ADOÇÃO Os problemas maiores, em geral,resultam de sentimentos inconscientes dos pais adotivos, quer dizer, aqueles sentimentos que a gente tem e nem sabe, mas que influenciam toda a vida da gente. Por exemplo, os pais adotivos muitas vezes sentem culpa pelo fato de serem eles, e não os pais biológicos, que vão ter a chance de cuidar da criança, de serem chamados de mamãe e papai. Podem até se sentir como ladrões que roubaram a criança dos pais biológicos, e tiraram deles a oportunidade de conviverem com a criança. E, se eles sentem que tiraram a criança de seus pais, como podem esperar serem amados pela criança? E como ter o direito de dizer “não” para ela? Pode acontecer também de os pais adotivos, especialmente as mães que não conseguiram engravidar, sentirem uma certa inveja dos pais biológicos, porque não foram eles que conceberam aquela criança. Mas quando se diz que “mãe é quem cria”, isso é a maior verdade. E é muito importante que a criança adotada possa saber direitinho sua história. E cabe aos pais sentir qual a hora de contar. Poder dizer a verdade para os filhos em todas as situações cria um sentimento de confiança mútua e também a certeza de que as coisas podem ser conversadas, por mais difíceis que sejam. E dizer a verdade numa situação de adoção é de extrema importância. Em geral, a criança começa desde muito pequena a perguntar sobre nascimento, de onde vêm os bebês, como saem, etc. E desde aí já se pode ir dizendo que a criança adotada não estava na barriga da mamãe, ir contando a história devagarzinho, de forma que vá fazendo parte quase natural da vida. Quando a mãe de uma criança adotiva passa a ver aquela criança como filho? Na verdade, essa pergunta vale para qualquer mãe e qualquer pai. Isso não acontece imediatamente, é um processo que provavelmente dura a vida toda. Quantas e quantas vezes um filho faz alguma coisa que nos desagrada? E aí a gente pensa “nem parece meu filho”. Ainda mais no início da vida, qualquer mãe e pai estranha o bebê. Ele não é do jeito que se imaginava. Às vezes, não é tão bonito, ou é muito chorão. Às vezes, é menino e se esperava menina, enfim, os filhos são sempre surpresa e os pais vão ter que adotá-los ao longo da vida. Isso vale para todos os pais, adotivos ou não. E a criança também vai ter de adotar seus pais. Vai ter que aceitá-los como pais, mesmo sem ter tido qualquer escolha. Além disso, os pais também não vão ser nunca exatamente do jeito esperado. Todos os pais, adotivos ou não, quando têm um filho, estão oferecendo a ele várias coisas ao mesmo tempo. Estão oferecendo ou apresentando a ele, por exemplo, uma casa, uma língua, uma maneira de ser e de pensar sobre a vida, regras de conduta, leis, etc. Mais ainda, estão oferecendo a ele uma família. Isto é, estão oferecendo irmãos, avós, tios, primos que vão ter que serem aceitos, adotados pela criança. Da mesma forma, o restante da família também tem que adotar a criança, acolher, e isso tanto em relação a qualquer membro novo na família, inclusive filho, biológico ou não. A adoção é, na verdade, uma tarefa mais geral, que abrange todos os pais, e não somente os pais adotivos. Todos temos que adotar: nós, filhos, temos que adotar o mundo que nossos pais nos oferecem. Nós,pais, temos que adotar os filhos que tivemos ou escolhemos criar. Uma pergunta para você: O que vale mais, o que é mais importante: um laço de sangue ou um laço de amor? É verdade que a gestação cria entre a mãe e o filho um laço profundo que não pode ser apagado ao longo da vida. O nascimento, o corte do cordão umbilical, é de certa forma uma ruptura desse laço. É uma modificação extraordinária sair do útero e vir para o mundo, ter um bebê na barriga e dar a luz. É um acontecimento que também não vai ser apagado nunca. A criança adotiva sofre uma dupla ruptura porque, além do nascimento, tem a separação de sua mãe biológica. O bebê, lá dentro do útero, já estava acostumado aos batimentos do coração, ao ritmo da mãe biológica, aos sons, e, de repente, esse bebê vai ser cuidado por um “outro coração”, outra pessoa, completamente desconhecida dele. A gente pode entender que é uma ruptura repentina que também vai deixar marcas para o resto da vida. Por outro lado, a mãe adotiva recebe nos braços alguém desconhecido para ela, mesmo que muito desejado e esperado. O que vai unir essa dupla? É claro que não são os laços de sangue. O que vai unir essa dupla é o desejo de ser mãe e pai, o desejo de cuidar, de proteger, de ajudar a criança a crescer, de alimentar, limpar, ensinar. Enfim, o desejo de exercer as mil e uma atribuições dos pais. Então, o que vai unir a dupla é um laço de amor. Mas é claro que não há pais perfeitos, nem filhos perfeitos. É impossível estar paciente e sorridente 24 horas por dia. O que importa não é que você seja mãe ou pai adotivo ou biológico, importa que você aja com amor e firmeza e cumpra razoavelmente bem sua função materna ou paterna. A criança adotiva é tão irmã, prima, sobrinha ou neta quanto os filhos biológicos de um casal. Aliás, por causa da história da sua vida, a criança adotiva precisa receber dos pais e dos familiares um tipo de cuidado e atenção sensíveis para ela se sentir valorizada, querida e integrada à família. É bem possível que a criança fique triste, ou então que se queixe de não ter conhecido sua “outra” mãe e “outro” pai ou até pode ficar com raiva. Outras vezes, acriança adotada experimenta um sentimento de culpa por imaginar que seus pais biológicos levam uma vida pior que a dela, que ela desfruta de uma situação muito melhor. Não importa se isso é verdade ou não. O que importa é que, se a criança se sentir culpada por isso, esse sentimento vai ser fonte de sofrimento para ela e talvez acarrete algum desajuste emocional. Também pode acontecer que uma família de criança adotada se permita transgredir regras que talvez não ousasse com uma criança ligada por laços de sangue.Não é raro uma menina ser adotada já com a intenção de ser encarregada de trabalhos domésticos no futuro ou cuidar de outras pessoas da família. Ou um menino ser adotado com a intenção de vir a ajudar o pai no trabalho. Também, infelizmente, não é raro que um pai ou outro parente tente seduzir ou abusar sexualmente de uma filha adotada com a desculpa de que não tem vínculos de sangue, que não é “filha mesmo”. A adoção exige por parte dos pais uma atitude ética, pois envolve uma criança indefesa, alguém que não está escolhendo seu destino, não pode interferir, é frágil, impotente e inteiramente dependente. Se o que move os pais é o desejo de amar e proteger a criança, a adoção tem chance de ser algo maravilhoso.