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O jornalismo e o conflito: interesse público x interesse privado
O que é relevante nos dias atuais?1
Jéssica Oliveira Pereira2
RESUMO
O presente trabalho faz uma contextualização da crítica midiática, motivada pelas noções de
fait divers e interesse público. Procura-se verificar as condições que norteiam os valores
notícias dos jornais atuais, destacando se são ou não de interesse público e se isso pode
influenciar no seu valor como produção jornalística. Como o jornalismo traz em um dos
elementos da sua deontologia o intuito de ser informativo e educativo, resta questionar e
propor a reflexão sobre o produto telejornal que é de grande notoriedade – e por conseqüência
tem grande alcance na esfera pública e assim na formação da opinião pública – para avançar
nas reflexões acadêmicas e das críticas midiáticas sobre a função do jornalista e a posição do
jornalismo televisivo atual em relação à contribuição para uma esfera pública democratizada.
Palavras-chave: Telejornalismo; Interesse Público; Fait divers
Introdução
A crítica de mídia, entre outras explicações, é uma aprendizagem em público. Apesar
de ser uma produção da sociedade sobre a própria sociedade, representa um olhar mais
apurado sobre as midiatizações sociais. É o olhar crítico e aguçado sobre o que é produzido e
repassado a um(s) grupo(s) social (is).
Mesmo em tempos de uma avalanche enorme de informações, há ainda que se
considerar a enorme importância e notoriedade das mídias de massa. Logo, não há como
excluir a televisão aberta desta realidade, como é possível confirmar a seguir:
Parafraseando McLuhan, poderia dizer-se: pouco importa a diversidade das
mensagens eletrônicas sobre os écrans, o que conta é que todos tenham
quotidianamente a mesma necessidade de olhar para o seu écran de
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Trabalho apresentado na Divisão Temática “Jornalismo: reconfigurações, possibilidades e sociedade”, durante
o Culturas, Linguagens e Interfaces Contemporâneas 2012, realizado no Espaço Benedito Nunes, na Saraiva
MegaStore, de 20 a 23 de novembro de 2012.
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Formanda em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Universidade da Amazônia (UNAMA). Email: [email protected]
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televisão. Aqui se encontra o poder unificador dos mass media, que
desempenham verdadeiramente o papel de estruturas sociais activas.
(CAZENEUVE, 1999; p. 45)
O estudo crítico sobre as mediações televisivas se torna fundamental para detalhar
mais esse tipo de produção jornalística e fornecer perspectivas para estudos posteriores. A
análise é útil para termos uma visão mais ampla da realidade comunicacional, destacando
ainda que este tipo de jornal seja um dos de maior alcance em relação as outras mídias. Logo,
tem um alcance considerável e atinge pessoas de várias classes e idades.
Essas questões de contextualização e de elucidação de itens primordiais à atividade
jornalística se tornam fundamentais para também consolidar a crítica de mídia como um dos
sistemas formais de resposta ao que é produzido e veiculado. Ressalta-se que as respostas
podem se dar por meios diversos de reprodução de comunicação e linguagem, porém a crítica
se ocupa em registrar formalmente e trazer aos olhos da comunidade acadêmica e demais
interessados os motivos analisados para promover reflexões que suscitem conclusões sobre a
produção jornalística nos dias atuais. Um dos exemplos de resposta informal que este trabalho
não gostaria de passar em branco pelo valor que tem à criação de representatividades e
imaginários, é a memória, item também fundamental para a assimilação de quaisquer
veiculações, conforme é contextualizado no trecho a seguir:
A memória étnica, presente principalmente nas sociedades de tradição oral, é
responsável pela transmissão de conhecimentos e costumes. Leroi-Gourhan
afirma que em algumas sociedades sem escrita havia a figura dos
especialistas em memória, indivíduos incumbidos de armazenar não só toda
a história de uma dada sociedade, mas também reproduzir suas normas e
comportamentos. (SANTOS, 2002; p.30)
A televisão a partir dos anos 90
Segundo Bourdieu (1997), houve uma adaptação nas intenções da televisão desde os
seus primórdios, nos anos 50. Nessa época, a produção televisiva oferecia produtos com
pretensão cultural, a fim de formar os gostos do grande público. Já a partir dos anos 90, com a
diversidade mais explícita dos gostos, impulsionada pelo período pós ditadura-militar (no
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caso do Brasil), moldaram-se produções que explorassem e lisonjeassem esses gostos,
conforme é explicado no trecho a seguir:
(...) a televisão dos anos 90 visa explorar e a lisonjear esses gostos para
atingir a mais ampla audiência, oferecendo aos telespectadores produtos
brutos, cujo paradigma é o talk-show, fatias de vida, exibições cruas de
experiências vividas, frequentemente extremas e capazes de satisfazer uma
forma de voyeurismo e de exibicionismo”. (BOURDIEU, 1997; p. 68)
Nesse contexto, a função educativa do jornalismo passou a ser questionada. E, acima
de tudo, a função da televisão. Céticos e reacionários passaram a dar declarações de que a
televisão “emburrece”. Já outros críticos acreditam que a televisão reproduz os anseios de
uma sociedade cada vez mais consumista e voltada ao entretenimento. O fato é que produções
que estimulam mais o conhecimento voltado à educação formal são reservadas a horários de
menor audiência, como destaca Geovani Berno:
Mas as emissoras não mostram nada de bom, nada de educativo? Sim, elas
nos fartam de boa programação educativa. Das quatro às sete horas da
manhã. Neste horário vemos programas muito interessantes como os
telecurso, Globo Ciência e Ecologia e um novo programa, que mostra
experiências exitosas da “escola nova” entre os educandos, chamado
“Ação”. (BERNO, online; p. 3)
Na Rede Globo, emissora foco de pesquisa desse trabalho, o jornalismo se infiltra
durante a programação de muito entretenimento para informar as principais notícias do dia.
Porém, também não perde o caráter de entreter. Principalmente a partir dos anos 90, os
apresentadores passam a conversar mais com o telespectador, algumas vezes sugerindo
comentários mais leves e até engraçados. Quando isso não acontece, os temas abordados
sempre procuram abranger a um todo. “Quanto maior o universo de pessoas atingidas por um
fato, maior a probabilidade de ser publicado” (BONNER, 2009; p.95). Ao relatar isso, o atual
apresentador do Jornal Nacional, William Bonner, se compromete com algo que vem a se
chamar “interesse público”. Mas, qual o papel dos críticos, por exemplo, se existem notícias
de total abrangência que não são noticiadas nas suas possibilidades totais de interpretação – a
exemplo da greve dos professores de universidades federais de 2012 que chegou a mais de
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três meses e não recebeu destaque nos noticiários, a não ser para dar voz apenas ao discurso
institucionalizado, não dando voz real aos anseios dos professores?
Fatos como esse não acontecem apenas a partir dos anos 90, porém a partir dessa
década se percebe muitas fatias de mercado e a relação entre as pessoas que fazem parte do
mercado do jornalismo já está bem mais concreta. Inclusive, passa-se a ter os “fast thinkers,
especialista do pensamento arremessável (...) pessoas que se pode convidar(...) falam
abundantemente e sem problemas” (BOURDIEU, 1997; P. 50).
São convidados de
telejornais que estão sempre dispostos ao mercado jornalístico a fazer análises dos mais
diversos assuntos.
Nessa época também se percebe uma sobrecarga da função do jornalista. Com o
aumento da tecnologia e da circulação de informações – considerando também o surgimento
das mídias sociais, o jornalista nem sempre tem tempo para se preparar para todas as pautas.
Principalmente, em equipes menores, com menos recursos. Percebe-se isso em entrevistas
“vazias”, em que o entrevistado responde a perguntas que não se fazem (BOURDIEU, 1997).
A televisão, como uma mass media se relaciona, também, com as mudanças que
decorrem da nossa sociedade, impostas por um modelo de consumo e desenvolvimento que
prezam pelo lucro em detrimento das necessidades sociais. Por meio do seu visor, a televisão
acaba por seguir esse sistema, criando “falsas necessidades” e uma noção de informação que
mais se relaciona com o entretenimento do que com o interesse público – essa é uma das
principais características das produções atuais. Nos anos 2000, os telejornais se afirmam
também como produtores de variedades.
Marcuse, por seu lado, dá conta da emergência dos mass media como
agentes de socialização predominantes (a que corresponde um declínio da
família) e considera a comunicação e a cultura de massa “novas formas de
controle social”, geradoras de “falsas necessidades” e de um pensamento
unidimensinal, factores essenciais à reprodução do capitalismo
desenvolvido. O próprio Habermas, que acabaria por consolidar a sua
posição intelectual na segunda metade do nosso século através de uma
reconsideração profunda da original Teoria Crítica, no seu primeiro trabalho
de grande dimensão manifesta ainda uma extrema fidelidade às teses
adornianas sobre a cultura, ao associar estreitamente o declínio do espaço
público à emergência dos mass media e das indústrias da cultura.
(ESTEVES, 1995; p. 6)
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Os anos 90 também representam um momento em que as produções televisivas da TV
aberta adaptam as suas produções para a nova realidade da afirmação dos canais fechados.
Mais livres das amarras ideológicas resultantes do período de ditadura militar extremamente
governista, os telejornais precisaram se adaptar às necessidades do público, que exigiam – e
ainda exigem - mais esclarecimento, reportagens mais aprofundadas, mais defesa dos direitos
dos cidadãos, mais notícias de serviço público e etc. Percebe-se hoje essa tendência em
telejornais regionais que focam praticamente todas as suas edições diárias para os problemas
da cidade que afetam diretamente os direitos dos cidadãos. Porém, sofrem com a
repetitividade e a falta de abrangência de demais problemas.
Nesse período - e esse é um debate que se faz constante - se fala da construção de uma
nova regulamentação para o modelo de regulação das comunicações do país. Alguns itens
chegaram a ser registrados, mas dificilmente se concretizam, a exemplo da proibição do
monopólio e do oligopólio; preservação das finalidades educativas, culturais e informativas;
proteção à cultura regional por meio da garantia de regionalização do produto; estímulo à
produção independente. As conseqüências podem ser verificadas no trecho a seguir:
A falta dessa regulamentação acaba preservando, na prática, o velho modelo.
Mesmo a vitória que foi a abolição da censura, à falta de uma
regulamentação dos direitos do telespectador, especialmente no que se refere
à proteção do menor e do adolescente, acaba dando munição aos defensores
da manutenção do capitalismo selvagem em matéria de comunicação no
país.” (BOLAÑO, 2007; p. 21)
A proliferação dos fait divers e a proximidade com o “curioso”
Nos dias atuais, o consumo de informação se dá basicamente por programas de
entretenimento ou programas jornalísticos que apóiam suas produções em matérias de
variedades ou as chamadas fait divers3. Há uma espécie de exclusão aos vários fatos que
norteiam o país, sendo a maioria destes casos de interesse público. Em contrapartida,
3
Termo criado por Roland Barthes, fait divers é a informação que busca desvios de fatos, ou seja desvios de
notícias de interesse público, para preencher os noticiários. Seu sentido é de uso profissional, mas para o grande
público pode significar notícias de menor importância. “(...) um fait divers significa igualmente uma notícia de
pouca importância, um fato insignificante oposto à notícia significativa e ao acontecimento histórico” (DION,
online; p. 125)
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predominam as matérias não analíticas, de puro entretenimento, sem anseios de justiça. O
telespectador, neste aspecto, deixa de ser um possível agente de mudança na sociedade, após
ter recebido o impulso do noticiário, para ser um apreciador de variedades, alguém que busca
a informação por curiosidade ou diversão. É o que Antonio Fidalgo explica no seguinte
trecho:
Feita cada vez mais à medida da curiosidade informativa, a informação
cumpre cada vez menos a função de formação cívica. Por várias razões.
Desde logo porque informação de eminente interesse público não é muitas
vezes do tipo de suscitar curiosidades. Assuntos que em princípio deveriam
concitar o maior interesse público são relegados pela sua complexidade para
um círculo restrito de interessados. Questões fundamentais da vida pública
passam ao lado da grande informação porque não se coadunam com a
curiosidade informativa. Em contrapartida, temas que pouco ou nada
interferem com a vida dos cidadãos ocupam crescentemente o espaço
noticioso. (FIDALGO, 1996; p. 5)
A televisão, pelo seu poder de imagem, pode apelar muito mais aos fait
divers,considerando ainda o aumento de audiência que matérias nesse estilo podem gerar.
Mas o poder de imagens também limita o desenvolvimento do jornalismo na televisão. Por
depender de materiais noticiosos que tenham imagem para divulgação, os telejornais acabam
por deixar de lado assuntos importantes e interpretativos para o entendimento da sociedade e
que contribuem diretamente para a opinião pública. Também por causa disso, os fait divers se
tornam cada vez mais opção para as edições diárias dos telejornais, como bem explica Fidalgo
novamente:
O imperativo de conseguir imagens para todas as informações televisivas
leva, por um lado, a tornar notícia aquilo de que há "boas imagens" e, por
outro, a tendencialmente ignorar o que não é filmável ou de que não se tem
imagens. A espetacularidade das imagens transforma em notícia o que em si
não tem qualquer valor informativo, por exemplo o despiste de um
automóvel num país longínquo. Em contrapartida, se não houver imagens,
não se dá a notícia ou então aguarda-se o tempo preciso até as ter. Os
telejornais transformam-se em séries de reportagens bem conseguidas, no
que à imagem toca. A recolha de imagens determina a informação. Mais
uma vez "the medium is the message” ou, dito de outra maneira, a forma
sobrepõe-se ao conteúdo. (FIDALGO, 1996; p. 6)
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Normalmente, os fait divers são encaminhados depois de uma grande notícia. São
fatos curiosos, depoimentos que despertem a curiosidade do público. Na organização dos
telejornais, são colocados em um bloco que pode falar de tudo, inclusive assuntos de interesse
público, a exemplo de política, economia e negócios. Assim, na construção da narrativa dos
telejornais, as notícias acabam se nivelando a assuntos que despertem curiosidade. E daí, ter
conhecimento da informação para uma função educativa se confunde a uma assimilação de
diversão, lazer.
Os telejornais investem nesse formato, principalmente os que são transmitidos pela
manhã, para tornar o noticiário mais leve, para permitir que o telespectador desvie a atenção
dos problemas reais do cotidiano para receber a informação como algo mais
descompromissado da sua rotina. Com isso, o jornalismo como função geral, se insere num
contexto complexo que o compromete. Ao invés de prezar pela formação cívica de seus
destinatários e de informar para fortalecer a democracia, o jornalismo se confunde com o
entretenimento e nega a sua deontologia.
Porém, é válido lembrar que o fait divers se relaciona com a criação da imprensa de
massa do século XIX. Mas, esse tipo de notícias particulares já existia antes dessa exploração
jornalística, por ser também uma forma de espetáculo popular, ligado à transmissão oral. O
estilo de narrativa surge com os costumes culturais. Um exemplo é a reunião de pessoas no
mercado para fazer compras e ao mesmo tempo informar uma a outra sobre o que se passa no
mundo. Porém, “A transmissão da informação nestes lugares era essencialmente utilitária,
sendo o meio mais rápido de saber, por exemplo, se uma guerra se propagava no país vizinho
ou se um grupo de assaltantes devastava uma ou outra região” (DION, 2007; p. 4).
O fait divers, então, testemunha valores morais, crenças e perspectivas de determinado
contexto de uma sociedade e pode se relacionar com a vida privada das pessoas, pois ao
mesmo tempo em que informações úteis eram relatadas, curiosidades e dramas retirados da
vida pessoal seguiam a linha de narrativa.
Entretanto, um fait divers significa igualmente uma notícia de pouca
importância, um fato insignificante oposto à notícia significativa e a ao
acontecimento histórico. Pode-se dizer, querendo minimizar a importância
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de um acontecimento: “é apenas um fait divers!”, ou querendo valorizar uma
notícia: “não é um simples fait divers!” (DION, 2007; p. 3)
Outras características dos fait divers que podem ser facilmente identificadas nos
telejornais atuais são a não necessidade de conhecer nada além do fait divers - só de ver o que
é relatado, já estará concebido todo o seu saber; e a proximidade em que a história se põe ao
telespectador. É uma ilusão de proximidade, pois se acumulam detalhes, confidências e
principalmente imagens que tornam as histórias autênticas aos telespectadores.
Por esses motivos, que notícias no estilo fait divers são consideradas sensacionalistas:
Em um mosaico genérico, pode-se afirmar que o Fait Divers é a informação
sensacionalista. Mimetiza conflitos, cravados na Causalidade e na
Coincidência, de acordo com Barthes (1971). Interpela o receptor pelos
tentáculos da emoção, independente de seu estilo jornalístico. (RAMOS,
2001; p. 124)
Considerações finais: A televisão e a construção social da realidade – qual caminho
trilhar?
Ressaltam-se neste trabalho duas esferas essenciais para o entendimento do mundo. A
primeira faz parte dos media e se caracteriza como um dos principais ícones da comunicação
de massa: a televisão. Segundo Marcia Tiburi “(...) a televisão é o grande objeto capaz de
iludir sobre o que seja a existência.” (TIBURI, 2011; p. 17). Por meio dela que muitas
representações são repassadas aos receptores, não só por isso, é necessário analisar a sua
produção, a fim de se conhecer o que é mediado como informação no espaço público. Marcia
Tiburi ressalta: “Como a televisão é usada pelo mercado sendo ela mesma, enquanto vitrine,
uma parte fundamental do mercado, ela precisa ser pensada de um ponto de vista econômicopolítico” (idem; p. 33).
Mas não apenas isso. A televisão deve ser pensada como algo que circula no âmbito social
e por isso tende a influenciar a sociedade, não apenas em relação aos seus agentes
participativos, mas também em relação ao convívio como um todo e à circulação de
informações. Como é possível perceber na seguinte citação, a mídia se concatena com os
imaginários sociais e transforma o espaço público da sociedade contemporânea:
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“o espaço público contemporâneo pode ser designado por ‘espaço público
mediatizado’, no sentido em que é funcional e normativamente indissociável
do papel dos media (WOLTON apud CORREA, online; p. 3)
O uso dos meios de comunicação afirma cada vez mais esse espaço público mediatizado
em um período essencialmente pós-moderno, em que um telejornal pode ao mesmo tempo se
afirmar como fonte noticiosa e ter o interesse de entreter, sanar curiosidades. As ações do
jornalismo influenciam decisivamente a nossa construção do real, e essa é a dimensão
simbólica do espaço público citada por Correia. O fazer jornalístico dá sentido à existência e
como é uma prática profissional é composto por técnicas e “vício” profissionais.
Nos dias atuais, a televisão – tendo como destaque a produção jornalística, se caracteriza
pelo exibicionismo e pelo aprofundamento de temáticas que não são necessariamente notícias.
Por isso, se constituem produtos midiáticos que englobam principalmente o entretenimento,
em virtude do reconhecimento de seus telespectadores e conseqüentemente a satisfação dos
mesmos perante esses tipos de temáticas, e também pela maior possibilidade de audiência que
esse fato oferece.
Na produção televisiva é válido ressaltar que o meio da televisão exige uma linguagem
própria – é um discurso amplo de enunciados que não necessariamente tem o controle dos
seus enunciadores. A amplitude do discurso jornalístico na televisão é tanta que se torna um
desafio controlar as hipóteses interpretativas que podem ser geradas a partir do discurso
proferido. Apesar de ter uma lógica compreensível, não se faz possível analisar a
subjetividade de todos os telespectadores – e assim suas reações de interpretação, devido ao
grande número de audiência e à ausência de um instrumento que constantemente colha esses
dados.
Logo, é necessário atentar para o discurso jornalístico na televisão, pois como destaca
Alfredo Vizeu (2005), “a linguagem não é apenas um campo de ação, mas a sua dimensão
constitutiva. É a condição pela qual o sujeito constrói um real” (idem; p. 43). É através dessa
linguagem e dos enunciados formados que construções simbólicas se firmam na consciência
coletiva, podendo essa conscientização passar pelo filtro do próprio jornalista enunciador,
logo sofrendo uma espécie de censura, como destaca Bourdieu:
10
(...) essa formidável censura que os jornalistas exercem, sem sequer saber
disso, ao reter apenas o que é capaz de lhes interessar, de ‘prender sua
atenção’, isto é, de entrar em suas categorias, em sua grade, e ao relegar à
insignificância ou à indiferença expressões simbólicas que mereceriam
atingir o conjunto dos cidadãos (BOURDIEU, 1997; p. 67)
Assim, discutir a televisão também perpassa por um debate voltado a uma construção
social da realidade, no qual significados subjetivos se tornam facticidades objetivas, por meio
de símbolos, narrativas e representações. Berger e Luckmann discutem estas possibilidades no
livro “A Construção Social da Realidade”: (...) a adequada compreensão da ‘realidade sui
generis’ da sociedade exige a investigação da maneira pela qual esta realidade é construída.
(BERGER, LUCKMANN, 1985; p. 34). E é por meio dessa investigação que é possível
verificar, por exemplo, o ato de uma mídia contribuir ou prejudicar à significação da realidade
por meio de suas mediações.
Nesse aspecto é necessário recordar que o jornalismo se utiliza de símbolos, sendo
essa uma dimensão simbólica do espaço público para representar uma sociedade que é
composta por elementos subjetivos, então, pode acabar moldando certas visões por fornecer
representações já estabelecidas. Mesmo o indivíduo sendo livre e tendo independência para
decidir o que pensar e de que maneira pensar pode acabar sendo influenciado pelas mediações
jornalísticas, afinal, o jornalismo existe por ter sido confiado pela sociedade para exercer o
serviço de informar. De maneira sistemática, a prática jornalística se baseia em um método de
produção de pautas, apuração e recorte de narrativas que acabam se sobrepondo ao interesse
público, pois como já dito, fornece uma linguagem já viciada na técnica que nem sempre
colabora para um aprofundamento e crítica de determinados fatos. Essa construção de zonas
de relevância é uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que parece satisfazer um
determinado público (as zonas de relevância são construídas a partir do interesse dos atores
sociais, esses com diversos graus de preparação ou de conhecimento), limita as suas narrativas
e deixa de lado relevâncias que seriam importantes para a opinião pública, como destaca
Correia:
os media podem proceder a uma distribuição social do conhecimento,
proporcionando informação diferenciada que altera os respectivos sistemas
de relevância (CORREIA, online; p. 10)
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Em contrapartida, como bem observa Correia, o próprio processo de formação da
opinião pública vem sendo questionado e analisado de maneira mais subjetiva e complexa,
pois cada vez mais um fator determinante se faz presente nas análises sobre as produções
midiáticas: a participação e poder de interação do público.
A noção ingênua de supremacia dos media face ao público já é uma visão obsoleta,
como afirmava o pensamento adorniano e as teorias frankfurtianas. E em um dos programadas
da TV Globo, o Jornal Hoje, é possível perceber uma tentativa de interação da equipe de
produção do programa com o público. No site do programa há uma parte dedicada ao
“jornalismo colaborativo”, em que os telespectadores podem enviar vídeos e imagens sobre
algum acontecimento de interesse para a narrativa do programa. A interação ainda é limitada,
mas a publicação de um vídeo que não é gravado pela produção do telejornal e sim por um
indivíduo receptor (nesse caso, se torna emissor) contribui para um olhar diferenciado nos
televisores em todo o Brasil e assim modifica a estrutura da narrativa como forma de notícia.
Porém, deve se problematizar essa noção de público e mídia como aliados, pois há que
se considerar a superficialidade gerada pela técnica e o “esquecimento” de preceitos
fundamentais ao jornalismo, a exemplo da sua função democrática, de educação e
principalmente, a sua função crítica. É certo que se os veículos jornalísticos não
acompanharem os consensos sociais é possível que surjam “outsiders”, uma camada
considerável da sociedade que pode cair no ostracismo público por não se envolver com as
temáticas que fundamentam o espaço público. Mas aí que se insere a percepção que muitas
vezes confunde o fazer jornalístico: a mídia não é responsável por apenas “transmitir” os
consensos sociais, mas ela, como agente constituinte dessa própria sociedade é responsável
também por formar e distribuir outros consensos que não só sociais, mas também políticos,
econômicos, além de outros campos importantes para o entendimento social. E como é de
conhecimento, essa ação idealista da mídia principalmente nos mass media não é de fácil
acontecimento por fatores principalmente ligados a patrocínio e anunciantes – o que faz surgir
o conceito “jornalismo cor-de-rosa” utilizado por alguns autores.
Hoje, a necessidade primeira da imprensa cor-de-rosa é auferir lucro - por
audiência e publicidade, o que faz com que o jornalismo tenha se
condicionado a tratar tudo de maneira a atrair o capital e ser um produto
12
aceito universalmente. O espetáculo e o sensacionalismo, naturais ou
fabricados, fazem com que o jornal cor-de-rosa seja produto-objeto onde se
reúnem consumo, entretenimento, publicidade, marketing, serviço,
espetáculo e jornalismo (Kurtz apud Marshal apud RUBLESCKI, online;
p.6)
Tendo em vista esses aspectos da realidade cada vez mais multifacetada pelas mediações
jornalísticas, se conclui essa parte com a reflexão de João Carlos Correia, na qual relembra o
caráter simbólico do jornalismo na seguinte passagem:
(...) a modulação das consciências individuais e colectivas é, cada vez mais,
resultado de uma actividade que implica, decisivamente, a mediação
simbólica exercida, de modo institucional e profissional, pelos meios de
comunicação social. (CORREIA, online; p.4)
Por isso, a preocupação constante em uma crítica que abranja os demais aspectos da
produção jornalística atual, sem ter como conseqüência reducionismos e respostas prontas.
Afinal, os problemas sempre são verificáveis e são norteados por contextos modificáveis.
(…) we are not concerned with the effectiveness of any particular show or
program; but we are concerned with the nature of present-day television and
its imagery. Yet, our approach is pratical. The findings should be so closed
to the material, should rest on such a solid foundation of experience that they
can be translated into precise recommendations and be made convincingly to
large audiences. (ADORNO, online; p. 213)
Referências
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Marcia Tiburi. – Rio de Janeiro: Record, 2011.
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CORREIA, João Carlos – Elementos para uma crítica da mediação moderna / Universidade
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FIDALGO, Antonio – O consumo de informação. Interesse e curiosidade / Universidade da
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CORREIA, João Carlos, 2009 – Teoria e crítica do discurso noticioso / João Carlos Correia –
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http://www.facebook.com/JornalHoje Acessado em: 11/04/2012.
http://g1.globo.com/jornal-hoje/ Acessado em: 20/03/2012.
https://twitter.com/#!/jhoje. Acessado em: 20/03/2012.
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