O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné José Matos A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M). A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo. Os primeiros indícios da utilização de mísseis terra-ar pela guerrilha do PAIGC, na Guiné, surgem em meados de março de 1973, quando dois caças Fiat G.91 são alvejados no norte do território, perto da fronteira com o Senegal, por uma arma desconhecida. Os aviões atacam o local do disparo e regressam à base de Bissalanca (BA12) sem qualquer dano, não tendo sido atribuída importância de maior ao facto. 1 Pouco tempo depois deste incidente, os 1 Informação n.º 218/73-DSInf2 da Delegação da Guiné da DGS, Assunto: Actividade do PAIGC, 3 de Abril de 1973, Torre do Tombo, Arquivos da PIDE, Processo 641/61 PAIGC, pasta 9, fls. 102/104. 1 guerrilheiros atacam um monomotor a hélice Dornier Do-27, na área de Bigene, perto do Senegal, e também três Fiat chamados a intervir. Nenhum avião é atingido, uma vez que os pilotos dos G.91 se apercebem de que são mísseis, conseguindo manobrar a tempo de os evitar. 2 Porém, a 25 de março, o Tenente Miguel Pessoa já não tem a mesma sorte e é abatido na zona de Guileje, no sul da Guiné, muito perto da fronteira com a Guiné-Conakry. O piloto não se apercebe do míssil, mas consegue ejectar-se e é recuperado. 3 Três dias mais tarde, a 28 de março, outro Fiat, desta vez pilotado pelo Tenente-Coronel Almeida Brito, também é abatido no sul da Guiné. O avião de Almeida Brito explode no ar provocando a morte do piloto. 4 Na semana seguinte, a 6 de abril, a Força Aérea Portuguesa (FAP) perde ainda dois DO-27 e um T-6G juntamente com os respectivos pilotos, devido à acção desta nova arma.5 Rapidamente, a Força Aérea percebe que está perante o míssil terraar SA-7 Grail de fabrico soviético conhecido também por Strela. Todos os ataques acontecem a menos de 3 km das zonas de fronteira, os alvos incluem desde aviões de hélice muito lentos (DO-27 e T-6) até aviões a jacto (Fiat G.91) e a eficácia dos ataques parece ser elevada se atendermos que na documentação histórica da época surgem pelo menos 8 disparos referenciados e 5 aviões abatidos.6 No entanto, tudo indica que o número de disparos tenha sido superior a 8 no período que vai de 20 de março a 6 de abril. Os pilotos que escaparam aos disparos desta nova arma do PAIGC (Partido Africano da 2 Ibidem. 3 Ibidem. 4 Ibidem. 5 Relatório sobre a situação no Ultramar nº4/73, CTI Guiné, Anexo A, ADN SGDN/1690. 6 Informação n.º 93/73 da 2.ª Repartição do Secretariado Geral da Defesa Nacional, Assunto: Míssil Terra-Ar, 13 de Abril de 1973, Lisboa, ADN SGDN/5681/7. 2 Independência da Guiné e Cabo Verde), devem, provavelmente, a sua sobrevivência a pontarias inadequadas, a deficiências de funcionamento da própria arma e ao facto de aqueles que avistaram o projéctil em trajectória de colisão com a sua aeronave terem tido o discernimento de entrar em volta de evasão apertada evitando o impacto do míssil. No entanto, o desconhecimento das características do míssil e, por conseguinte, o desconhecimento das modalidades de voo e as regras de empenhamento a adoptar para suplantar as suas capacidades, provoca grande incerteza e receio nos pilotos. A gravidade da situação surge bem espelhada numa informação que o Inspector-Adjunto Fragoso Allas, chefe da delegação da Direcção-Geral de Segurança (DGS), na Guiné, envia para Lisboa, a 9 de abril, sobre a perda de vantagem da Força Aérea. Na opinião de Fragoso Allas “não dispomos de meios aéreos que possam constituir uma força de dissuasão ou que nos permitam castigar duramente as bases de apoio, temos que encarar como muito possível que o PAIGC venha num muito curto prazo de tempo a estabelecer novas áreas libertadas, e dificultar ou impedir o tráfego aéreo e até mesmo a aniquilar algumas guarnições que agora passaram a não poder contar com o apoio aéreo para as defender, evacuar os feridos e reabastecer.” E mais à frente acrescentava: “Consideramos muito grave a situação resultante do emprego pelo PAICG de novas armas antiaéreas.” 7 Na mesma data, a DGS, em Lisboa, tem já informação sobre o míssil obtida através dos Serviços Secretos Alemães (BND), que a envia ao 7 Informação n.º 247/73-DSInf2 da Delegação da Guiné da DGS, Assunto: Rep. Guiné – Situação do PAIGC, 9 de Abril de 1973, Torre do Tombo, Arquivos da PIDE, Processo 641/61 PAIGC, pasta 7, fls. 190/192. 3 Secretariado-Geral da Defesa Nacional (SGDN), pedindo extremo cuidado quanto à salvaguarda da fonte daquela informação.8 No essencial a informação fornecida pelo BND traça a evolução histórica do míssil, assim como as suas características operacionais e as possíveis medidas de defesa. Pouco tempo depois, esta informação é difundida pelas três frentes de guerra. Entretanto, o Comando da Zona Aérea da Guiné (COMZAVERDEGUINE) começa a tomar as primeiras medidas cautelares para minorar a ameaça da nova arma. A introdução do míssil na Guiné Não se sabe com precisão a data em que o míssil chegou à Guiné, mas em dezembro de 1972, a DGS, na colónia, tinha já recolhido informação de que os guerrilheiros haviam recebido novas armas antiaéreas, entre as quais uma designada por “roquetões.” A nova arma tinha uma configuração semelhante à dos RPG, conhecidos na guerrilha por “lança-rockets”, o que deve ter dado origem à designação de “roquetões”. 9 No entanto, as informações da DGS sobre as novas armas eram vagas e, sabe-se hoje, provenientes de fonte duvidosa. Testemunhos de protagonistas do PAIGC envolvidos directamente no processo como Luís Cabral apontam no sentido de que os primeiros mísseis só chegaram à Guiné depois da morte de Amílcar Cabral, que ocorreu a 20 de 8 Informação Suplementar do Secretariado Geral da Defesa Nacional, Assunto: União Soviética: Míssil Terra-Ar individual GRAIL (SA-7), Fonte: DGS, 9 de Abril de 1973, Lisboa, ADN SGDN/5681/7. 9 Informação n.º 218/73-DSInf2 da Delegação da Guiné da DGS, ibidem. 4 janeiro de 1973.10 No mesmo sentido, aponta uma análise pericial feita pelas autoridades americanas aos fragmentos de um SA-7 recolhidos na Guiné, que refere fevereiro de 1973, como data de fabrico do míssil. 11 Com efeito, uma parte do míssil é encontrada no norte da Guiné a 7 de abril por tropas pára-quedistas12 e a 14 de abril é enviada para Lisboa para o Secretariado-Geral da Defesa Nacional (SGDN),13 onde é analisada, a 17 de abril, por técnicos portugueses, que concluem não dispor de “elementos suficientes para proceder a uma identificação categórica do material em causa.” Na tarde desse dia, o material é entregue na embaixada dos EUA, em Lisboa, para um exame mais minucioso. Na semana seguinte, a 25 de abril, o adido militar da embaixada, o Coronel da USAF Mosier, desloca-se ao SGDN, a fim de saber se aquele organismo já tinha recebido a informação enviada pela embaixada americana a respeito da identificação do míssil (a 23 de abril, Mosier tinha enviado para o SGDN uma informação confidencial identificando os fragmentos como sendo a secção de propulsão do SA-7 Grail) e pede a anuência portuguesa para que, a título devolutivo, o material seja enviado para os EUA de forma a ser estudado mais detalhadamente pelos serviços técnicos 10 Cabral, Luís, Crónica da Libertação, Edições o Jornal, Lisboa, 1984, pp. 433-444. 11 Informação n.º 1387/RB c/anexo da 2ª Repartição do Secretariado Geral da Defesa Nacional para o Estado-Maior do Exército, Assunto: Míssil Terra-Ar, 4 de Junho de 1973, Lisboa, ADN, Fundo Geral SGDN/5681/7. 12 Calheiros, José Moura, A Última Missão, Caminhos Romanos, Lisboa, 2010, p. 387. 13 Nota n.º 1148/BM do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné para o Secretariado Geral da Defesa Nacional (2ª Divisão), Assunto: Material de Guerra para Análise, 14 de Abril de 1973, Bissau, ADN, Fundo Geral SGDN/5681/7. 5 das FA americanas.14 Entretanto, a 24 de abril, o comando militar em Bissau envia também dois fragmentos electrónicos transistorizados supostamente pertencentes ao míssil15 para serem analisados pelos técnicos americanos que acabam por se deslocar a Lisboa, em meados de maio. O exame pericial feito na embaixada americana conclui que os vários fragmentos recolhidos até então correspondem a uma versão aperfeiçoada do SA-7, desconhecida nos países ocidentais e fabricada em fevereiro de 1973. No parecer dos técnicos americanos, “esta nova versão apresenta alterações que denotam um esforço de melhoria dos métodos de fabrico (para mais rápida produção) e que ao mesmo tempo visam tornar o míssil menos susceptível de avarias devido ao seu manuseamento” e concluem dizendo que desconhecem “se este novo modelo do míssil SA-7 tem uma eficácia operacional superior à da versão anterior”. 16 Juntamente com esta peritagem é entregue, a 25 de maio, no SGDN, um manual técnico da Missile Intelligence Agency (MIA) sobre o míssil, que permite finalmente às autoridades portuguesas conhecer a fundo as características e performances das versões conhecidas do SA-7.17 14 Informação n.º 99/RB da 2ª Repartição do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Assunto: Identificação de Material Recolhido no TO da Guiné, 25 de Abril de 1973, Lisboa, ADN, Fundo Geral SGDN/5681/7. 15 Nota n.º 1274/BM do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné para o Secretariado Geral da Defesa Nacional (2ª Divisão), Assunto: Material de Guerra para Análise, 24 de Abril de 1973, Bissau, ADN, Fundo Geral SGDN/5681/7. 16 Informação n.º 1387/RB c/anexo da 2ª Repartição do Secretariado Geral da Defesa Nacional para o Estado-Maior do Exército, Assunto: Míssil Terra-Ar, 4 de Junho de 1973, Lisboa, ADN, Fundo Geral SGDN/5681/7. 17 Manual ST-CS-14-232-72, Dezembro de 1972, Missile Intelligence Agency (MIA), ADN, Fundo Geral SGDN/5681/7. 6 Pouco tempo depois, em junho, a secção de propulsão do míssil e um dos conjuntos electrónicos são enviados a título definitivo para os EUA, para uma peritagem mais exaustiva, que originará depois um relatório técnico da Defense Intelligence Agency (DIA). A 11 de setembro, a DIA envia de Washington para o adido de defesa da embaixada americana em Lisboa, as conclusões da peritagem. A agência informa que estamos perante uma versão do míssil com um sistema de propulsão melhorado, que permite aumentar a velocidade do SA-7 em 20% a 25%, assim como a sua manobrabilidade, o que aumenta a capacidade do míssil dentro do seu envelope de intercepção contra aeronaves de elevada performance. 18 Tudo indica que o modelo analisado era Strela 2-M ou SA-7B Grail Mod. 1, introduzido na União Soviética em 1971 e desconhecido no Ocidente. 19 O impacto do míssil no GO1201 As perdas provocadas pela acção do míssil reflectem-se de imediato na capacidade operacional do Grupo Operacional 1201 (GO1201), que tem na sua orgânica a Esquadra 121, onde estão os Fiat, T-6 e DO-27, a Esquadra 122 com o Alouette III e a Esquadra 123 com o Noratlas e C-47. O GO1201 dispunha em março de 1973, em Bissalanca, na BA12, de 53 aeronaves entre aviões e helicópteros.20 Desta forma, os abates de março e de Abril traduziramse numa perda de 9,4% das aeronaves do GO1201. Mais importante ainda, 18 Defense Intelligence Agency, teletype message, 111808Z SEP 73, to Defense Attache Office, Lisbon, 11 de Setembro de 1973, ADN SGDN 5681/7. 19 KBM Kolomna Strela-2/-2M (SA-7 'Grail') Man-Portable Anti-Aircraft Missile System in Jane’s Electro-Optic Systems 2011, 19 Janeiro 2011. 20 Sitrep Circunstanciando n.º12/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/87. 7 dos cinco aviões perdidos pela acção do míssil, dois deles eram aviões Fiat, o único jacto de combate que a FAP dispunha na Guiné. A Esquadra 121 tinha, nessa altura, onze G.91 passando, então, a ter nove. O impacto destas perdas foi ainda ampliado pela grande dificuldade em comprar novos caças com um maior potencial de combate ou, então, mais exemplares dos modelos já em uso. Embora os dois Fiat abatidos sejam substituídos em meados de julho desse ano, a Esquadra 121 perde, nos meses seguintes, mais dois G.91 por razões desconhecidas, o que leva o Governo em Lisboa a tentar adquirir aviões Fiat G.91 R/3 já usados, junto da Alemanha Ocidental.21 Só que o Governo de Bona recusa qualquer venda a Portugal para não ser acusado de apoiar a política colonial portuguesa.22 Outro impacto directo é sobre os pilotos. O número de pilotos presentes na BA12 era de 50, estando prontos para voar 49 e prontos para operações 42.23 As perdas devido ao míssil representam 9,5% dos pilotos aptos a realizar operações. As primeiras medidas cautelares Ultrapassada a fase de surpresa inicial, realizada a análise das perdas sofridas e deduzindo, ainda que empiricamente, o funcionamento da nova arma, dada a escassez de informação, o Comando da Zona Aérea 21 Memorando do Estado-Maior da Força Aérea, 25 de Janeiro de 1974, Serviço de Documentação da Força Aérea/Arquivo Histórico (SDFA/AH), 3ª Divisão/EMFA 71/74, Processo 400.121. 22 Carta de Alberto Maria Bravo & Filhos, Assunto: Aviões G-91, 4 de Dezembro de 1973, Arquivo Histórico Diplomático (AHD) PEA 655. 23 SITREP Circunstanciando n.º12/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/87. 8 (COMZAVERDEGUINE), introduz uma série de condicionamentos nas missões realizadas pelas diversas aeronaves. As primeiras medidas cautelares são adoptadas em meados do mês de abril e são as seguintes: T-6G – Cancelamento das missões de apoio próximo às forças terrestres e de ataque ao solo de natureza independente. Fiat G.91 – Execução apenas de missões de bombardeamento a picar (BOP) e de metralhamento a picar (MAP), com entrada a 10 000 pés (3300 m) e saída a 3000 pés (990 m). DO-27 – Cancelamento das missões de Reconhecimento Visual (RVIS) e de Posto de Controlo Volante (PCV). Redução das missões de TGER e de TEVS (Transportes Gerais e Evacuação). Noratlas – Execução de missões de transporte limitado a 3000 kg de carga, a fim de assegurar a maior razão de subida das aeronaves dentro da zona de segurança garantida pelas forças terrestres. Canceladas as missões de lançamento de cargas aéreas. C-47 Dakota – Execução de missões de transporte aéreo limitado a 1500 kg de carga. Alouette III – Execução de missões de TGER e TEVS por duas aeronaves, a baixa altitude, uma limpa e a outra armada para protecção do conjunto e de apoio de fogo das tropas e do meio aéreo de TEVS, na zona de operações das forças terrestres. Execução de missões de TGER apenas para pistas interditas ao DO-27. Paralelamente a estas medidas, o Comando da Zona Aérea e a DGS na Guiné continuam a desenvolver esforços 9 para conhecer melhor as características da nova arma do PAIGC. Em finais de abril, as forças portuguesas conseguem finalmente interrogar um dos membros das equipas de mísseis, um ex-guerrilheiro de etnia fula, chamado Tcheto Candé, que se entregou aos fuzileiros portugueses em Jemberém, a 21 de abril de 1973. Candé revela que foi treinado em Simferopol, na União Soviética, onde esteve seis meses, tendo regressado a Conakry, a 10 de abril, seguindo depois para Kandiafara e Botchecol, de onde acabou por fugir. O ex-combatente fornece ainda informações importantes sobre a localização dos vários grupos de mísseis e dos elementos que os comandam e diz também que “cada arma já traz o míssil incorporado, e que só faz um disparo. Depois, tem a arma de ser enviada para a URSS para ser novamente carregada.” Candé refere a presença do míssil em Botchecol, Jemberém e ainda norte da Guiné.24 Esta informação é complementada, em outubro, pela deserção de um outro operador de mísseis chamado Armando Baldé, que se entregou na guarnição de Tite. Baldé dá várias informações sobre o funcionamento do SA-7 e das tácticas usadas pelos grupos de atiradores contra os aviões da FAP, o que permite que, nesta altura, as autoridades portuguesas tenham já informação detalhada quer sobre as características do míssil quer sobre o modo de actuação dos grupos armados com o SA-7. As informações prestadas por Baldé permitem à Força Aérea confirmar que o míssil é ineficaz abaixo dos 50 metros (160 pés) e que disparando a arma com um ângulo superior a 60º o atirador é queimado pelos gases de escape. Desta forma, o ângulo de disparo ideal é de 20º a 60º. Descobre-se 24 Relatório de interrogatório nº 41/73 anexo à informação 306/73-DSInf 2 da Delegação da Guiné da DGS, 1 de Maio de 1973, Torre do Tombo, Arquivos da PIDE, Processo 332-CI (2), pasta 5, fls. 58/62. 10 também, nessa altura, que os insucessos nos disparos do míssil contra o Fiat se deviam essencialmente a duas razões: por um lado, durante a picada do avião, o míssil não conseguia adquirir convenientemente o alvo, por outro, após a saída do passe de bombardeamento, o jacto fazia uma volta muito apertada a grande velocidade, que superava as capacidades de manobra do míssil.25 A redução da actividade aérea Além da perda de aviões e de pilotos, o míssil afecta também a actividade aérea da FAP. Através da análise dos SITREPS (relatórios de situação) da época verifica-se que a actividade aérea na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG) sofre uma redução muito acentuada na segunda semana de abril (57% em termos de exploração operacional), embora depois se assista a uma progressiva normalização.26 Como se pode ver pelo gráfico 1 relativo à exploração operacional, no final do mês de abril, as várias aeronaves da ZACVG atingiram já os níveis de actividade do começo do mês, o que significa que a FAP se adaptou à nova ameaça, embora com uma série de restrições operacionais, como se viu anteriormente. Pelo gráfico podemos ver que a viragem acontece na 3.ª semana de abril, quando as medidas cautelares começam a ser aplicadas. 25 Relatório Imediato nº 5641/73/DI/3/SC da DGS sobre o míssil solo-ar Strella-2, 31 de Outubro de 1973, ADN/F3/1/1/1. 26 Análise dos SITREPS Circunstanciados n.º 14, 15, 16 e 17/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/SSR.002/87. 11 Gráfico 1 – Exploração operacional em abril de 1973 Exploração operacional – horas de voo – abril de 1973 400 350 300 250 200 150 100 50 0 1ª Semana 2ª Semana 3ª Semana 4ª Semana T-6G 17 4 13 43 DO-27 127 48 46 123 C-47 14 5 14 13 G-91 22 9 22 30 AL III 171 79 65 119 NORD 24 18 16 48 Total 375 163 176 376 Fonte: ADN; dados obtidos dos SITREPS Circunstanciados do COMZAVERDEGUINE A Directiva 20/73 As novas normas de voo e as tácticas defensivas adoptadas são então objecto de uma directiva do Comandante-Chefe da Guiné, General António Spínola, que, a 29 de maio, emite a Directiva 20/73, que estabelece definitivamente todos os procedimentos antimíssil a tomar, bem como as normas para os pedidos e acções de apoio aéreo. 27 27 Directiva 20/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 29 de Maio de 1973, AHM/DIV/2/4/228/2. 12 De uma forma geral, todos os meios aéreos da ZACVG passavam a operar com novos parâmetros de segurança e de voo. Nos procedimentos de voo de carácter geral, todas as aeronaves deviam seguir as seguintes regras: Altitudes de voo – acima de 6 mil pés e abaixo de 200 pés; Entre aquelas altitudes, todas as aeronaves manobram constantemente (mudanças bruscas de rumo e altitude); Todas as subidas e descidas sobre as pistas do interior do TO são executadas em espiral, com inversões frequentes de sentido; As rotas são variadas de modo a que as aeronaves, sempre que possível, não sobrevoem os mesmos pontos, pelo menos dentro de períodos curtos de tempo; Todas as aeronaves actuam, no mínimo, em parelhas. Além destas medidas gerais, a directiva estabelecia também medidas de carácter específico, que passavam pelas seguintes restrições: Redução do número de pistas utilizáveis pelos aviões de transporte médio (Noratlas e C-47), além destes terem igualmente limitações na carga transportável; Restrições nas missões de controlo (DCON), com PCV ou PCA (posto de comando volante ou posto de comando aéreo de operações usando DO-27), que ficavam também restringidas tanto pela redução de pistas utilizáveis, como pelo número de descolagens por missão e ainda pela limitação de horas de voo e pela altitude de operação (acima dos 6 mil pés); 13 Alterações nas missões de ataque ao solo, os T-6 deixavam de actuar a este nível ficando estas missões atribuídas apenas aos Fiat G.91, mesmo assim, com limitações nos parâmetros de voo e de ataque; Limitações na utilização de helicópteros, condicionados também nas missões de transporte e evacuação, além de ataque e escolta armada.28 Em suma, como se admite na própria directiva, a utilização de mísseis terra-ar pela guerrilha tinha provocado profundas alterações no emprego da Força Aérea e na eficácia das operações aéreas. O impacto do míssil nos diferentes tipos de missões Através da análise dos SITREPS da ZACVG podemos ver a evolução dos diferentes tipos de missões ao longo de 1973, bem como a actividade operacional da FAP. 29 Para uma melhor compreensão dos gráficos apresentados de seguida e elaborados a partir dos dados disponíveis nos SITREPS, faz-se aqui uma pequena explicação das abreviaturas utilizadas nos mesmos: ATIP – Ataque Independente Preparado ATIR – Ataque Independente em Reconhecimento ATAP- Ataque de Apoio Próximo 28 Directiva 20/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 29 de Maio de 1973, AHM/DIV/2/4/228/2. 29 SITREPS circunstanciados do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/SSR.002/87 e 88. 14 AESC – Ataque em Escolta RVIS – Reconhecimento Visual RFOT – Reconhecimento Fotográfico TMAN – Transporte de Manobra TGER – Transportes Gerais TEVS – Transporte de Evacuação Gráfico 2 – Acções aéreas de ataque Acções aéreas de ataque 300 250 200 150 100 50 0 Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro ATIP 55 28 35 51 63 82 74 135 100 71 ATIR 33 7 2 1 4 5 7 3 3 5 ATAP 51 30 51 17 7 15 18 10 12 28 AESC 27 41 105 85 82 91 83 100 65 71 Total 166 106 193 154 156 193 182 248 180 175 Fonte: ADN; dados obtidos dos SITREPS Circunstanciados do COMZAVERDEGUINE Começando pelas missões de ataque, podemos observar no gráfico 2 das acções aéreas de ataque, que há alguma quebra em abril e nos três meses 15 seguintes, com excepção de maio, em que se regista um pico de actividade provocado pela crise militar de Guidage e Guileje. De facto, maio é um mês crítico na Guiné com fortes ataques da guerrilha contra estes dois quartéis. No entanto, como se pode ver pelo gráfico 2, a partir de agosto, as missões de ataque da FAP aumentam de forma visível atingindo níveis superiores aos de Março. Este aumento deve-se, principalmente, ao uso mais intensivo do Fiat G.91 a partir de agosto, que desempenha um papel importante na resposta à guerrilha. De salientar também o pico de actividade em outubro, um mês em que a guerrilha esteve pouco activa. Convém também referir que, em finais de novembro, o novo Comandante-Chefe da Guiné, General Bettencourt Rodrigues, emite uma nova directiva para o apoio aéreo, que permite algumas excepções às directrizes definidas na Directiva 20/73 de 29 de maio. Nesta nova directiva, os ATAP em G.91 com foguetes e metralhadoras passam a ser possíveis por decisão do Comando da Zona Aérea ou do chefe de formação de voo empenhada, o mesmo acontecendo com as missões ATIR-ATID dos Fiat, o que dá maiores possibilidades de acção aos “Tigres”. De resto, a nova directiva mantém em vigor as orientações definidas em maio. 30 Além do Fiat G.91, um C-47 é adaptado para missões de bombardeamento horizontal podendo levar 80 bombas de 15 kg, que são depois atiradas à mão por uma abertura na fuselagem usada habitualmente para instalar máquinas fotográficas. As missões nocturnas do C-47 (conhecido por Flecha de Prata) eram feitas tanto em corredores usados pela guerrilha, 30 Directiva para o Apoio Aéreo do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 30 de Novembro de 1973, ADN/SGDN/Cx.1666. 16 como no apoio a aquartelamentos sob flagelação. Embora fossem missões de bombardeamento de área a 10 000 pés, ou seja, com pouca precisão, tinham um efeito psicológico grande sobre a guerrilha. No caso das missões de reconhecimento, a quebra é mais significativa e o nível de actividade só recupera de forma manifesta no final do ano, como se pode ver no gráfico seguinte. Gráfico 3 – Acções aéreas de reconhecimento Acções aéreas de reconhecimento 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro RVIS 20 3 4 2 7 5 7 27 16 12 RFOT 8 1 1 2 2 1 6 9 6 5 Fonte: ADN; dados obtidos dos SITREPS Circunstanciados do COMZAVERDEGUINE 17 Total 28 4 5 4 9 6 13 36 22 17 As missões RFOT são as mais afectadas, mas, a partir de outubro, o maior empenho de várias aeronaves (G.91, DO-27 e C-47) em RVIS e RFOT faz aumentar o número de missões. No entanto, é evidente a relação causaefeito entre o míssil e o decréscimo deste tipo de missões. O DO-27 é claramente limitado pelo Strela nas missões RVIS e o C-47 é também desviado para outras missões, embora possa fazer fotografia vertical a 10 mil pés. As missões RFOT a baixa altitude ficam assim, praticamente, só para o Fiat e para objectivos pontuais. Gráfico 4 – Acções aéreas de transporte Acções aéreas de transporte 600 500 400 300 200 100 0 Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro TMAN 63 53 58 47 53 47 25 27 37 29 TGER 218 100 96 88 81 86 101 139 102 112 TEVS 211 144 215 129 152 137 176 217 208 187 Fonte: ADN; dados obtidos dos SITREPS Circunstanciados do COMZAVERDEGUINE 18 Total 492 297 369 264 286 270 302 383 347 328 Quanto às missões de transporte no gráfico 4, a quebra é evidente até setembro aumentando a partir daí, embora nunca se alcance o número de acções registado em março. A redução é mais significativa nas missões TGER, importantes no abastecimento das diversas unidades do Exército espalhadas pela colónia. Relativamente às missões TEVS de evacuação de feridos, convém referir que atingem o pico máximo em maio, durante a já referida crise militar que ocorreu nesta altura. Os Alouette III desempenham, neste âmbito, um papel importante com 102 acções TEVS no mês de maio, sendo seguidos pelo DO-27 (87 acções) e pelo Noratlas (26 acções).31 No entanto, apesar deste pico de actividade em maio, as unidades mais atacadas pela guerrilha neste período ficam sem evacuação aérea, pois os Alouette III experimentam severas dificuldades em actuar nessas zonas, devido à proximidade entre as forças em confronto, que não permite que as forças portuguesas assegurem pequenas áreas de aterragem para os helicópteros, livres de tiroteio ou da queda de granadas de morteiro. Além disso, quando os guerrilheiros detectam a presença dos helicópteros, bombardeiam os quarteis ou as pistas. Os aviões ligeiros como o DO-27 também não podem actuar neste cenário, o que provoca graves dificuldades às unidades atacadas, nomeadamente em Guidage e Guileje, onde a guerrilha efectua ataques de grande magnitude e durante um longo período. 32 O mesmo acontece, em Gadamael Porto, um quartel no sul da Guiné que é fortemente atacado pelo PAIGC, em junho de 1973 e onde os helicópteros 31 Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 18/73 a 22/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/88. 32 Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez. 19 ficam impedidos de actuar, devido aos bombardeamentos da artilharia em consequência de, como posteriormente se soube, os guerrilheiros terem montado um posto de regulação de tiro, num local fronteiriço ao aquartelamento, na outra margem do rio Cacine.33 A utilização de helicópteros é assim interdita na área, obrigando que as evacuações sejam feitas a pé, até ao quartel, e depois de barco, pelo rio Cacine.34 Gráfico 5 – Acções TEVS e AESC em Alouette III Alouette III/1973 120 100 80 60 40 20 0 TEVS 93 AESC 27 Abril 54 40 Maio 102 103 Junho 60 82 Julho 70 82 Agosto 71 111 Setembro 77 83 Outubro 82 100 Novembro 75 85 Dezembro 65 71 Março Fonte: ADN; dados obtidos dos SITREPS Circunstanciados do COMZAVERDEGUINE 33 Calheiros, op. cit., p. 535. 34 Ibidem., p. 542. 20 Desta forma, a Força Aérea vai-se apercebendo de que as missões TEVS, em situações desta natureza, mesmo com a presença de um helicóptero armado, são muito perigosas. A solução passou por aumentar a protecção armada aos helicópteros TEVS que começaram a ter dois Alouette III armados, de escolta (AESC). A análise das missões TEVS e AESC do Alouette III, ao longo de 1973, no gráfico 5, revela que o número de acções de evacuação diminuiu, mas que as acções de escolta aumentaram de forma clara. 35 Por último, podemos analisar a exploração operacional das várias aeronaves da ZACVG, através do gráfico 6. O efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise. No fundo, a Força Aérea usou mais intensivamente o único meio aéreo que podia representar alguma capacidade de resposta face à ofensiva da guerrilha. No saldo final, todavia, a exploração operacional do GO 1201 ressente-se com o míssil ao longo do ano, ficando sempre abaixo dos níveis de março de 1973. 35 SITREPS circunstanciados do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/SSR.002/87 e 88. 21 Gráfico 6 – Exploração operacional das várias aeronaves em 1973 Exploração operacional – horas de voo 1600 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro T-6G 181 77 89 137 105 112 95 125 59 58 DO-27 515 344 319 207 232 215 228 400 349 334 C-47 78 46 13 13 10 4 11 65 56 44 G-91 106 83 128 107 92 136 151 194 149 158 AL III 470 434 528 481 433 434 413 427 457 459 NORD 129 106 118 107 84 88 120 105 120 92 Total 1479 1090 1195 1052 956 989 1018 1316 1190 1145 Fonte: ADN; dados obtidos dos SITREPS Circunstanciados do COMZAVERDEGUINE O efeito das contramedidas É inegável que o aparecimento do míssil na Guiné teve consequências nas operações aéreas e no uso do poder aéreo, mas as várias contramedidas adoptadas, ao longo do ano, surtem efeito, pois mais nenhum avião volta a ser 22 abatido até ao final de 1973, embora as equipas de mísseis continuem activas dando cobertura às acções no terreno. Desde finais de abril até dezembro de 1973, são referenciados 15 disparos contra aviões Fiat, mas nenhum avião é atingido.36 Este indicador mostra que os pilotos da BA12 conseguiram, ao longo do resto do ano, contornar a ameaça antiaérea e recuperar o controlo sobre a generalidade das acções de apoio que prestavam às forças terrestres. O único abate acontece em 31 de janeiro de 1974, quando o G.91 5437 pilotado pelo Tenente Castro Gil é atingido por um míssil perto da fronteira com o Senegal, numa missão de apoio a Canquelifá. O piloto consegue ejectar-se e escapar à guerrilha, regressando no dia seguinte ao quartel de Piche, à boleia numa bicicleta de um habitante local. No relatório de análise ao incidente verificou-se que as normas de segurança foram cumpridas, mas que “o adiantado da hora (17h30), dificultando a visibilidade, contribuiu para que não fosse possível ao nº 1 detectar o lançamento do míssil” e que “o avião ainda não tinha sido pintado com tinta de baixa reflexão de infravermelhos.”37 Nesta altura, a Força Aérea tinha já efectuado contactos em França para comprar uma tinta de baixa reflexão, de tonalidade verde escura capaz de evitar o míssil. Mas só em março de 1974 é que chegam a Bissalanca as primeiras aeronaves pintadas com a nova tinta anti-reflectiva: o Fiat 5401 e o Alouette III 9401. 38 36 Correia, José Manuel, Strela: A Ameaça ao Domínio dos céus no Ultramar Português, 2ª parte, Mais Alto n.º 393 Setembro/Outubro 2011, p. 28. 37 Informação n.º 462 da 2ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Avião abatido por míssil terra-ar em 31 Jan 74, 7 de Junho de 1974, ADN Fundo Geral Cx. 5074. 38 Correia, op. cit., p. 31. 23 As acções aéreas de ataque em 1974 A análise da actividade operacional, em 1974, mostra que as acções aéreas de ataque aumentam nos últimos meses da guerra (com excepção de março), como se pode ver no gráfico seguinte. Gráfico 7 – Acções aéreas de ataque em 1974 Acções aéreas de ataque – 1974 250 200 150 100 50 0 ATIP 61 ATIR 4 ATAP 46 AESC 80 Total 191 Fevereiro 52 1 39 99 191 Março 59 6 20 80 165 Abril 111 2 11 104 228 Janeiro Fonte: ADN; dados obtidos dos SITREPS Circunstanciados do COMZAVERDEGUINE Este incremento deve-se, essencialmente, ao T-6G, que passa a voar com mais frequência neste tipo de missões, nomeadamente, a partir de março, em 24 missões ATIP. 39 Uma análise deste tipo de missões, por aeronave, permite perceber que o T-6 tem um papel importante na fase final da guerra, como se pode ver no gráfico seguinte. Gráfico 8 – Missões ATIP das várias aeronaves em 1974 ATIP/1974 120 100 80 60 40 20 0 G-91 T-6G C-47 Total Janeiro 55 0 4 59 Fevereiro 40 4 7 51 Março 49 8 2 59 Abril 64 36 11 111 Fonte: ADN; dados obtidos dos SITREPS Circunstanciados do COMZAVERDEGUINE Este desenvolvimento resulta, em parte, da experiência adquirida no C-47. Do famoso “Flecha de Prata”, passou-se para experimentações nos “Roncos”, como eram conhecidos, na época, os T-6G. Num destes aviões, foi aplicado um derivómetro-visor. Houve que conceber e aplicar na “aeronave artilheira”, uma pala, para evitar que o pouco óleo pulverizado, que sempre sai do escape 39 Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 1/74 a 17/74 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/89 e AHM/DIV/2/4/295/3. 25 do motor, não ofuscasse o campo de visão e o retículo de pontaria do visor. Preparou-se a indispensável tabela de tiro e executaram-se, durante o dia, alguns bombardeamentos em voo horizontal, com 4 aviões em formação. Desta forma, os “Roncos” começaram a ser usados em bombardeamentos diurnos de área a 10 000 pés, servindo o “avião artilheiro” de guia para os bombardeamentos. Nestas missões, os T-6G eram armados com 6 bombas de 15 kg e voavam em formações de 4 aviões.40 Gráfico 9 – Exploração operacional 1974 Exploração operacional – Horas de voo – 1974 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 T-6G DO-27 C-47 G-91 AL III NORD Total Janeiro 72 395 71 176 472 92 1278 Fevereiro 57 236 50 139 414 72 968 Março 116 187 24 120 362 102 911 Abril 144 200 49 117 323 74 907 Fonte: ADN; dados obtidos dos SITREPS Circunstanciados do COMZAVERDEGUINE 40 Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vazquez. 26 No entanto, com a excepção de janeiro de 1974, a actividade do GO1201, baixa nos derradeiros meses da guerra, como se pode ver no gráfico 9.41 Em busca de sistemas antimíssil É também na fase final da guerra, que a FAP procura equipar os Fiat com um sistema antimíssil do tipo flare, a comprar nos EUA. Logo no início de fevereiro de 1974, um grupo de técnicos americanos da firma TRACOR desloca-se às Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA), em Alverca, com o propósito de estudar a possibilidade de instalação de contentores para ejecção de flares nos G.91. Os técnicos americanos concluem que é possível a instalação de 4 contentores do tipo TBC-72, lateralmente, junto ao bordo de fuga dos pylons internos do Fiat e capazes de fornecer uma protecção contínua entre 4,5 a 6 minutos, conforme a cadência de disparo dos flares. 42 Pouco tempo depois, em meados de fevereiro de 1974, o novo ministro da Defesa, Silva Cunha, dá ordens para que se iniciem rapidamente as diligências conducentes à aquisição do equipamento em causa.43 Os custos da aquisição ascendem a 19 mil contos e prevê-se que esta verba possa ser suportada por conta de um empréstimo de 150 milhões de rands (6 milhões de 41 Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 1/74 a 17/74 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/89 e AHM/DIV/2/4/295/3. 42 Informação n.º 65-Pº 4.1.5/GAB do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Medidas anti- míssil Strela (Sistema TRACOR), 6 de Fevereiro de 1974, ADN/F3/7/13/5. 43 Informação n.º 355 da Secretaria de Estado da Aeronáutica, Assunto: Equipamento antimíssil Strela (TRACOR), 18 de Abril de 1974, ADN/F3/7/13/5. 27 contos) que Portugal fez junto da África do Sul. 44 O dinheiro sul-africano destinava-se, principalmente, a reforçar o poder aéreo com a aquisição de novas aeronaves para usar nas três frentes de guerra. Como o TBC-72 é um equipamento de origem americana e como Portugal está sujeito a um embargo de armas, tanto o Ministério da Defesa como dos Negócios Estrangeiros tentam saber se a aquisição é possível. A 22 de abril, o embaixador português em Washington recebe instruções para apurar qual a melhor forma dos americanos venderem o equipamento, embora não devendo revelar às autoridades americanas que os flares se destinam a equipar aviões em serviço na Guiné.45 Mas, o diplomata português já não tem tempo de fazer nada, pois, em poucos dias, dá-se o golpe militar de 25 Abril e a situação político-militar em Portugal e nas colónias muda radicalmente. No entanto, apesar da Revolução de Abril, os responsáveis militares portugueses continuam a manter, durante algum tempo, a intenção de comprar os flares e outros sistemas antimíssil. A 21 de junho de 1974, na primeira reunião do Comité de Assistência África do Sul/Portugal (POSAAC), em Pretória, é decidido incluir na lista do material a financiar por conta do empréstimo sul-africano, 167 kits anti-Strela para os helicópteros Alouette III (kits a fornecer pela África do Sul), além do sistema TRACOR.46 Os kits para os helicópteros eram constituídos por dois escudos térmicos sobre o motor e um 44 Memorando de 20 de Maio de 1974 do Gabinete do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, ADN Fundo Geral Cx. 833/9. 45 Nota secreta do Director Geral do MNE para o Embaixador de Portugal em Washington, Assunto: Aquisição de equipamento antimíssil Strela, 22 de Abril de 1974, ADN /F3/7/13/5. 46 Acta da 1.ª reunião da Comissão Executiva da POSAAC, Pretória, 21 de Junho de 1974, ADN SGDN/7554.3. 28 deflector na tubeira do escape para desviar o fluxo de ar quente proveniente do motor. Tanto a África do Sul como a Rodésia usaram estes kits nos seus Alouette III. Nesta altura, porém, a guerra na Guiné já tinha terminado e estas aquisições deixavam de fazer sentido. A guerra do Strela tinha chegado ao fim. O autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional, ao Arquivo HistóricoMilitar e à Torre do Tombo, as facilidades concedidas para esta investigação. Ao General José Lemos Ferreira, ao TGen Fernando de Jesus Vasquez, ao TGen António Martins de Matos, ao MGen António Martins Rodrigues, ao Cor Miguel Pessoa, ao TCor José Pinto Ferreira e ao Ten Jorge Vasco Moura pela leitura e comentários, bem como pelas informações prestadas. 29