UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ANAIS Palhoça 2009 UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ANAIS Palhoça, 16, 17 e 18 de setembro de 2009 Realização: Apoio: Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Anais do 4º. SLIJSC Seminário de Literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Organizadores Eliane Santana Dias Debus Fábio José Rauen Dilma Beatriz Juliano Chirley Domingues Ficha Catalográfica: S62 Seminário de Literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina – SLIJSC (4.: 2009 set. 16-18: Florianópolis, SC) Anais [do] 4º. Seminário de Literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina – SLIJSC/organizadores Eliane Santana Dias Debus, Fábio José Rauen, Dilma Beatriz Juliano, Chirley Domingues. – Palhoça : Ed. Unisul, 2009. 712 p.; 21 cm ISSN 2175-9308 1. Literatura infantil – Congressos. 2. Literatura juvenil – Congressos. I. Universidade do Sul de Santa Catarina. II. Título: SLIJSC. III. Título. CDD (21. ed.) 809.89282 Elaborada pela Biblioteca Universitária da UNISUL 2 COORDENAÇÃO DO SIMPÓSIO COORDENAÇÃO GERAL Profa. Dra. Eliane Santana Dias Debus, UNISUL, Brasil Profa. Dra. Dilma Beatriz Juliano, UNISUL, Brasil Profa. Ms. Chirley Domingues, UNISUL, Brasil COMISSÃO CIENTÍFICA Profa. Dra. Ângela Balça, Universidade de Évora, Portugal Profa. Dra. Dilma Beatriz Juliano, UNISUL, Brasil Prof. Dr. Diógenes Buenos Aires, UEMA, Brasil Profa. Dra. Dirce Waltrick, UFSC, Brasil Profa. Dra. Eliane Debus, UNISUL, Brasil Prof. Dr. Fábio de Carvalho Messa, UNISUL, Brasil Prof. Dr. Fernando Fraga Azevedo, Universidade do Minho/IEC, Portugal Profa. Dra. Flávia Ramos, UNISC, Brasil Profa. Dra. José Nicolau Gregório Filho, USP, Brasil Profa. Dra. Jussara Bittencourt de Sá, UNISUL, Brasil Profa. Dra. Maria Ester Moritz, UNISUL, Brasil Profa. Dra. Patrícia Kátia da Costa Pina, UFBA, Brasil Profa. Dra. Regina Michelli, UERJ, Brasil Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina COMITÊ EXECUTIVO João Geraldo Cardoso Campos Isabel Cristina Scafuto Renata Luiz de Abreu Divulgação Ana Maria Silva Breno Braz Zanchetta Pinhal Credenciamento/Secretaria Renata Luiz de Abreu Ana Maria Silva Recepção Camila Porcelis Vargas Maria Beatriz Fornerolli Breno Braz Zanchetta Pinhal Maria Laura P. Spengler Cláudia Maria Poglia Monitoria Ademir Jacinto Jacques Isasc Duran Ponce Maria Laura P. Spengler Cláudia Maria Poglia Certificação Renata Luiz de Abreu Ana Maria Silva 4 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA Reitor: Ailton Nazareno Soares Vice-Reitor: Sebastião Salésio Herdt Chefe de Gabinete: Willian Corrêa Máximo Secretária-Geral da Unisul: Albertina Felisbino Pró-Reitor de Desenvolvimento e Inovação Institucional: Valter Alves Schmitz Neto Pró-Reitor de Ensino: Mauri Luiz Heerdt Pró-Reitor de Pessoas: Fabian Martins de Castro Pró-Reitora de Administração Acadêmica: Miriam de Fátima Bora Rosa Pró-Reitora de Extensão, Cultura, Esporte e Integração Comunitária: Vera Lúcia Anselmo Neves Pró-Reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação: Sônia Maria Hickel Probst Diretora do Campus Universitário de Tubarão: Milene Pacheco Kindermann Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis: Hércules Nunes de Araújo Diretora do Campus Universitário da UnisulVirtual: Jucimara Roesler Coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem: Fábio José Rauen Coordenadora Adjunta do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem: Solange Maria Leda Gallo Coordenador Geral do Curso de Letras: Felipe Felisbino Vice-coordenador do Curso de Letras: Otávio Zanela Coordenadora Adjunta do Curso de Letras em Palhoça: Chirley Domingues 5 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem Curso de Doutorado em Ciências da Linguagem Avenida José Acácio Moreira, 787 CEP 88704-900 – Tubarão, SC +55 (48) 3621-3369 Avenida Pedra Branca, 25 Cidade Universitária Pedra Branca CEP 88.132-000 – Palhoça, SC +55 (48) 3279-1061 www.unisul.br/linguagem Curso de Letras Avenida José Acácio Moreira, 787 CEP 88704-900 – Tubarão, SC +55 (48) 3621-3000 http://portal2.unisul.br/content/paginadoscursos/letrasportuguesinglestubarao/ Avenida Pedra Branca, 25 Cidade Universitária Pedra Branca CEP 88.132-000 – Palhoça, SC +55 (48) 3279-1000 http://portal2.unisul.br/content/paginadoscursos/letrasportuguesinglesgrandeflorianopolis/ 6 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina APRESENTAÇÃO O 4º. SLIJSC (Seminário de Literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina) tem caráter Nacional e é um projeto do Programa de Pósgraduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em parceria com o Curso de Letras, e acontece no campus da Pedra Branca, Palhoça – SC, entre os dias 16 e 18 de setembro de 2009. Trata-se de um evento que congrega pesquisadores envolvidos no estudo da leitura e da formação do leitor de literatura infantil e juvenil em Santa Catarina e no País. Devido ao caráter interdisciplinar desse objeto de estudo (a literatura infantil e juvenil), o evento tem agrupado pesquisadores e profissionais de diversos ramos das Ciências Humanas (Letras, Pedagogia, Biblioteconomia, Psicologia, História, entre outros). Iniciado em maio de 2006, o Seminário de Literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina aproxima-se de sua quarta edição. Na primeira edição, o evento ocorreu de forma tímida, em formato de mesas-redondas, com participação de escritores e pesquisadores circunscritos ao Estado; fazendo-se presentes, na ocasião, Werner Zotz, Urda Alice Klueger, Eloi Bôcheco, Maria de Lourdes Krieger, Flávio José Cardoso e Alcides Buss e as pesquisadoras Eliane Debus (UNISUL), Danusia Aparecida da Silva (Uniplac) e Salete Lanzari, (UFSC). Por sugestão dos participantes, em avaliação a 1ª. Edição, no segundo ano inseriu-se o formato de minicurso com convidados de diferentes universidades e a conferência da professora Regina Zilberman. Na terceira edição, o evento se consolidou com diferentes mesas temáticas e a presença do escritor e ilustrador André Neves. O Seminário de Literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina tem atingido uma média de 130 pessoas, entre acadêmicos de graduação dos cursos de Letras e Pedagogia, professores pesquisadores e demais profissionais da área. Neste ano queremos dar um salto de qualidade atingindo um público de 250 participantes e inserir as apresentações de comunicação oral e pôsteres, bem como a publicação do caderno de resumos e Anais. Objetivos a) Congregar pesquisadores brasileiros envolvidos em estudos sobre literatura infantil e juvenil; 7 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina b) Propiciar que se discutam questões teóricas e aplicadas relacionadas à pesquisa em literatura infantil e juvenil; c) Possibilitar a divulgação de estudos teóricos e aplicados que possam contribuir para releituras de diferentes enfoques e abordagens postos sobre esse objeto de pesquisa; e d) Aproximar o professor-leitor de escritores e de suas produções literárias para ampliação de conhecimentos sobre a literatura infantil e juvenil disponível no mercado editorial. Justificativa A literatura produzida para crianças e jovens no Brasil é reconhecida internacionalmente. Temos títulos publicados em todas as línguas do mundo e nossos ilustradores são premiados em vários concursos nacionais e internacionais. Ana Maria Machado, em 2001, assumiu a cadeira número 1 da Academia Brasileira de Letras. Na ocasião, a escritora considerou sua eleição “uma vitória da literatura infantil”. No entanto, a produção literária destinada à criança e aos jovens no Brasil é recente, já que os primeiros títulos datam do final do século XIX, e os estudos sistematizados sobre essa produção o são mais ainda. Basta lembrar que essa sistematização só se dá no final da década de 1960, com as primeiras inserções da Literatura Infantil como disciplina optativa no currículo de formação dos professores nos cursos de Graduação. Maria Antonieta Cunha (1997) destaca que quando realizou sua primeira experiência, na Universidade de Minas Gerais (UFMG, 1969), enfrentou várias dificuldades, em especial o do preconceito. A história da Literatura Infantil brasileira recebeu maior atenção a partir de 1980. Embora alguns trabalhos, como o de Bárbara Vasconcelos de Carvalho (1961) e de Leonardo Arroyo (1968), tenham se antecipado a esse período, somente em 1984 surge um livro que aborda a história desse gênero, de forma mais sistemática, pelas mãos de Regina Zilberman e Marisa Lajolo: Literatura infantil brasileira: história & histórias. Outra produção de fôlego, embora não se denomine, nem se queira constituir como uma história do gênero, mas que se torna referência ao trazer da forma mais abrangente possível a produção literária para crianças, publicada no Brasil, é o Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil, de Nelly Novaes Coelho (1995). 8 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O crescente interesse de pesquisadores pela Literatura Infantil e Juvenil contribuiu para uma extensa publicação na área, quer seja em forma de livro, quer seja em outros meios de publicação impressa (dissertações, teses, revistas, boletins etc.). Os avanços tecnológicos também contribuíram para a disseminação das pesquisas realizadas em diferentes países. Por meio da Internet, torna-se possível o acesso rápido a revistas eletrônicas, sites de núcleos e grupos de pesquisas, bem como blogs de diferentes instituições. Em documento produzido no início da década de 1990, a pesquisadora Nadia Glotlib (Apud HOLLANDA, 1994) avaliava os principais grupos emergentes nos estudos teóricos, na área de Letras: a literatura feita por mulheres; a literatura africana; a literatura popular (oral e de cordel); e, a literatura infanto-juvenil. A partir desses dados, Heloísa Buarque de Hollanda (1994) aponta os traços comuns dessas narrativas e sua emergência, como resultado de novos paradigmas: São aquelas que, até pouco tempo, foram identificadas como áreas marginais, não consideradas, ou quase não consideradas, legítimas pela historiografia canônica, e cujos produtos foram tradicionalmente definidos como gêneros ‘menores’ na medida em que se apoiavam em literaturas orais, correspondência, narrativas populares, cuja ‘qualidade’ era sistematicamente posta em questão pela crítica literária (HOLLANDA, 1994, p. 453). Sendo a leitura literária de fundamental importância para a inserção da criança na vida leitora, faz-se necessário refletir sobre a produção literária destinada a esse público, bem como a sua importância na formação de futuros professores, pois estimulará o seu olhar para compreender a literariedade no texto para a infância e não a sua escolha em detrimento de conteúdos escolares. Desse modo, pelo fomento à pesquisa e formação do professor, bem como à reflexão sobre a qualidade da literatura de recepção infantil e juvenil no Estado de Santa Catarina e no Brasil, esse evento se justifica. Os trabalhos organizam-se no formato de: palestras; mesas redondas; minicursos; comunicações individuais e pôsteres, bem com lançamento de livros e sessão de autógrafos. O evento conta também com um encontro com os escritores de literatura catarinense, entre eles: Flávio José Cardozo, Urda Alice Klueger, Maria de Lourdes Krieger. 9 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 10 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina PROGRAMAÇÃO Quarta-feira, dia 16 de setembro de 2009 Período Noturno 18:00 às 19:00 – Credenciamento 19:00 às 20:00 – Sessão de abertura 20:00 às 22:00 – Conferência de abertura “Literatura e escola” Profa. Dra. Alice Áurea Penteado Martha, Universidade Estadual de Maringá, Brasil Quinta-feira, dia 17 de setembro de 2009 Período Matutino 08:00 às 12:00 – Apresentação das comunicações orais e pôsteres Período Vespertino 14:00 às 17:00 – Minicursos 16:00 às 18:00 – Encontro da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina (AEILIJSC) 18:00 às 19:00 – Atividade cultural 18:00 às 19:00 – Encontro com escritores: Alcides Buss, Flávio José Cardozo, Maria de Lourdes Krieger, Cristina Santos, Yedda Goulart, Antonio Hugo Aresse Quintana, Luana von Linsingen, 11 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Período Noturno 19:30 às 22:00 – Mesa-redonda 1 “A ilustração no livro infantil” André Neves, Anelize Zimermann, UDESC, Brasil Márcia Cardeal, UDESC, Brasil Coordenação: Profa. Chirley Domingues, UNISUL, Brasil 19:30 às 22:00 – Mesa-redonda 2: “A inserção da Literatura Infantil e Juvenil em diferentes espaços” Prof. Dr. Miguel Rettenmaier, UPF, Brasil Prof. Dra. Dirce Waltrick do Amarante, UFSC, Brasil Profa. Ms. Maria Salete Daros de Souza, UNIFEBE, Brasil Coordenação: Profa. Dra. Dilma Beatriz Juliano, UNISUL, Brasil Sexta-feira, dia 18 de setembro de 2009 Período matutino 08:00 às 12:00 – Apresentação das comunicações orais e pôsteres Período Vespertino 14:00 às 17:00 – Minicursos 18:00 às 19:00 – Atividade Cultural 18:00 às 19:00 – Lançamento de livros e sessão de autógrafos Período Noturno 19:00 às 22:00 – Conferência “A Arte de Contar histórias no Século XXI” Cléo Busatto 19:00 às 22:00 – Mesa-redonda 3 “Monteiro Lobato e a recepção leitora” Profa. Dra. Patrícia Kátia da Costa Pina, UESC, Brasil Profa. Dra. Eliane Debus, UNISUL, Brasil Coordenação: Gabriela H Böhm, UNISUL, Brasil 12 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina SUMÁRIO RESUMOS DE COMUNICAÇÕES ORAIS.......................................... 17 Da terra das sombras à terra dos sonhos: o espaço sagrado na literatura para crianças e jovens...........................................................................................................................19 Qual a importância de ler os clássicos desde cedo? ..............................................................19 O fantástico mistério de Feiurinha: uma análise do gênero feminino ...................................20 Perspectivas do feminino em contos de Charles Perrault......................................................21 Perrault, Buarque e Burton: quem tem medo do lobo mau? .................................................22 Literatura infanto-juvenil catarinense: de mãos dadas com a Bruxinha Elisa e seus encantos..........................................................................................................................22 Na infância todo corpo poético é concreto............................................................................23 A potência lúdica do poema: uma vivência da poesia contemporânea .................................24 O arco das palavras encantadas: considerações sobre as transformações da palavra poética na canção popular...............................................................................................25 Terra Gaúcha: o projeto de alfabetização de João Simões Lopes Neto.................................26 Ler e fazer na biblioteca .......................................................................................................26 Literatura infantil: biblioteca e leitor ....................................................................................27 Um olhar sensível e político diante do pequeno leitor: estudo de caso a partir do literatório ........................................................................................................................28 Livro interativo on-line para literatura infantil: estado da arte..............................................29 Os contos infantis como proposta de incentivo à leitura na era digital .................................30 Dona sofia, ofélia e uma velhinha sem nome: palavras, traços e cores que narram velhices...........................................................................................................................30 Provocándolos a “ser”...........................................................................................................31 A satisfação leitora através de leituras de historias infantis como incentivo ao aprendizado da leitura.....................................................................................................32 Contação de histórias: uma ponte para a paixão de ler .........................................................32 a literatura infantil e juvenil brasileira e a representação de grupos sociais..........................33 O espaço urbano e o espaço rural na literatura infanto-juvenil: alguns casos .......................34 Do texto à imagem: uma poética da tradução .......................................................................35 Clarice Lispector: a tradutora e os leitores infanto-juvenis...................................................35 A tradução do dialeto do personagem Hagrid em Harry Potter e a pedra filosofal para o português brasileiro: um olhar para o público leitor. ...........................................36 Intertextualidades no romance infanto-juvenil de Cornelia Funke .......................................37 Leitura de imagens: uma análise semiótica das imagens da obra ida e volta de Juarez Machado.........................................................................................................................38 Os animais, o mito e o feminino: Frida Kahlo para crianças e adolescentes.........................39 Entre realidade e fantasia: um olhar-menino ressignificando contextos de guerra ...............40 Monteiro Lobato: a biografia do pai de Emília .....................................................................40 Emília ontem e hoje: uma análise do discurso ......................................................................41 Literatura, rap e rebeldia: constituição discursiva do “sujeito-estudante”.............................42 Literatura infantil: importante e indispensável......................................................................42 A linguagem literária nos anos iniciais do ensino fundamental: desenvolvendo habilidades de leitura e escrita........................................................................................43 Malucos por histórias: uma criativa proposta para a formação de críticos leitores ...............44 13 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A inacessibilidade às concepções da literatura promove a aversão pela disciplina...............45 Ideias diferentes promovem os valentes ...............................................................................46 O papel do negro na literatura infantil hoje: um assunto que não pode passar em branco.............................................................................................................................46 A cultura africana e afro-brasileira na literatura de recepção infantil e juvenil: um diálogo singular em pluralidades ....................................................................................47 A leitura literária promovendo reflexões sobre a temática africana e afro-brasileira: a voz das crianças do “Projeto Malungo”..........................................................................48 Diálogos interculturais: uma análise sobre os projetos estéticos de Manoel de Barros e Ondjaki ........................................................................................................................49 Literatura e infância: detritos e relações com o menor .........................................................49 Linguagem e cálculo através de jogos lúdicos: literatura no ensino de alunos com déficit em aprendizagem.................................................................................................50 Gêneros da literatura ou lúdicos: jogos didático-pedagógicos na educação infantil .............51 O lúdico na construção do conhecimento .............................................................................52 a literatura infanto-juvenil e o ensino de ciências: uma relação possível..............................53 Narrativas de crianças de três a quatro anos produzidas a partir da ordenação de gravuras de uma história de um livro de imagens: análise com base na teoria da relevância .......................................................................................................................54 RESUMOS DE PÔSTERES .................................................................... 55 “Pessoa aos nossos olhos” – a formação de leitor literário no 2º e 3º ciclo do ensino básico em Portugal .........................................................................................................57 Clube da Leitura: a gente catarinense em foco .....................................................................57 Literatura infantil para qualquer idade..................................................................................58 O trabalho com o gênero poético no processo de formação de leitores: possibilidades para o ensino de literatura...............................................................................................59 Leitura compartilhada: relato de uma experiência ................................................................60 Pare para a leitura: cultura e criatividade chamando a atenção para a literatura ...................61 Releitura das memórias de Monteiro Lobato: uso da arte cênica no Ensino Médio para o incentivo à leitura do Ensino Fundamental II ......................................................62 O maravilhoso na literatura infantil: contos de fadas às avessas...........................................63 Catálogo do destino: leituras, escritas, infâncias...................................................................63 Projeto “Mundo mágico da leitura” ......................................................................................64 Alternativas visuais na contação de histórias para crianças surdas .......................................65 A poesia e a infância: uma possibilidade? ............................................................................66 A arte de contar histórias: uma prática antiga entrelaçada com o contemporâneo................67 Representação de infância nos livros de Monteiro Lobato: Reinações de Narizinho, Viagem ao céu e Memórias da Emília. ...........................................................................68 O menino maluquinho, de Ziraldo e o diálogo com as múltiplas linguagens: caminhos para uma infância feliz ...................................................................................69 RESUMOS DE MINICURSOS............................................................... 71 Experiência de leitura mediada: um exercício prático de compreensão sensível do texto literário infantil verbal e ilustrado .........................................................................73 Cara a cara, cor a cor, incorporando a diversidade como ato de amor ..................................74 O diabo na literatura infantil.................................................................................................74 A gramática da fantasia: hibridismo, estranhamento e criatividade......................................75 14 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina literatura oral africana: história e histórias............................................................................75 Oficina brincando com histórias: como contar para crianças pequenas ................................76 Quem canta, encanta: a poética da canção popular brasileira como uma prática criativa no ensino de jovens e crianças...........................................................................77 O trabalho com a leitura por meio de projetos......................................................................77 TEXTOS COMPLETOS DE COMUNICAÇÕES ORAIS................... 79 Da terra das sombras à terra dos sonhos: o sagrado em O beijo da palavrinha de Mia Couto ..............................................................................................................................81 Qual a importância de ler os clássicos desde cedo? ..............................................................91 O fantástico mistério de feiurinha: uma análise do gênero feminino ..................................101 Perspectivas do feminino em contos de Charles Perrault....................................................109 Perrault, Buarque e Burton. Quem tem medo do lobo mau?...............................................123 Na infância todo corpo poético é concreto..........................................................................127 A potência lúdica do poema: uma vivência da poesia contemporânea ...............................139 O arco das palavras encantadas: considerações sobre as transformações da palavra poética na canção popular.............................................................................................151 Literatura infantil: biblioteca e leitor ..................................................................................165 Um olhar sensível e político diante do pequeno leitor: estudo de caso a partir do literatório. .....................................................................................................................179 Os contos infantis como proposta de incentivo à leitura na era digital ...............................189 Dona Sofia, Ofélia e uma velhinha sem nome – palavras, traços e cores que narram velhices.........................................................................................................................205 Provocándolos a “ser”.........................................................................................................213 A satisfação leitora através de leituras de historias infantis como incentivo ao aprendizado da leitura...................................................................................................223 Contação de histórias: uma ponte para a paixão de ler. ......................................................233 Personagens da literatura juvenil brasileira e representações de grupos sociais .................245 Clarice Lispector: a tradutora e os leitores infanto-juvenis.................................................261 A Tradução do Dialeto do Personagem Hagrid em Harry Potter e a Pedra Filosofal para o Português Brasileiro: Um Olhar Para O Público Leitor. ....................................275 Intertextualidades no romance infanto-juvenil de Cornelia Funke .....................................289 Leitura de imagens: uma análise semiótica das imagens da obra Ida e Volta de Juarez Machado............................................................................................................301 Os animais, o mito e o feminino: Frida Kahlo para crianças e adolescentes.......................313 Escola, rap, poesia: efeitos de sentido do “ser estudante” ..................................................325 Literatura infantil: importante e indispensável....................................................................337 Malucos por histórias: uma proposta criativa para a formação de leitores críticos .............353 O papel do negro na literatura infantil hoje: um assunto que não pode passar em branco...........................................................................................................................361 A inacessibilidade às concepções da literatura promove a aversão pela disciplina.............377 Ideias diferentes promovem os valentes: a fábula contemporânea de maria de Lourdes Krieger............................................................................................................387 O papel do negro na literatura infantil hoje: um assunto que não pode passar em branco...........................................................................................................................397 A cultura africana e afro-brasileira na iteratura de recepção infantil e juvenil: um diálogo singular em pluralidades ..................................................................................413 15 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A leitura literária promovendo reflexões sobre a temática africana e afro-brasileira: a voz das crianças do “projeto malungo” ........................................................................427 Diálogos interculturais: uma análise sobre os projetos estéticos de Manoel de Barros e Ondjaki ......................................................................................................................441 Literatura e infância: detritos e relações com o menor .......................................................453 Linguagem e cálculo através de jogos lúdicos: literatura no ensino de alunos com déficit em aprendizagem...............................................................................................463 Gêneros da literatura ou lúdicos: jogos didático-pedagógicos na educação infantil ...........477 A literatura infanto-juvenil e o ensino de ciências: uma relação possível...........................495 TEXTOS COMPLETOS DE PÔSTERES ........................................... 509 «Pessoa aos nossos olhos» – a formação de leitor literário no 2º e 3º ciclo do ensino básico em Portugal .......................................................................................................511 Projeto Clube da Leitura: gente catarinense em foco” ........................................................517 Literatura infantil para qualquer idade: por uma ampliação do mundo imagináriocriativo nos adultos.......................................................................................................525 O trabalho com o gênero poético no processo de formação de leitores: possibilidades para o ensino de literatura.............................................................................................529 Leitura compartilhada: relato de uma experiência ..............................................................539 Pare para a leitura: cultura e criatividade chamando a atenção para a literatura .................547 Releitura das Memórias de Monteiro Lobato: uso da arte cênica no ensino médio para o incentivo à leitura do ensino fundamental .........................................................555 O maravilhoso na literatura infantil: contos de fadas às avessas.........................................563 Catálogo do destino: leituras, escritas, infâncias ................................................................569 A arte de contar histórias: uma prática antiga entrelaçada com o contemporâneo..............577 A poesia e a infância: uma possibilidade? ..........................................................................595 Representação de infância nos livros de monteiro lobato: Reinações de Narizinho, Viagem ao Céu e Memórias da Emília. ........................................................................607 O Menino Maluquinho, de Ziraldo e o diálogo com as múltiplas linguagens: caminhos para uma infância feliz .................................................................................621 TEXTOS COMPLETOS DE MINICURSOS ...................................... 641 Experiência de leitura mediada: um exercício prático de compreensão sensível do texto literário infantil verbal e ilustrado .......................................................................643 O diabo é teen.....................................................................................................................655 A gramática da fantasia: hibridismo, estranhamento e criatividade...................................671 Literatura oral africana: história e histórias ........................................................................677 Brincando com histórias: relato de experiência de uma oficina de contação de histórias para crianças...................................................................................................683 Quem canta, encanta: a poética da Canção Popular Brasileira como uma prática criativa no ensino de jovens e crianças.........................................................................693 O trabalho com a leitura por meio de projetos....................................................................699 ÍNDICE DE AUTORES......................................................................... 709 16 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina RESUMOS DE COMUNICAÇÕES ORAIS 17 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 18 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina DA TERRA DAS SOMBRAS À TERRA DOS SONHOS: O ESPAÇO SAGRADO NA LITERATURA PARA CRIANÇAS E JOVENS Cristiano Camilo Lopes FFLCH-USP [email protected] Resumo: Esta comunicação tem como objetivo expor a presença do espaço sagrado na Literatura para Crianças e Jovens. Para isso, apresentaremos propostas sociológicas e antropológicas sobre o sagrado e sua relação com o homem. Como um substrato para mitos, ritos e arquétipos, o sagrado tem permeado a Literatura para Crianças e Jovens, revelando o homem e sua relação com suas crenças. Em diversas obras, evidencia-se como um elemento essencial e norteador do ser que o aceita. Assim, recorrendo ao estudo de temas (tematologia) como método comparativista, objetivamos identificar a configuração do espaço sagrado, pela oralidade, em duas obras: A menina de lá, de Guimarães Rosa, e O beijo da palavrinha, de Mia Couto. Além disso, pelo mesmo método comparativista, analisaremos as obras As Crônicas de Nárnia: o leão, a feiticeira e o guarda-roupa, de C. S. Lewis e Cibermãe, de Alexandre Jardin, com o objetivo de identificar o retorno do sagrado nos dias atuais e, verificar que o sagrado não se limita a épocas, mas até mesmo na modernidade o homem o busca. Palavras-chave: Sagrado. Literatura para Crianças e Jovens. Ciberespaço. QUAL A IMPORTÂNCIA DE LER OS CLÁSSICOS DESDE CEDO? Gizelle Kaminski Corso UFSC [email protected] Resumo: Italo Calvino compreende como clássicos os livros que sempre têm algo a dizer e que persistem como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível. A literatura concentra, nos clássicos, uma enorme substância cultural, estabelece um diálogo com as diferentes visões de mundo e evidencia, em seu bojo, significativas mudanças linguísticas ao longo do tempo. Porém, as obras clássicas nem sempre são lidas/discutidas e apreciadas pelos estudantes do ensino fundamental e médio. As adaptações dos clássicos, por vários autores, tornam evidente que, mesmo em outras épocas e contextos, voltar aos textos fonte para ali reconhecer 19 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina uma realidade a ser questionada – ou a questioná-los – é um movimento cíclico em termos literários; é um processo no qual obra e leitor se atualizam num constante diálogo. Elas também tentam uma democratização e uma recepção menos complexa e mais acessível ao público alvo, porque formar leitores é um grande desafio. Como, em um mundo tão coberto pela tecnologia, facilidades e praticidades, despertar o desejo e o gosto pela leitura dos clássicos nos jovens leitores? Por meio de adaptações, trechos ou textos integrais? Que tipo de atividades, de caminhos, de atalhos podem ser tomados para que a leitura seja matéria de prazer, como já afirmou Roland Barthes em O prazer do texto? Qual é a importância de ler os clássicos desde cedo? Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil brasileira. Clássico. Leitor. O FANTÁSTICO MISTÉRIO DE FEIURINHA: UMA ANÁLISE DO GÊNERO FEMININO Maristella Letícia Selli PPGCL/UNISUL [email protected] Resumo: As representações tanto do feminino quanto do masculino dão-se pelo meio social e cultural em que a criança desenvolve-se. Os símbolos do que compõe a figura de homem e de mulher são compostas por uma série de itens insistentemente impostos pela sociedade, as crianças já são bombardeadas por uma gama do que é de menina e do que é de menino. Assim, os estereótipos formam-se e pouco se transformam ao longo da história, visto que este é um assunto de ampla discussão. Este artigo pretende identificar as representações do feminino através do estudo do Fantástico Mistério de Feiurinha (1991), de Pedro Bandeira, abordando como o autor se utiliza de marcas de discurso quando da mudança de postura das princesas dos contos de fadas, enfocando a mudança do perfil da mulher na contemporaneidade, como elas se relacionam com o casamento, beleza, filhos, marido, enfim, como as princesas encaram a vida real. No tema proposto a intertextualidade – como um texto aparece dentro de outro texto, suas relações e interferências – é utilizada como instrumento, para verificar se ocorreram mudanças, e quais mudanças, no comportamento das personagens dos contos d fada em relação à obra de Bandeira. Palavras-chave: Contos de fada. Gênero feminino. Intertextualidade. 20 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina PERSPECTIVAS DO FEMININO EM CONTOS DE CHARLES PERRAULT Regina Michelli UERJ [email protected] Fábio Pratts UERJ [email protected] Resumo: Muito se tem escrito sobre o feminino, em especial assinalando os comportamentos de submissão e obediência que confrangeram as mulheres e suas representações literárias. Quando se pensa nas heroínas dos contos de Charles Perrault, escritor que viveu na corte francesa no século XVII, pensa-se na doce Cinderela, preocupada com as irmãs; na ingênua Chapeuzinho, ludibriada pelo lobo; na curiosa esposa de Barba Azul, quase assassinada pelo marido, além de Pele-de-Asno, a Bela Adormecida, dentre outras. Todas elas preenchem, integral ou parcialmente, o paradigma proposto para o feminino, em que são exigidos atributos como beleza, bondade, delicadeza, obediência, silêncio. Tendo por corpus os contos de Perrault, este trabalho objetiva iluminar as personagens femininas secundárias – irmãs, mães e madrastas, esposas, rainhas, velhas – em sua relação com a configuração arquetípica e os padrões culturalmente definidos para o feminino, observando-se as esferas de poder, ação e saber. O olhar volta-se também para as personagens do maravilhoso – fadas e ogras -, tendo em vista a atuação benéfica e/ou maléfica e a função desse feminino nas narrativas. O referencial teórico que sustenta este trabalho encontra-se nos estudos de crítica literária relacionados à Literatura Infanto-Juvenil e nas pesquisas de linha junguiana. A hipótese é a da transgressão feminina aos estereótipos exigidos, ruptura que se crê mais efetiva nas personagens que se situam às margens em relação às que ocupam a centralidade na ação narrativa, o que significa a possibilidade de subversão a uma estrutura já consagrada, quando a referência é feita à literatura da tradição. Palavras-chave: Charles Perrault. Feminino. Arquétipos. Maravilhoso. 21 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina PERRAULT, BUARQUE E BURTON: QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU? Priscila Rosa Martins UFSC [email protected] Resumo: Chapeuzinho Vermelho, o conto de Charles Perrault, está entre as histórias infantis mais conhecidas. Notadamente também as suas releituras, nas quais se destacam aqui Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, e O triste fim do pequeno Menino Ostra, de Tim Burton. Estas obras se relacionam pela construção e desconstrução do medo em seus personagens, diferenciando-se pela abordagem sócio-histórica em que foram escritas. Perrault teve a preocupação de tratar o medo de forma a causar trauma, era um modo de definir em sua sociedade o que é permitido. Buarque preocupa-se em desfazer o trauma e submeter seu personagem ao desconhecido. E Burton apresenta um personagem alheio ao medo, pois o antagonista é seu pai, dando importância para a suspensão do julgamento, seu personagem não morre. Avalia-se, nesta perspectiva, o trabalho literal a partir de teóricos como Jacques Rancière e Jean Delumeau e, como estas três histórias dialogam com o ato de comer, quais concluem quase que moralmente o motivo do medo. Chapeuzinho Vermelho é devorada pelo lobo, Chapeuzinho Amarelo decide não comer o lobo que virou bolo e o Menino Ostra é comido pelo pai, de modo a resolver os desentendimentos familiares. Palavras-chave: Chapeuzinho Vermelho. Medo. Sociedade. Comer. LITERATURA INFANTO-JUVENIL CATARINENSE: DE MÃOS DADAS COM A BRUXINHA ELISA E SEUS ENCANTOS Fabiano Tadeu Grazioli Faculdade Anglicana de Erechim [email protected] Resumo: Nesta comunicação propomos um estudo de quatro obras infantojuvenis da escritora catarinense Eloí Elizabete Bocheco, a saber, O pacote que tava no pote (2004), Contra feitiço, feitiço e meio (2006), A chave que o vaga-lume alumiou (2006) e Gaitinha tocou, bicharada tocou (2008). Inicialmente apresentamos informações sobre a escritora e algumas 22 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina considerações gerais sobre sua obra, destacando o reconhecimento que obteve em concursos nacionais, os quais resultaram em importantes premiações tais como Prêmio Leia Comigo!, da FNLIJ (2003); Prêmio Mário Quintana da Casa de Cultura Mario Quintana (2006); Prêmio Literatura para todos do Ministério da Educação – categoria: tradição oral (2006); Prêmio LGE de Literatura Infantil (2008). Na sequência realizamos uma análise comparativa entre as quatro obras, considerando narrativa e ilustrações e observando elementos que nos permitam considerá-las uma série. Por fim, levantamos em cada livro particularidades relacionadas à personagem principal, à construção do enredo e às ilustrações, as quais contribuem para caracterizarmos tal conjunto de obras como lúdicas e emancipatórias, o que justifica o prazer, a surpresa e o encantamento com que as mesmas são lidas pelo público infanto-juvenil. Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil catarinense. Eloí Elizabete Bocheco. Ludismo. Literatura emancipatória. NA INFÂNCIA TODO CORPO POÉTICO É CONCRETO Adriana Carolina Hipólito de Assis PUC/SP Resumo: Toda arte é por princípio concreta, afirma Haroldo de Campos. Sobre esse princípio a literatura infantil se configura, à medida que a palavra opera analogamente à realidade sem realizar mediações de ideias ou conceitos: captando-a como um signo icônico. Acreditamos que uma das formas de se apreender o fenômeno literário na infância é pela compreensão desse corpo concreto. O legado dos poetas concretos, assim como das poéticas ideogramáticas, constituem métodos aplicáveis para se compreender a literatura na infância. Com ele a criança aprende a forma poética sem estabelecer associações lineares com a palavra, as quais se valem, na maioria das vezes, pela temática do objeto artístico, pela moral e pelos valores que delineiam o comportamento social da criança e não pelo jogo imanente da palavra. Palavras-chave: Literatura infantil. Poesia concreta. Ideograma. Corpo poético. 23 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A POTÊNCIA LÚDICA DO POEMA: UMA VIVÊNCIA DA POESIA CONTEMPORÂNEA Marcos Marsuwell Ferreira Garcia UFSC [email protected] Resumo: Este trabalho pretende analisar o poema Geraldo, de Augusto de Campos, a partir da poesia de Mallarmé, Um lance de dados, e da exposição, lance de dados, do artista plástico Geraldo de Barros, cuja instalação é uma releitura de diversos cubos em movimento. Vale apontar que o poema Um lance de dados é um divisor de águas da literatura, pois nele, o modelo tradicional para fazer poesia é abandonado em nome de uma proposta formal e conceitual que inaugura uma nova estrutura de criação e reinventa a disposição espacial do verso. De maneira geral, encontram-se semelhanças que denunciam a relação e equivalência entre o poema e a exposição: mesmo formato geométrico, poesia criada através de um projeto tridimensional e releituras que possibilitam novas “jogadas do dado”. É através dessa análise, desse “trânsito” do dado, que se sugere a construção de um novo poema: um novo jogo, um relance, um desdobramento, ou melhor, um novo lugar para o dado. Buscar-se-á uma releitura multiplicadora e lúdica do poema Geraldo, de Augusto de Campos, em direção a criar o acontecimento prático desse poema em uma vivência da poesia contemporânea. Utilizando como base para essa proposta alguns princípios “poético-matemáticos” que nortearam o OULIPO (Ouvroir de Littérature Potentielle), criado por Raymond Queneau e o matemático François Le Lionnais. Assim, será desenvolvida uma estrutura que possibilite um desdobramento do poema analisado: um “jogo-poema” que possa ser utilizado para brincadeiras poéticas, ou na prática pedagógica do educador ao lidar com a poesia em sala de aula. Para através do gosto e do prazer literário, incentivar o hábito de ler e escrever poesia, e textos em geral: aprendendo, brincando e relançando dados. Palavras-chave: Poesia. Lúdico. Vivência. 24 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O ARCO DAS PALAVRAS ENCANTADAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES DA PALAVRA POÉTICA NA CANÇÃO POPULAR André Rocha Leite Haudenschild UFSC [email protected] Resumo: O artigo pretende apontar múltiplas reflexões sobre a transformação da linguagem poética em palavra cantada na Música Popular, considerando as relações pertinentes que se pode estabelecer entre a melodia, o ritmo e as palavras que dão vida às canções. Desde as pesquisas musicológicas de Mário de Andrade aos estudos intersemióticos das últimas décadas do século passado, existe uma demanda crescente pelo estudo da canção popular entre diversos autores considerados neste trabalho científico: Paul Zumthor, Kramer, Susanne Langer, Paul Scher, Luiz Tatit, Monclar Valverde e Vírginia de Almeida (entre outros). Os temas aqui abordados são: os diversos graus da emissão vocal (a fala, o recitativo e o canto); o processo de “desalienação” da palavra e suas diversas dimensões orais (poética e melopoética); a crescente validação literária da MPB como sintoma da disparidade da recepção e do consumo literário da poesia propriamente dita; a maior facilidade de memorização das canções em relação ao poema; o processo criativo do cancionista (da letra à musica, da música à letra, e o “parto natural” da canção); e o conceito de “naturalidade da canção”. Ao investigarmos as interfaces entre a poesia oral e a canção popular reconheceremos as fronteiras intersemióticas que as distinguem e as assemelham, enquanto linguagens artísticas capazes de se materializarem acusticamente em uma nova dimensão temporal e espacial. Portanto, tentaremos responder algumas das questões relativas à potencialização da palavra poética ao transfigurar-se em palavra cantada em um processo que denominaremos como: “o arco das palavras encantadas”. Palavras-chave: Voz. Poesia oral. MPB. Palavra cantada. Canção popular. 25 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina TERRA GAÚCHA: O PROJETO DE ALFABETIZAÇÃO DE JOÃO SIMÕES LOPES NETO Elisângela Aparecida Zaboroski de Paula UFSC [email protected] Resumo: Ao produzir o livro Terra Gaúcha, publicado apenas postumamente em 1955, João Simões Lopes Neto (1865-1916), tinha como intuito inicial contar a história do Rio Grande do Sul de uma forma simples e prática onde todos pudessem entender melhor sua pátria. O escritor gaúcho, no entanto, fez duas versões deste seu livro, a primeira destinada aos adultos e a segunda destinada às crianças, que segundo a opinião dele estavam sendo alfabetizadas através de autores estrangeiros e com isso estavam perdendo muito do conhecimento do lugar de origem. Simões chegou a enviar seu projeto para o MEC, para que seu livro fosse editado e distribuído nas escolas para a alfabetização das crianças. No entanto, seu trabalho foi recusado por não estar escrito na norma culta do português da época. Segundo Simões o livro foi escrito de forma simples para que todos entendessem, mas o governo não entendeu a proposta dele. O desafio de Simões era ensinar as crianças a amarem a terra em que nasceram e também ensinar e contar as histórias populares que não deveriam desaparecer. Contudo, este livro não foi editado e nem distribuído nas escolas, sua edição escolar perdeu-se e o que nos resta hoje é a edição de Terra Gaúcha, para os adultos. Nosso trabalho tem o intuito de apresentar esse trabalho e mostrar a importância pedagógica dele. Palavras-chave: Pátria. Crianças. Alfabetização. João Simões Lopes Neto LER E FAZER NA BIBLIOTECA Salete Maria Lanzarin Colégio de Aplicação/UFSC [email protected] Resumo: Trata-se de uma proposta de trabalho com alunos de primeira a quarta séries do ensino fundamental do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Santa Catarina, como forma de proporcionar condições que levem estes alunos a lerem e adotarem o hábito de frequentar a Biblioteca no seu dia-a-dia de maneira prazerosa. Como forma de romper 26 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina a barreira de que este é um lugar de castigo e depósito de coisa velha. As crianças, metade da turma, são conduzidas até a Biblioteca, semanalmente, através de horário definido juntamente com os professores, para todo o ano letivo. Nos primeiros trinta minutos é realizada uma atividade lúdica independente dos conteúdos da sala de aula, e os quinze minutos restantes, as crianças escolhem livros para empréstimo. É permitido o empréstimo domiciliar diário de quatro livros com prazo de sete dias. Após quarenta e cinco minutos é efetuada a troca de turma na sala de aula. No caso das quartas séries os alunos recebem orientação básica sobre o uso em geral do acervo da Biblioteca, como realizar uma pesquisa, juntamente com a referência bibliográfica das fontes como livro e periódico, utilizando a ABNT de forma elementar. Uma maneira de torná-los independentes e prepará-los para a quinta série, período em que inicia a fase de pesquisas em geral. Com a disponibilidade deste espaço, a Biblioteca passou a fazer parte do quadro de horários e recebe tratamento de disciplina. O que se pretende nesta comunicação oral é demonstrar algumas das atividades desenvolvidas pelo projeto. Palavras-chave: Educação. Leitura. Prazer. Pesquisa. LITERATURA INFANTIL: BIBLIOTECA E LEITOR Karin Cozer Campos UFSC [email protected] Resumo: O texto circunscreve-se em uma pesquisa realizada com base em uma experiência de trabalho enquanto professora de Literatura Infantil. Um trabalho que acontece na biblioteca das escolas da rede municipal de Francisco Beltrão/PR., articulado a um Programa de Formação de Leitores proposto pela Secretaria de Educação deste município. Os objetivos da pesquisa eram investigar os motivos de implantação deste projeto na rede municipal de educação e apontar as principais contribuições deste trabalho às crianças, sobretudo à formação de leitores. A pesquisa consistiu em um estudo de caso, numa perspectiva histórico-social. O caso escolhido foi o Projeto de Literatura Infantil elaborado e desenvolvido numa escola municipal deste município. A metodologia de trabalho utilizou-se do estudo bibliográfico sobre o ensino de Literatura Infantil, entrevistas semiestruturadas a alguns professores, membros da equipe pedagógica da escola e técnico-pedagógicos da Secretaria Municipal de Educação, como também, a análise e observações de momentos pedagógicos (reuniões, 27 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina encontros de formação, aulas, entre outras atividades extra-escolares), levantando informações, dados e relatos de professores e alunos, que ocorriam durante a realização do projeto e experiências de trabalho. Constatamos que, por meio desta experiência estética, elencaram-se significativas contribuições à imaginação da criança e à prática e prazer pela leitura, mesmo àqueles que ainda não liam. Além disso, aumentou o interesse por diferentes obras e autores e novos práticas artístico – culturais se desenvolveram naquela escola. Questões identificadas pelos relatos dos professores. Porém, algumas limitações surgiram, como a dificuldade em envolver todos no projeto. Palavras-chave: Literatura Infantil. Biblioteca. Leitura. Criança. UM OLHAR SENSÍVEL E POLÍTICO DIANTE DO PEQUENO LEITOR: ESTUDO DE CASO A PARTIR DO LITERATÓRIO Ana Paula do Prado Unisinos [email protected] Resumo: Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa Mestrado em Educação onde tem como objetivos verificar se experiência do Literatório em Chapecó-SC, vem oportunizando o gosto pela literatura entre as crianças que o frequentam, e analisar os efeitos que as professoras reconhecem na sala de aula após visitas ao Literatório. O projeto Literatório propõe oferecer um laboratório de leitura/literatura, o qual recebe alunos e professores para reflexão e o exercício da leitura, e tendo garantido o seu espaço e o seu fazer contínuo, permite que esse trabalho mostre um sério programa de leitura, com políticas comprometidas com o ato de ler, visando exercer e permitir o exercício da cidadania entre professores, alunos e pessoas da comunidade. Ao definirmos o Literatório como estudo de caso, o fizemos por estarmos atuando e vivenciando o processo de reconstrução das linguagens educativas nesta modalidade de ensino, e por entender que a literatura infantil não é apenas uma atividade a mais, e sim, um exercício cotidiano para embelezar o mundo de fantasias que as crianças vivem. Esse trabalho é significativo pelas contribuições inéditas que irá trazer para os educadores, tanto do universo adulto quanto o infantil, buscando como eixos norteadores deste estudo os professores e crianças que já estiveram no literatório e pessoas envolvidas neste projeto. Palavras-chave: Educação. Infância. Literatura. Política 28 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina LIVRO INTERATIVO ON-LINE PARA LITERATURA INFANTIL: ESTADO DA ARTE Izaura Maria Carelli Unioeste/Foz do Iguaçu (DETAE) [email protected] Wagner Igarashi Unioeste/Foz do Iguaçu (DETAE) [email protected] Denise Lam Unioeste/Foz do Iguaçu (DETAE) [email protected] Resumo: A magia de literatura infantil ganha uma nova versão com os recursos de multimídia. Os livros on-line contam histórias com diferentes níveis de interatividade, por exemplo, em alguns, os próprios personagens narram o seu texto em outros a continuidade da história depende da interação do leitor com os personagens. Esses livros tendem a seguir o design do livro convencional, isto é, a ilustração em uma área maior e o texto em uma menor. Mega portais educacionais como Scholastic, PBS e BBC como disponibilizam bibliotecas de livros infantis, como parte das atividades dos websites nos seus programas destinados as crianças na fase de letramento. O objetivo deste artigo é relatar um mapeamento realizado para se identificar quais recursos são utilizados nesta nova versão de livros para se criar modelos que permitam a criação de livros interativos on-line. A metodologia adotada foi analisar seguindo os critérios definidos por Jong e Bus (2003) ao avaliar livros multimídia disponibilizados em CDs, adotados por Crenzel et al (2008) para avaliar livros digitais no Brasil e alguns critérios definidos de usabilidade adotas em web (Krug, 2006). Observamos que há uma grande diversidade de recursos adotados nos materiais avaliados entre os portais e mesmo no próprio portal, assim como algumas das publicações não atendem alguns critérios de usabilidade. Este tipo de publicação de literatura infantil pode ser re-editado usando os novos recursos das ferramentas de editoração de multimídia. Palavras-chave: Livro interativo on-line. Literatura infantil. Tecnologia educacional. 29 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina OS CONTOS INFANTIS COMO PROPOSTA DE INCENTIVO À LEITURA NA ERA DIGITAL Thiago Rafael Machado Univali [email protected] Chirley Domingues Unisul [email protected] Resumo: O presente artigo trata da delicada questão da falta de apreço das crianças pela leitura, nos dias atuais, em face da gama de possibilidades de acesso às informações digitalizadas, existente após a chamada “revolução tecnológica”. Discute-se a possibilidade de utilizar os contos infantis como ferramenta para o desenvolvimento do gosto pela leitura, através dos recursos que atualmente são vistos como distanciadores, a exemplo dos filmes, televisão e internet. A partir das considerações acima, são apresentadas as funções da literatura na construção da sociedade; os fatores que propiciam o atual desinteresse pela leitura, e as diversas práticas pedagógicas que contribuem para a aproximação da escola com o ciberespaço, assim como o papel do educador nesse processo. Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa quantitativa com alunos de uma quinta série de uma escola pública estadual, com o intuito de delinear a atual situação do leitor mirim em relação ao conhecimento dos contos de fadas, partindo da utilização de um filme que aborda essa temática. Palavras-chave: Literatura infantil. Contos infantis. Ciberespaço. DONA SOFIA, OFÉLIA E UMA VELHINHA SEM NOME: PALAVRAS, TRAÇOS E CORES QUE NARRAM VELHICES Larisa da Veiga Vieira Bandeira UFRGS [email protected] Resumo: A literatura infantil é espaço privilegiado do simbólico, projeção de anseios, medos, angústias, alegrias e dúvidas. Expressão do vir a ser pleno de significações, de um existir que não é apenas uma metáfora do real, mas, também a superação, o rompimento e a (re) significação do real. O artigo apresenta e discute partir de três livros: A caligrafia de Dona 30 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Sofia, O Teatro de Sombras de Ofélia e A velhinha que dava Nome às Coisas, diferentes possibilidades de subjetivação da velhice sob a perspectiva dos estudos de DOLL acerca das teorias sociológicas clássicas sobre o envelhecimento. Esses três livros foram escolhidos por oferecerem aos seus contadores, leitores, ouvintes e aqueles que folheiam suas páginas não apenas um pouco dessas outras velhices, mas, a possibilidade de (re) significar essas de forma sensível e reflexiva através de suas narrativas que confabulam com imagens produzindo novos caminhos em torno dos sujeitos leitores. Palavras-chaves: Literatura infantil. Envelhecimento. Narrativas. Imagens. PROVOCÁNDOLOS A “SER” Inés Eva Punschke Uruguaya [email protected] Resumo: La creación literaria abre puertas, prepara la mente a descubrir, llegar al conocimiento, a valores históricos, culturales, permitiendo opinar, fantasear y crear. Tratando de acercar a los jóvenes a la lectura y escritura se transitó un arduo camino. A partir de la comunicación oral, se buscó incentivar el gusto por la materia y llegar a la reflexión. El abordaje y la lectura del mayor número posible de libros por parte de los educandos posibilitó que lograsen expresar oralmente, informando al resto del grupo hasta provocar la retroalimentación. El plurilinguismo y pluricultura de los mismos obligó a que el acercamiento del docente fuera por un juego de empatía descubriendo así sus gustos (Stenhouse, 1987). El libro electrónico acercó a los jóvenes quienes aceptaron que la docente pusiera a disposición una biblioteca virtual con temas o autores de su interés. La experiencia realizada resultó fascinante aún en un tiempo inestable, cambiante, pleno de sugerencias y sorpresas como es el actual. La propuesta se desarrolló bajo el interés de los alumnos sobre todo quienes obraron y eligieron en absoluta libertad, permitiéndoles comandar el desarrollo educativo aunque este fuera de modo parcial. Los caminos por ellos elegidos fueron muchas veces insospechados y maravillosos a la vez. Aportaron elementos para el análisis y la reflexión según la disciplina de la clase. La actividad posterior a la retroalimentación dio la posibilidad de evaluar, no en forma aislada sino a la mayoría de los integrantes del grupo y rescatar valores socio-culturales, históricos-filosóficos y aquellos específicos de la literatura. Palabras-claves: Lectura. Pedagogía. Incentivar. Retroalimentación. 31 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A SATISFAÇÃO LEITORA ATRAVÉS DE LEITURAS DE HISTORIAS INFANTIS COMO INCENTIVO AO APRENDIZADO DA LEITURA Vera Regina Silva da Silva PUCRS [email protected] Resumo: O fato de uma criança gostar ou não de ler, está de certa forma vinculado ao seu interesse pela leitura. É através da identificação com um mundo mágico e sonhador que se desenha nas histórias infantis, que a criança sente satisfação em ler, e isso pode ser demonstrado nas relações que ela faz entre situações reais e imaginárias que encontra na leitura. A literatura infantil se organiza de maneira a seguir regras voluntárias de satisfação e prazer em que a criança tem a possibilidade de projetar-se para além do mundo imaginário. Essa projeção pode estar interligada à compreensão da leitura, o que foi comprovado através de pesquisa com crianças de 3ª série. Se o leitor compreende a história, sentirá prazer e satisfação em ler. Howard e Sheth (1969), dizem que a satisfação é um estado cognitivo do sujeito em estar sendo recompensado adequada ou inadequadamente pelo sacrifício de ler. Nesse sentido, a essência da aprendizagem é produto da satisfação leitora que pode estar na forma como a leitura é apresentada para as crianças, indicando que o incentivo à leitura de histórias infantis produz uma ação de leitura positiva, transformando a figura repulsiva que tem representado a leitura de textos de livros didáticos em uma ação de leitura gratificante, que as auxilia a reconsiderar seus próprios conflitos pessoais, conforme Bettelheim (2000). Palavras-chave: Literatura infantil. Leitura. Satisfação leitora CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS: UMA PONTE PARA A PAIXÃO DE LER Joanildes Felipe Escola de Educação Básica Nereu Ramos [email protected] Resumo: O projeto tem por objetivo a exploração fruitiva da literatura infantil. Propõe-se a fazer a utilização da literatura infantil de forma prazerosa na escola desenvolvendo um trabalho com crianças objetivando a 32 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina formação de leitores, dada a importância da leitura para o desenvolvimento linguístico do sujeito e para sua atuação como cidadão crítico na sociedade. Além de contribuir na elaboração do conhecimento compreendendo que a leitura é um processo de contínuo aprendizado. O professor deve selecionar atentamente os tipos de histórias que pretende apresentar aos seus alunos, deve estar atento também a um outro fato, trata-se sobre o tipo de leitor que queremos formar. Desde cedo, é preciso formar um leitor que tenha um envolvimento integral com aquilo que ele lê. Mas para isso, é preciso ajudá-lo a sentir liberdade e prazer ao estar lendo. “O educador vai precisar usar toda sua sensibilidade, tendo em mente que cada situação e ocasião têm aspectos muito particulares”. No entanto, percebe-se que pode não ser tão fácil formar esse tipo de leitor, pelo fato de que infelizmente na escola, lhe é exigido muitas situações no sentido de cobrança, como deveres, lições, trabalhos, provas. E assim também nesse mesmo sentido, a leitura pode passar a ser entendida. “E o que lhe é exigido dentro desse contexto sempre será associado a esta imagem”. Com esse projeto pode-se observar nas crianças uma interação espontânea e criativa com as histórias e com os livros, passaram a frequentar a biblioteca e a levar livros para casa, de forma mais assídua. Palavras-chave: Leitura. Fruição. Histórias. Conhecimento. A LITERATURA INFANTIL E JUVENIL BRASILEIRA E A REPRESENTAÇÃO DE GRUPOS SOCIAIS Mirian Hisae Yaegashi Zappone UEM [email protected] Resumo: Atrelada à qualidade de escritores e de textos que deixaram para trás as amarras com a pedagogia, a literatura infantil e juvenil brasileira constituiu sua história e configura-se, atualmente, como produção artística estabelecida dentro da cultura brasileira ao encenar sua presença em um sistema literário plenamente constituído contando com a presença de um conjunto de produtores, de receptores e um conjunto de textos. Esses elementos, ligados uns aos outros, conferem a essa literatura a condição de estabelecer-se enquanto produção cultural relevante. Tendo em vista esse panorama, propôs-se a pesquisa intitulada Literatura infantil e juvenil e representações de grupos sociais a fim de verificar de que modo(s) os diversos grupos sociais têm sido representados na literatura destinada aos jovens, já que a literatura enquanto um bem cultural valorizado tanto na 33 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina escola como fora dela ajuda a formar valores e faz uma figuração mimética do modo como nossa sociedade tem vislumbrado os diferentes grupos sociais que a ela pertencem. Para fazer um levantamento do modo como esses grupos se apresentam ou não em tal literatura, foram selecionados e lidos os textos vencedores do Prêmio Jabuti de Literatura, concedido pela Câmara Brasileira do Livro de 1993 a 2009, uma vez que assim poder-se-ia constituir um corpus legitimado no sistema literário brasileiro. Sendo uma pesquisa em andamento, serão apresentados os dados relativos aos últimos nove anos, totalizando 9 narrativas, das quais foram observados vários aspectos relativos aos personagens principais e secundários. Através das informações obtidas pode-se notar que há um padrão composição de personagens de modo a excluir-se da representação literária grupos já são excluídos pela sociedade. Palavras-chave: Literatura infantil e juvenil. Personagens. Grupos sociais. O ESPAÇO URBANO E O ESPAÇO RURAL NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL: ALGUNS CASOS Gabriela Hardtke Böhm UNISUL [email protected] Resumo: O trabalho tem como ponto de partida a representação do espaço na obra infantil de Monteiro Lobato. O sítio de Dona Benta representou, na época da publicação das obras, o espaço da criança brasileira por excelência, visto que, no início do século passado, a maioria dos leitores em potencial vivia ou no campo ou em espaços urbanos com características muito próximas à vida rural. Hoje as narrativas voltadas às crianças e aos jovens migraram para a cidade, assim como a maioria da população brasileira, conforme atesta Reis (2006). Ou seja, o espaço urbano abriga com mais frequência os conflitos vividos pelos personagens atuais, embora o campo não tenha desaparecido por completo. Como esses espaços são representados em algumas narrativas infanto-juvenis atuais? Qual conotação o campo recebe nessas obras? Trata-se do mesmo espaço de sonho e fantasia de Monteiro Lobato? Para responder a essas indagações serão examinadas as obras Ponto de Vista (2005), de Ana Maria Machado e Ziraldo, A caligrafia de Dona Sofia, de André Neves (2007), e Os dois irmãos, de Wander Piroli (2009) Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil. Cidade. Campo. 34 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina DO TEXTO À IMAGEM: UMA POÉTICA DA TRADUÇÃO Mitizi Gomes UFPel [email protected] Resumo: O presente estudo busca analisar algumas ilustrações de livros de diferentes edições da obra de Monteiro Lobato, à luz dos Estudos de Tradução e da Literatura Comparada. A partir da análise das imagens, a autora propõe a ideia de que o ilustrador é um tradutor, uma vez que versa linguagem verbal para linguagem visual (tradução intersemiótica, de acordo com Umberto Eco). Ao tomar contato com o texto que será traduzido, o tradutor/leitor precisa conhecer, ler, interpretar, criar imagens mentais, a fim de realizar seu intento. Segundo Haroldo de Campos, a tradução é uma transcriação, uma transfiguração e, portanto, uma atividade artística. Com base nesta afirmativa, afirma-se que a ilustração pode ser vista como uma experiência tradutória, mas transposta para a linguagem visual. Uma boa ilustração não apenas reproduz o que está explícito na linguagem verbal, mas ultrapassa seu sentido, dando ao leitor um complemento, outras possibilidades de leitura. Dessa forma, as produções para crianças transformam-se em um excelente material de análise, uma vez que a preocupação com a visualidade do livro infantil é grande. Palavras-chave: Literatura Comparada. Estudos de Tradução. Literatura Infanto-Juvenil. Ilustração. Monteiro Lobato. CLARICE LISPECTOR: A TRADUTORA E OS LEITORES INFANTO-JUVENIS Norma Andrade da Silva UFSC [email protected] Resumo: Lispector tornou-se escritora reconhecida no Brasil inteiro pelos seus romances, contos e crônicas, sendo que muitos deles foram traduzidos para diversas línguas. Entretanto, pouco se tem estudado a sua produção destinada à parcela seja de leitores infantis, seja de leitores adolescentes. Por esse motivo, o objetivo deste artigo é, em primeiro lugar, dar visibilidade ao trabalho de Clarice Lispector como tradutora/adaptadora de obras clássicas direcionadas ao público jovem. Para isso, farei a análise do ponto de vista cultural, com base no teórico de tradução americano 35 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Lawrence Venuti, de alguns excertos do conto Os crimes da rua Morgue (The Masque in the Rue Morgue), de Edgar Allan Poe. Em segundo lugar, é apresentar a sua produção literária relacionada ao leitor infanto-juvenil. Na década de 1970, Clarice traduziu/adaptou obras como As viagens de Gulliver (Jonathan Swift), Tom Jones (Henry Fielding), Histórias extraordinárias (Edgar Allan Poe), A ilha misteriosa (Jules Verne), O retrato de Dorian Gray (Oscar Wilde) e Chamado selvagem (Jack London). Também, na mesma época, escreveu cinco livros infantis, sendo eles: O mistério do coelho pensante (um “pedido-ordem” de seu filho mais novo), A mulher que matou os peixes, A vida íntima de Laura, Quase de verdade e Como nasceram as estrelas (narrativa de 12 lendas, cujos personagens fazem parte do folclore brasileiro, correspondendo elas aos 12 meses do ano). Ao final do artigo, estabeleço um paralelo entre a Clarice tradutora e a Clarice das histórias infantis. Palavras-chave: Tradução. Clarice Lispector. Literatura Infanto-juvenil. A TRADUÇÃO DO DIALETO DO PERSONAGEM HAGRID EM HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO: UM OLHAR PARA O PÚBLICO LEITOR. Caroline Reis Vieira Santos Mestranda PGET UFSC [email protected] Lincoln Paulo Fernandes UFSC/UEL [email protected] Resumo: Este trabalho observa a tradução do dialeto do personagem Hagrid para o português brasileiro no livro Harry Potter e a Pedra Filosofal com o objetivo de verificar os “padrões de comportamento linguístico preferenciais ou recorrentes em contraposição a exemplos de intervenções individuais ou únicas.” e como esses padrões linguísticos podem estar ligados à leiturabilidade, ao mercado editorial e às condições de trabalho dos tradutores de literatura infanto-juvenil. O uso do corpus paralelo bilíngue PEPCo (English-Portuguese Parallel Corpus) possibilita que esta pesquisa tenha maior representatividade em seus resultados, que seja realizada em um tempo menor e garante a possibilidade de sua replicabilidade. Em uma análise inicial, pode-se concluir que o tradutor é levado a fazer escolhas que levem em consideração seu público leitor 36 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina infanto-juvenil, mas também que levem em consideração os pedidos do cliente/editor, os quais apresentam, muitas vezes, uma visão conservadora em respeito à tradução do dialeto; a censura da instituição escolar e dos pais, que podem considerar a tradução do dialeto um desvio da norma culta que deve ser evitado; e as condições de trabalho (como remuneração e prazos de entrega das traduções), que muitas vezes impedem com que o tradutor faça pesquisas e desenvolva soluções para os problemas tradutórios de forma satisfatória. Palavras-chave: Literatura Infanto-Juvenil. Estudo de Corpus. Público leitor infanto-juvenil. INTERTEXTUALIDADES NO ROMANCE INFANTO-JUVENIL DE CORNELIA FUNKE Adriana Maximino dos Santos UFSC [email protected] Resumo: Uma das tendências da literatura infanto-juvenil contemporânea alemã, segundo Kummerling-Meibauer (2008), constitui apresentar características da literatura adulta, como narrativas mais complexas, ironia e intertextualidade. Tal fato advém do fenômeno denominado crosswriting, que ocorre quando os escritores escrevem objetivando dois destinatários, a criança e o adulto. O propósito deste trabalho é analisar os mecanismos intertextuais de um romance infanto-juvenil alemão e discutir suas implicações na tradução por meio da abordagem de Shavit (1999) e Koch, Bentes e Cavalcante (2007). O corpus adotado se compõe do livro Tintenherz de Cornelia Funke (2003) e de sua tradução Coração de Tinta (2006). Os resultados do estudo indicam que no corpus estão presentes intertextualidades que podem ser lidas nos eixos horizontais e verticais, direcionadas respectivamente ao público infantil e adulto. Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil alemã. Intertextualidade. Crosswriting. Tradução. 37 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina LEITURA DE IMAGENS: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DAS IMAGENS DA OBRA IDA E VOLTA DE JUAREZ MACHADO Maria Laura Pozzobon Spengler PPGCL/UNISUL [email protected] Resumo: A imagem, no mundo contemporâneo, ocupa papel de fundamental importância para a construção de pensamento, e através de sua leitura o ser humano conhece o mundo que o cerca. Nas obras da Literatura Infantil, o leitor infantil tem acesso a esse suporte imagético não verbal, que se faz presente na ilustração das obras infantis e, através dele, conhece também um universo de linguagem essencial para sua formação. Este trabalho pretende abrir uma breve discussão sobre o papel da imagem, nas obras de literatura infantil, tomando por base, a tríade elaborada por Charles Sanders Peirce, através do estudo de signos. Apesar de não ter a pretensão de um estudo aprofundado sobre os estudos desta teoria, as interpretações geradas por Santaella e Noth (2008) são fundamentais para a compreensão dos aspectos básicos que compõem a teoria semiótica. No modelo de análise semiótica de imagens paradas, elaborado por Gemma Penn (2008), é possível a interpretação das imagens presentes nas obras de literatura infantil. O livro de Juarez Machado, Ida e Volta (1976), é a primeira publicação de um escritor/ilustrador brasileiro, que traz como linguagem exclusiva a imagem na apresentação da narrativa. Por ser de um escritor catarinense, foi o livro escolhido para a realização desta análise semiótica. Ida e Volta, assim como todos os livros que compõem este gênero de produção cultural, possibilita infinitas leituras e a análise semiótica das ilustrações presentes neste livro traz entendimento e interpretação privilegiados sobre a natureza das imagens deste mundo contemporâneo que nos cerca. Palavras-chave: Semiótica. Literatura Infantil. Ilustrações. Imagem. 38 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina OS ANIMAIS, O MITO E O FEMININO: FRIDA KAHLO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. Ana Maria Alves Souza PPGL/UFSC [email protected] Resumo: Em outubro do ano passado comecei uma pesquisa de Mestrado, em Literatura, na UFSC, com biografias da artista mexicana Frida Kahlo, orientada pela Profa. Tânia Regina Oliveira Ramos. Quem foi Frida Kahlo? Difícil me é responder, na variabilidade biográfica múltiplas imagens se criam. Apesar do mesmo referente histórico, cada biografia construirá uma outra Frida. Recentemente entrei em contato com narrativas biográficas sobre Frida para o público infantil e juvenil. Baseada no conceito de biografema de Roland Barthes, problematizarei em meu ensaio um detalhe em duas destas biografias, no que se refere à questão dos autorretratos com animais. Para tanto, busquei trabalhar de forma comparativa, aproximando as biografias escritas para crianças e jovens com três biografias para adultos, de forma a questionar as diferentes abordagens sobre o assunto que abrangem especialmente uma maternidade adotiva, contrastada com a construção performática e cênica do próprio eu. A discussão que se estabelece passa pela elaboração de uma ideia de mexicanidade cultivada pela artista em sua identificação com determinados animais, como o macaco e a serpente. O que podemos pensar destes textos biográficos? A relativização da ideia de natureza se faz necessária, assim como a problematização derridiana da palavra animal. O encontro com o mito constrói imagens em movimento e nos aproxima de um perspectivismo ameríndio. Com essa proposta de leitura das representações iconográficas e biográficas de Frida Kahlo tanto para adultos, quanto para um público infantil e juvenil, questiono as imagens do mito do feminino como o exótico e o selvagem, o fora da razão, o Outro. Palavras-chave: Biografias infanto-juvenis. Imagens biográficas. Frida Kahlo. Animais. Mito do feminino. 39 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina ENTRE REALIDADE E FANTASIA: UM OLHAR-MENINO RESSIGNIFICANDO CONTEXTOS DE GUERRA Juliana Pádua Silva Medeiros FFLCH – USP [email protected] Resumo: Este trabalho, sob um eixo comparativo e na perspectiva da criança, pretende discutir a respeito da ampla rede de sentidos construída pelos protagonistas dos filmes O labirinto do fauno, de Guillermo Del Toro, e O menino do pijama listrado, de Mark Herman, ao entrarem em contato com o violento cenário de guerra no qual estão inseridos, tendo em vista que, influenciados pelos contos de fadas e histórias de aventuras, Ofélia e Bruno acabam ressignificando esse universo hostil. Em virtude disso, empregar-se-á, como viés teórico, a partir de uma perspectiva dos estudos comparados, as contribuições de Aumont (1993), Santaella (2008) e Costa (2005). Palavras-chave: Leitor. Leitura. Literatura Infanto-Juvenil. Imaginário. MONTEIRO LOBATO: A BIOGRAFIA DO PAI DE EMÍLIA Nádia Castilho Balieiro de Carvalho da Silveira Universidade Uniandrade [email protected] Resumo: Em Memórias de Emília, talvez a mais conhecida das histórias do Sítio do Pica Pau Amarelo, Monteiro Lobato coloca sua personagem como criadora de uma narrativa autobiográfica, que seria caracterizada hoje como “autobiografia dos que não escrevem”, na nomeclatura de Philippe Lejeune, uma vez que é o Visconde o “redator” das “memórias”da boneca. Em Minhas memórias de Lobato contadas por Emília, Marquesa de Rabicó e pelo Visconde de Sabugosa, Luciana Sandroni faz uso igualmente inusitado do gênero (auto)biográfico, atribuindo aos personagens lobatianos a tarefa de narrar as “memórias”do escritor. A partir da análise dos textos mencionados, este trabalho se propõe objetivo duplo: 1) Examinar como os textos se encaixam nos conceitos de gêneros autobiográficos de Lejeune ou os subvertem. 2) Estabelecer paralelos entre dados biográficos de Monteiro Lobato e suas “memórias” fictícias especialmente no aspecto de engajamento do escritor na luta por transformações positivas em nosso país. 40 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Palavras-chave: Literatura Brasileira. Monteiro Lobato. Literatura Infantil e adulta. EMÍLIA ONTEM E HOJE: UMA ANÁLISE DO DISCURSO Vanessa Wendhausen Lima PPGCL UNISUL [email protected] Helena Isoppo Schmid Graduanda em Letras UNISUL [email protected] Resumo: Monteiro Lobato foi o escritor moderno que, no início de sua vida literária, editou as próprias obras e com seu esforço, ampliou o mercado livreiro, bem como o modo de produção de livros infantis no Brasil. Lobato inaugurou a literatura infantil no país com a publicação de A menina do nariz arrebitado, em 1921. Foi também nessa obra em que nasceu Emília, a boneca de pano e; foi em Reinações de Narizinho, em 1931, que ela começou a falar e não parou mais. Observamos as múltiplas faces de uma Emília que nasce no início do século XX, supostamente carregada de ideologias do autor, e as suas reproduções num discurso atual. Assim, o objetivo desse trabalho é traçar um comparativo entre as falas de Emília em sua fase inicial e seu desdobramento contemporâneo nas histórias em quadrinhos. Considerando que “a linguagem é antes de tudo um lugar de interação entre os membros de uma sociedade, que podem usá-la tanto para revelar como para esconder suas verdadeiras intenções” (ABAURRE, 2000) e que o discurso se materializa pela linguagem optamos pela Análise do Discurso Francesa para embasar este trabalho. Assim, cumpre dizermos que o corpus de que nos utilizamos compõe-se das obras: Reinações de Narizinho (1979 [1931]); Memórias da Emília (1964 [1936]) e; Coleção de Histórias em Quadrinhos da Emília (2008). Observamos que o contexto social em que Lobato estava inserido foi papel fundamental para a formação das ideias elaboradas nas narrativas. Em contrapartida, os autores das histórias em quadrinhos, apesar de se manterem firmes no propósito lobatiano de construção de personagens, evidenciam a evolução do espaço sócio-cultural que vivenciamos. Palavras-chave: Emília. Análise do Discurso. Monteiro Lobato. 41 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina LITERATURA, RAP E REBELDIA: CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DO “SUJEITO-ESTUDANTE” Cristina Zanella Rodrigues Colégio Municipal Pelotense – CMP [email protected] Resumo: É corrente na história da humanidade que a literatura anda de braços dados com as revoluções. Mesmo que algumas vezes o sistema de ensino se mostre bancário e desmotivador ao aprendiz, é possível encontrar literatos e artistas em sala de aula. Diante dessas questões, e tendo por referencial teórico a Análise do Discurso proposta por Michel Pêcheux, constituem-se como objetivos deste trabalho analisar as letras de música em forma de RAP produzidos por estudantes de 5ª série de uma escola pública do município de Pelotas/RS, perceber o movimento de sentidos produzidos a partir desses discursos, e observar como, através da criação literária, se constitui discursivamente esse sujeito estudante, criativo, espontâneo, insurgente em sua relação com a escola, com a família e com o aprendizado. A análise discursiva da materialidade linguística, associada às condições de produção dos discursos, tornou possível perceber que mesmo apresentando estruturas linguísticas semelhantes, as construções presentes nos texto dos três grupos apresentam um funcionamento diferente, fazendo surgir distintos processos discursivos e desencadeando movimentos de sentidos peculiares, o que indica que a relação entre literatura, aprendiz e escola se constrói junto à rebeldia. Palavras-chave: Literatura. Rap. Escola. Discurso. LITERATURA INFANTIL: IMPORTANTE E INDISPENSÁVEL Danusia Apparecida Silva UNIPLAC Resumo: Com o propósito de capacitar os professores, não portadores de Curso Superior, a Secretaria da Educação de Santa Catarina ofereceu-lhes gratuitamente, nos meses de férias, o Curso de Pedagogia (1996 – 2000). A grade curricular acolheu a Literatura Infantil como disciplina a fim de oportunizar: prazer, lazer e saber. Essa tríade redunda na experiência estética que por sua vez provoca o gesto criador e reaviva a capacidade docente. Norteada pelos depoimentos – produção textual – das professoras que pela vez primeira viveram a Literatura Infantil como disciplina 42 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina curricular, eu, professora da citada matéria e pesquisadora produzi um breve ensaio. Compreendi que a Literatura levou-as à valorização das histórias e de seus autores, à retomada de suas emoções pretéritas, a debates sobre a que necessidades do ser humano atende a literatura, seja no plano escrito, seja no plano oral. Espero que os textos e respectivas análises que compõem este trabalho alcancem o objetivo de divulgar a inegável importância da Literatura Infantil na formação do professor, no despertar de sua consciência crítica e no prosseguimento da pesquisa. Palavras-chave: Literatura Infantil. Professor-leitor. Experiência estéticocrítica. A LINGUAGEM LITERÁRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: DESENVOLVENDO HABILIDADES DE LEITURA E ESCRITA Lucimar Ferreira da Silva Oliveira PPGCL/UNISUL [email protected] Resumo: Esta comunicação é resultado de um projeto realizado em 2008 com alunos da Escola Municipal Profa. Belarminda de Souza Pires em Imbituba, SC. Partindo do problema: Como motivar a compreensão leitora e a produção textual de alunos que frequentam a classe de Apoio Pedagógico?, desenvolvemos o projeto intitulado “Aluno bom leitor e produtor de textos” cujo objetivo foi motivar a compreensão leitora e produção textual destes alunos. Para dar conta desse objetivo, promovemos situações constantes de leitura e escrita que consistiram de três práticas básicas: 1) leitura; 2) produção textual; 3) reescrita de textos. Para tanto, buscamos contribuição nos textos de literatura infantil como; quadrinhas, trava-línguas, parlendas, contos, fábulas, poemas, advinhas, histórias, entre outros, que por aguçarem a imaginação infantil provocam o gosto pela leitura. O acesso à leitura literária na infância, seja na escola ou no espaço familiar, propicia à criança o contato com “uma arte que tem seu suporte legitimado pela/na escrita”, e contribui para a ampliação do seu repertório linguístico e cultural. Ao envolver-se em práticas sociais de leitura como ouvir e/ou ler histórias, a criança não só se integra no mundo do letramento como também desenvolve sua inventividade imaginativa, podendo constituir-se autora de “sua própria produção literária” (DEBUS, 2006). Como resultados, apresentamos alguns dos textos criados pelos sujeitos participantes e uma reflexão sobre os aspectos mais relevantes da 43 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina realização do trabalho: o aumento da autoestima dos alunos, o exercício de autoria nas produções textuais e uma diminuição das dificuldades relacionadas às habilidades de leitura e escrita. Palavras-chave: Leitura. Produção textual. Linguagem literária. MALUCOS POR HISTÓRIAS: UMA CRIATIVA PROPOSTA PARA A FORMAÇÃO DE CRÍTICOS LEITORES Tatiana C. Manica PGCL/UNISUL; Faculdades SATC [email protected] Resumo: O ensino de Literatura Brasileira e de História, na maioria das vezes, obedece a programas e padrões pré-estabelecidos, focando acontecimentos, que em determinados momentos são desinteressantes e não oportuniza tempo para reflexão, análise e debates. Entretanto, constata-se que, além da não diversidade nos recursos de trabalho; no ensino de Literatura Brasileira há uma extrema dificuldade de contextualização e fluxo de leitura em relação com a História e as perspectivas e fundamentos têm apresentação eurocêntrica e elitista, ocultando as faces dominadas, vencidas e excluídas. Percebe-se ainda a falta de abordagem às questões regionais, à importância subjetiva da Literatura como arte e à História como parte de explicações humanitárias, no desenvolvimento das disciplinas. Partindo desse pressuposto o Projeto “Malucos por Histórias”, criado no primeiro semestre de 2008, na Escola Técnica SATC de Criciúma – SC, teve como objetivo principal a crítica literária e histórica dentro dos padrões culturais atuais e de época. O incentivo à leitura e as demais interpretações artísticas enriquecem as contextualizações que são expostas para o grupo de educandos interessados em adquirir mais conhecimento e cultura. Os encontros foram mensais e com temas abrangentes e relevantes para o período, dentre alguns trabalhados: Inconfidência Mineira – literatura árcade e fatos históricos; Incidente em Antares – personagens de Érico Veríssimo e contexto político-econômico brasileiro; 1808, a vinda da Família Real – publicações jornalísticas, obras teatrais de Martins Pena e Gonçalves de Magalhães. A promoção dos encontros e, consequentemente, o desenvolvimento do Projeto, evidenciou a carência e a relevância da contextualização e do comprometimento de componentes curriculares envolvidos. Constatou-se que, mesmo ocorrendo em rápida junção, os resultados, embora ainda em experimentação, foram surpreendentes em 44 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina relação à formação de conhecimentos e envolvimento cultural dos educandos. Palavras-chave: Literatura. História. Cultura. Contextualização. Conhecimento. A INACESSIBILIDADE ÀS CONCEPÇÕES DA LITERATURA PROMOVE A AVERSÃO PELA DISCIPLINA Fernanda Maccari Guollo PPGCL/UNISUL [email protected] Resumo: O ensino da Literatura nos âmbitos educacionais brasileiros vem sendo questionado por vários estudiosos da área, dentre eles Afrânio Coutinho, Marisa Lajolo, Rosa Helena Mendonça, Cândido de Oliveira, Patrícia Calavitti Braga, Francisco da Silveira Bueno, Wanderley Geraldi às Orientações Curriculares do Ensino Médio, principalmente pelo seu fracasso no quesito de incentivo à leitura. Fala-se muito da relevância que tem o ato de ler e de compreender, em sua plenitude, a mensagem do texto, mas infelizmente há uma dissociação entre ideal (teoria) e o real (prática pedagógica). É provável que, parte desta incógnita referente à aversão dos alunos pela Literatura e, respectivamente, leitura, esteja interligada não só pela linguagem mais rebuscada presente nos livros, mas pelo fato dos educandos não terem acesso às informações primordiais que geram o interesse pela disciplina, pela leitura de um livro, enfim, pelo exercício crítico e reflexivo que provém do contato com a Literatura. Cada educador deve entender que ao trabalhar com alunos possuidores de contextos sociais e cognitivos diferenciados há inúmeras possibilidades interpretativas de um único texto, dependendo da ótica pela qual cada indivíduo direciona seu olhar ao fazer a leitura. Cada educando deterá as informações que lhes forem mais fecundas. Então, cabe aos educadores (de modo geral), conectar-se às tendências educativas que estão norteando o processo de ensino e aprendizagem, para ministrar a disciplina de Literatura visando que os alunos de hoje tornem-se indivíduos instruídos e atuantes na sociedade de amanhã. Palavras-chave: Ensino de literatura. Jovem leitor. Ensino Médio. 45 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina IDEIAS DIFERENTES PROMOVEM OS VALENTES Rita de Cássia Silva Kauling Escola de Educação Básica Silveira de Souza Resumo: Desde o inicio do seu fazer literário, Maria de Lourdes Krieger tem se voltado para o universo da infância. Nos anos 70 começa a publicar histórias e reportagens em Suplementos Infantis de Jornais. A leitura de suas obras remete à análise das tendências no tratamento da criança como personagem. Essa criança fala, pensa, sente, pertence a uma família. Os animais inseridos nas histórias também assumem atitudes, reflexões e palavras que priorizam as características morais e de personalidade, deixando os dotes físicos em segundo plano. Em linguagem lúdica e comunicativa narra a história de um gato que não se abate ante os reveses da vida: mas com obstinada decisão luta até realizar seu propósito. Passa por sucessivos estágios que o amadurecem. É na verdade um inovador e rompe com os paradigmas vigentes: o ‘tudo sempre em seu lugar’. Transita, subjacentemente, na ficção o espírito da democracia e do respeito. A feição de fábula empresta à ficção de Maria de Lourdes Krieger o aval de literatura nos moldes de Monteiro Lobato. Palavras-chave: Coragem. Status quo. Caráter lúdico. O PAPEL DO NEGRO NA LITERATURA INFANTIL HOJE: UM ASSUNTO QUE NÃO PODE PASSAR EM BRANCO Cláudia Regina Silveira UFSC [email protected] Resumo: O presente estudo objetiva fazer uma abordagem acerca do papel do negro como personagem na literatura infanto-juvenil, bem como promover reflexões sobre a necessidade de trabalhar a questão racial na escola. Nesse processo, serão trabalhadas questões envolvendo gênero, raça, etnia e a simbologia do cabelo como identidade racial e, ainda, reflexões abordando de que forma o professor e a escola podem contribuir para o desenvolvimento do conhecimento social e para a construção de conceitos em sala de aula. Para isso, serão analisadas as seguintes obras literárias: “Cabelo ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar”, de Neusa Baptista Pinto e “O menino marrom”, de Ziraldo. A 46 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina partir da análise dessas obras, poderemos observar o quão nós, educadores, precisamos buscar uma nova consciência e mostrar que a escola não é somente um lugar em que se desenvolve o lado intelectual, mas também as relações humanas. Palavras-chave: Personagem negro na literatura. Cabelo ruim. O menino marrom. Questão racial na escola. A CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NA LITERATURA DE RECEPÇÃO INFANTIL E JUVENIL: UM DIÁLOGO SINGULAR EM PLURALIDADES Margarida Cristina Vasques Pedagogia/UNISUL; PIBIC/CNPq Eliane Santana Dias Debus PPGCL/UNISUL Resumo: O presente trabalho apresenta os resultados da pesquisa “A cultura africana e afro-brasileira na literatura de recepção infantil e juvenil: um diálogo singular em pluralidades”, desenvolvida nos meses de julho/2008 a julho/2009, no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica/CNPq/2008. Esta pesquisa se efetivou pela necessidade de viabilizar a inclusão da cultura e história africana e afro-brasileira no Ensino Fundamental e Médio, como demanda da Lei 10.639/2003. e por acreditarmos que a literatura tem reais contribuições para esse fim. Assim, tem-se como meta dar visibilidade às leituras literárias destinadas ao público infantil e jovem que enfatizem o tema étnico-racial, ou, ainda, títulos que incluam a real participação de personagens negras, costumes afro-brasileiros e informações culturais produtoras de identificação entre o leitor e a narrativa. Como método investigativo, mapeamos oito casas editoras (Ática, Companhia das Letrinhas, DCL, Paulinas, Scipione, Mazza, Pallas e SM), tendo como referência os catálogos comerciais do ano 2008/2009. Num primeiro momento, levantamos o material bibliográficoalvo para, então, posterior análise textual. Os catálogos editoriais somaram 2146 livros publicados. Destes, foram selecionados 170 livros que trouxeram a presença do negro, sua cultura e africanidades. Sendo assim, o investimento em livros étnico-raciais a partir de oito editoras corresponde a 8% de seu total de publicações. Através de alguns desses livros adquiridos para estudo, o trabalho propôs e concluiu a resenha, com propriedade descritiva e crítica, de 56 textos. 47 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Palavras-chave: Literatura infantil. Temática étnico-racial. História e cultura afro-brasileira. A LEITURA LITERÁRIA PROMOVENDO REFLEXÕES SOBRE A TEMÁTICA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA: A VOZ DAS CRIANÇAS DO “PROJETO MALUNGO” Elika da Silva Pedagoga/UNISUL [email protected] Eliane Santana Dias Debus PPGCL/UNISUL [email protected] Resumo: A presente comunicação tem como foco a literatura de recepção infantil que tematiza a cultura africana e afro-brasileira e a sua apropriação pelo público leitor no espaço escolar dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Acreditando ser a voz da criança leitora um reconhecimento ou não da recepção dos livros infantis na escola. Apresentamos a pesquisa realizada no ano de 2008, em uma escola da Rede Estadual de Ensino de Florianópolis (SC). O grupo de 16 alunos entre 8 e 15 anos. Estudantes da 4ª. Série do Ensino Fundamental participaram durante dois anos do “Projeto Malungo” que buscava trabalhar a identidade afro-brasileira junto as crianças apresentando produtos culturais que provessem a discussão sobre a temática africana e afro-brasileira, entre elas a literatura. O levantamento do depoimento das crianças deu-se por dois caminhos: questionário com oito perguntas e pela gravação dos bastidores do Vídeo Documentário Malungo (2006), que nos serviu como instrumento de observação e reflexão sobre como os alunos se apropriaram da literatura africana e afro-brasileira. Pela voz das crianças constatou-se que ao participarem do Projeto tiveram no mundo da leitura a imaginação e a fantasia como passaporte para o engrandecimento de seus conhecimentos em relação à cultura africana e afro-brasileira. Palavras-chave: Literatura infantil. Leitura. Cultura africana e afrobrasileira. Projeto Malungo. 48 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina DIÁLOGOS INTERCULTURAIS: UMA ANÁLISE SOBRE OS PROJETOS ESTÉTICOS DE MANOEL DE BARROS E ONDJAKI José David Borges Júnior FFLCH/USP [email protected] Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar, pelo viés dos estudos comparados e da crítica genética, como se processa a construção estética em alguns poemas selecionados nas obras “Memórias inventadas – a infância”, de Manoel de Barros e “Há prendizagens com o xão”, de Ondjaki. Nesse contexto, pretende-se mapear e reconhecer quais os pontos de contato entre os referidos autores, buscando estabelecer um diálogo entre suas formas de conceber o estético nas supracitadas obras, bem como demonstrar que é pela voz da criança, contida nos respectivos textos, que se promove o movimento de (re)construção da identidade cultural. Dessa forma, acredita-se ser possível ter acesso ao fenômeno mental de criação dos textos em discussão, bem como reconhecer o ideal estético dos referidos autores/poetas, através dos diálogos possíveis existentes entre ambos, de suas respectivas formas de conceber o objeto artístico e de seus respectivos locus enunciativos, a saber: Brasil e Angola, respectivamente. Para tanto, utilizaremos como referencial teórico, autores como Salles (2008), Muraro (2006), Cunha (2006), Castro (1991) e Friedrich (1991). Palavras-chave: Diálogo de culturas. Ressonâncias estéticas. Olhar infantil. Alteridade. Identidade cultural. LITERATURA E INFÂNCIA: DETRITOS E RELAÇÕES COM O MENOR Daniela Bunn UFSC [email protected] Resumo: A comunicação tem como objetivo estabelecer algumas ligações entre textos literários e críticos que trabalhem com a temática do menor: os detritos em Benjamin, a noção de literatura menor em Deleuze, as relações com o menor em Gianni Rodari, Monteiro Lobato e Ana Maria Machado, resíduos, restos e ruídos nas propostas de Daniel Link. Em Os anões de Mântua (2004), Rodari estabelece a relação do menor ao deslocar 49 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina personagens de Rigoletto (ópera de G. Verdi) para uma meta-história. Os anões inconformados com seu tamanho procuram o segredo de crescer. Emília, em A Chave do Tamanho (1942), de Monteiro Lobato, também enfrenta problemas, porém do “apequenamento”, como Alice de Lewis Carroll e tantas outras histórias clássicas. Bem do seu tamanho (1986), de Ana Maria Machado, apresenta uma dialética do tamanho: ora a personagem principal é grande demais para certas coisas, ora é pequena demais – enfrentamento ao qual pais e filhos são constantemente submetidos. Essas e outras histórias serão analisadas. O menor também está em Agamben (2005) e na Gramática da Fantasia (1982) de Rodari – a miniaturização, a salvação do pequeno, a fragilidade e a grandeza mostram como a dialética do tamanho é levada ao pequeno leitor sendo que, segundo Rodari, “o império da dialética estende-se também sobre os territórios da imaginação”. Palavras-chave: Literatura. Infância. Tamanho. Relações/menor. LINGUAGEM E CÁLCULO ATRAVÉS DE JOGOS LÚDICOS: LITERATURA NO ENSINO DE ALUNOS COM DÉFICIT EM APRENDIZAGEM Edineia Aparecida Chaves de Oliveira PPGCL/UNISUL [email protected] Resumo: Este trabalho apresenta um projeto interdisciplinar desenvolvido no Colégio Humberto de Alencar Castelo Branco, no ano de 2008, com alunos que apresentam déficit de aprendizagem em linguagem e cálculo e que frequentam a sala de apoio. Metodologicamente, desenvolveram-se aulas a partir de histórias infantis, contos, trava-línguas, brincadeiras de roda, cantigas e ditados populares, bem como jogos e competições diversas. Também o cálculo através de situações lúdicas e com material dourado, além da motricidade e do trabalho com o corpo, possíveis a partir do desenvolvimento das brincadeiras infantis. Para tanto, o plano de aula buscou conhecimentos da educação física, da matemática e do português, a fim de melhorar as noções básicas que os alunos envolvidos precisavam ter para calcular e para dominar a comunicação, principalmente a escrita. A literatura, associada ao lúdico, foi o combustível para estas aulas. Os resultados obtidos foram satisfatórios, no sentido de que as notas da sala de aula nas matérias de português e matemática aumentaram para muitos alunos no transcorrer do projeto. Também foi possível dar-lhes mais 50 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina desenvoltura, mostrar práticas sociais da infância de nossos antepassados que permanecem eternizadas, desinibi-los e entender como aulas bem planejadas e tendo como ponto de partida o lúdico e o literário podem melhorar o relacionamento desses alunos, a inclusão em espaços letrados, a motivação, a criatividade e o domínio de conhecimentos culturais que serão necessários para prosseguirem em seus estudos e principalmente para firmar a identidade do sujeito histórico. Palavras-chave: Literatura. Lúdico. Aprendizagem. Cálculo. Linguagem. GÊNEROS DA LITERATURA OU LÚDICOS: JOGOS DIDÁTICOPEDAGÓGICOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL Luzinete Carpin Niedzieluk Faculdade Municipal de Palhoça [email protected] Resumo: Este artigo objetiva enfocar gêneros lúdicos ou gêneros da literatura popular no processo de letramento: cantigas, canções populares. Pensar na transposição didática desses gêneros considerando-os jogos didático-pedagógicos como gêneros lúdicos que auxiliam no ensinoaprendizagem da educação infantil, pois o ato de brincar e cantar não deve ser visto apenas como lazer, mas sim, como recurso didático-pedagógico para desenvolver habilidades e competências nos alunos, tornando possível a construção do conhecimento na interação. Para tal propósito, usamos, predominantemente, a abordagem dialógica proposta por Bakhtin e Volochinov (1999; 2002), além de Vygotsky (2002) e outros. Por fim, demonstramos como um projeto implantado no curso de Pedagogia da Faculdade Municipal de Palhoça (FMP) contribuiu para a relevância, tanto de resgatar a história dos jogos e das canções como também de aplicá-los, considerando-os como gêneros da literatura ou lúdicos na educação infantil. Palavras-chave: Gêneros da literatura ou lúdicos. Jogos DidáticoPedagógicos. Educação Infantil. 51 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O LÚDICO NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO Rosa Finardi PPGCL UNISUL [email protected] Resumo: Alegria! É a palavra que pode encerrar a visão de quem vê a criança numa situação de jogo ou brincadeira. Mal sabem os olhares leigos, que nesse momento a criança esta construindo relações sociais e estruturas mentais fundamentais à sua vida. Talvez justamente ai esteja o ponto nodal da questão. Aprender sempre foi encarado como uma atividade sofrível e, portanto, destituída de prazer. Sempre acompanhada de uma visão capitalista de um investimento futuro e como tal “um mal necessário”. Além disso, a tradicional cultura do silêncio que assombra nossas escolas vê a imposição da disciplina homogeinizadora e opressora como um quesito para se qualificar o bom professor e no caso a criança, fundamental para a formação de atitudes. Atualmente, as ciências preocupadas com a educação e o desenvolvimento saudável dos sujeitos têm lutado para que os educadores compreendam e coloquem em pratica a ideia de que a criança “constrói” seus conhecimentos nas relações que estabelece com o meio de forma ativa. E a aprendizagem passa necessariamente pela ação, dentre elas o jogo e a leitura. Nesse sentido, o jogo e a brincadeira simbólica se tornam importantes recursos na medida em que combinam as ações e significações acompanhadas de prazer, tornando a aprendizagem significativa. Por essas considerações, é importante que se conheça como a ludicidade, enquanto integrante dos processos de ensino e aprendizagem, podem integrar o cotidiano do aprendiz. Enriquecendo as ações pedagógicas, ultrapassando os limites impostos por métodos tradicionais de ensino que cerceiam a criatividade e o prazer de aprender do educando. Palavras-chaves: Lúdico. Aprendizagem. Prazer. Estruturas mentais. 52 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E O ENSINO DE CIÊNCIAS: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL Luana von Linsingen UFSC [email protected] Resumo: São várias as histórias juvenis e infantis que trazem à tona questões como o lixo, as usinas nucleares, as extinções em massa, o futuro do futuro; transformam os assuntos da Ciência no que são de fato: em assuntos sociais. Uma só obra literária encerra uma cultura infinita, com temas que, fazendo parte do pensamento humano, não podem ser fragmentados, não podem ser dissociados uns dos outros. Por conta desses fatores, quando levada ao espaço escolar, uma obra literária não pode nem deve ser tachada de “apoio paradidático” de Língua Portuguesa. Ela deve ser elevada a um status de complemento, de ponto de partida, de problematização, e levada a todas as disciplinas, a de Ciências inclusive. Com o objetivo de proporcionar a reflexão sobre a relevância de mais estudos e pesquisas sobre a Literatura Infanto-Juvenil na área do Ensino de Ciências, especificamente seus exemplos literários, isto é, textos cuja matéria ou linguagem (narrativa ou poética) resulta da invenção e da transfiguração da realidade em matéria, buscando interagir com as emoções de seu leitor, tomo por modelo uma coleção específica de livros infantis, que serviu de base para minha dissertação de mestrado sobre as relações entre Ensino de Ciências e Literatura Infantil, além de exemplos da literatura tida por juvenil. Os resultados obtidos pela supracitada pesquisa indicam carência de trabalhos que abordem as relações entre a Literatura Infantil e o Ensino de Ciências e Biologia, e que o texto infantil, em especial o ficcional, fornece possibilidades de contornar dois graves analfabetismos: o científico e o literário. Palavras-chave: Literatura infantil e juvenil. Ensino de ciências. Leitura. 53 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina NARRATIVAS DE CRIANÇAS DE TRÊS A QUATRO ANOS PRODUZIDAS A PARTIR DA ORDENAÇÃO DE GRAVURAS DE UMA HISTÓRIA DE UM LIVRO DE IMAGENS: ANÁLISE COM BASE NA TEORIA DA RELEVÂNCIA Alba da Rosa Vieira PPGCL/UNISUL [email protected] Resumo: Nesta pesquisa, com base na teoria da relevância de Sperber e Wilson (2001 [1995]) e Carston (1988), analisam-se os processos ostensivo-inferenciais em narrativas de crianças de três a quatros anos de idade produzidas a partir da ordenação de gravuras de uma história de um livro de imagem. Para dar conta desse objetivo, foi solicitado às crianças da turma do jardim I, do Centro de Educação Infantil Cantinho Feliz do município de Imbituba (SC), que ordenassem individualmente a história O tricô, de Eva Furnari e, a partir dessa ordenação, narrassem a história. Os dados foram filmados e gravados em áudio, e os enunciados das narrativas foram transcritos e tratados: encaixando-se cada enunciado dentro de sua forma lógica respectiva; elaborando-se a explicatura do enunciado linguístico, quando necessário; e, quando pertinente, elaborando-se as implicaturas. Os resultados, entre outras conclusões, sugerem que crianças nessa faixa etária apresentam algum grau de domínio da narrativa, processando as imagens uma a uma, por vezes como narrativa completa em si mesma, na mesma ordem em que essas imagens lhes vêm às mãos. Palavras-chave: Teoria da Relevância. Educação Infantil. Narrativas. 54 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina RESUMOS DE PÔSTERES 55 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 56 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina “PESSOA AOS NOSSOS OLHOS” – A FORMAÇÃO DE LEITOR LITERÁRIO NO 2º E 3º CICLO DO ENSINO BÁSICO EM PORTUGAL Ângela Balça Universidade de Évora [email protected] Ana Abrantes Câmara Municipal de Évora [email protected] Resumo: No âmbito do Projecto Educativo A Fada Palavrinha e o Gigante das Bibliotecas, do Município de Évora, Portugal, lançou-se um desafio às escolas do 2º e 3º ciclo do ensino básico, para assinalar os 120 anos do nascimento de um dos maiores poetas de língua portuguesa – Fernando Pessoa. Este desafio configurou-se numa aproximação à vida e obra do poeta, com o objectivo de as escolas participarem no concurso “Pessoa aos nossos olhos”, que consistia na decoração de estruturas em madeira, com o perfil de Pessoa. Os trabalhos foram posteriormente expostos nas praças do Centro Histórico da cidade. Sabendo nós que a formação do leitor literário não termina nos primeiros anos de escolaridade, mas exige sim um investimento constante, esta iniciativa revelou-se deveras importante, uma vez que permitiu aos jovens adolescentes o contacto com a poesia, de uma forma lúdica. Palavras-chave: Formação do leitor. Fernando Pessoa. Escola. CLUBE DA LEITURA: A GENTE CATARINENSE EM FOCO Heliete Schütz Millack Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis Resumo: O projeto “Clube da Leitura: a gente catarinense em foco” está sendo desenvolvido no Departamento de Bibliotecas da Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis/SC, desde abril deste ano (2009), pela professora Heliete Schutz Millack, licenciada em letras pela UFSC e pós-graduada na área da Educação. Como o próprio nome sugere, esse projeto destina-se à criação de clubes, ou melhor, pontos de trocas de experiências de leituras, em especial, as de autores(as) catarinenses, nas 57 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina escolas pertencentes à Prefeitura Municipal de Ensino de Florianópolis. Além de ampliar o incentivo ao hábito da leitura entre todos(as) os(as) participantes do “clube”, é também uma oportunidade de formação para professores(as) dos anos iniciais (1º ao 3º anos, 4ª série e EJA), bibliotecários(as) e auxiliares de biblioteca. Para esse fim, foram previstos encontros de formação, nos quais haverá troca de experiências, fornecimento de material, oficinas e, ao final, encontro com alguns autores(as) catarinenses. Os encontros para as trocas serão feitos nas bibliotecas das escolas e no Centro de Educação Continuada da SME, situado à rua Ferreira Lima, 82, centro de Florianópolis/SC. As bibliotecas das escolas participantes do Clube receberão obras de autores(as) catarinenses, destinadas ao público infanto-juvenil, para comporem o acervo. Palavras-chave: Biblioteca. Literatura Infantil. Autores catarinenses. Leitura. LITERATURA INFANTIL PARA QUALQUER IDADE Juliana Schumacker Lessa USFC [email protected] Mariana Silveira dos Santos Rosa UFSC [email protected] Resumo: A literatura para crianças oferece uma leitura mágica, permeada por metaforismos e analogias que presentes nas fábulas e nos contos de fadas permitem ao leitor fugir da leitura linear, objetiva, fixa e seca, sendo possível transcender as ideias dos autores, através da imaginação. Mais importante que a faixa etária do leitor é a vontade que cada sujeito tem de conhecer determinadas obras. Entretanto observa-se em livrarias e bibliotecas que os livros destinados ao público adulto são, em sua maioria, obras que não propiciam uma viagem fantástica e imaginativa, que não permitem a confusão entre o real e o irreal, pois têm enredo e teor próprios do mundo adulto. Isto impede o ser humano crescido de entrar no mundo da imaginação e da fantasia; como se apenas às crianças fosse permitido o ingresso neste universo. Impor classificação etária em livros determina quem é e quem não é capaz de lê-los, sem levar em consideração que cada pessoa é diferente, diversa e específica, construída não apenas pelo tempo 58 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina de vida que tem, mas, principalmente, pelo contexto em que está inserida. Assim como não é possível determinar os limites etários da infância, pois esta é construída historicamente, não é possível classificar etariamente a literatura. Portanto, é necessário que crianças, adultos e idosos tenham a possibilidade de ler o que têm vontade e desejo de ler, o que lhes proporciona prazer, o que faz com que se sintam alegres, independente dos rótulos ou das etiquetas afixadas nas prateleiras das bibliotecas. Palavras-chave: Literatura infantil. Infância. Literatura. Faixa etária. Criança. O TRABALHO COM O GÊNERO POÉTICO NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE LEITORES: POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE LITERATURA Danielle Amanda Raimundo da Silva UNESC [email protected] Celdon Fritzen UNESC [email protected] Resumo: Após o estudo das ponderações feitas sobre o ensino de literatura no Brasil a partir da produção de conhecimento dos programas nacionais de pós-graduação, desenvolvemos a pesquisa Literatura e formação de leitores: entraves e encaminhamentos segundo o Banco de Teses e Dissertações da CAPES. Pela presença significativa entre os resumos de um corpus com 107 estudos vinculados ao ensino de literatura, num segundo momento, delimitamos como novo tema de investigação: o gênero poético. Assim, iniciamos a coleta, com posterior leitura e análise, dos textos integrais de quatro teses e sete dissertações acessíveis que investigaram esse objeto. Haja vista a maior porção de tais estudos serem do tipo pesquisa-ação ou etnográfica, resultados concretos são apontados como possíveis, se não já alcançados pelas pesquisas espraiadas por todas as fases formais do ensino. Dessa maneira, a positividade do trabalho com o texto poético reflete-se: 1) no ensino fundamental: na aquisição da leitura atrelada ao processo de letramento, bem como aprimoramento das potencialidades cognitivas e linguísticas mediante atividades de caráter lúdico; 2) em contexto de ensino médio: na afirmação de sujeitos sociais, críticos e, consequentemente, mais cultos; 3) na educação de jovens e 59 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina adultos, bem como em contextos extraclasse: a redescoberta e ressignificação do mundo torna-se possível a partir do contato com a poesia. Diante dos dados levantados, concentramos nossos esforços em chamar atenção ao trabalho com o texto poético como possibilidade real para um ensino de literatura que, além de proporcionar deleite estético, colabore para a formação de sujeitos mais reflexivos e autônomos. Palavras-chave: Ensino de literatura. Teses e dissertações. Formação de leitores. Texto poético. LEITURA COMPARTILHADA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA Cláudia Maria Poglia PPGCL UNISUL Resumo: Este trabalho busca socializar uma atividade de intervenção, de caráter exploratório, junto ao grupo de 21 crianças, constituído de 09 meninas e 11 meninos, com idade entre 7 e 8 anos; da 2ª série do Ensino Fundamental, do Colégio Cenecista Padre Manoel Gomez Gonzalez, situada no município de Nonoai (RS), realizado no ano de 2008, no período de 13 a 14 de outubro. A atividade de intervenção teve como objetivo geral refletir como as crianças em idade escolar, em especial, dos anos iniciais do ensino fundamental, recebem o texto literário através da narrativa de histórias, pensada aqui, como leitura compartilhada e como esse tipo de aproxima a criança da leitura literária. Para realizar as atividades dialogouse com as diversas linguagens: a corporal, a plástica, a imagética e a musical. Constatou-se que as crianças apreciarão a atividade e esta contribuiu para a disseminação da leitura literária naquele espaço institucional. Palavras-chave: Leitura compartilhada. Formação de leitores. Literatura infantil. 60 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina PARE PARA A LEITURA: CULTURA E CRIATIVIDADE CHAMANDO A ATENÇÃO PARA A LITERATURA Tatiana C. Manica. PPGCL/UNISUL; Faculdades SATC [email protected] Resumo: A busca de metodologias eficazes para a atuação docente deve ser tarefa de todos os profissionais da educação, permitindo o exercer pedagógico mais significativo para educadores e educandos.Partindo destas reflexões e também em decorrência do Centenário dos escritores João Guimarães Rosa e Machado de Assis, no segundo semestre do ano de 2008 na Escola Técnica SATC de Criciúma, realizou o Projeto “Pare para a leitura: cultura e criatividade chamando a atenção para a Literatura”, que projeção surpreendente no meio educacional. O objetivo fora de construir, juntamente com os alunos do primeiro ano do Ensino Médio, uma maneira criativa para a divulgação do Centenário e ao mesmo tempo um estudo aprofundado sobre esses dois grandes nomes da Literatura Brasileira. A metodologia e o desenvolvimento do projeto contemplaram criações de placas estilo sinalização de trânsito. Tais ações aguçaram a criatividade e a curiosidade de forma crescente e prazerosa em relação à cultura, promovendo uma busca acerca da vida, obras e curiosidades desses autores. Foram também destacados trechos de vida, excertos conhecidos, citações memoráveis desses ilustres escritores foi o foco da produção artística. Como resultado constatou-se que o conhecimento adquirido a partir de pesquisas, montagem e divulgação agregaram muito aos alunos e também à comunidade, pois ficaram visíveis no pátio e corredores da instituição. Como a Escola Técnica SATC comporta mais de 4.000 alunos foi importante a participação de todos para a divulgação e sucesso do trabalho. Ao trabalhar João Guimarães Rosa e Machado de Assis, a riqueza de seus vocabulários, de suas histórias, enfim a contribuição preciosa que ambos deixaram para a Literatura Brasileira, os alunos tiveram acesso à leitura de maneira lúdica e prazerosa. O estímulo visual acentuou a importância da literatura e da cultura em geral para o crescente aperfeiçoamento das linguagens. A aprendizagem neste contexto é potencializada pelas múltiplas linguagens e pela participação efetiva dos educandos, proporcionando a apropriação dos conceitos e abordagens selecionadas e expostas em sala de aula. Palavras-chave: Leitura. Linguagem. Cultura. Aprendizagem. Criatividade. 61 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina RELEITURA DAS MEMÓRIAS DE MONTEIRO LOBATO: USO DA ARTE CÊNICA NO ENSINO MÉDIO PARA O INCENTIVO À LEITURA DO ENSINO FUNDAMENTAL II Fernanda Maccari Guollo PPGCL/UNISUL [email protected] Resumo: Alguns estudiosos e pesquisadores da crítica literária, como Nelly Novaes Coelho, Marisa Lajolo e Regina Zilberman, Cecília Meirelles e Maria Antonieta Antunes Cunha destacam aspectos prototípicos sobre literatura e o exercício diário de leitura em benefício à constituição do sujeito. Com base nisso, foi realizada a Semana Comemorativa do Livro Infantil, 18 de abril, nas dependências do Colégio Interação, situado no município de Morro da Fumaça – SC, uma homenagem as Memórias de Monteiro Lobato, por meio do trabalho de pesquisa biográfica e de leitura do livro Minhas Memórias de Lobato, de Luciana Sandroni. Esta atividade propiciou a releitura, a produção textual e apresentação teatral, de forma breve, concisa e em linguajar culto, da vida do renomeado introdutor da literatura infanto-juvenil brasileira: Monteiro Lobato. Apresentação esta, realizada pelos alunos do 1º Ano do Ensino Médio e direcionada a todos os alunos do Ensino Fundamental II. O intuito desse trabalho foi à mobilização da escola para incentivar a presença dos alunos na biblioteca e para aguçar o incentivo à leitura. Os resultados foram bem profícuos, colhendo-se frutos até hoje: maior frequência e locação de livros na biblioteca; alunos interessados no contexto das obras literárias que leem nas aulas de literatura; maior participação e questionamentos sobre o enredo, resultando também, na valorização do livro manuseado. E acima desses fatores, oportunizou-se o reconhecimento da relevância do escritor Monteiro Lobato, principalmente de seus ideais, que se refletem na sociedade atual (valorização do nacional), servindo de fonte inesgotável de informações e inspirações a todos. Palavras-chave: Literatura. Leitura. Ensino Fundamental II. Ensino Médio. Monteiro Lobato. 62 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O MARAVILHOSO NA LITERATURA INFANTIL: CONTOS DE FADAS ÀS AVESSAS Jucirlei P. Casagrande PPGCL/UNISUL [email protected] Resumo: O artigo apresenta uma abordagem sobre o maravilhoso na literatura infantil, cuja linguagem metafórica se comunica muito facilmente com o pensamento natural, mágico das crianças e nesse sentido os contos de fadas contribuem para a compreensão de valores básicos da conduta humana. Sob essa perspectiva, elaboramos uma leitura às avessas dos contos de fadas tradicionais, um trabalho realizado com alunos de 5ª série do ensino fundamental da escola de educação básica municipal Maurina de Souza Patrício, no município de Morro da Fumaça. Palavras-chave: Literatura infantil. Maravilhoso. Contos de fadas. Produção. CATÁLOGO DO DESTINO: LEITURAS, ESCRITAS, INFÂNCIAS Mariana Lange AEP-Palhoça; UFSC [email protected] Resumo: Este pôster apresenta fragmentos de uma experiência com Oficina de Leitura e Escrita desenvolvida com crianças que enfrentam dificuldades escolares (aprendizagem e/ou comportamento). O trabalho é coordenado por um oficineiro, profissional com experiência em oficinas, implicado na prática com a escrita e também pesquisador do tema “escrita e psicanálise”. A oficina foi montada tendo o referencial psicanalítico de Freud e Lacan como eixo. O grupo se reúne semanalmente para a prática de leitura e escrita, mas diferente da escola: tornando livres os temas da escrita e os rumos da leitura, permite-se ao oficinando ocupar um lugar de leitor e de escritor-escrevente independentes de certo/errado. O objetivo é trabalhar a pluralidade de vozes, o medo de errar, a criatividade, os modos de ler, interpretar, criar. A escrita e a leitura são suportes para a construção de um lugar de enunciação. A oficina, como prática coletiva, permite o endereçamento a um outro. A literatura apresenta histórias que podem servir como recursos para que a criança esboce um lugar para si no mundo. 63 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Ítalo Calvino define literatura como “catálogo do destino”, pois a ficção apresenta caminhos possíveis, desfechos imagináveis, perigos, soluções. São muitos os modos de ser criança, e na fase escolar que se coloca a importância do pertencimento ao grupo, lugar das trocas simbólicas – na escola também aparecem as “trocas” de letras, disgrafias, dislexias, discalculias. A oficina é um lugar onde se troca com os demais, inclusive materiais, apelidos, ideias, demarcando, assim, diferenças e possibilidades. Palavras-chave: Leitura. Escrita. Oficina. Iinfância. PROJETO “MUNDO MÁGICO DA LEITURA” Marilda Andrade de Abreu Cordeiro Projeto Renascer/COMOSG [email protected] Resumo: Considerando que o processo educacional de crianças/adolescentes acontece em múltiplos espaços. Não está, na verdade, restrito apenas ao tempo em que se dedicam à escola formal. As crianças/adolescentes necessitam e requerem – do ponto de vista pedagógico e formativo – vivências que enriqueçam a sua vida e os tornem capazes de responder a diversos estímulos como pessoas e cidadãos. O texto analisa experiências da Oficina de Literatura, em realizada no Projeto Renascer – Conselho dos Moradores do Saco Grande – COMOSG, “O Mundo Mágico da Leitura”. As atividades são desenvolvidas através de materiais literários infanto/juvenis, pretende-se incentivar a formação do hábito de leitura, além de desenvolver nas crianças as habilidades e disposições necessárias à construção de significados, para pensarem melhor e por si mesmas. Iniciamos o Projeto “Mundo Mágico da Leitura” em 2008 e encontra-se em andamento em 2009. Destina-se às crianças entre 6 e 14 anos que praticam atividades complementares no Projeto Renascer. Muitas crianças encontram-se em situação de vulnerabilidade, neste sentido, a Literatura Infantil/juvenil é um caminho que leva a criança a desenvolver a imaginação, emoções e sentimentos de forma prazerosa e significativa. Desta forma estaremos ampliando o universo cultural destas crianças, retirando-as da ociosidade ou do trabalho precoce, através da participação em atividades extracurriculares, principalmente a leitura. Palavras-chave: Alfabetização. Leitura. Apoio Pedagógico. Literatura Infanto-juvenil. 64 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina ALTERNATIVAS VISUAIS NA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS PARA CRIANÇAS SURDAS Natália Schleder Rigo UFSC [email protected] Resumo: Esse estudo busca apresentar, primeiramente, a importância que a literatura infantil oferece na vida de crianças surdas. O quanto é fundamental para sua formação, enquanto sujeito presente no mundo, conhecer diferentes histórias, personagens, seres imaginários, etc. possibilitando a construção de seu próprio espaço e significando seu mundo. Práticas de representação da literatura, como leituras orais, contação de histórias, teatro, etc., são meios efetivos para transportar crianças para novos mundos. No entanto, essas práticas, em sua maioria, são designadas para um público infantil ouvinte. Mas ao pensarmos em um público infantil de crianças surdas, quais seriam as alternativas do narrador? Considera-se, em primeira instância, a própria língua natural do ser surdo, a língua de sinais. Se o narrador possui domínio dela, então sabe das possibilidades incríveis que a língua oferece para desenvolver seu trabalho. Mas, sem dúvida, há outros meios a que ele pode recorrer: os recursos visuais. Com um acervo de materiais visuais, o contador de histórias estará equipado de escolhas para desenvolver seu trabalho e atingir seu principal público alvo que carece em sua essência ser transportado para outros mundos em que a imaginação é a chave de entrada. Esse estudo, portanto aborda uma pesquisa de busca por diferentes recursos visuais para prática de contação de histórias infantis, suas possibilidades de uso, seu emprego e as relações envolvidas com o público surdo. Palavras-chave: Literatura infantil. Contação de histórias. Recursos visuais. Público surdo. 65 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A POESIA E A INFÂNCIA: UMA POSSIBILIDADE? Anne Marie Tribess Onesti SESC [email protected] Lisley Canola Treis Teixeira SESC [email protected] Resumo: Esse trabalho trata-se de um relato de experiência com um grupo de crianças de 3 e 4 anos em uma instituição de educação infantil ao interrogar questões entorno da possibilidade da poesia com a infância em práticas de valorização das suas falas por meio de conversas e leituras poéticas. Com base na formação continuada de professores no exercício de sua atividade em uma perspectiva voltada a problematização e investigação da prática pedagógica no universo da escola, procuramos conhecer e registrar as percepções das crianças “provocadas” pelas poesias de Manoel de Barros, valorizar as narrativas infantis como textos orais e interpreta-los a luz dos referenciais teóricos de Benjamin sobre a infância e a cultura e os pressupostos de Bakhtin sobre o discurso. As observações e registros apontam que o trabalho envolvendo a poesia com as crianças pequenas foi possível dentro de uma concepção que dá importância ao ponto de vista delas. Nesse sentido, percebeu-se que as crianças interagiam com os textos poéticos de forma lúdica e os interpretavam com sua linguagem. Além disso, as falas das crianças indicam que elas estão mais próximas das coisas que nós adultos já tornamos insignificantes. Palavras-chave: Infância. Poesia. Linguagem 66 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS: UMA PRÁTICA ANTIGA ENTRELAÇADA COM O CONTEMPORÂNEO Priscila Nandi Pedagogia/UNISUL Eliane Santana Dias Debus PPGCL/UNISUL Resumo: Este trabalho tem como objetivo principal estudar sobre a arte de contar histórias a partir da prática de uma profissional dessa área investigando quais as estratégia que ela se utiliza para seduzir o público ouvinte. Para cumprir nosso objetivo principal, outros específicos foram organizados como: pesquisar se a profissional costuma utilizar livros nas contações e quais as obras mais utilizadas; observar quais as técnicas mais utilizadas pela profissional de contação de histórias; verificar de que maneira as histórias contribuem na leitura das crianças. A pesquisa foi realizada na cidade de Tubarão, Santa Catarina, sendo sujeito da pesquisa Júlia Maria Damazio Rodrigues, uma profissional da área de contação de histórias. Para a coleta de dados foram adotados vários procedimentos: 1) uma entrevista estruturada, através de um questionário aplicado à profissional da área; 2) observações da atuação da profissional nos espaços que realiza este trabalho; 3) conversa informal a partir de perguntas semiestruturadas, utilizando-se gravador. As observações foram realizadas em dois locais: Farol Shopping (24/05) e nas gravações do programa “Era uma vez...”, Unisul TV (29/05). Com esta pesquisa, além de levantar a metodologia e recursos utilizados por uma profissional da Contação de histórias, foi possível concluir que é viável entrelaçar a antiga arte de contar histórias com a tecnologia contemporânea, unindo o passado com o presente mantendo o mesmo objetivo, que é o prazer por ouvir histórias. Palavras-chave: Contação de histórias. Tecnologia. Formação de leitores. 67 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina REPRESENTAÇÃO DE INFÂNCIA NOS LIVROS DE MONTEIRO LOBATO: REINAÇÕES DE NARIZINHO, VIAGEM AO CÉU E MEMÓRIAS DA EMÍLIA. Luana Amador Fuhrmann Pedagogia/UNISUL Eliane Santana Dias Debus PPGCL/UNISUL Resumo: O presente trabalho tem como tema a literatura infantil brasileira, em especial, os livros infantis do escritor Monteiro Lobato. O objetivo geral é investigar a imagem de infância na produção literária de o Monteiro Lobato (1882-1948), por acreditarmos que ele apresenta uma infância emancipatória para a sua época. Para atingir tal objetivo investigou-se os títulos Reinações de Narizinho (1931), Viagem ao Céu (1932) e Memórias da Emília (1936) levando em consideração concepção de infância e imagem que o escritor representava em seus livros. Como referencial teórico, autores que pesquisaram sobre a produção literária de Lobato para a infância serão recorridos, entre eles: DEBUS (2004), LAJOLO e ZILBERMAN (1985), LOPES (1999), GOUVÊA (1999), bem como os títulos de Monteiro Lobato. Constatou-se que ele tinha uma concepção de infância moderna para sua época, desmistificando a idéia de que a criança era um adulto em miniatura, o autor, afirmava que as crianças eram o futuro da nação e que só através da cultura, seria possível melhorar o mundo em que elas viviam. Ele via nas crianças a esperança de um futuro melhor. Palavras-chaves: Monteiro Lobato. Literatura Infantil. Infância. 68 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O MENINO MALUQUINHO, DE ZIRALDO E O DIÁLOGO COM AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS: CAMINHOS PARA UMA INFÂNCIA FELIZ Angelina dos Anjos Silva Nogaredo Pedagogia/UNISUL [email protected] Eliane Santana Dias Debus PPGCL/UNISUL [email protected] Resumo: O presente trabalho tem como tema a literatura infantil brasileira contemporânea, em especial, o livro infantil O Menino Maluquinho, de Ziraldo, bem como a sua divulgação a partir de outras linguagens que não o formato de livro, como filme (dvd), música (cd), gibi. O objetivo geral desta pesquisa é realizar uma análise crítica, que tenha como centro a personagem do livro O Menino Maluquinho na tentativa de destacar que infância o autor desenha no seu livro, verificando a sua aceitação na sociedade contemporânea, apresentando e fazendo um paralelo entre a infância do menino descrito por Ziraldo e a infância de hoje. Para atingir tal objetivo, organizou-se um projeto de intervenção para uma turma do 3º Ano de uma escola pública do município de Tubarão, realizado no período de maio a junho de 2008, totalizando oito encontros de 2 horas. O referencial teórico que norteia a pesquisa se constitui de teóricos da sociologia da infância e da literatura infantil. Constatou-se que Ziraldo constrói um personagem que vive integralmente o ser criança e que as crianças leitoras se identificam com essa personagem, em especial pelas suas traquinagens e alegria de viver. Palavras-chave: Literatura infantil, O Menino Maluquinho, Ziraldo 69 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 70 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina RESUMOS DE MINICURSOS 71 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 72 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina EXPERIÊNCIA DE LEITURA MEDIADA: UM EXERCÍCIO PRÁTICO DE COMPREENSÃO SENSÍVEL DO TEXTO LITERÁRIO INFANTIL VERBAL E ILUSTRADO Marília Forgearini Nunes Letras/DELAC/UNIJUÍ [email protected] Resumo: A presente proposta de trabalho parte da noção de leitura como processo de interação (KLEIMAN, 2004) entre texto e leitor. Para leitor e texto interagirem se faz necessário que o leitor saiba como ler todos os elementos que compõem o texto. Considerando o texto literário infantil, mais especificamente a narrativa infantil que conjuga na sua construção a palavra e a ilustração, pretende-se apresentar uma proposta de leitura mediada do texto narrativo verbo-ilustrado que auxilie o leitor em formação a exercitar a imaginação, a fantasia e a emancipação por meio da construção sensível de sentido a partir da palavra e da ilustração associadas na construção do texto. Essa proposta de leitura mediada está baseada na Experiência de Aprendizagem Mediada desenvolvida por Reuven Feuerstein (GOMES, 2002; MÉIER & GARCIA, 2007; MENTIS, 2002; FEUERSTEIN et al,1998) e que está em consonância com as ideias sóciointeracionistas de Vygotsky (1998). Em relação ao processo de compreensão do texto, o presente trabalho busca apoio nas ideias de Marcuschi (2008) de maneira a auxiliar na construção dos questionamentos que deflagrarão o diálogo mediado e, consequentemente, no desenvolvimento da compreensão do que se lê, seja palavra ou ilustração, separadas ou em associação. A partir das concepções teóricas que embasam o trabalho, desenvolve-se o trabalho prático de investigar algumas narrativas verbo-ilustradas, percebendo de que maneira as linguagens interagem construindo o texto, para então organizar roteiros de mediação e efetuar uma leitura mediada que auxilie o leitor a desenvolver a sua capacidade leitora sensível do texto literário. Palavras-chave: Mediação. Leitura. Literatura Infantil. 73 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina CARA A CARA, COR A COR, INCORPORANDO A DIVERSIDADE COMO ATO DE AMOR Juliana Pádua Silva Medeiros FFLCH/USP [email protected] Resumo: Esta proposta de minicurso, oriunda de projeto acadêmico do Programa de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo, tem como objetivo compartilhar uma experiência pedagógica que discutiu, com alunos do Ensino Fundamental II, sobre a construção da identidade do sujeito a partir do contato com o outro. Para tanto, foram utilizados o livro O gato e o escuro, do escritor moçambicano Mia Couto, e o filme As aventuras de Azur e Asmar, do diretor francês Michel Ocelot. Tal apresentação é fruto dos trabalhos realizados na Oficina Literária, na Fundação Credirama Viva, em Iturama – MG, na qual se reproduziu, em forma de quadros, em papelão, grandes clássicos da pintura, entrelaçados com versos e revistos sob a ótica de felinos. Para esse feito, os seguintes autores serviram de fundamentação teórica Abdala Júnior (2003), Taylor (1994), Santaella (2008), Aumont (1993) e Costa (2005). Palavras-chave: Identidade. Alteridade. Negritude. Diálogos Intersemióticos. O DIABO NA LITERATURA INFANTIL Salma Ferraz UFSC [email protected] Resumo: O presente mini-curso analisa a presença do Diabo como protagonista em contos clássicos da literatura universal dedicada às crianças e adolescentes, dentre eles: Os três cabelos de Ouro do Diabo (Irmãos Grimm); O Moinho do Diabo (H. C. Andersen); Carvões para a lareira do Diabo (conto irlandês); A criança vendida para o Diabo (conto francês), O Arquidiabo Belfegor (1518), de Niccoló Machiavelli; O Diabo no Campanário (1839), de Edgar Allan Poe e Cartas de um Diabo a Seu Aprendiz (1942), de C. S. Lewis. A fundamentação teórica baseia-se nos estudos comparativos entre Literatura e Teologia. Palavras-Chave: Literatura Infantil. Teologia. Contos. Diabo. 74 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A GRAMÁTICA DA FANTASIA: HIBRIDISMO, ESTRANHAMENTO E CRIATIVIDADE Daniela Bunn UFSC [email protected] Resumo: Este minicurso tem como objetivo apresentar a obra, publicada no Brasil, do escritor italiano Gianni Rodari. Rodari, que segundo a crítica italiana renovou a literatura para crianças em seu país, foi professor, jornalista, escritor e estudioso de pedagogia. No Brasil, é mais (ou somente) conhecido pelo livro Gramática da Fantasia (1982), no qual apresenta mais de quarenta propostas que estimulam a criatividade e a imaginação da criança dentro e fora escola. O livro é um aparato interessante para alunos de Pedagogia e Letras e aborda conceitos e técnicas como: o erro criativo, o binômio fantástico, a noção de estranhamento, salada de fábulas, fábulas ao contrário, nonsense, surrealismo dentre outros. Além destas noções, o minicurso visa apresentar e discutir os livros em português, traduzidos principalmente a partir de 2001. Histórias como a de um excêntrico barão em Era duas vezes o Barão Lamberto; as histórias que um caixeiro viajante contava todas as noites para sua filha, por telefone, em Fábulas por telefone; a opção de escolher um entre os três finais em Histórias para brincar; a passagem da personagem Alice por diferentes contos em Alice viaja nas histórias; o desejo de crescer em Os anões de Mântua; as incertezas e as múltiplas facetas em Quem sou eu? E Um e 7 e a tentativa de um avô de enrolar sua netinha contando uma história pela metade enquanto lia seu jornal em Uma história atrapalhada. Palavras-chave: Invenção. Criatividade. Literatura. Hibridismo. Estranhamento. LITERATURA ORAL AFRICANA: HISTÓRIA E HISTÓRIAS. Bel Gomes UFSC Resumo: Contar é muito mais que espalhar palavras ao vento, é permitir que o tempo pare e invada nosso pulsar. É lembrar que o desenrolar da vida acontece na condição de testemunha ocular e o contador de histórias prossegue, num caminho sem volta, disposto a deixar que a história escolha como e por quem quer ser contada. E as raízes desse contar está na 75 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina literatura oral africana, cuja cultura valoriza o ouvir e a memória. O objetivo deste minicurso é transitar pela história da literatura oral africana, pelo Brasil africano e por suas infinitas histórias. Visitar a musicalidade desse contar, perceber em que medida a contação acontece nos espaços educativos e visualizar as diferentes linguagens na educação. Refletir acerca dos elementos narrativos (voz e corpo) e do papel do contador de histórias. OFICINA BRINCANDO COM HISTÓRIAS: COMO CONTAR PARA CRIANÇAS PEQUENAS Felícia de Oliveira Fleck UFSC [email protected] Resumo: Desde sempre o homem contou histórias, deu vazão à sua intrínseca necessidade de comunicação, traduzindo por meio de palavras os acontecimentos cotidianos, as memórias transmitidas por seus ancestrais, as dúvidas, angústias, alegrias e prazeres de sua existência. Em tempos passados era ao redor de uma fogueira que as pessoas se reuniam para escutar os mais velhos narrarem suas aventuras, lembranças e ensinamentos. Hoje, as histórias continuam tendo a importante função de nos conduzir para o mundo do imaginário, vivenciando um efeito catártico, externalizando sentimentos e ainda conhecendo a si mesmo e aos outros. É a partir da construção imaginária que compreendemos as histórias dos lugares e épocas que não vivenciamos. As imagens dessa construção imaginativa na história, estimulam imagens internas que dão forma e sentido às experiências de uma pessoa no mundo. A escola apresenta-se como espaço propício à inserção da criança ao universo literário, enfatizando ainda o aspecto lúdico e estético das histórias contadas. Tendo isso em vista, a oficina pretende sensibilizar os educadores a incorporar a prática de contar histórias no cotidiano da educação infantil; apresentar critérios para a escolha de histórias; resgatar memórias pessoais; além de propiciar o contato com a literatura, estabelecendo implicações afetivas entre livro e leitor. Palavras-chave: Contação de histórias. Brincadeira. Educação infantil. 76 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina QUEM CANTA, ENCANTA: A POÉTICA DA CANÇÃO POPULAR BRASILEIRA COMO UMA PRÁTICA CRIATIVA NO ENSINO DE JOVENS E CRIANÇAS André Rocha Leite Haudenschild UFSC [email protected] Resumo: O minicurso visa fomentar a prática poética da Canção Popular Brasileira, objetivando a seleção e construção de um repertório literomusical no cotidiano escolar e acadêmico. Assim como, fornecer subsídios didáticos para a criação coletiva da canção popular, como uma proposta transdisciplinar de protagonismo e cidadania cultural no ensino de crianças e jovens. O TRABALHO COM A LEITURA POR MEIO DE PROJETOS Clésia da Silva Mendes Zapelini Dehon/UNISUL [email protected] Rosandra Schlickmann Sachetti Hübbe Dehon/UNISUL [email protected] Resumo: A proposta de minicurso procura socializar a metodologia doo trabalho realizado com os alunos da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental do colégio Dehon, Unisul, Tubarão (SC) por meio do projeto “Lendo e aprendendo com a natureza”. Este projeto objetiva desenvolver a percepção dos alunos para as leituras que podem ser realizadas na natureza. Dessa forma, enfocamos a leitura como atividade primordial para perceber o mundo e interagir com ele. Durante o desenvolvimento desse projeto – ao possibilitar experiências em que as crianças vivenciem a arte de olhar, de tocar, de sentir e ler a natureza – percebemos em nossos alunos, além de um olhar mais reflexivo, um interesse maior pela leitura e pela criação de suas próprias narrativas. 77 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 78 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina TEXTOS COMPLETOS DE COMUNICAÇÕES ORAIS 79 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 80 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina DA TERRA DAS SOMBRAS À TERRA DOS SONHOS: O SAGRADO EM O BEIJO DA PALAVRINHA DE MIA COUTO 1 Cristiano Camilo Lopes FFLCH/USP [email protected] O período atual é marcado por vários fatores que o caracterizam como uma época de “busca”, iniciada desde a modernidade. A partir desse marco, a ciência se apresentou com vislumbres de esperança em promessas não mais embasadas no sagrado, como ocorreu até o século XVI: “[...] os teólogos e filósofos compartilhavam do pressuposto de que Deus é a base fundamental do conhecimento verdadeiro. Por isso, conhecer a Deus significava conhecer a própria verdade”. 2 Instaurou-se, portanto, um período de mudanças de visão, de tendências e de atitudes que foram bem expostas pelo físico Fritjof Capra em sua obra O Ponto de Mutação. 3 Na obra em questão, o autor justifica que as transformações ocorridas na modernidade têm sua base no contraste entre a visão mecanicista e fragmentária de Descartes e Newton com as teorias da relatividade e da física quântica: [...] são facetas diferentes de uma só crise, que é, essencialmente uma crise de percepção [...] ela deriva do fato de estarmos tentando aplicar os conceitos de uma visão de mundo obsoleta – a visão de mundo mecanicista da ciência cartesiana-newtoniana a uma realidade que já não pode ser entendida em função desses conceitos. Vivemos hoje num mundo globalmente interligado, no qual os fenômenos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais são todos interdependentes. 4 Além disso, a tecnociência passou a responder pelo avanço dos meios de comunicação de massa, da informática, da eletrônica, que fazem da pós-modernidade uma época de consumo. Assim, predomina em nossa 1 Doutorando em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa. MADUREIRA, Jonas. Filosofia São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 107. 3 CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Trad. Álvaro Cabral. 26. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. 4 CAPRA, Fritjof, op. cit., p. 14. 2 81 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina cultura o veloz, o efêmero, o descartável, o instável, o “novo”. Todos esses elementos fazem do homem moderno um ser “a imagem e semelhança dos produtos que consome”. 5 Dessa forma, nossa proposta é apresentar o sagrado como um elemento que proporciona ao homem um olhar interno e, ao mesmo tempo, transcendental. A partir desse olhar, o ser humano torna-se hábil para dialogar com as propostas contemporâneas sem perder de vista o essencial para sua vivência. O Retorno do Sagrado Com seu apelo à luz da razão e do avanço do progresso técnicocientífico, a modernidade afastou o homem da possibilidade de apegar-se ao sagrado. Contudo, a história da filosofia nos mostra que a própria razão moderna entrou em crise, pois não conseguiu responder às questões humanas. Com isso, o homem tem se mostrado como um ser à procura de sentido, valor e esperança, elementos que orientem sua existência. Nesse caso, a razão parece não proporcionar tais elementos no interior do homem. Assim, julgamos necessário refletir sobre o eterno retorno do sagrado a fim de podermos identificar sua presença na pós-modernidade. Entendemos por eterno retorno o ciclo do mito reatualizado através do rito, para que ocorra a renovação do mundo. Nessa perspectiva, cada mudança temporal ou fim de determinados momentos com suas crenças não deve representar a incerteza, pelo contrário, deve apontar para a “certeza de um novo começo”, marca do eterno retorno. Em outras palavras, é a escatologia apontando para a cosmogonia. 6 Por meio do eterno retorno, podemos delinear que há uma certa “mobilidade” do sagrado, ou seja, ainda que seja periodicamente deixado, ele se configura na vida atual: 5 QUEIROZ, José J. Deus e crenças religiosas no discurso filosófico pós-moderno: linguagem e religião. In: REVER, São Paulo, v. 2, 2006. Disponível em: http://www.pucsp.br/rever/rv2_2006/t_queiroz.htm. Acesso em: 05 mar. 2009. 6 ELIADE, Mircea. Mito e realidade. Trad. Pola Civelli. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 72. 82 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A mobilidade da origem do Mundo traduz a esperança do homem de que seu Mundo estará sempre lá, mesmo que seja periodicamente destruído no sentido estrito do termo. Solução ou desespero? Não, pois a idéia de destruição do Mundo não é, no fundo, uma idéia pessimista. Por sua própria duração, o Mundo degenera e se consome; eis por que deve ser simbolicamente recriado todos os anos. 7 Gianni Vattimo, quando afirma que a presença do sagrado em nossa época não é um fato que ocorre acidentalmente, sugere que o retorno do sagrado é impulsionado por elementos como o pavor frente ao perigo nuclear, às ameaças no campo ecológico, à manipulação genética. 8 Tudo isso gera, assim, o medo da perda do sentido de existência e o tédio que acompanha o consumismo. Ressaltamos que a pós-modernidade não exclui a razão, contudo requer algo mais. Nesse sentido, o sagrado se apresenta como resposta para o indivíduo. Imposta com uma nova configuração, denominada sagrado selvagem. O Sagrado Selvagem A presença do sagrado em nossos dias se manifesta de forma mais espontânea. Por isso, esse elemento assume um caráter inovador, com uma nova configuração, denominada, pelo sociólogo francês Roger Bastide9, sagrado selvagem: “[...] esse sagrado que vemos novamente surgindo na cultura e na sociedade de hoje quer-se um sagrado selvagem”. Trata-se do sagrado com formas espontâneas, livres da institucionalização: “[...] situase no domínio do imaginário, não no da memória -, mas para, ainda assim, deles extrair tudo aquilo que poderíamos chamar de pedagogia da selvageria”. O sagrado possui uma forma privatizada uma vez que se apresenta entregue às vivências individuais do homem. Nele: 7 ELIADE, Mircea, op. cit., p. 72. DERRIDA, Jacques; VATTIMO, Gianni (Orgs.) A Religião. Trad. Tadeu Mazzola Verza, São Paulo: Estação Liberdade, 2004. 9 BASTIDE, Roger. O Sagrado Selvagem e outros ensaios. Trad. Dorothée de Bruchard. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 251. 8 83 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina o sistema ideacional de valores é profundamente diferente. Sustenta que a verdadeira realidade se situa além do mundo material [...] e que o conhecimento pode ser obtido através da experiência interior. Subscreve valores éticos absolutos e padrões sobre-humanos de justiça, verdade e beleza. 10 Essa privatização da experiência humana remete a outro aspecto do sagrado selvagem: a alteridade do sagrado. Essa alteridade: [...] é o dom humano que faz a pessoa se lançar em busca do “plenamente outro” e catalisa suas disposições referentes ao sagrado. Corresponde à sensibilidade de intuir o mistério da existência e de procurar respostas aos questionamentos sobre seu sentido. Ainda que possa não se manifestar em todas as pessoas, é a capacidade essencialmente humana de apreender a dimensão sagrada do mundo. 11 De acordo com Bastide, a busca pelo outro é impulsionada pela passagem de uma sociedade orgânica a uma sociedade anômica. Essa transformação se deu mediante o enfraquecimento do controle da sociedade global em decorrência das mutações sofridas pelas: “infra-estruturas dessa sociedade rural e pré-industrial para uma sociedade urbana e industrializada”. 12 Esse estado de anomia da sociedade trouxe consequências na vivência interior do homem, como a solidão, que, por conseguinte, fez que a busca pela alteridade se tornasse mais intensa: “[...] uma ‘alteridade’ nova capaz de desalterar uma sede que ele não consegue extinguir [...]”. 13 Dessa forma, o sagrado selvagem se manifesta, também, como abertura do homem para os outros e promove a identificação entre os homens por meio das atividades da ação comunicativa apoiadas pelo pensar, querer e julgar do espírito. 14 Nesse sentido, o homem passa a considerar o valor do próximo assumindo: 10 CAPRA, Fritjof, op. cit., p. 29. TESCAROLO, Ricardo. A Escola como Sistema Complexo; a ação, o poder e o sagrado São Paulo: Escrituras, 2005, p. 151. 12 BASTIDE, Roger, op. cit., p. 260. 13 Idem, Ibidem, p. 268. 14 TESCAROLO, Ricardo, op. cit., p. 158. 11 84 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina [...] sentimento de respeito, ‘um papel muito importante na experiência ética dos valores e, de modo especial, na experiência ética dos valores e, de modo especial, na experiência religiosa da pessoa, área em que a realidade antropológica do mistério humano é convocada em toda sua profundidade. 15 Portanto, ressaltamos que o sagrado tem como marca a experiência interior e, nesse aspecto, a sua presença na literatura serve de grande contribuição para o diálogo com as marcas instauradas na modernidade bem como em suas propostas atuais. Essa contribuição do sagrado se expressa no respeito, como “cuidado”, “atenção”, “preocupação”, “estima”, “admiração”, “preocupação com o outro”, e “consideração” e “valorização do outro”. Reforçamos, ainda, que o sagrado faz que as resistências entre o homem, o mundo e os diferentes níveis de realidade e de percepção sejam superadas, pois ele se apresenta como “um vínculo orgânico universal que conecta em rede dinâmica essa pessoa e esse mundo com a perene certeza da existência de um terceiro que transcende sempre essa relação, mas que a integra e justifica o mistério humano, constituindo o sagrado”. 16 O beijo da palavrinha17, publicado em 2006, é o segundo livro destinado a crianças e jovens do autor moçambicano Mia Couto. A obra faz parte da coleção Mama África, publicada pela Língua Geral Livros, com o objetivo de trazer a recriação dos contos tradicionais africanos. Nela, parte do patrimônio africano é retomado, fornecendo ao leitor o trânsito temporal: a concepção da tradição oral na modernidade. Não se trata de pólos opostos (tradição e modernidade), mas de uma sociedade que se circunscreve fundamentalmente tradicional e fundamentalmente moderna. O livro aborda questões existenciais de uma forma sensível e contribui para a formação integral de seus leitores. Para isso, a obra apresenta um enredo conciso, simples e claro. As personagens se apresentam com nomes próprios que remetem a um significado – Maria 15 Idem, Ibidem, p. 158. TESCAROLO, Ricardo, op. cit., p. 158. 17 COUTO, Mia. O beijo da palavrinha Rio de Janeiro: Língua Geral, 2006. Nossa indicação dos números de páginas serve de orientação ao leitor, pois, o livro não apresenta numeração de páginas em sua publicação. 16 85 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Poeirinha, Zeca Zonzo e Jaime Litorânio. Além disso, o segundo nome das personagens indica a trajetória de cada um ao longo da narrativa. O beijo da palavrinha retrata a saga existencial da personagem principal Maria Poeirinha, uma menina que vivia em uma aldeia no interior e em condições de pobreza: “[...] viviam numa aldeia tão interior que acreditavam que o rio que ali passava não tinha nem fim nem foz”. 18 Essa vida no interior da aldeia é caracterizada pela miséria, pela pobreza, pela fome, pela seca e, principalmente, pela ausência do mar. É digno de nota que Mia Couto ressalta o termo tão interior (grifo nosso), sugerindo uma descrição não apenas das condições geográficas e sociais da aldeia. Ao empregar o advérbio tão, o autor remete para o interior de Maria Poeirinha. Sua alma, seu espaço interior, seu íntimo, marcados pela ausência: “Era uma vez uma menina que nunca vira o mar [...]”. 19 Quando Maria Poeirinha se lembrava do espaço em que vivia, percebia a discrepância do seu contexto em relação à realidade das águas: “Na miséria em que viviam, nada destoava. Até Poeirinha tinha sonhos pequenos [...] mas depressa ela saía do sonho pois seus pés descalços escaldavam na areia quente. E o rio secava, engolido pelo chão”. 20 Maria Poeirinha tinha um irmão chamado Zeca Zonzo que, como o segundo nome sugere, vivia sempre à mercê da fantasia e da imaginação: “[...] era desprovido de juízo. Cabeça sempre no ar, as idéias lhe voavam como balões em final de festa”. 21 Embora vivendo nas mesmas condições precárias da aldeia interiorana, Zeca Zonzo não se deixou marcar por essas condições e instigava a irmã a viver por meio dos sonhos, da fantasia e da imaginação. Maria Poeirinha, às vezes, sonhava com a água, pensava que nela viveria outra realidade, bem diferente da sua vida interiorana: “Às vezes sonhava que ela se convertia em rio e seguia com passo lento, como a princesa de um distante livro, arrastando um manto feito de remoinhos, remendos e retalhos.”22 Trata-se da oscilação entre sombra e sonho, entre espaço profano e espaço sagrado. 18 COUTO, MIA. O beijo da palavrinha. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2006, p. 3. Idem, Ibidem, p. 3 20 COUTO, Mia, op. cit., p. 7. 21 Idem, Ibidem, p. 4. 22 Idem, Ibidem, p. 7. 19 86 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Contudo, para que essa transição aconteça, é necessário um ‘portal’23, um elemento que sirva de passagem entre os dois mundos. Dessa forma, a obra apresenta uma terceira personagem: o tio Jaime Litorânio. Como seu segundo nome sugere, ele ressalta a necessidade da água para a vida. No contexto africano, a figura do ancião representa a tradição. Ele é o responsável pelas rodas e reuniões com o propósito de perpetuar a sabedoria. Assim, o tio Jaime Litorânio enfatiza a necessidade de se conhecer o mar: “[...] o tio Jaime Litorânio que achou grave que os seus familiares nunca tivessem conhecido os azuis do mar. Que a ele o mar lhe havia aberto a porta para o infinito”. 24 O mar simboliza a dinâmica da vida, representa o sagrado. É o lugar do mergulho de salvação por meio de morte simbólica: “[...] centro de vida, meio de purificação, centro de regenerescência [...] infinidade dos possíveis [...] fonte de todas as coisas, manifesta o transcendente e deve ser, em conseqüência, considerada como uma hierofania [...]”. 25 O tio acentua a necessidade dessa imersão de uma forma singular: “[...] Quem nunca viu o mar não sabe o que é chorar! [...]”. 26 Maria Poeirinha adoece e passa a esmorecer sem o mar. Dessa maneira, tio Jaime Litorânio propõe uma ‘viagem salvadora’ até o litoral, pois acreditava que sua doença era oriunda da falta de contato com o mar. Porém, o físico da menina não aguentaria o desgaste da viagem. Coube ao irmão Zeca Zonzo proporcionar a viagem salvadora para a menina enferma. Ele escreve a palavra mar em uma folha em branco e, ao passar a ponta dos dedos de Maria Poeirinha sobre as letras, levou a menina, pela imaginação, ao mar. E assim letra a letra, o irmão levou a irmã a descobrir: “― É um ‘m’. E sorriram os dois [...] ― É isso, manito. Essa letra é feita por ondas. Eu já as vi no rio”. 27 23 O portal simboliza a passagem e assume um caráter dinâmico, pois convida a personagem para o acesso ao outro mundo. Trata-se de um elemento que, comumente, marca o transporte da realidade profana para a realidade sagrada. 24 COUTO, Mia, op. cit., p. 8-9. 25 CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Trad. Vera da Costa e Silva, Raul de Sá Barbosa, Angela Melim, Lúcia Melim. 21. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007, p. 15ss. 26 COUTO, Mia, op. cit., p. 11. 27 Idem, Ibidem, p. 20. 87 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Logo em seguida, Maria Poeirinha toca a letra a: “― Essa a seguir é um ‘a’. É uma ave, uma gaivota pousada nela própria, enrodilhada perante a brisa fria”. 28 A gaivota é símbolo de luz, que rompe com a noite escura e inicia um novo amanhecer. Era o contato com o sagrado no espaço trazendo luz e rompendo com o profano: “[...] a gaivota é proprietária da luz do dia [...]”. 29 Por fim, vem a letra r: “― É uma letra tirada da pedra. É o ‘r’ da rocha.”. 30 Pedra indica que o divino desceu para manifestar-se entre os homens: “[...] a pedra apresenta o movimento de subida e descida [...] ela desce do céu; transmutada, ela se ergue em sua direção [...] símbolo de liberdade [...]”. 31 Dessa forma: [...] as curvas das vagas oceânicas através dos contornos do m; o vôo da liberdade criadora, por intermédio da letrinha a, ave voando por entre a cosmicidade das palavras; a dureza das rochas, símbolo da resistência e da insaciabilidade dos desejos humanos por meio do r, cujas arestas arranharam-lhe a sensibilidade e acenderam-lhe a força ígnea da linguagem. 32 Maria Poeirinha fora beijada pelo mar: “[...] ― Eis a mana Poeirinha que foi beijada pelo mar.” 33 Nessa viagem, a personagem transcende nos espaços, pelo portal da imaginação, adentrando no espaço sagrado. De acordo com Carmen Lucia Tindó Secco, a alegoria do beijo remete a um sentido espiritual que, em nosso trabalho, pode ser chamado de sagrado: “Da boca sai o beijo, assim como dela também se desprende o sopro vital que se transforma no verbo criador, no barro da palavra”. 34 O nome Poeirinha sugere origem e fim. O homem, diz a Bíblia, veio do pó e para o pó voltará – “poeira cósmica”. 35 Dessa forma, o nome Poeirinha abarca a idéia de soltura, saída, prontidão para a ida, rumo ao 28 Idem, Ibidem, p. 20. CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain, op. cit., p. 456. 30 COUTO, Mia, op. cit., p. 21. 31 CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. op. cit., p. 656. 32 SECCO, Carmen Lucia Tindó (Org.). Ensaio Sobre Literatura Infantil de Angola e Moçambique: entre Fábulas e Alegorias. Rio de Janeiro: Quartet, 2007, p. 175. 33 COUTO, Mia, op. cit., p. 26. 34 SECCO, Carmen Lucia Tindó (Org.), op. cit., p. 175. 35 Idem, Ibidem, p. 175. 29 88 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina novo: “[...] poeira é símbolo de força criadora [...] simboliza o abandono total do passado, uma ruptura completa, uma negação de tudo o que representava essa poeira: pátria, família, amizade, etc.” 36 Temos, então, o espaço sagrado: o mar. Maria Poeirinha foi envolvida num beijo e, arrastada pelo mar, deixou para trás a doença e a miséria: “[...] para renascer como poeira cósmica, origem-explosão do Cosmos, matriz permanente da imaginação criadora.” 37 Saiu do território profano para o centro do mundo no espaço sagrado. Foi o contato com o assombroso e o misterioso que promoveu a transformação: “Poeirinha que foi beijada pelo mar. E se afogou numa palavrinha”. 38 O sagrado, portanto, à luz da análise, pode ser considerado como elemento essencial e norteador na formação do ser. Através da cosmogonia e do mito do eterno retorno, o espaço sagrado evidencia uma nova experiência no interior do homem, instaurando, assim, a mudança do caos ao cosmos. Nesse sentido, estar no espaço sagrado é estar em contato com o transcendente e com a própria identidade, pois nele o homem sente-se seguro por ter sua identidade resgatada, sendo desafiado a se aventurar no conhecimento de si e do mundo. Nessa perspectiva, a Literatura para Crianças e Jovens se apresenta como um elo perfeito entre o sagrado e o homem, proporcionando a experiência com a realidade e permitindo que a criança a decodifique a seu modo. O leitor, portanto, é formado para a vida trazendo a vida real para a vida interior. Referências bibliográficas BASTIDE, Roger. O Sagrado Selvagem e outros ensaios.Trad. Dorothée de Bruchard. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Trad. Álvaro Cabral. 26. ed., São Paulo: Cultrix, 2006. CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Trad. Vera da Costa e Silva, Raul de Sá Barbosa, Angela Melim, Lúcia Melim. 21. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007. 36 CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain, op. cit., p. 727. Idem, Ibidem, p. 175. 38 COUTO, Mia, op. cit., p. 24. 37 89 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina COUTO, Mia. O beijo da palavrinha. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2006. DERRIDA, Jacques; VATTIMO, Gianni, (Orgs.). A religião. Trad. Tadeu Mazzola Verza, São Paulo: Estação Liberdade, 2004. ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. Trad. Pola Civelli. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. MADUREIRA, Jonas. Filosofia. São Paulo: Vida Nova, 2008. QUEIROZ, José J. Deus e crenças religiosas no discurso filosófico pós-moderno; linguagem e religião. REVER, São Paulo, 2006. SECCO, Carmen Lucia Tindó (Org.). Ensaio sobre literatura infantil de Angola e Moçambique: entre fábulas e alegorias Rio de Janeiro: Quartet, 2007. TESCAROLO, Ricardo. A escola como sistema complexo: a ação, o poder e o sagrado. São Paulo: Escrituras, 2005. 90 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina QUAL A IMPORTÂNCIA DE LER OS CLÁSSICOS DESDE CEDO? Gizelle Kaminski Corso UFSC [email protected] Em seu texto “Por que ler os clássicos” (2001), Italo Calvino apresenta quatorze propostas que pretendem justificar a importância da leitura desses livros. Calvino adverte que o uso do termo “clássico” em seu texto não faz distinção de antiguidade, autoridade e/ou estilo, mas se refere a obras, tanto modernas quanto antigas, que já apresentam ter um lugar próprio no âmbito cultural. Para ele, os clássicos são livros que, quando relidos, sempre dão a sensação de que estão sendo lidos pela primeira vez. As definições de Calvino podem convencer, inclusive, os leitores mais desavisados, por compreender como clássicos os livros que sempre têm algo a dizer e que persistem como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível. A famosa frase de que “ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos” (Calvino, 2001, p. 16) torna evidente que a leitura das obras clássicas é bem-vinda em qualquer circunstância. Em primeiro lugar é necessário que o leitor tenha em mente esclarecido o conceito de clássico. O que significam as obras clássicas? Para responder a essa pergunta, eu poderia trazer uma avalanche de escritores e teóricos que perfeitamente definem tal palavra, mas o cerne da questão é: o que é o clássico para o leitor? Para muitos leitores jovens, alunos do Ensino Fundamental, os clássicos são aqueles livros grossos, antigos, de folhas amareladas, que cheiram a mofo e poeira, e que foram escritos há muitos séculos. A título de ilustração, nessa classificação, seriam incluídos Os Lusíadas, Ilíada, Odisséia, Hamlet. Para os alunos do Ensino Médio, clássicos são os livros difíceis de compreender; não são necessariamente grossos, mas são obras velhas, e no seu conceito já entram os romances da literatura brasileira do Século XIX. Para esses leitores, a Literatura do Século XX distancia-se da possibilidade de ser considerada clássica, o que significa dizer que o conceito de clássico ainda é visto ao lado de velho e antigo, e não de perene e duradouro. Como, em um mundo tão coberto pela tecnologia, facilidades e praticidades, despertar o desejo e o gosto pela leitura dos clássicos desde cedo? De fato, não é nada fácil colocar os livros e a leitura em competição 91 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina com imagens e todo o tipo de telas. Para tanto, é preciso que não se veja a tecnologia como uma inimiga voraz, e sim como uma aliada nesse percurso; uma espécie de ferramenta que pode vir a ser usada em sala de aula. Mas voltemos aos clássicos. Por que os leitores jovens deveriam entrar em contato com as obras clássicas? Qual a importância de ler os clássicos desde cedo? E o que fazer para que o leitor tenha prazer ao mergulhar nessas leituras? O processo do desenvolvimento da leitura é basicamente gerado na escola, no entanto, é dentro de casa que se deve despertar o hábito e o interesse. Embora uma criança não seja alfabetizada, ela pode estabelecer um primeiro contato por meio da oralidade, ou seja, através da atividade de contar/ouvir histórias. A criança também tem contato – passa a fazer suas próprias leituras e ter conhecimento de histórias – por meio da televisão, computador, gravuras, e principalmente, pelos livros de histórias, recheados de ilustrações de heróis, personagens engraçados e inteligentes, espertos, tímidos e até mesmo por aquelas criaturas “mal-intencionadas”, as quais surgem no enredo apenas para ratificar a soberania do personagem do bem. O gosto pela leitura se desenvolve em virtude de como é vista no ambiente familiar. Para que uma criança crie o hábito da leitura é relevante que os pais também “cultivem” este costume, pois sabemos que as crianças espelham-se nos exemplos dos adultos. Se o adulto não lê, por que a criança tem a obrigação de fazer isso? A leitura (e, conseqüentemente a literatura) não deve aparecer como uma obrigação, um martírio, um fardo pesado, e sim como um direito, uma fonte inesgotável de conhecimento, deleite, prazer. Para caracterizar um dos aspectos levantados, o do direito à leitura, e à literatura, trago um trecho de Antonio Candido em Palestra, posteriormente publicada em livro, proferida em curso organizado pela Comissão de Justiça e da Paz da Arquidiocese de São Paulo em 1988, intitulada “O direito à literatura”. Ligada à complexidade da sua natureza, a função da literatura possui três faces segundo Candido (2005): 1ª) construção de objetos autônomos como estrutura e significado, 2ª) forma de expressão e 3ª) forma de conhecimento. Compreende também que a literatura é necessária como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos e, acrescenta que, “não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação” (Candido, 2005, p. 242). 92 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina É por meio da fabulação que o ser humano desperta sensibilidades e desenvolve o seu imaginário. Nesse sentido, as obras literárias devem ser degustadas em sua mais intensa forma, pois fazem parte de um patrimônio cultural acumulado, o qual temos o direito de conhecer. Segundo a escritora Ana Maria Machado (2001, p. 142), “A tradição clássica está desaparecendo a uma velocidade galopante – e todos nós vamos nos empobrecendo com isso”. Além disso, diante das praticidades do mundo moderno, muitos leitores estão se acomodando: Por que gastar um tempo enorme lendo um clássico, se a internet pode trazer instantaneamente o resumo da obra em uma página? Para que ler um livro “chato”, se a televisão pode proporcionar som e imagem, e contar histórias aparentemente “mais interessantes?” Infelizmente, falta-nos a cultura do clássico. Está se apagando o tempo em que existiu um repertório clássico comum que permitia esse entendimento cúmplice. Se os clássicos forem definitivamente abandonados, esquecidos, deixados de serem conhecidos e/ou democratizados, eles têm a possibilidade de, simplesmente, permanecerem intactos, distantes e empoeirados em estantes e prateleiras. Há dificuldades para se despertar o hábito da leitura em uma criança, no entanto, mais complicado ainda, é intentar desenvolvê-lo em um adulto que, em sua infância, não teve contato com livros. Então, como implorar para que uma criança leia um clássico, se seus genitores nunca tiveram conhecimento destas obras? Não podemos obrigar um pequenino a ler uma obra tão complexa, repleta de regências e vocábulos em desuso e, inclusive, extensa, como são os clássicos em suas versões originais, mas há formas de fazer com que o leitor jovem estabeleça os primeiros contatos com esses textos. Eis que atribuo à escola o compromisso de não apenas despertar o gosto pela leitura, mas tornar os clássicos lidos e conhecidos a seu modo e a seu tempo. Se o leitor travar conhecimento com um bom número de narrativas clássicas desde pequeno, esses eventuais encontros com nossos mestres da língua portuguesa terão boas probabilidades de vir a acontecer quase naturalmente depois, no final da adolescência. E podem ser grandemente ajudados na escola, por um bom professor que traga para sua classe trechos escolhidos de algumas de suas leituras clássicas preferidas, das quais seja capaz de falar com entusiasmo e paixão (MACHADO, 2002, p. 14). 93 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Ana Maria Machado, no trecho acima, dá uma dica de como trazer os clássicos para a sala de aula: por meio de trechos selecionados pelo professor. Além do trecho escolhido, é importante que o professor demonstre paixão, entusiasmo, e repasse isso para seus alunos, como bem salienta a escritora. Os trechos de obras clássicas podem ser uma boa opção, mas há outros caminhos que podem ser percorridos para aproximar os leitores jovens dos textos clássicos: as adaptações, vulgarmente conhecidas por condensação, enxugamento, facilitação. As adaptações também atualizam um texto clássico não apenas por apresentar um vocabulário mais compreensível, ilustrações e proporcionar uma leitura mais acessível, mas por tornar “públicos” escritores não mais tão reverenciados. Como o contato das crianças com os contos populares hoje em dia se faz basicamente pelos desenhos animados e toda a parafernália Disney deles derivadas, as histórias que não foram adaptadas por esse canal ficam em segundo plano (MACHADO, 2001, p. 143). O que fica claro nas palavras de Ana Maria Machado é que as crianças geralmente conhecem os clássicos em adaptações e animações dos estúdios Walt Disney e que, portanto, os livros nunca vêm como fonte primeira. Outro ponto é que a maioria dos leitores brasileiros, do ensino fundamental e médio, tem contato com obras clássicas por meio de adaptações e, desde 1998, contam com adaptações de romances brasileiros, especialmente dos séculos XIX e XX. A idéia de se adaptar textos brasileiros, como é o caso de alguns dos romances de José de Alencar, Machado de Assis, Manuel Antonio de Almeida e tantos outros, é uma prática que pode ser vista de forma exagerada, pois os leitores preferem o texto adaptado e dispensam o original, escrito em sua língua materna, por ser uma leitura facilitada e o texto ser reduzido. Nesse sentido, o texto original, aquele escrito por Machado de Assis, Alencar, é substituído pela adaptação do romance brasileiro. Não se nega a eficiência dessas adaptações, mas o século XIX e XX não está muito distante da realidade dos estudantes juvenis brasileiros para que se viabilize a preferência pela adaptação. Além disso, sabendo-se da existência de diversas adaptações de romances brasileiros para leitores juvenis brasileiros, essa prática não pode ser completamente descartada. Adaptações de romances brasileiros devem 94 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina ser feitas quando direcionadas para leitores estrangeiros. Nesse sentido, justifica-se um texto condensado de uma obra do Romantismo ou Realismo para um leitor cuja língua materna não é a portuguesa tenha alguma forma de acesso a essas obras e, talvez, futuramente, efetue a leitura dos originais. A adaptação nunca substitui o original, mas serve como introdução, funciona como um atalho para se chegar ao texto-fonte. Para que o processo da adaptação seja satisfatório, é importante partir da releitura da obra, contextualizando o original, ajustando-se à atividade proposta. O léxico e a estrutura são os dois elementos que devem preocupar a construção de uma boa adaptação. Segundo Diógenes Buenos Aires de Carvalho (2006, p. 379), “o circuito literário é alterado com a figura do adaptador. Sendo assim, passa do modelo autor – obra – leitor para autor – obra – adaptador – 2ªobra – leitor.” O adaptador é uma espécie de “intéprete” para o leitor, e, em sua tarefa de tornar o texto clássico mais visível, acaba por deixar sua marca sobre o texto com o qual trabalha. O terceiro ponto de contato desses leitores dá-se via texto integral, grande maioria por meio de traduções, por os leitores não dominarem a língua de origem do autor. Dessa forma, os leitores lêem o texto inteiro, sem cortes de capítulos, supressão de passagens e outras alterações que são vigentes nas adaptações; recursos que visam a transformar o texto mais enxuto e a leitura mais agradável. As traduções, por outro lado, também envolvem seleção e alterações, e não são, segundo Paulo Rónai (1981), apenas um sistema mecânico de constante substituição de palavras de uma língua por outra, uma a uma, independente do contexto. O trabalho do tradutor se torna muito mais uma atividade seletiva e de reflexão do que propriamente um sistema mecânico. Embora pareçam ser efetuadas por figuras tão distintas e dissociadas uma da outra, pode-se perceber que a adaptação e a tradução são práticas que possuem inúmeros traços em comum. O que pode diferir uma da outra é a figura do leitor, ou seja, o público a que se destinam. As traduções propriamente ditas, os textos integrais, voltados para um leitor maduro (não significa dizer que seja o único), podem ser vistas como um tipo de adaptação no sentido de o tradutor adequar processos gramaticais, termos, expressões da língua de partida que não se fazem presentes na língua de chegada. Por outro lado, as adaptações, em sua grande maioria, são direcionadas ao público infanto-juvenil e são compreendidas como um tipo de tradução bem disfarçada, que gera um texto condensado. Além disso, a adaptação pode ser compreendida como um tipo de tradução quando pretende conduzir além, transferir, ou seja, traduzir um período 95 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina cultural presente no texto original para outro diferente daquele vivido pelo leitor. Tendo por base essas três formas de entrar em contato com os clássicos – trechos, adaptações e textos integrais – como transformar essas leituras em leituras de prazer? Roland Barthes, em O prazer do texto, publicado na França na década de 70, elabora uma série de acepções desse diálogo que se cria entre o leitor e o texto. Se o escritor escreve com prazer, esse prazer é assegurado ao leitor? Responde Barthes: De modo algum. Esse leitor é mister que eu o procure (que eu o “drague”), sem saber onde ele está. Um espaço de fruição fica então criado. Não é a “pessoa” do outro que me é necessária, é o espaço: a possibilidade de uma dialética do desejo, de uma imprevisão do desfrute: que os dados não estejam lançados, que haja um jogo (BARTHES, 2002, p. 9). O prazer textual está no aparecimento-desaparecimento; nas intermitências. Não se trata do prazer do strip-tease corporal ou do suspense narrativo, pois nesses casos não há margens, e sim revelação progressiva. Barthes também diferencia os textos de prazer dos de fruição, compreendendo os primeiros como “dizíveis”, e os segundos, “indi-zíveis”, “inter-ditos” e acrescenta que “a crítica versa sempre sobre textos de prazer, jamais sobre textos de fruição: Flaubert, Proust, Stendhal são comentados inesgotavelmente” (2002, p. 29). O texto de prazer é aquele que contenta, enche, dá euforia; vem da cultura e não rompe com ela. Em contrapartida, o texto de fruição é aquele que põe em estado de perda, desconforta, faz entrar em crise a relação do leitor com a linguagem. O prazer, na perspectiva barthesiana, não é um elemento do texto, muito menos um resíduo, e não depende da lógica do entendimento e da sensação, mas é uma deriva, algo ao mesmo tempo revolucionário, associal e individual. Ao mencionar os diferentes tipos de textos, Barthes evidencia dois que, na minha opinião, tem muito a ver com o modo de grande parte dos leitores do ensino médio e fundamental verem as obras clássicas: “textotagarelice” e “texto jaspeado”. Como define Barthes, o “texto-tagarelice” é assim chamado por ser um texto que entedia, enfara, e o “texto jaspeado” por o excesso de prazer verbal sufocar a fruição. Se, como afirma para 96 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Barthes (2002, p. 32), o texto “produz em mim o melhor prazer se consegue fazer-se ouvir indiretamente; se, lendo-o, sou arrastado a levantar muitas vezes a cabeça, a ouvir outra coisa”, como despertar isso em um leitor jovem? Se afirmarmos que a leitura de um clássico adaptado desde cedo pode ser um prazer inesgotável, não estamos querendo afastar os leitores juvenis proibindo-os de efetuar uma leitura no original. É importante deixar este leitor enfrentar sozinho o “desafio” de ler um clássico no seu original, mesmo existindo alguns obstáculos e/ou um certo grau de dificuldade nessa missão. É possível que para ler algumas obras clássicas, em muitos casos, sejam necessárias tantas notinhas de rodapé que mais da metade da página pode ficar comprometida e tornar, assim, a leitura uma atividade sofrida e dolorosa. Ítalo Calvino, de certa forma, não se entusiasma muito com as leituras de clássicos desde cedo, e expressa a divergência exercida por um leitor mais maduro, com uma certa experiência literária, pois ler pela primeira vez um grande livro na idade madura é um prazer extraordinário: diferente (mas não se pode dizer maior ou menor) se comparado a uma leitura da juventude. A juventude comunica ao ato de ler como a qualquer outra experiência um sabor e uma importância particulares; ao passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) muitos detalhes, níveis e significados a mais (CALVINO, 2001, p. 10). Embora Calvino não cite o processo das adaptações, mais indicadas aos leitores jovens, confirma a complexidade da leitura de um clássico em seu original numa idade “precoce”, dizendo que as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência de vida. Podem ser formativas [...] no sentido de que dão uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: todas coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude (CALVINO, 2001, p. 10). Pelas palavras de Calvino, percebemos que, devido à impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, a leitura de clássicos por 97 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina jovens leitores não provoca o mesmo prazer do que o comparado a uma leitura madura de um adulto. Seria então necessário ficar adulto para desfrutar do prazer do texto, especialmente dos clássicos? Vale ressaltar que o acervo de obras clássicas não compreende apenas os textos escritos para um leitor mais maduro – a chamada literatura adulta –, mas também a literatura destinada ao público infanto-juvenil. Exemplifico: é natural que o leitor não compreenda toda a carga ideológica e crítica ao sistema político vigente nas obras de Monteiro Lobato, porque ele/ela estará encantado com as personagens e toda a magia do Sítio de Dona Benta. Os clássicos não estão abandonados no meio escolar, pois eles aparecem também por meio de antologias e listas de obras fundamentais, proporcionando aos estudantes contato com determinado universo cultural. Isso significa dizer que a literatura também depende de sua manutenção nos currículos escolares. Ana Maria Machado, em sua obra Como e por que ler os clássicos desde cedo (2002), faz reflexões consistentes da importância da descoberta da leitura na infância e da presença constante e evidente dos clássicos em nosso cotidiano. A autora também apresenta a Bíblia como um dos maiores livros clássicos da comunidade judaico-cristã e chama nossa atenção para a quantidade e variação de histórias que podemos encontrar nas parábolas e nas passagens dos Evangelhos. Daí que uma conversa sobre os clássicos não pode se confundir com uma lista do que deve ser lido, ou se limitar a uma defesa de por que eles devem permanecer entre nós. Tudo isso só se completa se dermos também atenção à maneira de ler. Como ler – essa é uma grande questão que vamos encontrando a toda hora nesse mergulho pelos livros essenciais (MACHADO, 2002, p. 98). Concordo com Ana Maria Machado, quando ela afirma que a leitura dos clássicos não deve se resumir a listas do que deve e do que não deve ser lido. O que interessa é a forma como essas obras vêm para os leitores e para a sala de aula. O “como” ler é algo que se constitui gradativamente, sem imposições, sem restrições, aliado à curiosidade, que deve ser instigada a todo instante e de inúmeras formas possíveis, seja por meio de personagens, ilustrações, trechos, autores e obras. O texto se faz, nas palavras de Roland Barthes (2002, p. 74-5), “através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa textura – o sujeito se 98 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina desfaz nele, qual uma aranha que se dissolvesse ela mesma nas secreções construtivas de sua teia”. Em uma boa história contada, a expressão de um rostinho sedento de aventuras, cujos olhos brilham a cada novidade, pode prometer um futuro e assíduo leitor. É de histórias narradas que partimos em buscas de livros, fazemos associações e mergulhamos na paixão de ler. Muitas vezes, um personagem, um autor, um livro são o suficiente para tornar a leitura de clássicos um hábito constante; um vício inseparável e irreparável. Referências BARTHES, Roland. O prazer do texto. 3. ed. Trad. de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2002. CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. Trad. de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários Escritos. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Duas Cidades, 1995. p. 235-263. CARVALHO, Diógenes Buenos Aires de. A adaptação literária para crianças e jovens: Robinson Crusoe no Brasil. Porto Alegre, 2006. Tese (Doutorado em Letras) – Faculdade de Letras, PUC-RS. MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. RÓNAI, Paulo. A tradução vivida. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. 99 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 100 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O FANTÁSTICO MISTÉRIO DE FEIURINHA: UMA ANÁLISE DO GÊNERO FEMININO Maristella Letícia Selli PPGCL/UNISUL As representações tanto do feminino quanto do masculino dão-se pelo meio social e cultural em que a criança desenvolve-se. Os símbolos do que compõe a figura de homem e de mulher são compostas por uma série de itens insistentemente impostos pela sociedade, as crianças já são bombardeadas por uma gama do que é de menina e do que é de menino. Assim, os estereótipos formam-se e pouco se transformam ao longo da história, visto que este é um assunto de ampla discussão. Todos esses estereótipos, essas marcas corporais ficam e formam – ou deformam – as identidades que compõe o ser humano, todas elas transitórias e mutáveis. É no meio social que se assume determinada marca, dependendo das relações de poder ali estabelecidas. Através das práticas sócias é que se legitima o que é natural para o homem e para a mulher; Na perspectiva dos estudos de gênero, uma teórica recorrente é Joan Scott39 que afirma que gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos; gênero, além de ser um elemento constitutivo de relações sociais, é também uma forma primária de dar significado às relações de poder, sendo este não originário de uma única fonte: ele é plural, relacional, englobando, portanto, múltiplas direções, múltiplos olhares. Na sociedade contemporânea as pessoas não se definem mais tendo uma base sólida, sabendo quem são em todas as situações. O múltiplo é recorrente. Este artigo pretende identificar as representações do feminino através do estudo do Fantástico Mistério de Feiurinha, de Pedro Bandeira40, abordando como o autor se narra a mudança de postura das princesas dos contos de fadas, enfocando a mudança do perfil da mulher na contemporaneidade, como elas se relacionam com o casamento, beleza, filhos, marido, enfim, como as princesas encaram a vida real até porque a 39 SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.20, n.2, jul./dez. 1995. 40 BANDEIRA, Pedro. O fantástico mistério de Feiurinha. 101 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina geração de leitores da contemporaneidade podem se ver refletidas neste livro infanto-juvenil. No tema proposto a intertextualidade – como um texto aparece dentro de outro texto, suas relações e interferências – é utilizada como instrumento para verificar se ocorreram mudanças, e quais mudanças, no comportamento das personagens dos contos de fada clássicos em relação à obra de Bandeira e avaliar, de certa forma, o conto clássico e uma de suas reescrituras. A literatura infantil teve seus primórdios no século VII, sendo essencialmente fantástica, por isso mesmo atraindo as crianças, pois a natureza mágica emociona. Através do maravilhoso é que as lições de moral e de valores foram sendo repassadas as crianças, através dos contos de fadas, que saem da oralidade e ganham as páginas de livros com os Irmãos Grimm, Anderson e todos os outros. A linguagem metafórica consegue colocar as crianças em contato com situações que poderiam acontecer e que elas deveriam saber como agir, é a possibilidade de inserir o leitor a pensar sobre as situações que passam os sujeitos caso ajam da mesma forma. Assim, fantasia e realidade se misturam para envolver a criança –ou quem quer que seja o leitor- num mundo mágico. Sempre trabalhando com dicotomias – o bem e mal, o jovem e o velho, o poderoso e o oprimido, fazem da narrativa uma possibilidade a mais. O realismo e a fantasia entram em choque na Literatura Infantil, a dicotomia citada, revela-se no dilema [existente entre] realismo X fantasia só pode ser resolvido se proposto em termos adequados. Diz respeito antes ao choque entre os condicionamentos de que padece a literatura infantil por trilhar o caminho do didatismo e as possibilidades ilimitadas de criação, resultantes da natureza ainda moldável do leitor, o que pode repercutir em experimentalismo inovador ou expansão das técnicas literárias e das vias narrativas (ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1982, p. 17, 18). 41 Dessa forma, a literatura infantil assume posto elevado nas discussões sobre Literatura, já que proporciona a jovens leitores um mundo de possibilidades, auxiliando na constituição de ser humano. 41 ZILBERMAN, Regina; MAGALHÃES, Ligia Cademartori. Literatura Infantil: autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática, 1982. 102 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Assim, deixa-se o discurso de literatura “inha”, pequena, para analisar como as narrativas ali presentes trabalham com as questões sociais que envolvem os sujeitos. Os contos maravilhosos seguem um mote comum a todos, um tempo indeterminado iniciado quase que unanimemente pelo famoso “Era uma vez” que introduz a cena. Apesar dos séculos que separam os primeiros contos da atualidade, ainda seguem as mesmas regras de escrita, a mesma estrutura, e [...] o conto obedece a uma moral ingênua, que se opõe ao trágico real. Não existe a “ética da ação”, mas a “ética do acontecimento”: as personagens não fazem o que deveriam fazer. Os acontecimentos é que acontecem como deveriam acontecer. Este conto é transmitido, oralmente e por escrito, através dos séculos. Porque pode ser recontado 42 com as próprias palavras, sem que seu fundo desapareça. A sobrevivência dos contos maravilhosos deu-se justamente por isso: a facilidade com que podem ser transmitidos. Claro que pelo distanciamento histórico dos contos, na contemporaneidade, estes são interpretados de formas diferentes do que na época em que foram transcritos, não perdendo a beleza e o encantamento. talvez venha mais colorido, repaginado, mas permanecem as mesmas princesas que outrora já provocavam furor. E viveram felizes para sempre é, por conseguinte, marca registrada no final dos contos de fada clássicos, porém, é a partir desse mote que Pedro Bandeira inicia sua narrativa, pois sem dúvida que fica no ar o que aconteceu com as princesas após seus casamentos. Instigado por esse desdobramento, o autor elabora não o início desses relacionamentos, que acreditam no amor eterno, mas as relações conjugais das princesas com seus príncipes após anos de convivência. Mas o que significa ‘viver feliz para sempre’? Significa casar, ter filhos, engordar e reunir a família no domingo para comer macarronada? Quer dizer que a felicidade é não viver mais nenhuma aventura? Nada mais de 42 GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do conto. São Paulo: Ática, 2000, p. 18. 103 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina anõezinhos, maças vermelhas envenenadas e sapatinhos de cristal? Como é que alguém pode viver feliz sem aventuras? Ah, não pode ser! Não é possível que heróis e heroínas tão sensacionais tenham passado o resto da vida assistindo ao tempo passar feito novela de televisão. É preciso saber o que acontece depois do fim (BANDEIRA, 1999, p. 10). A história A Feiurinha parte das bodas de prata das princesas dos contos de fadas dando uma continuidade aos contos clássicos que terminam com o Viveram felizes para sempre. Isso torna possível a intertextualidade, pois exige do leitor conhecimento dos contos maravilhosos para entender toda a gama de humor presente nesta obra. De forma irônica, as mazelas do tempo e do cotidiano são abordadas pelo autor. A obra de Pedro Bandeira dialoga com a história de sete heroínas, sete princesas: Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Rapunzel, A Bela (e a Fera), Rosa Flor Della Moura Torta e A Bela Adormecida, começando com Caio, o lacaio batendo a porta de um escritor que lhe explica o que está acontecendo no castelo de D. Branca Encantado. A reunião fora marcada para que todas soubessem do desaparecimento de Feurinha, uma das princesas dos contos maravilhosos, e pudessem fazer algo. No entanto, a primeira discussão é gerada por uma briga de egos, pois as princesas querem explanar que suas historias são as mais importantes. Cada qual defende um ponto de vista, e todas brigam com furor. Percebe-se que D. Branca é quem assume a frente de todas as situações, encerrando a briga também. Assim, ela decide – e todas as outras a seguem – buscar um escritor que possa reescrever a historia da Feurinha, evitando seu sumiço permanente. O narrador-personagem se surpreende quando eu seu escritório, todas as princesas exigem uma explicação pela demora do resgate da cunhada, aparecendo enfim Jerusa, a empregada doméstica do escritor, que sabe esse conto e até ali, esteve à margem da situação. Feuirinha era uma princesa que foi seqüestrada por três bruxas muito feias que diziam que ela era a coisa mais horrível que já viram. Invertido o padrão de beleza, Feiurinha passa a ser ridicularizada por sua suposta família pela sua beleza e formosura. Certo dia, vai até o rio e vê sua imagem no espelho d’água e começa a tirar a roupa em busca de seus defeitos. A cena passa-se na frente do bode (seu único amigo) que, ao ver a princesa nua, liberta-se de um feitiço e transforma-se num príncipe. 104 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Feiurinha, convencida de sua beleza, é levada para o reino encantado de seus pais e vive feliz para sempre com o príncipe encantado. Esse conto lembra o do Patinho feio, mas numa lógica invertida, já que o patinho era deveras feio e a princesa teve o padrão de beleza invertido pelas bruxas. Salienta-se aqui que ambas os contos tratam do tema beleza, que, mediante padrões de beleza estabelecidos passam por dificuldades por não se enquadrarem neles. O Patinho ainda percebe-se estranho pois tem sua auto-imagem refletida no lago, já Feiurinha tem os conceitos estéticos das bruxas pois não possui sua auto-imagem, dificultando no reconhecimento de si mesma e na formulação de seus conceitos de beleza. Dois aspectos chamam a atenção para uma leitura do gênero feminino nesta obra: os estéticos (os padrões de beleza) e a concepção de família. Todos estão intimamente ligados a condição dos sujeitos desde sua constituição de seres humanos e são destacados também no mundo imaginário – mas nem tanto – dos contos. No que tange aos aspectos físicos se vê princesas envelhecidas, como todos os seres humanos, mas que mantêm sua graciosidade de princesa. D. Branca destaca-se pela altivez já que toma posicionamentos desde cedo, ao sair de casa em virtude das atrocidades cometidas por sua madrasta, e na maturidade, é quem lidera. Claro que sua beleza permanece, mas faz jus a sua idade, impressionando o escritor. Branca de Neve! Ali, na minha frente! É claro que um pouco mais velha e ligeiramente mais gorda, mas ainda a grande, a incomparável Branca de Neve! [...] tinha de reconhecer que aquela só poderia ser, sem sombra de dúvida a verdadeira Branca de Neve, só que um pouquinho mais velha e mais grávida (BANDEIRA, 2009, p. 49-50). Já Chapeuzinho Vermelho aparece desleixada e gorda – pois come os doces da vovó – fica fofocando, falando da vida de suas cunhadas, um reflexo de seu comportamento quando jovem, esperta e desobediente a mãe. Amargurada, chapeuzinho está longe da garotinha esperta e decidida de outrora, permitindo assim, como conseqüência de não haver casado, não cuidar da própria aparência. Excluindo essa, todas as outras estão grávidas. Os príncipes, que de encantados restou pouco, segundo as próprias princesas, estão gordos e barrigudos, gastando seu tempo com a caça. 105 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Para Foucault e Bourdieu43 o corpo não é apenas um texto da cultura. É também, entre outros, um lugar prático direto do controle social. Assim, princesas Encantado representam o estereótipo corporal da mulher moderna: a preocupação com a beleza e o peso que tantas responsabilidades da vida cotidiana trazem. Quando jovens, as princesas eram esguias, lindas, bondosas que se casavam com príncipes lindos e encantadores. O que se apresenta na obra de Bandeira são mulheres mais próximas da realidade, contudo, todas grávidas pela sétima vez, enfrentando problemas reais. Cai por terra o estereótipo criado da beleza e juventude eterna. Referente aos aspectos de família tem-se situações novas. As princesas viram Encantado, já que sse casam com os Príncipes Encantados. Assumir o sobrenome da uma idéia de pertencimento de formação de uma nova família que começa pelo acreditar no amor eterno. As princesas Encantado reclamam dos afazeres que a vida moderna lhes impõe, filhos maiores na escola, os menores com a babá e grávidas de mais um. Alem disso há a reclamação dos príncipes que são vistos como pessoas que não aprticipam das decisões e muito menos são compostos de esperteza e de idéias. Tão explanação é dada por D. Branca Encantado Os príncipes não adiante chamar. Estão todos gordos e passam a vida caçando. Além disso, príncipe de história de fada não serve para nada. A gente tem de se virar sozinha a história inteira, passa por mil perigos, enquanto eles só aparecem no final para o casamento (BANDEIRA, 1999, p. 22). Todas ressaltam que seus príncipes vivem caçando, abandonando de vez o estereótipo inicial de homens provedores da salvação de suas amadas. Isso reafirma o papel do masculino historicamente construído e institucionalizado na sociedade: papeis claros e definidos para ambos os gêneros. As mulheres cabem-lhes serem detentoras de beleza e docilidade, provedora na criação dos filhos. Ao homem, a figura de altivez e força, mas destituído de qualquer participação na vida doméstica. No entanto, as princesas não aceitam com tanta docilidade a condição do feminino, reclamando a presença de Príncipes distraídos. 43 JAGGAR, Alison M. e BORDO, Susan R. Gênero, Corpo, Conhecimento. Rosa dos Tempos, Rio de janeiro, 1988. p. 20. 106 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Mesmo assim, Chapeuzinho lamentava-se por não ter constituído uma família, e agora não havia mais nenhum Príncipe Encantado solteiro no mundo das fadas. A história de Chapeuzinho termina com o desejo de viver feliz para sempre com a avó, que agora estava mais velha e caduca. Todavia Chapeuzinho percebe as reclamações de suas cunhadas e lamentase por não ter casado com o Caçador: “É... Os únicos decididos são os caçadores. Eu devia ter casado com o caçador que matou o lobo...” 44 Além do peso das responsabilidades cotidianas modernas, as princesas carregam o fardo imposto em suas historias: D. Rapunzel Encantado reclamava das suas longas tranças que o Príncipe, seu marido, insistia em subir, apesar de estar gordo, o que lhe provocava dores de cabeça; D. Cinderela Encantado estava com os pés cheios de calos por ter que andar com sapatinhos de cristal; D. Bela Encantado estava sempre a bocejar e a cochilar pelos cantos. Percebe-se a intertextualidade marcante entre os dois textos, já que se entrecruzam com o objetivo de ironizar o que parecia belo nos contos maravilhosos, mas que, ao passar dos anos, torna-se um fardo na vida de qualquer mulher. A preocupação de todas ali reunidas é a de que suas historias possam desaparecer e também porque o Viveram felizes para sempre estava sendo ameaçado. Até porque não era fácil manter a felicidade eterna que suas historias prometiam e que elas desejavam. Um fato inusitado são os capítulos do livro, que são escritos antes do capitulo um. Essa organização diferenciada nos conduz ao seguinte encadeamento, é uma história antes da história começar. Ou seja, os acontecimentos antes do conto da princesa desaparecida ser contado. Os capítulos são assim organizados: capítulo zero; capítulo zero e meio; capítulo zero e três quartos; capítulo zero, três quartos e mais um pouquinho; capítulo zero, três quartos e outro pouquinho; capítulo zero e cinco sextos; capítulo zero, cinco sextos e tanto; capítulo zero, quase um; capítulo zero, mais que quase um; capítulo zero, quase caindo no um e capítulo um. De especial mesmo, eu creio que há neste livro três aspectos. Em primeiro lugar está sua estrutura, como se ele fosse um livro antes do livro, com sua organização em capítulos que vêm antes do primeiro capítulo. Em seguida, temos a fábula de Feiurinha, que eu montei com o máximo de clichês extraídos de todas as histórias da carochinha: bruxas, 44 BANDEIRA, Pedro, 2009: Moderna, SP. p.22. 107 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina príncipe, transformações, heroína pobre, linda e infeliz, a idéia bíblica do Rei Salomão etc. E, por último, está a discussão da importância do leitor em relação à Literatura. Como eu disse, um livro não existe se não houver leitores para ele; um autor nada é, se não houver pessoas dispostas a ler o que ele escreve. 45 Portanto tendo profundas relações com o encantamento que a leitura proporciona, com intertextos claros e com objetivos bem definidos A Feiurinha é um livro que faz rir pela ironia, mas que agrega muito da contemporaneidade, dos conflitos modernos que remexem com a vida. Assim, é um repensar nos contos fantásticos, no amor eterno que nos proporciona risos em um dia realmente ter vivido no fantástico, no maravilhoso. Referências BANDEIRA, Pedro. O fantástico mistério de Feiurinha. GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do conto. Ática, São Paulo, 2000. p. 18. JAGGAR, Alison M.; BORDO, Susan R. Gênero, Corpo, Conhecimento. Rosa dos Tempos, Rio de janeiro, 1988. p. 20. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto ZILBERMAN, Regina; MAGALHÃES, Ligia Cademartori. Literatura Infantil: autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática, 1982. 45 BANDEIRA, Pedro. 108 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina PERSPECTIVAS DO FEMININO EM CONTOS DE CHARLES PERRAULT Regina Michelli UERJ [email protected] Fábio Pratts UERJ [email protected] Introdução Muito se tem escrito sobre o feminino, em especial assinalando os comportamentos de submissão e obediência que confrangeram as mulheres e suas representações literárias. Desde a Idade Média, a figura da mulher tem sido pensada de forma estandardizada, seja pelo papel de mãe, seja pela função de servidão ao pai e ao marido: parece que a estrutura do lar está atrelada a um comportamento esperado das mulheres. A ilusão de que o feminino se define a partir de um comportamento carente de personalidade, o que implica a submissão ao masculino, é um dos motivos de despontarem muitos estudos acerca dos gêneros, inclusive na literatura. Tendo à sua disposição, como material, a própria realidade, os textos literários são portadores de conteúdos valiosíssimos, conceitos, ideologias, formas de pensar e de agir, ou seja, manifestam-se nas narrativas, em especial nos mitos e nos contos de fadas, substratos de diversos ramos do saber. No entanto, uma análise focalizada na vertente dos gêneros nos permite reavaliar paradigmas, atualizá-los. O presente trabalho tem por objetivo propor uma reflexão sobre a presença e a constituição do feminino em contos de Charles Perrault, escritor francês que compilou, no século XVII, contos populares de sua terra, preservados até então pela oralidade. Quando se pensa nas heroínas dos contos de Perrault, afloram as imagens da doce Cinderela, preocupada com as irmãs; da ingênua Chapeuzinho Vermelho, ludibriada pelo lobo; da curiosa esposa de Barba Azul, quase assassinada pelo marido, além de Pele-de-Asno, da Bela Adormecida, dentre outras. Todas elas preenchem, integral ou parcialmente, o paradigma proposto para o feminino, em que são exigidos atributos como beleza, bondade, delicadeza, doçura, 109 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina obediência, silêncio. Este trabalho objetiva, porém, iluminar as personagens femininas secundárias – irmãs, mães e madrastas, esposas, rainhas, velhas – em sua relação com a configuração arquetípica e os padrões culturalmente definidos para o feminino, observando-se as esferas de poder, ação e saber. O olhar volta-se também para as personagens do maravilhoso – fadas e ogras -, tendo em vista a atuação benéfica e/ou maléfica e a função desse feminino nas narrativas. O referencial teórico que sustenta este trabalho encontra-se nos estudos de crítica literária relacionados à Literatura Infanto-Juvenil e nas pesquisas de linha junguiana. Acerca do feminino arquetípico Cumpre conceituar, ainda que de forma breve, a noção de arquétipo. Carl Gustav Jung considera que, assim como há um inconsciente em cada indivíduo, há também uma espécie de reservatório comum a toda espécie humana, o inconsciente coletivo, formado por conteúdos coletivos, ligados a sentimentos e pensamentos universais, encontrados em toda parte, cuja origem ele supõe serem “sedimentos de experiências constantemente revividas pela humanidade” (JUNG, 1978, p. 61). Nesse inconsciente coletivo “jazem adormecidas as imagens humanas universais e originárias” (JUNG, 1978, p. 57), imagens ou motivos denominados por ele de “arquétipos”. Os arquétipos são definidos como “imagens primordiais” ou “imagens universais que existiram desde os tempos mais remotos” (JUNG, 2007, p. 16). Dentre os arquétipos propostos pelo psicólogo citado, destaca-se a noção de anima e animus. A anima designa “o ‘pólo feminino’ do homem, constituído principalmente pelas qualidades de sensibilidade, imaginação, intuição, etc., que a imagem coletiva do macho ‘viril’ obriga o homem a mais ou menos rejeitar” (FRANZ, 2000, p. 13). O animus, por seu turno, assinala o lado masculino que habita o inconsciente feminino, responsável por atitudes ligadas à ordem, à razão, ao comando, a qualidades consideradas viris. Há, assim, atributos que definem arquetipicamente o feminino e o masculino enquanto realidades psíquicas: “Quando dizemos ‘feminino’ nesse sentido, obviamente não estamos querendo dizer ‘próprio de mulheres’. Estamos falando de qualidades interiores, psicológicas, que são comuns aos homens e às mulheres” (JOHNSON, 1997, p. 38). O principio feminino está ligado, além dos elementos já assinalados, à emoção, ao 110 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina estabelecimento de laços afetivos, à introspecção, ao sonho, à capacidade de amar, qualidades integradas à vivência masculina através do contato satisfatório com a anima. Vincular-se a apenas esses atributos, tornará a figura feminina frágil, submetida ao masculino: “Se não é justo para uma mulher copiar o homem, é igualmente mal que ela seja por demais unilateralmente feminina, pois corre o risco de ficar à margem da vida e ser incapaz de enfrentá-la.” (FRANZ, 2000, p. 95). Na psicologia de linha junguiana, o principio de complementaridade explica a integração que deve ser buscada e atingida, harmonizando os dois lados que, como opostos complementares, equilibram a psique humana. O extremo exercício de uma função não é o ideal, pois acaba não explorando energias fundamentais para vivência plena. Aqui cabe uma diferenciação entre a plenitude e a perfeição: A consciência cristã típica tem sido treinada ao longo dos séculos para almejar nada mais do que a perfeição, para levar uma vida sem manchas, uma vida perfeita. [...] A psicologia da individuação, entretanto, mostra que a meta desse processo que leva ao ser total não é a perfeição, mas sim a plenitude. Um indivíduo, na sua inteireza, nem é sempre inatacável, sem culpa, puro, mas é aquele em quem, não se sabe como, todos os aspectos foram integrados num ser total (JOHNSON, 1987, p. 17). Considerando, pois, que “O princípio masculino e o princípio feminino estão destinados a se completar reciprocamente.” (FRANZ, 2000, p. 89), cabe à mulher desenvolver, de forma plena, o contato com o animus. O princípio masculino define-se por: “capacidade de exercer o poder, de controlar situações e de defender posições” (JOHNSON, 1997, p. 38); habilidades ligadas à ação, à competição e à conquista, ao poder de comandar, ao intelecto. Segundo Marie-Louise von Franz, discípula de Jung, para as mulheres, “O lado positivo do animus pode personificar um espírito de iniciativa, coragem, honestidade e, na sua forma mais elevada, de grande profundidade espiritual” e sabedoria, além de “poder lançar uma ponte para o self através da atividade criadora” (1977, p. 193,195); já o aspecto negativo traz comportamentos de brutalidade, indiferença, idéias obstinadas e más: “A mulher tomada pelo animus corre sempre o risco de perder sua feminilidade, sua persona adequadamente feminina. (JUNG, 1978, p. 199). Para Jung, há uma espécie de compensação nessa vivência plena dos dois princípios, verdadeira “conjugação de opostos”. 111 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O feminino em Perrault Não se pode afirmar que as personagens femininas de Perrault sejam desconhecidas do público. Pelo menos as que protagonizam as narrativas são quase de ‘domínio público’, personagens resgatadas, pelo viés da intertextualidade, para o mundo contemporâneo, onde vivem novas histórias, algumas vezes imortalizadas também nas telas de cinema. De modo geral, o comportamento das heroínas de Perrault referenda as expectativas sociais que recaem sobre o feminino, destacando-se qualidades como beleza, passividade, candura, pureza, atributos que minimizam a integração com o animus: “Para a tradição cristã, as virtudes do silêncio, obediência e discrição eram especialmente, se não essencialmente, femininas” (WARNER, 1999, p. 55). A leitura dos contos de Perrault permite estabelecer algumas variáveis para o estudo da configuração das personagens femininas, considerando-se sua função secundária na narrativa, como a faixa etária em que se situa e o estatuto social, ou seja, a classe social em que se insere a personagem e o poder de que desfruta, se mais próxima de uma condição filial ou de governo. Há uma diferença de atuação conforme a personagem é jovem ou mais velha, variável algumas vezes atrelada à anterior, pois as jovens detêm menos poder que as rainhas ou as mães. Existem ainda, nas narrativas, personagens femininas secundárias ligadas ao maravilhoso, como fadas e ogras, via de regra associadas, respectivamente, ao bem e ao mal, paradigma também revisto neste trabalho. Jovens personagens secundárias Dentre as personagens secundárias mais jovens, há aquelas que rompem com o modelo de bondade e submissão, contrastando com as protagonistas. Comecemos pelo conto Cinderela ou A Gata Borralheira. As filhas da madrasta da heroína – geralmente tratadas, na narrativa, por “irmãs” – definem um padrão de certa maldade para com Cinderela, ainda que sejam abençoadas, ao final, com o casamento propiciado por ela. O narrador afiança a diferença, percebida pela nova esposa, entre as próprias filhas e a do marido; para melhor realçar as qualidades das primeiras, a madrasta degrada a enteada à condição de serviçal. Ela passa a ser chamada de Gata Borralheira por todos, devido ao hábito de sentar-se junto às cinzas do borralho, exceto pela irmã caçula que, segundo a narrativa menos 112 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina maldosa que a outra, a trata pelo nome de Cinderela. Várias são as passagens em que a doce menina é humilhada pelas ‘irmãs’, cuja atitude talvez seja reflexo da inveja que sentem da outra, bela e bondosa, menosprezando-a para tentarem realçar nelas uma superioridade inexistente. Tal comportamento assinala falência no exercício do princípio feminino, a afetividade dá lugar à inveja: “A inferioridade de uma mulher que pensa que precisa admirar os outros e que nutre um certo ciúme secreto em relação a eles significa que ela é incapaz de assumir seu próprio valor.” (FRANZ, 1990, p. 200). No conto As Fadas, instala-se também a diferença fraterna, aqui entre duas irmãs de fato. Uma é bondosa, a outra, orgulhosa como a mãe: “As duas, mãe e filha, eram tão desagradáveis e tão orgulhosas que viver com elas era impossível.” (PERRAULT, 1989, p. 181). A mãe direciona sua raiva à filha caçula, que é o retrato do pai, obrigando-a a trabalhar sem parar. É revelado, no meio do conto, que a viúva nunca tinha chamado a mais nova de filha, só o fez quando viu pedras preciosas saindo da boca da menina. A filha mais velha, parecida em tudo com a mãe, é adjetivada como “grosseirona”, “nada gentil”, “odiosa” e “infeliz”. É arrogante com a fada que, disfarçada de princesa, lhe pede um pouco de água. O destino da moça é triste: nem a mãe, que a adorava, suportou a presença da filha depois de ela ter recebido, da fada, o dom de cuspir cobras e sapos; à procura de alguém que a recebesse, ela morreu sozinha no fundo de um bosque. Nesta narrativa, ocorre uma punição à filha que, de certa forma, ousa romper o paradigma social de mansidão, bondade, delicadeza e silêncio, cumprido pela outra filha, a quem cabe o príncipe encantado e o final feliz, embora ela nada tenha feito para conquistar tais prêmios – não há qualquer investimento da heroína na realização de algum sonho ou aspiração. A primeira afirma seus próprios desejos, cedendo de má vontade às ordens da mãe de ir à fonte, provavelmente por não lhe restar outra opção. A tentativa de se manifestar como sujeito de sua vida esbarra no valor moral que o conto encerra: ela é punida por transgredir. Analisando, porém, essa transgressão ao modelo imposto ao feminino, observa-se que há um contato desvirtuado com o animus, esfacelando relações humanas significativas e uma busca plena de ser. A filha boa, porém, carece de desenvolver os atributos inerentes ao masculino, o animus. O orgulho é um sentimento muito presente nestas narrativas, algumas vezes caracterizado como algo ruim, um defeito típico dos vilões. Tomando-se como parâmetro as qualidades desejadas pela sociedade para o 113 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina feminino, já apontadas, as personagens orgulhosas rompem a regra; nesse ponto são menos “femininas” do que as heroínas. Quando se pensa nos princípios arquetípicos femininos, chega-se à conclusão de que elas não os desenvolvem e por isso a inveja desponta ou, por outro lado, a soberba e o orgulho; aquele sentimento assinala a carência de algo, estes ratificam uma superioridade que, quando existe, não carece de ser alimentada ou exteriorizada: simplesmente é. Cumpre aqui destacar nuances na caracterização do orgulho, sentimento que associado à auto-estima é considerado benéfico; quando se relaciona à superioridade em detrimento de outrem, porém, assinala a dependência a parâmetros externos bem como a necessidade de desvalorização desse outro. Há uma relação com um animus em que predomina, no segundo caso, a imposição do poder; no primeiro, a incapacidade de assumir seu próprio valor e sua força interna. A figura feminina caracterizada por elementos negativos, como vaidade, soberba, esperteza ou ambição desmedida, evidencia um desvirtuamento do feminino, que reproduz, em alguns casos, comportamentos estereotipados masculinos, culminando com a tentativa de ludibriar e subjugar o outro. Desenvolve-se um aspecto negativo do animus. No conto Riquet o Topetudo, há a presença de uma irmã feia, porém inteligente, ao final relegada ao esquecimento no discurso narrativo. O príncipe que intitula a história é muito feio, mas uma fada profetiza que ele seria “uma pessoa amorável quando crescesse, pois seria dotado de muitos dons de espírito” (PERRAULT, 1989, p. 141), dom que poderia transmitir àquela que amasse. Num reino vizinho, duas irmãs nascem: a princesa mais velha é bela e a outra extremamente feia. A mesma fada compensou tais qualidades, predizendo que a primeira seria tão estúpida quanto bela e a segunda, tão inteligente que sua feiúra passaria despercebida. Quando a princesa bela aceita a proposta de casamento de Riquet, que já a amava, seu comportamento se modifica, evidenciando, para alegria de todos, os dons do espírito. A irmã feia, porém, “ficou muito contrariada, pois, não tendo mais sobre a irmã a vantagem de sua inteligência, a figura que ela agora fazia ao seu lado era muito feia e desagradável.” (PERRAULT, 1989, p. 147), texto que representa a última referência a essa personagem. (É a última?) O conto ratifica os paradigmas do feminino e do masculino, destacando,respectivamente, a beleza e a inteligência, a racionalidade. O desfecho da princesa feia é completamente ignorado, o que significa o desprestígio e a invisibilidade daquelas que não apresentam o padrão de 114 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina beleza exigido, pois a inteligência e a sagacidade não são atributos femininos – salvo se concedidos pelo masculino. O último conto deste grupo é Barba Azul, único a apresentar uma relação afetuosa e cúmplice entre as duas irmãs. Barba Azul deseja se casar com uma das duas filhas de uma fidalga, sua vizinha. Oferece-lhes oito dias de festas em sua casa de campo. A irmã mais velha não se deixa iludir pelas estratégias de sedução de Barba Azul, mas a mais nova gosta tanto daquela vida que aceita se casar com ele. Ao final da história, ameaçada de morte pelo marido, a heroína recorre à irmã Ana. Solidária, ela faz sinal aos irmãos para que se apressem, na tentativa de salvar a esposa das garras do marido. O desfecho consagra o prêmio a Ana, com o casamento promovido pela irmã. Não há rivalidade entre as duas moças, nem inveja, assinalando uma integração dos princípios do feminino; o animus, por sua vez, apresenta-se simbolicamente bem estruturado através da ação dos irmãos. Observa-se que são reservados, às jovens personagens secundárias, finais felizes e infelizes. O primeiro não é destinado exclusivamente àquelas que se caracterizam pela bondade, como se verifica no caso das irmãs de Cinderela, punidas na versão dos irmãos Grimm. A irmã da esposa de Barba Azul, porém, recebe merecidamente um final feliz, tanto por sua maturidade em não se submeter às estratégias de Barba Azul, quanto pela ajuda prestada à irmã em perigo. O final trágico acontece para a filha mais velha em As Fadas, punição que apresenta uma função moral. Em Riquet, é a filha mais nova, a feia, que “desaparece” da história. Em todas os contos analisados, apenas personagens secundárias são distinguidas por nome próprio: Franchon, a filha orgulhosa de As Fadas; Javotte, uma das irmãs de Cinderela; Ana, a irmã da esposa de Barba Azul. Uma possibilidade de leitura é o fato de a ausência de um nome favorecer uma maior identificação do leitor com essa personagem, o que aconteceria com as principais, tanto pelo relevo de que dispõem ao ocuparem a centralidade da história, como por configurarem um modelo a ser seguido, sendo desejável essa identificação. As personagens secundárias terminam sendo alvo mais tênue de atenção, logo, podem receber um nome que as individualize. Personagens secundárias mais velhas Neste grupo, aparecem mães, madrastas, rainhas, velhas senhoras. Algumas personagens são marcadas pela maldade e pelo abuso do poder: o 115 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina feminino, na ausência física do masculino (representado pelo marido) ou sem a integração do animus, assume a virilidade nociva, destruidora – lado negativo do animus, em que “As mulheres tendem a se tornar masculinas e dominadoras” (FRANZ, 1990, p. 196). Marie-Louise von Franz considera que, na integração do aspecto masculino, caracterizado basicamente por atitudes viris, ao feminino, há o risco da assimilação dos defeitos masculinos e não somente das virtudes que caracterizam o animus: A atitude justa consiste em evitar cair de um excesso no outro e, de uma mulher doce demais e sem personalidade, transformar-se numa espécie de homem caricatural, que se impõe, age pretensiosamente, tornando-se ainda superintelectual e excessivamente ambiciosa (2000, p. 95). Dois exemplos despontam: a madrasta de Cinderela e a mãe em As Fadas. A primeira é definida, logo no início da trama, como “a mulher mais orgulhosa e mais arrogante que já existiu até hoje” (PERRAULT, 1989, p. 113) e suas filhas eram parecidíssimas com ela. Bruno Bettelheim (1980, p. 86) atenta para o fato de, em muitos contos, a mãe má ser substituída pela figura da madrasta. A madrasta manifesta seu “mau humor” e indignação ao perceber as qualidades de Cinderela, o que fazia suas filhas, as quais eram motivo de orgulho para ela, parecerem detestáveis, o mesmo aplicando-se a ela. Há uma disputa implícita com Cinderela, a herdeira do pai, aquela que se caracteriza pela superioridade em relação às meias irmãs. A madrasta exerce ainda grande influência e poder sobre o marido, razão pela qual Cinderela não ousa reclamar com o pai sobre os abusos que sofre, “sabendo que ele a repreenderia, pois era totalmente dominado por sua mulher” (PERRAULT, 1989, p. 114). É possível concluir que o animus da madrasta assume sua função negativa. O masculino não tem voz na relação, nem na narrativa de forma geral, já que o pai é pouco mencionado e nada faz em toda a história. Outras mães são também marcadas pela decepção frente aos defeitos dos filhos, como a de Riquet – “que se sentia amargurada por ter posto no mundo um fedelho tão grotesco.” (PERRAULT, 1989, p. 141) – e a das princesas, no mesmo conto, tentando ‘negociar’ com a fada a atenuação da feiúra de uma e da estupidez da outra. A “exagerada alegria” – próxima à vaidade – irrompe na rainha ao ver que tinha dado à luz a uma linda menina – a mais velha -, reação atenuada pela fada, segundo a própria narrativa, que macula tal perfeição com a “burrice”. A rainha mãe fica profundamente aborrecida, mas nada mais se diz sobre ela na história – 116 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina uma vez tendo cumprido seu papel reprodutor, a rainha é exilada da narrativa, destino semelhante ao da rainha mãe de Riquet. Assim como a madrasta de Cinderela, a viúva de “As Fadas” é uma personagem orgulhosa e possui uma filha que se parece com ela em feições e temperamento. O ódio à filha parecida com o pai permite deduzir-se a relação entre os cônjuges e a de tal filha com o pai – “O fato de o pai estar morto facilita a omissão do elemento que poderia justificar a aversão da mãe pela filha” (MAGALHÃES, 1987, p. 49). A figura feminina representa a negatividade, a falta de afeto – mesmo a filha eleita é expulsa de casa, ao final. O afeto inicial só se sustentou enquanto a filha respondeu à semelhança com a mãe, encaixando-se no modelo desejado. A madrasta e a viúva são personagens atuantes na narrativa. Elas representam um feminino velho, corrompido em sua sabedoria e bondade, espécie de represália, de revanche ao papel de submissão geralmente imposto à mulher quando mais jovem, dependente. Há personagens mais velhas definidas pela bondade. Desse grupo fazem parte: a “boa velhinha” avó de Chapeuzinho; a “bondosa velhinha” do fuso de fiar, na história da Bela Adormecida; a mãe do príncipe de Pelede-Asno e a mãe do Pequeno Polegar. Algumas são inexpressivas, sendo apenas citadas ou tendo pouco relevo na narrativa, mesmo ligando-se diretamente às personagens principais. Inserem-se, neste caso, a mãe e a avó de Chapeuzinho, a mãe da esposa de Barba Azul, as rainhas mães em Riquet, a rainha mãe da Bela Adormecida, a lenhadora, mãe do Pequeno Polegar. Buscando uma significação para este fato, é possível levantarem-se algumas hipóteses. Personagens mais velhas podem estar associadas à sagacidade, à sabedoria advinda das experiências propiciadas pela vida, exercitando o arquétipo do espírito ou do velho sábio – que talvez não convenha realçar quando atribuído à figura feminina. A mãe do príncipe que se casa com Pele-de-Asno assume esta função na narrativa, intuindo o porquê da doença do filho e conduzindo o marido à ação: é graças à interferência e à perspicácia dela que o filho se salva. A rainha mãe articula o poder, em harmonia com o marido, o saber e a ação, ganhando relevo na história. Por outro lado, a ausência desses atributos assinala alguma falha no processo de aquisição de maturidade e de desenvolvimento pleno do eu. Tal se verifica, por exemplo, na avó de Chapeuzinho que, frágil e impotente, não consegue evitar a ação do lobo, e na mãe da menina, que não a adverte sobre os perigos da floresta. Em Barba Azul, a mãe pode ser considerada 117 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina omissa, diante da decisão da filha mais nova em se casar com a personagem título, uma vez que já pairava a desconfiança acerca do destino das esposas anteriores dele. É possível ainda levantar a hipótese do quanto essas personagens, independentemente da idade e de sua posição social, são ofuscadas pelo masculino, representado por um marido responsável pelas decisões na narrativa, o que tem como conseqüência um feminino com carência de integração do animus. Isto se verifica em Riquet, com as duas rainhas mães, pois o rei pai das princesas assume o comando e a ação no que diz respeito ao destino da heroína, que tem liberdade de escolha. Vamos nos deter, porém, no conto O Pequeno Polegar, em que duas figuras femininas se destacam: a lenhadora, mãe dos sete meninos, e a ogra, mãe também de sete ograzinhas. As duas preenchem a função maternal: a primeira combate a sugestão do marido de abandonar os filhos na floresta, devido à fome, e sofre com isso; a segunda acolhe o Pequeno Polegar e seus irmãos, tentando protegê-los do marido. Ambas se vêm numa posição submissa ao masculino: O lenhador acabou perdendo a paciência, pois a mulher repetiu mais de vinte vezes que ela bem que tinha dito que eles iam arrepender-se. Ele ameaçou de lhe dar uns tapas se ela não se calasse. Não é que o lenhador não estivesse talvez até mais acabrunhado do que a mulher, mas é que ela lhe atazanava a cabeça. Ele era igualzinho a muita gente, que gosta muito das mulheres que dizem amém, mas acha muito aborrecidas as que estão sempre falando eu-bem-que-disse (PERRAULT, 1989, p. 6566). À lenhadora resta apenas a fala, o discurso verbal, atuação inócua e passível de lhe render uma agressão física. O narrador – ainda que assinalando a exasperação que a lenhadora causa ao marido, ao repetir a mesma coisa várias vezes – deixa clara a idéia da submissão desejada: ele, como muitos outros, preferem as mulheres que concordam com tudo, aceitando passivamente o que é determinado pelos maridos, detentores do poder. A personagem da ogra pertence ao território do maravilhoso, tema da próxima parte deste trabalho. Destacaremos aqui, porém, a relação travada com o marido. No caso da ogra, os maus tratos são ainda mais evidentes. Ela é ameaçada e humilhada por ele: “Maldita mulher! Não sei o que me segura, que ainda não te comi também. O que te salva é que você está velha demais.” (PERRAULT, 1989, p. 73). O ogro de O Pequeno 118 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Polegar é o devorador de criancinhas, mas é também o que desrespeita a esposa e destrói, mesmo inadvertidamente, as próprias filhas, que já se apresentavam como um retrato dele, abafando o princípio feminino que lhes seria natural. Por último, cumpre verificar se há, em algum conto, uma integração harmoniosa do feminino com o masculino, envolvendo as personagens secundárias. No conto Pele-de-Asno isso acontece entre o rei e a rainha, pais do príncipe, como já foi pontuado: a rainha desposa de um poder em diálogo com o marido, figura feminina que exerce também a função maternal plenamente desenvolvida, sem rivalidades e disputas com o filho ou a futura nora. Em A Bela Adormecida do Bosque pode-se constatar, no nível do discurso, que o rei se faz acompanhar da rainha – “rei e rainha” é uma expressão que aparece várias vezes, referindo-se a diferentes momentos na história, o mesmo ocorrendo no conto anterior. Sublinha-se, porém, que ao rei pai da Bela Adormecida cabem as decisões e as ordens; a esposa, ainda que presente a seu lado, não tem voz na narrativa. Fadas e ogras, figuras do maravilhoso A origem da palavra fada remete ao fado, ao destino: as fadas, ao articularem o poder sobre o destino humano, aproximam-se das Parcas latinas e das Moiras gregas. O significado que aderiu ao longo dos tempos à ação das fadas foi o de benfeitoras; para tanto, criaram-se as bruxas, representação do mal, certamente introduzidas por uma moral cristã que carece de apartar os dois lados. O espaço deste artigo não nos permite tecer maiores considerações sobre isso, mas acentuamos que nas histórias da tradição não aparece o termo ‘bruxa’: a fada promove tanto o benefício, quanto o malefício, personagem em contato com o sagrado, cuja origem latina associa-se ao bem e ao mal. Há, portanto, fadas que exercitam o bem, outras, o mal. Nos contos de Perrault, a fada madrinha cumpre a função de proteger e auxiliar, principalmente as personagens femininas, com suas bênçãos, dons ou conselhos, como em Cinderela, Pele-de-Asno, A Bela Adormecida (o que ocorre com as fadas convidadas para o batizado). Segundo Bettelheim, “Os contos de fadas indicam que, escondida em algum lugar, a boa fada madrinha observa o destino da criança, pronta a afirmar seu poder quando for necessário e urgente.” (1980, p. 85). A figura 119 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina feminina da boa fada remete ao arquétipo das grandes deusas mães, protetoras, acalentadoras: “Essas ‘fadas’ se aproximam das velhas mulheres sábias e cheias de experiência, um pouco feiticeiras e curandeiras, que presidem aos partos” (FRANZ, 2000, p. 30). A fada madrasta, porém, é a portadora da maldição, pressagiando a morte, função de Átropos, como acontece à princesa Bela Adormecida, que não tivera culpa alguma de a fada – mais velha – não ter sido convidada para o batizado. Em dois contos, parece repousar sobre o ombro das fadas a ação de julgar as personagens humanas – ainda que as fadas madrinhas só cumulem com dons benéficos aqueles que os merecem. Neste grupo estão as fadas juízas: o dom a ser concedido passa pelo crivo de uma avaliação, em que pesa o merecimento de quem vai recebê-lo ou as circunstâncias envolvidas na ação doadora. No conto As Fadas, a fada premia a boa menina que lhe dera água para beber, mas confere o dom de cuspir sapos e cobras para a jovem orgulhosa. Ela é a portadora do bem e do mal, do prêmio e do castigo, sem que tente efetuar qualquer mudança no comportamento da moça orgulhosa. Em Riquet o Topetudo, a fada compensa a feiúra de Riquet com inteligência, mas confere a estupidez à linda princesa como forma de conter a excessiva alegria da mãe, cedendo, porém, aos rogos maternos de também compensar a bela filha de alguma forma. Se as fadas existem no imaginário coletivo como figuras benfazejas, o ogro é principalmente o representante do mal, vencido pelo herói, cujas características também o projetam no território do sagrado. Arlette Bouloumié apresenta um estudo bastante denso sobre o ogro na literatura, referindo-se ao fato de Perrault chamar sua obra de “contos de Fadas e Ogros” (2000, p. 755). Inicia seu texto com a etimologia da palavra ‘ogro’, associando sua origem às trevas do mundo subterrâneo, à devoração canibalesca, à morte. Tal como as fadas, há ogras que atuam com bondade ou maldade nos contos de Perrault. Há apenas dois em que aparece a personagem da ogra. Em O Pequeno Polegar, a ogra é uma figura maternal e protetora, apiedando-se de Polegar e seus irmãos, além de boa e ingênua. Em A Bela Adormecida do Bosque, ela cumpre o modelo de ogro mau e comedor de criancinhas, como a figura masculina de O Pequeno Polegar, fiquemos com esta. O conto A Bela Adormecida apresenta duas personagens femininas contrastantes: a princesa é dócil e submissa; a rainha ogra, mãe do príncipe, 120 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina agressiva e destruidora. A ogra assinala a mulher preterida por outra mais jovem, remetendo ao conflito entre Vênus e Psique. O príncipe, seu filho, escondeu dela a constituição da nova família, apresentando-lhe o fato já consumado, apesar das perguntas da mãe sobre possíveis namoradas: o segredo é também uma traição à mãe possessiva, relegada a segundo plano devido ao aparecimento de uma nova mulher na vida do filho: “A avó ogra que devora a mulher casada com seu filho, o príncipe encantado da Bela no bosque adormecido, é uma terrível mãe, abusiva e ciumenta.” (BOULOUMIÉ, 2000, p. 761). A figura da ogra representa o feminino que tenta desenvolver os atributos masculinos de poder e comando, assimilando o lado negativo do animus. Pode ainda permitir uma leitura que remeta às velhas damas medievais, analisadas por Georges Duby (1997, p. 43), responsáveis por trazer, para o casamento, prestígio e riqueza material – o rei do conto só se casara com ela por sua grande riqueza – e uma prole muitas vezes numerosa. Segundo Le Goff, as dinastias “procuram fazer recuar a origem de uma linhagem nobre medieval à união com um ser sobrenatural, de forma a conferir às pretensões de uma família à legitimidade uma consagração mais alta, metafísica.” (1980, p. 310). Neste viés, a ogra representa essa origem sobrenatural, pagã, que vai ser demonizada por uma cultura cristã. Conclusão As histórias da tradição, por mais que ratifiquem os valores ideológicos que regem a sociedade no momento de produção dos textos, abrem fendas por onde transita o rompimento a esses padrões. A transgressão feminina aos estereótipos culturalmente exigidos à mulher aflora nas narrativas de Perrault, confirmando a hipótese deste trabalho. As personagens secundárias, que se situam à margem da ação narrativa principal, efetivam alguma ruptura em relação à mansidão desejada para o feminino. Tal conclusão coloca em cheque a visão, já cristalizada, de que os textos literários da tradição ratificam comportamentos femininos de submissão, centrados na transmissão de valores morais, em especial os contos de Perrault, encerrados por uma moral. Isto deveras ocorre em algumas narrativas, mas outras permitem a revisão desses conceitos. Se há personagens femininas submissas, há também aquelas que subvertem o esperado. A grande dificuldade, porém, verifica-se na integração do princípio feminino com o masculino, o animus. Várias personagens 121 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina femininas assinalam o exercício de um animus desvirtuado, negativo, reproduzindo os vícios masculinos. Não foi difícil verificar a existência de personagens secundárias femininas que atingem o poder, efetivando ações, ainda que nem sempre dignas. Poucas alcançam, porém, o saber. Talvez porque a busca ainda se concentre na perfeição – e não na plenitude. Referências Bibliográficas: BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e Terra, 1980. BOULOUMIÉ, Alette. O ogro na literatura. In: BRUNEL, Pierre (org.). Dicionário de mitos literários. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000. DUBY, Georges. Damas do século XVII: a lembrança das ancestrais. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. FRANZ, Marie-Louise Von. A interpretação dos contos de fadas. São Paulo: Paulinas, 1990. _____. O feminino nos contos de fadas. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000. ______. O processo de individuação. In: JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. JOHNSON, Robert A. He: a chave do entendimento da psicologia masculina. São Paulo: Mercuryo, 1987. _____. We: a chave da psicologia do amor romântico. São Paulo: Mercuryo, 1997. JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. ______. Estudos de psicologia analítica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1978. ______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis-RJ: Vozes, 2007. LE GOFF, Jacques. Melusina Maternal e Arroteadora. In: Para um novo conceito de Idade Média. Lisboa: Estampa, 1980. MAGALHÃES, Ligia Cademartori. História infantil e pedagogia. In: ZILBERMAN, Regina & MAGALHÃES, Lígia Cademartori. Literatura infantil: autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática, 1982. WARNER, Marina. Da Fera à Loira: sobre contos de fadas e seus narradores. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 122 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina PERRAULT, BUARQUE E BURTON. QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU? Priscila Rosa Martins UFSC Antes da escrita, os conhecimentos e vivências eram transmitidos através da oralidade, serviam para registrar a realidade cotidiana e fantasiada. Era deste modo que se explicavam a origem do mundo, das coisas, das pessoas, das culturas com muita imaginação. Aliás, sob o signo da convivência, a estória sempre reuniu pessoas que contam e que ouvem: em sociedades primitivas, sacerdotes e seus discípulos, para transmissão de mitos e ritos da tribo; nos nossos tempos, em volta da mesa, à hora das refeições, pessoas trazem notícias, trocam idéias e... contam casos. 46 Essas narrativas passaram a forma escrita no século XIV e, muitas delas perpetuam até hoje (existem em alargadas versões e completamente diferentes dependendo de qual região ou país que são contadas). Todavia, elas dão um sentimento de fragmentação, característica da fala, porém não dispõem mais do fator tão importante de uma história: o contador, aquele que compartilhava da sua experiência. É deste ritual que temos livros como Odisséia, Mil e uma noites e as fábulas. A história mais conhecida entre os pequenos (e não tenhamos preconceitos: os adultos também) talvez seja Chapeuzinho Vermelho. A narrativa da pequena desavisada que visita a avó doente e é interpelada por um lobo peludo e salivante. O francês Charles Perrault teve o cuidado de contar, primeiramente, às mocinhas de sua época para que servisse de aviso sobre os estrangeiros maus que poderiam devorá-las a qualquer momento. Assim, o lobo, após a mocinha retirar seu chapéu, acaba por comê-la, sem demoras. Mas, o que provoca o medo? Jean Delumeau explica que o medo é cultural. Ora, a intenção de Perrault nada mais era do que instaurar uma verdade na sua sociedade de que as mocinhas de tal idade já não deveriam ter comportamento leviano e desavisado, confiando no primeiro que aparecesse; com o reforço da moral 46 GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do Conto. p. 5 123 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina no fim de sua narrativa, característica típica das fábulas. Além do quê, Delumeau ainda ressalta, que temer ao outro, o estrangeiro, o estranho, o de fora dos padrões daquela sociedade é comum, sem contar que o lobo pode ser também a representação do pobre, o sem-casa; ele simplesmente aparece no caminho da floresta (ou seja: lugar nenhum). Desta forma, há um desencadeamento do medo, uma força para torná-lo natural, e assumi-lo como verdade – algo que todos devem temer: o Outro. Não é incomum termos este pensamento hoje, como ainda coloca Delumeau, devido à várias guerras e epidemias. Tudo que nos é diferente pode não ser bom. Entretanto, não temos só essa versão do medo, nem da Chapeuzinho. Chico Buarque trabalha em sua releitura justamente o medo excessivo que a menina já amarela tem. A pequena tem medo de tudo, e do mesmo modo que Perrault, a garota se nomeia por um objeto: o chapéu. Em Chapeuzinho Vermelho, este ponto fica mais frisado, pois quando retira esta proteção, é justamente o momento que a menina deixa de existir. Com o carioca, o movimento é contrário, há uma desconstrução do medo que se dá ao deparar com o lobo, pois viu que não tinha o que temer. Acaba que com isso, o lobo perde sua personalidade e teve vergonha de se assumir lobo. Superado o medo, a menina supera também todos os outros medos que tinha: de bruxa, de dragão, do diabo – personagens comuns de histórias medievais e, o lobo deixa de ser LOBO e passa a ser lobo. Jacques Rancière diz que ocorre então, a rejeição da submissão ao desconhecido. 47 Enquanto em Perrault, a razão do medo estaria em não passar para o lado do desconhecido. Na Política de Aristóteles fica frisado que aquele que estiver fora da cidade é um monstro ou um deus. E é fora da cidade, da aldeia, da comunidade, que se encontram respectivamente o compadre lobo, o lobo alemão e Francisco (que mais parecia um marisco). Em Burton, com a narrativa do Menino Ostra, o estranho está representado no protagonista. É ele que causa desconforto e torna a história sombria com um fim trágico. Entretanto, há uma salvação do garoto, já que antes de finalizar o livro que reúne outras histórias, ele ressurge no dia do Halloween, fantasiado justamente de humano – incorporando entre tantas outras coisas, a cultura, conquistando sua assustadora normalidade. Burton tem essa particularidade de trabalhar com o dito grupo dos “fracos e oprimidos” dessa sociedade dominadora. Então, fica claro entender o contexto que aparece essa nova personagem que é comido pelo pai. 47 RANCIÈRE, Jacques. Do medo ao terror. p. 59 124 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O ato de comer é algo que se repercute nestes três contos. Em Buarque, a menina decide não comer aquele bolo que virou lobo, justamente pela depreciação da fantasia que havia sobre ele, devido não o conhecer. Com Perrault, a morte da menina serve de exemplo para as próximas, já que por não ter sido avisada 48 do perigo que representava o lobo, não teve o que temer e aceitou o jogo que ele propôs – ela serviu de exemplo para as próximas, porém fica claro que aquele lobo a comeu por estar com fome há três dias. Mesmo não reconhecendo as atitudes da avó, ela preferiu manter-se ao lado na cama, questionando a mudança visível, não fugindo ou se apavorando (ação comum que observamos nas crianças que tentam justificar as novidades a qualquer preço, ligando entre si as coisas mais heterogêneas. 49 Lembra-se ainda que a história foi escrita para o filho de Perrault, qual tinha dez anos). Como Chapeuzinho, Francisco não teria motivos de temer o pai que lhe apareceu no meio da noite. Nota-se ainda que o fato ocorreu dentro de casa: representação do terror íntimo, segundo Rancière. 50 A morte, ainda em Perrault, opera de forma a causar trauma em seus leitores, em impedi-los de tal ação; com Burton, vê-se um movimento contrário, muito parecido com os recursos utilizados por longas animados e seriados, quais os protagonistas se deparam com diversas situações de morte (cair do abismo; ser acertado por uma bigorna, piano, vaso; sufocamento, afogamento,...) e saem ilesos, em questão de segundos (ou páginas). Pode-se afirmar a perda da moralidade nessas histórias, pois mesmo que venham a fazer algo proibido, não são punidos. Até porque o pai mata o próprio filho, e o espectador (leitor) “fica mais preso num tipo de cumplicidade a meia distância entre as duas posições. Ele é convidado a uma certa suspensão do julgamento”. 51 Na primeira história a morte se faz necessária, pois era mais racional que o pai de Francisco o comesse, já que além de sua aparência inexplicável, trazendo com isso muito sofrimento à mãe, ele seria a grande solução dos problemas sexuais do pai. Por isso sua história é trágica “porque o destino funesto chega pela coincidência de dois regimes antagônicos de causalidade”. 52 Na segunda: a ressurreição feliz do 48 Nem pela mãe, como ocorre nas outras transcrições dessa narrativa. PIAGET, Jean. A linguagem e o pensamento da criança. p. 140 50 p. 68 51 RANCIÈRE, p. 58. 52 RANCIÈRE, p. 60. 49 125 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina protagonista. Infere-se que sua vida infeliz foi apagada, agora ele faz parte da sociedade, saiu de casa. Chapeuzinho Vermelho deixa morrer sua infância, para renascer com a puberdade – outra história. A menina de Buarque também faz seu caminho até a porta e se abre para as crianças que viviam lá fora. Referências BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo. 21. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007. BURTON, Tim. O triste fim do pequeno Menino Ostra e outras histórias. Tradução de Márcio Suzuki. São Paulo: Girafinha, 2007. DELUMEAU, Jean. Medos de ontem e de hoje. Tradução de Marcelo Gomes. In: NOVAES, Adauto (org). Ensaios sobre o medo. São Paulo: Editora Senac São Paulo: Edições Sesc SP, 2007. p. 53-71. GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do Conto. 11. ed. São Paulo: Ática, 2006. PERRAULT, Charles. Chapeuzinho Vermelho. Tradução de Monica Stahel e Rosemary Costhek Abílio. In: Contos de Perrault. São Paulo: Martins Fontes, 1997. RANCIÈRE, Jacques. Do medo ao terror. Tradução de Marcelo Gomes. In: NOVAES, Adauto (org). Ensaios sobre o medo. São Paulo: Editora Senac São Paulo: Edições Sesc SP, 2007. p. 39-52. 126 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina NA INFÂNCIA TODO CORPO POÉTICO É CONCRETO Adriana Carolina Hipólito de Assis 53 Uma das linhas de discussões que contornam os cursos de letras em São Paulo, sobretudo os advindos da PUC, é o legado dos poetas concretos, patronos desta universidade. E, como todo ser vem sempre marcado pelos espaços críticos e literários dos quais pertence, acabamos por carregar esses autores onde quer passamos. Mas não com o intuito de se criar um “plano piloto” do que se deve ou não dar em termos de estética na infância ou na vida adulta, mas como uma possibilidade de, como um olhar que percrusta constelações poéticas em todos os tipos de textos e imagens que perpassam pelo viés dos concretos. Assim, uma das lutas ou bandeiras, sem querer tornar essa discussão panfletária, é mostrar que as questões estéticas, formais têm sido preteridas no ensino. Grande parte do que se veicula no ensino ou da apreensão do signo estético na infância – que não é só da infância, uma vez que a poética prescinde qualquer idade -, se dá de modo temático. A criança, neste contexto, aprende com os textos oferecidos em sala temas que auxiliam a lidar com as diferenças culturais, com as diferenças de cor, a lidar com sua própria subjetividade de forma equilibrada – haja vista as linhas psicanalíticas regadas a Bruno Bettelheim –; ou, então, a utilizar os textos poéticos como um meio para se chegar a fim prático, utilitário relacionado, sobretudo, à alfabetização, ou, a entrar em uma forma que lhe possibilite sociabilizar-se com os chamados “valores” considerados pelo senso comum, como uma mistura do que é “certo” ou “errado” com algum coisa religiosa, quando, neste momento, a escola e, principalmente, a poética deveria ser laica. A princípio, essa história de estética, de poética na infância pode parecer estranha, uma vez que a criança está em formação e criou-se o mito com relação aos concretos de que é muita abstração, uma vez que este grupo de poetas construiu um eixo poético, teórico e critico extremamente metaliguístico e semiótico. Há até quem diga que eles são mais interessantes enquanto críticos, teóricos e tradutores do que poetas, o que é uma inverdade, visto que toda teoria necessita de uma práxis. Bom, mas o 53 Mestre em Literatura e Crítica Literária – PUC/SP. 127 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina caso é que a poética concreta se assenta em bases lúdicas, num continuum montar e desmontar do próprio código: um brinquedo verbal, visual, sonoro, um jogo anagramático para aqueles que gostam de buscar, na palavra, o tesouro escondido, ou, ainda, de observar a dança da palavra, o desenho que gestualiza cores, sons, enfim, sinestesias em um único objeto poético. Já é prática infantil fazer o que os poetas concretos teorizaram em estilo joyceano, ao utilizarem palavras-valises, para dizer tudo numa só palavra: verbovocovisual. Condensando em um único desenho ou traço verbal, a narrativa inteira. A criança usa espontaneamente, um princípio estudado pelo erudito Ezra Pound (1990:40) que utiliza a expressão “Dichten = condesare” ou o seu famoso jargão da “linguagem carregada de significado até o máximo grau possível”. Além desse aspecto, as produções infantis associam-se a estética primitiva, uma vez que trabalha com um tipo de acumulação associativa de significado. Ela escreve e pinta ao mesmo tempo, operando por uma gramática natural no início da alfabetização, ou, quando não, por uma associação agramatical muito próximo das imagens ruprestes, das pinturas de Miró, ou, ainda, dos caracteres ideogramáticos. Observe as imagens que seguem. A primeira, a de Miró, temos uma abstração que possibilita o voo perceptivo do espectador/leitor. A partir dele emanam semioses infinitas, como afirma Humberto Eco (1980). Constelações mallarmaicas que possibilitam afirmações como as de minha filha que vê nele um peixe cantor ou, como eu, um passarinho cantor de opera de algum conto de fadas: Fonte: Le chanteur by Joan Miro, disponível no site: www.artsender.com, em 09/09/2009. 128 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Fonte: CAMPOS, Haroldo. Ideograma: lógica, poesia, linguagem. São Paulo: Edusp, 1994, p. 150. Já a segunda imagem, retirada da obra de Haroldo de Campos (1994), verifica-se a evolução da caligrafia chinesa que, derivada das artes plásticas, aproxima-se por analogia das imagens ruprestes, dos hieróglifos até chegar à formatação do ideograma: do desenho do cavalinho à caligrafia final. O ideograma é o próprio objeto: um cavalinho. Por isso Haroldo de Campos afirma que todo corpo poético é concreto, pois a natureza de toda poética é concretizar o objeto seja pela imagem, seja pela idéia, seja pelo som, ou, ainda como afirma Ezra Pound (1990: p.11), com as afamadas categorias, utilizadas pelos concretos: a fanopéia como “um lance de imagens sobre a imaginação” que nos remete a imagem concreta do objeto; a melopéia como “aquela em que as palavras são empregadas de uma propriedade musical que orienta seu significado” o que corresponde ao uso do ritmo, das onomatopéias, das aliterações e das assonâncias; e a logopéia como “a dança do intelecto sobre as palavras”. A riqueza visual da poesia haikai advém do ideograma, uma chama gráfica cujo espírito está manifestado na poesia primitiva, no desenho do objeto que reflete as imagens do mundo. O processo de compreensão do signo linguístico oriental é essencialmente feito por hipoícones que, geralmente, são utilizados para descrever a delicadeza de algum quadro da natureza. Daí encontrarmos ecos de discussão com infinitas vertentes advindas da teoria da percepção, uma vez que tanto a poética oriental como a concreta estabelece elos indissociáveis com a natureza: uma relação pansemiótica com o mundo. Afirma Haroldo de Campos que, quanto mais concreta e vividamente expressamos as interações das coisas, melhor é a poesia. Em poesia, necessitamos de milhares de palavras ativas, cada qual fazendo o máximo para revelar as forças matrizes e vitais. Não podemos exibir a opulência da Natureza por simples adição, amontoando sentenças. O pensamento poético trabalha 129 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina por sugestão, acumulando o máximo de significado numa única frase repleta carregada, luminosa de brilho interior (1994: p. 132). A lógica infantil assemelha-se a oriental, à medida que o ideograma “cavalinho” funciona não como um substantivo, mas como um feixe de ações funções (Segolin, 1978) discursivas que, por associação, envereda em várias histórias. O signo ideogramático (cavalo) traz consigo uma ideia verbal, pinturas abreviadas das ações. Nós ocidentais necessitamos sempre dos verbos para indicar ação, precisamos sempre da ordem silogística de sujeito e predicado para significar o que queremos; já os orientais, o ideograma “falar”, por exemplo, é a própria boca. O poema abaixo, do poeta Seiichi Niikuni (apud Campos, 1994: 105), muito nos lembra as poéticas concretas advindas desde Apollinaire do livro Caligrammes, que apresenta o mesmo título: Chuva. Neste, de Niikumi, a chuva advém das gotinhas contidas dentro ideograma, ou seja, o poema chove: Mas não queremos com isso afirmar que a lógica oriental é infantil ou mesmo dicotomizar as relações entre oriente e ocidente, mas frisar que a criança, geralmente, combina diversos elementos pictóricos/verbais em um único texto, estabelecendo assim, analogias de similaridade imagética com os objetos, como fazem as poéticas contemporâneas e as orientais. A 130 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina criança não pensa o conceito, ela sensorializa a palavra analogamente à realidade sem realizar mediações de idéias ou conceitos: capta-a como um signo icônico, asseguram Maria José Palo e Maria Rosa O. Duarte (2006). Ela (re)propõe o mundo real, com um olhar concreto, como afirma Décio Pignatari (1987). A captura do olhar da criança para os espaços lúdicos do mundo se dá num tempo sincrônico, isto é, no famoso “aqui e agora”, advindo das poéticas e da filosofia oriental, na qual se seleciona a cena de um instante. Não se trata de trabalhar como faz a escola: um tipo de “poética de soluço”, como brinca Haroldo de Campos, que desfuncionaliza o caráter essencialmente poético ou da função poética como enfatiza Jakobson (1995), fixando-se na função emotiva do signo. Daí que o aluno – quando amadurece, como leitor crítico -, passa a detestar poesia, pois vê nela “soluço”, ou um tipo de poesia “sentimental” e extremamente linear. Não consegue enxergar, em outros gêneros textuais, elementos advindos do destaque da função poética nos slogans publicitários, nos jornais, no vídeo, no cinema, nos games informatizados, nos outdoors destinados ao público infantil, etc. Gêneros textuais relacionados à poesia concreta, e ditos pelos irmãos Campos e Décio Pignatari em Teoria da Poesia Concreta (1975), como poéticas utilitárias advindas desde a Revolução Industrial e dos postulados Marshall McLuhan como um objeto de consumo. Modalidades discursivas próprias do nosso século, como aponta Ítalo Calvino (1998) em Seis Propostas para o Próximo Milênio, quanto à velocidade e a concisão informacional derivada da era tecnológica. Sinais de um tempo cujo ritmo nos aponta cada vez mais para a digitalização dos meios, enquanto mass media, que estabelece intersemioses com outras áreas. Neste momento, assim como na vida adulta, não há necessidade de se trabalhar a espacialidade fixa presente nos sonetos, por exemplo, e que são sempre dadas, em sala, com ênfase na função emotiva. Uma das marcas da poética concreta é justamente a utilização do verso livre no espaço da folha em branco, do aspecto gráfico da palavra, da iconização da imagem, do som, como vemos na música do compositor e cantor Arnaldo Antunes que, embora adulto, poetiza a infância perfazendo um casamento entre os códigos utilizando a mídia televisiva na apresentação clipe-poema musical, no qual a letra da música aparece em compasso nasalizante da palavra MÃO, conjuntamente à imagem das crianças lavando as mãos, no mesmo ritmo do bater das mãos. Texto que é ao mesmo tempo educativo e poético, com ênfase na função poética: 131 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina LAVA UMA LAVA A OUTRA MÃO A montagem também é um dos procedimentos das poéticas contemporâneas derivadas do cinema. Uma prática, enquanto método utilizado pelos concretos, no qual se faz uso de tomadas em primeiro e segundo plano, dispondo os fragmentos textuais com direções graficamente diversificadas. Na sequência das ações justapostas constrói-se a imagem, geralmente, uma metonímia metaforizada pelo poeta. O que tem tudo a ver com a infância, com a montagem existente nos gibis, nos vídeos infantis que as crianças curtem tanto – às vezes, até mais que os livros o que acaba por gerar uma competição desnecessária entre as mídias, pois não se trabalha as produções textuais e as leituras com a perspectiva da montagem. Observe a sequência do poema sem título, de Hugo Mund Jr (apud Menezes, 1998: p. 84). O esconde, esconde da letra “a” possibilita leituras nas quais a criança vê analogicamente, a princípio a ponta de um signo qualquer, depois a tromba de um elefante, até chegar finalmente a letra “a”, um poema-brinquedo metalinguístico: Os haikais são também um exemplo de poéticas que se utilizam da montagem muito antes de se sonhar com a existência do cinema. Cada verso é uma tomada, um recorte de câmara, uma condensação do olhar. Na esteira do oriente, os poetas concretos encontraram repouso e pousada nas “sendas ideogramáticas” para criar, recriar e traduzir poéticas. Esse recorte pode ser observado no aspecto gráfico que, à moda dos concretos, apresentam tomadas em três tempos ou em três versos como fazem os haikaistas que, na maioria das vezes, tratam de um evento que acontece (o 132 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina salto da rã); depois, da mudança de estado do objeto percepcionado pelo haikaista (o som da água); e, por fim, a terceira linha do verso que representa o resultado dos estados anteriores, que, para os orientais, nada mais é do que o estado de equilíbrio estético. O nousense da releitura do clássico haikai de Matsuó Bashô, feito por Haroldo de Campos e Décio Pignatari (apud Leminski, s/d: 46) esta na palavra que, efetivamente, “tomba” na água criando o efeito do movimento do corpo poético; e, a segunda, que iconiza gráfica e metaliguísticamente o mergulho da rã ao inserí-la dentro da própria palavra, uma simbiose na horizontal entre o vocábulo mergulho e a água, além da reverberação sonora, desse mergulho, com a repetição do anagrama-paronomásico da palavra “água” derivado do espelhamento aglutinado de “águágua”: Já no poema a seguir de Issa, um dos seguidores de Matsuó Bashô, traduzido por Paulo Leminski (s/d: p. 38) é exemplo de método não só da montagem, como também do efeito de linguagem denominado pelos japoneses de: “Kake-kotoba” ou “palavra pendurada”. Esse mesmo efeito é observado nas poéticas concretas, na medida em que possibilita movimento corpóreo, além do cinematográfico. A iconização da cena toda ou de sua metaforização se dá não só pela espacialidade gráfica trabalhada por planos, como também, pela recorrência de advérbios de intensidade e, depois de lugar. Utilizados numa equivalência isomórfica de “poucas pessoas” com “poucas folhas”, isoladas graficamente pelos advérbios de lugar. Pessoas e folhas condensam o mesmo olhar: poucas pessoas as folhas são poucas aqui uma ali outras 133 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Outro aspecto que não podemos deixar de tratar é quanto ao mito semioticista que, muitas vezes, impossibilita tanto o professor quanto o aluno de alçar voos devido às segmentações e classificações barrocas que, geralmente causam estranhamento. A começar pela veia mestra perceana (1995; 1990; 1987; 1980) que compreende a arte dentro de uma lógica tricotômica: signo-objeto-interpretante, mas cuja ênfase esta para iconização de qualquer objeto. Concepção essa, que está em consonância com a estética concreta, uma vez que para eles a única maneira de se comunicar diretamente uma ideia é por meio de um ícone. Uma imagem, diz o dito popular, vale mais do que mil palavras. Então, o quê o ícone afinal? Ou como podemos verificar a abordagem dos poetas concretos nos textos da infância? Comecemos pela concepção de signo que grosso modo deve representar alguma coisa, chamada de objeto a uma mente interpretadora. Os signos se corporificam, ganham carne ou vida quando vestem uma palavra verbalmente ou não verbalmente, assim podemos dizer que, para que signo seja icônico é preciso que algum objeto emane uma materialidade icônica; se for um índice o signo será um pequeno fragmento extraído do objeto; e, finalmente, se for um símbolo pode-se dizer que seja uma convenção, uma lei diante do objeto. Temos assim uma tríade que se autogera como um DNA comunicacional. Os poetas concretos afinadíssimos com as possibilidades advindas das teorias semioticistas verificam que a arte se concretiza de modo icônico, mas não de uma forma chapada como nas correspondências diádicas do tipo denotação/conotação. Eles observam que as segmentações são importantes, pois possibilitam leituras várias de um mesmo objeto dentro da concepção das tríades de Peirce. Logo, o ícone por ser a musa eleita dos poetas e artistas apresenta-se como um prisma mallarmaico, isto é, ele sai de uma escala derivada de uma idealização, de uma pureza icônica quase imponderável advinda de processos abdutivos, isto é, dos insights que somente os poetas e cientistas compreendem; passa pelo “ícone atual”, isto é, pela reação diádica da percepção de uma qualidade externa de algum objeto, um quase-objeto icônico, para, finalmente chegar ao campo das representações iconizadas (verbalizadas ou não pela palavra, pela pintura, pelas mídias visuais etc) como um hipoícone. Observe o fragmento do esquema proposto por Décio Pignatari (1987: p. 48), em Semiótica & Literatura utilizado para elucidar, com muita propriedade, essa gradação que vai do ícone ao hipoícone. 134 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Um hipoícone (Pignatari, 1987; Peirce, 1990; Santaella, 1995) é um signo icônico, denominado assim por representar seu objeto por similaridade, como um substituto, como uma virtualidade, geralmente poética, pois se circunscreve no espaço do verossímil. Dentro dele temos: a primeiridade como a imagem propriamente dita; a secundidade, com os diagramas que estabelecem relações de analogia por similaridade, semelhanças com a forma; e, a terceiridade, com as metáforas que se associam às imagens amplamente covencionalizadas, pois é quase um símbolo icônico. Mas é preciso cuidado, pois os ícones não são só imagens: fotos, quadros, desenhos como quer o senso comum. Um hipoícone pode ser uma cor, um som, um traço, uma letra: uma qualidade qualquer que pode estabelecer infinitas analogias triádicas com o objeto captado. Essa segmentação pode parecer um “bicho de sete cabeças”, mas ela auxilia e, muito, não só na produção poética como na recepção estética de qualquer objeto artístico. Na poética concreta opera-se uma correspondência simultânea de semelhanças (por isso icônica) entre a palavra, o som e a imagem, criando assim, uma “linguagem-coisa” ou uma “carnadura concreta”, como afirmam Maria José Palo e Maria Rosa Duarte (2006) em Literatura infantil: voz de criança ao se referir à função poética que estabelece a projeção do eixo de similaridade sobre o de contiguidade, na qual a linguagem assume a dominante poética em detrimento às outras funções de linguagem, justamente por iconizar a mensagem. Observe a imagem abaixo, embora tenha sido recolhida de gênero infantil, da obra de Marcelo Cibis (2009): Se um gato for... apresenta uma correspondência direta com as poéticas concretas, uma vez que hipoiconiza o signo: 135 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Na sequência das imagens poéticas temos uma narrativa que não necessita de arroubos verbalizantes advindos de uma lógica subordinativa do narrar, ela vem condensada numa justaposição de recortes fílmicos. Nela, os códigos verbais e não verbais perfazem uma fusão de formas, feita em uma fabrica-brinquedo. O gato desde o início do livro é apresentado como uma hipótese advinda tanto do condicional SE, quanto da recriação imagética de um mundo possível, que só pode existir na poética. O gato é constantemente fundido por códigos, como no fragmento acima, no qual o código verbal surge a partir dos respectivos adjetivos “amarelo, azul e verde”; e do código não verbal com as cores que se alternam em “cor-sim-cor-não”. No desenrolar narrativo-imagético possibilitado pelas reticências e pela mudança de página, o gato sai misturado pelas cores, todo verde. Aqui temos há uma hibridização icônica tanto das cores, quanto da palavra que contém um quase anagrama derivativo de verde: esVERDEar. Um esverdear mágico, surpreendente ocasionado pelo uso da exclamação e das linhas desenhadas próximas à cabeça do gato que abrilhantam sua imagem: um gato novinho, transmutado pelos códigos, pelas cores, pelas formas. Um gato que pode, ainda, suscitar diagramas analógicos com as cores da bandeira brasileira (azul, verde e amarelo), e, consequentemente com uma crítica velada, uma vez que nasce da ambiguidade discursiva com o condicional SE. O gato pode ser um hipoícone-metáfora, ritualizado como símbolo fraudulento, para os adultos, como pode ser um simples gato mágico colorido advindo do reino das águas claras, para as crianças. Um gato mallarmaico, derivado de uma escolha probabilística diante de tantos 136 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina SEs, um reflexo da era industrial, digitalizado. Um gato desmontável e miscigenado por culturas/cores de algum pintor que segmenta signos, ou, ainda, um gato haikaista, que carrega em si um ideograma-gato, enfim um gato que pode criar semioses infinitas a partir de leitura. Conclusão... O método de leitura/recepção e produção advindos das poéticas concretas possibilita à criança a compreensão da função poética e da dominância do signo icônico, que, ao contrário de uma linha “autoritária/utilitária” que utiliza produções infantis como pré-texto para inserção no mundo grafo, colocando-a em uma lógica moldada para um fim, não priorizando o aprendizado estético do signo. O método concretista coaduna com a infância, pois “rejeita a poesia discursiva, o jogo oratório de conceitos, o poema narrativo, com ordem sintática semelhante ao discurso lógico” (Campos, 1994: p. 100), seu princípio ordenador, ou sua lógica está muito mais próxima daquilo que as teorias perceanas afirmam quanto ao raciocínio pré-lógico, analógico, próprio dos processos abdutivos, que são, por natureza, poéticos. De outro modo, a criança, ao inserir-se neste espaço, descobre que pode estabelecer intercâmbios sensórios, lúdicos e estéticos com o mundo que a cerca, pois aprende a iconizar verbovocovisualmente o espaço gráfico do poema. Espaço que, muitas vezes, evoca ou alude ritmos/cadências criados na página numa relação espaço-tempo imagéticacorporal, uma vez que carrega em si o movimento, o gesto do corpo da palavra e/ou pictórico-ideogramático, enquanto palavra-objeto. Referêncais BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. BONINI, Estela. Haikai para Van Gogh. São Paulo: Aliança Cultural Brasil-Japão, 1995. CALVINO, Ítalo. Seis Propostas para o Próximo Milênio. São Paulo: Cia das Letras, 1998. CAMPOS, Augusto. Poesia, antipoesia, antropofagia. São Paulo: Cortez & Moraes, 1978. CAMPOS, Haroldo. Arte no Horizonte do Provável. São Paulo: Perspectiva, 1977. ______________. Ideograma, lógica, poesia, linguagem. 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SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A POTÊNCIA LÚDICA DO POEMA: UMA VIVÊNCIA DA POESIA CONTEMPORÂNEA Marcos Marsuwell Ferreira Garcia (UFSC) Um blefe no Acaso? “Um lance de dados jamais abolirá o acaso” esse é o mote marcante do grande poema de Stéphane Mallarmé Un Coup de Dés, referência para a chamada poesia de vanguarda, um poema libertador em uma jogada poética genial, enigma que inspirou escritores e poetas-engenheiros, entre eles Joyce, Pound, Cummings, Valéry, Leminski, Pignatari, os irmãos Campos e muitos outros. O poema, ao mesmo tempo, rompe a estrutura espacial e abre o espaço em branco da página, criando um tipo de móbile sonoro baseado em uma proposta formal e conceitual, que marca todo um ciclo de séculos literários e lança os dados de uma nova arte. Muitos escritores já elaboraram estudos sobre o poema de Mallarmé, o poeta inventava um novo processo de organização poética, esse processo serial passou a ser exprimido pela palavra Estrutura, com noções gestaltianas, como, o todo é mais que a soma das partes, ou de que todo é algo mais qualitativamente diverso de cada componente, métodos da Gestalt, postos em prática no campo das artes. Augusto de Campos afirma ser este poema, o limiar da nova poesia, em seus dois artigos publicados em 1955, sob os títulos de “Poesia, 139 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Estrutura” e “Poema, ideograma”. O primeiro, ele dedica a análise do poema, esse processo é exprimido pela palavra estrutura. O segundo é dedicado ao novo conceito de composição, uma ciência de arquétipos e estruturas, um novo conceito de formas, chama-ás de Organoformas, onde noções tradicionais como início, meio e fim, silogismo, tendem a desaparecer diante da idéia poético-gestaltiana, poético-musical, poéticoideogrâmica de Estrutura. Em “Poesia, Estrutura” artigo publicado originalmente no Diário de São Paulo de 1955, Augusto de Campos indica, Mallarmé estava consciente de sua descoberta, essa idéia de estrutura, implícita no poema, exigia uma espécie de tipografia funcional, o emprego de tipos diversos, a posição das linhas tipográficas das páginas, os brancos, o uso especial da página. De Campos em sua tridução em conjunto com seu irmão Haroldo e Pignatari, intitulada “Mallarmé” realizada em 1986, faz uma detalhada tradução de Un Coup de Dés, e escreve sobre o poema, Talvez (PEUT-ÊTRE): É a palavra-chave do poema. Em meu artigo de 1958 sobre Coup de Dés, escrevi: “A contradição dialética entre a afirmação axial de que UM LANCE DE DADOS JAMAIS ABOLIRÁ O ACASO e o surgimento presumível da onstelação que elvolve o próprio poema como forma nova e, portanto, disciplina controladora do acaso, já foi apontada por Maurice Blanchot. É esta contradição crítica que fecunda o poema e recoloca os termos do problema... E continua. ... a obra constelação, evento humano, experiência viva e vivificante, sempre a ponto de se recriar – véspera de um novo lance” (de CAMPOS, 1986, p. 140) É notável que Um Lance de Dados seja o divisor de águas da poesia, por isso, é a partir deste poema como referência que se buscou refletir as indagações, O que é o contemporâneo na poesia? E A poesia e o acontecimento. Título da disciplina ministrada pela Professora Drª. Susana Scramim, realizada no primeiro semestre de 2009, na pós-graduação em literatura da UFSC, para margear este caminho foi necessário nessa proposta de leitura lembrar as similitudes de três trabalhos poéticos, o revolucionário Lance de dados de Mallarmé, a exposição Jogos de dados de Geraldo de Barros e o poema “geraldo” de Augusto de Campos, este último pode ser encontrado na coleção dirigida por Haroldo de Campos nomeada despoesia no capítulo chamado profilogramas, página 83, 140 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Augusto de Campos nasceu na cidade de São Paulo no dia 14 de fevereiro de 1931, poeta, tradutor, ensaísta e crítico de literatura e música, estreou seu primeiro livro em 1951 O Rei menos o Reino, em 1952 junto com seu irmão Haroldo e Décio Pignatari, lançou a revista literária Noigandres a palavra noigandres segundo Augusto de Campos, significa “antídoto contra o tédio” denominando também o Grupo Noigandres que lançou o movimento da poesia concreta no Brasil. Era projeto dos concretos assimilar a produção poética das vanguardas européias e dar o salto qualitativo que implicaria a desconstrução da idéia de lógica espacial ou visual e a criação de um poema-objeto referenciador de sua própria estrutura dinâmica, conceito de “metacomunicação” expresso na teoria da Poesia Concreta. O verso e a sintaxe convencionais eram abandonados e as palavras eram redesenhadas, rearranjadas e repintadas em estruturas gráfico-espaciais, era a poesia com projeto. Augusto de Campos como tradutor de poesia se especializou em recriar obras de autores de vanguarda como Pound, Joyce, Maiakóvski e especialmente Mallarmé entre outros. Através das referências do poema de Mallarmé, que Augusto traduzia, se arrisca uma primeira leitura em busca de um acontecimento do poema “geraldo”, mas antes de qualquer leitura ou podemos dizer lançamento, já que o poema tem a forma de um dado, é fundamental também trazer para discussão, a exposição feita em 1986 em Veneza, intitulada Jogos de Dados do artista Geraldo de Barros, ambos os artista trabalharam com a estrutura gráfica do poema no espaço e usaram para apresentar suas idéias, não por acaso o formato do objeto dado. Observe. “Geraldo” (1986) GERALDO SQCRIAQUA UESÃSEQUADR OQUASEADOSQUE CUBOSDEUSÃOQUAS MJOGODELOSANG E D A D OS Q U E S Ã OSOQUASEH EXÁGONO 141 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina QUESÃOQ SEUASECUB JOGOOSQUESÃ DEDADOOQUASEH SDOSQUADEXÁGONO R OO S D O G S Q U E S Ã O ERALQUASELO DOSANGOSQ UESÃO (Augusto de Campos) Fotos de alguns dos quadros da exposição “jogos de dados”) Geraldo de Barros Mallarmé inaugurou uma nova dimensão do poema no espaço da folha, empregou tipos e tamanhos diversos, valorizou os espaços em branco da página, deu mais fluidez as linhas tipográficas, posicionou-ás de forma mais livre na página, desenvolvendo o “poema-estrutura”. Como Haroldo de Campos observa a importância revolucionária de Coup de Dês na evolução da poesia. 142 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina [...] Mallarmé começa por denunciar a falácia e as limitações da linguagem discursiva para anunciar, no Lance de Dados, um novo campo de relações e possibilidades do uso da linguagem, para o qual convergem a experiência da música e da pintura e os modernos meios de comunicação, do ‘mosaico do jornal’ ao cinema e às técnicas publicitárias. [...] Mallarmé, ao mesmo tempo que encerra um capítulo, abre ou entreabre toda uma era para a poesia, acenando com inéditos critérios estruturais e sugerindo a superação do próprio livro como suporte instrumental do poema. (De Campos, H. 2002, pp. 26-27) Mallarmé e Geraldo de Barros influenciavam o trabalho de Augusto de Campos, em 1986, o artista Geraldo de Barros, nasceu em Xavantes em 1923, foi artista plástico, fotógrafo e designer gráfico e de produtos, buscava uma arte: despojada e livre do subjetivismo, queria incorporar as linguagens do designer e da fotografia a sua arte, fundou o Grupo Ruptura de artista do movimento de arte concreta, chamava seus trabalhos de Fotoformas, pois os identificava como uma forma de gravura, e criava realizando intervenções visuais nas fotos, abusando das duplas exposições. De Barros lançou em 1986 a coleção jogos de dados na Bienal de Veneza, apresentou esta mesma coleção em São Paulo no ano seguinte (1987), a coleção foi doada pelo próprio autor à Unicamp atual proprietária da obra. No mesmo ano da exposição de Geraldo de Barros (1986) em Veneza é a composição do poema “geraldo”(1986) e do livro o anticrítico (1986) de Augusto de Campos. Existe então uma data que entrelaça as obras, 1986, coincidindo com o segundo ataque de isquemia sofrido por Geraldo de Barros. A partir dessa verificação de correlações entre as obras apresentadas: mesma época, variações sobre um mesmo tema, relacionamento entre os autores e, sobretudo, a forma de se pensar e fazer poesia baseado nas idéias concretistas, criam margem para análise do poema “geraldo”. Sem dúvida a obra de Mallarmé Coup de Dés é referência onde os artistas concretos de Barros e de Campos encontram espaços para suas criações, entrelaçando-as, possibilitando seus encontros, seus acontecimentos. “Geraldo cria quase quadrados, que são quase losangos, que são quase hexágonos, que são quase cubos, de um jogo de dados, que são quase hexágonos que são quase losangos que são...”, no poema “geraldo” a estrutura ou desenho formado pelas letras, é exatamente igual a dois quadros de Geraldo de Barros, em branco e preto, no formato de um dado 143 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina ou cubo, lançados na exposição “jogos de dados”, fica evidenciada a semelhança entre as obras, é quase uma forma de relançar o dado da exposição de Geraldo, mas com a arte da escrita, os espaços geométricos em branco e preto são destacados pela tonalidade das letras, a exposição apresentada em Veneza destaca a tridimensionalidade do cubo, e essa forma é mantida no poema, com riqueza de detalhes. Para aumentar as possibilidades de avaliação do poema em questão, pedi para que alguns amigos lessem o poema que eu estava trabalhando, cada amigo leu de forma diferente, como que inaugurando uma nova jogada de dados, essa foi a primeira observação do poema em jogo, sobre o jogo Walter Benjamim escreveu, “Pois é o jogo, e nada mais, que dá à luz todo hàbito. Comer, dormir, vestir-se, lavar-se devem ser inculcadosno pequeno irrequieto através de brincadeiras, que são acompanhadas pelo ritmo de versinhos. Todo hábitoentra na vida como brincadeira, e mesmo em suas formas mais enrijecidas sobrevive um restinho de jogoaté o final. Formas petrificadas e irreconhecíveis de nossa primeira felicidade, de nosso primeiro terror,eis os hábitos. E mesmo o pedante mais insípido brinca, sem saber, de maneira pueril, não infantil,brinca ao máximo quando ele é pedante ao máximo. Apenas ele não se lembrará de suas brincadeiras;para ele somente uma obra como esta permaneceria muda. Mas quando um moderno poeta diz que paracada homem existe uma imagem em cuja comtemplação o mundo inteiro desaparece, paraquantas pessoas essa imagem não se levanta de uma velha caixa de brinquedos?(Benjamim, 1984, pag. 75) Como jogo ou brincadeira, o “dado” transita entre as obras de Mallarmé, Augusto de Campos e Geraldo de Barros, não cessa de rodar, seu trânsito garante seu lançamento, no poema “geraldo” se encontra exatamente as mesmas formas geométricas dos cubos de de Barros, se juntar as imagens em folhas diferentes sobrepondo-ás ou em fotografias do “dado” rolando, em “frames” diferentes, se pode sugerir um quadrado, um hexágono, um losango um cubo, um dado em movimento, o cubo rodando, no intervalo entre o lançamento e o resultado, desenvolvendo uma espécie de “entre-lugar”, por excelência inacabado, lugar de trânsito do dado, sobre a noção de trânsito Mario Perniola esclarece um pouco e destaca o que isso tem a ver com o tempo. 144 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina “Assim a noção de ‘trânsito’ parece-me estar estritamente ligada com essa experiência de simultaneidade, de disponibilidade e de dilatação do presente, que caracteriza a vida contemporânea.” (Perniola, 2000, pag. 24) No caso da exposição, os cubos e dados de Geraldo de Barros, são fotografados em diferentes ângulos, esse deslocamento geométrico também cria um movimento de trânsito, produzido pelo olhar tridimensional do artista, essa tridimensionalidade é usada por de Campos na criação do poema possibilitando múltiplas leituras, leitura vertical, horizontal e diagonal, Perniola também dá uma contribuição valiosa para esse desdobramento quando escreve, “O trânsito diverge dessas duas direções opostas não só porque, mantém um caráter essencialmente dinâmico e itinerante, mas também porque implica um deslizamento para a dimensão espacial, para a experiência do deslocamento, da transferência, da descentralização. (Perniola, 2000, pag. 25) Augusto de Campos cria uma poesia visual e enigmática, por forçar o leitor a forçar a visão, a olhar o detalhe, buscar a compreensão, a dificuldade na primeira leitura, incentiva o prazer da descoberta do enigma no poema, a valorização da palavra em si, do som, da forma visual, da carga semântica das funções-relações, os cubos já não são mais cubos nem losangos nem hexágonos, são todas as formas, enquanto o dado se movimenta, é como se o poeta Augusto de Campos estivesse jogando (poéticamente) os dados dos quadros de Geraldo de Barros em um tabuleiro mallarmeano, e nos dando essa possibilidade, da mesma forma que o poema é carregado de potência, suas leituras ou podemos dizer suas jogadas também são. É necessário para leitura desse poema, respeitar alguns princípios que orientaram o autor, uma vez que Augusto de Campos descreveu no livro feito em parceria com seu irmão Haroldo e Décio Pignatari no capítulo intitulado Mallarmé o poeta em greve assinado pelo próprio Augusto em que mostra os conceitos que orientaram a concepção da nova forma de fazer poemas, o lema era incorporar as inovações: as subdivisões prismáticas mallarmeanas, as conquistas formais e o método ideogrâmico de Pound, a simultaneidade de Joyce, e a mímica verbal de Cummings, criando assim as bases para sua poesia. Como ele mesmo descreve Coup de Dês não era a abolição do acaso, mas a sua incorporação, como termo ativo 145 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina ao processo criativo. Para traduzir Coup de Dês Haroldo de Campos fez uma “operação de leitura” no sentido mallarmeano da expressão: dobragem, dobra, dobro, duplo, duplicação, dação em dois, doação, dados. Como dobrar o poema “geraldo”? Como lançá-lo? Para tanto foi necessário conhecer sua estrutura, reproduzir sua fórmula matemática, uma equação geométrica de letras fiel a estrutura do modelo inicial, proposto por Augusto, para através desse conhecimento e experiência, garantir o direito á novos lançamentos, não como fábrica de literatura aleatória, nem como método científico, mas para manter o jogo, a brincadeira, o caráter lúdico, no ato da leitura e da escrita. E é ai que os princípios do OULIPO, grupo fundado em 1960 num colóquio de Cerisy La Salle dedicado ao escritor Raymond Queneau, o OUvroir de LIttérature POtentielle, tinha como objetivo, através de um caráter lúdico e humorístico, inventar e reinventar regras do tipo formal que pudessem ser propostas a amadores desejosos de produzir textos, revigorando técnicas da antiga retórica, o grupo era capaz de romper com a crença na inspiração, no gênio e no subconsciente, como motores da criação, queriam principalmente encontrar estruturas inéditas e promover pesquisas sobre as potencialidades da linguagem, estabelecendo relações entre matemática e literatura. Essa proposta oulipiana pode ser de grande auxílio, no caso do poema (aqui escolhido), não para tentar prever o resultado e assim poder controlá-lo, mas para garantir o direito a jogá-lo de novo, a relançar, a repetir, como toda criança faz quando acaba uma brincadeira que gosta, ela pedi para fazer de novo, para repetir, para replicar, para multiplicar, para dobrar, para se lançar de novo. Com licença poética, foi feito no exemplo abaixo, uma tentativa de relançamento do poema “dado”. A partir do exemplo de estrutura utilizado na construção do poema “geraldo”, foi feito outro dado, tentativa de multiplicação, de desdobramento, de releitura, de acontecimento, de trânsito, de transformação do “dado”, as informações recebidas, são relidas, são rearranjadas, recolocadas, refeitas e agregadas a novas informações, no caso do poema abaixo o que se salienta é a potência existente na experiência produtora de conhecimento. 146 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina “augusto” SEQUADR OSOSSÃOOS QUASQUASECU EDÁDOSBOSQUES DOSQUASEÂOOSQUA QUADRADOSDSELOSAN OSJOGOSDGOSQUES OGERALAOQUASE DOSÃQUADRAD OSOSDOSDA OSDOAUG Os poemas “geraldo” ou “augusto” são feitos com efeitos de computador, mas qualquer pessoa que tiver uma forma de escrever poderá refazê-los ou melhor lançá-los, as regras para começar são iguais as do poema original, o formato é de um cubo, para chegar à essa forma geométrica é necessário seguir uma pequena regra: usar dois tons distintos, um claro um escuro, para obter o resultado espacial da tridimensionalidade do cubo, a primeira linha possui sete(7) letras em tons escuros, a segunda linha nove (9) letras, duas (2) em tons claros e sete(7) em tons escuros, na terceira linha onze(11) letras, quatro(4) em tons claros e sete(7) em tons escuros assim por diante, até chegar ao número de quinze(15) letras numa linha, oito(8) claras e sete(7) escuras, depois começa a diminuir gradativamente, até chegar a sete letras escuras, enfim, para cada linha, aumenta duas(2) letras na coluna, as letras em tons claros substituem o lugar das de tons escuros, enquanto essas vão se locomovendo para frente, uma coluna de cada vez, depois voltando a coluna de origem, essa movimentação de letras que vão se deslocando, criam a figura geométrica que da forma ao dado ou cubo. Essa fórmula pode ser usada para fazer dados de tamanhos grandes, sendo para isso necessário continuar aumentando o número de letras, ou desenvolver outras formas geométricas para poemas-dados. Jogar o dado não é controlar seu resultado. Como ter o controle para ganhar na roleta? Transformar o acaso em “fracaso”, ou como diria Marcel Duchamp Échecs, Duchamp quer forçar a roleta a se tornar um jogo de xadrez. Ler o poema não se trata, entretanto de fazer projetos sobre o acaso, mesmo sendo um tema á se debruçar, mas alêm mar, olhar o poema na sua potência lúdica, como totalidade diria Huizinga, assim se classifica como pertencente da categoria alea jogos de sorte e azar sugerida por 147 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Bataille, mas também pode ser classificada na categoria mimicry por conter ilusão e gesto, é preciso lançar, dar ao poema novos lances, novos olhares, dobrá-lo, profaná-lo diria Agambem, essa é uma indagação, como colocá-lo em uso na contemporaneidade? Observar o potencial lúdico do poema em questão é criar novas possibilidades para utilização do mesmo, ou de sua técnica de composição, e é notável que possa também ser reutilizada essa técnica nas práticas pedagógicas atuais, do professor ao lidar com poemas em sala de aula, para incentivar o prazer da leitura, através das características lúdicas do poema, o trânsito é sem dúvida uma dessas características, pois os dados ainda não pararam, estão em movimento, o tempo corre sobre os olhares concentrados na leitura, necessitando para o lançamento energia vital e entrega, mas o jogo não acaba não cessa de rodar, é inacabado, pronto para novos lances, pronto para ser dobrado. Redobrar ou brincar com o poema é criar uma prática fluida, que promove a ponte entre a realidade e a ficção e rompe as fronteiras do gênero da crítica e da própria ficção. Lançar os dados ou reler o poema é também se arriscar em um desconhecido, é ultrapassar os limites da literatura, é também ser lançado à deriva em um presente, em um vir-áser, como salientava a Professora Susana Scramim em suas aulas. A tradição moderna com suas rupturas revelou-se incapaz de elaborar um pensamento para o presente, bem como para a literatura do presente. “a literatura do presente que envolve uma noção muito maior do que a noção de contemporâneo é aquela que assume o risco inclusive de deixar de ser literatura, ou ainda de um fazer com que a literatura se coloque num outro lugar, num lugar de passagem entre os discursos, entre os lugares originais da poesia, e que não devem ser confundidos com o espaço, com a circunscrição de um territótio para a literatura. Escrever literatura do presente hoje tem a função de coincidir duas coisas que a modernidade esgotou á muito: a possibilidade do conhecimento e da experiência”. (SCRAMIM, 2007, p. 16). A partir da possibilidade do conhecimento e da experiência essa leitura se propõe a uma movimentação, um redobramento do poema, para pensar também o que é o contemporâneo na poesia, e o acontecimento dessa poesia no contemporâneo, desenvolvidos aqui através do lúdico no poema de Augusto de Campos, através de suas características lúdicas e as possibilidades que ela potencializa. Adotar a literatura nesse caso como experiência lúdica. É abrir para a poesia espaços novos, livres das fronteiras literárias, como diria o próprio Augusto de Campos a poesia no 148 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina contemporâneo é feita por artista que não se dizem ser poetas como se pode citar John Cage. Que não tem nada a dizer, mas diz, isto é poesia. É jogo e é também um novo “lance” poético. Referências SCRAMIM, Susana. Literatura do Presente história e anacronismo dos Textos, Chapecó, Argos, 2007. AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. 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E quando a palavra falada quer atingir longe, no grito, no apelo e na declamação, ela se aproxima caracteristicamente do canto e vai deixando aos poucos de ser instrumento oral para se tornar instrumento musical (ANDRADE, 1965, p. 43). Ao comentar sobre a articulação singular da voz humana, o poeta e pesquisador Mário de Andrade fornece uma perspectiva que pode ser reveladora para pensarmos no movimento que a palavra proferida realiza ao tornar-se canto. Como se para atingir a eficácia total de sua comunicação, ela redimensionasse seu alcance oral ao ganhar um status cada vez mais musical (como, por exemplo, o aboio dos vaqueiros ou a lamúria das carpideiras), e se potencializasse em palavra cantada. Um caminho inicial que devemos considerar em relação ao estudo da palavra poética na canção é a perspectiva intersemiótica que toma toda forma de manifestação artística como um tipo específico de sistema de linguagem. Segundo Susanne Langer (apud Oliveira, 2002, p. 29), a especificidade de cada arte não resulta das técnicas e dos meios materiais empregados por elas, mas de algo que denomina de aparição primária, ou seja, de uma dimensão particular e ilusória da experiência humana capaz de criar outra imagem da realidade. No caso da criação musical, sua aparição primária seria a constituição artística de um tempo virtual determinado por formas sonoras em movimento, com organização, volume e partes distintas. 54 André Rocha L. Haudenschild é músico, compositor e tem gravado diversos CDs desde 1994. Atualmente realiza mestrado em Teoria Literária pela UFSC/Universidade Federal de Santa Catarina, exercendo pesquisa sobre a obra de Antonio Carlos Jobim. 151 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Nesse sentido, Langer ainda acrescenta ao conceito de aparição primária um princípio geral subjacente às equivalências estruturais entre as manifestações artísticas: a assimilação obrigatória de uma arte pela outra quando combinadas na mesma obra, isto é, em um espetáculo coreográfico, por exemplo, a dança absorveria a música, assim como, na criação de uma canção, a música absorveria a poesia tornando-a secundária. Assim, passaria a existir um princípio de assimilação que determina que, se em uma obra são introduzidos materiais heterogêneos (como as palavras em uma melodia, por exemplo), estas últimas seriam assimiladas ao material musical, deixando de ser poesia para se transformar em música. Esse conceito intersemiótico semeia uma polêmica fecunda para pensarmos que a especificidade singular da canção enquanto criação artística é a fusão total entre poesia e melodia, e que, ao invés de concordarmos com o pensamento de Langer sobre a absorção de uma arte sobre a outra, quando combinadas simultaneamente, poderíamos pensar que nenhuma delas, nem a música, nem a poesia, exercem uma função principal ou secundária nesta relação intersemiótica na constituição das canções. Conforme nos aponta Tereza Virgínia de Almeida, ao comentar sobre a especificidade do texto na canção: [...] creio haver a demanda por uma tipologia das canções que se dedique a perceber elementos como o maior ou o menor grau de opacidade das letras, o desafio que a canção impõe às fronteiras entre prosa e poesia, sua inscrição na linguagem cotidiana, como a própria forma como a letra de canção emerge como gênero híbrido quando confrontada com as usuais definições no âmbito literário (ALMEIDA, 2008, p. 319). Ou seja, é necessário considerarmos que há uma complexa relação de complementaridade e de hibridismo entre as artes quando se associam. No caso específico da canção, a música e a poesia partilham do mesmo material básico, o som, sendo que ambas têm a constituição de um tempo virtual como suas aparições primárias. 152 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Figura 1 – Partitura medieval O pesquisador e poeta Paul Zumthor, em seu renomado estudo Introdução à poesia oral, realiza um minucioso percurso dos modos perceptivos da oralidade poética e elabora um inventário das relações entre a voz, sua gestualidade e a poesia oral, desenvolvendo a noção de movência do texto oral, com ênfase na transmissão da força energética e teatral daquilo que nomeia como performance da voz. Isto é, sua concepção perante a oralidade poética nos ensina que já há na palavra poética uma essência musical latente, pois esta é constituída da união de texto, melodia e energia enquanto forma sonora ativamente reunidos em performance, concorrendo para a unicidade de um sentido (Zumthor, 1997, p. 195). Uma preocupação desse pesquisador, em A letra e a voz, é o modo como ele dá importância para as relações intersemióticas dos níveis sonoros, gráfico e visual no estudo da poesia medieval, cujo texto se apresenta como produção do corpo, do gesto, da voz, canalizando a teatralidade de antigas culturas. Outros pensadores, como Lawrence Kramer, afirmam que a força de um poema quando aliado à música e transformado em canção, repousa em sua própria ininteligibilidade: [...] A imaginação do poeta é inicialmente despertada pelo impulso de inserir suas próprias palavras na fenda linguística encontrada na melodia. Uma vez inseridas, as palavras gradativamente se dissolvem como a própria canção, deixando o poeta mudo e transfigurado, usualmente numa postura de intensa audição (Kramer apud Oliveira, 2002, p. 31). Interessante notarmos que ao projetar as palavras poéticas em melodia, naquilo que o semiólogo Steven Paul Scher chama de melopoética (do grego: melos = canto + poética), o poeta transfigura e dissolve seu poema em uma nova entidade física, deixando seu corpo literalmente mergulhado na escuta epifânica da canção. Como se a esfera da 153 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina subjetividade da canção fosse um locus amoenus, um lugar aprazível capaz de diluir as palavras poéticas em forma de canto, e assim, dissolver a materialidade do poema em um processo que poderíamos talvez chamar de “encantamento”. Palavra encantada Se tomarmos esse termo como um atalho epistemológico, devemos olhar para sua etimologia latina (derivada do verbo incantare) que tem múltiplos valores semânticos, representando desde o ato de se deliciar emocionalmente com algo, até a ação de se transformar algo ou alguém em uma outra coisa. Ou seja, a poesia quando incorporada pela musicalidade latente de uma melodia (com altura, duração, intensidade e timbre), tornarse-ia, então, uma “palavra encantada”, conforme reflete Paul Zumthor, ao comentar sobre o processo de potencialização da palavra em canto: No uso comum da língua, o falado utiliza apenas uma pequena parte dos recursos da voz; nem a amplitude, nem a riqueza do seu timbre são linguisticamente pertinentes. [...] Mas eis que, por vezes, ela (a voz), sacode suas limitações (pronta para aceitar outras, positivas): então se eleva o canto, desabrochando as potencialidades da voz e, pela prioridade que ele concede a elas, desalienando a palavra (ZUMTHOR, 1997, p. 187). Assim, ao ser encantada pela potencialidade do canto, a voz se libertaria de suas limitações e exigências fisiológicas deixando desabrochar sua substância plena, cujo processo de transfiguração da palavra falada ao canto levaria a uma certa opacidade do texto em prol do triunfo da melodia sobre o discurso literário. Ao ser questionado sobre a relação de sua produção musical com a literária, Chico Buarque nos fornece uma pista bem instigante neste sentido: A melodia de certa forma adocica o que poderia haver de literatura em uma letra de música. Tanto é que escrevo livros sem música, quer dizer, é uma literatura desprovida de música, muito mais seca que a letra das canções que são escritas em função daquelas melodias (BUARQUE, 1998, p. 08). Ou seja, no processo criativo de uma canção, o canto suavizaria a palavra poética em oposição ao terreno árido da literatura em prosa? O lugar aprazível da esfera da subjetividade – a canção – versus o campo 154 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina árido do discurso literário? A reflexão buarquiana, além de gerar uma imagem metafórica da esfera culinária, pois a melodia adocica o texto literário (e que é bem pertinente à reflexão já mencionada de Kramer, ao afirmar que as palavras poéticas ao serem musicadas se “dissolvem” como a canção), pode nos reconduzir ao caminho investigativo de Zumthor: Desde seu jorrar inicial, a poesia aspira, como a um propósito ideal, a se depurar das limitações semânticas, a sair da linguagem, ao alcance de uma plenitude, onde tudo que não seja simples presença será abolido. A escrita reprime ou esconde essa aspiração. A poesia oral, ao contrário, acolhe seus fantasmas e tenta lhes dar forma [...] (ZUMTHOR, 1997, p. 169). Ora, se a palavra poética almeja purificar-se de suas limitações de sentido, naquilo que Zumthor denomina como uma forma de desalienação da palavra, a escrita literária seria então, o lugar e a forma de aprisionamento dessa intenção primordial. Ao passo que o canto seria a materialização redentora da palavra poética, ao ser convertida no entrelaçamento da linguagem com a melodia, com o timbre e com o ritmo, tornando-se palavra cantada. Vale lembrarmos que desde os primórdios da civilização, a intervenção ativa da voz humana, com sua complexa gestualidade, foi o que possibilitou e deu vida à música na linguagem verbal, e vice-versa: A voz funcionava musicalmente na realização e transmissão de todo discurso poético quando este não era ainda “literatura”, isto é, não vivia ainda sob o signo da letra: quando a produção e transmissão de arte verbal eram feitas exclusiva ou predominantemente por via áudio-oral. A poesia antiga e medieval foi toda mais ou menos cantada ou entoada: tanto a épica dos gregos e a dos romanceiros quanto a tragédia antiga e o teatro medieval; e sobretudo, naturalmente, o lirismo, a palavra lírica de cantos e canções (Matos, 2008, p. 83). E assim, repleta de sonoridades, imagens e ideias (respectivamente, a melopeia, a fanopeia e a logopeia, na terminologia de Erza Pound), a palavra poética dota-se de uma potência musical vital capaz de levar seus ouvintes e executantes a novos estados emocionais de encantamento. William Hazlitt chega a uma instigante definição sobre a criação poética: A impressão natural de qualquer acontecimento cujo estímulo provoca um movimento involuntário de imaginação e paixão, e produz uma certa modulação de voz ou de sons que a expressem (Hazlitt apud Lobo, 1987, p. 208). Deste modo, a palavra poética se originaria sempre que a articulação vocal humana passasse por um estímulo sensorial da paixão ou da 155 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina imaginação, e se dotasse naturalmente de uma entonação. Esta noção de gênese poética pode ser estendida aos primórdios da palavra cantada, conforme pondera Charles Darwin: [...] fui levado a concluir que os progenitores do homem provavelmente emitiam toadas musicais, antes que tivessem adquirido o poder da fala articulada; e que, por conseguinte, quando a voz é usada sob qualquer emoção forte, ela tende a assumir, mediante o princípio da associação, um caráter musical” (Darwin apud Matos, 2008, p. 87). Nas duas dimensões orais, poética e melopoética, podemos vislumbrar uma mesma trilha de acesso para entendermos o processo de transformação destas em canto: há uma consciência afetiva intrínseca à natureza humana que mobiliza nossa oralidade em musicalidade. Se entendermos essa consciência afetiva como aquilo que envolve todas as relações humanas consideradas espontâneas (a percepção, a imaginação e a reflexão), iremos contemplar os sentimentos e as emoções como formas específicas de relação entre as esferas da subjetividade e da objetividade (Sartre, 1936, p. 121). E é nesse sentido que devemos entender o processo de criação poético-musical como um processo semelhante à gestação, cujo parto da imaginação e da criatividade enquanto consciências afetivas dão luz às palavras, sejam elas dotadas de maiores ou de menores níveis de musicalidade. Porém, cabe aqui distinguirmos os diversos graus da emissão vocal, desde o falado, o recitado, o declamado, o entoado e o cantado. Ao comparar distintas tradições de poesia oral com os cantos litúrgicos medievais, Zumthor chega a admitir empiricamente a existência de três modalidades da palavra poética: o dito (a voz falada), o recitativo (chamado também de salmodiado; to chant em inglês) e o canto melódico propriamente dito (to sing em inglês), sendo que de um nível ao outro se produzem deslizamentos, pois cada tradição e sociedade fixa seus próprios pontos de suspensão. O que nos leva a pensar que em toda poesia oral pressupõem-se o canto, e que todo gênero poético oral é também gênero musical (Zumthor, 1997, p. 189). Deste modo, podemos entender que em toda poesia já existe uma protocanção que quer vir ao mundo (com seus tons, melodias e ritmos próprios), e, assim como, em toda canção já há um poema que clama por sua matriz musical. Entretanto, não devemos nos iludir com as semelhanças entre as aparições primárias da poesia e da canção, pois apesar de ambas terem estruturas e formas de conteúdo semelhantes – a palavra recitada e cantada, respectivamente – são a priori realizações artísticas distintas. O que aqui nos interessa é investigarmos o divisor de águas entre a poesia oral e a canção popular, e seus possíveis 156 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina afluentes, para reconhecermos as fronteiras intersemióticas que as distinguem e as assemelham enquanto linguagens artísticas verbais projetadas acusticamente, capazes de materializar acusticamente um tempo/espaço coletivo e virtual: eis o encantamento da canção. O arco lúdico da palavra Um denominador comum entre as expressões verbais na poesia e no canto é que toda canção pressupõe a existência de uma forma poética que lhe dá vida e que são seus elementos formais constitutivos: estruturas métricas e estróficas, rimas, ordenação rítmica, assonâncias, aliterações, acentuações, paralelismos, etc. Além desses, existem os elementos significativos implícitos ao jogo com as palavras que são as estruturas semânticas da linguagem poética presente nos poemas e nas canções: figuras de linguagem, metáforas, sentimentos de tensão e relaxamento, estados de conjunção e disjunção amorosa e o caráter essencialmente lúdico de ambas as linguagens. Uma boa pergunta seria indagarmos por que os homens até hoje fazem poesias ou canções ao subordinarem suas palavras à métrica, à cadência, à melodia e ao ritmo? Segundo o pensador alemão Johan Huizinga, a palavra poética nasce da necessidade primordial que temos do jogo social: Só na atividade lúdica da comunidade a poesia desempenha sua função vital e possui seu pleno valor, e estes se perdem à medida que os jogos sociais perdem seu caráter ritual e festivo. [...] Sua origem está inseparavelmente ligada aos princípios da canção e da dança, os quais por sua vez partem da imemorial função do jogo (HUIZINGA, 1980, p. 157). Não é por acaso que o termo “jogral”, em português, assim como, “jongleur”, em francês (e que representa uma categoria social de poetastrovadores medievais), é uma derivação da palavra latina joculator (“aquele que joga”). As grandes narrativas épicas, desde as sagas islandesas até os Nibelungen nórdicos e o romanceiro ibérico, são palavras poéticas que passaram de geração para geração graças à palavra cantada: o canto ajuda aos poetas a se lembrarem melhor das histórias em verso. Uma figura lendária e ainda atual dotada de extensa memorização poético-musical é a do músico-poeta griot na África Ocidental, cuja função sempre foi a de renovar as emoções de muitas gerações percorrendo as aldeias com suas histórias cantadas, como o legítimo porta-voz da tradição oral de toda a 157 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina comunidade. Temos no Brasil as cinzas ainda quentes dessa tradição milenar, presente na figura dos violeiros repentistas nordestinos. Figura 2 – Griots de Sambala (Mali) Se quisermos também atualizar essa impressionante capacidade da palavra cantada enquanto uma guardiã coletiva da memória, basta notarmos que, quando memorizamos uma canção qualquer, dificilmente conseguimos dissociar sua melodia de sua letra. Desde nossas primeiras cantigas infantis, como a Ciranda, cirandinha, até nosso hino nacional, assim como, a maioria de nossas canções populares. Neste sentido, um dos principais fatores aliados à memorização das canções, além do ritmo próprio pelo qual suas palavras são encadeadas, é o modo que se movimenta sua melodia. Pois ao ser cantada a palavra se potencializa, conforme conclui Zumthor ao comentar sobre a universalidade das canções: [...] o canto erotiza o discurso, ao fluxo das significações e dos desejos. A música desliza nas falhas da linguagem, trabalha sua massa, a insemina com seus próprios projetos míticos: na menor de nossas canções brilha ainda centelha do fogo encantatório muito antigo [...] (ZUMTHOR, 1997, p. 189). Esse movimento da fala ao canto pode ser entendido como um gesto oral elegante, no sentido de aparar as arestas e eliminar os resíduos que poderiam quebrar a naturalidade da canção (Tatit, 1996, p. 9), cujo recurso maior é o próprio processo entoativo que vai produzir a fala no canto. Conforme essa lógica da naturalidade da canção, devemos entender o papel do cancionista popular como o de um malabarista capaz de equilibrar a melodia no texto e o texto na melodia, dissimulando qualquer esforço técnico. Uma herança direta dos griots e dos jograis brincantes medievais: 158 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O cancionista é um gesticulador sinuoso com uma perícia intuitiva muitas vezes metaforizada com a figura do malandro, do apaixonado, do gozador, do oportunista, do lírico, mas sempre gesticulador que manobra sua oralidade, e cativa, melodicamente, a confiança do ouvinte (TATIT, 1996, p. 9). O inverno da poesia e a primavera da palavra cantada Nas culturas antigas, a linguagem dos poetas era o mais eficaz dos meios de expressão, ultrapassando sua função meramente artística ou literária. A poesia punha os rituais em palavras, sendo, ao mesmo tempo, árbitro das relações sociais e veículo da sabedoria coletiva. Vale apontar que dos três grandes gêneros da poiesis grega – o lírico, o épico e o dramático – o lírico foi o que mais permaneceu próximo da esfera da canção popular, enquanto linguagem de representação oral dotada de uma rica gestualidade capaz de perpassar os séculos com sua movência inerente. Entretanto, conforme a lírica foi perdendo sua união ancestral com a música (assim como a epopeia deixou de ser cantada para ser lida), ela foi perdendo também sua aura de sabedoria, de magia e de ritual coletivo. Com o advento do livro e do comércio literário, alterou-se para sempre a semiótica da palavra poética em seu valor e em sua recepção, de modo que a aliança entre poesia e música dissolveu-se com o surgimento da imprensa, criando novos hábitos de consumo. Mas será que desta separação entre a lírica e a música, desse pecado original não haveria um retorno possível? Quando Zumthor, em A letra e a voz (1993), propõe que a poesia medieval se aproxima em certo sentido do nosso mass media, ele quer dizer que o texto trazido por ela se dirigia a um público formado pelo olhar e pelo gesto, e que a voz geraria uma outra dimensão deste espaço para uma sociedade quase que totalmente analfabeta do medievo. Podemos pensar que este papel da oralidade, que perpassa pela representação e pelo rito, está diretamente relacionado ao nosso atual show business que produz e comercializa a canção popular brasileira e internacional. Afinal, vivemos em plena Idade Mídia e nossa sociedade aparenta ler cada vez menos poesia literária, em prol de uma escuta mediatizada por meios eletrônicos cada vez mais diversos. O poeta José Paulo Paes argumenta que há uma polêmica estimulante ao pensarmos na crescente validação literária da MPB, como um sintoma da disparidade entre o consumo de massa da canção popular em relação aos baixos índices de comercialização e tiragem dos poetas 159 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina nacionais (Paes, 1985, p. 268). Segundo ele, podemos questionar sobre a causa desse sintoma a partir de duas vias. Uma vertente que ponderaria que o atual primado em nível de consumo, da poesia musicada sobre a poesia não-musicada, estaria fundado em um equívoco: supormos uma igualdade de atrativos na componente musical e na componente literária da canção popular, quando na verdade é a linha melódica, a harmonização e o ritmo de sua música que primeiro se impõem ao ouvinte, sendo sua componente literária uma espécie de aftertaste (usando uma metáfora em inglês que quer expressar aquele “gosto final” deixado na boca por uma bebida). E outra vertente mais intersemiótica, que prefere pensar que a letra de uma canção não seria mais ofuscada por sua música (como no caso das tradições operísticas e orfeônicas), mas haveria uma total consubstancialidade entre música e poesia na canção popular que as torna indissociáveis uma da outra. Isolar os textos de canções para considerá-los texto puramente literário, não seria esquecer-lhes a componente não-literária e empobrecerlhes o efeito estético? (Paes, 1985, p. 270). Então, ao invés de estarmos perdendo cada vez mais o espírito lúdico e social da linguagem poética em nossas vidas, não estaríamos transferindo esse território para o âmbito da canção popular, com sua fecunda e complexa capacidade oral de gesto, movência e rito? Parindo a canção: da letra à melodia e da melodia à letra A indissociabilidade entre letra e música é uma unanimidade nos atuais estudos da canção popular, porém cabe olharmos para o processo pelo qual se dá a gênese da canção popular brasileira enquanto prática artística que, ao construir a identidade sonora do país, se pôs em sintonia com a tendência mundial de traduzir os conteúdos humanos relevantes em pequenas peças formadas de melodia e letra (Tatit, 2004, p. 11), seja na passagem de um poema em canção (da letra à melodia), como no letramento de uma música já terminada (da melodia à letra). No primeiro caso, da letra à melodia, temos dois caminhos a percorrer. O primeiro é o caso da musicalização de poemas, sendo o caso de autores canônicos, como Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, que tiveram alguns de seus poemas musicados por compositores eruditos (como Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, Villa-Lobos, entres outros) e por cancionistas da MPB, como por exemplo, os poemas Canção amiga de Drummond e Trem de ferro de Manuel Bandeira (sendo o primeiro musicado por Milton Nascimento, no CD Clube da Esquina, de 1978, e o 160 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina segundo, por Tom Jobim, no CD Antonio Brasileiro, de 1994). O segundo caminho da letra à melodia é um terreno ambíguo e ambivalente, pois é o caso das parcerias musicais entre cancionistas e poetas, quando o poema “pede para ser musicado”, e que vai também nos conduzir ao caminho da melodia à letra, quando a música “pede para virar canção”. Figura 3 – Vinícius de Moraes e Tom Jobim Em nossa música popular, temos infindáveis exemplos de uniões felizes entre músicos e poetas letristas: João Bosco e Aldir Blanc, Milton Nascimento e Fernando Brant, Tom Jobim e seus parceiros, entre eles, Vinícius de Moraes, Aloísio de Oliveira e Chico Buarque. Vale apontar que toda parceria no âmbito da composição de uma canção, possui uma fronteira porosa entre aquele que somente “faz a letra” e aquele que “põe a melodia na letra”. Ou seja, ao entendermos que toda palavra poética já possui uma sonoridade e um ritmo próprios a sua constituição, todo poeta é também um músico que criou uma sonoridade original para que esta vire uma melodia. Além disso, ao criarem uma canção juntos, tanto o “músico”, como o “poeta”, acabam aparando as possíveis arestas no ajuste da letra à melodia, e vice-versa, por vezes mudando radicalmente as formas originais de uma e de outra, de modo que, algumas vezes é difícil delimitarmos com total segurança a autoria autônoma da letra e da música na parceria de uma canção. A transformação da palavra poética em canto é um fenômeno que Tatit chama de inversão do foco de incidência da oralidade, cujas entoações da palavra tendem a se estabilizar em formas musicais, na medida em que instituem novas células rítmicas, curvas melódicas recorrentes, acentos regulares e diversos recursos que asseguram a definição sonora desta nova obra, a canção. Deste modo, a palavra poética liberta-se de suas coerções gramaticais, responsáveis pela eficácia de sua inteligibilidade, e se estabiliza no processo de fixação de seu novo material fônico, a música (Tatit, 2004, p. 42). 161 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Parto natural: letra e melodia nascem juntas Ao pensarmos a criação artística como uma gestação capaz de gerar uma outra realidade, seria oportuno imaginarmos o processo criativo, e por vezes solitário, do cancionista, como um parto natural. Esta imagem está associada ao conceito de naturalidade da canção que caracterizaria o compositor popular como alguém dotado de dom inato, habilidade pragmática e familiaridade com a expressão e a técnica de se produzir canções (Tatit, 1996, p. 17-18). Uma vivência integral marcada pela voz conforme uma canção nos diz: Minha voz é precisa/Vida que não é menos minha que da canção (Minha voz, de Caetano Veloso), cuja precisão oralizada do cancionista é que dá a eficácia necessária ao encanto da canção. Figura 4 – Um jovem ouvindo música Ao escutarmos a voz que canta, ultrapassamos a mera compreensão das palavras e somos capazes de ouvir a voz que soa na voz que diz (Valverde, 2008, p. 274) ou a voz que canta dentro da voz que fala (Tatit, 1996, p. 15). E isso explicaria por que conseguimos associar uma canção mais à sua melodia do que à sua letra. A canção popular é o território da plena subjetividade na dança entre a música e a poesia, pois a palavra poética herdou da música suas formas e leis fundamentais (a entonação, a articulação prosódica, a rima, o paralelismo, as repetições estróficas, as aliterações, o ritmo e o refrão), enquanto que em toda canção há um poema potencializado pela força da música (a melodia, o timbre da voz, a harmonia e o ritmo), além das constituintes performáticas da canção (sua gestualidade oral, sua instrumentação e seu arranjo musical), afinal: 162 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina [...] A poesia tenta despir a língua de seus véus convencionais e exibir a erótica dos seus sons, mas só consegue fazê-lo radicalmente quando se torna o instrumento de sua musicalidade e deixa a palavra cantar. Entre a fala e a declamação, o canto assume o desafio de harmonizar as tensões e levar ao máximo equilíbrio o jogo entre som e sentido (Valverde, 2008, p. 272). Ao harmonizar as tensões entre o som e o sentido, a palavra cantada consegue tirar nossa atenção objetivamente racional enquanto ouvintes da canção. A canção torna-se então música pura, e seu sentido fazse aquém de suas significações (Valverde, 2008, p. 273), mobilizando novamente nossas consciências afetivas e transformando sua escuta em uma sinestesia inexplicável e sempre irresistível. Referências ALMEIDA Tereza Virgínia. (2008). O corpo do som: notas sobre a canção. In: Palavra cantada: ensaios sobre poesia, música e voz. Orgs. Cláudia Neiva de Matos, Elizabeth Travassos, Fernanda Teixeira de Medeiros. Rio de Janeiro: 7 Letras. ANDRADE, Mario de. (1965). Aspectos da Música Brasileira. São Paulo: Martins Fontes. BUARQUE, Chico. (1998). Entrevista com Chico Buarque. In: Revista Caros Amigos, ed. 21. São Paulo: Editora Casa Amarela. HUIZINGA, Johan. (1980). Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva. LOBO, Luiza. (1987). Teorias poéticas do Romantismo. Porto Alegre: Mercado Aberto. MATOS, Cláudia Neiva de. (2008). Poesia e música: laços de parentescos e parceria. In: Palavra cantada: ensaios sobre poesia, música e voz. Orgs. Cláudia Neiva de Matos, Elizabeth Travassos, Fernanda Teixeira de Medeiros. Rio de Janeiro: 7 Letras. OLIVEIRA, Solange Ribeiro de. (2002). Música e literatura: modulações pós-coloniais. São Paulo: Editora Perspectiva. PAES, J.Paulo. (1985). A poesia no purgatório. In: Gregos e baianos. São Paulo: Brasiliense. SARTRE, Jean-Paul. (1965). Esboço de uma teoria das emoções. Rio de Janeiro. Zahar. TATIT, Luiz. (1996). O cancionista: composição de canções no Brasil. São Paulo: EDUSP. ______. (2004). O século da canção. São Paulo: Ateliê Editorial. 163 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina VALVERDE, Monclar. (2008). Mistérios e encantos da canção. In: Palavra cantada: ensaios sobre poesia, música e voz. Orgs. Cláudia Neiva de Matos, Elizabeth Travassos, Fernanda Teixeira de Medeiros. Rio de Janeiro: 7 Letras. ZUMTHOR, Paul. (1993). A letra e a voz. São Paulo: Companhia das Letras. ______. (1997). Introdução à poesia oral. São Paulo: Hucitec. Fig.1 – Mateusz Stachowski. Partitura medieval, 2009, fotografia. 6.9cm x 4.6cm. Fonte: <http://www.sxc.hu/photo/1170818> acessado em 01/08/2009. Fig.2 – Georges Jeanniot. Griots de Sambala (Mali), 1890, litogravura. 33,5 x 25,5 cm. Fonte: Frey, Henri-Nicolas. (1890) Côte occidentale d’Afrique: vues, scènes, croquis. Paris: C. Marpon et E. Flammarion. Disponível em: Bibliothèque Nationale de France <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b23005610/f85.item#> acessado em 01/08/2009. Fig.3 – Paulo Scheuenschtul. Vinícius de Moraes e Tom Jobim, circa 1960, fotografia. Fonte: Jobim, Antonio Carlos. (2002) Cancioneiro Jobim: biografia. Rio de Janeiro: Jobim Music. Fig.4. Riyas Rasheed. A young man listening to music, 2009, fotografia. 14.5cm x 14.5cm. Fonte: <http://www.sxc.hu/photo/1206193> acessado em 01/08/2009. 164 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina LITERATURA INFANTIL: BIBLIOTECA E LEITOR Karin Cozer Campos UFSC Introdução Este trabalho circunscreve-se a partir de vivências e experiências educativas com o ensino de Literatura Infantil na biblioteca de uma escola pública no município de Francisco Beltrão – PR. Articulado a um Programa de Formação de Leitores proposto pela Secretaria de Educação deste município, envolve crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental e Educação Infantil. Com o objetivo de buscar na realidade uma compreensão mais ampla, numa perspectiva histórico-social, desenvolvemos a pesquisa com uma metodologia de trabalho que utilizou o estudo bibliográfico sobre este ensino e suas principais contribuições para a formação humana e cultural das crianças, entrevistas semi-estruturadas a alguns professores e técnicopedagógicos da Secretaria Municipal de Educação e observações de momentos pedagógicos (reuniões pedagógicas, encontros de formação, aulas, entre outras atividades pedagógicas e extra-escolares) que acontecem na escola. 55 Realizamos levantamento de algumas informações, dados e relatos de professores e alunos, que ocorreram durante as experiências de trabalho com o ensino de Literatura Infantil, para verificar as contribuições à formação de leitores. O critério para a seleção das falas é baseado nas compreensões e informações que cada um dos entrevistados traz de relevante para o estudo. Por isso, apresentamos na primeira parte do texto, os motivos e a importância da implantação do ensino de Literatura Infantil nas bibliotecas da rede municipal de educação. Na sequência, estabelecemos uma relação entre este ensino e a prática da leitura. Apresentamos alguns dos conceitos 55 Trata-se de uma pesquisa desenvolvida no Curso de Especialização em Educação Escolar: Ênfase na Pedagogia Histórico-Crítica na Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, e que ampliamos no Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC para tratar sobre a atividade de narração de histórias pela criança. 165 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina sobre leitura e escrita que definiram e orientaram o trabalho na biblioteca da escola. Sobre o projeto de Literatura Infantil, elaborado e desenvolvido na biblioteca da Escola Municipal Nossa Senhora do Sagrado Coração, apresentamos seu desenvolvimento e contribuições. Além disso, como este é visto na escola pelos professores, e quais foram os principais subsídios para a formação de leitores desta realidade. Questões discutidas mais ao final do texto. Os motivos e a importância da existência do ensino de Literatura Infantil nas escolas da rede municipal O ensino de Literatura Infantil na biblioteca das escolas municipais do Ensino Fundamental do município de Francisco Beltrão surgiu a partir de uma proposta da Secretaria de Educação, foi idealizado por esta no ano de 2005, e começou a ser implantado no início das aulas, no ano de 2006, em todas as escolas da rede de ensino municipal. 56 A Secretaria Municipal de Educação apontou a cada escola que escolhesse um professor específico para desenvolver o trabalho (as aulas ou atividades pedagógicas) de Literatura Infantil, com a responsabilidade de elaborar um projeto para a sua escola e assim desenvolver o hábito e o prazer pela leitura, através deste ensino em momentos especiais. Dessa forma, as aulas de Literatura Infantil acontecem em encontros semanais com cada turma de diferentes séries de escolarização nas bibliotecas das escolas, em horários específicos, com professores exclusivos para realizarem estas atividades educativas. Para compreendermos melhor como o tratamento com este ensino foi pensado e elaborado, faremos uma apresentação dos motivos ou importância da existência do ensino de Literatura Infantil nas escolas da rede municipal propostos pela Secretaria de Educação. Em busca de uma análise sobre quais foram os reais motivos da existência deste ensino para a rede municipal desta cidade, buscamos obter alguns dados com a Secretaria de Educação para compreender o surgimento 56 As aulas de Literatura Infantil na biblioteca das escolas da rede municipal de ensino continuam acontecendo. Cada escola tem o seu professor específico que desenvolve e coordena as atividades atendendo às necessidades de sua realidade escolar. 166 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina desta proposta. Dessa forma, por meio de entrevista de campo orientada a um dos membros da equipe pedagógica da Secretaria de Educação, obtivemos alguns dados que nos apontam sobre os motivos e a importância da sua criação. Um dos pressupostos apresentados foi à defesa de que a escola tem uma função social e precisa usar meios para desenvolver esta função. Havia muitas ideias que poderiam ser transformadas em programas para uma área a ser descoberta, a da leitura. Foram identificadas algumas necessidades, como, bibliotecas sem reposição de livros pela Secretaria e MEC e a falta de profissionais que cuidassem do acervo e orientassem os trabalhos. A partir da existência de altos índices que demonstram que o aluno não chega a uma compreensão crítica de leitura, não compreendendo o que leem, a Secretaria percebeu que não adiantava somente constatar dados e fatos em avaliações, mas que havia necessidade de algo que auxiliasse a desenvolver uma disciplina à atividade de leitura nas escolas. Nessa perspectiva, projetou-se um programa que pudesse reativar essa parte da escola que estava de lado, como tentativa de compensar e solucionar um dos problemas sérios que a escola enfrenta, que é a não compreensão, por parte do aluno, do que se lê. Uma proposta que resgatasse o que as escolas tinham e perderam: os livros, a leitura, o acervo. A Secretaria compreende, assim, que esses problemas eram uma das causas que prejudicava o bom aproveitamento do ensino nas escolas. Por isso, buscava um “coringa da educação”. Durante algum período de planejamento de definição de propostas, a Secretaria chegou à conclusão que uma das soluções seria definir um professor da rede em cada escola para fazer este trabalho, como forma de evitar que houvesse uma rotatividade muito grande, ocorrendo de um ano ter, outro não. Um profissional que não precisaria ser especialista, mas uma pessoa que se dedicasse à atividade para desenvolver com a criança o “hábito e o gosto” pela leitura. Este utilizaria atividades diferenciadas, oferecendo uma diversidade textual para que pudesse, depois de um determinado tempo na escola, incentivar a leitura e compreensão. Ou seja, um dos objetivos foi institucionalizar o professor de Literatura Infantil e melhorar o acervo das bibliotecas para torná-las de fato um espaço de leitura e de pesquisa. Antes de surgir esta proposta de ter um professor de Literatura Infantil nas bibliotecas, ocorria que nas escolas não havia profissional específico ou com orientação para este trabalho. Algumas escolas tinham estagiárias, mas que literalmente nunca tinham trabalhado com este ensino 167 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina e nem tão pouco formação específica. Por isso, antes de implantar todo este processo, a Secretaria foi apontando esta necessidade às escolas e às equipes pedagógicas, indicando também qual seria o perfil ideal para este profissional. O professor não seria apenas um “cuidador” da biblioteca. Mas deveria ser ativo, coordenar um trabalho de leitura e proporcionar uma integração deste com os professores, principalmente com a Língua Portuguesa. Para garantir a continuidade deste trabalho, ele deveria constituir uma integração com o professor regente para garantir continuidade, considerando o pouco tempo que o professor de Literatura Infantil disporia semanalmente em contato com as crianças. Após um período de existência da proposta com o ensino de Literatura Infantil nas escolas, a Secretaria avaliou o andamento da proposta na rede: seu desenvolvimento, dificuldades, necessidades. Constatou-se que foram encontradas dificuldades, que incluem lotação de professores nas escolas, organização de acervos, e até mesmo do entendimento do que a proposta objetivava, pois muitas escolas e professores compreendiam que o professor que está na biblioteca não tem nada a ver com sala de aula. Após um ano desta atividade, a Secretaria de Educação aponta que foram identificados bons resultados em algumas escolas, como representação de um trabalho extremamente positivo. Mas, esta acredita que será possível ver resultados “a olhos nus” daqui a quatro ou cinco anos, quando as crianças que frequentam o Ensino Fundamental o concluírem, terão uma carga cultural muito maior do que os que estavam concluindo naquele momento. Como processo de formação continuada para os profissionais que tratam do ensino de Literatura Infantil, a Secretaria de Educação fez uma parceria com a Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de Francisco Beltrão, para realizar encontros mensais de formação para estes professores. A formação aconteceu durante o período de março de 2006 a dezembro de 2008. De acordo com as informações coletadas com a Secretaria de Educação para analisar o surgimento desta proposta para a rede municipal de ensino de Francisco Beltrão, constatamos que um dos principais pressupostos que a Secretaria considerou foram as contribuições que a Literatura Infantil traz ao processo de desenvolvimento da criança, com enfoque no lazer e no prazer com a leitura. 168 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Neste aspecto, destacou-se que Literatura Infantil é fundamental para a formação cultural da criança, para sua formação como pessoa, como cidadão, membro de uma sociedade, percebendo seus direitos e deveres, apontando-se o professor de Literatura Infantil como o mediador entre o texto e o aluno leitor. Literatura Infantil: suas contribuições à prática da leitura Compreendemos que envolver a Literatura Infantil à prática pedagógica é considerar a sua relevante importância para o desenvolvimento da formação humana e cultural das crianças. Isso possibilita a elas a emancipação, pelas diferentes experiências e vivências, histórica, de sentimentos, sensações e emoções que podem ser expressas nas variadas formas de ser, agir e pensar a cultura literária, representativa da história em construção de nosso mundo. Sendo assim, o respeito do ensino da Literatura Infantil na escola se dá pela sua importância de possibilitar ao trabalho escolar contribuições significativas para a formação humana e cultural dos alunos. Em certo sentido admitir que a Literatura “faz-se porta-voz de uma utopia, ao rejeitar fatores opressores, pode exercer sua propensão democrática e crítica”, (ZILBERMAN,1990, p. 104). Sobretudo, o contato com a diversidade literária possibilitar desenvolver o hábito e a necessidade-prazer pela leitura com os alunos ampliando a capacidade de compreensão do mundo de forma intelectual crítica. Sobre isso, pensamos ser necessário na escola definir propostas pedagógicas com o propósito à formação de leitores, ampliando as limitações de decifração para a procura do sentido, ao questionamento direto do escrito a partir de uma expectativa ligada a uma necessidade e a um prazer. Compreendido que, “... ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de descoberta e de compreensão do mundo...” (ABRAMOVICH, 1997, p. 16). Ou ainda, “ler é atribuir diretamente um sentido a algo escrito... questionar algo escrito como tal a partir de uma expectativa real (necessidade-prazer)... é ler escritos reais” (JOLIBERT, 1994, p. 15). Assim, possibilitar uma leitura de mundo, aproximando as crianças ao acesso à cultura literária, é torná-los intelectuais e pensadores críticos. Consideramos que, o exercício do ato de ler é que define o leitor, e isto se dá pelo procedimento no qual se desempenha esta atividade. No entanto isto não surge de modo instintivo, ou natural, “já que cada pessoa 169 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina carrega consigo os juízos que introjetou ao longo de sua formação, para a qual contribui decisivamente a escola, pois, foi ela que o converteu num leitor” (ZILBERMAN, 1990, p. 103). Por isso nossa compreensão das contribuições que este ensino, especialmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental permite ao desenvolvimento da leitura das crianças. Sobretudo, porque este é um dos principais objetivos que os professores, neste momento de escolarização, têm em relação ao desenvolvimento da criança com a escrita. Mas, além de ensiná-los a ler e escrever, tornar a leitura como hábito e prazer. Entretanto, nossa discussão não se limita ao ler e escrever, pensamos também nas práticas de letramento, como resultado da ação de ensinar a ler e escrever, estado ou ação de um grupo social, como consequência de ter-se apropriado da escrita incorporando-a às práticas sociais. Por isso compreendemos que, “não basta apenas saber ler e escrever é preciso também saber fazer uso do ler e escrever, saber responder às exigências de leitura e escrita que a sociedade faz continuamente” (SOARES, 1998, p. 18-20). Dessa forma, o ensino de Literatura Infantil na biblioteca das escolas, indica que é possível auxiliarmos a criança à aquisição da necessidade-prazer pela leitura, pois proporciona um contato prazeroso com a linguagem escrita. Sendo esta colocada na condição de ferramenta importante para o conhecimento de mundo e desenvolvimento humano e cultural. Compreendido que, é tarefa da escola permitir o acesso ao conhecimento e ao exercício do ato de ler, inserir a criança no mundo da escrita, “tornando-a um cidadão funcionalmente letrado”, ou seja, “fazer uso da linguagem escrita para sua necessidade individual de crescer cognitivamente e para atender às várias demandas de uma sociedade” (KATO, 1986, p. 7). Nessa perspectiva, focamos a discussão ao interior de uma escola pública, onde foi elaborado e desenvolvido um projeto de Literatura Infantil na biblioteca, durante os anos letivos de 2006 e 2007. A partir disso, elencamos algumas das práticas desenvolvidas com este ensino e as principais contribuições às crianças. O projeto de Literatura Infantil desenvolvido na biblioteca da escola Diante da diversidade cultural e da realidade que a comunidade escolar está inserida, desenvolvemos um projeto voltado para a escola Municipal Nossa Senhora do Sagrado Coração. Para isso, pensamos nas 170 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina condições de acesso à leitura e a cultura literária que esta comunidade dispõe. 57 Priorizamos a necessidade de o espaço escolar ser o propiciador de acesso ao conhecimento, o que para muitos, o acesso aos livros, se restringe ao espaço escolar. Isso transparece no depoimento de uma professora: “aqui na escola é o único lugar que eles têm contato com o livro... no bairro... em casa eles não tem contato com o livro, tudo que se tem hoje dessas crianças é a partir da escola”. Os encontros na biblioteca aconteciam semanalmente, com todas as turmas da escola, que naquele momento eram vinte e três. Envolvia as séries iniciais do Ensino Fundamental, a Pré-escola e a Classe Especial, num total aproximado de quase seiscentos alunos. A duração dos encontros durava em média cinquenta minutos. A realização das atividades acontecia também em espaços diversificados, não priorizando apenas a biblioteca. Porém, esta proposta às vezes ficava limitada às condições que a escola oferecia, o que influenciava, em muitos casos, o sucesso do desenvolvimento efetivo ou completo de certas atividades. Buscava-se utilizar materiais, como gravadores e filmadora, para registrar expressões artísticas, de descontração e momentos de apresentações. Durante as atividades com este ensino, aconteciam momentos para ler, escrever, ouvir produções textuais (orais e escritas), relatos pessoais, contato com música, produções pictóricas e literárias, atividades interpessoais, expressões artísticas por meio de teatros e dramatizações (ensaiados ou expressões livres), linguagens metafóricas, atividade de narração de histórias, em que as crianças ouviam, mas também contavam. Assim, possibilitava às crianças instituírem autoria às suas produções. Era proposto discussões sobre sentimentos, valores, atitudes das diversas culturas e lugares que surgiam nos personagens e histórias. Nos textos eram priorizadas as leituras e opiniões dos alunos, para que eles pudessem relacionar o escrito a sua realidade, os aproximando do mundo imaginário das histórias às suas vidas. Para muitas crianças desta escola, era a primeira vez que tinham aulas na biblioteca com uma professora específica para trabalhar Literatura Infantil. Isso tornava as aulas muito especiais para eles, e por isso 57 O Projeto de Literatura Infantil da Escola Municipal Nossa Senhora do Sagrado Coração foi desenvolvido nos anos de 2006 e 2007. A partir de 2008, outra professora assume e coordena as atividades na biblioteca de acordo com sua proposta de trabalho. 171 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina demonstravam interesse, vontade e muito prazer de participar dos encontros. Enquanto aconteciam as aulas de Literatura Infantil, a Secretaria de Educação exigia que o professor regente da turma acompanhasse estas aulas para depois dar continuidade ao trabalho em sala de aula. No entanto, isso gerava desconforto para alguns, que não consideravam importante estar lá. Sendo assim, muitos frequentavam a aula por obrigatoriedade e não por sentirem necessidade. Isso também influenciava as práticas educativas, que se tornavam isoladas do trabalho do professor em sala de aula. Pois, era difícil coincidir momentos de planejamento pedagógico entre o professor da turma e o professor de Literatura Infantil, para relacionar as práticas da biblioteca às da sala de aula. Por isso, a importância deste professor acompanhar as aulas na biblioteca. Este trabalho na biblioteca com a Literatura Infantil, nos ensinou que podemos contar e ouvir histórias, ler, ouvir e escrever poemas e poesias, cantar e inventar músicas, interpretar histórias pelo teatro, criar, imaginar, dar risadas sempre que surgirem, brincar com os personagens. Enfim, há muitas coisas para contar, sobretudo, emocionar. Mas alguns questionamentos também surgiam: A Literatura Infantil possibilita o desenvolvimento de novas atitudes às crianças em relação à leitura? O contato com este ensino permite a criança uma nova ação, um novo comportamento, modifica suas formas de interpretar a realidade? No decorrer da realização do projeto, observamos que as práticas educativas realizadas trouxeram importantes contribuições ao desenvolvimento dos alunos. Através de relatos de alguns professores, estes comentaram que os alunos sentiam-se mais interessados pelas leituras, especialmente por histórias, e desenvolviam de forma mais criativa suas expressões escritas. Isso demonstra que o ensino de Literatura Infantil permite o desenvolvimento da criatividade, fantasia, imaginação e no auxílio à necessidade-prazer pela leitura. Em outro relato, de uma professora, constatamos a importância da escola para a prática da leitura: Infelizmente, o gosto pela leitura e a vontade de aprender no início depende do professor. O aluno não tem uma vontade própria, ele pode trazer de casa, do pai ou da mãe, mas aqui na escola isso é tarefa do professor. Na realidade do bairro que presenciamos é difícil esperar que o aluno traga alguma coisa de casa, [...] ele tem que ter isso de algum lugar, pois se não ver ninguém ler nada.... (Entrevista concedida em 2006). 172 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Como pode ser visto, a escola tem a tarefa de possibilitar e garantir à criança o acesso à cultura escrita. Pois em algumas realidades como é o caso desta escola, para muitas delas, o acesso aos livros e à cultura literária, tornam-se exclusivo da escola. E se esta não o fizer, não apenas descumpriremos com o dever da escola e com o direito da criança, como estaremos deixando de disponibilizar uma ferramenta que auxiliará na sua melhor compreensão de mundo. O argumento da professora evidencia um pouco do que compreendemos sobre a escola, como a instituição encarregada pela alfabetização da criança, e a família como um “segundo pólo”, que exerce sua atividade política e cultural (ZILBERMAN,1990, p. 106). A compreensão de que o trabalho do professor exercido na escola é fundamental no processo educativo, e que às suas práticas estão atrelados suas concepções e entendimentos em relação aos processos pedagógicos, interfere diretamente no processo de desenvolvimento, ensino e aprendizagem da criança. A partir disso, consideramos o processo de leitura como ferramenta essencial de acesso ao conhecimento, mas conhecê-lo é fundamental. Consideramos que quanto mais significativa a experiência da criança com o conhecimento, mais amplo será o desenvolvimento de suas formações intelectuais e isso se torna possível pelas práticas educativas com o ensino de Literatura Infantil. Pelas histórias é possível questionarmos sentimentos, valores, ideias, conceitos e atitudes de diversas culturas e lugares presentes nos personagens, identificando-os como uma expressão própria de quem a está representando. Pois, “é através duma história que se podem descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outra ética, outra ótica...” (ABRAMOVICH, 1997, p. 17). A partir de experiências educativas por meio do projeto de Literatura Infantil, percebemos o quanto alguns professores desconhecem ou não consideram importante para o desenvolvimento da criança o exercício da fantasia e da imaginação. Presenciamos momentos em que as principais preocupações são apenas o ensinar a ler e escrever, ou as tão conhecidas produções de texto. Mas se esquece que para escrever também é preciso incentivar os alunos ao imaginário e a fantasia, para termos como consequência “escritos reais”, espontâneos e autênticos. Ou seja, é preciso considerar as “competências existentes” na criança, seu desejo de crescer, desejo de agir, curiosidade com o mundo e também suas “competências culturais”. Pois, “o escrito não começa (ou 173 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina raramente) com uma folha de papel ofício mimeografada ou fotocopiada pelo professor e colocada desta forma à vista das crianças” (JOLIBERT, 1994, p. 139). Mas se constitui na escola, faz parte de um mundo econômico, que interfere na sua produção, funcionamento e natureza. A leitura é um questionamento de um texto. Isto é, uma elaboração ativa de significado feita pelo leitor de acordo com aquilo que está procurando no texto. Isso quer dizer que cabe ao professor auxiliar o aluno a questionar um texto para extrair seu sentido, ou seja, para que o aluno aprenda a questionar. O texto deve ser entendido como um escrito autêntico. Não construído especificamente para ensinar e aprender a ler e nem reduzido a um trecho que responde a determinadas situações. Mas serve para comunicar, expressar, informar, contar, descrever, explicar, argumentar e fazer uso da função poética da linguagem. Dessa forma não cabe a escola apenas fazer com que as crianças leiam e produzam textos. A tarefa da escola consiste em ensinar a ler e a produzir suas expressões pela escrita. Assim, fazer com que os alunos experimentem e aprendam a utilizar suas estratégias, de forma que a própria criança sinta-se capaz de desenvolver sua leitura ou produção de um escrito (JOLIBERT, 1994). Nessa perspectiva, podemos ter como princípio o trabalho pedagógico na escola, para revermos as práticas educativas e pensar se estas são ou não suficientes para modificar o nível de compreensão de alguns conceitos em nossos alunos. Ou estamos apenas partindo de estratégias de ativismos, sem nada modificar no intelectual do aluno, sem nada transformar. Ou ainda, não oportunizando experiências que o auxiliem na elaboração de seu pensamento e sua formação cultural intelectual. Portanto, inserimos a esta discussão, alguns relatos de professores, que demonstram suas compreensões sobre o ensino de Literatura Infantil na escola. Sobretudo, sobre as contribuições às práticas da leitura. Trata-se da fala de sujeitos reais do fazer pedagógico, que foram selecionadas a partir de observações. O objetivo é ressaltar a compreensão desses sujeitos sobre este ensino e perceber como a Literatura Infantil é vista na escola, sua importância e suas contribuições. Os professores apontam que a inserção deste ensino na biblioteca, representa estratégias e práticas pedagógicas diferentes das habituais. isso fica claro no relato desta professora: 174 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina [...] a Literatura dentro da escola é muito importante, uma “feliz” ideia da Secretaria de Educação trazer a Literatura para dentro da escola de forma específica, na grade. Pois não que antes não se trabalhava, mas era apenas quando dava tempo, [...] hoje tendo a professora específica faz com que os alunos sejam mais críticos, [...] ter a Literatura na grade faz com que o aluno sinta a importância e acabe tomando gosto, (professora integrante da equipe pedagógica). Em outro relato destacamos sobre a importância de outro professor trabalhar as aulas, “a troca de um professor, com novas ideias e forma de trabalho diferente é que interfere, mesmo que já se trabalha isso na escola” (professora). Ao questionarmos a equipe da escola (direção/equipe pedagógica) e alguns professores, para analisar como eles compreendem e identificam a importância ou não, de se ter um projeto de Literatura Infantil pensado e elaborado especificamente para esta escola, destacamos estes relatos: [...] trabalhar com literatura especificamente e o contato com diferentes textos e formas de interpretação, faz com que os alunos sintam-se muito mais motivados e atentos. Isso irá refletir diretamente dentro da sala de aula melhorando o trabalho do professor, pois se estão mais atentos, terão uma compreensão dos conteúdos com mais facilidade [...] o aluno pensa mais, melhor compreensão do que houve, estimula a atenção, na produção textual uma maior ampliação de vocabulário e ideias, [...] comparando o trabalho anterior de outros anos, pela linha de trabalho diferente, os alunos estão mais motivados (Professora da equipe pedagógica). [...] ter um professor específico, faz com que os alunos sejam mais críticos, podendo comparar sua realidade com a história que leem e pegando mais amor pela leitura, gerando uma escrita mais correta e leitura mais fluente (Professora da equipe pedagógica). Além do conhecimento dos fatos, a Literatura contribui na sala de aula desenvolvendo nos alunos o gosto pela leitura, vontade de ler para entender e compreender as coisas a partir da leitura. Os alunos olham o livro com olhar diferente, para conhecer os autores, entender porque escreveram aquilo, qual eram as mensagens que queriam passar para as pessoas e a partir de que meio escreveram. Passaram a observar coisas que não observavam antes (Professora). 175 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina [...] os alunos a partir das aulas de Literatura começaram a ter mais interesse e gosto pela leitura, curiosidade pelo início e fim da história, querem ver o que acontece no final da história (Professora). Por meio desta experiência artística, estética e cultural, destacamos que são significativas as contribuições à imaginação da criança e à prática e prazer pela leitura, mesmo àqueles que ainda não liam. Além disso, aumentou o interesse por diferentes obras e autores e novos práticas artístico – culturais se desenvolveram naquela escola. Questões identificadas pelos relatos dos professores. Porém, algumas limitações também surgiram, como a dificuldade em envolver todos no projeto. Mas voltamos a reafirmar que, o ensino de Literatura Infantil merece seu espaço nas práticas educativas, pelas contribuições que possibilita ao processo de desenvolvimento das crianças. Dessa forma, cumpriremos com a tarefa da escola, a qual tem o dever de propiciar as condições mínimas de acesso ao conhecimento e a cultura. Por outro lado, o momento é para pensarmos na responsabilidade em articular elementos que possam envolver os alunos e professores para a efetivação de uma prática educativa que realmente desenvolva a tarefa da Literatura Infantil no processo educativo e de formação humana e cultural, que se permite delimitar, independente de uma proposta específica de trabalho na biblioteca, mas de um projeto coletivo enquanto escola e educadores. Algumas considerações A partir da proposta de formar leitores, consideramos importante as práticas desenvolvidas com a Literatura Infantil, que demonstraram ser possível desenvolver o hábito e a necessidade pela leitura. Porém, admitimos que este discurso se associa com participação social e democracia. De forma que, mesmo que haja programas de leitura, como é o caso que tratamos, o ensino de Literatura Infantil nas bibliotecas das escolas públicas, devemos considerar que isto está atrelado a uma condição de cidadania, algo que merece grandes investimentos do Estado e da sociedade. Pois dependendo do contexto sócio-cultural em que o sujeito se insere, suas condições de vida, o acesso aos livros, à cultura escrita, de nada adiantará lhe apresentarmos “belíssimos programas” de incentivo ou 176 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina promoção à leitura. Sua própria condição social já lhe impõe e o condiciona as práticas de leitura, como o caso desta realidade que discutimos. Uma escola pública que, para muitos dos alunos, o único espaço de leitura é a escola. Ou seja, tais crianças estão objetivamente excluídas de alguma forma do mercado de consumo de livros e de outros espaços sociais em que os conhecimentos e capacidades relacionados à leitura são importantes. No texto que finalizamos neste momento, podemos pela nossa análise trazer um panorama negativo da promoção da leitura. Mas, ao contrário, apenas queremos considerar o que também Britto (2003) considerava, de que se trata de um processo político de democracia entendido como um modo de organização e participação social. Trazer a legitimidade da importância da prática de leitura é considerar o que Geraldi disse, “quem não se comunica se trumbica” (1997, p. 44). Dessa forma, a linguagem é vista como instrumento de inserção social e cultural da criança, permitindo-a conhecer o mundo por meio da leitura. Por isso, a Literatura Infantil é um instrumento de inserção da criança ao mundo da escrita, cultura, história, fantasia e imaginação. Mas sua participação social só se efetivará a partir de ações que a tornem capaz de sentir-se inserida no mundo da escrita e fazer uso desta nas suas práticas sociais, de forma intelectual e crítica. Mas queremos explicitar que também reconhecemos que as possibilidades e formas de ler estão sobredeterminadas pelas formas gerais de educação e de participação social. Tais ações têm implicações políticas e éticas, representadas não apenas por uma concepção de leitura, ensino da leitura ou de promoção de leitura, mas, sobretudo uma concepção de sociedade (BRITTO, 2003, p. 140). A partir disso repensamos, é possível incluir os sujeitos à cultura escrita sem modificar o modelo excludente de sociedade? Mas pensamos as práticas com o ensino de Literatura Infantil ser um instrumento possível. Referências ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1997. BRITTO, Luiz Percival Leme. Contra o consenso: cultura escrita, educação e participação. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003. 177 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina GERALDI, João Wanderley. Concepções de linguagem e ensino de português. In: GERALDI, João Wanderley (Org.) O texto na sala de aula. São Paulo: Àtica, 1997. JOLIBERT, Josette. Formando crianças leitoras. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. ______. Formando crianças produtoras de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. KATO, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1986. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Ceale/Autêntica, 1998. ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil: livro, leitura, leitor. In: ZILBERMAN, Regina (Org.) A produção cultural para a criança. 4ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990. 178 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina UM OLHAR SENSÍVEL E POLÍTICO DIANTE DO PEQUENO LEITOR: ESTUDO DE CASO A PARTIR DO LITERATÓRIO. Ana Paula do Prado Unisinos Obrigar alguém a ler um livro, mesmo que seja pelas melhores razões do mundo, só serve para vacinar o sujeito para sempre contra a leitura Monteiro Lobato Depois de Lobato, permitam-me convidar Ana Maria Machado (2002). 58 Não custa nada lembrar algumas coisinhas fundamentais. Desculpem se parecem evidentes demais para alguns. a) Ninguém tem que ser obrigado a ler nada. Ler é um direito de cada cidadão, não um dever. É alimento do espírito. Igualzinho a comida. Todo mundo precisa, todo mundo deve ter a sua disposição – de boa qualidade, variada, em quantidades que saciem a fome. Mas é um absurdo impingir um prato cheio pela goela abaixo de qualquer pessoa. Mesmo que se ache que o que enche aquele prato é uma iguaria mais deliciosa do mundo. b) Clássico não é livro antigo e fora de moda. É livro eterno que não sai de moda. c) Tentar criar gosto pela leitura, nos outros, por meio de um sistema de forçar a ler só para fazer prova? É uma maneira infalível de inocular o horror a livro em qualquer um. d) O primeiro contato com um clássico, na infância e adolescência, não precisa ser com o original. O ideal mesmo é uma adaptação bem feita e atraente. Ao longo dos anos, fervilha na minha cabeça como foco das minhas preocupações os espaços destinados à iteratura para criança pequena. Tenho vivenciado experiências negativas quanto às crianças poderem exercer seu direito em frequentar espaços (em especial, bibliotecas) sem que seja a todo momento confiscado o seu direito de ir e 58 Ana Maria Machado recebeu no ano 2000 medalha Hans Christian Andersen, considerada o Nobel da Literatura Infantil. 179 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina vir. Ou melhor, de não poderem fazer suas escolhas sem que sejam, a todo momento, observadas com olhares tortos. Quando falo em criança pequena estou me referindo a todas as crianças que fazem parte da educação infantil, ou seja, menores de seis anos. Sabemos que, salvo raríssimas exceções, avançamos muito pouco nas políticas públicas de atendimento ao pequeno leitor, que pode buscar seu espaço proferido no Art. 29, Seção II, Capítulo II, Título V da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n° 9.394 de 20/12/1996: [...] a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem com finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Já há algum tempo aprendi que preciso voltar meu olhar político e sensível para o pequeno leitor e unir os sonhos, os desejos, os espaços, os tempos com indignação, questionamentos e compreensão, compondo problemas, teorias e proposições. Pois bem, essas minhas preocupações deram origem a essa pesquisa com um palco cheio de luzes, sons, vozes, emoções, cores, ação. Assim, meu primeiro ator é o professor e contador de histórias Celso Sisto, que também faz parte da minha trajetória acadêmica, já que no ano de 2000 foi meu professor, na Universidade do Oeste de Santa Catarina, hoje UnoChapecó, Instituição onde situa-se o projeto Literatório. Um conto de quem conta: um jeito sensível e político de quem entende e faz história Passo a seguir a desdobrar ideias advindas da conversa que tive com Professor Celso Sisto. 59 Um diálogo sobre política, financiamento e espaços públicos destinados ao pequeno leitor, em entrevista com um professor e contador de histórias. 60 59 Entrevista a mim concedida em 10 de dezembro de 2008. Celso Sisto é escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá (RJ), ator, arte-educador, crítico de literatura infantil e juvenil, especialista em literatura infantil e juvenil, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutorando em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e 60 180 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Segundo seu depoimento, o Projeto Literatório foi elaborado no período em que ele trabalhou na Universidade de Chapecó, entre 2000 e 2002. Eu participei do projeto de confecção do laboratório mesmo, como é que ia ser, que tipo de material a gente ia ter lá dentro, que tipo de atividade a gente faria com os visitantes desse laboratório, eu participei de todo esse trabalho de infra-estrutura. Inclusive, no início do funcionamento desse laboratório, voltei à Universidade para dar palestras e oficinas, e pude constatar que mais de 80% do material que estava no laboratório eram materiais produzidos nas minhas disciplinas, pelos meus alunos. Nesta mesma época o professor Celso Sisto era meu professor na Pedagogia, na área de Educação Infantil e, em vários momentos, nos encantava com suas contações de história. Com sua sensibilidade, fazia pensar e refletir sobre nossa prática. Esses momentos já me instigavam a pensar sobre como eu, professora Ana Paula, estava proporcionando tais momentos para minhas crianças. Sempre me questionava sobre os espaços que as crianças tinham em meu município, em minha escola e também na sua casa para exercer efetivamente a leitura literária. Em outras palavras, realizar o que diz Eliane Debus (2006), “que a criança possa encontrar na leitura literária, seja a oral, seja a escrita, mais do que o aquietamento, o inquietamento; que a leitura literária mais incomode do que acomode e que nós, professores, possamos acreditar e cumprir a tarefa de “espalhar nas crianças o pó de pirlimpimpim da imaginação” (p.124-125). Neste sentido contar história é dialogar em várias direções: “ na arte, na vida, na do outro, na nossa. Os objetivos podem mudar – é recrear, é informar, é transformar, é curar, é apaziguar, é integrar – podem se alternar, mas nunca acaba com o prazer de escutar! De participar! De criar junto!” (SISTO, 2001, p. 95). Quando perguntei ao professor Celso quem teve a ideia inicial, ele responde que foi o curso de Letras da Universidade do Oeste de Santa Catarina, pois tinham ido visitar um laboratório maravilhoso que funcionava na Universidade de Passo Fundo, criado pela professora Tânia responsável pela formação de inúmeros grupos de contadores de histórias espalhados pelo país. Tem 34 livros publicados para crianças e jovens e já recebeu vários prêmios pela qualidade de sua obra, dentre eles o prêmio de autor revelação (FNLIJ, 1994) e ilustrador revelação (FNLIJ, 1999). 181 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Rosing. 61 Foi a partir de então que o departamento de Letras da UNOESC teve a ideia de construir esse laboratório. A partir desse momento da entrevista, ele lembra que teve dificuldades iniciais para conseguir um espaço grande o suficiente que abrigasse as atividades “que a gente gostaria que ocorressem lá dentro”. Neste sentido, Debus (op cit) diz que construir um ambiente propício à leitura, na própria sala de atividades ou num espaço físico, como a biblioteca central, é de fundamental importância ao pensar o exercício literário com as crianças (p. 84). Sisto acrescenta que, poder ter dentro de uma Universidade particular, privada, um espaço como aquele (Literatório) – para receber as escolas de fora, escolas de Educação Infantil, de Ensino Fundamental – é uma ação em promoção da leitura fantástica: Acho que se todas as Universidades pudessem fazer esse trabalho com a comunidade, dentro do seu espaço físico, seria maravilhoso, realmente acho que é um trabalho de visão social também muito importante. Ao realizar essa entrevista me reporto aos tempos coloniais, até as duas primeiras décadas do século XX, onde pouco ou nada foi feito para resguardar o direito ao livro, pois a falta de uma política educacional impediu uma formação de leitores. Assim, como lembra Arroyo (apud OLIVEIRA, 2008), “percebe-se que a literatura infantil propriamente dita partiu do livro escolar, do livro útil e funcional, de objetivo eminentemente funcional”. Quando pergunto ao professor Celso Cisto como percebe o avanço de políticas financeiras voltadas à literatura, ele coloca que isso tem aumentado bastante, a gente tem hoje o PNLL: “Há uma série de caminhos para você conseguir um verba ou um financiamento para criar um espaço deste tipo, tanto em nível federal, estadual e municipal. Cada vez mais a gente tem espaços voltados à literatura e a preocupação com uma política pública de formação do leitor – acho que isso é importante frisar”. 62 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC), o Literatura em Minha Casa distribui, desde abril de 2002, uma coleção de livros para 61 Tânia Rosing: Doutora em Literatura e Professora da Universidade Federal de Passo Fundo. 62 Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). 182 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina estudantes da 4ª série do ensino fundamental com a finalidade de desenvolver o gosto pela leitura. A coleção, que se torna propriedade do aluno, é composta de cinco volumes, sendo uma obra da poesia ou antologia poética, um conto ou antologia de contos, uma novela e uma peça teatral, todos brasileiros, e um clássico da literatura universal traduzido ou adaptado (BRASIL, 2006). Levando em consideração que a literatura ainda não tem um lugar estabelecido Zilberman (1994), comunga com a ideia e afirma que: [...] a literatura infantil permanece como uma colônia da pedagogia, o que lhe causa grandes prejuízos; não é aceita como arte, por ter uma finalidade pragmática; e a presença deste objetivo didático faz com que ela participe de uma atividade comprometida com a dominação da criança. Neste sentido a importância dada ao PNBE não é significativa o suficiente, sendo que ainda persiste a supervalorização do livro didático em detrimento do livro de literatura. No entanto, de acordo com Lopes (2007), “defendo o inverso, o livro didático é que deveria ser simplesmente livro, e a escola um espaço pedagógico de lidar com os mais diferentes livros, de literatura, de ciências e outros mais”. Seguindo a entrevista, pergunto qual o programa ou política de financiamento para a literatura que teve um grande marco na sua visão. O professor coloca que o governo federal, através do MINC, tem um prêmio anual, para os melhores projetos de leitura: 63 [...] é o prêmio que envolve verba, envolve dinheiro, enfim, eu acho que essas instituições governamentais, elas estão bem acessíveis a financiamentos com esse tipo de projeto, mas como eu não lido diretamente com essa parte de captação de recursos, eu realmente não sei quais são os trâmites. 63 O MinC - Ministério da Cultura do Brasil - foi criado em 15 de março de 1985 pelo decreto nº 91.144, no governo de José Sarney. Antes as atribuições desta pasta eram de autoridade do Ministério da Educação. É responsável pelas letras, artes, folclore e outras formas de expressão da cultura nacional e pelo patrimônio histórico, arqueológico, artístico e cultural do Brasil. 183 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) foi apresentado pelos ministros da Cultura e da Educação, no dia 13 de maio de 2006, no encerramento do FÓRUM PNLL/Viva leitura 2006/2008. No documento apresentado, é dito que o PNLL: [...] é uma ação liderada pelo governo federal para converter esse tema em política pública mediante a concentração e articulação dos esforços desenvolvidos pelos diversos atores sociais: Estado, universidade, setor privado e demais organizações da sociedade civil que formam o chamado terceiro setor. Tem como objetivo central melhorar a realidade da leitura no país e, por isso, é construído e se desenvolve por meio de um processo que transcende a imediatez (BRASIL, 2006, p. 5). Os programas de incentivo à leitura tem se manifestado de forma a contribuir na formação de leitores, no entanto o pequeno leitor de zero a cinco anos tem ficado em segundo plano, visto que o programa Literatura em minha casa foi um programa dirigido em particular aos alunos do quarto ano do ensino fundamental. Sabe-se que o pequeno leitor está caminhando por uma via de mão dupla, ou seja, lhe é dado direito, mas não lhe é permitido e nem assegurado o cumprimento desse direito, por pessoas que não compreendem a importância da criança estar em contato com o universo literário. Neste sentido o professor Celso Sisto, quando perguntado sobre a criança ser vetada ao direito de folhear sem discriminação o seu livro escolhido, coloca que para trabalhar com as crianças dessa faixa etária (0 a 6 anos), você tem que ter todo o tipo de material: [...] faz parte desse exercício motor rasgar papel esse tipo de coisa... só que agora não precisa fazer isso com o livro... se ela está fazendo isso com o livro é porque, talvez, ela não tenha atividade suficiente para esse tipo de coordenação, com jornal, com revista, com outras coisas que ela poderia estar usando para não rasgar o livro... Mas eu acho que isso é uma bobagem, rasgou o livro, substitui. Segundo Debus (2006), “muitas vezes a pessoa que é responsável pelo acervo não está habilitada para tal, para exercer a função. É importante que se perca o medo de que a criança vá destruir o livro, que se desconstrua a ideia de durabilidade, que se tenha clareza de que o livro, como outros bens de consumo, entre eles o brinquedo, desmancha-se, suja-se, rasga-se” (p. 86). 184 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina E ainda Sisto acrescenta: [...] é claro que as crianças precisam ser educadas, precisam ser ensinadas que aquele livro que está na biblioteca é patrimônio de todo mundo, que tem que ser preservado, que tem que ser cuidado, que tem que ter carinho e tal, mas a casa não vai cair se acontecer de um livro ser rasgado. Quando me coloco no lugar da criança que é vetada ao escolher um livro, ou mais, é trancafiada em um espaço que ela não poderá mexer no livro – e mais, quando elas são trancafiadas por professores da Educação Infantil! – percebo o quanto temos que avançar, e como nossos espaços públicos de leitura para os pequenos não estão preparados para essa cidadã criança, que revoga seus direitos, muitas vezes vetados pelos responsáveis por esses espaços e até mesmo por professores. Monteiro Lobato (apud DEBUS, 2006), em sua estada em Nova Iorque (1927-1931), visitou a Biblioteca do Congresso, a Biblioteca Pública de Nova Iorque. Pode-se dizer que o maior encanto deu-se pelo espaço: [...] o prazer da criança ali é intenso, porque podem mexer à vontade. O “não faça isso, não bula nisso” não existe. Podem tirar das estantes os livros que desejarem, dois, três, quatro ao mesmo tempo, e vê-los, lê-los, cheirá-los quanto quiserem, onde e como quiserem- no chão, como os nossos futuros aviadores, nas mesinhas, nas cadeirinhas de balanço. Nenhuma obrigação ali, além da de se regalarem com a livralhada deliciosa. Ainda em relação à importância do contexto para os pequenos sentirem-se à vontade com os livros, professor Sisto, na sequência de seu depoimento, afirma considerar lastimável a seguinte circunstância: [...] às vezes a gente vai a escolas e os livros estão pendurados em sacos plásticos expostos, mas as crianças não podem mexer, não podem tocar, as estantes são altas, e elas não tem acesso, então pra que tem bibliotecas pra criança? A biblioteca é da criança, ela é que tem que ter autonomia, inclusive pra ir lá na estante mexer no livros, escolher os livros e manusear esse material, faz parte desse processo de formação esse contato físico com o material, com o livro, mas a gente pode usar livro de pano, livro brinquedo, livro de plástico, livro que pode molhar, que pode por na banheira, que pode botar dentro da água, enfim existe essa 185 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina gama de material. Existe o livro de papel também que a gente precisa ensinar a criança a ter cuidado com ele, mas o livro é substituível. Claro você não vai usar um livro raro pra trabalhar com criança pequena, porque, você corre o risco de ter perda, mas os livros que estão aí no mercado, enfim eu acho que as coisas não podem ser tão radicais assim... Essa foi uma das preocupações centrais do Literatório, quando ele foi pensado. Quando perguntei sobre a preocupação com as idades, ele diz que cada atividade seria específica para aquele público que estaria sendo recebido ali, era esse o objetivo. Sempre as atividades seriam adequadas a cada público que tivesse indo visitar, então essas atividades poderiam ser brincadeiras ligadas e relacionadas à literatura, enfim, produção artística relacionadas à literatura, como desenhar, pintar. Sempre partindo da literatura, partindo do livro, partindo de uma história, a história claro sempre adequada ao público que estivesse presente no espaço. Então, pergunto: se fossem crianças bem pequenas seriam contadas histórias para pequenos? Prontamente ele afirma que “com certeza”. Mas uma das prioridades consistia em atingir todo o leque de leitores possível. Como já referido, atingir o Ensino Infantil, Fundamental, Médio, enfim, o projeto previa atividades ligadas à literatura num espaço lúdico, num espaço de interação, com materiais interativos sempre ligados à literatura, e que as escolas pudessem agendar visitas a esse espaço e esse espaço seria mantido por pessoas do curso de Letras, professores e alunos. Diante dessas preocupações, professor Sisto pensa que as contações de histórias devem acontecer sempre, se possível na barriga: [...] a própria mãe, enquanto está no período de gestação, se ela canta pra criança, se ela conta história mesmo na barriga, a criança já vai se familiarizando com a musicalidade com o ritmo, com todos essas coisas. Ainda Sisto fala que a literatura, principalmente de uma forma lúdica, tem que acompanhar a vida da criança, a vida escolar dela até o momento em que ela se torna independente e sai da escola. Acontece que isso é feito na educação infantil depois de primeiro a quarto ano. Do quinto ano até o ensino médio, parece que há um fosso, deixando-se de trabalhar com a literatura de uma forma lúdica. Infelizmente a literatura passa a ser trabalhada como cobrança, como ficha de leitura, com atividade pra nota. Amarilha (2000), em seu livro Estão mortas as Fadas? “entende que Sherazade deveria visitar mais vezes nossa sala de aula, não para sustentar 186 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina a disciplina, nem para preencher um vazio pedagógico, mas para proporcionar sistematicamente o contato com as possibilidades significativas da leitura”. Sisto, no desdobramento da entrevista, dá a entender que essas práticas dos professores muitas vezes acaba sendo uma obrigação, afastando o aluno do livro: [...] eu vejo muito nas escolas isso, até a 4ª série o trabalho com a literatura é muito prazeroso, muito lúdico. Agora, é preciso que o professor seja antes de tudo leitor para poder fazer bem esse tipo de trabalho, não pode ser um trabalho mecânico, não pode ser um trabalho do tipo “há eu vou ali ler uma historinha e acabou”. Contar histórias hoje “significa salvar o mundo imaginário” (SISTO, 2001), eu acho que a gente precisa ter um respeito enorme por essa produção literária, pelos escritores que estão ali produzindo livros de altíssima qualidade, e é preciso conhecer a fundo o que o mercado produz, os livros premiados, frequentar livrarias, ir as bibliotecas. Um professor pra lidar com esse tipo de trabalho precisa ser realmente um grande leitor e correr atrás disso, porque isso não vai vir de graça, não vai cair do céu no seu colo, você precisa correr atrás dessa formação específica. Entendo que todas essas inquietações acerca da arte literária, bem como os espaços (instituições) onde o livro se apresenta como um mito, precisa ser repensadas. Talvez necessário que sejam desmentidas algumas verdades cristalizadas, que legitimam a prática de muitos educadores. Acredito que espaços como o do Literatório possam simbolizar um passo em frente na construção efetiva de uma política visando ampliação e acessibilidade a um acervo de qualidade para as crianças em geral – e em meus propósitos específicos, para os pequenos. Entendo que as crianças da Educação Infantil, bem como todos que fazem parte das instituições escolares, primam por uma escola de qualidade, com a participação de professores comprometidos com a dimensão que vai além do cognitivo, que vê a leitura além dos moldes didáticos que se instituiu em nossa tradição escolar. Como enfatiza Marita Redin (2002, p. 108): Seria muito gratificante se a escola conseguisse realizar a química da “alegria cultural” em todas as suas atividades, em todas as suas práticas pedagógicas. Seria encantador conseguir realizar a poética da descoberta, da criação, da inovação. 187 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Assim, a partir das ideias que tenho colecionado, aliadas à minha experiência docente junto aos pequenos, proponho investigar uma experiência não curricular, mas que poderá auxiliar a pensar em alternativas dentro e fora da escola. Ou seja, investigar mais detalhadamente o espaço denominado Literatório, verificando limites e possibilidades de tal proposta, buscando saber se, efetivamente, sua existência tem feito diferença entre seus usuários, em especial entre as crianças que o frequentam. Quem sabe este estudo permita levantar algumas alternativas para pleitear junto à esfera pública de meu município experiências similares. Referências AMARILHA, Marli, Estão mortas as fadas? Literatura infantil e prática pedagógica. 2.ed. Petrópolis: Vozes; Natal: EDUFRN, 2000. BRASIL. Biblioteca na Escola. Brasília: MEC; SEB, 2006. ______. Plano Nacional do Livro e da Leitura – PNLL. Brasília: MEC, 2006. DEBUS, Eliane, Festaria de brincança: a leitura literária na Educação Infantil. São Paulo: Paulus, 2006. LOPES, Alice Casimiro. O livro didático nas políticas de currículo – Currículo e epistemologia. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007. MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. OLIVEIRA, Maria Alexandre de, A Literatura para crianças e jovens no Brasil de ontem e de hoje: caminhos de ensino. São Paulo: Paulinas, 2008. REDIN, Marita Martins. Entrando pela janela: o encantamento do aluno pela escola. Porto Alegre: Mediação, 2002. SISTO, Celso. Textos e pretextos sobre a arte de contar histórias. Chapecó: Argos, 2001. ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 8.ed. São Paulo: Global, 1994. 188 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina OS CONTOS INFANTIS COMO PROPOSTA DE INCENTIVO À LEITURA NA ERA DIGITAL Thiago Rafael Machado 64 UNIVALI [email protected] Chirley Domingues 65 UNISUL [email protected] [...] Chega mais perto e contempla as palavras Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave? [...] (Andrade apud Micheletti, 2001, p. 73) Introdução O acesso cada vez mais irrestrito às massivas informações propiciadas pela digitalização dos meios de comunicação tem provocado, a partir das últimas décadas do século XX, uma escassez de leitores infantojuvenis (COELHO, 2000; MACHADO, 2002). Embora a aquisição das informações tenha se tornado mais fácil, os conteúdos estão cada vez mais superficiais. E a agilidade no acesso às informações contribui para o desinteresse pela leitura literária, uma vez que até as pesquisas escolares são realizadas através da internet. Assim sendo, os livros, sejam eles de literatura ou enciclopédicos, tornaram-se artigos de última instância, buscados somente em situações em que a internet não pôde suprir as necessidades do educando. Levy (1999) observa que “[...] contrariamente 64 Acadêmico do curso de Letras Português/Inglês e Literaturas da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Contato: [email protected] 65 Mestre em Literatura Brasileira e Professora da Universidade do Vale do Itajaí. Contato: [email protected] 189 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina ao que nos leva a crer a vulgata midiática sobre a pretensa ‘frieza’ do ciberespaço, as redes digitais interativas são fatores potentes de personalização ou de encarnação do conhecimento”. Logo, é necessário que o educador, principalmente de língua portuguesa, seja o mediador entre a utilização das novas tecnologias como fonte de pesquisa escolar, e da leitura. Esta última, como fonte de aquisição de elementos e, também, como lazer. Machado (2002) diz que a noção de leitura prazerosa é muitas vezes confusa: Existe um elemento divertido, de entretenimento, em acompanhar uma história engraçada, emocionante ou cheia de peripécias. É uma das alegrias que um livro pode proporcionar – mas essa é apenas uma satisfação mais simples, evidente e superficial. Há muito mais que isso. Muito mesmo, como sabe qualquer leitor. Existe, por exemplo, o gosto pela viagem – um prazer muito especial, que não deve ser confundido com fuga, evasão ou escapismo. É o gosto pela imersão no desconhecido, pelo conhecimento do outro, pela exploração da diversidade. (p. 19) Levando-se em consideração as transformações que vêm ocorrendo no processo educacional e a desvalorização da leitura literária, o presente artigo visa propor uma abordagem diferenciada no ensino de literatura infantil. Para tanto, apresenta-se um panorama da literatura e sua função social, assim como os problemas e dificuldades encontrados nas escolas na atualidade. Por fim, expõe-se as vastas possibilidades de trabalho encontradas no campo da mídia digital, como forma de contextualização das obras clássicas, investigadas através de uma pesquisa quantitativa efetivada com alunos de uma quinta série do ensino fundamental. A Literatura e a transmissão dos saberes. A Literatura nasceu, provavelmente, como produto da necessidade de expressão humana. Desde que os povos primitivos desenvolveram inteligência suficiente para retratar os fatos do cotidiano, o homem começou a registrar suas experiências de vida para poder socializá-las, a exemplo das pinturas rupestres. Mais tarde, as narrativas tornaram-se o principal modo de transmissão de cultura. Antes do surgimento da escrita, todas as tradições de uma comunidade, grupo ou tribo eram repassadas aos 190 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina mais jovens através da oralidade. Todo o saber, prático, ritual ou mítico, estava concentrado nos mais velhos e sujeito às limitações da memória humana. Através do advento da escrita, o livro transformou-se no recipiente totalizante dessas informações, tornadas então imutáveis, embora pudessem ser interpretadas de diferentes maneiras. Era agora o leitor/intérprete quem detinha o conhecimento. A escrita possibilitou a apropriação das mensagens de forma atemporal, pois através dela pôde-se entrar em contato com textos escritos em outras épocas e localidades. Dessa forma, os protagonistas da comunicação não precisavam mais, necessariamente, compartilhar a mesma situação. Para que isso pudesse ocorrer, os textos começaram a ser elaborados de forma a ter sua carga semântica fechada, e conter em si mesmo suas características interpretativas. O fato de uma obra se tornar auto-suficiente, auto-explicativa, a torna universal. Mais tarde, com o surgimento das bibliotecas o saber registrado nos livros passou a ser reproduzido, e depois com a invenção da impressão, em grande escala. As enciclopédias e os dicionários são exemplos desse novo modo de transmissão através de um índice remissivo, já com ares de hipertexto. 66 Atualmente, a gradual substituição das bibliotecas pela informação contida no ciberespaço retoma as raízes da transmissão dos saberes, porém, com a diferença de que essa transmissão se dá através das comunidades virtuais, ilimitadas por tempo ou espaço, ao invés de invólucros exclusivos representados pelos sábios ou livros. 67 A literatura é, sobretudo, uma manifestação artística que privilegia a língua, falada ou escrita. Nela, o homem encontra a si mesmo, retratado sob as mais diversas óticas e em diferentes épocas. Apesar de seu proeminente caráter educativo, as crianças podem, sim, criar o gosto por ela além dos muros da escola. Segundo Micheletti (2001), Uma leitura profunda conduz a uma espécie de imersão no universo das palavras e, quando o leitor volta à tona, se encontra numa terceira 66 Hipertexto é um sistema para a visualização de informação cujos documentos contêm referências internas para outros documentos (chamadas de hiperlinks ou, simplesmente, links) 67 Ciberespaço é o espaço das comunicações por rede de computador. Sua comunicação acontece de forma virtual. Faz uso dos meios de comunicação modernos, destacando-se entre eles a Internet. 191 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina margem. Nela, pode rever-se, ampliando seu conhecimento de si e do mundo. (p. 16) A partir desse encontro, o leitor tem a possibilidade de enriquecer a sua experiência de vida, através da contextualização dos seus saberes, promovendo uma meta leitura do que lhe é apresentado. Esse processo de auto-conhecimento inicia-se na infância, com o auxílio dos contos infantis. Através de sua linguagem simbólica, essas histórias promovem a descoberta do mundo de uma forma lúdica e acessível, sem a sutileza de recursos estilísticos ou linguagem difícil. Muito comum na antiguidade, a visão do “adulto em miniatura” impedia a produção de uma literatura voltada especificamente para as crianças, que possuem interesses próprios e necessitam de formação específica. As origens da Literatura Infantil. A Literatura Infantil é de natureza maravilhosa, pois compreende uma série de mitos e fábulas pertencentes ao pensamento mágico, natural aos intelectualmente imaturos. Esse pensamento era comum na antiguidade, o que explica o surgimento e o grande sucesso desse tipo de literatura nessa época, que compreende desde os povos primitivos até a Idade Média. Criada originalmente para o prazer dos adultos, popularizou-se no imaginário coletivo através de narrativas, sofreu mudanças e misturou-se a outros temas, dando origem a uma série de gêneros e subgêneros. Com a crescente intelectualização da cultura e da sociedade, tornou-se desprestigiada e passou a ser designada às crianças. A mudança de público-alvo promoveu, entretanto, a transformação dessas histórias em ferramentas pedagógicas. Os leitores aos quais essa literatura é destinada estão em processo de formação, necessitados de exemplos conscientizadores que auxiliem seu amadurecimento de forma divertida e interessante. Daí o cunho moralizante e o caráter lúdico que se fazem onipresentes. Sobre esse olhar preconceituoso, Zilberman (1998) afirma que: [...] a literatura infantil [...] está envolvida por uma capa protetora de enganos e preconceitos que, ao mesmo tempo em que a diminuem 192 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina intelectualmente, reprimem uma averiguação que ponha em evidência sua validade estética ou suas fraquezas ideológicas. (p. 9) Machado (2002) corrobora com esse pensamento, afirmando que [...] talvez justamente seja essa a causa e o efeito de não terem tanto prestígio e nobreza. Muitas vezes, são consideradas apenas “histórias infantis” e, por isso, vistas como pouco importantes. Outras vezes, ocorre processo inverso: por serem consideradas pouco importantes e sem nobreza literária, se acha que podem então ser destinadas às crianças. Duplo preconceito. E inteiramente equivocado. Por um lado, não foram escritas com o objetivo específico de procurarem a garotada como público-alvo. Por outro lado, o alto nível de sua qualidade artística e a sua força cultural são atestados pela sua universalidade e sua permanência. (p. 68) Um dos subgêneros da Literatura Infantil, denominado conto de fadas, pode também ser chamado de conto de encantamento. Isso porque ocorre sempre fora da realidade, no mundo da fantasia e do sonho, onde as limitações humanas não impedem que os fatos sejam resolvidos através de meios sobrenaturais. Caracteriza-se geralmente por narrativas curtas, onde o herói ou heroína tem de enfrentar grandes obstáculos antes de triunfar contra o mal, com o auxílio de magia. A palavra fada deriva da palavra latina fatum, que significa destino. A personagem que resistiu a todas as mudanças de costumes ocupa um lugar privilegiado nas histórias que levam o seu nome, encarna a possibilidade da realização dos sonhos através da mágica. O homem sempre necessitou de mediadores mágicos que transcendessem a realidade dura em que se encontrava. Por isso, as histórias refletem os anseios das camadas populares da época em que surgiram: demonstram as relações sociais e apresentam na maioria das vezes, personagens pobres que esperam que algo de mágico lhes aconteça para que possam melhorar de vida. As origens dessas histórias remontam às novelas de cavalaria, ambientadas na Idade Média, e imortalizaram a imagem do nobre cavaleiro cristão que vagava pela floresta em busca de aventuras, sempre disposto a fazer justiça em favor dos humildes. Todas contavam com a presença de um ser mágico, bruxo ou feiticeiro, provavelmente um sacerdote celta. O mais famoso deles, Merlin, pertenceu a um clássico medieval: Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, onde também aparece a figura de Morgana, retratada na literatura ora como fada, ora como feiticeira 193 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina maléfica. De acordo com Machado (2001), acreditava-se que as mulheres solitárias que conhecessem a medicina popular eram bruxas, assim como em espíritos dos elementos, encantamentos e sortilégios. Essas crenças estão presentes na maioria das narrativas produzidas durante o período medieval. Já os contos maravilhosos têm origem oriental, e diferentemente dos contos de fadas, apresentam a temática do herói – ou anti-herói -, que é uma pessoa de origem humilde ou que passa por grandes privações, triunfa ao conquistar riqueza e poder. Por exemplo: Ali Babá e os 40 Ladrões, Aladim e a Lâmpada Maravilhosa e Simbad, o Marujo. É interessante atentar para a permanência dessa literatura nos dias de hoje. As circunstâncias inerentes a ela se perderam no tempo, através das enormes mudanças ocorridas desde o mundo arcaico onde surgiram até a atualidade. Contudo, os valores contidos em seu texto são atemporais. Transmitem de maneira generalizada a natureza humana, com suas paixões, vícios, impulsos e desejos, representados através de metáforas, alegorias e símbolos constantemente atualizados e facilmente assimilados pelas mentes primárias dos leitores. Coelho (2000) relata que [...] o livro infantil é entendido como uma “mensagem” (comunicação) entre um autor-adulto (o que possui experiência do real) e um leitorcriança (o que deve adquirir tal experiência). Nessa situação, o ato de ler (ou de ouvir), pelo qual se completa o fenômeno literário, se transforma em um ato de aprendizagem. (p. 31) Porém, foi somente a partir do século XVII que esta literatura começou a ser direcionada especificamente para as crianças. Na França, Mademoiselle Lhéritier e Madame d’Aulnoy se dedicaram a recolher os contos populares que as encantavam e lhes dar um caráter mais literário, intercalando-as com outras de sua própria autoria. Mais tarde, o também francês Charles Perrault se celebrizou ao recontar e publicar alguns desses contos especialmente para as crianças da corte, dotando-os de uma “moral da história”. São de sua autoria as versões imortalizadas de clássicos como Chapeuzinho Vermelho, Cinderela e a Bela Adormecida. Muitos anos depois, os irmãos alemães Wilhelm e Jacob Grimm foram responsáveis por uma coletânea muito mais extensa de histórias populares. Com o título de Contos para o Lar e as Crianças, essas histórias eram escritas numa linguagem simplificada, semelhante à oralidade do 194 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina povo que as contava, em diferentes versões que já se encontravam espalhadas por toda a Europa havia séculos. Com esse trabalho, os irmãos Grimm objetivavam preservar o patrimônio cultural do povo alemão, além de colocá-lo à disposição de todos. Mas foi o dinamarquês Hans Christian Andersen o primeiro autor a escrever especialmente para as crianças. Considerado o “pai da literatura infantil”, ele não se limitou somente a coletar histórias junto ao povo e compilá-las em livros. Seguindo os modelos tradicionais, criou novos contos dotados de poética e melancolia, marcas inconfundíveis suas, além da constante fusão do maravilhoso pagão com o espiritualismo cristão. Muitas de suas histórias mostram a luta de personagens humanas contra as dificuldades da vida, que ao serem vencidos por elas, são vitoriosos na conquista do céu. Um exemplo é A Menina dos fósforos, que narra a história de uma menina que morre de frio no inverno após apagar todos os fósforos contidos nas caixas que levava para vender. São de sua autoria também os clássicos O Patinho Feio, A Roupa Nova do Imperador, Polegarzinha e A Pequena Sereia, entre outros. Segundo Machado (2002), a possibilidade de criar novas histórias [...] acendeu a imaginação de outros autores. A partir daí, pela primeira vez, algumas obras começaram a ser criadas especialmente para a leitura infantil, sem intenção didática. Por outro lado, grandes escritores consagrados em outros gêneros também se aventuraram a desafiar os preconceitos e fazer incursões criativas pelos contos de fadas – como o inglês Oscar Wilde, por exemplo, que nos deu obras-primas como O Rouxinol e a Rosa, O Príncipe Feliz e O Gigante Egoísta. (p.73) Seguindo a esteira das obras para crianças, nos anos 60 e 70, o escritor brasileiro Monteiro Lobato brilhantemente mesclou o universo maravilhoso dos contos infantis, já popularizados, com a realidade. Surgia, assim, o Sítio do Picapau Amarelo, lugar onde a travessa e malcriada Emília, juntamente com Pedrinho, Narizinho e o Visconde de Sabugosa protagonizaram as mais diversas aventuras. Nelas, graças à mágica do pó de pirlimpimpim que permitia que viajassem no tempo e espaço, encontraram personagens das histórias infantis ou da mitologia grega, como em Os Doze Trabalhos de Hércules e O Minotauro, recontados sob a crítica lobatiana, que se fazia presente através da personagem Emília. Além da incursão pelos clássicos, a obra de Lobato demonstra um caráter pedagógico diferente, porém, do tradicional. Ao invés de apresentar “moral da história”, o autor convida os leitores-mirins a questionar o 195 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina mundo em que vivem. Assuntos de cunho formador como matemática, português, geografia e ciências são discutidos e mencionados diversas vezes, seja através da figura de Dona Benta, (representando o indivíduo mais experiente, que repassa esse conhecimento para os mais jovens) como em A Geografia da Dona Benta, seja através dos questionamentos e experimentações das próprias crianças (como quando Emília resolve mudar a ordem das coisas em A Reforma da Natureza). Sobre a obra de Monteiro Lobato, Abramovich (1997) analisa que A lógica que impera no sítio não é a do adulto, mas lá o adulto entra no jogo da criança e se discute História do mundo, se vive a mitologia grega, se debate o petróleo brasileiro, se analisa a moral das fábulas, se tenta uma reforma da natureza, se recebem todas as personagens dos contos de fadas... Essa mistura fantástica, maravilhosa, de realidade e fantasia [...] é mais do que surpreendente ou humorada... é a própria essência do humor. (p. 61) Nos dias de hoje, uma nova vertente dos clássicos infantis são as adaptações. Mais que de uma simples mudança no enredo, as adaptações se apropriam dos elementos e os modernizam, mantendo as características básicas de cada história, trazendo-os para os dias atuais. Exemplos desse processo de modernização são as diversas abordagens sobre clássicos como Chapeuzinho Vermelho e Cinderela: Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque de Holanda, e Chapeuzinho Vermelho de Raiva, de Mario Prata. Deu a Louca na Chapeuzinho, Deu a Louca na Cinderela, e Shrek são as mais recentes adaptações feitas especialmente para o cinema, veículo que se estabeleceu como principal difusor de histórias infantis graças a Walt Disney. Essas novas formas de contar as histórias infantis demonstram a necessidade de uma urgente contextualização desses clássicos. Talvez devido ao desgaste do tempo, ou pela incessante utilização desses contos, as adaptações tornaram-se necessárias para que o pensamento mágico tivesse suporte de algo tão presente no cotidiano das crianças de hoje, que é a tecnologia. A verossimilhança do enredo depende dessas características herdadas após a revolução tecnológica, algo que o torna interessante para os leitores da era do computador. 196 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A literatura na atualidade: problemas na escola. A mentalidade do público-alvo existente nas salas de aula tem mudado de forma exponencial nas últimas décadas. O acesso à informação, de forma ágil e dinâmica, se popularizou com a chamada revolução tecnológica. Através da rede mundial de computadores, é possível acessar qualquer informação desejada em poucos segundos. Essa facilidade na obtenção e informações criou um abismo entre a educação e a escola, que se tornou ultrapassada em seus métodos de ensino e abordagens pedagógicas. As metodologias de pesquisa tradicionais, que compreendiam a leitura e apreensão de conteúdo de vários livros foram abandonadas, dando lugar a uma pesquisa mais rápida e eficiente nos buscadores da internet. Dessa forma, o livro tem perdido nas escolas o seu status de principal recipiente de saber, levando também a um afastamento da leitura literária. Há muito, a literatura na escola é apresentada de forma desestimuladora e maçante aos discentes. A maioria dos textos é trabalhada em sala de aula através dos livros didáticos e a abordagem utilizada é pretexto para ilustrar as regras gramaticais da língua portuguesa. São geralmente acompanhados de exercícios que promovem uma análise superficial e pouco crítica das obras. Quando utilizados nas aulas de literatura, as escolhas mais comuns dos educadores são as obras clássicas, canonizadas pelo seu valor cultural e opiniões da crítica. São oferecidas em sua forma original, descontextualizada e de linguagem difícil, e interpretadas através de técnicas de leitura que não propiciam o reconhecimento do texto como uma unidade lógica, um micro universo coeso que necessita ser entendido como um todo e não simplesmente fragmentado em respostas para o preenchimento de uma ficha de leitura, o que induz a uma interpretação unificada. Zilberman (1998) afirma que o processo de leitura é [...] um intercâmbio cognitivo entre o texto e o leitor, verifica-se que está implicado aí o fenômeno da leitura enquanto tal. Esta não representa a absorção de uma certa mensagem, mas antes uma convivência particular com o mundo criado através do imaginário. A obra de arte literária não se reduz a um determinado conteúdo reificado, mas depende da assimilação individual da realidade que recria. Sem ser compreendida na sua totalidade, ela não é autenticamente lida. (p. 24) 197 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Coelho (2000) acrescenta que [...] Enfim, o que hoje define a contemporaneidade de uma literatura é a sua intenção de estimular a consciência crítica do leitor; levá-lo a desenvolver sua própria expressividade verbal ou a sua criatividade latente; dinamizar sua capacidade de observação e reflexão em face do mundo que o rodeia; e torná-lo consciente da complexa realidade em transformação que é a sociedade, em que se deve atuar quando chegar a sua vez de participar ativamente do processo em curso. (p.151). Portanto, não se objetiva aqui ir contra a utilização dos clássicos na escola, mas justamente o contrário. Infantis ou não, essas histórias estão recheadas de referências sobres expressões e costumes que utilizamos diariamente, principalmente no que se refere à Grécia antiga. Quando falamos em “presente de grego” ou “calcanhar de Aquiles”, estamos nos referindo à guerra de Tróia; quando dizemos que algo é “bacana”, fazemos uma alusão a Baco, nome romano do deus do vinho. Por isso, estas obras são de fundamental importância na formação da bagagem cultural de crianças e adolescentes, ajudando-as a compreender o mundo à sua volta e a participar ativamente dele, o que não deve ser confundido com uma simples missão pedagógica e de dominação. Esta abordagem da literatura infantil promove o surgimento de leitores críticos, além de trazer a ficção para a realidade do aluno, e não o inverso. É possível utilizar estes clássicos em versões adaptadas ou reduzidas, para que os educandos possam conhecê-las sem se entediar com pormenores que dificultem a apreensão do enredo, despertando o interesse pela história em si, para que mais tarde, ao se tornarem leitores maduros, se deleitem com a versão original do texto. Nesse sentido, corrobora-se da opinião de Machado (2002) quando esta afirma que [...] não precisamos cair no extremo oposto [...] o de achar que qualquer leitura de clássico pelos jovens perdeu o sentido e, portanto, deve ser abandonada nestes tempos de primazia da imagem e domínio das diferentes telas sobre a palavra impressa em papel. (p.12) Na era da informática (imagem e comunicação instantânea) lidamos mais com signos que com coisas. As imensas possibilidades do contínuo afastamento entre crianças e livros, provocadas pela enxurrada tecnológica em que o mundo se encontra, promovem questionamentos sobre o futuro da literatura. Os meios de comunicação digitais 198 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina proporcionam a experiência da interatividade, de forma semelhante ao processo de leitura. Ocorre uma reapropriação e recombinação da mensagem, o que permite a participação ativa do interlocutor na transação de informação. Todavia, a diferença está na flexibilidade do meio em que a mensagem se encontra. O cinema e a televisão distribuem de forma massiva e quase simultânea um mesmo filme por todo o planeta, atingindo milhares de espectadores a cada sessão. Da mesma forma, a característica fluida e universal do ciberespaço também permite que a mesma mensagem seja compartilhada por milhares de usuários no mesmo instante, conectada a outras mensagens através de hyperlinks68, comentada ou, até mesmo, modificada, em uma evolução constante. O texto se torna um fragmento móvel de hipertexto, servindo de mediador para uma comunicação ininterrupta e recíproca. Levy (1999) complementa afirmando que [...] em resumo, em, algumas dezenas de anos, o ciberespaço, suas comunidades virtuais, suas reservas de imagens, suas simulações interativas, sua irresistível proliferação de textos e signos, será o mediador essencial da inteligência coletiva da humanidade. Como esse novo suporte de informação e de comunicação emergem gêneros de conhecimento inusitados, critérios de avaliação inéditos para orientar o saber, novos atores na produção e tratamento dos conhecimentos. Qualquer política de educação terá de levar isso em conta. (p. 167) Logo, será necessário buscar técnicas audiovisuais, multimídias ou ensino à distância, que possam ampliar o espaço pedagógico dos professores e formadores. O educador é incentivado a se tornar um mediador dos saberes coletivos, ao invés de um simples fornecedor de conhecimentos, o que é realizado de forma mais eficaz pelo meio virtual. Sua função será o de gestor da aprendizagem. Segundo Levy (1999, p. 163), “é a transição de uma educação e uma formação estritamente institucionalizada (a escola, a universidade) para uma situação de troca generalizada de saberes, o ensino da sociedade por ela mesma”. Não se trata de impor as novas tecnologias a qualquer custo, mas sim de acompanhá-las. O que leva a perceber um já provável declínio da sociedade baseada na escrita estática, que não desaparecerá por completo, mas se tornará secundária. 68 Uma hiperligação, ou simplesmente uma ligação (também conhecida em português pelos correspondentes termos ingleses, hyperlink e link), é uma referência num documento em hipertexto a outro documento ou a outro recurso. 199 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Análise de dados Mediante a constatação da mudança de hábitos de leitura que vem ocorrendo gradativamente nas crianças, efetivou-se uma investigação do processo de aquisição de contos infantis através de uma pesquisa quantitativa. A pesquisa foi realizada com crianças de uma turma de quinta série de uma escola da Rede Estadual da cidade de Joinville/SC, com idades entre 10 e 12 anos. Foi escolhida esta instituição de ensino pelo fato de lá haver aulas de leitura na biblioteca, uma vez por semana, a cargo da bibliotecária Lucimar Hilário, também acadêmica do Curso de Letras da Univali. Objetivava-se saber as principais fontes de conhecimento dos alunos sobre literatura infantil para traçar um perfil do público através da análise de dados. Para o levantamento das informações, foi elaborado um questionário contendo cinco perguntas, duas alternativas e três dissertativas, acerca dos conhecimentos das crianças sobre contos de fadas e impressões sobre o filme Encantada, apresentado a elas no início dessa pesquisa. Encantada é uma produção da Disney que mistura desenho animado e atores reais numa história repleta de referências a outros contos infantis. A protagonista, princesa Giselle, vive no reino de Andalásia e sonha casar-se com o príncipe que lhe der o “beijo de amor verdadeiro”. Ao encontrá-lo, é mandada para o mundo real pela Madrasta má do príncipe, no dia do seu casamento. No “lugar onde não existe felizes para sempre”, Giselle encontra o advogado Robert, que não acredita em relacionamentos felizes. Ambos se apaixonam, e mudam o rumo tradicional do conto de fadas. Ao serem questionadas se sabiam o que são contos de fadas, cem por cento dos discentes afirmaram sim, demonstrando que haviam recebido algum embasamento sobre o assunto. A segunda questão objetivava saber a fonte de tal embasamento. Trinta e quatro por cento dos alunos afirmaram que foi através de filmes que haviam tomado conhecimento dessas histórias; surpreendentemente, a mesma porcentagem afirmou tê-las lido em livros. Dezesseis por cento afirmou ter ouvido os pais contarem as histórias, contra quinze por cento que afirmaram ter as ouvido na escola. Somente um por cento afirmou que a internet foi a fonte na qual encontraram as histórias. Os resultados demonstram que tanto os livros quanto o cinema têm a mesma eficácia na difusão dos contos de fadas, 200 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina atualmente. As formas de abordagem utilizadas por esses meios, no entanto, atingem de forma diferenciada o público-alvo, proporcionando formas distintas de imersão na história. Os livros exigem participação ativa do leitor na criação da imagem mental dos cenários e personagens, enquanto o filme direciona o telespectador para a visão do diretor, trazendo essas imagens já formuladas. Há, porém, espaço para a coexistência pacífica das várias linguagens existentes. Um bom educador pode se valer de várias, contextualizando-as e complementando seus textos, além de instrumentalizar os alunos com uma visão crítica acerca dos pontos de vista e adaptações sobre uma mesma história. Com o intuito de saber quais histórias eram conhecidas pelas crianças, foi solicitado que elas escrevessem os nomes dos contos de fadas que já leram ou já ouviram falar. Nesse momento, vários alunos fizeram confusão em relação a diagnosticar quais histórias poderiam ser classificadas como contos de fadas e quais não. Vinte por cento afirmaram conhecer o contos da Cinderela e Branca de Neve, enquanto dezenove por cento afirmou conhecer a história da Rapunzel. Quinze por cento mencionou a história da Bela Adormecida, contra quatorze por cento, A Bela e a Fera. Nove por cento afirmou Chapeuzinho Vermelho, que possui características de conto maravilhoso, e não de fadas. Dois por cento conheciam a Pequena Sereia, e somente um por cento mencionou A Princesa e o Sapo. As respostas demonstram grande conhecimento das duas primeiras histórias citadas, provavelmente por serem clássicos do cinema imortalizados por Walt Disney e também por terem se tornado recentemente produto de merchandising das empresas Disney, além das versões registradas pela literatura. A própria imagem das princesas foi associada ao estereótipo criado pelo desenhista, que também abrangeu as histórias da Bela Adormecida e A Pequena Sereia, quarto e sexto contos acima citados. O terceiro clássico, Rapunzel, foi recentemente transformado em filme pela empresa Mattel, produtor da boneca Barbie. Além dos filmes retratando a boneca no papel das princesas, a empresa lançou bonecas da maioria das princesas imortalizadas pelos contos de fadas. O último nome citado na pesquisa teve sua primeira versão literária registrada pelos irmãos Grimm, e aparece em alguns livros didáticos como texto de apoio. Outro fator que pode haver inferido no resultado da pesquisa é o fato de o filme exibido aos entrevistados, Encantada, conter cenas que referenciam acontecimentos ocorridos nos contos mais lembrados, a exemplo da maçã 201 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina que envenena a Branca de Neve ou o sapatinho que é deixado para trás após o baile pela Cinderela. Por este motivo, foi questionado às crianças se haviam percebido tais referências no filme. Corroborando com as respostas acima, a maioria das afirmações foi positiva. Na quarta questão, foi solicitado novamente que as crianças fizessem comparações entre o filme assistido e as obras conhecidas, questionando se a princesa do filme seria igual a todas as outras. Sessenta e quatro por cento afirmou que sim, pois a protagonista se encaixava no estereótipo de princesa criado pela mídia, além de vivenciar situações semelhantes às ocorridas em outras histórias. Já trinta e quatro por cento afirmou que não, justamente por não ter conseguido encaixar a personagem no estereótipo, o que é o objetivo principal da história. Somente dois por cento respondeu que talvez, justificando que a personagem era uma mera fusão das outras princesas dos contos a que o filme se referia. Ao final do trabalho realizado, evidenciou-se que as crianças possuem um bom conhecimento em relação aos contos infantis. Infelizmente, apontam uma participação razoável da escola (no papel do educador) e dos pais nesse aprendizado. Para a surpresa dos pesquisadores, os filmes e a literatura obtiveram a mesma porcentagem de afirmações no que se refere ao conhecimento prévio que as crianças têm dos contos de fadas. Isso porque a ausência dos meios digitais na vida escolar dessas crianças acaba não possibilitando outras formas de contato ou releituras desses mesmos textos. A imensa potencialidade dos meios de comunicação digitais está sendo desperdiçada na prática educacional, haja vista que somente um por cento dos entrevistados afirmou que a internet foi usada como fonte de pesquisa de histórias infantis. Cada vez mais as crianças têm acesso à internet, em casa, na escola ou em lan houses, porém a utilizam, em sua maioria, para fins de lazer. Elas dominam os processos de pesquisa nos buscadores on-line, salas de bate papo. instant messengers, além de complicados jogos de estratégias e ferramentas da internet. As habilidades adquiridas para o manejo de tais ferramentas são fruto de várias horas em frente o computador, que resultam na aprendizagem dessas linguagens digitais. Cabe aos pais, ou no ambiente escolar aos professores, participarem ativamente, sabendo utilizar a cibercultura, tão comum aos alunos, para contextualizar e aproximar a literatura do cotidiano. A riqueza de 202 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina informações encontradas no ciberespaço é complementada pelas possibilidades de interação que ele proporciona, fazendo com que o aluno se torne o protagonista de seu próprio aprendizado e, tornando o professor um mediador do bom uso dessas informações. Uma vez acesa a chama da curiosidade em relação à história ou obra, a procura dos alunos pelas versões originais será natural e prazerosa, podendo também ocorrer de forma inversa, partindo do livro para o ciberespaço, ou até mesmo da versão adaptada para o cinema. O filme Encantada, utilizado na pesquisa, tem uma história baseada no encontro da fantasia e da realidade, e apresenta fatos de duas épocas, uma antiga e outra atual. Isso deveria causar certo estranhamento nas crianças, pois é perceptível a mescla de elementos modernos com a época medieval que serve de pano de fundo para a maioria dos contos de fadas. Contudo, essa mistura é bem aceita pela geração atual, que não chega a questionar o fato de, por exemplo, utilizarem-se luzes néon e aparelhos de som em determinada cena do filme Shrek. Considerações finais Destarte, por mais que pareçam universos distantes, literatura e mídia digital são maneiras diferentes de navegar por um mesmo mar de informações. Ambas são excelentes fontes de aprendizado, quando bem utilizadas. Machado (2002) afirma que ao escolher navegação como metáfora para a leitura dessas obras, pensei em tudo isso. Lembrei também outro uso que damos atualmente para essa palavra, quando falamos em navegar pela Internet. Acho muito interessante pensar na Literatura com o algo parecido a uma grande rede universal, unindo os mais distantes pontos, conectados por contigüidade, substituíveis uns aos outros. São inúmeros caminhos que vão se oferecendo sem limite, um mundo infinitamente aberto para todas as possibilidades, sem fronteiras. (p. 131) Isso não significa que as informações distribuídas pelas mídias digitais, de caráter apassivador e que exigem uma mínima interpretação do interlocutor, possam sobrepor a “viagem” proporcionada pela leitura de um bom livro. Portanto, a teoria apresentada por Pierre Levy, do provável declínio da sociedade baseada na escrita estática deve ser repensada, tendo em vista o aumento de publicações no mercado editorial a cada ano. Os 203 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina livros continuam sendo consumidos por uma boa parcela da população que não abandonou totalmente a leitura literária, seguindo uma tendência natural da evolução da espécie humana e das exigências do mercado de trabalho. Dessa forma, assim como a TV pode e deve ser utilizada como recurso para a abordagem da literatura, o ciberespaço poderá atuar como ferramenta complementar no processo de aprendizagem, na medida em que proporciona o encontro com texto diversos, inclusive os clássicos, facultando experiências mais interativas sobre o mesmo conteúdo encontrado nos livros. As instituições de ensino precisam estar à frente dessa nova revolução educacional, formando os educadores que possam mediar a aquisição do conhecimento de forma enriquecedora. Pesquisas como estas são de vital importância para a reiteração dos dados obtidos com a leitura da bibliografia citada, embora limitada a um público-alvo deveras restrito. Semelhante pesquisa, mais extensa, abrangendo toda uma região ou até mesmo um estado, seria igualmente importante para o delineamento de um panorama mais completo dos conhecimentos literários das crianças em idade escolar, a partir dos meios que estão, hoje, a elas disponíveis. Referências ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1997. COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000 – 1ª ed. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. MICHELETTI, Guaraciaba. Leitura e construção do real: o lugar da poesia e da ficção. São Paulo: Cortez, 2001 – 2ª ed. WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org> Acessado em 22 de maio de 2008. ZILBERMAN, Regina. A literatura na escola. São Paulo: Global, 1998 – 10ª ed. 204 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina DONA SOFIA, OFÉLIA E UMA VELHINHA SEM NOME – PALAVRAS, TRAÇOS E CORES QUE NARRAM VELHICES Larisa da Veiga Vieira Bandeira UFRGS [email protected] Quando contamos uma história para as crianças emprestamos nossa voz para o autor. Ouso dizer que a história infantil tem três autores, o autor do texto, o ilustrador e o contador. Responsabilidade imensa tem o contador nesse espaço de projeções, reflexões e de vazios para que o texto aconteça. O contador/narrador deve ser um leitor simbólico capaz de aproveitar toda riqueza que emerge do texto. Na voz, o contador carrega o drama, a alegria, o colorido da história, ou, pode fazer com que o encantamento da autoria seja transformado em território vazio e inóspito. Qual voz eu emprestaria para narrar a Velhinha criada pelas palavras de CYNTHIA RYLANT e pelo traço de KATHRYN BROWN? Uma voz marinada pelo ar da praia e pelos muitos anos que ela ali vive? Uma voz que entra em acordo com o desengajamento, com o final de uma vida? Uma voz que aprende de novo a investir na vida com afeto e esperança? Uma voz que mostre uma possibilidade de envelhecer dignamente? Nas transparências das ilustrações de FRIEDRICH HECHELMANN, no texto sublime de MICHAEL ENDE, somos convidados a participar da encenação do ato final da vida de Ofélia. Traço e palavra em um cenário fantasmagórico são acolhidos e aceitos por uma senhora que viveu dando palavras às vozes dos outros. Qual voz narra uma vida minúscula e invisível? ANDRÉ NEVES escreveu e ilustrou Dona Sofia, uma senhora dedicada às palavras. Na casa de Dona Sofia traço e poesia confabulam e ganham as ruas da cidade. Que voz emprestar para contar aquilo que de tão intenso transborda com o tempo? E em que no espaço em que se vive não se pode mais guardar? Possibilidades de envelhecer, “envelheceres” diferentes, ou algumas vezes, muito parecidos com os que as crianças conhecem. De muitas formas o envelhecer é apresentado à infância, através dos livros, dos filmes, da voz dos seus narradores, quais vozes falam para as crianças sobre vida, envelhecimento e morte? 205 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Utilizarei para essa abordagem as teorias sociológicas clássicas sobre o envelhecimento – Atividade, Desengajamento e Modernização – que impulsionaram a pesquisa e o trabalho prático com as pessoas idosas até os dias de hoje, sob a perspectiva dos estudos de Johannes Doll acerca da gerontologia. A aproximação possível da literatura infantil com as teorias sociológicas, a aproximação da velhice com a infância, será mediada pelos três livros escolhidos e pela riqueza simbólica que estes autores oferecem em suas imagens e textos. Não pretendo me entregar à árdua tarefa de explicar as três teorias minuciosamente, mas de utilizá-las como possibilidades de olhar de diferentes formas para a velhice e de produzir diferentes sentidos para a leitura e para os novos leitores. Era uma vez – Uma velhinha sem nome Quando vem a taciturna e poda as tulipas: Quem sai ganhando? Quem perde? Quem aparece na janela? Quem diz primeiro o nome dela? Paul Celan No livro A Velhinha que dava nome às coisas, as autoras nos apresentam uma velhinha que dá nome a todas as coisas que tem em sua casa. Do carro a cama todos os objetos que ela possui tem um nome, todos os objetos que sobreviverem a ela são merecedores de um nome, somente ela não tem nome algum. As autoras reconhecem a personagem pela sua condição de velhinha, a velhice é maior que a mulher e seu nome, a velhice a caracteriza e a nomeia. Uma primeira questão aparece quando não temos um nome para essa personagem, como chamamos as velhinhas que conhecemos? Um não nome, uma ausência do nome, para lembrar, para sinalizar sua importância. Sutileza possibilitada pela escrita e pela ilustração sensível e pela leitura empreendida pelos seus contadores. O nome da Velhinha não aparece. Em nenhum momento do livro sabemos como ela se chama. Sabemos que ela mantém uma rotina, é organizada, tem contas para pagar, mas, não sabemos seu nome. O quê significa ter um nome? Ser chamado por ele? Como é não ter ninguém que pronuncie seu nome? A Velhinha sabia da importância de um nome, um nome próprio, único, que representasse seus objetos de afeto, tanto sabia 206 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina que nomeava as coisas que preenchiam sua vida. Estas coisas tinham utilidade, importância e alguém para reconhecê-las pelo nome. O nome pode ser também o reconhecimento da importância de alguém em um determinado contexto, no trabalho, na família, na comunidade. Mas, quando não mais trabalhamos, não temos mais familiares próximos geográfica ou afetivamente, não participamos mais de atividades na comunidade, vivemos em nossas memórias e assuntos de nossa vida privada, doméstica e solitária, precisamos ter um nome? Infância e velhice, nomes que abrigam legiões, crianças e velhinhas, as “as coisa fofas” e as “acabadas”, as “pestinhas” e as “ranzinzas”, as que aprendem e as que esquecem, as que agora começam e as que já estão terminando e muitas outras. Outras sem nome. Sem nome, sem laços com outras pessoas a Velhinha trás no início de sua história um distanciamento resultante da diminuição das interações sociais (todos seus amigos já haviam morrido), sem envolvimento com outros, vive só com seus objetos pessoais. Características apontadas na teoria do Desengajamento. 69 Nesta teoria, envelhecimento é um acontecimento mútuo e inevitável de retirada, resultando em diminuição nas interações entre a pessoa que está envelhecendo e os membros que compõe seu sistema social (DOLL, et all.p.14. 2007). Mas, esses autores lembram também que esse tipo de teoria tende a universalizar demais, levando a formas de explicações pouco precisas. Na história da Velhinha aparece um cachorrinho sem nome, um cachorro que ainda não tem importância, que ainda não foi significado pelo afeto de alguém. Um cão, um ser vivo que corria o risco de morrer antes dela. O cãozinho passa a receber a atenção da velhinha, porém, fica muito tempo sem ter um nome, mesmo aparecendo todos os dias no portão. Um dia o cão não aparece, a tristeza toma conta, chove na página do livro. Ela sai de casa para procurar um cão, um cão sem nome. Um cão anônimo, que não pertence a ninguém. Nessa procura ela pensa no nome que vai dar a ele, recorda então de seus amigos e do nome de cada um deles, percebe o privilégio de ter tido tantos amigos. Finalmente pensa no nome de seu novo amigo “Sortudo”, como ela, uma “velha sortuda”. 69 Formulada por Cumming e Henry, no livro Growing Old (1961), baseada nos dados de uma pesquisa realizada em Kansas City com pessoas entre 50 e 90 anos física e financeiramente auto-suficientes. 207 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Velhice, a sombra do que fomos... À sombra... Sombria É alguém que tem meus olhos. Tem-nos desde quando portas se fecham. Carrega-os no dedo, como anéis. Carrega-os como cacos de desejo e safira: era já meu irmão no outono; conta já os dias e noites. Paul Celan O livro O Teatro de Sombras de Ofélia conta a história de uma velha senhora chamada Ofélia que trabalhava em uma caixa escondida nos limites de um palco, por ter uma voz fraca, quase inaudível, podia soprar os textos para os atores de teatro. Fez isso durante toda sua vida, não precisava mais ler as falas. Sabia todas. Mas, nada pode deter o tempo e suas mudanças, o teatro foi fechado, e, o único lugar que Ofélia ocupou na vida não tinha mais utilidade. Sem trabalho, ou, um espaço para ocupar, Ofélia começa a ser assediada por sombras. Resignada ela acolhe generosamente todas que se apresentam, divide sua pequena vida com elas. De forma sutil se confunde com estas sombras, talvez as formas mais próximas de tudo que foi na vida, uma sombra dentro de uma caixa. Quando começa a ser vista fora da caixa que a escondia, quando começou a transitar com uma bolsa cheia de sombras, Ofélia começou a ser percebida como alguém esquisita que deveria ir para um asilo. Ela então resolve partir com suas sombras, no caminho, vencida pelo cansaço, cai no sono. Enquanto dorme as sombras resolvem ajudar e iniciam o teatro de sombras de Ofélia que faz sucesso entre crianças e adultos. Ela corre o mundo com sua trupe sombria, junta dinheiro e compra um carro. Nesse ponto do livro o autor lembra que a história poderia terminar ali, porém mais uma sombra visita Ofélia e ela prontamente a acolhe e deixa que esta a envolva. Em sua última cena não mais na precariedade de seu corpo velho, mas na suntuosidade de um teatro novo, na luz da eternidade, Ofélia deixa para trás todas as sombras da condição humana. E no céu inicia então a eterna encenação do Grande Teatro de Luzes de Ofélia, onde os anjos aprendem a grandeza e a mesquinharia de viver na terra. 208 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O teatro em que Ofélia trabalhou toda sua vida ficava em uma cidade pequena e velha, onde seus moradores começaram a substituir o teatro pela televisão. O número de carros da cidade também havia aumentado e seus habitantes deslocavam-se com rapidez para cidades maiores para assistir uma peça com artistas mais conhecidos. As marcas da transformação assolaram a vida de Ofélia, a Modernização oferece para ela um declínio do status do papel que desempenhava na comunidade, mesmo que pequeno e invisível. 70 Em uma sociedade onde o trabalho é fortemente valorizado e também, o individualismo e a igualdade, a situação se torna menos favorável para os idosos. Característica das sociedades industrializadas a aposentadoria compulsória, o rápido acúmulo de informações e a inovação constante do saber tornam os mais velhos sinônimos de ultrapassados. A possibilidade oferecida por Ofélia aos seus leitores é a morte, não a morte como fracasso, como castigo, mas, morte como fim da vida na terra e de suas implicações físicas. É um livro de aceitação e resignação com aquilo que acaba. Que faz do trabalho, da atividade, da função e utilidade da pessoa e as suas possibilidades de viver. Ela apresenta a realização do trabalho não como produção que resulta em remuneração, mas, do trabalho que se faz com prazer. Ofélia corre o mundo, sai de sua própria sombra e morre. A morte é o contra-regra, a cortina, o bastidor e o ato final dessa história. Dona Sofia – Quando o que somos transborda. E diz por último o nome dela.É alguém que tem o que eu disse. Carrega-o debaixo do braço como um embrulho. Carrega-o como o relógio a sua pior hora. Carrega-o de limiar a limiar, não o joga fora. Paul Celan No livro A Caligrafia de Dona Sofia traço e palavra tem a mesma autoria, o autor nos apresenta uma velha senhora, professora aposentada que cultivava junto com suas flores (que complementavam sua renda de aposentada) diversos prazeres. Os prazeres de ler, de escrever e de ensinar. 70 Teoria baseada na obra Aging Around the World, de Cowgill, 1986. O valor explicativo dessa teoria auxilia hoje trabalhos sobre o uso de recursos da informática por pessoas idosas 209 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A casa de Dona Sofia era decorada com sua bonita caligrafia com os versos de inúmeros poetas, chão, paredes, teto, móveis, tudo era coberto de poesia. Apesar da distância de sua casa do restante da cidade, apesar de se encontrar na mais alta colina diferente de todos os outros habitantes da história, a velha senhora tinha também cultivado o prazer da amizade. Seu Ananias, o carteiro da cidade a visitava diáriamente ajudando-a em suas tarefas e aprendendo com ela a apreciar os versos. Um dia Dona Sofia percebe que sua casa tornara-se pequena para conter tantas poesias que estavam escondidas nos livros, resolve então dedicar para cada morador da cidade cartões poéticos decorados com flores cultivadas por ela mesma, com a ajuda de seu amigo, os cartões são distribuidos na cidade. Com a intensificação do contato entre seu Ananias e Dona Sofia o interesse dele pelas poesias e pelos estudos aumentou, ele pode perceber que os cartões que eram enviados por ela fizeram com que todos na cidade começassem a ler, conversar e recitar poesias. Curioso para entender porque Dona Sofia escrevia apesar de não receber nenhuma resposta ele subiu mais uma vez a colina para perguntar. Dona Sofia explicou que fazia por que gostava, que isso não a cansava e porquê sabia que alguém em alguma casa esperava um versinho. O amigo então tem uma idéia e resolve contar aos moradores da cidade um pouco sobre tudo que aprendeu com Sofia, valorizando o presente que ela enviava, resgatando a memória de suas aprendizagens os habitantes da história passam a escrever respostas para seus cartões poéticos e a visitá-la, fazendo com que a alegria tomasse conta dela. Através de uma atividade informal realizada com um amigo Dona Sofia obtém uma ligação direta com a satisfação de vida. Para MCCLELLAND, um dos autores que abordam a teoria da Atividade duas hipóteses explicam como os idosos se ajustam às mudanças relacionadas com a idade, a primeira aponta que pessoas mais velhas ativas são mais felizes e a segunda pontua a substituição de antigos papéis por novos para manter o seu lugar na sociedade. 71 Dona Sofia constrói um lugar para sua velhice onde cultiva suas flores e seus prazeres, mantém seu lar aberto para novas possibilidades, 71 Teoria desenvolvida no final da década de 40 teve dois diferentes momentos seu autor Havighurst propõem inicialmente conceitos na perspectiva life span e depois desenvolve em 1961 um conceito implícito à teoria o successful aging 210 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina escreve em suas paredes o que não quer esquecer, apesar da distância dos outros habitantes de sua história toca suas vidas com aquilo que transborda e vai além dos limites de sua casa. Três velhinhas, três histórias, três teorias, muitas outras formas de narrar a velhice. ainda no último e gasto nó de ar estás lá com uma faísca de vida. Paul Celan Quando contamos/narramos uma história para nossas crianças/alunos podemos estabelecer uma prazerosa forma de diálogo, guiados pelas palavras, pelos traços e pelas cores, na forma com essas coisas se organizam e revelam seu conteúdo. Cada livro é uma escolha do professor/contador de história que pode (re) significar de forma sensível e reflexiva, diferentes concepções de velhices, de morte, de vida. Através das narrativas oferecidas por esses três livros que confabulam com imagens produzindo novos caminhos em torno dos sujeitos leitores acerca do tempo e de como o vivemos. Idéias sobre o envelhecer que suscitarão novas perguntas e novas questões. Idéias que poderão ajudar a desconstruir os mitos sobre a velhice entre as crianças pois: a velhice representa uma fase de vida que pode ser muito longa – dos 60 anos até 100 anos ou mais. Então, todas as “verdades” sobre a velhice também podem ser “não-verdades” e vice-versa. Talvez a maior “nãoverdade” seja exatamente a existência de uma velhice com características bem definidas. Na verdade, existem muitas velhices. DOLL. Três livros, três pistas, três teorias que não se propõem a oferecer todas as respostas, três velhas senhoras com suas bagagens repletas de memórias, sombras, e poesias. Diferentes formas de viver a velhice e suas implicações, que podem fazer reflexões sobre os conceitos sociológicos. Três personagens que podem nos fazer pensar sobre o bem-estar, o aceitar, 211 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina o entender as transformações, os ganhos e as perdas, mas, mais do que isso mostram que não existem somente três maneiras de se envelhecer, que podemos mudar de idéia, de cidade, que vamos perder o trabalho, os velhos amigos. Mas, que podemos também fazer novos amigos, se dedicar a novas formas de fazer o que gostamos e que sim, se formos sortudos, vamos morrer velhinhos. Referências: CAVALCANTI, Joana. Caminhos da literatura infantil e juvenil – dinâmicas e vivências na ação pedagógica. São Paulo. Paulus. 2002. DOLL, Johannes; GOMES, Ângela; HOLLERWEGER, Leonéia; PECOITS, Rodrigo Monteiro; ALMEIDA, Sionara Tamanini. Atividade, Desengajamento, Modernização: teorias sociológicas clássicas sobre o envelhecimento. Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento. Porto Alegre, v.12, p. 7-33. 2007. ENDE, Michael;FRIEDRICH, Hechelmann(ilust). O Teatro de sombras de Ofélia. Tradução Luciano Vieira Machado. São Paulo. Ática. 2004 NEVES, André. A Caligrafia de Dona Sofia.São Paulo: Elementar.2001. RYLANT, Cynthia; BROWN, Kathryn(ilust.). A Velhinha que dava nome às coisas. Tradução Gilda de Aquino. São Paulo. Brinque-Book. 2003. Existem muitas velhices – Entrevistas com Johannes Doll disponível em: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_tema_capa&Itemid=23&task=deta lhe&id=141. site visitado em 11/08/2009. Poemas de Paul Celan disponível em: http://www.culturapara.art.br/opoema/paulcelan/paulcelan.htm Site visitado em 11/08/2009. 212 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina PROVOCÁNDOLOS A “SER” Inés Eva Punschke Uruguaya [email protected] Provocándolos a “Ser” no es meramente el título de un trabajo o de una experiencia, es el sentido y el fin último de una acción pedagógica, donde se incentiva a los jóvenes a desarrollarse y expresarse desde la lectura; acto que abre el espíritu y el intelecto a partir de los sentidos, el pensamiento deductivo, la apreciación del arte y la comunicación escrita. La creación literaria abre puertas, prepara la mente a descubrir, llegar al conocimiento, a valores históricos, culturales, permitiendo opinar, fantasear y crear. Comienzo de la experiencia Tratando de acercar a los jóvenes a la lectura y escritura se transitó un arduo camino. A partir de la comunicación oral, se buscó incentivar el gusto por la materia, Literatura, y llegar a la reflexión. El abordaje y la lectura del mayor número posible de libros por parte de los educandos posibilitó que lograran expresarse oralmente, informando al resto del grupo hasta provocar la retroalimentación. Según Stenhouse (1987-pág. 11) “investigación en la acción, teoría y práctica aparecen unidas constantemente, ya que ambas se justifican mutuamente y aisladas no tienen sentido” A través de los años en nuestro Instituto se forman grupos muy particulares pues los alumnos que concurren al mismo pertenecen a diferentes zonas del país. De este modo son componentes muy heterogéneos, de formación y costumbres diferentes. Tienen la posibilidad de asistir al mismo, los tres años preuniversitarios; ingresando con catorce años y saliendo en su mayoría, entre los diecisiete o dieciocho años. Los jóvenes que pertenecen a la capital concurren a diario a la institución, mientras que los de las zonas alejadas viven en el centro educativo. Las características anteriormente mencionadas originó la pesquisa de cómo motivar a la lectura, “la investigación educativa puede definirse como la realizada en el contexto de un proyecto educativo y enriquecedora 213 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina de la labor educativa” (Stenhouse-1987 pág. 12) dado el carácter personalizado de la práctica docente. El plurilingüismo y pluricultura de los mismos obligó a que el acercamiento del docente fuera por un juego de empatía descubriendo así sus gustos. La experiencia se realizó efectivamente en los dos niveles superiores, 5º y 6º año del Bachillerato Diversificado, contando con alumnos entre dieciséis y dieciocho años de edad. Se dejó momentáneamente el desarrollo acostumbrado de la clase, según la planificación y se estimuló a los estudiantes a liberar sus mentes, animándolos a presentar sus lecturas frente al grupo y a la profesora, la que debería acompasar la actividad realizando con antelación la lectura de los libros seleccionados por ellos. Ante la propuesta hubo cautela en algunos mientras que otros vieron la posibilidad de expresarse y animosos comenzaron su andar coordinando la actividad de lectores-críticos. Paso seguido se invita a aquellos que así lo deseen, a participar en la experiencia de lo que llamaron “club de lectura” o “salas de lectura”; según los grupos adoptaron uno u otro de los nombres. Después de obtener estos datos fue posible seguir los fundamentos recomendados por Stenhouse (1987 pág.13), quien expresa que “se hace imprescindible que el profesor conozca en todo momento lo que está llevando a cabo, y para eso es preciso redactar un curriculum” En el desarrollo curricular, se acostumbra solicitar a los estudiantes que preparen una lección o en el caso específico de la “literatura” que lean las obras establecidas en los programas y un posterior trabajo que expongan oralmente el resultado del estudio correspondiente. Ante el pedido de dicha tarea es común oír exclamaciones como que se les estuviera aplicando un castigo. Usan de excusa la falta de tiempo, o que lo indicado es demasiado complicado, dando la impresión que el docente no los comprende. En realidad como lo ha expresado Antonio Rodríguez Almodóvar en España es el “sistema educativo que se empeña en que en que lean cosas que a ellos no les interesan…porque están mucho más capacitados de lo que creemos para moverse en la turbulencia semiótica de nuestro mundo. En esa turbulencia (cine, Internet, publicidad, televisión…), manejan mucha más información de la que nosotros podemos aportarles y se hacen expertos en fantasear a su gusto” (Almodóvar-2003-Ed. Digital) Aquellos que se dispusieron a integrar las salas de lectura como intérpretes-lectores, demostraron una actitud totalmente contraria. Muchas 214 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina de las obras propuestas por ellos eran de un tamaño varias veces mayor al que tenían como posibles orales de evaluación. “El placer de leer estaba muy cercano, secuestrado en esos graneros adolescentes” quizás “Habían olvidado pura y simplemente lo que era un libro, lo que tenía para ofrecer. Habían olvidado… que una novela debe ser leída como una novela” y que “el encanto del estilo se suma a la gracia de la narración” (Pennac-1999, p. 113-114) También debo destacar que frente a estas lecturas no recurrieron al pretexto de tener poco tiempo, como ocurre cuando se marca una lectura curricular. Según Daniel Pennac (1999 pág.117) “otra fobia que hay que vencer para reconciliar a este pequeño mundo con la lectura solitaria es la duración” cuando el libro es presentado por el profesor “¡el libro (es) visto como una amenaza de eternidad!” Es muy difícil que haya un tiempo para leer al igual que otras acciones de nuestra vida, es necesario cuando algo nos gusta o nos atrapa hacernos ese tiempo. Así los alumnos hicieron sus espacios, encontraron su tiempo y animosos organizaron las correspondientes lecturas y proyectos de presentación sin que les significara un sacrificio para ellos. Muchas veces los docentes tendemos a creer que algunos libros son difíciles o impropios para sus edades, pero los alumnos demostraron que no hay edad para elegir y leer tal o cual libro, si éste los atrapa y los lleva dentro es porque su mente ya está apta para comprenderlo, gozarlo o al menos aceptarlo. Los jóvenes son selectivos y preparados por el mundo de la imagen y de lo rápido, verdaderamente tienen la capacidad de sorprendernos. Sin mediar palabra la profesora acompañó dichas lecturas, descubriendo en las caras de sus alumnos marcados gestos de satisfacción al ver invertido los roles de la clase y sentir que sus propuestas eran aceptadas sin objeción ninguna. Todas las obras eran factibles de leer. La propuesta se desarrolló bajo el interés de los alumnos sobre todo de quienes obraron y eligieron en absoluta libertad, permitiéndoles comandar el desarrollo educativo aunque fuera de modo parcial. Los caminos por ellos elegidos fueron muchas veces insospechados y maravillosos a la vez. Aportaron elementos para el análisis y la reflexión según la disciplina de la clase. Solos recorrieron el camino, unos hablaron de la obra, los personajes según sus funciones, luego del autor, la época y por último el sentido que le encontraron a la historia leída, terminando en la reflexión y crítica del mismo. Otros comenzaron presentando al autor, la época y luego el contenido de la obra. 215 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Se observó que después de alcanzar el “sentido (el libro) se vuelve un placer…, las nociones de esfuerzo y de placer actúan poderosamente la una en favor de la otra” “Desde este punto de vista, una escolaridad literaria bien llevada depende tanto de la estrategia como de la buena comprensión del texto” (Pennac-1999, p. 131-132) Por medio de la lectura y posterior exposición, los jóvenes protagonistas se sintieron hacedores. Nada le había sido dado o impuesto y de esta forma descubrieron por qué muchas veces escritores de notoriedad como García Márquez, ante la propuesta de llevar al cine por ejemplo su obra “Cien años de soledad” no lo permite, pues el anteriormente nombrado deseaba que la misma tuviera tantas posibilidades o tantos mundos como lectores la abordaran. Ellos mediante sus capacidades, en sus lecturas pensadas para ser transmitidas imaginaron y recrearon, de manera que los oyentes comprendieran y se acercaran lo más posible al sentido que habían descubierto. Para algunos la elección del libro se constituyó en un problema, estaban como en un momento en que habían extraviado el placer de leer, pero los tentaba el hecho de ser ellos los que propondrían las obras a trabajar. Para otros fue la oportunidad de compartir algo que los había capturado, dar a conocer como se habían acercado a dicho libro o las circunstancias que habían provocado el contacto, anécdotas muchas con su carga afectiva. Medios que posibilitaron la experiencia Fue necesario adecuarse a circunstancias especiales en cuanto al entorno educacional y cultural. “leer y escribir son construcciones sociales. Cada época y cada circunstancia histórica dan nuevos sentidos a esos verbos.” (Ferreiro–2002 pág.13) Algunos de los alumnos tenían en su poder la obra escogida, mientras que otros no y se hizo necesario buscar la forma de acercarles el material de lectura. Para ello se siguieron formas tradicionales y otras no tanto desde el punto de vista institucional pero no así para los jóvenes, quienes acorde a la época van siendo alfabetizados en las redes electrónicas o son aptos navegadores de Internet. “Los navegantes de Internet son barcos a la deriva si no saben tomar decisiones rápidas y seleccionar información.” (Ferreiro–2002 pág.18) Por lo cual fue necesario crear una nueva estrategia docente. 216 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Como los alumnos tienen clase de computación y su espacio para manejarse con dichas máquinas, para buscar material aplicable a sus estudios, se creó una Bibliografía de Literatura, “Intranet” del Liceo Militar General Artigas junto a una Biblioteca virtual, donde tuvieran acceso a los libros que necesitaban según sus gustos. Los jóvenes aceptaron que la docente pusiera a disposición una biblioteca virtual con temas o autores de su interés. El libro electrónico surgió después de una encuesta sobre cuáles eran los temas, títulos y autores que deseaban abordar. Para ellos fue la primera vez que trabajaban abiertamente de acuerdo con el profesor utilizando el sistema digital. Es indiscutible “que la lectura tiene que asumir nuevos retos en estos tiempos que abren el tercer milenio; y esos retos van a exigir lectores capaces de responder a los mismos desde la libertad y la autonomía crítica que le confieren su condición de lectores competentes” (CERRILLO TORREMOCHA, 2007, Ed. Digital) Los nuevos sistemas electrónicos introducen cambios profundos y muy rápidos en la información y en el sistema de comunicación. Para todos, esto conlleva a seguir aprendiendo y seguir creciendo, en una constante adecuación al medio y al mundo globalizado en que se vive. Entre los cambios, que son muchos, se puede mencionar como lo expresa Emilia Ferreiro “La página (del libro) permitió una relación única y singular entre el lector y el texto. La página de la computadora rompe la intimidad con el texto. La página iluminada y en posición vertical transforma la lectura en computadora en una lectura pública.” (Ferreiro– 2002 pág.49) Para los educandos esto condicionó sus horas de lectura, el darse responsablemente tiempo de llevar a cabo la misma y muchas veces aconteció que alguno de sus compañeros escuchas de un futuro cercano estuvieran junto a ellos en esos momentos. Extrañamente esto no quitó expectativa, todo lo contrario esperaban ansiosos el día que su amigo expondría el trabajo correspondiente a la lectura y relación de la misma. Otros fueron perdiendo el miedo y pidieron su lugar para ser uno más de los lectores-expositores. Estos últimos: • Encontraron en absoluta independencia la posibilidad de consultar todo tipo de obras, géneros y estilos. 217 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina • • • • • Se vieron estimulados por sus iguales con quienes interaccionaron en medio de los hallazgos. Redescubrieron la diversidad de la funciones de la escritura. Vieron que eran necesarias ciertas técnicas y recursos para la mayor comprensión textual. Asumieron puntos de vista particulares, desde sus experiencias y aprendizaje anterior. Hallaron formas interpretativas y expositivas. Los más cautelosos ante la maniobra docente sintieron que en su “Destino de nacer en una época de transición” les demostraba que “La cultura letrada no se agota en la literatura ni en el libro informativo” (Ferreiro–2002 pág.49) y descubrieron mediante el proceso de construcción del sentido que eran capaces de gozar de aquello que habían elegido como lectura e interpretar desde el interior de la obra el mundo exterior en el que ellos estaban inmersos y de esta forma se animaron a seguir los pasos de sus compañeros iniciadores de la experiencia. Frente a estos últimos participantes, se pudo comprobar como la comunicación a partir de un texto literario, se relaciona con el proceso de formación de la personalidad de los mismos. Las diversas lecturas propiciaron una manera de comunicar ideas, conceptos y puntos de vista según el ángulo e identidad cultural del alumno expositor, que concluyeron con un intercambio dialógico. Según Imbernón (y otros-1999 pág.22) “El aprendizaje que se deriva de la utilización y el desarrollo de las habilidades comunicativas es el aprendizaje dialógico…La educación en la sociedad de la información debe basarse en la utilización de habilidades comunicativas, de tal modo que permita participar más activamente y de forma más crítica y reflexiva” Mediante un diálogo igualitario fue posible una interacción reflexiva y común del grupo quedando al descubierto diferentes modos de pensar, emociones, vivencias, sentimientos, creencias, comentarios varios que fueron tomando su lugar y posibilitando la retroalimentación. En el proceso de toda la actividad descrita se observó la capacidad lectora y cognoscitiva de los alumnos ante cualquier texto. La variedad de los temas mostró su capacidad de elección, comprensión, su saber cultural y disfrute de los mismos. 218 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Las obras escogidas por los alumnos pertenecen a diferentes épocas, temas y enfoques. Unos contemporáneos de temas muy actuales, de mayor o menor profundidad; otros de épocas pasadas, incluso de la literatura clásica, de género y temas muy diversos; lo fantástico también estuvo presente. Llamó la atención que algunos propusieron obras de carácter histórico cultural, ensayos de crítica o técnicas literarias. La diversidad marcó el rumbo de estas “salas de lectura”. El abanico desplegado trajo nombres diversos como: Howard Lovecraft, Stephenie Meyer, Henry Trujillo, William Jacobs, Helen Velando, Jorge Luís Borges, Elliot Dooley, Julio María Sanguinetti, Jona Oberski, Hermann Hesse, Molière, Fiódor Dostoyevski entre otros. Las herramientas que la educación de años anteriores les fue dando a estos jóvenes lectores les ayudó para que sus exposiciones fueran coherentes, claras y entretenidas, de manera que capturaron toda la atención de sus compañeros, quienes seguían atentamente las entregas orales y pequeñas lecturas a modo de ejemplo de los argumentos centrales de sus presentaciones. Demostraron capacidad, seriedad, un correcto uso del lenguaje y dominio de grupo, el que respetuosamente le atendió hasta que llegara el momento de compartir, mediante una fluida retroalimentación. La actividad posterior a la retroalimentación dio la posibilidad de evaluar, no en forma aislada sino a la mayoría de los integrantes del grupo y rescatar valores socio-culturales, históricos-filosóficos y aquellos específicos de la literatura. Evaluación La primera evaluación se realizó a nivel estudiantil, empleándose dos tipos de cuestionario. Uno para aquellos que han permanecido como oyentes o que aún no ha llegado su turno como lectores-críticos. El segundo cuestionario apuntó a los estudiantes que han sido protagonistas en las salas de lectura. Dentro de lo expresado por los jóvenes escuchas se recogió una evaluación generalizada de aprobación de la experiencia mencionada y juicios como: 219 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina • • • • • • • • “… es buena, podemos conocer más obras en menor tiempo, intercambiar ideas y conocer más a nuestros compañeros” (R.S.); “… es interesante, podemos exponer e intercambiar ideas, conocimientos y gustos” (C.G.); “… nos permite salir de lo curricular sin abandonar la literatura” (S.G.); “… estas actividades fomentan la lectura recreativa, el conocimiento de otros escritores y sus estilos al escribir” (A.B.); “… es algo original y yo que leo poco ahora me entusiasma y espero ser uno de los lectores que exponen” (N.M.); “… despierta nuestras actitudes como lectores, nos permite desarrollar un lenguaje expresivo frente a otras personas” (J.M.); “… incita a leer y a recuperar o comenzar con ese hábito que suele ser muy provechoso” (E.J.); “… es una experiencia didáctica y divertida” (A.F.); Los lectores participantes expresaron: • • • • • • • “Es una buena experiencia para compartir la obra leída, lo que ella nos transmitió y llegar a una interacción” (S.M.) “Recomiendo esta experiencia pues es algo distinto y leemos lo que es de nuestro agrado” (M.P) “Por medio de ella pudimos ser lectores de obras de temas y géneros diferentes como un manual del horror dentro de un marco histórico-literario” (L.B.) “Resulta positiva al tener que exponer para otros nuestra lectura, se debe ser más detallista y cuidar el lenguaje(C.L.) “Es una forma de unir a los jóvenes con temas para nuestra edad” (R.M.) “Abre las puertas a otras lecturas diferentes” (J.A.) “Fue la primera vez que leí un libro entero” (M.A.) 220 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Ante la pregunta: • ¿considera positivo el acceso a textos por vía “Intranet”? La contención generalizada fue: • • “Si, ya que es el sistema de acceso a la información más utilizado por los jóvenes. “Por el costo de los libros, en esta forma se hace económicamente posible obtener alguna de las obras” Evaluación final La experiencia realizada resultó fascinante aún en un tiempo inestable, cambiante, pleno de sugerencias y sorpresas como es el actual. Los jóvenes por naturaleza cambiantes y sedientos de libertad se mostraron aptos y entusiastas, dispuestos a las innovaciones y a ser ellos responsables y guías de las salas de lectura. Fue y es un trabajo arduo de parte de los alumnos y del docente, con posibilidad de realizarlo gracias a la colaboración y sentido de equipo unido con un mismo fin: incentivar la lectura y posible escritura por parte de los alumnos. Bibliografía BAUMAN, Zygmunt – “Los retos de la educación en la Modernidad Líquida”, Ed. Gedisa. España, 2005 FERREIRO, Emilia – “Pasado y presente de los verbos Leer y Escribir”. Ed. Fondo de Cultura Económica. 2ª Edic. México, 2002 FERREYRA, Nair.. – “Los adolescentes y la escritura”. Ediciones A.U.L.I. Uruguay, 2009 Imbernón, Francisco y otros – “La educación en el siglo XXI-Los retos del futuro inmediato”. Ed.Graó. España, 1999 MARTÍN GARZO, Gustavo – “Un pequeño gorrión”. Artículo en: El 25 de abril de 2004, p. 11. 221 País, de Madrid – Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina PENNAC, Daniel – “Como una novela”. Ed. Anagrama. 7ª Edic. España, 1999 STENHOUSE, Lawrence – “La investigación como base de la enseñanza”, Ed. Morata. España, 1987 Revista de la Asociación Española de Semiótica. Nº 7, Año 1998 Páginas web Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes: http://www.cervantesvirtual.com/ Rodríguez Almodóvar, Antonio, “Los adolescentes, ¿leen o no leen?“, Alicante, 2003 Cerrillo Torremocha, Pedro César, “Los nuevos lectores: la formación del lector literario”, Alicante, 2007 Valencia, Leonardo, “Un puente entre el libro y la narrativa digital”, Alicante, 2009 Del Amo, Montserrat, “La lectura como afición infantil”, Servicio Nacional de lectura, Madrid 1964 Tejerina Lobo, Isabel, “Literatura y compromiso: hacer preguntas para buscar respuestas”. Alicante, 2005 Hernández Guerrero, José Antonio, “El lenguaje de los sentidos“, Alicante, 2009 222 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A SATISFAÇÃO LEITORA ATRAVÉS DE LEITURAS DE HISTORIAS INFANTIS COMO INCENTIVO AO APRENDIZADO DA LEITURA Vera Regina Silva da Silva PUCRS [email protected] Introdução Este trabalho examina a satisfação com a leitura demonstrada pela criança que le histórias infantis e o quanto isso pode contribuir para melhorar o aprendizado da leitura pelo estudante. A investigação baseou-se no desejo de entender porque o nível de leitura, nas turmas de 3ª serie do ensino fundamental e considerado aquém do esperado para essa faixa de idade, pelos órgãos governamentais, conforme os índices indicativos de leitura no país. Se o ato de ler faz aumentar a curiosidade, instiga a imaginação e a criatividade, entre outras habilidades cognitivas, então, e certo que o livro deva compor o ambiente de prazer e lazer da criança. A escolha de historias infantis para investigar a satisfação leitora se da pelo fato de que essa literatura favorece o mundo imaginário da criança, mexendo com as suas fantasias, seus sonhos e emoções. O que faz com que ela se identifique com a historia, e envolva-se com ela. A satisfação com a leitura, pode estar presente através das relações as quais a criança ao ler a historia faze com situações reais e imaginarias que interagem com a sua emoção e o seu meio sociocultural, ajudando-a, por vezes, na solução de seus conflitos internos. Com a intenção de satisfazer esse desejo de contribuir para diminuir o problema de não gostar de ler dos estudantes, organizamos um estudo, o qual apresentaremos em três etapas para investigar a satisfação leitora das crianças através da leitura de historias infantis. Aporte teórico Nessa primeira etapa, nos apoiamos na teoria sobre literatura infantil, satisfação leitora e na Psicolinguística. A investigação baseia-se 223 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina em Bettelheim (2000), cuja afirmativa e de que uma ação de leitura gratificante auxilia o leitor a reconsiderar seus próprios conflitos pessoais; Howard e Sheth (1969), estudiosos da literatura infantil que apontam a satisfação esta para a cognição quando o sujeito se sente recompensado ou não pelo ato de ler, se a leitura e prazerosa ele estará satisfeito pois interagiu cognitivamente com ela, se a leitura e desagradável, possivelmente não haja interação. Sobre a literatura infantil como componente importante na formação do leitor, Zilbermann (2003), explica que a obra literária destinada a criança deve dispor de temas variados, observando-se a capacidade de compreensão do leitor, pelo fato de que e um leitor em processo de formação leitora, por isso tem uma postura de dialogo com o que lhe faz referência no texto e, a satisfação leitora dependera do entendimento entre o autor e o leitor nesse dialogo. Outro teórico, Oliver (1981, pag. 26) explica que a essência da aprendizagem, e produto da satisfação leitora, que e definida como sendo prazerosa, e resultado do estado emocional do sujeito. A satisfação e a função da relação percebida entre o que o indivíduo quer, o que faz e o que recebe em troca. Usando essa mesma definição de satisfação para a leitura de historias infantis, pode-se dizer que a relação e a mesma, pois, se a criança lê uma historia que lhe agrada, ela ira demonstrar a satisfação com a leitura através da expressão oral, de atitudes, de gestos e de expressões faciais. A Psicolinguistica, na teoria de Poersch (2001) afirma que para ler e preciso compreender. Um leitor que compreende o que lhe dará maior valor a leitura e sentira mais satisfação na tarefa de ler. O texto literário seja ele um romance ou uma historia infantil cria uma nova relação entre situações reais e situações de pensamento, pois lida com as necessidades de imaginação e fantasia, nas quais os pensamentos se organizam e seguem regras voluntárias para a satisfação do desejo: o que e uma forma de atingir prazer, fornecendo estruturas para a mudança de necessidades e conscientização. Em relação ao interesse e aproveitamento da leitura pelo leitor, Catarsi (2004), comenta que, enquanto a criança não decodifica os signos, não tem prazer em ler. Sendo assim, e interessante e proveitoso valorizar o manuseio do livro de historias pela criança, precocemente, para que ela possa ler através das imagens interpretadas pelos adultos e mostradas a elas, ou seja, por meio da historia. Sabe-se que, para a criança poder adquirir o gosto de ler, deve saber ler. Enquanto tiver dificuldade para decodificar os signos, a leitura não será 224 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina um prazer, mas uma tortura. Por outro lado, é necessário dizer que a criança aprende a ler se conhece os livros e se, em qualquer modo, é habituada a usá-los com freqüência. É necessário, portanto, valorizar a utilização precoce do livro de modo que a criança possa ler, através das imagens e da leitura do adulto (CATARSI, 2004, p. 4). A satisfação com a leitura se deve ao fato que de ao ler, e dar-se conta de que entende o que lê, o pequeno leitor percebe que está preparado para a leitura. A insatisfação, ao contrário, aparece no momento em que ele le e não entende a leitura seja ela um texto ou uma historia infantil. Essas duas formas antagônicas de ler servem como uma resposta dada pelo leitor sobre as marcas que a historia deixou, e será mostrada através do seu comportamento e de suas emoções e sentimentos expressados antes, durante e depois da leitura, e seus possíveis efeitos na resposta dele. De acordo com Damasio (2003), as emoções e sentimentos compõem os aspectos centrais da regulação biológica do ser humano. A emoção decorre do modo como o individuo processa o conhecimento sobre determinados estímulos objetos, pessoas ou situações, o estimulo nesse caso e a situação de leitura, com as suas reações emocionais. Ou seja, qualquer fator que estimule a emoção pode influenciar o conhecimento prévio, uma vez que, para ativa-lo, são feitas conexões e ativações mentais dos aspectos cognitivos, sensoriais, afetivos e emocionais. Esses fatores podem influenciar o leitor de maneira positiva ou negativa, afetando a satisfação dele com a leitura. Ao considerarmos os ideais de uma criança, que experimenta o mundo através da leitura de historias infantis, antes e depois dessa experimentação, podemos observar que ela aprende a acreditar que aquilo que de início parecia uma figura repulsiva (ler por ler ou por obrigação), transforma-se em um amigo prestativo, que a auxilia a repensar seus dramas individuais, por isso a satisfação com a leitura poderá transformá-la em um leitor mais competente. Metodologia A segunda etapa, que procuramos ilustrar neste artigo se baseia na apresentação do trabalho de pesquisa; o corpus investigado, a metodologia utilizada, a analise e as considerações finais. 225 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Para participar da pesquisa selecionamos 20 estudantes de 3ª serie do Ensino Fundamental de uma escola da rede publica do RGS com idade entre 8 e 10 anos, sendo que 5 formaram o grupo piloto e outros 15, os sujeitos efetivos da investigação. Para compor o objeto da pesquisa foram escolhidos três livros de historias infantis do autor Rogers Hargreaves, da coleção Catimbó, todos com a mesma estrutura e características: formato, mesma textura literária, estilo literário e linguistico e tema cujos enredos sao semelhantes e os personagens com os quais a criança, por sua natureza infantil e sensibilidade se identifica pelo sentido emocional. Além disso, a bibliografia traz um desafio final para o pequeno leitor. Estruturalmente a investigação se organizou a partir da proposta de três formas diferentes de leitura: (S1) (Situação 1), em que a criança lê sozinha uma historia, depois responde a questões de satisfação sobre ela; (S2) (Situação 2), em que a criança ouve alguém lendo uma segunda historia depois a criança lê sozinha a mesma historia e responde a questões a respeito da historia e uma terceira situação de pesquisa (S3) (Situação 3), em que a criança ouve (através de uma gravação em vídeo), alguém contando uma historia, depois lê sozinha essa mesma historia para realizar o mesmo processo de responder a questões sobre a satisfação leitora da terceira historia. Essas questões se referiam ao grau de satisfação das crianças com a leitura e tinham o objetivo de saber qual das três situações de pesquisa (S1, S2 e S3) trouxe mais satisfação e qual resultou numa ação de leitura positiva para as crianças. A proposta de analise desta pesquisa pretendia responder as seguintes questões: • • • Qual o nível de satisfação leitora dos sujeitos nas trêssituações, S1, S2 e S3? Com qual das situações de leitura os sujeitos ficaram mais satisfeitos e gostaram mais? A satisfação com a leitura de historias infantis serve como incentivo ao aprendizado da leitura? A coleta dos dados da pesquisa foi realizada a partir de um questionário piloto sobre a satisfação leitora (com seis questões), 226 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina abrangendo as três situações de pesquisa referidas e outro de compreensão da historia lida. Os instrumentos utilizados para examinar a satisfação leitora foram dois: um Questionário sobre o Grau de Satisfação Leitora, Instrumento1, cujo objetivo foi avaliar o grau de satisfação das crianças com a leitura da historia infantil. O questionário baseado na escala Likert era composto de seis questões sobre a satisfação dos sujeitos com a leitura e foi construído a partir de índices valorativos: de zero (0) a quatro (4) para indicar o grau de satisfação e para cada categoria de medida foi criado um escore indicando o que cada uma correspondia para a avaliação: o índice zero (0) foi usado de maneira a indicar que o sujeito não estava nada satisfeito com a leitura; o índice (1) indicou que o sujeito estava só um pouquinho satisfeito; o índice (2) mostrou que a criança ficou mais ou menos satisfeita, o índice três (3) que o sujeito ficou bastante satisfeito, e o numero quatro (4) que o estudante ficou muito satisfeito. Esses índices 0, 1, 2, 3 e 4 podem ser explicados pelo nível de importância que teve a leitura para a criança: zero (0) representando sem nenhuma importância; um (1), pouca importância; dois (2), grau um pouco maior de importância; três(3), importante; e quatro (4), muito importante que foram representados visualmente por potes com bolinhas de gude para melhor visualização das quantidades por parte das crianças. O objetivo do instrumento era que as respostas expressassem o grau de satisfação das crianças com a leitura em cada situação de pesquisa; (S1), (S2) e (S3). No questionário final foram agrupadas as categorias bastante e muita, pois as crianças demonstraram alguma dificuldade em identifica-las. Utilizou-se o numero (3) como o respondente pelos quesitos (4 e 5). A classificação passou a ser: zero (0), para nada; um (1), para só um pouquinho; dois (2), para mais ou menos; e três (3), para muito, a qual foi usada para a tabulação do Instrumento 1 – Questionário sobre o Grau de Satisfação Leitora. A soma das respostas de cada sujeito correspondeu ao grau de satisfação dele com a leitura. Esse questionário visava saber se o aluno gostou de ler, achou a leitura engraçada, achou fácil, gostou de ler daquele jeito, se sentiu prazer em ler e se ficou feliz com a leitura, para através da analise, avaliar a satisfação das crianças com a leitura. O segundo instrumento de pesquisa foi um Questionário sobre o Grau de Satisfação com a Historia e com a Situação de Pesquisa que serviu para verificar qual das historias a criança mais gostou de ler e qual das situações preferiu. Foi elaborado e aplicado nos estudantes um questionário com duas perguntas objetivas sobre a satisfação de cada sujeito com a 227 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina historia que lera e com a situação de pesquisa de que mais gostara. O resultado final formou-se a partir da soma das respostas sobre a satisfação com a historia lida e a situação de pesquisa para se obter os escores finais, conforme resultados da Tabela 1. Análise dos Resultados A terceira etapa dessa pesquisa tem como objetivo mostrar os resultados obtidos e as considerações finais sobre os achados. Com base nos dados encontrados no resultado estatistico da Tabela 1, observamos o grau de satisfação leitora das crianças em cada situação de pesquisa. Em relação a (S1), que fez referencia a historia do Rugério, constatamos que 12 sujeitos demonstraram haver gostado muito de ler a historia sozinhos. O escore atingido foi maior que 70%, considerado para definir os resultados finais da pesquisa. Na (S2), referente a historia do Coaxito, observamos que o grau de satisfação dos sujeitos aumentou, sendo que catorze sujeitos demonstraram haver gostado muito de ouvir a historia lida pela pesquisadora. O que demonstra a satisfação das crianças com a situação de pesquisa. 228 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A analise relativa a (S3), referente a historia do Tiriri, demonstrou, através dos escores, que treze sujeitos ficaram satisfeitos, sendo que cinco entre eles totalmente satisfeitos com a situação de pesquisa em que a pesquisadora contou uma historia para eles tendo atingido uma media de 98% de satisfação das crianças nessa modalidade de pesquisa. Pela analise foi possível constatarmos que de acordo com a síntese revelada na tabela 1, a (S2) apresenta o percentual mais alto no que se refere a satisfação leitora, analisada através do questionário com questões de satisfação demonstrando que as crianças(14) atingiram um grau de satisfação maior que 70%, superior as outras duas situações de pesquisa. Esse resultado demonstra que as crianças gostaram mais quando alguém leu uma historia para elas e depois elas leram a historia. O que indica que essa modalidade de leitura, com historias infantis estimulou-lhes tanto o aspecto cognitivo como o emocional, incentivando os a fazerem projeções sobre o que foi lido. Essas projeções movimentaram os pensamentos das crianças fazendo com que elas criassem outras expectativas que resultaram em satisfação ou não com o que estavam lendo. O segundo instrumento de pesquisa – Instrumento 2 – Questionário sobre o Grau de Satisfação Leitora com a Historia e a Situação de Pesquisa – analisou a satisfação dos sujeitos da pesquisa em relação a história que leram e a situação de leitura da pesquisa. Para chegar ao resultado, foram feitas objetivamente duas perguntas para os studantes: uma sobre a historia de que cada um mais gostou, e o quanto gostou, e outra sobre a situação de que mais gostou, e o quanto gostou. Para definir o escore sobre as respostas dadas pelos sujeitos, foi utilizado o mesmo método usado para avaliar o grau de satisfação, já mencionado na metodologia. O total foi somado e o resultado apresentado no Quadro 1. 229 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Com essas duas questões, encerra-se a analise da satisfação leitora dos estudantes que compuseram o universo desta investigação que mostrou que a historia de que as crianças mais gostaram de ler foi a do Coaxito, e a situação de pesquisa foi a (S2), situação em que a professora leu a historia para eles, depois eles a leram sozinhos. Isso pode ser explicado porque a leitura realizada para os estudantes conseguiu prender-lhes a atenção mais que as outras duas situações de pesquisa. Ao reler a historia, o processo de repetição ativou as informações na memória permitindo que eles sentissem maior satisfação ao ler. Nesse caso, notou-se que a satisfação da criança com a leitura da historia depende da competência leitora que a criança sabe que tem. Quando ela e positiva, estimula a compreensão; quando e negativa, a criança não consegue desenvolver a compreensão e não fica satisfeita. E importante salientar que o reforço da leitura incentivou o interesse da criança pela historia lida. Considerações finais Como resposta às questões de pesquisa, consideramos os resultados descritos na analise. Foi possível observarmos que a leitura oral do professor para a compreensão de seus alunos tem caráter incentivador; pois a criança que ouve uma historia lida por outra pessoa fica motivada e se depois tem a oportunidade de realizar a leitura sozinha tem mais chances de reforçar o que foi lido e processa a informação recebida mais facilmente, 230 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina chegando a compreensão. A satisfação da criança vem pelo fato de haver compreendido a leitura. A escolha pelos textos a serem lidos também demonstrou que uma leitura devidamente orientada, com textos que envolvam o conhecimento prévio da criança, que digam respeito a assuntos que mexam com a sua criatividade e imaginação podem trazer resultados positivos para produção leitora dos estudantes. Sugere-se que os professores promovam a leitura, orientando a seleção de textos a serem lidos, mas incentivando as crianças a lerem de acordo com seus próprios procedimentos. Essas afirmativas podem responder a 3ª questão de pesquisa sobre o incentivo ao aprendizado da leitura pelos estudantes, pois para ler e importante proporcionar-lhes ambiente propicio, leitura que agrade para que sintam prazer em ler, esse cuidado tanto da escola como da família servira como estimulo a pratica da leitura e ao aprendizado da mesma. O professor e o facilitador e o proponente, mas, para que o aluno sinta prazer e satisfação ao ler, precisa ser estimulado a ser autônomo no processo de leitura para escolher a melhor forma de realizar a atividade. A função do professor deve ser de promotor do conhecimento e estimulador do processo para que a criança desenvolva-se através de uma autonomia orientada. Assim será possível realizar-se um trabalho mais produtivo na formação leitora dos alunos, visando a um nível de desempenho desejável. Referências Bibliográficas BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 14. ed. Sao Paulo: Paz e Terra, 2000. CATARSI, Enzo. Leggere: a scuola il ‘dovere’, in biblioteca il ‘piacere’? Corso Editoreb, 2004. DAMASIO, Antonio R. O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, Editora SCHWARCZ LTDA., 2003. HARGREAVES, Roger. Rugério. Sao Paulo: Companhia Melhoramentos, 1982. ______. Coaxito. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1982. ______. Tiriri. 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Joanildes Felipe Percebe-se que as crianças começam a formar sua leitura de mundo e despertar para rabiscos, traços e desenhos desde cedo, conforme as oportunidades que lhes são oferecidas. Cabe então, enfatizar que se faz necessário colocá-las em contato com a leitura e a escrita de maneira prazerosa. Um importante caminho a ser seguido nesse aspecto é a exploração fruitiva da literatura infantil. Este projeto propõe-se a fazer a utilização da literatura infantil de forma prazerosa na escola. Observar-se-á o seu caminho histórico através dos tempos, de maneira a ser compreendido como ela passou da forma de aprendizagem à forma de fruição. Evidenciarse-á que a sua prática desperta o interesse e a atenção das crianças, desenvolvendo nelas, entre outras coisas, a imaginação, a criatividade, a expressão das ideias, e o prazer pela leitura e escrita. Cabe ressaltar também, que a literatura infantil oportuniza situações, nas quais as crianças possam interagir em seu processo de construção do conhecimento, possibilitando assim, o seu desenvolvimento e aprendizagem. Ojetivos Objetivo Geral: Desenvolver um trabalho com crianças objetivando a formação de leitores, dada a importância da leitura para o desenvolvimento linguístico do sujeito e para sua atuação como cidadão crítico na sociedade. Objetivos específicos a) Identificar a Literatura Infantil como forma de aprendizagem e fruição; b) Contribuir na elaboração do conhecimento; c) Compreender que a leitura é um processo de contínuo aprendizado; 233 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina d) Possibilitar o desenvolvimento da imaginação e fantasia, como também permitir que as crianças se coloquem como personagens das histórias para facilitar a expressão de ideias; e) Assegurar ao infante o direito de ler contribuindo para que não se deixe esta tarefa ao acaso. Justificativa Analisando o uso diário da literatura, veremos que ela está muito mais presente do que pensamos em nosso dia a dia. É comum citarmos o comportamento de um amigo como de um príncipe, citar uma frase de Shakespeare “Ser ou não ser, eis a questão”, classificarmos certo romance de um casal conhecido como impossível tal qual o de Romeu e Julieta, dizer que alguém tem complexo de Édipo, que o nariz crescerá como o de Pinóquio ou ainda nos sentir um Patinho feio ou Gata borralheira. Esses personagens migraram da literatura para a vida real e estão entre nós, fazem parte dos nossos hábitos culturais nos acompanhando pela vida afora. O processo de leitura e escrita inicia-se muito antes da criança adentrar nas séries iniciais de alfabetização. A sua inserção ao mundo letrado começa ao escutar as primeiras histórias e cantigas contadas e cantadas pela mãe e/ou professores. Por isso a importância de oportunizar desde cedo este contato ao mundo da leitura e dos livros, pois o processo de leitura e a formação de leitores poderá ser facilitado. Vigotsky em suas pesquisas sobre linguagem já apontou a necessidade e importância da interação da criança com o objeto livro e com o sujeito falante para a aquisição da linguagem. O uso do livro cotidianamente na escola, de forma fruitiva, faculta o alargamento cognitivo do sujeito. A linguagem é o sistema simbólico básico dos seres humanos e são os sistemas simbólicos que efetuam a mediação dos processos mentais superiores que caracterizam o pensamento humano. Logo, ao ouvir histórias a criança traduz ideias, sentimentos, vontades, pensamentos, categoriza os objetos, busca a solução de problemas, ações conscientemente controladas. Assim, a contação de histórias é uma ferramenta a ser utilizada para auxiliar o domínio da linguagem, pois coloca o sujeito em uma situação de comunicação social, de intercâmbio, “fornece os conceitos e as formas de organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento” (OLIVEIRA, p. 43) 234 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Poderíamos citar muitas outras funções da literatura infantil, mas estas são suficientes para elucidar que o sujeito que se entrega ao texto literário tem acesso à educação, a um mundo de valores, de hábitos culturais que podem auxiliá-lo em suas escolhas. Revisão bibliográfica Mediante os estudos que estão sendo desenvolvidos na disciplina de Literatura Infantil, constata-se que os primeiros livros para crianças foram produzidos ao final do século 17 e durante o século 18. Antes desta época não se escrevia para elas, porque não existia infância. Só em meio a idade moderna é que surgiu a concepção de uma faixa etária diferenciada, com interesses próprios que necessitava de uma formação específica. Essa mudança deve-se a outro acontecimento que foi uma nova noção de família, centrada num núcleo unicelular, preocupada em manter sua privacidade e estimular o afeto entre seus membros. Antes da formação deste modelo familiar burguês, não havia uma consideração especial para com a infância. “Esta faixa etária não era percebida como um tempo diferente nem o mundo da criança como um espaço separado”. (ZILBERMAN, 1985, p. 13). Com a decadência do feudalismo, já não havia mais a organização da família em torno de amplas relações de parentesco. Dessa dissolução surgiu um conceito de estrutura unifamiliar privada, sem ligações de compromissos mais estreitos com o grupo social e dedicada à preservação dos filhos e do afeto interno, bem como da sua intimidade. Tiveram-se como principais valores: a primazia da vida doméstica, fundada no casamento e na educação dos filhos, dando relevância ao afeto e à solidariedade entre os membros da família. A nova valorização da infância gerou maior união familiar, mas também manteve formas de controle do desenvolvimento intelectual da criança e de suas emoções. Os primeiros textos para crianças foram escritos por pedagogos e professores, com intenções de sentido educativo. E de certa forma até hoje isso prevalece, tornando problemáticas as relações entre a literatura e a educação. Mas, percebe-se que é preciso repensar tais relações, de maneira que se possa direcioná-las para um novo ponto de partida, um saudável diálogo entre a criança e o livro de maneira mais prazerosa. 235 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Foram as modificações acontecidas na idade moderna e solidificadas no século 18 que possibilitaram a ascensão de modalidades culturais como a escola, com sua organização atual e o gênero literário dirigido ao jovem. Surgiu então a valorização da infância enquanto faixa etária diferenciada, neste novo modelo doméstico. Dessa forma, começava-se a perceber a criança como um indivíduo que merecia consideração especial, e que a família deveria estar organizada, de forma que sua maior responsabilidade fosse permitir que seus filhos crescessem sob cuidados especiais e com saúde, tendo espaço para sua formação intelectual. Sendo inéditas na época, tais iniciativas passaram a fazer parte do dia-a-dia da classe média, o que levou a um convívio de harmonia entre pais e filhos, e, enfim como um fator indispensável para a manutenção de um estilo doméstico de vida. Pode-se dizer que a leitura faz-se muito importante em nossa vida, pois ela faz com que possamos aprender, ensinar, evoluir. A sua grandiosidade não deve ser compreendida somente como alfabetização, como um ler corretamente, mas também como uma leitura que permite a interpretação, a compreensão daquilo que se lê. Sendo assim, é preciso oferecer às crianças, oportunidades de leitura de forma convidativa e prazerosa. E é nesse sentido que a literatura infantil desempenha um importante papel, o de conduzir as crianças não só à aprendizagem, contribuindo para uma sistematizada escrita, (como é o caso das fábulas), mas que permita que se realize a leitura com fruição, isto é, que se sinta prazer ao estar lendo. E isso é ótimo, pois é fundamental que as crianças sintam o gosto pela leitura. A literatura possibilita então, que as crianças consigam redigir melhor desenvolvendo sua criatividade, pois, o ato de ler e o ato de escrever estão intimamente ligados. Nesse sentido, “a literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno de criatividade que representa o mundo, o homem a vida, através da palavra. Funde os sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, os ideais e sua possível/impossível realização...” (COELHO, 2000, p. 27). A literatura infantil desenvolve não só a imaginação das crianças, como também permite que elas se coloquem como personagens das histórias, das fábulas e dos contos de fada, além de facilitar a expressão de ideias. Sendo assim, o objetivo da literatura infantil é o de formar leitores, pois por uma série de características e fatores ela desempenha esse papel melhor do que a literatura adulta, uma vez que é mais convidativa. O que se procura hoje é assegurar ao maior número de pessoas possíveis o direito de 236 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina ler. “A literatura infantil contribui para que não se deixe esta tarefa ao acaso...” (CAGNETI, 1986, p. 21). Como se sabe, a leitura é um processo de contínuo aprendizado, assim, salienta-se que desde cedo, é preciso formar um leitor que tenha um envolvimento integral com aquilo que ele lê. De maneira que a cada leitura, se possa adquirir mais profundidade e intimidade com o texto, que se consiga estabelecer um diálogo, fazendo perguntas e buscando respostas, seja o texto uma história, uma fábula, um conto de fadas ou qualquer outro. Nesse sentido, pode-se mencionar ainda que a leitura, além de produzir um contínuo aprendizado, desenvolve a reflexão e o espírito crítico. “é fonte inesgotável de assuntos para melhor compreender a si e ao mundo.” (CAGNETI, 1986, p. 23). Analisando as considerações aqui mencionadas, gostaria de salientar que é muito importante para as crianças as situações de interação, contato e manuseio de materiais escritos para a sua evolução e aprendizagem da leitura e da escrita. Mas, será ainda mais enriquecedor se este contato e manuseio for com histórias de literatura infantil, pois os desenhos maravilhosos que encontram-se explícitos nos livros são como uma chamada, um convite que fascina a criança, proporcionando-lhe interesse e prazer. Ao contar histórias, percebe-se também que as fábulas são muito apreciadas pelas crianças, pois se apresentam a elas de formas convidativas. As fábulas têm sua origem na Grécia, no século VI a.C. com Esopo. E na França, no século XVII, elas foram retomadas por La Fontaine. Apresentam-se como a primeira espécie narrativa a aparecer, são narrativas primordiais e são vividas por animais, e pessoas, ou seres inanimados. Com as fábulas torna-se possível ao professor trabalhar e analisar com seus alunos, o significado da mensagem transmitida percebendo os aspectos positivos e negativos que elas podem conter. As fábulas que apresentarem uma lição de moral, algo imposto e que não permite modificações, podem ser motivo para produção e reflexão. Assim como o professor deve selecionar atentamente os tipos de histórias que pretende apresentar aos seus alunos, deve estar atento também a um outro fator, trata-se sobre o tipo de leitor que queremos formar. E, como já citei anteriormente, desde cedo, é preciso formar um leitor que tenha um envolvimento integral com aquilo que ele lê. Mas para isso, é preciso ajudá-lo a sentir liberdade e prazer ao estar lendo. “O educador vai precisar usar toda sua sensibilidade, tendo em mente que cada situação e ocasião têm aspectos muito particulares”. (CAGNETI, 1986, p. 35-36). No 237 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina entanto, percebe-se que pode não ser tão fácil formar esse tipo de leitor, pelo fato de que infelizmente na escola, lhe é exigido muitas situações no sentido de cobrança, como deveres, lições, trabalhos, provas. E assim também nesse mesmo sentido, a leitura pode passar a ser entendida. “E o que lhe é exigido dentro desse contexto sempre será associado a esta imagem”. (CAGNETI, 1986, p. 36). Contudo, para que isso seja evitado, o professor deve sensibilizar o aluno de forma a fazê-lo acreditar que o livro é o caminho para encontrar prazer, descobertas, lições de vida e que pode utilizá-lo para desenvolver a capacidade de pensar e crescer. Sendo assim, para que se consiga sucesso nesse sentido, pode-se inventar e improvisar situações gostosas e significativas como trabalhos em grupos, debates, leitura crítica de jornais, dramatização de histórias, etc. É através de situações como estas que o aluno irá perceber-se como um sujeito atuante, que sente liberdade, prazer e gosto pela leitura e com certeza sentir-se-á também valorizado por participar desse processo. Desta forma, acredito que as considerações aqui mencionadas permitiram discutir o quanto a literatura infantil se faz importante, contribuindo de forma valiosa e enriquecedora para a construção do conhecimento, possibilitando à criança o seu desenvolvimento e aprendizagem. Metodologia Nesse projeto desenvolveremos a contação de histórias utilizando materiais diversificados como também técnicas de contação. A saber: a) Narração com adereços/objetos: A história é contada com a utilização de vestimenta e/ou objetos que caracterizem a mesma; b) Narração com efeitos especiais: São elementos inseridos na narração simples para aumentar as sensações e provocar maior incitação à fantasia. Poderão ser através do uso de sons, aromas, caracterização...; c) Narração interativa: enquanto a história é contada os personagens vão aparecendo e provocando impacto; 238 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina d) Maquete: Os cenários onde se desenrolam as cenas são reproduzidos em pequena escala, os personagens são bonequinhos que o contador movimenta à medida que conta o enredo; e) Bocão: São bonecos grandes que ficam sentados no colo do narrador que faz a sua voz. A história se desenrola através dos diálogos dos diversos bonecos; f) Fantoche/Teatro de bonecos: São bonecos movimentados pelas mãos, utilizando-se a voz do operador, que fica escondido atrás de um teatro apropriado; g) Dramatização: Os contadores se caracterizam como os personagens da história e a interpretam; h) Radionovela: Os intérpretes ficam atrás de um teatro e contam a história usando o recurso da voz, efeitos sonoros e musicais; i) Velcômetro: São desenhos dos personagens da história em diversas posições que são afixados em um quadro neutro (sem cenário/preto). Tanto os desenhos como o quadro possuem tiras de velcro para possibilitar a adesão; j) Teatro de sombras: São silhuetas dos personagens da história em diversas posições afixadas em uma haste. Estas figuras são movimentadas em um teatro semelhante ao de fantoches, com uma lâmina fosca na janela e iluminação por trás; k) Dobraduras: Os personagens são feitos de dobraduras e a narração é auxiliada por elas l) Cineminha: É usada para valorizar bons livros, textos, boas gravuras e ilustrações. São gravuras de formato igual e predeterminado, coladas umas às outras para formarem um filme/livro. Este é colocado no cineminha de modo a expor as gravuras uma a uma, à medida em que o narrador desenvolve a história; m) Avental de histórias: O contador veste um avental que já pode estar com cenário ou não, e ao contar a história vai dispondo as ilustrações/personagens no mesmo, de modo apropriado; n) Contos desenhados: Ao contar a história o contador vai rabiscando traços no quadro e ao final da contação é revelado o desenho. o) Roda de histórias: Como diz o nome – roda de histórias – a palavra aí é circular, sem pólo fixo, permitindo o exercício do narrar não só pelo narrador-educador, mas também pela criança, em oposição à tradicional “hora do conto”, que se 239 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina constrói segundo uma linguagem polarizada, centrada no contador. N a “roda”, o narrar e o escutar alternam-se, movimentam-se, intercambiam-se. As histórias/textos serão adequadas às diversas etapas do desenvolvimento infanto-juvenil. Coelho sugere alguns princípios orientadores que podem ser úteis para a escolha de livros a cada categoria de leitor. Segundo a autora existem as seguintes categorias: O Pré-leitor 1ª Infância: dos 15/17 meses aos 3 anos Início do reconhecimento da realidade que o rodeia: contatos afetivos e pelo tato (fase “invenção da mão”); Começa a conquista da própria linguagem. Oportunizar Gravuras de animais ou objetos familiares à criança. A atuação do adulto é essencialmente importante manipulando e nomeando estes materiais. 2ª Infância: a partir dos 2/3 anos Começam a predominar os valores vitais (saúde) e sensoriais (prazer ou carências físicas e afetivas); Fase egocêntrica e dos interesses ludo-práticos; A brincadeira com o LIVRO deve ser orientada. Os livros adequados devem propor vivências do cotidiano familiar à criança e apresentar: predomínio absoluto da imagem, sem texto ou textos brevíssimos, para que a criança comece a perceber a inter-relação existente entre o mundo real e o mundo da palavra que nomeia esse real. O Leitor Iniciante (a partir dos 6/7 anos) Fase da aprendizagem da leitura; Início do processo de socialização e da racionalização da realidade; A presença do adulto como “agente estimulador” faz-se ainda necessária. 240 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Os livros adequados devem apresentar ainda o predomínio da imagem sobre o texto; A narrativa deve desenvolver uma situação (acontecimento, fato, conflito, etc) simples, linear e que tenha início, meio e fim; O humor, a graça., a comicidade... são fatores muito positivos; As personagens podem ser reais (humanas) ou simbólicas (bichos, plantas, objetos), mas com traços de caráter ou comportamento bem nítidos. O Leitor-em-processo (a partir dos 8/9 anos) Fase em que a criança já domina com facilidade o mecanismo da leitura. Interesse pelo conhecimento das coisas; atração pelos desafios e pelos questionamentos; o pensamento lógico permite as operações mentais concretas; A presença do adulto ainda é importante como motivação e como “aplainador” e “provocador”. As leituras devem apresentar imagens em diálogo com o texto; Textos escritos em frases simples, em ordem direta e de comunicação imediata e objetiva; A narrativa deve girar em torno de uma situação central, um problema, um conflito, um fato bem definido a ser resolvido até o final; A efabulação deve obedecer ao esquema linear; Ainda o humor, a graça, as situações inesperadas ou satíricas exercem grande atração; O realismo e imaginário também conservam o mesmo interesse. O Leitor Fluente (a partir dos 10/11 anos) Fase da consolidação do domínio do mecanismo da leitura e da compreensão do mundo expresso nos livros; Desenvolve-se o pensamento hipotético dedutivo e a capacidade de abstração; O ser é atraído pelo confronto de ideias e ideais e seus possíveis valores ou desvalores; As potencialidades afetivas se mesclam com uma nova sensação de poder interior: a da inteligência, do pensamento formal, reflexivo. O préadolescente dispensa o apoio do adulto, sente-se alimentado por uma grande força interior, uma quase onipotência; A ação do adulto nesta fase deve ser a de um desafiador generoso, um líder que confia na capacidade dos seus liderados. O texto começa a valer por si, entretanto uma ou outra ilustração adequada ainda é elemento de atração; As personagens mais atraentes são os “heróis” ou “heroínas”; A linguagem tende a ser mais elaborada; Os 241 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina gêneros narrativos que mais interessam são os contos, as crônicas ou novelas, de cunho aventuresco ou sentimental (mito, lendas, ficção científica, policiais...). Ainda o maravilhoso, o mágico, agora como participante natural da vida cotidiana e real; Abre-se espaço para o amor. O Leitor Crítico (a partir dos 12/13 anos) Fase de total domínio da leitura, da linguagem escrita, capacidade de reflexão em maior profundidade; Fase de desenvolvimento do pensamento reflexivo e crítico, empenhados na leitura do mundo, e despertar da consciência crítica em relação às realidades consagradas... Agilização da escrita criativa; O convívio do “leitor crítico” com o texto literário deve extrapolar a mera fruição de prazer ou emoção e deve provocá-lo para penetrar no mundo da leitura. Nesta fase, o adolescente deve se abrir plenamente para o mundo e entrar em relação essencial com o outro. O conhecimento de rudimentos básicos de Teoria Literária faz-se necessário, pois a Literatura é a arte da linguagem e como qualquer arte exige uma iniciação. Cronologia/público alvo O projeto foi aplicado durante o ano de 2008 na Escola de Educação Básica Nereu Ramos, município de Santo Amaro da Imperatriz. Os alunos que participaram foram os de de 1ª a 5ª séries do Ensino Fundamental com dois encontros semanais. Referências ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1997 BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de fada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980 CAGNETI, Sueli de Souza. Livro que te Quero Livre. Rio de Janeiro: Ática, 1986 COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000. 242 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina DEBUS, Eliane. Festaria de brincança: A leitura literária na Educação Infantil. São Paulo: Paulus, 2006. DOHME, Vânia. Técnicas de contar histórias. 7 ed. São Paulo: Informal, 2000. FELIPE, Joanildes. Linguagem Figurada/Simbólica nos Contos de fadas e a formação da criança. Direcional Escolas. São Paulo, Ano 2, Edição18, p. 30-33, julho 2006. GUSTAVSSON, Per. Contos Desenhados. Ilustrações de Boel Werner. São Paulo: Callis, 2000. ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1985 243 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 244 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina PERSONAGENS DA LITERATURA JUVENIL BRASILEIRA E REPRESENTAÇÕES DE GRUPOS SOCIAIS Mirian Hisae Yaegashi Zappone UEM [email protected] Cidalli Lenzi de Oliveira UEM 1. Considerações iniciais A formação do leitor bem como os níveis de leitura no país tem constituído uma preocupação de pesquisadores no campo da educação nos últimos anos. Porém, parece não existir uma maior preocupação da maneira que esse leitor está sendo formado, dos (pré) conceitos que estão sendo transmitidos através das leituras que jovens e crianças fazem. Apesar de existirem movimentos sociais que buscam a integração, ou pelo menos a aceitação das diferentes raças, religiões, opções sexuais etc. pouca coisa tem mudado no campo das artes. Além de existir pouca expressão por parte desses grupos minoritários, há menos expressão ainda nas suas representações. Em razão de a gênese da literatura infantil estar diretamente relacionada a uma ideologia pedagogizante, veiculando certo cunho pedagógico a serviço de preceito morais e sociais e essas idéias terem sido tão fortemente veiculadas muitas obras produzidas para as crianças, muitos livros, ainda hoje, não perderam essa característica de dominação. Instruir e informar são atributos que o adulto atribui a si em relação à criança, o que não é um equívoco, mas usar a produção literária destinada a essa faixa etária como pretexto para esse fim, isso sim, analisado à luz das teorias atuais, é um engano, muito embora muitos textos veiculados para o público infantil ainda não tenham se desvencilhado das amarras pedagógicas. Embora o aspecto pedagogizante seja preocupante quando se fala em Literatura infantil e juvenil, ele parece um tanto menos pernicioso quando comparado com as formas de representação sociais veiculados nos textos destinados à infância e juventude. As idéias moralizantes e doutrinadoras normalmente aparecem na superfície do texto, revelando-se 245 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina de modo quase sempre evidente ao passo que representações do social, marcadamente de grupos sociais, podem escamotear preconceitos, valores questionáveis e pontos de vista que comprometem a compreensão da criança ou do jovem sobre a diversidade cultural, étnica, de gênero e outra como um traço importante de democracia e de respeito às diferenças não como traços de distinção, mas como traços de identidade dos diversos grupos sociais. Os primeiros livros direcionados para crianças foram feitos no final do século XVII, com o objetivo de disseminar valores e criar hábitos junto ao público mirim. Algumas lendas e contos da Idade Média vieram a formar os contos de fadas. Uma adaptação das histórias contadas pelo povo era feita, acrescentando-lhes detalhes que agradassem à classe burguesa, a quem eram endereçadas as obras em geral nesta época. Segundo Cademartori, Charles Perrault é considerado o precursor da literatura infantil. Ele retratava a sociedade de sua época, transformando monstros e animais, aos quais os camponeses atribuíam poderes mágicos, em fadas. A partir dos séc. XVII e XVIII, a literatura infantil passou a ser incluída na escola (MAGNANI, 2001). Segundo Cademartori (1986), a literatura infantil se constitui em um instrumento de formação conceitual e de autonomia do pensamento. E em função desse caráter formador, desde seu início esteve vinculada a objetivos pedagógicos. Esse aspecto da literatura tem gerado uma tensão permanente entre o mundo real e o ideal pedagógico, ou seja, como o mundo deveria ser. No Brasil, a divulgação da literatura infantil inicia-se no final do século XIX em decorrência da implantação da Imprensa Régia com a publicação da tradução de As Aventuras pasmosas do Barão de Munkausem. Vale dizer que esta foi a primeira tradução realizada e, somente com a segunda tradução desta mesma obra, a literatura infantil passou a ocupar um espaço específico no universo cultural brasileiro. Segundo Lajolo e Zilberman (1986), a literatura infantil surgiu efetivamente próxima à Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, ou seja, num momento de transformações políticas, que visavam primeiramente à industrialização do país para criar um mercado interno. Esse fato não se deveu ao acaso, mas às mudanças no Brasil, ou seja, a literatura infantil nasce vinculada a questões políticas. A literatura infantil brasileira apresenta, portanto, um processo de desenvolvimento no qual se nota o desvencilhar das amarras pedagógicos e moralizantes para receber o status de literatura propriamente dita, por meio de textos que valorizam o universo infantil, que apresentam crianças 246 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina interagindo com o meio, vivenciando e solucionando seus conflitos, enfim, com obras literárias adequadas ao interesse e desenvolvimento de seus leitores. Atrelada à qualidade de escritores e de textos que deixaram para trás as amarras com a pedagogia, a literatura infantil e juvenil brasileira constituiu sua história e configura-se, atualmente, como produção artística estabelecida dentro da cultura brasileira ao encenar sua presença em um sistema literário plenamente constituído contando, como pressupõe Candido72, com a presença de um conjunto de produtores, um conjunto de receptores, formados por diferentes públicos, e um conjunto de textos. Esses três elementos, ligados uns aos outros, conferem a essa literatura um aspecto de organicidade dentro da cultura brasileira, conferindo-lhe a condição de estabelecer-se enquanto produção cultural relevante e, portanto, digna de investigações que possam elucidar seus mais variados temas, formas, autores, estilos e outros aspectos de demonstrem sua relevância. Interessa nesse contexto de desenvolvimento e afirmação da literatura destinada a crianças no Brasil verificar o modo como essa produção literária pra crianças produzida contemporaneamente tem retratado ou representado diferentes grupos sociais que compõem a sociedade brasileira em toda sua heterogeneidade. 2. Análise Considerando que a Câmara Brasileira do Livro configura-se, no campo literário brasileiro, como um importante balizador na seleção de textos literários infantis e juvenis de qualidade estética, estabeleceu-se como critério para a seleção do corpus a ser estudado os textos indicados por esta instituição, nos últimos nove anos, como primeiro, segundo e terceiro lugares enquanto as melhores juvenis, o que deve totalizou 14 narrativas, tal como se vê no quadro descritivo abaixo: 72 CANDIDO, A. Literatura como sistema. In: ____. Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981, p. 23-25. 247 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Posteriormente à seleção do corpus, foi elaborada uma ficha modelo a partir da qual foram coletados vários dados sobre a representação de grupos sociais a partir do estudo das personagens das narrativas estudadas. Tal ficha foi testada a fim de que se pudesse aprimorar sua configuração de modo que se conseguisse trabalhar vários dados sobre a configuração das personagens. Segundo Escarpit (1969:9), todo “fato literário pressupõe escritores, livros e leitores, ou de uma maneira geral, criadores, obras e um público”, idéia plenamente ratificada por Candido (1985) ao propor que estes mesmos elementos – autor, obra e público – constituam o que este crítico chamou de sistema literário. Dentro do circuito ou sistema proposto pelos dois autores, a literatura possui uma tripla pertença, aliando-se aos espíritos individuais dos autores ou produtores dos textos, relacionando-se 248 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina aos problemas de estilo, de linguagem e de técnica, em função dos textos e criando problemas de ordem histórica, política, social e até econômica em função da coletividade – público que a ela pode ter acesso. Assim, a casa editorial é entendida como fiadora da validade das obras que publica; em um jogo de benefícios mútuos: autores e obras transferem capital simbólico para a editora que os publica, mas também recebem o prestígio que ela já acumulou. Afinal, a editora divide com a universidade, com as instituições de pesquisa e com determinados segmentos da mídia o poder de legitimar um intelectual em ascensão, de reforçar ou alterar posições no campo, sendo mesmo capaz de interferir de maneira privilegiada nas próprias regras que estruturam esse campo (VIEIRA, ano apud DALCASTAGNE, 2004). As editoras mais importantes, que não são necessariamente as maiores, mas dificilmente estarão entre as menores, garantem a atenção de livreiros, leitores e críticos para seus lançamentos. Entre as obras analisadas, a Companhia das Letras, junto a seus outros dois selos, Cia. das Letrinhas e Cia. das Letras, é a detentora de 29% da amostra. Também com 29%, está a editora Cosac & Naify, fundada em 1996 por Charles Cosac e Michael Naify. As outras editoras: Editora Biruta, Editora Moderna Ltda, Edelbra, L&PM, Record e 7 Letras contêm 1 livro cada uma, representando 7% da amostra. Em relação aos escritores, chama a atenção o fato de que a maioria dos autores dos livros analisados é homem. Entre os 14 autores, há somente uma mulher (7%). Apesar de as condições femininas terem evoluído de muitas maneiras, a literatura continua a se mostrar uma atividade predominantemente masculina. Na mesma proporção está a homogeneidade racial, já que na amostra analisada houve apenas um autor negro(7%). Todos os autores (100%) possuem escolaridade superior, o que evidencia que a atividade de escrita está restrita, na amostra em análise, a indivíduos com graus mais altos de escolaridade, sendo, portanto, uma atividade restrita a adultos. Embora seja voltada para crianças, não é facultada a elas a atividade de criação literária, como eventualmente tem acontecido. Porém, a maioria dos escritores desenvolve outras atividades profissionais, de forma que sua atividade como escritor de literatura infanto-juvenil não é exclusiva. Em outras palavras, diferentemente da literatura adulta, na qual algumas vezes é possível viver da escrita, esses autores não vivem dela exclusivamente: 6 são professores universitário (41%), 4 autores/ilustradores (28%), 2 compositores (14%), 1 tradutor (7%) e 1 médico (7%). 249 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Há também uma notável concentração geográfica. Quatro estados são o local de nascimento e moradia de mais de 93% dos escritores e escritoras do corpus – Minas Gerais (35,5%), Rio de Janeiro (21,5%), São Paulo (21,5%) e Rio Grande do Sul (13,5%). Apenas um autor (7%) é de outra região, Brasília. A maioria dos autores vive em capitais (80,3%). E apenas um (7%) reside no exterior. Isso atesta a centralidade da vida cultural nos grandes centros, uma vez que a atividade da escrita centra-se, no caso da amostra, em capitais e em regiões de maior nível econômico. Quando analisamos a faixa etária, há uma igualdade na proporção entre as idades de 30 a 69 anos. Isso evidencia que a atividade de escrita é privilegiadamente desenvolvida por autores maduros, já que os textos analisados não foram escritos por jovens ou adolescentes e muito pouco por pessoas de idade mais avançada, há somente um autor com mais de 70 anos. Este cenário retoma, para o caso da literatura escrita para jovens e crianças, a questão da assimetria do gênero, uma vez que se tem, caracteristicamente na amostra, adultos escrevendo para jovens e crianças. Com os números obtidos podemos perceber que há um padrão no perfil do autor brasileiro, mesmo o de literatura Infantil ou/e Juvenil. Ele é homem, branco, aproximando-se ou já na meia idade, com diploma superior e habitante de grandes cidades. 2.1 As personagens Nos 11 livros estudados foram encontradas 67 personagens, entre protagonistas e coadjuvantes importantes para o desenrolar da trama. Por se tratar de Literatura infantil e juvenil, muitos personagens eram seres maravilhosos, que foram considerados como humanos, pois atuavam na fábula fazendo uma representação humana. Para todos os livros analisados houve a leitura e discussão em grupo dos dados coletados para que houvesse um padrão nas interpretações. Um primeiro dado que se pode notar a respeito das personagens foi a predominância do sexo masculino. Existem 45 personagens homens (67,1%), ao passo que apenas 22 personagens são mulheres (32,9%). O motivo para a configuração deste dado pode estar no fato já levantado de a maioria dos autores serem homens. Além de eles terem mais expressão em quase todas as áreas, fazendo com que as próprias mulheres tenham uma perspectiva masculina, muitos autores homens se sentem desconhecedores do mundo feminino para o representá-lo. A mesma proporção, mais 250 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina homens que mulheres, é observada ao se analisar a posição dessas personagens da narrativa. A posição de protagonista e de coadjuvante é superior para o sexo masculino, conforme evidencia a tabela abaixo: Para análise da idade das personagens foram definidas 5 categorias: infância, adolescência, juventude, idade adulta e maturidade. Todas as idades foram definidas a partir de uma interpretação geral das personagens, já que não havia, em muitos textos, uma apresentação exata da idade das mesmas no texto. Com a coleta dos dados observou-se que a maioria dos jovens representados era do sexo feminino (mulheres) e que a maioria dos personagens da amostra estava na idade adulta, evidenciando a superioridade na representação de adultos em relação à representação de jovens e de crianças. Tratando-se de literatura voltada para crianças e jovens, pode-se questionar como essa literatura pretende fazer uma representação do público a que se destina se grande parte dos personagens que nelas avulta pertence ao mundo adulto. Assim, embora tenha um público específico, a criança e jovem, os adultos encontram-se em posição de maior visibilidade na amostra. 251 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A baixa representatividade dos idosos é um reflexo da realidade social no Brasil. A parcela de pessoas com 60 anos ou mais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no censo de 2000, é de 8,6% da população total brasileira e a maioria é mulher. Assim, vê-se que, mesmo na literatura escrita para crianças e jovens, o mundo adulto, das fases intermediárias é o mais representado nas narrativas, evidenciando um claro alinhamento da ficção aos padrões sociais predominantes em nossa sociedade. Quando se trata da orientação sexual, a situação de exclusão de alguns grupos sociais fica ainda mais clara. Dos 67 personagens, há somente um homossexual, do sexo masculino, que sofre o preconceito de ser descrito como ‘andróide’ na trama. Não havia nenhuma referência clara à opção sexual dos personagens, mas através de suas ações na narrativa e sua relação com outras personagens pode-se identificar essa posição da personagem. Há uma personagem classificada como ‘assexuado’, o Cupido, por já ser definido historicamente assim. Os 97% restantes (65 personagens) são claramente heterossexuais As ocupações das personagens femininas encontradas nos livros analisados foram: 5 catadoras de caranguejo (7,5%), 2 donas de casa (3%), e 1 aposentada (1,5%), 1 bruxa/feiticeira (1,5%), 1 cangaceira (1,5%), 1 escrava (1,5%), 1 estudante (1,5%), 1 professora (1,5%) e 9 personagens femininas (13,5%) não tinham profissão específica. É possível dizer que as mulheres retratadas permanecem presas às mesmas ocupações há anos na Literatura: donas-de-casa, estudantes, domésticas, professoras e, ainda, bruxas e feiticeiras, evidenciando um perfil do universo feminino que não condiz com a situação atual das mulheres no Brasil, sobretudo se levarmos em conta as circunstâncias atuais. Muito embora não seja uma regra geral, pode-se notar um avanço significativo da condição feminina: as mulheres ganharam maior espaço no mercado de trabalho, exercem funções nas mais diversas áreas, estão mais visíveis na esfera política, participam do mercado de de produção e consumo de forma indiscutível. Entretanto, a representação da mulher feita nos textos do corpus apaga muitas dessas mudanças e avanços ao restringir o universo feminino ao espaço do lar, da escola e/ou outros nos quais a mulher é vista de forma negativa (bruxa/feiticeira, escrava, cangaceira). Associando-se tal representação à posição ocupada pelas mulheres nas narrativas, vê-se que sua representação é ainda mais diminuta, pois as posições mais importantes dentro das fábulas quase sempre (60% ou mais) 252 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina são destinadas aos homens, ficando as mulheres com percentuais bem menores (pouco mais de 30%), conforme se vê no quadro 1. Os mesmos dados para as personagens do sexo masculino mostram características diferentes. Foi encontrado um rol maior de ocupações, apresentadas como caracteristicamente masculinos, evidenciando uma representação mais diversificada e mais abrangente do universo masculino. As ocupações foram: 3 estudantes (4,5%), 3 comerciantes (4,5%), 2 professores (3%), 2 catadores de caranguejo (3%), 1 aposentado (1,5%), 1 barbeiro (1,5%), 1 cangaceiro (1,5%), 1 cavaleiro (1,5%), 1 dono de jornal (1,5%), 1 industrial (1,5%), 1 poeta (1,5%), 1 político (1,5%), 1 publicitário (1,5%), 1 sargento (1,5%) e 25 personagens masculinas (37,5%) não tinham profissão clara na narrativa. Com relação à pertença étnica, a maioria das personagens da Literatura infanto-juvenil é branca, 31 personagens, representando quase metade do total (46,3%) das personagens analisadas. Foi encontrada apenas uma personagem nitidamente negra, descrita como escrava alforriada. Há 21 personagens mestiças (31,3%), que assim foram definidas de acordo com a leitura e interpretação de seu meio e ações. Não há, na amostra estudada, personagem indígena. 14 personagens (20,9%) não tinham sua etnia claramente definida. Quando se faz a relação de cor e posição na narrativa, cruzando-se dados, observa-se que as informações não se alteram. A maior parte dos protagonistas é branca e os mestiços desempenham papeis coadjuvantes. Assim como as mulheres não tem muito espaço como protagonista, negros e mestiços também não o tem. Essa é uma posição reservada, nos textos estudados, para o homem branco: 253 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A cor também é aspecto importante para reflexões quando associada a questões econômicas (estrato sócio-econômico). Além da exclusão do papel principal, os mestiços são caracterizados na narrativa como pobres ou miseráveis, enquanto a maioria da classe média é composta de brancos. Há mais uma vez, um alinhamento da ficção voltada para crianças e jovens dos padrões vigentes em nossa sociedade, de modo que são reforçados nas narrativas certas posições ideológicas, segundo as quais brancos devem ocupar sempre posições sociais elevadas e negros, mestiços e outros, posições sociais menos favorecidas. Embora a mídia, o governo e a sociedade civil alardeiem uma visão democrática sobre as diferentes classes sociais e diferentes grupos étnicos, prevalece no imaginário e também nas práticas sociais, uma visão preconceituosa sobre os mesmos, como se mostrou anteriormente. Refletindo menos ou mais fielmente a vida, a ficção evidencia em sua construção de personagens tais preconceitos e exclusões. Corroborando tal dado, pode-se observar que há somente uma personagem estrangeira e nenhuma portadora de deficiência física: o mundo, portanto, é representado na Literatura infantil e juvenil analisada, como um mundo formado por brancos, com poucos negros, mestiços ou indígenas; neste universo ficcional, os brancos compõem sempre a elite e as classes médias, caracterizando como pobres e miseráreis os negros e mestiços. 254 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 3. Conclusão Apesar de a Literatura ser considerada um espaço livre, aberto à diversidade, em que tudo é possível, longe de preconceitos, onde o autor tem liberdade para escrever sobre qualquer assunto, fica claro, depois desta análise que, assim como qualquer outro campo de atuação, ela está ideologicamente marcada. O discurso literário não se desvincula de seu tempo e espaço, pois comunga preceitos e preconceitos presentes em nossa sociedade. Assim, a literatura analisada configura um retrato da sociedade, tal qual ela pretende ser vista, de forma a marginalizar grupos. E, deve-se compreender como marginalizados todos aqueles que vivenciam uma identidade coletiva que recebe valorização negativa da cultura dominante, de forma a serem acobertados por vozes que se sobrepõem a eles, como é o caso de mulheres, pobres, negros e mestiços dentro dos textos estudados. Ao verificar as formas de representação construídas nos textos consagrados e legitimados da Literatura Infantil e Juvenil brasileira, constituídos pelo corpus da pesquisa, nota-se que tal representação é apenas parcialmente condizente com a realidade social diversa e rica que caracteriza nosso país. A nação brasileira, formada por uma gama variadíssima de homens, mulheres, crianças de várias raças, cores, opções sexuais e credos foram restritos a um grupo quase que homogêneo: prioritariamente de homens, de brancos, de heterossexuais. Sendo este o retrato ofertado pelos textos estudados, cabe questionar de que forma esta literatura pode dialogar com seus possíveis receptores: crianças de todo o Brasil, com diferentes cores, raças, situações econômicas, credos etc. Como assinala Bourdieu (1996), os textos literários inserem-se numa economia muito particular, a dos bens simbólicos, na qual adquirem valor a partir de uma lógica anti-econômica, orientada para a acumulação de capital simbólico que denega o lucro econômico, e busca os valores da arte pura. Neste sistema, para serem considerados textos de valor, é preciso que os textos ganhem prestígio, a longo prazo, além de receberem da crítica e das instâncias responsáveis (Fundações, Institutos, prêmios específicos etc) um julgamento que afiance seu valor enquanto obra de arte. Nesse sentido, o discurso crítico deixa de ser uma simples apreciação crítica do texto para se tornar, como diz Bourdieu (1996, p. 197)) um momento de produção da obra, de seu sentido e de seu valor. 255 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Nesta economia às avessas, a dos bens simbólicos, a escola exerce papel fundamental, uma vez que depende dela a eficácia dos atos de consagração de uma obra: de nada adiantariam as vozes dos críticos e instituições a pronunciar sua apreciação de um texto se tal juízo não repercutisse nos públicos que, a longo prazo, vão adquirindo competências e valores necessários para “ler” os textos de acordo com os princípios segundo os quais eles são relevantes. Tais competências e valores são desenvolvidos ou ensinados a esses públicos pelo sistema de ensino. Em outras palavras, a escola constitui importante elemento dentro do sistema de criação dos bens simbólicos ao promover não só os modos de leitura competentes das obras, mas também o valor dos textos bem como os valores neles inscritos: O êxito simbólico e econômico da produção de ciclo longo depende (pelo menos em começos) da ação de alguns ‘descobridores’, isto é, dos autores e dos críticos que fazem a editora dando-lhe crédito [...] e também do sistema de ensino, único capaz de oferecer, a prazo, um público convertido. [...]. A escola ocupa um lugar homólogo ao da Igreja, que segundo Max Weber, deve ‘fundar e delimitar sistematicamente a nova doutrina vitoriosa e defender a antiga contra os ataques proféticos, estabelecer o que tem e o que não tem valor sagrado’ (BOURDIEU, 1996, p. 169) Ora, se a escola é instituição fundamental na construção do valor simbólico dos textos, também não deixa de ser espaço onde os valores expressos pelos textos também se disseminam. Neste sentido, a pesquisa em tela, ao revelar que os textos consagrados da literatura infantil e juvenil apresentam uma representação que pouco espelha a diversidade dos grupos sociais presentes em nosso país, deve-se questionar os valores que são reverberados nesta literatura. Se a escola apregoa a diversidade e a heterogeneidade, parece um tanto contraditório que a literatura infantil e juvenil, cujos públicos mias específicos estão na escola, apresente a seus leitores uma visão tão parcial de nossa sociedade. Sendo lugar da pluralidade, como apregoam diretrizes e parâmetros educacionais, os livros por ela adotados (normalmente os textos consagrados e premiados) poderiam e até deveriam dar vazão a diferentes visões sobre a realidade social, ao incorporar em suas fábulas as vivências, os dramas, os sonhos e realizações de grupos sociais que, por serem marginalizados por sua classe, cor, credo, orientação sexual ou outro critério, são pouco visíveis. Desse modo, talvez, muitos leitores se 256 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina sentiriam mais próximos das histórias lidas e outros teriam oportunidade, por meio da ficção, de acessar realidades totalmente desconhecidas e que merecem ser também contadas e apresentadas por meio da ficção. Ao se constituir como bem simbólico a Literatura Infantil e Juvenil analisada nega a seus leitores uma visão crítica de nossa sociedade além de reverberar os valores excludentes que ela constrói nas malhas de sua ficção. Não se deve esquecer que esse processo de valorização da literatura infantil e juvenil premiada que traz em si o apagamento de grupos marginalizados se faz por meio de um processo altamente eficaz de construção de valores que convém discutir. Segundo Bourdieu, a canonização de um texto, sua transformação em obra de arte ou em objeto de valor acontece por sua inserção no campo literário, no qual funciona a “ideologia carismática da criação”, segundo a qual os textos possuem atributos que lhes são intrínsecos e que independem de aspectos sociais, materiais etc, constituindo a arte ou literatura de valor. Para Bourdieu, a crença nesta ideologia impede que se percebam todos os meandros ou o “conluio”, de natureza muito material e econômica, que cercam o processo de valorização artística de um texto: Tendo assim trazido à luz o efeito mais bem oculto desse conluio invisível, ou seja, a produção e a reprodução permanentes da illusio, adesão coletiva ao jogo que é a um só tempo causa e efeito da existência do jogo, pode-se colocar em suspensão a ideologia carismática da ‘criação’ que é a expressão visível dessa crença tácita e constitui sem dúvida o principal obstáculo a uma ciência rigorosa da produção do valor dos bens culturais. É ela, com efeito, que dirige o olhar para o produtor aparente – pintor, compositor, escrito – impedindo que se pergunte quem criou esse ‘criador’ e o poder mágico de transubstanciação de que é dotado. [...] Basta lembrar a questão proibida para perceber que o artista que faz a obra é ele próprio feito no seio do campo de produção, por todo o conjunto daqueles que contribuem para o ‘descobrir’ e o consagrar enquanto artista conhecido e reconhecido – críticos, prefaciadores, marchands etc. (BOURDIEU, 1996, p. 193 Ao usar esse conluio para afiançar o valor de certos textos em detrimento de outros, o campo literário e um de seus agentes, a escola, encobrem as meandros do processo de valorização dos textos e, ao mesmo tempo, acabam por cristalizar uma visão do literário bem como por legitimar as representações que tais textos trazem em si. Certamente, não é possível mudar tal lógica. Ela está constituída e faz-se no âmbito das práticas sociais dentro do mundo artístico, que 257 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina também abarca o universo escolar. Entretanto, é possível questioná-la e mesmo trazê-la à tona para que se problematize não apenas o modo de seleção dos textos, mas a forma como tais textos apresentam e representam nossa realidade, que é plural, rica e heterogênea, muito embora não seja retratada nos textos ficcionais estudados. Referências AZEVEDO, R. A outra enciclopédia canina. São Paulo. Cia das Letras, 1998. BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. Trad. de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. BRASILIENSE, L. Adeus conto de fadas. Rio de Janeiro. 7Letras, 2006. CADEMARTORI, L. O que é Literatura Infantil. São Paulo: Brasiliense, 1986. CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO. 50 anos premiando os maiores talentos do livro brasileiro. Disponível em <www.premiojabuti.com.br/BR/index.php>. Acesso em 10/06/2008. CANDIDO, A. Literatura como sistema. In: ____. Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981, p. 23-25. CAPARELLI, S. 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Por esse motivo, tenciono neste artigo: (i) apresentar a produção literária de Lispector relacionada ao leitor infanto-juvenil; e (ii) dar visibilidade ao seu trabalho como tradutora e adaptadora de obras clássicas direcionadas ao público jovem, sem me aprofundar em aportes teóricos. No período que vai de 1960 a 1970, Lispector escreveu cinco livros infantis, sendo eles: O mistério do coelho pensante (um “pedido-ordem” de seu filho mais novo), A mulher que matou os peixes, A vida íntima de Laura, Quase de verdade e Como nasceram as estrelas (narrativa de 12 lendas, cujos personagens fazem parte do folclore brasileiro, correspondendo elas aos doze meses do ano). Também, na mesma época, Clarice traduziu/adaptou obras como As viagens de Gulliver (Jonathan Swift), Tom Jones (Henry Fielding), Histórias extraordinárias (Edgar Allan Poe), A ilha misteriosa (Jules Verne), O retrato de Dorian Gray (Oscar Wilde) e Chamado selvagem (Jack London). Na seção a seguir, apresento um breve relato sobre os cinco livros dedicados aos leitores infanto-juvenis. Um pouco sobre Lispector Clarice Lispector nasceu em Tchetchelnik (Ucrânia), em 10 de dezembro de 1920, recebendo o nome de Haia (Vida). Chegou ao Brasil, em 1921, aos dois meses de idade, juntamente com seus pais e as irmãs, Elisa e Tânia, e aqui teve o nome mudado para Clarice. Inicialmente, a família Lispector morou em Maceió e, depois, no Recife, onde a menina Clarice cresceu num bairro judaico, aprendeu a ler e a escrever e se arriscou a compor alguns textos enviados para um jornal da cidade, mas que nunca foram publicados porque o que a menina Clarice escrevia transmitia uma forte carga de emoções. Em 1934, quatro anos após a morte da mãe de Clarice, nova mudança da família Lispector para o Rio de Janeiro. 261 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Lispector é reconhecida como um dos grandes nomes da literatura brasileira. Seu primeiro romance, Perto do coração selvagem, publicado em 1944, recebeu o Prêmio Graça Aranha de Melhor Romance, nesse mesmo ano. Foi comparada a grandes escritores, como James Joyce e Virginia Woolf. Além de sua obra dedicada ao público leitor não infantil, também dedicou parte de sua escritura ao público infanto-juvenil. Como afirma Ribeiro (1993, p. 10), “[...], de sua obra publicada para o público infantojuvenil, nada se comenta, e muito pouco foi publicado, ainda”. Atualmente, pouco se conhece de trabalhos que analisem as obras infanto-juvenis de Clarice. Lajolo e Zilberman (1999) dedicam apenas dois parágrafos resumidos (p.124 e 128) ao trabalho da autora. E Coelho (1991, p. 257-8), em um parágrafo, aponta que Curiosamente, nos anos 60, foram poucos os novos escritores que surgiram, e todos vindos da experiência com literatura ‘adulta’: Antonieta Dias de Moraes [...], Clarice Lispector, Guilherme Figueiredo, Herberto Sales, José Mauro de Vasconcelos, Maria Dinorah, Stela Carr... Em todos eles, o Real e o Imaginário se fundem de maneira essencial. Nesse período multiplicam-se as traduções e adaptações juvenis de livros consagrados na literatura mundial. Com isso, percebe-se que a Clarice-autora de livros infanto-juvenis pouco é mencionada nos compêndios dedicados ao estudo desse gênero de literatura. A seguir, apresento as obras destinadas ao leitor infanto-juvenil. Os livros infantis de Clarice Todos os cinco livros foram editados recentemente pela Rocco, 73 numa série dedicada a Jovens Leitores. As ilustrações são grandes, bem interessantes, coloridas, levando o pequeno leitor a refletir sobre o significado de cada uma delas. Não constam os números das páginas (com exceção de Como Nasceram as Estrelas). 73 Os nomes dos ilustradores constarão nas notas de rodapé de cada obra citada. 262 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Segundo Lajolo e Zilberman (1999, p. 123), na década de 1960, “Multiplicaram-se instituições e programas voltados para o fomento da leitura e a discussão da literatura infantil”. Criaram-se vários organismos e centros de estudos que congregavam professores de língua e literatura brasileira, escritores e demais interessados em definir os rumos da literatura infantil. É por essa época que Muitos autores, inclusive os consagrados, não desprezaram a oportunidade de inserir-se nesse promissor mercado de livros, o que trouxe para as letras infantis o prestígio de figuras como Mário Quintana, Cecília Meireles, Vinícius de Morais e Clarice Lispector (LAJOLO e ZILBERMAN, 1999, p. 124). Percebe-se, então, que Clarice percorre também esse caminho rumo ao leitor não adulto. O Mistério do Coelho Pensante74 (1967), escrito, primeiro em inglês e depois autotraduzido, foi um “pedido-ordem” de seu filho mais novo Paulo, e foi dedicado àquela criança que “simpatiza com coelho”, como apresenta a autora no início do livro. Ela deixa em aberto para que a própria criança descubra “outros mistérios”. Enfatiza que esta história privilegia a oralidade, pois os leitores adultos é quem devem dar as explicações que forem necessárias. Por essa obra, Clarice ganhou o Troféu Criança daquele ano. Apresento, a seguir, alguns excertos interessantes dessa obra, para mostrar uma autora-narradora que dialoga com o seu leitor: “Pois olhe Paulo, você não pode imaginar o que aconteceu com aquele coelho.” “– Puxa, eu não passo de um coelho branco, mas acabo de cheirar uma idéia tão boa que até parece idéia de menino.” “Você me pediu para eu descobrir o mistério da fuga do coelho. Tenho tentado descobrir do seguinte modo: fico franzindo meu nariz bem depressa. Só para ver se consigo pensar o que um coelho pensa quando franze o nariz.” 74 Ilustrações de Mariana Massarini para a primeira edição de 1967 da Editora Rocco. 263 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 75 No seu segundo livro, A Mulher que matou os peixes (1968), Clarice relata que matou acidentalmente os dois peixinhos vermelhos de estimação de seus filhos, enquanto estes estavam viajando. A história vem entremeada por outras histórias de outros animais de estimação: Dilermando, um vira-lata; Jack, um cachorro americano; Lisete, uma miquinha que usava brincos e teve uma vida curta; relata também a amizade de dois cães, Bruno e Max, e aqui morte se faz presente, como na história de Lisete. A seguir, alguns trechos retirados do livro para dar visibilidade à autora novamente dialogando com o pequeno leitor: “Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu. Mas juro a vocês que foi sem querer.” “Por enquanto só posso dizer que os peixes morreram de fome porque esqueci de lhes dar comida. Depois eu conto, mas em segredo, só vocês e eu vamos saber.” “Eu peço a vocês que me desculpem. Dagora em diante nunca mais ficarei distraída.” “Vocês me perdoam?” Em A Vida Íntima de Laura76 (1974), Lispector conta a história de uma galinha “quase comum”, “meio marrom, meio ruiva”, com um “pescoço muito feio, mas bonita por dentro”. Laura, a galinha casada com o galo Luís, é mãe do pintinho Hermany, tem uma vida bastante pacata, ciscando e escolhendo coisas que não lhe fazem mal. Alguns excertos: “Vou logo explicando o que quer dizer ‘vida íntima’. É assim: vida íntima quer dizer que a gente não deve contar a todo mundo o que se passa na casa da gente. São coisas que não se dizem a qualquer pessoa.” “Dou-lhe um beijo na testa se você adivinhar. E duvido que você acerte! Dê três palpites.” “Peço a você o favor de gostar logo de Laura porque ela é a galinha mais simpática que já vi.” “Se você conhece alguma história de galinha, quero saber. Ou invente uma bem boazinha e me conte.” 75 76 Ilustrações de Flor Opazo para a edição de 1968 da Editora Rocco. Ilustrações de Flor Opazo para a edição de 1974 da Editora Rocco. 264 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O quarto livro, Quase de Verdade77 (editado postumamente em 1978), é sobre o cachorro Ulisses que (re)late suas histórias passadas no quintal da vizinha Oniria para sua dona Clarice. Nesse quintal viviam muitos galos e galinhas felizes, e uma infeliz figueira que nunca dava figos, por isso ela tinha “inveja da alegria das aves”. Ulisses conta/late que essa árvore, um dia, pediu ajuda a bruxa Oxelia, cuja forma era a de uma nuvem preta, para acabar com a felicidade dos animais. A seguir, alguns exemplos das conversas entre os animais: “Era uma vez... Era uma vez: eu!” “Sabe quem eu sou? Sou um cachorro chamado Ulisses e minha dona é Clarice. Eu fico latindo para Clarice e ela – que entende os significados dos meus latidos – escreve o que eu lhe conto.” “Eu que sou cachorro, não sei o que responder às aves. – Engole-se ou não se engole o caroço? Você, criança, pergunte isso à gente grande. [...] Eis a questão.” O último livro editado também postumamente é Como Nasceram as Estrelas78 (1987). Constam nele doze lendas pertencentes ao folclore brasileiro, uma para cada mês do ano. Os personagens dessas lendas são: o uirapuru; Yara, deusa das águas; o Negrinho do Pastoreio; o Saci-Pererê; o Curupira; e, no mês de dezembro, o Menino Jesus. A seguir, apresento excertos retirados deste livro: Fevereiro: Alvoroço de festa no céu “Moral da festa? Bem, não houve.” Março: O pássaro da sorte “Como é que se espalhou que o uirapuru dá sorte? Ah, isso não sei, mas que dá, dá!” Dezembro: Uma lenda verdadeira “Hoje em muitas casas do mundo nasce um Menino.” “E, como se não bastasse, espouca no ar como champanhe o borbulhante Ano Novo.” 77 78 Ilustrações de Mariana Massarini para a primeira edição de 1978 da Editora Rocco. Ilustrações de Fernando Lopes para a edição de 1987 da Editora Rocco. 265 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Com os exemplos retirados das cinco obras de Lispector, procurei dar visibilidade à sua escritura destinada ao leitor infanto-juvenil. Como apresenta Ribeiro (1993, p. 117), “A literatura infanto-juvenil de Clarice Lispector é repleta de intratextualidades, paródias e paráfrases, e, por seu caráter inovador nos meados da década de sessenta, estabeleceu uma nova linguagem no gênero destinado às crianças”. A seguir apresento uma outra Clarice também pouco estudada: a tradutora. Clarice tradutora/adaptadora Clarice Lispector teve muitas de suas obras destinadas ao público adulto traduzidas para o inglês, francês, espanhol, alemão e italiano, dentre várias línguas. Contudo, há no universo clarieceano um aspecto ainda não devidamente explorado pelos pesquisadores e pela crítica e para o qual Clarice muito contribuiu: o da tradução (que fará parte de minha tese de doutorado). Após a mudança da família Lispector para o Rio de Janeiro, em 1939, Clarice ingressa na Faculdade de Direito. Durante o período como estudante, Lispector trabalha em um escritório de advocacia e traduz textos científicos para algumas revistas. Em 1940, iniciou o trabalho como tradutora na Agência Nacional. Em 1943, casou com um diplomata, indo morar em várias cidades da Europa e também nos Estados Unidos. Com isso, desenvolveu a leitura em outras línguas, notadamente o francês e o inglês. Em 1959, já separada do marido, ela volta ao Rio de Janeiro. Por força de sua crítica situação financeira e com dois filhos pequenos para cuidar, Clarice, além de se dedicar à literatura para o público adulto, também escreveu artigos para revistas e jornais. Para complementar sua renda, Lispector traduz obras de vários autores conceituados, como Swift, Wilde, Fielding, Borges, Verne. Gomes (2004, p. 39) afirma que “A década de 1970 parece ter sido aquela em que Clarice mais se dedicou à tradução, uma vez que neste período foi publicada a maioria dos textos traduzidos”. Na tradução de algumas peças teatrais, como The little foxes/Os corruptos (de Lillian Hellman), Hedda Gabler/Hedda Gabler (de Ibsen) e A gaivota (de Anton Tchecov), Lispector teve como parceira Tati Moraes. Ambas ganharam o prêmio de melhor tradução, em1967, para Hedda Gabler. 266 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Na crônica Traduzir procurando não trair79, que escreveu para a Revista Jóia (n. 177, maio de 1968), é possível avaliar como Lispector refletia sobre o seu papel de tradutora e o ato de traduzir: se deveria haver uma fidelidade ao texto original ou se deveria trair o autor da língua de partida. Lispector afirma que Primeiro, traduzir pode correr o risco de não parar nunca: quanto mais se revê, mais se tem que mexer e remexer nos diálogos. Sem falar na necessária fidelidade ao texto do autor, enquanto ao mesmo tempo há a língua portuguesa que não traduz facilmente certas expressões americanas típicas [Lispector se refere à sua tradução da peça de Lillian Hellman, Os corruptos], o que exige uma adaptação mais livre (grifos meus). Muitas vezes, ao mesmo tempo em que esse ofício era prazeroso para Clarice, ela igualmente se mostrava preocupada e minuciosa com o ato de traduzir. Clarice temia ler seus livros traduzidos para outras línguas. Dizia que sentia “enjôo de reler” coisas que escrevia. Gomes (2004, p. 42) mostra uma Clarice “que ficava enfadada ao reler seus textos e [...] parece sentir o mesmo com as traduções”, haja vista que, em Traduzir procurando não trair, ela afirma que “quanto mais se revê, mais se tem que mexer e remexer nos diálogos”. Gomes (2004, p. 42) acrescenta que, como tradutora, ela parece “ser envolvida pela tradução a tal ponto que passe a ter a sensação de não poder parar nunca”. Apesar de traduzir um grande número de autores consagrados de peças teatrais e outros tantos de romance, contos e ensaios, Clarice não foi uma teórica da tradução. Apenas se tem referência do seu pensar sobre a tradução crônica da revista Jóia. Entretanto, Clarice não faz menção, nessa crônica, às traduções dos contos, romances e demais textos que traduziu. Nem alude ao fato de que muitos deles, principalmente os destinados a um público infanto-juvenil como Tom Jones, Viagens de Gulliver, Chamado Selvagem, O retrato de Dorian Gray e Histórias extraordinárias (deste último faz parte o conto Os 79 In: GOMES, André Luís. Entre espelhos e interferências: a problemática da tradução para Clarice Lispector. Disponível em <http://www.fflch.usp.br/dlcv/posgraduacao/eclpdf/viao7/ via07_04pdf>. Acesso em 5 de setembro de 2008. 267 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina crimes da rua Morgue), são uma adaptação, como consta na capa de tais obras. Paulo Rónai, em A Tradução Vivida, (1981, p. 89-109), apresenta os usos e abusos da tradução, onde, num dos tópicos, faz uma abordagem sobre a adaptação e a trata como um problema para a tradução. O autor se refere à adaptação como texto dirigido ao público infanto-juvenil, ou, em muitos casos, dirigido a um público com pouco vocabulário e “cultura escassa”, considerando que, em alguns casos, o texto original sofre uma mutilação, havendo supressão de frase, páginas e até de capítulos, com isso alterando o “sentido profundo da obra”. Entretanto ele aponta que há gêneros textuais que admitem que se faça adaptação, como, por exemplo, no teatro. Mesmo em obras de ficção, deve constar na capa ou no cartaz da peça teatral que se trata de uma adaptação. Ele ainda acrescenta “que [...] as obras adaptadas deixam de pertencer ao autor e passam a fazer parte da bagagem do adaptador, muitas vezes escritor de mérito e que assim procura complementar seus parcos proventos” (RÓNAI, 1981, p. 98). Com isso, infere-se que Rónai não admite a adaptação como forma de tradução. Seria o que Berman (2007) chama de “tendências deformadoras” por haver uma ingerência do tradutor/adaptador no texto original. Esse teria sido o caso de Clarice Lispector que fez a adaptação de algumas obras de autores canônicos da literatura estrangeira dirigidas a um público juvenil, como é o caso de Tom Jones, Viagens de Gulliver, Chamado Selvagem, O retrato de Dorian Gray e Histórias extraordinárias. Contudo, na capa de cada uma dessas obras traduzidas há a informação de que se trata de uma tradução e adaptação de Lispector. Em contraposição a Rónai, Cony defende, em um artigo que se encontra disponível no site da Editora Scipione, a adaptação como forma de que textos canônicos da literatura estrangeira sejam conhecidos tanto pelo público infanto-juvenil quanto por adultos que “por isso ou aquilo, não têm tempo ou vontade para encarar a leitura dos originais”. O autor, que possui uma vasta bagagem literária de vários romances, crônicas, ensaios, textos jornalísticos em língua portuguesa, também fez adaptações de clássicos estrangeiros e de Eça de Queiróz, Raul Pompéia e Manuel Antônio de 80 Almeida para as editoras Ediouro e Scipione. Cita como exemplos as 80 Mais informações sobre as adaptações feitas por Carlos Heitor Cony estão disponíveis no site do autor em < http://www.carlosheitorcony.com.br/cony/livros/adaptacoes.asp>. Acesso em 4 de dezembro de 2008. 268 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina adaptações feitas pelos irmãos Lamb para uma “versão em prosa das peças de Shakespeare” dirigida a jovens adolescentes de língua inglesa, também de O Capital, de Marx, e os textos bíblicos. Termina o artigo com uma pergunta: “até que ponto as modificações aviltaram o sentido espiritual e literário do Livro dos Livros?”. Já Bastin (2001, p. 5-8) define adaptação como “a set of translative operations which result in a text that is not accepted as a translation but is nevertheless recognized as representing a source text of about the same length” (grifo meu). E Amorim (2005, p. 119) afirma que, como há uma grande polêmica em torno da adaptação, ela “pode ser associada tanto à noção de ‘enriquecimento’ quanto à de ‘empobrecimento’. Mais adiante, o autor prossegue no seu pensamento sobre a adaptação aduzindo que esta seria “um processo de transformação que [...] possibilitaria veicular imagens e estilos que poderiam ser considerados ‘fiéis’ ao texto de referência” (AMORIM, 2005, p. 120). No Brasil, nas décadas de 1950, 1960 e 1970, muitas obras da literatura estrangeira foram adaptadas ao gosto e à cultura nacional, buscando, assim, torná-las mais acessíveis e interessantes ao público infanto-juvenil, ou, como apresenta Cony, a um público não muito afeito à leitura. Clarice traduzindo Poe: Os crimes da rua Morgue Edgar Allan Poe nasceu em Boston, em 1809, e morreu em Baltimore, em 1849. Foi um prolífico escritor, pois de sua vasta obra constam contos, poesias, ensaios, ficção e uma peça de teatro (Polititian). Assim como Clarice Lispector, Poe teve sua vida pontuada por alguns dramas (morte prematura dos pais, vício em bebidas e jogos, viuvez, tentativa de suicídio). Nada disso impediu que fosse considerado um dos gênios da literatura americana do século XIX. Explorou em seus contos a alma humana, os defeitos e vícios do ser humano. Muitos designaram sua obra como “literatura fantástica”, mas o que se percebe é uma grande abordagem do aspecto psicológico dos homens. Influenciou escritores como Rimbaud e a criação poética de Baudellaire, que traduziu Poe para o francês. Clarice, como apresentado na capa da edição brasileira, fez uma tradução e adaptação de Histórias Extraordinárias, dirigido, como está 269 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina referenciado na capa, para o jovem leitor. Há ainda uma referência na folha de rosto do livro: Clarice selecionou e reescreveu 18 contos de Histórias Extraordinárias. O texto original – The murders in the rue Morgue −, em uma edição pocketbook, possui 39 páginas, escrita em uma letra miúda e em papel jornal. Já a o texto traduzido e adaptado – Os crimes da rua Morgue –, também em edição de bolso, contém 19 páginas, isto é, 20 páginas a menos que o original. Muitos outros tradutores e adaptadores se envolveram nas traduções de Poe para o português de Portugal e do Brasil. Nesta análise, procuro saber se Lispector enriqueceu ou empobreceu o texto de Poe. Começo analisando o título do conto: The murders in the rue Morgue/Os crimes da rua Morgue. Poe foi um autor que usou e abusou de uma fina ironia nos seus escritos e de jogos de palavras. A tradução de morgue para o português é necrotério, morgue, esta última palavra pouco usual atualmente. Na tradução, quando o leitor do texto traduzido que desconhece o significado desse termo, acredita que se trata de uma rua cujo nome é Morgue. Nos cinco parágrafos iniciais, que são muito longos no original, Poe discorre sobre a atividade mental que teria primazia sobre a atividade física. Clarice parafraseia em sete parágrafos curtos, bem próprios para o leitor adolescente, omitindo informações que certamente cansariam esse público. No caso a tradução se afastaria do seu objetivo que era o de facilitar a leitura de uma obra clássica do conto psicológico americano. Ao longo da tradução, Lispector optou por parágrafos extremamente curtos, ao contrário de Poe que escreveu longos parágrafos. No exemplo que segue, percebe-se a quebra de parágrafos, optando a tradutora por frase mais curtas. O termo respeitoso Monsieur, em francês, foi traduzido como Senhor dando um caráter domesticante à tradução. Outro aspecto a ser comentado é com relação às estações do ano: no original, Poe fala em during the spring and part of the summer, e na tradução, Clarice menciona apenas durante a primavera, omitindo parte do verão. Ainda neste parágrafo, há menção apenas ao caráter de Dupin. Já na tradução, a tradutora referiu-se aos dois homens como sem ânimo para cuidar dos bem que restaram. Venuti reconheceria aqui um texto que parece ter sido escrito em língua vernácula e não como um texto traduzido. Poe Residing in Paris during the spring and part of the summer of 18__, I there became acquainted with Monsieur C. Auguste 270 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Dupin. This young gentleman was of an excellent, indeed of an illustrious family, but, by a variety of untoward events, had been reduced to such poverty that the energy of his character succumbed beneath it, and he ceased to bestir himself in the world, or to care for the retrieval of his fortune. Lispector No ano de mil oitocentos e tanto, durante a primavera, eu estava residindo em Paris. Sozinho e em situação financeira não muito boa. Foi nessa época, justamente, que conheci e fiquei amigo de um tal Senhor C. Auguste Dupin. Era um jovem e simpático cavalheiro. De excelente – ilustre mesmo – família. Por uma série de maus acontecimentos, ficara, como eu, reduzido à miséria. Uma miséria que nos matara a energia do caráter e não nos deixara nem ânimo para cuidar da recuperação dos bens. Outro exemplo refere-se ao Théatre des Variétés, declarado um local histórico em Montmartre, um local culturalmente marcado no espaço francês, mas que perde sua marca ao ser adaptado por Lispector em português. Tal fato encontra nas palavras de Venuti (2002, p. 129), quando afirma que a tradução freqüentemente “é vista com suspeita porque, inevitavelmente, domestica textos estrangeiros, inscrevendo neles valores lingüísticos e culturais inteligíveis para comunidades domésticas específicas”. Sem dúvida, a tradutora optou por uma expressão que não causaria estranheza ao público leitor da tradução. Poe “He is a very little fellow, that’s true, and would do better for the Théatre des Variétés.” Lispector Ele é, de fato, muito pequeno. É um sujeito pequenino demais, e estaria muito melhor o teatro de variedades. Neste outro exemplo, Poe faz uso da expressão affair em inglês que não teria o mesmo sentido de affaire explicado entre parênteses. Clarice omite qualquer referência a essa particularidade cultural. Poe 271 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina “[...] Many individuals have been examined in relation to this most extraordinary and frightful affair,” [the word ‘affaire’ has not yet, in France, that levity or import which it conveys with us] “but nothing […].” Lispector A notícia vinha contando que muito as pessoas foram interrogadas. Aquelas que pareciam mais ligadas às duas assassinadas. Apresento neste último exemplo, nova marca cultural, quando Clarice se refere ao Jardin des Plantes como simplesmente Jardim? Que Jardim seria para o leitor de língua portuguesa? Botânico? Zoológico? Não está claro no texto adaptado. Poe It [the Ourang-Outang] was subsequently caught by the owner himself, Who obtained for it a very large suma the Jardin des Plantes. (Grifo meu) Lispector O orangotango foi capturado. Pelo próprio dono, que o vendeu ao Jardim, obtendo uma ótima quantia. (Grifo meu) Considerações finais Na análise desses poucos exemplos, percebe-se que Clarice procura adaptar o texto traduzido à língua de chegada. Ela se mostra uma tradutora preocupada em se manter fiel ao autor do texto original, como ela afirma na crônica Traduzir procurando não trair: “sem falar na necessária fidelidade ao texto do autor”. Lispector procurou manter uma coerência com o texto original, embora suprimindo algumas passagens que talvez fossem motivo de abandono da leitura. Venuti (2002, p. 61) afirma que “a língua é um contínuo de dialetos, registros, estilos e discursos, dispostos numa hierarquia, e desenvolvendo-se em diferentes velocidades e de diferentes maneiras”. Clarice preocupou-se em manter o registro da língua menor, no caso, o português. 272 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Pela análise, infere-se que os textos não sofreram empobrecimento, pois mantiveram o sentido do texto original, conservando a tradutora a ironia que se percebe em Edgar Allan Poe. Referências AMORIM, Lauro Maia. Tradução e adaptação: encruzilhadas da textualidade em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, e Kim, de Rudyard Kipling. São Paulo: Editora UNESP, 2005. 239 p. CONY, Carlos Heitor. As adaptações dos clássicos e a voz do Senhor. Disponível em <http://www.scipione.com.br/educa/artigos/artigo14/art14.htm> Acesso em 4 de dezembro de 2008. BASTIN, Georges L. Adaptation. Tradução ddo espanhol dde Mark Gregson. In: BAKER, Mona (edit.) Routledge Encyclopedia of Translation Studies. New York: Routledge, 2001. p. 5-8. BERMAN, Antoine. A tradução e a letra: ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan, Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras/PGET, 2007. 144 p. 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Ilustrações de Mariana Massarani. 1. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. ___. Como nasceram as estrelas. Ilustrações de Fernando Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. POE, Edgar Allan. Great Tales and Poems of Edgar Allan Poe. 43rd printing. New York: Washington Square Press, 1968. p. 102-41. 273 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina ___. Histórias extraordinárias de Allan Poe. Tradução e adaptação de Clarice Lispector. 9. Ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. p. 53-72. RIBEIRO, Francisco Aurélio. A literatura infanto-juvenil de Clarice Lispector. Vitória: Nemar, 1993. 138 p. RÓNAI, Paulo. A tradução vivida. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. 210 p. VENUTI, Lawrence. Escândalos da Tradução: por uma ética da diferença. Tradução Laureano Pelegrin et al. Revisão técnica: Stella Tagnin. Bauru, SP: EDUSC, 2002. 396p. 274 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A TRADUÇÃO DO DIALETO DO PERSONAGEM HAGRID EM HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO: UM OLHAR PARA O PÚBLICO LEITOR. Caroline Reis Vieira Santos PGET/UFSC Lincoln Paulo Fernandes PGET/UFSC; UEL Este estudo desenvolveu-se a partir da dissertação de Caroline Reis Vieira Santos, ainda em andamento, intitulada A tradução do dialeto do personagem Hagrid para o português brasileiro e o português europeu no livro ‘Harry Potter e a Pedra Filosofal’: um estudo baseado em corpus. Esse estudo investiga os “padrões de comportamento linguístico preferenciais ou recorrentes em contraposição a exemplos de intervenções individuais ou únicas.” (2000, p. 245, tradução nossa), ou seja, estuda, usando método de corpus, o modo como duas tradutoras lidaram com a questão da tradução dialetal dentro de uma obra, para um público leitor específico, em dois países diferentes. Essa pesquisa pode auxiliar, futuramente, tradutores e pesquisadores que se depararem com o dialeto dentro da Literatura Infanto-Juvenil (LIJ) a ser traduzida. Neste artigo, mais especificamente, o foco está nas questões que influenciam esses “padrões linguísticos preferenciais ou recorrentes” (op. cit.) do tradutor, principalmente no que diz respeito ao público leitor infanto-juvenil, levando em consideração os seguintes quesitos: (i) a leiturabilidade, (ii) o mercado editorial, (iii) a censura por parte da instituição escolar e das escolas; e (iv) as condições de trabalho do tradutor. Para abordar a questão da leiturabilidade, apoiar-me-ei em Puurtineen (1998), a qual define a leiturabilidade como “facilidade de leitura ou entendimento determinado por dificuldade linguística, [o qual] é um aspecto da compreensibilidade” e que é fundamental para o público leitor, já que uma má experiência de leitura pode gerar rejeição e obstáculo no desenvolvimento das competências de leitura. Para tratar do mercado editorial e das condições de trabalho dos tradutores, apoiar-me-ei em um estudo feito por Milton (2002), no qual ele apresenta os resultados de uma pesquisa anterior feita por ele (MILTON, 1994) a qual mostra, que na tradução de romances clássicos, – e é claro que 275 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina neste caso ele trata da literatura adulta clássica, cujo status é bastante diferenciado do da LIJ por uma série de questões que colocarei adiante na seção 1, mas nos serve de base para verificarmos o que acontece no Brasil em relação à tradução de dialetos – “nunca foram utilizados falares de baixo padrão ou gírias” (Id., 2002, p. 50). Após a constatação desse apagamento ou padronização (KLINGBERG, 1986), Milton levanta uma série de motivos possíveis que justificariam essa decisão de não traduzir linguagem marcada, os quais serão discutidos em pormenores na seção 2. Apontar-se-á também, na seção 3, a influência do mercado editorial brasileiro e as instituições escolar e familiar e nas traduções de dialetos ou variantes não-padrão realizadas de obras de LIJ. Para finalizar, faz-se um apanhado geral dos resultados encontrados no corpus do que foi verificado por Milton (2002) no contexto brasileiro e por Klingberg (1986) no contexto da LIJ traduzida apontado para os fatores que influenciam a tradução do dialeto. 1 A LIJ traduzida no brasil Falar em Literatura para jovens e crianças no Brasil já traz uma problemática inicial: que nome dar a esse tipo de literatura? Neste sentido, não há muito o que se buscar em teorias estrangeiras, visto que o problema inicial é posto pela própria língua portuguesa. Para tentar dar uma definição que sirva a este trabalho, me aproprio das palavras de Coelho (2006,) na introdução de seu Dicionário Crítico da Literatura Infantil e Juvenil Brasileira: [...] usaremos o rótulo geral Literatura Infantil ou Infantil/Juvenil (LIJ) para indicar tanto os livros infantis (destinados a pré-leitores, leitores iniciantes e leitores em processo), como os Infanto-Juvenis (para os leitores fluentes) e os Juvenis (para leitores críticos) [...] Todos que lidam com essa literatura não-adulta conhecem as dificuldades de se encontrar um termo abrangente que não falseie a matéria por ele nomeada. Ainda que os termos adotados pela pesquisadora não resolvam todo o problema, eles propõe uma definição clara para seus propósitos. Segundo Wyler (apud BARBOSA, 2005, p. 8), em 2004 entre 60 e 80% dos livros publicados no Brasil eram traduções. Embora essa informação já esteja um pouco defasada em função do tempo, ela nos dá 276 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina uma idéia do número de traduções lidas por brasileiros, incluindo, claro, as crianças e jovens. Consoante Barbosa (2005, p. 9), em uma pesquisa feita nas listas de livros mais vendidos de veículos de comunicação nacional (revistas e jornais), o jornal O Globo “[...] incluía uma última categoria [nas categorias de livros mais vendidos no ano de 2005], a de literatura infantil, na qual citava três livros estrangeiros contra um brasileiro.” Como se pode observar, a maioria da literatura que chega às mãos das crianças e jovens do país, passa antes pelas mãos de um tradutor. O grande primeiro escritor e tradutor brasileiro de LIJ foi Monteiro Lobato, por isso, dos 11 trabalhos, entre mestrados e doutorados, realizados no Brasil sobre LIJ, 4 são sobre as obras de Lobato, ou seja, 30% do total (SANTOS; FERNANDES; VASCONCELLOS, no prelo). Como o número de trabalhos desenvolvidos na área ainda não é muito representativo, essa porcentagem dá uma idéia da importância de Lobato do desenvolvimento da LIJ: como autor mais representativo, evidentemente os primeiros trabalhos são sobre sua obra. Após esse panorama da situação da LIJ traduzida no Brasil, passemos agora às características desse tipo de literatura que se relacionam a seu público leitor. 2 A LIJ e o público leitor infanto-juvenil Embora muita da literatura infanto-juvenil publicada no Brasil seja traduzida, quase não se dedicam estudos a esse tipo de literatura. Segundo Santos et. al. (no prelo), há somente 11 trabalhos entre dissertações e teses já realizados no país que cubram a interface entre a LIJ e os Estudos da tradução (ET). Puurtinen (1998, p. 525, tradução nossa) apresenta uma explicação para essa escassez de trabalhos na área e levanta as funções e a importância das pesquisas sobre essa literatura A literatura infanto-juvenil81 geralmente é vista como um objeto de estudo periférico e não interessante apesar de seu papel multifacetado como instrumento educacional, social e ideológico. Além de ser uma oferecer entretenimento e ser uma ferramenta para o desenvolvimento 81 Em inglês o termo é children’s literature, mas em nossa tradução resolvemos adotar o termo literatura infanto-juvenil para ser coerente com o resto do trabalho, que adota o termo literatura infanto-juvenil. 277 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina das habilidades de leituras das crianças, ela também é um importante veículo de conhecimento de mundo, ideias, valores e comportamento aceitável. Didatismo é sempre mais ou menos discernível, implícita ou explicitamente, nos livros de literatura infanto-juvenil. Esse princípio de didatismo, de “utilidade” para a criança é complementado ou, às vezes, contrabalanceado pela exigência da compreensibilidade: tanto a língua quanto o conteúdo dos livros infanto-juvenis são ajustados para a compreensão e habilidades de leitura dos leitores. Quando livros infantojuvenis são traduzidos, talvez seja necessário fazer vários ajustes com intuito de aderir às noções do que é bom e apropriado para crianças, assim como o que é considerado de nível apropriado de dificuldade em determinada cultura alvo.82 Como a autora constata, a LIJ é um importante elemento no desenvolvimento da criança e do jovem tanto no que diz respeito a sua formação escolar como cidadão crítico, quanto na sua socialização através das ideologias e condutas sociais veiculadas através dos livros, por isso a tradução desses textos precisa passar por vários ajustes, porque as regras de conduta de uma cultura fonte não são as mesmas que a cultura alvo. Além de levantar o papel da LIJ e discutir a sua tradução, Puurtinen (Id., Ibid, p. 525, tradução nossa) aponta um questão de ordem prática e linguística ao qual ela chama de leiturabilidade e proferibilidade83: Leiturabilidade, ou facilidade de leitura e compreensão determinado pela dificuldade linguística, é um dos aspectos da compreensibilidade. Resumidamente, o conceito também compreende a proferibilidade (o termo de Snell-Hornby 1998: 35), isto é, a adequação de um texto para ser lido em voz alta de forma fluente, a qual é uma das qualidades mais 82 Children’s literature is generally seen as a peripheral and uninteresting object of study despite the manifold role it plays as an educational, social and ideological instrument. Apart from being entertainment and a tool for developing children’s reading skills, it is also an important conveyor of world knowledge, ideas, values, and accepted behavior. Didacticism is always more or less discernible, explicitly or implicitly, in children’s books. This principle of didacticism, of “usefulness” to the child, is complemented or sometimes counteracted by the requirement of comprehensibility: both the language and the content of children’s books are adjusted to readers’ comprehension and reading abilities. When children’s books translated, it may be necessary to make various adjustments in order to adhere to the notions of what is good and appropriate for children, as well as what is considered the suitable level of difficulty in a given target culture. 83 O termo em original é ‘speakability’, para o qual achei em português uma tradução ainda não satisfatória, mas útil para o propósito deste texto: proferibilidade, que significa “pronunciável”. 278 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina importantes dos livros infanto-juvenis como livros infanto-juvenis são lidos em voz alta não somente por adultos, mas também pelas próprias crianças. Como se pode ver, dois fatores, entre outros, são de importância crucial quando se traduz para o público leitor infanto-juvenil: (i) a leiturabilidade e (ii) a proferibilidade. Essas duas características podem ser realizadas pelas características apontadas Haunt (1991 apud RUDVIN; ORLIATI, 2006, p. 162-163, tradução nossa), mesmo que elas sejam de alguma forma generalistas e não possam ser aplicadas e qualquer obra de LIJ: no que concerne à linguagem e à estrutura, [a literatura infanto-juvenil] pode ser sumarizada da seguinte forma: orientação infanto-juvenil; simplicidade; estrutura fácil; uma pequena variedade de padrões gramaticais e lexicais; léxico e registro simples; frases padrões, palavras do dia-a-dia; repetições; textos e sentenças curtos.84 Essas características levantadas pelo autor garantem que o público leitor consiga acompanhar o texto através de estruturas que ele domina, já que ele se encontra na fase de desenvolvimento (mais ou menos avançada) das habilidades de leitura. Se forem utilizadas estruturas sintáticas ou vocábulos que não possibilitem o acesso do leitor ao texto, além de não compreender o texto, o indivíduo pode criar rejeição à leitura. 3 A tradução de um dialeto e o mercado editorial Para fins da pesquisa que dará origem à dissertação de Santos (no prelo), assim como para este artigo, será considerado dialeto a variante que [...] você fala porque você ‘pertence a’ (vem de um lugar ou escolheu deslocar-se até ele) a uma determinada região, classe social, casta, 85 geração, faixa etária, gênero ou outro grupo relevante dentro de uma comunidade. (Nem todas essas características são relevantes em 84 for what concerns language and structure, could be summarized as follows: childorientedness, simplicity, easy structure, a narrow range of grammatical and lexical patterns, repetitions, short texts and sentences (see Hunt 1991:62). 85 Gênero aqui se refere a ‘masculino’ e ‘feminino’. 279 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina qualquer época ou lugar, mas a combinação delas pode ser. [...] (HALLIDAY, 1989, p. 44) 86 Segundo Halliday (1978, p. 225, tradução nossa) as seguintes características são sugeridas como categorias dialetais. Tabela 3 – Categorias sugeridas da diferenciação da variação dialetal baseado no quadro proposto por Halliday (1978, p. 225). Variações dialetais: a reflexão linguística das características do usuário nos eventos linguísticos. Sobre a falsa crença de que um dialeto é uma forma “errada”, não legítima da língua, Trudgill (1999, p. 4, tradução nossa) reinforça que É importante, também, não confundir a questão de inglês 87 padrão versus dialetos não-padrão com a questão da língua formal versus a informal. Todos os dialetos podem ser falados em um estilo mais ou menos formal, dependendo da natureza da situação. 88 86 you speak because you ‘belong to’ (come from, or have chosen to move into) a particular region, social class, caste, generation, age group, sex group, or other relevant group within the community. (Not all of these are relevant at any one time or place: but the combination of them may be.) [...] 87 O autor aqui fala da língua inglesa, mas sua afirmação pode ser feita a respeito de qualquer língua, inclusive a portuguesa. 88 It is important, too, not to confuse the issue of Standard English versus Nonstandard Dialects with the issue of formal versus informal language. All dialects can be spoken in less or more formal styles, depending on the nature of the situation. 280 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Mais adiante o mesmo autor ainda declara que “Parece-se acreditar que, de fato, o inglês padrão é a língua inglesa, e que todos os outros dialetos são de alguma forma desvios ou corrupções do inglês padrão.89“ (Id. Ibid., p. 13, tradução nossa, grifo do autor), mas esclarece que essa é uma crença equivocada, que o dialeto nada mais é que uma outra variante, diferente da padrão. Tendo esclarecido o conceito de dialeto que guia este trabalho, passemos, a seguir, no que foi encontrado nos trabalhos de John Milton (2002) a respeito da literatura adulta no Brasil, e o que foi encontrado no estudo pioneiro de Klingberg (1986) sobre a tradução de dialetos na literatura infanto-juvenil. O professor John Milton publicou em 2002 um livro baseado em sua tese de livre docência denominado O Clube do Livro e a Tradução. Nesse livro, ele analisa o impacto do Clube do Livro e de suas traduções na literatura brasileira. Nessa análise ele abre um tópico denominado ‘Tempos Difíceis: a tradução de dialeto’, no qual ele constata, a partir de uma pesquisa anterior, de 1994, que nas traduções dos romances clássicos do inglês para o português nunca foram utilizados falares de baixo padrão ou gírias.90 (MILTON, 2002, p. 51). A partir dessa constatação ele levanta a questão do porque da não tradução de um dialeto: Em primeiro lugar, há a razão “essencialista”, “platônica”, para a qual o dialeto é de somenos importância, importando o que diz a personagem e não como diz. [...] A segunda razão, relacionada com a primeira, é apresentar-se a gíria como algo errado “errado”, e o seu uso não deveria ser permitido para que não se manchasse as páginas de um romance clássico. [...] Quanto menor for o uso da gíria, mais bem considerado o autor será. Podemos indicar aqui razões especificamente brasileiras para isso, como uma ressaca provocada pelo domínio cultural francês sobre a cultura brasileira até a Segunda Guerra. [...] Podemos enunciar adiante outras razões especificamente brasileiras. Primeiro, um desenvolvimento tardio dos estudos acerca dos dialetos e formas de baixo padrão no Brasil. Não existe uma tradição de romances de proletariado em português [...] Além disso, a visão conservadora por parte de uma classe 89 They seem to believe, in fact, that Standard English is the English language, and that all others dialects are in some way deviations from or corruptions of Standard English. 90 Aqui gostaríamos de abrir um parêntese, visto que não concordamos que um dialeto seria uma falar de baixo padrão, ele se constitui apenas em uma variante diferente da padrão e que, por questões sociais, não recebe o mesmo valor que a variante padrão. 281 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina média predominante, tanto política quanto economicamente, reflete-se em um comércio de livros bastante conservador [...] Romances clássicos em tradução podem fazer parte de um circuito internacional, com grandes tiragens e altos lucros, cuja prioridade é dada à linguagem correta. Miryam DuNour mostra que esse foi um elemento muito importante para os editores de literatura infantil em Israel (Du-Nour, p. 339). Michael Cronin aponta a importância da tradução para educadores na Irlanda no final do século 19 e início do 20, já que para as autoridades católicas ela podia ser uma força tanto de edificação como de corrupção (Cronin, p. 146) [...] Entre outras circunstâncias, bem diferentes, encontramos certa tendência à normalização. [...] Creio que as normas culturais e editoriais cumprem um grande papel na aceitação ou não no uso de dialeto na tradução. Na Alemanha, espera-se que os tradutores de romances encontrem uma linguagem equivalente. No Brasil, não. Se eles o fazem, podem esbarrar na possibilidade de o editor não permitir que ela passe. [...] Sou levado a acreditar, também, que muitos tradutores de romances, pelo menos no Brasil, onde são pagos por tarefa, teriam pouca motivação para buscar tais inovações. Se observamos alguns ganhadores de prêmio de tradução, poderemos ver que muitas dessas traduções foram feitas em condições não comerciais. (MILTON, 2002, p. 54, 55, 56, 57, 59, sic) A pesquisa de Milton (Ibid.) levou em consideração romances clássicos de literatura adulta no Brasil, mas o autor cita Du-Nour no contexto da LIJ em Israel. Embora os contextos tanto da literatura adulta brasileira e da LIJ em Israel não sejam exatamente o da tradução de LIJ no Brasil, podemos ter uma noção de como os tradutores de LIJ se comportam, a partir do relato de Milton (Ibid.) em relação à tradução de dialetos nesse tipo de literatura. Klingberg faz um estudo mais detalhado em 1986 no contexto sueco em um trabalho pioneiro que investigando da LIJ traduzida intitulado Children’s Literature in the Hands of Translators. O autor constatou que Há duas opiniões sobre como lidar com dialeto quando traduzimos. Uma defende que, devido às dificuldades, um dialeto não deveria ser traduzido como um dialeto da língua alvo. A outra opinião enfatiza a função de um dialeto em um texto fonte e quer que isso seja preservado de alguma forma91. Se ficar claro que a história se passa em um país 91 There are two opinions on how to handle dialect when translating. One holds that, because of the difficulties, a dialect should not be translated as a dialect of the source language. The other opinion emphasizes the function of a dialect in a source text and wants it to be preserved in some way. If it is clear that the scene is set in a foreign country the use of a 282 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina estrangeiro, o uso de um dialeto discernível como pertencente à língua alvo talvez dê à história um efeito irrealista. Essa talvez seja a razão porque geralmente o que encontrei nos materiais examinados por mim foi que os dialetos foram substituídos por uma variante padrão da língua. (KLINGBERG, 1986, p. 71, tradução nossa, grifo nosso). O que Klingberg encontrou em sua pesquisa vai ao encontro do que foi verificado nas traduções para o português brasileiro e europeu do dialeto do personagem Hagrid em Harry Potter e a Pedra Filosofal. Ambas as tradutoras traduziram o dialeto por uma linguagem não marcada, por uma variante padrão da língua. É interessante notar que Klingberg aborda as dificuldades envolvidas na tradução de um dialeto, porém, ele não deixa claro a quem essas dificuldades se dirigem: se são aos tradutores, ao público leitor ou a ambos. Em uma análise mais profunda, a tradução do dialeto se constitui em um desafio ao tradutor, que, por um lado precisa transmitir marcas sócio-culturais importantes do personagem através de sua fala e, por outro, precisa ter em mente que não há como traduzir referentes não existentes na língua de chegada. Hatim e Manson (1990, p. 4, tradução nossa) levantam a problemática da tradução de um dialeto da seguinte forma: Como produtores e diretores, tradutores precisam estar constantemente alertas às implicações sociais de suas decisões. A representação em uma língua fonte de um dialeto em particular cria um problema inevitável: 92 qual dialeto da língua de chegada usar? Há também as dificuldades de leitura do público leitor que se encontra em fase escolar e que se esforça para aprender a língua padrão escrita. A censura a qualquer tipo de escrita não padrão é causado, muito provavelmente, pelo receio por parte da escola e dos pais de que ao ver a representação escrita de um dialeto, as crianças e jovens tenham seu desempenho comprometido no desenvolvimento da variante padrão. dialect discernible as one of the dialects of a target language may give an unrealistic effect. This may be the reason why usual findings in the material examined by me was that dialect have been replaced by standard language. 92 Like producers and directors, translators have to be constantly alert to the social implications of their decisions. The representation in a ST of a particular dialect creates an inescapable problem: which TL dialect to use? 283 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 4 A tradução do dialeto de Hagrid: análise e discussão de dados Para realizar a análise da fala do personagem Hagrid em Harry Potter e a Pedra Filosofal, observou-se os três textos – o de partida e as duas traduções – e a partir disso foi elaborada uma lista de características da oralidade que figuravam nos dois textos de chegada e, posteriormente, foi levantado o número de ocorrências de cada recurso utilizado e somado o total de ocorrências para verificar o número total de termos que manifestam o dialeto no original e a oralidade em cada tradução. A partir desse levantamento numérico, poder-se-á corroborar ou refutar uma análise inicial em que a tradução brasileira é a que apresenta menos características típicas da transposição da variante oral para o meio escrito se contrastada com a tradução portuguesa e o original. A partir dessa análise inicial foram levantados os seguintes fenômenos: 93 Usando o subcorpus paralelo bilíngue de pequena-média dimensão do corpus PEPCo (Portuguese-English Parallel Corpus) (FERNANDES, BARTHOLAMEI, 2009) foi feita uma contagem de marcas de oralidade 93 Por falta de espaço, as definições de cada um dos fenômenos não foram incluídas. 284 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina apenas para subsidiar a abordagem qualitativa deste trabalho visto que um dialeto não se compõe apenas de marcas linguísticas, mas também possui componentes sociais intrínsecos a si. O texto fonte foi o que apresentou marcas dialetais, como era de se esperar: foram 524 marcas dentre as quais a que apresentou maior número de ocorrências foi a troca de ‘your’ por ‘yer’ (com 230 ocorrências; 43%); O texto alvo em português europeu foi o que apresentou o segundo maior número de ocorrências: 398 (que representa 76% do número de ocorrências em inglês) com a predominância do fenômeno de aglutinação (com 122 ocorrências; 30,6%); O texto alvo em português brasileiro foi o que apresentou mais padronização: apenas 103 marcas de oralidade (que representa 24% do número de ocorrências em inglês) com predominância do recurso de expressões orais (apenas 32 ocorrências; 31%). Como era de se esperar, a maior marcação de dialeto é feito no original; logo em seguida o maior índice de marcação de oralidade em detrimento de marcação dialetal feita pela tradução europeia, e, por último, aparece a marcação de oralidade feita pela tradutora brasileira. Essa maior ou menor grau de marcação de oralidade está estreitamente relacionado, pelo menos no Brasil, ao que foi mostrado por Milton (2002): às expectativas do público da cultura-alvo, às censuras do editores e das instituições escolar e familiar, às condições de trabalho dos tradutores e às necessidades do público leitor específico (leiturabilidade e preferibilidade). No Brasil, como já foi visto na seção 3, há uma tendência à tradução de dialetos por uma variante padrão. Como a pesquisa que subsidia este trabalho ainda se encontra em fase de desenvolvimento, estes são apenas os resultados iniciais obtidos, que ainda precisam ser bastante refinados, bem como as categorias de análise. O que este trabalho propôs foi apenas delineamento as dificuldades que podem ser encontradas pelo tradutor quando esse se depara com um dialeto na LIJ a ser traduzida, principalmente no que diz respeito ao público leitor. O tradutor não só pode, mas tem como obrigação garantir que seu público leitor tenha acesso ao texto traduzido, caso contrário a tradução perde seu propósito. Embora muitas vezes o tradutor não tenha total liberdade de traduzir o texto como considera mais apropriado e nem tenha sempre tempo hábil para chegar a uma solução que ele considere satisfatória, muitas de suas escolhas, como o apagamento de um dialeto, é 285 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina consciente. Essas escolhas conscientes são algumas vezes entendidas como “erros” ou “falta de criatividade”. O trecho abaixo, retirado do estudo de Jentsch (2006) sobre as traduções dos livros da série Harry Potter para o alemão, espanhol e francês, exemplifica essa má interpretação da escolha do tradutor como uma “defasagem” do texto de partida. Infelizmente, nenhum dos tradutores neste estudo escolheu traduzir essa fala [a fala de Hagrid] como nada além do vocabulário e sintaxe normais. Talvez os tradutores estivessem preocupados que ao usar um dialeto particular para o personagem Hagrid talvez fosse desprestigioso para os falantes daquele dialeto, como o dialeto de Hagrid é obviamente aquele de uma pessoa menos letrada e culta. No intuito de desenvolver o personagem, e também de garantir a jocosidade, no entanto, os tradutores certamente poderiam ter chegado a uma solução inofensiva.94 (JENTSCH, 2006, p. 195, tradução nossa, grifo nosso). Não há escolhas “inofensivas” nem simples, quando se fala em tradução há sempre perdas e ganhos. Se o tradutor perde na tradução do dialeto por um lado, por outro, ele evita que a tradução do dialeto da língua de partida por outro na língua de chegada gere um efeito indesejado pelo autor. No caso de Hagrid, a tentativa de traduzir seu dialeto por outro rural brasileiro, por exemplo, poderia gerar o efeito indesejado do riso. 5 Considerações finais Como não há nenhum trabalho o qual trate especificamente da tradução de dialetos dentro da LIJ, a discussão foi iniciada por uma abordagem mais ampla do assunto, partindo do estudo que John Milton fez no Brasil sobre a literatura romântica clássica e chegando ao estudo mais específico feito por Klingberg no contexto sueco. O que se nota é que há uma tendência à padronização do dialeto (KLINGBERG, 1986), ou seja, da tradução de um dialeto por uma variante 94 Unfortunately, none of the translators in this study has chosen to render his speech with anything but normal vocabulary and syntax. Perhaps the translators were concerned that using a particular dialect for the character of Hagrid would be demeaning to the speakers of that dialect, as Hagrid’s speech is obviously that of a less-educated and uncultured person. In the interest of character development and also of playfulness, though, the translators surely could have come up with and inoffensive solution. 286 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina padrão da língua. Na tradução do dialeto do personagem Hagrid, verificouse que o padrão preferencial da tradutora do português europeu é dar uma maior ênfase à marcação da oralidade em relação à tradutora brasileira, mas nenhuma delas opta por uma marcação dialetal expressiva em suas respectivas traduções, indo ao encontro do que foi verificado por Klingberg em 1986 nos textos traduzidos de LIJ e por Milton, no Brasil, em 1994. Vale ainda lembrar que o proposto aqui é apenas um estudo de caso, de pequenas proporções e que muito ainda há de ser feito não só nos Estudos da Tradução, mas principalmente nos Estudos da Tradução em Literatura Infanto-Juvenil, pois a maioria das obras lidas por crianças e jovens brasileiros lêem é traduzida, e essa literatura ainda como sua tradução não recebe um status de literatura séria, visto que ainda há muitas pessoas que julgam a LIJ do paradigma da literatura adulta. Referências BARBOSA, H. G. Tradução, Mercado e Profissão no Brasil. [S.l.] Confluências, n. 3, p. 624., nov. 2005. COELHO, N. N. Dicionário Crítico da Literatura Infantil e Juvenil Brasileira. São Paulo: Nacional, 2006. HATIM, B.; MANSON, I. Discourse and the Translator. London: Longman, 1990. JENTSCH, N. K. Harry Potter and the Tower of Babel: Translating the Magic. In: LATHEY, G. (ed.) The Translation of Children’s Literature: A Reader. Clevedon: Multilingual Matters, 2006, p. 190-207. (Topics in Translation, n. 31. Bassnett, S.; Gentzler, E. (eds.)). KLINGBERG, G. Children’s Fiction in the Hands of Translators. Blooms Boktyekeri: Lund, 1986. MILTON, John. O Clube do Livro e a Tradução. Bauru: EDUSC, 2002.188p. ISBN857460-053-9. PUURTINEN, T. Syntax, Readability and Ideology in Children’s Literature. META. Montréal, v.43, n.4, p. 524-533, 1998. RUDVIN, M.; ORLATI, F. Dual Redearship and Hidden Subtexts in Children’s Literature: The Case of Slama Rushdie’s ‘Haroun and the Sea of Stories’.. In: VAN COILLIE, J.; VERSCHUEREN, W. P. Children’s Literature in Translation: Challengies and Strategies. Mancherster: St. Jerome, 2006. 287 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina SANTOS, C. R. V.; FERNANDES, L.; VASCONCELLOS, M. L. B. de. Os Estudos da Tradução no Brasil e a Literatura Infanto-Juvenil: um breve levantamento das pesquisas realizadas entre os anos de 1990 e 2007. (no prelo) TRUDGILL, p. The Dialects of England. 2ª ed. Massachusetts: Blackwell, 1999. 288 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina INTERTEXTUALIDADES NO ROMANCE INFANTO-JUVENIL DE CORNELIA FUNKE Adriana Maximino dos Santos 95 UFSC [email protected] Introdução Na produção do livro infanto-juvenil, de acordo com Fernandes (2004), tanto o escritor quanto o tradutor levam em conta que sua escritura deve passar pelo crivo dos adultos. Desta forma, este tipo de obra tem dois leitores e “se direciona à criança, mas sempre e sem exceção, a literatura infanto-juvenil tem um destinatário adicional – o adulto, que funciona tanto como um destinatário passivo ou ativo de textos escritos para crianças96, segundo Shavit (1999, p. 83). A autora nomeia este fenômeno como ambivalência textual e Fernandes (2004) duplicidade de leitor. Além de autoridade, o adulto pode se situar como um segundo leitor de alguns livros que têm sido denominados também como literatura de toda a idade, por exemplo, a série de Harry Potter de J. K. Rowling. Para Kümmerling-Meibauer (2008) este evento constitui uma tendência da literatura infanto-juvenil alemã contemporânea. Segundo ela, o crosswriting, outra denominação para o este fato, ocorre quando o autor escreve suas obras direcionadas simultaneamente para dois públicos alvos: a criança/adolescente e o adulto, Disto resulta, que estas obras apresentam recursos literários característicos da literatura adulta, como a intertextualidade. Entretanto, há uma carência de estudos sobre este assunto, inclusive em relação às suas implicações na tradução. Dentro desta perspectiva, este estudo visa examinar as ocorrências intertextuais e paratextuais em Tintenherz e a tradução brasileira Coração de Tinta. A trilogia de Cornelia 95 Este artigo fundamenta-se na minha dissertação de mestrado em Estudos da Tradução realizada sob a orientação do Prof. Dr. Werner Heidermann e co-orientação Prof. Dr. Lincoln Fernandes. 96 “By definition, children’s literature addresses children, but always and without exception, children’s literature has an additional addressee – the adult, who functions as either a passive or an active addressee of texts written for children”. 289 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Funke se encaixa nessa linha de livros, no qual o crosswriting se manifesta não apenas nos temas abordados, mas também nos recursos estilísticos expressos pelos mecanismos intertextuais. O mundo intertextual de Cornelia Funke Cornelia Funke é a escritora/ilustradora de literatura infanto-juvenil atualmente mais conhecida na Alemanha. Além de vários prêmios, ela obteve internacionalmente o status de uma das pessoas mais influentes do mundo de 2004 pela revista Time, em 200597. As obras que consolidaram o êxito da autora fazem parte de uma trilogia best-seller, composta por Coração de Tinta (2003), Sangue de Tinta (2005) e Morte de Tinta (2007)98. Os romances obtiveram uma venda de milhões de exemplares, o que culminou no filme, Coração de Tinta: o livro mágico, lançado mundialmente em dezembro de 2008. Tintenherz foi publicado em aproximadamente quarenta línguas e originou diversas peças de teatro e musicais. No Brasil foi traduzido por Sonali Bertuol como Coração de Tinta, fomentado pelo Instituto Goethe de São Paulo e publicado pela Companhia das Letras em 2006. O romance apresenta-se pela perspectiva de um narrador onisciente, e ocorre em época contemporânea. A história conta sobre um restaurador de livros, Mortimer que traz para a vida real os personagens das obras literárias por meio de sua leitura. Ao ler um livro chamado Coração de Tinta, Mortimer, permite involuntariamente que o vilão Capricórnio e seus capangas e Dedo Empoeirado, um saltimbanco, venham para a realidade. Capricórnio, já adaptado à vida atual, deseja que Mortimer leia novamente o mesmo livro para trazer uma criatura ainda mais malévola e para isto realiza uma perseguição ao restaurador, sua filha Meggie e a tia Elinor. Em uma de suas leituras aparece Farid dos contos Mil e Uma Noites. Eles procuram o autor do livro, Fenoglio, que ajuda Meggie e Mortimer a destruir o vilão. 97 FUNKE, C. Die einflußreichste Deutsche der Welt. Entrevista de Cornelia Funke concedida ao jornal Die Welt on line. 2005. Disponível em: <http://www.welt.de/printwelt/article661155/Die_einflussreichste_Deutsche_der_Welt.html. Acesso em: 20.02.2007. 98 Tintenherz – publicada em 2003 e Tintenblut e Tintentod, obras fomentadas pelo GoetheInstitut a serem publicadas pela Companhia das Letras. Disponível: http://www.goethe.de/ins/br/sap/wis/uef/ufb/ptindex.htm. Acesso: 16. mar. 2009. 290 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Por trás dos conflitos entre os personagens, é possível identificar que a autora discute temas adultos, como herança genética x condicionamento mimético: Meggie passa a ter os mesmos poderes do pai e Farid passa a ter habilidades de um saltimbanco. A relação entre o analfabetismo e a resignação ao domínio dos oprimentes é mostrada através da obediência dos homens de Capricórnio que não sabiam ler nem escrever, e da rebeldia de Dedo Empoeirado após alfabetizado. Ela expõe ainda a força do medo e da coesão exercida por pessoas, como Capricórnio, pelo uso que faz das palavras, análogo aos ditadores. Com efeito, Funke mescla a realidade com acontecimentos fantásticos, dosando a fantasia, de modo que a história fique entre os dois planos, o do mundo real e do mundo imaginário. O primeiro é onde vivem os personagens reais, com problemas verdadeiros, e o segundo, ficcional, é o mundo do livro Coração de Tinta. Podemos concluir que são questões reais discutidas em um mundo fantástico. Ao mesmo tempo em que autora leva a criança/adolescente a uma aventura, ela discute temas mais profundos, possivelmente observados apenas pelos adultos. Todavia é inegável o caráter pedagógico que se reveste o livro, que advém da composição imagética, lingüística e gráfica, e principalmente dos mecanismos intertextuais. Os aspectos lingüísticos de Tintenherz não acarretaram grandes problemas de tradução. Entretanto, a acomodação dos elementos gráficos e visuais causou algumas divergências na obra de Funke, como a inclusão de figuras repetidas, a exclusão das folhas de guarda e do marcador e a redução do tamanho da letra, interferindo na construção do sentido e no estilo da autora. É por meio da observação do tratamento de aspectos intertextuais na tradução, a saber, que a questão da duplicidade de leitor e a complexidade de um processo tradutório se evidenciam, mostrando a limitação da atividade do tradutor e a atuação da editora. Intertextualidade e Tradução O conceito de intertextualidade foi proposto por Julia Kristeva em 1969 baseado no dialogismo de Bakhtin. A intertextualidade pode ser entendida em stricto sensu quando “em um texto, está inserido outro texto (intertexto) anteriormente produzido, que faz parte da memória social de uma coletividade ou da memória discursiva [...] dos interlocutores”, conforme explicam Koch, Bentes e Cavalcante (2007, p. 17). 291 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Em um texto, é possível identificar diferentes formas de intertextualidade devido ao hibridismo textual. Neste artigo, porém, focaremos apenas os intertextos implícitos e explícitos, bem como os paratextos, já que eles possuem um grande número ocorrências no corpus pesquisado. A intertextualidade explícita ocorre, quando “no próprio texto, é feita menção à fonte do intertexto”, mencionando o nome do produtor do intertexto ou usando generalizadores como, “segundo os antigos...” e “como diz o povo...”, de acordo com Koch, Bentes e Cavalcante (2007, p. 28). Esses são os casos, segundo elas, das citações, das referências e dos resumos. Por outro lado, quando há a presença do intertexto, mas a sua fonte não é declarada, opera-se a intertextualidade implícita. Neste sentido, “os produtores do texto desejam que o leitor reconheça o texto fonte através de sua “memória discursiva”, como a alusão literária, conforme explicam Koch, Bentes e Cavalcante (2007, p. 30). Já a paratextualidade, na visão de Genette (1997, p. 1), é entendida, como “[...] aquilo que permite o texto a se tornar um livro e ser oferecido como tal para seus leitores e, mais genericamente, para o público99. Nesse sentido, segundo o autor, ela se constitui de toda forma material que sustenta o livro e se relaciona com ele e pode ocorrer dentro e fora do livro, como o título, as epígrafes, capas e contracapas, prefácio, posfácios, entrevistas e cartas. Alem de questões culturais, a tradução de intertextos e paratextos podem se chocar com questões jurídicas, como a lei sobre direitos autorais 9.610/98 dispõe sobre o assunto, e, sobretudo os Artigos 27100 e 28101, que deliberam sobre os direitos morais e patrimoniais do autor. Por conseguinte, a tradução pode conter citação e referência na cultura alvo, mas não pode prescindir da fonte. Neste sentido, a editora precisa negociar os créditos de cada obra citada na obra traduzida e determinar as estratégias pragmáticas da tradução. 99 “[…] what enables a text to become a book and to be offered as such to its readers and, more generally, to the public. 100 “Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis”. 101 “Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica”. 292 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Dois tipos de decisões envolvem a os procedimentos tradutórios de intertextos e paratextos: o primeiro concernente à seleção do texto fonte, e o segundo tange à manipulação textual, de acordo com Osimo (2004), ambas realizadas em negociação com a editora. Entre os procedimentos, estão a inserção de recurso metatextual, como nota de rodapé, a utilização da citação já traduzida, a tradução a partir do pré-texto, e a tradução a partir do intertexto com a inserção de service translation. As análises, apresentadas a seguir, se compuseram da exposição de excertos paratextuais ou intertextuais, provenientes de uma epígrafe, um título, e duas alusões literárias. Disponibilizamos ainda informações sobre o pré-texto e em seguida sobre o texto e análise do procedimento tradutório. Epígrafes O livro alemão apresenta sessenta epígrafes provenientes da literatura infanto-juvenil e da literatura adulta de vários países. As epígrafes ligam o tema do capítulo com o corpo do texto e funcionam como sugestões de leitura. Somado a isso, elas dão indícios do que ocorrerá, sendo uma antecipação que leva o leitor a pressupor os acontecimentos. É possível afirmar que elas também são uma forma econômica de expressar descrições de paisagens e caracterizações de personagens e sentimentos, assim como imprimir um tom de suspense. A editora alemã obteve licença para a publicação das epígrafes, como está informado nas referências bibliográficas no final do livro, mas utilizou também obras que estão em domínio público. Durante toda a história, Meggie, na maioria das vezes, tenta encontrar um livro que se assemelhe com a situação em que vive no momento, a fim de buscar refúgio e também conselhos. Com exceção do poema de Paul Celan, as epígrafes funcionam como se dialogassem com Meggie sobre uma situação que está por vir, ressaltando principalmente um determinado aspecto pertinente ao capítulo. No livro brasileiro, encontramos a mesma quantidade de epígrafes com o crédito citado logo abaixo. Todavia, não há nenhuma referência bibliográfica no final da obra, embora, seja extremamente necessária, conforme explica Funke, “evidentemente que deve haver uma indicação das citações no final do livro. Além disso, a editora tem que buscar os 293 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina direitos para tais citações (o que foi muito difícil e laborioso nos livros da trilogia de Tintenherz).”102. Peter Pan Uma destas epígrafes, a história de Peter Pan, criada em 1905, advém da obra Little White Bird de James Barrie e foi adaptada para teatro e cinema. Já em domínio público, a ela é conhecida mundialmente, o que permitiu várias adaptações. Ich habe keine Mutter, sagte Peter. Er hatte auch nicht die leiseste Sehnsucht danach. Er hielt Mütter für sehr überschätzt. (TH103, p. 305)” — Eu não tenho mãe – disse Peter. E também não sentia a menor falta. Ele achava que se exagerava muito o valor às mães. (CT, p. 24) O livro de Peter Pan é utilizado várias vezes como epígrafe e como citação em Tintenherz. Abrindo o capítulo Um bom lugar para ficar (TH, Ein guter Platz zum Bleiben), Meggie e Mo estão hospedados em uma casa antiga de Fenoglio e no fim do dia eles dialogam sobre Resa, mãe de Meggie. O trecho de Peter Pan está ligado com a parte do texto, no qual o narrador explicita o que Meggie sentia por crescer sem uma mãe. Antigamente, ela havia procurado em seus livros uma mãe que combinasse com ela, mas em seus livros preferidos quase não havia mães (CT, p. 249). Assim, há uma coincidência entre o fato de estar sem mãe e de não querer atribuir tanta importância a tal situação. Acreditamos que a tradução foi norteada pela epígrafe em alemão pela coincidência de itens lexicais, observada, por exemplo, nos trechos: He thought them very over-rated persons/Er hielt Mütter für sehr überschätzt./Ele achava que se exagerava muito o valor às mães. Na frase em inglês, não aparece o substantivo mãe como ocorre no texto em alemão e português, mas ela está marcada por them e persons. Assim, é utilizada a 102 „da muss natuerlich ein Zitathinweis am Ende des Buches sein. Ausserdem muss der Verlag die Rechte fuer ein solches Zitat einholen (was bei den Tintenbuehern sehr schwierig und aufwendig war)”. E-mail de Cornelia Funke recebido em 09.03.2009. 103 TH refere-se a Tintenherz, e CT a Coração de Tinta. 294 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina estratégia de tradução a partir do intertexto sem o termo service translation e há ainda uma omissão de informação adicional. Por ser mundialmente conhecida, o leitor pode percorrer a ponte entre a história de Peter Pan e o enredo de Coração de Tinta, relacionando o sentimento não apenas dos dois personagens, Meggie e Peter, como de outros órfãos citados por Funke, como Huck Finn, Tom Sawyer e Jim Knopf. É interessante observar que a compreensão da mensagem, o estar sem a mãe, inserida na epígrafe não depende do conhecimento da história. A significação é desvelada pelos campos semânticos, o que se reproduz na tradução, não causando dificuldades de entendimento. Títulos Além do próprio título, o romance Tintenherz possui cinqüenta e nove subtítulos. Eles mantêm uma relação metafórica e intertextual com o texto interno e externo e embora possua um eixo independente, o título está relacionado com o corpo do texto. Por conseguinte, é necessário o conhecimento do texto para a reconstrução dos sentidos dele. Uma casa cheia de livros No capítulo Uma casa cheia de livros, (TH, Ein Haus voller Bücher) Meggie, Mo e Dedo Empoeirado chegam à casa de Elinor. Como o título explicita, a casa de Elinor é semelhante a uma biblioteca, uma vez que ela é obcecada por livros. Notamos assim, que o título desencadeia, via imagem, a ideia principal do capítulo que é a de caracterizar o personagem e seu ambiente, ressaltando novamente a importância dos livros no enredo e na vida dos personagens. Uma casa cheia de livros é também um verso que se repete no final de um poema de Andrew Lang “[...] Por uma casa cheia de livros, e um jardim de flores104“ e que se transformou ainda em uma citação. Assim, a autora apresenta ideias convergentes com a temática da história e alerta 104 “For a house full of books, and a garden of flowers: Ballade of True Wisdom. The 1911 Longmans, Green and Co. “Ballades and Rhymes”. Disponível em: http://www.fullbooks.com/Ballads-in-Blue-China-and-Verses-and.html. Acesso: 10 dez. 2008. 295 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina para a importância dos livros na vida pessoal, sinalizando para uma intertextualidade temática e, ao mesmo tempo, uma intertextualidade implícita. Funke cria uma interação entre casa, jardim e livros com o poema de Lang. Dessa mesma maneira, ela estabelece também uma ligação entre o título, a epígrafe do Gigante Egoísta (1888) de Oscar Wilde que aparece logo abaixo e o restante do texto que acompanha esse capítulo. Enfim, os dois campos semânticos, jardim e livros, remetem à mesma noção, ou seja, à obsessão dos dois personagens, Elinor e o Gigante Egoísta. Indo mais um pouco além, notamos que a placa do portão da casa de Elinor, inclusive a tipografia, se assemelha à do jardim do Gigante: PROPRIEDADE PARTICULAR. PROIBIDA A ENTRADA DE PESSOAS NÃO AUTORIZADAS. (CT, p. 36) e TRESPASSERS WILL BE PROSECUTED (WILDE, 10.12.2008) A autora explicita a analogia entre Elinor e o Gigante, quando adianta parte da história de Wilde. É um provável recurso para a compreensão da intertextualidade pelo leitor infanto-juvenil. É possível afirmar que Funke facilitou a ponte entre o texto, o intertexto e o pré-texto para o leitor infanto-juvenil, todavia as relações com o poema só poderão ser compreendidas apenas em um nível mais profundo. Podemos afirmar que se trata, então, de da ocorrência do crosswriting. Alusão literária As alusões literárias são inseridas de diferentes formas no texto. Podemos encontrá-las marcadas com grifo ou separadas por pontuações ou ainda dentro do discurso, sendo mencionadas pelos personagens. É importante lembrar que embora Funke marque algumas citações, ela não informa a fonte, fazendo assim um jogo intertextual, em que a fonte pode ser descoberta por leitores mais experientes ou por uma pesquisa. Citação de Heinrich Heine Du kennst doch bestimmt diesen Satz: Wo man Bücher verbrennt, da werden bald auch Menschen brennen. (TH, p. 183) — Você deve conhecer a frase: “Onde se queimam livros, em breve passarão a queimar pessoas”. E se formos nós os próximos a cair numa pilha de lenha como essa? (CT, p. 149) 296 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O intertexto acima provém da citação de Heinrich Heine, poeta e jornalista alemão, autor da Tragédia de Almansor, escrita em 1821. Na Alemanha, a queima de livros marcou o início do nazismo e agrega, assim, um significado especial. Em março de 1933 na Opernplatz de Berlim várias obras de escritores judeus, marxistas ou pacifistas foram queimadas em um movimento denominado Ação contra o espírito não alemão (Aktion wider den undeutschen Geist). A frase de Heine (1821), anterior a este fato, se confirmou tempos depois pelas ocorrências do Holocausto e se tornou muito conhecida nesse país. Várias pistas que levam aos elementos intertextuais de queima de livros (biblioclasmo) e morte são passadas ao leitor, por intermédio da ilustração do fogo e da vela e do texto como a citação do galo vermelho morto que Capricórnio deixa pendurado no local (no telhado), onde efetua a queima das casas, livros e outros bens. O galo vermelho é o símbolo do fogo usado em uma expressão alemã, segundo Duden (2003). Quando pendurado na casa (telhado) de uma pessoa, indica que a casa será incendiada. O excerto intertextual é usado por Elinor no capítulo o Traidor Traído. Quando Capricórnio inicia a queima dos exemplares do livro Coração de Tinta, Elinor, indignada, lembra da citação de Heine. Notamos que, a função do intertexto é a de reforçar, validar o argumento da importância dos livros e relacioná-los com a liberdade de expressão que autora frisa durante toda a obra de diferentes formas. Além disso, ele não só serve como pista do que pode acontecer na história, mas também caracteriza o vilão Capricórnio como um ditador ou pessoa capaz de barbáries. Na tradução do intertexto analisado, observamos que a tradutora o manteve implícito, ou seja, não citou a fonte, não o destacou na forma gráfica e utilizou como fonte o texto em alemão. A estratégia da tradução acontece a partir do intertexto sem a inserção de service translation. Não foram utilizados recursos metatextuais de explicitação ou de acréscimo de informações para orientar o leitor brasileiro sobre o pré-texto. Para o leitor alemão, principalmente para o adulto, é possível chegar ao pré-texto com o desencadear das lembranças dos fatos que se seguiram após a queima dos livros na Praça em Berlim e de todos os assuntos periféricos que o circundam. Assim, a leitura pode ser realizada em dois níveis diferentes. Já para o leitor brasileiro, a interpretação do intertexto ocorre no nível dos campos semânticos. O leitor mais avisado pode 297 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina relacionar o tema com outros fatos históricos, que o levará a entender que em locais que não se respeitam os livros, não se respeitarão as pessoas. Citação de Vladmir Nabokov Man kann einen Schriftsteller als dreierlei ansehen: als Geschichtenerzähler, als Lehrer oder als Magier…aber das Übergewicht hat der Magier, der Zauberer. (TH, p. 560). O escritor pode ser visto como uma tríade: como contador de histórias, como professor ou como mago... mas o que predomina é o mago, o feiticeiro. (CT, p. 450). No último capítulo do livro, Mortimer conversa com Meggie sobre o desaparecimento de Fenoglio, mostrando-lhe a diferença entre seu ofício de restaurador de livros e a de escritor. O excerto em alemão, citado por Mortimer, é um trecho resumido do primeiro capítulo Bons Leitores e Bons Escritores (Good Readers and Good Writers) do livro do escritor russo Vladimir Nabokov intitulado Conferências sobre literatura (Lectures on Literature) de 1980. A obra de Nabokov é dividida em duas partes, o leitor e o escritor. Com referência à primeira, é possível identificar relações também com passagens do livro Coração de Tinta, quando Nabokov explica que ler é visualizar, sentir o cheiro e a textura dos objetos. Isso lembra a forma como Meggie e Mortimer liam os livros. Com relação à segunda, eles eram leitores tão eficientes que foram capazes de resgatar os personagens do livro para a vida real. No último parágrafo do livro, Meggie cita novamente, de forma reduzida, o texto de Nabokov. Ambas as citações não mencionam o nome do autor nem trazem indicações nas referências bibliográficas, embora apareçam em itálico no texto. A tradutora se norteou pelo texto em alemão e efetuou uma tradução quase de item a item. A exceção fica apenas no início da frase, quando ela traduz o sujeito indeterminado man na voz passiva, e a palavra Übergewicht pela frase o que predomina. Então, ficam evidentes que as estratégias de tradução foram a partir do intertexto, sem inserção de service translation e com ausência de informações adicionais. O leitor infanto-juvenil pode perceber que a autora pretende chamar a atenção por meio da marcação. No entanto, ele não consegue fazer a ponte entre o texto e o intertexto, a não ser por uma pesquisa. Isso caracteriza uma intertextualidade de dois níveis novamente, uma superficial 298 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina e outra mais profunda. Entendemos que todos os critérios de textualidade foram mantidos pela expressão marcada em itálico e pelo não acréscimo de informações. Considerações Finais Concluímos que a tradução dos intertextos analisados foi realizada a partir do livro alemão, e não do texto fonte, sem recursos metatextuais. Estes procedimentos devem ter sido motivados principalmente pela exclusão das referências bibliográficas. O estilo de Cornelia Funke aplicado à intertextualidade e paratextualidade indicou um pioneirismo nos jogos intertextuais que a autora promove, como a intertextualidade ficcional. Ela apresenta também a dupla possibilidade de leitura dos intertextos: a primeira, quando a autora indica a forma de desvendar a corrente intertextual; e a segunda, marcada por pistas, que subjaz ao texto, às quais apenas o leitor mais experiente ou investigativo (adulto) poderia chegar. Confirmam-se nas análises, assim, as observações sobre ambivalência textual de Shavit (1999) ou de crosswriting de Kümmerling-Meibauer (2008) e duplicidade de leitores de Fernandes (2004). Referências DUDEN. Deutsches Universalwörterbuch. 5ª. Ed. Mannheim, 2003. [CD-ROM]. FERNANDES, L. P. Brazilian Practices of Translating Names in Children’s Fantasy Literature: A Corpus-Based Study. 2004. 270 f. Tese de Doutorado em Letras. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. FUNKE, C. Tintenherz. Hamburg: Cessilie Dressler Verlag, 2003. _________. Coração de Tinta. Tradução: Sonali Bertuol. São Paulo: Cia das Letras, 2006. GENETTE, G. Paratexts: Thresholds of Interpretation. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. KOCH, I. G. V.; BENTES, A. C.; CAVALCANTE, M. M. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007. KÜMMERLING-MEIBAUER, B. Variety in Genres and Styles: Trends in Modern German-language Children’s Literature. In: Bookbird: A Journal of International Children’s Literature, volume 46, number 1, 2008, pp. 5-13. NABOKOV, V. Lectures on literature. New York: Harcourt Brace Jovanich, 1980. 299 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina SHAVIT, Z. ‘The Double Attribution of Texts for Children and How It Affects Writing for Children’. In: Sandra L. Beckett (ed.). Transcending Boundaries: Writing for a Dual Audience of Children and Adults. Garland: New York & London, 1999, p. 83-98. Fontes na Internet BARRIE, J. B. Peter Pan. Disponível em: <http://www.gutenberg.org/files/16/16-h/16h.htm>. Acesso em: 13.02.2009. BRASIL. Lei 9610 de 19 de fevereiro de 1998, dispõe sobre os direitos autorais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l9610.htm. Acesso em: 10. 12.2008. FUNKE, C. Die Welt der Cornelia Funke: Biografie. Disponível em: < http://www.corneliafunke.de/de/cornelia_funke/biografie.html>. Acesso em 27.03.2008. FUNKE, C. Die einflußreichste Deutsche der Welt. Entrevista de Cornelia Funke concedida ao jornal Die Welt on line. 2005. 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Na história conhecida pelo homem, a imagem marca sua presença de forma inegável e através dela, o ser humano se expressa desde muito tempo antes da palavra escrita. Sua cultura se fortaleceu através da significação que estas imagens estabeleceram durante o percurso nas mais diversas épocas. E, atualmente, o mundo nos cerca de imagens durante todo o tempo, mensagens visuais que estão sendo estudadas e investigadas por diversas áreas de pesquisa. A linguagem contempla todos os lugares onde o homem está. É através dela que o ser humano expressa sua necessidade de interagir, de comunicar e se socializar. O homem é um ser de linguagem. E para que ela se efetive, o ser humano faz uso dos mais variados suportes de comunicação, como o som, a imagem, a escrita, cheiros ou gestos. Nestes meios, ele coloca sua marca pessoal, através de interpretação dos mais variados signos presentes. Especialmente através do olhar, que o homem percebe, aprende e conhece o mundo, um recurso cognitivo, que o coloca como leitor das representações do mundo. Todas as relações do homem com o mundo se dão através da linguagem. Nesse sentido, Perissé (2006) afirma: Mais do que um veículo de idéias puras que desceriam de algum distante empíreo, a linguagem é o meio no qual vislumbramos nosso vínculos 301 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina (tênues que sejam) com outras pessoas, com o nosso entorno. Esse vínculos são a forma vital de compreendermos o mundo (p. 14). A linguagem verbal somente se efetiva a partir de uma leitura bastante significativa do mundo, e o olhar estimulado, através de emoções, ajuda a formação de uma perspectiva e visão de mundo, própria de quem o observa, e essas percepções são então transferidas à verbalização. A semiótica, ligada a todas as linguagens, é a ciência que estuda os signos, se baseia no domínio das imagens como representações visuais. Nesse sentido, imagens são objetos materiais, signos que representam nosso mundo visual. A teoria semiótica traz luz para o conhecimento de como o homem adquire, processa e responde as informações com seus significados. Santaella (2002) assim a descreve: [...] a teoria semiótica nos permite penetrar no próprio movimento interno das mensagens, no modo como elas são engendradas, nos procedimentos e recursos nela utilizados. [...] Frente a este potencial, não há nada mais natural, portanto, do que buscar, nas definições e classificações abstratas dos signos, os princípios-guias para um método de análise a ser aplicado a processos existentes de signos e às mensagens que eles transmitem, tais como aparecem em poemas, músicas, pinturas, fotos, filmes, matérias de jornal, dança, peças publicitárias, em qualquer meio em que essas peças possam aparecer: impresso, foto, cine ou vídeofotográfico etc (p.5). A teoria semiótica é conhecida há bastante tempo, com o estudo de diversas correntes, somente a partir do século XX, especialmente com a Teoria Geral dos Signos, de Charles Sanders Peirce, ela consagrou-se como a ciência que conhecemos hoje. Peirce estabeleceu categorias através da análise de como as coisas aparecem na mente humana, criando caracteres elementares e universais, constituindo as experiências necessárias à compreensão das coisas, tanto reais, quanto fictícias. Assim, Peirce catalogou os fenômenos em três classes, denominando-os de primeira, segunda e terceira classe. A partir daí, estabeleceu redes de classificação triádicas dos possíveis tipos de signos, através da relação nas quais os signos se apresentam. Primeiramente aplicadas à mente, para em seguida, serem aplicadas à natureza. A partir do conhecimento da tríade elaborada por Peirce, a primeiridade, estado de sensação, a secundidade, estado de reação, e a terceiridade, estado de representação, pode-se fazer um estudo que traga 302 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina notoriedade aos fenômenos de leitura e compreensão de textos, verbais ou não. Para Santaella (2002), pode-se generalizar a tríade da seguinte forma: Num nível de generalização máxima, esses elementos foram chamados de primeiridade, secundidade e terceiridade. A primeiridade aparece em tudo que estiver relacionado com acaso, possibilidade, qualidade, sentimento, originalidade, liberdade, mônada. A secundidade está ligada às idéias de dependência, determinação, dualidade, ação e reação, aqui e agora, conflito, surpresa, duvida. A terceiridade diz respeito à generalidade, continuidade, crescimento, inteligência (p.7). Como antes afirmado, a leitura das imagens é a primeira leitura de mundo manifestada na criança, pois a imagem é uma representação semiconcreta, mais direta que o código verbal escrito, que se apresenta de forma abstrata. Toda leitura é um processo de interação, e o processo é naturalmente semiótico. Toda semiose é o sistema de interpretação de passagem entre signos. A leitura acontece a partir das experiências e interpretações de signos, está sempre se construindo e depende de outros novos signos para que consiga se aperfeiçoar. Propriedades e qualidades de signos são selecionadas e, a partir deles, generalizações e reorganização de todos os signos já conhecidos e interpretados. A literatura infantil é representada em abordagem de interpretação imagética, carregada de significados, que são trazidos a partir de um contexto social e cultural infantil, favorecendo, à criança, o desenvolvimento da linguagem, pensamento, criação e transformação. Este gênero literário, contemporaneamente, apresenta diálogo entre a imagem e o texto. A leitura da imagem pode ser o ponto de partida para um processo de desenvolvimento e reflexão. Nesse sentido a semiótica desempenha papel importante na leitura das imagens presentes nas obras de literatura infantil, como construção, sensação e vivência por parte do leitor que ligando o cognitivo, torna o objeto real; imagem e discurso ganham dimensão, são reconstruídos. Foi na fenomenologia que Peirce buscou fundamento para a semiótica. A fenomenologia é a base fundamental para qualquer trabalho científico, quando observados os fenômenos, através de análise, se apresentam todas as suas características universais. A fenomenologia descreve esses fenômenos como eles aparecem. E a partir disso, então, surgem todas as categorias de experiências e pensamentos. 303 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Santaella (1990, p. 33) propõe três faculdades necessárias para se desenvolver a tarefa da fenomenologia: 1) a capacidade contemplativa, isto é, abrir as janelas do espírito e ver o que está diante dos olhos; 2) saber distinguir, discriminar resolutamente diferenças nessas observações, e 3) ser capaz de generalizar as observações em classes ou categorias abrangentes. A leitura da imagem do livro de literatura infantil, perpassa estas três faculdades, da contemplação da ilustração, distinção e generalização, trazendo a compreensão do todo. Então, é através da semiótica que se pode ter uma teoria de leitura de imagens. Atualmente, especialmente nas três últimas décadas, a literatura infantil é estudada, de acordo com as significações conscientes que pode trazer aos seus leitores. A partir da leitura das múltiplas informações imagéticas contidas na obra infantil, o leitor é conduzido a um estado que a semiótica chamado de primeiridade, consciência imediata, em que não há ação, é característica de espontaneidade, originalidade. As imagens percebidas em um livro infantil, as qualidades puras, imediatamente sentidas, são típicas da primeiridade. A criança passa as páginas do livro sem se deter nos detalhes das imagens. A primeiridade aparece em um inicialmente quando a criança perpassa diversos estágios na leitura da obra e a interpretação que faz acerca das imagens observadas se aperfeiçoa. Nesse estágio, a criança observa a imagem centrada nos elementos isolados, não estabelece relação entre eles, identifica, observa e enumera. Durante a observação pode elaborar uma associação de memória, relacionada ou não à imagem observada. Nesta primeira leitura, a criança apenas considera seu interesse, seu próprio ponto de vista. No estágio seguinte, de secundidade, a criança começa a realizar comparações na ilustração, dando mais importância ao tema da imagem como um todo. O significado está ligado não ao objeto, mas as associações que se ligam a ele. Uma imagem se torna significativa quando associada ao que representa para a criança. A terceiridade, próximo estágio de observação, relaciona-se com a percepção, comparação e conclusões da criança a respeito da imagem observada. Nesta fase, a criança relaciona a ilustração baseada em conhecimentos previamente adquiridos. Leitura de textos escritos, também são características de terceiridade. Somente a partir da terceiridade a criança começa a perceber a organização de uma obra literária, e esse processo se dá a partir da experiência de leitura da criança, da relação dela com a imagem, sua 304 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina inserção no meio cultural e intervenções de adultos que provoquem a curiosidade pelas leituras mais aprofundadas. A imagem sempre arrebata o espectador de imediato, impacto que será compreendido e lentamente observado, para identificar a pluralidade de seus elementos. Uma imagem pode significar tanto quanto um gesto ou uma frase, pois é também uma fala e, consequentemente, uma mensagem. O domínio para uma leitura de imagem é importante para o desenvolvimento cognitivo, artístico, imaginativo e cultural do leitor infantil. A imagem do livro infantil, a ilustração, é fonte de organização de pensamento, acompanhada de texto escrito, ou não, a imagem é agradável para a visualização do livro, apoiando a leitura, construindo formas, cenário e personagens, colaborando, assim, para a construção do pensamento da criança. Consequentemente, estes aspectos ajudam a refletir a compreensão da realidade, estimulando a criança a construir sua própria visão de mundo, e o olhar curioso, aperfeiçoado, possibilita à criança, a interação aos processos de socialização. A literatura, assim como qualquer obra de arte, é um conjunto de signos constituintes de um discurso, um conjunto de linguagens construtoras do texto. A literatura infantil é exemplo disso, já que se constitui de uma diversidade de linguagens, e a imagem, o instrumento primeiro de observação. Calvino (1990), ao descrever o seu processo de criação literária, reflete: A primeira coisa que me vem à mente na idealização de um conto é, pois, uma imagem que por uma razão qualquer apresenta-se a mim carregada de significado, mesmo que eu não o saiba formular em termos discursivos ou conceituais. A partir do momento em que a imagem adquire uma certa nitidez em minha mente, ponho-me a desenvolvê-la numa história, ou melhor, são as próprias imagens que desenvolvem suas potencialidades implícitas, o conto que trazem dentro de si. Em torno de cada imagem escondem-se outras, forma-se um campo de analogias, simetrias e contraposições. Na organização desse material, que não é apenas visivo, mas igualmente conceitual, chega o momento em que intervém minha intenção de ordenar e dar um sentido ao desenrolar da história (p.104). Assim como as imagens de Calvino, responsáveis por sua criação, são também, as imagens, observadas pela criança em livros de literatura infantil formadoras de visão de mundo e interpretação, ao classificar e 305 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina determinar os signos que se criam através da imagem visualizada, a criança elabora novas generalizações a respeito das informações que a cercam. Capacitando-a assim, para a ampliação de seus recursos de linguagem para a sua socialização na cultura. Em cada nova leitura, toda experiência refaz, continuamente, visões de mundo, de pessoa e de realidade. Uma leitura semiótica de imagens se dá a partir da leitura dos signos presentes na imagem, que podem ser ícones, índices ou símbolos. A leitura de um ícone acontece imediatamente. Pois é a representação primeira do objeto representado. Pois o ícone é definido pelas qualidades materiais próprias. (SANTAELLA, 2008, p. 144). Como um desenho de uma casa, que automaticamente representa o conceito de casa. A leitura de um índice aproxima o objeto de sua representação, são marcas que conectam imagem e objeto, “um índice mostra seu objeto e dirige a atenção do observador diretamente para esse objeto” (SANTAELLA, 2008, p. 148). Assim como o desenho de pegadas, que remetem a representação de que alguém passou por ali. A leitura de um símbolo se torna mais complexa por necessitar de uma convenção cultural, existe a necessidade de se saber o código para a compreensão. “Imagens se tornam símbolos quando o significado de seus elementos só pode ser entendido com a ajuda de um código de uma convenção cultural” (SANTAELLA, 2008, p. 150). Assim como as letras escritas em um texto. As ilustrações do livro fornecem elementos visuais que abrangem os três tipos de leituras: icônica, indicial e simbólica, quando apresenta elementos que se distinguem na forma de compreensão e com diferentes necessidades de elaboração mental. As ilustrações projetam o caminho que vai desde a observação pura e simples, até a organização do pensamento, através da convenção cultural estabelecida. Da mesma maneira que Peirce em seu modelo triádico de representação. Barthes (2006) distingue a relação da leitura de imagens entre diferentes níveis de significação: nível denotativo, é literal, não depende de convenções culturais, e o nível conotativo, que depende de convenções culturais. No primeiro nível, o denotativo, existe somente a necessidade de conhecimentos lingüísticos e antropológicos, já no segundo nível, conotativo, há necessidade de conhecimentos culturais. Bem como afirma Penn (2008): 306 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O ato de ler um texto ou uma imagem é, pois, um processo interpretativo. O sentido é gerado na interação do leitor com o material. O sentido que o leitor vai dar irá variar de acordo com os conhecimentos a ele(a) acessíveis, através da experiência e da proeminência cultural (p. 324). Nesta perspectiva, um estudo sobre a análise semiótica foi desenvolvido por Gemma Penn (2008) que nos fornece um referencial para analisar semioticamente imagens paradas, e para isto elabora um roteiro de análise: a) Escolha do material; b) Inventário denotativo das imagens, que visa identificar os elementos do material utilizado, uma catalogação literal do material e conhecimento da linguagem utilizada; c) Inventário conotativo – análise de níveis de significação, a partir do inventário denotativo, agora se busca a análise das significações, relações entre o signo e o conceito que ele representa, associações, correspondências. Para este estágio existe a necessidade da compreensão do código de conhecimentos culturais que estão além da interpretação denotativa; d) Elaboração do relatório, onde as análises devem referenciar os níveis de significação e as relações entre os elementos do material. e) Análise semiótica das imagens do livro ida e volta: Em um primeiro momento exista a escolha do material, em seguida elabora-se um inventário denotativo das imagens, que visa identificar os elementos do material utilizado, uma catalogação literal do material e conhecimento da linguagem utilizada. A partir desta leitura então, realizase um inventário conotativo, se busca a análise das significações, nas relações entre o signo e o conceito que ele representa, associações e correspondências. Para este estágio existe a necessidade da compreensão do código de conhecimentos culturais que estão além da interpretação denotativa. Finalizando então com a elaboração de um relatório, onde as análises devem referenciar os níveis de significação e as relações entre os elementos do material. 307 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina De acordo com este método elaborado por Penn, as imagens presentes no livro Ida e Volta de Juarez Machado podem ser assim interpretadas: A capa dá início à narrativa, ao mostrar as pegadas e um chuveiro com a cortina aberta. Na capa estão indicadas as palavras que dão nome ao livro e as informações de editora e do prêmio de melhor livro de imagem escolhido pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. A capa e a contracapa proporcionam o início, o fim e o reinício da narrativa, já que a contracapa mostra as pegadas verdes indo em direção ao chuveiro com a cortina fechada e água ligada, e a capa traz o chuveiro desligado com a cortina aberta e as pegadas na cor azul se movendo para outro lugar. A folha de rosto pode-se observar que as pegadas ainda continuam o caminho, movendo-se para a direita, como se alguém estivesse se movimento, se locomovendo de um lugar a outro. A próxima cena mostra as pegadas azuis, e o personagem escolhe dentre as roupas, sapatos e acessórios que estão dentro do guarda roupa. Pela mudança das pegadas, pode-se saber, que o pé que antes estava 308 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina descalço, agora vestiu um sapato e continuou sua caminhada. Pela forma das pegadas que seguem, não se pode saber o traje escolhido pelo personagem, mas sabe-se da ação pelo cabide vazio que ficou pendurado no guarda roupa. Na cena seguinte, as pegadas se dirigem a uma mesa mostrando que o personagem se alimentou, sentando na cadeira perto da mesa, a cadeira foi movimentada, percebe-se isso pela posição das pegadas embaixo da mesa, e as migalhas do pão que ficaram no prato, mostram que o personagem comeu. Na xícara ficou um resto de café e o guardanapo está bagunçado em cima da mesa. As pegadas continuam a página. Na sequência, a próxima cena apresenta um gramofone e pelo movimento das pegadas, pode-se perceber que o personagem dançou ao ligar o gramofone, ao som da música que o aparelho produziu. As pegadas estão cerdas de linhas pontilhadas, que indicam o movimento. Para a próxima cena surge um cabide de chapéus, percebe-se as pegadas que continuam indicando um caminho à direita, sabe-se que o personagem escolheu um dos chapéus do cabide, pelo fato de haver um dos ganchos vazios. A próxima cena mostra o lado externo da casa, ao sair de casa, o personagem desceu os degraus e pegou uma maçã da árvore perto da porta, isso pode ser percebido pelas folhas que caíram do galho, indicando movimento, as pegadas no chão também mostram que o personagem se colocou perto da macieira antes de continuar caminhando. As pegadas pretas estão também na próxima cena, existe a confirmação de que o personagem pegou a maçã na árvore, pois há uma fruta mordida dentro da lixeira da rua, no caminho, o personagem encontra um animal, os detalhes das pequenas pegadas indicam isso, o animal segue o mesmo caminho do personagem, já que suas pegadas seguem a mesma direção das pegadas do personagem. Na cena seguinte existe a comprovação de que as pegadas pequenas eram mesmo de um animal, pois existe a presença da poça amarela perto do poste, o que indica que esse animal é um cachorro. Depois de contornar o poste, as pegadas ainda seguem juntas. As pegadas pequenas somem dentro de uma casinha de animal colorida, com desenhos de nuvens, estrelas, arco íris e flores, e um pequeno pote de comida do lado da casinha. As pegadas grandes de cor preta ainda continuam aparecendo nesta cena. Comprova-se a presença de um 309 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina cachorro. As pegadas somem na entrada da casinha, indicando que o cachorro ficou por ali. Agora a cena mostra uma prateleira de vasos de flores, as pegadas do personagem seguem sozinhas e ele encontra um vendedor de flores. Nesta banca de flores, o personagem compra um dos vasos, isto se percebe, porque na prateleira dos vasos, falta um. E as pegadas indicam que o personagem parou na frente das flores. Na cena que se segue, novamente surge uma figura humana, as pegadas do personagem se colocam na frente de uma senhora, e esta segura um vaso semelhante àqueles da cena anterior, sinal que mostra que o personagem entregou o vaso à ela. As pegadas continuam seguindo à direita. Na mesma parede de concreto, agora aparece uma porta aberta de madeira com detalhes em ferro e algumas pequenas pegadas de sapato acompanham as pegadas grandes existentes nas outras cenas. Esta cena mostra que um novo personagem de pegadas pequenas saiu da porta que está aberta e acompanhou o personagem do livro na mesma direção. Na próxima cena, as pegadas, grandes e pequenas se cruzam, as pegadas pequenas mostram o personagem que está com pernas de pau, e a placa pendurada em seu pescoço mostra que é um artista de circo. As pegadas do personagem e do artista se cruzam durante o trajeto, o personagem continua sua caminhada. Seguindo, a próxima cena mostra um gramado e várias pegadas que se misturam mostrando que o personagem passou pelo mesmo lugar muitas vezes, e chutou a bola contra a janela, que se quebrou, a bola e os cacos de vidro estão próximos. Na sequência, as pegadas entram em uma porta, as pegadas do personagem indicam que ele entrou em uma loja de bicicletas e saiu de lá com uma bicicleta, pois a sequência do caminho mostra as linhas que indicam um pequeno pneu. A próxima cena mostra uma rua de descida e a estrada está mostrando que o personagem está descendo uma ladeira com a bicicleta, e que no lugar onde está, existe praia, pois ao fundo da figura pode-se ver o mar e um barco. Na descida percebe-se um pequeno descontrole da bicicleta, pois as linhas que antes estavam retas, agora estão sinuosas. Na última cena do livro, pode-se ver que o personagem acabou manchando um painel que estava sendo pintado, pois sua bicicleta está estragada e a escada quebrada. As tintas estão viradas e espalhadas pelo 310 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina chão, especialmente a tinta verde. O personagem pisa na tinta com seu sapato, larga o sapato no chão e sai descalço, deixando no chão pegadas verdes. Esta cena leva á contracapa do livro, na qual as pegadas verdes direcionam o personagem ao chuveiro. Durante toda a narrativa, o personagem se desloca de um lugar a outro, isso é demonstrado pelas pegadas sempre na mesma direção e pela virada de páginas, com as mudanças de ambientes. Em todas as cenas as pegadas se deslocam para a direita, indicando os lugares de parada do personagem pela mudança na posição das pegadas. Todas as cenas mostram indícios de passagem e de movimento, como as migalhas no prato, a dança ou as folhas caindo da macieira. Durante todo o tempo, existe a interação do personagem com outros elementos de narrativa, e com outros personagens: o cachorro, o vendedor de flores, a senhora, o artista do circo, e há indícios de que ainda existem ainda outros personagem que não aparecem nas ilustrações, mas sabe-se da existência deles, como o vendedor da loja de bicicletas, ou o pintor da placa do circo. O fundo branco, presente em todas as cenas, destaca as cores vivas utilizadas nas ilustrações. E todas as imagens apresentam um mesmo enquadramento, as cenas vistas de frente em diferentes ambientes com paisagens de fundo que mostram lugares diferentes um do outro, em cada cena, o personagem está em outro ambiente, o que evidencia o movimento do personagem e da narrativa. A narrativa traz muitas possibilidades de construção de ideia de personagem, já que pelas indicações nas cenas, não se pode saber com certeza, que tipo de roupa está vestindo, ou sapato está usando, se é homem ou mulher, sabe-se somente que gosta de esportes, pelos artigos presentes no guarda roupa. Todas as cenas são seqüenciais, a história se conta pelo virar de páginas. Todas as imagens vão deixando sinais ao leitor, que já imagina o que virá a seguir. A expressão é quase unicamente visual, somente em duas cenas aparecem palavras indicando a presença de um circo. O enredo da narrativa só acaba quando o começo é retomado. Na última cena, o leitor volta ao início, e novos significados podem ser inseridos a uma nova leitura. Por ser uma história não linear, só se saberá do final da história no quando se chegar à última imagem do livro, assim a compreensão da narrativa se dará no decorrer da leitura. 311 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Referências BARTHES, R. Elementos de Semiologia. São Paulo: Cultrix, 2006. BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2008. CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. 2. ed. São Paulo: Companhia da Letras, 1990. MELLO, Roger. A arte olhando o mundo: o olhar do artista. In: Leitura e imagem. 2002. Disponível em: <http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2002/lii/liitxt2.htm>. Acesso em: 02 fev. 2009. MACHADO, Juarez. Ida e Volta. Rio de Janeiro: Agir, 2001. PERISSÉ, Gabriel. Literatura e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasilense, 1990. (Coleção primeiros passos, 103). SANTAELLA, Lúcia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Cengage Learning, 2008. SANTAELLA, Lúcia; Noth, Winfried. Imagem: Cogniçao, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 2008. 312 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina OS ANIMAIS, O MITO E O FEMININO: FRIDA KAHLO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. Ana Maria Alves Souza PPGL/UFSC [email protected] Em outubro do ano passado comecei uma pesquisa com biografias da artista mexicana Frida Kahlo, agora orientada pela Profa. Tânia Ramos. 105 Quem foi Frida Kahlo? Difícil me é responder, na variabilidade biográfica múltiplas imagens se criam. Apesar do mesmo referente histórico, cada biografia construirá uma outra Frida. Dizer agora quem foi Frida Kahlo requer perfazer narrativas de vida e obra de uma mulher pintora, tarefa complexa, todas as biografias são diferentes. Recentemente entrei em contato com narrativas biográficas sobre Frida para o público infanto-juvenil. Pude ver 3 tipos de narrativas, uma com poucas palavras e muitas ilustrações, para crianças menores, uma média e uma mais complexa e com mais dados informativos, para adolescentes. Ressaltarei aqui esta última, escrita por Jill Laidlaw, tradução de Maria da Anunciação Rodrigues, publicado pela Editora Ática em 2004, como parte da Coleção Grandes Mestres. Para estas anotações inicias busco inspiração em Barthes quando diz que gostaria de ser lembrado por detalhes, nos trazendo a idéia de biografema. 106 Meu biografema será a questão do animal e as idéias sobre Natureza. As páginas 36 e 37 do livro para adolescentes fazem um conjunto de textos e imagens. Na p. 36 se lê: A saúde de Frida piora De 1943 em diante, Frida passou a ficar mais tempo na Casa Azul, em Coyoacán – ela até mesmo dava aulas em casa, pois estava debilitada demais para ir à escola. Suas costas e o pé direito doíam cada vez mais. A artista encontrava alívio em suas pinturas, seu jardim e seus animais de estimação. 105 A bibliografia deste ensaio foi inspirada também na disciplina “Bestiário e Guerra”, ministrada pelo Prof. Dr. Sérgio Medeiros no PPGL/UFSC, no primeiro semestre de 2009. 106 BATHES, 2003. 313 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Sem filhos e sozinha Em Auto-retrato com macaquinho Frida expressa sua constante tristeza por não ter sido capaz de gerar filhos e por sua solidão. Seu macaco de estimação parece ter se tornado um filho substituto. O macaco a envolve com os braços, como que a protegendo de outras dores e tratando-a como a um amigo de confiança. Seu olhar é tão forte e direto como o de Frida, e ele olha inteligentemente para fora da tela. O laço em seu cabelo é menos elaborado que o de sua dona, mas da mesma cor, o que os faz parecer da mesma família. Mais adiante, na mesma página, mostra-se uma foto onde Diego Rivera tem um macaquinho no colo e Frida faz um carinho no animal. O dizer que acompanha informa que “o casal tinha muitos animais de estimação, incluindo pequenos cães mexicanos, papagaios, gatos, uma águia e um veado”. Estes textos parecem coincidir com uma das biografias mais difundidas sobre Frida, a de Hayden Herrera, publicada em 1983. Esta biografia tem narrações extremamente imagéticas e foi inspiradora do filme Frida protagonizado por Salma Hayek, ganhador de Oscar em 2003. Nesta narrativa biográfica fala que os macacos e outros mascotes que rodeavam Frida ofereciam para ela um consolo familiar num mundo que repetidamente parecia vazio. O contexto em que Herrera faz esta afirmação é extremamente interessante pois está falando de símbolos ligados a mexicanidade que rodeavam Frida. Também a sobrinha de Frida, Isolda Kahlo, faz suas memórias da tia, numa biografia intitulada Frida Íntima, onde menciona algumas vezes os animais. Através dela sabemos que Frida gostava de passear pelo pátio quando sua dor diminuía, ficando em companhia de seus animais prediletos, onde aparecem seus dois macacos aranha que tinham nomes: “Caimito del Guayabal” e “Fulang Chang”. Também ficamos sabendo que quando morreu o pai de Frida, em 1941, enquanto esta saía do traumático divórcio com Diego e tinha sua rápida conciliação, a artista estava muito deprimida e enferma, tendo morrido seu loro favorito, “Bonito”, e seu macaco aranha, “Caimito del Guayabal” sofreu pneumonia107. Numa biografia que se destaca por discutir uma suposta verdade sobre a vida de Frida, de cunho extremamente moralista, Isolda Kahlo acaba perguntandose se “não seriam estes pequenos animais, tão companheiros nos quadros de Frida, os que a ajudaram a manter a suavidade em seus braços de mãe, 107 KAHLO, 2004:58. 314 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina tantas vezes malograda”. 108 Sua moral não permitiu admitir um comportamento amoroso de Frida com mulheres, questão que ela condena veementemente discordando de outras biografias, permitiu vê-la, no entanto, na função materna com animais. Em outra biografia, escrita por Rauda Jamis (2005), os animais aparecem da mesma forma. Jamis faz uma pesquisa biográfica minunciosa, mas a apresenta com um cunho ficcional enfatizando a Frida escritora. Há várias narrativas em primeira pessoa em seu texto biográfico que, num determinado momento, torna-se autobiográfico assinando uma carta de próprio punho, quando o leitor pensa ter sido escrita por Frida. Em algumas partes da biografia, cria diálogos, dando voz a seus biografados, como no diálogo onde Frida conversa com o fotógrafo, então seu namorado, Nickolas Muray, falando de seus animais. Jamis dá voz à artista, que apresenta a Muray seu veadinho “Granizo”, dizendo ser este um dos seus filhos adotivos. Voltemos ao livro para adolescentes e vejamos adiante, na p. 37, onde há um imenso autorretrato quase de página inteira, com Frida abraçada por um macaquinho. Abaixo lê-se: Auto-retrato com macaquinho, 1945 Óleo sobre compensado, 57cm x 42 cm, Museu Robert Brady, Cuernavaca, México. Frida pintou diversos auto-retratos com animais de estimação, mas seus macacos aparecem mais do que quaisquer outros. Os macaquinhos de Frida eram como crianças para ela, e seu amor por eles era evidente – ela sempre os pintava perto de sua cabeça, com os braços ao seu redor. Mas os macacos de Frida também podem parecer perturbadores, pois são animais selvagens, não crianças. O que podemos pensar destes textos? É interessante notar que os macacos são apresentados como filhos e ao mesmo tempo como não crianças, como animais perturbadores e selvagens. Ressalto aqui essa idéia de selvagem dialogando com a imagem de mulher artista. Sabemos que a Natureza não é uma realidade passiva a ser percebida, mas mais uma atitude do homem perante as coisas, atitude mutável conforme o contexto. O que consideramos natural é formado por uma rede de idéias e valores que mudam historicamente. Escrevendo sobre “A noção de Natureza do séc. 108 KAHLO, 2004:39. Tradução minha. 315 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina XVI ao séc. XVIII”, Lenoble (1990) procura desconstruir a naturalidade do termo apresentando diferentes significados encontrados em dicionários, ampliando para uma reflexão histórica sobre o desenvolvimento e desdobramento da questão em diferentes períodos e contextos da socialidade humana. A diversidade de concepções que irão se formar está inseparavelmente ligada aos modos de explicar o cosmos e aos modos de viver nesse cosmos. Da Grécia a era cristã, em diferentes desenvolvimentos nas visões dos filósofos, da física, da moral e da arte, Lenoble afirma que o elemento em comum é a impressão confusa de uma pertença à vida, de uma participação numa vida universal que anima cada coisa e o conjunto das coisas. As idéias encontradas nos séc.XVI a XVIII na sociedade ocidental tem sua origem na Grécia antiga; para Platão e Aristóteles a multiplicidade das coisas ordena-se num conjunto regido por leis, o Cosmos, concepção esta difundida numa época em que a Grécia concebia-se como uma terra de cidades organizadas que se opõe a anarquia bárbara. Aristóteles opõe o sentido da Natureza ao acaso onde a percepção de leis constrói a idéia de uma natureza legal que protege o homem da incerteza da vontade dos deuses. O mecanismo das causas eficientes é dado como a obra de uma finalidade cujo conhecimento resultaria na idéia de liberdade. O homem ocupa um lugar no Cosmos regular onde estão associadas as idéias de Bem, segundo Platão, e de Ato Puro, segundo Aristóteles; a liberdade estaria em encontrar nosso lugar na Natureza para integrarmo-nos nela em vez de nos deixarmos dominar. É por influência de Platão, que amplificará o cristianismo, que inicia-se a distinção da alma e do corpo, resultando na associação da idéia de natureza com o mundo e a carne, onde esta natureza além de ser um ideal e uma regra, é também vista como tentadora e inimiga do homem. Para Platão, a conversão deveria ser feita pela rejeição das aparências em favor da contemplação das Idéias, idéia esta também defendida pelo cristianismo. Segundo Lenoble, são duas as principais idéias comuns na Antiguidade que vão demarcar a separação entre a idéia antiga de Natureza e aquela que iria prevalecer sob a influência do cristianismo: a primeira é a de que a Natureza é incriada e eterna, sendo a idéia de criação especificamente judia; a segunda é do domínio da moral, que oporá alma de corpo-natureza, mas não no sentido de mal absoluto como tomará forma mais tarde. Aqui os conflitos afetivos são profundos e demarcam também 316 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina questões de gênero, onde as liberdades extraconjugais, virgindade, procriação e amor estão inscritas numa idéia de ordem natural de comportamento. A palavra latina natura remete a ação de fazer nascer, e em grego, engendrar, resultando na idéia que atravessa a Antiguidade e inspira o naturalismo do Renascimento de que a Natureza é uma imensa coisa viva e um ser inteligente. Interessante observar como as idéias de gênero estão aí amarradas, uma vez que natura vai designar também os órgãos de geração, principalmente os órgãos femininos, ligando a idéia da Natureza à mulher e também à idéia de nação, como terra dos pais, como pertencimento a um grupo humano. Numa visão cristã, conforme Lenoble, o homem já não se situa na Natureza mas perante ela, concebendo seu destino como independente da história do mundo; a Natureza não é eterna, é uma máquina nas mãos de Deus, cujo manejo o homem também pode executar. No séc. XVII, Bacon e Descartes nomeiam-se donos e senhores da Natureza, ainda licenciados por Deus, mas Hobbes irá proclamar o homem seu único rei. Da idéia de uma natureza mater para a idéia do homem colocar-se como “dono e senhor” se formará um sentimento de culpabilidade que repercutirá nas idéias difundidas no séc. XVIII. Lenoble vê na arte uma forma do homem comunicar sua idéia de Natureza, e uma forma de comunicar-se com ela. De um início tido como mágico, numa espécie de animismo, formas e cores não são apenas representações estéticas, mas atos, o centro que difunde o mana, a realidade do poder onde o homem atua profundamente sobre as coisas, não mais invocando-as mas fabricando-as, não apenas numa satisfação da manufatura, mas de uma emoção estética e religiosa do criador perante sua obra. Arte contemplativa (do pintor) e arte prática (do ferreiro), estão ainda ligadas, proporcionando ao homem a idéia de atuar sobre as coisas, numa época em que as coisas tem vida e consciência, tendo como conseqüência a crença na possibilidade de ação do homem sobre as consciências e sobre tudo o que existe. Ligando as idéias de Natureza do artista, do físico e do moralista, Lenoble diz que o homem reagiu ao racionalismo cientificista do séc. XIX através das idéias de irracionalismo, justificação do instinto e retorno dos mitos. Há algumas críticas que podemos fazer ao pensamento de Lenoble, como quando ele nomeia sociedades primitivas associando-as a idéias de desenvolvimento infantil, numa hierarquia evolucionista do desenvolvimento humano, porém Lenoble deixa-nos a contrapartida de uma relativização absoluta da idéia de Natureza como algo construído socialmente de diferentes maneiras, através da busca de uma coesão social 317 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina que estabeleça valores vigentes nos grupos humanos, sempre questionados e recriados historicamente. Patrícia Mayayo, outra biógrafa de Frida, apresenta uma visão bem mais crítica da artista na biografia intitulada Frida Kahlo: Contra El mito, publicada recentemente em 2008. Nela Mayayo afirma que Frida difundia muitas idéias sobre Natureza em suas obras. Mayayo critica veementemente Herrera e todas as abordagens que ela chama de psicobiográficas. Nos vários autorretratos com animais, especialmente macacos, que Frida fez, Mayayo vê um tom excessivo e aponta para seu caráter construído, para a construção cênica do eu109. As idéias sobre Natureza de Frida eram portanto ambíguas, se por um lado inovava destacando-se em sua época pela diferença, ao mesmo tempo obedecia a uma ordem de pensamento dominante patriarcal, associando a mulher a Natureza, relegando o feminino à uma sorte de paraíso primordial fora da História110. História esta que no livro para adolescentes aparece também na forma de uma linha do tempo, sucessiva e evolutiva, com datas marcantes sobre a vida de Frida e acontecimentos mundiais. Como poderíamos pensar essa representação da História diante da fragmentação contemporânea? Lembro aqui de Mario Perniola, esteta italiano, que em Enigmas (2003), analisa o estado atual das artes. Expondo idéias sobre a mobilidade do tempo, busca no antigo Egito a inspiração para a leitura do presente. Perniola observa que se rompeu a união entre forma artística e tempo histórico-social. Afirma que o estado presente da arte não está num neo-ecletismo nem num neo-romantismo, mas, no que tange a relação da arte com o tempo, nossa contemporaneidade viveria um “efeito egípcio”. Levemos em consideração sua afirmação de que a civilização egípcia anulava uma única dimensão temporal do antigo e do novo, situando-os juntos e deixando aberta a contradição que deles resulta. Também os antigos egípcios tinham o princípio da livre intercambialidade, faculdade de mudar todo elemento em outro, como uma arte combinatória. Apontando para a tecnologia televisiva, que ultrapassa fronteiras, Perniola afirma que a enigmática presença conjunta do passado e do presente, que exclui a possibilidade de expressar o momento vivido e remontar-se à uma arché, a um princípio, a uma origem, mostra que o 109 110 MAYAYO, 2008: 221. MAYAYO, 2008: 178. 318 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina presente se converteu em um passado que retorna em seguida e o passado se converte em um presente potencial que pode ser atualizado em qualquer momento. Diz Perniola... Inventariando de maneira diferente o passado, sua união com uma forma estabelecida se mostra bastante frágil e arbitrária. Não se trata só de ampliar a extensão dos objetos tomados em consideração, transformando a história das artes em história das coisas, senão também, e sobretudo, de operar mediante taxonomias transversais que revelem afinidade entre aspectos aparentemente distantes e vice-versa, oposições entre aspectos notoriamente próximos.[...] PERNIOLA, 2003:95. As concepções veiculadas no livro para adolescentes parecem carecer de um ponto de vista crítico sobre a História, e, ressalto aqui, História das Mulheres. Vendo o macaco e lendo sobre a suposta maternidade de Frida, junto à uma linha do tempo, é fácil de associarmos o livro para adolescentes a um saber darwiniano. Em 1872 Darwin publicou “A expressão das emoções no homem e nos animais”, marcando a sustentação de sua teoria da evolução das espécies. Neste estudo Darwin demonstra que também os animais tem emoções como raiva, medo e ciúme, manifestadas por meio das expressões. Apresentando curiosos desenhos e fotografias com fartas descrições, ele examina as expressões do ponto de vista de sua funcionalidade no processo de adaptação do indivíduo ao meio. Ele chega a defender que algumas das expressões do homem são resquícios herdados de antepassados primitivos, comuns tanto ao homem quanto a outros animais. Frida, no entanto, era muito ligada aos estudos de mitologia e cultivava, junto a Diego Rivera, o gosto pelo mundo ameríndio. Seus cães tinham, inclusive, nomes de deuses astecas e ela se orgulhava de sua ascendência indígena. Se formos considerar a narrativa de Mayayo, essa animalidade em comum na obra de Frida também pode ser lida exatamente ao contrário, ou seja, através do perspectivismo ameríndio que reclama uma humanidade ancestral em comum entre os homens e os animais. Lembro aqui do perspectivismo ameríndio como apontado por Viveiros de Castro111, onde os animais podem significar “pessoa”, capazes de ver, perceber o mundo de alguma forma. Diferentemente do evolucionismo darwiniano, aqui a condição original em comum entre humanos e animais não é a animalidade, mas a humanidade. Segundo o antropólogo, o perspectivismo ameríndio está inseparavelmente ligado ao xamanismo, que 111 VIVEIROS DE CASTRO, 2002. 319 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina será a forma de tradução, mediação entre os diferentes pontos de vista humano e não-humano, que habitam o mundo. O xamã é aquele que sabe ver a roupa-corpo do animal (em geral predadores), vê a forma antropomorfa de tipo espiritual, comum aos seres animados, na aparência corporal variável, característica de cada espécie e que não é algo fixo, mas uma roupa trocável e descartável que privilegia a metamorfose. Natureza e Cultura são variáveis de um contexto relacional. Essa roupagem pode ser observada em Frida no “Autorretrato com trança”, imagem também presente no livro para adolescentes, onde Frida tem no pescoço um colar com caveiras e ossos humanos, símbolo de Coauticult, a deusa-serpente asteca. Mayayo observa que Frida se apresentava como filha de Coalticult, sendo esta mais uma marca da identificação de Frida com o mito da deusa primordial, deusa esta conhecida na contemporaneidade por ser companheira com aqueles que precisam passar por algum processo doloroso112. No texto biográfico o animal é apresentado como uma imagem-movimento, diríamos uma imagem de travessia, travessia da dor e travessia de diferentes mundos. Animal e forma humana, travessia da vida e da morte. Didi-Huberman diz que devemos olhar para uma imagem como olhamos para a crisálida de uma mariposa. Uma imagem-larva onde o movimento é contido. As formas extremas da imaginação – larva e imago, o resplendor noturno e a luz diurna românticas, agora concebidas como inseparáveis da própria psique. 113 A serpente-colar mostra-se aqui uma imagem em movimento da mulher artista e talvez, com ela, pudéssemos problematizar a palavra animal como Derrida. Animal, esse singular genérico. Animot é a designação derridiana, palavra conceito que carrega em sua sonoridade a pluralidade. Para o filósofo, o pensamento filosófico sempre julgou que o limite entre o homem e o animal era um e indivisível. Do outro lado era a oposição, todo o reino animal, com exceção do homem. Para Derrida, esta concordância do senso filosófico e do senso comum para falar tranquilamente do Animal no singular genérico é talvez uma das maiores besteiras, e das mais sintomáticas, daqueles que se chamam homens. 114 Besteira, esta sim própria do humano. 112 Refiro-me aqui a sites de cunho esotérico pertencentes ao que se denomina Nova Era no campo religioso, onde pode-se conhecer as Deusas e fazer rituais. 113 DIDI-HUBEMAN, 2007:25. 114 DERRIDA,2002, p.77. 320 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina É interessante aqui observar que no livro para adolescentes a leitura de Mayayo aqui referida ligando o autorretrato à deusa-serpente não aparece. Na página ao lado do autorretrato lê-se sobre o segundo casamento de Frida com Diego Rivera e de como ela estava uma mulher mudada. Nesta mudança observa-se apenas que o colar, que aludimos ligado à idéia de serpente, mais parecia uma “corrente” que uma peça de joalheria, e aponta para um foto de Frida quando ao assinar, em 1940, os documentos para oficializar seu casamento, parecendo usar o mesmo colar pintado. O quadro teria sido pintado logo depois e, segundo o livro, expressa seus sentimentos em relação a reconciliação. Nesta mesma página é chamado a atenção para outros símbolos de mexicanidade que Frida usava como os trajes tehuana e o penteado de cabelo tradicional, questões estas envolvidas na construção performática de seu eu. Cabe ressaltar aqui que a leitura do autorretrato no livro para adolescentes é feita unindo estas questões plásticas e cênicas à performance de seu casamento, onde sua mudança de status é apresentada como sendo agora a de “uma mulher independente, bem como uma artista reconhecida, capaz de sustentar a si mesma115“. Luciana Gruppelli Loponte escreve um artigo perguntando-se: “As vidas dos “artistas famosos” educam? Produção de discursos sobre arte, artista e gênero”, 2004. Nesse artigo ela procura ver como é construído um modo de pensar a arte como uma produção privilegiada de “grandes artistas”. Loponte menciona que nos livros de História da Arte mais comuns os “artistas famosos” são geralmente descritos como “brilhantes, geniais, inovadores e talentosos.” Observa ela que, em geral, essa naturalidade com que é construído o discurso da genialidade artística aponta para a definição de uma genialidade como atributo masculino e branco. Ela analisa 3 coleções de fácil acesso como a enciclopédia Os Grandes Artistas, a Pinacoteca Caras e os livros da coleção Mestres das Artes, estes últimos dirigidos ao público infantil e, segundo a pesquisadora, presente em muitas escolas. Numa leitura foucaultiana acerca da fama e da infâmia, que leva em conta o tempo da transformação de uma em outra, Loponte diz que ao olharmos os “gênios da Arte” vemos imagens filtradas pelos discursos dos críticos, historiadores e especialistas. Pergunta-se pelas imagens, pelos homens e mulheres que não foram colocados na memória, quer captar os enunciados como acontecimentos descontínuos, ligados a determinados campos de saber ou poder. Para ela não se trata de fazer 115 LAIDLAW, 2004, p.32. 321 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina interpretações reveladoras de verdades e sentidos reprimidos, mas simplesmente de “perguntar de que modo a linguagem é produzida e o que determina a existência daquele enunciado singular e limitado.”116Com isto quer pensar que a arte e o discurso que surge em torno dela nada mais são do que realizações humanas e, como tal, arbitrárias e históricas, difíceis de serem percebidas em sua contemporaneidade. Segundo Loponte, o discurso aparentemente natural sobre o “gênio artista” tem sido questionado há alguns anos pela crítica feminista. Numa perspectiva histórica, por exemplo, menciona o trabalho de Anne Higonnet. Esta pesquisadora salienta que no séc. XIX as mulheres que aspiravam ser artistas revelando gênio, eram consideradas anormais ou assexuadas, recriminadas por trair seu destino doméstico. Para Loponte, ...as imagens e textos sobre Arte são “pedagógicos”, exercem uma pedagogia de saberes e verdades sobre um modo particular de ver a Arte, ao legitimar determinadas relações de gênero e poder, produzir e multiplicar discursos que excluem infames ou incluem famosos... LOPONTE, 2004, p. 353. Na coleção Grandes Mestres aqui analisada Frida Kahlo figura como uma das poucas mulheres artistas ao lado de nomes como Cézanne, Paul Klee, Dali, Monet, Picasso e Van Gogh, estampados como títulos disponíveis na contracapa. Como essa mulher artista é apresentada é que é a questão. Com essa proposta de leitura das representações iconográficas e biográficas de Frida Kahlo tanto para adultos, quanto para um público juvenil, questiono aqui as imagens do mito do feminino como o exótico e o selvagem, o fora da razão, o Outro, imagens estas a meu ver perceptíveis nos discursos biográficos junto aos animais. Referências BARTHES, R. Roland Barthes por Roland Barthes. SP: Estação Liberdade 2003. DARWIN, Charles. A expressão das emoções no homem e nos animais. SP: Companhia das Letras,(1872)2000. DERRIDA. O animal que logo sou. SP: Editora UNESP, 2002. 116 LOPONTE, 2004, p.342. 322 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina DIDI-HUBERMAN. La imagen mariposa. Barcelona: Mudito & Co., 2007. HERRERA, Hayden. Frida: uma biografia de Frida Kahlo. Barcelona: Planeta, (1983)2007. JAMIS, Rauda. Frida Kahlo. Barcelona: CIERCE Ediciones, (1985)2005. KAHLO, Isolda. Frida Íntima. 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SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina ESCOLA, RAP, POESIA: EFEITOS DE SENTIDO DO “SER ESTUDANTE” Cristina Zanella Rodrigues 117 CMP É possível que a escola não seja o ambiente mais adequado à criação artística, no sentido estrito da expressão, porém pode ser considerado um espaço em que seja possível estimular a criação. Parto aqui do princípio de que os alunos têm medo da produção escrita e que precisam de motivação para a leitura. Por que, então, restringir a produção textual dos alunos a uma certa diversidade de gêneros (textos argumentativos, informativos, cartas, receitas, editoriais, etc), excluindo a literatura? Por que não estimular a criação literária no educando? No início do ano, assumi o cargo de professora de literatura do Ensino Fundamental de uma escola pública da cidade de Pelotas. Uma das turmas, de 5ª série, mostrou-se bastante peculiar: contêm alunos repetentes, alunos transferidos de outras escolas, alunos com problemas de comportamento, alunos com dificuldade de aprendizagem, alunos que tem um histórico familiar complexo e traumático... Enfim, mostra-se uma turma heterogênea e comportando pré-adolescentes, na faixa etária de 11 a 13 anos, com outros problemas além dos de aprendizagem e que não se mostravam dispostos sequer a sentarem nos lugares. Diante te tais condições de produção, Drummond me veio à mente: “E agora, José?”. Como trabalhar a literatura aqui? Com o passar do tempo, o comportamento dos alunos tornou a atividade em sala de aula insustentável. Rebeldes, barulhentos, bagunceiros, eles mostravam-se cada vez mais reticentes em realizar as atividades propostas pelos professores. E não só na minha aula, na de todos os demais professores. Isso fez com que houvesse a necessidade de uma conversa entre o Serviço de Orientação ao Estudante (SOE) com os próprios alunos e com os seus familiares (pais e/ou responsáveis). Além disso, no final do primeiro trimestre, foi preciso fazer nova eleição para 117 Mestre em Letras pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel/RS). Professora de Português e Literatura no Colégio Municipal Pelotense, escola da rede pública de Pelotas/RS. 325 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina professora conselheira e, para minha surpresa, fui eu a eleita. Por que eles haviam escolhido a professora de literatura? Essa era uma pergunta que latejava. Na reunião com os pais e responsáveis, a professora de música relatou que quando colocava música para tocar, eles silenciavam, liam a letra e cantavam baixinho, acompanhando o ritmo. Essa informação foi significativa, e pode demonstrar a identificação que os jovens têm com a música. De acordo com Bloom, Embora os estudantes não tenham livros, eles com certeza têm música. Nada é mais singular a respeito desta geração que sua compulsão pela música. Esta é a era da música e dos estados de alma que a acompanham. (apud GREEN & BIGUM, 2003, p. 224) A partir daquele momento ficou evidente que aqueles estudantes não poderiam ser tratados como os demais. Eles eram os párias, os marginalizados, os que põem à prova o atual sistema demonstrando novas necessidades e novas capacidades. Eram alienígenas, parte de uma geração, com uma constituição radicalmente diferente. Dentro daquelas cabeças que sentiam vergonha de estar pela terceira vez na 5ª série, que sentiam saudades de seus colegas da escola antiga, que se rebelavam contra as normas da escola, que vezes não compreendiam a matéria mas ficavam com vergonha de sua pergunta parecer idiota, que haviam perdido o pai, a mãe ou tinham que fazer o almoço dos irmãos mais novos enquanto a mãe solteira passava o dia fora trabalhando, havia uma vontade de aprender. Ou pelo menos de se fazer notar. Depois da conversa com os alunos e da reunião com os responsáveis, como conselheira e professora de literatura, resolvi trabalhar com eles a relação com a escola. Afinal, o que é que estes jovens estão fazendo aqui? O que é que eles esperam da escola? O que é que eles esperam deles mesmos? O que pode ajudá-los? A primeira atividade consistia em eles reunirem-se em grupos de três a quatro componentes e responderem a seis perguntas: (1) Que espécie de lugar é a escola? (2) Por que você vem à escola? (3) Você julga a escola importante para sua formação? Sim ou não? Por quê? (4) Os ensinamentos da escola são úteis ou não? Por quê? (5) Você acha que a escola pode ser 326 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina abolida? (6) Que palavra você escolhe para representar a escola?118 Os alunos responderam as perguntas e suas respostas foram lidas em voz alta. Na aula seguinte, passei o poema Escola, de José Paulo Paes, trabalhei interpretação de texto traçando uma relação entre a “escola do poema” e a “escola real”. Na aula subseqüente, o texto escolhido foi a música Estudo Errado119 de o Gabriel, o Pensador, a qual eles ouviram atentamente. Porém, dessa vez não havia exercícios, apenas um momento silencioso de reflexão para deixar a música “retumbar”. No último encontro com esta atividade, propus a eles que, em grupos ou individualmente, criassem um RAP ou uma poesia que externasse seus sentimentos em relação à escola. E é desse conjunto de textos produzidos pelos alunos que se constitui o corpus amplo deste trabalho. O viés teórico O referencial teórico aqui adotado é o da Análise do Discurso (AD) tal como proposta por Michel Pêcheux. A AD articula quatro eixos teóricos, a saber: o Materialismo Histórico, a Lingüística, a Teoria do Discurso e a Psicanálise. Devido a esse caráter singular, a linguagem e o sujeito são compreendidos em um entremeio, em um conflito entre o processo de interpelação ideológica e o inconsciente (o desejo). A Língua é compreendida como “base comum de processos discursivos” (PÊCHEUX, 1995, p. 91) e deixa de ser um sistema fechado, transparente e autônomo para adquirir autonomia relativa. É, portanto, da ordem do material, da opacidade, da equivocidade, da historicidade nela inscrita. Assim, língua é lugar de conflito, pois nela estão materializados os discursos que, por conseguinte, materializam a ideologia. Logo, a língua não é neutra. Devido à presença de diferentes discursos, a língua é caracterizada como opaca, e, através da interpretação, pode ocorrer um efeito de sentido ou outro. Sobre isso, Pêcheux afirma que “todo enunciado, toda seqüência de enunciados é, pois, lingüisticamente descritível como uma série (léxico-sintaticamente determinada) de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar à interpretação. É nesse espaço que pretende trabalhar a análise de discurso” (2006, p. 53). 118 Retiradas da obra MÜGGE, Ernani., SARAIVA, Juracy Assmann...[et e tal]. Literatura na escola. Propostas para o ensino fundamental. Porto Alegre: Artmed, 2006. 119 O poema e a letra da música encontram-se em anexo. 327 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A língua, por materializar os discursos, é heterogênea. O processo de interpretação das materialidades lingüísticas deve atentar para a heterogeneidade da língua e, também, para a heterogeneidade do sujeitoleitor. As possibilidades de efeito de sentido dependem, portanto, desses dois elementos, juntamente com as condições de produção do enunciado, entendendo que aí trabalham tanto as determinações sócio-históricas quanto à situação de enunciação (espacialização, actorialização e temporalização). Para Coracini, a interpretação é “sempre e inevitavelmente subjetiva e transformadora” (2007, p. 27). A heterogeneidade do sujeito e da língua permite, portanto, que o processo de interpretação não seja neutro e fechado. Os alunos, ao lerem um determinado texto, passam a se incluir em uma rede de sentidos que incita o leitor a tomar um certo posicionamento, por isso a autora caracteriza os textos como lugar de interação e de comunicação e, sobretudo, “como lugar de não-comunicação e equívoco, sempre atrelado a um dado momento histórico-social responsável pelos diferentes sentidos produzidos” (CORACINI, 2001, p. 139). O sujeito da Análise de Discurso é habitado pelo conflito. Gregolin resume as idéias de Michel Pêcheux acerca do sujeito referindo que ele não é totalmente assujeitado porque está permanentemente envolvido em micro-lutas cotidianas e produzir discursos pressupõe sempre a possibilidade do equívoco, da falha, do deslizamento dos sentidos (2006, p. 31). O caráter heterogêneo do sujeito pode ser ligado tanto à questão do desejo que se manifesta através das falhas da língua quanto ao processo de interpelação ideológica. De acordo com Orlandi, “o fato mesmo da interpretação, ou melhor, o fato de que não há sentido sem interpretação, atesta a presença da ideologia.” (2003, p. 45) O que nos leva a afirmar que o sujeito, em AD, diante de qualquer objeto simbólico é instado a interpretar: o processo de interpretação do sentido aparece-nos como evidência, como se já estivesse sempre lá. E “este é o trabalho da ideologia: produzir evidências, colocando o homem na relação imaginária com suas condições materiais de existência.” (ORLANDI, 2003, p. 46) Assim, a evidência do sentido faz ver como transparente aquilo que se constitui pela remissão a um conjunto de formações discursivas que funcionam como uma dominante. 328 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina As palavras recebem seus sentidos de formações discursivas em suas relações. Este é o efeito da determinação do interdiscurso. (ORLANDI, 2003, p. 46) E desse funcionamento do interdiscurso, entendido por Pêcheux como aquilo que fala “antes, em outro lugar e independentemente” (1995, p. 162), constitui-se como o não-dito que irrompe naquilo que é dito. Pois é pela referência à formação discursiva que podemos compreender, no funcionamento discursivo, os diferentes sentidos que palavras iguais podem ter. A partir destas considerações, cumpre ainda esclarecer, que a noção de funcionamento, conforme Orlandi, estendida para o discurso, faz com que não trabalhemos apenas com o que as partes significam, mas que procuremos ‘quais são as regras que tornam possível qualquer parte’. Nessa perspectiva [...] a proposta é então explicitar os mecanismos de funcionamento do discurso. [...] é mostrar como um objeto simbólico produz sentidos, como os processos de significação trabalham um texto, qualquer texto.” (2004, p. 80) Diante dessa proposta teórica, ou seja, de analisar como aquilo que é dito pode significar, é que é possível aliar os estudos discursivos aos estudos literários. De acordo com Mussalim, “é possível realizar um movimento, em que Análise do Discurso e estudos literários se encontram: é possível considerar o fato literário como discurso, no sentido que a AD confere a esse termo.” (2007, p. 52) E isso implica em relacionar as obras aos espaços que foram produzidas, às condições de enunciação, ao gênero, ao estilo. A partir do aporte teórico da AD e do pressuposto de que a sala de aula é um espaço de dispersão, que deve propor uma forma de reflexão acerca da linguagem voltada para a heterogeneidade dos sujeitos, surgiu a proposta de analisar como, através da criação literária, se constitui discursivamente esse sujeito “estudante-literato”, criativo, espontâneo, artista, rebelde em sua relação com a escola. Em ritmo de análise O RAP pode ser considerado como um dos gêneros musicais mais relevantes da cultura popular contemporânea. É um fenômeno de jovens 329 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina para jovens, constituindo-se como uma manifestação de protesto contra a pobreza, a perseguição, o preconceito, a coerção econômica, os mecanismos de controle sobre a organização social, muitas vezes incorporado por outros grupos ou indivíduos que experimentam situações de opressão ou discriminação. Assim, embora a prática do gênero esteja nas periferias dos grandes centros urbanos, é apreciado por um público mais amplo. Rimado e ritmado, o RAP, considerado também como poesia urbana, incorpora um palavreado provocativo, cheio de gíria e de complexidades semânticas. De acordo com Schusterman, O Rap é arte popular pós-moderna que desafia não só as convenções estéticas do modernismo como estilo artístico e como ideologia, mas também a doutrina filosófica da modernidade e da diferenciação entre as esferas culturais. (1988, p. 144). Como é condizente ao gênero RAP, a música de Gabriel O Pensador é explicitamente destinada a desenvolver a consciência política em relação ao estado de arte do sistema educacional contemporâneo. Defendendo a idéia de que o paradigma estabelecido não estimula a consciência crítica, o rapper questiona se os alunos vão para a escola para aprender ou apenas para sentar e obedecer; diz que “a maioria das matérias que eles dão eu acho inútil./Em vão, pouco interessantes...”; questiona a metodologia de ensino baseada na “decoreba”, cantando “Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci/Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi.”; defende que o ideal da escola é preparar para a vida, “discutindo e ensinando os problemas atuais”. Percebe-se, portanto, que na letra da música Estudo Errado de Gabriel O Pensador, a crítica ao sistema de ensino é evidente. Ao contrário do poema Escola de José Paes. Este último, fazendo uso de um vocabulário singelo, procura descrever poeticamente uma escola no sentido tradicional: há aqui dever de casa, a professora corrige o erro da lição do aluno, ela obedece à diretora... Foi a partir da leitura desses dois textos que os alunos criaram suas próprias produções. Para este trabalho, foram selecionados dois raps, cujas letras seguem abaixo. RAP 1: Escola 330 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Escola pra quê? Todo mundo qué sabe, mais sem a escola a gente não vai aprende, quando chega do colégio todo mundo qué sabe, se eu tenho algum dever pra fazer, minha mãe fica de cara quando vê meu dever, eu digo que não tenho e vai lá ver e quanto eu rodo de ano ela manda eu me fu... eu começo a escrever tudo que vem na mente de um incompetente, tô virando marginal, pra quê? Tá tudo errado meu filho tu usando crack e cocaína é, um vacilo não qué estuda sabe de mais nada quando tu precisa tu vai dizer que eu estou errada, qué sabe meu filho eu não se de nada. Fuiii. RAP 2: Confusão A gente chega no colégio E senta no fundão A gente come pirulito E joga papel no chão Da 1:30 a 5:30 Só fizemo confusão A professora chinga a gente E a gente não para não A gente vai no refeitório Só arruma confusão Saímo do refeitório E ganhamo uma suspensão. Através da leitura dos raps transcritos120, é possível perceber o predomínio do ritmo pertinentes ao gênero, ainda que a rima seja mais evidente no rap 2. A linguagem empregada é bastante aproximada da linguagem oral, o que também é condizente com esse gênero musical. A rebeldia e a imagem de não adequação ao sistema de ensino atual predominam nas letras, funcionando como um desabafo que chega de maneira espontânea. Os autores, ainda que tenham escrito um trabalho para ser avaliado pela professora, criaram um texto para ser “ouvido” pelo público que aprecia esse gênero musical. Levaram em conta as características do rap, e por isso assumiram a posição de rappers, ocupando uma posição numa formação discursiva (FD) que visa criticar o paradigma vigente. Entretanto, ao invés de assumirem o lugar do sujeito que, por meio da criação artística, 120 As produções dos alunos foram transcritas tal como redigidas por eles, incluídos aí os “desvios” da língua culta. 331 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina procura fazer uma crítica à escola e à estrutura tradicional de ensino, como o fez, por exemplo, Gabriel O pensador, demonstraram em seus textos a baixa auto-estima e a indisciplina decorrente de seu comportamento. É o que se pode observar a partir das seguintes formulações destacadas: F1: eu começo a escrever tudo que vem na mente de um incompetente F2: E ganhamo uma suspensão. Em F1, a expressão mente de um incompetente traz a idéia de que o aluno sozinho é culpado pelo insucesso escolar. Essa imagem é constituída discursivamente a partir do funcionamento do interdiscurso condizente com uma FD na qual circulam saberes ideologicamente cristalizados de que o processo de aprendizagem é dever do aluno apenas e que somente ele tem a responsabilidade sobre seu processo de aprendizagem. E é o uso do vocábulo incompetente que possibilita esse efeito de sentido. Assim, no RAP 1 podemos perceber que o movimento de sentidos vai na direção de que tais sujeitos constituídos discursivamente são párias no sistema educacional proposto. E que dentro dele não têm condições de se sobressair. Esse processo discursivo possibilita a constituição, portanto, de um sujeito heterogêneo, que na sua falha, demonstra a luta entre vontade de ser igual sendo diferente, ou seja, entre o desejo de ser um aluno exemplar e a resignação em não consegui-lo. Na F2 – E ganhamo a suspensão – o verbo ganhar pressupõe que existe um vencedor. Afinal, quando alguém ganha, ele recebe alguma coisa: um jogo, um presente, um prêmio. O sujeito torna-se um vencedor. No caso da formulação presente no RAP 2, o objeto conquistado é a suspensão. A suspensão consiste numa pena disciplinar infligida ao aluno, em caso de indisciplina, e que consiste em afastá-lo temporariamente da sala de aula. Assim, a suspensão é para ser uma punição, entretanto não é assim que está configurada discursivamente na letra composta pelos alunos. A palavra suspensão associada ao verbo ganhar possibilita o efeito de sentido inverso, ou seja, deixa de ser uma coisa ruim para se tornar um prêmio, uma conquista. Constitui-se aí um sujeito que demonstra rebeldia frente às normas de convivência na escola. Esse sujeito, construído no discurso, busca ser contrário à posição da FD em que são dominantes os discursos da disciplina, na qual o processo de subjetivação se impõe através de mecanismos que visam ao assujeitamento. Entretanto, esse sujeito, mesmo 332 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina constituindo-se como rebelde não consegue criar uma imagem contundente de revolucionário ou crítico consciente do sistema: sua ação que procurar desestruturar as bases das regras da escola não é suficiente para sugerir outras formas de se desenvolver a educação. Ele ganha do sistema, mas acaba não ganhando nada para si. A partir das análises apresentadas, procurou-se demonstrar que através da criação literária manifestada nas letras de rap, se constituiu discursivamente um sujeito criativo, espontâneo, artista e rebelde em sua relação com a escola. Um “alienígena” na sala de aula, que demonstra um desejo de vencer na vida e uma rebeldia frente ao status quo, cuja heterogeneidade e complexidade o sistema educacional não está preparado para lidar. Referências CORACINI, Maria José R. Faria. A celebração do outro: arquivo, memória e identidade: línguas (materna e estrangeira), plurilingüismo e tradução. Campinas: Mercado de Letras, 2007. ________. Heterogeneidade e leitura na aula de língua materna. In: CORACINI, Maria José R. Faria; ERNST-PEREIRA, Aracy. (Orgs.) Discurso e sociedade: Práticas em Análise de Discurso. Pelotas: ALAB/EDUCAT, 2001. GREGOLIN, Maria do Rosário. AD: descrever – interpretar acontecimento cuja materialidade funde linguagem e história. In: NAVARRO, Pedro. (org.) Estudos do texto e do discurso: mapeando conceitos e métodos. São Carlos: Claraluz, 2006. GREEN, Bill e BIGUM, Chris. Alienígenas em sala de aula. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Alienígenas em sala de aula. Uma introdução aos estudos culturais em educação. 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003. MUSSALIM, Fernanda. Análise do discurso literário: delimitações. In: FERNANDES, Claudemar, GAMA-KHALIL, Marisa Martins e ALVES JÚNIOR, José Antônio (Org.). Análise do Discurso na literatura: rios turvos de margens definidas. São Carlos: Claraluz, 2009. ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso. Princípios & Procedimentos. 5ª ed. Campinas, SP: Pontes, 2003. _____. Interpretação. Autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 4ª ed. Campinas: Pontes, 2004. PÊCHEUX, Michel. Discurso: Estrutura ou Acontecimento. Campinas: Pontes, 2006. ________. Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Editora da UNICAMP, 1995. 333 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina SCHUTERMAN, Richard. Vivendo a Arte- o pensamento pragmatista e a estética popular. São Paulo: Editora 34. 1998. Disponível em <http://books.google.com.br/books>. Acesso em 15 de setembro de 2009. Anexo 1 Estudo Errado Gabriel O Pensador Eu tô aqui Pra quê? Será que é pra aprender? Ou será que é pra sentar, me acomodar e obedecer? Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever A professora já tá de marcação porque sempre me pega Disfarçando, espiando, colando toda prova dos colegas E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo E quando chega o boletim lá em casa eu me escondo Eu quero jogar botão, vídeo-game, bola de gude Mas meus pais só querem que eu “vá pra aula!” e “estude!” Então dessa vez eu vou estudar até decorar cumpádi Pra me dar bem e minha mãe deixar ficar acordado até mais tarde Ou quem sabe aumentar minha mesada Pra eu comprar mais revistinha (do Cascão?) Não. De mulher pelada A diversão é limitada e o meu pai não tem tempo pra nada E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa pirralhada!) A rua é perigosa então eu vejo televisão (Tá lá mais um corpo estendido no chão) Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei nem o que é inflação - Ué não te ensinaram? - Não. A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil Em vão, pouco interessantes, eu fico pu.. Tô cansado de estudar, de madrugar, que sacrilégio (Vai pro colégio!!) Então eu fui relendo tudo até a prova começar Voltei louco pra contar: Manhê! Tirei um dez na prova Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova Decorei toda lição Não errei nenhuma questão Não aprendi nada de bom Mas tirei dez (boa filhão!) Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci 334 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Decoreba: esse é o método de ensino Eles me tratam como ameba e assim eu não raciocino Não aprendo as causas e conseqüências só decoro os fatos Desse jeito até história fica chato Mas os velhos me disseram que o “porque” é o segredo Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente E sei que o estudo é uma coisa boa O problema é que sem motivação a gente enjoa O sistema bota um monte de abobrinha no programa Mas pra aprender a ser um ingonorante [...] Ah, um ignorante, por mim eu nem saía da minha cama (Ah, deixa eu dormir) Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste - O que é corrupção? Pra que serve um deputado? Não me diga que o Brasil foi descoberto por acaso! Ou que a minhoca é hermafrodita Ou sobre a tênia solitária. Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! [...] Vamos fugir dessa jaula! “Hoje eu tô feliz” (matou o presidente?) Não. A aula Matei a aula porque num dava Eu não agüentava mais E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais Mas se eles fossem da minha idade eles entenderiam (Esse num é o valor que um aluno merecia!) Íííh... Sujô (Hein?) O inspetor! (Acabou a farra, já pra sala do coordenador!) Achei que ia ser suspenso mas era só pra conversar E me disseram que a escola era meu segundo lar E é verdade, eu aprendo muita coisa realmente Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre! Então eu vou passar de ano Não tenho outra saída Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida Discutindo e ensinando os problemas atuais E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais Com matérias das quais eles não lembram mais nada E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada Refrão Encarem as crianças com mais seriedade Pois na escola é onde formamos nossa personalidade 335 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Vocês tratam a educação como um negócio onde a ganância, a exploração, e a indiferença são sócios Quem devia lucrar só é prejudicado Assim vocês vão criar uma geração de revoltados Tá tudo errado e eu já tou de saco cheio Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio... Juquinha você tá falando demais assim eu vou ter que lhe deixar sem recreio! Mas é só a verdade professora! Eu sei, mas colabora se não eu perco o meu emprego. Anexo 2 Escola José Paulo Paes Escola é o lugar aonde a gente vai quando não está de férias A chefe da escola é a diretora. A diretora manda na professora. A professora manda na gente. A gente não manda em ninguém. Só quando manda plantar batata. Além de fazer a lição na escola, a gente tem de fazer a lição de casa A professora leva nossa lição de casa para a casa dela e corrige. Se a gente não errasse, a professora não precisava levar lição para casa. Por isso é que a gente erra. Embora não seja piano nem banco, a professora Também dá notas. Quem não tem notas boas, não passa de ano. (Será que fica sempre com a mesma idade?) 336 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina LITERATURA INFANTIL: IMPORTANTE E INDISPENSÁVEL Danusia Apparecida Silva UNIPLAC As histórias lidas na sala de aula, no Magister, foram de muita importância para mim. Conheci autores novos, principalmente, os catarinenses que escreveram histórias referentes ao povo e cultura da nossa região. Essas histórias me ajudarão para melhorar meu trabalho. Já estou trabalhando com mais afinco a literatura infantil com os alunos. (Ana Luci Borges, Urupema, maio 1996) Em 1995, a Secretaria de Estado da Educação e Desporto de Santa Catarina, consciente da importância da formação do cidadão e da educação como fatores do crescimento de uma sociedade sadia progressista, cria o Programa Magister, cuja finalidade precípua é a formação de professores da Rede Pública Estadual e Municipal de Ensino que atuavam sem formação de nível superior. Os cursos, então, oferecidos contemplavam os professores das séries iniciais do ensino fundamental. Para execução do Programa Magister formaram-se convênios com as Universidades dentre elas a Universidade do Planalto Catarinense – Uniplac. Em caráter emergencial e especial – em período de férias, recesso escolar e finais de semana – a metodologia adotada obedecia ao princípio da formação continuada, unindo o conhecimento à realidade e por outro lado, atendendo às necessidades do professor no que se referia ao local do curso (o mais próximo possível do seu local de trabalho ou de sua residência, à gratuidade e ao apoio financeiro, para deslocamento e outras despesas). Inserida nesse cenário assumi a docência da 1ª turma, composta de professores – alunos oriundos de: Lages, Correia Pinto, Urupema, Ponte Alta, Urubici, São José do Cerrito, Bocaina, Painel, São Joaquim... Para essa turma lecionei a disciplina Literatura Infantil e acrescentei ao meu conhecimento a alegria daquelas professoras (incrivelmente só havia mulheres) ao descobrirem a fonte inesgotável de saberes e prazeres guardados em cada livro de histórias ou em cada conto ou fábula como declara a cursista: Contar, ler e ouvir história é uma forma de recriar a vida no seu significado mais profundo. O conto para a criança se torna absolutamente real e aponta para um mundo melhor [...] cabe lembrar que para o conto atuar na mente infantil é preciso que o professor 337 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina trabalhe a criança fazendo-a transportar-se para um mundo mágico, de emoções e prazer. Com essas aulas aprendi outros métodos a serem trabalhados, novos contos e novas experiências e uma nova visão sobre a importância da Literatura Infantil em nossas escolas [...]. (Pascale A Colossi Moraes, Ponte Alta, maio 1996). O Abre-te Sésamo ocorreu a partir da compreensão de que para saber o que é bom em Literatura Infantil não basta ser professor, é preciso ser leitor, conhecer, de fato, a marca do infantil e ter alguma informação básica sobre o gênero literário específico endereçado à criança. Então, aula a aula, o alargamento de visão foi-lhes possibilitando uma leitura mais lúcida de si, de seu fazer em sala de aula, rompendo com o normativo, com o limite pedagógico e atribuindo uma dimensão artística ao livro infantil. Nunca pensei que um dia poderia me despertar tanto para as histórias infantis como aconteceu nesse pouco tempo. Para mim eram desconhecidos os nomes dos Irmãos Grimm e Hans Christian Andersen [...]. A minha imaginação despertou tanto que pensei: se minha imaginação foi tão longe como poderá ir a imaginação e a curiosidade de uma criança vivendo esta experiência. Trabalhei muito com livros infantis nesta semana e pude notar como as crianças se revelaram: dramatizaram pequenos textos, e não se inibiram na expressão corporal, cantaram, dançaram e associaram as histórias com várias matérias já estudadas. (Ana Goreti Netto de Oliveira, Lages, 1996). Longe de qualquer dúvida os textos literários constituem material de riqueza inesgotável para a fertilização de sonhos e planos. Levar a criança ao sonho é tarefa primeira da professora de séries iniciais, portanto item indispensável no planejamento de todo professor ciente de que a aprendizagem só ocorre se uma efervescente motivação aquecer o coração e o intelecto seu e de suas crianças. Em “Carta aos leitores que vão nascer”, Jorge Larrosa (1999) declara ser o livro uma espécie de espaço singular, uma máquina do tempo, capaz de tocar a sensibilidade do leitor, seja pela expressão da sensibilidade, pela riqueza de imagens ou pelo caráter lúdico. Entendendo a Literatura Infantil como agente polivalente, o professor conclui que precisa estar sintonizado com as transformações do presente, sem ignorar o tradicional, o clássico, a fim de reorganizar o seu próprio conhecimento, situar-se criticamente na realidade histórico-social e cultural na qual está 338 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina inserido. Qualquer tema pode servir de motivo à literatura, dependendo do modo como seja tratado: interessante, criativo, acessível. Alicerçada nessa tríade ministrei cada aula, contei cada história, tanto de autores clássicos como de contemporâneos nacionais e estrangeiros, abri páginas de livros permitindo a cada professor aventurarse levando no voo a bagagem própria. As manifestações selecionadas para ratificar o papel relevante da Literatura Infantil, na gestação de um leitor, ressoam nas ideias do pensador Barthes (1978, p. 19): “a literatura não diz que sabe alguma coisa, mas que sabe algo das coisas – que sabe muito sobre os homens”. Um dos princípios norteadores do Programa Magister evoca o aforismo do Direito Romano: Ninguém dá o que não tem. Tal dito, de cunho filosófico ou moral, comprova-se no depoimento da professora – aluna: “Quando li no currículo que teria aulas de Literatura Infantil não imaginei que seria tão bom, tão proveitoso como foi: A gente só aprende bem o que nos agrada e interessa” (Ana Goreti Netto de Oliveira, Lages, maio 1996). Quando se investe em Literatura Infantil, prevalece a intenção da qualidade, ganha quem ensina e quem aprende. Incluída nos currículos de alguns cursos de Letras ou Pedagogia, há cerca de três décadas, inicialmente na condição marginal, de disciplina optativa, segundo declarações de Lúcia Pimentel Góes e Nelly Novaes Coelho – que trouxeram a novidade de Portugal – foi lenta e progressivamente ganhando espaço, integrando currículos de graduação, constituindo linha de pesquisa na pós-graduação e sendo objeto de trabalhos acadêmicos em todos os níveis. Ensinar Literatura é proposta viável, pois associa o cognitivo ao lúdico, ao deleite do espírito. Tal empresa pode ser uma grande responsável pelo progresso do aluno que passa a se interessar pelos livros. O convívio, durante o curso, com docentes de várias localidades provocou-lhes o relato de experiências, de ‘causos’ ouvidos na infância. Nossa vivência pacata do interior proporcionou-nos um conhecimento restrito de contos relatados pelos tios e avós ao redor do fogo de chão, nas noites frias e dias chuvosos. Eram contos de proeza onde o narrador se sentia o herói, viajava no mundo da imaginação e fantasia levando seus espectadores sentir várias emoções. Também as brincadeiras de roda ao redor das fogueiras e noites de luar. Quando o interior teve acesso ao rádio a emoção teve um novo colorido escutar as canções cujas letras relatam histórias de caçadas e pescarias. Nos livros didáticos 339 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina as leituras também eram narrativas de fatos ocorridos ali roça. A televisão então aflorou veio a tona com o sitio do Pica-pau Amarelo de Monteiro Lobato. (Salete Terezinha de Oliveira Fortes, abril 1996). No fluir da criatividade as professoras foram absorvendo e armazenando os fundamentos estéticos. Passaram a reler, a refazer com mais vigor e prazer a sua docência. Entenda-se: não adotaram um receituário pronto e acabado, ao contrário, entenderam a pluralidade da arte de ouvir, contar e ler histórias. Compreenderam os muitos saberes subjacentes e acrescentaram às suas aulas o ingrediente indispensável que aguça o apetite de ler e ler mais. Compreenderam que o gosto do leitor pode adaptar-se a facilidades, a repetições, a acomodações, pois seu conhecimento passa por estágios evolutivos. A aprendizagem adquirida no Curso está acrescentando muito em minha vida. Na minha ignorância do saber passavam despercebidos os livros que hoje observo e manuseio com outra visão, observando a riqueza de ensinamentos que cada história nos traz. Considero esse período que estamos passando junto como uma porta encantada que está se abrindo e ampliando meus horizontes. Sou professor de jardim há sete anos, atualmente leciono para crianças de dois a quatro anos de idade [...] Na hora da história seus olhinhos brilham. Mudam suas feições conforme vão viajando no mundo da fantasia e ao concluir vejo neles o desejo de querer mais. Alguns pegam o livro em suas mãos, outros interpretam o personagem que mais lhe agradou [...]. Constatei o quanto a história lhes interessou foi no recreio que brincavam de bruxa, Joãozinho, Mariazinha, lobo mau e outros personagens a que lhes deram vida. Pedi que levassem a história dos Três Porquinhos para casa e junto com os pais lessem e desenhassem o que mais lhes atraiu. Nesses momentos me sinto gratificada e vejo que alcancei meu objetivo. Crianças tão pequeninas... mas nelas estou semeando o gosto pela leitura. Um mundo lindo que está dentro de um livro esperando para ser explorado. (Josiane Helena Cabral, Lages, 1996). Há três lustros trabalhando com a Literatura Infantil e Juvenil coloco-a no pódio, sobretudo pela sua abrangência. Hoje sei que a Literatura Infantil irá se transformar em minha poderosa aliada para que os conteúdos de outras matérias sejam trabalhadas de maneira informal na sala de aula e sobretudo, com a participação interessada dos alunos. Hoje eu penso e reflito como nunca procurei me 340 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina aprofundar e conhecer mais os autores brasileiros em Literatura Infantil, apenas tinha um vago conhecimento de Monteiro Lobato e suas histórias infantis, nunca me interessei em conhecer sua vida e suas obras, e através de suas aulas aprendi que além dele ser um autor, lutou muito em defesa de nossos direitos e progresso e suas obras estão atravessando gerações como o Sítio do Pica-pau amarelo, um mundo de faz-de-conta que alegra, educa e transmite o conhecimento folclórico e cultural dos povos. Conheci também vários outros autores de histórias infantis como Ruth Rocha, Cecília Meireles (Ivonete de Fátima Chupel Camargo, Ponte Alta, maio 1996). O livro de histórias diferencia-se notavelmente do livro escolar: leva o leitor a despertar sua consciência crítica, eleva-o de objeto ou mero decodificador à condição de sujeito. Evidencia-se essa preocupação na obra de muitos escritores atuais. O livro infantil Ana levada da breca de Maria de Lourdes Krieger foi uma estorinha que me cativou bastante, me fez parar e analisar minha condição de mãe, professora, e minhas reações diante de tais comportamentos que até então eu achava correto. É uma estorinha alegre, criativa e entusiasmada que espelha muitas vezes o cotidiano da própria criança que a lê. (Andréa Dutra de S. Córdova, Lages, 1996). A escritora catarinense Maria de Lourdes Krieger, a exemplo de Monteiro Lobato, tem grande respeito por seus pequenos leitores e os vê como seres pensantes, capazes de observar, analisar, comparar e julgar os fatos com que se defrontam, tirando deles suas próprias conclusões. A propósito, Lobato não considerava seus leitores adultos em miniatura. Debus ressalta esse aspecto mostrando “Pedrinho e Narizinho como representantes de seus pares. Ambas as personagens são descritas como crianças comuns, criativas e sem enfrentamento grave com a normalidade das relações do mundo concreto” (2004, p. 121). A eficácia da escola, na obra infantil de Lobato, é posta em dúvida: todo o aprendizado acontece fora dela. No sítio a avó, D. Benta e as crianças são coparticipantes do processo de descobertas via diálogo e observação in loco. Num clima de ‘aldeia global’ – precursor de McLuhan, – Dona Benta ensina todas as disciplinas, leva os moradores do sítio, em viagem fantástica ao céu e com imensa sabedoria aponta as mazelas da passividade ou inércia de Américo Pisca-Pisca e Jeca Tatu. 341 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Das poucas ou quase nada das histórias infantis que ouvi, quando criança, lembro muito vagamente da atração que tinha pelas botas de Jeca Tatu – um homem tão simples e pobre [...]. O que ele mais queria era colocar as ‘botinhas’ em todos os animais (Olivete A. Padilha Ferreira, Lages, 1996). O Programa Magister aberto à diversidade concebe a evolução da professora–aluna em um contexto heterogêneo: cada um com experiências diferentes e esta diversidade cultural possibilita-lhe a liberdade de construir a sua história. Em resposta à nova circunstância, aproxima-o da reflexão do espanhol Ortega y Gasset: o homem é a sua circunstância. Na senda da Literatura Infantil emergem os registros da docência posterior ao contato com livros, histórias e autores. Atuando, como professora, em uma Escola Municipal de PréEscolar, na qual a clientela se apresenta em condições desfavoráveis de moradia, higiene e até alimentação, o meu trabalho era voltado mais para o assistencialismo e recreação, suprindo ou tentando alegrar, um pouco, o dia-a-dia dessas crianças. As histórias entravam em cena na ‘hora do descanso’, onde as crianças sentavam no chão para ouvi-las, mas não era dado o valor que, hoje percebo, as histórias possuem, quer seja abrindo as portas para o maravilhoso ou imprimindo moralidade, enfim, servindo como resposta aos questionamentos das crianças, contribuindo para sua socialização. Atualmente, em minha sala, já obtivemos progressos consideráveis, pois meus alunos se mostram mais participativos, mais interessados, acompanhando a história, vivendo cada momento da mesma ao recontá-la para o grupo ou reproduzindo-a no papel. (Luciane Márcia Nunes, Urubici, 1996). Trabalho com Educação Especial. Sempre, porém, modestamente, fiz uso da Literatura Infantil nas minhas aulas, usando-as em atividades de descanso e pequenas interpretações de textos. Hoje, percebo o quanto posso trabalhar, o quanto posso enriquecer minhas aulas e principalmente socializar meus alunos com ajuda da Literatura Infantil. Foi um ‘abrir de olhos’ um ‘despertar’, e aconteceram algumas experiências bem positivas: contei a história do Patinho Feio, as crianças ficaram atentas e gostaram muito. Fizeram desenhos e cada aluno explicou o que desenhou, contando alguns trechos da história. Outro dia, li a história do Pequeno Polegar. Incluí a história em todas as áreas: linguagem, percepção, socialização e área motora – foi um 342 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina sucesso: houve até dramatização, o que me animou muito. As crianças ficaram vidradas, se emocionaram ficaram curiosas. Eu gosto e leio histórias infantis, mas não pensei que as crianças ‘ainda’ poderiam gostar tanto delas – realmente me enganei! O simples faz parte da vida. Às vezes buscamos grandes e novas técnicas para ensinar... Nos perdemos em teorias. Esquecemos o muito que aprendemos com os velhos contos infantis, esquecemos que o encanto, o mágico, o maravilhoso deve ser aplicado para as crianças de hoje, pois as necessidades são as mesmas. Não aprendi a gostar de livros sozinha, alguém me contou histórias, alguém leu histórias e é preciso que eu faça o mesmo, que eu refaça a ideia de que história infantil é ultrapassada e resgate a história para o bem dos alunos que estão sob a minha responsabilidade. Criança gosta de história e vai aprender vida a fora com elas. (Maria Lúcia de Souza Beltrame Costa, Urubici, 1996). Os depoimentos reiteram minha crença na relevância da inclusão, no currículo dos Cursos de Letras e de Pedagogia, da disciplina Literatura Infantil de modo que os acadêmicos – professores ou futuros professores – não apenas a vejam como um gênero literário a ser dissecado teoricamente, mas assimilado por uma ótica essencialmente humana que permite conhecer, descobrir e cultivar valores. Em seu livro Vivências de Leitura, Vânia Maria Resende endereça a todos os educadores brasileiros a seguinte mensagem: Numa sociedade como a brasileira, estruturada sobre bases colonizadoras e capitalistas que enfraquecem a visão crítica de si mesmo e da realidade e que condicionam os padrões de comportamento à base da massificação, não prevalece a valorização da linguagem da sensibilidade e da fantasia. Essa linguagem – da arte e dos livros – tem o poder de gerar mais lucidez e maior resistência contra os riscos de uma dominação desumanizadora que se impõe como ordem social na realidade movida pelo pragmatismo materialista (2001, p. 296). Lamentavelmente a Literatura Infantil ainda não tem recebido das políticas públicas a atenção merecida. Todavia, os professores, quando motivados, transformam-na em alavanca propulsora da criatividade. Entenda-se criatividade como vontade, emoção e decisão, e a escola só promove uma educação criativa passando necessariamente pela formação do professor. Não significa, porém, inserir a criatividade na grade curricular como disciplina, sem desenvolver projetos de leitura. Estamos vivendo a primeira década do terceiro milênio que vem carregado de desafios, de mudanças, de questões ambientais, 343 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina desenvolvimento sustentável e tecnologia. Impressionados e alarmados pelos avanços da inteligência artificial, os cientistas estudam maneiras de limitar as pesquisas que poderão levar a perda do controle humano em determinadas frentes. Se o homem é capaz de criar um Hal, o robô do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, a escola não pode estagnar, subestimar o valor da leitura, pois é nessa energia que reside a potência criativa do leitor. Por esse prisma a educação não limita nem escraviza, ao contrário humaniza pela sensibilidade e pela imaginação. Ler histórias é sentir emoções importantes, possibilidades de resolver melhor as nossas dificuldades, são momentos de divertimento. Enfim, é enxergar e sentir o mundo com os olhos do imaginário. De todas as histórias lidas durante o meu curso de Literatura Infantil, senti grande necessidade de renovar meu planejamento diário incluindo outras ideias, novas histórias e outras formas de trabalhar. Mesmo, já sendo, uma leitora de histórias infantis, as mais variadas possíveis, a cada aula que assistia sentia-me mais motivada e emocionada. Este trabalho provocou em mim significância e verdade que cada uma delas fez brotar. Acredito que o meu desempenho venha sendo de melhor qualidade, as atividades enriquecidas com tudo o que estou aprendendo. Tenho dado um novo colorido as minhas aulas. Por estar motivada e tentando fazer um trabalho cada vez melhor, sinto que os meus alunos correspondem a este entusiasmo. Temos eito muitas dramatizações, reproduções de histórias, desenhos com os personagens, etc. Até agora, não tenho encontrado dificuldades quanto ao trabalho a desenvolver e estou certa de que continuarei a receber todo o apoio necessário. (Ana Maria Alves, Tonon, Lages, 1996). A literatura além de um prazer é fonte que faz pensar sobre o mundo em que vivemos e sobre o trabalho que temos de realizar. Bakhtin e Vygotsky em suas teorias deram lugar de destaque à arte, principalmente à literatura. Há, portanto, um ponto de encontro entre os dois teóricos ao apresentarem o movimento dialético autor-leitor-obra. Entre todos os livros lidos e ouvidos durante essas aulas, todos deixaram marcas, mas [...] gostaria de relatar algo marcante da autora Maria de Lourdes Krieger. No livro Vovó quer namorar, ela mostra a luta da mulher para mudar os preconceitos de uma sociedade relatando a mulher de ontem e a de hoje. E nesta história temos como protagonista uma mulher chamada Frozina que sempre tentou dar um basta nesta situação. [...] Infelizmente a história de Frozina não está muito distante da realidade em que vivemos [...]. Muitas têm força e coragem. Outras ainda se encontram fracas para quebrar este tabu. Frozina nos mostra 344 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina exemplos de coragem, força e luta (Marta de Fátima do Nascimento, Lages, 1996). O itinerário que cada livro propõe ao leitor é quase sempre infindável e os dizeres das professoras-alunas, que neste trabalho venho cosendo, fazem-me compará-los aos fragmentos ouvidos pelo viajante numa noite de inverno (CALVINO, 1999). Naquela noite, naquela paragem em busca de um romance interrompido e não acabado o viajante enredou-se nas opiniões de diferentes leitores que lá se encontravam. Um dos leitores aparece por detrás de uma pilha de volumes e diz: Também para mim todos os livros que leio levam a um único livro, mas é um livro para lá do tempo, que mal aflora nas minhas recordações. Há uma história que para mim vem antes de todas as outras histórias e de que todas as histórias que leio parecem conter um eco que logo se perde. Nas minhas leituras mais não faço que procurar esse livro lido na minha infância, mas o que dele me lembro é demasiado pouco para reencontrar (CALVINO, 1999, p. 259). Nem tempo nem espaço físico são os mesmos. Em 1996, em uma sala de aula, professoras que já escreveram algumas páginas de sua vida profissional escrevem mais uma reconhecendo sua condição de sujeito inacabado, porém disposto a viajar orientado pela bússola literatura, descobrindo sempre mais nas dobras das frases. Senti grande emoção ao ler na sala de aula no último sábado. Li muitas historinhas interessantes, quando percebi que a leitura me havia transportado para o espaço mágico das mesmas. Foi gostosa a emoção de ir aos poucos com precisão a cada detalhe do texto, sentir os conflitos terríveis vividos pelas personagens, os arrepios provocados pelas ilustrações. Fui deixando a criança que sempre viveu dentro de mim, brincar à vontade, onde eu era a personagem principal. Senti enorme prazer em estar ali, de poder ler, de mergulhar no mundo mágico das letras pretas que remetiam a tantas histórias fantásticas. Como era triste e comovente O soldadinho de chumbo e também triste e generosa A sereiazinha, apaixonado como O gato Massamê, triste e só como Miranda e o Bem-te-vi, o encanto e a descoberta em Plic, Plic, um barulho da chuva. Foram estas as histórias que li e de certa maneira vivi no sábado. Foi muito gostoso, dei um mergulho na minha infância, enfim, vivi aqueles momentos mágicos da leitura. (Terezinha de Jesus Cavalett, Correia Pinto, 1996). 345 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Outro aspecto que me chama atenção nestes registros é o comparecimento à biblioteca, local que nas escolas ou na maioria delas reflete a etimologia: biblion, livro e théka, caixa. Ou seja, mantém-se fechada ou muito pouco procurada. Embora guarde um patrimônio cultural, ainda não caracteriza com raras exceções, um espaço de lazer, um lugar de pesquisa, centro de informações memorizadas. Eu trabalho na Escola Básica Municipal Professor Antonio Joaquim Henriques, e atuo na Pré-Escola. Semana passada após ter tido aula sobre os Irmãos Grimm, Andersen e Perrault, fui para a escola empolgada por ter visto tanta coisa interessante. Cheguei à escola fui direto para biblioteca, a qual está muito rica em materiais, fiz uma coletânea de livros desses autores. Na sala de aula distribuí para as crianças ‘lerem’ as figuras e depois trocarem um com os outros. Minha intenção era verificar qual história despertaria mais a curiosidade, eles já tinham conhecimento de alguns livros e eu achei que eles iriam pedir para mim repetir aquele já conhecido. Para minha surpresa, um aluno chamado Aldo que é uma criança muito participativa me trouxe o livro A vendedora de fósforos’, ele estava todo ansioso, pois não conhecia a história e despertou curiosidade nele. Li para eles colocando muita emoção na história, no final percebi que eles tinham entristecido, então, passei a fazer comentários, e a dialogar com eles trazendo a história para realidade, fazendo perguntas como: Existem pessoas pobres? (na minha classe tem vários bem carentes). Pessoas passam frio? Existem pessoas que maltratam outras pessoas? Depois de alguns questionamentos contei a eles que o autor escreveu o livro contando um pouco da história de sua mãe. O Aldo achou tão fascinante existir um fundo de verdade nas histórias, queria ler outros livros e comentá-los. Para não ficar cansativo, combinamos então que nos próximos dias, iríamos repetir o horário de leitura e comentários. Eu me senti muito satisfeita, pois foi uma aula muito prazerosa. (Sandra Regina Ronconi, Lages, 1996). Apresentar obras do cânone literário para um maior enriquecimento crítico-cultural dos alunos, cidadãos em formação, torna-se papel irrevogável de todo professor que há de ser um cavaleiro andante, um Dom Quixote, exemplo de leitor pertinaz, na busca constante de crescer. Para Saramago, “o que move Quixote é o mesmo que nos move, o querer ser outra pessoa, o querer estar em outro lugar” (FOLHA DE S. PAULO, 2005). Só a leitura transporta, move, permite ao sujeito a diversidade do viver no reviver das histórias que há séculos se deixam ressignificar. 346 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Sou sincera em revelar que nunca achei que a literatura infantil fosse tão importante quanto a vejo agora. Dentro dessa nova visão, refleti sobre a importância e a necessidade de mostrar que ler não é apenas uma ‘atividade escolar’ e sim uma leitura prazer. Como é importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas, muitas histórias... Escutá-las é o início da aprendizagem para ser um leitor. Conseguimos muitos livros na biblioteca, então decidimos que uma vez por semana teremos ‘a hora da historinha’, uma semana contarei a história a eles, na outra eles lerão. Para obter um bom desempenho, leio o livro antes, bem lido, assim, quando começar a narrar, quero passar a emoção verdadeira, aquela que vem lá de dentro, e que, por isso, transmite confiança e motiva a atenção do aluno. Para que isso ocorra, criou todo um clima de envolvimento, de encantamento... Dando as pausas, criando os intervalos, respeitando o tempo para a criança poder imaginar, construir seu cenário, visualizar seus monstros, criar seus dragões, adentrar pela casa, vestir a princesa, sentir o galope do cavalo, imaginar o tamanho do gigante, etc. Contando ou lendo as histórias para os meus alunos, pude sorrir, rir, gargalhar com as situações vividas pelas personagens, me sentir um pouco cúmplice do autor, desse momento de humor, de brincadeira, de divertimento. E eles ouvindo também sentiam emoções importantes, como a tristeza, a raiva, a irritação, o bem-estar, o medo, a alegria, o pavor, a insegurança, a tranquilidade e outras mais. Seus olhinhos diziam o que sentiam. Ao ler uma história a criança também desenvolve todo um potencial crítico. A partir daí ela pode pensar, duvidar, se perguntar, questionar... Desde o dia 18 de abril, quando trabalhei com os alunos durante toda semana sobre o livro infantil, Monteiro Lobato, Irmãos Grimm, Andersen, Perrault, houve uma transformação muito grande, eles querem ouvir histórias, ler histórias, contar histórias, desenhar histórias, falam dos autores, dos livros que têm em casa, vão emprestar nas bibliotecas e trazem para ler na sala, estão mais críticos, enfim, fascinados com a leitura. Confesso que me senti realizada, pois nunca tinha conseguido fazer com que tivessem tanto interesse em ler, se o faziam era mais por uma obrigação de uma atividade escolar, do que pelo prazer de ler. Se consegui fazer com que a maioria se apaixonasse pelas histórias infantis, devo a você professora, Danusia. Você que me fez ver com outros olhos a literatura infantil, que deu um novo colorido às minhas aulas, encontrando a participação dos alunos. Mais uma vez obrigada! (Terezinha de Jesus Cavalett, Correia Pinto, 1996). Pode-se observar que as leituras foram diversificadas, obras muito jovens ganharam espaço ao lado das clássicas e posso assegurar que não houve a pergunta: Por que ler os clássicos em tempos de feroz tecnologia, de heróis mecânicos movidos a ship? Mesmo sem questionamentos respaldo-me no que diz Harold Bloom: Por que são obrigatórios em nossa cultura. Para Ítalo Calvino, a escola deve instrumentar o aluno a fim de que 347 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina saiba optar, mas ressalta o equilíbrio, ou seja: nem a sonegação nem a imposição. Nada na vida é estático. As professoras-alunas do Curso Magister mudaram porque como Eva experimentaram o fruto da árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e imediatamente se propuseram a compartilhar o sabor da maçã aos alunos, à escola como um todo e à comunidade. A disciplina de Literatura Infantil ministrada pela professora Danusia, despertou algo que estava inerte dentro de mim. Foi como uma plantinha que estava murcha, quase morta, de repente chegou alguém que com carinho regou e cuidou da plantinha. A plantinha despertou, ficou vigorosa e forte. Agora é crescer, crescer até dar frutos. Hoje olho e penso nos livros como um companheiro, um amigo que nos acompanha passo a passo. Eu nunca me interessava em saber o nome do autor, agora é o que faço primeiro, é saber quem o escreveu. Em minha escola, a semana foi cheia de trabalhos tentando assim, resgatar o prazer pela leitura por pais e alunos. Organizamos uma pequena biblioteca com aproximadamente 120 livros, dos mais diversos escritores, entre eles: Monteiro Lobato, Eva Furnari, Irmãos Grimm, Ana Maria Machado, Viriato Correa, Érico Veríssimo e outros. Fiz uma reunião com os pais, onde coloquei a importância do ato de ler e incentivei-os a lerem histórias para seus filhos. Meus alunos de 2ª série irão escrever sua própria história com ajuda dos pais sob minha coordenação. No segundo semestre, faremos uma festinha para o lançamento dos livrinhos. Convidaremos pessoas ligadas à área da educação, inclusive a senhora que tantas ideias lançou para que nós professoras, possamos trabalhar os livros com mais gosto e de um modo lúdico. Professora Danusia! Sua disciplina foi a melhor de todas as outras já ministradas. A didática e a estratégia foi ótima, sua voz é agradável. Estou feliz por ter encontrado uma pessoa como a senhora e meu projeto de pesquisa para a disciplina de metodologia que seria sobre Avaliação, estou pensando seriamente em mudar para Literatura Infantil. (Sonia de Fátima Arruda, Urupema, 1996). A atitude da professora e diretora Sonia de Fátima Arruda tem sido louvável. Posso assegurar, pois já estive duas vezes em sua Escola, na cidade de Urupema ministrando oficinas de Literatura Infantil. No ano de 2008, a professora Sonia Arruda concluiu seu Mestrado na UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, corroborando seu firme propósito de crescer. 348 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina As aulas de Literatura permitiram às professoras do Curso Magister assumirem o papel de leitor numa concepção socializadora levando em conta a relação que mantêm com o contexto histórico-cultural. Sob a lente do lazer inúmeros são os valores que o ato de ouvir, bem como o de ler assumem. Para Aristóteles, lazer implicava paz, prosperidade e entendimento que continuam conferindo ao homem superioridade de raciocínio, e espírito de indagação. Ao trabalhar com a disciplina Literatura percebi a importância da leitura em nossa vida, não só da professora, mas também de mãe e de mulher. Pois através da leitura descobrimos um mundo fascinante e tiramos muitas lições de vida. No trabalho que realizo em minha escola na sala de apoio pedagógico passei a contar cada dia na chegada uma historinha, combinei com os alunos que a cada dia contaria uma história diferente. Notei que os alunos passaram a não faltar mais nas aulas e se mostram muito mais interessados, houve até comentários das mães: ‘Meu filho não quer faltar na aula, antes da hora já está pronto’. Com a turma de 4ª série fizemos o teatro que nos foi apresentado aqui na Faculdade, apresentamos para outras turmas e foi um sucesso, muitos alunos passaram a ir à secretaria da escola e pedir livros do Sitio do Pica-Pau Amarelo e outros. Aproveitei a reunião pedagógica que tivemos na escola e passei para as professoras todas as informações que recebi sobre a importância de contarmos história aos nossos alunos, lermos muito e transformar os nossos alunos em leitores que realmente gostem da leitura e que ela não seja algo cobrado como matéria, mas um prazer para crianças. Procurei na minha casa vários livros que estavam há muito tempo na estante e levei para a escola, emprestei vários deles para professores e alunos da escola. É muito bom ver a expressão das crianças após ouvirem cada história e pedirem: conta outra vez, professora? Realmente a Literatura Infantil tem que estar presente em cada sala de aula, porque em muitos lares infelizmente ela é esquecida. (Lidia Mara Pereira Furtado, Lages, 1996). A interação literatura, livro e professor estendeu-se, em alguns estabelecimentos, ao corpo docente, pois nenhum lugar é mais apropriado do que a escola para a condução do espírito crítico e a atitude criadora. Embora todos possuam capacidade é preciso acioná-la a bem de mudar de atitudes. Eu fui contemplada em mudar de atitudes em relação às aulas de Literatura Infantil. Percebi que através da leitura desenvolvemos nosso modo de agir, nossos hábitos de leitura, nossa maneira de pensar e de por no papel nosso pensamento. Aumentou o gosto pela leitura e senti349 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina me satisfeita em rever conceitos antigos e conseguir a mudança para hábitos melhores. Valorizei mais ainda a leitura, pois é através dela que surgem os grandes sábios, os grandes escritores. Através da leitura viajamos, conhecemos outros países, voamos a outras galáxias, sem sairmos da nossa poltrona. Deu-se a complementação daquele ato que ainda estava difícil para mim, que era, pegar um livro, sentar e lê-lo do início ao fim. Minhas atividades durante esta semana foram: domingo, dia 28 de abril, li as anotações que fiz durante o curso de Literatura Infantil e planejei as atividades da semana. Segunda-feira conversei com as colegas de escola sobre tudo aquilo que está mudando em mim, da sensação de ler e viver uma história, uma leitura. Terça-feira, fui à biblioteca da outra escola, pedir livros de Literatura e os levei para minha escola a fim de enriquecer a minha leitura e também a leitura dos alunos. Quarta-feira, feriado nas escolas e no trabalho, mas para a leitura não tem dia, não tem hora, sempre é tempo de ler... Quinta-feira, reunião pedagógica, cuja hora mais importante foi quando falamos da importância da leitura. Os professores relataram suas experiências vividas em sala de aula e, mesmo individual. Fizemos grupos para leitura e trocamos muitas ideias. (Maria Helena de Moraes Picinini, Lages, 1996). A reeducação da professora inserida nos meandros da Literatura Infantil cujos efeitos benéficos, segundo Bettelheim, transmitem nuances e atitudes deve ser conhecida e prestigiada. Contudo para se chegar a uma prática docente eficaz é preciso ver como diz a professora Margarida Maria Ferreira: Agora vejo como a Literatura Infantil é importante e indispensável. Foi uma bênção para mim ter uma professora maravilhosa, que abriu o coração, fez enxergar-me e ensinou-me a valorizar em poucos dias a Literatura Infantil. Na verdade nunca tinha trabalhado com as crianças assim, com tanto entusiasmo e que trouxesse frutos ou exemplos a nossa vida. Pude observar e ver como aprendemos coisas, formas erradas sobre Literatura Infantil. Cada aula, foi válido, aprendi muito, pude constatar isso através dos trabalhos feitos com as crianças. Estaremos ricos se soubermos aproveitar, trabalharmos com amor e darmos continuidade a história da Literatura Infantil.[...] (Lages, 1996). Sem desconsiderar os fatores de ordem sócio-econômica responsáveis pela proscrição do livro no cotidiano do aluno, faz-se mister ressaltar a ação do professor, sobretudo dos que se formaram sob o desamparo do hábito e do gosto de ler. O professor é o mediador entre o texto e o seu destinatário e com competência e afeto será capaz de minimizar essa fobia. Santo Agostinho em seu livro Confissões arrola um 350 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina conjunto de Pecados da adolescência entre os quais elenca o furto e confessa que o ato não o aprazia se não fosse praticado com os amigos, se estes não lhe dissessem: ‘Vamos, façamos’. Também o professor conduzirá o aluno à leitura se for em primeiro lugar um leitor e em segundo, um sedutor: Foi nas aulas de Literatura Infantil, com a Professora Danusia, aprendi muito sobre histórias. Aplicando com meus alunos em sala, a gente vê o tanto que temos que aprender. Ao ler ou contar histórias é importante fixar dados sobre o autor e a editora. Explorar junto com a criança, para que desperte a curiosidade, o gosto pela história que vamos ouvir. É importante observar como o autor descreve, apresenta e retrata seus personagens, seus caracteres e seus comportamentos. Como se desencadeiam as ideias e a lógica da mensagem. Tentar também interpretar as ideias que o autor quer transmitir, estabelecendo comparações entre elementos dentro e fora da história. (Albertina Pickler Coelho, Correia Pinto, 1996). Toda a carga da responsabilidade atribuída ao professor, tornar-se-á menos pesada se for assumida por muitos, num trabalho de coesão, de solidariedade, cabendo aqui a máxima desgastada: Uma andorinha só não faz verão. O esforço isolado de alguns professores, indubitavelmente, tem sido mola propulsora, mas o trabalho solidário de muitos produzirá uma sociedade leitora, lúcida e crítica. Os depoimentos das professoras contemplados pelo Programa Magister fortalecem os princípios que o nortearam e impulsionadas pela Literatura Infantil escreveram mais uma página sobre sua vida profissional, reconhecendo sua condição de sujeito inacabado, porém dispostas à ampliação de horizontes de possibilidades. * Os textos em destaque de autoria das Professoras-alunas foram transcritos sem nenhuma alteração. Referências BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1978. CALVINO, Ítalo. Se um viajante numa noite de inverno. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. DEBUS, Eliane. Monteiro Lobato e o leitor, esse conhecido. Florianópolis: UFSC, 2004. 351 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina FOLHA de São Paulo, Caderno Especial, 18.06.2005. GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. In: LARROSA, Jorge. Carta aos leitores que vão nascer. Porto Alegre: L & PM, 1999. PATERSON. Katherine. O mundo é dos que leem. Noticias. Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Vol. 16, n. 1, jan. 1991. RESENDE, Vânia. Literatura infantil e juvenil: vivências de leitura e expressão criadora. São Paulo: Saraiva, s.d. SANTOS, Maria Angélica Amâncio dos; CAMPOS, Marília Vasconcelos de Melo; PEREIRA, Terezinha. Dom Quixote: cavaleiro de 400 anos na escola. Revista Presença Pedagógica. Belo Horizonte, v. 11, n. 65, set./out. 2005. 352 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina MALUCOS POR HISTÓRIAS: UMA PROPOSTA CRIATIVA PARA A FORMAÇÃO DE LEITORES CRÍTICOS Tatiana C. Manica PPGCL/UNISUL; Faculdades SATC [email protected] 1 Introdução O ensino de Literatura Brasileira, História e Artes, na maioria das vezes, obedece a programas e padrões pré-estabelecidos, focando acontecimentos, que em determinados momentos são desinteressantes e não oportuniza tempo para reflexão, análise e debates. Entretanto, constata-se que, além da não diversidade nos recursos de trabalho; no ensino de Literatura Brasileira há uma extrema dificuldade de contextualização e fluxo de leitura e com relação à História e as perspectivas e fundamentos têm apresentação eurocêntrica e elitista, ocultando as faces dominadas, vencidas e excluídas. Percebe-se ainda a falta de abordagem às questões regionais, a importância subjetiva da Literatura com a Arte e a História como parte de explicações humanitárias no desenvolvimento das disciplinas. 2 Objetivos Objetivo Geral Enfatizar a crítica literária e histórica dentro dos padrões culturais atuais e de época. Incentivar à leitura e as demais interpretações artísticas enriquecendo as contextualizações que são expostas para o grupo de pessoas interessadas em adquirir mais conhecimento e cultura. Objetivos Específicos a) Estabelecer relações entre Literatura, História e Artes; b) Perceber a importância da junção disciplinar como parte social e não apenas curricular; 353 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina c) Refletir acerca da importância de ser um sujeito crítico e conhecedor de sua própria história. 3 Metodologia Este artigo é entendido como uma forma de relato que contempla uma forma dinâmica e criativa de unir componentes curriculares em favor do crescimento pessoal e crítico do leitor. O Projeto Malucos por Histórias, fora criado no primeiro semestre de 2008, na Escola Técnica SATC de Criciúma – SC. Os encontros foram mensais, com temas abrangentes e relevantes para o período, dentre alguns trabalhados: Inconfidência Mineira – literatura árcade e fatos históricos; Incidente em Antares – personagens de Érico Veríssimo e contexto político-econômico bras ileiro; 1808, A vinda da Família Real – publicações jornalísticas, obras teatrais de Martins Pena e Gonçalves de Magalhães. A promoção dos encontros e, consequentemente, o desenvolvimento do projeto, evidenciou a carência e a relevância da contextualização e do comprometimento de componentes curriculares envolvidos. Constatou-se que, mesmo ocorrendo em rápida junção, os resultados, embora ainda em experimentação, foram surpreendentes em relação à formação de conhecimentos e envolvimento cultural dos participantes. 4 Fundamentação teórica A literatura é um assunto sério para um país, pois é afinal de contas o seu rosto. Louis Aragon Por muito tempo o desenvolvimento da escrita da história teve como elemento característico do seu fazer a estética da escrita literária. A influência das artes também nunca passou despercebida retomando assim uma espécie de dejà vu. A composição de um quadro histórico retratando a época em que o autor vivera, escrevera sua obra, as situações sociais e econômicas há muitos anos é realizada pela sociologia da literatura. A história, por sua vez, tem em seu campo uma dimensão cultural enriquecida pela literatura, retratando os momentos históricos, ás vezes com certo 354 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina lirismo, outras vezes com impessoalidade, mas sempre carimbando com palavras épicas e de acordo com a sensibilidade humana e por vezes irracional. As artes permeiam de forma única a literatura e a história. Suas marcas vão além das palavras, sintetizando a composição literária e a dimensão cultural descrita por ambas as ciências. A colaboração de uma pintura, escultura, ou outra forma de expressão artística sempre ilustraram e esclareceram simbolicamente os momentos transitórios ou decisivos de uma época. Afirma Nunes 121 que A Arte excede, de muito, os limites das avaliações estéticas. Modo de ação produtiva do homem, ela é fenômeno social e parte da cultura. Está relacionada com a totalidade da existência humana, mantém íntimas conexões com o processo histórico e possui a sua própria história, dirigida que é por tendências que nascem, desenvolvem-se e morrem, e às quais correspondem estilos e formas definidos. O século XIX, sobre o espectro do Iluminismo, a sociedade contemporânea passava a ser conhecida pela multiplicação de códigos que se estruturou em novas linguagens, o século seguinte seria conhecido como o das imagens, sendo representado através do cinema, cartaz, fotografia, televisão, propaganda etc. Nesta perspectiva a arte passou a não ser mais estruturada na busca do belo, sua dimensão abrangeu a práticas culturais da humanidade. Assim sendo a: ... arte hora é reflexo social e o estilo é um sistema de representação... ora é expressão da personalidade do artista... ora é a expressão do temperamento nacional, individual ou de uma época, mas também pode ser uma unidade e regularidade. Ou ainda como expressão coletiva, o que torna possível caracterizá-la como uma lei ou uma regra geral... falar em arte e/ou estilo implica sempre falar em algo ligado à unidade e, tanto faz que seja um particular universalizado pela coisa típica. 122 Na perspectiva das práticas culturais arte e literatura estilizam os seus fazeres buscando elementos socioculturais que simultaneamente num movimento dialético transcorrem sem ordem cronológica entre o passado e o presente que se caracterizam simbolicamente numa estruturação do tempo, a história, e também existem casos de haver uma representação de 121 122 NUNES, Benedito. Introdução à Filosofia da Arte. São Paulo: Ática, 1989. CARAMELLA, Elaine. História da Arte. BAUPU: EDUSC, 1998. 355 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina probabilidades de acontecimentos futurísticos nas obras dos artistas, autores e historiadores. Estas práticas acabam sendo sistematizadas racionalmente numa estética paradoxal que se fragmenta nos “agoras”. A estética paradoxal da imagem e da escrita são dicotomizadas em pequenas percepções de imagem e movimento, imagem e tempo, e a escrita por sua vez se transforma em palavras construindo um mundo de “coisas”. Existencialmente esta estética paradoxal se constitui num “universo de coisas”, o ser e o tempo, são compostos em verdades que se desdobram numa mentira de sentido extramoral. Neste “universo de coisas” subjetividade e verdade emanam na vontade de saber que se desloca ativamente no uso dos prazeres dos seres humanos. Neste sentido, tal prazer se reflete na imaginação subjetiva concretizada no imaginário social tendo como reflexo destes uma reação existencialista constituída entre o ser e o nada, é o que se pode chamar de crise de consciência civilizatória. No decorrer dos tempos a história foi sujeitada a inúmeros discursos, criando a cada época um sentido histórico, apesar de seus diferenciados sentidos as suas experiências neste longo tempo devem ser compreendidas, diferentemente do que tem acontecido. Os seus variados sentidos históricos no passado nunca mudaram, mas os historiadores de ofício do tempo presente devem estar compromissados com um fazer histórico transparente, diferente daqueles que buscam afirmar certezas sobre verdades. Historicamente, temos assistido a partir da transformação das relações materiais dos indivíduos nos diferentes ambientes da sociedade a constituição dos escombros do passado que remanescem no presente sobre as lembranças, a memória, os documentos, toda e qualquer manifestação cultural. Nada está definitivamente acabado, a história segue em constante transformação, os “fenômenos sociais” pouco a pouco constituem um grande complexo de acontecimentos e cada um tem a sua particularidade. Para adentrar nestes variados ambientes não podemos compreender segundo a sociologia, a economia, a psicologia, antropologia, é preciso cada vez mais uma interação. Um outro exemplo ocorreu por volta de 1880 na França: à institucionalização e profissionalização da história, um momento de anunciação do rompimento radical com a literatura, criando assim, um 356 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina estilo próprio de escrita, que segundo François Dosse “apaga os traços da estética literária”. 123 Mas é de fato o uso de literatura para contar fatos históricos uma espécie de “sedução” para conquistar o leitor leigo ou até mesmo aquele que busca novidades em suas leitura. Sabe-se que atualmente escritores estão buscando na linguagem literária formas de expressão para descrever fatos históricos e relatos verídicos. É impossível, portanto, uma ruptura da literatura com a história, até porque se perde muita riqueza cultural nessa desunião. Segundo Lajolo 124 [...] questionamento de conceitos substancialistas de literatura e história, um reduzindo literatura a obras literárias e suas supostas marcas de literariedade e essencialidade, o outro compreendendo a história como repositório de fatos e eventos ocorridos no passado. Não há tais coisas como os significados, as obras de arte, a história, a realidade, mas em vez disso, significados, obras de arte, histórias e realidades. Sabemos que, atualmente, algumas posturas foram ultrapassadas, não porque perderam seu valor histórico ou literário, mas pela exigência intelectual de um novo século e milênio. A contextualização exige que se inclua novos paradigmas nesta tríade e que se questione os antigos modelos de ensino. O enfoque da globalização, dotado hoje de forte apelo, nos faz estilhaçar a realidade de tamanha intensidade que nos obriga a encontrar novas formas de compreender o mundo em que vivemos e conceituá-lo de forma mais abrangente e completa. O interessante é discutir o diálogo da história com a literatura, é permitir que toda expressão artística envolva acontecimentos que marcaram épocas e realmente deixe claro sua participação real em um mundo que para muitos é só lembrança ficcional. A história tem o real como referente, a literatura nem sempre. Para confirmar ou negar, construir uma teoria sobre algum fato que procede ou não, exige além de pesquisa, sensibilidade e percepção aguçada. Muitos afirmam que a literatura é igual à história. A literatura é, no caso, um discurso privilegiado de diferentes épocas. No enunciado célebre de 123 DOSSE, François. A história; tradução Maria Elena Ortiz Assumpção. Bauru, SP: EDUSC, 2003. p. 326. 124 LAJOLO, Marisa. Regionalismo e história da literatura: quem é o vilão da história?apud Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: USF/Editora Contexto. Pgs. 297- 328 1998 (2a. ed. 1998). 357 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Aristóteles, em sua “Poética”, ela é o discurso sobre o que poderia ter acontecido ficando a história como a narrativa dos fatos verídicos. Mas será que só interessa o verídico? E o que acarretou ao fato para ele se tornar real? A literatura mostra a outra face da história. Um lado humano e por diversas vezes escondido ou até “queimado” dos relatos que nos contam. Registros escondidos até mesmo pelos seus próprios autores, que pressionados pela conjectura da época camuflaram registros preciosos para estudos posteriores. Pesquisadores descobrem e mediatizam os dois mundos, trazendo muitas narrativas perdidas conectando história, arte e literatura. A literatura sempre encontrou uma forma de ser representada, obras relativas ao cotidiano, a busca da sensibilização por meio de poesia, sempre inovou a linguagem histórica. A sociedade em sua evolução permitiu-se participar do grande contexto histórico e reafirmando que “não existia uma história econômica e social. Só existe a história na sua unicidade”. 125 Então não há como negar que história e literatura não podem se desvincular e que a participação artística engrandece e contempla com um olhar subjetivo as narrativas humanas. 5 Considerações finais O critério de escolha para novos métodos de ensino-aprendizagem é essencial para que se obtenha sucesso de um desenvolvimento intelectual e heterogêneo. É por meio de técnicas diferentes e desenvolvendo metodologias eficazes que a consolidação literária e histórica deve encontrar rumos diversos de singulares personificações e de forma linear e espiral de envolver autor e leitor. Portanto, as adaptações são necessárias ao passo que as exigências surgem. Não é possível parar no tempo e esperar que se tome consciência do potencial intelectual que se está perdendo, é preciso sim utilizar-se desta constante mudança para enriquecer e aprimorar o que de pronto já está criado e que não precisa ser reinventado, apenas visto com outros olhos. A arte, a literatura e a história, enfim o conhecimento que é o patrimônio hisórico da humanidade “é totalmente relativa à estrutura da 125 FEBVRE, apud REVEL, Jacques. A invenção da Sociedade; tradução Vanda Anastácio. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A, 1989. p. 23. 358 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina sociedade” 126ou como se referiu Peter Burke, “uma combinação única de elementos, que individualmente têm paralelos em outros lugares”. 127 Referências NUNES, Benedito. Introdução à Filosofia da Arte. São Paulo: Ática, 1989. DOSSE, François. A história; tradução Maria Elena Ortiz Assumpção. Bauru, SP: EDUSC, 2003. LAJOLO, Marisa. Regionalismo e história da literatura: quem é o vilão da história? apud Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: USF/Editora Contexto. 1998 CARAMELLA, Elaine. História da Arte. BAUPU: EDUSC, 1998. FEBVRE, apud REVEL, Jacques. A invenção da Sociedade; tradução Vanda Anastácio. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A, 1989. CERTEAU, apud DOSSE, François. A história em migalhas: dos annales à nova história. 3ª ed. São Paulo: Ensaio, 1994. BURKE, Peter. História e teoria social; tradução Klauss Brandini Gerhardt, Roneide Venâncio Majer. – São Paulo: UNESP, 2002. 126 CERTEAU, apud DOSSE, François. A história em migalhas: dos annales à nova história. 3ª ed. São Paulo: Ensaio, 1994. p. 16. 127 BURKE, Peter. História e teoria social; tradução Klauss Brandini Gerhardt, Roneide Venâncio Majer. – São Paulo: UNESP, 2002. p. 13 359 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 360 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O PAPEL DO NEGRO NA LITERATURA INFANTIL HOJE: UM ASSUNTO QUE NÃO PODE PASSAR EM BRANCO Cláudia Regina Silveira UFSC – Doutorado [email protected] 1. Introdução O papel do negro como personagem de histórias literárias não tem sido o de privilégio. Pelo contrário, o que percebemos é que em um país cuja maioria da população é negra (segundo o Censo atual), o(a) negro(a) aparece quase sempre estereotipado como sendo feio, malandro, marginal, pobre e sem moral. Nas histórias infantis, até a década passada, quando aparecia um personagem negro, e isso era bem raro, o papel atribuído a ele era o de empregada doméstica (como a Tia Nastácia, de Monteiro Lobato) ou de escravo. Ou seja, o papel dado aos personagens negros era sempre o de inferior ao branco. Era esse o tipo de literatura que se produzia até então para as crianças e que, certamente, elas levavam para toda a sua formação. O resultado desse tipo de educação não poderia ser outro senão o de uma cultura que reproduzia a ideologia do dominador; assim, o modelo branco europeu passou a ser ditado como o único padrão de beleza aceito e, junto com ele, a sua imagem de pureza, inteligência e bondade. A inculcação do estereótipo inferiorizante visa a produzir a rejeição a si próprio, ao seu padrão estético, bem como aos seus assemelhados. Por sua vez, a cultura e seus valores, uma vez inferiorizados, tendem a ser rejeitados, porque passam a ser vistos pela ótica imposta do dominador como primitivos, inferiores ou ‘folclóricos’. (LIMA; ROMÃO, 2002, p. 17) O fato de aparecer sempre desempenhando papéis subalternos e, ainda, de sua própria invisibilidade nas histórias, pode contribuir para que a criança que pertença a este grupo étnico estigmatizado e invisibilizado desenvolva um processo de auto-rejeição e de rejeição ao seu grupo étnico/racial. Isso acontece não só pelo texto escrito, mas também pela imagem ilustrada nos livros, e essas imagens revelam expressões culturais de uma sociedade. Assim, a criança negra poderá ver aquilo como um 361 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina espelho de sua imagem e aí começam os problemas. Tentar puxar essa provocação e mostrar que aos poucos, porém felizmente, essa realidade está mudando é o que se pretende no presente artigo; analisar algumas das tipologias negras encontradas na literatura infanto-juvenil, através de duas obras: “Cabelo ruim? a história de três meninas aprendendo a se aceitar, de Neusa B. Pinto, e “O menino marrom”, de Ziraldo, bem como situar reflexões acerca dos aspectos das relações étnico/raciais no mundo dos livros e de nossa cultura popular constituem o nosso objetivo. 2. O cabelo como símbolo de uma identidade O cabelo tem sido um elemento bastante representativo da identidade racial. Ella Shohat, em seu estudo denominado “A vinda para a América” (2002), mostra a imagem de um feixe de cabelos longos e lisos sendo moído por uma espécie de moedor de carnes, através da obra de arte Wrung, de Lynne Yamamoto; nessa imagem, “a dor e a crueza da servidão lembram a morte lenta da empregada doméstica” (SHOHAT, 2002, p. 113). Nesse caso, a representação do cabelo “longo, negro e sedoso” de mulheres asiáticas que sempre aparece como metáfora da frágil e dócil ‘Oriente’, causa uma espécie de choque; ou, como a própria Shohat designou, é uma “beleza aterradora”, uma vez que nos passa a impressão de que o corpo e o rosto já foram torcidos pela máquina. Entretanto, se o cabelo longo, negro e sedoso representa a identidade de mulheres orientais em sua beleza e sensualidade, o cabelo duro, feio, pixaim, crespo e ruim tem sido o tipo denominado aos “pretos”. Esse tipo de violência está diretamente relacionado à triste história da escravidão a que os negros foram submetidos. No entanto, de acordo com Telles (2003, p. 306), as desigualdades raciais no Brasil não são “meramente o resultado da escravidão ou de grandes desigualdades de classe, mas de uma contínua prática social preconceituosa, de cunho racial.” O autor acrescenta, ainda, que “a noção popular de raça é transmitida através de estereótipos, da mídia, de piadas, das redes sociais, do sistema educacional, das práticas de consumo, dos negócios e pelas políticas do Estado. Logo, a raça tem grandes implicações materiais para os brasileiros.” Falando nisso, é sempre bom esclarecer o conceito de raça: Raça é uma categoria discursiva, e não biológica. Ou seja, é a categoria organizadora destas maneiras de falar, dos sistemas de representação, e das práticas sociais (discursos) que utilizam um conjunto frouxo, 362 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina frequentemente não específico de diferenças de traços físicos – cor da pele, textura do cabelo, características físicas e corporais, etc. – como marcadores simbólicos para diferenciar socialmente um grupo de outro. (HALL, 1996, p. 49) Em nosso país, o racismo e a discriminação racial são armas potentes que enquadram as pessoas dentro de um sistema de classes desigual cuja superioridade do branco é sempre evidente. Guimarães (2004) chama a atenção para o fato de se precisar melhor a linguagem sociológica diferenciando termos como preconceito racial, discriminação racial e racismo. Segundo esse autor, o preconceito racial seria aquele que é expresso verbalmente “através de ofensas pessoais”; já a discriminação racial “consiste no tratamento diferencial de pessoas baseado na ideia de raça, podendo tal comportamento gerar segregação e desigualdades raciais” (ibidem, p. 18, grifos do autor) e, finalmente, o racismo, que é “o sistema de desigualdades de oportunidades, inscritas na estrutura de uma sociedade, que podem ser verificadas apenas estatisticamente através da estrutura de desigualdades raciais” (ibidem, p. 18), isto é, a incitação pública do preconceito. Esse preconceito fica maior ainda à medida que as “diferenças” se evidenciam. A interiorização de que o branco e o cabelo liso são os padrões ideais de beleza pode levar o sujeito negro à alienação e à negação da própria identidade, fazendo com que ele busque a “salvação” no embranquecimento físico e/ou cultural. Como já citado anteriormente, essa visão de “beleza” teve origem na escravidão e nas relações de poder que se formaram a partir daí. Por isso, o cabelo ruim, duro, pixaim é a expressão do racismo e da desigualdade racial que recai sobre o indivíduo. Buscando o embranquecimento, ele nega a sua cor, e ao negar a cor, ele repudia o corpo, querendo tornar invisíveis características como nariz chato e grosso, bunda grande, beiço grande e cabelo ruim. Essa relação que o sujeito cria com o seu corpo constitui a sua identidade. Nesse sentido, dizemos que o cabelo crespo pode ser considerado uma expressão simbólica da identidade negra no Brasil. E como, segundo Hall (2000, p. 109-110), as identidades são construídas por meio da diferença, “elas emergem no interior do jogo de poder e são, assim, mais o produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo de uma unidade idêntica, naturalmente construída, de uma ‘identidade’ em seu significado tradicional.” Assim, sobre os negros, e principalmente sobre a mulher negra, recaem o patrulhamento da questão estética sobre o cabelo, pois o padrão de beleza é o liso, com madeixas compridas e sedosos; esse é 363 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina o “ideal”, o “cabelo bom”. Em contrapartida, o que vemos nas mulheres negras, mulatas e “pardas” é o estereótipo do “cabelo ruim”, “pixaim”, “Bombril”, isso quando não associado a animais como o macaco e a outras piadinhas de mau gosto. A violência racial entra também na questão de gênero no que se refere à violência contra a mulher, no seu sentido psicológico que ocasiona problemas com a auto-estima em razão da imagem desvalorizada que vê na sociedade. Na literatura nacional, e aqui não falo somente da literatura infantil, negritude e escravidão são temas frequentes; porém, normalmente os personagens aparecem estereotipados: “o escravo melancólico e saudoso de sua terra; o negro sofredor, que se revolta com a condição de escravo; o escravo fiel, espécie de anjo da guarda do senhor e de sua família; a mãe negra, dilacerada entre a felicidade da maternidade e a tragédia do cativeiro; e sobretudo, a bela mulata.” (FRANÇA, 1996, p. 99 apud CARNEIRO, 2002) O papel da mulata também requer uma atenção especial neste nosso trabalho. É válido lembrar que ela ocupa um lugar “privilegiado” em relação à negra, em nossa sociedade, estendendo-se até a literatura e à música. À mulata cabe a denominação de “mulher quente”; seu papel está sempre associado à sensualidade e erotização – lembremos aqui um ditado popular que diz: “Preta pra trabalhar, branca pra casar e mulata pra fornicar”. Essa é a definição de gênero/raça da mulher brasileira em nossa sociedade patriarcal e colonial e que perdura até os dias atuais. Sobre a invenção da mulata, Azeredo (2005) cita Mariza Correa que trabalha a ideia de que o termo mulata pressupõe a desigualdade social entre brancos e não brancos; o mulato parece um “terceiro” e cômodo termo criado entre os polares termos Branco e Negro. E a própria mulata, ao interiorizar a preferência do homem branco por sua pessoa, acaba rejeitando a condição da negra preta. E ela é responsável por atrair, envenenar o homem branco que, indefeso mediante tanto poder de sedução, acaba traindo a senhora branca. Graças a seus encantos físicos, foi a mulata avaliada através de critérios opostos de apreciação. Por reunir peculiaridades físicas da branca e da negra, constituiu-se ela num tipo de beleza sui generis: a ‘de mulher branca, com o acréscimo dessa pontinha de fogo, dessa lascívia atraente que lhe dá o sangue negro, segundo consta’. (ROGER; FLORESTAN, apud QUEIROZ JÚNIOR, 1975, p. 29) 364 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Assim, não nos fica difícil pensar que entre a pressão do cativeiro e a cobiça do seu senhor, a mulata acabasse explorando seus dotes físicos até mesmo como uma forma de libertação. Desde então, ela passa a ser vista na literatura (e mais recentemente na música) como o tipo já aqui descrito por nós. 3. “Cabelo ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar” O primeiro livro estudado foi “Cabelo ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar.” (2007), da jornalista Neusa Baptista Pinto, editado pela Editora Tantatinta, do Mato Grosso do Sul. O livro faz parte do projeto da autora, intitulado “Pixaim: nem bom, nem ruim – apenas diferente”, cujo objetivo é o de estimular e valorizar o uso do cabelo crespo. Inicialmente, a autora, que também é negra e que, portanto, sofreu (e sofre!) esse tipo de discriminação por causa do cabelo, faz uma apresentação das meninas: Bia tem a pele cor de canela; Tatá possui a pele escura; e Ritinha, uma cor indefinida, nem branca, nem preta, na verdade, mulata. Intencionalmente, a autora as apresenta carecas; elas são ilustradas desprovidas de cabelos inicialmente. Após a apresentação, o destaque ao cabelo é dado. Agora, sim, aparece a ilustração das três: Bia tem cabelo “meio avermelhado cor de fogo”, comprido, porém anda “sempre amarrado bem presinho prá trás”. Essa menina, “na hora do recreio, em vez de brincar, vai pro banheiro, molhar o cabelo e botar creminho. Diz que é prá hidratar...” A outra menina, Tatá, tem o cabelo “pretinho” e curto (curto para não dar trabalho), e anda sempre com uma tiara para que ele não arme. Já Ritinha possui o cabelo mais claro, castanho, e sempre usa trancinhas com bolinhas ou fitinhas coloridas nas pontas. O que se percebe aqui é que as meninas, mesmo inconscientemente (e orientadas pelas mães) não possuem a cultura de deixar os cabelos soltos. Eles aparecem sempre presos e com gel, ou seja, sempre escondidos pela vergonha de suas donas. Os cabelos crespos das crianças afro-descendentes são identificados como cabelo “ruim”, primeiro pelas mães, que internalizaram o estereótipo; e, na escola, pelos coleguinhas, que põem os mais variados apelidos nas trancinhas e nos cabelos crespos ao natural. (SILVA, 2005, p. 28) 365 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O relacionamento dentro de sala de aula, e a exposição ao preconceito ainda na infância, também são temas dessa obra literária. No primeiro dia de aula, ao ver a nova amiga negra, alguém grita: “Mais um cabelo ruim na nossa classe!” É o retrato da cultura europeizada: desde pequeno, o dominador já impõe seus padrões de beleza, e o que é diferente passa a ser ridicularizado, motivo de piada, de escárnio. Nesse sentido, completa Silva (2005): Os estereótipos, a representação parcial e minimizada da realidade, conduzem o estereotipado e representado, em grande parte, à autorejeição, à construção de uma baixa auto-estima, à rejeição ao seu assemelhado, conduzindo-o à procura dos valores apresentados como universais, na ilusão de tornar-se aquele outro e libertar-se da dominação e inferiorização. (SILVA, 2005, p. 30) Outra situação também explorada pela autora é o despreparo de nossos professores (ou de nós, professores) em lidar(mos) com situações como essas em sala de aula. A professora tenta saber quem disse aquilo, mas, como ninguém se apresenta, a situação se encerra por ali. O que faltou? Diríamos que faltou identificar e corrigir a ideologia; faltou aproveitar a oportunidade e trabalhar o preconceito em sala de aula; faltou ensinar aos alunos que a diferença pode ser muito bonita; que nosso povo é lindo e, por isso, miscigenado; que a diversidade é um fator positivo; isso poderia contribuir para a auto-estima, para o acolhimento de outros valores das diversas culturas presentes na sociedade. A reação da menina, porém, mediante a abstenção da professora, foi de vergonha de sua cor e de seu cabelo e, claro, a tristeza e o inevitável choro. Quem a ajuda são as duas outras meninas negras da sala. E por quê? Porque elas se identificam com o problema; elas sentem na pele a dor do preconceito, sabem o quanto dói serem apontadas como as diferentes, as meninas do cabelo ruim, pixaim, Bombril ou, ainda, serem chamadas de “pretinha fedida”. Conversando e expondo o problema, Bia e Ritinha começam a tomar consciência da discriminação racial que sofriam: “Olha só gente, ela [Bia] não sabia que ‘cabelo ruim’ era xingamento! É que sua mãe sempre falava quando ia pentear seu cabelo: ‘Eta cabelo ruim, hein?’ Falava rindo, falava brincando.” (p.15) Reparemos que a discriminação já está tão incutida, tão arraizada que o próprio discriminado compactua com isso inconscientemente, sem se dar conta. O sonho de Bia, quando crescesse, era 366 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina alisar o cabelo, para acabar com aquele martírio de todos os dias, quando a mãe desembaraçava-lhe os cabelos. Já Ritinha achava que tudo podia ser resolvido com um soco; o problema é que a chateação era tão grande que, às vezes, ela nem se animava a bater nos outros. A conversa entre as meninas continuou, e foi Tatá quem despertou a consciência da própria recriminação nas outras meninas: “As pessoas acham nosso cabelo feio, esquisito, diferente e pronto. A gente mesma também acha. É ou não é?” (p.21) As meninas nunca haviam tido consciência disso, pois o que faziam era algo tão normal, tão natural, e acreditavam que o alisamento servia somente para que o cabelo ficasse “ajeitado”. Ritinha também pensava que só prendia o cabelo para que ele não virasse “uma arapuca”. Tatá provoca ainda mais: “Vocês acham normal ter vergonha do cabelo? Vocês acham normal não poder ficar com ele como ele é, ter que ficar fazendo alguma coisa com ele: alisar, esticar, prender...?” (p.23) À medida que iam conversando, as meninas percebiam que tinham, sim, vergonha dos próprios cabelos, mas que nunca haviam se dado conta; no fundo, as fitinhas, o gel, a tiara, os alisantes serviam para esconder os cabelos ruins. E começaram a analisar o mundo que as rodeava: por que nenhuma de suas bonecas possuía “cabelo ruim”? Por que nenhuma delas tinha a pele escura? Por que as moças e moços da TV tinham sempre cabelos lisos, loiros ou negros, mas sempre lisos e que balançavam com o vento? Por que na TV não havia ninguém com cabelo ruim? “Por que na novela, no comercial, na revista de moda não tem muitas menininhas pretinhas assim igual eu?” (p.27) Cabe aqui lembrar que o fato de não estar visível em atividades tão comuns pode levar a criança que pertence ao grupo étnico/racial invisibilizado e estigmatizado desenvolver um processo de auto-rejeição. Não foi o caso da personagem, mas pode ser o caso na vida real, com nossos alunos. Um dia, Tatá descobriu um novo nome para seu cabelo: CRESPO. As meninas gostaram do nome e agora só os chamavam assim. Das reflexões, passaram às brincadeiras de cabeleireiras e, juntas, desmistificaram seus próprios medos e segredos: todas soltaram os cabelos e aprenderam a gostar deles assim como eram, natural. A primeira a ousar sair para a rua assim foi Bia (ela saiu de casa escondida, pois se a mãe a visse assim brigaria com ela). Na rua, ninguém notou, porém na escola os cochichos e risadinhas aconteceram, mas Bia sentiu-se forte, dona de si e disse: “Meu cabelo não é ruim, nem bom. Só é diferente...” (p.34) Notemos 367 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina que aqui a personagem parece ter conseguido desconstruir a ideologia que desqualifica, e construir o processo da identidade étnico/racial e autoestima. Essa resposta fez a turma tomar consciência da existência do preconceito; e as três meninas pensaram que a partir daquele momento as coisas iriam mudar. Mudaram? Nem tanto! Em casa, as mães começaram a aceitar os cabelos das meninas, elas fizeram diversos penteados... mas os colegas de sala, ah! esses não mudaram. “Muita gente ainda ri dos cabelos delas na escola, no shopping, na rua de casa.” (p.37) Outra coisa que também não mudou foi o cabelo, “tem dia que dói prá caramba na hora de pentear. Tem dia que tá armado prá burro.” (p.27) Mas a vida e a própria aceitação das meninas mudou, e elas passaram a perceber que seus cabelos eram apenas “diferentes”, assim conseguiam levar a vida e suportar o preconceito. 4. O menino marrom Um outro livro que aborda a temática do negro de uma forma bem diferente do que se tem visto até então é “O menino marrom”, livro de Ziraldo, publicado pela Melhoramentos, em 2005. A obra se mostra muito interessante porque conta a história, na verdade, de dois meninos: um marrom e outro cor-de-rosa. O autor trabalha questões como descrição física e psicológica dos personagens e objetiva mostrar que ninguém é preto ou branco, todos somos uma mistura de cores. Outra coisa que chama a atenção são as ilustrações: os meninos são desenhados da mesma maneira, porém com cores diferentes, e aparece também uma coisa rara de se ver em livros: a figura da família: um pai e um filho, ambos negros, de mãos dadas, sorrindo – uma atitude normal entre pai e filho, porém nem tão normal assim nos livros, em se tratando de gente negra. No início da história, Ziraldo trabalha com a descrição física do menino marrom. Intencionalmente, o autor quer retratar a beleza negra do garoto: “Ele era um menino muito bonito. Caprichei no desenho do menino, mas acho que ele era muito mais bonito pessoalmente.” (p.3) E continua, descrevendo a cor da pele (“cor de chocolate” – “Chocolate puro, não aqueles misturados com leite (não gosto de chocolate com leite, daí achar a cor do chocolate puro mais bonita.”) (p.3); os olhos também são descritos, associados a outra coisa gostosa: a jabuticaba. De repente, o autor puxa a palavra “preto” – os olhos eram pretos como jabuticabas – e começa, então, a brincar com o termo, afirmando que na natureza é difícil 368 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina algo ser realmente preto. Inclusive, ele cita que especialistas e estudiosos dizem não existir cabelo humano absolutamente preto. A quebra da questão do preto se dá quando o narrador diz: “E vamos deixar de ficar falando neste negócio de preto, pois a nossa história é do menino marrom.” (p.3) Ou seja, o narrador tenta mostrar ao leitor que não é correto (cientificamente falando) chamar as pessoas negras de pretas e que isso é uma atitude racista, preconceituosa. Os dentes – outra parte do corpo estereotipada nos negros, indicando que eles possuem os dentes muito brancos – também são descritos, mas não como “brancos”, e sim como “clarinhos”, pois, senão, “Se você ficasse com a boca cheia de dentes brancos como a neve,você iria ficar ridículo, parecendo um vampiro sem presas.” (p.4) Quanto aos cabelos do menino marrom, eles aparecem como “enroladinhos e fofos”. São comparados a uma esponja. “Logo depois do banho, quando seus cabelos secavam, era um prazer ficar fazendo assim, com os dedos em gancho, fofando a cabecinha do menino marrom. Sempre achei que seus cabelos eram pretíssimos. Mas, um dia, um amigo, especialista em identificação do Instituto Félix Pacheco, me disse: ‘Não existem cabelos humanos absolutamente pretos, você sabia?’” (p.4) Aqui o autor parece querer reforçar a ideia do cabelo preto (ou da ausência do cabelo preto), uma vez que essa mesma frase já havia sido citada na página anterior. Diferentemente do que se ouve no dia a dia, o cabelo do negro não aparece aqui como ruim, pixaim ou Bombril, pelo contrário, o autor o compara a coisas boas e enaltece sua beleza. Outra característica bastante reforçada pelo autor é o nariz do menino marrom. Sabemos que este órgão é bem visado em termos de preconceito racial e que muitas crianças (e adultos!) envergonham-se de ter um nariz “achatado”. Ziraldo descreve com muita doçura o nariz do garoto: “Nariz de menino marrom nunca é pontudinho. Ele cresce mais para os lados do que para a frente. O do menino marrom era feito de três bolinhas. Uma bolinha maiorzinha no meio e duas menorzinhas, uma de cada lado, em volta das narinas.” (p.4) E reforça a ideia de beleza, afirmando: “Um desenho perfeito.” (p.4) Ziraldo cria um segundo personagem para sua história, um menino branco, que será amigo do menino marrom, ou melhor, branco, não, ele era “cor-de-rosa”; o autor começa a brincar com as cores da pele e mostra-se confuso: cor-de-rosa, branco, cor-de-pele branca, cor-de-pele marrom, enfim, ele mostra que há uma variedade muito grande de tonalidade de peles e que nem por isso as pessoas deixam de ser mais valiosas. Ele 369 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina mostra que, apesar de serem de cores diferentes, os garotos eram muito amigos e ambos possuíam valiosas qualidades. A questão da cor chega até a sala de aula, quando a professora trabalha o disco de Newton, e os garotos percebem que da mistura de todas as cores em movimento surge o branco. Como em casa, os meninos haviam misturado várias cores na aquarela e a tinta ficara marrom, a confusão na cabeça dos dois generalizou: “Quer dizer que eu sou todas as cores paradas e você é todas as cores em movimento?” (p.18) – perguntou o menino marrom. O outro menino responde: “Só tem um detalhe: eu não sou branco!” Novamente a questão do que é verdadeiramente branco na natureza é lançada, e eles chegam à conclusão de que “o mundo não é dividido entre pessoas brancas e pretas. O que existe é gente marrom, marrom-escuro, marrom-claro, avermelhada, cor-de-cobre, cor-de-mel, charuto, parda, castanha, bege, flicts, esverdeada, creme, marfim, amarelada, ocre, café-com-leite, bronze, rosada, cor-de-rosa e muitas outras variações.” (p.18) A ilustração da página seguinte é bem grande e mostra várias crianças sorridentes e bem diferentes umas das outras; todas possuem um cabelo diferente: liso, crespo, espetado, curto, comprido, mediano, amarrado, solto, com tranças, pretos, amarelos, verdes, marrons, repartidos, inteiros; também as cores das crianças são todas diferentes umas das outras, os olhos, os narizes, a raça, com negros, orientais, indígenas, enfim, o autor consegue, a partir desse desenho, mostrar a verdadeira mestiçagem de que é composta nosso país. E o melhor é que todos eles aparecem em um mesmo plano, sem se dar destaque a um ou outro elemento. Sobre a mestiçagem, Tadei (2002, p. 3, apud Azeredo, 2005) vê a questão como um “dispositivo do poder”, ou seja, a mestiçagem é “um conjunto de saberes e de estratégias de poder que atua sobre a nossa identidade nacional, tendo por objetivo integrar e tornar dóceis as etnias que estão na raiz de nossa nacionalidade (no caso os indígenas do continente e os negros africanos).” O mesmo autor lembra que durante a colonização o objetivo era disseminar o sangue europeu para criar aqui no Brasil um povo mais branco; assim, as pessoas que nasceram por essa época ficaram em um estágio intermediário entre “o bom (europeu) e o mau (negros e indígenas)”. Por isso, pode-se dizer que com a ilustração criada por Ziraldo, não dá para negar a diversidade e as identidades múltiplas as quais compõem o mosaico cultural brasileiro. A normatização dos estereótipos também é lembrada pelo narrador da história quando este comenta que “mesmo marrom, o menino marrom achava normal ser chamado de preto. Mesmo cor-de-rosa, o menino cor-de370 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina rosa achava normal ser chamado de branco.” (p.21) E o questionamento dos garotos se o fato de terem cores diferentes os fazia diferentes. Para eles tudo era igual. Ziraldo brinca com o “jogo dos contrários”, a fim de que a criança entenda que branco não é o contrário de preto, pois contrário é só quando “uma coisa toma o lugar da outra”, e o branco não pode tomar o lugar do preto ou vice-versa. Ziraldo também relata o preconceito em sua obra. Certo dia, o menino marrom vai ajudar uma velhinha a atravessar a rua, e ela fica apavorada, julgando-o um trombadinha. Decepcionado, ele torce para que um carro a atropele. O autor mostra novamente o preconceito na obra e, é válido afirmar, segundo Silva (2005, p. 30), que “os estereótipos conduzem o estereotipado à auto-rejeição, à construção de uma baixa auto-estima”. Foi o que aconteceu com o garoto; na história, ele torna-se triste e vingativo, “Como pode durar este jogo de deus e de diabo em peito de menino?” (p.24) Já na parte final do livro, o narrador afirma que o menino começava a entender por que o branco “dava uma ideia de paz, de pureza e de alegria” e por que o preto “simbolizava a angústia, a solidão, a tristeza”. Para ele, o preto representava a escuridão, “o olho fechado”, e o branco era “o olho aberto”, a luz. Tomou consciência de que o homem tornava tudo um símbolo, e o fato de o preto representar o ruim era nada mais nada menos que uma incipiente invenção. Quem disse que o preto é ruim e que o branco é bom? – questiona-se o narrador. O menino reflete e chega à conclusão de que, na verdade, o “preto é apenas a ausência do branco.” (p.30) O final da história (se é que assim podemos dizer, pois ela não termina) também é interessante porque o autor não nomeia quem é quem. Os meninos cresceram, viraram homens, os dois são doutores, porém, “um é craque de basquete e o outro, de voleibol”. E assim ele relata uma série de acontecimentos, sempre dizendo um fez isso, o outro aquilo, sem jamais nomeá-los, sem dizer quem fez o quê; isso é para mostrar que ambos podem atuar tanto em um lugar quanto em outro, já que todos somos iguais e diferentes ao mesmo tempo. 5. O papel da escola e do professor nas questões raciais Ao longo dos tempos, vemos que a escola tem sido palco das primeiras vivências de tensões raciais. Isso porque ela é responsável pela socialização daqueles que a ela recorrem; a escola é, pois, um espaço em 371 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina que se estabelecem relações entre crianças de diferentes culturas, raça e etnia. Assim, sendo, a relação entre uma criança branca e uma negra em sala de aula pode ser tensa. Não que a escola seja a culpada por introduzir esse preconceito na cabeça de seus alunos, muito pelo contrário, a escola recebe esses sujeitos já com certa formação (e daí nos lembramos de um dito o qual afirma que a educação vem de casa). Seu papel é destruir os estereótipos. É livrar-se de uma educação segregadora, exclusiva, discriminatória. De acordo com Silva (2005): Os estereótipos geram os preconceitos, que se constituem em um juízo prévio a uma ausência de real conhecimento do outro. A presença dos estereótipos nos materiais pedagógicos e especificamente nos livros didáticos, pode promover a exclusão, a cristalização do outro em funções e papéis estigmatizados pela sociedade, a auto-rejeição e a baixa autoestima, que dificultam a organização política do grupo estigmatizado. (SILVA, 2005, p. 24) O que percebemos, em certas circunstâncias, é que a escola funciona muito mais como um mecanismo de exclusão social, que uma via de acesso à cidadania, visto que o preconceito ali se instala. As crianças negras, muitas vezes, são vítimas de preconceito, mesmo sem se dar conta, pois já trazem de casa toda a bagagem cultural de que o bonito, o certo é o branco; fora isso, tudo é feio. Se repararmos bem, quem são sempre os escolhidos para fazer o anjinho ou o menino Jesus nas peças teatrais do ensino fundamental? Ou alguém já viu um menino Jesus negro em alguma escola? O interessante é que automaticamente a criança negra já se exclui desse papel, porque ela sabe que o papel do protagonista não é para ela. E isso é endoçado pelo professor! Fora essa problemática, a escola possui, ainda, conteúdos curriculares com visão eurocêntrica, livros didáticos preconceituosos e tendenciosos e professores despreparados para enfrentar situações de exclusões em sala de aula. Mediante tantas falhas no processo educacional, a participação efetiva da escola nessa luta em prol da justiça e da igualdade se deu somente a partir do ano de 2003, quando foi aprovada a Lei 10;639/03, que altera a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei 9394/96 estabelecendo a obrigatoriedade nos currículos escolares do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. O problema é que a lei parece ainda não ter sido conhecida por muitas escolas, e isso o próprio governo reconhece. Mas, devemos crer que já é um começo. Acreditamos que a escola deva servir como um espaço para que crianças, jovens e adultos 372 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina tenham a possibilidade de questionar e descontruir certos mitos que inferiorizam uns e trazem superioridade a outros. À escola, cabe, ainda, adotar uma postura aberta e reconhecer que a diversidade deve ser explicitada e valorizada. Ela deve mostrar que as pessoas são, sim, muito diferentes umas das outras; que não existe somente o preto e o branco, mas também o azul, o amarelo, o vermelho, etc e que cada um deve ser respeitado como tal. Além disso, a escola deve incluir a imagem e participação das minorias em atividades cotidianas de forma natural e positiva. É claro que o agente mais “direto” dessa situação é o professor. Por isso, ele deve manter-se aberto para suas próprias práticas sociais, prepararse teoricamente para enfrentar esses desafios, conhecer a legislação brasileira e desprover-se de qualquer espécie de preconceito, já que em sala de aula, ele é o “espelho” dos alunos. Da mesma forma que um professor que lê, estimula os hábitos de leitura dos alunos, um professor que discrimina acirra o preconceito, por isso, é preciso ter muito cuidado na hora de planejar as aulas, pois ele pode vir a ser “um mediador inconsciente dos estereótipos se for formado com uma visão acrítica das instituições e por uma ciência tecnicista e positivista, que não contempla outras formas de ação e reflexão.” (SILVA, 2005, p. 24) 6. Considerações finais Ao longo deste estudo, lembramo-nos de como a personagem negra, mulata ou preta tem sido representada em nossa literatura e na sociedade. Vimos também que o Brasil é possuidor de uma história marcada por discriminações que inibem a manifestação da cultura afrobrasileira em favorecimento das concepções dominantes. De nosso lado, enquanto educadores, devemos dizer que a escola não pode ficar alheia a essa situação de preservar a identidade brasileira e das culturas afrobrasileira e africana uma vez que nossa população é formada também por essas matizes raciais. O combate ao racismo e à desigualdade social e racial, bem como, a reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da escola, no entanto, o preconceito e a discriminação passam sempre por ali. De acordo com Romão (2001), reverter essa situação só será possível a partir do reconhecimento da escola como reprodutora das diferenças étnicas, investindo na busca de estratégias que atendam às necessidades 373 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina específicas de alunos negros, incentivando -os e estimulando-os nos níveis cognitivo, cultural e físico. Para o autor, o processo educacional, além de poder ser o responsável pela busca da auto-estima, da autonomia, ele pode ser também o instrumento capaz de diminuir e prevenir o processo de exclusão social e incorporação do preconceito pelas crianças negras. O que se observa, na realidade, é que mesmo com leis que expõem a necessidade de uma outra visão acerca dos preconceitos, discriminações e exclusões raciais e sociais, na prática, tanto a escola como o docente ainda estão muito aquém daquilo que se almeja em termos de reparações e ações afirmativas em torno do assunto. A Lei 10.639/2003, apesar de criticada por muitos e desconhecida por outros, aponta caminhos para possíveis soluções – resta apresentá-las àqueles que ainda não a conhecem. É claro que sabemos que uma lei não é suficiente para mudar anos de invisibilidade da temática em questão, mas cremos que isso já é um início de uma luta, pois através de uma construção metodológica envolvendo todas as disciplinas, visaremos à conscientização da sociedade no combate ao preconceito racial. É fundamental que os currículos e livros escolares apareçam isentos de qualquer conteúdo racista; é preciso que eles reflitam as contribuições dos diversos grupos étnicos que formam a cultura brasileira. Não dá mais para ignorar essas contribuições e fingir que somos um país branco e único. É preciso repensar a “consciência mestiza”, como já trabalhava Anzaldúa (2005); não é possível esquecer a dor e a discriminação por que passou essa gente, por isso, ela pressupõe a afirmação da diferença, a importância de declarar, mostrar suas necessidades e sua luta. Não é mais possível aguentar o discurso de que o Brasil não é um país racista. Superar o racismo já é questão moral. Então, é preciso preparar nossos professores para que os mesmos façam um trabalho de desconstrução de ideologias humilhantes e que corrijam o estigma da desigualdade atribuído às diferenças, só assim poderão contribuir para a aceitação e reconhecimento dos valores culturais dos afro-brasileiros. É preciso que nos lembremos de que o processo educacional também é formado por dimensões, como ética, diversidade, cultura, sexualidade, relações raciais, relações de gênero e das diferenças de identidades, entre outras. E isso o docente não vai reconhecer (pelo menos não somente) no conteúdo, mas sim na prática do dia-a-dia, na convivência escolar. Pensar diversificadas maneiras de trabalhar com a questão racial na escola será nosso maior desafio. É preciso pensar no futuro, “Porque o futuro depende da quebra de paradigmas, depende da quebra de duas ou mais culturas. Criando um novo mythos – ou seja, uma mudança na forma 374 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina como percebemos a realidade, na forma como nos vemos e na forma como nos comportamos – La mestiza cria uma nova consciência.” (ANZALDÚA, 2005, p. 707). Enquanto educadores, precisamos de uma nova consciência; precisamos buscar a igualdade dos direitos sociais a todos os alunos e alunas e reconhecer que uma escola não é feita apenas de intelecto, mas também de relações humanas, de diferenças, de identidades, de diversidades, de emoções, enfim, de elementos tão comuns em nosso cotidiano que, muitas vezes, insistimos em deixá-los escondidos. Referências ANZALDÚA, Gloria. “La consciencia de la mestiza/Rumo a uma nova consciência. Revista Estudos Feministas, vol. 13, n. 3, 2005, p. 704-719. AZEREDO, Sandra. “Mestiçagem, igualdade e afirmação da diferença – pensando a política de cotas na universidade”. Revista Estudos Feministas, vol. 13, n. 3, 2005. p. 738-755. CARNEIRO, Sueli. Gênero e raça. 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SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A INACESSIBILIDADE ÀS CONCEPÇÕES DA LITERATURA PROMOVE A AVERSÃO PELA DISCIPLINA Fernanda Maccari Guollo PPGCL/UNISUL [email protected] O ensino de Literatura nos âmbitos educacionais brasileiros vem sendo questionado por vários estudiosos da área, principalmente pelo seu fracasso no quesito de incentivação à leitura, já que a maioria dos educandos não tem apreço por essa atividade. Muito se fala da relevância que tem o ato de ler e de compreender, em sua plenitude, a mensagem do texto, mas infelizmente há uma dissociação entre ideal e o real. O professor faz uso de obras literárias indicadas ou fragmentadas nos livros didáticos128 (às vezes, como pretexto para determinado assunto gramatical, ou simplesmente, realiza a atividade de leitura sem um objetivo específico, deixando em segundo plano a voz do aluno, principalmente no momento de entendimento do texto) esquecendo de explanar, detalhar, exemplificar o contexto que está agregado em determinada obra literária, para torná-la atraente aos olhos de quem a lê. A literatura em seu “strictu sensu: arte que se constrói com palavras” (PCNEM, 2006) se constitui um fenômeno artístico vivo, dinâmico e lingüístico, que estabelece correlações entre a produção literária do passado e a realidade cultural de hoje. A literatura faz perpassar os saberes, não os fixa, “não fetichiza nenhum deles, ela lhes coloca num lugar indireto, e esse indireto é precioso” (BARTHES, 1977). Os escritores, considerados verdadeiros artistas no momento pleno de criação e reflexão de suas produções, procuram o valor de um conjunto fraseológico, para expressar seus pensamentos, suas emoções variadas. Conseguem com êxito transcrevê-las para o papel, graças às grandezas linguísticas existentes, em especial, as figuras de linguagem (metáforas, antíteses, hipérboles, prosopopéias, etc.), principalmente no fazer poético. (BUENO, 1972). 128 Magda Soares (1999) fez um brilhante trabalho sobre a inserção do texto literário no livro didático de Língua Portuguesa dos anos Iniciais do Ensino Fundamental, argumentando a escolarização que a literatura infantil sofre ao ser passada do suporte livro literário para livro didático. 377 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Há a valorização do ato da transmissão das idéias por meio da linguagem, ou melhor, por meio da língua em si, de modo que essas interações orais migram para construções frasais (parte escrita). De certa forma, esses aspectos de interação oral registrados pela escrita, que secularmente vem sendo transcritos, desencadeiam a relevância da Literatura na construção de um dito “padrão lingüístico” de quem a lê. Os estudos da Retórica, da Gramática, partiram da Literatura, bem como, o surgimento das demais linhas de estudo da língua portuguesa, ou seja, a literatura é a vertente insecável das demais linhas de estudo de uma língua, que compreendem questões semânticas, pragmáticas, sintáticas e lexicais. Segundo Oliveira (1982): O responsável pela unidade do povo brasileiro não é a religião, nem a política – pois não possuímos partidos verdadeiramente nacionais -, nem os costumes. Só a Língua tem realizado o milagre de nossa união. Imprensa, rádio, livro escola falam a mesma língua; entendemo-nos em nossas fraquezas e em nossas grandezas mercê do Idioma que é um só – rico, maleável, imponente. (OLIVEIRA, 1982, p. 16) É por meio da língua que há interação social, histórica e cultural entre os indivíduos e, cabe a literatura, fielmente traçar não só belas imagens e sentimentos, mas também, o marco histórico das evoluções de uma nação por meio da escrita retratando seus mais variados aspectos (artísticos, culturais, sociais, econômicos) refletindo o período histórico vivenciado. Para tais aspectos se propagarem é necessário o ato da leitura. Entende-se que o resultado do trabalho literário deve ser considerado arte e, como todas as artes, resulta na transmissão de idéias, sentimentos, por meio de seu elemento mais significativo e particular: a língua, de maneira estética, que provoque no indivíduo que lê e no que ouve uma sinestesia (sensação de beleza). Sabe-se que os dois grandes gêneros literários que perpassam secularmente a humanidade são a prosa e a poesia (BUENO, 1972). Nada mais natural que fosse assim: a prosa na retratação do cotidiano e a poesia, responsável pela exposição da sensibilidade e da imaginação do escritor. Dos fatores históricos que influenciaram o surgimento da literatura portuguesa, retratados por Coutinho (1997), está uma elite intelectual, que se originava devido ao cultivo das letras. Deste modo, a literatura brasileira 378 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina floresceu no início da colonização. Assim, tem-se na composição da literatura portuguesa e da literatura brasileira, inspirações indiretas de obras literárias provindas da era medieval. É relevante salientar a divisão histórica da literatura portuguesa, que está predisposta em três grandes períodos: medieval, clássico e moderno, que de acordo com Bueno (1972) está assim postulada: A época medieval compreende: 1) a provençal com os trovadores, cronistas e 2) a palaciana em que se faz sentir a influência da Espanha. [...] A língua é a que se costuma chamar de galego-portuguesa, acentuando-se, dia a dia, o característico do português, tornando então língua de nacionalidade. Já no século XVI aparece a prosa literária arcaica [...] O período clássico já preparado pela florescência dos estudos latinos e pelas traduções dos principais autores de Roma, dos Santos Padres [...] A língua está mais ou menos fixada e já pode ser objeto de gramaticalização. Fernão de Oliviera escreve a primeira gramática seguida de João de Barros. A língua portuguesa toma a sua feição definitiva. [...] A época moderna abre-se com a introdução do romantismo, graças a Garret e a Herculano que, exilados na França e na Inglaterra, destes países trazem as novas correntes literárias. A língua clássica abastarda-se coma introdução de estrangeirismos, de modos especial, galicismos. A sintaxe perde o seu cunho antigo. A língua, porém ganha em maleabilidade, no mais das vezes artificial, procurada, preparada a decadência do romantismo. [...] (BUENO, 1972, p. 3). Assim, decorreu a passagem, dentre outras escolas literárias, do realismo-naturalismo, do simbolismo, do modernismo até a contemporaneidade em que se encontra hoje a literatura nacional. Esses traços históricos que evidenciam as raízes da literatura brasileira, também dão voz e resplandecem sua presença na sociedade, sendo relevante salientar que mais importante que a língua, este singelo instrumento, é o uso que dela se faz, é a proliferação da fala que ela produz (COUTINHO, 1997). Entender a obra literária é assumi-la como objeto social, que necessita de alguém para escrevê-la e outro alguém que a leia, ou seja, é indispensável o intercâmbio social para que haja literatura (LAJOLO, 1982). O fato de existir um mesmo idioma entre os paises lusófonos, Brasil e Portugal, não inibiu a diversificação na produção literária desses paises. Então, é relevante entender por literatura brasileira todas as obras literárias em língua portuguesa que, de certo modo, identifiquem a alma 379 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina brasileira, nos aspectos referentes à representação da “realidade histórica, social, psicológica, humana, e respectivas, características da civilização brasileira” (COUTINHO, 1997). Percebe-se o quão necessário é disponibilizar o acesso de textos literários aos educandos para que haja intercâmbio de conhecimentos entre emissor: autor e consequentemente, receptor: leitor. Por isso, há necessidade de incluir a disciplina de Literatura no currículo escolar do Ensino Fundamental e valorizá-la Ensino Médio. A Literatura no Ensino Fundamental, implicitamente, está presente por meio de variados gêneros textuais (poesia ou na prosa) no cotidiano escolar dos alunos. A Literatura tem relação direta com competência textual que é uma das práticas de linguagem a ser verticalizadas tanto no Ensino Fundamental I e II quanto no Ensino Médio. De acordo com a Orientação Curricular (2006) que foi elaborada para esclarecer e auxiliar os educadores: A disciplina, um dos pilares da formação burguesa humanista, sempre gozou de status privilegiado ante as outras, dada a tradição letrada de uma elite que comandava os destinos da nação. A Literatura era tão valorizada que chegou mesmo a ser tomada como sinal distintivo de cultura (logo, de classe social): ter passado por Camões, Eça de Queirós, Alencar, Castro Alves, Euclides da Cunha, Rui Barbosa, Coelho Neto e outros eram demonstração de conhecimento, de cultura. É bem verdade que muitas vezes os textos literários serviam apenas como objeto de culto; culto do estilo, do “bem escrever” e até mesmo do exagero retórico de alguns escritores; ou, então, apenas como suportes das análises sintáticas e morfológicas. (Orientações Curriculares, 2006, p. 51) Nesta sociedade atual, a maioria dos educandos não tem gosto pela leitura, principalmente por clássicos, pois como foi citada acima, a falta desse tipo de texto no ensino fundamental I e II e a abordagem (tratamento didático) dispensada ao incentivo a leitura, inibe a aproximação dos indivíduos ao universo literário. Ainda, sobre o ensino de literatura e o incentivo a leitura, encontrase presente nas Orientações Curriculares (2006) que: [...] a leitura de Literatura tem-se tornado cada vez mais rarefeita no âmbito escolar, como bem observou Regina Zilberman (2003, p. 258), seja porque diluída em meio aos vários tipos de discurso ou de textos, 380 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina seja porque tem sido substituída por resumos, compilações, etc. Por isso, faz-se necessário e urgente o letramento literário: empreender esforços no sentido de dotar o educando da capacidade de se apropriar da literatura, tendo dela a experiência literária. (Orientações Curriculares, 2006, p. 55) O principal fator de declínio do ensino da literatura nos âmbitos educacionais brasileiros deve-se a ausência de letramento literário, o que afasta o gosto pela leitura e apreciação literária, bem como, uma defasagem na parte escrita, pelos educandos. Para que se tenha gosto pela leitura é imprescindível reconhecer-se na leitura que se faz. O professor pode e deve intermediar o ato da leitura, mas os educandos, por vezes, não fazem leituras prazerosas, que tenham significados para eles, devido a uma escolha equivocada da temática ou do título por parte do educador. Então, em sua adolescência, os educandos, não compreendem o valor que tem os textos e, as respectivas, obras literárias. Porque, às vezes, não somam os saberes implícitos do texto como um ato de reflexão para sua própria vida. Talvez, esses jovens considerem a Literatura como uma vertente de um mundo muito distante do deles. Mas, cabe ao educador reverter este panorama. Interessante salientar a falta de preparo da maioria dos alunos referente ao contato com as obras literárias necessárias de leitura ao Ensino Médio. Está explicito nas Orientações Curriculares (2006) que: Concluído o ensino fundamental, supõe-se que os alunos que ingressam no ensino médio já estejam preparados para a leitura de textos mais complexos da cultura literária, que poderão ser trabalhados lado a lado com outras modalidades com as quais estão mais familiarizados, como o hip-hop, as letras de músicas, os quadrinhos, o cordel, entre outras relacionadas ao contexto cultural menos ou mais urbano em que tais gêneros se produzem na sociedade. (Orientações Curriculares. 2006, p. 63) Essa proximidade esperada do aluno no Ensino Médio com o texto literário não está acontecendo. Nesta mudança do Ensino Fundamental II para o Ensino Médio, ocorre uma defasagem de letramento literário, que por sua vez, proporciona o desânimo pela leitura nos educandos e, consequentemente, a aversão pela disciplina. É provável que, parte desta “incógnita” em que se encontra a maioria dos professores referente à aversão dos alunos pela Literatura e 381 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina respectivamente, leitura, esteja interligada não só pela linguagem mais rebuscada que está presente nos livros, mas pelo fato dos alunos não terem acesso às informações primordiais que geram o interesse pela disciplina, pela leitura de um livro, enfim, pelo exercício crítico e reflexivo que provém do contato com a Literatura (seu eixo histórico, cultural, social). Tais aspectos referem-se ao vasto campo de significância que abrange a Literatura. Mas, por que a maioria dos alunos não consegue “gostar” de ler? Porque há certo afastamento entre as teorias e as reais práticas pedagógicas. Os professores, talvez, não consigam incentivar a leitura de obras literárias, por, não estarem preparados para trabalhar a disciplina de Literatura. Muitas vezes, os alunos ficam “travados” por atitudes dos professores frente às interpretações que os alunos fazem dos textos ou livros lidos. O professor aceita somente a sua interpretação ou que está prescrita no manual do livro didático, deixando a dos alunos em segundo plano ou até mesmo nem levam em consideração as palavras dos educandos, fato este que os desestimulam. Além disso, há no Ensino Médio o estudo de cada estilo de época por meio do destacamento das características que compuseram cada escola literária de forma descontextualizada. É relevante reformular as práticas escolares em relação à leitura literária, que segundo as Orientações Curriculares (2006): [...] tem sido a de desconsiderar a leitura propriamente e privilegiar atividades de metaleitura, ou seja, a de estudo do texto (ainda que sua leitura não tenha ocorrido), aspectos da história literária, características de estilo, etc., deixando em segundo plano a leitura do texto literário, substituindo-o por simulacros, como já foi dito, ou simplesmente ignorando-o. Atividades de metaleitura são necessárias na escola, mas devem ser vistas com muito cuidado, ou melhor, devem responder aos objetivos previstos no trabalho escolar – “para quê?” é a pergunta a ser sempre feita. Em geral, os professores pensam com elas motivar o aluno à leitura. (Orientações Curriculares, 2006, p. 70) Podem-se encontrar os métodos citados acima, principalmente, nos livros didáticos usados em sala de aula com os alunos. Há separadamente uma lista de características para o aluno “conseguir” identificar a que escola pertence tal fragmento textual. Embora a maioria das editoras esteja reformulando suas publicações com as tendências mais cabíveis e recomendadas pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura). 382 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Entretanto, os educadores devem analisar com precisão o livro didático adquirido em prol a efetiva aprendizagem dos educandos. O que deve ser levado em consideração não é o estudo dos estilos que compuseram a literatura, mas a intensidade e o emprego da linguagem ali registrada, para assim ativar no aluno criticidade. Só assim, o professor estará viabilizando uma internalização do que está sendo lido, fazendo com que cada educando tenha autonomia para identificar as mensagens explícitas ou implícitas presentes no texto. Para averiguar a complexibilidade e relevância que a língua possui em se tratando do reconhecimento de uma época de grandes reivindicações como é, por vezes, o foco dos escritores que compõem a literatura nacional, Oliveira (1982) descreve que se fala e escreve-se em nosso país a Língua Portuguesa: Falamos e escrevemos no Brasil, a Língua Portuguesa. É no romantismo literário que vamos encontrar, meio do ufanismo e exaltação patriótica, as origens da questão, as origens da questão língua brasileira. José de Alencar a iniciou, pretendendo incorporar à emancipação literária, a emancipação da língua. Insurgiu-se com as normas de linguagem emanadas de Portugal, foi buscar ao povo as expressões peregrinas de uma língua vivida nos trópicos. Mas, ele mesmo se enganava em chamála de brasileira – e o que conseguiu realizar foi despertar atenção para a divergência entre a linguagem falada e a escrita (OLIVEIRA, 1982, p. 17). Fica exposta à valorização da identidade nacional por meio da cultura, da economia e da língua, que se torna reflexo da interação do povo brasileiro. Valorização esta, que vem transcrita nos poemas e na prosa do final dos século XVIII e início do século XIX. Com a devida contextualização histórica, o aluno ao ler um poema ou um fragmento de alguma obra literária irá dialogar com o texto e chegará a uma interpretação particular, ou seja, terá suas conclusões. Partindo desse resultado é que o professor deve realçar aspectos históricos, estilos de época, características. O professor deve sempre levar em consideração o posicionamento do leitor. O conduzir deste procedimento didático de explanar o “todo” ao educando, gera, infelizmente, o mal uso feito do livro didático por parte alguns professores, pois resulta nas respostas unificadas, fazendo com que alguns desconsiderem as variadas interpretações que seus educandos alcançam em suas leituras. Primordial salientar aqui, que educandos com o 383 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina filtro afetivo bloqueados, de acordo com Krashen (1982), não terão mais animo para buscar novas interpretações, pensarão sempre que nunca conseguirão chegar aonde o professor deseja ou almeja. E é de extrema relevância a presença de inputs, para serem processados e proferidos outputs. Embora, a leitura não seja para o professor e, sim, para a agregação de conhecimento ao aluno e deve-se sempre levar em consideração que o conhecimento de mundo que cada indivíduo possui é singular. Cada educador deve entender que ao trabalhar com alunos que possuem contextos sociais e cognitivos diferenciados não há uma resposta/interpretação única e correta de determinado livro ou fragmento textual, e principalmente, não somente aquela estabelecida no livro didático e que há inúmeras possibilidades interpretativas de um único texto. Tudo depende da ótica pela qual cada indivíduo faz sua leitura. Imagine a leitura de um livro que possui um enredo amplo que, normalmente vem acompanhado de pequenas histórias dentro da história central? Como exemplo tem-se: o Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Neste, dependendo o objetivo estabelecido para esta leitura, pode-se ter inúmeros focos interpretativos, como: a representação da natureza do sertão servindo de cenário, a falta de água e comida, a presença dos dialetos regionais na fala dos personagens, o porquê dos nomes das personagens (suas significações), as características físicas e psicológicas das personagens, os enredos dentro do enredo, o lado obscuro do ser humano (jagunços), enfim. Cada aluno deterá as informações que lhes forem mais fecundas. Então, cabe aos educadores (de modo geral), conectar-se com as tendências educativas que estão predispostas não só nas Orientações Curriculares e nos livros que discutem a respeito, mas verificar em seu cotidiano escolar se as suas práticas educativas estão sendo profícuas em relação ao trabalho com a disciplina de Literatura, ocupando um papel de mediador e propiciador de incentivos a leitura de clássicos da literatura nacional, para que haja a valorização de todo um emaranhado histórico e evolutivo da língua portuguesa e da sociedade em que se vive, assegurando que os educandos de hoje tornem-se indivíduos atuantes na sociedade de amanhã. Referências BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix. 1977, p. 18. 384 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina BUENO, Francisco da Silveira. Curso Prático da Língua Portuguesa: Tratado de Semântica Brasileira – A Formação Histórica da Língua Portuguesa. 1ª.ed. São Paulo, Edições Fortaleza Crédito Brasileiro de Livros S/A, 1973. COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil. 4ª ed. São Paulo: Global. 1997. FABISZ, Natália. Analysis of Krashen’s theory of second language acquision.. Disponível em http://www.geocities.com/pan_andrew/sla.htm, acessado em: 20 de Jul de 2009. LAJOLO, Marisa. O que é Literatura. São Paulo: Ed. Brasiliense. 1982. Linguagem, Códigos e suas tecnologias/Secretaria de Educação Básica – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica.2006, p. 239 (Orientações Curriculares para o Ensino Médio). OLIVEIRA, Candido de. Súmulos de Literatura Brasileira. 18 ed. São Paulo: Biblos. 1982. ROSA, João Guimarães.. Grande sertão: veredas. 1 ed. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1956. SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA, Aracy A. M.; BRANDÃO, Heliana M. B. (org.). A escolarização da Leitura literária: O jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 17-48. 385 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 386 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina IDEIAS DIFERENTES PROMOVEM OS VALENTES: A FÁBULA CONTEMPORÂNEA DE MARIA DE LOURDES KRIEGER Rita de Cássia Silva Kauling 129 Escola de Educação Básica Silveira de Souza A fábula é uma narrativa simbólica inspirada no Bestiário Medieval. Bestiário: livro que reúne descrições e histórias de animais reais ou imaginários. Desde a Antiguidade, estes animais foram escolhidos para simbolizar as virtudes e identificar as qualidades dos heróis e deuses que, às vezes encarnavam. No panteão greco-romano, templo dedicado a todos os deuses, havia a seguinte simbologia: Júpiter era representado pela águia; Juno, pelo pavão; Minerva pela coruja; Diana, pela corça. Na arte cristã primitiva, Cristo aparece nas imagens do cordeiro, da pomba, do veado, do pavão e do peixe. Na fauna Medieval, animais imaginários como o unicórnio, a esfinge, o grifo, o centauro e a sereia aparecem misturados aos seres humanos (MACHADO, 1994). A fábula, segundo registros históricos, nasceu no Oriente e foi recriada no Ocidente, no século VI A.C. por Esopo, o lendário escravo frígio. Dele se conta um imenso número de fábulas. Séculos mais tarde, outro grego Fedro, ex-escravo, vivendo liberto em Roma, aperfeiçoou a fábula enriquecendo-a estilisticamente. Leonardo da Vinci descobriu-a no século XVI e reinventou-a. Contudo, sua repercussão não ultrapassou os limites territoriais da Itália. No século XVII, La Fontaine reapresentou a fábula com base no modelo latino e no oriental e introduziu-a definitivamente na literatura ocidental com um único objetivo: tornar os animais o principal agente da educação dos homens. Colocados em uma situação humana exemplar, a formiga representa o trabalho; o leão simboliza a força; a raposa, a astúcia; o lobo, o poder despótico. O gato detém um simbolismo muito heterogêneo, oscila entre as tendências benéficas e as maléficas em diversos países. Na Índia representa a beatitude do mundo animal. No Egito Antigo era venerado e 129 Assistente Técnico Pedagógico. 387 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina numerosas obras de arte o representam com uma faca numa das patas decepando a cabeça da serpente Apófis que personifica os inimigos do Sol. Na tradição muçulmana é considerado favorável, salvo se for preto, que possui qualidades mágicas. Em muitas tradições, o gato preto simboliza a obscuridade e a morte. Entre os índios pawnees da América do Norte, o gato simboliza a sagacidade, reflexão, engenhosidade. Ele é observador, malicioso e ponderado, alcançando sempre seus fins. Os povos da África Central atribuem ao gato sagacidade, engenhosidade e a clarividência. Por esse motivo confeccionam suas sacolas de remédios com pele de gatos selvagens (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999). Em seu dicionário do Folclore Brasileiro, Câmara Cascudo registra: “nas histórias populares, especialmente nas fábulas, o gato é a agilidade, desenvoltura, rapidez de gestos e também falta de escrúpulos e de fidelidade [...]. Dizem-no o mais resistente dos animais, tendo sete fôlegos, e como cada fôlego é uma vida, o gato tem sete vidas, demorando a morrer, resistindo à morte sete vezes mais tempo que outro animal qualquer. Quem mata um gato tem sete anos de atraso, de infelicidade”. (1999, p. 426). O estabelecimento das formas literárias pelo racionalismo definiu-a como uma pequena composição que encerra sempre grande filosofia. Em prosa ou em verso, a fábula na sua forma mais autêntica é uma história de animais na qual prefiguram os homens e tem dupla finalidade: divertir e ensinar uma lição de moral. Embora criada pela tradição oral, não é tão simples como pode parecer à primeira vista. A exemplo do conto popular e do conto maravilhoso, a fábula possui uma estrutura mínima de enredo que sobrevive a todo tipo de modificação. Fiel ao seu paradigma de opor o vício à virtude, a tolice ao bom senso, acompanha, contudo, a trajetória da evolução mental da humanidade. Se em outras épocas, a chamada fábula clássica foi instrumento de manifestações negativas da psique humana, de sátiras crueis, críticas ácidas, opressão e tirania, com o passar do tempo, modernizou-se por assim dizer e os animais passaram a entrar em cena através das criações geniais de Andersen, Walt Disney, o verdadeiro fabulista da era eletrônica, e Monteiro Lobato, entre outros, para apresentar aspectos psicopedagógicos mais adequados aos valores e às demandas de uma moral geralmente sintetizada em um provérbio ou ditado popular: uma fala sem sujeito, sem autor nem tempo por ser oriunda da tradição popular. 388 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Como toda manifestação oral o provérbio é repetido continuamente, como se fosse perene. Embora seja expressão corrente, assume uma forma literária que pela construção verbal, estrutura mínima, torna-se favorável à memorização. Na posição de monumento poético da cultura popular o provérbio encerra sonoridade, arranjo verbal e figuras: trocadilho, rima, eco, aliteração etc. Preocupados com a moralidade tanto do provérbio quanto da fábula, muitos estudiosos divergem sobre o papel didático dessas formas expressivas. Para André Jolles, “o provérbio é apenas uma locução, não é um conceito” (MACHADO, 1994, p. 139). Nessa visão ele descarta o fundo de verdade moralizante atribuído ao provérbio e também à fábula. Nem uma nem outra forma exprimem o rigor da verdade. Todavia, o renomado crítico brasileiro Antonio Cândido entende o provérbio como uma “verdade irônica, aparente” (MACHADO, 1994, p. 107), entende que essas telegráficas mensagens não passam de uma desajeitada forma de sondar o futuro, “com falsas certezas” (MACHADO, 1994, p. 109). Para o crítico, o provérbio é um caminho acessível ao conhecimento. O filosofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) autor de Emílio, ou da Educação (1762) não admitia que as manifestações simbólicas, criadas pela cultura popular, fossem capazes de promover o aprendizado. Via as fábulas como um risco para a educação infantil, exatamente porque nelas os animais aparecem investidos de defeitos e de vícios humanos que não lhes são naturais. Rousseau certamente não entendeu a moralidade das fábulas na perspectiva irônica, típica da cultura popular como nos ensina Antonio Cândido que as vê como uma valiosa arma de acesso ao conhecimento. A estudiosa e pesquisadora Irene A. Machado considera esse gênero narrativo “rebaixado” uma representação, uma metamorfose da cultura erudita convenientemente adaptada aos estratos mais desprovidos de saberes intelectuais. O escritor Millôr Fernandes ratifica essa afirmação. Em Provérbios Modernizados, propõe: veja o leitor se consegue descobrir, dentro desta roupagem nova, o provérbio velho e terá então se candidatado à descoberta de muitas outras coisas novas que, neste lindo mundo de Deus, são tantas vezes obrigadas, por força de economia precária, ao usar roupas velhas. O enunciado vasado em linguagem mais digna, segundo Millôr deixa de valorizar o prosaico, o cotidiano, a linguagem coloquial, o humor como recurso crítico. Atente-se para o seguinte enunciado: Quando o sol 389 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina está abaixo do horizonte, a totalidade dos animais domésticos da família dos Felídeos são de cor mescla entre branco e preto. Leia-se traduzida em estilo descompromissado: À noite todos os gatos são pardos. Aos educadores cabe ressaltar que a fábula e o provérbio constituem um recurso valioso para transmissão do conhecimento não só para os pequenos. Também no meio empresarial com vistas ao desenvolvimento interpessoal, com a intenção de minimizar os conflitos no ambiente de trabalho, as fábulas vêm conquistando espaço. Alexandre Rangel, economista com formação em Psicologia, consultor organizacional, encontrou nas fábulas receitas para ministrar oficinas de dinâmicas em montadoras de automóveis, fábricas de eletrônicos, indústria têxtil, para organizar e motivar equipes de produtores, técnicos e repórteres. Valeu-se da fábula para mostrar que os conceitos da qualidade podem e devem ser aplicados muito além das linhas robotizadas. No seu livro Fábulas de Esopo para Executivos recolheu cem fábulas direcionando-as para: relacionamento com o próximo, avaliação de condutas duvidosas, tomada de decisões certas, trabalho em equipe, avaliação de comportamentos, com o objetivo de ajudar na formação do Homem. Contemporaneamente, sintonizada com novas acomodações sociais e aspectos metafísicos a fábula também aparece a serviço da mistificação de ideias estereotipadas, do combate aos preconceitos e do incentivo à autorrealização. Por ser uma alegoria em cuja prosopopeia reside o centro de interesse para o leitor, constitui a fábula um gênero literário altamente cultivado em todo o mundo. Principalmente por escritores voltados ao segmento infanto-juvenil marcado pela ficção de caráter lúdicopedagógico. Dentre tantos autores, que aqui poderiam ser citados, eu escolhi a catarinense Maria de Lourdes Krieger nascida em Brusque/SC. Cursou Letras na FURB, em Blumenau, e fez pós-graduação em Linguística, na UFSC. Lecionou muitos anos no ensino básico fundamental. Com certeza, a cosmogonia das salas de aula e o convívio com os alunos tiveram bastante influência no seu fazer literário, pródigo e prodigioso, voltado desde o início ao leitor mirim, nos anos 70, quando escrevia histórias e reportagens em suplementos de jornais, para o universo da infância. Em O gato que não sabia miar, o protagonista, um gato, apresentase em seu habitat natural, vivendo com pai, mãe e irmãos, simulando uma 390 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina família humana. Sua característica principal é não miar como os gatos, “[...] ele fazia mesmo era ric e não miau” (KRIEGER, 1984, p. 2), e por isso passa a ser chamado Rique. Desde o nascimento identifica-se por querer fazer alguma coisa diferente: quer ser rei da floresta. Apesar do firme propósito, não deixa de sentir medo e, então, a esperança e o medo brigam dentro dele, fazendo-lhe cócegas. Com o apoio do pai, traça uma meta e não se deixa vencer pelos condicionamentos impostos pela bicharada: “– Para ser rei é preciso nascer numa família real” (KRIEGER, 1984, p. 7). “Seu filho Rique não tem sangue azul” (KRIEGER, 1984, p. 8). Rique enfrenta desafios, passa por sucessivos estágios através dos quais vai amadurecendo, sem contudo, diminuir sua obstinada vontade de ser rei. Movido pela vontade aliada à imaginação fértil, o gato que não sabia miar representa a força, a inteligência daquele que precisa superar limitações. Corajoso, sábio e justo imagina livrar os animais da floresta das armadilhas feitas pelos homens. Cumpre a meta traçada e os bichos adultos, a princípio contrários a sua decisão, endossam a proposta, apoiam a inventividade. Rique representa a força da imaginação e do querer. Assume a postura de herói que para o leitor criança ou jovem é extraordinariamente necessário. A palavra herói nasceu na Grécia Antiga para designar os semideuses, descendentes de deuses mitológicos e seres humanos, que viviam aventuras extraordinárias. Ao longo da história personalidades como Jesus Cristo, Mahatma Gandhi, Martin Luther King passaram a ser encarados como heróis, graças aos seus esforços em prol de um mundo mais justo, e se tornaram modelo de comportamento. Conforme o Dicionário Aurélio (2004, p. 390), “herói é um homem extraordinário por seus feitos guerreiros, por seu valor ou magnanimidade, pessoa que por qualquer motivo é centro de atenções e protagonista de uma obra literária”. A partir do século XX a ancestral mitologia unida à nova ciência, à psicanálise explica a permanência do herói no cenário narrativo. Na década de 30 surge não histórias em quadrinhos um dos mais poderosos arquétipos: o super-homem, criado por Jerry Siegel e Joe Shuster. Esse expoente não mais divino, mas científico possui poderes descomunais: a super-velocidade, mais rápido que uma bala, a super-força, mais poderoso que uma locomotiva e capaz de transpor um edifício num só pulo e a invulnerabilidade, o homem de aço. Portanto, desempenho exponenciado das potencialidades humanas. Só posteriormente receberia poderes mais exóticos, como o voo ou a visão de Raio-X. 391 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Batman, Homem-Aranha e outros foram criados pela nova e revolucionária mitologia moderna que assumiu a roupagem da ciência. Mais recentemente desponta na Literatura o pequeno bruxo Harry Potter, criação de J. K. Rowling. Também nessa esfera a escritora brasileira Maria de Lourdes Krieger criou um herói imbuído de coragem, integridade, idealismo e persistência. Sua história-fábula O Gato que não sabia miar tem as características de um clássico pelo modo natural como mostra as possibilidades que estão ao alcance do homem desde que se proponha ir à luta. A conquista final do gato Rique, protagonista desta fábula corresponde ao que todo leitor gostaria de realizar além de potencializar a crença em um herói, busca de todos. Rastreando o percurso de herói Rique supera os obstáculos, empurra o medo para fora. Caracteriza-se pela perseverança, pela coragem de enfrentar os mais velhos, os maiores, sempre com respeito e muito trabalho. Trata-se de uma personagem que, embora seja animal, tão ao gosto dos pequenos leitores, copia pessoas reais, concretiza virtualidades imaginadas, visto que para a criança não existe separação entre o real e o imaginário. Na concepção infantil o animal entende, sente e fala. O desenvolvimento das ações do gato permite ao receptor apreender os valores da hierarquia, pois apesar da firme decisão em querer ser rei, Rique submete seu querer aos outros habitantes da floresta: Dona Corujina, Doutor Tucanaro, Seu Mico Preto. Esse se encarrega de socializar o plano a toda a bicharada, que exige competência do gato. Transitam subliminarmente na ficção os critérios da democracia, do respeito à vontade da maioria, como sistema de governo. Não se pode descartar a ideia de que a história se interrelaciona com as circunstâncias socioculturais vigentes, no momento da produção, como também se relaciona com outras no momento da recepção. Embora repetindo personagem e tema tradicionais, a história constitui-se num texto de agradável leitura. Além de acentuar o clima de obstinação sadia, aponta para a questão da mobilidade social, para a capacidade que as criaturas têm de fazer o impossível para realizar seus sonhos. E a criança, destinatário dessa narrativa, dona de um sentido especial para se relacionar com os animais, mistura os gestos, atitudes e comportamento de Rique com sua vida real. 392 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O gato Rique apresenta-se como portador de solidariedade e respeito, caracterização moral não declarada objetivamente. Maria de Lourdes declara não ter preocupação de passar lição de moral em suas histórias: Como professora, eu penso que lição de moral quem tem que dar é o pai e a mãe, o tio, quem educa; aos professores da aula é que cabe isso, mas nunca à Literatura Infantil não é para fazer análise. Então lição de moral, não. Combater preconceito de maneira jocosa, sim, mas passar algum ensinamento para ele (leitor) ser comportado, isso e aquilo, de jeito nenhum (DILVO, 2004, p. 128). A marca que inicialmente configura-se como defeito – não mia como gato – no término da história eleva-o à condição de herói: - Um gato não precisa viver miando, bebendo leite ou caçando ratos, só porque os gatos sempre fizeram assim. Com o auxílio de todos, Rique pode ajudar todos a descobrirem o que realmente desejam. E lutarem por isso. Rique será um bom rei. E foi (KRIEGER, 1984, p. 14). Relacionando a ficção com a vida real, lá na Escola Estadual onde eu trabalho, chegou um gato que a exemplo de Rique também não sabe miar. Matriculado na 1ª série, com 7 anos de idade, freqüenta a escola regular em um período do dia e, a Fundação Catarinense de Educação Especial no outro. Nosso protagonista é portador de algumas limitações: com antecedentes de prematuridade apresenta microcefalia, retardo no desenvolvimento neuropsicomotor, 90% da visão comprometida, não fala, não controla os esfíncteres, não se alimenta sozinho. Segundo as monitoras da Instituição onde ele reside, à espera de adoção, o nosso ‘menino especial’ não gosta de faltar à aula. Acorda cedo, apanha a mochila e vai para a porta, fazendo sinais de querer ir para a escola, antes mesmo do desjejum e do banho. Apesar de todas essas deficiências, o menino é portador de uma incrível energia cósmica, sempre alegre e bem humorado o que o faz ser querido por toda a comunidade escolar. Possui habilidades físicas para a prática de esportes como corrida e ginástica, além de demonstrar interesse por várias atividades desenvolvidas na escola das quais participa, na medida de suas possibilidades. Movido por um espírito solidário aprendeu a recolher as cadernetas da turma, colocá-las na caixa apropriada e levá-las para serem carimbadas. 393 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Na hora do recreio presta auxílio voluntário à merendeira, recolhendo as canecas que os alunos deixam pelo refeitório. Na sala de aula já consegue permanecer concentrado em atividades motoras por períodos cada vez mais longos. Assim como o gato Rique, o Menino Especial do Silveira de Souza também pode ser ajudado a superar dificuldades e limitações e se capacitar para uma vida mais independente e plena. E todos ao seu redor podem descobrir que a realização de seus sonhos depende da força de sua coragem. Na sua interessante feição de fábula O gato que não sabia miar, publicado em 1984, Maria de Lourdes antecipou-se ao movimento em prol da inclusão dos diferentes, que, graças a Deus, ocorre em nossos dias. Todos os setores são chamados a participar, criando programas de inclusão, principalmente a Educação Sistematizada. Nossas escolas públicas abriram as portas para receber alunos ‘portadores de limitações’ para que eles, inseridos no contexto do padrão de normalidade vigente, consigam se apropriar de conhecimentos que lhe garantam melhores condições de vida. O gato que aportou na Escola Silveira de Souza, Florianópolis, bem como o gato da fábula têm pontos convergentes dentre os quais a obstinada decisão de lutar até conquistar o almejado: romper com os paradigmas prescritos pelos defensores do status quo. A obra da escritora Maria de Lourdes Krieger é recomendável pela ludicidade, comunicação e também por ser tão condizente com uma questão tão presente em nossas escolas: a inclusão. Referências CÂNDIDO, Antonio. O mundo provérbio. Revista Língua e Literatura. 1972. CARVALHO, Bárbara Vasconcelos de. Literatura infantil: estudos. São Paulo: Lotus, s.d. CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999. COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo:Moderna, 2000. DILVO, Ivo Ristoff; LEMOS, David (org.). Projeto Um dedo de prosa. Florianópolis: UFSC/CCE, 2004. FERNANDES, Millôr. Lições de um ignorante. Rio de Janeiro: José Álvaro Editor, 1967. 394 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina KOTHE, Flávio R. O herói. São Paulo: Ática, 1987. KRIEGER, Maria de Lourdes. O gato que não sabia miar. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1984. JOLLES, André. As formas simples. (trad. Álvaro Cabral). São Paulo: Cultrix, 1976. MACHADO, Irene. A. Literatura e redação. São Paulo: Scipione, 1994. RANGEL, Alexandre. Fábulas de Esopo para executivos: recontadas por Alexandre Rangel. São Paulo: Original, 2006. SILVA, Danusia Apparecida. Representação da criança nas obras de Maria de Lourdes Krieger e Werner Zotz. Porto Alegre: PUC/RS, 2002. [Tese de Doutorado]. 395 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 396 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O PAPEL DO NEGRO NA LITERATURA INFANTIL HOJE: UM ASSUNTO QUE NÃO PODE PASSAR EM BRANCO Cláudia Regina Silveira UFSC [email protected] 1. Introdução O papel do negro como personagem de histórias literárias não tem sido o de privilégio. Pelo contrário, o que percebemos é que em um país cuja maioria da população é negra (segundo o Censo atual), o(a) negro(a) aparece quase sempre estereotipado como sendo feio, malandro, marginal, pobre e sem moral. Nas histórias infantis, até a década passada, quando aparecia um personagem negro, e isso era bem raro, o papel atribuído a ele era o de empregada doméstica (como a Tia Nastácia, de Monteiro Lobato) ou de escravo. Ou seja, o papel dado aos personagens negros era sempre o de inferior ao branco. Era esse o tipo de literatura que se produzia até então para as crianças e que, certamente, elas levavam para toda a sua formação. O resultado desse tipo de educação não poderia ser outro senão o de uma cultura que reproduzia a ideologia do dominador; assim, o modelo branco europeu passou a ser ditado como o único padrão de beleza aceito e, junto com ele, a sua imagem de pureza, inteligência e bondade. A inculcação do estereótipo inferiorizante visa a produzir a rejeição a si próprio, ao seu padrão estético, bem como aos seus assemelhados. Por sua vez, a cultura e seus valores, uma vez inferiorizados, tendem a ser rejeitados, porque passam a ser vistos pela ótica imposta do dominador como primitivos, inferiores ou ‘folclóricos’. (LIMA; ROMÃO, 2002, p. 17) O fato de aparecer sempre desempenhando papéis subalternos e, ainda, de sua própria invisibilidade nas histórias, pode contribuir para que a criança que pertença a este grupo étnico estigmatizado e invisibilizado desenvolva um processo de auto-rejeição e de rejeição ao seu grupo étnico/racial. Isso acontece não só pelo texto escrito, mas também pela imagem ilustrada nos livros, e essas imagens revelam expressões culturais 397 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina de uma sociedade. Assim, a criança negra poderá ver aquilo como um espelho de sua imagem e aí começam os problemas. Tentar puxar essa provocação e mostrar que aos poucos, porém felizmente, essa realidade está mudando é o que se pretende no presente artigo; analisar algumas das tipologias negras encontradas na literatura infanto-juvenil, através de duas obras: “Cabelo ruim? a história de três meninas aprendendo a se aceitar, de Neusa B. Pinto, e “O menino marrom”, de Ziraldo, bem como situar reflexões acerca dos aspectos das relações étnico/raciais no mundo dos livros e de nossa cultura popular constituem o nosso objetivo. 2. O cabelo como símbolo de uma identidade O cabelo tem sido um elemento bastante representativo da identidade racial. Ella Shohat, em seu estudo denominado “A vinda para a América” (2002), mostra a imagem de um feixe de cabelos longos e lisos sendo moído por uma espécie de moedor de carnes, através da obra de arte Wrung, de Lynne Yamamoto; nessa imagem, “a dor e a crueza da servidão lembram a morte lenta da empregada doméstica” (SHOHAT, 2002, p. 113). Nesse caso, a representação do cabelo “longo, negro e sedoso” de mulheres asiáticas que sempre aparece como metáfora da frágil e dócil ‘Oriente’, causa uma espécie de choque; ou, como a própria Shohat designou, é uma “beleza aterradora”, uma vez que nos passa a impressão de que o corpo e o rosto já foram torcidos pela máquina. Entretanto, se o cabelo longo, negro e sedoso representa a identidade de mulheres orientais em sua beleza e sensualidade, o cabelo duro, feio, pixaim, crespo e ruim tem sido o tipo denominado aos “pretos”. Esse tipo de violência está diretamente relacionado à triste história da escravidão a que os negros foram submetidos. No entanto, de acordo com Telles (2003, p. 306), as desigualdades raciais no Brasil não são “meramente o resultado da escravidão ou de grandes desigualdades de classe, mas de uma contínua prática social preconceituosa, de cunho racial.” O autor acrescenta, ainda, que “a noção popular de raça é transmitida através de estereótipos, da mídia, de piadas, das redes sociais, do sistema educacional, das práticas de consumo, dos negócios e pelas políticas do Estado. Logo, a raça tem grandes implicações materiais para os brasileiros.” Falando nisso, é sempre bom esclarecer o conceito de raça: 398 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Raça é uma categoria discursiva, e não biológica. Ou seja, é a categoria organizadora destas maneiras de falar, dos sistemas de representação, e das práticas sociais (discursos) que utilizam um conjunto frouxo, frequentemente não específico de diferenças de traços físicos – cor da pele, textura do cabelo, características físicas e corporais, etc. – como marcadores simbólicos para diferenciar socialmente um grupo de outro. (HALL, 1996, p. 49) Em nosso país, o racismo e a discriminação racial são armas potentes que enquadram as pessoas dentro de um sistema de classes desigual cuja superioridade do branco é sempre evidente. Guimarães (2004) chama a atenção para o fato de se precisar melhor a linguagem sociológica diferenciando termos como preconceito racial, discriminação racial e racismo. Segundo esse autor, o preconceito racial seria aquele que é expresso verbalmente “através de ofensas pessoais”; já a discriminação racial “consiste no tratamento diferencial de pessoas baseado na ideia de raça, podendo tal comportamento gerar segregação e desigualdades raciais” (ibidem, p. 18, grifos do autor) e, finalmente, o racismo, que é “o sistema de desigualdades de oportunidades, inscritas na estrutura de uma sociedade, que podem ser verificadas apenas estatisticamente através da estrutura de desigualdades raciais” (ibidem, p. 18), isto é, a incitação pública do preconceito. Esse preconceito fica maior ainda à medida que as “diferenças” se evidenciam. A interiorização de que o branco e o cabelo liso são os padrões ideais de beleza pode levar o sujeito negro à alienação e à negação da própria identidade, fazendo com que ele busque a “salvação” no embranquecimento físico e/ou cultural. Como já citado anteriormente, essa visão de “beleza” teve origem na escravidão e nas relações de poder que se formaram a partir daí. Por isso, o cabelo ruim, duro, pixaim é a expressão do racismo e da desigualdade racial que recai sobre o indivíduo. Buscando o embranquecimento, ele nega a sua cor, e ao negar a cor, ele repudia o corpo, querendo tornar invisíveis características como nariz chato e grosso, bunda grande, beiço grande e cabelo ruim. Essa relação que o sujeito cria com o seu corpo constitui a sua identidade. Nesse sentido, dizemos que o cabelo crespo pode ser considerado uma expressão simbólica da identidade negra no Brasil. E como, segundo Hall (2000, p. 109-110), as identidades são construídas por meio da diferença, “elas emergem no interior do jogo de poder e são, assim, mais o produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo de uma unidade idêntica, naturalmente construída, de uma ‘identidade’ em seu significado tradicional.” Assim, sobre os negros, e principalmente sobre a 399 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina mulher negra, recaem o patrulhamento da questão estética sobre o cabelo, pois o padrão de beleza é o liso, com madeixas compridas e sedosos; esse é o “ideal”, o “cabelo bom”. Em contrapartida, o que vemos nas mulheres negras, mulatas e “pardas” é o estereótipo do “cabelo ruim”, “pixaim”, “Bombril”, isso quando não associado a animais como o macaco e a outras piadinhas de mau gosto. A violência racial entra também na questão de gênero no que se refere à violência contra a mulher, no seu sentido psicológico que ocasiona problemas com a auto-estima em razão da imagem desvalorizada que vê na sociedade. Na literatura nacional, e aqui não falo somente da literatura infantil, negritude e escravidão são temas frequentes; porém, normalmente os personagens aparecem estereotipados: “o escravo melancólico e saudoso de sua terra; o negro sofredor, que se revolta com a condição de escravo; o escravo fiel, espécie de anjo da guarda do senhor e de sua família; a mãe negra, dilacerada entre a felicidade da maternidade e a tragédia do cativeiro; e sobretudo, a bela mulata.” (FRANÇA, 1996, p. 99 apud CARNEIRO, 2002) O papel da mulata também requer uma atenção especial neste nosso trabalho. É válido lembrar que ela ocupa um lugar “privilegiado” em relação à negra, em nossa sociedade, estendendo-se até a literatura e à música. À mulata cabe a denominação de “mulher quente”; seu papel está sempre associado à sensualidade e erotização – lembremos aqui um ditado popular que diz: “Preta pra trabalhar, branca pra casar e mulata pra fornicar”. Essa é a definição de gênero/raça da mulher brasileira em nossa sociedade patriarcal e colonial e que perdura até os dias atuais. Sobre a invenção da mulata, Azeredo (2005) cita Mariza Correa que trabalha a ideia de que o termo mulata pressupõe a desigualdade social entre brancos e não brancos; o mulato parece um “terceiro” e cômodo termo criado entre os polares termos Branco e Negro. E a própria mulata, ao interiorizar a preferência do homem branco por sua pessoa, acaba rejeitando a condição da negra preta. E ela é responsável por atrair, envenenar o homem branco que, indefeso mediante tanto poder de sedução, acaba traindo a senhora branca. Graças a seus encantos físicos, foi a mulata avaliada através de critérios opostos de apreciação. Por reunir peculiaridades físicas da branca e da negra, constituiu-se ela num tipo de beleza sui generis: a ‘de mulher branca, com o acréscimo dessa pontinha de fogo, dessa lascívia atraente que lhe dá o sangue negro, segundo consta’. (ROGER; FLORESTAN, apud QUEIROZ JÚNIOR, 1975, p. 29) 400 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Assim, não nos fica difícil pensar que entre a pressão do cativeiro e a cobiça do seu senhor, a mulata acabasse explorando seus dotes físicos até mesmo como uma forma de libertação. Desde então, ela passa a ser vista na literatura (e mais recentemente na música) como o tipo já aqui descrito por nós. 3. “Cabelo ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar” O primeiro livro estudado foi “Cabelo ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar.” (2007), da jornalista Neusa Baptista Pinto, editado pela Editora Tantatinta, do Mato Grosso do Sul. O livro faz parte do projeto da autora, intitulado “Pixaim: nem bom, nem ruim – apenas diferente”, cujo objetivo é o de estimular e valorizar o uso do cabelo crespo. Inicialmente, a autora, que também é negra e que, portanto, sofreu (e sofre!) esse tipo de discriminação por causa do cabelo, faz uma apresentação das meninas: Bia tem a pele cor de canela; Tatá possui a pele escura; e Ritinha, uma cor indefinida, nem branca, nem preta, na verdade, mulata. Intencionalmente, a autora as apresenta carecas; elas são ilustradas desprovidas de cabelos inicialmente. Após a apresentação, o destaque ao cabelo é dado. Agora, sim, aparece a ilustração das três: Bia tem cabelo “meio avermelhado cor de fogo”, comprido, porém anda “sempre amarrado bem presinho prá trás”. Essa menina, “na hora do recreio, em vez de brincar, vai pro banheiro, molhar o cabelo e botar creminho. Diz que é prá hidratar...” A outra menina, Tatá, tem o cabelo “pretinho” e curto (curto para não dar trabalho), e anda sempre com uma tiara para que ele não arme. Já Ritinha possui o cabelo mais claro, castanho, e sempre usa trancinhas com bolinhas ou fitinhas coloridas nas pontas. O que se percebe aqui é que as meninas, mesmo inconscientemente (e orientadas pelas mães) não possuem a cultura de deixar os cabelos soltos. Eles aparecem sempre presos e com gel, ou seja, sempre escondidos pela vergonha de suas donas. Os cabelos crespos das crianças afro-descendentes são identificados como cabelo “ruim”, primeiro pelas mães, que internalizaram o estereótipo; e, na escola, pelos coleguinhas, que põem os mais variados apelidos nas trancinhas e nos cabelos crespos ao natural. (SILVA, 2005, p. 28) 401 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina O relacionamento dentro de sala de aula, e a exposição ao preconceito ainda na infância, também são temas dessa obra literária. No primeiro dia de aula, ao ver a nova amiga negra, alguém grita: “Mais um cabelo ruim na nossa classe!” É o retrato da cultura europeizada: desde pequeno, o dominador já impõe seus padrões de beleza, e o que é diferente passa a ser ridicularizado, motivo de piada, de escárnio. Nesse sentido, completa Silva (2005): Os estereótipos, a representação parcial e minimizada da realidade, conduzem o estereotipado e representado, em grande parte, à autorejeição, à construção de uma baixa auto-estima, à rejeição ao seu assemelhado, conduzindo-o à procura dos valores apresentados como universais, na ilusão de tornar-se aquele outro e libertar-se da dominação e inferiorização. (SILVA, 2005, p. 30) Outra situação também explorada pela autora é o despreparo de nossos professores (ou de nós, professores) em lidar(mos) com situações como essas em sala de aula. A professora tenta saber quem disse aquilo, mas, como ninguém se apresenta, a situação se encerra por ali. O que faltou? Diríamos que faltou identificar e corrigir a ideologia; faltou aproveitar a oportunidade e trabalhar o preconceito em sala de aula; faltou ensinar aos alunos que a diferença pode ser muito bonita; que nosso povo é lindo e, por isso, miscigenado; que a diversidade é um fator positivo; isso poderia contribuir para a auto-estima, para o acolhimento de outros valores das diversas culturas presentes na sociedade. A reação da menina, porém, mediante a abstenção da professora, foi de vergonha de sua cor e de seu cabelo e, claro, a tristeza e o inevitável choro. Quem a ajuda são as duas outras meninas negras da sala. E por quê? Porque elas se identificam com o problema; elas sentem na pele a dor do preconceito, sabem o quanto dói serem apontadas como as diferentes, as meninas do cabelo ruim, pixaim, Bombril ou, ainda, serem chamadas de “pretinha fedida”. Conversando e expondo o problema, Bia e Ritinha começam a tomar consciência da discriminação racial que sofriam: “Olha só gente, ela [Bia] não sabia que ‘cabelo ruim’ era xingamento! É que sua mãe sempre falava quando ia pentear seu cabelo: ‘Eta cabelo ruim, hein?’ Falava rindo, falava brincando.” (p.15) Reparemos que a discriminação já está tão incutida, tão arraizada que o próprio discriminado compactua com isso 402 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina inconscientemente, sem se dar conta. O sonho de Bia, quando crescesse, era alisar o cabelo, para acabar com aquele martírio de todos os dias, quando a mãe desembaraçava-lhe os cabelos. Já Ritinha achava que tudo podia ser resolvido com um soco; o problema é que a chateação era tão grande que, às vezes, ela nem se animava a bater nos outros. A conversa entre as meninas continuou, e foi Tatá quem despertou a consciência da própria recriminação nas outras meninas: “As pessoas acham nosso cabelo feio, esquisito, diferente e pronto. A gente mesma também acha. É ou não é?” (p.21) As meninas nunca haviam tido consciência disso, pois o que faziam era algo tão normal, tão natural, e acreditavam que o alisamento servia somente para que o cabelo ficasse “ajeitado”. Ritinha também pensava que só prendia o cabelo para que ele não virasse “uma arapuca”. Tatá provoca ainda mais: “Vocês acham normal ter vergonha do cabelo? Vocês acham normal não poder ficar com ele como ele é, ter que ficar fazendo alguma coisa com ele: alisar, esticar, prender...?” (p.23) À medida que iam conversando, as meninas percebiam que tinham, sim, vergonha dos próprios cabelos, mas que nunca haviam se dado conta; no fundo, as fitinhas, o gel, a tiara, os alisantes serviam para esconder os cabelos ruins. E começaram a analisar o mundo que as rodeava: por que nenhuma de suas bonecas possuía “cabelo ruim”? Por que nenhuma delas tinha a pele escura? Por que as moças e moços da TV tinham sempre cabelos lisos, loiros ou negros, mas sempre lisos e que balançavam com o vento? Por que na TV não havia ninguém com cabelo ruim? “Por que na novela, no comercial, na revista de moda não tem muitas menininhas pretinhas assim igual eu?” (p.27) Cabe aqui lembrar que o fato de não estar visível em atividades tão comuns pode levar a criança que pertence ao grupo étnico/racial invisibilizado e estigmatizado desenvolver um processo de auto-rejeição. Não foi o caso da personagem, mas pode ser o caso na vida real, com nossos alunos. Um dia, Tatá descobriu um novo nome para seu cabelo: CRESPO. As meninas gostaram do nome e agora só os chamavam assim. Das reflexões, passaram às brincadeiras de cabeleireiras e, juntas, desmistificaram seus próprios medos e segredos: todas soltaram os cabelos e aprenderam a gostar deles assim como eram, natural. A primeira a ousar sair para a rua assim foi Bia (ela saiu de casa escondida, pois se a mãe a visse assim brigaria com ela). Na rua, ninguém notou, porém na escola os cochichos e risadinhas aconteceram, mas Bia sentiu-se forte, dona de si e 403 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina disse: “Meu cabelo não é ruim, nem bom. Só é diferente...” (p.34) Notemos que aqui a personagem parece ter conseguido desconstruir a ideologia que desqualifica, e construir o processo da identidade étnico/racial e autoestima. Essa resposta fez a turma tomar consciência da existência do preconceito; e as três meninas pensaram que a partir daquele momento as coisas iriam mudar. Mudaram? Nem tanto! Em casa, as mães começaram a aceitar os cabelos das meninas, elas fizeram diversos penteados... mas os colegas de sala, ah! esses não mudaram. “Muita gente ainda ri dos cabelos delas na escola, no shopping, na rua de casa.” (p.37) Outra coisa que também não mudou foi o cabelo, “tem dia que dói prá caramba na hora de pentear. Tem dia que tá armado prá burro.” (p.27) Mas a vida e a própria aceitação das meninas mudou, e elas passaram a perceber que seus cabelos eram apenas “diferentes”, assim conseguiam levar a vida e suportar o preconceito. 4. O menino marrom Um outro livro que aborda a temática do negro de uma forma bem diferente do que se tem visto até então é “O menino marrom”, livro de Ziraldo, publicado pela Melhoramentos, em 2005. A obra se mostra muito interessante porque conta a história, na verdade, de dois meninos: um marrom e outro cor-de-rosa. O autor trabalha questões como descrição física e psicológica dos personagens e objetiva mostrar que ninguém é preto ou branco, todos somos uma mistura de cores. Outra coisa que chama a atenção são as ilustrações: os meninos são desenhados da mesma maneira, porém com cores diferentes, e aparece também uma coisa rara de se ver em livros: a figura da família: um pai e um filho, ambos negros, de mãos dadas, sorrindo – uma atitude normal entre pai e filho, porém nem tão normal assim nos livros, em se tratando de gente negra. No início da história, Ziraldo trabalha com a descrição física do menino marrom. Intencionalmente, o autor quer retratar a beleza negra do garoto: “Ele era um menino muito bonito. Caprichei no desenho do menino, mas acho que ele era muito mais bonito pessoalmente.” (p.3) E continua, descrevendo a cor da pele (“cor de chocolate” – “Chocolate puro, não aqueles misturados com leite (não gosto de chocolate com leite, daí achar a cor do chocolate puro mais bonita.”) (p.3); os olhos também são descritos, associados a outra coisa gostosa: a jabuticaba. De repente, o autor puxa a palavra “preto” – os olhos eram pretos como jabuticabas – e 404 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina começa, então, a brincar com o termo, afirmando que na natureza é difícil algo ser realmente preto. Inclusive, ele cita que especialistas e estudiosos dizem não existir cabelo humano absolutamente preto. A quebra da questão do preto se dá quando o narrador diz: “E vamos deixar de ficar falando neste negócio de preto, pois a nossa história é do menino marrom.” (p.3) Ou seja, o narrador tenta mostrar ao leitor que não é correto (cientificamente falando) chamar as pessoas negras de pretas e que isso é uma atitude racista, preconceituosa. Os dentes – outra parte do corpo estereotipada nos negros, indicando que eles possuem os dentes muito brancos – também são descritos, mas não como “brancos”, e sim como “clarinhos”, pois, senão, “Se você ficasse com a boca cheia de dentes brancos como a neve,você iria ficar ridículo, parecendo um vampiro sem presas.” (p.4) Quanto aos cabelos do menino marrom, eles aparecem como “enroladinhos e fofos”. São comparados a uma esponja. “Logo depois do banho, quando seus cabelos secavam, era um prazer ficar fazendo assim, com os dedos em gancho, fofando a cabecinha do menino marrom. Sempre achei que seus cabelos eram pretíssimos. Mas, um dia, um amigo, especialista em identificação do Instituto Félix Pacheco, me disse: ‘Não existem cabelos humanos absolutamente pretos, você sabia?’” (p.4) Aqui o autor parece querer reforçar a ideia do cabelo preto (ou da ausência do cabelo preto), uma vez que essa mesma frase já havia sido citada na página anterior. Diferentemente do que se ouve no dia a dia, o cabelo do negro não aparece aqui como ruim, pixaim ou Bombril, pelo contrário, o autor o compara a coisas boas e enaltece sua beleza. Outra característica bastante reforçada pelo autor é o nariz do menino marrom. Sabemos que este órgão é bem visado em termos de preconceito racial e que muitas crianças (e adultos!) envergonham-se de ter um nariz “achatado”. Ziraldo descreve com muita doçura o nariz do garoto: “Nariz de menino marrom nunca é pontudinho. Ele cresce mais para os lados do que para a frente. O do menino marrom era feito de três bolinhas. Uma bolinha maiorzinha no meio e duas menorzinhas, uma de cada lado, em volta das narinas.” (p.4) E reforça a ideia de beleza, afirmando: “Um desenho perfeito.” (p.4) Ziraldo cria um segundo personagem para sua história, um menino branco, que será amigo do menino marrom, ou melhor, branco, não, ele era “cor-de-rosa”; o autor começa a brincar com as cores da pele e mostra-se confuso: cor-de-rosa, branco, cor-de-pele branca, cor-de-pele marrom, enfim, ele mostra que há uma variedade muito grande de tonalidade de 405 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina peles e que nem por isso as pessoas deixam de ser mais valiosas. Ele mostra que, apesar de serem de cores diferentes, os garotos eram muito amigos e ambos possuíam valiosas qualidades. A questão da cor chega até a sala de aula, quando a professora trabalha o disco de Newton, e os garotos percebem que da mistura de todas as cores em movimento surge o branco. Como em casa, os meninos haviam misturado várias cores na aquarela e a tinta ficara marrom, a confusão na cabeça dos dois generalizou: “Quer dizer que eu sou todas as cores paradas e você é todas as cores em movimento?” (p.18) – perguntou o menino marrom. O outro menino responde: “Só tem um detalhe: eu não sou branco!” Novamente a questão do que é verdadeiramente branco na natureza é lançada, e eles chegam à conclusão de que “o mundo não é dividido entre pessoas brancas e pretas. O que existe é gente marrom, marrom-escuro, marrom-claro, avermelhada, cor-de-cobre, cor-de-mel, charuto, parda, castanha, bege, flicts, esverdeada, creme, marfim, amarelada, ocre, café-com-leite, bronze, rosada, cor-de-rosa e muitas outras variações.” (p.18) A ilustração da página seguinte é bem grande e mostra várias crianças sorridentes e bem diferentes umas das outras; todas possuem um cabelo diferente: liso, crespo, espetado, curto, comprido, mediano, amarrado, solto, com tranças, pretos, amarelos, verdes, marrons, repartidos, inteiros; também as cores das crianças são todas diferentes umas das outras, os olhos, os narizes, a raça, com negros, orientais, indígenas, enfim, o autor consegue, a partir desse desenho, mostrar a verdadeira mestiçagem de que é composta nosso país. E o melhor é que todos eles aparecem em um mesmo plano, sem se dar destaque a um ou outro elemento. Sobre a mestiçagem, Tadei (2002, p. 3, apud Azeredo, 2005) vê a questão como um “dispositivo do poder”, ou seja, a mestiçagem é “um conjunto de saberes e de estratégias de poder que atua sobre a nossa identidade nacional, tendo por objetivo integrar e tornar dóceis as etnias que estão na raiz de nossa nacionalidade (no caso os indígenas do continente e os negros africanos).” O mesmo autor lembra que durante a colonização o objetivo era disseminar o sangue europeu para criar aqui no Brasil um povo mais branco; assim, as pessoas que nasceram por essa época ficaram em um estágio intermediário entre “o bom (europeu) e o mau (negros e indígenas)”. Por isso, pode-se dizer que com a ilustração criada por Ziraldo, não dá para negar a diversidade e as identidades múltiplas as quais compõem o mosaico cultural brasileiro. A normatização dos estereótipos também é lembrada pelo narrador da história quando este comenta que “mesmo marrom, o menino marrom 406 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina achava normal ser chamado de preto. Mesmo cor-de-rosa, o menino cor-derosa achava normal ser chamado de branco.” (p.21) E o questionamento dos garotos se o fato de terem cores diferentes os fazia diferentes. Para eles tudo era igual. Ziraldo brinca com o “jogo dos contrários”, a fim de que a criança entenda que branco não é o contrário de preto, pois contrário é só quando “uma coisa toma o lugar da outra”, e o branco não pode tomar o lugar do preto ou vice-versa. Ziraldo também relata o preconceito em sua obra. Certo dia, o menino marrom vai ajudar uma velhinha a atravessar a rua, e ela fica apavorada, julgando-o um trombadinha. Decepcionado, ele torce para que um carro a atropele. O autor mostra novamente o preconceito na obra e, é válido afirmar, segundo Silva (2005, p. 30), que “os estereótipos conduzem o estereotipado à auto-rejeição, à construção de uma baixa auto-estima”. Foi o que aconteceu com o garoto; na história, ele torna-se triste e vingativo, “Como pode durar este jogo de deus e de diabo em peito de menino?” (p.24) Já na parte final do livro, o narrador afirma que o menino começava a entender por que o branco “dava uma ideia de paz, de pureza e de alegria” e por que o preto “simbolizava a angústia, a solidão, a tristeza”. Para ele, o preto representava a escuridão, “o olho fechado”, e o branco era “o olho aberto”, a luz. Tomou consciência de que o homem tornava tudo um símbolo, e o fato de o preto representar o ruim era nada mais nada menos que uma incipiente invenção. Quem disse que o preto é ruim e que o branco é bom? – questiona-se o narrador. O menino reflete e chega à conclusão de que, na verdade, o “preto é apenas a ausência do branco.” (p.30) O final da história (se é que assim podemos dizer, pois ela não termina) também é interessante porque o autor não nomeia quem é quem. Os meninos cresceram, viraram homens, os dois são doutores, porém, “um é craque de basquete e o outro, de voleibol”. E assim ele relata uma série de acontecimentos, sempre dizendo um fez isso, o outro aquilo, sem jamais nomeá-los, sem dizer quem fez o quê; isso é para mostrar que ambos podem atuar tanto em um lugar quanto em outro, já que todos somos iguais e diferentes ao mesmo tempo. 5. O papel da escola e do professor nas questões raciais Ao longo dos tempos, vemos que a escola tem sido palco das primeiras vivências de tensões raciais. Isso porque ela é responsável pela 407 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina socialização daqueles que a ela recorrem; a escola é, pois, um espaço em que se estabelecem relações entre crianças de diferentes culturas, raça e etnia. Assim, sendo, a relação entre uma criança branca e uma negra em sala de aula pode ser tensa. Não que a escola seja a culpada por introduzir esse preconceito na cabeça de seus alunos, muito pelo contrário, a escola recebe esses sujeitos já com certa formação (e daí nos lembramos de um dito o qual afirma que a educação vem de casa). Seu papel é destruir os estereótipos. É livrar-se de uma educação segregadora, exclusiva, discriminatória. De acordo com Silva (2005): Os estereótipos geram os preconceitos, que se constituem em um juízo prévio a uma ausência de real conhecimento do outro. A presença dos estereótipos nos materiais pedagógicos e especificamente nos livros didáticos, pode promover a exclusão, a cristalização do outro em funções e papéis estigmatizados pela sociedade, a auto-rejeição e a baixa autoestima, que dificultam a organização política do grupo estigmatizado. (SILVA, 2005, p. 24) O que percebemos, em certas circunstâncias, é que a escola funciona muito mais como um mecanismo de exclusão social, que uma via de acesso à cidadania, visto que o preconceito ali se instala. As crianças negras, muitas vezes, são vítimas de preconceito, mesmo sem se dar conta, pois já trazem de casa toda a bagagem cultural de que o bonito, o certo é o branco; fora isso, tudo é feio. Se repararmos bem, quem são sempre os escolhidos para fazer o anjinho ou o menino Jesus nas peças teatrais do ensino fundamental? Ou alguém já viu um menino Jesus negro em alguma escola? O interessante é que automaticamente a criança negra já se exclui desse papel, porque ela sabe que o papel do protagonista não é para ela. E isso é endoçado pelo professor! Fora essa problemática, a escola possui, ainda, conteúdos curriculares com visão eurocêntrica, livros didáticos preconceituosos e tendenciosos e professores despreparados para enfrentar situações de exclusões em sala de aula. Mediante tantas falhas no processo educacional, a participação efetiva da escola nessa luta em prol da justiça e da igualdade se deu somente a partir do ano de 2003, quando foi aprovada a Lei 10;639/03, que altera a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei 9394/96 estabelecendo a obrigatoriedade nos currículos escolares do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. O problema é que a lei parece ainda não ter sido conhecida por muitas escolas, e isso o próprio governo reconhece. Mas, devemos crer que já é um começo. Acreditamos que a 408 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina escola deva servir como um espaço para que crianças, jovens e adultos tenham a possibilidade de questionar e descontruir certos mitos que inferiorizam uns e trazem superioridade a outros. À escola, cabe, ainda, adotar uma postura aberta e reconhecer que a diversidade deve ser explicitada e valorizada. Ela deve mostrar que as pessoas são, sim, muito diferentes umas das outras; que não existe somente o preto e o branco, mas também o azul, o amarelo, o vermelho, etc e que cada um deve ser respeitado como tal. Além disso, a escola deve incluir a imagem e participação das minorias em atividades cotidianas de forma natural e positiva. É claro que o agente mais “direto” dessa situação é o professor. Por isso, ele deve manter-se aberto para suas próprias práticas sociais, prepararse teoricamente para enfrentar esses desafios, conhecer a legislação brasileira e desprover-se de qualquer espécie de preconceito, já que em sala de aula, ele é o “espelho” dos alunos. Da mesma forma que um professor que lê, estimula os hábitos de leitura dos alunos, um professor que discrimina acirra o preconceito, por isso, é preciso ter muito cuidado na hora de planejar as aulas, pois ele pode vir a ser “um mediador inconsciente dos estereótipos se for formado com uma visão acrítica das instituições e por uma ciência tecnicista e positivista, que não contempla outras formas de ação e reflexão.” (SILVA, 2005, p. 24) 6. Considerações Finais Ao longo deste estudo, lembramo-nos de como a personagem negra, mulata ou preta tem sido representada em nossa literatura e na sociedade. Vimos também que o Brasil é possuidor de uma história marcada por discriminações que inibem a manifestação da cultura afrobrasileira em favorecimento das concepções dominantes. De nosso lado, enquanto educadores, devemos dizer que a escola não pode ficar alheia a essa situação de preservar a identidade brasileira e das culturas afrobrasileira e africana uma vez que nossa população é formada também por essas matizes raciais. O combate ao racismo e à desigualdade social e racial, bem como, a reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da escola, no entanto, o preconceito e a discriminação passam sempre por ali. De acordo com Romão (2001), reverter essa situação só será possível a partir do reconhecimento da escola como reprodutora das diferenças 409 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina étnicas, investindo na busca de estratégias que atendam às necessidades específicas de alunos negros, incentivando -os e estimulando-os nos níveis cognitivo, cultural e físico. Para o autor, o processo educacional, além de poder ser o responsável pela busca da auto-estima, da autonomia, ele pode ser também o instrumento capaz de diminuir e prevenir o processo de exclusão social e incorporação do preconceito pelas crianças negras. O que se observa, na realidade, é que mesmo com leis que expõem a necessidade de uma outra visão acerca dos preconceitos, discriminações e exclusões raciais e sociais, na prática, tanto a escola como o docente ainda estão muito aquém daquilo que se almeja em termos de reparações e ações afirmativas em torno do assunto. A Lei 10.639/2003, apesar de criticada por muitos e desconhecida por outros, aponta caminhos para possíveis soluções – resta apresentá-las àqueles que ainda não a conhecem. É claro que sabemos que uma lei não é suficiente para mudar anos de invisibilidade da temática em questão, mas cremos que isso já é um início de uma luta, pois através de uma construção metodológica envolvendo todas as disciplinas, visaremos à conscientização da sociedade no combate ao preconceito racial. É fundamental que os currículos e livros escolares apareçam isentos de qualquer conteúdo racista; é preciso que eles reflitam as contribuições dos diversos grupos étnicos que formam a cultura brasileira. Não dá mais para ignorar essas contribuições e fingir que somos um país branco e único. É preciso repensar a “consciência mestiza”, como já trabalhava Anzaldúa (2005); não é possível esquecer a dor e a discriminação por que passou essa gente, por isso, ela pressupõe a afirmação da diferença, a importância de declarar, mostrar suas necessidades e sua luta. Não é mais possível aguentar o discurso de que o Brasil não é um país racista. Superar o racismo já é questão moral. Então, é preciso preparar nossos professores para que os mesmos façam um trabalho de desconstrução de ideologias humilhantes e que corrijam o estigma da desigualdade atribuído às diferenças, só assim poderão contribuir para a aceitação e reconhecimento dos valores culturais dos afro-brasileiros. É preciso que nos lembremos de que o processo educacional também é formado por dimensões, como ética, diversidade, cultura, sexualidade, relações raciais, relações de gênero e das diferenças de identidades, entre outras. E isso o docente não vai reconhecer (pelo menos não somente) no conteúdo, mas sim na prática do dia-a-dia, na convivência escolar. Pensar diversificadas maneiras de trabalhar com a questão racial na escola será nosso maior desafio. É preciso pensar no futuro, “Porque o futuro depende da quebra de paradigmas, depende da quebra de duas ou 410 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina mais culturas. Criando um novo mythos – ou seja, uma mudança na forma como percebemos a realidade, na forma como nos vemos e na forma como nos comportamos – La mestiza cria uma nova consciência.” (ANZALDÚA, 2005, p. 707). Enquanto educadores, precisamos de uma nova consciência; precisamos buscar a igualdade dos direitos sociais a todos os alunos e alunas e reconhecer que uma escola não é feita apenas de intelecto, mas também de relações humanas, de diferenças, de identidades, de diversidades, de emoções, enfim, de elementos tão comuns em nosso cotidiano que, muitas vezes, insistimos em deixá-los escondidos. Referências ANZALDÚA, Gloria. “La consciencia de la mestiza/Rumo a uma nova consciência. Revista Estudos Feministas, vol. 13, n. 3, 2005, p. 704-719. AZEREDO, Sandra. “Mestiçagem, igualdade e afirmação da diferença – pensando a política de cotas na universidade”. Revista Estudos Feministas, vol. 13, n. 3, 2005. p. 738-755. CARNEIRO, Sueli. Gênero e raça. 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SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NA ITERATURA DE RECEPÇÃO INFANTIL E JUVENIL: UM DIÁLOGO SINGULAR EM PLURALIDADES Eliane Santana Dias Debus PPGCL/UNISUL [email protected] Margarida Cristina Vasques Pedagogia/UNISUL; PIBIC/CNPq 1 Introdução A produção deste relatório apresenta os resultados finais da pesquisa “A cultura africana e afro-brasileira na literatura de recepção infantil e juvenil: um diálogo singular em pluralidades”, desenvolvida entre os meses de julho/2008 a julho/2009, no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica/CNPQ/2008. Esta pesquisa efetivou-se pela necessidade de viabilizar a inclusão da cultura e história africana e afro-brasileira no Ensino Fundamental e Médio, como demanda da Lei 10.639/2003, e por acreditarmos que a literatura tem reais contribuições para este fim. Assim, tem-se como meta dar visibilidade às leituras literárias destinadas ao público infantil e jovem que enfatizem o tema étnico-racial, ou, ainda, títulos que incluam a real participação de personagens negras, costumes afro-brasileiros e informações culturais produtoras de identificação entre o leitor e a narrativa. Como método investigativo, mapeamos oito casas editorias (Ática, Companhia das Letrinhas, DCL, Paulinas, Scipione, Mazza, Pallas e SM), tendo como referência os catálogos comerciais do ano de 2008/2009. Num primeiro momento levantamos o material bibliográfico-alvo para, então, posterior análise textual. Os catálogos editoriais somaram 2416 (dois mil, quatrocentos e dezesseis) livros publicados. Destes foram selecionados 170 (cento e setenta) livros que trouxeram a presença do negro, sua cultura e africanidades. Sendo assim, o investimento em livros étnico-raciais a partir de oito editoras corresponde a 7% (sete por cento) do seu total de publicações. 413 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Gráfico 1: Levantamento quantitativo dos catálogos editoriais. Fonte: Representação gráfica da somatória e seleção dos livros mapeados de oito editoras selecionadas. Através de alguns desses livros adquiridos para estudo, o trabalho propôs e concluiu a resenha, com propriedade descritiva e crítica, de 55 (cinqüenta e cinco) textos. Para aprofundar o estudo sobre a apresentação da cultura africana e afro-brasileira nos livros literários, foi construída a divisão dos títulos de acordo com a área temática, que para esta pesquisa contextualizou-se pelos seguintes tópicos: 1) A representação folclórica do negro; 2) Contos e recontos africanos; 3) Representação do negro no período escravocrata e pós escravocrata-histórico; 4) Personagens (crianças e adultos) contemporâneos em situações cotidianas; 5) Narrativas de caráter informativo, embora estejam nos catálogo literários; 6) Narrativas sobre elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira e/ou/africano; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do conto de fadas ou conto maravilhoso. Tabela 1: Apresentação de resultados quantitativos da pesquisa. Fonte: Representação numérica dos livros elencados por Margarida C. Vasques, 2009 414 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 2 Editora Ática Através do Catálogo 2008 com 577 títulos publicados foi possível elencar 19 títulos que trazem a presença do negro e/ou a cultura africana e afro-brasileira. São eles: – A risada do saci, de Regina Chamlian; Armazém do folclore, de Ricardo Azevedo; Consertam-se arco-íris, de Ivan Jaf/Fabiana Salomão; Contos de espantar meninos, de Regina Chamlian; Convivendo com as diferenças, de Laura Jaffé; Crianças como você, de Barnadas e Anabel Kindersley; De onde você veio? – Discutindo preconceitos, de Liliana Lacocca; Eu & os outros – Melhorando as Relações, de Liliana Lacocca; Eu como assim ou assado?, de Michele Lacocca; Melhor de três, de Angela Carneiro; Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado; Meu avô, um escriba, de Rodval Matias; Meu livro de folclore, de Ricardo Azevedo; No olho da rua, de Georgina da Costa Martins; O amigo do rei, de Eva Furnari; O que fazer? – Falando da convivência, de Liliana Lacocca; O saci e o curupira e outras histórias do folclore, de Joel Rufino dos Santos; Samira debocha do novo aluno, Christian Lamblin; Uma maré de desejos, de Georgina Martins. Resenhas elaboradas. A partir destes vinte livros selecionados foram construídas as resenhas de seis livros: A risada do Saci, de Regina Chamlian e ilustração de Helena Alexandrino; Meu livro de folclore e Armazém do folclore, ambos escritos por Ricardo Azevedo, com ilustrações de Ricardo Azevedo e Maria Azevedo; De onde você veio? Discutindo preconceitos, de Liliana Iococca e Michele Iacocca; Menina bonita do laço de fita, autora Ana Maria Machado e ilustração Claudius; O saci e o curupira e outras histórias do folclore, de Joel Rufino dos Santos e ilustrações de Zeflávio Teixeira; Uma maré de desejos, de Georgina Martins e ilustrações de Cris Eich. Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica do negro: A risada do saci, Meu livro de folclore, Armazém do folclore, Contos de espantar meninos, O saci e o curupira e outras histórias do folclore; 2) Contos e re-contos africanos: sem edições neste contexto. 3) Representação do negro no período escravocrata e pós escravocratahistórico: O amigo do rei; 4) Personagens (crianças e adultos) contemporâneos em situações cotidianas: Consertam-se arco-íris, Convivendo com as diferenças, Melhor de três, Menina bonita do laço de fita, No olho da rua, Samira debocha do novo aluno, e Uma maré de desejos; 5) Narrativas de caráter informativo, embora estejam nos catálogo literários: Crianças como você, De onde você veio? – Discutindo 415 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina preconceitos, Eu & os outros – Melhorando as Relações, Eu como assim ou assado?, Meu avô, um escriba, e O que fazer? – Falando da convivência. Para os próximos itens não houveram publicações naqueles contextos, são eles: 6) Narrativas sobre elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira e/ou/africano; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do conto de fadas ou conto maravilhoso. 3. Editora Companhia das Letrinhas No catálogo 2008-2009 constam 566 livros de literatura infantil e juvenil, sendo que em 23 encontramos a presença do negro e/ou histórias e cultura africanas e afro-brasileiras. Sendo: – A história dos escravos, de Isabel Schawarcz; De todos os cantos do mundo, de Magda Pucci e Heloisa Prieto; Mata Contos do folclore brasileiro, de Heloisa Prieto; Lá vem história, Heloisa Prieto; Lá vem história outra vez, Heloisa Prietro; O diabo na noite de natal, de Osman Lins; Livros de Reginaldo Prandi: Ifá, O Adivinho, Xangô, O Trovão, Oxumarê, O Arco-irís, José Moçambique e a capoeira, Histórias da Preta; Ao sul da África, de Laurence Quentin, A África, meu pequeno chaka, de Marie Sellier, Anansi, o velho sábio, Akimbo e os elefantes, Akimbo e os leões recontados por Kaleki, Como contar crocodilos, de Margaret Mayo, O Brasil em Festa, de Sávia Dumont, A história de Biruta, de Alberto Martins, Contos e Lendas AfroBrasileiras – A criação do mundo, de Reginaldo Prandi, Contos e lendas da África, de Yves Pinguilly, Ogum, O rei de muitas faces – e outras histórias dos orixás, de Lidia Chaib e Elizabeth Rodrigues, Tintim no Congo, de Hergé. Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica do negro: O diabo na noite de natal e Mata Contos do folclore brasileiro; 2) Contos e re-contos africanos: De todos os cantos do mundo, Lá vem história, Lá vem história outra vez, Ao sul da África, A África, meu pequeno chaka, Anansi, o velho sábio, Como contar crocodilos, Contos e Lendas Afro-Brasileiras – A criação do mundo e Contos e lendas da África; 3) Representação do negro no período escravocrata e pós escravocrata-histórico: A história dos escravos, Histórias da Preta, A história de Biruta; 4) Personagens (crianças e adultos) contemporâneos em situações cotidianas; Akimbo e os elefantes, Akimbo e os leões, O Brasil em Festa e Tintim no Congo; 5) Narrativas de caráter informativo, embora estejam nos catálogo literários: não há edições; 6) Narrativas sobre 416 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira e/ou/africano: Ifá, O Adivinho, Xangô, O Trovão, Oxumarê, O Arco-irís, José Moçambique e a capoeira, Ogum, O rei de muitas faces – e outras histórias dos orixás; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do conto de fadas ou conto maravilhoso: sem edições. 4 Editora DCL No catálogo 2008-2009 constam 234 livros de literatura infantil e juvenil, sendo que 26 apresentam histórias com personagens negros e/ou cultura africanas e afro-brasileiras. São eles: – Cada família é de um jeito, de Aline Abreu, Ana e Ana, de Célia Cristina, Um mundinho para todos de Célia Cristina, As narrativas preferidas de um contador de histórias, de Ilan Brenman, Aparício, de Sonia Rosa, A princesa Anastácia, de Elma Neves, A menina que tinha um céu na boca, de Julio Emílio Braz, Brasileirinho – história de amor do Brasil, de Ieda de Oliveira, coleção histórias e lendas do Brasil: Histórias e lendas do Brasil – Nordeste,, Histórias e lendas do Brasil – Sudeste, Histórias e lendas do Brasil – Sul, Entre o rio e as nuvens, de Katia Canton, Em boca fechada não entra mosca, de Fatima Miguez, Coleção Baobá – África fantástica, livros de Rogério Andrade Barbosa: Os gêmeos do tambor, O filho do vento, Como as histórias se espalharam pelo mundo, Duula – A mulher canibal; O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria, de Georgina Martina, Um barco, um avião, uma bolha de sabão, de Sandra Pina, As descobertas de Paulinho na metrópole, de Marina Franco, Brasil – folião, de Fátima Miguez, Brasil – menino, de Fátima Miguez, Um botão negro, outro branco, de Beto Belivácqua, Meu tataravô era Africano, de Georgina Martins e Teresa Silva Telles, Zagaia, de Allan Santos da Rosa, A Câmera do Sumiço, de Laura Bergallo. Resenhas concluídas. A partir de vinte e seis livros selecionados foram concluídas as resenhas de quatro livros: Ana e Ana, de Célia Godoy e ilustrações de Fê; Como as histórias se espalharam pelo mundo, de Rogério Andrade Barbosa e ilustrações de Graça Lima, Duula A mulher canibal – Um conto africano, de Rogério Andrade Barbosa, ilustrações: Graça Lima e Meu tataravô era africano, autora Georgina Martins e Teresa Silva Telles, e ilustrações de Maurício Negro. Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica do negro: Histórias e lendas do Brasil – Nordeste, Histórias e lendas do 417 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Brasil – Sudeste; Histórias e lendas do Brasil – Sul; 2) Contos e re-contos africanos: As narrativas preferidas de um contador de histórias, Os gêmeos do tambor; O filho do vento; Como as histórias se espalharam pelo mundo; Duula – A mulher canibal; 3) Representação do negro no período escravocrata e pós escravocrata-histórico: Brasileirinho – história de amor do Brasil, Brasil – menino e Meu tataravô era Africano; 4) Personagens (crianças e adultos) contemporâneos em situações cotidianas: Cada família é de um jeito, Ana e Ana, Um mundinho para todos, Aparício, A meninha que tinha um céu na boca, Em boca fechada não entra mosca, O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria, Um barco, um avião, uma bolha de sabão, As descobertas de Paulinho na metrópole, Brasil – folião, Um botão negro, outro branco, Zagaia, A Câmera do Sumiço; 5) Narrativas de caráter informativo, embora estejam nos catálogo literários: sem edições; 6) Narrativas sobre elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira e/ou/africano: Entre o rio e as nuvens; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do conto de fadas ou conto maravilhoso: A princesa Anastácia. 5 Editora Mazza A editora Mazza apresentou dois catálogos 2009 com 61 livros de literatura infantil e juvenil e, ainda, para leitores influentes, com histórias de diferentes contextos e temáticas. Sendo assim, através do catálogo de livros de literatura infantil e juvenil e do catálogo de livros para leitores influentes foram elencados 26 títulos que apresentam histórias com personagens negros e/ou cultura africanas e afro-brasileiras. Comparando com o levantamento feito em 2008, constatou-se um aumento na produção de livros étnicos-raciais que anteriormente somavam 14 publicações. Os livros selecionados foram: A princesa e o vento, texto de Martha Rodrigues, Betina, texto de Nilma Lino Gomes, Matilde, de Eliene Nery, Entremeio sem babado, de Patrícia Santana, As três vidas de Fred, por Carmem Lucia Eiterer, O menino que não nasceu da barriga da mãe, por Carmem Luica Eiterer, A ginga da Rainha, de Iris Amâncio, Aquilo que a mãe não quer, por Geni Guimarães, Minha mãe é negra sim!, de Patrícia Santana, A era dos êres: uma Era ao culto da Natureza e dos Orixás, por Adriano Bitarães, Cadarços desamarrados, por Maria do Carmo Ferreira da Costa, Criança especial criança diferente, de Eliene Nery, Meninos de rua, de Ângela Diniz D. Teixeira, Coleção Griot Mirim, textos de Madu Costa, Madu Galdino, Martha Rodrigues e Mara Evaristo: Koumba e o Tambor 418 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Diambê, Que cor é a minha cor?, Meninas negras, Mãe Dinha e Livro do professor, O congado para crianças, de Edimilson de Almeida Pereira, Zumbi dos Palmares, de Marcos Antônio Cardoso e Maria de L. Siqueira, O negro na filatelia brasileira, de Maria Zilá Teixeira de Matos, Histórias do Tio Jimbo, de Nei Lopes e Maurício Veneza, Os comedores de palavras, de Edimilson Almeida Pereira e Rosa Margarida de Carvalho Rocha. Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo, Becos da Memória, de Conceição Evaristo, Livro de falas/Book of voices, de Edimilson de Almeida Pereira. Resenhas. A partir de vinte e seis livros selecionados foram concluídas as resenhas de três livros, conforme a seguir: A ginga da Rainha, autora Iris Maria da Costa Amâncio e ilustrações através de imagens de panos adquiridos pela autora no mercado popular Roque Santeiro (Luanda,2001); O Congado para crianças, por Edimilson de Almeida Pereira e ilustrações de Rubem Filho e Os comedores de palavras, autor Edimilson de Almeida Pereira, ilustrações de Rosa Margarida de Carvalho Rocha. Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica do negro: não há edições; 2) Contos e re-contos africanos: A ginga da Rainha; Koumba e o Tambor Diambê, Os comedores de palavras; 3) Representação do negro no período escravocrata e pós escravocratahistórico: Ponciá Vicêncio; 4) Personagens (crianças e adultos) contemporâneos em situações cotidianas: Betina, Matilde, Entremeio sem babado, As três vidas de Fred, O menino que não nasceu da barriga da mãe, Aquilo que a mãe não quer, Minha mãe é negra sim!, Cadarços desamarrados; Criança especial criança diferente, Meninos de rua, Que cor é a minha cor?, Meninas negras, Mãe Dinha, Histórias do Tio Jimbo, Becos da Memória; 5) Narrativas de caráter informativo, embora estejam nos catálogo literários: Criança especial criança diferente, O congado para crianças, Zumbi dos Palmares, O negro na filatelia brasileira; 6) Narrativas sobre elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira e/ou/africano: A era dos êres: uma Era ao culto da Natureza e dos Orixás, Livro de falas/Book of voices; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do conto de fadas ou conto maravilhoso: A princesa e o vento. 419 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 6. Editora Pallas Na editora Pallas 19 títulos trazem a temática do negro, África e africanidades. São eles: Erinlê, o caçador e outros contos africanos, de Adilson Martins, O papagaio que não gostava de mentiras e outras fábulas africanas, de Adilson Martins, Uma idéia luminosa, de Rogério Andrade Barbosa, Seis pequenos contos africanos sobre a criação do mundo e do homem, de Raul Lody, Falando Banto, de Eneida Gaspar, Coleção biblioteca afro-brasileira, vários autores, O tabuleiro da baiana, de Sonia Rosa, Feijoada, de Sonia Rosa, Jungo, de Sonia Rosa, Maracatu, de Sonia Rosa, Capoeira, de Sonia Rosa, Sikulume e outros contos africanos, de Júlio Emílio Braz, O menino Nito, de Sonia Rosa, Bruna e a galinha D`Angola, de Gercilga de Almeida, Porque Oxalá usa Ekodidé, de Deoscóredes M. dos Santos, Caroço de Dendê, de Máe Beata de Yamonjá, Na rota dos tubarões – o tráfico negreiro e outras viagens, de Joel Rufino dos Santos, Aparência, de Julio Emílio Braz, Lendas de Exu, de Adilson Martins. Resenhas. A partir destes dezenove livros selecionados foram concluídas as resenhas de onze livros, conforme a seguir: Bruna e a galinha D`Angola, de Gercilga de Almeida e ilustração de Valéria Saraiva, Caroço de Dendê: a sabedoria dos terreiros: como Ialorixás e Babalorixás passam seus conhecimentos a seus filhos, autora Mãe Beata de Yemonjá e ilustração: Raul Lody, Coleção Lembranças Africanas – Livro 1: Capoeira, Livro 2: Maracatu, Livro 3: Jongo, Livro 4: Feijoada, da autora Sonia Rosa e ilustrações de Rosinha Campos, Erinlé, o caçador e outros contos africanos, de Adilson Martins e ilustração: Luciana Justiniani Hees, Falando Banto, de Eneida D. Gaspar e ilustração de Victor Tavares, O Menino Nito...então, homem chora ou não?, de Sonia Rosa e ilustrações Cristina Azevedo, O papagaio que não gostava de mentiras e outras fábulas africanas, de Adilson Martins e ilustrações de Luciana Justiniani Hees, O tabuleiro da baiana, de Sonia Rosa e ilustração de Rosinha Campos, Porque Oxalá usa Ekodidé, de Deoscóredes M. dos Santos (Didi), Seis pequenos contos africanos sobre a criação do mundo e do homem, de Raul Lody, Uma idéia luminosa, de Rogério Andrade Barbosa e ilustrações de Thais Linhares. Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica do negro: sem edições; 2) Contos e re-contos africanos: Erinlê, o caçador e outros contos africanos, O papagaio que não gostava de mentiras e outras fábulas africanas, Uma idéia luminosa, Seis pequenos contos 420 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina africanos sobre a criação do mundo e do homem, A lenda do Timbó, Sikulume e outros contos africanos. 3) Representação do negro no período escravocrata e pós escravocrata-histórico: Na rota dos tubarões – o tráfico negreiro e outras viagens; 4) Personagens (crianças e adultos) contemporâneos em situações cotidianas: Bruna e a galinha D`Angola, Aparência; 5) Narrativas de caráter informativo, embora estejam nos catálogo literários: Coleção biblioteca afro-brasileira; 6) Narrativas sobre elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira e/ou/africano: Falando Banto, O tabuleiro da baiana, Feijoada, Jungo, Maracatu, Capoeira, Porque Oxalá usa Ekodidé, Caroço de Dendê, Lendas de Exu; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do conto de fadas ou conto maravilhoso: não há edições nesta temática. 7. Editora Paulinas O levantamento da editora Paulinas somou 400 títulos publicados, sendo que 22 trazem a presença da cultura africana e afro-brasileira, ou ainda, o personagem negro. São eles: Tarsila, de Lia Zatz e Zeflávio Teixeira, Quando eu digo digo digo, de Lenice Gomes, Batuques de Limeriques, de Marcelo Dolabela e Clô Paoliello, Dez sacizinhos, de Tatiana Belinky e Roberto Weigand, Ciça, de Neusa Jardem Possatti e Renato Alarcão, Benedito, de Hugo Monteiro Ferreira e Douglas Barzon, O milagre de Natal, de Luiz Fernando Abreu e Gerson Conforti, A torto e a direito, de Braz Uzuelle, Contos africanos para crianças brasileiras, de Rogério Andrade Barbosa e Maurício Veneza, Outros contos africanos para crianças brasileiras, de Rogério Andrade Barbosa e Maurício Veneza, Ulomma – A casa da beleza e outros contos, de Sunny e Denise Nascimento, Contos da Lua e da beleza perdida, de Sunny e Denise Nascimento, Os reizinhos do Congo, de Edimilson de Almeida Pereira e Graça Lima, O telefone de latas, de Édimo de Almeida Pereira e Rubem Filho, O colecionador de pedras, de Prisca Agustoni, Rua Luanda, de Edimilson de Almeida Pereira, Histórias trazidas por um cavalo-marinho, de Edimilson de Almeida Pereira e Denise Nascimento, Histórias da África, de Gcina Mhlophe, 13 lendas brasileiras, de Mario Bag, O livro das origens, de José Arrabal, Lendas brasileiras – Norte, Nordeste e Sudeste, de José Arrabal e Sérgio Palmiro, De alfaias a zabumbas, de Raquel Nader e Rosinha Campos. Resenhas. A partir destes 22 livros selecionados foram concluídas as resenhas de onze livros, conforme a seguir: Benedito de Hugo Monteiro 421 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Ferreira e ilustração de Douglas Barzon; Conceição de Vila Rica, de Joaquim Borges e ilustrações Denise Nascimento; De alfaias a zabumbas de Raquel Nader e Rosinha Campos com ilustrações de Rosinha Campos; Histórias da África, de Gcina Mhlophe e ilustrações de Kalle Becker; Jeannie Kinsler; Kim Longhurst, Lalelano Mbhele e Junior Valentim; O colecionador de pedras, de Prisca Agustoni, O livro das origens de José Arrabal e ilustrações de Andréa Vilela; Os reizinhos de Congo, de Edimilson de Almeida Pereira e ilustrações de Graça Lima; Rua Luanda, de Edimilson de Almeida Pereira e ilustrações de Rubem Filho; O Milagre de Natal, de Luiz Fernando Abreu e ilustração de Gerson Conforti; Outros Contos Africanos para crianças brasileiras, de Rogério Andrade Barbosa e ilustrações de Maurício Veneza e Histórias trazidas por um cavalomarinho de Edimilson de Almeida Pereira e ilustrações Denise Nascimento. Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica do negro: Dez sacizinhos, Lendas brasileiras; 2) Contos e re-contos africanos: Contos africanos para crianças brasileiras, Outros contos africanos para crianças brasileiras, Ulomma – A casa da beleza e outros contos, Contos da Lua e da beleza perdida, Histórias trazidas por um cavalo-marinho, Histórias da África; 3) Representação do negro no período escravocrata e pós escravocrata-histórico: sem edições; 4) Personagens (crianças e adultos) contemporâneos em situações cotidianas: Tarsila, Ciça, Benedito, Conceição de Vila Rica, O milagre de Natal, A torto e a direito, O telefone de latas, O colecionador de pedras; 5) Narrativas de caráter informativo, embora estejam nos catálogo literários: Quando eu digo digo digo; 6) Narrativas sobre elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira e/ou/africano: Batuques de Limeriques, Os reizinhos do Congo, Rua Luanda, O livro das origens, De alfaias a zabumbas; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do conto de fadas ou conto maravilhoso: não há edições neste contexto. 8. Editora Scipione Sobre o catálogo 2007/2008 constam 386 títulos, destes 15 trazem a presença da cultura africana e afro-brasileira. São eles: Diga paz, de Sam Willians, Poesia pela cidadania, de Odete Rodrigues Baraúna, História cabeluda, de Lô Galasso e Maria Lúcia Mott, Uma ponte, um rio, o Pedro e o Zezinho, Márcia Batista, Bruxa Onilda e a macaca, de Roser Capdevilla e Enric Larreula, Mãe de Ouro, de Lucília Garcez, Ururau, praga e pica-pau, 422 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina de Celso Sisto, Três contos da sabedoria popular, de Rogério Andrade Barbosa, Nyangara Chena: A cobra curandeira, de Rogério Andrade Barbosa, O capitão e a sereia, de André Neves, Arrepiando a pele, de Stella Carr, O grupo dos quatro – As crianças do mundo, de Laurence Gillot, O truque de Cúri – as casas do mundo, de Claire Ubac, A arte de olhar – famílias, de Nereide Schilaro Santa Rosa, No tempo da escravidão no Brasil, de Maria Lúcia Mott. Resenha. A partir de 15 livros selecionados foi concluída a resenha do título seguinte: História Cabeluda de Lô Galasso & Maria Lúcia Mott e ilustraçãode Cecília Iwashita. Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica do negro: Mãe de Ouro, Três contos da sabedoria popular, O capitão e a sereia; 2) Contos e re-contos africanos: Ururau, praga e pica-pau; 3) Representação do negro no período escravocrata e pós escravocratahistórico: No tempo da escravidão no Brasil; 4) Personagens (crianças e adultos) contemporâneos em situações cotidianas: Diga paz, Poesia pela cidadania, História cabeluda, Uma ponte, um rio, o Pedro e o Zezinho, Bruxa Onilda e a macaca, Arrepiando a pele, O grupo dos quatro – As crianças do mundo, O truque de Cúri – as casas do mundo; 5) Narrativas de caráter informativo, embora estejam nos catálogo literários: A arte de olhar – famílias; 6) Narrativas sobre elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira e/ou/africano: Nyangara Chena: A cobra curandeira; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do conto de fadas ou conto maravilhoso: sem edições. 9. Editora SM Através do catálogo 2008/2009 foram elencados 173 títulos, destes 20 trazem a presença do negro. São eles: A cabra mágica, de Meshack Asare, A travessia dos elefantes, de Alejandro Sandoval, Caminhos de Exu, de Carolina Cunha, A lenda de Taita Osongo, de Joel Franz Rosell, Mzungu, de Meja Mwangi, A fazenda distante, de Pierre-Marie Beaude, Minha família é colorida, de Georgina Martins, As panquecas da Mama, de Mary e Rich Chamberlin, Um safári na Tanzânia, de Laurie Krebs, O chamado de Sosu, de Meshack Asare, Histórias de Ananse, de Adwoa Badoe, Cadê você, Jamela?, de Niki Daly, O que tem na panela, Jamela?, de Niki Daly, ABC do continente africano, de Rogério Andrade Barbosa, Os chifres da hiena e outras histórias da África Ocidental, de Mamadou 423 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Diallo, Yemanjá, de Carolina Cunha, Eleguá, de Carolina Cunha, Oxente! A mulher enterrada viva, de Toni Brandão, Creindeuspai! A procissão dos mortos vivos, de Toni Brandão, Volta ao mundo dos contos nas asas de um pássaro, de Catherine Gendrin. Resenhas. Através da disponibilidade de todos os livros elencados por esta editora, tornou-se possível a construção de resenhas de todos os 19 títulos listados acima. Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica do negro: sem edições nesta temática; 2) Contos e re-contos africanos: A cabra mágica, Histórias de Ananse, Os chifres da hiena e outras histórias da África Ocidental, Volta ao mundo dos contos nas asas de um pássaro; 3) Representação do negro no período escravocrata e pós escravocratahistórico: A lenda de Taita Osongo, Mzungu; 4) Personagens (crianças e adultos) contemporâneos em situações cotidianas: A travessia dos elefantes, A fazenda distante, Minha família é colorida, As panquecas da Mama, Um safári na Tanzânia, O chamado de Sosu, Cadê você, Jamela?, O que tem na panela, Jamela?, Oxente! A mulher enterrada viva, Creindeuspai! A procissão dos mortos vivos; 5) Narrativas de caráter informativo, embora estejam nos catálogo literários: sem edições; 6) Narrativas sobre elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira e/ou/africano: Caminhos de Exu, ABC do continente africano, Yemanjá, Eleguá; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do conto de fadas ou conto maravilhoso: não há edições nesta temática. Gráfico 2: Resultado da divisão dos livros selecionados de acordo com a área temática. Fonte: Representação gráfica da divisão dos livros selecionados por áreas temáticas. 424 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Conclusões Crianças e jovens querem saber sobre o mundo e seus significados construindo o conceito das coisas que os rodeiam e de si mesmos e podem experimentar estes saberes através da leitura literária. Encontramos nas narrativas analisadas ludicidade e fantasia, elementos importantes para a formação do leitor, além da construção de um repertório em que as diferenças culturas estão presentes. Reconhecer a plenitude da arte, religião e lendas africanas e afrobrasileiras é identificar e se identificar não apenas a cor da pele, mas as narrativas que se comprometem com a história da África. Sendo assim, a importância deste trabalho de pesquisa está na possibilidade de divulgar a literatura como ferramenta primordial para desvelar a cultura afrobrasileira e africanas, pois ao analisar cada livro podemos não somente adquirir saberes, mas questionar e apontar antigos valores transpondo as barreiras do racismo brasileiro. Para a educação a elaboração de conhecimentos se dá na interação social entre adultos e crianças que devem buscar fazer dela um espaço onde o saber histórico e culturalmente elaborado seja, de fato, socialmente distribuído. Através dos estudos apresentados, concluímos que a literatura infantil e juvenil é uma importante ferramenta ao ampliar as referências para o desenvolvimento emocional, cognitivo e social da criança, indo ao encontro à identidade de cada par. Alguns temas como arte e religião surgem de forma clara e estética e, em princípio, não há limitações quanto à aplicabilidade do material literário ao sistema de educação nacional. Constata-se, acima de tudo, que um dos caminhos para o entendimento e consciência acerca da pluralidade cultural está também na apropriação da leitura literária produtora de identidade e inclusão social. Referências GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela lei federal n. 10.639/03/Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília: Ministério da educação, SECAD, 2005. SILVA, Nelson Fernando Inocêncio da. Africanidade e Religiosidade: Uma possibilidade de abordagem sobre as sagradas matrizes africanas na escola. Brasília: Edições MEC/BID/UNESCO, 2005. 425 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina SOUSA, Francisca Maria do Nascimento. Linguagens escolares e reprodução do preconceito. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela lei federal n. 10.639/03/Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília: Ministério da educação, SECAD, 2005. 426 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A LEITURA LITERÁRIA PROMOVENDO REFLEXÕES SOBRE A TEMÁTICA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA: A VOZ DAS CRIANÇAS DO “PROJETO MALUNGO” Elika da Silva Pedagoga/UNISUL [email protected] Eliane Santana Dias Debus PPGCL/UNISUL [email protected] O livro quer ser livre como livre é o pássaro que inventa o seu caminho. Thiago de Mello A reflexão de Thiago de Mello abre caminho para esta pesquisa que teve por objetivo investigar como a literatura infantil com temática africana e afro-brasileira está presente nas escolas da rede pública estadual de Santa Catarina e em especial numa escola de Florianópolis. É por acreditar que a literatura no espaço escolar contribui para uma relação construtiva da criança com o livro e para formação da sua identidade, que esta pesquisa se construiu. Acreditamos que a escola é um o espaço onde todos possam exercer sua cidadania com dignidade onde não existam posturas de preconceito e discriminação, onde a diversidade cultural e étnica de nosso país possa servir de exemplo e orgulho para nossas crianças, segundo Leite e Rodrigues (2000, p. 12) Uma sociedade que em virtude da mobilidade das populações e dos fenômenos de globalização se torna cada dia mais multicultural exige uma escola que recontextualize os seus conteúdos e estratégias de ensino, de forma a ser capaz de reconhecer a diversidade das culturas e de valorizar processos de interacção que gerem enriquecimentos mútuos. Nesse contexto a literatura infantil ocupa um importante papel, principalmente na contemporaneidade, em que as narrativas apresentam personagens africanos e afro-brasileiros em uma postura de valorização. É por acreditar que a literatura no espaço escolar contribui para uma relação 427 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina construtiva da criança com o livro e para formação da sua identidade, que esta pesquisa se efetivou. Através da literatura, pode-se promover uma educação que valorize a diversidade cultural, mas ressaltando que a leitura de livros não pode ser simplesmente uma obrigação, tanto do professor como do aluno, mas deve sim ser uma relação de prazer e admiração para com o livro. Como destaca Celso Sisto (2003, p. 131) “o jogo da leitura, que envolve imaginação, fantasia e emoção tem que ser a porta de entrada do meu aluno no livro, e não a droga do utilitarismo, que reduz toda e qualquer obra a uma necessidade prática”. Sabe-se que o atual mercado editorial brasileiro vem investindo forte na produção literária para crianças. Porém, como destaca Debus (2006a, p. 107), “algumas publicações editoriais estão mais preocupadas em veicular os conteúdos escolares e fortalecer o pacto de venda do que com a qualidade estética das obras que veiculam”. Por isso a necessidade de refletir sobre o que está sendo produzindo sobre a questão étnico-racial. A literatura infantil como possibilidade de emancipação do leitor A função social da literatura só se faz manifesta na sua genuína possibilidade ali onde a experiência literária do leitor entra no horizonte de expectativas da prática de sua vida, pré-forma sua compreensão de mundo e com isto repercute também em suas formas de comportamento social. Hans Robert Jauss A literatura infantil possibilita a emancipação do leitor, já que ela é um grande caminho para formar leitores competentes, e assim repercutir no comportamento social, a partir de reflexões e não imposições, embora em sua origem teve um fim direcionado, como observa Zilberman (2003, p. 71) “a literatura infantil originou-se da valorização que recebeu a infância a partir do século XVIII e da necessidade de educá-la, o que por sua vez, decorreu da centralização da sociedade em torno da família burguesa”. No século XVIII, houve uma transformação de tratamento e uma nova compreensão de infância. A mudança se deu a uma nova noção de família, segundo Zilberman (2003, p. 15) “... inexistia uma consideração especial para com a infância. Essa faixa etária não era percebida como um tempo diferente, nem o mundo da criança como um espaço separado”. Portanto não seria necessária uma literatura específica para esse público, no 428 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina entanto a noção de família gerou o cuidado e a preocupação com a infância. Daí surgiu a escola e os produtos culturais para a infância, entre eles a literatura infantil, com o intuito de passar valores e controlar o desenvolvimento intelectual das crianças. Neste sentido, Zilberman (2003, p. 34) destaca que: Para conceituar-se a literatura infantil, é preciso proceder a uma consideração de ordem histórica, uma vez que não apenas o gênero tem uma origem determinável cronologicamente, como também seu aparecimento decorreu de exigências próprias da época [...] as ascensões respectivas de uma instituição como a escola, de práticas políticas, como a obrigatoriedade do ensino e a filantropia, e de novos campos epistemológicos, como a pedagogia e a psicologia, não apenas interrelacionadas, mas uma conseqüência do novo posto que a família e respectivamente a criança adquirem na sociedade. É no interior dessa moldura que eclode a literatura infantil Os livros de literatura infantil que têm no período a função de propagar valores começam a ser lançados. Entretanto, mesmos nos contos de fadas tradicionais, existe um exemplo de vida familiar a ser seguido, assim como várias outras histórias infantis que trazem valores com seus finais sempre mostrando que o correto é seguir as orientações familiares e não sair deste cerco, que é a família sua melhor estrutura de segurança com o pai provedor do sustento e mãe responsável pelo lar e pela preservação dos filhos. Embora o conceito de infância, hoje tenha novos valores, ainda se encontram livros que perpetuam valores conservadores e de dominação. A questão é que o mercado editorial (escritores, editores, agentes culturais) nem sempre estão comprometidos com a qualidade, mas sim com a quantidade de livros que irão vender. Por isso, a questão da representação dos afrodescendentes na literatura infantil ainda é uma lacuna a ser preenchida, por mais que a literatura infantil brasileira tenha contemplado o tema em suas narrativas, e apesar das editoras e autores estarem mais preocupados com a questão étnica, ainda há muito a ser conquistado, pois o que mais aparece ainda nos livros infantis, são os modelos de famílias européias. Zilberman (2003, p. 225) quando escreve sobre a mudança de rumo da literatura infantil brasileira, cita dois autores da modernidade como os principais protagonistas de novos olhares sobre a literatura infantil, Joel Rufino dos Santos, com O soldado que não era e Ana Maria Machado com 429 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Do outro lado tem segredo. Com esses autores “rompem-se necessariamente os laços ideológicos da literatura infanto-juvenil com o aparelho escolar” (p. 223), pois nesses títulos os autores destacam heróis populares, homens, mulheres e negros, mostrando que sem o sangue desta gente não haveria vitória, e trazendo também informações mais completas “sobre o aprisionamento e escravização dos negros africanos, suas constantes revoltas, o papel do líder Zumbi...” (ZILBERMAN, p. 224). No entanto, este quadro se transformou lentamente, através de muita luta dos movimentos negros e pesquisadores, a questão étnico-racial tem aos poucos alcançado importantes conquistas e influências, uma delas é no ramo editorial. Na atualidade, existem muitos livros que trazem a representação de personagens afro-brasileira em posições de desafios e valorização da cultura africana, proporcionando ao leitor uma noção de apropriação, auxiliando assim a criança leitora na sua construção do conhecimento e compreensão do mundo que a rodeia, com suas diferentes culturas. É pertinente que estejamos atentos ao que vem se produzindo neste sentido, pois não basta integrar os afrodescendentes na literatura. A produção tem que ser de qualidade, em uma sociedade assim como a nossa, na qual o acesso a livros é restrito a poucos torna-se fundamental que a escola, muitas vezes é o único acesso ao livro que a criança tem, e o educador sejam cautelosos com a seleção e movimentação do acervo de literatura africana e afro-brasileira, na biblioteca e com a leitura em sala de aula. Para que o livro seja uma obra que esclareça como os afrodescendentes são partes integrantes na formação da nossa sociedade, não basta trazer personagens negras e falar sobre preconceito. É importante levar em consideração como são trabalhados e ilustrados estes livros; se apresentam ilustrações positivas de personagens negros; e se os conteúdos abrangem o universo cultural africano e afro-brasileiro, obras onde habitem reis e rainhas negras, deuses africanos, e outros, cujas leituras possam participar da construção da auto-estima das crianças afrodescendentes. A Literatura Infantil pelo olhar das crianças A pesquisa de campo foi realizada em uma escola pública estadual de Florianópolis (SC), verificando como esta desenvolve atividades 430 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina incluindo a questão étnico-racial a partir de um trabalho chamado “Projeto Malungo”, focalizando o uso da literatura infantil. Os recursos utilizados para coletas de dados foram os bastidores de um vídeo documentário e um questionário com seis questões relacionadas ao “Projeto Malungo” e a presença da literatura infantil africana e afrobrasileira. Os “bastidores” da gravação do Vídeo Documentário Malungo (2006), que não foram utilizados no vídeo final no qual às crianças apresentam seus relatos sobre a literatura infantil que deu suporte ao projeto, nos serviu como instrumento de observação e reflexão sobre como os alunos se apropriaram da literatura africana e afro-brasileira. As crianças são filmadas individualmente, fora da sala de aula e relatam suas impressões sobre as histórias que mais gostaram de ler durante o projeto. São impressionantes as suas falas narrando as histórias dos livros, pois contam todos os detalhes dos livros, com uma expressão de contentamento. Os relatos são de 15 crianças, sendo os livros citados os que trazem em seus textos a história e cultura dos africanos e afro-brasileiros. Os livros citados são: O capoeira, de Sonia Rosa; Bruna e a galinha D’Angola, de Gercilga de Almeida; Que cor é a minha cor, de Martha Rodrigues; Orixás – Ifá o adivinho de Reginaldo Prandi; As tranças de Bintou, de Sylviane A. Diouf; O baú das histórias – um conto africano, de Gail E. Haley; Zeca do morro, de Márcia Vilela Moura de Oliveira; Os sete novelos um conto de Kwanzaaa, de Ângela Shelf Medearis; Luana, a menina que viu o Brasil neném, de Aroldo Macedo e Osvaldo Faustino; O boi-de-mamão e Os bichos da África 2, de Rogério Andrade Barbosa; duas crianças contam a história Meninas negras, de Madu Costa; e três narram à história Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado. Torna-se importante destacar que embora Rogério Andrade Barbosa seja um dos escritores brasileiros que mais tem se dedicado em recontar as histórias africanas, o livro citado pela criança O boi de mamão não tematiza a cultura africana. Vejamos agora duas histórias narradas pelas crianças que selecionamos para destacar neste espaço. Durante o relato das narrativas pelas próprias crianças, uma delas ao falar sobre a história Menina bonita do laço de fita disse: Ela é negra igual eu!130 Constatando assim que a literatura tem um poder sobre o leitor, 130 As falas das crianças vão estar destacadas em itálico. 431 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina neste caso foi positivo, pois a criança ao falar sobre a história reconhece a sua cultura e identifica-se com a personagem do livro. Vejamos as narrativas na percepção destas crianças: (Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado) Eu lembro que aqui dentro tem uma menina bem bonitinha, a mãe dela faz trancinhas nela, ela tem a cor da pantera negra quando corre na chuva, o coelho ele é vizinho dela, daí ele pega e pergunta pra ela, menina bonita do laço de fita, qual seu segredo para ficar tão moreninha, tão pretinha assim? É por causa de uma vó morena que ela teve [...] lá da África que era mãe, da mãe dela, daí misturou a cor, o pai dela também era moreno, daí foi misturando a cor e ela ficou assim, ela é negra igual eu. O que nos chamou atenção foi à inserção da palavra “morena” citada pela menina, que não aparece na história escrita. Percebe-se que mesmo se reconhecendo como negra, ela ainda sustenta um modelo de embranquecimento que por muito tempo foi sustentado pela sociedade e ainda o é. Vejamos outra narrativa, que nos chama a atenção: (O baú das histórias – um conto africano, de Gail E. Haley) 432 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Este aqui é o baú das histórias (mostra o baú no livro), tem uma parte que ele, ele tem um Ananci, que ele faz teia de aranha [...] que ele é o homem aranha, daí ele pede a caixa do baú das histórias, do Deus do céu, daí o Deus oferece três propostas pra ele poder fazer, daí se ele não conseguir, daí ele não ganha o baú das histórias. O baú das histórias tem um monte de histórias dentro que dá pra ser contada, só que daí, ele fez tudo, que o Deus mandou, e trouxe lá, e foi assim. Neste caso, o que percebemos foi a ênfase que o menino dá ao personagem da história Ananci que tece teia de aranha. Possivelmente, ele está relacionando este homem que com sua inteligência consegue recuperar o baú de histórias, com o personagem conhecido como “homem aranha” muito comum entre nossas crianças. O problema está em o menino não distinguir que, nesta história, o personagem consegue com muita insistência e inteligência recuperar o baú com as histórias que seus ancestrais contavam, mostrando a importância que esta população dá a sua cultura. Ao refletir sobre as narrativas das crianças, percebemos que elas trazem a sua experiência de vida, como a utilização de expressões pejorativas. Pois apesar de se identificarem com as histórias e personagens, o que predomina são atitudes que foram inseridas em suas vidas por uma sociedade dominante que não valoriza a diversidade. Não se deve imaginar ingenuamente que teremos uma possível superação do racismo, muito enraizado em nossa história. A luta é grande, mas é com ações afirmativas como a deste Projeto que aos poucos poderemos transformar os pensamentos de discriminação e preconceito. A voz das crianças pelo escrito: o questionário Esta parte da pesquisa foi realizada com o apoio da escola Jurema Callazzi e da professora Lucilene Ferreira, da 4ª série do Ensino Fundamental e principalmente a participação dos alunos, no dia 05 de junho de 2008, no período matutino. Essa turma da 4ª série é uma turma bem diferenciada com alunos de 8 a 15 anos. Para efetivarmos a pesquisa foi primeiramente realizada uma conversa informal com os alunos, explicando o nosso objetivo, num segundo momento fomos assistir ao DVD com os bastidores do vídeo documentário Malungo, que tem as filmagens dos alunos narrando as histórias dos livros de literatura infantil, proporcionando assim um momento de retomada do que eles vivenciaram durante o Projeto, entre as 433 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina crianças que apareciam no vídeo, cinco eram desta turma, os outros saíram da escola ou estudam no outro período. Após assistirmos o DVD, conversamos mais um pouco e então pedimos para responderam ao questionário referente à literatura infantil que tematiza a cultura africana e afro-brasileira. Ao executar essa atividade as dificuldades foram grandes para a compreensão das questões assim como para responder o que eles estavam pensando. Em vários momentos solicitaram ajuda. Ao tentar incentivá-los, percebemos que eles tinham várias dificuldades na escrita, e, por essa razão, ficou livre para quem preferisse fazer um desenho sobre o que lembravam dos livros. Teve um aluno que não quis pegar o questionário para responder, mas quando falamos que poderia desenhar, ele pegou a folha do amigo sentado ao seu lado e desenhou um personagem do livro Os sete novelos de Ângela Shelf Medearis. Desenho produzido por um aluno Verificamos que estava com dificuldades na escrita, por isso não estava participando, porém, quando percebeu que podia colaborar com um desenho, mostrou do seu jeito que conseguiu “relatar” sua experiência com os livros. Ademais, quando fui recolher os questionários, ele disse: ó professora coloca meu nome ai também que eu fiz o desenho, mostrando seu interesse pelo assunto. Outros dez alunos começaram também a desenhar diversos personagens no final da folha contendo o questionário. 434 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Vejamos agora algumas respostas dos alunos sobre o questionário, sendo que quinze alunos responderam o questionário: A primeira questão buscava saber se as crianças conheciam/participou ou participa do “Projeto Malungo”. Nove alunos escreveram que sim, conheciam-no e participa/ou; quatro relataram que conhecem e que já participou; um aluno escreveu mais ou menos e um que conhece e até hoje participa. Percebemos que a turma não é unânime ao se referir ao projeto. Parece que o projeto marcou os alunos, mas que não tem a mesma continuidade anterior, deixando seus participantes na dúvida de sua existência. A segunda questão era específica sobre a literatura infantil de temática africana e afro-brasileira buscando relatos sobre os livros aos quais os alunos tiveram acesso durante o Projeto. Das quinze respostas a essa questão, os títulos mais citados foram: Os sete novelos; Bruna e galinha d’ Angola; A menina bonita do laço de fita; As tranças de Bintou; Luana a menina que viu o Brasil neném; Ana e Ana; Os caçadores de mel. A terceira questão procurava verificar quais personagens eles mais se identificavam nas obras literárias. Esta parte nos chama a reflexão sobre o que leva esses alunos a citarem determinados personagens. Pois um aluno escreveu que o personagem que mais se identificou foi O boi de mamão. Acreditamos que ele possivelmente identificou-se com este personagem por o livro trazer histórias açorianas, já que essa cultura é mais presente no cotidiano de nossas crianças. Os outros personagens destacados pelos alunos foram: Kiriku e a Karabá, que são personagem do filme; o rei e o homem, os negros; uma resposta apresentava-se quatro personagens: Os sete irmãos, uma menina da Angola e a família; e outra três personagens menina, coelho, e Luana. Um aluno escreveu: Os sete novelos; ou seja, o título do livro. Duas escrevem menina bonita do laço de fita, novamente o título; uma Bruna e a galinha d’Angola; outra As tranças de Bintou e Luana. E por ultimo uma criança não responde esta questão. Ao analisarmos as questões, percebemos que as meninas identificam-se mais com as personagens femininas. Possivelmente por verem nessas, características parecidas com as suas. Torna-se importante ressaltar que as personagens que são citadas pelas alunas são todas com características afrodescendentes, que tem orgulho de sua cultura. A quarta questão procurava saber se os alunos continuavam tendo acesso aos livros que trazem a temática dos negros. Nove alunos 435 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina responderam que sim, continuam tendo acesso aos livros; quatro alunos responderam que não; um aluno não respondeu a pergunta e um aluno respondeu que alguns sim e alguns não, percebe-se pelas respostas que não há um consenso das crianças em relação ao acesso dessa literatura. Teriam ou não as crianças acesso aos livros do projeto? Em visita à biblioteca da escola contatou-se que o acervo Malungo não se encontra na biblioteca ao alcance dos alunos. A organização da escola optou por deixar este acervo em um armário na sala da supervisão à disposição dos professores que querem usá-los em sala de aula. É um acervo considerável, mas infelizmente não está ao alcance dos alunos, o que explica as respostas diferentes ao questionário. A quinta questão buscava verificar se os alunos acreditavam que é importante para sua formação essa literatura, e por quê? Nesta questão três alunos escreveram apenas sim, dois não respondeu, um aluno respondeu não. Cinco alunos escreveram que sim, era importante essa literatura, mas no sentido de ajudá-los a ler e escrever melhor. Uma menina escreve quase a mesma coisa só que também acha importante porque é legal conhecer histórias. Outra menina escreve que: sim, porque elas nos ensinam a ler e a descobrir coisas que a gente não sabia. E por fim apenas duas meninas responderam que: sim, porque a gente aprende muitas coisas a gente aprende a conhecer um pouco da África e sim, porque aprende mais sobre a África. Entendemos que para alguns alunos a literatura infantil com essa temática, serve como atividade escolar, pois de quinze alunos apenas três referem-se à leitura como algo que pode levá-los a descobrir coisas novas. Por fim a sexta questão tinha por objetivo saber se eles achavam que o “Projeto Malungo” teve influência positiva nas suas vidas na escola e fora dela. Neste caso um aluno não respondeu à pergunta, um aluno colocou apenas sim, três alunos escreveram “paçoca”. Bem, a paçoca faz parte do Projeto, foi numa aula que a professora organizou com uma roda de pilão, no ano de 2006, em que os alunos em círculo iam um de cada vez colocando os produtos e posteriormente socavam os mesmos para fazer a paçoca no pilão. Retomando as respostas, novamente dois alunos escrevem que sim, porque aprendem a ler, dois alunos respondem que gostaram porque conheceu lugares novos como as Dunas e Parque da Luz, e seis alunos tiveram as respostas mais direcionadas ao Projeto como, por exemplo: muda o respeito, muda a leitura, muda tudo quando aprendemos no 436 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Projeto Malungo; dois alunos responderam que sim, porque o projeto tem história legal e aprende mais sobre a África e africanos; um aluno escreve que sim, porque aprende a ajudar as pessoas, um escreveu que sim porque aprende a respeitar os amigos e outro que sim porque aprende bastante coisa. Percebemos que os alunos do “Projeto Malungo” reconhecem a importância do Projeto, pois através desse, tiveram a oportunidade de reconstruir seus conhecimentos em relação à sociedade da qual eles fazem parte, levando-os a valorizar a cultura africana e afro-brasileira, assim como se identificar com uma história que muitas vezes lhes fora negada, até mesmo dentro da instituição escolar. Constatamos que as crianças que participaram do “Projeto Malungo” tiveram no mundo da leitura a imaginação e a fantasia como passaporte para o engrandecimento de seus conhecimentos em relação à cultura africana e afro-brasileira, algo que é fundamental para a formação leitora. No entanto, devemos considerar que esta apropriação não tem o mesmo efeito para todos os alunos. Em relação à literatura, ou seja, cultura letrada, algumas crianças responderam que não acham importante essa literatura e que não tem mais acesso aos livros, acreditamos que é necessário considerar outras questões, além das étnicas, como a relevância da escolaridade, além de classe econômica, acesso à cultura e outras. O grande desafio da educação nos dias atuais é conseguir desenvolver conteúdos que levem a uma construção crítica dos alunos, proporcionando não só o aprendizado acadêmico, mas levando-os a refletir sobre suas atitudes, para serem pessoas participativas e solidárias. Para que isso se concretize, torna-se necessário levar em conta as diferentes culturas existentes na formação de uma sociedade. Sabemos que não é fácil a tarefa da escola e do educador, principalmente de uma escola pública, que tem crianças com perfis familiares diversos, mas fica evidente que quando temos educadores e escolas realmente envolvidos com a educação, onde seus principais objetivos é a formação de agentes críticos e participativos, um espaço onde todas as culturas existentes são valorizadas, é possível ter uma educação de valorização. Concluímos que o “Projeto Malungo” foi/é de grande benefício para a escola e para a comunidade que a circunda, pois o conhecimento das raízes do povo africano que encantou/a os alunos, na sua maioria afrodescendentes, contribui no processo de construção de identidades, bem como para a noção de pertencimento. 437 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Referências AZEVEDO, Silmara B. Poema retrato. In: Oro Obinrin. Rio de Janeiro: Criola, 1998. “BASTIDORES” da gravação do Vídeo Documentário Malungo. Florianópolis, 2006. 1 DVD DEBUS. Festaria de Brincança, a leitura literária na educação infantil. São Paulo: Paulus. 2006 a. DEBUS, Eliane Santana Dias. A representação do negro na literatura para crianças e jovens: negação ou construção de uma identidade? In: A Criança, a Língua, o Imaginário e o Texto Literário. Centro e Margens na Literatura para Crianças e Jovens. Actas do II Congresso Internacional, Braga: Universidade do Minho – Instituto de Estudos da Criança, 2006 b. ELIAS, Marisa Del Cioppo. Célestin Freinet. Uma pedagogia de atividade e cooperação. 3ª ed. São Paulo: Vozes, 1997. GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Imagens do negro na literatura infantil brasileira: análise historiográfica. Texto apresentado no CONGRESSO DO ISCHE (INTERNATIONAL SOCIETY CONFERENCE OF HISTORY OF EDUCATION), 23, 2000, Alcalá de Henares, Espanha. Acessível em http://www.scielo.br LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: história & histórias. 6ª ed. São Paulo: Ática, 1990. 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ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11ª ed.rev. e ampl. – São Paulo: Global, 2003 439 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 440 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina DIÁLOGOS INTERCULTURAIS: UMA ANÁLISE SOBRE OS PROJETOS ESTÉTICOS DE MANOEL DE BARROS E ONDJAKI José David Borges Júnior FFLCH-USP 1. Nota introdutória Este estudo tem por objetivo analisar como se processa a gênese da construção estética em alguns poemas selecionados nas obras “Memórias inventadas – a infância”, de Manoel de Barros e “Há prendizagens com o xão”, de Ondjaki. Dessa forma, tornar-se-á possível estabelecer reflexões a respeito dos projetos estéticos dos supracitados autores, bem como verificar – pelo dialogismo pulsante entre os mesmos – quais foram as ideologias e utopias que permearam tais construções. Vale atentar para o fato de que as obras em foco emergiram num tempo de revolução tecnológica. Assim, sua matéria constituinte é composta de múltiplas linguagens e recursos do pós-humano, de modo que o livro deixa de ser apenas um “livro” e torna-se um objeto híbrido, como se pode verificar no exemplar “Memórias inventadas – a infância”. Nesse contexto, o objeto novo “Memórias inventadas” aparece dentro de uma espécie de caixa para presente, e traz em sua configuração, um lindo laço de cetim. Os poemas aparecem dispostos em páginas soltas e, quando unidas umas às outras, vão tomando corpo. Dessa maneira, sua leitura não necessita ser linear. Escolhe-se um dos “poemas soltos” e começa-se a viagem em direção ao estético. Nesse liame, através da análise que se pretende realizar, acredita-se ser possível ter acesso ao fenômeno mental131 de criação das obras focalizadas neste estudo; reconhecendo, desse modo, o ideal estético dos referidos autores/poetas, bem como os diálogos possíveis existentes entre ambos, a partir de suas respectivas formas de conceber o objeto artístico. 131 O princípio mental é constituído por idéias que se expandem ou crescem continuamente influenciando outras idéias. 441 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 2. Alguns pressupostos teóricos Maria dos Prazeres Santos Mendes, em sua tese de doutoramento, aborda o conceito estético pelo viés da crítica genética. Desse modo, nas palavras da autora, “busca redimensionar a leitura teórico-crítica das obras de literatura infantil e juvenil, refletindo sobre sua natureza e função, sob o enfoque da semiótica peirciana, visando prever a incidência do caráter estético, em pêndulo com o caráter utilitário dessas produções, a partir do exame dos processos de criação.” Nessa perspectiva, Mendes desenvolve um esquema para a análise desses referidos processos de criação a partir de paradigmas132, os quais facilitam a compreensão das armas utilizadas por autores na concepção de suas obras, pois funcionam de modo a possibilitar um “alcance científico do dado vivido e experienciado de um determinado caso, para os princípios estruturadores capazes de extraírem do singular, certas constantes universais.” Assim, o maquinário, a causação física de todo esse processo, desenvolve-se no objetivo de atingir uma meta, que é a causação final, ou seja, o produto final dessa luta que o escritor trava com os signos da linguagem. Pois, “[...] chegar a esse objetivo implica lutar com todas as armas que o escritor tem a seu dispor para obtê-lo. A produção do livro, a criação com certas características, é um permanente desejo do escritor pelo qual 133 ele luta ao longo de todo o processo – é um ‘desejo operativo’“. Entretanto, cabe salientar a especificidade das constantes universais mencionadas no parágrafo anterior, pois serão elas que permearão grande parte das análises que este estudo busca realizar. Assim, como define Mendes em sua tese, o geneticista ao “lidar com as marcas concretas deixadas pelo escritor no momento da escritura” (SALLES apud MENDES, 1994) percebe como o pêndulo existente entre o que há de mais utilitário (a referencialidade, funcionalidade, previsibilidade) pode oscilar 132 Vide anexos: Anexo I - Diagrama de paradigmas, p. 15. 133 SALLES apud MENDES, in: Monteiro Lobato, Clarice Lispector e Lygia Bojunga Nunes: o estético em diálogo na literatura infanto-juvenil. Tese de doutoramento. São Paulo: 1994, p. 04. 442 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina em relação ao que há de menos utilitário (a textualidade, equacionalidade, diversidade). Dessa maneira, entre os dois pólos acima, é possível estabelecer uma camada intermediária, na qual existe uma ampla gama de textos que ora contemplam uma extremidade desse esquema, ora a outra. E, nesse movimento, não há como separar, portanto, o caráter estético do ético. Muito embora alguns teóricos digam que o poeta se exime, em suas criações, da dimensão ética, pois segundo Crocee, “o poeta deixa de lado a moral por fidelidade à arte. Ele é moral no seu processo de criação, que é algo sagrado.” Nesse liame, buscar-se-á, nestas análises, manter uma perspectiva de complementaridade entre a dimensão ética e estética, na medida em que se percebe o autor/poeta como um agente que não só busca a concepção da coisa bela, mas também – e principalmente – tem consciência de sua função moral/ética no movimento de construção, ou reconstrução, da sociedade na qual está inserido. 3. Análise: memórias inventadas – a infância Em “Memórias inventadas – a infância”, Manoel de Barros opta por um estilo que, de certa forma, configura-se como prosa poética. Assim, durante a criação do texto, Barros segue reinventando sua infância através de seus pequenos poemas/contos. Dessa forma, pelo trabalho estético que trava com a linguagem e com as imagens de sua própria infância reinventada, o autor conduz o leitor pelo tecido textual de modo que, este último, se transporte para um tempo em que as crianças construíam seus próprios brinquedos e a infância era vivenciada a partir de descobertas em íntima relação com a natureza e com as coisas mais simples da vida. Durante a leitura, o leitor é convidado a viver, ou melhor, reviver essa época com um certo tom de nostalgia, mas sem nenhuma pieguice. A beleza das imagens que saltam do texto, através do ato de leitura, sofrem uma espécie de ênfase quando se observa o sincretismo existente entre o verbal e as iluminuras produzidas pela filha do escritor, Martha Barros. Assim, texto e imagem, numa volúpia estética, se completam, compondo um cenário único e belíssimo. 443 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Nesse contexto, a obra relaciona o fazer poético com a infância, que, segundo Silva 134, é “[...] etapa em que o conhecimento da realidade efetiva-se pelo sensível, pelo emotivo e pela intuição, com predomínio do pensamento mágico, razão por que é considerada fase decisiva, para a formação do futuro leitor, a interação com obras literárias cujas temáticas abordem questões de seus interesses e necessidades.” Logo, nota-se que a infância é tida como estado de percepção da realidade pelos sentidos, enquanto a literatura é “a linguagem da representação, linguagem imagística que, como nenhuma outra, tem o poder de concretizar o abstrato.”135 Assim, verifica-se que o autor ao saturar o código e, a partir de tal ato, tentar construir a beleza de sua escritura, acaba explorando a palavra em sua capacidade de dizer aquilo que não pode ser dito. Nota-se, portanto, que ao romper as fronteiras do uso trivial da linguagem, Manoel de Barros alcança o inusitado, abusando da palavra, sem desligar-se do mundo. Dessa forma, proporciona, ao leitor, o lúdico e a oportunidade de reflexão sobre si mesmo e o outro, através dessa infância reinventada. Despalavreação: é um ensinamento. uma desaprendizagem. um desmomento. E tem outros nomes: guimarães prosa, manoel de barro, luuandino vieira, mia couto, ou qualquer ser humano que sorria no gigantesco significado de coisas insignificantes.136 134 SILVA, Joseane Maia Santos. Travessias pela palavra em Exercícios de ser criança, de Manoel de Barros e em A maior flor do mundo, de José Saramago. In: Revista Crioula. v. 01. p. 01, maio/2007, 2007. 135 COELHO, N. Novaes. Literatura infantil: teoria, análise e didática. São Paulo: Ática, 1993, p. 38. 136 ONDJAKI. Há predisagens com o xão – o segredo húmido da lesma e outras descoisas. São Paulo: Ed. Caminho, 2002, p. 64. 444 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 3.1. Escova Em “Escova”, primeiro texto encontrado na obra “Memórias inventadas – a infância”, é possível notar a estrutura com a qual Barros realiza sua construção poética, pois ao retomar suas memórias inventadas, utiliza-se da metáfora da escova dos arqueólogos que, em seu ofício, escovavam ossos. Assim, como o próprio eu-lírico diz: “Logo pensei em escovar palavras. Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras.” Dessa forma, pelo desvelar das próprias palavras do poeta, percebese a intencionalidade de realizar uma espécie de saturação do signo ao “escová-lo”, para, a partir daí, poder “escutar os primeiros sons”. Quando Barros refere-se aos primeiros sons, remonta à sua memória questões da oralidade. Nessa perspectiva, percebe-se sua busca por significados ainda não conhecidos, sua luta ao lidar com as peças desse interessante jogo poético, no qual encontram-se em destaque as origens e inícios de todas as coisas (oralidade), bem como suas significâncias adjacentes e, seguindo essa direção, o poder de descer ainda mais rumo aos “clamores escondidos”, mesmo que ainda bígrafos. Nesse contexto, o resultado de seu trabalho com a palavra é uma poética de profunda interpenetração cósmica, onde o caos se reorganiza pela força da linguagem. Suscitado pela vigência transformacional da palavra, o mundo imagético seduz o poeta. Ele coabita a palavra estabelecendo, com ela, relações criativas e, ao mesmo tempo, obsessivas. Dessa forma, Barros deixa-se possuir pela palavra a fim de engendrar seu poema, e aquela, passa a ser o eixo central de sua criação poética e estética. Assim, seu texto torna-se revelador do original e traz, em sua estrutura, uma beleza extrema. 3.2. Desobjeto Em entrevista ao Jornal do Brasil, Manoel de Barros, ao ser perguntado sobre a temática de seus poemas, comenta a respeito do seu interesse pelo absurdo. Segundo ele, “a poesia está de mãos dadas com o ilógico” e acrescenta que “o ilogismo é muito importante para o verso”. 445 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Tal afirmação pode ser observada na epígrafe que o autor utiliza em seu livro “Memórias inventadas – a infância”, dizendo que “tudo o que não invento é falso”. Assim, há um certo “despropósito” na criação de sua poética, que é possível notar, também, no texto “Desobjeto”. Aqui, através do processo de decomposição de um pente encontrado no quintal da casa do menino eu-lírico, o olhar infantil, livre do ranço adulto, pode perceber a beleza nesse mesmo processo de decomposição, pois, nas palavras do autor, “O pente estava próximo de não ser mais um pente. Estaria mais perto de ser uma folha dentada. Dentada um tanto que já se havia incluído no chão que nem uma pedra um caramujo um sapo”. A beleza pode ser observada no fato de o pente, através de sua decomposição, ter tornado-se parte integrante da natureza que envolvia o olhar do menino eu-lírico. Agora o pente estava em comunhão com esses elementos naturais. Deixou de ser uma criação do homem para ser uma espécie de criação divina e, portanto, “era alguma coisa nova o pente”. Dessa forma, pela personificação ao revés, o menino eu-lírico, que era um poeta inato, percebia que o pente fora, pouco a pouco, perdendo essa personalidade para tornar-se um “desobjeto”. Nesse contexto, justamente no processo de perder-se para tornar-se algo novo, o menino eulírico observou todo o instaurar do estado terminal do pente, até o ponto culminante em que este tornou-se colaborador na construção do espaço natural que fazia parte de sua vivência. Logo, nota-se que o despropósito, de caráter mais inventivo, criativo e ilógico, é parte constituinte e decisiva na construção do projeto estético dentro da poética de Manoel de Barros. Nesse contexto de desconstrução dos sentidos, desarrumação sintática, desencontro da palavra com a idéia, busca do “desobjeto”, o autor retoma a simplicidade das coisas, o princípio de tudo a fim de engendrar, em seu texto, uma certa voz que clama por uma reestruturação de sua própria identidade e seu lugar no mundo globalizado. Alinhava, portanto, através de seu “desejo estético”, os fios e as tramas que irão reconstruir nossa identidade enquanto cultura verdadeiramente descolonizada e independente. Nota-se, dessa maneira, que é pelo diálogo, pela ressonância estética e pela certa expansão de “significâncias” experimentada em seu texto, que se é possível observar o delineamento do tão acalentado sonho de formação do “comunitarismo cooperativo” proposto por Benjamin Abdala 446 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Junior, no processo de construção da comunidade interliterária de Língua Portuguesa. 4. Análise: há prendisajens com o xão Em “Há prendisajens com o xão”, Ondjaki, na esteira de escritores também de expressão portuguesa, como Manoel de Barros, confere à sua obra um sentido de des-aprender, desautomatizar o pensamento lógico cartesiano para, a partir de então, poder verdadeiramente apreender, em uma nova ordem das coisas, ressaltando, de certo modo, o Ser em detrimento do Ter. Nesse sentido, seu projeto estético assemelha-se ao de Barros, principalmente no âmbito de “obrigar” o código a transformar-se, “escapando de um processo lógico de dominação e mostrando a diferença em termos de valor estético”.137 Tal como Manoel de Barros, o autor angolano “[valoriza] a percepção primeira: o primeiro olhar, o primeiro toque, o primeiro gesto, o primeiro cheiro, o conhecimento primeiro nascido dos sentidos, o olhar de fonte”.138 Assim, aproxima-se, cada vez mais, do olhar infantil, o qual remonta a uma tradição e formas primordiais da língua portuguesa. Nessa perspectiva de fazer-se ao reviver139, em sentido espiral, Ondjaki insere-se no campo do engajamento social pela arte da poesia, através da consciência de linguagem com que engendra sua obra. Dessa forma, estabelece uma nova perspectiva para a concepção de cultura em África, a partir do resgate de suas “oralituras”, de suas fontes primordiais, buscando (re)construir a identidade de seu “xão”, de sua pátria (Angola), dilacerada pelos horrores da guerra e pelo domínio do colonizador. 137 MURARO, Andréia Cristina. Dissertação de mestrado: As ‘prendisajens’ poéticas em Ondjaki: dimensões da metáfora ‘xão’. São Paulo, 2006. p. 20. 138 CUNHA, Maria Zilda. In artigo: Diálogo de culturas e ressonâncias estéticas em Memórias da infância e Aprendizagens com o chão. X Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, Arte, Cultura e Literaturas na Lusofonia. p. 09. 139 “O olho vê, a memória revê e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo”. (Manoel de Barros). 447 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina “Isso só se torna possível por meio de uma linguagem inventiva, porque lúdica. Em ambos os projetos [Barros e Ondjaki], delineia-se uma naçãoestética liberta para aprender, no silêncio das formas, o desígnio que engendra a qualidade do sentir e que exige do homem a percepção acurada do que ainda não se configurou convencionalmente como linguagem. Um novo homem, para ambos os poetas, é ainda o inominado, o sem-nome, sem identidade fixa, por vezes sem identidade humana, porque comungado com a natureza e, por isso, capaz de poetizá-la, como a criança.140 4.1. Chão Em “Chão”, primeiro poema das “prendisajens” de Ondjaki, o autor dedica o texto a Manoel de Barros, pois logo após o título, lê-se o seguinte: “palavras para Manoel de Barros”. Está, portanto, estabelecida a conexão. A ponte de reciprocidade que se pode constatar em ambos os projetos estéticos. Assim, verifica-se que o fenômeno mental que se processa em Ondjaki, na concepção de seu poema, retrata, de maneira singular, sua obra enquanto realidade autônoma. Mas, ao mesmo tempo, tece pontos de contato, principalmente no âmbito da estética, com outras obras e outras realidades autônomas, que são parte integrante do macrossistema proposto por Benjamin Abdala Junior. Nesse contexto, é pela abstração que se pode alcançar tal fenômeno, pois o comunitarismo solidário que subjaz dessa proposta, torna-se amplamente necessário nos dias atuais de “mundialização”. Dessa forma, sabe-se que tanto Brasil quanto Angola, são culturas que sofreram com a violência do colonizador e, portanto, desconfiam de todo e qualquer tipo de “inovação” que possa remeter nossas memórias a esse tempo de dominação. Afinal, não seria o que se chama, hoje, de globalização, uma espécie de processo que se desenvolve pelo viés da mesma dominação, com uma nova roupagem? Não seria a globalização uma nova instância que busca instaurar a “superioridade” das potências capitalistas sobre os países do chamado terceiro mundo, numa espécie de neo-colonialismo ou “globocolonização”? São questionamentos como os supracitados que fazem parte dos fenômenos mentais na concepção dos projetos estéticos de Ondjaki e 140 CUNHA, op. cit., p. 10. 448 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Manoel de Barros. Lógico que, em cada um, se processa de uma maneira diferente, pois, como foi abordado anteriormente, cada uma das obras constantes deste estudo são parte de suas respectivas realidades autônomas. Dessa maneira, em Manoel de Barros, verifica-se que esse fenômeno mental de criação se dá pelo viés da desconfiança com relação ao que se foi referido nos questionamentos acima. Já em Ondjaki, se processa na materialização da defesa de seu “xão” enquanto pátria soberana, que recentemente conquistou sua independência política, mas que ainda luta pela obtenção de sua real “descolonização” no âmbito cultural. Assim, como se pode verificar nos seguintes versos: apatece-me des-ser-me; reatribuir-me a átomo. O eu-lírico deseja desfazer-se, desconstruir-se em direção ao tempo primeiro e, nesses estilhaços da sua própria personalidade, chegar ao nível de átomo para, a partir de então, regenerar-se em profunda comunhão com sua terra, com sua cultura, com seus primórdios e sua oralidade. Dessa forma, estará apto a “cuspir castanhos grãos”, ou seja, atirar sua poesia enquanto “trombeta alarma” de linguagem que utiliza para defender-se do outro, ora visto como ameaça. Castanhos grãos cor de terra, cor de chão, cor de pátria mãe. “...assim esculpir-me a barro e re-ser chão. muito chão. Apetece-me chãonhe-ser-me.” 4.2. Arve Jánãoélógica Em “Arve jánãoélógica”, Ondjaki, logo no título, ao brincar com as palavras, realiza uma construção que retoma a forma oral como a expressão “árvore genealógica” é pronunciada. Assim, trabalha com a linguagem de modo a instituir sobre um idioma europeu o seu processo operativo em uma “relação libertina com as palavras e com a língua portuguesa em geral”, como ele próprio confessa: “[Penso] que devemos mexer na língua, tendo 449 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina em conta os referentes gramaticais, mas dando-nos a liberdade de exercer certa pressão cultural à língua.”141 Nesse âmbito, o autor elabora uma nova gramática, a qual se consubstancia pelo “surrealismo” exercido através do olhar infantil, com o qual opera essa criação. Desse modo, ao retomar sua raiz de tradição oral angolana, busca efetivar, numa espécie de auto-afirmação de sua identidade, a ilogicidade logicamente elaborada por esse olhar, lançando, sob as formas normativas da gramática, esse mesmo olhar, que terá a força necessária para realizar a fusão entre o novo que foi criado (a partir dessa operação, e que, portanto, é parte constituinte de sua singularidade de tradição oral), com a velha forma imposta pelo colonizador. ser folha é nem sempre estar para sol. a outra folha lém de nossa avizinha pode ser nossa irmã de sombras Nos versos do poema em questão, é possível verificar que ao “ser folha” e estabelecer uma íntima relação com elementos naturais, nem sempre é possível estar sob a luz do sol, ou seja, nem sempre é possível estar/ser verdadeiramente livre sendo que a outra folha, nossa vizinha e nossa irmã é, ao mesmo tempo, de mesma natureza (folha – raça humana) e invasora desrespeitosa de nossa singularidade. Assim, é pelo diálogo com a terra, o qual se manifesta fortemente nas imagens de natureza pátria, que o autor promove suas “prendisajens” e sua reconstrução identitária. Nessa esteira, assim como Manoel de Barros, utiliza-se da ilogicidade para conceber seu projeto estético, da ortografia de determinados fonemas e/ou da aglutinação de vocábulos, que são recursos que acabam por criar uma multiplicidade de sentidos, requerendo, dessa forma, o exercício do pensamento analógico. “A árvore é o símbolo da criação, constitui a imagem de todas as possibilidades geométricas do espaço. Suas raízes aspiram ao húmus – elemento de matéria densa – suas folhas e frutos solidários aos raios de luz partilham forças imponderáveis do universo solar – e é pela verticalidade do tronco, que a expõe ao sol, que sai da treva subterrânea 141 ONDJAKI apud CUNHA, op. cit., p. 05. 450 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina e a coloca à luz – expandindo-se em galhos – abraça o cosmo – 142 concretiza a criação”. Portanto, é pelo laborar criativo com a linguagem, comungando da visão da criança e do poeta, que tanto Ondjaki quanto Barros, trabalham o re-significar de símbolos universais, através da consciência da palavra e do seu uso lúdico ao montar-se em forma de brincadeira e, ao mesmo tempo, no uso da língua no seu registro oral. Referências BARROS, Manoel de. Memórias inventadas – a infância. São Paulo: Planeta, 2003. CASTRO, Afonso de. Dissertação de mestrado: A poética de Manoel de Barros: a linguagem e a volta à infância. Brasília: Universidade de Brasília. – Departamento de literatura brasileira, 1991. COELHO, N. Novaes. Literatura infantil: teoria, análise e didática. São Paulo: Ática, 1993. CUNHA, Maria Zilda da. In artigo: Diálogo de culturas e ressonâncias estéticas em Memórias da infância e Aprendizagens com o chão. X Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, Arte, Cultura e Literaturas na Lusofonia. FRIEDRICH, H. Estrutura da Lírica Moderna. Trad. Marise M. Curione. 2 ed. São Paulo: Duas Cidades, 1991. MENDES, Maria dos Prazeres dos Santos. in: Monteiro Lobato, Clarice Lispector e Lygia Bojunga Nunes: o estético em diálogo na literatura infanto-juvenil. Tese de doutoramento. São Paulo: 1994. MURARO, Andréia Cristina. Dissertação de mestrado: As ‘prendisajens’ poéticas em Ondjaki: dimensões da metáfora ‘xão’. São Paulo, 2006. ONDJAKI. Há prendisajens com o xão – o segredo húmido das lesmas e outras descoisas. São Paulo: Caminho, 2002. ______. Os da minha rua. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2007. SALLES, Cecília Almeida. Crítica genética: fundamentos dos estudos genéticos sobre o processo de criação artística. – 3ª ed. revista – São Paulo: EDUC, 2008. SANCHES NETO, Miguel. Achados do chão. Ponta Grossa: Editora da Universidade Estadual de Ponta Grossa, 1997. 142 CUNHA, op. cit., p. 06. 451 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina SILVA, Joseane Maia Santos. Travessias pela palavra em Exercícios de ser criança, de Manoel de Barros e em A maior flor do mundo, de José Saramago. In: Revista Crioula. v. 1. p. 1, maio/2007, 2007. Anexo – Diagrama de Paradigmas 452 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina LITERATURA E INFÂNCIA: DETRITOS E RELAÇÕES COM O MENOR Daniela Bunn UFSC Espelho meu, espelho meu, que tamanho tenho eu? Bem do seu tamanho (1979), Ana Maria Machado Walter Benjamin, em Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação, assinala que as crianças sentem-se irresistivelmente atraídas pelos detritos, pelos restos e que nesses produtos residuais reconhecem e ressignificam novos seres (pensamos na potencialidade de uma simples caixa de fósforos na mão de uma criança ao se tornar um automóvel): “com isso as crianças formam o seu próprio mundo das coisas, um pequeno mundo inserido no grande” (2002, p. 58). Partindo dessa premissa, interessa-nos analisar como a dialética do tamanho é discutida por alguns escritores, afinal, segundo Gianni Rodari “o império da dialética estende-se também sobre os territórios da imaginação”. Os estilhaços e os detritos de discussões implícitas e explícitas sobre os usos dos tamanhos e das proporções encontrados nas histórias, em pequenas frases ou pequenas expressões servem para que a criança monte seu referencial – um referencial, na maioria das vezes, muito confuso. A criança depara-se constantemente com um tipo de contradição em relação ao tamanho na fala dos adultos. Para os pais é muito cômodo e maleável essa transitoriedade entre ser grande ou ser pequeno para determinadas coisas, mas como a criança absorve esta dialética suscita-nos alguns questionamentos. Desde suas primeiras concepções na Grécia antiga, como arte do diálogo, arte de no diálogo demonstrar uma tese ou mesmo como lógica, a dialética era considerada por muitos, um conceito abstrato. Na acepção moderna, segundo Konder (1983), a dialética é o modo de pensarmos as contradições da realidade e suas constantes transformações. Entre defensores e críticos, o pensamento dialético da inevitabilidade da mudança ainda incomoda muitos teóricos. Ao estruturar este artigo a partir de uma dialética do tamanho procurou-se analisar algumas obras que discutem este tema tão vasto e ao mesmo tempo tão restrito. Enquanto Heráclito negava a existência de uma estabilidade no ser, Parmênides afirmava que a mudança era sempre superficial, pois a essência 453 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina do ser é imutável, esta linha de pensamento, denominada metafísica, reprimiu historicamente a concepção dialética. Mesmo assim, Aristóteles, a quem se deve boa parte da sobrevivência da dialética, observou que, por exemplo, damos o mesmo nome de movimento a processos diferentes e que todas as coisas possuem determinadas potencialidades que se atualizam constantemente (apud KONDER, 1983). Tal digressão leva-nos a questionar as contradições que alguns conceitos assumem quando se reterritorializam em contextos diferenciados. Neste caso específico, trabalharemos com o conceito de tamanho, que, como apenas citado, possui potencialidades que se atualizam constantemente. Explicamos melhor: ao falar de tamanho falamos das dimensões ou medidas de um objeto. Para objetos de uma dimensão, tratamos de comprimento, largura ou altura; para objetos de duas dimensões, a superfície e para objetos de três dimensões, o volume. Em informática, é a quantidade de bytes que ocupa um arquivo, em medidas, é a altura, o número de uma roupa, de um sapato ou mesmo o tamanho da fome – uma medida subjetiva – dentre outras. Ao pensarmos nas potencialidades da palavra tamanho, parece que o pensamento é sempre duplo e (dis)proporcional: pequeno/grande, maior/menor. Segundo Houaiss, tamanho remete a uma grandeza física (volume, área, comprimento, envergadura), porte, corpo, estatura ou ainda cada uma das medidas de roupa e calçado padronizadas pela indústria, para facilitar a produção e as vendas. Do latim tam magnu, ou seja, tão grande, o termo se desterritorializa de seu campo semântico e invade dialeticamente as histórias que analisaremos em breve. Veremos que a noção de tamanho, relacionado à qualidade ou à inferioridade está diretamente ligada a um valor subjetivo e circunstancial. Cabe a esta discussão o conceito de literatura menor discutido por Deleuze e Guattarri (1977), menor não como inferior, mas como algo adaptado em uma condição minoritária. O termo menor aqui não representa o igualitário de minorias adotado pelos Estudos Culturais. O menor em Deleuze, como a própria literatura, é um agenciamento maquínico. Para Deleuze não interessa definir o que é a literatura, mas sim, saber como funciona – como a máquina literária funciona. Há sempre um aspecto geopolítico, cultural e lingüístico ao falar de uma literatura menor, como se falássemos em uma língua estrangeira dentro do próprio idioma (retomando Benjamin, um pequeno mundo inserido no grande). Podemos fazer um paralelo com a literatura infantil – uma língua menor dentro de uma língua maior, no caso a língua maior seria a própria literatura. Embora à margem do cânone, a literatura infantil encontra seu ponto de fuga e se 454 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina desterritorializa: “deixando emergir o sotaque e o estranhamento de quem fala fora do lugar ou de quem aceita e assume o não-lugar como seu deserto” (SCHOLLHAMMER, 2001, p. 63). Até bem pouco tempo, a literatura infantil era considerada como um gênero secundário e vista pelo adulto como algo pueril (nivelada ao brinquedo) ou útil (forma de entretenimento) conforme as palavras de Aguiar (2001). A valorização da dessa literatura, como formadora de consciência na vida cultural das sociedades, é bem recente, completa a autora. Ao falar de literatura infantil, não temos como não falar da noção de criança, arraigada ao ser humano e ao início de seu desenvolvimento (dos dezoito meses até os doze anos). Nesse estágio da infância, marcado por um desenvolvimento físico, as fases do crescimento são muito visíveis. O surgimento de discussões sobre o conceito de infância está vinculado a uma percepção da especificidade do universo infantil na modernidade, como demonstram os estudos de Philippe Ariès em A história Social da Criança e da família (1981). O menor, o pequeno, o impróprio para presenciar determinadas atitudes e falas contrapõe-se a antiga noção de criança como um adulto em miniatura. Destaca Zilberman (1998, p. 15): Antes da constituição deste modelo familiar burguês, inexistia uma consideração especial para com a infância. Esta faixa etária não era percebida como um tempo diferente, nem o mundo da criança como um espaço separado. Pequenos e grandes compartilhavam dos mesmos eventos, porém, nenhum laço amoroso os aproximava. Chamar alguém de infantil, em muitos contextos, pode servir como um insulto, como se o termo abarcasse ao invés de ingenuidade e (in)experiência da tenra idade, um similar de negatividade. Tal designação é circunstancial e também contraditória, quando muito, pejorativa. Benjamin irá chamar a experiência, de certo modo castradora do adulto, de máscara: a máscara do adulto chama-se experiência. Dos detritos teóricos aos textos literários: a dialética do tamanho Ana Maria Machado, em Bem do seu tamanho, livro que recebeu o segundo lugar no Prêmio Fernando Chinaglia, em 1979, e o selo de Altamente Recomendável no ano seguinte, apresenta uma dialética do 455 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina tamanho: ora a personagem principal é grande demais para certas coisas ora é pequena demais. Quem de nós já não viveu tal situação ou se viu obrigado a proferir tais sentenças: você é pequeno demais para fazer isso ou você já está bem grandinho pra fazer aquilo. Helena, a personagem principal, muitas vezes, tinha vontade de saber que tamanho era esse, pois às vezes, era grande e pequena ao mesmo tempo. A mãe, logo no segundo parágrafo da história (MACHADO, 1986) já incita a dúvida: - Helena, você já está muito grande para fazer uma coisa dessas. Onde já se viu uma menina do seu tamanho chegar em casa assim tão suja de ficar brincando na lama? (p. 5-6) Então Helena achava que era bem grande, mas então o pai dizia: - Helena, você ainda é muito pequenininha para fazer uma coisa dessas. Onde já se viu uma menina do seu tamanho ficar brincando num galho de árvore tão alto assim? (p. 6) Logo a seguir, o pai dizia: - Menina, você já está muito grande para se meter a engraçadinha e responder aos mais velhos. Desde quando uma criança desse tamanhinho pode ficar discutindo assim, com essas idéias? (p.12) [grifo nosso] Helena deparava-se, num curto intervalo de tempo, com opiniões diferentes do pai e da mãe e ao mesmo tempo contraditórias como pudemos observar nos fragmentos acima. Expressões como muito grande e muito pequenininha acompanham sempre a expressão do seu tamanho, expressão que não por acaso faz parte do título da história. A menina sai então em uma longa jornada para descobrir as coisas do mundo e colocar suas idéias em ordem e, afinal, descobrir qual é o seu tamanho. Afinal, a seus olhos, estava em constante metamorfose. A história faz um intertexto com Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, João e o pé de feijão, dentre outros. No meio do caminho, Helena junta-se ao menino com apelido Tipiti (pois parecia magro e comprido como um tipiti) que curioso pela busca da menina, apresenta uma solução: encostar na árvore e fazer uma marquinha no alto da cabeça e pronto! Aos olhos do menino, o tamanho tinha apenas um sentido literal, sentido posto em questionamento por Helena ao afirmar que seu brinquedo, 456 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Bolão, às vezes diminuía (passagem que pode passar despercebida a um leitor desatento). O livro é permeado pelas dúvidas de criança, dúvidas que Tipiti também passa a ter depois que conhece Helena: “E a minha mãe, eu acho que ela também diminui. Quando meu irmão nasceu, ela era muito maior do que eu. Agora eu acho que ela está menor” (p. 19). Dúvidas como a de um amigo maior de tamanho e menor de idade ou das proporções de uma fotografia. O livro brinca também com perspectivas, a árvore no retrato saiu menor que os meninos: “quando está perto parece grande, quando está longe parece pequeno” (p. 48), o medo de nunca mais ser o pequeno: “ser grande sempre? Era muito sem graça” (p. 49) ou ainda nos leva a refletir que o tamanho que temos por fora é diferente do tamanho que temos por dentro. A problemática do tamanho e os medos e incertezas de ser criança põem em questionamento a dimensão e a relatividade do indivíduo. Também na ilustração percebe-se tal peculiaridade, pois Bolão, um boi de mamão feito de abóbora, que acompanha a menina em suas aventuras, se apresenta de diferentes tamanhos. Ora Helena está com o brinquedo no colo, ora montada nele. O leitor híbrido do qual fala Luis Camargo (2003) deve estar atento a esses detalhes e ter em mente que a ilustração não é mais mera representação do texto, mas sim um texto paralelo. Atualmente os textos requerem um leitor mais aguçado, “um texto híbrido [...] exige um leitor híbrido, capaz de ler palavras e imagens” (CAMARGO, 2003, p. 273). Camargo discute o conceito de imagem como um texto outro, ao contrário da visão de imagem como prolongamento do texto. O pensamento dialético – observar contradições concretas e mediações específicas – reflete sobre a contradição entre as partes e a diferença entre elas. Konder (1983, p. 47) bem lembra que em todos os objetos com os quais lidamos existe uma dimensão imediata (facilmente perceptível) e uma mediata, que se constrói e reconstrói e vai sendo mediado aos poucos. Ao falar de tamanho na literatura infantil, em específico no livro de Ana Maria Machado, temos essas duas dimensões – a imediata, a própria contradição entre o tamanho real e o tamanho subjetivo e a mediata, posta pela história, no sentido de fomentar a reflexão sobre esta dialética. Afinal de que forma contribuímos para o desenvolvimento da criança ao proferir tais sentenças sem justificativas ou com argumentos totalmente contraditórios? O livro de Marina Colassanti, O homem que não parava de crescer (2005), apresenta uma metáfora do amadurecimento e da independência por 457 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina meio do crescimento físico do menino. A pia foi um marco em sua vida, pois ao alcançar a visão de seu interior, o mundo do protagonista se alargou, depois, ao ultrapassar as telhas, o menino, chamado Gul, via o mundo de cima, pela primeira vez e finalmente pode ver o tamanho do mundo, tornando-se finalmente homem. Gul era medido uma vez por mês, encostado na parede, com uma fita métrica de costura. O personagem dessa história, como Helena, questionava-se: “Será que existe uma tamanho que é o meu?” (p. 17), completando que seu tamanho tinha vontade própria e que devido a este fato deveria se adaptar a mudança de tamanho das coisas ao seu redor: a cama, a meia, a mesa, ficaram todas pequenas. A inicial angústia do crescimento, pela qual nós também passamos, a necessidade de adaptação e o desconforto em crescer amenizaram-se com a visão do novo mundo. Com sua linguagem peculiar, Colassanti, nesta história, como em muitas outras, faz com que cresçamos junto com o menino, junto com a história e assim percebemos como ainda temos “muito crescimento pela frente” (termo usado pela autora na dedicatória que me concedeu ao livro citado). O mesmo tipo de crescimento é sugerido em Os anões de Mântua, livro do italiano Gianni Rodari, os pequenos, que viviam no porão do Palácio Ducal, em Mântua, na Itália, saem à rua reivindicando seu tamanho. Rodari estabelece a relação do menor ao deslocar personagens de Rigoletto (ópera de G. Verdi) para uma meta-história. Os anões inconformados com seu tamanho procuram o segredo de crescer. Eles sentiam raiva por terem nascido anões e questionavam constantemente os motivos de sê-los: falta de comida, de ginástica, de dormir ou teria sido um feitiço? Tentaram de tudo para crescer, até mesmo regar os pés antes de dormir. Mas o menor de todos os anões questionava a existência de um segredo para crescer e na cidade dos gigantes eis que encontrou a resposta: “é porque vocês vivem no porão”. Pela cidade procuraram trabalho e no trabalho o tamanho não fazia diferença. E começaram aceitar seu tamanho e perceberam que anões unidos transformam-se em gigantes. Ao terminar a história dessa forma, Rodari leva-nos à idéia contraditória do tamanho e à oposição entre o tamanho físico e o tamanho subjetivo: o tamanho da força conjunta, do empenho e dedicação que não tinha nada haver com o tamanho físico. Vemos aqui, novamente, as duas concepções, a imediata e a mediata. Se por um lado o personagem de Colassanti “agiganta”, Emília, em A Chave do Tamanho (2003), de Monteiro Lobato, enfrenta problemas contrários, de “apequenamento”, como Alice de Lewis Carroll e tantas outras histórias clássicas. A travessura da protagonista, querendo acabar 458 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina com os horrores da segunda guerra reduz temporariamente o tamanho das criaturas humanas. A Casa das Chaves é um lugar imaginário regulador de todas as coisas do mundo, inclusive as guerras. Como as chaves não possuíam indicação, aleatoriamente Emília escolhe uma que era justamente a chave do tamanho que reduziu a humanidade ao tamanho dos insetos. Na lógica da boneca, reduzido o tamanho dos homens, a guerra acabara: “Pequeninos como eu, os homens não podem mais matar-se uns aos outros, nem lidar com aquelas terríveis armas de aço. O mais que poderão fazer é cutucar-se com alfinetes ou espinhos! Já é uma grande coisa...” (2003, p. 7). Ao referir-se ao apequenamento como uma grande coisa, instaura-se novamente a dialética do grande no pequeno, de um lado a fragilidade do apequenamento impedindo grandes atos, de outro a própria fragilidade e vulnerabilidade oriundas da diminuição do tamanho físico – dos pequenos em estatura, incapazes de grandes atos. A noção de pequeno/grande ganha novas proporções, como assinala Lobato, “A idéia duma caixa de fósforos, por exemplo, era a idéia duma coisinha que os homens carregavam no bolso. Mas com as criaturas diminuídas a ponto duma caixa de fósforos ficar do tamanho dum pedestal de estátua, a ‘idéia-de-caixa-de-fósforos’ já não vale coisa nenhuma.” (2003, p. 11). Isto pode ser observado na empreitada de Emília ao atravessar o jardim, a adaptação ao novo espaço, antes minúsculo que se tornava gigante e transformando um espinho em lança, segue a jornada, concluindo que a melhor saída seria a adaptação ao novo meio, caminho inverso de Gul. Na história é feito um plebiscito para decidir o tamanho da humanidade. Num encontro com Hitler anunciam ao ditador que o tamanho só seria restituído à humanidade se ele fizesse a paz e recolhesse as armas ou os humanos poderiam ser encolhidos ainda mais. Mesmo contrariando a decisão da maioria, Emília volta à Casa das Chaves e o tamanho é devolvido à humanidade. Os fragmentos, os detritos de guerra, vem-se aqui lançados. Alice, de Lewis Carrol, passa também pelo processo de apequenamento ao tomar o líquido posto sobre a mesa e, passando pela porta, insere-se num diferente mundo antes em miniatura aos olhos de quem era grande. Ao contrário do processo de saída do anões de Mântua ao mundos dos gigantes, Alice toma caminho oposto. Na voz de Emília: “aconteceu-me o que às vezes acontecia à Alice no País das Maravilhas. Ora ficava enorme a ponto de não caber em casas, ora ficava do tamanho dum mosquito. Eu fiquei pequenininha. Por quê?” (LOBATO, 2003, p. 11). Diante do questionamento dos adultos, pois acreditavam que as coisas que aumentaram de tamanho, Emília fica em dúvida: “Será que tudo 459 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina ficou grande e as criaturas estão do mesmo tamanho de sempre ou tudo está do mesmo tamanho de sempre e fomos nós que diminuímos? (LOBATO, 2003, p. 24). Novamente aqui, como no livro de Ana Maria Machado, o adulto põe a criança em dúvida em relação ao tamanho, criando constantes contradições. A relatividade imposta perante este conceito parece deslizar muito bem em A barba do tio Alonso, escrito pela londrina Emma King-Farlow, traduzido em 2008. O narrador, sobrinho de Alonso, conta a história da longa barba de seu tio: A barba do meu tio Alonso era tão vasta e graúda que vivia nela enrolada um montão de gente miúda: Um veterinário e seu coelho, Um doutor, um agricultor, Um freirinha gorducha, Tinha até mesmo um ator! Escrito numa prosa poética, conta com as indagações de criança sobre o tamanho da barba e as incessantes tentativas de cortá-la: Mas tio Alonso, teimoso, se recusava a cortar. ‘Não posso, nem um pouquinho! Senão essa gente toda não vai ter onde morar.’ Um incidente reverte essa situação, a barba pega fogo na cozinha. Esta barba-casa, morada de muitos estava agora em perigo. Com a barba danificada, os miúdos, como são denominados na história, mudam-se para o jardim e Alonso perde seus inquilinos e recupera, depois de muito tempo, sua pele macia. O tamanho aqui se resume ao físico, não apresentando contradições, mas trata dos pequenos como resíduos, à margem, num nãolugar, uma insólita barba. Após esta breve discussão vemos que a temática aparece ora dialeticamente ora não. De qualquer forma, é sempre um assunto delicado a lidar com a criança. A metáfora do porão parece-nos muito adequada. Tirar a literatura infantil do porão é o que muitos críticos estão tentando fazer. Dessa forma ela poderá crescer e se (di)fundir e não ser tratada como uma ramificação da literatura que atende a um público específico, geralmente incluído até os 460 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina dez anos de idade. Se pensarmos dessa forma, descartamos totalmente a idéia de Benjamim de despertar a criança que existe em cada adulto. Voltando a Deleuze e Guattarri ressaltamos o termo menor que qualifica as condições revolucionárias de qualquer literatura em contraste com a literatura dominante, a maior. Para isso precisa encontrar seu próprio ponto de desenvolvimento, como afirma Deleuze, o que não é diferente ao se falar de literatura infantil, ao invés de literatura. A circulação da literatura infantil ainda é restrita, residual, ou seja, restrita a pais e professores que estão em contatos com as fases iniciais ou formadores de professores dos cursos de Pedagogia, raramente de Letras, pois estão mais focados ou no cânone literário ou em novos escritores que se destinam mais ao público adulto. A literatura infantil neste contexto acaba sendo residual e descarta-se toda a produção de qualidade como a que vem sendo produzida no Brasil intensamente a partir da década de 1970. Como nos incita Deleuze, é preciso realizar constantes desterritorializações e reterritorializaçãoes para que a máquina de produção cultural realmente circule por todos os espaços. Muitas histórias falam da dificuldade de ser criança. Abramovich (1997) lembra a de Peter Pan, escrita pelo escocês James Barrie, em 1904 (originalmente uma peça para adultos), que conta a história de um menino que fugiu de casa ao nascer, após ouvir uma conversa entre os pais sobre como seria quando ele crescesse. O menino não queria crescer e procura na Terra do Nunca essa impossibilidade de crescimento. O que nos propunha Benjamin, de procurar a criança que reside em cada adulto é uma viagem utópica e constante à Terra do Nunca, entre essas idas e vindas, viajamos também nós, já adultos, pelos campos da fantasia. Nos fragmentos literários sobre o tamanho encontramos contradições: o menor, o maior, o pequeno, o grande, o inferior e o superior – uma fala sempre fora do real tamanho das coisas. Estamos sempre condicionados a um tamanho, um tempo. Um tamanho de texto, um número de palavras, formatos, formas, moldes. Somos espremidos pelo próprio tempo, tentamos crescer na medida do possível dentro de nossas caixas, mas elas sempre têm um tamanho específico. Se voltarmos a Heráclito, citado no início do texto, veremos que na instabilidade do ser as categorias se intercalam e se atualizam constantemente: ora pequena ora grande dependendo das circunstâncias. Benjamin atribui ao adulto uma certa incapacidade de magia, talvez por esquecermos completamente da criança que nos reside, mas ela está lá, apenas adormecida, esperando pequenas brechas para poder espiar. Se deixarmos que ela escape de vez 461 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina enquando, se deixarmos que ela não cresça por completo, teremos sempre um lugar nos esperando na Terra do Nunca, afinal, tamanho não é documento já diz o ditado popular. Referências ABRAMOVICH, Fanny. 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Para desenvolvermos esse estudo, selecionamos a sala de apoio do Colégio Estadual Humberto de Alencar Castelo Branco, com 10 alunos encaminhados pelos professores regentes das 5º séries do ensino fundamental, sendo que todos apresentam déficit na alfabetização e no raciocínio básico da matemática. O trabalho foi desenvolvido nos meses de agosto e setembro de 2008, ocupando 4 horas-aula semanais, num total de quarenta horas-aulas, desenvolvidas através de aulas planejadas com ênfase na interdisciplinaridade entre português (linguagens), matemática (raciocínio lógico e cálculo) e educação física (motricidade, motivação e uso do lúdico na aprendizagem). 143 Este era um requisito do Curso de Educação Especial Inclusiva, da SOCIESC, em parceria com o ITDE (Instituto de Desenvolvimento Educacional), para a obtenção do título de especialista em Educação Especial Inclusiva. A motivação para esse projeto foi a ânsia de buscar formas alternativas para a aprendizagem de alunos com sérios problemas de aprendizagem devido a falta dos pré-requisitos nos estudos de linguagem e de cálculo. Essa é a caracterização dos alunos das salas de apoio que se veem nas quintas séries, com vários professores, diferentes aprendizagens e a necessidade de um estudo mais autônomo. Também se objetivou pensar os conteúdos e competências para as quais as docentes que planejaram esse 143 Inicialmente foram planejadas vinte horas-aula, mas o projeto foi tão bem aceito pelos alunos que ampliamos esse número para quarenta horas-aula. 463 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina trabalho estudaram, numa perspectiva inclusiva e interdisciplinar, ou seja, unir as ciências do cálculo, da linguagem e da educação física para promover o desenvolvimento pleno dos alunos. 144 Fundamentação teórica: diferentes ciências e linguagens para um trabalho diferenciado O trabalho precisou retomar o conceito de literatura e de jogo, a fim de situar as brincadeiras como metodologia de ensino. Ainda foram explicitados os conceitos teóricos sobre a aprendizagem, principalmente a alfabetização e o domínio do calculo lógico. Também foi retomada a importância do lúdico presente na educação física para, num trabalho coletivo entre diferentes profissionais da educação, melhorar a aprendizagem de alunos com limitações ou déficit no aprender. Começando pelo lúdico e o literário, é possível perceber o lúdico como mecanismo de promoção da interdisciplinaridade. O lúdico traz em si o literário e vice versa no universo infantil, visto que: A literatura serve – a quem? A literatura serve – a quê? A quem serve a literatura? A que serve a literatura? A literatura como serva? Serva, a literatura? A literatura é uma serva das intensidades de vida, tornandose, assim, um caminho vital intensivo. E progressivo. A literatura é um caminho vital intensivo e progressivo de vida. Um dos caminhos, um caminho privilegiado. Por esse caminho, chega-se a vida, não como uma última paragem, estanque, a ser atingida, mas como o que já está, desde sempre, presente, em movimento, mas não conseguimos, habitualmente, vivenciar, não nos tornamos aptos a, cotidianamente, atualizar sua potência implícita na superfície explícita de nosso corpo rotineiro (PUCHEU, 2009, p. 1). A literatura nomeada aqui vai além dos livros infantis. Recorrendo ao dicionário, são vários os significados encontrados, dentre os quais destacamos: (1) Arte de compor ou escrever trabalhos artísticos em prosa 144 As professoras que desenvolveram esse trabalho, Edineia Chaves Oliveira e Eliane Shibuya, têm respectivamente graduação e mestrado em Ciências da Linguagem e graduação e especialização em Educação Física. Era necessário que as aulas desenvolvidas trouxessem metodologias diferenciadas, mas que contemplassem português, matemática e educação física, além da proposta da inclusão. 464 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina ou verso e; (2) O conjunto de trabalhos literários dum país ou duma época (2008, p. 519). Observando a segunda definição, esta se refere também a todo o conjunto de tradições e de costumes referentes à infância e é este conceito que o trabalho aqui desenvolvido retomou. Costa (2000, p. 77) analisa a força da linguagem e diz que: “quando alguém ou algo é descrito, explicado, em uma narrativa ou discurso, temos a linguagem produzindo uma ‘realidade’, instituindo algo como existente de tal ou qual forma”. É neste sentido que este trabalho foi desenvolvido, não buscando uma fundamentação teórica para o uso da literatura, porém partindo do pressuposto que “a experiência artística não é só a do autor no momento em que escreve, mas também a do leitor (PAULINO, 1996, p. 05)”. Lajolo (2003, p. 232) corrobora com essa ideia e afirma que: A literatura trabalha na surdina. Enquanto formadora de imagens, a literatura mergulha no imaginário coletivo e simultaneamente o fecunda, construindo e desconstruindo perfis de crianças que parecem combinar bem com as imagens de infância formuladas e postas em circulação a partir de outras esferas, sejam elas científicas, políticas, econômicas ou artísticas. Fernandes (1979, p. 173) reitera que: Neste caso, são as crianças que, dessa forma, asseguram a continuidade das brincadeiras tradicionais, através de elementos da sua cultura, continuidade essa posta em crise pelo desaparecimento absoluto ou parcial daqueles traços da cultura adulta. Assim, as brincadeiras com a linguagem, como as parlendas, podem ter um importante papel no processo de manutenção e divulgação das formas de brincar das gerações passadas, visto que, são transmitidas pela oralidade, mas renovam-se e transformam-se com a incorporação de novos elementos, pelas crianças, em cada época. Esta premissa está diretamente ligada à forma de ver e trabalhar a linguagem na escola atual. Para trabalhar com um domínio pleno da linguagem, o uso da literatura e dos jogos também busca ultrapassar a visão tradicional onde a linguagem é somente a expressão do pensamento (ORLANDI, 1985). Hoje, vamos muito além nessa definição e vemos que através dela o homem tenta exercer seu poder, consolidar sua cultura e sua identidade. 465 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Segundo GERALDI (1997, p. 58), “estudar a língua é, então, tentar detectar os compromissos que se criam por meio da fala e as condições que devem ser preenchidas por um falante para se falar de certa forma e em determinada situação concreta de interação”. Esta é uma concepção de linguagem que veio evoluindo da expressão do pensamento na gramática tradicional, para a ênfase no ato comunicativo, na escola estruturalista, e por fim, caminhando para as teorias discursivas, que atualmente se expressa pela ênfase no enunciado, no contexto, nas formações discursivas e na interação entre os interlocutores. Quando essa reflexão vai para o ensino, buscamos a linguagem como forma de interação humana, onde um professor mediador auxilia um aluno que é um sujeito sócio-historicamente situado (LUCKESI, 1991). O trabalho interdisciplinar com raciocínio através do literário e dos jogos contemplará essa visão, tendo consciência de que o maior problema desse apontamento teórico didático que acabamos de fazer é que na prática ele ainda não saiu do papel. Quanto à área da Educação Física, metodologicamente, para conseguir a inclusão dos alunos excepcionais em classes regulares uma excelente opção é o teatro, a dança e os jogos lúdicos, em função de suas repercussões com todas as áreas do ensino. Sobre isso também citam os PCNs de Educação Física: “a aprendizagem esteja vinculada a experiência prática, o aluno precisa ser considerado como um todo no qual aspectos cognitivos, afetivos e corporais estão inter-relacionados em todas as situações” (BRASIL,1997, p. 33). Ainda no mesmo texto encontramos referência ao trabalho com o movimento como sendo: Trata-se de compreender como o indivíduo utiliza suas habilidades e estilos pessoais dentro de linguagens e contextos sociais, pois um mesmo gesto adquire significados diferentes conforme a intenção de quem o realiza e a situação em que isso corre (BRASIL, 1997, p. 33). Desenvolver o movimento prepara o indivíduo para a oralidade, para a encenação, para a dança, a caminhada, o equilíbrio, a atenção, a desenvolver a flexibilidade, a memória e o raciocínio. Com alunos especiais isso é mais sério ainda, pois muitas das faculdades desenvolvidas normalmente no crescimento infantil, neles precisam serem estimuladas constantemente. Segundo Almada (1999, p. 10): 466 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina As atividades lúdicas são indispensáveis para a apreensão dos conhecimentos artísticos e estéticos, pois possibilitam o desenvolvimento da percepção, da imaginação, da fantasia e dos sentimentos. O brincar nas aulas de arte pode ser uma maneira da criança experimentar novas situações, ajudando a compreender e assimilar mais facilmente o mundo cultural e estético. A prática artística é vivenciada pela criança pequena como atividade lúdica, onde o fazer se identifica com o brincar, o imaginar com a experiência da linguagem ou da representação. Ainda não podemos esquecer que ao falarmos em linguagem e em jogos estamos falando também em cálculo e assim sendo, em matemática (TOLEDO e TOLEDO, 1997). Juntamente com o ensino da Língua Portuguesa, a Matemática tem a maior ênfase em todo o sistema de ensino e ela (matemática), é uma linguagem (MENEZES, 1996). Ou seja, na utilização da matemática em outras disciplinas devido ao seu poder para representar e comunicar ideias de forma concisa. A linguagem matemática é construída a partir da estrutura e lógica existente na linguagem comum e permite ligar as experiências dos alunos e a sua linguagem ao mundo da matemática (MCTN, 1991, p. 96). Pensando, então, na união do raciocínio e da linguagem, foi desenvolvido esse estudo com literatura em jogos lúdicos para alunos da sala de apoio. Nosso objetivo foi, através da competição sadia e da brincadeira, melhorar a aprendizagem de alunos com déficit no ensino. Como apontam Silva e Kadama (2004, p. 04) O jogo e a competição estão intimamente ligados, e o jogo social não pode existir ou não tem graça sem esta competitividade. É fato, absolutamente lógico, de que na ausência de um vencido, não pode haver um vencedor, assim na impossibilidade de eliminar o caráter competitivo do jogo, o melhor é procurar utilizá-lo no sentido de valorizar as relações, acentuando a colaboração entre os participantes do grupo (SILVA E KADAMA, 2004, p. 04). Valorizando a competição, a amizade e a brincadeira, se trabalhou com conceitos fundamentais para o desenvolvimento do educando, sendo eles a memória, a sequência, as noções de seriação, classificação e de inclusão (BRASIL, 1997). Esses são conceitos matemáticos que envolvem diretamente a matemática e a linguagem. (TOLEDO e TOLEDO, 1997). Também o texto escrito e oral passa pela organização coesiva e coerente de seu enunciado e nesse sentido, o trabalho almejado só pode ser 467 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina contemplado na interdisciplinaridade, ou seja, o jogo, a literatura, a linguagem e o cálculo juntos para que o aluno melhore seu desenvolvimento cognitivo. A estrutura da sala de apoio e a formação de seus docentes Por fim, foi necessário ter claro a necessidade do olhar diferenciado para os alunos com limitações de aprendizagem e de como os professores devem estar preparados para promoverem a inclusão. Existem professores que se preocupam com o bom profissionalismo, no que se refere à competência técnica, mas ignoram suas atribuições e compromissos sociais e políticos junto aos sujeitos com os quais se relacionam (a comunidade escolar). Autores como Libâneo (1986) e Paulo Freire (2001) apontam para a importância da figura do educador como dilema central das questões do educar. Para Freire (2001, p. 42-43), “A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”. Educadores de todas as instancias educativas precisam refletir seriamente sobre suas práticas pedagógicas e falando em educação especial, estamos falando também em questões de inclusão, de democratização do ensino. Só que para que essas questões ocorram na prática e não só no discurso precisamos entender quem são esses alunos e como ensiná-los. Quanto ao corpo discente, os alunos da sala de apoio não são alunos com retardo mental. São alunos que precisam recuperar noções não sistematizadas durante o ensino primário. Dunn (1977) nomeava essas salas como salas de auxílio. Na prática, esses espaços foram se caracterizando como uma forma de reforço escolar. Manzoli (1994) também partilhava da ideia de reforço ao recomendar a sala de recursos para: Aquelas (crianças) que não aprendessem por serem portadoras de um distúrbio de aprendizagem, ou por qualquer outro motivo dessa natureza, deveriam permanecer no ensino comum, com reforço de programas específicos para o seu problema numa sala de recursos (p.196). O Conselho Nacional de Educação trouxe a seguinte definição para a sala de apoio: 468 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina É um espaço, situado na escola de ensino regular, destinado a receber alunos integrados em turmas regulares, sendo delas retirados, muitas vezes dentro dos tempos letivos, para, em pequenos grupos ou individualmente, receberem apoio em número de vezes semanal variável, consoante os casos (1998, p. 65). Também podemos conceituá-la como um espaço para: Atender às necessidades particulares de aprendizagem dos alunos. Bem como implicam em planificações pedagógicas e ações docentes fundamentadas em critérios que definem: o que o aluno deve aprender, como e quando aprender, que formas de organização são mais eficientes para o processo de aprendizagem, como avaliar o aluno (BRASIL, 1999, p. 33). As duas definições vão de encontro a sociedade inclusiva que se busca no universo das práticas educativas atuais. Nesse sentido, as atividades desenvolvidas na sala de apoio são atividades que acontecem sempre no período inverso de aula dos estudantes, que a frequentam uma ou duas vezes por semana, conforme sua necessidade. A sala de apoio é conduzida por professores, que são amparados por uma equipe formada por psicóloga, fonoaudióloga, psicopedagoga e neurologista, que auxiliam a sanar a as dificuldades específicas de cada aluno. Não é voltada para deficiências mentais especificas, mas para deficiências de aprendizagem que acabam excluindo os alunos do processo de aprendizagem, principalmente nas áreas de linguagem e de cálculo. Junto a esta equipe multidisciplinar, o mau desempenho escolar da criança passa a ser encarado como consequência de distúrbios, disfunções, problemas, dificuldades, carência, desnutrição, família desestruturada, entre outras causas. Muitos alunos também com defasagem na aprendizagem que frequentavam a APAE e o ensino regular foram transferidos de APAEs para as salas de apoio, pois lá podem ter sua necessidade educacional especial sanada ou acompanhada. Nesse sentido, a sala de apoio vem auxiliar os educadores a observar seus alunos nas suas particularidades, buscando resgatar o que não aprenderam em etapas pré-estabelecidas, dando um atendimento individual e constante a esses alunos. Aplicação prática da literatura e do lúdico no ensino de linguagem e de cálculo 469 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Para contemplar nosso objetivo, trabalhamos coletivamente na observação e no diagnóstico dos alunos selecionados. Seguindo, foi preciso coletivamente elaborar um plano de aula de 40 horas/aulas seguidas, distribuídas em dois meses letivos. Nosso planejamento envolveu as três disciplinas (português, matemática e educação física) e foi desenvolvido em regime de parceria e colaboração entre as professoras envolvidas no projeto, com autorização da equipe pedagógica da escola. Os educandos envolvidos são em número de dez. É política da escola que a turma não ultrapasse esse número, para que haja um atendimento bem individualizado. Temos mais meninos (8) do que meninas nesta sala (2), que funciona no período vespertino, nas terças e quintasfeiras, ocupando duas horas aulas, num total de quatro horas-aula por semana. 145 São todos alunos da zona rural, que acordam muito cedo para estudar e que precisam ficar na Escola na hora do meio dia para receber o atendimento na sala de apoio à tarde. A turma não apresenta alunos com deficiência mental ou transtornos de aprendizagem. Um aluno está sendo encaminhado para triagem sobre seu comportamento quanto ao raciocínio matemático. Ao que tudo indica, ele tem discalculia, mas ele passará por uma equipe multidisciplinar para conferir essa suspeita. 146 Quanto às demais crianças, apresentam trocas de letras com o mesmo ponto de articulação, são tímidas para questões orais, apresentam letras muitas vezes ilegíveis e tem dificuldade de organização do material, da escrita nas páginas. Não sabem o mecanismo da tabuada e confundem palavras com dígrafos. Em resumo, precisam retomar conceitos básicos da alfabetização e de lógica do pensamento matemático. Também precisam organizar a escrita e separar a oralidade da escrita nas produções textuais. 145 Por motivos éticos não mencionaremos os nomes dos alunos. A discalculia é um dos transtornos de aprendizagem que causa a dificuldade na matemática. Este transtorno não é causado por deficiência mental, nem por déficits visuais ou auditivos, nem por má escolarização. O portador de discalculia comete erros diversos na solução de problemas verbais, nas habilidades de contagem, nas habilidades computacionais, na compreensão dos números. 146 470 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Sendo assim, foram estes problemas que serão trabalhados em quarenta horas-aula nesta sala de apoio, tendo como ponto de partida o lúdico. Desenvolvimento das aulas Como já mencionado, o trabalho foi desenvolvido nos meses de agosto e setembro de 2008, ocupando 4 horas-aula semanais, num total de quarenta horas-aulas. Cada encontro era de duas horas-aula, cerca de 90 minutos. A estruturação do projeto está descrita no quadro abaixo, onde é colocado que músicas, histórias, brincadeiras e jogos foram desenvolvidos, bem como as atividades desenvolvidas com cada elemento. Recursos Brincadeira “Escravos de Jó” Software “Luz da letras” 147 “Jogo da forca”, novamente usando o software “Luz das letras” Brincando do “Caçador” A turma brincou de “Amarelinha” Atividades -Trabalho com sequência, com lateralidade, com oralidade e a inclusão de classes; -Produção textual; -Oralidade, tabuada, a interpretação, a leitura e o registro escrito. -Oralidade, a leitura de imagens, a produção textual e o registro escrito em forma de texto narrativo; -Caça-palavras, atividades de completar, jogos interativos; -Identificação de diferentes brincadeiras infantis; - Reprodução das brincadeiras observadas. -Ditado com palavras referentes à infância; -A leitura e a escrita de palavras, o som e a formação da palavra, os processos de alfabetização; - Atividades de completar palavras com auxilio da informática; - Produção textual sobre a infância. -Desenvolveu-se o jogo; -Montamos um texto coletivo sobre essa representação; -Montagem de situações problema. -Fizemos amarelinhas com sequências diferentes; -Enfatizamos a escrita por extenso dos números usados na brincadeira. 147 Programa de jogos de alfabetização desenvolvido pela Copel para o Programa “Paraná Alfabetizado”. 471 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Quebra-cabeça de montar provérbios Os alunos brincaram de ‘Zip-zap-zop’ Trabalho com sequência de códigos. Música de sinônimos e antônimos Contar histórias clássicas -Cada grupo ganhou dois envelopes, um com o começo, outro com o final dos provérbios. Cabia a eles juntar corretamente as frases; -Cada aluno copiou os cinco provérbios que mais gostou e escolheu um para ser comentado oralmente, para toda a turma; -Eles também citavam outros que conheciam. - Cada um ganhou um nome e precisaria saber explicar esse nome para os colegas. O tema eram brincadeiras infantis. Então, eles sentavam em círculo e um aluno ficava sem cadeira. Esse aluno teria que escolher um colega e dizer: ‘Zip-zap-ou zop’. ‘‘Zip’’ era para responder o que tinha no colega da direita, ‘zap’ para olhar a brincadeira do colega da esquerda. Quem não soubesse responder viria para o meio do círculo. Na terceira pergunta, o aluno do meio do círculo poderia dizer ‘zop’ e ficar com a cadeira de quem ele escolhesse. Nesse momento, todo o grupo trocaria de lugar e um aluno ficaria sem cadeira. -Estipulamos valores para cada código. Depois de tentar seguir os códigos, bater palmas para círculos e os pés para traços, cada aluno montou uma sequência de códigos para brincar. -Trabalha-se raciocínio lógico, domínio de calculo as operações, sinônimo e antônimos; -Fomos criando outros antônimos: sol/lua, menino/menina, cedo/tarde. No final da aula, cada aluno registrou os pares de palavras que eles percebiam ser antônimos. Pega varetas. -Ler diferentes clássicos; -Contar oralmente os clássicos da literatura; -Contar causos dos pais. -Trabalhar valor numérico e motricidade das mãos. O jogo do Resta Um -Raciocínio lógico, estratégia e inteligência. Trabalhou-se o tradicional jogo de dados. O objetivo do jogo é conseguir o máximo de pontos possíveis á cada rodada do dado. O jogo consiste em formar pares e distribuir dados aos alunos, juntamente com uma folha de papel, para marcar o resultado. Para fazer essa atividade, confeccionamos primeiramente os dados na sala. Pintamos cada um e depois fomos ao jogo. Dessa forma, trabalhamos a figura geométrica do quadrado e sua presença na natureza, observando outros objetos que também são quadrados ou em forma de cubo (dado). Dominó. -Trabalhou-se sequência; -Produção textual. -Este foi um jogo com muita abstração, mas eles O jogo do “Stop”, só que com termos 472 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina ligados à matéria de português referente à quinta série, com algarismos e com brincadeiras. trabalharam a memória, a conceituação e o cálculo no final do jogo. Quadro 01: Atividades com jogos lúdicos. A sequência do trabalho era mostra ao aluno a origem das brincadeiras, brincar na prática, registrar por escrito a atividade, produzir textos sobre as brincadeiras, criar situações problemas na matemática e relacionar a nossa infância com a de nossos antepassados. Ainda buscou-se levar o educando a perceber as atividades de linguagem e de cálculo presentes em cada proposta. Já o software usado foi uma forma de ligar as brincadeiras tecnológicas com as clássicas. No fim de cada aula eles também eram convidados a ler livros clássicos de literatura e de folclore. No começo da próxima aula eles iriam contar a história lida. Dessa forma, a leitura, o oralidade, o cálculo e o lúdico estavam presentes em todas as atividades. Considerações finais Embora a proposta do estado do Paraná seja a estética da recepção para a literatura (ECO, 2003), o trabalho aqui proposto serviu-se da literatura e do lúdico como pretexto para a aprendizagem. Essas condutas metodológicas são tidas como controversas, uma vez que tem como objetivo a aprendizagem de conteúdos e não o trabalho com o belo como primazia. Todavia, pensando nos desafios de inclusão apresentados no perfil dos alunos e na necessidade de buscar alternativas para melhorar a escrita e o cálculo, a forma de conduzir o trabalho literário neste processo foi muito satisfatório. O trabalho com jogos e brincadeiras como motivação, reflexão e fixação sobre a aprendizagem do cálculo e dá linguagem realmente deu certo. Foi um trabalho muito proveitoso e surtiu efeito real na aprendizagem e nos diagnóstico das reais dificuldades destes alunos. A partir desse projeto, percebemos que algumas destas crianças não têm dificuldades de aprendizagem e estão nas salas de apoio por não conseguirem se concentrar nas salas de aula. Também percebemos que a defasagem de idade de alguns alunos (14/15 anos na quinta série) os deixam inibidos e que com a proposta de jogos lúdicos eles se integraram mais ao grupo. 473 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Quanto à aplicação do projeto e a dinâmica das aulas ministradas, é importante acrescentar a percepção de que é preciso saber fazer retornar as brincadeiras apresentadas para situações reais de aprendizagem. Se ficarmos só brincando, sem apresentar a esses alunos onde está o conhecimento teórico dessas práticas, a função norteadora da escola se perde, pois precisamos ensinar e neste caso, era preciso retomar sempre as operações que estavam sendo realizadas, o trabalho com a escrita, a leitura e a oralidade. Nesse sentido, aulas com jogos podem acabar se tornando apenas aulas de passa-tempo, caso os educadores não estejam atentos ao encaminhamento das propostas. Em contrapartida, o projeto também mostrou que o lugar da literatura e do lúdico precisam ser revistos nas praticas escolares. Os alunos precisam brincar e devem ter mais contato com as brincadeiras de roda, sobretudo pela forma que a sociedade atual trata suas crianças, confinadas dentro de casa e sempre com jogos eletrônicos. De modo geral, percebeu-se ainda que a matemática foi mais enfatizada do que o português e nesta disciplina, enfatizamos mais a oralidade e a escrita, deixando poucas atividades de leitura. Porém, mesmo assim, o conjunto das atividades propostas foi satisfatório. Dessa maneira, os resultados obtidos mostram que é possível ensinar através da literatura e do lúdico. Que os profissionais de diferentes áreas devem fazer planejamentos integrados e que essas propostas podem estar sendo adaptadas a todas as séries e modalidades de ensino. Dos alunos desta turma, foi possível fazer um diagnóstico preciso e estar interferindo diretamente em pré-requisitos da aprendizagem, como a cópia, a interpretação, a percepção das regras de escrita e a formulação do pensamento lógico nas atividades matemáticas. E tudo isso com aulas gostosas, onde estes alunos não foram discriminados por suas limitações, “contribuindo para preservar e perpetuar modelos de sentir, de pensar ou de agir tradicionais” conforme defende Fernandes (1979, p. 25). Referências ALMADA, Deborah. Arte. Revista Criança. Brasília. Junho de 1999. AURELIO. Mini Dicionário. 2ª Edição revista e ampliada, Ed. Nova Fronteira, 2008. BRASIL. Lei Nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União.Brasilia, seção 1, 1996. 474 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. de Língua Portuguesa.MEC. Brasília, 1997. BRASIL. 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TOLEDO, Marília; TOLEDO, Mauro. Didática da Matemática como dois e dois: a construção da matemática. São Paulo, FTD, 1997. 476 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina GÊNEROS DA LITERATURA OU LÚDICOS: JOGOS DIDÁTICOPEDAGÓGICOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL Luzinete Carpin Niedzieluk FMP 1 Introdução [...] o ato de brincar é mais que a simples satisfação de desejos e curiosidades, é um processo de compreensão e assimilação. (A/A). O foco do presente trabalho objetiva considerarmos jogos didáticopedagógicos como gêneros literários ou lúdicos, pois segundo Bakhtin e Volochinov (1999; 2002), todo signo é ideológico por natureza, logo, os jogos são considerados sócio-históricos e são baseados em regras comportamentais anteriormente existentes ou combinadas momentaneamente, exigindo a atenção das crianças, trazendo valorações diferentes e promovendo autonomia e criatividade. No segundo semestre de 2008 desenvolvemos um projeto com alunas (os) do curso de Pedagogia da Faculdade Municipal de Palhoça com a finalidade de resgatar jogos e brincadeiras da sua infância, reconstruir em si mesmo o gosto pelo fazer lúdico, prazeroso e significativo, confeccionálos e planejar atividades linguísticas. Após um levantamento bibliográfico sobre o tema, e muitos debates em sala, oito equipes confeccionaram alguns jogos com materiais atóxicos, laváveis, resistentes e coloridos. Elaboraram atividades pedagógicas fundamentadas nas teorias lidas, passando da oralidade para as formas de letramento, aqui compreendido como grupo de práticas sociais, culturalmente situadas e ideologicamente construídas e testaram-nas com seus próprios filhos, sobrinhos e crianças em geral. Apenas depois de testados, estes jogos foram doados com instruções de uso a algumas escolas do município da Palhoça porque previamente havíamos constatado a falta deste material nas escolas e o pouco uso dos mesmos pelos professores. 477 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 2 Os jogos literários ou lúdicos e a criança A concepção de criança adotada neste trabalho é semelhante à encontrada na Proposta Curricular de Santa Catarina (1998) de um sujeito social e histórico que faz parte de uma organização familiar inserida em uma sociedade, com uma cultura e em um determinado momento histórico. Essa concepção vai ao encontro dos postulados bakhtinianos (2002). Encontramos inúmeras concepções de jogos lúdicos e alguns pesquisadores, entre eles, Nascimento e Saito (2009) consideram como gêneros da literatura popular no processo de letramento, provérbios, quadrinhas, cantigas, parlendas, adivinhas e trava-línguas. A concepção de gêneros literários ou lúdicos desta pesquisa abrange canções populares usadas nos jogos e busca abarcar o desenvolvimento do conhecimento em espiral conforme propõe Rojo (2002). Parafraseando Lima (2002), jogos são atividades sujeitas as regras e as combinações que estimulam o raciocínio e a integração social do indivíduo e aumentam a capacidade de fruição e criação. Entendemos que o educador deve propor atividades que privilegiem estes aspectos e as temáticas inseridas em seus planos de aula devem estimular a solução de problemas. A criança deve compreender o porquê das regras. Alguns jogos também podem ser compreendidos como repetição de ações que produzem sons (canções populares), como pular corda ou brincar de elástico. Os jogos podem ser considerados gêneros literários ou lúdicos, porque segundo Bakhtin e Volochinov (1999) são compostos de signos, sendo assim, compreendemos que permanecem vivos na memória dos sujeitos por meio de lembranças saudáveis do passado. São momentos de prazer e de aprendizado alegres, agradáveis e descontraídos. Segundo Winnicott (1996, p. 224): As atividades lúdicas proporcionadas pelos jogos são o elemento propulsor de todo processo de alfabetização. A criança em idade préescolar ainda se encontra no período concreto, precisa manusear objetos e sentir cada um próximo para que, a partir daí, construa seu saber. As brincadeiras desenvolvem a persistência e exigem iniciativas intelectuais. É por meio delas que a criança resolve seus problemas emocionais que também fazem parte do seu desenvolvimento. Além dos jogos auxiliarem no aprendizado das crianças, também propiciam a superação de suas dificuldades emocionais. 478 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Para Vygotsky (2002, p. 115), ao utilizar os jogos, “as crianças podem imitar uma variedade de ações que vão muito além dos limites de suas próprias capacidades”, elas observam e fazem através da interação com outras pessoas ampliando seu nível de desenvolvimento real. Bakhtin (2002, p. 278-279) afirma que: En cada época, en cada círculo social, en cada pequeño mundo de la família, de amigos y conocidos, de compañeros, en el que se forma y vive cada hombre, siempre, existem enunciados que gozam de prestigio, que dan el tono; existem tratados científicos y obras de literatura publicística en los que la gente fundamenta sus enunciados y los que cita, imita o sigue. [...]. Ni hablar de los ejemplos escolares y antológicos, en los cuales los niños estudian su lengua materna y los cuales siempre poseen una carga expressiva. Assim, entendemos que, através dos jogos, as crianças aprendem fatos novos e também identificam os valores ideológicos que os enunciados proferidos pelos enunciadores e por eles próprios contêm, pois não há ato de brincar sem possibilidade de diálogo, isto é, sem possibilidade de resposta. Isso corrobora o pensamento de Winnicott (1996) e o de Vygotsky (2002). Prosseguindo, apresentaremos alguns jogos elaborados pelas(os) alunas(os) e suas contribuições para o ensino-aprendizagem. 2.1 Jogo pega-varetas Pega-varetas é um jogo lúdico que exige do participante raciocínio e paciência. Pode ser utilizado pelo professor porque ajuda a desenvolver na criança habilidades, tais como, a lógica, cálculos, diferenciação entre as cores e suas classificações, além de incentivar a socialização e a tolerância entre os alunos. Com este recurso, a criança sente prazer ao se divertir, assim questiona e se expressa livremente sem preocupações hierárquicas, pois fica mais à vontade com seus colegas, promovendo maior socialização entre eles. Dessa forma, o aprendizado fica mais interessante e dinâmico e o professor poderá avaliar e orientar de maneira mais positiva o educando. O jogo pega-varetas também deve ser utilizado na educação como forma de metodologia alternativa mais agradável e lúdica, na qual, aluno e professor tornam-se atuantes na escola, tendo a liberdade como privilégio de ambos, em uma classe dinâmica e expressiva, sem se desviar do real 479 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina objetivo escolar. Este jogo: estimula a comunicação e expressão da criança; forma um ser mais crítico e atual no meio em que está inserido; desperta o interesse pela descoberta e exploração do enigmático; proporciona a interação social entre as crianças e estimula a compreensão natural pelo interesse e prazer de brincadeira. 2.1.1 Como fabricar o jogo Passo a passo – Materiais necessários para confecção do brinquedo: Garrafa pet transparente; bolinhas coloridas; palitos coloridos (sugestão: utilizar as cores primárias e secundárias); furador ou um objeto que possa perfurar a garrafa. Para decorar o jogo: folhas de borracha EVA (etil, vinil e acetato), coloridas; tesoura; cola quente. Procedimento: Trace linhas imaginárias no local em que foi retirado o rótulo da garrafa. Aqueça a ponta do furador e faça furos cuidadosamente sob as linhas imaginárias. Os furos devem estar posicionados lado a lado, sempre em número par para que as varetas possam transpor entre eles. Atravesse as varetas pelos furos de forma que o interior da garrafa fique parecendo uma “cama de gato”. Insira as bolinhas na garrafa. Elas devem ficar acomodadas entre as varetas sem cair. Para decorar o brinquedo, recorte no EVA faixas onduladas ou figuras geométricas, por exemplo, fixe na garrafa com a cola quente. Obs.: Este jogo é uma variante do jogo original Pega-varetas. FIGURA 1: Jogo Pega-varetas Fonte: Alunas do curso de Pedagogia da FMP. 480 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 2.2 Jogo da velha Também chamado de “Tic Tac Toe” (do português europeu) ou “Jogo do Galo”, o Jogo da Velha possui regras simples e de fácil entendimento. Na Inglaterra, nos finais de tarde, mulheres se reuniam para bordar e conversar, as mais velhas, por terem dificuldade pela falta de visão para bordar, jogavam jogos simples. Teria então surgido o nome Jogo da Velha. No entanto, a origem do jogo pode ser ainda mais antiga. Comentase que em tabuleiros escavados em templos do antigo Egito, poderiam ter sido feitos por escravos há 3.500 anos. O jogo tem como objetivo formar uma sequência de três imagens iguais. Quando foi criado utilizava-se um círculo (O) e um xis (X) ou então pedrinhas, caroços de milho e feijão como peças do jogo. No caso de um dos dois participantes formar uma linha horizontal, vertical ou diagonal, vencerá o jogo. Sempre que o jogo termina empatado é utilizado o termo “deu velha”. Ele pode ser jogado sobre um tabuleiro ou simplesmente sendo desenhado sobre um pedaço de papel. 2.2.1 Confeccionando o jogo Desenvolvemos o jogo da velha a partir do EVA, que é um material emborrachado e de fácil manipulação. Para doarmos o brinquedo às escolas, confeccionamos uma embalagem de tecido não tecido 100% polipropileno (chamado, TNT), assim as peças não são perdidas facilmente. Materiais utilizados: EVA (diferentes cores e texturas); cola quente; tesoura; régua e caneta preta e TNT. O primeiro passo para confeccionarmos o brinquedo, foi desenhar os moldes escolhidos no EVA. Em seguida, recortá-los e colá-los, para que formem as peças do brinquedo. Com a caneta preta, contornamos as peças do jogo para detalharmos e diferenciá-los. Para fazer o tabuleiro do jogo, utilizamos a régua para medir o tamanho do mesmo e colamos nove círculos, que são os respectivos espaços onde serão colocadas as peças da brincadeira. No caso do jogo doado às escolas, criamos figuras (peças) que representavam animais e seus alimentos: cachorro e osso, coelho e cenoura e rato e queijo em cores variadas. 481 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 2.2.2 Aplicação do jogo Aplicamos o jogo da velha para uma turma de crianças entre cinco e quatro anos, de uma escola particular. Ao mostrarmos o jogo, demonstraram não conhecê-lo. Explicamos as regras e após explicá-las, vários alunos perguntaram onde poderiam comprar o jogo, para brincar em sua casa. Inicia-se o jogo com os participantes escolhendo as peças que vão utilizar. Quem escolher o animal começa a jogada e o posiciona onde desejar. Em seguida, o segundo jogador também posiciona a sua peça em um espaço do tabuleiro que ainda esteja vazio. A partida prossegue até que um dos dois forme uma sequência. Quem primeiro formá-la, além de vencer o jogo, inicia a partida seguinte, ou ninguém forma a sequência e reinicia-se o jogo. As peças do brinquedo que mais chamaram a atenção da turma foram os bichinhos e seus alimentos. Ao final da primeira partida, o aluno que não venceu não ficou triste, mas pediu que reiniciasse a próxima. A seguir, apresentaremos a figura com um dos modelos do jogo da velha. FIGURA 2: Jogo da Velha Fonte: Alunos(as) da FMP. 482 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 2.3 Cinco-Marias É um jogo infantil conhecido por vários nomes em nosso país: Cinco-Marias, Jogo das pedrinhas, Nente, Belisca, Capitão Liso, Xibiu, Epotatá (em tupi, quer dizer “mão na pedra”), Jogo dos Ossos, Onente, Bato, Arriós, Telhos, Chocos e Nécara. Muito mais antigo do que se imagina, já era conhecido pelos gregos, romanos e egípcios. Na Grécia, o jogo era chamado de “ossinhos”. Os Gregos e os Romanos provavelmente tiveram conhecimento desse jogo com os egípcios, que inicialmente utilizavam ossinhos para prever o futuro, geralmente provenientes da perna ou pata do carneiro. Com o tempo passaram a ser confeccionados em marfim, gesso e pedrinhas. Atualmente foram substituídos por plástico ou saquinhos de tecido com enchimento de areia ou grãos de arroz. Os gregos indiscutivelmente eram seus adeptos mais apaixonados. [...] Homero, na Ilíada, conta, por intermédio da sombra de Pátroclo, que Aquiles matou o filho de Anfidamas depois de ter discutido com ele durante uma partida de “ossinhos”. E Plutarco conta que o general ateniense Alcibíades, ainda criança e brincando no meio da rua, pediu a um condutor de carro que parasse a fim de poder apanhar os “ossinhos” que iam ser esmagados. Perante a recusa, a criança não hesitou em deitar-se atravessado no caminho, ordenando ao condutor que passasse sobre o seu corpo. O homem, aterrado, parou os cavalos. Em Rodes, um tal Hegesiloco e amigos designavam como aposta das suas partidas de “ossinhos” a mulher de um dos seus concidadãos. O vencido comprometia-se deste modo, fossem quais fossem os riscos, a raptar a esposa indicada e a pô-la nas mãos do vencedor. (BRANDÃO; FROESELER, 2008, s/p.). Reconhecemos neste jogo, além do seu valor histórico, a importante interação que há entre os participantes e a habilidade motora que desenvolve. As velhas doutrinas da disciplina rígida e formal toleravam o jogo, desconfiando, porém do seu valor educativo. O progresso da psicologia nestes últimos cinquenta anos vem mostrando, no entanto, que a motivação do jogo pode transferir-se para a motivação do trabalho e considerável é a importância do jogo pelos benefícios que proporciona à saúde física e mental da criança, do adolescente e do adulto. (MIRANDA,1984, p. 60). Neste estudo, vamos considerar a relação entre os jogos lúdicos e os conhecimentos cognitivos, e também a possibilidade de integrá-los. A brincadeira faz parte da natureza da criança; é a partir de processos 483 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina empíricos e de brincadeiras que elas se apropriam do conhecimento proposto pelo educador. Acrescentaremos a tudo isto, o resgate de jogos tradicionais e a importância histórica que o jogo das Cinco-Marias representa, tendo estado presente desde a Grécia antiga, berço e origem da nossa civilização. Portanto, teve uma contribuição histórica e cultural muito grande, mas com o passar dos anos, em certos momentos, ficou esquecido ou adormecido na lembrança de nossos antepassados. Cinco-Marias é um jogo com aspectos relevantes que permeiam o mundo lúdico da criança. Favorece o cognitivo, a motricidade, a agilidade, dentre outros fatores positivos de desenvolvimento e de formação da criança. O objetivo alcançado é a qualidade do aprendizado em diversas áreas, tais como: artes, português, matemática e educação física. 2.3.1 Como confeccionar Em Como jogar Cinco-Marias, Costa (2008) nos ensina fazer e brincar com esse jogo. Como fazer os saquinhos – Material: retângulos de tecido (optamos por circunferências); agulha; linha; tesoura e arroz, areia ou feijão. Modo de fazer: recorte cinco retângulos de tecido, se possível de cores diferentes. Cada retângulo deve ter, mais ou menos, 3 centímetros de largura por 4 centímetros de altura; dobre um dos retângulos no meio e costure as laterais, deixando uma entrada aberta. Pela abertura, preencha o saquinho com areia, arroz, feijão ou outro tipo de semente ou grão. Ele não deve ficar muito cheio e costure a abertura. Repita a operação com os outros saquinhos. Observe as ilustrações a seguir: 484 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 2.3.2 Como jogar Joga uma pessoa por vez. Se errar, perde a vez para o próximo. Quando o outro errar ou chegar ao fim do jogo, o primeiro volta a jogar de onde parou. Pegando do chão – Espalhe os cinco saquinhos (ou pedrinhas) no chão. O melhor jeito é jogá-los para cima e deixar cair de qualquer jeito, sem que fiquem muito longe um do outro. Escolha um saquinho, jogue-o para cima e pegue outro do chão com a mesma mão. Você precisa ser rápido o bastante para conseguir pegar o primeiro na volta. Jogue os que estão na mão para o alto e, sem deixá-los cair, tente pegar mais um. Continue até que esteja com os cinco na mão. Agora que conseguiu, tente fazer diferente: em vez de pegar um saquinho por vez enquanto o que jogou para cima não cai, você deve pegar mais de um por vez. Comece tentando pegar dois de cada vez. Lembre-se que não pode deixar cair nenhum dos que estão na mão enquanto pega os próximos. Conseguiu? Prossiga e tente pegar dois saquinhos na primeira vez e três na segunda. Por fim: jogue um para cima e tente pegar os quatro restantes de uma vez só! Conforme ilustrações a seguir: Fonte: COSTA, (2008). 485 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina FIGURA 3: Cinco-marias e Pega-varetas Fonte: Alunas(os) da FMP. 2.4 Bilboquê O Bilboquê é um misto de jogo e brinquedo que teve origem na França há cerca de 400 anos. Ele consiste em duas peças: uma bola com um furo e um pequeno bastão, presos um ao outro por um cordão. O jogador deve lançar a bola para o alto e tentar encaixá-la na parte mais fina do bastão. No caso do brinquedo feito com garrafa descartável, o jogador deve tentar colocar a bolinha dentro da garrafa. 2.4.1 Como fazer Para construir um bilboquê você vai precisar de: 1 garrafa pet descartável; fita adesiva colorida (ou transparente); barbante; 1 folha de jornal ou revista; rolha; tesoura; adesivos ou recortes para enfeitar. Passo a passo: Corte as garrafas de refrigerante ao meio, aproveite a metade com o bico e a tampa da garrafa; amarre um barbante com uma bola de papel alumínio amassado ou com uma rolha para fazer o bilboquê e enfeite seu brinquedo com adesivos ou recortes. 2.4.2 Modo de brincar 486 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Segurar o Bilboquê pela parte do gargalo da garrafa. Com um movimento repentino para cima, tentar colocar dentro dele a rolha que está presa pela linha à parte inferior e de fora da garrafa. Aspectos que desenvolve: coordenação motora e concentração. É recomendável para crianças a partir de seis anos. FIGURA 4: Bilboquê Fonte: Alunos(as) da FMP. 2.5 Caixa pedagógica Não foi possível resgatar a história da caixa pedagógica, através da literatura, somente descobrimos que ela derivou da caixa de utensílios usada pelas nossas avós para guardar materiais diversos. 2.5.1 Materiais Uma caixa grande de papelão (de fogão, de máquina de lavar, etc.) ou uma caixa menor de sapatos; caixinhas de vários tamanhos forradas e potinhos decorados com fita adesiva colorida (iogurte e outros). Procedimento: Fazer cortes em duas laterais da caixa de maneira que as crianças possam entrar e sair. Cubra a caixa com EVA, fazendo cortes de diferentes formas para que as crianças introduzam os elementos: cubos, bolas, potinhos, caixas. 487 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 2.5.2 Como brincar Com esse brinquedo, as crianças podem explorar a caixa, introduzir objetos de acordo com as formas geométricas, buscar elementos e outras propostas que surgirão deles mesmos e até esconder-se, no caso das caixas maiores. 2.5.3 Habilidades desenvolvidas Este jogo em sala de aula visa: aumentar a independência da criança; estimular sua sensibilidade visual e auditiva; diminuir a agressividade; exercitar a imaginação e a criatividade; aprimorar a inteligência emocional; aumentar a integração; promover o desenvolvimento sadio; promover o crescimento mental e adaptar a criança ao meio social. A seguir, modelo de caixa pedagógica. Figura 5: Caixas Pedagógicas Fonte: Alunas da FMP. 2.6 Corda e elástico 488 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A Corda existe há muitos anos e há inúmeras possibilidades de utilizá-la nos jogos. Eis algumas sugestões de como brincar: Pular corda individualmente – para frente, para trás, cruzando; Pular corda em duas – lado a lado, frente a frente; Pular corda em trios – duas pessoas vão batendo a corda e a outra vai pulando. Pode ser feito o mesmo com o deslocamento para frente e para trás; Quebra-canela – os participantes ficam em círculo e o animador fica no centro, com uma corda. O animador gira a corda rente ao solo e todos deverão saltá-la; Quebra-canela em colunas – os participantes ficam em colunas e duas pessoas arrastam uma corda rente ao solo, que deve ser saltada por todos. Foguinho – as crianças que batem à corda cantam: “Salada, saladinha Bem temperadinha Com sal, com pimenta Fogo, foguinho” (A/A). Assim que falarem a palavra foguinho, começam a girar a corda cada vez mais rápido. Vence quem conseguir pular mais tempo sem esbarrar na corda. Há várias canções que podem ser utilizadas neste jogo lúdico, como por exemplo, as seguintes: “Pipoca, sorvete, pirulito, picolé A fulana é amiga de José Fui na padaria e o homem me falou Que se eu não pular, pão não vou comprar Fogo, fogo, fogo, fogão 1, 2, 3... (contando até a pessoa errar) Quando errar canta-se: Vai morrer de fome! Não sabe, não sabe, vai ter que aprender, orelhas de burro; cabeça de ET” (A/A). “Um homem bateu na minha porta e eu abri Senhoras e senhores ponham a mão no chão Senhoras e senhores pulem de um pé só Senhoras e senhores deem uma rodadinha Senhoras e senhores deem uma pirueta E vá pro olho da rua” (A/A). 489 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 2.6.1 Como fazer a corda Material: Corda de sisal ou corda plástica; cola; tubos de vinil. Cortar a corda e nas pontas colocar o tubo de vinil, colado com cola quente para não soltar e não machucar as mãos de quem bate a corda. Figura 6: Corda Fonte: Aluna da FMP, ao fundo, com crianças de uma escola. 2.6.2 Como fazer o Elástico Material: Elástico para confecção de roupas; vidrilhos para enfeitar e fio para costurar. Cortar 2 metros de elástico de roupa e dar um nó ou costurar as pontas. Bordar com vidrilhos se quiser. 2.6.3 Como brincar Duas crianças em pé, frente a frente, colocam o elástico em volta dos tornozelos, formando um retângulo. Um terceiro participante faz uma sequência de saltos, pulando para dentro, sobre e para fora do elástico. O objetivo é fazer tudo sem tropeçar, aumentando o grau de dificuldade. Tanto a corda quanto o elástico desenvolvem além da parte psicomotora da criança, a sociabilidade, o respeito, a oralidade e consequentemente seu processo de letramento. 490 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Figura 7: Elástico Fonte: Aluna da FMP com crianças de uma escola. 2.7 Peteca Peteca é o nome dado a um artefato esportivo, utilizado no jogo também chamado Peteca, de origem indígena-brasileira. A Peteca é constituída de uma base que concentra a maior parte de seu peso, geralmente feito de borracha (EVA) ou TNT e uma extensão mais leve, geralmente feita de penas naturais ou sintéticas, ou com o próprio TNT recortado em tiras verticais finas, com o objetivo de dar equilíbrio ou orientar sua trajetória no ar quando arremessada. Registros no passado mostraram que a peteca, como recreação, era praticada pelos nativos brasileiros, mesmo antes da chegada dos portugueses. Consequentemente, nossos antepassados, através de sucessivas gerações, também a praticaram, fazendo chegar essa recreação indígena a todo o nosso território. Na década de 70, milhares de homens e mulheres, velhos e moços, passaram a praticá-la, diuturnamente, seguindo as suas regras devidamente regulamentadas. Finalmente, em 27 de agosto de 1985, o Conselho Nacional de Desporto (CND) reconheceu o jogo de peteca como esporte, por solicitação da FEMPE – Federação Mineira de Peteca. 491 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 2.7.1 Vantagens do Jogo de Peteca É um jogo aeróbico, portanto, aumenta a aptidão física de seus praticantes; requer espaço pequeno para a sua prática; esporte de massas, não há limites de idade (mesmo como competição); é um jogo barato para se praticar; é salutar, movimentado e agradável, proporcionando grande satisfação. 2.7.2 Como fazer Material: EVA colorido; TNT; cola quente; areia; fio para costurar; tesoura para recortar; purpurina colorida. Procedimento: Cortar as partes de baixo em forma oval, costurar, encher com areia e deixar uma abertura em cima. Nesta parte colocar as tirinhas de EVA cortadas na vertical (como se fossem penas) e colar com cola quente. Figura 9: Peteca e Bilboquê Fonte: Alunas(os) da FMP. 3 Considerações Finais Os resultados desta pesquisa nos permitiram perceber in loco as contribuições proporcionadas pelo gênero jogos literários ou lúdicos, pertencente à esfera lúdico-literária-esportiva. Sugerimos que tais jogos sejam utilizados no processo ensino-aprendizagem, especialmente no 492 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina processo de alfabetização e no de letramento, como recurso didáticopedagógico. Com a utilização desses jogos em sala de aula ou em ambiente externo, a criança age de maneira mais espontânea e ao mesmo tempo expressa seus desejos, sua imaginação. Pela imitação, desenvolve com outras crianças a interação, afetividade, respeito, ordenação de seus pensamentos e socialização. Segundo os próprios documentos oficiais para a educação infantil, as instituições devem assegurar e valorizar, em seu cotidiano, jogos motores e brincadeiras que contemplem a coordenação dos movimentos e o equilíbrio das crianças. Os jogos motores trazem a oportunidade de aprendizagem social, pois, ao jogar, a criança aprende a competir, a colaborar umas com as outras e respeitar regras. (BRASIL, 1998, p. 35). Algumas crianças são alfabetizadas e letradas através dos jogos, através de atividades interessantes e motivadoras que provocam na criança o pensamento reflexivo. Acreditamos que com esta proposta também estamos ampliando nosso próprio “saber-fazer” e melhor compreendendo “para que fazer”. Referências ANCINELO, Patrícia R; CALDEIRA, Leia P. O papel dos jogos lúdicos na educação contemporânea. Disponível em: <http://www.unifra.br/eventos/jornadaeducacao2006/2006/pdf>. Acesso em: 15 out. 2008. BAKHTIN, Mikhail. Estética de la creación verbal. Trad. Tatiana Bubnova. 1. ed. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2002. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. v. 03. Brasília, 1998. _____. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, 1997. BRANDÃO, Heliana; FROESELER, Maria das Graças V. G. Jogos Infantis: Os Ossinhos. Disponível em: http://www.terrabrasileira.net/folclore/manifesto/jogos/j-ossos.html>. Acesso em: 09 out. 2008. LIMA, Dartel Ferrari. Dicionário de Esportes. 1. ed. São Paulo: Sprint, 2002. VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 493 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina 494 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E O ENSINO DE CIÊNCIAS: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL Luana von Linsingen UFSC [email protected] 1. Aproximação A Ciência, como qualquer outro detalhe do quadro social, não progride obedecendo a uma lógica de princípio-meio-fim; ela se organiza e se reorganiza conforme a humanidade se organiza e os pensamentos são modificados. Ela cria tensões com o ideário predominante, mas também finca pé em ideários predominantes. É como dois garotos brincando na gangorra: às vezes estão alinhados, às vezes não. Tudo depende do momento histórico e das pessoas que fazem Ciência – os cientistas propriamente ditos, e os não-cientistas: financiadores, governos, cidadãos. É uma construção humana, uma das muitas formas culturais da humanidade, e apenas mais um dos valores orientadores da sociedade. Tentar separar a Ciência do mundo comum, elegê-la a uma posição de supremacia política ou intelectual, resulta em equívocos de interpretação que deixa os já marginalizados ainda mais à margem das decisões que a envolvem – como os alimentos transgênicos, a clonagem, a construção de usinas, a escolha de combustíveis, a mudança climática. É imprescindível, deste modo, um Ensino de Ciências que prepare o cidadão para compreender os mais amplos significados e implicações da Ciência, sua natureza, suas limitações, seus potenciais dentro da sociedade. Uma das múltiplas possibilidades que se abrem para um Ensino de Ciências voltado neste sentido está em olhar para uma das matérias culturais menos lembradas quando se pensa nesta disciplina, e também uma das mais desprestigiadas no “mundo sério”: a literatura infantil e juvenil. A atividade literária, conectada com as atividades do mundo, busca reformular valores ao mesmo tempo em que revisita os antigos. Antenados ao que ocorre à sua volta, os escritores manifestam seus pensamentos sempre que podem, seja de forma ficcional ou não; e no meio dessas manifestações estão os assuntos científicos. 495 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Para o físico e educador da Universidade de São Paulo (USP), Luis Carlos de Menezes, a leitura e a escrita, sendo essenciais na formação escolar e humana, merecem atenção especial dos professores de diversas disciplinas. Inclusive de Ciências. Como afirma o autor, aprendemos a interpretar diversas linguagens desde que nascemos, um processo potencializado pela escola e que envolve todas as áreas. O problema da leitura/escrita atinge não só a alfabetização da língua-mãe como também envolve a chamada alfabetização científico-tecnológica (MENEZES, 2009). A Alfabetização Científico-Tecnológica (ou ACT) tem como um dos objetivos a construção de uma compreensão mais consistente sobre a produção e apropriação do conhecimento científico e tecnológico (AULER; DELIZOICOV, 2001), em um processo de desmistificação da Ciência, seus fazeres e consequências, afastando o sujeito tanto da idolatria quanto da fobia. A crença de que Ciências nada tem a ver com Português levou e ainda leva a dois graves analfabetismos: o científico e o literário. Uma maneira de contornar esse problema é fazer o caminho inverso ao já realizado pelos escritores que visitam a Ciência: visitar a literatura. Uma só obra literária encerra uma cultura infinita, com temas que, fazendo parte do pensamento humano, não podem ser fragmentados, não podem ser dissociados uns dos outros (MORIN, 2001). São várias as histórias juvenis e infantis que trazem à tona questões como o lixo, as usinas nucleares, as extinções em massa, o futuro do futuro; transformam os assuntos da Ciência no que são de fato: em assuntos sociais. Por conta disso, quando levada ao espaço escolar, uma obra literária não pode nem deve ser tachada de “apoio paradidático” de Língua Portuguesa. Ela deve ser elevada a um status de complemento, de ponto de partida, de problematização, e levada a todas as disciplinas, a de Ciências inclusive. 2. Interação Com o objetivo de proporcionar a reflexão sobre a relevância de mais estudos e pesquisas sobre a Literatura Infanto-Juvenil na área do Ensino de Ciências, especificamente seus exemplos literários, isto é, textos cuja matéria ou linguagem (narrativa ou poética) resulta da invenção e da 496 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina transfiguração da realidade em matéria, buscando interagir com as emoções de seu leitor (NOVAES COELHO, 2006), tomo por base minha dissertação de mestrado sobre as relações entre Ensino de Ciências e Literatura Infantil (LINSINGEN, 2008), na qual estudei uma coleção específica de livros 148 infantis, e uma oficina junto a professores do Ensino Fundamental , durante a qual trechos e exemplos de livros – de literatura infanto-juvenil especialmente – foram apresentados e trabalhados sob o enfoque das Ciências. Identificando trabalhos que relacionassem a Literatura Infantil com o Ensino de Ciências, especificamente nos anais de um dos eventos principais da área, os Encontros Nacionais de Pesquisa em Ensino de Ciências (que ocorre a cada dois anos), durante o período de 1997 a 2007, constatou-se que, de um total de 2315 trabalhos apresentados nos dez anos do evento, somente sete estudaram e avaliaram os conteúdos de exemplos de Literatura Infantil, entre nacional e estrangeira. Esses sete foram unânimes quanto à inserção da mesma em ambiente escolar, na disciplina de Ciências (op.cit.). Ainda que restrito a um único evento, esse resultado indica uma carência de trabalhos que abordem as relações entre a Literatura Infantil e o Ensino de Ciências, embora aconteçam eventos e movimentos objetivando suprir esta carência – como a recente 3ª edição do ciclo de oficinas sobre Literatura e Ensino, concomitante à I Bienal do Livro de Curitiba (Paraná). Neste evento, houve uma concessão de espaço para discussão das relações possíveis entre Literatura Infantil e Juvenil e o Ensino de Ciências, ressaltando as possibilidades e as dificuldades oferecidas nesta articulação. 2.1. A respeito da Série Lelé da Cuca Editada pela Ática, a coleção Lelé da Cuca chegou às livrarias brasileiras a partir de 2002, com o título A história da Ameba. No ano seguinte, 2003, foi editada a versão brasileira de A história da Lesma. Todos os outros livros vieram em 2004, sendo reeditados desde então. 148 Intitulada O Dragão fora da Caverna: paralelos entre Literatura e Ciências; foi ministrada por mim a 140 professores da rede pública do Estado do Paraná, entre 27 e 28 de agosto de 2009, no 3º Literatura e Ensino, ciclo de oficinas promovido pela Secretaria do Estado de Educação (SEED) do Paraná. Maiores informações no site http://literaturaeciencias.tracaletras.com.br. 497 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Por enquanto foram traduzidos oito volumes (A história da Ameba, A história do Plâncton, A história da Lesma, A história da Aranha, A história do Morcego, A história do Tatu, A história do Cão, A história do Gato), cujos originais em inglês pertencem à série Bang on the door, publicada pela editora David Bennet Books Limited, uma divisão da 149 Chrysallis Books Pic., da Grã-Bretanha, a partir de 1999 . São escritos pela dupla Jackie Robb e Berny Stringle, e foram traduzidos para o português por Luciano V. Machado, sob a supervisão pedagógica da 150 professora Madalena Freire . As ilustrações são das também britânicas Karen Duncan e Samantha Stringle. A narrativa, elaborada em rimas e com completa linearidade, juntamente com a linguagem, não muito complexa e indissociavelmente ligada às ilustrações, que ocupam 1/3 de cada página, indica a leitura para os chamados leitores iniciantes (NOVAES COELHO, 2006), embora possa ser trabalhado em fases mais avançadas de leitores, na forma como exemplificarei em seguida. O diferencial desta coleção são os bichos, diferentes do que normalmente se vê nas estantes das livrarias e das bibliotecas escolares, e as cores de fundo da capa, que são brilhantes, berrantes, incomuns, dando a impressão de deixarem o animal retratado em franca evidência. Analisando os livros sob diversos critérios, foi possível perceber as seguintes características quanto a aspectos conceituais de Ciências (Quadro I): 149 Salvo os títulos A história da Aranha, A história da Lesma (ambos de 1997) e A história da Ameba (de 2000). 150 Filha de Paulo Freire. Mais informações no site Espaço Pedagógico: www.pedagogico.com.br/edicoes/0/artigo2183-1.asp (consultado em 10 de junho de 2008) 498 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Quadro I. Conteúdos e equívocos conceituais de Ciências Fonte: LINSINGEN (2008, p. 93). É possível dizer que a maioria desses livros oferece aberturas e possibilidades de diálogo sobre conteúdos curriculares de Ciências, até mesmo a partir dos equívocos encontrados. Tomando um exemplo para ilustrar o que digo, na história do Plâncton há a apresentação rudimentar da realidade da cadeia alimentar e a sugestão de que o Plâncton tem relação, senão responsabilidade, pelas cores nos seres marinhos. Existe também um equívoco conceitual grave, que é a apresentação do plâncton como sendo um indivíduo e de uma só espécie, quando não é. É sabido que plâncton é a denominação genérica para um conglomerado de espécies representantes de diversos Reinos, organismos de proporções geralmente microscópicas: bactérias, cianófitas, algas, protistas, microcrustáceos, larvas de vermes, de anelídeos, de insetos e outros, reunidos em extensos agrupamentos que nadam (embora fracamente) ou vivem suspensos nas águas dos oceanos e nos lagos de água doce. 499 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Levando este livro ao espaço disciplinar de Ciências, é possível utilizá-lo com os estudantes de 5ª e 6ª séries para aproximá-los deste importante componente marinho; aos estudantes das 6ª séries, o livro ajudaria a problematizar o tema do ambiente aquático, estudado por eles com um pouco mais de profundidade, sem ocupar muito tempo de aula. Iniciando-se o assunto com a leitura do livro, que é leve, atraente e divertido, discute-se com eles aspectos que têm completa relação com as Ciências Naturais. 2.2. A LIJ na aula de Ciências A Literatura Infanto Juvenil (LIJ) está voltada para leitores que já possuem maior domínio da língua em sua forma escrita e que deixaram a fase egocêntrica mais intensa, voltando deste modo suas preocupações e interesses a assuntos de maior abrangência, como as relações interpessoais, a conquista do eu, a predileção por possíveis profissões futuras e o mundo o qual visualiza e com o qual interage; as chamadas fases do leitor-emprocesso, leitor fluente e leitor crítico (NOVAES COELHO, 2006). Nessas fases, a LIJ muitas vezes aborda temas que já são levados ao espaço disciplinar de Língua Portuguesa e que podem ser estendidos à de Ciências. Temas de Ciências são tão frequentemente trabalhados pelos escritores desta categoria quanto temas de ordem filosófica e lírica. Contemplando a LIJ – especialmente aquela que surge depois dos anos 1970, pelo menos no Brasil (ZILBERMAN, 1985; SANDRONI, 1987) – é possível detectar pelo menos seis grandes grupos temáticos: Meio Ambiente, Saúde/Orientação Sexual, Clonagem, Bioética, Tecnologia e Atividade Científica. O grupo mais trabalhado, especialmente após a ascensão das chamadas questões ambientais, é o do Meio Ambiente. Discorrendo desde poluição dos rios à caça clandestina, ou situando a narrativa em formato semi-épico em ambientes naturais, nesses livros os autores tratam o tema como maneira de resgatar o contato com a Natureza, ou como meio de criticar e flagrar os crimes ambientais. Exemplos: O homem que espalhou o deserto (Ignácio de Loyola Brandão; 1997), Os rios morrem de sede (Wander Piroli, 1976), Guerra no Pantanal (Antônio de Pádua e Silva, 2004), O último broto (Rogério Borges, 1993), Salva-Bicho (Mariluiza Campos, 1995), Aventura na Ilha do Meio (José Carlos S. Moraes, 1997), Calatrava (Reynaldo Valinho 500 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Alvarez, 1983), O Menino do Dedo Verde (Maurice Druon, 1957), entre muitos outros. Também dentro deste grupo se encontra aqueles títulos que envolvem aspectos da ecologia dos animais, seu modo de vida ou seu estado de vulnerabilidade ambiental, a teia alimentar. Exemplos: Bzy (Stella Carr, 1981), TanGirino (JP Veiga, 2003), Tem um cabelo na minha terra – Uma história de minhoca (Gary Larson, 2000), Sonho de Minhoca (Ivan Jaf, 2005), Asa-de-Prata (Kenneth Oppel, 2007), O caso da borboleta Atíria (Lúcia Machado de Almeida, 1975), entre outros. Dentro do grupo temático Saúde/Orientação Sexual, encontramos assuntos mais relacionados ao leitor enquanto humano: doenças, epidemias, sexualidade, gravidez, aborto, aspectos genéticos, consumo de entorpecentes, alcoolismo, entre muitos outros. Deste modo temos os seguintes exemplos: Memórias de um vírus (Luiz Claudio Cardoso, 2002), O vírus vermelho (Stella Carr, 1997), Cartas Marcadas: uma história de amor entre iguais (Edson Gabriel Garcia, 2007), Anjos no Aquário (Júlio Emílio Braz, 2003), Enfim, sós!... (Márcia Leite, 1991), A Guerra das Sabidas Contra os Atletas Vagais (Margarida Patriota, 2005), A Coragem de Mudar (Júlio Emílio Braz, 1999), A Droga da Obediência (Pedro Bandeira, 1992), e mais. No grupo Clonagem, mais recente, temos em pauta a clonagem de animais extintos (Na trilha do mamute, de Rogério Andrade Barbosa/2003, e o conto “Carta do Pleistoceno”, em A Casa das Palavras, de Marina Colassanti/2002) e a clonagem humana (Um trem para outro (?) mundo, de Laura Bergallo/2003). No grupo da Bioética, também recente, são referendados aspectos de abuso de animais, ou se tenta desmistificar determinado animal. Exemplos: O estranho caso do cachorro morto (Mark Haddon, 2006), O enigma dos chimpanzés (Rogério Andrade Barbosa, 2005), Desventuras da ema Seriema (Mariluiza Campos, 1990), A cobra coral e outros bichos do bem (Luís Pimentel, 2007). Em Tecnologia, de fundo mais futurista, é abordado um futuro dominado pelas máquinas criadas pelos seres humanos, no qual a Natureza foi totalmente ou grandemente destruída. Exemplos: A Ponte Para o Passado (Ivan Jaf, 1993), Liberdade Virtual (Sylvio Gonçalves, 1997), Cidade Maravilhosa (Ivan Jaf, 2009). 501 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Finalmente, no grupo Atividade Científica, vemos narrados das mais diferentes maneiras o trabalho do cientista e a importância de sua inclinação benéfica/maléfica: O Homem-Lua (Tomi Ungerer, 2000), A órbita dos caracóis (Reinaldo Moraes, 2003), O Enigma das Letras Verdes (Stella Carr, 1992), O Projeto Dragão (Rubens Teixeira Scavone, 1988), A Montanha dos Ossos do Dragão (Ivan Jaf, 1994). Alguns desses livros foram estudados e aplicados em sala de aula por pesquisadores interessados em averiguar tanto os conceitos de Ciência abordados, quanto a recepção dos estudantes à Ciência tendo a LIJ como meio (Quadro II). Quadro II. Pesquisas envolvendo Literatura Infantil e Ensino de Ciências. Siglas: LD (Livro Didático); LPD (Livro Paradidático); TL (texto literário); EF (Ensino Fundamental) Respeitando-se o objetivo notificado no início deste artigo, isto é, proporcionar a reflexão sobre a relevância de mais estudos e pesquisas sobre a Literatura Infanto-Juvenil na área do Ensino de Ciências, especificamente seus exemplos literários, excetuou-se do Quadro II aquelas pesquisas que envolvessem exclusivamente os chamados Livros Paradidáticos – definidos como livros (ou revistas, álbuns, jogos...) cuja matéria ou linguagem (via de regra, narrativa) resultam da fusão de duas intenções básicas: ensinar e divertir (NOVAES COELHO e SANTANA, 1996). Uma vez que o enfoque desta análise se faz sobre livros comercializados por editoras, também se excetuou aqueles livros criados por professores e/ou alunos. 502 Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina Nos trabalhos e pesquisas expostas no Quadro II percebe-se forte tendência a encarar a LIJ como facilitadora da compreensão dos estudantes sobre assuntos de Ciência. Em pesquisa realizada por Nigro e Trivelato (2005) com o uso de um Texto Paradidático sobre a anemia falciforme, percebeu-se que textos que promovem a leitura interativa-construtiva tendem a estimular o leitor a tomar contato com as informações veiculadas e a incorporá-las às suas visões de mundo. Estes textos habilitariam os leitor