Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216
O POETA GONÇALO FERREIRA DA SILVA: UMA VISÃO DE MUNDO
PARTICULAR
Bárbara Laís Falcão da Silva Cação
(Graduanda – UNESP Assis/ FAPESP)
Francisco Claudio Alves Marques
(Orientador – UNESP Assis)
RESUMO
No dia 22 de maio de 2012, entrevistei o poeta de cordel Gonçalo Ferreira da Silva com vistas
a responder questões relacionadas com o fazer literário dos poetas populares. Com essa
entrevista pretendia ainda comprovar que os folhetos que recriam fatos noticiados pelos meios
oficiais de comunicação não só promovem a socialização e a popularização da notícia, como
também imprimem novos significados ao texto reescrito. A entrevista serviu-me também para
chegar à outra conclusão: a de que o público atual de Gonçalo – da Feira de São Cristóvão, no
Rio de Janeiro – não só recorre à leitura dos folhetos como uma forma de manter os laços com
a tradição nordestina, mas, sobretudo, para satisfazer sua sede de conhecimento e ter acesso à
literatura, satisfazendo suas necessidades de ficção e de compreensão artística.
Introdução
A produção da literatura de cordel modificou-se consideravelmente em relação
aos poetas pioneiros como Leandro Gomes de Barros e com isso, ocorreu um distanciamento
bastante perceptível entre pioneiros e contemporâneos, o que nos leva a perceber que novos
elementos começam a fazer parte do novo perfil dos cordelistas em atividade.
Ao contrário de Leandro, que teve pouquíssimo acesso à educação escolar, o
poeta cearense Gonçalo Ferreira da Silva faz uma literatura mais especializada, voltsada para
temas da atualidade e para a matéria coientífica. Apesar de ser formado em Letras pela PUC –
RJ, aproxima-se muito das visões de mundo e da composição temática de seus precursores.
Recentemente realizei uma entrevista com Gonçalo, com o objetivo de tecer
questionamentos acerca do fazer literário e demonstrar o porquê da procura intensa pelos
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folhetos noticiosos do poeta na Feira de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, principal ponto de
circulação de seus folhetos.
Por meio dos folhetos noticiosos de Gonçalo ocorre uma expansão cultural de
seus leitores, promovendo a socialização por fornecer às camadas sociais menos favorecidas
ou com menor grau de escolaridade, elementos romanescos responsáveis pela satisfação de
suas necessidades de ficção de maneira elaborada e profunda, como a literatura popular faz,
enquanto a cultura de massa atinge somente as camadas mais superficiais.
Os folhetos noticiosos de Gonçalo reelaboram um fato conhecido, geralmente
divulgado pelas mídias globalizadas, como as revistas de circulação nacional, mas de maneira
muito mais abrangente e, com isso, o poeta relê e reescreve a notícia. Os dados principais
aparecem inalterados, como as datas, mas o folheto oferece uma nova visão acerca do fato
narrado.
Com isso, é possível considerar que a reescritura da notícia continua sendo
apreciada pelo público-leitor comum, frequentador da Feira de São Cristóvão, por utilizar
elementos romanescos, já que a informação, puramente dita, é veiculada por diferentes meios
de comunicação e é de fácil acesso.
Gonçalo Ferreira da Silva e seu público-leitor
Durante a entrevista foram abordados aspectos distintos acerca da intensa produção de
Gonçalo – que já publicou mais de duzentos folhetos, alguns traduzidos até para o japonês –.
Na ocasião, perguntei-lhe sobre os poetas de cordel que o influeciaram bem como sobre as
intenções de seu público ao procurar seus folhetos.
Embora, atualmente, haja um interesse muito grande pelos folhetos noticiosos
de Gonçalo por parte dos pesquisadores da área, o público-leitor de Gonçalo do qual me
ocupo é o que frequenta assiduamente a Feira de São Cristóvão, o que nos permite levantar
questionamentos acerca das intenções e preferências desse público pela divulgação de notícias
reescritas em detrimentos das veiculadas em meios de comunicação globais.
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A escolha pela aquisição de folhetos noticiosos demonstra que os leitores
continuam à procura de elementos de integração e socialização, visto que a maior parte deles
precisou sair de sua terra natal (geralmente dos estados do Nordeste do Brasil), em busca de
novas oportunidades de ascensão financeira e social.
A partir disso é possível compreender que muitos desses leitores se sentem
exilados em seu próprio país, pela inserção numa cultura e num cotidiano muito diverso do
qual estava ambientado, e como preservação de identidade, continuam propagando à sua prole
os mesmos costumes e princípios com os quais foram criados.
O sistema literário constituído ultrapassa as necessidades de satisfação artística
e criativa, para promover uma ação social extremamente importante: a de inclusão desses
leitores marginalizados que encontram na literatura popular não só uma maneira de
aproximar-se de sua terra natal, mas principalmente, a oportunidade de encontrar-se com as
questões mais profundas do ser.
Assim, é preciso levantar um novo tipo de questionamento: se os leitores de
Gonçalo, ao comprar seus folhetos, buscam a satisfação das necessidades de ficção, por que
não utilizam os formatos oferecidos pela cultura de massa, que hoje são acessíveis às camadas
sociais menos favorecidas, em função da popularização das tecnologias como televisão e
internet?
Primeiramente, o poeta popular constrói seus folhetos a partir de um conjunto
permeado por diversos costumes e moralismos que fazem parte do imaginário do público ao
qual se destina, isso se explica pelo fato de muitos poetas populares utilizarem a sua arte
como um meio de sobrevivência, como podemos observar no seguinte fragmento:
“Muitos artistas e escritores que dependem da poesia popular para seu próprio
trabalho, veem-na como parte de sua própria experiência. Conquanto possa tornar-se
um objeto de estudo, permanece como uma presença especial, que muitos relutam
em tratar como outro fato qualquer.” (SLATER, 1984, p. 50-51)
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A cultura de massa oferece sempre os mesmos elementos, que estão presentes
geralmente nas telenovelas que colocam protagonistas fragilizados sofrendo intensamente
durante meses, até o desfecho que possui finais felizes para os mocinhos e quase sempre
trágicos para os vilões.
Contudo, a literatura popular, representada pelos folhetos noticiosos de
Gonçalo Ferreira da Silva, parte sempre de um enunciado real, já que os folhetos são
reescritos a partir de fatos propagados por meios de comunicação, assim, o leitor encontra
nessa produção literária aspectos mais interessantes que são fornecidos graças à
verossimilhança.
Enquanto as telenovelas surgem com fábulas que tanto se distanciam da vida
comum de seus telespectadores, a verossimilhança presente na literatura popular proporciona
aos seus leitores identidade por partilhar dos mesmos ideais e possuir a mesma visão de
mundo, haja vista que o poeta popular pretende expressar em sua obra a visão de mundo de
seu público-leitor.
Além disso, devemos compreender que de uma maneira ou de outra, o público
que busca a literatura de cordel possui ligações com o cotidiano e a cultura nordestina,
considerando-se que esses vínculos são capazes de nos aproximar da nossa brasilidade, como
podemos observar no seguinte fragmento:
“Pessoas interessadas no cordel não são, contudo, obrigatoriamente, ligadas ao
Nordeste. Mesmo as nascidas em outras regiões do país tendem a vê-lo como uma
herança nacional, “tão preciosa quando uma igreja barroca do século XVIII”.
Embora vários indivíduos tenham visões bastante diversas de sua pátria, a maioria
concorda que o folheto é quintessencialmente brasileiro.” (SLATER, 1984, p. 51)
O poeta popular demonstra a sua universalidade por possuir uma consciência
social muito intensa, e na busca incessante pela aproximação com o seu público demonstra
que a identidade coletiva está quase enraizada no seu fazer poético.
É possível observar essa aproximação com o público nos folhetos noticiosos de
Gonçalo como Fim de um longo pontificado: morre João Paulo II e Faleceu Mané
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Garrincha, por exemplo, porque o poeta utiliza dois nomes extremamente populares e
queridos pela população brasileira, gerando em seu leitor a curiosidade em ler a homenagem
prestada pelo poeta popular com o qual se identifica.
No processo de recriação da notícia o poeta utiliza um ar emotivo e cheio de
sentimentalismos, algo próximo do experienciado por seu leitor, visto que o fato reescrito e
renoticiado foi marcado por expressões muito emocionadas por parte da população no mundo
todo. Podemos observar esse aspecto no fragmento:
“Morreu João Paulo II
O ser humano capaz
de fazer pelo planeta
o que ninguém fez ou faz
porque o sumo Pontífice
foi o verdadeiro artífice
de muitos planos de paz.”
(SILVA, s.d, p. 1)
Considerações finais
A partir do que foi apresentado, concluo que o público-leitor de Gonçalo,
frequentador da Feira de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, pretende encontrar na leitura dos
folhetos uma identificação com o fato recontado, visto que o poeta popular expressa em sua
arte aquilo que vive no coletivo ideológico de seus leitores.
Além de ser um excelente fator de socialização por dar acesso à literatura às camadas
menos escolarizadas, ainda permite ao seu público a contemplação dos elementos romanescos
presentes em sua obra.
Referências bibliográficas
NOBRE, Francisco Silva. Um cearense chamado Gonçalo. Rio de Janeiro: Milart, 2002.
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SILVA, Gonçalo Ferreira. Fim de um longo pontificado: morre João Paulo II. Rio de Janeiro:
s.Ed., s.d.
SILVA, Gonçalo Ferreira. Não sei se choro ou se rio da violência no Rio. Rio de Janeiro: s.
Ed, s.d.
SILVA, Gonçalo Ferreira. Meninos de rua e a chacina da candelária. Rio de Janeiro: s. Ed,
2008.
SILVA, Gonçalo Ferreira. Faleceu Mané Garrincha. Rio de Janeiro: s. Ed, 1983.
SILVA, Gonçalo Ferreira. Adeus, Drummond. Rio de Janeiro: s. Ed, 1987.
SLATER, Candace. A vida no barbante: a literatura de cordel no Brasil (Trad. Octávio Alves
Velho). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.
ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral (Trad. Jerusa Pires Ferreira, Maria Lúcia Diniz
Pochat, Maria Inês de Almeida). Belo Horizonte: UFMG, 2010.
Para citar este artigo:
CAÇÃO, Bárbara Laís Falcão da Silva. O poeta Gonçalo Ferreira da Silva: uma visão de
mundo particular. In: IX SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos
Linguísticos e Literários. 2012. Anais... UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná –
Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2012. ISSN – 18089216. p. 712-717.
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