QUEBRA ESSA AÍ PRA MIM ?
“Me quebra essa aí, meu chapa?”
Me quebra o quê, afinal? Me quebra um galho ou uma regra, uma norma?
Via de regra, o chapa teria que quebrar a regra. Afinal, se ele é o “chapa”, o camarada, o
chegado, não vai poder deixar de quebrar... ou ele não seria nada disso.
Sempre me perguntei o que está por trás dessa facilidade que o brasileiro tem para pedir
que uma regra seja violada e na facilidade idêntica que temos para atender a quem
apresenta sua demanda em forma de “chororô”, de lamento, procurando intimidade e
tratamento exclusivo.
E me refiro ao brasileiro por sou tupiniquim e vivo aqui, mas desconfio que no mundo
todo as coisas se passem assim.
Pensando no pedido que abre este texto, me vem à mente que a chave para esse
comportamento “flexível” do brasileiro com relação às normas está na afetividade:
somos um povo afetivo, carinhoso, compreensivo... e por isso, se souberem pedir, talvez
não tenhamos como negar, mesmo que isso implique no assassinato de alguma norma.
“Vai dar pra quebrar não, meu velho...”
“Ah, mas como não? Veja a minha situação... considera aí o meu caso... e se você
estivesse no meu lugar? Pensa lá, meu ‘brother’, me dá uma força...”
“Acontece que temos normas aqui e eu as cumpro...”
“Ah, mas essa norma nem foi você quem fez, não diz respeito nem a você e nem a
mim... ‘manera’ lá... colabora comigo... veja que esse meu caso é especial...”
“Já era... ficarei feliz em te atender quando isso não implicar em violação às normas,
que valem para todos. Leva a mal não... mas não vai dar...”
Nesse último caso parece haver uma falta de afeto, de cuidado com o caso presente...
uma insensibilidade diante da situação concreta apresentada.
Um aspecto da situação é que para cumprir uma norma há que se tomar uma decisão
firme nesse sentido, adotada a partir de um compromisso.
Talvez a grande sacada seja que quando cumprimos uma norma estamos
comprometidos com a coletividade, com o ser humano genérico, inominado, a quem
interessa a justiça, a igualdade de condições, a segurança de que o atendimento não
depende do bom desempenho do portador do direito quando do “choro”, do capricho na
apresentação do pedido, mas tão somente da existência do direito.
Assim, amor maior é o amor por toda a humanidade. O que vale mesmo é o
compromisso com a justiça, é a convicção de que o certo é fazer a coisa certa sempre e
que isso nos conduzirá a dias melhores.
“Sei não... ser humano genérico... igualdade de direitos... compromisso com a
coletividade... isso não existe em nosso dia-a-dia, no cotidiano. Uma crônica não tem
que ter a ver com o cotidiano, com o que as pessoas vivem diariamente?”
“Ah, mas eu sou um cronista iniciante... você tem que levar isso em consideração.
Quebra essa aí pra mim, vai?”
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QUEBRA ESSA AÍ PRA MIM