POEMAS PORTUGUESES ( 4 ) – Ferreira Gullar O MÁRIO DE ANDRADE AUSENTE – Nada vos oferto Manuel Bandeira além destas mortes de que me alimento Anunciaram que você morreu. Meus olhos, meus ouvidos testemunharam: Caminhos não há A alma profunda, não. Mas os pés na grama Por isso não sinto agora a sua falta. os inventarão Sei bem que ela virá (Pela força persuasiva do tempo). Aqui se inicia Virá súbito um dia, uma viagem clara Inadvertida para os demais. para a encantação Por exemplo assim: À mesa conversarão de uma coisa e outra. Fonte, flor em fogo, Uma palavra lançada à toa quem é que nos espera Baterá na franja dos lutos de sangue. por detrás da noite ? Alguém perguntará em que estou pensando, Sorrirei sem dizer que em você Nada vos sovino: Profundamente. com a minha incerteza vos ilumino Mas agora não sinto a sua falta. (É sempre assim quando o ausente POEMA DE NATAL – Vinícius de Moraes Partiu sem se despedir: Você não se despediu.) Para isso fomos feitos: Para lembrar e ser lembrados Você não morreu: ausentou-se. Para chorar e fazer chorar Direi: Faz tempo que ele não escreve. Para enterrar os nossos mortos — Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel. Por isso temos braços longos para os adeuses Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque. Mãos para colher o que foi dado Dedos para cavar a terra. Saberei que não, você ausentou-se. Para outra Assim será nossa vida: Uma tarde sempre a esquecer vida? A vida é uma só. A sua continua Uma estrela a se apagar na treva Na vida que você viveu. Um caminho entre dois túmulos — Por isso não sinto agora a sua falta. Por isso precisamos velar Falar baixo, pisar leve, ver RETRATO – Cecília Meireles A noite dormir em silêncio. Não há muito o que dizer: Eu não tinha este rosto de hoje, Uma canção sobre um berço assim calmo, assim triste, assim magro, Um verso, talvez de amor nem estes olhos tão vazios, Uma prece por quem se vai — nem o lábio amargo. Mas que essa hora não esqueça E por ela os nossos corações Eu não tinha estas mãos sem força, Se deixem, graves e simples. tão paradas e frias e mortas; Pois para isso fomos feitos: eu não tinha este coração Para a esperança no milagre que nem se mostra. Para a participação da poesia Para ver a face da morte — Eu não dei por esta mudança, De repente nunca mais esperaremos... tão simples, tão certa, tão fácil: Hoje a noite é jovem; da morte, apenas — Em que espelho ficou perdida a minha face? Nascemos, imensamente. -1Projeto Abraço Sem Medo: Leitura e Cidadania na Penitenciária Industrial de Cascavel