UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
ANAIS
Palhoça
2009
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
ANAIS
Palhoça, 16, 17 e 18 de setembro de 2009
Realização:
Apoio:
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Anais do 4º. SLIJSC
Seminário de Literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Organizadores
Eliane Santana Dias Debus
Fábio José Rauen
Dilma Beatriz Juliano
Chirley Domingues
Ficha Catalográfica:
S62
Seminário de Literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina –
SLIJSC (4.: 2009 set. 16-18: Florianópolis, SC)
Anais [do] 4º. Seminário de Literatura Infantil e Juvenil de Santa
Catarina – SLIJSC/organizadores Eliane Santana Dias Debus, Fábio
José Rauen, Dilma Beatriz Juliano, Chirley Domingues. – Palhoça :
Ed. Unisul, 2009.
712 p.; 21 cm
ISSN 2175-9308
1. Literatura infantil – Congressos. 2. Literatura juvenil –
Congressos. I. Universidade do Sul de Santa Catarina. II. Título:
SLIJSC. III. Título.
CDD (21. ed.) 809.89282
Elaborada pela Biblioteca Universitária da UNISUL
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COORDENAÇÃO DO SIMPÓSIO
COORDENAÇÃO GERAL
Profa. Dra. Eliane Santana Dias Debus, UNISUL, Brasil
Profa. Dra. Dilma Beatriz Juliano, UNISUL, Brasil
Profa. Ms. Chirley Domingues, UNISUL, Brasil
COMISSÃO CIENTÍFICA
Profa. Dra. Ângela Balça, Universidade de Évora, Portugal
Profa. Dra. Dilma Beatriz Juliano, UNISUL, Brasil
Prof. Dr. Diógenes Buenos Aires, UEMA, Brasil
Profa. Dra. Dirce Waltrick, UFSC, Brasil
Profa. Dra. Eliane Debus, UNISUL, Brasil
Prof. Dr. Fábio de Carvalho Messa, UNISUL, Brasil
Prof. Dr. Fernando Fraga Azevedo, Universidade do Minho/IEC, Portugal
Profa. Dra. Flávia Ramos, UNISC, Brasil
Profa. Dra. José Nicolau Gregório Filho, USP, Brasil
Profa. Dra. Jussara Bittencourt de Sá, UNISUL, Brasil
Profa. Dra. Maria Ester Moritz, UNISUL, Brasil
Profa. Dra. Patrícia Kátia da Costa Pina, UFBA, Brasil
Profa. Dra. Regina Michelli, UERJ, Brasil
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
COMITÊ EXECUTIVO
João Geraldo Cardoso Campos
Isabel Cristina Scafuto
Renata Luiz de Abreu
Divulgação
Ana Maria Silva
Breno Braz Zanchetta Pinhal
Credenciamento/Secretaria
Renata Luiz de Abreu
Ana Maria Silva
Recepção
Camila Porcelis Vargas
Maria Beatriz Fornerolli
Breno Braz Zanchetta Pinhal
Maria Laura P. Spengler
Cláudia Maria Poglia
Monitoria
Ademir Jacinto Jacques
Isasc Duran Ponce
Maria Laura P. Spengler
Cláudia Maria Poglia
Certificação
Renata Luiz de Abreu
Ana Maria Silva
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
Reitor:
Ailton Nazareno Soares
Vice-Reitor:
Sebastião Salésio Herdt
Chefe de Gabinete:
Willian Corrêa Máximo
Secretária-Geral da Unisul:
Albertina Felisbino
Pró-Reitor de Desenvolvimento e Inovação Institucional:
Valter Alves Schmitz Neto
Pró-Reitor de Ensino:
Mauri Luiz Heerdt
Pró-Reitor de Pessoas:
Fabian Martins de Castro
Pró-Reitora de Administração Acadêmica:
Miriam de Fátima Bora Rosa
Pró-Reitora de Extensão, Cultura, Esporte e Integração Comunitária:
Vera Lúcia Anselmo Neves
Pró-Reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação:
Sônia Maria Hickel Probst
Diretora do Campus Universitário de Tubarão:
Milene Pacheco Kindermann
Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis:
Hércules Nunes de Araújo
Diretora do Campus Universitário da UnisulVirtual:
Jucimara Roesler
Coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem:
Fábio José Rauen
Coordenadora Adjunta do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem:
Solange Maria Leda Gallo
Coordenador Geral do Curso de Letras:
Felipe Felisbino
Vice-coordenador do Curso de Letras:
Otávio Zanela
Coordenadora Adjunta do Curso de Letras em Palhoça:
Chirley Domingues
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem
Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem
Curso de Doutorado em Ciências da Linguagem
Avenida José Acácio Moreira, 787
CEP 88704-900 – Tubarão, SC
+55 (48) 3621-3369
Avenida Pedra Branca, 25
Cidade Universitária Pedra Branca
CEP 88.132-000 – Palhoça, SC
+55 (48) 3279-1061
www.unisul.br/linguagem
Curso de Letras
Avenida José Acácio Moreira, 787
CEP 88704-900 – Tubarão, SC
+55 (48) 3621-3000
http://portal2.unisul.br/content/paginadoscursos/letrasportuguesinglestubarao/
Avenida Pedra Branca, 25
Cidade Universitária Pedra Branca
CEP 88.132-000 – Palhoça, SC
+55 (48) 3279-1000
http://portal2.unisul.br/content/paginadoscursos/letrasportuguesinglesgrandeflorianopolis/
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
APRESENTAÇÃO
O 4º. SLIJSC (Seminário de Literatura Infantil e Juvenil de Santa
Catarina) tem caráter Nacional e é um projeto do Programa de Pósgraduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa
Catarina (UNISUL) em parceria com o Curso de Letras, e acontece no
campus da Pedra Branca, Palhoça – SC, entre os dias 16 e 18 de setembro
de 2009. Trata-se de um evento que congrega pesquisadores envolvidos no
estudo da leitura e da formação do leitor de literatura infantil e juvenil em
Santa Catarina e no País. Devido ao caráter interdisciplinar desse objeto de
estudo (a literatura infantil e juvenil), o evento tem agrupado pesquisadores
e profissionais de diversos ramos das Ciências Humanas (Letras,
Pedagogia, Biblioteconomia, Psicologia, História, entre outros).
Iniciado em maio de 2006, o Seminário de Literatura Infantil e
Juvenil de Santa Catarina aproxima-se de sua quarta edição. Na primeira
edição, o evento ocorreu de forma tímida, em formato de mesas-redondas,
com participação de escritores e pesquisadores circunscritos ao Estado;
fazendo-se presentes, na ocasião, Werner Zotz, Urda Alice Klueger, Eloi
Bôcheco, Maria de Lourdes Krieger, Flávio José Cardoso e Alcides Buss e
as pesquisadoras Eliane Debus (UNISUL), Danusia Aparecida da Silva
(Uniplac) e Salete Lanzari, (UFSC). Por sugestão dos participantes, em
avaliação a 1ª. Edição, no segundo ano inseriu-se o formato de minicurso
com convidados de diferentes universidades e a conferência da professora
Regina Zilberman. Na terceira edição, o evento se consolidou com
diferentes mesas temáticas e a presença do escritor e ilustrador André
Neves. O Seminário de Literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina tem
atingido uma média de 130 pessoas, entre acadêmicos de graduação dos
cursos de Letras e Pedagogia, professores pesquisadores e demais
profissionais da área. Neste ano queremos dar um salto de qualidade
atingindo um público de 250 participantes e inserir as apresentações de
comunicação oral e pôsteres, bem como a publicação do caderno de
resumos e Anais.
Objetivos
a) Congregar pesquisadores brasileiros envolvidos em estudos
sobre literatura infantil e juvenil;
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
b) Propiciar que se discutam questões teóricas e aplicadas
relacionadas à pesquisa em literatura infantil e juvenil;
c) Possibilitar a divulgação de estudos teóricos e aplicados que
possam contribuir para releituras de diferentes enfoques e
abordagens postos sobre esse objeto de pesquisa; e
d) Aproximar o professor-leitor de escritores e de suas produções
literárias para ampliação de conhecimentos sobre a literatura
infantil e juvenil disponível no mercado editorial.
Justificativa
A literatura produzida para crianças e jovens no Brasil é
reconhecida internacionalmente. Temos títulos publicados em todas as
línguas do mundo e nossos ilustradores são premiados em vários concursos
nacionais e internacionais. Ana Maria Machado, em 2001, assumiu a
cadeira número 1 da Academia Brasileira de Letras. Na ocasião, a escritora
considerou sua eleição “uma vitória da literatura infantil”.
No entanto, a produção literária destinada à criança e aos jovens no
Brasil é recente, já que os primeiros títulos datam do final do século XIX, e
os estudos sistematizados sobre essa produção o são mais ainda. Basta
lembrar que essa sistematização só se dá no final da década de 1960, com
as primeiras inserções da Literatura Infantil como disciplina optativa no
currículo de formação dos professores nos cursos de Graduação. Maria
Antonieta Cunha (1997) destaca que quando realizou sua primeira
experiência, na Universidade de Minas Gerais (UFMG, 1969), enfrentou
várias dificuldades, em especial o do preconceito.
A história da Literatura Infantil brasileira recebeu maior atenção a
partir de 1980. Embora alguns trabalhos, como o de Bárbara Vasconcelos
de Carvalho (1961) e de Leonardo Arroyo (1968), tenham se antecipado a
esse período, somente em 1984 surge um livro que aborda a história desse
gênero, de forma mais sistemática, pelas mãos de Regina Zilberman e
Marisa Lajolo: Literatura infantil brasileira: história & histórias. Outra
produção de fôlego, embora não se denomine, nem se queira constituir
como uma história do gênero, mas que se torna referência ao trazer da
forma mais abrangente possível a produção literária para crianças,
publicada no Brasil, é o Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil, de
Nelly Novaes Coelho (1995).
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O crescente interesse de pesquisadores pela Literatura Infantil e
Juvenil contribuiu para uma extensa publicação na área, quer seja em forma
de livro, quer seja em outros meios de publicação impressa (dissertações,
teses, revistas, boletins etc.). Os avanços tecnológicos também
contribuíram para a disseminação das pesquisas realizadas em diferentes
países. Por meio da Internet, torna-se possível o acesso rápido a revistas
eletrônicas, sites de núcleos e grupos de pesquisas, bem como blogs de
diferentes instituições.
Em documento produzido no início da década de 1990, a
pesquisadora Nadia Glotlib (Apud HOLLANDA, 1994) avaliava os
principais grupos emergentes nos estudos teóricos, na área de Letras: a
literatura feita por mulheres; a literatura africana; a literatura popular (oral e
de cordel); e, a literatura infanto-juvenil.
A partir desses dados, Heloísa Buarque de Hollanda (1994) aponta
os traços comuns dessas narrativas e sua emergência, como resultado de
novos paradigmas: São aquelas que, até pouco tempo, foram identificadas
como áreas marginais, não consideradas, ou quase não consideradas,
legítimas pela historiografia canônica, e cujos produtos foram
tradicionalmente definidos como gêneros ‘menores’ na medida em que se
apoiavam em literaturas orais, correspondência, narrativas populares, cuja
‘qualidade’ era sistematicamente posta em questão pela crítica literária
(HOLLANDA, 1994, p. 453).
Sendo a leitura literária de fundamental importância para a inserção
da criança na vida leitora, faz-se necessário refletir sobre a produção
literária destinada a esse público, bem como a sua importância na formação
de futuros professores, pois estimulará o seu olhar para compreender a
literariedade no texto para a infância e não a sua escolha em detrimento de
conteúdos escolares. Desse modo, pelo fomento à pesquisa e formação do
professor, bem como à reflexão sobre a qualidade da literatura de recepção
infantil e juvenil no Estado de Santa Catarina e no Brasil, esse evento se
justifica.
Os trabalhos organizam-se no formato de: palestras; mesas
redondas; minicursos; comunicações individuais e pôsteres, bem com
lançamento de livros e sessão de autógrafos. O evento conta também com
um encontro com os escritores de literatura catarinense, entre eles: Flávio
José Cardozo, Urda Alice Klueger, Maria de Lourdes Krieger.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
PROGRAMAÇÃO
Quarta-feira, dia 16 de setembro de 2009
Período Noturno
18:00 às 19:00 – Credenciamento
19:00 às 20:00 – Sessão de abertura
20:00 às 22:00 – Conferência de abertura
“Literatura e escola”
Profa. Dra. Alice Áurea Penteado Martha,
Universidade Estadual de Maringá, Brasil
Quinta-feira, dia 17 de setembro de 2009
Período Matutino
08:00 às 12:00 – Apresentação das comunicações orais e pôsteres
Período Vespertino
14:00 às 17:00 – Minicursos
16:00 às 18:00 – Encontro da Associação de Escritores e Ilustradores
de Literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina (AEILIJSC)
18:00 às 19:00 – Atividade cultural
18:00 às 19:00 – Encontro com escritores:
Alcides Buss,
Flávio José Cardozo,
Maria de Lourdes Krieger,
Cristina Santos,
Yedda Goulart,
Antonio Hugo Aresse Quintana,
Luana von Linsingen,
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Período Noturno
19:30 às 22:00 – Mesa-redonda 1
“A ilustração no livro infantil”
André Neves,
Anelize Zimermann, UDESC, Brasil
Márcia Cardeal, UDESC, Brasil
Coordenação: Profa. Chirley Domingues, UNISUL, Brasil
19:30 às 22:00 – Mesa-redonda 2:
“A inserção da Literatura Infantil e Juvenil em diferentes espaços”
Prof. Dr. Miguel Rettenmaier, UPF, Brasil
Prof. Dra. Dirce Waltrick do Amarante, UFSC, Brasil
Profa. Ms. Maria Salete Daros de Souza, UNIFEBE, Brasil
Coordenação: Profa. Dra. Dilma Beatriz Juliano, UNISUL, Brasil
Sexta-feira, dia 18 de setembro de 2009
Período matutino
08:00 às 12:00 – Apresentação das comunicações orais e pôsteres
Período Vespertino
14:00 às 17:00 – Minicursos
18:00 às 19:00 – Atividade Cultural
18:00 às 19:00 – Lançamento de livros e sessão de autógrafos
Período Noturno
19:00 às 22:00 – Conferência
“A Arte de Contar histórias no Século XXI”
Cléo Busatto
19:00 às 22:00 – Mesa-redonda 3
“Monteiro Lobato e a recepção leitora”
Profa. Dra. Patrícia Kátia da Costa Pina, UESC, Brasil
Profa. Dra. Eliane Debus, UNISUL, Brasil
Coordenação: Gabriela H Böhm, UNISUL, Brasil
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
SUMÁRIO
RESUMOS DE COMUNICAÇÕES ORAIS.......................................... 17
Da terra das sombras à terra dos sonhos: o espaço sagrado na literatura para crianças
e jovens...........................................................................................................................19
Qual a importância de ler os clássicos desde cedo? ..............................................................19
O fantástico mistério de Feiurinha: uma análise do gênero feminino ...................................20
Perspectivas do feminino em contos de Charles Perrault......................................................21
Perrault, Buarque e Burton: quem tem medo do lobo mau? .................................................22
Literatura infanto-juvenil catarinense: de mãos dadas com a Bruxinha Elisa e seus
encantos..........................................................................................................................22
Na infância todo corpo poético é concreto............................................................................23
A potência lúdica do poema: uma vivência da poesia contemporânea .................................24
O arco das palavras encantadas: considerações sobre as transformações da palavra
poética na canção popular...............................................................................................25
Terra Gaúcha: o projeto de alfabetização de João Simões Lopes Neto.................................26
Ler e fazer na biblioteca .......................................................................................................26
Literatura infantil: biblioteca e leitor ....................................................................................27
Um olhar sensível e político diante do pequeno leitor: estudo de caso a partir do
literatório ........................................................................................................................28
Livro interativo on-line para literatura infantil: estado da arte..............................................29
Os contos infantis como proposta de incentivo à leitura na era digital .................................30
Dona sofia, ofélia e uma velhinha sem nome: palavras, traços e cores que narram
velhices...........................................................................................................................30
Provocándolos a “ser”...........................................................................................................31
A satisfação leitora através de leituras de historias infantis como incentivo ao
aprendizado da leitura.....................................................................................................32
Contação de histórias: uma ponte para a paixão de ler .........................................................32
a literatura infantil e juvenil brasileira e a representação de grupos sociais..........................33
O espaço urbano e o espaço rural na literatura infanto-juvenil: alguns casos .......................34
Do texto à imagem: uma poética da tradução .......................................................................35
Clarice Lispector: a tradutora e os leitores infanto-juvenis...................................................35
A tradução do dialeto do personagem Hagrid em Harry Potter e a pedra filosofal
para o português brasileiro: um olhar para o público leitor. ...........................................36
Intertextualidades no romance infanto-juvenil de Cornelia Funke .......................................37
Leitura de imagens: uma análise semiótica das imagens da obra ida e volta de Juarez
Machado.........................................................................................................................38
Os animais, o mito e o feminino: Frida Kahlo para crianças e adolescentes.........................39
Entre realidade e fantasia: um olhar-menino ressignificando contextos de guerra ...............40
Monteiro Lobato: a biografia do pai de Emília .....................................................................40
Emília ontem e hoje: uma análise do discurso ......................................................................41
Literatura, rap e rebeldia: constituição discursiva do “sujeito-estudante”.............................42
Literatura infantil: importante e indispensável......................................................................42
A linguagem literária nos anos iniciais do ensino fundamental: desenvolvendo
habilidades de leitura e escrita........................................................................................43
Malucos por histórias: uma criativa proposta para a formação de críticos leitores ...............44
13
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A inacessibilidade às concepções da literatura promove a aversão pela disciplina...............45
Ideias diferentes promovem os valentes ...............................................................................46
O papel do negro na literatura infantil hoje: um assunto que não pode passar em
branco.............................................................................................................................46
A cultura africana e afro-brasileira na literatura de recepção infantil e juvenil: um
diálogo singular em pluralidades ....................................................................................47
A leitura literária promovendo reflexões sobre a temática africana e afro-brasileira: a
voz das crianças do “Projeto Malungo”..........................................................................48
Diálogos interculturais: uma análise sobre os projetos estéticos de Manoel de Barros
e Ondjaki ........................................................................................................................49
Literatura e infância: detritos e relações com o menor .........................................................49
Linguagem e cálculo através de jogos lúdicos: literatura no ensino de alunos com
déficit em aprendizagem.................................................................................................50
Gêneros da literatura ou lúdicos: jogos didático-pedagógicos na educação infantil .............51
O lúdico na construção do conhecimento .............................................................................52
a literatura infanto-juvenil e o ensino de ciências: uma relação possível..............................53
Narrativas de crianças de três a quatro anos produzidas a partir da ordenação de
gravuras de uma história de um livro de imagens: análise com base na teoria da
relevância .......................................................................................................................54
RESUMOS DE PÔSTERES .................................................................... 55
“Pessoa aos nossos olhos” – a formação de leitor literário no 2º e 3º ciclo do ensino
básico em Portugal .........................................................................................................57
Clube da Leitura: a gente catarinense em foco .....................................................................57
Literatura infantil para qualquer idade..................................................................................58
O trabalho com o gênero poético no processo de formação de leitores: possibilidades
para o ensino de literatura...............................................................................................59
Leitura compartilhada: relato de uma experiência ................................................................60
Pare para a leitura: cultura e criatividade chamando a atenção para a literatura ...................61
Releitura das memórias de Monteiro Lobato: uso da arte cênica no Ensino Médio
para o incentivo à leitura do Ensino Fundamental II ......................................................62
O maravilhoso na literatura infantil: contos de fadas às avessas...........................................63
Catálogo do destino: leituras, escritas, infâncias...................................................................63
Projeto “Mundo mágico da leitura” ......................................................................................64
Alternativas visuais na contação de histórias para crianças surdas .......................................65
A poesia e a infância: uma possibilidade? ............................................................................66
A arte de contar histórias: uma prática antiga entrelaçada com o contemporâneo................67
Representação de infância nos livros de Monteiro Lobato: Reinações de Narizinho,
Viagem ao céu e Memórias da Emília. ...........................................................................68
O menino maluquinho, de Ziraldo e o diálogo com as múltiplas linguagens:
caminhos para uma infância feliz ...................................................................................69
RESUMOS DE MINICURSOS............................................................... 71
Experiência de leitura mediada: um exercício prático de compreensão sensível do
texto literário infantil verbal e ilustrado .........................................................................73
Cara a cara, cor a cor, incorporando a diversidade como ato de amor ..................................74
O diabo na literatura infantil.................................................................................................74
A gramática da fantasia: hibridismo, estranhamento e criatividade......................................75
14
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
literatura oral africana: história e histórias............................................................................75
Oficina brincando com histórias: como contar para crianças pequenas ................................76
Quem canta, encanta: a poética da canção popular brasileira como uma prática
criativa no ensino de jovens e crianças...........................................................................77
O trabalho com a leitura por meio de projetos......................................................................77
TEXTOS COMPLETOS DE COMUNICAÇÕES ORAIS................... 79
Da terra das sombras à terra dos sonhos: o sagrado em O beijo da palavrinha de Mia
Couto ..............................................................................................................................81
Qual a importância de ler os clássicos desde cedo? ..............................................................91
O fantástico mistério de feiurinha: uma análise do gênero feminino ..................................101
Perspectivas do feminino em contos de Charles Perrault....................................................109
Perrault, Buarque e Burton. Quem tem medo do lobo mau?...............................................123
Na infância todo corpo poético é concreto..........................................................................127
A potência lúdica do poema: uma vivência da poesia contemporânea ...............................139
O arco das palavras encantadas: considerações sobre as transformações da palavra
poética na canção popular.............................................................................................151
Literatura infantil: biblioteca e leitor ..................................................................................165
Um olhar sensível e político diante do pequeno leitor: estudo de caso a partir do
literatório. .....................................................................................................................179
Os contos infantis como proposta de incentivo à leitura na era digital ...............................189
Dona Sofia, Ofélia e uma velhinha sem nome – palavras, traços e cores que narram
velhices.........................................................................................................................205
Provocándolos a “ser”.........................................................................................................213
A satisfação leitora através de leituras de historias infantis como incentivo ao
aprendizado da leitura...................................................................................................223
Contação de histórias: uma ponte para a paixão de ler. ......................................................233
Personagens da literatura juvenil brasileira e representações de grupos sociais .................245
Clarice Lispector: a tradutora e os leitores infanto-juvenis.................................................261
A Tradução do Dialeto do Personagem Hagrid em Harry Potter e a Pedra Filosofal
para o Português Brasileiro: Um Olhar Para O Público Leitor. ....................................275
Intertextualidades no romance infanto-juvenil de Cornelia Funke .....................................289
Leitura de imagens: uma análise semiótica das imagens da obra Ida e Volta de
Juarez Machado............................................................................................................301
Os animais, o mito e o feminino: Frida Kahlo para crianças e adolescentes.......................313
Escola, rap, poesia: efeitos de sentido do “ser estudante” ..................................................325
Literatura infantil: importante e indispensável....................................................................337
Malucos por histórias: uma proposta criativa para a formação de leitores críticos .............353
O papel do negro na literatura infantil hoje: um assunto que não pode passar em
branco...........................................................................................................................361
A inacessibilidade às concepções da literatura promove a aversão pela disciplina.............377
Ideias diferentes promovem os valentes: a fábula contemporânea de maria de
Lourdes Krieger............................................................................................................387
O papel do negro na literatura infantil hoje: um assunto que não pode passar em
branco...........................................................................................................................397
A cultura africana e afro-brasileira na iteratura de recepção infantil e juvenil: um
diálogo singular em pluralidades ..................................................................................413
15
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A leitura literária promovendo reflexões sobre a temática africana e afro-brasileira: a
voz das crianças do “projeto malungo” ........................................................................427
Diálogos interculturais: uma análise sobre os projetos estéticos de Manoel de Barros
e Ondjaki ......................................................................................................................441
Literatura e infância: detritos e relações com o menor .......................................................453
Linguagem e cálculo através de jogos lúdicos: literatura no ensino de alunos com
déficit em aprendizagem...............................................................................................463
Gêneros da literatura ou lúdicos: jogos didático-pedagógicos na educação infantil ...........477
A literatura infanto-juvenil e o ensino de ciências: uma relação possível...........................495
TEXTOS COMPLETOS DE PÔSTERES ........................................... 509
«Pessoa aos nossos olhos» – a formação de leitor literário no 2º e 3º ciclo do ensino
básico em Portugal .......................................................................................................511
Projeto Clube da Leitura: gente catarinense em foco” ........................................................517
Literatura infantil para qualquer idade: por uma ampliação do mundo imagináriocriativo nos adultos.......................................................................................................525
O trabalho com o gênero poético no processo de formação de leitores: possibilidades
para o ensino de literatura.............................................................................................529
Leitura compartilhada: relato de uma experiência ..............................................................539
Pare para a leitura: cultura e criatividade chamando a atenção para a literatura .................547
Releitura das Memórias de Monteiro Lobato: uso da arte cênica no ensino médio
para o incentivo à leitura do ensino fundamental .........................................................555
O maravilhoso na literatura infantil: contos de fadas às avessas.........................................563
Catálogo do destino: leituras, escritas, infâncias ................................................................569
A arte de contar histórias: uma prática antiga entrelaçada com o contemporâneo..............577
A poesia e a infância: uma possibilidade? ..........................................................................595
Representação de infância nos livros de monteiro lobato: Reinações de Narizinho,
Viagem ao Céu e Memórias da Emília. ........................................................................607
O Menino Maluquinho, de Ziraldo e o diálogo com as múltiplas linguagens:
caminhos para uma infância feliz .................................................................................621
TEXTOS COMPLETOS DE MINICURSOS ...................................... 641
Experiência de leitura mediada: um exercício prático de compreensão sensível do
texto literário infantil verbal e ilustrado .......................................................................643
O diabo é teen.....................................................................................................................655
A gramática da fantasia: hibridismo, estranhamento e criatividade...................................671
Literatura oral africana: história e histórias ........................................................................677
Brincando com histórias: relato de experiência de uma oficina de contação de
histórias para crianças...................................................................................................683
Quem canta, encanta: a poética da Canção Popular Brasileira como uma prática
criativa no ensino de jovens e crianças.........................................................................693
O trabalho com a leitura por meio de projetos....................................................................699
ÍNDICE DE AUTORES......................................................................... 709
16
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
RESUMOS DE COMUNICAÇÕES ORAIS
17
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
18
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
DA TERRA DAS SOMBRAS À TERRA DOS SONHOS: O ESPAÇO
SAGRADO NA LITERATURA PARA CRIANÇAS E JOVENS
Cristiano Camilo Lopes
FFLCH-USP
[email protected]
Resumo: Esta comunicação tem como objetivo expor a presença do espaço
sagrado na Literatura para Crianças e Jovens. Para isso, apresentaremos
propostas sociológicas e antropológicas sobre o sagrado e sua relação com
o homem. Como um substrato para mitos, ritos e arquétipos, o sagrado tem
permeado a Literatura para Crianças e Jovens, revelando o homem e sua
relação com suas crenças. Em diversas obras, evidencia-se como um
elemento essencial e norteador do ser que o aceita. Assim, recorrendo ao
estudo de temas (tematologia) como método comparativista, objetivamos
identificar a configuração do espaço sagrado, pela oralidade, em duas
obras: A menina de lá, de Guimarães Rosa, e O beijo da palavrinha, de Mia
Couto. Além disso, pelo mesmo método comparativista, analisaremos as
obras As Crônicas de Nárnia: o leão, a feiticeira e o guarda-roupa, de C. S.
Lewis e Cibermãe, de Alexandre Jardin, com o objetivo de identificar o
retorno do sagrado nos dias atuais e, verificar que o sagrado não se limita a
épocas, mas até mesmo na modernidade o homem o busca.
Palavras-chave: Sagrado. Literatura para Crianças e Jovens. Ciberespaço.
QUAL A IMPORTÂNCIA DE LER OS CLÁSSICOS DESDE CEDO?
Gizelle Kaminski Corso
UFSC
[email protected]
Resumo: Italo Calvino compreende como clássicos os livros que sempre
têm algo a dizer e que persistem como rumor mesmo onde predomina a
atualidade mais incompatível. A literatura concentra, nos clássicos, uma
enorme substância cultural, estabelece um diálogo com as diferentes visões
de mundo e evidencia, em seu bojo, significativas mudanças linguísticas ao
longo do tempo. Porém, as obras clássicas nem sempre são lidas/discutidas
e apreciadas pelos estudantes do ensino fundamental e médio. As
adaptações dos clássicos, por vários autores, tornam evidente que, mesmo
em outras épocas e contextos, voltar aos textos fonte para ali reconhecer
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
uma realidade a ser questionada – ou a questioná-los – é um movimento
cíclico em termos literários; é um processo no qual obra e leitor se
atualizam num constante diálogo. Elas também tentam uma democratização
e uma recepção menos complexa e mais acessível ao público alvo, porque
formar leitores é um grande desafio. Como, em um mundo tão coberto pela
tecnologia, facilidades e praticidades, despertar o desejo e o gosto pela
leitura dos clássicos nos jovens leitores? Por meio de adaptações, trechos
ou textos integrais? Que tipo de atividades, de caminhos, de atalhos podem
ser tomados para que a leitura seja matéria de prazer, como já afirmou
Roland Barthes em O prazer do texto? Qual é a importância de ler os
clássicos desde cedo?
Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil brasileira. Clássico. Leitor.
O FANTÁSTICO MISTÉRIO DE FEIURINHA: UMA ANÁLISE DO
GÊNERO FEMININO
Maristella Letícia Selli
PPGCL/UNISUL
[email protected]
Resumo: As representações tanto do feminino quanto do masculino dão-se
pelo meio social e cultural em que a criança desenvolve-se. Os símbolos do
que compõe a figura de homem e de mulher são compostas por uma série
de itens insistentemente impostos pela sociedade, as crianças já são
bombardeadas por uma gama do que é de menina e do que é de menino.
Assim, os estereótipos formam-se e pouco se transformam ao longo da
história, visto que este é um assunto de ampla discussão. Este artigo
pretende identificar as representações do feminino através do estudo do
Fantástico Mistério de Feiurinha (1991), de Pedro Bandeira, abordando
como o autor se utiliza de marcas de discurso quando da mudança de
postura das princesas dos contos de fadas, enfocando a mudança do perfil
da mulher na contemporaneidade, como elas se relacionam com o
casamento, beleza, filhos, marido, enfim, como as princesas encaram a vida
real. No tema proposto a intertextualidade – como um texto aparece dentro
de outro texto, suas relações e interferências – é utilizada como
instrumento, para verificar se ocorreram mudanças, e quais mudanças, no
comportamento das personagens dos contos d fada em relação à obra de
Bandeira.
Palavras-chave: Contos de fada. Gênero feminino. Intertextualidade.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
PERSPECTIVAS DO FEMININO EM CONTOS DE CHARLES
PERRAULT
Regina Michelli
UERJ
[email protected]
Fábio Pratts
UERJ
[email protected]
Resumo: Muito se tem escrito sobre o feminino, em especial assinalando os
comportamentos de submissão e obediência que confrangeram as mulheres
e suas representações literárias. Quando se pensa nas heroínas dos contos
de Charles Perrault, escritor que viveu na corte francesa no século XVII,
pensa-se na doce Cinderela, preocupada com as irmãs; na ingênua
Chapeuzinho, ludibriada pelo lobo; na curiosa esposa de Barba Azul, quase
assassinada pelo marido, além de Pele-de-Asno, a Bela Adormecida, dentre
outras. Todas elas preenchem, integral ou parcialmente, o paradigma
proposto para o feminino, em que são exigidos atributos como beleza,
bondade, delicadeza, obediência, silêncio. Tendo por corpus os contos de
Perrault, este trabalho objetiva iluminar as personagens femininas
secundárias – irmãs, mães e madrastas, esposas, rainhas, velhas – em sua
relação com a configuração arquetípica e os padrões culturalmente
definidos para o feminino, observando-se as esferas de poder, ação e saber.
O olhar volta-se também para as personagens do maravilhoso – fadas e
ogras -, tendo em vista a atuação benéfica e/ou maléfica e a função desse
feminino nas narrativas. O referencial teórico que sustenta este trabalho
encontra-se nos estudos de crítica literária relacionados à Literatura
Infanto-Juvenil e nas pesquisas de linha junguiana. A hipótese é a da
transgressão feminina aos estereótipos exigidos, ruptura que se crê mais
efetiva nas personagens que se situam às margens em relação às que
ocupam a centralidade na ação narrativa, o que significa a possibilidade de
subversão a uma estrutura já consagrada, quando a referência é feita à
literatura da tradição.
Palavras-chave: Charles Perrault. Feminino. Arquétipos. Maravilhoso.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
PERRAULT, BUARQUE E BURTON: QUEM TEM MEDO DO
LOBO MAU?
Priscila Rosa Martins
UFSC
[email protected]
Resumo: Chapeuzinho Vermelho, o conto de Charles Perrault, está entre as
histórias infantis mais conhecidas. Notadamente também as suas releituras,
nas quais se destacam aqui Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, e O
triste fim do pequeno Menino Ostra, de Tim Burton. Estas obras se
relacionam pela construção e desconstrução do medo em seus personagens,
diferenciando-se pela abordagem sócio-histórica em que foram escritas.
Perrault teve a preocupação de tratar o medo de forma a causar trauma, era
um modo de definir em sua sociedade o que é permitido. Buarque
preocupa-se em desfazer o trauma e submeter seu personagem ao
desconhecido. E Burton apresenta um personagem alheio ao medo, pois o
antagonista é seu pai, dando importância para a suspensão do julgamento,
seu personagem não morre. Avalia-se, nesta perspectiva, o trabalho literal a
partir de teóricos como Jacques Rancière e Jean Delumeau e, como estas
três histórias dialogam com o ato de comer, quais concluem quase que
moralmente o motivo do medo. Chapeuzinho Vermelho é devorada pelo
lobo, Chapeuzinho Amarelo decide não comer o lobo que virou bolo e o
Menino Ostra é comido pelo pai, de modo a resolver os desentendimentos
familiares.
Palavras-chave: Chapeuzinho Vermelho. Medo. Sociedade. Comer.
LITERATURA INFANTO-JUVENIL CATARINENSE: DE MÃOS
DADAS COM A BRUXINHA ELISA E SEUS ENCANTOS
Fabiano Tadeu Grazioli
Faculdade Anglicana de Erechim
[email protected]
Resumo: Nesta comunicação propomos um estudo de quatro obras infantojuvenis da escritora catarinense Eloí Elizabete Bocheco, a saber, O pacote
que tava no pote (2004), Contra feitiço, feitiço e meio (2006), A chave que
o vaga-lume alumiou (2006) e Gaitinha tocou, bicharada tocou (2008).
Inicialmente apresentamos informações sobre a escritora e algumas
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
considerações gerais sobre sua obra, destacando o reconhecimento que
obteve em concursos nacionais, os quais resultaram em importantes
premiações tais como Prêmio Leia Comigo!, da FNLIJ (2003); Prêmio
Mário Quintana da Casa de Cultura Mario Quintana (2006); Prêmio
Literatura para todos do Ministério da Educação – categoria: tradição oral
(2006); Prêmio LGE de Literatura Infantil (2008). Na sequência realizamos
uma análise comparativa entre as quatro obras, considerando narrativa e
ilustrações e observando elementos que nos permitam considerá-las uma
série. Por fim, levantamos em cada livro particularidades relacionadas à
personagem principal, à construção do enredo e às ilustrações, as quais
contribuem para caracterizarmos tal conjunto de obras como lúdicas e
emancipatórias, o que justifica o prazer, a surpresa e o encantamento com
que as mesmas são lidas pelo público infanto-juvenil.
Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil catarinense. Eloí Elizabete
Bocheco. Ludismo. Literatura emancipatória.
NA INFÂNCIA TODO CORPO POÉTICO É CONCRETO
Adriana Carolina Hipólito de Assis
PUC/SP
Resumo: Toda arte é por princípio concreta, afirma Haroldo de Campos.
Sobre esse princípio a literatura infantil se configura, à medida que a
palavra opera analogamente à realidade sem realizar mediações de ideias
ou conceitos: captando-a como um signo icônico. Acreditamos que uma das
formas de se apreender o fenômeno literário na infância é pela
compreensão desse corpo concreto. O legado dos poetas concretos, assim
como das poéticas ideogramáticas, constituem métodos aplicáveis para se
compreender a literatura na infância. Com ele a criança aprende a forma
poética sem estabelecer associações lineares com a palavra, as quais se
valem, na maioria das vezes, pela temática do objeto artístico, pela moral e
pelos valores que delineiam o comportamento social da criança e não pelo
jogo imanente da palavra.
Palavras-chave: Literatura infantil. Poesia concreta. Ideograma. Corpo
poético.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A POTÊNCIA LÚDICA DO POEMA: UMA VIVÊNCIA DA POESIA
CONTEMPORÂNEA
Marcos Marsuwell Ferreira Garcia
UFSC
[email protected]
Resumo: Este trabalho pretende analisar o poema Geraldo, de Augusto de
Campos, a partir da poesia de Mallarmé, Um lance de dados, e da
exposição, lance de dados, do artista plástico Geraldo de Barros, cuja
instalação é uma releitura de diversos cubos em movimento. Vale apontar
que o poema Um lance de dados é um divisor de águas da literatura, pois
nele, o modelo tradicional para fazer poesia é abandonado em nome de uma
proposta formal e conceitual que inaugura uma nova estrutura de criação e
reinventa a disposição espacial do verso. De maneira geral, encontram-se
semelhanças que denunciam a relação e equivalência entre o poema e a
exposição: mesmo formato geométrico, poesia criada através de um projeto
tridimensional e releituras que possibilitam novas “jogadas do dado”. É
através dessa análise, desse “trânsito” do dado, que se sugere a construção
de um novo poema: um novo jogo, um relance, um desdobramento, ou
melhor, um novo lugar para o dado. Buscar-se-á uma releitura
multiplicadora e lúdica do poema Geraldo, de Augusto de Campos, em
direção a criar o acontecimento prático desse poema em uma vivência da
poesia contemporânea. Utilizando como base para essa proposta alguns
princípios “poético-matemáticos” que nortearam o OULIPO (Ouvroir de
Littérature Potentielle), criado por Raymond Queneau e o matemático
François Le Lionnais. Assim, será desenvolvida uma estrutura que
possibilite um desdobramento do poema analisado: um “jogo-poema” que
possa ser utilizado para brincadeiras poéticas, ou na prática pedagógica do
educador ao lidar com a poesia em sala de aula. Para através do gosto e do
prazer literário, incentivar o hábito de ler e escrever poesia, e textos em
geral: aprendendo, brincando e relançando dados.
Palavras-chave: Poesia. Lúdico. Vivência.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O ARCO DAS PALAVRAS ENCANTADAS: CONSIDERAÇÕES
SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES DA PALAVRA POÉTICA NA
CANÇÃO POPULAR
André Rocha Leite Haudenschild
UFSC
[email protected]
Resumo: O artigo pretende apontar múltiplas reflexões sobre a
transformação da linguagem poética em palavra cantada na Música
Popular, considerando as relações pertinentes que se pode estabelecer
entre a melodia, o ritmo e as palavras que dão vida às canções. Desde as
pesquisas musicológicas de Mário de Andrade aos estudos intersemióticos
das últimas décadas do século passado, existe uma demanda crescente pelo
estudo da canção popular entre diversos autores considerados neste trabalho
científico: Paul Zumthor, Kramer, Susanne Langer, Paul Scher, Luiz Tatit,
Monclar Valverde e Vírginia de Almeida (entre outros). Os temas aqui
abordados são: os diversos graus da emissão vocal (a fala, o recitativo e o
canto); o processo de “desalienação” da palavra e suas diversas dimensões
orais (poética e melopoética); a crescente validação literária da MPB como
sintoma da disparidade da recepção e do consumo literário da poesia
propriamente dita; a maior facilidade de memorização das canções em
relação ao poema; o processo criativo do cancionista (da letra à musica, da
música à letra, e o “parto natural” da canção); e o conceito de “naturalidade
da canção”. Ao investigarmos as interfaces entre a poesia oral e a canção
popular reconheceremos as fronteiras intersemióticas que as distinguem e
as assemelham, enquanto linguagens artísticas capazes de se materializarem
acusticamente em uma nova dimensão temporal e espacial. Portanto,
tentaremos responder algumas das questões relativas à potencialização da
palavra poética ao transfigurar-se em palavra cantada em um processo que
denominaremos como: “o arco das palavras encantadas”.
Palavras-chave: Voz. Poesia oral. MPB. Palavra cantada. Canção popular.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
TERRA GAÚCHA: O PROJETO DE ALFABETIZAÇÃO DE JOÃO
SIMÕES LOPES NETO
Elisângela Aparecida Zaboroski de Paula
UFSC
[email protected]
Resumo: Ao produzir o livro Terra Gaúcha, publicado apenas
postumamente em 1955, João Simões Lopes Neto (1865-1916), tinha como
intuito inicial contar a história do Rio Grande do Sul de uma forma simples
e prática onde todos pudessem entender melhor sua pátria. O escritor
gaúcho, no entanto, fez duas versões deste seu livro, a primeira destinada
aos adultos e a segunda destinada às crianças, que segundo a opinião dele
estavam sendo alfabetizadas através de autores estrangeiros e com isso
estavam perdendo muito do conhecimento do lugar de origem. Simões
chegou a enviar seu projeto para o MEC, para que seu livro fosse editado e
distribuído nas escolas para a alfabetização das crianças. No entanto, seu
trabalho foi recusado por não estar escrito na norma culta do português da
época. Segundo Simões o livro foi escrito de forma simples para que todos
entendessem, mas o governo não entendeu a proposta dele. O desafio de
Simões era ensinar as crianças a amarem a terra em que nasceram e
também ensinar e contar as histórias populares que não deveriam
desaparecer. Contudo, este livro não foi editado e nem distribuído nas
escolas, sua edição escolar perdeu-se e o que nos resta hoje é a edição de
Terra Gaúcha, para os adultos. Nosso trabalho tem o intuito de apresentar
esse trabalho e mostrar a importância pedagógica dele.
Palavras-chave: Pátria. Crianças. Alfabetização. João Simões Lopes Neto
LER E FAZER NA BIBLIOTECA
Salete Maria Lanzarin
Colégio de Aplicação/UFSC
[email protected]
Resumo: Trata-se de uma proposta de trabalho com alunos de primeira a
quarta séries do ensino fundamental do Colégio de Aplicação da
Universidade Federal de Santa Catarina, como forma de proporcionar
condições que levem estes alunos a lerem e adotarem o hábito de frequentar
a Biblioteca no seu dia-a-dia de maneira prazerosa. Como forma de romper
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
a barreira de que este é um lugar de castigo e depósito de coisa velha. As
crianças, metade da turma, são conduzidas até a Biblioteca, semanalmente,
através de horário definido juntamente com os professores, para todo o ano
letivo. Nos primeiros trinta minutos é realizada uma atividade lúdica
independente dos conteúdos da sala de aula, e os quinze minutos restantes,
as crianças escolhem livros para empréstimo. É permitido o empréstimo
domiciliar diário de quatro livros com prazo de sete dias. Após quarenta e
cinco minutos é efetuada a troca de turma na sala de aula. No caso das
quartas séries os alunos recebem orientação básica sobre o uso em geral do
acervo da Biblioteca, como realizar uma pesquisa, juntamente com a
referência bibliográfica das fontes como livro e periódico, utilizando a
ABNT de forma elementar. Uma maneira de torná-los independentes e
prepará-los para a quinta série, período em que inicia a fase de pesquisas
em geral. Com a disponibilidade deste espaço, a Biblioteca passou a fazer
parte do quadro de horários e recebe tratamento de disciplina. O que se
pretende nesta comunicação oral é demonstrar algumas das atividades
desenvolvidas pelo projeto.
Palavras-chave: Educação. Leitura. Prazer. Pesquisa.
LITERATURA INFANTIL: BIBLIOTECA E LEITOR
Karin Cozer Campos
UFSC
[email protected]
Resumo: O texto circunscreve-se em uma pesquisa realizada com base em
uma experiência de trabalho enquanto professora de Literatura Infantil. Um
trabalho que acontece na biblioteca das escolas da rede municipal de
Francisco Beltrão/PR., articulado a um Programa de Formação de Leitores
proposto pela Secretaria de Educação deste município. Os objetivos da
pesquisa eram investigar os motivos de implantação deste projeto na rede
municipal de educação e apontar as principais contribuições deste trabalho
às crianças, sobretudo à formação de leitores. A pesquisa consistiu em um
estudo de caso, numa perspectiva histórico-social. O caso escolhido foi o
Projeto de Literatura Infantil elaborado e desenvolvido numa escola
municipal deste município. A metodologia de trabalho utilizou-se do estudo
bibliográfico sobre o ensino de Literatura Infantil, entrevistas semiestruturadas a alguns professores, membros da equipe pedagógica da escola
e técnico-pedagógicos da Secretaria Municipal de Educação, como
também, a análise e observações de momentos pedagógicos (reuniões,
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
encontros de formação, aulas, entre outras atividades extra-escolares),
levantando informações, dados e relatos de professores e alunos, que
ocorriam durante a realização do projeto e experiências de trabalho.
Constatamos que, por meio desta experiência estética, elencaram-se
significativas contribuições à imaginação da criança e à prática e prazer
pela leitura, mesmo àqueles que ainda não liam. Além disso, aumentou o
interesse por diferentes obras e autores e novos práticas artístico – culturais
se desenvolveram naquela escola. Questões identificadas pelos relatos dos
professores. Porém, algumas limitações surgiram, como a dificuldade em
envolver todos no projeto.
Palavras-chave: Literatura Infantil. Biblioteca. Leitura. Criança.
UM OLHAR SENSÍVEL E POLÍTICO DIANTE DO PEQUENO
LEITOR: ESTUDO DE CASO A PARTIR DO LITERATÓRIO
Ana Paula do Prado
Unisinos
[email protected]
Resumo: Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa Mestrado em
Educação onde tem como objetivos verificar se experiência do Literatório
em Chapecó-SC, vem oportunizando o gosto pela literatura entre as
crianças que o frequentam, e analisar os efeitos que as professoras
reconhecem na sala de aula após visitas ao Literatório. O projeto Literatório
propõe oferecer um laboratório de leitura/literatura, o qual recebe alunos e
professores para reflexão e o exercício da leitura, e tendo garantido o seu
espaço e o seu fazer contínuo, permite que esse trabalho mostre um sério
programa de leitura, com políticas comprometidas com o ato de ler, visando
exercer e permitir o exercício da cidadania entre professores, alunos e
pessoas da comunidade. Ao definirmos o Literatório como estudo de caso,
o fizemos por estarmos atuando e vivenciando o processo de reconstrução
das linguagens educativas nesta modalidade de ensino, e por entender que a
literatura infantil não é apenas uma atividade a mais, e sim, um exercício
cotidiano para embelezar o mundo de fantasias que as crianças vivem. Esse
trabalho é significativo pelas contribuições inéditas que irá trazer para os
educadores, tanto do universo adulto quanto o infantil, buscando como
eixos norteadores deste estudo os professores e crianças que já estiveram no
literatório e pessoas envolvidas neste projeto.
Palavras-chave: Educação. Infância. Literatura. Política
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
LIVRO INTERATIVO ON-LINE PARA LITERATURA INFANTIL:
ESTADO DA ARTE
Izaura Maria Carelli
Unioeste/Foz do Iguaçu (DETAE)
[email protected]
Wagner Igarashi
Unioeste/Foz do Iguaçu (DETAE)
[email protected]
Denise Lam
Unioeste/Foz do Iguaçu (DETAE)
[email protected]
Resumo: A magia de literatura infantil ganha uma nova versão com os
recursos de multimídia. Os livros on-line contam histórias com diferentes
níveis de interatividade, por exemplo, em alguns, os próprios personagens
narram o seu texto em outros a continuidade da história depende da
interação do leitor com os personagens. Esses livros tendem a seguir o
design do livro convencional, isto é, a ilustração em uma área maior e o
texto em uma menor. Mega portais educacionais como Scholastic, PBS e
BBC como disponibilizam bibliotecas de livros infantis, como parte das
atividades dos websites nos seus programas destinados as crianças na fase
de letramento. O objetivo deste artigo é relatar um mapeamento realizado
para se identificar quais recursos são utilizados nesta nova versão de livros
para se criar modelos que permitam a criação de livros interativos on-line.
A metodologia adotada foi analisar seguindo os critérios definidos por Jong
e Bus (2003) ao avaliar livros multimídia disponibilizados em CDs,
adotados por Crenzel et al (2008) para avaliar livros digitais no Brasil e
alguns critérios definidos de usabilidade adotas em web (Krug, 2006).
Observamos que há uma grande diversidade de recursos adotados nos
materiais avaliados entre os portais e mesmo no próprio portal, assim como
algumas das publicações não atendem alguns critérios de usabilidade. Este
tipo de publicação de literatura infantil pode ser re-editado usando os novos
recursos das ferramentas de editoração de multimídia.
Palavras-chave: Livro interativo on-line. Literatura infantil. Tecnologia
educacional.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
OS CONTOS INFANTIS COMO PROPOSTA DE INCENTIVO À
LEITURA NA ERA DIGITAL
Thiago Rafael Machado
Univali
[email protected]
Chirley Domingues
Unisul
[email protected]
Resumo: O presente artigo trata da delicada questão da falta de apreço das
crianças pela leitura, nos dias atuais, em face da gama de possibilidades de
acesso às informações digitalizadas, existente após a chamada “revolução
tecnológica”. Discute-se a possibilidade de utilizar os contos infantis como
ferramenta para o desenvolvimento do gosto pela leitura, através dos
recursos que atualmente são vistos como distanciadores, a exemplo dos
filmes, televisão e internet. A partir das considerações acima, são
apresentadas as funções da literatura na construção da sociedade; os fatores
que propiciam o atual desinteresse pela leitura, e as diversas práticas
pedagógicas que contribuem para a aproximação da escola com o
ciberespaço, assim como o papel do educador nesse processo. Para tanto,
foi desenvolvida uma pesquisa quantitativa com alunos de uma quinta série
de uma escola pública estadual, com o intuito de delinear a atual situação
do leitor mirim em relação ao conhecimento dos contos de fadas, partindo
da utilização de um filme que aborda essa temática.
Palavras-chave: Literatura infantil. Contos infantis. Ciberespaço.
DONA SOFIA, OFÉLIA E UMA VELHINHA SEM NOME:
PALAVRAS, TRAÇOS E CORES QUE NARRAM VELHICES
Larisa da Veiga Vieira Bandeira
UFRGS
[email protected]
Resumo: A literatura infantil é espaço privilegiado do simbólico, projeção
de anseios, medos, angústias, alegrias e dúvidas. Expressão do vir a ser
pleno de significações, de um existir que não é apenas uma metáfora do
real, mas, também a superação, o rompimento e a (re) significação do real.
O artigo apresenta e discute partir de três livros: A caligrafia de Dona
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Sofia, O Teatro de Sombras de Ofélia e A velhinha que dava Nome às
Coisas, diferentes possibilidades de subjetivação da velhice sob a
perspectiva dos estudos de DOLL acerca das teorias sociológicas clássicas
sobre o envelhecimento. Esses três livros foram escolhidos por oferecerem
aos seus contadores, leitores, ouvintes e aqueles que folheiam suas páginas
não apenas um pouco dessas outras velhices, mas, a possibilidade de (re)
significar essas de forma sensível e reflexiva através de suas narrativas que
confabulam com imagens produzindo novos caminhos em torno dos
sujeitos leitores.
Palavras-chaves: Literatura infantil. Envelhecimento. Narrativas. Imagens.
PROVOCÁNDOLOS A “SER”
Inés Eva Punschke
Uruguaya
[email protected]
Resumo: La creación literaria abre puertas, prepara la mente a descubrir,
llegar al conocimiento, a valores históricos, culturales, permitiendo opinar,
fantasear y crear. Tratando de acercar a los jóvenes a la lectura y escritura
se transitó un arduo camino. A partir de la comunicación oral, se buscó
incentivar el gusto por la materia y llegar a la reflexión. El abordaje y la
lectura del mayor número posible de libros por parte de los educandos
posibilitó que lograsen expresar oralmente, informando al resto del grupo
hasta provocar la retroalimentación. El plurilinguismo y pluricultura de los
mismos obligó a que el acercamiento del docente fuera por un juego de
empatía descubriendo así sus gustos (Stenhouse, 1987). El libro electrónico
acercó a los jóvenes quienes aceptaron que la docente pusiera a disposición
una biblioteca virtual con temas o autores de su interés. La experiencia
realizada resultó fascinante aún en un tiempo inestable, cambiante, pleno de
sugerencias y sorpresas como es el actual. La propuesta se desarrolló bajo
el interés de los alumnos sobre todo quienes obraron y eligieron en absoluta
libertad, permitiéndoles comandar el desarrollo educativo aunque este fuera
de modo parcial. Los caminos por ellos elegidos fueron muchas veces
insospechados y maravillosos a la vez. Aportaron elementos para el análisis
y la reflexión según la disciplina de la clase. La actividad posterior a la
retroalimentación dio la posibilidad de evaluar, no en forma aislada sino a
la mayoría de los integrantes del grupo y rescatar valores socio-culturales,
históricos-filosóficos y aquellos específicos de la literatura.
Palabras-claves: Lectura. Pedagogía. Incentivar. Retroalimentación.
31
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A SATISFAÇÃO LEITORA ATRAVÉS DE LEITURAS DE
HISTORIAS INFANTIS COMO INCENTIVO AO APRENDIZADO
DA LEITURA
Vera Regina Silva da Silva
PUCRS
[email protected]
Resumo: O fato de uma criança gostar ou não de ler, está de certa forma
vinculado ao seu interesse pela leitura. É através da identificação com um
mundo mágico e sonhador que se desenha nas histórias infantis, que a
criança sente satisfação em ler, e isso pode ser demonstrado nas relações
que ela faz entre situações reais e imaginárias que encontra na leitura. A
literatura infantil se organiza de maneira a seguir regras voluntárias de
satisfação e prazer em que a criança tem a possibilidade de projetar-se para
além do mundo imaginário. Essa projeção pode estar interligada à
compreensão da leitura, o que foi comprovado através de pesquisa com
crianças de 3ª série. Se o leitor compreende a história, sentirá prazer e
satisfação em ler. Howard e Sheth (1969), dizem que a satisfação é um
estado cognitivo do sujeito em estar sendo recompensado adequada ou
inadequadamente pelo sacrifício de ler. Nesse sentido, a essência da
aprendizagem é produto da satisfação leitora que pode estar na forma como
a leitura é apresentada para as crianças, indicando que o incentivo à leitura
de histórias infantis produz uma ação de leitura positiva, transformando a
figura repulsiva que tem representado a leitura de textos de livros didáticos
em uma ação de leitura gratificante, que as auxilia a reconsiderar seus
próprios conflitos pessoais, conforme Bettelheim (2000).
Palavras-chave: Literatura infantil. Leitura. Satisfação leitora
CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS: UMA PONTE PARA A PAIXÃO DE
LER
Joanildes Felipe
Escola de Educação Básica Nereu Ramos
[email protected]
Resumo: O projeto tem por objetivo a exploração fruitiva da literatura
infantil. Propõe-se a fazer a utilização da literatura infantil de forma
prazerosa na escola desenvolvendo um trabalho com crianças objetivando a
32
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
formação de leitores, dada a importância da leitura para o desenvolvimento
linguístico do sujeito e para sua atuação como cidadão crítico na sociedade.
Além de contribuir na elaboração do conhecimento compreendendo que a
leitura é um processo de contínuo aprendizado. O professor deve selecionar
atentamente os tipos de histórias que pretende apresentar aos seus alunos,
deve estar atento também a um outro fato, trata-se sobre o tipo de leitor que
queremos formar. Desde cedo, é preciso formar um leitor que tenha um
envolvimento integral com aquilo que ele lê. Mas para isso, é preciso
ajudá-lo a sentir liberdade e prazer ao estar lendo. “O educador vai precisar
usar toda sua sensibilidade, tendo em mente que cada situação e ocasião
têm aspectos muito particulares”. No entanto, percebe-se que pode não ser
tão fácil formar esse tipo de leitor, pelo fato de que infelizmente na escola,
lhe é exigido muitas situações no sentido de cobrança, como deveres,
lições, trabalhos, provas. E assim também nesse mesmo sentido, a leitura
pode passar a ser entendida. “E o que lhe é exigido dentro desse contexto
sempre será associado a esta imagem”. Com esse projeto pode-se observar
nas crianças uma interação espontânea e criativa com as histórias e com os
livros, passaram a frequentar a biblioteca e a levar livros para casa, de
forma mais assídua.
Palavras-chave: Leitura. Fruição. Histórias. Conhecimento.
A LITERATURA INFANTIL E JUVENIL BRASILEIRA E A
REPRESENTAÇÃO DE GRUPOS SOCIAIS
Mirian Hisae Yaegashi Zappone
UEM
[email protected]
Resumo: Atrelada à qualidade de escritores e de textos que deixaram para
trás as amarras com a pedagogia, a literatura infantil e juvenil brasileira
constituiu sua história e configura-se, atualmente, como produção artística
estabelecida dentro da cultura brasileira ao encenar sua presença em um
sistema literário plenamente constituído contando com a presença de um
conjunto de produtores, de receptores e um conjunto de textos. Esses
elementos, ligados uns aos outros, conferem a essa literatura a condição de
estabelecer-se enquanto produção cultural relevante. Tendo em vista esse
panorama, propôs-se a pesquisa intitulada Literatura infantil e juvenil e
representações de grupos sociais a fim de verificar de que modo(s) os
diversos grupos sociais têm sido representados na literatura destinada aos
jovens, já que a literatura enquanto um bem cultural valorizado tanto na
33
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
escola como fora dela ajuda a formar valores e faz uma figuração mimética
do modo como nossa sociedade tem vislumbrado os diferentes grupos
sociais que a ela pertencem. Para fazer um levantamento do modo como
esses grupos se apresentam ou não em tal literatura, foram selecionados e
lidos os textos vencedores do Prêmio Jabuti de Literatura, concedido pela
Câmara Brasileira do Livro de 1993 a 2009, uma vez que assim poder-se-ia
constituir um corpus legitimado no sistema literário brasileiro. Sendo uma
pesquisa em andamento, serão apresentados os dados relativos aos últimos
nove anos, totalizando 9 narrativas, das quais foram observados vários
aspectos relativos aos personagens principais e secundários. Através das
informações obtidas pode-se notar que há um padrão composição de
personagens de modo a excluir-se da representação literária grupos já são
excluídos pela sociedade.
Palavras-chave: Literatura infantil e juvenil. Personagens. Grupos sociais.
O ESPAÇO URBANO E O ESPAÇO RURAL NA LITERATURA
INFANTO-JUVENIL: ALGUNS CASOS
Gabriela Hardtke Böhm
UNISUL
[email protected]
Resumo: O trabalho tem como ponto de partida a representação do espaço
na obra infantil de Monteiro Lobato. O sítio de Dona Benta representou, na
época da publicação das obras, o espaço da criança brasileira por
excelência, visto que, no início do século passado, a maioria dos leitores em
potencial vivia ou no campo ou em espaços urbanos com características
muito próximas à vida rural. Hoje as narrativas voltadas às crianças e aos
jovens migraram para a cidade, assim como a maioria da população
brasileira, conforme atesta Reis (2006). Ou seja, o espaço urbano abriga
com mais frequência os conflitos vividos pelos personagens atuais, embora
o campo não tenha desaparecido por completo. Como esses espaços são
representados em algumas narrativas infanto-juvenis atuais? Qual
conotação o campo recebe nessas obras? Trata-se do mesmo espaço de
sonho e fantasia de Monteiro Lobato? Para responder a essas indagações
serão examinadas as obras Ponto de Vista (2005), de Ana Maria Machado e
Ziraldo, A caligrafia de Dona Sofia, de André Neves (2007), e Os dois
irmãos, de Wander Piroli (2009)
Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil. Cidade. Campo.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
DO TEXTO À IMAGEM: UMA POÉTICA DA TRADUÇÃO
Mitizi Gomes
UFPel
[email protected]
Resumo: O presente estudo busca analisar algumas ilustrações de livros de
diferentes edições da obra de Monteiro Lobato, à luz dos Estudos de
Tradução e da Literatura Comparada. A partir da análise das imagens, a
autora propõe a ideia de que o ilustrador é um tradutor, uma vez que versa
linguagem verbal para linguagem visual (tradução intersemiótica, de acordo
com Umberto Eco). Ao tomar contato com o texto que será traduzido, o
tradutor/leitor precisa conhecer, ler, interpretar, criar imagens mentais, a
fim de realizar seu intento. Segundo Haroldo de Campos, a tradução é uma
transcriação, uma transfiguração e, portanto, uma atividade artística. Com
base nesta afirmativa, afirma-se que a ilustração pode ser vista como uma
experiência tradutória, mas transposta para a linguagem visual. Uma boa
ilustração não apenas reproduz o que está explícito na linguagem verbal,
mas ultrapassa seu sentido, dando ao leitor um complemento, outras
possibilidades de leitura. Dessa forma, as produções para crianças
transformam-se em um excelente material de análise, uma vez que a
preocupação com a visualidade do livro infantil é grande.
Palavras-chave: Literatura Comparada. Estudos de Tradução. Literatura
Infanto-Juvenil. Ilustração. Monteiro Lobato.
CLARICE LISPECTOR: A TRADUTORA E OS LEITORES
INFANTO-JUVENIS
Norma Andrade da Silva
UFSC
[email protected]
Resumo: Lispector tornou-se escritora reconhecida no Brasil inteiro pelos
seus romances, contos e crônicas, sendo que muitos deles foram traduzidos
para diversas línguas. Entretanto, pouco se tem estudado a sua produção
destinada à parcela seja de leitores infantis, seja de leitores adolescentes.
Por esse motivo, o objetivo deste artigo é, em primeiro lugar, dar
visibilidade ao trabalho de Clarice Lispector como tradutora/adaptadora de
obras clássicas direcionadas ao público jovem. Para isso, farei a análise do
ponto de vista cultural, com base no teórico de tradução americano
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Lawrence Venuti, de alguns excertos do conto Os crimes da rua Morgue
(The Masque in the Rue Morgue), de Edgar Allan Poe. Em segundo lugar,
é apresentar a sua produção literária relacionada ao leitor infanto-juvenil.
Na década de 1970, Clarice traduziu/adaptou obras como As viagens de
Gulliver (Jonathan Swift), Tom Jones (Henry Fielding), Histórias
extraordinárias (Edgar Allan Poe), A ilha misteriosa (Jules Verne), O
retrato de Dorian Gray (Oscar Wilde) e Chamado selvagem (Jack London).
Também, na mesma época, escreveu cinco livros infantis, sendo eles: O
mistério do coelho pensante (um “pedido-ordem” de seu filho mais novo),
A mulher que matou os peixes, A vida íntima de Laura, Quase de verdade e
Como nasceram as estrelas (narrativa de 12 lendas, cujos personagens
fazem parte do folclore brasileiro, correspondendo elas aos 12 meses do
ano). Ao final do artigo, estabeleço um paralelo entre a Clarice tradutora e a
Clarice das histórias infantis.
Palavras-chave: Tradução. Clarice Lispector. Literatura Infanto-juvenil.
A TRADUÇÃO DO DIALETO DO PERSONAGEM HAGRID EM
HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL PARA O PORTUGUÊS
BRASILEIRO: UM OLHAR PARA O PÚBLICO LEITOR.
Caroline Reis Vieira Santos
Mestranda PGET UFSC
[email protected]
Lincoln Paulo Fernandes
UFSC/UEL
[email protected]
Resumo: Este trabalho observa a tradução do dialeto do personagem Hagrid
para o português brasileiro no livro Harry Potter e a Pedra Filosofal com o
objetivo de verificar os “padrões de comportamento linguístico
preferenciais ou recorrentes em contraposição a exemplos de intervenções
individuais ou únicas.” e como esses padrões linguísticos podem estar
ligados à leiturabilidade, ao mercado editorial e às condições de trabalho
dos tradutores de literatura infanto-juvenil. O uso do corpus paralelo
bilíngue PEPCo (English-Portuguese Parallel Corpus) possibilita que esta
pesquisa tenha maior representatividade em seus resultados, que seja
realizada em um tempo menor e garante a possibilidade de sua
replicabilidade. Em uma análise inicial, pode-se concluir que o tradutor é
levado a fazer escolhas que levem em consideração seu público leitor
36
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
infanto-juvenil, mas também que levem em consideração os pedidos do
cliente/editor, os quais apresentam, muitas vezes, uma visão conservadora
em respeito à tradução do dialeto; a censura da instituição escolar e dos
pais, que podem considerar a tradução do dialeto um desvio da norma culta
que deve ser evitado; e as condições de trabalho (como remuneração e
prazos de entrega das traduções), que muitas vezes impedem com que o
tradutor faça pesquisas e desenvolva soluções para os problemas tradutórios
de forma satisfatória.
Palavras-chave: Literatura Infanto-Juvenil. Estudo de Corpus. Público leitor
infanto-juvenil.
INTERTEXTUALIDADES NO ROMANCE INFANTO-JUVENIL DE
CORNELIA FUNKE
Adriana Maximino dos Santos
UFSC
[email protected]
Resumo: Uma das tendências da literatura infanto-juvenil contemporânea
alemã, segundo Kummerling-Meibauer (2008), constitui apresentar
características da literatura adulta, como narrativas mais complexas, ironia
e intertextualidade. Tal fato advém do fenômeno denominado crosswriting,
que ocorre quando os escritores escrevem objetivando dois destinatários, a
criança e o adulto. O propósito deste trabalho é analisar os mecanismos
intertextuais de um romance infanto-juvenil alemão e discutir suas
implicações na tradução por meio da abordagem de Shavit (1999) e Koch,
Bentes e Cavalcante (2007). O corpus adotado se compõe do livro
Tintenherz de Cornelia Funke (2003) e de sua tradução Coração de Tinta
(2006). Os resultados do estudo indicam que no corpus estão presentes
intertextualidades que podem ser lidas nos eixos horizontais e verticais,
direcionadas respectivamente ao público infantil e adulto.
Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil alemã. Intertextualidade.
Crosswriting. Tradução.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
LEITURA DE IMAGENS: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DAS
IMAGENS DA OBRA IDA E VOLTA DE JUAREZ MACHADO
Maria Laura Pozzobon Spengler
PPGCL/UNISUL
[email protected]
Resumo: A imagem, no mundo contemporâneo, ocupa papel de
fundamental importância para a construção de pensamento, e através de sua
leitura o ser humano conhece o mundo que o cerca. Nas obras da Literatura
Infantil, o leitor infantil tem acesso a esse suporte imagético não verbal,
que se faz presente na ilustração das obras infantis e, através dele, conhece
também um universo de linguagem essencial para sua formação. Este
trabalho pretende abrir uma breve discussão sobre o papel da imagem, nas
obras de literatura infantil, tomando por base, a tríade elaborada por
Charles Sanders Peirce, através do estudo de signos. Apesar de não ter a
pretensão de um estudo aprofundado sobre os estudos desta teoria, as
interpretações geradas por Santaella e Noth (2008) são fundamentais para a
compreensão dos aspectos básicos que compõem a teoria semiótica. No
modelo de análise semiótica de imagens paradas, elaborado por Gemma
Penn (2008), é possível a interpretação das imagens presentes nas obras de
literatura infantil. O livro de Juarez Machado, Ida e Volta (1976), é a
primeira publicação de um escritor/ilustrador brasileiro, que traz como
linguagem exclusiva a imagem na apresentação da narrativa. Por ser de um
escritor catarinense, foi o livro escolhido para a realização desta análise
semiótica. Ida e Volta, assim como todos os livros que compõem este
gênero de produção cultural, possibilita infinitas leituras e a análise
semiótica das ilustrações presentes neste livro traz entendimento e
interpretação privilegiados sobre a natureza das imagens deste mundo
contemporâneo que nos cerca.
Palavras-chave: Semiótica. Literatura Infantil. Ilustrações. Imagem.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
OS ANIMAIS, O MITO E O FEMININO: FRIDA KAHLO PARA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES.
Ana Maria Alves Souza
PPGL/UFSC
[email protected]
Resumo: Em outubro do ano passado comecei uma pesquisa de Mestrado,
em Literatura, na UFSC, com biografias da artista mexicana Frida Kahlo,
orientada pela Profa. Tânia Regina Oliveira Ramos. Quem foi Frida Kahlo?
Difícil me é responder, na variabilidade biográfica múltiplas imagens se
criam. Apesar do mesmo referente histórico, cada biografia construirá uma
outra Frida. Recentemente entrei em contato com narrativas biográficas
sobre Frida para o público infantil e juvenil. Baseada no conceito de
biografema de Roland Barthes, problematizarei em meu ensaio um detalhe
em duas destas biografias, no que se refere à questão dos autorretratos com
animais. Para tanto, busquei trabalhar de forma comparativa, aproximando
as biografias escritas para crianças e jovens com três biografias para
adultos, de forma a questionar as diferentes abordagens sobre o assunto que
abrangem especialmente uma maternidade adotiva, contrastada com a
construção performática e cênica do próprio eu. A discussão que se
estabelece passa pela elaboração de uma ideia de mexicanidade cultivada
pela artista em sua identificação com determinados animais, como o
macaco e a serpente. O que podemos pensar destes textos biográficos? A
relativização da ideia de natureza se faz necessária, assim como a
problematização derridiana da palavra animal. O encontro com o mito
constrói imagens em movimento e nos aproxima de um perspectivismo
ameríndio. Com essa proposta de leitura das representações iconográficas e
biográficas de Frida Kahlo tanto para adultos, quanto para um público
infantil e juvenil, questiono as imagens do mito do feminino como o
exótico e o selvagem, o fora da razão, o Outro.
Palavras-chave: Biografias infanto-juvenis. Imagens biográficas. Frida
Kahlo. Animais. Mito do feminino.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
ENTRE REALIDADE E FANTASIA: UM OLHAR-MENINO
RESSIGNIFICANDO CONTEXTOS DE GUERRA
Juliana Pádua Silva Medeiros
FFLCH – USP
[email protected]
Resumo: Este trabalho, sob um eixo comparativo e na perspectiva da
criança, pretende discutir a respeito da ampla rede de sentidos construída
pelos protagonistas dos filmes O labirinto do fauno, de Guillermo Del
Toro, e O menino do pijama listrado, de Mark Herman, ao entrarem em
contato com o violento cenário de guerra no qual estão inseridos, tendo em
vista que, influenciados pelos contos de fadas e histórias de aventuras,
Ofélia e Bruno acabam ressignificando esse universo hostil. Em virtude
disso, empregar-se-á, como viés teórico, a partir de uma perspectiva dos
estudos comparados, as contribuições de Aumont (1993), Santaella (2008)
e Costa (2005).
Palavras-chave: Leitor. Leitura. Literatura Infanto-Juvenil. Imaginário.
MONTEIRO LOBATO: A BIOGRAFIA DO PAI DE EMÍLIA
Nádia Castilho Balieiro de Carvalho da Silveira
Universidade Uniandrade
[email protected]
Resumo: Em Memórias de Emília, talvez a mais conhecida das histórias do
Sítio do Pica Pau Amarelo, Monteiro Lobato coloca sua personagem como
criadora de uma narrativa autobiográfica, que seria caracterizada hoje como
“autobiografia dos que não escrevem”, na nomeclatura de Philippe Lejeune,
uma vez que é o Visconde o “redator” das “memórias”da boneca. Em
Minhas memórias de Lobato contadas por Emília, Marquesa de Rabicó e
pelo Visconde de Sabugosa, Luciana Sandroni faz uso igualmente inusitado
do gênero (auto)biográfico, atribuindo aos personagens lobatianos a tarefa
de narrar as “memórias”do escritor. A partir da análise dos textos
mencionados, este trabalho se propõe objetivo duplo: 1) Examinar como os
textos se encaixam nos conceitos de gêneros autobiográficos de Lejeune ou
os subvertem. 2) Estabelecer paralelos entre dados biográficos de Monteiro
Lobato e suas “memórias” fictícias especialmente no aspecto de
engajamento do escritor na luta por transformações positivas em nosso país.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Palavras-chave: Literatura Brasileira. Monteiro Lobato. Literatura Infantil e
adulta.
EMÍLIA ONTEM E HOJE: UMA ANÁLISE DO DISCURSO
Vanessa Wendhausen Lima
PPGCL UNISUL
[email protected]
Helena Isoppo Schmid
Graduanda em Letras UNISUL
[email protected]
Resumo: Monteiro Lobato foi o escritor moderno que, no início de sua vida
literária, editou as próprias obras e com seu esforço, ampliou o mercado
livreiro, bem como o modo de produção de livros infantis no Brasil. Lobato
inaugurou a literatura infantil no país com a publicação de A menina do
nariz arrebitado, em 1921. Foi também nessa obra em que nasceu Emília, a
boneca de pano e; foi em Reinações de Narizinho, em 1931, que ela
começou a falar e não parou mais. Observamos as múltiplas faces de uma
Emília que nasce no início do século XX, supostamente carregada de
ideologias do autor, e as suas reproduções num discurso atual. Assim, o
objetivo desse trabalho é traçar um comparativo entre as falas de Emília em
sua fase inicial e seu desdobramento contemporâneo nas histórias em
quadrinhos. Considerando que “a linguagem é antes de tudo um lugar de
interação entre os membros de uma sociedade, que podem usá-la tanto para
revelar como para esconder suas verdadeiras intenções” (ABAURRE,
2000) e que o discurso se materializa pela linguagem optamos pela Análise
do Discurso Francesa para embasar este trabalho. Assim, cumpre dizermos
que o corpus de que nos utilizamos compõe-se das obras: Reinações de
Narizinho (1979 [1931]); Memórias da Emília (1964 [1936]) e; Coleção de
Histórias em Quadrinhos da Emília (2008). Observamos que o contexto
social em que Lobato estava inserido foi papel fundamental para a
formação das ideias elaboradas nas narrativas. Em contrapartida, os autores
das histórias em quadrinhos, apesar de se manterem firmes no propósito
lobatiano de construção de personagens, evidenciam a evolução do espaço
sócio-cultural que vivenciamos.
Palavras-chave: Emília. Análise do Discurso. Monteiro Lobato.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
LITERATURA, RAP E REBELDIA: CONSTITUIÇÃO
DISCURSIVA DO “SUJEITO-ESTUDANTE”
Cristina Zanella Rodrigues
Colégio Municipal Pelotense – CMP
[email protected]
Resumo: É corrente na história da humanidade que a literatura anda de
braços dados com as revoluções. Mesmo que algumas vezes o sistema de
ensino se mostre bancário e desmotivador ao aprendiz, é possível encontrar
literatos e artistas em sala de aula. Diante dessas questões, e tendo por
referencial teórico a Análise do Discurso proposta por Michel Pêcheux,
constituem-se como objetivos deste trabalho analisar as letras de música em
forma de RAP produzidos por estudantes de 5ª série de uma escola pública
do município de Pelotas/RS, perceber o movimento de sentidos produzidos
a partir desses discursos, e observar como, através da criação literária, se
constitui discursivamente esse sujeito estudante, criativo, espontâneo,
insurgente em sua relação com a escola, com a família e com o
aprendizado. A análise discursiva da materialidade linguística, associada às
condições de produção dos discursos, tornou possível perceber que mesmo
apresentando estruturas linguísticas semelhantes, as construções presentes
nos texto dos três grupos apresentam um funcionamento diferente, fazendo
surgir distintos processos discursivos e desencadeando movimentos de
sentidos peculiares, o que indica que a relação entre literatura, aprendiz e
escola se constrói junto à rebeldia.
Palavras-chave: Literatura. Rap. Escola. Discurso.
LITERATURA INFANTIL: IMPORTANTE E INDISPENSÁVEL
Danusia Apparecida Silva
UNIPLAC
Resumo: Com o propósito de capacitar os professores, não portadores de
Curso Superior, a Secretaria da Educação de Santa Catarina ofereceu-lhes
gratuitamente, nos meses de férias, o Curso de Pedagogia (1996 – 2000). A
grade curricular acolheu a Literatura Infantil como disciplina a fim de
oportunizar: prazer, lazer e saber. Essa tríade redunda na experiência
estética que por sua vez provoca o gesto criador e reaviva a capacidade
docente. Norteada pelos depoimentos – produção textual – das professoras
que pela vez primeira viveram a Literatura Infantil como disciplina
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
curricular, eu, professora da citada matéria e pesquisadora produzi um
breve ensaio. Compreendi que a Literatura levou-as à valorização das
histórias e de seus autores, à retomada de suas emoções pretéritas, a debates
sobre a que necessidades do ser humano atende a literatura, seja no plano
escrito, seja no plano oral. Espero que os textos e respectivas análises que
compõem este trabalho alcancem o objetivo de divulgar a inegável
importância da Literatura Infantil na formação do professor, no despertar de
sua consciência crítica e no prosseguimento da pesquisa.
Palavras-chave: Literatura Infantil. Professor-leitor. Experiência estéticocrítica.
A LINGUAGEM LITERÁRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL: DESENVOLVENDO HABILIDADES DE
LEITURA E ESCRITA
Lucimar Ferreira da Silva Oliveira
PPGCL/UNISUL
[email protected]
Resumo: Esta comunicação é resultado de um projeto realizado em 2008
com alunos da Escola Municipal Profa. Belarminda de Souza Pires em
Imbituba, SC. Partindo do problema: Como motivar a compreensão leitora
e a produção textual de alunos que frequentam a classe de Apoio
Pedagógico?, desenvolvemos o projeto intitulado “Aluno bom leitor e
produtor de textos” cujo objetivo foi motivar a compreensão leitora e
produção textual destes alunos. Para dar conta desse objetivo, promovemos
situações constantes de leitura e escrita que consistiram de três práticas
básicas: 1) leitura; 2) produção textual; 3) reescrita de textos. Para tanto,
buscamos contribuição nos textos de literatura infantil como; quadrinhas,
trava-línguas, parlendas, contos, fábulas, poemas, advinhas, histórias, entre
outros, que por aguçarem a imaginação infantil provocam o gosto pela
leitura. O acesso à leitura literária na infância, seja na escola ou no espaço
familiar, propicia à criança o contato com “uma arte que tem seu suporte
legitimado pela/na escrita”, e contribui para a ampliação do seu repertório
linguístico e cultural. Ao envolver-se em práticas sociais de leitura como
ouvir e/ou ler histórias, a criança não só se integra no mundo do letramento
como também desenvolve sua inventividade imaginativa, podendo
constituir-se autora de “sua própria produção literária” (DEBUS, 2006).
Como resultados, apresentamos alguns dos textos criados pelos sujeitos
participantes e uma reflexão sobre os aspectos mais relevantes da
43
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
realização do trabalho: o aumento da autoestima dos alunos, o exercício de
autoria nas produções textuais e uma diminuição das dificuldades
relacionadas às habilidades de leitura e escrita.
Palavras-chave: Leitura. Produção textual. Linguagem literária.
MALUCOS POR HISTÓRIAS: UMA CRIATIVA PROPOSTA PARA
A FORMAÇÃO DE CRÍTICOS LEITORES
Tatiana C. Manica
PGCL/UNISUL; Faculdades SATC
[email protected]
Resumo: O ensino de Literatura Brasileira e de História, na maioria das
vezes, obedece a programas e padrões pré-estabelecidos, focando
acontecimentos, que em determinados momentos são desinteressantes e não
oportuniza tempo para reflexão, análise e debates. Entretanto, constata-se
que, além da não diversidade nos recursos de trabalho; no ensino de
Literatura Brasileira há uma extrema dificuldade de contextualização e
fluxo de leitura em relação com a História e as perspectivas e fundamentos
têm apresentação eurocêntrica e elitista, ocultando as faces dominadas,
vencidas e excluídas. Percebe-se ainda a falta de abordagem às questões
regionais, à importância subjetiva da Literatura como arte e à História
como parte de explicações humanitárias, no desenvolvimento das
disciplinas. Partindo desse pressuposto o Projeto “Malucos por Histórias”,
criado no primeiro semestre de 2008, na Escola Técnica SATC de Criciúma
– SC, teve como objetivo principal a crítica literária e histórica dentro dos
padrões culturais atuais e de época. O incentivo à leitura e as demais
interpretações artísticas enriquecem as contextualizações que são expostas
para o grupo de educandos interessados em adquirir mais conhecimento e
cultura. Os encontros foram mensais e com temas abrangentes e relevantes
para o período, dentre alguns trabalhados: Inconfidência Mineira –
literatura árcade e fatos históricos; Incidente em Antares – personagens de
Érico Veríssimo e contexto político-econômico brasileiro; 1808, a vinda da
Família Real – publicações jornalísticas, obras teatrais de Martins Pena e
Gonçalves de Magalhães. A promoção dos encontros e, consequentemente,
o desenvolvimento do Projeto, evidenciou a carência e a relevância da
contextualização e do comprometimento de componentes curriculares
envolvidos. Constatou-se que, mesmo ocorrendo em rápida junção, os
resultados, embora ainda em experimentação, foram surpreendentes em
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
relação à formação de conhecimentos e envolvimento cultural dos
educandos.
Palavras-chave: Literatura. História. Cultura. Contextualização.
Conhecimento.
A INACESSIBILIDADE ÀS CONCEPÇÕES DA LITERATURA
PROMOVE A AVERSÃO PELA DISCIPLINA
Fernanda Maccari Guollo
PPGCL/UNISUL
[email protected]
Resumo: O ensino da Literatura nos âmbitos educacionais brasileiros vem
sendo questionado por vários estudiosos da área, dentre eles Afrânio
Coutinho, Marisa Lajolo, Rosa Helena Mendonça, Cândido de Oliveira,
Patrícia Calavitti Braga, Francisco da Silveira Bueno, Wanderley Geraldi às
Orientações Curriculares do Ensino Médio, principalmente pelo seu
fracasso no quesito de incentivo à leitura. Fala-se muito da relevância que
tem o ato de ler e de compreender, em sua plenitude, a mensagem do texto,
mas infelizmente há uma dissociação entre ideal (teoria) e o real (prática
pedagógica). É provável que, parte desta incógnita referente à aversão dos
alunos pela Literatura e, respectivamente, leitura, esteja interligada não só
pela linguagem mais rebuscada presente nos livros, mas pelo fato dos
educandos não terem acesso às informações primordiais que geram o
interesse pela disciplina, pela leitura de um livro, enfim, pelo exercício
crítico e reflexivo que provém do contato com a Literatura. Cada educador
deve entender que ao trabalhar com alunos possuidores de contextos sociais
e cognitivos diferenciados há inúmeras possibilidades interpretativas de um
único texto, dependendo da ótica pela qual cada indivíduo direciona seu
olhar ao fazer a leitura. Cada educando deterá as informações que lhes
forem mais fecundas. Então, cabe aos educadores (de modo geral),
conectar-se às tendências educativas que estão norteando o processo de
ensino e aprendizagem, para ministrar a disciplina de Literatura visando
que os alunos de hoje tornem-se indivíduos instruídos e atuantes na
sociedade de amanhã.
Palavras-chave: Ensino de literatura. Jovem leitor. Ensino Médio.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
IDEIAS DIFERENTES PROMOVEM OS VALENTES
Rita de Cássia Silva Kauling
Escola de Educação Básica Silveira de Souza
Resumo: Desde o inicio do seu fazer literário, Maria de Lourdes Krieger
tem se voltado para o universo da infância. Nos anos 70 começa a publicar
histórias e reportagens em Suplementos Infantis de Jornais. A leitura de
suas obras remete à análise das tendências no tratamento da criança como
personagem. Essa criança fala, pensa, sente, pertence a uma família. Os
animais inseridos nas histórias também assumem atitudes, reflexões e
palavras que priorizam as características morais e de personalidade,
deixando os dotes físicos em segundo plano. Em linguagem lúdica e
comunicativa narra a história de um gato que não se abate ante os reveses
da vida: mas com obstinada decisão luta até realizar seu propósito. Passa
por sucessivos estágios que o amadurecem. É na verdade um inovador e
rompe com os paradigmas vigentes: o ‘tudo sempre em seu lugar’. Transita,
subjacentemente, na ficção o espírito da democracia e do respeito. A feição
de fábula empresta à ficção de Maria de Lourdes Krieger o aval de
literatura nos moldes de Monteiro Lobato.
Palavras-chave: Coragem. Status quo. Caráter lúdico.
O PAPEL DO NEGRO NA LITERATURA INFANTIL HOJE: UM
ASSUNTO QUE NÃO PODE PASSAR EM BRANCO
Cláudia Regina Silveira
UFSC
[email protected]
Resumo: O presente estudo objetiva fazer uma abordagem acerca do papel
do negro como personagem na literatura infanto-juvenil, bem como
promover reflexões sobre a necessidade de trabalhar a questão racial na
escola. Nesse processo, serão trabalhadas questões envolvendo gênero,
raça, etnia e a simbologia do cabelo como identidade racial e, ainda,
reflexões abordando de que forma o professor e a escola podem contribuir
para o desenvolvimento do conhecimento social e para a construção de
conceitos em sala de aula. Para isso, serão analisadas as seguintes obras
literárias: “Cabelo ruim? A história de três meninas aprendendo a se
aceitar”, de Neusa Baptista Pinto e “O menino marrom”, de Ziraldo. A
46
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
partir da análise dessas obras, poderemos observar o quão nós, educadores,
precisamos buscar uma nova consciência e mostrar que a escola não é
somente um lugar em que se desenvolve o lado intelectual, mas também as
relações humanas.
Palavras-chave: Personagem negro na literatura. Cabelo ruim. O menino
marrom. Questão racial na escola.
A CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NA
LITERATURA DE RECEPÇÃO INFANTIL E JUVENIL: UM
DIÁLOGO SINGULAR EM PLURALIDADES
Margarida Cristina Vasques
Pedagogia/UNISUL; PIBIC/CNPq
Eliane Santana Dias Debus
PPGCL/UNISUL
Resumo: O presente trabalho apresenta os resultados da pesquisa “A
cultura africana e afro-brasileira na literatura de recepção infantil e juvenil:
um diálogo singular em pluralidades”, desenvolvida nos meses de
julho/2008 a julho/2009, no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica/CNPq/2008. Esta pesquisa se efetivou pela necessidade
de viabilizar a inclusão da cultura e história africana e afro-brasileira no
Ensino Fundamental e Médio, como demanda da Lei 10.639/2003. e por
acreditarmos que a literatura tem reais contribuições para esse fim. Assim,
tem-se como meta dar visibilidade às leituras literárias destinadas ao
público infantil e jovem que enfatizem o tema étnico-racial, ou, ainda,
títulos que incluam a real participação de personagens negras, costumes
afro-brasileiros e informações culturais produtoras de identificação entre o
leitor e a narrativa. Como método investigativo, mapeamos oito casas
editoras (Ática, Companhia das Letrinhas, DCL, Paulinas, Scipione,
Mazza, Pallas e SM), tendo como referência os catálogos comerciais do ano
2008/2009. Num primeiro momento, levantamos o material bibliográficoalvo para, então, posterior análise textual. Os catálogos editoriais somaram
2146 livros publicados. Destes, foram selecionados 170 livros que
trouxeram a presença do negro, sua cultura e africanidades. Sendo assim, o
investimento em livros étnico-raciais a partir de oito editoras corresponde a
8% de seu total de publicações. Através de alguns desses livros adquiridos
para estudo, o trabalho propôs e concluiu a resenha, com propriedade
descritiva e crítica, de 56 textos.
47
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Palavras-chave: Literatura infantil. Temática étnico-racial. História e
cultura afro-brasileira.
A LEITURA LITERÁRIA PROMOVENDO REFLEXÕES SOBRE A
TEMÁTICA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA: A VOZ DAS
CRIANÇAS DO “PROJETO MALUNGO”
Elika da Silva
Pedagoga/UNISUL
[email protected]
Eliane Santana Dias Debus
PPGCL/UNISUL
[email protected]
Resumo: A presente comunicação tem como foco a literatura de recepção
infantil que tematiza a cultura africana e afro-brasileira e a sua apropriação
pelo público leitor no espaço escolar dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. Acreditando ser a voz da criança leitora um reconhecimento
ou não da recepção dos livros infantis na escola. Apresentamos a pesquisa
realizada no ano de 2008, em uma escola da Rede Estadual de Ensino de
Florianópolis (SC). O grupo de 16 alunos entre 8 e 15 anos. Estudantes da
4ª. Série do Ensino Fundamental participaram durante dois anos do
“Projeto Malungo” que buscava trabalhar a identidade afro-brasileira junto
as crianças apresentando produtos culturais que provessem a discussão
sobre a temática africana e afro-brasileira, entre elas a literatura. O
levantamento do depoimento das crianças deu-se por dois caminhos:
questionário com oito perguntas e pela gravação dos bastidores do Vídeo
Documentário Malungo (2006), que nos serviu como instrumento de
observação e reflexão sobre como os alunos se apropriaram da literatura
africana e afro-brasileira. Pela voz das crianças constatou-se que ao
participarem do Projeto tiveram no mundo da leitura a imaginação e a
fantasia como passaporte para o engrandecimento de seus conhecimentos
em relação à cultura africana e afro-brasileira.
Palavras-chave: Literatura infantil. Leitura. Cultura africana e afrobrasileira. Projeto Malungo.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
DIÁLOGOS INTERCULTURAIS: UMA ANÁLISE SOBRE OS
PROJETOS ESTÉTICOS DE MANOEL DE BARROS E ONDJAKI
José David Borges Júnior
FFLCH/USP
[email protected]
Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar, pelo viés dos estudos
comparados e da crítica genética, como se processa a construção estética
em alguns poemas selecionados nas obras “Memórias inventadas – a
infância”, de Manoel de Barros e “Há prendizagens com o xão”, de
Ondjaki. Nesse contexto, pretende-se mapear e reconhecer quais os pontos
de contato entre os referidos autores, buscando estabelecer um diálogo
entre suas formas de conceber o estético nas supracitadas obras, bem como
demonstrar que é pela voz da criança, contida nos respectivos textos, que se
promove o movimento de (re)construção da identidade cultural. Dessa
forma, acredita-se ser possível ter acesso ao fenômeno mental de criação
dos textos em discussão, bem como reconhecer o ideal estético dos
referidos autores/poetas, através dos diálogos possíveis existentes entre
ambos, de suas respectivas formas de conceber o objeto artístico e de seus
respectivos locus enunciativos, a saber: Brasil e Angola, respectivamente.
Para tanto, utilizaremos como referencial teórico, autores como Salles
(2008), Muraro (2006), Cunha (2006), Castro (1991) e Friedrich (1991).
Palavras-chave: Diálogo de culturas. Ressonâncias estéticas. Olhar infantil.
Alteridade. Identidade cultural.
LITERATURA E INFÂNCIA: DETRITOS E RELAÇÕES COM O
MENOR
Daniela Bunn
UFSC
[email protected]
Resumo: A comunicação tem como objetivo estabelecer algumas ligações
entre textos literários e críticos que trabalhem com a temática do menor: os
detritos em Benjamin, a noção de literatura menor em Deleuze, as relações
com o menor em Gianni Rodari, Monteiro Lobato e Ana Maria Machado,
resíduos, restos e ruídos nas propostas de Daniel Link. Em Os anões de
Mântua (2004), Rodari estabelece a relação do menor ao deslocar
49
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
personagens de Rigoletto (ópera de G. Verdi) para uma meta-história. Os
anões inconformados com seu tamanho procuram o segredo de crescer.
Emília, em A Chave do Tamanho (1942), de Monteiro Lobato, também
enfrenta problemas, porém do “apequenamento”, como Alice de Lewis
Carroll e tantas outras histórias clássicas. Bem do seu tamanho (1986), de
Ana Maria Machado, apresenta uma dialética do tamanho: ora a
personagem principal é grande demais para certas coisas, ora é pequena
demais – enfrentamento ao qual pais e filhos são constantemente
submetidos. Essas e outras histórias serão analisadas. O menor também está
em Agamben (2005) e na Gramática da Fantasia (1982) de Rodari – a
miniaturização, a salvação do pequeno, a fragilidade e a grandeza mostram
como a dialética do tamanho é levada ao pequeno leitor sendo que, segundo
Rodari, “o império da dialética estende-se também sobre os territórios da
imaginação”.
Palavras-chave: Literatura. Infância. Tamanho. Relações/menor.
LINGUAGEM E CÁLCULO ATRAVÉS DE JOGOS LÚDICOS:
LITERATURA NO ENSINO DE ALUNOS COM DÉFICIT EM
APRENDIZAGEM
Edineia Aparecida Chaves de Oliveira
PPGCL/UNISUL
[email protected]
Resumo: Este trabalho apresenta um projeto interdisciplinar desenvolvido
no Colégio Humberto de Alencar Castelo Branco, no ano de 2008, com
alunos que apresentam déficit de aprendizagem em linguagem e cálculo e
que frequentam a sala de apoio. Metodologicamente, desenvolveram-se
aulas a partir de histórias infantis, contos, trava-línguas, brincadeiras de
roda, cantigas e ditados populares, bem como jogos e competições diversas.
Também o cálculo através de situações lúdicas e com material dourado,
além da motricidade e do trabalho com o corpo, possíveis a partir do
desenvolvimento das brincadeiras infantis. Para tanto, o plano de aula
buscou conhecimentos da educação física, da matemática e do português, a
fim de melhorar as noções básicas que os alunos envolvidos precisavam ter
para calcular e para dominar a comunicação, principalmente a escrita. A
literatura, associada ao lúdico, foi o combustível para estas aulas. Os
resultados obtidos foram satisfatórios, no sentido de que as notas da sala de
aula nas matérias de português e matemática aumentaram para muitos
alunos no transcorrer do projeto. Também foi possível dar-lhes mais
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
desenvoltura, mostrar práticas sociais da infância de nossos antepassados
que permanecem eternizadas, desinibi-los e entender como aulas bem
planejadas e tendo como ponto de partida o lúdico e o literário podem
melhorar o relacionamento desses alunos, a inclusão em espaços letrados, a
motivação, a criatividade e o domínio de conhecimentos culturais que serão
necessários para prosseguirem em seus estudos e principalmente para
firmar a identidade do sujeito histórico.
Palavras-chave: Literatura. Lúdico. Aprendizagem. Cálculo. Linguagem.
GÊNEROS DA LITERATURA OU LÚDICOS: JOGOS DIDÁTICOPEDAGÓGICOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Luzinete Carpin Niedzieluk
Faculdade Municipal de Palhoça
[email protected]
Resumo: Este artigo objetiva enfocar gêneros lúdicos ou gêneros da
literatura popular no processo de letramento: cantigas, canções populares.
Pensar na transposição didática desses gêneros considerando-os jogos
didático-pedagógicos como gêneros lúdicos que auxiliam no ensinoaprendizagem da educação infantil, pois o ato de brincar e cantar não deve
ser visto apenas como lazer, mas sim, como recurso didático-pedagógico
para desenvolver habilidades e competências nos alunos, tornando possível
a construção do conhecimento na interação. Para tal propósito, usamos,
predominantemente, a abordagem dialógica proposta por Bakhtin e
Volochinov (1999; 2002), além de Vygotsky (2002) e outros. Por fim,
demonstramos como um projeto implantado no curso de Pedagogia da
Faculdade Municipal de Palhoça (FMP) contribuiu para a relevância, tanto
de resgatar a história dos jogos e das canções como também de aplicá-los,
considerando-os como gêneros da literatura ou lúdicos na educação infantil.
Palavras-chave: Gêneros da literatura ou lúdicos. Jogos DidáticoPedagógicos. Educação Infantil.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O LÚDICO NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
Rosa Finardi
PPGCL UNISUL
[email protected]
Resumo: Alegria! É a palavra que pode encerrar a visão de quem vê a
criança numa situação de jogo ou brincadeira. Mal sabem os olhares leigos,
que nesse momento a criança esta construindo relações sociais e estruturas
mentais fundamentais à sua vida. Talvez justamente ai esteja o ponto nodal
da questão. Aprender sempre foi encarado como uma atividade sofrível e,
portanto, destituída de prazer. Sempre acompanhada de uma visão
capitalista de um investimento futuro e como tal “um mal necessário”.
Além disso, a tradicional cultura do silêncio que assombra nossas escolas
vê a imposição da disciplina homogeinizadora e opressora como um
quesito para se qualificar o bom professor e no caso a criança, fundamental
para a formação de atitudes. Atualmente, as ciências preocupadas com a
educação e o desenvolvimento saudável dos sujeitos têm lutado para que os
educadores compreendam e coloquem em pratica a ideia de que a criança
“constrói” seus conhecimentos nas relações que estabelece com o meio de
forma ativa. E a aprendizagem passa necessariamente pela ação, dentre elas
o jogo e a leitura. Nesse sentido, o jogo e a brincadeira simbólica se tornam
importantes recursos na medida em que combinam as ações e significações
acompanhadas de prazer, tornando a aprendizagem significativa. Por essas
considerações, é importante que se conheça como a ludicidade, enquanto
integrante dos processos de ensino e aprendizagem, podem integrar o
cotidiano do aprendiz. Enriquecendo as ações pedagógicas, ultrapassando
os limites impostos por métodos tradicionais de ensino que cerceiam a
criatividade e o prazer de aprender do educando.
Palavras-chaves: Lúdico. Aprendizagem. Prazer. Estruturas mentais.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E O ENSINO DE CIÊNCIAS:
UMA RELAÇÃO POSSÍVEL
Luana von Linsingen
UFSC
[email protected]
Resumo: São várias as histórias juvenis e infantis que trazem à tona
questões como o lixo, as usinas nucleares, as extinções em massa, o futuro
do futuro; transformam os assuntos da Ciência no que são de fato: em
assuntos sociais. Uma só obra literária encerra uma cultura infinita, com
temas que, fazendo parte do pensamento humano, não podem ser
fragmentados, não podem ser dissociados uns dos outros. Por conta desses
fatores, quando levada ao espaço escolar, uma obra literária não pode nem
deve ser tachada de “apoio paradidático” de Língua Portuguesa. Ela deve
ser elevada a um status de complemento, de ponto de partida, de
problematização, e levada a todas as disciplinas, a de Ciências inclusive.
Com o objetivo de proporcionar a reflexão sobre a relevância de mais
estudos e pesquisas sobre a Literatura Infanto-Juvenil na área do Ensino de
Ciências, especificamente seus exemplos literários, isto é, textos cuja
matéria ou linguagem (narrativa ou poética) resulta da invenção e da
transfiguração da realidade em matéria, buscando interagir com as emoções
de seu leitor, tomo por modelo uma coleção específica de livros infantis,
que serviu de base para minha dissertação de mestrado sobre as relações
entre Ensino de Ciências e Literatura Infantil, além de exemplos da
literatura tida por juvenil. Os resultados obtidos pela supracitada pesquisa
indicam carência de trabalhos que abordem as relações entre a Literatura
Infantil e o Ensino de Ciências e Biologia, e que o texto infantil, em
especial o ficcional, fornece possibilidades de contornar dois graves
analfabetismos: o científico e o literário.
Palavras-chave: Literatura infantil e juvenil. Ensino de ciências. Leitura.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
NARRATIVAS DE CRIANÇAS DE TRÊS A QUATRO ANOS
PRODUZIDAS A PARTIR DA ORDENAÇÃO DE GRAVURAS DE
UMA HISTÓRIA DE UM LIVRO DE IMAGENS: ANÁLISE COM
BASE NA TEORIA DA RELEVÂNCIA
Alba da Rosa Vieira
PPGCL/UNISUL
[email protected]
Resumo: Nesta pesquisa, com base na teoria da relevância de Sperber e
Wilson (2001 [1995]) e Carston (1988), analisam-se os processos
ostensivo-inferenciais em narrativas de crianças de três a quatros anos de
idade produzidas a partir da ordenação de gravuras de uma história de um
livro de imagem. Para dar conta desse objetivo, foi solicitado às crianças da
turma do jardim I, do Centro de Educação Infantil Cantinho Feliz do
município de Imbituba (SC), que ordenassem individualmente a história O
tricô, de Eva Furnari e, a partir dessa ordenação, narrassem a história. Os
dados foram filmados e gravados em áudio, e os enunciados das narrativas
foram transcritos e tratados: encaixando-se cada enunciado dentro de sua
forma lógica respectiva; elaborando-se a explicatura do enunciado
linguístico, quando necessário; e, quando pertinente, elaborando-se as
implicaturas. Os resultados, entre outras conclusões, sugerem que crianças
nessa faixa etária apresentam algum grau de domínio da narrativa,
processando as imagens uma a uma, por vezes como narrativa completa em
si mesma, na mesma ordem em que essas imagens lhes vêm às mãos.
Palavras-chave: Teoria da Relevância. Educação Infantil. Narrativas.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
RESUMOS DE PÔSTERES
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
“PESSOA AOS NOSSOS OLHOS” – A FORMAÇÃO DE LEITOR
LITERÁRIO NO 2º E 3º CICLO DO ENSINO BÁSICO EM
PORTUGAL
Ângela Balça
Universidade de Évora
[email protected]
Ana Abrantes
Câmara Municipal de Évora
[email protected]
Resumo: No âmbito do Projecto Educativo A Fada Palavrinha e o Gigante
das Bibliotecas, do Município de Évora, Portugal, lançou-se um desafio às
escolas do 2º e 3º ciclo do ensino básico, para assinalar os 120 anos do
nascimento de um dos maiores poetas de língua portuguesa – Fernando
Pessoa. Este desafio configurou-se numa aproximação à vida e obra do
poeta, com o objectivo de as escolas participarem no concurso “Pessoa aos
nossos olhos”, que consistia na decoração de estruturas em madeira, com o
perfil de Pessoa. Os trabalhos foram posteriormente expostos nas praças do
Centro Histórico da cidade. Sabendo nós que a formação do leitor literário
não termina nos primeiros anos de escolaridade, mas exige sim um
investimento constante, esta iniciativa revelou-se deveras importante, uma
vez que permitiu aos jovens adolescentes o contacto com a poesia, de uma
forma lúdica.
Palavras-chave: Formação do leitor. Fernando Pessoa. Escola.
CLUBE DA LEITURA: A GENTE CATARINENSE EM FOCO
Heliete Schütz Millack
Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis
Resumo: O projeto “Clube da Leitura: a gente catarinense em foco” está
sendo desenvolvido no Departamento de Bibliotecas da Secretaria
Municipal de Educação de Florianópolis/SC, desde abril deste ano (2009),
pela professora Heliete Schutz Millack, licenciada em letras pela UFSC e
pós-graduada na área da Educação. Como o próprio nome sugere, esse
projeto destina-se à criação de clubes, ou melhor, pontos de trocas de
experiências de leituras, em especial, as de autores(as) catarinenses, nas
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
escolas pertencentes à Prefeitura Municipal de Ensino de Florianópolis.
Além de ampliar o incentivo ao hábito da leitura entre todos(as) os(as)
participantes do “clube”, é também uma oportunidade de formação para
professores(as) dos anos iniciais (1º ao 3º anos, 4ª série e EJA),
bibliotecários(as) e auxiliares de biblioteca. Para esse fim, foram previstos
encontros de formação, nos quais haverá troca de experiências,
fornecimento de material, oficinas e, ao final, encontro com alguns
autores(as) catarinenses. Os encontros para as trocas serão feitos nas
bibliotecas das escolas e no Centro de Educação Continuada da SME,
situado à rua Ferreira Lima, 82, centro de Florianópolis/SC. As bibliotecas
das escolas participantes do Clube receberão obras de autores(as)
catarinenses, destinadas ao público infanto-juvenil, para comporem o
acervo.
Palavras-chave: Biblioteca. Literatura Infantil. Autores catarinenses.
Leitura.
LITERATURA INFANTIL PARA QUALQUER IDADE
Juliana Schumacker Lessa
USFC
[email protected]
Mariana Silveira dos Santos Rosa
UFSC
[email protected]
Resumo: A literatura para crianças oferece uma leitura mágica, permeada
por metaforismos e analogias que presentes nas fábulas e nos contos de
fadas permitem ao leitor fugir da leitura linear, objetiva, fixa e seca, sendo
possível transcender as ideias dos autores, através da imaginação. Mais
importante que a faixa etária do leitor é a vontade que cada sujeito tem de
conhecer determinadas obras. Entretanto observa-se em livrarias e
bibliotecas que os livros destinados ao público adulto são, em sua maioria,
obras que não propiciam uma viagem fantástica e imaginativa, que não
permitem a confusão entre o real e o irreal, pois têm enredo e teor próprios
do mundo adulto. Isto impede o ser humano crescido de entrar no mundo
da imaginação e da fantasia; como se apenas às crianças fosse permitido o
ingresso neste universo. Impor classificação etária em livros determina
quem é e quem não é capaz de lê-los, sem levar em consideração que cada
pessoa é diferente, diversa e específica, construída não apenas pelo tempo
58
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
de vida que tem, mas, principalmente, pelo contexto em que está inserida.
Assim como não é possível determinar os limites etários da infância, pois
esta é construída historicamente, não é possível classificar etariamente a
literatura. Portanto, é necessário que crianças, adultos e idosos tenham a
possibilidade de ler o que têm vontade e desejo de ler, o que lhes
proporciona prazer, o que faz com que se sintam alegres, independente dos
rótulos ou das etiquetas afixadas nas prateleiras das bibliotecas.
Palavras-chave: Literatura infantil. Infância. Literatura. Faixa etária.
Criança.
O TRABALHO COM O GÊNERO POÉTICO NO PROCESSO DE
FORMAÇÃO DE LEITORES: POSSIBILIDADES PARA O ENSINO
DE LITERATURA
Danielle Amanda Raimundo da Silva
UNESC
[email protected]
Celdon Fritzen
UNESC
[email protected]
Resumo: Após o estudo das ponderações feitas sobre o ensino de literatura
no Brasil a partir da produção de conhecimento dos programas nacionais de
pós-graduação, desenvolvemos a pesquisa Literatura e formação de
leitores: entraves e encaminhamentos segundo o Banco de Teses e
Dissertações da CAPES. Pela presença significativa entre os resumos de
um corpus com 107 estudos vinculados ao ensino de literatura, num
segundo momento, delimitamos como novo tema de investigação: o gênero
poético. Assim, iniciamos a coleta, com posterior leitura e análise, dos
textos integrais de quatro teses e sete dissertações acessíveis que
investigaram esse objeto. Haja vista a maior porção de tais estudos serem
do tipo pesquisa-ação ou etnográfica, resultados concretos são apontados
como possíveis, se não já alcançados pelas pesquisas espraiadas por todas
as fases formais do ensino. Dessa maneira, a positividade do trabalho com
o texto poético reflete-se: 1) no ensino fundamental: na aquisição da leitura
atrelada ao processo de letramento, bem como aprimoramento das
potencialidades cognitivas e linguísticas mediante atividades de caráter
lúdico; 2) em contexto de ensino médio: na afirmação de sujeitos sociais,
críticos e, consequentemente, mais cultos; 3) na educação de jovens e
59
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
adultos, bem como em contextos extraclasse: a redescoberta e
ressignificação do mundo torna-se possível a partir do contato com a
poesia. Diante dos dados levantados, concentramos nossos esforços em
chamar atenção ao trabalho com o texto poético como possibilidade real
para um ensino de literatura que, além de proporcionar deleite estético,
colabore para a formação de sujeitos mais reflexivos e autônomos.
Palavras-chave: Ensino de literatura. Teses e dissertações. Formação de
leitores. Texto poético.
LEITURA COMPARTILHADA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
Cláudia Maria Poglia
PPGCL UNISUL
Resumo: Este trabalho busca socializar uma atividade de intervenção, de
caráter exploratório, junto ao grupo de 21 crianças, constituído de 09
meninas e 11 meninos, com idade entre 7 e 8 anos; da 2ª série do Ensino
Fundamental, do Colégio Cenecista Padre Manoel Gomez Gonzalez,
situada no município de Nonoai (RS), realizado no ano de 2008, no período
de 13 a 14 de outubro. A atividade de intervenção teve como objetivo geral
refletir como as crianças em idade escolar, em especial, dos anos iniciais do
ensino fundamental, recebem o texto literário através da narrativa de
histórias, pensada aqui, como leitura compartilhada e como esse tipo de
aproxima a criança da leitura literária. Para realizar as atividades dialogouse com as diversas linguagens: a corporal, a plástica, a imagética e a
musical. Constatou-se que as crianças apreciarão a atividade e esta
contribuiu para a disseminação da leitura literária naquele espaço
institucional.
Palavras-chave: Leitura compartilhada. Formação de leitores. Literatura
infantil.
60
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
PARE PARA A LEITURA: CULTURA E CRIATIVIDADE
CHAMANDO A ATENÇÃO PARA A LITERATURA
Tatiana C. Manica.
PPGCL/UNISUL; Faculdades SATC
[email protected]
Resumo: A busca de metodologias eficazes para a atuação docente deve ser
tarefa de todos os profissionais da educação, permitindo o exercer
pedagógico mais significativo para educadores e educandos.Partindo destas
reflexões e também em decorrência do Centenário dos escritores João
Guimarães Rosa e Machado de Assis, no segundo semestre do ano de 2008
na Escola Técnica SATC de Criciúma, realizou o Projeto “Pare para a
leitura: cultura e criatividade chamando a atenção para a Literatura”, que
projeção surpreendente no meio educacional. O objetivo fora de construir,
juntamente com os alunos do primeiro ano do Ensino Médio, uma maneira
criativa para a divulgação do Centenário e ao mesmo tempo um estudo
aprofundado sobre esses dois grandes nomes da Literatura Brasileira. A
metodologia e o desenvolvimento do projeto contemplaram criações de
placas estilo sinalização de trânsito. Tais ações aguçaram a criatividade e a
curiosidade de forma crescente e prazerosa em relação à cultura,
promovendo uma busca acerca da vida, obras e curiosidades desses autores.
Foram também destacados trechos de vida, excertos conhecidos, citações
memoráveis desses ilustres escritores foi o foco da produção artística.
Como resultado constatou-se que o conhecimento adquirido a partir de
pesquisas, montagem e divulgação agregaram muito aos alunos e também à
comunidade, pois ficaram visíveis no pátio e corredores da instituição.
Como a Escola Técnica SATC comporta mais de 4.000 alunos foi
importante a participação de todos para a divulgação e sucesso do trabalho.
Ao trabalhar João Guimarães Rosa e Machado de Assis, a riqueza de seus
vocabulários, de suas histórias, enfim a contribuição preciosa que ambos
deixaram para a Literatura Brasileira, os alunos tiveram acesso à leitura de
maneira lúdica e prazerosa. O estímulo visual acentuou a importância da
literatura e da cultura em geral para o crescente aperfeiçoamento das
linguagens. A aprendizagem neste contexto é potencializada pelas múltiplas
linguagens e pela participação efetiva dos educandos, proporcionando a
apropriação dos conceitos e abordagens selecionadas e expostas em sala de
aula.
Palavras-chave: Leitura. Linguagem. Cultura. Aprendizagem. Criatividade.
61
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
RELEITURA DAS MEMÓRIAS DE MONTEIRO LOBATO: USO
DA ARTE CÊNICA NO ENSINO MÉDIO PARA O INCENTIVO À
LEITURA DO ENSINO FUNDAMENTAL II
Fernanda Maccari Guollo
PPGCL/UNISUL
[email protected]
Resumo: Alguns estudiosos e pesquisadores da crítica literária, como Nelly
Novaes Coelho, Marisa Lajolo e Regina Zilberman, Cecília Meirelles e
Maria Antonieta Antunes Cunha destacam aspectos prototípicos sobre
literatura e o exercício diário de leitura em benefício à constituição do
sujeito. Com base nisso, foi realizada a Semana Comemorativa do Livro
Infantil, 18 de abril, nas dependências do Colégio Interação, situado no
município de Morro da Fumaça – SC, uma homenagem as Memórias de
Monteiro Lobato, por meio do trabalho de pesquisa biográfica e de leitura
do livro Minhas Memórias de Lobato, de Luciana Sandroni. Esta atividade
propiciou a releitura, a produção textual e apresentação teatral, de forma
breve, concisa e em linguajar culto, da vida do renomeado introdutor da
literatura infanto-juvenil brasileira: Monteiro Lobato. Apresentação esta,
realizada pelos alunos do 1º Ano do Ensino Médio e direcionada a todos os
alunos do Ensino Fundamental II. O intuito desse trabalho foi à
mobilização da escola para incentivar a presença dos alunos na biblioteca e
para aguçar o incentivo à leitura. Os resultados foram bem profícuos,
colhendo-se frutos até hoje: maior frequência e locação de livros na
biblioteca; alunos interessados no contexto das obras literárias que leem nas
aulas de literatura; maior participação e questionamentos sobre o enredo,
resultando também, na valorização do livro manuseado. E acima desses
fatores, oportunizou-se o reconhecimento da relevância do escritor
Monteiro Lobato, principalmente de seus ideais, que se refletem na
sociedade atual (valorização do nacional), servindo de fonte inesgotável de
informações e inspirações a todos.
Palavras-chave: Literatura. Leitura. Ensino Fundamental II. Ensino Médio.
Monteiro Lobato.
62
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O MARAVILHOSO NA LITERATURA INFANTIL: CONTOS DE
FADAS ÀS AVESSAS
Jucirlei P. Casagrande
PPGCL/UNISUL
[email protected]
Resumo: O artigo apresenta uma abordagem sobre o maravilhoso na
literatura infantil, cuja linguagem metafórica se comunica muito facilmente
com o pensamento natural, mágico das crianças e nesse sentido os contos
de fadas contribuem para a compreensão de valores básicos da conduta
humana. Sob essa perspectiva, elaboramos uma leitura às avessas dos
contos de fadas tradicionais, um trabalho realizado com alunos de 5ª série
do ensino fundamental da escola de educação básica municipal Maurina de
Souza Patrício, no município de Morro da Fumaça.
Palavras-chave: Literatura infantil. Maravilhoso. Contos de fadas.
Produção.
CATÁLOGO DO DESTINO: LEITURAS, ESCRITAS, INFÂNCIAS
Mariana Lange
AEP-Palhoça; UFSC
[email protected]
Resumo: Este pôster apresenta fragmentos de uma experiência com Oficina
de Leitura e Escrita desenvolvida com crianças que enfrentam dificuldades
escolares (aprendizagem e/ou comportamento). O trabalho é coordenado
por um oficineiro, profissional com experiência em oficinas, implicado na
prática com a escrita e também pesquisador do tema “escrita e psicanálise”.
A oficina foi montada tendo o referencial psicanalítico de Freud e Lacan
como eixo. O grupo se reúne semanalmente para a prática de leitura e
escrita, mas diferente da escola: tornando livres os temas da escrita e os
rumos da leitura, permite-se ao oficinando ocupar um lugar de leitor e de
escritor-escrevente independentes de certo/errado. O objetivo é trabalhar a
pluralidade de vozes, o medo de errar, a criatividade, os modos de ler,
interpretar, criar. A escrita e a leitura são suportes para a construção de um
lugar de enunciação. A oficina, como prática coletiva, permite o
endereçamento a um outro. A literatura apresenta histórias que podem
servir como recursos para que a criança esboce um lugar para si no mundo.
63
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Ítalo Calvino define literatura como “catálogo do destino”, pois a ficção
apresenta caminhos possíveis, desfechos imagináveis, perigos, soluções.
São muitos os modos de ser criança, e na fase escolar que se coloca a
importância do pertencimento ao grupo, lugar das trocas simbólicas – na
escola também aparecem as “trocas” de letras, disgrafias, dislexias,
discalculias. A oficina é um lugar onde se troca com os demais, inclusive
materiais, apelidos, ideias, demarcando, assim, diferenças e possibilidades.
Palavras-chave: Leitura. Escrita. Oficina. Iinfância.
PROJETO “MUNDO MÁGICO DA LEITURA”
Marilda Andrade de Abreu Cordeiro
Projeto Renascer/COMOSG
[email protected]
Resumo:
Considerando
que
o
processo
educacional
de
crianças/adolescentes acontece em múltiplos espaços. Não está, na verdade,
restrito apenas ao tempo em que se dedicam à escola formal. As
crianças/adolescentes necessitam e requerem – do ponto de vista
pedagógico e formativo – vivências que enriqueçam a sua vida e os tornem
capazes de responder a diversos estímulos como pessoas e cidadãos. O
texto analisa experiências da Oficina de Literatura, em realizada no Projeto
Renascer – Conselho dos Moradores do Saco Grande – COMOSG, “O
Mundo Mágico da Leitura”. As atividades são desenvolvidas através de
materiais literários infanto/juvenis, pretende-se incentivar a formação do
hábito de leitura, além de desenvolver nas crianças as habilidades e
disposições necessárias à construção de significados, para pensarem melhor
e por si mesmas. Iniciamos o Projeto “Mundo Mágico da Leitura” em 2008
e encontra-se em andamento em 2009. Destina-se às crianças entre 6 e 14
anos que praticam atividades complementares no Projeto Renascer. Muitas
crianças encontram-se em situação de vulnerabilidade, neste sentido, a
Literatura Infantil/juvenil é um caminho que leva a criança a desenvolver a
imaginação, emoções e sentimentos de forma prazerosa e significativa.
Desta forma estaremos ampliando o universo cultural destas crianças,
retirando-as da ociosidade ou do trabalho precoce, através da participação
em atividades extracurriculares, principalmente a leitura.
Palavras-chave: Alfabetização. Leitura. Apoio Pedagógico. Literatura
Infanto-juvenil.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
ALTERNATIVAS VISUAIS NA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS
PARA CRIANÇAS SURDAS
Natália Schleder Rigo
UFSC
[email protected]
Resumo: Esse estudo busca apresentar, primeiramente, a importância que a
literatura infantil oferece na vida de crianças surdas. O quanto é
fundamental para sua formação, enquanto sujeito presente no mundo,
conhecer diferentes histórias, personagens, seres imaginários, etc.
possibilitando a construção de seu próprio espaço e significando seu
mundo. Práticas de representação da literatura, como leituras orais,
contação de histórias, teatro, etc., são meios efetivos para transportar
crianças para novos mundos. No entanto, essas práticas, em sua maioria,
são designadas para um público infantil ouvinte. Mas ao pensarmos em um
público infantil de crianças surdas, quais seriam as alternativas do
narrador? Considera-se, em primeira instância, a própria língua natural do
ser surdo, a língua de sinais. Se o narrador possui domínio dela, então sabe
das possibilidades incríveis que a língua oferece para desenvolver seu
trabalho. Mas, sem dúvida, há outros meios a que ele pode recorrer: os
recursos visuais. Com um acervo de materiais visuais, o contador de
histórias estará equipado de escolhas para desenvolver seu trabalho e
atingir seu principal público alvo que carece em sua essência ser
transportado para outros mundos em que a imaginação é a chave de
entrada. Esse estudo, portanto aborda uma pesquisa de busca por diferentes
recursos visuais para prática de contação de histórias infantis, suas
possibilidades de uso, seu emprego e as relações envolvidas com o público
surdo.
Palavras-chave: Literatura infantil. Contação de histórias. Recursos visuais.
Público surdo.
65
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A POESIA E A INFÂNCIA: UMA POSSIBILIDADE?
Anne Marie Tribess Onesti
SESC
[email protected]
Lisley Canola Treis Teixeira
SESC
[email protected]
Resumo: Esse trabalho trata-se de um relato de experiência com um grupo
de crianças de 3 e 4 anos em uma instituição de educação infantil ao
interrogar questões entorno da possibilidade da poesia com a infância em
práticas de valorização das suas falas por meio de conversas e leituras
poéticas. Com base na formação continuada de professores no exercício de
sua atividade em uma perspectiva voltada a problematização e investigação
da prática pedagógica no universo da escola, procuramos conhecer e
registrar as percepções das crianças “provocadas” pelas poesias de Manoel
de Barros, valorizar as narrativas infantis como textos orais e interpreta-los
a luz dos referenciais teóricos de Benjamin sobre a infância e a cultura e os
pressupostos de Bakhtin sobre o discurso. As observações e registros
apontam que o trabalho envolvendo a poesia com as crianças pequenas foi
possível dentro de uma concepção que dá importância ao ponto de vista
delas. Nesse sentido, percebeu-se que as crianças interagiam com os textos
poéticos de forma lúdica e os interpretavam com sua linguagem. Além
disso, as falas das crianças indicam que elas estão mais próximas das coisas
que nós adultos já tornamos insignificantes.
Palavras-chave: Infância. Poesia. Linguagem
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS: UMA PRÁTICA ANTIGA
ENTRELAÇADA COM O CONTEMPORÂNEO
Priscila Nandi
Pedagogia/UNISUL
Eliane Santana Dias Debus
PPGCL/UNISUL
Resumo: Este trabalho tem como objetivo principal estudar sobre a arte de
contar histórias a partir da prática de uma profissional dessa área
investigando quais as estratégia que ela se utiliza para seduzir o público
ouvinte. Para cumprir nosso objetivo principal, outros específicos foram
organizados como: pesquisar se a profissional costuma utilizar livros nas
contações e quais as obras mais utilizadas; observar quais as técnicas mais
utilizadas pela profissional de contação de histórias; verificar de que
maneira as histórias contribuem na leitura das crianças. A pesquisa foi
realizada na cidade de Tubarão, Santa Catarina, sendo sujeito da pesquisa
Júlia Maria Damazio Rodrigues, uma profissional da área de contação de
histórias. Para a coleta de dados foram adotados vários procedimentos: 1)
uma entrevista estruturada, através de um questionário aplicado à
profissional da área; 2) observações da atuação da profissional nos espaços
que realiza este trabalho; 3) conversa informal a partir de perguntas semiestruturadas, utilizando-se gravador. As observações foram realizadas em
dois locais: Farol Shopping (24/05) e nas gravações do programa “Era uma
vez...”, Unisul TV (29/05). Com esta pesquisa, além de levantar a
metodologia e recursos utilizados por uma profissional da Contação de
histórias, foi possível concluir que é viável entrelaçar a antiga arte de contar
histórias com a tecnologia contemporânea, unindo o passado com o
presente mantendo o mesmo objetivo, que é o prazer por ouvir histórias.
Palavras-chave: Contação de histórias. Tecnologia. Formação de leitores.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
REPRESENTAÇÃO DE INFÂNCIA NOS LIVROS DE MONTEIRO
LOBATO: REINAÇÕES DE NARIZINHO, VIAGEM AO CÉU E
MEMÓRIAS DA EMÍLIA.
Luana Amador Fuhrmann
Pedagogia/UNISUL
Eliane Santana Dias Debus
PPGCL/UNISUL
Resumo: O presente trabalho tem como tema a literatura infantil brasileira,
em especial, os livros infantis do escritor Monteiro Lobato. O objetivo
geral é investigar a imagem de infância na produção literária de o Monteiro
Lobato (1882-1948), por acreditarmos que ele apresenta uma infância
emancipatória para a sua época. Para atingir tal objetivo investigou-se os
títulos Reinações de Narizinho (1931), Viagem ao Céu (1932) e Memórias
da Emília (1936) levando em consideração concepção de infância e
imagem que o escritor representava em seus livros. Como referencial
teórico, autores que pesquisaram sobre a produção literária de Lobato para
a infância serão recorridos, entre eles: DEBUS (2004), LAJOLO e
ZILBERMAN (1985), LOPES (1999), GOUVÊA (1999), bem como os
títulos de Monteiro Lobato. Constatou-se que ele tinha uma concepção de
infância moderna para sua época, desmistificando a idéia de que a criança
era um adulto em miniatura, o autor, afirmava que as crianças eram o futuro
da nação e que só através da cultura, seria possível melhorar o mundo em
que elas viviam. Ele via nas crianças a esperança de um futuro melhor.
Palavras-chaves: Monteiro Lobato. Literatura Infantil. Infância.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O MENINO MALUQUINHO, DE ZIRALDO E O DIÁLOGO COM
AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS: CAMINHOS PARA UMA
INFÂNCIA FELIZ
Angelina dos Anjos Silva Nogaredo
Pedagogia/UNISUL
[email protected]
Eliane Santana Dias Debus
PPGCL/UNISUL
[email protected]
Resumo: O presente trabalho tem como tema a literatura infantil brasileira
contemporânea, em especial, o livro infantil O Menino Maluquinho, de
Ziraldo, bem como a sua divulgação a partir de outras linguagens que não o
formato de livro, como filme (dvd), música (cd), gibi. O objetivo geral
desta pesquisa é realizar uma análise crítica, que tenha como centro a
personagem do livro O Menino Maluquinho na tentativa de destacar que
infância o autor desenha no seu livro, verificando a sua aceitação na
sociedade contemporânea, apresentando e fazendo um paralelo entre a
infância do menino descrito por Ziraldo e a infância de hoje. Para atingir tal
objetivo, organizou-se um projeto de intervenção para uma turma do 3º
Ano de uma escola pública do município de Tubarão, realizado no período
de maio a junho de 2008, totalizando oito encontros de 2 horas. O
referencial teórico que norteia a pesquisa se constitui de teóricos da
sociologia da infância e da literatura infantil. Constatou-se que Ziraldo
constrói um personagem que vive integralmente o ser criança e que as
crianças leitoras se identificam com essa personagem, em especial pelas
suas traquinagens e alegria de viver.
Palavras-chave: Literatura infantil, O Menino Maluquinho, Ziraldo
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
RESUMOS DE MINICURSOS
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
EXPERIÊNCIA DE LEITURA MEDIADA: UM EXERCÍCIO
PRÁTICO DE COMPREENSÃO SENSÍVEL DO TEXTO
LITERÁRIO INFANTIL VERBAL E ILUSTRADO
Marília Forgearini Nunes
Letras/DELAC/UNIJUÍ
[email protected]
Resumo: A presente proposta de trabalho parte da noção de leitura como
processo de interação (KLEIMAN, 2004) entre texto e leitor. Para leitor e
texto interagirem se faz necessário que o leitor saiba como ler todos os
elementos que compõem o texto. Considerando o texto literário infantil,
mais especificamente a narrativa infantil que conjuga na sua construção a
palavra e a ilustração, pretende-se apresentar uma proposta de leitura
mediada do texto narrativo verbo-ilustrado que auxilie o leitor em formação
a exercitar a imaginação, a fantasia e a emancipação por meio da
construção sensível de sentido a partir da palavra e da ilustração associadas
na construção do texto. Essa proposta de leitura mediada está baseada na
Experiência de Aprendizagem Mediada desenvolvida por Reuven
Feuerstein (GOMES, 2002; MÉIER & GARCIA, 2007; MENTIS, 2002;
FEUERSTEIN et al,1998) e que está em consonância com as ideias sóciointeracionistas de Vygotsky (1998). Em relação ao processo de
compreensão do texto, o presente trabalho busca apoio nas ideias de
Marcuschi (2008) de maneira a auxiliar na construção dos questionamentos
que deflagrarão o diálogo mediado e, consequentemente, no
desenvolvimento da compreensão do que se lê, seja palavra ou ilustração,
separadas ou em associação. A partir das concepções teóricas que embasam
o trabalho, desenvolve-se o trabalho prático de investigar algumas
narrativas verbo-ilustradas, percebendo de que maneira as linguagens
interagem construindo o texto, para então organizar roteiros de mediação e
efetuar uma leitura mediada que auxilie o leitor a desenvolver a sua
capacidade leitora sensível do texto literário.
Palavras-chave: Mediação. Leitura. Literatura Infantil.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
CARA A CARA, COR A COR, INCORPORANDO A DIVERSIDADE
COMO ATO DE AMOR
Juliana Pádua Silva Medeiros
FFLCH/USP
[email protected]
Resumo: Esta proposta de minicurso, oriunda de projeto acadêmico do
Programa de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da
Universidade de São Paulo, tem como objetivo compartilhar uma
experiência pedagógica que discutiu, com alunos do Ensino Fundamental
II, sobre a construção da identidade do sujeito a partir do contato com o
outro. Para tanto, foram utilizados o livro O gato e o escuro, do escritor
moçambicano Mia Couto, e o filme As aventuras de Azur e Asmar, do
diretor francês Michel Ocelot. Tal apresentação é fruto dos trabalhos
realizados na Oficina Literária, na Fundação Credirama Viva, em Iturama –
MG, na qual se reproduziu, em forma de quadros, em papelão, grandes
clássicos da pintura, entrelaçados com versos e revistos sob a ótica de
felinos. Para esse feito, os seguintes autores serviram de fundamentação
teórica Abdala Júnior (2003), Taylor (1994), Santaella (2008), Aumont
(1993) e Costa (2005).
Palavras-chave:
Identidade.
Alteridade.
Negritude.
Diálogos
Intersemióticos.
O DIABO NA LITERATURA INFANTIL
Salma Ferraz
UFSC
[email protected]
Resumo: O presente mini-curso analisa a presença do Diabo como
protagonista em contos clássicos da literatura universal dedicada às
crianças e adolescentes, dentre eles: Os três cabelos de Ouro do Diabo
(Irmãos Grimm); O Moinho do Diabo (H. C. Andersen); Carvões para a
lareira do Diabo (conto irlandês); A criança vendida para o Diabo (conto
francês), O Arquidiabo Belfegor (1518), de Niccoló Machiavelli; O Diabo
no Campanário (1839), de Edgar Allan Poe e Cartas de um Diabo a Seu
Aprendiz (1942), de C. S. Lewis. A fundamentação teórica baseia-se nos
estudos comparativos entre Literatura e Teologia.
Palavras-Chave: Literatura Infantil. Teologia. Contos. Diabo.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A GRAMÁTICA DA FANTASIA: HIBRIDISMO,
ESTRANHAMENTO E CRIATIVIDADE
Daniela Bunn
UFSC
[email protected]
Resumo: Este minicurso tem como objetivo apresentar a obra, publicada no
Brasil, do escritor italiano Gianni Rodari. Rodari, que segundo a crítica
italiana renovou a literatura para crianças em seu país, foi professor,
jornalista, escritor e estudioso de pedagogia. No Brasil, é mais (ou
somente) conhecido pelo livro Gramática da Fantasia (1982), no qual
apresenta mais de quarenta propostas que estimulam a criatividade e a
imaginação da criança dentro e fora escola. O livro é um aparato
interessante para alunos de Pedagogia e Letras e aborda conceitos e
técnicas como: o erro criativo, o binômio fantástico, a noção de
estranhamento, salada de fábulas, fábulas ao contrário, nonsense,
surrealismo dentre outros. Além destas noções, o minicurso visa apresentar
e discutir os livros em português, traduzidos principalmente a partir de
2001. Histórias como a de um excêntrico barão em Era duas vezes o Barão
Lamberto; as histórias que um caixeiro viajante contava todas as noites para
sua filha, por telefone, em Fábulas por telefone; a opção de escolher um
entre os três finais em Histórias para brincar; a passagem da personagem
Alice por diferentes contos em Alice viaja nas histórias; o desejo de crescer
em Os anões de Mântua; as incertezas e as múltiplas facetas em Quem sou
eu? E Um e 7 e a tentativa de um avô de enrolar sua netinha contando uma
história pela metade enquanto lia seu jornal em Uma história atrapalhada.
Palavras-chave: Invenção. Criatividade. Literatura. Hibridismo.
Estranhamento.
LITERATURA ORAL AFRICANA: HISTÓRIA E HISTÓRIAS.
Bel Gomes
UFSC
Resumo: Contar é muito mais que espalhar palavras ao vento, é permitir
que o tempo pare e invada nosso pulsar. É lembrar que o desenrolar da vida
acontece na condição de testemunha ocular e o contador de histórias
prossegue, num caminho sem volta, disposto a deixar que a história escolha
como e por quem quer ser contada. E as raízes desse contar está na
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
literatura oral africana, cuja cultura valoriza o ouvir e a memória. O
objetivo deste minicurso é transitar pela história da literatura oral africana,
pelo Brasil africano e por suas infinitas histórias. Visitar a musicalidade
desse contar, perceber em que medida a contação acontece nos espaços
educativos e visualizar as diferentes linguagens na educação. Refletir
acerca dos elementos narrativos (voz e corpo) e do papel do contador de
histórias.
OFICINA BRINCANDO COM HISTÓRIAS: COMO CONTAR
PARA CRIANÇAS PEQUENAS
Felícia de Oliveira Fleck
UFSC
[email protected]
Resumo: Desde sempre o homem contou histórias, deu vazão à sua
intrínseca necessidade de comunicação, traduzindo por meio de palavras os
acontecimentos cotidianos, as memórias transmitidas por seus ancestrais, as
dúvidas, angústias, alegrias e prazeres de sua existência. Em tempos
passados era ao redor de uma fogueira que as pessoas se reuniam para
escutar os mais velhos narrarem suas aventuras, lembranças e
ensinamentos. Hoje, as histórias continuam tendo a importante função de
nos conduzir para o mundo do imaginário, vivenciando um efeito catártico,
externalizando sentimentos e ainda conhecendo a si mesmo e aos outros. É
a partir da construção imaginária que compreendemos as histórias dos
lugares e épocas que não vivenciamos. As imagens dessa construção
imaginativa na história, estimulam imagens internas que dão forma e
sentido às experiências de uma pessoa no mundo. A escola apresenta-se
como espaço propício à inserção da criança ao universo literário,
enfatizando ainda o aspecto lúdico e estético das histórias contadas. Tendo
isso em vista, a oficina pretende sensibilizar os educadores a incorporar a
prática de contar histórias no cotidiano da educação infantil; apresentar
critérios para a escolha de histórias; resgatar memórias pessoais; além de
propiciar o contato com a literatura, estabelecendo implicações afetivas
entre livro e leitor.
Palavras-chave: Contação de histórias. Brincadeira. Educação infantil.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
QUEM CANTA, ENCANTA: A POÉTICA DA CANÇÃO POPULAR
BRASILEIRA COMO UMA PRÁTICA CRIATIVA NO ENSINO DE
JOVENS E CRIANÇAS
André Rocha Leite Haudenschild
UFSC
[email protected]
Resumo: O minicurso visa fomentar a prática poética da Canção Popular
Brasileira, objetivando a seleção e construção de um repertório
literomusical no cotidiano escolar e acadêmico. Assim como, fornecer
subsídios didáticos para a criação coletiva da canção popular, como uma
proposta transdisciplinar de protagonismo e cidadania cultural no ensino de
crianças e jovens.
O TRABALHO COM A LEITURA POR MEIO DE PROJETOS
Clésia da Silva Mendes Zapelini
Dehon/UNISUL
[email protected]
Rosandra Schlickmann Sachetti Hübbe
Dehon/UNISUL
[email protected]
Resumo: A proposta de minicurso procura socializar a metodologia doo
trabalho realizado com os alunos da educação infantil e séries iniciais do
ensino fundamental do colégio Dehon, Unisul, Tubarão (SC) por meio do
projeto “Lendo e aprendendo com a natureza”. Este projeto objetiva
desenvolver a percepção dos alunos para as leituras que podem ser
realizadas na natureza. Dessa forma, enfocamos a leitura como atividade
primordial para perceber o mundo e interagir com ele. Durante o
desenvolvimento desse projeto – ao possibilitar experiências em que as
crianças vivenciem a arte de olhar, de tocar, de sentir e ler a natureza –
percebemos em nossos alunos, além de um olhar mais reflexivo, um
interesse maior pela leitura e pela criação de suas próprias narrativas.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
TEXTOS COMPLETOS DE COMUNICAÇÕES
ORAIS
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
DA TERRA DAS SOMBRAS À TERRA DOS SONHOS: O
SAGRADO EM O BEIJO DA PALAVRINHA DE MIA COUTO
1
Cristiano Camilo Lopes
FFLCH/USP
[email protected]
O período atual é marcado por vários fatores que o caracterizam
como uma época de “busca”, iniciada desde a modernidade. A partir desse
marco, a ciência se apresentou com vislumbres de esperança em promessas
não mais embasadas no sagrado, como ocorreu até o século XVI: “[...] os
teólogos e filósofos compartilhavam do pressuposto de que Deus é a base
fundamental do conhecimento verdadeiro. Por isso, conhecer a Deus
significava conhecer a própria verdade”. 2
Instaurou-se, portanto, um período de mudanças de visão, de
tendências e de atitudes que foram bem expostas pelo físico Fritjof Capra
em sua obra O Ponto de Mutação. 3 Na obra em questão, o autor justifica
que as transformações ocorridas na modernidade têm sua base no contraste
entre a visão mecanicista e fragmentária de Descartes e Newton com as
teorias da relatividade e da física quântica:
[...] são facetas diferentes de uma só crise, que é, essencialmente uma
crise de percepção [...] ela deriva do fato de estarmos tentando aplicar os
conceitos de uma visão de mundo obsoleta – a visão de mundo
mecanicista da ciência cartesiana-newtoniana a uma realidade que já não
pode ser entendida em função desses conceitos. Vivemos hoje num
mundo globalmente interligado, no qual os fenômenos biológicos,
psicológicos, sociais e ambientais são todos interdependentes. 4
Além disso, a tecnociência passou a responder pelo avanço dos
meios de comunicação de massa, da informática, da eletrônica, que fazem
da pós-modernidade uma época de consumo. Assim, predomina em nossa
1
Doutorando em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa.
MADUREIRA, Jonas. Filosofia São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 107.
3
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Trad.
Álvaro Cabral. 26. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
4
CAPRA, Fritjof, op. cit., p. 14.
2
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
cultura o veloz, o efêmero, o descartável, o instável, o “novo”. Todos esses
elementos fazem do homem moderno um ser “a imagem e semelhança dos
produtos que consome”. 5
Dessa forma, nossa proposta é apresentar o sagrado como um
elemento que proporciona ao homem um olhar interno e, ao mesmo tempo,
transcendental. A partir desse olhar, o ser humano torna-se hábil para
dialogar com as propostas contemporâneas sem perder de vista o essencial
para sua vivência.
O Retorno do Sagrado
Com seu apelo à luz da razão e do avanço do progresso técnicocientífico, a modernidade afastou o homem da possibilidade de apegar-se
ao sagrado. Contudo, a história da filosofia nos mostra que a própria razão
moderna entrou em crise, pois não conseguiu responder às questões
humanas. Com isso, o homem tem se mostrado como um ser à procura de
sentido, valor e esperança, elementos que orientem sua existência. Nesse
caso, a razão parece não proporcionar tais elementos no interior do homem.
Assim, julgamos necessário refletir sobre o eterno retorno do
sagrado a fim de podermos identificar sua presença na pós-modernidade.
Entendemos por eterno retorno o ciclo do mito reatualizado através
do rito, para que ocorra a renovação do mundo. Nessa perspectiva, cada
mudança temporal ou fim de determinados momentos com suas crenças
não deve representar a incerteza, pelo contrário, deve apontar para a
“certeza de um novo começo”, marca do eterno retorno. Em outras
palavras, é a escatologia apontando para a cosmogonia. 6
Por meio do eterno retorno, podemos delinear que há uma certa
“mobilidade” do sagrado, ou seja, ainda que seja periodicamente deixado,
ele se configura na vida atual:
5
QUEIROZ, José J. Deus e crenças religiosas no discurso filosófico pós-moderno:
linguagem e religião. In: REVER, São Paulo, v. 2, 2006. Disponível em:
http://www.pucsp.br/rever/rv2_2006/t_queiroz.htm. Acesso em: 05 mar. 2009.
6
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. Trad. Pola Civelli. 6. ed. São Paulo: Perspectiva,
2007, p. 72.
82
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A mobilidade da origem do Mundo traduz a esperança do homem de que
seu Mundo estará sempre lá, mesmo que seja periodicamente destruído
no sentido estrito do termo. Solução ou desespero? Não, pois a idéia de
destruição do Mundo não é, no fundo, uma idéia pessimista. Por sua
própria duração, o Mundo degenera e se consome; eis por que deve ser
simbolicamente recriado todos os anos. 7
Gianni Vattimo, quando afirma que a presença do sagrado em
nossa época não é um fato que ocorre acidentalmente, sugere que o retorno
do sagrado é impulsionado por elementos como o pavor frente ao perigo
nuclear, às ameaças no campo ecológico, à manipulação genética. 8 Tudo
isso gera, assim, o medo da perda do sentido de existência e o tédio que
acompanha o consumismo.
Ressaltamos que a pós-modernidade não exclui a razão, contudo
requer algo mais. Nesse sentido, o sagrado se apresenta como resposta para
o indivíduo. Imposta com uma nova configuração, denominada sagrado
selvagem.
O Sagrado Selvagem
A presença do sagrado em nossos dias se manifesta de forma mais
espontânea. Por isso, esse elemento assume um caráter inovador, com uma
nova configuração, denominada, pelo sociólogo francês Roger Bastide9,
sagrado selvagem: “[...] esse sagrado que vemos novamente surgindo na
cultura e na sociedade de hoje quer-se um sagrado selvagem”. Trata-se do
sagrado com formas espontâneas, livres da institucionalização: “[...] situase no domínio do imaginário, não no da memória -, mas para, ainda assim,
deles extrair tudo aquilo que poderíamos chamar de pedagogia da
selvageria”.
O sagrado possui uma forma privatizada uma vez que se apresenta
entregue às vivências individuais do homem. Nele:
7
ELIADE, Mircea, op. cit., p. 72.
DERRIDA, Jacques; VATTIMO, Gianni (Orgs.) A Religião. Trad. Tadeu Mazzola Verza,
São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
9
BASTIDE, Roger. O Sagrado Selvagem e outros ensaios. Trad. Dorothée de Bruchard.
São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 251.
8
83
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
o sistema ideacional de valores é profundamente diferente. Sustenta que
a verdadeira realidade se situa além do mundo material [...] e que o
conhecimento pode ser obtido através da experiência interior. Subscreve
valores éticos absolutos e padrões sobre-humanos de justiça, verdade e
beleza. 10
Essa privatização da experiência humana remete a outro aspecto do
sagrado selvagem: a alteridade do sagrado. Essa alteridade:
[...] é o dom humano que faz a pessoa se lançar em busca do
“plenamente outro” e catalisa suas disposições referentes ao sagrado.
Corresponde à sensibilidade de intuir o mistério da existência e de
procurar respostas aos questionamentos sobre seu sentido. Ainda que
possa não se manifestar em todas as pessoas, é a capacidade
essencialmente humana de apreender a dimensão sagrada do mundo. 11
De acordo com Bastide, a busca pelo outro é impulsionada pela
passagem de uma sociedade orgânica a uma sociedade anômica. Essa
transformação se deu mediante o enfraquecimento do controle da sociedade
global em decorrência das mutações sofridas pelas: “infra-estruturas dessa
sociedade rural e pré-industrial para uma sociedade urbana e
industrializada”. 12
Esse estado de anomia da sociedade trouxe consequências na
vivência interior do homem, como a solidão, que, por conseguinte, fez que
a busca pela alteridade se tornasse mais intensa: “[...] uma ‘alteridade’ nova
capaz de desalterar uma sede que ele não consegue extinguir [...]”. 13
Dessa forma, o sagrado selvagem se manifesta, também, como
abertura do homem para os outros e promove a identificação entre os
homens por meio das atividades da ação comunicativa apoiadas pelo
pensar, querer e julgar do espírito. 14 Nesse sentido, o homem passa a
considerar o valor do próximo assumindo:
10
CAPRA, Fritjof, op. cit., p. 29.
TESCAROLO, Ricardo. A Escola como Sistema Complexo; a ação, o poder e o sagrado
São Paulo: Escrituras, 2005, p. 151.
12
BASTIDE, Roger, op. cit., p. 260.
13
Idem, Ibidem, p. 268.
14
TESCAROLO, Ricardo, op. cit., p. 158.
11
84
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
[...] sentimento de respeito, ‘um papel muito importante na experiência
ética dos valores e, de modo especial, na experiência ética dos valores e,
de modo especial, na experiência religiosa da pessoa, área em que a
realidade antropológica do mistério humano é convocada em toda sua
profundidade. 15
Portanto, ressaltamos que o sagrado tem como marca a experiência
interior e, nesse aspecto, a sua presença na literatura serve de grande
contribuição para o diálogo com as marcas instauradas na modernidade
bem como em suas propostas atuais. Essa contribuição do sagrado se
expressa no respeito, como “cuidado”, “atenção”, “preocupação”, “estima”,
“admiração”, “preocupação com o outro”, e “consideração” e “valorização
do outro”.
Reforçamos, ainda, que o sagrado faz que as resistências entre o
homem, o mundo e os diferentes níveis de realidade e de percepção sejam
superadas, pois ele se apresenta como “um vínculo orgânico universal que
conecta em rede dinâmica essa pessoa e esse mundo com a perene certeza
da existência de um terceiro que transcende sempre essa relação, mas que a
integra e justifica o mistério humano, constituindo o sagrado”. 16
O beijo da palavrinha17, publicado em 2006, é o segundo livro
destinado a crianças e jovens do autor moçambicano Mia Couto. A obra faz
parte da coleção Mama África, publicada pela Língua Geral Livros, com o
objetivo de trazer a recriação dos contos tradicionais africanos.
Nela, parte do patrimônio africano é retomado, fornecendo ao leitor
o trânsito temporal: a concepção da tradição oral na modernidade. Não se
trata de pólos opostos (tradição e modernidade), mas de uma sociedade que
se circunscreve fundamentalmente tradicional e fundamentalmente
moderna.
O livro aborda questões existenciais de uma forma sensível e
contribui para a formação integral de seus leitores. Para isso, a obra
apresenta um enredo conciso, simples e claro. As personagens se
apresentam com nomes próprios que remetem a um significado – Maria
15
Idem, Ibidem, p. 158.
TESCAROLO, Ricardo, op. cit., p. 158.
17
COUTO, Mia. O beijo da palavrinha Rio de Janeiro: Língua Geral, 2006. Nossa
indicação dos números de páginas serve de orientação ao leitor, pois, o livro não apresenta
numeração de páginas em sua publicação.
16
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Poeirinha, Zeca Zonzo e Jaime Litorânio. Além disso, o segundo nome das
personagens indica a trajetória de cada um ao longo da narrativa.
O beijo da palavrinha retrata a saga existencial da personagem
principal Maria Poeirinha, uma menina que vivia em uma aldeia no interior
e em condições de pobreza: “[...] viviam numa aldeia tão interior que
acreditavam que o rio que ali passava não tinha nem fim nem foz”. 18
Essa vida no interior da aldeia é caracterizada pela miséria, pela
pobreza, pela fome, pela seca e, principalmente, pela ausência do mar. É
digno de nota que Mia Couto ressalta o termo tão interior (grifo nosso),
sugerindo uma descrição não apenas das condições geográficas e sociais da
aldeia. Ao empregar o advérbio tão, o autor remete para o interior de Maria
Poeirinha. Sua alma, seu espaço interior, seu íntimo, marcados pela
ausência: “Era uma vez uma menina que nunca vira o mar [...]”. 19
Quando Maria Poeirinha se lembrava do espaço em que vivia,
percebia a discrepância do seu contexto em relação à realidade das águas:
“Na miséria em que viviam, nada destoava. Até Poeirinha tinha sonhos
pequenos [...] mas depressa ela saía do sonho pois seus pés descalços
escaldavam na areia quente. E o rio secava, engolido pelo chão”. 20
Maria Poeirinha tinha um irmão chamado Zeca Zonzo que, como o
segundo nome sugere, vivia sempre à mercê da fantasia e da imaginação:
“[...] era desprovido de juízo. Cabeça sempre no ar, as idéias lhe voavam
como balões em final de festa”. 21 Embora vivendo nas mesmas condições
precárias da aldeia interiorana, Zeca Zonzo não se deixou marcar por essas
condições e instigava a irmã a viver por meio dos sonhos, da fantasia e da
imaginação.
Maria Poeirinha, às vezes, sonhava com a água, pensava que nela
viveria outra realidade, bem diferente da sua vida interiorana: “Às vezes
sonhava que ela se convertia em rio e seguia com passo lento, como a
princesa de um distante livro, arrastando um manto feito de remoinhos,
remendos e retalhos.”22 Trata-se da oscilação entre sombra e sonho, entre
espaço profano e espaço sagrado.
18
COUTO, MIA. O beijo da palavrinha. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2006, p. 3.
Idem, Ibidem, p. 3
20
COUTO, Mia, op. cit., p. 7.
21
Idem, Ibidem, p. 4.
22
Idem, Ibidem, p. 7.
19
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Contudo, para que essa transição aconteça, é necessário um
‘portal’23, um elemento que sirva de passagem entre os dois mundos. Dessa
forma, a obra apresenta uma terceira personagem: o tio Jaime Litorânio.
Como seu segundo nome sugere, ele ressalta a necessidade da água para a
vida. No contexto africano, a figura do ancião representa a tradição. Ele é o
responsável pelas rodas e reuniões com o propósito de perpetuar a
sabedoria. Assim, o tio Jaime Litorânio enfatiza a necessidade de se
conhecer o mar: “[...] o tio Jaime Litorânio que achou grave que os seus
familiares nunca tivessem conhecido os azuis do mar. Que a ele o mar lhe
havia aberto a porta para o infinito”. 24
O mar simboliza a dinâmica da vida, representa o sagrado. É o
lugar do mergulho de salvação por meio de morte simbólica: “[...] centro de
vida, meio de purificação, centro de regenerescência [...] infinidade dos
possíveis [...] fonte de todas as coisas, manifesta o transcendente e deve ser,
em conseqüência, considerada como uma hierofania [...]”. 25 O tio acentua a
necessidade dessa imersão de uma forma singular: “[...] Quem nunca viu o
mar não sabe o que é chorar! [...]”. 26
Maria Poeirinha adoece e passa a esmorecer sem o mar. Dessa
maneira, tio Jaime Litorânio propõe uma ‘viagem salvadora’ até o litoral,
pois acreditava que sua doença era oriunda da falta de contato com o mar.
Porém, o físico da menina não aguentaria o desgaste da viagem.
Coube ao irmão Zeca Zonzo proporcionar a viagem salvadora para
a menina enferma. Ele escreve a palavra mar em uma folha em branco e, ao
passar a ponta dos dedos de Maria Poeirinha sobre as letras, levou a
menina, pela imaginação, ao mar.
E assim letra a letra, o irmão levou a irmã a descobrir: “― É um
‘m’. E sorriram os dois [...] ― É isso, manito. Essa letra é feita por ondas.
Eu já as vi no rio”. 27
23
O portal simboliza a passagem e assume um caráter dinâmico, pois convida a personagem
para o acesso ao outro mundo. Trata-se de um elemento que, comumente, marca o transporte
da realidade profana para a realidade sagrada.
24
COUTO, Mia, op. cit., p. 8-9.
25
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Trad. Vera da
Costa e Silva, Raul de Sá Barbosa, Angela Melim, Lúcia Melim. 21. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2007, p. 15ss.
26
COUTO, Mia, op. cit., p. 11.
27
Idem, Ibidem, p. 20.
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Logo em seguida, Maria Poeirinha toca a letra a: “― Essa a seguir
é um ‘a’. É uma ave, uma gaivota pousada nela própria, enrodilhada
perante a brisa fria”. 28 A gaivota é símbolo de luz, que rompe com a noite
escura e inicia um novo amanhecer. Era o contato com o sagrado no espaço
trazendo luz e rompendo com o profano: “[...] a gaivota é proprietária da
luz do dia [...]”. 29
Por fim, vem a letra r: “― É uma letra tirada da pedra. É o ‘r’ da
rocha.”. 30 Pedra indica que o divino desceu para manifestar-se entre os
homens: “[...] a pedra apresenta o movimento de subida e descida [...] ela
desce do céu; transmutada, ela se ergue em sua direção [...] símbolo de
liberdade [...]”. 31
Dessa forma:
[...] as curvas das vagas oceânicas através dos contornos do m; o vôo da
liberdade criadora, por intermédio da letrinha a, ave voando por entre a
cosmicidade das palavras; a dureza das rochas, símbolo da resistência e
da insaciabilidade dos desejos humanos por meio do r, cujas arestas
arranharam-lhe a sensibilidade e acenderam-lhe a força ígnea da
linguagem. 32
Maria Poeirinha fora beijada pelo mar: “[...] ― Eis a mana
Poeirinha que foi beijada pelo mar.” 33 Nessa viagem, a personagem
transcende nos espaços, pelo portal da imaginação, adentrando no espaço
sagrado. De acordo com Carmen Lucia Tindó Secco, a alegoria do beijo
remete a um sentido espiritual que, em nosso trabalho, pode ser chamado
de sagrado: “Da boca sai o beijo, assim como dela também se desprende o
sopro vital que se transforma no verbo criador, no barro da palavra”. 34
O nome Poeirinha sugere origem e fim. O homem, diz a Bíblia,
veio do pó e para o pó voltará – “poeira cósmica”. 35 Dessa forma, o nome
Poeirinha abarca a idéia de soltura, saída, prontidão para a ida, rumo ao
28
Idem, Ibidem, p. 20.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain, op. cit., p. 456.
30
COUTO, Mia, op. cit., p. 21.
31
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. op. cit., p. 656.
32
SECCO, Carmen Lucia Tindó (Org.). Ensaio Sobre Literatura Infantil de Angola e
Moçambique: entre Fábulas e Alegorias. Rio de Janeiro: Quartet, 2007, p. 175.
33
COUTO, Mia, op. cit., p. 26.
34
SECCO, Carmen Lucia Tindó (Org.), op. cit., p. 175.
35
Idem, Ibidem, p. 175.
29
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
novo: “[...] poeira é símbolo de força criadora [...] simboliza o abandono
total do passado, uma ruptura completa, uma negação de tudo o que
representava essa poeira: pátria, família, amizade, etc.” 36
Temos, então, o espaço sagrado: o mar. Maria Poeirinha foi
envolvida num beijo e, arrastada pelo mar, deixou para trás a doença e a
miséria: “[...] para renascer como poeira cósmica, origem-explosão do
Cosmos, matriz permanente da imaginação criadora.” 37 Saiu do território
profano para o centro do mundo no espaço sagrado. Foi o contato com o
assombroso e o misterioso que promoveu a transformação: “Poeirinha que
foi beijada pelo mar. E se afogou numa palavrinha”. 38
O sagrado, portanto, à luz da análise, pode ser considerado como
elemento essencial e norteador na formação do ser. Através da cosmogonia
e do mito do eterno retorno, o espaço sagrado evidencia uma nova
experiência no interior do homem, instaurando, assim, a mudança do caos
ao cosmos. Nesse sentido, estar no espaço sagrado é estar em contato com o
transcendente e com a própria identidade, pois nele o homem sente-se
seguro por ter sua identidade resgatada, sendo desafiado a se aventurar no
conhecimento de si e do mundo.
Nessa perspectiva, a Literatura para Crianças e Jovens se apresenta
como um elo perfeito entre o sagrado e o homem, proporcionando a
experiência com a realidade e permitindo que a criança a decodifique a seu
modo. O leitor, portanto, é formado para a vida trazendo a vida real para a
vida interior.
Referências bibliográficas
BASTIDE, Roger. O Sagrado Selvagem e outros ensaios.Trad. Dorothée de Bruchard. São
Paulo: Companhia das Letras, 2006.
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Trad.
Álvaro Cabral. 26. ed., São Paulo: Cultrix, 2006.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Trad. Vera da Costa e
Silva, Raul de Sá Barbosa, Angela Melim, Lúcia Melim. 21. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2007.
36
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain, op. cit., p. 727.
Idem, Ibidem, p. 175.
38
COUTO, Mia, op. cit., p. 24.
37
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
COUTO, Mia. O beijo da palavrinha. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2006.
DERRIDA, Jacques; VATTIMO, Gianni, (Orgs.). A religião. Trad. Tadeu Mazzola Verza,
São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. Trad. Pola Civelli. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.
MADUREIRA, Jonas. Filosofia. São Paulo: Vida Nova, 2008.
QUEIROZ, José J. Deus e crenças religiosas no discurso filosófico pós-moderno; linguagem
e religião. REVER, São Paulo, 2006.
SECCO, Carmen Lucia Tindó (Org.). Ensaio sobre literatura infantil de Angola e
Moçambique: entre fábulas e alegorias Rio de Janeiro: Quartet, 2007.
TESCAROLO, Ricardo. A escola como sistema complexo: a ação, o poder e o sagrado. São
Paulo: Escrituras, 2005.
90
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
QUAL A IMPORTÂNCIA DE LER OS CLÁSSICOS DESDE CEDO?
Gizelle Kaminski Corso
UFSC
[email protected]
Em seu texto “Por que ler os clássicos” (2001), Italo Calvino
apresenta quatorze propostas que pretendem justificar a importância da
leitura desses livros. Calvino adverte que o uso do termo “clássico” em seu
texto não faz distinção de antiguidade, autoridade e/ou estilo, mas se refere
a obras, tanto modernas quanto antigas, que já apresentam ter um lugar
próprio no âmbito cultural. Para ele, os clássicos são livros que, quando
relidos, sempre dão a sensação de que estão sendo lidos pela primeira vez.
As definições de Calvino podem convencer, inclusive, os leitores
mais desavisados, por compreender como clássicos os livros que sempre
têm algo a dizer e que persistem como rumor mesmo onde predomina a
atualidade mais incompatível. A famosa frase de que “ler os clássicos é
melhor do que não ler os clássicos” (Calvino, 2001, p. 16) torna evidente
que a leitura das obras clássicas é bem-vinda em qualquer circunstância.
Em primeiro lugar é necessário que o leitor tenha em mente
esclarecido o conceito de clássico. O que significam as obras clássicas?
Para responder a essa pergunta, eu poderia trazer uma avalanche de
escritores e teóricos que perfeitamente definem tal palavra, mas o cerne da
questão é: o que é o clássico para o leitor? Para muitos leitores jovens,
alunos do Ensino Fundamental, os clássicos são aqueles livros grossos,
antigos, de folhas amareladas, que cheiram a mofo e poeira, e que foram
escritos há muitos séculos. A título de ilustração, nessa classificação,
seriam incluídos Os Lusíadas, Ilíada, Odisséia, Hamlet. Para os alunos do
Ensino Médio, clássicos são os livros difíceis de compreender; não são
necessariamente grossos, mas são obras velhas, e no seu conceito já entram
os romances da literatura brasileira do Século XIX.
Para esses leitores, a Literatura do Século XX distancia-se da
possibilidade de ser considerada clássica, o que significa dizer que o
conceito de clássico ainda é visto ao lado de velho e antigo, e não de perene
e duradouro.
Como, em um mundo tão coberto pela tecnologia, facilidades e
praticidades, despertar o desejo e o gosto pela leitura dos clássicos desde
cedo? De fato, não é nada fácil colocar os livros e a leitura em competição
91
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
com imagens e todo o tipo de telas. Para tanto, é preciso que não se veja a
tecnologia como uma inimiga voraz, e sim como uma aliada nesse
percurso; uma espécie de ferramenta que pode vir a ser usada em sala de
aula. Mas voltemos aos clássicos. Por que os leitores jovens deveriam
entrar em contato com as obras clássicas? Qual a importância de ler os
clássicos desde cedo? E o que fazer para que o leitor tenha prazer ao
mergulhar nessas leituras?
O processo do desenvolvimento da leitura é basicamente gerado na
escola, no entanto, é dentro de casa que se deve despertar o hábito e o
interesse. Embora uma criança não seja alfabetizada, ela pode estabelecer
um primeiro contato por meio da oralidade, ou seja, através da atividade de
contar/ouvir histórias.
A criança também tem contato – passa a fazer suas próprias leituras
e ter conhecimento de histórias – por meio da televisão, computador,
gravuras, e principalmente, pelos livros de histórias, recheados de
ilustrações de heróis, personagens engraçados e inteligentes, espertos,
tímidos e até mesmo por aquelas criaturas “mal-intencionadas”, as quais
surgem no enredo apenas para ratificar a soberania do personagem do bem.
O gosto pela leitura se desenvolve em virtude de como é vista no
ambiente familiar. Para que uma criança crie o hábito da leitura é relevante
que os pais também “cultivem” este costume, pois sabemos que as crianças
espelham-se nos exemplos dos adultos. Se o adulto não lê, por que a
criança tem a obrigação de fazer isso?
A leitura (e, conseqüentemente a literatura) não deve aparecer
como uma obrigação, um martírio, um fardo pesado, e sim como um
direito, uma fonte inesgotável de conhecimento, deleite, prazer.
Para caracterizar um dos aspectos levantados, o do direito à leitura,
e à literatura, trago um trecho de Antonio Candido em Palestra,
posteriormente publicada em livro, proferida em curso organizado pela
Comissão de Justiça e da Paz da Arquidiocese de São Paulo em 1988,
intitulada “O direito à literatura”. Ligada à complexidade da sua natureza, a
função da literatura possui três faces segundo Candido (2005): 1ª)
construção de objetos autônomos como estrutura e significado, 2ª) forma de
expressão e 3ª) forma de conhecimento. Compreende também que a
literatura é necessária como manifestação universal de todos os homens em
todos os tempos e, acrescenta que, “não há povo e não há homem que possa
viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma
espécie de fabulação” (Candido, 2005, p. 242).
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
É por meio da fabulação que o ser humano desperta sensibilidades
e desenvolve o seu imaginário. Nesse sentido, as obras literárias devem ser
degustadas em sua mais intensa forma, pois fazem parte de um patrimônio
cultural acumulado, o qual temos o direito de conhecer. Segundo a escritora
Ana Maria Machado (2001, p. 142), “A tradição clássica está
desaparecendo a uma velocidade galopante – e todos nós vamos nos
empobrecendo com isso”.
Além disso, diante das praticidades do mundo moderno, muitos
leitores estão se acomodando: Por que gastar um tempo enorme lendo um
clássico, se a internet pode trazer instantaneamente o resumo da obra em
uma página? Para que ler um livro “chato”, se a televisão pode
proporcionar som e imagem, e contar histórias aparentemente “mais
interessantes?” Infelizmente, falta-nos a cultura do clássico.
Está se apagando o tempo em que existiu um repertório clássico
comum que permitia esse entendimento cúmplice. Se os clássicos forem
definitivamente abandonados, esquecidos, deixados de serem conhecidos
e/ou democratizados, eles têm a possibilidade de, simplesmente,
permanecerem intactos, distantes e empoeirados em estantes e prateleiras.
Há dificuldades para se despertar o hábito da leitura em uma
criança, no entanto, mais complicado ainda, é intentar desenvolvê-lo em um
adulto que, em sua infância, não teve contato com livros. Então, como
implorar para que uma criança leia um clássico, se seus genitores nunca
tiveram conhecimento destas obras? Não podemos obrigar um pequenino a
ler uma obra tão complexa, repleta de regências e vocábulos em desuso e,
inclusive, extensa, como são os clássicos em suas versões originais, mas há
formas de fazer com que o leitor jovem estabeleça os primeiros contatos
com esses textos.
Eis que atribuo à escola o compromisso de não apenas despertar o
gosto pela leitura, mas tornar os clássicos lidos e conhecidos a seu modo e a
seu tempo.
Se o leitor travar conhecimento com um bom número de narrativas
clássicas desde pequeno, esses eventuais encontros com nossos mestres
da língua portuguesa terão boas probabilidades de vir a acontecer quase
naturalmente depois, no final da adolescência. E podem ser grandemente
ajudados na escola, por um bom professor que traga para sua classe
trechos escolhidos de algumas de suas leituras clássicas preferidas, das
quais seja capaz de falar com entusiasmo e paixão (MACHADO, 2002,
p. 14).
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Ana Maria Machado, no trecho acima, dá uma dica de como trazer
os clássicos para a sala de aula: por meio de trechos selecionados pelo
professor. Além do trecho escolhido, é importante que o professor
demonstre paixão, entusiasmo, e repasse isso para seus alunos, como bem
salienta a escritora.
Os trechos de obras clássicas podem ser uma boa opção, mas há
outros caminhos que podem ser percorridos para aproximar os leitores
jovens dos textos clássicos: as adaptações, vulgarmente conhecidas por
condensação, enxugamento, facilitação.
As adaptações também atualizam um texto clássico não apenas por
apresentar um vocabulário mais compreensível, ilustrações e proporcionar
uma leitura mais acessível, mas por tornar “públicos” escritores não mais
tão reverenciados.
Como o contato das crianças com os contos populares hoje em dia se faz
basicamente pelos desenhos animados e toda a parafernália Disney deles
derivadas, as histórias que não foram adaptadas por esse canal ficam em
segundo plano (MACHADO, 2001, p. 143).
O que fica claro nas palavras de Ana Maria Machado é que as
crianças geralmente conhecem os clássicos em adaptações e animações dos
estúdios Walt Disney e que, portanto, os livros nunca vêm como fonte
primeira. Outro ponto é que a maioria dos leitores brasileiros, do ensino
fundamental e médio, tem contato com obras clássicas por meio de
adaptações e, desde 1998, contam com adaptações de romances brasileiros,
especialmente dos séculos XIX e XX. A idéia de se adaptar textos
brasileiros, como é o caso de alguns dos romances de José de Alencar,
Machado de Assis, Manuel Antonio de Almeida e tantos outros, é uma
prática que pode ser vista de forma exagerada, pois os leitores preferem o
texto adaptado e dispensam o original, escrito em sua língua materna, por
ser uma leitura facilitada e o texto ser reduzido. Nesse sentido, o texto
original, aquele escrito por Machado de Assis, Alencar, é substituído pela
adaptação do romance brasileiro. Não se nega a eficiência dessas
adaptações, mas o século XIX e XX não está muito distante da realidade
dos estudantes juvenis brasileiros para que se viabilize a preferência pela
adaptação.
Além disso, sabendo-se da existência de diversas adaptações de
romances brasileiros para leitores juvenis brasileiros, essa prática não pode
ser completamente descartada. Adaptações de romances brasileiros devem
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
ser feitas quando direcionadas para leitores estrangeiros. Nesse sentido,
justifica-se um texto condensado de uma obra do Romantismo ou Realismo
para um leitor cuja língua materna não é a portuguesa tenha alguma forma
de acesso a essas obras e, talvez, futuramente, efetue a leitura dos originais.
A adaptação nunca substitui o original, mas serve como introdução,
funciona como um atalho para se chegar ao texto-fonte. Para que o
processo da adaptação seja satisfatório, é importante partir da releitura da
obra, contextualizando o original, ajustando-se à atividade proposta. O
léxico e a estrutura são os dois elementos que devem preocupar a
construção de uma boa adaptação. Segundo Diógenes Buenos Aires de
Carvalho (2006, p. 379), “o circuito literário é alterado com a figura do
adaptador. Sendo assim, passa do modelo autor – obra – leitor para autor –
obra – adaptador – 2ªobra – leitor.” O adaptador é uma espécie de
“intéprete” para o leitor, e, em sua tarefa de tornar o texto clássico mais
visível, acaba por deixar sua marca sobre o texto com o qual trabalha.
O terceiro ponto de contato desses leitores dá-se via texto integral,
grande maioria por meio de traduções, por os leitores não dominarem a
língua de origem do autor. Dessa forma, os leitores lêem o texto inteiro,
sem cortes de capítulos, supressão de passagens e outras alterações que são
vigentes nas adaptações; recursos que visam a transformar o texto mais
enxuto e a leitura mais agradável. As traduções, por outro lado, também
envolvem seleção e alterações, e não são, segundo Paulo Rónai (1981),
apenas um sistema mecânico de constante substituição de palavras de uma
língua por outra, uma a uma, independente do contexto. O trabalho do
tradutor se torna muito mais uma atividade seletiva e de reflexão do que
propriamente um sistema mecânico.
Embora pareçam ser efetuadas por figuras tão distintas e
dissociadas uma da outra, pode-se perceber que a adaptação e a tradução
são práticas que possuem inúmeros traços em comum. O que pode diferir
uma da outra é a figura do leitor, ou seja, o público a que se destinam. As
traduções propriamente ditas, os textos integrais, voltados para um leitor
maduro (não significa dizer que seja o único), podem ser vistas como um
tipo de adaptação no sentido de o tradutor adequar processos gramaticais,
termos, expressões da língua de partida que não se fazem presentes na
língua de chegada. Por outro lado, as adaptações, em sua grande maioria,
são direcionadas ao público infanto-juvenil e são compreendidas como um
tipo de tradução bem disfarçada, que gera um texto condensado. Além
disso, a adaptação pode ser compreendida como um tipo de tradução
quando pretende conduzir além, transferir, ou seja, traduzir um período
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
cultural presente no texto original para outro diferente daquele vivido pelo
leitor.
Tendo por base essas três formas de entrar em contato com os
clássicos – trechos, adaptações e textos integrais – como transformar essas
leituras em leituras de prazer?
Roland Barthes, em O prazer do texto, publicado na França na
década de 70, elabora uma série de acepções desse diálogo que se cria entre
o leitor e o texto. Se o escritor escreve com prazer, esse prazer é assegurado
ao leitor? Responde Barthes:
De modo algum. Esse leitor é mister que eu o procure (que eu o
“drague”), sem saber onde ele está. Um espaço de fruição fica então
criado. Não é a “pessoa” do outro que me é necessária, é o espaço: a
possibilidade de uma dialética do desejo, de uma imprevisão do desfrute:
que os dados não estejam lançados, que haja um jogo (BARTHES, 2002,
p. 9).
O prazer textual está no aparecimento-desaparecimento; nas
intermitências. Não se trata do prazer do strip-tease corporal ou do
suspense narrativo, pois nesses casos não há margens, e sim revelação
progressiva.
Barthes também diferencia os textos de prazer dos de fruição,
compreendendo os primeiros como “dizíveis”, e os segundos, “indi-zíveis”,
“inter-ditos” e acrescenta que “a crítica versa sempre sobre textos de
prazer, jamais sobre textos de fruição: Flaubert, Proust, Stendhal são
comentados inesgotavelmente” (2002, p. 29). O texto de prazer é aquele
que contenta, enche, dá euforia; vem da cultura e não rompe com ela. Em
contrapartida, o texto de fruição é aquele que põe em estado de perda,
desconforta, faz entrar em crise a relação do leitor com a linguagem.
O prazer, na perspectiva barthesiana, não é um elemento do texto,
muito menos um resíduo, e não depende da lógica do entendimento e da
sensação, mas é uma deriva, algo ao mesmo tempo revolucionário, associal
e individual.
Ao mencionar os diferentes tipos de textos, Barthes evidencia dois
que, na minha opinião, tem muito a ver com o modo de grande parte dos
leitores do ensino médio e fundamental verem as obras clássicas: “textotagarelice” e “texto jaspeado”. Como define Barthes, o “texto-tagarelice” é
assim chamado por ser um texto que entedia, enfara, e o “texto jaspeado”
por o excesso de prazer verbal sufocar a fruição. Se, como afirma para
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Barthes (2002, p. 32), o texto “produz em mim o melhor prazer se consegue
fazer-se ouvir indiretamente; se, lendo-o, sou arrastado a levantar muitas
vezes a cabeça, a ouvir outra coisa”, como despertar isso em um leitor
jovem?
Se afirmarmos que a leitura de um clássico adaptado desde cedo
pode ser um prazer inesgotável, não estamos querendo afastar os leitores
juvenis proibindo-os de efetuar uma leitura no original. É importante deixar
este leitor enfrentar sozinho o “desafio” de ler um clássico no seu original,
mesmo existindo alguns obstáculos e/ou um certo grau de dificuldade nessa
missão. É possível que para ler algumas obras clássicas, em muitos casos,
sejam necessárias tantas notinhas de rodapé que mais da metade da página
pode ficar comprometida e tornar, assim, a leitura uma atividade sofrida e
dolorosa.
Ítalo Calvino, de certa forma, não se entusiasma muito com as
leituras de clássicos desde cedo, e expressa a divergência exercida por um
leitor mais maduro, com uma certa experiência literária, pois
ler pela primeira vez um grande livro na idade madura é um prazer
extraordinário: diferente (mas não se pode dizer maior ou menor) se
comparado a uma leitura da juventude. A juventude comunica ao ato de
ler como a qualquer outra experiência um sabor e uma importância
particulares; ao passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser
apreciados) muitos detalhes, níveis e significados a mais (CALVINO,
2001, p. 10).
Embora Calvino não cite o processo das adaptações, mais indicadas
aos leitores jovens, confirma a complexidade da leitura de um clássico em
seu original numa idade “precoce”, dizendo que
as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela impaciência,
distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência de vida.
Podem ser formativas [...] no sentido de que dão uma forma às
experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de
comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas
de beleza: todas coisas que continuam a valer mesmo que nos
recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude (CALVINO, 2001,
p. 10).
Pelas palavras de Calvino, percebemos que, devido à impaciência,
distração, inexperiência das instruções para o uso, a leitura de clássicos por
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
jovens leitores não provoca o mesmo prazer do que o comparado a uma
leitura madura de um adulto. Seria então necessário ficar adulto para
desfrutar do prazer do texto, especialmente dos clássicos?
Vale ressaltar que o acervo de obras clássicas não compreende
apenas os textos escritos para um leitor mais maduro – a chamada literatura
adulta –, mas também a literatura destinada ao público infanto-juvenil.
Exemplifico: é natural que o leitor não compreenda toda a carga ideológica
e crítica ao sistema político vigente nas obras de Monteiro Lobato, porque
ele/ela estará encantado com as personagens e toda a magia do Sítio de
Dona Benta.
Os clássicos não estão abandonados no meio escolar, pois eles
aparecem também por meio de antologias e listas de obras fundamentais,
proporcionando aos estudantes contato com determinado universo cultural.
Isso significa dizer que a literatura também depende de sua manutenção nos
currículos escolares.
Ana Maria Machado, em sua obra Como e por que ler os clássicos
desde cedo (2002), faz reflexões consistentes da importância da descoberta
da leitura na infância e da presença constante e evidente dos clássicos em
nosso cotidiano. A autora também apresenta a Bíblia como um dos maiores
livros clássicos da comunidade judaico-cristã e chama nossa atenção para a
quantidade e variação de histórias que podemos encontrar nas parábolas e
nas passagens dos Evangelhos.
Daí que uma conversa sobre os clássicos não pode se confundir com
uma lista do que deve ser lido, ou se limitar a uma defesa de por que eles
devem permanecer entre nós. Tudo isso só se completa se dermos
também atenção à maneira de ler. Como ler – essa é uma grande questão
que vamos encontrando a toda hora nesse mergulho pelos livros
essenciais (MACHADO, 2002, p. 98).
Concordo com Ana Maria Machado, quando ela afirma que a
leitura dos clássicos não deve se resumir a listas do que deve e do que não
deve ser lido. O que interessa é a forma como essas obras vêm para os
leitores e para a sala de aula. O “como” ler é algo que se constitui
gradativamente, sem imposições, sem restrições, aliado à curiosidade, que
deve ser instigada a todo instante e de inúmeras formas possíveis, seja por
meio de personagens, ilustrações, trechos, autores e obras. O texto se faz,
nas palavras de Roland Barthes (2002, p. 74-5), “através de um
entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa textura – o sujeito se
98
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desfaz nele, qual uma aranha que se dissolvesse ela mesma nas secreções
construtivas de sua teia”.
Em uma boa história contada, a expressão de um rostinho sedento
de aventuras, cujos olhos brilham a cada novidade, pode prometer um
futuro e assíduo leitor. É de histórias narradas que partimos em buscas de
livros, fazemos associações e mergulhamos na paixão de ler. Muitas vezes,
um personagem, um autor, um livro são o suficiente para tornar a leitura de
clássicos um hábito constante; um vício inseparável e irreparável.
Referências
BARTHES, Roland. O prazer do texto. 3. ed. Trad. de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva,
2002.
CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. Trad. de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários Escritos. 3. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Duas Cidades, 1995. p. 235-263.
CARVALHO, Diógenes Buenos Aires de. A adaptação literária para crianças e jovens:
Robinson Crusoe no Brasil. Porto Alegre, 2006. Tese (Doutorado em Letras) – Faculdade de
Letras, PUC-RS.
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2002.
RÓNAI, Paulo. A tradução vivida. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
99
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O FANTÁSTICO MISTÉRIO DE FEIURINHA: UMA ANÁLISE DO
GÊNERO FEMININO
Maristella Letícia Selli
PPGCL/UNISUL
As representações tanto do feminino quanto do masculino dão-se
pelo meio social e cultural em que a criança desenvolve-se. Os símbolos do
que compõe a figura de homem e de mulher são compostas por uma série
de itens insistentemente impostos pela sociedade, as crianças já são
bombardeadas por uma gama do que é de menina e do que é de menino.
Assim, os estereótipos formam-se e pouco se transformam ao longo da
história, visto que este é um assunto de ampla discussão.
Todos esses estereótipos, essas marcas corporais ficam e formam –
ou deformam – as identidades que compõe o ser humano, todas elas
transitórias e mutáveis. É no meio social que se assume determinada marca,
dependendo das relações de poder ali estabelecidas. Através das práticas
sócias é que se legitima o que é natural para o homem e para a mulher;
Na perspectiva dos estudos de gênero, uma teórica recorrente é
Joan Scott39 que afirma que gênero é um elemento constitutivo de relações
sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos; gênero,
além de ser um elemento constitutivo de relações sociais, é também uma
forma primária de dar significado às relações de poder, sendo este não
originário de uma única fonte: ele é plural, relacional, englobando,
portanto, múltiplas direções, múltiplos olhares. Na sociedade
contemporânea as pessoas não se definem mais tendo uma base sólida,
sabendo quem são em todas as situações. O múltiplo é recorrente.
Este artigo pretende identificar as representações do feminino
através do estudo do Fantástico Mistério de Feiurinha, de Pedro Bandeira40,
abordando como o autor se narra a mudança de postura das princesas dos
contos de fadas, enfocando a mudança do perfil da mulher na
contemporaneidade, como elas se relacionam com o casamento, beleza,
filhos, marido, enfim, como as princesas encaram a vida real até porque a
39
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade,
Porto Alegre, v.20, n.2, jul./dez. 1995.
40
BANDEIRA, Pedro. O fantástico mistério de Feiurinha.
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geração de leitores da contemporaneidade podem se ver refletidas neste
livro infanto-juvenil.
No tema proposto a intertextualidade – como um texto aparece
dentro de outro texto, suas relações e interferências – é utilizada como
instrumento para verificar se ocorreram mudanças, e quais mudanças, no
comportamento das personagens dos contos de fada clássicos em relação à
obra de Bandeira e avaliar, de certa forma, o conto clássico e uma de suas
reescrituras.
A literatura infantil teve seus primórdios no século VII, sendo
essencialmente fantástica, por isso mesmo atraindo as crianças, pois a
natureza mágica emociona. Através do maravilhoso é que as lições de
moral e de valores foram sendo repassadas as crianças, através dos contos
de fadas, que saem da oralidade e ganham as páginas de livros com os
Irmãos Grimm, Anderson e todos os outros. A linguagem metafórica
consegue colocar as crianças em contato com situações que poderiam
acontecer e que elas deveriam saber como agir, é a possibilidade de inserir
o leitor a pensar sobre as situações que passam os sujeitos caso ajam da
mesma forma. Assim, fantasia e realidade se misturam para envolver a
criança –ou quem quer que seja o leitor- num mundo mágico. Sempre
trabalhando com dicotomias – o bem e mal, o jovem e o velho, o poderoso
e o oprimido, fazem da narrativa uma possibilidade a mais.
O realismo e a fantasia entram em choque na Literatura Infantil, a
dicotomia citada, revela-se no
dilema [existente entre] realismo X fantasia só pode ser resolvido se
proposto em termos adequados. Diz respeito antes ao choque entre os
condicionamentos de que padece a literatura infantil por trilhar o
caminho do didatismo e as possibilidades ilimitadas de criação,
resultantes da natureza ainda moldável do leitor, o que pode repercutir
em experimentalismo inovador ou expansão das técnicas literárias e das
vias narrativas (ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1982, p. 17, 18). 41
Dessa forma, a literatura infantil assume posto elevado nas
discussões sobre Literatura, já que proporciona a jovens leitores um
mundo de possibilidades, auxiliando na constituição de ser humano.
41
ZILBERMAN, Regina; MAGALHÃES, Ligia Cademartori. Literatura Infantil:
autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática, 1982.
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Assim, deixa-se o discurso de literatura “inha”, pequena, para
analisar como as narrativas ali presentes trabalham com as questões
sociais que envolvem os sujeitos.
Os contos maravilhosos seguem um mote comum a todos, um
tempo indeterminado iniciado quase que unanimemente pelo famoso
“Era uma vez” que introduz a cena. Apesar dos séculos que separam
os primeiros contos da atualidade, ainda seguem as mesmas regras de
escrita, a mesma estrutura, e
[...] o conto obedece a uma moral ingênua, que se opõe ao trágico real.
Não existe a “ética da ação”, mas a “ética do acontecimento”: as
personagens não fazem o que deveriam fazer. Os acontecimentos é que
acontecem como deveriam acontecer. Este conto é transmitido,
oralmente e por escrito, através dos séculos. Porque pode ser recontado
42
com as próprias palavras, sem que seu fundo desapareça.
A sobrevivência dos contos maravilhosos deu-se justamente
por isso: a facilidade com que podem ser transmitidos. Claro que
pelo distanciamento histórico dos contos, na contemporaneidade,
estes são interpretados de formas diferentes do que na época em que
foram transcritos, não perdendo a beleza e o encantamento. talvez
venha mais colorido, repaginado, mas permanecem as mesmas
princesas que outrora já provocavam furor.
E viveram felizes para sempre é, por conseguinte, marca
registrada no final dos contos de fada clássicos, porém, é a partir
desse mote que Pedro Bandeira inicia sua narrativa, pois sem dúvida
que fica no ar o que aconteceu com as princesas após seus
casamentos. Instigado por esse desdobramento, o autor elabora não o
início desses relacionamentos, que acreditam no amor eterno, mas as
relações conjugais das princesas com seus príncipes após anos de
convivência.
Mas o que significa ‘viver feliz para sempre’? Significa casar, ter filhos,
engordar e reunir a família no domingo para comer macarronada? Quer
dizer que a felicidade é não viver mais nenhuma aventura? Nada mais de
42
GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do conto. São Paulo: Ática, 2000, p. 18.
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anõezinhos, maças vermelhas envenenadas e sapatinhos de cristal?
Como é que alguém pode viver feliz sem aventuras? Ah, não pode ser!
Não é possível que heróis e heroínas tão sensacionais tenham passado o
resto da vida assistindo ao tempo passar feito novela de televisão. É
preciso saber o que acontece depois do fim (BANDEIRA, 1999, p. 10).
A história A Feiurinha parte das bodas de prata das princesas dos
contos de fadas dando uma continuidade aos contos clássicos que terminam
com o Viveram felizes para sempre. Isso torna possível a intertextualidade,
pois exige do leitor conhecimento dos contos maravilhosos para entender
toda a gama de humor presente nesta obra. De forma irônica, as mazelas do
tempo e do cotidiano são abordadas pelo autor.
A obra de Pedro Bandeira dialoga com a história de sete heroínas,
sete princesas: Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Cinderela,
Rapunzel, A Bela (e a Fera), Rosa Flor Della Moura Torta e A Bela
Adormecida, começando com Caio, o lacaio batendo a porta de um escritor
que lhe explica o que está acontecendo no castelo de D. Branca Encantado.
A reunião fora marcada para que todas soubessem do desaparecimento de
Feurinha, uma das princesas dos contos maravilhosos, e pudessem fazer
algo.
No entanto, a primeira discussão é gerada por uma briga de egos,
pois as princesas querem explanar que suas historias são as mais
importantes. Cada qual defende um ponto de vista, e todas brigam com
furor.
Percebe-se que D. Branca é quem assume a frente de todas as
situações, encerrando a briga também. Assim, ela decide – e todas as outras
a seguem – buscar um escritor que possa reescrever a historia da Feurinha,
evitando seu sumiço permanente.
O narrador-personagem se surpreende quando eu seu escritório,
todas as princesas exigem uma explicação pela demora do resgate da
cunhada, aparecendo enfim Jerusa, a empregada doméstica do escritor, que
sabe esse conto e até ali, esteve à margem da situação.
Feuirinha era uma princesa que foi seqüestrada por três bruxas
muito feias que diziam que ela era a coisa mais horrível que já viram.
Invertido o padrão de beleza, Feiurinha passa a ser ridicularizada por sua
suposta família pela sua beleza e formosura. Certo dia, vai até o rio e vê sua
imagem no espelho d’água e começa a tirar a roupa em busca de seus
defeitos. A cena passa-se na frente do bode (seu único amigo) que, ao ver a
princesa nua, liberta-se de um feitiço e transforma-se num príncipe.
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Feiurinha, convencida de sua beleza, é levada para o reino encantado de
seus pais e vive feliz para sempre com o príncipe encantado.
Esse conto lembra o do Patinho feio, mas numa lógica invertida, já
que o patinho era deveras feio e a princesa teve o padrão de beleza
invertido pelas bruxas. Salienta-se aqui que ambas os contos tratam do
tema beleza, que, mediante padrões de beleza estabelecidos passam por
dificuldades por não se enquadrarem neles. O Patinho ainda percebe-se
estranho pois tem sua auto-imagem refletida no lago, já Feiurinha tem os
conceitos estéticos das bruxas pois não possui sua auto-imagem,
dificultando no reconhecimento de si mesma e na formulação de seus
conceitos de beleza.
Dois aspectos chamam a atenção para uma leitura do gênero
feminino nesta obra: os estéticos (os padrões de beleza) e a concepção de
família. Todos estão intimamente ligados a condição dos sujeitos desde sua
constituição de seres humanos e são destacados também no mundo
imaginário – mas nem tanto – dos contos.
No que tange aos aspectos físicos se vê princesas envelhecidas,
como todos os seres humanos, mas que mantêm sua graciosidade de
princesa. D. Branca destaca-se pela altivez já que toma posicionamentos
desde cedo, ao sair de casa em virtude das atrocidades cometidas por sua
madrasta, e na maturidade, é quem lidera. Claro que sua beleza permanece,
mas faz jus a sua idade, impressionando o escritor.
Branca de Neve! Ali, na minha frente! É claro que um pouco mais velha
e ligeiramente mais gorda, mas ainda a grande, a incomparável Branca
de Neve! [...] tinha de reconhecer que aquela só poderia ser, sem sombra
de dúvida a verdadeira Branca de Neve, só que um pouquinho mais
velha e mais grávida (BANDEIRA, 2009, p. 49-50).
Já Chapeuzinho Vermelho aparece desleixada e gorda – pois come
os doces da vovó – fica fofocando, falando da vida de suas cunhadas, um
reflexo de seu comportamento quando jovem, esperta e desobediente a
mãe. Amargurada, chapeuzinho está longe da garotinha esperta e decidida
de outrora, permitindo assim, como conseqüência de não haver casado, não
cuidar da própria aparência. Excluindo essa, todas as outras estão grávidas.
Os príncipes, que de encantados restou pouco, segundo as próprias
princesas, estão gordos e barrigudos, gastando seu tempo com a caça.
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Para Foucault e Bourdieu43 o corpo não é apenas um texto da
cultura. É também, entre outros, um lugar prático direto do controle social.
Assim, princesas Encantado representam o estereótipo corporal da mulher
moderna: a preocupação com a beleza e o peso que tantas responsabilidades
da vida cotidiana trazem. Quando jovens, as princesas eram esguias, lindas,
bondosas que se casavam com príncipes lindos e encantadores. O que se
apresenta na obra de Bandeira são mulheres mais próximas da realidade,
contudo, todas grávidas pela sétima vez, enfrentando problemas reais. Cai
por terra o estereótipo criado da beleza e juventude eterna.
Referente aos aspectos de família tem-se situações novas. As
princesas viram Encantado, já que sse casam com os Príncipes Encantados.
Assumir o sobrenome da uma idéia de pertencimento de formação de uma
nova família que começa pelo acreditar no amor eterno. As princesas
Encantado reclamam dos afazeres que a vida moderna lhes impõe, filhos
maiores na escola, os menores com a babá e grávidas de mais um. Alem
disso há a reclamação dos príncipes que são vistos como pessoas que não
aprticipam das decisões e muito menos são compostos de esperteza e de
idéias. Tão explanação é dada por D. Branca Encantado
Os príncipes não adiante chamar. Estão todos gordos e passam a vida
caçando. Além disso, príncipe de história de fada não serve para nada. A
gente tem de se virar sozinha a história inteira, passa por mil perigos,
enquanto eles só aparecem no final para o casamento (BANDEIRA,
1999, p. 22).
Todas ressaltam que seus príncipes vivem caçando, abandonando
de vez o estereótipo inicial de homens provedores da salvação de suas
amadas. Isso reafirma o papel do masculino historicamente construído e
institucionalizado na sociedade: papeis claros e definidos para ambos os
gêneros. As mulheres cabem-lhes serem detentoras de beleza e docilidade,
provedora na criação dos filhos. Ao homem, a figura de altivez e força, mas
destituído de qualquer participação na vida doméstica. No entanto, as
princesas não aceitam com tanta docilidade a condição do feminino,
reclamando a presença de Príncipes distraídos.
43
JAGGAR, Alison M. e BORDO, Susan R. Gênero, Corpo, Conhecimento. Rosa dos
Tempos, Rio de janeiro, 1988. p. 20.
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Mesmo assim, Chapeuzinho lamentava-se por não ter constituído
uma família, e agora não havia mais nenhum Príncipe Encantado solteiro
no mundo das fadas. A história de Chapeuzinho termina com o desejo de
viver feliz para sempre com a avó, que agora estava mais velha e caduca.
Todavia Chapeuzinho percebe as reclamações de suas cunhadas e lamentase por não ter casado com o Caçador: “É... Os únicos decididos são os
caçadores. Eu devia ter casado com o caçador que matou o lobo...” 44
Além do peso das responsabilidades cotidianas modernas, as
princesas carregam o fardo imposto em suas historias: D. Rapunzel
Encantado reclamava das suas longas tranças que o Príncipe, seu marido,
insistia em subir, apesar de estar gordo, o que lhe provocava dores de
cabeça; D. Cinderela Encantado estava com os pés cheios de calos por ter
que andar com sapatinhos de cristal; D. Bela Encantado estava sempre a
bocejar e a cochilar pelos cantos. Percebe-se a intertextualidade marcante
entre os dois textos, já que se entrecruzam com o objetivo de ironizar o que
parecia belo nos contos maravilhosos, mas que, ao passar dos anos, torna-se
um fardo na vida de qualquer mulher.
A preocupação de todas ali reunidas é a de que suas historias
possam desaparecer e também porque o Viveram felizes para sempre estava
sendo ameaçado. Até porque não era fácil manter a felicidade eterna que
suas historias prometiam e que elas desejavam.
Um fato inusitado são os capítulos do livro, que são escritos antes
do capitulo um. Essa organização diferenciada nos conduz ao seguinte
encadeamento, é uma história antes da história começar. Ou seja, os
acontecimentos antes do conto da princesa desaparecida ser contado. Os
capítulos são assim organizados: capítulo zero; capítulo zero e meio;
capítulo zero e três quartos; capítulo zero, três quartos e mais um
pouquinho; capítulo zero, três quartos e outro pouquinho; capítulo zero e
cinco sextos; capítulo zero, cinco sextos e tanto; capítulo zero, quase um;
capítulo zero, mais que quase um; capítulo zero, quase caindo no um e
capítulo um.
De especial mesmo, eu creio que há neste livro três aspectos. Em
primeiro lugar está sua estrutura, como se ele fosse um livro antes do
livro, com sua organização em capítulos que vêm antes do primeiro
capítulo. Em seguida, temos a fábula de Feiurinha, que eu montei com o
máximo de clichês extraídos de todas as histórias da carochinha: bruxas,
44
BANDEIRA, Pedro, 2009: Moderna, SP. p.22.
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príncipe, transformações, heroína pobre, linda e infeliz, a idéia bíblica do
Rei Salomão etc. E, por último, está a discussão da importância do leitor
em relação à Literatura. Como eu disse, um livro não existe se não
houver leitores para ele; um autor nada é, se não houver pessoas
dispostas a ler o que ele escreve. 45
Portanto tendo profundas relações com o encantamento que a
leitura proporciona, com intertextos claros e com objetivos bem definidos
A Feiurinha é um livro que faz rir pela ironia, mas que agrega muito da
contemporaneidade, dos conflitos modernos que remexem com a vida.
Assim, é um repensar nos contos fantásticos, no amor eterno que nos
proporciona risos em um dia realmente ter vivido no fantástico, no
maravilhoso.
Referências
BANDEIRA, Pedro. O fantástico mistério de Feiurinha.
GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do conto. Ática, São Paulo, 2000. p. 18.
JAGGAR, Alison M.; BORDO, Susan R. Gênero, Corpo, Conhecimento. Rosa dos Tempos,
Rio de janeiro, 1988. p. 20.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto
ZILBERMAN, Regina; MAGALHÃES, Ligia Cademartori. Literatura Infantil:
autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática, 1982.
45
BANDEIRA, Pedro.
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PERSPECTIVAS DO FEMININO EM CONTOS DE CHARLES
PERRAULT
Regina Michelli
UERJ
[email protected]
Fábio Pratts
UERJ
[email protected]
Introdução
Muito se tem escrito sobre o feminino, em especial assinalando os
comportamentos de submissão e obediência que confrangeram as mulheres
e suas representações literárias. Desde a Idade Média, a figura da mulher
tem sido pensada de forma estandardizada, seja pelo papel de mãe, seja
pela função de servidão ao pai e ao marido: parece que a estrutura do lar
está atrelada a um comportamento esperado das mulheres. A ilusão de que
o feminino se define a partir de um comportamento carente de
personalidade, o que implica a submissão ao masculino, é um dos motivos
de despontarem muitos estudos acerca dos gêneros, inclusive na literatura.
Tendo à sua disposição, como material, a própria realidade, os textos
literários são portadores de conteúdos valiosíssimos, conceitos, ideologias,
formas de pensar e de agir, ou seja, manifestam-se nas narrativas, em
especial nos mitos e nos contos de fadas, substratos de diversos ramos do
saber. No entanto, uma análise focalizada na vertente dos gêneros nos
permite reavaliar paradigmas, atualizá-los.
O presente trabalho tem por objetivo propor uma reflexão sobre a
presença e a constituição do feminino em contos de Charles Perrault,
escritor francês que compilou, no século XVII, contos populares de sua
terra, preservados até então pela oralidade. Quando se pensa nas heroínas
dos contos de Perrault, afloram as imagens da doce Cinderela, preocupada
com as irmãs; da ingênua Chapeuzinho Vermelho, ludibriada pelo lobo; da
curiosa esposa de Barba Azul, quase assassinada pelo marido, além de
Pele-de-Asno, da Bela Adormecida, dentre outras. Todas elas preenchem,
integral ou parcialmente, o paradigma proposto para o feminino, em que
são exigidos atributos como beleza, bondade, delicadeza, doçura,
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
obediência, silêncio. Este trabalho objetiva, porém, iluminar as personagens
femininas secundárias – irmãs, mães e madrastas, esposas, rainhas, velhas –
em sua relação com a configuração arquetípica e os padrões culturalmente
definidos para o feminino, observando-se as esferas de poder, ação e saber.
O olhar volta-se também para as personagens do maravilhoso – fadas e
ogras -, tendo em vista a atuação benéfica e/ou maléfica e a função desse
feminino nas narrativas. O referencial teórico que sustenta este trabalho
encontra-se nos estudos de crítica literária relacionados à Literatura
Infanto-Juvenil e nas pesquisas de linha junguiana.
Acerca do feminino arquetípico
Cumpre conceituar, ainda que de forma breve, a noção de
arquétipo. Carl Gustav Jung considera que, assim como há um inconsciente
em cada indivíduo, há também uma espécie de reservatório comum a toda
espécie humana, o inconsciente coletivo, formado por conteúdos coletivos,
ligados a sentimentos e pensamentos universais, encontrados em toda parte,
cuja origem ele supõe serem “sedimentos de experiências constantemente
revividas pela humanidade” (JUNG, 1978, p. 61). Nesse inconsciente
coletivo “jazem adormecidas as imagens humanas universais e originárias”
(JUNG, 1978, p. 57), imagens ou motivos denominados por ele de
“arquétipos”. Os arquétipos são definidos como “imagens primordiais” ou
“imagens universais que existiram desde os tempos mais remotos” (JUNG,
2007, p. 16).
Dentre os arquétipos propostos pelo psicólogo citado, destaca-se a
noção de anima e animus. A anima designa “o ‘pólo feminino’ do homem,
constituído principalmente pelas qualidades de sensibilidade, imaginação,
intuição, etc., que a imagem coletiva do macho ‘viril’ obriga o homem a
mais ou menos rejeitar” (FRANZ, 2000, p. 13). O animus, por seu turno,
assinala o lado masculino que habita o inconsciente feminino, responsável
por atitudes ligadas à ordem, à razão, ao comando, a qualidades
consideradas viris.
Há, assim, atributos que definem arquetipicamente o feminino e o
masculino enquanto realidades psíquicas: “Quando dizemos ‘feminino’
nesse sentido, obviamente não estamos querendo dizer ‘próprio de
mulheres’. Estamos falando de qualidades interiores, psicológicas, que são
comuns aos homens e às mulheres” (JOHNSON, 1997, p. 38). O principio
feminino está ligado, além dos elementos já assinalados, à emoção, ao
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estabelecimento de laços afetivos, à introspecção, ao sonho, à capacidade
de amar, qualidades integradas à vivência masculina através do contato
satisfatório com a anima. Vincular-se a apenas esses atributos, tornará a
figura feminina frágil, submetida ao masculino: “Se não é justo para uma
mulher copiar o homem, é igualmente mal que ela seja por demais
unilateralmente feminina, pois corre o risco de ficar à margem da vida e ser
incapaz de enfrentá-la.” (FRANZ, 2000, p. 95).
Na psicologia de linha junguiana, o principio de
complementaridade explica a integração que deve ser buscada e atingida,
harmonizando os dois lados que, como opostos complementares,
equilibram a psique humana. O extremo exercício de uma função não é o
ideal, pois acaba não explorando energias fundamentais para vivência
plena. Aqui cabe uma diferenciação entre a plenitude e a perfeição:
A consciência cristã típica tem sido treinada ao longo dos séculos para
almejar nada mais do que a perfeição, para levar uma vida sem manchas,
uma vida perfeita. [...] A psicologia da individuação, entretanto, mostra
que a meta desse processo que leva ao ser total não é a perfeição, mas
sim a plenitude. Um indivíduo, na sua inteireza, nem é sempre
inatacável, sem culpa, puro, mas é aquele em quem, não se sabe como,
todos os aspectos foram integrados num ser total (JOHNSON, 1987, p.
17).
Considerando, pois, que “O princípio masculino e o princípio
feminino estão destinados a se completar reciprocamente.” (FRANZ, 2000,
p. 89), cabe à mulher desenvolver, de forma plena, o contato com o animus.
O princípio masculino define-se por: “capacidade de exercer o poder, de
controlar situações e de defender posições” (JOHNSON, 1997, p. 38);
habilidades ligadas à ação, à competição e à conquista, ao poder de
comandar, ao intelecto. Segundo Marie-Louise von Franz, discípula de
Jung, para as mulheres, “O lado positivo do animus pode personificar um
espírito de iniciativa, coragem, honestidade e, na sua forma mais elevada,
de grande profundidade espiritual” e sabedoria, além de “poder lançar uma
ponte para o self através da atividade criadora” (1977, p. 193,195); já o
aspecto negativo traz comportamentos de brutalidade, indiferença, idéias
obstinadas e más: “A mulher tomada pelo animus corre sempre o risco de
perder sua feminilidade, sua persona adequadamente feminina. (JUNG,
1978, p. 199). Para Jung, há uma espécie de compensação nessa vivência
plena dos dois princípios, verdadeira “conjugação de opostos”.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O feminino em Perrault
Não se pode afirmar que as personagens femininas de Perrault
sejam desconhecidas do público. Pelo menos as que protagonizam as
narrativas são quase de ‘domínio público’, personagens resgatadas, pelo
viés da intertextualidade, para o mundo contemporâneo, onde vivem novas
histórias, algumas vezes imortalizadas também nas telas de cinema. De
modo geral, o comportamento das heroínas de Perrault referenda as
expectativas sociais que recaem sobre o feminino, destacando-se qualidades
como beleza, passividade, candura, pureza, atributos que minimizam a
integração com o animus: “Para a tradição cristã, as virtudes do silêncio,
obediência e discrição eram especialmente, se não essencialmente,
femininas” (WARNER, 1999, p. 55).
A leitura dos contos de Perrault permite estabelecer algumas
variáveis para o estudo da configuração das personagens femininas,
considerando-se sua função secundária na narrativa, como a faixa etária em
que se situa e o estatuto social, ou seja, a classe social em que se insere a
personagem e o poder de que desfruta, se mais próxima de uma condição
filial ou de governo. Há uma diferença de atuação conforme a personagem
é jovem ou mais velha, variável algumas vezes atrelada à anterior, pois as
jovens detêm menos poder que as rainhas ou as mães. Existem ainda, nas
narrativas, personagens femininas secundárias ligadas ao maravilhoso,
como fadas e ogras, via de regra associadas, respectivamente, ao bem e ao
mal, paradigma também revisto neste trabalho.
Jovens personagens secundárias
Dentre as personagens secundárias mais jovens, há aquelas que
rompem com o modelo de bondade e submissão, contrastando com as
protagonistas. Comecemos pelo conto Cinderela ou A Gata Borralheira. As
filhas da madrasta da heroína – geralmente tratadas, na narrativa, por
“irmãs” – definem um padrão de certa maldade para com Cinderela, ainda
que sejam abençoadas, ao final, com o casamento propiciado por ela. O
narrador afiança a diferença, percebida pela nova esposa, entre as próprias
filhas e a do marido; para melhor realçar as qualidades das primeiras, a
madrasta degrada a enteada à condição de serviçal. Ela passa a ser chamada
de Gata Borralheira por todos, devido ao hábito de sentar-se junto às cinzas
do borralho, exceto pela irmã caçula que, segundo a narrativa menos
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maldosa que a outra, a trata pelo nome de Cinderela. Várias são as
passagens em que a doce menina é humilhada pelas ‘irmãs’, cuja atitude
talvez seja reflexo da inveja que sentem da outra, bela e bondosa,
menosprezando-a para tentarem realçar nelas uma superioridade
inexistente. Tal comportamento assinala falência no exercício do princípio
feminino, a afetividade dá lugar à inveja: “A inferioridade de uma mulher
que pensa que precisa admirar os outros e que nutre um certo ciúme secreto
em relação a eles significa que ela é incapaz de assumir seu próprio valor.”
(FRANZ, 1990, p. 200).
No conto As Fadas, instala-se também a diferença fraterna, aqui
entre duas irmãs de fato. Uma é bondosa, a outra, orgulhosa como a mãe:
“As duas, mãe e filha, eram tão desagradáveis e tão orgulhosas que viver
com elas era impossível.” (PERRAULT, 1989, p. 181). A mãe direciona
sua raiva à filha caçula, que é o retrato do pai, obrigando-a a trabalhar sem
parar. É revelado, no meio do conto, que a viúva nunca tinha chamado a
mais nova de filha, só o fez quando viu pedras preciosas saindo da boca da
menina. A filha mais velha, parecida em tudo com a mãe, é adjetivada
como “grosseirona”, “nada gentil”, “odiosa” e “infeliz”. É arrogante com a
fada que, disfarçada de princesa, lhe pede um pouco de água. O destino da
moça é triste: nem a mãe, que a adorava, suportou a presença da filha
depois de ela ter recebido, da fada, o dom de cuspir cobras e sapos; à
procura de alguém que a recebesse, ela morreu sozinha no fundo de um
bosque.
Nesta narrativa, ocorre uma punição à filha que, de certa forma,
ousa romper o paradigma social de mansidão, bondade, delicadeza e
silêncio, cumprido pela outra filha, a quem cabe o príncipe encantado e o
final feliz, embora ela nada tenha feito para conquistar tais prêmios – não
há qualquer investimento da heroína na realização de algum sonho ou
aspiração. A primeira afirma seus próprios desejos, cedendo de má vontade
às ordens da mãe de ir à fonte, provavelmente por não lhe restar outra
opção. A tentativa de se manifestar como sujeito de sua vida esbarra no
valor moral que o conto encerra: ela é punida por transgredir. Analisando,
porém, essa transgressão ao modelo imposto ao feminino, observa-se que
há um contato desvirtuado com o animus, esfacelando relações humanas
significativas e uma busca plena de ser. A filha boa, porém, carece de
desenvolver os atributos inerentes ao masculino, o animus.
O orgulho é um sentimento muito presente nestas narrativas,
algumas vezes caracterizado como algo ruim, um defeito típico dos vilões.
Tomando-se como parâmetro as qualidades desejadas pela sociedade para o
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feminino, já apontadas, as personagens orgulhosas rompem a regra; nesse
ponto são menos “femininas” do que as heroínas. Quando se pensa nos
princípios arquetípicos femininos, chega-se à conclusão de que elas não os
desenvolvem e por isso a inveja desponta ou, por outro lado, a soberba e o
orgulho; aquele sentimento assinala a carência de algo, estes ratificam uma
superioridade que, quando existe, não carece de ser alimentada ou
exteriorizada: simplesmente é. Cumpre aqui destacar nuances na
caracterização do orgulho, sentimento que associado à auto-estima é
considerado benéfico; quando se relaciona à superioridade em detrimento
de outrem, porém, assinala a dependência a parâmetros externos bem como
a necessidade de desvalorização desse outro. Há uma relação com um
animus em que predomina, no segundo caso, a imposição do poder; no
primeiro, a incapacidade de assumir seu próprio valor e sua força interna. A
figura feminina caracterizada por elementos negativos, como vaidade,
soberba, esperteza ou ambição desmedida, evidencia um desvirtuamento do
feminino, que reproduz, em alguns casos, comportamentos estereotipados
masculinos, culminando com a tentativa de ludibriar e subjugar o outro.
Desenvolve-se um aspecto negativo do animus.
No conto Riquet o Topetudo, há a presença de uma irmã feia,
porém inteligente, ao final relegada ao esquecimento no discurso narrativo.
O príncipe que intitula a história é muito feio, mas uma fada profetiza que
ele seria “uma pessoa amorável quando crescesse, pois seria dotado de
muitos dons de espírito” (PERRAULT, 1989, p. 141), dom que poderia
transmitir àquela que amasse. Num reino vizinho, duas irmãs nascem: a
princesa mais velha é bela e a outra extremamente feia. A mesma fada
compensou tais qualidades, predizendo que a primeira seria tão estúpida
quanto bela e a segunda, tão inteligente que sua feiúra passaria
despercebida. Quando a princesa bela aceita a proposta de casamento de
Riquet, que já a amava, seu comportamento se modifica, evidenciando,
para alegria de todos, os dons do espírito. A irmã feia, porém, “ficou muito
contrariada, pois, não tendo mais sobre a irmã a vantagem de sua
inteligência, a figura que ela agora fazia ao seu lado era muito feia e
desagradável.” (PERRAULT, 1989, p. 147), texto que representa a última
referência a essa personagem. (É a última?)
O conto ratifica os paradigmas do feminino e do masculino,
destacando,respectivamente, a beleza e a inteligência, a racionalidade. O
desfecho da princesa feia é completamente ignorado, o que significa o
desprestígio e a invisibilidade daquelas que não apresentam o padrão de
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beleza exigido, pois a inteligência e a sagacidade não são atributos
femininos – salvo se concedidos pelo masculino.
O último conto deste grupo é Barba Azul, único a apresentar uma
relação afetuosa e cúmplice entre as duas irmãs. Barba Azul deseja se casar
com uma das duas filhas de uma fidalga, sua vizinha. Oferece-lhes oito dias
de festas em sua casa de campo. A irmã mais velha não se deixa iludir pelas
estratégias de sedução de Barba Azul, mas a mais nova gosta tanto daquela
vida que aceita se casar com ele. Ao final da história, ameaçada de morte
pelo marido, a heroína recorre à irmã Ana. Solidária, ela faz sinal aos
irmãos para que se apressem, na tentativa de salvar a esposa das garras do
marido. O desfecho consagra o prêmio a Ana, com o casamento promovido
pela irmã. Não há rivalidade entre as duas moças, nem inveja, assinalando
uma integração dos princípios do feminino; o animus, por sua vez,
apresenta-se simbolicamente bem estruturado através da ação dos irmãos.
Observa-se que são reservados, às jovens personagens secundárias,
finais felizes e infelizes. O primeiro não é destinado exclusivamente
àquelas que se caracterizam pela bondade, como se verifica no caso das
irmãs de Cinderela, punidas na versão dos irmãos Grimm. A irmã da esposa
de Barba Azul, porém, recebe merecidamente um final feliz, tanto por sua
maturidade em não se submeter às estratégias de Barba Azul, quanto pela
ajuda prestada à irmã em perigo. O final trágico acontece para a filha mais
velha em As Fadas, punição que apresenta uma função moral. Em Riquet, é
a filha mais nova, a feia, que “desaparece” da história.
Em todas os contos analisados, apenas personagens secundárias são
distinguidas por nome próprio: Franchon, a filha orgulhosa de As Fadas;
Javotte, uma das irmãs de Cinderela; Ana, a irmã da esposa de Barba Azul.
Uma possibilidade de leitura é o fato de a ausência de um nome favorecer
uma maior identificação do leitor com essa personagem, o que aconteceria
com as principais, tanto pelo relevo de que dispõem ao ocuparem a
centralidade da história, como por configurarem um modelo a ser seguido,
sendo desejável essa identificação. As personagens secundárias terminam
sendo alvo mais tênue de atenção, logo, podem receber um nome que as
individualize.
Personagens secundárias mais velhas
Neste grupo, aparecem mães, madrastas, rainhas, velhas senhoras.
Algumas personagens são marcadas pela maldade e pelo abuso do poder: o
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feminino, na ausência física do masculino (representado pelo marido) ou
sem a integração do animus, assume a virilidade nociva, destruidora – lado
negativo do animus, em que “As mulheres tendem a se tornar masculinas e
dominadoras” (FRANZ, 1990, p. 196). Marie-Louise von Franz considera
que, na integração do aspecto masculino, caracterizado basicamente por
atitudes viris, ao feminino, há o risco da assimilação dos defeitos
masculinos e não somente das virtudes que caracterizam o animus:
A atitude justa consiste em evitar cair de um excesso no outro e, de uma
mulher doce demais e sem personalidade, transformar-se numa espécie
de homem caricatural, que se impõe, age pretensiosamente, tornando-se
ainda superintelectual e excessivamente ambiciosa (2000, p. 95).
Dois exemplos despontam: a madrasta de Cinderela e a mãe em As
Fadas. A primeira é definida, logo no início da trama, como “a mulher mais
orgulhosa e mais arrogante que já existiu até hoje” (PERRAULT, 1989, p.
113) e suas filhas eram parecidíssimas com ela. Bruno Bettelheim (1980, p.
86) atenta para o fato de, em muitos contos, a mãe má ser substituída pela
figura da madrasta. A madrasta manifesta seu “mau humor” e indignação
ao perceber as qualidades de Cinderela, o que fazia suas filhas, as quais
eram motivo de orgulho para ela, parecerem detestáveis, o mesmo
aplicando-se a ela. Há uma disputa implícita com Cinderela, a herdeira do
pai, aquela que se caracteriza pela superioridade em relação às meias irmãs.
A madrasta exerce ainda grande influência e poder sobre o marido, razão
pela qual Cinderela não ousa reclamar com o pai sobre os abusos que sofre,
“sabendo que ele a repreenderia, pois era totalmente dominado por sua
mulher” (PERRAULT, 1989, p. 114). É possível concluir que o animus da
madrasta assume sua função negativa. O masculino não tem voz na relação,
nem na narrativa de forma geral, já que o pai é pouco mencionado e nada
faz em toda a história.
Outras mães são também marcadas pela decepção frente aos
defeitos dos filhos, como a de Riquet – “que se sentia amargurada por ter
posto no mundo um fedelho tão grotesco.” (PERRAULT, 1989, p. 141) – e
a das princesas, no mesmo conto, tentando ‘negociar’ com a fada a
atenuação da feiúra de uma e da estupidez da outra. A “exagerada alegria”
– próxima à vaidade – irrompe na rainha ao ver que tinha dado à luz a uma
linda menina – a mais velha -, reação atenuada pela fada, segundo a própria
narrativa, que macula tal perfeição com a “burrice”. A rainha mãe fica
profundamente aborrecida, mas nada mais se diz sobre ela na história –
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uma vez tendo cumprido seu papel reprodutor, a rainha é exilada da
narrativa, destino semelhante ao da rainha mãe de Riquet.
Assim como a madrasta de Cinderela, a viúva de “As Fadas” é uma
personagem orgulhosa e possui uma filha que se parece com ela em feições
e temperamento. O ódio à filha parecida com o pai permite deduzir-se a
relação entre os cônjuges e a de tal filha com o pai – “O fato de o pai estar
morto facilita a omissão do elemento que poderia justificar a aversão da
mãe pela filha” (MAGALHÃES, 1987, p. 49). A figura feminina representa
a negatividade, a falta de afeto – mesmo a filha eleita é expulsa de casa, ao
final. O afeto inicial só se sustentou enquanto a filha respondeu à
semelhança com a mãe, encaixando-se no modelo desejado.
A madrasta e a viúva são personagens atuantes na narrativa. Elas
representam um feminino velho, corrompido em sua sabedoria e bondade,
espécie de represália, de revanche ao papel de submissão geralmente
imposto à mulher quando mais jovem, dependente.
Há personagens mais velhas definidas pela bondade. Desse grupo
fazem parte: a “boa velhinha” avó de Chapeuzinho; a “bondosa velhinha”
do fuso de fiar, na história da Bela Adormecida; a mãe do príncipe de Pelede-Asno e a mãe do Pequeno Polegar. Algumas são inexpressivas, sendo
apenas citadas ou tendo pouco relevo na narrativa, mesmo ligando-se
diretamente às personagens principais. Inserem-se, neste caso, a mãe e a
avó de Chapeuzinho, a mãe da esposa de Barba Azul, as rainhas mães em
Riquet, a rainha mãe da Bela Adormecida, a lenhadora, mãe do Pequeno
Polegar.
Buscando uma significação para este fato, é possível levantarem-se
algumas hipóteses. Personagens mais velhas podem estar associadas à
sagacidade, à sabedoria advinda das experiências propiciadas pela vida,
exercitando o arquétipo do espírito ou do velho sábio – que talvez não
convenha realçar quando atribuído à figura feminina. A mãe do príncipe
que se casa com Pele-de-Asno assume esta função na narrativa, intuindo o
porquê da doença do filho e conduzindo o marido à ação: é graças à
interferência e à perspicácia dela que o filho se salva. A rainha mãe articula
o poder, em harmonia com o marido, o saber e a ação, ganhando relevo na
história.
Por outro lado, a ausência desses atributos assinala alguma falha no
processo de aquisição de maturidade e de desenvolvimento pleno do eu. Tal
se verifica, por exemplo, na avó de Chapeuzinho que, frágil e impotente,
não consegue evitar a ação do lobo, e na mãe da menina, que não a adverte
sobre os perigos da floresta. Em Barba Azul, a mãe pode ser considerada
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omissa, diante da decisão da filha mais nova em se casar com a personagem
título, uma vez que já pairava a desconfiança acerca do destino das esposas
anteriores dele.
É possível ainda levantar a hipótese do quanto essas personagens,
independentemente da idade e de sua posição social, são ofuscadas pelo
masculino, representado por um marido responsável pelas decisões na
narrativa, o que tem como conseqüência um feminino com carência de
integração do animus. Isto se verifica em Riquet, com as duas rainhas mães,
pois o rei pai das princesas assume o comando e a ação no que diz respeito
ao destino da heroína, que tem liberdade de escolha. Vamos nos deter,
porém, no conto O Pequeno Polegar, em que duas figuras femininas se
destacam: a lenhadora, mãe dos sete meninos, e a ogra, mãe também de
sete ograzinhas. As duas preenchem a função maternal: a primeira combate
a sugestão do marido de abandonar os filhos na floresta, devido à fome, e
sofre com isso; a segunda acolhe o Pequeno Polegar e seus irmãos,
tentando protegê-los do marido. Ambas se vêm numa posição submissa ao
masculino:
O lenhador acabou perdendo a paciência, pois a mulher repetiu mais de
vinte vezes que ela bem que tinha dito que eles iam arrepender-se. Ele
ameaçou de lhe dar uns tapas se ela não se calasse. Não é que o lenhador
não estivesse talvez até mais acabrunhado do que a mulher, mas é que
ela lhe atazanava a cabeça. Ele era igualzinho a muita gente, que gosta
muito das mulheres que dizem amém, mas acha muito aborrecidas as
que estão sempre falando eu-bem-que-disse (PERRAULT, 1989, p. 6566).
À lenhadora resta apenas a fala, o discurso verbal, atuação inócua e
passível de lhe render uma agressão física. O narrador – ainda que
assinalando a exasperação que a lenhadora causa ao marido, ao repetir a
mesma coisa várias vezes – deixa clara a idéia da submissão desejada: ele,
como muitos outros, preferem as mulheres que concordam com tudo,
aceitando passivamente o que é determinado pelos maridos, detentores do
poder.
A personagem da ogra pertence ao território do maravilhoso, tema
da próxima parte deste trabalho. Destacaremos aqui, porém, a relação
travada com o marido. No caso da ogra, os maus tratos são ainda mais
evidentes. Ela é ameaçada e humilhada por ele: “Maldita mulher! Não sei o
que me segura, que ainda não te comi também. O que te salva é que você
está velha demais.” (PERRAULT, 1989, p. 73). O ogro de O Pequeno
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Polegar é o devorador de criancinhas, mas é também o que desrespeita a
esposa e destrói, mesmo inadvertidamente, as próprias filhas, que já se
apresentavam como um retrato dele, abafando o princípio feminino que
lhes seria natural.
Por último, cumpre verificar se há, em algum conto, uma
integração harmoniosa do feminino com o masculino, envolvendo as
personagens secundárias. No conto Pele-de-Asno isso acontece entre o rei e
a rainha, pais do príncipe, como já foi pontuado: a rainha desposa de um
poder em diálogo com o marido, figura feminina que exerce também a
função maternal plenamente desenvolvida, sem rivalidades e disputas com
o filho ou a futura nora. Em A Bela Adormecida do Bosque pode-se
constatar, no nível do discurso, que o rei se faz acompanhar da rainha – “rei
e rainha” é uma expressão que aparece várias vezes, referindo-se a
diferentes momentos na história, o mesmo ocorrendo no conto anterior.
Sublinha-se, porém, que ao rei pai da Bela Adormecida cabem as decisões
e as ordens; a esposa, ainda que presente a seu lado, não tem voz na
narrativa.
Fadas e ogras, figuras do maravilhoso
A origem da palavra fada remete ao fado, ao destino: as fadas, ao
articularem o poder sobre o destino humano, aproximam-se das Parcas
latinas e das Moiras gregas. O significado que aderiu ao longo dos tempos à
ação das fadas foi o de benfeitoras; para tanto, criaram-se as bruxas,
representação do mal, certamente introduzidas por uma moral cristã que
carece de apartar os dois lados. O espaço deste artigo não nos permite tecer
maiores considerações sobre isso, mas acentuamos que nas histórias da
tradição não aparece o termo ‘bruxa’: a fada promove tanto o benefício,
quanto o malefício, personagem em contato com o sagrado, cuja origem
latina associa-se ao bem e ao mal. Há, portanto, fadas que exercitam o bem,
outras, o mal.
Nos contos de Perrault, a fada madrinha cumpre a função de
proteger e auxiliar, principalmente as personagens femininas, com suas
bênçãos, dons ou conselhos, como em Cinderela, Pele-de-Asno, A Bela
Adormecida (o que ocorre com as fadas convidadas para o batizado).
Segundo Bettelheim, “Os contos de fadas indicam que, escondida em
algum lugar, a boa fada madrinha observa o destino da criança, pronta a
afirmar seu poder quando for necessário e urgente.” (1980, p. 85). A figura
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feminina da boa fada remete ao arquétipo das grandes deusas mães,
protetoras, acalentadoras: “Essas ‘fadas’ se aproximam das velhas mulheres
sábias e cheias de experiência, um pouco feiticeiras e curandeiras, que
presidem aos partos” (FRANZ, 2000, p. 30).
A fada madrasta, porém, é a portadora da maldição, pressagiando a
morte, função de Átropos, como acontece à princesa Bela Adormecida, que
não tivera culpa alguma de a fada – mais velha – não ter sido convidada
para o batizado.
Em dois contos, parece repousar sobre o ombro das fadas a ação de
julgar as personagens humanas – ainda que as fadas madrinhas só cumulem
com dons benéficos aqueles que os merecem. Neste grupo estão as fadas
juízas: o dom a ser concedido passa pelo crivo de uma avaliação, em que
pesa o merecimento de quem vai recebê-lo ou as circunstâncias envolvidas
na ação doadora. No conto As Fadas, a fada premia a boa menina que lhe
dera água para beber, mas confere o dom de cuspir sapos e cobras para a
jovem orgulhosa. Ela é a portadora do bem e do mal, do prêmio e do
castigo, sem que tente efetuar qualquer mudança no comportamento da
moça orgulhosa. Em Riquet o Topetudo, a fada compensa a feiúra de
Riquet com inteligência, mas confere a estupidez à linda princesa como
forma de conter a excessiva alegria da mãe, cedendo, porém, aos rogos
maternos de também compensar a bela filha de alguma forma.
Se as fadas existem no imaginário coletivo como figuras
benfazejas, o ogro é principalmente o representante do mal, vencido pelo
herói, cujas características também o projetam no território do sagrado.
Arlette Bouloumié apresenta um estudo bastante denso sobre o ogro na
literatura, referindo-se ao fato de Perrault chamar sua obra de “contos de
Fadas e Ogros” (2000, p. 755). Inicia seu texto com a etimologia da palavra
‘ogro’, associando sua origem às trevas do mundo subterrâneo, à devoração
canibalesca, à morte.
Tal como as fadas, há ogras que atuam com bondade ou maldade
nos contos de Perrault. Há apenas dois em que aparece a personagem da
ogra. Em O Pequeno Polegar, a ogra é uma figura maternal e protetora,
apiedando-se de Polegar e seus irmãos, além de boa e ingênua. Em A Bela
Adormecida do Bosque, ela cumpre o modelo de ogro mau e comedor de
criancinhas, como a figura masculina de O Pequeno Polegar, fiquemos com
esta.
O conto A Bela Adormecida apresenta duas personagens femininas
contrastantes: a princesa é dócil e submissa; a rainha ogra, mãe do príncipe,
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agressiva e destruidora. A ogra assinala a mulher preterida por outra mais
jovem, remetendo ao conflito entre Vênus e Psique. O príncipe, seu filho,
escondeu dela a constituição da nova família, apresentando-lhe o fato já
consumado, apesar das perguntas da mãe sobre possíveis namoradas: o
segredo é também uma traição à mãe possessiva, relegada a segundo plano
devido ao aparecimento de uma nova mulher na vida do filho: “A avó ogra
que devora a mulher casada com seu filho, o príncipe encantado da Bela no
bosque adormecido, é uma terrível mãe, abusiva e ciumenta.”
(BOULOUMIÉ, 2000, p. 761). A figura da ogra representa o feminino que
tenta desenvolver os atributos masculinos de poder e comando, assimilando
o lado negativo do animus. Pode ainda permitir uma leitura que remeta às
velhas damas medievais, analisadas por Georges Duby (1997, p. 43),
responsáveis por trazer, para o casamento, prestígio e riqueza material – o
rei do conto só se casara com ela por sua grande riqueza – e uma prole
muitas vezes numerosa. Segundo Le Goff, as dinastias “procuram fazer
recuar a origem de uma linhagem nobre medieval à união com um ser
sobrenatural, de forma a conferir às pretensões de uma família à
legitimidade uma consagração mais alta, metafísica.” (1980, p. 310). Neste
viés, a ogra representa essa origem sobrenatural, pagã, que vai ser
demonizada por uma cultura cristã.
Conclusão
As histórias da tradição, por mais que ratifiquem os valores
ideológicos que regem a sociedade no momento de produção dos textos,
abrem fendas por onde transita o rompimento a esses padrões. A
transgressão feminina aos estereótipos culturalmente exigidos à mulher
aflora nas narrativas de Perrault, confirmando a hipótese deste trabalho. As
personagens secundárias, que se situam à margem da ação narrativa
principal, efetivam alguma ruptura em relação à mansidão desejada para o
feminino.
Tal conclusão coloca em cheque a visão, já cristalizada, de que os
textos literários da tradição ratificam comportamentos femininos de
submissão, centrados na transmissão de valores morais, em especial os
contos de Perrault, encerrados por uma moral. Isto deveras ocorre em
algumas narrativas, mas outras permitem a revisão desses conceitos. Se há
personagens femininas submissas, há também aquelas que subvertem o
esperado. A grande dificuldade, porém, verifica-se na integração do
princípio feminino com o masculino, o animus. Várias personagens
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femininas assinalam o exercício de um animus desvirtuado, negativo,
reproduzindo os vícios masculinos. Não foi difícil verificar a existência de
personagens secundárias femininas que atingem o poder, efetivando ações,
ainda que nem sempre dignas. Poucas alcançam, porém, o saber. Talvez
porque a busca ainda se concentre na perfeição – e não na plenitude.
Referências Bibliográficas:
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1990.
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______. O processo de individuação. In: JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio
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_____. We: a chave da psicologia do amor romântico. São Paulo: Mercuryo, 1997.
JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
______. Estudos de psicologia analítica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1978.
______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis-RJ: Vozes, 2007.
LE GOFF, Jacques. Melusina Maternal e Arroteadora. In: Para um novo conceito de Idade
Média. Lisboa: Estampa, 1980.
MAGALHÃES, Ligia Cademartori. História infantil e pedagogia. In: ZILBERMAN, Regina
& MAGALHÃES, Lígia Cademartori. Literatura infantil: autoritarismo e emancipação.
São Paulo: Ática, 1982.
WARNER, Marina. Da Fera à Loira: sobre contos de fadas e seus narradores. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999.
122
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PERRAULT, BUARQUE E BURTON. QUEM TEM MEDO DO
LOBO MAU?
Priscila Rosa Martins
UFSC
Antes da escrita, os conhecimentos e vivências eram transmitidos
através da oralidade, serviam para registrar a realidade cotidiana e
fantasiada. Era deste modo que se explicavam a origem do mundo, das
coisas, das pessoas, das culturas com muita imaginação.
Aliás, sob o signo da convivência, a estória sempre reuniu pessoas que
contam e que ouvem: em sociedades primitivas, sacerdotes e seus
discípulos, para transmissão de mitos e ritos da tribo; nos nossos tempos,
em volta da mesa, à hora das refeições, pessoas trazem notícias, trocam
idéias e... contam casos. 46
Essas narrativas passaram a forma escrita no século XIV e, muitas
delas perpetuam até hoje (existem em alargadas versões e completamente
diferentes dependendo de qual região ou país que são contadas). Todavia,
elas dão um sentimento de fragmentação, característica da fala, porém não
dispõem mais do fator tão importante de uma história: o contador, aquele
que compartilhava da sua experiência. É deste ritual que temos livros como
Odisséia, Mil e uma noites e as fábulas.
A história mais conhecida entre os pequenos (e não tenhamos
preconceitos: os adultos também) talvez seja Chapeuzinho Vermelho. A
narrativa da pequena desavisada que visita a avó doente e é interpelada por
um lobo peludo e salivante. O francês Charles Perrault teve o cuidado de
contar, primeiramente, às mocinhas de sua época para que servisse de aviso
sobre os estrangeiros maus que poderiam devorá-las a qualquer momento.
Assim, o lobo, após a mocinha retirar seu chapéu, acaba por comê-la, sem
demoras. Mas, o que provoca o medo?
Jean Delumeau explica que o medo é cultural. Ora, a intenção de
Perrault nada mais era do que instaurar uma verdade na sua sociedade de
que as mocinhas de tal idade já não deveriam ter comportamento leviano e
desavisado, confiando no primeiro que aparecesse; com o reforço da moral
46
GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do Conto. p. 5
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no fim de sua narrativa, característica típica das fábulas. Além do quê,
Delumeau ainda ressalta, que temer ao outro, o estrangeiro, o estranho, o de
fora dos padrões daquela sociedade é comum, sem contar que o lobo pode
ser também a representação do pobre, o sem-casa; ele simplesmente
aparece no caminho da floresta (ou seja: lugar nenhum). Desta forma, há
um desencadeamento do medo, uma força para torná-lo natural, e assumi-lo
como verdade – algo que todos devem temer: o Outro. Não é incomum
termos este pensamento hoje, como ainda coloca Delumeau, devido à
várias guerras e epidemias. Tudo que nos é diferente pode não ser bom.
Entretanto, não temos só essa versão do medo, nem da
Chapeuzinho. Chico Buarque trabalha em sua releitura justamente o medo
excessivo que a menina já amarela tem. A pequena tem medo de tudo, e do
mesmo modo que Perrault, a garota se nomeia por um objeto: o chapéu. Em
Chapeuzinho Vermelho, este ponto fica mais frisado, pois quando retira
esta proteção, é justamente o momento que a menina deixa de existir. Com
o carioca, o movimento é contrário, há uma desconstrução do medo que se
dá ao deparar com o lobo, pois viu que não tinha o que temer. Acaba que
com isso, o lobo perde sua personalidade e teve vergonha de se assumir
lobo. Superado o medo, a menina supera também todos os outros medos
que tinha: de bruxa, de dragão, do diabo – personagens comuns de histórias
medievais e, o lobo deixa de ser LOBO e passa a ser lobo. Jacques
Rancière diz que ocorre então, a rejeição da submissão ao desconhecido. 47
Enquanto em Perrault, a razão do medo estaria em não passar para o lado
do desconhecido. Na Política de Aristóteles fica frisado que aquele que
estiver fora da cidade é um monstro ou um deus. E é fora da cidade, da
aldeia, da comunidade, que se encontram respectivamente o compadre
lobo, o lobo alemão e Francisco (que mais parecia um marisco).
Em Burton, com a narrativa do Menino Ostra, o estranho está
representado no protagonista. É ele que causa desconforto e torna a história
sombria com um fim trágico. Entretanto, há uma salvação do garoto, já que
antes de finalizar o livro que reúne outras histórias, ele ressurge no dia do
Halloween, fantasiado justamente de humano – incorporando entre tantas
outras coisas, a cultura, conquistando sua assustadora normalidade. Burton
tem essa particularidade de trabalhar com o dito grupo dos “fracos e
oprimidos” dessa sociedade dominadora. Então, fica claro entender o
contexto que aparece essa nova personagem que é comido pelo pai.
47
RANCIÈRE, Jacques. Do medo ao terror. p. 59
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O ato de comer é algo que se repercute nestes três contos. Em
Buarque, a menina decide não comer aquele bolo que virou lobo,
justamente pela depreciação da fantasia que havia sobre ele, devido não o
conhecer. Com Perrault, a morte da menina serve de exemplo para as
próximas, já que por não ter sido avisada 48 do perigo que representava o
lobo, não teve o que temer e aceitou o jogo que ele propôs – ela serviu de
exemplo para as próximas, porém fica claro que aquele lobo a comeu por
estar com fome há três dias. Mesmo não reconhecendo as atitudes da avó,
ela preferiu manter-se ao lado na cama, questionando a mudança visível,
não fugindo ou se apavorando (ação comum que observamos nas crianças
que tentam justificar as novidades a qualquer preço, ligando entre si as
coisas mais heterogêneas. 49 Lembra-se ainda que a história foi escrita para
o filho de Perrault, qual tinha dez anos). Como Chapeuzinho, Francisco não
teria motivos de temer o pai que lhe apareceu no meio da noite. Nota-se
ainda que o fato ocorreu dentro de casa: representação do terror íntimo,
segundo Rancière. 50
A morte, ainda em Perrault, opera de forma a causar trauma em
seus leitores, em impedi-los de tal ação; com Burton, vê-se um movimento
contrário, muito parecido com os recursos utilizados por longas animados e
seriados, quais os protagonistas se deparam com diversas situações de
morte (cair do abismo; ser acertado por uma bigorna, piano, vaso;
sufocamento, afogamento,...) e saem ilesos, em questão de segundos (ou
páginas). Pode-se afirmar a perda da moralidade nessas histórias, pois
mesmo que venham a fazer algo proibido, não são punidos. Até porque o
pai mata o próprio filho, e o espectador (leitor) “fica mais preso num tipo
de cumplicidade a meia distância entre as duas posições. Ele é convidado a
uma certa suspensão do julgamento”. 51
Na primeira história a morte se faz necessária, pois era mais
racional que o pai de Francisco o comesse, já que além de sua aparência
inexplicável, trazendo com isso muito sofrimento à mãe, ele seria a grande
solução dos problemas sexuais do pai. Por isso sua história é trágica
“porque o destino funesto chega pela coincidência de dois regimes
antagônicos de causalidade”. 52 Na segunda: a ressurreição feliz do
48
Nem pela mãe, como ocorre nas outras transcrições dessa narrativa.
PIAGET, Jean. A linguagem e o pensamento da criança. p. 140
50
p. 68
51
RANCIÈRE, p. 58.
52
RANCIÈRE, p. 60.
49
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
protagonista. Infere-se que sua vida infeliz foi apagada, agora ele faz parte
da sociedade, saiu de casa. Chapeuzinho Vermelho deixa morrer sua
infância, para renascer com a puberdade – outra história. A menina de
Buarque também faz seu caminho até a porta e se abre para as crianças que
viviam lá fora.
Referências
BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo. 21. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.
BURTON, Tim. O triste fim do pequeno Menino Ostra e outras histórias. Tradução de
Márcio Suzuki. São Paulo: Girafinha, 2007.
DELUMEAU, Jean. Medos de ontem e de hoje. Tradução de Marcelo Gomes. In:
NOVAES, Adauto (org). Ensaios sobre o medo. São Paulo: Editora Senac São Paulo:
Edições Sesc SP, 2007. p. 53-71.
GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do Conto. 11. ed. São Paulo: Ática, 2006.
PERRAULT, Charles. Chapeuzinho Vermelho. Tradução de Monica Stahel e Rosemary
Costhek Abílio. In: Contos de Perrault. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
RANCIÈRE, Jacques. Do medo ao terror. Tradução de Marcelo Gomes. In: NOVAES,
Adauto (org). Ensaios sobre o medo. São Paulo: Editora Senac São Paulo: Edições Sesc SP,
2007. p. 39-52.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
NA INFÂNCIA TODO CORPO POÉTICO É CONCRETO
Adriana Carolina Hipólito de Assis 53
Uma das linhas de discussões que contornam os cursos de letras em
São Paulo, sobretudo os advindos da PUC, é o legado dos poetas concretos,
patronos desta universidade. E, como todo ser vem sempre marcado pelos
espaços críticos e literários dos quais pertence, acabamos por carregar esses
autores onde quer passamos. Mas não com o intuito de se criar um “plano
piloto” do que se deve ou não dar em termos de estética na infância ou na
vida adulta, mas como uma possibilidade de, como um olhar que percrusta
constelações poéticas em todos os tipos de textos e imagens que perpassam
pelo viés dos concretos.
Assim, uma das lutas ou bandeiras, sem querer tornar essa
discussão panfletária, é mostrar que as questões estéticas, formais têm sido
preteridas no ensino. Grande parte do que se veicula no ensino ou da
apreensão do signo estético na infância – que não é só da infância, uma vez
que a poética prescinde qualquer idade -, se dá de modo temático. A
criança, neste contexto, aprende com os textos oferecidos em sala temas
que auxiliam a lidar com as diferenças culturais, com as diferenças de cor, a
lidar com sua própria subjetividade de forma equilibrada – haja vista as
linhas psicanalíticas regadas a Bruno Bettelheim –; ou, então, a utilizar os
textos poéticos como um meio para se chegar a fim prático, utilitário
relacionado, sobretudo, à alfabetização, ou, a entrar em uma forma que lhe
possibilite sociabilizar-se com os chamados “valores” considerados pelo
senso comum, como uma mistura do que é “certo” ou “errado” com algum
coisa religiosa, quando, neste momento, a escola e, principalmente, a
poética deveria ser laica.
A princípio, essa história de estética, de poética na infância pode
parecer estranha, uma vez que a criança está em formação e criou-se o mito
com relação aos concretos de que é muita abstração, uma vez que este
grupo de poetas construiu um eixo poético, teórico e critico extremamente
metaliguístico e semiótico. Há até quem diga que eles são mais
interessantes enquanto críticos, teóricos e tradutores do que poetas, o que é
uma inverdade, visto que toda teoria necessita de uma práxis. Bom, mas o
53
Mestre em Literatura e Crítica Literária – PUC/SP.
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caso é que a poética concreta se assenta em bases lúdicas, num continuum
montar e desmontar do próprio código: um brinquedo verbal, visual,
sonoro, um jogo anagramático para aqueles que gostam de buscar, na
palavra, o tesouro escondido, ou, ainda, de observar a dança da palavra, o
desenho que gestualiza cores, sons, enfim, sinestesias em um único objeto
poético.
Já é prática infantil fazer o que os poetas concretos teorizaram em
estilo joyceano, ao utilizarem palavras-valises, para dizer tudo numa só
palavra: verbovocovisual. Condensando em um único desenho ou traço
verbal, a narrativa inteira. A criança usa espontaneamente, um princípio
estudado pelo erudito Ezra Pound (1990:40) que utiliza a expressão
“Dichten = condesare” ou o seu famoso jargão da “linguagem carregada
de significado até o máximo grau possível”. Além desse aspecto, as
produções infantis associam-se a estética primitiva, uma vez que trabalha
com um tipo de acumulação associativa de significado. Ela escreve e pinta
ao mesmo tempo, operando por uma gramática natural no início da
alfabetização, ou, quando não, por uma associação agramatical muito
próximo das imagens ruprestes, das pinturas de Miró, ou, ainda, dos
caracteres ideogramáticos. Observe as imagens que seguem. A primeira, a
de Miró, temos uma abstração que possibilita o voo perceptivo do
espectador/leitor. A partir dele emanam semioses infinitas, como afirma
Humberto Eco (1980). Constelações mallarmaicas que possibilitam
afirmações como as de minha filha que vê nele um peixe cantor ou, como
eu, um passarinho cantor de opera de algum conto de fadas:
Fonte: Le chanteur by Joan Miro, disponível no site: www.artsender.com, em 09/09/2009.
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Fonte: CAMPOS, Haroldo. Ideograma: lógica, poesia, linguagem. São Paulo: Edusp, 1994,
p. 150.
Já a segunda imagem, retirada da obra de Haroldo de Campos
(1994), verifica-se a evolução da caligrafia chinesa que, derivada das artes
plásticas, aproxima-se por analogia das imagens ruprestes, dos hieróglifos
até chegar à formatação do ideograma: do desenho do cavalinho à caligrafia
final. O ideograma é o próprio objeto: um cavalinho. Por isso Haroldo de
Campos afirma que todo corpo poético é concreto, pois a natureza de toda
poética é concretizar o objeto seja pela imagem, seja pela idéia, seja pelo
som, ou, ainda como afirma Ezra Pound (1990: p.11), com as afamadas
categorias, utilizadas pelos concretos: a fanopéia como “um lance de
imagens sobre a imaginação” que nos remete a imagem concreta do objeto;
a melopéia como “aquela em que as palavras são empregadas de uma
propriedade musical que orienta seu significado” o que corresponde ao uso
do ritmo, das onomatopéias, das aliterações e das assonâncias; e a logopéia
como “a dança do intelecto sobre as palavras”.
A riqueza visual da poesia haikai advém do ideograma, uma chama
gráfica cujo espírito está manifestado na poesia primitiva, no desenho do
objeto que reflete as imagens do mundo. O processo de compreensão do
signo linguístico oriental é essencialmente feito por hipoícones que,
geralmente, são utilizados para descrever a delicadeza de algum quadro da
natureza. Daí encontrarmos ecos de discussão com infinitas vertentes
advindas da teoria da percepção, uma vez que tanto a poética oriental como
a concreta estabelece elos indissociáveis com a natureza: uma relação
pansemiótica com o mundo.
Afirma Haroldo de Campos que,
quanto mais concreta e vividamente expressamos as interações das
coisas, melhor é a poesia. Em poesia, necessitamos de milhares de
palavras ativas, cada qual fazendo o máximo para revelar as forças
matrizes e vitais. Não podemos exibir a opulência da Natureza por
simples adição, amontoando sentenças. O pensamento poético trabalha
129
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por sugestão, acumulando o máximo de significado numa única frase
repleta carregada, luminosa de brilho interior (1994: p. 132).
A lógica infantil assemelha-se a oriental, à medida que o ideograma
“cavalinho” funciona não como um substantivo, mas como um feixe de
ações funções (Segolin, 1978) discursivas que, por associação, envereda em
várias histórias. O signo ideogramático (cavalo) traz consigo uma ideia
verbal, pinturas abreviadas das ações. Nós ocidentais necessitamos sempre
dos verbos para indicar ação, precisamos sempre da ordem silogística de
sujeito e predicado para significar o que queremos; já os orientais, o
ideograma “falar”, por exemplo, é a própria boca. O poema abaixo, do
poeta Seiichi Niikuni (apud Campos, 1994: 105), muito nos lembra as
poéticas concretas advindas desde Apollinaire do livro Caligrammes, que
apresenta o mesmo título: Chuva. Neste, de Niikumi, a chuva advém das
gotinhas contidas dentro ideograma, ou seja, o poema chove:
Mas não queremos com isso afirmar que a lógica oriental é infantil
ou mesmo dicotomizar as relações entre oriente e ocidente, mas frisar que a
criança, geralmente, combina diversos elementos pictóricos/verbais em um
único texto, estabelecendo assim, analogias de similaridade imagética com
os objetos, como fazem as poéticas contemporâneas e as orientais. A
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criança não pensa o conceito, ela sensorializa a palavra analogamente à
realidade sem realizar mediações de idéias ou conceitos: capta-a como um
signo icônico, asseguram Maria José Palo e Maria Rosa O. Duarte (2006).
Ela (re)propõe o mundo real, com um olhar concreto, como afirma Décio
Pignatari (1987).
A captura do olhar da criança para os espaços lúdicos do mundo se
dá num tempo sincrônico, isto é, no famoso “aqui e agora”, advindo das
poéticas e da filosofia oriental, na qual se seleciona a cena de um instante.
Não se trata de trabalhar como faz a escola: um tipo de “poética de soluço”,
como brinca Haroldo de Campos, que desfuncionaliza o caráter
essencialmente poético ou da função poética como enfatiza Jakobson
(1995), fixando-se na função emotiva do signo. Daí que o aluno – quando
amadurece, como leitor crítico -, passa a detestar poesia, pois vê nela
“soluço”, ou um tipo de poesia “sentimental” e extremamente linear. Não
consegue enxergar, em outros gêneros textuais, elementos advindos do
destaque da função poética nos slogans publicitários, nos jornais, no vídeo,
no cinema, nos games informatizados, nos outdoors destinados ao público
infantil, etc. Gêneros textuais relacionados à poesia concreta, e ditos pelos
irmãos Campos e Décio Pignatari em Teoria da Poesia Concreta (1975),
como poéticas utilitárias advindas desde a Revolução Industrial e dos
postulados Marshall McLuhan como um objeto de consumo. Modalidades
discursivas próprias do nosso século, como aponta Ítalo Calvino (1998) em
Seis Propostas para o Próximo Milênio, quanto à velocidade e a concisão
informacional derivada da era tecnológica. Sinais de um tempo cujo ritmo
nos aponta cada vez mais para a digitalização dos meios, enquanto mass
media, que estabelece intersemioses com outras áreas.
Neste momento, assim como na vida adulta, não há necessidade de
se trabalhar a espacialidade fixa presente nos sonetos, por exemplo, e que
são sempre dadas, em sala, com ênfase na função emotiva. Uma das marcas
da poética concreta é justamente a utilização do verso livre no espaço da
folha em branco, do aspecto gráfico da palavra, da iconização da imagem,
do som, como vemos na música do compositor e cantor Arnaldo Antunes
que, embora adulto, poetiza a infância perfazendo um casamento entre os
códigos utilizando a mídia televisiva na apresentação clipe-poema musical,
no qual a letra da música aparece em compasso nasalizante da palavra
MÃO, conjuntamente à imagem das crianças lavando as mãos, no mesmo
ritmo do bater das mãos. Texto que é ao mesmo tempo educativo e poético,
com ênfase na função poética:
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LAVA UMA
LAVA A OUTRA
MÃO
A montagem também é um dos procedimentos das poéticas
contemporâneas derivadas do cinema. Uma prática, enquanto método
utilizado pelos concretos, no qual se faz uso de tomadas em primeiro e
segundo plano, dispondo os fragmentos textuais com direções graficamente
diversificadas. Na sequência das ações justapostas constrói-se a imagem,
geralmente, uma metonímia metaforizada pelo poeta. O que tem tudo a ver
com a infância, com a montagem existente nos gibis, nos vídeos infantis
que as crianças curtem tanto – às vezes, até mais que os livros o que acaba
por gerar uma competição desnecessária entre as mídias, pois não se
trabalha as produções textuais e as leituras com a perspectiva da montagem.
Observe a sequência do poema sem título, de Hugo Mund Jr (apud
Menezes, 1998: p. 84). O esconde, esconde da letra “a” possibilita leituras
nas quais a criança vê analogicamente, a princípio a ponta de um signo
qualquer, depois a tromba de um elefante, até chegar finalmente a letra “a”,
um poema-brinquedo metalinguístico:
Os haikais são também um exemplo de poéticas que se utilizam da
montagem muito antes de se sonhar com a existência do cinema. Cada
verso é uma tomada, um recorte de câmara, uma condensação do olhar. Na
esteira do oriente, os poetas concretos encontraram repouso e pousada nas
“sendas ideogramáticas” para criar, recriar e traduzir poéticas. Esse recorte
pode ser observado no aspecto gráfico que, à moda dos concretos,
apresentam tomadas em três tempos ou em três versos como fazem os
haikaistas que, na maioria das vezes, tratam de um evento que acontece (o
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salto da rã); depois, da mudança de estado do objeto percepcionado pelo
haikaista (o som da água); e, por fim, a terceira linha do verso que
representa o resultado dos estados anteriores, que, para os orientais, nada
mais é do que o estado de equilíbrio estético.
O nousense da releitura do clássico haikai de Matsuó Bashô, feito
por Haroldo de Campos e Décio Pignatari (apud Leminski, s/d: 46) esta na
palavra que, efetivamente, “tomba” na água criando o efeito do movimento
do corpo poético; e, a segunda, que iconiza gráfica e metaliguísticamente o
mergulho da rã ao inserí-la dentro da própria palavra, uma simbiose na
horizontal entre o vocábulo mergulho e a água, além da reverberação
sonora, desse mergulho, com a repetição do anagrama-paronomásico da
palavra “água” derivado do espelhamento aglutinado de “águágua”:
Já no poema a seguir de Issa, um dos seguidores de Matsuó Bashô,
traduzido por Paulo Leminski (s/d: p. 38) é exemplo de método não só da
montagem, como também do efeito de linguagem denominado pelos
japoneses de: “Kake-kotoba” ou “palavra pendurada”. Esse mesmo
efeito é observado nas poéticas concretas, na medida em que possibilita
movimento corpóreo, além do cinematográfico. A iconização da cena toda
ou de sua metaforização se dá não só pela espacialidade gráfica trabalhada
por planos, como também, pela recorrência de advérbios de intensidade e,
depois de lugar. Utilizados numa equivalência isomórfica de “poucas
pessoas” com “poucas folhas”, isoladas graficamente pelos advérbios de
lugar. Pessoas e folhas condensam o mesmo olhar:
poucas pessoas
as folhas são poucas
aqui
uma
ali
outras
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Outro aspecto que não podemos deixar de tratar é quanto ao mito
semioticista que, muitas vezes, impossibilita tanto o professor quanto o
aluno de alçar voos devido às segmentações e classificações barrocas que,
geralmente causam estranhamento. A começar pela veia mestra perceana
(1995; 1990; 1987; 1980) que compreende a arte dentro de uma lógica
tricotômica: signo-objeto-interpretante, mas cuja ênfase esta para
iconização de qualquer objeto. Concepção essa, que está em consonância
com a estética concreta, uma vez que para eles a única maneira de se
comunicar diretamente uma ideia é por meio de um ícone. Uma imagem,
diz o dito popular, vale mais do que mil palavras. Então, o quê o ícone
afinal? Ou como podemos verificar a abordagem dos poetas concretos nos
textos da infância? Comecemos pela concepção de signo que grosso modo
deve representar alguma coisa, chamada de objeto a uma mente
interpretadora. Os signos se corporificam, ganham carne ou vida quando
vestem uma palavra verbalmente ou não verbalmente, assim podemos dizer
que, para que signo seja icônico é preciso que algum objeto emane uma
materialidade icônica; se for um índice o signo será um pequeno fragmento
extraído do objeto; e, finalmente, se for um símbolo pode-se dizer que seja
uma convenção, uma lei diante do objeto. Temos assim uma tríade que se
autogera como um DNA comunicacional.
Os poetas concretos afinadíssimos com as possibilidades advindas
das teorias semioticistas verificam que a arte se concretiza de modo
icônico, mas não de uma forma chapada como nas correspondências
diádicas do tipo denotação/conotação. Eles observam que as segmentações
são importantes, pois possibilitam leituras várias de um mesmo objeto
dentro da concepção das tríades de Peirce. Logo, o ícone por ser a musa
eleita dos poetas e artistas apresenta-se como um prisma mallarmaico, isto
é, ele sai de uma escala derivada de uma idealização, de uma pureza icônica
quase imponderável advinda de processos abdutivos, isto é, dos insights
que somente os poetas e cientistas compreendem; passa pelo “ícone atual”,
isto é, pela reação diádica da percepção de uma qualidade externa de algum
objeto, um quase-objeto icônico, para, finalmente chegar ao campo das
representações iconizadas (verbalizadas ou não pela palavra, pela pintura,
pelas mídias visuais etc) como um hipoícone. Observe o fragmento do
esquema proposto por Décio Pignatari (1987: p. 48), em Semiótica &
Literatura utilizado para elucidar, com muita propriedade, essa gradação
que vai do ícone ao hipoícone.
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Um hipoícone (Pignatari, 1987; Peirce, 1990; Santaella, 1995) é um
signo icônico, denominado assim por representar seu objeto por
similaridade, como um substituto, como uma virtualidade, geralmente
poética, pois se circunscreve no espaço do verossímil. Dentro dele temos: a
primeiridade como a imagem propriamente dita; a secundidade, com os
diagramas que estabelecem relações de analogia por similaridade,
semelhanças com a forma; e, a terceiridade, com as metáforas que se
associam às imagens amplamente covencionalizadas, pois é quase um
símbolo icônico. Mas é preciso cuidado, pois os ícones não são só imagens:
fotos, quadros, desenhos como quer o senso comum. Um hipoícone pode
ser uma cor, um som, um traço, uma letra: uma qualidade qualquer que
pode estabelecer infinitas analogias triádicas com o objeto captado.
Essa segmentação pode parecer um “bicho de sete cabeças”, mas
ela auxilia e, muito, não só na produção poética como na recepção estética
de qualquer objeto artístico. Na poética concreta opera-se uma
correspondência simultânea de semelhanças (por isso icônica) entre a
palavra, o som e a imagem, criando assim, uma “linguagem-coisa” ou uma
“carnadura concreta”, como afirmam Maria José Palo e Maria Rosa Duarte
(2006) em Literatura infantil: voz de criança ao se referir à função poética
que estabelece a projeção do eixo de similaridade sobre o de contiguidade,
na qual a linguagem assume a dominante poética em detrimento às outras
funções de linguagem, justamente por iconizar a mensagem.
Observe a imagem abaixo, embora tenha sido recolhida de gênero
infantil, da obra de Marcelo Cibis (2009): Se um gato for... apresenta uma
correspondência direta com as poéticas concretas, uma vez que hipoiconiza
o signo:
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Na sequência das imagens poéticas temos uma narrativa que não
necessita de arroubos verbalizantes advindos de uma lógica subordinativa
do narrar, ela vem condensada numa justaposição de recortes fílmicos.
Nela, os códigos verbais e não verbais perfazem uma fusão de formas, feita
em uma fabrica-brinquedo.
O gato desde o início do livro é apresentado como uma hipótese
advinda tanto do condicional SE, quanto da recriação imagética de um
mundo possível, que só pode existir na poética. O gato é constantemente
fundido por códigos, como no fragmento acima, no qual o código verbal
surge a partir dos respectivos adjetivos “amarelo, azul e verde”; e do código
não verbal com as cores que se alternam em “cor-sim-cor-não”. No
desenrolar narrativo-imagético possibilitado pelas reticências e pela
mudança de página, o gato sai misturado pelas cores, todo verde. Aqui
temos há uma hibridização icônica tanto das cores, quanto da palavra que
contém um quase anagrama derivativo de verde: esVERDEar. Um
esverdear mágico, surpreendente ocasionado pelo uso da exclamação e das
linhas desenhadas próximas à cabeça do gato que abrilhantam sua imagem:
um gato novinho, transmutado pelos códigos, pelas cores, pelas formas.
Um gato que pode, ainda, suscitar diagramas analógicos com as
cores da bandeira brasileira (azul, verde e amarelo), e, consequentemente
com uma crítica velada, uma vez que nasce da ambiguidade discursiva com
o condicional SE. O gato pode ser um hipoícone-metáfora, ritualizado
como símbolo fraudulento, para os adultos, como pode ser um simples gato
mágico colorido advindo do reino das águas claras, para as crianças. Um
gato mallarmaico, derivado de uma escolha probabilística diante de tantos
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SEs, um reflexo da era industrial, digitalizado. Um gato desmontável e
miscigenado por culturas/cores de algum pintor que segmenta signos, ou,
ainda, um gato haikaista, que carrega em si um ideograma-gato, enfim um
gato que pode criar semioses infinitas a partir de leitura.
Conclusão...
O método de leitura/recepção e produção advindos das poéticas
concretas possibilita à criança a compreensão da função poética e da
dominância do signo icônico, que, ao contrário de uma linha
“autoritária/utilitária” que utiliza produções infantis como pré-texto para
inserção no mundo grafo, colocando-a em uma lógica moldada para um
fim, não priorizando o aprendizado estético do signo.
O método concretista coaduna com a infância, pois “rejeita a poesia
discursiva, o jogo oratório de conceitos, o poema narrativo, com ordem
sintática semelhante ao discurso lógico” (Campos, 1994: p. 100), seu
princípio ordenador, ou sua lógica está muito mais próxima daquilo que as
teorias perceanas afirmam quanto ao raciocínio pré-lógico, analógico,
próprio dos processos abdutivos, que são, por natureza, poéticos.
De outro modo, a criança, ao inserir-se neste espaço, descobre que
pode estabelecer intercâmbios sensórios, lúdicos e estéticos com o mundo
que a cerca, pois aprende a iconizar verbovocovisualmente o espaço
gráfico do poema. Espaço que, muitas vezes, evoca ou alude
ritmos/cadências criados na página numa relação espaço-tempo imagéticacorporal, uma vez que carrega em si o movimento, o gesto do corpo da
palavra e/ou pictórico-ideogramático, enquanto palavra-objeto.
Referêncais
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1980.
BONINI, Estela. Haikai para Van Gogh. São Paulo: Aliança Cultural Brasil-Japão, 1995.
CALVINO, Ítalo. Seis Propostas para o Próximo Milênio. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
CAMPOS, Augusto. Poesia, antipoesia, antropofagia. São Paulo: Cortez & Moraes, 1978.
CAMPOS, Haroldo. Arte no Horizonte do Provável. São Paulo: Perspectiva, 1977.
______________. Ideograma, lógica, poesia, linguagem. São Paulo: EDUSP, 1994.
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______________. Metalinguagem & Outras Metas. São Paulo: Perspectiva, 1992.
CAMPOS, Haroldo; et al. Teoria da Poesia Concreta – Textos críticos e manifestos 19501960. São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1975.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A POTÊNCIA LÚDICA DO POEMA: UMA VIVÊNCIA DA POESIA
CONTEMPORÂNEA
Marcos Marsuwell Ferreira Garcia (UFSC)
Um blefe no Acaso?
“Um lance de dados jamais abolirá o acaso” esse é o mote marcante
do grande poema de Stéphane Mallarmé Un Coup de Dés, referência para a
chamada poesia de vanguarda, um poema libertador em uma jogada poética
genial, enigma que inspirou escritores e poetas-engenheiros, entre eles
Joyce, Pound, Cummings, Valéry, Leminski, Pignatari, os irmãos Campos
e muitos outros. O poema, ao mesmo tempo, rompe a estrutura espacial e
abre o espaço em branco da página, criando um tipo de móbile sonoro
baseado em uma proposta formal e conceitual, que marca todo um ciclo de
séculos literários e lança os dados de uma nova arte. Muitos escritores já
elaboraram estudos sobre o poema de Mallarmé, o poeta inventava um
novo processo de organização poética, esse processo serial passou a ser
exprimido pela palavra Estrutura, com noções gestaltianas, como, o todo é
mais que a soma das partes, ou de que todo é algo mais qualitativamente
diverso de cada componente, métodos da Gestalt, postos em prática no
campo das artes.
Augusto de Campos afirma ser este poema, o limiar da nova
poesia, em seus dois artigos publicados em 1955, sob os títulos de “Poesia,
139
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Estrutura” e “Poema, ideograma”. O primeiro, ele dedica a análise do
poema, esse processo é exprimido pela palavra estrutura. O segundo é
dedicado ao novo conceito de composição, uma ciência de arquétipos e
estruturas, um novo conceito de formas, chama-ás de Organoformas, onde
noções tradicionais como início, meio e fim, silogismo, tendem a
desaparecer diante da idéia poético-gestaltiana, poético-musical, poéticoideogrâmica de Estrutura. Em “Poesia, Estrutura” artigo publicado
originalmente no Diário de São Paulo de 1955, Augusto de Campos indica,
Mallarmé estava consciente de sua descoberta, essa idéia de estrutura,
implícita no poema, exigia uma espécie de tipografia funcional, o emprego
de tipos diversos, a posição das linhas tipográficas das páginas, os brancos,
o uso especial da página. De Campos em sua tridução em conjunto com seu
irmão Haroldo e Pignatari, intitulada “Mallarmé” realizada em 1986, faz
uma detalhada tradução de Un Coup de Dés, e escreve sobre o poema,
Talvez (PEUT-ÊTRE): É a palavra-chave do poema. Em meu artigo de
1958 sobre Coup de Dés, escrevi: “A contradição dialética entre a
afirmação axial de que UM LANCE DE DADOS JAMAIS ABOLIRÁ
O ACASO e o surgimento presumível da onstelação que elvolve o
próprio poema como forma nova e, portanto, disciplina controladora do
acaso, já foi apontada por Maurice Blanchot. É esta contradição crítica
que fecunda o poema e recoloca os termos do problema...
E continua.
... a obra constelação, evento humano, experiência viva e vivificante,
sempre a ponto de se recriar – véspera de um novo lance” (de CAMPOS,
1986, p. 140)
É notável que Um Lance de Dados seja o divisor de águas da
poesia, por isso, é a partir deste poema como referência que se buscou
refletir as indagações, O que é o contemporâneo na poesia? E A poesia e o
acontecimento. Título da disciplina ministrada pela Professora Drª. Susana
Scramim, realizada no primeiro semestre de 2009, na pós-graduação em
literatura da UFSC, para margear este caminho foi necessário nessa
proposta de leitura lembrar as similitudes de três trabalhos poéticos, o
revolucionário Lance de dados de Mallarmé, a exposição Jogos de dados
de Geraldo de Barros e o poema “geraldo” de Augusto de Campos, este
último pode ser encontrado na coleção dirigida por Haroldo de Campos
nomeada despoesia no capítulo chamado profilogramas, página 83,
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Augusto de Campos nasceu na cidade de São Paulo no dia 14 de fevereiro
de 1931, poeta, tradutor, ensaísta e crítico de literatura e música, estreou
seu primeiro livro em 1951 O Rei menos o Reino, em 1952 junto com seu
irmão Haroldo e Décio Pignatari, lançou a revista literária Noigandres a
palavra noigandres segundo Augusto de Campos, significa “antídoto contra
o tédio” denominando também o Grupo Noigandres que lançou o
movimento da poesia concreta no Brasil.
Era projeto dos concretos assimilar a produção poética das
vanguardas européias e dar o salto qualitativo que implicaria a
desconstrução da idéia de lógica espacial ou visual e a criação de um
poema-objeto referenciador de sua própria estrutura dinâmica, conceito de
“metacomunicação” expresso na teoria da Poesia Concreta. O verso e a
sintaxe convencionais eram abandonados e as palavras eram redesenhadas,
rearranjadas e repintadas em estruturas gráfico-espaciais, era a poesia com
projeto. Augusto de Campos como tradutor de poesia se especializou em
recriar obras de autores de vanguarda como Pound, Joyce, Maiakóvski e
especialmente Mallarmé entre outros. Através das referências do poema de
Mallarmé, que Augusto traduzia, se arrisca uma primeira leitura em busca
de um acontecimento do poema “geraldo”, mas antes de qualquer leitura ou
podemos dizer lançamento, já que o poema tem a forma de um dado, é
fundamental também trazer para discussão, a exposição feita em 1986 em
Veneza, intitulada Jogos de Dados do artista Geraldo de Barros, ambos os
artista trabalharam com a estrutura gráfica do poema no espaço e usaram
para apresentar suas idéias, não por acaso o formato do objeto dado.
Observe.
“Geraldo” (1986)
GERALDO
SQCRIAQUA
UESÃSEQUADR
OQUASEADOSQUE
CUBOSDEUSÃOQUAS
MJOGODELOSANG
E D A D OS Q U E S Ã
OSOQUASEH
EXÁGONO
141
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
QUESÃOQ
SEUASECUB
JOGOOSQUESÃ
DEDADOOQUASEH
SDOSQUADEXÁGONO
R OO S D O G S Q U E S Ã O
ERALQUASELO
DOSANGOSQ
UESÃO
(Augusto de Campos)
Fotos de alguns dos quadros da exposição “jogos de dados”)
Geraldo de Barros
Mallarmé inaugurou uma nova dimensão do poema no espaço da
folha, empregou tipos e tamanhos diversos, valorizou os espaços em branco
da página, deu mais fluidez as linhas tipográficas, posicionou-ás de forma
mais livre na página, desenvolvendo o “poema-estrutura”. Como Haroldo
de Campos observa a importância revolucionária de Coup de Dês na
evolução da poesia.
142
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
[...] Mallarmé começa por denunciar a falácia e as limitações da
linguagem discursiva para anunciar, no Lance de Dados, um novo
campo de relações e possibilidades do uso da linguagem, para o qual
convergem a experiência da música e da pintura e os modernos meios de
comunicação, do ‘mosaico do jornal’ ao cinema e às técnicas
publicitárias. [...] Mallarmé, ao mesmo tempo que encerra um capítulo,
abre ou entreabre toda uma era para a poesia, acenando com inéditos
critérios estruturais e sugerindo a superação do próprio livro como
suporte instrumental do poema. (De Campos, H. 2002, pp. 26-27)
Mallarmé e Geraldo de Barros influenciavam o trabalho de
Augusto de Campos, em 1986, o artista Geraldo de Barros, nasceu em
Xavantes em 1923, foi artista plástico, fotógrafo e designer gráfico e de
produtos, buscava uma arte: despojada e livre do subjetivismo, queria
incorporar as linguagens do designer e da fotografia a sua arte, fundou o
Grupo Ruptura de artista do movimento de arte concreta, chamava seus
trabalhos de Fotoformas, pois os identificava como uma forma de gravura,
e criava realizando intervenções visuais nas fotos, abusando das duplas
exposições. De Barros lançou em 1986 a coleção jogos de dados na Bienal
de Veneza, apresentou esta mesma coleção em São Paulo no ano seguinte
(1987), a coleção foi doada pelo próprio autor à Unicamp atual proprietária
da obra.
No mesmo ano da exposição de Geraldo de Barros (1986) em
Veneza é a composição do poema “geraldo”(1986) e do livro o anticrítico
(1986) de Augusto de Campos. Existe então uma data que entrelaça as
obras, 1986, coincidindo com o segundo ataque de isquemia sofrido por
Geraldo de Barros.
A partir dessa verificação de correlações entre as obras
apresentadas: mesma época, variações sobre um mesmo tema,
relacionamento entre os autores e, sobretudo, a forma de se pensar e fazer
poesia baseado nas idéias concretistas, criam margem para análise do
poema “geraldo”. Sem dúvida a obra de Mallarmé Coup de Dés é
referência onde os artistas concretos de Barros e de Campos encontram
espaços para suas criações, entrelaçando-as, possibilitando seus encontros,
seus acontecimentos.
“Geraldo cria quase quadrados, que são quase losangos, que são
quase hexágonos, que são quase cubos, de um jogo de dados, que são quase
hexágonos que são quase losangos que são...”, no poema “geraldo” a
estrutura ou desenho formado pelas letras, é exatamente igual a dois
quadros de Geraldo de Barros, em branco e preto, no formato de um dado
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
ou cubo, lançados na exposição “jogos de dados”, fica evidenciada a
semelhança entre as obras, é quase uma forma de relançar o dado da
exposição de Geraldo, mas com a arte da escrita, os espaços geométricos
em branco e preto são destacados pela tonalidade das letras, a exposição
apresentada em Veneza destaca a tridimensionalidade do cubo, e essa
forma é mantida no poema, com riqueza de detalhes.
Para aumentar as possibilidades de avaliação do poema em
questão, pedi para que alguns amigos lessem o poema que eu estava
trabalhando, cada amigo leu de forma diferente, como que inaugurando
uma nova jogada de dados, essa foi a primeira observação do poema em
jogo, sobre o jogo Walter Benjamim escreveu,
“Pois é o jogo, e nada mais, que dá à luz todo hàbito. Comer, dormir,
vestir-se, lavar-se devem ser inculcadosno pequeno irrequieto através de
brincadeiras, que são acompanhadas pelo ritmo de versinhos. Todo
hábitoentra na vida como brincadeira, e mesmo em suas formas mais
enrijecidas sobrevive um restinho de jogoaté o final. Formas petrificadas
e irreconhecíveis de nossa primeira felicidade, de nosso primeiro
terror,eis os hábitos. E mesmo o pedante mais insípido brinca, sem
saber, de maneira pueril, não infantil,brinca ao máximo quando ele é
pedante ao máximo. Apenas ele não se lembrará de suas
brincadeiras;para ele somente uma obra como esta permaneceria muda.
Mas quando um moderno poeta diz que paracada homem existe uma
imagem em cuja comtemplação o mundo inteiro desaparece, paraquantas
pessoas essa imagem não se levanta de uma velha caixa de
brinquedos?(Benjamim, 1984, pag. 75)
Como jogo ou brincadeira, o “dado” transita entre as obras de
Mallarmé, Augusto de Campos e Geraldo de Barros, não cessa de rodar,
seu trânsito garante seu lançamento, no poema “geraldo” se encontra
exatamente as mesmas formas geométricas dos cubos de de Barros, se
juntar as imagens em folhas diferentes sobrepondo-ás ou em fotografias do
“dado” rolando, em “frames” diferentes, se pode sugerir um quadrado, um
hexágono, um losango um cubo, um dado em movimento, o cubo rodando,
no intervalo entre o lançamento e o resultado, desenvolvendo uma espécie
de “entre-lugar”, por excelência inacabado, lugar de trânsito do dado, sobre
a noção de trânsito Mario Perniola esclarece um pouco e destaca o que isso
tem a ver com o tempo.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
“Assim a noção de ‘trânsito’ parece-me estar estritamente ligada com
essa experiência de simultaneidade, de disponibilidade e de dilatação do
presente, que caracteriza a vida contemporânea.” (Perniola, 2000, pag.
24)
No caso da exposição, os cubos e dados de Geraldo de Barros, são
fotografados em diferentes ângulos, esse deslocamento geométrico também
cria um movimento de trânsito, produzido pelo olhar tridimensional do
artista, essa tridimensionalidade é usada por de Campos na criação do
poema possibilitando múltiplas leituras, leitura vertical, horizontal e
diagonal, Perniola também dá uma contribuição valiosa para esse
desdobramento quando escreve,
“O trânsito diverge dessas duas direções opostas não só porque, mantém
um caráter essencialmente dinâmico e itinerante, mas também porque
implica um deslizamento para a dimensão espacial, para a experiência
do deslocamento, da transferência, da descentralização. (Perniola, 2000,
pag. 25)
Augusto de Campos cria uma poesia visual e enigmática, por
forçar o leitor a forçar a visão, a olhar o detalhe, buscar a compreensão, a
dificuldade na primeira leitura, incentiva o prazer da descoberta do enigma
no poema, a valorização da palavra em si, do som, da forma visual, da
carga semântica das funções-relações, os cubos já não são mais cubos nem
losangos nem hexágonos, são todas as formas, enquanto o dado se
movimenta, é como se o poeta Augusto de Campos estivesse jogando
(poéticamente) os dados dos quadros de Geraldo de Barros em um tabuleiro
mallarmeano, e nos dando essa possibilidade, da mesma forma que o
poema é carregado de potência, suas leituras ou podemos dizer suas
jogadas também são.
É necessário para leitura desse poema, respeitar alguns princípios
que orientaram o autor, uma vez que Augusto de Campos descreveu no
livro feito em parceria com seu irmão Haroldo e Décio Pignatari no
capítulo intitulado Mallarmé o poeta em greve assinado pelo próprio
Augusto em que mostra os conceitos que orientaram a concepção da nova
forma de fazer poemas, o lema era incorporar as inovações: as subdivisões
prismáticas mallarmeanas, as conquistas formais e o método ideogrâmico
de Pound, a simultaneidade de Joyce, e a mímica verbal de Cummings,
criando assim as bases para sua poesia. Como ele mesmo descreve Coup de
Dês não era a abolição do acaso, mas a sua incorporação, como termo ativo
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ao processo criativo. Para traduzir Coup de Dês Haroldo de Campos fez
uma “operação de leitura” no sentido mallarmeano da expressão:
dobragem, dobra, dobro, duplo, duplicação, dação em dois, doação, dados.
Como dobrar o poema “geraldo”? Como lançá-lo? Para tanto foi
necessário conhecer sua estrutura, reproduzir sua fórmula matemática, uma
equação geométrica de letras fiel a estrutura do modelo inicial, proposto
por Augusto, para através desse conhecimento e experiência, garantir o
direito á novos lançamentos, não como fábrica de literatura aleatória, nem
como método científico, mas para manter o jogo, a brincadeira, o caráter
lúdico, no ato da leitura e da escrita. E é ai que os princípios do OULIPO,
grupo fundado em 1960 num colóquio de Cerisy La Salle dedicado ao
escritor Raymond Queneau, o OUvroir de LIttérature POtentielle, tinha
como objetivo, através de um caráter lúdico e humorístico, inventar e
reinventar regras do tipo formal que pudessem ser propostas a amadores
desejosos de produzir textos, revigorando técnicas da antiga retórica, o
grupo era capaz de romper com a crença na inspiração, no gênio e no
subconsciente, como motores da criação, queriam principalmente encontrar
estruturas inéditas e promover pesquisas sobre as potencialidades da
linguagem, estabelecendo relações entre matemática e literatura. Essa
proposta oulipiana pode ser de grande auxílio, no caso do poema (aqui
escolhido), não para tentar prever o resultado e assim poder controlá-lo,
mas para garantir o direito a jogá-lo de novo, a relançar, a repetir, como
toda criança faz quando acaba uma brincadeira que gosta, ela pedi para
fazer de novo, para repetir, para replicar, para multiplicar, para dobrar, para
se lançar de novo. Com licença poética, foi feito no exemplo abaixo, uma
tentativa de relançamento do poema “dado”. A partir do exemplo de
estrutura utilizado na construção do poema “geraldo”, foi feito outro dado,
tentativa de multiplicação, de desdobramento, de releitura, de
acontecimento, de trânsito, de transformação do “dado”, as informações
recebidas, são relidas, são rearranjadas, recolocadas, refeitas e agregadas a
novas informações, no caso do poema abaixo o que se salienta é a potência
existente na experiência produtora de conhecimento.
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“augusto”
SEQUADR
OSOSSÃOOS
QUASQUASECU
EDÁDOSBOSQUES
DOSQUASEÂOOSQUA
QUADRADOSDSELOSAN
OSJOGOSDGOSQUES
OGERALAOQUASE
DOSÃQUADRAD
OSOSDOSDA
OSDOAUG
Os poemas “geraldo” ou “augusto” são feitos com efeitos de
computador, mas qualquer pessoa que tiver uma forma de escrever poderá
refazê-los ou melhor lançá-los, as regras para começar são iguais as do
poema original, o formato é de um cubo, para chegar à essa forma
geométrica é necessário seguir uma pequena regra: usar dois tons distintos,
um claro um escuro, para obter o resultado espacial da tridimensionalidade
do cubo, a primeira linha possui sete(7) letras em tons escuros, a segunda
linha nove (9) letras, duas (2) em tons claros e sete(7) em tons escuros, na
terceira linha onze(11) letras, quatro(4) em tons claros e sete(7) em tons
escuros assim por diante, até chegar ao número de quinze(15) letras numa
linha, oito(8) claras e sete(7) escuras, depois começa a diminuir
gradativamente, até chegar a sete letras escuras, enfim, para cada linha,
aumenta duas(2) letras na coluna, as letras em tons claros substituem o
lugar das de tons escuros, enquanto essas vão se locomovendo para frente,
uma coluna de cada vez, depois voltando a coluna de origem, essa
movimentação de letras que vão se deslocando, criam a figura geométrica
que da forma ao dado ou cubo. Essa fórmula pode ser usada para fazer
dados de tamanhos grandes, sendo para isso necessário continuar
aumentando o número de letras, ou desenvolver outras formas geométricas
para poemas-dados.
Jogar o dado não é controlar seu resultado. Como ter o controle
para ganhar na roleta? Transformar o acaso em “fracaso”, ou como diria
Marcel Duchamp Échecs, Duchamp quer forçar a roleta a se tornar um jogo
de xadrez. Ler o poema não se trata, entretanto de fazer projetos sobre o
acaso, mesmo sendo um tema á se debruçar, mas alêm mar, olhar o poema
na sua potência lúdica, como totalidade diria Huizinga, assim se classifica
como pertencente da categoria alea jogos de sorte e azar sugerida por
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Bataille, mas também pode ser classificada na categoria mimicry por conter
ilusão e gesto, é preciso lançar, dar ao poema novos lances, novos olhares,
dobrá-lo, profaná-lo diria Agambem, essa é uma indagação, como colocá-lo
em uso na contemporaneidade?
Observar o potencial lúdico do poema em questão é criar novas
possibilidades para utilização do mesmo, ou de sua técnica de composição,
e é notável que possa também ser reutilizada essa técnica nas práticas
pedagógicas atuais, do professor ao lidar com poemas em sala de aula, para
incentivar o prazer da leitura, através das características lúdicas do poema,
o trânsito é sem dúvida uma dessas características, pois os dados ainda não
pararam, estão em movimento, o tempo corre sobre os olhares concentrados
na leitura, necessitando para o lançamento energia vital e entrega, mas o
jogo não acaba não cessa de rodar, é inacabado, pronto para novos lances,
pronto para ser dobrado. Redobrar ou brincar com o poema é criar uma
prática fluida, que promove a ponte entre a realidade e a ficção e rompe as
fronteiras do gênero da crítica e da própria ficção. Lançar os dados ou reler
o poema é também se arriscar em um desconhecido, é ultrapassar os limites
da literatura, é também ser lançado à deriva em um presente, em um vir-áser, como salientava a Professora Susana Scramim em suas aulas. A
tradição moderna com suas rupturas revelou-se incapaz de elaborar um
pensamento para o presente, bem como para a literatura do presente.
“a literatura do presente que envolve uma noção muito maior do que a
noção de contemporâneo é aquela que assume o risco inclusive de deixar
de ser literatura, ou ainda de um fazer com que a literatura se coloque
num outro lugar, num lugar de passagem entre os discursos, entre os
lugares originais da poesia, e que não devem ser confundidos com o
espaço, com a circunscrição de um territótio para a literatura. Escrever
literatura do presente hoje tem a função de coincidir duas coisas que a
modernidade esgotou á muito: a possibilidade do conhecimento e da
experiência”. (SCRAMIM, 2007, p. 16).
A partir da possibilidade do conhecimento e da experiência essa
leitura se propõe a uma movimentação, um redobramento do poema, para
pensar também o que é o contemporâneo na poesia, e o acontecimento
dessa poesia no contemporâneo, desenvolvidos aqui através do lúdico no
poema de Augusto de Campos, através de suas características lúdicas e as
possibilidades que ela potencializa. Adotar a literatura nesse caso como
experiência lúdica. É abrir para a poesia espaços novos, livres das fronteiras
literárias, como diria o próprio Augusto de Campos a poesia no
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contemporâneo é feita por artista que não se dizem ser poetas como se pode
citar John Cage. Que não tem nada a dizer, mas diz, isto é poesia. É jogo e
é também um novo “lance” poético.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
150
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O ARCO DAS PALAVRAS ENCANTADAS: CONSIDERAÇÕES
SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES DA PALAVRA POÉTICA NA
CANÇÃO POPULAR
André Rocha Leite Haudenschild 54
UFSC
[email protected]
Introdução
Como o arco que vibra tanto para lançar longe a flecha, como pra lançar
perto o som: a voz humana tanto vibra pra lançar perto a palavra, como
pra lançar longe o som musical. E quando a palavra falada quer atingir
longe, no grito, no apelo e na declamação, ela se aproxima
caracteristicamente do canto e vai deixando aos poucos de ser
instrumento oral para se tornar instrumento musical (ANDRADE, 1965,
p. 43).
Ao comentar sobre a articulação singular da voz humana, o poeta e
pesquisador Mário de Andrade fornece uma perspectiva que pode ser
reveladora para pensarmos no movimento que a palavra proferida realiza ao
tornar-se canto. Como se para atingir a eficácia total de sua comunicação,
ela redimensionasse seu alcance oral ao ganhar um status cada vez mais
musical (como, por exemplo, o aboio dos vaqueiros ou a lamúria das
carpideiras), e se potencializasse em palavra cantada.
Um caminho inicial que devemos considerar em relação ao estudo
da palavra poética na canção é a perspectiva intersemiótica que toma toda
forma de manifestação artística como um tipo específico de sistema de
linguagem. Segundo Susanne Langer (apud Oliveira, 2002, p. 29), a
especificidade de cada arte não resulta das técnicas e dos meios materiais
empregados por elas, mas de algo que denomina de aparição primária, ou
seja, de uma dimensão particular e ilusória da experiência humana capaz de
criar outra imagem da realidade. No caso da criação musical, sua aparição
primária seria a constituição artística de um tempo virtual determinado por
formas sonoras em movimento, com organização, volume e partes distintas.
54
André Rocha L. Haudenschild é músico, compositor e tem gravado diversos CDs desde
1994. Atualmente realiza mestrado em Teoria Literária pela UFSC/Universidade Federal de
Santa Catarina, exercendo pesquisa sobre a obra de Antonio Carlos Jobim.
151
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Nesse sentido, Langer ainda acrescenta ao conceito de aparição primária
um princípio geral subjacente às equivalências estruturais entre as
manifestações artísticas: a assimilação obrigatória de uma arte pela outra
quando combinadas na mesma obra, isto é, em um espetáculo coreográfico,
por exemplo, a dança absorveria a música, assim como, na criação de uma
canção, a música absorveria a poesia tornando-a secundária. Assim,
passaria a existir um princípio de assimilação que determina que, se em
uma obra são introduzidos materiais heterogêneos (como as palavras em
uma melodia, por exemplo), estas últimas seriam assimiladas ao material
musical, deixando de ser poesia para se transformar em música.
Esse conceito intersemiótico semeia uma polêmica fecunda para
pensarmos que a especificidade singular da canção enquanto criação
artística é a fusão total entre poesia e melodia, e que, ao invés de
concordarmos com o pensamento de Langer sobre a absorção de uma arte
sobre a outra, quando combinadas simultaneamente, poderíamos pensar que
nenhuma delas, nem a música, nem a poesia, exercem uma função principal
ou secundária nesta relação intersemiótica na constituição das canções.
Conforme nos aponta Tereza Virgínia de Almeida, ao comentar sobre a
especificidade do texto na canção:
[...] creio haver a demanda por uma tipologia das canções que se dedique
a perceber elementos como o maior ou o menor grau de opacidade das
letras, o desafio que a canção impõe às fronteiras entre prosa e poesia,
sua inscrição na linguagem cotidiana, como a própria forma como a letra
de canção emerge como gênero híbrido quando confrontada com as
usuais definições no âmbito literário (ALMEIDA, 2008, p. 319).
Ou seja, é necessário considerarmos que há uma complexa relação
de complementaridade e de hibridismo entre as artes quando se associam.
No caso específico da canção, a música e a poesia partilham do mesmo
material básico, o som, sendo que ambas têm a constituição de um tempo
virtual como suas aparições primárias.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Figura 1 – Partitura medieval
O pesquisador e poeta Paul Zumthor, em seu renomado estudo
Introdução à poesia oral, realiza um minucioso percurso dos modos
perceptivos da oralidade poética e elabora um inventário das relações entre
a voz, sua gestualidade e a poesia oral, desenvolvendo a noção de movência
do texto oral, com ênfase na transmissão da força energética e teatral
daquilo que nomeia como performance da voz. Isto é, sua concepção
perante a oralidade poética nos ensina que já há na palavra poética uma
essência musical latente, pois esta é constituída da união de texto, melodia
e energia enquanto forma sonora ativamente reunidos em performance,
concorrendo para a unicidade de um sentido (Zumthor, 1997, p. 195). Uma
preocupação desse pesquisador, em A letra e a voz, é o modo como ele dá
importância para as relações intersemióticas dos níveis sonoros, gráfico e
visual no estudo da poesia medieval, cujo texto se apresenta como
produção do corpo, do gesto, da voz, canalizando a teatralidade de antigas
culturas. Outros pensadores, como Lawrence Kramer, afirmam que a força
de um poema quando aliado à música e transformado em canção, repousa
em sua própria ininteligibilidade:
[...] A imaginação do poeta é inicialmente despertada pelo impulso de
inserir suas próprias palavras na fenda linguística encontrada na melodia.
Uma vez inseridas, as palavras gradativamente se dissolvem como a
própria canção, deixando o poeta mudo e transfigurado, usualmente
numa postura de intensa audição (Kramer apud Oliveira, 2002, p. 31).
Interessante notarmos que ao projetar as palavras poéticas em
melodia, naquilo que o semiólogo Steven Paul Scher chama de melopoética
(do grego: melos = canto + poética), o poeta transfigura e dissolve seu
poema em uma nova entidade física, deixando seu corpo literalmente
mergulhado na escuta epifânica da canção. Como se a esfera da
153
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
subjetividade da canção fosse um locus amoenus, um lugar aprazível capaz
de diluir as palavras poéticas em forma de canto, e assim, dissolver a
materialidade do poema em um processo que poderíamos talvez chamar de
“encantamento”.
Palavra encantada
Se tomarmos esse termo como um atalho epistemológico, devemos
olhar para sua etimologia latina (derivada do verbo incantare) que tem
múltiplos valores semânticos, representando desde o ato de se deliciar
emocionalmente com algo, até a ação de se transformar algo ou alguém em
uma outra coisa. Ou seja, a poesia quando incorporada pela musicalidade
latente de uma melodia (com altura, duração, intensidade e timbre), tornarse-ia, então, uma “palavra encantada”, conforme reflete Paul Zumthor, ao
comentar sobre o processo de potencialização da palavra em canto:
No uso comum da língua, o falado utiliza apenas uma pequena parte dos
recursos da voz; nem a amplitude, nem a riqueza do seu timbre são
linguisticamente pertinentes. [...] Mas eis que, por vezes, ela (a voz),
sacode suas limitações (pronta para aceitar outras, positivas): então se
eleva o canto, desabrochando as potencialidades da voz e, pela
prioridade que ele concede a elas, desalienando a palavra (ZUMTHOR,
1997, p. 187).
Assim, ao ser encantada pela potencialidade do canto, a voz se
libertaria de suas limitações e exigências fisiológicas deixando desabrochar
sua substância plena, cujo processo de transfiguração da palavra falada ao
canto levaria a uma certa opacidade do texto em prol do triunfo da melodia
sobre o discurso literário. Ao ser questionado sobre a relação de sua
produção musical com a literária, Chico Buarque nos fornece uma pista
bem instigante neste sentido:
A melodia de certa forma adocica o que poderia haver de literatura em
uma letra de música. Tanto é que escrevo livros sem música, quer dizer,
é uma literatura desprovida de música, muito mais seca que a letra das
canções que são escritas em função daquelas melodias (BUARQUE,
1998, p. 08).
Ou seja, no processo criativo de uma canção, o canto suavizaria a
palavra poética em oposição ao terreno árido da literatura em prosa? O
lugar aprazível da esfera da subjetividade – a canção – versus o campo
154
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
árido do discurso literário? A reflexão buarquiana, além de gerar uma
imagem metafórica da esfera culinária, pois a melodia adocica o texto
literário (e que é bem pertinente à reflexão já mencionada de Kramer, ao
afirmar que as palavras poéticas ao serem musicadas se “dissolvem” como
a canção), pode nos reconduzir ao caminho investigativo de Zumthor:
Desde seu jorrar inicial, a poesia aspira, como a um propósito ideal, a se
depurar das limitações semânticas, a sair da linguagem, ao alcance de
uma plenitude, onde tudo que não seja simples presença será abolido. A
escrita reprime ou esconde essa aspiração. A poesia oral, ao contrário,
acolhe seus fantasmas e tenta lhes dar forma [...] (ZUMTHOR, 1997, p.
169).
Ora, se a palavra poética almeja purificar-se de suas limitações de
sentido, naquilo que Zumthor denomina como uma forma de desalienação
da palavra, a escrita literária seria então, o lugar e a forma de
aprisionamento dessa intenção primordial. Ao passo que o canto seria a
materialização redentora da palavra poética, ao ser convertida no
entrelaçamento da linguagem com a melodia, com o timbre e com o ritmo,
tornando-se palavra cantada. Vale lembrarmos que desde os primórdios da
civilização, a intervenção ativa da voz humana, com sua complexa
gestualidade, foi o que possibilitou e deu vida à música na linguagem
verbal, e vice-versa:
A voz funcionava musicalmente na realização e transmissão de
todo discurso poético quando este não era ainda “literatura”, isto é, não
vivia ainda sob o signo da letra: quando a produção e transmissão de arte
verbal eram feitas exclusiva ou predominantemente por via áudio-oral. A
poesia antiga e medieval foi toda mais ou menos cantada ou entoada: tanto
a épica dos gregos e a dos romanceiros quanto a tragédia antiga e o teatro
medieval; e sobretudo, naturalmente, o lirismo, a palavra lírica de cantos e
canções (Matos, 2008, p. 83).
E assim, repleta de sonoridades, imagens e ideias (respectivamente,
a melopeia, a fanopeia e a logopeia, na terminologia de Erza Pound), a
palavra poética dota-se de uma potência musical vital capaz de levar seus
ouvintes e executantes a novos estados emocionais de encantamento.
William Hazlitt chega a uma instigante definição sobre a criação poética: A
impressão natural de qualquer acontecimento cujo estímulo provoca um
movimento involuntário de imaginação e paixão, e produz uma certa
modulação de voz ou de sons que a expressem (Hazlitt apud Lobo, 1987, p.
208). Deste modo, a palavra poética se originaria sempre que a articulação
vocal humana passasse por um estímulo sensorial da paixão ou da
155
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
imaginação, e se dotasse naturalmente de uma entonação. Esta noção de
gênese poética pode ser estendida aos primórdios da palavra cantada,
conforme pondera Charles Darwin:
[...] fui levado a concluir que os progenitores do homem provavelmente
emitiam toadas musicais, antes que tivessem adquirido o poder da fala
articulada; e que, por conseguinte, quando a voz é usada sob qualquer
emoção forte, ela tende a assumir, mediante o princípio da associação,
um caráter musical” (Darwin apud Matos, 2008, p. 87).
Nas duas dimensões orais, poética e melopoética, podemos
vislumbrar uma mesma trilha de acesso para entendermos o processo de
transformação destas em canto: há uma consciência afetiva intrínseca à
natureza humana que mobiliza nossa oralidade em musicalidade. Se
entendermos essa consciência afetiva como aquilo que envolve todas as
relações humanas consideradas espontâneas (a percepção, a imaginação e a
reflexão), iremos contemplar os sentimentos e as emoções como formas
específicas de relação entre as esferas da subjetividade e da objetividade
(Sartre, 1936, p. 121). E é nesse sentido que devemos entender o processo
de criação poético-musical como um processo semelhante à gestação, cujo
parto da imaginação e da criatividade enquanto consciências afetivas dão
luz às palavras, sejam elas dotadas de maiores ou de menores níveis de
musicalidade. Porém, cabe aqui distinguirmos os diversos graus da emissão
vocal, desde o falado, o recitado, o declamado, o entoado e o cantado.
Ao comparar distintas tradições de poesia oral com os cantos
litúrgicos medievais, Zumthor chega a admitir empiricamente a existência
de três modalidades da palavra poética: o dito (a voz falada), o recitativo
(chamado também de salmodiado; to chant em inglês) e o canto melódico
propriamente dito (to sing em inglês), sendo que de um nível ao outro se
produzem deslizamentos, pois cada tradição e sociedade fixa seus próprios
pontos de suspensão. O que nos leva a pensar que em toda poesia oral
pressupõem-se o canto, e que todo gênero poético oral é também gênero
musical (Zumthor, 1997, p. 189). Deste modo, podemos entender que em
toda poesia já existe uma protocanção que quer vir ao mundo (com seus
tons, melodias e ritmos próprios), e, assim como, em toda canção já há um
poema que clama por sua matriz musical. Entretanto, não devemos nos
iludir com as semelhanças entre as aparições primárias da poesia e da
canção, pois apesar de ambas terem estruturas e formas de conteúdo
semelhantes – a palavra recitada e cantada, respectivamente – são a priori
realizações artísticas distintas. O que aqui nos interessa é investigarmos o
divisor de águas entre a poesia oral e a canção popular, e seus possíveis
156
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
afluentes, para reconhecermos as fronteiras intersemióticas que as
distinguem e as assemelham enquanto linguagens artísticas verbais
projetadas acusticamente, capazes de materializar acusticamente um
tempo/espaço coletivo e virtual: eis o encantamento da canção.
O arco lúdico da palavra
Um denominador comum entre as expressões verbais na poesia e
no canto é que toda canção pressupõe a existência de uma forma poética
que lhe dá vida e que são seus elementos formais constitutivos: estruturas
métricas e estróficas, rimas, ordenação rítmica, assonâncias, aliterações,
acentuações, paralelismos, etc. Além desses, existem os elementos
significativos implícitos ao jogo com as palavras que são as estruturas
semânticas da linguagem poética presente nos poemas e nas canções:
figuras de linguagem, metáforas, sentimentos de tensão e relaxamento,
estados de conjunção e disjunção amorosa e o caráter essencialmente lúdico
de ambas as linguagens. Uma boa pergunta seria indagarmos por que os
homens até hoje fazem poesias ou canções ao subordinarem suas palavras à
métrica, à cadência, à melodia e ao ritmo? Segundo o pensador alemão
Johan Huizinga, a palavra poética nasce da necessidade primordial que
temos do jogo social:
Só na atividade lúdica da comunidade a poesia desempenha sua função
vital e possui seu pleno valor, e estes se perdem à medida que os jogos
sociais perdem seu caráter ritual e festivo. [...] Sua origem está
inseparavelmente ligada aos princípios da canção e da dança, os quais
por sua vez partem da imemorial função do jogo (HUIZINGA, 1980, p.
157).
Não é por acaso que o termo “jogral”, em português, assim como,
“jongleur”, em francês (e que representa uma categoria social de poetastrovadores medievais), é uma derivação da palavra latina joculator (“aquele
que joga”).
As grandes narrativas épicas, desde as sagas islandesas até os
Nibelungen nórdicos e o romanceiro ibérico, são palavras poéticas que
passaram de geração para geração graças à palavra cantada: o canto ajuda
aos poetas a se lembrarem melhor das histórias em verso. Uma figura
lendária e ainda atual dotada de extensa memorização poético-musical é a
do músico-poeta griot na África Ocidental, cuja função sempre foi a de
renovar as emoções de muitas gerações percorrendo as aldeias com suas
histórias cantadas, como o legítimo porta-voz da tradição oral de toda a
157
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
comunidade. Temos no Brasil as cinzas ainda quentes dessa tradição
milenar, presente na figura dos violeiros repentistas nordestinos.
Figura 2 – Griots de Sambala (Mali)
Se quisermos também atualizar essa impressionante capacidade da
palavra cantada enquanto uma guardiã coletiva da memória, basta notarmos
que, quando memorizamos uma canção qualquer, dificilmente conseguimos
dissociar sua melodia de sua letra. Desde nossas primeiras cantigas infantis,
como a Ciranda, cirandinha, até nosso hino nacional, assim como, a maioria
de nossas canções populares. Neste sentido, um dos principais fatores
aliados à memorização das canções, além do ritmo próprio pelo qual suas
palavras são encadeadas, é o modo que se movimenta sua melodia. Pois ao
ser cantada a palavra se potencializa, conforme conclui Zumthor ao
comentar sobre a universalidade das canções:
[...] o canto erotiza o discurso, ao fluxo das significações e dos desejos.
A música desliza nas falhas da linguagem, trabalha sua massa, a
insemina com seus próprios projetos míticos: na menor de nossas
canções brilha ainda centelha do fogo encantatório muito antigo [...]
(ZUMTHOR, 1997, p. 189).
Esse movimento da fala ao canto pode ser entendido como um
gesto oral elegante, no sentido de aparar as arestas e eliminar os resíduos
que poderiam quebrar a naturalidade da canção (Tatit, 1996, p. 9), cujo
recurso maior é o próprio processo entoativo que vai produzir a fala no
canto. Conforme essa lógica da naturalidade da canção, devemos entender
o papel do cancionista popular como o de um malabarista capaz de
equilibrar a melodia no texto e o texto na melodia, dissimulando qualquer
esforço técnico. Uma herança direta dos griots e dos jograis brincantes
medievais:
158
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O cancionista é um gesticulador sinuoso com uma perícia intuitiva
muitas vezes metaforizada com a figura do malandro, do apaixonado, do
gozador, do oportunista, do lírico, mas sempre gesticulador que manobra
sua oralidade, e cativa, melodicamente, a confiança do ouvinte (TATIT,
1996, p. 9).
O inverno da poesia e a primavera da palavra cantada
Nas culturas antigas, a linguagem dos poetas era o mais eficaz dos
meios de expressão, ultrapassando sua função meramente artística ou
literária. A poesia punha os rituais em palavras, sendo, ao mesmo tempo,
árbitro das relações sociais e veículo da sabedoria coletiva. Vale apontar
que dos três grandes gêneros da poiesis grega – o lírico, o épico e o
dramático – o lírico foi o que mais permaneceu próximo da esfera da
canção popular, enquanto linguagem de representação oral dotada de uma
rica gestualidade capaz de perpassar os séculos com sua movência inerente.
Entretanto, conforme a lírica foi perdendo sua união ancestral com a
música (assim como a epopeia deixou de ser cantada para ser lida), ela foi
perdendo também sua aura de sabedoria, de magia e de ritual coletivo. Com
o advento do livro e do comércio literário, alterou-se para sempre a
semiótica da palavra poética em seu valor e em sua recepção, de modo que
a aliança entre poesia e música dissolveu-se com o surgimento da imprensa,
criando novos hábitos de consumo. Mas será que desta separação entre a
lírica e a música, desse pecado original não haveria um retorno possível?
Quando Zumthor, em A letra e a voz (1993), propõe que a poesia
medieval se aproxima em certo sentido do nosso mass media, ele quer dizer
que o texto trazido por ela se dirigia a um público formado pelo olhar e
pelo gesto, e que a voz geraria uma outra dimensão deste espaço para uma
sociedade quase que totalmente analfabeta do medievo. Podemos pensar
que este papel da oralidade, que perpassa pela representação e pelo rito,
está diretamente relacionado ao nosso atual show business que produz e
comercializa a canção popular brasileira e internacional. Afinal, vivemos
em plena Idade Mídia e nossa sociedade aparenta ler cada vez menos
poesia literária, em prol de uma escuta mediatizada por meios eletrônicos
cada vez mais diversos.
O poeta José Paulo Paes argumenta que há uma polêmica
estimulante ao pensarmos na crescente validação literária da MPB, como
um sintoma da disparidade entre o consumo de massa da canção popular
em relação aos baixos índices de comercialização e tiragem dos poetas
159
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
nacionais (Paes, 1985, p. 268). Segundo ele, podemos questionar sobre a
causa desse sintoma a partir de duas vias. Uma vertente que ponderaria que
o atual primado em nível de consumo, da poesia musicada sobre a poesia
não-musicada, estaria fundado em um equívoco: supormos uma igualdade
de atrativos na componente musical e na componente literária da canção
popular, quando na verdade é a linha melódica, a harmonização e o ritmo
de sua música que primeiro se impõem ao ouvinte, sendo sua componente
literária uma espécie de aftertaste (usando uma metáfora em inglês que quer
expressar aquele “gosto final” deixado na boca por uma bebida). E outra
vertente mais intersemiótica, que prefere pensar que a letra de uma canção
não seria mais ofuscada por sua música (como no caso das tradições
operísticas e orfeônicas), mas haveria uma total consubstancialidade entre
música e poesia na canção popular que as torna indissociáveis uma da
outra. Isolar os textos de canções para considerá-los texto puramente
literário, não seria esquecer-lhes a componente não-literária e empobrecerlhes o efeito estético? (Paes, 1985, p. 270). Então, ao invés de estarmos
perdendo cada vez mais o espírito lúdico e social da linguagem poética em
nossas vidas, não estaríamos transferindo esse território para o âmbito da
canção popular, com sua fecunda e complexa capacidade oral de gesto,
movência e rito?
Parindo a canção: da letra à melodia e da melodia à letra
A indissociabilidade entre letra e música é uma unanimidade nos
atuais estudos da canção popular, porém cabe olharmos para o processo
pelo qual se dá a gênese da canção popular brasileira enquanto prática
artística que, ao construir a identidade sonora do país, se pôs em sintonia
com a tendência mundial de traduzir os conteúdos humanos relevantes em
pequenas peças formadas de melodia e letra (Tatit, 2004, p. 11), seja na
passagem de um poema em canção (da letra à melodia), como no
letramento de uma música já terminada (da melodia à letra). No primeiro
caso, da letra à melodia, temos dois caminhos a percorrer. O primeiro é o
caso da musicalização de poemas, sendo o caso de autores canônicos, como
Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, que
tiveram alguns de seus poemas musicados por compositores eruditos (como
Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, Villa-Lobos, entres outros) e por
cancionistas da MPB, como por exemplo, os poemas Canção amiga de
Drummond e Trem de ferro de Manuel Bandeira (sendo o primeiro
musicado por Milton Nascimento, no CD Clube da Esquina, de 1978, e o
160
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
segundo, por Tom Jobim, no CD Antonio Brasileiro, de 1994). O segundo
caminho da letra à melodia é um terreno ambíguo e ambivalente, pois é o
caso das parcerias musicais entre cancionistas e poetas, quando o poema
“pede para ser musicado”, e que vai também nos conduzir ao caminho da
melodia à letra, quando a música “pede para virar canção”.
Figura 3 – Vinícius de Moraes e Tom Jobim
Em nossa música popular, temos infindáveis exemplos de uniões
felizes entre músicos e poetas letristas: João Bosco e Aldir Blanc, Milton
Nascimento e Fernando Brant, Tom Jobim e seus parceiros, entre eles,
Vinícius de Moraes, Aloísio de Oliveira e Chico Buarque. Vale apontar que
toda parceria no âmbito da composição de uma canção, possui uma
fronteira porosa entre aquele que somente “faz a letra” e aquele que “põe a
melodia na letra”. Ou seja, ao entendermos que toda palavra poética já
possui uma sonoridade e um ritmo próprios a sua constituição, todo poeta é
também um músico que criou uma sonoridade original para que esta vire
uma melodia. Além disso, ao criarem uma canção juntos, tanto o “músico”,
como o “poeta”, acabam aparando as possíveis arestas no ajuste da letra à
melodia, e vice-versa, por vezes mudando radicalmente as formas originais
de uma e de outra, de modo que, algumas vezes é difícil delimitarmos com
total segurança a autoria autônoma da letra e da música na parceria de uma
canção. A transformação da palavra poética em canto é um fenômeno que
Tatit chama de inversão do foco de incidência da oralidade, cujas entoações
da palavra tendem a se estabilizar em formas musicais, na medida em que
instituem novas células rítmicas, curvas melódicas recorrentes, acentos
regulares e diversos recursos que asseguram a definição sonora desta nova
obra, a canção. Deste modo, a palavra poética liberta-se de suas coerções
gramaticais, responsáveis pela eficácia de sua inteligibilidade, e se
estabiliza no processo de fixação de seu novo material fônico, a música
(Tatit, 2004, p. 42).
161
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Parto natural: letra e melodia nascem juntas
Ao pensarmos a criação artística como uma gestação capaz de gerar
uma outra realidade, seria oportuno imaginarmos o processo criativo, e por
vezes solitário, do cancionista, como um parto natural. Esta imagem está
associada ao conceito de naturalidade da canção que caracterizaria o
compositor popular como alguém dotado de dom inato, habilidade
pragmática e familiaridade com a expressão e a técnica de se produzir
canções (Tatit, 1996, p. 17-18). Uma vivência integral marcada pela voz
conforme uma canção nos diz: Minha voz é precisa/Vida que não é menos
minha que da canção (Minha voz, de Caetano Veloso), cuja precisão
oralizada do cancionista é que dá a eficácia necessária ao encanto da
canção.
Figura 4 – Um jovem ouvindo música
Ao escutarmos a voz que canta, ultrapassamos a mera compreensão
das palavras e somos capazes de ouvir a voz que soa na voz que diz
(Valverde, 2008, p. 274) ou a voz que canta dentro da voz que fala (Tatit,
1996, p. 15). E isso explicaria por que conseguimos associar uma canção
mais à sua melodia do que à sua letra. A canção popular é o território da
plena subjetividade na dança entre a música e a poesia, pois a palavra
poética herdou da música suas formas e leis fundamentais (a entonação, a
articulação prosódica, a rima, o paralelismo, as repetições estróficas, as
aliterações, o ritmo e o refrão), enquanto que em toda canção há um poema
potencializado pela força da música (a melodia, o timbre da voz, a
harmonia e o ritmo), além das constituintes performáticas da canção (sua
gestualidade oral, sua instrumentação e seu arranjo musical), afinal:
162
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
[...] A poesia tenta despir a língua de seus véus convencionais e exibir a
erótica dos seus sons, mas só consegue fazê-lo radicalmente quando se
torna o instrumento de sua musicalidade e deixa a palavra cantar. Entre a
fala e a declamação, o canto assume o desafio de harmonizar as tensões
e levar ao máximo equilíbrio o jogo entre som e sentido (Valverde,
2008, p. 272).
Ao harmonizar as tensões entre o som e o sentido, a palavra
cantada consegue tirar nossa atenção objetivamente racional enquanto
ouvintes da canção. A canção torna-se então música pura, e seu sentido fazse aquém de suas significações (Valverde, 2008, p. 273), mobilizando
novamente nossas consciências afetivas e transformando sua escuta em
uma sinestesia inexplicável e sempre irresistível.
Referências
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cantada: ensaios sobre poesia, música e voz. Orgs. Cláudia Neiva de Matos, Elizabeth
Travassos, Fernanda Teixeira de Medeiros. Rio de Janeiro: 7 Letras.
ANDRADE, Mario de. (1965). Aspectos da Música Brasileira. São Paulo: Martins Fontes.
BUARQUE, Chico. (1998). Entrevista com Chico Buarque. In: Revista Caros Amigos, ed.
21. São Paulo: Editora Casa Amarela.
HUIZINGA, Johan. (1980). Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo:
Perspectiva.
LOBO, Luiza. (1987). Teorias poéticas do Romantismo. Porto Alegre: Mercado Aberto.
MATOS, Cláudia Neiva de. (2008). Poesia e música: laços de parentescos e parceria. In:
Palavra cantada: ensaios sobre poesia, música e voz. Orgs. Cláudia Neiva de Matos,
Elizabeth Travassos, Fernanda Teixeira de Medeiros. Rio de Janeiro: 7 Letras.
OLIVEIRA, Solange Ribeiro de. (2002). Música e literatura: modulações pós-coloniais. São
Paulo: Editora Perspectiva.
PAES, J.Paulo. (1985). A poesia no purgatório. In: Gregos e baianos. São Paulo:
Brasiliense.
SARTRE, Jean-Paul. (1965). Esboço de uma teoria das emoções. Rio de Janeiro. Zahar.
TATIT, Luiz. (1996). O cancionista: composição de canções no Brasil. São Paulo: EDUSP.
______. (2004). O século da canção. São Paulo: Ateliê Editorial.
163
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
VALVERDE, Monclar. (2008). Mistérios e encantos da canção. In: Palavra cantada:
ensaios sobre poesia, música e voz. Orgs. Cláudia Neiva de Matos, Elizabeth Travassos,
Fernanda Teixeira de Medeiros. Rio de Janeiro: 7 Letras.
ZUMTHOR, Paul. (1993). A letra e a voz. São Paulo: Companhia das Letras.
______. (1997). Introdução à poesia oral. São Paulo: Hucitec.
Fig.1 – Mateusz Stachowski. Partitura medieval, 2009, fotografia. 6.9cm x 4.6cm. Fonte:
<http://www.sxc.hu/photo/1170818> acessado em 01/08/2009.
Fig.2 – Georges Jeanniot. Griots de Sambala (Mali), 1890, litogravura. 33,5 x 25,5 cm.
Fonte: Frey, Henri-Nicolas. (1890) Côte occidentale d’Afrique: vues, scènes, croquis. Paris:
C. Marpon et E. Flammarion. Disponível em: Bibliothèque Nationale de France
<http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b23005610/f85.item#> acessado em 01/08/2009.
Fig.3 – Paulo Scheuenschtul. Vinícius de Moraes e Tom Jobim, circa 1960, fotografia.
Fonte: Jobim, Antonio Carlos. (2002) Cancioneiro Jobim: biografia. Rio de Janeiro: Jobim
Music.
Fig.4. Riyas Rasheed. A young man listening to music, 2009, fotografia. 14.5cm x 14.5cm.
Fonte: <http://www.sxc.hu/photo/1206193> acessado em 01/08/2009.
164
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
LITERATURA INFANTIL: BIBLIOTECA E LEITOR
Karin Cozer Campos
UFSC
Introdução
Este trabalho circunscreve-se a partir de vivências e experiências
educativas com o ensino de Literatura Infantil na biblioteca de uma escola
pública no município de Francisco Beltrão – PR. Articulado a um Programa
de Formação de Leitores proposto pela Secretaria de Educação deste
município, envolve crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental e
Educação Infantil.
Com o objetivo de buscar na realidade uma compreensão mais
ampla, numa perspectiva histórico-social, desenvolvemos a pesquisa com
uma metodologia de trabalho que utilizou o estudo bibliográfico sobre este
ensino e suas principais contribuições para a formação humana e cultural
das crianças, entrevistas semi-estruturadas a alguns professores e técnicopedagógicos da Secretaria Municipal de Educação e observações de
momentos pedagógicos (reuniões pedagógicas, encontros de formação,
aulas, entre outras atividades pedagógicas e extra-escolares) que acontecem
na escola. 55
Realizamos levantamento de algumas informações, dados e relatos
de professores e alunos, que ocorreram durante as experiências de trabalho
com o ensino de Literatura Infantil, para verificar as contribuições à
formação de leitores. O critério para a seleção das falas é baseado nas
compreensões e informações que cada um dos entrevistados traz de
relevante para o estudo.
Por isso, apresentamos na primeira parte do texto, os motivos e a
importância da implantação do ensino de Literatura Infantil nas bibliotecas
da rede municipal de educação. Na sequência, estabelecemos uma relação
entre este ensino e a prática da leitura. Apresentamos alguns dos conceitos
55
Trata-se de uma pesquisa desenvolvida no Curso de Especialização em Educação Escolar:
Ênfase na Pedagogia Histórico-Crítica na Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, e que ampliamos no Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC para tratar sobre a atividade de
narração de histórias pela criança.
165
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
sobre leitura e escrita que definiram e orientaram o trabalho na biblioteca
da escola.
Sobre o projeto de Literatura Infantil, elaborado e desenvolvido na
biblioteca da Escola Municipal Nossa Senhora do Sagrado Coração,
apresentamos seu desenvolvimento e contribuições. Além disso, como este
é visto na escola pelos professores, e quais foram os principais subsídios
para a formação de leitores desta realidade. Questões discutidas mais ao
final do texto.
Os motivos e a importância da existência do ensino de Literatura
Infantil nas escolas da rede municipal
O ensino de Literatura Infantil na biblioteca das escolas municipais
do Ensino Fundamental do município de Francisco Beltrão surgiu a partir
de uma proposta da Secretaria de Educação, foi idealizado por esta no ano
de 2005, e começou a ser implantado no início das aulas, no ano de 2006,
em todas as escolas da rede de ensino municipal. 56
A Secretaria Municipal de Educação apontou a cada escola que
escolhesse um professor específico para desenvolver o trabalho (as aulas ou
atividades pedagógicas) de Literatura Infantil, com a responsabilidade de
elaborar um projeto para a sua escola e assim desenvolver o hábito e o
prazer pela leitura, através deste ensino em momentos especiais.
Dessa forma, as aulas de Literatura Infantil acontecem em
encontros semanais com cada turma de diferentes séries de escolarização
nas bibliotecas das escolas, em horários específicos, com professores
exclusivos para realizarem estas atividades educativas.
Para compreendermos melhor como o tratamento com este ensino
foi pensado e elaborado, faremos uma apresentação dos motivos ou
importância da existência do ensino de Literatura Infantil nas escolas da
rede municipal propostos pela Secretaria de Educação.
Em busca de uma análise sobre quais foram os reais motivos da
existência deste ensino para a rede municipal desta cidade, buscamos obter
alguns dados com a Secretaria de Educação para compreender o surgimento
56
As aulas de Literatura Infantil na biblioteca das escolas da rede municipal de ensino
continuam acontecendo. Cada escola tem o seu professor específico que desenvolve e
coordena as atividades atendendo às necessidades de sua realidade escolar.
166
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
desta proposta. Dessa forma, por meio de entrevista de campo orientada a
um dos membros da equipe pedagógica da Secretaria de Educação,
obtivemos alguns dados que nos apontam sobre os motivos e a importância
da sua criação.
Um dos pressupostos apresentados foi à defesa de que a escola tem
uma função social e precisa usar meios para desenvolver esta função. Havia
muitas ideias que poderiam ser transformadas em programas para uma área
a ser descoberta, a da leitura. Foram identificadas algumas necessidades,
como, bibliotecas sem reposição de livros pela Secretaria e MEC e a falta
de profissionais que cuidassem do acervo e orientassem os trabalhos.
A partir da existência de altos índices que demonstram que o aluno
não chega a uma compreensão crítica de leitura, não compreendendo o que
leem, a Secretaria percebeu que não adiantava somente constatar dados e
fatos em avaliações, mas que havia necessidade de algo que auxiliasse a
desenvolver uma disciplina à atividade de leitura nas escolas.
Nessa perspectiva, projetou-se um programa que pudesse reativar
essa parte da escola que estava de lado, como tentativa de compensar e
solucionar um dos problemas sérios que a escola enfrenta, que é a não
compreensão, por parte do aluno, do que se lê. Uma proposta que
resgatasse o que as escolas tinham e perderam: os livros, a leitura, o acervo.
A Secretaria compreende, assim, que esses problemas eram uma das causas
que prejudicava o bom aproveitamento do ensino nas escolas. Por isso,
buscava um “coringa da educação”.
Durante algum período de planejamento de definição de propostas,
a Secretaria chegou à conclusão que uma das soluções seria definir um
professor da rede em cada escola para fazer este trabalho, como forma de
evitar que houvesse uma rotatividade muito grande, ocorrendo de um ano
ter, outro não. Um profissional que não precisaria ser especialista, mas uma
pessoa que se dedicasse à atividade para desenvolver com a criança o
“hábito e o gosto” pela leitura. Este utilizaria atividades diferenciadas,
oferecendo uma diversidade textual para que pudesse, depois de um
determinado tempo na escola, incentivar a leitura e compreensão. Ou seja,
um dos objetivos foi institucionalizar o professor de Literatura Infantil e
melhorar o acervo das bibliotecas para torná-las de fato um espaço de
leitura e de pesquisa.
Antes de surgir esta proposta de ter um professor de Literatura
Infantil nas bibliotecas, ocorria que nas escolas não havia profissional
específico ou com orientação para este trabalho. Algumas escolas tinham
estagiárias, mas que literalmente nunca tinham trabalhado com este ensino
167
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
e nem tão pouco formação específica. Por isso, antes de implantar todo este
processo, a Secretaria foi apontando esta necessidade às escolas e às
equipes pedagógicas, indicando também qual seria o perfil ideal para este
profissional.
O professor não seria apenas um “cuidador” da biblioteca. Mas
deveria ser ativo, coordenar um trabalho de leitura e proporcionar uma
integração deste com os professores, principalmente com a Língua
Portuguesa. Para garantir a continuidade deste trabalho, ele deveria
constituir uma integração com o professor regente para garantir
continuidade, considerando o pouco tempo que o professor de Literatura
Infantil disporia semanalmente em contato com as crianças.
Após um período de existência da proposta com o ensino de
Literatura Infantil nas escolas, a Secretaria avaliou o andamento da
proposta na rede: seu desenvolvimento, dificuldades, necessidades.
Constatou-se que foram encontradas dificuldades, que incluem lotação de
professores nas escolas, organização de acervos, e até mesmo do
entendimento do que a proposta objetivava, pois muitas escolas e
professores compreendiam que o professor que está na biblioteca não tem
nada a ver com sala de aula.
Após um ano desta atividade, a Secretaria de Educação aponta que
foram identificados bons resultados em algumas escolas, como
representação de um trabalho extremamente positivo. Mas, esta acredita
que será possível ver resultados “a olhos nus” daqui a quatro ou cinco anos,
quando as crianças que frequentam o Ensino Fundamental o concluírem,
terão uma carga cultural muito maior do que os que estavam concluindo
naquele momento.
Como processo de formação continuada para os profissionais que
tratam do ensino de Literatura Infantil, a Secretaria de Educação fez uma
parceria com a Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE,
campus de Francisco Beltrão, para realizar encontros mensais de formação
para estes professores. A formação aconteceu durante o período de março
de 2006 a dezembro de 2008.
De acordo com as informações coletadas com a Secretaria de
Educação para analisar o surgimento desta proposta para a rede municipal
de ensino de Francisco Beltrão, constatamos que um dos principais
pressupostos que a Secretaria considerou foram as contribuições que a
Literatura Infantil traz ao processo de desenvolvimento da criança, com
enfoque no lazer e no prazer com a leitura.
168
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Neste aspecto, destacou-se que Literatura Infantil é fundamental
para a formação cultural da criança, para sua formação como pessoa, como
cidadão, membro de uma sociedade, percebendo seus direitos e deveres,
apontando-se o professor de Literatura Infantil como o mediador entre o
texto e o aluno leitor.
Literatura Infantil: suas contribuições à prática da leitura
Compreendemos que envolver a Literatura Infantil à prática
pedagógica é considerar a sua relevante importância para o
desenvolvimento da formação humana e cultural das crianças. Isso
possibilita a elas a emancipação, pelas diferentes experiências e vivências,
histórica, de sentimentos, sensações e emoções que podem ser expressas
nas variadas formas de ser, agir e pensar a cultura literária, representativa
da história em construção de nosso mundo.
Sendo assim, o respeito do ensino da Literatura Infantil na escola se
dá pela sua importância de possibilitar ao trabalho escolar contribuições
significativas para a formação humana e cultural dos alunos. Em certo
sentido admitir que a Literatura “faz-se porta-voz de uma utopia, ao rejeitar
fatores opressores, pode exercer sua propensão democrática e crítica”,
(ZILBERMAN,1990, p. 104). Sobretudo, o contato com a diversidade
literária possibilitar desenvolver o hábito e a necessidade-prazer pela leitura
com os alunos ampliando a capacidade de compreensão do mundo de forma
intelectual crítica.
Sobre isso, pensamos ser necessário na escola definir propostas
pedagógicas com o propósito à formação de leitores, ampliando as
limitações de decifração para a procura do sentido, ao questionamento
direto do escrito a partir de uma expectativa ligada a uma necessidade e a
um prazer. Compreendido que, “... ser leitor é ter um caminho
absolutamente infinito de descoberta e de compreensão do mundo...”
(ABRAMOVICH, 1997, p. 16). Ou ainda, “ler é atribuir diretamente um
sentido a algo escrito... questionar algo escrito como tal a partir de uma
expectativa real (necessidade-prazer)... é ler escritos reais” (JOLIBERT,
1994, p. 15). Assim, possibilitar uma leitura de mundo, aproximando as
crianças ao acesso à cultura literária, é torná-los intelectuais e pensadores
críticos.
Consideramos que, o exercício do ato de ler é que define o leitor, e
isto se dá pelo procedimento no qual se desempenha esta atividade. No
entanto isto não surge de modo instintivo, ou natural, “já que cada pessoa
169
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
carrega consigo os juízos que introjetou ao longo de sua formação, para a
qual contribui decisivamente a escola, pois, foi ela que o converteu num
leitor” (ZILBERMAN, 1990, p. 103).
Por isso nossa compreensão das contribuições que este ensino,
especialmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental permite ao
desenvolvimento da leitura das crianças. Sobretudo, porque este é um dos
principais objetivos que os professores, neste momento de escolarização,
têm em relação ao desenvolvimento da criança com a escrita. Mas, além de
ensiná-los a ler e escrever, tornar a leitura como hábito e prazer.
Entretanto, nossa discussão não se limita ao ler e escrever,
pensamos também nas práticas de letramento, como resultado da ação de
ensinar a ler e escrever, estado ou ação de um grupo social, como
consequência de ter-se apropriado da escrita incorporando-a às práticas
sociais. Por isso compreendemos que, “não basta apenas saber ler e
escrever é preciso também saber fazer uso do ler e escrever, saber
responder às exigências de leitura e escrita que a sociedade faz
continuamente” (SOARES, 1998, p. 18-20).
Dessa forma, o ensino de Literatura Infantil na biblioteca das
escolas, indica que é possível auxiliarmos a criança à aquisição da
necessidade-prazer pela leitura, pois proporciona um contato prazeroso com
a linguagem escrita. Sendo esta colocada na condição de ferramenta
importante para o conhecimento de mundo e desenvolvimento humano e
cultural. Compreendido que, é tarefa da escola permitir o acesso ao
conhecimento e ao exercício do ato de ler, inserir a criança no mundo da
escrita, “tornando-a um cidadão funcionalmente letrado”, ou seja, “fazer
uso da linguagem escrita para sua necessidade individual de crescer
cognitivamente e para atender às várias demandas de uma sociedade”
(KATO, 1986, p. 7).
Nessa perspectiva, focamos a discussão ao interior de uma escola
pública, onde foi elaborado e desenvolvido um projeto de Literatura Infantil
na biblioteca, durante os anos letivos de 2006 e 2007. A partir disso,
elencamos algumas das práticas desenvolvidas com este ensino e as
principais contribuições às crianças.
O projeto de Literatura Infantil desenvolvido na biblioteca da escola
Diante da diversidade cultural e da realidade que a comunidade
escolar está inserida, desenvolvemos um projeto voltado para a escola
Municipal Nossa Senhora do Sagrado Coração. Para isso, pensamos nas
170
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
condições de acesso à leitura e a cultura literária que esta comunidade
dispõe. 57
Priorizamos a necessidade de o espaço escolar ser o propiciador de
acesso ao conhecimento, o que para muitos, o acesso aos livros, se restringe
ao espaço escolar. Isso transparece no depoimento de uma professora: “aqui
na escola é o único lugar que eles têm contato com o livro... no bairro... em
casa eles não tem contato com o livro, tudo que se tem hoje dessas crianças
é a partir da escola”.
Os encontros na biblioteca aconteciam semanalmente, com todas as
turmas da escola, que naquele momento eram vinte e três. Envolvia as
séries iniciais do Ensino Fundamental, a Pré-escola e a Classe Especial,
num total aproximado de quase seiscentos alunos. A duração dos encontros
durava em média cinquenta minutos. A realização das atividades acontecia
também em espaços diversificados, não priorizando apenas a biblioteca.
Porém, esta proposta às vezes ficava limitada às condições que a escola
oferecia, o que influenciava, em muitos casos, o sucesso do
desenvolvimento efetivo ou completo de certas atividades. Buscava-se
utilizar materiais, como gravadores e filmadora, para registrar expressões
artísticas, de descontração e momentos de apresentações.
Durante as atividades com este ensino, aconteciam momentos para
ler, escrever, ouvir produções textuais (orais e escritas), relatos pessoais,
contato com música, produções pictóricas e literárias, atividades
interpessoais, expressões artísticas por meio de teatros e dramatizações
(ensaiados ou expressões livres), linguagens metafóricas, atividade de
narração de histórias, em que as crianças ouviam, mas também contavam.
Assim, possibilitava às crianças instituírem autoria às suas produções. Era
proposto discussões sobre sentimentos, valores, atitudes das diversas
culturas e lugares que surgiam nos personagens e histórias. Nos textos eram
priorizadas as leituras e opiniões dos alunos, para que eles pudessem
relacionar o escrito a sua realidade, os aproximando do mundo imaginário
das histórias às suas vidas.
Para muitas crianças desta escola, era a primeira vez que tinham
aulas na biblioteca com uma professora específica para trabalhar Literatura
Infantil. Isso tornava as aulas muito especiais para eles, e por isso
57
O Projeto de Literatura Infantil da Escola Municipal Nossa Senhora do Sagrado Coração
foi desenvolvido nos anos de 2006 e 2007. A partir de 2008, outra professora assume e
coordena as atividades na biblioteca de acordo com sua proposta de trabalho.
171
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
demonstravam interesse, vontade e muito prazer de participar dos
encontros.
Enquanto aconteciam as aulas de Literatura Infantil, a Secretaria de
Educação exigia que o professor regente da turma acompanhasse estas
aulas para depois dar continuidade ao trabalho em sala de aula. No entanto,
isso gerava desconforto para alguns, que não consideravam importante
estar lá. Sendo assim, muitos frequentavam a aula por obrigatoriedade e
não por sentirem necessidade. Isso também influenciava as práticas
educativas, que se tornavam isoladas do trabalho do professor em sala de
aula. Pois, era difícil coincidir momentos de planejamento pedagógico entre
o professor da turma e o professor de Literatura Infantil, para relacionar as
práticas da biblioteca às da sala de aula. Por isso, a importância deste
professor acompanhar as aulas na biblioteca.
Este trabalho na biblioteca com a Literatura Infantil, nos ensinou
que podemos contar e ouvir histórias, ler, ouvir e escrever poemas e
poesias, cantar e inventar músicas, interpretar histórias pelo teatro, criar,
imaginar, dar risadas sempre que surgirem, brincar com os personagens.
Enfim, há muitas coisas para contar, sobretudo, emocionar.
Mas alguns questionamentos também surgiam: A Literatura Infantil
possibilita o desenvolvimento de novas atitudes às crianças em relação à
leitura? O contato com este ensino permite a criança uma nova ação, um
novo comportamento, modifica suas formas de interpretar a realidade?
No decorrer da realização do projeto, observamos que as práticas
educativas realizadas trouxeram importantes contribuições ao
desenvolvimento dos alunos. Através de relatos de alguns professores, estes
comentaram que os alunos sentiam-se mais interessados pelas leituras,
especialmente por histórias, e desenvolviam de forma mais criativa suas
expressões escritas. Isso demonstra que o ensino de Literatura Infantil
permite o desenvolvimento da criatividade, fantasia, imaginação e no
auxílio à necessidade-prazer pela leitura.
Em outro relato, de uma professora, constatamos a importância da
escola para a prática da leitura:
Infelizmente, o gosto pela leitura e a vontade de aprender no início
depende do professor. O aluno não tem uma vontade própria, ele pode
trazer de casa, do pai ou da mãe, mas aqui na escola isso é tarefa do
professor. Na realidade do bairro que presenciamos é difícil esperar que
o aluno traga alguma coisa de casa, [...] ele tem que ter isso de algum
lugar, pois se não ver ninguém ler nada.... (Entrevista concedida em
2006).
172
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Como pode ser visto, a escola tem a tarefa de possibilitar e garantir
à criança o acesso à cultura escrita. Pois em algumas realidades como é o
caso desta escola, para muitas delas, o acesso aos livros e à cultura literária,
tornam-se exclusivo da escola. E se esta não o fizer, não apenas
descumpriremos com o dever da escola e com o direito da criança, como
estaremos deixando de disponibilizar uma ferramenta que auxiliará na sua
melhor compreensão de mundo. O argumento da professora evidencia um
pouco do que compreendemos sobre a escola, como a instituição
encarregada pela alfabetização da criança, e a família como um “segundo
pólo”, que exerce sua atividade política e cultural (ZILBERMAN,1990, p.
106).
A compreensão de que o trabalho do professor exercido na escola é
fundamental no processo educativo, e que às suas práticas estão atrelados
suas concepções e entendimentos em relação aos processos pedagógicos,
interfere diretamente no processo de desenvolvimento, ensino e
aprendizagem da criança. A partir disso, consideramos o processo de leitura
como ferramenta essencial de acesso ao conhecimento, mas conhecê-lo é
fundamental.
Consideramos que quanto mais significativa a experiência da
criança com o conhecimento, mais amplo será o desenvolvimento de suas
formações intelectuais e isso se torna possível pelas práticas educativas
com o ensino de Literatura Infantil. Pelas histórias é possível
questionarmos sentimentos, valores, ideias, conceitos e atitudes de diversas
culturas e lugares presentes nos personagens, identificando-os como uma
expressão própria de quem a está representando. Pois, “é através duma
história que se podem descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos
de agir e de ser, outra ética, outra ótica...” (ABRAMOVICH, 1997, p. 17).
A partir de experiências educativas por meio do projeto de
Literatura Infantil, percebemos o quanto alguns professores desconhecem
ou não consideram importante para o desenvolvimento da criança o
exercício da fantasia e da imaginação. Presenciamos momentos em que as
principais preocupações são apenas o ensinar a ler e escrever, ou as tão
conhecidas produções de texto. Mas se esquece que para escrever também é
preciso incentivar os alunos ao imaginário e a fantasia, para termos como
consequência “escritos reais”, espontâneos e autênticos.
Ou seja, é preciso considerar as “competências existentes” na
criança, seu desejo de crescer, desejo de agir, curiosidade com o mundo e
também suas “competências culturais”. Pois, “o escrito não começa (ou
173
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
raramente) com uma folha de papel ofício mimeografada ou fotocopiada
pelo professor e colocada desta forma à vista das crianças” (JOLIBERT,
1994, p. 139). Mas se constitui na escola, faz parte de um mundo
econômico, que interfere na sua produção, funcionamento e natureza.
A leitura é um questionamento de um texto. Isto é, uma elaboração
ativa de significado feita pelo leitor de acordo com aquilo que está
procurando no texto. Isso quer dizer que cabe ao professor auxiliar o aluno
a questionar um texto para extrair seu sentido, ou seja, para que o aluno
aprenda a questionar. O texto deve ser entendido como um escrito
autêntico. Não construído especificamente para ensinar e aprender a ler e
nem reduzido a um trecho que responde a determinadas situações. Mas
serve para comunicar, expressar, informar, contar, descrever, explicar,
argumentar e fazer uso da função poética da linguagem.
Dessa forma não cabe a escola apenas fazer com que as crianças
leiam e produzam textos. A tarefa da escola consiste em ensinar a ler e a
produzir suas expressões pela escrita. Assim, fazer com que os alunos
experimentem e aprendam a utilizar suas estratégias, de forma que a
própria criança sinta-se capaz de desenvolver sua leitura ou produção de
um escrito (JOLIBERT, 1994).
Nessa perspectiva, podemos ter como princípio o trabalho
pedagógico na escola, para revermos as práticas educativas e pensar se
estas são ou não suficientes para modificar o nível de compreensão de
alguns conceitos em nossos alunos. Ou estamos apenas partindo de
estratégias de ativismos, sem nada modificar no intelectual do aluno, sem
nada transformar. Ou ainda, não oportunizando experiências que o auxiliem
na elaboração de seu pensamento e sua formação cultural intelectual.
Portanto, inserimos a esta discussão, alguns relatos de professores,
que demonstram suas compreensões sobre o ensino de Literatura Infantil na
escola. Sobretudo, sobre as contribuições às práticas da leitura. Trata-se da
fala de sujeitos reais do fazer pedagógico, que foram selecionadas a partir
de observações. O objetivo é ressaltar a compreensão desses sujeitos sobre
este ensino e perceber como a Literatura Infantil é vista na escola, sua
importância e suas contribuições.
Os professores apontam que a inserção deste ensino na biblioteca,
representa estratégias e práticas pedagógicas diferentes das habituais. isso
fica claro no relato desta professora:
174
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
[...] a Literatura dentro da escola é muito importante, uma “feliz” ideia
da Secretaria de Educação trazer a Literatura para dentro da escola de
forma específica, na grade. Pois não que antes não se trabalhava, mas era
apenas quando dava tempo, [...] hoje tendo a professora específica faz
com que os alunos sejam mais críticos, [...] ter a Literatura na grade faz
com que o aluno sinta a importância e acabe tomando gosto, (professora
integrante da equipe pedagógica).
Em outro relato destacamos sobre a importância de outro professor
trabalhar as aulas, “a troca de um professor, com novas ideias e forma de
trabalho diferente é que interfere, mesmo que já se trabalha isso na escola”
(professora). Ao questionarmos a equipe da escola (direção/equipe
pedagógica) e alguns professores, para analisar como eles compreendem e
identificam a importância ou não, de se ter um projeto de Literatura Infantil
pensado e elaborado especificamente para esta escola, destacamos estes
relatos:
[...] trabalhar com literatura especificamente e o contato com diferentes
textos e formas de interpretação, faz com que os alunos sintam-se muito
mais motivados e atentos. Isso irá refletir diretamente dentro da sala de
aula melhorando o trabalho do professor, pois se estão mais atentos,
terão uma compreensão dos conteúdos com mais facilidade [...] o aluno
pensa mais, melhor compreensão do que houve, estimula a atenção, na
produção textual uma maior ampliação de vocabulário e ideias, [...]
comparando o trabalho anterior de outros anos, pela linha de trabalho
diferente, os alunos estão mais motivados (Professora da equipe
pedagógica).
[...] ter um professor específico, faz com que os alunos sejam mais
críticos, podendo comparar sua realidade com a história que leem e
pegando mais amor pela leitura, gerando uma escrita mais correta e
leitura mais fluente (Professora da equipe pedagógica).
Além do conhecimento dos fatos, a Literatura contribui na sala de
aula desenvolvendo nos alunos o gosto pela leitura, vontade de ler para
entender e compreender as coisas a partir da leitura. Os alunos olham o
livro com olhar diferente, para conhecer os autores, entender porque
escreveram aquilo, qual eram as mensagens que queriam passar para as
pessoas e a partir de que meio escreveram. Passaram a observar coisas que
não observavam antes (Professora).
175
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
[...] os alunos a partir das aulas de Literatura começaram a ter mais
interesse e gosto pela leitura, curiosidade pelo início e fim da história,
querem ver o que acontece no final da história (Professora).
Por meio desta experiência artística, estética e cultural, destacamos
que são significativas as contribuições à imaginação da criança e à prática e
prazer pela leitura, mesmo àqueles que ainda não liam. Além disso,
aumentou o interesse por diferentes obras e autores e novos práticas
artístico – culturais se desenvolveram naquela escola. Questões
identificadas pelos relatos dos professores. Porém, algumas limitações
também surgiram, como a dificuldade em envolver todos no projeto.
Mas voltamos a reafirmar que, o ensino de Literatura Infantil
merece seu espaço nas práticas educativas, pelas contribuições que
possibilita ao processo de desenvolvimento das crianças. Dessa forma,
cumpriremos com a tarefa da escola, a qual tem o dever de propiciar as
condições mínimas de acesso ao conhecimento e a cultura.
Por outro lado, o momento é para pensarmos na responsabilidade
em articular elementos que possam envolver os alunos e professores para a
efetivação de uma prática educativa que realmente desenvolva a tarefa da
Literatura Infantil no processo educativo e de formação humana e cultural,
que se permite delimitar, independente de uma proposta específica de
trabalho na biblioteca, mas de um projeto coletivo enquanto escola e
educadores.
Algumas considerações
A partir da proposta de formar leitores, consideramos importante as
práticas desenvolvidas com a Literatura Infantil, que demonstraram ser
possível desenvolver o hábito e a necessidade pela leitura. Porém,
admitimos que este discurso se associa com participação social e
democracia. De forma que, mesmo que haja programas de leitura, como é o
caso que tratamos, o ensino de Literatura Infantil nas bibliotecas das
escolas públicas, devemos considerar que isto está atrelado a uma condição
de cidadania, algo que merece grandes investimentos do Estado e da
sociedade.
Pois dependendo do contexto sócio-cultural em que o sujeito se
insere, suas condições de vida, o acesso aos livros, à cultura escrita, de nada
adiantará lhe apresentarmos “belíssimos programas” de incentivo ou
176
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
promoção à leitura. Sua própria condição social já lhe impõe e o condiciona
as práticas de leitura, como o caso desta realidade que discutimos. Uma
escola pública que, para muitos dos alunos, o único espaço de leitura é a
escola. Ou seja, tais crianças estão objetivamente excluídas de alguma
forma do mercado de consumo de livros e de outros espaços sociais em que
os conhecimentos e capacidades relacionados à leitura são importantes.
No texto que finalizamos neste momento, podemos pela nossa
análise trazer um panorama negativo da promoção da leitura. Mas, ao
contrário, apenas queremos considerar o que também Britto (2003)
considerava, de que se trata de um processo político de democracia
entendido como um modo de organização e participação social.
Trazer a legitimidade da importância da prática de leitura é
considerar o que Geraldi disse, “quem não se comunica se trumbica” (1997,
p. 44). Dessa forma, a linguagem é vista como instrumento de inserção
social e cultural da criança, permitindo-a conhecer o mundo por meio da
leitura.
Por isso, a Literatura Infantil é um instrumento de inserção da
criança ao mundo da escrita, cultura, história, fantasia e imaginação. Mas
sua participação social só se efetivará a partir de ações que a tornem capaz
de sentir-se inserida no mundo da escrita e fazer uso desta nas suas práticas
sociais, de forma intelectual e crítica.
Mas queremos explicitar que também reconhecemos que as
possibilidades e formas de ler estão sobredeterminadas pelas formas gerais
de educação e de participação social. Tais ações têm implicações políticas e
éticas, representadas não apenas por uma concepção de leitura, ensino da
leitura ou de promoção de leitura, mas, sobretudo uma concepção de
sociedade (BRITTO, 2003, p. 140).
A partir disso repensamos, é possível incluir os sujeitos à cultura
escrita sem modificar o modelo excludente de sociedade? Mas pensamos as
práticas com o ensino de Literatura Infantil ser um instrumento possível.
Referências
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione,
1997.
BRITTO, Luiz Percival Leme. Contra o consenso: cultura escrita, educação e participação.
Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003.
177
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
GERALDI, João Wanderley. Concepções de linguagem e ensino de português. In:
GERALDI, João Wanderley (Org.) O texto na sala de aula. São Paulo: Àtica, 1997.
JOLIBERT, Josette. Formando crianças leitoras. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
______. Formando crianças produtoras de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
KATO, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática,
1986.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Ceale/Autêntica,
1998.
ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil: livro, leitura, leitor. In: ZILBERMAN, Regina
(Org.) A produção cultural para a criança. 4ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.
178
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
UM OLHAR SENSÍVEL E POLÍTICO DIANTE DO PEQUENO
LEITOR: ESTUDO DE CASO A PARTIR DO LITERATÓRIO.
Ana Paula do Prado
Unisinos
Obrigar alguém a ler um livro,
mesmo que seja pelas melhores razões do mundo,
só serve para vacinar o sujeito para sempre
contra a leitura
Monteiro Lobato
Depois de Lobato, permitam-me convidar Ana Maria Machado
(2002). 58 Não custa nada lembrar algumas coisinhas fundamentais.
Desculpem se parecem evidentes demais para alguns.
a) Ninguém tem que ser obrigado a ler nada. Ler é um direito de
cada cidadão, não um dever. É alimento do espírito. Igualzinho
a comida. Todo mundo precisa, todo mundo deve ter a sua
disposição – de boa qualidade, variada, em quantidades que
saciem a fome. Mas é um absurdo impingir um prato cheio pela
goela abaixo de qualquer pessoa. Mesmo que se ache que o que
enche aquele prato é uma iguaria mais deliciosa do mundo.
b) Clássico não é livro antigo e fora de moda. É livro eterno que
não sai de moda.
c) Tentar criar gosto pela leitura, nos outros, por meio de um
sistema de forçar a ler só para fazer prova? É uma maneira
infalível de inocular o horror a livro em qualquer um.
d) O primeiro contato com um clássico, na infância e
adolescência, não precisa ser com o original. O ideal mesmo é
uma adaptação bem feita e atraente.
Ao longo dos anos, fervilha na minha cabeça como foco das
minhas preocupações os espaços destinados à iteratura para criança
pequena. Tenho vivenciado experiências negativas quanto às crianças
poderem exercer seu direito em frequentar espaços (em especial,
bibliotecas) sem que seja a todo momento confiscado o seu direito de ir e
58
Ana Maria Machado recebeu no ano 2000 medalha Hans Christian Andersen,
considerada o Nobel da Literatura Infantil.
179
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
vir. Ou melhor, de não poderem fazer suas escolhas sem que sejam, a todo
momento, observadas com olhares tortos. Quando falo em criança pequena
estou me referindo a todas as crianças que fazem parte da educação infantil,
ou seja, menores de seis anos.
Sabemos que, salvo raríssimas exceções, avançamos muito pouco
nas políticas públicas de atendimento ao pequeno leitor, que pode buscar
seu espaço proferido no Art. 29, Seção II, Capítulo II, Título V da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n° 9.394 de 20/12/1996:
[...] a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem com
finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de
idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade.
Já há algum tempo aprendi que preciso voltar meu olhar político e
sensível para o pequeno leitor e unir os sonhos, os desejos, os espaços, os
tempos com indignação, questionamentos e compreensão, compondo
problemas, teorias e proposições.
Pois bem, essas minhas preocupações deram origem a essa
pesquisa com um palco cheio de luzes, sons, vozes, emoções, cores, ação.
Assim, meu primeiro ator é o professor e contador de histórias Celso Sisto,
que também faz parte da minha trajetória acadêmica, já que no ano de 2000
foi meu professor, na Universidade do Oeste de Santa Catarina, hoje UnoChapecó, Instituição onde situa-se o projeto Literatório.
Um conto de quem conta:
um jeito sensível e político de quem entende e faz história
Passo a seguir a desdobrar ideias advindas da conversa que tive
com Professor Celso Sisto. 59 Um diálogo sobre política, financiamento e
espaços públicos destinados ao pequeno leitor, em entrevista com um
professor e contador de histórias. 60
59
Entrevista a mim concedida em 10 de dezembro de 2008.
Celso Sisto é escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá (RJ), ator,
arte-educador, crítico de literatura infantil e juvenil, especialista em literatura infantil e
juvenil, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura
Brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutorando em Teoria da
Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e
60
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Segundo seu depoimento, o Projeto Literatório foi elaborado no
período em que ele trabalhou na Universidade de Chapecó, entre 2000 e
2002.
Eu participei do projeto de confecção do laboratório mesmo, como é que
ia ser, que tipo de material a gente ia ter lá dentro, que tipo de atividade
a gente faria com os visitantes desse laboratório, eu participei de todo
esse trabalho de infra-estrutura. Inclusive, no início do funcionamento
desse laboratório, voltei à Universidade para dar palestras e oficinas, e
pude constatar que mais de 80% do material que estava no laboratório
eram materiais produzidos nas minhas disciplinas, pelos meus alunos.
Nesta mesma época o professor Celso Sisto era meu professor na
Pedagogia, na área de Educação Infantil e, em vários momentos, nos
encantava com suas contações de história. Com sua sensibilidade, fazia
pensar e refletir sobre nossa prática. Esses momentos já me instigavam a
pensar sobre como eu, professora Ana Paula, estava proporcionando tais
momentos para minhas crianças. Sempre me questionava sobre os espaços
que as crianças tinham em meu município, em minha escola e também na
sua casa para exercer efetivamente a leitura literária. Em outras palavras,
realizar o que diz Eliane Debus (2006), “que a criança possa encontrar na
leitura literária, seja a oral, seja a escrita, mais do que o aquietamento, o
inquietamento; que a leitura literária mais incomode do que acomode e que
nós, professores, possamos acreditar e cumprir a tarefa de “espalhar nas
crianças o pó de pirlimpimpim da imaginação” (p.124-125).
Neste sentido contar história é dialogar em várias direções: “ na
arte, na vida, na do outro, na nossa. Os objetivos podem mudar – é recrear,
é informar, é transformar, é curar, é apaziguar, é integrar – podem se
alternar, mas nunca acaba com o prazer de escutar! De participar! De criar
junto!” (SISTO, 2001, p. 95).
Quando perguntei ao professor Celso quem teve a ideia inicial, ele
responde que foi o curso de Letras da Universidade do Oeste de Santa
Catarina, pois tinham ido visitar um laboratório maravilhoso que
funcionava na Universidade de Passo Fundo, criado pela professora Tânia
responsável pela formação de inúmeros grupos de contadores de histórias espalhados pelo
país. Tem 34 livros publicados para crianças e jovens e já recebeu vários prêmios pela
qualidade de sua obra, dentre eles o prêmio de autor revelação (FNLIJ, 1994) e ilustrador
revelação (FNLIJ, 1999).
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Rosing. 61 Foi a partir de então que o departamento de Letras da UNOESC
teve a ideia de construir esse laboratório.
A partir desse momento da entrevista, ele lembra que teve
dificuldades iniciais para conseguir um espaço grande o suficiente que
abrigasse as atividades “que a gente gostaria que ocorressem lá dentro”.
Neste sentido, Debus (op cit) diz que construir um ambiente propício à
leitura, na própria sala de atividades ou num espaço físico, como a
biblioteca central, é de fundamental importância ao pensar o exercício
literário com as crianças (p. 84).
Sisto acrescenta que, poder ter dentro de uma Universidade
particular, privada, um espaço como aquele (Literatório) – para receber as
escolas de fora, escolas de Educação Infantil, de Ensino Fundamental – é
uma ação em promoção da leitura fantástica:
Acho que se todas as Universidades pudessem fazer esse trabalho
com a comunidade, dentro do seu espaço físico, seria maravilhoso,
realmente acho que é um trabalho de visão social também muito
importante.
Ao realizar essa entrevista me reporto aos tempos coloniais, até as
duas primeiras décadas do século XX, onde pouco ou nada foi feito para
resguardar o direito ao livro, pois a falta de uma política educacional
impediu uma formação de leitores. Assim, como lembra Arroyo (apud
OLIVEIRA, 2008), “percebe-se que a literatura infantil propriamente dita
partiu do livro escolar, do livro útil e funcional, de objetivo eminentemente
funcional”.
Quando pergunto ao professor Celso Cisto como percebe o avanço
de políticas financeiras voltadas à literatura, ele coloca que isso tem
aumentado bastante, a gente tem hoje o PNLL: “Há uma série de caminhos
para você conseguir um verba ou um financiamento para criar um espaço
deste tipo, tanto em nível federal, estadual e municipal. Cada vez mais a
gente tem espaços voltados à literatura e a preocupação com uma política
pública de formação do leitor – acho que isso é importante frisar”. 62
O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC), o Literatura em
Minha Casa distribui, desde abril de 2002, uma coleção de livros para
61
Tânia Rosing: Doutora em Literatura e Professora da Universidade Federal de Passo
Fundo.
62
Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL).
182
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
estudantes da 4ª série do ensino fundamental com a finalidade de
desenvolver o gosto pela leitura. A coleção, que se torna propriedade do
aluno, é composta de cinco volumes, sendo uma obra da poesia ou
antologia poética, um conto ou antologia de contos, uma novela e uma peça
teatral, todos brasileiros, e um clássico da literatura universal traduzido ou
adaptado (BRASIL, 2006).
Levando em consideração que a literatura ainda não tem um lugar
estabelecido Zilberman (1994), comunga com a ideia e afirma que:
[...] a literatura infantil permanece como uma colônia da pedagogia, o
que lhe causa grandes prejuízos; não é aceita como arte, por ter uma
finalidade pragmática; e a presença deste objetivo didático faz com que
ela participe de uma atividade comprometida com a dominação da
criança.
Neste sentido a importância dada ao PNBE não é significativa o
suficiente, sendo que ainda persiste a supervalorização do livro didático em
detrimento do livro de literatura. No entanto, de acordo com Lopes (2007),
“defendo o inverso, o livro didático é que deveria ser simplesmente livro, e
a escola um espaço pedagógico de lidar com os mais diferentes livros, de
literatura, de ciências e outros mais”.
Seguindo a entrevista, pergunto qual o programa ou política de
financiamento para a literatura que teve um grande marco na sua visão. O
professor coloca que o governo federal, através do MINC, tem um prêmio
anual, para os melhores projetos de leitura: 63
[...] é o prêmio que envolve verba, envolve dinheiro, enfim, eu acho que
essas instituições governamentais, elas estão bem acessíveis a
financiamentos com esse tipo de projeto, mas como eu não lido
diretamente com essa parte de captação de recursos, eu realmente não sei
quais são os trâmites.
63
O MinC - Ministério da Cultura do Brasil - foi criado em 15 de março de 1985 pelo
decreto nº 91.144, no governo de José Sarney. Antes as atribuições desta pasta eram de
autoridade do Ministério da Educação. É responsável pelas letras, artes, folclore e outras
formas de expressão da cultura nacional e pelo patrimônio histórico, arqueológico, artístico
e cultural do Brasil.
183
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) foi apresentado
pelos ministros da Cultura e da Educação, no dia 13 de maio de 2006, no
encerramento do FÓRUM PNLL/Viva leitura 2006/2008. No documento
apresentado, é dito que o PNLL:
[...] é uma ação liderada pelo governo federal para converter esse tema
em política pública mediante a concentração e articulação dos esforços
desenvolvidos pelos diversos atores sociais: Estado, universidade, setor
privado e demais organizações da sociedade civil que formam o
chamado terceiro setor. Tem como objetivo central melhorar a realidade
da leitura no país e, por isso, é construído e se desenvolve por meio de
um processo que transcende a imediatez (BRASIL, 2006, p. 5).
Os programas de incentivo à leitura tem se manifestado de forma a
contribuir na formação de leitores, no entanto o pequeno leitor de zero a
cinco anos tem ficado em segundo plano, visto que o programa Literatura
em minha casa foi um programa dirigido em particular aos alunos do quarto
ano do ensino fundamental.
Sabe-se que o pequeno leitor está caminhando por uma via de mão
dupla, ou seja, lhe é dado direito, mas não lhe é permitido e nem
assegurado o cumprimento desse direito, por pessoas que não
compreendem a importância da criança estar em contato com o universo
literário.
Neste sentido o professor Celso Sisto, quando perguntado sobre a
criança ser vetada ao direito de folhear sem discriminação o seu livro
escolhido, coloca que para trabalhar com as crianças dessa faixa etária (0 a
6 anos), você tem que ter todo o tipo de material:
[...] faz parte desse exercício motor rasgar papel esse tipo de coisa... só
que agora não precisa fazer isso com o livro... se ela está fazendo isso
com o livro é porque, talvez, ela não tenha atividade suficiente para esse
tipo de coordenação, com jornal, com revista, com outras coisas que ela
poderia estar usando para não rasgar o livro... Mas eu acho que isso é
uma bobagem, rasgou o livro, substitui.
Segundo Debus (2006), “muitas vezes a pessoa que é responsável
pelo acervo não está habilitada para tal, para exercer a função. É importante
que se perca o medo de que a criança vá destruir o livro, que se desconstrua
a ideia de durabilidade, que se tenha clareza de que o livro, como outros
bens de consumo, entre eles o brinquedo, desmancha-se, suja-se, rasga-se”
(p. 86).
184
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
E ainda Sisto acrescenta:
[...] é claro que as crianças precisam ser educadas, precisam ser
ensinadas que aquele livro que está na biblioteca é patrimônio de todo
mundo, que tem que ser preservado, que tem que ser cuidado, que tem
que ter carinho e tal, mas a casa não vai cair se acontecer de um livro ser
rasgado.
Quando me coloco no lugar da criança que é vetada ao escolher um
livro, ou mais, é trancafiada em um espaço que ela não poderá mexer no
livro – e mais, quando elas são trancafiadas por professores da Educação
Infantil! – percebo o quanto temos que avançar, e como nossos espaços
públicos de leitura para os pequenos não estão preparados para essa cidadã
criança, que revoga seus direitos, muitas vezes vetados pelos responsáveis
por esses espaços e até mesmo por professores.
Monteiro Lobato (apud DEBUS, 2006), em sua estada em Nova
Iorque (1927-1931), visitou a Biblioteca do Congresso, a Biblioteca
Pública de Nova Iorque. Pode-se dizer que o maior encanto deu-se pelo
espaço:
[...] o prazer da criança ali é intenso, porque podem mexer à vontade. O
“não faça isso, não bula nisso” não existe. Podem tirar das estantes os
livros que desejarem, dois, três, quatro ao mesmo tempo, e vê-los, lê-los,
cheirá-los quanto quiserem, onde e como quiserem- no chão, como os
nossos futuros aviadores, nas mesinhas, nas cadeirinhas de balanço.
Nenhuma obrigação ali, além da de se regalarem com a livralhada
deliciosa.
Ainda em relação à importância do contexto para os pequenos
sentirem-se à vontade com os livros, professor Sisto, na sequência de seu
depoimento, afirma considerar lastimável a seguinte circunstância:
[...] às vezes a gente vai a escolas e os livros estão pendurados em sacos
plásticos expostos, mas as crianças não podem mexer, não podem tocar,
as estantes são altas, e elas não tem acesso, então pra que tem bibliotecas
pra criança? A biblioteca é da criança, ela é que tem que ter autonomia,
inclusive pra ir lá na estante mexer no livros, escolher os livros e
manusear esse material, faz parte desse processo de formação esse
contato físico com o material, com o livro, mas a gente pode usar livro
de pano, livro brinquedo, livro de plástico, livro que pode molhar, que
pode por na banheira, que pode botar dentro da água, enfim existe essa
185
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
gama de material. Existe o livro de papel também que a gente precisa
ensinar a criança a ter cuidado com ele, mas o livro é substituível. Claro
você não vai usar um livro raro pra trabalhar com criança pequena,
porque, você corre o risco de ter perda, mas os livros que estão aí no
mercado, enfim eu acho que as coisas não podem ser tão radicais assim...
Essa foi uma das preocupações centrais do Literatório, quando ele
foi pensado. Quando perguntei sobre a preocupação com as idades, ele diz
que cada atividade seria específica para aquele público que estaria sendo
recebido ali, era esse o objetivo. Sempre as atividades seriam adequadas a
cada público que tivesse indo visitar, então essas atividades poderiam ser
brincadeiras ligadas e relacionadas à literatura, enfim, produção artística
relacionadas à literatura, como desenhar, pintar. Sempre partindo da
literatura, partindo do livro, partindo de uma história, a história claro
sempre adequada ao público que estivesse presente no espaço. Então,
pergunto: se fossem crianças bem pequenas seriam contadas histórias para
pequenos? Prontamente ele afirma que “com certeza”. Mas uma das
prioridades consistia em atingir todo o leque de leitores possível. Como já
referido, atingir o Ensino Infantil, Fundamental, Médio, enfim, o projeto
previa atividades ligadas à literatura num espaço lúdico, num espaço de
interação, com materiais interativos sempre ligados à literatura, e que as
escolas pudessem agendar visitas a esse espaço e esse espaço seria mantido
por pessoas do curso de Letras, professores e alunos.
Diante dessas preocupações, professor Sisto pensa que as contações
de histórias devem acontecer sempre, se possível na barriga:
[...] a própria mãe, enquanto está no período de gestação, se ela canta pra
criança, se ela conta história mesmo na barriga, a criança já vai se
familiarizando com a musicalidade com o ritmo, com todos essas coisas.
Ainda Sisto fala que a literatura, principalmente de uma forma
lúdica, tem que acompanhar a vida da criança, a vida escolar dela até o
momento em que ela se torna independente e sai da escola. Acontece que
isso é feito na educação infantil depois de primeiro a quarto ano. Do quinto
ano até o ensino médio, parece que há um fosso, deixando-se de trabalhar
com a literatura de uma forma lúdica. Infelizmente a literatura passa a ser
trabalhada como cobrança, como ficha de leitura, com atividade pra nota.
Amarilha (2000), em seu livro Estão mortas as Fadas? “entende que
Sherazade deveria visitar mais vezes nossa sala de aula, não para sustentar
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
a disciplina, nem para preencher um vazio pedagógico, mas para
proporcionar sistematicamente o contato com as possibilidades
significativas da leitura”.
Sisto, no desdobramento da entrevista, dá a entender que essas
práticas dos professores muitas vezes acaba sendo uma obrigação,
afastando o aluno do livro:
[...] eu vejo muito nas escolas isso, até a 4ª série o trabalho com a
literatura é muito prazeroso, muito lúdico. Agora, é preciso que o
professor seja antes de tudo leitor para poder fazer bem esse tipo de
trabalho, não pode ser um trabalho mecânico, não pode ser um trabalho
do tipo “há eu vou ali ler uma historinha e acabou”.
Contar histórias hoje “significa salvar o mundo imaginário”
(SISTO, 2001), eu acho que a gente precisa ter um respeito enorme por essa
produção literária, pelos escritores que estão ali produzindo livros de
altíssima qualidade, e é preciso conhecer a fundo o que o mercado produz,
os livros premiados, frequentar livrarias, ir as bibliotecas. Um professor pra
lidar com esse tipo de trabalho precisa ser realmente um grande leitor e
correr atrás disso, porque isso não vai vir de graça, não vai cair do céu no
seu colo, você precisa correr atrás dessa formação específica.
Entendo que todas essas inquietações acerca da arte literária, bem
como os espaços (instituições) onde o livro se apresenta como um mito,
precisa ser repensadas. Talvez necessário que sejam desmentidas algumas
verdades cristalizadas, que legitimam a prática de muitos educadores.
Acredito que espaços como o do Literatório possam simbolizar um passo
em frente na construção efetiva de uma política visando ampliação e
acessibilidade a um acervo de qualidade para as crianças em geral – e em
meus propósitos específicos, para os pequenos.
Entendo que as crianças da Educação Infantil, bem como todos que
fazem parte das instituições escolares, primam por uma escola de
qualidade, com a participação de professores comprometidos com a
dimensão que vai além do cognitivo, que vê a leitura além dos moldes
didáticos que se instituiu em nossa tradição escolar.
Como enfatiza Marita Redin (2002, p. 108):
Seria muito gratificante se a escola conseguisse realizar a química da
“alegria cultural” em todas as suas atividades, em todas as suas práticas
pedagógicas. Seria encantador conseguir realizar a poética da
descoberta, da criação, da inovação.
187
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Assim, a partir das ideias que tenho colecionado, aliadas à minha
experiência docente junto aos pequenos, proponho investigar uma
experiência não curricular, mas que poderá auxiliar a pensar em alternativas
dentro e fora da escola. Ou seja, investigar mais detalhadamente o espaço
denominado Literatório, verificando limites e possibilidades de tal
proposta, buscando saber se, efetivamente, sua existência tem feito
diferença entre seus usuários, em especial entre as crianças que o
frequentam. Quem sabe este estudo permita levantar algumas alternativas
para pleitear junto à esfera pública de meu município experiências
similares.
Referências
AMARILHA, Marli, Estão mortas as fadas? Literatura infantil e prática pedagógica. 2.ed.
Petrópolis: Vozes; Natal: EDUFRN, 2000.
BRASIL. Biblioteca na Escola. Brasília: MEC; SEB, 2006.
______. Plano Nacional do Livro e da Leitura – PNLL. Brasília: MEC, 2006.
DEBUS, Eliane, Festaria de brincança: a leitura literária na Educação Infantil. São Paulo:
Paulus, 2006.
LOPES, Alice Casimiro. O livro didático nas políticas de currículo – Currículo e
epistemologia. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007.
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2002.
OLIVEIRA, Maria Alexandre de, A Literatura para crianças e jovens no Brasil de ontem e
de hoje: caminhos de ensino. São Paulo: Paulinas, 2008.
REDIN, Marita Martins. Entrando pela janela: o encantamento do aluno pela escola. Porto
Alegre: Mediação, 2002.
SISTO, Celso. Textos e pretextos sobre a arte de contar histórias. Chapecó: Argos, 2001.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 8.ed. São Paulo: Global, 1994.
188
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
OS CONTOS INFANTIS COMO PROPOSTA DE INCENTIVO À
LEITURA NA ERA DIGITAL
Thiago Rafael Machado 64
UNIVALI
[email protected]
Chirley Domingues 65
UNISUL
[email protected]
[...]
Chega mais perto e contempla as palavras
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
[...]
(Andrade apud Micheletti, 2001, p. 73)
Introdução
O acesso cada vez mais irrestrito às massivas informações
propiciadas pela digitalização dos meios de comunicação tem provocado, a
partir das últimas décadas do século XX, uma escassez de leitores infantojuvenis (COELHO, 2000; MACHADO, 2002). Embora a aquisição das
informações tenha se tornado mais fácil, os conteúdos estão cada vez mais
superficiais. E a agilidade no acesso às informações contribui para o
desinteresse pela leitura literária, uma vez que até as pesquisas escolares
são realizadas através da internet. Assim sendo, os livros, sejam eles de
literatura ou enciclopédicos, tornaram-se artigos de última instância,
buscados somente em situações em que a internet não pôde suprir as
necessidades do educando. Levy (1999) observa que “[...] contrariamente
64
Acadêmico do curso de Letras Português/Inglês e Literaturas da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI. Contato: [email protected]
65
Mestre em Literatura Brasileira e Professora da Universidade do Vale do Itajaí. Contato:
[email protected]
189
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
ao que nos leva a crer a vulgata midiática sobre a pretensa ‘frieza’ do
ciberespaço, as redes digitais interativas são fatores potentes de
personalização ou de encarnação do conhecimento”.
Logo, é necessário que o educador, principalmente de língua
portuguesa, seja o mediador entre a utilização das novas tecnologias como
fonte de pesquisa escolar, e da leitura. Esta última, como fonte de aquisição
de elementos e, também, como lazer.
Machado (2002) diz que a noção de leitura prazerosa é muitas
vezes confusa:
Existe um elemento divertido, de entretenimento, em acompanhar uma
história engraçada, emocionante ou cheia de peripécias. É uma das
alegrias que um livro pode proporcionar – mas essa é apenas uma
satisfação mais simples, evidente e superficial. Há muito mais que isso.
Muito mesmo, como sabe qualquer leitor. Existe, por exemplo, o gosto
pela viagem – um prazer muito especial, que não deve ser confundido
com fuga, evasão ou escapismo. É o gosto pela imersão no
desconhecido, pelo conhecimento do outro, pela exploração da
diversidade. (p. 19)
Levando-se em consideração as transformações que vêm ocorrendo
no processo educacional e a desvalorização da leitura literária, o presente
artigo visa propor uma abordagem diferenciada no ensino de literatura
infantil. Para tanto, apresenta-se um panorama da literatura e sua função
social, assim como os problemas e dificuldades encontrados nas escolas na
atualidade. Por fim, expõe-se as vastas possibilidades de trabalho
encontradas no campo da mídia digital, como forma de contextualização
das obras clássicas, investigadas através de uma pesquisa quantitativa
efetivada com alunos de uma quinta série do ensino fundamental.
A Literatura e a transmissão dos saberes.
A Literatura nasceu, provavelmente, como produto da necessidade
de expressão humana. Desde que os povos primitivos desenvolveram
inteligência suficiente para retratar os fatos do cotidiano, o homem
começou a registrar suas experiências de vida para poder socializá-las, a
exemplo das pinturas rupestres. Mais tarde, as narrativas tornaram-se o
principal modo de transmissão de cultura. Antes do surgimento da escrita,
todas as tradições de uma comunidade, grupo ou tribo eram repassadas aos
190
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
mais jovens através da oralidade. Todo o saber, prático, ritual ou mítico,
estava concentrado nos mais velhos e sujeito às limitações da memória
humana.
Através do advento da escrita, o livro transformou-se no recipiente
totalizante dessas informações, tornadas então imutáveis, embora pudessem
ser interpretadas de diferentes maneiras. Era agora o leitor/intérprete quem
detinha o conhecimento. A escrita possibilitou a apropriação das
mensagens de forma atemporal, pois através dela pôde-se entrar em contato
com textos escritos em outras épocas e localidades. Dessa forma, os
protagonistas da comunicação não precisavam mais, necessariamente,
compartilhar a mesma situação. Para que isso pudesse ocorrer, os textos
começaram a ser elaborados de forma a ter sua carga semântica fechada, e
conter em si mesmo suas características interpretativas. O fato de uma obra
se tornar auto-suficiente, auto-explicativa, a torna universal. Mais tarde,
com o surgimento das bibliotecas o saber registrado nos livros passou a ser
reproduzido, e depois com a invenção da impressão, em grande escala. As
enciclopédias e os dicionários são exemplos desse novo modo de
transmissão através de um índice remissivo, já com ares de hipertexto. 66
Atualmente, a gradual substituição das bibliotecas pela informação
contida no ciberespaço retoma as raízes da transmissão dos saberes, porém,
com a diferença de que essa transmissão se dá através das comunidades
virtuais, ilimitadas por tempo ou espaço, ao invés de invólucros exclusivos
representados pelos sábios ou livros. 67
A literatura é, sobretudo, uma manifestação artística que privilegia
a língua, falada ou escrita. Nela, o homem encontra a si mesmo, retratado
sob as mais diversas óticas e em diferentes épocas. Apesar de seu
proeminente caráter educativo, as crianças podem, sim, criar o gosto por ela
além dos muros da escola. Segundo Micheletti (2001),
Uma leitura profunda conduz a uma espécie de imersão no universo das
palavras e, quando o leitor volta à tona, se encontra numa terceira
66
Hipertexto é um sistema para a visualização de informação cujos documentos contêm
referências internas para outros documentos (chamadas de hiperlinks ou, simplesmente,
links)
67
Ciberespaço é o espaço das comunicações por rede de computador. Sua comunicação
acontece de forma virtual. Faz uso dos meios de comunicação modernos, destacando-se
entre eles a Internet.
191
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
margem. Nela, pode rever-se, ampliando seu conhecimento de si e do
mundo. (p. 16)
A partir desse encontro, o leitor tem a possibilidade de enriquecer a
sua experiência de vida, através da contextualização dos seus saberes,
promovendo uma meta leitura do que lhe é apresentado.
Esse processo de auto-conhecimento inicia-se na infância, com o
auxílio dos contos infantis. Através de sua linguagem simbólica, essas
histórias promovem a descoberta do mundo de uma forma lúdica e
acessível, sem a sutileza de recursos estilísticos ou linguagem difícil.
Muito comum na antiguidade, a visão do “adulto em miniatura”
impedia a produção de uma literatura voltada especificamente para as
crianças, que possuem interesses próprios e necessitam de formação
específica.
As origens da Literatura Infantil.
A Literatura Infantil é de natureza maravilhosa, pois compreende
uma série de mitos e fábulas pertencentes ao pensamento mágico, natural
aos intelectualmente imaturos. Esse pensamento era comum na antiguidade,
o que explica o surgimento e o grande sucesso desse tipo de literatura nessa
época, que compreende desde os povos primitivos até a Idade Média.
Criada originalmente para o prazer dos adultos, popularizou-se no
imaginário coletivo através de narrativas, sofreu mudanças e misturou-se a
outros temas, dando origem a uma série de gêneros e subgêneros.
Com a crescente intelectualização da cultura e da sociedade,
tornou-se desprestigiada e passou a ser designada às crianças. A mudança
de público-alvo promoveu, entretanto, a transformação dessas histórias em
ferramentas pedagógicas. Os leitores aos quais essa literatura é destinada
estão em processo de formação, necessitados de exemplos
conscientizadores que auxiliem seu amadurecimento de forma divertida e
interessante. Daí o cunho moralizante e o caráter lúdico que se fazem
onipresentes. Sobre esse olhar preconceituoso, Zilberman (1998) afirma
que:
[...] a literatura infantil [...] está envolvida por uma capa protetora de
enganos e preconceitos que, ao mesmo tempo em que a diminuem
192
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
intelectualmente, reprimem uma averiguação que ponha em evidência
sua validade estética ou suas fraquezas ideológicas. (p. 9)
Machado (2002) corrobora com esse pensamento, afirmando que
[...] talvez justamente seja essa a causa e o efeito de não terem tanto
prestígio e nobreza. Muitas vezes, são consideradas apenas “histórias
infantis” e, por isso, vistas como pouco importantes. Outras vezes,
ocorre processo inverso: por serem consideradas pouco importantes e
sem nobreza literária, se acha que podem então ser destinadas às
crianças. Duplo preconceito. E inteiramente equivocado. Por um lado,
não foram escritas com o objetivo específico de procurarem a garotada
como público-alvo. Por outro lado, o alto nível de sua qualidade artística
e a sua força cultural são atestados pela sua universalidade e sua
permanência. (p. 68)
Um dos subgêneros da Literatura Infantil, denominado conto de
fadas, pode também ser chamado de conto de encantamento. Isso porque
ocorre sempre fora da realidade, no mundo da fantasia e do sonho, onde as
limitações humanas não impedem que os fatos sejam resolvidos através de
meios sobrenaturais. Caracteriza-se geralmente por narrativas curtas, onde
o herói ou heroína tem de enfrentar grandes obstáculos antes de triunfar
contra o mal, com o auxílio de magia. A palavra fada deriva da palavra
latina fatum, que significa destino. A personagem que resistiu a todas as
mudanças de costumes ocupa um lugar privilegiado nas histórias que levam
o seu nome, encarna a possibilidade da realização dos sonhos através da
mágica. O homem sempre necessitou de mediadores mágicos que
transcendessem a realidade dura em que se encontrava. Por isso, as
histórias refletem os anseios das camadas populares da época em que
surgiram: demonstram as relações sociais e apresentam na maioria das
vezes, personagens pobres que esperam que algo de mágico lhes aconteça
para que possam melhorar de vida.
As origens dessas histórias remontam às novelas de cavalaria,
ambientadas na Idade Média, e imortalizaram a imagem do nobre cavaleiro
cristão que vagava pela floresta em busca de aventuras, sempre disposto a
fazer justiça em favor dos humildes. Todas contavam com a presença de
um ser mágico, bruxo ou feiticeiro, provavelmente um sacerdote celta. O
mais famoso deles, Merlin, pertenceu a um clássico medieval: Rei Artur e
os Cavaleiros da Távola Redonda, onde também aparece a figura de
Morgana, retratada na literatura ora como fada, ora como feiticeira
193
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
maléfica. De acordo com Machado (2001), acreditava-se que as mulheres
solitárias que conhecessem a medicina popular eram bruxas, assim como
em espíritos dos elementos, encantamentos e sortilégios. Essas crenças
estão presentes na maioria das narrativas produzidas durante o período
medieval.
Já os contos maravilhosos têm origem oriental, e diferentemente
dos contos de fadas, apresentam a temática do herói – ou anti-herói -, que é
uma pessoa de origem humilde ou que passa por grandes privações, triunfa
ao conquistar riqueza e poder. Por exemplo: Ali Babá e os 40 Ladrões,
Aladim e a Lâmpada Maravilhosa e Simbad, o Marujo. É interessante
atentar para a permanência dessa literatura nos dias de hoje. As
circunstâncias inerentes a ela se perderam no tempo, através das enormes
mudanças ocorridas desde o mundo arcaico onde surgiram até a atualidade.
Contudo, os valores contidos em seu texto são atemporais. Transmitem de
maneira generalizada a natureza humana, com suas paixões, vícios,
impulsos e desejos, representados através de metáforas, alegorias e
símbolos constantemente atualizados e facilmente assimilados pelas mentes
primárias dos leitores.
Coelho (2000) relata que
[...] o livro infantil é entendido como uma “mensagem” (comunicação)
entre um autor-adulto (o que possui experiência do real) e um leitorcriança (o que deve adquirir tal experiência). Nessa situação, o ato de ler
(ou de ouvir), pelo qual se completa o fenômeno literário, se transforma
em um ato de aprendizagem. (p. 31)
Porém, foi somente a partir do século XVII que esta literatura
começou a ser direcionada especificamente para as crianças. Na França,
Mademoiselle Lhéritier e Madame d’Aulnoy se dedicaram a recolher os
contos populares que as encantavam e lhes dar um caráter mais literário,
intercalando-as com outras de sua própria autoria. Mais tarde, o também
francês Charles Perrault se celebrizou ao recontar e publicar alguns desses
contos especialmente para as crianças da corte, dotando-os de uma “moral
da história”. São de sua autoria as versões imortalizadas de clássicos como
Chapeuzinho Vermelho, Cinderela e a Bela Adormecida.
Muitos anos depois, os irmãos alemães Wilhelm e Jacob Grimm
foram responsáveis por uma coletânea muito mais extensa de histórias
populares. Com o título de Contos para o Lar e as Crianças, essas histórias
eram escritas numa linguagem simplificada, semelhante à oralidade do
194
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
povo que as contava, em diferentes versões que já se encontravam
espalhadas por toda a Europa havia séculos. Com esse trabalho, os irmãos
Grimm objetivavam preservar o patrimônio cultural do povo alemão, além
de colocá-lo à disposição de todos.
Mas foi o dinamarquês Hans Christian Andersen o primeiro autor a
escrever especialmente para as crianças. Considerado o “pai da literatura
infantil”, ele não se limitou somente a coletar histórias junto ao povo e
compilá-las em livros. Seguindo os modelos tradicionais, criou novos
contos dotados de poética e melancolia, marcas inconfundíveis suas, além
da constante fusão do maravilhoso pagão com o espiritualismo cristão.
Muitas de suas histórias mostram a luta de personagens humanas contra as
dificuldades da vida, que ao serem vencidos por elas, são vitoriosos na
conquista do céu. Um exemplo é A Menina dos fósforos, que narra a
história de uma menina que morre de frio no inverno após apagar todos os
fósforos contidos nas caixas que levava para vender. São de sua autoria
também os clássicos O Patinho Feio, A Roupa Nova do Imperador,
Polegarzinha e A Pequena Sereia, entre outros. Segundo Machado (2002),
a possibilidade de criar novas histórias
[...] acendeu a imaginação de outros autores. A partir daí, pela primeira
vez, algumas obras começaram a ser criadas especialmente para a leitura
infantil, sem intenção didática. Por outro lado, grandes escritores
consagrados em outros gêneros também se aventuraram a desafiar os
preconceitos e fazer incursões criativas pelos contos de fadas – como o
inglês Oscar Wilde, por exemplo, que nos deu obras-primas como O
Rouxinol e a Rosa, O Príncipe Feliz e O Gigante Egoísta. (p.73)
Seguindo a esteira das obras para crianças, nos anos 60 e 70, o
escritor brasileiro Monteiro Lobato brilhantemente mesclou o universo
maravilhoso dos contos infantis, já popularizados, com a realidade. Surgia,
assim, o Sítio do Picapau Amarelo, lugar onde a travessa e malcriada
Emília, juntamente com Pedrinho, Narizinho e o Visconde de Sabugosa
protagonizaram as mais diversas aventuras. Nelas, graças à mágica do pó
de pirlimpimpim que permitia que viajassem no tempo e espaço,
encontraram personagens das histórias infantis ou da mitologia grega, como
em Os Doze Trabalhos de Hércules e O Minotauro, recontados sob a
crítica lobatiana, que se fazia presente através da personagem Emília.
Além da incursão pelos clássicos, a obra de Lobato demonstra um
caráter pedagógico diferente, porém, do tradicional. Ao invés de apresentar
“moral da história”, o autor convida os leitores-mirins a questionar o
195
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
mundo em que vivem. Assuntos de cunho formador como matemática,
português, geografia e ciências são discutidos e mencionados diversas
vezes, seja através da figura de Dona Benta, (representando o indivíduo
mais experiente, que repassa esse conhecimento para os mais jovens) como
em A Geografia da Dona Benta, seja através dos questionamentos e
experimentações das próprias crianças (como quando Emília resolve mudar
a ordem das coisas em A Reforma da Natureza). Sobre a obra de Monteiro
Lobato, Abramovich (1997) analisa que
A lógica que impera no sítio não é a do adulto, mas lá o adulto entra no
jogo da criança e se discute História do mundo, se vive a mitologia
grega, se debate o petróleo brasileiro, se analisa a moral das fábulas, se
tenta uma reforma da natureza, se recebem todas as personagens dos
contos de fadas... Essa mistura fantástica, maravilhosa, de realidade e
fantasia [...] é mais do que surpreendente ou humorada... é a própria
essência do humor. (p. 61)
Nos dias de hoje, uma nova vertente dos clássicos infantis são as
adaptações. Mais que de uma simples mudança no enredo, as adaptações se
apropriam dos elementos e os modernizam, mantendo as características
básicas de cada história, trazendo-os para os dias atuais. Exemplos desse
processo de modernização são as diversas abordagens sobre clássicos como
Chapeuzinho Vermelho e Cinderela: Chapeuzinho Amarelo, de Chico
Buarque de Holanda, e Chapeuzinho Vermelho de Raiva, de Mario Prata.
Deu a Louca na Chapeuzinho, Deu a Louca na Cinderela, e Shrek são as
mais recentes adaptações feitas especialmente para o cinema, veículo que
se estabeleceu como principal difusor de histórias infantis graças a Walt
Disney.
Essas novas formas de contar as histórias infantis demonstram a
necessidade de uma urgente contextualização desses clássicos. Talvez
devido ao desgaste do tempo, ou pela incessante utilização desses contos,
as adaptações tornaram-se necessárias para que o pensamento mágico
tivesse suporte de algo tão presente no cotidiano das crianças de hoje, que é
a tecnologia. A verossimilhança do enredo depende dessas características
herdadas após a revolução tecnológica, algo que o torna interessante para
os leitores da era do computador.
196
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A literatura na atualidade: problemas na escola.
A mentalidade do público-alvo existente nas salas de aula tem
mudado de forma exponencial nas últimas décadas. O acesso à informação,
de forma ágil e dinâmica, se popularizou com a chamada revolução
tecnológica. Através da rede mundial de computadores, é possível acessar
qualquer informação desejada em poucos segundos. Essa facilidade na
obtenção e informações criou um abismo entre a educação e a escola, que
se tornou ultrapassada em seus métodos de ensino e abordagens
pedagógicas. As metodologias de pesquisa tradicionais, que compreendiam
a leitura e apreensão de conteúdo de vários livros foram abandonadas,
dando lugar a uma pesquisa mais rápida e eficiente nos buscadores da
internet. Dessa forma, o livro tem perdido nas escolas o seu status de
principal recipiente de saber, levando também a um afastamento da leitura
literária.
Há muito, a literatura na escola é apresentada de forma
desestimuladora e maçante aos discentes. A maioria dos textos é trabalhada
em sala de aula através dos livros didáticos e a abordagem utilizada é
pretexto para ilustrar as regras gramaticais da língua portuguesa. São
geralmente acompanhados de exercícios que promovem uma análise
superficial e pouco crítica das obras. Quando utilizados nas aulas de
literatura, as escolhas mais comuns dos educadores são as obras clássicas,
canonizadas pelo seu valor cultural e opiniões da crítica. São oferecidas em
sua forma original, descontextualizada e de linguagem difícil, e
interpretadas através de técnicas de leitura que não propiciam o
reconhecimento do texto como uma unidade lógica, um micro universo
coeso que necessita ser entendido como um todo e não simplesmente
fragmentado em respostas para o preenchimento de uma ficha de leitura, o
que induz a uma interpretação unificada.
Zilberman (1998) afirma que o processo de leitura é
[...] um intercâmbio cognitivo entre o texto e o leitor, verifica-se que está
implicado aí o fenômeno da leitura enquanto tal. Esta não representa a
absorção de uma certa mensagem, mas antes uma convivência particular
com o mundo criado através do imaginário. A obra de arte literária não
se reduz a um determinado conteúdo reificado, mas depende da
assimilação individual da realidade que recria. Sem ser compreendida na
sua totalidade, ela não é autenticamente lida. (p. 24)
197
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Coelho (2000) acrescenta que
[...] Enfim, o que hoje define a contemporaneidade de uma literatura é a
sua intenção de estimular a consciência crítica do leitor; levá-lo a
desenvolver sua própria expressividade verbal ou a sua criatividade
latente; dinamizar sua capacidade de observação e reflexão em face do
mundo que o rodeia; e torná-lo consciente da complexa realidade em
transformação que é a sociedade, em que se deve atuar quando chegar a
sua vez de participar ativamente do processo em curso. (p.151).
Portanto, não se objetiva aqui ir contra a utilização dos clássicos na
escola, mas justamente o contrário. Infantis ou não, essas histórias estão
recheadas de referências sobres expressões e costumes que utilizamos
diariamente, principalmente no que se refere à Grécia antiga. Quando
falamos em “presente de grego” ou “calcanhar de Aquiles”, estamos nos
referindo à guerra de Tróia; quando dizemos que algo é “bacana”, fazemos
uma alusão a Baco, nome romano do deus do vinho. Por isso, estas obras
são de fundamental importância na formação da bagagem cultural de
crianças e adolescentes, ajudando-as a compreender o mundo à sua volta e
a participar ativamente dele, o que não deve ser confundido com uma
simples missão pedagógica e de dominação. Esta abordagem da literatura
infantil promove o surgimento de leitores críticos, além de trazer a ficção
para a realidade do aluno, e não o inverso. É possível utilizar estes clássicos
em versões adaptadas ou reduzidas, para que os educandos possam
conhecê-las sem se entediar com pormenores que dificultem a apreensão do
enredo, despertando o interesse pela história em si, para que mais tarde, ao
se tornarem leitores maduros, se deleitem com a versão original do texto.
Nesse sentido, corrobora-se da opinião de Machado (2002) quando esta
afirma que
[...] não precisamos cair no extremo oposto [...] o de achar que qualquer
leitura de clássico pelos jovens perdeu o sentido e, portanto, deve ser
abandonada nestes tempos de primazia da imagem e domínio das
diferentes telas sobre a palavra impressa em papel. (p.12)
Na era da informática (imagem e comunicação instantânea)
lidamos mais com signos que com coisas. As imensas possibilidades do
contínuo afastamento entre crianças e livros, provocadas pela enxurrada
tecnológica em que o mundo se encontra, promovem questionamentos
sobre o futuro da literatura. Os meios de comunicação digitais
198
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
proporcionam a experiência da interatividade, de forma semelhante ao
processo de leitura. Ocorre uma reapropriação e recombinação da
mensagem, o que permite a participação ativa do interlocutor na transação
de informação. Todavia, a diferença está na flexibilidade do meio em que a
mensagem se encontra. O cinema e a televisão distribuem de forma
massiva e quase simultânea um mesmo filme por todo o planeta, atingindo
milhares de espectadores a cada sessão. Da mesma forma, a característica
fluida e universal do ciberespaço também permite que a mesma mensagem
seja compartilhada por milhares de usuários no mesmo instante, conectada
a outras mensagens através de hyperlinks68, comentada ou, até mesmo,
modificada, em uma evolução constante. O texto se torna um fragmento
móvel de hipertexto, servindo de mediador para uma comunicação
ininterrupta e recíproca. Levy (1999) complementa afirmando que
[...] em resumo, em, algumas dezenas de anos, o ciberespaço, suas
comunidades virtuais, suas reservas de imagens, suas simulações
interativas, sua irresistível proliferação de textos e signos, será o
mediador essencial da inteligência coletiva da humanidade. Como esse
novo suporte de informação e de comunicação emergem gêneros de
conhecimento inusitados, critérios de avaliação inéditos para orientar o
saber, novos atores na produção e tratamento dos conhecimentos.
Qualquer política de educação terá de levar isso em conta. (p. 167)
Logo, será necessário buscar técnicas audiovisuais, multimídias ou
ensino à distância, que possam ampliar o espaço pedagógico dos
professores e formadores. O educador é incentivado a se tornar um
mediador dos saberes coletivos, ao invés de um simples fornecedor de
conhecimentos, o que é realizado de forma mais eficaz pelo meio virtual.
Sua função será o de gestor da aprendizagem. Segundo Levy (1999, p.
163), “é a transição de uma educação e uma formação estritamente
institucionalizada (a escola, a universidade) para uma situação de troca
generalizada de saberes, o ensino da sociedade por ela mesma”. Não se
trata de impor as novas tecnologias a qualquer custo, mas sim de
acompanhá-las. O que leva a perceber um já provável declínio da sociedade
baseada na escrita estática, que não desaparecerá por completo, mas se
tornará secundária.
68
Uma hiperligação, ou simplesmente uma ligação (também conhecida em português pelos
correspondentes termos ingleses, hyperlink e link), é uma referência num documento em
hipertexto a outro documento ou a outro recurso.
199
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Análise de dados
Mediante a constatação da mudança de hábitos de leitura que vem
ocorrendo gradativamente nas crianças, efetivou-se uma investigação do
processo de aquisição de contos infantis através de uma pesquisa
quantitativa. A pesquisa foi realizada com crianças de uma turma de quinta
série de uma escola da Rede Estadual da cidade de Joinville/SC, com
idades entre 10 e 12 anos. Foi escolhida esta instituição de ensino pelo fato
de lá haver aulas de leitura na biblioteca, uma vez por semana, a cargo da
bibliotecária Lucimar Hilário, também acadêmica do Curso de Letras da
Univali. Objetivava-se saber as principais fontes de conhecimento dos
alunos sobre literatura infantil para traçar um perfil do público através da
análise de dados.
Para o levantamento das informações, foi elaborado um
questionário contendo cinco perguntas, duas alternativas e três
dissertativas, acerca dos conhecimentos das crianças sobre contos de fadas
e impressões sobre o filme Encantada, apresentado a elas no início dessa
pesquisa.
Encantada é uma produção da Disney que mistura desenho
animado e atores reais numa história repleta de referências a outros contos
infantis. A protagonista, princesa Giselle, vive no reino de Andalásia e
sonha casar-se com o príncipe que lhe der o “beijo de amor verdadeiro”. Ao
encontrá-lo, é mandada para o mundo real pela Madrasta má do príncipe,
no dia do seu casamento. No “lugar onde não existe felizes para sempre”,
Giselle encontra o advogado Robert, que não acredita em relacionamentos
felizes. Ambos se apaixonam, e mudam o rumo tradicional do conto de
fadas.
Ao serem questionadas se sabiam o que são contos de fadas, cem
por cento dos discentes afirmaram sim, demonstrando que haviam recebido
algum embasamento sobre o assunto. A segunda questão objetivava saber a
fonte de tal embasamento. Trinta e quatro por cento dos alunos afirmaram
que foi através de filmes que haviam tomado conhecimento dessas
histórias; surpreendentemente, a mesma porcentagem afirmou tê-las lido
em livros. Dezesseis por cento afirmou ter ouvido os pais contarem as
histórias, contra quinze por cento que afirmaram ter as ouvido na escola.
Somente um por cento afirmou que a internet foi a fonte na qual
encontraram as histórias. Os resultados demonstram que tanto os livros
quanto o cinema têm a mesma eficácia na difusão dos contos de fadas,
200
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
atualmente. As formas de abordagem utilizadas por esses meios, no
entanto, atingem de forma diferenciada o público-alvo, proporcionando
formas distintas de imersão na história. Os livros exigem participação ativa
do leitor na criação da imagem mental dos cenários e personagens,
enquanto o filme direciona o telespectador para a visão do diretor, trazendo
essas imagens já formuladas.
Há, porém, espaço para a coexistência pacífica das várias
linguagens existentes. Um bom educador pode se valer de várias,
contextualizando-as e complementando seus textos, além de
instrumentalizar os alunos com uma visão crítica acerca dos pontos de vista
e adaptações sobre uma mesma história.
Com o intuito de saber quais histórias eram conhecidas pelas
crianças, foi solicitado que elas escrevessem os nomes dos contos de fadas
que já leram ou já ouviram falar. Nesse momento, vários alunos fizeram
confusão em relação a diagnosticar quais histórias poderiam ser
classificadas como contos de fadas e quais não. Vinte por cento afirmaram
conhecer o contos da Cinderela e Branca de Neve, enquanto dezenove por
cento afirmou conhecer a história da Rapunzel. Quinze por cento
mencionou a história da Bela Adormecida, contra quatorze por cento, A
Bela e a Fera. Nove por cento afirmou Chapeuzinho Vermelho, que possui
características de conto maravilhoso, e não de fadas. Dois por cento
conheciam a Pequena Sereia, e somente um por cento mencionou A
Princesa e o Sapo. As respostas demonstram grande conhecimento das
duas primeiras histórias citadas, provavelmente por serem clássicos do
cinema imortalizados por Walt Disney e também por terem se tornado
recentemente produto de merchandising das empresas Disney, além das
versões registradas pela literatura. A própria imagem das princesas foi
associada ao estereótipo criado pelo desenhista, que também abrangeu as
histórias da Bela Adormecida e A Pequena Sereia, quarto e sexto contos
acima citados. O terceiro clássico, Rapunzel, foi recentemente transformado
em filme pela empresa Mattel, produtor da boneca Barbie. Além dos filmes
retratando a boneca no papel das princesas, a empresa lançou bonecas da
maioria das princesas imortalizadas pelos contos de fadas. O último nome
citado na pesquisa teve sua primeira versão literária registrada pelos irmãos
Grimm, e aparece em alguns livros didáticos como texto de apoio. Outro
fator que pode haver inferido no resultado da pesquisa é o fato de o filme
exibido aos entrevistados, Encantada, conter cenas que referenciam
acontecimentos ocorridos nos contos mais lembrados, a exemplo da maçã
201
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
que envenena a Branca de Neve ou o sapatinho que é deixado para trás
após o baile pela Cinderela.
Por este motivo, foi questionado às crianças se haviam percebido
tais referências no filme. Corroborando com as respostas acima, a maioria
das afirmações foi positiva.
Na quarta questão, foi solicitado novamente que as crianças
fizessem comparações entre o filme assistido e as obras conhecidas,
questionando se a princesa do filme seria igual a todas as outras. Sessenta e
quatro por cento afirmou que sim, pois a protagonista se encaixava no
estereótipo de princesa criado pela mídia, além de vivenciar situações
semelhantes às ocorridas em outras histórias. Já trinta e quatro por cento
afirmou que não, justamente por não ter conseguido encaixar a personagem
no estereótipo, o que é o objetivo principal da história. Somente dois por
cento respondeu que talvez, justificando que a personagem era uma mera
fusão das outras princesas dos contos a que o filme se referia.
Ao final do trabalho realizado, evidenciou-se que as crianças
possuem um bom conhecimento em relação aos contos infantis.
Infelizmente, apontam uma participação razoável da escola (no papel do
educador) e dos pais nesse aprendizado. Para a surpresa dos pesquisadores,
os filmes e a literatura obtiveram a mesma porcentagem de afirmações no
que se refere ao conhecimento prévio que as crianças têm dos contos de
fadas. Isso porque a ausência dos meios digitais na vida escolar dessas
crianças acaba não possibilitando outras formas de contato ou releituras
desses mesmos textos.
A imensa potencialidade dos meios de comunicação digitais está
sendo desperdiçada na prática educacional, haja vista que somente um por
cento dos entrevistados afirmou que a internet foi usada como fonte de
pesquisa de histórias infantis. Cada vez mais as crianças têm acesso à
internet, em casa, na escola ou em lan houses, porém a utilizam, em sua
maioria, para fins de lazer. Elas dominam os processos de pesquisa nos
buscadores on-line, salas de bate papo. instant messengers, além de
complicados jogos de estratégias e ferramentas da internet. As habilidades
adquiridas para o manejo de tais ferramentas são fruto de várias horas em
frente o computador, que resultam na aprendizagem dessas linguagens
digitais.
Cabe aos pais, ou no ambiente escolar aos professores, participarem
ativamente, sabendo utilizar a cibercultura, tão comum aos alunos, para
contextualizar e aproximar a literatura do cotidiano. A riqueza de
202
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
informações encontradas no ciberespaço é complementada pelas
possibilidades de interação que ele proporciona, fazendo com que o aluno
se torne o protagonista de seu próprio aprendizado e, tornando o professor
um mediador do bom uso dessas informações. Uma vez acesa a chama da
curiosidade em relação à história ou obra, a procura dos alunos pelas
versões originais será natural e prazerosa, podendo também ocorrer de
forma inversa, partindo do livro para o ciberespaço, ou até mesmo da
versão adaptada para o cinema.
O filme Encantada, utilizado na pesquisa, tem uma história
baseada no encontro da fantasia e da realidade, e apresenta fatos de duas
épocas, uma antiga e outra atual. Isso deveria causar certo estranhamento
nas crianças, pois é perceptível a mescla de elementos modernos com a
época medieval que serve de pano de fundo para a maioria dos contos de
fadas. Contudo, essa mistura é bem aceita pela geração atual, que não chega
a questionar o fato de, por exemplo, utilizarem-se luzes néon e aparelhos de
som em determinada cena do filme Shrek.
Considerações finais
Destarte, por mais que pareçam universos distantes, literatura e
mídia digital são maneiras diferentes de navegar por um mesmo mar de
informações. Ambas são excelentes fontes de aprendizado, quando bem
utilizadas. Machado (2002) afirma que
ao escolher navegação como metáfora para a leitura dessas obras, pensei
em tudo isso. Lembrei também outro uso que damos atualmente para
essa palavra, quando falamos em navegar pela Internet. Acho muito
interessante pensar na Literatura com o algo parecido a uma grande rede
universal, unindo os mais distantes pontos, conectados por contigüidade,
substituíveis uns aos outros. São inúmeros caminhos que vão se
oferecendo sem limite, um mundo infinitamente aberto para todas as
possibilidades, sem fronteiras. (p. 131)
Isso não significa que as informações distribuídas pelas mídias
digitais, de caráter apassivador e que exigem uma mínima interpretação do
interlocutor, possam sobrepor a “viagem” proporcionada pela leitura de um
bom livro. Portanto, a teoria apresentada por Pierre Levy, do provável
declínio da sociedade baseada na escrita estática deve ser repensada, tendo
em vista o aumento de publicações no mercado editorial a cada ano. Os
203
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
livros continuam sendo consumidos por uma boa parcela da população que
não abandonou totalmente a leitura literária, seguindo uma tendência
natural da evolução da espécie humana e das exigências do mercado de
trabalho.
Dessa forma, assim como a TV pode e deve ser utilizada como
recurso para a abordagem da literatura, o ciberespaço poderá atuar como
ferramenta complementar no processo de aprendizagem, na medida em que
proporciona o encontro com texto diversos, inclusive os clássicos,
facultando experiências mais interativas sobre o mesmo conteúdo
encontrado nos livros. As instituições de ensino precisam estar à frente
dessa nova revolução educacional, formando os educadores que possam
mediar a aquisição do conhecimento de forma enriquecedora.
Pesquisas como estas são de vital importância para a reiteração dos
dados obtidos com a leitura da bibliografia citada, embora limitada a um
público-alvo deveras restrito. Semelhante pesquisa, mais extensa,
abrangendo toda uma região ou até mesmo um estado, seria igualmente
importante para o delineamento de um panorama mais completo dos
conhecimentos literários das crianças em idade escolar, a partir dos meios
que estão, hoje, a elas disponíveis.
Referências
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione,
1997.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna,
2000 – 1ª ed.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2002.
MICHELETTI, Guaraciaba. Leitura e construção do real: o lugar da poesia e da ficção. São
Paulo: Cortez, 2001 – 2ª ed.
WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org> Acessado em
22 de maio de 2008.
ZILBERMAN, Regina. A literatura na escola. São Paulo: Global, 1998 – 10ª ed.
204
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
DONA SOFIA, OFÉLIA E UMA VELHINHA SEM NOME –
PALAVRAS, TRAÇOS E CORES QUE NARRAM VELHICES
Larisa da Veiga Vieira Bandeira
UFRGS
[email protected]
Quando contamos uma história para as crianças emprestamos nossa
voz para o autor. Ouso dizer que a história infantil tem três autores, o autor
do texto, o ilustrador e o contador. Responsabilidade imensa tem o
contador nesse espaço de projeções, reflexões e de vazios para que o texto
aconteça. O contador/narrador deve ser um leitor simbólico capaz de
aproveitar toda riqueza que emerge do texto. Na voz, o contador carrega o
drama, a alegria, o colorido da história, ou, pode fazer com que o
encantamento da autoria seja transformado em território vazio e inóspito.
Qual voz eu emprestaria para narrar a Velhinha criada pelas
palavras de CYNTHIA RYLANT e pelo traço de KATHRYN BROWN?
Uma voz marinada pelo ar da praia e pelos muitos anos que ela ali vive?
Uma voz que entra em acordo com o desengajamento, com o final de uma
vida? Uma voz que aprende de novo a investir na vida com afeto e
esperança? Uma voz que mostre uma possibilidade de envelhecer
dignamente?
Nas
transparências
das
ilustrações
de
FRIEDRICH
HECHELMANN, no texto sublime de MICHAEL ENDE, somos
convidados a participar da encenação do ato final da vida de Ofélia. Traço e
palavra em um cenário fantasmagórico são acolhidos e aceitos por uma
senhora que viveu dando palavras às vozes dos outros. Qual voz narra uma
vida minúscula e invisível?
ANDRÉ NEVES escreveu e ilustrou Dona Sofia, uma senhora
dedicada às palavras. Na casa de Dona Sofia traço e poesia confabulam e
ganham as ruas da cidade. Que voz emprestar para contar aquilo que de tão
intenso transborda com o tempo? E em que no espaço em que se vive não
se pode mais guardar?
Possibilidades de envelhecer, “envelheceres” diferentes, ou
algumas vezes, muito parecidos com os que as crianças conhecem. De
muitas formas o envelhecer é apresentado à infância, através dos livros, dos
filmes, da voz dos seus narradores, quais vozes falam para as crianças sobre
vida, envelhecimento e morte?
205
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Utilizarei para essa abordagem as teorias sociológicas clássicas
sobre o envelhecimento – Atividade, Desengajamento e Modernização –
que impulsionaram a pesquisa e o trabalho prático com as pessoas idosas
até os dias de hoje, sob a perspectiva dos estudos de Johannes Doll acerca
da gerontologia. A aproximação possível da literatura infantil com as
teorias sociológicas, a aproximação da velhice com a infância, será
mediada pelos três livros escolhidos e pela riqueza simbólica que estes
autores oferecem em suas imagens e textos. Não pretendo me entregar à
árdua tarefa de explicar as três teorias minuciosamente, mas de utilizá-las
como possibilidades de olhar de diferentes formas para a velhice e de
produzir diferentes sentidos para a leitura e para os novos leitores.
Era uma vez – Uma velhinha sem nome
Quando vem a taciturna e poda as tulipas:
Quem sai ganhando?
Quem perde?
Quem aparece na janela?
Quem diz primeiro o nome dela?
Paul Celan
No livro A Velhinha que dava nome às coisas, as autoras nos
apresentam uma velhinha que dá nome a todas as coisas que tem em sua
casa. Do carro a cama todos os objetos que ela possui tem um nome, todos
os objetos que sobreviverem a ela são merecedores de um nome, somente
ela não tem nome algum. As autoras reconhecem a personagem pela sua
condição de velhinha, a velhice é maior que a mulher e seu nome, a velhice
a caracteriza e a nomeia. Uma primeira questão aparece quando não temos
um nome para essa personagem, como chamamos as velhinhas que
conhecemos?
Um não nome, uma ausência do nome, para lembrar, para sinalizar
sua importância. Sutileza possibilitada pela escrita e pela ilustração sensível
e pela leitura empreendida pelos seus contadores.
O nome da Velhinha não aparece. Em nenhum momento do livro
sabemos como ela se chama. Sabemos que ela mantém uma rotina, é
organizada, tem contas para pagar, mas, não sabemos seu nome. O quê
significa ter um nome? Ser chamado por ele? Como é não ter ninguém que
pronuncie seu nome? A Velhinha sabia da importância de um nome, um
nome próprio, único, que representasse seus objetos de afeto, tanto sabia
206
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
que nomeava as coisas que preenchiam sua vida. Estas coisas tinham
utilidade, importância e alguém para reconhecê-las pelo nome.
O nome pode ser também o reconhecimento da importância de
alguém em um determinado contexto, no trabalho, na família, na
comunidade. Mas, quando não mais trabalhamos, não temos mais
familiares próximos geográfica ou afetivamente, não participamos mais de
atividades na comunidade, vivemos em nossas memórias e assuntos de
nossa vida privada, doméstica e solitária, precisamos ter um nome?
Infância e velhice, nomes que abrigam legiões, crianças e
velhinhas, as “as coisa fofas” e as “acabadas”, as “pestinhas” e as
“ranzinzas”, as que aprendem e as que esquecem, as que agora começam e
as que já estão terminando e muitas outras. Outras sem nome.
Sem nome, sem laços com outras pessoas a Velhinha trás no início
de sua história um distanciamento resultante da diminuição das interações
sociais (todos seus amigos já haviam morrido), sem envolvimento com
outros, vive só com seus objetos pessoais. Características apontadas na
teoria do Desengajamento. 69 Nesta teoria, envelhecimento é um
acontecimento mútuo e inevitável de retirada, resultando em diminuição
nas interações entre a pessoa que está envelhecendo e os membros que
compõe seu sistema social (DOLL, et all.p.14. 2007). Mas, esses autores
lembram também que esse tipo de teoria tende a universalizar demais,
levando a formas de explicações pouco precisas.
Na história da Velhinha aparece um cachorrinho sem nome, um
cachorro que ainda não tem importância, que ainda não foi significado pelo
afeto de alguém. Um cão, um ser vivo que corria o risco de morrer antes
dela.
O cãozinho passa a receber a atenção da velhinha, porém, fica
muito tempo sem ter um nome, mesmo aparecendo todos os dias no portão.
Um dia o cão não aparece, a tristeza toma conta, chove na página do livro.
Ela sai de casa para procurar um cão, um cão sem nome. Um cão anônimo,
que não pertence a ninguém. Nessa procura ela pensa no nome que vai dar
a ele, recorda então de seus amigos e do nome de cada um deles, percebe o
privilégio de ter tido tantos amigos. Finalmente pensa no nome de seu novo
amigo “Sortudo”, como ela, uma “velha sortuda”.
69
Formulada por Cumming e Henry, no livro Growing Old (1961), baseada nos dados de
uma pesquisa realizada em Kansas City com pessoas entre 50 e 90 anos física e
financeiramente auto-suficientes.
207
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Velhice, a sombra do que fomos... À sombra... Sombria
É alguém que tem meus olhos.
Tem-nos desde quando portas se fecham.
Carrega-os no dedo, como anéis.
Carrega-os como cacos de desejo e safira:
era já meu irmão no outono;
conta já os dias e noites.
Paul Celan
O livro O Teatro de Sombras de Ofélia conta a história de uma
velha senhora chamada Ofélia que trabalhava em uma caixa escondida nos
limites de um palco, por ter uma voz fraca, quase inaudível, podia soprar os
textos para os atores de teatro. Fez isso durante toda sua vida, não precisava
mais ler as falas. Sabia todas.
Mas, nada pode deter o tempo e suas mudanças, o teatro foi
fechado, e, o único lugar que Ofélia ocupou na vida não tinha mais
utilidade. Sem trabalho, ou, um espaço para ocupar, Ofélia começa a ser
assediada por sombras. Resignada ela acolhe generosamente todas que se
apresentam, divide sua pequena vida com elas. De forma sutil se confunde
com estas sombras, talvez as formas mais próximas de tudo que foi na vida,
uma sombra dentro de uma caixa.
Quando começa a ser vista fora da caixa que a escondia, quando
começou a transitar com uma bolsa cheia de sombras, Ofélia começou a ser
percebida como alguém esquisita que deveria ir para um asilo. Ela então
resolve partir com suas sombras, no caminho, vencida pelo cansaço, cai no
sono. Enquanto dorme as sombras resolvem ajudar e iniciam o teatro de
sombras de Ofélia que faz sucesso entre crianças e adultos. Ela corre o
mundo com sua trupe sombria, junta dinheiro e compra um carro.
Nesse ponto do livro o autor lembra que a história poderia terminar
ali, porém mais uma sombra visita Ofélia e ela prontamente a acolhe e
deixa que esta a envolva. Em sua última cena não mais na precariedade de
seu corpo velho, mas na suntuosidade de um teatro novo, na luz da
eternidade, Ofélia deixa para trás todas as sombras da condição humana.
E no céu inicia então a eterna encenação do Grande Teatro de
Luzes de Ofélia, onde os anjos aprendem a grandeza e a mesquinharia de
viver na terra.
208
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O teatro em que Ofélia trabalhou toda sua vida ficava em uma
cidade pequena e velha, onde seus moradores começaram a substituir o
teatro pela televisão. O número de carros da cidade também havia
aumentado e seus habitantes deslocavam-se com rapidez para cidades
maiores para assistir uma peça com artistas mais conhecidos.
As marcas da transformação assolaram a vida de Ofélia, a
Modernização oferece para ela um declínio do status do papel que
desempenhava na comunidade, mesmo que pequeno e invisível. 70 Em uma
sociedade onde o trabalho é fortemente valorizado e também, o
individualismo e a igualdade, a situação se torna menos favorável para os
idosos. Característica das sociedades industrializadas a aposentadoria
compulsória, o rápido acúmulo de informações e a inovação constante do
saber tornam os mais velhos sinônimos de ultrapassados.
A possibilidade oferecida por Ofélia aos seus leitores é a morte,
não a morte como fracasso, como castigo, mas, morte como fim da vida na
terra e de suas implicações físicas. É um livro de aceitação e resignação
com aquilo que acaba. Que faz do trabalho, da atividade, da função e
utilidade da pessoa e as suas possibilidades de viver. Ela apresenta a
realização do trabalho não como produção que resulta em remuneração,
mas, do trabalho que se faz com prazer. Ofélia corre o mundo, sai de sua
própria sombra e morre. A morte é o contra-regra, a cortina, o bastidor e o
ato final dessa história.
Dona Sofia – Quando o que somos transborda.
E diz por último o nome dela.É alguém que tem o que eu disse.
Carrega-o debaixo do braço como um embrulho.
Carrega-o como o relógio a sua pior hora.
Carrega-o de limiar a limiar, não o joga fora.
Paul Celan
No livro A Caligrafia de Dona Sofia traço e palavra tem a mesma
autoria, o autor nos apresenta uma velha senhora, professora aposentada
que cultivava junto com suas flores (que complementavam sua renda de
aposentada) diversos prazeres. Os prazeres de ler, de escrever e de ensinar.
70
Teoria baseada na obra Aging Around the World, de Cowgill, 1986. O valor explicativo
dessa teoria auxilia hoje trabalhos sobre o uso de recursos da informática por pessoas idosas
209
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A casa de Dona Sofia era decorada com sua bonita caligrafia com
os versos de inúmeros poetas, chão, paredes, teto, móveis, tudo era coberto
de poesia. Apesar da distância de sua casa do restante da cidade, apesar de
se encontrar na mais alta colina diferente de todos os outros habitantes da
história, a velha senhora tinha também cultivado o prazer da amizade. Seu
Ananias, o carteiro da cidade a visitava diáriamente ajudando-a em suas
tarefas e aprendendo com ela a apreciar os versos.
Um dia Dona Sofia percebe que sua casa tornara-se pequena para
conter tantas poesias que estavam escondidas nos livros, resolve então
dedicar para cada morador da cidade cartões poéticos decorados com flores
cultivadas por ela mesma, com a ajuda de seu amigo, os cartões são
distribuidos na cidade.
Com a intensificação do contato entre seu Ananias e Dona Sofia o
interesse dele pelas poesias e pelos estudos aumentou, ele pode perceber
que os cartões que eram enviados por ela fizeram com que todos na cidade
começassem a ler, conversar e recitar poesias. Curioso para entender
porque Dona Sofia escrevia apesar de não receber nenhuma resposta ele
subiu mais uma vez a colina para perguntar. Dona Sofia explicou que fazia
por que gostava, que isso não a cansava e porquê sabia que alguém em
alguma casa esperava um versinho. O amigo então tem uma idéia e resolve
contar aos moradores da cidade um pouco sobre tudo que aprendeu com
Sofia, valorizando o presente que ela enviava, resgatando a memória de
suas aprendizagens os habitantes da história passam a escrever respostas
para seus cartões poéticos e a visitá-la, fazendo com que a alegria tomasse
conta dela.
Através de uma atividade informal realizada com um amigo Dona
Sofia obtém uma ligação direta com a satisfação de vida. Para
MCCLELLAND, um dos autores que abordam a teoria da Atividade duas
hipóteses explicam como os idosos se ajustam às mudanças relacionadas
com a idade, a primeira aponta que pessoas mais velhas ativas são mais
felizes e a segunda pontua a substituição de antigos papéis por novos para
manter o seu lugar na sociedade. 71
Dona Sofia constrói um lugar para sua velhice onde cultiva suas
flores e seus prazeres, mantém seu lar aberto para novas possibilidades,
71
Teoria desenvolvida no final da década de 40 teve dois diferentes momentos seu autor
Havighurst propõem inicialmente conceitos na perspectiva life span e depois desenvolve em
1961 um conceito implícito à teoria o successful aging
210
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
escreve em suas paredes o que não quer esquecer, apesar da distância dos
outros habitantes de sua história toca suas vidas com aquilo que transborda
e vai além dos limites de sua casa.
Três velhinhas, três histórias, três teorias, muitas outras formas de
narrar a velhice.
ainda no último
e gasto
nó de ar
estás lá com uma
faísca
de vida.
Paul Celan
Quando contamos/narramos uma história para nossas
crianças/alunos podemos estabelecer uma prazerosa forma de diálogo,
guiados pelas palavras, pelos traços e pelas cores, na forma com essas
coisas se organizam e revelam seu conteúdo.
Cada livro é uma escolha do professor/contador de história que
pode (re) significar de forma sensível e reflexiva, diferentes concepções de
velhices, de morte, de vida. Através das narrativas oferecidas por esses três
livros que confabulam com imagens produzindo novos caminhos em torno
dos sujeitos leitores acerca do tempo e de como o vivemos. Idéias sobre o
envelhecer que suscitarão novas perguntas e novas questões. Idéias que
poderão ajudar a desconstruir os mitos sobre a velhice entre as crianças
pois:
a velhice representa uma fase de vida que pode ser muito longa – dos 60
anos até 100 anos ou mais. Então, todas as “verdades” sobre a velhice
também podem ser “não-verdades” e vice-versa. Talvez a maior “nãoverdade” seja exatamente a existência de uma velhice com
características bem definidas. Na verdade, existem muitas velhices.
DOLL.
Três livros, três pistas, três teorias que não se propõem a oferecer
todas as respostas, três velhas senhoras com suas bagagens repletas de
memórias, sombras, e poesias. Diferentes formas de viver a velhice e suas
implicações, que podem fazer reflexões sobre os conceitos sociológicos.
Três personagens que podem nos fazer pensar sobre o bem-estar, o aceitar,
211
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
o entender as transformações, os ganhos e as perdas, mas, mais do que isso
mostram que não existem somente três maneiras de se envelhecer, que
podemos mudar de idéia, de cidade, que vamos perder o trabalho, os velhos
amigos. Mas, que podemos também fazer novos amigos, se dedicar a novas
formas de fazer o que gostamos e que sim, se formos sortudos, vamos
morrer velhinhos.
Referências:
CAVALCANTI, Joana. Caminhos da literatura infantil e juvenil – dinâmicas e vivências na
ação pedagógica. São Paulo. Paulus. 2002.
DOLL, Johannes; GOMES, Ângela; HOLLERWEGER, Leonéia; PECOITS, Rodrigo
Monteiro; ALMEIDA, Sionara Tamanini. Atividade, Desengajamento, Modernização:
teorias sociológicas clássicas sobre o envelhecimento. Estudos Interdisciplinares sobre o
Envelhecimento. Porto Alegre, v.12, p. 7-33. 2007.
ENDE, Michael;FRIEDRICH, Hechelmann(ilust). O Teatro de sombras de Ofélia. Tradução
Luciano Vieira Machado. São Paulo. Ática. 2004
NEVES, André. A Caligrafia de Dona Sofia.São Paulo: Elementar.2001.
RYLANT, Cynthia; BROWN, Kathryn(ilust.). A Velhinha que dava nome às coisas.
Tradução Gilda de Aquino. São Paulo. Brinque-Book. 2003.
Existem muitas velhices – Entrevistas com Johannes Doll disponível em:
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_tema_capa&Itemid=23&task=deta
lhe&id=141. site visitado em 11/08/2009.
Poemas de Paul Celan disponível em:
http://www.culturapara.art.br/opoema/paulcelan/paulcelan.htm Site visitado em 11/08/2009.
212
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
PROVOCÁNDOLOS A “SER”
Inés Eva Punschke
Uruguaya
[email protected]
Provocándolos a “Ser” no es meramente el título de un trabajo o de
una experiencia, es el sentido y el fin último de una acción pedagógica,
donde se incentiva a los jóvenes a desarrollarse y expresarse desde la
lectura; acto que abre el espíritu y el intelecto a partir de los sentidos, el
pensamiento deductivo, la apreciación del arte y la comunicación escrita.
La creación literaria abre puertas, prepara la mente a descubrir,
llegar al conocimiento, a valores históricos, culturales, permitiendo opinar,
fantasear y crear.
Comienzo de la experiencia
Tratando de acercar a los jóvenes a la lectura y escritura se transitó
un arduo camino. A partir de la comunicación oral, se buscó incentivar el
gusto por la materia, Literatura, y llegar a la reflexión.
El abordaje y la lectura del mayor número posible de libros por
parte de los educandos posibilitó que lograran expresarse oralmente,
informando al resto del grupo hasta provocar la retroalimentación. Según
Stenhouse (1987-pág. 11) “investigación en la acción, teoría y práctica
aparecen unidas constantemente, ya que ambas se justifican mutuamente y
aisladas no tienen sentido”
A través de los años en nuestro Instituto se forman grupos muy
particulares pues los alumnos que concurren al mismo pertenecen a
diferentes zonas del país. De este modo son componentes muy
heterogéneos, de formación y costumbres diferentes. Tienen la posibilidad
de asistir al mismo, los tres años preuniversitarios; ingresando con catorce
años y saliendo en su mayoría, entre los diecisiete o dieciocho años. Los
jóvenes que pertenecen a la capital concurren a diario a la institución,
mientras que los de las zonas alejadas viven en el centro educativo.
Las características anteriormente mencionadas originó la pesquisa
de cómo motivar a la lectura, “la investigación educativa puede definirse
como la realizada en el contexto de un proyecto educativo y enriquecedora
213
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
de la labor educativa” (Stenhouse-1987 pág. 12) dado el carácter
personalizado de la práctica docente.
El plurilingüismo y pluricultura de los mismos obligó a que el
acercamiento del docente fuera por un juego de empatía descubriendo así
sus gustos.
La experiencia se realizó efectivamente en los dos niveles
superiores, 5º y 6º año del Bachillerato Diversificado, contando con
alumnos entre dieciséis y dieciocho años de edad.
Se dejó momentáneamente el desarrollo acostumbrado de la clase,
según la planificación y se estimuló a los estudiantes a liberar sus mentes,
animándolos a presentar sus lecturas frente al grupo y a la profesora, la que
debería acompasar la actividad realizando con antelación la lectura de los
libros seleccionados por ellos. Ante la propuesta hubo cautela en algunos
mientras que otros vieron la posibilidad de expresarse y animosos
comenzaron su andar coordinando la actividad de lectores-críticos.
Paso seguido se invita a aquellos que así lo deseen, a participar en
la experiencia de lo que llamaron “club de lectura” o “salas de lectura”;
según los grupos adoptaron uno u otro de los nombres.
Después de obtener estos datos fue posible seguir los fundamentos
recomendados por Stenhouse (1987 pág.13), quien expresa que “se hace
imprescindible que el profesor conozca en todo momento lo que está
llevando a cabo, y para eso es preciso redactar un curriculum”
En el desarrollo curricular, se acostumbra solicitar a los estudiantes
que preparen una lección o en el caso específico de la “literatura” que lean
las obras establecidas en los programas y un posterior trabajo que expongan
oralmente el resultado del estudio correspondiente. Ante el pedido de dicha
tarea es común oír exclamaciones como que se les estuviera aplicando un
castigo. Usan de excusa la falta de tiempo, o que lo indicado es demasiado
complicado, dando la impresión que el docente no los comprende.
En realidad como lo ha expresado Antonio Rodríguez Almodóvar
en España es el “sistema educativo que se empeña en que en que lean cosas
que a ellos no les interesan…porque están mucho más capacitados de lo
que creemos para moverse en la turbulencia semiótica de nuestro mundo.
En esa turbulencia (cine, Internet, publicidad, televisión…), manejan
mucha más información de la que nosotros podemos aportarles y se hacen
expertos en fantasear a su gusto” (Almodóvar-2003-Ed. Digital)
Aquellos que se dispusieron a integrar las salas de lectura como
intérpretes-lectores, demostraron una actitud totalmente contraria. Muchas
214
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
de las obras propuestas por ellos eran de un tamaño varias veces mayor al
que tenían como posibles orales de evaluación. “El placer de leer estaba
muy cercano, secuestrado en esos graneros adolescentes” quizás “Habían
olvidado pura y simplemente lo que era un libro, lo que tenía para ofrecer.
Habían olvidado… que una novela debe ser leída como una novela” y que
“el encanto del estilo se suma a la gracia de la narración” (Pennac-1999, p.
113-114)
También debo destacar que frente a estas lecturas no recurrieron al
pretexto de tener poco tiempo, como ocurre cuando se marca una lectura
curricular. Según Daniel Pennac (1999 pág.117) “otra fobia que hay que
vencer para reconciliar a este pequeño mundo con la lectura solitaria es la
duración” cuando el libro es presentado por el profesor “¡el libro (es) visto
como una amenaza de eternidad!” Es muy difícil que haya un tiempo para
leer al igual que otras acciones de nuestra vida, es necesario cuando algo
nos gusta o nos atrapa hacernos ese tiempo. Así los alumnos hicieron sus
espacios, encontraron su tiempo y animosos organizaron las
correspondientes lecturas y proyectos de presentación sin que les
significara un sacrificio para ellos.
Muchas veces los docentes tendemos a creer que algunos libros son
difíciles o impropios para sus edades, pero los alumnos demostraron que no
hay edad para elegir y leer tal o cual libro, si éste los atrapa y los lleva
dentro es porque su mente ya está apta para comprenderlo, gozarlo o al
menos aceptarlo. Los jóvenes son selectivos y preparados por el mundo de
la imagen y de lo rápido, verdaderamente tienen la capacidad de
sorprendernos.
Sin mediar palabra la profesora acompañó dichas lecturas,
descubriendo en las caras de sus alumnos marcados gestos de satisfacción
al ver invertido los roles de la clase y sentir que sus propuestas eran
aceptadas sin objeción ninguna. Todas las obras eran factibles de leer.
La propuesta se desarrolló bajo el interés de los alumnos sobre todo
de quienes obraron y eligieron en absoluta libertad, permitiéndoles
comandar el desarrollo educativo aunque fuera de modo parcial.
Los caminos por ellos elegidos fueron muchas veces insospechados
y maravillosos a la vez. Aportaron elementos para el análisis y la reflexión
según la disciplina de la clase. Solos recorrieron el camino, unos hablaron
de la obra, los personajes según sus funciones, luego del autor, la época y
por último el sentido que le encontraron a la historia leída, terminando en la
reflexión y crítica del mismo. Otros comenzaron presentando al autor, la
época y luego el contenido de la obra.
215
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Se observó que después de alcanzar el “sentido (el libro) se vuelve
un placer…, las nociones de esfuerzo y de placer actúan poderosamente la
una en favor de la otra” “Desde este punto de vista, una escolaridad literaria
bien llevada depende tanto de la estrategia como de la buena comprensión
del texto” (Pennac-1999, p. 131-132)
Por medio de la lectura y posterior exposición, los jóvenes
protagonistas se sintieron hacedores. Nada le había sido dado o impuesto y
de esta forma descubrieron por qué muchas veces escritores de notoriedad
como García Márquez, ante la propuesta de llevar al cine por ejemplo su
obra “Cien años de soledad” no lo permite, pues el anteriormente nombrado
deseaba que la misma tuviera tantas posibilidades o tantos mundos como
lectores la abordaran. Ellos mediante sus capacidades, en sus lecturas
pensadas para ser transmitidas imaginaron y recrearon, de manera que los
oyentes comprendieran y se acercaran lo más posible al sentido que habían
descubierto.
Para algunos la elección del libro se constituyó en un problema,
estaban como en un momento en que habían extraviado el placer de leer,
pero los tentaba el hecho de ser ellos los que propondrían las obras a
trabajar. Para otros fue la oportunidad de compartir algo que los había
capturado, dar a conocer como se habían acercado a dicho libro o las
circunstancias que habían provocado el contacto, anécdotas muchas con su
carga afectiva.
Medios que posibilitaron la experiencia
Fue necesario adecuarse a circunstancias especiales en cuanto al
entorno educacional y cultural. “leer y escribir son construcciones sociales.
Cada época y cada circunstancia histórica dan nuevos sentidos a esos
verbos.” (Ferreiro–2002 pág.13)
Algunos de los alumnos tenían en su poder la obra escogida,
mientras que otros no y se hizo necesario buscar la forma de acercarles el
material de lectura. Para ello se siguieron formas tradicionales y otras no
tanto desde el punto de vista institucional pero no así para los jóvenes,
quienes acorde a la época van siendo alfabetizados en las redes electrónicas
o son aptos navegadores de Internet.
“Los navegantes de Internet son barcos a la deriva si no saben
tomar decisiones rápidas y seleccionar información.” (Ferreiro–2002
pág.18) Por lo cual fue necesario crear una nueva estrategia docente.
216
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Como los alumnos tienen clase de computación y su espacio para
manejarse con dichas máquinas, para buscar material aplicable a sus
estudios, se creó una Bibliografía de Literatura, “Intranet” del Liceo Militar
General Artigas junto a una Biblioteca virtual, donde tuvieran acceso a los
libros que necesitaban según sus gustos.
Los jóvenes aceptaron que la docente pusiera a disposición una
biblioteca virtual con temas o autores de su interés. El libro electrónico
surgió después de una encuesta sobre cuáles eran los temas, títulos y
autores que deseaban abordar.
Para ellos fue la primera vez que trabajaban abiertamente de
acuerdo con el profesor utilizando el sistema digital. Es indiscutible “que la
lectura tiene que asumir nuevos retos en estos tiempos que abren el tercer
milenio; y esos retos van a exigir lectores capaces de responder a los
mismos desde la libertad y la autonomía crítica que le confieren su
condición de lectores competentes” (CERRILLO TORREMOCHA, 2007,
Ed. Digital)
Los nuevos sistemas electrónicos introducen cambios profundos y
muy rápidos en la información y en el sistema de comunicación. Para
todos, esto conlleva a seguir aprendiendo y seguir creciendo, en una
constante adecuación al medio y al mundo globalizado en que se vive.
Entre los cambios, que son muchos, se puede mencionar como lo
expresa Emilia Ferreiro “La página (del libro) permitió una relación única y
singular entre el lector y el texto. La página de la computadora rompe la
intimidad con el texto. La página iluminada y en posición vertical
transforma la lectura en computadora en una lectura pública.” (Ferreiro–
2002 pág.49) Para los educandos esto condicionó sus horas de lectura, el
darse responsablemente tiempo de llevar a cabo la misma y muchas veces
aconteció que alguno de sus compañeros escuchas de un futuro cercano
estuvieran junto a ellos en esos momentos. Extrañamente esto no quitó
expectativa, todo lo contrario esperaban ansiosos el día que su amigo
expondría el trabajo correspondiente a la lectura y relación de la misma.
Otros fueron perdiendo el miedo y pidieron su lugar para ser uno más de
los lectores-expositores.
Estos últimos:
•
Encontraron en absoluta independencia la posibilidad de
consultar todo tipo de obras, géneros y estilos.
217
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
•
•
•
•
•
Se vieron estimulados por sus iguales con quienes
interaccionaron en medio de los hallazgos.
Redescubrieron la diversidad de la funciones de la
escritura.
Vieron que eran necesarias ciertas técnicas y recursos para
la mayor comprensión textual.
Asumieron puntos de vista particulares, desde sus
experiencias y aprendizaje anterior.
Hallaron formas interpretativas y expositivas.
Los más cautelosos ante la maniobra docente sintieron que en su
“Destino de nacer en una época de transición” les demostraba que “La
cultura letrada no se agota en la literatura ni en el libro informativo”
(Ferreiro–2002 pág.49) y descubrieron mediante el proceso de
construcción del sentido que eran capaces de gozar de aquello que habían
elegido como lectura e interpretar desde el interior de la obra el mundo
exterior en el que ellos estaban inmersos y de esta forma se animaron a
seguir los pasos de sus compañeros iniciadores de la experiencia.
Frente a estos últimos participantes, se pudo comprobar como la
comunicación a partir de un texto literario, se relaciona con el proceso de
formación de la personalidad de los mismos.
Las diversas lecturas propiciaron una manera de comunicar ideas,
conceptos y puntos de vista según el ángulo e identidad cultural del alumno
expositor, que concluyeron con un intercambio dialógico. Según Imbernón
(y otros-1999 pág.22) “El aprendizaje que se deriva de la utilización y el
desarrollo de las habilidades comunicativas es el aprendizaje dialógico…La
educación en la sociedad de la información debe basarse en la utilización
de habilidades comunicativas, de tal modo que permita participar más
activamente y de forma más crítica y reflexiva”
Mediante un diálogo igualitario fue posible una interacción
reflexiva y común del grupo quedando al descubierto diferentes modos de
pensar, emociones, vivencias, sentimientos, creencias, comentarios varios
que fueron tomando su lugar y posibilitando la retroalimentación.
En el proceso de toda la actividad descrita se observó la capacidad
lectora y cognoscitiva de los alumnos ante cualquier texto. La variedad de
los temas mostró su capacidad de elección, comprensión, su saber cultural y
disfrute de los mismos.
218
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Las obras escogidas por los alumnos pertenecen a diferentes
épocas, temas y enfoques. Unos contemporáneos de temas muy actuales, de
mayor o menor profundidad; otros de épocas pasadas, incluso de la
literatura clásica, de género y temas muy diversos; lo fantástico también
estuvo presente. Llamó la atención que algunos propusieron obras de
carácter histórico cultural, ensayos de crítica o técnicas literarias.
La diversidad marcó el rumbo de estas “salas de lectura”. El
abanico desplegado trajo nombres diversos como: Howard Lovecraft,
Stephenie Meyer, Henry Trujillo, William Jacobs, Helen Velando, Jorge
Luís Borges, Elliot Dooley, Julio María Sanguinetti, Jona Oberski,
Hermann Hesse, Molière, Fiódor Dostoyevski entre otros.
Las herramientas que la educación de años anteriores les fue dando
a estos jóvenes lectores les ayudó para que sus exposiciones fueran
coherentes, claras y entretenidas, de manera que capturaron toda la atención
de sus compañeros, quienes seguían atentamente las entregas orales y
pequeñas lecturas a modo de ejemplo de los argumentos centrales de sus
presentaciones.
Demostraron capacidad, seriedad, un correcto uso del lenguaje y
dominio de grupo, el que respetuosamente le atendió hasta que llegara el
momento de compartir, mediante una fluida retroalimentación.
La actividad posterior a la retroalimentación dio la posibilidad de
evaluar, no en forma aislada sino a la mayoría de los integrantes del grupo
y rescatar valores socio-culturales, históricos-filosóficos y aquellos
específicos de la literatura.
Evaluación
La primera evaluación se realizó a nivel estudiantil, empleándose
dos tipos de cuestionario. Uno para aquellos que han permanecido como
oyentes o que aún no ha llegado su turno como lectores-críticos. El segundo
cuestionario apuntó a los estudiantes que han sido protagonistas en las salas
de lectura.
Dentro de lo expresado por los jóvenes escuchas se recogió una
evaluación generalizada de aprobación de la experiencia mencionada y
juicios como:
219
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
•
•
•
•
•
•
•
•
“… es buena, podemos conocer más obras en menor
tiempo, intercambiar ideas y conocer más a nuestros
compañeros” (R.S.);
“… es interesante, podemos exponer e intercambiar ideas,
conocimientos y gustos” (C.G.);
“… nos permite salir de lo curricular sin abandonar la
literatura” (S.G.);
“… estas actividades fomentan la lectura recreativa, el
conocimiento de otros escritores y sus estilos al escribir”
(A.B.);
“… es algo original y yo que leo poco ahora me entusiasma
y espero ser uno de los lectores que exponen” (N.M.);
“… despierta nuestras actitudes como lectores, nos permite
desarrollar un lenguaje expresivo frente a otras personas”
(J.M.);
“… incita a leer y a recuperar o comenzar con ese hábito
que suele ser muy provechoso” (E.J.);
“… es una experiencia didáctica y divertida” (A.F.);
Los lectores participantes expresaron:
•
•
•
•
•
•
•
“Es una buena experiencia para compartir la obra leída, lo
que ella nos transmitió y llegar a una interacción” (S.M.)
“Recomiendo esta experiencia pues es algo distinto y
leemos lo que es de nuestro agrado” (M.P)
“Por medio de ella pudimos ser lectores de obras de temas
y géneros diferentes como un manual del horror dentro de
un marco histórico-literario” (L.B.)
“Resulta positiva al tener que exponer para otros nuestra
lectura, se debe ser más detallista y cuidar el lenguaje(C.L.)
“Es una forma de unir a los jóvenes con temas para nuestra
edad” (R.M.)
“Abre las puertas a otras lecturas diferentes” (J.A.)
“Fue la primera vez que leí un libro entero” (M.A.)
220
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Ante la pregunta:
•
¿considera positivo el acceso a textos por vía “Intranet”?
La contención generalizada fue:
•
•
“Si, ya que es el sistema de acceso a la información más
utilizado por los jóvenes.
“Por el costo de los libros, en esta forma se hace
económicamente posible obtener alguna de las obras”
Evaluación final
La experiencia realizada resultó fascinante aún en un tiempo
inestable, cambiante, pleno de sugerencias y sorpresas como es el actual.
Los jóvenes por naturaleza cambiantes y sedientos de libertad se
mostraron aptos y entusiastas, dispuestos a las innovaciones y a ser ellos
responsables y guías de las salas de lectura.
Fue y es un trabajo arduo de parte de los alumnos y del docente,
con posibilidad de realizarlo gracias a la colaboración y sentido de equipo
unido con un mismo fin: incentivar la lectura y posible escritura por parte
de los alumnos.
Bibliografía
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España, 2005
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A SATISFAÇÃO LEITORA ATRAVÉS DE LEITURAS DE
HISTORIAS INFANTIS COMO INCENTIVO AO APRENDIZADO
DA LEITURA
Vera Regina Silva da Silva
PUCRS
[email protected]
Introdução
Este trabalho examina a satisfação com a leitura demonstrada pela
criança que le histórias infantis e o quanto isso pode contribuir para
melhorar o aprendizado da leitura pelo estudante. A investigação baseou-se
no desejo de entender porque o nível de leitura, nas turmas de 3ª serie do
ensino fundamental e considerado aquém do esperado para essa faixa de
idade, pelos órgãos governamentais, conforme os índices indicativos de
leitura no país.
Se o ato de ler faz aumentar a curiosidade, instiga a imaginação e a
criatividade, entre outras habilidades cognitivas, então, e certo que o livro
deva compor o ambiente de prazer e lazer da criança. A escolha de historias
infantis para investigar a satisfação leitora se da pelo fato de que essa
literatura favorece o mundo imaginário da criança, mexendo com as suas
fantasias, seus sonhos e emoções. O que faz com que ela se identifique com
a historia, e envolva-se com ela.
A satisfação com a leitura, pode estar presente através das relações
as quais a criança ao ler a historia faze com situações reais e imaginarias
que interagem com a sua emoção e o seu meio sociocultural, ajudando-a,
por vezes, na solução de seus conflitos internos.
Com a intenção de satisfazer esse desejo de contribuir para
diminuir o problema de não gostar de ler dos estudantes, organizamos um
estudo, o qual apresentaremos em três etapas para investigar a satisfação
leitora das crianças através da leitura de historias infantis.
Aporte teórico
Nessa primeira etapa, nos apoiamos na teoria sobre literatura
infantil, satisfação leitora e na Psicolinguística. A investigação baseia-se
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
em Bettelheim (2000), cuja afirmativa e de que uma ação de leitura
gratificante auxilia o leitor a reconsiderar seus próprios conflitos pessoais;
Howard e Sheth (1969), estudiosos da literatura infantil que apontam a
satisfação esta para a cognição quando o sujeito se sente recompensado ou
não pelo ato de ler, se a leitura e prazerosa ele estará satisfeito pois
interagiu cognitivamente com ela, se a leitura e desagradável,
possivelmente não haja interação. Sobre a literatura infantil como
componente importante na formação do leitor, Zilbermann (2003), explica
que a obra literária destinada a criança deve dispor de temas variados,
observando-se a capacidade de compreensão do leitor, pelo fato de que e
um leitor em processo de formação leitora, por isso tem uma postura de
dialogo com o que lhe faz referência no texto e, a satisfação leitora
dependera do entendimento entre o autor e o leitor nesse dialogo. Outro
teórico, Oliver (1981, pag. 26) explica que a essência da aprendizagem, e
produto da satisfação leitora, que e definida como sendo prazerosa, e
resultado do estado emocional do sujeito. A satisfação e a função da relação
percebida entre o que o indivíduo quer, o que faz e o que recebe em troca.
Usando essa mesma definição de satisfação para a leitura de
historias infantis, pode-se dizer que a relação e a mesma, pois, se a criança
lê uma historia que lhe agrada, ela ira demonstrar a satisfação com a leitura
através da expressão oral, de atitudes, de gestos e de expressões faciais.
A Psicolinguistica, na teoria de Poersch (2001) afirma que para ler
e preciso compreender. Um leitor que compreende o que lhe dará maior
valor a leitura e sentira mais satisfação na tarefa de ler. O texto literário seja
ele um romance ou uma historia infantil cria uma nova relação entre
situações reais e situações de pensamento, pois lida com as necessidades de
imaginação e fantasia, nas quais os pensamentos se organizam e seguem
regras voluntárias para a satisfação do desejo: o que e uma forma de atingir
prazer, fornecendo estruturas para a mudança de necessidades e
conscientização.
Em relação ao interesse e aproveitamento da leitura pelo leitor,
Catarsi (2004), comenta que, enquanto a criança não decodifica os signos,
não tem prazer em ler. Sendo assim, e interessante e proveitoso valorizar o
manuseio do livro de historias pela criança, precocemente, para que ela
possa ler através das imagens interpretadas pelos adultos e mostradas a
elas, ou seja, por meio da historia.
Sabe-se que, para a criança poder adquirir o gosto de ler, deve saber ler.
Enquanto tiver dificuldade para decodificar os signos, a leitura não será
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
um prazer, mas uma tortura. Por outro lado, é necessário dizer que a
criança aprende a ler se conhece os livros e se, em qualquer modo, é
habituada a usá-los com freqüência. É necessário, portanto, valorizar a
utilização precoce do livro de modo que a criança possa ler, através das
imagens e da leitura do adulto (CATARSI, 2004, p. 4).
A satisfação com a leitura se deve ao fato que de ao ler, e dar-se
conta de que entende o que lê, o pequeno leitor percebe que está preparado
para a leitura. A insatisfação, ao contrário, aparece no momento em que ele
le e não entende a leitura seja ela um texto ou uma historia infantil.
Essas duas formas antagônicas de ler servem como uma resposta
dada pelo leitor sobre as marcas que a historia deixou, e será mostrada
através do seu comportamento e de suas emoções e sentimentos
expressados antes, durante e depois da leitura, e seus possíveis efeitos na
resposta dele.
De acordo com Damasio (2003), as emoções e sentimentos
compõem os aspectos centrais da regulação biológica do ser humano. A
emoção decorre do modo como o individuo processa o conhecimento sobre
determinados estímulos objetos, pessoas ou situações, o estimulo nesse
caso e a situação de leitura, com as suas reações emocionais. Ou seja,
qualquer fator que estimule a emoção pode influenciar o conhecimento
prévio, uma vez que, para ativa-lo, são feitas conexões e ativações mentais
dos aspectos cognitivos, sensoriais, afetivos e emocionais. Esses fatores
podem influenciar o leitor de maneira positiva ou negativa, afetando a
satisfação dele com a leitura.
Ao considerarmos os ideais de uma criança, que experimenta o
mundo através da leitura de historias infantis, antes e depois dessa
experimentação, podemos observar que ela aprende a acreditar que aquilo
que de início parecia uma figura repulsiva (ler por ler ou por obrigação),
transforma-se em um amigo prestativo, que a auxilia a repensar seus
dramas individuais, por isso a satisfação com a leitura poderá transformá-la
em um leitor mais competente.
Metodologia
A segunda etapa, que procuramos ilustrar neste artigo se baseia na
apresentação do trabalho de pesquisa; o corpus investigado, a metodologia
utilizada, a analise e as considerações finais.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Para participar da pesquisa selecionamos 20 estudantes de 3ª serie
do Ensino Fundamental de uma escola da rede publica do RGS com idade
entre 8 e 10 anos, sendo que 5 formaram o grupo piloto e outros 15, os
sujeitos efetivos da investigação.
Para compor o objeto da pesquisa foram escolhidos três livros de
historias infantis do autor Rogers Hargreaves, da coleção Catimbó, todos
com a mesma estrutura e características: formato, mesma textura literária,
estilo literário e linguistico e tema cujos enredos sao semelhantes e os
personagens com os quais a criança, por sua natureza infantil e
sensibilidade se identifica pelo sentido emocional. Além disso, a
bibliografia traz um desafio final para o pequeno leitor.
Estruturalmente a investigação se organizou a partir da proposta de
três formas diferentes de leitura: (S1) (Situação 1), em que a criança lê
sozinha uma historia, depois responde a questões de satisfação sobre ela;
(S2) (Situação 2), em que a criança ouve alguém lendo uma segunda
historia depois a criança lê sozinha a mesma historia e responde a questões
a respeito da historia e uma terceira situação de pesquisa (S3) (Situação 3),
em que a criança ouve (através de uma gravação em vídeo), alguém
contando uma historia, depois lê sozinha essa mesma historia para realizar
o mesmo processo de responder a questões sobre a satisfação leitora da
terceira historia. Essas questões se referiam ao grau de satisfação das
crianças com a leitura e tinham o objetivo de saber qual das três situações
de pesquisa (S1, S2 e S3) trouxe mais satisfação e qual resultou numa ação
de leitura positiva para as crianças.
A proposta de analise desta pesquisa pretendia responder as
seguintes questões:
•
•
•
Qual o nível de satisfação leitora dos sujeitos nas
trêssituações, S1, S2 e S3?
Com qual das situações de leitura os sujeitos ficaram mais
satisfeitos e gostaram mais?
A satisfação com a leitura de historias infantis serve como
incentivo ao aprendizado da leitura?
A coleta dos dados da pesquisa foi realizada a partir de um
questionário piloto sobre a satisfação leitora (com seis questões),
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
abrangendo as três situações de pesquisa referidas e outro de compreensão
da historia lida.
Os instrumentos utilizados para examinar a satisfação leitora foram
dois: um Questionário sobre o Grau de Satisfação Leitora, Instrumento1,
cujo objetivo foi avaliar o grau de satisfação das crianças com a leitura da
historia infantil. O questionário baseado na escala Likert era composto de
seis questões sobre a satisfação dos sujeitos com a leitura e foi construído a
partir de índices valorativos: de zero (0) a quatro (4) para indicar o grau de
satisfação e para cada categoria de medida foi criado um escore indicando o
que cada uma correspondia para a avaliação: o índice zero (0) foi usado de
maneira a indicar que o sujeito não estava nada satisfeito com a leitura; o
índice (1) indicou que o sujeito estava só um pouquinho satisfeito; o índice
(2) mostrou que a criança ficou mais ou menos satisfeita, o índice três (3)
que o sujeito ficou bastante satisfeito, e o numero quatro (4) que o
estudante ficou muito satisfeito. Esses índices 0, 1, 2, 3 e 4 podem ser
explicados pelo nível de importância que teve a leitura para a criança: zero
(0) representando sem nenhuma importância; um (1), pouca importância;
dois (2), grau um pouco maior de importância; três(3), importante; e quatro
(4), muito importante que foram representados visualmente por potes com
bolinhas de gude para melhor visualização das quantidades por parte das
crianças. O objetivo do instrumento era que as respostas expressassem o
grau de satisfação das crianças com a leitura em cada situação de pesquisa;
(S1), (S2) e (S3).
No questionário final foram agrupadas as categorias bastante e
muita, pois as crianças demonstraram alguma dificuldade em identifica-las.
Utilizou-se o numero (3) como o respondente pelos quesitos (4 e 5). A
classificação passou a ser: zero (0), para nada; um (1), para só um
pouquinho; dois (2), para mais ou menos; e três (3), para muito, a qual foi
usada para a tabulação do Instrumento 1 – Questionário sobre o Grau de
Satisfação Leitora. A soma das respostas de cada sujeito correspondeu ao
grau de satisfação dele com a leitura. Esse questionário visava saber se o
aluno gostou de ler, achou a leitura engraçada, achou fácil, gostou de ler
daquele jeito, se sentiu prazer em ler e se ficou feliz com a leitura, para
através da analise, avaliar a satisfação das crianças com a leitura.
O segundo instrumento de pesquisa foi um Questionário sobre o
Grau de Satisfação com a Historia e com a Situação de Pesquisa que serviu
para verificar qual das historias a criança mais gostou de ler e qual das
situações preferiu. Foi elaborado e aplicado nos estudantes um questionário
com duas perguntas objetivas sobre a satisfação de cada sujeito com a
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
historia que lera e com a situação de pesquisa de que mais gostara. O
resultado final formou-se a partir da soma das respostas sobre a satisfação
com a historia lida e a situação de pesquisa para se obter os escores finais,
conforme resultados da Tabela 1.
Análise dos Resultados
A terceira etapa dessa pesquisa tem como objetivo mostrar os
resultados obtidos e as considerações finais sobre os achados. Com base
nos dados encontrados no resultado estatistico da Tabela 1, observamos o
grau de satisfação leitora das crianças em cada situação de pesquisa.
Em relação a (S1), que fez referencia a historia do Rugério,
constatamos que 12 sujeitos demonstraram haver gostado muito de ler a
historia sozinhos. O escore atingido foi maior que 70%, considerado para
definir os resultados finais da pesquisa. Na (S2), referente a historia do
Coaxito, observamos que o grau de satisfação dos sujeitos aumentou, sendo
que catorze sujeitos demonstraram haver gostado muito de ouvir a historia
lida pela pesquisadora. O que demonstra a satisfação das crianças com a
situação de pesquisa.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A analise relativa a (S3), referente a historia do Tiriri, demonstrou,
através dos escores, que treze sujeitos ficaram satisfeitos, sendo que cinco
entre eles totalmente satisfeitos com a situação de pesquisa em que a
pesquisadora contou uma historia para eles tendo atingido uma media de
98% de satisfação das crianças nessa modalidade de pesquisa.
Pela analise foi possível constatarmos que de acordo com a síntese
revelada na tabela 1, a (S2) apresenta o percentual mais alto no que se
refere a satisfação leitora, analisada através do questionário com questões
de satisfação demonstrando que as crianças(14) atingiram um grau de
satisfação maior que 70%, superior as outras duas situações de pesquisa.
Esse resultado demonstra que as crianças gostaram mais quando alguém leu
uma historia para elas e depois elas leram a historia. O que indica que essa
modalidade de leitura, com historias infantis estimulou-lhes tanto o aspecto
cognitivo como o emocional, incentivando os a fazerem projeções sobre o
que foi lido. Essas projeções movimentaram os pensamentos das crianças
fazendo com que elas criassem outras expectativas que resultaram em
satisfação ou não com o que estavam lendo.
O segundo instrumento de pesquisa – Instrumento 2 – Questionário
sobre o Grau de Satisfação Leitora com a Historia e a Situação de Pesquisa
– analisou a satisfação dos sujeitos da pesquisa em relação a história que
leram e a situação de leitura da pesquisa.
Para chegar ao resultado, foram feitas objetivamente duas
perguntas para os studantes: uma sobre a historia de que cada um mais
gostou, e o quanto gostou, e outra sobre a situação de que mais gostou, e o
quanto gostou. Para definir o escore sobre as respostas dadas pelos sujeitos,
foi utilizado o mesmo método usado para avaliar o grau de satisfação, já
mencionado na metodologia. O total foi somado e o resultado apresentado
no Quadro 1.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Com essas duas questões, encerra-se a analise da satisfação leitora
dos estudantes que compuseram o universo desta investigação que mostrou
que a historia de que as crianças mais gostaram de ler foi a do Coaxito, e a
situação de pesquisa foi a (S2), situação em que a professora leu a historia
para eles, depois eles a leram sozinhos. Isso pode ser explicado porque a
leitura realizada para os estudantes conseguiu prender-lhes a atenção mais
que as outras duas situações de pesquisa. Ao reler a historia, o processo de
repetição ativou as informações na memória permitindo que eles sentissem
maior satisfação ao ler.
Nesse caso, notou-se que a satisfação da criança com a leitura da
historia depende da competência leitora que a criança sabe que tem.
Quando ela e positiva, estimula a compreensão; quando e negativa, a
criança não consegue desenvolver a compreensão e não fica satisfeita. E
importante salientar que o reforço da leitura incentivou o interesse da
criança pela historia lida.
Considerações finais
Como resposta às questões de pesquisa, consideramos os resultados
descritos na analise. Foi possível observarmos que a leitura oral do
professor para a compreensão de seus alunos tem caráter incentivador; pois
a criança que ouve uma historia lida por outra pessoa fica motivada e se
depois tem a oportunidade de realizar a leitura sozinha tem mais chances de
reforçar o que foi lido e processa a informação recebida mais facilmente,
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
chegando a compreensão. A satisfação da criança vem pelo fato de haver
compreendido a leitura.
A escolha pelos textos a serem lidos também demonstrou que uma
leitura devidamente orientada, com textos que envolvam o conhecimento
prévio da criança, que digam respeito a assuntos que mexam com a sua
criatividade e imaginação podem trazer resultados positivos para produção
leitora dos estudantes.
Sugere-se que os professores promovam a leitura, orientando a
seleção de textos a serem lidos, mas incentivando as crianças a lerem de
acordo com seus próprios procedimentos.
Essas afirmativas podem responder a 3ª questão de pesquisa sobre
o incentivo ao aprendizado da leitura pelos estudantes, pois para ler e
importante proporcionar-lhes ambiente propicio, leitura que agrade para
que sintam prazer em ler, esse cuidado tanto da escola como da família
servira como estimulo a pratica da leitura e ao aprendizado da mesma.
O professor e o facilitador e o proponente, mas, para que o aluno
sinta prazer e satisfação ao ler, precisa ser estimulado a ser autônomo no
processo de leitura para escolher a melhor forma de realizar a atividade. A
função do professor deve ser de promotor do conhecimento e estimulador
do processo para que a criança desenvolva-se através de uma autonomia
orientada. Assim será possível realizar-se um trabalho mais produtivo na
formação leitora dos alunos, visando a um nível de desempenho desejável.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS: UMA PONTE PARA A
PAIXÃO DE LER.
Joanildes Felipe
Percebe-se que as crianças começam a formar sua leitura de mundo
e despertar para rabiscos, traços e desenhos desde cedo, conforme as
oportunidades que lhes são oferecidas. Cabe então, enfatizar que se faz
necessário colocá-las em contato com a leitura e a escrita de maneira
prazerosa. Um importante caminho a ser seguido nesse aspecto é a
exploração fruitiva da literatura infantil. Este projeto propõe-se a fazer a
utilização da literatura infantil de forma prazerosa na escola. Observar-se-á
o seu caminho histórico através dos tempos, de maneira a ser compreendido
como ela passou da forma de aprendizagem à forma de fruição. Evidenciarse-á que a sua prática desperta o interesse e a atenção das crianças,
desenvolvendo nelas, entre outras coisas, a imaginação, a criatividade, a
expressão das ideias, e o prazer pela leitura e escrita. Cabe ressaltar
também, que a literatura infantil oportuniza situações, nas quais as crianças
possam interagir em seu processo de construção do conhecimento,
possibilitando assim, o seu desenvolvimento e aprendizagem.
Ojetivos
Objetivo Geral: Desenvolver um trabalho com crianças objetivando
a formação de leitores, dada a importância da leitura para o
desenvolvimento linguístico do sujeito e para sua atuação como cidadão
crítico na sociedade.
Objetivos específicos
a) Identificar a Literatura Infantil como forma de aprendizagem e
fruição;
b) Contribuir na elaboração do conhecimento;
c) Compreender que a leitura é um processo de contínuo
aprendizado;
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
d) Possibilitar o desenvolvimento da imaginação e fantasia, como
também permitir que as crianças se coloquem como
personagens das histórias para facilitar a expressão de ideias;
e) Assegurar ao infante o direito de ler contribuindo para que não
se deixe esta tarefa ao acaso.
Justificativa
Analisando o uso diário da literatura, veremos que ela está muito
mais presente do que pensamos em nosso dia a dia. É comum citarmos o
comportamento de um amigo como de um príncipe, citar uma frase de
Shakespeare “Ser ou não ser, eis a questão”, classificarmos certo romance
de um casal conhecido como impossível tal qual o de Romeu e Julieta,
dizer que alguém tem complexo de Édipo, que o nariz crescerá como o de
Pinóquio ou ainda nos sentir um Patinho feio ou Gata borralheira. Esses
personagens migraram da literatura para a vida real e estão entre nós, fazem
parte dos nossos hábitos culturais nos acompanhando pela vida afora.
O processo de leitura e escrita inicia-se muito antes da criança
adentrar nas séries iniciais de alfabetização. A sua inserção ao mundo
letrado começa ao escutar as primeiras histórias e cantigas contadas e
cantadas pela mãe e/ou professores. Por isso a importância de oportunizar
desde cedo este contato ao mundo da leitura e dos livros, pois o processo de
leitura e a formação de leitores poderá ser facilitado.
Vigotsky em suas pesquisas sobre linguagem já apontou a
necessidade e importância da interação da criança com o objeto livro e com
o sujeito falante para a aquisição da linguagem. O uso do livro
cotidianamente na escola, de forma fruitiva, faculta o alargamento
cognitivo do sujeito. A linguagem é o sistema simbólico básico dos seres
humanos e são os sistemas simbólicos que efetuam a mediação dos
processos mentais superiores que caracterizam o pensamento humano.
Logo, ao ouvir histórias a criança traduz ideias, sentimentos, vontades,
pensamentos, categoriza os objetos, busca a solução de problemas, ações
conscientemente controladas.
Assim, a contação de histórias é uma ferramenta a ser utilizada para
auxiliar o domínio da linguagem, pois coloca o sujeito em uma situação de
comunicação social, de intercâmbio, “fornece os conceitos e as formas de
organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e o objeto de
conhecimento” (OLIVEIRA, p. 43)
234
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Poderíamos citar muitas outras funções da literatura infantil, mas
estas são suficientes para elucidar que o sujeito que se entrega ao texto
literário tem acesso à educação, a um mundo de valores, de hábitos
culturais que podem auxiliá-lo em suas escolhas.
Revisão bibliográfica
Mediante os estudos que estão sendo desenvolvidos na disciplina
de Literatura Infantil, constata-se que os primeiros livros para crianças
foram produzidos ao final do século 17 e durante o século 18. Antes desta
época não se escrevia para elas, porque não existia infância. Só em meio a
idade moderna é que surgiu a concepção de uma faixa etária diferenciada,
com interesses próprios que necessitava de uma formação específica. Essa
mudança deve-se a outro acontecimento que foi uma nova noção de
família, centrada num núcleo unicelular, preocupada em manter sua
privacidade e estimular o afeto entre seus membros.
Antes da formação deste modelo familiar burguês, não havia uma
consideração especial para com a infância. “Esta faixa etária não era
percebida como um tempo diferente nem o mundo da criança como um
espaço separado”. (ZILBERMAN, 1985, p. 13).
Com a decadência do feudalismo, já não havia mais a organização
da família em torno de amplas relações de parentesco. Dessa dissolução
surgiu um conceito de estrutura unifamiliar privada, sem ligações de
compromissos mais estreitos com o grupo social e dedicada à preservação
dos filhos e do afeto interno, bem como da sua intimidade. Tiveram-se
como principais valores: a primazia da vida doméstica, fundada no
casamento e na educação dos filhos, dando relevância ao afeto e à
solidariedade entre os membros da família.
A nova valorização da infância gerou maior união familiar, mas
também manteve formas de controle do desenvolvimento intelectual da
criança e de suas emoções. Os primeiros textos para crianças foram escritos
por pedagogos e professores, com intenções de sentido educativo. E de
certa forma até hoje isso prevalece, tornando problemáticas as relações
entre a literatura e a educação. Mas, percebe-se que é preciso repensar tais
relações, de maneira que se possa direcioná-las para um novo ponto de
partida, um saudável diálogo entre a criança e o livro de maneira mais
prazerosa.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Foram as modificações acontecidas na idade moderna e
solidificadas no século 18 que possibilitaram a ascensão de modalidades
culturais como a escola, com sua organização atual e o gênero literário
dirigido ao jovem.
Surgiu então a valorização da infância enquanto faixa etária
diferenciada, neste novo modelo doméstico. Dessa forma, começava-se a
perceber a criança como um indivíduo que merecia consideração especial, e
que a família deveria estar organizada, de forma que sua maior
responsabilidade fosse permitir que seus filhos crescessem sob cuidados
especiais e com saúde, tendo espaço para sua formação intelectual. Sendo
inéditas na época, tais iniciativas passaram a fazer parte do dia-a-dia da
classe média, o que levou a um convívio de harmonia entre pais e filhos, e,
enfim como um fator indispensável para a manutenção de um estilo
doméstico de vida.
Pode-se dizer que a leitura faz-se muito importante em nossa vida,
pois ela faz com que possamos aprender, ensinar, evoluir. A sua
grandiosidade não deve ser compreendida somente como alfabetização,
como um ler corretamente, mas também como uma leitura que permite a
interpretação, a compreensão daquilo que se lê.
Sendo assim, é preciso oferecer às crianças, oportunidades de
leitura de forma convidativa e prazerosa. E é nesse sentido que a literatura
infantil desempenha um importante papel, o de conduzir as crianças não só
à aprendizagem, contribuindo para uma sistematizada escrita, (como é o
caso das fábulas), mas que permita que se realize a leitura com fruição, isto
é, que se sinta prazer ao estar lendo. E isso é ótimo, pois é fundamental que
as crianças sintam o gosto pela leitura. A literatura possibilita então, que as
crianças consigam redigir melhor desenvolvendo sua criatividade, pois, o
ato de ler e o ato de escrever estão intimamente ligados. Nesse sentido, “a
literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno de
criatividade que representa o mundo, o homem a vida, através da palavra.
Funde os sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, os ideais e sua
possível/impossível realização...” (COELHO, 2000, p. 27).
A literatura infantil desenvolve não só a imaginação das crianças,
como também permite que elas se coloquem como personagens das
histórias, das fábulas e dos contos de fada, além de facilitar a expressão de
ideias. Sendo assim, o objetivo da literatura infantil é o de formar leitores,
pois por uma série de características e fatores ela desempenha esse papel
melhor do que a literatura adulta, uma vez que é mais convidativa. O que se
procura hoje é assegurar ao maior número de pessoas possíveis o direito de
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
ler. “A literatura infantil contribui para que não se deixe esta tarefa ao
acaso...” (CAGNETI, 1986, p. 21).
Como se sabe, a leitura é um processo de contínuo aprendizado,
assim, salienta-se que desde cedo, é preciso formar um leitor que tenha um
envolvimento integral com aquilo que ele lê. De maneira que a cada leitura,
se possa adquirir mais profundidade e intimidade com o texto, que se
consiga estabelecer um diálogo, fazendo perguntas e buscando respostas,
seja o texto uma história, uma fábula, um conto de fadas ou qualquer outro.
Nesse sentido, pode-se mencionar ainda que a leitura, além de produzir um
contínuo aprendizado, desenvolve a reflexão e o espírito crítico. “é fonte
inesgotável de assuntos para melhor compreender a si e ao mundo.”
(CAGNETI, 1986, p. 23).
Analisando as considerações aqui mencionadas, gostaria de
salientar que é muito importante para as crianças as situações de interação,
contato e manuseio de materiais escritos para a sua evolução e
aprendizagem da leitura e da escrita. Mas, será ainda mais enriquecedor se
este contato e manuseio for com histórias de literatura infantil, pois os
desenhos maravilhosos que encontram-se explícitos nos livros são como
uma chamada, um convite que fascina a criança, proporcionando-lhe
interesse e prazer.
Ao contar histórias, percebe-se também que as fábulas são muito
apreciadas pelas crianças, pois se apresentam a elas de formas convidativas.
As fábulas têm sua origem na Grécia, no século VI a.C. com Esopo. E na
França, no século XVII, elas foram retomadas por La Fontaine.
Apresentam-se como a primeira espécie narrativa a aparecer, são narrativas
primordiais e são vividas por animais, e pessoas, ou seres inanimados. Com
as fábulas torna-se possível ao professor trabalhar e analisar com seus
alunos, o significado da mensagem transmitida percebendo os aspectos
positivos e negativos que elas podem conter. As fábulas que apresentarem
uma lição de moral, algo imposto e que não permite modificações, podem
ser motivo para produção e reflexão.
Assim como o professor deve selecionar atentamente os tipos de
histórias que pretende apresentar aos seus alunos, deve estar atento também
a um outro fator, trata-se sobre o tipo de leitor que queremos formar. E,
como já citei anteriormente, desde cedo, é preciso formar um leitor que
tenha um envolvimento integral com aquilo que ele lê. Mas para isso, é
preciso ajudá-lo a sentir liberdade e prazer ao estar lendo. “O educador vai
precisar usar toda sua sensibilidade, tendo em mente que cada situação e
ocasião têm aspectos muito particulares”. (CAGNETI, 1986, p. 35-36). No
237
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
entanto, percebe-se que pode não ser tão fácil formar esse tipo de leitor,
pelo fato de que infelizmente na escola, lhe é exigido muitas situações no
sentido de cobrança, como deveres, lições, trabalhos, provas. E assim
também nesse mesmo sentido, a leitura pode passar a ser entendida. “E o
que lhe é exigido dentro desse contexto sempre será associado a esta
imagem”. (CAGNETI, 1986, p. 36).
Contudo, para que isso seja evitado, o professor deve sensibilizar o
aluno de forma a fazê-lo acreditar que o livro é o caminho para encontrar
prazer, descobertas, lições de vida e que pode utilizá-lo para desenvolver a
capacidade de pensar e crescer.
Sendo assim, para que se consiga sucesso nesse sentido, pode-se
inventar e improvisar situações gostosas e significativas como trabalhos em
grupos, debates, leitura crítica de jornais, dramatização de histórias, etc. É
através de situações como estas que o aluno irá perceber-se como um
sujeito atuante, que sente liberdade, prazer e gosto pela leitura e com
certeza sentir-se-á também valorizado por participar desse processo.
Desta forma, acredito que as considerações aqui mencionadas
permitiram discutir o quanto a literatura infantil se faz importante,
contribuindo de forma valiosa e enriquecedora para a construção do
conhecimento, possibilitando à criança o seu desenvolvimento e
aprendizagem.
Metodologia
Nesse projeto desenvolveremos a contação de histórias utilizando
materiais diversificados como também técnicas de contação.
A saber:
a) Narração com adereços/objetos: A história é contada com a
utilização de vestimenta e/ou objetos que caracterizem a
mesma;
b) Narração com efeitos especiais: São elementos inseridos na
narração simples para aumentar as sensações e provocar maior
incitação à fantasia. Poderão ser através do uso de sons,
aromas, caracterização...;
c) Narração interativa: enquanto a história é contada os
personagens vão aparecendo e provocando impacto;
238
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
d) Maquete: Os cenários onde se desenrolam as cenas são
reproduzidos em pequena escala, os personagens são
bonequinhos que o contador movimenta à medida que conta o
enredo;
e) Bocão: São bonecos grandes que ficam sentados no colo do
narrador que faz a sua voz. A história se desenrola através dos
diálogos dos diversos bonecos;
f) Fantoche/Teatro de bonecos: São bonecos movimentados pelas
mãos, utilizando-se a voz do operador, que fica escondido atrás
de um teatro apropriado;
g) Dramatização: Os contadores se caracterizam como os
personagens da história e a interpretam;
h) Radionovela: Os intérpretes ficam atrás de um teatro e contam
a história usando o recurso da voz, efeitos sonoros e musicais;
i) Velcômetro: São desenhos dos personagens da história em
diversas posições que são afixados em um quadro neutro (sem
cenário/preto). Tanto os desenhos como o quadro possuem tiras
de velcro para possibilitar a adesão;
j) Teatro de sombras: São silhuetas dos personagens da história
em diversas posições afixadas em uma haste. Estas figuras são
movimentadas em um teatro semelhante ao de fantoches, com
uma lâmina fosca na janela e iluminação por trás;
k) Dobraduras: Os personagens são feitos de dobraduras e a
narração é auxiliada por elas
l) Cineminha: É usada para valorizar bons livros, textos, boas
gravuras e ilustrações. São gravuras de formato igual e
predeterminado, coladas umas às outras para formarem um
filme/livro. Este é colocado no cineminha de modo a expor as
gravuras uma a uma, à medida em que o narrador desenvolve a
história;
m) Avental de histórias: O contador veste um avental que já pode
estar com cenário ou não, e ao contar a história vai dispondo as
ilustrações/personagens no mesmo, de modo apropriado;
n) Contos desenhados: Ao contar a história o contador vai
rabiscando traços no quadro e ao final da contação é revelado o
desenho.
o) Roda de histórias: Como diz o nome – roda de histórias – a
palavra aí é circular, sem pólo fixo, permitindo o exercício do
narrar não só pelo narrador-educador, mas também pela
criança, em oposição à tradicional “hora do conto”, que se
239
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
constrói segundo uma linguagem polarizada, centrada no
contador. N a “roda”, o narrar e o escutar alternam-se,
movimentam-se, intercambiam-se.
As histórias/textos serão adequadas às diversas etapas do
desenvolvimento infanto-juvenil. Coelho sugere alguns princípios
orientadores que podem ser úteis para a escolha de livros a cada categoria
de leitor. Segundo a autora existem as seguintes categorias:
O Pré-leitor
1ª Infância: dos 15/17 meses aos 3 anos
Início do reconhecimento da realidade que o rodeia: contatos
afetivos e pelo tato (fase “invenção da mão”); Começa a conquista da
própria linguagem.
Oportunizar Gravuras de animais ou objetos familiares à criança. A
atuação do adulto é essencialmente importante manipulando e nomeando
estes materiais.
2ª Infância: a partir dos 2/3 anos
Começam a predominar os valores vitais (saúde) e sensoriais
(prazer ou carências físicas e afetivas); Fase egocêntrica e dos interesses
ludo-práticos; A brincadeira com o LIVRO deve ser orientada.
Os livros adequados devem propor vivências do cotidiano familiar
à criança e apresentar: predomínio absoluto da imagem, sem texto ou textos
brevíssimos, para que a criança comece a perceber a inter-relação existente
entre o mundo real e o mundo da palavra que nomeia esse real.
O Leitor Iniciante (a partir dos 6/7 anos)
Fase da aprendizagem da leitura; Início do processo de
socialização e da racionalização da realidade; A presença do adulto como
“agente estimulador” faz-se ainda necessária.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Os livros adequados devem apresentar ainda o predomínio da
imagem sobre o texto; A narrativa deve desenvolver uma situação
(acontecimento, fato, conflito, etc) simples, linear e que tenha início, meio
e fim; O humor, a graça., a comicidade... são fatores muito positivos; As
personagens podem ser reais (humanas) ou simbólicas (bichos, plantas,
objetos), mas com traços de caráter ou comportamento bem nítidos.
O Leitor-em-processo (a partir dos 8/9 anos)
Fase em que a criança já domina com facilidade o mecanismo da
leitura. Interesse pelo conhecimento das coisas; atração pelos desafios e
pelos questionamentos; o pensamento lógico permite as operações mentais
concretas; A presença do adulto ainda é importante como motivação e
como “aplainador” e “provocador”.
As leituras devem apresentar imagens em diálogo com o texto;
Textos escritos em frases simples, em ordem direta e de comunicação
imediata e objetiva; A narrativa deve girar em torno de uma situação
central, um problema, um conflito, um fato bem definido a ser resolvido até
o final; A efabulação deve obedecer ao esquema linear; Ainda o humor, a
graça, as situações inesperadas ou satíricas exercem grande atração; O
realismo e imaginário também conservam o mesmo interesse.
O Leitor Fluente (a partir dos 10/11 anos)
Fase da consolidação do domínio do mecanismo da leitura e da
compreensão do mundo expresso nos livros; Desenvolve-se o pensamento
hipotético dedutivo e a capacidade de abstração; O ser é atraído pelo
confronto de ideias e ideais e seus possíveis valores ou desvalores; As
potencialidades afetivas se mesclam com uma nova sensação de poder
interior: a da inteligência, do pensamento formal, reflexivo. O préadolescente dispensa o apoio do adulto, sente-se alimentado por uma
grande força interior, uma quase onipotência; A ação do adulto nesta fase
deve ser a de um desafiador generoso, um líder que confia na capacidade
dos seus liderados.
O texto começa a valer por si, entretanto uma ou outra ilustração
adequada ainda é elemento de atração; As personagens mais atraentes são
os “heróis” ou “heroínas”; A linguagem tende a ser mais elaborada; Os
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
gêneros narrativos que mais interessam são os contos, as crônicas ou
novelas, de cunho aventuresco ou sentimental (mito, lendas, ficção
científica, policiais...). Ainda o maravilhoso, o mágico, agora como
participante natural da vida cotidiana e real; Abre-se espaço para o amor.
O Leitor Crítico (a partir dos 12/13 anos)
Fase de total domínio da leitura, da linguagem escrita, capacidade
de reflexão em maior profundidade; Fase de desenvolvimento do
pensamento reflexivo e crítico, empenhados na leitura do mundo, e
despertar da consciência crítica em relação às realidades consagradas...
Agilização da escrita criativa; O convívio do “leitor crítico” com o texto
literário deve extrapolar a mera fruição de prazer ou emoção e deve
provocá-lo para penetrar no mundo da leitura.
Nesta fase, o adolescente deve se abrir plenamente para o mundo e
entrar em relação essencial com o outro.
O conhecimento de rudimentos básicos de Teoria Literária faz-se
necessário, pois a Literatura é a arte da linguagem e como qualquer arte
exige uma iniciação.
Cronologia/público alvo
O projeto foi aplicado durante o ano de 2008 na Escola de
Educação Básica Nereu Ramos, município de Santo Amaro da Imperatriz.
Os alunos que participaram foram os de de 1ª a 5ª séries do Ensino
Fundamental com dois encontros semanais.
Referências
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione,
1997
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de fada. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1980
CAGNETI, Sueli de Souza. Livro que te Quero Livre. Rio de Janeiro: Ática, 1986
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna,
2000.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
DEBUS, Eliane. Festaria de brincança: A leitura literária na Educação Infantil. São Paulo:
Paulus, 2006.
DOHME, Vânia. Técnicas de contar histórias. 7 ed. São Paulo: Informal, 2000.
FELIPE, Joanildes. Linguagem Figurada/Simbólica nos Contos de fadas e a formação da
criança. Direcional Escolas. São Paulo, Ano 2, Edição18, p. 30-33, julho 2006.
GUSTAVSSON, Per. Contos Desenhados. Ilustrações de Boel Werner. São Paulo: Callis,
2000.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1985
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
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PERSONAGENS DA LITERATURA JUVENIL BRASILEIRA E
REPRESENTAÇÕES DE GRUPOS SOCIAIS
Mirian Hisae Yaegashi Zappone
UEM
[email protected]
Cidalli Lenzi de Oliveira
UEM
1. Considerações iniciais
A formação do leitor bem como os níveis de leitura no país tem
constituído uma preocupação de pesquisadores no campo da educação nos
últimos anos. Porém, parece não existir uma maior preocupação da maneira
que esse leitor está sendo formado, dos (pré) conceitos que estão sendo
transmitidos através das leituras que jovens e crianças fazem. Apesar de
existirem movimentos sociais que buscam a integração, ou pelo menos a
aceitação das diferentes raças, religiões, opções sexuais etc. pouca coisa
tem mudado no campo das artes. Além de existir pouca expressão por parte
desses grupos minoritários, há menos expressão ainda nas suas
representações.
Em razão de a gênese da literatura infantil estar diretamente
relacionada a uma ideologia pedagogizante, veiculando certo cunho
pedagógico a serviço de preceito morais e sociais e essas idéias terem sido
tão fortemente veiculadas muitas obras produzidas para as crianças, muitos
livros, ainda hoje, não perderam essa característica de dominação. Instruir e
informar são atributos que o adulto atribui a si em relação à criança, o que
não é um equívoco, mas usar a produção literária destinada a essa faixa
etária como pretexto para esse fim, isso sim, analisado à luz das teorias
atuais, é um engano, muito embora muitos textos veiculados para o público
infantil ainda não tenham se desvencilhado das amarras pedagógicas.
Embora o aspecto pedagogizante seja preocupante quando se fala
em Literatura infantil e juvenil, ele parece um tanto menos pernicioso
quando comparado com as formas de representação sociais veiculados nos
textos destinados à infância e juventude. As idéias moralizantes e
doutrinadoras normalmente aparecem na superfície do texto, revelando-se
245
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
de modo quase sempre evidente ao passo que representações do social,
marcadamente de grupos sociais, podem escamotear preconceitos, valores
questionáveis e pontos de vista que comprometem a compreensão da
criança ou do jovem sobre a diversidade cultural, étnica, de gênero e outra
como um traço importante de democracia e de respeito às diferenças não
como traços de distinção, mas como traços de identidade dos diversos
grupos sociais.
Os primeiros livros direcionados para crianças foram feitos no final
do século XVII, com o objetivo de disseminar valores e criar hábitos junto
ao público mirim. Algumas lendas e contos da Idade Média vieram a
formar os contos de fadas. Uma adaptação das histórias contadas pelo povo
era feita, acrescentando-lhes detalhes que agradassem à classe burguesa, a
quem eram endereçadas as obras em geral nesta época.
Segundo Cademartori, Charles Perrault é considerado o precursor
da literatura infantil. Ele retratava a sociedade de sua época, transformando
monstros e animais, aos quais os camponeses atribuíam poderes mágicos,
em fadas. A partir dos séc. XVII e XVIII, a literatura infantil passou a ser
incluída na escola (MAGNANI, 2001). Segundo Cademartori (1986), a
literatura infantil se constitui em um instrumento de formação conceitual e
de autonomia do pensamento. E em função desse caráter formador, desde
seu início esteve vinculada a objetivos pedagógicos. Esse aspecto da
literatura tem gerado uma tensão permanente entre o mundo real e o ideal
pedagógico, ou seja, como o mundo deveria ser.
No Brasil, a divulgação da literatura infantil inicia-se no final do
século XIX em decorrência da implantação da Imprensa Régia com a
publicação da tradução de As Aventuras pasmosas do Barão de
Munkausem. Vale dizer que esta foi a primeira tradução realizada e,
somente com a segunda tradução desta mesma obra, a literatura infantil
passou a ocupar um espaço específico no universo cultural brasileiro.
Segundo Lajolo e Zilberman (1986), a literatura infantil surgiu
efetivamente próxima à Abolição da Escravatura e a Proclamação da
República, ou seja, num momento de transformações políticas, que visavam
primeiramente à industrialização do país para criar um mercado interno.
Esse fato não se deveu ao acaso, mas às mudanças no Brasil, ou seja, a
literatura infantil nasce vinculada a questões políticas.
A literatura infantil brasileira apresenta, portanto, um processo de
desenvolvimento no qual se nota o desvencilhar das amarras pedagógicos e
moralizantes para receber o status de literatura propriamente dita, por meio
de textos que valorizam o universo infantil, que apresentam crianças
246
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
interagindo com o meio, vivenciando e solucionando seus conflitos, enfim,
com obras literárias adequadas ao interesse e desenvolvimento de seus
leitores.
Atrelada à qualidade de escritores e de textos que deixaram para
trás as amarras com a pedagogia, a literatura infantil e juvenil brasileira
constituiu sua história e configura-se, atualmente, como produção artística
estabelecida dentro da cultura brasileira ao encenar sua presença em um
sistema literário plenamente constituído contando, como pressupõe
Candido72, com a presença de um conjunto de produtores, um conjunto de
receptores, formados por diferentes públicos, e um conjunto de textos.
Esses três elementos, ligados uns aos outros, conferem a essa literatura um
aspecto de organicidade dentro da cultura brasileira, conferindo-lhe a
condição de estabelecer-se enquanto produção cultural relevante e,
portanto, digna de investigações que possam elucidar seus mais variados
temas, formas, autores, estilos e outros aspectos de demonstrem sua
relevância.
Interessa nesse contexto de desenvolvimento e afirmação da
literatura destinada a crianças no Brasil verificar o modo como essa
produção literária pra crianças produzida contemporaneamente tem
retratado ou representado diferentes grupos sociais que compõem a
sociedade brasileira em toda sua heterogeneidade.
2. Análise
Considerando que a Câmara Brasileira do Livro configura-se, no
campo literário brasileiro, como um importante balizador na seleção de
textos literários infantis e juvenis de qualidade estética, estabeleceu-se
como critério para a seleção do corpus a ser estudado os textos indicados
por esta instituição, nos últimos nove anos, como primeiro, segundo e
terceiro lugares enquanto as melhores juvenis, o que deve totalizou 14
narrativas, tal como se vê no quadro descritivo abaixo:
72 CANDIDO, A. Literatura como sistema. In: ____. Formação da literatura brasileira.
Belo Horizonte: Itatiaia, 1981, p. 23-25.
247
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Posteriormente à seleção do corpus, foi elaborada uma ficha
modelo a partir da qual foram coletados vários dados sobre a representação
de grupos sociais a partir do estudo das personagens das narrativas
estudadas. Tal ficha foi testada a fim de que se pudesse aprimorar sua
configuração de modo que se conseguisse trabalhar vários dados sobre a
configuração das personagens.
Segundo Escarpit (1969:9), todo “fato literário pressupõe
escritores, livros e leitores, ou de uma maneira geral, criadores, obras e um
público”, idéia plenamente ratificada por Candido (1985) ao propor que
estes mesmos elementos – autor, obra e público – constituam o que este
crítico chamou de sistema literário. Dentro do circuito ou sistema proposto
pelos dois autores, a literatura possui uma tripla pertença, aliando-se aos
espíritos individuais dos autores ou produtores dos textos, relacionando-se
248
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
aos problemas de estilo, de linguagem e de técnica, em função dos textos e
criando problemas de ordem histórica, política, social e até econômica em
função da coletividade – público que a ela pode ter acesso.
Assim, a casa editorial é entendida como fiadora da validade das
obras que publica; em um jogo de benefícios mútuos: autores e obras
transferem capital simbólico para a editora que os publica, mas também
recebem o prestígio que ela já acumulou. Afinal, a editora divide com a
universidade, com as instituições de pesquisa e com determinados
segmentos da mídia o poder de legitimar um intelectual em ascensão, de
reforçar ou alterar posições no campo, sendo mesmo capaz de interferir de
maneira privilegiada nas próprias regras que estruturam esse campo
(VIEIRA, ano apud DALCASTAGNE, 2004). As editoras mais
importantes, que não são necessariamente as maiores, mas dificilmente
estarão entre as menores, garantem a atenção de livreiros, leitores e críticos
para seus lançamentos.
Entre as obras analisadas, a Companhia das Letras, junto a seus
outros dois selos, Cia. das Letrinhas e Cia. das Letras, é a detentora de 29%
da amostra. Também com 29%, está a editora Cosac & Naify, fundada em
1996 por Charles Cosac e Michael Naify. As outras editoras: Editora
Biruta, Editora Moderna Ltda, Edelbra, L&PM, Record e 7 Letras contêm 1
livro cada uma, representando 7% da amostra.
Em relação aos escritores, chama a atenção o fato de que a maioria
dos autores dos livros analisados é homem. Entre os 14 autores, há somente
uma mulher (7%). Apesar de as condições femininas terem evoluído de
muitas maneiras, a literatura continua a se mostrar uma atividade
predominantemente masculina. Na mesma proporção está a homogeneidade
racial, já que na amostra analisada houve apenas um autor negro(7%).
Todos os autores (100%) possuem escolaridade superior, o que
evidencia que a atividade de escrita está restrita, na amostra em análise, a
indivíduos com graus mais altos de escolaridade, sendo, portanto, uma
atividade restrita a adultos. Embora seja voltada para crianças, não é
facultada a elas a atividade de criação literária, como eventualmente tem
acontecido. Porém, a maioria dos escritores desenvolve outras atividades
profissionais, de forma que sua atividade como escritor de literatura
infanto-juvenil não é exclusiva. Em outras palavras, diferentemente da
literatura adulta, na qual algumas vezes é possível viver da escrita, esses
autores não vivem dela exclusivamente: 6 são professores universitário
(41%), 4 autores/ilustradores (28%), 2 compositores (14%), 1 tradutor (7%)
e 1 médico (7%).
249
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Há também uma notável concentração geográfica. Quatro estados
são o local de nascimento e moradia de mais de 93% dos escritores e
escritoras do corpus – Minas Gerais (35,5%), Rio de Janeiro (21,5%), São
Paulo (21,5%) e Rio Grande do Sul (13,5%). Apenas um autor (7%) é de
outra região, Brasília. A maioria dos autores vive em capitais (80,3%). E
apenas um (7%) reside no exterior. Isso atesta a centralidade da vida
cultural nos grandes centros, uma vez que a atividade da escrita centra-se,
no caso da amostra, em capitais e em regiões de maior nível econômico.
Quando analisamos a faixa etária, há uma igualdade na proporção
entre as idades de 30 a 69 anos. Isso evidencia que a atividade de escrita é
privilegiadamente desenvolvida por autores maduros, já que os textos
analisados não foram escritos por jovens ou adolescentes e muito pouco por
pessoas de idade mais avançada, há somente um autor com mais de 70
anos. Este cenário retoma, para o caso da literatura escrita para jovens e
crianças, a questão da assimetria do gênero, uma vez que se tem,
caracteristicamente na amostra, adultos escrevendo para jovens e crianças.
Com os números obtidos podemos perceber que há um padrão no
perfil do autor brasileiro, mesmo o de literatura Infantil ou/e Juvenil. Ele é
homem, branco, aproximando-se ou já na meia idade, com diploma
superior e habitante de grandes cidades.
2.1 As personagens
Nos 11 livros estudados foram encontradas 67 personagens, entre
protagonistas e coadjuvantes importantes para o desenrolar da trama. Por se
tratar de Literatura infantil e juvenil, muitos personagens eram seres
maravilhosos, que foram considerados como humanos, pois atuavam na
fábula fazendo uma representação humana. Para todos os livros analisados
houve a leitura e discussão em grupo dos dados coletados para que
houvesse um padrão nas interpretações.
Um primeiro dado que se pode notar a respeito das personagens foi
a predominância do sexo masculino. Existem 45 personagens homens
(67,1%), ao passo que apenas 22 personagens são mulheres (32,9%). O
motivo para a configuração deste dado pode estar no fato já levantado de a
maioria dos autores serem homens. Além de eles terem mais expressão em
quase todas as áreas, fazendo com que as próprias mulheres tenham uma
perspectiva masculina, muitos autores homens se sentem desconhecedores
do mundo feminino para o representá-lo. A mesma proporção, mais
250
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
homens que mulheres, é observada ao se analisar a posição dessas
personagens da narrativa. A posição de protagonista e de coadjuvante é
superior para o sexo masculino, conforme evidencia a tabela abaixo:
Para análise da idade das personagens foram definidas 5 categorias:
infância, adolescência, juventude, idade adulta e maturidade. Todas as
idades foram definidas a partir de uma interpretação geral das personagens,
já que não havia, em muitos textos, uma apresentação exata da idade das
mesmas no texto. Com a coleta dos dados observou-se que a maioria dos
jovens representados era do sexo feminino (mulheres) e que a maioria dos
personagens da amostra estava na idade adulta, evidenciando a
superioridade na representação de adultos em relação à representação de
jovens e de crianças. Tratando-se de literatura voltada para crianças e
jovens, pode-se questionar como essa literatura pretende fazer uma
representação do público a que se destina se grande parte dos personagens
que nelas avulta pertence ao mundo adulto. Assim, embora tenha um
público específico, a criança e jovem, os adultos encontram-se em posição
de maior visibilidade na amostra.
251
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A baixa representatividade dos idosos é um reflexo da realidade
social no Brasil. A parcela de pessoas com 60 anos ou mais, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no censo de 2000, é
de 8,6% da população total brasileira e a maioria é mulher. Assim, vê-se
que, mesmo na literatura escrita para crianças e jovens, o mundo adulto, das
fases intermediárias é o mais representado nas narrativas, evidenciando um
claro alinhamento da ficção aos padrões sociais predominantes em nossa
sociedade.
Quando se trata da orientação sexual, a situação de exclusão de
alguns grupos sociais fica ainda mais clara. Dos 67 personagens, há
somente um homossexual, do sexo masculino, que sofre o preconceito de
ser descrito como ‘andróide’ na trama. Não havia nenhuma referência clara
à opção sexual dos personagens, mas através de suas ações na narrativa e
sua relação com outras personagens pode-se identificar essa posição da
personagem. Há uma personagem classificada como ‘assexuado’, o Cupido,
por já ser definido historicamente assim. Os 97% restantes (65
personagens) são claramente heterossexuais
As ocupações das personagens femininas encontradas nos livros
analisados foram: 5 catadoras de caranguejo (7,5%), 2 donas de casa (3%),
e 1 aposentada (1,5%), 1 bruxa/feiticeira (1,5%), 1 cangaceira (1,5%), 1
escrava (1,5%), 1 estudante (1,5%), 1 professora (1,5%) e 9 personagens
femininas (13,5%) não tinham profissão específica.
É possível dizer que as mulheres retratadas permanecem presas às
mesmas ocupações há anos na Literatura: donas-de-casa, estudantes,
domésticas, professoras e, ainda, bruxas e feiticeiras, evidenciando um
perfil do universo feminino que não condiz com a situação atual das
mulheres no Brasil, sobretudo se levarmos em conta as circunstâncias
atuais. Muito embora não seja uma regra geral, pode-se notar um avanço
significativo da condição feminina: as mulheres ganharam maior espaço no
mercado de trabalho, exercem funções nas mais diversas áreas, estão mais
visíveis na esfera política, participam do mercado de de produção e
consumo de forma indiscutível. Entretanto, a representação da mulher feita
nos textos do corpus apaga muitas dessas mudanças e avanços ao restringir
o universo feminino ao espaço do lar, da escola e/ou outros nos quais a
mulher é vista de forma negativa (bruxa/feiticeira, escrava, cangaceira).
Associando-se tal representação à posição ocupada pelas mulheres nas
narrativas, vê-se que sua representação é ainda mais diminuta, pois as
posições mais importantes dentro das fábulas quase sempre (60% ou mais)
252
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
são destinadas aos homens, ficando as mulheres com percentuais bem
menores (pouco mais de 30%), conforme se vê no quadro 1.
Os mesmos dados para as personagens do sexo masculino mostram
características diferentes. Foi encontrado um rol maior de ocupações,
apresentadas como caracteristicamente masculinos, evidenciando uma
representação mais diversificada e mais abrangente do universo masculino.
As ocupações foram: 3 estudantes (4,5%), 3 comerciantes (4,5%), 2
professores (3%), 2 catadores de caranguejo (3%), 1 aposentado (1,5%), 1
barbeiro (1,5%), 1 cangaceiro (1,5%), 1 cavaleiro (1,5%), 1 dono de jornal
(1,5%), 1 industrial (1,5%), 1 poeta (1,5%), 1 político (1,5%), 1 publicitário
(1,5%), 1 sargento (1,5%) e 25 personagens masculinas (37,5%) não
tinham profissão clara na narrativa.
Com relação à pertença étnica, a maioria das personagens da
Literatura infanto-juvenil é branca, 31 personagens, representando quase
metade do total (46,3%) das personagens analisadas. Foi encontrada apenas
uma personagem nitidamente negra, descrita como escrava alforriada. Há
21 personagens mestiças (31,3%), que assim foram definidas de acordo
com a leitura e interpretação de seu meio e ações. Não há, na amostra
estudada, personagem indígena. 14 personagens (20,9%) não tinham sua
etnia claramente definida.
Quando se faz a relação de cor e posição na narrativa, cruzando-se
dados, observa-se que as informações não se alteram. A maior parte dos
protagonistas é branca e os mestiços desempenham papeis coadjuvantes.
Assim como as mulheres não tem muito espaço como protagonista, negros
e mestiços também não o tem. Essa é uma posição reservada, nos textos
estudados, para o homem branco:
253
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A cor também é aspecto importante para reflexões quando
associada a questões econômicas (estrato sócio-econômico). Além da
exclusão do papel principal, os mestiços são caracterizados na narrativa
como pobres ou miseráveis, enquanto a maioria da classe média é composta
de brancos. Há mais uma vez, um alinhamento da ficção voltada para
crianças e jovens dos padrões vigentes em nossa sociedade, de modo que
são reforçados nas narrativas certas posições ideológicas, segundo as quais
brancos devem ocupar sempre posições sociais elevadas e negros, mestiços
e outros, posições sociais menos favorecidas.
Embora a mídia, o governo e a sociedade civil alardeiem uma visão
democrática sobre as diferentes classes sociais e diferentes grupos étnicos,
prevalece no imaginário e também nas práticas sociais, uma visão
preconceituosa sobre os mesmos, como se mostrou anteriormente.
Refletindo menos ou mais fielmente a vida, a ficção evidencia em sua
construção de personagens tais preconceitos e exclusões. Corroborando tal
dado, pode-se observar que há somente uma personagem estrangeira e
nenhuma portadora de deficiência física: o mundo, portanto, é representado
na Literatura infantil e juvenil analisada, como um mundo formado por
brancos, com poucos negros, mestiços ou indígenas; neste universo
ficcional, os brancos compõem sempre a elite e as classes médias,
caracterizando como pobres e miseráreis os negros e mestiços.
254
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
3. Conclusão
Apesar de a Literatura ser considerada um espaço livre, aberto à
diversidade, em que tudo é possível, longe de preconceitos, onde o autor
tem liberdade para escrever sobre qualquer assunto, fica claro, depois desta
análise que, assim como qualquer outro campo de atuação, ela está
ideologicamente marcada. O discurso literário não se desvincula de seu
tempo e espaço, pois comunga preceitos e preconceitos presentes em nossa
sociedade. Assim, a literatura analisada configura um retrato da sociedade,
tal qual ela pretende ser vista, de forma a marginalizar grupos. E, deve-se
compreender como marginalizados todos aqueles que vivenciam uma
identidade coletiva que recebe valorização negativa da cultura dominante,
de forma a serem acobertados por vozes que se sobrepõem a eles, como é o
caso de mulheres, pobres, negros e mestiços dentro dos textos estudados.
Ao verificar as formas de representação construídas nos textos
consagrados e legitimados da Literatura Infantil e Juvenil brasileira,
constituídos pelo corpus da pesquisa, nota-se que tal representação é apenas
parcialmente condizente com a realidade social diversa e rica que
caracteriza nosso país. A nação brasileira, formada por uma gama
variadíssima de homens, mulheres, crianças de várias raças, cores, opções
sexuais e credos foram restritos a um grupo quase que homogêneo:
prioritariamente de homens, de brancos, de heterossexuais.
Sendo este o retrato ofertado pelos textos estudados, cabe
questionar de que forma esta literatura pode dialogar com seus possíveis
receptores: crianças de todo o Brasil, com diferentes cores, raças, situações
econômicas, credos etc.
Como assinala Bourdieu (1996), os textos literários inserem-se
numa economia muito particular, a dos bens simbólicos, na qual adquirem
valor a partir de uma lógica anti-econômica, orientada para a acumulação
de capital simbólico que denega o lucro econômico, e busca os valores da
arte pura. Neste sistema, para serem considerados textos de valor, é preciso
que os textos ganhem prestígio, a longo prazo, além de receberem da crítica
e das instâncias responsáveis (Fundações, Institutos, prêmios específicos
etc) um julgamento que afiance seu valor enquanto obra de arte. Nesse
sentido, o discurso crítico deixa de ser uma simples apreciação crítica do
texto para se tornar, como diz Bourdieu (1996, p. 197)) um momento de
produção da obra, de seu sentido e de seu valor.
255
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Nesta economia às avessas, a dos bens simbólicos, a escola exerce
papel fundamental, uma vez que depende dela a eficácia dos atos de
consagração de uma obra: de nada adiantariam as vozes dos críticos e
instituições a pronunciar sua apreciação de um texto se tal juízo não
repercutisse nos públicos que, a longo prazo, vão adquirindo competências
e valores necessários para “ler” os textos de acordo com os princípios
segundo os quais eles são relevantes. Tais competências e valores são
desenvolvidos ou ensinados a esses públicos pelo sistema de ensino. Em
outras palavras, a escola constitui importante elemento dentro do sistema de
criação dos bens simbólicos ao promover não só os modos de leitura
competentes das obras, mas também o valor dos textos bem como os
valores neles inscritos:
O êxito simbólico e econômico da produção de ciclo longo depende
(pelo menos em começos) da ação de alguns ‘descobridores’, isto é, dos
autores e dos críticos que fazem a editora dando-lhe crédito [...] e
também do sistema de ensino, único capaz de oferecer, a prazo, um
público convertido. [...]. A escola ocupa um lugar homólogo ao da
Igreja, que segundo Max Weber, deve ‘fundar e delimitar
sistematicamente a nova doutrina vitoriosa e defender a antiga contra os
ataques proféticos, estabelecer o que tem e o que não tem valor sagrado’
(BOURDIEU, 1996, p. 169)
Ora, se a escola é instituição fundamental na construção do valor
simbólico dos textos, também não deixa de ser espaço onde os valores
expressos pelos textos também se disseminam. Neste sentido, a pesquisa
em tela, ao revelar que os textos consagrados da literatura infantil e juvenil
apresentam uma representação que pouco espelha a diversidade dos grupos
sociais presentes em nosso país, deve-se questionar os valores que são
reverberados nesta literatura. Se a escola apregoa a diversidade e a
heterogeneidade, parece um tanto contraditório que a literatura infantil e
juvenil, cujos públicos mias específicos estão na escola, apresente a seus
leitores uma visão tão parcial de nossa sociedade.
Sendo lugar da pluralidade, como apregoam diretrizes e parâmetros
educacionais, os livros por ela adotados (normalmente os textos
consagrados e premiados) poderiam e até deveriam dar vazão a diferentes
visões sobre a realidade social, ao incorporar em suas fábulas as vivências,
os dramas, os sonhos e realizações de grupos sociais que, por serem
marginalizados por sua classe, cor, credo, orientação sexual ou outro
critério, são pouco visíveis. Desse modo, talvez, muitos leitores se
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
sentiriam mais próximos das histórias lidas e outros teriam oportunidade,
por meio da ficção, de acessar realidades totalmente desconhecidas e que
merecem ser também contadas e apresentadas por meio da ficção. Ao se
constituir como bem simbólico a Literatura Infantil e Juvenil analisada
nega a seus leitores uma visão crítica de nossa sociedade além de
reverberar os valores excludentes que ela constrói nas malhas de sua ficção.
Não se deve esquecer que esse processo de valorização da literatura
infantil e juvenil premiada que traz em si o apagamento de grupos
marginalizados se faz por meio de um processo altamente eficaz de
construção de valores que convém discutir. Segundo Bourdieu, a
canonização de um texto, sua transformação em obra de arte ou em objeto
de valor acontece por sua inserção no campo literário, no qual funciona a
“ideologia carismática da criação”, segundo a qual os textos possuem
atributos que lhes são intrínsecos e que independem de aspectos sociais,
materiais etc, constituindo a arte ou literatura de valor. Para Bourdieu, a
crença nesta ideologia impede que se percebam todos os meandros ou o
“conluio”, de natureza muito material e econômica, que cercam o processo
de valorização artística de um texto:
Tendo assim trazido à luz o efeito mais bem oculto desse conluio
invisível, ou seja, a produção e a reprodução permanentes da illusio,
adesão coletiva ao jogo que é a um só tempo causa e efeito da existência
do jogo, pode-se colocar em suspensão a ideologia carismática da
‘criação’ que é a expressão visível dessa crença tácita e constitui sem
dúvida o principal obstáculo a uma ciência rigorosa da produção do
valor dos bens culturais. É ela, com efeito, que dirige o olhar para o
produtor aparente – pintor, compositor, escrito – impedindo que se
pergunte quem criou esse ‘criador’ e o poder mágico de
transubstanciação de que é dotado. [...] Basta lembrar a questão proibida
para perceber que o artista que faz a obra é ele próprio feito no seio do
campo de produção, por todo o conjunto daqueles que contribuem para o
‘descobrir’ e o consagrar enquanto artista conhecido e reconhecido –
críticos, prefaciadores, marchands etc. (BOURDIEU, 1996, p. 193
Ao usar esse conluio para afiançar o valor de certos textos em
detrimento de outros, o campo literário e um de seus agentes, a escola,
encobrem as meandros do processo de valorização dos textos e, ao mesmo
tempo, acabam por cristalizar uma visão do literário bem como por
legitimar as representações que tais textos trazem em si.
Certamente, não é possível mudar tal lógica. Ela está constituída e
faz-se no âmbito das práticas sociais dentro do mundo artístico, que
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
também abarca o universo escolar. Entretanto, é possível questioná-la e
mesmo trazê-la à tona para que se problematize não apenas o modo de
seleção dos textos, mas a forma como tais textos apresentam e representam
nossa realidade, que é plural, rica e heterogênea, muito embora não seja
retratada nos textos ficcionais estudados.
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258
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
260
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
CLARICE LISPECTOR: A TRADUTORA E OS LEITORES
INFANTO-JUVENIS
Norma Andrade da Silva
UFSC
Pouco se tem estudado a obra de Clarice Lispector destinada à
parcela de leitores infantis ou à de leitores adolescentes. Por esse motivo,
tenciono neste artigo: (i) apresentar a produção literária de Lispector
relacionada ao leitor infanto-juvenil; e (ii) dar visibilidade ao seu trabalho
como tradutora e adaptadora de obras clássicas direcionadas ao público
jovem, sem me aprofundar em aportes teóricos.
No período que vai de 1960 a 1970, Lispector escreveu cinco livros
infantis, sendo eles: O mistério do coelho pensante (um “pedido-ordem” de
seu filho mais novo), A mulher que matou os peixes, A vida íntima de
Laura, Quase de verdade e Como nasceram as estrelas (narrativa de 12
lendas, cujos personagens fazem parte do folclore brasileiro,
correspondendo elas aos doze meses do ano). Também, na mesma época,
Clarice traduziu/adaptou obras como As viagens de Gulliver (Jonathan
Swift), Tom Jones (Henry Fielding), Histórias extraordinárias (Edgar
Allan Poe), A ilha misteriosa (Jules Verne), O retrato de Dorian Gray
(Oscar Wilde) e Chamado selvagem (Jack London).
Na seção a seguir, apresento um breve relato sobre os cinco livros
dedicados aos leitores infanto-juvenis.
Um pouco sobre Lispector
Clarice Lispector nasceu em Tchetchelnik (Ucrânia), em 10 de
dezembro de 1920, recebendo o nome de Haia (Vida). Chegou ao Brasil,
em 1921, aos dois meses de idade, juntamente com seus pais e as irmãs,
Elisa e Tânia, e aqui teve o nome mudado para Clarice. Inicialmente, a
família Lispector morou em Maceió e, depois, no Recife, onde a menina
Clarice cresceu num bairro judaico, aprendeu a ler e a escrever e se arriscou
a compor alguns textos enviados para um jornal da cidade, mas que nunca
foram publicados porque o que a menina Clarice escrevia transmitia uma
forte carga de emoções. Em 1934, quatro anos após a morte da mãe de
Clarice, nova mudança da família Lispector para o Rio de Janeiro.
261
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Lispector é reconhecida como um dos grandes nomes da literatura
brasileira. Seu primeiro romance, Perto do coração selvagem, publicado
em 1944, recebeu o Prêmio Graça Aranha de Melhor Romance, nesse
mesmo ano. Foi comparada a grandes escritores, como James Joyce e
Virginia Woolf.
Além de sua obra dedicada ao público leitor não infantil, também
dedicou parte de sua escritura ao público infanto-juvenil. Como afirma
Ribeiro (1993, p. 10), “[...], de sua obra publicada para o público infantojuvenil, nada se comenta, e muito pouco foi publicado, ainda”. Atualmente,
pouco se conhece de trabalhos que analisem as obras infanto-juvenis de
Clarice. Lajolo e Zilberman (1999) dedicam apenas dois parágrafos
resumidos (p.124 e 128) ao trabalho da autora. E Coelho (1991, p. 257-8),
em um parágrafo, aponta que
Curiosamente, nos anos 60, foram poucos os novos escritores que
surgiram, e todos vindos da experiência com literatura ‘adulta’:
Antonieta Dias de Moraes [...], Clarice Lispector, Guilherme Figueiredo,
Herberto Sales, José Mauro de Vasconcelos, Maria Dinorah, Stela Carr...
Em todos eles, o Real e o Imaginário se fundem de maneira essencial.
Nesse período multiplicam-se as traduções e adaptações juvenis de
livros consagrados na literatura mundial.
Com isso, percebe-se que a Clarice-autora de livros infanto-juvenis
pouco é mencionada nos compêndios dedicados ao estudo desse gênero de
literatura.
A seguir, apresento as obras destinadas ao leitor infanto-juvenil.
Os livros infantis de Clarice
Todos os cinco livros foram editados recentemente pela Rocco,
73
numa série dedicada a Jovens Leitores. As ilustrações são grandes, bem
interessantes, coloridas, levando o pequeno leitor a refletir sobre o
significado de cada uma delas. Não constam os números das páginas (com
exceção de Como Nasceram as Estrelas).
73
Os nomes dos ilustradores constarão nas notas de rodapé de cada obra citada.
262
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Segundo Lajolo e Zilberman (1999, p. 123), na década de 1960,
“Multiplicaram-se instituições e programas voltados para o fomento da
leitura e a discussão da literatura infantil”. Criaram-se vários organismos e
centros de estudos que congregavam professores de língua e literatura
brasileira, escritores e demais interessados em definir os rumos da literatura
infantil. É por essa época que
Muitos autores, inclusive os consagrados, não desprezaram a
oportunidade de inserir-se nesse promissor mercado de livros, o que
trouxe para as letras infantis o prestígio de figuras como Mário
Quintana, Cecília Meireles, Vinícius de Morais e Clarice Lispector
(LAJOLO e ZILBERMAN, 1999, p. 124).
Percebe-se, então, que Clarice percorre também esse caminho rumo
ao leitor não adulto.
O Mistério do Coelho Pensante74 (1967), escrito, primeiro em
inglês e depois autotraduzido, foi um “pedido-ordem” de seu filho mais
novo Paulo, e foi dedicado àquela criança que “simpatiza com coelho”,
como apresenta a autora no início do livro. Ela deixa em aberto para que a
própria criança descubra “outros mistérios”. Enfatiza que esta história
privilegia a oralidade, pois os leitores adultos é quem devem dar as
explicações que forem necessárias. Por essa obra, Clarice ganhou o Troféu
Criança daquele ano.
Apresento, a seguir, alguns excertos interessantes dessa obra, para
mostrar uma autora-narradora que dialoga com o seu leitor:
“Pois olhe Paulo, você não pode imaginar o que aconteceu com aquele
coelho.”
“– Puxa, eu não passo de um coelho branco, mas acabo de cheirar uma
idéia tão boa que até parece idéia de menino.”
“Você me pediu para eu descobrir o mistério da fuga do coelho. Tenho
tentado descobrir do seguinte modo: fico franzindo meu nariz bem
depressa. Só para ver se consigo pensar o que um coelho pensa quando
franze o nariz.”
74
Ilustrações de Mariana Massarini para a primeira edição de 1967 da Editora Rocco.
263
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
75
No seu segundo livro, A Mulher que matou os peixes (1968),
Clarice relata que matou acidentalmente os dois peixinhos vermelhos de
estimação de seus filhos, enquanto estes estavam viajando. A história vem
entremeada por outras histórias de outros animais de estimação:
Dilermando, um vira-lata; Jack, um cachorro americano; Lisete, uma
miquinha que usava brincos e teve uma vida curta; relata também a
amizade de dois cães, Bruno e Max, e aqui morte se faz presente, como na
história de Lisete.
A seguir, alguns trechos retirados do livro para dar visibilidade à
autora novamente dialogando com o pequeno leitor:
“Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu. Mas juro a vocês
que foi sem querer.”
“Por enquanto só posso dizer que os peixes morreram de fome porque
esqueci de lhes dar comida. Depois eu conto, mas em segredo, só vocês
e eu vamos saber.”
“Eu peço a vocês que me desculpem. Dagora em diante nunca mais
ficarei distraída.”
“Vocês me perdoam?”
Em A Vida Íntima de Laura76 (1974), Lispector conta a história de
uma galinha “quase comum”, “meio marrom, meio ruiva”, com um
“pescoço muito feio, mas bonita por dentro”. Laura, a galinha casada com o
galo Luís, é mãe do pintinho Hermany, tem uma vida bastante pacata,
ciscando e escolhendo coisas que não lhe fazem mal.
Alguns excertos:
“Vou logo explicando o que quer dizer ‘vida íntima’. É assim: vida
íntima quer dizer que a gente não deve contar a todo mundo o que se
passa na casa da gente. São coisas que não se dizem a qualquer pessoa.”
“Dou-lhe um beijo na testa se você adivinhar. E duvido que você acerte!
Dê três palpites.”
“Peço a você o favor de gostar logo de Laura porque ela é a galinha mais
simpática que já vi.”
“Se você conhece alguma história de galinha, quero saber. Ou invente
uma bem boazinha e me conte.”
75
76
Ilustrações de Flor Opazo para a edição de 1968 da Editora Rocco.
Ilustrações de Flor Opazo para a edição de 1974 da Editora Rocco.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O quarto livro, Quase de Verdade77 (editado postumamente em
1978), é sobre o cachorro Ulisses que (re)late suas histórias passadas no
quintal da vizinha Oniria para sua dona Clarice. Nesse quintal viviam
muitos galos e galinhas felizes, e uma infeliz figueira que nunca dava figos,
por isso ela tinha “inveja da alegria das aves”. Ulisses conta/late que essa
árvore, um dia, pediu ajuda a bruxa Oxelia, cuja forma era a de uma nuvem
preta, para acabar com a felicidade dos animais.
A seguir, alguns exemplos das conversas entre os animais:
“Era uma vez... Era uma vez: eu!”
“Sabe quem eu sou? Sou um cachorro chamado Ulisses e minha dona é
Clarice. Eu fico latindo para Clarice e ela – que entende os significados
dos meus latidos – escreve o que eu lhe conto.”
“Eu que sou cachorro, não sei o que responder às aves.
– Engole-se ou não se engole o caroço?
Você, criança, pergunte isso à gente grande.
[...]
Eis a questão.”
O último livro editado também postumamente é Como Nasceram
as Estrelas78 (1987). Constam nele doze lendas pertencentes ao folclore
brasileiro, uma para cada mês do ano. Os personagens dessas lendas são: o
uirapuru; Yara, deusa das águas; o Negrinho do Pastoreio; o Saci-Pererê; o
Curupira; e, no mês de dezembro, o Menino Jesus.
A seguir, apresento excertos retirados deste livro:
Fevereiro: Alvoroço de festa no céu
“Moral da festa? Bem, não houve.”
Março: O pássaro da sorte
“Como é que se espalhou que o uirapuru dá sorte? Ah, isso não sei, mas
que dá, dá!”
Dezembro: Uma lenda verdadeira
“Hoje em muitas casas do mundo nasce um Menino.”
“E, como se não bastasse, espouca no ar como champanhe o borbulhante
Ano Novo.”
77
78
Ilustrações de Mariana Massarini para a primeira edição de 1978 da Editora Rocco.
Ilustrações de Fernando Lopes para a edição de 1987 da Editora Rocco.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Com os exemplos retirados das cinco obras de Lispector, procurei
dar visibilidade à sua escritura destinada ao leitor infanto-juvenil. Como
apresenta Ribeiro (1993, p. 117), “A literatura infanto-juvenil de Clarice
Lispector é repleta de intratextualidades, paródias e paráfrases, e, por seu
caráter inovador nos meados da década de sessenta, estabeleceu uma nova
linguagem no gênero destinado às crianças”.
A seguir apresento uma outra Clarice também pouco estudada: a
tradutora.
Clarice tradutora/adaptadora
Clarice Lispector teve muitas de suas obras destinadas ao público
adulto traduzidas para o inglês, francês, espanhol, alemão e italiano, dentre
várias línguas. Contudo, há no universo clarieceano um aspecto ainda não
devidamente explorado pelos pesquisadores e pela crítica e para o qual
Clarice muito contribuiu: o da tradução (que fará parte de minha tese de
doutorado).
Após a mudança da família Lispector para o Rio de Janeiro, em
1939, Clarice ingressa na Faculdade de Direito. Durante o período como
estudante, Lispector trabalha em um escritório de advocacia e traduz textos
científicos para algumas revistas. Em 1940, iniciou o trabalho como
tradutora na Agência Nacional. Em 1943, casou com um diplomata, indo
morar em várias cidades da Europa e também nos Estados Unidos. Com
isso, desenvolveu a leitura em outras línguas, notadamente o francês e o
inglês. Em 1959, já separada do marido, ela volta ao Rio de Janeiro. Por
força de sua crítica situação financeira e com dois filhos pequenos para
cuidar, Clarice, além de se dedicar à literatura para o público adulto,
também escreveu artigos para revistas e jornais.
Para complementar sua renda, Lispector traduz obras de vários
autores conceituados, como Swift, Wilde, Fielding, Borges, Verne. Gomes
(2004, p. 39) afirma que “A década de 1970 parece ter sido aquela em que
Clarice mais se dedicou à tradução, uma vez que neste período foi
publicada a maioria dos textos traduzidos”. Na tradução de algumas peças
teatrais, como The little foxes/Os corruptos (de Lillian Hellman), Hedda
Gabler/Hedda Gabler (de Ibsen) e A gaivota (de Anton Tchecov),
Lispector teve como parceira Tati Moraes. Ambas ganharam o prêmio de
melhor tradução, em1967, para Hedda Gabler.
266
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Na crônica Traduzir procurando não trair79, que escreveu para a
Revista Jóia (n. 177, maio de 1968), é possível avaliar como Lispector
refletia sobre o seu papel de tradutora e o ato de traduzir: se deveria haver
uma fidelidade ao texto original ou se deveria trair o autor da língua de
partida. Lispector afirma que
Primeiro, traduzir pode correr o risco de não parar nunca: quanto mais se
revê, mais se tem que mexer e remexer nos diálogos. Sem falar na
necessária fidelidade ao texto do autor, enquanto ao mesmo tempo há a
língua portuguesa que não traduz facilmente certas expressões
americanas típicas [Lispector se refere à sua tradução da peça de Lillian
Hellman, Os corruptos], o que exige uma adaptação mais livre (grifos
meus).
Muitas vezes, ao mesmo tempo em que esse ofício era prazeroso
para Clarice, ela igualmente se mostrava preocupada e minuciosa com o ato
de traduzir.
Clarice temia ler seus livros traduzidos para outras línguas. Dizia
que sentia “enjôo de reler” coisas que escrevia. Gomes (2004, p. 42) mostra
uma Clarice “que ficava enfadada ao reler seus textos e [...] parece sentir o
mesmo com as traduções”, haja vista que, em Traduzir procurando não
trair, ela afirma que “quanto mais se revê, mais se tem que mexer e
remexer nos diálogos”. Gomes (2004, p. 42) acrescenta que, como
tradutora, ela parece “ser envolvida pela tradução a tal ponto que passe a ter
a sensação de não poder parar nunca”.
Apesar de traduzir um grande número de autores consagrados de
peças teatrais e outros tantos de romance, contos e ensaios, Clarice não foi
uma teórica da tradução. Apenas se tem referência do seu pensar sobre a
tradução crônica da revista Jóia.
Entretanto, Clarice não faz menção, nessa crônica, às traduções dos
contos, romances e demais textos que traduziu. Nem alude ao fato de que
muitos deles, principalmente os destinados a um público infanto-juvenil
como Tom Jones, Viagens de Gulliver, Chamado Selvagem, O retrato de
Dorian Gray e Histórias extraordinárias (deste último faz parte o conto Os
79
In: GOMES, André Luís. Entre espelhos e interferências: a problemática da tradução para
Clarice Lispector. Disponível em <http://www.fflch.usp.br/dlcv/posgraduacao/eclpdf/viao7/
via07_04pdf>. Acesso em 5 de setembro de 2008.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
crimes da rua Morgue), são uma adaptação, como consta na capa de tais
obras.
Paulo Rónai, em A Tradução Vivida, (1981, p. 89-109), apresenta
os usos e abusos da tradução, onde, num dos tópicos, faz uma abordagem
sobre a adaptação e a trata como um problema para a tradução. O autor se
refere à adaptação como texto dirigido ao público infanto-juvenil, ou, em
muitos casos, dirigido a um público com pouco vocabulário e “cultura
escassa”, considerando que, em alguns casos, o texto original sofre uma
mutilação, havendo supressão de frase, páginas e até de capítulos, com isso
alterando o “sentido profundo da obra”. Entretanto ele aponta que há
gêneros textuais que admitem que se faça adaptação, como, por exemplo,
no teatro. Mesmo em obras de ficção, deve constar na capa ou no cartaz da
peça teatral que se trata de uma adaptação. Ele ainda acrescenta “que [...] as
obras adaptadas deixam de pertencer ao autor e passam a fazer parte da
bagagem do adaptador, muitas vezes escritor de mérito e que assim procura
complementar seus parcos proventos” (RÓNAI, 1981, p. 98). Com isso,
infere-se que Rónai não admite a adaptação como forma de tradução. Seria
o que Berman (2007) chama de “tendências deformadoras” por haver uma
ingerência do tradutor/adaptador no texto original.
Esse teria sido o caso de Clarice Lispector que fez a adaptação de
algumas obras de autores canônicos da literatura estrangeira dirigidas a um
público juvenil, como é o caso de Tom Jones, Viagens de Gulliver,
Chamado Selvagem, O retrato de Dorian Gray e Histórias extraordinárias.
Contudo, na capa de cada uma dessas obras traduzidas há a informação de
que se trata de uma tradução e adaptação de Lispector.
Em contraposição a Rónai, Cony defende, em um artigo que se
encontra disponível no site da Editora Scipione, a adaptação como forma de
que textos canônicos da literatura estrangeira sejam conhecidos tanto pelo
público infanto-juvenil quanto por adultos que “por isso ou aquilo, não têm
tempo ou vontade para encarar a leitura dos originais”. O autor, que possui
uma vasta bagagem literária de vários romances, crônicas, ensaios, textos
jornalísticos em língua portuguesa, também fez adaptações de clássicos
estrangeiros e de Eça de Queiróz, Raul Pompéia e Manuel Antônio de
80
Almeida para as editoras Ediouro e Scipione. Cita como exemplos as
80
Mais informações sobre as adaptações feitas por Carlos Heitor Cony estão disponíveis no
site do autor em < http://www.carlosheitorcony.com.br/cony/livros/adaptacoes.asp>. Acesso
em 4 de dezembro de 2008.
268
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
adaptações feitas pelos irmãos Lamb para uma “versão em prosa das peças
de Shakespeare” dirigida a jovens adolescentes de língua inglesa, também
de O Capital, de Marx, e os textos bíblicos. Termina o artigo com uma
pergunta: “até que ponto as modificações aviltaram o sentido espiritual e
literário do Livro dos Livros?”.
Já Bastin (2001, p. 5-8) define adaptação como “a set of translative
operations which result in a text that is not accepted as a translation but is
nevertheless recognized as representing a source text of about the same
length” (grifo meu).
E Amorim (2005, p. 119) afirma que, como há uma grande
polêmica em torno da adaptação, ela “pode ser associada tanto à noção de
‘enriquecimento’ quanto à de ‘empobrecimento’. Mais adiante, o autor
prossegue no seu pensamento sobre a adaptação aduzindo que esta seria
“um processo de transformação que [...] possibilitaria veicular imagens e
estilos que poderiam ser considerados ‘fiéis’ ao texto de referência”
(AMORIM, 2005, p. 120).
No Brasil, nas décadas de 1950, 1960 e 1970, muitas obras da
literatura estrangeira foram adaptadas ao gosto e à cultura nacional,
buscando, assim, torná-las mais acessíveis e interessantes ao público
infanto-juvenil, ou, como apresenta Cony, a um público não muito afeito à
leitura.
Clarice traduzindo Poe: Os crimes da rua Morgue
Edgar Allan Poe nasceu em Boston, em 1809, e morreu em
Baltimore, em 1849. Foi um prolífico escritor, pois de sua vasta obra
constam contos, poesias, ensaios, ficção e uma peça de teatro (Polititian).
Assim como Clarice Lispector, Poe teve sua vida pontuada por alguns
dramas (morte prematura dos pais, vício em bebidas e jogos, viuvez,
tentativa de suicídio). Nada disso impediu que fosse considerado um dos
gênios da literatura americana do século XIX. Explorou em seus contos a
alma humana, os defeitos e vícios do ser humano. Muitos designaram sua
obra como “literatura fantástica”, mas o que se percebe é uma grande
abordagem do aspecto psicológico dos homens. Influenciou escritores
como Rimbaud e a criação poética de Baudellaire, que traduziu Poe para o
francês.
Clarice, como apresentado na capa da edição brasileira, fez uma
tradução e adaptação de Histórias Extraordinárias, dirigido, como está
269
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
referenciado na capa, para o jovem leitor. Há ainda uma referência na folha
de rosto do livro: Clarice selecionou e reescreveu 18 contos de Histórias
Extraordinárias. O texto original – The murders in the rue Morgue −, em
uma edição pocketbook, possui 39 páginas, escrita em uma letra miúda e
em papel jornal. Já a o texto traduzido e adaptado – Os crimes da rua
Morgue –, também em edição de bolso, contém 19 páginas, isto é, 20
páginas a menos que o original. Muitos outros tradutores e adaptadores se
envolveram nas traduções de Poe para o português de Portugal e do Brasil.
Nesta análise, procuro saber se Lispector enriqueceu ou
empobreceu o texto de Poe.
Começo analisando o título do conto: The murders in the rue
Morgue/Os crimes da rua Morgue. Poe foi um autor que usou e abusou de
uma fina ironia nos seus escritos e de jogos de palavras. A tradução de
morgue para o português é necrotério, morgue, esta última palavra pouco
usual atualmente. Na tradução, quando o leitor do texto traduzido que
desconhece o significado desse termo, acredita que se trata de uma rua cujo
nome é Morgue.
Nos cinco parágrafos iniciais, que são muito longos no original,
Poe discorre sobre a atividade mental que teria primazia sobre a atividade
física. Clarice parafraseia em sete parágrafos curtos, bem próprios para o
leitor adolescente, omitindo informações que certamente cansariam esse
público. No caso a tradução se afastaria do seu objetivo que era o de
facilitar a leitura de uma obra clássica do conto psicológico americano. Ao
longo da tradução, Lispector optou por parágrafos extremamente curtos, ao
contrário de Poe que escreveu longos parágrafos.
No exemplo que segue, percebe-se a quebra de parágrafos, optando
a tradutora por frase mais curtas. O termo respeitoso Monsieur, em francês,
foi traduzido como Senhor dando um caráter domesticante à tradução.
Outro aspecto a ser comentado é com relação às estações do ano: no
original, Poe fala em during the spring and part of the summer, e na
tradução, Clarice menciona apenas durante a primavera, omitindo parte do
verão. Ainda neste parágrafo, há menção apenas ao caráter de Dupin. Já na
tradução, a tradutora referiu-se aos dois homens como sem ânimo para
cuidar dos bem que restaram. Venuti reconheceria aqui um texto que parece
ter sido escrito em língua vernácula e não como um texto traduzido.
Poe
Residing in Paris during the spring and part of the summer of
18__, I there became acquainted with Monsieur C. Auguste
270
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Dupin. This young gentleman was of an excellent, indeed of an
illustrious family, but, by a variety of untoward events, had been
reduced to such poverty that the energy of his character
succumbed beneath it, and he ceased to bestir himself in the
world, or to care for the retrieval of his fortune.
Lispector
No ano de mil oitocentos e tanto, durante a primavera, eu estava
residindo em Paris. Sozinho e em situação financeira não muito
boa.
Foi nessa época, justamente, que conheci e fiquei amigo de um
tal Senhor C. Auguste Dupin.
Era um jovem e simpático cavalheiro. De excelente – ilustre
mesmo – família.
Por uma série de maus acontecimentos, ficara, como eu, reduzido
à miséria. Uma miséria que nos matara a energia do caráter e não
nos deixara nem ânimo para cuidar da recuperação dos bens.
Outro exemplo refere-se ao Théatre des Variétés, declarado um
local histórico em Montmartre, um local culturalmente marcado no espaço
francês, mas que perde sua marca ao ser adaptado por Lispector em
português. Tal fato encontra nas palavras de Venuti (2002, p. 129), quando
afirma que a tradução freqüentemente “é vista com suspeita porque,
inevitavelmente, domestica textos estrangeiros, inscrevendo neles valores
lingüísticos e culturais inteligíveis para comunidades domésticas
específicas”. Sem dúvida, a tradutora optou por uma expressão que não
causaria estranheza ao público leitor da tradução.
Poe
“He is a very little fellow, that’s true, and would do better for the
Théatre des Variétés.”
Lispector
 Ele é, de fato, muito pequeno. É um sujeito pequenino demais,
e estaria muito melhor o teatro de variedades.
Neste outro exemplo, Poe faz uso da expressão affair em inglês que
não teria o mesmo sentido de affaire explicado entre parênteses. Clarice
omite qualquer referência a essa particularidade cultural.
Poe
271
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
“[...] Many individuals have been examined in relation to this
most extraordinary and frightful affair,” [the word ‘affaire’ has
not yet, in France, that levity or import which it conveys with us]
“but nothing […].”
Lispector
A notícia vinha contando que muito as pessoas foram
interrogadas. Aquelas que pareciam mais ligadas às duas
assassinadas.
Apresento neste último exemplo, nova marca cultural, quando
Clarice se refere ao Jardin des Plantes como simplesmente Jardim? Que
Jardim seria para o leitor de língua portuguesa? Botânico? Zoológico? Não
está claro no texto adaptado.
Poe
It [the Ourang-Outang] was subsequently caught by the owner
himself, Who obtained for it a very large suma the Jardin des
Plantes. (Grifo meu)
Lispector
O orangotango foi capturado. Pelo próprio dono, que o vendeu ao
Jardim, obtendo uma ótima quantia. (Grifo meu)
Considerações finais
Na análise desses poucos exemplos, percebe-se que Clarice procura
adaptar o texto traduzido à língua de chegada. Ela se mostra uma tradutora
preocupada em se manter fiel ao autor do texto original, como ela afirma na
crônica Traduzir procurando não trair: “sem falar na necessária fidelidade
ao texto do autor”.
Lispector procurou manter uma coerência com o texto original,
embora suprimindo algumas passagens que talvez fossem motivo de
abandono da leitura. Venuti (2002, p. 61) afirma que “a língua é um
contínuo de dialetos, registros, estilos e discursos, dispostos numa
hierarquia, e desenvolvendo-se em diferentes velocidades e de diferentes
maneiras”. Clarice preocupou-se em manter o registro da língua menor, no
caso, o português.
272
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Pela análise, infere-se que os textos não sofreram empobrecimento,
pois mantiveram o sentido do texto original, conservando a tradutora a
ironia que se percebe em Edgar Allan Poe.
Referências
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País das Maravilhas, de Lewis Carrol, e Kim, de Rudyard Kipling. São Paulo: Editora
UNESP, 2005. 239 p.
CONY, Carlos Heitor. As adaptações dos clássicos e a voz do Senhor. Disponível em
<http://www.scipione.com.br/educa/artigos/artigo14/art14.htm> Acesso
em 4 de dezembro de 2008.
BASTIN, Georges L. Adaptation. Tradução ddo espanhol dde Mark Gregson. In: BAKER,
Mona (edit.) Routledge Encyclopedia of Translation Studies. New York: Routledge, 2001. p.
5-8.
BERMAN, Antoine. A tradução e a letra: ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie
Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan, Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras/PGET,
2007. 144 p.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil/juvenil: das origens
indo-européias ao Brasil contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Ática, 1991. 285 p.
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Brasília: Editora Universidade de Brasília: Finatec, 2007. 306 p.
___. Entre espelhos e interferências: a problemática da tradução para Clarice Lispector.
Disponível em <http://www.fflch.usp.br/dlcv/posgraduacao/eclpdf/viao7/via07_04pdf>
Acesso em 5 de setembro de 2008.
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: história&histórias.
6. ed. São Paulo: Ática, 1999. 188 p.
LISPECTOR, Clarice. O mistério do coelho pensante. Ilustrações de Mariana Massarani. 1.
ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
___. A mulher que matou os peixes. Ilustrações de Flor Opazo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
___. A vida íntima de Laura. Ilustrações de Flor Opazo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
___. Quase de verdade. Ilustrações de Mariana Massarani. 1. ed. Rio de Janeiro: Rocco,
1999.
___. Como nasceram as estrelas. Ilustrações de Fernando Lopes. Rio de Janeiro: Rocco,
1999.
POE, Edgar Allan. Great Tales and Poems of Edgar Allan Poe. 43rd printing. New York:
Washington Square Press, 1968. p. 102-41.
273
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
___. Histórias extraordinárias de Allan Poe. Tradução e adaptação de Clarice Lispector. 9.
Ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. p. 53-72.
RIBEIRO, Francisco Aurélio. A literatura infanto-juvenil de Clarice Lispector. Vitória:
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RÓNAI, Paulo. A tradução vivida. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. 210 p.
VENUTI, Lawrence. Escândalos da Tradução: por uma ética da diferença. Tradução
Laureano Pelegrin et al. Revisão técnica: Stella Tagnin. Bauru, SP: EDUSC, 2002. 396p.
274
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A TRADUÇÃO DO DIALETO DO PERSONAGEM HAGRID EM
HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL PARA O PORTUGUÊS
BRASILEIRO: UM OLHAR PARA O PÚBLICO LEITOR.
Caroline Reis Vieira Santos
PGET/UFSC
Lincoln Paulo Fernandes
PGET/UFSC; UEL
Este estudo desenvolveu-se a partir da dissertação de Caroline Reis
Vieira Santos, ainda em andamento, intitulada A tradução do dialeto do
personagem Hagrid para o português brasileiro e o português europeu no
livro ‘Harry Potter e a Pedra Filosofal’: um estudo baseado em corpus.
Esse estudo investiga os “padrões de comportamento linguístico
preferenciais ou recorrentes em contraposição a exemplos de intervenções
individuais ou únicas.” (2000, p. 245, tradução nossa), ou seja, estuda,
usando método de corpus, o modo como duas tradutoras lidaram com a
questão da tradução dialetal dentro de uma obra, para um público leitor
específico, em dois países diferentes. Essa pesquisa pode auxiliar,
futuramente, tradutores e pesquisadores que se depararem com o dialeto
dentro da Literatura Infanto-Juvenil (LIJ) a ser traduzida.
Neste artigo, mais especificamente, o foco está nas questões que
influenciam esses “padrões linguísticos preferenciais ou recorrentes” (op.
cit.) do tradutor, principalmente no que diz respeito ao público leitor
infanto-juvenil, levando em consideração os seguintes quesitos: (i) a
leiturabilidade, (ii) o mercado editorial, (iii) a censura por parte da
instituição escolar e das escolas; e (iv) as condições de trabalho do tradutor.
Para abordar a questão da leiturabilidade, apoiar-me-ei em
Puurtineen (1998), a qual define a leiturabilidade como “facilidade de
leitura ou entendimento determinado por dificuldade linguística, [o qual] é
um aspecto da compreensibilidade” e que é fundamental para o público
leitor, já que uma má experiência de leitura pode gerar rejeição e obstáculo
no desenvolvimento das competências de leitura.
Para tratar do mercado editorial e das condições de trabalho dos
tradutores, apoiar-me-ei em um estudo feito por Milton (2002), no qual ele
apresenta os resultados de uma pesquisa anterior feita por ele (MILTON,
1994) a qual mostra, que na tradução de romances clássicos, – e é claro que
275
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
neste caso ele trata da literatura adulta clássica, cujo status é bastante
diferenciado do da LIJ por uma série de questões que colocarei adiante na
seção 1, mas nos serve de base para verificarmos o que acontece no Brasil
em relação à tradução de dialetos – “nunca foram utilizados falares de
baixo padrão ou gírias” (Id., 2002, p. 50). Após a constatação desse
apagamento ou padronização (KLINGBERG, 1986), Milton levanta uma
série de motivos possíveis que justificariam essa decisão de não traduzir
linguagem marcada, os quais serão discutidos em pormenores na seção 2.
Apontar-se-á também, na seção 3, a influência do mercado editorial
brasileiro e as instituições escolar e familiar e nas traduções de dialetos ou
variantes não-padrão realizadas de obras de LIJ.
Para finalizar, faz-se um apanhado geral dos resultados encontrados
no corpus do que foi verificado por Milton (2002) no contexto brasileiro e
por Klingberg (1986) no contexto da LIJ traduzida apontado para os fatores
que influenciam a tradução do dialeto.
1 A LIJ traduzida no brasil
Falar em Literatura para jovens e crianças no Brasil já traz uma
problemática inicial: que nome dar a esse tipo de literatura? Neste sentido,
não há muito o que se buscar em teorias estrangeiras, visto que o problema
inicial é posto pela própria língua portuguesa. Para tentar dar uma definição
que sirva a este trabalho, me aproprio das palavras de Coelho (2006,) na
introdução de seu Dicionário Crítico da Literatura Infantil e Juvenil
Brasileira:
[...] usaremos o rótulo geral Literatura Infantil ou Infantil/Juvenil (LIJ)
para indicar tanto os livros infantis (destinados a pré-leitores, leitores
iniciantes e leitores em processo), como os Infanto-Juvenis (para os
leitores fluentes) e os Juvenis (para leitores críticos) [...] Todos que
lidam com essa literatura não-adulta conhecem as dificuldades de se
encontrar um termo abrangente que não falseie a matéria por ele
nomeada.
Ainda que os termos adotados pela pesquisadora não resolvam todo
o problema, eles propõe uma definição clara para seus propósitos.
Segundo Wyler (apud BARBOSA, 2005, p. 8), em 2004 entre 60 e
80% dos livros publicados no Brasil eram traduções. Embora essa
informação já esteja um pouco defasada em função do tempo, ela nos dá
276
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
uma idéia do número de traduções lidas por brasileiros, incluindo, claro, as
crianças e jovens. Consoante Barbosa (2005, p. 9), em uma pesquisa feita
nas listas de livros mais vendidos de veículos de comunicação nacional
(revistas e jornais), o jornal O Globo “[...] incluía uma última categoria [nas
categorias de livros mais vendidos no ano de 2005], a de literatura infantil,
na qual citava três livros estrangeiros contra um brasileiro.” Como se pode
observar, a maioria da literatura que chega às mãos das crianças e jovens do
país, passa antes pelas mãos de um tradutor.
O grande primeiro escritor e tradutor brasileiro de LIJ foi Monteiro
Lobato, por isso, dos 11 trabalhos, entre mestrados e doutorados, realizados
no Brasil sobre LIJ, 4 são sobre as obras de Lobato, ou seja, 30% do total
(SANTOS; FERNANDES; VASCONCELLOS, no prelo). Como o número
de trabalhos desenvolvidos na área ainda não é muito representativo, essa
porcentagem dá uma idéia da importância de Lobato do desenvolvimento
da LIJ: como autor mais representativo, evidentemente os primeiros
trabalhos são sobre sua obra.
Após esse panorama da situação da LIJ traduzida no Brasil,
passemos agora às características desse tipo de literatura que se relacionam
a seu público leitor.
2 A LIJ e o público leitor infanto-juvenil
Embora muita da literatura infanto-juvenil publicada no Brasil seja
traduzida, quase não se dedicam estudos a esse tipo de literatura. Segundo
Santos et. al. (no prelo), há somente 11 trabalhos entre dissertações e teses
já realizados no país que cubram a interface entre a LIJ e os Estudos da
tradução (ET). Puurtinen (1998, p. 525, tradução nossa) apresenta uma
explicação para essa escassez de trabalhos na área e levanta as funções e a
importância das pesquisas sobre essa literatura
A literatura infanto-juvenil81 geralmente é vista como um objeto de
estudo periférico e não interessante apesar de seu papel multifacetado
como instrumento educacional, social e ideológico. Além de ser uma
oferecer entretenimento e ser uma ferramenta para o desenvolvimento
81
Em inglês o termo é children’s literature, mas em nossa tradução resolvemos adotar o
termo literatura infanto-juvenil para ser coerente com o resto do trabalho, que adota o termo
literatura infanto-juvenil.
277
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
das habilidades de leituras das crianças, ela também é um importante
veículo de conhecimento de mundo, ideias, valores e comportamento
aceitável. Didatismo é sempre mais ou menos discernível, implícita ou
explicitamente, nos livros de literatura infanto-juvenil. Esse princípio de
didatismo, de “utilidade” para a criança é complementado ou, às vezes,
contrabalanceado pela exigência da compreensibilidade: tanto a língua
quanto o conteúdo dos livros infanto-juvenis são ajustados para a
compreensão e habilidades de leitura dos leitores. Quando livros infantojuvenis são traduzidos, talvez seja necessário fazer vários ajustes com
intuito de aderir às noções do que é bom e apropriado para crianças,
assim como o que é considerado de nível apropriado de dificuldade em
determinada cultura alvo.82
Como a autora constata, a LIJ é um importante elemento no
desenvolvimento da criança e do jovem tanto no que diz respeito a sua
formação escolar como cidadão crítico, quanto na sua socialização através
das ideologias e condutas sociais veiculadas através dos livros, por isso a
tradução desses textos precisa passar por vários ajustes, porque as regras de
conduta de uma cultura fonte não são as mesmas que a cultura alvo.
Além de levantar o papel da LIJ e discutir a sua tradução, Puurtinen
(Id., Ibid, p. 525, tradução nossa) aponta um questão de ordem prática e
linguística ao qual ela chama de leiturabilidade e proferibilidade83:
Leiturabilidade, ou facilidade de leitura e compreensão determinado pela
dificuldade linguística, é um dos aspectos da compreensibilidade.
Resumidamente, o conceito também compreende a proferibilidade (o
termo de Snell-Hornby 1998: 35), isto é, a adequação de um texto para
ser lido em voz alta de forma fluente, a qual é uma das qualidades mais
82
Children’s literature is generally seen as a peripheral and uninteresting object of study
despite the manifold role it plays as an educational, social and ideological instrument. Apart
from being entertainment and a tool for developing children’s reading skills, it is also an
important conveyor of world knowledge, ideas, values, and accepted behavior. Didacticism
is always more or less discernible, explicitly or implicitly, in children’s books. This
principle of didacticism, of “usefulness” to the child, is complemented or sometimes
counteracted by the requirement of comprehensibility: both the language and the content of
children’s books are adjusted to readers’ comprehension and reading abilities. When
children’s books translated, it may be necessary to make various adjustments in order to
adhere to the notions of what is good and appropriate for children, as well as what is
considered the suitable level of difficulty in a given target culture.
83
O termo em original é ‘speakability’, para o qual achei em português uma tradução ainda
não satisfatória, mas útil para o propósito deste texto: proferibilidade, que significa
“pronunciável”.
278
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
importantes dos livros infanto-juvenis como livros infanto-juvenis são
lidos em voz alta não somente por adultos, mas também pelas próprias
crianças.
Como se pode ver, dois fatores, entre outros, são de importância
crucial quando se traduz para o público leitor infanto-juvenil: (i) a
leiturabilidade e (ii) a proferibilidade. Essas duas características podem ser
realizadas pelas características apontadas Haunt (1991 apud RUDVIN;
ORLIATI, 2006, p. 162-163, tradução nossa), mesmo que elas sejam de
alguma forma generalistas e não possam ser aplicadas e qualquer obra de
LIJ:
no que concerne à linguagem e à estrutura, [a literatura infanto-juvenil]
pode ser sumarizada da seguinte forma: orientação infanto-juvenil;
simplicidade; estrutura fácil; uma pequena variedade de padrões
gramaticais e lexicais; léxico e registro simples; frases padrões, palavras
do dia-a-dia; repetições; textos e sentenças curtos.84
Essas características levantadas pelo autor garantem que o público
leitor consiga acompanhar o texto através de estruturas que ele domina, já
que ele se encontra na fase de desenvolvimento (mais ou menos avançada)
das habilidades de leitura. Se forem utilizadas estruturas sintáticas ou
vocábulos que não possibilitem o acesso do leitor ao texto, além de não
compreender o texto, o indivíduo pode criar rejeição à leitura.
3 A tradução de um dialeto e o mercado editorial
Para fins da pesquisa que dará origem à dissertação de Santos (no
prelo), assim como para este artigo, será considerado dialeto a variante que
[...] você fala porque você ‘pertence a’ (vem de um lugar ou escolheu
deslocar-se até ele) a uma determinada região, classe social, casta,
85
geração, faixa etária, gênero ou outro grupo relevante dentro de uma
comunidade. (Nem todas essas características são relevantes em
84
for what concerns language and structure, could be summarized as follows: childorientedness, simplicity, easy structure, a narrow range of grammatical and lexical patterns,
repetitions, short texts and sentences (see Hunt 1991:62).
85
Gênero aqui se refere a ‘masculino’ e ‘feminino’.
279
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
qualquer época ou lugar, mas a combinação delas pode ser. [...]
(HALLIDAY, 1989, p. 44)
86
Segundo Halliday (1978, p. 225, tradução nossa) as seguintes
características são sugeridas como categorias dialetais.
Tabela 3 – Categorias sugeridas da diferenciação da variação dialetal baseado no quadro
proposto por Halliday (1978, p. 225).
Variações dialetais: a reflexão linguística das características do
usuário nos eventos linguísticos.
Sobre a falsa crença de que um dialeto é uma forma “errada”, não
legítima da língua, Trudgill (1999, p. 4, tradução nossa) reinforça que
É importante, também, não confundir a questão de inglês 87 padrão
versus dialetos não-padrão com a questão da língua formal versus a
informal. Todos os dialetos podem ser falados em um estilo mais ou
menos formal, dependendo da natureza da situação. 88
86
you speak because you ‘belong to’ (come from, or have chosen to move into) a particular
region, social class, caste, generation, age group, sex group, or other relevant group within
the community. (Not all of these are relevant at any one time or place: but the combination
of them may be.) [...]
87
O autor aqui fala da língua inglesa, mas sua afirmação pode ser feita a respeito de
qualquer língua, inclusive a portuguesa.
88
It is important, too, not to confuse the issue of Standard English versus Nonstandard
Dialects with the issue of formal versus informal language. All dialects can be spoken in less
or more formal styles, depending on the nature of the situation.
280
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Mais adiante o mesmo autor ainda declara que “Parece-se acreditar
que, de fato, o inglês padrão é a língua inglesa, e que todos os outros
dialetos são de alguma forma desvios ou corrupções do inglês padrão.89“
(Id. Ibid., p. 13, tradução nossa, grifo do autor), mas esclarece que essa é
uma crença equivocada, que o dialeto nada mais é que uma outra variante,
diferente da padrão.
Tendo esclarecido o conceito de dialeto que guia este trabalho,
passemos, a seguir, no que foi encontrado nos trabalhos de John Milton
(2002) a respeito da literatura adulta no Brasil, e o que foi encontrado no
estudo pioneiro de Klingberg (1986) sobre a tradução de dialetos na
literatura infanto-juvenil.
O professor John Milton publicou em 2002 um livro baseado em
sua tese de livre docência denominado O Clube do Livro e a Tradução.
Nesse livro, ele analisa o impacto do Clube do Livro e de suas traduções na
literatura brasileira. Nessa análise ele abre um tópico denominado ‘Tempos
Difíceis: a tradução de dialeto’, no qual ele constata, a partir de uma
pesquisa anterior, de 1994, que nas traduções dos romances clássicos do
inglês para o português nunca foram utilizados falares de baixo padrão ou
gírias.90 (MILTON, 2002, p. 51). A partir dessa constatação ele levanta a
questão do porque da não tradução de um dialeto:
Em primeiro lugar, há a razão “essencialista”, “platônica”, para a qual o
dialeto é de somenos importância, importando o que diz a personagem e
não como diz. [...] A segunda razão, relacionada com a primeira, é
apresentar-se a gíria como algo errado “errado”, e o seu uso não deveria
ser permitido para que não se manchasse as páginas de um romance
clássico. [...] Quanto menor for o uso da gíria, mais bem considerado o
autor será. Podemos indicar aqui razões especificamente brasileiras para
isso, como uma ressaca provocada pelo domínio cultural francês sobre a
cultura brasileira até a Segunda Guerra. [...] Podemos enunciar adiante
outras razões especificamente brasileiras. Primeiro, um desenvolvimento
tardio dos estudos acerca dos dialetos e formas de baixo padrão no
Brasil. Não existe uma tradição de romances de proletariado em
português [...] Além disso, a visão conservadora por parte de uma classe
89
They seem to believe, in fact, that Standard English is the English language, and that all
others dialects are in some way deviations from or corruptions of Standard English.
90
Aqui gostaríamos de abrir um parêntese, visto que não concordamos que um dialeto seria
uma falar de baixo padrão, ele se constitui apenas em uma variante diferente da padrão e
que, por questões sociais, não recebe o mesmo valor que a variante padrão.
281
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
média predominante, tanto política quanto economicamente, reflete-se
em um comércio de livros bastante conservador [...] Romances clássicos
em tradução podem fazer parte de um circuito internacional, com
grandes tiragens e altos lucros, cuja prioridade é dada à linguagem
correta. Miryam DuNour mostra que esse foi um elemento muito
importante para os editores de literatura infantil em Israel (Du-Nour, p.
339). Michael Cronin aponta a importância da tradução para educadores
na Irlanda no final do século 19 e início do 20, já que para as autoridades
católicas ela podia ser uma força tanto de edificação como de corrupção
(Cronin, p. 146) [...] Entre outras circunstâncias, bem diferentes,
encontramos certa tendência à normalização. [...] Creio que as normas
culturais e editoriais cumprem um grande papel na aceitação ou não no
uso de dialeto na tradução. Na Alemanha, espera-se que os tradutores de
romances encontrem uma linguagem equivalente. No Brasil, não. Se eles
o fazem, podem esbarrar na possibilidade de o editor não permitir que
ela passe. [...] Sou levado a acreditar, também, que muitos tradutores de
romances, pelo menos no Brasil, onde são pagos por tarefa, teriam pouca
motivação para buscar tais inovações. Se observamos alguns ganhadores
de prêmio de tradução, poderemos ver que muitas dessas traduções
foram feitas em condições não comerciais. (MILTON, 2002, p. 54, 55,
56, 57, 59, sic)
A pesquisa de Milton (Ibid.) levou em consideração romances
clássicos de literatura adulta no Brasil, mas o autor cita Du-Nour no
contexto da LIJ em Israel. Embora os contextos tanto da literatura adulta
brasileira e da LIJ em Israel não sejam exatamente o da tradução de LIJ no
Brasil, podemos ter uma noção de como os tradutores de LIJ se comportam,
a partir do relato de Milton (Ibid.) em relação à tradução de dialetos nesse
tipo de literatura.
Klingberg faz um estudo mais detalhado em 1986 no contexto
sueco em um trabalho pioneiro que investigando da LIJ traduzida intitulado
Children’s Literature in the Hands of Translators. O autor constatou que
Há duas opiniões sobre como lidar com dialeto quando traduzimos. Uma
defende que, devido às dificuldades, um dialeto não deveria ser
traduzido como um dialeto da língua alvo. A outra opinião enfatiza a
função de um dialeto em um texto fonte e quer que isso seja preservado
de alguma forma91. Se ficar claro que a história se passa em um país
91
There are two opinions on how to handle dialect when translating. One holds that, because
of the difficulties, a dialect should not be translated as a dialect of the source language. The
other opinion emphasizes the function of a dialect in a source text and wants it to be
preserved in some way. If it is clear that the scene is set in a foreign country the use of a
282
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
estrangeiro, o uso de um dialeto discernível como pertencente à língua
alvo talvez dê à história um efeito irrealista. Essa talvez seja a razão
porque geralmente o que encontrei nos materiais examinados por mim
foi que os dialetos foram substituídos por uma variante padrão da língua.
(KLINGBERG, 1986, p. 71, tradução nossa, grifo nosso).
O que Klingberg encontrou em sua pesquisa vai ao encontro do que
foi verificado nas traduções para o português brasileiro e europeu do dialeto
do personagem Hagrid em Harry Potter e a Pedra Filosofal. Ambas as
tradutoras traduziram o dialeto por uma linguagem não marcada, por uma
variante padrão da língua. É interessante notar que Klingberg aborda as
dificuldades envolvidas na tradução de um dialeto, porém, ele não deixa
claro a quem essas dificuldades se dirigem: se são aos tradutores, ao
público leitor ou a ambos. Em uma análise mais profunda, a tradução do
dialeto se constitui em um desafio ao tradutor, que, por um lado precisa
transmitir marcas sócio-culturais importantes do personagem através de sua
fala e, por outro, precisa ter em mente que não há como traduzir referentes
não existentes na língua de chegada. Hatim e Manson (1990, p. 4, tradução
nossa) levantam a problemática da tradução de um dialeto da seguinte
forma:
Como produtores e diretores, tradutores precisam estar constantemente
alertas às implicações sociais de suas decisões. A representação em uma
língua fonte de um dialeto em particular cria um problema inevitável:
92
qual dialeto da língua de chegada usar?
Há também as dificuldades de leitura do público leitor que se
encontra em fase escolar e que se esforça para aprender a língua padrão
escrita. A censura a qualquer tipo de escrita não padrão é causado, muito
provavelmente, pelo receio por parte da escola e dos pais de que ao ver a
representação escrita de um dialeto, as crianças e jovens tenham seu
desempenho comprometido no desenvolvimento da variante padrão.
dialect discernible as one of the dialects of a target language may give an unrealistic effect.
This may be the reason why usual findings in the material examined by me was that dialect
have been replaced by standard language.
92
Like producers and directors, translators have to be constantly alert to the social
implications of their decisions. The representation in a ST of a particular dialect creates an
inescapable problem: which TL dialect to use?
283
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
4 A tradução do dialeto de Hagrid: análise e discussão de dados
Para realizar a análise da fala do personagem Hagrid em Harry
Potter e a Pedra Filosofal, observou-se os três textos – o de partida e as
duas traduções – e a partir disso foi elaborada uma lista de características
da oralidade que figuravam nos dois textos de chegada e, posteriormente,
foi levantado o número de ocorrências de cada recurso utilizado e somado o
total de ocorrências para verificar o número total de termos que manifestam
o dialeto no original e a oralidade em cada tradução. A partir desse
levantamento numérico, poder-se-á corroborar ou refutar uma análise
inicial em que a tradução brasileira é a que apresenta menos características
típicas da transposição da variante oral para o meio escrito se contrastada
com a tradução portuguesa e o original.
A partir dessa análise inicial foram levantados os seguintes
fenômenos: 93
Usando o subcorpus paralelo bilíngue de pequena-média dimensão
do corpus PEPCo (Portuguese-English Parallel Corpus) (FERNANDES,
BARTHOLAMEI, 2009) foi feita uma contagem de marcas de oralidade
93
Por falta de espaço, as definições de cada um dos fenômenos não foram incluídas.
284
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
apenas para subsidiar a abordagem qualitativa deste trabalho visto que um
dialeto não se compõe apenas de marcas linguísticas, mas também possui
componentes sociais intrínsecos a si.
O texto fonte foi o que apresentou marcas dialetais, como era de se
esperar: foram 524 marcas dentre as quais a que apresentou maior número
de ocorrências foi a troca de ‘your’ por ‘yer’ (com 230 ocorrências; 43%);
O texto alvo em português europeu foi o que apresentou o segundo
maior número de ocorrências: 398 (que representa 76% do número de
ocorrências em inglês) com a predominância do fenômeno de aglutinação
(com 122 ocorrências; 30,6%);
O texto alvo em português brasileiro foi o que apresentou mais
padronização: apenas 103 marcas de oralidade (que representa 24% do
número de ocorrências em inglês) com predominância do recurso de
expressões orais (apenas 32 ocorrências; 31%).
Como era de se esperar, a maior marcação de dialeto é feito no
original; logo em seguida o maior índice de marcação de oralidade em
detrimento de marcação dialetal feita pela tradução europeia, e, por último,
aparece a marcação de oralidade feita pela tradutora brasileira. Essa maior
ou menor grau de marcação de oralidade está estreitamente relacionado,
pelo menos no Brasil, ao que foi mostrado por Milton (2002): às
expectativas do público da cultura-alvo, às censuras do editores e das
instituições escolar e familiar, às condições de trabalho dos tradutores e às
necessidades do público leitor específico (leiturabilidade e preferibilidade).
No Brasil, como já foi visto na seção 3, há uma tendência à tradução de
dialetos por uma variante padrão.
Como a pesquisa que subsidia este trabalho ainda se encontra em
fase de desenvolvimento, estes são apenas os resultados iniciais obtidos,
que ainda precisam ser bastante refinados, bem como as categorias de
análise.
O que este trabalho propôs foi apenas delineamento as dificuldades
que podem ser encontradas pelo tradutor quando esse se depara com um
dialeto na LIJ a ser traduzida, principalmente no que diz respeito ao público
leitor. O tradutor não só pode, mas tem como obrigação garantir que seu
público leitor tenha acesso ao texto traduzido, caso contrário a tradução
perde seu propósito. Embora muitas vezes o tradutor não tenha total
liberdade de traduzir o texto como considera mais apropriado e nem tenha
sempre tempo hábil para chegar a uma solução que ele considere
satisfatória, muitas de suas escolhas, como o apagamento de um dialeto, é
285
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
consciente. Essas escolhas conscientes são algumas vezes entendidas como
“erros” ou “falta de criatividade”. O trecho abaixo, retirado do estudo de
Jentsch (2006) sobre as traduções dos livros da série Harry Potter para o
alemão, espanhol e francês, exemplifica essa má interpretação da escolha
do tradutor como uma “defasagem” do texto de partida.
Infelizmente, nenhum dos tradutores neste estudo escolheu traduzir essa
fala [a fala de Hagrid] como nada além do vocabulário e sintaxe
normais. Talvez os tradutores estivessem preocupados que ao usar um
dialeto particular para o personagem Hagrid talvez fosse desprestigioso
para os falantes daquele dialeto, como o dialeto de Hagrid é obviamente
aquele de uma pessoa menos letrada e culta. No intuito de desenvolver o
personagem, e também de garantir a jocosidade, no entanto, os
tradutores certamente poderiam ter chegado a uma solução inofensiva.94
(JENTSCH, 2006, p. 195, tradução nossa, grifo nosso).
Não há escolhas “inofensivas” nem simples, quando se fala em
tradução há sempre perdas e ganhos. Se o tradutor perde na tradução do
dialeto por um lado, por outro, ele evita que a tradução do dialeto da língua
de partida por outro na língua de chegada gere um efeito indesejado pelo
autor. No caso de Hagrid, a tentativa de traduzir seu dialeto por outro rural
brasileiro, por exemplo, poderia gerar o efeito indesejado do riso.
5 Considerações finais
Como não há nenhum trabalho o qual trate especificamente da
tradução de dialetos dentro da LIJ, a discussão foi iniciada por uma
abordagem mais ampla do assunto, partindo do estudo que John Milton fez
no Brasil sobre a literatura romântica clássica e chegando ao estudo mais
específico feito por Klingberg no contexto sueco.
O que se nota é que há uma tendência à padronização do dialeto
(KLINGBERG, 1986), ou seja, da tradução de um dialeto por uma variante
94
Unfortunately, none of the translators in this study has chosen to render his speech with
anything but normal vocabulary and syntax. Perhaps the translators were concerned that
using a particular dialect for the character of Hagrid would be demeaning to the speakers of
that dialect, as Hagrid’s speech is obviously that of a less-educated and uncultured person.
In the interest of character development and also of playfulness, though, the translators
surely could have come up with and inoffensive solution.
286
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
padrão da língua. Na tradução do dialeto do personagem Hagrid, verificouse que o padrão preferencial da tradutora do português europeu é dar uma
maior ênfase à marcação da oralidade em relação à tradutora brasileira, mas
nenhuma delas opta por uma marcação dialetal expressiva em suas
respectivas traduções, indo ao encontro do que foi verificado por Klingberg
em 1986 nos textos traduzidos de LIJ e por Milton, no Brasil, em 1994.
Vale ainda lembrar que o proposto aqui é apenas um estudo
de caso, de pequenas proporções e que muito ainda há de ser feito
não só nos Estudos da Tradução, mas principalmente nos Estudos da
Tradução em Literatura Infanto-Juvenil, pois a maioria das obras
lidas por crianças e jovens brasileiros lêem é traduzida, e essa
literatura ainda como sua tradução não recebe um status de literatura
séria, visto que ainda há muitas pessoas que julgam a LIJ do
paradigma da literatura adulta.
Referências
BARBOSA, H. G. Tradução, Mercado e Profissão no Brasil. [S.l.] Confluências, n. 3, p. 624., nov. 2005.
COELHO, N. N. Dicionário Crítico da Literatura Infantil e Juvenil Brasileira. São Paulo:
Nacional, 2006.
HATIM, B.; MANSON, I. Discourse and the Translator. London: Longman, 1990.
JENTSCH, N. K. Harry Potter and the Tower of Babel: Translating the Magic. In:
LATHEY, G. (ed.) The Translation of Children’s Literature: A Reader. Clevedon:
Multilingual Matters, 2006, p. 190-207. (Topics in Translation, n. 31. Bassnett, S.; Gentzler,
E. (eds.)).
KLINGBERG, G. Children’s Fiction in the Hands of Translators. Blooms Boktyekeri: Lund,
1986.
MILTON, John. O Clube do Livro e a Tradução. Bauru: EDUSC, 2002.188p. ISBN857460-053-9.
PUURTINEN, T. Syntax, Readability and Ideology in Children’s Literature. META.
Montréal, v.43, n.4, p. 524-533, 1998.
RUDVIN, M.; ORLATI, F. Dual Redearship and Hidden Subtexts in Children’s Literature:
The Case of Slama Rushdie’s ‘Haroun and the Sea of Stories’.. In: VAN COILLIE, J.;
VERSCHUEREN, W. P. Children’s Literature in Translation: Challengies and Strategies.
Mancherster: St. Jerome, 2006.
287
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
SANTOS, C. R. V.; FERNANDES, L.; VASCONCELLOS, M. L. B. de. Os Estudos da
Tradução no Brasil e a Literatura Infanto-Juvenil: um breve levantamento das pesquisas
realizadas entre os anos de 1990 e 2007. (no prelo)
TRUDGILL, p. The Dialects of England. 2ª ed. Massachusetts: Blackwell, 1999.
288
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
INTERTEXTUALIDADES NO ROMANCE INFANTO-JUVENIL DE
CORNELIA FUNKE
Adriana Maximino dos Santos 95
UFSC
[email protected]
Introdução
Na produção do livro infanto-juvenil, de acordo com Fernandes
(2004), tanto o escritor quanto o tradutor levam em conta que sua escritura
deve passar pelo crivo dos adultos. Desta forma, este tipo de obra tem dois
leitores e “se direciona à criança, mas sempre e sem exceção, a literatura
infanto-juvenil tem um destinatário adicional – o adulto, que funciona tanto
como um destinatário passivo ou ativo de textos escritos para crianças96,
segundo Shavit (1999, p. 83). A autora nomeia este fenômeno como
ambivalência textual e Fernandes (2004) duplicidade de leitor.
Além de autoridade, o adulto pode se situar como um segundo
leitor de alguns livros que têm sido denominados também como literatura
de toda a idade, por exemplo, a série de Harry Potter de J. K. Rowling. Para
Kümmerling-Meibauer (2008) este evento constitui uma tendência da
literatura infanto-juvenil alemã contemporânea. Segundo ela, o
crosswriting, outra denominação para o este fato, ocorre quando o autor
escreve suas obras direcionadas simultaneamente para dois públicos alvos:
a criança/adolescente e o adulto, Disto resulta, que estas obras apresentam
recursos literários característicos da literatura adulta, como a
intertextualidade.
Entretanto, há uma carência de estudos sobre este assunto, inclusive
em relação às suas implicações na tradução. Dentro desta perspectiva, este
estudo visa examinar as ocorrências intertextuais e paratextuais em
Tintenherz e a tradução brasileira Coração de Tinta. A trilogia de Cornelia
95
Este artigo fundamenta-se na minha dissertação de mestrado em Estudos da Tradução
realizada sob a orientação do Prof. Dr. Werner Heidermann e co-orientação Prof. Dr.
Lincoln Fernandes.
96
“By definition, children’s literature addresses children, but always and without exception,
children’s literature has an additional addressee – the adult, who functions as either a
passive or an active addressee of texts written for children”.
289
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Funke se encaixa nessa linha de livros, no qual o crosswriting se manifesta
não apenas nos temas abordados, mas também nos recursos estilísticos
expressos pelos mecanismos intertextuais.
O mundo intertextual de Cornelia Funke
Cornelia Funke é a escritora/ilustradora de literatura infanto-juvenil
atualmente mais conhecida na Alemanha. Além de vários prêmios, ela
obteve internacionalmente o status de uma das pessoas mais influentes do
mundo de 2004 pela revista Time, em 200597.
As obras que consolidaram o êxito da autora fazem parte de uma
trilogia best-seller, composta por Coração de Tinta (2003), Sangue de Tinta
(2005) e Morte de Tinta (2007)98. Os romances obtiveram uma venda de
milhões de exemplares, o que culminou no filme, Coração de Tinta: o livro
mágico, lançado mundialmente em dezembro de 2008.
Tintenherz foi publicado em aproximadamente quarenta línguas e
originou diversas peças de teatro e musicais. No Brasil foi traduzido por
Sonali Bertuol como Coração de Tinta, fomentado pelo Instituto Goethe de
São Paulo e publicado pela Companhia das Letras em 2006.
O romance apresenta-se pela perspectiva de um narrador
onisciente, e ocorre em época contemporânea. A história conta sobre um
restaurador de livros, Mortimer que traz para a vida real os personagens das
obras literárias por meio de sua leitura. Ao ler um livro chamado Coração
de Tinta, Mortimer, permite involuntariamente que o vilão Capricórnio e
seus capangas e Dedo Empoeirado, um saltimbanco, venham para a
realidade. Capricórnio, já adaptado à vida atual, deseja que Mortimer leia
novamente o mesmo livro para trazer uma criatura ainda mais malévola e
para isto realiza uma perseguição ao restaurador, sua filha Meggie e a tia
Elinor. Em uma de suas leituras aparece Farid dos contos Mil e Uma
Noites. Eles procuram o autor do livro, Fenoglio, que ajuda Meggie e
Mortimer a destruir o vilão.
97
FUNKE, C. Die einflußreichste Deutsche der Welt. Entrevista de Cornelia Funke
concedida ao jornal Die Welt on line. 2005. Disponível em: <http://www.welt.de/printwelt/article661155/Die_einflussreichste_Deutsche_der_Welt.html. Acesso em: 20.02.2007.
98
Tintenherz – publicada em 2003 e Tintenblut e Tintentod, obras fomentadas pelo GoetheInstitut
a
serem
publicadas
pela
Companhia
das
Letras.
Disponível:
http://www.goethe.de/ins/br/sap/wis/uef/ufb/ptindex.htm. Acesso: 16. mar. 2009.
290
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Por trás dos conflitos entre os personagens, é possível identificar
que a autora discute temas adultos, como herança genética x
condicionamento mimético: Meggie passa a ter os mesmos poderes do pai e
Farid passa a ter habilidades de um saltimbanco. A relação entre o
analfabetismo e a resignação ao domínio dos oprimentes é mostrada através
da obediência dos homens de Capricórnio que não sabiam ler nem escrever,
e da rebeldia de Dedo Empoeirado após alfabetizado. Ela expõe ainda a
força do medo e da coesão exercida por pessoas, como Capricórnio, pelo
uso que faz das palavras, análogo aos ditadores.
Com efeito, Funke mescla a realidade com acontecimentos
fantásticos, dosando a fantasia, de modo que a história fique entre os dois
planos, o do mundo real e do mundo imaginário. O primeiro é onde vivem
os personagens reais, com problemas verdadeiros, e o segundo, ficcional, é
o mundo do livro Coração de Tinta. Podemos concluir que são questões
reais discutidas em um mundo fantástico. Ao mesmo tempo em que autora
leva a criança/adolescente a uma aventura, ela discute temas mais
profundos, possivelmente observados apenas pelos adultos. Todavia é
inegável o caráter pedagógico que se reveste o livro, que advém da
composição imagética, lingüística e gráfica, e principalmente dos
mecanismos intertextuais.
Os aspectos lingüísticos de Tintenherz não acarretaram grandes
problemas de tradução. Entretanto, a acomodação dos elementos gráficos e
visuais causou algumas divergências na obra de Funke, como a inclusão de
figuras repetidas, a exclusão das folhas de guarda e do marcador e a
redução do tamanho da letra, interferindo na construção do sentido e no
estilo da autora. É por meio da observação do tratamento de aspectos
intertextuais na tradução, a saber, que a questão da duplicidade de leitor e a
complexidade de um processo tradutório se evidenciam, mostrando a
limitação da atividade do tradutor e a atuação da editora.
Intertextualidade e Tradução
O conceito de intertextualidade foi proposto por Julia Kristeva em
1969 baseado no dialogismo de Bakhtin. A intertextualidade pode ser
entendida em stricto sensu quando “em um texto, está inserido outro texto
(intertexto) anteriormente produzido, que faz parte da memória social de
uma coletividade ou da memória discursiva [...] dos interlocutores”,
conforme explicam Koch, Bentes e Cavalcante (2007, p. 17).
291
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Em um texto, é possível identificar diferentes formas de
intertextualidade devido ao hibridismo textual. Neste artigo, porém,
focaremos apenas os intertextos implícitos e explícitos, bem como os
paratextos, já que eles possuem um grande número ocorrências no corpus
pesquisado.
A intertextualidade explícita ocorre, quando “no próprio texto, é
feita menção à fonte do intertexto”, mencionando o nome do produtor do
intertexto ou usando generalizadores como, “segundo os antigos...” e
“como diz o povo...”, de acordo com Koch, Bentes e Cavalcante (2007, p.
28). Esses são os casos, segundo elas, das citações, das referências e dos
resumos.
Por outro lado, quando há a presença do intertexto, mas a sua fonte
não é declarada, opera-se a intertextualidade implícita. Neste sentido, “os
produtores do texto desejam que o leitor reconheça o texto fonte através de
sua “memória discursiva”, como a alusão literária, conforme explicam
Koch, Bentes e Cavalcante (2007, p. 30).
Já a paratextualidade, na visão de Genette (1997, p. 1), é entendida,
como “[...] aquilo que permite o texto a se tornar um livro e ser oferecido
como tal para seus leitores e, mais genericamente, para o público99. Nesse
sentido, segundo o autor, ela se constitui de toda forma material que
sustenta o livro e se relaciona com ele e pode ocorrer dentro e fora do livro,
como o título, as epígrafes, capas e contracapas, prefácio, posfácios,
entrevistas e cartas.
Alem de questões culturais, a tradução de intertextos e paratextos
podem se chocar com questões jurídicas, como a lei sobre direitos autorais
9.610/98 dispõe sobre o assunto, e, sobretudo os Artigos 27100 e 28101, que
deliberam sobre os direitos morais e patrimoniais do autor. Por
conseguinte, a tradução pode conter citação e referência na cultura alvo,
mas não pode prescindir da fonte. Neste sentido, a editora precisa negociar
os créditos de cada obra citada na obra traduzida e determinar as estratégias
pragmáticas da tradução.
99
“[…] what enables a text to become a book and to be offered as such to its readers and,
more generally, to the public.
100
“Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis”.
101
“Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária,
artística ou científica”.
292
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Dois tipos de decisões envolvem a os procedimentos tradutórios de
intertextos e paratextos: o primeiro concernente à seleção do texto fonte, e
o segundo tange à manipulação textual, de acordo com Osimo (2004),
ambas realizadas em negociação com a editora.
Entre os procedimentos, estão a inserção de recurso metatextual,
como nota de rodapé, a utilização da citação já traduzida, a tradução a partir
do pré-texto, e a tradução a partir do intertexto com a inserção de service
translation.
As análises, apresentadas a seguir, se compuseram da exposição de
excertos paratextuais ou intertextuais, provenientes de uma epígrafe, um
título, e duas alusões literárias. Disponibilizamos ainda informações sobre
o pré-texto e em seguida sobre o texto e análise do procedimento tradutório.
Epígrafes
O livro alemão apresenta sessenta epígrafes provenientes da
literatura infanto-juvenil e da literatura adulta de vários países. As epígrafes
ligam o tema do capítulo com o corpo do texto e funcionam como
sugestões de leitura. Somado a isso, elas dão indícios do que ocorrerá,
sendo uma antecipação que leva o leitor a pressupor os acontecimentos. É
possível afirmar que elas também são uma forma econômica de expressar
descrições de paisagens e caracterizações de personagens e sentimentos,
assim como imprimir um tom de suspense. A editora alemã obteve licença
para a publicação das epígrafes, como está informado nas referências
bibliográficas no final do livro, mas utilizou também obras que estão em
domínio público.
Durante toda a história, Meggie, na maioria das vezes, tenta
encontrar um livro que se assemelhe com a situação em que vive no
momento, a fim de buscar refúgio e também conselhos. Com exceção do
poema de Paul Celan, as epígrafes funcionam como se dialogassem com
Meggie sobre uma situação que está por vir, ressaltando principalmente um
determinado aspecto pertinente ao capítulo.
No livro brasileiro, encontramos a mesma quantidade de epígrafes
com o crédito citado logo abaixo. Todavia, não há nenhuma referência
bibliográfica no final da obra, embora, seja extremamente necessária,
conforme explica Funke, “evidentemente que deve haver uma indicação
das citações no final do livro. Além disso, a editora tem que buscar os
293
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
direitos para tais citações (o que foi muito difícil e laborioso nos livros da
trilogia de Tintenherz).”102.
Peter Pan
Uma destas epígrafes, a história de Peter Pan, criada em 1905,
advém da obra Little White Bird de James Barrie e foi adaptada para teatro
e cinema. Já em domínio público, a ela é conhecida mundialmente, o que
permitiu várias adaptações.
Ich habe keine Mutter, sagte Peter. Er hatte auch nicht die leiseste
Sehnsucht danach.
Er hielt Mütter für sehr überschätzt. (TH103, p. 305)”
— Eu não tenho mãe – disse Peter. E também não sentia a menor falta.
Ele achava que se exagerava muito o valor às mães. (CT, p. 24)
O livro de Peter Pan é utilizado várias vezes como epígrafe e como
citação em Tintenherz. Abrindo o capítulo Um bom lugar para ficar (TH,
Ein guter Platz zum Bleiben), Meggie e Mo estão hospedados em uma casa
antiga de Fenoglio e no fim do dia eles dialogam sobre Resa, mãe de
Meggie. O trecho de Peter Pan está ligado com a parte do texto, no qual o
narrador explicita o que Meggie sentia por crescer sem uma mãe.
Antigamente, ela havia procurado em seus livros uma mãe que combinasse
com ela, mas em seus livros preferidos quase não havia mães (CT, p. 249).
Assim, há uma coincidência entre o fato de estar sem mãe e de não querer
atribuir tanta importância a tal situação.
Acreditamos que a tradução foi norteada pela epígrafe em alemão
pela coincidência de itens lexicais, observada, por exemplo, nos trechos: He
thought them very over-rated persons/Er hielt Mütter für sehr
überschätzt./Ele achava que se exagerava muito o valor às mães. Na frase
em inglês, não aparece o substantivo mãe como ocorre no texto em alemão
e português, mas ela está marcada por them e persons. Assim, é utilizada a
102
„da muss natuerlich ein Zitathinweis am Ende des Buches sein. Ausserdem muss der
Verlag die Rechte fuer ein solches Zitat einholen (was bei den Tintenbuehern sehr schwierig
und aufwendig war)”. E-mail de Cornelia Funke recebido em 09.03.2009.
103
TH refere-se a Tintenherz, e CT a Coração de Tinta.
294
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estratégia de tradução a partir do intertexto sem o termo service translation
e há ainda uma omissão de informação adicional.
Por ser mundialmente conhecida, o leitor pode percorrer a ponte
entre a história de Peter Pan e o enredo de Coração de Tinta, relacionando o
sentimento não apenas dos dois personagens, Meggie e Peter, como de
outros órfãos citados por Funke, como Huck Finn, Tom Sawyer e Jim
Knopf. É interessante observar que a compreensão da mensagem, o estar
sem a mãe, inserida na epígrafe não depende do conhecimento da história.
A significação é desvelada pelos campos semânticos, o que se reproduz na
tradução, não causando dificuldades de entendimento.
Títulos
Além do próprio título, o romance Tintenherz possui cinqüenta e
nove subtítulos. Eles mantêm uma relação metafórica e intertextual com o
texto interno e externo e embora possua um eixo independente, o título está
relacionado com o corpo do texto. Por conseguinte, é necessário o
conhecimento do texto para a reconstrução dos sentidos dele.
Uma casa cheia de livros
No capítulo Uma casa cheia de livros, (TH, Ein Haus voller
Bücher) Meggie, Mo e Dedo Empoeirado chegam à casa de Elinor. Como o
título explicita, a casa de Elinor é semelhante a uma biblioteca, uma vez
que ela é obcecada por livros. Notamos assim, que o título desencadeia, via
imagem, a ideia principal do capítulo que é a de caracterizar o personagem
e seu ambiente, ressaltando novamente a importância dos livros no enredo e
na vida dos personagens.
Uma casa cheia de livros é também um verso que se repete no final
de um poema de Andrew Lang “[...] Por uma casa cheia de livros, e um
jardim de flores104“ e que se transformou ainda em uma citação. Assim, a
autora apresenta ideias convergentes com a temática da história e alerta
104
“For a house full of books, and a garden of flowers: Ballade of True Wisdom. The 1911
Longmans,
Green
and
Co.
“Ballades
and
Rhymes”.
Disponível
em:
http://www.fullbooks.com/Ballads-in-Blue-China-and-Verses-and.html. Acesso: 10 dez.
2008.
295
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para a importância dos livros na vida pessoal, sinalizando para uma
intertextualidade temática e, ao mesmo tempo, uma intertextualidade
implícita.
Funke cria uma interação entre casa, jardim e livros com o poema
de Lang. Dessa mesma maneira, ela estabelece também uma ligação entre o
título, a epígrafe do Gigante Egoísta (1888) de Oscar Wilde que aparece
logo abaixo e o restante do texto que acompanha esse capítulo. Enfim, os
dois campos semânticos, jardim e livros, remetem à mesma noção, ou seja,
à obsessão dos dois personagens, Elinor e o Gigante Egoísta.
Indo mais um pouco além, notamos que a placa do portão da casa
de Elinor, inclusive a tipografia, se assemelha à do jardim do Gigante:
PROPRIEDADE PARTICULAR. PROIBIDA A ENTRADA DE
PESSOAS NÃO AUTORIZADAS. (CT, p. 36) e TRESPASSERS WILL
BE PROSECUTED (WILDE, 10.12.2008)
A autora explicita a analogia entre Elinor e o Gigante, quando
adianta parte da história de Wilde. É um provável recurso para a
compreensão da intertextualidade pelo leitor infanto-juvenil. É possível
afirmar que Funke facilitou a ponte entre o texto, o intertexto e o pré-texto
para o leitor infanto-juvenil, todavia as relações com o poema só poderão
ser compreendidas apenas em um nível mais profundo. Podemos afirmar
que se trata, então, de da ocorrência do crosswriting.
Alusão literária
As alusões literárias são inseridas de diferentes formas no texto.
Podemos encontrá-las marcadas com grifo ou separadas por pontuações ou
ainda dentro do discurso, sendo mencionadas pelos personagens. É
importante lembrar que embora Funke marque algumas citações, ela não
informa a fonte, fazendo assim um jogo intertextual, em que a fonte pode
ser descoberta por leitores mais experientes ou por uma pesquisa.
Citação de Heinrich Heine
Du kennst doch bestimmt diesen Satz: Wo man Bücher verbrennt, da
werden bald auch Menschen brennen. (TH, p. 183)
— Você deve conhecer a frase: “Onde se queimam livros, em breve
passarão a queimar pessoas”. E se formos nós os próximos a cair numa
pilha de lenha como essa? (CT, p. 149)
296
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O intertexto acima provém da citação de Heinrich Heine, poeta e
jornalista alemão, autor da Tragédia de Almansor, escrita em 1821. Na
Alemanha, a queima de livros marcou o início do nazismo e agrega, assim,
um significado especial. Em março de 1933 na Opernplatz de Berlim várias
obras de escritores judeus, marxistas ou pacifistas foram queimadas em um
movimento denominado Ação contra o espírito não alemão (Aktion wider
den undeutschen Geist). A frase de Heine (1821), anterior a este fato, se
confirmou tempos depois pelas ocorrências do Holocausto e se tornou
muito conhecida nesse país.
Várias pistas que levam aos elementos intertextuais de queima de
livros (biblioclasmo) e morte são passadas ao leitor, por intermédio da
ilustração do fogo e da vela e do texto como a citação do galo vermelho
morto que Capricórnio deixa pendurado no local (no telhado), onde efetua a
queima das casas, livros e outros bens. O galo vermelho é o símbolo do
fogo usado em uma expressão alemã, segundo Duden (2003). Quando
pendurado na casa (telhado) de uma pessoa, indica que a casa será
incendiada.
O excerto intertextual é usado por Elinor no capítulo o Traidor
Traído. Quando Capricórnio inicia a queima dos exemplares do livro
Coração de Tinta, Elinor, indignada, lembra da citação de Heine. Notamos
que, a função do intertexto é a de reforçar, validar o argumento da
importância dos livros e relacioná-los com a liberdade de expressão que
autora frisa durante toda a obra de diferentes formas. Além disso, ele não só
serve como pista do que pode acontecer na história, mas também
caracteriza o vilão Capricórnio como um ditador ou pessoa capaz de
barbáries.
Na tradução do intertexto analisado, observamos que a tradutora o
manteve implícito, ou seja, não citou a fonte, não o destacou na forma
gráfica e utilizou como fonte o texto em alemão. A estratégia da tradução
acontece a partir do intertexto sem a inserção de service translation.
Não foram utilizados recursos metatextuais de explicitação ou de
acréscimo de informações para orientar o leitor brasileiro sobre o pré-texto.
Para o leitor alemão, principalmente para o adulto, é possível chegar ao
pré-texto com o desencadear das lembranças dos fatos que se seguiram
após a queima dos livros na Praça em Berlim e de todos os assuntos
periféricos que o circundam. Assim, a leitura pode ser realizada em dois
níveis diferentes. Já para o leitor brasileiro, a interpretação do intertexto
ocorre no nível dos campos semânticos. O leitor mais avisado pode
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relacionar o tema com outros fatos históricos, que o levará a entender que
em locais que não se respeitam os livros, não se respeitarão as pessoas.
Citação de Vladmir Nabokov
Man kann einen Schriftsteller als dreierlei ansehen: als
Geschichtenerzähler, als Lehrer oder als Magier…aber das Übergewicht
hat der Magier, der Zauberer. (TH, p. 560).
O escritor pode ser visto como uma tríade: como contador de histórias,
como professor ou como mago... mas o que predomina é o mago, o
feiticeiro. (CT, p. 450).
No último capítulo do livro, Mortimer conversa com Meggie sobre
o desaparecimento de Fenoglio, mostrando-lhe a diferença entre seu ofício
de restaurador de livros e a de escritor. O excerto em alemão, citado por
Mortimer, é um trecho resumido do primeiro capítulo Bons Leitores e Bons
Escritores (Good Readers and Good Writers) do livro do escritor russo
Vladimir Nabokov intitulado Conferências sobre literatura (Lectures on
Literature) de 1980.
A obra de Nabokov é dividida em duas partes, o leitor e o escritor.
Com referência à primeira, é possível identificar relações também com
passagens do livro Coração de Tinta, quando Nabokov explica que ler é
visualizar, sentir o cheiro e a textura dos objetos. Isso lembra a forma
como Meggie e Mortimer liam os livros. Com relação à segunda, eles eram
leitores tão eficientes que foram capazes de resgatar os personagens do
livro para a vida real. No último parágrafo do livro, Meggie cita
novamente, de forma reduzida, o texto de Nabokov.
Ambas as citações não mencionam o nome do autor nem trazem
indicações nas referências bibliográficas, embora apareçam em itálico no
texto. A tradutora se norteou pelo texto em alemão e efetuou uma tradução
quase de item a item. A exceção fica apenas no início da frase, quando ela
traduz o sujeito indeterminado man na voz passiva, e a palavra
Übergewicht pela frase o que predomina. Então, ficam evidentes que as
estratégias de tradução foram a partir do intertexto, sem inserção de service
translation e com ausência de informações adicionais.
O leitor infanto-juvenil pode perceber que a autora pretende chamar
a atenção por meio da marcação. No entanto, ele não consegue fazer a
ponte entre o texto e o intertexto, a não ser por uma pesquisa. Isso
caracteriza uma intertextualidade de dois níveis novamente, uma superficial
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e outra mais profunda. Entendemos que todos os critérios de textualidade
foram mantidos pela expressão marcada em itálico e pelo não acréscimo de
informações.
Considerações Finais
Concluímos que a tradução dos intertextos analisados foi realizada
a partir do livro alemão, e não do texto fonte, sem recursos metatextuais.
Estes procedimentos devem ter sido motivados principalmente pela
exclusão das referências bibliográficas.
O estilo de Cornelia Funke aplicado à intertextualidade e
paratextualidade indicou um pioneirismo nos jogos intertextuais que a
autora promove, como a intertextualidade ficcional. Ela apresenta também
a dupla possibilidade de leitura dos intertextos: a primeira, quando a autora
indica a forma de desvendar a corrente intertextual; e a segunda, marcada
por pistas, que subjaz ao texto, às quais apenas o leitor mais experiente ou
investigativo (adulto) poderia chegar. Confirmam-se nas análises, assim, as
observações sobre ambivalência textual de Shavit (1999) ou de crosswriting
de Kümmerling-Meibauer (2008) e duplicidade de leitores de Fernandes
(2004).
Referências
DUDEN. Deutsches Universalwörterbuch. 5ª. Ed. Mannheim, 2003. [CD-ROM].
FERNANDES, L. P. Brazilian Practices of Translating Names in Children’s Fantasy
Literature: A Corpus-Based Study. 2004. 270 f. Tese de Doutorado em Letras. Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis.
FUNKE, C. Tintenherz. Hamburg: Cessilie Dressler Verlag, 2003.
_________. Coração de Tinta. Tradução: Sonali Bertuol. São Paulo: Cia das Letras, 2006.
GENETTE, G. Paratexts: Thresholds of Interpretation. Cambridge: Cambridge University
Press, 1997.
KOCH, I. G. V.; BENTES, A. C.; CAVALCANTE, M. M. Intertextualidade: diálogos
possíveis. São Paulo: Cortez, 2007.
KÜMMERLING-MEIBAUER, B. Variety in Genres and Styles:
Trends in Modern German-language Children’s Literature. In: Bookbird: A Journal of
International Children’s Literature, volume 46, number 1, 2008, pp. 5-13.
NABOKOV, V. Lectures on literature. New York: Harcourt Brace Jovanich, 1980.
299
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
SHAVIT, Z. ‘The Double Attribution of Texts for Children and How It Affects Writing for
Children’. In: Sandra L. Beckett (ed.). Transcending Boundaries: Writing for a Dual
Audience of Children and Adults. Garland: New York & London, 1999, p. 83-98.
Fontes na Internet
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BRASIL. Lei 9610 de 19 de fevereiro de 1998, dispõe sobre os direitos autorais. Disponível
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FUNKE, C. Die Welt der Cornelia Funke: Biografie. Disponível em: <
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FUNKE, C. Die einflußreichste Deutsche der Welt. Entrevista de Cornelia Funke concedida
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WILDE, O. ‘The selfish Giant’. In: The Happy Prince and Other Tales. (1888). Disponível
em: <http://www.gutenberg.org/etext/902>. Acesso em: 10.12.2008.
300
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
LEITURA DE IMAGENS: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DAS
IMAGENS DA OBRA IDA E VOLTA DE JUAREZ MACHADO.
Maria Laura Pozzobon Spengler
PPGCL/UNISUL
[email protected]
A leitura visual não se restringe a decodificar os elementos narrativos,
simbólicos, e o contexto em que se insere o objeto artístico. A imagem
possui ritmo, contraste, dinâmica, direção e, ainda, uma série de outras
características que não suportam ser traduzidas em palavras. A imagem
tem lá os seus silêncios (MELLO, 2002, p. 1).
Roger Mello, escritor e ilustrador de livros infantis, e seu
pensamento a respeito de imagem, vem abrir a reflexão, sobre o papel da
imagem na leitura visual de leitores infantis. A imagem, por meio da
ilustração nos livros infantis, é fonte inesgotável de construção leituras e
consequentemente, de significados... mesmo com seus silêncios.
Na história conhecida pelo homem, a imagem marca sua presença
de forma inegável e através dela, o ser humano se expressa desde muito
tempo antes da palavra escrita. Sua cultura se fortaleceu através da
significação que estas imagens estabeleceram durante o percurso nas mais
diversas épocas. E, atualmente, o mundo nos cerca de imagens durante todo
o tempo, mensagens visuais que estão sendo estudadas e investigadas por
diversas áreas de pesquisa.
A linguagem contempla todos os lugares onde o homem está. É
através dela que o ser humano expressa sua necessidade de interagir, de
comunicar e se socializar. O homem é um ser de linguagem. E para que ela
se efetive, o ser humano faz uso dos mais variados suportes de
comunicação, como o som, a imagem, a escrita, cheiros ou gestos. Nestes
meios, ele coloca sua marca pessoal, através de interpretação dos mais
variados signos presentes. Especialmente através do olhar, que o homem
percebe, aprende e conhece o mundo, um recurso cognitivo, que o coloca
como leitor das representações do mundo. Todas as relações do homem
com o mundo se dão através da linguagem. Nesse sentido, Perissé (2006)
afirma:
Mais do que um veículo de idéias puras que desceriam de algum distante
empíreo, a linguagem é o meio no qual vislumbramos nosso vínculos
301
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
(tênues que sejam) com outras pessoas, com o nosso entorno. Esse
vínculos são a forma vital de compreendermos o mundo (p. 14).
A linguagem verbal somente se efetiva a partir de uma leitura
bastante significativa do mundo, e o olhar estimulado, através de emoções,
ajuda a formação de uma perspectiva e visão de mundo, própria de quem o
observa, e essas percepções são então transferidas à verbalização.
A semiótica, ligada a todas as linguagens, é a ciência que estuda os
signos, se baseia no domínio das imagens como representações visuais.
Nesse sentido, imagens são objetos materiais, signos que representam
nosso mundo visual. A teoria semiótica traz luz para o conhecimento de
como o homem adquire, processa e responde as informações com seus
significados. Santaella (2002) assim a descreve:
[...] a teoria semiótica nos permite penetrar no próprio movimento
interno das mensagens, no modo como elas são engendradas, nos
procedimentos e recursos nela utilizados. [...] Frente a este potencial,
não há nada mais natural, portanto, do que buscar, nas definições e
classificações abstratas dos signos, os princípios-guias para um método
de análise a ser aplicado a processos existentes de signos e às mensagens
que eles transmitem, tais como aparecem em poemas, músicas, pinturas,
fotos, filmes, matérias de jornal, dança, peças publicitárias, em qualquer
meio em que essas peças possam aparecer: impresso, foto, cine ou
vídeofotográfico etc (p.5).
A teoria semiótica é conhecida há bastante tempo, com o estudo de
diversas correntes, somente a partir do século XX, especialmente com a
Teoria Geral dos Signos, de Charles Sanders Peirce, ela consagrou-se como
a ciência que conhecemos hoje. Peirce estabeleceu categorias através da
análise de como as coisas aparecem na mente humana, criando caracteres
elementares e universais, constituindo as experiências necessárias à
compreensão das coisas, tanto reais, quanto fictícias.
Assim, Peirce catalogou os fenômenos em três classes,
denominando-os de primeira, segunda e terceira classe. A partir daí,
estabeleceu redes de classificação triádicas dos possíveis tipos de signos,
através da relação nas quais os signos se apresentam. Primeiramente
aplicadas à mente, para em seguida, serem aplicadas à natureza.
A partir do conhecimento da tríade elaborada por Peirce, a
primeiridade, estado de sensação, a secundidade, estado de reação, e a
terceiridade, estado de representação, pode-se fazer um estudo que traga
302
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
notoriedade aos fenômenos de leitura e compreensão de textos, verbais ou
não. Para Santaella (2002), pode-se generalizar a tríade da seguinte forma:
Num nível de generalização máxima, esses elementos foram chamados
de primeiridade, secundidade e terceiridade. A primeiridade aparece em
tudo que estiver relacionado com acaso, possibilidade, qualidade,
sentimento, originalidade, liberdade, mônada. A secundidade está ligada
às idéias de dependência, determinação, dualidade, ação e reação, aqui e
agora, conflito, surpresa, duvida. A terceiridade diz respeito à
generalidade, continuidade, crescimento, inteligência (p.7).
Como antes afirmado, a leitura das imagens é a primeira leitura de
mundo manifestada na criança, pois a imagem é uma representação
semiconcreta, mais direta que o código verbal escrito, que se apresenta de
forma abstrata. Toda leitura é um processo de interação, e o processo é
naturalmente semiótico. Toda semiose é o sistema de interpretação de
passagem entre signos. A leitura acontece a partir das experiências e
interpretações de signos, está sempre se construindo e depende de outros
novos signos para que consiga se aperfeiçoar. Propriedades e qualidades de
signos são selecionadas e, a partir deles, generalizações e reorganização de
todos os signos já conhecidos e interpretados.
A literatura infantil é representada em abordagem de interpretação
imagética, carregada de significados, que são trazidos a partir de um
contexto social e cultural infantil, favorecendo, à criança, o
desenvolvimento da linguagem, pensamento, criação e transformação. Este
gênero literário, contemporaneamente, apresenta diálogo entre a imagem e
o texto. A leitura da imagem pode ser o ponto de partida para um processo
de desenvolvimento e reflexão.
Nesse sentido a semiótica desempenha papel importante na leitura
das imagens presentes nas obras de literatura infantil, como construção,
sensação e vivência por parte do leitor que ligando o cognitivo, torna o
objeto real; imagem e discurso ganham dimensão, são reconstruídos.
Foi na fenomenologia que Peirce buscou fundamento para a
semiótica. A fenomenologia é a base fundamental para qualquer trabalho
científico, quando observados os fenômenos, através de análise, se
apresentam todas as suas características universais. A fenomenologia
descreve esses fenômenos como eles aparecem. E a partir disso, então,
surgem todas as categorias de experiências e pensamentos.
303
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Santaella (1990, p. 33) propõe três faculdades necessárias para se
desenvolver a tarefa da fenomenologia: 1) a capacidade contemplativa, isto
é, abrir as janelas do espírito e ver o que está diante dos olhos; 2) saber
distinguir, discriminar resolutamente diferenças nessas observações, e 3)
ser capaz de generalizar as observações em classes ou categorias
abrangentes. A leitura da imagem do livro de literatura infantil, perpassa
estas três faculdades, da contemplação da ilustração, distinção e
generalização, trazendo a compreensão do todo. Então, é através da
semiótica que se pode ter uma teoria de leitura de imagens.
Atualmente, especialmente nas três últimas décadas, a literatura
infantil é estudada, de acordo com as significações conscientes que pode
trazer aos seus leitores. A partir da leitura das múltiplas informações
imagéticas contidas na obra infantil, o leitor é conduzido a um estado que a
semiótica chamado de primeiridade, consciência imediata, em que não há
ação, é característica de espontaneidade, originalidade.
As imagens percebidas em um livro infantil, as qualidades puras,
imediatamente sentidas, são típicas da primeiridade. A criança passa as
páginas do livro sem se deter nos detalhes das imagens. A primeiridade
aparece em um inicialmente quando a criança perpassa diversos estágios na
leitura da obra e a interpretação que faz acerca das imagens observadas se
aperfeiçoa. Nesse estágio, a criança observa a imagem centrada nos
elementos isolados, não estabelece relação entre eles, identifica, observa e
enumera. Durante a observação pode elaborar uma associação de memória,
relacionada ou não à imagem observada. Nesta primeira leitura, a criança
apenas considera seu interesse, seu próprio ponto de vista.
No estágio seguinte, de secundidade, a criança começa a realizar
comparações na ilustração, dando mais importância ao tema da imagem
como um todo. O significado está ligado não ao objeto, mas as associações
que se ligam a ele. Uma imagem se torna significativa quando associada ao
que representa para a criança.
A terceiridade, próximo estágio de observação, relaciona-se com a
percepção, comparação e conclusões da criança a respeito da imagem
observada. Nesta fase, a criança relaciona a ilustração baseada em
conhecimentos previamente adquiridos. Leitura de textos escritos, também
são características de terceiridade.
Somente a partir da terceiridade a criança começa a perceber a
organização de uma obra literária, e esse processo se dá a partir da
experiência de leitura da criança, da relação dela com a imagem, sua
304
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
inserção no meio cultural e intervenções de adultos que provoquem a
curiosidade pelas leituras mais aprofundadas. A imagem sempre arrebata o
espectador de imediato, impacto que será compreendido e lentamente
observado, para identificar a pluralidade de seus elementos. Uma imagem
pode significar tanto quanto um gesto ou uma frase, pois é também uma
fala e, consequentemente, uma mensagem.
O domínio para uma leitura de imagem é importante para o
desenvolvimento cognitivo, artístico, imaginativo e cultural do leitor
infantil. A imagem do livro infantil, a ilustração, é fonte de organização de
pensamento, acompanhada de texto escrito, ou não, a imagem é agradável
para a visualização do livro, apoiando a leitura, construindo formas, cenário
e personagens, colaborando, assim, para a construção do pensamento da
criança. Consequentemente, estes aspectos ajudam a refletir a compreensão
da realidade, estimulando a criança a construir sua própria visão de mundo,
e o olhar curioso, aperfeiçoado, possibilita à criança, a interação aos
processos de socialização.
A literatura, assim como qualquer obra de arte, é um conjunto de
signos constituintes de um discurso, um conjunto de linguagens
construtoras do texto. A literatura infantil é exemplo disso, já que se
constitui de uma diversidade de linguagens, e a imagem, o instrumento
primeiro de observação.
Calvino (1990), ao descrever o seu processo de criação literária,
reflete:
A primeira coisa que me vem à mente na idealização de um conto é,
pois, uma imagem que por uma razão qualquer apresenta-se a mim
carregada de significado, mesmo que eu não o saiba formular em termos
discursivos ou conceituais. A partir do momento em que a imagem
adquire uma certa nitidez em minha mente, ponho-me a desenvolvê-la
numa história, ou melhor, são as próprias imagens que desenvolvem suas
potencialidades implícitas, o conto que trazem dentro de si. Em torno de
cada imagem escondem-se outras, forma-se um campo de analogias,
simetrias e contraposições. Na organização desse material, que não é
apenas visivo, mas igualmente conceitual, chega o momento em que
intervém minha intenção de ordenar e dar um sentido ao desenrolar da
história (p.104).
Assim como as imagens de Calvino, responsáveis por sua criação,
são também, as imagens, observadas pela criança em livros de literatura
infantil formadoras de visão de mundo e interpretação, ao classificar e
305
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
determinar os signos que se criam através da imagem visualizada, a criança
elabora novas generalizações a respeito das informações que a cercam.
Capacitando-a assim, para a ampliação de seus recursos de linguagem para
a sua socialização na cultura.
Em cada nova leitura, toda experiência refaz, continuamente, visões
de mundo, de pessoa e de realidade.
Uma leitura semiótica de imagens se dá a partir da leitura dos
signos presentes na imagem, que podem ser ícones, índices ou símbolos. A
leitura de um ícone acontece imediatamente. Pois é a representação
primeira do objeto representado. Pois o ícone é definido pelas qualidades
materiais próprias. (SANTAELLA, 2008, p. 144). Como um desenho de
uma casa, que automaticamente representa o conceito de casa.
A leitura de um índice aproxima o objeto de sua representação, são
marcas que conectam imagem e objeto, “um índice mostra seu objeto e
dirige a atenção do observador diretamente para esse objeto”
(SANTAELLA, 2008, p. 148). Assim como o desenho de pegadas, que
remetem a representação de que alguém passou por ali.
A leitura de um símbolo se torna mais complexa por necessitar de
uma convenção cultural, existe a necessidade de se saber o código para a
compreensão. “Imagens se tornam símbolos quando o significado de seus
elementos só pode ser entendido com a ajuda de um código de uma
convenção cultural” (SANTAELLA, 2008, p. 150). Assim como as letras
escritas em um texto.
As ilustrações do livro fornecem elementos visuais que abrangem
os três tipos de leituras: icônica, indicial e simbólica, quando apresenta
elementos que se distinguem na forma de compreensão e com diferentes
necessidades de elaboração mental. As ilustrações projetam o caminho que
vai desde a observação pura e simples, até a organização do pensamento,
através da convenção cultural estabelecida.
Da mesma maneira que Peirce em seu modelo triádico de
representação. Barthes (2006) distingue a relação da leitura de imagens
entre diferentes níveis de significação: nível denotativo, é literal, não
depende de convenções culturais, e o nível conotativo, que depende de
convenções culturais. No primeiro nível, o denotativo, existe somente a
necessidade de conhecimentos lingüísticos e antropológicos, já no segundo
nível, conotativo, há necessidade de conhecimentos culturais. Bem como
afirma Penn (2008):
306
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O ato de ler um texto ou uma imagem é, pois, um processo
interpretativo. O sentido é gerado na interação do leitor com o material.
O sentido que o leitor vai dar irá variar de acordo com os conhecimentos
a ele(a) acessíveis, através da experiência e da proeminência cultural (p.
324).
Nesta perspectiva, um estudo sobre a análise semiótica foi
desenvolvido por Gemma Penn (2008) que nos fornece um referencial para
analisar semioticamente imagens paradas, e para isto elabora um roteiro de
análise:
a) Escolha do material;
b) Inventário denotativo das imagens, que visa identificar os
elementos do material utilizado, uma catalogação literal do
material e conhecimento da linguagem utilizada;
c) Inventário conotativo – análise de níveis de significação, a
partir do inventário denotativo, agora se busca a análise das
significações, relações entre o signo e o conceito que ele
representa, associações, correspondências. Para este estágio
existe a necessidade da compreensão do código de
conhecimentos culturais que estão além da interpretação
denotativa;
d) Elaboração do relatório, onde as análises devem referenciar os
níveis de significação e as relações entre os elementos do
material.
e) Análise semiótica das imagens do livro ida e volta:
Em um primeiro momento exista a escolha do material, em seguida
elabora-se um inventário denotativo das imagens, que visa identificar os
elementos do material utilizado, uma catalogação literal do material e
conhecimento da linguagem utilizada. A partir desta leitura então, realizase um inventário conotativo, se busca a análise das significações, nas
relações entre o signo e o conceito que ele representa, associações e
correspondências. Para este estágio existe a necessidade da compreensão do
código de conhecimentos culturais que estão além da interpretação
denotativa. Finalizando então com a elaboração de um relatório, onde as
análises devem referenciar os níveis de significação e as relações entre os
elementos do material.
307
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
De acordo com este método elaborado por Penn, as imagens
presentes no livro Ida e Volta de Juarez Machado podem ser assim
interpretadas:
A capa dá início à narrativa, ao mostrar as pegadas e um chuveiro
com a cortina aberta. Na capa estão indicadas as palavras que dão nome ao
livro e as informações de editora e do prêmio de melhor livro de imagem
escolhido pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.
A capa e a contracapa proporcionam o início, o fim e o reinício da
narrativa, já que a contracapa mostra as pegadas verdes indo em direção ao
chuveiro com a cortina fechada e água ligada, e a capa traz o chuveiro
desligado com a cortina aberta e as pegadas na cor azul se movendo para
outro lugar.
A folha de rosto pode-se observar que as pegadas ainda continuam
o caminho, movendo-se para a direita, como se alguém estivesse se
movimento, se locomovendo de um lugar a outro.
A próxima cena mostra as pegadas azuis, e o personagem escolhe
dentre as roupas, sapatos e acessórios que estão dentro do guarda roupa.
Pela mudança das pegadas, pode-se saber, que o pé que antes estava
308
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
descalço, agora vestiu um sapato e continuou sua caminhada. Pela forma
das pegadas que seguem, não se pode saber o traje escolhido pelo
personagem, mas sabe-se da ação pelo cabide vazio que ficou pendurado no
guarda roupa.
Na cena seguinte, as pegadas se dirigem a uma mesa mostrando
que o personagem se alimentou, sentando na cadeira perto da mesa, a
cadeira foi movimentada, percebe-se isso pela posição das pegadas
embaixo da mesa, e as migalhas do pão que ficaram no prato, mostram que
o personagem comeu. Na xícara ficou um resto de café e o guardanapo está
bagunçado em cima da mesa. As pegadas continuam a página.
Na sequência, a próxima cena apresenta um gramofone e pelo
movimento das pegadas, pode-se perceber que o personagem dançou ao
ligar o gramofone, ao som da música que o aparelho produziu. As pegadas
estão cerdas de linhas pontilhadas, que indicam o movimento.
Para a próxima cena surge um cabide de chapéus, percebe-se as
pegadas que continuam indicando um caminho à direita, sabe-se que o
personagem escolheu um dos chapéus do cabide, pelo fato de haver um dos
ganchos vazios.
A próxima cena mostra o lado externo da casa, ao sair de casa, o
personagem desceu os degraus e pegou uma maçã da árvore perto da porta,
isso pode ser percebido pelas folhas que caíram do galho, indicando
movimento, as pegadas no chão também mostram que o personagem se
colocou perto da macieira antes de continuar caminhando.
As pegadas pretas estão também na próxima cena, existe a
confirmação de que o personagem pegou a maçã na árvore, pois há uma
fruta mordida dentro da lixeira da rua, no caminho, o personagem encontra
um animal, os detalhes das pequenas pegadas indicam isso, o animal segue
o mesmo caminho do personagem, já que suas pegadas seguem a mesma
direção das pegadas do personagem.
Na cena seguinte existe a comprovação de que as pegadas pequenas
eram mesmo de um animal, pois existe a presença da poça amarela perto do
poste, o que indica que esse animal é um cachorro. Depois de contornar o
poste, as pegadas ainda seguem juntas.
As pegadas pequenas somem dentro de uma casinha de animal
colorida, com desenhos de nuvens, estrelas, arco íris e flores, e um pequeno
pote de comida do lado da casinha. As pegadas grandes de cor preta ainda
continuam aparecendo nesta cena. Comprova-se a presença de um
309
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
cachorro. As pegadas somem na entrada da casinha, indicando que o
cachorro ficou por ali.
Agora a cena mostra uma prateleira de vasos de flores, as pegadas
do personagem seguem sozinhas e ele encontra um vendedor de flores.
Nesta banca de flores, o personagem compra um dos vasos, isto se percebe,
porque na prateleira dos vasos, falta um. E as pegadas indicam que o
personagem parou na frente das flores.
Na cena que se segue, novamente surge uma figura humana, as
pegadas do personagem se colocam na frente de uma senhora, e esta segura
um vaso semelhante àqueles da cena anterior, sinal que mostra que o
personagem entregou o vaso à ela. As pegadas continuam seguindo à
direita.
Na mesma parede de concreto, agora aparece uma porta aberta de
madeira com detalhes em ferro e algumas pequenas pegadas de sapato
acompanham as pegadas grandes existentes nas outras cenas. Esta cena
mostra que um novo personagem de pegadas pequenas saiu da porta que
está aberta e acompanhou o personagem do livro na mesma direção.
Na próxima cena, as pegadas, grandes e pequenas se cruzam, as
pegadas pequenas mostram o personagem que está com pernas de pau, e a
placa pendurada em seu pescoço mostra que é um artista de circo. As
pegadas do personagem e do artista se cruzam durante o trajeto, o
personagem continua sua caminhada.
Seguindo, a próxima cena mostra um gramado e várias pegadas que
se misturam mostrando que o personagem passou pelo mesmo lugar muitas
vezes, e chutou a bola contra a janela, que se quebrou, a bola e os cacos de
vidro estão próximos.
Na sequência, as pegadas entram em uma porta, as pegadas do
personagem indicam que ele entrou em uma loja de bicicletas e saiu de lá
com uma bicicleta, pois a sequência do caminho mostra as linhas que
indicam um pequeno pneu.
A próxima cena mostra uma rua de descida e a estrada está
mostrando que o personagem está descendo uma ladeira com a bicicleta, e
que no lugar onde está, existe praia, pois ao fundo da figura pode-se ver o
mar e um barco. Na descida percebe-se um pequeno descontrole da
bicicleta, pois as linhas que antes estavam retas, agora estão sinuosas.
Na última cena do livro, pode-se ver que o personagem acabou
manchando um painel que estava sendo pintado, pois sua bicicleta está
estragada e a escada quebrada. As tintas estão viradas e espalhadas pelo
310
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
chão, especialmente a tinta verde. O personagem pisa na tinta com seu
sapato, larga o sapato no chão e sai descalço, deixando no chão pegadas
verdes. Esta cena leva á contracapa do livro, na qual as pegadas verdes
direcionam o personagem ao chuveiro.
Durante toda a narrativa, o personagem se desloca de um lugar a
outro, isso é demonstrado pelas pegadas sempre na mesma direção e pela
virada de páginas, com as mudanças de ambientes. Em todas as cenas as
pegadas se deslocam para a direita, indicando os lugares de parada do
personagem pela mudança na posição das pegadas.
Todas as cenas mostram indícios de passagem e de movimento,
como as migalhas no prato, a dança ou as folhas caindo da macieira.
Durante todo o tempo, existe a interação do personagem com
outros elementos de narrativa, e com outros personagens: o cachorro, o
vendedor de flores, a senhora, o artista do circo, e há indícios de que ainda
existem ainda outros personagem que não aparecem nas ilustrações, mas
sabe-se da existência deles, como o vendedor da loja de bicicletas, ou o
pintor da placa do circo.
O fundo branco, presente em todas as cenas, destaca as cores vivas
utilizadas nas ilustrações. E todas as imagens apresentam um mesmo
enquadramento, as cenas vistas de frente em diferentes ambientes com
paisagens de fundo que mostram lugares diferentes um do outro, em cada
cena, o personagem está em outro ambiente, o que evidencia o movimento
do personagem e da narrativa.
A narrativa traz muitas possibilidades de construção de ideia de
personagem, já que pelas indicações nas cenas, não se pode saber com
certeza, que tipo de roupa está vestindo, ou sapato está usando, se é homem
ou mulher, sabe-se somente que gosta de esportes, pelos artigos presentes
no guarda roupa.
Todas as cenas são seqüenciais, a história se conta pelo virar de
páginas. Todas as imagens vão deixando sinais ao leitor, que já imagina o
que virá a seguir. A expressão é quase unicamente visual, somente em duas
cenas aparecem palavras indicando a presença de um circo.
O enredo da narrativa só acaba quando o começo é retomado. Na
última cena, o leitor volta ao início, e novos significados podem ser
inseridos a uma nova leitura. Por ser uma história não linear, só se saberá
do final da história no quando se chegar à última imagem do livro, assim a
compreensão da narrativa se dará no decorrer da leitura.
311
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Referências
BARTHES, R. Elementos de Semiologia. São Paulo: Cultrix, 2006.
BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som:
um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2008.
CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. 2. ed. São
Paulo: Companhia da Letras, 1990.
MELLO, Roger. A arte olhando o mundo: o olhar do artista. In: Leitura e imagem. 2002.
Disponível em: <http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2002/lii/liitxt2.htm>. Acesso em:
02 fev. 2009.
MACHADO, Juarez. Ida e Volta. Rio de Janeiro: Agir, 2001.
PERISSÉ, Gabriel. Literatura e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasilense, 1990. (Coleção primeiros
passos, 103).
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Cengage Learning, 2008.
SANTAELLA, Lúcia; Noth, Winfried. Imagem: Cogniçao, semiótica, mídia. São Paulo:
Iluminuras, 2008.
312
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
OS ANIMAIS, O MITO E O FEMININO: FRIDA KAHLO PARA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES.
Ana Maria Alves Souza
PPGL/UFSC
[email protected]
Em outubro do ano passado comecei uma pesquisa com biografias
da artista mexicana Frida Kahlo, agora orientada pela Profa. Tânia Ramos.
105
Quem foi Frida Kahlo? Difícil me é responder, na variabilidade
biográfica múltiplas imagens se criam. Apesar do mesmo referente
histórico, cada biografia construirá uma outra Frida. Dizer agora quem foi
Frida Kahlo requer perfazer narrativas de vida e obra de uma mulher
pintora, tarefa complexa, todas as biografias são diferentes. Recentemente
entrei em contato com narrativas biográficas sobre Frida para o público
infanto-juvenil. Pude ver 3 tipos de narrativas, uma com poucas palavras e
muitas ilustrações, para crianças menores, uma média e uma mais
complexa e com mais dados informativos, para adolescentes. Ressaltarei
aqui esta última, escrita por Jill Laidlaw, tradução de Maria da Anunciação
Rodrigues, publicado pela Editora Ática em 2004, como parte da Coleção
Grandes Mestres.
Para estas anotações inicias busco inspiração em Barthes quando
diz que gostaria de ser lembrado por detalhes, nos trazendo a idéia de
biografema. 106 Meu biografema será a questão do animal e as idéias sobre
Natureza. As páginas 36 e 37 do livro para adolescentes fazem um conjunto
de textos e imagens. Na p. 36 se lê:
A saúde de Frida piora
De 1943 em diante, Frida passou a ficar mais tempo na Casa Azul, em
Coyoacán – ela até mesmo dava aulas em casa, pois estava debilitada
demais para ir à escola. Suas costas e o pé direito doíam cada vez mais.
A artista encontrava alívio em suas pinturas, seu jardim e seus animais
de estimação.
105
A bibliografia deste ensaio foi inspirada também na disciplina “Bestiário e Guerra”,
ministrada pelo Prof. Dr. Sérgio Medeiros no PPGL/UFSC, no primeiro semestre de 2009.
106
BATHES, 2003.
313
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Sem filhos e sozinha
Em Auto-retrato com macaquinho Frida expressa sua constante tristeza
por não ter sido capaz de gerar filhos e por sua solidão. Seu macaco de
estimação parece ter se tornado um filho substituto. O macaco a envolve
com os braços, como que a protegendo de outras dores e tratando-a
como a um amigo de confiança. Seu olhar é tão forte e direto como o de
Frida, e ele olha inteligentemente para fora da tela. O laço em seu cabelo
é menos elaborado que o de sua dona, mas da mesma cor, o que os faz
parecer da mesma família.
Mais adiante, na mesma página, mostra-se uma foto onde Diego
Rivera tem um macaquinho no colo e Frida faz um carinho no animal. O
dizer que acompanha informa que “o casal tinha muitos animais de
estimação, incluindo pequenos cães mexicanos, papagaios, gatos, uma
águia e um veado”.
Estes textos parecem coincidir com uma das biografias mais
difundidas sobre Frida, a de Hayden Herrera, publicada em 1983. Esta
biografia tem narrações extremamente imagéticas e foi inspiradora do filme
Frida protagonizado por Salma Hayek, ganhador de Oscar em 2003. Nesta
narrativa biográfica fala que os macacos e outros mascotes que rodeavam
Frida ofereciam para ela um consolo familiar num mundo que
repetidamente parecia vazio. O contexto em que Herrera faz esta afirmação
é extremamente interessante pois está falando de símbolos ligados a
mexicanidade que rodeavam Frida.
Também a sobrinha de Frida, Isolda Kahlo, faz suas memórias da
tia, numa biografia intitulada Frida Íntima, onde menciona algumas vezes
os animais. Através dela sabemos que Frida gostava de passear pelo pátio
quando sua dor diminuía, ficando em companhia de seus animais
prediletos, onde aparecem seus dois macacos aranha que tinham nomes:
“Caimito del Guayabal” e “Fulang Chang”. Também ficamos sabendo que
quando morreu o pai de Frida, em 1941, enquanto esta saía do traumático
divórcio com Diego e tinha sua rápida conciliação, a artista estava muito
deprimida e enferma, tendo morrido seu loro favorito, “Bonito”, e seu
macaco aranha, “Caimito del Guayabal” sofreu pneumonia107. Numa
biografia que se destaca por discutir uma suposta verdade sobre a vida de
Frida, de cunho extremamente moralista, Isolda Kahlo acaba perguntandose se “não seriam estes pequenos animais, tão companheiros nos quadros
de Frida, os que a ajudaram a manter a suavidade em seus braços de mãe,
107
KAHLO, 2004:58.
314
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
tantas vezes malograda”. 108 Sua moral não permitiu admitir um
comportamento amoroso de Frida com mulheres, questão que ela condena
veementemente discordando de outras biografias, permitiu vê-la, no
entanto, na função materna com animais.
Em outra biografia, escrita por Rauda Jamis (2005), os animais
aparecem da mesma forma. Jamis faz uma pesquisa biográfica minunciosa,
mas a apresenta com um cunho ficcional enfatizando a Frida escritora. Há
várias narrativas em primeira pessoa em seu texto biográfico que, num
determinado momento, torna-se autobiográfico assinando uma carta de
próprio punho, quando o leitor pensa ter sido escrita por Frida. Em algumas
partes da biografia, cria diálogos, dando voz a seus biografados, como no
diálogo onde Frida conversa com o fotógrafo, então seu namorado,
Nickolas Muray, falando de seus animais. Jamis dá voz à artista, que
apresenta a Muray seu veadinho “Granizo”, dizendo ser este um dos seus
filhos adotivos.
Voltemos ao livro para adolescentes e vejamos adiante, na p. 37,
onde há um imenso autorretrato quase de página inteira, com Frida
abraçada por um macaquinho. Abaixo lê-se:
Auto-retrato com macaquinho, 1945
Óleo sobre compensado, 57cm x 42 cm, Museu Robert Brady,
Cuernavaca, México.
Frida pintou diversos auto-retratos com animais de estimação, mas seus
macacos aparecem mais do que quaisquer outros. Os macaquinhos de
Frida eram como crianças para ela, e seu amor por eles era evidente – ela
sempre os pintava perto de sua cabeça, com os braços ao seu redor. Mas
os macacos de Frida também podem parecer perturbadores, pois são
animais selvagens, não crianças.
O que podemos pensar destes textos? É interessante notar que os
macacos são apresentados como filhos e ao mesmo tempo como não
crianças, como animais perturbadores e selvagens. Ressalto aqui essa idéia
de selvagem dialogando com a imagem de mulher artista. Sabemos que a
Natureza não é uma realidade passiva a ser percebida, mas mais uma
atitude do homem perante as coisas, atitude mutável conforme o contexto.
O que consideramos natural é formado por uma rede de idéias e valores que
mudam historicamente. Escrevendo sobre “A noção de Natureza do séc.
108
KAHLO, 2004:39. Tradução minha.
315
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
XVI ao séc. XVIII”, Lenoble (1990) procura desconstruir a naturalidade do
termo apresentando diferentes significados encontrados em dicionários,
ampliando para uma reflexão histórica sobre o desenvolvimento e
desdobramento da questão em diferentes períodos e contextos da
socialidade humana.
A diversidade de concepções que irão se formar está
inseparavelmente ligada aos modos de explicar o cosmos e aos modos de
viver nesse cosmos. Da Grécia a era cristã, em diferentes desenvolvimentos
nas visões dos filósofos, da física, da moral e da arte, Lenoble afirma que o
elemento em comum é a impressão confusa de uma pertença à vida, de uma
participação numa vida universal que anima cada coisa e o conjunto das
coisas.
As idéias encontradas nos séc.XVI a XVIII na sociedade ocidental
tem sua origem na Grécia antiga; para Platão e Aristóteles a multiplicidade
das coisas ordena-se num conjunto regido por leis, o Cosmos, concepção
esta difundida numa época em que a Grécia concebia-se como uma terra de
cidades organizadas que se opõe a anarquia bárbara. Aristóteles opõe o
sentido da Natureza ao acaso onde a percepção de leis constrói a idéia de
uma natureza legal que protege o homem da incerteza da vontade dos
deuses. O mecanismo das causas eficientes é dado como a obra de uma
finalidade cujo conhecimento resultaria na idéia de liberdade. O homem
ocupa um lugar no Cosmos regular onde estão associadas as idéias de Bem,
segundo Platão, e de Ato Puro, segundo Aristóteles; a liberdade estaria em
encontrar nosso lugar na Natureza para integrarmo-nos nela em vez de nos
deixarmos dominar.
É por influência de Platão, que amplificará o cristianismo, que
inicia-se a distinção da alma e do corpo, resultando na associação da idéia
de natureza com o mundo e a carne, onde esta natureza além de ser um
ideal e uma regra, é também vista como tentadora e inimiga do homem.
Para Platão, a conversão deveria ser feita pela rejeição das aparências em
favor da contemplação das Idéias, idéia esta também defendida pelo
cristianismo.
Segundo Lenoble, são duas as principais idéias comuns na
Antiguidade que vão demarcar a separação entre a idéia antiga de Natureza
e aquela que iria prevalecer sob a influência do cristianismo: a primeira é a
de que a Natureza é incriada e eterna, sendo a idéia de criação
especificamente judia; a segunda é do domínio da moral, que oporá alma de
corpo-natureza, mas não no sentido de mal absoluto como tomará forma
mais tarde. Aqui os conflitos afetivos são profundos e demarcam também
316
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
questões de gênero, onde as liberdades extraconjugais, virgindade,
procriação e amor estão inscritas numa idéia de ordem natural de
comportamento. A palavra latina natura remete a ação de fazer nascer, e
em grego, engendrar, resultando na idéia que atravessa a Antiguidade e
inspira o naturalismo do Renascimento de que a Natureza é uma imensa
coisa viva e um ser inteligente. Interessante observar como as idéias de
gênero estão aí amarradas, uma vez que natura vai designar também os
órgãos de geração, principalmente os órgãos femininos, ligando a idéia da
Natureza à mulher e também à idéia de nação, como terra dos pais, como
pertencimento a um grupo humano.
Numa visão cristã, conforme Lenoble, o homem já não se situa na
Natureza mas perante ela, concebendo seu destino como independente da
história do mundo; a Natureza não é eterna, é uma máquina nas mãos de
Deus, cujo manejo o homem também pode executar. No séc. XVII, Bacon e
Descartes nomeiam-se donos e senhores da Natureza, ainda licenciados por
Deus, mas Hobbes irá proclamar o homem seu único rei.
Da idéia de uma natureza mater para a idéia do homem colocar-se
como “dono e senhor” se formará um sentimento de culpabilidade que
repercutirá nas idéias difundidas no séc. XVIII. Lenoble vê na arte uma
forma do homem comunicar sua idéia de Natureza, e uma forma de
comunicar-se com ela. De um início tido como mágico, numa espécie de
animismo, formas e cores não são apenas representações estéticas, mas
atos, o centro que difunde o mana, a realidade do poder onde o homem atua
profundamente sobre as coisas, não mais invocando-as mas fabricando-as,
não apenas numa satisfação da manufatura, mas de uma emoção estética e
religiosa do criador perante sua obra. Arte contemplativa (do pintor) e arte
prática (do ferreiro), estão ainda ligadas, proporcionando ao homem a idéia
de atuar sobre as coisas, numa época em que as coisas tem vida e
consciência, tendo como conseqüência a crença na possibilidade de ação do
homem sobre as consciências e sobre tudo o que existe.
Ligando as idéias de Natureza do artista, do físico e do moralista,
Lenoble diz que o homem reagiu ao racionalismo cientificista do séc. XIX
através das idéias de irracionalismo, justificação do instinto e retorno dos
mitos. Há algumas críticas que podemos fazer ao pensamento de Lenoble,
como quando ele nomeia sociedades primitivas associando-as a idéias de
desenvolvimento
infantil,
numa
hierarquia
evolucionista
do
desenvolvimento humano, porém Lenoble deixa-nos a contrapartida de uma
relativização absoluta da idéia de Natureza como algo construído
socialmente de diferentes maneiras, através da busca de uma coesão social
317
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
que estabeleça valores vigentes nos grupos humanos, sempre questionados
e recriados historicamente.
Patrícia Mayayo, outra biógrafa de Frida, apresenta uma visão bem
mais crítica da artista na biografia intitulada Frida Kahlo: Contra El mito,
publicada recentemente em 2008. Nela Mayayo afirma que Frida difundia
muitas idéias sobre Natureza em suas obras. Mayayo critica
veementemente Herrera e todas as abordagens que ela chama de
psicobiográficas. Nos vários autorretratos com animais, especialmente
macacos, que Frida fez, Mayayo vê um tom excessivo e aponta para seu
caráter construído, para a construção cênica do eu109.
As idéias sobre Natureza de Frida eram portanto ambíguas, se por
um lado inovava destacando-se em sua época pela diferença, ao mesmo
tempo obedecia a uma ordem de pensamento dominante patriarcal,
associando a mulher a Natureza, relegando o feminino à uma sorte de
paraíso primordial fora da História110. História esta que no livro para
adolescentes aparece também na forma de uma linha do tempo, sucessiva e
evolutiva, com datas marcantes sobre a vida de Frida e acontecimentos
mundiais.
Como poderíamos pensar essa representação da História diante da
fragmentação contemporânea? Lembro aqui de Mario Perniola, esteta
italiano, que em Enigmas (2003), analisa o estado atual das artes. Expondo
idéias sobre a mobilidade do tempo, busca no antigo Egito a inspiração para
a leitura do presente. Perniola observa que se rompeu a união entre forma
artística e tempo histórico-social. Afirma que o estado presente da arte não
está num neo-ecletismo nem num neo-romantismo, mas, no que tange a
relação da arte com o tempo, nossa contemporaneidade viveria um “efeito
egípcio”. Levemos em consideração sua afirmação de que a civilização
egípcia anulava uma única dimensão temporal do antigo e do novo,
situando-os juntos e deixando aberta a contradição que deles resulta.
Também os antigos egípcios tinham o princípio da livre intercambialidade,
faculdade de mudar todo elemento em outro, como uma arte combinatória.
Apontando para a tecnologia televisiva, que ultrapassa fronteiras,
Perniola afirma que a enigmática presença conjunta do passado e do
presente, que exclui a possibilidade de expressar o momento vivido e
remontar-se à uma arché, a um princípio, a uma origem, mostra que o
109
110
MAYAYO, 2008: 221.
MAYAYO, 2008: 178.
318
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
presente se converteu em um passado que retorna em seguida e o passado
se converte em um presente potencial que pode ser atualizado em qualquer
momento. Diz Perniola...
Inventariando de maneira diferente o passado, sua união com uma forma
estabelecida se mostra bastante frágil e arbitrária. Não se trata só de
ampliar a extensão dos objetos tomados em consideração, transformando
a história das artes em história das coisas, senão também, e sobretudo, de
operar mediante taxonomias transversais que revelem afinidade entre
aspectos aparentemente distantes e vice-versa, oposições entre aspectos
notoriamente próximos.[...] PERNIOLA, 2003:95.
As concepções veiculadas no livro para adolescentes parecem
carecer de um ponto de vista crítico sobre a História, e, ressalto aqui,
História das Mulheres. Vendo o macaco e lendo sobre a suposta
maternidade de Frida, junto à uma linha do tempo, é fácil de associarmos o
livro para adolescentes a um saber darwiniano. Em 1872 Darwin publicou
“A expressão das emoções no homem e nos animais”, marcando a
sustentação de sua teoria da evolução das espécies. Neste estudo Darwin
demonstra que também os animais tem emoções como raiva, medo e ciúme,
manifestadas por meio das expressões. Apresentando curiosos desenhos e
fotografias com fartas descrições, ele examina as expressões do ponto de
vista de sua funcionalidade no processo de adaptação do indivíduo ao meio.
Ele chega a defender que algumas das expressões do homem são resquícios
herdados de antepassados primitivos, comuns tanto ao homem quanto a
outros animais.
Frida, no entanto, era muito ligada aos estudos de mitologia e
cultivava, junto a Diego Rivera, o gosto pelo mundo ameríndio. Seus cães
tinham, inclusive, nomes de deuses astecas e ela se orgulhava de sua
ascendência indígena. Se formos considerar a narrativa de Mayayo, essa
animalidade em comum na obra de Frida também pode ser lida exatamente
ao contrário, ou seja, através do perspectivismo ameríndio que reclama uma
humanidade ancestral em comum entre os homens e os animais. Lembro
aqui do perspectivismo ameríndio como apontado por Viveiros de
Castro111, onde os animais podem significar “pessoa”, capazes de ver,
perceber o mundo de alguma forma. Diferentemente do evolucionismo
darwiniano, aqui a condição original em comum entre humanos e animais
não é a animalidade, mas a humanidade. Segundo o antropólogo, o
perspectivismo ameríndio está inseparavelmente ligado ao xamanismo, que
111
VIVEIROS DE CASTRO, 2002.
319
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
será a forma de tradução, mediação entre os diferentes pontos de vista
humano e não-humano, que habitam o mundo. O xamã é aquele que sabe
ver a roupa-corpo do animal (em geral predadores), vê a forma
antropomorfa de tipo espiritual, comum aos seres animados, na aparência
corporal variável, característica de cada espécie e que não é algo fixo, mas
uma roupa trocável e descartável que privilegia a metamorfose. Natureza e
Cultura são variáveis de um contexto relacional.
Essa roupagem pode ser observada em Frida no “Autorretrato com
trança”, imagem também presente no livro para adolescentes, onde Frida
tem no pescoço um colar com caveiras e ossos humanos, símbolo de
Coauticult, a deusa-serpente asteca. Mayayo observa que Frida se
apresentava como filha de Coalticult, sendo esta mais uma marca da
identificação de Frida com o mito da deusa primordial, deusa esta
conhecida na contemporaneidade por ser companheira com aqueles que
precisam passar por algum processo doloroso112. No texto biográfico o
animal é apresentado como uma imagem-movimento, diríamos uma
imagem de travessia, travessia da dor e travessia de diferentes mundos.
Animal e forma humana, travessia da vida e da morte. Didi-Huberman diz
que devemos olhar para uma imagem como olhamos para a crisálida de
uma mariposa. Uma imagem-larva onde o movimento é contido. As formas
extremas da imaginação – larva e imago, o resplendor noturno e a luz
diurna românticas, agora concebidas como inseparáveis da própria psique.
113
A serpente-colar mostra-se aqui uma imagem em movimento da mulher
artista e talvez, com ela, pudéssemos problematizar a palavra animal como
Derrida. Animal, esse singular genérico. Animot é a designação derridiana,
palavra conceito que carrega em sua sonoridade a pluralidade. Para o
filósofo, o pensamento filosófico sempre julgou que o limite entre o
homem e o animal era um e indivisível. Do outro lado era a oposição, todo
o reino animal, com exceção do homem. Para Derrida, esta concordância
do senso filosófico e do senso comum para falar tranquilamente do Animal
no singular genérico é talvez uma das maiores besteiras, e das mais
sintomáticas, daqueles que se chamam homens. 114 Besteira, esta sim
própria do humano.
112
Refiro-me aqui a sites de cunho esotérico pertencentes ao que se denomina Nova Era no
campo religioso, onde pode-se conhecer as Deusas e fazer rituais.
113
DIDI-HUBEMAN, 2007:25.
114
DERRIDA,2002, p.77.
320
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
É interessante aqui observar que no livro para adolescentes a leitura
de Mayayo aqui referida ligando o autorretrato à deusa-serpente não
aparece. Na página ao lado do autorretrato lê-se sobre o segundo casamento
de Frida com Diego Rivera e de como ela estava uma mulher mudada.
Nesta mudança observa-se apenas que o colar, que aludimos ligado à idéia
de serpente, mais parecia uma “corrente” que uma peça de joalheria, e
aponta para um foto de Frida quando ao assinar, em 1940, os documentos
para oficializar seu casamento, parecendo usar o mesmo colar pintado. O
quadro teria sido pintado logo depois e, segundo o livro, expressa seus
sentimentos em relação a reconciliação. Nesta mesma página é chamado a
atenção para outros símbolos de mexicanidade que Frida usava como os
trajes tehuana e o penteado de cabelo tradicional, questões estas envolvidas
na construção performática de seu eu. Cabe ressaltar aqui que a leitura do
autorretrato no livro para adolescentes é feita unindo estas questões
plásticas e cênicas à performance de seu casamento, onde sua mudança de
status é apresentada como sendo agora a de “uma mulher independente,
bem como uma artista reconhecida, capaz de sustentar a si mesma115“.
Luciana Gruppelli Loponte escreve um artigo perguntando-se: “As
vidas dos “artistas famosos” educam? Produção de discursos sobre arte,
artista e gênero”, 2004. Nesse artigo ela procura ver como é construído um
modo de pensar a arte como uma produção privilegiada de “grandes
artistas”. Loponte menciona que nos livros de História da Arte mais
comuns os “artistas famosos” são geralmente descritos como “brilhantes,
geniais, inovadores e talentosos.” Observa ela que, em geral, essa
naturalidade com que é construído o discurso da genialidade artística
aponta para a definição de uma genialidade como atributo masculino e
branco.
Ela analisa 3 coleções de fácil acesso como a enciclopédia Os
Grandes Artistas, a Pinacoteca Caras e os livros da coleção Mestres das
Artes, estes últimos dirigidos ao público infantil e, segundo a pesquisadora,
presente em muitas escolas. Numa leitura foucaultiana acerca da fama e da
infâmia, que leva em conta o tempo da transformação de uma em outra,
Loponte diz que ao olharmos os “gênios da Arte” vemos imagens filtradas
pelos discursos dos críticos, historiadores e especialistas. Pergunta-se pelas
imagens, pelos homens e mulheres que não foram colocados na memória,
quer captar os enunciados como acontecimentos descontínuos, ligados a
determinados campos de saber ou poder. Para ela não se trata de fazer
115
LAIDLAW, 2004, p.32.
321
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
interpretações reveladoras de verdades e sentidos reprimidos, mas
simplesmente de “perguntar de que modo a linguagem é produzida e o que
determina a existência daquele enunciado singular e limitado.”116Com isto
quer pensar que a arte e o discurso que surge em torno dela nada mais são
do que realizações humanas e, como tal, arbitrárias e históricas, difíceis de
serem percebidas em sua contemporaneidade.
Segundo Loponte, o discurso aparentemente natural sobre o “gênio
artista” tem sido questionado há alguns anos pela crítica feminista. Numa
perspectiva histórica, por exemplo, menciona o trabalho de Anne Higonnet.
Esta pesquisadora salienta que no séc. XIX as mulheres que aspiravam ser
artistas revelando gênio, eram consideradas anormais ou assexuadas,
recriminadas por trair seu destino doméstico. Para Loponte,
...as imagens e textos sobre Arte são “pedagógicos”, exercem uma
pedagogia de saberes e verdades sobre um modo particular de ver a Arte,
ao legitimar determinadas relações de gênero e poder, produzir e
multiplicar discursos que excluem infames ou incluem famosos...
LOPONTE, 2004, p. 353.
Na coleção Grandes Mestres aqui analisada Frida Kahlo figura
como uma das poucas mulheres artistas ao lado de nomes como Cézanne,
Paul Klee, Dali, Monet, Picasso e Van Gogh, estampados como títulos
disponíveis na contracapa. Como essa mulher artista é apresentada é que é a
questão. Com essa proposta de leitura das representações iconográficas e
biográficas de Frida Kahlo tanto para adultos, quanto para um público
juvenil, questiono aqui as imagens do mito do feminino como o exótico e o
selvagem, o fora da razão, o Outro, imagens estas a meu ver perceptíveis
nos discursos biográficos junto aos animais.
Referências
BARTHES, R. Roland Barthes por Roland Barthes. SP: Estação Liberdade 2003.
DARWIN, Charles. A expressão das emoções no homem e nos animais. SP: Companhia das
Letras,(1872)2000.
DERRIDA. O animal que logo sou. SP: Editora UNESP, 2002.
116
LOPONTE, 2004, p.342.
322
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
DIDI-HUBERMAN. La imagen mariposa. Barcelona: Mudito & Co., 2007.
HERRERA, Hayden. Frida: uma biografia de Frida Kahlo. Barcelona: Planeta, (1983)2007.
JAMIS, Rauda. Frida Kahlo. Barcelona: CIERCE Ediciones, (1985)2005.
KAHLO, Isolda. Frida Íntima. Bogotá: Ediciones Dipon e Buenos Aires: Ediciones Gato
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LAIDLAW, Jill A. Frida Kahlo. SP: Ática, 2004.
LENOBLE, R. História da Idéia de Natureza. Lisboa: Edições 70, 1990: 183-200.
LOPONTE, Luciana Gruppelli. A vida dos “artistas famosos” educam? Produção de
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múltiplos olhares. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004.
MAYAYO, Patrícia. Frida Kahlo- Contra El mito. Madrid: Cátedra, 2008.
PERNIOLA, Mario. Enigmas: egípcio, barroco y neo-barroco em la sociedad y el arte.
Cendeac, Ad litteram, serie ensayo, 2003.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de
antropologia. SP: Cosac & Naify, 2002
323
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
324
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
ESCOLA, RAP, POESIA: EFEITOS DE SENTIDO DO “SER
ESTUDANTE”
Cristina Zanella Rodrigues 117
CMP
É possível que a escola não seja o ambiente mais adequado à
criação artística, no sentido estrito da expressão, porém pode ser
considerado um espaço em que seja possível estimular a criação. Parto aqui
do princípio de que os alunos têm medo da produção escrita e que precisam
de motivação para a leitura. Por que, então, restringir a produção textual
dos alunos a uma certa diversidade de gêneros (textos argumentativos,
informativos, cartas, receitas, editoriais, etc), excluindo a literatura? Por
que não estimular a criação literária no educando?
No início do ano, assumi o cargo de professora de literatura do
Ensino Fundamental de uma escola pública da cidade de Pelotas. Uma das
turmas, de 5ª série, mostrou-se bastante peculiar: contêm alunos repetentes,
alunos transferidos de outras escolas, alunos com problemas de
comportamento, alunos com dificuldade de aprendizagem, alunos que tem
um histórico familiar complexo e traumático... Enfim, mostra-se uma turma
heterogênea e comportando pré-adolescentes, na faixa etária de 11 a 13
anos, com outros problemas além dos de aprendizagem e que não se
mostravam dispostos sequer a sentarem nos lugares. Diante te tais
condições de produção, Drummond me veio à mente: “E agora, José?”.
Como trabalhar a literatura aqui?
Com o passar do tempo, o comportamento dos alunos tornou a
atividade em sala de aula insustentável. Rebeldes, barulhentos,
bagunceiros, eles mostravam-se cada vez mais reticentes em realizar as
atividades propostas pelos professores. E não só na minha aula, na de todos
os demais professores. Isso fez com que houvesse a necessidade de uma
conversa entre o Serviço de Orientação ao Estudante (SOE) com os
próprios alunos e com os seus familiares (pais e/ou responsáveis). Além
disso, no final do primeiro trimestre, foi preciso fazer nova eleição para
117
Mestre em Letras pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel/RS). Professora de
Português e Literatura no Colégio Municipal Pelotense, escola da rede pública de
Pelotas/RS.
325
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
professora conselheira e, para minha surpresa, fui eu a eleita. Por que eles
haviam escolhido a professora de literatura? Essa era uma pergunta que
latejava.
Na reunião com os pais e responsáveis, a professora de música
relatou que quando colocava música para tocar, eles silenciavam, liam a
letra e cantavam baixinho, acompanhando o ritmo. Essa informação foi
significativa, e pode demonstrar a identificação que os jovens têm com a
música. De acordo com Bloom,
Embora os estudantes não tenham livros, eles com certeza têm música.
Nada é mais singular a respeito desta geração que sua compulsão pela
música. Esta é a era da música e dos estados de alma que a
acompanham. (apud GREEN & BIGUM, 2003, p. 224)
A partir daquele momento ficou evidente que aqueles estudantes
não poderiam ser tratados como os demais. Eles eram os párias, os
marginalizados, os que põem à prova o atual sistema demonstrando novas
necessidades e novas capacidades. Eram alienígenas, parte de uma geração,
com uma constituição radicalmente diferente. Dentro daquelas cabeças que
sentiam vergonha de estar pela terceira vez na 5ª série, que sentiam
saudades de seus colegas da escola antiga, que se rebelavam contra as
normas da escola, que vezes não compreendiam a matéria mas ficavam
com vergonha de sua pergunta parecer idiota, que haviam perdido o pai, a
mãe ou tinham que fazer o almoço dos irmãos mais novos enquanto a mãe
solteira passava o dia fora trabalhando, havia uma vontade de aprender. Ou
pelo menos de se fazer notar.
Depois da conversa com os alunos e da reunião com os
responsáveis, como conselheira e professora de literatura, resolvi trabalhar
com eles a relação com a escola. Afinal, o que é que estes jovens estão
fazendo aqui? O que é que eles esperam da escola? O que é que eles
esperam deles mesmos? O que pode ajudá-los?
A primeira atividade consistia em eles reunirem-se em grupos de
três a quatro componentes e responderem a seis perguntas: (1) Que espécie
de lugar é a escola? (2) Por que você vem à escola? (3) Você julga a escola
importante para sua formação? Sim ou não? Por quê? (4) Os ensinamentos
da escola são úteis ou não? Por quê? (5) Você acha que a escola pode ser
326
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
abolida? (6) Que palavra você escolhe para representar a escola?118 Os
alunos responderam as perguntas e suas respostas foram lidas em voz alta.
Na aula seguinte, passei o poema Escola, de José Paulo Paes,
trabalhei interpretação de texto traçando uma relação entre a “escola do
poema” e a “escola real”. Na aula subseqüente, o texto escolhido foi a
música Estudo Errado119 de o Gabriel, o Pensador, a qual eles ouviram
atentamente. Porém, dessa vez não havia exercícios, apenas um momento
silencioso de reflexão para deixar a música “retumbar”. No último encontro
com esta atividade, propus a eles que, em grupos ou individualmente,
criassem um RAP ou uma poesia que externasse seus sentimentos em
relação à escola. E é desse conjunto de textos produzidos pelos alunos que
se constitui o corpus amplo deste trabalho.
O viés teórico
O referencial teórico aqui adotado é o da Análise do Discurso (AD)
tal como proposta por Michel Pêcheux. A AD articula quatro eixos
teóricos, a saber: o Materialismo Histórico, a Lingüística, a Teoria do
Discurso e a Psicanálise. Devido a esse caráter singular, a linguagem e o
sujeito são compreendidos em um entremeio, em um conflito entre o
processo de interpelação ideológica e o inconsciente (o desejo).
A Língua é compreendida como “base comum de processos
discursivos” (PÊCHEUX, 1995, p. 91) e deixa de ser um sistema fechado,
transparente e autônomo para adquirir autonomia relativa. É, portanto, da
ordem do material, da opacidade, da equivocidade, da historicidade nela
inscrita. Assim, língua é lugar de conflito, pois nela estão materializados os
discursos que, por conseguinte, materializam a ideologia. Logo, a língua
não é neutra. Devido à presença de diferentes discursos, a língua é
caracterizada como opaca, e, através da interpretação, pode ocorrer um
efeito de sentido ou outro. Sobre isso, Pêcheux afirma que “todo enunciado,
toda seqüência de enunciados é, pois, lingüisticamente descritível como
uma série (léxico-sintaticamente determinada) de pontos de deriva
possíveis, oferecendo lugar à interpretação. É nesse espaço que pretende
trabalhar a análise de discurso” (2006, p. 53).
118
Retiradas da obra MÜGGE, Ernani., SARAIVA, Juracy Assmann...[et e tal]. Literatura
na escola. Propostas para o ensino fundamental. Porto Alegre: Artmed, 2006.
119
O poema e a letra da música encontram-se em anexo.
327
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A língua, por materializar os discursos, é heterogênea. O processo
de interpretação das materialidades lingüísticas deve atentar para a
heterogeneidade da língua e, também, para a heterogeneidade do sujeitoleitor. As possibilidades de efeito de sentido dependem, portanto, desses
dois elementos, juntamente com as condições de produção do enunciado,
entendendo que aí trabalham tanto as determinações sócio-históricas quanto
à situação de enunciação (espacialização, actorialização e temporalização).
Para Coracini, a interpretação é “sempre e inevitavelmente
subjetiva e transformadora” (2007, p. 27). A heterogeneidade do sujeito e
da língua permite, portanto, que o processo de interpretação não seja neutro
e fechado. Os alunos, ao lerem um determinado texto, passam a se incluir
em uma rede de sentidos que incita o leitor a tomar um certo
posicionamento, por isso a autora caracteriza os textos como lugar de
interação e de comunicação e, sobretudo, “como lugar de não-comunicação
e equívoco, sempre atrelado a um dado momento histórico-social
responsável pelos diferentes sentidos produzidos” (CORACINI, 2001, p.
139).
O sujeito da Análise de Discurso é habitado pelo conflito. Gregolin
resume as idéias de Michel Pêcheux acerca do sujeito referindo que
ele não é totalmente assujeitado porque está permanentemente envolvido
em micro-lutas cotidianas e produzir discursos pressupõe sempre a
possibilidade do equívoco, da falha, do deslizamento dos sentidos (2006,
p. 31).
O caráter heterogêneo do sujeito pode ser ligado tanto à questão do
desejo que se manifesta através das falhas da língua quanto ao processo de
interpelação ideológica. De acordo com Orlandi, “o fato mesmo da
interpretação, ou melhor, o fato de que não há sentido sem interpretação,
atesta a presença da ideologia.” (2003, p. 45) O que nos leva a afirmar que
o sujeito, em AD, diante de qualquer objeto simbólico é instado a
interpretar: o processo de interpretação do sentido aparece-nos como
evidência, como se já estivesse sempre lá. E “este é o trabalho da ideologia:
produzir evidências, colocando o homem na relação imaginária com suas
condições materiais de existência.” (ORLANDI, 2003, p. 46)
Assim, a evidência do sentido
faz ver como transparente aquilo que se constitui pela remissão a um
conjunto de formações discursivas que funcionam como uma dominante.
328
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
As palavras recebem seus sentidos de formações discursivas em suas
relações. Este é o efeito da determinação do interdiscurso. (ORLANDI,
2003, p. 46)
E desse funcionamento do interdiscurso, entendido por Pêcheux
como aquilo que fala “antes, em outro lugar e independentemente” (1995,
p. 162), constitui-se como o não-dito que irrompe naquilo que é dito. Pois é
pela referência à formação discursiva que podemos compreender, no
funcionamento discursivo, os diferentes sentidos que palavras iguais podem
ter.
A partir destas considerações, cumpre ainda esclarecer, que a noção
de funcionamento, conforme Orlandi,
estendida para o discurso, faz com que não trabalhemos apenas com o
que as partes significam, mas que procuremos ‘quais são as regras que
tornam possível qualquer parte’. Nessa perspectiva [...] a proposta é
então explicitar os mecanismos de funcionamento do discurso. [...] é
mostrar como um objeto simbólico produz sentidos, como os processos
de significação trabalham um texto, qualquer texto.” (2004, p. 80)
Diante dessa proposta teórica, ou seja, de analisar como aquilo que
é dito pode significar, é que é possível aliar os estudos discursivos aos
estudos literários. De acordo com Mussalim, “é possível realizar um
movimento, em que Análise do Discurso e estudos literários se encontram:
é possível considerar o fato literário como discurso, no sentido que a AD
confere a esse termo.” (2007, p. 52) E isso implica em relacionar as obras
aos espaços que foram produzidas, às condições de enunciação, ao gênero,
ao estilo.
A partir do aporte teórico da AD e do pressuposto de que a sala de
aula é um espaço de dispersão, que deve propor uma forma de reflexão
acerca da linguagem voltada para a heterogeneidade dos sujeitos, surgiu a
proposta de analisar como, através da criação literária, se constitui
discursivamente esse sujeito “estudante-literato”, criativo, espontâneo,
artista, rebelde em sua relação com a escola.
Em ritmo de análise
O RAP pode ser considerado como um dos gêneros musicais mais
relevantes da cultura popular contemporânea. É um fenômeno de jovens
329
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
para jovens, constituindo-se como uma manifestação de protesto contra a
pobreza, a perseguição, o preconceito, a coerção econômica, os
mecanismos de controle sobre a organização social, muitas vezes
incorporado por outros grupos ou indivíduos que experimentam situações
de opressão ou discriminação. Assim, embora a prática do gênero esteja nas
periferias dos grandes centros urbanos, é apreciado por um público mais
amplo.
Rimado e ritmado, o RAP, considerado também como poesia
urbana, incorpora um palavreado provocativo, cheio de gíria e de
complexidades semânticas. De acordo com Schusterman,
O Rap é arte popular pós-moderna que desafia não só as convenções
estéticas do modernismo como estilo artístico e como ideologia, mas
também a doutrina filosófica da modernidade e da diferenciação entre as
esferas culturais. (1988, p. 144).
Como é condizente ao gênero RAP, a música de Gabriel O
Pensador é explicitamente destinada a desenvolver a consciência política
em relação ao estado de arte do sistema educacional contemporâneo.
Defendendo a idéia de que o paradigma estabelecido não estimula a
consciência crítica, o rapper questiona se os alunos vão para a escola para
aprender ou apenas para sentar e obedecer; diz que “a maioria das matérias
que eles dão eu acho inútil./Em vão, pouco interessantes...”; questiona a
metodologia de ensino baseada na “decoreba”, cantando “Quase tudo que
aprendi, amanhã eu já esqueci/Decorei, copiei, memorizei, mas não
entendi.”; defende que o ideal da escola é preparar para a vida, “discutindo
e ensinando os problemas atuais”.
Percebe-se, portanto, que na letra da música Estudo Errado de
Gabriel O Pensador, a crítica ao sistema de ensino é evidente. Ao contrário
do poema Escola de José Paes. Este último, fazendo uso de um vocabulário
singelo, procura descrever poeticamente uma escola no sentido tradicional:
há aqui dever de casa, a professora corrige o erro da lição do aluno, ela
obedece à diretora...
Foi a partir da leitura desses dois textos que os alunos criaram suas
próprias produções. Para este trabalho, foram selecionados dois raps, cujas
letras seguem abaixo.
RAP 1:
Escola
330
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Escola pra quê?
Todo mundo qué sabe, mais sem a escola a gente não vai aprende,
quando chega do colégio todo mundo qué sabe, se eu tenho algum dever
pra fazer, minha mãe fica de cara quando vê meu dever, eu digo que não
tenho e vai lá ver e quanto eu rodo de ano ela manda eu me fu... eu
começo a escrever tudo que vem na mente de um incompetente, tô
virando marginal, pra quê? Tá tudo errado meu filho tu usando crack e
cocaína é, um vacilo não qué estuda sabe de mais nada quando tu precisa
tu vai dizer que eu estou errada, qué sabe meu filho eu não se de nada.
Fuiii.
RAP 2:
Confusão
A gente chega no colégio
E senta no fundão
A gente come pirulito
E joga papel no chão
Da 1:30 a 5:30
Só fizemo confusão
A professora chinga a gente
E a gente não para não
A gente vai no refeitório
Só arruma confusão
Saímo do refeitório
E ganhamo uma suspensão.
Através da leitura dos raps transcritos120, é possível perceber o
predomínio do ritmo pertinentes ao gênero, ainda que a rima seja mais
evidente no rap 2. A linguagem empregada é bastante aproximada da
linguagem oral, o que também é condizente com esse gênero musical. A
rebeldia e a imagem de não adequação ao sistema de ensino atual
predominam nas letras, funcionando como um desabafo que chega de
maneira espontânea.
Os autores, ainda que tenham escrito um trabalho para ser avaliado
pela professora, criaram um texto para ser “ouvido” pelo público que
aprecia esse gênero musical. Levaram em conta as características do rap, e
por isso assumiram a posição de rappers, ocupando uma posição numa
formação discursiva (FD) que visa criticar o paradigma vigente. Entretanto,
ao invés de assumirem o lugar do sujeito que, por meio da criação artística,
120
As produções dos alunos foram transcritas tal como redigidas por eles, incluídos aí os
“desvios” da língua culta.
331
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
procura fazer uma crítica à escola e à estrutura tradicional de ensino, como
o fez, por exemplo, Gabriel O pensador, demonstraram em seus textos a
baixa auto-estima e a indisciplina decorrente de seu comportamento. É o
que se pode observar a partir das seguintes formulações destacadas:
F1: eu começo a escrever tudo que vem na mente de um incompetente
F2: E ganhamo uma suspensão.
Em F1, a expressão mente de um incompetente traz a idéia de que o
aluno sozinho é culpado pelo insucesso escolar. Essa imagem é constituída
discursivamente a partir do funcionamento do interdiscurso condizente com
uma FD na qual circulam saberes ideologicamente cristalizados de que o
processo de aprendizagem é dever do aluno apenas e que somente ele tem a
responsabilidade sobre seu processo de aprendizagem. E é o uso do
vocábulo incompetente que possibilita esse efeito de sentido.
Assim, no RAP 1 podemos perceber que o movimento de sentidos
vai na direção de que tais sujeitos constituídos discursivamente são párias
no sistema educacional proposto. E que dentro dele não têm condições de
se sobressair. Esse processo discursivo possibilita a constituição, portanto,
de um sujeito heterogêneo, que na sua falha, demonstra a luta entre vontade
de ser igual sendo diferente, ou seja, entre o desejo de ser um aluno
exemplar e a resignação em não consegui-lo.
Na F2 – E ganhamo a suspensão – o verbo ganhar pressupõe que
existe um vencedor. Afinal, quando alguém ganha, ele recebe alguma coisa:
um jogo, um presente, um prêmio. O sujeito torna-se um vencedor. No caso
da formulação presente no RAP 2, o objeto conquistado é a suspensão. A
suspensão consiste numa pena disciplinar infligida ao aluno, em caso de
indisciplina, e que consiste em afastá-lo temporariamente da sala de aula.
Assim, a suspensão é para ser uma punição, entretanto não é assim que está
configurada discursivamente na letra composta pelos alunos. A palavra
suspensão associada ao verbo ganhar possibilita o efeito de sentido
inverso, ou seja, deixa de ser uma coisa ruim para se tornar um prêmio,
uma conquista.
Constitui-se aí um sujeito que demonstra rebeldia frente às normas
de convivência na escola. Esse sujeito, construído no discurso, busca ser
contrário à posição da FD em que são dominantes os discursos da
disciplina, na qual o processo de subjetivação se impõe através de
mecanismos que visam ao assujeitamento. Entretanto, esse sujeito, mesmo
332
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
constituindo-se como rebelde não consegue criar uma imagem contundente
de revolucionário ou crítico consciente do sistema: sua ação que procurar
desestruturar as bases das regras da escola não é suficiente para sugerir
outras formas de se desenvolver a educação. Ele ganha do sistema, mas
acaba não ganhando nada para si.
A partir das análises apresentadas, procurou-se demonstrar que
através da criação literária manifestada nas letras de rap, se constituiu
discursivamente um sujeito criativo, espontâneo, artista e rebelde em sua
relação com a escola. Um “alienígena” na sala de aula, que demonstra um
desejo de vencer na vida e uma rebeldia frente ao status quo, cuja
heterogeneidade e complexidade o sistema educacional não está preparado
para lidar.
Referências
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ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso. Princípios & Procedimentos. 5ª ed.
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_____. Interpretação. Autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 4ª ed. Campinas:
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PÊCHEUX, Michel. Discurso: Estrutura ou Acontecimento. Campinas: Pontes, 2006.
________. Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Editora da
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333
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
SCHUTERMAN, Richard. Vivendo a Arte- o pensamento pragmatista e a estética popular.
São Paulo: Editora 34. 1998. Disponível em <http://books.google.com.br/books>. Acesso
em 15 de setembro de 2009.
Anexo 1
Estudo Errado
Gabriel O Pensador
Eu tô aqui Pra quê?
Será que é pra aprender?
Ou será que é pra sentar, me acomodar e obedecer?
Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater
Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever
A professora já tá de marcação porque sempre me pega
Disfarçando, espiando, colando toda prova dos colegas
E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo
E quando chega o boletim lá em casa eu me escondo
Eu quero jogar botão, vídeo-game, bola de gude
Mas meus pais só querem que eu “vá pra aula!” e “estude!”
Então dessa vez eu vou estudar até decorar cumpádi
Pra me dar bem e minha mãe deixar ficar acordado até mais tarde
Ou quem sabe aumentar minha mesada
Pra eu comprar mais revistinha (do Cascão?)
Não. De mulher pelada
A diversão é limitada e o meu pai não tem tempo pra nada
E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa pirralhada!)
A rua é perigosa então eu vejo televisão
(Tá lá mais um corpo estendido no chão)
Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei nem o que é inflação
- Ué não te ensinaram?
- Não. A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil
Em vão, pouco interessantes, eu fico pu..
Tô cansado de estudar, de madrugar, que sacrilégio
(Vai pro colégio!!)
Então eu fui relendo tudo até a prova começar
Voltei louco pra contar:
Manhê! Tirei um dez na prova
Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova
Decorei toda lição
Não errei nenhuma questão
Não aprendi nada de bom
Mas tirei dez (boa filhão!)
Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi
Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi
Decoreba: esse é o método de ensino
Eles me tratam como ameba e assim eu não raciocino
Não aprendo as causas e conseqüências só decoro os fatos
Desse jeito até história fica chato
Mas os velhos me disseram que o “porque” é o segredo
Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo
Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente
Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente
E sei que o estudo é uma coisa boa
O problema é que sem motivação a gente enjoa
O sistema bota um monte de abobrinha no programa
Mas pra aprender a ser um ingonorante [...]
Ah, um ignorante, por mim eu nem saía da minha cama (Ah, deixa eu
dormir)
Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre
Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste
- O que é corrupção? Pra que serve um deputado?
Não me diga que o Brasil foi descoberto por acaso!
Ou que a minhoca é hermafrodita
Ou sobre a tênia solitária.
Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! [...]
Vamos fugir dessa jaula!
“Hoje eu tô feliz” (matou o presidente?)
Não. A aula
Matei a aula porque num dava
Eu não agüentava mais
E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais
Mas se eles fossem da minha idade eles entenderiam
(Esse num é o valor que um aluno merecia!)
Íííh... Sujô (Hein?)
O inspetor!
(Acabou a farra, já pra sala do coordenador!)
Achei que ia ser suspenso mas era só pra conversar
E me disseram que a escola era meu segundo lar
E é verdade, eu aprendo muita coisa realmente
Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre!
Então eu vou passar de ano
Não tenho outra saída
Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida
Discutindo e ensinando os problemas atuais
E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais
Com matérias das quais eles não lembram mais nada
E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada
Refrão
Encarem as crianças com mais seriedade
Pois na escola é onde formamos nossa personalidade
335
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Vocês tratam a educação como um negócio onde a ganância, a
exploração, e a indiferença são sócios
Quem devia lucrar só é prejudicado
Assim vocês vão criar uma geração de revoltados
Tá tudo errado e eu já tou de saco cheio
Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio...
Juquinha você tá falando demais assim eu vou ter que lhe deixar sem
recreio!
Mas é só a verdade professora!
Eu sei, mas colabora se não eu perco o meu emprego.
Anexo 2
Escola
José Paulo Paes
Escola é o lugar aonde a gente vai quando não está
de férias
A chefe da escola é a diretora.
A diretora manda na professora.
A professora manda na gente.
A gente não manda em ninguém.
Só quando manda plantar batata.
Além de fazer a lição na escola, a gente tem de fazer
a lição de casa
A professora leva nossa lição de casa para a casa
dela e corrige.
Se a gente não errasse, a professora não precisava
levar lição para casa.
Por isso é que a gente erra.
Embora não seja piano nem banco, a professora
Também dá notas.
Quem não tem notas boas, não passa de ano.
(Será que fica sempre com a mesma idade?)
336
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
LITERATURA INFANTIL: IMPORTANTE E INDISPENSÁVEL
Danusia Apparecida Silva
UNIPLAC
As histórias lidas na sala de aula, no Magister, foram de muita
importância para mim. Conheci autores novos, principalmente, os
catarinenses que escreveram histórias referentes ao povo e cultura da
nossa região. Essas histórias me ajudarão para melhorar meu trabalho. Já
estou trabalhando com mais afinco a literatura infantil com os alunos.
(Ana Luci Borges, Urupema, maio 1996)
Em 1995, a Secretaria de Estado da Educação e Desporto de Santa
Catarina, consciente da importância da formação do cidadão e da educação
como fatores do crescimento de uma sociedade sadia progressista, cria o
Programa Magister, cuja finalidade precípua é a formação de professores da
Rede Pública Estadual e Municipal de Ensino que atuavam sem formação
de nível superior. Os cursos, então, oferecidos contemplavam os
professores das séries iniciais do ensino fundamental. Para execução do
Programa Magister formaram-se convênios com as Universidades dentre
elas a Universidade do Planalto Catarinense – Uniplac. Em caráter
emergencial e especial – em período de férias, recesso escolar e finais de
semana – a metodologia adotada obedecia ao princípio da formação
continuada, unindo o conhecimento à realidade e por outro lado, atendendo
às necessidades do professor no que se referia ao local do curso (o mais
próximo possível do seu local de trabalho ou de sua residência, à gratuidade
e ao apoio financeiro, para deslocamento e outras despesas).
Inserida nesse cenário assumi a docência da 1ª turma, composta de
professores – alunos oriundos de: Lages, Correia Pinto, Urupema, Ponte
Alta, Urubici, São José do Cerrito, Bocaina, Painel, São Joaquim... Para
essa turma lecionei a disciplina Literatura Infantil e acrescentei ao meu
conhecimento a alegria daquelas professoras (incrivelmente só havia
mulheres) ao descobrirem a fonte inesgotável de saberes e prazeres
guardados em cada livro de histórias ou em cada conto ou fábula como
declara a cursista:
Contar, ler e ouvir história é uma forma de recriar a vida no seu
significado mais profundo. O conto para a criança se torna
absolutamente real e aponta para um mundo melhor [...] cabe lembrar
que para o conto atuar na mente infantil é preciso que o professor
337
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
trabalhe a criança fazendo-a transportar-se para um mundo mágico, de
emoções e prazer. Com essas aulas aprendi outros métodos a serem
trabalhados, novos contos e novas experiências e uma nova visão sobre a
importância da Literatura Infantil em nossas escolas [...]. (Pascale A
Colossi Moraes, Ponte Alta, maio 1996).
O Abre-te Sésamo ocorreu a partir da compreensão de que para
saber o que é bom em Literatura Infantil não basta ser professor, é preciso
ser leitor, conhecer, de fato, a marca do infantil e ter alguma informação
básica sobre o gênero literário específico endereçado à criança.
Então, aula a aula, o alargamento de visão foi-lhes possibilitando
uma leitura mais lúcida de si, de seu fazer em sala de aula, rompendo com o
normativo, com o limite pedagógico e atribuindo uma dimensão artística ao
livro infantil.
Nunca pensei que um dia poderia me despertar tanto para as histórias
infantis como aconteceu nesse pouco tempo. Para mim eram
desconhecidos os nomes dos Irmãos Grimm e Hans Christian Andersen
[...]. A minha imaginação despertou tanto que pensei: se minha
imaginação foi tão longe como poderá ir a imaginação e a curiosidade de
uma criança vivendo esta experiência. Trabalhei muito com livros
infantis nesta semana e pude notar como as crianças se revelaram:
dramatizaram pequenos textos, e não se inibiram na expressão corporal,
cantaram, dançaram e associaram as histórias com várias matérias já
estudadas. (Ana Goreti Netto de Oliveira, Lages, 1996).
Longe de qualquer dúvida os textos literários constituem material
de riqueza inesgotável para a fertilização de sonhos e planos. Levar a
criança ao sonho é tarefa primeira da professora de séries iniciais, portanto
item indispensável no planejamento de todo professor ciente de que a
aprendizagem só ocorre se uma efervescente motivação aquecer o coração
e o intelecto seu e de suas crianças.
Em “Carta aos leitores que vão nascer”, Jorge Larrosa (1999)
declara ser o livro uma espécie de espaço singular, uma máquina do tempo,
capaz de tocar a sensibilidade do leitor, seja pela expressão da
sensibilidade, pela riqueza de imagens ou pelo caráter lúdico. Entendendo a
Literatura Infantil como agente polivalente, o professor conclui que precisa
estar sintonizado com as transformações do presente, sem ignorar o
tradicional, o clássico, a fim de reorganizar o seu próprio conhecimento,
situar-se criticamente na realidade histórico-social e cultural na qual está
338
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
inserido. Qualquer tema pode servir de motivo à literatura, dependendo do
modo como seja tratado: interessante, criativo, acessível.
Alicerçada nessa tríade ministrei cada aula, contei cada história,
tanto de autores clássicos como de contemporâneos nacionais e
estrangeiros, abri páginas de livros permitindo a cada professor aventurarse levando no voo a bagagem própria. As manifestações selecionadas para
ratificar o papel relevante da Literatura Infantil, na gestação de um leitor,
ressoam nas ideias do pensador Barthes (1978, p. 19): “a literatura não diz
que sabe alguma coisa, mas que sabe algo das coisas – que sabe muito
sobre os homens”.
Um dos princípios norteadores do Programa Magister evoca o
aforismo do Direito Romano: Ninguém dá o que não tem. Tal dito, de
cunho filosófico ou moral, comprova-se no depoimento da professora –
aluna: “Quando li no currículo que teria aulas de Literatura Infantil não
imaginei que seria tão bom, tão proveitoso como foi: A gente só aprende
bem o que nos agrada e interessa” (Ana Goreti Netto de Oliveira, Lages,
maio 1996).
Quando se investe em Literatura Infantil, prevalece a intenção da
qualidade, ganha quem ensina e quem aprende. Incluída nos currículos de
alguns cursos de Letras ou Pedagogia, há cerca de três décadas,
inicialmente na condição marginal, de disciplina optativa, segundo
declarações de Lúcia Pimentel Góes e Nelly Novaes Coelho – que
trouxeram a novidade de Portugal – foi lenta e progressivamente ganhando
espaço, integrando currículos de graduação, constituindo linha de pesquisa
na pós-graduação e sendo objeto de trabalhos acadêmicos em todos os
níveis.
Ensinar Literatura é proposta viável, pois associa o cognitivo ao
lúdico, ao deleite do espírito. Tal empresa pode ser uma grande responsável
pelo progresso do aluno que passa a se interessar pelos livros. O convívio,
durante o curso, com docentes de várias localidades provocou-lhes o relato
de experiências, de ‘causos’ ouvidos na infância.
Nossa vivência pacata do interior proporcionou-nos um conhecimento
restrito de contos relatados pelos tios e avós ao redor do fogo de chão,
nas noites frias e dias chuvosos. Eram contos de proeza onde o narrador
se sentia o herói, viajava no mundo da imaginação e fantasia levando
seus espectadores sentir várias emoções. Também as brincadeiras de
roda ao redor das fogueiras e noites de luar. Quando o interior teve
acesso ao rádio a emoção teve um novo colorido escutar as canções
cujas letras relatam histórias de caçadas e pescarias. Nos livros didáticos
339
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
as leituras também eram narrativas de fatos ocorridos ali roça. A
televisão então aflorou veio a tona com o sitio do Pica-pau Amarelo de
Monteiro Lobato. (Salete Terezinha de Oliveira Fortes, abril 1996).
No fluir da criatividade as professoras foram absorvendo e
armazenando os fundamentos estéticos. Passaram a reler, a refazer com
mais vigor e prazer a sua docência. Entenda-se: não adotaram um
receituário pronto e acabado, ao contrário, entenderam a pluralidade da arte
de ouvir, contar e ler histórias. Compreenderam os muitos saberes
subjacentes e acrescentaram às suas aulas o ingrediente indispensável que
aguça o apetite de ler e ler mais. Compreenderam que o gosto do leitor
pode adaptar-se a facilidades, a repetições, a acomodações, pois seu
conhecimento passa por estágios evolutivos.
A aprendizagem adquirida no Curso está acrescentando muito em
minha vida. Na minha ignorância do saber passavam despercebidos os
livros que hoje observo e manuseio com outra visão, observando a riqueza
de ensinamentos que cada história nos traz. Considero esse período que
estamos passando junto como uma porta encantada que está se abrindo e
ampliando meus horizontes. Sou professor de jardim há sete anos,
atualmente leciono para crianças de dois a quatro anos de idade [...] Na
hora da história seus olhinhos brilham. Mudam suas feições conforme vão
viajando no mundo da fantasia e ao concluir vejo neles o desejo de querer
mais. Alguns pegam o livro em suas mãos, outros interpretam o
personagem que mais lhe agradou [...]. Constatei o quanto a história lhes
interessou foi no recreio que brincavam de bruxa, Joãozinho, Mariazinha,
lobo mau e outros personagens a que lhes deram vida. Pedi que levassem a
história dos Três Porquinhos para casa e junto com os pais lessem e
desenhassem o que mais lhes atraiu. Nesses momentos me sinto gratificada
e vejo que alcancei meu objetivo. Crianças tão pequeninas... mas nelas
estou semeando o gosto pela leitura. Um mundo lindo que está dentro de
um livro esperando para ser explorado. (Josiane Helena Cabral, Lages,
1996).
Há três lustros trabalhando com a Literatura Infantil e Juvenil
coloco-a no pódio, sobretudo pela sua abrangência.
Hoje sei que a Literatura Infantil irá se transformar em minha
poderosa aliada para que os conteúdos de outras matérias sejam trabalhadas
de maneira informal na sala de aula e sobretudo, com a participação
interessada dos alunos. Hoje eu penso e reflito como nunca procurei me
340
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
aprofundar e conhecer mais os autores brasileiros em Literatura Infantil,
apenas tinha um vago conhecimento de Monteiro Lobato e suas histórias
infantis, nunca me interessei em conhecer sua vida e suas obras, e através
de suas aulas aprendi que além dele ser um autor, lutou muito em defesa de
nossos direitos e progresso e suas obras estão atravessando gerações como
o Sítio do Pica-pau amarelo, um mundo de faz-de-conta que alegra, educa e
transmite o conhecimento folclórico e cultural dos povos. Conheci também
vários outros autores de histórias infantis como Ruth Rocha, Cecília
Meireles (Ivonete de Fátima Chupel Camargo, Ponte Alta, maio 1996).
O livro de histórias diferencia-se notavelmente do livro escolar:
leva o leitor a despertar sua consciência crítica, eleva-o de objeto ou mero
decodificador à condição de sujeito. Evidencia-se essa preocupação na obra
de muitos escritores atuais.
O livro infantil Ana levada da breca de Maria de Lourdes Krieger
foi uma estorinha que me cativou bastante, me fez parar e analisar minha
condição de mãe, professora, e minhas reações diante de tais
comportamentos que até então eu achava correto. É uma estorinha alegre,
criativa e entusiasmada que espelha muitas vezes o cotidiano da própria
criança que a lê. (Andréa Dutra de S. Córdova, Lages, 1996).
A escritora catarinense Maria de Lourdes Krieger, a exemplo de
Monteiro Lobato, tem grande respeito por seus pequenos leitores e os vê
como seres pensantes, capazes de observar, analisar, comparar e julgar os
fatos com que se defrontam, tirando deles suas próprias conclusões. A
propósito, Lobato não considerava seus leitores adultos em miniatura.
Debus ressalta esse aspecto mostrando “Pedrinho e Narizinho como
representantes de seus pares. Ambas as personagens são descritas como
crianças comuns, criativas e sem enfrentamento grave com a normalidade
das relações do mundo concreto” (2004, p. 121).
A eficácia da escola, na obra infantil de Lobato, é posta em dúvida:
todo o aprendizado acontece fora dela. No sítio a avó, D. Benta e as
crianças são coparticipantes do processo de descobertas via diálogo e
observação in loco. Num clima de ‘aldeia global’ – precursor de McLuhan,
– Dona Benta ensina todas as disciplinas, leva os moradores do sítio, em
viagem fantástica ao céu e com imensa sabedoria aponta as mazelas da
passividade ou inércia de Américo Pisca-Pisca e Jeca Tatu.
341
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Das poucas ou quase nada das histórias infantis que ouvi, quando
criança, lembro muito vagamente da atração que tinha pelas botas de Jeca
Tatu – um homem tão simples e pobre [...]. O que ele mais queria era
colocar as ‘botinhas’ em todos os animais (Olivete A. Padilha Ferreira,
Lages, 1996).
O Programa Magister aberto à diversidade concebe a evolução da
professora–aluna em um contexto heterogêneo: cada um com experiências
diferentes e esta diversidade cultural possibilita-lhe a liberdade de construir
a sua história. Em resposta à nova circunstância, aproxima-o da reflexão do
espanhol Ortega y Gasset: o homem é a sua circunstância. Na senda da
Literatura Infantil emergem os registros da docência posterior ao contato
com livros, histórias e autores.
Atuando, como professora, em uma Escola Municipal de PréEscolar, na qual a clientela se apresenta em condições desfavoráveis de
moradia, higiene e até alimentação, o meu trabalho era voltado mais para o
assistencialismo e recreação, suprindo ou tentando alegrar, um pouco, o
dia-a-dia dessas crianças. As histórias entravam em cena na ‘hora do
descanso’, onde as crianças sentavam no chão para ouvi-las, mas não era
dado o valor que, hoje percebo, as histórias possuem, quer seja abrindo as
portas para o maravilhoso ou imprimindo moralidade, enfim, servindo
como resposta aos questionamentos das crianças, contribuindo para sua
socialização.
Atualmente, em minha sala, já obtivemos progressos consideráveis,
pois meus alunos se mostram mais participativos, mais interessados,
acompanhando a história, vivendo cada momento da mesma ao recontá-la
para o grupo ou reproduzindo-a no papel. (Luciane Márcia Nunes, Urubici,
1996).
Trabalho com Educação Especial. Sempre, porém, modestamente, fiz
uso da Literatura Infantil nas minhas aulas, usando-as em atividades de
descanso e pequenas interpretações de textos. Hoje, percebo o quanto
posso trabalhar, o quanto posso enriquecer minhas aulas e
principalmente socializar meus alunos com ajuda da Literatura Infantil.
Foi um ‘abrir de olhos’ um ‘despertar’, e aconteceram algumas
experiências bem positivas: contei a história do Patinho Feio, as crianças
ficaram atentas e gostaram muito. Fizeram desenhos e cada aluno
explicou o que desenhou, contando alguns trechos da história.
Outro dia, li a história do Pequeno Polegar. Incluí a história em todas as
áreas: linguagem, percepção, socialização e área motora – foi um
342
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
sucesso: houve até dramatização, o que me animou muito. As crianças
ficaram vidradas, se emocionaram ficaram curiosas. Eu gosto e leio
histórias infantis, mas não pensei que as crianças ‘ainda’ poderiam
gostar tanto delas – realmente me enganei! O simples faz parte da vida.
Às vezes buscamos grandes e novas técnicas para ensinar... Nos
perdemos em teorias. Esquecemos o muito que aprendemos com os
velhos contos infantis, esquecemos que o encanto, o mágico, o
maravilhoso deve ser aplicado para as crianças de hoje, pois as
necessidades são as mesmas.
Não aprendi a gostar de livros sozinha, alguém me contou histórias,
alguém leu histórias e é preciso que eu faça o mesmo, que eu refaça a
ideia de que história infantil é ultrapassada e resgate a história para o
bem dos alunos que estão sob a minha responsabilidade. Criança gosta
de história e vai aprender vida a fora com elas. (Maria Lúcia de Souza
Beltrame Costa, Urubici, 1996).
Os depoimentos reiteram minha crença na relevância da inclusão,
no currículo dos Cursos de Letras e de Pedagogia, da disciplina Literatura
Infantil de modo que os acadêmicos – professores ou futuros professores –
não apenas a vejam como um gênero literário a ser dissecado teoricamente,
mas assimilado por uma ótica essencialmente humana que permite
conhecer, descobrir e cultivar valores. Em seu livro Vivências de Leitura,
Vânia Maria Resende endereça a todos os educadores brasileiros a seguinte
mensagem:
Numa sociedade como a brasileira, estruturada sobre bases
colonizadoras e capitalistas que enfraquecem a visão crítica de si mesmo e
da realidade e que condicionam os padrões de comportamento à base da
massificação, não prevalece a valorização da linguagem da sensibilidade e
da fantasia. Essa linguagem – da arte e dos livros – tem o poder de gerar
mais lucidez e maior resistência contra os riscos de uma dominação
desumanizadora que se impõe como ordem social na realidade movida pelo
pragmatismo materialista (2001, p. 296).
Lamentavelmente a Literatura Infantil ainda não tem recebido das
políticas públicas a atenção merecida. Todavia, os professores, quando
motivados, transformam-na em alavanca propulsora da criatividade.
Entenda-se criatividade como vontade, emoção e decisão, e a escola só
promove uma educação criativa passando necessariamente pela formação
do professor. Não significa, porém, inserir a criatividade na grade curricular
como disciplina, sem desenvolver projetos de leitura.
Estamos vivendo a primeira década do terceiro milênio que vem
carregado de desafios, de mudanças, de questões ambientais,
343
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
desenvolvimento sustentável e tecnologia. Impressionados e alarmados
pelos avanços da inteligência artificial, os cientistas estudam maneiras de
limitar as pesquisas que poderão levar a perda do controle humano em
determinadas frentes. Se o homem é capaz de criar um Hal, o robô do filme
2001: Uma Odisseia no Espaço, a escola não pode estagnar, subestimar o
valor da leitura, pois é nessa energia que reside a potência criativa do leitor.
Por esse prisma a educação não limita nem escraviza, ao contrário
humaniza pela sensibilidade e pela imaginação.
Ler histórias é sentir emoções importantes, possibilidades de
resolver melhor as nossas dificuldades, são momentos de divertimento.
Enfim, é enxergar e sentir o mundo com os olhos do imaginário. De todas
as histórias lidas durante o meu curso de Literatura Infantil, senti grande
necessidade de renovar meu planejamento diário incluindo outras ideias,
novas histórias e outras formas de trabalhar. Mesmo, já sendo, uma leitora
de histórias infantis, as mais variadas possíveis, a cada aula que assistia
sentia-me mais motivada e emocionada. Este trabalho provocou em mim
significância e verdade que cada uma delas fez brotar.
Acredito que o meu desempenho venha sendo de melhor qualidade,
as atividades enriquecidas com tudo o que estou aprendendo. Tenho dado
um novo colorido as minhas aulas. Por estar motivada e tentando fazer um
trabalho cada vez melhor, sinto que os meus alunos correspondem a este
entusiasmo. Temos eito muitas dramatizações, reproduções de histórias,
desenhos com os personagens, etc. Até agora, não tenho encontrado
dificuldades quanto ao trabalho a desenvolver e estou certa de que
continuarei a receber todo o apoio necessário. (Ana Maria Alves, Tonon,
Lages, 1996).
A literatura além de um prazer é fonte que faz pensar sobre o mundo em
que vivemos e sobre o trabalho que temos de realizar. Bakhtin e
Vygotsky em suas teorias deram lugar de destaque à arte, principalmente
à literatura. Há, portanto, um ponto de encontro entre os dois teóricos ao
apresentarem o movimento dialético autor-leitor-obra.
Entre todos os livros lidos e ouvidos durante essas aulas, todos deixaram
marcas, mas [...] gostaria de relatar algo marcante da autora Maria de
Lourdes Krieger. No livro Vovó quer namorar, ela mostra a luta da
mulher para mudar os preconceitos de uma sociedade relatando a mulher
de ontem e a de hoje. E nesta história temos como protagonista uma
mulher chamada Frozina que sempre tentou dar um basta nesta situação.
[...] Infelizmente a história de Frozina não está muito distante da
realidade em que vivemos [...]. Muitas têm força e coragem. Outras
ainda se encontram fracas para quebrar este tabu. Frozina nos mostra
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
exemplos de coragem, força e luta (Marta de Fátima do Nascimento,
Lages, 1996).
O itinerário que cada livro propõe ao leitor é quase sempre
infindável e os dizeres das professoras-alunas, que neste trabalho venho
cosendo, fazem-me compará-los aos fragmentos ouvidos pelo viajante
numa noite de inverno (CALVINO, 1999). Naquela noite, naquela paragem
em busca de um romance interrompido e não acabado o viajante enredou-se
nas opiniões de diferentes leitores que lá se encontravam. Um dos leitores
aparece por detrás de uma pilha de volumes e diz:
Também para mim todos os livros que leio levam a um único livro, mas
é um livro para lá do tempo, que mal aflora nas minhas recordações. Há
uma história que para mim vem antes de todas as outras histórias e de
que todas as histórias que leio parecem conter um eco que logo se perde.
Nas minhas leituras mais não faço que procurar esse livro lido na minha
infância, mas o que dele me lembro é demasiado pouco para reencontrar
(CALVINO, 1999, p. 259).
Nem tempo nem espaço físico são os mesmos. Em 1996, em uma
sala de aula, professoras que já escreveram algumas páginas de sua vida
profissional escrevem mais uma reconhecendo sua condição de sujeito
inacabado, porém disposto a viajar orientado pela bússola literatura,
descobrindo sempre mais nas dobras das frases.
Senti grande emoção ao ler na sala de aula no último sábado. Li muitas
historinhas interessantes, quando percebi que a leitura me havia
transportado para o espaço mágico das mesmas. Foi gostosa a emoção de
ir aos poucos com precisão a cada detalhe do texto, sentir os conflitos
terríveis vividos pelas personagens, os arrepios provocados pelas
ilustrações. Fui deixando a criança que sempre viveu dentro de mim,
brincar à vontade, onde eu era a personagem principal. Senti enorme
prazer em estar ali, de poder ler, de mergulhar no mundo mágico das
letras pretas que remetiam a tantas histórias fantásticas. Como era triste e
comovente O soldadinho de chumbo e também triste e generosa A
sereiazinha, apaixonado como O gato Massamê, triste e só como
Miranda e o Bem-te-vi, o encanto e a descoberta em Plic, Plic, um
barulho da chuva. Foram estas as histórias que li e de certa maneira vivi
no sábado. Foi muito gostoso, dei um mergulho na minha infância,
enfim, vivi aqueles momentos mágicos da leitura. (Terezinha de Jesus
Cavalett, Correia Pinto, 1996).
345
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Outro aspecto que me chama atenção nestes registros é o
comparecimento à biblioteca, local que nas escolas ou na maioria delas
reflete a etimologia: biblion, livro e théka, caixa. Ou seja, mantém-se
fechada ou muito pouco procurada. Embora guarde um patrimônio cultural,
ainda não caracteriza com raras exceções, um espaço de lazer, um lugar de
pesquisa, centro de informações memorizadas.
Eu trabalho na Escola Básica Municipal Professor Antonio Joaquim
Henriques, e atuo na Pré-Escola. Semana passada após ter tido aula
sobre os Irmãos Grimm, Andersen e Perrault, fui para a escola
empolgada por ter visto tanta coisa interessante. Cheguei à escola fui
direto para biblioteca, a qual está muito rica em materiais, fiz uma
coletânea de livros desses autores. Na sala de aula distribuí para as
crianças ‘lerem’ as figuras e depois trocarem um com os outros. Minha
intenção era verificar qual história despertaria mais a curiosidade, eles já
tinham conhecimento de alguns livros e eu achei que eles iriam pedir
para mim repetir aquele já conhecido.
Para minha surpresa, um aluno chamado Aldo que é uma criança muito
participativa me trouxe o livro A vendedora de fósforos’, ele estava todo
ansioso, pois não conhecia a história e despertou curiosidade nele. Li
para eles colocando muita emoção na história, no final percebi que eles
tinham entristecido, então, passei a fazer comentários, e a dialogar com
eles trazendo a história para realidade, fazendo perguntas como: Existem
pessoas pobres? (na minha classe tem vários bem carentes). Pessoas
passam frio? Existem pessoas que maltratam outras pessoas? Depois de
alguns questionamentos contei a eles que o autor escreveu o livro
contando um pouco da história de sua mãe.
O Aldo achou tão fascinante existir um fundo de verdade nas histórias,
queria ler outros livros e comentá-los. Para não ficar cansativo,
combinamos então que nos próximos dias, iríamos repetir o horário de
leitura e comentários. Eu me senti muito satisfeita, pois foi uma aula
muito prazerosa. (Sandra Regina Ronconi, Lages, 1996).
Apresentar obras do cânone literário para um maior enriquecimento
crítico-cultural dos alunos, cidadãos em formação, torna-se papel
irrevogável de todo professor que há de ser um cavaleiro andante, um Dom
Quixote, exemplo de leitor pertinaz, na busca constante de crescer. Para
Saramago, “o que move Quixote é o mesmo que nos move, o querer ser
outra pessoa, o querer estar em outro lugar” (FOLHA DE S. PAULO,
2005).
Só a leitura transporta, move, permite ao sujeito a diversidade do
viver no reviver das histórias que há séculos se deixam ressignificar.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Sou sincera em revelar que nunca achei que a literatura infantil fosse tão
importante quanto a vejo agora. Dentro dessa nova visão, refleti sobre a
importância e a necessidade de mostrar que ler não é apenas uma
‘atividade escolar’ e sim uma leitura prazer. Como é importante para a
formação de qualquer criança ouvir muitas, muitas histórias... Escutá-las
é o início da aprendizagem para ser um leitor. Conseguimos muitos
livros na biblioteca, então decidimos que uma vez por semana teremos ‘a
hora da historinha’, uma semana contarei a história a eles, na outra eles
lerão. Para obter um bom desempenho, leio o livro antes, bem lido,
assim, quando começar a narrar, quero passar a emoção verdadeira,
aquela que vem lá de dentro, e que, por isso, transmite confiança e
motiva a atenção do aluno. Para que isso ocorra, criou todo um clima de
envolvimento, de encantamento... Dando as pausas, criando os
intervalos, respeitando o tempo para a criança poder imaginar, construir
seu cenário, visualizar seus monstros, criar seus dragões, adentrar pela
casa, vestir a princesa, sentir o galope do cavalo, imaginar o tamanho do
gigante, etc.
Contando ou lendo as histórias para os meus alunos, pude sorrir, rir,
gargalhar com as situações vividas pelas personagens, me sentir um
pouco cúmplice do autor, desse momento de humor, de brincadeira, de
divertimento. E eles ouvindo também sentiam emoções importantes,
como a tristeza, a raiva, a irritação, o bem-estar, o medo, a alegria, o
pavor, a insegurança, a tranquilidade e outras mais. Seus olhinhos
diziam o que sentiam. Ao ler uma história a criança também desenvolve
todo um potencial crítico. A partir daí ela pode pensar, duvidar, se
perguntar, questionar... Desde o dia 18 de abril, quando trabalhei com os
alunos durante toda semana sobre o livro infantil, Monteiro Lobato,
Irmãos Grimm, Andersen, Perrault, houve uma transformação muito
grande, eles querem ouvir histórias, ler histórias, contar histórias,
desenhar histórias, falam dos autores, dos livros que têm em casa, vão
emprestar nas bibliotecas e trazem para ler na sala, estão mais críticos,
enfim, fascinados com a leitura. Confesso que me senti realizada, pois
nunca tinha conseguido fazer com que tivessem tanto interesse em ler, se
o faziam era mais por uma obrigação de uma atividade escolar, do que
pelo prazer de ler.
Se consegui fazer com que a maioria se apaixonasse pelas histórias
infantis, devo a você professora, Danusia. Você que me fez ver com
outros olhos a literatura infantil, que deu um novo colorido às minhas
aulas, encontrando a participação dos alunos. Mais uma vez obrigada!
(Terezinha de Jesus Cavalett, Correia Pinto, 1996).
Pode-se observar que as leituras foram diversificadas, obras muito
jovens ganharam espaço ao lado das clássicas e posso assegurar que não
houve a pergunta: Por que ler os clássicos em tempos de feroz tecnologia,
de heróis mecânicos movidos a ship? Mesmo sem questionamentos
respaldo-me no que diz Harold Bloom: Por que são obrigatórios em nossa
cultura. Para Ítalo Calvino, a escola deve instrumentar o aluno a fim de que
347
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
saiba optar, mas ressalta o equilíbrio, ou seja: nem a sonegação nem a
imposição.
Nada na vida é estático. As professoras-alunas do Curso Magister
mudaram porque como Eva experimentaram o fruto da árvore do
Conhecimento do Bem e do Mal e imediatamente se propuseram a
compartilhar o sabor da maçã aos alunos, à escola como um todo e à
comunidade.
A disciplina de Literatura Infantil ministrada pela professora
Danusia, despertou algo que estava inerte dentro de mim. Foi como uma
plantinha que estava murcha, quase morta, de repente chegou alguém que
com carinho regou e cuidou da plantinha. A plantinha despertou, ficou
vigorosa e forte. Agora é crescer, crescer até dar frutos. Hoje olho e penso
nos livros como um companheiro, um amigo que nos acompanha passo a
passo. Eu nunca me interessava em saber o nome do autor, agora é o que
faço primeiro, é saber quem o escreveu.
Em minha escola, a semana foi cheia de trabalhos tentando assim,
resgatar o prazer pela leitura por pais e alunos. Organizamos uma
pequena biblioteca com aproximadamente 120 livros, dos mais diversos
escritores, entre eles: Monteiro Lobato, Eva Furnari, Irmãos Grimm,
Ana Maria Machado, Viriato Correa, Érico Veríssimo e outros. Fiz uma
reunião com os pais, onde coloquei a importância do ato de ler e
incentivei-os a lerem histórias para seus filhos.
Meus alunos de 2ª série irão escrever sua própria história com ajuda dos
pais sob minha coordenação. No segundo semestre, faremos uma
festinha para o lançamento dos livrinhos. Convidaremos pessoas ligadas
à área da educação, inclusive a senhora que tantas ideias lançou para que
nós professoras, possamos trabalhar os livros com mais gosto e de um
modo lúdico.
Professora Danusia! Sua disciplina foi a melhor de todas as outras já
ministradas. A didática e a estratégia foi ótima, sua voz é agradável.
Estou feliz por ter encontrado uma pessoa como a senhora e meu projeto
de pesquisa para a disciplina de metodologia que seria sobre Avaliação,
estou pensando seriamente em mudar para Literatura Infantil. (Sonia de
Fátima Arruda, Urupema, 1996).
A atitude da professora e diretora Sonia de Fátima Arruda tem sido
louvável. Posso assegurar, pois já estive duas vezes em sua Escola, na
cidade de Urupema ministrando oficinas de Literatura Infantil. No ano de
2008, a professora Sonia Arruda concluiu seu Mestrado na UFSC,
Universidade Federal de Santa Catarina, corroborando seu firme propósito
de crescer.
348
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
As aulas de Literatura permitiram às professoras do Curso Magister
assumirem o papel de leitor numa concepção socializadora levando em
conta a relação que mantêm com o contexto histórico-cultural. Sob a lente
do lazer inúmeros são os valores que o ato de ouvir, bem como o de ler
assumem. Para Aristóteles, lazer implicava paz, prosperidade e
entendimento que continuam conferindo ao homem superioridade de
raciocínio, e espírito de indagação.
Ao trabalhar com a disciplina Literatura percebi a importância da leitura
em nossa vida, não só da professora, mas também de mãe e de mulher.
Pois através da leitura descobrimos um mundo fascinante e tiramos
muitas lições de vida. No trabalho que realizo em minha escola na sala
de apoio pedagógico passei a contar cada dia na chegada uma historinha,
combinei com os alunos que a cada dia contaria uma história diferente.
Notei que os alunos passaram a não faltar mais nas aulas e se mostram
muito mais interessados, houve até comentários das mães: ‘Meu filho
não quer faltar na aula, antes da hora já está pronto’.
Com a turma de 4ª série fizemos o teatro que nos foi apresentado aqui na
Faculdade, apresentamos para outras turmas e foi um sucesso, muitos
alunos passaram a ir à secretaria da escola e pedir livros do Sitio do
Pica-Pau Amarelo e outros. Aproveitei a reunião pedagógica que
tivemos na escola e passei para as professoras todas as informações que
recebi sobre a importância de contarmos história aos nossos alunos,
lermos muito e transformar os nossos alunos em leitores que realmente
gostem da leitura e que ela não seja algo cobrado como matéria, mas um
prazer para crianças.
Procurei na minha casa vários livros que estavam há muito tempo na
estante e levei para a escola, emprestei vários deles para professores e
alunos da escola. É muito bom ver a expressão das crianças após
ouvirem cada história e pedirem: conta outra vez, professora? Realmente
a Literatura Infantil tem que estar presente em cada sala de aula, porque
em muitos lares infelizmente ela é esquecida. (Lidia Mara Pereira
Furtado, Lages, 1996).
A interação literatura, livro e professor estendeu-se, em alguns
estabelecimentos, ao corpo docente, pois nenhum lugar é mais apropriado
do que a escola para a condução do espírito crítico e a atitude criadora.
Embora todos possuam capacidade é preciso acioná-la a bem de mudar de
atitudes.
Eu fui contemplada em mudar de atitudes em relação às aulas de
Literatura Infantil. Percebi que através da leitura desenvolvemos nosso
modo de agir, nossos hábitos de leitura, nossa maneira de pensar e de
por no papel nosso pensamento. Aumentou o gosto pela leitura e senti349
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
me satisfeita em rever conceitos antigos e conseguir a mudança para
hábitos melhores. Valorizei mais ainda a leitura, pois é através dela que
surgem os grandes sábios, os grandes escritores. Através da leitura
viajamos, conhecemos outros países, voamos a outras galáxias, sem
sairmos da nossa poltrona. Deu-se a complementação daquele ato que
ainda estava difícil para mim, que era, pegar um livro, sentar e lê-lo do
início ao fim.
Minhas atividades durante esta semana foram: domingo, dia 28 de abril,
li as anotações que fiz durante o curso de Literatura Infantil e planejei as
atividades da semana. Segunda-feira conversei com as colegas de escola
sobre tudo aquilo que está mudando em mim, da sensação de ler e viver
uma história, uma leitura. Terça-feira, fui à biblioteca da outra escola,
pedir livros de Literatura e os levei para minha escola a fim de
enriquecer a minha leitura e também a leitura dos alunos. Quarta-feira,
feriado nas escolas e no trabalho, mas para a leitura não tem dia, não tem
hora, sempre é tempo de ler... Quinta-feira, reunião pedagógica, cuja
hora mais importante foi quando falamos da importância da leitura. Os
professores relataram suas experiências vividas em sala de aula e,
mesmo individual. Fizemos grupos para leitura e trocamos muitas ideias.
(Maria Helena de Moraes Picinini, Lages, 1996).
A reeducação da professora inserida nos meandros da Literatura
Infantil cujos efeitos benéficos, segundo Bettelheim, transmitem nuances e
atitudes deve ser conhecida e prestigiada. Contudo para se chegar a uma
prática docente eficaz é preciso ver como diz a professora Margarida Maria
Ferreira:
Agora vejo como a Literatura Infantil é importante e indispensável. Foi
uma bênção para mim ter uma professora maravilhosa, que abriu o
coração, fez enxergar-me e ensinou-me a valorizar em poucos dias a
Literatura Infantil. Na verdade nunca tinha trabalhado com as crianças
assim, com tanto entusiasmo e que trouxesse frutos ou exemplos a nossa
vida. Pude observar e ver como aprendemos coisas, formas erradas sobre
Literatura Infantil. Cada aula, foi válido, aprendi muito, pude constatar
isso através dos trabalhos feitos com as crianças. Estaremos ricos se
soubermos aproveitar, trabalharmos com amor e darmos continuidade a
história da Literatura Infantil.[...] (Lages, 1996).
Sem desconsiderar os fatores de ordem sócio-econômica
responsáveis pela proscrição do livro no cotidiano do aluno, faz-se mister
ressaltar a ação do professor, sobretudo dos que se formaram sob o
desamparo do hábito e do gosto de ler. O professor é o mediador entre o
texto e o seu destinatário e com competência e afeto será capaz de
minimizar essa fobia. Santo Agostinho em seu livro Confissões arrola um
350
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
conjunto de Pecados da adolescência entre os quais elenca o furto e
confessa que o ato não o aprazia se não fosse praticado com os amigos, se
estes não lhe dissessem: ‘Vamos, façamos’. Também o professor conduzirá
o aluno à leitura se for em primeiro lugar um leitor e em segundo, um
sedutor:
Foi nas aulas de Literatura Infantil, com a Professora Danusia, aprendi
muito sobre histórias. Aplicando com meus alunos em sala, a gente vê o
tanto que temos que aprender. Ao ler ou contar histórias é importante
fixar dados sobre o autor e a editora. Explorar junto com a criança, para
que desperte a curiosidade, o gosto pela história que vamos ouvir. É
importante observar como o autor descreve, apresenta e retrata seus
personagens, seus caracteres e seus comportamentos. Como se
desencadeiam as ideias e a lógica da mensagem. Tentar também
interpretar as ideias que o autor quer transmitir, estabelecendo
comparações entre elementos dentro e fora da história. (Albertina Pickler
Coelho, Correia Pinto, 1996).
Toda a carga da responsabilidade atribuída ao professor, tornar-se-á
menos pesada se for assumida por muitos, num trabalho de coesão, de
solidariedade, cabendo aqui a máxima desgastada: Uma andorinha só não
faz verão. O esforço isolado de alguns professores, indubitavelmente, tem
sido mola propulsora, mas o trabalho solidário de muitos produzirá uma
sociedade leitora, lúcida e crítica.
Os depoimentos das professoras contemplados pelo Programa
Magister fortalecem os princípios que o nortearam e impulsionadas pela
Literatura Infantil escreveram mais uma página sobre sua vida profissional,
reconhecendo sua condição de sujeito inacabado, porém dispostas à
ampliação de horizontes de possibilidades.
* Os textos em destaque de autoria das Professoras-alunas foram transcritos
sem nenhuma alteração.
Referências
BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1978.
CALVINO, Ítalo. Se um viajante numa noite de inverno. São Paulo: Companhia das Letras,
1999.
DEBUS, Eliane. Monteiro Lobato e o leitor, esse conhecido. Florianópolis: UFSC, 2004.
351
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
FOLHA de São Paulo, Caderno Especial, 18.06.2005.
GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. In: LARROSA,
Jorge. Carta aos leitores que vão nascer. Porto Alegre: L & PM, 1999.
PATERSON. Katherine. O mundo é dos que leem. Noticias. Fundação Nacional do Livro
Infantil e Juvenil. Vol. 16, n. 1, jan. 1991.
RESENDE, Vânia. Literatura infantil e juvenil: vivências de leitura e expressão criadora.
São Paulo: Saraiva, s.d.
SANTOS, Maria Angélica Amâncio dos; CAMPOS, Marília Vasconcelos de Melo;
PEREIRA, Terezinha. Dom Quixote: cavaleiro de 400 anos na escola. Revista Presença
Pedagógica. Belo Horizonte, v. 11, n. 65, set./out. 2005.
352
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
MALUCOS POR HISTÓRIAS: UMA PROPOSTA CRIATIVA PARA
A FORMAÇÃO DE LEITORES CRÍTICOS
Tatiana C. Manica
PPGCL/UNISUL; Faculdades SATC
[email protected]
1 Introdução
O ensino de Literatura Brasileira, História e Artes, na maioria das
vezes, obedece a programas e padrões pré-estabelecidos, focando
acontecimentos, que em determinados momentos são desinteressantes e não
oportuniza tempo para reflexão, análise e debates. Entretanto, constata-se
que, além da não diversidade nos recursos de trabalho; no ensino de
Literatura Brasileira há uma extrema dificuldade de contextualização e
fluxo de leitura e com relação à História e as perspectivas e fundamentos
têm apresentação eurocêntrica e elitista, ocultando as faces dominadas,
vencidas e excluídas. Percebe-se ainda a falta de abordagem às questões
regionais, a importância subjetiva da Literatura com a Arte e a História
como parte de explicações humanitárias no desenvolvimento das
disciplinas.
2 Objetivos
Objetivo Geral
Enfatizar a crítica literária e histórica dentro dos padrões culturais
atuais e de época. Incentivar à leitura e as demais interpretações artísticas
enriquecendo as contextualizações que são expostas para o grupo de
pessoas interessadas em adquirir mais conhecimento e cultura.
Objetivos Específicos
a) Estabelecer relações entre Literatura, História e Artes;
b) Perceber a importância da junção disciplinar como parte social
e não apenas curricular;
353
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
c) Refletir acerca da importância de ser um sujeito crítico e
conhecedor de sua própria história.
3 Metodologia
Este artigo é entendido como uma forma de relato que contempla
uma forma dinâmica e criativa de unir componentes curriculares em favor
do crescimento pessoal e crítico do leitor. O Projeto Malucos por Histórias,
fora criado no primeiro semestre de 2008, na Escola Técnica SATC de
Criciúma – SC.
Os encontros foram mensais, com temas abrangentes e relevantes
para o período, dentre alguns trabalhados: Inconfidência Mineira –
literatura árcade e fatos históricos; Incidente em Antares – personagens de
Érico Veríssimo e contexto político-econômico bras ileiro; 1808, A vinda
da Família Real – publicações jornalísticas, obras teatrais de Martins Pena e
Gonçalves de Magalhães.
A promoção dos encontros e, consequentemente, o
desenvolvimento do projeto, evidenciou a carência e a relevância da
contextualização e do comprometimento de componentes curriculares
envolvidos. Constatou-se que, mesmo ocorrendo em rápida junção, os
resultados, embora ainda em experimentação, foram surpreendentes em
relação à formação de conhecimentos e envolvimento cultural dos
participantes.
4 Fundamentação teórica
A literatura é um assunto sério para um país, pois é afinal de contas o
seu rosto. Louis Aragon
Por muito tempo o desenvolvimento da escrita da história teve
como elemento característico do seu fazer a estética da escrita literária. A
influência das artes também nunca passou despercebida retomando assim
uma espécie de dejà vu. A composição de um quadro histórico retratando a
época em que o autor vivera, escrevera sua obra, as situações sociais e
econômicas há muitos anos é realizada pela sociologia da literatura. A
história, por sua vez, tem em seu campo uma dimensão cultural enriquecida
pela literatura, retratando os momentos históricos, ás vezes com certo
354
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
lirismo, outras vezes com impessoalidade, mas sempre carimbando com
palavras épicas e de acordo com a sensibilidade humana e por vezes
irracional.
As artes permeiam de forma única a literatura e a história. Suas
marcas vão além das palavras, sintetizando a composição literária e a
dimensão cultural descrita por ambas as ciências. A colaboração de uma
pintura, escultura, ou outra forma de expressão artística sempre ilustraram e
esclareceram simbolicamente os momentos transitórios ou decisivos de
uma época. Afirma Nunes 121 que A Arte excede, de muito, os limites das
avaliações estéticas. Modo de ação produtiva do homem, ela é fenômeno
social e parte da cultura. Está relacionada com a totalidade da existência
humana, mantém íntimas conexões com o processo histórico e possui a sua
própria história, dirigida que é por tendências que nascem, desenvolvem-se
e morrem, e às quais correspondem estilos e formas definidos.
O século XIX, sobre o espectro do Iluminismo, a sociedade
contemporânea passava a ser conhecida pela multiplicação de códigos que
se estruturou em novas linguagens, o século seguinte seria conhecido como
o das imagens, sendo representado através do cinema, cartaz, fotografia,
televisão, propaganda etc. Nesta perspectiva a arte passou a não ser mais
estruturada na busca do belo, sua dimensão abrangeu a práticas culturais da
humanidade. Assim sendo a:
... arte hora é reflexo social e o estilo é um sistema de representação...
ora é expressão da personalidade do artista... ora é a expressão do
temperamento nacional, individual ou de uma época, mas também pode
ser uma unidade e regularidade. Ou ainda como expressão coletiva, o
que torna possível caracterizá-la como uma lei ou uma regra geral... falar
em arte e/ou estilo implica sempre falar em algo ligado à unidade e,
tanto faz que seja um particular universalizado pela coisa típica. 122
Na perspectiva das práticas culturais arte e literatura estilizam os
seus fazeres buscando elementos socioculturais que simultaneamente num
movimento dialético transcorrem sem ordem cronológica entre o passado e
o presente que se caracterizam simbolicamente numa estruturação do
tempo, a história, e também existem casos de haver uma representação de
121
122
NUNES, Benedito. Introdução à Filosofia da Arte. São Paulo: Ática, 1989.
CARAMELLA, Elaine. História da Arte. BAUPU: EDUSC, 1998.
355
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
probabilidades de acontecimentos futurísticos nas obras dos artistas, autores
e historiadores.
Estas práticas acabam sendo sistematizadas racionalmente numa
estética paradoxal que se fragmenta nos “agoras”. A estética paradoxal da
imagem e da escrita são dicotomizadas em pequenas percepções de imagem
e movimento, imagem e tempo, e a escrita por sua vez se transforma em
palavras construindo um mundo de “coisas”. Existencialmente esta estética
paradoxal se constitui num “universo de coisas”, o ser e o tempo, são
compostos em verdades que se desdobram numa mentira de sentido extramoral.
Neste “universo de coisas” subjetividade e verdade emanam na
vontade de saber que se desloca ativamente no uso dos prazeres dos seres
humanos. Neste sentido, tal prazer se reflete na imaginação subjetiva
concretizada no imaginário social tendo como reflexo destes uma reação
existencialista constituída entre o ser e o nada, é o que se pode chamar de
crise de consciência civilizatória.
No decorrer dos tempos a história foi sujeitada a inúmeros
discursos, criando a cada época um sentido histórico, apesar de seus
diferenciados sentidos as suas experiências neste longo tempo devem ser
compreendidas, diferentemente do que tem acontecido. Os seus variados
sentidos históricos no passado nunca mudaram, mas os historiadores de
ofício do tempo presente devem estar compromissados com um fazer
histórico transparente, diferente daqueles que buscam afirmar certezas
sobre verdades.
Historicamente, temos assistido a partir da transformação das
relações materiais dos indivíduos nos diferentes ambientes da sociedade a
constituição dos escombros do passado que remanescem no presente sobre
as lembranças, a memória, os documentos, toda e qualquer manifestação
cultural.
Nada está definitivamente acabado, a história segue em constante
transformação, os “fenômenos sociais” pouco a pouco constituem um
grande complexo de acontecimentos e cada um tem a sua particularidade.
Para adentrar nestes variados ambientes não podemos compreender
segundo a sociologia, a economia, a psicologia, antropologia, é preciso
cada vez mais uma interação.
Um outro exemplo ocorreu por volta de 1880 na França: à
institucionalização e profissionalização da história, um momento de
anunciação do rompimento radical com a literatura, criando assim, um
356
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
estilo próprio de escrita, que segundo François Dosse “apaga os traços da
estética literária”. 123
Mas é de fato o uso de literatura para contar fatos históricos uma
espécie de “sedução” para conquistar o leitor leigo ou até mesmo aquele
que busca novidades em suas leitura. Sabe-se que atualmente escritores
estão buscando na linguagem literária formas de expressão para descrever
fatos históricos e relatos verídicos.
É impossível, portanto, uma ruptura da literatura com a história, até
porque se perde muita riqueza cultural nessa desunião. Segundo Lajolo 124
[...] questionamento de conceitos substancialistas de literatura e história,
um reduzindo literatura a obras literárias e suas supostas marcas de
literariedade e essencialidade, o outro compreendendo a história como
repositório de fatos e eventos ocorridos no passado. Não há tais coisas
como os significados, as obras de arte, a história, a realidade, mas em vez
disso, significados, obras de arte, histórias e realidades.
Sabemos que, atualmente, algumas posturas foram ultrapassadas,
não porque perderam seu valor histórico ou literário, mas pela exigência
intelectual de um novo século e milênio. A contextualização exige que se
inclua novos paradigmas nesta tríade e que se questione os antigos modelos
de ensino. O enfoque da globalização, dotado hoje de forte apelo, nos faz
estilhaçar a realidade de tamanha intensidade que nos obriga a encontrar
novas formas de compreender o mundo em que vivemos e conceituá-lo de
forma mais abrangente e completa.
O interessante é discutir o diálogo da história com a literatura, é
permitir que toda expressão artística envolva acontecimentos que marcaram
épocas e realmente deixe claro sua participação real em um mundo que
para muitos é só lembrança ficcional.
A história tem o real como referente, a literatura nem sempre. Para
confirmar ou negar, construir uma teoria sobre algum fato que procede ou
não, exige além de pesquisa, sensibilidade e percepção aguçada. Muitos
afirmam que a literatura é igual à história. A literatura é, no caso, um
discurso privilegiado de diferentes épocas. No enunciado célebre de
123
DOSSE, François. A história; tradução Maria Elena Ortiz Assumpção. Bauru, SP:
EDUSC, 2003. p. 326.
124
LAJOLO, Marisa. Regionalismo e história da literatura: quem é o vilão da história?apud
Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: USF/Editora Contexto. Pgs. 297- 328
1998 (2a. ed. 1998).
357
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Aristóteles, em sua “Poética”, ela é o discurso sobre o que poderia ter
acontecido ficando a história como a narrativa dos fatos verídicos.
Mas será que só interessa o verídico? E o que acarretou ao fato para
ele se tornar real? A literatura mostra a outra face da história. Um lado
humano e por diversas vezes escondido ou até “queimado” dos relatos que
nos contam. Registros escondidos até mesmo pelos seus próprios autores,
que pressionados pela conjectura da época camuflaram registros preciosos
para estudos posteriores.
Pesquisadores descobrem e mediatizam os dois mundos, trazendo
muitas narrativas perdidas conectando história, arte e literatura.
A literatura sempre encontrou uma forma de ser representada, obras
relativas ao cotidiano, a busca da sensibilização por meio de poesia, sempre
inovou a linguagem histórica. A sociedade em sua evolução permitiu-se
participar do grande contexto histórico e reafirmando que “não existia uma
história econômica e social. Só existe a história na sua unicidade”. 125
Então não há como negar que história e literatura não podem se
desvincular e que a participação artística engrandece e contempla com um
olhar subjetivo as narrativas humanas.
5 Considerações finais
O critério de escolha para novos métodos de ensino-aprendizagem
é essencial para que se obtenha sucesso de um desenvolvimento intelectual
e heterogêneo. É por meio de técnicas diferentes e desenvolvendo
metodologias eficazes que a consolidação literária e histórica deve
encontrar rumos diversos de singulares personificações e de forma linear e
espiral de envolver autor e leitor.
Portanto, as adaptações são necessárias ao passo que as exigências
surgem. Não é possível parar no tempo e esperar que se tome consciência
do potencial intelectual que se está perdendo, é preciso sim utilizar-se desta
constante mudança para enriquecer e aprimorar o que de pronto já está
criado e que não precisa ser reinventado, apenas visto com outros olhos.
A arte, a literatura e a história, enfim o conhecimento que é o
patrimônio hisórico da humanidade “é totalmente relativa à estrutura da
125
FEBVRE, apud REVEL, Jacques. A invenção da Sociedade; tradução Vanda Anastácio.
– Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A, 1989. p. 23.
358
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
sociedade” 126ou como se referiu Peter Burke, “uma combinação única de
elementos, que individualmente têm paralelos em outros lugares”. 127
Referências
NUNES, Benedito. Introdução à Filosofia da Arte. São Paulo: Ática, 1989.
DOSSE, François. A história; tradução Maria Elena Ortiz Assumpção. Bauru, SP: EDUSC,
2003.
LAJOLO, Marisa. Regionalismo e história da literatura: quem é o vilão da história? apud
Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: USF/Editora Contexto. 1998
CARAMELLA, Elaine. História da Arte. BAUPU: EDUSC, 1998.
FEBVRE, apud REVEL, Jacques. A invenção da Sociedade; tradução Vanda Anastácio. –
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A, 1989.
CERTEAU, apud DOSSE, François. A história em migalhas: dos annales à nova história. 3ª
ed. São Paulo: Ensaio, 1994.
BURKE, Peter. História e teoria social; tradução Klauss Brandini Gerhardt, Roneide
Venâncio Majer. – São Paulo: UNESP, 2002.
126
CERTEAU, apud DOSSE, François. A história em migalhas: dos annales à nova história.
3ª ed. São Paulo: Ensaio, 1994. p. 16.
127
BURKE, Peter. História e teoria social; tradução Klauss Brandini Gerhardt, Roneide
Venâncio Majer. – São Paulo: UNESP, 2002. p. 13
359
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O PAPEL DO NEGRO NA LITERATURA INFANTIL HOJE: UM
ASSUNTO QUE NÃO PODE PASSAR EM BRANCO
Cláudia Regina Silveira
UFSC – Doutorado
[email protected]
1. Introdução
O papel do negro como personagem de histórias literárias não tem
sido o de privilégio. Pelo contrário, o que percebemos é que em um país
cuja maioria da população é negra (segundo o Censo atual), o(a) negro(a)
aparece quase sempre estereotipado como sendo feio, malandro, marginal,
pobre e sem moral. Nas histórias infantis, até a década passada, quando
aparecia um personagem negro, e isso era bem raro, o papel atribuído a ele
era o de empregada doméstica (como a Tia Nastácia, de Monteiro Lobato)
ou de escravo. Ou seja, o papel dado aos personagens negros era sempre o
de inferior ao branco.
Era esse o tipo de literatura que se produzia até então para as
crianças e que, certamente, elas levavam para toda a sua formação. O
resultado desse tipo de educação não poderia ser outro senão o de uma
cultura que reproduzia a ideologia do dominador; assim, o modelo branco
europeu passou a ser ditado como o único padrão de beleza aceito e, junto
com ele, a sua imagem de pureza, inteligência e bondade.
A inculcação do estereótipo inferiorizante visa a produzir a rejeição a si
próprio, ao seu padrão estético, bem como aos seus assemelhados. Por
sua vez, a cultura e seus valores, uma vez inferiorizados, tendem a ser
rejeitados, porque passam a ser vistos pela ótica imposta do dominador
como primitivos, inferiores ou ‘folclóricos’. (LIMA; ROMÃO, 2002, p.
17)
O fato de aparecer sempre desempenhando papéis subalternos e,
ainda, de sua própria invisibilidade nas histórias, pode contribuir para que a
criança que pertença a este grupo étnico estigmatizado e invisibilizado
desenvolva um processo de auto-rejeição e de rejeição ao seu grupo
étnico/racial. Isso acontece não só pelo texto escrito, mas também pela
imagem ilustrada nos livros, e essas imagens revelam expressões culturais
de uma sociedade. Assim, a criança negra poderá ver aquilo como um
361
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
espelho de sua imagem e aí começam os problemas. Tentar puxar essa
provocação e mostrar que aos poucos, porém felizmente, essa realidade está
mudando é o que se pretende no presente artigo; analisar algumas das
tipologias negras encontradas na literatura infanto-juvenil, através de duas
obras: “Cabelo ruim? a história de três meninas aprendendo a se aceitar, de
Neusa B. Pinto, e “O menino marrom”, de Ziraldo, bem como situar
reflexões acerca dos aspectos das relações étnico/raciais no mundo dos
livros e de nossa cultura popular constituem o nosso objetivo.
2. O cabelo como símbolo de uma identidade
O cabelo tem sido um elemento bastante representativo da
identidade racial. Ella Shohat, em seu estudo denominado “A vinda para a
América” (2002), mostra a imagem de um feixe de cabelos longos e lisos
sendo moído por uma espécie de moedor de carnes, através da obra de arte
Wrung, de Lynne Yamamoto; nessa imagem, “a dor e a crueza da servidão
lembram a morte lenta da empregada doméstica” (SHOHAT, 2002, p. 113).
Nesse caso, a representação do cabelo “longo, negro e sedoso” de mulheres
asiáticas que sempre aparece como metáfora da frágil e dócil ‘Oriente’,
causa uma espécie de choque; ou, como a própria Shohat designou, é uma
“beleza aterradora”, uma vez que nos passa a impressão de que o corpo e o
rosto já foram torcidos pela máquina.
Entretanto, se o cabelo longo, negro e sedoso representa a
identidade de mulheres orientais em sua beleza e sensualidade, o cabelo
duro, feio, pixaim, crespo e ruim tem sido o tipo denominado aos “pretos”.
Esse tipo de violência está diretamente relacionado à triste história da
escravidão a que os negros foram submetidos. No entanto, de acordo com
Telles (2003, p. 306), as desigualdades raciais no Brasil não são
“meramente o resultado da escravidão ou de grandes desigualdades de
classe, mas de uma contínua prática social preconceituosa, de cunho
racial.” O autor acrescenta, ainda, que “a noção popular de raça é
transmitida através de estereótipos, da mídia, de piadas, das redes sociais,
do sistema educacional, das práticas de consumo, dos negócios e pelas
políticas do Estado. Logo, a raça tem grandes implicações materiais para os
brasileiros.” Falando nisso, é sempre bom esclarecer o conceito de raça:
Raça é uma categoria discursiva, e não biológica. Ou seja, é a categoria
organizadora destas maneiras de falar, dos sistemas de representação, e
das práticas sociais (discursos) que utilizam um conjunto frouxo,
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frequentemente não específico de diferenças de traços físicos – cor da
pele, textura do cabelo, características físicas e corporais, etc. – como
marcadores simbólicos para diferenciar socialmente um grupo de outro.
(HALL, 1996, p. 49)
Em nosso país, o racismo e a discriminação racial são armas
potentes que enquadram as pessoas dentro de um sistema de classes
desigual cuja superioridade do branco é sempre evidente. Guimarães (2004)
chama a atenção para o fato de se precisar melhor a linguagem sociológica
diferenciando termos como preconceito racial, discriminação racial e
racismo. Segundo esse autor, o preconceito racial seria aquele que é
expresso verbalmente “através de ofensas pessoais”; já a discriminação
racial “consiste no tratamento diferencial de pessoas baseado na ideia de
raça, podendo tal comportamento gerar segregação e desigualdades raciais”
(ibidem, p. 18, grifos do autor) e, finalmente, o racismo, que é “o sistema
de desigualdades de oportunidades, inscritas na estrutura de uma sociedade,
que podem ser verificadas apenas estatisticamente através da estrutura de
desigualdades raciais” (ibidem, p. 18), isto é, a incitação pública do
preconceito.
Esse preconceito fica maior ainda à medida que as “diferenças” se
evidenciam. A interiorização de que o branco e o cabelo liso são os padrões
ideais de beleza pode levar o sujeito negro à alienação e à negação da
própria identidade, fazendo com que ele busque a “salvação” no
embranquecimento físico e/ou cultural. Como já citado anteriormente, essa
visão de “beleza” teve origem na escravidão e nas relações de poder que se
formaram a partir daí. Por isso, o cabelo ruim, duro, pixaim é a expressão
do racismo e da desigualdade racial que recai sobre o indivíduo. Buscando
o embranquecimento, ele nega a sua cor, e ao negar a cor, ele repudia o
corpo, querendo tornar invisíveis características como nariz chato e grosso,
bunda grande, beiço grande e cabelo ruim. Essa relação que o sujeito cria
com o seu corpo constitui a sua identidade.
Nesse sentido, dizemos que o cabelo crespo pode ser considerado
uma expressão simbólica da identidade negra no Brasil. E como, segundo
Hall (2000, p. 109-110), as identidades são construídas por meio da
diferença, “elas emergem no interior do jogo de poder e são, assim, mais o
produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo de uma
unidade idêntica, naturalmente construída, de uma ‘identidade’ em seu
significado tradicional.” Assim, sobre os negros, e principalmente sobre a
mulher negra, recaem o patrulhamento da questão estética sobre o cabelo,
pois o padrão de beleza é o liso, com madeixas compridas e sedosos; esse é
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
o “ideal”, o “cabelo bom”. Em contrapartida, o que vemos nas mulheres
negras, mulatas e “pardas” é o estereótipo do “cabelo ruim”, “pixaim”,
“Bombril”, isso quando não associado a animais como o macaco e a outras
piadinhas de mau gosto.
A violência racial entra também na questão de gênero no que se
refere à violência contra a mulher, no seu sentido psicológico que ocasiona
problemas com a auto-estima em razão da imagem desvalorizada que vê na
sociedade. Na literatura nacional, e aqui não falo somente da literatura
infantil, negritude e escravidão são temas frequentes; porém, normalmente
os personagens aparecem estereotipados: “o escravo melancólico e saudoso
de sua terra; o negro sofredor, que se revolta com a condição de escravo; o
escravo fiel, espécie de anjo da guarda do senhor e de sua família; a mãe
negra, dilacerada entre a felicidade da maternidade e a tragédia do
cativeiro; e sobretudo, a bela mulata.” (FRANÇA, 1996, p. 99 apud
CARNEIRO, 2002)
O papel da mulata também requer uma atenção especial neste nosso
trabalho. É válido lembrar que ela ocupa um lugar “privilegiado” em
relação à negra, em nossa sociedade, estendendo-se até a literatura e à
música. À mulata cabe a denominação de “mulher quente”; seu papel está
sempre associado à sensualidade e erotização – lembremos aqui um ditado
popular que diz: “Preta pra trabalhar, branca pra casar e mulata pra
fornicar”. Essa é a definição de gênero/raça da mulher brasileira em nossa
sociedade patriarcal e colonial e que perdura até os dias atuais. Sobre a
invenção da mulata, Azeredo (2005) cita Mariza Correa que trabalha a ideia
de que o termo mulata pressupõe a desigualdade social entre brancos e não
brancos; o mulato parece um “terceiro” e cômodo termo criado entre os
polares termos Branco e Negro. E a própria mulata, ao interiorizar a
preferência do homem branco por sua pessoa, acaba rejeitando a condição
da negra preta. E ela é responsável por atrair, envenenar o homem branco
que, indefeso mediante tanto poder de sedução, acaba traindo a senhora
branca.
Graças a seus encantos físicos, foi a mulata avaliada através de critérios
opostos de apreciação. Por reunir peculiaridades físicas da branca e da
negra, constituiu-se ela num tipo de beleza sui generis: a ‘de mulher
branca, com o acréscimo dessa pontinha de fogo, dessa lascívia atraente
que lhe dá o sangue negro, segundo consta’. (ROGER; FLORESTAN,
apud QUEIROZ JÚNIOR, 1975, p. 29)
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Assim, não nos fica difícil pensar que entre a pressão do cativeiro e
a cobiça do seu senhor, a mulata acabasse explorando seus dotes físicos até
mesmo como uma forma de libertação. Desde então, ela passa a ser vista na
literatura (e mais recentemente na música) como o tipo já aqui descrito por
nós.
3. “Cabelo ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar”
O primeiro livro estudado foi “Cabelo ruim? A história de três
meninas aprendendo a se aceitar.” (2007), da jornalista Neusa Baptista
Pinto, editado pela Editora Tantatinta, do Mato Grosso do Sul. O livro faz
parte do projeto da autora, intitulado “Pixaim: nem bom, nem ruim –
apenas diferente”, cujo objetivo é o de estimular e valorizar o uso do cabelo
crespo.
Inicialmente, a autora, que também é negra e que, portanto, sofreu
(e sofre!) esse tipo de discriminação por causa do cabelo, faz uma
apresentação das meninas: Bia tem a pele cor de canela; Tatá possui a pele
escura; e Ritinha, uma cor indefinida, nem branca, nem preta, na verdade,
mulata. Intencionalmente, a autora as apresenta carecas; elas são ilustradas
desprovidas de cabelos inicialmente.
Após a apresentação, o destaque ao cabelo é dado. Agora, sim,
aparece a ilustração das três: Bia tem cabelo “meio avermelhado cor de
fogo”, comprido, porém anda “sempre amarrado bem presinho prá trás”.
Essa menina, “na hora do recreio, em vez de brincar, vai pro banheiro,
molhar o cabelo e botar creminho. Diz que é prá hidratar...” A outra
menina, Tatá, tem o cabelo “pretinho” e curto (curto para não dar trabalho),
e anda sempre com uma tiara para que ele não arme. Já Ritinha possui o
cabelo mais claro, castanho, e sempre usa trancinhas com bolinhas ou
fitinhas coloridas nas pontas. O que se percebe aqui é que as meninas,
mesmo inconscientemente (e orientadas pelas mães) não possuem a cultura
de deixar os cabelos soltos. Eles aparecem sempre presos e com gel, ou
seja, sempre escondidos pela vergonha de suas donas.
Os cabelos crespos das crianças afro-descendentes são identificados
como cabelo “ruim”, primeiro pelas mães, que internalizaram o
estereótipo; e, na escola, pelos coleguinhas, que põem os mais variados
apelidos nas trancinhas e nos cabelos crespos ao natural. (SILVA, 2005,
p. 28)
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O relacionamento dentro de sala de aula, e a exposição ao
preconceito ainda na infância, também são temas dessa obra literária. No
primeiro dia de aula, ao ver a nova amiga negra, alguém grita: “Mais um
cabelo ruim na nossa classe!” É o retrato da cultura europeizada: desde
pequeno, o dominador já impõe seus padrões de beleza, e o que é diferente
passa a ser ridicularizado, motivo de piada, de escárnio. Nesse sentido,
completa Silva (2005):
Os estereótipos, a representação parcial e minimizada da realidade,
conduzem o estereotipado e representado, em grande parte, à autorejeição, à construção de uma baixa auto-estima, à rejeição ao seu
assemelhado, conduzindo-o à procura dos valores apresentados como
universais, na ilusão de tornar-se aquele outro e libertar-se da dominação
e inferiorização. (SILVA, 2005, p. 30)
Outra situação também explorada pela autora é o despreparo de
nossos professores (ou de nós, professores) em lidar(mos) com situações
como essas em sala de aula. A professora tenta saber quem disse aquilo,
mas, como ninguém se apresenta, a situação se encerra por ali. O que
faltou? Diríamos que faltou identificar e corrigir a ideologia; faltou
aproveitar a oportunidade e trabalhar o preconceito em sala de aula; faltou
ensinar aos alunos que a diferença pode ser muito bonita; que nosso povo é
lindo e, por isso, miscigenado; que a diversidade é um fator positivo; isso
poderia contribuir para a auto-estima, para o acolhimento de outros valores
das diversas culturas presentes na sociedade.
A reação da menina, porém, mediante a abstenção da professora,
foi de vergonha de sua cor e de seu cabelo e, claro, a tristeza e o inevitável
choro. Quem a ajuda são as duas outras meninas negras da sala. E por quê?
Porque elas se identificam com o problema; elas sentem na pele a dor do
preconceito, sabem o quanto dói serem apontadas como as diferentes, as
meninas do cabelo ruim, pixaim, Bombril ou, ainda, serem chamadas de
“pretinha fedida”.
Conversando e expondo o problema, Bia e Ritinha começam a
tomar consciência da discriminação racial que sofriam: “Olha só gente, ela
[Bia] não sabia que ‘cabelo ruim’ era xingamento! É que sua mãe sempre
falava quando ia pentear seu cabelo: ‘Eta cabelo ruim, hein?’ Falava rindo,
falava brincando.” (p.15) Reparemos que a discriminação já está tão
incutida, tão arraizada que o próprio discriminado compactua com isso
inconscientemente, sem se dar conta. O sonho de Bia, quando crescesse, era
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
alisar o cabelo, para acabar com aquele martírio de todos os dias, quando a
mãe desembaraçava-lhe os cabelos.
Já Ritinha achava que tudo podia ser resolvido com um soco; o
problema é que a chateação era tão grande que, às vezes, ela nem se
animava a bater nos outros.
A conversa entre as meninas continuou, e foi Tatá quem despertou
a consciência da própria recriminação nas outras meninas: “As pessoas
acham nosso cabelo feio, esquisito, diferente e pronto. A gente mesma
também acha. É ou não é?” (p.21)
As meninas nunca haviam tido consciência disso, pois o que faziam
era algo tão normal, tão natural, e acreditavam que o alisamento servia
somente para que o cabelo ficasse “ajeitado”. Ritinha também pensava que
só prendia o cabelo para que ele não virasse “uma arapuca”. Tatá provoca
ainda mais: “Vocês acham normal ter vergonha do cabelo? Vocês acham
normal não poder ficar com ele como ele é, ter que ficar fazendo alguma
coisa com ele: alisar, esticar, prender...?” (p.23)
À medida que iam conversando, as meninas percebiam que tinham,
sim, vergonha dos próprios cabelos, mas que nunca haviam se dado conta;
no fundo, as fitinhas, o gel, a tiara, os alisantes serviam para esconder os
cabelos ruins. E começaram a analisar o mundo que as rodeava: por que
nenhuma de suas bonecas possuía “cabelo ruim”? Por que nenhuma delas
tinha a pele escura? Por que as moças e moços da TV tinham sempre
cabelos lisos, loiros ou negros, mas sempre lisos e que balançavam com o
vento? Por que na TV não havia ninguém com cabelo ruim? “Por que na
novela, no comercial, na revista de moda não tem muitas menininhas
pretinhas assim igual eu?” (p.27) Cabe aqui lembrar que o fato de não estar
visível em atividades tão comuns pode levar a criança que pertence ao
grupo étnico/racial invisibilizado e estigmatizado desenvolver um processo
de auto-rejeição. Não foi o caso da personagem, mas pode ser o caso na
vida real, com nossos alunos.
Um dia, Tatá descobriu um novo nome para seu cabelo: CRESPO.
As meninas gostaram do nome e agora só os chamavam assim. Das
reflexões, passaram às brincadeiras de cabeleireiras e, juntas,
desmistificaram seus próprios medos e segredos: todas soltaram os cabelos
e aprenderam a gostar deles assim como eram, natural. A primeira a ousar
sair para a rua assim foi Bia (ela saiu de casa escondida, pois se a mãe a
visse assim brigaria com ela). Na rua, ninguém notou, porém na escola os
cochichos e risadinhas aconteceram, mas Bia sentiu-se forte, dona de si e
disse: “Meu cabelo não é ruim, nem bom. Só é diferente...” (p.34) Notemos
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
que aqui a personagem parece ter conseguido desconstruir a ideologia que
desqualifica, e construir o processo da identidade étnico/racial e autoestima. Essa resposta fez a turma tomar consciência da existência do
preconceito; e as três meninas pensaram que a partir daquele momento as
coisas iriam mudar.
Mudaram? Nem tanto! Em casa, as mães começaram a aceitar os
cabelos das meninas, elas fizeram diversos penteados... mas os colegas de
sala, ah! esses não mudaram. “Muita gente ainda ri dos cabelos delas na
escola, no shopping, na rua de casa.” (p.37) Outra coisa que também não
mudou foi o cabelo, “tem dia que dói prá caramba na hora de pentear. Tem
dia que tá armado prá burro.” (p.27) Mas a vida e a própria aceitação das
meninas mudou, e elas passaram a perceber que seus cabelos eram apenas
“diferentes”, assim conseguiam levar a vida e suportar o preconceito.
4. O menino marrom
Um outro livro que aborda a temática do negro de uma forma bem
diferente do que se tem visto até então é “O menino marrom”, livro de
Ziraldo, publicado pela Melhoramentos, em 2005. A obra se mostra muito
interessante porque conta a história, na verdade, de dois meninos: um
marrom e outro cor-de-rosa. O autor trabalha questões como descrição
física e psicológica dos personagens e objetiva mostrar que ninguém é preto
ou branco, todos somos uma mistura de cores. Outra coisa que chama a
atenção são as ilustrações: os meninos são desenhados da mesma maneira,
porém com cores diferentes, e aparece também uma coisa rara de se ver em
livros: a figura da família: um pai e um filho, ambos negros, de mãos
dadas, sorrindo – uma atitude normal entre pai e filho, porém nem tão
normal assim nos livros, em se tratando de gente negra.
No início da história, Ziraldo trabalha com a descrição física do
menino marrom. Intencionalmente, o autor quer retratar a beleza negra do
garoto: “Ele era um menino muito bonito. Caprichei no desenho do
menino, mas acho que ele era muito mais bonito pessoalmente.” (p.3) E
continua, descrevendo a cor da pele (“cor de chocolate” – “Chocolate puro,
não aqueles misturados com leite (não gosto de chocolate com leite, daí
achar a cor do chocolate puro mais bonita.”) (p.3); os olhos também são
descritos, associados a outra coisa gostosa: a jabuticaba. De repente, o autor
puxa a palavra “preto” – os olhos eram pretos como jabuticabas – e
começa, então, a brincar com o termo, afirmando que na natureza é difícil
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
algo ser realmente preto. Inclusive, ele cita que especialistas e estudiosos
dizem não existir cabelo humano absolutamente preto. A quebra da questão
do preto se dá quando o narrador diz: “E vamos deixar de ficar falando
neste negócio de preto, pois a nossa história é do menino marrom.” (p.3)
Ou seja, o narrador tenta mostrar ao leitor que não é correto
(cientificamente falando) chamar as pessoas negras de pretas e que isso é
uma atitude racista, preconceituosa.
Os dentes – outra parte do corpo estereotipada nos negros,
indicando que eles possuem os dentes muito brancos – também são
descritos, mas não como “brancos”, e sim como “clarinhos”, pois, senão,
“Se você ficasse com a boca cheia de dentes brancos como a neve,você iria
ficar ridículo, parecendo um vampiro sem presas.” (p.4)
Quanto aos cabelos do menino marrom, eles aparecem como
“enroladinhos e fofos”. São comparados a uma esponja. “Logo depois do
banho, quando seus cabelos secavam, era um prazer ficar fazendo assim,
com os dedos em gancho, fofando a cabecinha do menino marrom. Sempre
achei que seus cabelos eram pretíssimos. Mas, um dia, um amigo,
especialista em identificação do Instituto Félix Pacheco, me disse: ‘Não
existem cabelos humanos absolutamente pretos, você sabia?’” (p.4) Aqui o
autor parece querer reforçar a ideia do cabelo preto (ou da ausência do
cabelo preto), uma vez que essa mesma frase já havia sido citada na página
anterior. Diferentemente do que se ouve no dia a dia, o cabelo do negro não
aparece aqui como ruim, pixaim ou Bombril, pelo contrário, o autor o
compara a coisas boas e enaltece sua beleza.
Outra característica bastante reforçada pelo autor é o nariz do
menino marrom. Sabemos que este órgão é bem visado em termos de
preconceito racial e que muitas crianças (e adultos!) envergonham-se de ter
um nariz “achatado”. Ziraldo descreve com muita doçura o nariz do garoto:
“Nariz de menino marrom nunca é pontudinho. Ele cresce mais para os
lados do que para a frente. O do menino marrom era feito de três bolinhas.
Uma bolinha maiorzinha no meio e duas menorzinhas, uma de cada lado,
em volta das narinas.” (p.4) E reforça a ideia de beleza, afirmando: “Um
desenho perfeito.” (p.4)
Ziraldo cria um segundo personagem para sua história, um menino
branco, que será amigo do menino marrom, ou melhor, branco, não, ele era
“cor-de-rosa”; o autor começa a brincar com as cores da pele e mostra-se
confuso: cor-de-rosa, branco, cor-de-pele branca, cor-de-pele marrom,
enfim, ele mostra que há uma variedade muito grande de tonalidade de
peles e que nem por isso as pessoas deixam de ser mais valiosas. Ele
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
mostra que, apesar de serem de cores diferentes, os garotos eram muito
amigos e ambos possuíam valiosas qualidades.
A questão da cor chega até a sala de aula, quando a professora
trabalha o disco de Newton, e os garotos percebem que da mistura de todas
as cores em movimento surge o branco. Como em casa, os meninos haviam
misturado várias cores na aquarela e a tinta ficara marrom, a confusão na
cabeça dos dois generalizou: “Quer dizer que eu sou todas as cores paradas
e você é todas as cores em movimento?” (p.18) – perguntou o menino
marrom. O outro menino responde: “Só tem um detalhe: eu não sou
branco!” Novamente a questão do que é verdadeiramente branco na
natureza é lançada, e eles chegam à conclusão de que “o mundo não é
dividido entre pessoas brancas e pretas. O que existe é gente marrom,
marrom-escuro, marrom-claro, avermelhada, cor-de-cobre, cor-de-mel,
charuto, parda, castanha, bege, flicts, esverdeada, creme, marfim,
amarelada, ocre, café-com-leite, bronze, rosada, cor-de-rosa e muitas outras
variações.” (p.18)
A ilustração da página seguinte é bem grande e mostra várias
crianças sorridentes e bem diferentes umas das outras; todas possuem um
cabelo diferente: liso, crespo, espetado, curto, comprido, mediano,
amarrado, solto, com tranças, pretos, amarelos, verdes, marrons, repartidos,
inteiros; também as cores das crianças são todas diferentes umas das outras,
os olhos, os narizes, a raça, com negros, orientais, indígenas, enfim, o autor
consegue, a partir desse desenho, mostrar a verdadeira mestiçagem de que é
composta nosso país. E o melhor é que todos eles aparecem em um mesmo
plano, sem se dar destaque a um ou outro elemento. Sobre a mestiçagem,
Tadei (2002, p. 3, apud Azeredo, 2005) vê a questão como um “dispositivo
do poder”, ou seja, a mestiçagem é “um conjunto de saberes e de estratégias
de poder que atua sobre a nossa identidade nacional, tendo por objetivo
integrar e tornar dóceis as etnias que estão na raiz de nossa nacionalidade
(no caso os indígenas do continente e os negros africanos).” O mesmo autor
lembra que durante a colonização o objetivo era disseminar o sangue
europeu para criar aqui no Brasil um povo mais branco; assim, as pessoas
que nasceram por essa época ficaram em um estágio intermediário entre “o
bom (europeu) e o mau (negros e indígenas)”. Por isso, pode-se dizer que
com a ilustração criada por Ziraldo, não dá para negar a diversidade e as
identidades múltiplas as quais compõem o mosaico cultural brasileiro.
A normatização dos estereótipos também é lembrada pelo narrador
da história quando este comenta que “mesmo marrom, o menino marrom
achava normal ser chamado de preto. Mesmo cor-de-rosa, o menino cor-de370
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
rosa achava normal ser chamado de branco.” (p.21) E o questionamento dos
garotos se o fato de terem cores diferentes os fazia diferentes. Para eles
tudo era igual. Ziraldo brinca com o “jogo dos contrários”, a fim de que a
criança entenda que branco não é o contrário de preto, pois contrário é só
quando “uma coisa toma o lugar da outra”, e o branco não pode tomar o
lugar do preto ou vice-versa.
Ziraldo também relata o preconceito em sua obra. Certo dia, o
menino marrom vai ajudar uma velhinha a atravessar a rua, e ela fica
apavorada, julgando-o um trombadinha. Decepcionado, ele torce para que
um carro a atropele. O autor mostra novamente o preconceito na obra e, é
válido afirmar, segundo Silva (2005, p. 30), que “os estereótipos conduzem
o estereotipado à auto-rejeição, à construção de uma baixa auto-estima”.
Foi o que aconteceu com o garoto; na história, ele torna-se triste e
vingativo, “Como pode durar este jogo de deus e de diabo em peito de
menino?” (p.24)
Já na parte final do livro, o narrador afirma que o menino começava
a entender por que o branco “dava uma ideia de paz, de pureza e de alegria”
e por que o preto “simbolizava a angústia, a solidão, a tristeza”. Para ele, o
preto representava a escuridão, “o olho fechado”, e o branco era “o olho
aberto”, a luz. Tomou consciência de que o homem tornava tudo um
símbolo, e o fato de o preto representar o ruim era nada mais nada menos
que uma incipiente invenção. Quem disse que o preto é ruim e que o branco
é bom? – questiona-se o narrador. O menino reflete e chega à conclusão de
que, na verdade, o “preto é apenas a ausência do branco.” (p.30)
O final da história (se é que assim podemos dizer, pois ela não
termina) também é interessante porque o autor não nomeia quem é quem.
Os meninos cresceram, viraram homens, os dois são doutores, porém, “um
é craque de basquete e o outro, de voleibol”. E assim ele relata uma série de
acontecimentos, sempre dizendo um fez isso, o outro aquilo, sem jamais
nomeá-los, sem dizer quem fez o quê; isso é para mostrar que ambos
podem atuar tanto em um lugar quanto em outro, já que todos somos iguais
e diferentes ao mesmo tempo.
5. O papel da escola e do professor nas questões raciais
Ao longo dos tempos, vemos que a escola tem sido palco das
primeiras vivências de tensões raciais. Isso porque ela é responsável pela
socialização daqueles que a ela recorrem; a escola é, pois, um espaço em
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
que se estabelecem relações entre crianças de diferentes culturas, raça e
etnia. Assim, sendo, a relação entre uma criança branca e uma negra em
sala de aula pode ser tensa. Não que a escola seja a culpada por introduzir
esse preconceito na cabeça de seus alunos, muito pelo contrário, a escola
recebe esses sujeitos já com certa formação (e daí nos lembramos de um
dito o qual afirma que a educação vem de casa). Seu papel é destruir os
estereótipos. É livrar-se de uma educação segregadora, exclusiva,
discriminatória. De acordo com Silva (2005):
Os estereótipos geram os preconceitos, que se constituem em um juízo
prévio a uma ausência de real conhecimento do outro. A presença dos
estereótipos nos materiais pedagógicos e especificamente nos livros
didáticos, pode promover a exclusão, a cristalização do outro em funções
e papéis estigmatizados pela sociedade, a auto-rejeição e a baixa autoestima, que dificultam a organização política do grupo estigmatizado.
(SILVA, 2005, p. 24)
O que percebemos, em certas circunstâncias, é que a escola
funciona muito mais como um mecanismo de exclusão social, que uma via
de acesso à cidadania, visto que o preconceito ali se instala. As crianças
negras, muitas vezes, são vítimas de preconceito, mesmo sem se dar conta,
pois já trazem de casa toda a bagagem cultural de que o bonito, o certo é o
branco; fora isso, tudo é feio. Se repararmos bem, quem são sempre os
escolhidos para fazer o anjinho ou o menino Jesus nas peças teatrais do
ensino fundamental? Ou alguém já viu um menino Jesus negro em alguma
escola? O interessante é que automaticamente a criança negra já se exclui
desse papel, porque ela sabe que o papel do protagonista não é para ela. E
isso é endoçado pelo professor! Fora essa problemática, a escola possui,
ainda, conteúdos curriculares com visão eurocêntrica, livros didáticos
preconceituosos e tendenciosos e professores despreparados para enfrentar
situações de exclusões em sala de aula.
Mediante tantas falhas no processo educacional, a participação
efetiva da escola nessa luta em prol da justiça e da igualdade se deu
somente a partir do ano de 2003, quando foi aprovada a Lei 10;639/03, que
altera a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei 9394/96
estabelecendo a obrigatoriedade nos currículos escolares do ensino de
história e cultura afro-brasileira e africana. O problema é que a lei parece
ainda não ter sido conhecida por muitas escolas, e isso o próprio governo
reconhece. Mas, devemos crer que já é um começo. Acreditamos que a
escola deva servir como um espaço para que crianças, jovens e adultos
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
tenham a possibilidade de questionar e descontruir certos mitos que
inferiorizam uns e trazem superioridade a outros.
À escola, cabe, ainda, adotar uma postura aberta e reconhecer que a
diversidade deve ser explicitada e valorizada. Ela deve mostrar que as
pessoas são, sim, muito diferentes umas das outras; que não existe somente
o preto e o branco, mas também o azul, o amarelo, o vermelho, etc e que
cada um deve ser respeitado como tal. Além disso, a escola deve incluir a
imagem e participação das minorias em atividades cotidianas de forma
natural e positiva.
É claro que o agente mais “direto” dessa situação é o professor. Por
isso, ele deve manter-se aberto para suas próprias práticas sociais, prepararse teoricamente para enfrentar esses desafios, conhecer a legislação
brasileira e desprover-se de qualquer espécie de preconceito, já que em sala
de aula, ele é o “espelho” dos alunos. Da mesma forma que um professor
que lê, estimula os hábitos de leitura dos alunos, um professor que
discrimina acirra o preconceito, por isso, é preciso ter muito cuidado na
hora de planejar as aulas, pois ele pode vir a ser “um mediador inconsciente
dos estereótipos se for formado com uma visão acrítica das instituições e
por uma ciência tecnicista e positivista, que não contempla outras formas
de ação e reflexão.” (SILVA, 2005, p. 24)
6. Considerações finais
Ao longo deste estudo, lembramo-nos de como a personagem
negra, mulata ou preta tem sido representada em nossa literatura e na
sociedade. Vimos também que o Brasil é possuidor de uma história
marcada por discriminações que inibem a manifestação da cultura afrobrasileira em favorecimento das concepções dominantes. De nosso lado,
enquanto educadores, devemos dizer que a escola não pode ficar alheia a
essa situação de preservar a identidade brasileira e das culturas afrobrasileira e africana uma vez que nossa população é formada também por
essas matizes raciais.
O combate ao racismo e à desigualdade social e racial, bem como,
a reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da
escola, no entanto, o preconceito e a discriminação passam sempre por ali.
De acordo com Romão (2001), reverter essa situação só será possível a
partir do reconhecimento da escola como reprodutora das diferenças
étnicas, investindo na busca de estratégias que atendam às necessidades
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
específicas de alunos negros, incentivando -os e estimulando-os nos níveis
cognitivo, cultural e físico. Para o autor, o processo educacional, além de
poder ser o responsável pela busca da auto-estima, da autonomia, ele pode
ser também o instrumento capaz de diminuir e prevenir o processo de
exclusão social e incorporação do preconceito pelas crianças negras.
O que se observa, na realidade, é que mesmo com leis que expõem
a necessidade de uma outra visão acerca dos preconceitos, discriminações e
exclusões raciais e sociais, na prática, tanto a escola como o docente ainda
estão muito aquém daquilo que se almeja em termos de reparações e ações
afirmativas em torno do assunto. A Lei 10.639/2003, apesar de criticada
por muitos e desconhecida por outros, aponta caminhos para possíveis
soluções – resta apresentá-las àqueles que ainda não a conhecem.
É claro que sabemos que uma lei não é suficiente para mudar anos
de invisibilidade da temática em questão, mas cremos que isso já é um
início de uma luta, pois através de uma construção metodológica
envolvendo todas as disciplinas, visaremos à conscientização da sociedade
no combate ao preconceito racial. É fundamental que os currículos e livros
escolares apareçam isentos de qualquer conteúdo racista; é preciso que eles
reflitam as contribuições dos diversos grupos étnicos que formam a cultura
brasileira. Não dá mais para ignorar essas contribuições e fingir que somos
um país branco e único. É preciso repensar a “consciência mestiza”, como
já trabalhava Anzaldúa (2005); não é possível esquecer a dor e a
discriminação por que passou essa gente, por isso, ela pressupõe a
afirmação da diferença, a importância de declarar, mostrar suas
necessidades e sua luta. Não é mais possível aguentar o discurso de que o
Brasil não é um país racista. Superar o racismo já é questão moral. Então, é
preciso preparar nossos professores para que os mesmos façam um trabalho
de desconstrução de ideologias humilhantes e que corrijam o estigma da
desigualdade atribuído às diferenças, só assim poderão contribuir para a
aceitação e reconhecimento dos valores culturais dos afro-brasileiros. É
preciso que nos lembremos de que o processo educacional também é
formado por dimensões, como ética, diversidade, cultura, sexualidade,
relações raciais, relações de gênero e das diferenças de identidades, entre
outras. E isso o docente não vai reconhecer (pelo menos não somente) no
conteúdo, mas sim na prática do dia-a-dia, na convivência escolar.
Pensar diversificadas maneiras de trabalhar com a questão racial na
escola será nosso maior desafio. É preciso pensar no futuro, “Porque o
futuro depende da quebra de paradigmas, depende da quebra de duas ou
mais culturas. Criando um novo mythos – ou seja, uma mudança na forma
374
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
como percebemos a realidade, na forma como nos vemos e na forma como
nos comportamos – La mestiza cria uma nova consciência.” (ANZALDÚA,
2005, p. 707). Enquanto educadores, precisamos de uma nova consciência;
precisamos buscar a igualdade dos direitos sociais a todos os alunos e
alunas e reconhecer que uma escola não é feita apenas de intelecto, mas
também de relações humanas, de diferenças, de identidades, de
diversidades, de emoções, enfim, de elementos tão comuns em nosso
cotidiano que, muitas vezes, insistimos em deixá-los escondidos.
Referências
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Estudos Feministas, vol. 13, n. 3, 2005, p. 704-719.
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375
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
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376
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A INACESSIBILIDADE ÀS CONCEPÇÕES DA LITERATURA
PROMOVE A AVERSÃO PELA DISCIPLINA
Fernanda Maccari Guollo
PPGCL/UNISUL
[email protected]
O ensino de Literatura nos âmbitos educacionais brasileiros vem
sendo questionado por vários estudiosos da área, principalmente pelo seu
fracasso no quesito de incentivação à leitura, já que a maioria dos
educandos não tem apreço por essa atividade. Muito se fala da relevância
que tem o ato de ler e de compreender, em sua plenitude, a mensagem do
texto, mas infelizmente há uma dissociação entre ideal e o real. O professor
faz uso de obras literárias indicadas ou fragmentadas nos livros didáticos128
(às vezes, como pretexto para determinado assunto gramatical, ou
simplesmente, realiza a atividade de leitura sem um objetivo específico,
deixando em segundo plano a voz do aluno, principalmente no momento de
entendimento do texto) esquecendo de explanar, detalhar, exemplificar o
contexto que está agregado em determinada obra literária, para torná-la
atraente aos olhos de quem a lê.
A literatura em seu “strictu sensu: arte que se constrói com
palavras” (PCNEM, 2006) se constitui um fenômeno artístico vivo,
dinâmico e lingüístico, que estabelece correlações entre a produção literária
do passado e a realidade cultural de hoje. A literatura faz perpassar os
saberes, não os fixa, “não fetichiza nenhum deles, ela lhes coloca num lugar
indireto, e esse indireto é precioso” (BARTHES, 1977).
Os escritores, considerados verdadeiros artistas no momento pleno
de criação e reflexão de suas produções, procuram o valor de um conjunto
fraseológico, para expressar seus pensamentos, suas emoções variadas.
Conseguem com êxito transcrevê-las para o papel, graças às grandezas
linguísticas existentes, em especial, as figuras de linguagem (metáforas,
antíteses, hipérboles, prosopopéias, etc.), principalmente no fazer poético.
(BUENO, 1972).
128
Magda Soares (1999) fez um brilhante trabalho sobre a inserção do texto literário no
livro didático de Língua Portuguesa dos anos Iniciais do Ensino Fundamental,
argumentando a escolarização que a literatura infantil sofre ao ser passada do suporte livro
literário para livro didático.
377
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Há a valorização do ato da transmissão das idéias por meio da
linguagem, ou melhor, por meio da língua em si, de modo que essas
interações orais migram para construções frasais (parte escrita). De certa
forma, esses aspectos de interação oral registrados pela escrita, que
secularmente vem sendo transcritos, desencadeiam a relevância da
Literatura na construção de um dito “padrão lingüístico” de quem a lê.
Os estudos da Retórica, da Gramática, partiram da Literatura, bem
como, o surgimento das demais linhas de estudo da língua portuguesa, ou
seja, a literatura é a vertente insecável das demais linhas de estudo de uma
língua, que compreendem questões semânticas, pragmáticas, sintáticas e
lexicais.
Segundo Oliveira (1982):
O responsável pela unidade do povo brasileiro não é a religião, nem a
política – pois não possuímos partidos verdadeiramente nacionais -, nem
os costumes. Só a Língua tem realizado o milagre de nossa união.
Imprensa, rádio, livro escola falam a mesma língua; entendemo-nos em
nossas fraquezas e em nossas grandezas mercê do Idioma que é um só –
rico, maleável, imponente. (OLIVEIRA, 1982, p. 16)
É por meio da língua que há interação social, histórica e cultural
entre os indivíduos e, cabe a literatura, fielmente traçar não só belas
imagens e sentimentos, mas também, o marco histórico das evoluções de
uma nação por meio da escrita retratando seus mais variados aspectos
(artísticos, culturais, sociais, econômicos) refletindo o período histórico
vivenciado. Para tais aspectos se propagarem é necessário o ato da leitura.
Entende-se que o resultado do trabalho literário deve ser
considerado arte e, como todas as artes, resulta na transmissão de idéias,
sentimentos, por meio de seu elemento mais significativo e particular: a
língua, de maneira estética, que provoque no indivíduo que lê e no que
ouve uma sinestesia (sensação de beleza). Sabe-se que os dois grandes
gêneros literários que perpassam secularmente a humanidade são a prosa e
a poesia (BUENO, 1972).
Nada mais natural que fosse assim: a prosa na retratação do
cotidiano e a poesia, responsável pela exposição da sensibilidade e da
imaginação do escritor.
Dos fatores históricos que influenciaram o surgimento da literatura
portuguesa, retratados por Coutinho (1997), está uma elite intelectual, que
se originava devido ao cultivo das letras. Deste modo, a literatura brasileira
378
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
floresceu no início da colonização. Assim, tem-se na composição da
literatura portuguesa e da literatura brasileira, inspirações indiretas de obras
literárias provindas da era medieval.
É relevante salientar a divisão histórica da literatura portuguesa,
que está predisposta em três grandes períodos: medieval, clássico e
moderno, que de acordo com Bueno (1972) está assim postulada:
A época medieval compreende: 1) a provençal com os trovadores,
cronistas e 2) a palaciana em que se faz sentir a influência da Espanha.
[...] A língua é a que se costuma chamar de galego-portuguesa,
acentuando-se, dia a dia, o característico do português, tornando então
língua de nacionalidade. Já no século XVI aparece a prosa literária
arcaica [...] O período clássico já preparado pela florescência dos
estudos latinos e pelas traduções dos principais autores de Roma, dos
Santos Padres [...] A língua está mais ou menos fixada e já pode ser
objeto de gramaticalização. Fernão de Oliviera escreve a primeira
gramática seguida de João de Barros. A língua portuguesa toma a sua
feição definitiva. [...] A época moderna abre-se com a introdução do
romantismo, graças a Garret e a Herculano que, exilados na França e na
Inglaterra, destes países trazem as novas correntes literárias. A língua
clássica abastarda-se coma introdução de estrangeirismos, de modos
especial, galicismos. A sintaxe perde o seu cunho antigo. A língua,
porém ganha em maleabilidade, no mais das vezes artificial, procurada,
preparada a decadência do romantismo. [...] (BUENO, 1972, p. 3).
Assim, decorreu a passagem, dentre outras escolas literárias, do
realismo-naturalismo, do simbolismo, do modernismo até a
contemporaneidade em que se encontra hoje a literatura nacional.
Esses traços históricos que evidenciam as raízes da literatura
brasileira, também dão voz e resplandecem sua presença na sociedade,
sendo relevante salientar que mais importante que a língua, este singelo
instrumento, é o uso que dela se faz, é a proliferação da fala que ela produz
(COUTINHO, 1997).
Entender a obra literária é assumi-la como objeto social, que
necessita de alguém para escrevê-la e outro alguém que a leia, ou seja, é
indispensável o intercâmbio social para que haja literatura (LAJOLO,
1982).
O fato de existir um mesmo idioma entre os paises lusófonos,
Brasil e Portugal, não inibiu a diversificação na produção literária desses
paises. Então, é relevante entender por literatura brasileira todas as obras
literárias em língua portuguesa que, de certo modo, identifiquem a alma
379
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
brasileira, nos aspectos referentes à representação da “realidade histórica,
social, psicológica, humana, e respectivas, características da civilização
brasileira” (COUTINHO, 1997).
Percebe-se o quão necessário é disponibilizar o acesso de textos
literários aos educandos para que haja intercâmbio de conhecimentos entre
emissor: autor e consequentemente, receptor: leitor. Por isso, há
necessidade de incluir a disciplina de Literatura no currículo escolar do
Ensino Fundamental e valorizá-la Ensino Médio. A Literatura no Ensino
Fundamental, implicitamente, está presente por meio de variados gêneros
textuais (poesia ou na prosa) no cotidiano escolar dos alunos. A Literatura
tem relação direta com competência textual que é uma das práticas de
linguagem a ser verticalizadas tanto no Ensino Fundamental I e II quanto
no Ensino Médio.
De acordo com a Orientação Curricular (2006) que foi elaborada
para esclarecer e auxiliar os educadores:
A disciplina, um dos pilares da formação burguesa humanista, sempre
gozou de status privilegiado ante as outras, dada a tradição letrada de
uma elite que comandava os destinos da nação. A Literatura era tão
valorizada que chegou mesmo a ser tomada como sinal distintivo de
cultura (logo, de classe social): ter passado por Camões, Eça de Queirós,
Alencar, Castro Alves, Euclides da Cunha, Rui Barbosa, Coelho Neto e
outros eram demonstração de conhecimento, de cultura. É bem verdade
que muitas vezes os textos literários serviam apenas como objeto de
culto; culto do estilo, do “bem escrever” e até mesmo do exagero
retórico de alguns escritores; ou, então, apenas como suportes das
análises sintáticas e morfológicas. (Orientações Curriculares, 2006, p.
51)
Nesta sociedade atual, a maioria dos educandos não tem gosto pela
leitura, principalmente por clássicos, pois como foi citada acima, a falta
desse tipo de texto no ensino fundamental I e II e a abordagem (tratamento
didático) dispensada ao incentivo a leitura, inibe a aproximação dos
indivíduos ao universo literário.
Ainda, sobre o ensino de literatura e o incentivo a leitura, encontrase presente nas Orientações Curriculares (2006) que:
[...] a leitura de Literatura tem-se tornado cada vez mais rarefeita no
âmbito escolar, como bem observou Regina Zilberman (2003, p. 258),
seja porque diluída em meio aos vários tipos de discurso ou de textos,
380
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
seja porque tem sido substituída por resumos, compilações, etc. Por isso,
faz-se necessário e urgente o letramento literário: empreender esforços
no sentido de dotar o educando da capacidade de se apropriar da
literatura, tendo dela a experiência literária. (Orientações Curriculares,
2006, p. 55)
O principal fator de declínio do ensino da literatura nos âmbitos
educacionais brasileiros deve-se a ausência de letramento literário, o que
afasta o gosto pela leitura e apreciação literária, bem como, uma defasagem
na parte escrita, pelos educandos.
Para que se tenha gosto pela leitura é imprescindível reconhecer-se
na leitura que se faz. O professor pode e deve intermediar o ato da leitura,
mas os educandos, por vezes, não fazem leituras prazerosas, que tenham
significados para eles, devido a uma escolha equivocada da temática ou do
título por parte do educador. Então, em sua adolescência, os educandos, não
compreendem o valor que tem os textos e, as respectivas, obras literárias.
Porque, às vezes, não somam os saberes implícitos do texto como um ato
de reflexão para sua própria vida. Talvez, esses jovens considerem a
Literatura como uma vertente de um mundo muito distante do deles. Mas,
cabe ao educador reverter este panorama.
Interessante salientar a falta de preparo da maioria dos alunos
referente ao contato com as obras literárias necessárias de leitura ao Ensino
Médio. Está explicito nas Orientações Curriculares (2006) que:
Concluído o ensino fundamental, supõe-se que os alunos que ingressam
no ensino médio já estejam preparados para a leitura de textos mais
complexos da cultura literária, que poderão ser trabalhados lado a lado
com outras modalidades com as quais estão mais familiarizados, como o
hip-hop, as letras de músicas, os quadrinhos, o cordel, entre outras
relacionadas ao contexto cultural menos ou mais urbano em que tais
gêneros se produzem na sociedade. (Orientações Curriculares. 2006, p.
63)
Essa proximidade esperada do aluno no Ensino Médio com o texto
literário não está acontecendo. Nesta mudança do Ensino Fundamental II
para o Ensino Médio, ocorre uma defasagem de letramento literário, que
por sua vez, proporciona o desânimo pela leitura nos educandos e,
consequentemente, a aversão pela disciplina.
É provável que, parte desta “incógnita” em que se encontra a
maioria dos professores referente à aversão dos alunos pela Literatura e
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
respectivamente, leitura, esteja interligada não só pela linguagem mais
rebuscada que está presente nos livros, mas pelo fato dos alunos não terem
acesso às informações primordiais que geram o interesse pela disciplina,
pela leitura de um livro, enfim, pelo exercício crítico e reflexivo que
provém do contato com a Literatura (seu eixo histórico, cultural, social).
Tais aspectos referem-se ao vasto campo de significância que abrange a
Literatura. Mas, por que a maioria dos alunos não consegue “gostar” de ler?
Porque há certo afastamento entre as teorias e as reais práticas pedagógicas.
Os professores, talvez, não consigam incentivar a leitura de obras
literárias, por, não estarem preparados para trabalhar a disciplina de
Literatura. Muitas vezes, os alunos ficam “travados” por atitudes dos
professores frente às interpretações que os alunos fazem dos textos ou
livros lidos. O professor aceita somente a sua interpretação ou que está
prescrita no manual do livro didático, deixando a dos alunos em segundo
plano ou até mesmo nem levam em consideração as palavras dos
educandos, fato este que os desestimulam.
Além disso, há no Ensino Médio o estudo de cada estilo de época
por meio do destacamento das características que compuseram cada escola
literária de forma descontextualizada. É relevante reformular as práticas
escolares em relação à leitura literária, que segundo as Orientações
Curriculares (2006):
[...] tem sido a de desconsiderar a leitura propriamente e privilegiar
atividades de metaleitura, ou seja, a de estudo do texto (ainda que sua
leitura não tenha ocorrido), aspectos da história literária, características
de estilo, etc., deixando em segundo plano a leitura do texto literário,
substituindo-o por simulacros, como já foi dito, ou simplesmente
ignorando-o. Atividades de metaleitura são necessárias na escola, mas
devem ser vistas com muito cuidado, ou melhor, devem responder aos
objetivos previstos no trabalho escolar – “para quê?” é a pergunta a ser
sempre feita. Em geral, os professores pensam com elas motivar o aluno
à leitura. (Orientações Curriculares, 2006, p. 70)
Podem-se encontrar os métodos citados acima, principalmente, nos
livros didáticos usados em sala de aula com os alunos. Há separadamente
uma lista de características para o aluno “conseguir” identificar a que
escola pertence tal fragmento textual. Embora a maioria das editoras esteja
reformulando suas publicações com as tendências mais cabíveis e
recomendadas pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura).
382
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Entretanto, os educadores devem analisar com precisão o livro
didático adquirido em prol a efetiva aprendizagem dos educandos.
O que deve ser levado em consideração não é o estudo dos estilos
que compuseram a literatura, mas a intensidade e o emprego da linguagem
ali registrada, para assim ativar no aluno criticidade. Só assim, o professor
estará viabilizando uma internalização do que está sendo lido, fazendo com
que cada educando tenha autonomia para identificar as mensagens
explícitas ou implícitas presentes no texto.
Para averiguar a complexibilidade e relevância que a língua possui
em se tratando do reconhecimento de uma época de grandes reivindicações
como é, por vezes, o foco dos escritores que compõem a literatura nacional,
Oliveira (1982) descreve que se fala e escreve-se em nosso país a Língua
Portuguesa:
Falamos e escrevemos no Brasil, a Língua Portuguesa. É no romantismo
literário que vamos encontrar, meio do ufanismo e exaltação patriótica,
as origens da questão, as origens da questão língua brasileira. José de
Alencar a iniciou, pretendendo incorporar à emancipação literária, a
emancipação da língua. Insurgiu-se com as normas de linguagem
emanadas de Portugal, foi buscar ao povo as expressões peregrinas de
uma língua vivida nos trópicos. Mas, ele mesmo se enganava em chamála de brasileira – e o que conseguiu realizar foi despertar atenção para a
divergência entre a linguagem falada e a escrita (OLIVEIRA, 1982, p.
17).
Fica exposta à valorização da identidade nacional por meio da
cultura, da economia e da língua, que se torna reflexo da interação do povo
brasileiro. Valorização esta, que vem transcrita nos poemas e na prosa do
final dos século XVIII e início do século XIX.
Com a devida contextualização histórica, o aluno ao ler um poema
ou um fragmento de alguma obra literária irá dialogar com o texto e
chegará a uma interpretação particular, ou seja, terá suas conclusões.
Partindo desse resultado é que o professor deve realçar aspectos históricos,
estilos de época, características. O professor deve sempre levar em
consideração o posicionamento do leitor.
O conduzir deste procedimento didático de explanar o “todo” ao
educando, gera, infelizmente, o mal uso feito do livro didático por parte
alguns professores, pois resulta nas respostas unificadas, fazendo com que
alguns desconsiderem as variadas interpretações que seus educandos
alcançam em suas leituras. Primordial salientar aqui, que educandos com o
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
filtro afetivo bloqueados, de acordo com Krashen (1982), não terão mais
animo para buscar novas interpretações, pensarão sempre que nunca
conseguirão chegar aonde o professor deseja ou almeja. E é de extrema
relevância a presença de inputs, para serem processados e proferidos
outputs. Embora, a leitura não seja para o professor e, sim, para a agregação
de conhecimento ao aluno e deve-se sempre levar em consideração que o
conhecimento de mundo que cada indivíduo possui é singular.
Cada educador deve entender que ao trabalhar com alunos que
possuem contextos sociais e cognitivos diferenciados não há uma
resposta/interpretação única e correta de determinado livro ou fragmento
textual, e principalmente, não somente aquela estabelecida no livro didático
e que há inúmeras possibilidades interpretativas de um único texto.
Tudo depende da ótica pela qual cada indivíduo faz sua leitura.
Imagine a leitura de um livro que possui um enredo amplo que,
normalmente vem acompanhado de pequenas histórias dentro da história
central? Como exemplo tem-se: o Grande Sertão: Veredas, de Guimarães
Rosa. Neste, dependendo o objetivo estabelecido para esta leitura, pode-se
ter inúmeros focos interpretativos, como: a representação da natureza do
sertão servindo de cenário, a falta de água e comida, a presença dos dialetos
regionais na fala dos personagens, o porquê dos nomes das personagens
(suas significações), as características físicas e psicológicas das
personagens, os enredos dentro do enredo, o lado obscuro do ser humano
(jagunços), enfim. Cada aluno deterá as informações que lhes forem mais
fecundas.
Então, cabe aos educadores (de modo geral), conectar-se com as
tendências educativas que estão predispostas não só nas Orientações
Curriculares e nos livros que discutem a respeito, mas verificar em seu
cotidiano escolar se as suas práticas educativas estão sendo profícuas em
relação ao trabalho com a disciplina de Literatura, ocupando um papel de
mediador e propiciador de incentivos a leitura de clássicos da literatura
nacional, para que haja a valorização de todo um emaranhado histórico e
evolutivo da língua portuguesa e da sociedade em que se vive, assegurando
que os educandos de hoje tornem-se indivíduos atuantes na sociedade de
amanhã.
Referências
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384
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
BUENO, Francisco da Silveira. Curso Prático da Língua Portuguesa: Tratado de
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LAJOLO, Marisa. O que é Literatura. São Paulo: Ed. Brasiliense. 1982.
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SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA,
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385
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
IDEIAS DIFERENTES PROMOVEM OS VALENTES: A FÁBULA
CONTEMPORÂNEA DE MARIA DE LOURDES KRIEGER
Rita de Cássia Silva Kauling 129
Escola de Educação Básica Silveira de Souza
A fábula é uma narrativa simbólica inspirada no Bestiário
Medieval. Bestiário: livro que reúne descrições e histórias de animais reais
ou imaginários. Desde a Antiguidade, estes animais foram escolhidos para
simbolizar as virtudes e identificar as qualidades dos heróis e deuses que, às
vezes encarnavam.
No panteão greco-romano, templo dedicado a todos os deuses, havia a
seguinte simbologia: Júpiter era representado pela águia; Juno, pelo
pavão; Minerva pela coruja; Diana, pela corça.
Na arte cristã primitiva, Cristo aparece nas imagens do cordeiro, da
pomba, do veado, do pavão e do peixe.
Na fauna Medieval, animais imaginários como o unicórnio, a esfinge, o
grifo, o centauro e a sereia aparecem misturados aos seres humanos
(MACHADO, 1994).
A fábula, segundo registros históricos, nasceu no Oriente e foi
recriada no Ocidente, no século VI A.C. por Esopo, o lendário escravo
frígio. Dele se conta um imenso número de fábulas. Séculos mais tarde,
outro grego Fedro, ex-escravo, vivendo liberto em Roma, aperfeiçoou a
fábula enriquecendo-a estilisticamente. Leonardo da Vinci descobriu-a no
século XVI e reinventou-a. Contudo, sua repercussão não ultrapassou os
limites territoriais da Itália. No século XVII, La Fontaine reapresentou a
fábula com base no modelo latino e no oriental e introduziu-a
definitivamente na literatura ocidental com um único objetivo: tornar os
animais o principal agente da educação dos homens.
Colocados em uma situação humana exemplar, a formiga
representa o trabalho; o leão simboliza a força; a raposa, a astúcia; o lobo, o
poder despótico. O gato detém um simbolismo muito heterogêneo, oscila
entre as tendências benéficas e as maléficas em diversos países. Na Índia
representa a beatitude do mundo animal. No Egito Antigo era venerado e
129
Assistente Técnico Pedagógico.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
numerosas obras de arte o representam com uma faca numa das patas
decepando a cabeça da serpente Apófis que personifica os inimigos do Sol.
Na tradição muçulmana é considerado favorável, salvo se for preto, que
possui qualidades mágicas. Em muitas tradições, o gato preto simboliza a
obscuridade e a morte.
Entre os índios pawnees da América do Norte, o gato simboliza a
sagacidade, reflexão, engenhosidade. Ele é observador, malicioso e
ponderado, alcançando sempre seus fins. Os povos da África Central
atribuem ao gato sagacidade, engenhosidade e a clarividência. Por esse
motivo confeccionam suas sacolas de remédios com pele de gatos
selvagens (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999).
Em seu dicionário do Folclore Brasileiro, Câmara Cascudo registra:
“nas histórias populares, especialmente nas fábulas, o gato é a agilidade,
desenvoltura, rapidez de gestos e também falta de escrúpulos e de
fidelidade [...]. Dizem-no o mais resistente dos animais, tendo sete fôlegos,
e como cada fôlego é uma vida, o gato tem sete vidas, demorando a morrer,
resistindo à morte sete vezes mais tempo que outro animal qualquer. Quem
mata um gato tem sete anos de atraso, de infelicidade”. (1999, p. 426).
O estabelecimento das formas literárias pelo racionalismo definiu-a
como uma pequena composição que encerra sempre grande filosofia. Em
prosa ou em verso, a fábula na sua forma mais autêntica é uma história de
animais na qual prefiguram os homens e tem dupla finalidade: divertir e
ensinar uma lição de moral.
Embora criada pela tradição oral, não é tão simples como pode
parecer à primeira vista. A exemplo do conto popular e do conto
maravilhoso, a fábula possui uma estrutura mínima de enredo que
sobrevive a todo tipo de modificação. Fiel ao seu paradigma de opor o vício
à virtude, a tolice ao bom senso, acompanha, contudo, a trajetória da
evolução mental da humanidade.
Se em outras épocas, a chamada fábula clássica foi instrumento de
manifestações negativas da psique humana, de sátiras crueis, críticas
ácidas, opressão e tirania, com o passar do tempo, modernizou-se por assim
dizer e os animais passaram a entrar em cena através das criações geniais
de Andersen, Walt Disney, o verdadeiro fabulista da era eletrônica, e
Monteiro Lobato, entre outros, para apresentar aspectos psicopedagógicos
mais adequados aos valores e às demandas de uma moral geralmente
sintetizada em um provérbio ou ditado popular: uma fala sem sujeito, sem
autor nem tempo por ser oriunda da tradição popular.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Como toda manifestação oral o provérbio é repetido
continuamente, como se fosse perene. Embora seja expressão corrente,
assume uma forma literária que pela construção verbal, estrutura mínima,
torna-se favorável à memorização. Na posição de monumento poético da
cultura popular o provérbio encerra sonoridade, arranjo verbal e figuras:
trocadilho, rima, eco, aliteração etc.
Preocupados com a moralidade tanto do provérbio quanto da
fábula, muitos estudiosos divergem sobre o papel didático dessas formas
expressivas. Para André Jolles, “o provérbio é apenas uma locução, não é
um conceito” (MACHADO, 1994, p. 139). Nessa visão ele descarta o
fundo de verdade moralizante atribuído ao provérbio e também à fábula.
Nem uma nem outra forma exprimem o rigor da verdade.
Todavia, o renomado crítico brasileiro Antonio Cândido entende o
provérbio como uma “verdade irônica, aparente” (MACHADO, 1994, p.
107), entende que essas telegráficas mensagens não passam de uma
desajeitada forma de sondar o futuro, “com falsas certezas” (MACHADO,
1994, p. 109). Para o crítico, o provérbio é um caminho acessível ao
conhecimento.
O filosofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) autor de Emílio, ou
da Educação (1762) não admitia que as manifestações simbólicas, criadas
pela cultura popular, fossem capazes de promover o aprendizado. Via as
fábulas como um risco para a educação infantil, exatamente porque nelas os
animais aparecem investidos de defeitos e de vícios humanos que não lhes
são naturais. Rousseau certamente não entendeu a moralidade das fábulas
na perspectiva irônica, típica da cultura popular como nos ensina Antonio
Cândido que as vê como uma valiosa arma de acesso ao conhecimento.
A estudiosa e pesquisadora Irene A. Machado considera esse
gênero narrativo “rebaixado” uma representação, uma metamorfose da
cultura erudita convenientemente adaptada aos estratos mais desprovidos
de saberes intelectuais.
O escritor Millôr Fernandes ratifica essa afirmação. Em Provérbios
Modernizados, propõe: veja o leitor se consegue descobrir, dentro desta
roupagem nova, o provérbio velho e terá então se candidatado à descoberta
de muitas outras coisas novas que, neste lindo mundo de Deus, são tantas
vezes obrigadas, por força de economia precária, ao usar roupas velhas.
O enunciado vasado em linguagem mais digna, segundo Millôr
deixa de valorizar o prosaico, o cotidiano, a linguagem coloquial, o humor
como recurso crítico. Atente-se para o seguinte enunciado: Quando o sol
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
está abaixo do horizonte, a totalidade dos animais domésticos da família
dos Felídeos são de cor mescla entre branco e preto. Leia-se traduzida em
estilo descompromissado: À noite todos os gatos são pardos.
Aos educadores cabe ressaltar que a fábula e o provérbio
constituem um recurso valioso para transmissão do conhecimento não só
para os pequenos. Também no meio empresarial com vistas ao
desenvolvimento interpessoal, com a intenção de minimizar os conflitos no
ambiente de trabalho, as fábulas vêm conquistando espaço.
Alexandre Rangel, economista com formação em Psicologia,
consultor organizacional, encontrou nas fábulas receitas para ministrar
oficinas de dinâmicas em montadoras de automóveis, fábricas de
eletrônicos, indústria têxtil, para organizar e motivar equipes de produtores,
técnicos e repórteres. Valeu-se da fábula para mostrar que os conceitos da
qualidade podem e devem ser aplicados muito além das linhas robotizadas.
No seu livro Fábulas de Esopo para Executivos recolheu cem
fábulas direcionando-as para: relacionamento com o próximo, avaliação de
condutas duvidosas, tomada de decisões certas, trabalho em equipe,
avaliação de comportamentos, com o objetivo de ajudar na formação do
Homem.
Contemporaneamente, sintonizada com novas acomodações sociais
e aspectos metafísicos a fábula também aparece a serviço da mistificação
de ideias estereotipadas, do combate aos preconceitos e do incentivo à
autorrealização.
Por ser uma alegoria em cuja prosopopeia reside o centro de
interesse para o leitor, constitui a fábula um gênero literário altamente
cultivado em todo o mundo. Principalmente por escritores voltados ao
segmento infanto-juvenil marcado pela ficção de caráter lúdicopedagógico.
Dentre tantos autores, que aqui poderiam ser citados, eu escolhi a
catarinense Maria de Lourdes Krieger nascida em Brusque/SC. Cursou
Letras na FURB, em Blumenau, e fez pós-graduação em Linguística, na
UFSC. Lecionou muitos anos no ensino básico fundamental. Com certeza,
a cosmogonia das salas de aula e o convívio com os alunos tiveram bastante
influência no seu fazer literário, pródigo e prodigioso, voltado desde o
início ao leitor mirim, nos anos 70, quando escrevia histórias e reportagens
em suplementos de jornais, para o universo da infância.
Em O gato que não sabia miar, o protagonista, um gato, apresentase em seu habitat natural, vivendo com pai, mãe e irmãos, simulando uma
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
família humana. Sua característica principal é não miar como os gatos, “[...]
ele fazia mesmo era ric e não miau” (KRIEGER, 1984, p. 2), e por isso
passa a ser chamado Rique. Desde o nascimento identifica-se por querer
fazer alguma coisa diferente: quer ser rei da floresta. Apesar do firme
propósito, não deixa de sentir medo e, então, a esperança e o medo brigam
dentro dele, fazendo-lhe cócegas. Com o apoio do pai, traça uma meta e
não se deixa vencer pelos condicionamentos impostos pela bicharada: “–
Para ser rei é preciso nascer numa família real” (KRIEGER, 1984, p. 7).
“Seu filho Rique não tem sangue azul” (KRIEGER, 1984, p. 8).
Rique enfrenta desafios, passa por sucessivos estágios através dos
quais vai amadurecendo, sem contudo, diminuir sua obstinada vontade de
ser rei. Movido pela vontade aliada à imaginação fértil, o gato que não
sabia miar representa a força, a inteligência daquele que precisa superar
limitações. Corajoso, sábio e justo imagina livrar os animais da floresta das
armadilhas feitas pelos homens. Cumpre a meta traçada e os bichos adultos,
a princípio contrários a sua decisão, endossam a proposta, apoiam a
inventividade. Rique representa a força da imaginação e do querer. Assume
a postura de herói que para o leitor criança ou jovem é extraordinariamente
necessário.
A palavra herói nasceu na Grécia Antiga para designar os
semideuses, descendentes de deuses mitológicos e seres humanos, que
viviam aventuras extraordinárias. Ao longo da história personalidades
como Jesus Cristo, Mahatma Gandhi, Martin Luther King passaram a ser
encarados como heróis, graças aos seus esforços em prol de um mundo
mais justo, e se tornaram modelo de comportamento.
Conforme o Dicionário Aurélio (2004, p. 390), “herói é um homem
extraordinário por seus feitos guerreiros, por seu valor ou magnanimidade,
pessoa que por qualquer motivo é centro de atenções e protagonista de uma
obra literária”.
A partir do século XX a ancestral mitologia unida à nova ciência, à
psicanálise explica a permanência do herói no cenário narrativo. Na década
de 30 surge não histórias em quadrinhos um dos mais poderosos
arquétipos: o super-homem, criado por Jerry Siegel e Joe Shuster. Esse
expoente não mais divino, mas científico possui poderes descomunais: a
super-velocidade, mais rápido que uma bala, a super-força, mais poderoso
que uma locomotiva e capaz de transpor um edifício num só pulo e a
invulnerabilidade, o homem de aço. Portanto, desempenho exponenciado
das potencialidades humanas. Só posteriormente receberia poderes mais
exóticos, como o voo ou a visão de Raio-X.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Batman, Homem-Aranha e outros foram criados pela nova e
revolucionária mitologia moderna que assumiu a roupagem da ciência.
Mais recentemente desponta na Literatura o pequeno bruxo Harry Potter,
criação de J. K. Rowling.
Também nessa esfera a escritora brasileira Maria de Lourdes
Krieger criou um herói imbuído de coragem, integridade, idealismo e
persistência. Sua história-fábula O Gato que não sabia miar tem as
características de um clássico pelo modo natural como mostra as
possibilidades que estão ao alcance do homem desde que se proponha ir à
luta. A conquista final do gato Rique, protagonista desta fábula corresponde
ao que todo leitor gostaria de realizar além de potencializar a crença em um
herói, busca de todos.
Rastreando o percurso de herói Rique supera os obstáculos,
empurra o medo para fora. Caracteriza-se pela perseverança, pela coragem
de enfrentar os mais velhos, os maiores, sempre com respeito e muito
trabalho.
Trata-se de uma personagem que, embora seja animal, tão ao gosto
dos pequenos leitores, copia pessoas reais, concretiza virtualidades
imaginadas, visto que para a criança não existe separação entre o real e o
imaginário. Na concepção infantil o animal entende, sente e fala.
O desenvolvimento das ações do gato permite ao receptor
apreender os valores da hierarquia, pois apesar da firme decisão em querer
ser rei, Rique submete seu querer aos outros habitantes da floresta: Dona
Corujina, Doutor Tucanaro, Seu Mico Preto. Esse se encarrega de socializar
o plano a toda a bicharada, que exige competência do gato.
Transitam subliminarmente na ficção os critérios da democracia, do
respeito à vontade da maioria, como sistema de governo. Não se pode
descartar a ideia de que a história se interrelaciona com as circunstâncias
socioculturais vigentes, no momento da produção, como também se
relaciona com outras no momento da recepção.
Embora repetindo personagem e tema tradicionais, a história
constitui-se num texto de agradável leitura. Além de acentuar o clima de
obstinação sadia, aponta para a questão da mobilidade social, para a
capacidade que as criaturas têm de fazer o impossível para realizar seus
sonhos. E a criança, destinatário dessa narrativa, dona de um sentido
especial para se relacionar com os animais, mistura os gestos, atitudes e
comportamento de Rique com sua vida real.
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O gato Rique apresenta-se como portador de solidariedade e
respeito, caracterização moral não declarada objetivamente. Maria de
Lourdes declara não ter preocupação de passar lição de moral em suas
histórias:
Como professora, eu penso que lição de moral quem tem que dar é o pai
e a mãe, o tio, quem educa; aos professores da aula é que cabe isso, mas
nunca à Literatura Infantil não é para fazer análise. Então lição de moral,
não. Combater preconceito de maneira jocosa, sim, mas passar algum
ensinamento para ele (leitor) ser comportado, isso e aquilo, de jeito
nenhum (DILVO, 2004, p. 128).
A marca que inicialmente configura-se como defeito – não mia
como gato – no término da história eleva-o à condição de herói:
- Um gato não precisa viver miando, bebendo leite ou caçando ratos, só
porque os gatos sempre fizeram assim. Com o auxílio de todos, Rique
pode ajudar todos a descobrirem o que realmente desejam. E lutarem por
isso. Rique será um bom rei. E foi (KRIEGER, 1984, p. 14).
Relacionando a ficção com a vida real, lá na Escola Estadual onde
eu trabalho, chegou um gato que a exemplo de Rique também não sabe
miar. Matriculado na 1ª série, com 7 anos de idade, freqüenta a escola
regular em um período do dia e, a Fundação Catarinense de Educação
Especial no outro. Nosso protagonista é portador de algumas limitações:
com antecedentes de prematuridade apresenta microcefalia, retardo no
desenvolvimento neuropsicomotor, 90% da visão comprometida, não fala,
não controla os esfíncteres, não se alimenta sozinho. Segundo as monitoras
da Instituição onde ele reside, à espera de adoção, o nosso ‘menino
especial’ não gosta de faltar à aula. Acorda cedo, apanha a mochila e vai
para a porta, fazendo sinais de querer ir para a escola, antes mesmo do
desjejum e do banho.
Apesar de todas essas deficiências, o menino é portador de uma
incrível energia cósmica, sempre alegre e bem humorado o que o faz ser
querido por toda a comunidade escolar. Possui habilidades físicas para a
prática de esportes como corrida e ginástica, além de demonstrar interesse
por várias atividades desenvolvidas na escola das quais participa, na
medida de suas possibilidades.
Movido por um espírito solidário aprendeu a recolher as cadernetas
da turma, colocá-las na caixa apropriada e levá-las para serem carimbadas.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Na hora do recreio presta auxílio voluntário à merendeira, recolhendo as
canecas que os alunos deixam pelo refeitório. Na sala de aula já consegue
permanecer concentrado em atividades motoras por períodos cada vez mais
longos.
Assim como o gato Rique, o Menino Especial do Silveira de Souza
também pode ser ajudado a superar dificuldades e limitações e se capacitar
para uma vida mais independente e plena. E todos ao seu redor podem
descobrir que a realização de seus sonhos depende da força de sua coragem.
Na sua interessante feição de fábula O gato que não sabia miar,
publicado em 1984, Maria de Lourdes antecipou-se ao movimento em prol
da inclusão dos diferentes, que, graças a Deus, ocorre em nossos dias.
Todos os setores são chamados a participar, criando programas de inclusão,
principalmente a Educação Sistematizada. Nossas escolas públicas abriram
as portas para receber alunos ‘portadores de limitações’ para que eles,
inseridos no contexto do padrão de normalidade vigente, consigam se
apropriar de conhecimentos que lhe garantam melhores condições de vida.
O gato que aportou na Escola Silveira de Souza, Florianópolis, bem
como o gato da fábula têm pontos convergentes dentre os quais a obstinada
decisão de lutar até conquistar o almejado: romper com os paradigmas
prescritos pelos defensores do status quo.
A obra da escritora Maria de Lourdes Krieger é recomendável pela
ludicidade, comunicação e também por ser tão condizente com uma questão
tão presente em nossas escolas: a inclusão.
Referências
CÂNDIDO, Antonio. O mundo provérbio. Revista Língua e Literatura. 1972.
CARVALHO, Bárbara Vasconcelos de. Literatura infantil: estudos. São Paulo: Lotus, s.d.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro,
1999.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1999.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo:Moderna,
2000.
DILVO, Ivo Ristoff; LEMOS, David (org.). Projeto Um dedo de prosa. Florianópolis:
UFSC/CCE, 2004.
FERNANDES, Millôr. Lições de um ignorante. Rio de Janeiro: José Álvaro Editor, 1967.
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KOTHE, Flávio R. O herói. São Paulo: Ática, 1987.
KRIEGER, Maria de Lourdes. O gato que não sabia miar. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1984.
JOLLES, André. As formas simples. (trad. Álvaro Cabral). São Paulo: Cultrix, 1976.
MACHADO, Irene. A. Literatura e redação. São Paulo: Scipione, 1994.
RANGEL, Alexandre. Fábulas de Esopo para executivos: recontadas por Alexandre Rangel.
São Paulo: Original, 2006.
SILVA, Danusia Apparecida. Representação da criança nas obras de Maria de Lourdes
Krieger e Werner Zotz. Porto Alegre: PUC/RS, 2002. [Tese de Doutorado].
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O PAPEL DO NEGRO NA LITERATURA INFANTIL HOJE: UM
ASSUNTO QUE NÃO PODE PASSAR EM BRANCO
Cláudia Regina Silveira
UFSC
[email protected]
1. Introdução
O papel do negro como personagem de histórias literárias não tem
sido o de privilégio. Pelo contrário, o que percebemos é que em um país
cuja maioria da população é negra (segundo o Censo atual), o(a) negro(a)
aparece quase sempre estereotipado como sendo feio, malandro, marginal,
pobre e sem moral. Nas histórias infantis, até a década passada, quando
aparecia um personagem negro, e isso era bem raro, o papel atribuído a ele
era o de empregada doméstica (como a Tia Nastácia, de Monteiro Lobato)
ou de escravo. Ou seja, o papel dado aos personagens negros era sempre o
de inferior ao branco.
Era esse o tipo de literatura que se produzia até então para as
crianças e que, certamente, elas levavam para toda a sua formação. O
resultado desse tipo de educação não poderia ser outro senão o de uma
cultura que reproduzia a ideologia do dominador; assim, o modelo branco
europeu passou a ser ditado como o único padrão de beleza aceito e, junto
com ele, a sua imagem de pureza, inteligência e bondade.
A inculcação do estereótipo inferiorizante visa a produzir a rejeição a si
próprio, ao seu padrão estético, bem como aos seus assemelhados. Por
sua vez, a cultura e seus valores, uma vez inferiorizados, tendem a ser
rejeitados, porque passam a ser vistos pela ótica imposta do dominador
como primitivos, inferiores ou ‘folclóricos’. (LIMA; ROMÃO, 2002, p.
17)
O fato de aparecer sempre desempenhando papéis subalternos e,
ainda, de sua própria invisibilidade nas histórias, pode contribuir para que a
criança que pertença a este grupo étnico estigmatizado e invisibilizado
desenvolva um processo de auto-rejeição e de rejeição ao seu grupo
étnico/racial. Isso acontece não só pelo texto escrito, mas também pela
imagem ilustrada nos livros, e essas imagens revelam expressões culturais
397
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
de uma sociedade. Assim, a criança negra poderá ver aquilo como um
espelho de sua imagem e aí começam os problemas. Tentar puxar essa
provocação e mostrar que aos poucos, porém felizmente, essa realidade está
mudando é o que se pretende no presente artigo; analisar algumas das
tipologias negras encontradas na literatura infanto-juvenil, através de duas
obras: “Cabelo ruim? a história de três meninas aprendendo a se aceitar, de
Neusa B. Pinto, e “O menino marrom”, de Ziraldo, bem como situar
reflexões acerca dos aspectos das relações étnico/raciais no mundo dos
livros e de nossa cultura popular constituem o nosso objetivo.
2. O cabelo como símbolo de uma identidade
O cabelo tem sido um elemento bastante representativo da
identidade racial. Ella Shohat, em seu estudo denominado “A vinda para a
América” (2002), mostra a imagem de um feixe de cabelos longos e lisos
sendo moído por uma espécie de moedor de carnes, através da obra de arte
Wrung, de Lynne Yamamoto; nessa imagem, “a dor e a crueza da servidão
lembram a morte lenta da empregada doméstica” (SHOHAT, 2002, p. 113).
Nesse caso, a representação do cabelo “longo, negro e sedoso” de mulheres
asiáticas que sempre aparece como metáfora da frágil e dócil ‘Oriente’,
causa uma espécie de choque; ou, como a própria Shohat designou, é uma
“beleza aterradora”, uma vez que nos passa a impressão de que o corpo e o
rosto já foram torcidos pela máquina.
Entretanto, se o cabelo longo, negro e sedoso representa a
identidade de mulheres orientais em sua beleza e sensualidade, o cabelo
duro, feio, pixaim, crespo e ruim tem sido o tipo denominado aos “pretos”.
Esse tipo de violência está diretamente relacionado à triste história da
escravidão a que os negros foram submetidos. No entanto, de acordo com
Telles (2003, p. 306), as desigualdades raciais no Brasil não são
“meramente o resultado da escravidão ou de grandes desigualdades de
classe, mas de uma contínua prática social preconceituosa, de cunho
racial.” O autor acrescenta, ainda, que “a noção popular de raça é
transmitida através de estereótipos, da mídia, de piadas, das redes sociais,
do sistema educacional, das práticas de consumo, dos negócios e pelas
políticas do Estado. Logo, a raça tem grandes implicações materiais para os
brasileiros.” Falando nisso, é sempre bom esclarecer o conceito de raça:
398
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Raça é uma categoria discursiva, e não biológica. Ou seja, é a categoria
organizadora destas maneiras de falar, dos sistemas de representação, e
das práticas sociais (discursos) que utilizam um conjunto frouxo,
frequentemente não específico de diferenças de traços físicos – cor da
pele, textura do cabelo, características físicas e corporais, etc. – como
marcadores simbólicos para diferenciar socialmente um grupo de outro.
(HALL, 1996, p. 49)
Em nosso país, o racismo e a discriminação racial são armas
potentes que enquadram as pessoas dentro de um sistema de classes
desigual cuja superioridade do branco é sempre evidente. Guimarães (2004)
chama a atenção para o fato de se precisar melhor a linguagem sociológica
diferenciando termos como preconceito racial, discriminação racial e
racismo. Segundo esse autor, o preconceito racial seria aquele que é
expresso verbalmente “através de ofensas pessoais”; já a discriminação
racial “consiste no tratamento diferencial de pessoas baseado na ideia de
raça, podendo tal comportamento gerar segregação e desigualdades raciais”
(ibidem, p. 18, grifos do autor) e, finalmente, o racismo, que é “o sistema
de desigualdades de oportunidades, inscritas na estrutura de uma sociedade,
que podem ser verificadas apenas estatisticamente através da estrutura de
desigualdades raciais” (ibidem, p. 18), isto é, a incitação pública do
preconceito.
Esse preconceito fica maior ainda à medida que as “diferenças” se
evidenciam. A interiorização de que o branco e o cabelo liso são os padrões
ideais de beleza pode levar o sujeito negro à alienação e à negação da
própria identidade, fazendo com que ele busque a “salvação” no
embranquecimento físico e/ou cultural. Como já citado anteriormente, essa
visão de “beleza” teve origem na escravidão e nas relações de poder que se
formaram a partir daí. Por isso, o cabelo ruim, duro, pixaim é a expressão
do racismo e da desigualdade racial que recai sobre o indivíduo. Buscando
o embranquecimento, ele nega a sua cor, e ao negar a cor, ele repudia o
corpo, querendo tornar invisíveis características como nariz chato e grosso,
bunda grande, beiço grande e cabelo ruim. Essa relação que o sujeito cria
com o seu corpo constitui a sua identidade.
Nesse sentido, dizemos que o cabelo crespo pode ser considerado
uma expressão simbólica da identidade negra no Brasil. E como, segundo
Hall (2000, p. 109-110), as identidades são construídas por meio da
diferença, “elas emergem no interior do jogo de poder e são, assim, mais o
produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo de uma
unidade idêntica, naturalmente construída, de uma ‘identidade’ em seu
significado tradicional.” Assim, sobre os negros, e principalmente sobre a
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
mulher negra, recaem o patrulhamento da questão estética sobre o cabelo,
pois o padrão de beleza é o liso, com madeixas compridas e sedosos; esse é
o “ideal”, o “cabelo bom”. Em contrapartida, o que vemos nas mulheres
negras, mulatas e “pardas” é o estereótipo do “cabelo ruim”, “pixaim”,
“Bombril”, isso quando não associado a animais como o macaco e a outras
piadinhas de mau gosto.
A violência racial entra também na questão de gênero no que se
refere à violência contra a mulher, no seu sentido psicológico que ocasiona
problemas com a auto-estima em razão da imagem desvalorizada que vê na
sociedade. Na literatura nacional, e aqui não falo somente da literatura
infantil, negritude e escravidão são temas frequentes; porém, normalmente
os personagens aparecem estereotipados: “o escravo melancólico e saudoso
de sua terra; o negro sofredor, que se revolta com a condição de escravo; o
escravo fiel, espécie de anjo da guarda do senhor e de sua família; a mãe
negra, dilacerada entre a felicidade da maternidade e a tragédia do
cativeiro; e sobretudo, a bela mulata.” (FRANÇA, 1996, p. 99 apud
CARNEIRO, 2002)
O papel da mulata também requer uma atenção especial neste nosso
trabalho. É válido lembrar que ela ocupa um lugar “privilegiado” em
relação à negra, em nossa sociedade, estendendo-se até a literatura e à
música. À mulata cabe a denominação de “mulher quente”; seu papel está
sempre associado à sensualidade e erotização – lembremos aqui um ditado
popular que diz: “Preta pra trabalhar, branca pra casar e mulata pra
fornicar”. Essa é a definição de gênero/raça da mulher brasileira em nossa
sociedade patriarcal e colonial e que perdura até os dias atuais. Sobre a
invenção da mulata, Azeredo (2005) cita Mariza Correa que trabalha a ideia
de que o termo mulata pressupõe a desigualdade social entre brancos e não
brancos; o mulato parece um “terceiro” e cômodo termo criado entre os
polares termos Branco e Negro. E a própria mulata, ao interiorizar a
preferência do homem branco por sua pessoa, acaba rejeitando a condição
da negra preta. E ela é responsável por atrair, envenenar o homem branco
que, indefeso mediante tanto poder de sedução, acaba traindo a senhora
branca.
Graças a seus encantos físicos, foi a mulata avaliada através de critérios
opostos de apreciação. Por reunir peculiaridades físicas da branca e da
negra, constituiu-se ela num tipo de beleza sui generis: a ‘de mulher
branca, com o acréscimo dessa pontinha de fogo, dessa lascívia atraente
que lhe dá o sangue negro, segundo consta’. (ROGER; FLORESTAN,
apud QUEIROZ JÚNIOR, 1975, p. 29)
400
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Assim, não nos fica difícil pensar que entre a pressão do cativeiro e
a cobiça do seu senhor, a mulata acabasse explorando seus dotes físicos até
mesmo como uma forma de libertação. Desde então, ela passa a ser vista na
literatura (e mais recentemente na música) como o tipo já aqui descrito por
nós.
3. “Cabelo ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar”
O primeiro livro estudado foi “Cabelo ruim? A história de três
meninas aprendendo a se aceitar.” (2007), da jornalista Neusa Baptista
Pinto, editado pela Editora Tantatinta, do Mato Grosso do Sul. O livro faz
parte do projeto da autora, intitulado “Pixaim: nem bom, nem ruim –
apenas diferente”, cujo objetivo é o de estimular e valorizar o uso do cabelo
crespo.
Inicialmente, a autora, que também é negra e que, portanto, sofreu
(e sofre!) esse tipo de discriminação por causa do cabelo, faz uma
apresentação das meninas: Bia tem a pele cor de canela; Tatá possui a pele
escura; e Ritinha, uma cor indefinida, nem branca, nem preta, na verdade,
mulata. Intencionalmente, a autora as apresenta carecas; elas são ilustradas
desprovidas de cabelos inicialmente.
Após a apresentação, o destaque ao cabelo é dado. Agora, sim,
aparece a ilustração das três: Bia tem cabelo “meio avermelhado cor de
fogo”, comprido, porém anda “sempre amarrado bem presinho prá trás”.
Essa menina, “na hora do recreio, em vez de brincar, vai pro banheiro,
molhar o cabelo e botar creminho. Diz que é prá hidratar...” A outra
menina, Tatá, tem o cabelo “pretinho” e curto (curto para não dar trabalho),
e anda sempre com uma tiara para que ele não arme. Já Ritinha possui o
cabelo mais claro, castanho, e sempre usa trancinhas com bolinhas ou
fitinhas coloridas nas pontas. O que se percebe aqui é que as meninas,
mesmo inconscientemente (e orientadas pelas mães) não possuem a cultura
de deixar os cabelos soltos. Eles aparecem sempre presos e com gel, ou
seja, sempre escondidos pela vergonha de suas donas.
Os cabelos crespos das crianças afro-descendentes são identificados
como cabelo “ruim”, primeiro pelas mães, que internalizaram o
estereótipo; e, na escola, pelos coleguinhas, que põem os mais variados
apelidos nas trancinhas e nos cabelos crespos ao natural. (SILVA, 2005,
p. 28)
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
O relacionamento dentro de sala de aula, e a exposição ao
preconceito ainda na infância, também são temas dessa obra literária. No
primeiro dia de aula, ao ver a nova amiga negra, alguém grita: “Mais um
cabelo ruim na nossa classe!” É o retrato da cultura europeizada: desde
pequeno, o dominador já impõe seus padrões de beleza, e o que é diferente
passa a ser ridicularizado, motivo de piada, de escárnio. Nesse sentido,
completa Silva (2005):
Os estereótipos, a representação parcial e minimizada da realidade,
conduzem o estereotipado e representado, em grande parte, à autorejeição, à construção de uma baixa auto-estima, à rejeição ao seu
assemelhado, conduzindo-o à procura dos valores apresentados como
universais, na ilusão de tornar-se aquele outro e libertar-se da dominação
e inferiorização. (SILVA, 2005, p. 30)
Outra situação também explorada pela autora é o despreparo de
nossos professores (ou de nós, professores) em lidar(mos) com situações
como essas em sala de aula. A professora tenta saber quem disse aquilo,
mas, como ninguém se apresenta, a situação se encerra por ali. O que
faltou? Diríamos que faltou identificar e corrigir a ideologia; faltou
aproveitar a oportunidade e trabalhar o preconceito em sala de aula; faltou
ensinar aos alunos que a diferença pode ser muito bonita; que nosso povo é
lindo e, por isso, miscigenado; que a diversidade é um fator positivo; isso
poderia contribuir para a auto-estima, para o acolhimento de outros valores
das diversas culturas presentes na sociedade.
A reação da menina, porém, mediante a abstenção da professora,
foi de vergonha de sua cor e de seu cabelo e, claro, a tristeza e o inevitável
choro. Quem a ajuda são as duas outras meninas negras da sala. E por quê?
Porque elas se identificam com o problema; elas sentem na pele a dor do
preconceito, sabem o quanto dói serem apontadas como as diferentes, as
meninas do cabelo ruim, pixaim, Bombril ou, ainda, serem chamadas de
“pretinha fedida”.
Conversando e expondo o problema, Bia e Ritinha começam a
tomar consciência da discriminação racial que sofriam: “Olha só gente, ela
[Bia] não sabia que ‘cabelo ruim’ era xingamento! É que sua mãe sempre
falava quando ia pentear seu cabelo: ‘Eta cabelo ruim, hein?’ Falava rindo,
falava brincando.” (p.15) Reparemos que a discriminação já está tão
incutida, tão arraizada que o próprio discriminado compactua com isso
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
inconscientemente, sem se dar conta. O sonho de Bia, quando crescesse, era
alisar o cabelo, para acabar com aquele martírio de todos os dias, quando a
mãe desembaraçava-lhe os cabelos.
Já Ritinha achava que tudo podia ser resolvido com um soco; o
problema é que a chateação era tão grande que, às vezes, ela nem se
animava a bater nos outros.
A conversa entre as meninas continuou, e foi Tatá quem despertou
a consciência da própria recriminação nas outras meninas: “As pessoas
acham nosso cabelo feio, esquisito, diferente e pronto. A gente mesma
também acha. É ou não é?” (p.21)
As meninas nunca haviam tido consciência disso, pois o que faziam
era algo tão normal, tão natural, e acreditavam que o alisamento servia
somente para que o cabelo ficasse “ajeitado”. Ritinha também pensava que
só prendia o cabelo para que ele não virasse “uma arapuca”. Tatá provoca
ainda mais: “Vocês acham normal ter vergonha do cabelo? Vocês acham
normal não poder ficar com ele como ele é, ter que ficar fazendo alguma
coisa com ele: alisar, esticar, prender...?” (p.23)
À medida que iam conversando, as meninas percebiam que tinham,
sim, vergonha dos próprios cabelos, mas que nunca haviam se dado conta;
no fundo, as fitinhas, o gel, a tiara, os alisantes serviam para esconder os
cabelos ruins. E começaram a analisar o mundo que as rodeava: por que
nenhuma de suas bonecas possuía “cabelo ruim”? Por que nenhuma delas
tinha a pele escura? Por que as moças e moços da TV tinham sempre
cabelos lisos, loiros ou negros, mas sempre lisos e que balançavam com o
vento? Por que na TV não havia ninguém com cabelo ruim? “Por que na
novela, no comercial, na revista de moda não tem muitas menininhas
pretinhas assim igual eu?” (p.27) Cabe aqui lembrar que o fato de não estar
visível em atividades tão comuns pode levar a criança que pertence ao
grupo étnico/racial invisibilizado e estigmatizado desenvolver um processo
de auto-rejeição. Não foi o caso da personagem, mas pode ser o caso na
vida real, com nossos alunos.
Um dia, Tatá descobriu um novo nome para seu cabelo: CRESPO.
As meninas gostaram do nome e agora só os chamavam assim. Das
reflexões, passaram às brincadeiras de cabeleireiras e, juntas,
desmistificaram seus próprios medos e segredos: todas soltaram os cabelos
e aprenderam a gostar deles assim como eram, natural. A primeira a ousar
sair para a rua assim foi Bia (ela saiu de casa escondida, pois se a mãe a
visse assim brigaria com ela). Na rua, ninguém notou, porém na escola os
cochichos e risadinhas aconteceram, mas Bia sentiu-se forte, dona de si e
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
disse: “Meu cabelo não é ruim, nem bom. Só é diferente...” (p.34) Notemos
que aqui a personagem parece ter conseguido desconstruir a ideologia que
desqualifica, e construir o processo da identidade étnico/racial e autoestima. Essa resposta fez a turma tomar consciência da existência do
preconceito; e as três meninas pensaram que a partir daquele momento as
coisas iriam mudar.
Mudaram? Nem tanto! Em casa, as mães começaram a aceitar os
cabelos das meninas, elas fizeram diversos penteados... mas os colegas de
sala, ah! esses não mudaram. “Muita gente ainda ri dos cabelos delas na
escola, no shopping, na rua de casa.” (p.37) Outra coisa que também não
mudou foi o cabelo, “tem dia que dói prá caramba na hora de pentear. Tem
dia que tá armado prá burro.” (p.27) Mas a vida e a própria aceitação das
meninas mudou, e elas passaram a perceber que seus cabelos eram apenas
“diferentes”, assim conseguiam levar a vida e suportar o preconceito.
4. O menino marrom
Um outro livro que aborda a temática do negro de uma forma bem
diferente do que se tem visto até então é “O menino marrom”, livro de
Ziraldo, publicado pela Melhoramentos, em 2005. A obra se mostra muito
interessante porque conta a história, na verdade, de dois meninos: um
marrom e outro cor-de-rosa. O autor trabalha questões como descrição
física e psicológica dos personagens e objetiva mostrar que ninguém é preto
ou branco, todos somos uma mistura de cores. Outra coisa que chama a
atenção são as ilustrações: os meninos são desenhados da mesma maneira,
porém com cores diferentes, e aparece também uma coisa rara de se ver em
livros: a figura da família: um pai e um filho, ambos negros, de mãos
dadas, sorrindo – uma atitude normal entre pai e filho, porém nem tão
normal assim nos livros, em se tratando de gente negra.
No início da história, Ziraldo trabalha com a descrição física do
menino marrom. Intencionalmente, o autor quer retratar a beleza negra do
garoto: “Ele era um menino muito bonito. Caprichei no desenho do
menino, mas acho que ele era muito mais bonito pessoalmente.” (p.3) E
continua, descrevendo a cor da pele (“cor de chocolate” – “Chocolate puro,
não aqueles misturados com leite (não gosto de chocolate com leite, daí
achar a cor do chocolate puro mais bonita.”) (p.3); os olhos também são
descritos, associados a outra coisa gostosa: a jabuticaba. De repente, o autor
puxa a palavra “preto” – os olhos eram pretos como jabuticabas – e
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
começa, então, a brincar com o termo, afirmando que na natureza é difícil
algo ser realmente preto. Inclusive, ele cita que especialistas e estudiosos
dizem não existir cabelo humano absolutamente preto. A quebra da questão
do preto se dá quando o narrador diz: “E vamos deixar de ficar falando
neste negócio de preto, pois a nossa história é do menino marrom.” (p.3)
Ou seja, o narrador tenta mostrar ao leitor que não é correto
(cientificamente falando) chamar as pessoas negras de pretas e que isso é
uma atitude racista, preconceituosa.
Os dentes – outra parte do corpo estereotipada nos negros,
indicando que eles possuem os dentes muito brancos – também são
descritos, mas não como “brancos”, e sim como “clarinhos”, pois, senão,
“Se você ficasse com a boca cheia de dentes brancos como a neve,você iria
ficar ridículo, parecendo um vampiro sem presas.” (p.4)
Quanto aos cabelos do menino marrom, eles aparecem como
“enroladinhos e fofos”. São comparados a uma esponja. “Logo depois do
banho, quando seus cabelos secavam, era um prazer ficar fazendo assim,
com os dedos em gancho, fofando a cabecinha do menino marrom. Sempre
achei que seus cabelos eram pretíssimos. Mas, um dia, um amigo,
especialista em identificação do Instituto Félix Pacheco, me disse: ‘Não
existem cabelos humanos absolutamente pretos, você sabia?’” (p.4) Aqui o
autor parece querer reforçar a ideia do cabelo preto (ou da ausência do
cabelo preto), uma vez que essa mesma frase já havia sido citada na página
anterior. Diferentemente do que se ouve no dia a dia, o cabelo do negro não
aparece aqui como ruim, pixaim ou Bombril, pelo contrário, o autor o
compara a coisas boas e enaltece sua beleza.
Outra característica bastante reforçada pelo autor é o nariz do
menino marrom. Sabemos que este órgão é bem visado em termos de
preconceito racial e que muitas crianças (e adultos!) envergonham-se de ter
um nariz “achatado”. Ziraldo descreve com muita doçura o nariz do garoto:
“Nariz de menino marrom nunca é pontudinho. Ele cresce mais para os
lados do que para a frente. O do menino marrom era feito de três bolinhas.
Uma bolinha maiorzinha no meio e duas menorzinhas, uma de cada lado,
em volta das narinas.” (p.4) E reforça a ideia de beleza, afirmando: “Um
desenho perfeito.” (p.4)
Ziraldo cria um segundo personagem para sua história, um menino
branco, que será amigo do menino marrom, ou melhor, branco, não, ele era
“cor-de-rosa”; o autor começa a brincar com as cores da pele e mostra-se
confuso: cor-de-rosa, branco, cor-de-pele branca, cor-de-pele marrom,
enfim, ele mostra que há uma variedade muito grande de tonalidade de
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
peles e que nem por isso as pessoas deixam de ser mais valiosas. Ele
mostra que, apesar de serem de cores diferentes, os garotos eram muito
amigos e ambos possuíam valiosas qualidades.
A questão da cor chega até a sala de aula, quando a professora
trabalha o disco de Newton, e os garotos percebem que da mistura de todas
as cores em movimento surge o branco. Como em casa, os meninos haviam
misturado várias cores na aquarela e a tinta ficara marrom, a confusão na
cabeça dos dois generalizou: “Quer dizer que eu sou todas as cores paradas
e você é todas as cores em movimento?” (p.18) – perguntou o menino
marrom. O outro menino responde: “Só tem um detalhe: eu não sou
branco!” Novamente a questão do que é verdadeiramente branco na
natureza é lançada, e eles chegam à conclusão de que “o mundo não é
dividido entre pessoas brancas e pretas. O que existe é gente marrom,
marrom-escuro, marrom-claro, avermelhada, cor-de-cobre, cor-de-mel,
charuto, parda, castanha, bege, flicts, esverdeada, creme, marfim,
amarelada, ocre, café-com-leite, bronze, rosada, cor-de-rosa e muitas outras
variações.” (p.18)
A ilustração da página seguinte é bem grande e mostra várias
crianças sorridentes e bem diferentes umas das outras; todas possuem um
cabelo diferente: liso, crespo, espetado, curto, comprido, mediano,
amarrado, solto, com tranças, pretos, amarelos, verdes, marrons, repartidos,
inteiros; também as cores das crianças são todas diferentes umas das outras,
os olhos, os narizes, a raça, com negros, orientais, indígenas, enfim, o autor
consegue, a partir desse desenho, mostrar a verdadeira mestiçagem de que é
composta nosso país. E o melhor é que todos eles aparecem em um mesmo
plano, sem se dar destaque a um ou outro elemento. Sobre a mestiçagem,
Tadei (2002, p. 3, apud Azeredo, 2005) vê a questão como um “dispositivo
do poder”, ou seja, a mestiçagem é “um conjunto de saberes e de estratégias
de poder que atua sobre a nossa identidade nacional, tendo por objetivo
integrar e tornar dóceis as etnias que estão na raiz de nossa nacionalidade
(no caso os indígenas do continente e os negros africanos).” O mesmo autor
lembra que durante a colonização o objetivo era disseminar o sangue
europeu para criar aqui no Brasil um povo mais branco; assim, as pessoas
que nasceram por essa época ficaram em um estágio intermediário entre “o
bom (europeu) e o mau (negros e indígenas)”. Por isso, pode-se dizer que
com a ilustração criada por Ziraldo, não dá para negar a diversidade e as
identidades múltiplas as quais compõem o mosaico cultural brasileiro.
A normatização dos estereótipos também é lembrada pelo narrador
da história quando este comenta que “mesmo marrom, o menino marrom
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
achava normal ser chamado de preto. Mesmo cor-de-rosa, o menino cor-derosa achava normal ser chamado de branco.” (p.21) E o questionamento dos
garotos se o fato de terem cores diferentes os fazia diferentes. Para eles
tudo era igual. Ziraldo brinca com o “jogo dos contrários”, a fim de que a
criança entenda que branco não é o contrário de preto, pois contrário é só
quando “uma coisa toma o lugar da outra”, e o branco não pode tomar o
lugar do preto ou vice-versa.
Ziraldo também relata o preconceito em sua obra. Certo dia, o
menino marrom vai ajudar uma velhinha a atravessar a rua, e ela fica
apavorada, julgando-o um trombadinha. Decepcionado, ele torce para que
um carro a atropele. O autor mostra novamente o preconceito na obra e, é
válido afirmar, segundo Silva (2005, p. 30), que “os estereótipos conduzem
o estereotipado à auto-rejeição, à construção de uma baixa auto-estima”.
Foi o que aconteceu com o garoto; na história, ele torna-se triste e
vingativo, “Como pode durar este jogo de deus e de diabo em peito de
menino?” (p.24)
Já na parte final do livro, o narrador afirma que o menino começava
a entender por que o branco “dava uma ideia de paz, de pureza e de alegria”
e por que o preto “simbolizava a angústia, a solidão, a tristeza”. Para ele, o
preto representava a escuridão, “o olho fechado”, e o branco era “o olho
aberto”, a luz. Tomou consciência de que o homem tornava tudo um
símbolo, e o fato de o preto representar o ruim era nada mais nada menos
que uma incipiente invenção. Quem disse que o preto é ruim e que o branco
é bom? – questiona-se o narrador. O menino reflete e chega à conclusão de
que, na verdade, o “preto é apenas a ausência do branco.” (p.30)
O final da história (se é que assim podemos dizer, pois ela não
termina) também é interessante porque o autor não nomeia quem é quem.
Os meninos cresceram, viraram homens, os dois são doutores, porém, “um
é craque de basquete e o outro, de voleibol”. E assim ele relata uma série de
acontecimentos, sempre dizendo um fez isso, o outro aquilo, sem jamais
nomeá-los, sem dizer quem fez o quê; isso é para mostrar que ambos
podem atuar tanto em um lugar quanto em outro, já que todos somos iguais
e diferentes ao mesmo tempo.
5. O papel da escola e do professor nas questões raciais
Ao longo dos tempos, vemos que a escola tem sido palco das
primeiras vivências de tensões raciais. Isso porque ela é responsável pela
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
socialização daqueles que a ela recorrem; a escola é, pois, um espaço em
que se estabelecem relações entre crianças de diferentes culturas, raça e
etnia. Assim, sendo, a relação entre uma criança branca e uma negra em
sala de aula pode ser tensa. Não que a escola seja a culpada por introduzir
esse preconceito na cabeça de seus alunos, muito pelo contrário, a escola
recebe esses sujeitos já com certa formação (e daí nos lembramos de um
dito o qual afirma que a educação vem de casa). Seu papel é destruir os
estereótipos. É livrar-se de uma educação segregadora, exclusiva,
discriminatória. De acordo com Silva (2005):
Os estereótipos geram os preconceitos, que se constituem em um juízo
prévio a uma ausência de real conhecimento do outro. A presença dos
estereótipos nos materiais pedagógicos e especificamente nos livros
didáticos, pode promover a exclusão, a cristalização do outro em funções
e papéis estigmatizados pela sociedade, a auto-rejeição e a baixa autoestima, que dificultam a organização política do grupo estigmatizado.
(SILVA, 2005, p. 24)
O que percebemos, em certas circunstâncias, é que a escola
funciona muito mais como um mecanismo de exclusão social, que uma via
de acesso à cidadania, visto que o preconceito ali se instala. As crianças
negras, muitas vezes, são vítimas de preconceito, mesmo sem se dar conta,
pois já trazem de casa toda a bagagem cultural de que o bonito, o certo é o
branco; fora isso, tudo é feio. Se repararmos bem, quem são sempre os
escolhidos para fazer o anjinho ou o menino Jesus nas peças teatrais do
ensino fundamental? Ou alguém já viu um menino Jesus negro em alguma
escola? O interessante é que automaticamente a criança negra já se exclui
desse papel, porque ela sabe que o papel do protagonista não é para ela. E
isso é endoçado pelo professor! Fora essa problemática, a escola possui,
ainda, conteúdos curriculares com visão eurocêntrica, livros didáticos
preconceituosos e tendenciosos e professores despreparados para enfrentar
situações de exclusões em sala de aula.
Mediante tantas falhas no processo educacional, a participação
efetiva da escola nessa luta em prol da justiça e da igualdade se deu
somente a partir do ano de 2003, quando foi aprovada a Lei 10;639/03, que
altera a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei 9394/96
estabelecendo a obrigatoriedade nos currículos escolares do ensino de
história e cultura afro-brasileira e africana. O problema é que a lei parece
ainda não ter sido conhecida por muitas escolas, e isso o próprio governo
reconhece. Mas, devemos crer que já é um começo. Acreditamos que a
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
escola deva servir como um espaço para que crianças, jovens e adultos
tenham a possibilidade de questionar e descontruir certos mitos que
inferiorizam uns e trazem superioridade a outros.
À escola, cabe, ainda, adotar uma postura aberta e reconhecer que a
diversidade deve ser explicitada e valorizada. Ela deve mostrar que as
pessoas são, sim, muito diferentes umas das outras; que não existe somente
o preto e o branco, mas também o azul, o amarelo, o vermelho, etc e que
cada um deve ser respeitado como tal. Além disso, a escola deve incluir a
imagem e participação das minorias em atividades cotidianas de forma
natural e positiva.
É claro que o agente mais “direto” dessa situação é o professor. Por
isso, ele deve manter-se aberto para suas próprias práticas sociais, prepararse teoricamente para enfrentar esses desafios, conhecer a legislação
brasileira e desprover-se de qualquer espécie de preconceito, já que em sala
de aula, ele é o “espelho” dos alunos. Da mesma forma que um professor
que lê, estimula os hábitos de leitura dos alunos, um professor que
discrimina acirra o preconceito, por isso, é preciso ter muito cuidado na
hora de planejar as aulas, pois ele pode vir a ser “um mediador inconsciente
dos estereótipos se for formado com uma visão acrítica das instituições e
por uma ciência tecnicista e positivista, que não contempla outras formas
de ação e reflexão.” (SILVA, 2005, p. 24)
6. Considerações Finais
Ao longo deste estudo, lembramo-nos de como a personagem
negra, mulata ou preta tem sido representada em nossa literatura e na
sociedade. Vimos também que o Brasil é possuidor de uma história
marcada por discriminações que inibem a manifestação da cultura afrobrasileira em favorecimento das concepções dominantes. De nosso lado,
enquanto educadores, devemos dizer que a escola não pode ficar alheia a
essa situação de preservar a identidade brasileira e das culturas afrobrasileira e africana uma vez que nossa população é formada também por
essas matizes raciais.
O combate ao racismo e à desigualdade social e racial, bem como,
a reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da
escola, no entanto, o preconceito e a discriminação passam sempre por ali.
De acordo com Romão (2001), reverter essa situação só será possível a
partir do reconhecimento da escola como reprodutora das diferenças
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
étnicas, investindo na busca de estratégias que atendam às necessidades
específicas de alunos negros, incentivando -os e estimulando-os nos níveis
cognitivo, cultural e físico. Para o autor, o processo educacional, além de
poder ser o responsável pela busca da auto-estima, da autonomia, ele pode
ser também o instrumento capaz de diminuir e prevenir o processo de
exclusão social e incorporação do preconceito pelas crianças negras.
O que se observa, na realidade, é que mesmo com leis que expõem
a necessidade de uma outra visão acerca dos preconceitos, discriminações e
exclusões raciais e sociais, na prática, tanto a escola como o docente ainda
estão muito aquém daquilo que se almeja em termos de reparações e ações
afirmativas em torno do assunto. A Lei 10.639/2003, apesar de criticada
por muitos e desconhecida por outros, aponta caminhos para possíveis
soluções – resta apresentá-las àqueles que ainda não a conhecem.
É claro que sabemos que uma lei não é suficiente para mudar anos
de invisibilidade da temática em questão, mas cremos que isso já é um
início de uma luta, pois através de uma construção metodológica
envolvendo todas as disciplinas, visaremos à conscientização da sociedade
no combate ao preconceito racial. É fundamental que os currículos e livros
escolares apareçam isentos de qualquer conteúdo racista; é preciso que eles
reflitam as contribuições dos diversos grupos étnicos que formam a cultura
brasileira. Não dá mais para ignorar essas contribuições e fingir que somos
um país branco e único. É preciso repensar a “consciência mestiza”, como
já trabalhava Anzaldúa (2005); não é possível esquecer a dor e a
discriminação por que passou essa gente, por isso, ela pressupõe a
afirmação da diferença, a importância de declarar, mostrar suas
necessidades e sua luta. Não é mais possível aguentar o discurso de que o
Brasil não é um país racista. Superar o racismo já é questão moral. Então, é
preciso preparar nossos professores para que os mesmos façam um trabalho
de desconstrução de ideologias humilhantes e que corrijam o estigma da
desigualdade atribuído às diferenças, só assim poderão contribuir para a
aceitação e reconhecimento dos valores culturais dos afro-brasileiros. É
preciso que nos lembremos de que o processo educacional também é
formado por dimensões, como ética, diversidade, cultura, sexualidade,
relações raciais, relações de gênero e das diferenças de identidades, entre
outras. E isso o docente não vai reconhecer (pelo menos não somente) no
conteúdo, mas sim na prática do dia-a-dia, na convivência escolar.
Pensar diversificadas maneiras de trabalhar com a questão racial na
escola será nosso maior desafio. É preciso pensar no futuro, “Porque o
futuro depende da quebra de paradigmas, depende da quebra de duas ou
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
mais culturas. Criando um novo mythos – ou seja, uma mudança na forma
como percebemos a realidade, na forma como nos vemos e na forma como
nos comportamos – La mestiza cria uma nova consciência.” (ANZALDÚA,
2005, p. 707). Enquanto educadores, precisamos de uma nova consciência;
precisamos buscar a igualdade dos direitos sociais a todos os alunos e
alunas e reconhecer que uma escola não é feita apenas de intelecto, mas
também de relações humanas, de diferenças, de identidades, de
diversidades, de emoções, enfim, de elementos tão comuns em nosso
cotidiano que, muitas vezes, insistimos em deixá-los escondidos.
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A CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NA ITERATURA
DE RECEPÇÃO INFANTIL E JUVENIL: UM DIÁLOGO
SINGULAR EM PLURALIDADES
Eliane Santana Dias Debus
PPGCL/UNISUL
[email protected]
Margarida Cristina Vasques
Pedagogia/UNISUL; PIBIC/CNPq
1 Introdução
A produção deste relatório apresenta os resultados finais da
pesquisa “A cultura africana e afro-brasileira na literatura de recepção
infantil e juvenil: um diálogo singular em pluralidades”, desenvolvida entre
os meses de julho/2008 a julho/2009, no âmbito do Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação Científica/CNPQ/2008.
Esta pesquisa efetivou-se pela necessidade de viabilizar a inclusão
da cultura e história africana e afro-brasileira no Ensino Fundamental e
Médio, como demanda da Lei 10.639/2003, e por acreditarmos que a
literatura tem reais contribuições para este fim. Assim, tem-se como meta
dar visibilidade às leituras literárias destinadas ao público infantil e jovem
que enfatizem o tema étnico-racial, ou, ainda, títulos que incluam a real
participação de personagens negras, costumes afro-brasileiros e
informações culturais produtoras de identificação entre o leitor e a
narrativa.
Como método investigativo, mapeamos oito casas editorias (Ática,
Companhia das Letrinhas, DCL, Paulinas, Scipione, Mazza, Pallas e SM),
tendo como referência os catálogos comerciais do ano de 2008/2009. Num
primeiro momento levantamos o material bibliográfico-alvo para, então,
posterior análise textual.
Os catálogos editoriais somaram 2416 (dois mil, quatrocentos e
dezesseis) livros publicados. Destes foram selecionados 170 (cento e
setenta) livros que trouxeram a presença do negro, sua cultura e
africanidades. Sendo assim, o investimento em livros étnico-raciais a partir
de oito editoras corresponde a 7% (sete por cento) do seu total de
publicações.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Gráfico 1: Levantamento quantitativo dos catálogos editoriais.
Fonte: Representação gráfica da somatória e seleção dos livros mapeados de oito editoras
selecionadas.
Através de alguns desses livros adquiridos para estudo, o trabalho
propôs e concluiu a resenha, com propriedade descritiva e crítica, de 55
(cinqüenta e cinco) textos.
Para aprofundar o estudo sobre a apresentação da cultura africana e
afro-brasileira nos livros literários, foi construída a divisão dos títulos de
acordo com a área temática, que para esta pesquisa contextualizou-se pelos
seguintes tópicos: 1) A representação folclórica do negro; 2) Contos e recontos africanos; 3) Representação do negro no período escravocrata e pós
escravocrata-histórico; 4) Personagens (crianças e adultos) contemporâneos
em situações cotidianas; 5) Narrativas de caráter informativo, embora
estejam nos catálogo literários; 6) Narrativas sobre elementos da cultura e
religiosidade afro-brasileira e/ou/africano; 7) Histórias de cunho feérico,
isto aquelas que estão no plano do conto de fadas ou conto maravilhoso.
Tabela 1: Apresentação de resultados quantitativos da pesquisa.
Fonte: Representação numérica dos livros elencados por Margarida C. Vasques, 2009
414
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
2 Editora Ática
Através do Catálogo 2008 com 577 títulos publicados foi possível
elencar 19 títulos que trazem a presença do negro e/ou a cultura africana e
afro-brasileira. São eles: – A risada do saci, de Regina Chamlian; Armazém
do folclore, de Ricardo Azevedo; Consertam-se arco-íris, de Ivan
Jaf/Fabiana Salomão; Contos de espantar meninos, de Regina Chamlian;
Convivendo com as diferenças, de Laura Jaffé; Crianças como você, de
Barnadas e Anabel Kindersley; De onde você veio? – Discutindo
preconceitos, de Liliana Lacocca; Eu & os outros – Melhorando as
Relações, de Liliana Lacocca; Eu como assim ou assado?, de Michele
Lacocca; Melhor de três, de Angela Carneiro; Menina bonita do laço de
fita, de Ana Maria Machado; Meu avô, um escriba, de Rodval Matias; Meu
livro de folclore, de Ricardo Azevedo; No olho da rua, de Georgina da
Costa Martins; O amigo do rei, de Eva Furnari; O que fazer? – Falando da
convivência, de Liliana Lacocca; O saci e o curupira e outras histórias do
folclore, de Joel Rufino dos Santos; Samira debocha do novo aluno,
Christian Lamblin; Uma maré de desejos, de Georgina Martins.
Resenhas elaboradas. A partir destes vinte livros selecionados
foram construídas as resenhas de seis livros: A risada do Saci, de Regina
Chamlian e ilustração de Helena Alexandrino; Meu livro de folclore e
Armazém do folclore, ambos escritos por Ricardo Azevedo, com ilustrações
de Ricardo Azevedo e Maria Azevedo; De onde você veio? Discutindo
preconceitos, de Liliana Iococca e Michele Iacocca; Menina bonita do laço
de fita, autora Ana Maria Machado e ilustração Claudius; O saci e o
curupira e outras histórias do folclore, de Joel Rufino dos Santos e
ilustrações de Zeflávio Teixeira; Uma maré de desejos, de Georgina
Martins e ilustrações de Cris Eich.
Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica
do negro: A risada do saci, Meu livro de folclore, Armazém do folclore,
Contos de espantar meninos, O saci e o curupira e outras histórias do
folclore; 2) Contos e re-contos africanos: sem edições neste contexto. 3)
Representação do negro no período escravocrata e pós escravocratahistórico: O amigo do rei; 4) Personagens (crianças e adultos)
contemporâneos em situações cotidianas: Consertam-se arco-íris,
Convivendo com as diferenças, Melhor de três, Menina bonita do laço de
fita, No olho da rua, Samira debocha do novo aluno, e Uma maré de
desejos; 5) Narrativas de caráter informativo, embora estejam nos catálogo
literários: Crianças como você, De onde você veio? – Discutindo
415
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
preconceitos, Eu & os outros – Melhorando as Relações, Eu como assim
ou assado?, Meu avô, um escriba, e O que fazer? – Falando da
convivência. Para os próximos itens não houveram publicações naqueles
contextos, são eles: 6) Narrativas sobre elementos da cultura e religiosidade
afro-brasileira e/ou/africano; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que
estão no plano do conto de fadas ou conto maravilhoso.
3. Editora Companhia das Letrinhas
No catálogo 2008-2009 constam 566 livros de literatura infantil e
juvenil, sendo que em 23 encontramos a presença do negro e/ou histórias e
cultura africanas e afro-brasileiras. Sendo: – A história dos escravos, de
Isabel Schawarcz; De todos os cantos do mundo, de Magda Pucci e Heloisa
Prieto; Mata Contos do folclore brasileiro, de Heloisa Prieto; Lá vem
história, Heloisa Prieto; Lá vem história outra vez, Heloisa Prietro; O diabo
na noite de natal, de Osman Lins; Livros de Reginaldo Prandi: Ifá, O
Adivinho, Xangô, O Trovão, Oxumarê, O Arco-irís, José Moçambique e a
capoeira, Histórias da Preta; Ao sul da África, de Laurence Quentin, A
África, meu pequeno chaka, de Marie Sellier, Anansi, o velho sábio,
Akimbo e os elefantes, Akimbo e os leões recontados por Kaleki, Como
contar crocodilos, de Margaret Mayo, O Brasil em Festa, de Sávia
Dumont, A história de Biruta, de Alberto Martins, Contos e Lendas AfroBrasileiras – A criação do mundo, de Reginaldo Prandi, Contos e lendas da
África, de Yves Pinguilly, Ogum, O rei de muitas faces – e outras histórias
dos orixás, de Lidia Chaib e Elizabeth Rodrigues, Tintim no Congo, de
Hergé.
Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica
do negro: O diabo na noite de natal e Mata Contos do folclore brasileiro;
2) Contos e re-contos africanos: De todos os cantos do mundo, Lá vem
história, Lá vem história outra vez, Ao sul da África, A África, meu
pequeno chaka, Anansi, o velho sábio, Como contar crocodilos, Contos e
Lendas Afro-Brasileiras – A criação do mundo e Contos e lendas da
África; 3) Representação do negro no período escravocrata e pós
escravocrata-histórico: A história dos escravos, Histórias da Preta, A
história de Biruta; 4) Personagens (crianças e adultos) contemporâneos em
situações cotidianas; Akimbo e os elefantes, Akimbo e os leões, O Brasil em
Festa e Tintim no Congo; 5) Narrativas de caráter informativo, embora
estejam nos catálogo literários: não há edições; 6) Narrativas sobre
416
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira e/ou/africano: Ifá, O
Adivinho, Xangô, O Trovão, Oxumarê, O Arco-irís, José Moçambique e a
capoeira, Ogum, O rei de muitas faces – e outras histórias dos orixás; 7)
Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do conto de
fadas ou conto maravilhoso: sem edições.
4 Editora DCL
No catálogo 2008-2009 constam 234 livros de literatura infantil e
juvenil, sendo que 26 apresentam histórias com personagens negros e/ou
cultura africanas e afro-brasileiras. São eles: – Cada família é de um jeito,
de Aline Abreu, Ana e Ana, de Célia Cristina, Um mundinho para todos de
Célia Cristina, As narrativas preferidas de um contador de histórias, de
Ilan Brenman, Aparício, de Sonia Rosa, A princesa Anastácia, de Elma
Neves, A menina que tinha um céu na boca, de Julio Emílio Braz,
Brasileirinho – história de amor do Brasil, de Ieda de Oliveira, coleção
histórias e lendas do Brasil: Histórias e lendas do Brasil – Nordeste,,
Histórias e lendas do Brasil – Sudeste, Histórias e lendas do Brasil – Sul,
Entre o rio e as nuvens, de Katia Canton, Em boca fechada não entra
mosca, de Fatima Miguez, Coleção Baobá – África fantástica, livros de
Rogério Andrade Barbosa: Os gêmeos do tambor, O filho do vento, Como
as histórias se espalharam pelo mundo, Duula – A mulher canibal; O
menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria,
de Georgina Martina, Um barco, um avião, uma bolha de sabão, de Sandra
Pina, As descobertas de Paulinho na metrópole, de Marina Franco, Brasil –
folião, de Fátima Miguez, Brasil – menino, de Fátima Miguez, Um botão
negro, outro branco, de Beto Belivácqua, Meu tataravô era Africano, de
Georgina Martins e Teresa Silva Telles, Zagaia, de Allan Santos da Rosa,
A Câmera do Sumiço, de Laura Bergallo.
Resenhas concluídas. A partir de vinte e seis livros selecionados
foram concluídas as resenhas de quatro livros: Ana e Ana, de Célia Godoy e
ilustrações de Fê; Como as histórias se espalharam pelo mundo, de
Rogério Andrade Barbosa e ilustrações de Graça Lima, Duula A mulher
canibal – Um conto africano, de Rogério Andrade Barbosa, ilustrações:
Graça Lima e Meu tataravô era africano, autora Georgina Martins e Teresa
Silva Telles, e ilustrações de Maurício Negro.
Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica
do negro: Histórias e lendas do Brasil – Nordeste, Histórias e lendas do
417
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Brasil – Sudeste; Histórias e lendas do Brasil – Sul; 2) Contos e re-contos
africanos: As narrativas preferidas de um contador de histórias, Os gêmeos
do tambor; O filho do vento; Como as histórias se espalharam pelo mundo;
Duula – A mulher canibal; 3) Representação do negro no período
escravocrata e pós escravocrata-histórico: Brasileirinho – história de amor
do Brasil, Brasil – menino e Meu tataravô era Africano; 4) Personagens
(crianças e adultos) contemporâneos em situações cotidianas: Cada família
é de um jeito, Ana e Ana, Um mundinho para todos, Aparício, A meninha
que tinha um céu na boca, Em boca fechada não entra mosca, O menino
que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria, Um
barco, um avião, uma bolha de sabão, As descobertas de Paulinho na
metrópole,
Brasil – folião, Um botão negro, outro branco, Zagaia, A
Câmera do Sumiço; 5) Narrativas de caráter informativo, embora estejam
nos catálogo literários: sem edições; 6) Narrativas sobre elementos da
cultura e religiosidade afro-brasileira e/ou/africano: Entre o rio e as nuvens;
7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do conto de
fadas ou conto maravilhoso: A princesa Anastácia.
5 Editora Mazza
A editora Mazza apresentou dois catálogos 2009 com 61 livros de
literatura infantil e juvenil e, ainda, para leitores influentes, com histórias
de diferentes contextos e temáticas. Sendo assim, através do catálogo de
livros de literatura infantil e juvenil e do catálogo de livros para leitores
influentes foram elencados 26 títulos que apresentam histórias com
personagens negros e/ou cultura africanas e afro-brasileiras. Comparando
com o levantamento feito em 2008, constatou-se um aumento na produção
de livros étnicos-raciais que anteriormente somavam 14 publicações. Os
livros selecionados foram: A princesa e o vento, texto de Martha Rodrigues,
Betina, texto de Nilma Lino Gomes, Matilde, de Eliene Nery, Entremeio
sem babado, de Patrícia Santana, As três vidas de Fred, por Carmem Lucia
Eiterer, O menino que não nasceu da barriga da mãe, por Carmem Luica
Eiterer, A ginga da Rainha, de Iris Amâncio, Aquilo que a mãe não quer,
por Geni Guimarães, Minha mãe é negra sim!, de Patrícia Santana, A era
dos êres: uma Era ao culto da Natureza e dos Orixás, por Adriano
Bitarães, Cadarços desamarrados, por Maria do Carmo Ferreira da Costa,
Criança especial criança diferente, de Eliene Nery, Meninos de rua, de
Ângela Diniz D. Teixeira, Coleção Griot Mirim, textos de Madu Costa,
Madu Galdino, Martha Rodrigues e Mara Evaristo: Koumba e o Tambor
418
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Diambê, Que cor é a minha cor?, Meninas negras, Mãe
Dinha
e
Livro do professor, O congado para crianças, de Edimilson de Almeida
Pereira, Zumbi dos Palmares, de Marcos Antônio Cardoso e Maria de L.
Siqueira, O negro na filatelia brasileira, de Maria Zilá Teixeira de
Matos, Histórias do Tio Jimbo, de Nei Lopes e Maurício Veneza, Os
comedores de palavras, de Edimilson Almeida Pereira e Rosa Margarida
de Carvalho Rocha. Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo, Becos da
Memória, de Conceição Evaristo, Livro de falas/Book of voices, de
Edimilson de Almeida Pereira.
Resenhas. A partir de vinte e seis livros selecionados foram
concluídas as resenhas de três livros, conforme a seguir: A ginga da
Rainha, autora Iris Maria da Costa Amâncio e ilustrações através de
imagens de panos adquiridos pela autora no mercado popular Roque
Santeiro (Luanda,2001); O Congado para crianças, por Edimilson de
Almeida Pereira e ilustrações de Rubem Filho e Os comedores de palavras,
autor Edimilson de Almeida Pereira, ilustrações de Rosa Margarida de
Carvalho Rocha.
Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica
do negro: não há edições; 2) Contos e re-contos africanos: A ginga da
Rainha; Koumba e o Tambor Diambê, Os comedores de palavras; 3)
Representação do negro no período escravocrata e pós escravocratahistórico: Ponciá Vicêncio; 4) Personagens (crianças e adultos)
contemporâneos em situações cotidianas: Betina, Matilde, Entremeio sem
babado, As três vidas de Fred, O menino que não nasceu da barriga da
mãe, Aquilo que a mãe não quer, Minha mãe é negra sim!, Cadarços
desamarrados; Criança especial criança diferente, Meninos de rua, Que
cor é a minha cor?, Meninas negras, Mãe Dinha, Histórias do Tio Jimbo,
Becos da Memória; 5) Narrativas de caráter informativo, embora estejam
nos catálogo literários: Criança especial criança diferente, O congado para
crianças, Zumbi dos Palmares, O negro na filatelia brasileira; 6)
Narrativas sobre elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira
e/ou/africano: A era dos êres: uma Era ao culto da Natureza e dos Orixás,
Livro de falas/Book of voices; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas
que estão no plano do conto de fadas ou conto maravilhoso: A princesa e o
vento.
419
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
6. Editora Pallas
Na editora Pallas 19 títulos trazem a temática do negro, África e
africanidades. São eles: Erinlê, o caçador e outros contos africanos, de
Adilson Martins, O papagaio que não gostava de mentiras e outras fábulas
africanas, de Adilson Martins, Uma idéia luminosa, de Rogério Andrade
Barbosa, Seis pequenos contos africanos sobre a criação do mundo e do
homem, de Raul Lody, Falando Banto, de Eneida Gaspar, Coleção
biblioteca afro-brasileira, vários autores, O tabuleiro da baiana, de Sonia
Rosa, Feijoada, de Sonia Rosa, Jungo, de Sonia Rosa, Maracatu, de Sonia
Rosa, Capoeira, de Sonia Rosa, Sikulume e outros contos africanos, de
Júlio Emílio Braz, O menino Nito, de Sonia Rosa, Bruna e a galinha
D`Angola, de Gercilga de Almeida, Porque Oxalá usa Ekodidé, de
Deoscóredes M. dos Santos, Caroço de Dendê, de Máe Beata de Yamonjá,
Na rota dos tubarões – o tráfico negreiro e outras viagens, de Joel Rufino
dos Santos, Aparência, de Julio Emílio Braz, Lendas de Exu, de Adilson
Martins.
Resenhas. A partir destes dezenove livros selecionados foram
concluídas as resenhas de onze livros, conforme a seguir: Bruna e a galinha
D`Angola, de Gercilga de Almeida e ilustração de Valéria Saraiva, Caroço
de Dendê: a sabedoria dos terreiros: como Ialorixás e Babalorixás passam
seus conhecimentos a seus filhos, autora Mãe Beata de Yemonjá e
ilustração: Raul Lody, Coleção Lembranças Africanas – Livro 1: Capoeira,
Livro 2: Maracatu, Livro 3: Jongo, Livro 4: Feijoada, da autora Sonia Rosa
e ilustrações de Rosinha Campos, Erinlé, o caçador e outros contos
africanos, de Adilson Martins e ilustração: Luciana Justiniani Hees,
Falando Banto, de Eneida D. Gaspar e ilustração de Victor Tavares, O
Menino Nito...então, homem chora ou não?, de Sonia Rosa e ilustrações
Cristina Azevedo, O papagaio que não gostava de mentiras e outras
fábulas africanas, de Adilson Martins e ilustrações de Luciana Justiniani
Hees, O tabuleiro da baiana, de Sonia Rosa e ilustração de Rosinha
Campos, Porque Oxalá usa Ekodidé, de Deoscóredes M. dos Santos (Didi),
Seis pequenos contos africanos sobre a criação do mundo e do homem, de
Raul Lody, Uma idéia luminosa, de Rogério Andrade Barbosa e ilustrações
de Thais Linhares.
Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica
do negro: sem edições; 2) Contos e re-contos africanos: Erinlê, o caçador e
outros contos africanos,
O papagaio que não gostava de mentiras e
outras fábulas africanas, Uma idéia luminosa, Seis pequenos contos
420
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
africanos sobre a criação do mundo e do homem, A lenda do Timbó,
Sikulume e outros contos africanos. 3) Representação do negro no período
escravocrata e pós escravocrata-histórico: Na rota dos tubarões – o tráfico
negreiro e outras viagens; 4) Personagens (crianças e adultos)
contemporâneos em situações cotidianas: Bruna e a galinha D`Angola,
Aparência; 5) Narrativas de caráter informativo, embora estejam nos
catálogo literários: Coleção biblioteca afro-brasileira; 6) Narrativas sobre
elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira e/ou/africano: Falando
Banto, O tabuleiro da baiana, Feijoada, Jungo, Maracatu, Capoeira,
Porque Oxalá usa Ekodidé, Caroço de Dendê, Lendas de Exu; 7) Histórias
de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do conto de fadas ou
conto maravilhoso: não há edições nesta temática.
7. Editora Paulinas
O levantamento da editora Paulinas somou 400 títulos publicados,
sendo que 22 trazem a presença da cultura africana e afro-brasileira, ou
ainda, o personagem negro. São eles: Tarsila, de Lia Zatz e Zeflávio
Teixeira, Quando eu digo digo digo, de Lenice Gomes, Batuques de
Limeriques, de Marcelo Dolabela e Clô Paoliello, Dez sacizinhos, de
Tatiana Belinky e Roberto Weigand, Ciça, de Neusa Jardem Possatti e
Renato Alarcão, Benedito, de Hugo Monteiro Ferreira e Douglas Barzon, O
milagre de Natal, de Luiz Fernando Abreu e Gerson Conforti, A torto e a
direito, de Braz Uzuelle, Contos africanos para crianças brasileiras, de
Rogério Andrade Barbosa e Maurício Veneza, Outros contos africanos
para crianças brasileiras, de Rogério Andrade Barbosa e Maurício
Veneza, Ulomma – A casa da beleza e outros contos, de Sunny e Denise
Nascimento, Contos da Lua e da beleza perdida, de Sunny e Denise
Nascimento, Os reizinhos do Congo, de Edimilson de Almeida Pereira e
Graça Lima, O telefone de latas, de Édimo de Almeida Pereira e Rubem
Filho, O colecionador de pedras, de Prisca Agustoni, Rua Luanda, de
Edimilson de Almeida Pereira, Histórias trazidas por um cavalo-marinho,
de Edimilson de Almeida Pereira e Denise Nascimento, Histórias da
África, de Gcina Mhlophe, 13 lendas brasileiras, de Mario Bag, O livro das
origens, de José Arrabal, Lendas brasileiras – Norte, Nordeste e Sudeste,
de José Arrabal e Sérgio Palmiro, De alfaias a zabumbas, de Raquel Nader
e Rosinha Campos.
Resenhas. A partir destes 22 livros selecionados foram concluídas
as resenhas de onze livros, conforme a seguir: Benedito de Hugo Monteiro
421
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Ferreira e ilustração de Douglas Barzon; Conceição de Vila Rica, de
Joaquim Borges e ilustrações Denise Nascimento; De alfaias a zabumbas
de Raquel Nader e Rosinha Campos com ilustrações de Rosinha Campos;
Histórias da África, de Gcina Mhlophe e ilustrações de Kalle Becker;
Jeannie Kinsler; Kim Longhurst, Lalelano Mbhele e Junior Valentim; O
colecionador de pedras, de Prisca Agustoni, O livro das origens de José
Arrabal e ilustrações de Andréa Vilela; Os reizinhos de Congo, de
Edimilson de Almeida Pereira e ilustrações de Graça Lima; Rua Luanda, de
Edimilson de Almeida Pereira e ilustrações de Rubem Filho; O Milagre de
Natal, de Luiz Fernando Abreu e ilustração de Gerson Conforti; Outros
Contos Africanos para crianças brasileiras, de Rogério Andrade Barbosa e
ilustrações de Maurício Veneza e Histórias trazidas por um cavalomarinho de Edimilson de Almeida Pereira e ilustrações Denise Nascimento.
Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica
do negro: Dez sacizinhos, Lendas brasileiras; 2) Contos e re-contos
africanos: Contos africanos para crianças brasileiras, Outros contos
africanos para crianças brasileiras,
Ulomma – A casa da beleza e
outros contos, Contos da Lua e da beleza perdida, Histórias trazidas por
um cavalo-marinho, Histórias da África; 3) Representação do negro no
período escravocrata e pós escravocrata-histórico: sem edições; 4)
Personagens (crianças e adultos) contemporâneos em situações cotidianas:
Tarsila, Ciça, Benedito, Conceição de Vila Rica, O milagre de Natal, A
torto e a direito, O telefone de latas, O colecionador de pedras; 5)
Narrativas de caráter informativo, embora estejam nos catálogo literários:
Quando eu digo digo digo; 6) Narrativas sobre elementos da cultura e
religiosidade afro-brasileira e/ou/africano: Batuques de Limeriques, Os
reizinhos do Congo, Rua Luanda, O livro das origens, De alfaias a
zabumbas; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do
conto de fadas ou conto maravilhoso: não há edições neste contexto.
8. Editora Scipione
Sobre o catálogo 2007/2008 constam 386 títulos, destes 15 trazem
a presença da cultura africana e afro-brasileira. São eles: Diga paz, de Sam
Willians, Poesia pela cidadania, de Odete Rodrigues Baraúna, História
cabeluda, de Lô Galasso e Maria Lúcia Mott, Uma ponte, um rio, o Pedro e
o Zezinho, Márcia Batista, Bruxa Onilda e a macaca, de Roser Capdevilla e
Enric Larreula, Mãe de Ouro, de Lucília Garcez, Ururau, praga e pica-pau,
422
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
de Celso Sisto, Três contos da sabedoria popular, de Rogério Andrade
Barbosa, Nyangara Chena: A cobra curandeira, de Rogério Andrade
Barbosa, O capitão e a sereia, de André Neves, Arrepiando a pele, de
Stella Carr, O grupo dos quatro – As crianças do mundo, de Laurence
Gillot, O truque de Cúri – as casas do mundo, de Claire Ubac, A arte de
olhar – famílias, de Nereide Schilaro Santa Rosa, No tempo da escravidão
no Brasil, de Maria Lúcia Mott.
Resenha. A partir de 15 livros selecionados foi concluída a resenha
do título seguinte: História Cabeluda de Lô Galasso & Maria Lúcia Mott e
ilustraçãode Cecília Iwashita.
Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica
do negro: Mãe de Ouro, Três contos da sabedoria popular, O capitão e a
sereia; 2) Contos e re-contos africanos: Ururau, praga e pica-pau; 3)
Representação do negro no período escravocrata e pós escravocratahistórico: No tempo da escravidão no Brasil; 4) Personagens (crianças e
adultos) contemporâneos em situações cotidianas: Diga paz, Poesia pela
cidadania, História cabeluda, Uma ponte, um rio, o Pedro e o Zezinho,
Bruxa Onilda e a macaca, Arrepiando a pele, O grupo dos quatro – As
crianças do mundo,
O truque de Cúri – as casas do mundo; 5)
Narrativas de caráter informativo, embora estejam nos catálogo literários: A
arte de olhar – famílias; 6) Narrativas sobre elementos da cultura e
religiosidade afro-brasileira e/ou/africano: Nyangara Chena: A cobra
curandeira; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano
do conto de fadas ou conto maravilhoso: sem edições.
9. Editora SM
Através do catálogo 2008/2009 foram elencados 173 títulos, destes
20 trazem a presença do negro. São eles: A cabra mágica, de Meshack
Asare, A travessia dos elefantes, de Alejandro Sandoval, Caminhos de Exu,
de Carolina Cunha, A lenda de Taita Osongo, de Joel Franz Rosell,
Mzungu, de Meja Mwangi, A fazenda distante, de Pierre-Marie Beaude,
Minha família é colorida, de Georgina Martins, As panquecas da Mama, de
Mary e Rich Chamberlin, Um safári na Tanzânia, de Laurie Krebs, O
chamado de Sosu, de Meshack Asare, Histórias de Ananse, de Adwoa
Badoe, Cadê você, Jamela?, de Niki Daly, O que tem na panela, Jamela?,
de Niki Daly, ABC do continente africano, de Rogério Andrade Barbosa,
Os chifres da hiena e outras histórias da África Ocidental, de Mamadou
423
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Diallo, Yemanjá, de Carolina Cunha, Eleguá, de Carolina Cunha, Oxente! A
mulher enterrada viva, de Toni Brandão, Creindeuspai! A procissão dos
mortos vivos, de Toni Brandão, Volta ao mundo dos contos nas asas de um
pássaro, de Catherine Gendrin.
Resenhas. Através da disponibilidade de todos os livros elencados
por esta editora, tornou-se possível a construção de resenhas de todos os 19
títulos listados acima.
Divisão por categorias/temáticas. 1) A representação folclórica
do negro: sem edições nesta temática; 2) Contos e re-contos africanos: A
cabra mágica, Histórias de Ananse, Os chifres da hiena e outras histórias
da África Ocidental, Volta ao mundo dos contos nas asas de um pássaro;
3) Representação do negro no período escravocrata e pós escravocratahistórico: A lenda de Taita Osongo, Mzungu; 4) Personagens (crianças e
adultos) contemporâneos em situações cotidianas: A travessia dos
elefantes, A fazenda distante, Minha família é colorida, As panquecas da
Mama, Um safári na Tanzânia, O chamado de Sosu, Cadê você, Jamela?,
O que tem na panela, Jamela?, Oxente! A mulher enterrada viva,
Creindeuspai! A procissão dos mortos vivos; 5) Narrativas de caráter
informativo, embora estejam nos catálogo literários: sem edições; 6)
Narrativas sobre elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira
e/ou/africano: Caminhos de Exu, ABC do continente africano, Yemanjá,
Eleguá; 7) Histórias de cunho feérico, isto aquelas que estão no plano do
conto de fadas ou conto maravilhoso: não há edições nesta temática.
Gráfico 2: Resultado da divisão dos livros selecionados de acordo com a área temática.
Fonte: Representação gráfica da divisão dos livros selecionados por áreas temáticas.
424
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Conclusões
Crianças e jovens querem saber sobre o mundo e seus significados
construindo o conceito das coisas que os rodeiam e de si mesmos e podem
experimentar estes saberes através da leitura literária. Encontramos nas
narrativas analisadas ludicidade e fantasia, elementos importantes para a
formação do leitor, além da construção de um repertório em que as
diferenças culturas estão presentes.
Reconhecer a plenitude da arte, religião e lendas africanas e afrobrasileiras é identificar e se identificar não apenas a cor da pele, mas as
narrativas que se comprometem com a história da África. Sendo assim, a
importância deste trabalho de pesquisa está na possibilidade de divulgar a
literatura como ferramenta primordial para desvelar a cultura afrobrasileira e africanas, pois ao analisar cada livro podemos não somente
adquirir saberes, mas questionar e apontar antigos valores transpondo as
barreiras do racismo brasileiro.
Para a educação a elaboração de conhecimentos se dá na interação
social entre adultos e crianças que devem buscar fazer dela um espaço onde
o saber histórico e culturalmente elaborado seja, de fato, socialmente
distribuído. Através dos estudos apresentados, concluímos que a literatura
infantil e juvenil é uma importante ferramenta ao ampliar as referências
para o desenvolvimento emocional, cognitivo e social da criança, indo ao
encontro à identidade de cada par. Alguns temas como arte e religião
surgem de forma clara e estética e, em princípio, não há limitações quanto à
aplicabilidade do material literário ao sistema de educação nacional.
Constata-se, acima de tudo, que um dos caminhos para o entendimento e
consciência acerca da pluralidade cultural está também na apropriação da
leitura literária produtora de identidade e inclusão social.
Referências
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
A LEITURA LITERÁRIA PROMOVENDO REFLEXÕES SOBRE A
TEMÁTICA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA: A VOZ DAS
CRIANÇAS DO “PROJETO MALUNGO”
Elika da Silva
Pedagoga/UNISUL
[email protected]
Eliane Santana Dias Debus
PPGCL/UNISUL
[email protected]
O livro quer ser livre como livre é o pássaro que inventa o seu caminho.
Thiago de Mello
A reflexão de Thiago de Mello abre caminho para esta pesquisa que
teve por objetivo investigar como a literatura infantil com temática africana
e afro-brasileira está presente nas escolas da rede pública estadual de Santa
Catarina e em especial numa escola de Florianópolis. É por acreditar que a
literatura no espaço escolar contribui para uma relação construtiva da
criança com o livro e para formação da sua identidade, que esta pesquisa se
construiu.
Acreditamos que a escola é um o espaço onde todos possam
exercer sua cidadania com dignidade onde não existam posturas de
preconceito e discriminação, onde a diversidade cultural e étnica de nosso
país possa servir de exemplo e orgulho para nossas crianças, segundo Leite
e Rodrigues (2000, p. 12)
Uma sociedade que em virtude da mobilidade das populações e dos
fenômenos de globalização se torna cada dia mais multicultural exige
uma escola que recontextualize os seus conteúdos e estratégias de
ensino, de forma a ser capaz de reconhecer a diversidade das culturas e
de valorizar processos de interacção que gerem enriquecimentos mútuos.
Nesse contexto a literatura infantil ocupa um importante papel,
principalmente na contemporaneidade, em que as narrativas apresentam
personagens africanos e afro-brasileiros em uma postura de valorização. É
por acreditar que a literatura no espaço escolar contribui para uma relação
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
construtiva da criança com o livro e para formação da sua identidade, que
esta pesquisa se efetivou.
Através da literatura, pode-se promover uma educação que valorize
a diversidade cultural, mas ressaltando que a leitura de livros não pode ser
simplesmente uma obrigação, tanto do professor como do aluno, mas deve
sim ser uma relação de prazer e admiração para com o livro. Como destaca
Celso Sisto (2003, p. 131) “o jogo da leitura, que envolve imaginação,
fantasia e emoção tem que ser a porta de entrada do meu aluno no livro, e
não a droga do utilitarismo, que reduz toda e qualquer obra a uma
necessidade prática”.
Sabe-se que o atual mercado editorial brasileiro vem investindo
forte na produção literária para crianças. Porém, como destaca Debus
(2006a, p. 107), “algumas publicações editoriais estão mais preocupadas
em veicular os conteúdos escolares e fortalecer o pacto de venda do que
com a qualidade estética das obras que veiculam”. Por isso a necessidade
de refletir sobre o que está sendo produzindo sobre a questão étnico-racial.
A literatura infantil como possibilidade de emancipação do leitor
A função social da literatura só se faz manifesta na sua genuína
possibilidade ali onde a experiência literária do leitor entra no horizonte
de expectativas da prática de sua vida, pré-forma sua compreensão de
mundo e com isto repercute também em suas formas de comportamento
social.
Hans Robert Jauss
A literatura infantil possibilita a emancipação do leitor, já que ela é
um grande caminho para formar leitores competentes, e assim repercutir no
comportamento social, a partir de reflexões e não imposições, embora em
sua origem teve um fim direcionado, como observa Zilberman (2003, p. 71)
“a literatura infantil originou-se da valorização que recebeu a infância a
partir do século XVIII e da necessidade de educá-la, o que por sua vez,
decorreu da centralização da sociedade em torno da família burguesa”.
No século XVIII, houve uma transformação de tratamento e uma
nova compreensão de infância. A mudança se deu a uma nova noção de
família, segundo Zilberman (2003, p. 15) “... inexistia uma consideração
especial para com a infância. Essa faixa etária não era percebida como um
tempo diferente, nem o mundo da criança como um espaço separado”.
Portanto não seria necessária uma literatura específica para esse público, no
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
entanto a noção de família gerou o cuidado e a preocupação com a infância.
Daí surgiu a escola e os produtos culturais para a infância, entre eles a
literatura infantil, com o intuito de passar valores e controlar o
desenvolvimento intelectual das crianças.
Neste sentido, Zilberman (2003, p. 34) destaca que:
Para conceituar-se a literatura infantil, é preciso proceder a uma
consideração de ordem histórica, uma vez que não apenas o gênero tem
uma origem determinável cronologicamente, como também seu
aparecimento decorreu de exigências próprias da época [...] as ascensões
respectivas de uma instituição como a escola, de práticas políticas, como
a obrigatoriedade do ensino e a filantropia, e de novos campos
epistemológicos, como a pedagogia e a psicologia, não apenas interrelacionadas, mas uma conseqüência do novo posto que a família e
respectivamente a criança adquirem na sociedade. É no interior dessa
moldura que eclode a literatura infantil
Os livros de literatura infantil que têm no período a função de
propagar valores começam a ser lançados. Entretanto, mesmos nos contos
de fadas tradicionais, existe um exemplo de vida familiar a ser seguido,
assim como várias outras histórias infantis que trazem valores com seus
finais sempre mostrando que o correto é seguir as orientações familiares e
não sair deste cerco, que é a família sua melhor estrutura de segurança com
o pai provedor do sustento e mãe responsável pelo lar e pela preservação
dos filhos.
Embora o conceito de infância, hoje tenha novos valores, ainda se
encontram livros que perpetuam valores conservadores e de dominação. A
questão é que o mercado editorial (escritores, editores, agentes culturais)
nem sempre estão comprometidos com a qualidade, mas sim com a
quantidade de livros que irão vender. Por isso, a questão da representação
dos afrodescendentes na literatura infantil ainda é uma lacuna a ser
preenchida, por mais que a literatura infantil brasileira tenha contemplado o
tema em suas narrativas, e apesar das editoras e autores estarem mais
preocupados com a questão étnica, ainda há muito a ser conquistado, pois o
que mais aparece ainda nos livros infantis, são os modelos de famílias
européias.
Zilberman (2003, p. 225) quando escreve sobre a mudança de
rumo da literatura infantil brasileira, cita dois autores da modernidade como
os principais protagonistas de novos olhares sobre a literatura infantil, Joel
Rufino dos Santos, com O soldado que não era e Ana Maria Machado com
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Do outro lado tem segredo. Com esses autores “rompem-se
necessariamente os laços ideológicos da literatura infanto-juvenil com o
aparelho escolar” (p. 223), pois nesses títulos os autores destacam heróis
populares, homens, mulheres e negros, mostrando que sem o sangue desta
gente não haveria vitória, e trazendo também informações mais completas
“sobre o aprisionamento e escravização dos negros africanos, suas
constantes revoltas, o papel do líder Zumbi...” (ZILBERMAN, p. 224).
No entanto, este quadro se transformou lentamente, através de
muita luta dos movimentos negros e pesquisadores, a questão étnico-racial
tem aos poucos alcançado importantes conquistas e influências, uma delas é
no ramo editorial. Na atualidade, existem muitos livros que trazem a
representação de personagens afro-brasileira em posições de desafios e
valorização da cultura africana, proporcionando ao leitor uma noção de
apropriação, auxiliando assim a criança leitora na sua construção do
conhecimento e compreensão do mundo que a rodeia, com suas diferentes
culturas.
É pertinente que estejamos atentos ao que vem se produzindo neste
sentido, pois não basta integrar os afrodescendentes na literatura. A
produção tem que ser de qualidade, em uma sociedade assim como a nossa,
na qual o acesso a livros é restrito a poucos torna-se fundamental que a
escola, muitas vezes é o único acesso ao livro que a criança tem, e o
educador sejam cautelosos com a seleção e movimentação do acervo de
literatura africana e afro-brasileira, na biblioteca e com a leitura em sala de
aula.
Para que o livro seja uma obra que esclareça como os
afrodescendentes são partes integrantes na formação da nossa sociedade,
não basta trazer personagens negras e falar sobre preconceito. É importante
levar em consideração como são trabalhados e ilustrados estes livros; se
apresentam ilustrações positivas de personagens negros; e se os conteúdos
abrangem o universo cultural africano e afro-brasileiro, obras onde habitem
reis e rainhas negras, deuses africanos, e outros, cujas leituras possam
participar da construção da auto-estima das crianças afrodescendentes.
A Literatura Infantil pelo olhar das crianças
A pesquisa de campo foi realizada em uma escola pública estadual
de Florianópolis (SC), verificando como esta desenvolve atividades
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
incluindo a questão étnico-racial a partir de um trabalho chamado “Projeto
Malungo”, focalizando o uso da literatura infantil.
Os recursos utilizados para coletas de dados foram os bastidores de
um vídeo documentário e um questionário com seis questões relacionadas
ao “Projeto Malungo” e a presença da literatura infantil africana e afrobrasileira.
Os “bastidores” da gravação do Vídeo Documentário Malungo
(2006), que não foram utilizados no vídeo final no qual às crianças
apresentam seus relatos sobre a literatura infantil que deu suporte ao
projeto, nos serviu como instrumento de observação e reflexão sobre como
os alunos se apropriaram da literatura africana e afro-brasileira. As crianças
são filmadas individualmente, fora da sala de aula e relatam suas
impressões sobre as histórias que mais gostaram de ler durante o projeto.
São impressionantes as suas falas narrando as histórias dos livros, pois
contam todos os detalhes dos livros, com uma expressão de contentamento.
Os relatos são de 15 crianças, sendo os livros citados os que trazem
em seus textos a história e cultura dos africanos e afro-brasileiros. Os livros
citados são: O capoeira, de Sonia Rosa; Bruna e a galinha D’Angola, de
Gercilga de Almeida; Que cor é a minha cor, de Martha Rodrigues; Orixás
– Ifá o adivinho de Reginaldo Prandi; As tranças de Bintou, de Sylviane A.
Diouf; O baú das histórias – um conto africano, de Gail E. Haley; Zeca do
morro, de Márcia Vilela Moura de Oliveira; Os sete novelos um conto de
Kwanzaaa, de Ângela Shelf Medearis; Luana, a menina que viu o Brasil
neném, de Aroldo Macedo e Osvaldo Faustino; O boi-de-mamão e Os
bichos da África 2, de Rogério Andrade Barbosa; duas crianças contam a
história Meninas negras, de Madu Costa; e três narram à história Menina
bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado.
Torna-se importante destacar que embora Rogério Andrade
Barbosa seja um dos escritores brasileiros que mais tem se dedicado em
recontar as histórias africanas, o livro citado pela criança O boi de mamão
não tematiza a cultura africana. Vejamos agora duas histórias narradas
pelas crianças que selecionamos para destacar neste espaço.
Durante o relato das narrativas pelas próprias crianças, uma delas
ao falar sobre a história Menina bonita do laço de fita disse: Ela é negra
igual eu!130 Constatando assim que a literatura tem um poder sobre o leitor,
130
As falas das crianças vão estar destacadas em itálico.
431
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
neste caso foi positivo, pois a criança ao falar sobre a história reconhece a
sua cultura e identifica-se com a personagem do livro.
Vejamos as narrativas na percepção destas crianças:
(Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado)
Eu lembro que aqui dentro tem uma menina bem bonitinha, a mãe dela
faz trancinhas nela, ela tem a cor da pantera negra quando corre na
chuva, o coelho ele é vizinho dela, daí ele pega e pergunta pra ela,
menina bonita do laço de fita, qual seu segredo para ficar tão moreninha,
tão pretinha assim? É por causa de uma vó morena que ela teve [...] lá da
África que era mãe, da mãe dela, daí misturou a cor, o pai dela também
era moreno, daí foi misturando a cor e ela ficou assim, ela é negra igual
eu.
O que nos chamou atenção foi à inserção da palavra “morena”
citada pela menina, que não aparece na história escrita. Percebe-se que
mesmo se reconhecendo como negra, ela ainda sustenta um modelo de
embranquecimento que por muito tempo foi sustentado pela sociedade e
ainda o é.
Vejamos outra narrativa, que nos chama a atenção:
(O baú das histórias – um conto africano, de Gail E. Haley)
432
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Este aqui é o baú das histórias (mostra o baú no livro), tem uma parte
que ele, ele tem um Ananci, que ele faz teia de aranha [...] que ele é o
homem aranha, daí ele pede a caixa do baú das histórias, do Deus do
céu, daí o Deus oferece três propostas pra ele poder fazer, daí se ele não
conseguir, daí ele não ganha o baú das histórias. O baú das histórias tem
um monte de histórias dentro que dá pra ser contada, só que daí, ele fez
tudo, que o Deus mandou, e trouxe lá, e foi assim.
Neste caso, o que percebemos foi a ênfase que o menino dá ao
personagem da história Ananci que tece teia de aranha. Possivelmente, ele
está relacionando este homem que com sua inteligência consegue recuperar
o baú de histórias, com o personagem conhecido como “homem aranha”
muito comum entre nossas crianças. O problema está em o menino não
distinguir que, nesta história, o personagem consegue com muita insistência
e inteligência recuperar o baú com as histórias que seus ancestrais
contavam, mostrando a importância que esta população dá a sua cultura.
Ao refletir sobre as narrativas das crianças, percebemos que elas
trazem a sua experiência de vida, como a utilização de expressões
pejorativas. Pois apesar de se identificarem com as histórias e personagens,
o que predomina são atitudes que foram inseridas em suas vidas por uma
sociedade dominante que não valoriza a diversidade. Não se deve imaginar
ingenuamente que teremos uma possível superação do racismo, muito
enraizado em nossa história. A luta é grande, mas é com ações afirmativas
como a deste Projeto que aos poucos poderemos transformar os
pensamentos de discriminação e preconceito.
A voz das crianças pelo escrito: o questionário
Esta parte da pesquisa foi realizada com o apoio da escola Jurema
Callazzi e da professora Lucilene Ferreira, da 4ª série do Ensino
Fundamental e principalmente a participação dos alunos, no dia 05 de
junho de 2008, no período matutino.
Essa turma da 4ª série é uma turma bem diferenciada com alunos
de 8 a 15 anos. Para efetivarmos a pesquisa foi primeiramente realizada
uma conversa informal com os alunos, explicando o nosso objetivo, num
segundo momento fomos assistir ao DVD com os bastidores do vídeo
documentário Malungo, que tem as filmagens dos alunos narrando as
histórias dos livros de literatura infantil, proporcionando assim um
momento de retomada do que eles vivenciaram durante o Projeto, entre as
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
crianças que apareciam no vídeo, cinco eram desta turma, os outros saíram
da escola ou estudam no outro período.
Após assistirmos o DVD, conversamos mais um pouco e então
pedimos para responderam ao questionário referente à literatura infantil que
tematiza a cultura africana e afro-brasileira. Ao executar essa atividade as
dificuldades foram grandes para a compreensão das questões assim como
para responder o que eles estavam pensando. Em vários momentos
solicitaram ajuda. Ao tentar incentivá-los, percebemos que eles tinham
várias dificuldades na escrita, e, por essa razão, ficou livre para quem
preferisse fazer um desenho sobre o que lembravam dos livros.
Teve um aluno que não quis pegar o questionário para responder,
mas quando falamos que poderia desenhar, ele pegou a folha do amigo
sentado ao seu lado e desenhou um personagem do livro Os sete novelos de
Ângela Shelf Medearis.
Desenho produzido por um aluno
Verificamos que estava com dificuldades na escrita, por isso não
estava participando, porém, quando percebeu que podia colaborar com um
desenho, mostrou do seu jeito que conseguiu “relatar” sua experiência com
os livros. Ademais, quando fui recolher os questionários, ele disse: ó
professora coloca meu nome ai também que eu fiz o desenho, mostrando
seu interesse pelo assunto. Outros dez alunos começaram também a
desenhar diversos personagens no final da folha contendo o questionário.
434
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Vejamos agora algumas respostas dos alunos sobre o questionário,
sendo que quinze alunos responderam o questionário:
A primeira questão buscava saber se as crianças
conheciam/participou ou participa do “Projeto Malungo”. Nove alunos
escreveram que sim, conheciam-no e participa/ou; quatro relataram que
conhecem e que já participou; um aluno escreveu mais ou menos e um que
conhece e até hoje participa. Percebemos que a turma não é unânime ao se
referir ao projeto. Parece que o projeto marcou os alunos, mas que não tem
a mesma continuidade anterior, deixando seus participantes na dúvida de
sua existência.
A segunda questão era específica sobre a literatura infantil de
temática africana e afro-brasileira buscando relatos sobre os livros aos
quais os alunos tiveram acesso durante o Projeto. Das quinze respostas a
essa questão, os títulos mais citados foram: Os sete novelos; Bruna e
galinha d’ Angola; A menina bonita do laço de fita; As tranças de Bintou;
Luana a menina que viu o Brasil neném; Ana e Ana; Os caçadores de mel.
A terceira questão procurava verificar quais personagens eles mais
se identificavam nas obras literárias. Esta parte nos chama a reflexão sobre
o que leva esses alunos a citarem determinados personagens. Pois um aluno
escreveu que o personagem que mais se identificou foi O boi de mamão.
Acreditamos que ele possivelmente identificou-se com este personagem por
o livro trazer histórias açorianas, já que essa cultura é mais presente no
cotidiano de nossas crianças.
Os outros personagens destacados pelos alunos foram: Kiriku e a
Karabá, que são personagem do filme; o rei e o homem, os negros; uma
resposta apresentava-se quatro personagens: Os sete irmãos, uma menina
da Angola e a família; e outra três personagens menina, coelho, e Luana.
Um aluno escreveu: Os sete novelos; ou seja, o título do livro. Duas
escrevem menina bonita do laço de fita, novamente o título; uma Bruna e a
galinha d’Angola; outra As tranças de Bintou e Luana. E por ultimo uma
criança não responde esta questão.
Ao analisarmos as questões, percebemos que as meninas
identificam-se mais com as personagens femininas. Possivelmente por
verem nessas, características parecidas com as suas. Torna-se importante
ressaltar que as personagens que são citadas pelas alunas são todas com
características afrodescendentes, que tem orgulho de sua cultura.
A quarta questão procurava saber se os alunos continuavam tendo
acesso aos livros que trazem a temática dos negros. Nove alunos
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
responderam que sim, continuam tendo acesso aos livros; quatro alunos
responderam que não; um aluno não respondeu a pergunta e um aluno
respondeu que alguns sim e alguns não, percebe-se pelas respostas que não
há um consenso das crianças em relação ao acesso dessa literatura. Teriam
ou não as crianças acesso aos livros do projeto?
Em visita à biblioteca da escola contatou-se que o acervo Malungo
não se encontra na biblioteca ao alcance dos alunos. A organização da
escola optou por deixar este acervo em um armário na sala da supervisão à
disposição dos professores que querem usá-los em sala de aula. É um
acervo considerável, mas infelizmente não está ao alcance dos alunos, o
que explica as respostas diferentes ao questionário.
A quinta questão buscava verificar se os alunos acreditavam que é
importante para sua formação essa literatura, e por quê? Nesta questão três
alunos escreveram apenas sim, dois não respondeu, um aluno respondeu
não. Cinco alunos escreveram que sim, era importante essa literatura, mas
no sentido de ajudá-los a ler e escrever melhor. Uma menina escreve quase
a mesma coisa só que também acha importante porque é legal conhecer
histórias. Outra menina escreve que: sim, porque elas nos ensinam a ler e a
descobrir coisas que a gente não sabia. E por fim apenas duas meninas
responderam que: sim, porque a gente aprende muitas coisas a gente
aprende a conhecer um pouco da África e sim, porque aprende mais sobre
a África.
Entendemos que para alguns alunos a literatura infantil com essa
temática, serve como atividade escolar, pois de quinze alunos apenas três
referem-se à leitura como algo que pode levá-los a descobrir coisas novas.
Por fim a sexta questão tinha por objetivo saber se eles achavam
que o “Projeto Malungo” teve influência positiva nas suas vidas na escola e
fora dela. Neste caso um aluno não respondeu à pergunta, um aluno
colocou apenas sim, três alunos escreveram “paçoca”. Bem, a paçoca faz
parte do Projeto, foi numa aula que a professora organizou com uma roda
de pilão, no ano de 2006, em que os alunos em círculo iam um de cada vez
colocando os produtos e posteriormente socavam os mesmos para fazer a
paçoca no pilão.
Retomando as respostas, novamente dois alunos escrevem que sim,
porque aprendem a ler, dois alunos respondem que gostaram porque
conheceu lugares novos como as Dunas e Parque da Luz, e seis alunos
tiveram as respostas mais direcionadas ao Projeto como, por exemplo:
muda o respeito, muda a leitura, muda tudo quando aprendemos no
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Projeto Malungo; dois alunos responderam que sim, porque o projeto tem
história legal e aprende mais sobre a África e africanos; um aluno escreve
que sim, porque aprende a ajudar as pessoas, um escreveu que sim porque
aprende a respeitar os amigos e outro que sim porque aprende bastante
coisa.
Percebemos que os alunos do “Projeto Malungo” reconhecem a
importância do Projeto, pois através desse, tiveram a oportunidade de
reconstruir seus conhecimentos em relação à sociedade da qual eles fazem
parte, levando-os a valorizar a cultura africana e afro-brasileira, assim
como se identificar com uma história que muitas vezes lhes fora negada, até
mesmo dentro da instituição escolar.
Constatamos que as crianças que participaram do “Projeto
Malungo” tiveram no mundo da leitura a imaginação e a fantasia como
passaporte para o engrandecimento de seus conhecimentos em relação à
cultura africana e afro-brasileira, algo que é fundamental para a formação
leitora. No entanto, devemos considerar que esta apropriação não tem o
mesmo efeito para todos os alunos. Em relação à literatura, ou seja, cultura
letrada, algumas crianças responderam que não acham importante essa
literatura e que não tem mais acesso aos livros, acreditamos que é
necessário considerar outras questões, além das étnicas, como a relevância
da escolaridade, além de classe econômica, acesso à cultura e outras.
O grande desafio da educação nos dias atuais é conseguir
desenvolver conteúdos que levem a uma construção crítica dos alunos,
proporcionando não só o aprendizado acadêmico, mas levando-os a refletir
sobre suas atitudes, para serem pessoas participativas e solidárias. Para que
isso se concretize, torna-se necessário levar em conta as diferentes culturas
existentes na formação de uma sociedade.
Sabemos que não é fácil a tarefa da escola e do educador,
principalmente de uma escola pública, que tem crianças com perfis
familiares diversos, mas fica evidente que quando temos educadores e
escolas realmente envolvidos com a educação, onde seus principais
objetivos é a formação de agentes críticos e participativos, um espaço onde
todas as culturas existentes são valorizadas, é possível ter uma educação de
valorização.
Concluímos que o “Projeto Malungo” foi/é de grande benefício
para a escola e para a comunidade que a circunda, pois o conhecimento das
raízes do povo africano que encantou/a os alunos, na sua maioria
afrodescendentes, contribui no processo de construção de identidades, bem
como para a noção de pertencimento.
437
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
DIÁLOGOS INTERCULTURAIS: UMA ANÁLISE SOBRE OS
PROJETOS ESTÉTICOS DE MANOEL DE BARROS E ONDJAKI
José David Borges Júnior
FFLCH-USP
1. Nota introdutória
Este estudo tem por objetivo analisar como se processa a gênese da
construção estética em alguns poemas selecionados nas obras “Memórias
inventadas – a infância”, de Manoel de Barros e “Há prendizagens com o
xão”, de Ondjaki.
Dessa forma, tornar-se-á possível estabelecer reflexões a respeito
dos projetos estéticos dos supracitados autores, bem como verificar – pelo
dialogismo pulsante entre os mesmos – quais foram as ideologias e utopias
que permearam tais construções.
Vale atentar para o fato de que as obras em foco emergiram num
tempo de revolução tecnológica. Assim, sua matéria constituinte é
composta de múltiplas linguagens e recursos do pós-humano, de modo que
o livro deixa de ser apenas um “livro” e torna-se um objeto híbrido, como
se pode verificar no exemplar “Memórias inventadas – a infância”.
Nesse contexto, o objeto novo “Memórias inventadas” aparece
dentro de uma espécie de caixa para presente, e traz em sua configuração,
um lindo laço de cetim. Os poemas aparecem dispostos em páginas soltas e,
quando unidas umas às outras, vão tomando corpo. Dessa maneira, sua
leitura não necessita ser linear. Escolhe-se um dos “poemas soltos” e
começa-se a viagem em direção ao estético.
Nesse liame, através da análise que se pretende realizar, acredita-se
ser possível ter acesso ao fenômeno mental131 de criação das obras
focalizadas neste estudo; reconhecendo, desse modo, o ideal estético dos
referidos autores/poetas, bem como os diálogos possíveis existentes entre
ambos, a partir de suas respectivas formas de conceber o objeto artístico.
131 O princípio mental é constituído por idéias que se expandem ou crescem continuamente
influenciando outras idéias.
441
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
2. Alguns pressupostos teóricos
Maria dos Prazeres Santos Mendes, em sua tese de doutoramento,
aborda o conceito estético pelo viés da crítica genética. Desse modo, nas
palavras da autora, “busca redimensionar a leitura teórico-crítica das
obras de literatura infantil e juvenil, refletindo sobre sua natureza e
função, sob o enfoque da semiótica peirciana, visando prever a incidência
do caráter estético, em pêndulo com o caráter utilitário dessas produções,
a partir do exame dos processos de criação.”
Nessa perspectiva, Mendes desenvolve um esquema para a análise
desses referidos processos de criação a partir de paradigmas132, os quais
facilitam a compreensão das armas utilizadas por autores na concepção de
suas obras, pois funcionam de modo a possibilitar um “alcance científico
do dado vivido e experienciado de um determinado caso, para os
princípios estruturadores capazes de extraírem do singular, certas
constantes universais.”
Assim, o maquinário, a causação física de todo esse processo,
desenvolve-se no objetivo de atingir uma meta, que é a causação final, ou
seja, o produto final dessa luta que o escritor trava com os signos da
linguagem. Pois,
“[...] chegar a esse objetivo implica lutar com todas as armas que o
escritor tem a seu dispor para obtê-lo. A produção do livro, a criação
com certas características, é um permanente desejo do escritor pelo qual
133
ele luta ao longo de todo o processo – é um ‘desejo operativo’“.
Entretanto, cabe salientar a especificidade das constantes universais
mencionadas no parágrafo anterior, pois serão elas que permearão grande
parte das análises que este estudo busca realizar. Assim, como define
Mendes em sua tese, o geneticista ao “lidar com as marcas concretas
deixadas pelo escritor no momento da escritura” (SALLES apud
MENDES, 1994) percebe como o pêndulo existente entre o que há de mais
utilitário (a referencialidade, funcionalidade, previsibilidade) pode oscilar
132 Vide anexos: Anexo I - Diagrama de paradigmas, p. 15.
133 SALLES apud MENDES, in: Monteiro Lobato, Clarice Lispector e Lygia Bojunga
Nunes: o estético em diálogo na literatura infanto-juvenil. Tese de doutoramento. São
Paulo: 1994, p. 04.
442
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
em relação ao que há de menos utilitário (a textualidade, equacionalidade,
diversidade).
Dessa maneira, entre os dois pólos acima, é possível estabelecer
uma camada intermediária, na qual existe uma ampla gama de textos que
ora contemplam uma extremidade desse esquema, ora a outra. E, nesse
movimento, não há como separar, portanto, o caráter estético do ético.
Muito embora alguns teóricos digam que o poeta se exime, em suas
criações, da dimensão ética, pois segundo Crocee, “o poeta deixa de lado a
moral por fidelidade à arte. Ele é moral no seu processo de criação, que é
algo sagrado.”
Nesse liame, buscar-se-á, nestas análises, manter uma perspectiva
de complementaridade entre a dimensão ética e estética, na medida em que
se percebe o autor/poeta como um agente que não só busca a concepção da
coisa bela, mas também – e principalmente – tem consciência de sua função
moral/ética no movimento de construção, ou reconstrução, da sociedade na
qual está inserido.
3. Análise: memórias inventadas – a infância
Em “Memórias inventadas – a infância”, Manoel de Barros opta
por um estilo que, de certa forma, configura-se como prosa poética. Assim,
durante a criação do texto, Barros segue reinventando sua infância através
de seus pequenos poemas/contos.
Dessa forma, pelo trabalho estético que trava com a linguagem e
com as imagens de sua própria infância reinventada, o autor conduz o leitor
pelo tecido textual de modo que, este último, se transporte para um tempo
em que as crianças construíam seus próprios brinquedos e a infância era
vivenciada a partir de descobertas em íntima relação com a natureza e com
as coisas mais simples da vida.
Durante a leitura, o leitor é convidado a viver, ou melhor, reviver
essa época com um certo tom de nostalgia, mas sem nenhuma pieguice. A
beleza das imagens que saltam do texto, através do ato de leitura, sofrem
uma espécie de ênfase quando se observa o sincretismo existente entre o
verbal e as iluminuras produzidas pela filha do escritor, Martha Barros.
Assim, texto e imagem, numa volúpia estética, se completam,
compondo um cenário único e belíssimo.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Nesse contexto, a obra relaciona o fazer poético com a infância,
que, segundo Silva 134, é
“[...] etapa em que o conhecimento da realidade efetiva-se pelo sensível,
pelo emotivo e pela intuição, com predomínio do pensamento mágico,
razão por que é considerada fase decisiva, para a formação do futuro
leitor, a interação com obras literárias cujas temáticas abordem questões
de seus interesses e necessidades.”
Logo, nota-se que a infância é tida como estado de percepção da
realidade pelos sentidos, enquanto a literatura é “a linguagem da
representação, linguagem imagística que, como nenhuma outra, tem o
poder de concretizar o abstrato.”135
Assim, verifica-se que o autor ao saturar o código e, a partir de tal
ato, tentar construir a beleza de sua escritura, acaba explorando a palavra
em sua capacidade de dizer aquilo que não pode ser dito.
Nota-se, portanto, que ao romper as fronteiras do uso trivial da
linguagem, Manoel de Barros alcança o inusitado, abusando da palavra,
sem desligar-se do mundo.
Dessa forma, proporciona, ao leitor, o lúdico e a oportunidade de
reflexão sobre si mesmo e o outro, através dessa infância reinventada.
Despalavreação: é um ensinamento. uma desaprendizagem. um
desmomento. E tem outros nomes: guimarães prosa, manoel de barro,
luuandino vieira, mia couto, ou qualquer ser humano que sorria no
gigantesco significado de coisas insignificantes.136
134 SILVA, Joseane Maia Santos. Travessias pela palavra em Exercícios de ser criança, de
Manoel de Barros e em A maior flor do mundo, de José Saramago. In: Revista Crioula. v.
01. p. 01, maio/2007, 2007.
135 COELHO, N. Novaes. Literatura infantil: teoria, análise e didática. São Paulo: Ática,
1993, p. 38.
136 ONDJAKI. Há predisagens com o xão – o segredo húmido da lesma e outras descoisas.
São Paulo: Ed. Caminho, 2002, p. 64.
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3.1. Escova
Em “Escova”, primeiro texto encontrado na obra “Memórias
inventadas – a infância”, é possível notar a estrutura com a qual Barros
realiza sua construção poética, pois ao retomar suas memórias inventadas,
utiliza-se da metáfora da escova dos arqueólogos que, em seu ofício,
escovavam ossos. Assim, como o próprio eu-lírico diz: “Logo pensei em
escovar palavras. Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras
eram conchas de clamores antigos. Eu queria ir atrás dos clamores antigos
que estariam guardados dentro das palavras.”
Dessa forma, pelo desvelar das próprias palavras do poeta, percebese a intencionalidade de realizar uma espécie de saturação do signo ao
“escová-lo”, para, a partir daí, poder “escutar os primeiros sons”.
Quando Barros refere-se aos primeiros sons, remonta à sua
memória questões da oralidade. Nessa perspectiva, percebe-se sua busca
por significados ainda não conhecidos, sua luta ao lidar com as peças desse
interessante jogo poético, no qual encontram-se em destaque as origens e
inícios de todas as coisas (oralidade), bem como suas significâncias
adjacentes e, seguindo essa direção, o poder de descer ainda mais rumo aos
“clamores escondidos”, mesmo que ainda bígrafos.
Nesse contexto, o resultado de seu trabalho com a palavra é uma
poética de profunda interpenetração cósmica, onde o caos se reorganiza
pela força da linguagem. Suscitado pela vigência transformacional da
palavra, o mundo imagético seduz o poeta. Ele coabita a palavra
estabelecendo, com ela, relações criativas e, ao mesmo tempo, obsessivas.
Dessa forma, Barros deixa-se possuir pela palavra a fim de
engendrar seu poema, e aquela, passa a ser o eixo central de sua criação
poética e estética. Assim, seu texto torna-se revelador do original e traz, em
sua estrutura, uma beleza extrema.
3.2. Desobjeto
Em entrevista ao Jornal do Brasil, Manoel de Barros, ao ser
perguntado sobre a temática de seus poemas, comenta a respeito do seu
interesse pelo absurdo.
Segundo ele, “a poesia está de mãos dadas com o ilógico” e
acrescenta que “o ilogismo é muito importante para o verso”.
445
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Tal afirmação pode ser observada na epígrafe que o autor utiliza em
seu livro “Memórias inventadas – a infância”, dizendo que “tudo o que
não invento é falso”.
Assim, há um certo “despropósito” na criação de sua poética, que
é possível notar, também, no texto “Desobjeto”.
Aqui, através do processo de decomposição de um pente
encontrado no quintal da casa do menino eu-lírico, o olhar infantil, livre do
ranço adulto, pode perceber a beleza nesse mesmo processo de
decomposição, pois, nas palavras do autor, “O pente estava próximo de não
ser mais um pente. Estaria mais perto de ser uma folha dentada. Dentada
um tanto que já se havia incluído no chão que nem uma pedra um
caramujo um sapo”.
A beleza pode ser observada no fato de o pente, através de sua
decomposição, ter tornado-se parte integrante da natureza que envolvia o
olhar do menino eu-lírico. Agora o pente estava em comunhão com esses
elementos naturais. Deixou de ser uma criação do homem para ser uma
espécie de criação divina e, portanto, “era alguma coisa nova o pente”.
Dessa forma, pela personificação ao revés, o menino eu-lírico, que
era um poeta inato, percebia que o pente fora, pouco a pouco, perdendo
essa personalidade para tornar-se um “desobjeto”. Nesse contexto,
justamente no processo de perder-se para tornar-se algo novo, o menino eulírico observou todo o instaurar do estado terminal do pente, até o ponto
culminante em que este tornou-se colaborador na construção do espaço
natural que fazia parte de sua vivência.
Logo, nota-se que o despropósito, de caráter mais inventivo,
criativo e ilógico, é parte constituinte e decisiva na construção do projeto
estético dentro da poética de Manoel de Barros. Nesse contexto de
desconstrução dos sentidos, desarrumação sintática, desencontro da palavra
com a idéia, busca do “desobjeto”, o autor retoma a simplicidade das
coisas, o princípio de tudo a fim de engendrar, em seu texto, uma certa voz
que clama por uma reestruturação de sua própria identidade e seu lugar no
mundo globalizado. Alinhava, portanto, através de seu “desejo estético”, os
fios e as tramas que irão reconstruir nossa identidade enquanto cultura
verdadeiramente descolonizada e independente.
Nota-se, dessa maneira, que é pelo diálogo, pela ressonância
estética e pela certa expansão de “significâncias” experimentada em seu
texto, que se é possível observar o delineamento do tão acalentado sonho de
formação do “comunitarismo cooperativo” proposto por Benjamin Abdala
446
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Junior, no processo de construção da comunidade interliterária de Língua
Portuguesa.
4. Análise: há prendisajens com o xão
Em “Há prendisajens com o xão”, Ondjaki, na esteira de escritores
também de expressão portuguesa, como Manoel de Barros, confere à sua
obra um sentido de des-aprender, desautomatizar o pensamento lógico
cartesiano para, a partir de então, poder verdadeiramente apreender, em
uma nova ordem das coisas, ressaltando, de certo modo, o Ser em
detrimento do Ter.
Nesse sentido, seu projeto estético assemelha-se ao de Barros,
principalmente no âmbito de “obrigar” o código a transformar-se,
“escapando de um processo lógico de dominação e mostrando a diferença
em termos de valor estético”.137
Tal como Manoel de Barros, o autor angolano “[valoriza] a
percepção primeira: o primeiro olhar, o primeiro toque, o primeiro gesto,
o primeiro cheiro, o conhecimento primeiro nascido dos sentidos, o olhar
de fonte”.138 Assim, aproxima-se, cada vez mais, do olhar infantil, o qual
remonta a uma tradição e formas primordiais da língua portuguesa.
Nessa perspectiva de fazer-se ao reviver139, em sentido espiral,
Ondjaki insere-se no campo do engajamento social pela arte da poesia,
através da consciência de linguagem com que engendra sua obra.
Dessa forma, estabelece uma nova perspectiva para a concepção de
cultura em África, a partir do resgate de suas “oralituras”, de suas fontes
primordiais, buscando (re)construir a identidade de seu “xão”, de sua pátria
(Angola), dilacerada pelos horrores da guerra e pelo domínio do
colonizador.
137 MURARO, Andréia Cristina. Dissertação de mestrado: As ‘prendisajens’ poéticas em
Ondjaki: dimensões da metáfora ‘xão’. São Paulo, 2006. p. 20.
138 CUNHA, Maria Zilda. In artigo: Diálogo de culturas e ressonâncias estéticas em
Memórias da infância e Aprendizagens com o chão. X Congresso Luso-Afro-Brasileiro de
Ciências Sociais, Arte, Cultura e Literaturas na Lusofonia. p. 09.
139 “O olho vê, a memória revê e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo”.
(Manoel de Barros).
447
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
“Isso só se torna possível por meio de uma linguagem inventiva, porque
lúdica. Em ambos os projetos [Barros e Ondjaki], delineia-se uma naçãoestética liberta para aprender, no silêncio das formas, o desígnio que
engendra a qualidade do sentir e que exige do homem a percepção
acurada do que ainda não se configurou convencionalmente como
linguagem. Um novo homem, para ambos os poetas, é ainda o
inominado, o sem-nome, sem identidade fixa, por vezes sem identidade
humana, porque comungado com a natureza e, por isso, capaz de
poetizá-la, como a criança.140
4.1. Chão
Em “Chão”, primeiro poema das “prendisajens” de Ondjaki, o autor
dedica o texto a Manoel de Barros, pois logo após o título, lê-se o seguinte:
“palavras para Manoel de Barros”. Está, portanto, estabelecida a conexão.
A ponte de reciprocidade que se pode constatar em ambos os projetos
estéticos.
Assim, verifica-se que o fenômeno mental que se processa em
Ondjaki, na concepção de seu poema, retrata, de maneira singular, sua obra
enquanto realidade autônoma. Mas, ao mesmo tempo, tece pontos de
contato, principalmente no âmbito da estética, com outras obras e outras
realidades autônomas, que são parte integrante do macrossistema proposto
por Benjamin Abdala Junior.
Nesse contexto, é pela abstração que se pode alcançar tal
fenômeno, pois o comunitarismo solidário que subjaz dessa proposta,
torna-se amplamente necessário nos dias atuais de “mundialização”.
Dessa forma, sabe-se que tanto Brasil quanto Angola, são culturas
que sofreram com a violência do colonizador e, portanto, desconfiam de
todo e qualquer tipo de “inovação” que possa remeter nossas memórias a
esse tempo de dominação. Afinal, não seria o que se chama, hoje, de
globalização, uma espécie de processo que se desenvolve pelo viés da
mesma dominação, com uma nova roupagem? Não seria a globalização
uma nova instância que busca instaurar a “superioridade” das potências
capitalistas sobre os países do chamado terceiro mundo, numa espécie de
neo-colonialismo ou “globocolonização”?
São questionamentos como os supracitados que fazem parte dos
fenômenos mentais na concepção dos projetos estéticos de Ondjaki e
140 CUNHA, op. cit., p. 10.
448
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Manoel de Barros. Lógico que, em cada um, se processa de uma maneira
diferente, pois, como foi abordado anteriormente, cada uma das obras
constantes deste estudo são parte de suas respectivas realidades autônomas.
Dessa maneira, em Manoel de Barros, verifica-se que esse
fenômeno mental de criação se dá pelo viés da desconfiança com relação ao
que se foi referido nos questionamentos acima. Já em Ondjaki, se processa
na materialização da defesa de seu “xão” enquanto pátria soberana, que
recentemente conquistou sua independência política, mas que ainda luta
pela obtenção de sua real “descolonização” no âmbito cultural.
Assim, como se pode verificar nos seguintes versos:
apatece-me des-ser-me;
reatribuir-me a átomo.
O eu-lírico deseja desfazer-se, desconstruir-se em direção ao tempo
primeiro e, nesses estilhaços da sua própria personalidade, chegar ao nível
de átomo para, a partir de então, regenerar-se em profunda comunhão com
sua terra, com sua cultura, com seus primórdios e sua oralidade.
Dessa forma, estará apto a “cuspir castanhos grãos”, ou seja, atirar
sua poesia enquanto “trombeta alarma” de linguagem que utiliza para
defender-se do outro, ora visto como ameaça. Castanhos grãos cor de terra,
cor de chão, cor de pátria mãe.
“...assim esculpir-me a barro
e re-ser chão. muito chão.
Apetece-me chãonhe-ser-me.”
4.2. Arve Jánãoélógica
Em “Arve jánãoélógica”, Ondjaki, logo no título, ao brincar com as
palavras, realiza uma construção que retoma a forma oral como a expressão
“árvore genealógica” é pronunciada. Assim, trabalha com a linguagem de
modo a instituir sobre um idioma europeu o seu processo operativo em uma
“relação libertina com as palavras e com a língua portuguesa em geral”,
como ele próprio confessa: “[Penso] que devemos mexer na língua, tendo
449
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
em conta os referentes gramaticais, mas dando-nos a liberdade de exercer
certa pressão cultural à língua.”141
Nesse âmbito, o autor elabora uma nova gramática, a qual se
consubstancia pelo “surrealismo” exercido através do olhar infantil, com o
qual opera essa criação. Desse modo, ao retomar sua raiz de tradição oral
angolana, busca efetivar, numa espécie de auto-afirmação de sua
identidade, a ilogicidade logicamente elaborada por esse olhar, lançando,
sob as formas normativas da gramática, esse mesmo olhar, que terá a força
necessária para realizar a fusão entre o novo que foi criado (a partir dessa
operação, e que, portanto, é parte constituinte de sua singularidade de
tradição oral), com a velha forma imposta pelo colonizador.
ser folha é
nem sempre estar para sol.
a outra folha
lém de nossa avizinha
pode ser nossa irmã de sombras
Nos versos do poema em questão, é possível verificar que ao “ser
folha” e estabelecer uma íntima relação com elementos naturais, nem
sempre é possível estar sob a luz do sol, ou seja, nem sempre é possível
estar/ser verdadeiramente livre sendo que a outra folha, nossa vizinha e
nossa irmã é, ao mesmo tempo, de mesma natureza (folha – raça humana) e
invasora desrespeitosa de nossa singularidade.
Assim, é pelo diálogo com a terra, o qual se manifesta fortemente
nas imagens de natureza pátria, que o autor promove suas “prendisajens” e
sua reconstrução identitária. Nessa esteira, assim como Manoel de Barros,
utiliza-se da ilogicidade para conceber seu projeto estético, da ortografia de
determinados fonemas e/ou da aglutinação de vocábulos, que são recursos
que acabam por criar uma multiplicidade de sentidos, requerendo, dessa
forma, o exercício do pensamento analógico.
“A árvore é o símbolo da criação, constitui a imagem de todas as
possibilidades geométricas do espaço. Suas raízes aspiram ao húmus –
elemento de matéria densa – suas folhas e frutos solidários aos raios de
luz partilham forças imponderáveis do universo solar – e é pela
verticalidade do tronco, que a expõe ao sol, que sai da treva subterrânea
141 ONDJAKI apud CUNHA, op. cit., p. 05.
450
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
e a coloca à luz – expandindo-se em galhos – abraça o cosmo –
142
concretiza a criação”.
Portanto, é pelo laborar criativo com a linguagem, comungando da
visão da criança e do poeta, que tanto Ondjaki quanto Barros, trabalham o
re-significar de símbolos universais, através da consciência da palavra e do
seu uso lúdico ao montar-se em forma de brincadeira e, ao mesmo tempo,
no uso da língua no seu registro oral.
Referências
BARROS, Manoel de. Memórias inventadas – a infância. São Paulo: Planeta, 2003.
CASTRO, Afonso de. Dissertação de mestrado: A poética de Manoel de Barros: a
linguagem e a volta à infância. Brasília: Universidade de Brasília. – Departamento de
literatura brasileira, 1991.
COELHO, N. Novaes. Literatura infantil: teoria, análise e didática. São Paulo: Ática, 1993.
CUNHA, Maria Zilda da. In artigo: Diálogo de culturas e ressonâncias estéticas em
Memórias da infância e Aprendizagens com o chão. X Congresso Luso-Afro-Brasileiro de
Ciências Sociais, Arte, Cultura e Literaturas na Lusofonia.
FRIEDRICH, H. Estrutura da Lírica Moderna. Trad. Marise M. Curione. 2 ed. São Paulo:
Duas Cidades, 1991.
MENDES, Maria dos Prazeres dos Santos. in: Monteiro Lobato, Clarice Lispector e Lygia
Bojunga Nunes: o estético em diálogo na literatura infanto-juvenil. Tese de doutoramento.
São Paulo: 1994.
MURARO, Andréia Cristina. Dissertação de mestrado: As ‘prendisajens’ poéticas em
Ondjaki: dimensões da metáfora ‘xão’. São Paulo, 2006.
ONDJAKI. Há prendisajens com o xão – o segredo húmido das lesmas e outras descoisas.
São Paulo: Caminho, 2002.
______. Os da minha rua. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2007.
SALLES, Cecília Almeida. Crítica genética: fundamentos dos estudos genéticos sobre o
processo de criação artística. – 3ª ed. revista – São Paulo: EDUC, 2008.
SANCHES NETO, Miguel. Achados do chão. Ponta Grossa: Editora da Universidade
Estadual de Ponta Grossa, 1997.
142 CUNHA, op. cit., p. 06.
451
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
SILVA, Joseane Maia Santos. Travessias pela palavra em Exercícios de ser criança, de
Manoel de Barros e em A maior flor do mundo, de José Saramago. In: Revista Crioula. v. 1.
p. 1, maio/2007, 2007.
Anexo – Diagrama de Paradigmas
452
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
LITERATURA E INFÂNCIA: DETRITOS E
RELAÇÕES COM O MENOR
Daniela Bunn
UFSC
Espelho meu, espelho meu, que tamanho tenho eu?
Bem do seu tamanho (1979), Ana Maria Machado
Walter Benjamin, em Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a
educação, assinala que as crianças sentem-se irresistivelmente atraídas
pelos detritos, pelos restos e que nesses produtos residuais reconhecem e
ressignificam novos seres (pensamos na potencialidade de uma simples
caixa de fósforos na mão de uma criança ao se tornar um automóvel): “com
isso as crianças formam o seu próprio mundo das coisas, um pequeno
mundo inserido no grande” (2002, p. 58). Partindo dessa premissa,
interessa-nos analisar como a dialética do tamanho é discutida por alguns
escritores, afinal, segundo Gianni Rodari “o império da dialética estende-se
também sobre os territórios da imaginação”. Os estilhaços e os detritos de
discussões implícitas e explícitas sobre os usos dos tamanhos e das
proporções encontrados nas histórias, em pequenas frases ou pequenas
expressões servem para que a criança monte seu referencial – um
referencial, na maioria das vezes, muito confuso. A criança depara-se
constantemente com um tipo de contradição em relação ao tamanho na fala
dos adultos. Para os pais é muito cômodo e maleável essa transitoriedade
entre ser grande ou ser pequeno para determinadas coisas, mas como a
criança absorve esta dialética suscita-nos alguns questionamentos.
Desde suas primeiras concepções na Grécia antiga, como arte do
diálogo, arte de no diálogo demonstrar uma tese ou mesmo como lógica, a
dialética era considerada por muitos, um conceito abstrato. Na acepção
moderna, segundo Konder (1983), a dialética é o modo de pensarmos as
contradições da realidade e suas constantes transformações. Entre
defensores e críticos, o pensamento dialético da inevitabilidade da mudança
ainda incomoda muitos teóricos. Ao estruturar este artigo a partir de uma
dialética do tamanho procurou-se analisar algumas obras que discutem este
tema tão vasto e ao mesmo tempo tão restrito.
Enquanto Heráclito negava a existência de uma estabilidade no ser,
Parmênides afirmava que a mudança era sempre superficial, pois a essência
453
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
do ser é imutável, esta linha de pensamento, denominada metafísica,
reprimiu historicamente a concepção dialética. Mesmo assim, Aristóteles, a
quem se deve boa parte da sobrevivência da dialética, observou que, por
exemplo, damos o mesmo nome de movimento a processos diferentes e que
todas as coisas possuem determinadas potencialidades que se atualizam
constantemente (apud KONDER, 1983). Tal digressão leva-nos a
questionar as contradições que alguns conceitos assumem quando se
reterritorializam em contextos diferenciados. Neste caso específico,
trabalharemos com o conceito de tamanho, que, como apenas citado, possui
potencialidades que se atualizam constantemente. Explicamos melhor: ao
falar de tamanho falamos das dimensões ou medidas de um objeto. Para
objetos de uma dimensão, tratamos de comprimento, largura ou altura; para
objetos de duas dimensões, a superfície e para objetos de três dimensões, o
volume. Em informática, é a quantidade de bytes que ocupa um arquivo,
em medidas, é a altura, o número de uma roupa, de um sapato ou mesmo o
tamanho da fome – uma medida subjetiva – dentre outras. Ao pensarmos
nas potencialidades da palavra tamanho, parece que o pensamento é sempre
duplo e (dis)proporcional: pequeno/grande, maior/menor.
Segundo Houaiss, tamanho remete a uma grandeza física (volume,
área, comprimento, envergadura), porte, corpo, estatura ou ainda cada uma
das medidas de roupa e calçado padronizadas pela indústria, para facilitar a
produção e as vendas. Do latim tam magnu, ou seja, tão grande, o termo se
desterritorializa de seu campo semântico e invade dialeticamente as
histórias que analisaremos em breve. Veremos que a noção de tamanho,
relacionado à qualidade ou à inferioridade está diretamente ligada a um
valor subjetivo e circunstancial.
Cabe a esta discussão o conceito de literatura menor discutido por
Deleuze e Guattarri (1977), menor não como inferior, mas como algo
adaptado em uma condição minoritária. O termo menor aqui não representa
o igualitário de minorias adotado pelos Estudos Culturais. O menor em
Deleuze, como a própria literatura, é um agenciamento maquínico. Para
Deleuze não interessa definir o que é a literatura, mas sim, saber como
funciona – como a máquina literária funciona. Há sempre um aspecto
geopolítico, cultural e lingüístico ao falar de uma literatura menor, como se
falássemos em uma língua estrangeira dentro do próprio idioma (retomando
Benjamin, um pequeno mundo inserido no grande). Podemos fazer um
paralelo com a literatura infantil – uma língua menor dentro de uma língua
maior, no caso a língua maior seria a própria literatura. Embora à margem
do cânone, a literatura infantil encontra seu ponto de fuga e se
454
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
desterritorializa: “deixando emergir o sotaque e o estranhamento de quem
fala fora do lugar ou de quem aceita e assume o não-lugar como seu
deserto” (SCHOLLHAMMER, 2001, p. 63).
Até bem pouco tempo, a literatura infantil era considerada como
um gênero secundário e vista pelo adulto como algo pueril (nivelada ao
brinquedo) ou útil (forma de entretenimento) conforme as palavras de
Aguiar (2001). A valorização da dessa literatura, como formadora de
consciência na vida cultural das sociedades, é bem recente, completa a
autora.
Ao falar de literatura infantil, não temos como não falar da noção
de criança, arraigada ao ser humano e ao início de seu desenvolvimento
(dos dezoito meses até os doze anos). Nesse estágio da infância, marcado
por um desenvolvimento físico, as fases do crescimento são muito visíveis.
O surgimento de discussões sobre o conceito de infância está vinculado a
uma percepção da especificidade do universo infantil na modernidade,
como demonstram os estudos de Philippe Ariès em A história Social da
Criança e da família (1981). O menor, o pequeno, o impróprio para
presenciar determinadas atitudes e falas contrapõe-se a antiga noção de
criança como um adulto em miniatura. Destaca Zilberman (1998, p. 15):
Antes da constituição deste modelo familiar burguês, inexistia uma
consideração especial para com a infância. Esta faixa etária não era
percebida como um tempo diferente, nem o mundo da criança como um
espaço separado. Pequenos e grandes compartilhavam dos mesmos
eventos, porém, nenhum laço amoroso os aproximava.
Chamar alguém de infantil, em muitos contextos, pode servir como
um insulto, como se o termo abarcasse ao invés de ingenuidade e
(in)experiência da tenra idade, um similar de negatividade. Tal designação
é circunstancial e também contraditória, quando muito, pejorativa.
Benjamin irá chamar a experiência, de certo modo castradora do adulto, de
máscara: a máscara do adulto chama-se experiência.
Dos detritos teóricos aos textos literários: a dialética do tamanho
Ana Maria Machado, em Bem do seu tamanho, livro que recebeu o
segundo lugar no Prêmio Fernando Chinaglia, em 1979, e o selo de
Altamente Recomendável no ano seguinte, apresenta uma dialética do
455
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
tamanho: ora a personagem principal é grande demais para certas coisas ora
é pequena demais. Quem de nós já não viveu tal situação ou se viu
obrigado a proferir tais sentenças: você é pequeno demais para fazer isso
ou você já está bem grandinho pra fazer aquilo. Helena, a personagem
principal, muitas vezes, tinha vontade de saber que tamanho era esse, pois
às vezes, era grande e pequena ao mesmo tempo. A mãe, logo no segundo
parágrafo da história (MACHADO, 1986) já incita a dúvida:
- Helena, você já está muito grande para fazer uma coisa dessas. Onde já
se viu uma menina do seu tamanho chegar em casa assim tão suja de
ficar brincando na lama? (p. 5-6)
Então Helena achava que era bem grande, mas então o pai dizia:
- Helena, você ainda é muito pequenininha para fazer uma coisa dessas.
Onde já se viu uma menina do seu tamanho ficar brincando num galho
de árvore tão alto assim? (p. 6)
Logo a seguir, o pai dizia:
- Menina, você já está muito grande para se meter a engraçadinha e
responder aos mais velhos. Desde quando uma criança desse tamanhinho
pode ficar discutindo assim, com essas idéias? (p.12) [grifo nosso]
Helena deparava-se, num curto intervalo de tempo, com opiniões
diferentes do pai e da mãe e ao mesmo tempo contraditórias como pudemos
observar nos fragmentos acima. Expressões como muito grande e muito
pequenininha acompanham sempre a expressão do seu tamanho, expressão
que não por acaso faz parte do título da história. A menina sai então em
uma longa jornada para descobrir as coisas do mundo e colocar suas idéias
em ordem e, afinal, descobrir qual é o seu tamanho. Afinal, a seus olhos,
estava em constante metamorfose.
A história faz um intertexto com Branca de Neve, Chapeuzinho
Vermelho, João e o pé de feijão, dentre outros. No meio do caminho,
Helena junta-se ao menino com apelido Tipiti (pois parecia magro e
comprido como um tipiti) que curioso pela busca da menina, apresenta uma
solução: encostar na árvore e fazer uma marquinha no alto da cabeça e
pronto! Aos olhos do menino, o tamanho tinha apenas um sentido literal,
sentido posto em questionamento por Helena ao afirmar que seu brinquedo,
456
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Bolão, às vezes diminuía (passagem que pode passar despercebida a um
leitor desatento).
O livro é permeado pelas dúvidas de criança, dúvidas que Tipiti
também passa a ter depois que conhece Helena: “E a minha mãe, eu acho
que ela também diminui. Quando meu irmão nasceu, ela era muito maior
do que eu. Agora eu acho que ela está menor” (p. 19). Dúvidas como a de
um amigo maior de tamanho e menor de idade ou das proporções de uma
fotografia. O livro brinca também com perspectivas, a árvore no retrato saiu
menor que os meninos: “quando está perto parece grande, quando está
longe parece pequeno” (p. 48), o medo de nunca mais ser o pequeno: “ser
grande sempre? Era muito sem graça” (p. 49) ou ainda nos leva a refletir
que o tamanho que temos por fora é diferente do tamanho que temos por
dentro. A problemática do tamanho e os medos e incertezas de ser criança
põem em questionamento a dimensão e a relatividade do indivíduo.
Também na ilustração percebe-se tal peculiaridade, pois Bolão, um
boi de mamão feito de abóbora, que acompanha a menina em suas
aventuras, se apresenta de diferentes tamanhos. Ora Helena está com o
brinquedo no colo, ora montada nele. O leitor híbrido do qual fala Luis
Camargo (2003) deve estar atento a esses detalhes e ter em mente que a
ilustração não é mais mera representação do texto, mas sim um texto
paralelo. Atualmente os textos requerem um leitor mais aguçado, “um texto
híbrido [...] exige um leitor híbrido, capaz de ler palavras e imagens”
(CAMARGO, 2003, p. 273). Camargo discute o conceito de imagem como
um texto outro, ao contrário da visão de imagem como prolongamento do
texto.
O pensamento dialético – observar contradições concretas e
mediações específicas – reflete sobre a contradição entre as partes e a
diferença entre elas. Konder (1983, p. 47) bem lembra que em todos os
objetos com os quais lidamos existe uma dimensão imediata (facilmente
perceptível) e uma mediata, que se constrói e reconstrói e vai sendo
mediado aos poucos. Ao falar de tamanho na literatura infantil, em
específico no livro de Ana Maria Machado, temos essas duas dimensões – a
imediata, a própria contradição entre o tamanho real e o tamanho subjetivo
e a mediata, posta pela história, no sentido de fomentar a reflexão sobre
esta dialética. Afinal de que forma contribuímos para o desenvolvimento da
criança ao proferir tais sentenças sem justificativas ou com argumentos
totalmente contraditórios?
O livro de Marina Colassanti, O homem que não parava de crescer
(2005), apresenta uma metáfora do amadurecimento e da independência por
457
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
meio do crescimento físico do menino. A pia foi um marco em sua vida,
pois ao alcançar a visão de seu interior, o mundo do protagonista se
alargou, depois, ao ultrapassar as telhas, o menino, chamado Gul, via o
mundo de cima, pela primeira vez e finalmente pode ver o tamanho do
mundo, tornando-se finalmente homem. Gul era medido uma vez por mês,
encostado na parede, com uma fita métrica de costura. O personagem dessa
história, como Helena, questionava-se: “Será que existe uma tamanho que é
o meu?” (p. 17), completando que seu tamanho tinha vontade própria e que
devido a este fato deveria se adaptar a mudança de tamanho das coisas ao
seu redor: a cama, a meia, a mesa, ficaram todas pequenas. A inicial
angústia do crescimento, pela qual nós também passamos, a necessidade de
adaptação e o desconforto em crescer amenizaram-se com a visão do novo
mundo. Com sua linguagem peculiar, Colassanti, nesta história, como em
muitas outras, faz com que cresçamos junto com o menino, junto com a
história e assim percebemos como ainda temos “muito crescimento pela
frente” (termo usado pela autora na dedicatória que me concedeu ao livro
citado).
O mesmo tipo de crescimento é sugerido em Os anões de Mântua,
livro do italiano Gianni Rodari, os pequenos, que viviam no porão do
Palácio Ducal, em Mântua, na Itália, saem à rua reivindicando seu tamanho.
Rodari estabelece a relação do menor ao deslocar personagens de Rigoletto
(ópera de G. Verdi) para uma meta-história. Os anões inconformados com
seu tamanho procuram o segredo de crescer. Eles sentiam raiva por terem
nascido anões e questionavam constantemente os motivos de sê-los: falta
de comida, de ginástica, de dormir ou teria sido um feitiço? Tentaram de
tudo para crescer, até mesmo regar os pés antes de dormir. Mas o menor de
todos os anões questionava a existência de um segredo para crescer e na
cidade dos gigantes eis que encontrou a resposta: “é porque vocês vivem no
porão”. Pela cidade procuraram trabalho e no trabalho o tamanho não fazia
diferença. E começaram aceitar seu tamanho e perceberam que anões
unidos transformam-se em gigantes. Ao terminar a história dessa forma,
Rodari leva-nos à idéia contraditória do tamanho e à oposição entre o
tamanho físico e o tamanho subjetivo: o tamanho da força conjunta, do
empenho e dedicação que não tinha nada haver com o tamanho físico.
Vemos aqui, novamente, as duas concepções, a imediata e a mediata.
Se por um lado o personagem de Colassanti “agiganta”, Emília, em
A Chave do Tamanho (2003), de Monteiro Lobato, enfrenta problemas
contrários, de “apequenamento”, como Alice de Lewis Carroll e tantas
outras histórias clássicas. A travessura da protagonista, querendo acabar
458
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
com os horrores da segunda guerra reduz temporariamente o tamanho das
criaturas humanas. A Casa das Chaves é um lugar imaginário regulador de
todas as coisas do mundo, inclusive as guerras. Como as chaves não
possuíam indicação, aleatoriamente Emília escolhe uma que era justamente
a chave do tamanho que reduziu a humanidade ao tamanho dos insetos. Na
lógica da boneca, reduzido o tamanho dos homens, a guerra acabara:
“Pequeninos como eu, os homens não podem mais matar-se uns aos outros,
nem lidar com aquelas terríveis armas de aço. O mais que poderão fazer é
cutucar-se com alfinetes ou espinhos! Já é uma grande coisa...” (2003, p.
7). Ao referir-se ao apequenamento como uma grande coisa, instaura-se
novamente a dialética do grande no pequeno, de um lado a fragilidade do
apequenamento impedindo grandes atos, de outro a própria fragilidade e
vulnerabilidade oriundas da diminuição do tamanho físico – dos pequenos
em estatura, incapazes de grandes atos. A noção de pequeno/grande ganha
novas proporções, como assinala Lobato, “A idéia duma caixa de fósforos,
por exemplo, era a idéia duma coisinha que os homens carregavam no
bolso. Mas com as criaturas diminuídas a ponto duma caixa de fósforos
ficar do tamanho dum pedestal de estátua, a ‘idéia-de-caixa-de-fósforos’ já
não vale coisa nenhuma.” (2003, p. 11).
Isto pode ser observado na empreitada de Emília ao atravessar o
jardim, a adaptação ao novo espaço, antes minúsculo que se tornava gigante
e transformando um espinho em lança, segue a jornada, concluindo que a
melhor saída seria a adaptação ao novo meio, caminho inverso de Gul. Na
história é feito um plebiscito para decidir o tamanho da humanidade. Num
encontro com Hitler anunciam ao ditador que o tamanho só seria restituído
à humanidade se ele fizesse a paz e recolhesse as armas ou os humanos
poderiam ser encolhidos ainda mais. Mesmo contrariando a decisão da
maioria, Emília volta à Casa das Chaves e o tamanho é devolvido à
humanidade. Os fragmentos, os detritos de guerra, vem-se aqui lançados.
Alice, de Lewis Carrol, passa também pelo processo de
apequenamento ao tomar o líquido posto sobre a mesa e, passando pela
porta, insere-se num diferente mundo antes em miniatura aos olhos de
quem era grande. Ao contrário do processo de saída do anões de Mântua ao
mundos dos gigantes, Alice toma caminho oposto. Na voz de Emília:
“aconteceu-me o que às vezes acontecia à Alice no País das Maravilhas.
Ora ficava enorme a ponto de não caber em casas, ora ficava do tamanho
dum mosquito. Eu fiquei pequenininha. Por quê?” (LOBATO, 2003, p. 11).
Diante do questionamento dos adultos, pois acreditavam que as
coisas que aumentaram de tamanho, Emília fica em dúvida: “Será que tudo
459
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
ficou grande e as criaturas estão do mesmo tamanho de sempre ou tudo está
do mesmo tamanho de sempre e fomos nós que diminuímos? (LOBATO,
2003, p. 24). Novamente aqui, como no livro de Ana Maria Machado, o
adulto põe a criança em dúvida em relação ao tamanho, criando constantes
contradições.
A relatividade imposta perante este conceito parece deslizar muito
bem em A barba do tio Alonso, escrito pela londrina Emma King-Farlow,
traduzido em 2008. O narrador, sobrinho de Alonso, conta a história da
longa barba de seu tio:
A barba do meu tio Alonso era tão vasta e graúda que vivia nela
enrolada um montão de gente miúda:
Um veterinário e seu coelho,
Um doutor, um agricultor,
Um freirinha gorducha,
Tinha até mesmo um ator!
Escrito numa prosa poética, conta com as indagações de criança
sobre o tamanho da barba e as incessantes tentativas de cortá-la:
Mas tio Alonso, teimoso, se recusava a cortar.
‘Não posso, nem um pouquinho!
Senão essa gente toda não vai ter onde morar.’
Um incidente reverte essa situação, a barba pega fogo na cozinha.
Esta barba-casa, morada de muitos estava agora em perigo. Com a barba
danificada, os miúdos, como são denominados na história, mudam-se para
o jardim e Alonso perde seus inquilinos e recupera, depois de muito tempo,
sua pele macia. O tamanho aqui se resume ao físico, não apresentando
contradições, mas trata dos pequenos como resíduos, à margem, num nãolugar, uma insólita barba.
Após esta breve discussão vemos que a
temática aparece ora dialeticamente ora não. De qualquer forma, é sempre
um assunto delicado a lidar com a criança.
A metáfora do porão parece-nos muito adequada. Tirar a literatura
infantil do porão é o que muitos críticos estão tentando fazer. Dessa forma
ela poderá crescer e se (di)fundir e não ser tratada como uma ramificação
da literatura que atende a um público específico, geralmente incluído até os
460
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
dez anos de idade. Se pensarmos dessa forma, descartamos totalmente a
idéia de Benjamim de despertar a criança que existe em cada adulto.
Voltando a Deleuze e Guattarri ressaltamos o termo menor que
qualifica as condições revolucionárias de qualquer literatura em contraste
com a literatura dominante, a maior. Para isso precisa encontrar seu próprio
ponto de desenvolvimento, como afirma Deleuze, o que não é diferente ao
se falar de literatura infantil, ao invés de literatura. A circulação da
literatura infantil ainda é restrita, residual, ou seja, restrita a pais e
professores que estão em contatos com as fases iniciais ou formadores de
professores dos cursos de Pedagogia, raramente de Letras, pois estão mais
focados ou no cânone literário ou em novos escritores que se destinam mais
ao público adulto. A literatura infantil neste contexto acaba sendo residual e
descarta-se toda a produção de qualidade como a que vem sendo produzida
no Brasil intensamente a partir da década de 1970. Como nos incita
Deleuze, é preciso realizar constantes desterritorializações e
reterritorializaçãoes para que a máquina de produção cultural realmente
circule por todos os espaços.
Muitas histórias falam da dificuldade de ser criança. Abramovich
(1997) lembra a de Peter Pan, escrita pelo escocês James Barrie, em 1904
(originalmente uma peça para adultos), que conta a história de um menino
que fugiu de casa ao nascer, após ouvir uma conversa entre os pais sobre
como seria quando ele crescesse. O menino não queria crescer e procura na
Terra do Nunca essa impossibilidade de crescimento. O que nos propunha
Benjamin, de procurar a criança que reside em cada adulto é uma viagem
utópica e constante à Terra do Nunca, entre essas idas e vindas, viajamos
também nós, já adultos, pelos campos da fantasia.
Nos fragmentos literários sobre o tamanho encontramos
contradições: o menor, o maior, o pequeno, o grande, o inferior e o superior
– uma fala sempre fora do real tamanho das coisas. Estamos sempre
condicionados a um tamanho, um tempo. Um tamanho de texto, um
número de palavras, formatos, formas, moldes. Somos espremidos pelo
próprio tempo, tentamos crescer na medida do possível dentro de nossas
caixas, mas elas sempre têm um tamanho específico. Se voltarmos a
Heráclito, citado no início do texto, veremos que na instabilidade do ser as
categorias se intercalam e se atualizam constantemente: ora pequena ora
grande dependendo das circunstâncias. Benjamin atribui ao adulto uma
certa incapacidade de magia, talvez por esquecermos completamente da
criança que nos reside, mas ela está lá, apenas adormecida, esperando
pequenas brechas para poder espiar. Se deixarmos que ela escape de vez
461
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
enquando, se deixarmos que ela não cresça por completo, teremos sempre
um lugar nos esperando na Terra do Nunca, afinal, tamanho não é
documento já diz o ditado popular.
Referências
ABRAMOVICH, Fanny. Gostosuras e Bobices. SP: Scipione, 1997.
AGUIAR, Vera Teixeira (coord.). Era uma vez na escola: formando educadores para formar
leitores, 2001.
ARIÈS, Philippe. História Social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.
BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. Trad. Marcus
Vinicius Mazzari. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2002.
CAMARGO, Luis. Para que serve um livro com ilustrações? In: JACOBY, S. (Org.). A
criança e a produção cultural. Do brinquedo à literatura. Porto Alegre: Mercado Aberto,
2003.
COLASSANTI, Marina. O homem que não parava de crescer. 12 ed. SP:
Global, 2005.
DELEUZE, Gilles; GUATTARRI, Felix. Kafka – por uma literatura menor. Rio de Janeiro:
Imago, 1977.
HOUASSIS ON LINE. Disponível em: <
http://dic.busca.uol.com.br/result.html?t=10&ref=homeuol&ad=on&q=tamanho&group=0&
x=13&y=11>. Acessado em: 09/09/09.
KONDER, Leandro. O que é dialética. 7 ed. SP: Brasiliense, 1983.
LOBATO, Monteiro. A chave do tamanho. SP: Globo, 2003.
MACHADO, Ana Maria. Bem do se tamanho. 8 ed. RJ: EBAL, 1986.
RODARI, Gianni. Os anões de Mântua. SP: SM, 2004.
SCHOLLAMMER, K. E. As práticas de uma língua menor: reflexões sobre um tema de
Deleuze e Guattari. In: Ipotesi, Juiz de Fora v. 5, n. 2, p. 59-70, 2001.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 10 ed. São Paulo: Global, 1998.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
LINGUAGEM E CÁLCULO ATRAVÉS DE JOGOS LÚDICOS:
LITERATURA NO ENSINO DE ALUNOS COM DÉFICIT EM
APRENDIZAGEM.
Edineia Aparecida Chaves de Oliveira
UNISUL
[email protected]
Introdução
O presente trabalho desenvolveu um projeto sobre a linguagem e o
cálculo através de histórias infantis, contos, trava-línguas, brincadeiras de
roda, cantigas e ditados populares, bem como jogos lúdicos no ensino de
alunos com déficit em aprendizagem, que frequentam as salas de apoio.
Para desenvolvermos esse estudo, selecionamos a sala de apoio do Colégio
Estadual Humberto de Alencar Castelo Branco, com 10 alunos
encaminhados pelos professores regentes das 5º séries do ensino
fundamental, sendo que todos apresentam déficit na alfabetização e no
raciocínio básico da matemática.
O trabalho foi desenvolvido nos meses de agosto e setembro de
2008, ocupando 4 horas-aula semanais, num total de quarenta horas-aulas,
desenvolvidas através de aulas planejadas com ênfase na
interdisciplinaridade entre português (linguagens), matemática (raciocínio
lógico e cálculo) e educação física (motricidade, motivação e uso do lúdico
na aprendizagem). 143 Este era um requisito do Curso de Educação Especial
Inclusiva, da SOCIESC, em parceria com o ITDE (Instituto de
Desenvolvimento Educacional), para a obtenção do título de especialista
em Educação Especial Inclusiva.
A motivação para esse projeto foi a ânsia de buscar formas
alternativas para a aprendizagem de alunos com sérios problemas de
aprendizagem devido a falta dos pré-requisitos nos estudos de linguagem e
de cálculo. Essa é a caracterização dos alunos das salas de apoio que se
veem nas quintas séries, com vários professores, diferentes aprendizagens e
a necessidade de um estudo mais autônomo. Também se objetivou pensar
os conteúdos e competências para as quais as docentes que planejaram esse
143
Inicialmente foram planejadas vinte horas-aula, mas o projeto foi tão bem aceito pelos
alunos que ampliamos esse número para quarenta horas-aula.
463
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
trabalho estudaram, numa perspectiva inclusiva e interdisciplinar, ou seja,
unir as ciências do cálculo, da linguagem e da educação física para
promover o desenvolvimento pleno dos alunos. 144
Fundamentação teórica:
diferentes ciências e linguagens para um trabalho diferenciado
O trabalho precisou retomar o conceito de literatura e de jogo, a fim
de situar as brincadeiras como metodologia de ensino. Ainda foram
explicitados os conceitos teóricos sobre a aprendizagem, principalmente a
alfabetização e o domínio do calculo lógico. Também foi retomada a
importância do lúdico presente na educação física para, num trabalho
coletivo entre diferentes profissionais da educação, melhorar a
aprendizagem de alunos com limitações ou déficit no aprender.
Começando pelo lúdico e o literário, é possível perceber o lúdico
como mecanismo de promoção da interdisciplinaridade. O lúdico traz em si
o literário e vice versa no universo infantil, visto que:
A literatura serve – a quem? A literatura serve – a quê? A quem serve a
literatura? A que serve a literatura? A literatura como serva? Serva, a
literatura? A literatura é uma serva das intensidades de vida, tornandose, assim, um caminho vital intensivo. E progressivo. A literatura é um
caminho vital intensivo e progressivo de vida. Um dos caminhos, um
caminho privilegiado. Por esse caminho, chega-se a vida, não como uma
última paragem, estanque, a ser atingida, mas como o que já está, desde
sempre, presente, em movimento, mas não conseguimos, habitualmente,
vivenciar, não nos tornamos aptos a, cotidianamente, atualizar sua
potência implícita na superfície explícita de nosso corpo rotineiro
(PUCHEU, 2009, p. 1).
A literatura nomeada aqui vai além dos livros infantis. Recorrendo
ao dicionário, são vários os significados encontrados, dentre os quais
destacamos: (1) Arte de compor ou escrever trabalhos artísticos em prosa
144
As professoras que desenvolveram esse trabalho, Edineia Chaves Oliveira e Eliane
Shibuya, têm respectivamente graduação e mestrado em Ciências da Linguagem e
graduação e especialização em Educação Física. Era necessário que as aulas desenvolvidas
trouxessem metodologias diferenciadas, mas que contemplassem português, matemática e
educação física, além da proposta da inclusão.
464
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
ou verso e; (2) O conjunto de trabalhos literários dum país ou duma época
(2008, p. 519). Observando a segunda definição, esta se refere também a
todo o conjunto de tradições e de costumes referentes à infância e é este
conceito que o trabalho aqui desenvolvido retomou.
Costa (2000, p. 77) analisa a força da linguagem e diz que: “quando
alguém ou algo é descrito, explicado, em uma narrativa ou discurso, temos
a linguagem produzindo uma ‘realidade’, instituindo algo como existente
de tal ou qual forma”. É neste sentido que este trabalho foi desenvolvido,
não buscando uma fundamentação teórica para o uso da literatura, porém
partindo do pressuposto que “a experiência artística não é só a do autor no
momento em que escreve, mas também a do leitor (PAULINO, 1996, p.
05)”.
Lajolo (2003, p. 232) corrobora com essa ideia e afirma que:
A literatura trabalha na surdina. Enquanto formadora de imagens, a
literatura mergulha no imaginário coletivo e simultaneamente o fecunda,
construindo e desconstruindo perfis de crianças que parecem combinar
bem com as imagens de infância formuladas e postas em circulação a
partir de outras esferas, sejam elas científicas, políticas, econômicas ou
artísticas.
Fernandes (1979, p. 173) reitera que:
Neste caso, são as crianças que, dessa forma, asseguram a continuidade
das brincadeiras tradicionais, através de elementos da sua cultura,
continuidade essa posta em crise pelo desaparecimento absoluto ou
parcial daqueles traços da cultura adulta.
Assim, as brincadeiras com a linguagem, como as parlendas,
podem ter um importante papel no processo de manutenção e divulgação
das formas de brincar das gerações passadas, visto que, são transmitidas
pela oralidade, mas renovam-se e transformam-se com a incorporação de
novos elementos, pelas crianças, em cada época. Esta premissa está
diretamente ligada à forma de ver e trabalhar a linguagem na escola atual.
Para trabalhar com um domínio pleno da linguagem, o uso da literatura e
dos jogos também busca ultrapassar a visão tradicional onde a linguagem é
somente a expressão do pensamento (ORLANDI, 1985). Hoje, vamos
muito além nessa definição e vemos que através dela o homem tenta
exercer seu poder, consolidar sua cultura e sua identidade.
465
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Segundo GERALDI (1997, p. 58), “estudar a língua é, então, tentar
detectar os compromissos que se criam por meio da fala e as condições que
devem ser preenchidas por um falante para se falar de certa forma e em
determinada situação concreta de interação”. Esta é uma concepção de
linguagem que veio evoluindo da expressão do pensamento na gramática
tradicional, para a ênfase no ato comunicativo, na escola estruturalista, e
por fim, caminhando para as teorias discursivas, que atualmente se expressa
pela ênfase no enunciado, no contexto, nas formações discursivas e na
interação entre os interlocutores.
Quando essa reflexão vai para o ensino, buscamos a linguagem
como forma de interação humana, onde um professor mediador auxilia um
aluno que é um sujeito sócio-historicamente situado (LUCKESI, 1991). O
trabalho interdisciplinar com raciocínio através do literário e dos jogos
contemplará essa visão, tendo consciência de que o maior problema desse
apontamento teórico didático que acabamos de fazer é que na prática ele
ainda não saiu do papel.
Quanto à área da Educação Física, metodologicamente, para
conseguir a inclusão dos alunos excepcionais em classes regulares uma
excelente opção é o teatro, a dança e os jogos lúdicos, em função de suas
repercussões com todas as áreas do ensino. Sobre isso também citam os
PCNs de Educação Física: “a aprendizagem esteja vinculada a experiência
prática, o aluno precisa ser considerado como um todo no qual aspectos
cognitivos, afetivos e corporais estão inter-relacionados em todas as
situações” (BRASIL,1997, p. 33). Ainda no mesmo texto encontramos
referência ao trabalho com o movimento como sendo:
Trata-se de compreender como o indivíduo utiliza suas habilidades e
estilos pessoais dentro de linguagens e contextos sociais, pois um
mesmo gesto adquire significados diferentes conforme a intenção de
quem o realiza e a situação em que isso corre (BRASIL, 1997, p. 33).
Desenvolver o movimento prepara o indivíduo para a oralidade,
para a encenação, para a dança, a caminhada, o equilíbrio, a atenção, a
desenvolver a flexibilidade, a memória e o raciocínio. Com alunos
especiais isso é mais sério ainda, pois muitas das faculdades desenvolvidas
normalmente no crescimento infantil, neles precisam serem estimuladas
constantemente.
Segundo Almada (1999, p. 10):
466
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
As atividades lúdicas são indispensáveis para a apreensão dos
conhecimentos artísticos e estéticos, pois possibilitam o
desenvolvimento da percepção, da imaginação, da fantasia e dos
sentimentos. O brincar nas aulas de arte pode ser uma maneira da
criança experimentar novas situações, ajudando a compreender e
assimilar mais facilmente o mundo cultural e estético. A prática artística
é vivenciada pela criança pequena como atividade lúdica, onde o fazer se
identifica com o brincar, o imaginar com a experiência da linguagem ou
da representação.
Ainda não podemos esquecer que ao falarmos em linguagem e em
jogos estamos falando também em cálculo e assim sendo, em matemática
(TOLEDO e TOLEDO, 1997). Juntamente com o ensino da Língua
Portuguesa, a Matemática tem a maior ênfase em todo o sistema de ensino
e ela (matemática), é uma linguagem (MENEZES, 1996). Ou seja, na
utilização da matemática em outras disciplinas devido ao seu poder para
representar e comunicar ideias de forma concisa. A linguagem matemática
é construída a partir da estrutura e lógica existente na linguagem comum e
permite ligar as experiências dos alunos e a sua linguagem ao mundo da
matemática (MCTN, 1991, p. 96).
Pensando, então, na união do raciocínio e da linguagem, foi
desenvolvido esse estudo com literatura em jogos lúdicos para alunos da
sala de apoio. Nosso objetivo foi, através da competição sadia e da
brincadeira, melhorar a aprendizagem de alunos com déficit no ensino.
Como apontam Silva e Kadama (2004, p. 04)
O jogo e a competição estão intimamente ligados, e o jogo social não
pode existir ou não tem graça sem esta competitividade. É fato,
absolutamente lógico, de que na ausência de um vencido, não pode
haver um vencedor, assim na impossibilidade de eliminar o caráter
competitivo do jogo, o melhor é procurar utilizá-lo no sentido de
valorizar as relações, acentuando a colaboração entre os participantes do
grupo (SILVA E KADAMA, 2004, p. 04).
Valorizando a competição, a amizade e a brincadeira, se trabalhou
com conceitos fundamentais para o desenvolvimento do educando, sendo
eles a memória, a sequência, as noções de seriação, classificação e de
inclusão (BRASIL, 1997). Esses são conceitos matemáticos que envolvem
diretamente a matemática e a linguagem. (TOLEDO e TOLEDO, 1997).
Também o texto escrito e oral passa pela organização coesiva e coerente de
seu enunciado e nesse sentido, o trabalho almejado só pode ser
467
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
contemplado na interdisciplinaridade, ou seja, o jogo, a literatura, a
linguagem e o cálculo juntos para que o aluno melhore seu
desenvolvimento cognitivo.
A estrutura da sala de apoio e a formação de seus docentes
Por fim, foi necessário ter claro a necessidade do olhar diferenciado
para os alunos com limitações de aprendizagem e de como os professores
devem estar preparados para promoverem a inclusão.
Existem professores que se preocupam com o bom
profissionalismo, no que se refere à competência técnica, mas ignoram suas
atribuições e compromissos sociais e políticos junto aos sujeitos com os
quais se relacionam (a comunidade escolar). Autores como Libâneo (1986)
e Paulo Freire (2001) apontam para a importância da figura do educador
como dilema central das questões do educar. Para Freire (2001, p. 42-43),
“A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o
movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”.
Educadores de todas as instancias educativas precisam refletir seriamente
sobre suas práticas pedagógicas e falando em educação especial, estamos
falando também em questões de inclusão, de democratização do ensino. Só
que para que essas questões ocorram na prática e não só no discurso
precisamos entender quem são esses alunos e como ensiná-los.
Quanto ao corpo discente, os alunos da sala de apoio não são
alunos com retardo mental. São alunos que precisam recuperar noções não
sistematizadas durante o ensino primário. Dunn (1977) nomeava essas salas
como salas de auxílio. Na prática, esses espaços foram se caracterizando
como uma forma de reforço escolar. Manzoli (1994) também partilhava da
ideia de reforço ao recomendar a sala de recursos para:
Aquelas (crianças) que não aprendessem por serem portadoras de um
distúrbio de aprendizagem, ou por qualquer outro motivo dessa natureza,
deveriam permanecer no ensino comum, com reforço de programas
específicos para o seu problema numa sala de recursos (p.196).
O Conselho Nacional de Educação trouxe a seguinte definição para
a sala de apoio:
468
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
É um espaço, situado na escola de ensino regular, destinado a receber
alunos integrados em turmas regulares, sendo delas retirados, muitas
vezes dentro dos tempos letivos, para, em pequenos grupos ou
individualmente, receberem apoio em número de vezes semanal
variável, consoante os casos (1998, p. 65).
Também podemos conceituá-la como um espaço para:
Atender às necessidades particulares de aprendizagem dos alunos. Bem
como implicam em planificações pedagógicas e ações docentes
fundamentadas em critérios que definem: o que o aluno deve aprender,
como e quando aprender, que formas de organização são mais eficientes
para o processo de aprendizagem, como avaliar o aluno (BRASIL, 1999,
p. 33).
As duas definições vão de encontro a sociedade inclusiva que se
busca no universo das práticas educativas atuais. Nesse sentido, as
atividades desenvolvidas na sala de apoio são atividades que acontecem
sempre no período inverso de aula dos estudantes, que a frequentam uma
ou duas vezes por semana, conforme sua necessidade. A sala de apoio é
conduzida por professores, que são amparados por uma equipe formada por
psicóloga, fonoaudióloga, psicopedagoga e neurologista, que auxiliam a
sanar a as dificuldades específicas de cada aluno. Não é voltada para
deficiências mentais especificas, mas para deficiências de aprendizagem
que acabam excluindo os alunos do processo de aprendizagem,
principalmente nas áreas de linguagem e de cálculo.
Junto a esta equipe multidisciplinar, o mau desempenho escolar da
criança passa a ser encarado como consequência de distúrbios, disfunções,
problemas, dificuldades, carência, desnutrição, família desestruturada, entre
outras causas. Muitos alunos também com defasagem na aprendizagem que
frequentavam a APAE e o ensino regular foram transferidos de APAEs
para as salas de apoio, pois lá podem ter sua necessidade educacional
especial sanada ou acompanhada. Nesse sentido, a sala de apoio vem
auxiliar os educadores a observar seus alunos nas suas particularidades,
buscando resgatar o que não aprenderam em etapas pré-estabelecidas,
dando um atendimento individual e constante a esses alunos.
Aplicação prática da literatura e do lúdico
no ensino de linguagem e de cálculo
469
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Para contemplar nosso objetivo, trabalhamos coletivamente na
observação e no diagnóstico dos alunos selecionados. Seguindo, foi preciso
coletivamente elaborar um plano de aula de 40 horas/aulas seguidas,
distribuídas em dois meses letivos. Nosso planejamento envolveu as três
disciplinas (português, matemática e educação física) e foi desenvolvido
em regime de parceria e colaboração entre as professoras envolvidas no
projeto, com autorização da equipe pedagógica da escola.
Os educandos envolvidos são em número de dez. É política da
escola que a turma não ultrapasse esse número, para que haja um
atendimento bem individualizado. Temos mais meninos (8) do que meninas
nesta sala (2), que funciona no período vespertino, nas terças e quintasfeiras, ocupando duas horas aulas, num total de quatro horas-aula por
semana. 145 São todos alunos da zona rural, que acordam muito cedo para
estudar e que precisam ficar na Escola na hora do meio dia para receber o
atendimento na sala de apoio à tarde.
A turma não apresenta alunos com deficiência mental ou
transtornos de aprendizagem. Um aluno está sendo encaminhado para
triagem sobre seu comportamento quanto ao raciocínio matemático. Ao que
tudo indica, ele tem discalculia, mas ele passará por uma equipe
multidisciplinar para conferir essa suspeita. 146
Quanto às demais crianças, apresentam trocas de letras com o
mesmo ponto de articulação, são tímidas para questões orais, apresentam
letras muitas vezes ilegíveis e tem dificuldade de organização do material,
da escrita nas páginas. Não sabem o mecanismo da tabuada e confundem
palavras com dígrafos. Em resumo, precisam retomar conceitos básicos da
alfabetização e de lógica do pensamento matemático. Também precisam
organizar a escrita e separar a oralidade da escrita nas produções textuais.
145
Por motivos éticos não mencionaremos os nomes dos alunos.
A discalculia é um dos transtornos de aprendizagem que causa a dificuldade na
matemática. Este transtorno não é causado por deficiência mental, nem por déficits visuais
ou auditivos, nem por má escolarização. O portador de discalculia comete erros diversos na
solução de problemas verbais, nas habilidades de contagem, nas habilidades
computacionais, na compreensão dos números.
146
470
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Sendo assim, foram estes problemas que serão trabalhados em
quarenta horas-aula nesta sala de apoio, tendo como ponto de partida o
lúdico.
Desenvolvimento das aulas
Como já mencionado, o trabalho foi desenvolvido nos meses de
agosto e setembro de 2008, ocupando 4 horas-aula semanais, num total de
quarenta horas-aulas. Cada encontro era de duas horas-aula, cerca de 90
minutos. A estruturação do projeto está descrita no quadro abaixo, onde é
colocado que músicas, histórias, brincadeiras e jogos foram desenvolvidos,
bem como as atividades desenvolvidas com cada elemento.
Recursos
Brincadeira “Escravos de Jó”
Software “Luz da letras” 147
“Jogo da forca”, novamente usando o
software “Luz das letras”
Brincando do “Caçador”
A turma brincou de “Amarelinha”
Atividades
-Trabalho com sequência, com lateralidade, com
oralidade e a inclusão de classes;
-Produção textual;
-Oralidade, tabuada, a interpretação, a leitura e o
registro escrito.
-Oralidade, a leitura de imagens, a produção
textual e o registro escrito em forma de texto
narrativo;
-Caça-palavras, atividades de completar, jogos
interativos;
-Identificação de diferentes brincadeiras infantis;
- Reprodução das brincadeiras observadas.
-Ditado com palavras referentes à infância;
-A leitura e a escrita de palavras, o som e a
formação da palavra, os processos de
alfabetização;
- Atividades de completar palavras com auxilio da
informática;
- Produção textual sobre a infância.
-Desenvolveu-se o jogo;
-Montamos um texto coletivo sobre essa
representação;
-Montagem de situações problema.
-Fizemos amarelinhas com sequências diferentes;
-Enfatizamos a escrita por extenso dos números
usados na brincadeira.
147
Programa de jogos de alfabetização desenvolvido pela Copel para o Programa “Paraná
Alfabetizado”.
471
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Quebra-cabeça de montar provérbios
Os alunos brincaram de ‘Zip-zap-zop’
Trabalho com sequência de códigos.
Música de sinônimos e antônimos
Contar histórias clássicas
-Cada grupo ganhou dois envelopes, um com o
começo, outro com o final dos provérbios.
Cabia a eles juntar corretamente as frases;
-Cada aluno copiou os cinco provérbios que mais
gostou e escolheu um para ser comentado
oralmente, para toda a turma;
-Eles também citavam outros que conheciam.
- Cada um ganhou um nome e precisaria saber
explicar esse nome para os colegas. O tema eram
brincadeiras infantis. Então, eles sentavam em
círculo e um aluno ficava sem cadeira. Esse aluno
teria que escolher um colega e dizer: ‘Zip-zap-ou
zop’. ‘‘Zip’’ era para responder o que tinha no
colega da direita, ‘zap’ para olhar a brincadeira do
colega da esquerda. Quem não soubesse responder
viria para o meio do círculo. Na terceira pergunta,
o aluno do meio do círculo poderia dizer ‘zop’ e
ficar com a cadeira de quem ele escolhesse. Nesse
momento, todo o grupo trocaria de lugar e um
aluno ficaria sem cadeira.
-Estipulamos valores para cada código. Depois de
tentar seguir os códigos, bater palmas para círculos
e os pés para traços, cada aluno montou uma
sequência de códigos para brincar.
-Trabalha-se raciocínio lógico, domínio de calculo
as operações, sinônimo e antônimos;
-Fomos criando outros antônimos: sol/lua,
menino/menina, cedo/tarde. No final da aula, cada
aluno registrou os pares de palavras que eles
percebiam ser antônimos.
Pega varetas.
-Ler diferentes clássicos;
-Contar oralmente os clássicos da literatura;
-Contar causos dos pais.
-Trabalhar valor numérico e motricidade das mãos.
O jogo do Resta Um
-Raciocínio lógico, estratégia e inteligência.
Trabalhou-se o tradicional jogo de
dados. O objetivo do jogo é conseguir
o máximo de pontos possíveis á cada
rodada do dado. O jogo consiste em
formar pares e distribuir dados aos
alunos, juntamente com uma folha de
papel, para marcar o resultado.
Para fazer essa atividade, confeccionamos
primeiramente os dados na sala. Pintamos cada um
e depois fomos ao jogo. Dessa forma, trabalhamos
a figura geométrica do quadrado e sua presença na
natureza, observando outros objetos que também
são quadrados ou em forma de cubo (dado).
Dominó.
-Trabalhou-se sequência;
-Produção textual.
-Este foi um jogo com muita abstração, mas eles
O jogo do “Stop”, só que com termos
472
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
ligados à matéria de português
referente à quinta série, com
algarismos e com brincadeiras.
trabalharam a memória, a conceituação e o cálculo
no final do jogo.
Quadro 01: Atividades com jogos lúdicos.
A sequência do trabalho era mostra ao aluno a origem das
brincadeiras, brincar na prática, registrar por escrito a atividade, produzir
textos sobre as brincadeiras, criar situações problemas na matemática e
relacionar a nossa infância com a de nossos antepassados. Ainda buscou-se
levar o educando a perceber as atividades de linguagem e de cálculo
presentes em cada proposta. Já o software usado foi uma forma de ligar as
brincadeiras tecnológicas com as clássicas.
No fim de cada aula eles também eram convidados a ler livros
clássicos de literatura e de folclore. No começo da próxima aula eles iriam
contar a história lida. Dessa forma, a leitura, o oralidade, o cálculo e o
lúdico estavam presentes em todas as atividades.
Considerações finais
Embora a proposta do estado do Paraná seja a estética da recepção
para a literatura (ECO, 2003), o trabalho aqui proposto serviu-se da
literatura e do lúdico como pretexto para a aprendizagem. Essas condutas
metodológicas são tidas como controversas, uma vez que tem como
objetivo a aprendizagem de conteúdos e não o trabalho com o belo como
primazia. Todavia, pensando nos desafios de inclusão apresentados no
perfil dos alunos e na necessidade de buscar alternativas para melhorar a
escrita e o cálculo, a forma de conduzir o trabalho literário neste processo
foi muito satisfatório.
O trabalho com jogos e brincadeiras como motivação, reflexão e
fixação sobre a aprendizagem do cálculo e dá linguagem realmente deu
certo. Foi um trabalho muito proveitoso e surtiu efeito real na
aprendizagem e nos diagnóstico das reais dificuldades destes alunos. A
partir desse projeto, percebemos que algumas destas crianças não têm
dificuldades de aprendizagem e estão nas salas de apoio por não
conseguirem se concentrar nas salas de aula. Também percebemos que a
defasagem de idade de alguns alunos (14/15 anos na quinta série) os
deixam inibidos e que com a proposta de jogos lúdicos eles se integraram
mais ao grupo.
473
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Quanto à aplicação do projeto e a dinâmica das aulas ministradas, é
importante acrescentar a percepção de que é preciso saber fazer retornar as
brincadeiras apresentadas para situações reais de aprendizagem. Se
ficarmos só brincando, sem apresentar a esses alunos onde está o
conhecimento teórico dessas práticas, a função norteadora da escola se
perde, pois precisamos ensinar e neste caso, era preciso retomar sempre as
operações que estavam sendo realizadas, o trabalho com a escrita, a leitura
e a oralidade. Nesse sentido, aulas com jogos podem acabar se tornando
apenas aulas de passa-tempo, caso os educadores não estejam atentos ao
encaminhamento das propostas.
Em contrapartida, o projeto também mostrou que o lugar da
literatura e do lúdico precisam ser revistos nas praticas escolares. Os alunos
precisam brincar e devem ter mais contato com as brincadeiras de roda,
sobretudo pela forma que a sociedade atual trata suas crianças, confinadas
dentro de casa e sempre com jogos eletrônicos.
De modo geral, percebeu-se ainda que a matemática foi mais
enfatizada do que o português e nesta disciplina, enfatizamos mais a
oralidade e a escrita, deixando poucas atividades de leitura. Porém, mesmo
assim, o conjunto das atividades propostas foi satisfatório.
Dessa maneira, os resultados obtidos mostram que é possível
ensinar através da literatura e do lúdico. Que os profissionais de diferentes
áreas devem fazer planejamentos integrados e que essas propostas podem
estar sendo adaptadas a todas as séries e modalidades de ensino. Dos alunos
desta turma, foi possível fazer um diagnóstico preciso e estar interferindo
diretamente em pré-requisitos da aprendizagem, como a cópia, a
interpretação, a percepção das regras de escrita e a formulação do
pensamento lógico nas atividades matemáticas. E tudo isso com aulas
gostosas, onde estes alunos não foram discriminados por suas limitações,
“contribuindo para preservar e perpetuar modelos de sentir, de pensar ou de
agir tradicionais” conforme defende Fernandes (1979, p. 25).
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
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476
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
GÊNEROS DA LITERATURA OU LÚDICOS: JOGOS DIDÁTICOPEDAGÓGICOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Luzinete Carpin Niedzieluk
FMP
1 Introdução
[...] o ato de brincar é mais que a simples satisfação de desejos e
curiosidades, é um processo de compreensão e assimilação. (A/A).
O foco do presente trabalho objetiva considerarmos jogos didáticopedagógicos como gêneros literários ou lúdicos, pois segundo Bakhtin e
Volochinov (1999; 2002), todo signo é ideológico por natureza, logo, os
jogos são considerados sócio-históricos e são baseados em regras
comportamentais
anteriormente
existentes
ou
combinadas
momentaneamente, exigindo a atenção das crianças, trazendo valorações
diferentes e promovendo autonomia e criatividade.
No segundo semestre de 2008 desenvolvemos um projeto com
alunas (os) do curso de Pedagogia da Faculdade Municipal de Palhoça com
a finalidade de resgatar jogos e brincadeiras da sua infância, reconstruir em
si mesmo o gosto pelo fazer lúdico, prazeroso e significativo, confeccionálos e planejar atividades linguísticas. Após um levantamento bibliográfico
sobre o tema, e muitos debates em sala, oito equipes confeccionaram alguns
jogos com materiais atóxicos, laváveis, resistentes e coloridos. Elaboraram
atividades pedagógicas fundamentadas nas teorias lidas, passando da
oralidade para as formas de letramento, aqui compreendido como grupo de
práticas sociais, culturalmente situadas e ideologicamente construídas e
testaram-nas com seus próprios filhos, sobrinhos e crianças em geral.
Apenas depois de testados, estes jogos foram doados com instruções de uso
a algumas escolas do município da Palhoça porque previamente havíamos
constatado a falta deste material nas escolas e o pouco uso dos mesmos
pelos professores.
477
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
2 Os jogos literários ou lúdicos e a criança
A concepção de criança adotada neste trabalho é semelhante à
encontrada na Proposta Curricular de Santa Catarina (1998) de um sujeito
social e histórico que faz parte de uma organização familiar inserida em
uma sociedade, com uma cultura e em um determinado momento histórico.
Essa concepção vai ao encontro dos postulados bakhtinianos (2002).
Encontramos inúmeras concepções de jogos lúdicos e alguns
pesquisadores, entre eles, Nascimento e Saito (2009) consideram como
gêneros da literatura popular no processo de letramento, provérbios,
quadrinhas, cantigas, parlendas, adivinhas e trava-línguas. A concepção de
gêneros literários ou lúdicos desta pesquisa abrange canções populares
usadas nos jogos e busca abarcar o desenvolvimento do conhecimento em
espiral conforme propõe Rojo (2002). Parafraseando Lima (2002), jogos
são atividades sujeitas as regras e as combinações que estimulam o
raciocínio e a integração social do indivíduo e aumentam a capacidade de
fruição e criação. Entendemos que o educador deve propor atividades que
privilegiem estes aspectos e as temáticas inseridas em seus planos de aula
devem estimular a solução de problemas. A criança deve compreender o
porquê das regras. Alguns jogos também podem ser compreendidos como
repetição de ações que produzem sons (canções populares), como pular
corda ou brincar de elástico. Os jogos podem ser considerados gêneros
literários ou lúdicos, porque segundo Bakhtin e Volochinov (1999) são
compostos de signos, sendo assim, compreendemos que permanecem vivos
na memória dos sujeitos por meio de lembranças saudáveis do passado. São
momentos de prazer e de aprendizado alegres, agradáveis e descontraídos.
Segundo Winnicott (1996, p. 224):
As atividades lúdicas proporcionadas pelos jogos são o elemento
propulsor de todo processo de alfabetização. A criança em idade préescolar ainda se encontra no período concreto, precisa manusear objetos
e sentir cada um próximo para que, a partir daí, construa seu saber. As
brincadeiras desenvolvem a persistência e exigem iniciativas
intelectuais. É por meio delas que a criança resolve seus problemas
emocionais que também fazem parte do seu desenvolvimento.
Além dos jogos auxiliarem no aprendizado das crianças, também
propiciam a superação de suas dificuldades emocionais.
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Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Para Vygotsky (2002, p. 115), ao utilizar os jogos, “as crianças
podem imitar uma variedade de ações que vão muito além dos limites de
suas próprias capacidades”, elas observam e fazem através da interação
com outras pessoas ampliando seu nível de desenvolvimento real.
Bakhtin (2002, p. 278-279) afirma que:
En cada época, en cada círculo social, en cada pequeño mundo de la
família, de amigos y conocidos, de compañeros, en el que se forma y
vive cada hombre, siempre, existem enunciados que gozam de prestigio,
que dan el tono; existem tratados científicos y obras de literatura
publicística en los que la gente fundamenta sus enunciados y los que
cita, imita o sigue. [...]. Ni hablar de los ejemplos escolares y
antológicos, en los cuales los niños estudian su lengua materna y los
cuales siempre poseen una carga expressiva.
Assim, entendemos que, através dos jogos, as crianças aprendem
fatos novos e também identificam os valores ideológicos que os enunciados
proferidos pelos enunciadores e por eles próprios contêm, pois não há ato
de brincar sem possibilidade de diálogo, isto é, sem possibilidade de
resposta. Isso corrobora o pensamento de Winnicott (1996) e o de
Vygotsky (2002).
Prosseguindo, apresentaremos alguns jogos elaborados pelas(os)
alunas(os) e suas contribuições para o ensino-aprendizagem.
2.1 Jogo pega-varetas
Pega-varetas é um jogo lúdico que exige do participante raciocínio
e paciência. Pode ser utilizado pelo professor porque ajuda a desenvolver
na criança habilidades, tais como, a lógica, cálculos, diferenciação entre as
cores e suas classificações, além de incentivar a socialização e a tolerância
entre os alunos. Com este recurso, a criança sente prazer ao se divertir,
assim questiona e se expressa livremente sem preocupações hierárquicas,
pois fica mais à vontade com seus colegas, promovendo maior socialização
entre eles. Dessa forma, o aprendizado fica mais interessante e dinâmico e
o professor poderá avaliar e orientar de maneira mais positiva o educando.
O jogo pega-varetas também deve ser utilizado na educação como
forma de metodologia alternativa mais agradável e lúdica, na qual, aluno e
professor tornam-se atuantes na escola, tendo a liberdade como privilégio
de ambos, em uma classe dinâmica e expressiva, sem se desviar do real
479
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
objetivo escolar. Este jogo: estimula a comunicação e expressão da criança;
forma um ser mais crítico e atual no meio em que está inserido; desperta o
interesse pela descoberta e exploração do enigmático; proporciona a
interação social entre as crianças e estimula a compreensão natural pelo
interesse e prazer de brincadeira.
2.1.1 Como fabricar o jogo
Passo a passo – Materiais necessários para confecção do
brinquedo: Garrafa pet transparente; bolinhas coloridas; palitos coloridos
(sugestão: utilizar as cores primárias e secundárias); furador ou um objeto
que possa perfurar a garrafa. Para decorar o jogo: folhas de borracha EVA
(etil, vinil e acetato), coloridas; tesoura; cola quente. Procedimento: Trace
linhas imaginárias no local em que foi retirado o rótulo da garrafa. Aqueça
a ponta do furador e faça furos cuidadosamente sob as linhas imaginárias.
Os furos devem estar posicionados lado a lado, sempre em número par para
que as varetas possam transpor entre eles. Atravesse as varetas pelos furos
de forma que o interior da garrafa fique parecendo uma “cama de gato”.
Insira as bolinhas na garrafa. Elas devem ficar acomodadas entre as varetas
sem cair. Para decorar o brinquedo, recorte no EVA faixas onduladas ou
figuras geométricas, por exemplo, fixe na garrafa com a cola quente.
Obs.: Este jogo é uma variante do jogo original Pega-varetas.
FIGURA 1: Jogo Pega-varetas
Fonte: Alunas do curso de Pedagogia da FMP.
480
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
2.2 Jogo da velha
Também chamado de “Tic Tac Toe” (do português europeu) ou
“Jogo do Galo”, o Jogo da Velha possui regras simples e de fácil
entendimento. Na Inglaterra, nos finais de tarde, mulheres se reuniam para
bordar e conversar, as mais velhas, por terem dificuldade pela falta de visão
para bordar, jogavam jogos simples. Teria então surgido o nome Jogo da
Velha. No entanto, a origem do jogo pode ser ainda mais antiga. Comentase que em tabuleiros escavados em templos do antigo Egito, poderiam ter
sido feitos por escravos há 3.500 anos. O jogo tem como objetivo formar
uma sequência de três imagens iguais. Quando foi criado utilizava-se um
círculo (O) e um xis (X) ou então pedrinhas, caroços de milho e feijão
como peças do jogo. No caso de um dos dois participantes formar uma
linha horizontal, vertical ou diagonal, vencerá o jogo. Sempre que o jogo
termina empatado é utilizado o termo “deu velha”. Ele pode ser jogado
sobre um tabuleiro ou simplesmente sendo desenhado sobre um pedaço de
papel.
2.2.1 Confeccionando o jogo
Desenvolvemos o jogo da velha a partir do EVA, que é um material
emborrachado e de fácil manipulação. Para doarmos o brinquedo às
escolas, confeccionamos uma embalagem de tecido não tecido 100%
polipropileno (chamado, TNT), assim as peças não são perdidas facilmente.
Materiais utilizados: EVA (diferentes cores e texturas); cola quente;
tesoura; régua e caneta preta e TNT. O primeiro passo para
confeccionarmos o brinquedo, foi desenhar os moldes escolhidos no EVA.
Em seguida, recortá-los e colá-los, para que formem as peças do brinquedo.
Com a caneta preta, contornamos as peças do jogo para detalharmos e
diferenciá-los. Para fazer o tabuleiro do jogo, utilizamos a régua para medir
o tamanho do mesmo e colamos nove círculos, que são os respectivos
espaços onde serão colocadas as peças da brincadeira. No caso do jogo
doado às escolas, criamos figuras (peças) que representavam animais e seus
alimentos: cachorro e osso, coelho e cenoura e rato e queijo em cores
variadas.
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2.2.2 Aplicação do jogo
Aplicamos o jogo da velha para uma turma de crianças entre cinco
e quatro anos, de uma escola particular. Ao mostrarmos o jogo,
demonstraram não conhecê-lo. Explicamos as regras e após explicá-las,
vários alunos perguntaram onde poderiam comprar o jogo, para brincar em
sua casa.
Inicia-se o jogo com os participantes escolhendo as peças que vão
utilizar. Quem escolher o animal começa a jogada e o posiciona onde
desejar. Em seguida, o segundo jogador também posiciona a sua peça em
um espaço do tabuleiro que ainda esteja vazio. A partida prossegue até que
um dos dois forme uma sequência. Quem primeiro formá-la, além de
vencer o jogo, inicia a partida seguinte, ou ninguém forma a sequência e
reinicia-se o jogo. As peças do brinquedo que mais chamaram a atenção da
turma foram os bichinhos e seus alimentos. Ao final da primeira partida, o
aluno que não venceu não ficou triste, mas pediu que reiniciasse a próxima.
A seguir, apresentaremos a figura com um dos modelos do jogo da velha.
FIGURA 2: Jogo da Velha
Fonte: Alunos(as) da FMP.
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2.3 Cinco-Marias
É um jogo infantil conhecido por vários nomes em nosso país:
Cinco-Marias, Jogo das pedrinhas, Nente, Belisca, Capitão Liso, Xibiu,
Epotatá (em tupi, quer dizer “mão na pedra”), Jogo dos Ossos, Onente,
Bato, Arriós, Telhos, Chocos e Nécara. Muito mais antigo do que se
imagina, já era conhecido pelos gregos, romanos e egípcios. Na Grécia, o
jogo era chamado de “ossinhos”. Os Gregos e os Romanos provavelmente
tiveram conhecimento desse jogo com os egípcios, que inicialmente
utilizavam ossinhos para prever o futuro, geralmente provenientes da perna
ou pata do carneiro. Com o tempo passaram a ser confeccionados em
marfim, gesso e pedrinhas. Atualmente foram substituídos por plástico ou
saquinhos de tecido com enchimento de areia ou grãos de arroz. Os gregos
indiscutivelmente eram seus adeptos mais apaixonados.
[...] Homero, na Ilíada, conta, por intermédio da sombra de Pátroclo, que
Aquiles matou o filho de Anfidamas depois de ter discutido com ele
durante uma partida de “ossinhos”. E Plutarco conta que o general
ateniense Alcibíades, ainda criança e brincando no meio da rua, pediu a
um condutor de carro que parasse a fim de poder apanhar os “ossinhos”
que iam ser esmagados. Perante a recusa, a criança não hesitou em
deitar-se atravessado no caminho, ordenando ao condutor que passasse
sobre o seu corpo. O homem, aterrado, parou os cavalos. Em Rodes, um
tal Hegesiloco e amigos designavam como aposta das suas partidas de
“ossinhos” a mulher de um dos seus concidadãos. O vencido
comprometia-se deste modo, fossem quais fossem os riscos, a raptar a
esposa indicada e a pô-la nas mãos do vencedor. (BRANDÃO;
FROESELER, 2008, s/p.).
Reconhecemos neste jogo, além do seu valor histórico, a
importante interação que há entre os participantes e a habilidade motora
que desenvolve. As velhas doutrinas da disciplina rígida e formal toleravam
o jogo, desconfiando, porém do seu valor educativo. O progresso da
psicologia nestes últimos cinquenta anos vem mostrando, no entanto, que a
motivação do jogo pode transferir-se para a motivação do trabalho e
considerável é a importância do jogo pelos benefícios que proporciona à
saúde física e mental da criança, do adolescente e do adulto.
(MIRANDA,1984, p. 60).
Neste estudo, vamos considerar a relação entre os jogos lúdicos e
os conhecimentos cognitivos, e também a possibilidade de integrá-los. A
brincadeira faz parte da natureza da criança; é a partir de processos
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empíricos e de brincadeiras que elas se apropriam do conhecimento
proposto pelo educador. Acrescentaremos a tudo isto, o resgate de jogos
tradicionais e a importância histórica que o jogo das Cinco-Marias
representa, tendo estado presente desde a Grécia antiga, berço e origem da
nossa civilização. Portanto, teve uma contribuição histórica e cultural muito
grande, mas com o passar dos anos, em certos momentos, ficou esquecido
ou adormecido na lembrança de nossos antepassados. Cinco-Marias é um
jogo com aspectos relevantes que permeiam o mundo lúdico da criança.
Favorece o cognitivo, a motricidade, a agilidade, dentre outros fatores
positivos de desenvolvimento e de formação da criança. O objetivo
alcançado é a qualidade do aprendizado em diversas áreas, tais como: artes,
português, matemática e educação física.
2.3.1 Como confeccionar
Em Como jogar Cinco-Marias, Costa (2008) nos ensina fazer e
brincar com esse jogo. Como fazer os saquinhos – Material: retângulos de
tecido (optamos por circunferências); agulha; linha; tesoura e arroz, areia
ou feijão.
Modo de fazer: recorte cinco retângulos de tecido, se possível de
cores diferentes. Cada retângulo deve ter, mais ou menos, 3 centímetros de
largura por 4 centímetros de altura; dobre um dos retângulos no meio e
costure as laterais, deixando uma entrada aberta. Pela abertura, preencha o
saquinho com areia, arroz, feijão ou outro tipo de semente ou grão. Ele não
deve ficar muito cheio e costure a abertura. Repita a operação com os
outros saquinhos. Observe as ilustrações a seguir:
484
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2.3.2 Como jogar
Joga uma pessoa por vez. Se errar, perde a vez para o próximo.
Quando o outro errar ou chegar ao fim do jogo, o primeiro volta a jogar de
onde parou.
Pegando do chão – Espalhe os cinco saquinhos (ou pedrinhas) no
chão. O melhor jeito é jogá-los para cima e deixar cair de qualquer jeito,
sem que fiquem muito longe um do outro. Escolha um saquinho, jogue-o
para cima e pegue outro do chão com a mesma mão. Você precisa ser
rápido o bastante para conseguir pegar o primeiro na volta. Jogue os que
estão na mão para o alto e, sem deixá-los cair, tente pegar mais um.
Continue até que esteja com os cinco na mão. Agora que conseguiu, tente
fazer diferente: em vez de pegar um saquinho por vez enquanto o que jogou
para cima não cai, você deve pegar mais de um por vez. Comece tentando
pegar dois de cada vez. Lembre-se que não pode deixar cair nenhum dos
que estão na mão enquanto pega os próximos. Conseguiu? Prossiga e tente
pegar dois saquinhos na primeira vez e três na segunda. Por fim: jogue um
para cima e tente pegar os quatro restantes de uma vez só! Conforme
ilustrações a seguir:
Fonte: COSTA, (2008).
485
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FIGURA 3: Cinco-marias e Pega-varetas
Fonte: Alunas(os) da FMP.
2.4 Bilboquê
O Bilboquê é um misto de jogo e brinquedo que teve origem na
França há cerca de 400 anos. Ele consiste em duas peças: uma bola com um
furo e um pequeno bastão, presos um ao outro por um cordão. O jogador
deve lançar a bola para o alto e tentar encaixá-la na parte mais fina do
bastão. No caso do brinquedo feito com garrafa descartável, o jogador deve
tentar colocar a bolinha dentro da garrafa.
2.4.1 Como fazer
Para construir um bilboquê você vai precisar de: 1 garrafa pet
descartável; fita adesiva colorida (ou transparente); barbante; 1 folha de
jornal ou revista; rolha; tesoura; adesivos ou recortes para enfeitar. Passo a
passo: Corte as garrafas de refrigerante ao meio, aproveite a metade com o
bico e a tampa da garrafa; amarre um barbante com uma bola de papel
alumínio amassado ou com uma rolha para fazer o bilboquê e enfeite seu
brinquedo com adesivos ou recortes.
2.4.2 Modo de brincar
486
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Segurar o Bilboquê pela parte do gargalo da garrafa. Com um
movimento repentino para cima, tentar colocar dentro dele a rolha que está
presa pela linha à parte inferior e de fora da garrafa. Aspectos que
desenvolve: coordenação motora e concentração. É recomendável para
crianças a partir de seis anos.
FIGURA 4: Bilboquê
Fonte: Alunos(as) da FMP.
2.5 Caixa pedagógica
Não foi possível resgatar a história da caixa pedagógica, através da
literatura, somente descobrimos que ela derivou da caixa de utensílios
usada pelas nossas avós para guardar materiais diversos.
2.5.1 Materiais
Uma caixa grande de papelão (de fogão, de máquina de lavar, etc.)
ou uma caixa menor de sapatos; caixinhas de vários tamanhos forradas e
potinhos decorados com fita adesiva colorida (iogurte e outros).
Procedimento: Fazer cortes em duas laterais da caixa de maneira que as
crianças possam entrar e sair. Cubra a caixa com EVA, fazendo cortes de
diferentes formas para que as crianças introduzam os elementos: cubos,
bolas, potinhos, caixas.
487
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2.5.2 Como brincar
Com esse brinquedo, as crianças podem explorar a caixa, introduzir
objetos de acordo com as formas geométricas, buscar elementos e outras
propostas que surgirão deles mesmos e até esconder-se, no caso das caixas
maiores.
2.5.3 Habilidades desenvolvidas
Este jogo em sala de aula visa: aumentar a independência da
criança; estimular sua sensibilidade visual e auditiva; diminuir a
agressividade; exercitar a imaginação e a criatividade; aprimorar a
inteligência emocional; aumentar a integração; promover o
desenvolvimento sadio; promover o crescimento mental e adaptar a criança
ao meio social. A seguir, modelo de caixa pedagógica.
Figura 5: Caixas Pedagógicas
Fonte: Alunas da FMP.
2.6 Corda e elástico
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A Corda existe há muitos anos e há inúmeras possibilidades de
utilizá-la nos jogos. Eis algumas sugestões de como brincar: Pular corda
individualmente – para frente, para trás, cruzando; Pular corda em duas –
lado a lado, frente a frente; Pular corda em trios – duas pessoas vão batendo
a corda e a outra vai pulando. Pode ser feito o mesmo com o deslocamento
para frente e para trás; Quebra-canela – os participantes ficam em círculo e
o animador fica no centro, com uma corda. O animador gira a corda rente
ao solo e todos deverão saltá-la; Quebra-canela em colunas – os
participantes ficam em colunas e duas pessoas arrastam uma corda rente ao
solo, que deve ser saltada por todos. Foguinho – as crianças que batem à
corda cantam:
“Salada, saladinha
Bem temperadinha
Com sal, com pimenta
Fogo, foguinho” (A/A).
Assim que falarem a palavra foguinho, começam a girar a corda
cada vez mais rápido. Vence quem conseguir pular mais tempo sem
esbarrar na corda. Há várias canções que podem ser utilizadas neste jogo
lúdico, como por exemplo, as seguintes:
“Pipoca, sorvete, pirulito, picolé
A fulana é amiga de José
Fui na padaria e o homem me falou
Que se eu não pular, pão não vou comprar
Fogo, fogo, fogo, fogão
1, 2, 3... (contando até a pessoa errar)
Quando errar canta-se:
Vai morrer de fome!
Não sabe, não sabe,
vai ter que aprender,
orelhas de burro;
cabeça de ET” (A/A).
“Um homem bateu na minha porta e eu abri
Senhoras e senhores ponham a mão no chão
Senhoras e senhores pulem de um pé só
Senhoras e senhores deem uma rodadinha
Senhoras e senhores deem uma pirueta
E vá pro olho da rua” (A/A).
489
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2.6.1 Como fazer a corda
Material: Corda de sisal ou corda plástica; cola; tubos de vinil.
Cortar a corda e nas pontas colocar o tubo de vinil, colado com cola quente
para não soltar e não machucar as mãos de quem bate a corda.
Figura 6: Corda
Fonte: Aluna da FMP, ao fundo, com crianças de uma escola.
2.6.2 Como fazer o Elástico
Material: Elástico para confecção de roupas; vidrilhos para enfeitar
e fio para costurar. Cortar 2 metros de elástico de roupa e dar um nó ou
costurar as pontas. Bordar com vidrilhos se quiser.
2.6.3 Como brincar
Duas crianças em pé, frente a frente, colocam o elástico em volta
dos tornozelos, formando um retângulo. Um terceiro participante faz uma
sequência de saltos, pulando para dentro, sobre e para fora do elástico. O
objetivo é fazer tudo sem tropeçar, aumentando o grau de dificuldade.
Tanto a corda quanto o elástico desenvolvem além da parte psicomotora da
criança, a sociabilidade, o respeito, a oralidade e consequentemente seu
processo de letramento.
490
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Figura 7: Elástico
Fonte: Aluna da FMP com crianças de uma escola.
2.7 Peteca
Peteca é o nome dado a um artefato esportivo, utilizado no jogo
também chamado Peteca, de origem indígena-brasileira. A Peteca é
constituída de uma base que concentra a maior parte de seu peso,
geralmente feito de borracha (EVA) ou TNT e uma extensão mais leve,
geralmente feita de penas naturais ou sintéticas, ou com o próprio TNT
recortado em tiras verticais finas, com o objetivo de dar equilíbrio ou
orientar sua trajetória no ar quando arremessada.
Registros no passado mostraram que a peteca, como recreação, era
praticada pelos nativos brasileiros, mesmo antes da chegada dos
portugueses. Consequentemente, nossos antepassados, através de
sucessivas gerações, também a praticaram, fazendo chegar essa recreação
indígena a todo o nosso território. Na década de 70, milhares de homens e
mulheres, velhos e moços, passaram a praticá-la, diuturnamente, seguindo
as suas regras devidamente regulamentadas. Finalmente, em 27 de agosto
de 1985, o Conselho Nacional de Desporto (CND) reconheceu o jogo de
peteca como esporte, por solicitação da FEMPE – Federação Mineira de
Peteca.
491
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2.7.1 Vantagens do Jogo de Peteca
É um jogo aeróbico, portanto, aumenta a aptidão física de seus
praticantes; requer espaço pequeno para a sua prática; esporte de massas,
não há limites de idade (mesmo como competição); é um jogo barato para
se praticar; é salutar, movimentado e agradável, proporcionando grande
satisfação.
2.7.2 Como fazer
Material: EVA colorido; TNT; cola quente; areia; fio para costurar;
tesoura para recortar; purpurina colorida. Procedimento: Cortar as partes de
baixo em forma oval, costurar, encher com areia e deixar uma abertura em
cima. Nesta parte colocar as tirinhas de EVA cortadas na vertical (como se
fossem penas) e colar com cola quente.
Figura 9: Peteca e Bilboquê
Fonte: Alunas(os) da FMP.
3 Considerações Finais
Os resultados desta pesquisa nos permitiram perceber in loco as
contribuições proporcionadas pelo gênero jogos literários ou lúdicos,
pertencente à esfera lúdico-literária-esportiva. Sugerimos que tais jogos
sejam utilizados no processo ensino-aprendizagem, especialmente no
492
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processo de alfabetização e no de letramento, como recurso didáticopedagógico.
Com a utilização desses jogos em sala de aula ou em ambiente
externo, a criança age de maneira mais espontânea e ao mesmo tempo
expressa seus desejos, sua imaginação. Pela imitação, desenvolve com
outras crianças a interação, afetividade, respeito, ordenação de seus
pensamentos e socialização. Segundo os próprios documentos oficiais para
a educação infantil, as instituições devem assegurar e valorizar, em seu
cotidiano, jogos motores e brincadeiras que contemplem a coordenação dos
movimentos e o equilíbrio das crianças. Os jogos motores trazem a
oportunidade de aprendizagem social, pois, ao jogar, a criança aprende a
competir, a colaborar umas com as outras e respeitar regras. (BRASIL,
1998, p. 35). Algumas crianças são alfabetizadas e letradas através dos
jogos, através de atividades interessantes e motivadoras que provocam na
criança o pensamento reflexivo.
Acreditamos que com esta proposta também estamos ampliando
nosso próprio “saber-fazer” e melhor compreendendo “para que fazer”.
Referências
ANCINELO, Patrícia R; CALDEIRA, Leia P. O papel dos jogos lúdicos na educação
contemporânea. Disponível em:
<http://www.unifra.br/eventos/jornadaeducacao2006/2006/pdf>. Acesso em: 15 out. 2008.
BAKHTIN, Mikhail. Estética de la creación verbal. Trad. Tatiana Bubnova. 1. ed. Buenos
Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2002.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. v. 03. Brasília, 1998.
_____. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa. Secretaria de Educação
Fundamental. Brasília, 1997.
BRANDÃO, Heliana; FROESELER, Maria das Graças V. G. Jogos Infantis: Os Ossinhos.
Disponível em: http://www.terrabrasileira.net/folclore/manifesto/jogos/j-ossos.html>.
Acesso em: 09 out. 2008.
LIMA, Dartel Ferrari. Dicionário de Esportes. 1. ed. São Paulo: Sprint, 2002.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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494
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A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E O ENSINO DE CIÊNCIAS:
UMA RELAÇÃO POSSÍVEL
Luana von Linsingen
UFSC
[email protected]
1. Aproximação
A Ciência, como qualquer outro detalhe do quadro social, não
progride obedecendo a uma lógica de princípio-meio-fim; ela se organiza e
se reorganiza conforme a humanidade se organiza e os pensamentos são
modificados. Ela cria tensões com o ideário predominante, mas também
finca pé em ideários predominantes. É como dois garotos brincando na
gangorra: às vezes estão alinhados, às vezes não.
Tudo depende do momento histórico e das pessoas que fazem
Ciência – os cientistas propriamente ditos, e os não-cientistas:
financiadores, governos, cidadãos. É uma construção humana, uma das
muitas formas culturais da humanidade, e apenas mais um dos valores
orientadores da sociedade.
Tentar separar a Ciência do mundo comum, elegê-la a uma posição
de supremacia política ou intelectual, resulta em equívocos de interpretação
que deixa os já marginalizados ainda mais à margem das decisões que a
envolvem – como os alimentos transgênicos, a clonagem, a construção de
usinas, a escolha de combustíveis, a mudança climática.
É imprescindível, deste modo, um Ensino de Ciências que prepare
o cidadão para compreender os mais amplos significados e implicações da
Ciência, sua natureza, suas limitações, seus potenciais dentro da sociedade.
Uma das múltiplas possibilidades que se abrem para um Ensino de Ciências
voltado neste sentido está em olhar para uma das matérias culturais menos
lembradas quando se pensa nesta disciplina, e também uma das mais
desprestigiadas no “mundo sério”: a literatura infantil e juvenil.
A atividade literária, conectada com as atividades do mundo, busca
reformular valores ao mesmo tempo em que revisita os antigos. Antenados
ao que ocorre à sua volta, os escritores manifestam seus pensamentos
sempre que podem, seja de forma ficcional ou não; e no meio dessas
manifestações estão os assuntos científicos.
495
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Para o físico e educador da Universidade de São Paulo (USP), Luis
Carlos de Menezes, a leitura e a escrita, sendo essenciais na formação
escolar e humana, merecem atenção especial dos professores de diversas
disciplinas.
Inclusive de Ciências. Como afirma o autor, aprendemos a
interpretar diversas linguagens desde que nascemos, um processo
potencializado pela escola e que envolve todas as áreas. O problema da
leitura/escrita atinge não só a alfabetização da língua-mãe como também
envolve a chamada alfabetização científico-tecnológica (MENEZES,
2009).
A Alfabetização Científico-Tecnológica (ou ACT) tem como um
dos objetivos a construção de uma compreensão mais consistente sobre a
produção e apropriação do conhecimento científico e tecnológico (AULER;
DELIZOICOV, 2001), em um processo de desmistificação da Ciência, seus
fazeres e consequências, afastando o sujeito tanto da idolatria quanto da
fobia.
A crença de que Ciências nada tem a ver com Português levou e
ainda leva a dois graves analfabetismos: o científico e o literário. Uma
maneira de contornar esse problema é fazer o caminho inverso ao já
realizado pelos escritores que visitam a Ciência: visitar a literatura.
Uma só obra literária encerra uma cultura infinita, com temas que,
fazendo parte do pensamento humano, não podem ser fragmentados, não
podem ser dissociados uns dos outros (MORIN, 2001). São várias as
histórias juvenis e infantis que trazem à tona questões como o lixo, as
usinas nucleares, as extinções em massa, o futuro do futuro; transformam
os assuntos da Ciência no que são de fato: em assuntos sociais.
Por conta disso, quando levada ao espaço escolar, uma obra
literária não pode nem deve ser tachada de “apoio paradidático” de Língua
Portuguesa. Ela deve ser elevada a um status de complemento, de ponto de
partida, de problematização, e levada a todas as disciplinas, a de Ciências
inclusive.
2. Interação
Com o objetivo de proporcionar a reflexão sobre a relevância de
mais estudos e pesquisas sobre a Literatura Infanto-Juvenil na área do
Ensino de Ciências, especificamente seus exemplos literários, isto é, textos
cuja matéria ou linguagem (narrativa ou poética) resulta da invenção e da
496
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
transfiguração da realidade em matéria, buscando interagir com as emoções
de seu leitor (NOVAES COELHO, 2006), tomo por base minha dissertação
de mestrado sobre as relações entre Ensino de Ciências e Literatura Infantil
(LINSINGEN, 2008), na qual estudei uma coleção específica de livros
148
infantis, e uma oficina junto a professores do Ensino Fundamental ,
durante a qual trechos e exemplos de livros – de literatura infanto-juvenil
especialmente – foram apresentados e trabalhados sob o enfoque das
Ciências.
Identificando trabalhos que relacionassem a Literatura Infantil com
o Ensino de Ciências, especificamente nos anais de um dos eventos
principais da área, os Encontros Nacionais de Pesquisa em Ensino de
Ciências (que ocorre a cada dois anos), durante o período de 1997 a 2007,
constatou-se que, de um total de 2315 trabalhos apresentados nos dez anos
do evento, somente sete estudaram e avaliaram os conteúdos de exemplos
de Literatura Infantil, entre nacional e estrangeira. Esses sete foram
unânimes quanto à inserção da mesma em ambiente escolar, na disciplina
de Ciências (op.cit.).
Ainda que restrito a um único evento, esse resultado indica uma
carência de trabalhos que abordem as relações entre a Literatura Infantil e o
Ensino de Ciências, embora aconteçam eventos e movimentos objetivando
suprir esta carência – como a recente 3ª edição do ciclo de oficinas sobre
Literatura e Ensino, concomitante à I Bienal do Livro de Curitiba (Paraná).
Neste evento, houve uma concessão de espaço para discussão das relações
possíveis entre Literatura Infantil e Juvenil e o Ensino de Ciências,
ressaltando as possibilidades e as dificuldades oferecidas nesta articulação.
2.1. A respeito da Série Lelé da Cuca
Editada pela Ática, a coleção Lelé da Cuca chegou às livrarias
brasileiras a partir de 2002, com o título A história da Ameba. No ano
seguinte, 2003, foi editada a versão brasileira de A história da Lesma.
Todos os outros livros vieram em 2004, sendo reeditados desde então.
148
Intitulada O Dragão fora da Caverna: paralelos entre Literatura e Ciências; foi
ministrada por mim a 140 professores da rede pública do Estado do Paraná, entre 27 e 28 de
agosto de 2009, no 3º Literatura e Ensino, ciclo de oficinas promovido pela Secretaria do
Estado de Educação (SEED) do Paraná. Maiores informações no site
http://literaturaeciencias.tracaletras.com.br.
497
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Por enquanto foram traduzidos oito volumes (A história da Ameba,
A história do Plâncton, A história da Lesma, A história da Aranha, A
história do Morcego, A história do Tatu, A história do Cão, A história do
Gato), cujos originais em inglês pertencem à série Bang on the door,
publicada pela editora David Bennet Books Limited, uma divisão da
149
Chrysallis Books Pic., da Grã-Bretanha, a partir de 1999 . São escritos
pela dupla Jackie Robb e Berny Stringle, e foram traduzidos para o
português por Luciano V. Machado, sob a supervisão pedagógica da
150
professora Madalena Freire . As ilustrações são das também britânicas
Karen Duncan e Samantha Stringle.
A narrativa, elaborada em rimas e com completa linearidade,
juntamente com a linguagem, não muito complexa e indissociavelmente
ligada às ilustrações, que ocupam 1/3 de cada página, indica a leitura para
os chamados leitores iniciantes (NOVAES COELHO, 2006), embora possa
ser trabalhado em fases mais avançadas de leitores, na forma como
exemplificarei em seguida.
O diferencial desta coleção são os bichos, diferentes do que
normalmente se vê nas estantes das livrarias e das bibliotecas escolares, e
as cores de fundo da capa, que são brilhantes, berrantes, incomuns, dando a
impressão de deixarem o animal retratado em franca evidência.
Analisando os livros sob diversos critérios, foi possível perceber as
seguintes características quanto a aspectos conceituais de Ciências (Quadro
I):
149
Salvo os títulos A história da Aranha, A história da Lesma (ambos de 1997) e A história
da Ameba (de 2000).
150
Filha de Paulo Freire. Mais informações no site Espaço Pedagógico:
www.pedagogico.com.br/edicoes/0/artigo2183-1.asp (consultado em 10 de junho de 2008)
498
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Quadro I. Conteúdos e equívocos conceituais de Ciências
Fonte: LINSINGEN (2008, p. 93).
É possível dizer que a maioria desses livros oferece aberturas e
possibilidades de diálogo sobre conteúdos curriculares de Ciências, até
mesmo a partir dos equívocos encontrados.
Tomando um exemplo para ilustrar o que digo, na história do
Plâncton há a apresentação rudimentar da realidade da cadeia alimentar e a
sugestão de que o Plâncton tem relação, senão responsabilidade, pelas cores
nos seres marinhos. Existe também um equívoco conceitual grave, que é a
apresentação do plâncton como sendo um indivíduo e de uma só espécie,
quando não é.
É sabido que plâncton é a denominação genérica para um
conglomerado de espécies representantes de diversos Reinos, organismos
de proporções geralmente microscópicas: bactérias, cianófitas, algas,
protistas, microcrustáceos, larvas de vermes, de anelídeos, de insetos e
outros, reunidos em extensos agrupamentos que nadam (embora
fracamente) ou vivem suspensos nas águas dos oceanos e nos lagos de água
doce.
499
Anais do 4º. SLIJSC – Seminário de literatura Infantil e Juvenil de Santa Catarina
Levando este livro ao espaço disciplinar de Ciências, é possível
utilizá-lo com os estudantes de 5ª e 6ª séries para aproximá-los deste
importante componente marinho; aos estudantes das 6ª séries, o livro
ajudaria a problematizar o tema do ambiente aquático, estudado por eles
com um pouco mais de profundidade, sem ocupar muito tempo de aula.
Iniciando-se o assunto com a leitura do livro, que é leve, atraente e
divertido, discute-se com eles aspectos que têm completa relação com as
Ciências Naturais.
2.2. A LIJ na aula de Ciências
A Literatura Infanto Juvenil (LIJ) está voltada para leitores que já
possuem maior domínio da língua em sua forma escrita e que deixaram a
fase egocêntrica mais intensa, voltando deste modo suas preocupações e
interesses a assuntos de maior abrangência, como as relações interpessoais,
a conquista do eu, a predileção por possíveis profissões futuras e o mundo o
qual visualiza e com o qual interage; as chamadas fases do leitor-emprocesso, leitor fluente e leitor crítico (NOVAES COELHO, 2006). Nessas
fases, a LIJ muitas vezes aborda temas que já são levados ao espaço
disciplinar de Língua Portuguesa e que podem ser estendidos à de Ciências.
Temas de Ciências são tão frequentemente trabalhados pelos
escritores desta categoria quanto temas de ordem filosófica e lírica.
Contemplando a LIJ – especialmente aquela que surge depois dos anos
1970, pelo menos no Brasil (ZILBERMAN, 1985; SANDRONI, 1987) – é
possível detectar pelo menos seis grandes grupos temáticos: Meio
Ambiente, Saúde/Orientação Sexual, Clonagem, Bioética, Tecnologia e
Atividade Científica.
O grupo mais trabalhado, especialmente após a ascensão das
chamadas questões ambientais, é o do Meio Ambiente. Discorrendo desde
poluição dos rios à caça clandestina, ou situando a narrativa em formato
semi-épico em ambientes naturais, nesses livros os autores tratam o tema
como maneira de resgatar o contato com a Natureza, ou como meio de
criticar e flagrar os crimes ambientais.
Exemplos: O homem que espalhou o deserto (Ignácio de Loyola
Brandão; 1997), Os rios morrem de sede (Wander Piroli, 1976), Guerra no
Pantanal (Antônio de Pádua e Silva, 2004), O último broto (Rogério
Borges, 1993), Salva-Bicho (Mariluiza Campos, 1995), Aventura na Ilha
do Meio (José Carlos S. Moraes, 1997), Calatrava (Reynaldo Valinho
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Alvarez, 1983), O Menino do Dedo Verde (Maurice Druon, 1957), entre
muitos outros.
Também dentro deste grupo se encontra aqueles títulos que
envolvem aspectos da ecologia dos animais, seu modo de vida ou seu
estado de vulnerabilidade ambiental, a teia alimentar.
Exemplos: Bzy (Stella Carr, 1981), TanGirino (JP Veiga, 2003),
Tem um cabelo na minha terra – Uma história de minhoca (Gary Larson,
2000), Sonho de Minhoca (Ivan Jaf, 2005), Asa-de-Prata (Kenneth Oppel,
2007), O caso da borboleta Atíria (Lúcia Machado de Almeida, 1975),
entre outros.
Dentro do grupo temático Saúde/Orientação Sexual, encontramos
assuntos mais relacionados ao leitor enquanto humano: doenças, epidemias,
sexualidade, gravidez, aborto, aspectos genéticos, consumo de
entorpecentes, alcoolismo, entre muitos outros. Deste modo temos os
seguintes exemplos: Memórias de um vírus (Luiz Claudio Cardoso, 2002),
O vírus vermelho (Stella Carr, 1997), Cartas Marcadas: uma história de
amor entre iguais (Edson Gabriel Garcia, 2007), Anjos no Aquário (Júlio
Emílio Braz, 2003), Enfim, sós!... (Márcia Leite, 1991), A Guerra das
Sabidas Contra os Atletas Vagais (Margarida Patriota, 2005), A Coragem
de Mudar (Júlio Emílio Braz, 1999), A Droga da Obediência (Pedro
Bandeira, 1992), e mais.
No grupo Clonagem, mais recente, temos em pauta a clonagem de
animais extintos (Na trilha do mamute, de Rogério Andrade Barbosa/2003,
e o conto “Carta do Pleistoceno”, em A Casa das Palavras, de Marina
Colassanti/2002) e a clonagem humana (Um trem para outro (?) mundo, de
Laura Bergallo/2003).
No grupo da Bioética, também recente, são referendados aspectos
de abuso de animais, ou se tenta desmistificar determinado animal.
Exemplos: O estranho caso do cachorro morto (Mark Haddon, 2006), O
enigma dos chimpanzés (Rogério Andrade Barbosa, 2005), Desventuras da
ema Seriema (Mariluiza Campos, 1990), A cobra coral e outros bichos do
bem (Luís Pimentel, 2007).
Em Tecnologia, de fundo mais futurista, é abordado um futuro
dominado pelas máquinas criadas pelos seres humanos, no qual a Natureza
foi totalmente ou grandemente destruída. Exemplos: A Ponte Para o
Passado (Ivan Jaf, 1993), Liberdade Virtual (Sylvio Gonçalves, 1997),
Cidade Maravilhosa (Ivan Jaf, 2009).
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Finalmente, no grupo Atividade Científica, vemos narrados das
mais diferentes maneiras o trabalho do cientista e a importância de sua
inclinação benéfica/maléfica: O Homem-Lua (Tomi Ungerer, 2000), A
órbita dos caracóis (Reinaldo Moraes, 2003), O Enigma das Letras Verdes
(Stella Carr, 1992), O Projeto Dragão (Rubens Teixeira Scavone, 1988), A
Montanha dos Ossos do Dragão (Ivan Jaf, 1994).
Alguns desses livros foram estudados e aplicados em sala de aula
por pesquisadores interessados em averiguar tanto os conceitos de Ciência
abordados, quanto a recepção dos estudantes à Ciência tendo a LIJ como
meio (Quadro II).
Quadro II. Pesquisas envolvendo Literatura Infantil e Ensino de Ciências.
Siglas: LD (Livro Didático); LPD (Livro Paradidático); TL (texto literário); EF (Ensino
Fundamental)
Respeitando-se o objetivo notificado no início deste artigo, isto é,
proporcionar a reflexão sobre a relevância de mais estudos e pesquisas
sobre a Literatura Infanto-Juvenil na área do Ensino de Ciências,
especificamente seus exemplos literários, excetuou-se do Quadro II aquelas
pesquisas que envolvessem exclusivamente os chamados Livros
Paradidáticos – definidos como livros (ou revistas, álbuns, jogos...) cuja
matéria ou linguagem (via de regra, narrativa) resultam da fusão de duas
intenções básicas: ensinar e divertir (NOVAES COELHO e SANTANA,
1996). Uma vez que o enfoque desta análise se faz sobre livros
comercializados por editoras, também se excetuou aqueles livros criados
por professores e/ou alunos.
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Nos trabalhos e pesquisas expostas no Quadro II percebe-se forte
tendência a encarar a LIJ como facilitadora da compreensão dos estudantes
sobre assuntos de Ciência. Em pesquisa realizada por Nigro e Trivelato
(2005) com o uso de um Texto Paradidático sobre a anemia falciforme,
percebeu-se que
textos que promovem a leitura interativa-construtiva tendem a estimular
o leitor a tomar contato com as informações veiculadas e a incorporá-las
às suas visões de mundo. Estes textos habilitariam os leitor
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Anais - Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem