Universidade Federal de São João del-Rei Coordenadoria do Curso de Química Compostos orgânicos voláteis e a sua importância no contexto ambiental Ana Cláudia dos Santos São João del-Rei – 2014 COMPOSTOS ORGÂNICOS VOLÁTEIS E A SUA IMPORTÂNCIA NO CONTEXTO AMBIENTAL Monografia de Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado no 2º semestre do ano de 2014 ao Curso de Química, Grau Acadêmico Bacharelado, da Universidade Federal de São João del-Rei, como requisito parcial para obtenção do título Bacharel em Química. Autora: Ana Cláudia dos Santos Docente Orientadora: Dra. Stella Maris Resende Modalidade do Trabalho: Dissertação São João del-Rei – 2014 RESUMO: Os compostos orgânicos voláteis biogênicos, emitidos principalmente pelas Florestas Tropicais, desempenham um papel importante na química da atmosfera, particularmente na Troposfera. Ao serem oxidados, levam à produção de ozônio na Troposfera, o qual é um gás tóxico que causa doenças respiratórias, prejudica a fauna e a flora, além de destruir monumentos e construções. Os compostos orgânicos voláteis também levam à formação dos aerossóis orgânicos secundários, que podem alterar as propriedades das nuvens e consequentemente o clima do planeta. Dessa forma, nesse trabalho, serão apresentados os principais compostos orgânicos voláteis emitidos de fontes biogênicas, principalmente na região Amazônica, e a sua importância no contexto ambiental. SUMÁRIO 1. Introdução 01 2. Emissões de compostos orgânicos voláteis pela vegetação 02 3. Transformações químicas na Troposfera 07 3.1 Capacidade oxidante da atmosfera 09 3.2 Compostos orgânicos voláteis e a formação do ozônio troposférico 10 3.3 Compostos orgânicos voláteis e a formação dos aerossóis 12 3.3.1 Núcleos de condensação de nuvens 12 4. Considerações Finais 14 5. Referências Bibliográficas 15 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 1. INTRODUÇÃO Compostos orgânicos voláteis (COVs) são substâncias com elevada pressão de vapor, ou seja, são facilmente vaporizados às condições de temperatura e pressão ambientes. Os COVs abrangem hidrocarbonetos saturados e insaturados (alcanos e alcenos) e hidrocarbonetos oxigenados, como ácidos carboxílicos, aldeídos, cetonas, éteres, ésteres e álcoois. Os COVs também são classificados como sendo qualquer composto de carbono que participa das reações fotoquímicas que ocorrem na atmosfera, com exceção do monóxido de carbono e do dióxido de carbono. (Martins, 2004; Schirmer & Lisboa, 2008; Ligor et al., 1998) O aparecimento dos COVs na atmosfera coincide com o início da vida terrestre, com o surgimento das plantas e dos microrganismos que levaram à conversão dos gases produzidos por processos biogeoquímicos em moléculas orgânicas. A partir dessa época, os COVs têm participado do ciclo do carbono, controlando o conteúdo de compostos orgânicos no ar, solo e água. No entanto, a partir da Revolução Industrial, o aumento da quantidade de materiais descartados pelas atividades humanas modificou o balanço natural dos COVs na atmosfera. (Aquino, 2006) Os COVs são oriundos tanto de fontes antropogênicas (geradas pela atividade humana) como fontes biogênicas (provenientes de matéria viva). As fontes biogênicas são as plantas, emissões metabólicas de alguns microrganismos e os ruminantes, que produzem e liberam o metano. As principais fontes antropogênicas são a combustão (vinda das emissões veiculares), armazenamento e transporte de combustíveis, emissões industriais, uso de solventes e a evaporação de COVs provenientes dos materiais de construção. (Aquino, 2006; Brickus & Neto, 1998; Macêdo, 2006; Alves & Pio, 2006) Embora haja incertezas, estimativas indicam que aproximadamente 1,8 bilhões de toneladas de COVs são emitidos por ano na atmosfera, onde 500 milhões toneladas são de hemiterpenos e 130 milhões de monoterpenos. Estima-se, também, que as emissões biogênicas são 7 vezes maiores que as emissões de COVs antropogênicas. (Aquino, 2006) Uma importante fonte de emissão de COVs biogênicos são as Florestas Tropicais e os compostos mais emitidos são os hemiterpenos e os monoterpenos. Nas regiões tropicais, a grande disponibilidade de radiação solar e a grande quantidade de vapor de água na atmosfera são características que favorecem uma alta reatividade química, levando à geração de gases-traço por meio do seu metabolismo natural e exercendo um papel fundamental no funcionamento do clima global, em função da formação de aerossóis, que 1 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 são partículas suspensas no ar. (Artaxo et al., 2009; Rizzo, 2006) Na Amazônia, uma significativa fração de carbono emitida da biosfera para a atmosfera é de fonte biogênica e ela é a Floresta Tropical mais extensa do mundo, com uma área de 6,3 Km². (Aquino, 2006) Este trabalho tem por objetivo dissertar sobre os COVs emitidos de fontes biogênicas, principalmente da região Amazônica, bem como de outras Florestas Tropicais, apresentando a sua importância no contexto ambiental. 2. EMISSÕES DE COMPOSTOS ORGÂNICOS VOLÁTEIS PELA VEGETAÇÃO As plantas, quando estão em processos fisiológicos, ou seja, crescimento, manutenção, decomposição e consumo, emitem COVs para a atmosfera. (Tavares, 2012; Artaxo et al., 2009) Durante a fotossíntese, elas fixam de 0,5% a 2% de carbono e emitem, na presença de luz, taxas elevadas de COVs para a atmosfera. As plantas armazenam compostos como hemiterpenos (5 carbonos), monoterpenos (10 carbonos), sesquiterpenos (15 carbonos), álcoois, ácidos, aldeídos, cetonas e ésteres, em diferentes órgãos. (Tavares, 2012) Como mencionado anteriormente, as Florestas Tropicais são as principais fontes de COVs biogênicos e a região Amazônica contribui com a maior parte. Nessa região, a quantidade de espécies é da ordem de 105, sendo cada uma delas responsável por uma forma própria de emissão de COVs. (Artaxo et al., 2009; Kellelmeier et al., 2000) A Figura 1 mostra os COVs biogênicos emitidos mais abundantemente pela vegetação. Dentre esses, os mais comuns são do tipo alcenos ou cicloalcenos, como os terpenos. Desta maneira, a maioria dos estudos a respeito de COVs envolvem apenas hemiterpenos e monoterpenos. Os compostos do tipo alceno possuem meia vida curta na atmosfera, uma vez que possuem ligação dupla carbono-carbono, que são mais aptas a ataques químicos do que ligações carbono-carbono simples. Portanto, eles são altamente reativos, sobretudo frente aos oxidantes atmosféricos mais comuns: O3, NO3• e •OH, como pode ser observado na Tabela 1.(Aquino, 2006; Schirmer e Quadros, 2010) 2 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 Figura 1. Compostos Orgânicos Voláteis emitidos pela vegetação. (Seinfeld & Pandis, 2006) Tabela 1. Tempo de vida estimado de alguns COVs biogênicos na atmosfera. (Aquino, 2006) COVs Hemiterpeno Monoterpenos Oxigenados isopreno α-pineno β-pineno canfeno 2-careno 3-careno limoneno terpinoleno formaldeído acetaldeído acetona Tempo de vida em função da reação com: •OH O3 NO3• 1,7 hora 1,3 dia 0,8 hora 3,4 horas 4,6 horas 2,0 horas 2,3 horas 1,1 dia 4,9 horas 3,5 horas 18 dias 1,5 dia 2,3 horas 1,7 hora 36 minutos 2,1 horas 10 horas 1,1 hora 1,1 hora 1,9 hora 53 minutos 49 minutos 17 minutos 7 minutos 1,5 hora 80 dias 11 horas 17 dias 66 dias Concentração de •OH: 0,06 ppt. Concentração média de 24h de O3: 30 ppb. Concentração média de 12h de NO3•: 1 ppt. 3 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 Em menor concentração, aparecem outros hidrocarbonetos (alcanos) e compostos oxigenados: álcoois, éteres, cetonas, aldeídos, ácidos orgânicos, dentre outros (Figura 2). (Schirmer e Quadros, 2010) Figura 2. Exemplos de COVs oxigenados emitidos pela vegetação. As emissões biogênicas de COVs variam de acordo com alguns fatores físicos e biológicos, como espécie da planta, temperatura ambiente e das folhas, umidade, densidade da folha, radiação solar, concentração de CO2 no ambiente, período do dia, estação do ano (a emissão é maior no verão) e até mesmo poluição do ar. Além destes fatores, outros quesitos que parecem influenciar na emissão dos COVs são o metabolismo da planta e a área específica da folha. (Schirmer e Quadros, 2010; Kellelmeier, 2000) Diferentes compostos são produzidos em diferentes partes da planta e em diversos processos fisiológicos. A Figura 3 mostra um diagrama esquemático do mecanismo de produção de alguns COVs emitidos, enfatizando o fato dos COVs biogênicos serem produzidos em diferentes tecidos e compartimentos das plantas e serem produtos de diversos processos fisiológicos. Acredita-se que tais compostos sejam emitidos para a atmosfera como resultado de diferentes funções biológicas das plantas como, por exemplo, mecanismo de defesa contra o ataque de herbívoros e invasão de outras espécies de plantas. (Finlayson-Pitts & Pitts, 1999; Schirmer e Quadros, 2010) 4 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 Figura 3. Diagrama esquemático do mecanismo de produção de alguns compostos orgânicos voláteis emitidos. (Finlayson-Pitts e Pitts, 1999) Os hemiterpenos (isoprenos) são os únicos entre os COVs biogênicos que possuem relação com a fotossíntese das plantas. São emitidos de uma grande variedade de plantas, principalmente na presença de radiação, e apresentam aumento de emissão com aumento da temperatura. Os hemiterpenos emitidos parecem ser formados como subproduto de fotossíntese ou fotorrespiração ou ambos, pois não há evidências de que eles são metabolizados ou armazenados pelas plantas. Dessa forma, as emissões de hemiterpenos são dependentes de luz e calor, não sendo emitidos sem iluminação. (Seinfeld & Pandis, 2006; Finlayson-Pitts & Pitts, 1999; Guenther, 2001) Acredita-se que a dependência da luz e da temperatura é consequência de um mecanismo enzimático de produção de hemiterpeno na planta, que envolve a síntese do mesmo a partir do difosfato de dimetilalilo (DMAPP). A enzima ou o DMAPP, ou até mesmo ambos, podem ser sensíveis à luz. O efeito da temperatura está relacionado à dependência da atividade enzimática com a mesma. (Finlayson-Pitts e Pitts, 1999) Os monoterpenos, ao contrário dos hemiterpenos, parecem ser liberados por processos biofísicos, associados com a quantidade deles presente nas folhas e devido à alta pressão de vapor dos mesmos. Como resultado, as emissões de monoterpenos não dependem fortemente da luz e continuam ocorrendo durante a noite, mas aumentam com o 5 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 aumento da temperatura. (Seinfeld & Pandis, 2006; Finlayson-Pitts & Pitts, 1999; Guenther, 2001) Dados da literatura indicam que um aumento na temperatura ambiente de 25 para 35 ºC pode aumentar a emissão de hemiterpenos em quatro vezes e aumentar a emissão de monoterpenos por um fator de 1,5. (Seinfeld & Pandis, 2006) Os terpenos são biossintetizados a partir de diferentes tipos de rotas e uma delas é mostrada na Figura 4. Figura 4. Rota para a biossíntese de terpenos. (Taiz & Zeiger,2004) Na rota da formação do ácido mevalônico, três moléculas de acetil CoA são ligadas, a partir de uma série de etapas. Esse composto de seis carbonos é então pirofosforilado, descarboxilado e desidratado para produzir o isopentenil difosfato (IPP), que é a base na formação dos terpenos. (Taiz & Zeiger, 2004) O IPP e seu isômero, o dimetilalil difosfato (DMAPP) são compostos pentacarbonados ativos na biossíntese dos terpenos que se unem para formar moléculas maiores. Primeiramente o IPP e o DMAPP reagem e formam o geranil difosfato (GPP), uma 6 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 molécula de 10 carbonos, a partir da qual são formados os monoterpenos. O GPP pode, então, ligar-se a outra molécula de IPP, formando precursores para terpenos maiores. (Taiz e Zeiger, 2004; Finlayson-Pitts e Pitts, 1999). O isopreno, o mais importante hemiterpeno, tem um papel importante na química atmosférica global, pois representa 25% da emissão total de COVs na atmosfera. No entanto, sua concentração na atmosfera não é muito significativa, uma vez que ele é extremamente reativo e contribui na formação do ozônio e de outros oxidantes. Ele reage com os radicais •OH e NO3•, com O3, se transforma por processos químicos de fotólise, contribuindo na produção de material particulado e no ciclo do carbono. (Aquino, 2006) A Tabela 2 apresenta uma estimativa das emissões globais anuais de hemiterpenos, monoterpenos e outros COVs. (Aquino, 2006) Tabela 2. Estimativa global anual de emissão de COVs biogênicos. (Aquino, 2006) Compostos Fontes naturais Emissão anual global estimada (TgC) Metano Fermentação entérica de animais 319-412 Isopreno Vegetação 175-503 Terpenos Vegetação 127-480 Outros COVs Vegetação, solos ~260 TgC: Teragramas de carbono. Algumas espécies de madeira são emissoras de hemiterpenos, tais como carvalhos, álamos e pau-ferro. Também são emitidos a partir de plantas, incluindo arbustos, tojo, trepadeiras e samambaias e por fitoplânctons marinhos, bactérias, fungos e em alguns processos industriais. (Finlayson-Pitts & Pitts, 1999) As árvores coníferas possuem uma variedade maior de fontes de terpenos maiores, como os monoterpenos. As emissões de monoterpenos também ocorrem em plantas como pinheiros, carvalhos e giestas. (Finlayson-Pitts & Pitts, 1999) 3. TRANSFORMAÇÕES QUÍMICAS NA TROPOSFERA A atmosfera se divide em duas principais regiões: a Troposfera e a Estratosfera, de comportamentos diferentes (Figura 5). A Troposfera se estende desde a superfície terrestre até cerca de 15 Km de altitude e possui cerca de 85% da massa da atmosfera. Nela acontece a maior parte das reações químicas. Já a Estratosfera se localiza acima da 7 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 Troposfera e atinge de 15 a 50 Km de altura; cerca de 90% do ozônio contido na atmosfera está presente nessa camada. (Mozeto, 2001; Martins et al., 2003) Figura 5. Principais regiões da atmosfera: Troposfera e Estratosfera. Os principais componentes da atmosfera são o nitrogênio diatômico (N2) com 78%, o oxigênio diatômico (O2) com 21%, o argônio (Ar) com 1% e o gás carbônico (CO2) com cerca de 0,04%. Essa mistura de gases aparenta não reagir na baixa atmosfera mesmo em temperaturas e intensidade solares muito altas. No entanto, muitas reações ambientalmente importantes ocorrem no ar continuamente (Troposfera), estando o mesmo poluído ou não. (Mozeto, 2001) A maior parte dos gases emitidos para a Troposfera possui um tempo de vida curto, uma vez que eles são destruídos nessa região por meio de reações químicas e/ou interação com radiação solar. Na maior parte das vezes, essas reações ocorrem com radicais livres, que são altamente reativos, e provocam a oxidação dos compostos em questão. Outro fator importante é a alta quantidade de vapor de água, que é fonte dos radicais hidroxila (•OH). (Aquino, 2006) Os oxidantes fotoquímicos são formados na atmosfera como consequência de reações químicas envolvendo compostos orgânicos, óxidos de nitrogênio, oxigênio e radiação solar, sendo denominados como poluentes secundários. (Aquino, 2006; Dallarosa, 2005) O ozônio é considerado o principal produto das reações químicas que ocorrem na Troposfera e a sua formação está relacionada com as concentrações de COVs e de NOx. Ele também é considerado o mais importante oxidante fotoquímico, e em altas concentrações pode causar diversos danos à flora e à fauna, às construções e monumentos. (Dallarosa, 2005) 8 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 3.1 CAPACIDADE OXIDANTE DA ATMOSFERA Dentre os oxidantes atmosféricos, a alta reatividade do radical hidroxila leva à oxidação da maioria dos constituintes-traço presentes na atmosfera. As reações com este radical predominam na Troposfera durante o dia, oxidando vários hidrocarbonetos. Seu tempo de vida é de cerca de 1 segundo. Algumas espécies que sobrevivem (por exemplo, N2O, CH4, CH3Cl) são transportadas para a Estratosfera, onde produzem os radicais NOx, HOx e ClOx, que irão destruir a camada de ozônio. (Finlayson-Pitts & Pitts, 1999; Trostdorf, 2004) O radical hidroxila pode ser formado por reações fotoquímicas, ou seja, pela absorção de radiação solar na região do ultravioleta. Inicialmente, a radiação UV do sol quebra o O3 em uma molécula de oxigênio e em oxigênio elementar (reação 1), o qual reage com vapor de água formando o radical hidroxila (reação 2): (Finlayson-Pitts & Pitts, 1999; Atkinson & Arey, 2003) O3 + hv → •O + O2 (1) •O + H2O → 2 •OH (2) Enquanto o radical hidroxila é gerado fotoquimicamente durante o dia, o radical nitrato (NO3•) é gerado por fotólise e sobrevive somente à noite. O radical nitrato domina como radical oxidante à noite, pois, embora seja menos reativo que o radical hidroxila, ele está em maior concentração. (Trosrdorf, 2004) A formação do radical nitrato na atmosfera pode ser visualizada por meio das reações abaixo: N2 + O2 → 2 NO (3) NO + O3 → NO2 + O2 (4) NO2 + O3 → NO3• + O2 (5) Os gases NO2 e NO são bastante importantes nas reações atmosféricas. Designados como NOx, alcançam a atmosfera a partir de processos naturais e também da combustão de 9 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 veículos. Eles reagem com os COVs na atmosfera, principalmente quando ativados pela radiação solar, formando uma variedade de oxidantes fotoquímicos que são gases altamente agressivos. (Schirmer & Lisboa, 2008) 3.2 COMPOSTOS ORGÂNICOS VOLÁTEIS E A FORMAÇÃO DO OZÔNIO TROPOSFÉRICO Os COVs podem reagir com a hidroxila de duas maneiras: por adição da hidroxila ou por abstração de hidrogênio. Se a cadeia do composto é saturada, como nos alcanos e cicloalcanos, o processo é feito pela abstração do hidrogênio, como mostra a reação 6. Se as cadeias forem insaturadas, como nos alcenos, o processo é feito pela incorporação do radical OH ao composto. Os dois processos levam à formação de um radical alquila (R•), que irá reagir com o oxigênio atmosférico (O2), reação 7, formando então os radicais peróxidos de alquila (RO2•). (Galvão, 2014) RH + •OH → R• + O2 → R• + H2O RO2• (6) (7) O radical peróxido de alquila representa qualquer molécula orgânica com número variável de átomos de carbono, porém ligados a dois oxigênios (O2). (Galvão, 2014) Esses radicais RO2• reagem com o óxido nítrico (NO) presente na atmosfera, oxidando-o a dióxido de nitrogênio (NO2), o qual, na presença de radiação solar, se decompõe em NO•, liberando um átomo de oxigênio. Este, por sua vez, irá combinar com o O2 e formar o ozônio (O3), (Finlayson-Pitts & Pitts,1999; Galvão, 2014), conforme exemplificado pelas reações 8 a 10: RO2• + NO → NO2 + RO• (8) NO2 + hv → NO + O• (9) O• + O2 → O3 (10) 10 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 Este ciclo torna-se permanente, mantendo a concentração de ozônio constante. (Schirmer & Quadros, 2010) Um exemplo de reação com o radical hidroxila utilizando o metano é mostrado a seguir (vanLoon & Duffy, 2000): CH4 + •OH → •CH3 + H2O (11) •CH3 + O2 → CH3OO• (12) CH3OO• + NO → CH3O• + NO2 (13) CH3O• + O2 → CH2O + HOO• (14) O RO• formado (nesse caso, CH3O•) reage com O2 formando um aldeído, que é uma molécula estável. (vanLoon & Duffy, 2000) As reações dos COVs com o radical nitrato e com o ozônio são mais complexas. Quando os isoprenos e terpenos reagem com o NO3•, formam carbonilas nitradas e o NO2, que é precursor na formação do ozônio. Em reação com o ozônio, formam ácidos carboxílicos, aldeídos ou cetonas, além do O2, que é também precursor na formação do ozônio. (Atkinson & Arey, 2003) O aumento da concentração dos COVs na Troposfera aumenta a concentração de radicais livres, substituindo o O3 na oxidação do NO. O ozônio, portanto, não sendo utilizado, irá ficar em concentrações altas na Troposfera, atingindo níveis alarmantes. (Schirmer & Quadros, 2010; Schirmer & Lisboa, 2008) Na Estratosfera, o ozônio absorve raios ultravioletas, protegendo a vida na Terra, mas na Troposfera é um forte poluente e um poderoso oxidante, muito prejudicial ao meio ambiente e aos seres humanos. (Corrêa et al., 2012) Ele é um gás tóxico que causa efeitos negativos na saúde humana como tosse, dores de cabeça, náuseas e falta de ar. (Artaxo et al., 2005) 11 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 3.3 COMPOSTOS ORGÂNICOS VOLÁTEIS E A FORMAÇÃO DOS AEROSSÓIS As reações de COVs biogênicos também estão associadas à formação de aerossóis, partículas intensamente relacionadas às mudanças climáticas. Reações com terpenos, por exemplo, são rápidas e geram partículas de aerossóis de pelo menos 10 nm de diâmetro. (Schirmer & Quadros, 2010) Os aerossóis são denominados como uma suspensão de partículas na fase líquida ou sólida em meio gasoso. Essas partículas de aerossóis são formadas de diversos compostos e podem ser divididas em dois grupos: os aerossóis primários e os aerossóis secundários. Os aerossóis primários possuem diâmetros maiores que 1 µm e são compostos de aerossóis marinhos, poeira do solo, emissões vulcânicas, partículas de origem biológica entre outros; eles são emitidos diretamente para a atmosfera. Já os aerossóis secundários são formados na atmosfera pela condensação de compostos voláteis (conversão gás-partícula) emitidos das plantas, de atividades industriais e do uso de combustíveis fósseis, que geram partículas com 0,1 a 1 μm de diâmetro. (Rizzo, 2006; Claeys et al., 2004; Alves, 2005; Seinfeld & Pandis, 2006) Os compostos orgânicos voláteis emitidos das plantas, quando oxidados, formam os aerossóis orgânicos secundários (AOS). A degradação de COVs aromáticos gera grupos funcionais como ácidos carboxílicos, aldeídos, cetonas e nitratos, que possuem pressão de vapor mais baixa e uma maior solubilidade, que se acumulam na fase gasosa. No entanto, se o nível de saturação for maior, a espécie vai ser condensada na superfície do material particulado, formando um aerossol. (Rizzo, 2006; Alves, 2005; Alves & Pio, 2005) Os aerossóis atmosféricos são elementos-chave do sistema climático, como será mostrado na próxima seção. Além disso, as altas concentrações também têm efeito importante sobre a saúde da população da região amazônica, como o aumento da incidência de doenças respiratórias. (Alves, 2005; Artaxo et al., 2005; Poschl, 2010) 3.3.1 NÚCLEOS DE CONDENSAÇÃO DE NUVENS Aproximadamente 60% da superfície terrestre é coberta por nuvens, que atuam no ciclo energético das seguintes maneiras: as nuvens mais baixas e encorpadas refletem radiação solar de volta ao espaço e as nuvens mais altas e finas transmitem a radiação solar e ao mesmo tempo bloqueiam a passagem de radiação infravermelha emitida pela Terra. (Levoni et al., 1997; Yamasoe, 1999) 12 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 Para a formação de uma nuvem, as moléculas de água evaporadas agregam-se em torno de pequenas partículas de aerossóis e se condensam. Para uma partícula agir como núcleo de condensação, ela precisa ser solúvel em água, e quase a metade dos aerossóis vindos da matéria orgânica é solúvel em água, podendo atuar como núcleo de condensação de nuvens (NCN). (Artaxo et al., 2005; Artaxo et al., 2009) As nuvens que são perturbadas pela presença da grande quantidade de aerossóis têm um aumento no número de gotas devido à maior quantidade de NCN disponíveis. Logo, com o aumento do número de partículas de NCN, a disputa pelo vapor de água aumenta, ocorrendo a diminuição do diâmetro dessas gotas que irão permanecer em maior quantidade, tornando a nuvem mais densa, e consequentemente aumentando a sua refletividade. (Silva, 2012; IPCC, 2007; Poschl, 2005) O efeito albedo consiste no aumento da concentração do número de gotas de nuvens, uma vez que os diâmetros das gotas diminuíram. Dessa forma, a água líquida presente mantém-se fixa. Esse efeito torna a nuvem mais densa e, portanto, leva ao aumento de seu albedo, como mostra na Figura 6. Esse processo causa um efeito de resfriamento na temperatura, uma vez que uma maior fração da radiação solar é espalhada de volta ao espaço. (IPCC, 2007; Poschl, 2005) Figura 6. Efeito dos aerossóis no albedo da nuvem. (Alves & Pio, 2005) Acredita-se que, na Amazônia, as principais fontes de formação de NCN são os aerossóis orgânicos secundários, formados a partir da conversão gás-partícula de COVs. 13 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 Cerca de 60 a 80% das partículas de aerossóis orgânicos nessa região atuam como NCN. Foram observadas altas concentrações de aerossóis de origem orgânica na Amazônia, tanto em épocas de seca como em épocas chuvosas. (Rizzo, 2006; Artaxo et al., 2005; Poschl et al., 2010) 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os compostos orgânicos voláteis biogênicos desempenham um papel importante na química da atmosfera, particularmente na baixa atmosfera (Troposfera). A concentração desses compostos ultrapassa, muitas vezes, à das emissões resultantes da atividade humana. Esclarecer suas fontes, transformações, destinos e interações atmosféricas é fundamental para obter um melhor entendimento sobre as transformações ambientais que esses compostos causam. O ozônio presente nas camadas mais baixas da atmosfera é um poluente produzido mediante reações químicas entre os NOx e os COVs. Esse ozônio formado é nocivo devido à sua extrema capacidade oxidativa que provoca a degradação e danificação dos tecidos dos órgãos internos e assim prejudica a saúde, por exemplo, causando problemas respiratórios. Além disso, leva a uma maior formação de matéria particulada que causa impactos no clima, como a presença de aerossóis, que alteram as propriedades radioativas das nuvens. A fim de entender essas consequências e atenuar seus efeitos negativos, muitos estudos ainda estão sendo feitos para avaliar a liberação de compostos orgânicos voláteis biogênicos e a grande variedade de outros compostos químicos que são emitidos para a atmosfera. Esses experimentos na região amazônica são realizados por um programa experimental chamado LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia) que, em 2007, tornou-se um programa de governo. Esse programa foi planejado com a finalidade de gerar novos conhecimentos necessários para a compreensão dos funcionamentos principalmente do clima da Amazônia. 14 Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2014 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, C. Aerossóis atmosféricos: perspectiva histórica, fontes, processos de formação de composição química e orgânica. Quim. Nova 28, 859, 2005. ALVES, C.A.; PIO, C.A. Secondary Organic Compounds in Atmospheric Aerosols: Speciation and Formation Mechanisms. J. Braz. Chem. Soc., Portugal, v. 16, n. 5, 2005. ALVES, C. PIO, C. Determinação de hidrocarbonetos voláteis e semi-voláteis na atmosfera. Quim. Nova. V. 29, N. 3, 2006 AQUINO, C.A.B. 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