JUNHO DE 2009 | JORNAL DO SINTUPERJ
Jornal do Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Públicas Estaduais - RJ
Ano IV - Nº 24 - junho de 2009
3
Avança
a luta da
Campanha
Salarial 2009
4
As principais
informações
sobre o
VII Congresso
6
Sintuperj garante
a manutenção
da Liberdade
de imprensa
8
Entrevista
com
Ricardo
Antunes
1
2
JORNAL DO SINTUPERJ | JUNHO DE 2009
Nossa Opinião
Retratos da Vida
O mundo do
trabalho e a crise do
capitalismo em pauta
VII Congresso trará questões centrais no processo
de mobilização e organização dos trabalhadores
A atual crise do capitalismo e a repudiamos a atitude do governador em
falência do projeto neoliberal apresentam impetrar ação judicial no Supremo Trium desafio aos trabalhadores: construir bunal Federal contra o repasse dos 6%
uma nova sociedade, na qual homens e da receita tributária líquida – conforme
mulheres sejam livres da opressão do capi- previsto na constituição estadual –, intal. Mais uma vez a história nos dá provas viabilizando a autonomia financeira da
de que não será no capitalismo que os tra- universidade. Este mesmo governador,
balhadores se liberque chegou a chamar
tarão da exploração
a Uerj de “jóia da
de sua mão-de-obra,
coroa”, não recebe
“O VII Congresso
do sucateamento dos
servidores em audiserviços públicos, da
ência e nem concede
do Sintuperj tem o
violência e da alienareajuste salarial aos
papel fundamental
ção da classe.
trabalhadores cujas
Em nosso país,
perdas estão em torde intensificar
direitos trabalhistas,
no de 80%.
como aposentadoria
Para a Uenf,
a nossa luta e
integral, direito de
Sérgio Cabral impede
resistência”.
greve, são retirados
qualquer discussão
através de contrarsobre a possibilidade
reformas, que só vide um repasse do
sam ao interesse dos governos ligados a orçamento que viabilize a autonomia da
banqueiros e políticos corruptos.
universidade e não concede reajuste saEm nosso estado a realidade não larial aos seus trabalhadores que também
é outra! O governador Sérgio Cabral im- sofrem com as mesmas perdas.
plementa uma política de desmonte do
Por tudo isso, o VII Congresso do
serviço público de qualidade para a po- Sintuperj tem o papel fundamental de
pulação quando extingue o Iaserj, cria as intensificar a nossa luta e resistência
fundações de direito privado para a área contra uma reitoria que se alia ao goverda saúde, inicia um processo de privatiza- nador, em vez de respeitar a autonomia
ção da Cedae, não recompõe o salário dos universitária e seus trabalhadores e
servidores públicos em patamares que, representar toda a comunidade.
minimamente, reponham integralmente
Lutamos contra todos aqueles que
as perdas acumuladas ao longo de anos, querem retirar os nossos direitos e com
entre outras sórdidas medidas.
isso aumentar a exploração da mão-deQuanto ao financiamento da Uerj, obra. Quem luta conquista!
EXPEDIENTE: JORNAL DO SINTUPERJ
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Conselho Editorial: Alberto Dias Mendes, Carlos Alberto Crespo, Denize Santa Rita,
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Jornalista: Silvana Sá (MTE 30.039/RJ)
Estagiários: Filipe Cabral, Jessica Santos e Tatiana Lima
Programação Visual: Daniel Costa
Tiragem: 4.000 exemplares - Fechamento: 18/06/2009
Marcha dos Cem Mil completa 41 anos
Seus Direitos
O que é a Lei de Cotas?
A lei que prevê a reserva de vagas nas
universidades públicas do Estado do Rio de
Janeiro, Lei nº 5.346, de dezembro de 2008,
embora suspensa desde o dia 25 de maio,
nunca gerou tanto debate na sociedade. Para
sabermos o que diz a lei de cotas e quais
as suas reais intenções quando aplicada,
destacamos seus principais artigos.
O Artigo 1º da Lei prevê que negros,
indígenas, alunos da rede pública de
ensino, pessoas portadoras de deficiência
e filhos de policiais civis e militares, bombeiros e agentes penitenciários mortos ou
incapacitados em serviço tenham direito
à reserva de vagas no vestibular, desde
que sejam carentes. A carência deve ser
comprovada com entrevista e apresentação de documentos comprobatórios
de renda. Caso não seja comprovada a
carência, o candidato não pode concorrer
à reserva de vagas.
Já o Artigo 2º prevê que 20% das
vagas oferecidas no vestibular de cada
universidade são destinadas a negros e
indígenas, 20% para estudantes oriundos
da rede pública de ensino, 5% para pessoas portadoras de deficiência e filhos
de policiais, bombeiros e agentes penitenciários mortos em serviço. Somados,
o percentual chega a 45% do total de
vagas. A maior parte, 55%, é destinada
ao ingresso de não-cotistas.
A Lei ainda prevê o pagamento de
bolsa-auxílio para os alunos cotistas,
que deve ser realizado pelo Estado, no
período de duração total do curso, além
de prever reservas de vagas para estágio
na administração direta e indireta do
Estado. A reserva para negros vale a partir
da autodeclaração do candidato.
A página 7 do Jornal do Sintuperj
traz uma matéria sobre a suspensão do
sistema de cotas, as principais avaliações
sobre a lei e a radiografia da desigualdade
entre brancos e negros, principalmente
no sistema de ensino.
O Sintuperj está se adequando às regras do Novo Acordo Ortográfico
da Língua Portuguesa. Esta edição do Jornal já traz as modificações.
JUNHO DE 2009 | JORNAL DO SINTUPERJ
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Campanha Salarial 2009
Técnico-administrativos exigem reajuste já
Continua a Campanha Salarial em 2009
Num esforço conjunto, os servidores
técnico-administrativos da Uerj trabalham
a Campanha Salarial 2009. Com 8 anos sem
reajustes e 80% de defasagem salarial,
os trabalhadores reivindicam reajuste já!
A estratégia do governo e da reitoria é
muito clara: desmotivar os trabalhadores
e precarizar os serviços. Assim fica mais
fácil conseguir o objetivo de implantar um
sistema de privatização do ensino, inicialmente através dos hospitais. Não podemos
permitir que isso aconteça!
Por isso, companheiros, precisamos
unir forças e botar o bloco na rua! Só a
nossa mobilização crescente será capaz de
reverter esse quadro de abandono no qual
vivemos hoje.
autonomia universitária.
Estas questões unificam a comunidade universitária, são urgentes e precisam
ser sanadas. Mas a campanha salarial dos
servidores técnico-administrativos não
pode parar. Ela está ao lado de todas essas
lutas, porém num campo diferenciado, porque é exclusiva dos técnico-administrativos
e precisa de respostas imediatas.
Próximos passos
Æ Exigir nosso reajuste salarial
com ações locais, assembleias e atos.
Æ Cobrar do reitor uma postura de defesa
da universidade e dos trabalhadores.
Æ Cobrar do governador Sérgio Cabral o
respeito com a Uerj e o reajuste devido.
Desmonte em diversas frentes
Podemos listar uma série quase interminável de ataques do governo e da
reitoria à classe trabalhadora desta casa:
falta de reajuste dos salários dos servidores, não realização de concursos públicos,
contratos precários, terceirizações, o não
cumprimento da minuta do PCC na íntegra,
desrespeito às deliberações do Consun e à
Técnico-administrativos, uni-vos!
A história nos mostra que só com
mobilização conseguimos ter nossas
reivindicações atendidas. A Progressão
conseguida este ano é uma grande vitória
e fruto da última greve dos servidores
técnico-administrativos.
Neste momento de Campanha Salarial
é fundamental a participação dos compa-
nheiros nas assembleias, nas atividades políticas, nos atos públicos e protestos. Estas
são formas de mostrarmos quanto barulho
conseguimos fazer. Quanto mais unidos,
maior será a pressão contra o governo do
Estado e a reitoria.
Histórico
A perda salarial dos servidores da Uerj
está em torno de 80%. O último reajuste
foi concedido em abril de 2001. De lá para
cá, não houve reajuste nos salários da
universidade. Em contrapartida, aumentam o número de contratos precários e
terceirizações.
Embora tenha se comprometido formalmente com a valorização da Uerj, Sérgio
Cabral ainda não fez nenhuma proposta aos
servidores técnico-administrativos.
A receita do governo do Estado só vem
aumentando nos últimos anos. De acordo
com dados publicados na imprensa, a receita do governo cresceu 68% de 2007 para
2008. A previsão para este ano é que cresça
17,04%, um aumento de R$ 7 bilhões! Apesar dos dados, o governo insiste em afirmar
que a situação do Estado não comporta um
reajuste ideal para a universidade.
Estado de greve continua
As últimas assembleias dos servidores técnico-administrativos mantiveram o
estado de greve para pressionar governo e
reitoria a atenderem as reivindicações da
categoria. Estaremos em mobilização permanente até a conquista do reajuste!
O Sintuperj não deixará o governador em paz enquanto o reajuste não
nos for concedido. Em diversos eventos
que contam com a participação de Sérgio
Cabral, o Sintuperj se fez presente para
entregar documentos, solicitar audiências
e cobrar respeito aos trabalhadores e à
universidade.
A luta pelo cumprimento da minuta
do PCC não pode esmorecer
Reitoria continua fazendo promessas,
mas nenhuma ação concreta
Após pressão do Sintuperj e dos trada
bbalhadores
lh d
d Uerj
U j por respostas
t sobre
b a
minuta do PCC, o reitor Ricardo Vieiralves
decidiu se reunir com a diretoria do Sindicato para, supostamente, dar as respostas
sobre a implementação da minuta que
emenda a Lei de Carreira dos técnicoadministrativos. A reunião, realizada na
manhã do dia 15 de junho, não trouxe novidades, a não ser a promessa de Vieiralves
de que trabalhará pelo enquadramento dos
técnico-administrativos de nível médio
e que poderá enquadrar trabalhadores
através de atos administrativos.
O posicionamento do Sindicato
se mantém o mesmo: a luta é pelo
enquadramento dos 814 servidores e
implementação da minuta na íntegra,
inclusive com a emenda do CAp, para
garantir reserva de vagas aos dependentes
de té
técnico-administrativos
e a emenda para
d
i
d i i
a retomada da isonomia histórica entre
técnico-administrativos de nível superior
e professores auxiliares.
O reitor, após pressão dos dirigentes,
afirmou que o governo do Estado tem por
objetivo criar impedimentos para que a minuta chegue à Assembleia Legislativa e falou
sobre a existência de um parecer da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) que
possibilitaria o enquadramento apenas de
servidores técnico-administrativos de nível
médio. Vieiralves deixou a Uerj, após a reunião, afirmando que buscaria o tal parecer.
Até agora só blá-blá-blá
Desde que os servidores entraram na
briga pela implementação da minuta do
PCC, nenhum parecer formal foi dado. O
máximo que se tem conseguido, tanto do
Estado quanto da reitoria, são promessas
ou a afirmação de que há inconstitucionalidade no enquadramento dos cargos de
nível fundamental, que englobam quase
400 trabalhadores, dos 814 inseridos na
minuta. Muito falam, nada cumprem e
pouco embasamento nos mostram. Até
quando continuaremos sem ter acesso a
documentos e pareceres que deveriam ser
públicos e que dizem respeito aos nossos
direitos e à nossa Carreira?
Cansados dessa postura desrespeitosa,
os coordenadores gerais presentes na reunião,
José Arnaldo Gama, Jorge Gaúcho e Jorge
Augusto, exigiram que tudo o que foi dito
ao Sintuperj pela reitoria seja publicado à
categoria por meio de comunicado oficial.
Atos mostraram unidade
A categoria se mostrou unida e
disposta à luta nos dois atos realizados pelo cumprimento da minuta na
íntegra. No dia 9 de junho, um apitaço
ensurdeceu o reitor, que logo tratou de
sair pela porta dos fundos para se reunir
com o secretário de Ciência e Tecnologia
Alexandre Cardoso, o mesmo que afirmou
haver recursos para cumprir a minuta do
PCC na íntegra.
Já no dia 15, mesmo com a antecipação da reunião para as 9h30min, o
Sintuperj preparou um café-da-manhã
para os servidores na entrada principal
da Uerj. O ato, com direito a banda e
balões de gás, animou a manhã dos
trabalhadores e convocou a categoria
para a luta.
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JORNAL DO SINTUPERJ | JUNHO DE 2009
Programação do
VII Congresso
Dia 23/06 – terça-feira
Anfiteatro Ney Palmeiro (Hupe)
8h - Credenciamento dos delegados
9h - Solenidade de
Abertura do Congresso
9h30min - Mesa: “O mundo do
trabalho, as organizações
sindicais e a atual crise
do capitalismo”.
Convidados: Agnaldo
Fernandes (UFRJ) e
Gilberto Maringoni (USP)
12h - Almoço
13h30min - Evento cultural
14h - Fim do credenciamento
e votação do regimento
17h - Encerramento
das atividades do dia
Dia 24/06 – quarta-feira
Auditório 11
Campus Uerj/Maracanã
9h - Apresentação e defesa de teses
10h - Grupos de Trabalho
Grupo 1 - Conjuntura Internacional,
Nacional e Local
Grupo 2 - Organização Sindical e a
Precarização das Relações
de Trabalho
Grupo 3 - Carreira
Grupo 4 - Saúde e
Segurança do Trabalhador
Grupo 5 - Gênero e Etnia
Grupo 6 - Alterações Estatutárias
VII Congresso do Sintuperj
Contagem regressiva
para o VII Congresso
do Sintuperj
Trabalhadores já escolheram
seus representantes
O VII Congresso do Sintuperj acontecerá nos próximos dias, entre 23 e 25
de junho e terá como tema “O mundo do
trabalho, as organizações sindicais e a
atual crise do capitalismo”. Trata-se do
principal fórum de decisões do Sindicato,
no qual representes dos servidores da Uerj
e Uenf aprofundarão os temas inicialmente trabalhados no Pré-Congresso do
Sintuperj. Os delegados que participarão
do Congresso, 88 ao todo, além de dois
observadores, foram eleitos até o último
dia 15. Cada conjunto de dez trabalhadores
pode escolher seu representante.
Os trabalhadores também puderam
apresentar teses para o Congresso, aos
moldes do VI Congresso. Os materiais foram encaminhados ao Sindicato até o dia
8 de junho e disseram respeito aos temas
que serão trabalhados no Congresso.
Todos os anos, o Congresso do Sintuperj é a maior oportunidade de aprofundar
o debate sobre as questões latentes da categoria e do mundo sindical. Além disso, a
ocasião traça as metas
e diretrizes para todo o
ano de atuação do Sindicato e de sua diretoria. Este ano, porém,
o Congresso tem um
diferencial: servirá
para a organização
de lutas imediatas da
categoria.
O período de mobilização
lização vivenciado
pelos técnico-administrativos da Uerj e
Uenf será ainda mais fortalecido durante
o Congresso, pois os principais temas
que dizem respeito tanto à conjuntura,
quanto à vida dos trabalhadores, estarão
em pauta.
Outro ponto que destaca este Congresso é a atualidade do tema. A perspectiva de construir uma proposta que se
levante como alternativa ao capital permeia, hoje, todos os movimentos sociais
e de esquerda desse país. Ao propor um
congresso que traz o debate para a cate-
goria, o Sintuperj sai na frente, como vanguarda
do movimento sindical.
Além da mesa que debaterá a conjuntura e o sindicalismo, tema central, os
grupos de trabalho debaterão os seguintes
temas: Conjuntura Internacional, Nacional
e Local; Organização Sindical e a Precarização das Relações de Trabalho; Carreira;
Saúde e Segurança do Trabalhador; Gênero
e Etnia; Alterações Estatutárias. Haverá
também atividades culturais durante os
três dias de congresso. Veja ao lado a programação do VII Congresso do Sintuperj.
12h - Almoço
13h30min - Retorno dos
Grupos de Trabalho
16h - Entrega dos relatórios por
grupo à Comissão Organizadora
17h - Atividade Cultural
19h - Encerramento
das atividades do dia
Dia 25/06 – quinta-feira
Auditório 11
Arquivo Sintuperj
9h - Plenária Final
Leitura dos Relatórios
por Grupos de Trabalho;
Entrega de Moções
12h - Almoço
13h30min - Plenária Final:
Aprovação das moções;
Resolução do Congresso
18h - Encerramento do
Congresso e Atividade Cultural
Delegados no VI Congresso aprovam as deliberações na plenária final
JUNHO DE 2009 | JORNAL DO SINTUPERJ
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Notícias do Sintuperj
Sintuperj inova com a realização do Pré-Congresso
Discussões serviram de base para os temas que serão tratados durante o Congresso
Fotos: Imprensa e Divulgação
A categoria participou ativamente das discussões promovidas pelo Sindicato
Pela primeira vez na história do Sintuperj foi realizado um fórum de debates que
antecedeu o congresso. O Pré-Congresso,
realizado de 6 de maio a 3 de junho na Uerj,
surgiu como proposta de dar embasamento
aos grupos de trabalho que irão discutir
os temas presentes no VII Congresso. A
mesa de abertura debateu a centralidade
do trabalho e a atual crise do capitalismo,
discussão que permeará todo o congresso.
Todos os debatedores que participaram
do Pré-congresso, pessoas reconhecidas por
sua atuação política no campo da esquerda e
da luta junto aos movimentos sociais, trouxeram contribuições de peso para a categoria.
Questões que levaram os trabalhadores presentes a pensarem na construção de alternativas ao decadente mundo do capital.
Crise no coração do capitalismo
Para Ricardo Antunes, professor da USP
que participou da abertura do Pré-Congresso,
a crise, causada pelo próprio capitalismo, faz
desabar a idéia de um sistema intocável e
indestrutível. “Esta crise chegou no coração
do primeiro mundo” explica. Na palestra, o
professor destacou que os sindicatos devem
estar atentos para a nova “morfologia do
trabalho”. Segundo Antunes, a classe trabalhadora mudou. As terceirizações e informalidades já contam com a participação de 60%
da população. Por isso, os sindicatos precisam
entender quem é esse novo trabalhador e
como conduzir a luta.
Raça e gênero:
tema do segundo debate
No dia 13 de maio comemora-se a
abolição da escravatura. Não por acaso
foi realizada nesta data a segunda mesa
do Pré-Congresso do Sintuperj: “Novas
perspectivas de raça e classe com as
transformações no mundo do trabalho”.
Participaram do debate: Jocelene Ignácio,
militante do Movimento Negro, Vanessa
Canto, mestre em Serviço Social da PUCRJ e Amauri Pereira, militante do Movimento Negro e professor da Universidade
Estadual da Zona Oeste (Uezo).
Vanessa Canto apresentou dados
estatísticos (IBGE) sobre as desigualdades raciais de gênero, especificamente
no Rio de Janeiro. Os gráficos mostram
claramente um estado predominantemente feminino, onde a mulher negra
e com baixa renda tem menos acesso à
escolaridade e, conseqüentemente, ao
mercado de trabalho. Em sua exposição,
o professor Amauri ressaltou que a discussão sobre preconceito racial passa pela
luta de classe. “É preciso criar espaços
de disputa na sociedade, fazer a luta.
Precisamos ter consciência disso, pois
somente assim vamos avançar na luta por
uma sociedade mais justa”.
Preocupações com a saúde
do trabalhador
O terceiro encontro do Pré-Congresso, realizado no dia 20 de maio,
debateu “Trabalho Alienado e Saúde do
Trabalhador”, com a participação dos
professores Gaudêncio Frigotto, da Faculdade de Educação da Uerj, Miguel Chalub,
professor de psiquiatria da Faculdade de
Ciências Médicas da Uerj e o diretor do
Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro,
José Teixeira Alves Junior.
O professor Frigotto enfatizou que
“o trabalho é uma atividade vital pela
qual o ser humano reproduz a sua existência”. Neste sentido, o trabalho passa
a ser um direito e um dever, pois se as
pessoas são impedidas de ter acesso ao
trabalho como manifestação de vida, elas
estão sendo lesadas naquilo que é o seu
direito e tendem a morrer.
Para Miguel Chalub, na prática o
que ocorre no trabalho alienante é a
apropriação do tempo de vida de uma
pessoa. “Assim, acontece a não apropriação (por parte do trabalhador), dos
frutos do seu trabalho. Essa é a lógica
do patrão e empregado”. Para Chalub,
quando se trata do serviço público, quem
se apropria do resultado do trabalho é o
próprio Estado.
José Teixeira afirmou que na rede
estadual de saúde o trabalho de médicos,
enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, vem sendo massacrado pela cultura
do trabalho alienante. Para ele, o problema
é grave, pois prejudica diretamente as atividades nos postos de saúde.
Papel das centrais
sindicais em foco
No debate realizado no dia 27 de
maio, dirigentes da Intersindical e da CUT
apresentaram suas visões sobre a atual
conjuntura econômica e o papel dos trabalhadores neste processo. Para Ewerson
Claudio, da Intersindical, a crise é muito
mais que um simples problema de gestão
do capitalismo. “Estamos
vivendo uma crise
na estrutura do sistema, o sinal de que o
que está aí não nos serve”, afirmou.
Já Marcelo Azevedo, da CUT, afirmou que o problema não está na estrutura do capital, mas no descolamento
do capitalismo do sistema de produção
tradicional. “A agenda propositiva que
temos hoje não é suficiente para acabar
com o capitalismo, mas é um passo para
se opor ao sistema”, disse.
Comunicação como parte
fundamental da luta
O último dia do Pré-Congresso do
Sintuperj debateu “Comunicação e Disputa de hegemonia antes, durante e depois
da crise”, com o escritor e coordenador
do Núcleo Piratininga de Comunicação,
Vito Giannotti.
Para Vito Giannotti a mídia deixou de
ter parte do poder para ser integrante do
poder. “Não há poder sem mídia”, disse,
citando como exemplo o caso clássico da
guerra do Iraque. “Essa guerra foi apoiada
pela imensa maioria da humanidade. Quem
colocou isso na cabeça das pessoas? A
mídia”, afirmou o escritor.
De acordo com Giannotti, neste momento de crise se faz necessário atualizar
o discurso da imprensa sindical frente aos
interesses do capital. “O que temos que
fazer é contestar o motivo da Uerj estar
sucateada e o governo investir dinheiro
em bancos e no agronegócio. Esse é o
debate que temos que trazer”, disse.
6
JORNAL DO SINTUPERJ | JUNHO DE 2009
Notícias do Sintuperj
Sintuperj garante a manutenção
da Liberdade de imprensa
Gestão 2004/2006 entra na justiça contra o Sindicato,
perde processo e não pode mais recorrer
“As ofensas imputadas não passavam de
críticas à administração anterior. A ‘prova’ (jornal do Sintuperj de setembro de 2006) entregue
não demonstra que houve pretensão de ofender
a honra”. Esta foi a conclusão da promotora de
justiça Carla Rodrigues Araújo de Castro sobre a
queixa-crime feita contra a diretoria do Sintuperj, eleita em 2006, por um grupo de servidores
que participaram da diretoria do Sindicato no
biênio 2004/2006. Desta forma, chega ao fim a
acusação de calúnia e difamação contra a atual
direção do Sindicato.
A utilização da justiça burguesa
contra um instrumento de luta dos trabalhadores (Jornal do Sintuperj e o próprio
Sindicato) e o cerceamento da voz dos técnico-administrativos foi derrotada por duas
vezes consecutivas. Uma vitória do direito à
liberdade de expressão da comunidade dos
trabalhadores técnico-administrativos da
Uerj. Não cabem mais recursos à decisão.
Pela defesa da informação
A decisão final do recurso do processo
nº 2007.800.001395-4, no 8º Juizado Especial Criminal, foi promulgada no dia 5 de
abril de 2009 e publicada em diário oficial
no dia 24 do mesmo mês. Segundo o parecer
do processo, a intenção da matéria foi de
apenas informar e contestar o demonstrativo
de despesas da gestão anterior e não difamar
ou ofender a honra dos participantes que
dirigiram o Sindicato entre 2004 e 2006.
A decisão da justiça mostra que a
transparência e a prestação de informações
à categoria deve nortear a gestão sindical.
Além disso, demonstra que as questões relativas às divergências políticas devem ser feitas no âmbito das instâncias representativas
e legítimas e não por meio de interferência
da justiça burguesa no espaço sindical.
No IV Congresso do Sintuperj, os
trabalhadores da Uerj/Uenf aprovaram
uma moção de repúdio à criminalização
dos movimentos sociais e do uso da justiça
burguesa por este grupo de servidores,
além de manifestarem solidariedade à atual
direção do Sindicato.
Entenda o caso
Em setembro de 2006, o Jornal
do Sintuperj publicou a matéria “uma
radiografia do caos – Diretoria anterior
deixa finanças do Sintuperj no vermelho”.
Na matéria, a diretoria eleita naquele
ano demonstra, através da exposição
do extrato bancário da entidade, que as
finanças do Sindicato estavam negativas.
O valor do débito era de R$ 6.097,62.
A matéria também ressaltava que
além do déficit deixado, a antiga gestão
não tinha realizado uma prestação de
contas transparente e também não havia
publicado em qualquer meio de comunicação os balanços consolidados dos gastos
do Sindicato. O texto do jornal ainda faz
criticas à dilapidação do patrimônio do
Sintuperj e ao grande número de desfiliações que ocorreram na época.
Após a publicação da matéria no
Jornal do Sintuperj, o grupo de servidores da gestão anterior impetrou uma
queixa-crime contra o Conselho Editorial, jornalista e diagramador, utilizando
como base a Lei de Imprensa instituída
durante a ditadura militar. Esta Lei foi
criada com o intuito de censurar e cercear o direito à liberdade de expressão
da imprensa e punir judicialmente jornalistas e jornais. Desta forma, os militares
justificavam a censura e o fechamento
de vários órgãos da imprensa.
Este ano, o Supremo tribunal
Federal considerou a Lei de Imprensa
inconstitucional e revogou a lei.
Trabalhadores na luta contra política
de desmonte do serviço público
Reitoria e Governo do Estado não realizam concursos sob regime
estatutário e são coniventes com a exploração dos contratados
Não é novidade para ninguém que
o serviço público no estado do Rio de
Janeiro passa por um grave processo de
desmonte ao longo dos últimos governos
e, principalmente, durante a gestão de
Sérgio Cabral. Esta política de descaso
com o bem público se reflete diretamente
nas instituições de ensino e saúde do
Estado. A Uerj e o Hospital Universitário
Pedro Ernesto (Hupe) ilustram, hoje, o
quadro de entrega do serviço público à
iniciativa privada. Um quadro de precarização das relações de trabalho e,
consequentemente, queda da qualidade
dos serviços oferecidos.
Em defesa do concurso público sob
regime estatutário para recompor o quadro
de servidores e da melhoria das condições
de trabalho para os técnico-administrativos e docentes, o Sintuperj, juntamente
com a Asduerj e o DCE, promoveu um ato
público no dia 3 de junho.
Defasagem vem de longa data
Desde 1994, a Uerj não realiza um
amplo concurso público. Em 2001 ainda
foi promovido um concurso para cargos
de nível superior e médio que não foi suficiente para suprir todas as demandas da
universidade. Segundo dados do Centro de
Tecnologia e da Informação e Comunicação
do Estado do Rio de Janeiro (Proderj) e
da Superitendência de Recursos Humanos
(SRH), o número de servidores técnicoadministrativos da Uerj caiu de 4.642, em
2002, para 4.065, em 2009. Uma redução
de 577 trabalhadores. Situação parecida
ocorre com o Hupe, que em 2002 contava
com 2.165 servidores e hoje resiste com
apenas 1.936.
Serviço Público? Onde?
A terceirização dos serviços, tanto da
Uerj como do Hupe, tem sido a estratégia
adotada pela reitoria para reduzir os gastos
com pessoal. Este mesmo artifício impõe
aos trabalhadores desde condições precárias
de trabalho até atraso de pagamentos. Em
outras palavras, implica na desvalorização
do trabalho e exploração do trabalhador,
sob a aprovação da reitoria e conivência
do governador.
Outro método utilizado exaustivamente nos últimos anos é a contratação de
pessoal sem concurso público. O trabalhador é contratado para exercer as mesmas
funções de um servidor técnico-administrativo estatutário, mas recebe a metade
do salário dos servidores efetivos.
Concurso na Uerj é
coisa do passado
Em 2003, o quadro de profi ssionais do Hupe teve uma redução de 241
auxiliares de enfermagem, que até hoje
não foram repostos integralmente. Além
disso, nenhum dos profissionais que pre-
encheu as vagas foi admitido por meio
de concurso público. Alguns setores do
hospital funcionam com trabalhadores
que resistem em não se aposentar
por não haver substitutos para suas
funções. O mesmo ocorre em diversas
outras unidades da Uerj.
A quem querem enganar?
Diante das insistentes críticas e
exigências dos trabalhadores técnicoadministrativos, a reitoria vem, sistematicamente, alegando falta de recursos
para a realização de novos concursos.
Tenta ganhar tempo, também, com o
argumento de que está verificando quais
são as áreas de maior carência, como se as
necessidades não fossem feridas abertas
que qualquer um pode ver. Resta saber
até quando a dupla reitoria/governo estadual continuará pensando que engana
a classe trabalhadora.
JUNHO DE 2009 | JORNAL DO SINTUPERJ
7
Rio de Janeiro
Cotas abre espaço para a democratização da universidade
Apesar disso, TJ suspendeu lei que garante a reserva de vagas nas universidades estaduais
A discussão sobre o sistema de cotas
tomou novos contornos nas últimas semanas.
No dia 25 de maio, o Tribunal de Justiça (TJ)
suspendeu a Lei 5.346 que prevê a reserva
de vagas nas universidades estaduais do
Rio. A medida começará a valer a partir do
vestibular do próximo ano. O secretário de
Ciência e Tecnologia, Alexandre Cardoso,
esteve na Uerj logo depois da decisão. Ele e
o reitor Ricardo Vieiralves se posicionaram
a favor do sistema e prometeram levar a
questão para o Supremo Tribunal Federal.
A liminar foi concedida ao deputado
Flávio Bolsonaro (PP) e seu principal
argumento é que a Lei de Cotas provoca o
acirramento da discriminação. No entanto,
para Jocelene Ignácio, militante do Movimento
Negro que participou do Pré-Congresso do
Sintuperj sobre questões de gênero e raça,
o argumento é fraco: “a discriminação social
e racial existe independente de o estudante
ser cotista ou não”, afirma.
A estudante cotista Suzy dos Santos
concorda. Aluna do curso de história na Uerj,
ela acredita que as cotas são necessárias
enquanto não houver mais investimentos
em educação. “A minha esperança é que no
futuro isso não seja mais preciso e que a
educação seja igual para todos”.
Uerj reagiu
Na semana seguinte à liminar, o DCE
e grupos de alunos do movimento negro, e
cotistas de modo geral, realizaram um ato
público no Hall do Queijo. Eles protestavam
contra a suspensão da lei.
Para o coordenador de Formação do
Sintuperj, Alberto Dias, embora a reserva
de vagas seja uma ação afirmativa, a sua
adoção é uma medida paliativa e não pode
ser encarada como única solução possível.
“Não se pode dizer que as cotas
resolvem os problemas históricos da
exclusão social, mas ajudam a criar um
grande debate na sociedade e chamar a
atenção para o problema” afirma.
Uerj foi pioneira ao implantar as cotas
A Uerj foi a primeira universidade do país a aderir ao sistema de cotas em 2003,
em cumprimento a duas leis estatuais que previam a reserva de vagas. Depois de
alterações em alguns critérios, podem concorrer às cotas, hoje, pessoas que possuam
renda per capita bruta no valor máximo de R$630. Além disso, o candidato deve
optar por uma das categorias: alunos oriundos da rede pública, negros, pessoas
portadoras com deficiência, indígenas e filhos de policiais, bombeiros e inspetores
de segurança e penitenciários mortos ou incapacitados em serviço. Assim, as cotas
não são exclusivamente raciais como muitos acreditam.
Traços da desigualdade
Mesmo que a Constituição brasileira
garanta a igualdade perante a lei, isso não
acontece na prática. O estudo “Retrato
das Desigualdades” apresenta diversos
dados sobre a vida social no Brasil. A
pesquisa foi elaborada pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com
a colaboração de diversas instituições. Os
indicadores mostram que a população negra
é a que possui menor grau de escolarização,
depende mais do Sistema Único de Saúde
(SUS), tem menor expectativa de vida etc.
Os dados mostram que, quando
se trata de educação, é evidente que
o acesso é diferenciado entre grupos
sociais. “Os estudantes pobres e negros,
em sua maioria, ficavam excluídos pela
sua condição econômica e não pelo
mérito” analisa Alberto. O coordenador
sugere que o debate sobre as cotas
deveria ser intensificado e que a solução
não passa pela suspensão da reserva de
vagas. “Mesmo com as cotas, o problema
não está resolvido” conclui Alberto.
Brasil
Fasubra decide se desfiliar da CUT
Congresso teve participação recorde: quase mil delegados
O XX Congresso Nacional da Federação
de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (Fasubra) realizado
de 10 a 16 de maio, em Minas Gerais, foi
considerado histórico por alguns aspectos:
teve participação recorde de delegados,
criou três novas coordenações e votou
pela desfiliação da Central Única dos Trabalhadores. A decisão coube aos 518 votos
a favor, contra 454 delegados que não
aceitaram a proposta.
A Fasubra é uma entidade com 45
sindicatos filiados, de praticamente todas
as universidades públicas do país. Ela
representa mais de 150 mil trabalhadores
técnico-administrativos. Apesar dos votos
a favor da central, a derrota da CUT neste
congresso é sintomática, tanto do ponto de
vista político quanto simbólico.
O Sintuperj entende que o posicionamento de uma central sindical deve, em
toda circunstância, defender os trabalhadores, independentemente de governos e
partidos políticos.
Alguns avanços
Os 972 técnico-administrativos presentes no congresso, que é o maior fórum
deliberativo da categoria, discutiram
durante seis dias os próximos passos da
Federação. A nova diretoria assume a
entidade até 2011 e traz na pauta a preocupação em aprofundar discussões sociais
importantes para os trabalhadores, como
raça, previdência e gênero.
A criação das coordenações de Raça
e Etnia, Mulher Trabalhadora e Seguridade
Social são a mostra da necessidade de se
pensar e desenvolver projetos que estão
para além do dia-a-dia dos servidores.
Deliberações do Congresso
Os delegados presentes no Congresso
deliberaram pela filiação da Fasubra à Internacional do Serviço Público (ISP), entidade com
sede na França e que agrupa 635 sindicatos
filiados em 156 países. A ISP agrupa instituições públicas de diversos setores – desde
saneamento à educação – e tem como proposta
fortalecer o serviço público no mundo.
Também ficou decidida a participação
da Fasubra na criação da Confederação dos
Trabalhadores e Trabalhadoras das Universidades da América Latina (Contua). O congresso de criação da entidade foi realizado
de 2 a 6 de junho deste ano, no Panamá. A
idéia de criação desta entidade é unificar
as lutas e demandas dos trabalhadores das
universidades latino-americanas. A Fasubra
assumiu posições no Conselho Consultivo e
na Secretaria Executiva da Contua.
Discussões não se esgotaram
As polêmicas geradas, especialmente
referentes à desfiliação da CUT e filiação à ISP,
além da ocasião da eleição da nova diretoria
que assumiu a Fasubra no biênio 2009/2011,
acabaram por encurtar o tempo de discussões
sobre outros temas. Por essa razão, a plenária
deliberou por realizar um congresso extraordinário, que deve acontecer até julho do ano
que vem, para debater estrutura sindical e a
reformulação do Estatuto da Fasubra. Também
será realizada uma plenária para deliberar sobre educação, conjuntura, seguridade social,
saúde do trabalhador e concepção de Estado.
“
“
JORNAL DO SINTUPERJ | JUNHO DE 2009
8Entrevista
com Ricardo Antunes
Imaginar que estamos isentos
da crise é um completo equívoco
Arquivo Sintuperj
O sociólogo Ricardo Antunes fala ao
Jornal do Sintuperj sobre a acentuada
crise do capitalismo, seus efeitos no
mundo e, especialmente, para a classe
trabalhadora. Antunes também avalia
o papel do sindicalismo neste processo
e a atuação da esquerda, que deve
procurar e discutir novas formas
de organização do mundo.
Ricardo Antunes é sociólogo, professor do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Unicamp e autor, entre
outros, dos livros O Caracol e sua
Concha: Ensaios sobre a Nova
Morfologia do Trabalho e Lukacs,
um Galileu no século XX.
Por Filipe Cabral
JORNAL DO SINTUPERJ: Vivemos uma
crise pior do que a de 1929?
Ricardo Antunes: Ela é mais destrutiva
que a crise de 1929. Nós não tínhamos,
naquela época, uma destruição ambiental
e da força humana de trabalho na proporção que temos hoje. Nesses dois pontos, a
amplitude da crise, enquanto tendência,
é mais profunda que a de 1929. Naquela
época, acreditava-se que o keynesianismo
salvaria o capitalismo da crise. Hoje nós já
temos certeza que nem Keynes, nem um
neo-keynesianismo vai nos salvar desta
crise. O capitalismo pode perdurar por
muito tempo, mas será um longo ciclo depressivo, com o efeito da crise alterando e,
portanto, devastando socialmente cada vez
mais áreas da humanidade. Neste sentido,
eu penso que a crise tenha uma dimensão
mais poderosa que a de 1929.
JORNAL DO SINTUPERJ: O governo tentou vender a idéia de que a crise não teria reflexos no Brasil. A versão brasileira
da crise seria apenas uma marolinha. O
senhor concorda com esta idéia?
Ricardo Antunes: A idéia da “marolinha”,
do Lula, já entrou para o folclore nacional.
É um completo equívoco. Primeiro porque,
na economia globalizada, hoje, um país não
está imune ao que se passa com o resto
do mundo. A partir de 2007, nos países
do norte, o surto de crescimento bateu no
pico e começou a cair. Em 2006 e 2007 o
Brasil começou a subir. Ou seja, o Brasil
começou a subir um pouquinho quando as
economias centrais já estavam em crise.
Segundo dados do IBGE, em dezembro tivemos a perda de quase 700 mil postos de
trabalho e o PIB brasileiro tem enxugado.
Imaginar que nós estamos isentos da crise
é um completo equívoco.
JORNAL DO SINTUPERJ: Algumas correntes de pensamento européias chegaram
a declarar “o fim do trabalho”. Em seus
livros você propõe uma “nova morfolo-
gia do trabalho”. O que seria essa nova institucionalizado. Com a reestruturação
produtiva do capital, a partir dos anos 70,
morfologia?
Ricardo Antunes: Ao mesmo tempo em o avanço técnico-científico e o processo
que o operário não é mais o mesmo, nós de terceirização, as empresas se horizontemos um novo proletariado industrial e talizaram. O que significa isso? 75% do
de serviços. Por exemplo o telemarke- que a empresas precisavam era produzido
por elas mesmas. Hoje
ting, que possui quase
é o inverso. Muitas veum milhão de pessoas
zes uma empresa é só
hoje, fundamentaluma sede e terceirizou
mente mulheres. Sem
“Nós, o sindicalismo
tudo. Nós precisamos,
contar as trabalhadoras
de esquerda (...)
então, imaginar um
de hipermercados, os
novo sindicato. No pasmotoboys e etc. Ao
somos desafiados
sado recente do serviço
contrário do que proa saber que sociedade
público, entre dez e
põe a tese do fim da
quinze anos, não havia
classe trabalhadora,
nós queremos para
terceirização, praticaa classe trabalhadora
o século XXI: um
mente. Éramos todos
se ampliou, tornou-se
trabalhadores estáveis.
mais heterogênea e
outro modo de
Hoje, há, em função do
complexa, ou seja, há
produção e um
neoliberalismo, uma
uma nova morfologia
fratura no serviço púdo trabalho. Hoje a
outro modo de vida”
blico, de trabalhadores
classe trabalhadora é
de todo tipo. O Estado
industrial, de servifoi desorganizando e
ços e da agricultura. E
mais do que isso, não há mais três setores desunificando os trabalhadores. Os sindicaseparados, há uma convergência. Então a tos têm que compreender esse dado.
classe trabalhadora, embora haja menos
emprego, de certo modo se ampliou. A JORNAL DO SINTUPERJ: E com relação
equação dessa crise que vivemos depende às mulheres, há mudança?
fundamentalmente do nível de organização Ricardo Antunes: Houve um enorme
dos trabalhadores, das lutas sociais e da processo, em escala global e também no
capacidade de empreender alternativas para Brasil, de feminização da força de trabalho.
além do capital, na direção de um novo Além de classista, o sindicato tem que estar
atento às questões de gênero. Deve estar
modo de produção e de vida.
atento também à questão geracional. Os
JORNAL DO SINTUPERJ: Levando em sindicatos têm que ter uma política para
conta toda esta força social dos traba- a juventude. Muitos sindicatos vivem o
lhadores, como você avalia a organização processo de envelhecimento da categoria,
e vão envelhecendo junto.
sindical hoje?
Ricardo Antunes: A indústria do século
XX era burocrática e institucional. Dela JORNAL DO SINTUPERJ: Quais os desanasceu um sindicato de massa, na base, fios dos sindicatos do setor público?
mas que também foi se tornando muito Ricardo Antunes: No setor público ainda há
uma outra questão crucial, que é resgatar o
sentido público e social do trabalho público
contra o processo de privatização. O governo
Lula cansava de dizer há um ou dois anos atrás
que o maior sonho do governo era fazer as
parcerias público-privadas (PPPs), que é uma
forma de privatização usada pelos governos
social-liberais, que no fundo são parentes dos
neoliberais. Nós, o sindicalismo de esquerda,
as lutas sociais, o pensamento radical e crítico
de esquerda, do movimento estudantil, do movimento dos trabalhadores, somos desafiados
a saber que sociedade nós queremos para o
século XXI. Um outro modo de produção e um
outro modo de vida. Isto nos obriga a pensar
em um socialismo para o século XXI.
JORNAL DO SINTUPERJ: Quanto à realidade da Uerj, os trabalhadores lutam
para garantir a autonomia universitária.
Como você vê o papel da autonomia universitária e por que a luta para garantíla é tão importante?
Ricardo Antunes: É fundamental. A universidade tem que ser pública, livre, crítica e
independente. As nossas pesquisas têm que
ser rigorosas e científicas, mas não para atender os imperativos destrutivos do mercado, e
sim da humanidade. Como é que se preserva
a independência de uma universidade? Tendo
autonomia financeira. É o Estado que deve
fornecer recursos para a universidade para
que ela não seja obrigada a buscar no mercado. Esta autonomia deve aplicar-se também
na gestão da universidade. A comunidade
acadêmica deve escolher o seu gestor, com
base no seu debate e na sua mobilização. A
universidade pública tem que ser, além de
tudo, gratuita. As universidades paulistas
só conseguiram autonomia depois de uma
grande greve em 1988. Nossos conselhos
universitários são os responsáveis pela gestão
financeira da universidade. Nós negociamos
nossa carga salarial diretamente com o Reitor,
não com o governador. É triste que o Governo
use desses recursos jurídicos para travar e
ferir os direitos da universidade pública.
JORNAL DO SINTUPERJ: O Sintuperj
vem sistematicamente promovendo
ações para o fortalecimento da classe
trabalhadora, como os Congressos e
Pré-congressos. Esse é o caminho para
vencermos situações como a da crise?
Ricardo Antunes: É decisivo promover
discussões aprofundadas. Até porque os
sindicatos só vão tocar nas questões vitais,
hoje, se nós conseguirmos entender quais
são as questões que vêm destruindo a humanidade. A realização de debates e congressos
é fundamental para que haja uma relação
entre direção e base. Mobilização e conscientização. A onda neoliberal quebrou a
atuação coletiva. Nós temos que, cotidianamente, lutar para que ela não acarrete uma
conseqüência ainda mais grave. É preciso,
portanto, combater a lógica do capital.
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Jornal do Sintuperj nº 24