Universidade Presbiteriana Mackenzie
ESTÉTICA E EDUCAÇÃO EM SCHILLER
Leandro Nascimento Pereira (IC) e Graciela Deri de Codina (Orientadora)
Apoio: PIBIC CNPq
Resumo
Este artigo focaliza-se na radicalização do esclarecimento (Aufklärung), apresentada por Schiller, a
partir de uma visão integral da natureza humana. A arte, entendida como um impulso lúdico que
harmoniza os impulsos sensível e formal, é pensada como um estado estético que converge para a
autonomia dos indivíduos, pois somente pela educação estética é possível uma autentica
emancipação do Sujeito.
Palavras-chave: Educação, estética, esclarecimento
Abstract
This article focuses on the radicalization of Enlightenmen (Aufklärung), by Schiller, from an integral
vision of human nature. The art, understood as a playful impulse to approximate impulses sensitive
and is thought of as a formal aesthetic state converging to the autonomy of individuals, for only by
aesthetic education can be a genuine emancipation of the subject.
Key-words: Education, aesthetics, enlightenmen
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Introdução
O objetivo deste artigo é discorrer sobre a produção filosófica do poeta Friedrich Christoph
Schiller em suas duas obras fundamentais, Kallias ou Sobre a Beleza e Cartas Sobre a
Educação Estética da Humanidade. Apresentaremos a proposta encontrada nestes textos,
principalmente as cartas destinadas ao Príncipe Augustenburg, em que a arte desempenha
um preciso papel social e revolucionário da formação dos indivíduos de acordo com as
exigências da Aufklärung.
Com o intuito de melhor compreender a perspectiva filosófica apresentada por Schiller, na
primeira parte deste artigo apresentaremos a filosofia crítica de Kant, baseada, assim como
a leitura de Schiller, na terceira obra de sustentação deste autor. A Crítica da Faculdade do
Juízo, escrita por Kant em 1791, apresenta duas perspectivas do juízo reflexivo: o juízo
pautado na analítica do Belo e o juízo teleológico, pautada na historia da natureza. Em
nosso trabalho nos limitaremos a discutir a primeira perspectiva apresentada por Kant e, de
acordo com o sentido da Aufklärung, relacionaremos as obras: Crítica da Razão Pura e
Crítica da Razão Prática, em uma unidade formal proporcionada pelo juízo estético.
De acordo com a filosofia de Schiller, a obra Crítica da Faculdade do Juízo representa um
divisor de águas para a discussão estética, assim como para a compreensão do homem,
porém, unificado apenas em um sentido formal, Schiller contesta Kant ao manter, de certa
maneira, a estética em um sentido menor em relação às demais áreas do homem. Por isso,
na segundo parte deste artigo, apresentaremos a discussão levada a efeito no texto Kallias
ou Sobre a Beleza, em que Schiller “com e contra” Kant reformula a estética, concedendo à
beleza um fundamento objetivo, no qual, aproximando da razão prática, a beleza é
apresentada como liberdade no fenômeno.
Por fim, na última parte, o texto Cartas Sobre a Educação Estética da Humanidade será
nossa referência. Nesta parte, onde concluímos o desenvolvimento filosófico de Schiller,
apresentaremos sua proposta de formação estética do homem. Contudo, focando-nos,
sobretudo, no caminho sugerido por Schiller, centralizaremo-nos no sentido da radicalização
da Aufklärung, que se faz como uma exigência imprescindível para a modernidade.
Pensada como uma unidade efetiva, em que as disposições do homem se harmonizam a
partir de um jogo, o caminho do esclarecimento apresentado por Schiller refere-se como
uma atividade estética em que, muito mais do que uma expressão poética vazia, Poesia e
Filosofia, em um movimento de reciprocidade formam um método que possibilita a leitura
integral da situação humana. Justamente este o caminho que nosso artigo pretende trilhar.
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Referencial Teórico
Fundamentos kantianos da Filosofia de Schiller
A terceira crítica que investiga os limites da faculdade do juízo é concebida por Kant como
um termo médio entre os distintos domínios do homem. Elucidativo é o titulo à terceira parte
da segunda introdução à Crítica da Faculdade do Juízo, Da crítica da faculdade do juízo,
como meio de ligação de duas partes da Filosofia num todo, a crítica do juízo revela um
esforço de Kant em estruturar um sólido fundamento que não se limite a uma visão
unilateral, mas tal como a idéia de Weltweise (mundo + sábio = Filósofo), compreender os
mundos, ou seja, as regras implícitas a cada faculdade do homem. A Crítica da Faculdade
do Juízo, neste panorama crítico, conclui o projeto da ciência das possibilidades, como
observa Kant no prefácio da obra: “Com isso termino, portanto, minha inteira tarefa crítica.
Passarei sem demora à doutrinal” (KANT, 2000, p. 14).
Embora a faculdade do juízo seja considerada como um termo médio, sua fundamentação
não representa mais um domínio, tal como a crítica da razão teórica e prática, pois não
realiza uma operação por conceitos da natureza ou da liberdade. Na Crítica da Faculdade
do Juízo, Kant apresenta dois modos da faculdade do juízo, embora, a rigor, a terceira
crítica detém-se sobre apenas um.
A faculdade do juízo em geral é a faculdade de pensar o particular contido
no universal. No caso de este (a regra, o principio, a lei) ser dado, a
faculdade do juízo, que nele subsume o particular é determinante (…).
Porém, se só o particular for dado, para o qual ela deve encontrar o
universal, então a faculdade do juízo é simplesmente reflexiva (KANT, 2000,
p. 23)
A faculdade de juízo determinante somente subsume, ela parte da lei universal para o
particular. Seu modo de operação é mediante conceitos, seja segundo as leis
transcendentais dadas pelo entendimento na determinação da natureza sensível ou, por
conceito de liberdade que, segundo a legislação da razão, opera mediante a determinação
da vontade.
A terceira crítica sobre o limiar da passagem de um domínio ao outro, auxilia-nos a
compreender o porquê a ela refere-se em sua maior parte sobre o juízo reflexivo. Somente o
juízo reflexivo que procede do particular ao universal permite às faculdades do espírito a
possibilidade de uma unidade. Isto porque, possuindo sua legislação em si, sem que
necessite de um princípio exterior, ele opera segundo o principio da conformidade a fins
meramente formal, isto é, “uma conformidade a fins sem fim”. O juízo reflexivo opera em um
acordo livre e indeterminado entre as faculdades. Neste sentido Kant concebe uma unidade
formal ao seu projeto.
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O juízo reflexivo é uma capacidade do sujeito que ao ser afetado pelo objeto, a imaginação
reflete a forma, de modo que tal operação refere-se ao entendimento, porém, não a um
conceito determinado, mas ao próprio entendimento em um sentido indeterminado. Assim a
imaginação atua de modo produtivo ao exercer sua liberdade de refletir sobre a forma do
objeto. Essa relação decorre de uma atividade recíproca entre a faculdade da imaginação
em sua liberdade e a faculdade do entendimento em sua pura forma. Essa forma de juízo é
correlata ao juízo de gosto, pois em seu sentido subjetivo, o sujeito é reconciliado ao ajuizar
um objeto da natureza por seu sentimento de prazer ou desprazer, pois ao refletir a sua
forma indeterminada, a imaginação, em um jogo com o entendimento, desperta um
sentimento de prazer no sujeito, esta relação, contudo, opera a partir de um acordo
contingente entre as faculdades.
Neste sentido, Kant, ao discorrer sobre a representação do juízo de gosto, atribuindo-lhe um
sentido subjetivo e desinteressado de síntese da relação entre as nossas faculdades, sem
que se relacione sob uma relação de conceitos, mas apenas por um principio de
conformidade a fins formal, vai refutar os princípios da filosofia de Baumgarten, que atribuiu
à faculdade do gosto, que lida com o sentimento, como a beleza, uma espécie de
conhecimento confuso e inferior. Para Kant, tal característica é incoerente, visto que a
beleza não é uma relação mediante conceitos, mas um sentimento e, como tal, surge a
partir de uma relação subjetiva de nossas faculdades. Embora o ajuizamento do belo seja
subjetivo e desinteressado, ele não é relativo de indivíduo para individuo, mas ainda que
seja subjetivo ele é um sentimento de satisfação universal, pois o sentimento provocado
pelo objeto, não reporta a uma característica individual, mas à capacidade de sentir e
pensar do sujeito, por isso, a satisfação do belo é uma satisfação universal sem a mediação
de conceitos.
Hegel em seu curso de estética atribui o mérito a Kant por ter elevado a discussão sobre a
beleza de acordo com princípios racionais. A discussão até então ou repousava-se sobre
princípios empiristas ou princípios racionalistas que a consideravam como uma atividade
inferior. A perspectiva kantiana surge como uma terceira via, proposta como uma tentativa
intermediária entre a posição empirista ou racionalistas. Sobre princípios transcendentais a
discussão estética surge como a tentativa de abarcar, em última instância, o homem.
Desenvolvida na obra Crítica da Faculdade do Juízo, a sensibilidade, por assim dizer, passa
a ser uma importante área da Filosofia geral que necessita ser estudada.
Em igualdade com as demais, a sensibilidade, no espírito da filosofia crítica, se junta
extensivamente com as demais esferas do homem. Porém, o sistema permanece
acorrentado tal como o Cérbero. Posiciona-se arbitrariamente na divisão dos mundos,
rosnando para os que das trevas almejam a luz. Os gomos de suas correntes, compostos
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pela matéria mais dura, compõem gomo a gomo uma forte prisão que impede o ser de três
cabeças – incompreendido – de viver livre. Nem mesmo o poderoso Hércules, que com sua
força bruta o dominou e, como um cão amordaçado por uma focinheira, conduzindo-o sobre
o comando de sua guia para aonde o destino lhe vier, efetivou a sua liberdade. Pobre cão…
Sua terrível aparência o aprisiona! Só uma bela aparência permitirá lhe retirar da sua inerte
tarefa e, livremente, viver.
A filosofia schilleriana sobre o auspicioso terreno kantiano revela-se como uma atividade
heróica de um cavaleiro que sobre mundos estranhos peleja bravamente na compreensão
de sua tarefa. Em seus punhos, a pesada e rígida espada dá lugar a doce e bela lira, que
como Orfeu, apazigua o raivoso cão e lhe toma o direito de livremente transitar sobre os
mundos. Contudo, do cavaleiro que vos falamos, os seus próprios interesses não lhe
importam, cabe antes os interesses de algo que lhe é superior. Por isso, apaziguar o feroz
Cérbero, não é tudo. Cabe antes a tarefa de com sua música atingir o incompreendido cão,
que com suas rígidas correntes e a sua aterrorizante aparência, assustam. Porém, seu
espírito ladra por uma efetiva liberdade. Ora, qual a estratégia deste bravo cavaleiro? Para
respondermos a tal indagação, na próxima parte desse artigo trataremos da concepção de
Schiller de Beleza e quais os pontos que ele se distancia de Kant ao buscar, por meio de
uma reformulação da concepção estética kantiana, uma maior valorização da sensibilidade
ao atribuir à bela arte um fundamento objetivo.
Concepção estética de Schiller
Em uma carta ao seu amigo Christian Gottfried Körner, a quem Schiller confidenciou suas
mais ousadas tentativas na filosofia, nota-se o seu insistente esforço de buscar para a
recente disciplina filosófica, a estética, um digno e legítimo lugar que ao longo da história foi
negligenciado em favor de um ascetismo da racionalidade. Para Schiller, ainda que a
filosofia crítica tenha atribuído à faculdade do gosto um mero sentido subjetivo,
conservando, de certa maneira, um sentido menor, como, por exemplo, em relação ao papel
desempenhado pela lógica no sistema critico, a estética após Kant, assim como as demais
áreas, passam a repousar sobre princípios racionais, de modo que a “esfera” do gosto e por
assim dizer da arte, passa a ser melhor compreendida, iluminada.
Você não advinha o que leio e estudo agora? Nada menos do que Kant.
Sua Crítica da Faculdade do Juízo, que adquiri, me estimula através do seu
conteúdo pleno de luz e rico em espírito, e me trouxe o maior desejo de me
familiarizar aos poucos com a sua filosofia. (…) como já tenho pensado
muito por mim mesmo sobre estética e nisso sou ainda mais versado
empiricamente, progrido com mais facilidade na Critica da Faculdade do
Juízo e começo a conhecer muito sobre as representações kantianas, pois
nessa obra ele se refere a elas e aplica muitas idéias da Crítica da razão
[pura] à Crítica da Faculdade do Juízo. Em suma, pressinto que Kant não é
para mim uma montanha intransponível, e certamente ainda me envolverei
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com ele com mais exatidão. Como no próximo inverno lecionarei estética,
isso me dá a oportunidade de dedicar algum tempo à filosofia em geral
(SCHILLER, 2002, p.9-10).
Saudada por Schiller com entusiasmo, a Crítica da Faculdade do Juízo desempenha na
história das idéias uma apologia da sensibilidade, mas uma tímida defesa que para Schiller
necessitaria ser apreendida no espírito da filosofia kantiana e efetivada. Essa ousada tarefa
foi perseguida por Schiller em muitos dos seus poemas anteriores à terceira crítica e
revelam uma sincronia com o espírito do seu tempo, de modo que ao se deparar com a
Critica da Faculdade do Juízo, busca, por meio de princípios racionais, efetivá-la como uma
esfera do homem que, partindo do todo, averigua sua necessidade ante as demais áreas.
Contudo, sua árdua tarefa não se limita apenas sobre o terreno kantiano, pois como Schiller
comenta com Körner, sua investigação procede para a filosofia geral. Ocupado de lecionar
um curso de estética no inverno de 1792-93, Schiller realizou leituras das principais obras
dos filósofos do seu tempo, como por exemplo, Edmund Burke, Karl Phillip Moritz, Moses
Mendelssohn, Johann Sulzer, Gotthold Ephraim Lessing, Johann Joachim Winckelmann,
David Hume, Charles Batteaux, entre outros. Concomitantemente à suas preleções, Schiller
afirma para seu amigo Körner, em uma carta escrita em 21 de dezembro de 1792, o seu
objetivo de expor em forma de um diálogo a sua própria estética,
Creio ter encontrado o conceito objetivo do belo, que se qualifica eo ipso
também para um princípio objetivo do gosto, com o que Kant se desespera.
Ordenarei meus pensamentos sobre isso e os publicarei num diálogo,
Kallias ou sobre a beleza, na próxima Páscoa. Uma tal forma é
extremamente adequada a essa matéria, e o caráter conforme a arte eleva
o meu interesse no seu tratamento. Como a maioria das opiniões dos
estetas sobre o belo serão mencionadas e quero tornar minhas proposições
perceptíveis, tanto quanto possível, em casos singulares, resultará disso um
livro efetivo do tamanho do Visionário (SCHILLER, 2002, p.12).
Infelizmente este seu projeto não foi levado a efeito, pois Schiller o interrompeu para
desenvolver outros temas, tal como o seu texto Sobre a graça e dignidade. Mas, como
observa Ricardo Barbosa, “Imaginado como um diálogo socrático, Kallias não deixou de ser
meditado num diálogo – ainda que epistolar – entre Schiller e Körner” (BARBOSA in:
SCHILLER, 2002, p.13). Schiller desenvolveu um intensivo diálogo com Körner após
comentar sobre um possível fundamento objetivo do belo, deste, originou-se uma publicação
póstuma datada de 1847 a obra “Kallias ou Sobre a Beleza”.
Neste texto, em diálogo com Kant, especificamente com as suas contribuições para a arte, a
partir da concepção de beleza forjada na Critica da Faculdade do Juízo, Schiller discute os
princípios da bela arte. Para ele existem quatro modos distintos de explicar o belo:
Explica-se o belo objetiva ou subjetivamente; e, a rigor, ou de modo
subjetivo sensível (como Burke e outros), ou subjetivo racional (como Kant),
ou objetivo racional (como Baumgarten, Mendelsohn e todo o bando dos
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homens da perfeição) ou, por fim, de modo objetivo sensível (SCHILLER,
2002, p.42).
Para Schiller, cada uma das três primeiras teorias apresentadas conserva uma parte da
verdade em relação à natureza do belo. Sendo assim, a quarta teoria, desenvolvida por ele
adiante, retém seus momentos de verdade.
Segundo Schiller, a teoria elaborada por Burke em A philosophical Enquiry into the Origen of
our Ideas of the Sublime and Beautiful, publicada em alemão em 1773, tem razão ao afirmar
que o belo não é uma relação mediada por conceitos, mas sim por uma imediaticidade do
belo. Porém, o belo para Burke é deduzido de causas físicas, na mera afectibilidade da
sensibilidade, sendo impossível a comunicabilidade universal do belo. Essa teoria, segundo
Schiller, falha ao colocar a teoria sobre princípios sensualistas, quando, na verdade, ela
deve se basear em princípios da razão. Tal concepção é subjetivo sensível por não possuir
um caráter universal, mas, ainda assim, ao compreender o belo como um sentimento livre
de conceitos, essa teoria possui uma parte da verdade. Neste sentido a posição de Burke é
contrária a concepção da escola wolffiana.
Baumgarten e Mendelsohn, representantes do dogmatismo wolffiano, explicam o belo
segundo a concepção objetivo racional. Para eles, o belo é entendido como objeto do
conhecimento, sendo assim, ele é parte da operação lógica. Embora eles atribuam ao belo
um critério objetivo, este critério repousa sobre a perfeição do objeto de modo que o juízo
estético, neste caso, confunde-se com o juízo lógico, pois seu ajuizamento ocorre mediante
um conceito. Porém, como observa Kant, o juízo estético não se dá mediante uma relação
de determinação e, mas por uma relação reflexionante, que na conformidade a fins formal
não se baseia na utilidade ou na perfeição do objeto. Para Kant o belo é explicado segundo
a concepção subjetivo racional, que ao pressupor um juízo é compreendido segundo
princípios da razão.
Kant ao separar juízo estético de juízo lógico e posicionar o belo no primeiro juízo, concede
ao belo um princípio racional, mas, diferentemente dos wolffianos, é meramente subjetivo,
de maneira semelhante à explicação burkiana. A respeito da concepção kantiana do belo,
Schiller diz:
Acho que sua observação pode ter a grande utilidade de separar o lógico do
estético, mas no fundo ela me parece perder inteiramente o conceito de
beleza. Pois a beleza se mostra no seu supremo esplendor justamente
quando supera a natureza lógica do seu objeto, e como pode ela superar
onde não há nenhuma resistência? (SCHILLER, 2002, p.43).
Aqui Schiller revela uma minuciosa intuição da natureza do belo. Para o poeta, o belo não é
meramente subjetivo racional como propõe Kant, mas forjando uma quarta perspectiva
sobre o belo, Schiller propõe uma explicação objetivo sensível. Uma concepção em que o
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belo supere a natureza lógica do objeto manifestando-se em analogia à Razão, como se
fosse livre.
Esta quarta concepção apresentada por Schiller é um confronto direto com o sentido
atribuído por Kant à estética. Com Kant, Schiller nega qualquer conformidade a fins objetiva
que explique a beleza segundo conceitos e, também, nega a posição sensualista que
concede à beleza um caráter subjetivo sensível, impermeável a um sentido universal. Mas,
contra Kant, Schiller busca aproximar sua explicação do belo ao domínio da razão prática,
permitindo, deste feito, achar um fundamento objetivo para o belo.
A razão prática, segundo sua forma superior, como é apresentada por Kant, autodeterminase. Isto significa dizer que a razão, neste caso, não necessita de algo que lhe seja exterior
para operar, tal como a razão teórica em que o entendimento é o seu legislador, mas
apenas segundo idéias da razão pura (em seu amplo sentido) a vontade é determinada. A
razão prática, diz Schiller, “pode aplicar sua forma tanto ao que existe por ela mesma (ações
livres), como também ao que não existe por ela (efeitos naturais)” (SCHILLER, 2002, p.58).
No primeiro caso, a razão prática age constitutivamente, pois sua forma é aplicada à ação
da vontade, porém, no segundo caso ela opera regulativamente. Mas, em ambos os casos,
eles são autodeterminados, visto que “a autodeterminação pura em geral é a forma da razão
prática” (SCHILLER, 2002, p.58). É justamente por este caráter autodeterminante da razão
prática que a sua aplicação aos efeitos naturais não pode ocorrer de modo constitutivo, mas
apenas regulativo, pois dos efeitos naturais pode-se apenas esperar e não exigir que ele
seja por si mesmo.
Pois bem, se na consideração de um ser racional a razão prática descobre
que ele é determinado por si mesmo, então ela lhe atribui (como a razão
teórica, no mesmo caso, concede similaridade à razão a uma intuição)
similaridade à liberdade [Freiheitsähnlichkeit] ou, numa palavra, liberdade.
Mas porque essa liberdade é apenas emprestada pela razão ao objeto,
como nada pode ser livre a não ser o suprasensivel, e a liberdade mesma
como tal nunca pode cair sobre os sentidos – numa palavra – como se trata
aqui apenas de que um objeto apareça como livre, e não que seja
efetivamente: então essa analogia de um objeto com a forma da razão
pratica não é liberdade de fato, e sim meramente liberdade no fenômeno,
autonomia no fenômeno (SCHILLER, 2002, p.59).
Disto, Schiller desloca o juízo do gosto para a esfera da razão prática, pois, do ajuizamento
dos efeitos não-livres, de acordo com a forma da vontade pura, surge a sua concepção de
beleza. Por isso, a beleza, na concepção schilleriana, é liberdade no fenômeno.
Entretanto, como seu amigo Körner observa, essa explicação permanece subjetiva, visto
que não tratou especificamente da natureza sensível do objeto e de seus atributos que o
definem como belo, mas apenas do pensamento sobre o fenômeno. Este principio da
beleza, afirma Körner, “é meramente subjetivo; ele se baseia na autonomia, a qual é
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acrescentada em pensamento ao fenômeno dado” (SCHILLER, 2002, p.62). Schiller
concorda com a objeção de Körner e, para solucioná-la, desenvolve um argumento no qual
a técnica é apresentada como condição objetiva da beleza.
Deste modo, Schiller põe em jogo o entendimento. Dado que liberdade é apresentada no
fenômeno mediante a técnica o que resulta no belo. A natureza do belo, portanto, pressupõe
a ação do entendimento, todavia, o “entendimento é concernido apenas pela forma do
objeto, buscando a regra que lhe corresponde” (BARBOSA, 2002, p.22). Neste sentido, o
juízo estético ocorre mediante uma superação do juízo lógico, pois o entendimento
apresentado como mera condição formal é superado pela similaridade da liberdade no
ajuizamento estético, porém o objeto, composto por sua forma e seu conteúdo, em relação
harmônica, convida-nos, por sua determinação interior, a identificá-lo como belo. Como
afirma Schiller,
Unicamente a liberdade é o fundamento do belo; a técnica é apenas o
fundamento da nossa representação da liberdade; aquela é pois o
fundamento imediato, essa apenas a condição mediata da beleza. A técnica
contribui para a beleza apenas na medida em que serve para suscitar a
representação da liberdade (SCHILLER, 2002, p.92).
A explicação do belo, sugerido pela relação entre técnica e liberdade, em que a primeira é
condição da última e este, fundamento do belo, harmonizam dois domínios distintos do
homem, a saber, a razão e a sensibilidade. Diferentemente de Kant, a estética apresenta-se
na concepção de Schiller não meramente como uma condição subjetiva em que os juízos
estéticos não exercem nenhuma influência sobre a formação (Bildung) da humanidade, mas,
como imperativo, o próprio objeto desperta no homem, mediante sua forma um sentimento
de aprazimento que contribui para sua formação moral.
Conduzindo o juízo de gosto a uma doutrina estética, Schiller atribui à arte, mediante a
apresentação da liberdade no fenômeno, um papel relevante na formação cultural. Decerto,
apenas com a radicalização na esfera da sensibilidade é possível vislumbrar uma autonomia
que não pauta-se apenas pela liberdade espiritual, mas também material. Na próxima parte
apresentaremos o movimento de radicalização proposto por Schiller, no que razão e
sensibilidade são relacionadas de modo harmônico, segundo a natureza mista do sujeito
que, na modernidade, necessita ser formado a partir de um conceito integral da
humanidade, visto que a fragmentação deste conceito produz indivíduos unidimensionais,
seja segundo a determinação física da natureza ou, segundo a determinação de uma
racionalidade meramente cientifica que sufoca a parte sensível do homem.
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Método
O método utilizado foi o qualitativo. Procuramos focar nosso objetivo em algumas obras que
condiziam para a nossa elucidação e para que pudéssemos compreender o tema mais
qualitativamente. Através de leituras e produção de textos adquirimos mais informação para
analisar e determinar o que seria de maior importância para este artigo. O principal método
de estudo foi o fichamento, que consiste na leitura sistemática do tema, e o registro das
partes mais importantes, produzindo um texto a partir desse processo.
Resultados e discussão
“...é necessário uma revolução total em toda a sua
maneira de sentir, sem o que nem sequer se inicia
o caminho para o ideal”. (SCHILLER, 1963, p.
127)
Neste terceiro e ultimo capitulo apresentaremos, em diálogos com os dois capítulos
anteriores, as principais ideias desenvolvidas por Schiller em sua obra Sobre a educação
estética da humanidade. Nesta, o poeta aventureiro, dá mais um passo para a formulação
de uma teoria autônoma e demonstra quais são os motivos que conduziram a trilhar este
temível terreno da razão especulativa.
Sobre a educação estética da humanidade é produto de uma série de cartas destinadas ao
Príncipe dinamarquês Friedrich Christian von Schleswig-Holstein-Sonderburg-Augustenburg.
Este, por intermédio de um jovem poeta e critico literário, admirador da poesia alemã, ficou
sabendo das dificuldades em que o autor da peça Os bandoleiros encontrava-se. Recém
casado, Schiller tinha dificuldade tanto financeiras quanto de saúde. Karl Leonhard Reinhod,
em uma carta ao jovem admirador dinamarquês de Schiller, Jens Baggesen, relata as
precisas dificuldades do poeta: “Schiller tem como rendimento fixo não mais do que eu, ou
seja, 200 táleres, os quais não sabemos, quando estamos doentes, se devemos enviá-lo
para a farmácia ou para a cozinha” (SCHILLER, 2009, p.10). Ao ficar sabendo da situação
em que Schiller se encontrava, o Príncipe Augustenburg, junto com Baggesen, convenceu o
então ministro de finanças da Dinamarca, o conde Ernst Heinrich von Schimmelmann, a
ofertar uma ajuda anual de 1.000 táleres, por três anos.
Sob o mecenato do Príncipe Augustenburg, Schiller inicia uma série de cartas, que tratam,
como Habermas diz, do “primeiro escrito programático para uma critica estética da
modernidade” (HABERMAS, 2000, p.65). Mas, para além, as cartas constituem uma
profunda compreensão da natureza humana e de sua expressiva fragmentação que se
consolida cada vez mais, na medida em que essa subjuga uma plenitude da humanidade.
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Neste sentido, as cartas que Schiller redigiu no início de 1793 constituem um amplo olhar
sobre cada domínio do homem, sem perder de vista sua acepção absoluta (Ideal).
Tal como um cosmopolita a discussão levada a efeito por Schiller em suas cartas sustentase na filosofia crítica kantiana, mas, sobretudo, baseia-se no espírito desta filosofia. Nele, o
procedimento critico não se reduz a uma concepção isolada do homem; pelo contrário,
composto por seus diferentes domínios, o homem é analiticamente estudado, mas a
decomposição só se sustenta na medida em que ela é forjada a partir de um princípio último
que a dê sentido. Por isso, o juízo de gosto, enquanto objeto de estudo da terceira critica,
apresenta-se como um fértil terreno. Todavia, a explicação apresentada por Kant para
Schiller, não é suficiente.
A circunstância, porém, de que sentimos e não conhecemos a beleza
parece abater toda esperança de encontrar um principio universalmente
válido para ela, pois todo juízo proveniente desta fonte é apenas um juízo
de experiência. Habitualmente, considera-se uma explicação da beleza
como fundamentada apenas porque ela está em concordância com a
sentença do sentimento em casos singulares, ao passo que, se houvesse
efetivamente um conhecimento do belo a partir de princípios, dever-se-ia
ser fiel à sentença do sentimento apenas porque ela está em concordância
com a explicação do belo. (SCHILLER, 2009, p.58).
Como apresentado por Schiller, em suas correspondências com seu amigo Körner, a
explicação do belo na filosofia kantiana não foi levada até as últimas conseqüências, pois a
impossibilidade do conhecimento do belo sugerido por Kant apenas sobre o limiar da
arquitetônica crítica não permite a continuação a cerca da doutrina do belo, assim como foi
conduzido nas demais esferas do homem. Embora Schiller não apresente tal como no seu
texto Kallias ou Sobre a Beleza, uma investigação conceitual sobre um fundamento objetivo
para o belo, nas cartas Sobre educação estética da humanidade, este principio objetivo é
pressuposto, de modo que a investigação apresentada por Schiller neste texto pode ser
vista como uma discussão que continua as correspondências com Körner, mas é conduzida
sobre outro plano.
Para Schiller, portanto, coube a tarefa de conduzir a investigação do juízo de gosto para o
empreendimento doutrinal. A respeito disso Schiller diz em sua primeira carta que abre seu
projeto,
Este é o nó cujo desate infelizmente mesmo Kant considera impossível. (...)
De fato, nunca teria tido ânimo para tal coisa se a própria filosofia de Kant
não me proporcionasse os meios para isto. Esta fecunda filosofia, da qual
com tanta freqüência se diz que apenas sempre demole e nada constrói,
fornece, segundo minha convicção atual, as sólidas pedras fundamentais
para erguer também um sistema da estética, e somente a partir de uma
idéia preconcebida do seu criador posso explicar para mim mesmo que ele
ainda não tenha logrado tal mérito. (SCHILLER, 2009, p.59-60).
Este sistema não deve ser compreendido como algo isolado dos demais, pois como procura
mostrar a dimensão da Arte e do Belo não são apresentadas como domínios distantes da
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natureza moral da humanidade. O terreno no qual se assenta as investigações apresentada
por Schiller neste texto é, por assim dizer, a discussão sobre a formação moral da
humanidade, porém sua análise parte da estética, de maneira que o procedimento levado a
efeito por Schiller é esquadrinhar o domínio da estética e saber quais as contribuições
apresentadas pela arte na formação moral do homem. Disto resulta que a filosofia
schilleriana não permeia meramente uma discussão sobre a moralidade, mas antes visa a
uma discussão radical da cultura em que a moral é teleologicamente apresentada.
A investigação estética não se aparta do problema político, ambos os domínios possuem um
vínculo. “A negação do vínculo de seus elementos o é também de sua essência”
(SCHILLER, 1963, p.35). Mas, indo além, o problema político será referido a partir do
problema estético, pois, segundo sua concepção, pela beleza que se vai à liberdade.
A liberdade, representada pelo homem moral é uma idéia que, caso seja levada a efeito
representa a livre harmonia com as leis morais imanente ao sujeito. Ao contrário deste, o
homem físico, sobre a determinação da natureza, agrupa-se por carência, de modo que o
contrato estabelecido por eles, neste estado natural, age de modo coercitivo, pois suas leis
atuam por força. O que preocupa Schiller é como passar do estado natural para o moral,
visto que o homem físico é real e o moral é apenas problemático. Este abismo
“intransponível” somente é reconciliado através de um estado intermediário que dê suporte
do “real” ao “problemático”. Este suporte não está no caráter natural do homem, nem
tampouco no moral, ao segundo é o que se almeja formar, já o primeiro, egoísta e violento,
almeja muito mais a destruição do que a conservação. Ainda que este estado intermediário
não resida em nenhum dos dois outros estados é preciso que ele seja
aparentado com os outros dois, que estabelecesse a ponte do domínio das
simples forças para o das leis, e que, longe de impedir a evolução do
caráter moral, desse à moralidade invisível o penhor dos sentido
(SCHILLER, 1963, p.39).
O estado intermediário, apresentado por Schiller é sugerido como um estado que
harmoniza a determinação física e moral.
À luz deste caráter, que é a harmonia do homem consigo mesmo, Schiller volta sua atenção
para os acontecimentos contemporâneos. Dirá ele,
Em seus atos o homem se retrata, e que figura é esta que as espelha no
drama de nosso dias! Aqui, selvageria, mais além, lassidão: os dois unidos
em um espaço de tempo (SCHILLER, 1963, p.39).
Tendo em vista a situação do povo germânico e da nação francesa, nesta passagem, é
apresentada segundo a concepção de Schiller, dois modos opostos da degeneração da
natureza moral do homem. A Alemanha, esfacelada em seu período, busca apenas a
satisfação animal. Longe da sofisticação cultural, a realidade empírica é um imperativo no
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qual a voz da sobrevivência exclama. Em seu lado oposto, a França, representante das
classes civilizadas, apresenta um quadro mais revoltante. Após as conquistas da revolução
de 1789, perdeu de vista a liberdade, pois passando a um estado de tirania, por princípios
racionais, a situação francesa solidifica uma descrença moral. Ironicamente, foi concedido a
Schiller, em 1792, o título de Citoyen Français, por suas contribuições para a liberdade e
libertação dos povos, porém, este título apenas chegaria a suas mãos em 1798. A propósito
deste evento, Schiller diz em uma carta a seu amigo Körner que essa homenagem vinha “do
reino dos mortos” (BARBOSA, 2004, p. 20), referindo-se tanto as pessoas que foram
mortas, tal como Luís XVI, que em 1793 foi condenado a morte pela política dos “carrascos”,
como afirma Schiller, e, também, ao ideais mortos que subverteram os interesse coletivos
de fraternidade, igualdade e liberdade a posições estritamente egoístas.
O esclarecimento, do qual as camadas mais altas de nossa época não sem
razão se vangloriam, é apenas cultura teórica e mostra, tomado como um
todo, uma influência tão pouco enobrecedora sobre as convicções que
antes ajuda apenas a fazer da corrupção um sistema e torná-la
irremediável. Um epicurismo mais refinado e consequentemente começou a
sufocar toda a energia do caráter, e o grilhão das necessidade, cada vez
mais firmemente estrangulador, a aumentada dependência da humanidade
do elemento físico levou gradualmente a que a máxima da passividade e da
obediência doentia valha como a suprema regra de vida; daí a estreiteza no
pensar, a falta de força no agir, a lamentável mediocridade no produzir que,
para sua vergonha, caracterizam nossa época. (SCHILLER, 2009, p.76-77).
A critica severa à sua época e à cultura teórica, apresentada de modo ascético pelos
iluministas como a única forma de sair de um estado de heteronomia para a autonomia, é
pautada por um concepção abrangente das esferas do homem, este, antes de tudo,
pensado a partir de uma harmonia entre sua natureza sensível e racional. Por isso, o
problema presente tanto na França, como nos povos germânicos, não é meramente um
problema específico, mas, a rigor, é presente em todos os povos que pela razão se
divorciaram da natureza sensível, localizando-se na cultura.
Recorrendo a uma comparação muito freqüente em sua época, entre forma atual da
humanidade e a passada, Schiller, voltando-se em especial para as características
presentes na Grécia antiga, principalmente uma Grécia pautada pelos estudos de
Winckelmann, relacionará a nobre simplicidade e a grandeza tranqüila dos gregos, com a
humanidade de sua época.
A cultura grega espanta Schiller por manter, ainda que pela razão, uma relação harmônica
com a natureza. Nos gregos o mais longe que a razão fosse, sempre levava consigo a
matéria sem que a mutilasse. Diferente dos gregos, na modernidade, aonde apresenta-se
novas formas capitalistas pautadas pela produção industrial, a especialidade exacerbada,
conduziu a humanidade a uma situação fragmentaria, “entre nós a imagem da espécie está
nos indivíduos, aumentada e decomposta – mas não por misturas diversas e sim por
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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
fragmentos, de modo que é preciso indagar, indivíduo, após indivíduo, para reconstruir a
totalidade da espécie” (SCHILLER, 1963, p.47). Se no passado a imagem da espécie era
projetada no circulo dos deuses, formando uma totalidade de caracteres, nos quais os
gregos
se
reconheciam,
na
modernidade,
a
humanidade,
dilacerada,
isola-se,
desenvolvendo suas potências apenas de maneira residual.
Ainda que Schiller utilize de um método comparativo entre a humanidade atual e antiga, e,
disto infira uma depreciação da sensibilidade, sua leitura não se sustenta em um sentimento
nostálgico do passado, mas, elevando a nível ideal, o passado representa um padrão
estabelecido a fim de exercer a crítica da realidade. Porém, essa separação entre razão e
sensibilidade, era inevitável, pois este antagonismo é pressuposto para que haja nitidez no
conhecimento. Entendida como instrumento, esta fragmentação é o caminho apresentado
pela cultura, mas, apenas o caminho, visto que o homem não se realiza como tal enquanto
não estender a realização a todos os seus domínios.
Contudo, o que preocupa Schiller em seu texto é saber, visto que a fragmentação é real,
quais são os instrumentos qualificados para a constituição de uma nova totalidade. Essa
possibilidade, não advém do Estado.
Schiller diferencia-se de certas concepções teóricas que atribuem ao direito o papel de
instrumento para a constituição do estado moral. A solução apresentada advém da
superação da dilaceração no interior do homem. Logo, a possibilidade de constituição de
uma nova totalidade do sujeito depende da formação de um homem integro. Decerto, essa
formação não depende unicamente da capacidade intelectual do sujeito, a razão não deve
ficar de fora dessa tarefa, mas, apoiando-se em impulsos, isto é, forças vitais do coração,
deve almejar a formação do homem.
Propondo um movimento focado sobre a esfera do sensível, para que posteriormente seja
completada a tarefa pertinente a esfera do entendimento, Schiller assimila a noção de
Aufklärung como um processo no qual o caráter sensível deve preceder ao saber intelectual,
Não é suficiente, pois, dizer que toda ilustração do entendimento só merece
respeito quando reflui sobre o caráter; ela parte também, em certo sentido,
do caráter, pois o caminho para a cabeça precisa ser aberto pelo coração. A
educação do sentimento, portanto, é a necessidade mais urgente de nosso
tempo, não somente por ser um meio de tornar ativamente favorável à vida
o conhecimento aperfeiçoado, mas por desperta ela mesma o
aperfeiçoamento do saber. (SCHILLER, 1963, p.56).
A criação política não decorre de uma concepção unilateral do homem. A modernidade, por
isso, que traz em seu bojo um conceito humanista da razão, que implica todas as dimensões
do homem, isto é, sua dimensão ética, cientifica e estética, apenas se efetiva como tal, na
medida em que propõe uma radicalização de todas as esferas. A propósito da radicalização
da Aufklärung proposta por Schiller, Barbosa faz a seguinte elucidação:
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Tudo depende de uma mobilização da cultura como uma mobilização
integral das esferas de validade da razão, o que implica uma radicalização
da Aufklärung, a difícil tarefa formadora de conduzir o esclarecimento às
suas raízes: um conceito de razão uno rigorosamente diferenciado. (...) E se
ele estendeu sua critica a Aufklärung, foi para radicalizá-la pela exigência de
uma cultura da razão em todo o seu espectro de validade. A exigência de
uma cultura integral coincidia com a de uma cultura racional, pois racional é
somente aquele que mobiliza integralmente as formas da racionalidade.
Radicalizar a Aufklärung implicava assim superar a ênfase no
intelectualismo como expressão unilateral da cultura teórica, abrindo espaço
para uma mediação imprescindível à emancipação do homem das coerções
do reino da necessidade e à instituição da liberdade: o poder formador e
enobrecedor da arte e do gosto (BARBOSA, 2004, p.28-29).
A aproximação da estética à razão prática permite vislumbrar na arte, enquanto objeto da
beleza, um “instrumento” que possibilite a formação (em seu amplo sentido) da humanidade.
A arte possui uma força vital própria e indestrutível, na qual é desobrigada de tudo o que é
positivo e que foi introduzido pela convenção do homem, segundo Schiller, ela goza de uma
absoluta imunidade ante ao arbítrio humano.
Para Schiller, a arte é cidadã de dois mundos: ela possui sua existência no mundo sensível,
mas possui seu fundamento no supra-sensível. Isso significa dizer que a arte realiza ambas
as disposições encontradas na natureza humana. A natureza mista do homem,
representada por dois impulsos distintos, sensível e formal, em que o primeiro visa à
modificação e realidade da existência física e, o segundo, partindo do ser absoluto, visa
formar toda a modificação sensível concedendo unidade de acordo com a natureza racional,
somente em uma relação de reciprocidade entre os impulsos, o homem pode se realizar.
Isto porque, aonde um impulso subjuga a atuação do outro há um estado de heteronomia:
seja em uma dominação racional, que a racionalidade oprime a experiência sensível, ou,
como na determinação física, que tal como o selvagem, visa apenas às necessidades
imediatas.
Decerto, a arte, possuindo tanto uma forma racional quanto uma natureza
material, harmoniza em um terceiro impulso a natureza mista do homem. Este terceiro
impulso, no qual Schiller define como impulso lúdico, conjuga em si características do
impulso formal e sensível, a realização de ambos os impulsos de modo recíproco, são
levadas a efeito por sua atividade lúdica.
Enquanto o impulso sensível nos coage fisicamente e o formal moralmente,
aquele deixa contingente nossa disposição formal como este deixa a
sensível; isto quer dizer que será casual a concordância entre nossa
felicidade e a perfeição, ou a desta com aquela. (...) Na mesma medida em
que toma às sensações e aos afetos a influência dinâmica, fará que se
ajustem às idéias da razão, e na medida em que despe as leis da razão de
sua imposição moral, irá conciliá-las ao interesse dos sentidos (SCHILLER,
1963, p.78-79).
Posto em movimento, o impulso formal e sensível, forças que representam os dois domínios
distintos do homem, são harmonizados, segundo a exigência do espírito da filosofia
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transcendental, no domínio da estética. Pois enquanto impulso lúdico a beleza é sugerida a
partir do jogo entre as capacidades imanentes ao sujeito.
No jogo estético o homem encontra a concordância de suas duas naturezas. Pela a
aparência bela do objeto o homem supera a forma lógica em um domínio estético que é
desinteressado, porque não possui nenhuma finalidade, mas, enquanto sentimento regido
por uma finalidade sem fim, o homem é convidado pelo imperativo da beleza a concordar
consigo mesmo. A moralidade, como é apresentada segundo seu conceito puro, depende
unicamente do uso da razão mediante conceitos de liberdade que autodeterminam a
vontade humana. Essa operação pertence unicamente ao domínio do Razão. Mas, ao
aproximar o juízo estético da razão prática e elevar o seu domínio, propondo a arte como
cidadão de dois mundos – sensível e supra-sensível – Schiller possibilita vislumbrar um
estado, que ao aspirar à moralidade não atue segundo a coerção, mas pelo sentimento de
prazer ocasionado pela bela aparência, no qual a coerção da lugar a harmonia. Disso, o
homem realiza suas potencialidades enquanto um ser moral e sensível de modo integral.
No próprio seio do reino terrível das forças e em meio do sagrado reino da
lei, o impulso estético elabora silenciosamente um terceiro reino contente de
jogo e aparência, em que toma aos homens a carga de quaisquer
circunstancias, libertando-os de toda a necessidade moral ou física
(SCHILLER, 1963, p132).
Partindo do individuo para o todo, semelhantemente ao procedimento realizado pelo juízo
reflexivo, Schiller infere que somente a educação levada a efeito por uma concepção
estética, em que o individuo é harmonizado consigo, pode se realizar um estado moral. Mas
aqui não significa dizer que Schiller atribui à arte uma finalidade, pensando-a meramente
como um instrumento. Para ele, este instrumento ou estado estético é compreendido como
um reino que na insociável sociabilidade entre natureza moral e física, cria um terceiro reino
que possui ambas as características presente nestas “ilhas”. Schiller, como aponta em seu
texto, Sobre a utilidade moral dos costumes estéticos, posterior às Cartas sobre educação
estética da humanidade, a moralidade, assim como o gosto, deve possuir seu fim em si
mesmo, mas, ainda que os domínios sejam distintos, isso não significa dizer que o gosto
libertando do julgo do instinto, através da bela aparência, não possibilite que o estado
estético torne o homem mais nobre de modo que o anteceda no proceder ético. Decerto, o
individuo enobrecido pela bela aparência não incorre na intemperança, pois o homem
formado esteticamente representa conceitualmente a temperança.
Essa concepção de Schiller decorre muito mais de um pensamento extensivo, que busca
abarcar o homem como um todo, do que um pensamento intensivo que o decompõe em
partes, aprofundando-o sistematicamente. Contudo, o procedimento extensivo presente na
filosofia schilleriana opera segundo a relação recíproca, de modo que o extensivo não
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subsume as figuras particulares em nome de um universal, mas através do juízo estético a
filosofia de Schiller caminha segundo o limiar da Aufklärung. Caminho este, que repleto de
formas e figuras, faz com que o aventureiro identifique-se, sobretudo, em seu nobre
caminho.
Conclusão
A estética, segundo a concepção schilleriana, não se reduz a um mero ramo da Filosofia,
mas, concedendo à própria Filosofia um sentido estético, em que a razão e a sensibilidade
são reciprocamente pensadas a partir da mesma raiz – a Humanidade! – essa Filosofia
apresenta-se como um desenvolvimento metodológico que no seu anseio ético, alça seus
mais altos voos com um único sentido: a emancipação espiritual e física da humanidade!
Sua capacidade de voar só é dignificada na medida em que contemple a bela aparência
terrena. Assim, consideramos o compromisso com a liberdade, igualdade e fraternidade, em
que Schiller demonstra em seus textos, os motivos que o levou a questioná-los, isto porque,
para além de qualquer interesse privado, o esclarecimento apresenta-se como uma
condição universal. Contudo, este universal deve ser mediado por um interesse que parta,
essencialmente, do indivíduo, caso contrário, tal como na racionalidade puramente
intelectual, a livre manifestações particulares serão subjugadas. A arte em sua dupla
cidadania, imersa em uma sociedade cindida, guiada por interesses particulares que a si
mesmo se elegeram como a verdade, cumpre um papel fundamentalmente revolucionário.
Pois, sua expressão mais bem acabada atua na formação moral da humanidade,
conduzindo-os da heteronomia à autonomia.
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Contato: [email protected] e [email protected]
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Leandro Nascimento Pereira