Após alta freqüenta o serviço anualmente. Ambulatório de Transexualidade - Projeto Sexualidade (PROSEX) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP • • • • “Ambulatório de Transexualidade” está inserido no Serviço de Endocrinologia e no Projeto Sexualidade (PROSEX). (1998) Equipe: 14 profissionais - cirurgia plástica (01), urologia (02), endocrinologia (01), ginecologia (01), genética (01), cirurgia geral (01), psiquiatria (01), psicologia (03), serviço social (01), otorrinolaringologia (01), fonoaudióloga (01). O Serviço de Endocrinologia foi fundado há 21 anos pela Dra. Berenice de Mendonça, endocrinologista aposentada – professora titular da FMUSP, não atende apenas transexuais, mas também intersexos, e outras “problemas de gênero”. A assistência a transexuais foi organizada há a partir da demanda dessa população por hormonioterapia e da recusa de muitos profissionais em atende-los. Nesse contexto, ainda que não fosse permitida a transgenitalização os(as)pacientes transexuais já eram atendidos para a hormonioterapia e psicoterapia. Desde então, já foram atendidos 256 mulheres transexuais (MtF) e 63 homens transexuais (FtM.) Foram realizadas 16 cirurgias em mulheres transexuais (MtF) e 8 em homens transexuais (FtM). Ambulatório de Transexualidade - Projeto Sexualidade (PROSEX) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP • • • • • Funcionamento do Serviço: Porta de entrada: psiquiatria ou a endocrinologia. O encaminhamento para a hormonioterapia acontece após a realização do “diagnóstico de TIG” e o encaminhamento para urologia e, consequentemente a realização da cirurgia de transgenitalização só acontece após dois anos de acompanhamento psiquiátrico e psicológico. Outras intervenções somáticas como implante de silicone para aumento de mamas, cirurgia para retirada de cartilagem da tireóide e correção de nariz e orelhas acontecem somente após a transgenitalização. A freqüência dos atendimentos é de acordo com a demanda. O atendimento psiquiátrico e psicológico é semanal. As avaliações psicológicas são realizadas através de instrumentos aplicados individualmente. Ambulatório de Transexualidade - Projeto Sexualidade (PROSEX) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP • • • • Reunião quinzenal para discussão dos casos. Na avaliação da psiquiatria é realizado um diagnóstico clínico inicial e e observação ao longo do processo terapêutico, o que, segundo os profissionais, permite verificar o momento em que o(a) paciente está realmente preparado para realizar a cirurgia. Na avaliação psicológica (na endocrinologia) são aplicados questionários sobre a história do(da) paciente, dois testes de personalidade e indicada a psicoterapia por pelo menos dois anos. Os laudos diagnósticos são elaborados de forma rigorosa a fim de garantir a inclusão apenas de “transexuais verdadeiros” . Se o paciente for crossdresser, travesti ou tiver algum outro “diagnóstico” é encaminhado(a) para outros serviços, se for confirmado o “diagnóstico de Transtorno de Identidade de Gênero”, o(a) paciente é incorporado(a) ao programa assistencial podendo participar de um dos grupos terapêuticos existentes ou encaminhado para psicoterapia individual Ambulatório de Transexualidade - Projeto Sexualidade (PROSEX) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP • • • No caso de pacientes que moram em outras cidades, há uma avaliação da saúde mental e encaminhamento para atendimento psicológico contínuo com profissionais indicados pelo profissionais do Hospital das Clínicas que prestem atendimento mais próximo de sua residência. De modo geral, o processo é muito longo, o que inclui a triagem tanto na psiquiatria como na endocrinologia, devido ao número limitado de cirurgias na parte final do processo transexualizador. Segundo os profissionais, as cirurgias que, inicialmente foram programadas para serem mensais, estão acontecendo na maior parte das vezes semestralmente e os retoques cirúrgicos trimestralmente. Assim, os pacientes aguardam em média de cinco a sete anos para realizar a cirurgia de transgenitalização. Depois da realização da cirurgia de transgenitalização todos os pacientes se comprometem, via termo de consentimento, a freqüentar o grupo da psiquiatria pelo menos uma vez por mês para acompanhamento pós-cirúrgico por mais ou menos dois anos. Projeto Transexualismo do Hospital das Clínicas de Goiânia • • • • O projeto teve início a partir da demanda de transexuais pela cirurgia de transgenitalização que, após a publicação da Portaria de 1997 do CFM, começaram a procurar o hospital. Frente a isto a direção designou, em 1999, a Dra. Mariluza para assumir a coordenação do projeto uma vez que ela estudava questões relacionadas a sexualidade. A partir disso, ela procurou profissionais que tivessem interesse em fazer parte da equipe e o projeto se constituiu. Inicialmente, eram três psicólogos voluntários duas promotoras também voluntárias que posteriormente se afastaram do serviço que também saíram. Atualmente a equipe é composta pela médica coordenadora do projeto, uma psicóloga, uma assistente social e conta com a assessoria da equipe da psiquiatria. Tem dificuldades para a realização da cirurgia porque de dois cirurgiões, um (cirurgião plástico) é voluntário e vem de Brasília exclusivamente para isso. Projeto Transexualismo do Hospital das Clínicas de Goiânia • Funcionamento do Serviço: • Porta de entrada: Ambulatório de Transexualismo (Serviço de Ginecologia) • Os(as) pacientes absorvidas no Projeto são encaminhadas para a Psicoterapia e Serviço Social • Posteriormente são avaliados pelo ambulatório da Psiquiatria. É importante observar que embora a Coordenadora do Programa considere importante a avaliação da Psiquiatria, faz a ressalva que transexuais não necessariamente sofrem de um psicopatologia. Inclusive pretende mudar o nome do Projeto de transexualismo para transexualidade. • Número de cirurgias realizadas: em torno do 20 em mulheres transexuasi (MtF), e 9 em Homens transexuasi (FtM) – sendo 2 com construção do neofalo Serviço de Ginecologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (2001) Ambulatórios TT Processos de Cuidado • Atendimento Clínico – Hormonioterapia • Tratamento psicológico e psiquiátrico • Vulnerabilidade de gênero – sofrimento psíquico • Diversidade de construções de gênero e formas de subjetivação na transexualidade • Tratamento cirúrgico • Cirurgias de grande porte • Importância de diferenciar – necessidade de inclusão social x modificação corporal na construção de si. Individualização do cuidado Cirurgia de Transgenitaliza ção N. de cirurgias realizadas Em mulheres transexuais (MtF) em homens transexuais (MtF) UFRGS 90 USP 19 UERJ 30 UFRJ HC-GOIANIA IEDE 6 19 não realiza cirurgia 7: 2 completas e 6 caracteres secundários não realiza cirurgia 16 (?) 6 (?) 0 1(caracteres secundários) Tipo de cirurgias realizadas transgenitalização caracteres secundários mastectomia bilateral, histerectomia, ooforectomia bilateral e masculinização da genitália externa em transexuais FtM e neovaginoplastia, amputação peniana, orquiectomia bilateral e escrotoplastia e neouretroplastia em MtF transgentalização caracteres secundários transgenitalização (MtF) e mastectomia (FtM) transgenitalização histerectomia total vaginal, mastectomia - Acompanhame nto pósoperatório sim (2 anos) sim sim sim sim sim Acesso a Procedimentos Complementar es sim sim sim sim não não 80% 10% e correção de cirurgias realizadas em outras instituições 3a4 não realiza cirurgia Índice de Recirurgias 15% para MtF e FtM avaliação de necessidade 80% Problemas e Desafios • Formação Profissional • Construção de uma Política de Atenção Básica • (Ex ambulatórios TTs) Problemas e Desafios • Inclusão dos Homens transexuais • • • A cirurgia que é considera experimental pelo CFM é aquela que se refere à construção de neofalo e metoidioplastia. As demais cirurgias transexualizadoras para homens transexuais (histerectomia e mastectomia) não encontram, na prática médica, essa conotação de experimental (Teixeira, 2008) As pesquisas demonstram que as demandas dos homens transexuais por acompanhamento endocrinológico e realização das cirurgias de mastectomia, histerectomia são mais relevantes do que a busca pela neofaloplastia e metoidioplastia. A principal reivindicação dos homens transexuais é pela mastectomia, pois são os seios que os torna ininteligíveis e limitam radicalmente sua entrada no gênero identificado. As técnicas para esconder esta parte do corpo, principalmente as faixas que comprimem fortemente os seios, produzem um sofrimento profundo e contínuo. A menstruação é outro incômodo reiterado nas falas dos homens transexuais (Bento, 2006). Problematização da vinculação da cirurgia de transgenitalização às cirurgias de caracteres sexuais secundários (importância da individualização do cuidado). Problemas e Desafios • Inclusão das travestis • • Crítica à resolução do Conselho Federal de Medicina que condiciona a aplicabilidade dos procedimentos médicos de alteração dos caracteres sexuais ao “diagnóstico de transexualismo”, tanto em relação às cirurgias de modificação corporal do sexo quanto à hormonioterapia. As travestis, portanto, permanecem excluídas da atenção à saúde e relegadas à auto-medicação ou à ação das bombadeiras – travestis que injetam silicone industrial para a modelagem dos corpos de outras travestis Como as travestis não demandam necessariamente a cirurgia de transgenitalização, ou seja “uma correção” condizente com uma lógica normativa de sexo-gênero, são excluídas do acesso aos serviços e aos recursos médicos em seus processos de transformação corporais, não dispondo de iguais oportunidades no acesso aos serviços e tecnologias disponíveis no campo médico (Lionço, 2009) Problemas e Desafios • O direito à mudança da identidade civil • A mudança da identidade civil resolveria a maioria dos problemas cotidianos das pessoas trans, principalmente no que se refere à profissionalização e à escolarização. • Importância de desvincular a mudança da identidade da cirurgia de transgenitalização. (Ventura, 2007), (Zambrano, 2005) Problemas e Desafios • Construção da transexualidade • • • • possibilidade da despatologização da O projeto terapêutico de modificação corporal de sexo deve levar em conta a diversidade e a singularidade das experiências trans, nem todas as pessoas desejam e necessitam os mesmos procedimentos de cuidado. A exigência do diagnóstico psiquiátrico como condição de acesso ao tratamento permanece como um problema, sendo necessário colocar em questão a noção de “transexual verdadeiro”, fortemente veiculada nos manuais diagnósticos, que acaba por conceber um comportamento fixo, rígido, adequado às normas de feminilidade ou de masculinidade. Sabemos o quanto este diagnóstico veicula uma gramática normativa que acaba por considerar o transexualismo uma patologia (“transtorno de identidade”) - pelo simples fato da não-conformidade entre sexo biológico e gênero, sem nenhum outro fundamento psicopatológico. Nesta gramática, gêneros inteligíveis são aqueles que mantêm uma continuidade entre sexo, gênero, práticas sexuais e desejo, por intermédio dos quais a identidade é reconhecida e adquire efeito de substância. Em tal caso, os espectros de descontinuidade e incoerência transformados em patologia só se tornam concebíveis em função deste sistema normativo (ARÁN, 2006). Problemas e Desafios • Construção da possibilidade da despatologizaç ão da transexualidade • Ainda que a transexualidade esteja definida como um transtorno mental e a institucionalização da assistência a essa população esteja baseada em um modelo biomédico, o fato de se definir uma política de saúde integral tendo como referência os princípios do SUS permite uma ampliação da noção de saúde, a qual não deve ficar restrita à ausência de doença. • Desta forma, por um lado, deve-se considerar a noção de sofrimento psíquico e corporal como critério de acesso à saúde sem que necessariamente este sofrimento tenha que ser patologizado. Além disso, na perspectiva da integralidade, é fundamental levarmos em consideração a individualização do cuidado. Problemas e Desafios • Redescri ção das experiências trans • Nas fronteiras da saúde, por influência do movimento feminista, do movimento de gays e lésbicas, e mais recentemente, do movimento de transexuais, travestis e transgêneros, alguns enunciados são deslocados dos discursos médicos e reapropriados em outros contextos, promovendo novos sujeitos do conhecimento, numa nova micropolítica de gênero. • O que permanece como questão ética e política são os critérios para garantir o acesso às tecnologias de modificação do sexo corporal. Sobre a patologização da transexualidade • “[sobre a definição da transexualidade] É um distúrbio de identidade. (...) Como um distúrbio, sim. Eu entendo, é uma doença que tem que ser tratada, tem que ser cuidada, é um distúrbio. Eu diria, um dos mais difíceis dentro da psique humana. E eu diria que ela tem que ser cuidada sim como uma doença. (...) Não significa que não tem que indicar a transgenitalização. Mas ela é uma doença de transtorno de identidade sim ” (psicóloga 1 S3). • “[sobre a transexualidade ser um transtorno] É. Você está usando transtorno... Porque transtorno, distúrbio, tudo isso fica assim mais uma... Como vamos dizer?... Uma patologização da condição. Então por isso eu sempre gosto de falar condição. Porque essas palavras eu acho... Gosto de falar em Gênero Variante, porque eu acho que são palavras mais adequadas para essas identidades.Então distúrbio, transtorno... Apesar de que, quando eu falo para o meio médico, eu utilizo essa terminologia, mas em psicologia e mesmo para leigo eu não utilizo. Acho que é uma coisa estigmatizante e não necessária.” (médica 1 S4). Sobre a patologização da transexualidade • “Eu acato essa definição [transtorno de identidade de gênero], mas no meu trabalho eu não vejo patologia... psicopatologia. Porque eu trabalho com transtorno mental grave, em outro local, no CAPS, então assim, eu percebo esse transtorno, essa psicopatologia da pessoa. Aqui não eu atendo pessoas normais, que tem uma dificuldade de adequação. (...) Eles tem um transtorno, uma dificuldade de identidade de gênero, mas eu não vejo isso como psicopatologia.” “Cada pessoa de um jeito. Mesmo que tenha o mesmo sofrimento psíquico, social, enfim, existencial, eu acredito. Mas cada um, mesmo que tenha a mesma problemática, é completamente diferente. Cada caso é único, cada caso é um caso diferente, cada evolução é uma evolução diferente. Cada ... assim... cada coisa que a pessoa consegue fazer é uma conquista muito grande.” (psiquiatra 1 S4) • “ tem um transtorno, uma dificuldade de identidade de gênero, mas eu não vejo isso como psicopatologia” . Quando perguntada se a mesma percebia “manifestações associadas em outras áreas, se as pessoas fazem algum tipo de quadro clínico específico? Se elas têm um discurso muito comum ou se é diferenciado, cada pessoa de um jeito?”, responde: “ cada pessoa de um jeito. Mesmo que tenha o mesmo sofrimento psíquico, social, enfim, existencial eu acredito. Mas cada um, mesmo que tenha a mesma problemática, é completamente diferente. Cada caso é único, cada caso é um caso diferente, cada evolução é uma evolução diferente. Cada ... assim... cada coisa que a pessoa consegue fazer é uma conquista muito grande”. (psicóloga1 S3) Sobre a patologização da transexualidade • “Eu acho que é um conflito, porque a transexualidade em si é um conflito. Não, eu não vejo como doença, vejo como conflito porque é você ser uma coisa e ver outra, é muito grande, é uma luta com você mesmo, é como te falo, você acaba se escondendo de muitas coisas por você está lutando com você mesmo. Você saber que seu mundo interior é uma coisa muito grande e que é uma coisa tão pequena e o seu exterior não deixa você colocar seu interior para fora. É o mínimo detalhe que faz você viver uma prisão dentro de você, um conflito muito grande.Difícil a pessoa entender, só realmente entende quem está ali, as vezes as pessoa não dão um mínimo de atenção que é o caso que tem que ter muita atenção porque é realmente muito difícil. É um conflito”. (Célia, Mulher transexual) Sobre a patologização da transexualidade • “Olha, eu não sei se cada um é cada um, mas o mundo ele não é...,tudo que se criou nada é isso ou aquilo, tem os meios termos, que não é aquilo que ficou bem definido por ordem, não própria, pela natureza mesmo. O marceneiro pode fazer várias mesas, mas tem uma que vai ficar diferente das outras porque a criação é assim, a criação em todos os sentidos. Não é tudo que nasce com aquele objetivo, com aquele fim. Existem os meios, então os seres se produzem assim. Nem todos têm as mesmas características, então é difícil para a gente, é difícil para medicina também entender isso.....E eu quero que a própria comunidade científica procure entender isso. Definir o que é doença, o que é anomalia. Eu não sei, acho que eu estou falando no português que dá para entender. Eu queria que as pessoas, os seres humanos definissem o que é doença. Doença é tudo aquilo que dói e aquilo que não dói não é doença, pode ser uma anomalia, uma diferença (Janete, mulher transexual) Sobre a patologização da transexualidade • “Mas o que eu acho ruim, e falando de forma mais expansiva hoje em dia, é que as pessoas encaram isso como doença. Eu não vejo isso como uma doença, sabe? Eu vejo isso como uma fase transitória. Pelo menos no meu caso, não sei, porque as pessoas ficam tentando achar um monte de coisa “ah, vamos ver se essa pessoa tem outros distúrbios”. Não que não tenha, qualquer pessoa está apta a ter. Mas não é o meu caso, aparentemente eu não tenho nenhum distúrbio de atenção, de nada. Sou uma pessoa normal como qualquer outra né? Que está passando por isso. Eu sei que existem pesquisas aí. Porque eles querem traçar perfis, né? Eles querem um perfil de quem é isso e hoje analisando os meninos que tem lá eu até acho que tem alguns que não são muito normais.Mas na verdade quando você vai conversar com as pessoas você vê que ninguém é muito normal” (Silvio, homens trans) Sobre a patologização da transexualidade • « Identificar-se como transexual ou sentir-se trans é uma das formas de lidar com o fato de estar em desacordo com essas normas. Há pessoas que se identificam como transexuais e que não sentem isso que você menciona. Há pessoas que não desejam “cirurgia”, há as que se satisfazem com os efeitos de hormônios sobre o corpo, há outras que se preocupam mais com a sobrevivência na sociedade do que com a transformação corporal em primeiro plano, embora na maior parte das vezes essas coisas estejam ligadas. Mais importante do que procurar definir os critérios para apontar alguém como transexual é estarmos atentos sobre até que ponto os direitos humanos das pessoas que se identificam assim estão sendo garantidos e respeitados” (Eduardo, homem trans). •