1 O jornalismo e o conflito: interesse público x interesse privado O que é relevante nos dias atuais?1 Jéssica Oliveira Pereira2 RESUMO O presente trabalho faz uma contextualização da crítica midiática, motivada pelas noções de fait divers e interesse público. Procura-se verificar as condições que norteiam os valores notícias dos jornais atuais, destacando se são ou não de interesse público e se isso pode influenciar no seu valor como produção jornalística. Como o jornalismo traz em um dos elementos da sua deontologia o intuito de ser informativo e educativo, resta questionar e propor a reflexão sobre o produto telejornal que é de grande notoriedade – e por conseqüência tem grande alcance na esfera pública e assim na formação da opinião pública – para avançar nas reflexões acadêmicas e das críticas midiáticas sobre a função do jornalista e a posição do jornalismo televisivo atual em relação à contribuição para uma esfera pública democratizada. Palavras-chave: Telejornalismo; Interesse Público; Fait divers Introdução A crítica de mídia, entre outras explicações, é uma aprendizagem em público. Apesar de ser uma produção da sociedade sobre a própria sociedade, representa um olhar mais apurado sobre as midiatizações sociais. É o olhar crítico e aguçado sobre o que é produzido e repassado a um(s) grupo(s) social (is). Mesmo em tempos de uma avalanche enorme de informações, há ainda que se considerar a enorme importância e notoriedade das mídias de massa. Logo, não há como excluir a televisão aberta desta realidade, como é possível confirmar a seguir: Parafraseando McLuhan, poderia dizer-se: pouco importa a diversidade das mensagens eletrônicas sobre os écrans, o que conta é que todos tenham quotidianamente a mesma necessidade de olhar para o seu écran de 1 Trabalho apresentado na Divisão Temática “Jornalismo: reconfigurações, possibilidades e sociedade”, durante o Culturas, Linguagens e Interfaces Contemporâneas 2012, realizado no Espaço Benedito Nunes, na Saraiva MegaStore, de 20 a 23 de novembro de 2012. 2 Formanda em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Universidade da Amazônia (UNAMA). Email: [email protected] 2 televisão. Aqui se encontra o poder unificador dos mass media, que desempenham verdadeiramente o papel de estruturas sociais activas. (CAZENEUVE, 1999; p. 45) O estudo crítico sobre as mediações televisivas se torna fundamental para detalhar mais esse tipo de produção jornalística e fornecer perspectivas para estudos posteriores. A análise é útil para termos uma visão mais ampla da realidade comunicacional, destacando ainda que este tipo de jornal seja um dos de maior alcance em relação as outras mídias. Logo, tem um alcance considerável e atinge pessoas de várias classes e idades. Essas questões de contextualização e de elucidação de itens primordiais à atividade jornalística se tornam fundamentais para também consolidar a crítica de mídia como um dos sistemas formais de resposta ao que é produzido e veiculado. Ressalta-se que as respostas podem se dar por meios diversos de reprodução de comunicação e linguagem, porém a crítica se ocupa em registrar formalmente e trazer aos olhos da comunidade acadêmica e demais interessados os motivos analisados para promover reflexões que suscitem conclusões sobre a produção jornalística nos dias atuais. Um dos exemplos de resposta informal que este trabalho não gostaria de passar em branco pelo valor que tem à criação de representatividades e imaginários, é a memória, item também fundamental para a assimilação de quaisquer veiculações, conforme é contextualizado no trecho a seguir: A memória étnica, presente principalmente nas sociedades de tradição oral, é responsável pela transmissão de conhecimentos e costumes. Leroi-Gourhan afirma que em algumas sociedades sem escrita havia a figura dos especialistas em memória, indivíduos incumbidos de armazenar não só toda a história de uma dada sociedade, mas também reproduzir suas normas e comportamentos. (SANTOS, 2002; p.30) A televisão a partir dos anos 90 Segundo Bourdieu (1997), houve uma adaptação nas intenções da televisão desde os seus primórdios, nos anos 50. Nessa época, a produção televisiva oferecia produtos com pretensão cultural, a fim de formar os gostos do grande público. Já a partir dos anos 90, com a diversidade mais explícita dos gostos, impulsionada pelo período pós ditadura-militar (no 3 caso do Brasil), moldaram-se produções que explorassem e lisonjeassem esses gostos, conforme é explicado no trecho a seguir: (...) a televisão dos anos 90 visa explorar e a lisonjear esses gostos para atingir a mais ampla audiência, oferecendo aos telespectadores produtos brutos, cujo paradigma é o talk-show, fatias de vida, exibições cruas de experiências vividas, frequentemente extremas e capazes de satisfazer uma forma de voyeurismo e de exibicionismo”. (BOURDIEU, 1997; p. 68) Nesse contexto, a função educativa do jornalismo passou a ser questionada. E, acima de tudo, a função da televisão. Céticos e reacionários passaram a dar declarações de que a televisão “emburrece”. Já outros críticos acreditam que a televisão reproduz os anseios de uma sociedade cada vez mais consumista e voltada ao entretenimento. O fato é que produções que estimulam mais o conhecimento voltado à educação formal são reservadas a horários de menor audiência, como destaca Geovani Berno: Mas as emissoras não mostram nada de bom, nada de educativo? Sim, elas nos fartam de boa programação educativa. Das quatro às sete horas da manhã. Neste horário vemos programas muito interessantes como os telecurso, Globo Ciência e Ecologia e um novo programa, que mostra experiências exitosas da “escola nova” entre os educandos, chamado “Ação”. (BERNO, online; p. 3) Na Rede Globo, emissora foco de pesquisa desse trabalho, o jornalismo se infiltra durante a programação de muito entretenimento para informar as principais notícias do dia. Porém, também não perde o caráter de entreter. Principalmente a partir dos anos 90, os apresentadores passam a conversar mais com o telespectador, algumas vezes sugerindo comentários mais leves e até engraçados. Quando isso não acontece, os temas abordados sempre procuram abranger a um todo. “Quanto maior o universo de pessoas atingidas por um fato, maior a probabilidade de ser publicado” (BONNER, 2009; p.95). Ao relatar isso, o atual apresentador do Jornal Nacional, William Bonner, se compromete com algo que vem a se chamar “interesse público”. Mas, qual o papel dos críticos, por exemplo, se existem notícias de total abrangência que não são noticiadas nas suas possibilidades totais de interpretação – a exemplo da greve dos professores de universidades federais de 2012 que chegou a mais de 4 três meses e não recebeu destaque nos noticiários, a não ser para dar voz apenas ao discurso institucionalizado, não dando voz real aos anseios dos professores? Fatos como esse não acontecem apenas a partir dos anos 90, porém a partir dessa década se percebe muitas fatias de mercado e a relação entre as pessoas que fazem parte do mercado do jornalismo já está bem mais concreta. Inclusive, passa-se a ter os “fast thinkers, especialista do pensamento arremessável (...) pessoas que se pode convidar(...) falam abundantemente e sem problemas” (BOURDIEU, 1997; P. 50). São convidados de telejornais que estão sempre dispostos ao mercado jornalístico a fazer análises dos mais diversos assuntos. Nessa época também se percebe uma sobrecarga da função do jornalista. Com o aumento da tecnologia e da circulação de informações – considerando também o surgimento das mídias sociais, o jornalista nem sempre tem tempo para se preparar para todas as pautas. Principalmente, em equipes menores, com menos recursos. Percebe-se isso em entrevistas “vazias”, em que o entrevistado responde a perguntas que não se fazem (BOURDIEU, 1997). A televisão, como uma mass media se relaciona, também, com as mudanças que decorrem da nossa sociedade, impostas por um modelo de consumo e desenvolvimento que prezam pelo lucro em detrimento das necessidades sociais. Por meio do seu visor, a televisão acaba por seguir esse sistema, criando “falsas necessidades” e uma noção de informação que mais se relaciona com o entretenimento do que com o interesse público – essa é uma das principais características das produções atuais. Nos anos 2000, os telejornais se afirmam também como produtores de variedades. Marcuse, por seu lado, dá conta da emergência dos mass media como agentes de socialização predominantes (a que corresponde um declínio da família) e considera a comunicação e a cultura de massa “novas formas de controle social”, geradoras de “falsas necessidades” e de um pensamento unidimensinal, factores essenciais à reprodução do capitalismo desenvolvido. O próprio Habermas, que acabaria por consolidar a sua posição intelectual na segunda metade do nosso século através de uma reconsideração profunda da original Teoria Crítica, no seu primeiro trabalho de grande dimensão manifesta ainda uma extrema fidelidade às teses adornianas sobre a cultura, ao associar estreitamente o declínio do espaço público à emergência dos mass media e das indústrias da cultura. (ESTEVES, 1995; p. 6) 5 Os anos 90 também representam um momento em que as produções televisivas da TV aberta adaptam as suas produções para a nova realidade da afirmação dos canais fechados. Mais livres das amarras ideológicas resultantes do período de ditadura militar extremamente governista, os telejornais precisaram se adaptar às necessidades do público, que exigiam – e ainda exigem - mais esclarecimento, reportagens mais aprofundadas, mais defesa dos direitos dos cidadãos, mais notícias de serviço público e etc. Percebe-se hoje essa tendência em telejornais regionais que focam praticamente todas as suas edições diárias para os problemas da cidade que afetam diretamente os direitos dos cidadãos. Porém, sofrem com a repetitividade e a falta de abrangência de demais problemas. Nesse período - e esse é um debate que se faz constante - se fala da construção de uma nova regulamentação para o modelo de regulação das comunicações do país. Alguns itens chegaram a ser registrados, mas dificilmente se concretizam, a exemplo da proibição do monopólio e do oligopólio; preservação das finalidades educativas, culturais e informativas; proteção à cultura regional por meio da garantia de regionalização do produto; estímulo à produção independente. As conseqüências podem ser verificadas no trecho a seguir: A falta dessa regulamentação acaba preservando, na prática, o velho modelo. Mesmo a vitória que foi a abolição da censura, à falta de uma regulamentação dos direitos do telespectador, especialmente no que se refere à proteção do menor e do adolescente, acaba dando munição aos defensores da manutenção do capitalismo selvagem em matéria de comunicação no país.” (BOLAÑO, 2007; p. 21) A proliferação dos fait divers e a proximidade com o “curioso” Nos dias atuais, o consumo de informação se dá basicamente por programas de entretenimento ou programas jornalísticos que apóiam suas produções em matérias de variedades ou as chamadas fait divers3. Há uma espécie de exclusão aos vários fatos que norteiam o país, sendo a maioria destes casos de interesse público. Em contrapartida, 3 Termo criado por Roland Barthes, fait divers é a informação que busca desvios de fatos, ou seja desvios de notícias de interesse público, para preencher os noticiários. Seu sentido é de uso profissional, mas para o grande público pode significar notícias de menor importância. “(...) um fait divers significa igualmente uma notícia de pouca importância, um fato insignificante oposto à notícia significativa e ao acontecimento histórico” (DION, online; p. 125) 6 predominam as matérias não analíticas, de puro entretenimento, sem anseios de justiça. O telespectador, neste aspecto, deixa de ser um possível agente de mudança na sociedade, após ter recebido o impulso do noticiário, para ser um apreciador de variedades, alguém que busca a informação por curiosidade ou diversão. É o que Antonio Fidalgo explica no seguinte trecho: Feita cada vez mais à medida da curiosidade informativa, a informação cumpre cada vez menos a função de formação cívica. Por várias razões. Desde logo porque informação de eminente interesse público não é muitas vezes do tipo de suscitar curiosidades. Assuntos que em princípio deveriam concitar o maior interesse público são relegados pela sua complexidade para um círculo restrito de interessados. Questões fundamentais da vida pública passam ao lado da grande informação porque não se coadunam com a curiosidade informativa. Em contrapartida, temas que pouco ou nada interferem com a vida dos cidadãos ocupam crescentemente o espaço noticioso. (FIDALGO, 1996; p. 5) A televisão, pelo seu poder de imagem, pode apelar muito mais aos fait divers,considerando ainda o aumento de audiência que matérias nesse estilo podem gerar. Mas o poder de imagens também limita o desenvolvimento do jornalismo na televisão. Por depender de materiais noticiosos que tenham imagem para divulgação, os telejornais acabam por deixar de lado assuntos importantes e interpretativos para o entendimento da sociedade e que contribuem diretamente para a opinião pública. Também por causa disso, os fait divers se tornam cada vez mais opção para as edições diárias dos telejornais, como bem explica Fidalgo novamente: O imperativo de conseguir imagens para todas as informações televisivas leva, por um lado, a tornar notícia aquilo de que há "boas imagens" e, por outro, a tendencialmente ignorar o que não é filmável ou de que não se tem imagens. A espetacularidade das imagens transforma em notícia o que em si não tem qualquer valor informativo, por exemplo o despiste de um automóvel num país longínquo. Em contrapartida, se não houver imagens, não se dá a notícia ou então aguarda-se o tempo preciso até as ter. Os telejornais transformam-se em séries de reportagens bem conseguidas, no que à imagem toca. A recolha de imagens determina a informação. Mais uma vez "the medium is the message” ou, dito de outra maneira, a forma sobrepõe-se ao conteúdo. (FIDALGO, 1996; p. 6) 7 Normalmente, os fait divers são encaminhados depois de uma grande notícia. São fatos curiosos, depoimentos que despertem a curiosidade do público. Na organização dos telejornais, são colocados em um bloco que pode falar de tudo, inclusive assuntos de interesse público, a exemplo de política, economia e negócios. Assim, na construção da narrativa dos telejornais, as notícias acabam se nivelando a assuntos que despertem curiosidade. E daí, ter conhecimento da informação para uma função educativa se confunde a uma assimilação de diversão, lazer. Os telejornais investem nesse formato, principalmente os que são transmitidos pela manhã, para tornar o noticiário mais leve, para permitir que o telespectador desvie a atenção dos problemas reais do cotidiano para receber a informação como algo mais descompromissado da sua rotina. Com isso, o jornalismo como função geral, se insere num contexto complexo que o compromete. Ao invés de prezar pela formação cívica de seus destinatários e de informar para fortalecer a democracia, o jornalismo se confunde com o entretenimento e nega a sua deontologia. Porém, é válido lembrar que o fait divers se relaciona com a criação da imprensa de massa do século XIX. Mas, esse tipo de notícias particulares já existia antes dessa exploração jornalística, por ser também uma forma de espetáculo popular, ligado à transmissão oral. O estilo de narrativa surge com os costumes culturais. Um exemplo é a reunião de pessoas no mercado para fazer compras e ao mesmo tempo informar uma a outra sobre o que se passa no mundo. Porém, “A transmissão da informação nestes lugares era essencialmente utilitária, sendo o meio mais rápido de saber, por exemplo, se uma guerra se propagava no país vizinho ou se um grupo de assaltantes devastava uma ou outra região” (DION, 2007; p. 4). O fait divers, então, testemunha valores morais, crenças e perspectivas de determinado contexto de uma sociedade e pode se relacionar com a vida privada das pessoas, pois ao mesmo tempo em que informações úteis eram relatadas, curiosidades e dramas retirados da vida pessoal seguiam a linha de narrativa. Entretanto, um fait divers significa igualmente uma notícia de pouca importância, um fato insignificante oposto à notícia significativa e a ao acontecimento histórico. Pode-se dizer, querendo minimizar a importância 8 de um acontecimento: “é apenas um fait divers!”, ou querendo valorizar uma notícia: “não é um simples fait divers!” (DION, 2007; p. 3) Outras características dos fait divers que podem ser facilmente identificadas nos telejornais atuais são a não necessidade de conhecer nada além do fait divers - só de ver o que é relatado, já estará concebido todo o seu saber; e a proximidade em que a história se põe ao telespectador. É uma ilusão de proximidade, pois se acumulam detalhes, confidências e principalmente imagens que tornam as histórias autênticas aos telespectadores. Por esses motivos, que notícias no estilo fait divers são consideradas sensacionalistas: Em um mosaico genérico, pode-se afirmar que o Fait Divers é a informação sensacionalista. Mimetiza conflitos, cravados na Causalidade e na Coincidência, de acordo com Barthes (1971). Interpela o receptor pelos tentáculos da emoção, independente de seu estilo jornalístico. (RAMOS, 2001; p. 124) Considerações finais: A televisão e a construção social da realidade – qual caminho trilhar? Ressaltam-se neste trabalho duas esferas essenciais para o entendimento do mundo. A primeira faz parte dos media e se caracteriza como um dos principais ícones da comunicação de massa: a televisão. Segundo Marcia Tiburi “(...) a televisão é o grande objeto capaz de iludir sobre o que seja a existência.” (TIBURI, 2011; p. 17). Por meio dela que muitas representações são repassadas aos receptores, não só por isso, é necessário analisar a sua produção, a fim de se conhecer o que é mediado como informação no espaço público. Marcia Tiburi ressalta: “Como a televisão é usada pelo mercado sendo ela mesma, enquanto vitrine, uma parte fundamental do mercado, ela precisa ser pensada de um ponto de vista econômicopolítico” (idem; p. 33). Mas não apenas isso. A televisão deve ser pensada como algo que circula no âmbito social e por isso tende a influenciar a sociedade, não apenas em relação aos seus agentes participativos, mas também em relação ao convívio como um todo e à circulação de informações. Como é possível perceber na seguinte citação, a mídia se concatena com os imaginários sociais e transforma o espaço público da sociedade contemporânea: 9 “o espaço público contemporâneo pode ser designado por ‘espaço público mediatizado’, no sentido em que é funcional e normativamente indissociável do papel dos media (WOLTON apud CORREA, online; p. 3) O uso dos meios de comunicação afirma cada vez mais esse espaço público mediatizado em um período essencialmente pós-moderno, em que um telejornal pode ao mesmo tempo se afirmar como fonte noticiosa e ter o interesse de entreter, sanar curiosidades. As ações do jornalismo influenciam decisivamente a nossa construção do real, e essa é a dimensão simbólica do espaço público citada por Correia. O fazer jornalístico dá sentido à existência e como é uma prática profissional é composto por técnicas e “vício” profissionais. Nos dias atuais, a televisão – tendo como destaque a produção jornalística, se caracteriza pelo exibicionismo e pelo aprofundamento de temáticas que não são necessariamente notícias. Por isso, se constituem produtos midiáticos que englobam principalmente o entretenimento, em virtude do reconhecimento de seus telespectadores e conseqüentemente a satisfação dos mesmos perante esses tipos de temáticas, e também pela maior possibilidade de audiência que esse fato oferece. Na produção televisiva é válido ressaltar que o meio da televisão exige uma linguagem própria – é um discurso amplo de enunciados que não necessariamente tem o controle dos seus enunciadores. A amplitude do discurso jornalístico na televisão é tanta que se torna um desafio controlar as hipóteses interpretativas que podem ser geradas a partir do discurso proferido. Apesar de ter uma lógica compreensível, não se faz possível analisar a subjetividade de todos os telespectadores – e assim suas reações de interpretação, devido ao grande número de audiência e à ausência de um instrumento que constantemente colha esses dados. Logo, é necessário atentar para o discurso jornalístico na televisão, pois como destaca Alfredo Vizeu (2005), “a linguagem não é apenas um campo de ação, mas a sua dimensão constitutiva. É a condição pela qual o sujeito constrói um real” (idem; p. 43). É através dessa linguagem e dos enunciados formados que construções simbólicas se firmam na consciência coletiva, podendo essa conscientização passar pelo filtro do próprio jornalista enunciador, logo sofrendo uma espécie de censura, como destaca Bourdieu: 10 (...) essa formidável censura que os jornalistas exercem, sem sequer saber disso, ao reter apenas o que é capaz de lhes interessar, de ‘prender sua atenção’, isto é, de entrar em suas categorias, em sua grade, e ao relegar à insignificância ou à indiferença expressões simbólicas que mereceriam atingir o conjunto dos cidadãos (BOURDIEU, 1997; p. 67) Assim, discutir a televisão também perpassa por um debate voltado a uma construção social da realidade, no qual significados subjetivos se tornam facticidades objetivas, por meio de símbolos, narrativas e representações. Berger e Luckmann discutem estas possibilidades no livro “A Construção Social da Realidade”: (...) a adequada compreensão da ‘realidade sui generis’ da sociedade exige a investigação da maneira pela qual esta realidade é construída. (BERGER, LUCKMANN, 1985; p. 34). E é por meio dessa investigação que é possível verificar, por exemplo, o ato de uma mídia contribuir ou prejudicar à significação da realidade por meio de suas mediações. Nesse aspecto é necessário recordar que o jornalismo se utiliza de símbolos, sendo essa uma dimensão simbólica do espaço público para representar uma sociedade que é composta por elementos subjetivos, então, pode acabar moldando certas visões por fornecer representações já estabelecidas. Mesmo o indivíduo sendo livre e tendo independência para decidir o que pensar e de que maneira pensar pode acabar sendo influenciado pelas mediações jornalísticas, afinal, o jornalismo existe por ter sido confiado pela sociedade para exercer o serviço de informar. De maneira sistemática, a prática jornalística se baseia em um método de produção de pautas, apuração e recorte de narrativas que acabam se sobrepondo ao interesse público, pois como já dito, fornece uma linguagem já viciada na técnica que nem sempre colabora para um aprofundamento e crítica de determinados fatos. Essa construção de zonas de relevância é uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que parece satisfazer um determinado público (as zonas de relevância são construídas a partir do interesse dos atores sociais, esses com diversos graus de preparação ou de conhecimento), limita as suas narrativas e deixa de lado relevâncias que seriam importantes para a opinião pública, como destaca Correia: os media podem proceder a uma distribuição social do conhecimento, proporcionando informação diferenciada que altera os respectivos sistemas de relevância (CORREIA, online; p. 10) 11 Em contrapartida, como bem observa Correia, o próprio processo de formação da opinião pública vem sendo questionado e analisado de maneira mais subjetiva e complexa, pois cada vez mais um fator determinante se faz presente nas análises sobre as produções midiáticas: a participação e poder de interação do público. A noção ingênua de supremacia dos media face ao público já é uma visão obsoleta, como afirmava o pensamento adorniano e as teorias frankfurtianas. E em um dos programadas da TV Globo, o Jornal Hoje, é possível perceber uma tentativa de interação da equipe de produção do programa com o público. No site do programa há uma parte dedicada ao “jornalismo colaborativo”, em que os telespectadores podem enviar vídeos e imagens sobre algum acontecimento de interesse para a narrativa do programa. A interação ainda é limitada, mas a publicação de um vídeo que não é gravado pela produção do telejornal e sim por um indivíduo receptor (nesse caso, se torna emissor) contribui para um olhar diferenciado nos televisores em todo o Brasil e assim modifica a estrutura da narrativa como forma de notícia. Porém, deve se problematizar essa noção de público e mídia como aliados, pois há que se considerar a superficialidade gerada pela técnica e o “esquecimento” de preceitos fundamentais ao jornalismo, a exemplo da sua função democrática, de educação e principalmente, a sua função crítica. É certo que se os veículos jornalísticos não acompanharem os consensos sociais é possível que surjam “outsiders”, uma camada considerável da sociedade que pode cair no ostracismo público por não se envolver com as temáticas que fundamentam o espaço público. Mas aí que se insere a percepção que muitas vezes confunde o fazer jornalístico: a mídia não é responsável por apenas “transmitir” os consensos sociais, mas ela, como agente constituinte dessa própria sociedade é responsável também por formar e distribuir outros consensos que não só sociais, mas também políticos, econômicos, além de outros campos importantes para o entendimento social. E como é de conhecimento, essa ação idealista da mídia principalmente nos mass media não é de fácil acontecimento por fatores principalmente ligados a patrocínio e anunciantes – o que faz surgir o conceito “jornalismo cor-de-rosa” utilizado por alguns autores. Hoje, a necessidade primeira da imprensa cor-de-rosa é auferir lucro - por audiência e publicidade, o que faz com que o jornalismo tenha se condicionado a tratar tudo de maneira a atrair o capital e ser um produto 12 aceito universalmente. O espetáculo e o sensacionalismo, naturais ou fabricados, fazem com que o jornal cor-de-rosa seja produto-objeto onde se reúnem consumo, entretenimento, publicidade, marketing, serviço, espetáculo e jornalismo (Kurtz apud Marshal apud RUBLESCKI, online; p.6) Tendo em vista esses aspectos da realidade cada vez mais multifacetada pelas mediações jornalísticas, se conclui essa parte com a reflexão de João Carlos Correia, na qual relembra o caráter simbólico do jornalismo na seguinte passagem: (...) a modulação das consciências individuais e colectivas é, cada vez mais, resultado de uma actividade que implica, decisivamente, a mediação simbólica exercida, de modo institucional e profissional, pelos meios de comunicação social. (CORREIA, online; p.4) Por isso, a preocupação constante em uma crítica que abranja os demais aspectos da produção jornalística atual, sem ter como conseqüência reducionismos e respostas prontas. Afinal, os problemas sempre são verificáveis e são norteados por contextos modificáveis. (…) we are not concerned with the effectiveness of any particular show or program; but we are concerned with the nature of present-day television and its imagery. Yet, our approach is pratical. The findings should be so closed to the material, should rest on such a solid foundation of experience that they can be translated into precise recommendations and be made convincingly to large audiences. (ADORNO, online; p. 213) Referências TIBURI, Márcia, 1970 – Olho de vidro: a televisão e o estado de exceção da imagem / Marcia Tiburi. – Rio de Janeiro: Record, 2011. BOURDIEU, Pierre, 1930 – Sobre a televisão / Pierre Bourdieu; tradução, Maria Lúcia Machado. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. BRAGA, José Luiz, 2006 – A sociedade enfrenta sua mídia: dispositivos sociais de crítica midiática / José Luiz Braga. – São Paulo: Paulus, 2006. BEGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas, 1985 – A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento./ Peter L. Berger, Thomas Luckmann; tradução de Floriano de Souza Fernandes – Petrópolis: Vozes, 1985. 13 BERNO, Geovani - Televisão, educação e sociedade: uma visão crítica / WWW.bocc.ubi.pt CORREIA, João Carlos – Elementos para uma crítica da mediação moderna / Universidade da Beira Interior: WWW.bocc.ubi.pt ESTEVES, João Pissarra – Questões políticas acerca da Teoria Crítica. A indústria da cultura. / Universidade Nova de Lisboa: WWW.bocc.ubi.pt RUBLESCKI, Anelise – Jornalismo pós-moderno: ma discussão dos valores míticos na sociedade hiper–espetacular. / Universidade Federal do Rio Grande do Sul: WWW.bocc.ubi.pt FIDALGO, Antonio – O consumo de informação. Interesse e curiosidade / Universidade da Beira Interior: WWW.bocc.ubi.pt CORREIA, João Carlos, 2009 – Teoria e crítica do discurso noticioso / João Carlos Correia – LabCom Books 2009. 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