CENTRO UNIVERSITÁRIO FUNDAÇÃO SANTO ANDRÉ
DOUGLAS HORVATH
MULHERES RENASCENTISTAS: MARIE DE GOURNAY E A
NOVA MULHER DO RENASCIMENTO
SANTO ANDRÉ
2012
DOUGLAS HORVATH
MULHERES RENASCENTISTAS: MARIE DE GOURNAY E A
NOVA MULHER DO RENASCIMENTO
Relatório
final
apresentado
ao
Programa de Incentivo à Iniciação
Científica do Centro Universitário
Fundação Santo André.
Orientadora: Profª Dra. Lívia Cristina
de Aguiar Cotrim
SANTO ANDRÉ
2012
SUMÁRIO
1. Introdução................................................................................................................... 04
2. Atividades desenvolvidas........................................................................................... 05
3. Método e materiais utilizados................................................................................... 05
4. Resultados obtidos...................................................................................................... 06
5. Considerações finais................................................................................................... 24
6. Referências.................................................................................................................. 25
6.1. Bibliografia básica................................................................................................ 25
6.2. Bibliografia complementar.................................................................................... 26
A consciência de que o homem é um ser histórico constitui um produto do
desenvolvimento burguês; a condição da realização do homem é a negação da
existência burguesa.
Agnes Heller
1. INTRODUÇÃO
O Renascimento foi um período de grande desenvolvimento cultural. Tendo
como pressuposto o trabalho humano como condição de sua existência e determinante
em seu desenvolvimento, a cultura é parte do amplo e singular processo da
transformação objetiva que ocorreu neste período. A forma social que precedeu o
capitalismo pressupôs um indivíduo em unidade com suas condições materiais de
trabalho. Estas apareciam ao indivíduo como condição natural, precedente ao seu
trabalho. A agricultura e a propriedade da terra eram à base de tais atividades e calços
para que o indivíduo se reproduzisse em estreitas relações sociais, presos à maneira
limitada de produzirem sua própria vida e engessados pela hierarquia feudal. Com a
superação dessas condições e o início da produção em novas bases, que darão origem ao
capitalismo, são rompidas as rédeas do desenvolvimento humano. Ao passo que a
produção e as técnicas de trabalho se expandem, o indivíduo amplia também a si
próprio. A condição de produção capitalista criou esta possibilidade, como necessidade
de acúmulo de capital, de expandir–se. Deste modo, o homem potencializa–se. Aflora
sua dinamicidade e rompe com seu estado de limitação, pondo–se diante dos homens o
horizonte de um desenvolvimento multilateral. Deixa de atuar subordinada a
comunidade a que pertence e passa a atuar de maneira autonomamente. Contudo, neste
patamar elevado de individuação humana, mulheres do Renascimento estavam contidas,
subordinadas. E assim foram mantidas por todo o Renascimento. Entretanto, como mãe,
esposa, viúva, filha, monja, também expressou sua indignação. Isto é, o Renascimento,
mais que produzir homens, também produziu novas mulheres, que lutaram por outra
condição de vida. Mulheres como Marie de Gournay, a qual será nosso objeto de
estudo, que tratou diretamente sobre a igualdade entre homens e mulheres. Assim, é
necessário apreender as diferenças das condições masculina e feminina neste período, já
que é notório o patamar de individuação que então se desencadeou, e analisar, tendo em
conta que os indivíduos são produtos da dinâmica posta em sua atividade trabalho, que
tipo de mulher este período produziu, em que medida e direção também as mulheres
puderam, ou não, apropriar–se das novas possibilidades então abertas.
4
2. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS
A principal atividade não foi a de meramente traduzir o texto – o que por si só
não é fácil –, mas compreendê-lo. Fazer ambos significa uma tarefa árdua.
Compreender Gournay significa antes de qualquer coisa, compreender o contexto
histórico que ela estava inserida, seus limites e possibilidades, e interpretá-la, extraindo
de sua produção literária o sentido e o papel que ela cumpre em seu momento. O
Renascimento é um período muito amplo, revolucionário. Isto significa que a vida em
toda sua magnitude se modificou, e compreende-las fielmente, também é uma tarefa
difícil. Por tais questões, no relatório parcial, concentrou-se o resultado de uma pesquisa
mais direcionada aos nexos do que significou o Renascimento e o estudo histórico da
educação das mulheres neste período, uma vez que esta é uma das criticas fundamentais
de Gournay. Já no período menos extenso do relatório final, nos focamos na obra da
escritora, em compreender e interpretá-la.
3. MÉTODO E MATERIAL UTILIZADOS
Como já mencionado anteriormente, esta pesquisa calca-se em nos
pressupostos marxianos para apreensão do objeto em questão e, por conseguinte, no
tripé da análise de ideias proposto Lukács, que define análise imanente, gênese histórica
e função social.
Tendo em vista que o objeto contém em si seu sentido, nosso estudo pretende
apreender o que a produção literária de Marie de Gournay expressa por si, não atribuir–
lhe um sentido externo, mas identificar sua estrutura e lógica interna a partir de seus
próprios elementos. Assim, captar na obra o que lhe é própria, significa dizer, que não
cabe nesta pesquisa atribuirmos um sentido distinto daquele que ela expressa. Ao
submetermos nosso objeto à crítica ontológica pretendemos “(...) despertar a
consciência científica no sentido de restaurar no pensamento a realidade autêntica (...)”,
e captar o “(...) ente na plena concretividade da forma de ser que lhe é própria”
(LUKÁCS, 1979, p. 16), isto é, extrair os elementos do Renascimento presentes nas
obras, contextualizando a autora com as particularidades de sua época.
5
(...) a reprodução analítica do discurso através de seus próprios meios e,
preservado em sua identidade, a partir da qual, e sempre no respeito a essa
integridade fundamental, até mesmo em seu “desmascaramento”, busca
esclarecer o intrincado de suas origens e desvendar o rosto de suas
finalidades. CHASIN, 2009, p. 40).
Portanto, se partimos do pressuposto que toda expressão subjetiva é produto da
materialidade, devemos compreender em quais relações histórico–sociais a obra esteve
inserida, isto é, buscar sua gênese histórica e a função social. Os elementos presentes na
materialidade são determinantes na produção teórica de sua época, assim, buscar sua
gênese e função nas relações sociais, significa aproximar–nos, pela produção particular
de Gournay, da condição social universal das mulheres renascentistas.
4. RESULTADOS OBTIDOS
Compreende–se correntemente o período renascentista como um processo
fundamentalmente de crise e transformação cultural. Contudo, limitar sua apreensão a
este aspecto, isto é, à transformação subjetiva, é reduzir suas dimensões, descartando
todo o processo revolucionário de transformação objetiva que ocorreu na base da
reprodução e produção humana. Uma transformação cultural ocorre quando a
objetividade altera–se, que por sua vez também é produto da atividade humana. Sob este
pressuposto é que então podemos situar o novo homem na história, vinculando a si as
transformações de suas categorias fundantes.
É a partir do seu processo de vida real que se representa o desenvolvimento
do reflexo e das repercussões ideológicas desse processo vital (...) Assim, a
moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, tal como as formas
de consciência que lhes correspondem, perdem imediatamente toda a
aparência de autonomia. Não tem história, não tem desenvolvimento; são
antes os homens que, desenvolvendo a sua produção material e suas relações
materiais transformam como essa realidade que lhes é própria, o seu
pensamento e os produtos desse pensamento. Não é a consciência que
determina a vida, mas a vida que determina a consciência. (MARX, 2007, p.
26).
Deste modo, partimos nossa análise sobre o Renascimento tendo como horizonte
que este momento humano é o principio do processo transitivo do feudalismo ao
capitalismo – portanto, mola propulsora das transformações culturais ocorridas – e
produto da atividade humana.
Neste processo de transformação, a estrutura econômica social alterada foi capaz
de modificar a maneira de viver dos indivíduos e seus valores. Um exemplo prático
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sobre tal subversão foi a hierarquia social que, antes vigente sob as bases econômicas
feudais, no Renascimento é dissolvida nas novas relações. De maneira que o indivíduo
no Renascimento se torna o que é, não mais por ter nascido em um determinado estrato
social, mas por condições postas pelo processo produtivo. Assim, sob estas novas
relações:
Tudo se tornou fluido; sucederam–se levantamentos sociais com uma rapidez
incrível, os indivíduos situados <<mais alto>> e <<mais baixo>> na
hierarquia social mudaram rapidamente de lugar. Nestas erupções e rápidas
reviravoltas da sorte pode observar–se o processo de desenvolvimento social
abrindo–se em toda a sua pluralidade (...) (HELLER, 1982, p. 10).
A modificação essencial ocorrida neste período de transição que o caracteriza
como momento singular na história humana foi o rompimento dos laços naturais
mediaram o indivíduo, sua comunidade e seu trabalho. A economia feudal bem como
algumas formas econômicas que precederam o capitalismo permitiu que o indivíduo
fosse proprietário de suas condições objetivas de trabalho. Um indivíduo quando não
despojado de seu meio primário de trabalho, tende a relacionar–se com suas condições
de trabalho como “(...) senhor das condições de sua realidade” (MARX, 1985, p. 65).
Há nesta condição, uma unidade do trabalho e seus pressupostos objetivos. Entretanto, o
ponto central desta questão é que a atividade fim deste trabalhador não é criar valor,
ainda que seu excedente possa ser trocado por produtos excedentes de outros
indivíduos. Seu objetivo principal é manter–se, manter sua família, sua comunidade. E
por este trabalhador relacionar–se como proprietário dos meios de trabalho e sua
produção, que objetiva somente a manutenção de sua condição atual, não há pressuposto
material, neste caso, que o force a desenvolver–se e ampliar seu trabalho.
Conseqüentemente esta condição limita–o, pois, o desenvolvimento de sua produção –
que implica na alteração de sua atividade vital de projeção de subjetividade, ou seja, o
trabalho – também é estrito e limita o próprio homem.
(...) a propriedade dos meios de produção corresponde a uma forma
determinada e limitada da comunidade, e, portanto de indivíduos que
possuem faculdade e um desenvolvimento tão estritos como a comunidade
que formam. Mas este pressuposto é, por sua vez, o resultado de uma fase
histórica limitada da evolução das forças produtivas, tanto da riqueza como
da maneira de criar. (...) (HELLER, 1982, p. 11).
Assim compreendemos através de Marx, que a limitação das forças produtivas
restringe os homens de expandirem–se em sua atividade vital e como consequência, as
próprias faculdades humanas. Tendo como pressuposto que é através do trabalho que o
homem expande suas capacidades e potencialidades individuais transformando o que
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lhe foi posto naturalmente, esta forma limitada de produção como a vigente na
economia feudal, engessa as capacidades humanas. Contudo, contrariamente a esta
forma limitadora, o capital tende a romper e subverter esta base. Se compreendermos
que a economia capitalista implica em produção de riquezas, que por sua vez, exige a
expansão das forças produtivas, o trabalho humano tal como apreendemos, também se
modifica. As bases capitalistas contêm potencialmente este desenvolvimento que coloca
os homens em plena condição de serem senhores de seu destino.
(...) esta base contém a possibilidade do desenvolvimento universal do
indivíduo. O desenvolvimento real dos indivíduos a partir desta base, na qual
são constantemente abolidas todas as barreiras, leva–os a adquirir
consciência de que nenhum limite é sagrado. (MARX, 1982, p. )
É sob o capital que o indivíduo torna–se apto a entender a própria história como
um processo da atividade humana. Torna–se capaz de compreender a natureza, pela qual
o trabalho permite dominá–la, e suas propriedades de maneira científica.
É fundamental observar que, como nos mostra Karl Marx em Formações
Econômicas Pré-Capitalistas, as formas produtivas onde a terra, agricultura, são bases
econômicas e compõe um modo produtivo que objetiva a criação de valor de uso - ou
seja, apenas a reprodução do indivíduo no interior de suas relações - nestas formas
encontramos dois elementos fundamentais: o primeiro trata-se do indivíduo encontrar a
terra como pressupostos naturais de seu trabalho, como natureza, em que projeta sua
subjetividade; o segundo é ele relacionar-se com tais pressupostos como proprietário.
Portanto, a terra não é consequência de sua atividade, mas pré-condição dela. Isto é, o
individuo ao encontrar a terra como um pressuposto já criado para seu trabalho, e
relacionar-se com ela como proprietário é uma condição efetivamente limitadora e que
impede também o desenvolvimento do capital.
Quando falamos que o capital é capaz de subverter esta base, afirmamos o
capital como um modo produtivo que não objetiva a criação de valor de uso, mas
riqueza, valor de troca. Este sentido só é alcançado com o capital já estabelecendo suas
bases. Portanto, não se trata aqui de afirmar o capital como mera resultante de produção
de riquezas ou de qualquer outro elemento isolado, mas do momento histórico que
caminhou à este processo. O excerto abaixo ilustra a imagem da produção de riquezas
em momentos anteriores.
(...) a riqueza não constituía o objetivo da produção embora Catão pudesse ter
investigado os mais lucrativos métodos de cultivo, ou Brutus pudesse, até, ter
emprestado dinheiro à taxa mais favorável de juros. A pesquisa, sempre, era
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sobre qual o tipo de propriedade que geraria os melhores cidadãos. A riqueza
como um fim em si surgiu somente entre uns poucos povos comerciantes –
monopolizadores do comércio do transporte – que viveram nas franjas do
mundo antigo como os judeus na sociedade medieval. A riqueza, por um
lado, era um objeto materializado em objetos, em produtos materiais de certa
forma contraposta ao homem, como um sujeito. Por outro lado na qualidade
de valor, se constituía simplesmente no direito de comandar o trabalho de
outras pessoas, não com propósitos de domínio, mas de prazer pessoal.
(MARX, 1985, p. 80)
Conclui-se, portanto, que embora houvesse anterior ao capital embriões de
produção de riqueza, estes não constituíam a finalidade do modo produtivo em si – e
não poderiam de fato constituir um pressuposto produzido, uma vez que não eram
produto da atividade humana. É primordial que deste processo transitório
compreendamos o momento que há a separação desta junção dos indivíduos ativos com
estas condições naturais de apropriação dos objetos – é uma das suas condições
históricas.
Em um modo de produção servil – e até mesmo o escravo – não acontece a
separação em questão. Em ambos é trabalho como condição inorgânica. Novamente,
trata-se do fato que as condições primárias deste trabalho são condições previamente
encontradas tal como são. Não é uma condição produzida por ele, “seu próprio ser
(físico) é um pressuposto natural não estabelecido por ele mesmo” (MARX, 1985, p.
83,). Esta apropriação natural ocorre em face de sua existência como um membro da
comunidade a que pertence. Apenas o desenvolvimento das forças produtivas rompe os
limites estabelecidos por tais condições, logo, o desenvolver forças produtivas, significa
o desenvolvimento de forças produtivas humanas. O trabalho se desenvolve
primariamente em bases limitadas, e passa a ser realizado em bases históricas, o que
significa pressupostos historicamente construídos como aponta Marx. Para tanto, há a
necessidade da dissolução desta unidade entre homem e propriedade dos seus meios de
trabalho, uma vez que esta forma como já mencionado, implica na existência de uma
comunidade em que este indivíduo é possuidor da terra. Logo, o que temos é que há
certas condições, observadas por Karl Marx, em que o capital implica tornam-se viáveis
quando:
(...) o trabalho vivo se apresenta numa relação de não propriedade
relativamente à matéria prima, aos instrumentos e meios de subsistência
necessários durante o período de produção, implica, em primeira instancia, a
não propriedade da terra; i.é, a ausência de um estado em que o indivíduo
trabalhador considere a terra, o solo, como seu próprio e trabalhe como seu
proprietário. (MARX, 1985, p. 93)
9
Esta condição é radicalmente dissolvida durante a relação plena de propriedade
que se desenvolve sob a forma do capital. Outro fator reside na apropriação dos
instrumentos do trabalho. Isto é, na atuação do individuo como proprietário dos seus
meios de trabalho. Não obrigatoriamente como também, proprietário do solo, mas
fundamentalmente de seus meios.
(...) estamos considerando uma situação em que o trabalhador não apenas
possua o instrumento, mas na qual esta forma do trabalhador como
proprietário ou do proprietário trabalhador já seja distinta, separada da
propriedade da terra e não, como no primeiro caso, um acidenta da
propriedade da terra e nela incluída: em outras palavras, o desenvolvimento
artesanal e urbano do trabalho. (MARX, 1985, p. 94)
Marx trata este momento como um segundo momento histórico imprescindível
ao desenvolvimento do capital. O surgimento do artesão que detém a matéria prima do
seu trabalho, e os meios de trabalho que são mediados por seu oficio. Trata-se, portanto,
de outro tipo de propriedade, de um proprietário que trabalha ter estabelecido sua
existência independente. Nesta relação, a comunidade que outrora era o meio pelo qual
o trabalhador existia enquanto possuidor daquilo que lhe fora dado naturalmente como
pressupostos de seu trabalho, agora aparece como algo produzido por este próprio
trabalhador.
Assim, o apesar do capital, em sua gênese relacionar, como afirma Marx,
riqueza em forma de dinheiro, em linhas gerais – justamente por ser um tema muito
amplo e não constituir foco desta pesquisa - o capital surge como resultante da
circulação e do contexto histórico que o viabiliza. Não por mera acumulação de
matérias primas, mas porque o processo de dissolução de um velho modo de produção
permite que o valor, existente como riqueza monetária, adquira de um lado as condições
objetivas do trabalho para, do outro, trocar o trabalho vivo dos trabalhadores, agora
livres, por dinheiro, fato que se torna viabilizado pelo momento histórico. Trata-se
assim, como já exaustivamente reafirmado, de um novo modo de produção, em que não
mais se objetiva produzir por mera subsistência, mas riquezas, valor de troca. Por outro
lado, produzir riquezas significa desenvolver capacidades humanas, avanços humanos.
Um momento em que há avanço, porém, as relações burguesas capitalistas ainda nãos
estão realizadas plenamente, propicia ao individuo que se insere neste contexto maiores
possibilidades de individuação. Coloca-se no horizonte uma nova maneira de produzir a
vida, infinita e distinta do mundo estático feudal. À este momento da humanidade foi
apreendido por Renascimento.
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Deste modo, o Renascimento marca este período em que o indivíduo torna–se
potencialmente apto a ser senhor de seu destino. Romper com os limites da antiga
comunidade pelo desenvolvimento do capitalista é submeter–se a ânsia pelo
desenvolvimento humano em que os homens não têm limites. A produção de riqueza,
neste momento, torna–se um objetivo fazendo do processo produtivo um desenvolver
interminável. Logo, as necessidades naturais precedentes, neste processo, dão lugar às
necessidades historicamente produzidas.
(...) todos os imperativos que a nova situação apresentou aos homens
conduziram ao desenvolvimento de novos tipos de homens e,
conseqüentemente, a um novo conceito de homem, diferente tanto do antigo
como do medieval: o homem como ser dinâmico. (HELLER, 1982, p. 14)
O homem, de frente as infinitas possibilidades, como aponta Agnes Heller, um
homem dinâmico, pela materialidade que ele mesmo desenvolveu, supera seus limites.
O desenvolvimento de uma forma de produção que tinha como objetivo
adquirir riqueza, e a dissolução do sistema e dos estados feudais, deram
origem a outra categoria central deste conceito dinâmico do homem: a da sua
versatilidade ou caráter multifacetado. Foi a isto que Marx chamou a saída do
estado de limitação. (HELLER, 1982, p. 14)
O Renascimento é um momento da história humana em que está contido em sua
totalidade, um complexo de esferas que se transformaram. Do processo de transição do
estático mundo feudal, à dinâmica inerente ao capital, o renascimento compreende a
primeira parte deste complexo. Trata-se de uma verdadeira revolução - isto é, subversão
das bases - onde é fundamental destacarmos que não há como mensurar nesta pesquisa,
ou sequer delinear os desenvolvimentos deste processo que a reboque das maneiras de
produção esteve a vida em sua totalidade, portanto valores e costumes. Contudo, cabe a
esta pesquisa traçar, que deste momento houve de fato maior possibilidade de
individuação e delinear que novo indivíduo se permitiu.
O conceito de Renascimento significa um processo social total, estendendose da esfera social e económica onde a estrutura básica da sociedade foi
atectadas até ao domínio da cultura, envolvendo a vida de todos os dias e as
maneiras de penas, as práticas morais e os ideais ético quotidianos, as formas
de consciência religiosa, a arte e a ciência. (HELLER, 1982, p. 9)
No seio do desenvolvimento do capital, ao passo que a produção de riquezas se
torna objetivo, não somente as capacidades humanas ampliam, mas nesta ampliação de
capacidades, os indivíduos já não conseguem permanecer da mesma maneira que
estiveram anteriormente. Ao se modificar, ele torna-se um constante processo de
transformação. O processo produtivo, constante e amplo, os pressupostos anteriores se
quebram. Não há como manter os pressupostos naturais, pois, agora se trata de novas
11
necessidades. Necessidades historicamente criadas. Os limites anteriores são quebrados
e assim, o homem estático também se dissolve no devir. Torna-se dinâmico, expressão
das possibilidades deste momento. O capital e a constante transformação de seu alicerce
criam em seu devir a base que viabiliza a ampliação das forças produtivas e sua
universalização. Portanto, esta mesma universalização permite a dissolução dos limites
humanos, onde o indivíduo torna-se socialmente capaz de apreender o processo
histórico. Além do desenvolvimento cientifico que se torna viável através do domínio
da natureza. Ao passo que um novo modo produtivo se coloca, os homens se encontram
em uma nova situação. Em um contexto em que são forçados a agir e pensar o mundo
maneira distinta. Este novo pensar e este novo agir cria sua ideologia.
O conceito de homem dinâmico é um conceito indefinível. Pode ser resumido
dizendo-se que todas as condições das relações humanas se tornaram
dinâmicas. (HELLER, 1982, p. 14)
Este indivíduo, portanto, é expressão destas novas relações humanas. O destino
dos indivíduos tornou-se resultante deste momento, onde o indivíduo pode modificar
seu papel em uma ou outra classe em razão de sua posição na produção, diferente da
estrutura vertical feudal que engessava os homens pelo simples fato de pertencerem a
esta ou aquela estrutura social. “O destino passou, portanto, a depender mais daquilo
que realizei e daquilo que fiz de mim.” (HELLER, 1982, p. 15).
No entanto, o destino humano só pode ser delineado adequando-se à dinâmica
desenvolvida nas relações sociais. Contudo, a possibilidade de cada indivíduo apropriarse individualmente deste conjunto de potencialidades infinitas e tomar esta escolha
como seu destino, foi maior. Os homens tornam-se socialmente aptos a compreenderem
e se apropriarem de algo que antes não pudera ser compreendido. A destino passa a ser
construído pelos próprios homens, uma vez que tais avanços são processos resultantes
da ruptura de limitações anteriores.
Segundo Agnes Heller, Marx definiu como a saída do estado de limitação, a
versatilidade – também tratado por caráter multifacetado - que se desenvolve através do
processo de transição dos sistemas produtivos.
Quando Marx falou de caráter multifacetado, no entanto, não era
fundamentalmente este o tipo de versatilidade que tinha presente. A
versatilidade do homem do Renascimento decorria de dois factores: o
aparecimento da produção burguesa e o seu nível ainda relativamente baixo.
Foi ao primeiro que Marx deu maior ênfase. Para ele, o carácter
multifacetado significa essencialmente o fim da unilateralidade feudal.
(HELLER, 1982, p. 16)
12
Neste trecho, Agnes Heller apreende, através de Marx, que o fenômeno de
rompimento do modo produtivo feudal, estático por sua natureza, permite que assim
como o modo produtivo coloca-se em prática, o indivíduo torna-se também
multifacetado, versátil. E pela tendência de universalização da produção, que é próprio
do modo de produzir burguês, logo sob égide do capital, o homem também é capaz de
universalizar-se, de tornar-se genérico. Por outro lado, apesar deste momento constituir.
(...) o ponto de partira para o desenvolvimento da versatilidade, tal como foi
o ponto de partida da produção burguesa e da sociedade burguesa, mas a sua
sociedade e o modo de produção não eram ainda a própria sociedade e o
próprio modo de produção burgueses. (HELLER, 1982, p. 16)
O que nos indica que, as bases da produção capitalistas constituem efetivamente
força motriz ao desenvolvimento humano, contudo, a sua forma plena** não havia sido
atingida neste momento1. E justamente por sua relação com o nascente modo produtivo,
esta versatilidade poderia retroceder ou avançar.
Foi também no Renascimento que o homem pode reconhecer sua capacidade de
criar um determinado objeto a partir da conquista de outros objetos previamente
existentes na natureza. E como nos mostra Agnes Heller, este reconhecimento está ao
lado do conceito de humanidade e, portanto, do desenvolvimento da humanidade. A
ideia de desenvolvimento da humanidade relaciona-se com a conquista da natureza.
Uma vez que a natureza apresenta-se aos homens com suas próprias leis, compreendêla, para poder transformá-la, é um dever para que eles possam desenvolver-se. É o que
lhes permite autonomia para fundar individualmente seus destinos, se autoproduzirem.
No Renascimento, não há um ideal humano único. Se no mundo feudal, ou
antigo, o ideal estático - reflexo da vida feudal ou antiga – no Renascimento surgem
ideais humanos.
Quando Sócrates disse que o homem, conhecendo o bem, pode praticá-lo,
dizia igualmente que o homem ideal é aquele que, conhecendo o bem, o
aplica. Quando Platão declarou que a capacidade do homem para contemplar
a ideia constituía a sua qualidade mais essencial e sublime, estava
simultaneamente a assumir como seu ideal esse homem que atingia a
contemplação de ideais (HELLER, 1982, p. 19).
1
Não cabe aqui nosso desdobramento sobre a sociedade burguesa plena, portanto a burguesia no entanto
é fundamental embasar este comentário partindo do ponto que a sociedade burguesa pela e seu modo de
produção completo, ao cumprir seu papel na historia torna efetivamente limitador e sua classe burguesa
conservadora e reacionária. As extensões de sua dimensão se tornam ao mesmo tempos que
universalizadora, também produz indivíduos sob alienação, fetichismo e, portanto, socialmente apto,
porém incapaz de apreender seu momento histórico.
13
Se, portanto, foi possível aos indivíduos do Renascimento decidirem sobre ideais
distintos de homens, trata-se de possuírem abstrações de homens concretos. O ideal de
homem, independente da maneira como o é interpretado, tem sua gênese na
materialidade. Um exemplo pertinente que Agnes Heller nos traz é acerca da imagem de
Cristo. Se no mundo medieval esta figural era representada por uma figura que sofreu e
libertou os homens, as produções renascentistas atingem figuras como o Rei, o Senhor,
o pensador, o plebeu de bom coração. Estas figuras de ideais distintas se tornam
possíveis quando inseridas no que Agnes Heller trata por sistema pluralista de valores
morais. Fundamentalmente trata-se da subversão que há no Renascimento, em relação
aos valores estáticos do mundo feudal e o mundo antigo. Valores que surgem em um
conceito dinâmico, entretanto, unitário, bem como a multiplicidade de ideais
viabilizados pela vida social.
A pluralidade de ideais do Renascimento era um reflexo da desintegração da
sociedade (sociedade <<livre>>) em classes sociais. Nas várias fases do
desenvolvimento burguês, fosse ele travado ou acelerado, cada classe,
estrato, grupo social e cidade possuía os seus próprios ideais e o seu próprio
sistema concreto de valores. (HELLER, 1982, p. 24)
Se observado por uma panorama amplo, os ideais de homem, sobretudo
renascentistas, acompanham o movimento dinâmico da sociedade e constituem,
portanto reflexo desta, seja um ideal concreto ou projetado no futuro.
No Renascimento, a ciência, tecnologia, a arte, a erudição pouco se distanciavam
da vida cotidiana. Se no mundo feudal o saber era retido a uma determinada casta, uma
parte do estrato social que mantinham estes conhecimentos longe da vida cotidiana, no
Renascimento este engessamento do acesso ao saber também se subverte. O acesso as
universidades torna-se cada vez mais uma possibilidade efetiva.
Os jovens plebeus, que anteriormente só podiam adquirir conhecimentos
tornando-se padres, conseguiam-no agora evitando a carreira eclesiástica
(juntamente com muitos padres eu abandonavam o hábito). (HELLER, 1982
p. 124)
O mundo estático feudal, onde o conhecimento científico eram segredos
misteriosos, ou até subversivos, deixa de ser feiticeiro misterioso diante da possibilidade
de reproduzir seus conhecimentos e torna-los acessíveis. A ciência durante o
renascimento impulsionava-se pela experiência imediata da vida cotidiana e, portanto,
das necessidades que surgiam. Fato que também ocorre com a filosofia, a geografia etc.
Com a sofisticação da abstração cientifica e a intensificação das relações
burguesas, a ciência – a reboque do modo de produção – ultrapassou os limites
14
cotidianos. Contudo, durante o renascimento, seu limite foi o pensamento anfêmero,
cotidiano.
(...) a sua metodologia nãos se divorciara ainda da técnica quotidiana, tanto
que o leigo não conseguisse apreendê-la com relativa rapidez, e a sua visão
do mundo era suficientemente antropomórfica para poder ser considerada
uma simples extensão da imaginação quotidiana. (HELLER, 1982, p. 125)
Ilustra Agnes Heller:
A primeira descoberta científica que escandalizou a imaginação quotidiana
foi o universo de Copérnico; para compreendê-lo, era necessário abandonar o
caminho solido do testemunho dos sentidos. Mesmo assim, esta concepção
podia entrar com relativa facilidade na consciência quotidiana, em parte
porque servia as necessidades fortemente sentidas de um atéismo prático e,
em parte, porque podia ser tornada <<imaginável>> recorrendo a uma
simples alegoria. (HELLER, 1982, p. 125)
Insistimos, portanto, que seu patamar de possibilidades alcançou a vida e
transformou-a em suas categorias mais altas e amplas. Os indivíduos tornam-se
socialmente aptos à apropriarem-se daquilo que não era possível anteriormente.
Entretanto, o que impulsiona esta pesquisa é como o gênero – que com muitas ressalvas,
é tradicionalmente oprimido – em suas condições materiais limitadas apropria-se das
possibilidades do momento e conseguem questionar sua condição.
Partindo da premissa que o Renascimento exprime um processo de
transformação social completo e desdobra–se pela estrutura econômica pontuada como
alicerce básico da produção da vida, entende-se, que todos os elementos da vida humana
modificaram–se e implicando na condição da mulher. O passado feudal introduziu o
papel subordinado das mulheres que perdurou pelo Renascimento. Deste modo, os
diversos aspectos da vida feminina no Renascimento foram secundários. Trabalhar e
conceber filhos foram seus papéis principais neste momento, suprimindo sua
expressividade e restando–lhes o silêncio:
O silêncio era a tal ponto recomendado às mulheres que chega a parecer
estranho que elas conseguissem falar. Porém, do quase silêncio da Idade
Média a sua voz converte–se no século XVII, em suave murmúrio: em finais
do século, em Inglaterra, cerca de 2% de todas as obras publicadas tinham
sido escritos por mulheres. Durante todo o Renascimento, as mulheres
continuaram naturalmente a constituir uma minoria entre todos aqueles que
se dirigiam ao público através de obras escritas, mas é uma minoria que, com
toda a justiça, exige nossa atenção. Elevando a sua voz, as mulheres pedem a
esse público que reconsidere na sua avaliação o papel da mulher no seu
mundo. (GARIN, 1991, p. 223)
A condição das mulheres renascentistas representa a priori uma contradição
frente à condição superior de individuação que se estabeleceu neste momento. Se por
15
um lado o homem, superadas as condições que lhe limitavam, poderia desenvolver–se
plenamente:
A mulher do Renascimento parece quase sem rosto. Um homem pode ser
príncipe ou guerreiro, artista ou humanista, mercador ou eclesiástico, sábio
ou aventureiro. A mulher só raramente assume tais papéis, e, se o faz, não são
esses os papéis que a definem, mas outros: é mais, filha ou viúva; virgem ou
prostituta, santa ou bruxa. Maria Eva ou Amazona. (GARIN, 1991, p. 193)
No entanto, esta contradição consiste essencialmente em que a condição
subordinada imposta às mulheres do Renascimento, impossibilitou–as de realizar–se
plenamente no bojo da nova dinâmica social desenvolvida. Como já desenvolvemos,
estava objetivamente posto que a atuação humana tornara–se dinâmica com a dissolução
dos entraves da economia feudal e sendo assim, as mulheres apenas expressaram seu
avanço de maneira enclausurada. Ou seja, as mulheres assim como os homens, puderam
perceber infinitas potencialidades dispostas na vida humana, perceber o mundo novo,
mas concomitantemente, estavam limitadas. E ainda assim, mesmo identificadas, não
por suas potencialidades, mas por funções atribuídas pelo sexo oposto, algumas
mulheres travaram um processo de combate a esta subordinação imposta, negando essa
imposição masculina.
A atividade principal atribuída à mulher renascentista foi a maternidade. Ainda
que o trabalho também tenha ocupado muitas mulheres, a maternidade atingiu tanto
mulheres das elites, como as mulheres pobres. Entretanto, este privilegiou tornou–se um
fardo sob tais condições. Em regra geral, o início da maternidade começava na vida
adulta, isto é, aos vinte e cinco anos, com exceção das elites que iniciavam este ciclo já
na adolescência. A explicação para esta maternidade precoce é que as mulheres das
elites tinham o dever de garantir um herdeiro aos seus maridos. Para assegurar a
continuidade das riquezas, essas mulheres muitas vezes ultrapassavam os limites
orgânicos de reprodução humana. Um exemplo claro aponta “a mulher veneziana de
Francesco Marcello, Magdalucia, deu à luz vinte e seis filhos em finais do século XV
(...)” (GARIN, 1991, p. 194). Além do alto número de partos, os registros de
autobiografias apontam que as dores do parto eram intensas. Segundo Erasmo, citado
por Agnes Heller em O Homem Renascentista, as dores do parto são as piores dores que
atingem os seres humanos. Gregorio Dati registrou a morte de três esposas:
Bettà subiu ao paraíso depois do nascimento do seu oitavo filho (1402);
Ginevra, que tinha dado a Gregorio onze filhos, morreu de parto (pouco
depois de 1421) após enormes sofrimentos, e reuniu–se às outras no paraíso.
Em Inglaterra os tormentos de Lady Danby forma recordados de modo
análogo por sua irmã, que, em 1648, escreve: depois de ter dado à luz nove
16
filhos e de ter tido seis abortos, Lady Danby pariu pela décima sexta vez e
abençoou a morte, que sobreveio duas semanas depois (...) (GARIN, 1991, p.
194)
Neste período, houve grande incidência de complicações nos partos,
ocasionando mortes tanto das mulheres, como das crianças. Os partos eram realizados
em sua maioria por parteiras que possuíam somente experiência prática. Infecções
bacterianas também ameaçam mães e filhos. De acordo com Eugénio Garin, em O
Homem Renascentista, a mortalidade infantil variava entre 20 e 50%. Muitas crianças
morriam por diarréia, peste, gripe, tuberculose ou inanição. E quando não morriam no
nascimento estavam sujeitas a baixa imunidade durante parte do crescimento.
Esta preocupação assolou incessantemente as mulheres renascentistas.
Principalmente as mulheres de classes superiores, pois, delas era esperado afeto pelos
filhos. Muitas mães optavam por não amamentarem os filhos, sequer educá–los. No
entanto, houve casos em que as mães não apenas mantinham forte afeto pelos filhos,
como hes orientavam durante parte da vida. A educação dada pela mãe aos filhos
homens chegava até os sete anos, contudo, era comum que enviassem cartas, manuais,
diários, enfim, escritos para guiá–los nos diversos aspectos da vida humana, seja
casamento ou negócios – inclusive, constituía–se aí o principal tipo de produção das
mulheres autoras. Outro exemplo mencionado por Eugénio Garin foi a inglesa Elizabeth
Grymeston, que elaborou um tratado ao seu filho Bernye, dando–lhe orientações sobre
educação, casamento, devoção e morte. Ainda diz–lhe “A força do amor é a força maior
que existe (...) e não há amor maior do que o da mãe pelo seu filho” (GARIN, 1991, p.
194). Mesmo com afeto intenso, estas mulheres tinham pouco tempo para dedicar aos
filhos.
Mas objetivo principal deveria ser alcançado: conceber um herdeiro. O
casamento em si, portanto, também foi produto deste objetivo em que primou a
transmissão de riquezas. Ou seja, novamente percebemos que à mulher era imposta uma
funcionalidade, na qual suas potencialidades se ofuscaram frente às possibilidades que a
maternidade viabilizava aos homens. Quanto às riquezas, as mulheres eram comumente
descartadas das heranças familiares. Na escala hierárquica dos herdeiros, sem dúvida
estavam entre as últimas possibilidades. No entanto, em teste elas tinham um título
importante: o dote. Este valor, pago pelo pai da noiva, possibilitava às noivas – de
acordo com a quantia paga – muitas vezes um “bom casamento”. – convém definir por
bom casamento, uma condição de vida que se realizaria somente no casamento, isto é,
17
uma vida confortável. O marido, por sua vez, poderia se valer deste dote para melhorar
sua condição de vida. O dote também retirava do pai a responsabilidade quanto ao bem
estar da filha após o casamento. Já quanto aos ricos, o objetivo era transmitir a riqueza.
Ainda assim, é importante ressaltarmos que os mais beneficiados eram os maridos. As
mulheres em tese tinham direito ao dote, no entanto, dificilmente elas iriam usufruir
deste. A quantia – fixada antes da cerimônia – só iria efetivamente às mãos da mulher se
o pai e o marido viessem a falecer. Logo, podemos compreender previamente que o dote
era o alicerce destes casamentos mercenários.
O dote, portanto foi fundamental, nesta aliança calcada em interesses e muitas
vezes eram alianças forjadas. Mesmo sendo fundamental, o dote obviamente é parte da
logica que preside a união matrimonial, heranças e demais aspectos. Os pais
habitualmente escolhiam os futuros maridos ou esposas, queiram ou não, os filhos
devendo respeito a autoridade paterna aceitavam o casamento. Mas ainda sendo esta a
atitude mais condizente com o período, algumas mulheres arriscaram a negação da
imposição, como é o caso de Margery Paston, filha de fidalgo rural inglês que se opôs e
resistiu à escolha do pai. Como castigo, foi obrigada a viver isolada durante anos,
sofrendo inclusive violência física. Além de Margery Paston:
Frances Coke (filha do célebre jurista Sir Edward Coke) fugiu de casa depois
de ter sido obrigada a desposar, em 1617, o incapaz John Villiers, irmão do
favorito do rei, George, duque de Buckingham. Em conseqüência de ter
abandonado o teto conjugal por adultério, foi ostracizada: conquistara a
independência, mas por um preço muito elevado. (GARIN, 1991, p. 199).
Um casamento só podia ser anulado por motivo de doenças, como a lepra, ou
adultério. E mesmo assim, o adultério era aquele praticado pela mulher, não pelos
homens. Apesar de alguns casamentos terem sido efetivamente pautados na relação de
ajuda mútua entre o homem e a mulher – e esta camaradagem entre ambos serem um
ponto defendido por teóricos da Reforma – a autoridade do homem sobre a mulher
também era legitimada. Mesmo considerando a importância de uma boa relação afetiva
entre o casal, a autoridade do homem, de acordo com Frei Cherubino, deveria
predominar. Esta autoridade permitia, por exemplo, o espancamento da mulher quando
o comportamento desta fosse incorrigível.
Além da maternidade e do casamento, outra esfera importante para a mulher do
Renascimento é a do trabalho. Foi somente no Renascimento a medicina esteve ao
alcance das mulheres, o que não significa que todas podiam exercer. Ainda que não
fosse comum uma mulher médica, o exercício desta profissão pelas mulheres teve início
18
com o Renascimento. A principal razão para a autorização deste exercício foram os
partos, e também a consideração de que era conveniente que as mulheres assistissem às
doentes do sexo feminino.
As mulheres e filhas de todas as classes sociais, à exceção das mais elevadas,
executavam um trabalho qualquer no seio da unidade familiar. No campo
participavam em todos os trabalhos agrícolas. (GARIN, 1991, p. 202)
Trabalhos manuais como recolher ovos, transportar palhas, fiar, tecer, lavrar,
semear e espalhar estrume eram executados por mulheres. Competiam também às
mulheres aristocratas trabalhos agrícolas em patamar organizativo, quando estavam
ausentes os maridos
Em França, na primavera e no verão de 1689, a condessa de Rochefort,
inspecionou as colheitas, mandou reparar o moinho, inventariou 178 frangos
e perus, dirigiu a cardação de lã e a produção de seda, provou e armazenou o
vinho e tratou da sua venda. (GARIN, 1991, p. 203)
Assim como ocorria no campo, muitas mulheres da cidade vigiavam e até
executavam os trabalhos de casa. Os deveres dos maridos estavam além do ambiente
domiciliar. As aquisições de bens, os negócios, o dinheiro, enfim, a parte interpessoal
era competência masculina. À mulher eram confiadas as tarefas delimitadas ao ambiente
doméstico: a colheita, tomar conta de bens no caso de mulheres da elite, evitar o
desperdício e satisfazer seu marido em suas necessidades. Mesmo sendo esta a regra
geral, algumas mulheres conseguiram ir além do que tradicionalmente muitas outras
alcançavam: empenharam–se em ramos produtivos a ponto de desenvolverem
habilidades, e segundo Eugénio Garin, puderam usufruir de um sentimento de auto–
estima. Algumas mulheres chegaram até a fazer parte de corporações em substituição
dos maridos falecidos. Assim seguiu o destino das mulheres no sentido do trabalho.
Enquanto estes profissionais tiveram as residências como ambiente de trabalho, as
mulheres puderam manter acesso à vida econômica. No entanto, quando, nos finais do
Renascimento, os novos locais de trabalho não eram mais a residência, este acesso da
mulher à vida corporativa e econômica se restringiu novamente. As mulheres que
tinham emprego além do ambiente familiar eram ainda mais desvalorizadas. Seus
salários atingiam metade dos salários dos homens. Uma alternativa que surgira às
mulheres pobres era a prostituição. No Renascimento, a prostituição chegou inclusive a
ser institucionalizada. Sendo posteriormente, desestimulada por conta tanto da ideologia
protestantista, como da Contra–Reforma, considerando imoralidade sexual inclusive
meio de difusão de doenças. Um fato que merece atenção algumas prostitutas
alcançaram um significativo nível de poder aquisitivo, permitindo que elas se
19
dedicassem ao ócio, à poesia ou música. No entanto, mesmo esta pesquisa prévia nos
apontando os casos singulares de mulheres que foram bem sucedidas no emprego,
poucas mulheres obtiveram reconhecimento e prestígio.
A educação feminina durante o Renascimento foi diversificada em relação a
classe a que estas mulheres pertenciam. O acesso era distinto. Mulheres pobres em geral
não tinham instrução, ainda que possuíssem certo saber de algum ofício. Em
contrapartida, mulheres de classe alta e média possuíam um saber específico onde os
conhecimentos estavam em torno de tarefas domésticas, conhecimentos religiosos o
obviamente o silêncio. Acerca desta condição, Eugenio Garin tece um comentário
extremamente pertinente, onde esta educação tinha.
(...) um objectivo duplo: em primeiro lugar, levar a jovem a desenvolver os
traços de caráter mais adequados a possíveis casamentos de cariz patriarcal;
em segundo lugar, instruí-la nas funções mais úteis da economia doméstica.
(GARIN, 1991, p. 219)
Juan-Luis Vives, um humanista espanhol, nascido em Valência, realizou um
trabalho intitulado De institutione foeminae chrstiane, onde através de Eugênio Garin
encontra-se a seguinte afirmação:
Não existem defeitos congénitos na mente das mulheres que impeçam a
obtenção do saber (...). Todavia, as mulheres devem ser atentamente postas
de sobreaviso para não assumirem comportamentos impróprios (...).
(GARIN, 1991, p. 219)
Este excerto nos indica que a mulher era posta em tamanha submissão que bem
como uma criação do homem, se chegou a discutir os limites da educação às mulheres,
pois ultrapassá-los traz insegurança. Confinadas nos limites de suas propriedades, ou
melhor dizendo, propriedades do marido que lhes servia de habitação, ao contrário do
homem renascentista que deparava-se com a situação de “escolher seu destino” as
mulheres renascentistas estavam sendo limitadas por maridos e etc. Entretanto, é
fundamental ressaltar que o fato da submissão feminina, reduzida quase a condição
servil no matrimônio, não significa que o mundo a sua volta não poderia ser
compreendido por ela. Enquanto individuo, real e existente, estava também apta a
apreender e expandir-se, pois estavam inseridas num mesmo contexto. Outro exemplo
resgatado por Garin é o que diz Paolo da Certaldo, do século XIV, no Livro di buoni
costumi, ele adverte:
(...) o dono da casa devia vigiar constantemente as mulheres da família e
assegurar-se de que estavam sempre a trabalhar, a fim de evitar o ócio, um
comportamento perigoso para todos e em especial para as mulheres. Devia
ensinar-se as filhas a coser, a cozer prão, a limpar os frangos, a fazer as
20
camas, a tecer, vordar e remendar as eúgas, mas não a ler (a não ser que se
destinassem à vida religiosa). (GARIN, 1991, p. 220).
Já para outro humanista, Agrippa d’Aubigné, a educação cria donas de casa
relapsas e problemas nas relações conjugais e a fim de evita-los, era conveniente que as
mulheres, neste caso as filhas, não tivessem a mesma educação que seus irmãos. Em
linhas gerais, a condição feminina estava atrelada ás tarefas domésticas, em um cômodo
e em silêncio.
Embora fosse este o cotidiano mais provável de existência das mulheres,
houveram outras que conseguiram alcançar independência intelectual e expressar algo
divergente do que grande parte da parcela de homens que tratavam da condição
feminina limitava-a. Por exemplo,
(...) a humanista Olimpia Morata (que se convertera ao protestantismo)
escreveu que abandonara os símbolos do seu próprio sexo: a roca, a
lançadeira, o cesto e o fio. Uma poetisa francesa do século VI, Louise Labé,
aconselhava as mulheres a elevarem os seus pensamentos para lá das rocas e
dos fusos, enquanto Catherine des Roches exprimia uma maior ambivalência,
jurando amor eterno ao seu fuso e afirmando que o seguiria numa mão
enquanto com a outra seguraria a pena. (GARIN, 1991, p. 220)
Ainda que uma parte considerável das mulheres que recebiam instrução, eram
educadas no sentido de adequá-las às suas tarefas cotidianas, houve mulheres que
frequentaram escolas. Garin aponta, através de Giovanni Villani, que em Florença, em
1388, de 8000 a 10000 homens e mulheres aprendiam a ler em escolas de ensino básico.
Contudo, o estudo só era prosseguido aos homens para que pudessem aprender cálculos
ou lógica – disciplina fundamental aos negócios – e latin – para a instrução
universitária. Em 1561, uma escola de alfaiataria chamada Merchan Taylor School, em
Londres, fornecia educação básica às mulheres. Em Lyon, França, de 1490 a 1570, a
proporção entre professores homens e mulheres chega à oitenta e sete homens para cada
cinco professoras. O curioso, como nos mostra Eugenio Garin, é que havia esta
proporção e no entanto a educação era, mesmo havendo professoras, para homens.
Foi a contra-reforma e o protestantismo que neste momento mais viabilizaram
educação às mulheres. Entretanto, o que parece paradoxal, teve seu objetivo: afastá-las
do humanismo. À Contra-Reforma, obviamente, era interessante também conservá-las
do protestantismo. Mas diferente do protestantismo, a educação incentivada pela
Contra-Reforma limitou formá-las boas mães. As conquistas mais altas neste momento
foram em colégios aristocráticos coordenados por Ursulinas, onde a formação atingia
latim, italiano, ensinos religiosos, geografia, etc. Em contrapartida, o protestantismo
21
teve uma contribuição de mais peso. Como nos exemplifica Eugênio Garin, se cada
crente devia conciliar-se pessoalmente com Deus, e se Deus falava através das
Escrituras, então todos deviam aprender a ler. Ainda que subsidiada em um viés
religioso, o protestantismo incentivou a educação feminina. Como se pode ver:
Em 1553, Elsa von Kaunitz fundou uma escola em Wittenberg, a cidade do
reformador. Filipe Melâncton, o executor do programa pedagógico luterano,
ordenou que fossem instituídas escolas para as raparigas (geridas por
professoras), que as alunas deveriam frequentar durante uma ou duas horas
por dia, durante um ano ou dois. (GARIN, 1991, p. 221)
E acrescenta Garín:
A partir dos dinais do século XVI, decretos emanados pelo príncipe ou pelas
autoridades citadinas instituíram escolas para raparigas em Hamburgo,
lubeque, Bremen, na Pomerânia, no Schleswig-Holstein e em Wurtemberg. O
impulso para a educação das mulheres continuou intenso nos Estados
alemães no século XVII e nos séculos seguintes (...) (GARIN, 1991, p. 221)
Mas ainda que a instrução tivesse sido desenvolvida e proporcionada num
sentido conservador, o nível de instrução destas mulheres estava em média quase
alcançando os níveis de instrução dos homens. Eugênio Garin nos mostra que na
Inglaterra havia uma mulher alfabetizada para quatro homens. E ainda que fossem
educadas no sentido doméstico e puramente dogmático, isso permitiu que surgissem
mulheres humanistas. Também ilustra Eugenio Garin:
Ainda antes do início do século, a paduana Maddalena Scrovegni era
admirada pela sua cultura (e pela sua castidade) pelo humanista veronês
Antonio Loschi. Na geração seguinte, Leonardo Bruni preparou um sério
programa de estudos para Battista da Montefeltro. [...] De Isotta Nogarola,
Laura Cereta, Cassandra Fedele, Alessandra Scala e Olímpia Morata (que
viveu nos primeiros anos do século XVI) conservamos ainda cartas, poemas,
orações e tratados que revelam até que ponto eram capazes de rivalizar com
os humanistas da época. (GARIN, 1991, p. 222)
É interessante destacar Isotta Nogarola que foi educada em bases humanistas,
como nos apresenta Jane Stevenson em sua obra Women Latin Poets: Language,
Gender and Authority from Antiquity to the Eighteenth Century:
Isotta and her sister Ginevra and Laura learned Greek and Latin at an early
age, first under Matteo Bosso, then under Martino Rizzoni, a distinguished
humanis and pupil of Guarino of Verona.
Salvo os casos específicos como de Antonio Loschi que segundo Eugenio Garin
era um admirador de Maddalena Scrovegni, as mulheres que adotavam as tais
perspectivas – ou se inseriam na intelectualidade – enfrentavam intelectuais masculinos
que não apoiavam a educação feminina, tampouco elevada a um nível tão alto.
22
Mas não foi só na Itália que se encontraram mulheres que se destacaram por seus
estudos. Foi possível encontrar mulheres que se destacavam intelectualmente também
em cidades alemãs, como a monja Caritas Prickheimer que viveu no convento Saint
Clare ou Sankt Klara, em Nuremberg, que teve suas obras proibidas restando somente
suas cartas, ou como é
(...) o caso de Margarida d’Angoulême, irmã do rei. Em Inglaterra, à exceção
das filhas de Thomas More (que pertencia à gentry, a nobreza rural), cuja
cultura brilhou nos primeiros anos do século XVI, as mulheres que possuíam
uma instrução clássica estavam todas ligadas à família real. A católica
Catarina de Aragão (educada na corte da rainha de Espanha, Isabel) e sua
filha Maria Tudor (que teve como preceptor Juan-Luis Vives - autor da obra
De Institutione Foeminae Christiane, a qual mencionamos - tiveram uma
instrução de tipo predominantemente devocional). (GARIN, 1991, p. 222)
Na literatura renascentista – como citamos, as mulheres foram responsáveis por
2% de toda a produção – foi o principal meio delas não somente questionarem e
reivindicarem uma reconfiguração da posição delas na vida humana. A mola propulsora
que pode projetá–las ao mundo, idealizando situações e novas condições de vida, foi a
arte escrita. Ou seja, a literatura não expressava somente o que estava posto na época,
mas também como esta poderia ser com uma condição mais humana.
Diferente de alguns casos citados, Marie le Jars de Gournay, foi uma autodidata.
Em sua adolescência aprendeu Latim, posteriormente grego, o que a possibilitou estudar
filósofos clássicos, como Platão, Plutarco, Teodoro, etc. Até onde conseguimos analisar
a obra principal, Egalitè des hommes e des femmes, – uma vez que seu material está
todo em francês e traduzi-lo é um trabalho árduo – Gournay faz um resgate histórico
para fundamentar seus argumentos. E o mais importante: em sua obra, ela justifica não
só utilizando o passado, mas também os filósofos para esta realização.
Em sua obra Egalitè des hommes e des femmes, ela inicia afirmando sua
posição: Gournay é contra a orgulhosa preferência do sexo masculino. No entanto, fica
claro que o contrário ela também não apoia. Para Gournay, a natureza se opõe a
diferença, e, portanto, o mais cabível é de fato uma igualdade entre ambos os sexos.
Assim diz Gournay: “Moy qui fuys toutes extremitez, je me contente de les esgaler aux
hommes: la nature s’opposant pour ce regar autant à la superiorité qu’a l’inferiorité”.
(GOURNAY, 1622, p. 61).
O texto, Egalité des Homme et des Femmes, a partir da tradução que alcançamos
não há uma linha de raciocínio exato. O que há são distintas argumentações aleatórias,
afirmando a igualdade das mulheres e homens, sobretudo a capacidade das mulheres.
23
Qu não há uma inferioridade do sexo feminino. As mulheres não são menos dignas,
menos capazes ou insuficientes. “L’homme et la femme sont tellement uns, que si
l’homme est plus que la femme, la femme est plus que l’homme” (Idem, 1652. P. 70)
Ainda questiona, “Dont Jesus Christ eest appelé fils de l’homme, bien qu’il ne le soit
que de la femme.”
Ainda ressalta: “[...] l’animal humain n’est homme ny femme, à le bien prendre,
les sexes estants faicts non simplement, mais secundum quid, comme parle L’Eschole:
c’est à dire pour la seule propagation.”
Ou seja, aqui trata-se do ser humano. Em sua igualdade, isto é, na condição de
ser humano não há homem ou mulher. Isto, segundo L’Eschole – que aqui não
encontramos tradução e compreende-se portanto que seja alguma orientação escolástica
específica.
Marie também faz distintos resgates históricos afirmando a igualdade humana.
Como a questão da lei sálica.
Pour le regard de la Loy Salique, qui prive les femmes de la couronne, ele n’a
lieu qu’en France. Et fut inventée au temps de Pharamond, pour la seulle
consideration des guerres contre L’Empire duquel nos Peres secouient le
joug: le sexe feminin estant vrayssemblablement d’um corps moins propre
aux armes, par la necessite du port et nourritures des enfans (...).
(GOURNAY, 1622, p. 68)
Neste trecho, Gournay aponta a Lei Salica, como algo criada nos tempos de
Pharamond em razão das guerras contra o Império, que impede as mulheres de
alcançarem a coroa, o poder. Ainda comenta que o corpo feminino é impróprio às
armas, entretanto tem a necessidade de portar e alimentar suas crianças.
Em outro trecho ela reconhece que “bien que son nom semble sonner le
masculin, ny consequemment besoin d’acception d’um sex plustost que de l’autre[...]”
Neste trecho ela fala do nome de Deus que soa masculino, e isto exige uma aceitação
maior de um sexo do que de outro. Ou seja, a aceitação maior do sexo masculino.
5. CONSIDERAÇÕS FINAIS
Podemos concluir que, em primeiro lugar, o momento histórico em questão, por
seus fatos, confirma efetivamente os pressupostos adotados nesta pesquisa. Que o
indivíduo transforma-se a medida que produz sua vida. Que as relações renascentistas
24
abriram uma gama de possibilidades aos indivíduos, que passam a escolher seu próprio
futuro. No entanto, as condições das mulheres permaneceram limitadas, mas ainda
assim foi possível que algumas mulheres pudessem se apropriar deste momento. Em
segundo lugar, que os elementos interpretados e extraídos da objetividade
renascentistas, a priori é possível identifica-los na obra de Marie de Gournay
É fundamental observar que dentro da complexa tradução que se permite nesta
obra de 1622, afirmar a igualdade de gênero constitui um avanço significativo. Neste
contexto, um avanço que tem raízes em um momento superior de individuação humana.
Nem todas as mulheres conseguiram se apropriar ou extrair tudo que o momento
permitia. Tanto por suas particularidades, como por outros motivos, no entanto, todas
eram socialmente aptas e humanamente capazes de compreendê-lo. De extrair do seu
contexto. Utilizar a história, o passado, de fato implicava uma capacidade intelectual
altíssima. O profundo conhecimento de filosofia de Gournay – que constitui inclusive
dificuldades a nossa leitura – é marco do momento renascentista e comprovação de que
se trata de uma mulher que foi capaz de avançar à sua época em nome das milhares de
mulheres que a história conhece e desconhece e também foram capazes de questionar a
superioridade do sexo masculino.
6. REFERÊNCIAS
6.1. Bibliografia básica
GOURNAY, Marie. L'égalité des hommes et des femmes. Paris: Librarie Honoré
Champion, 1910.
__________. Le proumenoir de Monsieur de Montaigne. Paris: Abel l’Angelier,
1598.
__________. L’ombre de la damoiselle de Gournay. Paris: Iean Libert,1626.
25
__________. Les advis, ou, les presens de la demoiselle de Gournay. Paris:
Toussaint Du-Bray, 1634.
__________. Les essais de Michel, Seigneur de Montaigne. Paris: Imprimeur &
Librarie de M. le Due d’Orleans, 1652.
__________. Adieu de l’ame du Roy et de Navarre Henry le Grand à la Royne.
Lyon: 1610.
6.2. Bibliografia complementar
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. São
Paulo: Hucitec, 1987.
BLUM, Paul R. (Org.) Filósofos da Renascença. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
BURCKHARDT, J. A cultura do Renascimento na Itália. São Paulo: Companhia das
Letras, 1991.
CHABOD, F. Estudos sobre el Renascimiento. México: Fondo de Cultura Económica,
1990.
26
CHASIN, José. Estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo,
2009.
CHASIN, José. O futuro ausente. In: Ensaios Ad Hominem, n.1, Tomo 3. São Paulo:
Estudos e Edições Ad Hominem, 2000, p. 163-243.
DELUMEAU, J. A civilização do renascimento. Lisboa: Estampa, 1984.
GARIN, Eugénio. O homem renascentista. Barcarena: Editorial Presença, 1991.
GARIN, Eugénio. Ciência e vida civil no Renascimento italiano. São Paulo: UNESP,
1996.
HELLER, Agnes. O homem do renascimento. Lisboa: Editorial Presença, 1982.
LUKÁCS, Georg. Os princípios ontológicos fundamentais de Marx. (excerto da
Ontologia do Ser Social). São Paulo: Livraria e Editora Ciências Humanas, 1979.
MARX, Karl. Formações econômicas pré–capitalistas. São Paulo: Paz e Terra, 1985.
27
__________. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
28
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