Rita de Cássia Martins Montezuma Elisa Sesana Henrique F. Togashi Marcelo Campos Jacqueline Carlile Luiz Felipe Guanaes Rego Conectando cidades e florestas: o caso do município de Nova Iguaçu Corredor Ecológico: o conceito Tema recorrente nos debates ecológicos tem sido a questão da fragmentação dos ecossistemas e os mecanismos mitigadores dos efeitos resultantes do isolamento dos seus remanescentes. Como meio de conectar os espaços vegetados, sobretudo os de tipologia florestal, tem sido proposto a criação ou a recuperação de áreas de tipologia similar. Tais estruturas são denominadas Corredores Ecológicos. Corredores, no seu sentido mais amplo, são reconhecidos a partir de sua condição estrutural, ou seja, é uma faixa estreita que tem a função de interligar espaços. É definido como uma faixa que difere do seu entorno e permeia uma área1 (FORMAN, 1995), podendo ser isolado ou ligado a algum fragmento ou algum tipo de vegetação similar (FORMAN & GODRON, 1986). Forman (1995), atribuindo aos corredores de vegetação uma significativa importância para a sociedade, os distribui em seis categorias funcionais, a saber: 1 Como provedores de proteção à biodiversidade, incluindo habitats riparianos chave, espécies raras ou ameaçadas, espécies de ampla distribuição e rotas de dispersão para recolonização após extinções locais. 2Favorecem o manejo de recursos hídricos, como o controle de fluxos, de sedimentação, capacidade de armazenamento, limpeza da água, sustentação de populações de peixes e pesca. 103 Produto do trabalho de conclusão da disciplina Ecologia de Paisagem em conjunto com a disciplina Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto, ambas do Programa de PósGraduação em Geografia da PUC-Rio, com a colaboração do estudante de graduação em Geografia, Marcelo Campos 1 ”Corridors, as strips that differ from their surroundings, permeate the land”, Forman (2006). 3 Faixas lineares que aumentam a produção agroflorestal ao atuar como quebra-vento para cultivos e criações de animais, controle de erosão dos solos, provendo madeira e prevenindo a desertificação. 4 Como espaço recreacional, incluindo manejo de caça, conservação da vida selvagem para usufruir da natureza, caminhadas, ciclismo, canoagem e prática de esqui em cinturões verdes suburbanos. 5A coesão cultural e da comunidade pode ser estimulada a partir de cinturões verdes, os quais criam identidade de vizinhança promove corredores de vida selvagem cruzando estradas que concomitantemente inibem o desenvolvimento de faixas ao longo de estradas e funcionam como barreiras topográficas regionais que promovem a diversidade cultural. 6 Corredores fornecem rotas de dispersão para espécies isoladas em reservas da natureza e faixas costeiras ameaçadas pelo aumento do nível do mar em eventos de mudanças climáticas. Em termos gerias um corredor tem por principal função a transmissão, embora possam desempenhar o papel de proteção, estética, defesa ou de recurso. São exemplos de corredores estradas, cercas, linhas de transmissão, canais, etc. Independentemente de sua categoria, a função desempenhada pelo corredor é muito dependente de sua forma. A condição estrutural compreende, em princípio, uma tridimensionalidade que é identificada pelo conjunto altura, extensão e largura. Entretanto, a estrutura externa também é um fator determinante no funcionamento do ambiente interno do corredor, o qual pode apresentar uma entidade interna, como rios, canais, paredes, fossos, estradas, caminhos, fragmentos, etc, ou um ambiente interior. Esse conjunto, por sua vez, influencia e é influenciado pelas condições e características da matriz circundante. A condição estrutural dos corredores ecológicos tais como a relação à forma - razão perímetro área, extensão, curvilinearidade, rupturas e intersecções – e origem – corredores resultantes de distúrbios (estradas, linhas de transmissão, trilhas), remanescentes (resultante de desmatamento), ambientais (matas riparianas), regenerados (cercas vivas) e introduzidos (quebra-ventos) são determinantes para o desempenho das cinco funções ecológicas-chave: habitat, condução, filtro, fonte e depósito. (FORMAN & GODRON, 1986; FORMAN, 1995). No Brasil, a regulamentação dessas áreas se deu através do Projeto Corredores Ecológicos do Ministério do Meio Ambiente, o qual foi introduzido na legislação brasileira em 1997, no âmbito do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais no Brasil. A concepção adota pelo Ministério do Meio ambiente (MMA) trata os corredores ecológicos como “cordões de vegetação nativa que conectam fragmentos definidos como corredores ecológicos no Sistema Nacional de Unidades de 104 C onectando cidades e florestas … Conservação – SNUC”, nas Terras Indígenas (TI) e as áreas de interstícios entre estas e as Unidades de Conservação (UCs), podendo pertencer ao domínio público ou privado (MMA, 2009). Quando da sua criação a prioridade focou nos biomas da Amazônia e da Mata Atlântica, representando cerca de 25% das florestas tropicais úmidas do Brasil, dos quais cinco localizam-se na Amazônia (Corredor Central da Amazônia, Corredor Norte da Amazônia, Corredor Oeste da Amazônia, Corredor Sul da Amazônia, Corredor dos Ecótonos Sulamazônicos) e dois na Mata Atlântica (Corredor Central da Mata Atlântica e Corredor Sul da Mata Atlântica ou Corredor da Serra do Mar). A condição urbana: o conflito O Projeto Corredores Ecológicos do Ministério do Meio Ambiente teve como um dos principais critérios a integridade da paisagem natural. E aqui começa um conflito de gestão. Um dos muitos desafios ambientais que este artigo se propõe a analisar trata da questão da vulnerabilidade ambiental resultante de uma ocupação que, mesmo quando resultante de um planejamento territorial, ignora ou negligencia a importância da presença de áreas verdes como estruturas fundamentais à sustentabilidade ecológica urbana. No que tange à Mata Atlântica, cuja área original era de 1.315.460 2 km , 15% do território nacional, dados mais atuais do INPE e SOS MATA ATLÂNTICA, a partir da base de dados de 10 estados, o que corresponde a uma área avaliada de 122.475.103 km2 (93% do bioma), no período de 2005 a 20081, indicam que o desmatamento foi de 102.938 ha, com uma média de 34.121 ha.ano-1. Comparativamente à área original, a redução foi de 7,91%, o que equivale a 102.012 ha desmatados. Vale lembrar que na área territorial em foco concentram-se 61% do total da população brasileira, ou 112 milhões de habitantes dos 3.222 municípios do Brasil (58%), dos quais 2.294 têm a totalidade do território no bioma (IBGE, 2007; INPE, 2009). De acordo com os últimos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2009) há um déficit estimado de 8 milhões de moradias, provavelmente derivada do avanço do número de famílias associado à demanda do número de habitantes por domicílio. A isto se condiciona também, a infra-estrutura relacionada, correspondente ao saneamento básico, coleta de lixo, transporte e fornecimento de água, energia e escolas. Na deficiência de políticas públicas que visem a atender a essa demanda, sobretudo das classes sociais menos favorecidas, a exemplo do que a História tem demonstrado, a carência de moradia e da infraestrutura associada vem sendo parcialmente suprida a partir de diversos tipos de produção habitacional, desde autoconstruções em loteamentos regulares ou não, às produções públicas de habitação destinada às classes de mais baixo poder aquisitivo. 105 rita de cássia mar tins montezuma et al . 3 Levantamento realizado através de imagens dos sensores CCD/CBERS – 2 e TM/LANDSAT 5, escala 1:50.000. Em 1970 o Brasil possuía nove regiões metropolitanas. Em 2003 são registradas 26 unidades metropolitanas e a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal, cuja cidade principal tem um porte metropolitano. O estado do Rio de Janeiro integra uma das 26 unidades composta desde 2002, segundo a Lei complementar no 105, por 17 municípios: Rio de Janeiro, Belford Roxo, Duque de Caxias, guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica, Mesquita e Tanguá. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro a maior parte do contingente populacional é composto por população de baixa renda, em sua maioria vivendo em condições precárias. Segundo o Observatório das Favelas (2007), na década de 1990 as favelas do município do Rio de Janeiro apresentaram um crescimento populacional quatro vezes superior a média da cidade (2,65% e 0,67%, respectivamente), enquanto que no ano de 2000 os moradores das favelas apresentaram uma taxa de crescimento de 2,4% contra 0,74% da cidade, representando um total de 18,65% da população total do município, concentrados principalmente nas zonas norte e oeste, sendo que nesta última o número dobrou de 72.182 residentes em 1991 para 144.394 em 2000. Associe-se a isso a também crescente demanda de unidades habitacionais requerida por segmento social economicamente mais favorecido que tem resultado na expansão das cidades, em geral, por sobre áreas valorizadas pela proximidade de áreas verdes livres e/ou Ucs. O somatório desses processos resulta na franca expansão das cidades e das metrópoles, constrangendo crescentemente as áreas verdes de paisagem natural. Paisagens essas focadas com exclusividade no Projeto Corredores Ecológicos do MMA. Como pode ser observado na tabela 1, só no estado do Rio de Janeiro foram perdidos em torno de 1000 ha de florestas, sendo este o 8º Estado mais desmatado dos 10 analisados (tabela 1). Com a ampliação das cidades e metrópoles, via de regra de forma desordenada, os espaços urbanos tornam-se precarizados. Na medida em que sua condição geobiofísica não é avaliada, os processos ambientais inerentes às características próprias da morfologia espacial que encerram são gradativamente alterados. Alteração na rede hidrográfica, processos erosivos, respostas imediatas aos inputs pluviométricos extremos, ilhas de calor, poluição do ar e sonora, desconforto visual, dentre outros, são parte das conseqüências observadas na substituição das coberturas vegetais originais por novas estruturas, sem um planejamento territorial correto. E não é desnecessário lembrar que parte dessas condições são espacialmente associadas aos grupos sociais menos favorecidos. Quanto menor a renda mais precária são as condições de habitabilidade da população. 106 C onectando cidades e florestas … Tabela 1: Remanescentes florestais da Mata Atlântica – ano base 2008. Fonte: fundação SOS Mata Atlântica, adaptado. UF AL*** Área (ha) Área bioma Mata Atlântica (ha) Bioma Mata Atlântica (%) Floresta (ha) Floresta (%) Mangue (ha) Restinga (ha) Remanescentes florestais totais (ha) Remanescentes florestais totais (%) 2.811.248 1.495.461 53 148.633 9,94 3.655 2.786 155.074 10,37 BA 56.557.948 18.875.009 33 1.581.985 8,38 56.903 22.285 1.661.173 8,80 CE** 14.637.598 910.698 6 60.616 6,66 17.180 74.953 152.750 16,77 4.616.591 4.614.841 100 475.600 10,31 7.048 25.677 508.325 11,01 ES GO 34.127.08 1.051.422 3 37.649 3,58 37.649 3,58 MG 58.697.565 27.235.854 46 2.637.150 9,68 2.637.150 9,68 MS 36.193.583 6.366.586 18 360.215 5,66 360.215 5,66 PB* 5.691.967 667.185 12 68.763 10,31 68.763 10,31 PE** 9.929.608 1.808.779 18 222.162 12,28 12.920 PI 25.154.438 2.647.038 11 NM NM NM PR 20.044.406 19.667.485 98 1.937.663 9,85 RJ 4.383.523 4.394.507 100 807.810 18,38 10.809 42.822 6.787 RN* 235.082 13,00 NM NM NM 33.507 100.514 2.071.685 10,53 861.441 19,60 11.992 51.038 18,84 2.519 1.008.144 7,33 5.364.113 343.867 6 32.259 9,38 RS 28.403.078 13.759.380 48 1.005.625 7,31 SC 9.565.484 9.591.012 100 2.151.732 22,43 11.931 79.695 2.243.358 23,39 SE*** 2.214.690 1.197.878 54 90.069 7,52 22.254 1.807 114.129 9,53 24.873.203 16.918.918 68 2.305.583 13,63 23.992 206.279 2.535.854 14,99 SP NM = Não Mapeado Fonte SNE, ano base 2002 ** Fonte SNE, ano base 2004 *** Fonte SNE, ano base 2005 A importância dos sistemas de espaços livres na matriz urbana e na interface urbana-rural Neste contexto, associando-se a condição social ao espaço físico, verifica-se que na área correspondente ao domínio do bioma Mata Atlântica, particularmente focando na região metropolitana do Rio de Janeiro, observamos que a deficiência de áreas próprias à ocupação humana, associada aos fatores sócio-econômicos específicos, tem resultado em duas formas de concentração de áreas florestadas: a) Grandes áreas, superiores a 1000 ha – situadas em áreas montanhosas, gradativamente isoladas por áreas rurais e urbanas (Serra dos órgãos, Serra do Mar, p. ex., figura 1), ou totalmente imersas em matrizes urbanas (Maciços da Tijuca, Pedra Branca e Gericinó-Mendanha) e b) fragmentos de áreas reduzidas, inferiores a 1000 ha, localizados em topos de morros bem alterados ou em áreas planas, algumas periodicamente ou permanentemente alagáveis (figura 2). 107 rita de cássia mar tins montezuma et al . Figura 1: corredor de biodiversidade da Mata Atlântica. Fonte: SOS Mata Atlântica (2009), adaptado. Mata Restinga Mangua Áreas Urbanas Lei 11.428/00 da Mata Atlântica Desmatamentos 2005-2006 108 C onectando cidades e florestas … Figura 2: Cobertura vegetal na região metropolitana do Rio de Janeiro. Fonte: Fundação CIDE (2003). 109 rita de cássia mar tins montezuma et al . Entretanto, o estado de preservação dessas áreas florestadas nem sempre correspondem àquelas recomendadas à preservação da biodiversidade. Mesmo as áreas de maior tamanho muitas vezes são grandes mosaicos sucessionais, que espelham as marcas das múltiplas territorialidades que vêm se sobrepondo em face de sua condição de bem comum: trilhas, santuários, estradas, sítios, áreas de lazer, de extrativismo de espécies medicinais, ritualísticas, ornamentais, caça, estudos científicos, espaços religiosos, etc. Como demonstram os dados da Fundação SOS Mata Atlântica (2009), cerca de 76% dos fragmentos presentes no domínio do bioma Mata Atlântica são inferiores a 10 ha. Em termos de preservação da biodiversidade, constituem áreas de formação secundária com predomínio de espécies de borda, por conta da razão perímetro-área e exóticas, devido à condição de vizinhança e/ou a introdução a partir dos múltiplos usos. Some a isto os espaços urbanos da região metropolitana, os quais contribuem de forma significativa com áreas verdes constituídas majoritariamente por espécies exóticas introduzidas para fins agrícolas, como no caso das hortas urbanas e peri-urbanas (ARJONA et al., 2007). Atualmente estima-se que a agricultura urbana é praticada por cerca de 800 milhões de pessoas no mundo todo (FERREIRA & CASTILHO, 2007). Além destas, a arborização de parques e ruas, jardins e quintais contribuem para a composição verde urbana (SANTOS, 2006; LINDENMAIER & SANTOS, 2008; SIQUEIRA, 2008), refletindo os modelos paisagísticos que vigoraram desde o período colonial ou, simplesmente, as múltiplas territorialidades urbanas derivadas de uma sociodiversidade ampla. Na arborização da cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, Santos (2006) registrou um total de 20 espécies nativas e quarenta exóticas em um levantamento realizado em 1.701 ruas da cidade do Rio de Janeiro. As espécies mais comuns encontradas na maior parte da cidade são as espécies exóticas Terminalia cattapa (amendoeira), Delonix regia (flamboyant), Licania tomentosa (oiti), Pachira aquatica (munguba), Ficus microcarpa (figueira), dentre outras, como já registrado por outros estudos em diversos bairros da cidade (SIQUEIRA, 2008). Do ponto de vista ecológico há que se ressaltar que tais espécies além de representar um importante papel na regulação de fatores físico-químicos importantes no ambiente como maior infiltração da chuva, amenização climática e redução de poluentes, em muitos casos servem como habitat e de alimento tanto para parte da fauna urbana como também para uma fauna transiente das áreas florestadas adjacentes (CIELO-FILHO & SANTIN, 2002). Nesse aspecto vale ressaltar que a vegetação dos banhados muito comum nas áreas de baixada abriga sazonalmente uma fauna migratória proveniente de áreas temperadas. Estes fluxos bióticos entre diversas áreas desempenham um importante papel na dispersão e polinização de espécies. Cielo Filho e 110 C onectando cidades e florestas … Santin (2002) chamam a atenção para o fato de que a maioria das espécies arbóreas tropicais são alógamas obrigatórias e, se não apresentarem vetores de polinização e/ou dispersão de longo alcance espacial, certamente serão extintas localmente. Em um levantamento realizado por Ribas et al. (2005) em 15 ha na Floresta da Tijuca/RJ, foi observado que 72% das espécies eram consideradas raras (com até 2 indivíduos) e 71% eram zoocóricas. A depleção da fauna nas florestas urbanas associada à ausência de áreas contendo essas espécies em um curto alcance espacial as submetem a um alto risco de extinção. A paisagem de Nova Iguaçu: entre maciços e quintais Com uma altitude média de Nova Iguaçu é de 25 metros acima do nível do mar e está nas coordenadas centrais 22°45’33’’Sul e 43°27’04’’Oeste e clima tropical úmido com temperatura média anual de 21,8°C e precipitação média anual de 2.105,1 mm, as áreas verdes de Nova Iguaçu estão distribuídas, basicamente, em três unidades de relevo: ao norte, está a serra do Tinguá e a sudeste a serra de Madureira. Entre estas serras encontra-se uma planície em que a paisagem pré-urbanização era composta basicamente por brejos (BONDUKI, 2006; PINTO SOBRINHO, 2007). Está situada em uma área constituída por duas principais bacias hidrográficas: a do Rio Iguaçu e a do Rio Sarapuí que tem sua drenagem na Baía de Guanabara. Um dos grandes problemas de Nova Iguaçu é a ocupação em áreas de preservação permanente (APPs) das margens dos rios, córregos e canais; além de encostas de morros. Em relação às unidades de conservação (UCs), a REBIO Tinguá, situada ao norte, apresenta um razoável estado de conservação próximo as áreas rural/ urbana. Ao sul está o maciço do Mendanha/Gericinó. A menor distância em linha reta entre a REBIO e o Mendanha/ Gericinó é de cerca de 5 km. O Tinguá ocupa uma grande parte do município e o Mendanha/ Gericinó tem sua maior e mais preservada parte no Rio de Janeiro. Atualmente, segundo a prefeitura, mais de um terço do município é coberto por floresta atlântica e 67% são áreas de proteção ambiental. No entanto, o estado de conservação destes remanescentes deve ser considerado. Como toda região metropolitana grande parte do município de Nova Iguaçu possui uma ocupação concentrada nas partes mais baixas do relevo. Dado seu processo histórico de formação, a paisagem do município guarda os relictos dos seus ciclos econômicos e suas resultantes ambientais expressos na composição de suas florestas e das áreas que hoje constituem o sistema de espaços livres de ocupação: pastagens, campos antrópicos, matas degradadas e margens de rios ocupadas. Associa-se a isso uma população de 755 mil habitantes, caracterizada majoritariamente por ser jovem (53,65% entre 20 e 59 anos), com renda média de até 3 salários mínimos (73%), segundo censo do IBGE de 2000. 111 rita de cássia mar tins montezuma et al . A conjugação desses dados se revela em uma paisagem pouco verticalizada estruturalmente e com grande parte dos domicílios com 1 a 2 pavimentos, muitos dos quais sendo autoconstrução (figura 1). Entretanto, de um modo geral, pode-se considerar que a paisagem de Nova Iguaçu é predominantemente verde: verde de quintais, dos maciços e das inúmeras áreas onde o uso agrícola foi abandonado ou reduzido, com muito pouco representado pela arborização dos seus parques e ruas. A seguir, o quadro 1 e a figura 2 mostram as UCs de Nova Iguaçu onde podem ser observados os principais conflitos sobre uso do solo em Nova Iguaçu. Como pode ser observado na figura 2, a área urbana do município ocupa preferencialmente a planície sedimentar, que se caracteriza por ser a região de maior densidade ocupacional e maior verticalização. Portanto, a ocupação urbana encontra-se no centro, interferindo diretamente no maciço do Mendanha/Gericinó. Os bairros com a população de maior poder aquisitivo estão concentrados exatamente entre o começo das encostas e a planície, na interseção do maciço com a área urbana. Figura 1: a espacialização da ocupação humana no município de Nova Iguaçu, observados a partir das edificações e da densidade de ocupação. Fonte: Plano Diretor Participativo do município de Nova Iguaçu. 112 C onectando cidades e florestas … Quadro 1: Áreas de proteção ambiental de Nova Iguaçu. Fonte: (BONDUKI, 2006. p.9) Unidade Legislação Vegetação Principais Problemas Reserva Biológica de Tinguá Decreto no 97.780 de 23/05/1989 Federal Floresta de Mata Atlântica Desmatamento, Ocupações Irregulares, Caça Ilegal, Pressão urbana Mendanha/ Serra de Madureira Lei no 1.331 de 12/07/1988 Estadual Floresta de Mata Atlântica Desmatamento, Ocupações Irregulares, Caça Ilegal, Pressão Urbana, Poluição por Esgotos. Parque Municipal de Nova Iguaçu Lei no 6.001 de 05/06/1998 Municipal Floresta de Mata Atlântica Ocupações Irregulares, Pressão urbana, Desmatamento. Área de Especial Interesse Decreto no 6.383 de Ambiental do Morro Agudo, 08/08/2001 Municipal 271,34ha Resquícios de Mata Atlântica secundária Ocupações Irregulares, Pressão Urbana, Desmatamento, Queimada APA Ilha do Tarzan, 870,12ha Decreto no 6.383 de 08/08/2001 Municipal Vegetação de Taboa e Iguapé e alguns resquícios de Mata Atlântica secundária Poluição por esgoto, Areal, Desmatamento, Queimada APA Morro de São José, 1102,76ha Decreto no 6.489 de 06/06/2002 Municipal Resquícios de Mata Atlântica secundária Desmatamento, Queimada, Pressão Urbana, Ocupações Irregulares APA Rio D’Ouro, 3.112.466 ha Decreto no 6.490 de 06/06/2002 Municipal Resquícios de Mata Atlântica secundária Desmatamento, Queimada, Ocupação Irregulares APA Iguaçu-Tinguá, 3.5.331,975 ha Decreto no 6.491 de 06/06/2002 Municipal Resquícios de Mata Atlântica secundária Desmatamento, Queimada, Ocupações Irregulares APA do Rio São Pedro de Jaceruba, 2.474.480 ha Decreto no 6.492 de 06/06/2002 Municipal Resquícios de Mata Atlântica Municipal, Desmatamento, Queimadas, Ocupação irregular APA Geneciano, 1.026,86 ha Decreto no 6.493 de 06/06/2002 Municipal Resquícios de Mata Atlântica secundária Desmatamento, Queimadas, Ocupações irregulares No caso do Tinguá, entre a REBIO e a área urbana, há uma ocupação rural que ameniza um pouco os efeitos do impacto urbano mais drástico. O que não quer dizer que uma ocupação menos densa não traga transformações. A parte sudoeste de Nova Iguaçu também pode ser considerada rural. De todo modo, como podemos observar a seguir, as principais unidades vegetacionais de Nova Iguaçu são um mosaico de diferentes tipologias sucessionais e que contém um conjunto de espécies que podem ser categorizadas como nativas, nativas manejadas, exóticas introduzidas e invasoras. Mesmo em áreas com excelente desenvolvimento vegetacional há espécies que demonstram a ação direta ou indireta do homem. 113 rita de cássia mar tins montezuma et al . 1) REBIO Tinguá A Reserva Biológica (REBIO) Tinguá possui cerca de 26.000 ha com cobertura vegetal predominantemente de floresta ombrófila densa. A média de altura do extrato arbóreo é de 30 metros, principalmente no fundo de vale em que lianas e epífitas estão presentes em quantidade significativa. Nas porções superiores das encostas, as áreas de floresta secundária tardia são menos densas, atingindo de 20 a 25 metros (SOUZA, 2003). Uma proporção de 58,6% de nativas, 20,7% de espontâneas (ruderais) e 20,7% de cultivadas foi apontada por Pinto Sobrinho (2007). O estudo realizado por Jesus (2009), nos fragmentos próximos às aberturas de dossel mantidas pela presença de dutos da Petrobrás, confirmou a efetiva influência do efeito de borda nos remanescentes principalmente relacionadas ao tempo do distúrbio e distância da matriz. O que permite a hipótese de que o mesmo processo possa ocorrer em outra área do mesmo maciço. As espécies mais encontradas na área são: vinhático (Plathymenia sp), o angico (Piptadenia macrocarpa), o jacaratirão (Miconia sp) e algumas espécies de canelas (Nectranda sp e Ocotea sp), os jequitibás (Cariniana legalis), os jatobás (Hymenaea altíssima), as sapucaias (Lecythis pisonis), o pau-pereira (Geissospernium leave), a maminha de porca (Zanthoxylum rhoifolium) e densas moitas de bambu (Bambusa sp) e o bambu gigante (Dendrocalamus giganteus). Entre os cipós estão: o cipócruz (Arrabidea sp), cipó-cabloco (Davilla rugosa), cipó-cabeludo (Mikania setigera), cipó-imbé (Philodendron sp) e cipó-cravo (Thynanthus fasciculatus) (SOUZA, 2003). Jesus (2009) encontrou abundância de Euterpe edulis, Guapira opposita, Gomidesia spectabilis, Myrceugenia myrcioides, Psychotria Glaziovii, Miconia cubatanensis, Cupania oblongifolia, Bathysa gymnocarpa, Duguetia microphylla e Licania sp1. As espécies mais comuns nas áreas caracterizadas pela ação antrópica são: garapas (Apuleia leiocarpa), embaúbas (Cecropia hololeica), jabuticabeiras (Myrciaria cauliflora), jameleiros (Syzingium jambolana), cambucazeiros (Marlierea edullis), fruta-pão (Artocarpus altilis) e jaqueiras (Artocarpus heterphyllus). Nos morros baixos, predominam esparsos arbustos de guaximba (Sida sp), alecrim (Heterothalamus sp), araçá (Psidum sp) e aroeiras (Scinus terebenthifolius). Pequenos plantios de banana (Musa paradisíaca) estão presentes no entorno das represas de captação de água do subsistema Serra Velha (SOUZA, 2003). Pinto Sobrinho (2007) adiciona a estes, os cultivos para abastecimento local de mandioca (Manihot sculenta), goiaba (Psidium guajava) e mamão (Carica papaya), além de oleaginosas, em geral. Entre espécies raras, Souza (2003) destaca 06 indivíduos de tapinhoã (Mezilaurus navalium), um tipo raro de canela. Presença confirmada por Lima (2002, apud PINTO SOBRINHO, 2007) que aponta ainda outras espécies raras: Manilkara salzmannii (maçaranduba), Myrocarpus frondosus (óleo-pardo ou cabreuva), Aspidosperma ramiflorum 114 C onectando cidades e florestas … (guatambu), Peltogyne angustiflora (pau-roxo), Teminalia januarensis (mirindiba), Ocotea odorífera (canela-sassafrás), Copaifera lucens (óleocopaíba) e Pradosia kuhlmannii (casca-doce). Pinto Sobrinho (2007) e Lima (2002) observaram ainda: Cedrella odorata (cedro), Copaífera langsdorffii (copaíba), Copaifera trapezifolia (copaíba-verdadeira), Cybistax antisyphilitica (ipê-cinco-folhas), Malouetia arborea (esperta-roxa) e Stifftia chrysantha (candeia, rabo-de cutia). Virola gardineri (bicuiba verdadeira), Virola oleifera (bicuiba). 2) Floresta de Nova Iguaçu Localizada na área da bacia do rio Guandu foi intensamente desmatada para a expansão agropecuária e urbana. Restaram apenas poucos remanescentes da cobertura vegetal anterior, que era constituída por floresta ombrófila densa e floresta estacional decídua, do domínio mata atlântica. Estes remanescentes, cerca de 13.500 ha em 1998, estão atualmente restritos à área da Reserva Biológica do Tinguá (SALAMENE, 2007). Salamene (2007) verificou no entorno do rio Guandu, secção Nova Iguaçu, uma ocupação prioritariamente de várzeas e agricultura. Nesta área, o rio corre em uma planície aluvionar tornando-se mais adiante em uma várzea fluvial (Figura 2). A altitude varia entre 5 e 20 m. De acordo com a lei n° 4.771, mata ciliar e as margens de rio,são áreas de proteção permanente (APPs) destinadas à proteção integral, ou seja, é proibida a sua alteração. Dependendo da largura do curso d’água, esta faixa de proteção varia entre 30m até 500m. No entanto, é observável que no entorno do rio Guandu fragmentos remanescentes de mata ciliar com menos de 1 ha são a maioria quase absoluta. Fragmentos com mais de 3 ha são encontrados em número bem reduzido. Ecossistemas degradados como este formam um verdadeiro mosaico de ilhas sendo altamente suscetíveis a distúrbios, sofrendo ainda os efeitos da ação de efeito de borda e redução de conectividade na matriz em que estão inseridos. Na várzea fluvial, a vegetação bem característica de herbáceas higrófilas, resistentes às inundações, apresenta grandes quantidades de Typha sp (taboa), Costus spicatus (Jacq) Sw. (canaviera-do-brejo), Panicum sp (capim-de-planta) e Eichhornia crassipes (Mart.) Solms (gigoga). Nesta área, várzeas e pastagens predominam enquanto que o uso urbano-industrial e agricultura têm baixa potencialidade por alagamento. Outro fator determinante é a presença de duas barragens da CEDAE, uma em cada lado da ilha da CEDAE. Além das espécies herbáceas, foram encontradas as espécies arbóreas Cecropia hololeuca Miq. (embaúba), Croton sp, Trema micrantha (L.) Blume (grandiuva), Colanum Argenteum Dunak (joá-manso), Inga edulis (ingá), Guarea guidonia (carrapeta), Psidium grajava (goiabeira), as exóticas Mangifera indica (mangueira) e Artocarpus heterophyllus (jaqueira). A presença de pioneiras 115 rita de cássia mar tins montezuma et al . e invasoras abre espaço para a hipótese de que os remanescentes vêm sofrendo muitas pertubações (SALAMENE, 2007). Na área de planície aluvionar, a agricultura é o uso predominante, seguido das pastagens. Há na região grandes propriedades rurais produtoras de coco e banana. Um bom estado de preservação se relacionado ao entorno foi encontrado aqui. Próximo à ilha da CEDAE a espécie mais encontrada foi a Guarea guidonea (carrapeta). A espécie Peltophorum dubium (canafístula) também é representativa. As demais espécies apresentaram baixa representatividade. 3) Gericinó-Mendanha Na serra do Gericinó-Mendanha há uma UC, com 1.100 ha, o Parque Municipal de Nova Iguaçu, localizado em uma área conhecida como Gleba Modesto Leal, na parte ocidental do maçico. A mata presente pode ser classificada como floresta ombrófila densa, pertencente ao domínio mata atlântica. Cerca de 60% do maciço ainda apresenta bom estado de conservação, com os outros 40% altamente antropizados. As fazendas que integravam a Gleba Modesto (D. Eugênia, São Felipe e Mata Fome) no final do século passado, constituem na atualidade algumas das áreas mais afetadas pela ação humana, além do entorno da estrada da Cachoeira. As áreas florestais mais preservadas encontram-se nos vales das cabeceiras do rio D. Eugênia e em outros lugares com cotas altimétricas mais elevadas e difícil acesso (NOVA IGUAÇU, 2001). Na encosta norte do maciço, a ocupação seguiu o ritmo ditado pelos grandes ciclos econômicos da área. A lavoura de cana de açúcar no século XVI foi substituída pela cafeicultura, seguida então da citricultura até a exaustão dos recursos no século XX. Atualmente a paisagem é constituída de pastagens e algumas pedreiras na base da serra (CORTINES et al. 2004.). Spolidoro (1998) confirma a presença de capinzais relacionados à ação humana. A presença diferenciada de espécies na composição florística foi verificada tanto em Nova Iguaçu (2001) quanto por Cortines e colaboradores (2004), com uma maior diversidade nas áreas menos antropizadas. Nas pastagens e campos antropizados há uma dominância do capim gordura (Melinis minutiflora) e do capim colonião (Panicum maximum). Nas formações pioneiras ou iniciais, encontram-se espécies ruderais e invasoras como (Lantana camara), mamona (Ricinus comunis), picão (Bidens pilosa), oficial-de-sala (Asclepias curassavica), bunda de nego (Thunbergia alata), o alecrim (Baccahris dracunculifolia), os assapeixes e os cambarás (Vernonia spp e Eupatorium spp). Em altitudes mais altas: a candeia (Gochnatia polymorpha), as pixiricas (Miconia albicans e Leandra sp), além de Aegyphila sellowiana, Croton floribundus, Croton urucurana, Schinus terebinthifolius, Trema micrantha e Cecropia lyratiloba (NOVA IGUAÇU, 2001). 116 C onectando cidades e florestas … Há ainda espécies introduzidas durante os grandes ciclos econômicos como o café (Coffea arabica), bananeira (Musa paradisiaca), limoeiros e laranjas (Citrus spp); árvores utilizadas na arborização urbana e em reflorestamentos como o pau-rei (Pterigota brasiliensis), fedegoso (Cassia grandis), sombreiro (Clitoria fairchildiana), flamboyant (Delorix regia), samã (Pithecellobium samam), eucaliptos (Eucalyptus spp) e ciprestes. Algumas frutíferas: jambo-rosa (Syzygium jambos), goiabeira (Psidium guajava), jaqueiras (Artocarpus integrifolia), abacateiro (Persea gratissima), mangueiras (Mangifera indica); plantas ornamentais, principalmente nas proximidades do Casarão e ao redor das ruínas do clube D. Felipe e há ainda trechos de antigas cercas vivas (Hibiscus sp, Malvaviscus sp, etc.), bem como dracenas (Dracena rubra, D. fragans, etc.) e algumas palmeiras exóticas (NOVA IGUAÇU, 2001). Nas formações secundárias iniciais e tardias, o jacatirão (Miconia cinnamomifolia) e o angico (Pseudopiptadenia contorta) são dominantes. Nos trechos de floresta secundária inicial, as árvores não ultrapassam os 14 m, com dossel em torno dos 10m. Há pouca presença de bromélias e orquídeas. Estão presentes trepadeiras agressivas como o arranha-gato (Acacia lacerans). As árvores do estrato superior são: Sapium glandulatum, Croton floribundus, Croton urucurana, Cybistax antisyphilitica, Erytroxylum pulchurum, Alseis floribunda, Pyschotria sellowiana, Albizia polycephala e Siparuna arianae. Acima deste estrato encontrase: Alchornea triplinervia, Sparattosperma eucanthum, Senna multijuga, Miconia cinnamomifolia, Tibouchina mutabilis, Pseudopiptadenia contorta e Piptadenia gonoacantha, entre outras (NOVA IGUAÇU, 2001). Além do jacatirão e angico, entre as espécies consideradas secundárias tardias estão presentes em estrato de 10 a 25 m: grande número de palmeiras (Astrocaryum aculeatissimum, Geonoma sp e Euterpe edulis), além de Psychotria nuda, Posoqueria acutifolia, Rheedia gardneriana, Piper rivinoides, Rollinia laurifolia, Annona cacans, Erytroxylum pulchurum, Sorocea guilleminiana, Dahlstedtia pinnata. Em um estrato arbóreo intermediário: Apuleia leiocarpa, Astronium graveolens, Spondias lutea, Alchornea triplinervia, Senna multijuga, Cassia ferruginea, Cordia trichotoma, Pterocarpus rohrii, Schizolobium parhayba, Andira fraxinifolia, Platycyamus regnellii, Myrocarpus frondosus, Cecropia hololeuca, Chorisia speciosa, Gallesia integrifolia, Marlierea edulis, Inga edulis, Piptadenia gonoacantha, Pouroma guianensis, Abarema brachystachya, Jacaratia spinosa, Euterpe edulis. Com as copas mais elevadas: Miconia cinnamomifolia, Pseudopiptadenia contorta, Pseudopiptadenia inaequalis, Pterocarpus rohrii, Chorisia speciosa, Cabralea canjerana, Cedrela fissilis, Centrolobium robustum, Tachigali paratyensis , Astronium graveolens, Moldenhawera polysperma, Lecythis lanceolata, Geissospermum vellosii, Jacaratia spinosa, Virola oleifera, Cabralea canjerana, Centrolobium robustum, Cariniana estrellensis, e plântulas do gênero Dicksonia (samambaiaçu). Aqui as epífitas se mostram presentes (NOVA IGUAÇU, 2001). 117 rita de cássia mar tins montezuma et al . Nas formações maduras, encontramos alturas entre 20 e 30 m. A espécie com maior ocorrência de densidade é o palmito jussara (Euterpe edulis). As espécies são praticamente as mesmas encontradas nas formações secundárias tardias, mas há uma redução no número de indivíduos de jacatirão, angico e pau-jacaré (Piptadenia gonoacantha). Nestas matas mais preservadas, há maior ocorrência de espécies raras. Podese ainda, somar as seguintes espécies às já citadas: Dalbergia nigra, Mezilaurus navalium, Hymenaea courbaril var. altssima, Virola gardneri, Virola oleifera , Copaifera trapezifolia, Copaifera lucens, Cariniana legalis e Cariniana estrellensis, Geissospermum vellosii, Enterollobium glaziovii, Cedrela fissilis, Peltogyne angustiflora, Pradosia kullmanii, Pouteria cf. torta (NOVA IGUAÇU, 2001). Conectando a cidade aos maciços: uma proposta para a paisagem Diante do exposto, verifica-se que as unidades vegetadas que identificamos na paisagem atual são resultantes de uma transformação do sistema natural pré-antrópico como também são produtos da percepção, escolha e ação humana, as quais determinam as decisões políticas, econômicas e culturais que afetam as mudanças nos sistemas ecológicos. Em assim sendo, cabem as seguintes questões: Qual é o efeito da urbanização (e das cidades) na ecologia dos organismos presentes nas UC e nas áreas vegetadas da cidade e no seu entorno (área de influência)? Como se caracteriza o gradiente urbanorural-UCs em termos dos efeitos sobre os processos ecológicos? Que mudanças podem ser detectadas na substituição espaço-temporal do uso do solo sobre as populações residentes na cidade e no seu entorno? Que ações e processos humanos favoreceram o padrão atual da paisagem? A questão principal que colocamos a partir dessa reflexão é: que paisagem queremos ter? Se há benefícios à ocupação humana, como podemos sugerir ações que garantam a qualidade de vida urbana e ao mesmo tempo minimizem o impacto dessa mesma ocupação sobre as UC? A gestão do espaço geográfico do município não pode ignorar as necessidades imediatas da sociedade que nele reside, mas, tampouco pode omitir a importância da preservação dos sistemas de áreas verdes que compõe tais espaços e com os quais em diferentes graus esta mesma sociedade se relaciona. De acordo com o Plano Diretor Participativo da cidade de Nova Iguaçu (2008), capítulo IV, artigo 11, a política territorial municipal terá como objetivo “criar e resgatar a identidade do cidadão em sua relação com a cidade, ampliando a auto-estima dos iguaçuanos” e estabelece como um dos objetivos (IV) identificar, qualificar e valorizar os marcos históricos e ambientais do município, estimulando sua visitação pelos cidadãos e por turistas e 118 C onectando cidades e florestas … (VII) reforçar a vocação ambiental como elemento de identidade do município valorizando locais que são referência positiva para os moradores da Cidade de Nova Iguaçu. Portanto, consideramos como uma das ações possível é repensar o modelo de intervenção urbana de modo a reduzir o fluxo de espécies que comprometem a médio prazo o equilíbrio ecossistêmico das principais unidades vegetacionais do município, sobretudo aquelas que fazem parte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Na figura 4 podemos observar que a distância menor entre as duas principais UCs do município, REBIO Tinguá e Parque Municipal de Nova Iguaçu, compreende uma área de, aproximadamente, 298 km2 dos cerca de 520 km2 da área total do município, envolvendo 27 dos 70 bairros (Tabela 1). Dois desses bairros constituem áreas não abairráveis, segundo legislação municipal e correspondem a pouco mais de 192 km2. Embora esteja inserida no segmento de maior densidade urbana do município (figura 5), uma intervenção urbana que considerasse um modelo de arborização de ruas, parques e jardins públicos, e o fomento à população para a utilização de espécies nativas nos espaços privados, tais como jardins, escolas e quintais, poderia constituir um corredor arbóreo-arbustivo de forma a melhor conectar tais áreas à cidade, na escala espacial do município, e, ao mesmo tempo, conectar ambientalmente o município ao seu contexto paisagístico, o qual está inserido na área correspondente ao Corredor de Biodiversidade da Mata Atlântica. Este corredor urbano poderia constituir um Sistema de Áreas Verdes de Nova Iguaçu, nos termos previstos nos artigos 126 e seguintes, do Projeto de Lei s/n de 2008, que consiste na proposta para o novo Plano Diretor do Município de Nova Iguaçu, que propõe a criação de corredores ecológicos que liguem as Unidades de Conservação existentes no município. Sistema semelhante encontra-se previsto pelos artigos 22 e seguintes da Lei n. 2.668, de 03 de dezembro de 1997, que estabelece as diretrizes de política municipal de meio ambiente. Tendo em vista que não há nos Planos de Manejo das referidas Unidades de Conservação nem na legislação ou planos urbanísticos municipais uma definição acerca de quais Unidades de Conservação existentes no município devem ser ligadas pelo corredor ecológico em questão, os autores associaram as disposições legais existentes na esfera federal (BRASIL, 2000)i e (BRASIL, 1996)ii, à estrutura e função da paisagem para traçar a faixa de distância mais curta (FORMAN, 1995; GRIMM, 2000; COLDING, et al., 2006) entre as fronteiras das Unidades de Proteção Integral (BRASIL, 2000) existentes no município, quais sejam, ao norte, a Reserva Biológica do Tinguá (BRASIL, 1989)iii, e, ao sul, o Parque Municipal de Nova Iguaçu (NOVA IGUAÇU, 1998)iv, em largura de aproximadamente 5 km, com 76,487m2 de área. 119 rita de cássia mar tins montezuma et al . i BRASIL. Lei n. 9.985, de 18 de setembro de 2000. “Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências”. DOU de 23/08/2002. Disponível em <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Leis/L9985. htm>. Acesso em 12 de abr. de 2009. artigos 2º, inciso XIX e 25. Artigo 25 “Art. 25. As unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecológicos § 1o O órgão responsável pela administração da unidade estabelecerá normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos de uma unidade de conservação. § 2o Os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos e as respectivas normas de que trata o § 1o poderão ser definidas no ato de criação da unidade ou posteriormente.” ii BRASIL. Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) n. 09, de 24 de outubro de 1996. Disponível em < http://www. mma.gov.br/port/conama/ res/res96/res0996.html>. Acesso em 21 de abr. de 2009. iii BRASIL, Decreto Federal no 97.780 de 23/05/1989. Cria a Reserva Biológica do Tinguá. iv NOVA IGUAÇU, Lei Municipal no. 6.001 de 05/06/1998. Cria o Parque Municipal de Nova Iguaçu. Figura 4: Mapa das unidades de Conservação do município de Nova Iguaçu. Em destaque a área proposto para o corredor arbóreo. 120 C onectando cidades e florestas … Figura 5: Proporção das áreas vegetadas e não vegetadas do Município de Nova Iguaçu. Em detalhe a mesma proporção de cobertura vegetal em dois bairros mais próximos a cada um dos principais compartimentos geomorfológicos. 121 rita de cássia mar tins montezuma et al . Tabela 1: Bairros abrangidos pelo corredor arbóreo entre a REBIO Tinguá e o Parque Municipal de Nova Iguaçu. Bairro Danon Palmares Nova Era Riachão Rosa dos Ventos Rodilândia Jardim Pernambuco Comendador Soares Ouro Verde Santa Eugênia Moquetá Austin Vila Guimarães Cacuia Tinguazinho Jardim Iguaçu Cerâmica Ponto Chic Corumbá Santa Rita Rio Douro Carlos Sampaio Bairro da Luz Jardim Alvorada Área Não Abairrável Área Não Abairrável Adrianópolis URG Area km2 URG Comendador Soares 1,67 URG Comendador Soares 2,43 URG Comendador Soares 1,59 URG Austin 3,96 URG Comendador Soares 1,56 URG Austin 2,20 URG Comendador Soares 1,09 URG Comendador Soares 2,38 URG Comendador Soares 1,23 URG Centro 1,09 URG Centro 1,84 URG Austin 4,28 URG Austin 2,02 URG Austin 2,00 URG Austin 15,07 URG Centro 1,03 URG Posse 2,28 URG Posse 3,05 URG Vila de Cava 2,81 URG Vila de Cava 4,45 URG Tinguá, Adrianópolis, Rio D’Ouro e Jaceruba 8,43 URG Austin 2,14 URG Centro 2,73 URG Comendador Soares 1,68 URG Tinguá, Adrianópolis, Rio D’Ouro e Jaceruba 153,01 Gericinó-Mendanha 39,59 URG Tinguá, Adrianópolis, Rio D’Ouro e Jaceruba 32,28 Sobre o desafio… A paisagem atual constitui-se em um mosaico de ações humanas pretéritas e presentes, em constante interlocução com todas as estruturas nela presente, e nem todas desejáveis. A gestão dessas áreas sob o desafio da conservação da biodiversidade, na qual se incluem as dimensões tanto biológicas quanto humanas, requer da sociedade a ousadia de novas olhares sobre o espaço, de modo a propor ações que rompam o modelo vigente a fim de produzir paisagens que sejam saudáveis tanto do ponto de vista social quanto ecológico, a exemplo do que já vem sendo realizado pontualmente em várias localidades no mundo. “Os fatores tecnológicos, culturais demográficos e sociais que determinaram os impactos de cada lacuna e superposição ao longo do tempo, 122 C onectando cidades e florestas … podem nos ajudar a discernir as chaves das paisagens que temos hoje. Ou seja, as razões pelas quais umas determinadas condições naturais (clima, solo, relevo, … e vegetação potencial, tem acabando gerando umas combinações de espécies e não outras” (TELLO,1999 apud BUXÓ, 2006) Referências bibliogáficas BUXÓ, R. Paisajes culturales y reconstrucción histórica de la vegetación. 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Escreveu artigos em dois livros: Aspectos estruturais da paisagem da Mata Atlântica em áreas alteradas por incêndios florestais e As comunidades vegetais das restingas de Macaé. [email protected] Elisa Sesana Mestranda do programa pós-graduação em Geografia PUC-Rio Henrique Togashi Mestranda do programa pós-graduação em Geografia PUC-Rio Jacqueline Carlile Mestranda do programa pós-graduação em Geografia PUC-Rio Marcelo Campos Aluno de graduação dept.Geografia PUC-Rio Paula Alves Duarte Mestranda Pós-graduação UERJ Ines Aguiar de Freitas Professora dept. Geografia da UERJ Luiz Felipe Guanaes Rego Dr. Em Recursos Naturais – Universidade Albert Ludwigs Freiburg -Alemanha 124 C onectando cidades e florestas …