UM BALANÇO ENTRE O PERCENTIL 50 E AS CARACTERÍSTICAS ANTROPOMÉTRICAS E ERGONÓMICAS DOS INDIVÍDUOS IDOSOS A balance between the 50th percentile and the anthropometric and ergonomic features of elderly Dare, Ana; Mphil; Faculdade de Arquitectura – Universidade Técnica de Lisboa [email protected] Caramelo Gomes, Cristina; PhD; Faculdade de Arquitectura e Artes – Universidade Lusíada de Lisboa [email protected] Resumo A Europa, Portugal em particular, apresenta uma sociedade envelhecida e dependente económica e socialmente. O ambiente construído no qual o individuo actua diariamente e interage com o seu semelhante apresenta soluções mais direccionadas para a circulação do automóvel ou a especulação imobiliária do que para indivíduo. O idoso é avaliado como um recurso biológico a ser reposto assim que o custo da sua manutenção seja demasiado elevado. Este estudo evidencia a importância do Design numa investigação aprofundada sobre este segmento da população, especialmente o contributo do design inclusivo para a humanização do ambiente construído, nomeadamente o doméstico, na garantia da igualdade de oportunidade de uso, independentemente de singularidades da cultura, características biológicas e cronológicas, objectivando a participação activa na comunidade e a sua inclusão social. Palavras-chave: Ergonomia, Idosos, Inclusividade, Envelhecimento activo Abstract Europe, Portugal particularly, presents a matured society, depressed and economic as socially dependent. Built environment, where human being develops quotidian activities and interact with other beings reveals solution motivated by car circulation or real estate speculation rather than human being. The matured creature is frequently assumed as a biological resource to replace whenever its maintenance expenses grow. This study aims to emerge the need of a deep research about this segment of population and demonstrate the importance of inclusive design to the built environment humanisation, special the domestic one, to guaranty the equal opportunity of use, independently cultural, chronological and biological features, to achieve the active participation within community and his/her social inclusion. Keywords: Ergonomics, elderly, Inclusive Design, Active elderly Factor Humano: Um balanço entre o percentil 50 e as características antropométricas e ergonómicas dos indivíduos idosos Introdução Porquê idosos? O processo de envelhecimento do ser humano, que tem na velhice a sua consequência natural, tem sido, desde o início da civilização, um motivo de preocupação para a humanidade, sendo que no final do séc. XX e início do séc. XXI, marcou definitivamente a importância desse tema, devido à tendência para o aumento do número de indivíduos idosos no mundo (DARÉ, 2008). Nascer, crescer, desenvolver, reproduzir e morrer, esta é uma imagem possível para o ser humano, sendo esta imagem associada a uma noção de “tempo biológico”, na qual as etapas da vida evoluem linearmente e aparecem como algo natural. A questão relativa ao envelhecimento pode ser analisada sob duas perspectivas: a perspectiva da individualidade, onde o envelhecimento está assente numa maior longevidade dos indivíduos, consequência de um aumento da esperança média de vida e pela perspectiva demográfica, definida pelo aumento de pessoas idosas na população total. O agravamento da população idosa é conseguido em detrimento da população jovem e/ou em detrimento da população activa. Fig. 1 – Evolução da proporção da população idosa, Portugal 1960 – 2000. (Fonte: INE/DECP, Estimativas e Recenseamento Gerais da População) A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a população idosa como sendo os indivíduos – homens e mulheres – com idade igual ou superior a 65 anos, quando se trata de países desenvolvidos e 60 ou mais anos, quando se trata de países em desenvolvimento (IBGE, 2002). Dentro de uma perspectiva defendida pela Organização das Nações Unidas (ONU), a criação de uma sociedade para todas as idades, fundamento da justiça social, não pode ser constituída sem que se observe a velhice como uma construção social necessariamente plural e heterogénea. O envelhecimento activo é o processo que permite aperfeiçoar a optimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, promovendo uma melhor qualidade de vida à medida que as pessoas vão envelhecendo (WHO, 2002: 12). A expressão activa refere-se à participação do indivíduo a nível social, económico e cultural, de acordo com as suas necessidades, desejos e capacidades, independente das suas aptidões físicas e da participação no mercado de trabalho, compatibilizando o envelhecimento e a qualidade de vida. 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Factor Humano: Um balanço entre o percentil 50 e as características antropométricas e ergonómicas dos indivíduos idosos Fig. 2– The determinants of active ageging (Fonte: Active Ageing: A Policy Framework) A manutenção da autonomia e da independência durante o processo de envelhecimento são premissas importantes tanto para os indivíduos como para as políticas sociais. Devido à descoberta de um mercado de consumo direccionado para esse público-alvo, há uma tendência crescente em considerar as suas potencialidades, permitindo uma associação entre o aumento da esperança de vida e a boa qualidade dessa mesma vida, com a autonomia e integração/participação na família e na sociedade, usufruindo das capacidades individuais desses mesmos indivíduos (RIBEIRINHO, 2005). O Ser Humano e o Envelhecer A perspectiva do envelhecimento é uma realidade intolerável para o homem contemporâneo, face a um sistema personalizado onde só resta ao indivíduo durar e conservar, aumentar a fiabilidade do corpo, ganhar tempo e ganhar contra o tempo (LIPOVESTSKY, 1989). Todos os indivíduos que vivem muito tempo não escapam à velhice. É um fenómeno inevitável e irreversível que se inicia na fase de desenvolvimento, sendo que a grande maioria das alterações são compensadas e ultrapassadas até uma idade muito avançada (BEAUVOIR, 1990). Quantos anos você teria se não soubesse quantos anos tem? Satchel Paige (HAYFLICK, 1996: 3) Fig. 3 – Casal de idosos (Fotografia de Ana Cristina Daré) 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Factor Humano: Um balanço entre o percentil 50 e as características antropométricas e ergonómicas dos indivíduos idosos Embora seja esta uma fase previsível da vida dos indivíduos, o envelhecimento não é geneticamente programado. Não existem genes que determinam como e quando envelhecer, mas genes variantes cuja expressão favorece a longevidade ou redução da duração do ciclo da vida. Na grande maioria das vezes, apercebe-se que um determinado indivíduo apresenta sinais de envelhecimento biológico menos profundo que a sua idade cronológica, comprovando, dessa forma, que não há uma sistematização relativa às mudanças funcionais associadas à idade. A transição entre a idade adulta e a velhice é muito ténue, sendo determinada pela cultura e história de cada país. Na contemporaneidade, existe um ritual de transição – à passagem para a reforma, onde o indivíduo deixa de ser um trabalhador activo, assalariado, para ser inactivo ou pertencente à terceira idade, sendo que muitos indivíduos a consideram como a morte social, uma vez que emerge um sentimento de inutilidade (FONTAINE, 2000). Fig. 4 – La Vida (Pablo Picasso) (Fonte: http://www.spanisharts.com/history/del_impres_s.XX/arte_sXX/imagenes/picasso_vida.jpg) A imagem da velhice associa-se, frequentemente, a uma série de crenças e estereótipos negativos, relacionados com uma infinidade de défices, deteriorações e diminuições físicas, psicológicas e sociais; no entanto, é crucial perceber que os idosos pertencem a um grupo heterogéneo e que a diversidade individual se acentua com a idade. Esta diversidade pessoal revela-se, portanto, como uma característica marcante do processo de envelhecimento, que apresenta características biológicas dissemelhantes, em comparação com os jovens, que apresentam características biológicas mais similares. De um modo geral, os indivíduos sofrem na habilidade de reconhecimento, integração e reacção às informações captadas pelos cinco sentidos – visão, audição, olfacto, paladar e tacto, levando a alterações dos hábitos diários (ROCHA, 2006). As perdas funcionais mencionadas ocorrem nos sistemas vitais devido ao envelhecimento, sendo consideradas normais e não estados de doença. As doenças associadas à velhice não fazem parte do processo normal do envelhecimento. O cancro, as doenças cardíacas, mal de Alzheimer, doença de Parkinson e os derrames ocorrem à medida que o organismo se torna mais vulnerável, e os mecanismos de defesa menos eficientes (HOFFMAN, 2006). A perspectiva frente às fases constituintes do ciclo de vida humano reconhece que o grupo dos indivíduos idosos não é um grupo homogéneo e que apresenta diversidades individuais que tendem a aumentar com o avançar da idade. 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Factor Humano: Um balanço entre o percentil 50 e as características antropométricas e ergonómicas dos indivíduos idosos O Design Ergonómico Direccionado para o Idoso, Privilegiando uma Melhor Qualidade de Vida Na comunidade académica constata-se frequentemente a heterogeneidade na definição de conceitos, identificando-se por vezes a diferença significativa da abordagem ou entendimento do tema e particularmente a diferenciação específica em que o cerne da questão é coeso e geral variando em particularidades próprias de culturas espácio-temporais e metodologias de estudo. Nesta realidade a definição de conceitos como design e ergonomia são exemplos significativos para o tema em estudo. De acordo com Moraes (in Couto e Oliveira, 1999:170), o Design apresenta-se como uma ferramenta de projecto cujo objectivo se centra no desenvolvimento de produtos de configuração definida, com vista à sua produção em série, e que deve contemplar as questões de uso, significado, desempenho, função, custos, produção e comercialização, mercado, qualidade formal e estética e o respectivo impacto urbano e ecológico. Para Couto e Oliveira (1999:9) o design deve ser compreendido não como um modo de dar forma aos objectos, mas como uma estrutura coesa da qual fazem parte o utilizador, o designer, a forma, o desejo e o modo de ser e estar no mundo de cada um de nós. A definição do International Council of Societies of Industrial Design, afirma que o design é uma actividade criativa cujo objectivo é estabelecer qualidades multifacetadas dos objectos, processos, serviços e respectivos sistemas em ciclos de via completos. (ICSID, 2010). Nos exemplos apresentados, não é possível afirmar a existência de diferenças incompatíveis antes a particularidade que permite uma abordagem holística ao tema a partir de distintas definições que se complementam entre si. Talvez o modo mais simples de definir o que é o design seja: a concepção de ambientes, produtos e sistemas de comunicação com recurso a um processo metodológico e criativo com vista a resolver um problema de interacção entre o homem e o mundo espácio-temporal em que vive e interage. Muitas vezes estes processos caracterizam-se pelo recurso excessivo à forma e à estética dedicando diminuta atenção ao processo metodológico. Poderíamos citar diferentes autores que comportam na sua carreira profissional conceituada soluções arquitectónicas e de design, que ao longo do percurso esqueceram e negaram a participação do possível público-alvo. Algumas destas produções tornaram-se produtos iconográficos, e apesar de merecido título, ficaram resguardadas de qualquer análise ou avaliação pósutilização. O reconhecimento académico e social das soluções apresentadas levaram os seus pares a adoptar uma atitude egocêntrica expondo a sua opinião ou a sua ideia de partida como o conceito gerador de ambientes, produtos e sistemas de comunicação esquecendo, por vezes com consequências significativas, os requisitos próprios do contexto, da função e do públicoalvo a quem se dirigem. O design não deve existir enquanto conceito, se não contemplar o contributo significante e indispensável de áreas científicas como a antropometria e a ergonomia. Esta contribuição deve ser pensada considerando o contexto, o desempenho da função e a capacidade humana, de acordo com a realidade actual, evitando a consideração de dados, que embora credíveis e válidos, são genéricos no sentido de nem sempre corresponderem às especificidades da realidade ou do público-alvo em estudo. A Antropometria é o ramo das ciências humanas, que lida com as medidas do corpo: particularmente com a medição do tamanho do corpo, forma, força e capacidade de trabalho. Etimologicamente ergonomia vem do Grego: ergos, trabalho; nomos, regra conhecimento, saber (LACOMBLEZ, SILVA, FREITAS, 1996). Podemos considerar que esta seja apenas uma primeira aproximação do vocábulo, mas que não especifica o objecto dessa disciplina, visto existirem várias definições, sendo que todas procuram ressaltar o carácter interdisciplinar e o objecto de estudo, que é a interacção entre o homem e o trabalho, no sistema homem-máquina-ambiente, ou seja, as interfaces de um sistema onde ocorrem troca de informações e de energia entre o homem, máquina e ambiente, resultando na realização de trabalho (IIDA, 2005:2). 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Factor Humano: Um balanço entre o percentil 50 e as características antropométricas e ergonómicas dos indivíduos idosos No entanto, a palavra trabalho admite uma variedade de significados. No seu sentido restrito, trabalho é o que fazemos para viver, usado desta forma, a actividade em questão, sendo definida pelo contexto em que ela é executada e não pelo seu conteúdo. A menos que tenhamos algum motivo especial na abordagem dos aspectos socioeconómicos do trabalho. No sentido mais amplo, entretanto, o termo trabalho pode ser aplicado a qualquer tipo de actividade humana, planeada ou intencional, sobretudo quando houver o envolvimento de um grau de habilidade ou de esforço. Quando se define a ergonomia como uma ciência preocupada com o trabalho humano, está-se a utilizar o termo no seu sentido mais amplo, sendo verdadeiro dizer que o foco principal da ciência da ergonomia é nesse sentido. A ergonomia quando da abordagem do projecto pode ser sintetizada no princípio do design centrado no utilizador. O modo pelo qual os indivíduos vivenciam o quotidiano, é traduzido num sentimento de bem-estar físico, mental, social e espiritual. É importante que essas vivências sejam qualificadas na promoção da acomodação das necessidades do utilizador dentro do conjunto dos diferentes tipos de espaço, dando o seu contributo para uma melhor qualidade de vida (REBELO, 2004). Vários autores construíram modelos conceptuais para a conceptualização da metodologia de projecto. Por vezes estes modelos são muito direccionados para a respectiva área de trabalho, como é o caso das Leis de Usabilidade de Nielsen (NIELSEN, 1999), por vezes são modelos conceptuais cuja flexibilidade permite a sua adaptação às diferentes problemáticas em estudo. Após o debruçar sobre alguns arquétipos metodológicos, como os exemplos de Ergonomi Design Gruppen, 1997 (in PASCHOARELLI e DA SILVA, 2006), Product Safety and Testing Group, 1997 (Norris and Wilson in PASCHOARELLI e DA SILVA, 2006) ou Ergodesign, Brasil, 2001 (Frisoni e Moraes in PASCHOARELLI e DA SILVA, 2006), propõe-se uma consideração especial sobre duas etapas que apesar de enunciadas merecem uma maior evidência: a participação do utilizador e a avaliação pós utilização. A insistência na consideração de um processo metodológico de concepção projectual centra-se na realidade experienciada por toda uma sociedade envelhecida, europeia em geral e portuguesa em particular, que encontra no meio construído, nos produtos da vida quotidiana e nos sistemas com os quais interage a limitação da igualdade de oportunidade, o desconforto e a insegurança ilustradas pela informação estatística constante do estudo ADELIA e sobretudo à segregação social que obriga à inactividade e solidão dentro da comunidade onde pertencem e na qual ainda é necessária a sua actividade e participação. Nesta sociedade descartável, o velho, enquanto indivíduo, aparece como um recurso biológico renovável a repor sempre que se verifique a alteração do custo da sua manutenção. Ilustração 5 – A passividade dos dias (fotografia de Ana Cristina Daré) O espaço urbano e o edifício de habitação pensados para o indivíduo jovem/adulto, sadio e activo, emergem como cenários (des)orientadores e segregadores da independência económica, social e cultural de indivíduos com requisitos especiais como os idosos. 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Factor Humano: Um balanço entre o percentil 50 e as características antropométricas e ergonómicas dos indivíduos idosos Durante o período medieval, o ambiente doméstico caracterizou-se por apresentar um carácter público e não privado. O espaço era contido e abrigava um número significativo de indivíduos, com as mais diferentes relações entre si, (familiares, sociais, laborais) que dividiam o mesmo espaço e por vezes a mesma cama. As alterações económicas, sociais e culturais, dos séculos XVII e XVIII permitiram uma nova concepção do ambiente doméstico, a tipologia burguesa, cuja influência se verifica até aos nossos dias e que se baseia na trilogia das áreas social, privada e serviços. Os espaços gerados são específicos para as funções a que se destinam, os objectos existem para personalizar o ambiente e constata-se uma predominância do carácter estático e mono funcional (FRANCESCHI, NASCIMENTO, 2010: 267). Se a configuração burguesa do espaço doméstico influencia ainda a tipologia habitacional tal como hoje a conhecemos, é de salientar que os seus utilizadores, se afastam da ideia da casa cheia de gente, emergindo o conceito de núcleo familiar, família de menor dimensão, bem como diferentes composições como as estruturas monoparentais ou indivíduos que por (im)possibilidade de escolha própria vivem sozinhos. Ilustração 6 – A (Im)possibilidade da escolha de estar só (Fotografia de Ana Cristina Daré) Com o avanço da idade, o tempo de permanência e o uso da habitação tornam-se mais intenso para os indivíduos mais velhos, mas sem, contudo, se privarem do convívio social ao qual estão habituados, necessitando, por isso, de ambientes que sejam seguros, para o exercício do controlo pessoal (DARÉ, 2008). Actualmente privilegia-se um envelhecimento activo, o que significa a manutenção e o fortalecimento das capacidades funcionais, que só irá ocorrer se os idosos tiverem o controlo da sua própria vida. O ambiente construído tem o seu contributo nessa perspectiva, desde que seja planeado e construído para atender aos seus utilizadores em todo o seu ciclo de vida. A questão importante é a definição do ponto de equilíbrio entre o ciclos de vida do edifico e de seus utilizadores, sejam estes públicos ou privados. Se os novos estilos de vida privilegiam os edifícios inclusivos, a questão mais crítica é o facto de que os indivíduos idosos vivem sozinhos, e em alojamentos de precárias condições habitacionais e de conforto. Em vista da natureza da vida contemporânea, é importante definir-se os utilizadores, as dimensões antropométricas e ergonómicas e o seu estilo de vida. Se a percentagem de pessoas com doenças físicas ou sensoriais/deficiência não é considerada significativa (quando comparado com toda a população), a proporção de idosos é, não causando prejuízos por suas 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Factor Humano: Um balanço entre o percentil 50 e as características antropométricas e ergonómicas dos indivíduos idosos exigências particulares, mas pelo ambiente, actividades, funções, produtos ou sistemas disponíveis (DARÉ; CARAMELO GOMES, 2009). A idade avançada é acompanhada por alterações biológicas, que desafiam a inter-relação dos indivíduos com o ambiente doméstico. A habitação concebida para o indivíduo Mítico, não considera as alterações das capacidades funcionais às quais estes indivíduos estão sujeitos durante o seu ciclo de vida, estimulando um desequilíbrio no uso da habitação e, consequentemente afectando negativamente o modo de vida, os hábitos quotidianos e a sua harmonia. Os projectos habitacionais geralmente não equilibram o ciclo de vida do indivíduo com o ciclo de vida do ambiente edificado (DARÉ, 2008). As dimensões corporais, das quais se tem plena consciência, servem como parâmetro de medidas para a percepção e apropriação do espaço habitacional. O corpo deveria ser a medida base para edificar um sistema tridimensional, numa escala de relações no espaço finito (CÍRICO, 2001). A qualidade do acto de habitar volta a ser (ou deverá ser) o cerne do design (FRANCESCHI, NASCIMENTO, 2010: 261). Os princípios dos fundamentos organizacionais do espaço têm como base os resultados obtidos através da experiência da relação do homem com o seu próprio corpo e da sua interacção com os outros indivíduos, confrontando deste modo as necessidades biológicas e as relações sociais. O dimensionamento humano torna-se, portanto, fundamental na concepção de projectos de espaços físicos, tais como: a altura e os comprimentos dos membros superiores – do braço e antebraço, e dos membros inferiores – da coxa e da perna. As mais importantes diferenças entre as medidas do corpo são ditadas pelo sexo, idade e por factores de origem étnica. Com a idade, diminuem as medidas de comprimento, porquanto o peso e a circunferência do corpo aumentam (CÍRICO, 2001). O envelhecimento biológico é uma variável crítica e relevante ao factor humano e que deve ser considerada e fundamentada em três factores básicos: 1. O crescimento do número de indivíduos idosos nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento, em função do aumento da esperança média de vida; 2. A constituição de diferenças relevantes entre os indivíduos jovens e os indivíduos idosos quanto às necessidades específicas; 3. O reconhecimento dos indivíduos idosos como força de trabalho e como utilizadores de produtos e sistemas (PHEASANT, 1996?). Independentemente da falta de informação representativa da população idosa, deve-se considerar que esses indivíduos podem ser qualificados como um grupo no qual algumas medidas antropométricas e capacidades funcionais estão em declínio, ocorrendo diferenças de indivíduo para indivíduo, não se devendo projectar para uma média, mas permitindo uma flexibilidade na adaptação, de acordo com as necessidades de cada um. Por exemplo, as medidas antropométricas disponíveis relativamente a esse público-alvo são limitadas às medidas estáticas. A resposta para os problemas relativos a usabilidade dos ambientes não é aplicada apenas para as medidas estáticas, mas sim para as medidas relativas ao corpo em movimento ou seja de antropometria dinâmica e funcional. Portanto, essas questões devem ser consideradas no projecto de ambientes, de modo a evitar e/ou minimizar que esses indivíduos se comportem como deficientes (CARLI, 2004). Os Designers devem privilegiar, quando da sua actividade, o pleno conhecimento dos indivíduos ao qual estão a projectar, ou seja, seguir o princípio do design centrado no utilizador, não significando que, no caso dos idosos, o envelhecimento constitua um processo linear/ou padrão, sendo um grupo que apresenta uma maior diversidade, por ser esta uma fase em que muitas alterações ocorrem no organismo. Esse público-alvo é precisamente o mais esquecido e/ou mais insuficientemente servido pela industria e os respectivos designers (PAPANECK, 1995). Na maioria dos casos, as soluções encontradas de usabilidade dos espaços, produtos e sistemas de comunicação voltados aos indivíduos idosos, também o serão para outros grupos de utilizadores. Os idosos transformam-se, dessa forma, numa ferramenta 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Factor Humano: Um balanço entre o percentil 50 e as características antropométricas e ergonómicas dos indivíduos idosos de auxílio ao designers quando da rápida identificação das dificuldades de interacção que possam surgir em outros grupos, e que apresentem a mesma similaridade (FISK [et al], 2009). Conclusões O modo como experienciamos a realidade construída ilustra a necessidade urgente de contextualizar o Design na dimensão espácio-temporal em que se insere. A cultura da participação pública deve ser incentivada desde os bancos de escola para que o indivíduo tenha uma intervenção sustentada, construtiva e voluntária na comunidade em que se insere. A aproximação entre academia e a indústria deve ser mais que um cliché. A Academia deve estar receptiva aos ensinamentos emergentes da prática, e a prática deve igualmente compreender a academia enquanto entidade do saber e cooperação. O respectivo desempenho pode ser aperfeiçoado significativamente pela análise e reflexão sobre teorias e práticas de outros criativos, de outras realidades e de outras culturas. A disseminação de boas práticas, para que possam ser analisadas, interpretadas e adaptadas (sempre que desejáveis e possíveis) a outras realidades. Compreender que criar um ambiente construído humanizado, implica dar igualdade de oportunidade de uso para o maior número de indivíduos que apresentam características individuais de acordo com a sua cultura e com o seu envelhecimento biológico e cronológico. Toda e qualquer medida que permita a participação na comunidade e a inclusão social do indivíduo idoso deve ser valorizada e disseminada. A associação do idoso aos indivíduos com mobilidade condicionada é no mínimo perversa, não facilitando, a vida desses indivíduos, que apresentam outro tipo de limitações, estimulando e enfatizando o preconceito já existente. Há uma grande diferença entre o indivíduo idoso e o indivíduo com mobilidade condicionada, principalmente no que toca ao ambiente doméstico. O portador de mobilidade condicionada tem uma situação bem definida com relação à sua deficiência, enquanto o idoso está sujeito a constantes alterações nas suas habilidades, sendo inclusivamente, difícil de prever quando, o quê e em que grau acontecerá uma debilidade que afectará o uso do ambiente construído. Enquanto o portador de mobilidade condicionada necessita de um ambiente com características específicas, que atenda as suas limitações, o idoso necessita de um ambiente não específico, mas flexível e adaptável às mudanças das suas habilidades, mudanças essas que podem ocorrer durante o seu ciclo de vida (CARLI, 2004). A flexibilidade e a possibilidade de ajustes no ambiente construído em geral e no ambiente doméstico em particular poderão ser alcançadas quando da concepção de espaços, produtos e sistemas de comunicação a serem utilizados pelo mais amplo espectro de indivíduos, sendo contempladas as questões relativas ao fácil entendimento sobre o uso (legibilidade), a segurança e o conforto e a integração de todos. Referência • BEAUVOIR, S. A Velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. ISBN 85-209-0216-2 • CARLI, S. Habitação Adaptável ao Idoso: um método para projectos residenciais. São Paulo: 2004. Tese apresentada à Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção de Doutor em Arquitectura. • CÍRICO, L. Por dentro do espaço habitável: Uma avaliação ergonómica de apartamentos e seus reflexos no usuário. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2001. Tese de Mestrado. • DARÉ, A. Design Inclusivo: Uma avaliação do ambiente doméstico e os consequentes reflexos no utilizador idoso. Lisboa: 2008. Tese apresentada à Universidade Lusíada de Lisboa para obtenção do grau de Mestre em Direcção de Design. 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Factor Humano: Um balanço entre o percentil 50 e as características antropométricas e ergonómicas dos indivíduos idosos • EHLASS. Adelia: Acidentes Domésticos e de Lazer, Informação Adequada [em linha] Odivelas: Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, 2002 [consultado em 16 de Novembro de 2006] Disponível na URL: http://www.onsa.pt/conteu/proj_adelia.html • GOMES, C. & DARE, A. (2009) Senior co-Housing in Rural Areas: is Telemedicine the Answer? In: Carvalho, E. ed. Lusíada. Economia & Empresa. Série II. Nº 9, Lisboa, Universidade Lusíada Editora, pp. 61- 92. ISSN: 1645-6750. Publicação apoiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). • FISK, A. [et al] Designing for Older Adults: Principles and Creative Human Factors Approaches. 2nd Ed. Boca Raton: CRC Press Taylor & Francis Group, 2009 Human Factors & Aging Series ISBN 978-1-4200-8055-1 • FONTAINE, R. Psicologia do Envelhecimento. Lisboa: Climepsi Editores, 2000. ISBN 972-8449-65-8 • HAYFLICK, L. Como e Por Que Envelhecemos? Rio de Janeiro: Editora Campus, 1996. ISBN 85-352-0050-9 • HOFFMAN, Edwiges, M. Bases Biológicas do Envelhecimento [em linha] [consultado em 29 de Novembro de 2006] Disponível na URL: http://www.techway.com.br/techway/revista_idoso/saude/saude_edu.htm • IBGE. Perfil dos Idosos Responsáveis pelos Domicílios no Brasil. [em linha] Rio de Janeiro: IBGE, 2002 [consultado em 13 de Novembro de 2007] Disponível na URL: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/perfilidoso/perfidosos2000.pdf ISSN 1516-2396 (Estudos e Pesquisas). ISBN 85-240.0894-6 • IIDA, Itiro Ergonomia: Projeto e Produção. 2ª Ed. São Paulo: Blucher, 2005. ISBN 978-85-212-0354-4 • LACOMBLEZ, M,; SILVA, A.; FREITAS, I. Ergonomia e Antropometria. Lisboa: Universidade Aberta, 1996. ISBN 972-674-181-5 • LIPOVESTSKY, G. A Era do Vazio: Ensaio sobre o individualismo contemporâneo. Lisboa: Relógio D’Água, 1989. ISBN 972-20-0695-9 • PAPANECK, V. Arquitectura e Design: Ecologia e Ética. Lisboa: Edições 70, cop. 1995. ISBN 972-44-0968-6 • PHEASANT, S. Body space: Anthropometry, Ergonomics and The design of Work. 2nd ed. London: Taylor & Francis [1996?] ISBN 0-7484-0326-4 • REBELO, F. Ergonomia no Dia a Dia. 1ª ed. Lisboa: Edições Sílabo, 2004 ISBN 972-618-328-6 • RIBEIRINHO, C. Projecto de Vida – A vida Continua a Ter Sentido. [em linha] Fátima: 2005 [consultado em 16 de Junho de 2007] Disponível na URL: http://www. Solidariedade.pt/admin/artigos/uploads/jornadas-silva-02.doc • ROCHA, E. A Senilidade dos Cinco Sentidos [em linha] [consultado em 29 de novembro de 2006] Disponível na URL: http://www.techway.com.br/techway/revista_idoso/saude/saude_eduardo.htm • HO Active Ageing: A Policy Framework [em linha] (s.l.): Who, cop. 2002 [consultado em 24 de Junho de 2006] Disponível na URL: http://www.portaldoenvelhecimento.net/download/download.htm • COUTO, R.; OLIVEIRA, A. (org.). Formas do design: por uma metodologia interdisciplinar. Rio de Janeiro: 2AB, 1999. • INTERNATIONAL COUNCIL OF SOCIETIES OF INDUSTRIAL DESIGN (ICSID). Definition of Design. Disponível em: < http://www.icsid.org/about/about/articles31.htm > Acesso em: 15 Abril. 2010. • MORAES, A. Design: arte, artesanato, ciência, tecnologia? O fetichismo da mercadoria versus o usuário / trabalhador. In: COUTO, R.; OLIVEIRA, A. (org.). 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Factor Humano: Um balanço entre o percentil 50 e as características antropométricas e ergonómicas dos indivíduos idosos Formas do design: por uma metodologia interdisciplinar. Rio de Janeiro: 2AB, 1999, pp.156-191. • NIELSEN, J. Designing Web Usability. New York: Peachpit Press, 1999 ISBN10: 156205810X • PASCHOARELLI e DA SILVA Design Ergonómico – Uma Revisão dos seus Aspectos Metodológicos, In: Sólio, M. ed. Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul, v. 5, n. 10, jul./dez. 2006, ISSN 1677-0943, • FRANCESCHI, R. & NASCIMENTO, R. Moradia e Mobiliário para Profissionais Autônomos: Diretrizes Projetuais, In: Paschoarelli, L. & Menezes, M. ed. Design e planejamento : aspectos tecnológicos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. ISBN 978-85-7983-042-6 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design