= UM HOMEM GRANDE = João Gomes- Pedro Quero agradecer à organização desta homenagem e, em particular à Senhora Dra. Micaela Serelha a oportunidade tão grata de poder estar presente nesta festa. Um pouco posterior à experiência africana de João Videira Amaral quando da sua vivência como médico militar em Angola (de 1963 a 1965), tive uma descoberta paralela vivida nas bolanhas da Guiné. O que nos pareceu primeiro ser «uma calamidade» para usar as palavras escritas de João Videira Amaral, veio, posteriormente, a ser reconhecido como – cito – «algo de francamente útil para a nossa evolução profissional». Estou certo que João Videira Amaral ao escrever esta expressão quis incluir, inequivocamente, a rara oportunidade de uma vivência humana sem paralelo. Terá que deixar de ser tabu dizê-lo que não terão logrado e lucrado com este raro privilégio os que, em altura de crise, souberam e sabem conseguir expedientes para garantir as suas comodidades enquanto os mais mortais exercitavam a sua resiliência no «isolamento do mato» como também lhe chamou João Videira Amaral. Isto para dizer que, neste isolamento, pretendi descobrir, entre outros enigmas, o sortilégio do significado do «Homem Grande» das tabancas fulas da Guiné. Os «Homens Grandes» destas tabancas não eram os mais velhos, nem os mais altos nem os mais hábeis nos raros mas diferentes ofícios que uma vivência em comunidade arural desprotegida, implicava. O «Homem Grande» da tabanca não era eleito e não era nomeado designadamente pelas forças políticas coloniais. Ele emergia como evidência de um prestígio e de uma sabedoria assumida e espontaneamente reconhecida pela Sociedade local. O «Homem Grande» da tabanca surgia como um desígnio superior, óbvio, único, singular. 2 João Manuel das Neves Videira Amaral é um dos raros «Homens Grandes» da Pediatria Portuguesa. Não foram os concursos, aliás brilhantes, de uma carreira hospitalar completa que lhe conferiram esse galardão. Não foi uma carre ira académica tão sofrida quanto exemplar que fez juz ao inequívoco reconhecimento. Não terá sido, tão pouco, a rara criatividade de um notável pioneirismo – destacarei a criação da primeira Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais, a criação do primeiro ciclo de Estudos Especiais em Perinatologia e toda a obra pedagógica em boa hora escrita e tornada assim disponível para a posteridade – não terá sido este pioneirismo, dizia a razão mobilizadora desta evidência de ser Homem Grande de uma Pediatria cada vez mais exigente em fundamentos científicos, pedagógicos e clínicos. O conhecimento que hoje temos sobre o desenvolvimento moral da criança levanos a crer que, tal como na tabanca fula ser Homem Grande da Educação Médica Pediátrica, ser Homem grande do Serviço 1 do Hospital de Dona Estefânia, ser Homem Grande das Unidades de Recém-nascidos e de Cuidados Intensivos Neonatais da Maternidade do Hospital de Dona Estefânia – só para citar exemplos – não provém tão só de uma muito especial competência científica, técnica e clínica. Ser Homem Grande destas tabancas assistenciais e académicas vem de um estofo moral sucessivamente construído nas etapas mais sensíveis dos primeiros «Touchpoints» de uma vida plena. Refiro- me à família do João, «à forte personalidade do Pai e ao seu exemplo de trabalho constante aliado a um senso clínico singular e ao gosto de ensinar», cito. Refiro- me ainda à vivência de uma escola primária norteada por valores de honra e de rigor (Colégio de Santo António do Fundão), do Liceu Nun’Á lvares em Castelo Branco, duma Faculdade de Medicina onde ainda se fazia vénia aos Homens Grandes das Clínicas, designadamente aos que deram grandeza ao Hospital Dona Estefânia, através de gerações, qual deles o mais significativo. 3 João Videira Amaral faz essa vénia e não esquece os valores, os mais significativos, não esquece a gratidão e não esquece os vínculos. Ainda só a título de exemplo, quando se refere a Nuno Cordeiro Ferreira e a Maria Elisa Sacramento Monteiro, reafirma o «apoio, o «incitamento», «os laços de amizade» e os «conhecimentos transmitidos». Resistirei, obviamente, nesta oportunidade tão grata a fazer uma análise curricular do João Videira Amaral porque não é este o momento adequado para o fazer e não foi isso o que me foi pedido. A História, o Hospital de Dona Estefânia e a Universidade Nova de Lisboa disso se encarregarão como Honra e Dever a cumprir. Cumpre- me partilhar com privilégio e prazer, a Festa de Amigos dedicada a um Amigo especial. O que distingue a obra do João Videira Amaral das obras que me foram dadas conhecer dos outros Homens Grandes, nomeadamente vivenciadas na África dos mistérios e no Portugal dos equívocos, é a paixão. João Videira Amaral tudo fez e tudo faz com uma paixão assumida, feita de humildade e de competência. O Universitário tem que ter esta grandeza de alma e este é um valor que não é avaliado nos Concursos. A história dos valores não faz parte dos Curricula. Esta História é feita de histórias convividas e partilhadas pelos Amigos. As histórias de vida do João são histórias de grandeza perpetuadas, certamente, pelos seus discípulos e pelos seus alunos. Tudo o resto está escrito e, porventura, condensado na sua obra mais recente (estará já no prelo – o Tratado de Pediatria...) que o João deixa como herança às gerações pediátricas do futuro. Ainda só a título de exemplo, o Documento «Algumas considerações sobre o Projecto do Currículo Mínimo de Pediatria», os textos inovadores sobre Educação Médica Pediátrica publicados pela Acta Pediátrica Portuguesa a que João Videira 4 Amaral soube dar um rumo especial, são meras representações do exemplo de uma vida plena de ensino de que todos nos orgulhamos. Permito- me sublinhar algo que carece, de facto, de ser congregado em obra única – os textos exemplares dedicados à Educação Médica Pediátrica. Só para registar o que está publicado na APP em 5 anos (exactos) permito-me destacar: - «Internet como veículo de informação na área biomédica – Ética e Qualidade» (Maio/Junho de 2002); - «Pós-Graduação em Medicina e Instituições de saúde – Que relação?» (Julho/Agosto de 2002) – I Parte; (Setembro/Outubro de 2002) – II Parte - «Opiniões de internos e formadores sobre Pré-Graduação e Pediatria (Março/Abril de 2003) - «A Pediatria Geral e as sub-especialidades pediátricas» (Setembro/Outubro de 2003) - «Incentivar a investigação – um modelo estratégico» (Setembro/Dezembro de 2004) - «Avaliação da competência clínica nos concursos: os velhos e os novos critérios» - (Janeiro/Fevereiro de 2005) «As Humanidades e a formação Médica Pediátrica» (Março/Junho 2005) - «Notas e Reflexões sobre Educação Médica» (Junho/Agosto de 2005) - «O trabalho do interno de Pediatria e as oportunidades de aprendizagem» (Março/Abril de 2006) - «A mobilidade dos estudantes de aprendizagem de Pediatria» Medicina na Europa e o ensino (Julho/Agosto de 2007) Eis a OBRA! Escrever é um risco, é um acto de coragem, é um assumir de coerência. Enquanto uns se guardam no seu mutismo acomodado, enquanto outros contabilizam os eventuais erros de ponto e vírgula nas bibliografias dos artigos de quem escreve, João Videira Amaral assume-se como Homem Grande que sente o que deve ser «Grande» em termos de Missão – cumpri-la. 5 Agradeço de novo a Micaela Serelha, o ter- me proporcionado expressar, tão só, este curto sentimento de alma dedicada a um grande Amigo. Quando aprendi a compreender fula, na Guiné, aprendi que quando nos dirigimos a um Homem Grande, cumprimos uma ladainha em que desejamos sorte e Bons votos numa homenagem aos valores que um Homem Grande congrega. A ladainha começa por um «Nupinda Jametá» expresso de cabeça baixa em sinal de vénia. Esta vénia contém os votos infinitos para a continuação da vida de Missão do João porque todos continuamos a precisar dela. É este o sentido transcendente da Jubilação. Em Portugal, entre amigos, a vénia transforma-se em Abraço Um Abraço infinito, João