UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
IOLANDO LEÃO DA COSTA FILHO
A IMPLEMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA AO
ENSINO MÉDIO NO IF SUDESTE MG – CAMPUS JUIZ DE FORA
RIO DE JANEIRO
2011
IOLANDO LEÃO DA COSTA FILHO
A IMPLEMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA AO
ENSINO MÉDIO NO IF SUDESTE MG – CAMPUS JUIZ DE FORA
Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade
Estácio de Sá como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Wania Regina Coutinho Gonzalez
RIO DE JANEIRO
2011
C837
Costa Filho, Iolando Leão da
A implementação da educação profissional
integrada ao ensino médio no IF SUDESTE MG –
Campus Juiz de Fora./ Iolando Leão da Costa Filho. –
Rio de Janeiro, 2011.
114 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação)–
Universidade Estácio de Sá, 2011.
1. Educação profissional. 2. Ensino Médio.
3. Política Pública. I. Título.
CDD 373.011
DEDICATÓRIA
A minha querida filha Carolina Villela de Andrade Leão, com nove anos me deu força e
incentivos.
À minha mãe, que sempre acreditou na educação como forma de libertação.
Ao meu falecido pai, em sua lembrança.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a toda minha família, especialmente a minha filha Carolina Villela de Andrade
Leão.
À Profa. Dra. Wania Regina Coutinho Gonzalez, orientadora desse trabalho, pelo apoio,
incentivo e valiosos ensinamentos.
Agradeço aos professores da banca: Profa. Dra. Inês Ferreira de Souza Bragança – UNESA.
Prof. . Dr. Jorge Cardoso Messeder – IFRJ.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação do Mestrado em Educação da
UNESA.
Aos meus colegas de curso: Haroldo, Sonia, Luciano, Eduardo, Paulo, Derli, Emília, Máximo,
Romário, Teresa, Elpídio, Alberto e Solange.
A todos os sujeitos dessa pesquisa: Diretores e Coordenadores do IF Sudeste MG – Campus
Juiz de Fora.
A Rosa Maria Gouvêa Cunha, pela ajuda na coleta dos dados.
Agradeço ao Mestre Prof. Haroldo Freitas Ritti, pelo apoio, colaboração, incentivo e pelas
longas discussões das concepções e princípios da integração e da politecnia.
Agradeço aos Gestores e Professores do IF Sudeste MG – Campus Juiz de Fora.
Agradeço ao Prof. Juarez de Andrade, pela colaboração e apoio.
"Educar é crescer. E crescer é viver. Educação é, assim, vida no sentido mais
autêntico da palavra “.
(Anísio Teixeira)
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo analisar a implementação da educação profissional
técnica de nível médio integrada ao ensino médio no IF/Sudeste MG – Campus Juiz de Fora,
nos cursos de Edificações, Eletromecânica, Eletrotécnica, Informática, Mecânica e
Metalurgia, tendo como referência as concepções e princípios da integralidade contidos no
Documento-Base do Ministério da Educação/Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica (2007). Para isso, fez-se um estudo sobre as políticas voltadas para o ensino
médio e a educação profissional, principalmente a LDB, Decreto no. 2.208/97 e Decreto no.
5.104/04 e o Documento – Base do MEC/SETEC (2007). O referencial teórico pesquisado,
que constitui a base do trabalho, contribuiu para elucidar as concepções e princípios do ensino
médio integrado, utilizando a produção bibliográfica dos autores Gaudêncio Frigotto, Marise
Ramos, Maria Ciavatta e Acácia Kuenzer e outros. Estes fundamentos forneceram dados e
informações para a compreensão da política norteadora do governo, que serviu de base para as
análises. Justifica-se essa pesquisa, pois seus resultados podem subsidiar as análises e
discussões das práticas pedagógicas das escolas que oferecem essa modalidade de ensino
integrado. A metodologia da pesquisa envolveu a análise documental e entrevistas semiestruturadas com nove gestores responsáveis pelo processo de implementação dos cursos
integrados. Os resultados obtidos apontam que a proposta da integração entre o ensino médio
e a educação profissional não está sendo efetivada. Observou-se que os gestores responsáveis
pela integração não se apropriaram da proposta norteadora e que na prática a formação
técnico-profissional se mantém distante da integração e se aproxima mais do ensino
profissionalizante, instituído pela Lei no. 5.692/71, tanto nos seus efeitos quanto pelo seu
conteúdo.
Palavras-chave: Educação profissional; Ensino médio integrado; Política pública.
ABSTRACT
The following research aimed to analyze the implementation of professional technical
education at the High School level integrated with High School itself at the IF/Sudeste MG –
Juiz de For a Campus, encompassing the courses of Construction, Electromechanics,
Electrotechnics, Informatics, Mechanics and Metallurgy. As a reference, the conceptions and
principles of integrality in the Ministry of Education/Technological and Professional
Education Secretary’s base-Document were used. As means to investigate that, High School
and professional education-directed policies were studied, mainly the “LDB”, Decree num.
2.208/97 and Decree num. 5.104/04 and the MEC/SETEC’s Base-Document (2007). The
theoretical references contributed to elucidate the integrated High School’s conceptions and
principles, using bibliographical production from Gaudêncio Frigotto, Marise Ramos, Maria
Ciavatta, Acácia Kuenzer amongst others whose fundaments provided this study with data
and pieces of information for the comprehension of the government’s conducting policy, on
which the analysis were based. This research is justifiable, once its results can support
analysis and discussions on the pedagogical practices of the schools who offer this integrated
modality of education. The research’s methodology involved document analysis and semistructured interviews conceded by nine directors who are responsible for the process of
implementation of the integrated courses. The results suggest that the integration proposal
between High School and the professional education has not been concretized. It was
observed that the leaders responsible for the integration have not effectively used the
conducting proposal. Yet, in practical terms, the techno-professional formation is somehow
distant from the integration and it is closer to the professionalizing education – either in its
effects or for its content – instituted by law num. 5.692/71,
Keywords: Professional education; Integrated High School; Public policy
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD - Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento
CEB - Câmara de Educação Básica
CEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica
CNE - Conselho Nacional de Educação
CNI - Confederação Nacional das Indústrias
CTU - Colégio Técnico Universitário
DCN - Diretrizes Curriculares Nacionais
EM - Ensino Médio
EMI - Ensino Médio Integrado
EMIEP - Ensino Médio Integrado à Educação Profissional
ETP - Ensino Técnico Profissional
FAPEMIG - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FMI - Fundo Monetário Internacional
FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação
IF - Instituto Federal
IFET – Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnológica
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas educacionais
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC - Ministério da Educação
MTE - Ministério do Trabalho e Emprego
PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação
PEA - População Economicamente Ativa
PISM - Programa de Ingresso Seletivo Misto da UFJF.
PLANFOR - Plano Nacional de Formação
PPP - Projeto Político-Pedagógico
PROEP - Programa de Expansão da Educação Profissional
OIT - Organização Internacional do Trabalho
ONG - Organização Não Governamental
UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SEMTEC - Secretaria de Educação Media e Tecnológica
SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENETE - Secretaria Nacional do Ensino Técnico
SETEC - Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
SEMTEC - Secretaria de Educação Media e Tecnológica
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................................... 10
1 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA PERSPECTIVA HISTÓRICA ......................... 17
1.1 A LDB: PANORAMA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E DO ENSINO MÉDIO...................................... 17
1.2 O DECRETO NO. 2.208/97: A REFORMA DO ENSINO PROFISSIONAL .............................................. 22
1.3 O DECRETO NO. 5.154/04: NOVA POSSIBILIDADE DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO....................... 29
1.4 DOCUMENTO – BASE MEC/SETEC (2007) .......................................................................................... 33
1.4.1 Políticas de integração do ensino médio com a educação profissional ......................................... 34
1.4.2 Concepções e princípios do ensino médio integrado..................................................................... 40
2 AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ..................... 48
2.1 AS CONCEPÇÕES DA EDUCAÇÃO: VISÃO CIVIL DEMOCRÁTICA E A VISÃO PRODUTIVISTA................ 48
2.2 A INTEGRAÇÃO ENTRE O ENSINO MÉDIO E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA VISÃO CIVIL
DEMOCRÁTICA ................................................................................................................................ 49
2.3 A EDUCAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL NA VISÃO PRODUTIVISTA .................................................... 58
3 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL INTEGRADA AO ENSINO
MÉDIO NO IF SUDESTE MG – CAMPUS JUIZ DE FORA: A IMPLANTAÇÃO
NA TEORIA E NA PRÁTICA ......................................................................................... 70
3.1 O trajeto histórico da educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio no IF
Sudeste MG – Campus Juiz de Fora................................................................................................. 73
3.2 A avaliação dos gestores e os princípios da integração .................................................................... 79
3.2.1 Formação humana integral: o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a
atuação como cidadão ................................................................................................................. 79
3.2.2 Trabalho. ciência, tecnologia e cultura como categorias indissociáveis da formação humana ..... 82
3.2.3 O trabalho como princípio educativo............................................................................................. 86
3.2.4 A pesquisa como princípio educativo: o trabalho de produção de conhecimento........................ 90
3.2.5 A relação parte – totalidade na proposta curricular ...................................................................... 92
3.2.6 Os obstáculos e as conquistas da oferta de educação profissional técnica de nível médio
integrada ao ensino médio no IF Sudeste MG – Campus Juiz de Fora......................................... 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 102
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 106
10
INTRODUÇÃO
Essa pesquisa teve com inspiração o filme “Tempos modernos” (1936) do cineasta
britânico Charles Chaplin e o artigo “Estado e reforma educacional no Brasil: Um estudo de
caso” (2006), dos autores Wilson Carlos Rangel Coutinho e Lílian Maria Paes de Carvalho
Ramos. No filme, o personagem central Carlitos, vive um operário desempregado tentando
sobreviver à fome e a crise de 1929 nos Estados Unidos. Chaplin faz uma crítica à sociedade
industrial americana, baseada no sistema de linha de montagem e no trabalho especializado.
No artigo, os autores discutem as principais reformas sofridas pela educação profissional de
nível médio e abordam as mudanças do perfil profissional na nova forma de organização da
produção e do trabalho:
Durante boa parte do século passado, as concepções tayloristas/fordistas para
a produção industrial determinaram certo perfil profissional que, por suas
características, implicava uma formação perfeitamente adequada aos
sistemas econômicos e sociopolíticos vigentes. A mais fiel imagem desse
apertador de parafusos, construída por Chaplin em “Tempos Modernos”,
mostra exatamente aquilo que ele era: mais uma peça na engrenagem
industrial. Um trabalhador com visão tão acanhada do processo produtivo e
tão habituado a agir assim, teria dificuldades para compreender as relações
sociais em suas múltiplas complexidades. (COUTINHO E RAMOS, 2006,
p.1).
Para Coutinho e Ramos (2006), as novas exigências do capital, sempre em busca
de ganhos produtivos, buscam agora um trabalhador com características mais abrangentes
como: maior capacidade intelectual, (polivalente), sensível à aprendizagem permanente e uma
compreensão mais sistêmica do processo produtivo. Esse descompasso entre as demandas
produtivas e sociais mais amplas e os limites da educação, aponta para a configuração de
novas políticas públicas educacionais capazes de contrapor esta nova disputa.
Para Frigotto (1998), trata-se de uma educação e formação que atendam as
atividades do mercado, muito valorizada em nossa sociedade. Com o intuído de desenvolver
habilidades básicas no plano de conhecimento, das atitudes e dos valores, produzindo
competências para a gestão da qualidade, para a produtividade e competitividade na busca da
sonhada empregabilidade.
O perfil do “apertador de parafusos”, representado por Carlitos, do filme Tempos
modernos (1936), de trabalhos repetitivos e explicitamente ordenado não serve mais. Para
Deluiz (1996), o avanço tecnológico estabelece tarefas indeterminadas pelas possibilidades de
usos múltiplos dos próprios sistemas (novos conceitos de produção) e as decisões dependem
11
como as informações são obtidas por redes informatizadas. O trabalho agora é arbitrado, onde
o profissional deve: diagnosticar, prevenir, antecipar, decidir e interferir dentro do sistema de
produção. O modelo em questão exige novas qualificações do trabalhador e a elevação dos
níveis de escolaridade.
Essa pesquisa nasceu da preocupação com a formação do profissional técnica de
nível médio, no diz respeito à forma integrada, proposta pelo Decreto no. 5154 (BRASIL,
2004a), que possibilitou a integração do ensino médio ao ensino técnico, sob uma base
unitária de formação geral, voltada para a formação de cidadãos aptos no entendimento da
realidade científica, tecnológica, cultural, econômica e social, capazes de inserir-se no mundo
do trabalho, atuando de forma ética e competente.
O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas
Gerais – IF Sudeste MG – Campus de Juiz de Fora (antigo Colégio Técnico Universitário –
CTU, da UFJF), oferecia até ano de 1997, seis cursos técnicos industriais na modalidade
integrada, conforme previa a LDB – Lei no. 5692/71, porém, diferente da concepção do atual
Decreto no. 5154/04 (BRASIL, 2004a), mantendo uma grade curricular em que o conteúdo
especifico se sobrepunha ao conteúdo propedêutico. Em 1997, o Governo Federal implantava
uma nova reforma no ensino técnico com a aprovação do Decreto no. 2.208/97 (BRASIL,
1997a). Observa-se que nessa reforma, o governo põe fim à modalidade integrada e
determinando para a educação profissional de nível técnico uma organização curricular
própria e independente do ensino médio.
Em 2004, o governo Lula, atendendo ao compromisso de sua campanha, revoca o
Decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a) e aprova o Decreto no. 5154/04 (BRASIL, 2004a),
restabelecendo a possibilidade da reintegração curricular dos ensinos médio e técnico. Este
decreto levou ao IF Sudeste MG – Campus de Juiz de Fora a iniciar um processo de discussão
e análise objetivando as possibilidades de oferecer uma educação técnica profissional na
forma integrada entre o ensino médio e técnico. Após vários debates e discussões, com
argumentações favoráveis e contrárias, praticamente em todas as esferas da comunidade da
instituição, foi aprovado pela Congregação a implantação dos cursos técnicos integrados.
Como professor do IF Sudeste MG – Campus Juiz de Fora há 25 anos vivenciei
todas essas transformações e participei das discussões sobre o tema no âmbito dos órgãos
colegiados. Nessa atmosfera e contexto pude observar, ao termino de todo o processo, que a
idéia geral que levou a implantação dos cursos técnicos integrados ou ensino médio integrado
se resumiu na busca da formação integral do jovem, compreendendo a educação geral e
12
educação profissional como parte constitutiva do mesmo processo formativo, visando romper
com a dicotomia entre o trabalho manual e o trabalho intelectual.
Após dois anos de implantação do ensino médio integrado, podemos observar a
heterogeneidade de entendimento de professores com relação a formação curricular integrada.
Surge uma inquietação sobre o perfil do aluno que vamos formar. Esse egresso apresentará ou
não uma formação integral prevista na essência do novo decreto. Os conhecimentos
propedêuticos e profissionalizantes estão sendo integrados ou não. E por fim como o corpo
docente entende e como tem se mobilizado para o entendimento dessa nova modalidade de
ensino.
Nos anos de 1990, foram implantadas políticas públicas na área da educação
profissional, como a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB no. 9.394/96)
(BRASIL, 1996) e Decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a) que representaram uma
transformação na educação profissional de nível médio com o objetivo de atender as novas
modificações do processo de produção. Os projetos educacionais são subsidiados pelos
modelos econômicos de visão neoliberal que se caracterizaram em fragmentar a educação
profissional, tornando-a como um processo formativo independente do ensino médio. Criando
e materializando um sistema dual: o propedêutico e o técnico-profissional. O ensino técnicoprofissional foi direcionado para o mercado de trabalho (RAMOS, 2007).
A partir de 2004, na tentativa de superar esse modelo implantado pelo Decreto no.
2.208/97 (BRASIL, 1997a) surge uma proposta política de ensino médio, orientada pela
construção de um projeto que supere a dualidade entre formação específica e formação geral e
que desloque o foco dos seus objetivos do mercado de trabalho para a pessoa humana, tendo
como dimensões indissociáveis o trabalho, a ciência, a cultura e a tecnologia. Expressa no
Decreto no. 5.154/04 (BRASIL, 2004a), a oferta de educação profissional técnica de nível
médio integrada ao ensino médio, cria novas expectativas para que os elementos curriculares
mantenham uma relação entre a teoria e prática, propiciando ao sujeito mais condições frente
às mudanças e as transformações do mundo tecnológico (BRASIL, 2007).
Em 2008 o IF Sudeste MG - Campus Juiz de Fora implementou o ensino médio
integrado em seis cursos técnicos, não havendo, no espaço de três anos, nenhum tipo de
avaliação desse processo. Empiricamente, observaram-se dúvidas sobre a realidade da
integração partindo tanto dos docentes como dos alunos. Surge então o problema que motivou
a presente pesquisa: tomando por base as leituras sobre a temática do ensino médio integrado,
seus princípios e fundamentos, buscou-se investigar a realidade da integração na instituição.
13
Para tanto, tem-se como objetivo dessa pesquisa a análise da implementação da
educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio no IF/Sudeste MG –
Campus Juiz de Fora, na percepção dos gestores responsáveis pelo processo de
implementação dos cursos integrados de Edificações, Eletromecânica, Eletrotécnica,
Informática, Mecânica e Metalurgia, tomando por base as concepções e princípios da
integralidade contidos no Documento-Base do Ministério da Educação/Secretaria de
Educação Profissional e Tecnológica (BRASIL, 2007).
Essa pesquisa justifica-se pela necessidade de experimentar os conhecimentos e os
destinos seguidos pelas instituições e de subsidiar gestores públicos na implementação de
políticas de integração do ensino médio com a educação profissional técnica. Deste modo os
dados dessa pesquisa podem revelar: os pontos frágeis, as convergências e divergências entre
a concepção de formação integral e os seus pressupostos norteadores com a prática efetiva no
cotidiano da escola e as dificuldades encontradas para a efetivação da integração. No IF
Sudeste – MG, seus resultados poderão subsidiar as discussões e reflexões sobre a
implementação da referida modalidade de ensino, levando a um processo de (re)avaliação e
reflexão sobre suas práticas pedagógicas e reabrindo as discussões sobre as concepções e
objetivos do ensino integrado, tão questionado pela comunidade escolar.
Para atingir o objetivo proposto nessa pesquisa, utilizou-se como paradigma a
teoria crítica, com uma abordagem qualitativa, pois se tem como finalidade, conhecer a visão
dos sujeitos da pesquisa, por se entender que essa perspectiva de estudo pode nos fornecer
uma visão mais detalhada e planejada do problema investigado por meio da interação com os
sujeitos e a análise de todo o contexto proposto.
Para Lüdke e André (1986), as características básicas desse tipo de investigação
são o ambiente natural, como sua fonte direta de dados, sendo o pesquisador como seu
principal instrumento; os dados coletados são predominantemente descritivos, a preocupação
com o processo é maior do que o produto; o significado que as pessoas dão às coisas e à sua
vida são focos de atenção especial pelo pesquisador e as análises dos dados tende a seguir um
processo indutivo.
A abordagem crítica é essencialmente relacional, procura investigar o que ocorre
nos grupos e instituições relacionando as ações humanas com a cultura e as estruturas sociais
e políticas, tentando compreender como as redes de poder são produzidas, mediadas e
transformadas. Parte do pressuposto de que nenhum processo social pode ser compreendido
de forma isolada, como uma instância neutra acima dos conflitos ideológicos da sociedade.
Ao contrário, esses processos estão sempre profundamente vinculados às desigualdades
14
culturais, econômicas e políticas que dominam nossa sociedade (ALVES – MAZZOTTI,
1999).
Nossa investigação se estruturou primeiramente com uma pesquisa bibliográfica,
retomando historicamente a questão da educação profissional de nível médio no Brasil. Esse
estudo objetivou conhecer as relações entre o ensino médio e a educação profissional. A
pesquisa procura dar mais prioridade ao período que se inicia com a promulgação da LDB no.
9.394/96 (BRASIL, 1996), o Decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a) o qual desarticula e
impossibilita a educação geral e a formação profissional de nível médio, até a sua revogação
com o Decreto no. 5.154/04 (BRASIL, 2004a) que retoma essa possibilidade de formação
integrada e sua implantação no IF Sudeste MG – Campus Juiz de Fora.
Nessa pesquisa bibliográfica realizou-se uma análise dos principais documentos
relacionados ao ensino médio e a educação profissional, como a Lei no. 9.394/96 (BRASIL,
1996), o Decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a), com o Decreto no. 5.154/04 (BRASIL,
2004a) e o Documento – Base Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao
Ensino Médio – MEC/SETEC (BRASIL, 2007).
Além das análises dos documentos oficiais, também foi realizada uma pesquisa de
campo, que constou da coleta de dados através de entrevistas semi-estruturadas1 dirigidas a
nove gestores, responsáveis pela implementação da oferta de educação profissional técnica de
nível médio integrada ao ensino médio. A escolha da instituição ocorreu pelos seguintes
critérios: primeiramente por ser a principal instituição da rede pública federal de educação
técnica da Zona da Mata e Campos das Vertentes de Minas Gerais, em seguida, procuramos
eleger uma instituição que já havia ofertado cursos técnicos de nível médio juntamente com a
educação geral e por fim contemplamos uma instituição que ofertasse além do ensino médio
integrado o curso técnico subsequente.
Para Lüdke e André (1986), é grande vantagem da entrevista sobre outras
técnicas. Na entrevista a captação, da informação desejada, é imediata e corrente com
qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. A entrevista permite correções,
esclarecimentos e adaptações das informações desejadas. A entrevista semi-estruturada é a
mais adequada para trabalho de pesquisa que se faz em educação por se aproximar mais dos
esquemas mais livres e menos estruturados.
No processo de trabalho de campo foi aplicado um roteiro de entrevista para os
gestores dos cursos envolvidos na integração. Cada entrevista durou em média de 1h e 20
1
Roteiro da entrevista semi-estruturada constante do APÊNDICE A – p. 98.
15
min. às 2h e 15 min., totalizando em média 14 horas de gravação. As gravações foram
transcritas integralmente e os recortes necessários procurando-se categorizar os temas e suas
relações de acordo com o objetivo da pesquisa. O anonimato dos entrevistados foi negociado
e mantido para que os gestores se sentissem mais seguros e motivados para responder ao
roteiro de entrevista.
Os dados coletados no IF Sudeste MG – Campus Juiz de Fora, através das
entrevistas, foram confrontados com as concepções e princípios do documento base do
MEC/SETEC (BRASIL, 2007): “Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrado ao
Ensino Médio”. Este documento oficial orienta, apóia e estimula o ensino médio integrado à
educação profissional por considerar a oferta que apresenta os melhores resultados
pedagógicos, considerando a realidade concreta no contexto dos arranjos produtivos e das
vocações sociais, culturais e econômicas locais e regionais.
As categorias analisadas foram apropriadas do Documento Base (BRASIL, 2007),
constante do item intitulado “Concepções e Princípios2”: - Formação humana integral, Trabalho, ciência, tecnologia e cultura como categorias indissociáveis da formação humana, O trabalho como princípio educativo, - A pesquisa como princípio educativo: o trabalho de
produção do conhecimento e - A relação parte-totalidade na proposta curricular.
Essa dissertação foi estruturada em três capítulos, sendo que o primeiro
compreendeu a retomada histórica e documental da educação profissional, enfatizando os
períodos da LDB no. 9.394/96 (BRASIL, 1996), o Decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a), o
Decreto no. 5.154/04 (BRASIL, 2004a) e o documento base do MEC/SETEC (BRASIL,
2007), que orienta a oferta de educação profissional técnica de nível médio integrada ao
ensino médio. Estes documentos representaram as bases da atual reforma do ensino
profissionalizante técnico no Brasil.
No segundo capítulo discutiram-se as principais concepções e projetos de
educação profissional técnica de nível médio integrado ou não ao ensino médio. São debatidas
a relação trabalho e educação e os elementos conceituais fundamentais para compreensão da
proposta norteadora do ensino médio integrado. Analisaram-se duas visões: a civil
democrática que idealiza um projeto que supere a dualidade entre a formação geral e a
formação especifica, portanto defende uma escola unitária, centralizando na pessoa humana
os sujeitos dos conhecimentos e a visão produtivista, que entende que a educação profissional
2
As reflexões constantes desse item se baseiam nos artigos publicados no livro “Ensino Médio Integrado:
concepção e contradições”; organizado por Frigotto, Ciavatta, Ramos (2005) e em texto de Ramos (2007),
intitulado “Concepção do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional”.
16
deve ser separada da educação geral e foca a aprendizagem dos sujeitos no mercado de
trabalho. Estas concepções e projetos servirão de base para as análises das entrevistas do
terceiro capítulo.
O terceiro capítulo compreende uma síntese dos resultados da investigação,
analisando-os à luz do objetivo da pesquisa e do referencial teórico utilizado. É composto pela
análise dos documentos produzidos pelo ex-CTU/UFJF e atual IF Sudeste MG – Campus Juiz
de Fora, constituídos por atas do Conselho de Unidade, Relatório de Gestão ano 2009,
Seminário “desafios da Integração”, Resolução no. 004/2007 e o anteprojeto “Implantação dos
Cursos de Educação Profissional de Nível Médio Integrado no CTU/UFJF”, no intuito de
conhecermos os conceitos e os planejamentos para a educação profissional no interior da
instituição. Essa análise resultou nos primeiros dados da implementação do ensino médio
integrado na instituição estudada e juntamente com os estudos da proposta do documento base
do MEC/SETEC (BRASIL, 2007), subsidiaram as análises das entrevistas colhidas com os
gestores. Dessa forma abordou-se como a instituição implantou e como a comunidade escolar
tem praticado o ensino médio integrado no seu dia a dia. Analisou-se e compararam-se através
das entrevistas, as concepções e princípios da proposta do MEC/SETEC (BRASIL, 2007)
para o ensino médio integrado com o conhecimento dos gestores, as contradições existentes
entre a proposta norteadora e a sua efetivação na prática. Finalizando pontuaram-se, segundo
a fala dos gestores, os fatores que dificultam e/ou facilitam a integração no dia a dia da
instituição.
Finalizou-se com as considerações finais, onde se procurou sintetizar o trabalho
realizado, respondendo o objetivo da pesquisa, apontando sugestões, fornecendo elementos
para outras investigações e deixando espaço para novas contribuições.
17
1 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA PERSPECTIVA HISTÓRICA
Neste capítulo, apresenta-se um conciso histórico da educação básica e
profissional no Brasil, marcada pela dualidade entre uma educação propedêutica para as elites
e outra para as classes mais desfavorecidas. Com o objetivo de configurar o plano legal que
constitui a base da formulação e implementação das políticas que relacionam o ensino médio
e a educação profissional, realizou-se um levantamento seletivo da legislação nacional em
vigor e das normas, editadas nas últimas décadas, com a intenção de uma análise mais
significativa de acordo com o objetivo da pesquisa. Sob esse foco foram selecionadas e
analisadas leis, decretos federais e disposições constitucionais, identificando o caminho
histórico da educação básica e profissional no Brasil. Para a análise da documentação legal e
normativa e a sua oportuna contextualização, escolheu-se o seguinte conjunto de documentos
principais: a Lei no. 9.394/96 (BRASIL, 1996), o Decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a), o
Decreto no. 5.154/04 (BRASIL, 2004a) e o documento – base do MEC/SETEC (BRASIL,
2007).
1.1
A LDB: PANORAMA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E DO ENSINO MÉDIO
As primeiras ações de criação de ensino profissionalizante no Brasil
permaneceram restritas a decisões de caráter assistencialista, ou circunstanciais, não havia
uma política educacional definida. A intenção assistencial ficava explicitada nos textos de leis
de sua criação, marcada com a intenção de “amparar os órfãos e abandonadas” ou a
“diminuição da criminalidade e da vagabundagem”. O país tinha uma economia baseada na
monocultura, sustentada pela exportação de produtos agrícolas para as metrópoles.
Inicialmente o nosso sistema de produção era dependente de mão de obra escrava e depois de
colonos imigrantes, situações que dispensavam a qualificação profissional.
Para Manfredi (2002), As leis orgânicas da educação nacional, publicadas na
década de 40, definiram o objetivo do ensino secundário e normal “formar as elites
condutoras do país”, ficando para o ensino profissional o objetivo de oferecer “formação
adequada aos filhos dos operários, aos desvalidos da sorte e aos menos afortunados, aqueles
que necessitam ingressar precocemente na força de trabalho”. A dualidade estrutural é uma
característica histórica do sistema educacional brasileiro: formar para a cidadania ou para o
trabalho produtivo.
18
O dilema histórico da idéia de que o ensino secundário, ao lado do ensino normal
e do ensino superior, era destinado aos que detinham o saber, enquanto o ensino profissional
estava voltado apenas àqueles que executavam as tarefas manuais. Assim, a partir do próprio
texto legal, promovia-se a separação entre os que “pensam” e os que “fazem”, e a educação
profissional, preconceituosamente, era considerada como uma educação de segunda categoria.
O dilema de um currículo voltado para as humanidades ou para a ciência e tecnologia.
Na década de 70, formação profissional se traduzia no treinamento para a
produção em série e padronizada. O resultado desse tipo de formação era a incorporação ao
mercado de trabalho de operadores semi-qualificados, desempenhando tarefas simples,
rotineiras e previamente delimitadas. Havia pouca margem de autonomia para o trabalhador,
pois o conhecimento técnico e organizacional cabia quase sempre apenas aos níveis
gerenciais. A baixa escolaridade dos trabalhadores não era considerada entrave significativo à
expansão econômica.
De acordo com Manfredi (2002), na década de 80, novas formas de organização e
de gestão modificaram estruturalmente o mundo do trabalho e as empresas passaram a exigir
empregados mais qualificados. Além da destreza manual, novas competências passaram a
serem exigidas como inovação, criatividade, capacidade para o trabalho em equipe e
autonomia na tomada de decisões. Tudo isso, mediado pela utilização de novas tecnologias da
informação.
No âmbito escolar o movimento democrático da abertura política se reflete em
torno da defesa do ensino público de boa qualidade e da democratização da educação, essa
experiência voltava-se para a educação de crianças e jovens das camadas populares, com
ênfase na participação dos próprios interessados e das direções das escolas.
A reorganização econômico-política internacional associada ao uso intensivo de
alta tecnologia nas empresas começa a demandar uma elevada qualificação dos trabalhadores,
de quem se passa a exigir alto grau de abstração, a capacidade de resolver problemas e de
trabalhar em equipe. Para Deluiz (2004), é neste contexto que retorna à agenda de discussões
o papel da educação. O trabalhador polivalente deve ser muito mais "generalista" do que
especialista. Para desenvolver as novas funções, há exigências de competências de longo
prazo que somente podem ser construídas sobre uma ampla base de educação geral.
O projeto inicial da LDB surgiu de amplo processo de discussão e mobilização
através do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Organizada pelos diferentes
segmentos representativos da sociedade civil, envolvidos na elaboração coletiva de um
projeto educacional. Singer (1996) caracterizou este segmento como defensores de um projeto
19
que tem como concepção educacional, o pensamento crítico, inovador, trabalho integrado e a
ética. Essa visão educacional não vê contradição entre formação do cidadão e a formação
profissional.
Para Saviani (1997), a proposta preliminar da LDB contrariava a concepção
liberal de educação, ao propor uma educação de nível médio centrada na idéia da politécnia3,
que superava a contradição entre o homem e o trabalho, através da conscientização teórica e
prática do trabalho como constituinte da essência humana. Propunha uma cisão com a visão
produtivista e mercadológica da educação e adotava como parâmetro de qualificação humana,
a concepção unitária e tecnológica que superava a dicotomia entre a educação geral e a
formação profissional. A idéia era superar a dualidade existente no nível médio, que mantinha
o ensino técnico num sistema à parte da educação.
Esta é uma concepção radicalmente diferente da que propõe um ensino
médio profissionalizante, caso em que a profissionalização é entendida como
um adestramento em uma determinada habilidade sem o conhecimento dos
fundamentos dessas habilidades, menos ainda, da articulação dessa
habilidade com o conjunto do processo produtivo (SAVIANI, 2003, p.15).
A proposta de LDB dos educadores, de organizações populares e sindicais tinha
como base uma concepção de educação fundamentada no conceito de escola politécnica de
Gramsci, que propõe a criação da uma escola básica unitária, uma formação omnilateral
comprometida com a superação da contradição capital versus trabalho. Sustentada pela
justificativa de construção de um sistema de educação nacional integrado que propiciasse a
unificação entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura.
Para Kuenzer (1997) esta nova escola deveria estar articulada e integrada com o
Sistema Nacional de Educação e será inicialmente de cultura geral única para todos, com uma
base consistente comum de conhecimentos básicos, nos níveis: elementar e médio. O
conteúdo deve ser formativo e não terá objetivos práticos imediatos. O ponto de partida desses
conteúdos é a realidade social. O aluno do nível elementar deve adquirir instrumentos básicos
necessários à compreensão e a participação da vida social e produtiva. O aluno do nível
secundário deverá ter condições para a elaboração da autodisciplina intelectual e da
3
Politécnia possui o significado de especialização como domínio dos fundamentos científicos das diferentes
técnicas utilizadas na produção moderna. A educação de nível médio tratará de se concentrar nas
modalidades fundamentais que dão base aos diferentes processos e técnica de produção (Saviani,2006).
20
autonomia moral numa perspectiva omnilateral e formação teórico - cientifica e tecnológica
necessária à especialização.
Esta forma de organizar a escola e o sistema de ensino tem por finalidade,
pela unificação entre cultura e trabalho, formação de homens desenvolvidos
multilateralmente, que somem à sua capacidade instrumental as capacidades
de pensar, de estudar, de criar, de dirigir ou de estabelecer controles sociais
sobre os dirigentes (KUENZER, 1997, p. 39).
Os organismos internacionais orientavam e priorizavam investimentos no ensino
fundamental. Os cursos de qualificação profissional poderiam receber financiamento, se
forem cursos aligeirados e de baixo custo. A educação profissional é vista como cursos
demorados e caros e recomenda que seja repassada para a esfera privada.
Frigotto (2006) analisa que a formação técnico-profissional resulta de um embate
que confronta um projeto societário assentado no ajuste da nova ordem mundial e outro que
busca viabilizar uma alternativa autônoma e sustentável de desenvolvimento e alerta:
[...] ensino técnico-profissional está hoje, no Brasil, imersa num intenso
embate no plano ético-político, epistemológico e teórico-prático. Nos anos
90 esta temática tem-se constituído num dos eixos prediletos das políticas do
Banco Mundial na sua estratégia de adequar os processos educativos dentro
de uma perspectiva produtivista, mormente da educação básica e da
formação técnico-profissional, ao ideário da globalização e da reestruturação
produtiva. As reformas curriculares da Espanha, Chile, Argentina e a que
está em processo hoje no Brasil sobre Parâmetros Curriculares Nacionais
traduzem, contraditoriamente e por vezes de forma dissimulada no invólucro
de teorias psicológicas, sociológicas, etc., o receituário do Banco Mundial no
campo educativo (FRIGOTTO, 2006, p.1).
Ciavatta (2005) assevera que as tentativas de mudanças da legislação do ensino
médio e profissional é o resultado de um processo histórico de disputas políticas e ideológicas
de vários grupos empreendidas no âmbito da sociedade brasileira. Essa disputa coloca em
jogo o histórico conflito existente em torno do papel da escola, de formar para a cidadania,
tendo em vista o exercício do direito e obrigações típicas da democracia ou preparar o
individuo para o ingresso no mercado de trabalho, aproximando-se mais dos interesses
imediatistas dos empresários e dos órgãos internacionais.
A Lei no. 9.394, aprovada em de 20 de dezembro de 1996, a LDB (BRASIL,
1996), estabelece as novas diretrizes e bases da educação brasileira. Da autoria do senador
Darci Ribeiro, a nova Lei, retira a concepção de politecnia dada à educação e passa a
referenciar a relação trabalho/educação num sentido de preparação básica para o trabalho. A
21
formação integral entre o ensino médio e a educação profissional defendida pelas forças
progressistas foram derrotados, culminando com a manutenção da dualidade na educação
brasileira.
As alterações e modificações efetuadas no projeto original oportunizaram a
ambiguidade de interpretações, o que facilitou, por meio de legislação específica, alterações e
desconstrução de um projeto idealizado coletivamente e democrático. O decreto No. 2.208/97
(BRASIL, 1997a) é um dispositivo legal específico complementar para o ensino médio e
profissional de nível médio que viria para regular a forma e o conteúdo da referida
modalidade de ensino, uma forma de impor uma política educacional sem pressões e
resistências. O texto da lei objetivava consolidar a separação do ensino médio da educação
profissional.
Com a nova LDB, a educação brasileira ficava organizada e estruturada dois
níveis: a básica e superior, a educação profissional não faz parte nem de um nem de outra, ou
seja, não faz parte da estrutura da educação regular do país. A educação profissional é
considerada como um apêndice ou uma modalidade complementar.
A educação profissional faz parte do Capitulo III do Título V da Lei, distribuída
nos Artigos 39, 40, 41 e 42. O Art. 39 integra a educação profissional às diferentes formas de
educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia e enfatiza suas aptidões para a vida produtiva.
Para Saviani (2003) é um retrocesso, pois não define como a integração se concretizaria na
prática e não definindo as competências e responsabilidades da educação profissional. No
Parágrafo único do artigo comenta sobre a possibilidade que todos os jovens e adultos,
escolarizados ou não podem ter acesso à educação profissional.
O Art. 40 reza que a educação profissional será desenvolvida em articulação com
ensino regular ou por estratégias de educação continuada no local de trabalho ou em
instituições especializadas. A Lei não define que tipos e formas de articulação seriam
possíveis, o que só aconteceu após a promulgação do Decreto No. 2.208/97 (BRASIL, 1997a).
No § 2o do Art. 36 do Capítulo II, seção IV, que se refere ao ensino médio a Lei estabelece
que “O ensino médio, atendida à formação geral do educando, poderá prepará-lo para o
exercício de profissões técnicas” (BRASIL, 2007, p.18). A Lei é ambígua e minimalista, pois
reconhecem “quaisquer possibilidades de articulação entre o ensino médio e a educação
profissional podem ser realizadas, assim como a completa desarticulação entre eles.”
(BRASIL, 2007, p.18).
O Art. 41 trata da avaliação, reconhecimento e a certificação para prosseguimento
ou conclusão de estudos da educação profissional. Os diplomas registrados dos cursos de
22
educação profissional terão validade nacional. O art. 42 determina que as escolas técnicas e
profissionais, além dos seus cursos regulares, promoverão cursos especiais abertos a todos,
independente da escolaridade.
Observa-se que na LDB, que a concepção da relação trabalho e educação apenas
pontuam no sentido de preparação básica para o trabalho, sem aprofundar em maiores
sentidos e detalhes de como essa preparação seria concretizada. O Decreto no. 2.208/97
(BRASIL, 1997a) definiu a forma e o conteúdo da educação profissional no Brasil.
1.2
O DECRETO NO. 2.208/97: A REFORMA DO ENSINO PROFISSIONAL
A LDB Lei no. 9.394/96 (BRASIL, 1996) e o Decreto Federal no. 2.208/97
(BRASIL, 1997a) disciplinaram as bases para a reforma do ensino profissional brasileiro. As
instituições públicas e privadas que ofertam este tipo de ensino passam a se ajustar às novas
diretrizes estabelecidas pela legislação. Para Deluiz (2004), a reforma implementada assume
como concepção orientadora o modelo das competências.
A formulação deste modelo e sua implementação nos planos e programas de
educação profissional têm, entretanto, ocorrido de forma diferenciada em
função de vários fatores: da ênfase atribuída ao foco no mercado de trabalho
ou no indivíduo; da articulação ou desarticulação entre formação geral e
formação profissional; dos distintos modelos epistemológicos que orientam a
identificação, definição e construção de competências – condutivista,
funcionalista, construtivista ou crítico - e dos diferentes enfoques conceituais
de competências adotados: centrados no indivíduo e na subjetividade do
trabalhador ou no coletivo de trabalhadores e no contexto em que se insere o
trabalho e o trabalhador (DELUIZ, 2004, p.4).
Para a autora as noções estruturantes do modelo de competências no mundo do
trabalho são: a flexibilidade, a transferibilidade, a polivalência e a empregabilidade. A gestão
de competências consiste em ter trabalhadores flexíveis para lidar com mudanças no processo
produtivo, enfrentar imprevistos e estar sempre disponíveis para serem transferidos de uma
função para outra, daí a importância da polivalência e a constante atualização de suas
competências, isto tudo lhes confere a chamada empregabilidade.
Neste modelo, conforme Deluiz (2004) importa a posse dos saberes disciplinares
escolares e a capacidade de mobilizar esses conhecimentos para solucionar problemas e
enfrentar imprevistos de acontecimentos e situações no interior da fábrica. O debate sobre
competências no setor produtivo invade o mundo escolar, diante das exigências do setor, na
procura de competitividade, produtividade e de inovação da área produtiva.
23
O Decreto n.º 2.208/97 (BRASIL, 1997ª), aprovado em 17 de abril de 1997,
regulamenta o § 2º do Art.36 e os Arts. 39 a 42 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. O decreto especifica os objetivos da
educação profissional, prescrevendo que esta modalidade é um ponto de articulação entre a
escola e o mundo do trabalho, qualificando, requalificando e reprofissionalizando o
trabalhador independente do nível de escolaridade, deve habilitar para o exercício das
profissões no nível médio e superior e atualizar e aprofundar conhecimentos na área de
tecnologia voltadas para o mercado de trabalho.
O decreto assinala em seu Art. 3o, que a educação profissional será organizada em
três níveis: o básico, destinado à qualificação, requalificação e reprofissionalização de
trabalhos, independentes de escolaridade prévia, o técnico, destinado a proporcionar
habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos de ensino médio e o tecnológico
que corresponde a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos do
ensino médio e técnico.
O currículo do ensino médio será organizado por disciplinas, agrupadas por áreas
e setores da economia e sob a forma de módulos. Os módulos podem ser cursados em
instituições diferentes e ter caráter conclusivo para efeito de qualificação profissional, dando
direito à certificação de competência. Determina aos sistemas federal e estadual de ensino,
mediante exames a certificação de competências.
As necessidades do setor produtivo invadem a educação, principalmente a
educação profissional na busca de competitividade e produtividade:
O problema não reside apenas em ser cursos de curta duração. O mais grave
é a ausência de um plano de formação continuada que organize estes cursos
de curta, média e longa duração em módulos seqüenciais e flexíveis, que
constituam itinerários formativos correspondentes às diferentes
especialidades ou ocupações pertencentes aos diferentes setores da
economia. De qualquer forma, é preciso prevenir o aligeiramento da
formação oferecida por meio de cursos segmentados e de cargas horárias
mínimas e insuficientes, de modo a superar o aprendizado restrito a uma
tarefa específica amparada no mito da empregabilidade (BRASIL, 2004c,
p.33).
Para o MEC (BRASIL, 2004c), é importante assinalar que o modelo de
competência proposto pela reforma surge na mesma conjuntura da reestruturação produtiva e
das formas de organização do trabalho, carregado de forte ideologização onde os interesses da
empresa são mostrados como interesse dos trabalhadores, inclusive com benefícios
24
assistenciais. Esses objetivos contrariam intrinsecamente os processos formativos a ser
desenvolvidos nos sistemas educacionais, pois a urgência e a funcionalidade do setor
produtivo contrastam com o tempo necessário para a formação humana, que é um tempo de
reflexão sobre os problemas e de amadurecimento sobre seus aprendizados.
A educação profissional de nível técnico foi a mais afetada e torno-se
independente do ensino médio e uma organização curricular própria, podendo ser oferecida de
forma concomitante ou sequencial. O decreto interrompeu a oferta da educação profissional e
a educação geral na mesma grade curricular, retomando e reforçando a dualidade histórica da
educação brasileira. Para Garcia e Lima Filho (2004), a consequência mais negativa para as
escolas técnicas e os CEFETs, do Decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a), foi à extinção dos
cursos técnicos integrados que funcionava com bastante sucesso desde 1942.
Berger Filho (1999), na época secretário de Educação Média e Tecnológica,
descreve sobre a organização curricular e suas relações com setor produtivo:
A União, através do Conselho Nacional de Educação, por proposta do
Ministério da Educação, estabelece diretrizes curriculares nacionais que
devem descrever competências e habilidades básicas, por áreas do setor
produtivo, e indicar a carga horária mínima necessária para a obtenção de
uma habilitação profissional em cada uma dessas áreas. Aos sistemas de
ensino federal e estaduais cabe estabelecer o currículo básico, deixando, no
caso da educação profissional, 30% da carga horária mínima para que as
escolas possam renovar permanentemente seus currículos, independente de
prévia autorização de qualquer órgão normativo - o que deverá agilizar as
adequações da escola às demandas colocadas pelo avanço do conhecimento
e pelas transformações do setor produtivo (BERGER FILHO, 1999, p.5).
Com relação dos impactos produzidos pelo Decreto no. 2.208/97 (BRASIL,
1997a) sobre a educação profissional, nas escolas da Rede Federal, vários são os trabalhos
que têm sido realizados por pesquisadores da área. Podemos citar os trabalhos: “A
implantação do ensino médio integrado no estado do Paraná: A difícil superação da cultura da
dualidade”, de Davanço (2008), “A experiência da forma integrada de ensino profissional do
CEFET – PA”, de Santos (2008), “A educação profissional integrada ao ensino médio no
Paraná: avanços e desafios”, de Garcia (2009) e “A implementação do currículo integrado no
curso técnico em agropecuária: o caso de Guanambi”, de Silva (2009). A grande maioria
dessas pesquisas conclui que a reforma da educação profissional afetou, substancialmente, a
qualidade do ensino dentro dessas instituições, principalmente por inviabilizar a prática da
educação tecnológica, que integrava a educação geral e profissional, historicamente
25
valorizada e reconhecida pela sociedade e o mundo do trabalho, direcionamento ostensivo
para o mercado de trabalho e processo de gradual privatização das instituições.
Os “achados” de Oliveira (2003) em sua pesquisa no Centro Federal de Educação
Tecnológica, em plena vigência do decreto, podem ser sintetizados em: aumento dos índices
de evasão, repetências e trancamentos de matrículas, por um lado, e diminuição de demanda,
por outro, pois a adoção do sistema modular possibilitava conferir competências parciais que
viabilizaram a ida precoce para o mercado de trabalho, a utilização da organização curricular
baseada na “lógica das competências”, que valoriza “o saber-ser e o saber-fazer”, em
detrimento de uma solida qualificação e capacitação do trabalhador.
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) assinalam que o Decreto no. 2.208/97
(BRASIL, 1997a) e outros instrumentos legais vêm não somente proibir a formação integrada,
mas regulamentar as formas de educação profissionais aligeiradas e fragmentadas em função
das necessidades do mercado. Consideravam o Decreto ilegal ao determinar a separação entre
o ensino médio e a educação profissional, pois contrariava a lei maior, a LDB (BRASIL,
1996), que em seu Art. 40 dispõe que a educação profissional será praticada articulando com
o ensino regular. Com base nesse Decreto foi promovida:
[...] uma radical separação entre a educação profissional de nível técnico e o
ensino médio, entendendo que o ensino técnico pudesse ser desenvolvido
subsequentemente ao ensino médio, ou de forma concomitante, porém não
integrado em um único curso, uma vez que a educação profissional não era
mais a parte diversificada do ensino médio. Este posicionamento
intransigente do Decreto Federal nº. 2.208/1997 valeu-lhe profunda
oposição, de modo especial em alguns meios dominantes da rede pública
federal de educação técnica e tecnológica (UNESCO, 2009, p.26).
O documento da Unesco (2009) menciona que o decreto trouxe efeitos benéficos,
pois determinou o aumento da educação profissional técnica (14,5% entre 2003 e 2004,
segundo dados preliminares do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira – INEP, do Ministério da Educação), acelerando o ritmo de expansão da educação
profissional no País, que já tinha avançado 12,9% entre 2001 e 2003. No setor privado,
cresceu 20,8%; no municipal, 11,9%; no estadual, 8,6%; e no federal, 1,4%. A organização
também considera como positivo o perfil do aluno, de mais idade e de baixa renda, o que
passou a ser mais vocacionado e diretamente interessado na profissionalização, objetivando
um foco mais social, voltado para os que necessitam trabalhar em atividades qualificadas,
antes da educação superior.
26
Outro aspecto que merece destaque para a Unesco (2009), refere-se à
obrigatoriedade das instituições federais e as instituições públicas e privadas sem fins
lucrativos, apoiadas financeiramente pelo poder público, a ministrarem cursos de nível básico
de educação profissional, abertos a alunos das redes públicas e privadas de educação básica,
assim como a todos os trabalhadores com qualquer nível de escolaridade.
A presença de organismos internacionais com orientação e apoio financeiro se faz
presente. O Banco Mundial prioriza
[...] financiamento apenas da educação básica, entendida como oito anos de
escolarização, retira da alçada do Estado à obrigação de atuar em outros
níveis de ensino. Conseqüentemente, a desarticulação da educação
profissional e da educação secundária não objetiva alcançar a maior
eficiência da primeira, mas sim, retirar do raio de cobrança da população sua
manutenção pelo poder público. Outro fator que justifica, para o Banco
Mundial, a reformulação da educação profissional é a sua longa duração.
Devendo estar voltada para atender aos interesses imediatos do mercado,
recomenda que a mesma tenha uma estrutura modular, permitindo aos
estudantes uma inserção imediata no mercado de trabalho e que estes
possam, aos poucos, aprimorar este processo formativo (OLIVEIRA, 2002,
p.9).
Segundo o Banco Mundial, embora tenha ampla importância à educação primária
e secundária, bem como a educação profissionalizante, estas não devem estar articulada. Os
resultados da educação profissionalizante são mais otimizados se forem ministrados fora dos
espaços de educação formal. A educação profissionalizante necessita de um modelo flexível
e, em sendo ministrada em instituições que detenham certa autonomia, poderá direcionar suas
atividades para a área produtiva. Neste sentido, recomenda que as escolas técnicas estejam
fora do raio de ação do Ministério da Educação, criando, assim, uma maior flexibilidade no
sistema. Oliveira (2002) recomenda que a educação profissional seja ministrada após o
término do ensino secundário, pois permitirá que os estudantes possam escolher uma
profissão no momento em que estejam próximos de entrar no mercado de trabalho, por
estarem mais maduros para fazê-lo e serem mais capazes de avaliar esta escolha em função do
movimento do mercado de trabalho.
Com o Decreto nº. 2.208/97 (BRASIL, 1997a), o ensino médio retoma legalmente
um sentido puramente propedêutico, enquanto os cursos técnicos, agora obrigatoriamente
separados do ensino médio, passam a ser oferecidos de duas formas. Uma delas é a
concomitante ao ensino médio, em que o aluno pode fazer ao mesmo tempo o ensino médio e
um curso técnico, mas com matrículas e currículos distintos, podendo os dois cursos serem
27
realizados na mesma instituição (concomitância interna) ou em diferentes instituições
(concomitância externa). A outra forma é a Seqüencial, destinada a quem já concluiu o ensino
médio e, portanto, após a educação básica.
Para Kuenzer (1997), a reforma da educação profissional tinha como
pressupostos: a) a racionalidade financeira, pela qual se prioriza o princípio de equidade,
pressupondo um tratamento diferenciado tanto para os indivíduos quanto para as demandas do
mercado; b) ruptura com o princípio da equivalência entre a educação geral e a profissional,
pois apenas o ensino médio daria acesso ao ensino superior, resgatando a dualidade estrutural;
c) a educação profissional em substituição à educação geral disponibiliza-se aos não possuem
escolaridade o acesso ao nível básico, o mais elementar, do ensino profissional.
Conforme apresentado no documento do MEC (BRASIL, 2004c), os dois tipos de
ensino funcionarão com base em premissas distintas: o sistema regular com uma perspectiva
de preparação e continuidade dos estudos em nível universitário e o sistema profissional
ancorado à lógica do mercado. A ampliação da formação mais generalista funcionaria,
também, como um freio para o ingresso no mercado formal de trabalho, atuando como um
mecanismo compensatório e regulador de tensões sociais, já que os empregos que exigem
maior qualificação técnica tendem a ficar restritos, em face dos processos de reorganização
em curso, reduzida parcela da população.
O decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a) institucionaliza o Estado brasileiro, o
agente legal condutor da política educacional pública, a dividir o protagonismo com outros
sujeitos políticos do setor privado:
Na prática, o decreto serviu como mais um instrumento da política
educacional do período que contribuiu para a institucionalização de um
sistema paralelo de formação profissional [...]. Tal desarticulação, presente
na história da educação há tempos, vinha ocorrendo de forma paralela e, até
certo ponto, marginal ao sistema educacional público. A partir de 1997, essa
dualidade passa a ser uma orientação legal e uma prescrição oficial, a ponto
da “educação profissional” configurar-se, predominantemente, como um
subsistema no interior do próprio sistema público de educação, voltado para
a formação do trabalhador, sem a promoção da elevação dos níveis de
escolaridade (CEA, 2006, p.3).
A implementação e materialização do Decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a)
sobre a educação media e profissional foram asseguradas pelos recursos financeiros e gestão
privada do sistema federal, através da parceria do Governo Federal, representados MEC/MTE
28
com os Bancos Interamericano de desenvolvimento (BID) e Mundial, mediantes dos
programas especiais Planfor e Proep.
Conforme Amaral e Oliveira (2007) o Proep – Programa de Expansão da
Educação profissional foi estruturado pelo MEC em novembro de 1997, sob a gestão de sua
Secretaria de educação Média e Tecnológica – Semtec, que tinha os seguintes objetivos: o
aumento de vagas no ensino profissional; a diversificação de oferta no ensino profissional e a
demarcação de cursos para atender às demandas do setor produtivo e as exigências da
tecnologia moderna. Construindo e fortalecendo parcerias entre sociedade e Estado, entre
escola e setor produtivo.
A função do Proep foi reorganizar a rede no sentido de melhorar suas ofertas
educacionais, de gestão e relações com empresários e comunidade a fim de torná-la
competitiva no mercado de prestação de serviços. Com o aporte financeiro do Proep, os
orçamentos das instituições foram sendo reduzido, obedecendo à lógica da reforma, que era o
autofinanciamento dessas instituições. Mas no dia a dia das escolas a sua praticidade era
questionada, pois o foco era desvinculado da operacionalidade da educação regular:
O Proep apresentou uma série de dificuldades: o apoio financeiro não
contemplava os interesses da escola, mas as exigências do programa e falta
de gestão democrática em todas as instâncias. Constatou-se uma gestão
privada do sistema que priorizou uma visão economicista, com loteamento
dos recursos a partir de uma relação tempo/custo, substituindo o tempo de
aprender, gerando um processo de mercantilização do ensino. Ademais,
houve a privatização do ensino público federal por meio das fundações de
apoio (BRASIL, 2004c, p.35).
Podemos considerar que o Decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a) o Proep e o
Planfor são iniciativas de uma política educacional imposta por organismos internacionais que
fragmentou o sistema nacional de educação, privatizou as instituições educacionais públicas e
submeteu a educação profissional á lógica e às práticas do mundo produtivo e dos negócios.
Em 14 de maio de 1997 é promulgada a Portaria MEC no. 646/97(BRASIL,
1997b) que regulamentava a implantação do disposto nos artigos 39 a 42 da Lei Federal no.
9.394/96 (BRASIL, 1996) e no Decreto Federal no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a) que
determinou a redução da oferta de ensino médio no país. A Portaria determinava que a partir
do ano de 1998, a oferta de cada instituição federal de educação tecnológica no ensino médio
seria, no máximo de 50% das vagas oferecidas nos cursos técnicos de nível médio no ano de
1997, os quais conjugavam ensino médio e educação profissional. A manutenção dos 50% foi
29
processo de mobilização ocorrida em toda Rede Federal “[...] a idéia era extinguir
definitivamente a vinculação das instituições federais de educação tecnológica com a
educação básica” (BRASIL, 2004c, p.21).
O Parecer CNE/CEB no. 16/99 (BRASIL, 1999a), aprovado em 5 de outubro de
1999, e a Resolução CNE/CEB no. 04/99 (BRASIL, 1999b) trataram das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a educação profissional de nível técnico. A organização
curricular da educação profissional teve como princípio orientador a formação baseada em
competência. O Parecer entendia competência, como capacidade de articular, mobilizar e
colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho
eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho.
A reforma do ensino médio e profissional que foi implementado determinou a
separação da formação acadêmica da educação profissional e atendeu os interesses imediatos
dos empresários e das orientações dos órgãos internacionais. Subordinou a produção
educacional às necessidades estabelecidas pelo mercado de trabalho e afastou as perspectivas
democráticas defendidas pelas entidades da sociedade civil.
A revogação do Decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a) e a sua substituição pelo
Decreto no. 5.154/04 (BRASIL, 2004a), criou a possibilidade da articulação do ensino médio
com a educação profissional de nível técnico, com a criação de um currículo que promova a
integração, tendo o ensino regular e a educação profissional uma única matricula,
conformando uma totalidade.
1.3
O DECRETO NO. 5.154/04: NOVA POSSIBILIDADE DO ENSINO MÉDIO
INTEGRADO.
De acordo com Frigotto, Ciavatta, Ramos (2005) as experiências de educação
profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio começaram a partir de 2003,
quando as diretorias da educação profissional e do ensino médio do MEC foram coordenadas
por técnicos e assessoradas por pesquisadores que acreditavam que a eleição de Luís Inácio
Lula da Silva, para a Presidência da República, poderia representar um governo democrático e
popular.
Em dezembro de 2003 através da Portaria no. 3.621/03 do MEC (BRASIL, 2003)
foi criado Fórum Nacional de Educação Profissional e Tecnológica, de caráter consultivo e
articulador da relação Estado e Sociedade, vinculado ao Ministério da Educação, com o
compromisso de estabelecer uma articulação entre a sociedade civil e o Estado, através do
30
acompanhamento das propostas, posições e proposições referentes área da educação
profissional. Em abril de 2004, a Secretaria de Educação Media e Tecnológica – Semtec
publicou o documento “Políticas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica4" para
orientar e coordenar as ações promovidas pela Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica do Ministério da Educação.
O objetivo deste documento era contextualizar e adequar à educação profissional
ao desenvolvimento econômico do Brasil, além de organizá-la para promover a diminuição
das desigualdades sociais e articular essa modalidade de educação a um ensino médio de
qualidade. Os pressupostos da proposta estão ancorados na integração ao mundo do trabalho,
interação com outras modalidades públicas (principalmente com a EJA – educação de jovens
e adultos) no intuito de promover a inclusão social, recuperar o poder normativo da LDB,
reestruturar o ensino médio técnico e valorizar os profissionais da educação profissional e
técnica.
Em 27 de junho de 2004 foi revogado o Decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a) e
promulgado o Decreto no. 5.154/04 (BRASIL, 2004a) que regulamentou o § 2º do art. 36 e os
arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996), definindo novas orientações para a educação
profissional. O documento organizou novas modalidades de educação profissional: I formação inicial e continuada de trabalhadores; II - educação profissional técnica de nível
médio; e III - educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação.
Configurou novas formas de educação profissional técnica de nível médio e o
ensino médio: Integrada – o aluno deve cursar o ensino médio e o profissional numa mesma
instituição, com integração entre ambos, através de uma matricula única; Concomitante –
oferecida somente ao aluno que já tenha concluído o ensino fundamental e esteja cursando o
ensino médio, na qual a complementaridade entre os ensino profissional e o médio pressupõe
a existência de matriculas distintas para cada curso, podendo ser cursada na mesma instituição
(concomitância interna) ou em instituições distintas (concomitância externa) e a Subsequente
oferecida para alunos que já tenha concluído o ensino médio.
Para Ramos (2007), a indissociabilidade entre a educação profissional e a
educação básica garante aos sujeitos jovens e adultos se apropriarem de conhecimentos que
estruture sua inserção na vida produtiva dignamente. Os cursos somente de educação
profissional não se sustentam se não se integrarem os conhecimentos com os fundamentos da
4
Essa proposta contemplou os dispositivos do documento-base e do relatório final do Seminário de Educação
Profissional: Concepções, experiências, problemas e propostas, promovido pela Semtec/MEC em julho de
2003 em Brasília.
31
educação básica. Para a autora os cursos não integrados representam cursos de treinamentos,
de desenvolvimento de habilidades procedimentais ou aligeirados, tendo como foco apenas o
mercado de trabalho. A construção de conhecimentos deve ser mediada pelo trabalho, pela
ciência, pela tecnologia e pela cultura e o ensino médio é a etapa da educação básica em que a
relação entre ciência e praticas produtivas se concretiza: “[...] é a etapa biopsicológica e social
de seus estudantes em que ocorre o planejamento e a necessidade de inserção no mundo do
trabalho, no mundo adulto” (RAMOS, 2007, p.14).
A seguir mostramos uma tabela contendo alguns aspectos divergentes sobre a
educação profissional, focando as principais diferenças do nível técnico entre o Decreto no.
2.208/97 (BRASIL, 1997a) e o decreto no. 5.154/04 (BRASIL, 2004a), na visão de Amaral e
Oliveira (2007):
Tabela 1 - Comparativo entre os Decretos nº. 2.208/1997 e nº. 5.154/2004
Decreto no. 2.208/97
Decreto no. 5.154/04
A educação profissional é desenvolvida em A educação profissional é desenvolvida por
três níveis: básico, técnico e tecnológico meio de cursos e programas de: formação
(Art. 3o).
inicial
e
continuada
de
trabalhadores;
educação profissional técnica de nível médio;
e educação profissional tecnológica, de
graduação e de pós-graduação (Art. 1o).
A educação de profissional de nível técnico A educação profissional técnica de nível
deve ter organização curricular própria e médio [...] será desenvolvida de forma
independente do ensino médio, podendo ser articulada com o ensino médio, através da
oferecido
de
forma
concomitante
ou forma integrada, concomitante e subsequente
sequencial a este (Art. 5o).
ao ensino médio (Art. 4o).
Limite de 25% do total da carga horária Não prevê limite para aproveitamento da
mínima, conferida ao ensino médio, para carga horária do ensino médio para a
aproveitamento no currículo da habilitação educação profissional.
profissional (Art. 5o).
Fonte: Amaral e Oliveira, 2007, p. 177.
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) defendem que o Decreto no. 5.154/04
(BRASIL, 2004a) foi importante por iniciar uma possibilidade de estabelecer a integração do
ensino médio e a educação profissional, promover a retirada do nível básico para educação
32
profissional, muito criticado por aceitar alunos sem qualquer escolaridade e determinar a
eliminação do ensino modular que fragmentava e aligeirava o ensino profissional.
A gênese do decreto foi um processo polêmico que envolveu uma complexa
acumulação de forças como educadores, dirigentes e consultores de sindicatos, de ONGs e de
instituições empresariais. Na área da educação profissional, a revogação do Decreto no.
2.208/97 (BRASIL, 1997a) configurou a face emblemática e pontual da disputa da pertinência
politico e pedagógico do ensino médio integrado com a educação profissional. Representou
um avanço no sentido de mudanças estruturais para a sociedade civil e educadores. O
documento final que culminou com o Decreto no. 5154/04 (BRASIL, 2004a), representa a luta
de setores progressistas que lutam por uma educação mais completa e de formação humana
para jovens e trabalhadores.
O documento é fruto de um conjunto de disputas e, por isso, mesmo, é um
documento híbrido, com contradições que, para expressar a luta dos setores
progressistas envolvidos, precisa ser compreendido nas disputas internas na
sociedade, nos estados, nas escolas. Sabemos que a lei não é a realidade, mas
a expressão de uma correlação de forças no plano estrutural e conjuntural da
sociedade. Ou interpretamos o Decreto como um ganho político e, também,
como sinalização de mudanças pelos que não querem se identificar com o
status quo, ou será apropriado pelo conservadorismo, pelos interesses
definidos pelo mercado (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 26 –
27).
Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) a expectativa era de que o novo
decreto fosse apenas um dispositivo transitório, num sentido de garantir a pluralidade de
ações nos sistemas e instituições de ensino e um esclarecimento para a sociedade civil do
assunto. Para os autores isso se deu de forma tímida e proposta da integração não foi
prioritária e se fragmentou.
O Parecer CNE/CEB no. 39/2004 (BRASIL, 2004b) confirmou a fragmentação da
integração. O Parecer homologou as Diretrizes Curriculares Nacionais aprovados em 1989 e
1999, em conformidades com as disposições do decreto no. 5.154/04 (BRASIL, 2004a), ou
seja, o MEC manteve as mesmas diretrizes, alvo de questionamentos e críticas.
Para Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), o ensino médio integrado concebido
como educação básica e articulado ao mundo do trabalho, da cultura e da ciência, constitui um
direito social e condição prévia para construir jovens emancipados, criativos e leitores críticos
da realidade nacional. Nesse sentido o MEC, através da SETEC, elaborou o documento base
“Educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio” (BRASIL, 2007),
33
que norteia o ensino médio integrado para as instituições e sistemas de ensino em todo o
Brasil, que será objeto de discussão do próximo item.
1.4 DOCUMENTO – BASE MEC/SETEC (2007)
O documento estimula, subsidia e propõe a opção pelo apoio à forma de oferta de
educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio. Produz reflexões
importantes quanto à possibilidade material da implementação da politecnia na educação
básica brasileira. O documento analisa as características atuais da sociedade brasileira e
conclui que são grandes as dificuldades da implementação da politecnia ou educação
tecnológica em seu sentido pleno, devido à extrema desigualdade socioeconômica, que
“obriga grande parte dos filhos da classe trabalhadora a buscar a inserção no mundo do
trabalho, visando complementar o rendimento familiar ou mesmo a auto-sustentação muito
antes dos 18 anos de idade” (BRASIL, 2007, p.23). Considera o EMI uma solução transitória
de média ou longa duração até que se chegue a uma conjuntura social “em que deixe de ser
luxo o fatos dos jovens das classes populares poderem optar por uma profissão após os 18
anos de idade” (BRASIL, 2007, p.24).
Foi a partir desse consenso mínimo que se edificaram as bases que deram origem
ao Decreto no. 5154/04 (BRASIL, 2004a). O referido decreto, além de manter as ofertas dos
cursos técnicos concomitantes e subsequentes, permitiu a possibilidade de integrar o ensino
médio à educação profissional técnica, não no sentido totalmente tecnológico ou politécnico,
mas que aponta na direção, porque contém os princípios de sua construção (BRASIL, 2007).
Os dados coletados no IF sudeste MG – Campus Juiz de Fora, através das
entrevistas semi-estruturadas foram confrontados com os dados e informações contidas no
Documento Base Educação Profissional técnica de Nível Médio, produzidas pelo
MEC/SETEC (BRASIL, 2007), procurando responder o objetivo de nossa pesquisa. As
análises foram feitas dando ênfases e direcionamento com o objetivo da pesquisa e as
categorizações de acordo aspectos, temas recorrentes e temas ausentes.
O documento representa a tentativa da construção de uma política pública
educacional de integração entre o ensino médio e a educação profissional técnica com ações
que assuma uma amplitude nacional, orientadas por um regime de coordenação e cooperação
entre as esferas públicas em seus vários níveis: MEC e outros ministérios, secretarias do
próprio MEC, instituições públicas de educação superior, principalmente as que integram a
Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica e os sistemas estaduais e municipais de
34
ensino. Esse regime de colaboração mutua devera atuar em questões centrais como:
financiamento; existência de quadro específico de professores efetivos para atuar nos diversos
cursos; formação inicial e continuada de docentes, técnico-administrativos e equipes
dirigentes; infra-estrutura física necessária a cada tipo de instituição, entre outros aspectos
relevantes (BRASIL, 2007).
1.4.1 Políticas de integração do ensino médio com a educação profissional
O MEC através da SETEC publicou em dezembro de 2007, o documento base
intitulado Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio que
explicita os princípios e diretrizes do EMI às instituições e sistemas de ensino. A intenção do
documento é de que a sociedade civil brasileira se comprometa com essa modalidade de
ensino, pois, para o MEC é a que apresenta os melhores resultados pedagógicos. A proposta
enfatiza a educação científica e humanística através da articulação da formação geral e a
educação profissional, priorizando a realidade dos arranjos produtivos e das escolhas sociais,
econômicas e culturais locais e regionais.
A SETEC através do Programa Brasil Profissionalizante5 oferece assistência
financeira para a modalidade de ensino médio integrado na construção, ampliação,
modernização e adequação de espaço físico, construção de laboratórios, aquisição de acervo
bibliográfico, material de consumo e formação de docentes, gestores e pessoal técnicoadministrativo. O referido documento reconhece a necessidade de uma ação política
consistente e clara para as instituições e sistemas de ensino, dos princípios e diretrizes do
ensino médio integrado à educação profissional, servindo como um documento base de
encadeamento das idéias, dos debates e embates da formação integral do cidadão brasileiro,
anunciada no Decreto no 5.154/2004 (BRASIL, 2004a).
Além de apresentar os pressupostos, concepções e princípios para a consolidação
dessa modalidade de ensino, o documento base apresenta alguns embasamentos para a
elaboração de um projeto político pedagógico integrado para as instituições que ofertarem o
EMI e, alerta que a referida proposta só será vitoriosa dentro da comunidade escolar se a
5
O programa visa fortalecer as redes estaduais de educação profissional e tecnológica. A iniciativa repassa
recursos do governo federal para que os estados invistam em suas escolas técnicas. Criado em 2007, o
programa possibilita a modernização e a expansão das redes públicas de ensino médio integradas à educação
profissional, uma das metas do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). O objetivo é integrar o
conhecimento do ensino médio à prática (BRASIL, 2007).
35
sociedade civil se conscientizar, comprometer-se e lutar pela consolidação do referido projeto,
tendo como meta o aumento da escolarização e a melhoria da qualidade da formação do
jovem e adulto trabalhador brasileiro.
No documento base (BRASIL, 2007) temos bem evidenciadas duas percepções de
educação profissional de nível médio, uma ancorada nos preceitos e regulamentos do Decreto
no 2.208/1997 (BRASIL, 1997a), que fundamentava a separação da educação profissional da
educação básica assumindo o ideário da pedagogia do capital ou do mercado e outra que
propõe a formação integral, Decreto no 5.154/2004 (BRASIL, 2004a), que busca superar a
determinação histórica do mercado de trabalho sobre essa etapa de ensino e desloca o foco
para a formação da pessoa humana, tendo como aspectos indissociáveis o trabalho, a ciência,
a cultura e a tecnologia.
A proposta do MEC/SETEC (BRASIL, 2007) para o EMI é um projeto de
integração entre a educação profissional à educação geral que tem como base a Escola
Unitária de Gramsci. Este autor propõe para os sistemas de educação básica (nos níveis
fundamental e médio) o trabalho como princípio educativo. Educação e trabalho são o
binômio da pedagogia gramsciana: o trabalho é a essência fundamental da educação. A
integração da ETP com o EM representaria a unificação do trabalho como momento
educativo. O trabalho guia, decide e marca o currículo escolar. A escola unitária não admite
subordinar a política educacional ao economicismo e às determinações do mercado. O
documento adverte que uma escola profissional regulamentada pelo mercado produz
trabalhadores com treinamentos aligeirados para preenchimento de postos de trabalho
transitórios.
Para Gonzalez (1996), Gramsci ao analisar o sistema de ensino italiano, criticava
a existência de dois tipos de ensino (dualidade): a escola humanística, destinada a desenvolver
a cultura geral dos indivíduos da classe dominante e as escolas particulares, que preparava os
alunos oriundos das classes dominadas para o exercício de profissões. A solução para essa
dicotomia seria a partir da implantação da escola única de cultura geral, formativa, que
equilibrasse o desenvolvimento das capacidades intelectuais e manuais. A escola pública
unitária deve atingir todos os indivíduos sem distinção de classe.
Para a sua operacionalização, a escola unitária, requer mudanças na organização
da escolar, com respeito aos prédios, material didático e corpo docente. Enfatiza a
necessidade de um maior número de docentes, orientando que a eficiência da escola é mais
intensa, quando a relação entre professor e aluno é menor. Orienta que as instalações devem
ter dormitórios, refeitórios, bibliotecas especializadas, salas para trabalhos de seminários, etc.
36
Defende que na etapa inicial de implantação da escola unitária, apenas um grupo reduzido de
alunos devem ser selecionados para o seu ingresso (GONZALEZ, 1996).
Saviani (2006), inspirado nas reflexões de Gramsci sobre o trabalho como
princípio educativo da escola unitária, delimita no interior do sistema ensino brasileiro, a
escola unitária como sendo a educação básica nos níveis fundamental e médio. Alerta que o
nível de desenvolvimento atingido pela sociedade contemporânea exige um acervo mínimo de
conhecimentos para que os indivíduos atuem como cidadãos e participem ativamente da vida
da sociedade.
O referido acervo de conhecimento inclui a linguagem escrita e a matemática
(incorporadas na vida da sociedade atual), as ciências naturais (leis que regem a natureza) e as
ciências sociais (compreensão das relações entre homens, instituições e definições de direitos
e deveres). Para Gramsci, este deve ser a configuração do currículo da escola fundamental. No
ensino fundamental a relação entre trabalho e educação é implícita e indireta,mas no ensino
médio a relação entre educação e trabalho, entre o conhecimento e a atividade prática deverá
ser explicita e direta. O papel fundamental do ensino médio será, de recuperar a relação entre
o conhecimento e a prática do trabalho (SAVIANI, 2006).
Gonzalez (1996), focalizando a escola unitária de Gramsci, discute que nesse tipo
de escola é privilegiado o incentivo de métodos de estudo e aprendizagem que estimulem a
criatividade (não devendo estes ser monopólios das universidades) e mostra que na fase final,
tal modelo, deve ser decisivo na criação de valores fundamentais na formação do ser cidadão:
“humanismo, a autodisciplina intelectual e a autonomia moral necessárias a uma posterior
especialização, seja de caráter cientifico (estudos universitários), seja de caráter
imediatamente prático (indústria, burocracia, organizações de troca)” (GONZALEZ, 1996,
p.2).
A referida autora orienta que nesse tipo de escola, o professor desempenha um
papel decisivo e fundamental: sendo um guia amigável tal como acontece de uma maneira
geral na universidade e devem ter consciência de seu dever e do conteúdo filosófico desse
dever, engajado e ativo na proposta da escola unitária (GONZALEZ, 1996).
Para Saviani (2006), na escola unitária, o conhecimento se converte em potencia
material no processo de produção e deve envolver o domínio teórico e prático. A atividade
prática, manual, pode contribuir para explicitar a relação entre ciência e produção. Através do
trabalho, pode-se compreender como a ciência e seus princípios são aplicados ao processo
produtivo:
37
O ensino médio envolverá, pois, o recurso às oficinas nas quais os alunos
manipulam os processos práticos básicos da produção; mas não se trata de
reproduzir na escola a especialização que ocorre no processo produtivo. O
horizonte que deve nortear a organização do ensino médio é o de propiciar
aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas
na produção, e não o mero adestramento em técnicas produtivas. Não a
formação de técnicos especializados, mas de politécnicos (SAVIANI, 2006,
p.161).
Para o autor esta é uma concepção radicalmente diferente do ensino médio
profissionalizante, pois nesse, a profissionalização é vista como adestramento para uma
determinada habilidade e visa à inserção do individuo exclusivamente para o mercado de
trabalho.
O documento base (BRASIL, 2007) alerta que esta escola deve contribuir para a
superação da estrutura social desigual da atual sociedade brasileira mediante um sistema
educacional não dicotômico, que supere a divisão em educação geral, propedêutica, da
educação específica e profissionalizante. A propedêutica destinada aos ricos e a
profissionalizante aos pobres. Não subordinar a política educacional ao economicismo e às
determinações do mercado, mas não ignorar as exigências da produção econômica, como
espaço de onde os sujeitos sociais retiram os meios de vida e o seu sustento. Para a proposta é
importante considerar os estudos locais, a identificação das oportunidades ocupacionais, as
tendências da dinâmica sócio produtiva local, regional, nacional e global.
Para Saviani (2006) no ensino fundamental a relação entre educação e trabalho é
implícita e indireta, no ensino médio a relação conhecimento e a atividade praticam deve ser
implícita e direta, isto é, o saber deve ter uma autonomia em relação ao trabalho. O nível
médio devera focar a relação entre conhecimento e prática do trabalho. Os conhecimentos são
incorporados em dimensões indissociáveis entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura,
através de uma formação omnilateral6. Aqui não cabe o mero adestramento de técnicas ou
preparação mercadológica, mas a formação para a politécnia7. Esta concepção deve
generalizada para todos, independente do tipo de ocupação cada um na sociedade. Terminada
6
Omnilateral: implica na integração das dimensões fundamentais da vida dos sujeitos que estruturam a prática
social. As dimensões são: o trabalho, compreendido como realização humana inerente ao ser (sentido
ontológico) e como prática econômica (sentido histórico associado ao respeito ao modo de produção), a
ciência (compreendida como os conhecimentos produzidos pela humanidade que possibilita o contraditório
avanço produtivo) e a cultura, que corresponde aos valores éticos e estéticos que orientam as normas de
conduta de uma sociedade (RAMOS, 2007, p. 3).
7
Especialização como domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas utilizadas na produção
moderna. Está concepção é radicalmente diferente do ensino médio profissionalizante, onde a
profissionalização é entendida como um adestramento em uma determinada habilidade sem o conhecimento
dos fundamentos dessa habilidade e sua articulação com o conjunto do processo produtivo. (SAVIANI, 2006)
38
esta formação os jovens teriam dois caminhos a seguir, sua vinculação ao processo produtivo
ou a formação universitária.
De acordo com o documento (BRASIL, 2007), o EM seria o EMI, com sentido e
identidade e sem abandonar o desenvolvimento cultural dos jovens e adultos a um processo
enfadonho e redundante. O EMI deve ser orientado para a formação de cidadãos críticos e
participativos em todas as esferas da sociedade e “atuar de forma ética e competente, técnica e
politicamente, visando contribuir para a transformação da sociedade em função dos interesses
sociais e coletivos” (BRASIL, 2007, p.25). Para Saviani (2006), o EMI pode participar em
“igualdade de condições com os estudantes universitários, da discussão, em nível superior,
dos problemas que afetam toda a sociedade e, portanto, dizem respeito aos interesses de cada
cidadão” (p. 15). Criando um clima que pode oferecer uma continuidade de atividades e
desenvolvimento cultural dos jovens e adultos que pode ajudar a vincular o trabalho
intelectual e manual sem preconceitos. Evita-se que os trabalhadores caiam na passividade
intelectual e os universitários no academicismo.
A escola unitária de Gramsci (2004) ao valorizar o trabalho como princípio
educativo coloca o jovem estudante em contato com a história dos homens e com a realidade
das coisas, fundamentando a compreensão da construção da vida em sociedade, livre de
qualquer magia e feitiçaria e com uma concepção histórica, dialética do mundo:
A marca social é dada pelo fato de que cada grupo social tem um tipo de
escola próprio, destinado a perpetuar nestes grupos uma determinada função
tradicional, diretiva ou instrumental. Se se quer destruir esta trama, portanto,
deve-se evitar a multiplicação e graduação dos tipos de escola profissional,
criando-se, ao contrário, um tipo único de escola preparatória (elementar –
media) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional,
formando-o entrementes como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir
ou de controlar quem dirige (GRAMSCI, 2004, p.136).
Sua concepção pedagógica pela ação do trabalho é vinculada com a educação
política que forma o cidadão para contribuir na humanização das estruturas econômicas,
políticas e sociais. Para Gramsci, educar é libertar a classe trabalhadora da dominação
mecânica, é reconstruir a historia do trabalho e suas manifestações culturais e construir as
condições educacionais para as pessoas se tornarem dirigentes. Esta escola se organiza
equilibrando de forma equânime a capacidade de trabalhar manualmente e o desenvolvimento
do trabalho intelectual. Confirmando que “O advento da escola unitária significa o início de
novas relações entre o trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em
toda vida social” (GRAMSCI, 2004, p.125).
39
O documento propõe varias ações que visam tornar a integração entre o EM e a
EPT de nível médio, através do Decreto no. 5.154/04 (BRASIL, 2004a), uma política pública
educacional em todo território brasileiro. Essas ações devem estar orientadas e sincronizadas
por um regime de coordenação e cooperação entre as esferas públicas em vários níveis e que
está colaboração mútua tenha como objetivo a resolução e otimização das questões
relacionadas com o EMI. Para o MEC/SETEC as questões vitais do funcionamento da
integração são o financiamento, quadro de professores efetivos, formação inicial e continuada
de docentes e técnico-administrativos e uma infra-estrutura física adequada.
Um aspecto muito discutido no documento base do governo para a implementação
da oferta de educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio é o
quadro docente e sua formação. Para uma política pública se transformar num programa de
governo na área de educação torna-se fundamental conhecer os sistemas educacionais, tão
questionáveis e fragilizados, sem esquecer suas virtudes, sejam eles municipais, estaduais e
municipais, na tentativa de um diagnóstico de sua superação. A formação continuada é peça
chave para a consolidação do EMI e envolvem professores, gestores e técnicoadministrativos.
O documento atenta para uma formação que vá alem das técnicas didáticas de
transmissão (professores) e de técnicas de gestão (dirigentes). O seu objetivo deve estar
direcionada para uma política pública de educação profissional de nível médio integrado ao
ensino médio, isto é, deve ter orientações que englobe a técnica, mas que supere esta,
focalizando mais o ser humano trabalhador e suas relações com o meio ambiente do que
simplesmente o mercado de trabalho e suas correlações do tipo aprender fazendo, formar para
o trabalho e aspectos economicistas. O uso e entendimento da tecnologia devem estar
comprometidos com o social. Há uma preocupação com a produção de conhecimento no
campo da educação profissional e tecnológica e como proposta, deve-se estimular a criação de
grupos de pesquisa e programas de pós-graduação.
A proposta do ensino médio integrado, segundo o documento, está inserida num
processo de caráter crítico-reflexivo e orienta para os professores um comportamento que vai
além das transmissões de conteúdos acríticos e validados por autores externos. O professor
deve assumir uma postura crítica e de responsabilidade social, problematizador e mediador
dos conflitos do processo ensino-aprendizagem com autoridade, responsabilidade e
competência técnica de sua área de conhecimento. Prioriza esforços, na formação, dos
professores que já estão em exercício, os que estão em processo de formação e os que ainda
vão iniciar formação como futuros profissionais da EPT. A proposta é criar uma escola ativa e
40
criadora organicamente identificada com o dinamismo da classe trabalhadora, tendo como
foco a formação humana entrelaçada com o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura.
1.4.2 Concepções e princípios do ensino médio integrado
Analisaremos aqui as concepções e princípios da educação profissional técnica de
nível médio integrada ao ensino médio, marcada por uma educação centralizada no sujeito e
conhecimentos, superando a visão determinista do mercado de trabalho. Segundo o
documento base que orienta a integração (BRASIL, 2007) o objetivo fundamental é o
desenvolvimento integral do ser humano permeado por valores éticos, sociais e políticos,
preservando a sua dignidade e desenvolvendo ações junto à sociedade baseada nesses mesmos
valores, desenvolvendo uma leitura crítica e reflexiva do mundo moderno marcado por
dimensões científico-tecnológicas, políticas, econômicas e culturais. O documento aborda os
quatro fundamentos da formação do EMI: a formação humana integral, trabalho, ciência,
tecnologia e cultura como categorias indissociáveis da formação humana, o trabalho como
principio educativo, a pesquisa como princípio educativo: o trabalho de produção de
conhecimento e a relação parte-totalidade na proposta curricular.
A formação humana integral, segundo o documento, significa a tentativa de
enfocar o trabalho como princípio educativo, na perspectiva de superar com a dicotomia:
trabalho manual e trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho
produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos. Este
fundamento tem como base a omnilateralidade que se caracteriza pela integração de todas as
dimensões da vida no processo educativo. Essas dimensões são o trabalho, a ciência, a
tecnologia e a cultura.
A educação dos indivíduos teria a função de desenvolver a formação no objetivo
de aumentar todas as dimensões do ser humano. O conceito de omnilateralidade está
relacionado com o desenvolvimento total, completo, multilateral na vida produtiva e nas
necessidades e capacidades de satisfação do homem. Conforme Gonzalez (1996), a
omnilateralidade é considerada como objetivo final da educação e deve ser alcançada através
do aumento da capacidade produtiva consolidada a uma capacidade de consumo e prazeres.
A omnilateralidade, de acordo com Gonzales (1996), é uma concepção
relacionada com a realização/emancipação do homem através do trabalho. A idéia é
estabelecer uma diferença entre trabalho alienado e trabalho produtivo. O trabalho alienado é
41
definido como a atividade que produz algo exterior a si mesmo, portanto uma atividade
exteriorizada e objetivada, tendo a produção como uma característica que satisfaz as
necessidades do mercado e não as necessidades do individuo. Para a autora, Gramsci, retoma
as idéias de Marx:
O trabalho é atividade humana que produz valor de troca. A produção é
direcionada para a necessidade de outras pessoas e o seu produto não
pertence ao trabalhador. Este recebe em troca um salário e o transforma em
bens de subsistência para sua família. É no regime de assalariado que o
trabalho revela a sua essência alienante: uma atividade que produz valor de
troca para outro. O próprio homem é convertido em mercadoria e passa a ter
valor pela sua capacidade de produzir valor. O homem de sujeito passa a ser
objeto daquele para quem trabalha (GONZALES, 1996, p.4).
Para Gonzales (1996), a introdução da máquina no processo produtivo, reduz,
cada vez mais, a intervenção consciente do homem no trabalho. No trabalho alienado, o
trabalho perde todo o caráter de atividade humana, isto é, desaparece a consciência de si pela
qual o homem se projeta e se satisfaz no seu produto. É um trabalho de sacrifício. “No
trabalho alienado o homem não produz significados. A contínua repetição de uma
determinada operação instala a morte psicológica do sujeito” (GONZALES, 1996, p.4).
Gonzales (1996) cita a concepção de Marx acerca da emancipação humana no
trabalho, que só pode ser
plenamente compreendida através da oposição entre trabalho alienado e
trabalho produtivo. O trabalho para Marx não era uma categoria meramente
econômica e sim uma categoria antropológica impregnada de juízo de valor
oriundo de sua posição humanista. É através do trabalho que há a plena
identificação do homem com a natureza. Marx acompanha o pensamento de
Hegel que entendia o trabalho como "o ato de autocriação do homem". O
trabalho produtivo é a atividade pela qual o homem desenvolve-se a si
mesmo. É a expressão própria do homem, uma expressão de suas faculdades
físicas e mentais (GONZALES, 1996, p.4).
Marx defende a abolição completa, da sujeição do homem, a realização de uma
única atividade durante toda a sua vida. Deve-se privilegiar o desenvolvimento do homem
total e universal (omnilateralidade) e explicita que na sociedade capitalista, o homem, se
dedica a uma atividade até o fim de sua vida para obter o seu salário. Como alternativa, Marx,
propõe a sociedade comunista, onde o indivíduo, não tem uma esfera de exclusividade de
atividade. Qualquer um pode realizar-se em qualquer ramo que desejar, pois a sociedade
regula a produção geral e torna possível a multiplicidade de atividades (GONZALES, 1996).
42
Para o documento (BRASIL, 2007), o trabalho é entendido como realização
humana e como prática econômica, a ciência compreendida como os conhecimentos
produzidos pela humanidade e a cultura que valoriza as normas de conduta baseada na ética e
a estética. Na área especifica do EMI ao ET é amalgamar a educação geral com a com a
educação profissional em todos os campos do trabalho: no processo produtivo ou no processo
educativo nos níveis técnico, tecnológico ou superior.
A proposta para o EMI, segundo as suas diretrizes é superar a visão dos homens
dividida entre aqueles que vão fazer ou executar e os outros que vão planejar dirigir ou pensar
ou acabar com a visão simplificada da preparação para o trabalho, somente focada no aspecto
operacional, adestrado, desprovido de saberes científicos e tecnológicos e sem sua
compreensão de um ser histórico e social. Implica tratar a educação como totalidade social e
nesse sentido entende-se que as relações sociais se manifestam em de todas as outras relações
ou fenômenos.
Os autores do documento citam Ramos (2007) para discutir os pressupostos da
formação integrada. O primeiro pressuposto é entender que os seres humanos “são seres
histórico-sociais que atuam no mundo concreto para satisfazerem suas necessidades subjetivas
e sociais e, nessa ação, produzem conhecimentos” (BRASIL, 2007, p. 42) e suas necessidades
são orientados pelo trabalho e por isso constrói conhecimentos. O segundo pressuposto versa
sobre a totalidade e suas relações. A realidade, aquilo que existe efetivamente, é uma
totalidade e que esta é o resultado de muitas relações. A totalidade é um todo organizado
dialeticamente em partes. Para desvendar um fato em toda sua constituição é necessário
conhecer suas relações intrínsecas e extrínsecas que a compõem. Compreender um
conhecimento consiste em entendê-lo, como uma elaboração do pensamento pelo qual se
assimila e se aprendem as relações que compõe e estruturam a realidade. Para entender e
conhecer essas relações exige-se um método de análise que determina as relações gerais,
fundamentais para a obtenção da realidade concreta. Após a análise, resta à busca de uma
síntese que irá representar o concreto.
Fazendo a transposição desse pressuposto para o trabalho pedagógico, o método
deve “permear as relações dinâmicas e dialéticas entre os conceitos, reconstituindo as relações
que configuram a totalidade concreta da qual se originaram, de modo que o objeto a ser
conhecido revele-se gradativamente [...]” (BRASIL, 2007, p. 42). O currículo integrado deve
obedecer esta configuração e os conhecimentos e os processos de ensino e aprendizagem
estão em sincronia com sistema de relações de uma totalidade concreta que se pretende
interpretar e entender.
43
De acordo com o documento (BRASIL, 2007), o segundo sentido do EMI defende
que trabalho, ciência, tecnologia e cultura representem categorias indissociáveis da formação
humana, portanto devem fazer parte do núcleo básico do currículo integrado. O trabalho é
ponto de partida para a síntese dos conhecimentos e de cultura pelos diferentes grupos sociais.
A capacidade de ter consciência de suas necessidades e de arquitetar meios para satisfazê-las,
define o seu caráter teleológico do homem de se relacionar com a natureza, uma relação de
sobrevivência (como qualquer animal) com consciência e com sua vontade (somente o
homem), o que lhe confere liberdade e universalidade, logo produz conhecimentos, que
sistematizado e aprovado no meio histórico-social, se transforma em ciência.
O trabalho é sempre educativo ou em que condições o trabalho é tortura ou
sofrimento. O trabalho pode ser educativo como:
[...] atividade ontológica, estruturante do ser social, como um valor
extrínseco à vida humana e ao conhecimento, que ele proporciona na relação
com a natureza e com os demais. É trabalho como princípio de cidadania, no
seu sentido de participação legitima nos benefícios da riqueza social, que se
distingue das formas históricas e alienantes, de exploração do trabalhador,
presentes na produção humana (CIAVATTA, 2005, p.92).
Discute o documento (BRASIL, 2007) que para aprender um conhecimento,
devemos conhecer suas relações e isto exige um método, que poderá nos levar as relações
gerais, que são determinantes do fenômeno estudado. Quando essas relações estão ausentes ou
não conectadas do seu contexto originário, tem-se simplesmente a teoria, isto é, o plano do
pensamento, para se constituir um conhecimento, esta teoria deve ser incorporada ao homem
na forma de uma força produtiva que lhe beneficie.
A ciência é o conhecimento sistematizado e conceituado que representa as
relações incorporadas e apreendidas da realidade. O conhecimento tematizado constitui os
campos da ciência e em menor escala as disciplinas científicas. Estes conhecimentos
científicos podem ser transmitidos ao longo do tempo e podem e devem ser questionados e até
superados com o tempo, constituindo um movimento de elaboração e síntese de novos
conhecimentos. A tecnologia é considerada como a transformação da ciência em força
produtiva e esta tem como objetivo maior a satisfação de necessidades dos homens, logo uma
extensão das capacidades humanas. “Podemos definir a tecnologia, então, como mediação
entre ciência (apreensão e desvelamento do real) e produção (intervenção no real)” (BRASIL,
2007, p. 44).
44
No documento base do MEC (BRASIL, 2007), a cultura é entendida numa visão
Gramsciniana, como norma de comportamento dos indivíduos numa sociedade e como
expressão da organização político-econômica dessa sociedade, no que se refere às ideologias
que cimentam o bloco social. Constitui o conjunto de representações, comportamentos e
processo de socialização de uma comunidade, isto é, o seu modo de vida. Portanto uma
formação integrada permite o acesso à ciência e a tecnologia e ao mesmo tempo facilita a
reflexão critica sobre os padrões culturais de um grupo social.
O terceiro sentido do EMI, de acordo com o documento (BRASIL, 2007),
referencia o trabalho como princípio educativo, isto é, o trabalho permeia a relação do homem
com a realidade material e social. Significa dizer que o homem constrói conhecimentos
(produtor de sua realidade) e por isso pode se apropriar dos seus conhecimentos e transformar
a realidade. Não significa dizer “aprender fazendo”, formar para o mercado de trabalho, esta
seria uma visão muito reduzida da realidade humana.
É estabelecida uma distinção entre trabalho alienado e trabalho produtivo. O
primeiro é definido como a atividade que produz algo exterior a si mesmo
sendo, portanto, uma atividade exteriorizada e objetivada. Sua característica
fundamental consiste no fato de a produção ocorrer não para satisfazer as
necessidades do indivíduo e sim as do mercado. O trabalho é atividade
humana que produz valor de troca. A produção é direcionada para a
necessidade de outras pessoas e o seu produto não pertence ao trabalhador.
Este recebe em troca um salário e o transforma em bens de subsistência para
sua família. É no regime de assalariado que o trabalho revela a sua essência
alienante: uma atividade que produz valor de troca para outro. O próprio
homem é convertido em mercadoria e passa a ter valor pela sua capacidade
de produzir valor. O homem de sujeito passa a ser objeto daquele para quem
trabalha (GONZALES, 1996, p.4).
O trabalho como princípio educativo é ter uma formação escolar com conteúdos
histórico-científicos incorporados de valores ético-políticos que caracterizam a existência
humana.
Na visão organizativa, o documento base propõe que o ensino médio integrado
deve superar a dualidade EM e EP, projetando uma escola unitária, isto é, garantir num
mesmo currículo a aprendizagem dos princípios científicos, tecnológicos, e históricos do
mundo moderno e orientar/permitir os alunos à realização de múltiplas escolhas. “Com isso
queremos erigir a escola ativa e criadora organicamente identificada com o dinamismo social
da classe trabalhadora” (BRASIL, 2007, p.48).
O quarto sentido do EMI relata a pesquisa como princípio educativo e sua relação
com o trabalho de produção de conhecimento. Aqui a pesquisa atua como ação
45
potencializadora do trabalho como princípio educativo e que contribui para a autonomia dos
alunos no sentido de compreender-se no mundo em que vivem e nele atuar, por meio do
trabalho e em função das necessidades coletivas do homem, de sua preservação e das gerações
futuras. Esta autonomia intelectual deve estar ligada ao ensino e deve estar centrada na pessoa
humana (BRASIL, 2007).
Prioriza a pesquisa como princípio educativo em toda educação escolar, pois esta
incita, estimula e provoca o aluno no campo da curiosidade, gerando a procura do saber e
evitando o aprendizado adestrado, apostilado e restrito de saberes, de informações e de visão
do mundo em todos os aspectos do cotidiano. Esse comportamento da procura dos saberes,
catalisada pela pesquisa na fase inicial do aluno, colabora em faixas etárias e níveis
acadêmicos mais avançados na construção de projetos individuais ou coletivos na
reconstrução de saberes, sempre num sentido ético na produção de conhecimentos científicos
e de construção de tecnologias que estejam comprometidas com a vida coletiva dos homens e
a natureza.
O último sentido referenciado, no documento do MEC/SETEC (BRASIL, 2007),
que orienta o EMI, é o da relação parte-totalidade na proposta curricular. A proposta dos
autores é a construção de um currículo amalgamado nos princípios do trabalho, da ciência, da
tecnologia e da cultura, tendo os conhecimentos gerais e específicos fundidos, estruturando
uma totalidade curricular. O documento base (BRASIL, 2007) orienta
[...] que o currículo é sempre uma seleção de conhecimentos a serem
ensinados e aprendidos dependendo da finalidade e dos objetivos
educacionais. Defendemos aqui a formação integral, plena, completa. Isso
não pressupõe, entretanto, que se possa ensinar e aprender “tudo”. A questão
é: como podemos proporcionar compreensões globais, totalizantes da
realidade a partir da seleção de componentes e conteúdos curriculares?
Como orientar a seleção de conteúdos no currículo da formação integrada? A
resposta a tais perguntas implica buscar relacionar partes e totalidade
(BRASIL, 2007, p.50).
O documento base (BRASIL, 2007) referencia Kosik (1978), que considera cada
fato ou grupos de fatos pode com maior ou menor grau revelar uma realidade. Pode ser que
um fato tenha mais conteúdo para retratar o real, mas a idéia é que para se conhecer o real na
sua essência é preciso conhecer e identificar seus fatos que mais retratam este real. É preciso
separar o aquilo que constitui a natureza da coisa, o fundamental do secundário, do
complemento do acessório. Na construção de um currículo, para fins formativos, o importante
46
é localizar e identificar cada componente do conteúdo desse currículo na perspectiva de um
interelacionamento dinâmico sincrônico (o fato ocorre ao mesmo tempo, de forma
concomitante e contemporaneamente) e diacrônico (fato observado quanto a sua evolução no
tempo) com a intenção de sintetizar com maior amplitude o que se quer conhecer e em qual
realidade ele está inserido.
Contempla a explanação acima, segundo o documento (BRASIL, 2007) o fato de
que o EMI trata de formação profissional e que os conhecimentos típicos de uma determinada
área técnica não são capazes de determinar uma compreensão global de uma determinada
realidade, devemos buscar conhecimentos da formação geral, ficando claro que os
conhecimentos devem estar integrados.
Para que ocorra na prática é adequado que conheçamos os conteúdos e problemas
de uma área profissional especifica em sua totalidade, isto é, em múltiplas dimensões, como
econômica, política, social, cultural e técnica. Assim, estamos construindo conteúdos de
ensino sistematizados nas áreas e disciplinas na perspectiva de uma integração, num currículo
único,
relacionando
parte
e
totalidade,
conhecimentos
gerais
e
específicos,
contemporaneidade e historicidade. Nessa formatação fica a interdisciplinaridade como o
preceito básico de organizar o currículo e como método principal de ensino e aprendizagem.
Finalmente o documento que norteia o EMI (BRASIL, 2007) propõe alguns
fundamentos para a elaboração de um projeto político-pedagógico integrado. O alicerce
primordial de um projeto político-pedagógico é que ele deve ser elaborado de forma coletiva,
participativa e democrática. Este projeto deve ser fruto de debates abertos a toda comunidade
escolar, amplo, sincero, impessoal e profundo, que expresse as aspirações de toda a
comunidade. Deve ser a síntese das decisões que mantém o grupo unido em direção do
trabalho coletivo organizado, em ações de coerência entre princípios, finalidades, objetivos e
métodos.
A adoção da proposta de EM à educação profissional nas escolas deve ser uma
medida aprovada pela comunidade, depois de uma decisão madura e coletiva, independente
da direção da escola, secretaria de educação ou porque é uma política do MEC. É uma decisão
endógena, dos sujeitos escolares, “É preciso que a comunidade escolar se convença da
pertinência de implantá-lo e se mobilize para isso” (BRASIL, 2007, p.53).
O documenta (BRASIL, 2007) alerta que os aspectos desfavoráveis para a
implementação do EMIEP como ausência de condições nas escolas, quadro de professores e a
ausência de uma estrutura física adequada, não deve funcionar como empecilhos dar inicio a
um projeto de tanta importância para a educação brasileira. A conquista e implantação de tais
47
condições são um desafio e uma tarefa coletiva. O documento apresenta estratégias que
possam viabilizar a implantação do EMIEP:
Assim, pensamos que a primeira providência para se implantar o ensino
médio integrado é a geração de tempos e espaços docente para a realização
de atividades coletivas. Por vezes, pode ser pertinente a realização de
seminários e encontros com convidados externos, tais como intelectuais e
gestores da educação, proporcionando a discussão sobre concepções e
políticas, oportunizando a comunidade escolar a apresentação de questões
conceituais e operacionais, numa estratégia de envolvimento dos educadores
e estudantes com o tema. [...] pois os educadores precisam, no diálogo entre
si, perceber que um projeto dessa natureza é necessário e possível na sua
escola; que não é “uma ilusão de intelectuais”, ou “uma promoção da
secretaria ou do MEC que passará quando chegar à outra gestão” (BRASIL,
2007, p. 54 - 55).
Para otimizar essas ações os gestores nacionais e estaduais devem criar medidas
que proporcionam uma maior credibilidade aos educadores e medidas que devem ser
conquistadas como: a instituição de quadro próprio de professores, com a realização de novos
concursos, a consolidação de planos de carreira em que seja prevista a dedicação exclusiva
dos professores e a melhoria salarial, a melhoria da estrutura física, material e tecnológica das
escolas. As instituições não devem esperar que as condições sejam atingidas plenamente e
devem seguir na construção de PPP integrado.
Os autores terminam o documento base, orientador da implementação do ensino
médio integrado, apresentando os pressupostos que as organizações escolares devem
considerar para a elaboração do PPP integrado: não reduzir a educação às necessidades do
mercado de trabalho, mas não ignorar as exigências da produção econômica, como campo de
onde os sujeitos sociais retiram os meios de vida, construir e contar com a adesão de gestores
e educadores responsáveis pela formação geral e da formação específica, bem como da
comunidade em geral, articular a instituição com familiares dos estudantes e a sociedade em
geral, considerar as necessidades materiais dos estudantes, bem como proporcionar condições
didático-pedagógicas às escolas e aos professores, transformar o projeto de formação
integrada em uma experiência de democracia participativa e de recriação permanente e
resgatar a escola como um lugar de memória (BRASIL, 2007).
48
2 AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
O debate sobre as finalidades da educação acontece em nosso país e também fora
dele. A esse respeito os indivíduos envolvidos com a educação, tanto da rede pública como
aqueles que estão inseridos na rede privada estão polarizados em duas visões opostas dos fins
da educação e de como atingi-los: de um lado a posição de civil democrática dos autores
Marise Ramos, Maria Ciavatta, Gaudêncio Frigotto, Acácia Zeneida Kuenzer, Paul Singer,
Demerval Saviani e Neise Deluiz e de outro lado a posição produtivista, dos autores com uma
visão mercadológica da educação como Cláudio Moura Castro, Ruy Leite Berger Filho, João
Batista de Araujo e Oliveira, André Médici e Jorge Tejada e os organismos internacionais
como Banco Mundial (BIRD), Banco Interamericano (BID) e Fundo Monetário internacional
(FMI). Para Singer (1996), as duas visões valorizam a educação como meio de melhorar a
sociedade, mas as concepções de como a sociedade e a economia funcionam que identificam
cada visão, são muito diversas e em legados ideológicos opostos. O autor alerta que “cumpre
observar que há outras visões de educação além das duas aqui esquematizadas, mas que
porém são atualmente ofuscadas pelo grande debate em andamento” (SINGER, 1996, p.6).
Neste capítulo, discutiremos as principais concepções e projetos de educação
profissional técnica de nível médio integrado ou não ao ensino médio, fruto de um processo
histórico de disputas político-ideológicas empreendidas no âmbito da sociedade brasileira.
2.1 AS CONCEPÇÕES DA EDUCAÇÃO: VISÃO CIVIL DEMOCRÁTICA E A VISÃO
PRODUTIVISTA
De acordo com Singer (1996) a posição civil democrática é aquela que concebe a
educação como a condição necessária ao processo de formação do cidadão, na perspectiva dos
exercícios dos direitos e dos deveres em um Estado democrático. O educando das classes
desprivilegiadas é o alvo desse tipo formação e tem como intenção, além de instrumentos
intelectuais, profissionais e culturais, a construção de uma consciência e motivação, que lhe
permita o engajamento em movimentos coletivos com o objetivo de tornar a sociedade mais
democrática e igualitária.
A visão democrática da educação não separa a formação do cidadão da formação
profissional, pois pretende formar o indivíduo para os diferentes campos da vida adulta:
profissional, familiar, esportiva, etc. No processo educativo é valorizada a autonomia do
49
educando, a sua capacidade de auto-educar-se e o respeito pelo desejo de aprender ao longo
de sua vida.
Singer (1996) explicita que a visão oposta é a denominada Produtivista. Essa
visão compreende a educação com o intuito de preparar o indivíduo para o mercado de
trabalho. Não descarta os demais propósitos da educação, mas enfatiza os benefícios
competitivos que os indivíduos, ao adquirirem conhecimentos, possam lograr no mercado de
trabalho. Para esta concepção de educação, o bem- estar de todos representa a soma dos
ganhos de cada indivíduo: chamada pelos economistas de acumulação de capital humano.
Conforme Singer (1996), cada indivíduo é visto como uma capacidade produtiva potencial,
que para ser educado exige esforço próprio, familiares e de seus instrutores, esse esforço tem
um custo, que pode ser contabilizado em termos de dinheiro ou capital. Este dinheiro
representa o valor do capital humano de que cada indivíduo dispõe para desenvolver sua
capacidade produtiva.
A Teoria do Capital Humano afirma que uma maior escolarização contribui
diretamente para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, em função
de um aumento de renda que decorre, diretamente, da sua melhor
qualificação para o desempenho no mercado de trabalho. Em outras
palavras, o incremento da produtividade – decorrente do aumento da
capacitação – levaria a que o indivíduo também se beneficiasse pelo
aumento dos seus salários (OLIVEIRA, 2002, p.28).
Nesta visão, a educação levaria a um aumento da produtividade ajudando para a
elevação do produto social e a eliminação da pobreza. As duas visões valorizam e concordam
que a educação pode melhorar a sociedade. Mas discordam como a sociedade e a economia
funciona e possui legados ideológicos distintos.
Os conceitos teóricos utilizados na presente pesquisa se pautam na visão civil
democrática, por acharmos que ela representa a corrente de que a educação é dever da família
e do Estado, na busca de conhecimentos construídos e vividos pela humanidade e com o
acesso à cultura. Inspirada nos princípios de liberdade e de solidariedade, preparando o
indivíduo para a cidadania e para o trabalho, conforme art. 2º da LDB.
2.2 A INTEGRAÇÃO ENTRE O ENSINO MÉDIO E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA
VISÃO CIVIL DEMOCRÁTICA
As diferentes concepções de educação profissional variam conforme o tipo de
abordagem utilizada. Nas concepções dos autores que buscam ordenar e argumentar os
50
conhecimentos científicos, tecnológicos e sociais com os conhecimentos do mundo do
trabalho, a concepção de ensino médio deve ser politécnico ou tecnológico. Nesta visão a
educação básica (fundamental e média) deve ser unitária, portanto não dualista, que articule
cultura, conhecimento, tecnologia e trabalho como direito de todos e condição da cidadania e
da democracia (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005). Nesse modelo, deve-se evitar a
forma do saber fragmentado que leve a formação de um trabalhador do tipo “cidadão
produtivo”, adaptado, adestrado, treinado para a sua inserção no mercado de trabalho. Uma
educação integrada deve levar a formação de cidadãos com capacidade de atinar e interpretar
a realidade social, econômico-política e cultural do mundo em que vivem, buscando superar o
imediatismo do mercado de trabalho.
De acordo com Ramos (2007), o modelo apresentado deve apresentar:
[...] uma educação que, ao propiciar aos sujeitos o acesso aos conhecimentos
e à cultura construídos pela humanidade, propicie a realização de escolhas e
a construção de caminhos para a produção da vida. Esse caminho é o
trabalho. O trabalho no seu sentido mais amplo, como realização e produção
humana, mas também o trabalho como práxis econômica. Com isto
apresentamos os dois pilares conceptuais de uma educação integrada: um
tipo de escola que não seja dual, ao contrario, seja unitária, garantindo a
todos o direito ao conhecimento; e uma educação politécnica, que possibilita
o acesso à cultura, a ciência, ao trabalho, por meio de uma educação básica e
profissional (RAMOS, 2007, p. 2-3).
Para a autora dois pilares conceituais sustentam a educação integrada: um tipo de
escola unitária que garanta a todos o direito do conhecimento e uma educação politécnica8,
que possibilita o acesso à cultura, a ciência, ao trabalho, por meio de uma educação básica e
profissional.
Ramos (2007), propõe a integração do Ensino Médio e a Educação Profissional
mediante três eixos norteadores que se complementam: a) omnilateralidade, b) a
indissociabilidade entre a educação profissional e educação básica e c) a integralidade dos
conhecimentos gerais e específicos como totalidade. A seguir descreveremos cada eixo citado.
O primeiro sentido da integração pressupõe a formação humana omnilateral que
implica na integração das dimensões fundamentais da vida que estruturam a prática social: o
trabalho, a ciência e a cultura. O trabalho compreende a ação humana de interação com a
8
Politecnia significa uma educação que possibilita a compreensão dos princípios científico-tecnológicos e
históricos da produção moderna, de modo a orientar os estudantes à realização de múltiplas escolhas.
51
realidade para a satisfação de necessidades, produção e criação de liberdade com suas lutas e
conquistas pelo conhecimento, portanto o trabalho educa. A formação omnilateral deve
superar a histórica vinculação mediada ou imediata com o mercado de trabalho e tornar os
sujeitos o centro das finalidades dessa etapa da educação básica. O projeto deve estar centrado
no desenvolvimento do estudante como sujeito de desejos, necessidades e potencialidades.
A ciência compreende os conhecimentos produzidos pela humanidade, em
processo mediado pelo trabalho, que se tornam legitimamente válidos de uma realidade, na
busca de superar as suas necessidades. Compreende o resultado de um processo na busca da
compreensão e transformação dos fenômenos naturais e sociais. A cultura deve se entendida
como diferentes formas de criação e corresponde aos valores éticos, morais, simbólicos e
estéticos que orientam as normas de conduta de uma sociedade. Os conhecimentos de um
tempo e de um grupo social possibilitam o avanço de uma sociedade.
Compreender a relação indissociável entre trabalho, ciência e cultura
significa compreender o trabalho como princípio educativo, o que não se
confunde com o “aprender fazendo”, nem é sinônimo de formar para o
exercício do trabalho. Considerar o trabalho como princípio educativo
equivale dizer que o ser humano é produtor de sua realidade e, por isto, se
apropria dela e pode transformá-la. Equivale dizer, ainda, que nós somos
sujeitos de nossa história e de nossa realidade. Em síntese, o trabalho é a
primeira mediação entre o homem e a realidade material e social (RAMOS,
2007, p.4).
A formação omnilateral implica em garantir o direito a acesso aos conhecimentos,
sobre uma base unitária que sintetize humanismo e tecnologia. Com finalidades ampliadas,
entre as quais se incluem a preparação para o exercício de profissões técnicas, a iniciação
científica, ampliação cultural e o aprofundamento dos estudos. Um projeto assim vai além de
pensar o trabalho apenas como prática produtiva é pensar o trabalho como princípio
educativo.
Para Ramos (2007), o trabalho como princípio educativo no ensino médio, tem
um duplo sentido: proporciona ao aluno a compreensão do processo histórico da produção
científica e tecnológica para a transformação das condições da vida e a ampliação das
capacidades, potencialidade e dos sentimentos humanos e colocar exigências específicas para
o processo educativo, com o objetivo de inserir o aluno no trabalho socialmente produtivo.
Este é o exercício produtivo que difere de uma formação profissionalizante, formar para o
trabalho ou para o mercado.
52
O trabalho como princípio educativo, organiza a base unitária do ensino médio
integrado a educação profissional e evita um ensino enciclopédico, rápido e adestrado que não
permite aos alunos estabelecer relações sólidas entre a ciência e a realidade do dia a dia. Por
fim é princípio educativo, porque leva ao entendimento “[...] que todos nós somos seres de
trabalho, de conhecimento e de cultura e que o exercício pleno dessas potencialidades exige
superar a exploração de uns pelos outros” (RAMOS, 2007, p.9).
No aspecto organizacional, o ensino integrado não ocorreria juntando-se a
mecanicamente ao currículo as disciplinas técnicas, ou de iniciação a ciência ou atividade
culturais. Estes componentes serão desenvolvidos de forma integrada aos diversos
conhecimentos, tendo o trabalho, o princípio educativo integrador de todas as dimensões
mencionadas. A formação integrada deve formar um educando trabalhador de
desenvolvimento multilateral que domine princípios e fundamentos da prática produtiva
moderna. É preciso um esforço de toda comunidade escolar, pois
Sabemos que não se trata de uma proposta fácil; antes, é um grande desafio a
ser construído processualmente pelos sistemas e instituições de ensino,
visando a práticas curriculares e pedagógicas que levem à formação plena do
educando e possibilitem construções intelectuais elevadas, mediante a
apropriação de conceitos necessários à intervenção consciente na realidade.
Uma política de ensino médio integrado nessa perspectivas visaria fomentar
estimular e gerar condições para que os sistemas e as instituições de ensino,
com seus sujeitos, formulassem seus projetos em coerência com as suas
necessidades e visando à consecução de finalidades universais postas para
esta etapa de educação (Ramos, 2007, p.10).
O segundo sentido da integração está relacionado com a indissociabilidade entre a
educação profissional e a educação básica. O ensino médio com a educação profissional
técnica, constituirão um único curso, tendo as concepções de uma educação unitária (ensino
de formação integral – geral e técnica, na perspectiva da superação da dualidade escolar) e de
educação politécnica ou tecnológica como fundamentos doutrinários. Fica garantido o direito
à educação básica e a formação para o exercício profissional.
Para Ramos (2007), este sentido deve garantir: integração de conhecimentos
gerais e específicos, construção do conhecimento pela mediação do trabalho, da ciência e da
cultura, utopia de superar a dominação dos trabalhadores e construir a emancipação na
formação de dirigentes. A formação profissional dos alunos devera ser mediada pelo
conhecimento e não apenas como uma política compensatória ou para atender o mercado de
trabalho. A autora alerta que esta formação não pode ser confundida com o ensino
53
profissionalizante instituído pela Lei no. 5.692/71 (BRASIL, 1971), tanto por seus propósitos
quanto pelo seu conteúdo.
O terceiro e último sentido está relacionado com a integração dos conhecimentos
gerais e específicos configurando um único currículo. A autora considera que nenhum
conhecimento específico é definido como tal se não consideradas as finalidades e o contexto
produtivo em que se aplicam. Afirma ainda que, os conhecimentos específicos,
profissionalizantes, devem estar vinculados com as teorias gerais do campo científico em que
foi formulado, pois só assim teremos um profissional bem formado. Para a autora o
positivismo nos levou a acreditar ao longo da história que “[...] o professor da educação
básica ministra as teorias gerais, enquanto o professor de formação técnica ministra as suas
aplicações” (RAMOS, 2007, p.16).
Insiste que a teoria deve estar sincronizada dinamicamente com a realidade e do
potencial produtivo:
Como teoria separada da realidade concreta torna-se abstrata, vazia.
Podemos afirmar, então, que um conhecimento de formação geral só adquire
sentido quando reconhecido em sua gênese a partir do real e em seu
potencial produtivo. Esta última característica normalmente é considerada
somente quando tratamos de conhecimentos da formação específica, com o
objetivo profissionalizante. É preciso rever essas concepções (RAMOS,
2007, p.17).
A vinculação do conhecimento geral com a sua força produtiva garante a
compreensão dos fenômenos reais e remete ao trabalho o poder de educar, Istoé, ter o trabalho
como princípio educativo.
Na organização curricular, três pressupostos filosóficos são fundamentais: o
trabalho como mediador na produção de conhecimentos, a realidade concreta é uma
totalidade, sínteses de múltiplas relações e o processo do conhecimento implica, após a
análise, elaborar a síntese do concreto. “o conhecimento não é de coisas, entidades, seres, etc,
mas sim das relações que se trata de descobrir, apreender no plano do pensamento” (RAMOS,
2007, p.21).
O trabalho como princípio educativo e a escola unitária fazem parte da proposta
de educação de Antonio Gramsci. Esse pensador criticava o sistema dual na educação italiana,
isto é, a existência de dois tipos de ensino: a escola humanista e as escolas particulares de
diferentes níveis. A primeira destinada a desenvolver a cultura geral dos indivíduos da classe
dominante e a segunda prepara os alunos, das classes sociais dominadas para o exercício de
54
profissões. A escola unitária se contrapõe à escola dual, na qual os percursos escolares são
definidos a partir da origem de classe social (escola de rico x escola de pobre).
Para Gramsci, a escola unitária seria de cultura geral, humanista, formativa, que
equilibrasse equanimente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente
(técnicas industriais) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Desta
forma a educação poderia atingir todos os indivíduos sem distinção de classe. A idéia era que
todo o cidadão pudesse se tornar um dirigente.
Gramsci defende as idéias de Marx a respeito da omnilateralidade, através da
realização e emancipação do homem através do trabalho: o trabalho alienado, exterior ao
homem, que satisfaz as necessidades do mercado e o trabalho produtivo, interior ao homem,
que identifica o homem com a natureza e leva ao homem a desenvolve-se a si mesmo. A
politecnia é um conceito da concepção pedagógica que considera o homem como ser social e
omnilateral.
Para Ciavatta (2005), o tema da formação integrada coloca em discussão o tipo e a
qualidade da educação brasileira: educar a todos ou uma minoria, considerada mais apta ao
conhecimento? Que tipo de educação deve ser dada de modo a atender as necessidades da
sociedade? A formação integrada deve superar o ser humano dividido historicamente pela
divisão social do trabalho entre ação de executar de um lado e pensar, dirigir ou planejar de
outro. O modelo integrado deve superar um ensino simplificado com o objetivo de preparar o
aluno para o setor produtivo, sem os conhecimentos científico-tecnológico e na sua
apropriação histórico-social.
Para a autora o termo formação integrada, formação politécnica e educação
tecnológica representam um aprendizado que responde as necessidades do mundo do trabalho,
plasmando os conhecimentos da ciência e da tecnologia com as condições da maioria da
população excluída, relegada as atividades precarizadas, ao subemprego, ao desemprego, à
perda dos vínculos comunitários e da própria identidade.
Face à realidade e às possibilidades da educação profissional, tal como existe em
nosso sistema educacional, a autora apresenta alguns pressupostos para sua realização como
formação integrada e humanizadora:
O primeiro pressuposto é a existência de um projeto de sociedade que enfrente os
problemas da realidade brasileira, que se manifesta numa corrente (governo, secretarias de
educação, gestores das escolas e professores) de romper com a inércia política e superar a
ótica mercadológica da educação.
55
O segundo pressuposto é a de normatizar em lei a articulação entre Ensino Médio
de formação geral e a educação profissional em todas as suas modalidades, visando o seu
suporte orçamentário. O terceiro pressuposto é a adesão de gestores e de professores
responsáveis pela formação geral e pela formação especifica na construção de um projeto
coletivo e estratégico que integre os conhecimentos gerais e específicos.
O quarto pressuposto envolve a articulação da instituição com os alunos e os
familiares através de um diálogo e conscientização sobre as próprias expectativas e sua
possível realização com: auxílios aos alunos carentes e infra-estrutura adequada a uma
formação integrada e humanizadora.
O quinto pressuposto diz respeito às práticas da democracia participativa, através
de uma ação coletiva que busque “professores abertos à inovação, disciplinas e temas mais
adequados à integração” (op. cit. p. 101) e deve articular processos criativos entre arte e
ciência o que capacita os alunos autonomia face ao mundo do trabalho e para ter condições de
dar continuidades aos estudos.
No sexto pressuposto enfatiza o resgate da escola como um lugar de memória, das
lembranças de seus personagens e de momentos mais expressivos.
No último pressuposto a autora defende a garantia de investimentos na educação.
A boa educação e serviços públicos decentes exigem investimentos públicos da União,
Estados e municípios. Na avaliação da pesquisadora, o Decreto 5.154/04 (BRASIL, 2004a)
trouxe a abertura e o estímulo à formação integrada, mas não trouxe a garantia de
investimentos para a sua implementação e por isso defende que os recursos para a educação
profissional devam está previstos na Constituição Federal na forma de lei.
Frigotto (2005) endossa as reflexões de Ciavatta (2005) ao afirmar que a formação
integrada deve ser “[...] unitária, politécnica e, portanto não dualista que articule cultura,
conhecimento, tecnologia e trabalho como direito de todos e condição da cidadania e da
democracia efetivas” (p. 74), dando condições ao cidadão de superar a histórica dualidade do
ensino que, por décadas, segregou a formação dos indivíduos.
Saviani (2006, p.161) contribui para a reflexão feita pelos autores citados ao
considerar que o parâmetro norteador de uma organização do ensino médio deve ser o de “[...]
propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas na
produção, e não mero adestramento em técnicas produtivas”. A priorização da formação de
politécnicos e não de polivalentes (formação de técnicos especializados) é baseada nas
reflexões de educação politécnica de Karl Marx.
56
Saviani (2006) enfatiza que este tipo de ensino médio integrado tem como
objetivo quebrar os antigos modelos de uma educação, de um lado, tecnicista e voltada para a
formação de trabalhadores para atender o mercado capitalista e, de outro, uma formação
científica e com uma única função: preparar jovens para o ingresso nas universidades por
meio de um projeto curricular emancipador, capaz de propiciar aos indivíduos uma
socialização crítica dos conhecimentos.
Kuenzer (2006) traz um aspecto relevante à discussão ao afirmar que a
importância do ensino médio integrado a educação profissional deve ser priorizada como
política de Estado. Para a autora é o reconhecimento do papel estratégico desempenhado pela
educação e a produção do conhecimento científico-tecnológico e sócio-histórico no processo
de construção de uma sociedade de novo tipo, que demanda processos educativos articulados
entre a formação humana e sociedade, na perspectiva da autonomia crítica, ética e estética.
Sociedade fundada na justiça social com a participação de todos na produção, na fruição
produzida, na cultura e no poder.
Para a autora é preciso clarear e diferenciar alguns conceitos para a formação
integrada. Como exemplo cita as categorias polivalência e politécnica. A polivalência é uma
terminologia utilizada pelo mercado de trabalho para caracterizar a flexibilidade
(multifuncional), que determina que os trabalhadores possam e devem ter a capacidade de
atuação em diversos postos de trabalho, ultrapassando a rigidez do taylorismo/fordismo, que
se caracteriza pela especialização/treinamento em uma única função dentro de uma fábrica.
De acordo com Deluiz (2004) as noções estruturantes do modelo das
competências no mundo do trabalho são a flexibilidade, a transferibilidade, a polivalência e a
empregabilidade. Para o capital, a gestão por competências implica em dispor de
trabalhadores flexíveis para lidar com as mudanças no processo produtivo, enfrentar
imprevistos (incidentes/eventos) e passíveis de serem transferidos de uma função a outra
dentro da empresa requerendo-se, para tanto, a polivalência e a constante atualização de suas
competências, o que lhes dá a medida correta de sua "empregabilidade".
Kuenzer (1998) assevera que a politecnia ultrapassa a preparação para as
ocupações do mercado e da educação geral baseadas nas áreas de conhecimento obturadas e
autônomas. A concretização da politecnia ocorrerá somente através de uma nova estrutura
curricular, com o trabalho como princípio organizador, onde os conteúdos se articulam
enquanto totalidade, eliminando a fragmentação e autonomização das disciplinas.
Frigotto (2006) defende uma educação técnico-profissional, para o ideário de uma
sociedade de democrática, que tenha como pressuposto mínimo a universalização do ensino
57
de segundo grau politécnico (ou tecnológico em sentido dado por Gramsci), unitário,
universal e público. Trata-se de uma formação que desenvolva o mais elevado domínio do
avanço tecnológico, forneça as bases unitárias das ciências da natureza e das ciências
humano-sociais, permitindo a cada aluno, não apenas dominar o avanço técnico existente
como consumidores daquilo que os centros hegemônicos produzem, mas de criar
conhecimento novo e, por fim, o desenvolvimento da capacidade crítica para que cada alunocidadão possa discernir o serviço de que e de quem está à tecnologia, a ciência e influenciar
para sua democratização. O autor sustenta que a formação técnica e profissional deve buscar
construir relações solidárias, democráticas e socialistas não apenas para o futuro, mas para o
presente e as bases dessas relações devem estar configuradas no desenvolvimento omnilateral
das capacidades humanas em oposição ao desenvolvimento unilateral e fragmentário hoje
reinante.
Para Frigotto (2006) a construção de um novo industrialismo, orgânico e unitário:
É importante reafirmar que não se trata de negar o avanço científico e
tecnológico nem processos de globalização democráticos. Trata-se de
entender que o ser humano não se forma, não se produz, não se educa, a não
ser limitadamente, dentro de um industrialismo excludente e inorgânico. Em
termos gramscianos trata-se de construir um industrialismo de novo tipo,
orgânico e cujo objetivo é responder às múltiplas necessidades humanas.
Não se pode criar uma escola e processo de formação técnica e profissional
de qualidade e democráticos numa sociedade profundamente excludente,
desigual e, portanto antidemocrática. A tarefa precípua é, pois, de afirmar os
valores de efetiva igualdade, qualidade para todos, solidariedade e da
necessária ampliação da esfera pública democrática em contraposição à
liberdade e qualidade para poucos regulados pelo mercado e das perspectivas
do individualismo e do privatismo (FRIGOTTO, 2006, p.13).
Frigotto (2006) focalizando as políticas de educação escolar e de formação
técnico-profissional, que se consolidaram na hegemonia neoliberal, assinala que o objetivo foi
à produção das qualificações necessárias ao funcionamento da economia nos setores restritos
que exigem trabalhos complexos, aumento da formação para o trabalho simples e a formação
de quadros para a produção e a propagação da pedagogia da hegemonia9. A prática era
produzir um pacote de competências adequadas à formação do ‘cidadão produtivo’ ajustado
9
Refere-se à produção dos intelectuais para a pedagogia da hegemonia, cursos superiores, especialmente os
de economia, engenharia, direito e administração com o objetivo de criar uma gerência do pensamento para
a produção da consciência neoliberal (FRIGOTTO, 2006).
58
técnica e socialmente às demandas do capital. “Um cidadão que acredite que a ele não
compete ser sujeito político” (FRIGOTTO, 2006, p. 266).
O autor complementa que a nova política educacional denominada de ensino
médio integrado deve se constituir num projeto de desenvolvimento com justiça social, na
busca da igualdade, cidadania e democracia e ao mesmo tempo, responda, aos anseios da nova
base científico-técnico na produção de natureza digital-molecular, que imprime grande
velocidade à competição e conhecimentos obsoletos, preparando para dignamente o trabalho
complexo.
Para a visão civil democrática a educação profissional técnica de nível médio
integrada ao ensino médio deve ser ofertados visando os melhores resultados pedagógicos e
permitir com qualidade o papel de criação de aprendizagens que permitam aos alunos
desenvolver as capacidades de conhecimentos relativas ao trabalho intelectual, sempre
articulada e integrada, mas não reduzida, ao mundo do trabalho e das relações sociais.
2.3 A EDUCAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL NA VISÃO PRODUTIVISTA
Na visão produtivista, a educação atende as demandas do mercado de trabalho. A
produção educacional está articulada, subordinada e controlada às necessidades estabelecidas
pela produção. Focando simplesmente nas demandas do mercado, a formação técnicoprofissional, admite apenas uma concepção unidimensional, se afastando dos planos social,
cultural, ético-político, lúdico e estético da educação. Resultando concepções e práticas
dualistas, fracionadas, separando a formação geral da específica.
Na perspectiva produtivista os conceitos de formação, qualificação ou de
competência está subalterno a lógica unidimensional da produção e do mercado. A formação
é um processo de escolarização, necessário ao processo de trabalho, a qualificação está
relacionada às exigências ligadas ao emprego ou experiência profissional e “por fim, a
competência explicita-se pela capacidade de mobilizar conhecimentos, saberes, atitudes,
tendo como foco os resultados” (FRIGOTTO, 2006, p.8). Com referência ao plano
pedagógico, assevera o autor que o projeto executa a separação da formação geral da
formação técnica e profissional especifica, levando a uma formação abstrata e polivalente ou
uma escola que tenha a função de preparar ou requalificar para a empregabilidade através da
formação técnica modular com menor duração e com currículos tecnicistas e reducionistas.
O MEC, através da Secretaria Nacional do Ensino Técnico (Senete), elaborou em
1991, a proposta do Sistema Nacional de Educação Tecnológica. Tomando como o modelo os
59
países
do
primeiro
mundo
(detentores
de
tecnologia
de
ponta)
o projeto defendia investimentos na formação e no desenvolvimento de recursos humanos,
condição necessária para colocar o Brasil num novo patamar de desenvolvimento.
Com a criação da Secretaria de Educação Média e Tecnológica (Semtec), o
projeto serviu de orientação para a elaboração dos projetos de reformas do ensino médio e
técnico, principalmente o Decreto no. 2.208/97(BRASIL, 1997a). A proposta configurou um
ensino médio separado da formação acadêmica da educação profissional, aproximando-se
muito mais dos interesses imediatista do setor produtivo “e das recomendações dos órgãos
internacionais do que das perspectivas democráticas inerentes aos projetos defendidos pelas
entidades as sociedade civil” (MANFREDI, 2002, p.119).
O modelo brasileiro adotado é uma tendência que se aproxima da educação
secundária argentina e, de forma espacial, da israelense, vinculada organicamente a produção:
A estrutura educacional e o modelo de oferta têm que ser construídos de
forma bastante flexível para atender a diferentes situações no tempo e no
espaço, considerando tanto as rápidas mudanças tecnológicas e as
necessidades da vida cidadã como as tendências regionais e do mercado
internacional. [...] grande parte dos perfis profissionais propostos pelo setor
produtivo apresenta características muito vinculadas à formação geral do
trabalhador, no sentido de que ele tem que ter uma forte base humanística,
científica e tecnológica e competências para tomada de decisão, para o
trabalho em grupo e para se adequar às constantes mudanças que se
processam no mundo do trabalho (BERGER FILHO, 1999, p.3).
Para Berger Filho (1999) o Brasil rompeu com um modelo que preconizava a
solução conciliatória entre os objetivos de preparar para o ensino superior e a formação para o
trabalho num ensino de segundo grau profissionalizante. A educação profissional foi definida
como complementar a educação básica e ao mesmo tempo terminal, que deve qualificar os
jovens e adultos com capacidades e habilidades gerais e específicas para o exercício de
atividades produtivas.
Conforme Manfredi (2002) os empresários industriais brasileiros dos setores mais
dinâmicos e modernos (CNI e FIESP), devido aos desafios decorrentes dos processos de
modernização produtiva e de globalização econômica, tem defendido posições muito
sintonizadas e articuladas no campo da educação. Os empresários citam um triplo desafio:
renovar e transformar os sistemas de formação profissional, assumir uma postura mais ativa
na superação dos baixos níveis de escolaridade e de analfabetismo na sociedade brasileira e
60
enfrentar o descompasso entre a formação geral executada pela escola e aquela exigida pelos
processos de modernização produtiva.
Manfredi (2002) cita o documento Custo Brasil: agenda no Congresso Nacional,
em que os empresários recomendam um aumento da educação básica, melhoria qualitativa da
escola pública e da reformulação e ampliação do sistema de ensino profissional, sem
questionar sua dualidade. O projeto defende uma maior integração entre a educação formal e
o sistema produtivo e atribuem o caráter indispensável da educação como condição geral de
produção para o desenvolvimento do capitalismo da atualidade. O projeto dos empresários se
aproxima das concepções do sistema de educação tecnológica do MEC, daquela época,
resguardando seus níveis de autonomia na gestão do sistema S.
Para Santos e Fidalgo (2007), a preocupação central do patronato no Brasil é com
o baixo nível de escolaridade da População Economicamente Ativa (PEA) quando comparado
com o já conquistado por outros países, sejam desenvolvidos ou emergentes, tais como os
chamados “tigres asiáticos10”. Países que atingiram altos índices de crescimento econômico,
devido às reformas educacionais implementadas.
Os documentos empresariais afirmam que a década de 1980 foi possível a
utilização de uma mão-de-obra com baixo nível de qualificação, os novos
tempos estariam indicando a necessidade de uma forte elevação do nível de
escolarização, de modo a permitir que os trabalhadores acompanhem os
processos de trabalho em contínua mutação (SANTOS e FIDALGO, 2007,
p.76).
O objetivo da escolarização básica seria o desenvolvimento de habilidades
fundamentais, como: ler e interpretar a realidade, expressar-se adequadamente, saber trabalhar
em grupos na resolução de problemas, saber lidar com os conceitos matemáticos e científicos.
A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) recomenda que a educação básica deva revisar
seu currículo a fim de contemplar o ensino de idiomas, especialmente o inglês e o espanhol,
justificando que tais idiomas compõem os novos requisitos exigidos pelas inovações
tecnológicas e pela integração internacional. Recomenda que as escolas devam fornecer
conhecimentos relacionados com os conceitos de qualidade e produtividade e orientar os
alunos na escolha profissional e na compreensão do seu papel social.
Para Manfredi (2002), os empresários da indústria se posicionam em favor do
aumento da escolaridade básica, da melhoria qualitativa da escola pública de nível
10
Hong Kong, Coreia do Sul, Singapura e Taiwan.
61
fundamental e da reformulação e ampliação do atual sistema de ensino profissional, não
questionando sua natureza dual. Com relação à educação desenvolvida no âmbito das
empresas, o patronato mantém sua reserva de domínio, renovando e ampliando os convênios
com as entidades por eles gerenciadas, o sistema S.
Os empresários a partir dos anos noventa, com os desafios decorrentes dos
processos de globalização econômica e modernização produtiva:
[...] ingressaram nessa década tendo de enfrentar um triplo desafio: renovar e
transformar os sistemas de formação profissional do qual sempre se
ocuparam; assumir um papel mais ativo na superação dos baixos níveis de
escolaridade e de analfabetismo (endêmicos na sociedade brasileira); e,
ainda, enfrentar o descompasso existente entre a formação geral e aquela
exigida pelos processos de modernização produtiva e de globalização da
economia (MANFREDI, 2002, p.122-123).
O documento Custo Brasil: agenda no Congresso de 1996 determina a
necessidade de se desenvolverem políticas que visem aumentar o nível de escolaridade e
afirma que: “a educação escolar básica e universal, alem de ser condição fundamental para a
geração de uma força de trabalho com consciência de sua cidadania, tem, também, impacto
decisivo sobre a distribuição de renda”. O documento orienta as principais ações para a
educação básica e tecnológica no Brasil (MANFREDI, 2002).
Segundo Santos e Fidalgo (2007), até a década de 1980 foi possível a utilização de
uma mão-de-obra com baixo nível de qualificação, mas com as modificações do sistema
produtivo, devido à onda de inovações tecnológicas, estariam indicando a necessidade de uma
forte elevação do nível de escolarização de modo a permitir que os trabalhadores
acompanhem os processos de trabalho em contínua mutação. O trabalhador deixa de ser um
executor de tarefas fragmentadas e passa a participar ativamente do conjunto da produção. A
reestruturação das empresas e na organização do trabalho provoca o deslocamento do
conceito de qualificação em direção do conceito de competências.
Para Ramos (2006), diante dessas mudanças, a competência, passa ser o novo
paradigma que vai orientar e nortear a formação de trabalhadores:
Com a competência tomam lugar o saber-fazer proveniente da experiência,
os registros provenientes da história individual ou coletiva dos trabalhadores,
ao lado dos saberes mais teóricos tradicionalmente valorizados na lógica da
qualificação. Enfim, fundamentada sobre a valorização da implicação
subjetiva no conhecimento, ela desloca a atenção para a atitude, o
comportamento e os sabres tácitos dos trabalhadores (RAMOS, 2006, p. 66).
62
A noção de competência se torna mais abrangente do que a qualificação,
envolvendo as experiências adquiridas na vida, trabalho e o conhecimento formal adquirido
na escola. Na qualificação o processo é preciso e terminal, a aquisição de competências é
complexa, longa e necessita de uma ampla base de educação geral. Para Ferreti (1997), o
modelo de competências provoca mudanças na formação profissional: fortes demandas por
qualificação atualizada e contínua, destinadas a um contingente maior de trabalhadores e não
apenas aos ocupantes de postos-chaves, introduzindo as inovações tecnológicas na formação
complementar com cursos de especialização, atualização e complementação. Há, segundo o
autor, uma progressiva extinção da modalidade de aprendizagem, à concentração de esforços
na formação de técnicos, à instalação de cursos de curta duração e ao investimento em
atividades de assessoria técnica a empresas. É o modelo de competências que vai dizer que
capacitação precisa o trabalhador para cada situação, quantidade e por quanto tempo, tendo
como objetivos racionalizar, otimizar e adequar a força de trabalho às demandas do sistema
produtivo.
Ramos (2006), considera que a competência não substitui a qualificação. O que
ocorre é um deslocamento conceitual, pois a competência tanto reforça quanto nega as
dimensões existentes no conceito de qualificação.
Para Santos e Fidalgo (2007) o empresariado tem interesse em torno da educação
informal e propõe inclusive a sua intervenção direta nas instituições do sistema educacional:
na gestão administrativa e financeira da unidade escolar quanto nos conteúdos a serem
trabalhados em sala de aula.
[...] a educação e a formação profissional devem desenvolver a capacidade
empreender, habilidade hoje elementar tanto para o desempenho profissional
nos processos de trabalho como para responder as necessidades das pessoas
de gerenciar sua própria vida e, por vezes, seu próprio negócio.
Compreendem que são eles, os empresários, por conhecerem dos desafios da
arte do empreendimento, os únicos que saberiam realmente colocar nos
trilhos o sistema educacional adequando-o ao sistema produtivo (SANTOS e
FIDALGO, 2007, p.123).
Na visão de Santos e Fidalgo (2007), em virtude da baixa escolaridade dos
trabalhadores brasileiros, uma das estratégias de adaptação da força de trabalho aos novos
requisitos de qualidade e produtividade impostos pelo paradigma da flexibilidade, é o
63
reconhecimento dos saberes adquiridos na educação formal11 e não formal12. Quando a
educação formal não é suficiente, as competências poderiam ser adquiridas nas empresas, no
próprio local de trabalho. Nesse quadro, estaria se criando outra estratégia de reconhecimento
de experiências e de saberes adquiridos, o local de trabalho. A certificação dos indivíduos
seria a certificação de competências.
O quadro abaixo mostra as alterações da formação profissional associada à
passagem de uma economia tradicional para a nova economia.
Tabela 2 – ECONOMIA X ALTERAÇÕES NA BASE DA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL
ECONOMIA
ALTERAÇÕES NA
NOVA ECONOMIA
TRADICIONAL
FORMAÇÃO
Baixa profissionalização e altos
Diferenciação nas profissões e
Diversificação dos programas
salários
nos salários
de formação
Organização alta, burocrática
Organização baixa, com ênfase
Valorização da certificação e
e hierarquizada
na flexibilidade funcional
competência laboral
Fragmentação e polarização da
Ocupação
em
massa
e
padronizada
força de trabalho, com um
Formação generalizada, porém
núcleo estável e a maior parte
com diferenciação por funções
instável
Redução
dos
graus
de
Divisão entre administração e
diferenciação entre níveis de
Especialização
trabalho na produção
gerencia,
formação multidisciplinar
supervisão
e
flexível
e
produção
A maior parte dos trabalhadores
recebe uma formação mínima
sobre o trabalho
Formação
orientada
pela
demanda de força de trabalho,
com uso de programas públicos
de formação
Formação como investimento
nacional, sendo o Estado um
ator estratégico
11
Conforme a LDB constitui a educação básica: a infantil, ensino fundamental e o ensino médio. Processo
educacional regulado por leis que orientam a organização de instrução e do ensino ministrados por
estabelecimentos de ensinos autorizados.
12
Pode ser entendida por um tipo de educação que pode ocorrer em diferentes espaços formativos com o
objetivo do desenvolvimento humano.
64
Fonte: (SANTOS E FIDALGO 2007 apud POCHMANN, 1999-2000, p.62).
O Brasil apresenta três categorias de oferta para o ensino profissional: a formação
acoplada à escola acadêmica (escolas técnicas), a formação constituída por um conjunto
complexo, organizado e operado pelas organizações patronais e financiado por um tributo na
folha salarial (sistema S) e um conglomerado de cursos, não formais e invisíveis (cursos
informais). Os referidos cursos são uma colcha de retalhos, desarticulados, funcionando com
grandes variedades de financiamentos e operadores. Mas que acaba sendo eficaz “a lógica do
mercado leva à oferta dos treinamentos de que a sociedade necessita – menos no caso das
escolas técnicas” (CASTRO, 2009, p.163).
Castro é um opositor das escolas técnicas brasileiras, principalmente da forma de
oferta de educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio. O autor é
contrário a integração do ensino profissionalizante ao ensino médio e cita algumas razões para
os maus resultados: não há uma preocupação em oferecer cursos onde há demanda no
mercado de trabalho, o baixo número de graduados que se dirige para o mercado de trabalho e
a clientela que freqüenta esses cursos, constituída por uma elite de classe média e alta, que
estão interessadas nos vestibulares mais concorridos.
Quando o MEC separou o ensino médio da educação profissional, através do
Decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a), as modificações:
[...] foram inicialmente bem recebidas pelos diretores das escolas técnicas
federais. Porém, acabaram por gerar uma forte reação contrária, sobretudo
em grupos inspirados pelo ideal gramsciano de combinar educação,
formação profissional e trabalho. Difícil dizer se essa pureza doutrinaria teria
sido mais importante do que a orientação elitista do nosso ensino técnico
federal. No espírito dos seus professores, mais vale um graduado de
máquinas e motores passar no vestibular de Direito de universidade pública
do que trabalhar como técnico em uma indústria mecânica (CASTRO, 2009,
p.165).
Castro (2008) propõe um ensino médio direcionado a algumas áreas profissionais,
descartando a antiga formatação do médio profissionalizante e dando uma nova finalidade ao
ensino médio para deixar de ser meramente propedêutico. Para o autor a idéia não seria a de
profissionalizar, mas, sim, “vestir” os mesmos conteúdos acadêmicos (ciências, matemática,
comunicação, escrita) com “roupagens” da área. E exemplifica: aprende-se matemática
65
aplicada nos negócios; física, estudando máquinas-ferramentas; ler e escrever, redigindo
relatórios e lendo manuais de computador. Seria a “tecnização” do ensino médio.
Para Deluiz (2004), a política econômica brasileira é fortemente influenciada por
organismo internacionais (Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento,
Organização das Nações Unidas para Educação, Ciências e Cultura e organização
Internacional do trabalho) que acabam orientando e financiando diretamente nas políticas
educacionais nacionais. As recomendações dos organismos multilaterais determinam ao poder
público, prioriza investimentos no ensino fundamental, que pode ser complementado por
qualificação profissional de curta duração e baixo custo. Considera a formação técnicoprofissional um processo longo e caro e recomenda que sejam repassados para esfera privada.
Para a autora o contexto do ideário neoliberal, de despolitização da economia, de
desregulamentação do mercado financeiro e do trabalho, do desmonte do Estado de BemEstar Social e do pacto fordista, as reformas educacionais, realizadas sob a orientação e apoio
financeiro de organismos internacionais (BIRD, BID, UNESCO, OIT), começaram a tomar
forma no Brasil dos anos 90. Para (DELUIZ, 2004, p. 4), a necessidade de “articular e
subordinar a produção educacional às necessidades estabelecidas pelo mercado de trabalho e a
necessidade de estabelecer mecanismos de controle e avaliação da qualidade dos serviços
educacionais” foram os objetivos a que se propuseram os seus idealizadores.
As instituições internacionais concedem créditos à educação, mas regulam as
reformas e à política educacional, principalmente àquelas voltadas à educação
profissionalizante de visão produtivista ou de mercado:
[...] embora tenham ampla importância a educação primária e secundária,
bem como a educação profissionalizante, estas não devem estar articuladas.
Ou seja, os resultados da educação profissionalizante podem se muito
melhores se esta não estiver sendo ministrada nos espaços de educação
formal. [...] a educação profissionalizante necessita de um modo flexível e,
em sendo ministrado em instituições que detenham certa autonomia, poderá
direcionar suas atividades considerando o movimento econômico
(OLIVEIRA, 2002, p. 1).
O Banco Mundial reafirma a política contrária á formação integrada e a manter a
dicotomia entre os ensinos médio e técnico, visando capacitar mão de obra para os interesses
do mercado e sugere a abertura da educação profissional à iniciativa privada, retirando da
responsabilidade do Estado o financiamento desta modalidade de ensino. A visão produtivista
66
da educação crítica a forte intervenção do Estado brasileiro no campo dos serviços sociais,
principalmente nas áreas da seguridade social e na educação universal.
As principais críticas dos produtivistas ao Estado do bem-estar social, segundo
Singer (1996), são o paternalismo – que são os auxílios sociais, a ineficiência – caracterizada
pelos desperdícios de recursos públicos e o corporativismo – representados por profissionais
do setor público que lutam pela ampliação dos serviços e o aumento de dotações
orçamentárias que o sustentam. Para os defensores do Estado mínimo seria uma meta o fim da
gratuidade do ensino e a rede escolar sujeita as regras do mercado. Considerando que a
competição em mercado é o melhor meio para promover a eficiência, isto é, a combinação de
qualidade e baixo custo.
Para Castro, Médici e Tejada (2000) a separação entre o acadêmico e o técnico foi
à grande revolução do Decreto N° 2.208/97(BRASIL, 1997a) e permitiu a entrada do BID no
processo. O BID e a cúpula do MEC concordavam que o ensino técnico havia perdido o seus
caminhos por conta de uma indefinição do seu produto: propedêutico ou profissional? Na
maioria das escolas de melhor nível, a grande maioria dos alunos freqüentava o técnico por
ser uma escola acadêmica boa e gratuita. Os autores defendem a associação dos governos
locais com as empresas para garantir uma mão de obra altamente qualificada, fator de atração
de novos investimentos. A separação dá aos cursos profissionais contatos com as empresas,
pesquisa de mercado, redefinição do currículo e novos mecanismo de financiamento.
Castro, Médici e Tejada (2000) observam que ao separar o lado propedêutico do
profissionalizante, esse último passou a ter sentido apenas pela sua capacidade de dar aos
graduados boas chances de encontrar empregos condizentes. Esta era uma das hipóteses em
que apostavam os defensores da separação. Para grande alívio, foi possível verificar que a
hipótese parece ser correta. Os cursos, agora divorciados do acadêmico, passaram a ser objeto
de maior atenção e questionamento. Há claras preocupações com o mercado dos graduados e
uma progressiva aproximação com o mundo empresarial.
Os produtivistas defendem uma organização curricular para a educação
profissional, baseada nos princípios da flexibilidade e laborabilidade. A abordagem das
atividades produtivas que constituem o mundo do trabalho é constituída por três segmentos:
produção de bens, produção de conhecimentos e produção de serviços. Essas atividades
produtivas devem nortear as diretrizes curriculares nacionais. A definição de competências e
habilidades e das bases tecnológicas requeridas para a formação de um profissional possuem
como elementos norteadores a análise do processo produtivo de cada área profissional. As
67
organizações dos projetos curriculares adotam como diretrizes: organicidade, flexibilidade e
adequação às atividades produtivas.
A educação profissional deve formar para o processo produtivo, e cada curso está
referido a uma área específica da atividade laboral, a um processo de produção. A análise
deste processo é o primeiro passo que nos parece ser razoável para a definição de como deve
ser a construção das condições de preparação para o exercício de atividades neste processo.
[...] que gerasse uma matriz de funções e sub-funções para cada uma das
áreas ou famílias profissionais previamente definidas, e em seguida construir
uma matriz de competências e habilidades. [...] um quadro dos saberes ou
bases tecnológicas envolvidas na construção das competências e habilidades
neste momento, e dos saberes ou bases científicas e instrumentais requeridas
para a formação profissional (BERGER FILHO, 1999, p.12).
O resultado deste processo é uma matriz de competências a serem construídas
pelos estudantes da educação profissional ao longo de sua formação. Para Berger Filho (1999,
p.9), competências são esquemas mentais ou as ações e operações mentais “de caráter
cognitivo, sócio-afetivo ou psicomotor que, mobilizadas e associadas a saberes teóricos ou
experienciais, geram habilidades ou um saber fazer”.
Para Deluiz (2004) o Brasil implementou medidas legais visando um
reordenamento da educação profissional sob a ótica do modelo das competências a partir da
Lei no. 9394/96 (LDB), principalmente nos dispositivos de regulamentação, como o Decreto
no. 2208/97 (BRASIL, 1997a) e as Diretrizes Curriculares Nacionais, implementadas no
Parecer CNE/CEB no. 16/99 (BRASIL, 1999a) na Resolução CNE/CEB no. 04/99 (BRASIL,
1999b) e nos Referencias Curriculares Nacionais. Na prática o modelo enfatiza o mercado de
trabalho ou no indivíduo, desarticula a formação profissional da formação geral e valoriza a
avaliação da qualidade dos serviços educacionais.
Na formulação e na organização do currículo, o modelo de competências, sinaliza
algumas indicações gerais e segundo Deluiz (2004), essas indicações são vagas, abstratas e
desprovidas de um significado mais explícito e concreto se não forem consideradas as formas
como serão implementadas e suas vinculações com as matrizes teórico-conceituais. Para a
autora, as referidas matrizes estão organizadas “em modelos epistemológicos que as
fundamentam, e podem ser identificadas como matriz condutivista ou behaviorista; a
funcionalista; a construtivista e a crítico-emancipatória” (DELUIZ, 2004, p.6-7).
No modelo de competências as propostas para a organização do currículo são, de
acordo com a autora:
68
[...] investigação dos processos de trabalho para a identificação de perfis
profissionais de conclusão; definição dos blocos de competências
profissionais básicas, gerais e específicas relacionados aos perfis
identificados; desenho da estrutura do currículo, em geral flexível e
modularizado; definição dos itinerários profissionais com critérios de acesso
aos módulos e ao curso; definição das estratégias de aprendizagem – prática
pedagógica interdisciplinar e contextualizada, processo centrado na
aprendizagem do aluno, individualização dos percursos de formação,
construção significativa do conhecimento, seleção de situações de
aprendizagem baseadas na pedagogia de projetos e situações-problema; e
definição do processo de avaliação da aprendizagem (DELUIZ, 2004, p.7).
Para a referida autora o projeto pedagógico da linha produtivista deve ser
organizado em torno de competências prioritariamente técnicas. A lógica da educação
profissional, na perspectiva produtivista, deve ser a da mobilização para a construção das
competências necessárias para a atividade a ser desenvolvida pelos alunos no mundo do
trabalho e não a formação humana. Este processo é contraditório na medida em que é
defendida uma pedagogia tecnicista e que busque garantir um aprender a aprender e um
aprender a fazer.
De acordo com Deluiz (2004), a organização da educação profissional deve ser
modular e diferenciada, pois a diversidade caracteriza a contemporaneidade. A argumentação
é baseada nas necessidades do aluno e do trabalho cada vez mais heterogêneos. A marca da
pedagogia produtivista é individualista: os alunos têm projetos pessoais, trajetos educacionais
e experienciais diferentes. A vida civil e o mundo da produção estão cada vez mais complexos
e a diversidade da oferta de trajetos formativos, de desenhos curriculares e de práticas
pedagógicas, é a possibilidade de se abordar a complexidade e da heterogeneidade no mundo
do trabalho.
O projeto pedagógico pautado na perspectiva produtivista da educação é orientado
por uma relação do binômio: professores profissionais x profissionais professores. Nessa
perspectiva é priorizada a parceria entre o mundo da escola e o mundo do trabalho para a
concretização de uma educação profissional de boa qualidade. Os professores são agentes
mobilizadores, conhecedores do processo de aprendizagem e os profissionais das áreas são
formuladores de problemas, reguladores do processo e estimuladores de inovação.
Finalizando, Deluiz (2004) focaliza que o projeto deve ser um planejamento, articulado entre
o conjunto dos representantes do mundo trabalho e dos educadores.
69
Para Castro (2009), o ensino médio profissionalizante ou propedêutico, possui um
nível de qualidade inadequado, tendo no currículo sua maior fragilidade. Caracteriza os
currículos como: vagos, abundantes como se fossem para gênios e decora-se em vez de
aprender. Finalizando o autor considera o professor fraco, as jornadas curtas, a gestão é
amadorística e a profissionalização é capenga. “Por essas e outras razões, grande parte da
formação profissional é oferecida pelo sistema S. Em paralelo, prospera um gigantesco não
sistema, ignorado e praticamente livre de regulamentações” (CASTRO, 2009, p.168).
Para Singer (1996) o debate sobre a crise educacional poderá ser frutífera, se os
que defendem a tradição democrática e igualitária conseguirem passar à ofensiva, com
propostas mais criativas tendo como pano de fundo a democratização do processo educativo,
onde o ensino deva ser público e de acesso universal.
Com relação ao EMI, acreditamos que sua expansão, planejada e coordenada
democraticamente, deva sedimentar as bases de um modelo de educação tecnológica pública,
gratuita e de qualidade para toda a sociedade brasileira. Possibilidade de futuro incerto, pois a
linha política da educação profissional no Brasil, há décadas, vem sendo implementada pela
orientação produtivista. O Decreto no 5.154/04 (BRASIL, 2004a) representa uma
oportunidade de formação de educação tecnológica. O projeto do EMI deve ser assumido
como uma política pública de ensino, de formação para o trabalho, organicamente articulada
com a elevação dos níveis escolares, no sentido de uma formação omnilateral e vinculando os
conhecimentos da ciência, trabalho, tecnologia e cultura.
Dando continuidade a esse estudo, finalizaremos nossa investigação com o
terceiro e ultimo capítulo, apresentando os resultados da pesquisa, procurando responder ao
problema que se levantou no início da investigação: a implementação da educação
profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio no IF/Sudeste MG – Campus
Juiz de Fora, na percepção dos gestores responsáveis pelo processo de implementação dos
cursos integrados de Edificações, Eletromecânica, Eletrotécnica, Informática, Mecânica e
Metalurgia, tomando por base as concepções e princípios da integralidade contidos no
Documento-Base do Ministério da Educação/Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica (BRASIL, 2007).
70
3 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL INTEGRADA AO ENSINO
MÉDIO NO IF SUDESTE MG – CAMPUS JUIZ DE FORA: A IMPLANTAÇÃO NA
TEORIA E NA PRÁTICA
Este capítulo apresenta os resultados da pesquisa de campo e faz uma discussão
dos dados coletados, levando-se em consideração ao objetivo geral da pesquisa e a partir da
fundamentação teórica desenvolvida.
Antes de tratarmos especificamente das discussões dos dados, faremos uma breve
contextualização da instituição investigada13, procurando situá-la em relação a sua
localização, criação, público e vocação sócio-econômica da região.
O cenário do Brasil na década de 50, marcado pelo processo de crescimento
urbano e industrial, proclamava a necessidade de criação de cursos técnicos que atendessem a
demanda por mão-de-obra qualificada no país. Diante desse contexto, foi inaugurado no dia
02 de fevereiro de 1957, nas dependências da Escola de Engenharia, o Colégio Técnico
Universitário, sob a denominação de "Cursos Técnicos da Escola de Engenharia". Os cursos
oferecidos eram os de Máquinas e Motores, Eletrotécnica, Pontes e Estradas, e Edificações.
Ainda em consonância com o crescente desenvolvimento econômico no país, já na
década de 60, a necessidade de qualificação profissional e integração escola/empresa fizeram
com que os "Cursos Industriais Técnicos da Escola de Engenharia" fossem reconhecidos e
incorporados à Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF em janeiro de 1965, passando
então à denominação de Colégio Técnico Universitário.
Hoje o campus de Juiz de Fora do Instituto Federal do Sudeste de MG possui um
espaço físico de 36.000 m2, com aproximadamente 2.000 m2 de área construída, em expansão.
Nessa trajetória, o Campus de Juiz de Fora do Instituto Federal do Sudeste de MG cresceu
consideravelmente, tanto na quantidade de alunos, como na ampliação do corpo docente e da
oferta de cursos. Hoje são quase 3.000 alunos distribuídos nos cursos de Informática, Design
de Móveis, Mecânica, Metalurgia, Eventos, Transações Imobiliárias, Transporte Rodoviário,
Eletromecânica, Eletrotécnica, Edificações, Eletrônica e Transporte Ferroviário. Ainda
oferece cursos técnicos na modalidade a distância (EaD), com os curso de Enfermagem,
Segurança do Trabalho e Serviços Públicos. Possui três cursos superiores: Engenharia
Mecatrônica, Licenciatura em Física e Sistemas de Informação.
Atualmente a Escola faz parte do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais, em conjunto com outras Instituições Federais de
13
Os dados e as informações institucionais foram retirados do site: www.jf.ifsudeste.edu.br.
71
Ensino da Zona da Mata e Campo das Vertentes. A nova Instituição abre novos horizontes
para a Escola, potencializa o crescimento quantitativo e qualitativo de suas ações e continua a
marcar cada vez mais a importância da sua contribuição para o desenvolvimento econômico e
social de Juiz de Fora e região.
Após a escolha do local da pesquisa, a seleção dos participantes, os instrumentos
de investigação e a autorização à direção do IF sudeste MG – Campus Juiz de Fora para a
realização do estudo iniciou-se as atividades de campo com a coleta de dados com o intuito de
captar elementos capazes de responder ao objeto da investigação. Esse trabalho de campo teve
início em outubro de 2010, através das entrevistas.
Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas, através da
utilização de um roteiro, que procurou contemplar as questões referentes às concepções e
princípios do documento base (BRASIL, 2007), que propõe e orienta a formação integral do
ensino médio integrado nos Institutos Federais. No roteiro de entrevista elaborado, as
questões contempladas são as orientadas pelo documento base do MEC/SETEC (2007), como
à formação humana integral, trabalho, ciência, tecnologia e cultura como categorias
indissociáveis da formação humana, o trabalho como princípio educativo, a pesquisa como
princípio educativo: o trabalho de produção do conhecimento, a relação parte-totalidade na
proposta curricular e os fundamentos para a construção de um projeto político-pedagógico
integrado.
Na coleta de dados através das entrevistas trabalhamos com todos os gestores
responsáveis pela implementação da oferta de educação profissional técnica de nível médio
integrada ao ensino médio: diretor geral, diretor de ensino e pesquisa, coordenador didáticopedagógico dos cursos integrados, e todos os coordenadores dos cursos integrados,
perfazendo um total de nove entrevistados, que representa os sujeitos da pesquisa. Com a
exceção da diretoria geral, todos os outros gestores são professores dos cursos integrados
pesquisados.
A partir do mês de fevereiro de 2011, foram coletados os documentos oficiais dos
cursos integrados, que foram analisados com base no referencial teórico, no intuito de
responder ao objeto da investigação. Foram analisados oito atas do conselho de unidade, um
anteprojeto de implantação dos cursos de educação profissional de nível médio integrado, um
relatório de gestão, duas resoluções do conselho de unidade, uma resolução do seminário
“desafios da integração” (maio de 2007) com o objetivo de definir o papel do CTU no cenário
da educação profissional e tecnológica e uma resolução do seminário da integração (agosto de
2007) para elaboração dos projetos pedagógicos dos cursos integrados.
72
Todos os gestores entrevistados são professores que vivenciaram as mudanças
mais representativas, como a LDB/1996, o Decreto n°. 2.208/1997 (BRASIL, 1997a) e o
Decreto n°. 5.154/2004 (BRASIL, 2004a), que ocorreram na educação profissional de nível
técnico no atual IF Sudeste MG – Campus Juiz de Fora. Atendendo aos critérios préestabelecidos consideramos que os entrevistados estavam devidamente habilitados para nos
informar sobre a implementação da educação profissional técnica de nível médio integrada ao
ensino médio no IF Sudeste MG – Campus Juiz de Fora.
A tabela14 abaixo representa o perfil e a situação profissional dos gestores
entrevistados:
Tabela 3 – Perfil e a situação profissional dos gestores
GESTORES
14
ÁREA DE
JORNADA DE
SITUAÇÃO
ATUAÇÃO
TRABALHO
FUNCIONAL
G1
Propedêutica
G2
Técnica
G3
Propedêutica
G4
Técnica
G5
Técnica
G6
Técnica
G7
Técnica
G8
Técnica
G9
Técnica
Dedicação
exclusiva
Dedicação
exclusiva
Dedicação
exclusiva
Dedicação
exclusiva
Dedicação
exclusiva
Dedicação
exclusiva
Dedicação
exclusiva
Dedicação
exclusiva
Dedicação
exclusiva
FORMAÇÃO
Efetivo
Mestre
Efetivo
Mestrando
Efetivo
Especialista
Efetivo
Mestrando
Efetivo
Doutor
Efetivo
Doutor
Efetivo
Mestrando
Efetivo
Mestre
Efetivo
Doutor
Quadro criado pelo autor baseado nas entrevistas com a finalidade de melhor ilustrar o grupo entrevistado.
73
Segue uma análise descritivo-interpretativa de cada categoria selecionada e
fundamentada na tentativa de responder o objetivo da investigação, baseado nos documentos
escolhidos e da contribuição dos interlocutores nos diferentes momentos da etapa da coleta
dos dados, na instituição pesquisada.
3.1 O TRAJETO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL
MÉDIO INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO NO IF SUDESTE MG – CAMPUS JUIZ DE
FORA
O Colégio Técnico Universitário (CTU/UFJF), atual IF Sudeste MG – Campus de
Juiz de Fora, foi à última instituição da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica
do Estado de Minas Gerais a implementar a educação profissional técnica de nível médio
integrada ao ensino médio. A aprovação da referida forma de oferta de educação ocorreu no
mês de outubro de 2007 com início para o ano letivo de 2008. No mês de setembro do mesmo
ano, a administração do CTU/UFJF, a partir da compilação das proposições discutidas no
seminário “Desafios da Integração” (31 de agosto de 2007) e das sugestões apresentadas pela
equipe de sistematização do seminário, elaborou um documento intitulado "Implantação dos
cursos de educação profissional de nível médio integrado no CTU/UFJF - Anteprojeto”15, que
serviu como orientação para a discussão com os chefes de departamentos, coordenadores e
chefe de secretaria da instituição. O referido documento foi elaborado pelos professores (as)
Jocelaine C. Pereira, Maria da Graça M. Guerra, Paulo César S. Ignácio, Paulo Rogério A.
Guimarães, Sebastião Sérgio de Oliveira, Silvana T. Faceroli e a servidora Rosa Maria G.
Cunha.
A justificativa do CTU/UFJF ser a última instituição do estado a optar pelo ensino
médio integrado, segundo depoimento de alguns gestores entrevistados, se deve a
acomodação conservadora dos professores e da direção que apoiavam a reforma do governo
anterior e eram contra a aprovação do Ensino Médio Integrado na instituição.
O Anteprojeto (2007) elaborado pela instituição e não citado em nenhum
momento pelos gestores entrevistados apresentava uma concepção de educação que
caminhava para superar a formação da dimensão mercantil, que reduzia o jovem à mera
condição de capital humano:
15
Baseado no documento “As políticas para a Educação Profissional e Tecnológica” publicado pelo Grupo de
Trabalho de Política Educação – GTPE-SN em junho de 2005.
74
[...] a proposta de implantação no CTU/UFJF da educação profissional e
tecnológica integrada à educação básica se articula à superação de
dicotomias antigas do sistema educacional brasileiro. Busca-se a articulação
da teoria com a prática, a relação entre saber científico e saber tácito, a
articulação entre parte e totalidade e, superar a dualidade que opõe formação
propedêutica e formação profissional e que estabelece a disciplinaridade de
saberes gerais e específicos (ANTEPROJETO, 2007, p.11).
O Anteprojeto (2007) alertava que por acreditar na concepção em questão,
defendia que a implantação da proposta de educação profissional técnica de nível médio
integrada ao ensino médio, significava o desenvolvimento do CTU/UFJF e que este
desenvolvimento iria gerar um impacto significativo no dia a dia da escola. Defendia o
processo formativo integral, pois este iria buscar compreender a problematização social do
jovem como sujeito de direitos, contribuir para a sua inserção na vida adulta, no mundo do
trabalho como cidadão e a continuidade de estudos em nível superior.
Esclarece o Anteprojeto (2007) que através de avaliações e percepções da situação
do CTU/UFJF, a evasão nos cursos técnicos concomitantes era elevadíssima, e ainda,
observava-se a queda de qualidade na formação técnica. Relacionava alguns motivos
observados para tal situação: falta de bases científicas dos grupos de concomitância externa e
a existência de turmas heterogêneas. O documento orientava sobre os requisitos de acesso, a
organização curricular, um estudo da carga horária dos cursos a serem integrados, os critérios
de avaliação e progressão, o exercício orientado da profissão e a certificação de qualificação
profissional. É importante salientar que o Anteprojeto (2007), que serviu como o documento
norteador para a implementação do EMI na instituição para os gestores, não foi comentado e
nem citado por nenhum gestor nas entrevistas da pesquisa.
A aprovação da proposta de estabelecer a oferta de educação profissional técnica
de nível médio integrada ao ensino médio ocorreu no órgão máximo do CTU/UFJF – o
conselho de unidade. A reunião, segundos participantes, foi polêmica, tensa e sem consenso,
pois muitos dos chefes de departamentos que compõem o referido conselho sentiram
dificuldade em votar pela aprovação da integração, baseado no documento norteador, por se
tratar de um anteprojeto e não um projeto final, ausência de um estudo da grade curricular e
seus impactos na carga horária, ausência no documento da discussão do tema, a falta de um
envolvimento maior do corpo docente, um estudo de como a interdisciplinaridade envolveria
os conhecimentos gerais com os conhecimentos específicos, tão fundamental na proposta do
MEC e a necessidade de uma maior discussão nas bases para a solidificação da proposta de
75
integração. É importante pontuar que os alunos, através dos seus representantes discentes,
votaram contra a proposta da integração.
Segundo os gestores as dificuldades para debater o assunto e construir um
consenso para a proposta foi dificultado por vários fatores como: escassa discussão sobre o
tema da integração, pouca participação da comunidade, pouco envolvimento e contribuição
dos professores da instituição, falta de conhecimento na proposta de educação profissional
técnica de nível médio integrada ao ensino médio, um tipo de cultura do professor que
dificulta a assimilação adequada da proposta, resistência de um grupo de professores às
mudanças pretendidas e pela ausência de um projeto político pedagógico que orientase as
mudanças. A ausência de um projeto político pedagógico foi muito comentada pelos gestores
como um ponto negativo e que foi um obstáculo para a implementação da integração no atual
IF Sudeste MG – Campus Juiz de Fora.
O documento-base MEC/SETEC (2007) que orienta os princípios e diretrizes do
ensino médio integrado, alerta que a construção de um projeto político pedagógico deve ser de
forma coletiva, participativa e democrática, expressando as concepções, princípios e
finalidades da instituição com o objetivo de unificar a comunidade escolar. Para isso, todos
devem ser autores desse projeto e sujeitos de sua criação e desenvolvimento.
Todos os gestores foram unânimes em afirmar que os cursos integrados deveriam
ser reavaliados, principalmente agora que o ciclo tinha se encerrado, isto é, as turmas tinham
concluído os cursos. O ano de 2011 foi citado por todos como o ano da avaliação dos cursos
integrados implementados em 2008. As propostas curriculares deveriam ser otimizadas com o
intuito de adequá-las e avançá-las no sentido da integração. Seguem algumas falas que
ilustram tais conclusões:
[...] depois de três anos, esse é o primeiro momento que a gente vai começar
um processo de avaliação, nós já mudamos algumas coisas, mas que não
mexeram com a estrutura para provocar acertos entendo que já foi um
avanço muito grande, mas que temos muita, mas muita coisa para corrigir,
sem falar em carga horária, sem falar em disciplina que podem atuar
integradas (GESTOR 1)
[...] A gente passou pela fase da criação da integração, ai a gente olhou
primeira a parte que precisa em termos de professores e tudo, agora não
existe nenhuma proposta de criar novos cursos, mas sim de consolidar, então
é aparte da gente tentar consolidar isso, busca essa integração, eu vejo
através de seminários dos professores, reunião dos professores (GESTOR 3).
76
[...] então já é uma proposta da direção ainda no mês de fevereiro
provavelmente já vai ser marcado no calendário escolar, dois dias em que as
aulas vão ser suspensas para a gente reavaliar o nosso planejamento
estratégico, não só fazer outro, descartar aquele, mas reavaliar para todos
conhecerem e com certeza um ponto que vai ser os cursos integrados, buscar
uma, consolidar os cursos, buscando uma integração (GESTOR 3).
A Diretoria de Ensino e Pesquisa do IF sudeste MG – Campus Juiz de Fora, na
época das entrevistas, tinha como proposta da direção, o mês de fevereiro de 2011, um
encontro com todo o corpo docente dos cursos integrados, para a referida avaliação, mas
estamos no mês de maio de 2011, e a avaliação tão esperada pelos gestores não aconteceu.
As discordâncias e resistências a implementação do ensino médio integrado ao
ensino profissional foram citados por 3 gestores. Um dos gestores justifica a discordância
baseado na abrangência da referida modalidade de ensino:
Na minha visão o que eu vejo é o seguinte: o ensino profissionalizante
integrado, a abrangência dele é restrita, existe muito pouco interesse para o
ensino profissionalizante. Tem até aquele estudo, que diz que somente 1/3
dos alunos do ensino médio quer o ensino profissionalizante, o restante está
querendo ensino médio simples, na realidade o ensino profissionalizante
para os demais, é mais um estorvo do que uma vantagem (GESTOR 2).
O gestor 2 acrescentou ainda que “o ensino médio integrado engessa demais para
os alunos, que estes não estão interessados em ensino profissional, apenas no ensino médio
para ingresso no terceiro grau”. Defendeu o Decreto no. 2.208/97 (BRASIL, 1997a) por
apresentar maior flexibilidade para a formação do aluno do ensino médio. O gestor expressa
uma opinião radicalmente contrária a integração “porque dirige uma coisa e obriga o aluno
que quer o ensino de qualidade a fazer uma coisa que ele não quer que é o ensino
profissionalizante”. Enfatizando que os gastos com o ensino integrado são excessivos e seus
resultados são de pouca valia.
Para Castro (2007), no Brasil, é enorme a ineficiência dos investimentos nas
escolas técnicas federais, dada a pequena proporção de formandos que se dirige para as
profissões para as quais foram formados, objetivando um descaso com o mercado de trabalho.
O autor alerta que os cursos integrados são excelentes academicamente, mas acaba atraindo
uma elite de classe média e alta, que não tem interesse pelo exercício da profissão apreendida
e sim a busca de um excelente ensino no intuito da aprovação nos vestibulares mais
cobiçados. O autor cita o Banco Mundial, que avaliando diferentes modalidades de formação
77
profissional, conclui que a opção com mais casos de fracasso foi à profissionalização do
ensino médio. São as tentativas de profissionalizar o currículo do ensino médio em um curso
único, proposto pelas escolas técnicas federais.
Para o gestor 4, a sua discordância em aprovar a integração se deve a urgência e a
falta de um planejamento da instituição em elaborar uma discussão com a base da escola que
são os professores e funcionários:
Eu na época da integração, eu era contra a integração, quando surgiram os
documentos e as discussões começarem, eu ainda coordenador eu me lembro
na reunião de assessoria educacional, eu fui contra não pelo fato da
integração, mas pela urgência que eles queriam implementar, fez uma
discussão e outra, da qual eu não participei e não concordava com isso,
porque precisava de demanda de tempo para fazer uma integração correta,
esse era o meu entendimento, inclusive eu fui o único que votei contra e hoje
vários outros professores já falaram comigo que se pudessem voltavam atrás
(GESTOR 4).
As discussões da implementação da proposta da integração ocorrem
simultaneamente à criação dos IFET – Institutos Federais de Educação e Tecnologia. O
Governo Federal, através do Decreto no. 6.095/07 (BRASIL, 2007), estabelecia as diretrizes
para o processo de integração e regionalização das escolas técnicas federais. Era grande a
discussão na comunidade do CTU/UFJF com relação à desvinculação da UFJF e criação do
IFET, principalmente com relação a recursos, gestão, autonomia e objetivos. A aprovação da
oferta de educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio, para alguns
representantes do conselho de unidade, foi à alternativa real para solucionar a falta de recursos
dentro das escolas vinculadas às universidades. Na planilha orçamentária do MEC, os alunos
do ensino médio não eram pontuados, isto é, não existiam recursos para estes alunos.
A proposta aprovada transformou quatro turmas de ensino médio e de seis turmas
dos cursos técnicos, em seis cursos de educação profissional de nível médio integrado. Os seis
cursos aprovados foram: Edificações, Eletromecânica, Eletrotécnica, Informática, Mecânica e
Metalurgia. A escolha desses cursos foi baseada nas experiências anteriores de integração
média e técnica na instituição, mesmo sabendo que o modelo proposto guardava diferenças
em relação ao modelo anterior.
A organização curricular aprovada (modelo de competências) foi baseada em
legislação específica, que é fixada pelos órgãos competentes do MEC e no projeto político
pedagógico da instituição. Vale ressaltar que o projeto político da instituição na época não
existia e se encontra em fase inicial de construção na instituição. A carga horária obedeceu às
78
cargas mínimas estabelecidas por lei tanto para formação geral quanto para a formação
especifica.
Alguns gestores avaliam que a contribuição da implementação da oferta de
educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio no IF Sudeste MG –
Campus Juiz de Fora, para os alunos como sendo uma referência nova, que pode ter dois
caminhos: preparar para as profissões técnicas e prosseguir os estudos, o que pode determinar
uma autonomia para o aluno, com o ensino médio simplesmente, o aluno teria somente a
possibilidade, se aprovado, de cursar o ensino superior.
Para a maioria dos gestores pesquisados, o EMI ofereceu para os alunos uma
referência nova. Consideram que com o ensino médio integrado ao ensino técnico, existem
dois caminhos que atendam as expectativas dos alunos: uma de preparar para as profissões
técnicas e outra de preparar para prosseguir os estudos, criando possibilidades melhores para
os alunos “[...] então acho que para o alunado isso trás um crescimento, um enriquecimento,
até um amadurecimento mais tranqüilo, mas tranqüilo no sentido de ele tem essas duas
possibilidades” (GESTOR1).
Os gestores pesquisados não citam em nenhum momento os pilares conceituais de
uma educação integrada: um tipo de escola unitária, não dual, que garanta a todos o direito ao
conhecimento e uma educação politécnica que possibilite o acesso à cultura, à ciência e ao
trabalho, por meio de uma educação básica e profissional. Conforme Ramos (2007), a
politecnia deve ser entendida como a educação que possibilita o entendimento dos princípios
científico-tecnológicos e históricos da produção moderna, na perspectiva de orientar os alunos
a realizar múltiplas escolhas.
Para o documento-base (BRASIL, 2007), entre as razões do Plano de
Desenvolvimento da Educação – PDE, a opção pelo apoio a forma de oferta de educação
profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio dá-se, principalmente, pelo fato
de ser a que apresenta melhores resultados pedagógicos.
A centralidade do ensino médio se desenvolve entre os sujeitos e conhecimentos,
buscando superar a determinação histórica do mercado de trabalho sobre essa etapa de ensino,
seja de sua forma imediata, predominantemente pela vertente profissionalizante; seja de forma
mediata, pela vertente propedêutica. A orientação dada pelo documento é pela construção de
um projeto que supere a dualidade entre formação específica e formação geral e que desloque
o foco dos seus objetivos do mercado de trabalho para a educação “[...] da pessoa humana,
tendo como dimensões indissociáveis o trabalho, a ciência, a cultura e a tecnologia”
(BRASIL, 2007, p.6).
79
3.2 A AVALIAÇÃO DOS GESTORES E OS PRINCÍPIOS DA INTEGRAÇÃO
Segue uma análise de cada categoria selecionada das concepções e princípios do
ensino médio integrado do Documento – Base (BRASIL, 2007), de acordo com os dados
obtidos das entrevistas semi-estruturadas com os gestores.
3.2.1 Formação humana integral: o direito a uma formação completa para a leitura do
mundo e para a atuação como cidadão
A maioria dos gestores entrevistados entende que a educação profissional tem
como principal finalidade a inserção do indivíduo no mundo do trabalho e a aquisição de
habilidades para o trabalho. Alguns entrevistados acrescentam que além do mercado, a
educação profissional deve se preocupar com lado humanístico do aluno ou sua preparação
para a vida.
Educação para mim é mercado de trabalho, é claro que a gente não pode
esquecer a formação humana, a educação em geral, mas o objetivo é o
mercado de trabalho, tanto é que nas minhas aulas eu sempre foco bem o
mercado de trabalho, dou dicas para os alunos, tenho contato com
empresários e sempre indico aluno para fazer estágio (GESTOR 8).
Para Castro (2008) da linha produtivista, alem das missões mais tradicionais, as
escolas técnicas devem preparar os alunos para o mercado de trabalho. O autor alerta que o
abarrotamento do currículo impede a aquisição de uma base acadêmica sólida para enfrentar o
mundo do trabalho.
O documento-base (BRASIL, 2007) orienta que a concepção de formação humana
deve ser omnilateral, isto é, deve integrar todas as dimensões da vida dos sujeitos, não só o
trabalho, mas a ciência e a cultura. No ensino médio integrado ao ensino técnico, a concepção
de educação integrada determina que a educação geral se torne parte inseparável da educação
profissional em todos os campos onde se dá a preparação para o trabalho: nos processos
produtivos e nos processos educativos. Significa adotar o trabalho como princípio educativo,
no sentido de superar a dicotomia trabalho manual do trabalho intelectual, de incorporar a
dimensão intelectual ao trabalho produtivo.
80
A preocupação da preparação para o setor produtivo se manifesta como prioritário
na visão da maioria dos gestores. Quando são citadas as disciplinas da parte propedêuticas são
no sentido de contextualizar a preparação para o mercado de trabalho.
[...] você prepara o individuo pode ser no ensino médio integrado ou não
para um fim, qual é o fim dele? A empresa, agora quando o cara já vem com
uma preparação técnica, profissional, mais trabalhado, ele vai contribuir
muito mais para o emprego, contribuir quando ele abarca outras disciplinas,
ele sai um cara mais preparado [...] quando você está fazendo um curso
técnico, você entra e vê como é uma empresa, ele sai mais preparado e
competente para a empresa (GESTOR 7).
Ramos (2007) chama atenção para o fato de que os cursos técnicos, ao longo de
sua história, estiveram predominantemente centrados no mercado de trabalho. Em nenhum
momento esteve centrado no desenvolvimento do estudante como sujeitos como
potencialidades, desejos e necessidades. Ressaltando que o Art. 22 da LDB, assegura a
formação do indivíduo para a o exercício da cidadania e progressão dos estudos. A idéia é
tirar o mercado de trabalho do foco do projeto educacional e colocá-los sobre os sujeitos, cujo
projeto de vida se constrói pelas relações sociais, com o intuito de sua emancipação.
Para o gestor 5 o ensino médio integrado, permite o aluno a fazer a relação do
aprendizado das bases cientificas com as bases tecnológicas, mas sempre como pano de fundo
a questão da inserção do indivíduo no mercado de trabalho:
[...] então na educação profissional, o aluno começa a fazer uma correlação
das bases cientificas com as bases tecnológicas e a aplicação daquilo no
mundo do trabalho, ai ele começa a ver que pode transformar esses
conhecimentos em algo prático, em algo que vá gerar um benefício para a
comunidade e também gerar renda para ele e para a sua família, ai ele
começa a enxergar responsabilidade e os benefícios que isso pode trazer para
ele, isso principalmente para quem não teve muita oportunidade e começa a
mudar o seu horizonte, o horizonte do aluno começa a se abrir, então eu acho
começa a gerar nele um grau de responsabilidade (GESTOR 5).
O que se percebe é a falta de conhecimento da proposta do MEC ou a ausência de
um aprofundamento da concepção e diretrizes do ensino médio integrado com relação aos
gestores, que foram os principais responsáveis16 pela implementação da referida modalidade
16
Os principais responsáveis pela implementação da educação profissional técnica de nível médio integrada ao
ensino médio foram: Diretor geral do CTU/UFJF, Diretor de Ensino, Coordenadoria de Ensino Médio e os
Coordenadores dos cursos integrados: Edificações, Eletromecânica, Eletrotécnica, Informática, Mecânica e
Metalurgia, que constituem os sujeitos da pesquisa.
81
de ensino. Os gestores falam em desconhecimento da proposta pela maioria dos professores,
principalmente agora em que 60% dos professores e 90% dos técnicos administrativos,
concursados para o IF Sudeste MG – Campus de Juiz de Fora, são novatos e não vivenciaram
as discussões da integração e as modificações por que passaram o ensino médio e o ensino
profissionalizante dentro da instituição.
A gente fez um planejamento estratégico há dois anos atrás, hoje 60% do
nosso pessoal é novato, é novo, tem menos de dois, embora o planejamento
estratégico ele tenha a duração de uns cinco anos, mas a gente já entende que
deve ser feito outro, nos funcionários que nós temos aqui, apenas dois
funcionários que tem mais de dois anos, o resto tudo é gente nova, e
professores também, então você olha, por exemplo, por área, na matemática
nos somos hoje, oito professores, quatro novos e quatro antigos, a física esta
na mesma situação. Na área de elétrica a quantidade de professores novos
que tem lá é muito maior do que a quantidade de professores que tinha antes,
porque muita gente aposentou e a expansão previu novas vagas, não foi só o
problema da aposentadoria, mas foi à expansão, temos que fazer uma nova
discussão de E.M.I. Os professores novatos estão pedindo mais discussão
sobre o integrado, a gente tem notado que eles vêm procurar para conversar,
então já é uma proposta da direção ainda no mês de fevereiro provavelmente
já vai ser marcado no calendário escolar, dois dias em que as aulas vão ser
suspensas para a gente reavaliar o nosso planejamento estratégico, não só
fazer outro, descartar aquele, mas reavaliar para todos conhecerem e buscar
uma consolidação, uma integração mais efetiva para que esses cursos
realmente sejam integrados (GESTOR 3).
A idéia de formar para o trabalho como pensam a maioria dos gestores
entrevistados, é ter uma visão unidirecional do indivíduo, é apenas formar mão de obra, sem a
sua emancipação como ser humano. A proposta do EMI deve superar esta visão reducionista
de trabalho e este deve ser um processo coletivo, organizado e de busca das transformações
das relações desumanizadoras, portanto deseducativas. A consciência critica é o primeiro
elemento desse processo e permite construir outras relações, onde o trabalho se torne
manifestação de vida e, portanto, educativa (RAMOS, 2007).
Para a autora é preciso incorporar valores ético-políticos e conteúdos históricos e
científicos no sentido de habilitar as pessoas para o exercício autônomo e crítico de
profissões. A organização do ensino médio integrado deve superar a disputa com a educação
profissional, na perspectiva de construir um projeto unitário, integrando seus objetivos e
métodos, tendo como base o trabalho como princípio educativo. Esta concepção de trabalho
deve estar associado à concepção de ciência.
A relação trabalho, ciência e cultura é assim interpretada pela autora:
82
Compreender a relação indissociável entre trabalho, ciência e cultura
significa compreender o trabalho como princípio educativo, o que não se
confunde com o “aprender fazendo”, nem é sinônimo de formar para o
exercício do trabalho. Considerar o trabalho como princípio educativo
equivale dizer que o ser humano é produtor de sua realidade e, por isto, se
apropria dela e pode transformá-la. Equivale dizer, ainda, que nós somos
sujeitos de nossa história e de nossa realidade. Em síntese, o trabalho é a
primeira mediação entre o homem e a realidade material e social. O trabalho
também se constitui como prática econômica, obviamente porque nós
garantimos nossa existência produzindo riquezas e satisfazendo necessidades
[...] Portanto, formar profissionalmente não é preparar exclusivamente para o
exercício do trabalho, mas [...] também habilitar as pessoas para o exercício
autônomo e crítico de profissões, sem nunca se esgotar a elas (RAMOS,
2007, p.4 e 5).
De acordo com Ciavatta (2005) tentar superar a redução da preparação para o
trabalho, vista sob o aspecto operacional, simplificado, sem os conhecimentos científicotecnológicos e sem o entendimento histórico-social, é garantir uma formação integral,
politécnica e educação tecnológica. É fugir das atividades precarizadas, ao subemprego,
desemprego, dos vínculos comunitários e da própria identidade.
3.2.2 Trabalho, ciência, tecnologia e cultura como categorias indissociáveis da formação
humana
Os gestores dos cursos integrados do IF Sudeste MG – Campus Juiz de Fora são
unânimes em afirmar que não há ensino médio integrado nos cursos estudados. Houve apenas
uma junção de dois cursos concomitantes: o ensino médio e o ensino profissionalizante. Essa
junção resultou na teoria uma dissociação da formação humana do aluno e consequentemente
um desacordo com as concepções e diretrizes do documento-base (BRASIL, 2007) que
orienta a integração. Na prática, resultou num aumento generalizado de disciplinas e
excessiva carga horária o que gera uma reclamação e desmotivação por parte dos docentes e
discentes.
A maioria dos gestores acredita que a aprovação do ensino médio integrado
ocorreu de forma abrupta, sem um debate aprofundado, que a aprovação, visava atender as
exigências do MEC com os seus recursos e dos diretores da instituição que apoiavam a
proposta. O excesso da carga horária é uma unanimidade em todas as falas dos entrevistados e
um empecilho para o processo da integração dos cursos estudados. Na prática, o que ocorreu
83
para os gestores entrevistados, é a construção de dois cursos independentes e extensos, como
ilustra o seguinte gestor:
[...] se você pegar a carga horária do curso de edificações tem em média 42
aulas por semana nas três séries, é a média da carga horária deles, isso é
carga horária de um trabalhador, e aí onde fica a parte esportiva, a parte
cultural e o lazer. Na verdade o que aconteceu, na prática, se juntou a matriz
do ensino médio que não caiu nada em termos de disciplinas, manteve-se e
juntamos com a matriz do ensino técnico, houve apenas uma junção. Na
verdade era a tendência de atender uma emergência, da força política de
induzir: “olha se adotar o EMI vem recursos, se não adotar não vem
recursos” (GESTOR 1).
O documento-base (BRASIL, 2007) orienta que não é vantajoso que se implante o
ensino médio integrado à educação profissional porque essa é a política do MEC ou porque a
direção da escola assim decidiu. É preciso que a comunidade escolar se convença da
importância de implantá-lo e se mobilize para isso. Cita que as relações institucionais, nos
sistemas de ensino e nas escolas são de cima para baixo e de pouca democracia e propõe
como solução, a construção coletiva do projeto político pedagógico e do currículo para o
ensino médio integrado a educação profissional.
O planejamento inadequado dos conteúdos no currículo da formação integrada,
por parte dos gestores e professores, refletiu numa reclamação generalizada por toda
comunidade do IF Sudeste MG – Campus de Juiz de Fora.
O nosso aluno a princípio, na construção do integrado, ele foi um pouco
penalizado, a turma que foi pioneira, porque existia um ensino médio muito
forte e o técnico, no principio não teve outro jeito foi quase como uma
junção dos dois cursos, porque o professor da base comum não queria abrir
mão da sua carga horária e o professor do técnico também não, então tem
alguns conteúdos que esta havendo superposição, então é necessário que os
colegiados de cursos se reúnam, para discutirem e começarem a integrar, por
exemplo, na eletrotécnica, a física com o pessoal da elétrica, a química com
a metalurgia (GESTOR 2).
Para a maioria dos gestores entrevistados, a escola assume com franqueza que
ofertam os cursos integrados mais voltados para o mercado de trabalho, sem a desejável
educação politécnica ou tecnológica que relacione trabalho, ciência e cultura na sua prática e
nos seus fundamentos científico-tecnológicos e histórico-sociais. Alguns fatores que
dificultam a indissociabilidade entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura, puderam ser
84
captadas pela investigação, como: a estrutura fechadas e engessadas das disciplinas, a
dificuldade em compreender a proposta dessa relação, a integração, quando ocorre, é apenas
nas disciplinas do ensino médio e não destas com as disciplinas do ensino profissional.
O que existiu com a justaposição dos conhecimentos gerais com os específicos é
uma falsa integração, pois existem claramente dois currículos de dois cursos separados que
estão mecanicamente juntos, longe de desenvolver atividades relacionadas ao trabalho,
ciência, tecnologia e cultura. A atitude tomada pelos gestores na junção dos dois currículos é
uma decisão herdada do antigo “integrado” do ensino profissionalizante nos moldes da Lei no.
5.692/71 (BRASIL, 1971). Caracterizado por um ensino tecnicista, de pouca fundamentação
de conteúdo geral e voltado para as demandas do mercado.
Esta concepção mecanicista, convencional e estática de organizar os currículos,
infringe os ditames da LDB (BRASIL, 1996), do Decreto no. 5.154/04 (BRASIL, 2004a) e das
respectivas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). O Parecer CNE/CEB nº. 39/2004
(BRASIL, 2004b), que trata da aplicação do Decreto nº. 5.154/2004 (BRASIL, 2004a) na
educação profissional técnica e no ensino médio, orienta que para o curso integrado, é exigida
uma “nova e atual concepção”. O integrado “[...] não pode e nem deve ser entendido como
um curso que represente a somatória de dois cursos distintos, embora complementares, que
possam ser desenvolvidos de forma bipolar, com uma parte de educação geral e outra de
educação profissional” (BRASIL, 2004a, p. 10). Essa foi à lógica da revogada Lei nº.
5.692/1971 (BRASIL, 1971). O Decreto nº. 5.154/2004 (BRASIL, 2004a) rejeitam essa
dicotomia entre teoria e prática, entre conhecimentos e suas aplicações.
Para Ramos (2007), devemos ter cuidado para que a opção de ensino médio
integrado não se traduza numa nova versão de ensino profissionalizante nos moldes antigos:
Do ponto de vista organizacional, isto não ocorreria simplesmente
acrescentando-se mecanicamente ao currículo componentes técnicos, ou de
iniciação à ciência ou, ainda, atividades culturais. Obviamente tais
componentes deverão existir, mas seriam necessariamente desenvolvidos de
forma integrada aos diversos conhecimentos, tendo o trabalho, nos sentidos
em que já discutimos como o principio educativo integrador de todas essas
dimensões. Sabemos que não se trata de uma proposta fácil; antes, é um
grande desafio a ser construído processualmente pelos sistemas e instituições
de ensino, visando a práticas curriculares e pedagógicas que levem à
formação plena do educando e possibilitem construções intelectuais
elevadas, mediante a apropriação de conceitos necessários à intervenção
consciente na realidade (RAMOS, 2007, p.10).
85
A maioria dos gestores pesquisados confunde17 a proposta da oferta de educação
profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio com o ensino profissionalizante
citado acima, os gestores o chamam de “integrado antigo”. É importante diferenciá-los, tanto
por seus propósitos quanto pelo seu conteúdo. O ensino técnico baseado na Lei no. 5.692/71
(BRASIL, 1971) surgiu no contexto desenvolvimentista dos governos civil-militares,
ordenado pela Teoria do Capital Humano e planejado pela regras do Man Power Aproach18,
que tinha dois objetivos: atender à demanda por técnicos de nível médio e de conter a pressão
sobre o ensino superior.
O argumento se consubstanciava pelos governos baseada na escassez de técnicos
no mercado em expansão e a tentativa de amenizar a frustração dos jovens que não
ingressavam nas universidades brasileiras. O descontentamento dos jovens seria compensado
pela formação técnica e um cargo no mercado de trabalho, o que chamamos de terminalidade
do ensino técnico. Essa terminalidade é muito exigida pelos gestores entrevistados, o que vem
confirmar a comparação e a confusão dos dois modelos de ensino profissionalizante.
Houve uma preocupação maior com o plano legal e certo relaxamento com os
planos doutrinário e real, do dia-a-dia da escola. A maioria das reuniões foi mais para decidir
questões relacionadas com a legislação nacional em vigor e as normas pertinentes e
significativas para implementar a integração.
[...] eu fiz parte da elaboração do plano de curso da edificação e que nos foi
passada pela direção do colégio, uma pasta com documentações, com tudo o
que a gente tinha que seguir e que nós éramos obrigados a acatar e na época
[...] tinha a questão de carga horária mínima que nós tínhamos que seguir,
tempo de estagio, coisas assim, e íamos acatando na medida do possível.
Houve a montagem da grade, critérios, habilidades e competências que para
a gente foi uma dificuldade a gente entender o que era habilidade e o que era
competência e até hoje agente confunde o que é habilidade e o que é
competências [...] por que a gente não poderia feri a legislação por que cada
curso queria ter a sua particularidade, a gente mandava isso para o MEC e
um avaliador do MEC tava outra olhada, devolvia e a gente corrigia
(GESTOR 9).
17
No anteprojeto elaborado pela administração do CTU/UFJF, em sua apresentação, o documento cita que os
cursos integrados “não é novidade”, e conclui que a escola foi criada há 50 anos para oferta de ensino
profissionalizante na forma integrada (ANTEPROJETO, 2007).
18
Preceito pelo qual se considerava ser possível calcular a relação ótima entre quantidade de mão-de-obra
necessária e formada (RAMOS, 2007).
86
O que observamos é que são muitas as dificuldades para a elaboração e
organização de um currículo integrado. A organização por áreas de conhecimento,
obedecendo às disciplinas tradicionais e adotada pela instituição, é ultrapassada e
convencional, que em nada colabora para uma organização curricular inovadora, que esbarra
na constituição do corpo docente que se julga “dono” da disciplina que ministra, pois é
formado e selecionado por disciplinas específicas. O caminho para responder tais dificuldades
seria a capacitação dos docentes, gestores e técnicos, para planejar e aplicar currículos que
superem a soma de currículos e criem metodologias que ultrapasse a dualidade educacional e
valorizem a educação tecnológica.
Ciavatta (2005) esclarece que a formação integrada entre ensino geral e a
educação profissional, exige construção de currículos, orientados pelo pensamento e pela
produção da vida. Não deve ser alicerçada apenas das praticas de educação profissional e das
teorias da educação propedêutica que adestram para o vestibular. “Ambas são práticas
operacionais e mecanicistas, e não de formação humana no seu sentido pleno” (CIAVATTA,
2005, p.94).
3.2.3 O trabalho como princípio educativo
Os gestores não têm clareza suficiente de compreender o trabalho como princípio
educativo. A maioria relaciona como formar o aluno para o trabalho, no sentido de qualificálo profissionalmente para o mercado de trabalho e o sustento pessoal e de sua família.
[...] ele ao terminar a educação básica ele já tem uma qualificação
profissional e essa qualificação pode servir como inicio como uma formação
inicial e continuada e pode também, como para muitos, possibilitar ele
depois a fazer um curso superior, já trabalhando como técnico. Nós temos
muitos casos de alunos que ao terminar o curso, ele usa o seu diploma de
técnico, até para se sustentar e pode continuar os seus estudos (GESTOR 3).
Para Ramos (2005) um currículo integrado tem o trabalho como princípio
educativo, quando este permite, concretamente, a compreensão do significado econômico,
social, histórico, político e cultural das ciências e das artes e da tecnologia. Um currículo
nesses moldes baseia-se numa epistemologia que considere a unidade de conhecimentos
gerais e conhecimentos específicos e numa metodologia que permita a identificação das
especificidades
desses
conhecimentos
quanto
à
sua
historicidade,
finalidades
e
potencialidades. Pedagogicamente visa à construção conjunta de conhecimentos gerais e
87
específicos, no sentido de que os gerais fundamentam os específicos e estes evidenciam o
caráter produtivo concreto dos gerais. Nessa perspectiva, não procede delimitar o quanto se
destina à formação geral e à específica, posto que, estes são indissociáveis e, portanto, não
podem ser predeterminadas e recortadas quantitativamente.
Para Frigotto (2005), o trabalho como princípio educativo é oriundo da
necessidade que os seres humanos têm em alimentar-se, proteger-se e criar seus meios de
vida. O ser deve saber desde cedo que a tarefa de prover a subsistência e outras atividades da
vida é conseguida pelo trabalho e é comum a todos os seres humanos. Com isto, evita-se criar
indivíduos ou grupos que exploram e vivem do trabalho dos outros. O autor utiliza uma
expressão de Gramsci para exemplificar esses seres: “[...] podem ser considerados mamíferos
de luxo - seres de outra espécie que acham natural explorar outros seres humanos”
(FRIGOTTO, 2005, p.60).
Não é formar somente para o exercício do trabalho, mas dimensioná-lo para
compreender as relações dinâmicas sócio-produtivas do mundo, com suas vitorias e derrotas,
“[...] e também habilitar as pessoas para o exercício autônomo e crítico de profissões, sem
nunca se esgotar a elas” (BRASIL, 2007, p.45). A dificuldade de compreensão da proposta é
vista no depoimento de um gestor:
A principal finalidade que eu vejo é porque a pessoa já tem uma visão da
profissão já desde chão da fabrica, mesmo se ela for seguir a sua carreira,
mesmo se ela for para outra carreira, ela vai entender melhor aquele cara que
trabalha aquele técnico ou mesmo aquele pião da fabrica, porque ela de certa
forma no nosso caso aqui, a gente tem uma vivencia maior dos cursos
profissionalizantes da área industrial, ela tem estágio que permite que ela
conviva com esse pessoal, conheça melhor independente que ela vá
continuar que tenha futuro ou não naquela carreira, mas acho que como ser
humano a pessoa cresce muito (GESTOR 3).
Focalizando a fala dos gestores com relação ao conhecimento dos documentos
legais que norteiam o ensino médio integrado, a maioria dos entrevistados admitem que tenha
uma documentação de orientação, mas na hora de citar tais documentos, os gestores divagam
e acabam não comentando. Eles desconhecem a concepção do trabalho como princípio
educativo. O documento mais citado foi o Decreto no. 5.154/04 (BRASIL, 2004a) e sempre
relacionando que os cursos técnicos passariam ser ministrados juntos com o ensino médio. O
documento-base (BRASIL, 2007) que serviu como norteador da forma de oferta de educação
profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio, não foi citado por nenhum
gestor pesquisado.
88
Naquela ocasião, foi uma supressa para todo mundo, pegou todo mundo com
as calças na mão. [...] tanto é que colégio não mudou no começo, na ocasião,
eu tava chegando ao colégio, isso para mim era grego [...] e ai o que
acontece, depois começaram a pingar as resoluções, é só olhar as datas, isso
para o legislador isso não tem problema, mas para o colégio que está na linha
de frente, tem que enfrentar o aluno, o fim do semestre esta chegando, ele
teve que fazer uma reforma sem saber o que estava fazendo [...] tinha uma
idéia geral, só vinha esclarecimento daquela idéia seis meses depois, e outro
problema só vinha muito tempo depois, então muita coisa foi difícil
implementar. A implementação foi no escuro, depois a foi uma supressa e o
que aconteceu? Como foi que o colégio reagiu? Reagiu do jeito que pode,
ele mudou o EM, porque o EM estava regulamentado, o EP não estava
regulamentado ainda (GESTOR 2).
Alguns gestores concordam que o arcabouço teórico, fundamentado na educação
unitária foi fortemente assumido pela direção do CTU/UFJF, mas que vai se fraquejando até
só repercutir levemente na instituição com pouca ação e participação dos professores:
Os documentos que eu me lembro, o número é o 5154, na época eu fiz
leitura sobre a LDB também para fazer essa vinculação, como o colégio já
foi determinado na votação da integração, eu deixei que a diretoria de ensino
e os que outros lá determinassem o que seria feito, e eu fiquei preocupado
com a matriz curricular do nosso curso, com os conteúdos, como foi voto
vencido e tudo, a discussão coube a eles, já veio preparado para a mudança,
esse é o meu entendimento da reunião da assessoria educacional (GESTOR
4).
Eu lembro que a gente estava participando das reuniões dos coordenadores
juntamente com a direção de ensino, nós naquele momento surgiu então à
necessidade que houvesse a adequação ao decreto 5154, daí a gente teve
acesso ao decreto, à minuta do decreto ou alguma coisa assim houve, onde a
gente começou a fazer uma leitura de como esse decreto estaria impactando
a nossa realidade aqui na instituição que era o CTU ainda, do que eu me
lembro agora, foi à minuta ou o decreto 5154 ou se existia algum outro
documento que pudesse nos auxiliar nesse momento, eu não estou
conseguindo agora lembrar. Fizemos seminário para organizar grupos para
discutir como se daria essa integração, como a gente estava trabalhando com
os cursos modulares à gente tinha que encontrar uma maneira de adequar à
carga horária, aquilo que era solicitado para o E.M e tinha que adequar
àquela carga horária dos cursos, da formação especifica (GESTOR 6).
Não me lembro desses documentos, leis e decretos. Eu me lembro das
discussões, debates e seminário sobre o curso do ensino médio integrado,
lembro-me dessas mudanças que ocorreram no ensino profissionalizante,
mas documentos eu não lembro (GESTOR 8).
89
O número de leis eu não vou lembrar nenhum, eu sei que quando eu fiz parte
da elaboração do plano de curso da edificação e que nos foi passada pela
direção do colégio, uma pasta com documentações, com tudo o que a gente
tinha que seguir e que nós éramos obrigados a acatar (GESTOR 9).
A mobilização da comunidade escolar em torno do da integração ocorreu de
forma pouca participativa e a proposta da integração entre a educação básica
e a profissional continua fragmentada: “[...] embora com o nome ‘integrado’
continua igual ao ensino modular as disciplinas técnicas e as disciplinas
teóricas, e piorou um pouco nessa formação” (GESTOR 4).
Alguns gestores entendem o trabalho como princípio educativo para o ensino
médio profissional num sentido único e de terminalidade, isto é, os alunos cursariam o ensino
médio integrado com o objetivo de uma habilitação profissional que proporcionasse condições
essenciais de formação capaz de assegurar o exercício de uma profissão. A idéia ou o objetivo
do aluno em tentar o vestibular e prosseguir para o nível superior acaba incomodando alguns
gestores:
[...] outra coisa é o pessoal, o público alvo, não é quem vai fazer vestibular,
mas é gente que tem necessidade de trabalhar, é nos selecionamos
justamente ao contrário, nós estamos selecionando elite, só à elite, quando
ele chega aqui ele vê que tem condição de fazer um curso superior, ele não
entra no mercado de trabalho agora, ele pode entrar mais tarde, ai ele usa
isso aqui só como trampolim para o vestibular (GESTOR 8).
[...] ele não sabe o que quer a gente observa principalmente no 3º ano e no
final do semestre a preocupação deles com o PISM e passar no vestibular,
essa é a preocupação deles, o ensino técnico fica por segundo plano
(GESTOR 4).
Tem que profissionalizar mais o EMI, hoje nós preparamos o aluno mais
para fazer o vestibular, hoje estamos muito preocupado em preparar o aluno
para o vestibular, e o aluno sabe disso, ele sabe que a ascensão é via do 3º
grau (GESTOR 2).
Para a linha produtivista é enorme a ineficiência das escolas técnicas federais,
dada a pequena proporção de formandos que se dirige às profissões técnicas para as quais
foram preparados e formados. Por sua excelência acadêmica, acabam por atrair uma elite da
90
classe media e alta, mas interessada na aprovação nos vestibulares mais cobiçados, sem
qualquer interesse pelo exercício da profissão aprendida.
É preciso entender, são escolas caras e que oferecem um excelente ensino,
mesmo nos assuntos profissionalizantes. O problema é o descompasso entre
a proposta de oferecer um ensino técnico e o perfil dos estudantes que têm
pouco interesse por ele – pelo seu alto status intelectual e social (CASTRO,
2009, p.164).
Para o BID, as escolas técnicas mostraram mais defeitos do que resultados
positivos. As mesmas não cumpriram, com eficiência, sua função formativa para ingresso
imediato no mercado de trabalho, já que a maioria de seus egressos direcionaram-se para a
continuidade dos estudos, via entrada no ensino superior, ou seja, para o Banco
Interamericano, a ambigüidade destas escolas, ao articularem ensino secundário com ensino
profissionalizante, termina por diluir seus esforços, não alcançando eficientemente nenhum
dos objetivos traçados.
O dualismo está presente nas práticas dos gestores, a educação profissional está
mais voltada para inserir o aluno no mercado de trabalho. O Art. 1o do Decreto no. 5.154/04
(BRASIL, 2004a) determina no III que a educação profissional será desenvolvida nas áreas de
graduação e a escola única que origina a integração é fundamentada em dois princípios: o da
continuidade e da terminalidade.
3.2.4 A pesquisa como princípio educativo: o trabalho de produção de conhecimento
Segundo o documento orientador da integração esse preceito está endogenamente
ligado ao trabalho como princípio educativo. A pesquisa tem o papel de potencializar este
princípio, na construção de sujeitos autônomos e com a capacidade de interpretar e
compreender o mundo. Criando as condições de atuar, por meio do trabalho, na transformação
da natureza em função das necessidades da humanidade e na preservação dessa natureza em
face às necessidades das gerações futuras. Nessa perspectiva a pesquisa, ligado ao ensino,
colabora na construção da autonomia intelectual dos indivíduos e orienta os estudos na busca
de resolução para os problemas teóricos e práticos da população trabalhadora (BRASIL,
2007).
91
Apenas um gestor colocou a importância da pesquisa, porém não relacionar com a
construção de sujeitos autônomos conforme documento-base (BRASIL, 2007), relacionando
mais com a formação do professor:
Outra coisa é fazer pesquisa, tem que fazer muito, a nossa escola faz muito
pouca pesquisa, uma coisa que eu tenho orgulho de falar é que no curso de
edificação, a gente está implantando essa parte de pesquisa, o que a gente
faz, alem dos alunos fazerem pesquisa de treinamento profissional, hoje nós
temos lá na construção civil, nove pesquisas de treinamento profissional, nós
temos quatro pesquisas com a FAPEMIG, em iniciação cientifica, nós temos
três trabalhos, fora isso nós temos, dois trabalhos de mestrado que estão
sendo executado dentro da escola com os alunos trabalhando na pesquisa e
dois trabalhos de doutorados, o professor que está fazendo o seu doutorado
ele trabalha com três alunos da edificação para poder ajudar nas pesquisas
que ele está desenvolvendo, mas isso é muito pouco ainda, se você olhar o
nosso curso tem coisa que a gente não faz. Eu acho que tem que dá uma
mexida nisso, por isso que é importante a qualificação do professor, o
professor não pode ficar parado muito tempo não, temos que incentivar o
professores a fazer mestrado, fazer doutorado, fazer qualificações,
congressos, seminários, é incentivar o professor apresentar as suas pesquisas
e não engavetar a pesquisa, se você tem esse procedimento, o que a
comunidade ganha com isso, nós temos mostrar essa pesquisa em seminários
e congressos (GESTOR 9).
O documento orientador considera que a pesquisa deve estar presente no cotidiano
da escola, pois esta instiga curiosidade e gera inquietude no aluno, evitando o enciclopedismo,
pacotes fechados de visão do mundo, de informações e saberes do senso comum. A pesquisa
potencializa a inquietação, no início das fases escolares, contribuindo para que em níveis
educacionais mais avançadas, o cidadão possa buscar respostas e criar investigações para
reconstruções de conhecimentos. Para o documento base (BRASIL, 2007), a pesquisa está
intimamente relacionada ao trabalho como princípio educativo na construção de seres
autônomos e intelectualmente capazes. E orienta:
Nesse sentido, é necessário que a pesquisa como princípio educativo esteja
presente em toda a educação escolar dos que vivem e viverão do próprio
trabalho. Ela instiga o estudante no sentido da curiosidade em direção ao
mundo que o cerca, gera inquietude, para que não sejam incorporados
pacotes fechados de visão de mundo, de informações e de saberes, quer
sejam do senso comum, escolares ou científicos (BRASIL, 2007, p.48).
O gestor 5 comenta a importância da infra-estrutura da instituição para que o
princípio da pesquisa seja incorporado nos projetos pedagógicos dos cursos e cita algumas
medidas que convergem para este objetivo:
92
[...] vou começar pela infraestrutura, o que eu digo de infraestrutura,
primeiro nós temos que criar condições de trabalho adequado [...] como é
que você tem um local para você atender um aluno, atender um aluno no
plantão, atender o aluno num bate papo para a iniciação a pesquisa, nós não
conseguimos criar uma condição de permanência do professor, isso é até um
objetivo nosso, temos que ter essa infra-estrutura [...] Assim você começa a
ter condições de poder trabalhar o processo de formação, nos três pilares, no
ensino, na pesquisa e na extensão, se a gente não der condições de trabalho,
a gente não consegue fazer isso ai [...] a outra questão é a otimização do
horário dos alunos, otimizar para que os alunos tenham disponibilidade para
fazer as suas atividades e outra coisa é criar linhas de fomento, são os
programas de iniciação cientificas, a bolsa de treinamento profissional, que
já está avançando bem, os programas de bolsas hoje, tem muitos programas
de bolsas e muitas possibilidades (GESTOR 5).
Por fim o referido documento alerta para o fortalecimento do ensino e pesquisa na
produção de conhecimentos num sentido ético e na melhora das condições de vida de todos e
não apenas fortalecer o mercado “[...] e privilegiar o valor de troca em detrimento do valor de
uso, concentrando riqueza e aumentando o fosso entre os incluídos e os excluídos” (BRASIL,
2007, p.49).
A maioria dos gestores considera que faltou uma discussão mais voltada para o
modelo educacional proposto e considera que o corpo docente da instituição desconhece os
fundamentos teóricos e metodológicos da proposta que norteia a implantação da educação
profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio.
3.2.5 A relação parte – totalidade na proposta curricular
As discussões para a construção dos currículos dos cursos foram polêmicas, o que
se caracterizou na prática, foi à existência de dois cursos juntos, o que os gestores chamam de
uma “falsa integração”. A preocupação com a relação a sua concepção integradora ficou só no
papel, o que houve foi apenas uma proposta de grade curricular que acomodassem as
disciplinas do ensino propedêutico com o técnico, como uma simples divisão de
responsabilidades, uma discussão técnica. Escolher as qualificações e habilitações de cada
curso com suas respectivas demandas e ajustar os currículos a essas demandas, foi um desafio
para os gestores. O que se percebe é que a seleção de conhecimentos a serem ensinados e a
integração dos conhecimentos gerais e específicos foram poucos discutidos na instituição,
como aborda o seguinte gestor:
93
Uma dificuldade que eu tive quando foi fazer a integração, era o professor
falar assim: “essa cadeira é minha e eu não aceito que outra pessoa vá
desenvolver esse assunto”, eu acho errado, isso acabou por eu não ter uma
formação em biologia, eu não posso falar em meio ambiente? Eu escutei
assim: “você não está qualificada para falar nisso”, “você não está
qualificada a dar essa disciplina”, a integração não foi só ensino
propedêutico com o ensino técnico não, foi o técnico com o técnico também
[...] teve professor da área técnica, que requisitou as ementas das disciplinas
por que ele queria saber se tinha na ementa, alguma parte do departamento
dele, por quê? Porque só o departamento poderia lecionar as disciplinas
voltadas para aquela área, gente isso não existe mais, não existe. [...] então
eu acho que isso foi um problema que eu senti, as pessoas tinham aquela
opinião que eram dona da cadeira, é isso não funciona mais, a própria
palavra fala, é “integrar”, e você pegar os pontos fortes de cada setor, de
cada professor (GESTOR 9).
A formação integral, plena e completa não é aprender tudo. Segundo o
documento-base (BRASIL, 2007), o importante é como chegar a compreensões globais,
totalizantes da realidade, a partir dos componentes e conteúdos curriculares. A idéia é trilhar o
bom relacionamento entre partes e totalidade. Para fins de aprendizagem torna-se necessário
identificar os componentes e conteúdos curriculares que permitam fazer relações sincrônicas
(ocorrem ao mesmo tempo) e diacrônicas (ocorrem com a evolução do tempo) radicais entre o
aprendizado e a realidade em que esse aprendizado está inserido. É preciso estudar os
problemas de uma determinada área profissional em suas múltiplas dimensões: econômica,
técnica, política, social e cultural, está é a formação omnilateral. O documento base orienta:
No ensino médio integrado à educação profissional esses problemas podem
ser aqueles que advêm da área profissional para a qual se preparam os
estudantes. Mesmo que os processos de produção dessas áreas se constituam
em partes da realidade mais completa, é possível estudá-los em múltiplas
dimensões, de forma que, para compreendê-los, torna-se necessário recorrer
a conhecimentos que explicam outros fenômenos que tenham o mesmo
fundamento. Portanto, a partir de questões específicas pode-se necessitar de
conhecimentos gerais e, assim, apreendê-los para diversos fins além
daqueles que motivaram sua apreensão (BRASIL, 2007, p.51).
A maioria dos gestores entrevistados desconhece da proposta de se construir os
currículos integrados de conhecimento gerais e específicos como totalidade. Na montagem
desses currículos a importância do pressuposto da totalidade não foi considerada e a
prioridade das discussões foi viabilizar a grade de cada curso integrado e a questão da relação
parte-totalidade e a interdisciplinaridade não foram contempladas, como observa o gestor
entrevistado:
94
A proposta inicial para cada curso era no máximo 35 aulas semanais, quando
chegou na hora de montar o currículo, todo mundo falava assim: ”em nome
da qualidade do ensino não pode reduzir as minhas aulas, o quantitativo de
aulas” [...] Eu acho um absurdo essa carga horária, eu comentei com os
alunos gente nós não queremos nos submeter a 40 horas semanais e
queremos que os alunos se submetam a essa carga, eu acho isso cruel, se
agente consegue fazer essa integração de fato, a hora que a gente conseguir,
não é fácil não ta, porque isso depende de cultura, de formação nossa, da
resistência de cada um isso é difícil, “ninguém vai invadir a minha praia
não”, esses feudos são difíceis de lidar. Nossa formação é assim, nós não
fomos formados para trabalhar interdisciplinarmente, nós não fomos
formados para isso não, na verdade foi feito uma junção de estruturas
curriculares, mas integração de fato, nós não conseguimos fazer. [...] com
isso nós podemos diminuir um pouco e você abre mais espaço para que o
aluno tenha outras formações e atividades lúdicas que ajuda ele como cultura
e esportes (GESTOR 5).
A interdisciplinaridade é problema citado por todos os gestores entrevistados,
desejada, mas muito pouca praticada pelos professores da instituição. Quando ocorre é em
casos isolados e individuais. O professor é considerado o maior empecilho para que a
interdisciplinaridade ocorra no dia a dia:
Voltando a interdisciplinaridade, o nosso caso aqui, a gente se considera
quase como dono da disciplina, então a gente não quer abrir mão da nossa
disciplina, falta um pouco de conhecimento, de alguém que nos oriente, o
nosso curso é muito novo, eu acho que ela pode acontecer sim, eu acho que
tem muitos professores querendo, estão sentindo uma carga horária em cima
dos alunos muito pesada, o aluno está ficando cansado no final do dia, ele
podia ter um rendimento melhor se a gente soubesse aproveitar melhor essa
interdisciplinaridade, ela tem que ser feita. Eu estou com uma expectativa
muito grande agora, que pela primeira vez a nossa escola, quase sempre
trabalhou sem praticamente um profissional nenhum da área pedagógica que
pode dá esse suporte, como a gente tem agora uma pessoa na supervisão que
vai começar a participar dos colegiados, que vai tentar discutir com os
professores para ver quais são as barreiras que existem. [...] Integrar mesmo
as disciplinas, para diminuir essa excessiva carga horária. [...] Então a nossa
interdisciplinaridade ela feita de uma forma muito tímida, por exemplo, a
própria matemática com a genética, genética é matemática, o aluno estuda na
matemática e aplica lá, mas não tem essa integração a ponto de diminuir um
pouco a carga para o professor (GESTOR 3).
Percebemos que na maioria das vezes a discussão da interdisciplinaridade está
relacionada erroneamente com a diminuição da carga horária, e que a sua prática viria para
resolver todos os males de carga horária e o bom funcionamento dos cursos integrados.
95
Algumas citações ilustram o problema: “A interdisciplinaridade hoje, são casos isolados, a
gente não tem como políticas nossas efetivamente, temos algumas experiências isoladas”
(GESTOR 1), “Se a integração e a interdisciplinaridade ocorressem mais efetivamente,
poderíamos resolver a questão da carga horária exagerada, evitando dois ou mais professores
falar o mesmo assunto” (GESTOR 9).
Ramos (2007) orienta que a escola não pode trabalhar teoria separada da realidade
concreta, do seu potencial produtivo, pois esta teoria se torna vazia e abstrata. Propõe ir alem
dos guias escolares e livros didáticos, que no máximo, podem servir de apoio, e avançarmos
na unificação do geral com o específico. A autora cita exemplos que ilustram a vinculação de
conhecimentos: os processos digestivos e hábitos alimentares, a degradação ambiental e o
aquecimento global, com a crise do petróleo e o problema da energia nuclear. A perspectiva
maior é a compreensão dos fenômenos reais que são conhecimentos que se pode fazer e
compreender.
Alguns gestores acreditam que para tentar construir um currículo integrado nos
moldes exigidos, a formação dos professores em exercício e daqueles que estão sendo
formados é insuficiente, isto é, as universidades brasileiras teriam que incorporar nos seus
currículos a educação profissional sob esta perspectiva. Na prática o que vem acontecendo é
apenas uma complementação pedagógica e/ou formação para campo específico das profissões
de uma forma aligeirada. Nesse aspecto a universidade fica a dever, as licenciaturas deveriam
também preparar professores para a educação profissional integrada. Um quadro qualificado
de professores e uma estratégia adequada de formação facilitaria a implementação de um
currículo baseado nos moldes parte – totalidade. A maioria dos gestores acreditam que o
desenho de um currículo integrado apresenta dificuldade devido à tradição de organização e
divisão das disciplinas, incorporadas e consolidadas na formação desses professores.
Outro aspecto que podemos pontuar em relação à questão do currículo, na
instituição pesquisada, foi a discussão quase exclusiva, para a adequação à lei e as normas
vigentes. A questão legal falou mais alto do que a opção pedagógica ou de um projeto político
pedagógico que representasse as aspirações do ensino médio integrado, representado pelos
princípios do trabalho, ciência, tecnologia e cultura. Feito isso poderíamos ter trabalhado
internamente com o professor na perspectiva de romper com a sua visão individualista (“o
professor é dono da disciplina”) do ‘meu’ e partir para o ‘nosso’. A elaboração das ementas e
a grade curricular foram o começo e o final da discussão da construção curricular,
esquecemos o mais importante o projeto político pedagógico.
96
Para a maioria dos gestores o centro e o final das preocupações foram a confecção
das matrizes curriculares entendendo a matriz curricular como a síntese e não como processo
de toda a discussão. Os casos onde houve alguma discussão, esta ocorreu apenas nos sentido
de acomodar as disciplinas e obedecer aos modelos de matrizes que o MEC recomendava. A
sobreposição de conteúdos permanece e os gestores indicam como solução, uma avaliação de
todos os cursos integrados, na tentativa de melhorar o diálogo entre as disciplinas, os
conhecimentos e incentivar e valorizar o trabalho coletivo dos professores.
Se a integração ocorresse mais efetivamente, poderíamos resolver a questão
da carga horária exagerada, evitando dois ou mais professores falar o mesmo
assunto, falta melhorar essa interação, em resistência dos materiais, por
exemplo, eles estudam centro de gravidade, só que eles vêem centro de
gravidade na física no 3º ano novamente, então vamos resolver assim: quem
ficar com essa parte de centro de gravidade? Vai ser o pessoal da física ou da
resistência dos materiais? A física que é dada para o curso de metalurgia,
não pode ser a mesma que vai ser dada para a edificação, não é a mesma que
se dá para a Eletrotécnica, então você tem que ter tratamentos e focos
diferentes, se os professores lá no médio focarem de maneira diferente. Eu
acho que tanto o ensino propedêutico pode ajudar a gente, como pode o
ensino técnico ajudar o propedêutico (GESTOR 9).
Para Kuenzer (2006), o currículo, na perspectiva da integração, origina-se do
princípio pedagógico que mostra a ineficiência de ações simplesmente conteudistas,
organizadas na quantidade de informações que não necessariamente se articulam. O currículo
deve propor ações que levem os estudantes a uma relação com o aprender e o saber. As
disciplinas devem integrar conhecimentos das diversas áreas, através da ação de ricas e
variadas relações, evitando a compartimentalização especifica, isto é a fragmentação da
ciência.
Quando se questionam os gestores sobre a elaboração da proposta curricular, o
currículo é indicado de forma espontânea como a matriz curricular, e não como o conjunto de
conhecimentos histórico-sociais que são organizados e que devem estar presentes no cotidiano
do aluno para a prática da cidadania na sociedade. Conhecimentos estes, que devem ser
selecionados a partir de amplo diálogo dos professores, tendo como foco central o aluno, as
disciplinas e a carga horária.
A maioria dos gestores pesquisados concorda que a capacitação de dirigentes,
docentes e técnicos envolvidos no ensino médio integrado é um caminho a ser trilhado,
focando principalmente a questão do currículo, considerado um ponto pouco desenvolvido na
instituição. A concepção, planejamento, implementação e avaliação dos currículos dos cursos
97
é uma discussão urgente e reivindicada por todos, só assim teremos a garantia da integração
da formação geral com a profissional na perspectiva da educação tecnológica integral.
3.2.6 Os obstáculos e as conquistas da oferta de educação profissional técnica de nível
médio integrada ao ensino médio no IF Sudeste MG – Campus Juiz de Fora
Os gestores apontam que uma das maiores dificuldades para a concretização do
ensino médio integrado foi a não adesão de gestores, professores e técnicos administrativos
em relação à proposta adotada. É unânime entre os entrevistados a afirmação a respeito da
baixa participação dos professores que podem ser traduzidas como: “melhorar a participação
do professor”, “falta de comprometimento do professor”, os professores têm que mudar as
suas aulas, mas eles não querem mudar”, “o desconhecimento da proposta afasta o professor
do envolvimento das atividades da instituição”, “questão cultural do professor”, “a vaidade do
professor” e o “professor não se adaptam na integração, ele ainda se considera dono da
disciplina e de seus conteúdos”. Para Ciavatta (2005) a adesão de gestores e professores
responsáveis pela formação geral e específica é um pressuposto para a formação integrada:
É preciso que se discuta e se procure elaborar, coletivamente, as estratégias
acadêmico-científicas de integração. Tanto os processos de ensinoaprendizagem como de elaboração curricular devem ser objeto de reflexão e
de sistematização do conhecimento através das disciplinas básicas e do
desenvolvimento de projetos que articulem o geral e o específico, a teoria e a
prática dos conteúdos, inclusive com o aproveitamento das lições que os
ambientes de trabalho podem proporcionar (CIAVATTA, 2005, p.100).
Conforme apregoa o documento-base (BRASIL, 2007) a formação continuada dos
professores é fundamental e estratégica para consolidação com êxito do ensino integrado. É
necessária uma mudança na cultura pedagógica que tire o professor da tão comentada
expressão: “instalado e acomodado” e que rompa com os conhecimentos fragmentados. O
MEC deve elaborar e executar ações de formação para os professores e funcionários, tanto
inicial quando continuada, que forem atuar na formação de profissionais na educação média
integrado. Essa formação deve ser superar a aquisição de técnicas didáticas de transmissão de
conhecimentos para os professores e de técnicas de gestão para os dirigentes e incorporar
aspectos que possam superar o modelo socioeconômico vigente e focalize o ser humano
trabalhador e suas relações com o meio ambiente.
98
Alguns gestores relatam que as palestras realizadas tiveram pouca ressonância na
comunidade e o seminário “Desafios da integração”, que pretendia criar ações para viabilizar
a implantação dos cursos técnicos integrados, se concentrou na construção de matrizes
curriculares para atender as exigências do MEC. Questionaram a ausência de cursos de
capacitação para a nova concepção de educação profissional, entendendo que uma proposta de
tal envergadura, que busca mudanças estruturais e históricas, constitui uma tarefa de difícil
implantação e de longa duração.
Nós temos que ter uma mudança, principalmente com a questão cultural,
enquanto a gente mantiver essa coisa de tratar a base comum de um jeito e a
base técnica de outra essa integração não acontece, a gente acaba não
cumprindo essa base legal, você trata ainda isso com os coordenadores de
um modo geral, ele entende que ele é coordenador da base técnica, da base
comum não, tanto é que muitas dificuldades [...] mas a nossa cultura ainda
não assimilou adequadamente. Então você fica vendo que a questão legal ela
não rompe com a questão cultural, isso dificulta, certamente agora, a partir
do momento que iniciarmos a avaliação, tem uma tendência de termos um
crescimento e aí tá corrigindo esses erros de percurso, até algumas matrizes
curriculares foram mexidas, muito poucas, até para atenderem uma exigência
legal (GESTOR 1).
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) alertaram para este problema e criticou as
(in)decisões tomadas pelo MEC. O ministério deveria fomentar a implantação do ensino
médio integrado na rede federal e nas redes estaduais. O MEC como formulador e
coordenador da política de integração, deveria criar um plano de implementação dessa
modalidade, com um acompanhamento com discussão, avaliação e sistematização das
experiências implementadas. No caso da rede federal, os autores, aconselhavam a utilização
do Proep como fonte de financiamento para essa iniciativa, juntamente com o processo de
convencimento político, tanto dos dirigentes como da comunidade em geral.
Outro ponto negativo comentado por todos os gestores foi a excessiva carga
horária que é submetida os alunos dos cursos integrados. Os gestores investigados são
unânimes em afirmar que a justaposição das grades do ensino geral com o ensino específico,
portanto sem aplicação das mudanças necessárias da integração, “incharam” as grades dos
cursos pesquisados. As grades “inchadas”, para a maioria dos gestores pesquisados, é a prova
cabal da não integração dos cursos estudados e a consolidação da idéia de dois cursos
justapostos, o curso propedêutico de preparação para o vestibular e o curso profissionalizante
de nível técnico. O gestor entrevistado analisa a situação vivida até o momento na instituição,
da seguinte maneira:
99
A integração não existe, houve apenas a união da parte geral com a
específica, falta uma conversa das partes. Naquele momento o que nós
fizemos foi estabelecer o que seria a carga horária, conteúdo de formação
geral, a parte diversificada e o que seria o conteúdo e carga horária de
formação especifica, dentro dessas três formulações estabelecidas e
contempladas para a formação do individuo, como a gente estava
trabalhando nessa formatação modular a gente teve que agrupar conteúdos,
eu acho que existe tanto uma dificuldade grande na formação especifica
porque nos agrupamos todos os conteúdos e às vezes precisam melhor ser
conversados e temos também a questão da integração com a parte geral, e
quando nós começamos discutir a questão da carga horária, a gente tinha
exato onde a nossa carga horária está em media 42 aulas/semana, é um curso
com uma carga horária muito alta, eu acho de certa forma para o aluno, isso
é muito desgastante (GESTOR 6).
A ausência de um projeto político pedagógico, na instituição, é considerada como
um obstáculo considerável para a implementação de um ensino técnico integrado.
Primeiramente tem que ter o projeto político pedagógico bem elaborado bem
discutido e aprovado pela maioria como deve ser a partir do projeto político
pedagógico. Ele vai ser o guiar às diretrizes, as definições das ações que
devem ser feitas uma maneira de que as pessoas cumpram e respeitam a
decisão, tem que haver a participação de todos porque antes nos tínhamos
pouquíssimos professores, agora tem um monte de professores, tem um
monte de funcionários, cada um num lado. (GESTOR 6).
Assevera o documento-base (BRASIL, 2007) que o projeto político pedagógico
integrado deve representar a expressão viva de concepções, princípios, finalidades, objetivos e
normas que unificam a comunidade de uma instituição. A aprovação do ensino médio
integrado deve ser uma das propostas validada pelo projeto político pedagógico, que vai
constituir numa política de referência, organizada, pautado pela coerência entre princípios,
finalidades, objetivos e métodos de ação. Isso, em outras palavras, caracteriza a práxis
coletiva, isto é, a coerência e a unidade entre teoria e prática.
Outros fatores citados como obstáculos a implementação da oferta de educação
profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio são: a instituição ainda foca o
vestibular e não o ensino profissional, a ausência de uma avaliação dos cursos integrados, a
inexistência de cursos focados na capacitação de professores voltados para o ensino médio
integrado e a falta de compreensão da concepção do ensino técnico integrado por toda
comunidade escolar.
Por se tratar de mudanças estruturais no ensino profissionalizante, a capacitação
dos docentes é fundamental para que a proposta possa ser construída no interior da instituição.
100
A concepção de ensino médio integrado com os seus fundamentos teóricos e metodológicos,
ainda está distante da comunidade e do dia a dia dos alunos.
Dentro dos aspectos positivos citados pelos entrevistados podemos destacar: o
espaço físico da instituição, as melhorias dos laboratórios, quadro próprio de professores, o
regime de dedicação exclusiva dos professores, capacitação e qualificação dos docentes,
reformulação da biblioteca, a construção do restaurante pela instituição e o perfil do aluno que
passou a estudar na escola, menos elitizado, mais participativo e com uma maior convivência
entre os colegas e com a instituição.
Com relação ao quadro próprio de professores na instituição, citada com ponto
positivo pelos gestores entrevistados, o MEC através do documento orientador do ensino
médio integrado (BRASIL, 2007), alerta que para uma efetivação de uma política pública e
não apenas um programa de governo, é necessário conhecer as potencialidades e fragilidades
dos sistemas educacionais, na busca da sua superação. O documento cita como primeira
fragilidade a falta de professores efetivos no domínio da educação profissional. A segunda
fragilidade, segundo o MEC (BRASIL, 2007), seria a formação dos professores e orienta:
Também é necessário levar em consideração que mesmo os
professores licenciados carecem de formação com vistas à atuação no
ensino médio integrado, posto que tiveram sua formação voltada para
a atuação no ensino fundamental e no ensino médio de caráter
propedêutico, uma vez que as licenciaturas brasileiras, em geral, não
contemplam em seus currículos estudos sobre as relações entre
trabalho e educação ou, mais especificamente, sobre a educação
profissional e suas relações com a educação básica (BRASIL, 2007,
p.33).
Para o MEC (BRASIL, 2007), a formação continuada é fundamental para
consolidar uma cultura pedagógica que rompa com os conhecimentos fragmentados e alerta
como ponto central “que a formação dos profissionais para o ensino médio integrado deve
guardar suas especificidades, mas também precisa estar inserida em um campo mais amplo, o
da formação de profissionais para a educação profissional e tecnológica” (BRASIL, 2007,
p.34).
Essa orientação tem a intenção de nortear a formação desses profissionais por uma
visão que ultrapasse a técnica e vá além dela, incorporando aspectos que contribuam para a
superação do modelo de desenvolvimento socioeconômico vigente e, dessa forma, privilegie o
ser humano trabalhador e suas relações com o meio ambiente do que, os aspectos econômicos
101
do mercado de trabalho (BRASIL, 2007). A formação dos professores deve ser orientada por
três eixos: conhecimentos específicos de uma área profissional, formação didático-políticopedagógica e a integração entre a EPT e a educação básica. Esses três eixos devem ainda
contemplar: as relações entre estado, sociedade, ciência, tecnologia, trabalho, cultura,
formação humana e educação; as políticas públicas e, sobretudo, educacionais de uma forma
geral e da educação profissional e tecnológica em particular; o papel dos profissionais da
educação, em geral, e da educação profissional e tecnológica, em particular; a concepção da
unidade ensino-pesquisa; a concepção de docência que se sustente numa base humanista; a
profissionalização do docente da educação profissional e tecnológica: formação inicial e
continuada, carreira, remuneração e condições de trabalho; o desenvolvimento local e a
inovação (BRASIL, 2007).
Finalmente, encerrando esse capítulo, acreditamos que o processo de
implementação da educação profissional integrada ao ensino médio no IF sudeste MG –
Campus Juiz de Fora, com todos os seus aspectos positivos e negativos passa a ser um desafio
político e pedagógico constante para toda a instituição e não apenas as modificações dos
aspectos legais da política educacional proposto pelo MEC. O momento é de buscar a
integração dos cursos de forma planejada e coordenada de modo a superar a lógica que vem
sendo aplicada, baseada na Lei no. 5692/71 e caminharmos no sentido da aplicação do decreto
no. 5154/04, marco legal que confere a liberdade e a autonomia para a implementação do
ensino médio integrado. Como nos orienta Ramos (2007):
Ou nos imbuímos da vontade política, uma vontade ética de transformar, ou
não sabemos o que será de nós. O sentido da vida está na consciência e na
vontade de realizarmos, de agirmos, mesmo em condições adversas, pois o
que significaria somente constatarmos que as condições são difíceis e
dizermos: então façamos o de sempre. Acreditemos na capacidade
transformadora dos sujeitos, especialmente na aliança coletiva que
caracteriza a prática social dos educadores. Não há questões absolutas nesse
contexto, mas sim uma análise da realidade, sempre orientada pelo sentido
histórico dos fenômenos (RAMOS, 2007, p.28-29).
Esperamos que esse trabalho estimule e contribua para a implementação de
políticas de integração do ensino profissionalizante com o ensino médio no IF Sudeste MG –
campus Juiz de Fora e outras instituições pelo Brasil.
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa investigação atendeu ao objetivo de conhecer o processo de implementação
da educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio no IF Sudeste MG
– Campus Juiz de Fora, a partir das percepções dos gestores responsáveis pelo processo de
implementação dos cursos integrados, tendo como base as concepções e princípios da
integralidade contidos no Documento-Base do Ministério da Educação/Secretaria de
Educação Profissional e Tecnológica (BRASIL, 2007).
Diante do estudo exposto, percebe-se que a
oferta de educação profissional
técnica integrada ao ensino médio no IF sudeste MG – Campus Juiz de Fora, ocorreu de
forma a atender mais as questões legais, limitando-se à construção das grades curriculares,
carga horária e a adequação do exame de seleção à nova realidade, ficando o plano
doutrinário representado apenas pela proposta elaborada pela instituição, documento que os
gestores e professores tiveram pouco acesso. No cotidiano da escola, as ações implementadas
não foram capazes de elaborar um curso único e integrado, não superando a dualidade entre o
ensino médio e o ensino técnico profissional. Numa análise mais ampla das razões que
dificultaram a concretização do ensino médio integrado, destacam-se as questões inerentes ao
projeto político-pedagógico, à organização curricular, ao distanciamento das concepções e
princípios da integração por parte dos gestores, a falta de formação inicial e continuada do
corpo docente.
Constata-se que a ausência de um projeto político pedagógico na escola dificultou
e dificulta a implementação da proposta do ensino médio integrado. Percebe-se que a ausência
de uma proposta coletiva tem levado o professor atuar individualmente com relação, por
exemplo, à seleção dos conteúdos e às estratégias de ensino-aprendizagem. A construção de
uma proposta coletiva, participativa e democrática poderia unificar a comunidade escolar e
expressar os objetivos e normas da instituição, evitando assim a participação individual do
professor, segundo sua cultura, entendimento e motivação. Uma proposta coerente e
democrática deve caminhar para a construção de projeto político pedagógico integrado.
Verifica-se que no processo da organização curricular, a preocupação maior foi
atender as disciplinas da base comum com as disciplinas especificas de cada curso
isoladamente, tendo como preocupação maior a carga horária e não os requisitos da
integração. O que se percebe é que a dicotomia permanece: as disciplinas técnicas são
trabalhadas sob a orientação da pedagogia de competências, do saber fazer, focando o
103
mercado de trabalho e as disciplinas propedêuticas orientadas para o vestibular. A
organização dos currículos dos cursos se assemelha à praticada na época da Lei no. 5.692/71.
Observa-se também, que a organização curricular dos cursos analisados se limitou à simples
justaposição de um número elevado de disciplinas, o que acarretou a insatisfação tanto dos
professores como dos alunos, não havendo tempos e espaços para as atividades culturais e
esportivas.
Acredita-se que a construção do projeto político-pedagógico e a organização
curricular dos cursos integrados devam ser elaboradas, discutidas e reformuladas pela escola,
de forma conjunta, à luz dos princípios e fundamentos da integração, considerando nesse
processo o entendimento de ser o trabalho um princípio educativo, eixo central e norteador
dessa modalidade de educação profissional.
Outro aspecto importante que podemos destacar que limita a pretendida
integração do ensino médio concentra-se na formação dos docentes. Percebe-se algumas
resistências por parte de alguns gestores e professores com relação implementação do ensino
médio integrado, que na maioria das vezes se deve a falta de capacitação de conhecimentos
mínimos necessários para fazer avançar no dia a dia da escola a proposta aprovada. Constatase que os professores não foram preparados para a modalidade de ensino médio integrado, o
que prejudica a sua atuação e os mantém isolados e não participativos da nova proposta. A
instituição deveria criar oficinas específicas na preparação dos docentes na busca dos
conhecimentos mínimos necessários para estas novas concepções e a realização de seminários
para reavaliar todo o processo de implementação dos cursos integrados. O que se viu na
prática com a aprovação do ensino médio integrado no IF Sudeste MG – Campus Juiz de
Fora, foi os professores como meros executores das normas aprovadas sem a preocupação de
capacitá-los. A adesão dos professores e gestores é fundamental para o êxito da proposta da
integração e deve ser uma busca constante dentro da instituição.
Os resultados detectaram uma quantidade exagerada de disciplinas da base
comum e especifica nos cursos estudados, o que leva uma carga horária acima da proposta
inicial dos gestores, o que acarretando uma reclamação generalizada por parte dos docentes e
discentes. A junção dos cursos do ensino médio e ensino técnico incharam a grade e não
propiciam tempo livre, fora da sala de aula, para os estudantes que reclamam da falta de
tempo para parte cultural e esportiva.
Percebe-se que em todo processo de implementação do ensino profissional
integrado ao ensino médio, a proposta dos gestores não considerou a participação dos alunos e
seus familiares, ficando limitadas ao âmbito institucional. Acreditamos que o envolvimento
104
dos alunos e familiares, no processo de implementação dessa modalidade formativa oferecida
pela escola, expande e consolida o processo educacional em questão.
Observou-se também que com à transformação do CTU/UFJF em IF Sudeste MG
– Campus Juiz de Fora, acarretou varias mudanças no cotidiano da escola, como
estabelecimento de uma reitoria administrativa independente com sede em Juiz de Fora
autônoma. A Instituição passou a ofertar além do ensino médio integrado, cursos de terceiro
grau na área de tecnologia, o que levou uma demanda na contratação de novos professores e
técnicos administrativos. Os novos professores concursados não conhecem a proposta de
ensino médio integrado o que dificulta a participação desse professores e a efetivação da
proposta da integração. Torna-se urgente uma ação política especifica, por parte da instituição
no intuito de apropriar por parte dos professores novatos os princípios e fundamentos da
proposta em questão.
Constata-se que a aprovação do ensino médio integrado no IF sudeste MG –
Campus Juiz de Fora, resgatou o objetivo histórico da instituição que há cinqüenta e três anos
trabalha com ensino profissionalizante articulado com o ensino médio. Os cursos técnicos
contam com boa infraestrutura de laboratórios, salas de aulas, biblioteca e restaurante para os
alunos, o que deveria refletir positivamente na prática pedagógica. A falta da
interdisciplinaridade dos conteúdos, projetos coletivos das disciplinas e uma metodologia
comum, prejudicam a integração na prática. Tornam-se necessários encontros dos professores
para discutirem e organizarem suas ações, comprometidas com a proposta norteadora da
integração.
Outro aspecto importante detectado pela pesquisa é como os alunos dos cursos
integrados se distinguem dos outros alunos dos cursos subsequente ou ensino médio regular.
Observa-se uma autoestima positiva que os diferenciam dos outros alunos, dando a entender
que o curso integrado possibilita uma escolha mais qualificada e contribui para que a esses
alunos tenham acesso ao trabalho e/ou a continuidade dos estudos. Este aspecto abre novas
possibilidades de investigação na área da educação profissional integrada ao ensino médio.
Outra área que merece investigação no interior do IF Sudeste MG – Campus Juiz de Fora
seria um estudo comparativo dos alunos egressos dos cursos integrados e dos cursos
subsequentes na perspectiva de obtenção de dados que ajudem a analisar a repercussão da
implantação da nova estrutura a partir de 2008. Esses resultados devem ser discutidos com
todas as instituições que praticam o ensino médio integrado no Brasil.
Identificou-se pela fala de alguns gestores e negados por outros que a aprovação
da oferta integrada visava também a atender os interesses orçamentários da instituição, pois os
105
alunos do curso médio não eram contabilizados para efeitos de recursos e a aprovação
resultaria na transformação do ensino médio em cursos técnicos o que iria gerar uma dotação
orçamentária maior. Constatou-se, através do processo de triangulação de fontes dos dados
coletados, que o processo da integração também tinha uma conotação de busca de novos
recursos, pois o projeto que apoiava a forma de oferta integrada, Programa Brasil
Profissionalizante, determinava uma assistência financeira para a construção de laboratórios,
aquisição de acervo bibliográfico, material de consumo e formação de docentes, gestores e
pessoal técnico-administrativos.
Concluindo este trabalho, temos um diagnóstico do processo de implementação
do ensino médio integrado no IF Sudeste MG – Campus de Juiz de Fora, diante dos relatos
dos gestores da pesquisa. O aspecto mais relevante que leve o aprimoramento da oferta de
educação profissional técnica integrado ao ensino médio concentra-se na formação do
docente. Verificou-se que a falha principal da oferta do EMI é propor mudanças sem a
preocupação em capacitar aos que estão no chão da escola, os professores e os técnicos
administrativos. Acreditamos que a resistência ao novo, requer uma mudança de paradigma,
de idéias, de teorias e práticas, que torna um processo demorado e complexo. Não basta
apenas a vontade política, é necessário criar as condições materiais e principalmente as
condições humanas para a consolidação dessa proposta. Torna-se urgente a retomada da
implementação do ensino médio integrado no IF Sudeste MG – Campus Juiz de Fora, com a
revisão dos planos dos cursos integrados e uma avaliação permanente das práticas
pedagógicas dos docente, para que a proposta não fique apenas na intenção e que se torne
num processo de avanço na construção de uma educação profissional criativa e emancipatoria.
106
REFERÊNCIAS
ALVES-MAZZOTTI, A. J; GEWANDSZNAJDER, F. Método nas ciências naturais e
sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. 2. ed. São Paulo, Pioneira, 1999.
AMARAL, Cláudia Tavares do; OLIVEIRA, Maria Auxiliadora Monteiro. Educação
profissional: um percurso histórico, até a criação e desenvolvimento dos cursos superiores de
tecnologia. In: FIDALGO, Fernando; FIDALGO, Nara Luciene Rocha (Org.). Educação
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110
APÊNDICE A
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
ENTREVISTADOS: GESTORES DOS CURSOS INTEGRADOS
1] Na sua avaliação qual é a contribuição da implementação dos cursos
profissionalizantes de ensino médio integrado no IF/Sudeste MG – Campus Juiz de
Fora para os alunos?
2] O que você entende de educação profissional e qual a sua principal finalidade?
(Qual a sua concepção de EMI? e em sua opinião um curso integrado é preciso ser
interdisciplinar?)
3] Quais os documentos legais sobre o ensino médio integrado você conhece? Esses
princípios estão sendo adotados pela Instituição? (se necessário lê as Concepções e os
Princípios do MEC/SETEC - 2007).
4] O que falta no IFET para que estes princípios sejam adotados nos projetos
pedagógicos dos cursos?
5] A educação profissional está mais voltada para os conhecimentos técnicos ou
propedêuticos (ciências humanas)? Há uma integração entre os dois que se manifeste
no currículo? De que maneira foi pensada a integração das disciplinas do curso?
6] Baseado na sua experiência na instituição quais os fatores que facilitam a integração
entre a formação geral e a formação profissional? Comente sobre eles.
111
7] Na sua avaliação quais são os tipos de dificuldades encontradas para essa
integração? Exemplifique sua resposta.
8] Em sua opinião qual foi o motivo da implantação da modalidade de EMI no campus
JF?
9] Você gostaria de acrescentar mas algum comentário sobre EMI?
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Completa - Universidade Estácio de Sá