UMA CONSTRUÇÃO DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO NO CAMPUS
BELO JARDIM DO IFPE
André Luís Gonçalves Pereira
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Pernambuco
RESUMO: Com a criação dos Institutos Federais de Educação e o oferecimento por
parte dessas instituições do Ensino Médio Integrado a educação profissional (EMI),
pareceu que finalmente iria ser oferecido ao jovem da classe trabalhadora a
possibilidade de uma formação unitária que ao mesmo tempo que o capacitasse para o
exercício profissional levasse esse jovem a uma formação humanística geral. A
experiência na maior parte dessas instituições, em particular no IFPE Campus Belo
Jardim nos levou a constatar que a integração se deu somente de maneira legal, não
sendo incorporada ao cotidiano da escola, aos currículos e aos fazeres docentes, sendo
assim a construção desse ensino médio integrado em sua plenitude é uma tarefa
urgente. No referido Campus, a partir de 2013 estão se gerando iniciativas que visam a
uma integração efetiva, notadamente no curso de agroindústria, escolhido como “curso
piloto” para a integração. Como os profissionais de educação recebem essa integração
efetiva? É anseio dos estudantes a implementação do Ensino Médio Integrado? Em que
medida a estrutura da escola favorece essa implementação? Essa é a problemática por
nós discutida nesse artigo. Nosso objetivo é, a partir de questionários realizados com
docentes e discentes, da análise dos currículos do curso citado e da observação da
estrutura física da escola oferecer as respostas a essa problematização, fazendo que
nossa pesquisa seja uma contribuição para a implementação do EMI. Defendemos nesse
artigo uma visão de escola em que seja valorizada a totalidade do ser humano, como
afirma OLIVEIRA (2012) “A escola é muito mais que apenas um espaço de
socialização e de divulgação de saberes: ela é, antes de tudo, um espaço de reconstrução
do ser social. (...)não cabe pensar a escola ou a educação profissional voltadas apenas
para uma dimensão da vida humana: o trabalho assalariado ou a formação de um a
gente econômico”. Ao defendermos o Ensino Médio Integrado também comungamos
com a ideia de numerosos pesquisadores que pensam a construção efetiva do EMI
como uma opção classista e que toma claramente o partido dos setores mais
desfavorecidos da população, como assinala FRIGOTTO(2013) “Trata-se de superar a
dualidade estrutural que separa a formação geral da específica, a formação técnica da
política, lógica dominante no Brasil, da colônia aos dias atuais. Uma concepção que
naturaliza a desigualdade social postulando uma formação geral para os filhos da classe
dominante e de adestramento técnico-profissional para os filhos da classe
trabalhadora”. No artigo ainda nos valemos das análises de CIAVATTA (2008),
RAMOS (2010) e MANACORDA (2012). Há de se destacar que na pesquisa
encontramos uma grande quantidade de alunos que não pretendem exercer a profissão
para a qual estão estudando, usando o curso em uma escola considerada de excelência
notadamente para o ingresso em uma universidade pública. Concluímos que a estrutura
escolar ao não oferecer vestiários adequados e outros equipamentos que facilitariam o
transitar entre diversas disciplinas outrora designadas “profissionalizantes” e “não
profissionalizantes’ também é um empecilho para uma efetiva integração entre os
diversos saberes, além do currículo, engessado, em que as disciplinas “técnicas” gozam
de uma enorme e desproporcional carga horária também é, em nossa conclusão, um dos
fatores que prejudica a implementação do EMI, currículo esse que será objeto de
debates e estudo promovidos pela direção da instituição por todo o ano de 2014.
PALAVRAS-CHAVE: IFPE; Belo Jardim; integração
1.Primeiras palavras
Apesar do decreto nº 5154/04 sancionado no governo Lula estabelecer as bases para
uma efetiva integração entre o ensino médio e as disciplinas ditas profissionalizantes,
exemplos diversos de variadas instituições do país mostram uma integração que, na maioria
das vezes, resume-se a uma mera formalidade. O modelo de integração que está nos moldes
do decreto ainda é uma simpática utopia para a maioria das escolas profissionalizantes.
No IFPE essa realidade não é diferente. Existe uma clara diferenciação no Ensino
Médio Integrado entre o que se convencionou denominar de disciplinas “técnicas” e as que
são comumente chamadas de “não técnicas”. Muitas vezes as disciplinas da chamada
“formação geral” tem uma carga horária bastante reduzida e sofrem um evidente desprestígio
em relação às disciplinas “técnicas”.
O Campus Belo Jardim do IFPE começou no ano de 2013 a trilhar um interessante
caminho com vistas a uma verdadeira concretização do Ensino Médio Integrado,que vamos
denominar a partir de agora de EMI. Como antiga Escola Agrotécnica Federal, inicialmente
vinculada ao Ministério da Agricultura, esse campus do IFPE guarda traços conservadores que
são visíveis no saudosismo de alguns profissionais,saudosismo expressado em afirmações do
tipo “como era bom o tempo em que aluno era obrigado a capinar a escola” ou ainda
“saudades do tempo em que o ensino era totalmente direcionado ao trabalho no campo” muito
presentes e pronunciadas por muitos professores.
O Campus onde realizamos nosso estudo está localizado a cerca de 180 km da capital
do estado, na região agreste, que sofre atualmente severa estiagem. Seus alunos são
originários da própria cidade, de municípios circunvizinhos ou de pequenos municípios de
Alagoas, Paraíba ou Bahia. Boa parte dos alunos dos cursos de agropecuária e agroindústria
são filhos de pequenos produtores rurais, tendo uma realidade social particular ,diferente dos
que moram em grandes metrópoles,muitas vezes a continuação da vida em sua cidade e na
propriedade rural familiar não é desejada por esses jovens.
“Para os que vivem no campo, as oportunidades de trabalho e de
construção de autonomia são mais difíceis, pois se inserem em
padrões culturais que operam a lógica da continuidade da atividade
agrícola, em estreita relação com o tamanho da terra a que esteja
vinculado por laços de família. Assim, a transmissão da propriedade -e
sua continuidade-, que passa pelos critérios de sucessão/herança,
constitui um dos fatores que provocam a desestabilização da
agricultura familiar e o afastamento dos jovens das lides agrícolas.”
(IPEA,2008,p.45)
Esse campus do IFPE, onde as condições de implantação de um verdadeiro EMI
seriam aparentemente mais áridas, começou em 2013 um processo efetivo de discussão com
vistas à implantação de uma integração verdadeira. A Direção Geral alicerçada pela Diretoria
de Desenvolvimento de Ensino iniciram esse processo com três concretas atitudes:
extinguiram a coordenação do ensino médio (e vincularam todos os professores às
coordenações dos cursos em que ministram classes), oportunizou a participação de docentes
em um encontro sobre EMI realizado na UFPE e criou a chamada “comissão de integração”
composta por 13 servidores (professores de diversos cursos, pedagogos, diretora de
desenvolvimento de ensino, coordenador geral de ensino). Essa comissão elegeu como curso
piloto para implementação do EMI em 2014 o curso técnico em agroindústria.
A criação e as efetivas ações dessa comissão, extinta ao final de 2013 foram motivo de
inúmeras polêmicas na instituição. Como a implementação do EMI é um ato
fundamentalmente político, não poderíamos esperar outra realidade, uma realidade em que se
colocam como antitéticas as visões de formação de um ser humano integral e a visão de
formação estritamente “para o trabalho”.
“A ideia do trabalho como princípio educativo tem inspirado
diferentes projetos de educação destinada a trabalhadores, projetos
estes que buscam se caracterizar pelo seu compromisso que têm com a
utopia de uma sociedade futura de trabalhadores, socialista, opondo-se
a concepções pedagógicas de cunho liberal que buscam, em essência,
condicionar o trabalho somente ao domínio dos procedimentos
técnicos necessários ao seu desempenho profissional à consequente
reprodução do capital.” (ARAÚJO e RODRIGUES apud OLIVEIRA,
2012,p.35)
Na continuidade desse artigo explicitaremos melhor a nossa compreensão sobre o
ensino médio integrado e educação além dos passos iniciais para a implementação do EMI na
citada instituição.
2.Referencial teórico
O projeto de ensino médio integrado está filiado a uma concepção de educação que
compreende o homem como ser unitário, buscando a superação da dicotomia entre os
trabalhadores que são responsáveis pelo pensar e os que são responsáveis pela execução de
tarefas, divisão essa que reflete a divisão de classes inerente a sociedade capitalista.
“La solución de la crisis deberá seguir racionalmente esta línea: escuela única
inicial de cultura general ,humanística,con una justa adecuación entre la
potencia de obrar manualmente(tecnicamente,industrialmente) y la potencia de
pensar,de obrar intelectualmente.”(GRAMSCI apud
MANACORDA,1997,p.177)
Compreendemos que para uma imensa parcela de jovens que cursam o ensino médio,
notadamente em escolas públicas, a necessidade de uma formação profissional é imperativa
por representar a possibilidade de inserção no mercado de trabalho de forma menos
precarizada. Em um país que. como assinala Braga (2013), existe uma política do
“precariado”, essa precarização pode ser sensivelmente atenuada com uma formação que
possibilite uma inserção profissional diferenciada para um segmento populacional que não
conhecerá a moratória social que é comum aos jovens de estratos socialmente superiores da
sociedade brasileira.
“A formação profissional voltada à emancipação do trabalhador
e ao enfrentamento do processo de alienação e de precarização
que lhe afeta é uma perspectiva de formação do educando em
múltiplas dimensões.” (OLIVEIRA,2012, p.98)
Para nós o Ensino Médio Integrado é uma importante conquista da juventude
trabalhadora, o que não vai nos fazer afirmar que é uma forma de educação que resolverá as
contradições de classe e dê um passo final para a efetiva transformação da realidade
educacional brasileira e da própria realidade social, visando uma transformação profunda.
Essa escola onde o ensino médio esteja efetivamente integrado à educação profissional pode
ser ,isso sim,um instrumento de concreta mudança social.
“Se a preparação profissional no ensino médio é uma imposição
da realidade, admitir legalmente essa necessidade é um
problema ético. Não obstante, se o que se persegue não é
somente atender a essa necessidade mas mudar as condições em
que ela se constitui, é também uma obrigação ética e política,
garantir que o ensino médio se desenvolva sobre uma base
unitária para todos. portanto o ensino médio integrado ao ensino
técnico, sob uma nova base unitária de formação geral, é uma
condição para se fazer a travessia para uma nova realidade.”
(FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS,2005, p.43)
É sabido que uma parcela considerável da juventude trabalhadora compreende o
“aprender uma profissão” como um fator diferencial na procura do emprego. Massivas
campanhas midiáticas apregoam que o grande problema do Brasil do século XXI é a baixa
qualificação de sua mão de obra. No desejo de culpabilizar o desempregado pela sua condição
social e de isentar o sistema pela ampla massa de desempregados, reforça-se o mito de que
“uma boa qualificação garante a empregabilidade”. Esse pensamento recebe o reforço de
cursos profissionais alijados de uma formação geral, como predominantemente vemos no
sistema S ou em inúmeros Institutos Federais. Para os ideólogos dos cursos profissionais
alijados de uma formação holística o Ensino Médio Integrado não interessa.
“É a disputa política direta com o capital, uma vez que esse tipo
de formação claramente não lhe interessa. Dessa forma, seus
representantes e intelectuais orgânicos, que no campo da
formação intelectual são capitaneados pelo sistema S, defendem
ardorosamente, embora com desfaçatez, a formação estrita para
o atendimento imediato aos interesses do mercado de
trabalho.”(MOURA,2013,p.717)
E compreendemos que o EMI não pode simplesmente implantar-se “por decereto”
pois não é possível a implementação de um verdadeiro EMI sem a participação do
corpo docente, sem que este segmento escolar faça uma opção política por sua
implementação.É uma disputa pela hegemonia que se faz constante.
“Superar a dualidade estrutural no campo educacional
implica a tomada de consciência dos professores frente o
papel exercido pela educação na sociedade capitalista.
Para que tal tomada ocorra, estudos na área e discussões
sobre o tema precisam ser intensificados e expandidos
não somente na comunidade acadêmica, como nos
espaços onde essas contradições tomam corpo: na
escola.” (BATISTA,2012, p.13)
3.Objetivos
Nossa pesquisa teve como objetivo analisar os primeiros passos da possibilidade de
efetiva implementação do EMI no campus Belo Jardim do IFPE.
Como já assinalamos na introdução desse texto, esses primeiros passos obedecem a
uma ordem que se inicia em 2013 e tem uma continuidade no presente momento, tendo como
marcos maiores a constituição da comissão de integração (já extinta) e as reuniões periódicas
do curso de agroindústria, escolhido como piloto para a implementação do EMI no campus.
Nos interessa contribuir com as inúmeras experiências de Ensino Médio Integrado
presentes nos país, as etapas vivenciadas pelo campus Belo Jardim do IFPE não se constituem
em um modelo pronto, não são uma receita para as demais instituições, e sim um construto
dentro das limitações existentes, limitações de diferentes motivações.
Sendo o processo de implementação do EMI no campus um processo inicial, em
contínua reavaliação, esse artigo também serve como reavaliação desse processo, que pode
nos trazer importantes pistas para o processo de construção do EMI
4.Metodologia
Em nossa pesquisa utilizamos o referencial teórico-metodológico do materialismo
histórico-dialético. Imaginamos que esse referencial teórico é que nos dá subsídios adequados
para responder nossa questão central.
Ao reivindicarmos para a pesquisa esse referencial teórico metodológico, partimos do
seguinte entendimento:
“O materialismo dialético é a base filosófica do
marxismo e como tal realiza a tentativa de buscar
explicações coerentes, lógicas e racionais para os
fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento
(…) através do enfoque dialético da realidade, o
materialismo dialético mostra como se transforma a
matéria e como se realiza a passagem das formas
inferiores às superiores (…) o materialismo histórico é a
ciência filosófica do marxismo que estuda as leis
sociológicas que caracterizam a vida da sociedade,de sua
evolução histórica e da prática social dos homens no
desenvolvimento da humanidade.” (TRIVIÑOS,1987,
p.51)
Esse referencial teórico-metodológico nos potencializa para a descoberta das
contradições no processo de implementação do EMI a partir de uma visão contextualizada em
que a história e as relações sociais, as relações de poder e a dialética estão presentes por todo
esse percurso.
A abordagem de nossa pesquisa é qualitativa e como metodologia, utilizamos a análise
documental e bibliográfica e entrevistas. A análise documental e bibliográfica foi para nós
essencial pois é preciso debruçar-se sobre uma série de documentos produzidos
principalmente pelo Congresso Nacional, pelo gabinete da Presidência da República, pelo
MEC e pelo IFPE em diversas etapas, desde a criação até a atual fase de implementação do
EMI. “Considera-se documento qualquer registro escrito que possa ser usado como fonte de
informação” (ALVES-MAZOTTI e GEWANDSZNAJDER,2002,p.169).
Com a finalidade de ter mais clareza com relação a temas mais complexos e
paralelamente estar a par de informações mais específicas que costumeiramente não estão
presentes em documentos oficiais, como os que serão utilizados em nossa análise documental
e bibliográfica, realizamos entrevistas com os estudantes do IFPE do curso de agroindústria, e,
ocasionalmente, com grupos de professores.
A abordagem qualitativa pela suas características, nos pareceu a mais adequada para
nossa pesquisa, muito se fala em “escolher a abordagem, a técnica e a metodologia da
pesquisa” mas estamos de acordo com os que defendem que a própria pesquisa, com seus
temas, suas problemáticas, é que é determinante na escolha desses instrumentos, abordagem e
metodologia. O pesquisador que se faz “surdo” a esse aparentemente silencioso apelo do
objeto do estudo tende a ter colossais problemas no desenvolvimento de sua pesquisa.
A técnica usada para a análise documental foi a de análise de conteúdo, já que nos
permitiu selecionar os documentos de acordo com os principais entes construtores do EMI: a
presidência da república, o Congresso Nacional, o MEC e o IFPE e a comissão efetivada para
sua construção no Campus Belo Jardim da instituição federal de ensino, além disso, vai
também nos fornecer a base para classificação e organização de documentos relacionados as
temáticas principais que abordamos na pesquisa. Realizamos leitura cuidadosa de documentos
relacionados a essas temáticas, documentos que formaram o nosso corpus. “O conjunto de
documentos
tido
em
conta
para
serem
submetidos
a
processos
analíticos”
(BARDIN,1995,p.96).
5.Desenvolvimento
Como processo dialético, os primeiros passos da construção efetiva do EMI no
Campus Belo Jardim do IFPE foram motivo de muitas discussões, alguns importantes avanços
e muita resistência e adesão de participantes do processo. Alguns setores importantes da
escola se mostravam atentos a “qualidade” da formação dos estudantes, claro que a
“qualidade” resulta em uma palavra que pode ter vários matizes ideológicos, mas não
podemos negar a importância de uma escola em que haja a formação do estudante que tem
como horizonte seu ingresso no mercado de trabalho.
“Evidentemente, o ingresso no mercado de trabalho faz parte das
necessidades do trabalhador, e portanto a escola não deve ignorá-la,
desde que o faça na perspectiva de promover o acesso ao saber
científico e tecnológico que permita ao trabalhador inserir-se,
participar e usufruir dos benefícios do processo produtivo. A
perspectiva que tem fundamentado as análises da relação entre escola
e mercado de trabalho, não tem sido esta, mas a da vinculação, tanto
quanto possível, da oferta de profissionais segundo as necessidades da
economia.” (KUENZER,1992,p.34)
É notório que já existiam no cotidiano do Campus alguns elementos que eram
possíveis indícios da necessidade da formação técnica integrar-se ao ensino médio, tais como
a existência de projetos de extensão em que essa integração já era executada com sucesso.
Podemos elencar o Projeto aprovado pela PROEXT (Pró-Reitoria de Extensão) que se
intitulava Jovens Camponesas, O Espanhol a Serviço da Promoção Social, onde
conhecimentos de língua espanhola, agroindústria e agropecuária eram ministrados de forma
integrada a camponeses da zona rural do município. Mas o fator que mais chamava a atenção
para a necessidade do EMI era o fato de que os estudantes se recusavam de maneira decisiva a
encerrar seus estudos formais com o diploma de técnico. A maioria procura formação superior
em áreas muitas vezes bem distintas de seus cursos de origem, tendo muitas vezes o IFPE
como um trampolim para o acesso ao ensino superior, muitos desejam nunca exercer a
profissão para a qual se formarão no instituto, como podemos observar a partir de alguns
depoimentos:“ Eu pretendo fazer advocacia ou administração, não sei qual, e o IFPE vai servir
pra eu conseguir um emprego fichado pra eu poder pagar a faculdade” (Aluno 1agroindústria).Esse depoimento, ilustrativo de muitos semelhantes, resume o aprendizado de
uma profissão no IFPE como uma forma de conseguir um emprego “fichado”, ou seja, menos
precarizado e através deste pagar uma faculdade particular.“Eu vou fazer vestibular para
engenharia mecânica, o ensino médio do IFPE ajuda pois aborda muitos conteúdos de ensino
médio para o ENEM” (Aluno 2- agropecuária). Outro depoimento por demais ilustrativo de
outros coletados mostra que a qualidade de ensino do IFPE, amplamente divulgada na região,é
para muitos estudantes uma maneira de ser aprovado no ENEM e através desta aprovação
ingressar em uma universidade pública, não havendo nem o desejo provisório de exercitar
seus conhecimentos técnicos em um emprego.
Além dos fatores citados anteriormente, o fato de o campus ser um dos quais o EMI
tem um número de matrículas bastante superior às demais modalidades de ensino ofertadas
(graduação em música, cursos técnicos subsequentes em informática, enfermagem,
agropecuária e agroindústria) fazia uma espécie de “pressão” sobre essa modalidade de
ensino.
Interessante é saber as motivações que levaram o campus Belo Jardim do IFPE a
eleger o curso de agroindústria como “piloto” da efetivação dessa modalidade de ensino, e não
Agropecuária e Informática (os outros cursos que oferecem EMI no campus), ao nosso ver
essa eleição esteve relacionada a alguns fatos: a maior parte dos integrantes da comissão de
integração ministrava aulas neste curso, foram deste curso a maioria dos professores que
compareceram a um evento realizado na UFPE para discutir EMI, é um curso em que há uma
cultura de reuniões e discussões constantes, é o curso onde estão as turmas onde, na avaliação
praticamente unânime dos professores da instituição, estão os alunos que mais estão
envolvidos com o processo de ensino, pesquisa e extensão.
Como instituição com mais de 40 anos de vida, tendo uma longa tradição como Escola
Agrotécnica Federal, o campus Belo jardim do IFPE guardava (e em muitos casos ainda
guarda) em seu interior elementos que concorrem (ou concorriam) para uma não efetivação do
EMI, tais como: a presença de uma coordenação de “ensino médio” mesmo essa modalidade
de ensino não sendo oferecida pela instituição (coordenação essa que englobava todas as
matérias ditas “não técnicas” e a qual os professores dessas disciplinas estavam
subordinados),coordenações dos cursos técnicos às quais não estavam vinculados os
professores das disciplinas supostamente “não-técnicas”, sala de professores diferenciada
para os docentes das disciplinas “técnicas” e “não técnicas”, maior oferta de carga horária para
as disciplinas “técnicas” e maior oferecimento de bolsas para discentes que fossem trabalhar
em pesquisas ou projetos de extensão das áreas “técnicas”.
Depois da viabilização da ida de professores para o encontro sobre o EMI promovido
pela UFPE em 2012, a direção geral formou uma comissão de integração através das portarias
número 283 e 324 de 2013, comissão essa formada basicamente com professores que tinham
participado do encontro anteriormente mencionado. Paralelo ao início efetivo dos trabalhos
dessa comissão a direção do campus extinguiu a coordenação do ensino médio em uma
medida que se revelou bastante polêmica pois os professores das chamadas disciplinas
“não-técnicas” em grande parte se mostraram contrários a essa medida receosos que essa
extinção resultasse em uma “perda de poder” por parte desse grupo, e , obviamente ,dos
docentes que as ministravam. Ao nosso ver essa acertada decisão da direção do campus teve
um caráter intensamente pedagógico pois pela primeira vez a integração entre o Ensino Médio
e o Ensino Profissionalizante foi tema predominante nas discussões que se travavam em todos
os espaços da escola, as resistências que existiam e em grande parte ainda existem, são
contra-atacadas por um núcleo de professores que, embora inicialmente claramente
minoritário, busca um maior embasamento teórico para sua intervenção em favor do EMI,
além desse fator, a extinção sessa coordenação foi a responsável pela vinculação direta dos
docentes com a coordenação do curso onde eram ministradas suas aulas (vinculação que já
existia para os professores de disciplinas não técnicas) e que foi melhor organizada para o ano
de 2014 pela comissão de integração, como será posteriormente melhor observado.
No início dos trabalhos da Comissão era flagrante a preocupação com a concretização
da implantação do EMI no campus. Muito se discutia como essa experiência nova se iria
apresentar e como a formação e sensibilização dos professores para essa nova prática seria
possível.
Ao analisarmos, como exemplo a ata da reunião do dia 27.11.2013, podemos ler na
parte concernente as deliberações:
“2 – A distribuição de Professores está no momento sendo feita pelo professor
presidente da comissão de horários, e foi deliberado ao presidente desta
comissão de integração mandar para os professores da formação geral da
Instituição um e-mail para consulta de afinidade entre os cursos do integrado,
para sondagem sobre em quais destes cursos os professores ficarão a disposição
a partir de 2014. Neste e-mail o presidente deixará claro qual o objetivo da
consulta.3 – Todos os membros presentes concordaram com a vinda do
Professor Ramon, no dia 04 de dezembro deste ano, para ministrar uma
palestra sobre integração. Público alvo: Professores do IFPE – campus Belo
Jardim. Será enviado um e-mail para os mesmos para que não haja prejuízo as
aulas já que estamos no final do ano letivo.5 – Para 2014, serão feitas, quatro
palestras/oficinas sobre o tema para os professores envolvidos na integração.6
– Foi decidido que teremos um curso Piloto para o andamento do processo de
integração do IFPE – Campus Belo Jardim. O curso em questão será o de
Agroindústria.” (IFPE, 2013)
Nesta reunião , ocorrida bem próximo ao final do ano letivo de 2014, podemos
observar três deliberações que foram essenciais em um primeiro momento para o processo de
integração: a distribuição de professores por curso, superando uma prática anterior em que os
profissionais escolhiam as turmas que queriam atuar sem considerar os cursos em que iriam
ministrar aulas, nessa antiga prática era corrente a divisão de professores “por série” quando
um profissional assumia todas as turmas de “primeira série”, outro as turmas da “segunda
série” e assim sucessivamente.Com essa política da Comissão de Integração, os professores,
salvo raras exceções ,estão vinculados somente a um ou no máximo dois cursos, tendo uma
vinculação muito mais orgânica com o curso técnico onde ministram aulas e preocupando-se
(pelo menos é o esperado) com a vinculção das suas aulas a relaidade desse curso. Essa
deliberação aparentemente tão singela foi alvo de intensas discussões entre os docentes
acostumados ao trabalho na antiga sistemática.
A necessidade de formação para o conjunto do corpo docente foi outra preocupação
muito presente na comissão de integração e explicitada na resolução destacada. O
agendamento de uma palestra e a preocupação em fazer da formação relacionada ao EMI uma
constante por todo o ano seguinte está explicitado nessa resolução. Também podemos
observar que é na reunião citada que existe a eleição de um curso que vai funcionar como
piloto do processo de integração, o curso de agroindústria. Esse curso, com a extinção da
comissão de integração, veio a ser o catalizador das iniciativas relacionadas ao EMI no
campus, realizando sua coordenação reuniões quinzenais com o intuito de agregar professores
e discutir diversos assuntos relacionados ao tema.
A comissão de integração, ao finalizar seus trabalhos, elaborou um “plano de ação”
que seria o norteador das atividades relacionadas ao EMI no campus Belo Jardim. Notamos
um “plano” bastante diversificado, com ações na estrutura física, formação de docentes,
pesquisa junto ao conjunto de alunos e outras metas que serão melhor analisadas a seguir.
Cada ação recebeu o nome de “iniciativa” e cada uma destas “iniciativas” teve a
responsabilidade de um servidor ou de um conjunto de servidores e um respectivo plano de
ação(devidamente detalhado com a ação propriamente dita) os recursos para a sua efetivação,
o prazo de implementação. Curioso observar que setores bastante díspares da escola estão
envolvidos com responsáveis nesse plano de ação, como a Direção de Ensino e o Setor de
Compras, Cooordenador de curso e SIEC.
As iniciativas assim estão detalhadas no Plano de Ação:
“RESUMO DAS INICIATIVAS Descrição da iniciativa
Tipo de iniciativa/ Responsável
Sala dos professores
1-Criar um ambiente que possa
acolher os docentes.
Palestras
2- Divulgar, capacitar e incentivar
os docentes para a integração dos
cursos técnicos integrados.
Distribuição dos professores por 3- Distribuir os professores no
curso
curso piloto (Agroindústria).
Perfil dos cursos
4- Conseguir o perfil dos alunos
ingressos e egressos da instituição
para formar o perfil do curso.
Curso piloto (agroindústria)
5- Curso Técnico Integrado que
servirá de experiência na tentativa
da integração.
Sala dos Coordenadores de Curso
6 – Criar um ambiente que possa
acolher os coordenadores dos
cursos.” (IFPE,2013)
As iniciativas aí detalhadas embora aparentemente simples representaram uma
mudança no pensar da escola, podemos notar como iniciativas plenamente atendidas a
distribuição de professores por curso no curso piloto do EMI (agroindústria), a eleição de um
curso como piloto da integração do ensino médio à educação profissional e a criação de um
ambiente para acolher os docentes. Parcialmente efetivados temos a divulgação, incentivo e
capacitação dos professores para a integração e como não executada ainda a criação de
ambiente para o acolhimento dos coordenadores de curso.
6.Conclusões
Como foi por várias vezes assinalado no texto, o processo de implementação de uma
verdadeira cultura que leve a implementação do EMI é algo doloroso, fruto de intenso
trabalho e um permanente esforço de convencer, de estar aberto ao diálogo para também ser
convencido, um permanente estar em alerta contra os discursos hegemônicos que pregam a
fragmentação do saber que reflete a fragmentação social.
Acreditamos que o processo que está se desenvolvendo no campus estudado do IFPE
na direção da implementação do EMI é extremamente positivo e está aos poucos implantando
uma cultura de diálogo entre o corpo diretivo, o corpo docente e os discentes sobre a natureza
e a finalidade de sua formação enquanto ser humano, além da formação profissional.
Acreditamos que não há fórmulas mágicas ou acabadas para implantar o EMI mas sim que
cada instituição educacional vai trilhar seu caminho, desde que haja vontade política para tal,
no sentido de construi-lo cotidianamente, em um processo que não se encerra e que está
sempre passível de avaliações e mudanças no percurso.
7.Referências bibliográficas
ABAD,Miguel.La politica de juventud desde la perspectiva de la relación entre
convivencia,ciudadania y nueva condición juvenil.Viña del mar: CDPA,2002
ALVES-MAZOTTI, Alda Judith e GEWANDSZNAJDER, Fernando. O Método nas
Ciências Naturais e Sociais: Pesquisa Quantitativa e Qualitativa. São Paulo: Thomsom,
2002.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1995.
BATISTA. Ubiratan Augusto Domingues. Ensino Médio Integrado: Limites, anseios e
perspectivas
no
contexto
da
formação
profissional.
Disponível
em:
http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/viewFile/3293/215.
Acesso em 31 de fevereiro de 2014.
BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo,
Boitempo, 2012.
CIAVATTA,Maria.Arquivos da memória do trabalho e da educação e a formação
integrada.Disponível
em
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais-coautorais/eixo07/Maria%20Ciav
atta%20-%20Texto.pdf . Acesso em 4.05.2013
FRIGOTTO,Gaudêncio,CIAVATTA,Maria e RAMOS, Marise. Ensino Médio Integrado:
concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005.www.ipea.gov.br/agencia/images
IFPE. Atas de reunião da comissão de integração. Belo Jardim: IFPE,2013. (mimeo)
IPEA.
Desenvolvimento
Sustentável.
Disponível
em
www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com . Acesso em 01.03.2014
KUENZER. Acacia. Ensino de 2 grau: o trabalho como princípio educativo. São Paulo:
Cortez,1992.
MANACORDA, Mario A. El principio educativo em Gramsci. Salamanca: Ediciones
Sígueme,1977.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento- Pesquisa qualitativa em
saúde. São Paulo: Editora Hucitec,2004.
MOURA, Dante Henrique. Ensino médio integrado: subsunção aos interesses do capital
ou
travessia
para
a
formação
humana
integral?.
Disponível
em
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-97022013000300010&script=sci_arttext. Acesso
em 21 de abril de 2014.
OLIVEIRA, Ramón (org). Jovens,Ensino Médio e Educação Profissional-Políticas
Públicas em Debate.Campinas: Papirus,2012.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais- A
Pesquisa Qualitativa em Educação. São Paulo: Atlas,1987.
Download

uma construção do ensino médio integrado no campus belo jardim